Reflexoes sobre metodologia e memória

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE – FURG INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E DA INFORMAÇÃO – ICHI CURSO DE HISTÓRIA BACHARELADO BRUNA GARCIA MARTINS REFLEXÕES SOBRE METODOLOGIA E MEMÓRIA 1

Transcript of Reflexoes sobre metodologia e memória

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE – FURG

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E DA INFORMAÇÃO – ICHI

CURSO DE HISTÓRIA BACHARELADO

BRUNA GARCIA MARTINS

REFLEXÕES SOBRE METODOLOGIA E MEMÓRIA

1

Rio Grande

2013

BRUNA GARCIA MARTINS

REFLEXÕES SOBRE METODOLOGIA E MEMÓRIA

Trabalho de conclusão decurso para a obtenção dotítulo de Bacharel emHistória pela UniversidadeFederal do Rio Grande –FURG. Sob a orientação daProf. Dra. Adriana Kivanskide Senna.

2

Rio Grande,

2013.

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho à minha querida família que me ajudou

durante todo o percurso até aqui, mais ainda, eu o dedico aos

meus amados pais, Edison e Katia que sempre estiveram ao meu

lado me incentivando a seguir em frente, é para vocês que eu

dedico minha conquista.

3

AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar agradeço a Deus por esta chance, não há

palavras que expressem a gratidão por esta vida. Obrigada por

permitir que uma nova oportunidade nasça cada dia, que eu

possa seguir meu caminho sempre guiado pelos Seus princípios

de imensa sabedoria e amor.

Um agradecimento mais que especial aos meus pais que sempre me

apoiaram e fizeram todo o possível para que eu chegasse até

aqui. Agradeço a Deus por ter me proporcionado uma família tão

perfeita. Obrigada por tudo, mas principalmente por serem as

pessoas maravilhosas que são. Amo muito vocês!

4

O meu muito obrigado ao meu amado Leonardo que muito me ajudou

nessa pesquisa e me apoiou nos momentos difíceis e de

frustração. Obrigado pelo seu apoio e compreensão, eu te amo.

Um agradecimento muito especial à minha orientadora Prof.ª

Drª. Adriana Senna que despertou o meu interesse em trabalhar

com a História Oral. Muito obrigado Professora por ter me

guiado até aqui. Obrigada! Admiro muito o seu trabalho.

Agradeço também a todas as mulheres que me ajudaram a concluir

esta pesquisa dispondo de seu tempo e de suas memórias.

Agradeço muito as minhas amigas que me incentivaram a seguir

em frente. Janaina, Lívia, Bruna, Silvia, Thais e Carmem,

muito obrigada por tudo, mas principalmente por permitirem que

eu entre nas suas vidas. Obrigada por serem minhas preciosas

amigas.

5

“O conhecimento torna a alma jovem

e diminui a amargura da velhice.

Colhe, pois, a sabedoria. Armazena

suavidade para o amanhã.”

Leonardo da Vinci

RESUMO:

6

O presente trabalho tem o intuito de incentivar os estudos

sobre a memória das mulheres a partir dos usos atribuídos à

ferrovia e a aplicação da metodologia da História Oral a fim

de propiciar a propagação de novas perspectivas sobre a nossa

História. Dividido em três capítulos, buscamos explicitar de

forma minuciosa a utilização dos relatos no contexto da

História e a valorização da memória frente ao grande número

existente de fonte de pesquisa.

Palavras-chave: História Oral, memória, mulher, ferrovia.

ABSTRACT:

The present work has the intention to encourage studies on

the memory of the women from the uses assigned to the railroad

and the application of the methodology of Oral History in

order to facilitate the spread of new perspectives on our

History. Divided into three chapters, we tried to explain in

details the use of the reports in the context of history and

memory enhancement across the large number of existing

research source.

Keywords: Oral History, Memory, woman, railroad.

7

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.....................................................................................................08

CAPÍTULO 1 - DISCUSSÃO SOBRE O SURGIMENTO E APLICABILIDADE

DA HISTÓRIA

ORAL........................................................

..................................12

CAPÍTULO 2 - HISTÓRIA E MEMÓRIA FEMININA ...........................................33

2.1DEBATE SOBRE MEMÓRIA E SUA RELAÇÃO COM A HISTÓRIA.........34

2.2 MEMÓRIA FEMININA E

HISTÓRIA......................................................

....45

8

CAPITULO 3. HISTÓRIA E MEMÓRIA FERROVIARIA.....................................55

3.1 A CIDADE DO RIO GRANDE E O DESENVOLVIMENTO FERROVIÁRIO..................................................................................................58

CONSIDERAÇÕES

FINAIS....................................................

........................74

REFERÊNCIABIBLIOGRÁFICA....................................................................77

INTRODUÇÃO

Durante muito tempo a História negou a existência de

fontes que não fossem ou não estivessem ligadas a questão

política, delegando à figura masculina a responsabilidade de

construir uma História sob o panorama das elites da época. Até

9

o século XX não era utilizado perspectivas de objetos que

estavam sob o âmbito privado, atribuindo ao caráter público à

importância da História. O estabelecimento da Escola dos

Annales em 1930 desestruturou a História elitizada e propôs a

apreciação de novas fontes configurando novas análises

históricas.

A introdução de novas temáticas que expandiam os

horizontes das pesquisas permitiu que novos focos surgissem e

alterassem as concepções sobre o passado, dentre esses novos

objetos estavam presentes duas importantes fontes para os

trabalhos contemporâneos, sendo as fontes utilizadas para

realização deste trabalho: memória e as mulheres. Ao permitir

que estes novos objetos brotassem no contexto histórico, a

visão sobre a sociedade e as relações de poder que nela

estavam intrinsecamente elaboradas passou a ser compreendidas

sob um novo foco. Dispondo dessas novas concepções podemos

perceber o papel subjugado da mulher dentro da História e

também o pequeno espaço dedicado a salvaguarda de suas

memórias.

Compreendemos que a utilização da História Oral como

metodologia de trabalho científico oportuniza o

desenvolvimento de um diálogo entre o passado e o presente,

onde é possível vivenciar novamente os fatos que marcaram a

sua existência. Esta metodologia ainda permite a inserção

individual nos quadros sociais da memória, onde esta atua

experimentando novamente aquele determinado tempo, ou seja,

ela resguarda para si as sensações do seu aprendizado

10

perpetuado através da difusão da História por meio do ambiente

no qual aquele cidadão está inserido, consistindo assim na

sabedoria passada de geração a geração através da tradição

oral.

Considerando que a evocação do passado é a essência da

memória compreendemos a sua relação com a História, onde a

primeira atua de forma a preservar o passado da atuação do

tempo e garantir a sua presença dentro da História, salvando-o

do esquecimento e da perda. Percebemos que a memória é a

principal responsável por designar a definição da identidade,

seja ela individual ou coletiva, ela é a construção psíquica e

intelectual que traz na sua essência a presença seletiva do

passado. Compreendemos também que História e memória são os

suportes necessários para um estável convívio em sociedade,

pois elas são as bases da personalidade individual e coletiva

dos cidadãos.

Entendemos que dentro do contexto histórico não havia

espaço para a análise sobre o papel da mulher na sociedade,

justamente porque este corpo social já tinha suas regras e

definições sobre a atribuição de cada personagem. Assim,

durante muito tempo à mulher fora atribuído um contexto

privado; e dissociado de sua imagem estava o âmbito público.

Essa percepção sobre o espaço destinado ao gênero está

profundamente enraizada em cada sociedade, de acordo com suas

concepções sobre as questões que envolvem a divisão das

classes sociais. Podemos perceber o espaço destinado a cada

individuo.

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A escolha em trabalhar com a memória das idosas se

justifica embasada no pensamento da autora Ecléa Bosi onde ela

encontra nas memórias dos idosos um caráter definido, moldado

ao longo do tempo, onde a sua história social já se encontra

desenvolvida, o que se proporcionou através dos processos de

transformação da sociedade e a sua atuação em quadros

familiares diferentes dos vividos hoje.

A disposição dos relatos tornou-se de vital importância

para que houvesse a execução desta pesquisa. O limitado número

de depoimentos justifica-se pelo fator determinante de que

grande número de idosas não se encontram aptas para a

realização das entrevistas, pois algumas delas estavam

adoentadas, outras não eram capazes de responder por seus

atos, delegando aos seus filhos a missão de preservar a sua

saúde física e não permitir as gravações. Por se tratar também

de um recorte temporal distante do tempo atual, dificulta

ainda mais o processo de elaboração do trabalho, pois grande

parte dessas senhoras são muito idosas.

Então, qual o motivo da escolha em um tema com tão pouca

fonte e um numero tão limitado de depoimentos? Em primeiro

lugar justificamos a escolha a partir do momento em que

presenciarmos o cotidiano do bairro, foi possível percebermos

a carência de informação local e valorização dos saberes

dessas mulheres como importante fonte de pesquisa, para suprir

a falta de uma voz caracteristicamente feminina sobre o

passado e como era a compreensão das mulheres sobre o

cotidiano e a sociedade que as cercavam, realizamos saídas de

12

campo com o intuito de identificar e proporcionar a essas

pessoas a oportunidade de se tornarem sujeitos atuantes na

História. Assim, dispomos dos materiais necessários para

elaborar um trabalho ao passo que favorecemos o diálogo entre

a História e a memória.

Por fim, as fontes para a pesquisa sobre a história

ferroviária rio-grandense consistem em material de difícil

acesso, pois são poucos os autores que proporcionam tempo para

a elaboração de trabalhos sobre esse tema. Portanto, decidimos

colaborar com a disposição de materiais sobre as ferrovias da

cidade e oportunizar a valorização da memória como fonte

essencial para a compreensão da História da cidade.

O presente trabalho busca esclarecer as questões que

envolvem a utilização da História Oral bem como entender o

campo de atuação desta metodologia a partir da sua utilização

por meio da análise dos registros de relatos das mulheres.

Acrescenta-se ainda como objetivo dispor ao leitor as memórias

entrelaçadas a História. Valendo-nos dos depoimentos, buscamos

ressaltar as peculiaridades que envolviam o cotidiano das

usuárias de um meio de transporte que estava minuciosamente

ligado ao desenvolvimento da cidade. Concluímos nossa análise

abordando a história da cidade e a sua relação com o

desenvolvimento dos bondes sob a perspectiva das usuárias

deste meio de transporte.

O primeiro capítulo tem como foco a apresentação e

definição do conceito de História Oral, através de uma análise

teórica e metodológica buscamos explicitar o conceito de13

História Oral, buscando as suas raízes dentro da história. Em

um primeiro momento tentamos salientar o contexto do

surgimento da oralidade dentro da História e a definição do

conceito de História Oral, expondo a sua utilização ao longo

do tempo pelas diversas sociedades. Na seqüência do capitulo é

possível perceber uma breve introdução ao objeto memória, que

será trabalhado mais profundamente no segundo capítulo, e

também o contexto histórico que esta metodologia se originou,

embasando-nos sob os autores mais importantes no tema História

Oral desenvolvemos este capítulo para retratar e exemplificar

o campo de atuação desta metodologia.

O segundo capítulo possui o foco na memória feminina. O

subcapítulo denominado “Debate sobre memória e sua relação com

a história” busca dispor do contexto e definição que abrange e

ronda o objeto tão questionado para a pesquisa histórica,

valendo-nos da aplicação de aspectos da Psicologia para

definir a maneira que a memória se expressa na formação do

caráter, discorremos sobre o envolvimento da memória com a

história, revendo suas raízes históricas e buscando enfatizar

a sua importância como fonte geradora de novas percepções. O

segundo subcapítulo intitulado “Memória feminina e História”

busca situar para posterior análise o papel da mulher visto

através do tempo, enfatizando a visão preconceituosa sobre

elas e relatando as dificuldades impostas pela sociedade.

Dialogando com a questão do gênero, a segunda parte busca

compreender o motivo que levava as mulheres a serem tratadas

como criaturas inferiores diante do homem ao mesmo tempo em

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que critica a falta de produções próprias e únicas destas

mulheres.

O último capítulo trata da urbanização da cidade do Rio

Grande expondo a História local ao passo que introduz neste

contexto a utilização da ferrovia pela cidade. Deste modo

passamos a utilizar os relatos proporcionados pela escolha

metodológica para embasar a História rio-grandense. O capítulo

também trata dos primórdios da ferrovia no Brasil e a maneira

que foi introduzida no sul do país e na cidade, dispondo dos

principais pontos que auxiliaram essa modernização, destinando

uma parte deste trabalho para destacar a visão das moradoras

do Bairro Santa Tereza sob a história local e as percepções e

lembranças dos tempos de industrialização constante.

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1. DISCUSSÃO SOBRE O SURGIMENTO E APLICABILIDADE DA HISTÓRIAORAL

Atentar aos relatos dos atores que presenciaram

acontecimentos passados nunca foi uma novidade da modernidade,

constatamos a presença deste procedimento desde a época de

historiadores antigos, como por exemplo, Heródoto, Tucídides e

Políbio. Com estes autores percebemos que a utilização da

História Oral caracteriza um tema bastante recorrente, ainda

mais quando verificamos a sua presença e utilização por meio

de povos antigos.

Partindo da observação sobre o estudo do inicio das

civilizações organizadas, percebemos a dedicação atribuída

para o registro de suas ações e de sua cultura, através desta

pratica podemos perceber a tentativa de preservação de sua

identidade, oportunizado a nós, pesquisadores, compreender a

necessidade destas civilizações em imortalizar o seu

conhecimento, perpetuando uma narrativa que é transmitida de

pai para filho onde, se debruçando sobre os conhecimentos do

passado mantêm viva a tradição.

Deste modo desfrutamos da essência da História Oral (H.O),

onde buscamos a preservação das manifestações culturais e

sociais que se encontram em processo de perda de identidade.

Valendo-nos desta perspectiva, necessitamos identificar

primeiramente o significado da História Oral. Qual o seu campo

de abrangência? Qual é o seu surgimento? E por fim qual o seu

objeto de estudo?

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Portanto, qual a definição atribuída ao campo da História

Oral? Segundo o site do Centro de Pesquisa e Documentação de

História Contemporânea do Brasil1, a

História Oral é uma metodologia de pesquisa que consisteem realizar entrevistas gravadas com pessoas que podemtestemunhar sobre acontecimentos, conjunturas,instituições, modos de vida ou outros aspectos dahistória contemporânea. Começou a ser utilizada nos anos1950, após a invenção do gravador, nos Estados Unidos,na Europa e no México, e desde então difundiu-sebastante. Ganhou também cada vez mais adeptos,ampliando-se o intercâmbio entre os que a praticam:historiadores, antropólogos, cientistas políticos,sociólogos, pedagogos, teóricos da literatura,psicólogos e outros.

Segundo os autores José Carlos Meihy e Fabíola Holanda,

responsáveis pela organização do livro História Oral: como

fazer, como pensar, a metodologia conhecida como H.O engloba

um grande conjunto de procedimentos que iniciam com a

elaboração de um projeto de pesquisa vinculado a definição do

número de pessoas que estarão aptas e dispostas a colaborar,

com suas memórias e visões, para a compreensão acerca dos

eventos em que estavam inseridos. A aplicabilidade da H.O

1 Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil(CPDOC) é a Escola de Ciências Sociais da Fundação Getulio Vargas. Criadoem 1973, tem o objetivo de abrigar conjuntos documentais relevantes para ahistória recente do país, desenvolver pesquisas em sua área de atuação epromover cursos de graduação e pós-graduação. Os conjuntos documentaisdoados ao CPDOC, que podem ser conhecidos no Guia dos Arquivos constituem,atualmente, o mais importante acervo de arquivos pessoais de homenspúblicos do país, integrado por aproximadamente 200 fundos, totalizandocerca de 1,8 milhão de documentos. Retirado do site oficial:  http://cpdoc.fgv.br/acervo/historiaoral acessado em 11/01/2014 as 23:35.

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dispõe de importantes reflexões sobre o passado,

caracterizando saberes que se encontram em processo de perda e

permitindo o acesso a fontes e memórias que encontravam-se

impedidas,

Utilizamos da sensibilidade para a criação de um roteiro

voltado para o acesso de informações que estavam fragmentadas

dentro das lembranças das senhoras, com esta consciência

buscamos dispor das memórias enraizadas no cotidiano destas

mulheres onde o seu foco está voltado para a busca pela

compreensão dos aspectos da vida humana, bem como o processo

de comunicação e a vida social de uma comunidade.

Portanto, podemos compreender que “a história interessou-

se pela “oralidade”, na medida em que ela permite obter e

desenvolver conhecimentos novos e fundamentar análises

históricas com base na criação de fontes inéditas ou novas.

”(LOZANO, 2006, pg.16). Ao dar ênfase para processos e agentes

que se encontravam ‘sufocados’ pela cultura dominante, a

História Oral proporcionou uma revolução dentro da

Historiografia, de modo que permitisse o surgimento de novos

objetos de pesquisa.

Concluímos então, que a História Oral baseia-se não

somente na utilização de técnicas de entrevista, onde o

manuseio de um gravador permite aos entrevistadores registrar

as ações e pensamentos dos diversos indivíduos que

participaram de um determinado acontecimento histórico,

ampliando as interpretações acerca de um passado não muito

distante. A H.O também permite que no contato do pesquisador18

com a comunidade, desconstruam-se as barreiras criadas entre

os intelectuais e o povo, tornando-se com isso capaz de

transpor os limites estabelecidos pelas demais ciências, pois

utiliza um objeto de pesquisa que atua no tempo presente. Por

esta razão ela é considerada uma metodologia interdisciplinar,

pois a H.O oportuniza o surgimento de novos problemas dentro

da história, possuindo assim a atuação em campos pertencentes

à sociologia, psicologia e antropologia, da mesma forma que

estende a sua capacidade até os limites das demais ciências

humanas. Contudo, sua aplicação não se atém somente às áreas

sociais, seu campo de abrangência oscila também, dentro das

outras áreas do conhecimento.

As autoras Marieta Ferreira e Janaína Amado alegam que a

utilização da pesquisa sobre a tradição oral das comunidades

teve início na antropologia, o que veio a reforçar a idéia

anteriormente citada, onde o seu estudo permitiu conhecer mais

profundamente as diversas culturas presentes no mundo. Ainda

acrescentaram que a história oral estabeleceu técnicas

especificas para este tipo de pesquisa, novos procedimentos

metodológicos e um conjunto próprio de conceitos. Ela

instaurou a possibilidade do contato entre as diversas camadas

sociais, dispondo de um novo sistema para a produção

qualitativa de fontes sobre os processos históricos, esse

fator aconteceu graças ao fato dela trabalhar com a visão e as

perspectivas dos que se encontravam englobados dentro destes

processos. Concluímos que a sua finalidade é voltada para a

produção de fontes históricas resultantes dos diálogos entre

um sujeito e o objeto de estudo, no caso deste trabalho,19

refere-se às memórias das idosas que moram no bairro Santa

Tereza desde o ano de 1936.

Ah, o bonde, eu ainda morava na cidade. Que que eutinha? Eu tinha 6 anos,eu tinha 6 anos e andava La nobonde bem faceira, pulava, passava de um banco prooutro. E quando faltava energia ficava na metade docaminho. Chovia e entrava por um lado e saia pelo outroa água. Que coisa boa, guria. (Entrevistada: EstelaCardoso de Oliveira Lopes, 78 anos, 8 de Janeiro de2014.)

O trabalho com a memória dessas mulheres permite que elas

contribuam com uma releitura do passado onde a expectativa do

contato com as sensações anteriormente vivenciadas

proporcionem para a memória acontecimentos que estavam

enclausurados pela falta de acesso e utilização, este processo

de rememoração possibilita importante satisfação oportunizada

pelas entrevistas, basicamente neste momento tem-se a

esperança de reaver os sentimentos vividos. Mesmo estando sob

a face desta expectativa, o resultado da memória está

desvinculado, em parte, do processo de contentamento, pois

neste momento é possível que se perceba maiores detalhes que

na situação presenciada passaram despercebidos. É neste

sistema de rememoração que confrontamos as perspectivas do

passado e presente, mesmo desfrutando de uma releitura do

passado a memória traz a tona uma nova percepção dos seus

ideiais resultando numa nova leitura sobre a vida, sobre o

cotidiano e sobre sua própria identidade. Este é um debate que

será tratado futuramente, o que queremos dispor com essa visão

20

é a importância da aplicação da H.O para aqueles que são

considerados como os guardiões do tempo, onde na sociedade não

lhe é dado nenhum outro papel senão aquele que se volta ao

processo de rememoração.

Sabendo que a memória constitui um importante papel para a

formação da identidade e que é através da História Oral que o

acesso as lembranças vão possuir uma característica de fonte,

uma das maiores autoridades no que se refere à utilização da

metodologia da História Oral para a compreensão dos estudos

sociais e também pioneiro na sua aplicação na Grã-Bretanha, o

sociólogo Paul Thompson refere-se à H.O como sendo a primeira

espécie de história, justificando-se através da sua utilização

pelas sociedades pré-letradas como o método propício para que

o seu conhecimento se perpetuasse através do tempo, um fato

que exigia dedicação, tempo e vigor. Em seu livro, A voz do

passado, o pesquisador dispõe dos primórdios da utilização e

aplicação da História Oral como uma metodologia em diversas

localidades, realçando com isso, os seus principais pioneiros.

O autor ainda defende uma posição sobre o estabelecimento de

um parâmetro entre o documento escrito, um segundo testemunho

e o próprio depoimento, onde se busca caracterizar os fatores

que aproximam e que diferenciam os relatos, proporcionando uma

melhor compreensão sobre o registro. Vale ressaltar que será

através da comparação entre estes documentos que o depoimento

recolhido será melhor aproveitado visando à capacidade de

validar a informação contida na entrevista.

21

Percebemos então que o escritor dispõe de vários

mecanismos para a realização das entrevistas, criticando

conseqüentemente, a forma moldada da história pelas mãos das

culturas dominantes. Ao enfatizar a necessidade da

consideração dos relatos e da perspectiva de vida das diversas

camadas da sociedade, viabilizamos e construímos uma história

mais real e humana, desconstruindo com isso, a idéia

preestabelecida que define que é que possui o poder que será

capaz de reivindicar a história como sendo aquela unicamente

voltada para o interesse das elites dominantes.

Para descaracterizar esta idéia, a aplicação da História

Oral como metodologia surgiu para proporcionar a visão de

particulares sobre os processos coletivos a que estavam

inseridos, o que permite a nós, pesquisadores, vislumbrar e

desfrutar de novos caminhos acerca de um mesmo assunto. A

idéia proposta pela autora Lucilia Delgado vai ao encontro

daquela que fora anteriormente proposta por Thompson,

Narrativas sob a forma de registros orais ou escritossão caracterizados pelo movimento peculiar à arte decontar, de traduzir em palavras os registros da memóriae da consciência da memória no tempo. São importantescomo estilo de transmissão, de geração para geração. Dasexperiências mais simples da vida cotidiana e dosgrandes eventos que marcaram a história da humanidade.(DELGADO, 2010, pg. 43)

A partir de sua concepção, percebemos que a autora se

fundamenta no registro de uma história vivida, buscando

ressaltar que o material que é importante preservar para a

22

análise consiste basicamente nos relatos, nas experiências

individuais, o que se proporciona graças à capacidade da

História Oral de possibilitar novas perspectivas, que serão

perpetuadas no tempo através da produção de novos

conhecimentos históricos. Deste modo, o campo de abrangência

da história vincula-se às milhares de alternativas motivadas

pela apreciação de “novas” fontes históricas; valendo-se da

utilização das experiências de vida da população é possível

não somente ampliar as fronteiras do saber como também

permitir a estes agentes contribuir com suas concepções acerca

do mundo e da sociedade em que são atuantes, para a expansão

do conhecimento.

Compreendemos também que a utilização da História Oral

como metodologia do trabalho científico oportuniza o

desenvolvimento de um diálogo entre o passado e o presente,

possibilitando ao entrevistado vivenciar novamente os fatos

que marcaram a sua existência. Este método ainda oportuniza a

inserção individual nos quadros sociais da memória, onde esta

atua experimentando novamente os sentimentos vinculados as

lembranças de um determinado tempo, ou seja, ela resguarda

para si as sensações do seu aprendizado perpetuado através da

difusão da história, se manifestando por meio do ambiente no

qual aquele cidadão está inserido, consistindo com isso na

sabedoria passada de geração a geração através da tradição

oral.

Entendemos então que ela, a H.O, “... suscita novos

objetos e uma nova documentação (...), como também estabelece

23

uma relação original entre o historiador e os sujeitos da

história’(AMADO. FERREIRA. 2006. p. 09), o que retoma a

justificativa sobre seu campo de atuação relacionar-se com os

demais campos do conhecimento resultando assim na

interdisciplinaridade.

Verena Alberti alega que a História Oral como metodologia

de pesquisa surgiu apenas no século XX, graças à invenção do

gravador, que aconteceu no ano de 1948 iniciando com o

gravador a fita. Logo, “O ouvir e o registrar se aliaram como

maneira política de documentar, e quem guardava os relatos

detinha o poder.”( MEIHY. HOLANDA. 2010, p. 93). É possível

percebermos que o processo de transformação que levou a

oralidade para a escrita transformou a maneira que a memória

era percebida e utilizada mesmo com a escrita sendo

introduzido no corpo social tardiamente. Ainda que se possua a

constante presença da oralidade dentro das diversas culturas

que compõe a sociedade, onde variam e incluem desde a mais

antiga até atualmente, é possível definir que a utilização da

escrita, desde a sua criação, sempre ocupou uma posição que

possuía um caráter considerado superior devido ao status que

lhe era atribuído como uma inovação cientifica, pois todos os

povos possuem uma tradição oral, mas não tantos os que possuem

uma tradição escrita.

A valorização atribuída à palavra escrita está vinculada

diretamente ao fato de que a aprendemos dentro de contextos

formais, onde se associa as práticas sociais. Contudo o doutor

em Filosofia, Luiz Antônio Marcuschi alega que “... seria

24

possível definir o homem como um ser que fala, mas não como um

ser que escreve...” (MARCUSCHI, 1997, pg.120) o que se

justifica pelo contexto a que a aquisição da fala se

proporciona, baseia-se num cenário informal, rodeado pelo

cotidiano o que permite que a sua percepção seja atribuída a

algo de certa facilidade. Deduzimos com isso que, ao analisar

os registros antigos é possível distinguir a valorização maior

da escrita, fator que foi determinante para conceder à

oralidade o caráter mais comum, já anteriormente citado,

passando para a concepção de um recurso mais desvalorizado.

Esse acontecimento teve ainda mais força dentro da idade média

onde a escrita atingiu um ápice com a valorização dos

escribas/ copistas. Neste momento, é possível percebermos que

era conferido à escrita um grande poder.

Lembrando que não são muitas as sociedades que possuem uma

tradição sólida e escrita, é necessário que nós pesquisadores

estejamos dispostos a ofertar ajuda para uma comunidade que se

encontra em processo de afirmação de identidade. Deste modo,

tornaremos possível o trabalho com a História Oral e

proporcionaremos a esta comunidade melhores condições de

preservação de sua cultura. Através da gravação das

entrevistas e de sua posterior transcrição estaremos dispondo

da sabedoria armazenada sob a forma de lembranças, valorizando

a memória e a sua importância como fonte de pesquisa e também

estaremos reconhecendo o valor da caligrafia e incentivando os

moradores a prosseguir seus estudos, de modo que eles sejam

capazes de registrar os próprios ensinamentos. Deste modo

estaremos entrelaçando duas importantes maneiras de registrar25

os eventos históricos, a escrita e a oralidade, refutando a

idéia anteriormente presente de que uma se sobrepõe a outra.

Portanto, a História escrita e a História oral consistem em

métodos de registro de acontecimentos, não podemos alegar que

a primeira é mais importante que a segunda ou que a última não

é verídica, cada uma tem suas particularidades e defeitos, mas

que juntas são capazes de se completar. Concluímos, portanto

que não é possível atribuir uma importância maior à escrita do

que à oralidade.

Ao nos dispormos para a realização de um projeto,

percebemos que o papel dos pesquisadores que utilizam a

História Oral permite usufruir do depoimento para expandir as

fronteiras do conhecimento, este elemento possui vital

importância para os historiadores que buscam aplicar esta

metodologia em seus projetos onde através dela o seu trabalho

torna-se ainda mais vantajoso, pois há o comprometimento dos

não-profissionais, das pessoas “comuns” do povo que contribuem

com suas memórias e concepções para que o nosso objetivo seja

atingido.

Nesta perspectiva, José Meihy e Fabíola Holanda, referem-

se à definição do conceito de História Oral baseando-se nas

experiências da vida como sendo dependentes das narrativas e

conseqüentemente da memória, alegando que nesta tipologia o

mais importante são as versões individuais dos acontecimentos

que não necessitam de uma base comprovada de sua exatidão.

Isso por que “A reconstituição dessa dinâmica, pelo processo de

recordação que inclui ênfases, lapsos, esquecimentos,

26

omissões, contribui para a reconstrução do que passou segundo

o olhar de cada depoente.” (DELGADO, 2010, p.16) Esse processo

permite que a entrega do sujeito ao ato de recordar compreenda

a totalidade da essência do seu ser, pois o fato de lembrar de

algo caracteriza a lembrança de si. Assim é possível definir

que a primeira narração a ser consultada é a experiência

própria, ou seja, resume-se na consulta da memória. Mas então,

o que é a memória?

A memória é esse lugar de refúgio, meio história, meioficção, universo marginal que permite a manifestaçãocontinuamente atualizada.(...) Na verdade, imbuída devastas possibilidades, a memória torna-se infinitamenterica em suas manifestações. ( DELGADO, 2003, p.15)

Seu significado é amplo, mas basicamente é possível dizer

que é ela quem define a questão relativa à identidade, seja

ela individual ou coletiva, é uma construção psíquica e

intelectual que traz na sua essência a presença seletiva do

passado, é o que vincula a orientação no tempo, em outras

palavras, é ela que percorre os abismos deixados por ele,

facilitando a inserção dentro do processo de rememoração,

Considerando a evocação do passado como substrato damemória, pode-se deduzir que, em sua relação com ahistória, a memória constitui-se como forma de retençãodo tempo, salvando-o do esquecimento e da perda.(DELGADO, 2010, p.45).

27

Já foi elucidado que a utilização da história oral

aplicada em um projeto permite ao entrevistado inserir-se

dentro dos quadros sociais da memória. Neste caminho

percebemos que “... a memória social alimenta as imagens do

passado, contribuindo para a construção de visões e

representações sobre determinado período da história.”

(DELGADO, 2010, p. 18). Desta maneira, compreendemos que o elo

que liga a história e a memória é o resultado responsável por

constituir a consolidação da consciência de pertencimento à

determinada organização social.

Sabemos que a História Oral trabalha com possibilidade de

contracenar com diversas fontes, a memória, os relatos e as

pessoas que se encontram vivas são parte essencial da

realização deste trabalho e com o pleno domínio sobre suas

faculdades mentais somos capazes de produzir materiais que até

o momento encontravam-se escassos para a pesquisa,

compreendemos ainda que se torna possível definir que o estudo

da oralidade iniciou dentro da antropologia, mais

especificamente, partindo do momento em que se fez necessária

a busca pela compreensão do processo evolutivo humano que

envolve a transmissão da tradição oral, de culturas não-

letradas e letradas, onde esta necessita ser o método de

reconstrução histórica.

O sociólogo Paul Thompson argumenta que a história oral é

tão antiga quanto à própria história, o seu uso remonta às

antigas civilizações não letradas que dependiam da utilização

da oralidade para que seu conhecimento fosse passado à futuras

28

gerações, conservando desse modo as tradições e conhecimentos

específicos de cada comunidade. A veracidade desta afirmação

está presente na produção e divulgação dos livros sagrados,

como por exemplo: a bíblia e o corão, e das mitologias

ocidentais, que tem suas raízes fincadas na oralidade. Com

isso é presumível que a origem da utilização desta metodologia

partiu dos sociólogos e antropólogos que buscavam compreender

as sociedades através da oralidade.

Seguindo nesta linha de raciocínio, José Meihy e Fabíola

Holanda alegam que os primeiros registros da salvaguarda dos

relatos pessoais datam da China da dinastia de Zhou, de

aproximadamente três mil anos atrás, onde se possui a

referência dos imperadores como a escolha celestial. Este

fator lhe atribuía poderes divinos para permanecer no cargo

mais alto do governo, contudo, para que esta ascensão ao poder

se concretizasse, era necessária a percepção acerca do

cotidiano de seu povo, suas tradições e seu conhecimento; o

prestigio oferecido às histórias do povo viabilizou a coleta

desta mesma sabedoria da população para que fossem

posteriormente transcritas, culminando numa espécie de

biblioteca voltada especialmente para o seu armazenamento.

O historiador Jacques Le Goff associa esse procedimento de

registro e incentivo a uma memória única como uma espécie de

memória coletiva “, ... preferir-se-á reservar a designação de

memória coletiva para os povos sem escritas.”( LEGOFF, 2003,

p. 424). O autor propõe com essa citação que a memória, a

história e o tempo são processos interligados, capazes de

29

confundir os pesquisadores. Assim ao remeter às sociedades não

letradas como possuidoras de uma memória coletiva, Jacques Le

Goff atribui a elas o caráter de sociedades baseadas na

oralidade, onde o valor do conhecimento esta presente na

essência da narrativa ultrapassando os limites estabelecidos

pelo tempo e se unificando com a história proporcionando uma

tradição essencialmente oral que perpassa gerações conservando

seus princípios e saberes.

Esta perspectiva afirma aquela fora proposta por

Thompson anteriormente, ao remeter às sociedades pré-letradas

é possível definir que todo o seu conhecimento era passado

através da tradição oral onde tudo deveria ser lembrado.

Seriam conhecidos como os “... Portadores- de- tradição das

aldeias.” (THOMPSON, 1992, p.47.)

Contudo, fora na Grécia que Heródoto, conhecido como “pai

da história”, buscou a utilização da história oral como base

da busca pela verdade para compreender o seu mundo. Com isso,

ele procurava trazer o verdadeiro status do relato como fonte

verídica, o que deu inicio a instituição da narrativa. Dentro

deste contexto, percebe-se a mudança sobre a memória, onde ela

deixa o caráter individual e adentra no mundo coletivo.

Seguindo na linha de pensamento de José Meihy e Fabíola

Holanda, a fundamentação da historia como ciência deu-se na

Grécia, pois ambos justificam que a raiz da história

constituía estar presente no momento de determinado

acontecimento, poder vê-lo e ouvi-lo, como no caso de Heródoto

que abriu um caminho para o estabelecimento da futura História30

oral, pois permitiu que os fatos considerados notáveis fossem

registrados para a posteridade. Deste modo, “o método de

Heródoto pode ser considerado matriz do que se considera história

oral constatativa2.” (MEIHY. HOLANDA. 2010, p.96)

Logo, surgiram outros historiadores da antiguidade para

incrementar o sistema já iniciado, um deles é Tucídides, que

duvidando da veracidade da memória, desenvolveu métodos para

verificar a validade das informações. Assim, “O método

tucidiano, por sua vez, consistia em fazer exame que

combinavam testemunhos com outras fontes prévias.” (MEIHY.

HOLANDA. 2010 p. 97), ele acreditava ser necessário buscar

mais conhecimentos sobre os relatos, a prática do seu método

permitiu que fosse realizada a pesquisa nas duas fontes, a

documental e a oral.

A predominância da palavra escrita permitiu que a história

possuísse um caráter mais politizado,o que encontra-se

justamente com a idéia anteriormente proposta por Thompson,

Antes desse século, o enfoque da história eraessencialmente político: Uma documentação da luta pelopoder, onde pouca atenção mereceram as vidas das pessoascomuns ou as realizações da economia ou da religião...(THOMPSON, 1991, p. 22).

O autor demonstra que, até os genealogistas locais, que

eram responsáveis pelo prosseguimento da sabedoria juntamente

2 Segundo o dicionário Michaelis constatativa está vinculado ao que exprime constatação. http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=constatativo acessado em 15.01.2014.

31

a inclusão e difusão do conhecimento, se preocupavam mais com

a história do governo, com a história política, do que no

registro do cotidiano de sua comunidade. O que caracterizava

em parte a mentalidade da época, porque os historiadores

encontravam-se mais envolvidos com questões que se vinculavam

a política, considerando-a mais importante.

Para os historiadores José Meihy e Fabíola Holanda, a

linha que separa as classes se estabeleceu com essa afirmação

da diferença entre a memória escrita e a memória oral, a sua

longa trajetória permitiu que os grupos dominantes ditassem o

que seria da história, moldando-a de acordo com os seus

desejos.

Deste modo, percebemos que o passar dos anos permitiu que

o campo específico atribuído a uma história nova dentro da

antropologia fosse rompido, e ela pudesse adentrar novas

disciplinas resultando na “... corrente historiográfica

denominada “história oral.” “(LOZANO, 2006, p.16). Esta

história nova ampliou o campo dos documentos históricos,

expandindo as fronteiras que antes se encontravam

fundamentadas nos textos manuscritos, o que viabilizou a

inserção de uma incontável fonte de documentos que variam

desde os documentos orais até os produtos resultantes das

escavações arqueológicas.

É em 1930 que encontramos o termo conhecido como história

nova sendo empregado sob a perspectiva de uma nova

metodologia, este termo foi aplicado por Henri Berr, o que nos

permite perceber uma evolução que compreendia o campo32

conceitual e prático, adentrando em alguns campos da ciência,

contudo a essência dos saberes, dos conhecimentos sobre as

ciências não perdeu característica básica, mantendo os seus

princípios e fundamentos. Uma das primeiras ciências humanas a

passar por uma modernização foi à Geografia, onde a introdução

de uma Geografia voltada para a área humana teve uma grande

influência sob a História Nova e seus primeiros idealizadores,

Lucien Febvre, Marc Bloch e Fernand Braudel, pois o intuito

dos primeiros fundadores era desfazer-se das correntes que

ainda prendiam a história como uma disciplina essencialmente

diplomática.

Mesmo sendo a História considerada como uma ciência de

caráter novo, o que podemos perceber através da sua intensa

expansão de fontes documentais, é possível distinguir que a

mesma possui uma tradição sólida e própria, baseada e

iniciada, com a revista “Annales d’histoire économique et

sociale”, onde se buscava a problemática da História,

incentivando a busca pela História de um tempo presente

Percebemos então que Febvre, um dos principais

responsáveis pela edição da revista, ressaltava a aliança

entre esta nova história e uma geografia humanizada. Contudo,

mesmo possuindo em alguns aspectos novas expansões, ainda não

era o suficiente para a consolidação da história, pois ela se

afirmava como uma história global, com caráter total, onde

buscava a renovação dentro de todo o seu campo. O que se prova

pelo caráter atribuído aos anais de história econômica e

social, que buscava uma abrangência global. A execução da

33

história nova como metodologia para pesquisa da história

‘social’ pela Escola dos Annales possibilitou o recurso a

novas documentações. Ela possuía o intuito de expandir os

horizontes da história, almejando romper com as barreiras

estabelecidas pela história política. O titulo dos anais já

deixara expresso o desejo de romper com as fronteiras; “Com o

econômico, tratava-se de promover um domínio quase

completamente abandonado pela história tradicional” (LE GOFF,

1988, p.30), pois o nascimento dos annales em 1929, no ano da

grande crise, pretendia compreender o caráter econômico e o

impacto desta na vida do povo.

Compreendemos então, que seu início remonta à revolução da

historiografia ocasionada pela escola dos annales, o que

proporcionou uma nova maneira de contextualizar a história,

buscando valorizar uma diferença daquela proposta até o

momento. Esta preocupação com a interdisciplinaridade e com

uma nova história que abrangia as camadas mais baixas da

sociedade permitiu que novas fontes fossem reconsideradas,

alargando as possibilidades de realização de trabalhos sob

novos focos e perspectivas.

Percebemos que a História Oral surgiu como alternativa

para a divulgação da história daqueles que foram excluídos da

mesma, sendo considerada como uma fonte oral e não apenas um

instrumento de apoio. No referente a esse aspecto particular

da oralidade, o historiador Paul Thompson alega que “Uma vez

que a experiência de vida das pessoas de todo o tipo possa ser

utilizada como matéria prima, a história ganha nova dimensão.”

34

(THOMPSON, 1992, p. 25). O seu uso torna possível o diálogo

entre os intelectuais e o seu objeto de estudo, as percepções

do povo, permitindo assim romper com a barreira estabelecida

entre o pesquisador e aqueles a quem são dedicados os seus

estudos. (THOMPSON, 1992.), trata-se, portanto de uma história

mais humana, mais ‘sensível’.

A introdução da História Oral no Brasil data dos anos 70,

com cursos oferecidos por especialistas estrangeiros que

visavam difundir esta prática metodológica e implementá-la nas

universidades brasileiras, o que favoreceu a pesquisa a novos

temas e disponibilizou intercâmbios entre os pesquisadores. O

resultados dos cursos oferecidos foram percebido a partir da

introdução das entrevistas realizadas pelo CDPOC, que se

concentravam em acompanhar as histórias de vida. Entretanto

fora só nos 90 que se foi possível perceber um alcance maior

em relação ao uso da história oral. Logo, a difusão de

seminários e a sua incorporação nos programas de pós graduação

permitiu a visão acerca do expansionismo da historia oral no

país. A criação da Associação Brasileira de História Oral

possibilitou um maior alcance da difusão sobre história oral

com o seu boletim, o que estimulou ainda mais a troca de

experiência e o debate sobre o seu uso.

Outro acontecimento dos anos 70 que também tem

importância, segundo Carla Pinsky, dentro da oralidade no

Brasil é a criação do Laboratório de história oral do curso de

Pós-graduação em história da Universidade Federal de Santa

Catarina.

35

As décadas seguintes viveram um período de intenso

fortalecimento do propósito da história oral, o que se

garantiu através da publicação de manuais e coletâneas de

artigos; contribuindo para a formação de núcleos de pesquisa

voltados para os diversos objetos e temas de estudos que eram

proporcionados pela história nova.

Fora graças aos trabalhos proporcionados pela associação

que se tornou possível percebermos a amplitude que a

metodologia alcançou dentro do Brasil. Contudo, Ainda era

possível distinguir uma grande resistência por parte dos

historiadores em aceitar essa nova metodologia, portanto antes

dos anos 90 a historia oral ainda era desvalorizada no Brasil,

não sendo direcionado a ela nenhum evento e não constava nos

currículos universitários. Diversos são os motivos que levavam

os pesquisadores a rejeitar essa nova história, para a autora

Marieta de Moraes Ferreira o grande motivo era o medo em

proporcionar os depoimentos; nessa época à possibilidade de

serem associados como opositores do sistema predominante era

uma realidade muito presente dentro do cotidiano dessas

pessoas.

A chegada dos anos 90 verificou a expansão da história

oral no Brasil, a quebra de uma história estruturalista e

assim como se presenciou em diversos outros países, a

valorização das análises qualitativas, mudando o foco da

análise para o individual. Fora também nessa época que se

verificou a expansão dos debates acerca da memória e história,

diante disso, as criticas sobre a veracidade destes

36

depoimentos foram estagnadas gerando uma nova maneira e uma

nova fonte de trabalho para os pesquisadores. “As curiosidades

se ampliaram, e aflorou o interesse da sociedade pela

recuperação da memória coletiva e individual” (FERREIRA, 1998,

p.5), a análise sobre os aspectos que antigamente encontravam-

se criticados sobre sua veracidade, proporciona importantes

demonstrações sobre os valores atribuídos ao grupo ou ao

individuo, pois o estudo sobre uma “falha” no relato

proporciona descobrir diferentes aspectos atribuídos ao

acontecimento. A pesquisa sobre a memória constitui importante

investigação no que tange a compreensão da identidade de uma

comunidade.

Uma característica da implementação da História Oral que

faz alusão a mudança sofrida durante o percurso de sua

existência como metodologia passível de pesquisa, é a própria

afirmação deste conhecimento como ciência capaz de rever e

questionar o modo que a sociedade era formada e ministrada

sendo o seu intuito a renovação dos questionamentos e a

interdisciplinaridade. Deste modo percebemos o surgimento de

uma ciência que possui uma contemplação favorável as

necessidades da grande maioria do povo: uma história. O seu

lugar fora conquistado graças ao processo de renovação sofrido

ao longo do tempo bem com a sua expansão na direção das

antigas culturas e tradições da sociedade.

Sabemos que a atual historiografia é conseqüência das

diversas transformações que sofreu ao longo dos últimos anos,

a expansão do seu campo possibilitou o renascimento de

37

diversas fontes que se encontravam até então, submissas a

história dominante. A transformação na concepção de fonte

permitiu que as testemunhas do passado tivessem seu valor

reconhecido como agentes transformadores da história. Podemos

discernir assim, a vitória dada à oralidade, onde as barreiras

outrora impostas sob o questionamento acerca da veracidade da

memória foram rompidas e transcendemos o período de

contestação das fontes orais. Contudo é importante salientar

que mesmo se tratando de uma história do tempo presente, é

necessária uma dedicação igual ou maior ao seu trabalho, pois

o trabalho com as pessoas é demasiadamente difícil de trilhar,

sendo necessário ao pesquisador se desfazer da arrogância que

é filiada à prepotência de possuir uma maior sabedoria que por

vezes caracteriza e define a face do intelectual, para que

possa se associar mais facilmente ao meio que busca estudar.

Para que seja possível a elaboração de um projeto que

utilize esta metodologia é preciso ter consciência de alguns

pontos fundamentes que a cercam. O primeiro corresponde à

utilização da História Oral como marco metodológico diferente

da que os demais historiadores aplicam para trabalhar os

demais focos da história. Entretanto ela não corresponde a uma

história especial, nos baseamos na justificativa de que seu

trabalho está vinculado ao estudo do tempo presente, sendo

considerada igual, em relação a importância de pesquisa, as

demais metodologias no que concerne a definição do objeto,

pois trabalha com a qualidade daquilo que é especifico, em

outras palavras, a especificidade, onde há a distinção do seu

objeto de estudo. Neste caso não há diferença entre a história38

que estuda diversas guerras já passadas, não havendo assim, a

necessidade de conferir um local especial à história do tempo

presente.

Sabendo que é necessária a delimitação do tempo, é

conseqüência definir o objeto que será trabalhado dentro deste

processo, aqui se encontra presente uma segunda

característica, os que se habilitam a estudar o tempo presente

estão continuamente delimitando o seu campo de pesquisa. Não

se trata, contudo, de uma história instantânea, mas sim

daquela dedicada à duração, ou seja, ao trabalho com as

pessoas ainda vivas que disponibilizam conceitos e definições

que não se encontram presentes nos arquivos de uma biblioteca,

através desta concepção percebemos que o objeto de estudo dos

historiados do tempo presente está em constante mudança,

redefinindo os seus conceitos e recepcionando novos temas.

Um último aspecto que é necessário enunciar corresponde à

conseqüência do seu trabalho dentro da área da história, a

aceitação dos depoimentos como fonte histórica ampliou as

criticas sobre os documentos, pois ela torna possível

desenvolver outro olhar sobre a documentação de modo que

amplie os horizontes do pesquisador e que este possa devolver

ao povo a sua história, baseando-se na idéia de que seu papel

é contribuir para a construção histórica, mas que ela não

pertence unicamente a si.

Compreendido os principais pontos vinculados a aplicação

da história oral e percebido a preocupação para com a

recuperação das memórias, constatamos o constante crescimento39

do número de adeptos desta metodologia onde o estudo sobre a

visão de particulares sobre os processos coletivos é a sua

principal ênfase. Ao iniciar um projeto que utilize a história

oral é necessário ter-se em mente que ela trabalha com pessoas

que possuem memórias e sentimentos, o que significa reafirmar

a idéia de que seu campo de atuação é no tempo presente. Logo,

executá-lo trata-se de ampliar as possibilidades da

historiografia disponibilizando novas fontes de estudos,

voltando-se ao resgate da memória com destaque na vivência

pessoal.

“A história oral ganha significado ao filtrar as

experiências do passado através da existência de narradores no

presente.” (MEIHY. HOLANDA. 2010. P. 28). Entretanto para que

se possa desenvolver projetos que buscam reaver as memórias,

aplicar esta metodologia e permitir à comunidade usufruir das

pesquisas, é necessário primeiramente delimitar o objeto de

estudo. Neste caso, ele está voltado para a memória das

mulheres do bairro Santa Tereza, recuperadas através do

emprego de entrevistas, onde as lembranças contribuirão para

formar uma nova visão sobre o transporte através da vivência

destas senhoras.

O que lhe vem à cabeça, a primeira coisa que lhe vem àcabeça quando se fala em andar de trem?

- Saudade.

Saudade?

-Era coisa mais boa. Era coisa linda, guria. Aquilo eraum ponto turístico, uma coisa boa que era diferente para

40

a gente. Os trens iam, eles faziam a volta La na maritma3

e viam, faziam o desvio aqui nessa linha que tinha aqui(vila santa Tereza). 4 (Entrevistada: Hilda da RosaGarcia, 77 anos, 24 de Setembro de 2013.)

Percebemos ao entrevistar a D. Hilda que o trabalho com a

memória e a História Oral permite rever o lado humano das

ciências sociais. Assim é possível permitir que aquelas

pessoas que se encontravam sem voz ativa dentro da sociedade,

possam possibilitar a sua visão sobre o evento estudado, de

modo que sua memória ocupa-se por conduzir a uma reflexão

histórica. A data escolhida para a pesquisa também contribuiu

com igual importância para este estudo, pois trabalha os anos

finais do maquinário, que corresponde a 1945-1957, dispondo

assim das memórias das idosas que na época possuíam entre 15 e

20 anos de idade, possibilitando uma visão da sociedade

diferente da que atualmente possuem.

Segundo Ecléa Bosi encontra-se nas memórias dos idosos um

caráter definido, moldado ao longo do tempo onde a sua

história social já se encontra desenvolvida, sofreu os

processos de transformação da sociedade e atuou em quadros

familiares diferentes dos vividos hoje. “Neste momento de

velhice social resta-lhe, no entanto, uma função própria: a de

lembrar” (BOSI, 1994, p. 63). Converte-se na memória da

família ou instituição a que está inserido, entretanto as

pressões vividas atualmente podem remodelar a sua percepção

3 Local onde vendiam passagens de trem, perto do prédio do antigo INPS, cituado na Rua Almirante Barroso em Rio Grande/RS.4 Retirado da entrevista com a senhora Hilda da Rosa Garcia ocorrida em 24 de Setembro de 2013.

41

dos acontecimentos passados. A lembrança está diretamente

ligada ao fato que tem importância para o sujeito, assim vale

dizer que a memória sofre transformação baseada nas

expectativas do sujeito e da sociedade. A autora ainda

salienta o fato da memória moldar-se de acordo com o ambiente

no qual está inserido, onde “... os fatos que não foram

testemunhados ‘perdem-se’, ‘omitem-se’, porque não costumam

ser objeto de conversa e narração...”(BOSI, 1994, p. 67).

Os relatos proporcionados pelas antigas moradoras permite

aos que buscam o conhecimento, viajar através da sua narração,

cabendo aos historiadores guiar através da sensibilidade o

rumo das descrições. Esse fato é conhecido como “A história em

construção. São memórias que falam.” (DELGADO, 2010, p.44), é

importante destacar que a aplicação da história oral é feita

por meio de entrevistas realizadas com pessoas vivas, onde se

prioriza a saúde do entrevistado, buscando proporcionar boas

experiências no momento do processo de rememoração. A

utilização do gravador compõe como parte essencial para o

sucesso da pesquisa, pois ele permite registrar informações

que, se não fosse aplicada esta metodologia, possivelmente

estes conhecimentos seriam perdidos. Ainda torna-se

interessante utilizarmos gravadores de vídeo para que possamos

registrar as expressões mais imperceptíveis e de grande

importante para o momento da análise, pois encontra-se

camuflado sob as palavras e a fisionomia, diversos

significados que não são ditos.

42

“O trabalho com história oral exige do pesquisador um

elevado respeito pelo outro, por suas opiniões, atitudes e

posições, por sua visão de mundo enfim.” (ALBERTI, 2005,

p.24), a principal característica da entrevista é saber lidar

com o entrevistado, principalmente quando é o caso de pessoas

com mais idade, pois estas por vezes necessitam de maior tempo

para relembrar e meios para alcançar a lembrança, ou seja,

valer-se de palavras-chave, fotografias ou músicas na hora da

entrevista pode ajudar a acessar memórias que encontram-se

bloqueadas. É nesse momento que somos capazes de perceber a

importância que a sensibilidade possui na hora da gravação,

pois ao nos utilizarmos de meios de acesso às informações

contidas na memória, estaremos oportunizando a lembrança sobre

determinado acontecimento que no momento presenciado não

parecia possuir tanta importância.

“O historiador do tempo presente é contemporâneo de seu

objeto e, portanto partilha com aqueles cujas histórias ele

narra as mesmas categorias essenciais, as mesmas referencias

fundamentais.” (CHARTIER, 2006, p.216). O autor René Rémond

afirma em seu trabalho que é bastante comum os pesquisadores

acreditarem ser fácil a prática da história oral, levando em

conta que ela trata sobre o presente e que é baseada em nossas

lembranças e vivências. Entretanto é necessário um maior

cuidado e esforço do que tratar com documentos, pois no caso

da história oral, ela lida com pessoas que desfrutam de

diversas emoções.

43

Para que ela seja bem-sucedida é essencial que o

pesquisador saiba respeitar a testemunha, de modo que dedique

tempo para o seu raciocínio, adquira a capacidade de ouvir o

relato e principalmente saiba com educação e respeito acessar

as informações necessárias visando vencer as barreiras

estabelecidas pela pessoa, evitando impor a obrigação de

relatar algo doloroso. Desta maneira estaremos adentrando no

campo emocional do entrevistado e compartilhando suas

experiências e impressões, desfrutando de um relato mais

profundo sobre as percepções de um ator histórico.

É necessário ter-se um vinculo de respeito com o

entrevistado, pois isso se torna valioso na hora da realização

da entrevista, podendo ser mais fácil o acesso a memórias ou

documentos que se encontravam até o momento esquecidos. Devido

à necessidade de criação deste vinculo, a metodologia da

História Oral necessita de tempo para ser praticada, pois ela

interfere no cotidiano para dispor a ligação entre o

pesquisador e entrevistado

Após a definição daqueles que ajudarão a compor o

trabalho, é necessário definir um local que será utilizado

para gravação da entrevista. Diante das varias opções que são

acessíveis ao pesquisador e a testemunha, prefere-se utilizar

a casa do entrevistado, pois em seu ambiente cotidiano se

encontra uma vida de lembranças que podem facilitar o seu

acesso a memória consistindo num ambiente mais favorável para

a pesquisa, também optamos por um ambiente familiar sob o

ponto de vista que ele proporcionará uma maior segurança para

44

o entrevistado ao perceber que está em um local onde as

lembranças estão vivas e por toda parte.

Uma das virtudes desta metodologia é a sua capacidade de

proporcionar o estudo sobre a forma que as pessoas captaram as

experiências vividas, desta maneira dispomos dos relatos como

método de critica à história totalitária e globalizante que

generaliza os acontecimentos. Esse fato permite criticar a

construção histórica de uma História “macrossociológica”

(ALBERTI, 2008, p.166.) expandindo assim a perspectiva sobre a

história e possibilitando a sua mudança.

A variedade de aplicação da história oral é imensa, pois

ela dispõe dos artifícios para a pesquisa de histórias dentro

da História, dialogando e expondo o modo de vida dos diversos

grupos sociais, o que se garante através da memória que é o

principal foco de pesquisa dentro desta metodologia aplicada

neste trabalho. Com isso, percebe-se que aplicação da

metodologia da H.O proporcionará os suportes necessários para

um estável convívio em sociedade, pois elas viabilizam as

bases da identidade individual e coletiva dos cidadãos.

45

2. HISTÓRIA E MEMÓRIA FEMININA

A revolução atribuída ao estabelecimento da Escola dos

Annales despertou o interesse por contextos que até então se

encontravam dissociados da História, logo, adeptos do trabalho

com esta percepção buscaram proporcionar discussões sobre à

nova história e suas fontes, onde validaram os estudos de uma

História voltada para a mulher e também para a compreensão

sobre a aplicação da memória, onde não havia separação em

relação a condições social, raça ou etnia a que elas

pertenciam. Ao mesmo tempo, e também de total importância para

o desenvolvimento da pesquisa sobre a personagem mulher, foi o

estudo sobre a história cultural que se preocupava com as

identidades coletivas dos variados grupos sociais que compõem

a sociedade, permitindo enaltecer ainda mais a apreciação para

a categoria das mulheres.

O estudo sobre a memória vem intrigando os pesquisadores

desde o estabelecimento desta História Nova, onde a quebra de

uma história elitizada dispõe das fontes necessárias para

novas concepções sobre a vida em sociedade. Focando-se na

memória das mulheres, este capítulo busca compartilhar suas

experiências e compreensões sobre os aspectos sócios culturais

em que estavam inseridas.

Na primeira parte, procuramos evidenciar o conceito de

memória onde buscamos distinguir os primórdios de sua

utilização como fonte para a História. Ao mesmo tempo

discutimos sobre a sua atuação para a formação da identidade

46

individual e coletiva enaltecendo a sua importância para a

composição do caráter social.

Na segunda parte trabalhamos com a memória feminina e os

percalços enfrentados pela história da mulher para conseguir

desfrutar de uma melhor condição de vida. Acerca deste objeto

que atualmente tem ampla aceitação acadêmica e diversas

pesquisas destinadas a sua recuperação, buscamos usufruir das

memórias das idosas para completar o segundo capitulo, onde

demonstramos que o imaginário social entre o século XIX e até

meados do século XX permanecia praticamente imutável, sendo

possível distinguir uma diferença para a categoria das

mulheres a partir do momento em que há a introdução dos

movimentos feministas e a luta por seus direitos.

2.1 DEBATE SOBRE MEMÓRIA E SUA RELAÇÃO COM A HISTÓRIA

A renovação dentro do campo da historiografia e o

estabelecimento da História Oral no Brasil nos anos 60/70

iniciaram um debate acerca dos novos objetos de estudo que

foram revalidados por esta revolução, assuntos que até então

se encontravam em descrédito no mundo acadêmico. Dentro deste

contexto, nos baseamos na análise sobre a memória de idosas

para o desenvolvimento deste trabalho. Para melhor compreensão

sobre a aplicação da História Oral dentro de um projeto

acadêmico, nos propomos a analisar neste segundo capitulo, as

47

vicissitudes de uma das novas fontes históricas dispostas aos

pesquisadores, a memória.

O surgimento de novos objetos para a pesquisa permitiu uma

transformação dentro do foco da História e também nos

conceitos que a sociedade possuía, pois o inicio de um estudo

voltado para a história da mulher, da cultura e da memória

resultou na mudança dentro dos conteúdos resguardados nos

arquivo dispondo de uma nova perspectiva diante das novas

fontes. Esse novo estudo gerou atritos e conflitos entre os

historiadores tradicionais e os que desejavam ampliar ainda

mais os horizontes da história, os últimos que eram aqueles

que decidiam enfrentar as críticas dirigidas a este objeto,

foram os responsáveis pelo desenvolvimento de manuais de H.O

onde o seu principal intuito era averiguar a “confiabilidade

da memória oral” (THOMSON, 2006, p.67) ao passo que creditava

a esta fonte uma grande valia. Apesar da extensa critica

direcionada a memória, que no geral envolvia a veracidade de

seu testemunho, baseada na preocupação acerca de sua

deterioração física trazida pela velhice, ela ainda permaneceu

intrigando os pesquisadores que se dispunham a estudá-la.

Para justificar um estudo voltado para utilização da

memória e a sua apropriação como fonte de pesquisa e objeto da

história, os pesquisadores da época,

Tomando por base a psicologia social e a antropologia,mostraram como determinar a tendenciosidade e afabulação da memória, a importância da retrospecção e a

48

influencia do entrevistador sobre as recordações.(THOMSON, 2006, p.67).

Acrescentado a característica da H.O em permitir a

interdisciplinaridade e a apropriação de conceitos dispostos

pelas demais ciências do saber, a utilização desses

conhecimentos garantiu à memória uma melhor qualificação

dentro do meio acadêmico. Porém, atormentados pela capacidade

desta metodologia em tornar acessível o trabalho com as

classes menosprezadas, os historiadores tradicionais (que eram

contra a sua utilização) afrontaram a memória como objeto de

pesquisa, criticando profunda e duramente a sua capacidade

como fonte de conhecimento histórico.

Entretanto, o estabelecimento dessa história nova, com a

tentativa de inovar o campo do saber através do estudo sob

novos focos, permite compreendermos que neste momento iniciou

a revolução da memória, envolvendo-a em debates que antes a

sua aplicação não compreendia, dando ênfase ao enaltecimento

daqueles que foram responsáveis pela construção da identidade

e memória coletiva.

Os estudos acerca da composição da memória permitiram

desmembrá-la e caracterizá-la de acordo com a maneira que

seria disposta para a pesquisa, refutando a idéia sobre a sua

tão questionada, veracidade. Porém, devido à preocupação em

conferir à memória um caráter de fonte histórica que embasasse

a compreensão do passado, realizou-se neste momento de

desenvolvimento da História Nova, o impedimento de que novas

49

possibilidades fossem anexadas em seu corpo, logo, o relato

apresentado acerca da visão de como o passado se formara ainda

era evitado e esquecido. A busca por uma formação única da

história negligenciou a total compreensão sobre as fontes

orais, desinteressando-se dos recursos que a memória e o

relato pessoal podiam oferecer.

Predominou durante muito tempo na historiografia a

preponderância sobre a história por parte das elites,

desvalorizando o agente individual e os processos culturais

que estavam envolvidos. Diante disso, o estudo sobre os

relatos de vida, memória e biografias passou a possuir um

caráter mais desvalorizado sendo considerado extremamente

difícil o seu trabalho. Seu principal embasamento consistia na

afirmação de que os relatos pessoais não podiam ser

generalizados, criticando desta forma, a subjetividade da

memória e realçando o perigo de se obter relatos imprecisos.

Percebemos que a nova metodologia que fora disposta na

busca pela recuperação das experiências de vida e também para

a compreensão sobre a percepção das pessoas que no geral

encontram-se sem representação dentro dos documentos

históricos convencionais, garantiu que acontecesse um

progresso dentro dos estudos na história, viabilizando

finalmente a aceitação sobre as pesquisas voltadas para as

camadas mais desvalorizadas.

A chegada dos anos 80 mudou o quadro da História Oral,

este período revalidou a analise qualitativa e a apreciação da

experiência individual, permitindo um novo impulso à história50

oral. A aproximação do historiador com a comunidade

selecionada é a principal característica proposta pela

aplicação desta metodologia, permitindo progressivamente,

desconstruir a imagem que foi moldada ao longo da História de

que as culturas dominadas não possuem importância e de que é o

pesquisador quem detém o dom da verdade. Essa sua importante

característica permite adentrar no campo afetivo do

entrevistado e buscar, junto de suas memórias, as relações que

contribuíram para a formação de sua identidade, ou seja, o seu

foco da H.O une o campo afetivo, intelectual e psíquico

determinando assim a memória que será acessada. Para Ferreira

“... o rompimento com a idéia que identificava o objeto

histórico ao passado abrira novas possibilidades para o estudo

da história do século XX.” (FERREIRA. AMADO, 2006, p.XXIV)

Logo, podemos perceber que a pesquisa sobre a memória

possibilita aos pesquisadores ser contemporâneos de seu

objeto, somos capazes de perceber a percepção individual

acerca de sua identidade cultural, reparamos então que

A própria memória coletiva vem se convertendo cada vezmais em objeto de estudo: ela tem sido entendida, emtodas as suas formas e dimensões, como uma dimensão dahistória com uma história própria que pode ser estudadae explorada. (THOMSON, 2006, p.77)

Mesmo diante de tanta pesquisa dentro do campo da memória,

o tratamento destinado a ela ainda era o mais carente,

consistia em um assunto tratado com preconceito e que não

51

permitia a compreensão acerca de seu verdadeiro valor. O

resultado deste processo foi a perda de importantes

depoimentos, onde a falta de credibilidade direcionada a essa

fonte, devido aos problemas que a mesma possuía, tornou-se um

inconveniente maior do que a utilidade da memória.

Após a introdução da história nova pela Escola dos

Annales, muito se tem discutido sobre a capacidade da memória

e o seu envolvimento com a história, e principalmente sobre o

ponto em que história e memória se tornam una para preservação

do conhecimento. Na perspectiva da autora Lucilia Delgado,

ambas são instrumentos na luta contra o esquecimento, suas

características se aproximam, pois elas possuem em sua

essência a aptidão para construir a identidade e permitir a

compreensão sobre o passado.

Mas de onde surgiram os debates sobre a memória? A

problemática envolvente da memória encontra suas raízes dentro

do mundo grego, onde é debatida através da figura de Platão e

Aristóteles. (RICCEUR, 2007, p.27)

Segundo Paul Ricceur, é com Platão que percebemos a

introdução da problemática da memória, diante dos escritos

sobre Sócrates nos deparamos com dois problemas, o da memória

e do esquecimento. Filosofando sobre as questões acerca da

memória, Platão faz uma comparação sobre o conhecimento, onde

alude ao fato de que ao julgarmos saber de algo e que sobre o

qual temos conhecimentos corresponde exatamente ao fato de que

é algo que sabemos? Com este questionamento o autor refere-se

ao fato que corresponde a característica da confusão, onde o52

julgamento sobre o conhecimento leva ao erro. Em suas

produções, Platão ainda põe em jogo as capacidades da memória

juntamente com a rememoração fazendo um inquérito sobre a

ausência de referencia da memória, o campo de abrangência

desta e a sua veracidade, onde por vezes há a confusão das

representações da memória e ainda a reforça a idéia que uma

impressão impõe a memória juntamente com o esquecimento.

Em relação à última problemática citada, o esquecimento, o

autor reflete sobre a atuação de Mnemosyne sobre os homens, ao

passo que a inclui como referência na ligação entre a

impressão e a verdadeira perspectiva, ou seja, o que é real e

o que se acredita ser real. Porém quem é Mnemosyne e qual sua

influência nos gregos?

Na Grécia a memória tinha a função essencial de introduzir

o ser humano dentro do tempo da história, torná-lo imortal.

Evitava com isso o seu esquecimento, essa capacidade de

ordenar o tempo e caracterizá-lo cronologicamente era

concebido como uma espécie de vidência dado ao profeta pelas

mãos da mãe das musas.

Neste contexto, a memória desempenha um papel muito

importante, percebemos que esta função de lembrar sobrepõe a

individualidade e o reconhecimento como cidadão na sociedade,

deste modo, abdicava-se ao conhecimento pessoal que se

vinculava com o reconhecimento como individual pertencente ao

cosmos, assim, perdia a sua identidade e passava a possuir um

caráter total que englobava toda a sociedade. Para os gregos,

anteriores a Platão e Aristóteles, a alma e a memória eram um53

único elemento pertencente ao cosmo, o que justifica a sua

divinização.

Compreendemos então que Mnemosyne era a memória

personificada, aquela que presidia a função poética, sendo a

mãe das musas sua responsabilidade recaia por inspirar os

poetas e adivinhos, que eram considerados os responsáveis pelo

resgate do passado. A autora Adélia Bezerra de Meneses alega

que a memória é a matéria prima da mimese, seu significado

corresponde à imitação por meio das palavras, onde argumenta

que a função da memória não é de recompor o acontecimento, mas

consiste na reconstrução do evento, o que justifica o fato de

ser uma percepção do passado com o conhecimento do presente.

Portanto,

Os fenômenos da memória, tanto nos seus aspectosbiológicos como nos psicológicos, mais não são do que osresultados de sistemas dinâmicos de organização e apenasexistem “na medida em que a organização os mantém ou osreconstitui. (LEGOFF, 1988, p.367)

Por isso é que é atribuído ao aedo (poeta grego) a

designação de lembrar-se, de resgatar a memória, invocando as

musas inspiradoras do homem,

Mnemosyne revela, assim, as ligações obscuras entre orememorar e o inventar. Mãe(...) da inspiração,Mnemosyne tem por função dizer- cantar- o que é, o queserá e o que foi, ... (MENEZES, 19--, p.15).

54

A memória endeusada sob a forma de Mnemosyne gera as

musas responsáveis pelas inspirações, o seu valor é percebido

a partir do momento em que há esta sacralização, o que

demonstra o grande mérito da memória para as tradições

essencialmente orais. Esta mesma ligação está presente dentro

do cotidiano do povo, manifestando-se através da filosofia.

Ao voltarmos a critica dirigida a veracidade da memória, o

autor Paul Ricceur ainda cita a diferença na concepção de

memória e imaginação, alegando que a memória é o único recurso

que caracteriza o passado segundo a nossa concepção do mesmo,

enquanto que para a imaginação não é voltada nenhuma critica

por esta ser o exemplo daquilo é irreal. Portanto, “não temos

nada melhor que a memória para significar que algo aconteceu,

ocorreu se passou antes que declarássemos nos lembrar dela.”

(RICCEUR, 2007, p.40.) Segundo LEGOFF, percebemos que é ainda

sob a face grega que há a transformação para uma história cuja

memória é coletiva, há neste contexto a substituição da

memória coletiva pela história, sem que isso caracterize a

desconstrução da memória, pelo contrario, ela é transformada,

mas não destruída.

Com base nisso, por vezes questionou-se a memória como

sendo algo que não pode ser direcionado grande prestígio,

entretanto, ela não é totalmente falsa ou equivocada, ela

corresponde à experiência da vida de um indivíduo, sua

presença no mundo e sua visão sobre ele, bem como sobre os

acontecimentos presenciados. Ultrapassando a critica à memória

e aceitando a sua veracidade como fonte, partimos do ponto em

55

que a memória é a verdade para o narrador, é parte de seu

passado e de sua identidade como ser da sociedade,

compreendemos o verdadeiro valor da memória e do relato como

afirmação individual de existência social e cultural.

Sabendo que a apreciação sobre as novas fontes, como a

memória, e também sobre a metodologia da H.O, permite aos

pesquisadores conhecer mais profundamente as múltiplas faces

que cercam o cotidiano local e caracterizam a sua inserção

dentro do contexto social, possibilitando a compreensão acerca

de sua identidade cultural. O que compreendemos por memória?

A definição de um conceito que abrange todas as

modalidades da memória é uma difícil tarefa, dizer que ela

consiste numa maneira particular de permanência do passado é

uma das múltiplas faces que podem ornamentá-la. Portanto,

associando a ela um caráter mais voltado à área das ciências

humanas, podemos dizer que

A memória, como propriedade de conservar certasinformações, remete-nos em primeiro lugar a um conjuntode funções psíquicas, graça às quais o homem podeatualizar impressões ou informações passadas, ou querepresenta como passadas. (LEGOFF, 1988, p.366)

Encontramos ainda mais dificuldade na associação para um

conceito único, o que nos leva a não propor neste trabalho um

significado único para a definição da memória, pois devido a

sua característica de englobar diversos processos além da

recordação, buscamos trabalhar com o conceito de que ela56

funciona evocando o passado através das lembranças, permitindo

ao entrevistado no decorrer da narração reafirmar a sua

identidade sócio-cultural.

A memória,..., é um reconstrução psíquica e intelectualque acarreta uma representação seletiva do passado, umpassado que nunca é aquele do individuo somente, mas dem individuo inserido num contexto familiar, social,nacional. (ROUSSO, 2006, p.94)

Sua principal função é garantir a permanência individual

no tempo, proporcionando progressivamente o prosseguimento da

identidade cultural ao longo dos anos, a memória classifica-

se, portanto como um componente essencial para a compreensão

da identidade pessoal e coletiva.

Sabendo disso, há uma questão fundamental que envolve um

problema especifico da memória, de quem é a memória?

As memórias das pessoas conferem segurança, autoridade,legitimidade e, por fim, identidade do presente”, não éde surpreender que “os conflitos acerca da posse e dainterpretação das memórias sejam profundos, freqüentes eásperos. (THOMSON et. al, 2006, p.85).

A autora Lucilia Delgado, refere-se ao fato bastante comum

das pessoas referirem-se ao passado através de nomenclaturas

expressas como a utilização das expressões ““ no tempo de

Vargas, à época dos corsos nos antigos canaviais. ”” (DELGADO,

2010, pg. 17). Esse fator decorre principalmente devido a

57

ocorrência da história, do tempo e a memória serem processos

interligados, onde o tempo da memória alcança o da história, o

que de fato caracteriza-se como verdade devido a

circunstâncias que envolvem a memória coletiva, ou seja, as

tradições orais, as lembranças de família, os processos que

foram ouvidos e registrados.

Foi-se possível, deste modo, atribuir a ela uma história

própria capaz de ceder o suporte necessário a compreensão

sobre a maneira de lembrar e entender o passado. Para o autor

Jean Filloux a memória é a ligação do ser humano com o

passado, é o que molda a sua identidade, é devido às

lembranças acerca do passado que é possível responder a

pergunta “Quem é você?”. Sob o mesmo pensamento, a autora

Lucilia Delgado, afirma que ela é a base construtora de

identidades individuais e coletivas, é o elemento necessário

para o auto-reconhecimento como individuo pertencente a um

grupo social.

Por desempenhar essa característica tão essencial para

afirmação do indivíduo como autor de uma nova perspectiva do

trabalho, compreendemos que a memória está ligada a questão da

temporalidade, pois “A memória atualiza o tempo passado,

tornando-o tempo vivo e pleno de significados no presente.

“(DELGADO, 2010, p. 38). Sendo que a maior contribuição do

passado é evitar que o ser humano perca as referencias

fundamentais para a construção sobre a sua identidade,

coletiva e individual, ela consiste na base do reconhecimento

do cidadão como um sujeito da história.

58

Concluímos que tempo e memória são um processo único para

a formação do individuo para a sociedade, eles estão

interligados onde cada um possuiu importância dentro do

processo de lembranças. A memória, sendo ela uma forma de

conhecimento e experiência, dispõe do caminho para o sujeito

trilhar os tempos de sua vida.

Por vezes os erros temporais podem ocorrer devido à força

empreendida no momento do ato de relembrar, ou seja, baseando

no grau de relação entre o entrevistado e o acontecimento,

pode haver a confusão quanto ao seu tempo cronológico se

tornando diferente da memória vivido por um grupo que estava

inserido a longo prazo no mesmo acontecimento.

O tempo social é o responsável pela cronologia disposta

pela memória. É ele que liga a história e a memória, é este o

tempo que interliga as experiências de famílias, tradições e

registros de culturas, proporcionando à memória a capacidade

de transmissão destas experiências. É o homem que constrói o

tempo, ele atua modificando os significados daquilo que foi

vivido, podendo por vezes, alterar os conceitos sobre o

passado. A pesquisa na memória permite ao tempo atual ir de

encontro às experiências da vida, formando um diálogo do

passado e presente. Compreendemos, portanto, que a memória

nunca é individual, pois ela atua levando em consideração as

presenças mais marcantes, que se encontram mais presentes na

vida diária, vivendo presencialmente no seu cotidiano, de modo

que estas lembranças tornam-se compartilhadas. Então,

59

Uma ou muitas pessoas juntando suas lembranças conseguemdescrever com muita exatidão fatos ou objetos que vimosao mesmo tempo em que elas,... (HALBWACHS, 2003, pg. 31)

Concluímos que a memória está diretamente ligada aos

sentimentos individuais o que justifica o fato de por vezes

ser capaz de manipular as lembranças, tornando-as mais

agradáveis aos desejos pessoais. (FILLOUX, 1959). Deste modo,

“Não esqueçamos que a evocação de uma lembrança se explica por

referência a interesses, a desígnios, que emanam das

profundezas do ser.” (FILLOUX, 1959, p. 69), entendemos que a

lembrança está vinculada aquilo que o individuo atribuiu um

maior sentimento ou consideração, ou seja, assume uma forma

conforme a perspectiva do dono correspondendo à maneira

própria “de ser no mundo” (FILLOUX, 1959, p. 69). A constante

presença de determinado ouvinte no momento de relato de uma

memória, que não corresponde a sua, possibilita a um individuo

sua própria inserção na lembrança de outrem, por vezes

julgando-se ser esta a sua própria experiência de vida.

“Nossas lembranças são suficientemente fiéis para

prestar-nos os serviços que pedimos.” (FILLOUX, 1959, p. 70),

o que significa dizer que a sua verdade consiste na maneira

pelo qual nos comprometemos com a lembrança, possibilitando

compreender todos os fatores envolvidos naquele tempo. Assim,

Filloux alega que muitas das percepções que possuímos dos

eventos registrados na memória são alteradas quando mal vistos

ou distantes do tempo presente, ou seja, os acontecimentos

mais recentes possuem relatos mais fieis. O fato de evocar a

60

memória também suscita a erros, pois neste momento criam-se

atos para preencher as lacunas deixadas pelo esquecimento.

O trabalho com a memória é essencial, partindo do ponto

que é ela quem define a identidade de um grupo

Ela [ a memória] é resultado de um trabalho deorganização e de seleção do que é importante para osentimento de unidade, de continuidade e de coerência-isto é, identidade. (ALBERTY, 2008, p.167.)

A percepção pessoal acerca de um acontecimento coletivo é

o que mais se assemelha a uma memória coletiva, pois

classificar uma única representação do passado como uma única

compartilhada por todos, machuca o direito sobre a percepção

pessoal do passado, ou seja, não podemos afirmar com total

certeza que há uma comunidade que compartilha de uma mesma

memória e percepção. Deste modo, compreendemos que o mais

próximo a uma memória coletiva que iremos chegar constitui-se

na compreensão das representações sobre o passado diante de

uma perspectiva individual dos acontecimentos coletivos.

Portanto

Realizar ‘uma pesquisa sobe a representação autóctone defatos passados e de sua evolução cronológica’, permitechegar mais perto da noção de memória coletiva, aindaque por uma abordagem empírica, própria doshistoriadores. Eis o objetivo de toda história damemória. (ROUSSO, 2006, p. 95)

O processo disposto pela história oral, como o caso das

entrevistas dirigidas, proporcionam ao entrevistado ordenar as

61

suas memórias, revendo progressivamente os vestígios e as

decisões tomadas que foram desencadeados pela construção de

sua identidade cultural. Esta mesma identidade permite ao

individuo se reconhecer como pertencente a um grupo social,

onde dispõe das mesmas memórias que os seus semelhantes; neste

momento percebemos a influência da historia como processo que

permite compartilhar experiências com o passado através das

narrações e tradições de cada comunidade.

62

2.2 MEMÓRIA FEMININA E HISTÓRIA

De acordo com Peter Burke, a difusão dos estudos de novos

objetos, a critica da história elitizada e a construção de uma

história do social, possibilitava dispor de novos focos sobre

a vida em sociedade que até o momento eram desconsideradas,

permitiu o surgimentos de pesquisas voltadas à questão do

gênero e a história das mulheres. O desenvolvimento de novos

campos que visavam propagar as fronteiras da história, também

contribuiu com igual valor para esta pesquisa focada no objeto

“mulher.”

Saindo do público e dedicando-se a análise do privado, a

História Nova garantiu que novas ênfases fossem dispostas a

objetos que eram esquecidos dentro do contexto histórico,

deste modo, utilizamos neste trabalho memórias femininas, que

atualmente pertencem a idosas que possuem uma nova percepção

sobre seu passado. A maneira encontrada para a realização

deste trabalho foi à aplicação da metodologia da H.O, pois por

ser um trabalho direcionado a memória das moradoras do bairro

Santa Tereza, necessitamos compreender o motivo pelo qual não

há a produção de material pessoal destas mulheres. Percebemos

63

que a resposta está presente dentro da concepção de gênero da

sociedade, concluímos que por ser pertencente ao gênero

feminino, a sociedade considerava que não havia necessidade e

nem espaço no cotidiano feminino para a produção de material

pessoal, deste modo aplicamos as entrevistas no intuito por

ressaltar os aspectos diários que circundavam a utilização da

ferrovia.

Dentro da historiografia tradicional há pouco registro de

material dedicado ao estudo da mulher, antes da revolução dos

annales não havia espaço suscetível para a dedicação da

análise da mulher sob a perspectiva dela ser um sujeito na

história, passível de ser estudada e dispor de suas visões

sobre a sociedade em geral. Por ser tratada como uma criatura

submissa, que deveria obedecer ao homem, nós pesquisadores,

não possuímos conhecimentos de suas opiniões e concepções

sobre o mundo, pois lhes era negado o dom da palavra.

Não raramente percebemos dentro da história um lapso

quando se trata do estudo sobre a mulher, este mesmo lapso

proporcionou a perda de um importante relato sobre o cotidiano

da época, baseado no fato de que era atribuído à mulher a

característica de dona de casa e guardiã dos sabedores

domésticos ao mesmo tempo em que lhe era privado o direito de

participar de uma comunidade social. Visando a sua obrigação

para com os afazeres domésticos, percebemos que com o passar

do tempo a mulher converte-se na guardiã de certa memória,

onde através da convivência com as filhas e netas lhe concebe

a sabedoria da dona de casa ao mesmo tempo em que

64

disponibiliza relatos sobre os antepassados, preservando a

memória da família e moldando os filhos de acordo com os

valores aprendidos.

À mulher, devido à imposição social que lhe era atribuído

e às expectativas da família e da sociedade, era exigida a

submissão e o silêncio, resguardando para si seus pensamentos

e concentrando-se nos afazeres domésticos e na criação dos

filhos. Este silêncio, tão característico do século XIX e

inicio do século XX permite a nós buscarmos desfrutar de suas

sabedorias e esperanças, lhes dando a palavra que por tanto

tempo lhe fora negada. Assim, decidimos trabalhar com a

memória feminina, onde buscamos compartilhar de suas

experiências para a propagação de uma importante fonte que já

não se encontra submissa ao verbo.

A falta de materiais que dialoguem conosco acerca do

cotidiano e vida privada das mulheres dos séculos passados,

torna-se um grande desafios para os historiadores que escolhem

trabalhar com a história das mulheres. As representações

dispostas pelo passado consistem numa visão masculina a sobre

a mulher onde os seus discursos não se preocupam com a sua

atuação sobre o dia-a-dia, mas sim estão voltados para o papel

da mulher dentro da sociedade, atribuindo a ela todos os

deveres e ambições que uma mulher devia possuir dentro desta

sociedade. Privadas à esfera privada, a mulher esteve, durante

longo tempo, focada nos bastidores da história sem lhe ser

atribuída importância alguma para o futuro do estudo da

história.

65

Uma fonte que ainda encontra-se a disposição dos

pesquisadores consiste nos depoimentos das mulheres, suas

perspectivas de vida e da sociedade, enquadrando-se aqui, os

relatos e os diários pessoais. Material de difícil acesso,

pois após o casamento, as mulheres voltavam-se ao resguardo de

cadernos de afazeres domésticos desfazendo-se dos escritos

pessoais dos tempos de solteira.

Um panorama sobre as mulheres é difícil de encontrar,

principalmente sob a perspectiva destas sobre si mesmas; as

fontes disponíveis pertencem a um olhar masculino e quase

nunca citam a mulher, por esta ser uma categoria inferior, que

era destinada ao silêncio. Quando citam as mulheres, são

carregados de estereótipos que caracterizam a visão

predominantemente machista da época.

O estudo voltado para a mulher era tratado com extrema

cautela, ao mesmo tempo em que firmava o antagonismo do homem

x mulher. Valendo-se das opiniões dos historiadores sociais

As mulheres como uma categoria homogênea; erampessoas biologicamente femininas que se moviam emcontextos e papeis diferentes, mas cuja essência,enquanto mulher, não se alterava.(CARDOSO. VAINFAS,1997, p.277)

Elas buscavam introduzir a noção sobre uma identidade

coletiva para reivindicar melhorias nos seus direitos,

entretanto, tensões no final da década de 70 vieram a criticar

a validade dessa identidade única e de um estudo único sobre a

66

categoria das mulheres, sob o argumento de que era necessário

a separação entre classe, raça, etnia e sexualidade; é

possível distinguirmos o antagonismo já citado, sendo presente

dentro de correntes que englobavam o movimento feminista,

diferentes grupos políticos que possuíam diferentes opiniões

sobre identidade. Diante deste confronto, a posição que

buscava manter um argumento baseado numa única identidade

feminina fora fragmentada e disposta entre diversas

identidades de um mesmo conjunto, percebemos então que a

campanha pelo estudo desta história aumentava de acordo com as

campanhas feministas que surgiam da fragmentação do conceito

de identidade.

Mesmo diante de movimentos que buscavam engrandecer o

papel da mulher, ainda lhe era atribuído uma perspectiva muito

particular do século XIX, pois mesmo havendo um ideal único

que buscava a valorização da mulher, é possível percebermos a

marginalização da figura feminina, sendo atribuída dentro

deste contexto duas faces para o objeto ‘mulher’, a vitima e a

rebelde.

Durante muito tempo, a mulher fora passível às imposições

sociais, sendo reduzida a categoria de um objeto, sua vida era

dedicada a viver sob a sombra do homem, tudo diante de uma

sociedade que aceitava atos por vezes brutais e incentivava o

domínio sobre a mulher.

Não há um espaço dedicado ao feminino dentro da

historiografia tradicional, pois seu estudo está voltado para

o privilegio da cena pública, onde não há a presença desta67

figura. Conseqüentemente, podemos dizer que a história é

característica de uma história do homem, pois antes da Escola

dos Annales, a história tinha um caráter essencialmente

político e social, dominado pelas categorias mais altas da

sociedade, assim, não é possível distinguir a figura feminina

porque ela estava reprimida em casa. Até a revolução da

historiografia, os registros documentais eram voltados

unicamente para os processos políticos que eram dominados pela

figura masculina, esta era a definição dos papeis dentro da

sociedade.

O olhar dirigido à figura da mulher era aquele definido

por uma sociedade machista e patriarcal, onde havia claramente

a definição do trabalho masculino e do feminino, os ideais de

cada um e o modelo de comportamento que deveria ser seguido.

Era um mundo destinado ao homem, claramente do masculino para

o masculino, configurava-se então a definição dos papéis do

homem e da mulher.

Cabe às mulheres conservar os traços das infâncias emque elas são governantas. Cabe a elas a transmissão dashistórias de família,... Cabe às mulheres o culto dosmortos e o cuidado com as tumbas, o que as incumbe develar pela manutenção das sepulturas. ( PERROT, 2005,p.39)

Enquanto ao homem era dedicado o âmbito social e político,

para as mulheres era destinado o espaço privado, onde a sua

vida era voltada para a casa e o doméstico.

68

A questão que envolve o gênero veio a ser mais

profundamente estudada a partir do momento em que se

estabelece o feminismo nos anos 60, seu significado abrangia a

oposição ao termo “sexo” onde o gênero buscava dissociar o que

era uma construção social do que é biológico. A sua utilização

vinculava-se a distinção dos papéis do masculino e do feminino

dentro da sociedade, mais ainda, foi ampliado na expectativa

de abranger também a personalidade e comportamento dos homens

e mulheres. A definição do conceito de gênero contribuiu

fortemente para o desenvolvimento da história das mulheres,

onde passou a ser empregado a partir dos anos 60.

Segundo a autora Michelle Perrot, a mulher é subjugada

dentro da sociedade devido à maneira sexuada que vêem seu

corpo, sendo direcionados ao seu sexo todos os problemas que

justificam a sua isolação de um campo social. à mulher era

dedicado um papel suspeito, onde o seu modo de se comportar

poderia ser indicativo de um extremo perigo. Mesmo com o

progresso da civilização não se estabeleceu uma total mudança

na perspectiva social sobre a mulher, seu papel ainda rondava

os afazeres domésticos e mesmo com a saída para o trabalho,

podemos identificar a dificuldade em conseguir um emprego

igualitário sob o ponto de vista salarial.

Essa questão reforça a visão sobre a inferioridade da

mulher, pois esta mesmo desempenhando um papel extra,

trabalhando diariamente fora de casa ainda esta sujeita a um

processo de servidão ofuscado pelo termo “assalariado.” Sendo

prolongada a servidão da casa para a fabrica, com essa saída

69

para o trabalho, induz à perspectiva de igualdade com o homem

que era o senhor da casa, responsável por saciar as

necessidades básicas da família, compreendemos então o motivo

pelo qual o trabalho feminino era criticado e com um salário

mais baixo que o masculino, pois neste momento passava a

imagem de igualdade entre os sexos.

Percebemos que gênero e sexo são conceitos diferentes que

se unem para definir o papel social de cada ser atuante na

sociedade, sob esse ponto de vista, algumas feministas

compreendiam que existiam diferenças biológicas que

distinguiam o papel do homem e da mulher e que esse conceito

estavam impregnado em todas as sociedades.

Havia rótulos de identificação para o menino e para

menina, esses rótulos buscavam instruí-los para a vida em

sociedade, evidenciando a diferença de educação disposta a

cada gênero. Desde cedo era voltada para a menina a auto-

restrição. Essa mesma restrição era vinculada ao comportamento

ideal visado para uma menina/mulher onde a obediência era o

alicerce de seu caráter, onde não lhe era imbuído o direito a

liberdade, sua função rondava a obrigação de agradar.

A mulher sendo vista como frágil, ingênua e passível de

ser corrompida, até a educação era diferente, não deveria

haver para a mulher o difícil trabalho intelectual, pois sua

missão, sua expectativa de vida era voltado aos cuidados da

casa e dos filhos, não existindo a necessidade de dispor tempo

para as coisas tidas como desnecessária para o caráter

feminino. Esta mulher, educada dentro destes padrões sociais,70

seria considerada como a guardiã dos valores morais, pois

nelas havia sido impregnada a submissão ao marido e o silêncio

perante os homens.

Em uma visão ampla,podemos inferir que ao homem era

voltado o papel dominador e à mulher a característica

submissão.Toda essa educação restritiva era utilizada para

moldar a menina de modo que no futuro ela arranjasse um bom

partido, essa era a maneira de atrair pretendentes e tornar-se

desejável.

Segundo Michelle Perrot, com o passar dos anos se percebe

uma abertura maior em favor da escolarização das meninas, os

valores ainda eram mantidos e ainda existia a diferença entre

a educação feminina e masculina. Mesmo esperando que os

valores permanecessem imutáveis e juntamente com eles, a

permanência da mulher dentro do campo social que lhe era

atribuído, a chegada do século XX dissipou o véu que cobria o

abuso de poder e a exploração a que eram submetidas as

operarias femininas, mais ainda, expõe com clareza o papel

subjugado da mulher. Assim, há uma revolta onde ela decide

buscar o respeito próprio, valendo-se de greves que se

multiplicam com o passar do tempo. O feminismo expresso em

seus discursos condena as praticas dispostas por uma sociedade

machista reinvidicando respeito e direitos.

Podemos perceber que no século XX há uma leve mudança dos

valores que antes eram os atributos básicos para a

moça/mulher, há uma abertura no nível de escolarização

feminina e a ampliação das atividades profissionais, mas71

principalmente, mesmo com a abertura da escolaridade para as

moças, os valores dentro do lar continuavam a imperar sob a

face patriarcal, ainda existiam padrões de comportamento que

deveriam ser seguido e que se encontravam de acordo com as

expectativas da sociedade.

Compreendemos a partir das entrevistas realizadas com as

senhoras que, nos anos 40 na cidade do Rio Grande, ainda

predominava a preocupação com os valores éticos e morais das

jovens. Era atribuído a essas mulheres o peso de honrar a

família, o que nos permite perceber a presença do modelo de

uma mulher ideal ainda fortemente presente no imaginário

social, mesmo com a mudança do século ainda predomina na

sociedade o caráter patriarcal, a dominação sob a figura da

mulher e principalmente, a busca pela preservação de sua

submissão.

A adolescência era assim, era uma coisa muito pura. Tunão via maldade, eu vou te dizer uma coisa guria... Eracoisa mais pura. Quando aparecia uma guria que tinhadeslizado, aquilo era um horror... “Ai fulano fez mal nafulana” Fez mal? Ele fez é bem [risos]. (Entrevistada:Maria Josefa Costa, 75 anos, 23 de Janeiro de 2014.)

No relato da senhora Maria, podemos perceber a mudança

sofrida ao longo do tempo, onde a chegada da segunda metade do

século XX e a propagação dos movimentos feministas

proporcionou às mulheres a mudança no seu pensamento e também

nas atitudes frente à sociedade, dispondo de uma nova maneira

72

sobre a sua sexualidade. A “onda do movimento feminista,

ocorrida a partir dos anos 60, contribuiu, ainda mais, para o

surgimento da história das mulheres.” (CARDOSO. VAINFAS, 1997,

p.276) As reivindicações feitas por elas permitiu difundir

informações a respeito de suas necessidades e reivindicar

estudos oficiais voltados a esta categoria. Logo podemos

perceber o resultado, em 1973, foram implantados em

universidades francesas, cursos que eram voltados para essa

área.

Segundo a senhora Adília Paz, a passagem da idade adulta

para a terceira idade possibilitou a percepção sobre a

diferença das concepções sobre o papel da mulher; a

entrevistada relatou que compreende a diferença entre a sua

infância e a infância de suas netas argumentando que na época

não era tão perigoso e violento porém, a intimidade entre as

famílias não era aberta entre os seus membros. Não era

possível, segundo a senhora Adília, estabelecer um diálogo

baseado nas mudanças que as meninas sofreriam ao chegar à

puberdade e também no casamento, era um assunto impróprio para

a casa.

A abertura proporcionada pelos movimentos feministas

permitiu que acontecesse uma quebra dentro do cotidiano das

famílias e um maior diálogo entre os seus membros. Assim

compreendemos que o estabelecimento destes movimentos permitiu

uma maior liberdade para a mulher e concluímos que propiciou a

mudança no pensamento apresentado anteriormente, também

percebemos que a História das mulheres ganhou uma amplitude

73

maior nos anos 70 e 80, onde havia a conversão das mulheres em

objetos de estudos, ganhando um foco como sujeito da história.

Assim, o estudo sobre a mulher ganhou um novo espaço e novos

adeptos. Adentrando novos campos, ainda nos anos 70, o estudo

da mulher passou a outras partes da Europa e do mundo, sendo

introduzido até no Brasil.

Os movimentos feministas, ao criticarem a forma de

governo, abriram um leque de oportunidades para as mulheres,

pois ao criticar a dicotomia publico - privado permitiu as

mulheres dispor de maiores liberdades de expressão ao se

enquadrarem no espaço público, esse fato chama a atenção das

mulheres ao criticar o sistemas que estavam envolvidas,

destinando ao espaço privado os seus problemas e lamentações

desmistificando a opressão que eram submetidas.

O local escolhido está localizado atualmente entre os

Bairros Lar Gaúcho e Getúlio Vargas, e também se encontra

localizada entre a atual Refinaria de Petróleo Rio-Grandense5,

a sede da Quip6 e o Porto Novo, configurando-se como um dos

Bairros mais antigos da cidade; o que justifica a escolha em

trabalhar com o referido local.

As senhoras entrevistadas compartilharam de uma infância

neste Bairro, cresceram vendo os seus primórdios e a revolução

trazida pelo estabelecimento da rede ferroviária na cidade.

Estas mulheres eram oriundas de diversas outras cidades e

bairros e se estabeleceram aqui com suas famílias que possuíam

5 Antiga Refinaria de Petróleo Ipiranga6 Entre os anos de 1945 e 1957 estava localizada neste lugar a Fábrica Swift.

74

a expectativa de emprego na famosa fábrica Swift7. A partir

deste momento, em meados de 1946, é que nossa entrevista busca

exaltar as peculiaridades do bairro e os métodos dispostos

para o seu lazer. Estas mulheres são atualmente moradoras do

Bairro Santa Tereza e se converteram em importantes fontes de

pesquisa para elaboração deste trabalho, as memórias das

senhoras Adília Victoria, Estela Cardoso, Hilda da Rosa, Maria

Josefa, Marlene Fialho e Romilda Fernandes foram às principais

responsáveis pela conclusão deste trabalho.

A elaboração de um roteiro que visava instigar seus

conhecimentos e lembranças revelou-se de maneira acessível

pelo fato de conhecermos os objetos e já possuírem uma relação

de confiança para o acesso à memória, assim utilizamos da

nossa sensibilidade para construir as seguintes perguntas:

1. Quando foi o primeiro contato com o bonde? Quantos anosvocê tinha?

2. E com a maquinazinha?3. Onde você morava nessa época?4. O que lhe vem quando se lembra dessa época?5. E quando se lembra da ferrovia em geral?6. O que a sua família achava do transporte?7. Como era a sociedade na época?8. Como ela (sociedade) via a utilização da ferrovia?9. Como era a cidade?10. E a Santa Tereza como era?11. Houve alguma mudança na cidade por causa da

utilização da ferrovia? Qual?

7 Está presente em todos os relatos a esperança de emprego dos pais nesta fábrica.

75

12. Como era a aparência da maquinazinha?13. Quantas pessoas cabiam num vagão?14. Como era o bonde elétrico? Qual a sua aparência?15. Você poderia me contar uma história relacionada aos

bondes?16. Qual o momento mais marcante associado aos bondes?

Por quê?17. Como era a sensação de passear de bonde?18. Como eram as pessoas que freqüentavam a linha?19. Qual era o seu horário preferido para andar na linha?

Por quê?20. Quem a acompanhava?21. Conheceu alguém importante para você?22. Como era a relação entre as pessoas dentro dos

vagões?23. A utilização da ferrovia afetava a sua vida

domiciliar? Por quê?24. Como aconteceu o fim das Ferrovias?25. Como que foi o fim pra você? 26. Que impacto isso ocasionou na sua vida?27. Como era a adolescência na época?

Como foi elucidado, tentamos reviver suas lembranças

através de perguntas que incentivassem a memória dos

momentos ligados a utilização da ferrovia, alguns desses

questionamentos tinham um caráter pessoal como caso das

correspondentes aos números 1-6, 15-17, 19-21, 23-26. Estas

indagações de percepção individual sobre estes

acontecimentos foram os que mais contribuíram para a

pesquisa, visto que estavam entrelaçados com outras memórias

da infância/ adolescência e permitiram um relato mais rico

em relação aos questionamentos de caráter geral.

76

A análise das transcrições permitiu que aprofundássemos o

conhecimento sobre a História local e o meio de transporte

vigente da época. O resultado deste procedimento está

expresso no próximo capítulo dedicado exclusivamente a

memória da rede ferroviária na cidade.

Portanto, concluímos que ao permitir a essas oprimidas o

dom de serem ouvida a sua voz, converte-se na melhor parte no

que concerne ao trabalho com H.O e com a memória, pois é

através dela que permitimos a nós, historiadores sermos o elo

de ligação entre estes relatos e a sociedade, desfrutando de

conhecimentos até então inacessíveis e de grande utilidade e

importância.

77

3. HISTÓRIA E MEMÓRIA DO TRANSPORTE FERROVIARIO.

O final do século XIX e o início do XX vislumbraram

profundas mudanças na estrutura econômica do sul do país, a

formação de uma elite comercial permitiu o estabelecimento de

uma grande leva de indústrias que visavam o capital advindo do

porto, estas fábricas passariam a compor a história da cidade,

pois geravam importantes fontes de emprego, atraiam um grande

número de pessoas e proporcionavam o desenvolvimento

industrial. Este último se consolidou com a vinda de

imigrantes europeus para o estado, que segundo a autora do

livro “Rheingantz: uma vila operária” Vivian da Silva

Paulitsch, edificou-se com a mudança do sistema baseado no

trabalho assalariado. Um outro elemento que auxiliou na

expansão urbana da cidade do Rio Grande foi a necessidade de

mão-de-obra especializada que proporcionou a chegada de

imigrantes e migrantes.

O início do projeto de elaboração de uma ferrovia do sul

do país em meados de 1870 visava integrar o estado com o

restante do país e estabelecer uma estratégia que

transcendesse as dificuldades geográficas e disponibilizasse

segurança para o transporte de mercadorias entre as cidades

importantes. Segundo o site Rio Grande em fotos, a primeira

ferrovia brasileira é a linha que liga Porto Alegre e Novo

78

Hamburgo. Datada da época do império, esta foi a primeira

ferrovia instalada no sul do Brasil.

(http://www.riograndeemfotos.com.br/trem.html)

Na década de 30, o Brasil começou a sentir os impactos da

Segunda Revolução Industrial, os avanços tecnológicos

começaram a surgir e o ferro foi substituído pelo Aço, o vapor

pela energia elétrica e pelos derivados de petróleo. Assim,

podemos identificar uma substituição dos meios de transporte

da cidade, onde antes vigorava os bondes puxados a cavalos

agora se estabeleciam os trilhos da ferrovia e a instalação

dos bondes elétricos. (KOSBY, 2005, p.18)

A Revolução Industrial proporcionou um rápido e constante

aumento populacional dentro das cidades, também garantiu que

as malhas ferroviárias dobrassem o sue tamanho e passassem a

interligar os municípios menores que estavam localizados entre

os pontos de escoamento dos produtos. Assim, ao propor uma

rede que interligava o estado também se distribuiu dentro das

cidades, ramais para o transporte público dos moradores.

A chegada da Segunda Guerra Mundial trouxe grandes

dificuldades para o sistema ferroviário brasileiro; Variava o

custo do material usado nas ferrovias até as questões

relacionadas a tarifas e emprego dos funcionários, tudo isso

elevou e proporcionou um grande salto no quesito preço. Esse

problema levou o “Presidente Getulio Vargas a determinar

medidas de saneamento do sistema ferroviário, visando a sua

reorganização e reaparelhamento” (FLÔRES, 2007, p.91)

Percebemos que as dificuldades trazidas pela guerra afetou o79

desenvolvimento da ferrovia, estagnando o capital empreendido

nela e dificultando a sua expansão.

Entretanto, o objeto deste capítulo está concentrado não

na ferrovia brasileira no geral, mas no caso especifico do

transporte de bondes elétricos localizados na cidade do Rio

Grande e a percepção das usuárias que moram no bairro Santa

Tereza.

Na cidade de Rio grande, a forma geografia disposta pelo

local permitiu que as grandes industrias se estabelecessem ao

longo do eixo de acesso mais viável aos produtos econômicos,

como por exemplo, o estabelecimento do porto e da companhia

Swift e da refinaria Ipiranga delimitando a área a leste da

cidade. O desenvolvimento da estrutura portuária trouxe

grandes investimentos para a cidade, diversificando os

estabelecimentos comerciais e industriais proporcionando a

instalação de elevado número de indústrias de pescados,

frigoríficos e até mesmo de uma refinaria de petróleo.

O mapa localizado na próxima página tem o intuito de

auxiliar na compreensão sobre a área coberta pelos bondes

elétricos da cidade do Rio Grande. A área demarcada com o

número 3 corresponde à área geográfica do Bairro Santa Tereza

em 1884, onde podemos perceber a distância percorrida pelos

moradores para utilizar o sistema de transporte. A área número

4 corresponde ao estabelecimento da antiga Refinaria de

Petróleo Ipiranga.

80

Figura 1 Mapa do transporte urbano. Retirado do site http://www.tramz.com/br/rg/rgm3.

81

3.1 A CIDADE DO RIO GRANDE E O DESENVOLVIMENTO FERROVIÁRIO

Segundo Kosby, a busca pela criação de uma rede

ferroviária no sul do país data de 1870, sua geração

caracteriza a necessidade de desenvolvimento para o país, onde

percebermos que este projeto é a personificação de um

desenvolvimento capitalista que busca transcender a distância

regional através da utilização de um meio de transporte

moderno para a época, configurando um espaço de poder capaz de

induzir a civilização. (KOSBY, 2005, p.20)

Senna afirma que “J. Ewbank da Câmara, engenheiro, foi o

introdutor e propositor do traçado da ferrovia gaúcha e a ele

coube a justificativa do traçado da mesma.” (SENNA, 1995,

p.147). A implantação das estradas de ferro no Brasil visava o

desenvolvimento econômico para um país predominantemente

agrário. Essas obras passaram a ser inauguradas no sul do país

a partir dos anos 70 do século XIX, sua principal função era

transcender o sistema agrícola e proporcionar o inicio do

progresso capitalista.

Entendemos que o estabelecimento das ferrovias ainda que

dispondo do auxilio a um considerável crescimento urbano e

econômico ainda consistia num fator de grande risco, pois “as

regiões onde seriam construídas ligavam cidades muito

82

distantes entre si e possuíam povoamento rarefeito” (FLÔRES,

2007, p.73). Sabendo das dificuldades enfrentadas e do seu

obstáculo frente a sua capacidade de não gerar lucros pela sua

instalação, compreendemos que sua função voltava-se a ser

apenas um meio tecnológico para facilitar as relações

econômicas entre as cidades e a capital.

“No Brasil, a ferrovia foi introduzida no bojo do

desenvolvimento agrário exportador” (POSSAS, 2001, p.67)

Compreendemos que para iniciar a construção dessa malha

ferroviária era necessário o investimento de elevada

porcentagem de um capital que o país não estava disposto a

investir no momento, para suprir esta necessidade o dinheiro

que necessitava veio do estrangeiro, estabelecendo um contrato

que beneficiava os americanos e franceses que vieram construir

a rede ferroviária do país.

Com a abolição do trafico negreiro em 1850 houve

disponibilidade de capitais a ser empreendido nas demais

atividades, gerando uma aplicação de considerável investimento

para desenvolver ramais que conectavam o espaço brasileiro.

A instalação de uma rede ferrovia precede o ano de 1872,

seu inicio remonta a concessão de D. Pedro II ao Barão de Mauá

em 1854, na expectativa da construção de um trecho no Rio de

Janeiro que ligava pontos estratégicos da cidade, obra que só

foi finalizada em meado de 1866, devido as dificuldade da

região em construir um transporte numa área de geografia

recheada de rios, serras e florestas fechadas. Devido à

dificuldade de implantação, somente alguns anos mais tarde é83

que foi efetiva a expansão de uma ferrovia que ligava duas ou

mais cidades do Brasil.

A construção e o estabelecimento desta malha ferroviária

caracteriza um difícil processo de um complexo sistema que

deveria ser capaz de transpor os limites naturais do país. A

implantação de um plano de concessões aos estrangeiros visava

transpor essas dificuldades geográficas, e permitir a entrada

de capital para capacitar a ligação terrestre das produtoras

agrícolas com o porto da cidade mais próxima.

Sendo em 1872 a primeira vez que a construção de uma

ferrovia gaúcha é notificada, expõe-se os esclarecimentos

sobre os seus objetivos e buscavam dispor de uma justificativa

para a o seu estabelecimento visando suprir às grandes

necessidades vividas, que correspondiam respectivamente à

política, a economia e as relações estratégicas da região.

É na segunda metade do século XIX que a ferrovia gaúchaorigina-se. Nesta época é articulado, inovadoramente, umplano sistemático para a implantação de estradas deferro na região sulina (SENNA, 1995, p.147)

A construção de uma estrada de ferro visava melhorar as

necessidades, anteriormente citadas, das cidades porém com o

grande número de contrabando ocorrido no percurso da rede

ferroviária era ainda mais necessário aprimorar a segurança da

área que correspondia ao percurso dos trens de carga, sendo

assim, inicialmente desenvolveram-se dois pontos essenciais

que interligavam a ferrovia: sendo um deles o porto localizado84

na cidade do rio grande e a sua extremidade oposta, instalada

na cidade de Porto Alegre. O projeto obteve

êxito e na seqüência desta implantação, novos caminhos foram

diversificados para as demais regiões do interior que se

encontravam alicerçadas entre estes dois pontos.

Concluímos que foi no ano de 1872 que o principio do

projeto de uma ferrovia voltada à proteção do território

brasileiro das ameaças externas fora concretizada e

implantada. Essa rede de transportes, no seu primórdio,

deveria ser uma estratégia de defesa do império, onde

estabelecendo presença militar em pontos importantes da rede

ferroviária era possível proteger o território brasileiro das

ameaças advindas do exterior e garantir o comércio interno e

externo, pois o grande infortúnio era o fato das fronteiras do

império estarem no percurso das malhas ferroviárias dos países

vizinhos. Percebemos que com esse alcance das fronteiras

brasileiras, era mais fácil aos inimigos do império

estabelecer o contrabando e prejudicar a produção brasileira.

No Rio Grande do Sul a história ferroviária inicia em

torno do ano de 1866 com o debate acerca de um possível

melhoramento do transporte urbano que até o momento se

proporcionava por meio fluvial, apesar de num primeiro momento

a Assembléia provincial estar dividida, a idéia inicial fora

aceita, atribuindo o começo das obras ao ano de 1870 com o

estabelecimento da empresa britânica “The Porto Alegre & New

Hamburg Brazilian Railway Company Limited” (IPHAE, p.19). O

fato de o segundo reinado conceder a construção dessas

85

ferrovias a empresas privadas caracterizou a expansão

acelerada dos caminhos de ferro, sob a perspectiva de lucro.

Segundo o IPHAE, era a primeira ferrovia do Rio Grande do sul

o que:

Estimulou a produção da zona colonial alemã, que foiacompanhada pela multiplicação de núcleos urbanos e pelaprópria expansão da estrada: inicialmente ate SãoLeopoldo, foi sendo sucessivamente ampliada ate atingiro município de Canela, em 1992. (IPHAE, p.19)

.

A expansão das estradas de ferro para o Rio Grande do Sul

significava a proteção da extensão territorial do país, pois

na época havia grandes disputas pela região platina. Um dos

planos mais importante referentes à expansão ferroviária esta

presente na período subseqüente a Proclamação da República,

onde a eleição de uma comissão que iria definir os locais

apropriados para a construção dos ramais da ferrovia delegava

ao Governo o poder que até então se encontrava sob mãos

privadas. Assim uma das estradas de ferro que se encontrava

sob o projeto inicial do engenheiro Câmara, que correspondia

aquela que ligava os municípios de Rio Grande e Bagé, ganhou

vitalidade ao ser construída e completar as ligações entre as

regiões do Sul do país.

Segundo Kosby, são dois os fatores mais importantes que

proporcionaram o desenvolvimento da cidade do Rio Grande, a

construção do Porto e a criação da ferrovia gaúcha que buscava

interligar os estados para o escoamento dos produtos que

86

chegavam pelo Porto, compreendemos assim o motivo que levou

Rio Grande a desfrutar do intenso comércio no século XIX e XX.

A construção do prédio da alfândega afirma ainda mais a

importância da cidade como ponto de escoamento de produtos

como o charque, o couro e o trigo, estas mercadorias eram as

principais responsáveis pelo abastecimento econômico da cidade

garantindo ao Rio Grande a característica de principal centro

de comércio da época.

A construção da ferrovia que ligava os municípios do sul,

Rio Grande, Pelotas e Bagé, foi autorizada em 1873 sob o nome

de “Tronco Sul”, esta construção que ficou a cargo da

Compaigne Imperiale des Chemins de Fer Du Rio Grande do Sul se

uniu a Sourthern Brazilian Rio Grande do Sul Railwat Company

Limited e gerou um numeroso capital a ser empreendido, se

tornando conseqüentemente a responsável pelo projeto de

construção da estrada. (ECCHO DO SUL, ANO XXXI, n.85-95) Essa

edificação permitiu a ligação entre a capital, às fronteiras e

o porto, enquanto que o capital empreendido nas obras fosse

oriundo do exterior percebemos o arrendamento das estradas de

ferro por estas companhias. A união das duas companhias

permitiu ligar Rio Grande – Bagé - Pelotas formando o tripé da

economia na época.

Consolidada a linha que ligava a cidade a grandes

distâncias, necessitou-se de uma ferrovia voltada para o

comércio local, esse desprovimento permitiu a um industrial

local chamado Antonio Candido Sequeira desenvolver meios de

transporte na região, possibilitando o nascimento da primeira

87

companhia de transporte urbano, focado no deslocamento para o

centro, denominada de “Companhia de Carris Urbanos do Rio

Grande em 23 de Maio de 1876” (ALLEN,p.1), inaugurando uma

linha de bondes puxados por mulas. Sob esse panorama

consolidou-se os trabalhos de construção da malha ferroviária

da cidade em 1881 com a instalação da pedra fundamental na

Estação Central. Até o ano de 1906, os bondes dispostos pela

cidade configuravam-se como sendo puxados a cavalo/burros ou

locomotivas a vapor.

Em 1885 fora criada uma subsidiaria Sequeira, com o nome

de Companhia de Bondes Suburbanos da Mangueira, localizada no

balneário Cassino, criando ao mesmo tempo o primeiro balneário

marítimo do Brasil e o primeiro trem suburbano da cidade, logo

a introdução dos bondes a vapor, que posteriormente foi

substituído por bondes elétricos, se fez presente no cotidiano

da cidade até o encerramento das atividades ferroviárias.

( MORRISON, 2009, p.2)

A inserção de uma ferrovia no cotidiano da cidade permitiu

desenvolver novas percepções sociais acerca do papel do homem

e da mulher, nesse momento há a introdução da figura feminina

no âmbito público da cidade sendo possível percebermos que o

desenvolvimento industrial aliado com o crescimento deste meio

de transporte e da população Riograndina possibilitou às

mulheres dispor de uma maior autonomia, conseqüentemente

percebemos a sua presença dentro do cotidiano das fabricas.

Segundo Romilda Fernandes de Souza,

88

Eu trabalhava na Rheingantz e eu ia de bonde e voltavade bonde. Era, quantidade de gente, como trabalhavagente la. Trabalhava eu e minha irmã, ela tambémtrabalhava lá. E então a gente ia de bonde, voltava debonde, Andava sempre de bonde né, trabalhando lá.(Entrevistada: Romilda Fernandes de Souza, 77 anos, 4 deOutubro de 2013.)

Entendemos que a aplicação dos bondes na cidade

proporcionava um grande avanço econômico, pois era através

deste meio de transporte que havia a constante movimentação de

capital, nas tarifas do bonde, e de pessoas que iam e vinham

do centro da cidade. Acrescentava-se a este fato as fábricas

que passaram a delimitar os espaços geográficos da cidade,

dispondo da criação de novos bairros, como é p caso da vila

Santa Tereza e proporcionando o aumento do numero de

empregados e moradores na cidade. Entretanto este aumento

populacional não trouxe melhores condições sociais, a

industrialização trouxe um grande número de trabalhadores

rurais propiciando uma expansão desordenada da cidade.

O centro da época era consideravelmente pequeno, por ser

uma região que ainda estava em processo de desenvolvimento

sabemos que seus limites geográficos estavam estabelecidos

pelos combros de areia que circundavam a cidade assim como

também pelas indústrias que passaram a se fixar a volta do

centro urbano interessadas no crescimento da cidade, muitas

delas eram fábricas estrangeiras e consolidaram o aumento do

número populacional e também disponibilizaram um vínculo

empregatício tendo como conseqüência o grande numero de

imigrantes. 89

No entanto foi apenas no ano de 1906, que o governo

brasileiro contratou um engenheiro para reconstruir o porto

adicionando usinas de energia e um sistema de bondes. O

financiamento para este empreendimento veio diretamente da

França com a Cia Française du Port de Rio Grande do Sul.

(MARTINS, 1997, p.28)

Ao ocupar parte do espaço urbano da cidade, os caminhos de

ferro disponibilizavam um espaço de convívio social e troca de

sabedorias. Segundo as entrevistadas é um patrimônio de valor

inestimado que está sendo perdido devido à falta de um

empreendimento que não é capaz de identificar o seu verdadeiro

valor, as experiências vividas nos passeios e os sentimentos

vinculados aos bondes não se fazem presentes nos atuais meios

de transportes, configurando a importância dos vínculos

criados no momento da utilização dos bondes e que resistiram

ao tempo, eternizando laços de afetividade entre as usuárias,

Mas a gente tinha namorado e tudo, vinha todo mundonaquele bonde, eles traziam a gente e depois voltavam.Às vezes a gente voltava também de novo porque queriaandar mais, a gente vinha dos bailes que já era moça etudo pegava os bondes E vinha todo mundo gritando,muitos já meio enxaguados (Entrevistada: Estela Cardosode Oliveira Lopes, 78 anos, 8 de Janeiro de 2014.)

A instalação da ferrovia na cidade de Rio Grande era

influenciada pela importância do Porto para a economia, assim

sendo, buscou-se incentivar as tentativas de melhoramento da

barra e do porto da cidade na expectativa de um maior fluxo de

mercadorias trazidas por navios maiores. A inauguração de um90

Porto Novo desencadeou a construção de pequenos ramais dentro

da cidade que estavam ligados a estrada principal.

Segundo Luiz Henrique Torres, o grande problema do momento

era o referente à dificuldade de acesso hidroviário pela

Barra, a constante movimentação dos bancos de areia que era um

fator tão característico do século XVIII, tornou-se o

principal empecilho do século seguinte, pois dispunha de

grande quantidade deste material depositado na desembocadura

da Lagoa dos Patos que naufragava embarcações e promovia

grande perda para a economia. Visando resolver este problema,

desenvolveu-se um projeto de construção dos molhes da barra na

expectativa de diminuir os problemas acarretados pela areia.

Segundo o histórico do Porto do Rio Grande, disposto no

site, as construções destes molhes resolveriam os problemas

relacionados com a entrada de navios e a imprevisibilidade do

canal. Essa criação era um grande desafio de engenharia para a

época, pois edificação de igual complexidade ainda não havia

sido desenvolvida no Brasil nem no mundo. Para efetivar essas

construções, foi necessário primeiramente estabelecer uma

malha ferroviária capaz de transportar as pedras para a

construção, matéria necessária que estavam localizadas

próximas ao distrito de Capão do Leão. Para a efetivação da

construção dos molhes da Barra, estabeleceu-se 128 quilômetros

de ferrovia para que se tornasse possível a construção,

entretanto a sua conclusão demorou para ser finalizada devido

aos obstáculos naturais dispostos ao longo da região. A

inauguração dos molhes da Barra em 1915 ocorreu com a entrada

91

do navio-escola Benjamin Constant, que correspondia a um navio

de grande porte.

A construção do Bairro Santa Tereza está diretamente

ligada à construção do novo porto do Rio Grande e dos molhes

da Barra, foi elucidado que o estabelecimento da Cia Française

du Port de Rio Grande do Sul foi a responsável pela construção

do novo porto e aprimoramento do transporte da cidade, assim

compreendemos que sua criação envolve-se diretamente com a

criação dos diversos bairros que circundam essa região.

Em 1908 chegaram da França mestres de obra e operários

especializados para efetivar essas construções na cidade, a

escolha do novo local para o estabelecimento da fábricas era

voltada ao leste da cidade, para uma área que até o momento

era um local inundado. Durante os anos que sucederam a obra, a

companhia responsável pela sua conclusão gerou um elevado

número de emprego, trazendo, conseqüentemente, um grande

número de trabalhadores. Entretanto o Decreto de nº 3543

obrigou esta companhia a doar os contratos relativos à obra

para o Estado do Rio Grande do Sul. (MARTINS, 1997, p. 20)

Essa construção despertou o interesse em outras fábricas

que visavam aumentar as suas rendas, assim essa antiga região

alagada passou a compor o cenário da fabrica Swift e também da

Refinaria Ipiranga,

92

O bonde vinha até a Cia. Swift. Era a única fábricaperto do bairro, aonde abrigava naquela época, abrigava4.500 operários. Era muito bonito da gente ver.(Entrevistada: Marlene Matos,75 anos, 26 de Janeiro de2014.)

O estabelecimento destas fábricas chamou a atenção dos

trabalhadores rurais, que passaram a deixar suas moradias em

outras cidades e se dirigiram a cidade do Rio Grande, devido à

dificuldade em conseguir alojamentos em torno do centro da

cidade, essas pessoas passaram a se deslocar aos bairros que a

circundavam, estabelecendo-se no Bairro Getulio Vargas (BGV)

ou, como o caso deste trabalho, no Bairro Santa Tereza,

Ai... eu era pequena na época, tu vê quando eu vim moraraqui [Santa Tereza] que eu morava no bairro GetulioVargas, era só a minha casa e mais três, era tudo matode lomba verde e cedro. Mato da altura dessa casa.(Entrevistada: Hilda Garcia, 77 anos, 24 de Setembro de2013.)

Até meados de 1940, a vila Santa Tereza era formada

predominantemente de Cedro8, assim como o BGV, era um local

quase inabitado cercado por um matagal de quase 2 metros de

altura, até o momento em que começou a se construir as casas

dos funcionários do porto.

Essas casas são conhecidas como “Casas Pretas” e era

destinada aos operários e mestres de obras, sua construção foi8 Segundo o dicionário online é um mato formado por diversas arvores, cuja madeira é comumente utilizada para carpintaria.

93

obra dos franceses da Companhia responsável pela construção do

porto novo que levantaram um total de vinte e uma casas. Na

seqüência foram destinadas aos trabalhadores de cargo um pouco

menos importantes as casas verdes que eram um total de

quarenta casas, também há relatos que essas casas eram

conhecidas sob o nome de Vila Verde.(MARTINS, 1997, p.28)

A crescente onda de migração para o Rio Grande e o

estabelecimento de povoações no BGV, obrigou o governo a

deslocar estas pessoas para outra área sendo realocadas em

torno da Vila Verde, também há diversos relatos de invasão

destes lugares afim de construir moradias próprias.

Segundo os relatos proporcionados, o grau de pobreza da

Vila Verde era tão elevado, que sequer poderiam freqüentar uma

escola devido à falta de roupas para tal ato. Buscando

resolver o problema, a prefeitura solicita a Escola Santa

Joana D’arc o arrecadamento de mantimentos para os pobres da

Vila Verde, ao mesmo tempo em que surge uma figura tão

presente no imaginário da população local, o padre Caio de São

José que atuou na Vila em meados do ano de 1945. Ao

conversarmos com senhoras que se fixaram a menos de 5 anos no

Bairro, constatamos que a figura do padre estava profundamente

presente nas memórias tornando-se a forma concreta de uma

memória coletiva.

Este carmelita buscava maneiras de melhorar a vida dos

miseráveis que se encontram presentes no referido bairro,

através de uma reivindicação de uma área para estabelecer uma

94

capela que também funcionaria como uma escola para as

crianças, o padre procurou discorrer que a escola presente no

bairro era destinada unicamente a filhos dos importantes

operários do porto, sem haver a presença dos mais pobres nesse

educandário.

As intenções estavam ligadas ao estabelecimento de uma

educação básica para jovens e adultos e também uma creche

infantil, para que as mães que tivessem emprego fora de casa

pudessem deixar seus filhos. A chegada deste padre também é um

marco da construção de novas moradias, pois com ele vinha um

grande número de desabrigados do centro para ocupar essa área

que logo seria devastada.

Ao iniciar as construções de novas moradias em 1945, o

prefeito da cidade, Roque Aita Júnior, conseguiu a doação de

um terreno para a construção do prédio de madeira que iria

abrigar a capela. A construção desta capela foi feita com a

ajuda dos moradores da vila, onde logo se ergueu como um

casebre de madeira. Somente anos mais tarde a capela foi

transferida para uma área fixa onde se encontra atualmente.

Por ser essa área tão próxima a uma das maiores fontes de

emprego, a população que se organizou a sua volta cresceu

rapidamente, dando origem a outros bairros.

Há nessa época, no bairro Santa Tereza, a construção da

casa de Gare9, que segundo o Professor Solismar Martins, “As9 Segundo o dicionário online de Português, Gare é o embarcadouro e desembarcadouro das estações de estrada de ferro. Acessado em 28.01.2014 as 23:14

95

casas de Gare(...) eram construções de madeira ordenadas

paralelamente à Avenida Ipiranga.” (MARTINS, 1997,P.36) Uma

das entrevistadas vivenciou o cotidiano do “Garia” como era

chamado popularmente, ela relata que apesar de ser um local

pertencente ao estado, havia um campo em frente onde sua

família, oriunda da campanha, residia. Buscavam manter o mesmo

cotidiano da vida antiga, cultivando hortaliças e animais,

mesmo nesse pacato ritmo de vida, seus tios trabalhavam

diariamente numa pequena Maria-Fumaça e no galpão que abrigava

a Garia. (Entrevistada: Maria Josefa Costa, 75 anos, 23 de

Janeiro de 2014.)

O galpão da Garia era uma enorme casa que abrigava os

vagões Maria-Fumaça, a importância deste lugar é percebido no

momento em que se dispõe dos relatos sobre a formação de um

time de futebol sob o nome Garia. Mesmo time que

freqüentemente ia jogar em outros lugares acompanhados de uma

boa parcela dos jovens da época de 50.

A Maria-Fumaça, também conhecida popularmente como

“maquinazinha” consiste num meio de deslocamento de difícil

acesso para a pesquisa, foram poucos os momentos em que eram

dedicadas palavras para caracterizá-la e expressar a sua

importância para os trabalhadores da época. Em seu aspecto

mais básico, era uma locomotiva de propriedade do porto que

transportava os funcionários desde as suas casa, localizadas

na Rua Val. Porto, até os estabelecimentos do Porto do Rio

Grande indo em direção a Barra, sendo este a sua ultima

parada. Consistia num transporte gratuito para a comunidade.

96

(Entrevistada: Estela Cardoso de Oliveira Lopes, 78 anos, 8

de Janeiro de 2014.)

Viva e ricamente presente na memória destas mulheres, a

lembrança da maquinazinha proporciona aos relatos a amargura

da saudade, onde este transporte era o único que proporcionava

meios de lazer para os mais pobres que desejavam visitar os

campos verdes da cidade ou passar o dia na praia, segundo a

senhora Adilia Paz, a utilização da Maria-fumaça era o momento

em que não havia distinção racial ou econômica, por se tratar

de um dos poucos meios de locomoção da época, pois eram raros

os casos em que havia a circulaçao de carros, ricos e pobres

utilizavam-na de modo a compartilhar uma pequena parcela de

seu tempo para o breve envolvimento com o seu semelhante.

Nos domingos a Garia organizava excursões para os molhes

da Barra de forma gratuita, de modo que as pessoas saiam no

período da manhã e retornavam à tarde, se estabelecendo nos

matos presentes na praia. Era comum a vinda de cidadãos de

outras localidades para desfrutar de um agradável momento na

praia, disposto pelo transporte. Esse era um fator de grande

importância, pois devido à grande maioria da população rio-

grandina ser pobre e não ter condições de sempre se locomover

pelo bonde, utilizavam do sistema proposto pelo porto para

organizar, segundo a senhora Romilda, “dias em família”.

Há também que ser exemplificado a importância do primeiro

trem que ia em direção a praia do Cassino, a viagem inaugural

do Trem da Praia foi no ano de 1890 com a locomotiva Andorinha

97

que puxava alguns vagões de passageiros, entretanto pelo fato

deste transporte ser pago, a maioria das entrevistadas só

conseguiu desfrutar de um passeio no Cassino quando atingiu a

maturidade e dispôs de um emprego. (Entrevistada: Romilda

Fernandes de Souza, 77 anos, 4 de Outubro de 2013.)

Quando crianças todas as mulheres entrevistadas possuíam

famílias pobres, o que dificultava o passeio intermunicipal

nos trens, que eram mais caros que a passagem dos bondes. O

tempo em família eram restritos e voltados para o lazer

proporcionados pelas atividades exercidas pela Maria-Fumaça.

Unido à importância do comércio portuário estava presente

esse processo de desenvolvimento de uma malha ferroviária

dentro da cidade, onde percebe-se que os ramais tinham o

objetivo de proporcionar aos passageiros um melhor

aproveitamento dos seus dias de descanso ao mesmo tempo em que

acreditava-se que o aumento da linha proporcionaria o aumento

do numero de passageiros e visitantes da cidade.

Segundo as entrevistadas eram raros os momentos em que na

infância, puderam desfrutar do passeio de bonde, o que

compreendemos que com a chegada da maturidade e o

estabelecimento em empregos destas jovens, desenvolveu-se

grande encanto frente à utilização dos bondes unidas a

necessidade de locomoção para o local empregado. Assim

percebemos a grande satisfação em poder desfrutar de um

passeio de bonde.

98

Todos os Domingos nós íamos no Matinê. Matinê era umcinema de tarde, nós íamos no matinê e tarde e ia debonde. Eu morava aqui no bairro e ia no cinema lá nocentro né. Ai eu tive que ir de bonde e voltava debonde.( Entrevistada: Romilda Fernandes de Souza, 77anos, 4 de Outubro de 2013.)

E por vezes a lembrança do meio de transporte revisita feridasque o tempo não foi capaz de curar,

Então a gente ia de manhã e vinha só de tarde, inclusiveaté, quando a ultima viagem que essa maquinazinha[Maria-Fumaça] fez morreu um amigo nosso...O rapaz erasolteiro, sabe? Jogava e tudo, lá [Barra] ele bebeudemais e ficou, de um vagão pulava pro outro e tava coma máquina correndo, quando vê ele caiu no meio e ...Pum... E então nunca mais, daí termino e não fizerammais. A gente se apavoro né?Que amassou ele assim, Deuso livre. (Entrevistada: Estela Cardoso de OliveiraLopes, 78 anos, 8 de Janeiro de 2014.)

A partir do estabelecimento da história nova é possível

percebermos a fala dessas mulheres dotada de um sentido até

então desconhecido, relato desmitificado que transcende a

história linear e acessa o domínio privado. Percebemos a

caracterização das práticas sociais realizadas na ferrovia

como a forma deste patrimônio de se tornar presente como um

sujeito concreto, é através da memória coletiva destas

mulheres que a rede ferroviária tece a sua história, moldada a

99

partir dos laços de afetividade dispostos através do meio de

transporte.

Mas adorava andar de bonde. Era coisa mais boa. Era umasensação de liberdade, uma coisa boa. Então quando eraaberto assim, que andava naqueles abertos, vinha aqueleventinho te dando assim. (Entrevistada: Hilda da RosaGarcia, 77 anos, 24 de Setembro de 2013.)

Nessas memórias também estão presentes a convivência da

pobreza com o desenvolvimento da cidade, todas as senhoras

entrevistadas advêm da classe mais baixa da sociedade, são

pessoas que na época da mocidade dispunham da carência de

recursos básicos, um fato que levou a grande massa da

população a se estabelecer em bairros que circundavam as

fábricas. Consideramos que o processo de industrialização é o

principal responsável pelas mudanças sofridas na cidade de Rio

Grande; ao gerar uma burguesia industrial permite

compreendemos também que ele é quem molda os parâmetros da

cidade de forma que se verifique não apenas um grande

progresso urbano e comercial, mas também um elevado número de

trabalhadores pertencente à classe média/baixa.

Diante de tanto desenvolvimento e pobreza, progresso e

exclusão, o Bairro mesmo sendo relatada como um local calmo e

pacato ainda perdura uma imagem social como sendo

predominantemente racista e restritiva, havendo a clara

distinção social entre o negro e o branco, onde por diversas

100

vezes constatamos que esse preconceito estava presente até

mesmo dentro das sociedades formadas totalmente por negros,

onde o preconceito com aqueles cuja coloração da pele era mais

escura que o “aceitável” o excluía das atividades do grupo,

Era muito racismo, por isso que eu digo, já existia oracismo, e na cidade era assim, na cidade todo mundo,tinha baile que era só de branco e também só de negro.Se era muito preto também, nem no negro já não entravabem, não entrava. (Entrevistada: Estela Cardoso deOliveira Lopes, 78 anos, 8 de Janeiro de 2014.)

Mesmo tendo sentido o preconceito na pele, a aposentada

Estela Cardoso de Oliveira Lopes ainda guarda com grande

alegria os momento em que desfrutava dos passeios de bonde

pela cidade,

Ah, o bonde, eu ainda morava na cidade. Que que eutinha? Eu tinha 6 anos,eu tinha 6 anos e andava La nobonde bem faceira, pulava, passava de um banco prooutro. E quando faltava energia ficava na metade docaminho. Chovia e entrava por um lado e saia pelo outroa água. Que coisa boa, guria.(Entrevistada: EstelaCardoso, 78 anos, 8 de Janeiro de 2014.)

O ponto de embarque dos bondes mais próximo ao Bairro

Santa Tereza era o que se encontrava presente em frente à

fábrica Swift, então para que fosse possível desfrutar do

passeio até o centro da cidade, era necessário seguir por um

caminho aberto a “machadadas” na lomba verde presente no

bairro até a Cia Swift. A chegada no ponto de parada dos

101

bondes está aliada a ansiedade por transpor os limites da

sociedade e se aventurar num campo que até pouco era

restritivo às mulheres.

No entanto este período de expansão urbana não é percebido

como um tempo que houvesse perigo, todas as entrevistadas

tiveram em comum essa percepção sobre a época, caracterizando

a região como um local calmo e tranqüilo para se viver,

enfatizando a possibilidade de dormir a noite de porta aberta.

As entrevistadas também alegam ser um tempo sadio que gostaria

que voltassem, relatam sua infância e adolescência repleta de

ingenuidade e segurança, descaracterizando e argumentando que

o indicie de criminalidade era tão baixo que era possível

construir casas sem a presença de cercas. Esses fragmentos são

as percepções que o tempo preservou sobre o próprio tempo,

seus discursos não mudam as perspectivas continuam possuindo a

mesma visão do passado preservando uma memória coletiva quase

que pura, ou seja, o passar dos anos e o amadurecimento do seu

ser e caráter não mudou a visão sobre o passado.

Diante de tantas informações preciosas sobre o cotidiano

de uma comunidade nos deparamos com a satisfação trazida pelo

bonde, pelo ato de passear, a senhora Hilda da Rosa Garcia,

alega que os bondes eram vistos como um ponto turístico o que

permite reafirmamos a idéia do incentivo à memória através do

uso da sensibilidade, sendo possível percebermos que ao

indagarmos sobre os passeios cotidianos os relatos sobre as

sensações que usufruíram no momento tornaram-se freqüentes,

alicerçadas sobre o sentimento de liberdade atribuem um

102

importante laço de afetividade com os bondes que se manifesta

no momento em que solicitam a volta da ferrovia como

transporte de passeio.

Segundo as entrevistadas não houve uma noticia que

notificasse sobre um possível fim dos bondes; em torno de

1957, segundo o histórico do rio grande em fotos, já se possui

noticias sobre a circulação dos ônibus e o melhoramento das

ruas e da infra-estrutura da cidade para comportar o novo meio

de transporte. Num determinado momento acabou completamente o

trânsito dos bondes, este período também foi caracterizado

pelo fechamento de diversas fábricas. Segunda a senhora Hilda,

Em seguida terminou. Ainda a companhia Swift pegou amurchar e querer fechar e querer fechar, aquela coisa efoi diminuindo o pessoal. E ai a maquinazinha nãotrabalhou mais. (Entrevistada: Hilda Garcia, 77 anos, 24de Setembro de 2013.)

Os poucos autores que ousam se aventurar no campo do

transporte ferroviário no sul do país, mais especificamente os

bondes na cidade de Rio Grande, divergem sobre a data final do

último bonde. Enquanto o site Rio Grande em fotos alega que

“Em 30 de setembro de 1957, surgiu a Rede Ferroviária Federal

(RFFSA) em conseqüência da decadência das “estradas de ferro”

existentes no Brasil, o que caracterizou a mudança das redes

ferroviárias no país que antes eram em 42 e agora em apenas 18

ramais.

103

O rápido crescimento da cidade, resultado da grande

procura por emprego e por uma melhor condição de vida,

provocou um crescimento desordenado na década de 60,

necessitando à cidade expandir-se a novos rumos e propiciar o

aparecimento de novos bairros que ultrapassavam os limites

estabelecidos pela ferrovia, agregado a este fator encontra-se

a concentração da grande maioria das indústrias perto do

centro comercial que dispõe de transporte marítimo, rodoviário

e ferroviário. Assim é mais plausível a opinião do autor Allen

Morrison quando este alega que a rede ferroviária da cidade do

Rio Grande encontrou o seu fim em 1967.

Portanto, compreendemos que o crescente fluxo de migrantes

para a cidade foi um dos fatores que aliados ao melhoramento

do transporte urbano, a introdução dos ônibus e carros

particulares, contribuíram para a desativação da rede

ferroviária que cruzava a cidade. Podemos perceber também a

mudança relativa a estrutura da cidade para abrigar os ônibus,

tais como o calçamento das ruas e a criação de novas vias de

circulação, porém mesmo com esta substituição o papel dos

bondes que circulavam próximo ao Bairro Santa Tereza ainda

permanece vivo na memória das suas usuárias, que desejosas de

retornar a este convívio contribuíram para a elaboração deste

capitulo.

104

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho apresentado busca transpor os limites da

História tradicional ao permitir que grupos sociais, que não

ganham prestígios frente às limitações educacionais que

possuem, possam ser ouvidos e garantir a continuidade de sua

memória. Ao longo da pesquisa compreendemos a importância não

somente das memórias, mas dos sujeitos a quem elas pertencem

frente às necessidades históricas da região, são poucos os

materiais escritos acessíveis para a realização de uma

pesquisa sobre a rede ferroviária da cidade do Rio Grande em

contrapartida disponibilizamos de uma vasta produção ao

direcionarmos nossos esforços para os objetos vivos que

presenciaram o processo de mudança vivido no período final dos

bondes.

A principal característica deste trabalho foi permitir a

nós pesquisadores dispor de valiosos relatos que atuaram sob o

cotidiano, oportunizando a nossa percepção sobre os fatores

que não estão presentes em um livro para pesquisa, como o caso

da Maria-Fumaça. Essas memórias que possuem características

tão únicas, que desfrutaram novamente de momentos de alegria e

reflexões, perdas e saudades, possibilitam verificarmos o

vasto oceano das fontes históricas e a perda dos grilhões que

105

ligam os pesquisadores as tradicionais correntes

historiográficas.

Ao propormos um trabalho baseada na metodologia da

História Oral nós rompemos com o método tradicional de

abordagem do objeto, valorizamos a vida e as experiências

humanas e também sentimos a importância daquele momento para

as senhoras que nos ajudaram, todo o processo envolvido na

elaboração deste exercício acadêmico procurou aplicar toda a

nossa capacidade e conhecimento na busca por um roteiro que

visava acessar as recordações através das sensibilidades das

entrevistadas, sempre tendo o cuidado de não prejudicar a

saúde física e mental das senhoras.

Compreendemos a importância da aplicação das entrevistas

para análises históricas, pois elas dispõem de novas

perspectivas sobre a cidade e o seu cotidiano, nos permitindo

criticar em diversos momentos os nossos próprios valores e

conhecimentos, assim como o atual estágio de desenvolvimento

local onde reparamos em outros caminhos que proporcionariam o

progresso da cidade. Ao concluímos este trabalho, conseguimos

disponibilizar um pequeno passo para compreensão da história

local sob uma nova percepção, buscamos também incentivar a

aplicação da História Nova nas atuais pesquisas e valorizar o

papel dos cidadãos na composição da História, de modo que, não

importando sua raça, cor, classe social ou idade, todos possam

ser capazes de contribuir para o progresso da civilização e da

nossa cultura, disposta através da análise da História da

humanidade.

106

O estudo aqui realizado permitiu perceber a importância do

meio de transporte, não apenas no que se refere ao

desenvolvimento da cidade, mas também dos seus habitantes, que

se identificavam com os bondes ou com a maquinazinha visto que

viveram sua infância rodeada por este meio de locomoção. A

História local está minuciosamente entrelaçada com a ferrovia

urbana e muitos dos novos moradores do Bairro não sabem deste

importante fato que caracteriza a identidade da Santa Tereza.

Esta percepção buscou ser desconstruída com a realização

desta pesquisa, de modo que auxilie os moradores na

recuperação de sua identidade e História. O Bairro Santa

Tereza, apesar da considerável distância do último ponto de

embarque dos bondes, foi o local escolhido para o aterramento

e construção das moradias do Porto o que demonstra a

importância da área para a economia e desenvolvimento da

cidade para o século XX. Um espaço localizado entre

importantes fábricas e perto dos pontos de embarque do bonde e

da Maria-Fumaça era o ponto ideal de moradia para

trabalhadores e suas famílias justificado por ser um ponto

calmo e despovoado, sua constante ocupação deu origem a um dos

mais antigos bairros da cidade.

Esta ocupação realizada de modo, por diversas vezes,

clandestino compõe-se como a principal justificativa da

carência e pobreza dos habitantes do Bairro, visto que,

advindos de outras localidades não conseguiam pagar uma

moradia em torno do centro da cidade e conseqüentemente, se

alocavam nos locais distantes do centro. O caso da Santa

107

Tereza não é diferente, a formação disposta da Vila Verde e

das Casas pretas eram consideravelmente pequenas para a

extensão do local escolhido, assim, grande parte da localidade

era formado pelos matos que com a chegada dos novos moradores

convertiam-se em madeira para a construção de suas casas.

Percebemos também que todo o processo de movimentação dos

habitantes da cidade estava interligado com a possibilidade de

locomoção pela maquinazinha, pois por serem pessoas de classe

baixa, era necessário a utilização de um meio de transporte

gratuito e que suprisse as necessidades básicas de

deslocamento. Para suprir essa carência, as mulheres

entrevistadas, alegaram que ao chegar na maioridade

trabalhavam nas fábricas para que pudessem desfrutar de

momentos de lazer proporcionados pelo bonde, pois este possuía

uma linha que ia até o Cassino. Portanto percebemos que estas

mulheres só puderam vislumbrar a praia do Cassino no momento

em que possuíam empregos capazes de se sustentar. Configura-se

neste panorama, o quadro das pessoas que mais utilizavam o

bonde e a Maria-Fumaça, sendo a grande maioria os (as)

trabalhadores (as) das fábricas que necessitavam deste

transporte para o trabalho. Para as mulheres trabalhadas, o

transporte com a maquinazinha satisfazia as necessidades

básicas dos moradores ao proporcionarem locomoção do Porto até

a Barra do Rio Grande, e também até o inicio da rua 24 de

Maio.

Concluímos que a chegada do grande número de migrantes

para a cidade proporcionou o desenvolvimento de Rio Grande e a

108

expansão do transporte urbano na cidade, possibilitando a

criação de novos ramais, como o caso da subsidiária que

transportava os indivíduos até a praia do Cassino, e o inicio

de novos Bairros de moradia. Concluímos também que apesar de

não encontrarmos nenhum registro sob uma pequena Maria- Fumaça

que fazia o transporte gratuito, este foi um dos meios de

locomoção mais importantes para as pessoas que dispunham de

sua utilização.

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COSTA, Maria Josefa. 23 de Janeiro de 2014. Entrevista

concedida a Katia Regina Garcia Martins

GARCIA, Hilda da Rosa. 24 de Setembro de 2013. Entrevista

concedida a autora

LOPES, Estela Cardoso de Oliveira. 8 de Janeiro de 2014.

Entrevista concedida a autora.

MATOS, Marlene Fialho. 26 de Janeiro de 2014. Entrevista

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PAZ, Adília Victoria. 23 de Janeiro de 2014. Entrevista

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SOUZA, Romilda Fernandes de. 4 de Outubro de 2013. Entrevista

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