Recepção do De architectura - Reflexos de Vitrúvio noutros autores romanos (Plínio, Frontino,...

16
3 Recepção do De architectura: reflexos de Vitrúvio noutros autores romanos (Plínio, o Velho, Frontino, Faventino e outros) e na Praxis quaeque, si fors exigit, tenere non abnuit cum Orfeo plectrum, cum Aesculapio baculum, cum Archimede radium, cum Perdice circinum, cum Vitruuio perpendiculum; quaeque nun- quam investigare destiterit, cum Thalete tempora, cum Atlante sidera, cum Zeto pondera, cum Chrysippo numeros, cum Euclides mensuras. Venaris, aedificas, rusticarisne? an horum aliquid unum? an singula uicissim? an pariter et cunctim ? Sed de Vitruuio siue Columella, seu alterutrum ambosue sectere, decentissime fa- cis. Potes enim utrumque more quo qui optimo, id est cultor aliquis e primis architectusque... Sidonius Apollinaris, Epistolae, IV, 3, 5, e VIII, 16, 10 (Séc. V) 1 . O conhecimento e o prestígio de Vitrúvio, ainda no fim do Mundo Antigo princípios da Idade Média, estaria bem presente, como se denota nesta passagem de Sidônio Apolinário (430-486) 2 , clérigo cristão, gaulês, de meados do Séc. V, bispo de Cler- mont, que o nomeia como símbolo da arquitectura (com fio de prumo ou perpendicu- lum), a par de Orfeu (plectrum ou lira), Esculápio (báculo), Arquimedes (raio?), Perdix (compasso), além de Tales, Atlante, Zeto, Crisipo, Euclides, e de também o comparar com Columela, autor do tratado agrícola mais completo e interessante que a Antigui- dade nos transmitiu 3 . A referência de Sidônio Apolinário é de interesse apenas margi- nal para a Teoria da Arquitectura, pois é feita num quadro essencialmente retórico, mas 1 Cit. por Ph. Fleury, «Introduction», in Vitruve, De l’architecture (De architectura), Liv. I, texte établi, trad. et commenté par…, Paris, 1990, p. X, note 7; ambos os textos são acessíveis, em latim com trad. para francês, in http://remacle.org/bloodwolf/historiens/sidoine/lettres/ . 2 Sobre Sidônio Apolinário, ver: Loyen, A., Sidoine Apollinaire et l’esprit précieux en Gaule aux derniers jours de l’Empire, Paris, 1943; Gualandri, I., Furtiva lectio. Studi su Sidonio Apollinare, Milano, 1979; Harries, J., Sidonius Apollinaris and the Fall of Rome, Ad 407-485, Oxford, 1994; Goldberg, E. J., «The Fall of the Roman Empire Revisited: Sidonius Apollinaris and His Crisis of Identity», in Essays in History 37, 1995, acessível in www.freerepublic.com/focus/news ; Kaufmann, F.-M., Studien zu Sidonius Apollinaris, Frankfurt-am-Main, 1995. 3 Paratore, E., Storia della Letteratura Latina, Firenze, 1958. – Ed. portuguesa, História da Literatura Latina (feita a partir da 13.ª reimp. 1983), trad. de M. Losa S. J., Lisboa, 1987, p. 572.

Transcript of Recepção do De architectura - Reflexos de Vitrúvio noutros autores romanos (Plínio, Frontino,...

3

Recepção do De architectura: reflexos de Vitrúvio noutros autores romanos

(Plínio, o Velho, Frontino, Faventino e outros) e na Praxis

quaeque, si fors exigit, tenere non abnuit cum Orfeo plectrum, cum Aesculapio baculum,

cum Archimede radium, cum Perdice circinum, cum Vitruuio perpendiculum; quaeque nun-

quam investigare destiterit, cum Thalete tempora, cum Atlante sidera, cum Zeto pondera,

cum Chrysippo numeros, cum Euclides mensuras.

Venaris, aedificas, rusticarisne? an horum aliquid unum? an singula uicissim? an pariter et

cunctim ? Sed de Vitruuio siue Columella, seu alterutrum ambosue sectere, decentissime fa-

cis. Potes enim utrumque more quo qui optimo, id est cultor aliquis e primis architectusque...

Sidonius Apollinaris, Epistolae, IV, 3, 5, e VIII, 16, 10 (Séc. V)1.

O conhecimento e o prestígio de Vitrúvio, ainda no fim do Mundo Antigo princípios

da Idade Média, estaria bem presente, como se denota nesta passagem de Sidônio

Apolinário (430-486)2, clérigo cristão, gaulês, de meados do Séc. V, bispo de Cler-

mont, que o nomeia como símbolo da arquitectura (com fio de prumo ou perpendicu-

lum), a par de Orfeu (plectrum ou lira), Esculápio (báculo), Arquimedes (raio?), Perdix

(compasso), além de Tales, Atlante, Zeto, Crisipo, Euclides, e de também o comparar

com Columela, autor do tratado agrícola mais completo e interessante que a Antigui-

dade nos transmitiu3. A referência de Sidônio Apolinário é de interesse apenas margi-

nal para a Teoria da Arquitectura, pois é feita num quadro essencialmente retórico, mas 1 Cit. por Ph. Fleury, «Introduction», in Vitruve, De l’architecture (De architectura), Liv. I, texte établi,

trad. et commenté par…, Paris, 1990, p. X, note 7; ambos os textos são acessíveis, em latim com trad.

para francês, in http://remacle.org/bloodwolf/historiens/sidoine/lettres/. 2 Sobre Sidônio Apolinário, ver: Loyen, A., Sidoine Apollinaire et l’esprit précieux en Gaule aux

derniers jours de l’Empire, Paris, 1943; Gualandri, I., Furtiva lectio. Studi su Sidonio Apollinare,

Milano, 1979; Harries, J., Sidonius Apollinaris and the Fall of Rome, Ad 407-485, Oxford, 1994;

Goldberg, E. J., «The Fall of the Roman Empire Revisited: Sidonius Apollinaris and His Crisis of

Identity», in Essays in History 37, 1995, acessível in www.freerepublic.com/focus/news; Kaufmann,

F.-M., Studien zu Sidonius Apollinaris, Frankfurt-am-Main, 1995. 3 Paratore, E., Storia della Letteratura Latina, Firenze, 1958. – Ed. portuguesa, História da Literatura

Latina (feita a partir da 13.ª reimp. 1983), trad. de M. Losa S. J., Lisboa, 1987, p. 572.

4

não deixa com isso de se reparar que conhecia Vitrúvio, e mais, punha-o a par de Or-

feu, Esculápio, Arquimedes, Perdix, Tales, Atlante, Crisipo, Euclides, simbolizando

uma disciplina, a Arquitectura, ou seja, como sua suprema autoridade e seu símbolo

ou figura emblemática: ícone. – Se for tido em conta o que significava autoridade, ou

ser um ícone, nesse tempo, meados do Séc. V, isto, só por si, revela que Vitrúvio não

apenas era altamente considerado, como seria popular entre eruditos, e não teria rival,

no que à Arquitectura ou Arte da Construção respeita.

Mas outros autores o referem, a começar por Plínio, o Velho (23-79 d.C.)4, que é, no

tempo, o escritor mais próximo de Vitrúvio a nomeá-lo, indicando-o como autoridade

ou fonte nos índices do Livro XVI (Sobre as árvores), do Livro XXXV (Sobre a pintu-

ra e as cores), e do Livro XXXVI (Sobre as pedras). – Esses índices, juntamente com

o Praefatio, dedicando a obra a Vespasiano Caesari5, são o conteúdo do Livro I6, indi-

cando, livro por livro, os índices temáticos e a bibliografia ou os autores a que re-

monta, mostrando todo o plano da obra que, verdadeiramente, começa no Livro II

4 Sobre Plínio, o Velho, ver: Norberg, D., «‘Faire faire quelque chose a quelqu’un’: Recherches sur

l’origine latine de la construction romane», in Uppsala Univ. Arsskrift 2, 1945; Gros, P., «Vie et mort de

l’art hellénique selon Vitruve et Pline», in Rev. étud. latines 56, 1978, p. 289-313; König, R. u. Winkler,

G., Plinius der Ältere. Leben und Werk eines antiken Naturforschers, München, 1979; Bracesi, L., «Plinio

Storico», in Como 1982 A, p. 53-82; Serbat, G., «Pline l’Ancien, état présent des études sur sa vie, son

œuvre et son influence» in Temporini, H. u. Haase, W. (Hrsg.), Aufstieg und Niedergang der Romischen

Welt. Geschichte und Kultur, Teil II, 32, 4, 1986, p. 2069-2200, acessível in www.books.google.de/

books; Torrego, E., Plinio el Viejo, Textos de Historia del Arte, Madrid, 1988; Healey, J. F., Pliny the

Elder on Science and Technology, Oxford, 1999; Murphy, T., Pliny the Elder’s Natural History: The

Empire in the Encyclopedia, Oxford, 2004. – Sobre relações de Plinio e Vitrúvio: Detlefsen, D., «Vitruv

als Quelle des Plinus», in Philologus 31, 1872, p. 385-434; Degering, H., «Über den Verfasser der X

Libri de architectura», in Rheinisches Museum für Philologie 57/1, 1902, S. 8-47; Greenhalgh, M., «Pliny,

Vitruvius and the Interpretation of Ancient Architecture», in GBA 116, 1974, p. 297-304. 5

Trata-se de Tito, filho de Vespasiano, o fundador da dinastia flávia, associado ao poder a partir de 71

d.C., e que sucederá a seu pai em 79. – Plínio acamaradara com ele no exército, o que refere em I, 3. 6 Plinio el Viejo, Historia Natural, Libros I-II, introd. general G. Serbat, trad. y notas de A. Fontán, A.

M.ª Moure Casas y otros, Madrid, 1995, p. 268, 328, 331; – foi esta a edição usada, confrontando-a

com Pline, L’Ancien, Histoire naturelle (Naturalis Historiae), Livre I, texte établi, trad. et commenté

par J. Beaujeu, introd. par A. Ernout, Paris, 1951, 2e. tirage 2003, p. 98, 153, 156.

5

(Sobre a Cosmologia). O influxo de Vitrúvio em Plínio – que pode e deve ser conside-

rado o fundador da História da Arte7 – é grande, principalmente nos dois últimos

livros, ressoando em muitas das suas descrições relativas a Pintura, Escultura e Arqui-

tectura, além de Monumentos Maravilhosos, como as Pirâmides, o Labirinto e o Túmulo

de Porsena, encarados criticamente, e por isso será objecto de artigo e capítulo próprio

deste estudo, assim, ficando-se neste por aqui.

Frontino (30/40-103/104 d.C.)8, que se segue a Plínio, o Velho, nesta cronologia de

proximidade, refere-se a Vitrúvio na sua obra, De Aqvaedvctv vrbis Romae9, dando-o

como o Vitruuium architectum, que tivera a iniciativa de inventar um determinado tipo

de tubo de chumbo para canalizações de água. – Veja-se:

Inmediatamente después un calibre que no se origina ni a partir de la pulgada ni de nin-

guno de los dos dedos, e introducido, según piensam algunos, por Agripa, en la opinión de

otros, por los plomeros a iniciativa del arquitecto Vitrubio (Vitruuium architectum), llegó

a utilizarse en Roma con exclusión de los precedentes, sob a denominación de quinaria

(adpellatus quinariae nomine) (“tubo de cinco”) (…) los que atribuyen el invento a Vitrubio

y a los plomeros, explican su nombre por el hecho de que una plancha lisa de plomo, de

cinco dedos de anchura, curvada cilíndricamente, forma un tubo de esta medida. Pero esto

es dudoso ya que, cuando se la curva, si bien en la superficie interior se achica, con todo,

la exterior queda ensanchada10.

7 Ver, Torrego, ob. cit., p. 17: Los textos de la Historia del Arte (…) insertos en los tres últimos libros

de la Historia Natural (…) constituyen un conjunto (…) que puede considerarse el tratado de historia

del arte más antiguo que ha llegado hasta nosotros. 8

Sobre Frontino, ver: Tannery, P., «Frontin et Vitruve», in RPh 21, 1897, 174-176; Herschel, C., Fron-

tinus and the Water Supply of Rome, London, 1913; Kappelmacher, «Iulius Frontins», in Paulys R.-E.

X, 591-606; Peachin, M., Frontinus and the curae of the curator aquarum, Stuttgart, 2004, Steiner. 9 Frontino, Los Aqueductos de Roma (De Aqvaedvctv vrbis Romae, 97 d.C.), ed. crítica y traducción

por T. G. Rolán, Madrid, 1985. 10 Frontino, ob. cit., XXV, 1-4 (1985), p. [26]: Postea modulus nec ab uncia nec ab alterutro digito-

rum originem accipiens inductus, ut quidam putant, ab Agrippa, ut alii, a plumbaris per Vitruuium

architectum, in usum urbis exclusis prioribus uenit, adpellatus quinariae nomine. Qui autem Agrip-

pam auctorem faciunt dicunt quod quinque antiqui modulis exiles et uelut puncta, quibus olim aqua

cum exigua esset diuidebatur, in unam fistulam coacti sint; qui Vitruuium et plumbarios ab eo quod

plumbea lammina plana quinque digitorum latitudinem habens circumacta in rotundum hunc fistulae

6

Os conhecimentos de hidráulica, designadamente os relativos a aquedutos e tipo de

canalizações, usadas como condutas de água, patenteados por Vitrúvio, no Livro VIII

do De architectura11, encontram comprovação nesta passagem. A quinaria (“tubo de

cinco”)(…) de cinco dedos, referida no texto de Frontino, é uma das elencadas por

Vitrúvio na sua descrição e classificação do tipo de tubos e das dimensões das lâminas

de chumbo a partir das quais eram feitos. – Ora, veja-se:

Só deverão ser soldados tubos com mais de dez pés de comprimento cada. Se forem de cem

dedos, deverão pesar cada um mil e duzentas libras. Se de oitenta, deverão pesar novecen-

tas e sessenta libras. Se de cinquenta, seiscentas libras (…) de oito, cem; de cinco dedos,

sessenta libras. Com efeito, é a partir da largura das lâminas que os tubos recebem a sua

classificação de grandeza, a partir de quanto medem em dedos antes de serem enrolados.

Por isso, se uma lâmina tiver cinquenta dedos, ao ser enrolada, o tubo chamar-se-á de

cinquenta dedos, e de modo semelhante para os restantes12. – Sublinhou-se a negrito.

Os termos quina, quinar, quinadeira – cuja origem remota será o nome latino para o

número cardinal cinco, quinque – são de uso corrente em português, na linguagem de

serralheiros, picheleiros e canalizadores, designando procedimentos e ferramentas

para moldar chapas metálicas, nomeadamente, as chapas de chumbo, com que se

faziam os canos utilizados na condução e distribuição da água, ainda não há muito

tempo. Uma chapa de cinco dedos, considerando o dedo = 1,85 cm13, teria 9,25 cm de

largura; logo, daria um tubo com cerca de uma polegada (2,54 cm)14 de diâmetro modulum efficiat. Sed hoc incertum est quoniam, cum circumagitur, sicut interiore parte adtrahitur,

ita per illam quae foras spectat extenditur. 11 Vitrúvio, Tratado de Arquitectura, trad. do latim, introd. e notas por M. Justino Maciel, ilust. de Th.

N. Howe, Lisboa, 2006, IST Press. – Usou-se também, Vitruve, De l’architecture (De architectura),

Livre VIII, texte établi, traduit et commenté par L. Callebat, Paris, 1973. 12

Vitrúvio, ob. cit., VIII, 6, 4 (2006), p. 313; id., Vitruve, ob. cit., Livre VIII, 6, 4 (1973), p. 28: Fistulae

ne minus longae pedum denum fundantur. Quae si centenariae erunt, pondus habeant in singulas pondo

MCC; si octogenariae, pondo DCCCCLX; si quinquagenariae, pondo DC (…) octonum, pondo C; quina-

riae, pondo LX. E latitudine autem lamnarum, quot digitos habuerint antequam in rotundationem, flec-

tantur, magnitudinum ita nomina concipiunt fistulae. Namque quae lamna fuerit digitorium quinqua-

ginta, cum fistula perficietur ex ea lamna, uocabitur quinquagenaria similiterque reliquae. 13 Servimo-nos de Unidades de Medida da Roma Antiga, acessível in www.pt.wikipedia.org/wiki/. 14 Frontino, mais adeante (ob. cit., XXV, 4-5 (ed. 1985), p. [26]-[27]), referirá esta medida como de

7

interno, o que é, normalmente, o calibre maior utilizado no abastecimento doméstico

para habitação, ainda hoje... E repare-se, que o tubo feito de chapa com cinco dedos

de largura vem no fim da listagem de Vitrúvio, designando o menor dos tubos, sendo

o maior uma bizarma, feito com chapa de 100 dedos, ou seja, 185 cm, logo, com cerca

de 55 cm de calibre ou diâmetro interno. – Enfim, o tipo de tubo que se usaria como

conduta num aqueduto subterrâneo para abastecimento de cidades de dimensão consi-

derável, como seriam as do Império Romano do tempo de Vitrúvio, então em processo

acelerado de romanização e urbanização, com as populações a abandonarem os cam-

pos e as suas lavouras e a concentrarem-se nas cidades15. É com este fenómeno de

romanização e urbanização que o tratado de Vitrúvio está relacionado, intentando

fornecer um guia teórico aos seus promotores e construtores16.

Depois de Frontino observa-se um hiato de cerca de dois séculos nas referências a

Vitrúvio, que só volta a aparecer nomeado por Marco Cétio Faventino (Séc. III)17,

autor de Artis architectonicae privatis vsibvs adbreviatvs liber18, um característico

manual de construção de casas privadas, também conhecido pelo título de De diversis

5/4 de un dedo (diametro quinque quadrantum), logo, 2,31cm de diâmetro, o que anda muito próximo

da actual polegada, 2,54 cm, calibre que se costuma usar na entrada do abastecimento doméstico. 15

Gabba, E., «Urbanizzazione e rinnovamenti urbanistici nell’Italia centromeridionale de I sec. a.C.», in

Studi classici e orientali, 1972, p. 73-112; id., David, J.-M., La Romanisation de l’Italie, Paris, 1997. 16

Ver, Gros, P. (dir.), Le projet de Vitruve. Objet, destinataires et réception du De architectura. Actes

du colloque organisé par l’École française de Rome, l’Institute de recherche sur l’architecture antique

du CNRS et la Scuola normale superiore de Pise (Rome, 26-27 mars 1993), Paris-Roma, 1994. 17 Sobre Marco Cétio Faventino, ver: Nohl, H., «Palladius und Faventinus in ihrem Verhältniss zu

einander und zu Vitruuius» in Commentationes Philologiae in honorem Th. Mommseni scripserunt

amici, Berlin, 1877, p. 64-74; Krohn, F., Quaestiones Vitruvianae. Part. I, De M. Ceti Faventini Epitoma,

Berlin, 1896; Choisy, A., «Opuscule de Faventinus et passages de Palladius relatifs à l’Architecture», in

Choisy, A., Vitruve. Texte et traduction. Tome III: Livres VII-X. Textes annexes, Paris, 1909, Vol. III,

p. 257; id., «M. Ceti Faventini Artis Architectonicae privatis usibus adbreviatus liber», in Choisy, ob.

cit. (1909), Vol. III, p. 259-283; Plommer, H., Vitruvius and Later Roman Building Manuals, Cambridge,

1973; Hernández González, F., El vocabulario tecnico de la hidraulica en Vitruvio, Plinio, Frontino,

Faventino y Paladio, tese de doutorado, Madrid, 1985. 18 Faventinus, C., Abrégé d’architecture privée (Artis architectonicae privatis vsibvs adbreviatvs li-

ber), texte établi, traduit et commenté par M.-Th. Cam, Paris, 2001.

8

fabricis Architectonicae19, que se presume ter sido escrito durante a primeira metade

do Séc. III20, e que também se pode designar de compêndio de arquitectura visando

apenas a construção de edifícios privados, como o próprio autor afirma:

Conclusão: Em tudo o que antecede, tratei de organizar os elementos imprescindíveis para

este sucinto compêndio, na parte que toca aos usos privados da arquitectura. Deixei para

competências superiores o relativo a planos de cidades e todas as outras questões 21.

Nestas competências superiores (praestanti sapientiae) não custará muito ver uma

alusão ao(s) Vitrúvio Polião e de outros renomeados autores, referidos logo de início,

no Prólogo, como autores de ponderados escritos. – Veja-se:

Sobre o inteligente emprego das regras da arquitectura chegaram-nos abundantes testemu-

nhos nos ponderados escritos de Vitrúvio Polião e de outros renomeados autores22.

Não é despiciendo se Faventino nomeia apenas Vitrúvio, acrescentando ao seu nome

o de Polião (Pollio), ou se, como o sugeriu Auguste Choisy23, a frase se deve ler

como Vitrúvio, Polião e de outros autores (Vitruuius, Pollio aliique auctores), faltando

uma vírgula, nos manuscritos conhecidos, que deveria ter existido no texto original,

entretanto perdido. Não se conhece nenhum outro texto coevo onde Vitrúvio seja

nomeado como Pollio, e também nada se sabe de algum arquitecto antigo chamado

por esse nome. Já os outros autores (aliique auctores) é mais problemático, pois,

sendo vago e genérico, é difícil refutar a sua propriedade; e, na realidade, ao tempo, 19 Faventino, M. C., Las diversas estructuras del arte arquitectónico o Compendio de Arquitectura,

traducción del latin con una noticia introductoria y reproduccion de la edicion de Vascosan (Paris,

1540, ostentando o título De diversis fabricis Architectonicae), por A. Hevia Ballina, presentacion de

E. Rodriguez Balbin, Oviedo, 1979. 20 M.-Th. Cam, «Introduction», in Cétius Faventinus, ob. cit. (ed. 2001), p. XVII. – Esta datação est

hypothétique, como o reconhece a editora. 21 Ver, Faventinus, C., ob. cit., 29, 5 (ed. 2001), p. 42: Quantum ergo ad priuatum usum spectat, ne-

cessaria huic libello ordinauimus. Civitatem sane et ceterarum rerum institutiones praestanti sapien-

tiae memorandas reliquimus. 22 Cétius Faventinus, ob. cit., Prol. (ed. 2001), p. 4: De artis architectonicae peritia multa oratione

Vitruuius Pollio aliique auctores scientissime scripsere. 23

Choisy, ob. cit. (1909), Vol. III, p. 259, note 2: Nous risquons, entre les mots Vitruvius et Polio,

l’interposition d’une virgule: «Vitruvius, Polio et autres auteurs…».

9

ainda deviam circular os textos sobre arquitectura de Fuficio (?), de Terêncio Varrão

e de P. Septímio, referidos entre as suas fontes por Vitrúvio24.

Em qualquer dos casos, mesmo admitindo que terá havido um Polião que escreveu

sobre arquitectura, também, e de um modo que merece o destaque do nome a Faven-

tino, os outros autores são referidos assim, apenas como outros, o que faz com que se

singularize e saliente o nome de Vitrúvio, nomeado em primeiro e destacado lugar,

surgindo como a grande autoridade e ícone da Teoria ou Scientia da Arquitectura, tal

como viria a acontecer, dois séculos mais tarde, naquela referência retórica, visando

a iconografia, de Sidônio Apolinário, e tornado não apenas uma autoridade, mas um

verdadeiro símbolo ou estandarte da Arquitectura.

Outro autor que se referiu a Vitrúvio foi Sérvio (Séc. IV d.C.)25, escritor romano, do

período já da decadência do Império, pagão, ou seja, não cristianizado, gramático e

comentador de Vírgilio, que o cita numa nota para esclarecimento do significado das

palavras ostium e aditus. – Veja-se:

QUO LATI DUCUNT ADITUS CENTUM OSTIA CENTUM non sine causa et aditus dixit

ostia: nam Vitruuius, qui de architectonica scripsit, ostium dicit per quod ab aliquo arcemur

ingressu, ab obstando dictum, aditum ab adeundo, per quem ingrediur26.

A referência de Sérvio, no entanto, cria problemas, pois estas palavras, efectivamente,

encontram-se em Vitrúvio, como foi verificado (e questionado) por H. Degering27, e se

24

Vitrúvio, ob. cit., VII, Preâmb., 14 (2006), p. 261; id., Vitruve, De l’architecture (De architectura),

Livre VII, Praef., 14, texte établi e traduit par B. Liou et M. Zuinghedau, commenté par M.-Th. Cam,

Paris, 1995, p. 7. – Além de textos da multitude de autores gregos referidos por Vitrúvio. 25 Sobre Sérvio, ver: Thomas, E., Essai sur Servius et son commentaire sur Virgile…, Paris, 1880;

Taylor, J. P., The Mythology of Vergil’s Aeneid according to Servius, New York, 1917; Uhl, A., Ser-

vius als Saprachlehrer: Zur Sprachrichtigkeit in der exegetischen Praxis des spätantiken Gramma-

tikerun-terricht, Hyponemata 117, Göttingen, 1998; Pelizzari, A., Servio. Storia, cultura e istituzioni

nell’opera di un grammatico tardoantico, Firenze, 2001; Bouquet, M. et Méniel, B. (dir.), Servius et

sa réception de l’Antiquité à la Renaissance, Rennes, 2011. 26 Maurus Servius Honoratus. In Vergilii carmina commentari…, VI, 43, recensuerunt G. Thilo et H.

Hagen, Leipzig, 1881, Teubner; texto acessível in www.perseus.tufts.edu/hopper/. 27 Degering, H., «Über den Verfasser der X Libri De architectura», in Rheinisches Museum für

10

pode agora confirmar pela Concordance28 e o Dictionnaire des termes techniques29,

entretanto editados; mas Sérvio fait référence à des définitions que Vitruve ne donne

pas30, assim não sendo possível esclarecer o sentido e exacta propriedade da referên-

cia de Sérvio, que indicia um conhecimento pouco rigoroso, talvez indirecto, de Vitrú-

vio. No entanto, se se atender ao significado das palavras (ostium = entrada, abertura,

porta duma casa; aditus = entrada, acesso31), verifica-se que são palavras de uso cor-

rente no léxico da arquitectura, logo, eventualmente, também da sua teoria e tratadísti-

ca; assim, podendo ser considerada a sua utilização por Sérvio, e socorrendo-se de Vi-

trúvio para pretenso esclarecimento do seu significado, como mais uma prova da

consideração em que Vitrúvio era tido, como autoridade em tudo o que tinha a ver

com a arquitectura e a edificação e, naturaliter, incluindo o seu léxico.

Com estes cinco autores encerra-se o elenco dos personagens que nomeiam Vitrúvio

na Antiguidade; no caso de Sidônio Apolinário, autor do Séc. V, uma Antiguidade já

com a Idade Média montada no seu dorso. Destes, sabe-se que conheciam a sua obra,

directa ou indirectamente, ou fingiriam conhecê-la, por uma questão de prestígio e de

dar autoridade ao que eles próprios escreviam (caso, hipotético, de Sérvio). – De resto,

essa também parece ser a motivação dos outros ao referir Vitrúvio: uma questão de

autoridade e de prestígio, o que atesta bem, da sua recepção literária na Antiguidade.

Philologie 57/1, 1902, S. 8-47., em especial S. 12. 28 Callebat, L., Bouet, P., Fleury, Ph., et Zuinghedau, M., Vitruvius. De Architectura. Concordance.

Documentation bibliographique, lexicale et grammaticale, Hildesheim-New York, 1984, 2 vols.; ver,

para aditvs, Vol. I. p. 34 (11 ocorrências); para ostivm, Vol. II, p. 783 (3 ocorrências). 29

Callebat, L., Fleury, Ph., et altri, Dictionnaire des termes techniques du De architectura de Vitruve,

Hildesheim-New York, 1995; ver, ADITVS: Accès, entrée, p. 149; OSTIVM: Portail, entrée… Le terme

souligne le caractère monumental d’une entrée, p. 128. – Acepções similares encontram-se in Gomes

Ferreira, A., Dicionário de Latim-Português, ver nota 1630. 30 Fleury, Ph., «Introduction», in Vitruve, De l’architecture (De architectura), Livre I, texte établi,

trad. et commenté par…, Paris, 1990, p. X. – Fleury, por inteiro, afirma: L’ensemble de la citation de

Servius pose probléme, car elle fait référence à des définitions que Vitruve ne donne pas… discussion

intéressant de la question chez H. Degering, op. cit., p. 12. 31

Ver, Gomes Ferreira, A., Dicionário de Latim-Português, Porto, 1997: voz aditus, m. 2. Entrada,

acesso… (p. 37); voz ostium, n. 1. Entrada, abertura… 2. Porta (duma casa)… (p. 815).

11

Outro tipo de recepção, a que teria sido plasmada em obras de arquitectura ou urba-

nística, e senso lato, abrangendo os temas tratados nos livros VIII a X, também terá

havido, embora as opiniões sejam contraditórias, como em quase tudo o que se refere

a Vitrúvio. Em Conimbriga, os arqueólogos e historiadores da arte, Jorge de Alarcão,

Robert Étienne e outros32, terão encontrado vestígios da presença dos seus preceitos

em dois conjuntos arquitectónicos, um da época augustiana, o outro da flavio-trajana.

Eis os argumentos de Alarcão e colaboradores, resumidos por Philippe Fleury:

Pour l’ensemble augustéen: le forum a la triple fonction définie par Vitruve en V, 1, 1-5;

le temple majeur est construit sur le point le plus élevé de la ville (cf. I, 7, 1); le plan du

cryptoportique et du portique du temple ramène à la basilique de Fano (cf. V, 1, 6-7); les

dimensions du forum sont conformes aux précepts de Vitruve (cf. V, 1, 2).

Pour l’ensemble flavien: adoption d’un module architectural de dix pieds [cerca de 3.00 m]

utilisé de façon générale (cf. III, 3, 1, 8)33.

E, realmente, Alarcão e a sua equipa teriam detectado em Conimbriga (Figs. 140,

141), algo de muito parecido com o que Vitrúvio descreve. – Veja-se:

Os Gregos dispõem os foros num quadrado com amplíssimos pórticos duplos e colunas cer-

radas, que adornam com epistílios de pedra ou mármore, e nos pavimentos superiores cons-

troem passeios. Todavia, nas cidades de Itália não se deve proceder desse modo, porque nos

foi deixado pelos nossos maiores o costume de apresentar jogos de gladiadores no foro34.

A primeira função seria esta dos espectáculos; a segunda eram lojas bancárias e doutro

tipo, além de balcões dispostos para utilidade e adequado rendimento público (admi-

nistração pública?); a terceira seria a basílica para os comerciantes, estando assim

contempladas as três funções: a lúdica, a financeira e administrativa (em aliança já

32 Alarcão, J., Étienne, R., Golvin, J.-C., Schreyeck, J. et Monturet, «Vitruve à Conimbriga», in Revis-

ta Conimbriga XVII, Coimbra, 1978, p. 5-14. 33 Fleury, Ph., «Introduction», in Vitruve, ob. cit. (ed. 1990), p. XLV-XLVI. 34 Vitrúvio, ob. cit., V, 1, 1 (2006), p. 176 ; id., Vitruve, De l’architecture (De architectura), Livre V,

1, 1, texte établi, trad. et commenté par C. Saliou, Paris, 2009, p. 3: Graeci in quadrato amplissimis et

duplicibus porticibus fora constituunt crebrisque columnis et lapideis aut marmoreis epistyliis ador-

nant et supra ambulationes in contignationibus faciunt. / Italiae uero urbibus non eadem est ratione

faciendum, ideo quod a maioribus consuetudo tradita est gladiatoria munera in foro dari.

12

nesse tempo, pelos vistos), e a comercial. – É de salientar o primeiro lugar da lúdica,

dos jogos de gladiadores, coisa muito romana. – Mas veja-se o texto:

Por isso se dispõem intercolúnios mais espaçosos para a assistência e em volta, nos pórti-

cos, se colocam lojas bancárias, assim como balcões nos pavimentos superiores, dispostos

para utilidade e adequado rendimento público. Há toda a conveniência em que as medidas

sejam calculadas tendo em conta a quantidade de habitantes, a fim de que o foro não pareça

nem espaço pequeno para as necessidades, nem largo em demasia pela falta de povo. A

sua largura será definida, de modo que tenha duas partes das três em que for dividido o

comprimento. Assim, deste modo, a sua planta será oblonga e a sua disposição útil para a

realização de espectáculos35.

Convém que os locais das basílicas se situem junto dos foros e nas partes mais quentes, a

fim de que, no Inverno, os comerciantes possam reunir-se nelas sem o incómodo do mau

tempo. A sua largura deve ser determinada de modo que não seja menor que a terça parte

nem maior que metade do respectivo comprimento, salvo se a natureza do lugar tal impedir

e obrigar a fazer a proporção de outra maneira. Quando longitudinalmente houver maior

disponibilidade de espaço, construam-se calcídicos [pórticos ou galerias36] nos extremos,

como os que existem na Basílica Júlia Aquiliana37.

A natureza ou função comercial das basílicas é claramente explicitada nesta passagem,

onde se fixam regras sobre a localização, a exposição ou orientação solar, e as dimen-

sões e proporções das naves basílicais, além doutros pormenores, como os relativos 35 Vitrúvio, ob. cit., V, 1, 2 (ed. 2006), p. 177; idem, Vitruve, ob. cit., Livre V, 1, 2 (ed. 2009), p. 3-4:

Igitur circum spectacula spatiosiora intercolumnia distribuantur circaque in porticibus argentariae

tabernae maenianaque superioribus coaxationibus collocentur; quae et ad usum et ad uectigalia

publica recte erunt disposita. Magnitudes autem ad copiam hominum oportet fieri, ne paruum spatium

sit ad usum aut ne propter inopiam populi uastum forum uideatur. Latitudo autem ita finiatur uti,

longitudo in tres partes cum diuisa fuerit, ex his duae partes iubeantur; ita enim erit oblonga eius

formatio et ad spectaculorum rationem utilis dispositio. 36 Vitrúvio, ob. cit., V, 1, 4 (ed. 2006), p. 177, nota 6. 37 Vitrúvio, ob. cit., V, 1, 4 (ed. 2006), p. 177; idem, Vitruve, ob. cit., Livre V, 1, 4 (ed. 2009), p. 4-5:

Basilicarum loca adiuncta foris quam calidissimis partibus oportet constitui, ut per hiemem sine moles-

tia tempestatium se conferre in eas negotiatores possint. Earumque latitudines ne minus quam ex

tertia, ne plus ex dimida longitudinis constituantur, nisi si loca natura impedierit et aliter coegerit

symmetriam commutari. Sin autem locus erit amplior in longitudine, chalcidica in extremis constitu-

antur, uti sunt in Julia Aquiliana.

13

aos chalcidica. – Mas também, os preceitos sobre a implantação do templo principal,

construit sur le point le plus élevé de la ville, se fazem observar:

Se o recinto fortificado (…) estiver no meio das terras, deverá ser implantado no meio do

opido. / Quanto aos templos sagrados dos deuses, que se consideram ser a mais alta tutela

da cidade, Júpiter, Juno e Minerva, dever-lhes-ão ser distribuídas zonas no lugar mais

elevado, de onde se possa observar a maior extensão do recinto fortificado38.

Veja-se, agora, o que Vitrúvio afirma sobre le plan du cryptoportique et du portique du

temple ramène à la basilique de Fano, e que também se denota em Conimbriga:

O traçado das basílicas poderá ter uma maior dignidade e beleza (dignitatem e uenusta-

tem), como aquela que eu próprio planeei e tratei de construir na Colónia Júlia de Fano,

cujas proporções e simetrias (proportiones et symmetriae) deste modo se encontram defi-

nidas: a nave central, entre as colunas, tem cento e vinte pés de comprimento por sessenta

de largura. Os pórticos envolventes da nave têm de largura, entre as paredes e as colunas,

vinte pés. As colunas, sem interrupção até ao tecto, incluindo os capitéis, possuem cin-

quenta pés, sendo a sua espessura de cinco, tendo atrás de si pilastras com a altura de

vinte pés, larguras de dois e meio e espessura de pé e meio, as quais sustentam as traves

em que assentam os vigamentos dos pórticos. E sobre estas, outras pilastras com dezoito

pés de altura, dois de largura e um de espessura, que do mesmo modo recebem as traves

que sustentam o vigamento e os tectos dos pórticos, estes, por sua vez, a um nível mais

baixo que a cobertura central39.

38

Vitrúvio, ob. cit., I, 1, 7 (ed. 2006), p. 54; id., Vitruve, De l’architecture (De architectura), Livre I, 1, 7,

texte établi et trad. par Ph. Fleury, Paris, 1990, p. 41: Et si erunt moenia (…) sin autem mediterraneo,

in oppido medio. / Aedibus uero sacris quorum deorum maxime in tutela ciuitas uidetur esse, et Ioui et

Iunoni et Mineruae, in excelssimo loco undo moenium maxima pars conspiciatur aerae distribuantur. 39 Vitrúvio, ob. cit., V, 1, 6 (ed. 2006), p. 178; id., Vitruve, ob. cit., Livre V, 1, 6 (ed. 2009), p. 5-6:

Non minus summam dignitatem e uenustatem possunt habere comparationes basilicarum quo genere

Coloniae Iulia Fanestri collocaui curauique faciendam, cuius proportiones et symmetriae sic sunt

constituae. Mediana testudo, inter columnas, est longa pedes CXX, lata pedes LX, porticus eius circa

testudinem inter parietes et columnas lata pedes XX, columnae altitudinibus perpetuis cum capitulis

pedes L, crassitudinibus quinum, habentes post se parastaticas altas pedes XX, latas pedes II, crassas

I, quae sustinent trabes in quibus inuehuntur porticuum contignationes. Supraque eas aliae parastati-

cae pedum XVIII, latae binum, crassae pedem, quae excipinut item trabes sustinentes canthrium et

porticuum quae sunt summissa infra testudinem tecta.

14

Os espaços livres entre os travejamentos das pilastras e os das colunas são deixados, por

entre os intercolúnios, para a entrada da luz. São quatro as colunas transversais da nave

principal, incluindo as angulares à direita e à esquerda, e oito no sentido do comprimento,

do lado do foro, contando igualmente as angulares. Do outro lado, também com as dos

cantos, são seis, porque não se colocam nesta parte as duas do meio, a fim de não impedirem

a visão dos pronaus do templo de Augusto, que se encontra no lado médio da parede da

basílica, orientado para o centro do foro e para o templo de Júpiter40.

E, finalmente, o conjunto de preceitos que se faz observar em l’ensemble flavien:

adoption d’un module architectural de dix pieds [cerca de 3.00 m] utilisé de façon

générale, é deste modo descrito no De architectura:

A composição dos templos assenta na comensurabilidade, a cujo princípio os arquitectos

deverão submeter-se com muita diligência. A comensurabilidade nasce da proporção, que

em grego se diz analogia. A proporção consiste na relação modular de uma determinada

parte dos membros tomados em cada secção ou na totalidade da obra, a partir da qual se

define o sistema das comensurabilidades. Pois nenhum templo poderá ter esse sistema

sem conveniente equilíbrio e proporção e se não tiver uma rigorosa disposição como os

membros de um homem bem configurado41.

Os nossos, porém, consideraram perfeito o antigo número e constituiram no denário dez

moedas de bronze e por isso a composição do nome mantém até ao dia de hoje o signifi-

cado de dez (…) a partir disto encontraram o módulo do pé...42.

40 Vitrúvio, ob. cit., V, 1, 6 (2006), p. 178; id., Vitruve, ob. cit., Livre V, 1, 6 (2009), p. 6: Reliqua

spatia inter parastaticarum et columnarum trabes per intercolumnia luminibus sunt relicta. Columnae

sunt in latitudine testudinis cum angularibus, dextra ac sinistra, quaternae, in longitudine, quae est

foro proxima, cum isdem angularibus octo, ex altera parte cum angularibus VI, ideo quod mediae

duae in ea parte non sunt positae, ne impediant aspectus pronai aedis Augusti, quae est in medio

latere parietis basilicae collocata, spectans medium forum et aedem Iouis. 41

Vitrúvio, ob. cit., III, 1, 1 (2006), p. 109; id., Vitruve, De l’architecture (De architectura), Livre III,

1, 8, texte établi, trad. et commenté par P. Gros, Paris, 1990, p. 5-6: Aedium compositium constat ex

symmetria, cuius rationem diligentissime architecti tenere debent. Ea autem paritur a proportione,

quae grece άναλογία dicitur. Proportio est ratae partis membrorum in omni opere totoque commodu-

latio, ex qua ratio efficitur symmetriarum. Namque non potest aedis ulla sine symmetria atque pro-

portione rationem habere compositionis, nisi uti [ad] hominis bene figurati membrorum habuerit

exactam rationem. 42

Vitrúvio, ob. cit., III, 1, 8 (2006), p. 111; id., Vitruve, ob. cit., Livre III, 1, 1 (1990), p. 10: Nostri autem

15

Assim, a tripla função do foro, suas dimensões e proporções, e a forma e proporções da

basílica (V, 1-5 e 6-7); o templo no ponto mais elevado do foro (I, 7, 1); e o módulo de

dez pés (número e módulo proporcional ideais, III, 1, 8), tudo isto terá sido confirmado

em Conimbriga, nas construções do tempo de Augusto, e nas de Flávio e Trajano.

O mesmo se passa com estudos mais recentes, dando como verificadas as normas

que Vitrúvio recomenda para os átrios toscanos (Figs. 142, 143, 144), e com a validade

de essa verificação ser estatísticamente muito significativa, pois foi feita a partir das

medições de uma centena de átrios toscanos e, em peu plus de um terço dos casos, as

relações entre larguras e comprimentos do átrio toscano, descritas por Vitrúvio no

Livro VI, 3, 3, ter-se-ão verificado43. – No entanto, pode-se interpretar estes factos, não

como influência exercida pelo tratado de Vitrúvio, mas como expressando regras que

já existiriam antes, possivelmente, sem estarem escritas, e a que Vitrúvio se reportará,

intentando fazer do que era uma praxis consuetudinária uma teoria.

Mas o contrário, não conformidade dos preceitos vitruvianos com a realidade dos

factos revelados pela arqueologia, também se tem feito observar, principalmente

desde que a arqueologia se constituiu como ciência rigorosa, dada a passar todos as

ideias feitas na peneira da crítica (maneira dessas ideias perderem as peneiras). Aliás, e

como já se assinalou no artigo e capítulo anterior, foi assim, conjugando os resultados

da arqueologia rigorosa com os da investigação filológica, que o conhecimento sobre

Vitrúvio avançou. – Mas debruçar-se o estudo sobre esse assunto está fora do seu

âmbito e também dos intuitos específicos do autor, pelo que se fica por aqui. Antes, no

entanto, para dar uma ideia das novas perspectivas sobre Vitrúvio, e já que se começou

com citações (as de Sidônio Apolinário), acaba-se com outra, bem mais recente e bem

ilustrativa da panorâmica revelada por essas novas perspectivas:

primo fecerunt <perfectum> antiquum numerum et in denario denos aeris constituerunt, et ea re com-

positio nominis ad hodiernum diem denarium retinet (…) autem rei auctorem inuenerunt pedem… 43 Hallier, G., «Entre les règles vitruviennes et les réalités archéologiques: l’atrium toscan et quelques

autres exemples», in Geertman, H., and Jong, J. J. de (eds.), Munus non Ingratum: Proceedings of the

International Symposium on Vitruvius’ De architectura and the Hellenistic and Republican Architec-

ture, Actes du Colloque de Leyde (21.1.1987), Leyde, 1989, p. 194-211.

16

Le De architectura est plus qu’un traité d’architecture: il constitue une véritable encyclopédie

des arts, des techniques et des sciences de l’Antiquité, une véritable «Histoire artificielle» du

monde comme nous parlons avec Pline l’Ancien d’Histoires naturelles. Vitruve est au quadri-

vium mathématique ce que Cicéron est au trivium littéraire: il donne au savoir sa culture et

ses œuvres. Et tandis qu’à la science il ouvre un monde, il met, en retour, les mathématiques

au service de l’art qu’il élève ainsi au rang de la science: ars sine scientis nihil est…44.

E é claro que, depois de tão autorizada e decidida opinião, nada vale a pena acrescentar

a este capítulo, que visou, não apenas comentar os reflexos de Vitrúvio noutros autores

romanos, mas também expressar ou registar uma certa avaliação sobre o autor. – De

resto, os reflexos de Vitrúvio, noutros autores da Antiguidade, mesmo aqueles que

não o nomeiam, como é o caso de Paladio, tratados com maior extensão e acuidade,

no referente a Plínio, o Velho, Faventino e Paladio, o tratadista da agricultura, serão

os temas a preencher a parte final deste estudo.

44 Caye, P., Empire et Décor: L’architecture et la question de la technique à l’age humaniste et clas-

sique, Paris, 1999, p. 21 et note 1.

17

FIGURAS

141, 142 – Conimbriga: vista da Cidade (reconstrução); ruínas do Foro de Augusto.

18

143, 144, 145 – Átrio (cavaedium) toscano, interpretação de Fra Giocondo, M. Vitrvvivs per

Iocvndvm…, VI, 3, 1511, f. 60; id., e suas medidas e proporções, interp. de Cesariano, Di Lucio

Vitruuio Pollione de Architectura Líbri Dece…, VI, 3, 1521, f. LXXXXVI e LXXXXVIII.