RE-PLAY: INTERACTIONS WITH HISTORY IN THE DESIGN STUDIO
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Congresso Internacional “O que é uma escola de Projeto na contemporaneidade – Questões de ensino e critica do conhecimento em
Arquitetura e Urbanismo”, São Paulo, Brasil, 01 a 09 de Setembro 2013.
FAU UPM – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – Universidade Presbiteriana Mackenzie. São Paulo, Brasil; INIFAUA – Instituto de
Investigación – Facultad de Arquitectura, Urbanismo y Artes. Universidad Nacional de Ingeniería. Lima, Peru.
RE-PLAY: INTERACTIONS WITH HISTORY IN THE DESIGN STUDIO Mónica Pacheco
Departamento de Arquitectura e Urbanismo | ISCTE-IUL / Dinâmia-Cet | Lisboa, Portugal | [email protected]
RESUMO
A arquitetura estabeleceu, desde sempre, relações com a sua história. Contudo esta só viria a constitui-se
enquanto disciplina no séc. XIX, quase dois séculos depois da emergência do ensino academizado em França.
Efetivamente, a abertura da Académie Royale d’Architecture, em 1671, impulsionou inúmeras investigações que
revelam o interesse crescente no conhecimento rigoroso do passado. Porém, é apenas no contexto do
Polytechnique que a relação entre história da arquitetura e práxis, como até então era entendida, é desafiada,
paradoxalmente num curso para futuros engenheiros. O tema adquire uma enorme importância no discurso
arquitetónico sendo alvo de constantes reposicionamentos críticos até muito recentemente, parecendo ter sido
votada ao ostracismo na maioria das escolas, onde se assiste-se ao uso da história de modo tecnocrático e
reducionista, traduzindo-se em análises e organigramas inconsequentes.
A presente investigação, assente no desenvolvimento do workshop de uma semana intitulado Re-play
(modernism) realizado em Salerno com alunos do segundo ano, propõe-se refletir sobre o potencial generativo
dos precedentes históricos e testar o modo como estes podem ser instrumentalizados de forma criativa através
dos próprios processos de representação. Da análise dos resultados espera-se que possam advir novas práticas
pedagógicas que questionem e desafiem a condição pós-moderna.
Palavras-chave: Estúdio. História da arquitetura. Ensino da Arquitetura. Interações. Representação.
ABSTRACT
Architecture has always established interactions with its history. However, as a discipline, it was only recognized
as such in the 19th century, almost two hundred years after the emergence of the academic teaching system. In
fact, the opening of the Académie Royale d’Architecture in 1671 has boosted many research projects that
revealed an increasingly interest in a rigorous knowledge of the past. Nevertheless, it was only within the context
of the Polytechnique, and paradoxically in a course for future engineers, that the relation between history and
practice has it was understood, was definitely challenged. The theme acquires enormous importance in the
architectural discourse, and a target of critical reasoning until very recently, being ostracized in most schools
where the use of history in a technocratic and reductionist way is translated into inconsequential analyses and
organigrammes.
This paper intends to reflect upon the generative potential of historic precedents from a one week workshop
developed in Salerno with 2nd year students. The title Re-play (modernism) aimed, simultaneously, to question the
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postmodern condition and to test the ways in which they can be used in creative ways from the process of
representation, calling for new pedagogies within the design studio.
Keywords: Design Studio. History of Architecture. Architectural Education. Interactions. Representation.
beauty is the eye discovering in our world what the mind already knows Veli Can
1
A relação entre passado e presente, entre práxis e os seus precedentes é, desde sempre,
uma constante. Contudo, a história da arquitetura enquanto disciplina surge apenas no séc.
XIX, fruto de um processo lento cuja génese remonta à revolução científica e epistemológica
que teve início sensivelmente dois séculos antes e transformou o mundo de forma indelével,
resultando num progressivo ceticismo relativamente a verdades até então tidas como
universais, e a uma necessidade crescente e explícita de demonstração e sistematização de
todos os temas da sociedade, como tão bem ilustra a Encyclopédie de D’Alembert e Diderot,
típica deste desejo e ansiedade iluministas.
A abertura da primeira escola de arquitetura em França em 1671, a Académie Royale
d’Architecture – impulsionada por Louis XIV (1638-1715), Jean-Baptiste Colbert (1619-83) –
o ministro de Estado francês e N-F Blondel (1618-86) – reflete a importância atribuída ao
domínio de aspetos teóricos e científicos da disciplina na formação de profissionais, não só
pela própria classe, mas também pelo Estado, impulsionando projetos de investigação, com
o objetivo de correção da imprecisão de obras do passado, como as traduções de Vitrúvio.
Neste contexto, assiste-se ao desenvolvimento de dicionários e enciclopédias, bem como de
manuais didáticos enquanto veículos privilegiados de exposição, transmissão e
operacionalização prática, uma tradição inaugurada por N-F. Blondel com o seu Cours
d’Architecture (1675-83). Contudo, paradoxalmente, é no contexto do Polytechnique,
nomeadamente de um curso para futuros engenheiros, que a operacionalização da história,
como até aí vinha sendo feita, é pela primeira vez desafiada.
A história do ensino da arquitetura, infinitamente pequena quando comparada com a história
da arquitetura propriamente dita, reflete assumidamente diferentes posicionamentos críticos
relativamente à interação desta com a práxis arquitetónica. Após a aparente rutura do
movimento moderno com a história e sua subsequente recuperação no período que se
generalizou apelidar de pós-moderno, a discussão permanece polarizada, como tem sido há
mais de um século, entre método e processo, tradição e contemporaneidade, regulação e
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imitação. Transversalmente, a ênfase mantém-se vinculada à génese da forma
arquitetónica, aos princípios e razões que a regem e, fundamentalmente, justificam.
Efetivamente, aquilo que assistimos hoje, na maioria das escolas de arquitetura, é à
ausência de um posicionamento crítico declarado relativamente à operacionalização da
história da arquitetura como na França neoclássica, na Escola Italiana, no chamado
Classicismo pós-moderno ou mesmo naquilo que Frampton apelidou de regionalismo crítico.
A disciplina permanece nos currículos atuais com o propósito de informar os estúdios de
arquitetura. No entanto esta interação manifesta-se, de modo preponderante, em
categorizações a partir de constantes organizacionais e estruturais, ou tipos funcionais,
constituindo uma tipologia aplicada. Na maioria das escolas o ensino prático consiste,
geralmente, na execução de um programa específico com graus de complexidade
crescentes ao longo dos anos que compõem o curso, baseada na análise racional e
avaliação crítica do programa funcional, uma herança de Viollet-le-Duc. As obras do
passado são abordadas de forma tecnocrática com o intuito de extrair das mesmas análises
paralelas que se traduzam em organigramas que informam, de um ponto de vista tipológico
(no sentido funcional do termo e não no de Quatremère de Quinçy) o processo de projeto.
Esta é, quanto a nós, uma abordagem reducionista, que menospreza o potencial generativo
da história da arquitetura. O presente artigo, assente num exercício exploratório lançado no
contexto de um workshop desenvolvido com alunos do segundo ano da Università degli
Studi di Salerno, em Itália, em Março de 2013, propôs-se testar novas pedagogias de
fomentação de interações criativas, pessoais e criticas dos precedentes históricos.
The great obsession of the nineteenth century was, as we know, history: with its themes of development and suspension, of crisis, and cycle, themes of the ever-accumulating past, with its great preponderance of dead men and the menacing glaciation of the world. The nineteenth century found its essential mythological resources in the second principle of thermodynamics. The present epoch will perhaps be above all the epoch of space. We are in the epoch of simultaneity: we are in the epoch of juxtaposition, the epoch of the near and far, of the side-by-side, of the dispersed. We are at a moment, I believe, when our experience of the world is less that of a long life developing through time than that of a network that connects points and intersects with its own skein. (…) Yet, i tis necessary to notice that the space which today appears to form the horizon of our concerns, our theory, our systems, is not an innovation; space itself has a history in Western experience, and it is not possible to disregard the fatal intersection of time with space. (Foucault: 1967)
2 INTERAÇÕES ENTRE HISTÓRIA E “AULAS DO RISCO”
O período compreendido entre os séculos XVII e XIX tem sido consagrado pela história e
teoria da arquitetura como aquele em que, pela primeira vez, se procurou, de forma
explícita, a definição dos fundamentos epistemológicos da disciplina. Esta ambição de uma
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definição completa de todos os aspetos relacionados com a arquitetura, desde a construção,
passando pela estrutura e a estética, a crença de que a técnica e a ciência inauguravam
uma nova era, e a evidente ausência de formação do arquiteto traduziu-se, como referido
anteriormente, no desenvolvimento de novos formatos de representação teórica —
expressivamente demonstrados no Dictionnaire d’Architecture de Quatremère de Quinçy
(1755-1849) integrantes da Encyclopédie Méthodique de Joseph Pankouke —, na paulatina
generalização do ensino, e na transformação do entendimento do desenho enquanto
ferramenta de rigor científico.
O desenvolvimento da geometria descritiva por Gaspard Monge (1746-1818) possibilitou as
inúmeras campanhas levadas a cabo para levantamentos de edifícios da antiguidade que se
verificaram à época, com vista à sua catalogação, organização e inventariação que
impulsionaram quer o valor científico atribuído à arqueologia, quer à história da arquitetura,
substituindo o conhecimento dos precedentes através de fontes literárias ou do
conhecimento direto, por ilustrações cada vez mais rigorosas.
A aprendizagem prática tem início com o Grand Prix uma espécie de primórdio dos estúdios
de arquitetura (aulas do risco ou aulas de projeto), que ambicionava um ensino rigoroso,
informado pela crescente importância atribuída ao domínio da técnica, bem como das
ciências sociais e políticas. O prémio tinha como objetivo enviar os alunos para a Académie
de France em Roma, onde estes terminavam os seus estudos, permitindo-lhes o contato
direto com a cultura clássica, cujas obras podiam imitar e copiar, trazendo mais tarde esse
conhecimento de regresso a França.
O interesse na história da arquitetura, de forma mais explícita, remonta à redescoberta de
Vitrúvio por uma lado, e por outro à constatação das discrepâncias entre as proporções
prescritas por aquele e as observadas empiricamente na arquitetura romana pelos teóricos
do Renascimento.
Na segunda década do séc. XVI (c.1519), numa carta, atribuída a Rafael (1483–1520), ao
papa Leão X (1475-1521), este revela a intenção de realizar um atlas dos monumentos da
Roma Antiga, apresentados em planta, corte e alçado de modo exato e fiel. Foi no entanto
apenas em 1526 que António Labacco (c. 1495–1559), um arquiteto italiano, gravador e
escritor, juntamente com os arquitetos Antonio da Sangallo (1484–1546), Pier Francesco da
Viterbo (1470–1535) e Michele Sanmicheli (1484–1559), a trabalhar para o Papa Clemente
VII (1478–1534) sobre as fortificações de Parma e Piacenza, puseram em marcha a
medição e documentação das ruínas antigas de forma mais sistemática com o objetivo de
proceder à reconstituição dos grandes monumentos, e que resultaram na obra Libro
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d'Antonio Labacco appartenente architettura nel qual se figurano alcune notabili antiquata di
Roma (1552).
Esta antecipou, de certa forma, aquilo que se viria a concretizar com os tratados ilustrados
de Sebastiano Serlio (c. 1475-1553/55) e Andrea Palladio (1508-80), os primeiros a
procederam a reconstituições de ruínas romanas sem precedentes, que visavam a
explicitação do sistema modular das ordens, dando assim expressão gráfica a uma
sistematização do conhecimento que veiculou um entendimento da teoria e história da
arquitetura que passa a ser gradualmente também visual e gráfica.
É contudo no século seguinte que uma certa erudição arqueológica, transversal à elite
cultural, adquire um determinado valor científico responsável pela produção de uma série de
obras que impulsionam a história da arquitetura propriamente dita, de acordo com a sua
definição atual: Johann Joachim Winckelmann (1717-68) havia estabelecido os seus
fundamentos em Geschichte der Kunst des Altertums (1764), e Fischer von Erlach (1656-
1723) em Entwurff einer historischen Architektur (1721) procura a sistematização do
desenvolvimento da arquitetura fundamentada em razões climatológicas, naturais e sociais,
incluindo não só o Ocidente como também o Oriente Antigo e a Ásia Oriental. Outras obras
incluem Parallèle général des édifices les plus considérables depuis les Égyptiens, les
Grecs, jusqu’à nos derniers modernes (c.1750) de Juste-Auréle Meissonier (1695-1750); a
edição de 1770 de Ruines des plus beaux monuments de la Grèce de Julien-David Le Roy;
Plan sur la même échelle des théâtres modernes les plus connus de Victor Louis (1731–
1800); o inventário de 1762 realizado por James Stuart (1713-88) e Nicholas Revett (1720-
1804) intitulado The Antiquities of Athens, e Recueil et parallèle des édifices de tous genres,
anciens et modernes, remarquables par leur beauté, par leur grandeur ou par leur
singularité, et dessinés sur un même échèle (1799-1801) de Jean-Nicolas-Louis Durand
(1760-1834), uma obra de vocação eminentemente didática, que apresenta uma coleção de
gravuras que organiza os edifícios por tipos, representados e comparados à mesma escala,
constituindo uma espécie de atlas panorâmico da história.
A obra de Paul Letarouilly (1795-1855), Édifices de Rome moderne: ou recueil des palais,
maisons, églises, couvents, et autres monuments publics et particuliers les plus
remarquables de la ville de Rome, resultado de um levantamento exaustivo dos edifícios de
Roma numa viagem que realizou em 1820 e que publicou entre 1840 e 1855, representa
uma das mais importantes histórias gráficas da arquitetura, que utiliza pela primeira vez o
sistema métrico decimal e a escala gráfica. Progressivamente mais rigorosos,
nomeadamente quanto à precisão dos seus levantamentos e, consequentemente,
considerados mais importantes do ponto de vista documental, seguem-se os estudos de
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James Fergusson (1808-86): The illustrated handbook of architecture: being a concise and
popular account of the different styles of architecture prevailing in all ages & countries (1855)
e History of Architecture from the earliest times to the present day (1865); de Banister
Fletcher: A History of Architecture on the Comparative Method (1896); e de August Choisy
(1841-1909): Histoire de l’Architecture (1899). Esta última apresenta ilustrações, que já não
são meramente descritivas mas sobretudo analíticas, que através das suas famosas
axonometrias selecionavam os aspetos que se pretendiam analisar em detrimento de
outros. É por esta razão que se manteve durante muito tempo como um documento de
referência, uma vez que recorria aos próprios instrumentos de produção, documentação e
expressão da arquitetura como ferramenta de investigação, estudando-a a partir da sua
própria essência e não de pontos de vista exteriores à disciplina.
Todavia, a integração de uma disciplina de história da arquitetura nos currículos académicos
ocorreria somente em meados do séc. XIX, pela primeira vez, na Universidade de Berlim. E
em França, como reporta Vidler, quatro décadas depois, o Congresso Internacional de
Arquitetos ainda protestava contra a ignorância dos estudantes da Ecole em estilos
históricos, exigindo a inserção de uma disciplina de arqueologia francesa (Vidler, 1977:157).
Uma das primeiras tentativas académicas de operacionalização prática da história encontra-
se particularmente representada na criação de dois manuais, Recueil e Précis. Elaborados
por Durand na viragem para o séc. XIX levantam, respetivamente e de forma paradigmática,
duas questões fundamentais que informam, e ao mesmo tempo desafiam a práxis
arquitetónica:
— A partir do que é concebida?
— Como é produzida?
Uma primeira análise poderia induzir o leitor de que Durand se limitava a apresentar uma
compilação de modelos revistos e sistematizados em Recueil, e prontos a utilizar à la carte,
de acordo com a metodologia de composição proposta e o recurso ao papel quadriculado —
conotado geralmente com a esfera da pintura, nomeadamente com a cópia de imagens —
em Précis. Contudo, quando os modelos são decompostos em elementos que permitem
inúmeras combinações, como conclui Werner Szambien, Durand prova que o seu método
não compromete, de forma alguma, a criatividade do projetista, mas antes que recorre a
técnicas de imitação com propósitos não imitativos (Szambien:1981, 107). Se dúvidas
existirem sobre a aparente ambiguidade da relação de Durand com a questão da imitação, o
certo é que o modelo imitado tende a desaparecer, enquanto a arquitetura atende às
necessidades práticas e à utilidade como conceitos sociais. Esta foi uma posição intelectual
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resultante de uma época em que a natureza e a arquitetura antiga eram ambas objeto de
estudo científico no sentido moderno — uma posição que deve, sem dúvida, ter parecido
isolada no meio das medidas adotadas pelos teóricos da arte. Ao negar a impossibilidade de
algo como uma imitação ‘fechada’, Durand lançou a ideia de imitação ‘distante’ e assim
contribuiu notavelmente para o colapso do conceito de imitação em si (Szambien:1981,
111). Recueil e Précis revelam que Durand procurou clarificar em arquitetura a relação entre
uma tipologia histórica concreta e a forma geral baseada nas leis universais da geometria,
bem como um desenvolvimento puramente euclidiano da forma para legitimar configurações
arquitetónicas mais complexas, ao mesmo tempo fortemente ancorado em manifestações
históricas concretas (Oechslin: 1986, 46).
No entanto, aquilo que claramente distingue a obra de Durand da de um historiador como,
por exemplo, Fletcher é que esta não tinha como propósito uma sistematização cronológica,
cronológico-geográfica ou mesmo estilística, uma vez que este não se interessou pelo
passado a não ser para retirar os exemplos de uma teoria operativa sob a qual assentou os
seus ensinamentos no Polytechnique. Isto significa que o reconhecimento da Antiguidade
Clássica não implicava a sua imitação, que deveria ser evitada a todo o custo, como refere
no segundo volume de Précis, por não ser um método apropriado à arquitetura
(Durand:2000, 133). Pelo contrário, a resposta do arquiteto a um determinado problema,
guiado pelas premissas da racionalidade, competência e economia, deveria recorrer à
combinação de um repertório de formas fixas (que, apesar de nunca referir, se verificam ser
exclusivamente formas geométricas elementares), as quais nunca poderiam resultar numa
composição final igual. Esta não deixa de ser uma postura extremamente radical, se se
considerar que a imitação era o princípio primordial da teoria clássica, e é Durand o primeiro
a assumir o oposto, ainda que reconhecesse a autoridade da arquitetura antiga.
Uma outra importante personagem na definição de um discurso sobre a relação entre
precedentes históricos e práxis arquitetónica foi J-F. Blondel, que se destacou
essencialmente como professor na Academie. Para este não era importante que os
monumentos se assemelhassem especificamente à arquitetura antiga, gótica ou moderna,
desde que o efeito resultasse numa adequação certa ao edifício em questão, ou seja, a sua
finalidade devia ser claramente evocada pelo seu carácter, uma indicação variável de
severidade, gravidade, elegância, magnanimidade ou opulência.
Este interesse simultâneo na história e no desvinculamento de um estilo específico seria
reinventada por todos aqueles que procuraram explorar a relação entre a intenção do
arquiteto e a perceção do utilizador, entre sujeito e objeto: a “architecture parlante” de
Ledoux (1736-1806) e Boullée (1728-99); as estruturas socialmente codificadas de Alvar
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Aalto (1898-1976); as formas intemporais e arquetípicas de Rossi (1931-97); a reivindicação
de um “glossário” de “objetos denomináveis” (Krier:199, 32-34) de Léon Krier (n.1946); as
noções de comunicação e memória subjacentes a muita da arquitetura pós-moderna —
historicista, figurativista, iconoclasta —; bem como, por exemplo, a arquitetura de Herzog &
Meuron da década de 90, designadamente no simbolismo do tratamento das superfícies
arquitetónicas.
Na viragem do século, Julien Guadet (1834-1908), professor na École des Beaux-arts de
Paris, muito influenciado por Durand, desenvolve em Eléments et Théories de l’Architecture
(1901-04) um estudo de edifícios-tipo, em diferentes períodos da história. Igualmente
concebido como um manual para estudantes, procurou apresentar todo o tipo de problemas
com os quais estes poderiam defrontar-se na vida profissional. Os oito grandes capítulos
que o constituem organizam-se de acordo com diferentes tipologias que correspondem a
diferentes programas arquitetónicos, que descreve pormenorizadamente: casas; edifícios de
ensino e instrução; edifícios administrativos, políticos, judiciais e penitenciários; edifícios
hospitalares; edifícios de uso público; edifícios religiosos; edifícios funerários,
comemorativos e decorativos; e arquitetura militar, rural e de jardins.
Na sua abordagem, Guadet distingue elementos de arquitetura e elementos de composição,
e cada capítulo é baseado em exemplos de edifícios históricos, não expressando nenhuma
preferência por nenhum estilo, mas aparentemente procurando desvincular a arquitetura de
qualquer estilo ou ordem específicos. Em alguns deles, procede inclusive à diferenciação
entre os “espaços para circulação” e “superfícies úteis” de um projeto arquitetónico, como
forma de definir e maximizar a sua utilização espacial. Significa isto que a sua metodologia
de projetação assenta num processo racional de combinação de elementos formais, que se
tornou a base de trabalho de muitos arquitetos modernos, nomeadamente esta noção de
representabilidade da função, herdada pela fação mais ortodoxa do movimento moderno.
Efetivamente, a visão historicista de que o movimento moderno se opôs à tradição
novecentista beaux-arts é errónea e tanto a École como o Polytechnique de Paris, as suas
ideias e produção teórica — sempre referidas em termos pejorativos —, anteciparam os
seus enunciados que foram elaborados com base nas suas conceções racionalistas. Para
além disso, os seus sistemas de ensino influenciaram o número crescente de escolas de
arquitetura que foram surgindo no séc. XIX na Europa, nomeadamente Inglaterra e
Alemanha e, a partir desta altura Paris deixa de ser a única referência para o ensino da
arquitetura.
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Em meados do séc. XIX, o processo de reforma do ensino, nomeadamente primário,
influenciado por pedagogos europeus tais como Jean Jacques Rousseau (1717-1778),
Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827), Johann Friedrich Herbart (1776-1841) e Friedrich
Wilhelm Froebel (1782-1852) ter-se-á refletido também no ensino da arquitetura. Os
modelos pedagógicos que delinearam, o conceito de individualidade e criatividade e a noção
de “aprender fazendo”, colocava os princípios subjacentes ao Grand Prix numa nova
perspetiva que extrapolaria o conceito encontrando tradução nas práticas pedagógicas da
Bauhaus (1919-33), uma escola de arquitetura fundada em Weimar por Walter Gropius
(1883-1969). Esta vai corporificar um sistema de ensino baseado nestas premissas,
nomeadamente na aproximação entre processo conceptual e processo construtivo,
enfatizando a ideia de Viollet-le-Duc (1814-1879) sobre a necessidade de uma formação
prática no seio académico. O trabalho oficinal, ancorado na ideia de criatividade artística,
experimentação ativa e no tema central de Froebel, 'play', enquanto processo fundamental
na aquisição de descobertas teóricas importantes, era uma prática que constituía o método
básico de aprender e ensinar, e o seu valor pedagógico entendido como um contributo para
o afastamento da abstração académica, movendo-se em direção a um trabalho ativo real
consubstanciado num método para ganhar experiência por conta própria e maior
conhecimento produtivo.
1 Aula de arquitetura na Bauhaus de Dessau
Para Gropius a produção arquitetónica, representava simultaneamente a cultura de um
determinado momento histórico internacional e uma relação direta entre origem da forma e
forma propriamente dita — daí ter defendido a possibilidade de projetar sem recurso a
exemplos do passado. Em termos académicos chegou mesmo a impedir o acesso aos
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cursos de história no âmbito da Bauhaus, não revendo este seu posicionamento nem sequer
quando assumiu a direção de Harvard, por considerar que estes estudos podiam constituir
um meio para verificar os princípios elaborados pelos estudiosos através dos seus
exercícios embora, por si, fossem incapazes de desenvolver um código de princípios válidos
para a composição criativa contemporânea. Neste sistema de aprendizagem, a estética
torna-se subsidiária da ética, por oposição à moral, por exemplo de Blondel.
Aquilo em que genericamente a geração que se formou de acordo com estes pressupostos
acreditou foi numa relação causa-efeito entre requisitos e forma como sendo suficiente para
criar as regras de projeto, sem recurso aos precedentes e tipos históricos, pois as
características específicas de um problema providenciariam uma resolução única, em suma:
uma grande tentativa de confrontar os problemas da arquitetura com a sociedade moderna,
procurando transformar a forma numa notável combinação de racionalismo e empirismo. O
racionalismo significou a libertação de uma série de convenções e influenciou a forma dos
objetos. O empirismo indicou a investigação cuidadosa de como as coisas e edifícios eram
utilizados.
A rejeição do objeto arquitetónico a partir da sua historicidade e a rutura com o
tradicionalismo arquitetónico dos estilos históricos proclamou a liberdade criativa do
arquiteto e a libertação dos cânones clássicos e dos tipos históricos, possibilitando o
desenvolvimento de soluções muitas vezes inéditas para as exigências e necessidades dos
novos paradigmas sociais e económicos.
É precisamente esta questão que despoletaria, em meados do séc. XX, o mais aceso
debate da história da teoria da arquitetura sobre a recuperação do valor dos precedentes
históricos para a cultura arquitetónica. Este conduziu, por um lado, a visões futuristas e, por
outro a um interesse renovado pela problemática da cidade e do espaço público em termos
de manutenção da continuidade formal, estrutural e cultural da cidade histórica, e na
redescoberta da tradição em arquitetura como fonte de inspiração. A obra de Gustavo
Giovannoni (1873-1947) e os estudos de Saverio Muratori (1910-73), procuraram na análise
da cidade o suporte para uma metodologia de projeto. Enquanto Durand partiu da análise
genérica de edifícios históricos para daí extrair um método de projetação, para Muratori a
análise tipológica era específica de um lugar particular, devendo repercutir-se no desenho
da cidade. Base para o desenvolvimento subsequente de estudos tipológicos, o legado
destes autores encontrou em Gianfranco Cannigia (1933-87) — seu principal seguidor —,
assim como em Rossi e no seu círculo, o seu desenvolvimento mais complexo e
sistemático, originando um conjunto de ensaios em torno do tema da relação entre tipologia
arquitetónica e morfologia urbana, e dos quais se destacam La Formazione del Concetto di
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Tipologia Edilizia e Aspetti e problemi della tipologia edilizia, Rapporti tra la Morfologia
Urbana e la Tipologia Edilizia (Carlo Aymonino, os dois primeiros de 1964 e o último de
1966), L'architettura della città (Aldo Rossi, 1966), Typology and Design Method (Alan
Colquhoun, 1967) e La Costruzione logica dell'architettura (Giorgio Grassi, 1967).
Partindo de Quatremère através de Argan, esta nova geração deu um novo significado e
dimensão à ideia de tipo enquanto ponte entre tradição e modernidade. A interpretação de
Rossi do conceito de tipo de Quatremère foi simultaneamente literal e idiossincrática. Para
Rossi, o tipo, pilar central da sua teoria, é algo que precede a forma, é o princípio que
permanece inalterado apesar das suas transformações. Neste sentido, o tipo é entendido
como objetivo e lógico, é a essência da arquitetura e, consequentemente, uma categoria
epistemológica através da qual seria possível construir uma base científica para a disciplina
de arquitetura, uma abstração derivada de obras arquitetónicas passadas que, por sua vez,
serviriam de princípios generativos para as novas. Apesar de reiterar a posição de
Quatremère, Rossi, tal como Durand, procurou uma ligação entre análise científica baseada
em edifícios do passado e síntese criativa. Aliás, Rossi chega mesmo a citá-lo e às suas
lições no Polytechnique de forma a validar a importância da questão tipológica, enfatizando
como a mesma era já reconhecida pelos arquitetos iluministas.
Ernesto Rogers (1909-69), figura fundamental no estabelecimento do racionalismo italiano,
contemporâneo de Muratori e Argan, representa uma terceira corrente que veicula uma
crítica ao movimento moderno mais progressista por oposição a uma crítica porventura mais
reacionária de Muratori e Cannigia, através da sua obra, mas, fundamentalmente, a partir da
direção da revista Casabella-Continuitá entre 1953 e 1964 e respetivos editoriais, e aos
debates que aí conduziu com Rossi, Gregotti e Giancarlo de Carlo. Rogers não “diabolizou”
o movimento moderno e considerou até que este, não estando completamente morto,
permanece como uma revolução contínua, acrescentando que é inevitável prosseguir as
tradições dos mestres, diferenciando-se daqueles sem no entanto os negar, através de um
complexo processo de revisão histórica consciente, que permite estabelecer uma relação
entre as novas obras e a envolvente. Rogers considerava ser necessário recuperar o
sentido da tradição que havia sido renegado e empreender todos os esforços no sentido de
vencer o culturalismo académico, nostálgico e reacionário, uma vez que as vanguardas
modernas já não corriam o perigo de ser corrompidas, tornando-se possível orientar as
pesquisas na direção de um sentimento mais profundo da história.
De certa forma, Rossi fez convergir as posições de Muratori, Rogers e Argan numa
perspetiva pessoal e original sobre a ideia de tipo. Condenou o funcionalismo e levou mais
além os conceitos de Rogers de precedentes, considerando o conhecimento da história
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Arquitetura e Urbanismo” , São Paulo, Brasil, 01 a 09 de Setembro 2013.
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desvinculado do imperativo de constranger o futuro. A história é entendida enquanto
repositório de estruturas, factos, eventos e memórias que o arquiteto pode livremente
interpretar.
Em meados do séc. XX começam a surgir as primeiras críticas à ambição de uma definição
estrutural e formalmente unitária da cidade contemporânea e ao que uma nova geração
considerou terem sido as visões ideológicas e totalitaristas da arquitetura e a
instrumentalização de esquemas coercivos ao serviço das doutrinas sociológicas do século
anterior. A crise do pensamento racionalista implicou a negação de sistemas de referência
absolutos – como foram a arquitetura clássica e modernista - e de métodos universalmente
válidos subjacentes à arquitetura.
Isto conduziu a um novo paradigma de valorização do processo, que propunha a
substituição da arquitetura do objeto pelo processo de arquitetura, implicando uma estreita
reciprocidade entre conceção e construção, sendo que a demonstração da efetividade da
primeira valida a segunda através da sua explicitação pelo desenho ou modelos
tridimensionais. Eisenman inverte a proposição de Durand estabelecendo que a verdadeira
arquitetura está no processo de decomposição e recomposição, apesar deste ter subjacente
um método, abrindo portas para as múltiplas interpretações que daí advieram.
Não obstante as diversas formas como a história da arquitetura tem sido convocada para a
produção arquitetónica, a forma como vem sendo abordada nas escolas de arquitetura, de
acordo com um carácter mais normativo, prescritivo ou evocativo, coloca em evidência a
dialética permanente entre a arquitetura e os seus precedentes. Contudo, o debate parece
ter-se reduzido a uma disputa entre liberdade de invenção ou criatividade, e uma
configuração histórica fixa enquanto ideia generativa. O movimento moderno pôs em
evidência o dilema do arquiteto, quiçá eterno: por um lado a consciência de que a
arquitetura é baseada em precedentes, por outro o receio de que essas referências se
tornem restritivas da sua liberdade criativa e expressiva.
3 RE-PLAY (MODERNISM)
O workshop que agora se apresenta pretendeu constituir-se enquanto exercício exploratório
da problemática abordada. Este foi desenvolvido em paralelo com um exercício de história
da arquitetura no qual os alunos eram convocados a analisar em grupos de trabalho um
conjunto de casas modernas e desenvolver uma série de materiais que se concentrassem
em algumas soluções espaciais no âmbito dos projetos de habitação: maquetas, desenhos e
fotografias.
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3.1 O efeito migratório do ato de colecionar e a construção de um mundo de
referências em formato de atlas
Partindo dos materiais produzidos pretendia-se que os alunos procedessem, numa primeira
fase, a uma seleção que se constituísse enquanto coleção pessoal das obras estudadas.
Esta podia resultar de um processo migratório de materiais entre grupos que pretendia
explorar relações espaciais e espaços relacionais, contrariamente a objetos de investigação
determinados por formas arquitetonicamente codificadas. O conjunto de fragmentos
permitiria que os mesmos se relacionassem ente si de modos radicalmente diferentes e
inesperados.
Como diria Wim Wenders sobre a ficção no cinema, o mesmo poderíamos dizer sobre a
arquitetura – as imagens que separam este pequeno intervalo entre modernidade e
contemporaneidade, permitiriam a utilização da imaginação, sonhar com coisas que, à data,
não existem:
(…) the most alluring thing to me was to use a science fiction film to think about how we might deal with images in the future, and to use that imaginative freedom to reflect on ‘the future of seeing’. Is there such a thing? Is seeing even something that could change? (Wenders; 1997, 19-20)
O ato de migração seria, deste modo, um ato de transformar imagens objetivas em imagens
subjetivas, através da forma como as mesmas são colecionadas.
2 O processo de seleção de fragmentos e constituição de
uma coleção (2013)
A coleção, necessariamente pessoal, deveria ter como referência o Bilderatlas Mnemosyne
de Aby Warburg (1866-1929), um projeto ilustrativo do seu entendimento da relação entre
memória e imagem e de como dependia da sua sobrevivência uma possível reapropriação
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da mesma. Foi este entendimento menos canónico da história e sua interação com a prática
que se procurou explorar — não uma interação no seu sentido revivalista, mas uma
interação imagética que provocasse conflito e tensão entre passado e presente, entre
poética e lógica. Tal como Warburg, pedia-se aos alunos que construíssem uma espécie de
arquivo que correspondesse a uma paisagem sentimental das obras estudadas, Contudo,
ao contrário de Warburg, cujo atlas representava uma espacialização da história através de
uma montagem anacrónica, o mapa que os alunos produziriam seria necessariamente
sincrónico (uma vez que os exemplos estudados remontavam todos ao período moderno)
mas trans-geográfico onde as imagens, quando dispostas lado a lado encontravam
conteúdos semelhantes, ao mesmo tempo que sugeriam novas organizações que
interligavam conceitos espaciais de diferentes contextos.
Este processo coloca em evidência o fato dos fragmentos adquirirem novos significados
quando despojados do seu contexto original e uma autonomia própria quando exibidos
como se de um museu se tratasse. Por outro lado, propõe uma interpretação da história
pelas suas qualidades espaciais, tirando proveito das potencialidades de reconstrução e de
“reciclagem” dos seus conteúdos.
3 Aby Warburg, Bilderatlas Mnemosyne.
3.2 Cadavre exquis: narrativa e analogia
Numa segunda fase o aluno procedia a uma seleção cuidadosa dos fragmentos da sua
coleção, com o intuito de construir um cadavre exquis. O conceito original, que remonta a
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1925, nomeadamente ao círculo surrealista francês de Andre Breton, desenvolvia-se através
de um jogo em papel dobrado que consistia em fazer compor uma frase ou desenho por
várias pessoas, sem que nenhuma delas pudesse ter em conta a colaboração ou as
colaborações precedentes. Inicialmente circunscrito ao âmbito literário, o jogo, que
procurava a subversão do seu discurso convencional, depressa contagiou outras áreas
artísticas como o desenho, a pintura e até mesmo o teatro e cinema.
4 Grupoa12, Cadavre exquis – “In the name of the father”, Galleria Sonia Rosso, Turim, Itália, 2005.
Transposto para o plano da arquitetura, e inspirado no projeto artístico “In the name of the
father” do Grupoa12, este novo cadavre exquis não pretendia tanto explorar os mecanismos
subjacentes à escrita automática, mas antes os de associação e analogia espacial,
evidenciando a capacidade de determinados fragmentos, quando reagrupados, potenciarem
novas sequências, sistemas de relação e organizações espaciais e, consequentemente,
questionar as suas repercussões no discurso arquitetónico.
Por outro lado, a construção de um cadavre exquis tinha igualmente como intuito explorar o
processo de representação enquanto suporte de conceção através de técnicas conhecidas
também de outros âmbitos artísticos, como a collage e a montage, que colocam em situação
critica transições e sequências espaciais, imprimindo continuidades e descontinuidades,
tensões e fraturas, momentos de transição ou de pausa.
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5 Colagem a partir de fragmentos de imagens dos
vários casos de estudo realizada pelos alunos (2013).
A exploração destes processos conduziu à miscigenação de diferentes formatos —
desenhos, fotografias de desenhos e de maquetas, e esquiços — acentuada ainda pela
utilização de fragmentos com escalas diferentes, uma hibridização da representação que
teve consequências determinantes na leitura do todo.
6 Colagem a partir de fragmentos de imagens dos vários casos de estudo
realizada pelos alunos (2013).
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3.3 O desenho em transição
Pretendia-se finalmente que a composição final fosse traduzida numa nova proposta
espacial tridimensional que refletisse a intencionalidade subjacente à (re)montagem de
fragmentos. Em Translations from drawing to building, Robin Evans descreve como o
significado original subjacente ao ato de tradução é equivalente ao de transmissão, ou seja,
de movimento sem alteração, que é o que acontece no movimento de translação. E, por
analogia, também a tradução de idiomas implicaria uniformidade e continuidade. Contudo, o
substrato com que o sentido das palavras é traduzido de língua para língua não é um
espaço uniforme — podem ocorrer distorções, desvios ou mesmo perdas. Evans sugere que
algo idêntico ocorre em arquitetura entre o desenho e o edifício, e que uma suspensão
crítica semelhante é necessária à realização da arquitetura enquanto todo (Evans:1997,
154). O mesmo se pode dizer que acontece na mediação entre o desenho e a maqueta,
pondo em evidência que o processo de “tradução” não é inequívoco, precisamente pelo
carácter ambíguo do desenho. A interpretação deste procurava assentar numa leitura que
extrapolasse o seu carácter bidimensional, como acontece com a pintura cubista, ou seja,
que o desenho fosse novamente alvo de um processo de desconstrução em múltiplos
planos permitindo, por exemplo, que um determinado efeito perspético conduzisse a uma
distorção formal, que uma sombra se traduzisse num vazio, que uma transparência
adquirisse volume.
7 Modelo tridimensional realizado pelos alunos (2013).
4 O PODER GENERATIVO DOS PROCESSOS DE REPRESENTAÇÃO
Concluindo, o desafio da arquitetura é o de se centrar na arquitetura propriamente dita —
desenhos, maquetas, textos e construções arquitetónicas tangíveis - enquanto locus de
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conhecimento disciplinar e, especificamente, sobre a forma como esse conhecimento se
pode tornar uma ferramenta do processo de projetar. Os desenhos, maquetas e textos
informam a conceção arquitetónica e, inversamente, os edifícios são capitais na
reformulação contínua daqueles. O processo de representação na investigação em
arquitetura é, por estas razões, o de relacionar a criatividade arquitetónica com o modo
como o conhecimento existente é instrumentalizado. Deste modo torna-se fundamental,
enquanto arquitetos, professores e alunos, refletir sobre o modo como a representação do
conhecimento em arquitetura gera por si conhecimento. Ou seja, como é que os
instrumentos de conceção influenciam a conceção propriamente dita.
O desenvolvimento de competências de representação enquanto ferramentas de raciocínio
sobre arquitetura permite, potencialmente, trabalhar e reelaborar sobre o trabalho de outros
enquanto simulacrum para analogias através de processos de transformação, transposição
e variação. É nossa convicção que, contrariamente à história da teoria da arquitetura, que
tem incidido essencialmente sobre a produção escrita, negando o carácter teórico da
expressão gráfica e do ensino da arquitetura, é no entanto no seu cruzamento que reside o
corpo de conhecimento da disciplina.
Com o exercício apresentado procurámos, em contexto académico e através da prática,
assente em reflexões teóricas, explorar pedagogias que relacionassem a história com o
processo de conceção, no contexto da contínua reformulação sobre o ensino da arquitetura.
Dos resultados obtidos foi-nos permitido concluir que os formatos privilegiados de
representação da disciplina e sua especificidade impõem sempre uma certa ordem
discriminatória cuja instrumentalização se reflete no seu modus operandi em organizações
por analogia, com consequências determinantes no processo de pensar arquitetura.
Esperamos que da investigação apresentada possam emergir outras reflexões para além
daquelas que aqui se objetivaram, contudo gostaríamos de apontar a relação entre
representação e ensino como um possível desenvolvimento que consideramos fulcral.
Partindo do pressuposto que as disciplinas de projeto de arquitetura não são réplicas de
ateliês de arquitetura, deparamo-nos com o paradoxo inevitável dos alunos produzirem
representações que constituem a ideia de realidade e permanência deixando de ser
elementos de mediação, imaginários e transitórios, significando que estas passam a ser
entendidas como um fim em si mesmas, um corpus autónomo com os seus próprios códigos
e regras. E se, como se tem tornado prática comum na maioria das escolas, a explicitação
do processo se tornou responsável pela validação do objeto, pressagia-se uma nova forma
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de entendimento da arquitetura no universo académico: não o processo de arquitetura, mas
a arquitetura do processo implicando duas possibilidades.
A primeira — que merece algum constrangimento por parte dos académicos — é a
inculcação de um sistema de ensino que pode conduzir à objetificação do processo e, por
extensão, da representação, passível de ser exponenciada pela generalização de
representações gráficas geradas por computador que permitem a construção de descrições
hiper-realistas baseadas em métodos rigorosos matemáticos e científicos. A segunda,
claramente aliciante é a de explorar os potenciais específicos da representação como meios
de produção e construção de ideias, emancipando os alunos de formas convencionais de
pensamento.
8 Colagem e respetivo modelo tridimensional realizados pelos alunos (2013).
AGRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer à Professora Alessandra Como da Università degli Studi di Salerno,
em Itália, o convite para a realização deste workshop em Março de 2013, que surgiu na
sequência de um debate mais alargado e no contexto do congresso Theory by Design que
se realizou em Antuérpia em Novembro de 2012.
REFERÊNCIAS
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