Propósitos e desafios de um projecto de cidadania social
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Propósitos e desafios de um projeto de cidadania social: o sítio
local de cidadania do Montijo
Aims and challenges of a social citizenship project: the local
site of citizenship in Montijo
Dora Pereira
[email protected], Câmara Municipal do Montijo/CFCUL, Portugal
Resumo
A um período que se seguiu ao 25 de Abril de 1974, de grande contestação social, de
associação de grupos de cidadãos em prol de causas comuns, na sua maioria
impulsionados por organizações de caráter político, seguiu-se um outro período, de
progressivo afastamento e até de desinteresse, que perdura até ao presente momento.
Este afastamento muitas vezes motivado pelo desinteresse e pela desconfiança mútua
entre os cidadãos e as instituições políticas produz um efeito nefasto na democracia
que se quer mais ativa e mais participativa.
Contudo e decorrido já o tempo suficiente para a tomada de consciência sobre as
causas e consequências deste distanciamento, e porque vivemos numa democracia
madura existe o entendimento que algo tem de ser feito. A convicção é a de que a
disseminação do conhecimento, o “incitamento” à participação na vida da comunidade,
o incremento de uma consciência coletiva, conduzirão a uma maior capacidade para
influenciar os processos decisórios, ao restabelecimento da vida social da comunidade,
e consequentemente ao aumento dos níveis do bem-estar social perspetivando que o
fortalecimento da participação cidadã contribuirá para robustecer as instituições
políticas e desenvolver as organizações e as relações sociais.
Para atingir tais objetivos o município do Montijo e o Centro de Filosofia das Ciências
da Universidade de Lisboa (CFCUL) estabeleceram uma parceria que resultou no
acolhimento do protótipo do projeto de investigação desenvolvido pela equipa da
Cidadania e Sociedade do Conhecimento (C&SC) tornando-se no que se convencionou
chamar de entidade incubadora de um projeto de cidadania social. Como entidade
incubadora o município tem vindo a desenvolver um conjunto de ações conducentes
aos objetivos a que se propôs: produção e disseminação de informação para que se
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possa vir a transformar em conhecimento. A metodologia adotada irá permitir atingir
os verdadeiros objetivos que são uma maior consciência social de que a intervenção
cidadã aliada a uma “abertura” das instituições políticas (leiam-se administrações
públicas) conduzirá ao reforço da democracia e a uma melhoria do bem-estar social.
Palavras-Chave: (Cidadania ativa, Governança, Políticas Públicas Locais, Participação)
Abstract
The period that followed the April 25, 1974, of great social protest, association of
citizens groups towards common causes, mostly driven by political organizations,
followed by another period of gradual separation and even disinterest, which lasts until
the present time. This separation often motivated by disaffection and distrust among the
citizens and political institutions, produces a harmful effect on democracy that wants
more participatory. However elapsed and already long enough to raise awareness about
the causes and consequences of this gap, and because we live in a mature democracy is
the understanding that something has to be done.
The belief is that the dissemination of knowledge, the "incitement" to participation in
community life, the growth of a collective consciousness, lead to a greater ability to
influence decision-making processes, the restoration of the social life of the community,
and consequently to increased levels of social welfare, and envisage that the
strengthening of citizen participation contribute to strengthen political institutions and
develop organizations and social relations.
To achieve these goals, the town of Montijo and the Center for Philosophy of Science,
University of Lisbon (CFCUL) established a partnership that resulted in the admission
of the prototype research project developed by the team of Citizenship and Knowledge
Society (C & SC) making it the so-called entity incubator project of social citizenship.
As the entity incubator municipality has developed a set of actions conducive to the
goals it has set itself: production and dissemination of information so that you can turn
into knowledge. The methodology will help to achieve the true goals that are greater
social awareness that citizen intervention coupled with an "open" political institutions
(read up government) lead to the strengthening of democracy and the improvement of
social welfare.
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Keywords: (Active Citizenship, Governance, Local Public Policies, Involvement)
1. Introdução
A relativa indiferença com que grande parte dos atores sociais e políticos têm abordado
o tema da cidadania reflete-se no funcionamento das instituições e na forma como os
cidadãos exercem a sua ação coletiva. Ainda assim existe a consciência que a
diminuição das distâncias entre as instituições políticas que se pretendem mais recetivas
à mudança e às opiniões da sociedade civil, e entre os cidadãos de uma forma geral,
individual ou coletivamente, pode resultar numa melhoria das relações entre ambos e
consequentemente na qualidade de vida da comunidade.
O pressuposto que os municípios pela proximidade aos cidadãos têm mais e melhores
condições para, ao concretizarem o princípio da subsidiariedade, melhor se
aperceberem das verdadeiras necessidades dos seus munícipes e consequentemente
serem mais eficientes para resolve-los, conduziu à assinatura de uma parceria
entre o município do Montijo e o Centro de Filosofia das Ciências da Universidade
de Lisboa para a criação de um projeto que visa despertar e desenvolver uma cidadania
ativa.
Este artigo faz, em primeiro lugar, uma pequena reflexão sobre os motivos que
contribuem para o afastamento dos cidadãos relativamente aos centros de decisão, e da
fraca participação nos processos de decisão, assim como das consequências desse
distanciamento. Em segundo lugar procura-se dar a conhecer o projeto de investigação
conduzido pela equipa de investigadoras da Cidadania e Sociedade do Conhecimento
(C&SC) do Centro de Filosofia das Ciências da Universidade de Lisboa segundo os
seus principais vetores. Por último é feita uma breve caraterização do concelho que se
assume com “incubadora” do projeto de investigação, são dados a conhecer os
resultados de uma avaliação ex-ante aos hábitos e opiniões sobre práticas de
cidadania, e expõe-se sobre a estratégia utilizada para despertar as consciências dos
cidadãos e das instituições que os superintendem.
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2. Exposição de motivos
“O bom governo, a governança não é um luxo. Antes, é uma necessidade vital para
o desenvolvimento, para a sustentabilidade das democracias, e para a qualidade de
vida cidadã” (Roberto Carneiro)
Em democracia toda a representação política exerce simultaneamente dois papeis
distintos e preponderantes, por um lado o de promover a governabilidade, e por outro
assegurar a diversidade de interesses da sociedade. Assim, e porque os interesses
ocupam um espaço comum na governabilidade, o equilíbrio representa um papel muito
importante para a estabilidade política e para a qualidade de vida dos cidadãos de uma
forma geral. Este equilíbrio está dependente da “abertura” proporcionada pelas
instituições políticas que exercem a governabilidade, e da maior ou menor capacidade
dos grupos de interesse em fazerem aceitar as suas propostas, e é aqui que a participação
cidadã representa um importante papel.
Ao longo dos anos temos assistido ao afastamento progressivo, ou pelo menos a uma
não aproximação, dos cidadãos em relação à administração pública seja ela central ou
loca, que em última análise se traduz e reflete na forma mais óbvia de participação, o
voto, mas também no que concerne às discussões públicas ou a iniciativas de caráter
cívico. Por este motivo temos vindo a observar uma apropriação consentida da
capacidade e possibilidade interventiva dos cidadãos pelo poder político e pelas
administrações. São vários os motivos que podem ser evocados para justificar tal
afastamento, existem alguns, no entanto, que são bastante consensuais e por isso
largamente utilizados para explicar esta evidência. A ordem aqui apresentada não reflete
o grau de importância de cada um dos motivos, até porque não são fáceis de quantificar.
Comecemos pela educação que continua a ser um dos motivos mais considerados para
explicar a falta de participação dos cidadãos. Apesar das melhorias registadas nos
últimos anos o baixo nível de instrução continua a ter grande expressão em algumas
faixas da população. O quadro I mostra a involução da taxa de analfabetismo nos
últimos 40 anos.
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Figura I – Taxa de Analfabetismo entre 1971 e 2011 em % da População
Fonte: INE – Censos 1971 a 2011
Portugal é um país com uma carência de instrução que advém do período anterior a
1974, veja-se que em 1971 a taxa de analfabetismo atingia aproximadamente 25% da
população com idade superior a 10 anos, mas que tem vindo a ser atenuada com o
decorrer dos anos. Apesar das políticas públicas experimentadas com vista a amenizar
os seus efeitos continuamos com uma taxa de analfabetismo de 5% e com níveis de
instrução baixos de uma maneira geral, refira-se que segundo os CENSOS de 2011
apenas 12% da população possui pelo menos um dos 3 ciclos do ensino superior. A
pouca instrução é vulgarmente associada à dificuldade em avaliar sobre os temas da
atualidade, em acompanhar e discutir sobre assuntos de interesse quotidiano, em
conhecer com clareza direitos e deveres de cidadania. Existe o reconhecimento
generalizado que a educação formal, transmitida nas escolas, não é suficiente para
atenuar os efeitos dos baixos níveis de literacia e também porque o sistema deixa de
fora todos aqueles que não passaram na escola o tempo suficiente para disporem das
ferramentas essenciais que permita o exercício de uma cidadania plena e consciente. A
aposta deve incidir em planos de formação ao longo da vida como forma de garantir
acesso aos processos de formação de opinião habilitada à tomada de decisão informada
e pertinente (Cruz, 2002; Imaginário, 2003), que deve gerar oportunidades de acesso
dos indivíduos aos grupos latentes de cidadania ativa com vista à formação de grupos de
0,0
5,0
10,0
15,0
20,0
25,0
30,0
1971 1981 1991 2001 2011
Analfabetos com 10ou mais anos HM
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interesse público1, que partilhem interesses comuns e que atuem na prossecução desses
interesses. É necessário ter a consciência de que o exercício da cidadania não é um ato
imediato nem espontâneo, é algo que necessita de ser cultivado, assumido e exercido de
forma consciente e “regular” (Cruz, 2002).
A enorme falta de confiança que depositamos na maioria das nossas instituições e a
ideia de que não vale a pena recorrer a elas é outra das razões. A melhoria das relações
entre administradores e administrados, ou melhor, entre a administração pública e os
cidadãos, depende em grande parte da justiça com que os recursos disponíveis são
distribuídos e da transparência com que os processos de distribuição dos mesmos são
conduzidos. Segundo Mozzicafreddo (2002) “A realização dos valores da cidadania
implica, de maneira credível, a conciliação entre a eficiência e a justiça na esfera dos
atos da administração e governo da sociedade”. Por outro lado a sensação de
desconfiança aumenta na medida em que o cidadão comum se sente defraudado perante
a justiça, na incapacidade de a desafiar e de fazer valer os seus direitos, no sentimento
que é uma inutilidade desafiar o sistema, Santos et al (1996) chega mesmo a afirmar que
existe uma cultura jurídica de cidadania passiva. Este parece ser o problema que mais
enferma as relações de e com a administração pública, existe no entanto a convicção
que os efeitos provocados por tal desconfiança e pelo deficiente funcionamento de
algumas instituições podem ser atenuados através da melhoria dos serviços prestados,
da disseminação de uma cultura de transparência e da melhoria da comunicação entre
administradores e administrados.
Temos ainda os processos de desterritorialização e reterritorialização cujas
consequências mais evidentes e comuns são a quebra de vínculos sociais e económicos
com o espaço que se abandona e que não significa obrigatoriamente um novo vínculo ao
território de acolhimento. Estes processos estão perfeitamente identificados e
constituem-se na sua maioria por migrações para as cidades, e principalmente do
interior para o litoral. Estes fenómenos migratórios estão normalmente associados à
procura de melhores condições de vida, de emprego, do acesso privilegiado à saúde e à
educação. Apesar das melhorias que normalmente se verificam, as deslocalizações para
1 Considera-se aqui como grupo de interesse público aquele cuja atuação promove o bem-estar do
grupo e dos que não são membros do grupo (os restantes cidadãos)
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as cidades produzem habitualmente um efeito “maléfico” sobre os indivíduos motivado
pela falta de sentimento de pertença ao local de acolhimento. Nestas condições os
processos de aculturação são lentos uma vez que a identidade é mais uma construção
histórica que biológica, é algo que se forma ao longo do tempo.
Expostos alguns dos motivos que aqui são utilizados para justificar a diminuta
participação dos cidadãos retomemos a importância da sua atividade na vida pública, ou
no exercício da cidadania ativa. Cidadania ativa que pode ser definida pela capacidade
demonstrada pelos cidadãos em se organizarem sob as mais diversas formas com o
objetivo de mobilizarem recursos e poderes, tendo em vista a proteção dos direitos de
cuidar e desenvolver bens comuns (Moro, 2003). Por tudo isto é necessário iniciar e
desenvolver uma nova relação de confiança entre os cidadãos e a administração pública,
a condição do cidadão perante o estado não é, nem pode ser, a de mero administrado é, e
tem de ser, a de cidadão ativo e participativo. Dar enfase à participação dos cidadãos é
promover a responsabilidade por parte das instituições e de quem as representa, mas é
também contribuir para o autodesenvolvimento dos indivíduos e para a evolução de
formas alternativas de organização. Somos então remetidos para ideia de governança,
ou antes de boa governança, porque é esta que promove a reforma da administração
pública acrescentando-lhe credibilidade, tornando-a mais aberta e transparente, mais
responsável e sobretudo mais democrática, ajudando também a fortalecer as instituições
da sociedade civil. Em teoria teremos a governabilidade transformada em boa
governança, e a diversidade de interesses da sociedade assegurada pela ação coletiva
influenciada por grupos de interesse públicos e privados.
3. O projeto de investigação
São vários os motivos que se podem evocar para conceber e concretizar um projeto que
visa essencialmente a promoção da cidadania ativa. O objetivo da equipa de
investigação Cidadania & Sociedade do Conhecimento (C&SC) do Centro de Filosofia
das Ciências da Universidade de Lisboa (CFCUL) é o de investigar “processos de
mudança na relação com a emergência da sociedade do conhecimento” incidindo
especialmente na formação ao longo da vida, nas redes de promoção da cidadania e do
capital social, nas políticas públicas, e em especial nas práticas de ordenamento
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integrado do território, para melhor perceber os níveis de distanciamento dos cidadãos
relativamente a estas problemáticas e poder contribuir para as atenuar.
Não aduzindo o suporte teórico que subjaz a arquitetura do plano de investigação, existe
aqui apenas a preocupação em explanar o que pretende e a forma para atingir essa
pretensão. O desenvolvimento do projeto de investigação centra-se fundamentalmente
na ideia de aproximação entre as instituições políticas e os cidadãos, e no
reconhecimento que a melhoria e progresso da democracia se deve apoiar no
envolvimento de todos os atores. A estratégia preconizada recorre aos princípios de
concretização de uma política pública suportada nos direitos humanos e no
desenvolvimento sustentável, com recurso à aprendizagem ao longo da vida
promovendo a habilitação dos cidadãos para a formação de opinião relativamente à
realidade e a saberem optar entre as múltiplas alternativas existentes para a resolução
dos problemas do quotidiano. O plano concebido inclui duas dimensões numa lógica de
cidadania social fundada nas práticas de participação, a dimensão institucional e a
dimensão da sociedade civil, por se crer que não basta à sociedade civil se mobilizar
sendo também necessário que as instituições políticas façam parte do processo
assumindo que a democracia participativa por si só não é suficiente para permitir a
coesão e o bem-estar social.
Conforme já foi aludido o projeto funda-se numa estratégia que visa o assegurar de uma
cultura de cidadania ativa e inclusiva, baseada na criação de programas destinados ao
apoio e desenvolvimento de uma cidadania com incidência em todas as etapas da vida e
que conduza a que todos os indivíduos saibam optar entre as diferentes alternativas que
se lhe colocam. A proposta da equipa C&SC consubstancia-se na criação e
disseminação de um bem público, distribuído em rede, que garanta os recursos
adequados ao claro acompanhamento da realidade territorial, à verificação das agendas
políticas que decidem sobre os destinos coletivos, à compreensão dos assuntos da
atualidade, à simplificação de processos e de documentos estratégicos complexos para a
maioria dos cidadãos, e o acesso aos modos de fundamentação alternativa das decisões
em presença.
Objetivamente, trata-se de um projeto de investigação na ação, alicerçado na
proximidade e na interatividade, que pretende avaliar os efeitos provocados pela
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veiculação de informação e pela mediação entre a administração pública e os cidadãos.
A estratégia funda-se na criação de um sítio na world wide web, o Sítio do Local de
Cidadania Social, onde se condensa todo o acervo de informação produzida e que deve
se utilizada como instrumento de trabalho pela equipa de mediadores. Esta informação
que se deseja clara e concisa abrange um conjunto alargado de áreas temáticas em que
incidem os desafios que se colocam no quotidiano, desde logo os temas fundamentais
intervenientes nas decisões políticas, e os principais problemas que devem preocupar os
cidadãos empenhados em participar na discussão e implementação das principais
políticas públicas que convergem para a melhoria do seu bem-estar. O plano de ação
apela à participação dos seus destinatários através de outros recursos disponibilizados
para esse efeito e que visam promover a interação entre mediadores e mediados, e a
discussão entre todos. Destes recursos fazem parte uma plataforma de E-Learning, que
se comporta como espaço de interação no qual aprender, aprender a aprender, e a
compreender o que se aprende, são os objetivos que devem nortear a sua utilização; e
um fórum virtual estabelecido como um espaço privilegiado para a discussão das
questões que se configuram como prementes.
4. O Sítio Local de Cidadania do Montijo
A organização do estado português compreende a existência de autarquias locais com
atribuições e competências consentâneas com os princípios inerentes à descentralização
administrativa, com finanças e património próprios, e com alguns poderes tributários
que dão às autarquias locais autonomia para estabelecer dentro das suas competências
um caminho a seguir. Ao longo dos últimos anos, desde a aprovação da Constituição da
República Portuguesa em 1976, tem havido transferência de competências, e reforço das
competências transferidas, do governo central para o local consolidando o papel das
autarquias como o nível de poder mais próximo dos cidadãos e em melhores condições
para ajudar a resolver os seus problemas. Os princípios orientadores das transferências
de atribuições e competências têm em conta o reforço da coesão nacional, a
solidariedade inter-regional, a promoção da eficácia e eficiência da gestão pública e o
princípio da subsidiariedade. Não é pois despiciendo afirmar que grande parte da
qualidade de vida e consequentemente do bem-estar dos cidadãos esteja dependente das
autarquias, dos seus programas e das suas políticas.
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Foi partindo desta perspetiva que o município do Montijo estabeleceu uma parceria com
a CFCUL e se assumiu como o que se convencionou chamar de entidade incubadora, ou
protótipo de incubação, do projeto de investigação da cidadania social desenvolvido
pela equipa C&SC. Para permitir um melhor enquadramento do projeto prossegue-se
com uma pequena descrição do município em apreço.
Breve enquadramento do concelho
O concelho do Montijo situa-se na margem sul do rio Tejo e integra-se na NUT III da
Península de Setúbal. Com uma área total de 348.1 km² distribuídos por duas zonas
distintas separadas por uma descontinuidade territorial, conforme se pode observar na
figura imediatamente abaixo, e por outras “descontinuidades” que vão para além da
territorial.
Figura II – Mapa Geral do Concelho
Fonte: CMM/SIG Montijo
O concelho tem uma região, a oeste, predominantemente urbana, voltada para o Tejo e
para a capital, Lisboa, com uma dinâmica de crescimento urbano que em nada se
compara com a outra, a este, marcadamente rural, com uma área incomparavelmente
maior dominada pelo espaço rústico, de economia preponderantemente agrícola e com
uma diminuta densidade populacional quando comparada com a zona urbana.
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Quadro I – Densidade Populacional por Freguesia
O concelho do Montijo apresenta-se como um dos dez que mais cresceu em termos
populacionais no período que mediou os dois últimos períodos censitários, tendo visto a
sua população crescer em termos reais de 39168 para 51222 habitantes, o que significa
um acréscimo de aproximadamente 31% da população residente. Este crescimento fica-
se a dever à relativa proximidade a Lisboa, às novas acessibilidades criadas a norte e
sul, e ao crescimento imobiliário.
Figura III – Variação da população residente entre 2001 e 2011
Fonte: Censos 2011
Área %Densidade
Populacional
Km²
Concelho:
Montijo 348,1 100%
Freguesias:
Zona Oeste:
Afonsoeiro 4,2 1,2% 1715,00
Alto Estanqueiro/Jardia 10,9 3,1% 261,10
Atalaia 2,6 0,7% 861,15
Montijo 27,2 7,8% 1099,56
Sarilhos Grandes 11,7 3,4% 292,65
56,6 16,3% 806,01
Zona Este:
Canha 211,5 60,8% 7,99
Pegões 24,6 7,1% 96,54
Stº Isidro 55,4 15,9% 27,76
291,5 83,7% 19,22
F o nte: INE, Censos 2011; Revisão PDM M ontijo 2008
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Em relação ao nível de instrução da população residente o concelho apresenta melhores
resultados se estes forem comparados com o país, e a par dos resultados observados na
NUT II de Lisboa, com excepção do ensino superior que regista uma diferença de 4%
ao compararmos com a mesma região. Também é possível afirmar que a população das
freguesias da zona rural apresenta resultados inferiores aos observados na região urbana.
Quadro II – Nível de Instrução por Freguesia
Fonte: CENSOS 2011/Resultados Definitivos da Região de Lisboa
Outra matéria a assinalar é o índice de envelhecimento que se manifesta com maior
intensidade nas freguesias rurais. As freguesias com menor índice de envelhecimento
são também as freguesias que registaram um maior crescimento entre os períodos
censitários de 2001 e 2011.
Quadro III – Distribuição etária da população
FreguesiasSem
Instrução% 1º CEB % 2º CEB % 3º CEB % Secundário % Pós-Sec % Superior %
PT 499936 6% 2688308 30% 1412580 16% 1716970 19% 1411801 16% 88023 1% 1244742 14%
81807 3% 587392 24% 318909 13% 486881 20% 459432 19% 28912 1% 466273 19%
Montijo 2381 5% 11009 25% 6145 14% 8664 20% 8215 19% 542 1% 6351 15%
Afonsoeiro 276 5% 1196 20% 739 12% 1148 19% 1237 21% 115 2% 1235 21%
Alto-Estanqueiro-Jardia 304 13% 863 36% 356 15% 432 18% 319 13% 20 1% 129 5%
Atalaia 83 4% 413 22% 244 13% 328 18% 360 19% 24 1% 400 22%
Canha 214 15% 579 40% 221 15% 204 14% 136 9% 8 1% 89 6%
Montijo 925 4% 5929 23% 3509 14% 5337 21% 5274 21% 326 1% 4059 16%
Pegões 187 9% 719 35% 363 18% 368 18% 273 13% 24 1% 103 5%
Santo Isidro de Pegões 128 10% 386 29% 239 18% 262 20% 197 15% 9 1% 94 7%
Sarilhos Grandes 264 9% 924 32% 474 16% 585 20% 419 14% 16 1% 242 8%
Lisboa (NUTII)
51222 8507 4983 29081 8651 101,69
7203 1385 649 4358 811 58,56
2846 419 296 1496 635 151,55
2239 468 175 1308 288 61,54
1689 197 118 859 515 261,42
29908 5004 3001 17086 4817 96,26
2375 338 251 1253 533 157,69
1538 209 161 875 293 140,19
3424 487 332 1846 759 155,85
Índice de
Envelhecimento
Concelho
Zona Geográfica Total 0 - 14
anos
15 - 24
anos
25 - 64
anos
65 ou
mais anos
Pegões
Santo Isidro de Pegões
Sarilhos Grandes
Fonte: INE - CENSOS 2011 Resultados Definitiv os
Freguesias
Montijo
Alto-Estanqueiro-Jardia
Atalaia
Canha
Montijo
Afonsoeiro
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Apreciação empírica
De modo a permitir uma avaliação mais profunda sobre as condições de partida, foi
realizado um pequeno inquérito às práticas de cidadania dos habitantes do município.
Embora a dimensão da amostra não permita garantir a ausência total de erros
significativos constitui um bom indicador de tendência relativamente aos hábitos e às
atitudes em prol da cidadania. Face aos conjunto das respostas a maioria acha que para
ser bom cidadão deve ajudar as pessoas em pior situação, votar sempre nas eleições,
obedecer a leis e regulamentos, e ter a sua própria opinião, dá no entanto menos
importância ao trabalho comunitário e a ser politicamente ativo. Estas afirmações
podem ser corroboradas pelo teor das respostas obtidas.
Para conseguir extrair alguma informação coerente o inquérito foi estruturado para
abranger quatro diferentes dimensões de cidadania: a dimensão do protesto e alterações
sociais, a dimensão da vida na comunidade, a dimensão dos valores democráticos, e a
dimensão da democracia representativa.
No que concerne à dimensão do protesto e alterações sociais foram colocadas questões
como:
Fez parte de algum movimento cívico;
Trabalhou voluntariamente, ou fez alguma campanha por alguma organização;
Assinou alguma petição;
Participou em algum tipo de manifestação ou em ações de protesto;
Comprou, ou deixou de comprar, algum produto por razões de ordem ética,
política ou ambiental.
O conjunto das respostas é bastante esclarecedor e não deixa qualquer tipo de dúvidas,
em média 79% dos inquiridos nunca praticou qualquer das ações acima descritas.
Para avaliar a dimensão da vida na comunidade foram colocadas questões sobre a
associação ou participação voluntária em diversos grupos de interesse com ação em
áreas que muito diversas como culturais, desportivas, humanitárias, profissionais,
cientificas, religiosas, ambientais, direitos dos animais, etc.. Também nesta dimensão as
respostas são muito elucidativas e em média 83% dos inquiridos afirmam que nunca
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participaram ou fizeram parte de alguma dessas associações. Existem algumas respostas
que encerram alguma contradição, 68% dos inquiridos concorda com o acolhimento de
cidadãos de outros países, no entanto apenas 30% considera que isso é bom para a
economia, e 76% acredita que esse acolhimento faz aumentar a criminalidade.
Em relação á dimensão dos valores democráticos e da democracia representativa as
respostas também não deixam dúvidas. Apesar de, em média, 88% dos auscultados
afirmarem votar em todas as diferentes formas de eleição, 95% afirmam nunca ter
assistido ou participado em qualquer sessão pública das diversas assembleias locais.
Sensivelmente 80% dos inquiridos crê que os políticos não se interessam por aquilo que
os cidadãos pensam, e aproximadamente 87% acha que os políticos estão mais
interessados em conseguir votos que saber sobre as verdadeiras necessidades dos
cidadãos. Sintomático é existirem apenas 3% dos questionados a sentir um alto grau de
satisfação com a democracia. Quando a questão é sobre a escala de confiança
depositada nas instituições públicas apenas as força de segurança obtêm uma “nota”
positiva, cerca de 84% dos interrogados afirmam confiar muito ou de alguma forma, já
em relação à Assembleia da República, sistema jurídico, câmaras municipais e políticos,
as respostas dividem-se entre alguma confiança e pouca ou nenhuma confiança.
Conforme já foi anteriormente afirmado as respostas não deixam dúvidas sobre o grau
de afastamento dos cidadãos quando se aborda a questão da participação cívica e
politica. As possibilidades em aberto para a prática da cidadania ativa, como a
participação e intervenção em sessões públicas previstas na lei, ou a participação em
protestos, ou ainda a ação no interior de organização ou associações de carater cívico,
são hipóteses que têm tido pouca adesão.
Plano estratégico
Partindo dos pressupostos iniciais que conduziram à assinatura da parceria entre o
município do Montijo e a CFCUL, da leitura efetuada às respostas ao inquérito
realizado, e das experiências vivenciadas, foi concebido um plano estratégico que fosse
exequível tendo em conta as condições existentes à partida. Assim, o projeto envolve
duas fases ou dimensões complementares. A primeira fase, em constante
desenvolvimento, temos o sítio local de cidadania a que convencionámos chamar de
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Observatório do Cidadão do Montijo2. Este sítio na web funciona como receptáculo do
acervo de informação produzido pela equipa de apoio ao projecto, que se convencionou
chamar de Gabinete de Estudos do Observatório do Cidadão (GEOC) composto na sua
totalidade por técnicos do município, e como plataforma de interação entre o GEOC e
os coletivos de cidadãos. Este acervo, também ele dinâmico porque em constante
construção e adaptação à realidade, contempla notícias sobre o concelho, documentos
sobre a memória local e do local, informação sobre outras redes territoriais, publicações
sobre a cidade e o território, desenvolvimento de temas de interesse geral (educação,
urbanismo, economia, ambiente, saúde, cidadania e participação, etc.), tratamento de
documentos estratégicos complexos, e ainda links para o fórum C3S e para um blog que
se pretende coletivo. Numa segunda fase concretizar a estratégia de interação entre o
sítio virtual e o sítio real.
A abordagem estratégica foi concebida para adaptar os objetivos aos coletivos de
cidadãos, alvos do projeto, tendo em conta os recursos disponíveis. Estes coletivos,
formados por grupos homogéneos, são os alunos das escolas do concelho divididos
pelos 1º e 2º CEB e pelo ensino secundário e profissional; alunos da UNISETI, utentes
da Academia Sénior, e um outro grupo mais heterogéneos que abrange população com
idade superior a 18 anos. As atividades programadas são organizadas e executadas por
técnicos do município, e contam com as parcerias da CFCUL, da Universidade Aberta,
do Centro de Informação Europeia Jacques Delors, e com a participação outras
personalidades locais. As atividades têm em atenção a especificidade de cada grupo e
incluem:
Integração de atividades lúdicas e culturais nos projetos das escolas do 1º e 2º
CEB;
Interação entre o GEOC e os professores das escolas, secundárias e profissional,
do concelho contribuindo para a criação e utilização do acervo do OC com
ligação à disciplina de Formação Cívica;
Oferta de um módulo, lecionado na Universidade Sénior do Montijo, sobre
Cidadania e Instituições Económicas e Políticas;
2 http://www.ocmontijo.net/
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Workshops sobre as várias dimensões da cidadania direcionados à Academia
Sénior;
Sessões mensais, com vista à disseminação e esclarecimento de questões como o
PDM, o orçamento participativo, cidadania europeia, associativismo, setor
social, etc.
Conclusões
Olhar para o quotidiano de um local sob a perspetiva da cidadania ativa é concluir, na
maioria nas vezes, sobre a sua diminuta presença. Este artigo, como já foi referido,
aborda a problemática da cidadania ativa fazendo um diagnóstico das suas causas e
consequências, mas também apresenta uma solução para atenuar o problema. O facto do
projeto se encontrar ainda a meio do seu caminho não nos permite retirar conclusões
sobre resultados. No entanto é possível afirmar que o resultado do diagnóstico ex-ante
corrobora as hipóteses levantadas sobre algumas das causas que provocam o não
envolvimento dos indivíduos na tentativa de resolução de problemas ou na apresentação
de propostas de resolução. Fica também a ideia que existe um grande trabalho a realizar,
que começa com o despertar para a consciência coletiva, a formação de grupos de
interesse por via de um catalisador, e a criação de sinergias entre todas as dimensões
sociais.
Das afirmações expressas por representantes de alguns coletivos de cidadãos presentes
no workshop que presidiu ao arranque do projeto, ficam aqui algumas que considero
significativas: “é preciso incentivar as crianças e jovens nas escolas, para a prática da
cidadania”, “as pessoas estão muito voltadas para si mesmas e esquecem-se dos outros”,
“não há atividade cultural, a associações de hoje já não funcionam”, “os jovens quando
são envolvidos participam”.
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