Portugal em África: as Companhias de Concessão Majestática em Moçambique (1890-1910)
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ISSN 18071783 atualizado em 02 de maio de 2014
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Portugal em África: as Companhias de Concessão Majestática emMoçambique (18901910)por Thiago Henrique Sampaio
Sobre o Autor[1]
A Política Colonial Portuguesa
Com a perda do Brasil, Portugal começou a enxergar na África
sua mais nova fonte de renda econômica. Até então a função dos territórios
portugueses no continente negro era essencialmente o fornecimento de mão de
obra escrava ao Brasil.
Em 1834, Sá da Bandeira apresentou um projeto para o
desenvolvimento dos territórios africanos. Um dos pontos do projeto defendia a
abolição do tráfico negreiro, decretado em 10 de dezembro de 1836, para que se
pudessem aproveitar os habitantes na produção agrícola local. Mas, isso seria
possível apenas com investimento de capital.
O projeto acabou fracassando, devido às resistências
encontradas principalmente em Angola e Moçambique por falta de uma maior
dominação e interesse dos traficantes de escravos. Não podemos esquecer que a
presença portuguesa em África pouco evoluiu ao longo dos séculos XVI até a
primeira metade do século XIX. Em Moçambique a ocupação era precária e dava
largo espaço para o desenvolvimento de sociedades africanas[2].
A partir da década de 1850, período de relativa estabilidade
política, Sá da Bandeira, agora como presidente do Conselho Ultramarino
relançou seu projeto colonial. Os objetivos eram os seguintes: expansão
territorial, maiores ligações entre a metrópole e as colônias e o início de uma
economia agrícola.
Essa política colonial dará poucos resultados até a década de
1880. Segundo Valentim Alexandre, em Angola, a tentativa de ocupação do litoral
norte rumo à foz do Congo, ficase por Ambriz (tomada em 1855), face ao duplo
obstáculo representado pela resistência das populações da zona e pela pressão
britânica; no interior, a história deste período fazse de fluxos e refluxos em
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escala limitada, sem avanços significativos. Em Moçambique, a luta conduzida
contra os senhores dos 'prazos' da Zambézia (mestiços africanizados ao domínio
português) saldouse por um fracasso, culminando na derrota da expedição
enviada de Portugal em 1869. No campo mercantil, há um efetivo aumento das
relações entre metrópole e ultramar[3].
No último quartel do século XIX, os objetivos portugueses na
África se igualaram ao processo de expansão colonial de outras nações
européias, devido à ampliação da industrialização a outros lugares do globo. Os
países que começaram a se industrializar entram na fase do capitalismo
concorrencial, a partir disto fica determinado a urgência da expansão das
fronteiras de controle, a dominação das fontes de matériasprimas, a
transferência para lugares periféricos de produção de alimentos e a busca de
mão de obra a baixo custo[4].
Até 1885 não havia uma política colonial em relação à África,
cada potência tinha suas ambições territoriais no continente negro. Inglaterra,
Alemanha e França disputavam e procuravam estender as suas influências sobre
os territórios considerados mais vantajosos e lucrativos[5].
O direito histórico era usado até então para justificar a posse de
territórios. Na visão de Oliveira Marques, Portugal se mostrava de longe a mais
fraca das potências coloniais em aspectos militares, mão de obra, recursos
econômicos e a que mais se assentava em seus direitos históricos[6].
O projeto de colonização português em finais de XIX, inseriuse
nas transformações sofridas pela sociedade europeia e no desenvolvimento do
capitalismo em Portugal. Apesar de ser uma sociedade capitalista dependente de
outras regiões, seus ideais coloniais tiveram forte teor nacionalista[7].
Portugal era uma nação essencialmente agrícola, sobretudo
quando comparada a outras potências que já haviam passado pelo processo de
industrialização, suas poucas indústrias tinham grande dependência econômica
em relação à Inglaterra[8].
A indústria portuguesa neste período estava em
desenvolvimento, os mercados consumidores em Angola e Moçambique foram
vistos como oportunidades para impulsionar a nação[9].
Portugal não era um país com grande potencial econômico, a
maior parte da renda da nação deviase ao capital estrangeiro, principalmente
inglês. A partir da segunda metade do século XIX a Inglaterra era responsável
por 50% das exportações portuguesas e Portugal importava por volta de 37% a
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59% de suas compras neste país[10]. Era de fundamental importância para
Portugal manter relações comerciais com os ingleses, devido este não ter uma
capacidade industrial em finais de XIX, mas era desprezível para o mercado da
Inglaterra manter relações comerciais com os portugueses.
A Sociedade de Geografia de Lisboa elaborou um plano de
ocupação das zonas intermediárias (essa área, atualmente, corresponde a
Zâmbia, Zimbábue e Malawi) entre Angola e Moçambique. As pretensões
portuguesas para esses territórios ficaram conhecido como Mapa CordeRosa e
um de seus principais objetivos era relançar seus direitos históricos sobre uma
vasta localidade.
A reivindicação portuguesa sob as áreas pretendidas chegaram a
ser garantido por outras nações. A Inglaterra não os reconheceu. No final de
1889, Portugal iniciou uma campanha militar no interior da área reivindicada
contra o povo mokololo. A Inglaterra estrategicamente declarou proteção a etnia,
devido ao fato de ter interesse nessas áreas.
Em 11 de janeiro de 1890, o governo britânico apresentou o
ultimatum[11], intimando o governo português à imediata retirada de suas tropas
sob ameaça de quebra das relações diplomáticas e com possível retaliação
militar.
Posteriormente, o Tratado assinado com a Inglaterra em 11 de
junho de 1891, fez com que Portugal abandonasse suas pretensões anteriores no
continente negro. O acordo definiu as fronteiras atuais de Angola e Moçambique e
estimulou o governo português a exploração total dos territórios que lhes
couberam[12].
Pelas cláusulas do Tratado, a situação do território moçambicano
seria ultrajante para a coroa portuguesa desenvolver a província, visto que, o
comércio e navegação dos rios da região se tornariam neutros com a aprovação
do acordo pelo Parlamento português. Antônio Enes afirmava
A província de Moçambique, fechada ao
comércio e às indústrias nacionais, privada dos
rendimentos aduaneiros, arrumandonos com o custeio dos
melhoramentos materiais e dos serviços da civilização,
inquietandonos e vexandonos com incessantes conflitos
motivados pelo regime comercial a que fica sujeita, será
como uma grilheta de forçado, que nem ao menos
poderemos limar sem consentimento e sem proveito do
nosso verdugo, interessado por isso em tornála cada vez
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mais pesada e mais afrontosa. Desde que os nossos
domínios na África Oriental, não podendo ser nossos,
hajam de ser da Inglaterra, os ingleses saberão forçarnos
a abandonarlhos, talvez dando graças a Deus pelo
resgate![13]
O Tratado não era o fim dos problemas coloniais para Portugal,
a sua principal dificuldade seria como iria ocorrer à ocupação efetiva e o
desenvolvimento das suas localidades. Grandes porções dos territórios de Angola
e Moçambique ainda não se encontravam controladas, a metrópole portuguesa
precisou interferir, pacificando e desenvolvendo essas áreas. Tarefa que não
seria fácil devido às dificuldades econômicas enfrentadas pelos portugueses.
Após o acordo, iniciaramse as Campanhas de Pacificação do
território moçambicano, cujo avanço integrou novas áreas à administração
metropolitana. Até finais da Primeira Guerra Mundial, a história colonial de
Moçambique caracterizouse por uma constante atividade guerreira, motivada
pelas manobras de conquistas empregadas pelos portugueses para subjugar
tribos africanas[14].
Moçambique, até então considerado um território inexistente na
política colonial, estava sobre domínio de vários estados africanos. Segundo
Cabaço, devido às dificuldades para desenvolver a colônia, em diferentes
momentos nos finais do século XIX e princípio do século XX, setores do governo
português defendiam a venda do território moçambicano para que Portugal se
dedicasse e desenvolvesse Angola[15].
As Companhias Majestáticas em Moçambique
A dominação portuguesa no território moçambicano, até a última
década do século XIX, restringiase à costa litorânea e a pontos isolados no
interior, ou seja, a ocupação era praticamente a mesma desde o início do século
XVII[16]. Muito diferente do que ocorreu em Angola, que era mais intensa e com
maior população portuguesa. As duas províncias ultramarinas eram objeto de
políticas coloniais distintas conforme os objetivos portugueses no início dos
Oitocentos. Angola servia como fornecedora de escravos e Moçambique, como
localidade estratégica para o fornecimento de matérias à Índia Portuguesa.
No início da década de 1890, Portugal passava por forte crise
econômica que impossibilitava investimentos nas colônias. Progressivamente, o
mercado colonial substituiu, em parte, o mercado europeu: o desenvolvimento
econômico após a crise de 1890 1891 terá como eixo a expansão colonial.
Todavia, o aproveitamento dos mercados africanos apenas será propício ao
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progresso de certos ramos agrícolas e industriais, nomeadamente a viticultura e
a indústria algodoeira. As dificuldades de escoamento de outras atividades
econômicas anteriormente prósperas (a criação de gado, a viticultura do Douro, a
horticultura e a fruticultura) persistiram. Além disso, o escoamento dos produtos
portugueses para a África viria a atingir principalmente a população branca que
progredia lentamente[17].
A crise econômica vivida na última década do século XIX não se
iniciou nesse período, mas era decorrente da perda de mercados consumidores
ao longo dos Oitocentos. Manuel Villaverde Cabral assinala que a crise sofrida por
Portugal começou a partir do ultimatum britânico. Segundo ele, só o ultimatum
britânico de 11 de janeiro de 1890, com o qual a crise, tem sentido estrito, se
inicia, é que pode ser visto em certa medida como um fator externo. Mas o
próprio ultimatum não deixa de remeter para as dificuldades mais antigas e mais
profundas que o Estado português vinha experimentando, desde há uma dezena
de anos em manter o seu domínio colonial sobre os vastos territórios africanos a
respeito dos quais pretendia possuir "direitos históricos". Por outro lado, é de
pensar de que o ultimatum tomou a dimensão de "catástrofe nacional", com que
efetivamente vivido por uma parte da sociedade portuguesa pelo menos, e se
teve consequências tão importantes no dano políticoideológico levando ao
mesmo tempo ao advento das tendências cesaristas e à erupção violenta do
republicanismo, e pondo seriamente em questão durante alguns anos o sistema
político monárquico liberal, tudo isto não podia deixar de se rever senão à
fragilidade mesma daquele sistema político, já submetido a outras pressões,
como aquelas a que aludimos anteriormente, em particular a propósito da
questão do restabelecimento do protecionismo cerealífero[18].
Como o governo não tinha capacidade econômica nem militar
para explorar a colônia, a solução encontrada era a criação de concessões para
Companhias Majestáticas e Arrendatários que seriam responsáveis pelo
desenvolvimento e manutenção da pacificação das áreas sob seus domínios.
As Companhias Majestáticas eram empresas fundadas com
capital privado que tinham o consentimento régio para certas vantagens
comerciais e administrariam as colônias por concessões de 35 a 50 anos.
A Sociedade de Geografia de Lisboa, em 1891, se posicionou
contra a criação de tais Companhias por considerar uma afronta à soberania
nacional. Em um parecer sobre o tema, a instituição indicou medidas que o
governo poderia adotar para empreender o desenvolvimento colonial em
Moçambique:
1. Deve ser rejeitada, como contrária ao
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direito constitucional português e como politicamente
inconveniente e economicamente errônea, a ideia de
entregar parte ou todo o território de uma província
ultramarina a ocupação e exploração de uma grande
companhia mercantil dotada de todos ou de quaisquer
direitos, privilégios ou poderes de soberania, ou de
jurisdição pública;
2. O Estado pode por uma remodelação de
sua política e administração colonial, e na espera legítima
dos seus direitos e interesses soberanos, promover e
garantir todos os incentivos, comodidades e seguranças
necessárias ao rápido desenvolvimento social e econômico
dos territórios que lhe pertencem em África, pelo capital e
trabalho particular, sob todas as formas de ação e
associação legal deles;
3. É particularmente oportuno renovar
junto do governo o voto de que em todas as concessões a
fazer para qualquer espécie de exploração comercial,
industrial ou agrícola na província de Moçambique, ou em
relação a ela se considere devidamente o estudo prévio da
natureza, importância e correlações econômicas e políticas
do objeto da concessão, muito especialmente no sentido de
verificar se deve ou não preferirse a exploração e
administração direta do Estado;
4. Atendendo à urgência de desenvolver e
consolidar a ocupação efetiva de Portugal nos sertões da
província de Moçambique e de promover neles o comércio
e a civilização europeia, a Sociedade deve representar o
governo afirmando a necessidade de suscitar a afluência
de capitães e iniciativas nacionais que se dediquem ao
comércio, à agricultura, e a exploração das minas, e se
encarreguem da construção e exploração das linhas
telegráficas e dos caminhos de ferro que há de executar na
mesma província;
5. A Sociedade, rejeitando toda e qualquer
ideia de companhias com direitos majestáticos, deve
prócer com a possível urgência à elaboração de uma
memória, etc.[19].
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As Companhias Majestáticas teriam benefícios comerciais do
governo português na sua localidade e, em contrapartida, deviam se reger por
estatutos portugueses e ter sua sede social em Lisboa. Concedeuse a
administração integral de vastas áreas com a obrigatoriedade, por parte das
sociedades concessionárias, de organizar uma força policial para assegurar sua
'pacificação', zelar pela sua colonização e proceder à construção de
infraestruturas. Como contrapartida, gozavam dos direitos de cobrar impostos,
explorar ou subcontratar a exploração do solo, do subsolo e das riquezas
marítimas nas costas do território, bem como da exclusividade no recrutamento
de mão de obra e na emissão de moeda e selos postais nos territórios
administrados[20].
Moçambique foi dividido pela metrópole entre as companhias da
seguinte forma: toda a parte setentrional, norte do rio Lúrio, dada à Companhia
do Niassa; entre o rio Ligonha e uma faixa sul do rio Zambeze, foi adquirido em
sua maioria pela Companhia de Moçambique e pela Companhia da Zambézia; no
centro da colônia, entre o limite meridional dos prazos e o paralelo 22, o sul do
rio Save foram entregues a Companhia de Moçambique e administração direta do
governo português restringiu sua administração apenas ao Distrito de
Moçambique, a uma pequena parte na zona de Tete e ao território sul do paralelo
22. A maior parte de Moçambique ficou ocupada por estar companhias, em 1900,
a área "era superior a dois terços da superfície total do país"[21]. Segundo René
Pélissier não houve modificações importantes em relação ao antigo regime dos
prazos, para ele, a escravatura apenas tinha mudado de rosto[22]. O Estado
português passava a ter direito de 7,5 de lucro líquido das Companhias[23].
O governo português exigia a participação nos lucros das
companhias e a garantia da recuperação do território após a expiração do prazo
do contrato. Os benefícios que cabiam às Companhias eram os seguintes: direito
de coletar impostos; construir pontes e vias de comunicação; poder para emitir
moedas e selos oficiais; monopólio da atividade bancária e de comunicação;
direito de transferência de terras e o monopólio do comércio colonial para a sua
localidade.
A Companhia de Moçambique, fundada em 1891 com capital
estrangeiro (Alemanha, Inglaterra, África do Sul), tornouse a mais próspera[24].
Sua sede administrativa localizavase em Beira, onde estabeleceu as estruturas
para governar a localidade, o controle e pacificação da população, a manutenção
de infraestruturas para medidas sanitárias e educativas, a coleta de impostos e a
emissão de moedas[25]. Durante sua existência, a companhia recrutou pessoas
para trabalhar em suas plantações e ajudou no fornecimento de mão de obra
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moçambicana para as minas na África do Sul. Na primeira década do século XX
ocorreram constantes rebeliões contra o regime de trabalho forçado que
abalaram a confiança da coroa portuguesa na empresa[26].
Ao contrário das demais companhias, a Companhia de
Moçambique não incentivou o trabalho indígena, o que provocou a imigração em
massa de população submetida a jurisdição das demais companhias[27]. Em
1892, a Companhia de Moçambique abriu três eixos de ocupação: (1) a margem
sul do Zambeze, onde recuperou os antigos postos de Administração e abriu
outros; (2) a linha do Pungue; (3) a costa sul do Beira até o Save. Em 1898,
havia em Beira 103 agentes da Companhia, contando com o governador; no
Zambeze, 14 agentes que cobravam o mussoco[28]; em Manica, 28[29]. Em cada
uma das suas diversas circunscrições territoriais a Companhia tinha de dois a
sete agentes que se limitavam a cobrar impostos.
Mousinho de Albuquerque fez duras críticas às companhias em
seu relatório Moçambique, 18961898. Segundo ele, a Companhia de Moçambique
não era "patriótica" por seus capitais pertencerem a cidadãos das "mais fortes"
potências na Europa[30]. Observou que a concessão de direitos majestáticos à
Companhia de Moçambique fora "um mal", ainda assim desculpável pelas
circunstâncias do fato. Dado que a concessão não podia ser anulada, restava pôr
em prática um conjunto de medidas para a nacionalização da economia
moçambicana, na esperança de que a colônia se desenvolvesse e
prosperasse[31].
A Companhia de Niassa fundada por alvará régio em 1890, o
grupo português que a inaugurou não tinha condições financeiras para a
manutenção da Companhia. Em 1892, um consórcio com capitais da França e da
Inglaterra comprou a concessão da empresa. Em 1894, iniciouse a ocupação
efetiva da sua área no território moçambicano com a ajuda de militares do
Estado Português[32]. Em 1897, a Companhia tentou a pacificação da região do
Niassa, propondo a captura de chefes tribais daquela localidade, mas suspeitando
de uma grande resistência desistiu da empreitada. A companhia baseavase no
sistema "chibalo"[33] de trabalho, que obrigava os moçambicanos a trabalhar em
campos de algodão, plantações e obras públicas. Esse sistema de trabalho
impedia a população de crescer economicamente e desenvolver sua própria
produção para comercialização[34].
O alvará que dava poderes a Companhia de Niassa tinha
validade por vinte e cinco anos, aumentados para trinta e cinco pelo decreto real
de 16 de março de 1893, que fixou em $ 1.000.000 o capital social da
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Companhia, Portugal ficaria com 7,5% dos lucros da Sociedade e da propriedade,
e depois de trinta e cinco anos poderia ficar com os bens da Companhia. René
Pélissier assinala que o Estado tinha concedido aquilo que só nos mapas lhe
pertencia, mas que de certeza lhe não pertencia, podemos pensar que os poderes
públicos de 18911893 não ficaram a perder com esse negócio, que dissimulava
intenções que ninguém confiava[35].
Até final da década de 1890, a Companhia de Niassa mostrouse
um fracasso devido a sua baixa receita ($ 8.000 em 1895) e assim continuou até
início do século XX. A receita da Companhia começa a melhorar com a entrada
de um grupo britânico (sulafricano) no Conselho de Administração da
Companhia[36]. A partir de 1899, a Companhia começou a participar das
campanhas de pacificação, transformandose em uma "máquina de conquista"[37]
que se assemelhou ao exército colonial existente na província de Moçambique.
Vale ressaltar que a região administrada pela Companhia de Niassa foi
responsável pelo maior número de recrutamentos de mineiros que se mudaram
para o Transvaal.
Podemos analisar que ao longo da sua administração na região
do Cabo Delgado ocorreu uma evolução no movimento comercial registrado. Esse
progresso ocorria de forma irregular devido à insegurança no interior do
território e à concorrência alemã a norte a britânica a oeste[38]. Entre 1891 e
1903, apesar das oscilações, houve tendência de aumento no movimento
comercial na taxa de 84,3%. Como vemos na tabela e no gráfico abaixo
Evolução do Movimento Comercial Registrado no Cabo Delgado, 189
1903 (em contos de réis)
Fonte: VILHENA, Ernesto Jardim. Companhia do Nyassa.
Relatórios e Memórias sobre os territórios. Lisboa: Typographia da "A Editora",
1905, p. 412.
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Fonte: Tabela anterior.
Apesar dos números, René Pélissier, afirma que a princípio, a
Companhia do Niassa seria a verdadeira encarnação da especulação financeira e
da fraude e depois do parasitismo colonial. Sem desenvolver, nem cultivar a
concessão recebida, a não ser na costa, e sem ter minas ou trânsito que
rendessem, atravessou todo o período de suas atividades na cobrança do imposto
e na exportação da mão de obra para o Transvaal até 1912, ano em que a
maioria dos investidores passou a ser alemães e que tinham anseios de anexar o
território moçambicano futuramente. O pósPrimeira Guerra foi apenas uma
sucessão de represálias contra as populações que tinha colaborado com a
Alemanha e de escândalos abafados até a retirada de sua concessão pelo Estado
em 1929[39].
No mesmo período das Companhias Majestáticas, coexistiram as
Companhias Arrendatárias de Prazos, que eram submetidas às primeiras. As
mais importantes foram a Companhia da Zambézia (1898), a Companhia do
Borror (1904), a Companhia do Luabo (1904) e a Societé Du Madal (1906).
A Companhia da Zambézia possuiu o estatuto de semi
majestática, sua origem remonta da concessão feita pelo governo a Paiva de
Andrada, que compreendia as minas de ouro da Zambézia, posses até então
inexploradas pelo Estado[40]. Em 1879, em Paris, constituiuse a Sociedade dos
fundadores da Companhia da Zambézia, devido a um decreto que declarava que
sua concessão só seria efetivada quando ela tivesse o mínimo de capital
suficiente para a exploração integral da sua localidade. Inicialmente
impossibilitada de capital, foi forçada a ceder parte da sua área à Companhia de
Moçambique. Em 1892, com o investimento de capital inglês, oficialmente surgiu
a Companhia da Zambézia. Seus principais setores de atuação eram a indústria
mineral, a agricultura e o desenvolvimento da navegação no rio Zambeze[41].
René Pélissier atesta que ficaram entre 120 a 130 prazos, nas
fronteiras, a norte do Zambeze e a oeste do Chire, a sul do Zambeze e a oeste
do Luenha e do Mazoé, seriam arrendados em abril de 1892 a Companhia da
Zambézia. Em 1894, a Companhia da Zambézia recebeu prazos a leste do Chire.
Subalugouos, em partes, às Companhias Arrendatárias em Quelimane, a fim
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delas extrair duas únicas riquezas: o imposto de capitação (o mussoco) e os
trabalhadores. Nos primeiros anos da sua existência, teve forte atividade
repressiva e predatória. Subalugava a quem quer se julgasse capaz de cobrar o
imposto e pagar a renda. Com o progresso das Campanhas de Pacificação, as
terras altas do distrito de Quelimane, bem como a Angônia (Tete), rapidamente
revelaramse como reservatórios de mão de obra utilizada localmente nas
fazendas ali instaladas ou para exportar para o Transvaal[42].
Considerações Finais
Segundo Oliveira Marques, algumas companhias fracassaram,
mas outras se tornaram prósperas, contribuindo todas elas para o rápido
crescimento da economia da colônia[43]. A Companhia de Niassa mostrouse
pouco comprometida pela administração em sua área. Companhia de
Moçambique instalouse efetivamente no território que lhe cabia e se tornou a
mais poderosa Companhia Majestática em Moçambique.
As companhias construíram estradas e portos para importação e
exportação de produtos no mercado colonial moçambicano. Foram responsáveis
pela criação da ferrovia que ligava o porto de Beira a Rodésia, atual Zimbábue,
inaugurada em 1899.
Ao longo de suas administrações, as companhias seguiam
políticas que beneficiavam a colonização branca portuguesa e davam pouca
atenção à integração da população negra em Moçambique. Suas políticas
prejudicaram a produção da agricultura familiar e forçou um grande contingente
populacional a se mudar para África do Sul devido à mineração de ouro que
estava em ascensão na localidade.
Nesse período, Moçambique desenvolveuse. Oliveira Marques
afirma que as exportações moçambicanas superavam de longe as de Angola nas
vésperas da proclamação da República, o mesmo sucedendo quando às receitas
públicas[44]. No início do século XX as receitas moçambicanas foram
responsáveis por pagar as próprias dívidas e ainda contribuir para descontar os
déficits da colônia de Angola.
O porto de Lourenço Marques foi um dos grandes responsáveis
por este desenvolvimento. O tráfego comercial subiu de 1.020 contos, em 1888,
para 27.000, em 1908, e por volta de 1910, 57% do comércio externo
transvaliano utilizava porto de Lourenço Marques, contra 32% para Durban e 2%
para a Cidade do Cabo[45].
Bibliografia
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[1] Graduando em História pela Faculdade de Ciências e Letras UNESP/Assis.
Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP)
Faculdade de Ciências e Letras UNESP / Assis.
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[2] BETHENCOURT, Francisco; CHAUDHURI, Kirti. História da Expansão
Portuguesa: Do Brasil para África (1808 1930). Lisboa: Círculo de Leitores,
1998, p. 163.
[3] ALEXANDRE, Valentim."Portugal em África (18251974) Uma perspectiva
global". Pénelope: fazer e desfazer a história. Lisboa, n. 11, 1993.
[4] CABAÇO, José Luis. Moçambique: Identidade, colonialismo e libertação. São
Paulo: Editora Unesp, 2009, p. 29.
[5] MARQUES, A H. de Oliveira. História de Portugal: das revoluções liberais aos
nossos dias. Vol II. Lisboa: Palar Editores, 1998, p. 166.
[6] MARQUES, A H. de Oliveira. op. cit., p. 166.
[7] PEREIRA, Miriam Halpern. Das Revoluções Liberais ao Estado Novo. Lisboa:
Editorial Presença, 1994, p. 157.
[8] PEREIRA, Miriam Halpern. Livrecâmbio e desenvolvimento econômico: Portugal na segunda
metade do século XIX. Lisboa: Edições Cosmos, 1971, p. 20.
[9] REIS, Jaime. "A industrialização num país de desenvolvimento lento e tardio:
Portugal, 1870 1913". Análise Social. Lisboa: v. 23, n. 96, 2004, p. 220.
[10] PEREIRA, Miriam Halpern. op. cit, p. 297.
[11] Eis os termos do Ultimatum: O Governo de Sua Majestade Britânica não
pode aceitar, como satisfatórias ou suficientes, a seguranças dadas pelo Governo
Português, tais como as interpreta. O Cônsul interino de Sua Majestade em
Moçambique telegrafou, citando o próprio major Serpa Pinto, que a expedição
estava ainda ocupando o Chire, e que Katunga e outros lugares mais no território
dos Makololos iam ser fortificados e receberiam guarnições. O que o Governo de
Sua Majestade deseja e em que mais insiste é no seguinte: Que se enviem ao
governador de Moçambique instruções telegráficas imediatas para que todas e
quaisquer forças militares portuguesas atualmente no Chire e nos países dos
Makololos e Mashonas se retirem. O Governo de Sua Majestade entende que,
sem isto, as seguranças dadas pelo Governo Português são ilusórias. Mr. Petre
verseá obrigado, à vista das suas instruções, a deixar imediatamente Lisboa,
com todos os membros da sua legação, se uma resposta satisfatória à
precedente intimação não for por ele recebida esta tarde; e o navio de Sua
Majestade, Enchantress, está em Vigo esperando as suas ordens.
[12] MARQUES, A. H. Oliveira. op. cit., p. 124.
[13] Antônio Enes. O consentimento da Inglaterra. Apud MARTINS, F. A. Oliveira.
op. cit., p. 372.
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[14] MARQUES, A. H. Oliveira, op. cit., p. 177.
[15] CABAÇO, José Luis. op. cit., p. 62.
[16] ANDERSON, Perry. Portugal e o ultracolonialismo. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1966, p. 27.
[17] PEREIRA, Miriam Halpern. op. Cit., p. 164.
[18] CABRAL, Manuel Villaverde. Portugal na Alvorada do século XX: forças
sociais, poder político e crescimento econômico de 1890 a 1914. Lisboa: Regra do
Jogo, 1979, p. 2728.
[19] SOCIEDADE DE GEOGRAFIA DE LISBOA. As concessões de direitos
majestáticos a empresas mercantis para o ultramar. Lisboa: Tipografia do
Comércio de Portugal, 1891, p. 5.
[20] CABAÇO, José Luís. op. cit., p. 72.
[21] FRELIMO. História de Moçambique. Maputo: 1971, p. 78.
[22] PÉLISSIER, René. História de Moçambique. Formação e oposição: 1854
1918. Lisboa: Estampa, 1997. V.2. p. 82.
[23] Decreto de 28 de Dezembro de 1891.
[24] CABAÇO, José Luis. op. cit., p. 72.
[25] PÉLISSIER, René. História de Moçambique. Formação e oposição: 1854
1918. Lisboa: Estampa, 1997. V.1, p. 173174.
[26] PÉLISSIER, René. op. cit. p. 174.
[27] PÉLISSIER, René. História de Moçambique. Formação e oposição: 1854
1918. Lisboa: Estampa, 1997. V.2. p. 84.
[28] Tributo pago pelos indígenas de Moçambique que era direcionada para o
Governo Português.
[29] PÉLISSIER, René. op. cit. p. 97.
[30] ALBUQUERQUE, Mousinho. Moçambique (1896 1898). Lisboa: Agência Geral
das Colônias, 1934, p. 207 209.
[31] ALBUQUERQUE, Mousinho. Op. cit., p. 217.
[32] PÉLISSIER, René. René. História de Moçambique. Formação e oposição:
18541918. Lisboa: Estampa, 1997. V.1. p. 175.
[33] "Chibalo": sistema de trabalho forçado nas províncias ultramarinas
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portuguesas na África e na Ásia, sobretudo em Angola e Moçambique. Portugal
aboliu a escravidão oficialmente em 1869, mas o sistema foi usado para construir
as infraestruturas públicas das províncias africanas, manutenção de plantações
das companhias que tinham poder régio para exercer a exploração nos territórios
e exploração de minas. Durante o período do Estado Novo, este sistema foi usado
em Moçambique para o crescimento da produção algodoeira. Homens com a
idade adequada tinham que trabalhar nos campos de algodão e possuíam sua
cota de produção. Estes campos, após o cultivo de algodão, tornaramse inúteis
para a produção alimentícia e causou fome para a população. Com a Revolução
dos Cravos em 1974, o sistema "chibalo" foi encerrado e no ano seguinte houve a
independência das províncias ultramarinas de Portugal. THOMAZ, Fernanda do
Nascimento. Os "Filhos da Terra": discurso e resistência nas relações coloniais no
sul de Moçambique (1890 1930). Dissertação de Mestrado no Programa de Pós
Graduação em História da Universidade Federal Fluminense. Niterói: UFF, 2008,
p. 89.
[34] PÉLISSIER, René. op. cit. p. 379.
[35] PÉLISSIER, René. op. cit. p. 357.
[36] PÉLISSIER, René. op. cit. p. 358.
[37] PÉLISSIER, René. op. cit. p. 359.
[38] PÉLISSIER, René. op. cit. p. 377.
[39] PÉLISSIER, René. op. cit. p. 175
[40] PÉLISSIER, René. História de Moçambique. Formação e oposição: 1854
1918. Lisboa: Estampa, 1997. V. 2, p. 80.
[41] PÉLISSIER, René. PÉLISSIER, René. História de Moçambique. Formação e
oposição: 18541918. Lisboa: Estampa, 1997. V 1. p. 174.
[42] PÉLISSIER, René. op. cit., p. 174.
[43] MARQUES, A. H de Oliveira. op. cit., p. 161.
[44] MARQUES, A. H. Oliveira. op. cit., p. 160.
[45] MARQUES, A. H. Oliveira. op. cit., p. 161.
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