Do Rovuma ao Nhamacurra - Moçambique na 1ª Guerra Mundial

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Moçambique na 1º Guerra Mundial - do Rovuma ao Nhamacurra Francisco Proença Garcia Professor da Academia Militar Um possível enquadramento O império africano alemão, constituído pela actual Namíbia, Togo, Camarões e Tanganica, teve sempre intenções sobre o território de Moçambique. Os alemães, à semelhança do projecto da Mitteleuropa, sonhavam no final da 1ª Grande Guerra com uma redistribuição das possessões coloniais portuguesas, belgas e francesas bem como com o estabelecimento de uma Mittelafrika alemã. A Inglaterra e a Alemanha quer em 1898 quer em 1913 chegaram a formalizar convenções secretas onde era definida a partilha das possessões portuguesas i . Os diferendos para delimitação da fronteira Norte em Moçambique entre Portugal e Alemanha remontam à perda por parte do poder português do “triângulo de Quionga”, oficialmente reconhecida a 10 de Setembro de 1894 ii . Apesar do ataque ao posto de Maziúa, em Agosto de 1914 e de o Governo Inglês solicitar desde 10 de Outubro desse ano, ao Governo Português o abandono da sua atitude de neutralidade e assumir a sua posição activamente ao lado da Inglaterra, Portugal só entra no conflito após a declaração de guerra feita pela Alemanha a 9 de Março de 1916. O período intermédio é de uma longa indefinição diplomática entre a neutralidade e a beligerância iii . Isto na Europa, 1

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Moçambique na 1º Guerra Mundial -

do Rovuma ao Nhamacurra

Francisco Proença GarciaProfessor da Academia Militar

Um possível enquadramento

O império africano alemão, constituído pela actual

Namíbia, Togo, Camarões e Tanganica, teve sempre intenções

sobre o território de Moçambique. Os alemães, à semelhança

do projecto da Mitteleuropa, sonhavam no final da 1ª Grande

Guerra com uma redistribuição das possessões coloniais

portuguesas, belgas e francesas bem como com o

estabelecimento de uma Mittelafrika alemã. A Inglaterra e a

Alemanha quer em 1898 quer em 1913 chegaram a formalizar

convenções secretas onde era definida a partilha das

possessões portuguesasi.

Os diferendos para delimitação da fronteira Norte em

Moçambique entre Portugal e Alemanha remontam à perda por

parte do poder português do “triângulo de Quionga”,

oficialmente reconhecida a 10 de Setembro de 1894ii.

Apesar do ataque ao posto de Maziúa, em Agosto de 1914 e

de o Governo Inglês solicitar desde 10 de Outubro desse

ano, ao Governo Português o abandono da sua atitude de

neutralidade e assumir a sua posição activamente ao lado da

Inglaterra, Portugal só entra no conflito após a declaração

de guerra feita pela Alemanha a 9 de Março de 1916. O

período intermédio é de uma longa indefinição diplomática

entre a neutralidade e a beligerânciaiii. Isto na Europa,

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onde os destinos da guerra eram jogados, pois, mesmo antes

da declaração de guerra e da entrada em Teatro europeu, as

operações militares tinham já sido iniciadas e continuadas

em solo africano, onde a estratégia alemã passara da

diplomacia tradicional, para uma diplomacia coerciva e

acabara numa guerra aberta.

Em Portugal, a opinião pública estava dividida quanto à

intervenção portuguesa na guerraiv, mas havia consenso

nacional para a defesa e manutenção da soberania portuguesa

no Império Colonial, o que permitiu a entrada na guerra em

Teatro africanov, correspondendo esse sentimento ao forte

imaginário colonial.

A intervenção em África não era decisiva quer do ponto de

vista diplomático quer militar. Aquele era um Teatro

secundário e periférico, que não obrigava a uma declaração

de guerra nem sequer à beligerânciavi. Visavam-se

objectivos mais latos, pelo que o fundamental era marcar

presença no Teatro europeu; este sim, poderia trazer frutos

ao nível internacional e interno. Apesar de tudo, não era

despropositado que em Lisboa se encarasse a possibilidade

de, no rescaldo da guerra, Ingleses e Alemães voltarem a

negociar a partilha das colónias portuguesas. Em

Moçambique, o objectivo era duplo: recuperar Quionga e

conseguir a passagem para a margem Norte do Rovuma.

Com a intervenção europeia, Portugal, além de cumprir os

seus deveres de aliado da Inglaterra, libertava-se dos

propósitos tutelares daquela por meio de uma decisão que o

creditaria perante todo o mundo e assegurava ainda a

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presença na conferência de paz, onde poderia fazer-se ouvir

em defesa da inviolabilidade dos seus domínios

ultramarinos.

A situação política interna era instável: transitava-se

de Regime e a luta pelo Poder entre os diversos partidos

era uma constante, os governos sucediam-se, formando-se e

caindo a um ritmo vertiginoso.

Ao nível internacional, Portugal sofria ainda do

constrangimento do reconhecimento oficial da nova

República, um processo moroso e complexo que decorreu ao

longo de onze meses, em três fases distintasvii. Assim, foi

também a necessidade de legitimidade e de consolidar

politicamente o Regime que acabaram por levar a República

para a guerra na frente ocidental europeia, na Flandres.

As forças em confronto

As campanhas de 1914-1918 travadas em África diferem em

muito da campanha que se desenrolava ao mesmo tempo na

Europa. A guerra em solo africano era de movimento,

pertencendo a vantagem a quem tomasse a iniciativa.

As forças em confronto eram substancialmente diferentes

quer quantitativa quer qualitativamente. As tropas da

Schutztruppe eram comandadas por Paul Emil Von Lettow

Worbeck, estavam organizadas em companhias e contavam com

cerca d 12000 Askaris e 3000 europeus.

Apesar de serem numericamente inferiores às forças

aliadas, os alemães partiam em vantagem pois conheciam o

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terreno e tinham efectuado os seus treinos em ambiente

africanoviii. A sua actuação para atacar as forças aliadas

exaustas e mal treinadas assentava numa superior mobilidade

e independência. Utilizavam uma táctica de guerrilha, um

emprego massivo das metralhadoras e de acções de

reconhecimento, aliado a uma estratégia desprendida da

posse do terreno, visando, numa manobra de acção indirecta,

atrair o Inimigo, desgastá-lo e ocupar ao máximo o seu

tempo. Procuravam sempre obter a superioridade local nos

pontos que lhe eram mais favoráveis, evitavam o combate

decisivo, retiravam sempre que em desvantagem, concentrando

para combater de forma implacável.

Com esta forma de actuação, os alemães além de forçarem

os aliados a um “(...) esforço relativamente grande para

alcançarem objectivos limitados (...)”ix, contribuíam para

fixar e mesmo mobilizar recursos que já não seriam

empregues em Teatro europeu onde a luta se decidia.

Lettow Worbeck, desde o bloqueio de 1915 não conseguia

comunicar com a metrópole, não recebendo nem abastecimentos

nem reforços, pelo que passou a viver e a combater à custa

do Inimigo. Tecnologicamente, os alemães estavam em

desvantagem pois a sua arma individual era a Mauser de 1877

de pólvora de fumo.

Os aliados estavam tecnologicamente mais avançados,

possuindo, por exemplo, a arma Mauser de 1904x, a primeira

esquadrilha expedicionária portuguesa e camiões FIAT.

As forças aliadas que conseguiram sempre manter a

ligação com as respectivas metrópoles, acumularam no

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período do confronto um efectivo entre os 210000 e os

250000xi. Os ingleses e sul-africanos, constituíam o grosso

da força aliada, bem comandados por oficiais experientes no

Teatro de Operações, principalmente os Boers, sendo o

Comandante Supremo Aliado, o General Smuts, também ele um

Boer.

O contingente português atingiu números próximos dos

20000 homens, entre as forças desembarcadas e o

recrutamento local, com um efectivo, grosso modo, de 12000

africanosxii sem contabilizar os aproximadamente 90000

carregadoresxiii.

i ALMADA, José de, Convenções Anglo-Alemãs relativas às colónias portuguesas.Lisboa: Estado Maior do Exército, 1936.

ii Ficando a fronteira demarcada pelo paralelo de Cabo Delgado, 10º 40´Sul, formando pelo seu traçado geográfico a figura geométricatriangular com 450 Km2.

iiiTEIXEIRA, Nuno Severiano, Colónias e colonização portuguesa na cena internacional(1885-1930). In Bethencourt, Francisco, e Chaudhuri, Kirti, “Históriada expansão portuguesa”. Navarra: Círculo de Leitores, 1998. Vol. IV,p. 514.

iv BESSA, Gomes, O Combate de Muíte: aspectos relacionados com a participaçãoportuguesa na guerra de 1914-18 em Moçambique, Lisboa, in Separata doa “«Anais»da Academia Portuguesa de História”, 1986, p. 145.

v TEIXEIRA, Nuno Severiano, O Poder e a Guerra 1914-1918. Objectivos nacionais eestratégias políticas na entrada de Portugal na Grande Guerra. Lisboa: Ed. Estampa,1992, p. 112.

vi Idem, Colónias e colonização portuguesa na cena internacional (1885-1930). InBethencourt, Francisco, e Chaudhuri, Kirti, “História da expansãoportuguesa”. Navarra: Círculo de Leitores, 1998. Vol. IV, p. 515.

viiNuma primeira fase, as Repúblicas sul-americanas, numa segunda fase,os EUA e a França e por último, a 11 de Setembro de 1911, oreconhecimento oficial e conjunto das monarquias europeias. Estasfases encontram-se detalhadamente descritas in TEIXEIRA, NunoSeveriano, O Poder e a Guerra 1914-1918. Objectivos Nacionais e Estratégias Políticas naEntrada de Portugal na Grande Guerra, p. 88-99.

viii CANN, John, Moçambique, África Oriental Alemã e a Grande Guerra, in, “RevistaMilitar” n.º 5, Maio de 2002. p. 372.

ix Idem, p. 367x Espingarda de repetição e que utilizava pólvora sem fumo, com as vantagens daí advindas.xi Lettow Worbeck diz 300000.

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Porém, em todas as fases em que o conflito se

desenvolveu Portugal apresentou as suas forças com falta de

preparação, muito desorganizadas e desmoralizadasxiv, com um

comando incompetente, dividido e que foi substituído

inúmeras vezes.

O General Gomes da Costa sintetiza a falta de preparação

e de organização ao referir: “(...) Preparação é coisa que

não existe em Portugal: tudo se faz por impulsos,

bruscamente, segundo as necessidades do momento, e por isso

tudo nos sai torto e desafinado; será o que Deus quiser! O

fatalismo muçulmano! A experiência, o saber, a inteligência

para nada servem. Resultado: Desastre (...)”xv.

As companhias indígenas tinham pouca instrução e o seu

armamento era constituído pelas velhas Snider de cartuchame

com invólucros de cartão o papel e o equipamento

desconjuntava-sexvi.

xii OLIVEIRA, General Ramires de, História do Exército Português (1910-1945).Lisboa: Estado-Maior do Exército, 1993. Vol. II, p. 171.

xiii Portugal mobilizou para aquele território, ao longo dos vários anos19.438 militares da metrópole, 985 portugueses recrutados localmentee 10.278 africanos, e recrutou 90000 carregadores, 60000 fornecidosao Exército português e 30000 às forças britânicas. MARTINS,Azambuja, A campanha de Moçambique, in MARTINS, Ferreira, “Portugal naGrande Guerra”, Vol. II, Lisboa, 1938, p. 186.

xiv O tenente Mário Costa no seu livro É o inimigo quem fala, descreve ascondições caracterizadoras desta falta de preparação, do treino, aofardamento e equipamento, passando pela alimentação, pela baixa morale pela assistência sanitária, In COSTA, Mário, É o inimigo que fala –subsídios inéditos para o estudo da Campanha da África Oriental 1914 – 1918, LourençoMarques, Imprensa Nacional, 1932, p. 33. Para Gomes da Costa, asexpedições marchavam para os TO com uma organização atabalhoada,“(...) sem ciência nem consciência, à pressa sem cuidado algum comoquem embarca rezes para o matadouro (...)”, in Portugal na Guerra: A Guerranas Colónias, Lisboa, 1925, p. 253-254.

xv COSTA, Gomes da, ob. cit., p. 68.xvi SILVA, Capitão Rodrigues da, Monografia do 3º Batalhão expedicionário do RI n.º

21 à Província de Moçambique em 1915, Lisboa, Imprensa Beleza, s.d., p. 47.

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Nestas campanhas Portugal iria enfrentar outros três

inimigos de peso além das forças alemãs comandadas por

Lettow Worbeck,xvii:

o clima e as condições sanitárias inacreditáveis

causadores de mais baixas do que o combate com os

alemãesxviii;

e a desorganização e ineficácia do Estado que se

reflectiriam na preparação dos contingentes;

Os King´s African Rifles Britânicos que se comportavam como

um verdadeiro exército de ocupação e inclusivamente

sublevavam as populações contra os portugueses.

1º Expedição

Seguindo um rumo diferente dos seus aliados europeus,

Portugal envia forças expedicionárias para o território. O

decreto que mandou organizar as primeiras expedições

militares para Moçambique e Angola data de 18 de Agosto de

1914. A primeira expedição para Moçambique, constituída com

base no Batalhão de Infantaria 15 num total de 1527 homens

sob o comando do Tenente-Coronel Pedro Massano de Amorim,

desembarcou em Porto Amélia a 1 de Novembro de 1914 e

guarneceu a linha de fronteira com postos militares ao

longo do Rovuma. Contudo o ataque ao posto de Maziúa, na

fronteira daquele rio, verificara-se já na noite de 24 para

25 de Agosto. Este incidente de fronteira provocou a morte

xvii BESSA, Gomes, ob. cit., p. 181.xviii Sobre as condições sanitárias podemos complementar no livro domédico LIMA, Américo Pires de, Na Costa d´África - memórias de um médicoexpedicionário a Moçambique, Gaia 1933.

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dos soldados da guarnição da Companhia do Niassa, tendo as

autoridades diplomáticas alemãs apresentado desculpas ao

Governo Português pelo ataque a um posto de fronteira de um

país neutral. Em Outubro do mesmo ano, surgem os primeiros

confrontos no Sul de Angola. Abriam-se assim duas frentes

de guerra em território africano.

Esta primeira expedição chegou a Porto Amélia a 1 de

Novembro. Parecia não ser esperada. Numa altura em que se

iniciava a estação das chuvas, as tropas ficaram em

palhotas sem sequer terem cobertura em zinco. Na Baia de

Pemba os navios não podiam atracar, pois o cais só permitia

a atracagem de lanchas e botes, e mesmo assim só com a maré

cheia. O serviço de saúde era muito deficiente, a

alimentação, constituída por enlatados de sardinha,

bacalhau e de “rancho confeccionado”, não era adequada. Os

soldados dormiam em quinandas. Porém, a protecção de

mosquiteiros era descurada pelos próprios denotando a falta

de preparação para actuar em Áfricaxix.

Com a época das chuvas o estado sanitário era mau, pois

todos os dias baixavam um grande número de homensxx. Ao fim

de meio ano de expedição o resultado deste acumular de

erros foi de 21% de baixas por doença, e isto sem

combaterem ou mesmo saírem de Porto Amélia.

Numa altura em que Portugal ainda permanecia neutral, a

expedição recebe ordens para ocupar Quionga. Devido aoxix “(...) mosquiteiros não lhes foram dados, e como eles, na sua tristeignorância não acreditavam na transmissão das febres pela picada domosquito e sorriam estupidamente incrédulos quando lho diziam, emgeral não os adquiriam (...)”, in, SILVA, Capitão Rodrigues da, ob.cit. p. 31.

xx Idem, p. 36.

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desgaste provocado pelas precárias condições sanitárias uma

acção ofensiva seria inviável, além do mais a missão

inicial era de defesa do Rovuma, sendo necessário preparar

o ataque. O saldo da actividade deste primeiro Contingente,

a nível operacional, traduz-se praticamente na abertura de

algumas estradasxxi, que viriam a ser muito úteis para as

operações posteriores.

Pedro Massano de Amorim, devia entre outras missões

conter os africanos com comportamentos de sublevados “por

sua própria iniciativa ou por instigação do estrangeiro”xxii

A intromissão política nos assuntos militares é já

notória nesta altura. Pimenta de Castro chegou a dar ordens

para o regresso do 1º contingente, pelo que com a sua

demissão veio a contra-ordemxxiii.

2ª Expedição

Em Outubro de 1915, parte para Moçambique uma 2ª

expedição organizada à volta do Batalhão de Infantaria 21,

com um total de 1543 homens. No desembarque em Porto Amélia

a 7 de Novembro esta expedição encontra as mesmas

condições precárias da 1ª. De acordo com o relatado da

Monografia do 3º Batalhão expedicionário do RI n.º 21 à Província de

Moçambique em 1915, nada estava preparado para a receber. As

tropas continuavam em palhotas sem cobertura de zinco. O

xxi BESSA; Gomes, ob. cit., p. 148.xxii AHU, Ano de 1914 a 1916. Pasta ª Moçambique. N.º 1593, n.º 1 ª1914. Expedição de Moçambique e instruções dadas ao seu comandante,Sr. Amorim.

xxiii BESSA; Gomes, ob. cit., p. 148.

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cais continuava a não permitir a atracagem de navios, e com

a maré vazia “(...) passava-se das pequenas embarcações

para os ombros de um pretalhão, e «à cochita», como as

crianças, agarrado à sua cabeça rapada e luzidia (...)”xxiv.

O serviço de saúde e a alimentação permaneciam deficientes.

O resultado foi ainda mais desastroso, cerca de 75% de

baixas, principalmente pelo efeito desgastante do climaxxv.

O descontrolo e a falta de acção de comando eram evidentes,

desconhecendo o próprio comandante da expedição, Major de

Artilharia Moura Mendes, ao fim de 5 meses de missão, a

real situação militar na fronteiraxxvi.

Com esta nova expedição seguiu também o novo Governador-

Geral, Álvaro de Castro, capitão na situação de licença

ilimitada e licenciado em Direito. Apesar de desconhecerem

a real situação militar na fronteira Norte de Moçambique,

Álvaro de Castro e o Governo de Lisboa, procurando obter

dividendo políticos, cedem às pressões do Poder de Londres,

e por sua vez pressionavam o comando militar da expedição

para ocupar Quionga. A expedição estava quase em ruptura e

solicitava reforços. E a 30 de Março o governo acaba por

decidir enviar nova expedição, sob o comando do coronel

Ferreira Gil, mas é ainda Moura Mendes que a 10 de Abril de

1916, sem encontrar resistência, irá ocupar Quionga.

Por norma a historiografia actual, refere o

desconhecimento português sobre a ocupação ou não de

Quionga por forças alemãs. Porém, na Monografia do 3º Batalhão

xxiv SILVA, Capitão Rodrigues da, ob. cit., p. 29.xxv MARTINS, Azambuja, Nevala, Expedição a Moçambique, Famalicão, 1935. p. 75.xxvi TELO, António, Campanha de Moçambique 1916-1918, in AAVV, “Portugal naGrande Guerra 1914-1918”, Diário de Notícias, Lisboa, 2003, p. 157.

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expedicionário do RI n.º 21 é referido que o Major Portugal da

Silveira recebera instruções para ocupar Quionga,

efectuando reconhecimentos preparatórios para poder

determinar a linha de infiltração; além do mais, pela

espionagem, cujo chefe era um monhé de nome Simba Ibraímo

que tinha um soldo de 60$00, sabia-se que Quionga estava

desguarnecida e que o residente alemão andava a Norte do

Rovuma a tentar arranjar forças para a defender, sugerindo

ainda uma actuação rápida e de surpresa para evitar

reforçosxxvii.

O plano do Poder português visava ainda transpor o Rovuma

e atacar o núcleo principal dos alemães em Táboraxxviii, pelo

que em Maio, o Governador-Geral, com reforços trazidos do

Sul, tenta atravessar o Rovuma, recebendo para tal o apoio

naval sobretudo do cruzador Adamastor e da canhoneira

Chaimite.

Esta operação que foi forçada pelo poder político (o

Governador não prescindia de dirigir a guerra a partir de

Lourenço Marques), realizou-se com inúmeros erros,

destacando-se a falta de meios militares e a sua

coordenação, pautando-se toda a operação por uma

desorganização geral.

Do cruzador esperava-se capacidade de fogo para apoiar a

travessia do Rio, porém não tinha munições convenientes

para bater posições terrestres, e quando foi necessário

abrir fogo, os observadores avançados não tinham forma de

comunicar, não sendo assim o tiro regulado, com as

xxvii SILVA, Capitão Rodrigues da, p. 48.xxviii OLIVEIRA, General Ramires de , ob. cit., p. 205.

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consequências daí advindas. Assim, a tentativa efectuada

para atravessar aquele rio fronteira a 26 e 27 de Maio de

1916, falhou.

Após a ocupação de Quionga e até à travessia do Rovuma,

os ataques alemães aos postos fronteiriços foram uma

constante, mantendo os portugueses numa instabilidade

constante.

3ª Expedição

A terceira expedição para Moçambique, a maior de todas

(128 oficiais e 4356 praças), partiu de Lisboa em

sucessivos navios, nos meses de Maio a Julho de 1916, sob o

comando do então Coronel Ferreira Gil. Esta expedição

contava com 3 Batalhões de Infantaria, 2 batarias de

artilharia, 3 de metralhadoras 2 de engenharia e um

hospital provisórioxxix. A estas forças juntaram-se as

tropas da segunda expedição e ainda 10 companhias de

recrutamento local, e operaram em território da África

Oriental Alemã até Dezembro desse ano. O Major Moura Mendes

passou a comandar a Artilharia.

O comando militar português não tendo em atenção as

lições que deveriam ter sido aprendidas nas anteriores

expedições, não corrigiu os erros cometidos até então, pelo

que o primeiro navio da terceira expedição quando chega a

Tungué, encontra um cenário do desembarque e do

acantonamento das tropas semelhante ao das expedições

anteriores e uma situação sanitária catastrófica. Depois doxxix Idem, p. 210.

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desembarque era ainda necessário completar a instrução de

combate.

O General Smuts, sabendo da chegada da nova expedição

portuguesa, pede, em telegrama datado de 8 de Julho de

1916, uma ofensiva a norte do Rovuma. Ferreira Gil que

tinha instruções para invadir a Őstafrika alemã e para ocupar

os diversos portos até à proximidade do rio Rufigi,

responde com a necessidade de concentrar forças antes de

efectuar qualquer operação, mas acabará por ceder ás

insistências do General Smuts a que se acresciam as fortes

pressões governamentais. Lisboa estava mal informada, para

ela Lettow Worbeck estaria a retirar, porém a realidade era

bem diferente.

A terceira expedição tinha uma missão tão ambiciosa como

grandiosaxxx. O General Smuts pretendia mesmo que os

portugueses avançassem sobre Liwale, o que significava uma

penetração em território inimigo de cerca de 400 Km, mas

Ferreira Gil aceita apenas ir até Lukeledi através de

Nevala e Massassixxxi.

Com 3 colunas e cerca de 4000 Homens, com o apoio de 10

metralhadoras e 14 peças, as forças de Ferreira Gil

atravessam a fronteira fluvial a 19 de Setembroxxxii. Do

outro lado a força alemã havia retirado. Pensamos que por

novamente se efectuar uma incorrecta avaliação da situação,

as forças portuguesas enviam uma das colunas no encalce dos

alemães até Nevala (200 Km a Norte), que Ferreira Gil manda

xxx CANN, John, ob. cit., p. 381.xxxi COSTA, Gomes da, A guerra nas colónias 1914-1918, Lisboa 1925., pp. 165-169.

xxxii MARTINS, Ferreira, ob. cit., p. 159

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conquistar. Este posto será ocupado sem combate a 26 de

Outubro.

De Nevala, a 8 de Novembro, sai uma coluna

(aproximadamente 1000 homens) em direcção a Lilundi. Esta

força comandada pelo Major Leopoldo da Silva, acaba por ser

emboscada no Kiwambo. Nevala fica isolada e será atacada a

22, acabando por ceder a 28 desse mês, pondo-se os

sobreviventes em fuga para o Sul do Rovuma. A operação

ofensiva portuguesa saldara-se assim num fiasco e numa

derrotaxxxiii.

Em Nevala um espólio de toneladas de mantimentos,

armamento (4 canhões de 75, 7 metralhadoras Maxim)

equipamento (dois camiões FIAT) e munições fica para os

alemães.

Os alemães após Nevala iniciam um contra-ataque para Sul

expulsando as forças de Ferreira Gil, que regressou a

Portugal a “(...) pretexto de uma oportuna doença (...)”xxxiv

e o Governador-Geral, Álvaro Xavier de Castro assume o

comando directo das forças e transfere a Base de Palma para

Mocímboa da Praia, o que implicou a construção de novas

instalações. Esta área pantanosa trouxe consequências

graves para o estado sanitário e para a vidas das tropas,

pelo que, o mesmo Governador ainda tentou transferir os

contingentes para Chomba, a 141 Km para o interior e a 800

m de altitude, em pleno planalto maconde, que na altura

estavam sublevados.

xxxiii DUARTE, António, Esboço para uma leitura estratégica sobre a campanha deMoçambique (1914-1918). In “Revista Militar” n.º 8/9, Agosto/Setembro de1998. p. 694.

xxxiv TELO, António, ob. cit., p. 455.

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As Forças portuguesas combateram em solo alemão

aproximadamente 3 meses, mas não enfrentaram directamente

Lettow Worbeck, este encontrava-se a Norte a conter as

ofensivas do General Smuts.

Apesar da pausa nos combates provocada pela estação das

chuvas, os Aliados continuavam a avançar para o Rovuma,

empurrando os alemães cujas forças estavam quase intactas.

Em Agosto de 1917, as forças portuguesas são reforçadas

com unidades da metrópole e mudam de postura, passam à

defensiva ao longo do Rovuma, através de uma linha de

postos, cometendo novamente o erro de dispersar as forças

ao longo de centenas de quilómetros. Nesta altura, o

reforço contava com 3 aviões monomotores Farman, porém, o

facto de o aparelho do tenente Sousa Gorgulho sofrer um

acidente e na mesma altura adoecer um dos principais

mecânicos levam à paralisia operacional da esquadrilha.

Mário Costa no seu livro É o inimigo que fala – subsídios inéditos

para o estudo da Campanha da África Oriental 1914 – 1918,xxxv apresenta

um diário de campanha atribuído ao comando alemão, onde se

descreve que o General Wahle, que actuava independente do

Lettow Worbeck (o seu chefe), enviou em Abril de 1917 uma

força sob o comando do capitão Von Stuemer, para leste do

lago Niassa em busca de mantimentos e equipamentos e com

instruções para viver tanto quanto possível exclusivamente

do inimigoxxxvi.

Atravessado o Rovuma, Von Stuemer apodera-se do posto de

Mitomoni, e em poucas semanas ocupou toda a região dos

xxxv Costa, Mário, ob. cit., p. 151.xxxvi Idem, pp. 148-153.

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ajauas e respectiva periferia: Mataca, Metarica, Serra

Mecula, Mwembe, Mluluca, Maúa, Metarica e Mandimba - Neste

período, os portugueses enfrentavam a revolta do Barué, na

Zambézia, situação que para sua, não foi aproveitada pelos

alemães.

Portugueses e ingleses reorganizam-se e lançam-se no

encalço dos alemães, reocupando os postos perdidos,

acabando o destacamento alemão por retirar para o Rovuma,

abandonando por completo a Serra Mecula em princípios de

Setembro. Esta primeira invasão de Abril a Setembro, além

de ter servido para recolher meios de subsistência de

diversa ordem, terá sido um reconhecimento em força

preparatório de uma grande invasão a partir de Novembro.

4ª Expedição

A quarta expedição, sob o comando Coronel de Cavalaria

Tomás de Sousa Rosa (este era já o quinto comandante desde

Agosto de 1914), chega a Mocímboa da Praia a 12 de Setembro

de 1917. Nesta altura o comando aliado informa Sousa Rosa

das suas intenções de continuar a empurrar o inimigo para o

Rovuma, e dá indicações através de Von der Venter (na

altura Comandante-Chefe das forças aliadas na África

Oriental), para que os portugueses reforcem a defesa

daquele rio, oferecendo inclusivamente forças para o

efeito. Portugal acedeu ao pedido e Sousa Rosa escrevia no

seu relatório de Operações que assim os ingleses mostravam

“(...) vontade não valorizar nosso esforço para bom

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resultado final (...)”, concluindo que “(...) estávamos

sendo iludidos (...)”xxxvii.

Sousa Rosa considerando não necessitar desse apoio,

efectua apenas um reforço do dispositivo anterior. O novo

dispositivo assentava em 5 postos principais e uma dúzia de

postos secundários; estes postos secundários tinham

indicações para estabelecerem postos de observação

separados não mais de 25 quilómetros, possibilitando um

reforço rápido de qualquer posto atacado. Apesar da postura

defensiva adoptada, Sousa Rosa mantinha intenções de passar

à ofensiva mal estivessem criadas as condiçõesxxxviii.

Os Britânicos que tinham na sua posse os maiores portos

alemães e ocupavam a maior parte da Őstafrika, enfrentam de 15

a 17 de Outubro em Nyango, Lettow Worbeck que sofre pesadas

baixas. Este, procurando conservar a sua liberdade de

acção, opta por ir combater para dentro das fronteiras do

próprio inimigo indo em busca de víveres e muniçõesxxxix. Com

esta atitude forçava as forças aliadas a concentrar

recursos que poderiam ser mais úteis noutras paragens,

assistindo os portugueses a uma guerra entre ingleses e

alemães no seu próprio território.

A 2 de Novembro, uma força alemã, aquilo que podemos

considerar de guarda avançada, toma o posto de Nangar. A 25

do mesmo mês, Lettow Worbeck ao comando de 300 europeus e

1700 Askaris e 3000 carregadores com as respectivasxxxvii ROSA, Souza, Relatório das operações contra os alemães no Leste Africano, 1ªparte, Arquivo Histórico Militar, 2ª Div., 7ª Sec., n.º 271, caixa12.

xxxviii Idem, p. 17-19.xxxix WORBECK, Lettow, As minhas memórias da África Oriental, Lisboa, s.d., p.261-263.

17

famíliasxl, atravessa o Rovuma a vau perto do posto de

Negomano e entra no território de Moçambique.

A partir, de 1917 todo o Norte de Moçambique foi atingido

por um conflito internacional estando a margem direita do

Rovuma a ser sustentada por uma espécie de fantasmas de

militaresxli, para quem sobreviver era a palavra de ordem.

Os alemães eram perseguidos pelas forças inglesas, que

para Sousa Rosa, “(...) perderam o contacto e nós agora que

nos aguentemos em força, sem qualquer auxílio imediato

(...)”xlii.

Negomano é conquistado sem grande dificuldade, sucumbindo

o seu comandante, Major Teixeira Pinto, nos primeiros

minutos de combate. Com grande parte da guarnição em fuga,

os alemães apoderam-se mais uma vez dos preciosos víveres,

munições e das valiosas Mauser de 1907.

Depois de conquistar Negomano, Lettow Worbeck subdivide a

sua coluna em diversos destacamentos, constituindo aquilo a

que René Pélissier designou por “(...) uma longa serpente

central muito móvel, cujas contorções foram o pesadelo do

Exército inglês e acessoriamente, do português (...)”xliii

As forças alemãs continuaram depois ao longo do Lugenda e

chegam a Nanguar a 2 de Dezembro, a Chirumba a 11 e Muembe

a 19 e, a 21, transpunham o rio Lúrio, forçando as

guarnição de Muíte a retirar. O destacamento que seguia ao

longo da margem esquerda do Lúrio, em direcção à foz, chega

xl Idem, p. 263.xli PÉLISSIER, René, História de Moçambique - Formação e oposição 1854-1918. Lisboa: Ed. Estampa, 1994, Vol. I, p 399.

xlii ROSA, Souza, relatório citado, p. 17-19.xliii PÉLISSIER, René, ob. cit., p. 420.

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a Mecúfi a 2 de Janeiro de 1918 e a 7 deste mês, numa

tentativa portuguesa de travar a progressão alemã, veio a

dar-se um segundo combate em Muíte.

Os alemães continuaram sempre para Sul pilhando tudo e

recolhendo o que podiam de víveres, armamento e munições.

Ao Sul do Lúrio, Lettow Worbeck, muda de táctica,

concentrando forças e constituindo uma guarda avançada, a

poucos dias de marcha do grosso da Schutztruppe, seguida de

uma guarda de retaguarda.

Em Dezembro de 1917, Sousa Rosa recebe instruções para

abandonar Porto Amélia, que viria a ser ocupado pelos

ingleses. Porém, os alemães já tinham abandonado a região

em direcção a Sul, atravessando zonas até então

consideradas intransitáveis no período das chuvas. A

oposição ao seu avanço é praticamente insignificante, e os

Aliados só dão conta da sua localização através das

notícias da queda sucessiva dos diferentes postos. Lettow

Worbeck é, no entanto, perseguido por forças Aliadas

comandadas por Von der Venter, que tinha sob seu comando as

forças portuguesasxliv. Estas limitavam-se apenas a efectuar

tarefas de guarnição, pois Von der Venter assim o impunha.

Malena, perto de Nampula e situada a uma latitude

idêntica à da Ilha de Moçambique, conta com a presença

xliv Em telegrama de 6 de Janeiro de 1918, Inglaterra solicita adisponibilização de as forças portuguesas serem colocadas sobre oComando de Von der Venter, aquilo a que hoje se designa de ComandoOperacional, o que é aceite por Portugal, in Ministério dos NegóciosEstrangeiros, Portugal na Primeira Guerra Mundial (1914 – 1918), Tomo II, Asnegociações diplomáticas e a acção militar na Europa e em África,Lisboa, 1997. Os ingleses que perseguiam a Schutztruppe não aceitaramcombater sob as ordens dos portugueses, constituindo um verdadeirosegundo exército de ocupação, in PÉLISSIER, René, ob. cit., p. 432.

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alemã em Fevereiro de 1918. A proximidade da Nampula leva a

uma concentração de forças Aliadas para a defenderem. Este

será mais um erro de avaliação Aliada. A estratégia alemã

era a de contornar os centros urbanos.

No final deste mês (Fevereiro), os aliados tentam

efectuar um cerco com a progressão de várias colunas: do

Norte vinham forças quenianas e nigerianas, da costa vinham

ingleses, indianos e sul-africanos, aguardando os

portugueses com apoio inglês mais a Sul.

Grande parte dos reforços portugueses que chegavam da

metrópole estavam a ser empregues em operações de afirmação

da soberania nas zonas atravessadas e sublevadas pelos

alemães. Se a primeira invasão alemã não pode ser

relacionada com a submissão dos macondesxlv, a segunda

invasão viria reacender a dissidência dos portugueses com

os Ajauas e inflamar a resistência macua-lomué e,

perifericamente, teria efeitos no sector suaílixlvi.

Lettow Worbeck esboça intenções de se dirigir para Norte.

Para acautelar essa eventualidade, em Março os ingleses

desembarcam na Ilha um milhar de homens com destino a

Nampula. Contudo, o General alemão continua para Sul em

direcção a Quelimane, conseguindo fugir ao cerco aliado.

Com esta inflecção, os Aliados, cometendo novamente erros

nas avaliações do comandante alemão, temem um ataque ao

importante porto de Quelimane, concentrando aí forças e

encetando uma marcha forçada de Norte, procurando

xlv A campanha de pacificação contra os macondes foi comandada porNeutel de Abreu, à frente de cerca de 2000 auxiliares macuas.

xlvi PÉLISSIER, René, ob. cit., p. 417.

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encurralar novamente os alemães. Estes aproveitam para

ocupar uma série de pequenos postos, incluindo Nhamacurra

(ou Kokossani), local muito próximo de Quelimane e onde

estava sediada a Companhia do Boror. Nahmacurra, um

eldorado de mantimentos e munições, fora indicada aos

alemães pelas populações.

Entre 1 e 3 de Julho a Schutztruppe vence a mais forte

posição aliada em Moçambique, Nhamacurra, onde infligem

pesadas baixas à força anglo-portuguesa. No comando desta

posição estava o tenente coronel Gore Brown dos King´s

African Rifles. No final do combate, o precioso espolio de

armamento, equipamento, mantimentos e medicamentos foi

aproveitado para suprir as faltas logísticas alemãs e o que

não foi possível aproveitar foi simplesmente queimado.

Nhamacurra foi praticamente o fim das operações dos

Portugueses contra os Alemães. Von der Venter procurava

manter as tropas portuguesas e inglesas afastadas, evitando

possíveis “contaminações”, e o Governador-Geral, Pedro

Massano de Amorim, numa verdadeira economia de forças,

aproveita a oportunidade para as deixar na costa para

depois as poder utilizar na reocupação do território e

submissão das revoltasxlvii.

Depois de Nhamacurra, como já tinha feito em Nampula,

Lettow Worbeck evita a cidade de Quelimane e inflecte para

nordeste, seguindo paralelamente à costa e, evitando,

sempre o contacto com as forças que os perseguiam, dirige-

se para Angoche, de onde parte em direcção a Oeste. A 24

está a atravessar o rio Licungo, a 4 de Setembro o rioxlvii Idem, p. 428.

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Lúrio, em Mtetere. O Lugenda foi passado próximo de

Luambala e a 28 do mesmo mês o Rovuma, 30 km a Leste de

Mitomoni, de volta à Őstafrikaxlviii.

O Coronel Sousa Rosa que assumira a defesa de Quelimane é

exonerado e substituído em Julho pelo tenente-coronel

Alberto Salgado, sendo o sexto comandante desde o começo da

guerra.

Lettow Worbeck actuava sobre os prisioneiros e sobre as

populações de uma forma pouco usual. Quer por insuficiência

de meios quer por intenção deliberada, aos prisioneiros,

centenas, libertava-os de imediato com a promessa de não

mais voltarem a pegar em armas contra os alemães. Depois

procurava conquistar a adesão das populações e instigar à

sua revolta contra os Aliados, chegando a armá-la. As

populações além de cederem alimentos, mulheres e guias,

serviam ainda de órgão de informação sobre o dispositivo

Aliadoxlix.

Balanço Possível

Apesar de em 1919, através de deliberação do Tratado de

Versalhes, Portugal ter obtido o reconhecimento, pelos

aliados, da incorporação de um território de que se

considerava o proprietário legítimo (o Triângulo de

Quionga), a Guerra em Moçambique foi do ponto de vista

militar foi um desastre. Nenhum objectivo militar foi

xlviii BOTELHO, José Justino Teixeira, História militar e política dos Portugueses emMoçambique – de 1833 aos nossos dias. Coimbra: Imprensa da Universidade,Coimbra, 1921. Vol. II. pp. 717 – 722.

xlix WORBECK, Lettow, ob. cit., p. 272.

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alcançado, o inimigo efectuou duas invasões, uma de seis

meses e outra de 10, as baixas foram consideráveis – 2007

portugueses (9,8% das forças mobilizadas) e 2804

indígenasl, e as populações locais sublevavam-se e apoiavam

o inimigo logisticamente e ao nível de intelligence.

As justificações para este desastre são inúmeras mas

destacamos as seguintes:

- Em Portugal a sociedade estava dividida quanto à

beligerância ou não, incluindo o próprio corpo de

oficiais, os governos eram também sucessivos, e

algumas das forças expedicionárias foram

propositadamente enviadas por forma a mante-las

afastadas da metrópole;

- Não houve uma concentração de poderes entre o

Governador e o Comandante Chefe, interferindo o

Governo com frequência na esfera militar com o

inconveniente de nem sempre estar devidamente

informado sobre a real situação no terreno;

- As tropas não estavam mal apetrechadas, faltava-lhes

sim preparação, coordenação, organização e um bom

apoio sanitário;

- Entre os portugueses a valsa do comando foi

significativa;

- Deu-se uma resposta convencional a um inimigo que

actuava subversivamente com uma táctica de guerrilha,

sem objectivos fixos, e sem alvos territoriais.

l Morreram mais tropas no Teatro de Operações de Moçambique do que naFlandres, porém, aqui a causa principal foi a doença e não o combate.

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Por outro lado, os alemães enfrentavam os Aliados com um

efectivo muito superior, e Lettow Worbeck acabou por ser

expulso da África Oriental Alemã, que passara para mãos

britânicas. Contudo, a campanha não acabara. Os King´s African

Rifles Britânicos, em número muito superior, enfrentaram a

Schutztruppe na Őstafrika alemã e, no seu encalce,

introduziram-se em Moçambique, onde, apoiadas por algumas

tropas portuguesas, os perseguiram e combateram até à sua

retirada, a 28 de Setembro de 1918.

Lettow Worbbek, adoptando uma táctica de guerrilha, um

emprego massivo das metralhadoras, de acções de

reconhecimento e com grande qualidade de comando, foi

derrotando sistematicamente todas as forças que enfrentava,

evitando sempre o combate quando em situação desvantajosa

sendo que após um percurso de milhares de quilómetros,

conseguiu assegurar o seu objectivo ao longo de toda a

Guerra: o de não ser capturadoli.

Os alemães sofreram inúmeras baixas em combate mas a

maioria foi afectada pelas doenças como a varíola e a

pneumónica; no total perderam 45% do efectivo europeu e 90%

de Askarislii

Lettow Worbeck viria a render-se voluntariamente a 25 de

Novembro de 1918 na Rodésia do Norte, duas semanas após o

armistício.

li Sibley, Major R. Tanganyikan guerrilla: East Asfrican Campaign 1914-18. NewYork: Ballantine Books, 1971, pp. 28-29 e 44

lii Chegou a ter 3007 alemães e 12100 Askaris, no armistício contava com155 alemães e 1156 Askris.

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