Poéticas e Políticas da Sexualidade: uma etnografia do circuito da pegação em João Pessoa ...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA PRÓ-REITORIA DE PÓS GRADUAÇAO E PESQUISA COORDENAÇAO DE INICIAÇAO CIENTÍFICA RELATÓRIO FINAL DE ATIVIDADES PIBIC VIGÊNCIA 2012 / 2013 BOLSISTA Thiago de Lima Oliveira UFPB ([email protected]) ORIENTADORA Silvana de Souza Nascimento (DCS/ CCAE/ UFPB) ([email protected]) TÍTULO DO PROJETO Poéticas e Políticas da Sexualidade: reflexões etnográficas sobre a arena do movimento LGBT na Paraíba TÍTULO DO PLANO Práticas de Consumo e Identidades homoeróticas: mercado GLS e movimento LGBT em João Pessoa João Pessoa PB 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

PRÓ-REITORIA DE PÓS GRADUAÇAO E PESQUISA

COORDENAÇAO DE INICIAÇAO CIENTÍFICA

RELATÓRIO FINAL DE ATIVIDADES PIBIC

VIGÊNCIA 2012 / 2013

BOLSISTA

Thiago de Lima Oliveira – UFPB

([email protected])

ORIENTADORA

Silvana de Souza Nascimento (DCS/

CCAE/ UFPB)

([email protected])

TÍTULO DO PROJETO

Poéticas e Políticas da Sexualidade:

reflexões etnográficas sobre a arena do

movimento LGBT na Paraíba

TÍTULO DO PLANO

Práticas de Consumo e Identidades

homoeróticas: mercado GLS e

movimento LGBT em João Pessoa

João Pessoa – PB

2013

2

Resumo

Neste relatório apresento resultados fianis da pesquisa de iniciação científica desenvolvida

nos interstícios das práticas homoeróticas de sujeitos frequentadores de espaços de troca

erótica e sexual entre homens na capital paraibana e os mecanismos de criação de uma nova

cartografia da cidade manuseados por estes sujeitos. Em termos metodológicos a pesquisa

caracteriza-se como um empreendimento etnográfico localizado no duplo cruzamento entre

antropologia urbana e estudos de gênero e sexualidade, partindo de preceitos metodológicos

de ambos os campos, e buscou compreender como, no desenvolvimento de suas práticas

sociais, os sujeitos criam e significam os territórios ao mesmo tempo em que são criados e

significados por eles. A perspectiva adotada para análise visa contemplar os microprocessos

constitutivos das relações e interações que os sujeitos estabelecem entre si em tais lugares e

como esses processos estão relacionados a práticas sociais mais amplas. A partir da categoria

nativa de “ponto de pegação” problematizo a noção de circuito e trajetos desenvolvidos por

estes sujeitos na tentativa de pensar uma nova cartografia da cidade a partir da coligação entre

os territórios construídos e as práticas sociais desenvolvidas que ressignificam os usos

tradicionais desses espaços. Os resultados apontam para um processo de construção da cidade

que se desenvolve em seus eixos norte-sul e leste-oeste, construindo circuitos que se articulam

a partir de interesses partilhados e expectativas em comum no que se refere à audiência destes

territórios. Os territórios construídos pelos sujeitos em seus trajetos pela cidade inauguram

novas formas de relacionar-se a cidade; os territórios também moldam as performances de

gênero desenvolvidas pelos indivíduos de forma que tais estas sejam condizentes com a

audiência e do tipo de relação estabelecida no lugar. Em tais espaços, a masculinidade assume

posição central convertendo-se num capital a partir do qual as trocas são estabelecidas.

Contrapondo-se a um dispositivo de visibilidade compulsória, os sujeitos com os quais

desenvolvi a pesquisa reinventam estratégias de posicionamento e classificação que visam

tornar mais maleáveis e flexíveis identidades popularizadas através das ações do movimento

LGBT no Brasil.

Palavras-chave: masculinidade; sociabilidades urbanas; homoerotismo.

3

Índice

Introdução ................................................................................................................................................ 4

Metodologia ............................................................................................................................................ 8

Resultados e Análise ............................................................................................................................. 12

3.1 – Cartografia do circuito .................................................................................................................. 16

3.2 Arquiteturas sócio-corporais ........................................................................................................... 24

3.3 – Canibalismo e outras dissidências (des)identitárias ..................................................................... 26

3.4 - Pensando Interseccinalidades: raça, classe e preconceito nos territórios de pegação ................... 31

Considerações Finais ............................................................................................................................. 34

Referencial Bibliográfico ...................................................................................................................... 36

4

Introdução

No presente texto relato as atividades desenvolvidas entre julho de 2012 e julho de 2013 como

parte do projeto “Poéticas e Políticas da Sexualidade”, que teve como objetivo produzir reflexões

etnográficas sobre a arena do movimento LGBT1 na Paraíba, tomando como espaço privilegiado de

análise espaços de sociabilidade e lazer segmentados para um público majoritariamente homossexual,

o assim chamado Mercado GLS, na cidade de João Pessoa. Ainda nesse cenário, o objetivo do plano

de trabalho “Práticas de Consumo e identidades homoeróticas” era o de problematizar as relações

entre o movimento LGBT na Paraíba e a constituição de um amplo processo de construção, uso e

significação dos mesmos espaços de sociabilidade por parte dos seus frequentadores.

As questões implicadas no primeiro objetivo expresso acima, de repensar as relações

históricas entre espaços de sociabilidade (marcados ou não como espaços GLS) e movimento LGBT2

constituíram o cerne do semestre inicial de investigação e foram detalhadas e expostas de forma ampla

no relatório parcial, apresentado em março do presente ano. Com o progresso da investigação e o

refinamento dos dados anteriormente coletados, alguns fenômenos foram assumindo novos contornos

e experiências e contatos em campo conduziram a um (necessário) desvio do foco inicial proposto

para o trabalho. A observação e análise das relações entre práticas de consumo segmentadas e sua

apropriação por parte de grupos com propostas de intervenção política e militância pró LGBT nos

instigou a perceber lugares que eram majoritariamente frequentados por pessoas “homossexuais”, mas

que não eram reconhecidos como sendo GLS, ou para usar as categorias nativas, lugares gays. Por

vezes, seus frequentadores, ainda que assumindo práticas homoeróticas, não necessariamente

reivindicavam para si identidades (políticas) como homossexual ou gay, investindo em outras

produções discursivas caracterizadas por uma potência de desestabilizar e tornar mais maleável tais

identidades não assumidas a priori.

Ainda que por vezes se oponha em termos ideológicos e práticos a posicionamentos e

recomendações emanadas do movimento LGBT – principalmente aquelas relativas aos usos e

disciplinamento dos corpos em termos da constituição de relações estáveis e monogâmicas, estratégia

essa que durante muitos anos persistiu como uma das principais frentes para construção de uma

imagem positivizada da homossexualidade -, a construção e funcionamento de espacialidades de

caráter homossocial, como cinemas pornôs e outros espaços de trocas eróticas não está vinculada a

1 No contexto das reivindicações políticas e sociais em torno das identidades sexuais, de gênero e orientação

sexual contemporâneas, a sigla LGBT aparece para designar, não sem algum embate, pessoas que se identificam

ou são identificadas enquanto lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais.

2 Ao longo do texto empregaremos de maneira combinada os termos “movimento LGBT” e “militância pela

diversidade de gênero e sexualidade”, sendo a primeira referente à atual configuração política e ideológica dos

grupos ativistas no Brasil, e a segunda de forma para uma construção que busca contemplar os diversos

momentos históricos desse mesmo ativismo. Para uma maior problematização da relação entre política interna e

constituição do sujeito político LGBT ver Facchini (2005).

5

nenhuma espécie de “contracultura”. Ao contrário, acreditamos que, nos termos em que se configura

atualmente, estas espacialidades conformam-se como alternativas dentro de um circuito de

equipamentos que se suplementam.

A leitura atenta da bibliografia sobre as relações homo+afetivas/sexuais/eróticas no Brasil,

bem como uma análise a partir de perspectivas biográficas como a explorada por Perlongher (2008) e

Barbosa da Silva (2005), apontam que se por um lado a construção e uso de espaços destinados a

encontros (por muito tempo clandestinos) entre homens3 é muito anterior à emergência dos primeiros

grupos ativistas homossexuais na década de 1970 (GREEN, 2002; PERLONGHER, 2008;

TREVISAN, 2004;), por outro a existência de espaços como bares, boates e determinados

equipamentos públicos da paisagem urbana que foram sendo apropriados por grupos homossexuais

contribuiu de maneira fundamental para a manifestação e ebulição dessas iniciativas de militância

política e cultural (FACCHINI, 2005). Deste princípio, acreditamos na existência de inter-relações e

conexões entre o que chamaremos em termos nativos de “pegação”, e seu desdobramento

mercadológico em “mercado GLS”, e o que posteriormente se constituiu como “movimento LGBT”.

Contudo, acredito que seja preciso elucidar que, se em seu momento inicial de constituição, as

militâncias pela diversidade sexual utilizaram-se dos “guetos”, com o processo de reconhecimento e

visibilidade de tais grupos operaram conjuntamente alguns câmbios relacionais. A negociação com o

Estado em torno da constituição de políticas públicas pró-homossexuais, em especial nos campos da

saúde e segurança, se inclinou no sentido de constituir uma imagem higienizada da experiência

homossexual (GARCÍA, 2009), donde se excluiu e mais uma vez largou-se a um lugar periférico os

espaços de pegação, e em certa medida, o próprio mercado.

Tomando como cumprida a responsabilidade de historicizar a criação e desenvolvimento de

um mercado segmentado inserido numa ampla historiografia do lazer da capital paraibana que se

delineou no relatório parcial, e também pela ampla discussão já presente na literatura sobre as relações

entre prática de consumo e mercado, nos interessa nesse relatório introduzir uma nova perspectiva da

relação entre os sujeitos e os lugares e as provocações que esse tipo de relação oferece ao movimento

LGBT. Neste trabalho nos preocupamos em refletir sobre a experiência do homoerotismo masculino

em um contexto de práticas sexuais dissidentes, e nesse conjunto, um contexto de práticas sexuais

ainda pouco investigado pelas ciências sociais: a pegação.

Por que então, pesquisar pegação? O interesse pelo tema surge em primeiro momento pela

relevância que os espaços e a própria experiência da pegação tem na vida social dos grupos com quem

tenho mantido contato; esses grupos em sua heterogeneidade envolvem pessoas que assumem as mais

diversas identidades sexuais, envolvidos ou não com grupos de militância na região metropolitana de

João Pessoa; apesar das divergências e distâncias sociais em graus diferentes os integrantes desses

3 O foco e interesse do presente trabalho foi refletir e analisar as experiências do homoerotismo masculino essas

espacialidades clandestinas; todavia é preciso reconhecer ainda a existência de um amplo sistema de trocas

femininas, ainda muito pouco documentado e investigado nas ciências sociais.

6

grupos enxergam na pegação um espaço de centralidade não apenas para suas relações e interesses

eróticos, mas também no estabelecimento de vínculos mais duradouros em termos de lazer e laços de

parentesco. A esse primeiro argumento junta-se um desafio epistemológico de pensar formas de

vivência homoeróticas além das políticas de visibilidade engendradas pelo movimento LGBT em seu

percurso histórico e o estabelecimento de identidades políticas como homossexual, lésbica, transexual,

etc. Por fim, o fenômeno da pegação está relacionado a um espaço de práticas sexuais dissidentes

inseridos em um contexto mais amplo de práticas que tomam o sexo como forma de entretenimento;

nesse aspecto, consoante Duarte (2005), tonar-se necessário repensar os processos de negociação em

torno da normalização (ou não) de tais práticas em contextos instituições – o que pretendemos aqui

fazer relacionando as políticas de visibilidade e as experiências de homens que praticam a pegação.

Nesse aspecto, busco também contribuir para a ampliação do debate e construção de uma rede de

interlocução acadêmica sobre as experiências do homoerotismo masculino e das implicações da

pesquisa com/sobre sexo casual em diferentes contextos geográficos, políticos, relacionais e históricos

que vem se delineando na última década nas ciências sociais, a exemplo dos trabalhos de Costa Neto

(2005), Teixeira (2009). Gaspar Neto (2011), Souza (2012), Sester (2013), Braga (2013) e Zago

(2009).

Como sugere Alexandre Teixeira (2009), em sua pesquisa sobre territórios de pegação em

Belo Horizonte, a temática do sexo ocasional entre homens ainda é um objeto de estudo recente e

esteve atrelado, de forma secundária, à discussão de outras temáticas, tais como as dinâmicas de

interação internas a grupos homossexuais, a prostituição e principalmente às pautas da saúde pública

em especial com o avanço da epidemia de HIV/aids. Pouco interesse se tem dado à própria dinâmica

do desejo e das interações entre estes sujeitos como uma possibilidade de reinvenção e potencial

questionamento política. Dessa forma, ainda segundo Teixeira, podemos considerar o desinteresse por

parte das ciências sociais na reflexão sobre o sexo, em especial em seus regimes dissidentes, como

uma constatação da dificuldade de reconhecer aí alguma relevância. Essa aparente irrelevância de

práticas como a pegação ainda pode estar atrelada a uma percepção do sexo como algo pertencente ao

domínio do privado e do doméstico, crença que por sua vez ignora as interconexões estabelecidas

entre sexo e política - e as consequências existentes por trás disso, como as implicações para a vida

social, economia, usos dos corpos e prazeres, etc. – como anunciava Foucault (1999).

Ao longo do texto apresento dados da etnografia desenvolvida entre sujeitos que frequentam

os assim chamados espaços de pegação. Antes de prosseguirmos, acredito ser necessário problematizar

o termo de modo a inseri-lo de forma apropriada na dinâmica das relações estabelecidas. O termo

pegação é, por natureza, polissêmico e pode remeter a uma gama variada de práticas e lugares. Tais

definições parecem convergir para um aspecto comum que é o estabelecimento de trocas eróticas ou

sexuais de caráter furtivo, eventualmente adicionando-se também o aspecto não comercial, bem como

o não envolvimento emocional obrigatório. São esses atenuantes que caracterizam e distinguem a

pegação de outras categorias de sexo casual como a prostituição e o swing (troca de casais), por

7

exemplo. A coocorrência desses elementos agregadores (sexo não heterossexual, sem finalidade

reprodutiva, em local público, não monogâmico) é avaliada como negativa dentro de um conjunto de

práticas sociais comprometidas com o disciplinamento dos corpos e prazeres; está localizada assim na

zona das práticas sexuais dissidentes que Rubin (2012, p.18) convencionou chama de “mau sexo”. A

autora sustenta ainda que há uma crença de que existe uma forma ideal de fazer, que supostamente

deveria ser seguida por todos; por sua vez, essa noção sustenta uma segunda perspectiva de variação

sexual como algo maligno. No plano das práticas sociais, os sujeitos que desenvolvem práticas sexuais

consideradas limites, espúrias ou sujas podem estar sofrendo injustiças, um processo de

“estigmatização erótica” pautado na hierarquização e atribuição de valores distintos, bem como

emblemas de normalidade e naturalidade a um determinado conjunto de práticas em detrimento de

outras.

Esse tipo de estigmatização erótica atua não apenas sobre os sujeitos e suas práticas, mas

também sobre a própria cartografia dos locais onde as práticas se desenvolvem. A prática de pegação

pode ocorrer em locais comerciais destinados ao encontro entre sujeitos com afinidades e interesses

em comuns, como saunas, boates, cinemas pornôs, ou em locais públicos improvisados para o

encontro e o sexo, como parques, praças e a praia. Tais locais, em especial esses improvisados na

paisagem urbana, geralmente são chamadas pelos caçadores4 como “pontos de pegação”, ou, às vezes,

resumem a própria prática, sendo chamados propriamente de “pegação” apenas.

A pegação pode ser nomeada de acordo com os lugares em que ocorre, de modo que não

raramente se pode ouvir falar em “banheirão” ou “cinemão” para o tipo de encontro travado

respectivamente nos banheiros e cinemas pornôs. Ainda que seja uma categoria nativa e usualmente

manejada por grupos com práticas homoeróticas e homossexuais, o termo também pode ser aplicado a

contexto de práticas heterossexuais, caracterizadas também pelo caráter furtivo e não comercial. Esse

uso de linguagem mais ou menos compartilhada por vezes tem gerado atritos e conflitos, tendo em

vista que a maior parte dos grupos virtuais disponíveis nas redes sociais é orientada para uma parcela

de homens homossexuais; a inserção de sujeitos heterossexuais desavisados aparece eventualmente

como conflituosa e pode ter respostas variadas, desde o xingamento e agressões recíprocas até

investidas e convites por parte dos homossexuais para com os desavisados. Já em termos de relações

offline5, esse tipo de encontro é marcado por outros fatores, como tentativas de assalto e agressões

físicas, que eventualmente são noticiadas e reverberam nos grupos virtuais como uma espécie de

aconselhamento e aviso para que determinados tipos de sujeito sejam evitados.

4 Caçador remete à “caça”, outra forma pela qual a pegação pode ser chamada. Nesse aspecto, caçadores são

aqueles sujeitos engajados na prática da pegação, que costumam frequentar espaços frequentemente públicos, ou

virtuais, com o objetivo de encontrarem outros homens para relacionarem-se. Utilizo aqui como sinônimo para

os frequentadores ou usuários dos pontos de pegação. 5 A pegação pode ocorrer também mediada pela internet, estabelecendo assim uma relação de suplementação que

será apresentada mais a frente, na parte de análise. Nos termos deste trabalho a terminologia offline e online

busca fugir a um julgamento simplista que reduz as relações mediadas por dispositivos conectados à internet

como menos reais, ou imateriais. Offline refere-se assim às interações face a face e online àquelas estabelecidas

por meio de computadores ou outros dispositivos que tornam possível acesso à internet.

8

A experiência da pegação e seus múltiplos modos de subjetivação e construção de estratégias

identitárias deixam perceber as tensões entre políticas públicas elaboradas em um processo de

negociação entre Estado e movimentos sociais e as próprias vidas dos sujeitos. Esse diálogo,

triplamente localizado (no Estado, nos movimentos sociais e nas vidas dos sujeitos) não se realiza de

maneira pacífica e sem conflito, pelo contrário. Como será descrito mais adiante, na dinâmica das

interações entre sujeitos nos espaços aqui etnografados, as dinâmicas entre identidades sexuais e

performances de gênero constantemente se organizam em cadeias de inteligibilidade diversas, por

vezes reforçando, por vezes desmantelando princípios de coerência entre sexo, gênero e desejo. Em

última instância, essas performances em seu conjunto problematizam a questão levantada por Judith

Butler (2003): é possível pensar políticas sem representações?

Ainda segundo Butler (2003, p. 35), a configuração das políticas de representação em torno de

marcadores sociais – como o nosso caso, marcadores relativos a gênero, orientação e preferências

sexuais estigmatizadas - implica em um processo de eleição de grupos internos desejáveis e

indesejáveis, compondo uma espécie de biopolítica (FOUCAULT, 1999). A partir desse princípio, é

possível supor que há certas identidades que o movimento aceita e acolhe por se encaixarem nas

políticas de visibilidade que são defendidas por tais grupos. A essa questão um dos participantes da

investigação refere-se como “regras da viadagem”, um conjunto de normas e convenções que

determinam padrões de comportamento socialmente toleráveis pelos grupos socialmente

subalternizados.

Opera-se assim uma cisão entre a pegação enquanto prática “anti-higiênica” e indesejável, e o

modelo de relacionamento homoafetivo burguês; um câmbio de visibilidade entre estratégias sociais

marcadas pelo segredo, sigilo e pela não identificação dos parceiros em torno de identidades sexuais

marcadas. Nas páginas a seguir descrevo o percurso metodológico desenvolvido durante a construção

da pesquisa, bem como os resultados obtidos durante a investigação. Meu objetivo principal é refletir

sobre as performances de gênero e dispositivos classificatórios acionados pelos sujeitos que

frequentam a pegação em dois tipos de espaço em especial: os banheiros de livre acesso e os cinemas

pornôs. A investigação foi desenvolvida nos locais de pegação e com os frequentadores de tais espaços

e contempla um período de observações, entrevistas e conversas informais realizadas entre fevereiro e

agosto de 2013, por vezes inserindo e dialogando com dados coletados em uma pesquisa anterior,

desenvolvida entre março e agosto de 2012 no âmbito do Programa de Extensão “Diversidade Sexual

e Direitos Humanos na Paraíba”, do qual pude participar como voluntário ao longo do ano de 2012.

Metodologia

A presente investigação se caracteriza como um empreendimento etnográfico, de natureza

qualitativa e pautada por um enfoque relacional, com ênfase nas interações e conexões sociais

estabelecidas entre a pegação em espaços comercial e não comercial e outros domínios da experiência

social. No campo epistemológico, me interessa particularmente problematizar a complexidade e

9

heterogeneidade de posições, formas de relacionar-se e classificar a si mesmo e aos outros no concurso

de práticas que visam interação erótica ou sexual entre homens.

Em termos metodológicos, a pesquisa em torno de alguns temas no campo sexualidade ainda é

vista com olhos inquisidores dentro das Ciências Sociais; olhares que questionam a relevância de

discutir o sexo e a experiência sexual num espectro de conflitos étnicos e raciais, violência e opressões

que seriam mais legítimas e urgentes de serem investigadas. Enquanto percurso etnográfico, durante a

pesquisa busquei me aproximar dos diversos agentes e sujeitos envolvidos no processo de construção

da pegação: proprietários de empreendimentos comerciais, como saunas, cinemas, além de pessoas

que costumavam frequentar tais espaços, bem como os espaços públicos em períodos diversos durante

o dia, de acordo com as dinâmicas próprias de cada lugar. A investigação foi articulada ainda com os

espaços virtuais, que se mostraram importante fonte de dados e interlocução com sujeitos de várias

origens, com interesses e modos de agência diversos.

Dada a dinâmica das interações estabelecidas em ambos os espaços adotados aqui como locais

prioritários de investigação, formas de interação que preservam a discrição e comedimento no uso das

palavras e a amplo utilização do corpo como instrumento de fala, as formas de abordagem dos

frequentadores teve também de adequar-se a essas peculiaridades. Em especial no que se refere às

pesquisas nos banheiros, tive de desenvolver um conjunto de técnicas que tiveram como objetivo a

descentralização da investigação na visão e que pudesse contemplar uma dimensão multissensorial de

coleta de dados etnográficos. Em outros termos, o ambiente frequentemente pequeno e apertado dos

banheiros, onde as interações são desenvolvidas em pequenos intervalos de tempo e organizadas

segundo a disponibilidade de parceiros, em geral duplas, implicava a adoção de estratégias

“voyeurísticas”, que seguem na direção daquilo que tenho chamado de “etnografia sinestesia” no afã

de construir uma descrição minimamente densa (GEERTZ, 1989).

A impossibilidade de acompanhar as interações em sua íntegra, bem como o pouco espaço

para conversas e a contínua rejeição de entrevistas conduziram a necessidade de implementação de

mecanismos de pesquisa mais sofisticado, que pudesse suprir as deficiências que a dinâmica causava à

visão. Assim, o cenário da pesquisa teve de ser construído tomando por base outros elementos

constantemente negligenciados na produção dos saber etnográfico: a ampliação da importância dada a

sussurros, gemidos, fragmentos de diálogo; os cheiros, texturas. Entre o mau cheiro produzido pela

junção de urina, lama e suor e a viscosidade de fluídos como espermas espalhados pelo piso e paredes

de banheiros, cinemas, foram aglomerando-se as primeiras evidências para construção dos dados

básicos dessa pesquisa. Entre trilhas escondidas nas entranhas dos trechos de mata atlântica na região

do litoral pequenas clareiras deixam entrever aglomerados de preservativos usados e suas embalagens,

restos de roupas e pedaços de papel utilizados com finalidades diversas durante os encontros. Nesse

mesmo sentido, o posicionamento do corpo como mais um instrumento de pesquisa foi sumário; o

corpo transformou-se não apenas num objetivo de investigação, mas também no próprio instrumento

para construção da pesquisa.

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Ao longo de um ano e meio de pesquisa em territórios de pegação na capital paraibana tomo

como constatada a impossibilidade de qualquer mimetismo absoluto. Esse mimetismo, possibilidade

de não estar ali quando em verdade se está, tão crível e almejado pelos cientistas naturalistas, com sua

ambição pelo controle e isolamento da amostra de condições externas é impraticável a partir da minha

experiência de campo - e quiçá, em qualquer etnografia. Enquanto pesquisador não sou nativo

tampouco pretendo sê-lo, mas acredito que certos contextos culturais e práticas sociais demandam a

desconstrução de prerrogativa estabelecidas de modo anterior ao campo, nos termos de Favret-Saada

(2005) é preciso deixar-se afetar, mesmo com a possibilidade de ver desmoronarem todas as certezas

solidamente construídas enquanto cientistas. Acredito assim que a prática e a experiência etnográfica

demandam a construção daquilo que Merleau-Ponty (1984) poeticamente coloca como um “novo

órgão de conhecimento”. A construção do saber coloca-se assim não na possibilidade do mimetismo,

mas no encontro das assimetrias e diferenças entre a visão do mundo do pesquisador e dos seus

colaboradores, na tentativa de construção de um equilíbrio sutil (PEIRANO, 1995) que a etnografia

implica.

Assim como Malinowski e sua câmara não passaram despercebidas pelos trobriandeses,

ninguém passa incólume, inobservado pela experiência da pegação. Em meio a poucas luzes e

reduzidas palavras, a dialética do olhar assume posição central nas interações travadas no cinema e

mais ainda no banheiro; não que as pessoas não conversem, contem piadas e gargalhem - pelo

contrário, esses momentos são constantes e reinterados, por vezes agrupando todo o coletivo em torno

de um tema que reverbera entre salas. Ninguém escapa ao olhar analítico do desejo, olhares capazes de

desenhar e inscrever sobre os corpos alheios a avaliação das possibilidades e interesses. Nesse aspecto,

Otávio6, - um dos interlocutores com os quais desenvolvi maior proximidade - cerca de três meses

depois de nos conhecermos no Papai Cine Vídeo comenta sobre as impressões recíprocas quando nos

conhecemos.

Otávio: tem uns caras que acham que podem passar assim sem ninguém ver quando entra

no cinema, mas isso não existe não, todo mundo repara.

Pesquisador: É mesmo?

Otávio: Oxe! Mas é claro. Eu, você, o carinha que eu peguei hoje... todo mundo é

reparado, não dá pra fugir.

Pesquisador: E tu lembra quando me conheceu?

Otávio: Se lembro! [risos]

Pesquisador: Essa é boa. Conta aí, quero saber então.

Otávio: Só se você me disser o que pensou de mim quando entrou.

Pesquisador: Fechado

Otávio: Você parecia bem normal, tava conversando com um outro cara quando eu entrei

lá na área [de fumantes], parecia bem interessante, tranquilo, boa pinta. Depois que o

cara saiu eu achei que podia rolar e me aproximei e tal, daí percebi que você olhava

demais pros outros, circulava, rodava demais... não parava quieto, ou parava demais..

ficava um tempão no mesmo lugar sem sair, e nem olhava. Acho que me chamou atenção

que tu não parecia bichinha, afetado como tem uns caras aqui que tão mais pra travecão

do que pra macho mesmo porque eu curto mesmo é macho, sabe, né? [concordo com a

cabeça]

Pesquisador: Daí você chegou e começou a conversar...

6 Todos os nomes são fictícios.

11

Otávio: É, isso mesmo. Gosto de ir chegando... tem que ter pegada, mas também tem que ir

no ritmo da pessoa, porque se não a gente roda o dia todo e não pega ninguém. [risos]

Agora é tu, como foi quando me viu?

Pesquisador: Foi mais ou menos parecido também. Não sabia que você tinha me visto

conversando com outros caras nesse dia, mas eu lembro. Tava um mormaço só... e o único

lugar que dava pra ficar era lá fora. Quando reparei em você, você tava olhando pra mim

bem sério, mas meio que sorrindo, achei bem interessante, mas me contive, até tu chegar

mais perto e começar a conversar.

Enquanto pesquisador, sou mobilizado pelas narrativas de meus colaboradores, e acredito que

de forma recíproca, a proximidade que desenvolvi com alguns deles propicia o estabelecimento de

vínculos que me viabilizaram o desenvolvimento da pesquisa7. Por algumas semanas pude discutir em

momentos de preparação de textos parciais para alguns eventos minhas posições e análises, bem como

solicitar que alguns interlocutores pudessem me explicar com algum nível de detalhamento suas

impressões sobre os lugares e os sujeitos que o constroem.

Na presente investigação opto por uma aproximação maior com os microprocessos

constitutivos das relações entre os sujeitos e o espaço, dando ênfase às interações e interconexões que

essas práticas sociais estabelecem com outras, performando assim um circuito. Nesse aspecto, acredito

ainda que minha pesquisa não tem qualquer pretensão estatística ou de representatividade de um

modelo social totalizante. Pelo contrário, tento apontar para possibilidades de vivência da sexualidade

em tais espaços que se caracterizam como trajetórias que fogem a qualquer pretensão de padrão

socialmente instituído, ainda que em alguns momentos apresente essa trajetórias em relação a um certo

padrão observável nas falas dos próprios sujeitos e de seus parceiros de prática social. Assim,

aproximamo-nos de Claudia Fonseca ao afirmar que:

a força da etnografia está na sua capacidade de contar histórias. As histórias são

escolhidas, apesar de nunca serem "típicas", são - quando exploradas em toda sua

especificidade - sempre reveladoras. Ainda mais, contar histórias são é uma forma

de transmitir algo do clima da revelação entre pesquisador e pesquisados, clima esse

que é parte integrante dos "dados". (FONSECA, 2005, p. 263)

Em oposição a um plano geral, busco construir uma etnografia que privilegie pequenos

enquadramentos, retratos em 3x4 das vivências dos sujeitos com quem trabalho. Dessa forma, os

instrumentos de coleta de dados com que venho trabalhado constituem-se enquanto um misto de

possibilidades oferecidas pela antropologia, sociologia e história, ferramentas que compõem um

contínuo desde a pesquisa bibliográfica e documental, passando por entrevistas e fotografias e leitura

das fotografias produzidas pelos interlocutores, até a etnografia em ambientes online e offline.

7 Nesse aspecto, todos os depoimentos e análises relacionados às falas dos interlocutores com os quais pude

desenvolver algum tipo de relação mais ou menos duradoura foram lidos e discutidos individualmente. O

objetivo desse processo de negociação foi preservar a imagem que gostariam de produzir sobre si mesmos. A

negociação deu-se com alguns conflitos, principalmente no que se refere às análises das condutas sociais e

hierarquizações raciais no tópico de análises. Nesses casos, mesmo discordando dos argumentos de alguns

interlocutores, mantenho minhas opiniões e análises por acreditar que não oferecem qualquer prejuízo ou dano

aos sujeitos.

12

Resultados e Análise

A apresentação dos resultados no presente relatório será tomada em três momentos. No

primeiro busco recompor a rede de lazer e sociabilidade orientada para sujeitos com práticas

homoeróticas em João Pessoa, bem como os circuitos constitutivos que essa rede comporta, entre eles

a pegação. No segundo momento caracterizo os espaços estudados, me detendo aos processos

relacionais e interações tratadas nos dois espaços estudados. Finalizo o trabalho sinalizando para a

confluência de marcadores sociais da diferença relacionados aos dispositivos de classificação e

hierarquização de performances em ambos os espaços.

***

Com o objetivo de delinear os espaços e equipamentos públicos e privados que compõem a

rede de lazer e sociabilidade acionada por homens com práticas homoeróticas perguntamos a um total

de 64 colaboradores onde eles costumam ir para encontrar ou fazer amigos, para paquerar ou em busca

de sexo e curtição. Nesse processo identifiquei 31 lugares que envolvem desde espaços GLS, até

espaços de trocas eróticas não comerciais, espaços físicos de caráter doméstico e comunidades e

grupos no meio virtual. A mercê da forma e da natureza das interações nesses lugares eles foram

agrupados em quatro grandes circuitos conforme entendidos por Magnani, ou seja, como a união de:

estabelecimentos, espaços e equipamentos caracterizados pelo exercício de

determinada prática ou oferta de determinado serviço, porém não contíguos na

paisagem urbana, sendo conhecidos em sua totalidade apenas pelos usuários.

(MAGNANI, 1996, p.46)

Os circuitos identificados conformam espaços diversos e que se orientam por regiões variadas

da cidade. Alguns têm uma característica itinerante, passeando e transitando pelos domicílios de seus

integrantes, outros podem acontecer ao acaso, em lugares abertos pré-determinados ou com período de

permanência pouco garantido. São acima de tudo territórios em constante atualização e transformação

que em certa medida também caracteriza as singularidades dos seus frequentadores enquanto sujeitos

também em processo de mudança constante – ou não. Esses circuitos podem ser melhor visualizados

no Quatro 1, que segue abaixo.

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Quadro 1 – Espaços de homossociabilidade em João Pessoa

Circuito Classe do local Local

CIRCUITO GLS

Boates Boate Sky Club

Boate Vogue8

Bares Carboni

Empório café

Relicário Bar

Só Dellas

Saunas HS Termas

Termas Parahyba

Termas Solar do Poente

Cinemas Pornôs

Cine Aquarium

Cinema do Papai

Cine Sex América

CIRCUITO NÃO

COMERCIAL

Praças e Áreas Abertas Hotel Tambaú

Praça do Bispo

Praia do Bessa - Peixe Elétrico

Praia do Bessa - Mag Shopping

Praia do Cabo Branco (Tororó)

Estacionamento do Estádio Ronaldão

Farol do Cabo Branco ( também conhecido como Sofá da

Hebe ou Matinha do Seixas)

Banheiros Banheiro da Biblioteca Central UFPB

Banheiro da Rodoviária Municipal

Banheiro do HiperBombreço

Banheiro do Espaço Cultural

CIRCUITO

VIRTUAL

Sites de

relacionamento

Salas de Bate-Papo UOL

Site Disponível.com

Site Manhunt.net

Redes sociais Grupos e comunidades nas redes sociais Facebook e Orkut

CIRCUITO

DOMÉSTICO

Amizade/flerte Casas de Amigos

Trocas sexuais

Festas Privadas

Grupos de Swing e Orgias

Como se observa, os locais identificados foram organizados para fins didáticos em quatro

grandes circuitos: o circuito GLS, o circuito não comercial, o virtual e por fim, o circuito doméstico. O

Circuito GLS é composto pelos equipamentos e espaços urbanos destinados a um público pagante

caracteristicamente homossexual ou que simpatiza com a causa gay. Envolve bares, boates, cinemas

pornôs e saunas que de agrupam (a) pela cobrança de ingressos ou consumo, e (b) por serem espaços

de diversão e oferecer a possibilidade de encontrar outros iguais, seja para amizade, paquera ou sexo

casual. Considerando a materialidade dos espaços é o maior circuito que pudemos identificar, sendo

composto por doze estabelecimentos que se espalham pelas regiões não apenas do centro, mas também

da zona sul, nos anos mais recentes, o que poderia apontar para um processo de expansão do mercado

GLS na cidade do centro rumo aos bairros. O segundo circuito que pudemos identificar é aquele

8 Na época em que esse momento da pesquisa foi realizado, ambas as boates estavam em funcionamento. Em

março de 2013 a boate Sky Club foi fechada após dois anos de funcionamento. Pouco meses depois, em maio de

2013, após o incêndio na Boate Kiss, na cidade de Santa Maria, e sua repercussão sobre os equipamentos de

segurança na indústria de entretenimento noturno, a boate Vogue foi fechada por não ter condições estruturais

para inclusão de uma saída de emergência. Atualmente há apenas uma boate segmentada para o público

homossexual na cidade, a H. S. Dance, localizada na rua Afonso Campos, centro da capital. O espaço divide

espaço ainda com a HS Sauna, funcionando a sauna durante a semana e em horário comercial, e nos fins de

semana, a boate, que posteriormente foi rebatizada com o nome de Boate Summerfest.

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caracterizado pelas trocas eróticas e sexuais que se dão em espaços predominantemente não

comerciais. É o circuito da pegação propriamente dito, como será descrito posteriormente.

Os dois últimos circuitos de sociabilidade que pudemos identificar surgiram como uma

novidade nos dados da pesquisa. Constituem espaços não necessariamente físicos, ou se físicos, de

natureza itinerante, pudendo estar na esfera do espaço privado ou do espaço público. São os circuitos

virtual e doméstico.

O circuito virtual é aquele configurado pelos diversos espaços oportunizados pelas novas

tecnologias comunicativas, especial a internet; estes espaços possibilitam às pessoas conhecer e

interagir com outras de diversos outros territórios que partilham de interesses em comum. Nesse

circuito predominam os sites no formato de redes sociais, a exemplo do Facebook, Orkut e outras

páginas na internet especializadas para o público gay. Alguns desses sites são plataformas

internacionalmente utilizadas como redes sociais, sejam especializadas ou direcionadas para o público

gay. Além das redes sociais Fabebook e Orkut, os sites mencionados foram o Disponível e o Manhunt.

O Disponível (ver Fig. 1), uma página brasileira direcionada para promover e divulgar encontros

sexuais entre homens, mas que abriga também casais liberais e travestis. Os usuários da página

dividem-se em duas modalidades, uma de conta gratuita, que limita a possibilidade de acesso a todas

as ferramentas da página, e outra de Usuário Gold, onde através do pagamento de valores mensais é

possível ter acesso a maiores vantagens e ferramentas disponibilizadas pelo site. Lá é possível

adicionar fotos, vídeos, bem como visualizar as fotos e vídeos de outros usuários cadastrados que os

permita acessar.

Figura 1: Página de abertura do portal Disponível.com

A outra página a que nossos colaboradores se referiram foi o site de relacionamentos Manhunt

(ver Fig. 2), um dos maiores portais de relacionamento para homens do mundo. O site conta com

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milhões de usuários pelos cinco continentes, e semelhante ao Disponível, há a divisão entre usuários

com conta comum, com acesso limitado aos recursos, e “usuários gold”, que pagam valores de

associação para desfrutar das ferramentas integralmente. Além dos recursos de foto que podem ser

públicas ou aberta para pessoas exclusivas, o site oferece a possibilidade de conversas entre usuários

via chat. A página também é bastante usada por turistas, que costumam anunciar suas viagens e buscar

parceiros que residam em outros estados, municípios e países, integrando assim diferentes geografias.

Figura 2: Página de abertura do portal Manhunt.net

Diferente de páginas como o Manhunt e o Disponível, cujas funções se resumem a possibilitar

um espaço mais ou menos seletivo, ou especializado, para encontros entre homens, a função das redes

sociais é mais ampla, incluindo desde a criação ou restauração de espaços de sociabilidade, até mesmo

como plataforma de atualização e prevenção em níveis diversos, desde ameaças à segurança e

integridade das pessoas, como no caso dos pontos de pegação, passando por denúncias de descaso e

mau atendimento no caso dos comércios GLS, até mesmo a articulação de encontros e saídas coletivas

em redes domésticas.

Neste estudo não pretendo me deter a uma análise detalhada das dinâmicas de sociabilidade e

as relações entre vivência online e offline que tais portais e grupos virtuais oferecem9. Meu objetivo

aqui é de analisar como tais espaços suplementam os espaços físicos, suprindo e adicionando

ferramentas de comunicação e interação entre os usuários. A função das comunidades e grupos é não

apenas de manter ou possibilitar o estabelecimento de redes de sociabilidade, sejam elas frágeis ou

mais duradouras, mas essencialmente de instrumentalizar os usuários para o que está acontecendo nos

espaços físicos. Podem funcionar também como meio para atualizar-se nos códigos e novidades mais

típicos do meio em que estão inseridos, funcionando como um importante espaço para negociação e

9 Para uma análise mais ampla e objetiva sobre esses aspectos ver a dissertação de Gibran Braga (2013) e Luiz

Felipe Zago (2012) que buscam problematizar as relações entre performance, gênero e homoerotismo entre

usuários de páginas destinadas a encontros entre homens

16

demarcação das diferenças.

Por fim, o circuito doméstico circunscreve os espaços de uso privado que são delimitados

pelos sujeitos; são as reuniões de amigos, festas privadas, bem como alguns encontros de grupos de

orgia e swing que acontecem de forma itinerante entre as casas de seus membros participantes. Esse

circuito em especial, configura uma forma particular de redes de sociabilidade que se caracterizam por

relações mais sólidas entre pessoas com maior nível de proximidade, geralmente se cruzando em mais

de um grupo.

Os circuitos não configuram instâncias isoladas e sem conectividade. Antes, por haver uma

circulação entre os sujeitos há constantemente uma sobreposição e atualização constante dos espaços.

Os grupos virtuais, por exemplo, constantemente funcionam como pontos de conexão entre redes

domésticas e redes de pegação, possibilitando que os sujeitos se integrem, conheçam uns aos outros e

desenvolvam algum grau de afinidade e conhecimento prévio que posteriormente pode desenvolver-se

na forma de relacionamentos duradouros ou parceiras em determinados tipos de investimentos

eróticos, a exemplo de equipes de sexo coletivo ou festas de swing. Nesse aspecto, faz-se urgente

pensar também em formatos maleáveis entre circuitos, formas de categorização que permitam analisar

a partir de uma perspectiva de interseção as confluências entre os espaços e formas de sociabilidade, a

construção de territórios mistos e híbridos que possibilitam formas de relacionar-se mais fluídas e

versáteis, territórios que se reinventam, se retorritorializam a partir das práticas sociais nele

desenvolvidas. Tal perspectiva contribui também para uma leitura dos espaços comercial, doméstico e

virtual a partir das categorias de rua e vice-versa: pedaços virtuais, encontros offline entre sujeitos

próximos a partir de aplicativos que reúnem pessoas geograficamente próximas por dados via GPS.

Enfim, formas de analisar que possibilitam relativizar o aspecto escorregadio das práticas sociais de

rua, constantemente marcadas por um tom de impessoalidade, ancorando-as em níveis distintos de

familiaridade e proximidade que se articulam a partir de interesses partilhados entre os sujeitos

envolvidos.

3.1 – Cartografia do circuito

Os pontos de pegação conformam um circuito nevrálgico por toda a cidade, inaugurando uma

nova forma de construir a cidade, de perceber o espaço urbano. Constituem-se como espaços diversos,

abertos ao público e de livre acesso, sejam pertencentes a instituições públicas ou a privadas. São

pontos naquilo que lhes é mais preciso enquanto dissidência aos “lugares” de família ou pensados para

o sexo e seus voluptuosos devotos. Demarcações que logo traçadas, podem escapar no instante

seguinte. É o que nos apresenta Otávio:

Não tem muito isso de planejar não. Em geral pode acontecer em qualquer lugar.

Você está na rua, numa lanchonete ou num ponto de ônibus daí passa um cara, olha

pra você... você sabe que ele curte, né? Então começa o lance, né? Daí pode ser que

role por ali mesmo... mas claro tem uns lugares que você sabe que sempre vai ter

cara afim, sempre vai ter gente querendo fazer pegação.

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“Sempre vai ter gente querendo fazer pegação”, mas onde? Como? Essas são variantes que se

reinventam e deslocam-se espacialmente com absurda agilidade. A pegação e seus caçadores fogem e

apropriam-se da precariedade, reinventam-se sobre o que é possível. Recortam e desenham uma nova

cartografia da cidade. Espaços fugidios, voláteis e efêmeros, mais sociais que materiais. É o que

argumenta o antropólogo francês Michel Agier (2011, p. 113-4):

As concepções do lugar, principalmente as ligadas ao conceito de linhagens,

mostram que, a forte densidade cultural de certos lugares, assim como a fixação que

sentimos a seu respeito, vem de dimensões que não dependem diretamente das

estruturas materiais urbanas. O sentido do lugar é condicionado estreitamente pela

existência de uma troca simbólica e social da qual é o suporte.

Sendo assim, é justamente nesse sentido que, os pontos de pegação no seu contínuo fluxo de

mostrar-se e esconder-se para revelar o caráter das práticas estabelecidas pelos seus usuários é

organizado não em termos de uma materialidade do lugar, mas da possibilidade do espaço tornar

possível ou não o estabelecimento das trocas. Mais adiante, assinala Agier “a questão sobre o espaço

físico está bem presente, mas secunda, ou para usar uma expressão clássica e mais precisa, ‘é

sobredeterminada’ pela simbólica das relações sociais que aí se localizam” (Idem, p.140). Lugares se

reinventam e são interpretados a partir das práticas sociais nele estabelecidas. Uma praça que durante

o dia é usada como espaço de passagem entre transeuntes e descanso por trabalhadores, ou lazer por

famílias próximas, durante a noite pode converter-se uma vitrine de prostituição, ou num ponto de

pegação. As múltiplas possibilidades do espaço.

A sequência de imagens abaixo (Fig. 3, 4 e 5) ilustra bem o caráter improvisado dos pontos de

pegação. Trata-se de um conjunto de fotos realizadas por Fernando, um jovem universitário que

costuma frequentar um dos pontos na cidade, a praia do Seixas. Em seu trajeto o colaborador constrói

uma nova cartografia do espaço, inaugurando uma nova forma de dispor e manejar o aparelho público.

Trilhas, locais escuros, esquinas convertem-se pelo uso em novas possibilidades.

Figuras 1, 2 e 3: Trajetória de um nativo em um ponto de pegação em João Pessoa.

A cartografia da cidade começa a desenhar-se desde seu início-fim. Já no terminal rodoviário

de João Pessoal é possível observar a existência de locais - remodelados a partir do uso que seus

frequentadores lhes dão - para trocas entre homens. Não raramente, no ir e vir de passageiros, no ritmo

frenético de partidas e chegadas, homens nos mictórios do banheiro do terminal trocam fluídos,

olhares e apertões. Estabelece-se aí um jogo de silêncios e não-ditos, um desvio de linguagem comum

18

para um novo conjunto de códigos, uma forma variante de expressar-se. Pernas arqueadas, olhos

atentos aos lados e a pia e seu espelho, localizados mais a frente; movimentos que, aquém da

cotidianidade de uma urinada passageira, quando lidos em conjunto e contexto revelam estratégias do

desejo, (in)convenções. Ali mesmo aproximam-se e conectam-se por meio do olhar, dos gestos;

negociam e avaliam a possibilidade de uma troca que poucos instantes depois irá se converter em

sexo, fluídos e cheiros. Há alguns anos, além dos banheiros, o piso superior do terminal, onde os

acompanhantes e curiosos vislumbram o movimento dos passageiros, por muito tempo sediou também

as trocas e encontros entre homens.

A região do centro é recortada por uma variedade de espaços destinados à pegação, sejam os

mais tradicionais, instituídos no imaginário dos frequentadores - como os cinemas pornôs e as saunas,

localizados na região do Varadouro -, sejam outros menos conhecidos e de caráter efêmero; esses

últimos, em geral, são estabelecidos a partir de encontros fortuitos entre usuários de outros espaços de

troca já tradicionais, como acontece, por exemplo, na subida do terminal rodoviário em direção à

Lagoa do parque Solón de Lucena, nas imediações do Theatro Santa Roza, um dos estabelecimentos

culturais mais antigos e prestigiados da cidade, e que é constantemente utilizado como espaço liminar

entre os frequentadores do Cine Sex América, localizado ao lado. É lá que se conhecem, vez por outra

flertam ou aguardam até que o trânsito na praça reduza para entrarem. Na região atrás do teatro ainda

encontram-se relativamente próximos uma sauna e outros dois cinemas pornôs, além de algumas

pousadas de baixo custo, onde pode é possível ficar a custo de menos de quinze reais por duas horas.

O Cine Sex América se localiza na Praça Pedro Américo, ao lado do Teatro Santa Rosa e

frente ao atual prédio onde funciona o gabinete do prefeito e outras secretarias de Estado. Em se

tratando de cinemas pornôs, é o mais antigo em funcionamento na cidade, estando em atividade desde

o início de 2004 e é propriedade do grupo pernambucano Ferreira, que tem outros espaços de exibição

do gênero na cidade do Recife. O processo de construção e manutenção social do cinema está

relacionado a um processo adverso, de declínio dos cinemas de rua, algo semelhante ao registrado por

Vale (2000) na cidade de Fortaleza. Em João Pessoa, o Cine Sex América se consolidou na contramão

de um processo de falência registrado pelos três cinemas então em funcionamento na capital, o Rex, o

Plaza e o Municipal. Enquanto o primeiro transferiu-se para um shopping, onde atualmente estão

localizados todos os cinemas da capital, os demais foram “decaindo”, transformando-se primeiramente

em salas de exibição de filmes eróticos e pornôs, para em seguida fecharem, dando espaço a outros

tipos de empreendimento, notoriamente uma loja de calçados e uma Igreja protestante pentecostal. O

ar de legalidade e regularidade no funcionamento do cinema é exposto com certo grau de distinção por

seus proprietários, quando comparado aos demais cinemas em funcionamento: o Papai Cine Video e o

Cine Sex Aquarius.

O Papai Cine Video foi inaugurado em meados de 2006 e está localizado na Rua Cardoso

Vieira, rua atrás do Teatro Santa Rosa e, portanto, bem próximo do Cine Sex América. É o maior dos

cinemas em funcionamento e tem um público tão grande quanto o América. Sua estrutura física é

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composta de cinco salas de exibição que reproduzem simultaneamente e durante todo o dia filmes

pornográficos de classes diversas: heterossexuais, gays, bizarro, bissexuais e lésbicos. As superfícies

de projeção variam de grandes telas a pequenos aparelhos de televisão ancorados nas paredes.

Atualmente constitui-se como uma rede administrada pelos senhores Carlos, Ari e Edvaldo e que

conta com filiais nas capitais de outros dois estados, além da Paraíba: Rio Grande do Norte

(inaugurado em 2010), Teresina (inaugurado em 2008). Diferente do América e outros cinemas onde

ocorrem pegação, tais como o etnografado por Vale (2000), o Papai, assim como seu vizinho, o

Aquarius, não é um cinema propriamente dito. Trata-se de um antigo casarão art deco, como muitos

dos prédios antigos na região, que foi improvisado para atender às necessidades do negócio. O prédio

pode ser dividido em duas grandes áreas divididas por uma área para fumantes. Na primeira metade do

cinema estão localizadas a bilheteria e o primeiro conjunto de salas de exibição. Logo ao atravessar a

bilheteria, o usuário é confrontado com um negrume intenso. Exceto pelas luzes negras e pelo brilho

da projeção não há iluminação interna. Logo à entrada estão localizadas um conjunto de três cabines

individuais onde os caçadores podem masturbar-se enquanto assistem os filmes por pequenas

aberturas. Em seguida à esquerda e à direita dividem-se as primeiras salas de exibição, que

reproduzem respectivamente filmes de temática heterossexual e lésbicos. Em seguida, cada uma das

salas dá acesso a outras, que se encontram no final com uma pequena abertura de pouco mais de um

metro de largura que conecta as terceira e quarta salas de exibição, onde se apresentam,

respectivamente, filmes como temática bissexual e pornografia bizarra (incluindo aqui pornografia

com travesti). Segue-se então uma pequena área de fumantes e banheiro, que dá acesso ao segundo

bloco do prédio onde se localiza a salas de exibição de filmes com temática gay, além de outras duas

cabines privativas para casal e um underground onde, ao pagar um valor adicional, pode-se alugar o

espaço por algumas horas para relações sexuais mais elaboradas.

Em conversas com os clientes, um dos aspectos que o coloca entre os mais conhecidos e

frequentados é a discrição. Contraditoriamente, o cinema está localizado em uma avenida de alto fluxo

de veículos durante uma parte significativa do dia; além disso, frente à entrada se localiza um ponto de

ônibus, onde muitas pessoas esperam pela chegada de conduções que levam aos bairros da zona leste e

oeste, região onde estão concentrada boa parte dos bairros populares e mais distantes da cidade.

Frequentemente pude observar caçadores que, ao saírem do cinema, optavam por tomar a condução

em outros pontos de ônibus, evitando assim encontrarem-se novamente com outros caçadores que

haviam encontrado há pouco, no interior do cinema.

Por fim, o Cine Sex Aquarius é a filial de um cinema pornô de mesmo nome que tem sede no

interior do estado, na cidade de Campina Grande. O Aquarius é o mais recente dos cinemas, tendo sido

fundado em 2008. Tem um público consideravelmente menor, em relação aos demais, todavia é

reconhecido como um dos melhores, justamente pela localização e discrição. Está localizado também

na Avenida Cardoso Vieira, há poucos metros do Papai e uma rua atrás do América. Todavia, nada lhe

chama a atenção dos caminhantes à rua. Uma fachada preta onde se desenha uma espécie de túnel

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negro com um pequeno aviso impresso em papel tamanho A4 indicando os valores e solicitando que

os usuários não fiquem parados à porta. Em relação aos cartazes de sexo explícito colados à porta de

entrada tanto no Papai quanto no América, o Aquarius é um equipamento modesto. Exibe dois filmes

semanalmente, que são repetidos durante o dia em duas salas de exibição.

Continuando o percurso é possível encontrar ainda outros espaços para pegação na região do

Parque Solón de Lucena, seja à noite, na região dos bambuzais que desenham os quiosques e bares do

parque, onde os homens costumam masturbar-se eventualmente com a presença de outros, seja, mais

uma vez, nos banheiros públicos dos shoppings comerciais e populares, ou de grandes mercados, a

exemplo do Hiper Bompreço, um point já tradicional e de relativo prestígio, por onde muitos

caçadores já passaram ou costumam frequentar.

Os pontos de pegação apresentam uma dinâmica elástica, o que favoreceu a sua permanência

através de um dispositivo de constante atualização. Assim, espaços novos podem aparecer

constantemente e serem frequentados por um número relativamente grande de pessoas e em breve,

desaparecer. São processos contínuos e multiplicadores, apesar de efêmeros. A dinâmica social da

pegação acompanhou o novo traçado urbanístico da cidade, não apenas em direção à praia, região

onde hoje localizam-se a maioria dos pontos de pegação conhecidos e já famosos na cidade, como

também acompanhou o desenvolvimento de certos bairros nas regiões mais afastadas do centro, como

os bairros de Bancários, Mangabeira, Valentina, Cristo Redentor e Geisel, que posteriormente

culminaram no desenvolvimento de um pequena mancha de espaços comerciais GLS, ou na

consagração de alguns espaços como pedaços de sociabilidade entre homossexuais.

A cidade não é composta por um aglomerado de pontos distribuídos pelo espaço e

desconectados entre si. Não apenas estão localizados numa certa historicidade, que remete, muitas

vezes, à necessidade de espaços formalmente destinados e projetados para encontros com caráter

homossocial, como também são constantemente reorganizados e articulados pelos frequentadores nos

seus trânsitos e circulação. Tais espaços funcionam também de forma suplementar a outros

equipamentos, como cabarés e pousadas, espaços com funcionalidades muito próximas e que remetem

a regimes e usos do corpo e da sexualidade que dialogam entre si. Homens idosos costumam

frequentar simultaneamente Rua da Areia, em busca de contatos com profissionais do sexo, bem como

rapazes jovens e dispostos a sexo em troca de algum tipo de retorno (financeiro ou material).

A configuração de espaços de sociabilidade ao longo da paisagem não se configura de modo

homogêneo. É possível afirmar, com base nos dados etnográficos, que desde a região do terminal

Rodoviário no extremo oeste da cidade até os pontos de pegação que se apresentam na praia

desenvolvem um contínuo que caracteriza as formas de interação, frequentadores e também as

modalidades de práticas em cada espacialidade. Na Figura 6, abaixo, é possível vislumbrar os

principais pontos de pegação na região do centro. Tais espaços se configuram como uma paisagem

predominantemente popular: trabalhadores de regiões próximas, além de moradores de ruas e senhores

idosos configuram a maior parte dos usuários desses lugares.

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Figura 6: Localização dos Pontos de Pegação na região do centro de João Pessoa.

Banheiros (1: Hiper Bompreço; 2 – Terminal Rodoviário Severino Camelo).

Cinemas Pornôs (1: Cine Sex América; 2: Cinema do Papai; 3: Cine Aquarius).

Saunas (Sauna Thermas Paraíba)

Os tipos que fogem a este padrão em geral são aqueles que fetichizam relações sexuais com

pessoas mais pobres, relacionando o desempenho sexual com algum vestígio de “animalidade” dos

homens das classes populares e/ou negros, sexualmente mais vorazes e dispostos sexualmente. Esses

outros desejosos constantemente pertencem a outras classes sociais, são mais velhos e vem de outras

regiões da cidade, dos bairros de classe média ou média alta. As relações entre esses sujeitos distintos

também assumem características bem particulares, que serão problematizadas mais a frente.

O processo de construção e estabelecimento de um circuito pegação na região do centro em

João Pessoa está relacionado também ao próprio crescimento urbanístico da cidade, a partir da década

de 1970. A região da praia, antes utilizada apenas como um espaço de veraneio começou a ser

conectada com a região do centro e dos bairros tradicionais nos quatro sentidos (Jaguaribe a leste,

Varadouro a Oeste, Tambiá a norte e Torre e Castelo branco a sul) com a construção da Avenida

Epitácio Pessoa (Souza, 2005). Nesse movimento houve então um processo de transferência dos

espaços de lazer do centro para a região das praias de Tambaú e Cabo Branco. Esse processo

atualmente continua agora no sentido horizontal, com a expansão imobiliária e também dos centros de

lazer e sociabilidade no sentido dos bairros do Bessa até Seixas e Altiplano Cabo Branco.

Seguindo o sentido da Avenida Epitácio Pessoa em direção a praia observa-se também um

processo de diferenciação social entre os grupos e espaços localizados no centro e seus frequentadores.

A região contempla dois grandes espaços “oficializados” para a prática da pegação, além de alguns

outros que acontecem de forma esporádica. Tais espaços são, o banheiro do Hipermercado Extra, na

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esquina da avenida Amazona, e os banheiros do Espaço Cultural José Lins do Rêgo, um dos locais

mais tradicionais e comumente referido pelos interlocutores de pesquisa. Segundo Roger, 22 anos:

O Espaço Cultural é um dos melhores! Sempre tem gente, e gente nova, se bem que

ultimamente tem caído por conta da reforma e das coisas que tem lá... mas ainda

assim vale a pena.

Roger faz referência ao processo de reforma do prédio, especialmente da biblioteca localizada

no subsolo do prédio e de algumas outras dependências, como o Cine Banguê, todos localizados na

dependência. O Espaço Cultural é um local destinado à realização de feiras, eventos e festas de caráter

cultural na cidade. O Espaço sedia além da biblioteca, um teatro de arena, um cinema, um teatro

comum, dois mezaninos com vista panorâmica que são utilizados para exposição, a galeria Archid di

Picado, o planetário, além de uma enorme área aberta para realização de atividades diversas. O Espaço

é administrado pela secretaria de cultura do Estado e nos últimos anos vem sendo utilizado como local

para feiras de negócios e eventos de grande porte, mas de caráter comercial, o que, na opinião dos

frequentadores da pegação que acontece lá, vem diminuindo a intensidade de visitas. Além disso, as

feiras trazem consigo um grande número de funcionários que se distribuem nas tarefas de segurança e

higienização de todos os espaços, inclusive de alguns dos banheiros usados prioritariamente, como o

que se situa na frente da Galeria Archid di Picado, próximo ao mezanino 1. Assim, tem sobrado aos

frequentadores quase sempre contentar-se com o baixo número de gente, quase sempre indesejável,

como leigos e funcionários, nos outros banheiros ou no estacionamento, o que é evitado, tendo em

vista os riscos à segurança.

Nenhuma outra região pareceu adequar-se de maneira tão própria a prática da pegação como o

litoral, o trecho das praias urbanas, em João Pessoa. Nesses locais pode-se encontrar diversos points

que costumam ser frequentados, durante os mais diversos horários por jovens, homens maduros e mais

velhos dos mais variados locais da cidade. O desenho desse trajeto do circuito é recortado

horizontalmente e estende-se entre os extremos da cidade, da Ponta do Seixas e o lugar comumente

conhecido como “Sofá da Hebe” até o extremo norte e a fronteira com a cidade de Cabedelo. Nessa

primeira parte do trajeto, que delimita a região do Seixas e Cabo Branco, a região é fortemente

caracterizada pela paisagem natural de vegetação de restinga, caracterizada por arbustos baixos, que se

emaranham em labirintos por onde se dispersam e novamente se encontram corpos fugidios no jogo de

esconder e mostrar-se que se executa na mata do Seixas. A região costuma ser bastante frequentada

durante a manhã e tarde e devido ao acesso difícil, não costuma receber pessoas de classes sociais

mais baixas, que geralmente não dispõem de carros ou motos para chegar lá. Todavia, a dinâmica

deste espaço vem se alterando significativamente nos últimos anos. Essa mudança ocorreu

principalmente em função da estrada da região no itinerário turístico da cidade desde 2009,

aproximadamente com a inauguração da Estação Cabo Branco Ciência, Cultura e Arte, um

empreendimento da prefeitura municipal que não apenas tornou a região que antes era conhecida

23

apenas pelo farol do Cabo Branco - um dos cartões postais da cidade, sendo o extremo leste do

continente americano – como também estimulou o crescimento imobiliário na região ao redor.

Se por um lado esse novo fluxo de atividades, serviços e pessoas trouxe também mais

facilidades de acesso e permanência na mata, também vem sendo visto como um processo de

reacomodação dos antigos grupos de frequentadores. Não raro escuta-se entre as trilhas desenhadas a

pegadas e preservativos que, nos últimos tempos, as coisas têm piorado e os assaltos se tornado

frequentes por conta desses novos frequentadores. Ainda assim, o que parece haver é mais um

processo de advertência e tentativa de reestruturação dos antigos grupos de frequentadores, que não

querem perder o seu lugar e manter a forma como ele funcionava no que se refere a público,

possibilidades de atividades, horários e outras coisas mais. Perguntando a alguns entrevistados se já

haviam sido abordados de forma agressiva ou assaltados todos responderam negativamente, mas ainda

assim reiteravam as recomendações para tomar cuidado, e se possível, ir para outro lugar. Ainda na

região da praia do Seixas, descendo em sentido à zona norte da cidade, chega-se à Praça de Iemanjá,

uma pequena praça adornada ao fundo com uma imagem da orixá Iemanjá que, há alguns anos, era

usada pelos pescadores das regiões próximas para reunir-se para pesca. Atualmente, com o fim da

tarde, a praça também serve como ponto de encontro entre rapares, geralmente mais velhos e de

condição social mais pobre e que não gostam de subir a ladeira para o Seixas. As razões atribuídas

frequentemente é o horário, que em geral, por ser durante a manhã, torna-se inacessível aos demais,

mas também é registrada a queixa por parte de alguns pela forma como são olhados e muitas vezes

ignorados na parte superior.

Em Tambaú, nas imediações do famoso hotel que recebe o nome da praia, também é comum,

durante a noite, vislumbrar na parte de trás, já na areia um intenso fluxo de homens, geralmente

brancos, de classe média ou que adotam um estilo de vida próximo a isso em termos de roupas, gostos

e preferências musicais. Não há muito espaço para a conversa e eventualmente, as relações resumem-

se em sexo oral ou masturbações em dupla. Dentre todos os pontos conhecidos no trajeto litorâneo do

circuito da pegação, o Hotel, dada sua centralidade, é o único que recebeu ação ostensiva da polícia no

sentido de estabelecer uma limpeza da região. As ações da polícia, através da cavalaria consistiam em

rondas durante toda a noite na região que compreendia desde o Busto de Tamandaré até o Largo da

Gameleira, na divisa entre as praias de Tambaú e Manaíra, sempre passando por trás do hotel a fim de

coibir atentados violentos ao pudor e ator libidinosos praticados pelos frequentadores. Entre os

usuários mais antigos, a exemplo de Renato que, segundo nos conta, costuma ir ao Hotel desde 2001,

aproximadamente, quando chegou à cidade, vindo da região do brejo do estado, algumas pessoas

chegaram as ser pegas, levadas à delegacia e moralmente constrangidas. Segundo Renato, essas

apreensões aconteciam de forma disciplinar: por mais que houvesse grupos de 10, 20 pessoas, apenas

um era levado pela cavalaria pra prestar esclarecimentos.

O trajeto do litoral é fechado então com dois dos pontos mais nobres e frequentados na região:

na zona divisória entre as praias de Manaíra e Bessa, próximo ao Mag Shopping, e o final da praia do

24

Bessa, no trecho próximo à praia de Intermares, na fronteira entre os municípios de João Pessoa e

Cabedelo. O primeiro trecho é bastante conhecido pela frequência de rapazes que gostam de

relacionar-se com homens mais velhos, geralmente “pais de família” que costumam frequentar o local

após a jornada de trabalho; ainda assim, o local abrange uma variedade de tipos consideráveis, em

geral mais brancos e de classe social média ou superior. O tipo repete-se na região final do Bessa, nas

imediações do antigo bar Peixe Elétrico, este sim, frequentado majoritariamente por pessoas que não

apenas tem um estatuto social mais abastado, como também tem seus corpos mais adequados aos

padrões de beleza então vigentes. Não raro encontram-se homens “sarados”, “bombados” e “barbies”,

como são costumeiramente classificados nas categorias nativas.

3.2 Arquiteturas sócio-corporais

A arquitetura do banheiro é parte constituinte da forma como os usuários manejam o espaço;

tais usos engendram-se ainda naquilo que Teresa de Lauretis (1989) chama de “tecnologias de

gênero”. Acompanhando a reflexão de Lauretis, Beatriz Preciado (s/d) sugere que, o uso dos banheiros

não está relacionado às funções digestivas do corpo, mas antes ao gênero. O banheiro assume assim

por dispositivos diversos representatividade análoga à percepção do sexo como lugar do privado, do

indizível familiar. Essas relações dialógicas se através materializam-se através de biopolíticas de

controle do gênero, espécie de patrulhamento que questiona qualquer possível ameaça, qualquer

registro de expressão instável ou duvidosa de gênero (PRECIADO, s/d, p.3). A construção

arquitetônica do espaço sinaliza bem para a natureza das relações que podem ser ali estabelecidas, bem

como o que pode ser mostrado, o que deve ser reservado.

A estrutura tradicional do banheiro masculino é compartimentada em três setores: pia,

mictório e reservados. Na confluência entre Lévi-Strauss (1985) e Foucault (1999) é possível afirmar

ainda que o processo de educação do corpo e suas reações, bem como do espaço e seus usos, são

processos inseridos e mediados pelas regras culturais e práticas sociais dos grupos humanos. Tais

processos são construídos e reencenados como se naturais fossem por meio de instituições e

dispositivos como a família, escola, relações de trabalho, mídia, etc. Na arquitetura do banheiro cada

espaço relaciona-se um uso e um elemento corporal que deve ser evidenciado ou ocultado. Assim,

concebe-se o pênis como um “órgão público” na dinâmica das relações estabelecidas ali; homens

podem olhar – ainda que não o devessem – os genitais alheios enquanto se posicionam em uma fileira

de mictórios organizados geralmente ao fim do ambiente. Já bunda e ânus pertencem à esfera do

privado, não porque o ato de defecar implique a necessidade de recolhimento, mas porque seu produto,

os excrementos, está em outro domínio que não o da civilização.

Como relembra Jorge Leite Júnior (2009), o processo de construção do meio social é um

processo de construção corporal historicamente situado e perpassado por transformações:

Os manuais de civilidade, que se espalharam por todas as cortes europeias durante o

Renascimento, vão treinando a sensibilidade no sentido de aumentar o nojo e a

vergonha para com tudo que lembre a “animalidade” do corpo humano e, por isso,

25

contribua para a perda de status ou respeito ao tornar a pessoa mais próxima dos

“rústicos” camponeses e outros desqualificados sociais. (...) Desta forma, em nossa

cultura, pode-se afirmar que os excrementos são algo que deve ficar escondido,

secreto, pois não pertence mais à dita civilização. Por isso vão para o esgoto, lugar

afastado, foco de doenças e morte, local do “impuro” (LEITE JÚNIOR, 2009, p.

518).

Além dos aspectos envolvidos na invenção das tradições, é preciso reconhecer ainda que há

nesse processo de interdição da bunda e do ânus um expressivo apelo ao gênero. Assim que o ânus é o

reduto secreto da masculinidade. Dentro de um regime heteronormativo, para os homens, o ânus deve

ser apenas uma válvula de excreção; exceto por isso, não deve se quer ser considerado um órgão. Todo

esse processo de segmentação e hierarquização das partes e funções corporais sustenta uma mitologia

que Preciado (2000) chama de “castração anal”, processo que concebe o ânus como sujo, privativo e

menor.

Tiveram que substituir o dano com uma ideologia de superioridade de modo que só

se recordam de seu ânus ao defecar: como fantoches acreditam que são melhores,

mais importantes, mais fortes. Esqueceram-se que sua hegemonia está assentada

sobre sua castração anal. Com a castração do ânus surgiu, ao enfiar o dólar nas tripas

úmidas de bebês, o pênis como significante despótico. O falo apareceu como mega-

$-pornô-fetiche-acessível da nova Disney-heterossexua-lândia (PRECIADO, 2000,

p.137).

O processo de castração anal remete a um intenso investimento para destituição do ânus e suas

relações com qualquer possibilidade de prazer. O ânus converte-se num espaço que afirma e valoriza a

masculinidade pelo artifício da inviolabilidade. Se por sua vez a algumas partes do corpo, a exemplo

das genitálias, corresponde um espaço que é privado ou sigiloso para certos grupos, o sexo também

ocupa um lugar que é socialmente construído como devendo ser privativo e doméstico; sobre essa

percepção adiciona-se ainda o parâmetro da normalidade e da regularidade, como se sendo assim,

fosse natural e dado que devesse de fato ser assim. Mais uma vez, esse tipo de construção de variação

sexual maligna corrobora para a criação de estigmas eróticos (RUBIN, 2012), que relevam à posições

vulneráveis certas práticas sexuais e seus agentes (pense-se por exemplo no sexo intergeracional, no

sexo pago, e até mesmo na pegação).

Sobre a pegação masculina recai o estigma do sexo sujo e impessoal, da vida promíscua e do

lugar da doença e da maleficência. Associada à clandestinidade e aspecto improvisado dos encontros,

as trocas estabelecidas aí são tomadas como passíveis de contaminação em um sistema moral

fortemente comprometido com o disciplinamento dos corpos; soma-se a isso ainda na capital

paraibana a grande influência que os espaços e poderes religiosos exercem sobre a sociedade civil de

forma geral. Com o crescimento das instituições religiosas pentecostais no estado, é possível afirmar

ainda a confluência entre uma modalidade de poder transacional e tático destas instituições que conflui

para uma dimensão maior, de poder estrutural (WOLF, 2003), que se mesclam às políticas públicas de

saúde e acolhimento social, além de outros serviços públicos, como a segurança e a educação.

26

3.3 – Canibalismo e outras dissidências (des)identitárias

É importante considerar aqui a importância que a sexualidade assume na construção de

identidades que mediam as situações sociais onde estes sujeitos estão inseridos, ou em termos mais

específicos, estratégias de identificação que, tomando por base aspectos performativos do gênero

(BUTLER, 2003) e da sexualidade, mediam as diversas possibilidades de interação que os sujeitos

desenvolvem dentro dos territórios de pegação. Como afirmam Adriana Piscitelli, Maria Filomena

Gregori e Sérgio Carrara ao comentarem sobre as abordagens em ciências sociais que inserem a

sexualidade em um lugar central na construção das subjetividades contemporâneas:

Esse conjunto de práticas, representações e atitudes em torno das trocas eróticas

traduz uma dimensão interna dos sujeitos e, nesse sentido, é particular a uma

determinada cultura. Por isso só seria possível recorrer à sexualidade como

“explicação” quando o contexto cultural o autoriza. (...) Os contextos que autorizam

essa explicação são aqueles nos quais há uma noção de pessoa, na qual

interiorização e individualização modelam a subjetividade. Essa ideia de pessoa, o

sujeito moderno ocidental, associada à noção de indivíduo como valor, só se

encontraria em grupos sociais específicos (2005, p. 13).

Tais elementos estão presentes e são acionados na construção das performances e interações

entre caçadores nos cinemas e banheiros; a continuidade e valorização de certo tipo de conduta não é

de forma alguma um elemento dado, pelo contrário, é construído e constantemente negociado na

medida em que aparece como um valor do indivíduo, valor esse que pode ser avaliado, medido e

mensurado, posto em comparação junto a outros.

A natureza das relações construídas no cinema encontram-se em uma zona intersticial entre

aquilo que Gaspar Neto (2011) chama de "coeficiente de anonimato" e a constante análise da conduta

e performance alheias. No banheiro permanecem preceitos similares: qualquer sujeito que entra é

analisado e lido como passível ou não de estabelecer algum tipo de contato, e que tipo de contato é

esse. Nestes espaços a masculinidade é um capital importante que orienta as possibilidades de sucesso

nas interações estabelecidas entre os sujeitos. Estabelece-se então entre os sujeitos uma espécie de

contínuo balizado por estratégias de classificação de si e dos outros que têm como propósito

aproximar-se o máximo possível de um ponto extremo desejável e afastar-se de outro, por

consequência, negativo e indesejado.

Certo dia, em meados de setembro de 2013, durante uma conversa com Otávio e Neto, Bruno,

interlocutores com quem mantinha contato há mais ou menos cinco meses, Bruno me relatava sobre

seu último encontro com um senhor mais velho, na faixa dos quarenta anos:

Porra, fazia tempo que eu não comia um macho daqueles, pense... chega deu gosto.

A cabine apertada e o bicho tinha umas coxas, um peito bom de chupar e uma

bunda que pelo amor de deus... se tem outra igual eu quero comer também. Tinha

até um pau gostoso; ainda dei umas chupadas nele porque ele tava pedindo e um

macho daqueles a gente não pode rejeitar.

Pesquisador: E como ele era?

Bruno: acho que tinha uns 40, cabelo baixo, troncadinho, voz massa, todo macho.

Do jeito que era capaz que eu desse pra ele [risos]

Neto: E tu agora tá dando também, é? Vai dar pra mim também?

27

Bruno: Sai daí, pô! Sou viado não.. [todos riem]

Pesquisador: E se não é viado é o que então?

Bruno: sou macho, né?! Sou canibal! [todos riem]

Bruno continua o relato de suas aventuras sexuais e é acompanhado pelas perguntas e

interrupções dos outros rapazes, que numa espécie de bricolagem narrativa, emprestam às experiências

de Bruno as suas próprias, de modo que constroem um jogo onde as vivências do indivíduo são

somadas na constituição de discursos de partilha e reconhecimento. Ao caracterizar seu parceiro,

Bruno assume uma identidade sexual que independe da posição assumida no coito, e, ainda que a uma

intimação mais pública rejeite ser tomado como sexualmente passivo, ou seja, penetrável, não coloca-a

como algo impossível ou distante, mas sim como algo a ser negociado na própria interação e sobre o

fluxo do desejo.

Como observa Perlongher em seu estudo sobre a prostituição viril na década de 1980 em São

Paulo, entre os michês a masculinidade é um valor a ser preservado, e por essa razão, o uso do ânus

parece sempre impor uma tensão. Segundo o autor:

Não se trata de um mero jogo de espelhos invertidos, mas as transições entre

hipervalorização de uma virilidade convencional que proscreve discursivamente o

ânus como zona erógena (no plano da expressão) e o envolvimento em relações

homossexuais cujo eixo gira em torno, precisamente, da sensibilidade anal (no plano

do conteúdo), envolvem “transduções” lentas e tortuosas (PERLONGHER, 2008,

p.221).

Dá-se assim que as performances masculinas, assim como na etnografia de Perlongher, em

escalas diversas nos cinemas e banheiros está baseada numa hipérbole de gênero. No caso em questão,

o uso do ânus permanece como um conflito na construção de uma performance desejável, mas que é

resolvida mediante expressões do tipo “alguém tem que ceder”, que apontam para uma flexibilização

das performances onde a posição assumida durante o sexo não implica uma penalização, falta ou

ininteligibilidade, mas antes, uma variação necessária.

Em outra conversa, dessa vez com Francisco, é possível observar em sua narrativa alguns

elementos que lançam luz ao que nos relatou Bruno, possibilitando entrever alguns elementos

prioritários de diferenciação entre esses “machos” e os “viados”. Francisco tem 43 anos, mora sozinho

em uma região de prestígio da cidade, e se diz "infeliz no amor", razão pela qual costuma frequentar

alguns cinemas e também páginas de bate-papo virtual e comunidades de pegação em redes sociais em

busca de parceiros, geralmente garotos de programa. Sobre uma possível identidade sexual que

pudesse atribuir a si mesmo ele comenta.

Eu posso até ser gay, mas não sou como essas bichinhas por aí. Não ando saltitante,

não sou afeminado, bichina, né? Não sou nem curto. Gosto de macho que curte,

macho mesmo. Ontem no [bate-papo do site] Uol conheci um cara de Mandacaru; a

gente abriu a webcam, era massa e tal,e marcou de se ver... quando parei na praça

pra ver tava uma bicha gorda, um viadinho assim, daí eu liguei pra ver se era ele

mesmo e uma voz que parecia uma moça!... Ela já tinha me percebido e entrou no

carro, mas não tinha como rolar... dei um perdido nele e devolvi pro mesmo lugar,

28

dizendo que não rolava, que não estava bem...ainda ontem mesmo ele me ligou e eu

não atendi. Sou macho e curto macho, não esses viadinhos aí.

Ao negarem uma identidade/identificação enquanto "viadinhos", meus interlocutores não

ignoram a possibilidade de virem a ser posicionados ou até mesmo a posicionarem-se enquanto

homossexuais – “eu posso até ser” -, mas rejeitam as imagens socialmente construídas em torno da

homossexualidade enquanto encenação de um gênero feminino, ou que segue em direção a este. Para

fugir a estas imagens, as estratégias de negação, ocultação e reinvenção são as mais comuns. Por

ocultação entendo a possibilidade de uma vivência homoerótica em paralelo a uma identidade

heterossexual; esse tipo de estratégia é constantemente apresentado a respeito dos "pais de família",

que em geral localizam-se num extremo desejável do contínuo de performances desenvolvidas no

cinema. Certa vez me comentou Otávio a respeito de um senhor, segundo ele, pastor em uma igreja

protestante "diz que é crente e vem pra trepar com os machos... se a mulher soubesse". Por sua vez, a

reinvenção inaugura uma estratégia de estabelecimento de identidades mais flexíveis, organizadas

segundo os interesses dos indivíduos e suas performances, como se verá adiante.

Nas falas de Francisco e Bruno sobrepõem-se alguns aspectos já evidenciados anteriormente

na fala de Otávio sobre os perfis de masculinidade desejáveis: o uso do corpo para movimentar-se, a

voz, o léxico e o jeito de falar, símbolos como roupas, cortes de cabelo, enfim, compõem uma

performatividade estratégica que é acionada com o propósito de construir uma imagem desejada. Neto,

um dos interlocutores mais jovens com quem venho desenvolvendo a pesquisa, apresenta alguns

elementos que parece sugerir tal processo de "performatividade localizada", uma estratégia de

reinvenção e transformação constante dessa “masculinidade homoerótica”. Em conversa através do

dispositivo de mensagens de uma rede social ele comenta, a respeito de si e dos outros colegas, em

especial Bruno.

Assim, eu não me acho muito diferente deles, apesar deles serem mais velhos. A

gente tem os mesmos gostos, as vezes fica com os mesmos caras e tal... mas eu acho

que, sei lá, sou mais livre mesmo... tipo no cinema eu as vezes vou de farda, as vezes

de bermuda e camisa como eles, outras vezes vou do jeito do pessoal da minha

idade. Acho que sou mais livre que eles, ou sei lá...

Durante a pesquisa também pude observar algo parecido entre outros frequentadores que

encontrei em outros lugares onde desenvolvo a pesquisa, a exemplo de saunas e banheiros e boates.

Assim, é possível sugerir que as performances são organizadas a partir das demandas de interação que

cada espacialidade comporta; ainda que a masculinidade seja um capital importante em todas, acredito

que há certos espaços mais exigentes enquanto outros são mais maleáveis, aceitando algumas

variações questionadoras, que se situam em regiões de fronteira, a exemplo das saunas, que

eventualmente recebem travestis e drag queens para apresentações artísticas e que, logo em seguida,

29

são incorporadas na dinâmica de sedução dos espaços e conseguem desenvolver alguns

relacionamentos sem grandes dificuldades10

.

Para meus interlocutores, as identidades sexuais que vivenciam (identidades no plural, porque

constantemente são reordenadas a mercê das situações e interações que vivem) não tem a ver com as

posições sexuais assumidas durante a transa em si, mas antes, a um conjunto variante de atos

performativos (BUTLER, 2003) que compõem cadeias de inteligibilidade para o que pode ser

entendido como masculino ou não. Seus corpos são "um conjunto de fronteiras, individuais e sociais,

politicamente significadas e mantidas" (Ibdem, p. 59). Todavia, no jogo entre corpo, sexo,

performance e identidades sexuais, nosso caso, é preciso ter em mente que tais encadeamentos são

simultaneamente concebidos num primeiro momento como estabelecidos, naturais, fixos, imanentes,

mas também podem ser flexibilizados de modo a aproximar-se o máximo possível de um extremo

desejável: o macho.

Estabelece-se assim um contínuo entre possibilidades êmicas de classificação que se

significam os jogos corporais performativos desde um extremo "machudo" até um outro "travesti"11

,

como se observa no Quadro 02.

Quadro 02: Contínuo de classificações êmicas em torno das performances masculinas

MACHO “VIADO”

Negões

Cafuçus

Machudo

Militar (milico)

Gay discreto

Ursos

Lolitos

Barbie

Gay afeminado

“Tia”

Travesti

+ + --

Fonte: Adaptado de Perlongher (2008, p. 157).

A identificação como machuco é reservada aos homens maduros, em geral casados, razão pela

qual eventualmente são referidos como "pais de família", todavia, nunca a vi aplicada a qualquer

pessoa negra ou com aparência que pudesse denunciar o pertencimento a uma classe social muito

baixa, como onde estão inseridos pedintes e moradores de rua. Para estes, existe como que uma

estratégia de "penalização" que por um lado fetichiza o corpo negro e o corpo proletário em

identidades masculinas de negões e cafuçus, mas por outro lado reduz ou subordina seu valor de

masculinidade a um modelo mais desejável, branco e burguês personificado no pai de família. Em

10

Para uma análise mais aprofundada sobre a presença de travestis em espaços de sociabilidade marcadas pela

pegação ver Vale (2000) que apresenta uma etnografia do cine Jangada, em Fortaleza, evidenciando a presença

de travestis que ali se prostituem. Tais processos de prostituição travesti, ou mesmo de frequência destas

personagens não foram observados durante o campo, exceto por uma situação onde uma conhecida travesti da

cidade apareceu lá, mas neste caso especial, estava "desmontada" ou seja, construiu para si um corpo e uma

performance masculinos

11

Travesti aqui recebe uma significação diferente, não referindo-se necessariamente a uma identidade sexual

travesti; antes, refere-se a tudo aquilo que é visto como um extremo "não-homem", não masculino, sem

tampouco ser feminino. Para todos os fins, É uma marca de ambiguidade tomada como jocosa, e por vezes, que

deve ser evitada.

30

seguida tem-se padrões aceitáveis, mas que se localizam na medida do possível como "corpos

regulares", que não estão num extremo de masculinidade idealizado, mas que também não seguem em

direção a outro. Esses corpos geralmente são lidos como discretos, desejados e desejáveis na medida

em que não denunciam trejeitos femininos, tampouco superevidenciam uma performance de

masculinidade hiperbólica que dentro das interações do cinema é frequentemente questionada como

"enrustida". Por fim, no ponto extremo aparecem performances pouco valorizadas, mas ainda assim

utilizadas como forma de desqualificar as performances de possíveis concorrentes, e por tentar

alavancar as do próprio sujeito. Nesse extremo aparecem homossexuais afetados, velhos (tias), ou com

condutas que não são recebidas como aceitáveis para um homem (travestis).

Observa-se assim que as "identidades" são manuseadas como parte constitutiva do jogo das

trocas que a pegação no cinema suscita. São fixas e simultaneamente fluídas, a mercê dos interesses

dos próprios caçadores. No entanto, é necessário averiguar ainda a existência de um mecanismo micro,

que permite ao sujeito, por exemplo, flexibilizar sua performance para ser identificado como um gay

discreto, ainda que em outros lugares não fosse; esse mecanismo micro coocorre com um mecanismo

macro, conformado pelo tecido social daquele espaço, que têm o poder de acatar ou rejeitar tal

flexibilidade, a exemplo de uma história narrada por Francisco a respeito de um encontro que teve

com um senhor que se dizia discreto, mas que, ao encontrá-lo de pronto sentiu-se enganado ao

encontrar com um homem mais velho que ele e também mais afeminado, enfim, uma "tia".

Um olhar atento evidencia o quão inútil é pensar “identidades” nesses espaços como

constituições fixas; se são fixas, são fixas na sua efemeridade, apenas durante os breves minutos dos

encontros em que se faz necessário sustentar uma posição ou outra, em seguida são reconstituídas em

outras formas de ser e estar que podem afirmar, negar ou ocultar as práticas anteriores. Sugiro assim a

existência de "estratégia identitárias", dispositivos de diferenciação e reconhecimento acionados à

medida das circunstâncias tão somente.

As performances que acompanho têm como propósito favorecer o sucesso das interações dos

sujeitos em busca de encontros corporais em um cinema pornô da cidade de João Pessoa. No que nos

toca, tais performances são possibilidades acionadas à mercê da natureza e dos interesses envolvidos

em cada interação dos sujeitos uns com os outros.

Em termos gerais, a masculinidade é um mecanismo valorizado e evidenciado pelos sujeitos

na busca de parceiros; assim, elementos corporais importantes para a conformação de tais

performances, a exemplo da postura ao movimentar-se, da voz, a exposição ou insinuação do uso do

pênis ou do ânus, além de demais formas de usar o corpo são importantes na medida em que indicam

pistas, caminhos e possibilidades para as práticas sexuais ou eróticas a serem desenvolvidas.

A valorização da masculinidade é acompanhada por um dispositivo recorrente de negação de

um modelo socialmente construído de homossexualidade como valoração negativa, de base feminina,

e que tais sujeitos não compartilham ou rejeitam, razão pela qual reinventam, negam ou ocultam

formas de identidade consolidadas pelas políticas de visibilidade estabelecidas pelo movimento LGBT

31

nos últimos 40 anos no Brasil. Nesse processo, é preciso ainda advertir para uma característica

importante de que a afirmação de tal masculinidade é feita em detrimento da desvalorização de certas

performances ou identidade sexuais relacionadas a uma esfera mais feminina.

Esse processo de diferenciação com base em relações sob o princípio da oposição e da

condicionalidade restritiva (posso até ser “X”, mas não igual a “x”) retoma elementos elaborados por

Brah em sua noção de diferença como relação social, que se coloca como uma estratégia entre outras

de estabelecer uma distinção. Segundo a autora, essa noção de diferença com base nas relações

socialmente estabelecidas “sublinha a articulação historicamente variável de micro e macro regimes de

poder, dentro dos quais modos de diferenciação tais como gênero, classe ou racismo são instituídos em

termos de formações estruturadas” (2006, p. 363). No caso em estudo, o estabelecimento de práticas

homoeróticas com outros homens não vincula necessariamente as identidades individuais dos seus

praticantes à necessidade de assumir uma identidade “gay”, muitas vezes postulada com base em uma

política compulsória de visibilidade afirmada em expressões do tipo: é importante sair do armário para

viver uma sexualidade plena e feliz. As práticas homoeróticas de alguns sujeitos no circuito da

pegação contestam essa via única, lhe oferecendo se não caminhos alternativos, pelo menos

possibilidades que interrogam a necessidade de uma afirmação política gay, e suas implicações.

É possível vislumbrar ainda que nesse contexto de práticas as hierarquizações estabelecidas se

cruzam em vários momentos e se estabelecem em espaços outros que não o da reprodução de um

modelo heteronormativo a ser replicado. Nesse caso o que é normativo é o desempenho de uma

masculinidade muitas vezes cosmética, que se estabelece a partir da encenação de uma performance

corporal desejável, aquém dos papéis assumidos durante a relação sexual.

3.4 - Pensando Interseccinalidades: raça, classe e preconceito nos territórios de pegação

O público que conforma o que tenho chamado aqui de “caçadores” é bastante heterogêneo de

modo que reduzi-lo a um padrão uniforme é ingênuo, quiçá inútil. Todavia, é notável a grande

presença de pessoas de pele escura12

em relação a um padrão caucasiano, e também de tipos que são

presumidos como de classes populares, pobres. Os negros, apesar de maioria, são temidos e

estigmatizados pelos caçadores em termos gerais. Sobre eles recaem a suspeita de um assalto

inesperado, da violência. Alguns relatos ouvidos durante as primeiras observações, em abril de 2012,

não apenas nos banheiros e cinemas, mas nos demais locais em que desenvolvi a pesquisa (locais

online e offline), pude escutar repetidamente a história de pessoas que desistiram de ficar

especialmente nos banheiros enquanto um “negro suspeito” estivesse no banheiro. O negro suspeito

12

Ao decorrer do texto tenho chamado essas pessoas de “negras”, não sem conflitos, tendo em vista que esse não

é uma autodesignação dos interlocutores; em alguns momentos apareceu como parte das falas dos próprios

sujeitos, em outras não. Todavia, mesmo quando se colocam enquanto negros, colocam-se em situações e

questões diversas, que não necessariamente fossem ser mantidas na medida em que se tratasse de suas relações

dentro dos cinemas e banheiros.

32

geralmente é descrito como aquele mal trajado, em geral com os pés sujos, símbolo de que esteve por

muito tempo na rua, talvez morador de rua, usuário de drogas ou fugitivo. Mesmo quando bem

trajados, nos banheiros as transações com os negros costumam ser mais demoradas: “demora a chegar

num negão. Tem que sentir firmeza, saber que não é ladrão”.

Danilo, um jovem de 21 anos, autodeclarado negro, corpulento e de olhos claros, num tom de

verde acetinado me conta que, certa vez, enquanto estava em um dos banheiros do Espaço Cultural,

após 15 minutos sem que ninguém se aproximasse dele, apareceu um jovem branco, aparentemente na

sua faixa etária, pouco gordo. Após as trocas de olhares e conferir a “ferramenta” de Danilo, o rapaz o

chamou pra que fossem pra outro banheiro, pouco frequentado, mas ainda dentro do Espaço.

Chegando lá, todas as cabines vazias, o rapaz entra em uma delas e fecha a porta levemente. Danilo

permanece do lado de fora sem entender. O rapaz diz que está sem as calças e pede pra que nosso ele

tentasse arrombar a porta, sem fazer barulho, pra não atrair a atenção de eventuais seguranças ou

pessoas próximas. Não entendendo o que estava acontecendo, pergunta o que está acontecendo,

quando o seu parceiro responde: “sempre tive tesão em ser assaltado e estuprado por um negão”.

A história que Danilo narra é um exemplo da estigmatização e simultânea fetichização que o

marcador de raça exerce sobre os frequentadores dos locais que estudamos. Para muitos, não ser negro

é um critério de garantia de parceiros, daí as inúmeras denominações para os tons de pele que buscam

fugir à trágica afirmação de se ser negro. A matiz se esboça de forma dissimulada, estendendo-se

desde o moreno escuro, passando pelo claro, latino, moreno jambo, bronzeado até as diversas matizes

de branco. O fluxo ascendente nesta parábola cor x status está no sentido do branqueamento. O tipo

branco, loiro e de olhos claros é absolutamente desejado; quando combinando com certos aspectos de

uma performance de masculinidade lida como aceitável é disputado por (quase) todos. Ainda assim,

esse tipo é pouco comum. Recorrentes são os embustes desse tipo europeu que os nativos chamam de

alemão ou americano, em geral com homens de cabelos descoloridos, sejam totalmente loiros, o que é

mais raro, seja com a aplicação de mechas claras. Esse recurso, todavia é bem característico das

práticas desenvolvidas nos banheiros, onde os sujeitos podem ver uns aos outros por completo com

ajuda da iluminação e principalmente nos cinemas, onde o tempo e a situação de maior conforto frente

à surpresas inesperadas como a chegada de intrusos ou seguranças são menores.

Ainda sobre os negros, exige-se dele uma postura hipermasculina e em geral que seja bem

dotado, ou seja, que tem a genitália avantajada e erétil. Os homossexuais negros efeminados, ou com

trejeitos são rechaçados e ridicularizados. São chamados de “viado podre”, “quem-quem” e outras

nomenclaturas que remetem a uma posição inferior e debochada. O negro desejável passa por um

processo de branqueamento. Luís, 32 anos, casado, pai de 2 filhos, diz que curte ser exclusivamente

passivo, mas que, assim como Francisco, apresentando anteriormente, não se reconhece como gay.

Também diz que não curte homens, a não ser que...

se for aquele tipo, cabelo curtinho, nariz bonito, um preto mais clarinho e tal... meio

forte, tipo macho mesmo! E claro, roludo... aí a gente dá. Mas assim é difícil, o que

33

mais aparece são esses viadinhos de escola, que sobem a favela pro Espaço pra fingir

que é homem, mas nada... [deboche]

No Brasil, assim como em outros países multirraciais, observa Pinho (2012), o entrave entre

corpos negros e brancos é testemunha de um processo mais amplo de hierarquização racial. Esse

processo num nítido embate binário que ignora a multiplicidade de variantes, estabelece entre negros e

brancos escalas cada vez mais árduas que tem como propósito subtrair às matizes miscigenadas a

possibilidade de alcançar alguma proximidade com um ponto estabelecido como branco. Em um outro

plano, esses corpos subalternizados são colonizados e colocados como possíveis objetos de um desejo

colonizador. Como argumenta o autor:

a diferenciação dos corpos e sua hierarquização colonial demandaram a

regulação de corpos sexuados e racializados, justamente por meio de

dispositivos de racialização e sexualização; um modo para proceder-se a

distinção entre selvagens (negros, índios e mestiços) e civilizados (PINHO,

2012, p. 180).

A inserção de uma masculinidade negra despótica a uma masculinidade hegemônica e

branqueada (CONNELL; MESSERSCHIMIDT, 2013) pode esconder relações bem mais complexas,

de modo que é preciso interrogar de que se trata essa dominação que supostamente o “negão”

penetrador exerce. No campo dos estereótipos, essa distinção entre selvagens e civilizados a que Pinho

se referiu tem condicionado o corpo negro ao lugar da selvageria, onde a “animalidade” e suas

possíveis ou imaginadas relações com a potência, virilidade e fertilidade são características comuns

nas exotização deste corpo, em geral apresentado de forma parcelada: pênis, braços, olhar sedento e

compenetrado. Estimagtizado socialmente, fetichizado sexualmente, espera-se do negro uma

disposição ao sexo contínua e inabalável, uma aparente dominação deste, que na verdade, manifesta-se

como reprodução dos habituais esquemas de subalternização, onde o negro é um escravo sexual, a

mercê dos desejos do seu submisso.

O tipo cafuçu representa uma peculiaridade dos locais abertos onde o estrato social dos

frequentadores é mais baixo. Verdadeiro fetiche para alguns, reproduz alguns dos estigmas dos negros,

por vezes sendo a negritude uma das marcas do cafuçu. Cafuçus e negões compartilham, além do

estatuto da cor, uma pressuposição de que pertencem a uma única classe social: a popular. Seriam

assim, a partir de uma miríade de possibilidades de significações: negros e mulatos pobres.

Em João Pessoa o termo cafuçu faz alusão ao tipo de personalidade normalmente exagerada,

que tem sua representação máxima no bloco de pré-carnaval homônimo, onde a vaidade é reelaborada

segundo as normas do excesso e do ridículo risível. Cabelos emaranhados, dentes sujos, perfumes

baratos, celulares enormes, pentes e espelhos domésticos usados como portáteis, além da irreverência

popularesca do falar alto, em um clima de conversa de porta entre vizinhas. Na gramática sexual, o

tipo cafuçu é representado em geral por homens pardos ou negros, frequentemente magros com algum

desalinho no código das roupas. A beleza não é um atributo exigido, ao contrário da masculinidade

que é em suma elaborada como de maneira hiperbólica. Frequentemente o cafuçu é um trabalhador

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que tem a pegação como uma distração e investimento após as jornadas longas e cansativas. Nos

banheiros da região do centro, como o da rodoviária e do supermercado Hiper Bompreço em geral são

engraxates, flanelinhas, pedintes e outro miseráveis que ganham a vida oferecendo seus serviços a

usuários das pequenas lanchonetes que se distribuem pelo parque.

Assim como a fantasia do negro devorador, selvagem e bem dotado, são estabelecido para o

cafuçu as mesmas expectativas quanto ao desempenho sexual. Espera-se que sejam brutos,

truculentos, insaciáveis e que “usem” os corpos homossexuais, sinalizando uma possível inversão no

padrão hegemônico de dominação da classe burguesa sobre trabalhadores. A violência também é um

elemento a afastar a maioria dos frequentadores dos cafuçus, em geral tido como agressivos e

marginais em potencial. Poucas pessoas aventuram-se e entrar nas cabines ou ficar a sós com um tipo

destes nos banheiros. Nos últimos anos, nos conta um informante, com o crescimento da

marginalidade juvenil e o surgimento das primeiras grandes gangues delinquentes conhecidas na

capital paraibana como a Okaida e Estados Unidos, a atenção no contato com os cafuçus tem sido

redobrada, afinal, “nunca se sabe quando uma pessoa qualquer é bandido, né?”.

Tanto no desejo orientado ao negro quanto ao cafuçu observamos uma peculiaridade, uma

riqueza simbólica que a diferenciam de outras trocas desenvolvidas nos meios de pegação entre outros

tipos frequentantes. A aparente imagem de transgressão, de novas formas de dominação é sublimada

ao olhar atento que revela uma sutileza dessas relações. Apesar de o esquema tradicional relacionar o

penetrador/dominador como o masculino, o homem, e o penetrado/submisso com o feminino e a

mulher (GREGORI, 2008), parece haver um deslocamento, onde ser sexualmente ativo não implica

dominação ou violência de gênero nos seus formatos tradicionais. A utilização desse outro fetichizado,

a meu ver, representaria mais uma forma de dominação, onde os marcadores de raça e estrato social

são ativados como forma de objetificação do outro. Assim, negro e cafuçu não seriam dominadores,

mas antes, objetos de desejo, aparatos sexuais subordinados e submetidos ao desejo dominador,

tradicionalmente relacionado ao masculino, branco, de classes sociais superiores, mas que aqui é

colocado como sexualmente passivo, penetrado ou penetrável.

Considerações Finais

Considero a pegação como um sistema de relações inserido dentro de um conjunto maior de

possibilidades e interesses sociais que se estabelecem dentro de uma rede que circunscreve diversos

espaços e equipamentos de sociabilidade distribuídos pela paisagem urbana. A utilização desses

espaços e equipamentos pelos caçadores e frequentadores dos espaços – materiais ou não - configura o

delineamento de uma nova cartografia da cidade construída com base em uma lógica que toma como

princípio norteador o sexo como forma de socialização e entretenimento. Esses espaços por suas vezes

não atuam de forma isolada, mas conectam-se a outros lugares e territórios dentro e fora do circuito da

pegação e das trocas eróticas (e afetivas) entre homens de forma geral, redes essas que podem se

apresentar em diferentes níveis, mas que implicam deslocamentos e ressignificações do espaço.

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As mestras trocas eróticas inauguram uma nova forma de relaciona-se com a cidade e seus

espaços, relação essa que é inscrita não apenas na arquitetura dos lugares, mas também nas próprias

possibilidades de uso do corpo (e sua superação). Público e privado, lícito e ilícito entram em

confluência através de um processo de reapropriação do espaço e reinvenção do corpo que se

materializam no instante da interação, da troca.

Nesses espaços a conformação da masculinidade apresenta-se de forma distinta. No frisson

das interações, homens – que não necessariamente identificam a si mesmos enquanto homossexuais –

estabelecem um jogo corporal de sedução onde a linguagem é reduzida à escala do necessário. Nessas

interações se por um lado a masculinidade aparece como importante para acúmulo de capital erótico,

por outro não se apresenta de forma única e homogênea. Existem uma categorização de diversos

modelos de masculinidades disponíveis que são acionados de modo a construir uma performance mais

ou menos crível que viabilize aos sujeitos ter sucesso em suas investidas eróticas. Tais categorias se

organizam num contínuo que se estabelece desde um ponto tomado mais ideal de “macho” e um

oposto, que tem seu limiar na experiência da travestilidade. O desdobramento das categorias em

subcategorias mostra ainda um esforço estratégico em recolocar-se o mais distante possível de uma

categoria indesejável, em geral atribuída à feminilização dos corpos e da própria forma de apresentar-

se aos demais.

As expressões de masculinidade performadas pelos sujeitos com quem eu venho trabalhando

sugerem o desenvolvimento de estratégias identitárias que visam um uso elástico de categorias

socialmente marcadas, ou até mesmo sua rejeição. Essa rejeição, todavia não é sem custo e são

ancoradas em discursos depreciativos de formas de vivência da experiência homossexual marcadas por

outras intenções e estética.

Nesse processo diferenciação por rejeição entram em conflitos perspectivas e interesses sobre

a necessidade e atuação dos organismos de militância pela diversidade sexual e de gênero. Acredito

que a pegação não é um espaço menos politizado que os movimentos sociais, tendo em vista o intenso

bombardeamento de biopolíticas que têm como propósito a construção de uma experiência

higienizada, pautada na sobreposição do serviço de saúde e dos saberes biomédicos frente a diversas

possibilidades de uso do corpo e dos prazeres que constituem uma espécie de variação sexual. Os

movimentos sociais, por sua vez, tomam por princípio a impossibilidade do estabelecimento de

políticas públicas sem representação, o que automaticamente excluiria as experiências eróticas de

sujeitos adeptos de práticas como a pegação de sua agenda política; em casos de violência, por

exemplo, o diálogo entre movimento e dissidentes é estabelecido em torno de uma identidade sexual

homossexual presumida em razão do conteúdo homoerótico de suas práticas, não importando muito as

tensões que essa relação esconde. O suposto enrustimento desses sujeitos que recusam assumir-se

enquanto homossexuais é tomado como um impedimento para o progresso da militância, e a vida no

armário é colocada, dentro e fora do movimento, como uma subvida, uma duplicidade que uma hora

ou outra irá afetar negativamente o convívio social, de modo que é preciso decidir. Nesse aspecto,

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gostaria de questionar: não seria a vida fora do armário uma entrada em um novo armário? Que

códigos, regras e princípios caracterizariam esse novo armário?

Deixando as respostas para outro momento, acredito que os resultados da pesquisa foram

positivos e contribuíram para uma maior ampliação do debate no ambiente acadêmico sobre regimes

de sexualidade periféricos e dissidentes, que fogem aos padrões burgueses de homossexualidade como

réplica da experiência heterossexual. Esses mesmos padrões, acredito eu, ainda que não se manifestam

como alternativas politicamente viáveis, constituem-se enquanto importantes pontos de

questionamento em torno das próprias políticas de visibilidade, baseadas numa visão também

naturalizada do desejo sexual como imanente e essencial, desejo que deveria compor um sistema

coerente que dado como natural, é na verdade, construído (e destrutível).

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