O tema da ética de Estado nas aves de Aristófanes The topic about Ethics of State in comedy “The...

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12jan/jun 2014

ARCHAI JOURNAL: ON THE ORIGINS OF WESTERN THOUGHT

Esta publicação está catalogada no Philosopher‘s Index, no PhilBrasil e no Portal de Periódicos da CAPES

COMISSÃO EDITORIALGabriele Cornelli (UnB) – Editor ResponsávelAndré Leonardo Chevitarese (UFRJ)Dennys Garcia Xavier (UFU)Loraine Oliveira (UnB)Marcelo Carvalho (UNIFESP)Maria Cecília de Miranda N. Coelho (UFMG)Miriam Campolina Peixoto (UFMG)Sandra Rocha (UnB)

COMISSÃO CIENTÍFICAAnastácio Borges (Universidade Federal de Pernambuco)Edrisi Fernandes (Universidade de Brasília)Fernando Muniz (Universidade Federal Fluminense)Fernando Rey Puente (Universidade Federal de Minas Gerais)Fernando Santoro (Universidade Federal do Rio de Janeiro)Francesco Fonterotta (Università del Salento, Itália)Francisco Lisi (Universidad Carlos III de Madrid, Espanha)Franco Ferrari (Università degli Studi di Salerno, Itália)Franco Trabattoni (Università degli Studi di Milano, Itália)Giovanni Casertano (Università degli Studi di Napoli, Itália)Hector Benoit (Universidade Estadual de Campinas)Henrique Cairus (Universidade Federal do Rio de Janeiro)José Gabriel Trindade Santos (Universidade Federal da Paraíba / Lisboa)Katia Pozzer (Universidade Luterana do Brasil)Livio Rossetti (Università degli Studi di Perugia, Itália)Luc Brisson (CNRS, Paris - França)Marcelo Boeri (Universidad Alberto Hurtado, Chile)Marcelo Pimenta Marques (Universidade Federal de Minas Gerais)Marco Zingano (Universidade de São Paulo)Marcus Mota (Universidade de Brasília)Maria Aparecida Montenegro (Universidade Federal do Ceará)Markus Figueira (Universidade Federal do Rio Grande do Norte)Noburu Notomi (Keio University, Japão)Pedro Paulo Funari (Universidade de Campinas)Thomas Robinson (University of Toronto, Canadá)Zélia de Almeida Cardoso (Universidade de São Paulo)

COMITÊ DE REDAÇÃOJonatas Rafael AlvaresRodrigo AraújoTiago Nascimento de CarvalhoGilmário Guerreiro da Costa Carlos Luciano CoutinhoEster MacedoGuilherme Mota

PROJETO GRÁFICO: Annablume Editora

DIAGRAMAÇÃO: Vinícius Viana

IMAGEM DA CAPA: Taigo Meirelles, Platão Cego. Brasília 2013. Obra doada pela Unesco e a Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos ao escritor Luís Fernando Verissimo por ocasião da participação dele no XIX Congresso da SBEC em Brasília.

COORDENAÇÃO DE PRODUÇÃO: Ivan Antunes

JORNALISTA RESPONSÁVEL: José Roberto Barreto Lins (MTb 21287)

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ANNABLUME EDITORAR. Dr. Virgílio de Carvalho Pinto , 554 – Pinheiros05415-020 – São Paulo – SPTel. e Fax (5511) 3539-0226 – Televendas (5511) [email protected]

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ARCHAI JOURNAL: ON THE ORIGINS OF WESTERN THOUGHT

ARCHAI: Revista de Estudos sobre as Origens do Pensamento Ocidental – Archai Journal: on the Origins of Western Thought. N. 12, (janeiro/junho 2014).

Brasília, 2014 [Impressa e eletrônica].

Semestral.

Título português / inglês

ISSN 2179-4960.e-ISSN 1984-249X

1. Filosofia. 2. História da Filosofia. 3. História Antiga. 4. Literatura. 5. Estudos Clássicos. 6. História do Pensamento Ocidental.

CDU 101 CDD 100

Catalogação elaborada por Wanda Lucia Schmidt – CRB-8-1922

Infothes Informação e Tesauro

EDITORIALGabriele Cornelli ARTIGOSO cosmos visível dos diálogos. Algumas observações históricas e filosóficas sobre Platão nas Escolas da Antiguidade tardia The Visible Cosmos of Dialogues. Some Historical and Philosophical Remarks about Plato in the Late Antique SchoolsAnna MottaO tema da ética de Estado nas aves de AristófanesThe topic about Ethics of State in comedy “The Birds” by AristophanesTiago Nascimento CarvalhoZenão e a impossibilidade da analogiaZeno and the impossibility of analogyAlessio GavaTheòs Anaítios: um comentário sobre A Teodiceia de Platão à luz do TimeuTheòs Anaítios: A Commentary On Plato’s Theodicy In Light Of TimeuJacqueline Bergamini MarettoA função das sensações no processo de conhecimento segundo Heráclito. Primeira parte: o uso direto das sensações.The role of sensation in knowledge according to Heraclitus. First part: Direct use of sensationCelso Oliveira VieiraDOSSIÊ: Platão, conhecimento e virtudeApresentação – José Lourenço Pereira da Silva Foreword– José Lourenço Pereira da Silva

Platão como artistaPlato as ArtistChristian Viktor HammSocrates On Virtue And Self-Knowledge In Alcibiades I And Aeschines’ AlcibiadesSócrates Sobre a Virtude e o autoconhecimento no Alcibíades I e no Alcibíades de Aeschines

Francesca PentassuglioConhecimento e virtude no Mênon de PlatãoKnowledge and virtue in Plato’s MenoFranco Ferrari

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Virtude, engano e conhecimento no Hípias Menor de PlatãoVirtue, cheat, and knowledge in Plato’s Lesser Hippias Francesco FronterottaVirtude e conhecimento em As LeisVirtue and knowledge in The LawsGérson Pereira FilhoEducação, costumes e leis como bases para a promoção das virtudes cívicas no Protágoras e na RepúblicaEducation, customs and laws as the basis for the promotion of civic virtues in Protagoras and RepublicGuilherme Domingues da MottaPequeno esboço sobre a prohairesis e a dignidade humana em EpitetoA Brief Account of Epictetus prohairesis on human dignityJanyne SattlerNotas sobre a metafórica da pintura na República VI e X.Notes on metaphorics of painting in Republic VI e X.Loraine OliveiraPlaton et les lois de la naturePlato and the laws of natureLuca PitteloudGoodness And Beauty In PlatoBondade e Beleza em PlatãoNicholas RiegelJustiça: igualdade e bondade no Platonismo Medieval Justice: equality and kindness in Medieval PlatonismNoeli Dutra RossattoA aretê filosófica de Platão sobreposta à do éthos tradicional da cultura gregaPlato’s philosophical aretê superimposed on the aretê of the traditional éthos of the Greek cultureMiguel Spinelli

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TRADUÇÃOԞΕΔϟΈΓΙȱΓϟΑΗΗ΅As Fenícias, de Eurípides (vv. 445-587)Evandro Luis SalvadorNOTASObras Completas De Aristóteles Em Língua Portuguesa António Pedro MesquitaNovas normas de transliteração de Coimbra

RESENHASSANTOS, J. T. (2012) Platão: a construção do conhecimento, Paulus, S. Paulo.Rodrigo AraújoOLIVEIRA, R. R. (2013). Pólis e Nómos: o problema da lei no pensamento grego. São Paulo: Editora Loyola.Danilo Andrade TaboneDiretrizes para autores

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tradução

Evandro Luis Salvador*

Introdução

Apresentamos a tradução dos versos 445-587

da tragédia As Fenícias, de Eurípides, localizados na

segunda parte do segundo episódio no qual vemos

Jocasta, Polinices e Etéocles debaterem acerca das

consequências geradas a partir da ruptura do pacto

firmado entre seus dois filhos por ocasião da maldição

que Édipo lançara contra ambos. Portanto, trata-se

de um agôn e, mais do que uma simples seção da

tragédia, comum nas obras de Eurípides, a passagem

em questão representa o clímax porque, em primeiro

lugar, Jocasta o anunciara no prólogo/monólogo, nos

versos 80 a 83, e, em segundo lugar, o debate será

uma acareação entre os dois desafetos, Etéocles e

Polinices, o que provoca uma imensa expectativa em

torno desse momento, digamos, “histórico”, pois em

nenhuma outra tragédia que chegou até nós os dois

filhos de Édipo têm uma oportunidade de encontro.

Sabemos que eles se encontram n’ Os Sete contra

Tebas de Ésquilo, mas isso ocorre no final da tragé-

dia, quando o confronto entre eles produz um efeito

fatal para ambos. Então, é um momento de grande

expectativa dramática, sobretudo para Jocasta, que

terá a difícil tarefa de evitar um desfecho trágico

para sua família, pois os filhos se encontrarão após

longo período de animosidade.

* Bacharel em Letras pela Universidade Estadual de

Campinas (2003), mestre em Lingüística/Letras Clássicas

pela Universidade Estadual de Campinas (2006), com bolsa da Capes, e doutor em Linguística/

Letras Clássicas (2010) pela Universidade Estadual de

Campinas, também com bolsa da Capes. Atualmente desenvolve pesquisa de pós-doutorado no

Departamento de Linguística da Universidade Estadual Paulista

(UNESP).

AS FENÍCIAS, DE EURÍPIDES(VV. 445-587)

SALVADOR E. L. (2014) As Fenícias, de Eurípides(vv. 445-587). Archai, n. 12, jan - jun, p. 183-189 DOI: http://dx.doi.org/10.14195/1984-249X_12_18

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Difícil precisar a geometria espacial da posi-

ção dos três personagens no palco. Eles estão em

contato visual mínimo, tendo Jocasta no entre-

meio para separá-los fisicamente. Etéocles tem o

ânimo exaltado, com respiração raivosa, e os seus

olhos miram o irmão terrivelmente. Não se sabe se

Polinices olha para os lados ou para o chão; certo

é que ele não olha para o irmão. Jocasta, então,

exorta os dois a se entreolharem (verso 458) como

o gesto fundamental para o sucesso da mediação,

o que, em tese, desarmaria os ânimos ferrenhos

dos dois filhos e possibilitaria a execução de dois

verbos importantes para o debate: o falar e o ouvir.

O discurso de Jocasta que antecede o de-

bate entre os filhos, ao mesmo tempo em que faz

algumas recomendações gerais a eles em termos

comportamentais e psicológicos, sinaliza aspectos

cênicos interessantes e prepara a audiência para

uma experiência tendendo mais fortemente para o

aspecto intelectivo do que para o emotivo.

Uma questão que emerge em relação à forma

dos debates é: teria havido uma audiência sofis-

ticada e preparada para qualquer tipo de debate

expresso formalmente nas tragédias de Eurípides?

Colocada sobre outro ângulo: a audiência teria a

compreensão do debate, em sua forma e conteúdo,

expresso de maneira dramática, dado que a forma-

lização discursiva recupera uma dinâmica de debate

jurídico? Sobre esse aspecto, para Lloyd (1992, p.

2), os debates nas tragédias de Eurípides absorvem

e refletem várias situações da vida contemporânea

ateniense, não só situações que envolvem contenda

jurídica, mas também os debates políticos e diplo-

máticos. Bers (1994, pp. 178-9), contrariamente,

argumenta que a conexão entre os discursos polí-

ticos no Conselho ou na Assembleia, os discursos

forenses nas cortes e os demais discursos relativos a

outras esferas da vida do cidadão ateniense e o uso

de todas essas formas de discurso nas tragédias é

incerto. Para ele, identificar uma estratégia retórica

num drama como imitador da oratória da vida real é

frequentemente vã porque as evidências são espar-

sas. Da minha parte e considerando que o debate é

uma presença marcante nas tragédias euripidianas,

seria difícil sustentar que a audiência teatral do

final do século V a. C., com a sofística em voga nas

últimas décadas do século de Péricles, estivesse

completamente alheia a esse fenômeno. O discurso

de Polinices, por exemplo, conforme Mastronarde

(1994, pp. 280-81), é um evidente ataque às con-

cepções sofísticas de verdade/falsidade e justiça/

injustiça. Quando, no verso 472, Polinices associa

o adjetivo “injusto” ao substantivo “discurso”, ao

mesmo tempo em que associa o irmão ao ideário

sofístico, alude ao “programa” intelectual dos so-

fistas, que se baseava no reexame dos valores mais

antigos. A insistência de Polinices na acessibilidade

e clareza do verdadeiro e do justo em contraposição

ao “floreamento” e encantamento dos discursos,

doentes em por si mesmos, é uma ataque aberto à

retórica pragmática dos sofistas.

Do ponto de vista do conteúdo, temos um

conceito delicado: o termo τύραννος, segundo

Parker (1998, pp. 145-172), tem etimologia incerta,

não é um termo cunhado pelos gregos, mas sabe-

-se que ele foi introduzido no vocabulário político

daquele povo em meados do século VIII a. C., atra-

vés de Arquíloco, e, originalmente, significava rei,

compondo o mesmo campo semântico de βασιλεύς e ἄναξ, ou seja, os três termos se referiam a um

governo monárquico. O uso se aplicava a qualquer

rei que alcançasse tal condição política por meios

legítimos.

No entanto, a partir da primeira metade do

século VI a. C., com Sólon, o termo passou a ter uma

acepção secundária, pois se referia ao monarca que

chegou a tal condição por meios ilegítimos (fraude

ou força), usurpando o poder para governar a cidade.

Assim, de uma concepção neutra ou positiva, por

assim dizer, tirano passou a ter um sentido negativo,

para caracterizar aquele que está investido de um

cargo real, mas que usurpou um poder que não lhe

pertence legitimamente. A digressão é válida, pois

o uso de τύραννος na tragédia grega é complexo,

pois flutua entre os significados primário/positivo

e secundário/negativo. Especificamente nesta tra-

gédia, o termo e seus correlatos ocorrem nos versos

40, 483, 506, 523-24, 549 e 560-61 e eles variam

conforme o contexto em que aparecem. No verso

40, por exemplo, o termo tem um sentido primário

porque está sendo aplicado ao exercício do poder por

Laio, que herdou o trono legitimamente. Na questão

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do debate, Etéocles usurpou o trono quebrando

um pacto firmado entre ele e seu irmão Polinices.

Então τύραννος e seus correlatos tendem a ser

semanticamente negativos.

Finalizando essa pequena introdução, cumpre

ressaltar que o texto grego utilizado como base é

o editado por Mastronarde (1994). Consultamos as

edições de Amiech (2004), Medda (2006) e Craik

(1988). A tradução é fundamentalmente semântica

e tende a ficar o mais próximo possível do texto

grego. O debate degenera-se para uma esticomitia

antilábica e decidimos não trazê-lo à tona por

considerarmos que as “teses” já foram debatidas e

o que restou, depois disso, foram animosidades e

ameaças violentas de ambos os lados.

EtéoclesEis-me, mãe: concedendo-lhe um favor vim aqui.

O que me é necessário fazer? Alguém deve falar primeiro.

Pois em torno das muralhas <

> e dos pares de batalhões

interrompi a disposição para que ouvisse teu

arbítrio imparcial, com o qual, sob uma trégua, me convenceste a deixar 450

este aí a adentrar os muros.

JocastaEspera: a pressa, certamente, não ajuda a justiça.

Mas discursos calmos produzem uma sabedoria muito maior.

Cessa esse olhar sinistro e a respiração raivosa:

Pois não estás olhando para a cabeça decepada da Górgona, 455

estás vendo o teu irmão em regresso.

E tu, por tua vez, volta a face na direção de teu irmão,

Polinices! Pois mirando para o mesmo ponto falarás

e ouvirás os discursos dele da melhor maneira.

Contudo, ofereço para os dois um sábio conselho: 460

Quando um amigo foi exasperado por outro,

ao encontrar-se com ele, olhos nos olhos,

deve ter em conta somente duas coisas:

o motivo pelo qual está presente e esquecer as hostilidades de outrora.

Tuas palavras primeiramente, meu filho Polinices, 465

pois vieste liderando um exército de argivos,

como dizes, por causa de injustiças cometidas contra ti.

Que haja, dentre os deuses, um juiz mediador de males!

Eurípides constrói os personagens trágicos

diferentemente da maneira como a tradição heróica

os apresenta nas suas linhas gerais. Despojando as

figuras lendárias de sua aura heróica e aristocrática,

o poeta as aproxima da realidade do cidadão comum.

Jocasta é um claro exemplo dessa mudança, pois,

segundo Gentili (1995, p.143), ela está vinculada

à ética do real, da vida cotidiana, uma ética que é

pessimista no pensamento, mas otimista na von-

tade, que tendia a desmistificar os mais elevados

valores ético-religiosos das aristocracias arcaicas,

já em declínio, substituindo-os por um ideal menos

elevado, mas consoante à nova realidade histórica;

um ideal de cidadão democrático que se move dentro

do respeito à justiça e aos interesses da cidade.

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PolinicesO discurso da verdade é, por natureza, simples,

e uma causa justa não precisa de grandes floreados: 470

tem em si mesma a medida exata: o discurso injusto,

pelo contrário, requer remédios perspicazes, pois em si é doente.

Da minha parte, considerando a herança paterna no que

diz respeito a mim e a este, necessitei fugir por causa

das maldições imprecadas contra nós, naquele tempo, por Édipo: 475

por iniciativa própria, decidi partir desta terra

cedendo para que este governasse a pátria durante o ciclo de um ano,

ao término do qual retomaria e governaria a minha parte,

sem hostilidade contra ele, nem inveja, muito menos sofrer

ou cometer qualquer mal, como os que estão acontecendo. 480

Contudo, após aprovar o acordo e jurar pelos deuses,

nada fez para cumprir o nosso pacto. Pelo contrário,

ainda reina tiranicamente e detém a minha parte da herança.

Então, se retomar o que me é devido, farei o seguinte:

direi ao exército para deixar esta terra e 485

habitarei a minha casa após retomar minha parte;

e, para ele, cederei novamente por igual período de tempo.

Não destruirei a pátria, nem conduzirei

contra as torres escadas para galgá-las,

coisas que farei se não encontrar justiça. 490

Invoco as divindades como testemunhas do que disse,

pois estou agindo com justiça, mas sou privado,

injustamente, da minha pátria da maneira mais ímpia possível.

As coisas que acabei de dizer, mãe, o fiz sem muita elaboração

nos argumentos, pois me parece, tanto aos sábios 495

quanto aos mais simples, que elas estão amparadas na justiça.

CoroPara mim, mesmo não tendo tido educação helênica,

ainda assim considero que falaste inteligentemente.

EtéoclesSe algo fosse, ao mesmo tempo, belo e sábio para todos, 500

não haveria contenda entre os homens;

Mas nada é nem semelhante nem igual para os mortais

a não ser o uso das palavras; e este não é o caso em questão.

Da minha parte, mãe, esconderei nada na minha fala:

Eu iria até o éter, onde surgem os astros,

e até às camadas mais profundas da terra – seria capaz disso! – 505

só para possuir a maior das divindades: a Tirania1.

Portanto, mãe, não desejo ceder esse bem

para ele mais do que retê-lo para mim:

seria covardia ceder o maior bem

1. Leia-se: o poder autocrático conquistado mediante fraude. Etéocles eleva o substantivo ao nível de divindade. Jocasta apontará a insanidade do filho mais adiante.

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para ficar com o menor. Além do mais, uma coisa me envergonha: 510

este aí vem com um exército para devastar a terra

e conseguir aquilo que deseja;

seria ignominioso para Tebas se, por medo da lança dos micênicos,

eu retrocedesse e repassasse para ele o meu cetro.

É necessário a ele, mãe, buscar a reconciliação 515

não com armas: as palavras são capazes de alcançar, também,

o mesmo alvo que a espada dos inimigos.

Contudo, se ele quer habitar esta terra de outro modo, seja!

Não deixarei voluntariamente de governar

se a mim isso é possível; devo ser escravo dele em algum momento? 520

Então, que venham o fogo e as espadas;

Preparai os corcéis e ocupai a planície com as carruagens,

pois não cederei minha condição de tirano para este aí.

Se é necessário ser injusto por causa do poder tirânico,

ser injusto é a coisa mais bela; para o restante, é preciso ser pio. 525

CoroNão se deve ter eloqüência a não ser para boas ações:

isso não é bom, mas horrível para a justiça.

JocastaÓ filho, nem tudo é ruim na velhice,

Etéocles: a experiência, contudo,

tem algo mais sábio para dizer em relação aos jovens. 530

Por que persegues a mais funesta das deidades,

a Ambição, filho? Não faças isso: é uma deusa injusta.

Pois em muitas casas e cidades prósperas

ela entrou e saiu após arruinar aqueles que a serviram.

Por causa dela estás louco. A coisa mais bela, filho, é isto: 535

honrar a Igualdade, a qual sempre reúne amigos com amigos,

cidades com cidades e aliados com aliados.

A igualdade é, por natureza, lei para os homens;

Contudo, o menor sempre se coloca como inimigo para o maior

e disso resulta o começo das hostilidades. 540

Com efeito, a medida e a unidade dos pesos a Igualdade

estabeleceu para os homens, assim como os números,

e o olho obscuro da noite e a luz do sol

caminham em igualdade durante o ciclo de um ano:

e nenhum deles, quando prevalece, suscita o ódio. 545

Se o sol e a noite servem aos mortais,

por que tu não suportas ter igual parte na herança

e † ceder o que é devido a ele †? Onde está a justiça nisso?

Por que a tirania, injusta afortunada,

veneras em excesso e a tens como superiora? 550

Para ser olhado com respeito? Então é em vão!

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Ou desejas te aborrecer possuindo muitos bens no palácio?

O que é a abundância? Apenas um nome;

pois, para os sábios, basta o suficiente;

Os mortais não são proprietários de suas riquezas; 555

custodiamos as coisas enviadas pelos deuses,

e eles, quando assim desejam, as tomam de volta.

{a prosperidade não é durável, mas efêmera.}

Vamos! Se ao colocar duas perguntas te questionasse

qual das duas desejas: continuar a ser um tirano2 ou salvar a cidade, 560

escolherias a primeira? Pois se esse aqui te vencer

e as lanças argivas prevalecerem sobre as dos Cadmeus,

verás esta cidade tebana dominada,

assim como muitas donzelas cativas

sendo violentadas pelos homens inimigos. 565

Então, a riqueza que buscas possuir

será destrutiva para Tebas, pois és ambicioso.

Isso é o que tinha para te dizer; a ti então, Polinices, direi:

Adrasto te prestou favores estultos,

e vieste tu, também irrefletidamente, para destruir a cidade. 570

Bem, se conquistares esta terra – e que isso jamais aconteça -,

pelos deuses, como erigirás troféus a Zeus?

E como realizarás sacrifícios, se conquistares tua própria pátria?

Como escreverás nas armas dos vencidos junto ao Ínaco:

“Polinices, após incendiar Tebas, oferta 575

estes escudos aos deuses?”Jamais, filho, tal fama

advenha para ti dentre os Helenos.

Se, pelo contrário, sofreres uma derrota para teu irmão,

como voltarias a Argos deixando inúmeros cadáveres ?

Por certo alguém dirá: “Ó Adrasto, porque impuseste funestas 580

alianças matrimoniais - através do casamento de uma filha -

fomos destruídos”. Persegues dois males, filho:

ser privado daqueles e de cair no meio desta guerra.

Renunciem ao excesso, renunciem: a irreflexão dos dois,

quando coincidem, é o mal mais odioso. 585

CoroÓ deuses, afastai esses infortúnios para longe

e concedei o entendimento para os filhos de Édipo!

Referências bibliográficas

AMIECH, C. (2004) Les Phéniciennes d’Euripide. Paris, L´Harmattan.

BERS, V. (1994) “Tragedy and Rhetoric”. In: Persuasion: Greek rhetoric in action. Ian Worthington (ed.). Londres, Routledge, p. 176- 195.

CRAIK, E. (1988) Euripides: Phoenician Women. Aris & Phillips.

GENTILI, B. (1995) Poesia e pubblico nella Grecia antica. Roma-Bari, Editori Laterza.

LLOYD, M. (1992) The Agon in Euripides. Oxford, Clarendon Press.

2. Marcamos a distinção aspectual entre os infinitivos: o presente τυραννεῖν, pois ela se refere à continuidade do exercício tirânico do filho, e o aoristo σῶισαι, que pressupõe a negação da tirania como ação pontual para salvar a cidade.

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MASTRONARDE, D. (1994) Phoenissae. Cambridge, University Press.

MEDDA, E. (2006) Euripide: Le Fenice. Milano, RCS Libri S.p.A.

PARKER, V. (1998) “Túrannos: the semantics of a political concept from Archilochus to Aristote”. In: Hermes, vol. 126, no. 2, p. 145- 172

Artigo recebido em setembro de 2013,

aprovado em novembro de 2013.

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