Esta publicação está catalogada no Philosopher‘s Index, no PhilBrasil e no Portal de Periódicos da CAPES
COMISSÃO EDITORIALGabriele Cornelli (UnB) – Editor ResponsávelAndré Leonardo Chevitarese (UFRJ)Dennys Garcia Xavier (UFU)Loraine Oliveira (UnB)Marcelo Carvalho (UNIFESP)Maria Cecília de Miranda N. Coelho (UFMG)Miriam Campolina Peixoto (UFMG)Sandra Rocha (UnB)
COMISSÃO CIENTÍFICAAnastácio Borges (Universidade Federal de Pernambuco)Edrisi Fernandes (Universidade de Brasília)Fernando Muniz (Universidade Federal Fluminense)Fernando Rey Puente (Universidade Federal de Minas Gerais)Fernando Santoro (Universidade Federal do Rio de Janeiro)Francesco Fonterotta (Università del Salento, Itália)Francisco Lisi (Universidad Carlos III de Madrid, Espanha)Franco Ferrari (Università degli Studi di Salerno, Itália)Franco Trabattoni (Università degli Studi di Milano, Itália)Giovanni Casertano (Università degli Studi di Napoli, Itália)Hector Benoit (Universidade Estadual de Campinas)Henrique Cairus (Universidade Federal do Rio de Janeiro)José Gabriel Trindade Santos (Universidade Federal da Paraíba / Lisboa)Katia Pozzer (Universidade Luterana do Brasil)Livio Rossetti (Università degli Studi di Perugia, Itália)Luc Brisson (CNRS, Paris - França)Marcelo Boeri (Universidad Alberto Hurtado, Chile)Marcelo Pimenta Marques (Universidade Federal de Minas Gerais)Marco Zingano (Universidade de São Paulo)Marcus Mota (Universidade de Brasília)Maria Aparecida Montenegro (Universidade Federal do Ceará)Markus Figueira (Universidade Federal do Rio Grande do Norte)Noburu Notomi (Keio University, Japão)Pedro Paulo Funari (Universidade de Campinas)Thomas Robinson (University of Toronto, Canadá)Zélia de Almeida Cardoso (Universidade de São Paulo)
COMITÊ DE REDAÇÃOJonatas Rafael AlvaresRodrigo AraújoTiago Nascimento de CarvalhoGilmário Guerreiro da Costa Carlos Luciano CoutinhoEster MacedoGuilherme Mota
PROJETO GRÁFICO: Annablume Editora
DIAGRAMAÇÃO: Vinícius Viana
IMAGEM DA CAPA: Taigo Meirelles, Platão Cego. Brasília 2013. Obra doada pela Unesco e a Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos ao escritor Luís Fernando Verissimo por ocasião da participação dele no XIX Congresso da SBEC em Brasília.
COORDENAÇÃO DE PRODUÇÃO: Ivan Antunes
JORNALISTA RESPONSÁVEL: José Roberto Barreto Lins (MTb 21287)
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ANNABLUME EDITORAR. Dr. Virgílio de Carvalho Pinto , 554 – Pinheiros05415-020 – São Paulo – SPTel. e Fax (5511) 3539-0226 – Televendas (5511) [email protected]
issn 2179-4960e-issn 1984-249-X
ARCHAI JOURNAL: ON THE ORIGINS OF WESTERN THOUGHT
ARCHAI: Revista de Estudos sobre as Origens do Pensamento Ocidental – Archai Journal: on the Origins of Western Thought. N. 12, (janeiro/junho 2014).
Brasília, 2014 [Impressa e eletrônica].
Semestral.
Título português / inglês
ISSN 2179-4960.e-ISSN 1984-249X
1. Filosofia. 2. História da Filosofia. 3. História Antiga. 4. Literatura. 5. Estudos Clássicos. 6. História do Pensamento Ocidental.
CDU 101 CDD 100
Catalogação elaborada por Wanda Lucia Schmidt – CRB-8-1922
Infothes Informação e Tesauro
EDITORIALGabriele Cornelli ARTIGOSO cosmos visível dos diálogos. Algumas observações históricas e filosóficas sobre Platão nas Escolas da Antiguidade tardia The Visible Cosmos of Dialogues. Some Historical and Philosophical Remarks about Plato in the Late Antique SchoolsAnna MottaO tema da ética de Estado nas aves de AristófanesThe topic about Ethics of State in comedy “The Birds” by AristophanesTiago Nascimento CarvalhoZenão e a impossibilidade da analogiaZeno and the impossibility of analogyAlessio GavaTheòs Anaítios: um comentário sobre A Teodiceia de Platão à luz do TimeuTheòs Anaítios: A Commentary On Plato’s Theodicy In Light Of TimeuJacqueline Bergamini MarettoA função das sensações no processo de conhecimento segundo Heráclito. Primeira parte: o uso direto das sensações.The role of sensation in knowledge according to Heraclitus. First part: Direct use of sensationCelso Oliveira VieiraDOSSIÊ: Platão, conhecimento e virtudeApresentação – José Lourenço Pereira da Silva Foreword– José Lourenço Pereira da Silva
Platão como artistaPlato as ArtistChristian Viktor HammSocrates On Virtue And Self-Knowledge In Alcibiades I And Aeschines’ AlcibiadesSócrates Sobre a Virtude e o autoconhecimento no Alcibíades I e no Alcibíades de Aeschines
Francesca PentassuglioConhecimento e virtude no Mênon de PlatãoKnowledge and virtue in Plato’s MenoFranco Ferrari
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Virtude, engano e conhecimento no Hípias Menor de PlatãoVirtue, cheat, and knowledge in Plato’s Lesser Hippias Francesco FronterottaVirtude e conhecimento em As LeisVirtue and knowledge in The LawsGérson Pereira FilhoEducação, costumes e leis como bases para a promoção das virtudes cívicas no Protágoras e na RepúblicaEducation, customs and laws as the basis for the promotion of civic virtues in Protagoras and RepublicGuilherme Domingues da MottaPequeno esboço sobre a prohairesis e a dignidade humana em EpitetoA Brief Account of Epictetus prohairesis on human dignityJanyne SattlerNotas sobre a metafórica da pintura na República VI e X.Notes on metaphorics of painting in Republic VI e X.Loraine OliveiraPlaton et les lois de la naturePlato and the laws of natureLuca PitteloudGoodness And Beauty In PlatoBondade e Beleza em PlatãoNicholas RiegelJustiça: igualdade e bondade no Platonismo Medieval Justice: equality and kindness in Medieval PlatonismNoeli Dutra RossattoA aretê filosófica de Platão sobreposta à do éthos tradicional da cultura gregaPlato’s philosophical aretê superimposed on the aretê of the traditional éthos of the Greek cultureMiguel Spinelli
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TRADUÇÃOԞΕΔϟΈΓΙȱΓϟΑΗΗ΅As Fenícias, de Eurípides (vv. 445-587)Evandro Luis SalvadorNOTASObras Completas De Aristóteles Em Língua Portuguesa António Pedro MesquitaNovas normas de transliteração de Coimbra
RESENHASSANTOS, J. T. (2012) Platão: a construção do conhecimento, Paulus, S. Paulo.Rodrigo AraújoOLIVEIRA, R. R. (2013). Pólis e Nómos: o problema da lei no pensamento grego. São Paulo: Editora Loyola.Danilo Andrade TaboneDiretrizes para autores
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tradução
Evandro Luis Salvador*
Introdução
Apresentamos a tradução dos versos 445-587
da tragédia As Fenícias, de Eurípides, localizados na
segunda parte do segundo episódio no qual vemos
Jocasta, Polinices e Etéocles debaterem acerca das
consequências geradas a partir da ruptura do pacto
firmado entre seus dois filhos por ocasião da maldição
que Édipo lançara contra ambos. Portanto, trata-se
de um agôn e, mais do que uma simples seção da
tragédia, comum nas obras de Eurípides, a passagem
em questão representa o clímax porque, em primeiro
lugar, Jocasta o anunciara no prólogo/monólogo, nos
versos 80 a 83, e, em segundo lugar, o debate será
uma acareação entre os dois desafetos, Etéocles e
Polinices, o que provoca uma imensa expectativa em
torno desse momento, digamos, “histórico”, pois em
nenhuma outra tragédia que chegou até nós os dois
filhos de Édipo têm uma oportunidade de encontro.
Sabemos que eles se encontram n’ Os Sete contra
Tebas de Ésquilo, mas isso ocorre no final da tragé-
dia, quando o confronto entre eles produz um efeito
fatal para ambos. Então, é um momento de grande
expectativa dramática, sobretudo para Jocasta, que
terá a difícil tarefa de evitar um desfecho trágico
para sua família, pois os filhos se encontrarão após
longo período de animosidade.
* Bacharel em Letras pela Universidade Estadual de
Campinas (2003), mestre em Lingüística/Letras Clássicas
pela Universidade Estadual de Campinas (2006), com bolsa da Capes, e doutor em Linguística/
Letras Clássicas (2010) pela Universidade Estadual de
Campinas, também com bolsa da Capes. Atualmente desenvolve pesquisa de pós-doutorado no
Departamento de Linguística da Universidade Estadual Paulista
(UNESP).
AS FENÍCIAS, DE EURÍPIDES(VV. 445-587)
SALVADOR E. L. (2014) As Fenícias, de Eurípides(vv. 445-587). Archai, n. 12, jan - jun, p. 183-189 DOI: http://dx.doi.org/10.14195/1984-249X_12_18
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Difícil precisar a geometria espacial da posi-
ção dos três personagens no palco. Eles estão em
contato visual mínimo, tendo Jocasta no entre-
meio para separá-los fisicamente. Etéocles tem o
ânimo exaltado, com respiração raivosa, e os seus
olhos miram o irmão terrivelmente. Não se sabe se
Polinices olha para os lados ou para o chão; certo
é que ele não olha para o irmão. Jocasta, então,
exorta os dois a se entreolharem (verso 458) como
o gesto fundamental para o sucesso da mediação,
o que, em tese, desarmaria os ânimos ferrenhos
dos dois filhos e possibilitaria a execução de dois
verbos importantes para o debate: o falar e o ouvir.
O discurso de Jocasta que antecede o de-
bate entre os filhos, ao mesmo tempo em que faz
algumas recomendações gerais a eles em termos
comportamentais e psicológicos, sinaliza aspectos
cênicos interessantes e prepara a audiência para
uma experiência tendendo mais fortemente para o
aspecto intelectivo do que para o emotivo.
Uma questão que emerge em relação à forma
dos debates é: teria havido uma audiência sofis-
ticada e preparada para qualquer tipo de debate
expresso formalmente nas tragédias de Eurípides?
Colocada sobre outro ângulo: a audiência teria a
compreensão do debate, em sua forma e conteúdo,
expresso de maneira dramática, dado que a forma-
lização discursiva recupera uma dinâmica de debate
jurídico? Sobre esse aspecto, para Lloyd (1992, p.
2), os debates nas tragédias de Eurípides absorvem
e refletem várias situações da vida contemporânea
ateniense, não só situações que envolvem contenda
jurídica, mas também os debates políticos e diplo-
máticos. Bers (1994, pp. 178-9), contrariamente,
argumenta que a conexão entre os discursos polí-
ticos no Conselho ou na Assembleia, os discursos
forenses nas cortes e os demais discursos relativos a
outras esferas da vida do cidadão ateniense e o uso
de todas essas formas de discurso nas tragédias é
incerto. Para ele, identificar uma estratégia retórica
num drama como imitador da oratória da vida real é
frequentemente vã porque as evidências são espar-
sas. Da minha parte e considerando que o debate é
uma presença marcante nas tragédias euripidianas,
seria difícil sustentar que a audiência teatral do
final do século V a. C., com a sofística em voga nas
últimas décadas do século de Péricles, estivesse
completamente alheia a esse fenômeno. O discurso
de Polinices, por exemplo, conforme Mastronarde
(1994, pp. 280-81), é um evidente ataque às con-
cepções sofísticas de verdade/falsidade e justiça/
injustiça. Quando, no verso 472, Polinices associa
o adjetivo “injusto” ao substantivo “discurso”, ao
mesmo tempo em que associa o irmão ao ideário
sofístico, alude ao “programa” intelectual dos so-
fistas, que se baseava no reexame dos valores mais
antigos. A insistência de Polinices na acessibilidade
e clareza do verdadeiro e do justo em contraposição
ao “floreamento” e encantamento dos discursos,
doentes em por si mesmos, é uma ataque aberto à
retórica pragmática dos sofistas.
Do ponto de vista do conteúdo, temos um
conceito delicado: o termo τύραννος, segundo
Parker (1998, pp. 145-172), tem etimologia incerta,
não é um termo cunhado pelos gregos, mas sabe-
-se que ele foi introduzido no vocabulário político
daquele povo em meados do século VIII a. C., atra-
vés de Arquíloco, e, originalmente, significava rei,
compondo o mesmo campo semântico de βασιλεύς e ἄναξ, ou seja, os três termos se referiam a um
governo monárquico. O uso se aplicava a qualquer
rei que alcançasse tal condição política por meios
legítimos.
No entanto, a partir da primeira metade do
século VI a. C., com Sólon, o termo passou a ter uma
acepção secundária, pois se referia ao monarca que
chegou a tal condição por meios ilegítimos (fraude
ou força), usurpando o poder para governar a cidade.
Assim, de uma concepção neutra ou positiva, por
assim dizer, tirano passou a ter um sentido negativo,
para caracterizar aquele que está investido de um
cargo real, mas que usurpou um poder que não lhe
pertence legitimamente. A digressão é válida, pois
o uso de τύραννος na tragédia grega é complexo,
pois flutua entre os significados primário/positivo
e secundário/negativo. Especificamente nesta tra-
gédia, o termo e seus correlatos ocorrem nos versos
40, 483, 506, 523-24, 549 e 560-61 e eles variam
conforme o contexto em que aparecem. No verso
40, por exemplo, o termo tem um sentido primário
porque está sendo aplicado ao exercício do poder por
Laio, que herdou o trono legitimamente. Na questão
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do debate, Etéocles usurpou o trono quebrando
um pacto firmado entre ele e seu irmão Polinices.
Então τύραννος e seus correlatos tendem a ser
semanticamente negativos.
Finalizando essa pequena introdução, cumpre
ressaltar que o texto grego utilizado como base é
o editado por Mastronarde (1994). Consultamos as
edições de Amiech (2004), Medda (2006) e Craik
(1988). A tradução é fundamentalmente semântica
e tende a ficar o mais próximo possível do texto
grego. O debate degenera-se para uma esticomitia
antilábica e decidimos não trazê-lo à tona por
considerarmos que as “teses” já foram debatidas e
o que restou, depois disso, foram animosidades e
ameaças violentas de ambos os lados.
EtéoclesEis-me, mãe: concedendo-lhe um favor vim aqui.
O que me é necessário fazer? Alguém deve falar primeiro.
Pois em torno das muralhas <
> e dos pares de batalhões
interrompi a disposição para que ouvisse teu
arbítrio imparcial, com o qual, sob uma trégua, me convenceste a deixar 450
este aí a adentrar os muros.
JocastaEspera: a pressa, certamente, não ajuda a justiça.
Mas discursos calmos produzem uma sabedoria muito maior.
Cessa esse olhar sinistro e a respiração raivosa:
Pois não estás olhando para a cabeça decepada da Górgona, 455
estás vendo o teu irmão em regresso.
E tu, por tua vez, volta a face na direção de teu irmão,
Polinices! Pois mirando para o mesmo ponto falarás
e ouvirás os discursos dele da melhor maneira.
Contudo, ofereço para os dois um sábio conselho: 460
Quando um amigo foi exasperado por outro,
ao encontrar-se com ele, olhos nos olhos,
deve ter em conta somente duas coisas:
o motivo pelo qual está presente e esquecer as hostilidades de outrora.
Tuas palavras primeiramente, meu filho Polinices, 465
pois vieste liderando um exército de argivos,
como dizes, por causa de injustiças cometidas contra ti.
Que haja, dentre os deuses, um juiz mediador de males!
Eurípides constrói os personagens trágicos
diferentemente da maneira como a tradição heróica
os apresenta nas suas linhas gerais. Despojando as
figuras lendárias de sua aura heróica e aristocrática,
o poeta as aproxima da realidade do cidadão comum.
Jocasta é um claro exemplo dessa mudança, pois,
segundo Gentili (1995, p.143), ela está vinculada
à ética do real, da vida cotidiana, uma ética que é
pessimista no pensamento, mas otimista na von-
tade, que tendia a desmistificar os mais elevados
valores ético-religiosos das aristocracias arcaicas,
já em declínio, substituindo-os por um ideal menos
elevado, mas consoante à nova realidade histórica;
um ideal de cidadão democrático que se move dentro
do respeito à justiça e aos interesses da cidade.
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PolinicesO discurso da verdade é, por natureza, simples,
e uma causa justa não precisa de grandes floreados: 470
tem em si mesma a medida exata: o discurso injusto,
pelo contrário, requer remédios perspicazes, pois em si é doente.
Da minha parte, considerando a herança paterna no que
diz respeito a mim e a este, necessitei fugir por causa
das maldições imprecadas contra nós, naquele tempo, por Édipo: 475
por iniciativa própria, decidi partir desta terra
cedendo para que este governasse a pátria durante o ciclo de um ano,
ao término do qual retomaria e governaria a minha parte,
sem hostilidade contra ele, nem inveja, muito menos sofrer
ou cometer qualquer mal, como os que estão acontecendo. 480
Contudo, após aprovar o acordo e jurar pelos deuses,
nada fez para cumprir o nosso pacto. Pelo contrário,
ainda reina tiranicamente e detém a minha parte da herança.
Então, se retomar o que me é devido, farei o seguinte:
direi ao exército para deixar esta terra e 485
habitarei a minha casa após retomar minha parte;
e, para ele, cederei novamente por igual período de tempo.
Não destruirei a pátria, nem conduzirei
contra as torres escadas para galgá-las,
coisas que farei se não encontrar justiça. 490
Invoco as divindades como testemunhas do que disse,
pois estou agindo com justiça, mas sou privado,
injustamente, da minha pátria da maneira mais ímpia possível.
As coisas que acabei de dizer, mãe, o fiz sem muita elaboração
nos argumentos, pois me parece, tanto aos sábios 495
quanto aos mais simples, que elas estão amparadas na justiça.
CoroPara mim, mesmo não tendo tido educação helênica,
ainda assim considero que falaste inteligentemente.
EtéoclesSe algo fosse, ao mesmo tempo, belo e sábio para todos, 500
não haveria contenda entre os homens;
Mas nada é nem semelhante nem igual para os mortais
a não ser o uso das palavras; e este não é o caso em questão.
Da minha parte, mãe, esconderei nada na minha fala:
Eu iria até o éter, onde surgem os astros,
e até às camadas mais profundas da terra – seria capaz disso! – 505
só para possuir a maior das divindades: a Tirania1.
Portanto, mãe, não desejo ceder esse bem
para ele mais do que retê-lo para mim:
seria covardia ceder o maior bem
1. Leia-se: o poder autocrático conquistado mediante fraude. Etéocles eleva o substantivo ao nível de divindade. Jocasta apontará a insanidade do filho mais adiante.
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para ficar com o menor. Além do mais, uma coisa me envergonha: 510
este aí vem com um exército para devastar a terra
e conseguir aquilo que deseja;
seria ignominioso para Tebas se, por medo da lança dos micênicos,
eu retrocedesse e repassasse para ele o meu cetro.
É necessário a ele, mãe, buscar a reconciliação 515
não com armas: as palavras são capazes de alcançar, também,
o mesmo alvo que a espada dos inimigos.
Contudo, se ele quer habitar esta terra de outro modo, seja!
Não deixarei voluntariamente de governar
se a mim isso é possível; devo ser escravo dele em algum momento? 520
Então, que venham o fogo e as espadas;
Preparai os corcéis e ocupai a planície com as carruagens,
pois não cederei minha condição de tirano para este aí.
Se é necessário ser injusto por causa do poder tirânico,
ser injusto é a coisa mais bela; para o restante, é preciso ser pio. 525
CoroNão se deve ter eloqüência a não ser para boas ações:
isso não é bom, mas horrível para a justiça.
JocastaÓ filho, nem tudo é ruim na velhice,
Etéocles: a experiência, contudo,
tem algo mais sábio para dizer em relação aos jovens. 530
Por que persegues a mais funesta das deidades,
a Ambição, filho? Não faças isso: é uma deusa injusta.
Pois em muitas casas e cidades prósperas
ela entrou e saiu após arruinar aqueles que a serviram.
Por causa dela estás louco. A coisa mais bela, filho, é isto: 535
honrar a Igualdade, a qual sempre reúne amigos com amigos,
cidades com cidades e aliados com aliados.
A igualdade é, por natureza, lei para os homens;
Contudo, o menor sempre se coloca como inimigo para o maior
e disso resulta o começo das hostilidades. 540
Com efeito, a medida e a unidade dos pesos a Igualdade
estabeleceu para os homens, assim como os números,
e o olho obscuro da noite e a luz do sol
caminham em igualdade durante o ciclo de um ano:
e nenhum deles, quando prevalece, suscita o ódio. 545
Se o sol e a noite servem aos mortais,
por que tu não suportas ter igual parte na herança
e † ceder o que é devido a ele †? Onde está a justiça nisso?
Por que a tirania, injusta afortunada,
veneras em excesso e a tens como superiora? 550
Para ser olhado com respeito? Então é em vão!
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Ou desejas te aborrecer possuindo muitos bens no palácio?
O que é a abundância? Apenas um nome;
pois, para os sábios, basta o suficiente;
Os mortais não são proprietários de suas riquezas; 555
custodiamos as coisas enviadas pelos deuses,
e eles, quando assim desejam, as tomam de volta.
{a prosperidade não é durável, mas efêmera.}
Vamos! Se ao colocar duas perguntas te questionasse
qual das duas desejas: continuar a ser um tirano2 ou salvar a cidade, 560
escolherias a primeira? Pois se esse aqui te vencer
e as lanças argivas prevalecerem sobre as dos Cadmeus,
verás esta cidade tebana dominada,
assim como muitas donzelas cativas
sendo violentadas pelos homens inimigos. 565
Então, a riqueza que buscas possuir
será destrutiva para Tebas, pois és ambicioso.
Isso é o que tinha para te dizer; a ti então, Polinices, direi:
Adrasto te prestou favores estultos,
e vieste tu, também irrefletidamente, para destruir a cidade. 570
Bem, se conquistares esta terra – e que isso jamais aconteça -,
pelos deuses, como erigirás troféus a Zeus?
E como realizarás sacrifícios, se conquistares tua própria pátria?
Como escreverás nas armas dos vencidos junto ao Ínaco:
“Polinices, após incendiar Tebas, oferta 575
estes escudos aos deuses?”Jamais, filho, tal fama
advenha para ti dentre os Helenos.
Se, pelo contrário, sofreres uma derrota para teu irmão,
como voltarias a Argos deixando inúmeros cadáveres ?
Por certo alguém dirá: “Ó Adrasto, porque impuseste funestas 580
alianças matrimoniais - através do casamento de uma filha -
fomos destruídos”. Persegues dois males, filho:
ser privado daqueles e de cair no meio desta guerra.
Renunciem ao excesso, renunciem: a irreflexão dos dois,
quando coincidem, é o mal mais odioso. 585
CoroÓ deuses, afastai esses infortúnios para longe
e concedei o entendimento para os filhos de Édipo!
Referências bibliográficas
AMIECH, C. (2004) Les Phéniciennes d’Euripide. Paris, L´Harmattan.
BERS, V. (1994) “Tragedy and Rhetoric”. In: Persuasion: Greek rhetoric in action. Ian Worthington (ed.). Londres, Routledge, p. 176- 195.
CRAIK, E. (1988) Euripides: Phoenician Women. Aris & Phillips.
GENTILI, B. (1995) Poesia e pubblico nella Grecia antica. Roma-Bari, Editori Laterza.
LLOYD, M. (1992) The Agon in Euripides. Oxford, Clarendon Press.
2. Marcamos a distinção aspectual entre os infinitivos: o presente τυραννεῖν, pois ela se refere à continuidade do exercício tirânico do filho, e o aoristo σῶισαι, que pressupõe a negação da tirania como ação pontual para salvar a cidade.
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MASTRONARDE, D. (1994) Phoenissae. Cambridge, University Press.
MEDDA, E. (2006) Euripide: Le Fenice. Milano, RCS Libri S.p.A.
PARKER, V. (1998) “Túrannos: the semantics of a political concept from Archilochus to Aristote”. In: Hermes, vol. 126, no. 2, p. 145- 172
Artigo recebido em setembro de 2013,
aprovado em novembro de 2013.
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