O processo histórico de resistência na participação dos fãs de videogames no Brasil

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O processo histórico de resistência na participação dos fãs devideogames no Brasil

André Boechat

[email protected]

Emmanoel Ferreira

[email protected]

Louise Carvalho

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Thaiane Oliveira

[email protected]

André Boechat é graduando do curso Estudos de Mídia da Universidade Federal Fluminense.

Atua como voluntário no P³ - Polo de Produção e Pesquisa Aplicada em Jogos Eletrônicos e

Redes Colaborativas e participa do grupo de pesquisa MediaLudens.

Emmanoel Ferreira é Doutor em Comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro,

professor Adjunto e vice-coordenador do curso de Estudos Culturais e Mídia da

Universidade Federal Fluminense e líder do grupo de pesquisa MediaLudens: Laboratório

de Jogos Eletrônicos, Cognição e Mídias Interativas.

Louise Carvalho é graduanda em Estudos de Mídia pela Universidade Federal Fluminense e

monitora do Eixo Produção em Mídias Digitais do Curso de Estudos de Mídia. Participa do

Projeto de Cooperação Acadêmica Internacional "São Tomé e Príncipe Plural", parceria

entre o Instituto de Artes e Comunicação Social (IACS/UFF) e o Ministério das Relações

Exteriores (MRE).

Thaiane Oliveira é doutoranda em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense,

desenvolvendo pesquisa sobre jogos pervasivos, e membro do grupo de pesquisa MediaLudens:

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O artigo analisa as relações de fãs com obras narrativas, focando na plataforma midiática dos games como

ambiente de disputa entre jogadores e produtores, pontuando com as especificidades das alterações feitas por

esses usuários: das modificações de alguns poucos elementos narrativos até o desenvolvimento completo de um

game que se apropria de personagens de outros autores.

A participação dos fãs de videogames não é algo recente no Brasil. No entanto, ela se evidencia e se consolida no

atual momento de convergência tecnológica e cultural proveniente da ploriferação das tecnologias de comunicação

e informação. O papel do fã de videogame tem suas raízes voltadas para os primórdios deste mercado não apenas

no consumo e na circulação dos produtos, em sua maioria vindos de outros países, sobretudo Estados Unidos e

Japão. Desde a década de 1980, o fã de videogame já participava ativamente através de processos de

customização em busca de melhorias dos produtos importados.

Pretendemos, nesta explanação, apresentar os aspectos da produção de jogos digitais feitos por usuários de

maneira autônoma. Encontramos, nesta exploração sobre tais produções, categorias distintas de confecções

autônomas ou alterações na engine de jogos: mods e fangames.

Por mods, abreviação de modification, consideramos qualquer alteração feita em elementos do jogo. Existem

inúmeras comunidades de modders – como são conhecidos os usuários que realizam mods – que, ao longo do

tempo, construíram uma subcultura própria, com seus grupos específicos de atuação e compartilhamento de mods

para outros jogadores.

Como em qualquer comunidade, os modders possuem organização social própria, com membros que lideram e

administram o espaço, seguidores, leitores assíduos e esporádicos. Apesar deste não ser o foco desta

apresentação, vale ressaltar que dentro desta dinâmica própria de organização há rivalidade entre grupos e ainda

fãs e anti-fãs dos trabalhos desenvolvidos pelos modders

Não obstante o fato de que as modificações nem sempre são autorizadas pelas desenvolvedoras de jogos, há

casos em que os mods chegaram a ser mais famosos que o próprio jogo original, como em CounterStrike: Source,

desenvolvido pela norte americana Valve Corporation. Tal jogo é famoso pelas suas modificações, sobretudo pela

capacidade de permitir adicionar modelos e skins, através de uma grande quantidade de possibilidades de

personalização e customização. Estas modificações podem ser feitas pelos próprios jogadores diretamente no

servidor, possibilitando, inclusive, ações que resultam em reskinned ou retextured: modificações de melhorias

gráficas. Além disso, permite ainda modificações da própria jogabilidade, alterando completamente a proposta

narrativa e ludológica original do jogo, como em Jail, no qual os personagens contra-terroristas versus terroristas

passam a ser guardas versus prisioneiros.

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CounterStrike: Souce e Jail: semelhanças e diferenças para além do gameplay

Dentro desta categoria de mods, há uma subcategoria que possui uma tradição de atuação relativamente

consolidada: são os rom-hacks. Rom-hacking é a prática de edição de ROMs com o propósito de corrigir defeitos

de jogos e principalmente de fazer traduções. É muito comum, no mercado latino-americano, a prática de rom-

hacking, visto que vários títulos não são publicados no idoma dos países da América Latina. Apesar de ser uma

prática considerada como violação de propriedade intelectual, diversos grupos se organizam para realizar tais

traduções, buscando ainda o desenvolvimento de softwares que facilitem a tradução.

Entendemos os mods como uma prática que altera alguns elementos da engine dos games, podendo incluir algo

na estrutura (add-on), melhorar a estética, ou até mesmo incluir uma fase, um novo nível, ou um conteúdo

adicional no jogo. Já os fangames são jogos desenvolvidos por fãs e que têm uma relação com um ou mais jogos

matrizes (ou até mesmo produtos midiáticos), podendo ser originado de uma prática de modding.

Se um mod pode adicionar conteúdos a um jogo e um fangame pode modificar elementos de um jogo, nos

indagamos quais seriam as diferenças entre tais práticas. Até que ponto a prática de modding não seria uma ação

de fã?

Um fangame tem uma relação referencial com o produto original, em sua maioria sendo completamente isolado da

produção deste produto, possuindo uma estrutura própria e completa. Enquanto o trabalho dos modders está

ligado a uma relação de interdependência com o jogo matriz e tem como princípio a inclusão ou melhoria de alguns

elementos do jogo, muitas vezes endossados pelos desenvolvedores e pela indústria de games, os fangames são

renegados e muitas vezes até desconhecidos pelo próprio mercado. Não apenas há uma aversão à segunda

prática como, por muitas vezes, chega-se a mover ações judiciais por violações dos direitos autorais, visto que

muitos fangames têm como base um jogo original. Ou seja, a prática do fan-game-maker, seja movida pelo afeto

em relação à obra original ou para a construção de um portfólio, pode passar de uma homenagem a um crime,

independentemente das práticas comerciais presentes na distribuição da obra produzida pelo fã.

Consideramos que os fangames representam uma faceta do modelo atual da cultura participativa, na qual fatores

como tributo e resistência se apresentam como duas formas de engajamento importantes do público consumidor-

produtor. Pretendemos, portanto, explorar o cenário brasileiro sobre a prática de customização de jogos

eletrônicos, tando de mods quanto de fangames, buscando observar os contextos socio-econômicos ao longo de

três momentos importantes que marcaram a economia nacional.

Mods , fan translations e fan games na aurora da cultura gamer brasileira

No Brasil, podemos identificar a cultura modder como fenômeno que remonta à década de 1980, quando os

primeiros computadores pessoais ( home computers) foram lançados no país. Estes computadores eram fabricados

por empresas brasileiras, que se apropriavam de hardware estrangeiro e os copiavam, literalmente, lançando os

mesmos computadores com “carcaças” e nomes diferentes, mas com aparência semelhante aos seus referentes

originais. Tempos depois, estes computadores viriam a ser chamados de “clones”. Naquela época, os clones que

mais circularam no mercado brasileiro foram os dos computadores Sinclair ZX Spectrum (linha TK 90X, de

fabricação da extinta Microdigital), Apple II (linha TK 2000, também de fabricação da Microdigital), além de dois

clones da plataforma MSX (linha Expert, fabricado pela Gradiente, e linha Hotbit, fabricado pela Epcom, uma

subsidiária Brasileira da Japonesa Sharp). Ao contrário dos IBM PCs, estes computadores propiciavam, devido

sobretudo à sua configuração, o uso voltado aos jogos eletrônicos, tanto no que tange ao ato de jogar quanto ao

ato de programar (jogos) [i] .

Todas estas empresas, vale lembrar, não tinham permissão oficial (licenciamento) para lançar as “versões

brasileiras” de suas contrapartes estrangeiras: tudo era feito à revelia das empresas possuidoras das patentes dos

computadores originais. Podemos indicar, desde já, este fenômeno como uma espécie de resistência por parte das

empresas brasileiras às restrições impetradas pela Política de Reserva de Mercado, em voga no Brasil naquela

década [ii] . Além dos computadores em si, estas mesmas empresas também foram responsáveis pela clonagem de

jogos para tais plataformas sem, é claro, a permissão das empresas desenvolvedoras. Como recorte para este

artigo, analisaremos alguns mods de jogos da japonesa Konami desenvolvidos para a plataforma MSX.

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O MSX foi um padrão de microcomputadores lançado no ano de 1983 e idealizado por Kazuhiko Nishi, na época

vice-presidente da Microsoft Japão e também diretor da ASCII Corporation (hoje ASCII Media Works), esta última

uma grande indústria desenvolvedora de softwares na década de 1980, incluindo games. A intenção de Nishi era a

criação de um padrão de computadores compatíveis entre si, independente de quem os fabricaria. De início,

diversas empresas japonesas, como a Panasonic, a Sony e a Sanyo, entraram na empreitada, assim como

algumas empresas europeias, como a Philips. A plataforma MSX chegaria ao Brasil no final do ano de 1985,

através da Gradiente e da Epcom/Sharp. Em pouco tempo, muitos adolescentes e adultos estariam adquirindo

computadores MSX, grande parte com a finalidade de “substituir” o que na época era o padrão de plataforma de

games no Brasil: o Atari 2600 (e também seus clones). Um dos motivos para esta substituição era que o MSX

possuía capacidades gráficas e sonoras muitíssimo superiores às do Atari (recursos muito requisitados no âmbito

dos games), além de servir como computador pessoal. Não por acaso muitos adolescentes e adultos da época

tiveram seu primeiro contato com a programação de computadores (sobretudo com foco nos games) através de um

MSX.

A principal mídia para armazenamento de dados – neste caso, jogos – para computadores, naquela época, eram

cartuchos e fitas cassete, sendo os primeiros muito mais “rápidos”: bastava inserir o cartucho no slot do

computador para que o jogo aparecesse na tela da TV; já os cassetes demandavam um longo tempo de

carregamento dos softwares neles gravados, algo em torno de cinco minutos. Devido à mesma política de reserva

de mercado, era raro que os cartuchos originais (geralmente japoneses ou europeus) chegassem a terras

brasileiras para revenda. Isto abriu espaço para que tais empresas (Gradiente e Sharp, por exemplo, mas também

outras menos conhecidas, como GranSoft) importassem alguns cartuchos originais e também “clonassem” o

software nele contido (geralmente games), lançando-os também em cartuchos (todavia, sem nenhuma menção ao

fabricante original) e cassetes. Eis que eram lançados no mercado os primeiros mods “oficiais” (certo é que na

época ninguém se dava conta de que se tratavam de mods) de games da plataforma MSX.

A falta de referência aos desenvolvedores “originais” não se limitava à parte externa do cartucho (etiquetas, caixas,

manuais, etc.), mas se expandia também ao próprio jogo: logotipos de desenvolvedoras como Konami (que estreou

sua longa história no desenvolvimento de games na plataforma MSX) presentes no próprio jogo eram substituídos

ou pelo logo MSX (caso da Gradiente) ou pelo logo das próprias empresas brasileiras (caso da GranSoft), sem

nenhum pudor. Um exemplo deste tipo de mod é a série Hyper Olimpic (I e II), desenvolvida pela Konami no ano de

1984, que no Brasil teve seu logotipo retirado da tela de abertura e também do interior do jogo, sendo então

substituído pelo logo MSX, na versão da Gradiente, que lançou o jogo com o título Olimpíadas (1 e 2), e pelo logo

da empresa GranSoft, na versão por ela lançada (esta versão continha, no mesmo cartucho, os dois jogos da série

– com textos traduzidos para o português – que eram selecionados através de uma pequena chave; o título, neste

caso, permaneceu como no original).

Ao contrário do que aconteceu com muitas plataformas de computadores, o MSX ainda sobrevive e possui uma

grande comunidade de usuários no Brasil (e também em países como Espanha e Holanda). Muitos destes usuários

desenvolvem hardware e software atualizados para o MSX, que são comercializados através de listas de discussão

especializadas, como a MSXBR-L, maior lista de discussão sobre o MSX no Brasil [iii] . Para se ter uma ideia de sua

movimentação, apenas no mês de maio de 2013 havia cerca de 1800 mensagens publicadas na lista tratando de

temas diversos relativos ao universo MSX.

Além de mods, muitos jogos desenvolvidos para a plataforma MSX receberam traduções feitas por fãs (fan

translations) e versões atualizadas (fan games), como é o caso da tradução de jogos como Snatcher (Konami,

1988) e Shalom (Konami, 1987) para o português realizadas por Daniel Caetano e Dante Nishida (Snatcher), e

Ricardo Bittencourt et al. (Shalom). Sem estas traduções, seria inviável para a maioria dos brasileiros tecerem

qualquer interatividade com esses jogos, já que as versões originais traziam seus textos apenas em japonês. No

que tange aos fan games, talvez o mais conhecido seja Knightmare Gold, jogo desenvolvido em 2005 por equipe

liderada pelo mesmo Daniel Caetano, em homenagem ao clássico Knightmare (Konami, 1986). Knightmare Gold

traz gráficos relativamente semelhantes ao Knightmare original, mas com versão em CD da trilha sonora do jogo de

1986 [iv] .

Caixas do jogo Hyper Olympic 2: à esquerda, original da Konami; à direita, clone da Gradiente

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Imagens do menu principal do jogo Hyper Olympic 2: à esquerda, original da Konami; à direita, clone da Gradiente;

abaixo, clone da GranSoft, com texto traduzido para o Português

Adaptações do mercado brasileiro frente à abertura comercial

A década de 1990 foi marcada por mudanças significativas na política de comércio exterior no Brasil. Este período

ficou caracterizado pela abertura comercial, iniciada no Governo Collor, como parte de um processo de

globalização enquanto nova ordem mundial. Tal momento econômico se refletiu em grandes mudanças no cenário

da distribuição de games no país. Partimos do exemplo de “Wonder Boy in Monster Land”, desenvolvido pela

Westone e lançado pela Sega para ilustramos o momento sócio-econômico que caracterizou a indústria de games

neste período. Este era um jogo de plataforma com elementos de RPG para o sistema Master System/Mega Drive,

consoles bem populares durante as décadas de 1980 e 1990. Torna-se relevante seu estudo ao observar-se a

apropriação feita pela empresa brasileira Tec Toy para o mercado nacional: “Mônica no Castelo do Dragão”. O

jogo trazia a personagem do título, conhecida pela série de histórias em quadrinhos de Maurício de Sousa, em uma

aventura adaptada do jogo Wonder Boy in Monster Land; essencialmente, o jogo era o mesmo, modificando-se

apenas o contexto junto com algumas personagens. Destaca-se nesse caso alguns fatores relevantes para situar a

modificação do jogo no contexto brasileiro: a falta de títulos voltados especificamente para este mercado, ainda

visto como algo majoritariamente infantil e classificado como brinquedo, muito embora carente em títulos

transpostos para a língua portuguesa. Mônica no Castelo do Dragão supria em parte essa necessidade dos

consumidores, tal como outros títulos trazidos pela Tec Toy e que seguiam o mesmo conceito de transpor produtos

já conhecidos do público brasileiro para o universo dos jogos.

Essa contextualização de conteúdo comum ao mercado marca o outro fator relevante deste exemplo, que perdurou

por mais outras décadas, sobretudo nos jogos de futebol, esporte favorito dos brasileiros. Apropriações e

modificações de jogos de futebol passaram a ser cada vez mais comuns, embora em grande parte ocorressem de

forma ilegal, fazendo existir assim os “clones".

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“Ronaldinho” e sua versão hack do jogo “International Superstar Soccer Deluxe”

O mercado brasileiro de games “inchou” com a chegada do console Playstation, fabricado pela Sony, e a

possibilidade de “desbloquear” o hardware, manobra utilizada para permitir que softwares “piratas” pudessem ser

lidos no sistema, barateando em muito o preço da mídia e garantindo assim uma maior acessibilidade ao mundo

dos games, embora isso representasse também uma considerável queda nas vendas da empresa, uma vez que o

comércio informal sobrepunha-se às lojas com mídias originais. Além do diferencial presente no custo, cerca de

seis a dez vezes mais caro, as mídias originais retomavam um padrão internacional excludente ao público cujo

conhecimento de outros idiomas inexistia. Carência muitas vezes superada por cópias modificadas por fãs,

disponibilizadas de graça na web e comercializadas informalmente em mercados ambulantes, sobretudo. Para um

público consumidor tão ávido por futebol, faz sentido imaginar que o mercado informal fosse atender tal demanda;

logo, é possível encontrar diversas variações de games como Internacional Superstar Soccer e Winning Eleven

utilizando nomes de jogadores e times atualizados para o público brasileiro com os chamados patchs, sendo um

dos mais famosos o “Bomba Patch”, que aparecia muito durante a era do Playstation 2 da Sony, adquirindo não

somente uma tradução de menus e atualização de jogadores, mas colocando trilhas sonoras comuns ao

consumidor brasileiro e frases de narradores famosos.

Versão pirata do jogo Winning Eleven 8

Revela-se aí uma face pouco comentada do problema pirataria no Brasil, destacando-se o período de tempo entre

os anos 1980 e 2000. Embora o preço baixo fosse um atraente para o consumidor procurar a informalidade, a

demanda por obras adaptadas para o contexto nacional também torna-se um atrativo importante para explicar a

consolidação das cópias. Cabe destacar que apesar de estarmos ressaltando o lado brasileiro da apropriação de

mods sem autorização, tais casos não são exclusivos ao Brasil. Boa parte de jogos asiáticos que não chegam ao

mercado ocidental passa por uma tradução não-oficial feita por fãs, como é o caso do game EarthBound 2, em que

um fã ofereceu seu serviço de tradutor gratuitamente para a Nintendo, na esperança de não só tornar essa

tradução oficial mas também incentivar que o game seja lançado no ocidente. Há ainda que se destacar o

engajamento desses fãs que se apropriam de conteúdos e produzem obras referentes ao universo de seus

interesses. Durante meados de 1990 dois softwares foram lançados tendo como base uma ideia semelhante:

proporcionar ao usuário uma interface facilmente maleável para criarem seus próprios jogos. Daí, em não muito

tempo, já havia fangames dentro dos softwares Rpg Maker e MUGEN com os mais variados personagens de obras

registradas por outros autores.

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M.U.G.E.N. possibilita a inserção dos mais variados personagens

Tomando como exemplo os jogos feitos pelo gamer/autor “GustavoLC”, com o software RPG Maker, é possível ver

como o engajamento de fãs ajuda a satisfazer demandas que a indústria convencional normalmente não consegue

atender. Os games do autor em questão baseiam-se sobretudo na obra japonesa “Saint Seiya”, conhecida como

“Cavaleiros do Zodíaco”. Embora a obra possua uma comunidade de fãs, sua produção transmidiática costuma ser

insatisfatória para atendê-los, com poucos títulos de jogos e tradução tardia das obras impressas. Gustavo, por

iniciativa própria, usa o software para adaptar a história contada por Masami Kurumada na forma de um game,

tomando inclusive algumas liberdades com a história, alterando alguns acontecimentos, ora para satisfazer melhor

a narrativa em outra mídia, ora para simplesmente inferir sua posição como fã, opinando.

Game não-lançado de GustavoLC: PokéCDZ - uma mistura de Pokemon com Cavaleiros do Zodíaco

Este período ficou marcado pelo início da participação dos fãs na produção de games no contexto de uma internet

aberta comercialmente. Para além de subcultutras pequenas, de um nicho restrito de admiradores de uma

plataforma específica, as raízes de uma cultura participativa começaram a brotar à medida que a abertura

comercial e a popularização da internet passaram a ser concretizadas no Brasil.

Guitar Hero Brasil – do mainstream para o local

No século XXI continua a personalização de produtos para suprir certa demanda de mercado adaptando-se às

necessidades de um nicho – tarefa ainda mais fácil com a web 2.0, pois em tese quem tiver o equipamento e a

vontade pode produzir e distribuir conteúdos. O mod do jogo Guitar Hero (2005) é um bom exemplo de adaptação

de uma obra para a cultura local, o Guitar Hero Brasil, criação de um produtor musical e um engenheiro. Toda a

mecânica original do jogo permanece a mesma: combinar botões coloridos com as cores exibidas na tela,

acumulando pontos, podendo animar ou não uma plateia simulada como em um show. O que a dupla mudou são

as músicas: em vez do repertório de músicas americanas ou inglesas, em sua maioria de rock’n roll, a versão

brasileira possui bandas como Raimundos, Mamonas Assassinas, Legião Urbana, Pitty e outros.

Não encorajados pelas grandes empresas pela política dos direitos autorais, os modders acreditam no

aperfeiçoamento dos conteúdos dos games, como os dois fãs de Guitar Hero que aprenderam a programação do

jogo e regravaram as músicas brasileiras. Enquanto as empresas se preocupam com a perda de dinheiro, os mods

geralmente não visam o lucro, apenas uma experiência mais íntima. Comentários sobre a criação Leonardo e

Daniel Monteiro, que obteram sucesso ao colocar gameplay do Guitar Hero Brasil em vídeos no youtube, foram em

sua maioria positivos. Alguns exemplos são: “Como baixo esse guitar hero? Meu filho vai adorar!”; “eu sou

apaixonado por guitar hero, mas as musicas q tem, são pessimas..” (sic); “Muito bom. Uma maneira de fazer os

gamemaniacos não se alienarem totalmente na cultura gringa” [v] .

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Capa do jogo feita por fã

O que mais agradou aos fãs de Guitar Hero Brasil, que já eram fãs do produto original, é relativo ao último

comentário acima: a possibilidade de ter uma experiência sensorial com músicas familiares, na língua materna, de

bandas locais. As regras do jogo não mudaram, porém a imersão e sensação de tocar uma guitarra para muitos

foram bastante diferentes com essa aproximação. Outros mods com o mesmo objetivo também foram criados, como

o Guitar Hero Brazucas, também em sua maioria de bandas nacionais. As músicas do tipo mainstream, que pode

ser visto tanto como “cultura para todos” ou “cultura de mercado”, muitas vezes famosas por serem líderes na

Billboard ou terem vencido o Grammy Awards, estão em abundância no Guitar Hero. No comentário, porém, vê-se a

crítica vindo como “cultura gringa” associada a “alienação”. Ou seja, o mainstream como a massa que ouve as

mesmas músicas.

Seja a cultura mainstream voltada para o mercado ou para a democratização do conteúdo “para todos”, ela é

certamente vista como contrária aos nichos. Com a Internet, uma pessoa pode baixar com facilidade o conteúdo do

Guitar Hero Brasil ou Brazucas, que inclusive o próprio arquivo possui gravador de DVD e ensina passo a passo

como gravar o jogo. Mesmo que não seja uma demanda dos jogadores de Guitar Hero em geral, cuja série vendeu

mais de 25 milhões com as mesmas músicas ao redor do mundo, os brasileiros viram uma forma de somar ao jogo

original para agradar a um nicho. Apesar de a dupla dizer que não iria disponibilizar o mod para downloads – e de

alguma forma chegou aos sites para esse fim – por ainda ser ilegal e considerado pirataria, os vídeos ficaram

conhecidos no youtube, em redes sociais e blogs. Alguns mods são encorajados pelos produtores dos jogos

originais, como é o caso do World of Warcraft, porém até agora o Guitar Hero não demonstrou interesse em

produzir conteúdos para localidades específicas – a não ser os Estados Unidos, lugar de desenvolvimento e berço

da cultura mainstream.

Considerações finais

O processo histórico aqui apresentado teve como finalidade repensar as barreiras entre a definição de mods e

fangames tendo como premissa dois fenomenos distintos, mas que dialogam neste gênero de produção: a

homenagem e a resistência. Isolar estes dois tipos de produção sem relacioná-los com o momento histórico implica

em esquecer todos os preâmbulos sociais e culturais que permitiram o desenvolvimento dos mesmos, seja pelo uso

de suas plataformas ou pelas motivações implicadas nestas produções.

Apesar de possuirem subculturas próprias, com seus regimentos sociais internos de grupos coesos ou em

indivíduos dispersos socialmente, mas que compratilham um sentimento ideológico ou como artifício comercial,

como na pirataria de games no Brasil, vemos claramente um sentimento colocado em evidência: atos de resistência

cultural frente à um contexto global.

[i] Sobre plataformas e suas propiciações, cf. Nick Montfort e Ian Bogost. Racing the Beam: The Atari Video

Computer System. Cambridge/MA: The MIT Press, 2009.

[ii] A Política de Reserva de Mercado culmina com a criação da Lei de Informática (Lei nº 7232/84), em outubro de

1984, que, segundo Ikehara, tinha o intuito de "capacitar o país em tecnologia de ponta e criar uma indústria local

competitiva". Cf. Hideharu Carlos Ikehara, "A reserva de mercado de informática no Brasil e seus resultados".

Disponível em: http://revistas.unipar.br/akropolis/article/viewFile/1694/1466. Acesso em: 30/05/2013.

[iii] Disponível em: http://listas.amplus.com.br/pipermail/msxbr-l/2013-May/date.html. Acesso em: 30/05/2013.

[iv] Para informações detalhadas sobre o projeto de Knightmare Gold, ver:

http://www.amusementfactory.com.br/msx/kmg/. Acesso em: 30/05/2013.

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[v] Disponível em: http://arbitriolivre.blogspot.com.br/2008/07/jogos-guitar-hero-brasil-jo... . Acesso em: 30/05/2013.

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