O Princípio da Igualdade e o Androcentrismo na Ciência Jurídica Brasileira

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Valéria de Oliveira Dias Pós-graduada em Direito do Trabalho pelo Instituto Processus e pós-graduanda em Direito Constitucional do Trabalho pela UnB. Bacharel em Administração pela UnB e em Direito pelo UniCEUB. Assistente da Ministra Delaíde Miranda Arantes no Tribunal Superior do Trabalho. [email protected] Direito Constitucional Resumo: O propósito deste artigo é demostrar a predominância da cultura androcêntrica na Ciência Jurídica brasileira, apresentar a política alternativa feminista de reconhecimento de Nancy Fraser e a concepção procedimental do direito, proposta por Habermas, como meios de superação do androcentrismo e dos estereótipos sobre a identidade de gênero. A metodologia consiste no breve relato da condição jurídica da mulher na história brasileira e uma amostra da jurisprudência dos Tribunais Superiores antes e depois da Constituição Federal de 1988. Verificou-se que a evolução do pensamento jurídico no que tange aos direitos da mulher demonstrou a predominância do androcentrismo na Ciência Jurídica brasileira e a necessidade de envolver as mulheres em discussões públicas relativas à construção de seus direitos, de modo a tornar legítimas as normas jurídicas a elas pertinentes. O objetivo do presente estudo é contribuir para a solução de problemas de desigualdade de gêneros com base na política de reconhecimento de Nancy Fraser e na concepção procedimental do direito de Habermas de modo que o princípio da igualdade alcance efetividade nas relações jurídicas e sociais. Palavras-chave: Princípio da Igualdade. Discriminação de gênero. Androcentrismo. Reconhecimento. Concepção procedimental do direito. Sumário: Introdução. 1. A Condição Jurídica da Mulher na história brasileira: um breve relato (do século XIX ao Código Civil de 2002). 2. A postura do Judiciário brasileiro no que tange à condição jurídica da mulher antes e depois da Constituição Federal de 1988. 3. O androcentrismo na Ciência Jurídica, a política alternativa feminista de reconhecimento de

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Valéria de Oliveira Dias

Pós-graduada em Direito do Trabalho pelo Instituto Processus epós-graduanda em Direito Constitucional do Trabalho pela UnB.Bacharel em Administração pela UnB e em Direito pelo UniCEUB.Assistente da Ministra Delaíde Miranda Arantes no TribunalSuperior do Trabalho.

[email protected]

Direito Constitucional

Resumo: O propósito deste artigo é demostrar a predominância dacultura androcêntrica na Ciência Jurídica brasileira,apresentar a política alternativa feminista de reconhecimentode Nancy Fraser e a concepção procedimental do direito,proposta por Habermas, como meios de superação doandrocentrismo e dos estereótipos sobre a identidade de gênero.A metodologia consiste no breve relato da condição jurídica damulher na história brasileira e uma amostra da jurisprudênciados Tribunais Superiores antes e depois da Constituição Federalde 1988. Verificou-se que a evolução do pensamento jurídico noque tange aos direitos da mulher demonstrou a predominância doandrocentrismo na Ciência Jurídica brasileira e a necessidadede envolver as mulheres em discussões públicas relativas àconstrução de seus direitos, de modo a tornar legítimas asnormas jurídicas a elas pertinentes. O objetivo do presenteestudo é contribuir para a solução de problemas de desigualdadede gêneros com base na política de reconhecimento de NancyFraser e na concepção procedimental do direito de Habermas demodo que o princípio da igualdade alcance efetividade nasrelações jurídicas e sociais.

Palavras-chave: Princípio da Igualdade. Discriminação degênero. Androcentrismo. Reconhecimento. Concepção procedimentaldo direito.

Sumário: Introdução. 1. A Condição Jurídica da Mulher nahistória brasileira: um breve relato (do século XIX ao CódigoCivil de 2002). 2. A postura do Judiciário brasileiro no quetange à condição jurídica da mulher antes e depois daConstituição Federal de 1988. 3. O androcentrismo na CiênciaJurídica, a política alternativa feminista de reconhecimento de

Nancy Fraser e a concepção procedimental do direito deHabermas. Conclusão.

Introdução

A luta da mulher ao longo da história pelo reconhecimento desua capacidade de interagir com equidade com os homens na vidaem sociedade é decorrente de injustiças culturais e econômicasque remontam à antiguidade. Mesmo hoje, em pleno século XXI, adiscriminação de gênero na sociedade e a distribuição de papéisno mercado de trabalho persistem.

O objetivo deste trabalho é demonstrar, mediante um breverelato da condição jurídica da mulher na história brasileira euma amostra da jurisprudência dos Tribunais Superiores antes edepois da Constituição Federal de 1988, a evolução dopensamento jurídico no que tange aos direitos da mulher e apredominância da cultura androcêntrica na Ciência Jurídica.

Com o objetivo de superar o androcentrismo e evitarestereótipos sobre a identidade de gênero, apresenta-se apolítica alternativa feminista de reconhecimento de NancyFraser, que propõe um suporte à paridade de gêneros por meio doreconhecimento da mulher como parceira plena de integraçãosocial, e a concepção procedimental do direito, proposta porHabermas, segundo a qual o processo democrático se desenvolvemediante discursos racionais com a participação das mulheres naconstrução de seus direitos de modo a legitimar as normasjurídicas. As propostas apresentadas por esses autores tem oescopo de que o princípio da igualdade alcance efetividade nasrelações jurídicas e sociais.

1. A Condição Jurídica da Mulher na história brasileira: umbreve relato (do século XIX ao Código Civil de 2002)

No século XIX, as Ordenações Filipinas vigoravam no Brasil.Essa legislação, importada de Portugal e inspirada no poderpatriarcal da idade média, estabelecia a relação de propriedadee submissão da mulher ao homem, reforçando a condição dedesigualdade de gênero. Era permitido, por exemplo, que omarido aplicasse castigos corporais na mulher e a matasse,quando flagrada em adultério. Dispunha ainda que o pátrio poderera exclusivo do marido e que a mulher dependia de sua

autorização para a prática de todos os atos da vida civil. Essalegislação vigorou no Brasil até o Código Civil de 1916.

A Constituição política do Império do Brasil, de 1824, no art.178, inciso XII, afirma que a lei será igual para todos, querproteja, quer castigue e recompensará em proporção dosmerecimentos de cada um. Contudo, preteriu a mulher na sucessãoao Império, caso estivesse no mesmo grau do homem, e consideroucidadãos apenas os homens maiores de 25 anos e aqueles quepossuíam renda de 100 mil-réis. Em 1879, o governo brasileiropossibilitou que as mulheres cursassem o ensino superior.Contudo, essas mulheres estavam sujeitas ao preconceito socialem razão de seu comportamento contra a ‘natureza’.1

O Código Comercial de 1850 admitiu que as mulheres casadas,devidamente autorizadas pelo marido, exercessem a profissão decomerciante, o que representou um passo importante para aconquista da autonomia financeira pela mulher.

Em 1890, foi promulgado o Decreto 181 com o objetivo de atenuaro poder patriarcal e, para isso, retirou o direito de imposiçãode castigos corporais à esposa e aos filhos.

A primeira Constituição da República brasileira, promulgada em1891, reconheceu que todos são iguais perante a lei,ressaltando ainda que não haveria privilégios de nascimento,desconhecia foros de nobreza e extinguia as ordens honoríficasexistentes. No art. 70, dispunha que seriam eleitores oscidadãos maiores de 21 anos, excluindo, expressamente, osmendigos, os analfabetos, os praças de pré, os religiosos e osinelegíveis. Na interpretação doutrinária e jurisprudencial domencionado artigo, no entanto, prevaleceu o entendimento de queas mulheres também estavam impedidas de votar, pois o vocábulocidadão abrangia apenas os homens2.

Na elaboração do Código Civil de 1916 permaneceram os‘princípios conservadores’ presentes nas Ordenações Filipinas,mantendo a desigualdade de direitos existentes entre os sexos.A mulher era considerada relativamente incapaz; seu domicílioera o mesmo do marido; o homem permaneceu como chefe dasociedade conjugal e a ele competia o pátrio poder; o casamentopoderia ser anulado caso o defloramento da mulher fosse

ignorado pelo marido; e com o casamento, a mulher assumia acondição de companheira, consorte e colaboradora do marido nosencargos da família.

Em 1932, o Decreto nº 21.417-A regulamentou o trabalho damulher em estabelecimentos industriais e comerciais,assegurando um descanso de quatro semanas antes e quatrosemanas depois do parto; um auxílio correspondente à metade damédia semestral de seus salários, pago pelo Instituto deSeguridade Social ou pelo empregador; em caso de aborto nãocriminoso, descanso remunerado de duas semanas; a garantia deretorno ao emprego nas funções que ocupava após o descanso pósparto; dois intervalos diários de trinta minutos cada, nosprimeiros seis meses, para amamentação, nos locais apropriadosa serem criados nos estabelecimentos que possuíam pelo menos 30empregadas maiores de 16 anos. Esse decreto proibia para amulher, em regra, o trabalho noturno, em condições insalubres,perigosas e penosas, como na mineração em subsolo, pedreiras eobras de construção pública ou particular.

No mesmo ano, promulgou-se o Código Eleitoral que reconheceu odireito do voto à mulher capaz e livre, maior de 21 anos, desdeque possuísse economia própria decorrente de trabalho honestoou fonte de renda lícita.

A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de1934, afirmou que todos são iguais perante a lei e que nãohaverá privilégios, nem distinções, por motivo de nascimento,sexo, raça, profissões próprias ou do país, classe social,riqueza, crenças religiosas ou ideias políticas. Oconstituinte, pela primeira vez, se preocupou com a situaçãojurídica da mulher ao traçar o princípio da igualdade proibindoexpressamente a discriminação em razão do sexo. Essa Cartaeliminou ainda a restrição relativa à economia própria parausufruir o direito ao sufrágio imposta à mulher, reconheceu odireito ao voto a partir dos 18 anos e proibiu a diferença desalário para um mesmo trabalho, por motivo de idade, sexo,nacionalidade ou estado civil. Em 1936, foi eleita a primeiradeputada no Brasil.

As Constituições da República de 1937 e de 1946 retomaram afórmula genérica das constituições anteriores no que tange aoprincípio da igualdade, suprimindo a referência expressa àigualdade jurídica dos sexos, o que representou um retrocessoquanto aos direitos da mulher.

A Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, de 1943, estatuiunormas que regulam as relações individuais e coletivas detrabalho, incluindo um capítulo específico sobre a proteção dotrabalho da mulher que impunha restrições ao trabalhoextraordinário, noturno, insalubre, perigoso e àqueles quedemandassem emprego de força muscular superior a 20 quilos, seo trabalho fosse contínuo, ou 25 quilos, se ocasional.

Em 1962, entra em vigor a Lei nº 4.121, conhecida como oEstatuto da Mulher Casada, alterando dispositivos do CódigoCivil de 1916. Ela reconheceu a plena capacidade da mulher,elevou-a a condição de colaboradora na administração dasociedade conjugal, determinou que a guarda dos filhos menoresfosse dela, dispensou a necessidade de autorização do maridopara o trabalho e instituiu a figura dos bens à ela reservados,fruto de seu trabalho, que não respondiam pelas dívidas domarido.

A Constituição de 1967 e a Emenda Constitucional nº 1 de 1969dispunham que todos são iguais perante a lei, sem distinção desexo, raça, trabalho, credo religioso e convicções políticas,estabelecendo ainda que o preconceito de raça seria punido pelalei.

A Lei nº 6.136/74 transferiu para o sistema de previdênciasocial a responsabilidade pelo pagamento do saláriomaternidade, retirando esse ônus do empregador como intuito deatender o disposto na Convenção nº 103 da OIT, ratificada peloBrasil dez anos antes, e minimizar a discriminação contra otrabalho da mulher.

A Lei do Divórcio, de 1977, suprimiu a indissolubilidade dovínculo matrimonial. Por meio dela, a mulher poderia optar ounão por acrescer o nome da família do marido ao seu;estabeleceu-se direito recíproco de prestação alimentícia entreos cônjuges e privilégios a mulher no que tange à guarda dos

filhos; modificou-se o regime legal de bens, que no silênciodos nubentes, ao invés de comunhão universal passou a ser o decomunhão parcial de bens.

Com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, oprincípio da igualdade, previsto no art. 5º, estabelece quetodos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquernatureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeirosresidentes no País a inviolabilidade do direito à vida, àliberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. O art. 5º,inciso I, ressalta que homens e mulheres são iguais em direitose obrigações; o art. 7º, inciso XVIII, concede o direito àlicença gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, comduração de cento e vinte dias; o art. 7º, inciso XXX, proibiu adiferença de salários, de exercício de funções e de critério deadmissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil; osarts. 183 e 189 estabelecem que o título de domínio e deconcessão de uso podem ser conferidos ao homem ou à mulher, oua ambos, independentemente do estado civil; o art. 201, incisoV, garante a pensão por morte de segurado, homem ou mulher, aocônjuge ou companheiro e dependentes; e o art. 226, § 5º,dispõe que os direitos e deveres da sociedade conjugal sãoexercidos igualmente pelo homem e pela mulher.

Em decorrência do inciso XXX do artigo 7º da Cartaconstitucional foram revogadas as leis que proibiam o trabalhonoturno para mulher, em condições insalubre, perigosas epenosas. Em 2001, foi alterado o art. 376 da CLT para permitira realização de horas-extras por mulheres.

Em 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente estabeleceu queo pátrio poder fosse exercido em condições de igualdade pelopai e pela mãe e que o dever de sustento, guarda e educação dosfilhos competia aos dois, consagrando a igualdade enunciadapela nova Carta constitucional.

A Lei nº 9.799, de 1999, proibiu a publicação de anúncio deemprego com indicação de preferência ao sexo, exceto quando anatureza da atividade a ser exercida, pública e notoriamente,assim o exigir, e, também, proibiu considerar o sexo como

variável determinante para fins de remuneração, formaçãoprofissional e oportunidades de ascensão profissional.

A Lei 10.224, de 2001, acrescentou o art. 216-A ao CódigoPenal, dispondo sobre o crime de assédio sexual, onde osuperior hierárquico que se prevalece dessa condição paraconstranger alguém com o intuito de obter vantagem oufavorecimento sexual pode ser punido com um a dois anos dedetenção.

Com o novo Código Civil, Lei nº 10.406, de 2002, que entrou emvigor em 2003, a igualdade de gênero ganhou um novo prisma.Aplicando o princípio constitucional da isonomia, consagrou queaos dezoitos anos a pessoa atinge a maioridade plena e que opoder familiar sobre os filhos menores seria exercido emsituação de plena igualdade entre pai e mãe (art. 5º, parágrafoúnico, inciso I); permitiu também ao marido acrescer ao seunome o patronímico de família da esposa (art. 1.565, § 1º);estabeleceu que a direção da sociedade conjugal fosse exercida,em colaboração, pelo marido e pela mulher (art. 1.567); dispôsque, na impossibilidade de um dos cônjuges exercerem aadministração dos bens que lhe incumbe, compete ao outro geri-los ou aliená-los (arts. 1.570 e 1.651); estabeleceu aautorização recíproca dos cônjuges para a prática de certosatos da vida civil (art. 1.647); conferiu à mulher plenaliberdade na disposição de bens particulares (art. 1.666);estabeleceu que compete a ambos os cônjuges a eleição dodomicílio do casal (art. 1.569); possibilitou que homens emulheres se casem aos dezesseis anos, com autorização expressade quem de direito, ou mediante decisão judicial, em caso dedivergência (arts. 1.517 e 1.631).

2. A postura do Judiciário brasileiro no que tange à condiçãojurídica da mulher antes e depois da Constituição Federal de1988

Com a nova ordem constitucional, a mulher obtém importantesavanços no que tange à igualdade de direitos e obrigaçõesperante a lei em relação aos homens. Segundo Salete Silva, essemarco legislativo no tocante à ampliação da cidadania da mulherocorreu graças ao “lobby do batom”, onde mulheres atuando junto

ao Conselho Nacional dos Direitos da Mulher - CNDM elaboraram a“Carta da Mulher Brasileira aos Constituintes” e a entregaramao Congresso Nacional em 19863.

Contudo, a discriminação de gênero na sociedade e adistribuição de papéis no mercado de trabalho ainda são muitomarcantes. De acordo com a pesquisa mensal de emprego realizadapelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE,referente ao período de 2003 a 2011, com exceção do trabalhodoméstico e do emprego público estatutário, os homens erammaioria dentro da população ocupada nas diversas formas deinserção, dentre elas, empregado com e sem carteira no setorprivado, ocupação por conta própria e empregadores. No quetange à renda, a pesquisa constatou que, em 2009, as mulheresganham em torno de 72,3% do rendimento recebido pelos homens.Em 2003, esse percentual era 70,8%. A pesquisa demonstrou aindaque a graduação superior faz com que essa diferença se acentue4.

Nesse cenário, importante verificar uma pequena amostragem dajurisprudência dos Tribunais Superiores no que tange aosavanços legislativos decorrente das conquistas das mulheres nahistória brasileira, a fim de ilustrar a evolução do pensamentojurídico.

No início do século XX, Antônio pleiteia indenização pela mortede sua mulher e de sua enteada por atropelamento, pois os seusganhos como lavadeira ou empregada auxiliavam no sustento docasal. A sentença de primeiro grau negou o pedido, por entenderque a mulher não devia alimentos ao marido, não se enquadrando,portanto, na hipótese de prestação de alimentos decorrente deindenização, nos casos de homicídio (art. 1.537, inciso II, doCódigo Civil de 1916). O Tribunal de Apelação reformou asentença e, em 1944, o caso chega ao Supremo Tribunal Federal -STF. O relator, ministro Castro Nunes, vota pelo provimento dorecurso extraordinário, mantendo a indenização deferida emsegunda instância, sob a seguinte fundamentação:

“As relações pessoais entre os cônjuges se definem por uma reciprocidade de direitose deveres que vão além do âmbito afetivo e alcançam aspectos econômicos. O art.240, fazendo da mulher, não somente a companheira, mas ainda a auxiliar domarido nos encargos da família e o art. 231, III e IV, atribuindo a ambos os cônjuges

o dever de mútua assistência, (em que se compreende também o auxílio econômico,quando possível e necessário), e bem assim o encargo, a ambos comum, do sustento,guarda e educação dos filhos, estão mostrando que na mantença do lar acolaboração econômica da mulher está pelo menos admitida, comportando, porefeito de sua cessação, o ressarcimento.

Sobretudo nos lares pobres essa colaboração é mais acentuada. Certos misteres quenos lares abastados ou na classe média são executados por fâmulos, é a mulherquem os executa naquelas, prescindindo do trabalho assalariado que não estaria nasposses do casal proletário. (...)

O Código Civil supõe a família com um chefe, que é o marido, financiando-lhes asdespesas; a mulher dirigindo fâmulos; os filhos educando-se e as filhas à espera decasamento. (...)

Os quadros da vida estão mostrando, entretanto, que o Código ignora a existência defamílias, (e são estas em número muitíssimo maior), em que essa feição capitalistanão existe. Já então a colaboração da mulher, direta ou indiretamente, pelo trabalhoremunerado dentro ou fora do lar, tem alcance econômico irrecusável.

Não será preciso dizer que, no caso, não se trata de indenizar o dano moral. Acessação do auxílio pecuniário da mulher é dano patrimonial. E está na sistemáticado Código Civil que o dano patrimonial é sempre indenizável.”5 (grifos no original)

Contudo, o revisor, ministro Philadelpho Azevedo, seguido pelosdemais ministros da Corte, deram provimento ao recurso paraafastar a indenização deferida em segunda instância,salientando que “economicamente considerado, houve, até,aumento, isto é, melhoria da situação financeira do recorrido”.

Em 1975, chega ao STF nova demanda em que o marido requer doEstado reparação civil decorrente de acidente de trabalhosofrido pela mulher que resultou na sua morte. Argumentou que apensão deixada aos filhos não cobria os prejuízos de ordemeconômica, pois estava privado da colaboração da mulher naslides domésticas e na assistência aos menores, tendo derecorrer ao auxílio de terceiros. O relator, ministro Xavier deAlbuquerque, reconheceu ao marido o direito à indenizaçãopleiteada, registrando que “o prejuízo causado ao marido, pelamorte da mulher, resulta necessária e objetivamente do só fatode tal morte, dado que a própria lei impõe à mulher a obrigaçãode prestar assistência e colaboração ao marido”6.

Em 1976, o STF, ao julgar pedido de indenização por lucroscessantes, decorrente de acidente automobilístico sofrido porduas mulheres, cuja responsabilidade foi atribuída ao prepostoda Companhia Ultragaz S/A, reconhece que a indenização é devidaapenas à Isamar que, apesar de funcionária pública e professorauniversitária, ficou temporariamente incapacitada para ostrabalhos do lar, “estes presumidos por sua idade ao tempo doevento – 48 anos – como pela norma legal que impõe à mulher aobrigação de prestar assistência e colaboração ao marido”. ÀGuiomar, o direito à indenização por lucros cessantes foinegado, ao fundamento de que, à época do evento, até por suaidade avançada, ela não exercia atividades profissionais e “nãosendo também de supor-se que pudesse exercer, mesmo na esferadoméstica, atividade economicamente estimável”7.

Na dissolução do concubinato, relação não eventual comimpedimento de casamento, a jurisprudência do STF se consolidouno sentido de que, se comprovada a existência de sociedade defato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial,com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum(Súmula 380). Se não demonstrado o esforço comum, à mulhercompetia indenização pelos serviços domésticos prestados aocompanheiro, “uma vez que os trabalhos de cozinheira, lavadeirae copeira são remuneráveis pecuniariamente e dissociáveis damancebia em si”, de modo a evitar o enriquecimento ilícito dohomem8. No Superior Tribunal de Justiça, esse entendimento seencontra superado, pois, em julgados mais recentes, tem-se dadoprovimento a recurso especial, indeferindo à concubina aconcessão de indenização por serviços domésticos prestados, porentender que se trata “de uma contribuição mútua para o bomfuncionamento do lar, cujos benefícios ambos experimentam aindana constância da união”9.

Na Justiça do Trabalho, prevalece na jurisprudência a afirmaçãode que é necessário o tratamento diferenciado da mulher,conforme se verifica no caso do descanso obrigatório de quinzeminutos, no mínimo, antes do início do labor extraordinário daempregada. No incidente de uniformização acerca do tema, em2009, foi arguida a inconstitucionalidade do art. 384 da CLTfrente à plena igualdade de direitos e obrigações entre homens

e mulheres prevista no art. 5º, inciso I, da ConstituiçãoFederal e o Tribunal Superior do Trabalho – TST assim semanifestou:

“...A igualdade jurídica e intelectual entre homens e mulheres não afasta a naturaldiferenciação fisiológica e psicológica dos sexos, não escapando ao senso comum apatente diferença de compleição física entre homens e mulheres. Analisando o art.384 da CLT em seu contexto, verifica-se que se trata de norma legal inserida nocapítulo que cuida da proteção do trabalho da mulher e que, versando sobreintervalo intrajornada, possui natureza de norma afeta à medicina e segurança dotrabalho, infensa à negociação coletiva, dada a sua indisponibilidade (cfr. OrientaçãoJurisprudencial 342 da SBDI-1 do TST).

3. O maior desgaste natural da mulher trabalhadora não foi desconsiderado peloConstituinte de 1988, que garantiu diferente condições para a obtenção daaposentadoria, com menos idade e tempo de contribuição previdenciária para asmulheres (CF, art. 201, § 7º, I e II). A própria diferenciação temporal da licença-maternidade e paternidade (CF, art. 7º, XVIII e XIX; ADCT, art. 10, § 1º) deixa claro queo desgaste físico efetivo é da maternidade. A praxe generalizada, ademais, é a de sepostergar o gozo da licença-maternidade para depois do parto, o que leva a mulher,nos meses finais da gestação, a um desgaste físico cada vez maior, o que justifica otratamento diferenciado em termos de jornada de trabalho e período de descanso.

4. Não é demais lembrar que as mulheres que trabalham fora do lar estão sujeitas adupla jornada de trabalho, pois ainda realizam as atividades domésticas quandoretornam à casa. Por mais que se dividam as tarefas domésticas entre o casal, o pesomaior da administração da casa e da educação dos filhos acaba recaindo sobre amulher.

5. Nesse diapasão, levando-se em consideração a máxima albergada pelo princípioda isonomia, de tratar desigualmente os desiguais na medida das suasdesigualdades, ao ônus da dupla missão, familiar e profissional, que desempenha amulher trabalhadora corresponde o bônus da jubilação antecipada e da concessãode vantagens específicas, em função de suas circunstâncias próprias, como é o casodo intervalo de 15 minutos antes de iniciar uma jornada extraordinária, sendo de serejeitar a pretensa inconstitucionalidade do art. 384 da CLT.”10

Em outra decisão, em que se discutia a validade de normacoletiva que previa a concessão de auxílio-creche somente àsmães, aos viúvos e aos pais solteiros ou separados que tivessema guarda dos filhos, excluindo o empregado do sexo masculinoque não atendia os requisitos citados, o TST reformou a decisão

do Tribunal Regional, considerando válida a mencionadacláusula, por entender que não havia afronta ao princípio daigualdade entre homens e mulheres, porquanto esse postuladoadmite exceções11. Assim se manifestou a 4ª Turma do TST:

“(...) 3. Para EDITH STEIN (1891-1942), destaque feminino no campo filosófico(fenomenologista alemã), três características se destacam na relação homem-mulher:igual dignidade, complementariedade e diferenciação (não só biológica, mas tambémanímica). Cada um dos sexos teria sua vocação primária e secundária, em que, nestasegunda, seria colaborador do outro: a vocação primária do homem seria o domíniosobre a terra e a da mulher a geração e educação dos filhos (‘A primeira vocaçãoprofissional da mulher é a construção da família’). Por isso, a mulher deve encontrar,na sociedade, a profissão adequada, que não a impeça de cumprir a sua vocaçãoprimária, de ser o ‘coração da família e a alma da casa’. O papel da mulher é próprioe insubstituível, não podendo limitar-se à imitação do modo de ser masculino (cfr.Elisabeth Kawa, ‘Edith Stein’, Quadrante – 1999 – São Paulo, pgs. 58-63).

4. Nesse diapasão, levando-se em consideração a máxima albergada pelo princípioda isonomia, de tratar desigualmente os desiguais na medida das suasdesigualdades, ao ônus da dupla missão, familiar e profissional, que desempenha amulher trabalhadora, corresponde o bônus da jubilação antecipada e da concessãode vantagens específicas, em função de suas circunstancias próprias, como é o casodo auxílio-creche.

5. ‘In casu’, o objetivo do ACT de 2002/2003 da Reclamada não foi criar umavantagem salarial para os empregados que possuíssem filhos em idade de frequentarcreche, para fazer frente às despesas respectivas, mas sim de facilitar a prestação dosserviços dos empregados que estivessem diretamente envolvidos com o cuidado dosfilhos pequenos, franqueando-lhes o custeio das despesas com creche. Não há, pois,quebra do princípio da isonomia em face de a norma coletiva ter deixado à margemde sua abrangência os seus empregados homens que não cuidem sozinhos de seusfilhos pequenos. Os empregados que não preenchem as condições estabelecidas noinstrumento normativo não têm direito à percepção do auxílio-creche, devendo serrespeitada a vontade coletiva em face da autonomia negocial das Partes acordantes.”

3. O androcentrismo na Ciência Jurídica, a política alternativafeminista de reconhecimento de Nancy Fraser e a concepçãoprocedimental do direito de Habermas

Habermas afirma que o estado liberal e o do bem-estar socialnão deram conta de lidar com a questão dos direitos dasmulheres. Na política liberal, pretendeu-se garantir às

mulheres uma igualdade de oportunidades no âmbito do trabalho,prestígio social, nível de educação formal, poder político,etc. A “igualdade formal alcançada, no entanto, só fezevidenciar desigualdade de tratamento factual a que as mulheresestavam submetidas”12.

A política socioestatal, em especial no direito social, dotrabalho e de família, em reação às desigualdades evidenciadasna política liberal, instituiu “regulamentações especiais,relativas a gravidez ou maternidade, ou então a encargossociais em casos de divórcio”. O delineamento dessas proteções,a depender de sua configuração, acaba por reforçar umaexpectativa em relação à atuação da mulher na sociedade,atribuindo-lhe a responsabilidade por sua manutenção, que seexpressa pelo cuidado com a casa e com os filhos gerados, quaseque exclusivamente, sem a participação efetiva do homem13.

Habermas explica ainda que,

“De um ponto de vista jurídico, uma razão estrutural para essadiscriminação criada por via reflexa consiste nasclassificações sobregeneralizantes que se aplicam a situaçõeslesantes e pessoas lesadas. Pois as classificações ‘erradas’levam a intervenções no modo de vida em questão, que o‘normalizam’ e que permitem converter as almejadas compensaçõesde perdas em novas discriminações, ou seja, permitem convertergarantia de liberdade em privação de liberdade. Em áreas dodireito feminista, o paternalismo socioestatal assume umsentido literal, já que o poder legislativo e a jurisdição seorientam conforme modelos tradicionais de interpretação, o quesó corrobora estereótipos sobre a identidade de gênero oravigentes.”14

Nancy Fraser relata que a luta da mulher ao longo da história éuma luta por redistribuição e reconhecimento, decorrente de umainjustiça econômica e uma injustiça cultural, que estãointerligadas e se reforçam mutuamente15. A autora explica que:

“Normas culturais enviesadas de forma injusta contra alguns sãoinstitucionalizadas no Estado e na economia, enquanto asdesvantagens econômicas impedem participação igual nafabricação da cultura em esferas públicas e no cotidiano. O

resultado é frequentemente um ciclo vicioso de subordinaçãocultural e econômica.”16

A questão de gênero tem dimensões político-econômicas queresultam em modos de exploração, marginalização e privaçãoespecíficos de gênero que exige uma solução distributiva. Issose explica no fato de que, para a mulher é designado,inicialmente, o ‘trabalho reprodutivo’ e o doméstico e, para ohomem, o trabalho assalariado. No trabalho assalariado, aoshomens são destinadas as melhores ocupações e salários e àmulher, o trabalho doméstico e outras profissões de ‘colarinhorosa’ mal pagas17.

Além das dimensões político-econômicas, Nancy Fraser ressaltaque gênero é também uma diferenciação cultural-valorativa, oque leva a problemática do reconhecimento. A principalcaracterística de injustiça de gênero é o androcentrismo, ouseja, “a construção autoritária de normas que privilegiamcaracterísticas associadas com a masculinidade”, aliado aosexismo cultural, que é a “desvalorização e depreciação agudade coisas vistas como ‘feminina’”18, que geram

“um rol de punições sofridas pelas mulheres, incluindo agressãosexual, exploração sexual e violência doméstica; trivialização,coisificação e humilhação esteriotípica nas representações damídia; molestamento e depreciação em todas as esferas de vidaquotidiana; sujeição a normas androcêntricas nas quais asmulheres aparecem como menos importantes ou desviantes e quecontribui para prejudica-las, até mesmo na ausência de qualquerintenção de discriminação; discriminação atitudinal; exclusãoou marginalização em esferas públicas e corpos deliberativos;negação de plenos direitos legais e proteções iguais.” 19

Segundo Alda Facio y Lorena Fries, citada por Rosa Maria deOliveira, a sociedade patriarcal se caracteriza peloandrocentrismo, onde “os estudos, análises, investigações,narrações e propostas são enfocadas a partir de uma perspectivaunicamente masculina, e tomadas como válidas para ageneralidade dos seres humanos, tanto homens como mulheres”20.

Os discursos filosóficos da antiguidade clássica acerca daigualdade e da diferença, da democracia, da formação do Estado,

da organização familiar, das relações interpessoais, da relaçãoentre os gêneros, etc. revelam a influência do androcêntrico“sobre a justificação das desigualdades fundadas nas diferenças‘naturais’, e permite a compreensão da origem dessa forma deracionalidade e de suas implicações nas relações sociais”21.

A cultura androcêntrica é evidenciada, por exemplo, na obra deImmanuel Kant, Doutrina do Direito, onde na parte destinada aodireito privado discursa sobre “a maneira de se ter algumacoisa exterior como sua, com a possibilidade da posse jurídicade uma pessoa, enquanto parte dos bens de alguém, por exemplo:a posse de uma mulher, de uma criança ou de um escravo”22.

“Kant reafirma que a prevalência da autoridade masculina nãoprejudica a noção de igualdade, pois é derivada dasuperioridade de gênero, expressamente admitida como natural emrelação ao gênero feminino.”23

O androcentrismo e a questão da desigualdade de gênero podemser encontrados em diversos diplomas infraconstitucionaisbrasileiros, como, por exemplo, no Código Penal de 1940, quetratava o estupro como um crime contra os costumes e não contraa pessoa, no antigo Código Civil de 1916, somente revogado pelonovo Código Civil que entrou em vigor em janeiro de 2003, e naConsolidação das Leis do Trabalho, no art. 384, cujaconstitucionalidade foi reconhecida pelo TST. Claramente senota a adoção da perspectiva masculina como central e o homemcomo paradigma da humanidade e de uma postura discriminatóriaem relação à mulher, o que restringe o alcance de elementosnormativos contemporâneos e inovadores, como a Constituição de1988 e os tratados e declarações internacionais que tratam dosdireitos da mulher24.

A convivência de elementos normativos contemporâneos comoutros, androcêntricos e sexistas, que reforçam a discriminaçãode gênero, ainda que ausente a intenção de discriminar, revelam“tensões e conflitos valorativos”, “objeto da atividade dointérprete do Direito”, especialmente do Poder Judiciário e dosdoutrinadores25, que adotam, por vezes, posturas conservadorasque fomentam a “reprodução de estruturas e categorias jurídicastradicionais, construídas há quase um século, o que tem

inviabilizado a tarefa de reconstrução do pensamento jurídico àluz de novos paradigmas e novas interpretações”26.

Além de inviabilizar a reconstrução do pensamento jurídico, asnormas androcêntricas e sexistas, institucionalizadas no Estadoe na economia, geram uma desvantagem econômica às mulheres querestringem sua voz, impedindo sua igual participação “nafabricação da cultura, em esferas públicas e na vidaquotidiana”, cujo “resultado é um círculo vicioso desubordinação cultural e econômica”27.

Superar o androcentrismo e o sexismo ainda presente nasociedade demanda uma mudança na economia política e nasavaliações culturais e suas expressões legais e práticas quereforçam a masculinidade e negam igual respeito às mulheres28.

Para solapar a diferenciação de gênero, é necessária a“desinstitucionalização dos padrões androcêntricos de valorcultural que impedem a paridade de gêneros e a substituiçãodesses padrões por outros que deem suporte a essa paridade”29.Essa é a política alternativa feminista de reconhecimento queNancy Fraser defende, onde as mulheres devem ser vistas comoparceiras plenas de interação social, “capazes de interagir comos homens como seus pares e iguais” e, para tanto, se requer oreconhecimento não da identidade feminina individual e sim daidentidade feminina coletiva30.

Para evitar estereótipos sobre a identidade de gênero oravigentes, Habermas apresenta uma “concepção procedimental dodireito, segundo a qual o processo democrático pode assegurar aum só tempo a autonomia privada e a pública”31. Para tanto,salienta que para a implementação de qualquer política pública,especialmente no que tange aos direitos subjetivos que visamgarantir às mulheres a organização de forma particular eautônoma de suas próprias vidas, é necessária a promoção dediscussões públicas com a participação dos afetados, de modoque as próprias mulheres articulem e fundamentem os aspectosrelevantes para o tratamento igualitário ou desigual, delineiema interpretação mais adequada, conforme o caso32, assumindo aresponsabilidade pelas questões que as afetam. Tal concepção dodireito se baseia no princípio do discurso.

Para Habermas, é por meio do discurso racional e das“negociações reguladas pelo procedimento”, onde os indivíduossão autores e destinatários de seus direitos, que as leis setornam legítimas33.

Essa concepção procedimental apresenta uma alternativa àpolítica liberal e de bem-estar social, onde as tentativas deproteção à mulher, realçando sua condição de igualdade emrelação ao homem ou suas diferenças, acabaram por gerar sobreela o ônus de assimilar as instituições existentes quetradicionalmente serviam aos interesses dos homens, e é umamaneira de sair do dilema igualdade/diferença, uma vez quenesse modelo esse dilema se torna irrelevante34.

Outra vantagem dessa concepção sobre a interpretação deinteresses conflitantes é que ela propicia uma mudança nanatureza das próprias instituições, na medida em que a leideixa de ser um veículo de promoção dos interesses masculinosreprodutores de desigualdades de gênero35, propiciandoalterações profundas quanto aos direitos das mulheres,decorrentes da maior inclusão e engajamento das mulheres noprocesso de organização e tomada de decisões na sociedade.

Conclusão

As injustiças culturais e sociais vivenciadas pelas mulheres nocurso da história brasileira perduram até a atualidade. Apolítica liberal propiciou uma igualdade entre homens emulheres meramente formal que não trouxe a tão desejada justiçasocial. A política do bem-estar social, em reação àsdesigualdades de gênero salientadas pela política liberal,investiu em normas protetivas para a mulher, que acabaram porreforçar o papel a ela designado na sociedade: mãe, dona decasa e profissional que cumpre dupla jornada para atender sua“vocação primária”.

A análise da jurisprudência do STF e do TST demonstrou que opensamento jurídico evoluiu no sentido de se reconhecer aigualdade de gêneros até certa medida, pois ainda predomina umacultura androcêntrica, onde legislativo e judiciário seorientam de acordo com modelos tradicionais de interpretação

que ratifica estereótipos de identidade de gêneros e gera paraas mulheres desvantagem econômica e subordinação cultural.

A solução para superar o androcentrismo na cultura jurídicabrasileira, a discriminação de gênero na sociedade e adistribuição de papéis no mercado de trabalho, dandoefetividade plena ao inciso I do art. 5º da ConstituiçãoFederal, se encontra no reconhecimento da mulher com parceiraplena de integração social, capaz de interagir com o homem emposição de igualdade, e no envolvimento das mulheres naconstrução de seus direitos, mediante discussões públicas, ondeelas mesmas pronunciem e justifiquem os aspectos que consideramrelevantes para o tratamento igual ou desigual e seresponsabilizem pelas questões que as afeta, de modo que asleis, ainda que ausente qualquer intento discriminatório, nãose transformem em mecanismos de opressão ou de diminuição devalor social.

Referência:

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SORIAL, Sarah. Habermas, Feminism, and Law - Beyond Equality and Difference? RatioJuris. Vol. 24. nº 1. March 2011, p. 25–48.

1Notas:

SANTOS. Sidney Francisco Reis dos. Mulher: sujeito ou objeto de suaprópria história? Florianópolis: OAB/SC, 2006, p. 119.

2 FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Processos informais de mudança naConstituição. São Paulo: Max Limonad, 1986, p. 39/40.

3 SILVA, Salete Maria da. Constitucionalização dos direitos dasmulheres no Brasil: um desafio à incorporação da perspectiva degênero no direito. In: Interfaces Científicas - Direito. Aracaju. Vl.01. N. 01. p. 59-69. Out. 2012, p. 61.

4 IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento,Pesquisa Mensal de Emprego 2003-2011.

5 BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL FEDERAL. 1ª Turma. Recurso Extraordinárionº 7.421 – Distrito Federal. Rel. Designado Min. Philadelpho Azevedo,publicado em 17.4.1944. Disponível em:http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=567649. Acesso em 30 de maio de 2013.

6 BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL FEDERAL. 2ª Turma. Recurso Extraordinárionº 69.811 – Rio Grande do Sul. Rel. Min. Xavier de Albuquerque,publicado em 18.3.1974. Disponível em:http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=165757. Acesso em 30 de maio de 2013.

7 BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL FEDERAL. 2ª Turma. Recurso Extraordinárionº 85.416 – Rio de Janeiro. Rel. Min. Xavier de Albuquerque,publicado em 17.5.1976. Disponível em:http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=179310. Acesso em 30 de maio de 2013.

8 BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL FEDERAL. 1ª Turma. Recurso Extraordinárionº 102.130-6 – Rio de Janeiro. Rel. Min. Soares Muñoz, publicado em30.4.1984. Disponível em:http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=194445. Acesso em 30 de maio de 2013.

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10 BRASIL. TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. Tribunal Pleno. IIN-RR-1540/2005-046-12-00.5, Rel. Min. Ives Gandra Martins Filho, DJe12.2.09. Disponível em:http://aplicacao5.tst.jus.br/consultaunificada2/inteiroTeor.do?action=printInteiroTeor&format=html&highlight=true&numeroFormatado=RR%20-%20154000-83.2005.5.12.0046&base=acordao&rowid=AAANGhAAFAAApBLAAW&dataPublicacao=13/02/2009&query=. Acesso em 30 de maio de 2013.

11 BRASIL. TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. 4ª Turma. RR-5200-40.2003.5.22.0003, Rel. Min. Ives Gandra Martins Filho, DJe1º.4.2005. Disponível em:http://aplicacao5.tst.jus.br/consultaunificada2/inteiroTeor.do?action=printInteiroTeor&format=html&highlight=true&numeroFormatado=RR%20-%205200-40.2003.5.22.0003&base=acordao&rowid=AAANGhAAFAAATniAAV&dataPublicacao=01/04/2005&query=. Acesso em 2 de junho de 2013.

12 HABERMAS, Jurgen. A inclusão do outro: estudos de teoria política.Tradução: George Sperber e Paulo Astor Soethe. São Paulo: EdiçõesLoyola, 2002, p. 236.

13 Ob. loc. cit.

14 HABERMAS, Jurgen. A inclusão do outro: estudos de teoria política.Tradução: George Sperber e Paulo Astor Soethe. São Paulo: EdiçõesLoyola, 2002, p. 236.

15 FRASER, Nancy. Da redistribuição ao reconhecimento? Dilemas dajustiça na era pós-socialista. In SOUSA, Jessé (ed). Democracia hoje:novos desafios para a teoria democrática contemporânea. Brasília:Editora UnB, 2001, p. 251.

16 Ob. loc. cit.

17 Ibidem, p. 259/260.

18 Ibidem, p. 260.

19 Ibidem, p. 260/261.

20 OLIVEIRA, Rosa Maria Rodrigues de. Para uma crítica da razãoandrocêntrica: gênero, homoerotismo e exclusão da ciência jurídica.In: Revista Sequencia, nº 48, p. 41-72, jul. de 2004, p. 43.

21 Ob. loc. cit.

22 Ibidem, p. 51/52.

23 Ibidem, p. 52.

24 PIOVESAN. Flávia. Temas de Direitos Humanos. Ed. Saraiva. 4. ed.São Paulo: 2010, p. 296/298.

25 Ibidem, p. 296.

26 PIOVESAN. Flávia. Temas de Direitos Humanos. Ed. Saraiva. 4. ed.São Paulo: 2010, p. 298.

27 FRASER, Nancy. Da redistribuição ao reconhecimento? Dilemas dajustiça na era pós-socialista. In SOUSA, Jessé (ed). Democracia hoje:novos desafios para a teoria democrática contemporânea. Brasília:Editora UnB, 2001, p. 260.

28 Ibidem, p. 260/261.

29 Idem. Políticas feministas na era do conhecimento: uma abordagembidimensional da justiça de gênero. BRUSCHINI, Cristina e UNBEHAUM,Cristina (orgs.). São Paulo: Fundação Carlos Chagas/Editora 34, 2002,p. 72.

30 Ob. loc. cit.

31 HABERMAS, Jurgen. A inclusão do outro: estudos de teoria política.Tradução: George Sperber e Paulo Astor Soethe. São Paulo: EdiçõesLoyola, 2002, p. 237.

32 Ob. loc. cit.

33 HABERMAS, Jurgen. Direito e democracia: entre facticidade evalidade, volume I. Tradução: Flávio Beno Siebeneichler. Rio deJaneiro: Tempo Brasileiro, 1997, p. 145.

34 SORIAL, Sarah. Habermas, Feminism, and Law - Beyond Equality andDifference? Ratio Juris. Vol. 24. nº 1. March 2011, p. 25–48, p. 26.

35 Ob. loc. cit.