O povoamento no Bronze Final e na Idade do Ferro na região de Lisboa.
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o povoamento no Bronze Final e na Idade do Ferro na região de Lisboa João Lllís Cnrdoso
o Bronze Final
A reg ião de Lisboa , mercê de co ndições naturais propícias - excelentes so los ag ríco las, boa
exposição so lar, relevos regulares e suaves, proximidade do estuá rio do Tejo - co nst ituiu desde sem pre
uma importante fonte de recu rsos e excelente via de ci rculação de pessoas e de bens. Possuía, com
efeito, disponibi li dade de água no subso lo, faci lmente captávcl , bem como uma importante rede
hidrográfica, propícia à agricultura e à penetração no interior deste bem de li mitado te rritório, cuja
proximidade oceânica o tornaria ainda ma is favo rável a co ntactos transregionais. Reunia, assim , as
co ndições necessárias para que , no decurso do Bronze Final , fosse ocupada de forma dispersa , mas
densa , por comun idades economicamente prósperas e socia lmente a caminh o de uma cresce nte
com plexi ficação .
As co ndições aludidas explica m uma das activ idades primo rdia is que caracterizaram a
eco nomia de tai s populações. Trata-se de uma agricultura intensiva e extensiva , espec ialmente praticada
nos solos basálticos que se dese nvolvem em arco de círcul o , em torno da capita l, de Oeiras a Loures .
Ass im se com pree ndem os numerosos pequenos povoados, ou "casais ag rícolas" (J\/Iarques & Andrade;
1974 ), sem quaisquer condições naturais de defesa , dispersos por encostas suaves e freq uentemc nte
próximos de pequenos córregos, onde a vida deco rre ri a pac ifica mente, ao lo ngo de todo o ano. A
gra nde abu ndância de lascas de bordo serrilhado , de sílex, uti li zadas como e lementos de foice ,
encastoadas em suportes de madeira, mostra bem o pe ndor agríco la de ta is comu nidades, sobretudo
dedicadas à produção cerealífera , con1 plementada pela c riação de gado bovino , ovino e suín o, por esta
ordcm de importância , segundo os resultados obtidos no único sít io até ao presente suficientemente
investigado , o povoado da Tapada da Ajuda (Ca rdoso [et al. l, 1980/8 1; 1986; Cardoso, 1987, 1990,
1994a, e c, 1995a; b; Cardoso e Carreira , 1993). A fi li ação cultural da respectiva comuni dade em fase
anter ior ao fenu;/lll s do Bronze Fi nal encontra -se segura mente comprovada , não só pela tota l ausê ncia da
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característica cerâmica de o rnatos brunidos, não obsta nte os largos milhares de fragmentos
compulsados, como ta mbém pelos resultados das c inco análises de radiocarbono efectuadas: aplicando
a fun ção densidade de probabilidade resultante da comb inação das c inco datas, podemos situar a
referida ocupação no século XIII a.C., ou na segunda metade do ante ri o r (informa ção do Eng. A. Monge
Soares, que agradecemos). A ocupação do espaço habitado, na suave encosta onde se implantou o
povoado , caracterizava-se por pequenas unidades de ca rácter unifan1 i1iar, pouco afastadas entre si.
A (lOica tota lmente escavada, correspondia a uma cabana de planta ova l, cujo cmbasa mento era
constituído por uma dupl a fiada de blocos basá lti cos não aparelhados, com o comprimento máx im o de
cerca de 6 m. A abertura orientava-se para sul, dominando o estuário do Tejo; na zo na adjacente,
concentravam-se os detritos e li xos deco rrentes da sua ocupação. Casas de planta ova l distribuem -se,
no Bronze Final , tanto no No rte como no Sul do País. No Norte, reconheceram-se exemplos na citânia
de São Ju lião, Vil a Verde (in Fabião, 1993), na Bei ra Alta, Mo nte de Sa nta Lu zia c caste lo de Beijós
(Senna Ma rtinez, 1994), e no castro de São Romão, Seia (Senna-Mart inez, 1989, Fabião, 1993 ).
No Su l, avu ltam as casas ovais do povoado de Neves II (l\'laia; MA IA, 1986). Pode concluir-se , desta
forma , que se trata de modelo arquitectónico de larga distribu ição geográfica , não se ndo característico
de nenhum a corrente ou fácies cul tural específica .
O segundo elemento de carácter natural (o primeiro, como vim os, foram razões
essencialmente geomorfo lóg icas e pedo lóg icas) que co ncorreu, decisivamente, para a afirmação e
prosperidade da região de Lisboa no decurso do Bro nze Final , corresponde à exce lente posição
geog ráfica da reg ião . Comportando-se como verdadeira "placa g iratór ia " (Kalb, 1980), articulando o
Norte atlântico ao Sul med iterrâneo, e o interior ao litora l, à Estremadura, embora sem riquezas
mineiras dignas de realce - se exceptuarmos, talvez, o ou ro , ex plorado no curso in ferior do TejO -
co rresponderia papel de grande re levância, como reg ião intermediária, no co mércio trans- regio nal de
bens e produtos, cujas mais-va lias vi ria m acrescer os benefícios económ icos decorrentes da intensa
explo ração agrícola. Assim se explica, logo em fase inic ial do Bronze Final, a presença de peças
metálicas sUlllptuárias, como a es pada pisti liforme recolhida no Tejo , junto a Caci lhas (Comes, 1992),
a qual poderi a corresponder a uma oferenda às d ivind ades aquáticas, como outras, de idêntico carácter,
reconhec idas cm contextos do ul3ron ze Atl ânticou. Com a crescente afirmação do poder económico
destas popu lações, tais peças passariam a ser manufacturadas loca lmente, a pa r de outras, de natureza
ma is utilitária, parad igmaticamente documentadas pelo molde de fund ição de foices de Rocanes ,
Cacém (Fontes, 19 16), recolhido à su perfíc ie, em loca l corresponde nte a Ulll peq ueno povoado ou
IIcasal agríco lau. O enriqueci mento de tais comunidades, pela conjugação dos factores eco nómicos
ex postos, te ri a sido acompanhado de crescente estratificação social, no decurso do Bronze Final, tal
como se verifica, por outras evidências, em distintas áreas geog ráficas do nosso País. Prova disso são os
povoados de altura que, de forma cada vez mais ev idente, ocorrem à med ida que se aproxima o fi m do
Bronze Final. Com efei to, é desses locais que provém a quase totalidade das cerâm icas com ornatos
brunidos, de que são exemplos os povoados de Cabeço dos Moin hos, Ivlafra (Vi cente; And rade, 197 1),
Castelo dos Mouros, Sintra (Cardoso, em prep.) ou do Cabeço do Mouro, Cascais (Cardoso; em
prep .), para c itar ape nas três exem plos de di fe rentes concelhos da reg ião que nos interessa. Tai s
povoados de altura comportar-se- iam, pois, como sede de um poder armado, onde residiria a uelite",
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encabeçada pela figura do Chefe, a partir dos quais se administ rariam determinados territórios bem
demarcados. Estes seriam povoados por laboriosa e pacífica população entregue às actividades agro·
pastoris, das quais dependia a sua própria subsistência e o abasteci mento dos povoados de altura.
A partir destes, contro lar-sc·ia m ainda as v ias comcrciais por onde ci rcu lavam produtos do comércio
trans-rcgional , manufacturados ou não e de cujo contro lo decorriam benefícios económicos evidentes.
Podemos, pois, entrever, uma sociedade forte mente já hierarqui zada (ao contrário do defendido por
\Xlagner, 1995 para a reg ião tartéssica), estabili zada e bem compartimentada no território , cujo sucesso
teria dependido, por um lado, de uma sábia adaptação ao meio natural e da própria situação geográfica ,
explorando intensa e exaustivamente as suas potcncialidades, e por outro da fra nca abertura a estímulos
e impulsos cu lturais exógenos, viabi li zados por relações comerciais entretanto estabelec idas.
A hierarqui zação social desta sociedade do Bronze Final encontra -se ilustrada por dive rsas
evidências que importa valorizar. Uma delas, corresponde ao extrao rdin ário monume nto sepulc ral da
Roça do Casal do Meio, Sesimbra (Spind lcr [e t al. J, 1973/74) , com evidentes ana log ias com as tholoi
do fvlicé nico II do fina l do II milénio (Comes, 1995) e onde se reco lheu um grande vaso com ornatos
brunidos. Os dois personage ns ali se pultados, eram ambos do sexo masculino, e de alto esta tuto social,
como documentam os objectos de prestígio, oriundos do comércio trans- regio nal e de cun ho
ace ntuadamante mediterrâneo que os acompanhavam , avultando entre eles um pente de marfim e uma
fíbula de enro lamento no arco. A ausê ncia de arlllas sugere a hipótese de se tratar de do is sacerdotes:
a el ite do Bronze Final te ria , ass im, uma vertente mil ita r e outra de ca rácter re lig ioso, ambas
complementares na afirmação do poder.
Outra evidê ncia da notáve l afirmação eco nómica das e lites do Bronze Final é fornecida
pelo colar de Si ntra. Trata-se de uma jó ia aurífera, com O peso de 1260 g (Pere ira, 1896), reco lh ida
provave lmente em sepu lt ura , na Qu inta da Penh a Verde, local de a ltu ra dominando vasta e fértil vá rzea
adjacente . Esta peça, pe las suas característ icas, pode situar-se no final do Bronze Fina l, ou na transição
para a Idade do Ferro (Armbruster, 1995 ).
As condições de estab il idade, propícias à abertura a influxos externos, de há muito
afi rmados, e a eviden te hierarquização social destas comun idades, se ndo o poder po lítico-m ili tar
emerge nte assumido por de terminadas elites, constitu iram factores determinantes para a rápida
afirmação e difusão de produtos exógenos, ori undos do comércio fe nício (Aubet-Semm ler, 1990, p. 33).
A Idade do Ferro
No decu rso da úl tima década, tem vindo a afirmar- se a investigação de loca is que
receberam directamente produtos exógenos de o rigem feníc ia, ten ham ou não estes sido o resul tado
directo da presença de comerciantes semi tas. A reg ião de Lisboa, correspondente à embocadura do
maior rio peninsular, desde sempre constituído como um a das mais iinportantes vias de ci rculação e de
pe netração para o in ter ior, favo ráve l ao escoamento das suas riquezas e produtos, reun ia, natura lmente,
as condições propícias para a fundação daquele tipo de estabe lec imentos. Com efe ito, os Fenícios
aproveitaram numerosos estuários que penetram pa ra o interio r dos respectivos territórios, no litoral
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meridional peninsular, constituindo O estuário do Tejo um paradigma de tal situação . Assim , na margem
esquerda do estuário, reconheceu-se o importante estabeleci mento da quinta do Almaraz (Ca rdoso,
1990; Barros [et ai. ], 1993) , implantado em um esporão estreito e alongado, dominando a embocadura
do estuário do Tejo e em estre ita relação com a enseada de Cacilhas, a qual constitu ía , então como
hoje, sít io de acostagem natural à navegação fluvial. O estudo do loca l mostra duas ocupações
diferenciadas, tanto espacialm ente como no tempo. Assim, enqua nto que na parte mais alta do esporão,
ocupando um a plataforma superi or, se identificou um povoado indígena do Bronze Final , co rn
ce râmi cas feitas manualmente, correspondente na actualidade a estrato muito desmantelado pela
erosão, em plataforma mais baixa , predominam as ccrârni cas fei tas ao torno rá pido de o rigem ou
imitação oriental. Tai s factos de observação sugerem que a plataforma inferi or foi ocu pada por
popu lações sidéricas quando a superi o r já se encontrava abando nadaj porém, mesmo quc esta ainda se
enconlrasse ocupada , chegaríamos a uma mesma conclusão, que co nsideramos mais prováve l: o
carácter exógeno da ocupação mais recente, a qual, segundo os elementos de obselvação disponíveis,
terá correspondido a um estabelecimento fenício (Cardoso, 1995 ). Ambas hipóteses fo ram, aliás,
di scutidas a propós ito de situações idênticas, obselvadas em d iversos locais do lito rallllcditerrâneo
pen insular (Schubart; Niemeyer, 1976; Schubart, 1987). No caso presente, as condições
geomorfo!óg icas descritas, muito semelhan tes às de outros estabe lec im ent os fe nícios daquele litoral
(Schubart, 1982), a extraordinária freq uência de produtos cerâmicos importados - onde sobressa i a
cerâmica de verni z vermel ho, característica da primeira fa se da presença fenícia , dos sécu los VIII -VII a.C ,
da qual se recolheram, em ape nas um a fossa de acumul ação de detritos, quasc do is mil fragmentos, o
maio r número até ao prese nte es tudado em Portugal - conj ugada com a escassez de cerâmicas manuais
indígenas, que, no contexto fechado referido, at ingem apenas 3,6%, configura situação perfeitamente
compatível com um estabelecimento feníc io . A presença de fo rrnas es pecíficas de cerâm icas de vern iz
vermelho, desconhecidas em outros contextos fenícios, faz crer que o Alm araz se compo rtou como um
importa nte centro produtor ou , ao menos, di stribuidor de tais fabri cos de ca rácter regional (ta lvez
mesmo ali produzidos), melhor ada ptados ao gosto das populações loca is, As referidas produções são
consentâneas com a rea lidade de uma feito ria fenícia ali sediada, co nsiderando que tais loca is eram ,
além de ce ntros de troca, também loca is de produções mais ou menos industrializadas de artigos de
grande procura pe las comunidades indíge nas .
Duas datas de radi oca rbono, para ma ter iais de enchimento daquela fossa , indicam, depoi s
de ca libradas, e para intclva lo de confiança de dois sigma , o sécul o IX a.C. ou inícios do seguinte. Tais
resu ltados estão em contrad ição com a tipo log ia dos materiais cerâmi cos, que não ultrapassam a
segunda metade do século VII a.C ., a liás em estreita consonância com as cronolog ias de Outras
ocupações, como a do castelo de Alcácer do Sa l (Si lva et aI. , 1980/8 1) ou a da fe ito ria fenícia de Abu l
(Mayet; Silva, 1993 , 1994). Acresce que se conhece apenas um único estabelecimento fe níc io do lito ral
pe ninsul ar da primeira metade do sécul o VIII a.C tra ta -se do Morro de Mezquiti ll a, Málaga e um outro
fundado ao redor de meados desse sécul o, em C horreras, um pouco a Este daquele (Schubart 1982,
1988)j desta forma , a consideração de cronolog ias tão ou mais recuadas para a presença fenícia neste
extremo ociden te, por vezes apenas baseadas em uma data de radi oca rbono é de encarar com reservas,
até que materiai s arqueológiCOS concludentes sejam publicados.
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No lito ral oposto do grande estuário, encontra-se igualmente documentada a prese nça
fenícia . Assim, no claustro da Sé, correspo ndente a peq uena plataforma situada na parte inferior da
colina do castelo , foram exurnados diversos materiai s cerâmicos, no iníc io do século , por Verg íli o
Corre ia (Cardoso; Carreira, 1993 ), os qua is indicam, em conj unto, a primeira metade do século VI a.c.
Em recentes escavações ali efectuadas, ter iam si do recolhidas cerâm icas dos sécu los VII -VIII a.C. (Jvtatos,
1994), de momento conhecidas de forma muito preliminar (Ama ro , 1993).
Por outro lado, no subsolo da actual ba ixa lisboeta, também Vergílio Correia recolheu
pequeno lote de materiais cerâ micos (Cardoso; Carre ira, 1993 ) reportáveis igualmente à primeira
metade do sécu lo VI a.C. Esta descoberta configura uma situação em que ao aglomerado urbano,
situado na plataforma da Sé, correspondia a zo na portuária , na zo na ribeirinha situada a poente, na
base da colina , e na confluência de antigo esteiro, hoje totalmente assoreado, com o estuário , afinal
realidade muito próxima com a veri ficada em Cac ilhas , onde, porém, a zona portuá ri a não forneceu até
ao presente materiais anteriores ao período romano.
A nítida implan tação destes do is estabeleci mentos, em plataformas dominantes,
estrategicamente situadas de ambos os lados do estuário do Tejo, tinha evidentes objectivos comerciais:
perm iti a o contro lo da c ircul ação fluvial de e para o interior do te rritório, através desta importante
estrada aquá tica. Ali seriam transaccionados os produtos agro-pecuários produzidos nas férteis
ca mpinas riba tejanas, como cerea is, vinho , carne (fumada e de co nserva ) por objectos de carácter
utilitário (ânforas, pyl11oi , cerâmicas fi nas, instrumentos agríco las de ferro ) ou sumptuário (objectos
metálicos, adornos, vidros)i mais para montante, outros locai s seri am propícios à fi xação de entrepostos
ou locais inte nnédios de troca, embora de cunho ma is marcadame nte indíge na , como o local da
alcáçova de Santarém (Arruda, 1993 ), ou os C hões de Alpom pé, o nde Diogo ( 1993 ) iden tificou
ânforas do século VII a.C. Com efe ito, as ânforas poderi am ter, simultaneame nte, o papel de
co ntentores e de unidades de troca, como nos estabelecimentos fenícios da costa andalu za (Pe lli cer,
1979/80, p. 329). Na fé rtil região do baixo Tejo, nâo será necessário recorrer à existência de matérias
primas de grande relevância no Illundo antigo, susceptíveis de serem ali obtidas, como O ouro, atrás
mencionado e tão insiste ntemente ca ntado pelos Romanos (Vasconcelos, 1905 ), ao que parece com
justificada razão (Choffat, 19 12/ 13), ou o sal , para se perceber o interesse dos Feníc ios em se
estabelecerem na região . Aubet-Semmler ( 199 1, p. 622) admi te que a riqueza agro-pecuária de certas
zonas do litoral peninsula r com as quais os Fenícios mantiveram contactos comerciais justificaria
plenamente aquela presença , bem comprovada no caso prese nte .
Com efe ito , a antiga urbe da margem norte do estuário ter-se-ia então afinnado cmno
verdadei ro !! Iugar central!!, co ntro lando as trocas não apenas de mon tante, mas também as efectuadas
_na região adjace nte, onde, desde o Bronze Final , se desenvolvi a um a bem suced ida econmnia ag ro
pastoril. Ass im se ex plicarn as numerosas unidades de rai z famil iar, que continuaram a assegurar o
aproveitamento agrícola dos solos, descende ntes directas das suas antecessoras do Bronze Final. Tal
situação co nfigura urna organ ização económico-soc ial destas comunidades sem grandes modificações
desde então, exceptua ndo o papel econó mico preponderante baseado na actividade comercial , com
efeitos em toda uma vasta região envo lvente, assum ido pela urbe do Tejo no alvor da Idade do Ferro .
Por outras palavras, as in ovações tecno lóg icas introduzidas pelos Fenícios, designadamente o fab rico
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em série de reci pientes, de grande variedade de lamanhos e formas , possi bilitado pelo uso do to rno
rápido , e a adopção de utensílios de fe rro , não teve consequências evidentes ao nível da si tuação
económ ico-social delinea da desde o Bro nze Final. Não obstante , outras al te rações sig nificat ivas ao
nível do registo material são ev identes: as casas de plan ta oval do Bronze Fi nal dão lugar a hab itações
de pl anta c ircular, com embasa mcnto de alvena ri a argamassada e super-estrutura de adobe; os exem plos
reconhecidos em O uture la I e O uture la II (Ca rdoso, 1987, 1990, 1994 b, e c) têm para le los na própria
baixa lisboeta , embora estas últin1as es truturas sejam mais rece ntes, já de época ibero-pú nica (Ama ro ,
1995).
Com efe ito , na reg ião de Lisboa, às importações fenícias e respectivas imilações
sucedem-se materi ais de produção púnica, também eles mesclados com produções loca is ou regionai s.
A época da maior parte das unidades ag rícolas reconhecidas e suficientemente caracterizadas, do pomo
de vista arq ueo lóg ico , na região li sboeta , de que são exemplo as já mencionadas cstações de Ou ture la 1
e de Ou tllrela II , no concelho de Oei ras, Moin hos da Ata laia (no de Amadora), ou Santa Eufémia (em
Sintra), para só c ilar ocorrências de diferentes conce lhos, pode situar-se nesse preciso mo mento de
transição. Trata-se de pequenas unidades hab itacionais de ca rácter muito pe recíve l ou seja , de IIvida
cu rta", talvez habitadas no decurso de uma ou duas gerações. As ce râmicas exumadas denunciam níl ida
fi liação em mode los fenícios (Pinto, Parreira , 1978, Cardoso , 1990, l\'larques, 1982(83 ), esta ndo
prese ntes ânfo ras na tradição ou aff. da F. R. 1, associadas a outras da forma Maijá/Pascua l A4 (seg .
classificação de C. Tavares da S ilva , que ag radecemos); po rém, um dos mai s ca racterísti cos produtos
fenício s, os pratos de verni z vermelho, já não ocorrem, enquan to que certas cerâm icas fina s, ci nzentas
a negras, com supe rfícies bri lha ntes pelo po lim ento, acusam marcado reg io nalismo das produções:
se ndo conhecidas cm Co nimbriga e em Sa nta Olaia , não foram registadas no vale do Sado , muito mais
próxi mo (sego inform ação de C. Tavares da Silva, que agradecemos). No co njunto , tai s 'Mbitals
correspondem a período do fin a l do sécul o VI a.C . e a todo o sécul o seguin te.
Não foi ape nas ao nível econó mico que a empresa fe nícia se afirmou . Também no plano,
mais abstracto, da crença e da re lig ião , se adoptaram novas práticas e outros ritos. D isso é prova o
jarro, oilloclJoe, e respectivo "brascroH (na verdade a respectiva bacia de libação) recolhido em uma
sepu ltura de To rres Ved ras (Trindade, Fe rre ira, 1965 ). Este achado, situável no apogeu do comércio
fe níc io ocidental do sécu lo VII a .C ., constitui um fri sante exempl o da integração ideológ ica das "elites"
loca is, assegura ndo a afirmação fenícia por uma das três vias de inte racção conside radas por Aubet
Semmler ( 1990). Os fru tos dessas influências ideológicas por certo persistiram por gerações,
mescla ndo-se ulteriorm cnte co m novas cre nças e ou tros costumes litúrgicos, trazidos pelos Ro manos:
é o caso do culto das divindades aquá ticas (Ribei ro , 1983 ) (ta lvez com o ri gem no Bro nze Final), do Sol
e da Lua (Ribeiro, 1982(83 ), ou das divi ndades marinhas (Cardoso, Encarnação, 1992 ), ra lvez com
orige ns ainda mais antigas.
Desconhecem-se as razões que levaram ao colapso das fe itorias fe nícias do Ocidentc,
entre as quais se devem inscrever as peninsulares. Por uma única ou , mais provavelmente, um conjun to
de razões, o fim das importações fe nícias coi ncide co m a emergência da afirmação dos produtos de
Cartago, ainda pior co nhecidos que os anteriores, no quc ao território português di z respeito . Tal
limite corresponde à transição de lima la Id ade do Ferro que, na área cm apreço, assume nítido pendor
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mediterrâ neo, para uma 2a Idade do Fe rro , igualmente de ev ide ntes afin idades com aquela região,
rea lidade que é exte nsível a todo o Sul de Portugal (Arruda [et a l. J, 1995).
Um dos mais im portantes co njuntos foi exumado no decu rso das impo rta ntes escavações
conduz idas pe lo Departa me nto de Arqueologia do I PPAR, tanto no cl austro da Sé, como no subsolo da
baixa li sboeta . Tal situação co nfigura a co ntinuidade funciona l das duas áreas já ocupadas no decurso
do período anterior: a p lataforma da Sé, como área reside nc ial , e a respectiva zona portuári a, no esteiro
adjace nte . O scu pendo r não apenas comerc ial , mas t~mbém industria l é fla gra nte: basta ria para tal
co nside ra r o fo rno de cerâm ica a li exum ado . Os materiais cerâmicos dos séculos V a 111 a .C. com provam
a evidênc ia das relações mediterrâ neas, avu ltando peças de o rigenl púni ca (Amaro , 1995 ), além de raras
importações á ti cas, do fin al do século V a.C . ou do século seguinte, tambérn prese ntes e m Almara z,
cuja prese nça se ex plica pelo comé rcio pllllico, possivelme nte a partir do foco difusor de Cades. A
im portâ nc ia de tal comé rcio em todo o baixo Tejo enco ntra-se , ainda, ex pressiva mente sublinh ado por
IlllJnismas hi spano-cartag ineses do úl timo quartel do século 111 a.c. (Faria , 1987; Kalb; H ock , 198 1/82 ).
Poderá ainda co nsiderar-se um a 3" Idade do Ferro, correspo ndente ao período desde as
primeiras influê ncias itá licas até à plena romanização , correspondendo-lhe a Fase V da ocupação do
castelo de Alcácer do Sa l, onde foi definida (Silva [et a l. J, 1980/ 8 1). Na área em apreço veri fica-se , uma
vez mais, nít ida co nt inuidade na es tratég ia de ocupação do terr itó rio , bem como no respeitantc às
ca racteríst icas económi co-co me rciai s v igentes, po r v ia da manute nção dos fluxo s med iterrâneos.
Continuam a ser ocupados lugares sem cond ições de defesa, correspondendo a pequenas unidades
fa mili ares dedicadas à ex pl oração agro -pasto ril do te rritório adjace nte da actua l c idade. Alguns destes
núcleos darão o ri gem , provavelme nte e m co ntinuidade, como Casais Velhos e Fre iri a, ambos do
concelho de Cascais, a imp'ortantes núcleos da época rom ana (Cardoso, 199 1), que se prolongaram até
à alta Idade Média.
. ' Dos materi ais exumados nos escassos povoados até agora iden t ificados deste derradeiro
mome nto da Idade do Ferro, avu ltam as produções anfóricas neo púni cas, por vezes associadas a
fabricos itálicos. Reconhece ram -se fragme ntos de ânforas da form a Maná C2 em Casa l Cabanas (Maia,
1978 ) e em Oeiras (Ca rdoso, no prelo). Tais â nforas , de produção norte-africana, e dest inadas ao
t ransporte de preparados piscíco las, evidenciam ampla di stribuição no M edite rrâ neo O c idental
(Coelho -Soa res, 1986) ilustrando, uma vez ma is, a abertura às trocas comerc iais protago ni zada por
estas popu lações, em ple na e co nsta nte reafirmação de lima rea lidade remontando pelo menos ao
Bron ze Fi nal.
A permanente absorção de estímulos tec nol óg icos e culturai s oriundos do J\1editerrâneo,
espaço geográfico determinante pa ra a fo rmação econó mi co -soc ial do Bronze Final e de toda a Idade
do Ferro da região de Li sboa constitui exemplo de rara co ntinuidade protago ni zado por po pulações,
vive ndo em área já e ntão periférica face aos g randes est ímulos civili zacionais que pontificara m de
forma mais brilhante em outros trechos do litora l meridional da Península Ibérica .
Q sucesso da afirmação de tai s comun idades, conservando as suas raízes culturais, e a sua
o rgan ização económ ico-social , por tão dilatado período de ternpo , até à plena romani zação, decorreu
de um bem sucedido processo de aculturação e de inte ligente optim izaçã o dos recu rsos naturais
oferecidos pelo território: os es tímulos exógenos foram acompanhados po r um desenvo lvim ento
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eco nó mico "suste ntado" resu ltante da exploraçào agro+pecu<l ria in tensiva, a par dos benefícios das
mais-vali as decorrentes da posição geog ráfica de exce pção.
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