Os Senhores de Avintes na Idade Média

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Comunicação ao 18º Fórum Avintense 2007 Os Senhores de Avintes na Idade Média séc. X XV. Por: Paulo Costa Conhecer quem foram os senhores de Avintes, desde Gondesendo Eriz, ou como conhecemos D. Gundesindo, mostrou-se um desafio assaz complexo, sobretudo pela escassez de provas documentais inequívocas. Avintes nunca foi cabeça de linhagem. Isto é, o seu nome não serviu para identificar as famílias de Ricos Homens que dominaram a cena socio-política medieval, tais como Marnel, Sousa, Soverosas, Maia, Briteiros, etc. Estas famílias tomaram os apelidos das terras onde possuíam a sede dos seus senhorios. Esta investigação teve por antecedente outra que efectuei para o período moderno, século XVII e XVIII 1 , há mais de 10 anos, onde pude determinar a sucessão dos senhores de Avintes até aos primeiros condes e que descriminei em quadro que repito em anexo. A obra memorialista de Osório Gondim 2 , a monografia de Filomena Amaral 3 , o dicionário coreográfico de Pinho Leal 4 , o de Américo Costa 5 e a enciclopédia Portuguesa Brasileira 6 , foram na altura os passos iniciais em tentar descobrir as pistas por onde se Licenciado em Ciências Históricas; Vice-presidente da AUDIENTIS Centro de Documentação e Investigação em História Local, CRL 1 COSTA, Paulo Jorge Cardoso de Sousa e, Os Espaços de Vivência no Vale Inferior do Febros nos séculos XVII e XVIII, Vila Nova de Gaia, E/A policopiada, 1996/2006. 2 GONDIM, Inocêncio Osório Lopes, Avintes e as Suas Antiguidades, Avintes, Junta de Freguesia de Avintes, S/D 3 AMARAL, Ana Filomena Leite, Avintes. Na margem esquerda do Douro, Avintes, Junta de Freguesia de Avintes, 1993 4 LEAL, Augusto Soares de Azevedo Barbosa de Pinho, Portugal Antigo e Moderno Diccionario Geographico, Estatístico, Chorographico, Heraldico, Archeologico, Histórico, Biografico e Etymologico., 2º Vol, Lisboa, Livraria Editorial de Mattos Moreira & cª., 1880 5 “Avintes”, COSTA, Américo, Diccionario Chorographico de Portugal Continental e Insular, 2º Vol., Porto, Livraria Civilização, 1930. 6 “Avintes”, Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, 3º Vol, Lisboa Rio de Janeiro, Editorial Enciclopédia, Lda, S/D.

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Comunicação ao 18º Fórum Avintense – 2007

Os Senhores de Avintes na Idade Média

séc. X – XV.

Por: Paulo Costa

Conhecer quem foram os senhores de Avintes, desde Gondesendo

Eriz, ou como conhecemos D. Gundesindo, mostrou-se um desafio assaz

complexo, sobretudo pela escassez de provas documentais inequívocas.

Avintes nunca foi cabeça de linhagem. Isto é, o seu nome não serviu

para identificar as famílias de Ricos Homens que dominaram a cena

socio-política medieval, tais como Marnel, Sousa, Soverosas, Maia,

Briteiros, etc. Estas famílias tomaram os apelidos das terras onde

possuíam a sede dos seus senhorios.

Esta investigação teve por antecedente outra que efectuei para o

período moderno, século XVII e XVIII1, há mais de 10 anos, onde pude

determinar a sucessão dos senhores de Avintes até aos primeiros

condes e que descriminei em quadro que repito em anexo.

A obra memorialista de Osório Gondim2, a monografia de

Filomena Amaral3, o dicionário coreográfico de Pinho Leal4, o de

Américo Costa5 e a enciclopédia Portuguesa Brasileira6, foram na altura

os passos iniciais em tentar descobrir as pistas por onde se

Licenciado em Ciências Históricas; Vice-presidente da AUDIENTIS – Centro de Documentação e

Investigação em História Local, CRL 1 COSTA, Paulo Jorge Cardoso de Sousa e, Os Espaços de Vivência no Vale Inferior do Febros nos

séculos XVII e XVIII, Vila Nova de Gaia, E/A – policopiada, 1996/2006. 2 GONDIM, Inocêncio Osório Lopes, Avintes e as Suas Antiguidades, Avintes, Junta de Freguesia de

Avintes, S/D 3 AMARAL, Ana Filomena Leite, Avintes. Na margem esquerda do Douro, Avintes, Junta de Freguesia

de Avintes, 1993 4 LEAL, Augusto Soares de Azevedo Barbosa de Pinho, Portugal Antigo e Moderno Diccionario

Geographico, Estatístico, Chorographico, Heraldico, Archeologico, Histórico, Biografico e

Etymologico., 2º Vol, Lisboa, Livraria Editorial de Mattos Moreira & cª., 1880 5 “Avintes”, COSTA, Américo, Diccionario Chorographico de Portugal Continental e Insular, 2º Vol.,

Porto, Livraria Civilização, 1930. 6 “Avintes”, Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, 3º Vol, Lisboa – Rio de Janeiro, Editorial

Enciclopédia, Lda, S/D.

desenvolveria a investigação. Depois a investigação envolveu outras

obras de autores coevos, saliento Frei Leão de S. Tomás7, Felgueiras

Gayo8 e frei António Assunção Meireles9. João Pedro Ribeiro pelos

apontamentos que retirou do mosteiro de Santo Tirso também foi uma

fonte extremamente importante10.

Quando tracei o mapa de quem eram os proprietários deste

território e comecei a consultar os seus livros de Tombo e

contabilidades, fui pouco a pouco levantando o véu sobre qual seria a

realidade anterior a este período. Fui percebendo que a grande família

dos Almeidas, os condes de Avintes, ganharam o senhorio por

casamento, primeiro nos finais do século XVI, e depois em meados do

século XVII, e nunca a haviam possuído de avoenga.

Nos alvores do século XVI, 1505, foi senhor, já não da Honra, mas

do Couto de Avintes, Fernão Brandão Pereira, filho secundogénito do

Contador-mor da alfândega do Porto João Brandão, e que nesse ano se

casou com Isabel de Pina, a filha do cronista do reino Rui de Pina,

ascendendo assim à corte. Lá seria camareiro do infante filho de D.

Manuel, D. Fernando. Este cavaleiro da ordem de Santiago, fidalgo da

casa real, nesse ano de 1505 contratava um prazo de três vidas de três

gerações com o Mosteiro de Santo Tirso da Quinta de Avintes e seus

casais e do condado do pescado. A partir dessa data passou a ostentar,

por cima do portal da capela de São Brás a sua pedra de Armas, dos

Brandões e dos Pereiras. Sucedeu-lhe seu filho Diogo Brandão, e depois

sua filha Isabel Brandoa, que casou com D. Francisco de Almeida. A ela

sucedeu D. João de Almeida, capitão na índia, conselheiro do rei Filipe

III, que renovou o prazo com o Mosteiro em 1613. A D. João de Almeida

sucedeu a sua filha que veio a casar com o primo D. Luís de Almeida, o

fidalgo que adquiriu o título por mercê régia de 1664 de 1º conde de

7 S. TOMÁS, Frei Leão de, Benedicta Lusitana, Tomo 2º, Coimbra, Impresso na officina da

Universidade, 1651 8 GAYO, Manuel José da Costa Felgueiras, Nobiliário de Famílias de Portugal, 12 Vol., Braga, Edição

de Carvalho Basto, 1989 9 MEIRELES, Frei António da Assunção, Memórias do Mosteiro de Pombeiro, Lisboa, Academia

Portuguesa de História, 1942 10

CRUZ, António, Breve estudo dos manuscritos de João Pedro Ribeiro, Coimbra, Universidade de

Coimbra, 1938

Avintes. Depois a sucessão é linear e não apresenta quaisquer

sobressaltos.

Mas para a Idade Média, quem foram os senhores que

governaram a Honra de Avintes?

Ao recolher elementos para a investigação anterior, fui juntando

pistas soltas sobre alguns fidalgos que possuíram esta honra. O

primeiro foi Gil Vasques, citado na inquirição de 1258; outra foi D.

Constança Gil doadora da quinta de Avintes ao Mosteiro de Santo Tirso

em 1300; outro foi D. Gonçalo Anes de Briteiros em 1341, que possuía

a honra de Avintes que havia sido de Gil Vasques. Depois só voltei a ter

referências indirectas a nomes de fidalgos de alta estirpe no século XV.

O primeiro é Fernão Coutinho, citado no documento de prazo que o

mosteiro de Santo Tirso fez em 1452 a Fernão Vaz, escudeiro daquele,

do condado da pescaria. Este Fernão Coutinho só é referenciado porque

o Fernão Vaz é seu escudeiro e não relacionado directamente com

Avintes, pelo menos aparentemente. O outro é Diogo Soares de

Albergaria, que é citado no livro o Mostrador Velho de Santo Tirso11, por

ter emitido uma sentença em 1481, relacionada com as jeiras que a

quinta de Avintes tinha direito e este é apresentado como senhor de

Avintes.

Há 4 anos dispus-me a reiniciar esta investigação com as pistas

que havia recolhido. Explorei-as melhor. O que procurava era sobretudo

saber qual a relação que aquelas pessoas tinham umas com as outras?

Qual o parentesco? Isto é, será que há parentesco? Que tipo de honra

Avintes era: familiar ou de benfeitoria? Explico melhor, se os senhores a

possuíam por herança ou dote ou se o rei ou outro senhor a outorgava

como beneficio a alguém de condição social nobre? Qual o papel do rei e

qual a extensão da sua autoridade em Avintes?

Comecei por seguir a investigação pelas duas pistas concretas

que possuía e que me permitiam balizar temporalmente, Gil Vasques,

no século XIII e Gonçalo Anes de Briteiros para a 1ª metade do século

XIV. Ao prosseguir por esta via fui recolhendo novos documentos com

informações mais profundas e concretas que possibilitaram conhecer

inequivocamente e sucessivamente quem foram os senhores de Avintes

11

ADP, Mosteiro de Santo Tirso, livro nº 2735

e a sua sucessão. Um primeiro resultado da investigação, embora

bastante lacunar e cujas conclusões não foram correctas, foi o artigo

que apresentei na revista Caminho Novo de 200412. O resultado

definitivo, pelo menos nos dados recolhidos e devidamente examinados,

foi apresentado no congresso internacional de História na Universidade

do Minho em Dezembro de 2005, cujas actas se encontram no prelo.

A comunicação teve por título Um Senhorio Nobre na Idade Média

Portuguesa13 em que apresento a sucessão completa dos senhores de

Avintes desde Gil Vasques de Soverosa e o seu papel socio-político no

contexto da época até Gonçalo Anes de Briteiros. Este período da nossa

história foi bastante conflituoso, pois marcou a ascensão do poder do

monarca e o processo de centralização régio que colidiu com as forças

da alta nobreza. Por essa investigação pôde entender quão importante

era o senhorio de Avintes. Possuí-lo, concedia aos seus senhores bons

argumentos políticos e económicos, face ao rei e aos outros senhores14.

E Avintes em dois tempos foi determinante. Primeiro no conflito

interno que pôs fim ao reinado de D. Sancho II. O Alferes-mor do rei era

D. Martim Gil de Soverosa, filho de Gil Vasques que ocupou cargos

curiais importantes quer neste reinado quer no anterior. Como

primogénito, sucedeu a seu pai como senhor de Avintes, cabendo a seus

irmãos parte na herança. Na batalha, que as crónicas chamam de lide

de Gaia ou do Porto, em Julho de 1245, onde os partidários do conde de

Bolonha D. Afonso, irmão do rei, defrontam o exército régio comandado

por D. Martim Gil, este sai vencedor e entre os mortos está meio-tio do

rei e do conde, Rodrigo Sanches, sepultado em Grijó. Dizem também as

crónicas que essa refrega, não foi uma batalha, mas um duelo entre

Martim Gil de Soverosa e Rodrigo Sanches, a propósito de actos

levianos de D. Rodrigo sobre uma irmã de Martim Gil15. O facto é que

12

COSTA, Paulo Jorge Cardoso de Sousa e, “O senhorio de Avintes na Idade Média – 1ª parte”, in

Caminho Novo – Revista Cultural do Clube Recreativo Avintense, Avintes, 2004, pp. 7-15. 13

COSTA, Paulo Jorge Cardoso de Sousa e, Um Senhorio Nobre na Idade Média Portuguesa,

Comunicação apresentada no I CONGRESSO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA: Territórios, culturas

e poderes, UNIVERSIDADE DO MINHO, Braga, 2005 14

Todo o suporte documental sobre o que aqui afirmo está no artigo citado na nota anterior. 15

COSTA, António Domingues Sousa, O Mosteiro de São Salvador de Grijó, Grijó, Edição da

fabriqueira da igreja paroquial de Grijó, 1993, pp.181-184 – nota 217

Avintes e a sua anexa Seixezelo eram senhoriadas por Martim Gil e

vizinhas do possível local do embate, quer tenha sido em Gaia, quer

tenha sido no Porto, o que favoreceu as armas de Martim Gil, pois

contava com bastantes vassalos e combatia na própria terra.

O segundo momento, quando do reforço do poder régio

empreendido por D. Dinis. Nesta ocasião era senhor de Avintes, Martim

Gil de Sousa, 2º Conde de Barcelos, por casamento com Violante

Sanches, filha de João Afonso de Albuquerque, neto de Martim Gil de

Soverosa. Martim Gil de Sousa sucedeu no senhorio de Avintes a sua

tia Constança Gil. Nesta ocasião, e a propósito das suspeitas que o rei

pretendia beneficiar o filho bastardo Afonso Sanches, em vez do

primogénito D. Afonso, Martim Gil de Sousa tinha ainda outras razões

que o opunham a Afonso Sanches. Ambos eram cunhados e Afonso

Sanches não escondia a ambição de sonegar o senhorio de Albuquerque

e o castelo de Zagala ao cunhado. Martim Gil de Sousa ocupava ainda o

cargo de mordomo do príncipe infante D. Afonso. O seu papel é

importante para defender os interesses legítimos do seu senhor e os

seus, contra o rei e o seu bastardo preferido. O resultado desta

contenda em que interveio a rainha santa Dona Isabel, foi um empate, o

conde perdeu o seu património na Estremadura Castelhana de

Albuquerque e Zagala, mas o infante conservou a sua herança ao trono.

O bastardo infante D. Afonso Sanches refugiou-se nos seus novos

domínios em Castela.

Avintes, por indicação testamentária expressa de D. Martim Gil de

Sousa, 2º conde de Barcelos, passou para Martim Anes de Briteiros, seu

primo e co-irmão e também descendente de Gil Vasques de Soverosa.

No entanto, a sua descendência não frutificou16 e foi seu irmão Gonçalo

Anes de Briteiros que lhe sucedeu em diversos senhorios, provenientes

de diversas heranças entre eles, Avintes, Oliveira do Douro, Sobrosa,

Atei, Cerva, Vila Marim, Gestaçô e Amarante por exemplo. Teve 4 filhos,

16

VENTURA, Leontina e OLIVEIRA, António Resende de, “Os Briteiros (séculos XII – XIV).

Trajectória social e política”, in Revista Portuguesa de História, Coimbra, FLUC, t. XXX (1995), pp. 71-

102.

mas só as filhas sobreviveram. Destacamos D. Margarida de Sousa que

herdará do pai o senhorio de Avintes.

O período anterior a Gil Vasques, isto é, quem foram os seus

ascendentes e por onde veio a sua herança, tentei ensaiar uma

procedência no artigo do Caminho Novo, cujos elementos eram pouco

consistentes e hipotéticos. Também como sucedeu a continuidade de

Gonçalo Anes, ensaiei no artigo do congresso em Braga com os

elementos que dispunha, também pouco consistentes. Vencer essas

dúvidas foram o desafio que me propus e que agora compartilho

convosco e publicamente, e é o presente ponto de partida para este

artigo.

Recorrendo às genealogias como apoio17, documentos originais18,

livros de linhagens19 e aos trabalhos do Doutor José Mattoso20 pude

estabelecer uma sucessão mais exacta das deficiências que apontei.

Dividimos a sucessão dos senhores de Avintes em 3 partes: a

primeira desde Gondesendo Eriz até Vasco Fernandes, pai de Gil

Vasques, do século X até ao século XII, a segunda parte de Vasco

Fernandes até Gonçalo Anes de Briteiros, do século XII até ao século

XIV, e a terceira parte do século XIV ao fim do seguinte, até ao reinado

de D. João II, quando a honra de Avintes fica definitivamente sem

17

GAYO, Manuel José da Costa Felgueiras, Nobiliário de Famílias de Portugal, 12 Vol., Braga, Edição

de Carvalho Basto, 1989 18

Corpus Codicum Latinorum et Portugalensium. Porto, 1891,

MATTOSO, José, KRUS, Luis, ANDRADE, Amélia, A Terra de Santa Maria no século XIII.

Problemas e documentos, Santa Maria da Feira, Edição da Comissão de Vigilância do Castelo de Santa

Maria da Feira, 1993, pp. 245-246 – No apêndice documental documento 85 (Arquivo Nacional Torre

do Tombo – ANTT, Inquirição D. Dinis, 1.4, fls 1 – 4v.) – Inquirição no julgado de Gaia de 1288, sobre

Avintes “… que foy de don Gil Vasquez … que onrra esta quintaa…”.

Chancelarias Portuguesas. D. Afonso IV, 3º Vol. (1340-1344), Lisboa, I.N.I.C -Centro de Estudos

História, Universidade Nova de Lisboa, 1992 19

Portugaliae Monumenta Histórica Scriptores. Nova Série., MATTOSO, José e PIEL, Joseph (Edição

Critica), 2 vols., Lisboa, Academia Portuguesa de História, 1980; esta edição é composta no 1º vol. Pelos

livros Velho (PMH. LV) e do Deão (PMH. LD); no 2º volume em 2 tomos está o Livro de Linhagens do

Conde D. Pedro (PMH. LL.) 20

MATTOSO, José, A Nobreza Medieval Portuguesa. A família e o Poder, Lisboa, Editorial Estampa, 4ª

edição, 1994.

MATTOSO, José, Portugal Medieval novas interpretações, Lisboa, Imprensa Nacional Casa da Moeda,

2ª edição, 1992.

MATTOSO, José, Ricos-Homens, Infanções e Cavaleiros – a nobreza medieval portuguesa nos séculos

XI e XII, Lisboa, Guimarães Editores, 2ª edição, 1985

MATTOSO, José, Identificação de um país. Ensaio sobre as origens de Portugal 1096-1325. Vol. Iº –

Oposição, Vol. IIº – Composição, Lisboa, Referência/Editorial Estampa, 5ª edição, 1995

senhor conhecido e se faz a transição para Fernão Brandão Pereira.

Transição que já na época suscitou dúvidas ao Mosteiro de Santo Tirso

sobre como se havia processado e quanto à legitimidade ao senhorio de

Avintes. Infelizmente essas incógnitas de altura mantêm-se presentes

pelo menos quanto ao estado da investigação actual. Tentar explicar o

modo como se processou essa transição pertence ao campo da

suposição e da especulação. Esperemos que com o decorrer das

investigações possamos em breve esclarecer este facto. A verdade é que

Fernão Brandão Pereira não pertencia à linhagem dos anteriores

senhores, nem tão pouco era aparentado com eles. Como se tornou

senhor de Avintes e Seixezelo? Este não é o tema desta comunicação e

voltaremos em breve com um artigo exclusivo a este assunto.

Dadas as características deste encontro, não entraremos em

detalhes heurísticos nem em problemáticas sobre alguns aspectos que

suscitam alguma celeuma. Deixo esses pormenores para um artigo mais

profundo. Vou limitar a enunciar em quadro quem foram os senhores,

seguindo uma breve explicação sobre como é que sucederam. Só o

período que vai de Vasco Fernandes a Gonçalo Anes de Briteiros é que

já foi suficientemente explanado no artigo apresentado no congresso de

Braga21. Aqui unicamente se reproduz o quadro genealógico.

21

COSTA, Paulo Jorge Cardoso de Sousa e, Um Senhorio Nobre na Idade Média Portuguesa,

Comunicação apresentada no I CONGRESSO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA: Territórios, culturas

e poderes, UNIVERSIDADE DO MINHO, Braga, 2005

Os Senhores de Avintes

1ª Parte: De Gondesendo Eriz a Elvira

Fernandes de Marnel, mãe do Conde D. Gonçalo

Mendes de Sousa

Gondesendo Eriz

(filho do conde Ero

Fernandes)

Soeiro

Gondesendes

cc. Inderquina Pala Tia do Rei Ramiro II

Gondesendo

Soares

Honorico

Gondesendes

Châmoa

Honoriques

cc. Gonçalo Viegas

de Marnel

Paio Gonçalves

Honorico Gonçalves

Fernando Gonçalves

Senhor de Santa Maria

Ero Gonçalves

Urraca

Gonçalves

Urraca Gonçalves de Marnel

Elvira Fernandes de Marnel

Senhora de Pedroso

cc. Fernando Afonso de Toledo

Afilhado de D. Afonso VI, rei de Leão

cc. Mendo Viegas de Sousa

(Conde)

Gonçalo Mendes de Sousa

(conde) – Senhor da Terra de Sousa,

Basto e Panóias

Mordomo de D. Afonso Henriques

Outros descendentes seguem no quadro

seguinte

O doc. 12 do Diplomatae e Chartae, do Portugaliae Monumenta

Histórica, conhecido por escritura de D. Gundesindo, é a certidão de

nascimento de Avintes. Sobre a data do documento se celebrou e pode-

se ainda celebrar 1100 anos desta localidade22. No entanto, a Avintes de

há 1100 anos era maior que a actual. Provavelmente a villae Abientis

incorporaria área das actuais localidades de Avintes, Oliveira do Douro,

Vilar de Andorinho, Pedroso, Olival e Seixezelo. Porque assim afirmo?

Porque, ao desvendar a descendência de Gondesendo Eriz fui

confrontado do facto de com o passar dos séculos os seus herdeiros

legarem partes significativas do património às instituições eclesiásticas

de seu patrocínio. A maior evidência é ao consultar as inquirições de D.

Dinis, de 1288, as localidades de Oliveira do Douro, governada por

descendentes de Elvira Vasques de Soverosa23, Avintes, por filhos de Gil

Vasques, sobretudo sua nora Constança Gil24, e Seixezelo por Martim

Anes, neto de Gil Vasques de Soverosa, e filhos de Constança Gil e de

João Gil de Soverosa, e que fora de Alda Vasques de Soverosa25, e estes

3 eram netos do conde D. Gonçalo Mendes de Sousa, cuja a mãe, Elvira

Fernandes, havia recebido a carta de Couto para o seu mosteiro de

Pedroso26. E geograficamente Pedroso situa-se entre Avintes e Seixezelo.

E estas duas localidades sempre estiveram unidas na Honra de Avintes

facto que vem da antiga presúria do pai de Gondesendo Eriz, Ero

Fernandes.

22

Acerca da data do documento há duas versões: uma a que está na transcrição do documento que é 897,

e outra que José Mattoso defende e foi avançada pelo insigne medievalista espanhol Sanchez Albarnoz

que é 947. No entanto, medievalistas portugueses acham que o documento está truncado, e o X seria

aspado que valeria 30, atirando a data para 927, que é mais consensual com o contexto político que o

documento descreve, sobretudo por Ramiro (futuro Ramiro II), sobrinho da mulher de Gondesendo Eriz,

Enderquina Pala, ser ainda príncipe. 23

Na transcrição que José Matoso e outros fazem desta inquirição, o transcritor escreve “Crara Vasques”

(MATTOSO, José, KRUS, Luis, ANDRADE, Amélia, A Terra de Santa Maria no século XIII.

Problemas e documentos, p. 243); no Corpus Codicum Latinorum et Portugalensium – Diplomata,

Chartae et Inquisitiones, Vol I, Porto, Tipografia Portuense, 1891, 176 – transcrição do século XVIII,

com origem no mesmo documento, as inquirições de D. Dinis, o transcritor escreve Elvira Vasques. 24

A Terra de Santa Maria, p. 245 e 246, Corpus Codicum, p. 177. 25

A Terra de Santa Maria, p. 247, Corpus Codicum, p. 177. 26

AZEVEDO, Rui Pinto de (org. de), Documentos Medievais Portugueses. Documentos Régios. Vol. Iº,

Lisboa, Academia Portuguesa de História, 1958, Doc. 93, pp. 116-117

Gondesendo Eriz herdou a presúria de seu pai o conde Ero

Fernandes a sul do rio Douro, que se estenderia até ao rio Vouga, senão

mesmo até ao Mondego. Pelo menos os seus descendentes doam

propriedades situadas entre estes rios. De Ero Fernandes descendem

também os senhores de Marnel27. Outro irmão de Gondesendo Eriz é

Egas Eriz “Iala”, de onde descendem os senhores de Marnel28.

Ambos os ramos da família irão se cruzar de novo quando

Châmoa Honoriques casa com Gonçalo Viegas do Marnel.

Sucede a Gondesendo Eriz, seu filho Soeiro Gondesendes. Não

vou falar das outras filhas, Froila, Ermesinda e Ausenda para não me

alongar muito. Foi por Ausenda não ter filhos que se fundou o Mosteiro

de Santa Marinha na Vilae Avintes. E no território dessa propriedade

existe ainda o hagiotopónimo Santa Marinha, que é a padroeira de

Seixezelo. Provavelmente seria lá que fosse fundado esse mosteiro, mais

tarde transladado e refundado sob o monte Pedroso e alterado o santo

padroeiro para S. Pedro e S. Paulo. Esta conjectura é uma hipótese

sustentada com o argumento que a família patronal de ambos os

cenóbios era a mesma família, e que na área geográfica que

historicamente sempre foi de Avintes, Seixezelo estava dependente:

administrativamente de Avintes e religiosamente de Pedroso.

A Soeiro Gondesendes sucede o filho Gondesendo Soares que

viveu no século X. Sucedeu-lhe o filho Honorico Gondesendes, que é

considerado o fundador oficial do Mosteiro de Pedroso e que

provavelmente tenha destacado da Vilae de Avintes a Vilar29. E que

Andorini ou Andorinho, provenha de Honorico, cujos descendentes

partilharam a vilar. Porque o senhorio da presúria caberia a sua filha

Châmoa Honoriques que o receberia em dote do seu casamento com o

seu familiar Gonçalo Viegas de Marnel30.

27

Micro topónimo da freguesia de Lamas do Vouga, concelho de Águeda. No cabeço do Vouga, em

Marnel, existe vestígios arqueológicos romanos e medievais. Esta linhagem vai adoptar como apelido o

nome desta localidade, a partir do século XI. Ver: http://sweet.ua.pt/~lsl/talabriga/talabriga-index.html. 28

MATOSO, José, “As famílias condais portucalenses dos séculos X e XI”, in A Nobreza Medieval

Portuguesa. A família e o Poder, Lisboa, Editorial Estampa, 4ª edição, 1994, pp. 130 e 231 29

Vilar significa pequena vilae, pequena propriedade senhorial. 30

José Mattoso diz mesmo que ambos possuíam propriedades nas mesmas localidades, o que significaria

partilhas de heranças anteriores.

O vilar do século XI era territorialmente diferente da hodierna.

Chamava-se Vilar de Febros e englobaria a encosta sobranceira ao

Febros de Avintes (lugar de Quintã, Soutulho e parte ribeirinha de

Areias até Campos) que já no século XII pertenciam ao mosteiro de

Pedroso e estendia-se pelo cume do Monte Grande até à Cancela da

Serpente. A honra de Lijó (Eclesiole) é exemplo de uma fracção da

herança de outro ramo da família e que se constituí-o em propriedade

independente.

Deste casamento nasceram diversos filhos, mas a herança teve de

ser partilhada e só o melhor posicionado político e socialmente herdou o

senhorio de Avintes. O contexto político assim obrigaria. A família

Marnel havia tido bastante protagonismo durante o período dos condes

de Coimbra vassalo do poder muçulmano. E quando Fernando Magno

reconquistaria definitivamente Coimbra, esta família ficou numa

situação pouco confortável face ao novo poder. Paio Gonçalves de

Marnel fica com os bens situados junto ao Vouga; Honorico Gonçalves

tem no seu quinhão terras em Seixezelo; Fernando Gonçalves é senhor

de Santa Maria e terá uma filha que será a primeira mulher de Mendo

Viegas de Sousa. Ero Gonçalves é outro filho que recebe a sua parte na

herança. Por fim Urraca Gonçalves vai casar com o afilhado do rei

Afonso VI de Leão, Fernando Afonso de Toledo. Diz o livro de linhagens

que este Fernando era mouro que o rei adoptou e foi seu padrinho de

baptismo31. Um casamento com um membro da família real ajudaria a

recuperar o prestígio abalado e reposicionar-se dentro do novo contexto

político. O Senhorio de Avintes foi um bom dote. Deste casamento

nasceu Elvira Fernandes, que casaria em segundas núpcias com o

marido da falecida prima, Teresa Fernandes de Marnel, Mendo Viegas

de Sousa, importante herdeiro da poderosa família dos Sousas, cuja

origem vinha de um cavaleiro que havia acompanhado Fernando Magno

na conquista de Coimbra em 106432.

31

Livro Linhagens Conde D. Pedro, Vol. IIº, Tomo 2, tt. 43, pp. 9-10 32

Mattoso, José, “A nobreza rural portuense nos se´culo XI e XII”, in A Nobreza Medieval Portuguesa.

A família e o Poder, Lisboa, Editorial Estampa, 4ª edição, 1994, pp. 231

Elvira Fernandes pela sua fidelidade a D. Afonso Henriques vai

conseguir que o seu mosteiro receba carta de couto em 1128. E o couto

do mosteiro de Pedroso está no coração do seu senhorio. Avintes,

Seixezelo e Oliveira do Douro serão herdados pelo seu filho o conde D.

Gonçalo de Sousa, mordomo do nosso primeiro rei e seu companheiro

de batalhas. E que casa, em primeiras núpcias, com a neta do aio Egas

Moniz de Ribadouro, Dórdia Viegas. Tem 2 filhas, a condessa D. Elvira

Gonçalves da Faia e Teresa Gonçalves que casa com Vasco Fernandes

de Soverosa, descendente do conde de Sobrado na Galiza, e cujo apelido

advém da localidade de S. Pedro de Soverosa, junto a Atei, que

actualmente não resta vestígios.

Vasco Fernandes herda o ofício do sogro, o mordomado durante o

reinado de D. Afonso Henriques e depois seu filho D. Sancho I, até

falecer em 1185. Sucedeu o filho de D. Gonçalo de Sousa e do seu

segundo matrimónio, o conde D. Mendo Sousão. No entanto, Vasco

Fernandes recebeu um avultado dote que legará aos filhos: Martim

Vasques, alferes de D. Sancho I (falecido em 1197 em Plasencia,

Extremadura Espanhola), Gil Vasques, Fronteiro do Entre Douro e

Minho, Mordomo de D. Sancho II, Senhor da Terra de Sousa e de Basto,

Elvira Vasques e Alda Vasques. Com atrás havia dito, cada um

receberia um quinhão na partilha do senhorio de Avintes: Gil Vasques,

o melhor quinhão, a Honra de Avintes, Elvira, o couto de Oliveira (que

só englobava a zona da igreja e toda a margem do Febros, deixando de

fora Guiães – depois Sardão - Gervide e Quebrantões), a Alda Vasques,

a honra de Seixezelo, governada em comunhão com seu irmão Gil

Vasques.

2ª Parte: De Elvira Fernandes de Marnel a

Gonçalo Anes de Briteiros

D. Egas Gomes

D. Mendo Viegas de Sousa

cc. Goinha Mendes da Maia

cc.

D. Elvira

Fernandes

Marnel

Senhor de Pedroso

D. Gonçalo de

Sousa

(conde)

Soeiro Mendes O grosso

Gontinha Mendes Châmoa Mendes Mor Mendes dos Sousões

cc. Dordia Viegas

Condessa D. Elvira da Faia

Teresa

Gonçalves

cc.

D. Vasco Fernandes de

Soverosa

Mordomo de D. Afonso e D.

Sancho

Martim Vasques de Soverosa

Morto em Plasencia 1197 Gil Vasques de Soverosa

Senhor de Avintes

Elvira Vasques de

Soverosa

Senhor de Oliveira do Douro

Alda Vasques de

Soverosa

Senhor de Seixezelo

A genealogia de Gil Vasques de Soverosa

D. Gil

Vasques Iº

cc. Maria Aires de

Fornelos

D. Fernão Gil D. Martim Gil D. Teresa Gil

cc. Maria Gonçalves

Giroa

cc. D. Sancha Gil

D. Vasco Gil D. Henrique Gil

D. Sancha Gil

D. Dórdia Gil

D. Gonçalo Gil

D. João Gil

cc. Rei de Leão

cc. D.

Constança Gil

D. Martim

Anes Tio

cc. Inês Fernandes de Castro

D. Teresa Martins

cc. Rodrigo Eanes

D. João Afonso

de Albuquerque

1º Conde de

Barcelos

cc. Froilhe

Fernandes

Martim Vasques

D. Gil Vasques Soverosa II

Sancha Vasques

Aldonça Vasques

cc. D. Teresa Sanches

D. Violante

Sanches

D. Teresa Martins

cc. Afonso Sanches Filho de D. Dinis

D. João Afonso

de Albuquerque

4º conde de

Barcelos

A genealogia de Gonçalo Anes de Briteiros

D. Gil

Vasques de

Soverosa II

cc. Aldonça Anes

Martim Gil Guiomar Gil Marquesa Gil

cc. D. João

Rodrigues de

Briteiros

D. Martim

Annes de

Briteiros

D. Gonçalo

Annes de

Briteiros

cc. D. Branca Lourenço

Martim Annes Violante Ponço

cc. Maria Afonso

cc. Rodrigo Afonso

(sobrinho do rei D. Dinis)

Alvaro Gonçalves

Diogo Gonçalves

D. Sancha Gonçalves

D. Margarida

de Sousa

D. Aldonça Anes de Briteiros

(abadessa de Arouca)

Vasco Martns de Sousa

Martim Afonso de Sousa

cc. Rui Vasques Ribeiro

A Sucessão na Honra de Avintes

Vasco Fernandes – séc. XII

Gil Vasques de Soverosa (filho do anterior) – séc. XII até 1250

João Gil de Soverosa (filho do anterior) – séc. XIII

Constança Gil (mulher do anterior) – séc. XIII até 1300

D. Martim Gil de Sousa, 2º Conde de Barcelos

Herdeiro por parte da tia e de sua mulher Violante Sanches

Martim Anes de Briteiros (primo do anterior e herdeiro de Gil Vasques)

– de 1318 até 1340

Gonçalo Anes de Briteiros (irmão de) – até 1350

Martim Anes Tio, o Peco (filho do anterior) – séc. XIII até 1290

s.g.

Podemos verificar que as armas do Conde de Barcelos incorporam a flor-de-lis

dos Soverosas, tal como é apresentado no selo de D. Constança Gil, mulher de João Gil

de Soverosa, tio-avô do dito 1º conde.

Selo de D. Constança Gil, mulher de D. João Gil de Soverosa, filho de Gil Vasques de

Soverosa (Fonte: Ribeiro, João Pedro,

“Dissertações cronológicas …”, Vol. 1, Coimbra, Impressa da Universidade,

1810, p. 126).

Armas de D. João Afonso Telles e Albuquerque, 1º Conde de Barcelos, bisneto de Gil Vasques de

Soverosa (Fonte:

www.genealogia.netopia.pt/familias/soverosa

Túmulo em Pombeiro).

3ª Parte: De Gonçalo Anes de Briteiros até ao

fim do século XV.

D. Margarida de

Sousa

(herdeira)

Teresa Rodrigues

Ribeiro

cc. Rui Vasques Ribeiro Senhor

D. Brites de

Sousa

(herdeira)

cc. D. Henrique Manuel (conde de

Seia), Senhor

Branca de

Vilhena

(herdeira)

cc. Fernão Vasques

da Cunha – 2º c.

Faleceu em Tânger

Violante Manuel

cc. Rui Vasques Coutinho

1º Casamento, senhor

Maria da Cunha

Beatriz de

Vilhena

Testamenteira e

herdeira

Margarida de

Vilhena

cc. Fernão Coutinho

Marechal do

Afonso V

Sr. Basto, Maia,

Montelongo,

Avintes

cc. Diogo Soares de

Albergaria

Senhor

Pedro da Cunha

Por volta da década de 50 do século XIV, falecia Gonçalo Anes de

Briteiros. Ocupou o cargo de Fronteiro de Entre-Douro-e-Minho e

destacou-se nas guerras com Castela durante o reinado de D. Pedro I.

Sucedeu-lhe as filhas pelas quais foi dividido a herança. A D.

Margarida de Sousa coube a quinta de Avintes e o senhorio da Honra foi

provavelmente exercido pelo seu marido Rui Vasques Ribeiro.

O documento que nos permitiu observar isto está na Memória de

Pombeiro33, que frei Assunção Meireles transcreve e interpreta para

esclarecer aspectos pouco claros apresentados pelos linhagistas, porque

o documento expõe aspectos da família de D. Margarida de Sousa, seus

irmãos, parentes, filhos e país, importantes para esclarecer hesitações

dos genealogistas.

Para a nossa investigação trouxe-nos mais informações,

sobretudo por se referir à quinta de Avintes. O documento é a

nomeação de testamenteiro de D. Margarida de Sousa o abade de

Pombeiro.

Os genealogistas do século XVI e posteriores não são claros

quanto à descendência de D. Margarida de Sousa. Do seu casamento

com Rui Vasques Ribeiro atribuem uma filha Teresa Rodrigues Ribeiro,

de onde descendem os Vasconcelos. A outra filha D. Brites de Sousa,

dizem, nomeadamente Felgueiras Gayo34, citando Afonso Lopes de

Haro, que era neta de Martim Afonso Chichorro.

A Memória de Pombeiro diz-nos ainda que de verdade D.

Margarida de Sousa teve uma filha, D. Brites de Sousa que havia

casado com o conde D. Henrique Manuel, Senhor de Seia e Sintra e que

no momento da feitura do testamento se encontrava ausente em

Castela, provavelmente em consequência da crise dinástica de 1383-85.

Em documento apenso ao testamento dessa fidalga, D. Branca de

Vilhena, sua neta e seu primeiro marido, Rui Vasques Coutinho,

33

MEIRELES, frei Assunção, Memória de Pombeiro, p. 31 34

GAYO, Felgueiras, Nobiliário das Famílias de Portugal, Vol VI, p. 46 – cita também a história

genealógica da casa real que dá D. Brites de Sousa como descendente da casa real, o que pela memória de

Pombeiro se prova como falsa essa informação.

compram as quintas de Avintes, no termo de Gaia, a de Demande, de

Mansores, de Figueiredo em terra de Lafões e o lugar que tinha em

Condeixa, por 130.000 libras, nos inícios do século XV, para que se

cumpram as obras pias instituídas por sua avó.

D. Branca e seu primeiro marido, Rui Vasques Coutinho,

sucedem assim a sua avó. Deste casamento nasceu D. Margarida de

Vilhena e D. Brites de Vilhena. A última será designada sua

testamenteira e sua herdeira35. Após enviuvar, contraiu novo

matrimónio com Fernão Vaz da Cunha, que faleceu no desastre de

Tânger em 1437. Teve uma filha Maria da Cunha. Deste segundo

casamento, diz no seu testamento que foi coagida por «… medo e prema

que de Fernam Vaaz avia como meu marido e senhor que era e como

soube que era morto logo revogey todallas cousas que em seu tempo

fizera …»36. Entende-se que não fora um casamento feliz e que ele a

obrigou a fazer coisas contra sua vontade. No próprio testamento D.

Branca tem desconfianças acerca do genro Fernão Coutinho, que casou

com a filha Maria da Cunha. Talvez isso explique a sua especial atenção

a D. Beatriz de Vilhena e a nomeie sua testamenteira e herdeira.

Vejamos então como se processou a sucessão. D. Branca deve ter

falecido por volta de 1438, data do seu testamento. Sua filha D. Beatriz

é casada com Diogo Soares de Albergaria, criado do rei D. João I e aio

do futuro D. João II. A outra sua filha, do segundo matrimónio, Maria

da Cunha, estava casada com Fernão Coutinho, marechal de D. Afonso

V.

Tanto Diogo Soares de Albergaria como Fernão Coutinho

aparecem-nos relacionados com Avintes. O primeiro surge citado por

haver dado sentença sobre uma questão de foro cível relativo às jeiras a

que a quinta de Avintes devia receber37. O segundo, por um seu

vassalo, Fernão Vasques, escudeiro, ter o condado da pescaria de

35

FREITAS, Judite Gonçalves de, “Tombo da Capela de D. Branca de Vilhena (1499)”, in Penafiel –

Boletim Municipal de Cultura, 3ª SR – nº6/7, 1991/92, pp. 205-208 36

Idem, ibidem, p. 207 37

ADP, Mosteiro de Santo Tirso, livro nº 2735, fl. 7

Avintes38 e ter sido nomeado em 1451 para o cargo de coudel-mor39 nos

julgados de Porto Carreiro, Montelongo, Maia e Honra de Avintes, terras

que Fernão Coutinho era Senhor40, por mercê de D. Afonso V.

Ambos viveram no mesmo período. Eram familiares por afinidade,

cunhados. Mas, enquanto um exerceu efectivamente a tutela no

senhorio, porque a mulher era herdeira da mãe. Fernão Coutinho

influenciava a administração da honra por intervenção dos seus agentes

e vassalos.

Quer Beatriz de Vilhena, quer seu marido Diogo Soares de

Albergaria, reuniram bastantes honrarias e beneficiaram bastante os

seus vassalos com ofícios atribuídos pelo rei. No entanto, o seu

casamento não frutificou e morreram deixando os seus bens para um

convento que fundaram em Santar41, terra que Diogo Soares de

Albergaria era senhor por herança de seu pai, Fernão Gonçalves de

Santar42.

Com D. Beatriz de Vilhena e Diogo Soares de Albergaria extingue-

se a linhagem dos descendentes de Gondesendo Eriz. Do século X até

ao século XV, durante 500 anos este senhorio esteve ininterruptamente

na mão da mesma família.

Curiosamente a sucessão do senhorio de Avintes fez-se quase sempre,

salvo algumas excepções, por via feminina e normalmente como dote de

casamento, ficando o marido como Senhor, aliás como definia a lei

sálica. A mulher só podia exercer a autoridade senhorial por ausência

ou falecimento do marido. Esta curiosidade vai-se manter até que D.

Isabel Castro casa com o primo Luís de Almeida, nascendo o “Condado”

de Avintes, com a atribuição do título de conde em 1664.

38

ADP Santo Tirso, Lv 149, fl. 70 v. 39

INTT Chanc Afonso V, Lv 11 fl. 21v-22 40

INTT Chanc. D. Duarte I, lv. 1 fl. 158 – documento de 1438/04/16 Fernão Coutinho, filho (como

sinónimo de genro) de Fernão Vasques da Cunha, Rico-Homem, criado de D. João I, recebe por doação

do rei D. Duarte os senhorios das localidades de Celorico de Basto, Borba, Guinhões, Vale de Bouro,

Monte Longo, Porto Carreiro, Maia, e outras. 41

INTT Mosteiro de S. Marcos – Em 1473 foi anexado a este convento, o convento de Nossa Senhora da

Piedade da ordem de S. Jerónimo, em Santar, fundado e dotado por Diogo Soares de Albergaria e Beatriz

de Vilhena. 42

INTT Chanc. D. Duarte I, Lv. 1 (fls: 49,95,97,98) Lv. 3 (fls. 4, 17, 76)

Outra curiosidade é o valor que o senhorio de Avintes sempre

representou para dotar uma filha que empreendesse um bom

casamento. O senhorio de Avintes trazia mais prestigio e poder a quem

o possuísse, engrandecendo de importância o acordo que se selava.

Observamos que todo o património era dividido pelos filhos e os

melhores, os que conferiam autoridade jurisdicional, militar e fiscal

cabiam ao que estivesse melhor posicionado socialmente.

ADP, Mosteiro de Santo Tirso, livro nº 2735, fl. 7 – Excerto.

INTT Chanc. Afonso V, Lv. 11 fl. 21v-22

ADP Santo Tirso, Lv 149, fl 70 v.