O poder e as inovações na paisagem urbana de Curitiba no período provincial
Transcript of O poder e as inovações na paisagem urbana de Curitiba no período provincial
1
O PODER E AS INOVAÇÕES NA PAISAGEM URBANA DE
CURITIBA NO PERÍODO PROVINCIAL
The power and innovations in urban landscape in the period of provincial
Curitiba
Arquiteto e Urbanista; Doutor em História Social / Departamento de História-
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, pela Universidade de São Paulo /
USP (São Paulo); Mestre em Tecnologia da Construção pela USPSC - Universidade de
São Paulo- Escola de Engenharia de São Carlos (Departamento de Arquitetura e
Urbanismo) e Especialista em Paisagismo: Planejamento e Projeto pela FAU-USP -
Universidade de São Paulo - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Atualmente é
professor dos Cursos de Arquitetura e Urbanismo na Pontifícia Universidade Católica
do Paraná - PUCPR e Coordenador do Curso de Especialização em Paisagismo:
Planejamento e Projeto. Como docente atua na pesquisa de História do Paisagismo e da
Paisagem Urbana e Regional e História da Arquitetura.
Endereço: Rua Atílio Bório, 51 apt 2502.
Bairro Cristo Rei
Curitiba – PR
CEP 80050-250
2
O PODER E AS INOVAÇÕES NA PAISAGEM URBANA DE
CURITIBA NO PERÍODO PROVINCIAL
The power and innovations in urban landscape in the period of provincial
Curitiba
RESUMO
A investigação histórica proposta neste Trabalho é a relação entre poder e
paisagem urbana, através da abordagem histórico-conceitual sobre estes temas.
Investigou-se as ações políticas transformando a paisagem urbana de Curitiba durante o
período provincial do Paraná.
Abordam-se questões da relação paisagem urbana e poder, enquanto
estruturadores do espaço da cidade e os significados e contribuições da arquitetura e
urbanismo neste processo de produção da paisagem urbana como produto do poder. A
interpelação de soberania com o espaço e sua atuação na paisagem urbana,
estabelecendo com o entorno um elo de sobrevivência, contemplação da natureza e vida
em sociedade.
Palavras chaves: Paisagem urbana, poder, história, ecletismo, paisagismo.
ABSTRACT
Historical research proposed in this work is the relationship between power and
urban landscape, through the historical-conceptual approach on these issues. We
investigated the political actions of transforming the urban landscape during the
provincial Curitiba Parana.
It discusses the relationship landscape and power, while structuring the space of
the city and the significance and contributions of architecture and urbanism in the
production process of the urban landscape as a product of power. The questioning of
sovereignty with the space and its role in the urban landscape, establishing a link with
the environment for survival, contemplation of nature and life in society.
Keywords: Urban landscape, power, history, eclecticism, landscaping.
3
INTRODUÇÃO
A construção da paisagem se dá pela transformação do espaço natural em
cultural, através da arte e técnica; e a qualidade paisagística, pela expressão da forma e
evocação de uma emoção. A intervenção na paisagem de uma cidade deve ser o reflexo
de uma boa adequação formal ao fim proposto. Na composição da paisagem urbana, o
objeto arquitetônico, o desenho da cidade, além do mobiliário e equipamentos, são
materiais básicos para se trabalhar a plástica, dentro de parâmetros artísticos inerentes
ao período histórico. A vegetação também é um importante componente paisagístico
dentro do espaço urbano, com um diferencial importante: é um material vivo, em
constante evolução de forma e cor, ao longo das estações, com uma ecologia que
condiciona a sua utilização.
Para Leite (1994) apud Bonametti (2001, p. 06):
As cidades são sistemas abertos de rápida evolução e identificamos os elementos que compõem o nosso entorno pelo reconhecimento dos elementos naturais e antrópicos, que não são duradouros, mas estão em contínua e incessante mutação. Da mesma forma, a experiência individual ou coletiva está, também, sujeita as variações contínuas, a uma dinâmica que deriva do processo histórico de qualificação, sobre o qual incidem os fatores mais variados, desde a evolução das relações políticas, econômicas e sociais, até o desenvolvimento das técnicas, das artes, das religiões, da filosofia.
Outra maneira de investigarmos a paisagem urbana refere-se à análise das
funções ou locais de destaque na cidade, que devem ser identificados através do uso
específico do espaço construído (Mindlin, 1980, p. 17). A cidade tem sua paisagem
compreendida ao investigarmos as inter-relações entre a área central e a periferia das
cidades, pela simplificação das relações e dinâmicas entre estas áreas, no tocante às suas
formas e aspectos.
As intervenções nas paisagens urbanas devem, ou pelo menos deveriam levar em
consideração a evolução da sociedade e suas transformações básicas, pois as cidades são
o reflexo da relação entre o homem e a natureza, e podem ser vistas como a tentativa de
ordenar o entorno com base em uma paisagem natural. E o modo como elas são
projetadas e construídas reflete uma cultura que é o resultado da observação que se tem
4
do ambiente e também da experiência individual ou coletiva, com relação a ele
(Peixoto, 1996, p. 12).
A paisagem urbana é uma mistura de arte, ciência e acaso. É compreensível que
na sua construção ocorra, a renovação das formas antigas e a criação de novas formas
que venham a atender aos novos estilos de vida que lhe são atribuídos em cada
momento histórico. Desta forma, os seus critérios de organização vão sendo
constantemente questionados e modificados com a evolução da sociedade, das ciências
e das técnicas (Bonametti, 2010, p. 263).
PAISAGEM URBANA E PODER NA CAPITAL DA PROVÍNCIA DO PARANÁ
Fisicamente a paisagem urbana tem no espaço natural a sua construção e,
apesar de conceitualmente percorrerem caminhos paralelos, não tendo diretamente nada
a ver um com o outro; devemos ter em mente que a cidade é o receptáculo do poder. É
nos limites da paisagem urbana que a dominação é exercida e onde o poder exercita sua
soberania. Pois poder, segundo Ferreira (2002) apud Bonametti (2010, p. 260) pode ser
definido como “[...] dispor de força ou autoridade. Ter força física ou moral. Direito de
deliberar, agir e mandar. Vigor, potência. Domínio, força”.
É no espaço urbano que o poder exercido sobre a sociedade é mais percebido, e
independe do sistema político vigente, ou das organizações sociais. O Estado tenderá a
exercer o poder. Para justificar a supremacia do Estado a segurança, o crescimento
físico, social e econômico da cidade serão razões mais que suficientes para que o poder
seja exercido dentro do espaço que estrutura a paisagem urbana.
Para Bonametti (2010, p. 262):
Na visão de Foucault o poder não está, necessariamente, localizado pontualmente na estrutura social, mas funciona como uma rede de mecanismos. Funciona como uma máquina social se disseminando por toda a estrutura da sociedade. Para Foucault o poder do Estado sobre a nação não deve ser repressivo como uma força destrutiva. Por esta razão chamou-o de poder disciplinador.
A cidade é espacialmente organizada pelo poder disciplinador e a sua paisagem
é construída pela técnica de distribuição de funções através da inserção dos elementos
naturais e cosnstruídos dentro do objetivo específico que cada espaço exige (Foucault,
198-?, p. xviii).
5
De acordo com Novy (2002, p.45):
Um espaço de poder afigura-se então com o espaço político, ao passo que o poder sobre o espaço pode ser compreendido como espaço econômico. A conquista do poder (empowerment) no espaço do poder político afigura como um processo geográfico de galgar o topo da sociedade, digamos, a presidência da república. Por sua vez, o espaço econômico é controlado por aqueles que controlam os fluxos de mercadorias, dinheiro, investimentos [...].
A maneira como a paisagem urbana e poder se relacionam hoje em dia é
diferente da época do Brasil Colônia, onde o poder era centralizado além- mar. Assim
como também difere do período monárquico, onde houve a centralização do poder em
nosso território, também característica do poder republicano após o século XIX.
Na primeira metade do século XIX, as cidades brasileiras não se diferenciavam
muito do ritmo que permeou o século XVIII, no tocante à transformação de suas
paisagens em virtude de intervenções urbanísticas. A grande virada veio a partir de 1850
com a expansão da lavoura cafeeira, pois a economia gerou investimento que estimulou
a urbanização. Foram realizados investimentos em atividades urbanas como transporte e
iluminação a gás, serviços de água e esgotos. Houve também uma forte pressão da
Inglaterra para a entrada de produtos que seriam utilizados na estrutura urbana.
Com constantes crises políticas abalando a economia, o Primeiro Reinado teve
uma intervenção nas cidades limitada, associada à repressão e ao controle social. Já o
Segundo Reinado realizou intervenções mais marcantes no espaço urbano e nas
paisagens das cidades. No início do Segundo Reinado os representantes do Partido
Liberal se fortaleceram politicamente, e a aristocracia rural brasileira chegara,
finalmente, ao poder. De políticos anti-conservadoristas, os grandes proprietários de
terras, que claramente haviam lutado contra o domínio colonial; afirmaram-se no poder
e dominaram a política nacional.
As Cidades começaram a receber os meios de transporte, telégrafo, e mais tarde
o telefone. A Revolução Industrial finalmente atingira o Brasil. A fotografia atraía as
pessoas da sociedade pela rapidez e, tornou-se símbolo da modernidade. As pessoas
deixaram de usar carros com tração animal e aderiram aos bondes e trens; e nas ruas,
por toda parte, se via os novos lampiões a gás.
Os proprietários rurais passaram a imitar os costumes da corte, para estreitar
seus vínculos com o poder local dos Presidentes das Províncias, e a paisagem urbana é
6
contemplada pelos imensos palacetes dos Barões do café; com seus imensos jardins,
que junto com a arquitetura, ostentavam toda a riqueza e poder dos seus proprietários; e
que modificariam significativamente as ruas das grandes cidades. Sendo geralmente
construídos, por definição das Posturas Municipais em grandes avenidas, intensamente
ocupadas por este tipo de edificações.
Neste contexto são inseridas novas formas de apropriação da paisagem urbana,
por espaços ajardinados e parques. Embora os espaços públicos ao ar livre nas cidades
brasileiras, como as ruas, os largos, as praça, quando não pavimentados, eram de chão
batido; a paisagem valorizada era a urbana. Ainda o lazer contemplativo da natureza era
hábito próprio do campo.
Nas paisagens das cidades brasileiras o ecletismo foi baseado nos padrões
europeus, caracterizando-se pela mistura de elementos nos projetos dos espaços abertos
das cidades neste período. A antiga residência imperial, a Quinta da Boa Vista, com
seus jardins contemplativos e espaços transformados em praças ajardinadas é, nos dias
atuais, um exemplo do ecletismo dos espaços abertos do século XIX nas cidades
brasileiras.
Se por um lado o ecletismo na arquitetura propôs um historicismo formal nas
edificações, nas paisagens se propôs a um reencontro emocional com a natureza; com
espaços livres construídos, como os jardins, passeios públicos e posteriormente os
parques urbanos; configurando as paisagens das cidades brasileiras do século XIX.
As alterações paisagísticas e urbanísticas se concentraram no espaço
arquitetônico das grandes cidades brasileiras no século XIX, enquanto em outras regiões
do país tudo permanecia como se nada estivesse acontecendo. O Brasil, como um país
agrário, viu as transformações tecnológicas atingirem principalmente os grandes centros
urbanos, mesmo sendo o campo o local que produzia a matéria-prima para a exportação,
e onde estava concentrada a maior parte da população.
Até o começo do século XIX os habitantes de Vila de Nossa Senhora da Luz do
Bom Jesus dos Pinhais foram se estabelecendo como agricultores de subsistência, pois a
mineração estava cada vez mais escassa. A cidade de Curitiba tinha uma localização
geográfica privilegiada, pois era ponto terminal dos caminhos do Itupava e da Graciosa,
que ligavam ao litoral e também era o entroncamento das duas rotas tropeiras que
vinham de Viamão (RS) e de Sorocaba (SP). Isto fez com que a Vila se desenvolvesse
7
rapidamente, obtendo uma maior segurança política, e se tornasse, em 1812, a 5a
Comarca de São Paulo, que foi transferida de Paranaguá para Curitiba.
Para o naturalista Saint-Hilaire, que em 1820 passou por Curitiba:
Essa cidade tem uma forma quazi circular e se compõe de 200 cazas, pequenas e cobertas de telhas, quazi todas ao res do chão, grande números delas, porém, são construídas de pedras [...]. As ruas são largas e quazi regulares; algumas foram inteiramente calçadas, outras são unicamente na frente das casas.
E em 1842, através da Lei nº 5, a Assembleia Legislativa da Província de São
Paulo, eleva a Vila de Nossa Senhora da Luz do Bom Jesus dos Pinhais à categoria de
cidade com o nome de Curitiba. A Legislação Colonial vigorou até a Lei de 1º de
outubro de 1828, que atribuiu somente poderes administrativos às Câmaras, além de
perderem o nome de Cadeia. Um código criminal foi instituído no Brasil em 1830 e
outro de processo em 1832, onde foram criados os cargos de chefes e delegados de
polícia, com atribuições policiais e judiciárias. Mais tarde se determinou a construção
das casas de correção, a origem das atuais penitenciárias (Veríssimo, Bittar e Alvarez,
2001, p.63).
Em 29 de agosto de 1853, através da Lei Imperial nº 704, o Paraná tornou-se
Província, emancipando-se política e administrativamente de São Paulo, e assumindo
como seu primeiro Presidente de Província, em 19 de dezembro do mesmo ano, Dr.
Zacarias Góes e Vasconcellos; elevando-se Curitiba à condição de Capital do Paraná em
26 de julho de 1854.
Com a emancipação política e elevação à Capital da Província, Curitiba
necessitou criar uma estrutura parlamentar que comportasse essas novas
responsabilidades. Além disto, com a extração da madeira e da erva-mate, a partir da
segunda metade do século XIX, a economia do Paraná também tomou novos rumos.
De certa maneira a cidade foi se transformando, em decorrência de fatores
diversos, pois à medida que mais crescia mais pessoas chegavam, e com elas novas
maneiras de ver, usufruir e perceber o espaço urbano. A partir de 1854, chegaram os
primeiros imigrantes europeus, mais precisamente os polacos, os alemães, os italianos,
os ucranianos e outros, em menor número; com a principal finalidade de ocupar as
terras da região, advinda do vazio demográfico.
É o ano de 1853 o ponto de partida para o planejamento urbano de Curitiba,
quando a cidade se torna a capital da Província do Paraná, tendo que se adaptar às
8
exigências vindas do Rio de Janeiro, a capital do Império, com determinações a respeito
da administração da nova Província. Assim houve uma grande transformação no
desenho e na paisagem da cidade e para Carneiro (1960, p.364):
O Período da história do Paraná que vai de 1853 a 1889, embora curto é intenso e decisivo para a Província que se havia emancipado depois de longa e pertinaz campanha. [...] nele fixa-se o espírito político e tenta-se uma diretriz administrativa que devesse e pudesse perdurar. Os empreendimentos fundamentais mais essenciais se realizam, como a estrada da Graciosa, a estrada de Ferro Paranaguá, o caminho do Mato Grosso, cortando o interior, a comunicação telegráfica de Curitiba com grandes centros do país [...].
A partir de 1853 a constituição outorgada por Pedro I é modificada pelo ato
adicional, pois as Províncias até então possuíam certo grau de emancipação: a
Assembleia Provincial era eleita com seus vice-presidentes locais. E apesar da maioria
dos Presidentes da Província do Paraná neste período terem nascido em outros lugares,
eles em nada ficaram devendo na função de administradores de províncias, aos que
pertenciam à região.
Apesar de ser a nova capital da Província, Curitiba ainda era uma cidade muito
precária e carente em vários aspectos e necessidades urbanas. Segundo Dudeque (1995,
p.119), “[...] a cidade de Curitiba até ser elevada à categoria de capital da Província do
Paraná era composta apenas por um pequeno grupo de casas, não ultrapassando o
numero de dez ruas, agrupadas irregularmente ao redor da praça da matriz, e contava
com mais ou menos 6000 habitantes”.
A modernização começara, e para que ela fosse viabilizada engenheiros foram
contratados para idealizarem os planos urbanos e construírem os edifícios públicos,
cada vez mais indispensáveis. De acordo com o Jornal Dezenove de Dezembro
(29/04/1854, caderno 1) apud Oba (1998, p.171):
A nossa câmara municipal, [...] permitirá que de passagem lhe lembremos, que logo que o governo ponha à sua disposição algum engenheiro, é preciso tratar de dar a esta nossa capital um plano, a que se sujeitem as novas construções, que nela se estão levantando quase todos os dias. As nossas grandes capitais, inclusive a corte do Rio de Janeiro, são cidades muito defeituosas por se haverem levantado sem plano a gosto e capricho dos primeiros proprietários. [...] a largura das ruas que não deve ser menos de 7 a 8 braças (12,6 a 14,4 m), a uniformidades da extensão dos quarteirões, certas condições de arquitetura nas casas, que ponham um freio ao mau gosto e a
9
péssima rotina de construções aleijadas, e um sistema de esgoto das águas para evitar-se a monstruosa quantidade de lama que entulham as ruas depois de qualquer chuva [...]. Não temos ainda iluminação, as calçadas são horríveis: ninguém se atreve a sair à noite a passeio, porque tem medo de cair em algum barranco, ou ir abraçar-se aos chavelhos de algum boi.
Aos poucos o desenho da cidade foi se tornando regular e quadrilátero (Figura
01), com agrupamentos em ângulos retos bem definidos, já com uma preocupação de
circulação dentro da malha urbana. As alterações de Taulois foram decisivas na
transição da paisagem da Curitiba colonial para a Curitiba dos tempos imperiais.
Figura 01: Traçado urbano de Curitiba em 1857. Fonte: VIANNA, Eunice Rauen - Agenda Mais: Arquitetura, Engenharia e decoração.
Guias de compras e serviços. Curitiba: Gráfica Ótima, 2001.
A expansão urbana fez com que a área da cidade ultrapassasse o limite do Largo
da Matriz, atual Praça Tiradentes, passando a crescer além dos rios Ivo e Belém. Ruas
foram abertas e as tipologias das construções obedeciam às novas necessidades de
modernização da cidade. Os passeios com meio-fios passaram a fazer parte da paisagem
urbana a partir de 1861, e se fez necessário que se começasse a normatizar e separar a
circulação entre os pedestres e as montarias. A circulação urbana torna-se, então, um
10
dos principais problemas a ser resolvido, em decorrência do aumento das atividades
comerciais, culturais e sociais (Oba, 1998, p.171-173).
A arborização urbana em Curitiba ainda era muito rara, pois no imaginário da
população do século XIX, a definição do meio urbano vinha pela contraposição ao rural.
Áreas verdes eram confinadas aos quintais e de preferência fora da vista dos transeuntes
das vias urbanas. Outro fator agravante era a crença popular de que as árvores com seu
sombreamento intenso poderia provocar algum tipo de doença.
Para Bartalini (2005, p.2):
Os espaços públicos ao ar livre nas cidades brasileiras eram as ruas, os largos, as praças. Quando não pavimentados eram de chão batido. Vegetação se houvesse, era o mato que crescia por falta de cuidados. Manifestações da natureza eram sinônimos de inconveniências, de perturbações. Nas cidades, a paisagem valorizada haveria de ser urbana. Usufruir jardins ou divertir-se em meio ao verde eram hábitos próprios do campo e nele deveriam ser exercidos.
Especificamente em Curitiba as áreas públicas secas tinham preferência nas
Posturas Municipais (1829, p.25) da época e “[...] os proprietários que tiverem em seus
quintais árvores de qualquer qualidade e que deitarem ramos para as ruas ou praças, são
obrigados a conservá-las podadas”.
Somente, por volta de 1877 é que a arborização pública em praças e jardins
passa a ser um empenho do poder público, juntamente com a ideia de salubridade
associada às espécies vegetais em espaços abertos públicos que consistia basicamente
no alargamento e calçamento das calçadas e vias com instalação de iluminação e
arborização, além de receber os novos meios de transporte coletivo e individual.
Grandes áreas urbanas livres foram transformadas em lugares mais saudáveis.
Quanto à arquitetura das fachadas das edificações, o poder público não via mais
a regularidade e padronização da arquitetura colonial com simpatia, pois não vinham de
encontro aos anseios das elites da época. E a arquitetura eclética com sua miscelânea
estilística que se disseminou por todo o Brasil a partir de 1875, inclusive em Curitiba,
propunha uma conciliação na polêmica sobre a adoção de estilos historicistas, baseados
nos princípios românticos, numa busca das origens históricas e valorização da expressão
pessoal e liberdade criativa (Castelnou, 2000, p.29).
Com o ecletismo as construções começaram a ter características formais
individuais, o que também aumentava a qualidade das edificações da elite burguesa. Em
11
Curitiba o gosto particular dos proprietários tornou-se visível na paisagem da cidade
pela personalização das fachadas diferenciadas entre si e à medida que século XIX
finalizava, as técnicas construtivas se aprimoravam cada vez mais.
A década de 1880 foi a que mais transformou Curitiba paisagisticamente (Figura
02). A cidade é ligada ao Porto de Paranaguá por estrada de ferro; construída com o
apoio do Governo Imperial, que iniciara a construção em 1880. Para local de construção
da Estação Ferroviária (Figura 03) foi escolhida a Rua Leither (na época), depois Rua
da Liberdade e atual Rua Barão do Rio Branco, pois esta rua estava próxima ao local
das indústrias e engenhos de mate (Guinski, 2002, p.35).
Figura 02: Paisagem urbana da Praça Tiradentes Fonte: VIANNA, Eunice Rauen - Ob. cit.
Figura 03: Museu do Ferroviário, antiga sede da Estação Ferroviária.
de Curitiba. Fonte: Arquivo do autor, 2005.
No projeto original se previa duas grandes praças fronteiriças, porém somente a
Eufrásio Correa (Figura 04) é construída e em 1885, quando inaugurada, a praça era um
matagal e a atual Rua Barão do Rio Branco, antiga Rua da Liberdade, uma via de solo
12
pouco firme e semipantanoso, com três ou quatro casas ligadas por cercas de ripas ou
tábuas.
Figura 04: Praça Eufrásio Correa (na atualidade). Fonte: Arquivo do autor, 2005.
O impacto causado pela chegada da ferrovia a Curitiba foi notório, uma vez que
coincidiu com a introdução de novas técnicas, conhecimentos, mão-de-obra
especializada e redefiniria a paisagem da cidade. As atividades econômicas foram
incrementadas, e o espaço urbano, em menos de duas décadas, teve o cenário
completamente transformado. Ruas próximas, que serviam de ligação com o terminal
ferroviário, tais como a Rua Ratcliff (atual Desembargador Westphalen) e a estrada de
São José (hoje Marechal Floriano) necessitaram de reparos; e outras acabaram
abrigando os funcionários da Rede, como a Avenida Silva Jardim. Indústrias, engenhos
de erva-mate e madeireiras também se aproximaram da ferrovia e para Oba (1998, p.
177):
Com a inauguração da estrada de ferro transformou-se toda a vida da antiga Província e dir-se-ia tão subitamente como a mutação de cenário. Curitiba passou a ser grande cidade, com seu movimento febril e o seu aspecto de vasto centro econômico a irradiar amplamente para todos os lados. [...] numerosas fábricas se montaram, a edificação aumentou espantosamente; criaram-se bancos e casas bancárias e de câmbio; constrói-se uma linha de bondes e a fisionomia da vida local mudou completamente.
O crescimento da cidade passou a ser planejado, ordenado e fiscalizado por
técnicos. Juntamente com a Estação Ferroviária os curitibanos vivenciaram um
progresso econômico e um fortalecimento do poder por ocasião da construção da atual
13
Câmara Municipal de Curitiba, na época Assembleia Legislativa de Curitiba, na Rua da
Liberdade ao lado da Praça Eufrásio Correa, em estilo eclético.
Entretanto foi com a inauguração do Passeio Público (Figura 05) em 02 de maio
de 1886 que Curitiba passou a desfrutar da mais importante inovação na paisagem das
cidades do século XIX: o Parque Urbano Público. O parque urbano no Brasil foi
implantado não por necessidade, como uma espécie de pulmão verde, como na Europa,
onde foi o grande amenizador e qualificador das paisagens urbanas no final do século
XIX. No Brasil imperial as cidades passam por uma profunda estruturação, e é no
contexto da implantação de novos equipamentos urbanos que são criados no Rio de
Janeiro o Jardim Botânico e Campo de Santana e também revitalizado o Passeio Público
tendo seu traçado clássico modificado para o traçado romântico dos parques ingleses.
Na administração do Presidente da Província Alfredo D’Escragnole Taunay o
local de um grande pântano do rio Belém é transformado no Passeio Público de
Curitiba, além viabilizar de a arborização e calçamento de ruas próximas.
Figura 05: Passeio Público de Curitiba (1886). Fonte: GUINSKI, Otávio Duarte - Ob. cit.
De acordo com Guinski (2002, p.38):
Ao ser inaugurado, em 2 de maio de 1886, o Passeio Público já tem um carrossel, instalado para gerar renda e oferecer passatempo aos frequentadores. [...] outro atrativo que esta direção pensa ser útil estabelecer brevemente, é uma série de gôndolas convenientemente preparadas para passeio nos rios e lago [...]. Terminado que seja o grande Parque que esta direção projeta construir n’um lugar conveniente do Passeio, poderá ter o mesmo em seu centro um chalet apropriado para servir ao público café, sorvetes, licores, cerveja, etc. debaixo de frondosas árvores ao abrigo do sol e, aspirando as suavíssimas emanações dos dias tropicais.
14
No ano seguinte, em 1887, Curitiba ganha uma das mais importantes
intervenções paisagísticas que transformaria drasticamente sua paisagem urbana, o
transporte público através do serviço de bondes, puxados por mulas ou burros; sendo
que a primeira linha ligava o Alto da Glória ao atual bairro Batel.
O bonde, de tração animal, e o elétrico, que viria a ser instalado mais tarde;
juntamente com o início das preocupações com o planejamento urbano da cidade;
contribuíram para a configuração da paisagem moderna de Curitiba, que despontaria no
período da erva-mate e da arquitetura eclética.
No que se diz respeito ao poder político neste período, apesar da competência
legislativa da Câmara ter sido reduzida, ainda era bastante abrangente e a ela
exclusivamente competia apresentar projetos de leis, que eram sancionados ou vetados.
A Câmara passaria a se encarada maioritariamente como provedora de serviços no final
do século XIX, quando começou os conflitos provocados pelo arruamento, pelo
questionamento da fundamentação geometrizante, adotada oficialmente para definir o
desenho urbano.
O morador da cidade tornou-se um consumidor de serviços urbanos, o que gerou
uma forte pressão sobre o poder público. A iluminação urbana pública, que se
concentrava na frente de alguns edifícios públicos e das moradias de poucos
privilegiados, não atendia às necessidades do citadino, o que gerou outro conflito para
ser resolvido depois da Proclamação da República.
Segundo Oba (1998, p.179):
Até meados do século XIX a iluminação pública da cidade era basicamente a da Casa de Câmara e Cadeia e o Pelourinho. Lentamente os lampiões, lanternas e candeeiros a óleo ou cera foram aparecendo em outros prédios públicos; e com a elevação da cidade à capital da Província, houve a necessidade de se estender à iluminação pública.
A iluminação pública objetivava os ideais cosmopolitas, que afloravam a partir
da segunda metade do século XIX nas principais cidades brasileiras. No ano de 1871 a
Câmara aprova a substituição da iluminação a óleo ou cera por querosene, a
implantação de um poste de iluminação em cada chafariz da cidade, além de um
lampião a querosene no Mercado Municipal.
A primeira lâmpada elétrica foi instalada em 1886, no Passeio Público, como
demonstração da recente tecnologia. Somente em 1892, na Praça Eufrásio Correia é que
15
a iluminação pública elétrica entra no cenário urbano de Curitiba, alterando por
completo sua paisagem, pois ela veio acompanhada por todo o aparato de fiação e
postes que tanto degradaram a estética das cidades a partir do final do século XIX.
As intervenções na paisagem urbana de Curitiba durante o Período Provincial
foram decorrentes de deliberações diretas dos Presidentes de Província, dos quais a
maioria nem filhos da terra eram; a maior parte deles vinham de fora e após deixarem o
cargo deixavam a província. Sendo estas intervenções viabilizadas a partir das Atas da
Câmara Municipal, podemos analisar que, indiretamente, foi o poder público da
Câmara, pelas suas posturas municipais, que articulou todas as inovações da arquitetura
paisagística da cidade durante este período.
O poder municipal na década de 1870 incentivou a imigração, o que causou um
incremento populacional, à medida que estes imigrantes europeus se estabeleciam nos
arredores de Curitiba. No governo de Adolfo Lamenha Lins, foi elaborada uma teoria
para a criação das colônias circundando a cidade, o que acabou formando um cinturão
verde ao redor da capital, garantindo seu abastecimento. Outros núcleos também foram
criados nesta época, entre eles destacamos: Argelina, Abranches, Pilarzinho, Santa
Cândida, Santa Felicidade e Dom Pedro.
Os imigrantes não se restringiram, entretanto, a ocupar a área agrícola, a cidade
atraiu grande parte deles. Eles trouxeram ideias que transformariam a cidade com
ofícios e técnicas que dariam novos rumos ares à paisagem de Curitiba (Luca, 2000, p.
26).
É certo que a influência dos imigrantes na paisagem urbana de Curitiba ainda
hoje se faz muito presente, a arquitetura foi enormemente influenciada, e cada região
em que eles colonizaram constatamos tipologias diferenciadas no comércio, indústria,
residências, enfim tudo se diversificou com a chegada dos imigrantes e os serviços da
cidade aumentaram consideravelmente.
De 1870 a 1889, final da Monarquia, quando os presidentes da província eram,
quase sempre nascidos em Curitiba, seus governos foram mais longos e deixavam para
seus sucessores indicações dos projetos para eles terem continuação, mesmo quando o
sucessor fosse do partido contrário. Isto possibilitou uma considerável transformação na
paisagem urbana de Curitiba nos anos que antecederam a República (Carneiro, 1960,
p.364).
16
Hoje muito da paisagem urbana de Curitiba se deva a estes espaços configurados
por povos que um dia arriscaram o pouco que tinham e desembarcaram em uma
estranha terra, e a transformaram em um pedaço de suas pátrias; indo aos poucos se
rendendo aos seus encantos ao mesmo tempo em que sentiam orgulho de fazer parte de
nossa história.
Estes fatos urbanos possibilitaram que a tímida morfologia urbana de Curitiba se
transformasse no cenário da paisagem de um centro urbano que abrigou, durante o boom
da erva-mate, os donos de indústrias e comerciantes de mate, trabalhadores,
burocráticos, profissionais liberais e funcionários públicos; e proporcionou-lhes
infraestrutura urbana e condições de vida.
CONCLUSÃO
Durante o período provincial as intervenções na paisagem urbana de Curitiba se
estruturaram pelas deliberações diretas dos presidentes de província a partir das
Posturas, as quais eram aprovadas e viabilizadas a partir das Atas Municipais. Assim,
indiretamente, o poder público da Câmara foi o grande articulador das inovações da
paisagem da cidade durante este período e, juntamente com a economia da erva-mate,
possibilitaram que no final do século XIX Curitiba se transformasse em uma cidade
com infraestrutura urbana e melhores condições de vida.
À medida que a cidade crescia as autoridades locais buscaram saídas para a
manutenção da ordem pública. Desde o Período Imperial participaram do planejamento
de Curitiba profissionais da cidade, como engenheiros, autoridades judiciais e
sanitaristas. Com o Código de Posturas, de 1895, ficaram estabelecidas as normas e o
padrão urbano considerado mais adequado para o projeto de ordenamento e crescimento
que se desejava para a cidade.
Do início do Período Republicano em diante, a paisagem urbana de Curitiba, não
se construiu a partir da estrutura da cidade real, senão por meio de modelos urbanos,
impostos pelo poder público. Ocorreram, dessa maneira, implantações de espaços
sociais que foram apresentados à coletividade como decorrentes de seus anseios. No
entanto, muitas das soluções propostas não vieram ao encontro das necessidades da
população menos privilegiada. Em sua maioria as propostas foram idealizadas por e
para a classe dominante, deixando uma grande faixa da população esquecida ou
relegada a um segundo plano.
17
A chegada dos imigrantes na região transformou a paisagem de Curitiba, pois
novas tipologias arquitetônicas europeias foram incorporadas na morfologia urbana.
Seus costumes e valores nos diversos ramos de atividade e nos diferentes setores da
sociedade, assim como suas contribuições nas artes, na arquitetura e na engenharia
foram marcantes. Mesmo fixados em colônias ao redor da cidade, tinham o núcleo
urbano como o ponto de convergência de suas atividades. A presença dos imigrantes no
cenário da cidade causou significativos impactos, dinamizando o mercado de trabalho e
a economia pela demanda maior das camadas médias urbanas, dependentes de
importações. Paralelamente, foi dificultado o acesso à terra para a produção de
subsistência e, politicamente, instalou-se a federalização dos Estados e o crescente
intervencionismo local.
REFERÊNCIAS
1. BONAMETTI, João Henrique Bonametti – A paisagem urbana como produto
do poder. Urbe. Revista Brasileira de Gestão Urbana (Braziliam Journal of Urban
Management), v.2, n.2. Curitiba, 2010.
2. ______ - A paisagem urbana como produto do poder. Urbe. Revista
Brasileira de Gestão Urbana (Braziliam Journal of Urban Management), v.2, n.2.
Curitiba, 2010.
3. CARNEIRO, David - História do Período Provincial do Paraná: Galeria de
Presidentes (1853-1889). Curitiba: [s.n.], 1960.
4. CASTELNOU, Antônio Manuel - Introdução à Arquitetura e Urbanismo.
Londrina: Centro Universitário Filadélfia (UNIFIL), 2000. Apostila.
5. CURITIBA. CÂMARA MUNICIPAL - Leis, Decretos e Atas de Posturas
Municipais. 5ª sessão ordinária, 1829. Curitiba: Imprensa Estadual, v.19.
6. BARTALINI, Vladmir - Paisagem e Cultura em São Paulo. 2005. Disponível em:
http://www.usp.br. Acesso em: 20 abr. 2005.
7. DUDEQUE, Irã - Cidades sem véus: doenças, poder e desenho. Curitiba:
Champagnat, 1995.
8. FOUCAULT, Michael - Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, [198-?].
9. GUINSKI, Otávio Duarte - Imagens da Evolução de Curitiba. Curitiba: Quadrante
Editorial, 2002.
18
10. JORNAL DEZENOVE DE DEZEMBRO - Planejamento urbano. 29 abril, 1854,
Caderno 1.
11. LUCA, Tânia Regina de Luca - Café e Modernização. São Paulo: Livreiros
Editores, 2000.
12. MINDLIN, Henrique - A paisagem recriada. São Paulo: Instituto Roberto
Simonsen, 1980.
13. NOVY, Andréas. A desordem da periferia: 500 anos de espaço e poder no Brasil.
Petrópolis: Vozes, 2002.
14. OBA, Leonardo - Os marcos urbanos e a construção da cidade: identidade de
Curitiba. São Paulo: FAU-USP, 1998. Tese de doutoramento.
15. PEIXOTO, N.B. - Paisagens urbanas. São Paulo: SENAC, 1996.
16. VERÏSSIMO, Francisco S.: BITTAR, Willian S.M.; ALVAREZ, José Maurício –
Vida Urbana: A evolução do cotidiano da cidade brasileira. Rio de Janeiro:
Ediouro, 2001.
17. VIANNA, Eunice Rauen - Agenda Mais: Arquitetura, Engenharia e decoração.
Guias de compras e serviços. Curitiba: Gráfica Ótima, 2001.