negociação coletiva contextualizada

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NEGOCIAÇÃO COLETIVA NO SINDICALISMO GLOBALIZADO Juliana Teixeira Esteves 1 Sumário: Introdução. Estado e negociação coletiva. A proposta de reforma sindical brasileira e as mudanças na negociação coletiva. Intervenção estatal nos sindicatos. A negociação coletiva no Mercosul. O enfraquecimento do sindicalismo. Considerações finais. Resumo: O Direito do trabalho foi desenvolvido a partir da união de interesses dos trabalhadores que almejavam melhores condições de trabalho. Com a evolução dos tempos e os novos paradigmas que a sociedade moderna obteve houve alterações na forma de negociar tais direitos. O texto trata do instrumento usado para a negociação coletiva, sua evolução jurídica, abordagem no contexto internacional. Por fim, analisa-se politicamente o projeto de reforma sindical. Palavras-chave: sindicalismo; negociação coletiva; reforma sindical INTRODUÇÃO As normas do Direito do Trabalho dependem, marcadamente, dos fatos políticos e econômicos. Em vista disso, é comum dizer que a História do Direito do Trabalho segue pari passu a História Geral da Civilização. A tecnologia, a globalização, a atual economia de mercado que acompanha e/ou provoca crises econômicas, as empresas multinacionais, as modificações geopolítico-ideológicas e a reestruturação produtiva, acarretaram profundas transformações ao Direito laboral e são nas relações coletivas de trabalho, na forma de solução dos conflitos coletivos, que essas transformações são sentidas mais fortemente. 1 Doutora em Neoconstitucionalismo e Mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco. Advogada trabalhista em Pernambuco. Professora assistente II na UNICAP 1

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NEGOCIAÇÃO COLETIVA NO SINDICALISMO GLOBALIZADO

Juliana Teixeira Esteves1

Sumário: Introdução. Estado e negociação coletiva. Aproposta de reforma sindical brasileira e as mudanças nanegociação coletiva. Intervenção estatal nos sindicatos. Anegociação coletiva no Mercosul. O enfraquecimento dosindicalismo. Considerações finais.

Resumo: O Direito do trabalho foi desenvolvido a partir daunião de interesses dos trabalhadores que almejavammelhores condições de trabalho. Com a evolução dos tempos eos novos paradigmas que a sociedade moderna obteve houvealterações na forma de negociar tais direitos. O textotrata do instrumento usado para a negociação coletiva, suaevolução jurídica, abordagem no contexto internacional. Porfim, analisa-se politicamente o projeto de reformasindical.

Palavras-chave: sindicalismo; negociação coletiva; reforma sindical

INTRODUÇÃO

As normas do Direito do Trabalho dependem, marcadamente,dos fatos políticos e econômicos. Em vista disso, é comumdizer que a História do Direito do Trabalho segue pari passua História Geral da Civilização.

A tecnologia, a globalização, a atual economia de mercadoque acompanha e/ou provoca crises econômicas, as empresasmultinacionais, as modificações geopolítico-ideológicas e areestruturação produtiva, acarretaram profundastransformações ao Direito laboral e são nas relaçõescoletivas de trabalho, na forma de solução dos conflitoscoletivos, que essas transformações são sentidas maisfortemente.

1 Doutora em Neoconstitucionalismo e Mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco. Advogada trabalhista em Pernambuco. Professora assistente II na UNICAP

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A preocupação de proteger o trabalhador não tinha umapercepção jurídica ou social, mas política, uma vez que sedestinava à permanência das classes dominantes em castasmais elevadas reduzindo os trabalhadores a uma situaçãopredeterminada, sem possibilidade de qualquer ascensão,embora uma organização de trabalho avançada já existissenas civilizações orientais mais antigas. Importanteobservar que, por motivos religiosos, o Talmud e o Código deHamurábi representaram uma pausa pelo reconhecimento decertos direitos civis ao trabalhador, mas semdescaracterizar o trabalho escravo representativo daAntiguidade. Em Roma, o escravo era res que se sujeitava àvontade de seu dono. Na Constituição grega ateniense hámenção ao princípio do trabalho, por autoria de Teseu eSólon, mas como demonstram pesquisas históricas, esteperíodo foi curto. Platão e Aristóteles não só admitiamcomo defendiam a escravatura em suas conhecidas obras ARepública e A Política, respectivamente.

Na Idade Média, o camponês deixou de ser considerado res epassou a ser pessoa, sendo-lhe atribuído limitados direitoscivis. Era vigente o regime da servidão à gleba, e ocamponês vivia subordinado ao senhor feudal em todos osmomentos de sua vida, sejam eles pacíficos ou bélicos. Esteperíodo foi sucedido pelo surgimento das corporações2.Posteriormente surge o regime das manufaturas3 e nesse regime oprodutor admitia trabalhadores pagando-lhes remuneraçãounilateralmente e arbitrariamente estipulada, da qual nãocabiam discussões. O Renascimento, embora não tragaqualquer contribuição direta sobre a idéia de trabalho,influencia, por meio da arte, a idéia que o homem tem de simesmo, passando a valorizar-se e a ver-se como centro douniverso.

2 Corporações eram associações de produtores rigidamente organizadas,que objetivavam controlar o mercado, a concorrência e a manutenção dosprivilégios dos mestres, responsáveis por sua direção. O trabalho nascorporações também era distribuído entre companheiros e aprendizes. Ajornada de trabalho chegava a 18 horas no verão.

3 Concessão dada pelo Príncipe ao Produtor .

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O trabalho livre somente veio a surgir com a RevoluçãoFrancesa passando a Europa por grandes mudanças durante asegunda metade do século XVIII e ao longo do século XIX coma Revolução Industrial e a introdução da máquina. O capitale o trabalho, então meios de produção, concentravam-se atéeste momento na pessoa do artesão. Com o industrialismosurgem também as sociedades anônimas e de responsabilidadelimitada.

Novas relações de trabalho se estabelecem e a revoluçãoburguesa acontece. O artesão se torna um assalariado ou,excepcionalmente, fabricante. Os detentores dos meios deprodução são agora os proprietários do capital também. Ahierarquia antes havida nas corporações de ofício -mestres, companheiros e aprendizes – é transferida para asfábricas. Somente quando a consciência político-socialpassou a valorizar o trabalho é que se abriu campo para osurgimento de leis a respeito.

No princípio, apesar das transformações no modo deprodução, as relações trabalhistas eram disciplinadas peloDireito Civil, sendo o contrato de trabalho entendido comocontrato de locação de serviços.

Somente em fins do século XIX, é que se pode falar em umDireito do Trabalho totalmente distinto do Direito Civil.Nessa época prevaleciam o individualismo jurídico e oliberalismo econômico. O desequilíbrio de forças entreoperário e empregador e conseqüente sobre-exploração dotrabalho humano levou a constituição de associações e autilização da greve como meio de destruição do modeloindividualista dos Códigos Civis.

Num primeiro momento, as associações de trabalhadorestinham uma feição de ajuda recíproca. Eram sociedades deseguros mútuos, toleradas pelas autoridades. Surgiram,então, as sociedades de resistência ocultas, como aSociedade Tipográfica de Paris, a Sociedade de UniãoFraterna e Filantrópica dos Alfaiates e instalaram aimprensa da classe trabalhadora atacando, inclusive, o surgimentodas novas máquinas, confundindo o que devia ser o progressotecnológico e exploração do trabalhador. Também foram

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criadas leis proibindo associações. Na Inglaterra, asCombinations Acts, de 1799 e 1800. Na França, a Lei Chapelier, de1791, proibia qualquer associação. O Código Penal francês,de 1810, tipificava a associação como crime.

Importante observar que as origens do Direito do Trabalhose deram em países que primeiro implantaram o processo deindustrialização, como a Inglaterra, a França, a Alemanha,a Bélgica. Em seguida vieram a Espanha e a Itália. Mas foia Inglaterra quem primeiro reconheceu a liberdade deassociação, influenciando a Europa de então e os EstadosUnidos na segunda metade do século XIX.

Embora haja divergência quanto ao ano de criação do Direito|Coletivo do Trabalho, se em 1824 ou 1826, é certo que aprimeira Associação Geral Trabalhadora Alemã surgiu em 1863 e asrestrições existentes até então no que diz respeito àassociação sindical foram praticamente suprimidas, com aaprovação pela Assembléia Nacional de Frankfurt dos direitosfundamentais do povo alemão. Na França o crime de associação foi extinto em 1864 e agreve foi declarada lícita. Entre 1867 e 1870, foramcriadas 67 associações sindicais de trabalhadores naFrança, bem como associações nacionais em Paris, Marselha eLyon. Na França, em 1881, havia 138 associações patronaiscom 15.000 membros e 500 associações de trabalhadores com60.000 sindicalizados. Em 21 de março de 1884 acontece oreconhecimento legal do direito à sindicalização na França.

ESTADO E NEGOCIAÇÃO COLETIVA

Antes de adentrar no tema, será feita uma explanaçãohistórica da instituição representante dos interessescoletivos e responsáveis por realizar as negociaçõescoletivas de trabalho no Brasil.

Surgimento do sindicato

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O Decreto legislativo nº 979, de 6.1.1903, que conferia odireito “aos profissionais de agricultura e indústrias rurais de qualquergênero, organizarem entre si sindicatos para o estudo, custeio e defesa de seusinteresses” ajudou a tornar o termo sindicato conhecido entre ostrabalhadores, com a primeira norma jurídica sobresindicalização e o de nº 1.637, de 1907, pode serconsiderado a segunda lei sindical que tentou introduzir osindicalismo no meio urbano autorizando o sindicato deprofissionais exercentes da mesma profissão e de profissõessimilares ou conexas. Esses dois Decretos podem ser tidoscomo marcos da fase de jurisdicialização do nossosindicalismo.

As efervescentes idéias pós-abolição, como a da organizaçãodos trabalhadores, chegavam ao Brasil com os imigranteseuropeus. Nessa mesma época, em meados de 1890 surgia emSão Paulo e espalhava-se para o sul do país, a doutrinasindical e política do anarcossindicalismo, trazida pelosimigrantes italianos. Suas reivindicações eram, dentreoutras, melhores salários, menor jornada de trabalho que,na época, era de 16 horas, melhores condições de trabalho.O anarcossindicalismo foi forte no Brasil e inspirou grandenúmero de greves ocorridas no ano de 1919. Antropólogosdefendem que o declínio da doutrina, que declinouvertiginosamente em meados de 1920, sobretudo após aexpulsão dos estrangeiros, deveu-se a motivos étnicos. Omovimento acima citado não chegou a atingir os fins plenosa que se propunha, pois não conseguiu unificar o movimentooperário, terminando por fornecer aos seus opositores amunição necessária para inspirar uma campanhaantisindicalista, com repercussões importantes ao longo dotempo.

Período marcado por um grande número de greves, abriu-seespaço às filosofias políticas como o fascismo, o comunismoe o integralismo, correntes que defendiam a idéia de umgoverno forte, com condições de evitar a influência dotrabalhador imigrante no movimento operário brasileiro.Essas filosofias, por diversas vezes, substituíram asreivindicações trabalhistas - de caráter profissional - porreivindicações de caráter político, pavimentando o futurocaminho de Getúlio Vargas.

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O pensamento filosófico-político da época acreditava que osconflitos entre obreiros e patrões deveriam serintermediados e minimizados pela mão estatal por meio depolíticas de integração. Foi criado então, o Plano deEnquadramento Sindical a fim de atingir formalmente oobjetivo em que estava inserida a estruturação sindical, acargo do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio,criado em 1930. O Decreto nº 19.770/31 previa umsindicalismo voltado tão somente para a integração dasclasses produtoras, sem qualquer participação política dossindicalistas. Era um direito sindical marcado por um forteintervencionismo estatal e que perdurou explicitamente atéa Constituição Federal de 1988.

O Professor Cássio Mesquita Barros assim relata oconturbado período por qual passou o sindicalismobrasileiro:4

“Na Constituição de 1934, após tumultuadoperíodo do governo discricionário de GetúlioVargas, parecia que o sindicato iria iniciaruma outra fase, uma vez que proclamava, noart. 120, a pluralidade sindical. Apluralidade, porém, não ocorreu, pois oGoverno, que ainda detinha o poder de expedirdecretos-leis, a pretexto de reajustar oantigo estatuto à nova Constituição,antecipou-se e quatro dias antes dapromulgação da nova Carta Constitucionaldecretou novo estatuto sindical (Decreto nº24.694, de 12.7.34). Inquinado deinconstitucional, o decreto foi mantido sob oargumento cerebrino da distinção entrecontrole hierárquico e controleadministrativo. Essa distinção justificava,entre outras, a intervenção estatal destinadaa suspender por até seis meses as funções dadiretoria do sindicato.”

Sob influência do regime corporativista italiano, aConstituição de 1937 dispunha que somente o sindicato4 Em aula proferida e publicada na internet no sítio www.mesquitabarros.com.br, sob o título direito coletivo do trabalho.

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regularmente reconhecido pelo Estado tem o direito de representação legal dosque participarem da categoria de produção para a qual foi constituído, e dedefender-lhes os direitos perante o Estado e as outras associaçõesprofissionais, estipular contratos coletivos de trabalho obrigatórios para todosos seus associados, impor-lhes contribuições e exercer em relação a elesfunções delegadas de poder público5, embora garantisse a liberdadede associação.

Também a organização sindical estava ligada à ordemeconômica quando a mesma Carta Magna dispunha em seu artigo140 que a economia de produção será organizada em corporações e estas,como entidades representativas das forças do trabalho nacional, colocadas soba existência e proteção do Estado, são órgãos e exercem funções delegadas depoder público”.

Em 1943 foi criada a Justiça do trabalho através dapromulgação da CLT. Com nova Constituição de 1946 direitossociais foram inseridos no ordenamento jurídico brasileiro,dentre os quais, o direito de greve. O art. 94, V, incluiua Justiça do Trabalho entre os órgãos do Poder Judiciário,eliminando a ligação antes existente com o Ministério doTrabalho.

Curioso notar que apesar da inspiração democrática quepermeava a Constituição de 1946, o art. 159 ao mesmo tempoque assegurava a liberdade de associação profissional ousindical, determinava que deveriam ser “reguladas por lei a formade sua constituição, a sua representação legal nas convenções coletivas detrabalho e o exercício de funções delegadas pelo poder público.”

A Constituição de 1946, embora uma das mais completas domundo no tocante aos direitos sociais à época, nãocontemplou a dose necessária de imperatividade, pois muitosde seus dispositivos tinham o caráter de recomendação,segundo Sussekind6.

A tentativa de revisão da CLT, em 1955 não surtiu quaisquerefeitos e também não tiveram andamento os anteprojetos do

5 Artigo 138 da CF/37.6SUSSEKIND, Arnaldo et al. Instituições de direito do trabalho. 18ªed. atual. por Arnaldo Sussekind e João de Lima Teixeira Filho. v.2São Paulo : LTr, 1999.

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Código do Trabalho e do Código de Processo do Trabalho,embora o trabalho final elaborado pela respectiva Comissãotenha sido remetido ao Poder Executivo. Com as leis entãovigentes e tendentes à divulgação do sindicalismo, omovimento sindical cresceu intensamente, tanto no campocomo na cidade. Em 1963, havia 300 sindicatos rurais nopaís; em março de 1964 já eram 1.500 sindicatos.

Uma nova Constituição foi aprovada após o golpe militar de1964 e o art. 158 da Constituição de 1967, mantendopraticamente a mesma redação do art. 157 da Constituição de1946, assegurou diversos direitos aos trabalhadores “além deoutros que, nos termos da lei, visem à melhoria de sua condição social”7. Oprincípio do reconhecimento das convenções coletivas e aliberdade de associação profissional ou sindical forammantidos. Entretanto foi determinada a continuidade daintervenção estatal no sindicato quando estabeleceu aobrigatoriedade do voto nas eleições sindicais. Até mesmo aEmenda Constitucional nº 1, outorgada em 17.10.69,confirmou os direitos trabalhistas já assegurados naConstituição anterior8.

Em 5 de outubro de 1988 uma nova Constituição Federal foiaprovada e os direitos trabalhistas que antes estavamenquadrados no Capítulo ‘Da ordem econômica e social’ estãoagora inscritos no Capítulo dos ‘Dos Direitos Sociais’ e noTítulo ‘Dos Direitos e Garantias Fundamentais. O art. 8º daCF/88 acolheu o princípio da liberdade sindical e dispôsque a lei não exigirá autorização do Estado para a aberturade um sindicato, ressalvado o seu registro no órgãocompetente. Não pode, ainda, o Poder Público interferir ouintervir na organização sindical. Incluiu também aestabilidade do dirigente sindical, dentre as demaisestabilidades especiais criadas. Washington Luiz da Trindade assinala que com a mudança doeixo do Direito do Trabalho,

“evita-se, além dos males da intervenção do Estado, paternalista etotalizante, o inconveniente a que Roberto Pera chama de o ‘asmáticoprocesso legislativo’, sempre atrasado em relação ao dinamismo crescente

7 Esse termo também foi mantido na CF/88.8 Artigos 165 e 166 da EC1/67.

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das relações industriais que exigem e não esperam pela solução dosreajustes, das acomodações, das retificações de que precisam sindicatos eempresas, em frente ao fenômeno da perecibilidade da norma laboral. Ofenômeno, estudado por Louis Dechatelet, acaba por encontrar nanegociação coletiva a fonte imediata da criação do Direito e mais adequadaa essa perecibilidade que, constantemente, ataca a lei trabalhista, deixandouma lacuna por algum tempo, enquanto outra lei asmaticamente não seelabora, para substituir o texto que perdeu a eficácia, vale dizer, perdeu a‘carga de decisão social’ ou se converteu, se nos permitem, em remédio cujavalidade está vencida.” (“A desestatização das relações detrabalho como fundamento da negociação coletiva” in RevistaLTr, v. 55, nº 11, p. 1284).

A negociação coletiva

A responsabilidade pela proteção dos cidadãos contra osataques externos sempre foi atribuída ao Estado. Talproteção vem sendo ampliada para abranger também a proteçãodo trabalho humano, por meio de legislação específica.

À luz das normas internacionais cabe ao Estado aceitar aresponsabilidade pelo bem-estar de seus trabalhadores umavez que, segundo o preâmbulo à Constituição da OIT, qualquernação que deixar de adotar condições humanas de trabalho constitui umobstáculo no caminho de outras nações que desejam melhorar as condiçõesem seus próprios países. A Declaração da Filadélfia, hojeanexada à Constituição da OIT, amplia a definição deresponsabilidade do Estado para abranger também o “efetivoreconhecimento do direito à negociação coletiva, a cooperação entre capital etrabalho na contínua melhoria da eficiência produtiva e a colaboração entretrabalhadores e empregadores na elaboração e aplicação de medidaseconômicas e sociais.”

Mas o grau e responsabilidade do Estado perante seuscidadãos é matéria de interpretação e aplicação diversasentre os membros signatários das Convenções e Recomendaçõesda OIT. Assim, a recepção pelos países da Convenção 98 foiampla, mas dependem da ratificação em seus sistemas internode aprovação legal. Em 1983, a Comissão de Peritos naAplicação de Convenções e Recomendações da OIT publicou umrelatório intitulado Liberdade Sindical e NegociaçãoColetiva analisando a aplicação das Convenções e

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Recomendações atinentes a direitos sindicais básicos.Abaixo segue a transcrição de um parágrafo deste relatório:

“417. Na realização deste estudo geral, a Comissãopôde verificar que a promoção de liberdade sindicalestava constantemente esbarrando em novosobstáculos. Por exemplo, há uma crescente tendênciade os problemas econômicos cada vez maiores, queenfrentam o Estado, criarem dificuldades reaisnesse sentido. Quaisquer que sejam essasdificuldades, nunca se deve esquecer de que ossindicatos tem uma função vital a desempenhar asociedade: dar uma contribuição decisiva parajustiça social. É essencial que essas organizaçõesfuncionem como um fórum genuinamente livre paratodos os trabalhadores e empregadores,especialmente porque os conflitos de interessetendem a continuar. Enquanto a privação dosdireitos sindicais certamente ode gerar situaçõesde violência, todas as formas de limitação nodireito sindical do indivíduo pode resultar, maiscedo ou mais tarde, na alienação das pessoas dopróprio sindicalismo, o que só pode resultar emprejuízo para os interesses na só dostrabalhadores, mas também, em última análise, dacomunidade como um todo.

418. É importante, portanto, que os trabalhadores eempregadores sejam capazes, por meio deorganizações independentes, livres de qualqueringerência externa, de expressas suas aspirações edar uma contribuição indispensável para odesenvolvimento econômico e o progresso social. Narealização deste estudo, a Comissão procurouorientar-se por este objetivo fundamental da OIT.”9

A Convenção Internacional nº 154 que rege a negociaçãocoletiva dispõe que o país que a ratificar deverá tomarmedidas que condigam com sua situação nacional parapromover a negociação coletiva e consultar organizações deempregados e empregadores no processo de adotar asreferidas providências. Mas a negociação coletiva não deveser vista como um substituto da Lei, mas seu complemento. Aessa escolha legal denomina-se de Modelo Democrático e prevê arestrição da intervenção estatal nas relações trabalhistas,favorecendo um sistema de contrapesos (sistema de checks andbalances) entre empregados e empregadores, proporcionando9 Citado por Negociações coletivas. Publicação da OIT. LTr

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amplos direitos democráticos e autonomia perante o Estado,e favorecendo a possibilidade dos entes coletivos disporemsobre seus direitos sem retirar uma garantia estatalmínima. O Estado deve disponibilizar aos empregadores meiosde flexibilizar a norma desde que em concordância com acoletividade como forma de contrabalançar as forças.10

A intervenção estatal numa negociação coletiva éencontrada sob diversas formas: por meio da determinação daatuação dos negociadores, ações cabíveis ou proibidas,oferta de mediadores, etecetera. Pode, ainda, haver adiferença entre a intervenção estatal no conflito deinteresses das partes ou no conflito dos direitos daspartes. O primeiro ocorre quando há uma divergência naconstituição do direito em si considerado, ou seja, nadivergência dos interesses das partes; o segundo ocorrequando o direito de uma das partes não está sendorespeitado e o Estado pode intervir através do poderjudiciário, que normalmente, é órgão integrante dele. Háainda a permissão estatal para a resolução dos conflitospor meio das conciliações, mediações, arbitragens, mas omais comum é a autorização para a realização de negociaçõescoletivas de trabalho.

É importante observar que qualquer que seja a política deresolução de conflitos adotada pelo país é atribuição domovimento sindical exigir e fazer com seja consultadoquando tais políticas estiverem sem do formuladas a fim defazer valer sua opinião.

10 Em contraposição há o “modelo de Flexibilização Trabalhista. Aflexibilização das normas prevê a possibilidade de supressão dasrestrições legais aos empregadores, permitindo que estes determinem ascondições de emprego ou que sejam as condições negociadas com osrepresentantes das categorias. Exemplos de flexibilização pode serapresentado como a supressão das restrições do pagamento por hora detrabalho (normalmente é feito por dia de trabalho), facilitações nascontratações e dispensas, permissão dos contratos por tempodeterminado, promoções por mérito e não mais por tempo de serviço. Alinguagem da flexibilização é a do custo acima dos direitos.” Citadopor ESTEVES, Juliana Teixeira. Fundos de Pensão: benefício ou prejuízopara os trabalhadores? Tese de mestrado da Universidade Federal dePernambuco.

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Nos dias atuais os sindicatos brasileiros negociamdiretamente os direitos dos trabalhadores e os reajustes desalário em cada data-base, à exceção dos funcionáriospúblicos que não têm o direito à organização e associaçãosindical amplamente reconhecido. O resultado dasnegociações e sua pauta devem ser submetidos às Assembléiasde base. Se a direção do sindicato for combatida edemocrática a participação dos trabalhadores da base nanegociação estará garantida.

A PROPOSTA DE REFORMA SINDICAL BRASILEIRA E AS MUDANÇAS NA NEGOCIAÇÃO COLETIVA

A proposta de reforma sindical que tramita no Congressobrasileiro pretende introduzir as negociações de carátersuperior e que serão divididas em níveis diferentes: as queabrangem toda a classe trabalhadora e as negociações emcada setor econômico; e as negociações por ramo e quepoderão ter caráter nacional ou estadual. Também restoudefinido que as negociações têm um caráter obrigatório,sendo o sindicato compelido a negociar. Em caso de recusado sindicato obreiro, o patronal está autorizado a negociarcom outros sindicatos existentes na mesma base.

A espinha dorsal da reforma é a extinção da unicidadesindical, acarretando significantes alterações na estruturado sindicalismo brasileiro. Para efeito didático pode-seconceituar unicidade como a existência de um sindicatorepresentativo de uma categoria, econômica ou profissional,numa mesma base territorial, que não será inferior a ummunicípio (art. 8 da CF/88). A quebra da unicidade sindicalvem em nome do princípio da liberdade sindicalpossibilitando a formação de quantos sindicatos queiram ostrabalhadores.

O texto da Reforma Sindical que tramita no CongressoNacional brasileiro permite também que as CentraisSindicais ou as Confederações Sindicais – entidadessindicais de cúpula – negociem diretamente com osempregadores, mesmo sem a participação direta do sindicatoda categoria.

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A importância jurídica e política da negociação coletiva detrabalho como meio de constituição de direitos e poder deresolução de conflitos entre empregado e empregador étamanha que a OIT constituiu a Comissão de Modernização daLegislação do Trabalho e ressaltou no respectivo Relatórioa importância da negociação coletiva, estimulando os atoressociais para que ocupem o devido espaço na gestão eresolução dos próprios conflitos.

Ao conceituar a negociação coletiva “como o processo de autocomposição de interesses entretrabalhadores e empregadores, visando fixar condições detrabalho, bem como regular as relações entre as partesestipulantes, possibilitando, assim, o ajuste não só de cláusulasnormativas destinadas a estabelecer direitos e deveres entre aspartes que figuram no contrato individual de trabalho como,também, de cláusulas obrigacionais que vincularão asentidades e sujeitos estipulantes” (A modernização dalegislação do trabalho, p.74-5).

A OIT ampliou os níveis de negociação, acrescendo ao acordocoletivo e à convenção coletiva, o contrato coletivo detrabalho, que disciplinaria as normas gerais aplicáveis aosacordos e convenções. O Relatório verificou que a ampliaçãodas negociações coletivas é decorrência natural eobrigatória do princípio da liberdade sindical.

INTERVENÇAO ESTATAL NOS SINDICATOS

Em se observando um pouco atentamente é possível perceberque as expressões relativas ao sindicalismo usadas naConsolidação das Leis do Trabalho – CLT – são as mesmasutilizadas por Mussolini no Fascismo italiano. O pano defundo dos sindicalistas getulistas era a cooperação com oEstado. Importante observar que existe na legislaçãopenalidade às infrações cometidas pelos sindicatos contra oEstado. Nem mesmo a proposta de reforma sindical prevê atotal isenção dos sindicatos em relação a Estado haja vistaa necessidade de autorização estatal de funcionamento para

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aqueles sindicatos que não forem criados por CentraisSindicais.

A Constituição Federal de 1988, não obstante seu caráterdemocrático, manteve pontos que indicam o ultrapassadosistema corporativista pelo qual o Brasil passou. São eles:a contribuição sindical obrigatória (artigo 8º, IV, CF/88),a representação classista no Poder Judiciário (arts. 111 a117, CF/88)11, o poder normativo da Justiça do Trabalho12

(art. 114, par. 2º, CF/88), e por fim, a determinação daunicidade e o sistema de enquadramento sindical (art. 8º,CF/88)13 Talvez esse corporativismo seja a razão da sobrevivência doente coletivo apesar da diminuição da mobilização enquantoclasse, sofrida na base dos trabalhadores. Mas se osindicato tem por função emancipar o direito como elesobreviveu à ditadura militar? A resposta é simples.Sobreviveu por meio da fixação da taxa sindicalobrigatória, resquício do período getulista nazi-fascista. A proposta da reforma sindical brasileira, que tramitaperante o Congresso Nacional prevê a extinção da taxasindical, mas estabelece uma nova cobrança compulsória queresultará num aumento de 10% contra os empregados. Ou seja,atualmente o empregado paga o que equivale aaproximadamente 3,3% de sua remuneração anualmente e poderápassar a pagar 13%, e destes 10% serão destinado àsCentrais Sindicais.

Um Sindicato tem suas funções atualmente estabelecidas pelaConsolidação das Leis do Trabalho – CLT e de acordo comestas regras, que não foram abolidas e nem revogadasexplicitamente do sistema jurídico brasileiro, o órgão

11 A representação classista somente foi revogada após a edição daEmenda Constitucional 24, de dezembro de 1999.12 Em casos de conflitos de interesses entre os entes coletivos – sindicato de empregados e sindicato de empregadores, observados os requisitos legais, a questão será levada ao poder judiciário trabalhista que resolverá e estabelecerá as normas que valerão para ambas as partes, inclusive em questões salariais.13 Só é permitida a criação de um sindicato de categoria profissional por base territorial, sendo esta nunca inferior a um município.

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coletivo tem o dever de colaborar com o poder estatal.Transcreveremos abaixo duas descrições de Octávio BuenoMagano acerca de tais funções14:

1. função de cooperação com os poderes públicos- que ocorre quando o sindicato é chamado aauxiliar nos serviços de satisfação dointeresse público, que estão sob a incumbênciado Estado. É verdade que no Brasil houve umcerto descompasso e até, pode-se dizer, umdistanciamento deste objetivo primordial, poiso sindicalismo, desde sua criação, esteve quasesempre atrelado ao Poder Público, inclusive notocante à sua estrutura e objetivos. Nuncahouve uma verdadeira autonomia sindical;

2. função ética - os sindicatos ao lutarem porsuas pretensões utilizam meios de pressão queeventualmente podem distorcer o processo denegociação coletiva: greve, piquetes, etc. OGoverno, nesses casos, tem o dever de intervirnão só para preservar a ordem pública e osinteresses da coletividade, como para impor àscategorias sindicais em conflito a adoção de umcomportamento ético, o que importa numprocedimento de negociações alicerçado na boa-fé, sem atos de violência contra pessoas ecoisas, sem qualquer dano a terceiros estranhosao conflito.

A democracia sindical brasileira somente poderá serconsiderada definitiva e consolidada afastando-se osresquícios corporativistas e autoritários do modelogetulista e a implementação de medidas capazes de protegere reforçar o sindicalismo brasileiro em sua sociedade.

14 MAGANO, Octavio Bueno. Manual de direito do trabalho: direito coletivo do trabalho. LTr, v.3, p. 124

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A NEGOCIAÇÃO COLETIVA NO MERCOSUL.

Segundo Geraldo Cedrola Spremolla15,

“la negociación colectiva que, en mérito de los actores queparticipen y de los asuntos que pretende regular, es capaz detrasponer las fronteras de un Estado, buscando imponer susefectos en distintos sistemas nacionales de relaciones laborales.Esta modalidade de negociación colectiva, se distingue de lamodalidade nacional, por cuanto busca trascender el marco deun sistema de relaciones laborales, dirigiéndose a unapluralidad de sistemas.” (“).

Em conformidade com as Convenções n.º 98 e 87 da OIT, anegociação coletiva internacional pode ser classificadacomo a) geográfica, abrangendo uma região ou um conjunto depaíses de regiões diferentes; b) multinacional, quandoacontece em uma empresa multinacional e c) internacionalde setor industrial, quando compreender diversas federaçõesde vários países e toma a forma de acordos e convençõescoletivas supranacionais, negociações supranacionais porempresa, comissões consultivas paritárias.

A negociação internacional pode ser, ainda, centralizada,quando ocorre em alto nível de direção, ou descentralizada,quando se dá em locais diversos e por meio de direçõesinferiores da empresa. No que diz respeito a eficácia tem-se que a negociação limita-se aos associados dasorganizações participantes e seus efeitos serão erga omnessomente quando previsto em Lei.

Apesar da previsão legal, não há no Mercosul experiênciasenvolvendo negociações coletivas nos modelos acima citados.Já na América do Norte algumas negociações surtiram efeitose foram realizadas Convenções coletivas internacionais, aexemplo dos Casos Chrysler, em 1967, Caso Thompson GrandPublic, em 1985, Caso Bull, em 1988.

As entidades supranacionais habilitadas no Mercosul paraintermediar tais negociações podem ser, por exemplo, o15 SPREMOLLA, Cedrola. Negociación colectiva internacional: realidad o utopía? in Revista Relasur, nº 6, p. 65

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Conselho Industrial do Mercosul (associação sindicalrepresentante dos empregadores) e Coordenação de CentraisSindicais do Cone Sul-CCSCS, representantes dos empregados.

Segundo H. Northoup e R. Rowan (Cedrolla, “Negociacióncolectiva...ob. cit., Revista Relasur, nº 6, p. 70) diversosobstáculos parecem inviabilizar a negociação coletivainternacional:

1. Tratamento legal diferente entre os diversosEstados-membros do Mercosul;

2. crença de que os problemas envolvendopolítica social e relações trabalhistas sãoproblemas a serem resolvidos no âmbitonacional.

3. ausência de qualificação sindical para arealização de negociações internacionais;

4. os trabalhadores não confiam em taisnegociações.

5. a política macroeconômica diferenciada nosdiversos governos .

Citando Ermida Uriarte:16

“Asímismo, tanto el marco de los procesos de integración como enel de la denominada globalización de la economia, la acción sindicalinternacional podría o debería ser un importante factorextranacional de convergencia, que en el plano teórico debería llegara plasmar una negociación colectiva transnacional que incorporarauna fuente autónoma supranacional al Derecho laboral. Sinembargo son casi inexistentes los avances alcanzados en estamateria en Latinoamérica... Parecería que las dificultades técnicas ypolíticas que se oponen a una unificación sindical extranacional y laconcreción de convenios colectivos de esse nivel, se vem potenciadaspor la debilidad sindical que en algunos países latinoamericanos hásido crónica, y en otros se há verificado o acentuado recientemente,de conformidade con una tendencia mundial.”

16 ERMIDA URIARTE, “Fuentes extranacionales, armonización y unificaciónen el derecho laboral latinoamericano com especial referencia alMercosur” in Roma e America. Diritto Romano Comune, nº 2/1996, Mucchi Editore,p. 214

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Conclui-se que negociações coletivas internacionaissomente emergirão com a participação e fortalecimento dosatores envolvidos – representantes do trabalho e docapital. O ENFRAQUECIMENTO DO SINDICALISMO

Embora não seja o ponto almejado neste trabalho, importanteé ressaltar o enfraquecimento do pensamento coletivo, dorepresentante da coletividade - o sindicato. Várias são ascausas apontadas. No Brasil um dos principais motivos queensejaram a quebra da corrente sindicalista dentre a basede trabalhadores foi a representação obreira por categoriaque permitiu a existência de, numa mesma empresa, de váriossindicatos categorias, representando os mais diversosinteresses.

A mundialização da economia, o aumento da concorrência, osmercados comuns, a migração transnacional do capital, asmultinacionais e transnacionais, as privatizações, asfusões com conseqüentes reestruturações, a economiainformal, são realidades do presente, e geram profundainsegurança nos trabalhadores e nos empregadores. É o queocorre com a negociação coletiva, que pelo temos detransferência da empresa para um outro país tende a seguira direção traçada ora pelo empregador, ora pelo governo deEstado.

As relações de trabalho estão em profunda transformação.Por causa disso, no lugar de uma negociação coletivaexclusivamente de categoria ou de setores da economia, oque se vê são modelos articulados onde, gradativamente, osespaços se restringem. Por um lado, da categoria para aempresa; por outro lado, da categoria em direção àspolíticas macroeconômicas, buscando ser condizente com oregime de acumulação de capital que disciplina o mercadoatualmente.

O Estado e o uso dos tribunais no controle inflacionário

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Na opinião de Boaventura de Souza Santos, Sindicatos eassociações patronais e obreiras estão enfraquecendo porforça do mercado. Para acrescentar também o governo tende acontrolar os Acordos Coletivos de Trabalho por meio dasdecisões judiciais posto que tais acordos, se livrementenegociados, podem elevar a inflação por causa do aumentodos salários.

Neste ponto encontra-se a justificativa da permanência dopoder normativo da justiça do trabalho, que em últimainstância, atende aos interesses políticos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS: A globalização e a sindicalismo

A Organização Internacional do Trabalho defende a tese deque a globalização é a principal causa do elevado índice dedesemprego e enfraquece o sindicalismo. De fato, a globalização deveria ser mais uma causa deinclusão capaz de assegurar a todos uma existência dedignidade plena em que o homem seja sujeito de direitos enão uma simples mercadoria que vive num mundo de exclusão.Deveria ser um meio em que o modelo econômico não fosseaferido pelo reflexo do consumo, sem um mercado poderoso enecessário para consumir os produtos do sistema produtivoque está, agora, reduzindo sua capacidade para poderadequar-se a falta de consumidores em quantidade capaz dedar escoamento à produção, como pretendia o fordismo; esteultrapassado pelo toyotismo que para reduzir custos criou aterceirização sob o argumento da “especialização produzmelhor”. Mas tal difusão de idéias fez com que astransnacionais transferissem sua produção para os locaiscom mão-de-obra mais barata, e por vezes, com trabalhoquase escravo para poder produzir mais barato e vender comvalor mais elevado, aumentando sua margem de lucros emdetrimento do miserável mundo de desempregados e atribuindoa culpa ao Estado mínimo pregado por eles próprios.

Em resposta ao questionamento apontado temos que aglobalização, ou mundialização, não pode ser apontada comoo fator único do enfraquecimento do sindicalismo. Omovimento globalizado levou à ampliação dos mercados e da

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economia, quebrando barreiras e limites físicos antesexistentes. Mas junto com a globalização veio o regime deacumulação de capitais que geram rendimentos e dividendosque financiam a última etapa da acumulação financeira, e apossibilidade dos investidores financeiros repassarem osseus ativos a qualquer tempo por meio do mercado de ações.

Essa nova etapa implantou o chamado “governo de empresa”que deve seguir princípios pré-estabelecidos que visem umamelhor estabilidade financeira ao sistema e tendo comonervo central a separação entre propriedade e o controle daempresa e, conseqüentemente, a participação dos acionistasna administração empresarial. Estes passaram a orientar asempresas para um tratamento mais impessoal com todos osenvolvidos e impondo novas regras de rentabilidade quepassam pelos salários dos empregados e pelos modelos deregulação trabalhistas adotados pelos países.Para isso realizam, desde a simples especulação aoenxugamento do quadro de funcionários, como forma de cortargastos. Este enxugamento se dá não só através de demissões,mas também por meio da precarização das relações detrabalho, como a terceirização e a flexibilização das Leisdo trabalho. Por via de conseqüência: a precarização levaao temor pela perda do emprego; a terceirização desarticulaa base obreira e a flexibilização destrói garantias antesofertadas pelo ente sindical ou pelo governo. O fim do século XX foi caracterizado pela flexibilização epela desregulamentação das Leis trabalhistas, tendo comoargumento uma maior produção de postos de trabalho eredução do impacto que a revolução tecnológica gerou nomercado laboral. Entretanto, após o início dos anos noventaverificou-se que a profecia da sociedade sem trabalho nãose concretizou, e além disso houve uma acentuada redução noíndices de empregabilidade. Ocorreu, sem dúvida, uma grandedesregulamentação e informalização do trabalho,especialmente nos países ditos em desenvolvimento esubdesenvolvidos. Essa informalidade repercutiu diretamenteno movimento sindicalista pois esse sistema está pautado nahierarquia de funções, no trabalho subordinado,exclusivamente.

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Para tentar diminuir esse impacto Ermida Uriarte17 defendea obrigatoriedade do Estado ou o patrão ser compelido acapacitar o obreiro por meio da negociação coletiva detrabalho, pois isso ajudaria na ascensão profissional ou napermanência do obreiro no emprego. Ressalte-se que acapacitação jamais pode ser usada como argumento de geraçãode emprego. Mas é importante observar que a pauta em que écolocado o sindicalismo, suas formas de atuação bem como anecessidade de geração de empregos ainda é vista da formaclássica e hoje ultrapassada. O mercado de trabalhoencontra-se alterado e as relações trabalhistassubordinadas não são mais a principal forma de ganho devida dos trabalhadores. É preciso observar, por exemplo, asclasses dos autônomos-informais e terceiro setor, queapesar de não serem subordinados a um empregador,movimentam grandes volumes na sociedade moderna, e nãodesejam deixar de fazê-lo. Na mesma esteira de pensamento,mas com uma visão mais aberta, temos Boaventura de SouzaSantos quando relata:

“ (...)A segunda forma assumida pelo reconhecimentodemocrático do trabalho reside na promoção dequalificação profissional qualquer que seja o tipoe a duração do trabalho. Se não for acompanhadapelo reforço da qualificação profissional, aflexibilização da relação salarial não é mais queuma forma de exclusão social por via do trabalho.”

E aduz:

“ é hoje reconhecido que, nos países centrais, omovimento sindical emergiu da década de 1980 nomeio de três crises distintas ainda queinterligadas. A crise da capacidade de agregação deinteresses em face da crescente desagregação daclasse operária, da descentralização da produção,da precarização da relação salarial e dasegmentação dos mercados de trabalho; a crise dalealdade dos seus militantes em face da emergênciacontraditória, do individualismo e de sentimentosde pertença muito mais amplos que os sindicais quelevou ao desinteresse pelo acção sindical, aredução drástica do número de filiados, ao

17 URIARTE, Oscar Ermida e RÍMOLO, Jorge Rosenbaum. Formación profesional em la negociación colectiva. Montevidéu: Cinterfor, 1998, 235p.

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enfraquecimento da autoridade das liderançassindicais; e, finalmente, a crise derepresentatividade resultante, afinal, dosprocessos que originaram as duas outras crises.”

Ao lado da flexibilização salarial e da qualificaçãoprofissional é importante que os trabalhadores (observe-seque não falamos da espécie empregados mas do gênero)enquanto cidadãos sejam uma unidade e que isso é um desafioa ser enfrentado. As eleições para comissões sindicais sãoum bom caminho, apontado pelo mesmo autor acima citado,para construir a solidariedade e participação entretrabalhadores.

A partir da colocação em prática de idéias simples, como omovimento sindical através de comissões sindicais, osmesmos trabalhadores passarão a ter uma noção mais claraacerca da importância do ente coletivo nas negociaçõescoletivas com os empresários.

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