Na tessitura da visibilidade feminina: Ouro Preto no século XIX

29
Na tessitura da visibilidade feminina: Ouro Preto no século XIX. Monica Maria Lopes Lage Encravada num vale profundo de montanhas, Ouro Preto abrigou no decorrer dos séculos XVIII e XIX, homens, mulheres, histórias, vidas, medos, memórias, sorrisos, lágrimas, esperanças e a cultura de um povo que imbuído pelo brilho do ouro fez de Vila Rica o lugar, o cenário e o palco para os acontecimentos que definiriam a história de Minas Gerais. História e Histórias de homens e mulheres que ao escavarem a terra ansiavam pelas riquezas escondidas em suas entranhas. Podemos dizer que a cidade foi descoberta por volta de 1698, fundada em 1711, tornando-se então sede do conselho e nomeada Vila Rica. Em 1720 foi escolhida a capital da capitania de Minas Gerais, e em 1823 foi capital da província de Minas Gerais, recebendo o título de Imperial Cidade de Ouro Preto, conferido por D. Pedro I. Desde a descoberta do ouro na região, o volume de pessoas que passou a circular pelas ruas de Ouro Preto foi extremamente expressivo. Afluíam de diversas regiões do Brasil, como também de vários lugares do Pesquisadora do grupo de pesquisa Gênero, Sociabilidade, Afetividade e Sexualidade.

Transcript of Na tessitura da visibilidade feminina: Ouro Preto no século XIX

Na tessitura da visibilidade feminina: Ouro

Preto no século XIX.

Monica Maria Lopes Lage

Encravada num vale profundo de montanhas, Ouro

Preto abrigou no decorrer dos séculos XVIII e XIX,

homens, mulheres, histórias, vidas, medos, memórias,

sorrisos, lágrimas, esperanças e a cultura de um povo

que imbuído pelo brilho do ouro fez de Vila Rica o

lugar, o cenário e o palco para os acontecimentos que

definiriam a história de Minas Gerais. História e

Histórias de homens e mulheres que ao escavarem a terra

ansiavam pelas riquezas escondidas em suas entranhas.

Podemos dizer que a cidade foi descoberta por

volta de 1698, fundada em 1711, tornando-se então sede

do conselho e nomeada Vila Rica. Em 1720 foi escolhida

a capital da capitania de Minas Gerais, e em 1823 foi

capital da província de Minas Gerais, recebendo o

título de Imperial Cidade de Ouro Preto, conferido por

D. Pedro I.

Desde a descoberta do ouro na região, o volume de

pessoas que passou a circular pelas ruas de Ouro Preto

foi extremamente expressivo. Afluíam de diversas

regiões do Brasil, como também de vários lugares do

Pesquisadora do grupo de pesquisa Gênero,Sociabilidade, Afetividade e Sexualidade.

mundo. O brilho do ouro atraia as pessoas, que saiam de

suas cidades em busca da riqueza “fácil” proporcionada

pelo ouro da região.

Juntamente com este burburinho de pessoas, muitas

mulheres se fizeram presentes nas ruas de Vila Rica.

Luciano Figueiredo em seu artigo “Mulheres nas Minas

Gerais1” mostrou que as mulheres se faziam presentes em

vários setores da economia mineira setecentista.

Atuavam no comércio, na agricultura, na lavagem do

ouro, no contrabando, na prostituição e muitas eram

chefes de famílias e tocavam seu pequeno comércio de

onde sustentavam sua prole. Algumas mulheres mantinham

estreitas relações comerciais e políticas com os

quilombos, assim, articulavam situações e propiciavam a

fuga e a evasão de escravos.

As mulheres congregavam em tornode si segmentos variados dapopulação, pobre mineira, muitasvezes prestando solidariedade aprática do desvio do ouro,contrabando, prostituição earticulação com os quilombos. 2

A pesquisa realizada por Luciano Figueiredo

remonta um tempo da história de Vila Rica onde o ouro

ainda reluzia por aquelas paragens. Um tempo em que o

rastejar dos sapatos pelas ruas da cidade à procura dos

1 LUCIANO Figueiredo. Mulheres em Minas Gerais. In.História das mulheres no Brasil. (org), Mary DelPriore. Carla Bassanezi (coord. de textos) 9. Ed – SãoPaulo: Contexto, 2007. p. 1462 Ibidem p 146.

caminhos que levavam ao ouro era intenso, um tempo em

que o burburinho de pessoas a dizer sobre as últimas

pedras de ouro encontradas dava vida e voz à cidade, um

tempo em que estrangeiros pronunciavam a palavra ouro

em francês, inglês e italiano pelas ruelas de pedras da

cidadezinha, despertando assim os olhares de quem

passava. Um tempo que as carroças subiam e desciam as

ladeiras, carregando pedras a serem pesadas nas casas

do quinto, um tempo em que o comércio era intenso, e as

vendas, bodegas, lojas e armazéns serviam de ponto de

encontro para a sociedade ouro-pretana.

Para alguns historiadores a data que marca a

queda do ouro em Minas Gerais, aproxima-se dos anos de

1750. Ainda não existe um consenso sobre esta data,

devido alguns relatos deixados por viajantes que

passaram pela região e notaram que até por volta do

início do séc. XIX ainda se extraia, com bem menos

frequência, algumas pedras de ouro em Minas Gerais.

Entretanto, a partir do momento em que ouro anuncia sua

queda e sinaliza seu esgotamento, num processo lento e

contínuo a cidade vai mudando sua história, perdendo

algumas características e adquirindo outras. Com a

chegada do século XIX, Ouro Preto deixa de ser a

referência econômica do país, mas continua

politicamente ativa.

A vinda de artistas - pintores, poetas,

jornalistas, escritores e músicos - para a cidade no

decorrer do século XIX, contribuiu para que a cidade

não perdesse sua agitação e efervescência. A cidade

neste período passou a ser admirada pela sua capacidade

artística, e por acolher em suas construções o estilo

barroco.

Entretanto, após a queda do ouro, calam-se as

vozes sobre as mulheres que permaneceram em Ouro Preto

no século XIX. Mulheres que possuíam histórias de vidas

diferentes - escravas, esposas, comerciantes, donas de

casa, chefes de família, trabalhadoras e meretrizes.

No transcurso do século XIX, as mulheres,

principalmente àquelas pertencentes à burguesia

brasileira, se viram aprisionadas aos discursos morais,

éticos, jurídicos, sexuais e religiosos3. De acordo com

estes discursos as mulheres deveriam obedecer a uma

série de regras, normas e padrões de comportamento para

receber o respeito da sociedade e serem consideradas

honradas e honestas.

[...] e hoje temos a mulhermoderna, vivendo nas ruas,sabendo de tudo, discutindoaudaciosamente as mais escabrosasquestões, sem fundo moral, semfreio religioso, ávida unicamente

3 Sobre os valores morais e os padrões decomportamentos impostos à mulher no decorrer do séculoXIX, ver: AlGRANT, Leila Mezan. Honradas e devotas nacolônia. Condição feminina nos conventos erecolhimentos no sudeste do Brasil, 1750-1822. Rio deJaneiro. José Olimpo. Edund. 1993. SAMARA, Eni deMesquita. As mulheres, o poder e a família. São Paulo:Marco Zero/Secretária de Estado da Cultura de SãoPaulo, 1989.

de luxo e sensações, vaidosa efútil, presa fácil e muita vezaté espontaneamente oferecida àconquista do homem. 4

O confinamento da mulher na intimidade do lar,

teoria difundida por várias correntes no século XIX,

tinha como objetivo implícito evitar a desagregação

familiar. Assim, o pensamento médico e jurídico do

século XIX fornecia argumentos para normatizar as

práticas afetivas femininas.

O século XIX, em especial,reforçou muitas concepçõesnegativas e estigmatizantes sobrea condição feminina,principalmente ao recorrer amétodos supostamente científicospara provar sua inferioridadefísica e mental em relação aohomem. 5

Muitos estudos sobre os discursos morais

burgueses do século XIX já foram realizados por

historiadores. Estes estudos revelaram que os discursos

morais não recebiam eco entre a população mais pobre do

país, as mulheres brasileiras desta classe social se

mostraram mais desprendidas diante da vida. A

necessidade de criar os filhos, manter uma família ou

sustentar-se, fazia com que as mulheres pobres

procurassem na rua as várias formas de sobrevivência. E

estas práticas de sobrevivência se opunham aos anseios

4 RAGO, Margareth. Os prazeres da noite: prostituição ecódigos da sexualidade feminina em São Paulo, 1890-1930. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1991, p.144.5 Ibidem, p. 148-9.

das tipologias sociais difundidas pela principesca

burguesia mineira.

A historiadora Eni de Mesquita Samara, ao

pesquisar sobre a condição da mulher e sua relação com

a estrutura familiar, observou que a cidade de São

Paulo no século XIX,

[...], vivia nessa época umprocesso incipiente deurbanização, onde a coexistênciade livres e escravos nas ruas enos domicilio caracterizava asrelações familiares e detrabalho. 6

A autora ao trazer a superfície esta "realidade

social multifacetada", revela uma das faces que compõem

o cotidiano da sociedade paulista deste período,

demonstrando uma sociedade de "Mulheres sós-solteiras,

viúvas ou de maridos ausentes - chefiavam famílias,

lutando pela sobrevivência".7

Maria Odila Dias ao analisar uma documentação

adormecida, empoeirada e úmida dos arquivos paulistas,

revelou-nos o cotidiano das mulheres pobres que viveram

nesta cidade no século XIX. A autora nos oferece um

campo de tensões, até então escondido pela

historiografia. Ao falar das mulheres pobres,

Transmitem imagens de vultosescuros envoltos em panos negros

6 SAMARA, Eni de Mesquita. As Mulheres, O Poder e aFamília: São Paulo, século XIX, Editora MarcoZero/Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo,1989,p. 10.7 Ibidem, p.10

e quase nada mais acrescentamsobre suas condições de vida. Ospreconceitos impõem silêncio eomissão sobre onde moravam e comosobreviviam.8

Se o discurso burguês não atingia as mulheres pobres,

coube às mulheres da elite o fardo de carregar sobre si, os

olhares e a vigilância de uma sociedade que, fundada em

valores e regras de comportamento as observava

insistentemente. Coube à mulher burguesa aprisionar-se.

Margareth Rago, ao estudar a ausência da mulher

burguesa nos espaço público na cidade de São Paulo no

Século XIX, aponta através do depoimento de Maria Paes

de Barros que "observa os costumes e valores morais da

sociedade" na qual estava inserida que, raramente as

mulheres das classes abastadas saíam às ruas e só o

faziam acompanhadas. “Até as compras eram feitas por

pajens, já que uma senhora respeitável nunca entrava

numa loja”.9

Uma boa mulher para a sociedade brasileira do

século XIX era aquela que: sendo solteira, só saia de

casa acompanhada do pai ou irmão, frequentava a missa

regularmente, tinha dotes culinários, sabia bordar,

arrumar a casa, era obediente aos pais, só namorava em

público e matinha a virgindade até o casamento. Sendo

casada, era obediente ao marido, boa esposa, boa mãe,8DIAS, Maria Odila Leite da Silva. Quotidiano e Poderem São Paulo no século XIX. São Paulo, EditoraBrasiliense, 1984, p. 14.9RAGO, Margareth, Os Prazeres da Noite: prostituição ecódigos da sexualidade feminina em São Paulo (1890-1930), Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1991, p. 52.

excelente dona de casa, sabia se colocar em ambientes

públicos, se mantinha sempre calada falando só quando

lhe solicitassem a palavra, e totalmente dedicada ao

marido, a casa e aos filhos.

A vida burguesa reorganiza asvivencias domésticas. Um sólidoambiente familiar, lar acolhedor,filhos educados e a esposadedicada ao marido e suacompanheira na vida social sãoconsiderados um verdadeirotesouro.10

Um dos fatores que contribuiu para que a mulher

burguesa rompesse com esses padrões de comportamento,

foi o processo de modernização e a urbanização das

principais cidades brasileiras no século XIX. Foi a

partir dessa simbiose entre cidade e urbanização que a

mulher burguesa ousou ver a vida para além da clausura

e para além das lindas cortinas e janelas de suas casas

- as ruas iluminadas, o comércio trazendo as últimas

novidades da Europa, empregos sendo oferecidos, o

magistério demandando, todos esses fatores contribuíram

para que a mulher rompesse com a clausura do lar. Nesta

perspectiva, a sociedade ouro-pretana reconhecia que a

mulher só começou a erguer-se do seu abatimento com o

progredir da civilização, conforme nota publicada no

jornal Diário de Minas/Ouro Preto -1882.

10 D´INCAO Maria Ângela. Mulher e família burguesa In.História das mulheres no Brasil. (org), Mary DelPriore. Carla Bassanezi (coord. de textos) 9 Ed – SãoPaulo: Contexto, 2007. p. 225

Se estudarmos a mulher nos temposmais remotos até hoje, osprocessos que tem feitorelativamente a sua condiçãosocial nos conduzem a conclusãode que ela tende sempre para umaposição elevada na sociedade,embrutecida e aviltada sobretodos os pontos de vista pelospreconceitos dominantes nasdiversas épocas, a mulher sócomeçou a erguer-se do seuabatimento com o progredir dacivilização. 11

Mas o que dizer das mulheres que viveram nas

cidades auríferas? Devido ao povoamento repentino e

desenfreado que obrigou estas cidades a estabelecerem

suas bases econômicas políticas e sociais as cidades

mineradoras tenderam a ser consideradas por alguns

estudiosos como cidades que não tiveram infância

“Nasceram como a Deusa de Atenas, já feitas e

armadas”12, foram cidades que abrigaram em seu entorno

uma população de diversas procedências econômicas,

sociais, políticas e culturais.

A cidade de Ouro Preto já nascera com as ruas

cheias de pessoas transitando de um lado para outro,

com um comércio que procurava atender em meio às

dificuldades de abastecimento, as necessidades da

população que crescia desenfreadamente a cada notícia

da descoberta de mais uma mina de ouro.

11 Jornal Diário de Minas/ Ouro Preto 05-04-188212 VASCONCELOS, Sylvio de. Vila Rica. Perspectiva, 1977p. 129

Nas páginas dos periódicos que circulavam em Vila

Rica, vozes protestavam contra comportamento feminino,

considerados inconvenientes a moralidade familiar e

pública. Criticava-se a sociabilidade e a afetividade

que se entendia exacebarda. Risinhos públicos na

passagem de um cavalheiro, acenos demoradamente

languidos, agrupamentos de mulheres na frente da

igreja, olhares reveladores nas festas religiosas,

senhoras irrefletidas a deixar os opulentos colos

expostos a olhares indiscretos/devoradores e corpos

muito próximos durante a missa faziam parte entre

outros de um conjunto de normatização das práticas de

sociabilidades, afetividades e econômicas que

circularam nos jornais em Ouro Preto no século XIX.

Laura de Melo e Souza em seu trabalho

“Desclassificados do ouro13”, aponta que em Minas

Gerais, vivia, desde o século XVIII, um grande número

de mulheres e homens livres e pobres, que perambulavam

pelos arraias pedindo esmola, comida, brigando nas

vendas ou praticando pequenos furtos.

Silvia Maria Brugger afirma que as famílias

decorrentes da exploração do ouro em Minas Gerais

adquiriram caraterísticas regionais e assumiram um

modelo de família nada convencional para os padrões de

família burguesa, e ao citar Eni de Samara Mesquita,

13 SOUZA, Laura de Melo e. Desclassificados do ouro, apobreza mineira no século XVIII. Rio de Janeiro, Graal.1982.

Brugger acrescenta que [...] o prevalecia era muitas vezes o

concubinato, filhos ilegítimos e fogos chefiados por mulheres.14

O patriarcalismo em Minas Gerais, tal qual

apresentado por Gilberto Freire, também vem sendo

desconstruído. Os historiadores perceberam que a

sociedade mineira dos setecentos e oitocentos possuía

uma originalidade que a diferenciava de outras regiões

do país.

Seu caráter urbano, concentrandoenormes contingentespopulacionais, a extremadiversificação de atividades quese impõe quase naturalmente, e apresença maciça dedesclassificados sociais, homenslivres, mestiços e escravos porjornal afastam a possibilidade dodomínio patriarcal. 15

Além disso, ainda podemos dizer que a vida social

intensa, fazia com que as mulheres mineiras fossem

vistas com mais frequência pelas ruas da cidade.

Principalmente quando por ocasião das comemorações e

festividades que arrastavam a população para as ruas. A

rua se torna um cenário perfeito para conversas,

encontros, jogos, brincadeiras, festas e folias. Além

disso, a rua representa um espaço de trânsito entre

casa, comércio, hospital, escola, igreja e praça. 14 BRUGGER, Silvia Maria Jardim. Minas Patriarcal:Família e Sociedade (São Joao Del Rei – séculos XVIII eXIX. São Paulo: Annablume, 2007, p.51.15 FIGUEIREDO Luciano. Barrocas Famílias: Vida familiarem Minas Gerais no século XVIII. São Paulo: HUCITEC,1997 p.113.

Em Ouro Preto no século XIX as ruas viviam cheias

de soldados, quitandeiras, artesão, carroças escravos,

damas com suas respectivas escravas de companhia. Todas

essas pessoas faziam deste espaço público, um lugar de

sociabilidade que se intensificava com as festas de

rua, que constantemente aconteciam na cidade.

Como estava anunciado, nas noitesde 29, 30 do passado, todas ascasas da capital forammagnificamente iluminadas, quatrobandas de música percorreram asruas na noite do dia 29 e aaurora do dia 30, grande númerosde fogos e lindas peças demusicas executadas pelas bandasque percorrerão as ruas16.

A nota publicada no Jornal “A Carmélia”, retrata

o entusiasmo do cronista diante da festa que mobilizou

a população - casas enfeitadas, músicos nas ruas, fogos

de artifícios, muita alegria e folia comendo e correndo

solta pela cidade. De acordo com o jornal, na tribuna,

lugar reservado às senhoras distintas da sociedade

Ouro- Pretana dos oitocentos, a curiosidade e o desejo

de ver a banda passar era tanto, que as mulheres se

acotovelam na esperança de ver, ainda que por uma

brecha, o que os olhos tanto buscavam.

Nas tribunas se acotovelavamcentenas de senhoras sympathicascom olhares faiscantes deindivisível e inocentecuriosidade. 17

16 Jornal A Camélia 04-12-188717 Ibidem

Segundo Mary Del Priore, os espaços sacros

"constituíam-se também em espaços secularizados: pontos buliçosos de

reunião, praças de congraçamento, palcos para a explosão da libido e até

mesmo arenas de violência".18 Para Alain Corbin, o progresso

da individualização dos sujeitos difundido no século

XIX é acompanhado pelo sentimento de vulnerabilidade:

"tudo isso incrementa o prestígio do encontro amoroso". 19

Portanto, o espaço sacro e seus rituais tornam-se

lugares propícios para o desenvolvimento dos jogos

amorosos. Nesta perspectiva encontra-se o trabalho de

Oswaldo Rodrigues Cabral ao falar das festas religiosas

em Nossa Senhora do Desterro. Comenta que a procissão

do Senhor dos Passos tornava-se um grande acontecimento

religioso, político, econômico social.

Todos acorriam às casas dosconhecidos, dos compadres, dosparentes. Já eram esperados. Jáse contava com eles nessa época.(...). Havia sempre um lugar àmesa para todos. E, para dormir,arrumava-se, dava-se um jeito.(...). Era o colorido da cidadeem dias da festa de Passos. Evinham de véspera... Depois dacomida, espalhavam-se pela

18 DEL PRIORE, Mary, Deus da Licença ao Diabo: Acontravenção nas festas religiosas e igrejas paulistas noséculo XIX, In: História da sexualidade no Brasil colonial,Ronaldo Vainfas(org.), Rio de Janeiro: Edições Graal, 1986,p.89.19 CORBIN, Alain, A relação íntima ou os prazeres datroca. In: Michelle Perrot(org.). História da VidaPrivada: Da Revolução Francesa à Primeira Guerra.Tradução Denise Bottmann e Bernardo Joffily, São Paulo,Companhia das Letras, 1991, p.503.

cidade, em visitas a parentes, aoutros compadres, a outrosconhecidos. 20

Podemos dizer que esse comportamento afoito

praticado pelas distintas senhoras da cidade de Ouro

Preto, não condiziam com as regras de conduta que

deveriam observar, as quais as orientavam que deveriam

ser inimigas dos divertimentos mundanos, amiga do

retiro, cuidadosa com seu bom nome e amante da

mortificação. 21

Neste sentido, percebe-se um choque entre o

discurso e o que se via na prática. No discurso, a

virtude feminina era exaltada através da imprensa ouro-

pretana.

A CamponesaEila sentada à porta da choupana.Essa risonha e linda camponesa.Perece uma das filhas de VenezaEntanto é genuína americana.Seu vestido é de extremasingeleza.E de uma demasia cor de cana.E seu porte de altiva soberana.São seus modos o moda daburguesia.Como é bonito vê-la ingenuamenteNaquele dulcoroso far-niente.Olhando o céu, o céu tao puro elindo.E quando a camponesa por alipassa;

20 CABRAL,Oswaldo Rodrigues.Nossa Senhora do Desterro.MemóriaII, Lunardelli, Florianópolis, 1979, p. 260.21 COSTA, Heloiza Lara Da. As mulheres e o poder naAmazônia. Manaus: EDUA, 2005. p 269

E lhe diz entre ridos e graça;Ella às pressas se esconde, masvai sorrindo.22

Também apareciam nas páginas dos jornais locais,

conselhos às casadas, informando maneiras de governar

uma família.

Antecipadamente deve convencer-sede que a dois meios de governaruma família: um pela expressão devontade, que pertence à força, ooutro pelo irresistível poder dadoçura, que é muitas vezessuperior a força. 23

Defender e honrar os laços matrimoniais eram

atributos quase que exclusivamente das mulheres. Os

discursos sobre as práticas de sociabilidade,

afetividade e de sexualidade não esqueciam as mulheres

casadas.

A agenda era uma só: civilizar,educando nos princípios cristãos.No casamento, todo o cuidado erapouco. Normas regiam as práticasdas casadas. Até para terrelações sexuais, as pessoas nãose despiam. [...]. Era proibido àmulher coloca-se por cima dohomem, contrariando a lei danatureza. [...]. Ou colocar-se decostas, comparando-se às feras eanimalizando um ato que deveriaser sagrado. 24

22 Jornal Diário de Minas/Ouro Preto 04-03-1886.23 Jornal A Camélia – 12-08-1886.24 Del Priore, Mary. Histórias íntimas: sexualidade eerotismo na história do Brasil. São Paulo: EditoraPlaneta do Brasil, 2011, p. 41/43

A visibilidade feminina testemunhada pelos

viajantes, periódicos locais e pela historiografia de

Vila Rica nos leva a uma mulher em diversas

possibilidades de leitura. Entretanto, devemos ficar

atentos para a construção da imagem feminina neste

período, pois uma das características deste século foi

a difusão de manuais de diversas procedências,

orientando as práticas de afetividade, sexualidade e

sociabilidade. Nesta perspectiva, proliferavam os

livros de boas maneiras com o objetivo de conciliar a

arte do amor com os códigos de etiquetas, que tinham

como intuito orientar os contatos entre homens e

mulheres.

[...], ensinando as mulheres comose portar diante dos homens, comoaceitar a corte, aconselhando queas relações "fossem estabelecidascom excessiva cautela", que ascabeças não se chegassem muitoperto lendo o mesmo livro, que asmoças "não aceitassem semnecessidade o auxílio para secobrir com a capa, o xale, calçaras galochas", etc". 25

Para os moralistas do século XIX, as mulheres

deveriam tomar todo cuidado com as suas formas de

sociabilidade, pois ao se encontrarem expostas, "as

mulheres perigam em serem vistas, ou em se darem muito

a ver", portanto, a mulher deveria se precaver, isto é,

25 SOUZA, Gilda de Mello e, O Espírito das Roupas: amoda no século dezenove, São Paulo, Companhia dasLetras, 1987, p. 92.

deveria optar por uma vida restrita ao mundo social

privado. Agindo assim, a mulher estaria salvando sua

honra, pois, "a sua melhor fama é não ter fama".26

O discurso moralista da época construía discursos

referentes às virtudes necessárias na mulher que se

pretendia tomar como esposa. No século XVIII, Francisco

Joaquim de Souza Nunes, escrevia:

[...], seja pois a mulher que seprocura para esposa formosa oufeia, nobre ou mecânica, rica oupobre; porém, não deixe de servirtuosa, honesta, honrada ediscreta.27

Robert de Blois sugeria as mulheres,

conduzir-se bem no mundo. Damasdevem saber falar com graçaquando estão em sociedade, masnão tagarelar demais, poispassarão por pedantes e fúteis,enquanto as silenciosas serãotidas por tolas. Diante doshomens, espera-se que sejam aomesmo tempo afáveis e reservadas:nada de muita amabilidade, se nãoquerem ser acusadas deimpudência.28

Assim, o conflito entre o discurso e o vivido,

era notório durante as festas que aconteciam na cidade

26 SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Sistema de Casamentono Brasil Colonial, São Paulo: T. A. Queiroz: Ed. daUniversidade de São Paulo, 1984, p. 7027 Ibidem, p. 71.28 DIBIE, Pascal. O Quarto de Dormir: um estudoEtnológico. Tradução de Paulo Azevedo Neves da Silva.Rio de Janeiro, Globo, 1988, p. 77.

na cidade de Ouro Preto no decorrer do século XIX.

Muitas destas festas eram promovidas pela igreja, e

eram organizadas com muito carinho pelas senhoras que

faziam parte das irmandades locais, eram festas

prestigiadas pela população que saiam às ruas

comemorando e se divertindo.

Serão celebrados com todo oexplendor na capella de NossaSenhora do Rosário do Alto daCruz, os festejos do mês deMaria. 29

O jornal “A Camélia”, que circulou na cidade de

Ouro Preto por volta do ano de 1887, trazia

constantemente notícias sobre a cidade, os eventos, apopulação, a agenda com os principais acontecimentos

que estariam por vir, e também trazia uma coluna

chamada “Dizem”, que propagava os boatos que andavam

circulando pela cidade. Na edição do dia 04 de dezembro

de 1887, esta coluna trouxe uma “fofoca” interessante a

respeito do comportamento de algumas distintas senhoras

da cidade.

Dizem.... que as beatas em vez defazerem o jantar e deixar feitopara quando os maridos chegaremdo serviço o achar, não: ellasvão para a festa sem fazeremcoisa alguma. Os homens dizemprimeiro a barriga depois afesta. 30

29 Jornal Gazeta de Ouro Preto, 02-06-1889.30 Jornal A Camélia 04-12-1887

A função da mulher casada deveria ser basicamente

restrita a vida doméstica, seu papel era cuidar bem da

casa, dos filhos, do marido. O documento acima revela

que nem sempre esses valores eram vividos pelas

mulheres burguesas de Ouro Preto.

O historiador Antônio Emilio Morga, ao falar do

papel desempenhado pelos jornais que circularam em

Santa Catarina no final do século XIX, chama a atenção

para a cumplicidade que existia entre a burguesia e os

agentes da escrita, e afirma que os jornais além de

criticar e direcionar o comportamento da sociedade

ainda prescreviam normas de sociabilidade.

Na teia desta cumplicidade, entreburguesia e os agentes daescrita, no transcurso do séculoXIX, os jornais tornaram-seinstrumental pedagógico nas novasrepresentações de sociabilidadeburguesa. Através de suaspáginas, combatiam-se os usos ecostumes sobre o urbano,criticavam-se as práticascotidianas de afetividade dapopulação e sugeria-se areinvenção dos equipamentos desociabilidade, ao mesmo tempo emque novos códigos desensibilidades eram difundidos. 31

Por mais que o discurso moral burguês afirmasse

que as mulheres honradas só deveriam sair às ruas

acompanhadas do marido, ou do filho, o que vimos na

prática, através da coluna “Dizem” do jornal de Ouro

31 MORGA, Antônio Emilio. op. cit.; p. 88.

Preto é que as mulheres saiam às ruas sozinhas,

participam das festividades e não se envergonhavam em

expor sua curiosidade diante dos eventos, e segundo a

fonte, algumas senhoras distintas nem mesmo faziam o

jantar dos maridos, corriam para as festas antes mesmo

de eles chegarem do trabalho.

As festas de rua na cidade de Ouro Preto chegavam

a durar a noite inteira, varando as primeiras horas do

dia. Ao final, as ruas ficavam sujas, cheias de papéis,

garrafas e destroços de ornamentos. Essa situação

incomodava alguns moradores que acabavam chamando a

atenção dos órgãos responsáveis pela limpeza das ruas

da cidade

Pedimos a câmara municipal, maisum pouco de cuidado com a limpezada capital. Nestes últimos diasde festa o lixo tem ficado emmontões pelas ruas à espera dascarroças que so chegam depois dasoito horas, como a câmara sabe,em uma capital como esta de umenorme movimento comercial oafastamento do lixo deve serfeito na madrugada ficando asruas em estado de transito e nãoacontecer o que tem acontecidonestes últimos dias.32

Mas a sujeira nas ruas não incomodava apenas os

moradores. O poder público através dos códigos de

postura multava quem infringia ou burlava as posturas.

Os comerciantes, eram talvez os mais prejudicados com o

32 Jornal Arauto 13-05-1894

lixo, que via-se espalhado todas as manhãs, após as

festas, por toda calçada. Em editorial o jornal Diário

de Minas, 1882, comunicava-se que a limpeza das ruas

nos últimos tempos vinha sendo custeada pelos

comerciantes, tudo para que a clientela não se sentisse

incomodada com a sujeira.

O comércio foi um grande aliado da mulher

burguesa do século XIX. No comércio de Ouro Preto as

mulheres encontravam a sua disposição tecidos,

vestidos, luvas, leques, perfumes, tecidos, fitas,

sombrinha, sapatos, chapéus e lenços, produtos que

obedeciam as tendências europeias que agradavam os

olhos das senhoras.

Apromtam-se com perfeição ebrevidade, vestidos, anáguas,saias, sapatos e chapéus, aúltima moda, havendo para estafinalidade um habituado pessoalde modista.33

Muitos viajantes34 que passaram por Minas Gerais

no final do século XIX, deixaram registradas suas

impressões sobre o comércio nas regiões auríferas,

falaram sobre o comércio ambulante e descreveram com

muita riqueza de detalhes sobre os produtos oferecidos

pelos tropeiros, homens condutores de tropas que saiamas ruas vendendo produtos variados, desde animais,

33Jornal Diário de Minas – Ouro Preto 04-07-188234 John Mawe (1808-1809). Auguste de Saint-Hilaire(1816-1822). John Luccock (1808-1820) Johann EmanuelPohl (1812-1820). Karl F.P Von Martius e John B. VonSpix (1818) Shir Richard Burton (1868)

vestidos de chitas, panos e rendas, produtos que

chamavam a atenção das mulheres. Ao descrever sobre os

tropeiros em São Joao Del Rei, cidadezinha bem próxima

a Ouro Preto, Spix e Martius afirma que:

Quanto é aqui animado o comérciologo se vê pelo fato de fazeremquatro tropas, cada uma decinquenta mulas cargueiras,contínuas viagens pra lá e pra cáda capital, anualmente levandotoucinho, queijos, algum tecidode algodão, chapéus de feltro,gado bovino, mulas, galinhas ebarras de ouro para vender ali;pelo valor de seus produtostrazem de volta mercadoriaseuropéias, sobretudo portuguesase inglesas, chitas, panos,rendas, utensílios de ferro,vinho, cerveja Porter, licores,etc.35

O viajante naturalista August de Saint-Hilaire ao

conviver com a população de Minas Gerais e de modo

particular com as mulheres desta região, observou-as

indo às compras, e comparou-as com o as mulheres do

sul. Tendo constatado o desembaraço das mulheres da

Ilha de Santa Catarina, Saint-Hilaire formula juízo

ético diante das práticas sociais das mulheres de

Desterro.

Elas não demonstram o menorembaraço, e às vezes chegam mesmoa ter um certo encanto;freqüentam as lojas tão raramente

35SPIX, J.B. Von & MARTIUS, C.F.P. Von. Viagem peloBrasil: 1817-1820 BH/SP: Itatiaia/ EDUSP, 1981 p 194-5.

quanto as mulheres de Minas(1820), mas quando andam pelasruas em grupos, colocam-segeralmente ao lado umas dasoutras; não receiam dar o braçoaos homens e muitas vezes chegama fazer passeios pelo campo. Parasair elas não se envolvem nummanto negro ou numa capa grossa,se vestem com mais decência ebom-gosto do que as mulheres dointerior. 36

Além das inúmeras opções por produtos novos, o

comércio de Ouro Preto oferecia serviços de reparos

para o público em geral.

À rua do sr. Bom Jesus deMatosinhos nº. 12 conserta-se elava-se chapéus de senhoras.Também fazemos reparos em chapéuspara homens, por preço commodocom perfeição e promptidão.37

Ainda podemos dizer que o comércio também

promovia a sociabilidade da sociedade ouro-pretana,

além de ser um ponto de encontro, ele ainda promovia

esporadicamente algumas festas que reunia homens,

mulheres e crianças. Em 1886 foi fundada em Ouro Preto

uma associação comercial, a festa de comemoração de um

ano desta associação atraiu as damas da cidade, que

entusiasmadas pelas flores, o brilho e as músicas

36 SAINT-HILAIRE, Auguste de, Viagem a Curitiba e SantaCatarina, Trad. Regina Regis Junqueira. Belo Horizonte;Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universidade de SãoPaulo, 1979, pp. 173-4.37 Jornal Mosaico de Ouro Preto 05-06-1887

tocadas, se entregaram a dança, se esquecendo da fadiga

diária.

As damas, as flores, as luzese a música faziam com queaquelles alegres filhos dotrabalho se esquecessem dafaina diária e loucos seatirassem a bendicta loucuradas valsas. 38

Produtos europeus femininos enchiam as

prateleiras das lojas. Podia-se encontrar - chapéus,

luvas, fitas, seda, bolsas, blusas, rendas, luvas,

tecidos, leques, espelhos, botas, sombrinhas, perfumes

e vestidos.

A historiadora Mary Del Priore, ao descrever como

as mulheres brasileiras do século XIX se vestiam,

aponta que do corpo inteiramente coberto só restava às

extremidades, mãos e pés ocupavam o lugar do desejo,

eram as partes do corpo feminino que mais atraía o

olhar masculino. Acrescenta ainda, que as roupas eram

apertadas ao ponto de provocar problemas respiratórios

e hemoptises “Ajudando a desenhar a figura da heroína

romântica: a pálida virgem dos sonhos dos poetas,

doente do pulmão”39.

38 Jornal Gazeta de Ouro Preto 09-05-188839 DEL PRIORE, Mary. Histórias íntimas: sexualidade eerotismo na história do Brasil. São Paulo: EditoraPlaneta do Brasil, 2011. p. 73.

A cintura feminina era esmagadapor poderosos espartilhos,acentuando os seios aprisionadosnos decotes – o peito de pomba.Escapulários e medalhões serviampara destacar o colo. E otraseiro era valorizado graças àsanquinhas. O “talhe de vespa” oucintura estreita fazia parte dospadrões de beleza física. 40

Alguns estudos indicam que as mulheres do sudeste

do país, diferentemente das mulheres do sul41, não se

vestiam com bom gosto. Em casa, mesmo as mais abastadas

se vestiam de forma simples, sem vaidade. “Mesmo as

senhoras mais distintas andam em casa com as tranças

soltas, saias de chita sem cintos e largos paletós”. 42

Vestir-se bem para uma mulher burguesa no século

XIX, significava acompanhar as tendências vindas da

Europa, mas especificamente de Paris. As roupas

chegavam ao Brasil através do Rio de Janeiro e

rapidamente se espalhava pelo interior do país.

E interessante notarmos que amoda no Brasil no final do séculoXIX e início do XX, sofria forteinfluência da moda parisiense,sendo que seu ponto de chegada aopaís era na cidade do Rio deJaneiro, que por sua vez, ditava

40 Ibidem, p72.41 Ver MORGA Antônio Emilio. op. cit.; p. 125.42 FRANCO, Maria Sylvia de Carvalho. Homens livres naordem escravocrata. São Paulo, Dag Gráfica e EditorialLtda.1983. p. 205.

as tendências para as outrasregiões do Brasil.43

Porém, se no mundo privado as mulheres burguesas

mineiras se vestiam semelhantemente às suas escravas,

no espaço público, na rua, nas festas, na missa ou no

teatro, elas não hesitavam em exibir toda a ostentação

pertinente a classe social a qual pertenciam.

As mulheres se vestem dentro decasa com roupão, às vezessubstituído por um avental comumtambém as negras. Se asimplicidade caseira podiaaproximar as roupas de senhoras eescravas, a ostentação em locaispúblicos chegava também aesmaecer os sinais dediferenciação em suasvestimentas. 44

Quando o assunto era a rua, ou o espaço público

as mulheres exacerbavam no luxo, tanto para si, como

para suas escravas e damas de companhia.

Às vezes o ouro e a pedrariaadquiridos para refulgir nossalões, são vistos cintilandopelas ruas, em curioso contrastecom a pele negra das domésticas,efêmeras e humildesrepresentantes da abastança dafamília. 45

43 LAGE, Monica Maria Lopes. Mulher e Seringal. Um olharsobre as mulheres nos seringais do Amazonas 1880-1920.Manaus 2010. Dissertação (Mestrado em História Social)– Setor de Ciências Humanas, Universidade Federal doAmazonas, p. 35.44 Ibidem p. 205

Sobre as mulheres burguesas que viveram em Ouro

Preto no século XIX, podemos dizer que elas

apresentaram algumas particularidades extremamente

relevantes sobre o ponto de vista histórico. Vimos que

algumas mulheres, mesmo as burguesas, não se moldaram

ao discurso burguês de seu tempo, não se encaixaram as

normas sociais e as condutas morais estabelecidas para

elas nos anos oitocentos.

Por muito tempo acreditou-se que as mulheres

burguesas foram as que carregaram sobre seus ombros o

fardo destes discursos, e que os mesmos, não

encontraram eco no comportamento das mulheres das

classes sociais menos privilegiadas. Entretanto, vimos

na documentação estudada que esta teoria pode ser

questionada se levarmos em conta as diversidades

históricas de cada região do país.

As cidades mineradoras, que já nasceram

impulsionadas por um grande contingente de pessoas,

adquiriram características diferentes de outras cidades

que tiveram seu processo de desenvolvimento menos

acelerado. Desta forma, não podemos comparar as

experiências vividas pelas mulheres que acompanharam um

crescimento urbano, com aquelas que já nasceram em meio

urbano, nem tão pouco associar suas histórias com as

histórias de mulheres que viveram uma vida inteira em

45 ? BRUGGER, Silvia Maria Jardim. Minas Patriarcal:Família e Sociedade (São Joao Del Rei – séculos XVIII eXIX. São Paulo: Annablume, 2007, p.205.

áreas rurais. As particularidades da história saltam às

vistas, quando analisamos os documentos com olhares

diferentes.

Vimos que em Ouro Preto, as ruas representavam

para as mulheres um espaço de sociabilidades. Era na

rua que as festas, os encontros, as amizades, o amor e

o desamor aconteciam. Era na rua que a banda passava, a

música tocava e o brilho das luzes reluzia, por isso,elas não se restringiram a clausura do lar.

Vimos também que o comercio em Ouro Preto no

final do século XIX, foi um grande aliado das mulheres

burguesas, a oferta de produtos e serviços direcionados

à elas era grande, entretanto, para além de ofertar

produtos, o comércio também promovia festas e

proporcionava a sociabilidade.

Apresentar-se bela nos eventos sociais, foi um

traço marcante nas mulheres mineiras, a preocupação com

a imagem nos espaços públicos, fazia com que as

mineiras cuidassem não apenas de sua própria aparência,

como também da aparência de suas acompanhantes. Vimos

que o êxito na imagem era alcançado através da

cumplicidade que existia entre as mulheres burguesas e

o comércio da cidade.

O exercício de revisitar a história é sempre

surpreendente, todas as vezes que o fazemos, múltiplas

facetas desta ciência nos é revelada. Por isso não

podemos buscar na história uma verdade absoluta, pois a

história tem sempre o poder de surpreender-nos.