homossexualidade feminina, família e micropolíticas da emoção

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Horiz. antropol., Porto Alegre, ano 25, n. 54, p. 141-171, maio/ago. 2019 Artigos Articles http://dx.doi.org/10.1590/S0104-71832019000200006 A “vergonha” como uma “ofensa”: homossexualidade feminina, família e micropolíticas da emoção Shame as an oense: female homosexuality, family and micropolitics of emotion Leandro de Oliveira * * Universidade Federal de Minas Gerais – Belo Horizonte, MG, Brasil [email protected] https://orcid.org/0000-0002-2793-0959

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Horiz. antropol., Porto Alegre, ano 25, n. 54, p. 141-171, maio/ago. 2019

Artigos Articles

http://dx.doi.org/10.1590/S0104-71832019000200006

A “vergonha” como uma “ofensa”: homossexualidade feminina, família e micropolíticas da emoção

Shame as an off ense: female homosexuality, family and micropolitics of emotion

Leandro de Oliveira*

* Universidade Federal de Minas Gerais – Belo Horizonte, MG, [email protected]://orcid.org/0000-0002-2793-0959

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Leandro de Oliveira

Resumo

O artigo discute o tema da revelação da orientação homossexual para a família de origem sob a perspectiva da antropologia das emoções, a partir da experiência de uma jovem lésbica de camadas médias. O depoimento tematiza tensões vivenciadas na esfera doméstica após a revelação da orientação sexual para os pais, com destaque para uma situação específi ca, na qual a mãe teria expressado “vergonha” pelo fato de ter uma fi lha “lésbica”. A “vergonha” da mãe é considerada insultante pela fi lha, pois recusa uma forma de consideração almejada. A análise evidencia como discursos emocionais podem operar micropoliticamente, não apenas na demarcação e reforço de hierarquias, mas também em sua contestação.

Palavras-chave: emoção; homossexualidade; gênero; família.

Abstract

The article discusses the revelation of the homosexual orientation to the family of origin from the perspective of the anthropology of the emotions, based on the experi-ence of a young middle-class lesbian. The testimony thematizes tensions experienced in the domestic sphere after the disclosure of sexual orientation to her parents, high-lighting a specifi c situation in which the mother would have expressed “shame” for having a lesbian daughter. The mother’s shame is considered insulting by her daugh-ter, since it refuses a desired form of consideration. The analysis highlights how emo-tional discourses can operate micropolitically, not only defi ning and reinforcing, but also questioning hierarchies.

Keywords: emotion; homosexuality; gender; family.

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Este artigo aborda o tema da revelação da orientação homossexual para a família sob a perspectiva da antropologia das emoções. A refl exão apresentada integra projeto mais abrangente, conduzida na região metropolitana do Rio de Janeiro entre os anos de 2007 e 2011, que investigou situações vivenciadas por gays e lésbicas na relação com suas famílias de origem contextualizadas contra o cenário contemporâneo de luta política e reivindicações por reconhecimento entre minorias sexuais e que resultou em minha tese de doutorado (Oliveira, L., 2013). Essa pesquisa mais abrangente se baseou em análise documental, etno-grafi a e em entrevistas em profundidade inspiradas nas técnicas de “história de vida” (Becker, 1999; Debert, 1986; Queiroz, 1991) e “história de família” (Barros, 1987; Cabral; Lima, 2005; Duarte; Gomes, 2008). Os depoimentos analisados na tese foram coletados com dez interlocutores pertencentes a segmentos de camadas médias e a segmentos ascendentes de camadas populares – oito jovens com idades entre 20 e 30 anos (sete homens gays e uma mulher lésbica), além de duas mulheres (uma heterossexual e uma lésbica) na casa dos 40 anos que tinham fi lhos homo/bissexuais. As narrativas fornecidas por esses interlo-cutores foram tomadas como casos privilegiados para a visibilização de certas experiências e de discursos emocionais que compareciam entrelaçados a pro-cessos de reelaboração do self e dos vínculos familiares, com especial atenção às experiências de manutenção do segredo, às situações envolvidas na visibili-zação da orientação sexual e às narrativas sobre maior ou menor “aceitação” da homossexualidade. O trabalho consistiu em experimento etnográfi co no qual as narrativas sobre si, sobre a própria sexualidade, sobre a própria família e sobre situações vivenciadas com familiares e parceiros amorosos foram toma-das como indícios interconectáveis que apontam para processos sociais e for-mas de falar sobre a experiência social – aproximável à estratégia de “seguir as biografi as”, identifi cada por Marcus (1995) como uma das formas possíveis de multi-sited ethnography.

Neste artigo, discuto experiências relatadas por uma jovem branca, lésbica e pertencente a camadas médias, moradora da Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro. O depoimento tematiza tensões vivenciadas pela entrevistada após a revelação de sua orientação sexual para seus pais. Analiso o modo como essa entrevistada aciona discursos emocionais na percepção e interpretação de rea-ções de seus familiares à visibilização de sua orientação sexual, com especial atenção à noção de vergonha. Esse caso foi escolhido por colocar em evidência

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o potencial micropolítico desses discursos emocionais, que podem compare-cer na reiteração, mas também no questionamento/reinvenção de convenções tocantes a sexualidade, gênero e família.

Desde fi ns do século XX, estudos no campo da antropologia das emoções têm problematizado a noção de que as “emoções” seriam fenômenos “naturais”,

“espontâneos” e/ou “individuais”, salientando seu caráter de construção coletiva (Lutz; White, 1986). Aquilo que nomeamos como “emoções” pode ser tomado como uma forma de linguagem ou discurso, e como um modo de conexão entre as pessoas no mundo que se articula a aspectos da estrutura social. Devido a essa capacidade de dramatizar relações sociais, o discurso sobre as emoções, a expressão de emoções e o discurso emotivo são dotados de um potencial micropolítico para a legitimação ou contestação de hierarquias (Abu-Lughod; Lutz, 1990; Coelho, 2010; Rezende; Coelho, 2010). Discursos emocionais podem, desse modo, desempenhar um trabalho de inclusão ou exclusão social, afi r-mando o pertencimento ou não de uma pessoa a um dado grupo, e reiterando ou desestabilizando convenções culturais e formas de ordenamento social.

A antropologia das emoções, campo de debates que emerge nos Estados Uni-dos entre fi ns dos anos 1970 e início dos anos 1980, é debitária de discussões conduzidas no âmbito dos estudos de gênero e pensamento feminista (Despret, 2011; Lutz, 1988). Ao problematizar defi nições convencionais da oposição natu-reza/cultura, os estudos de gênero abriram espaço para reconhecimento e crítica das conexões metonímicas entre feminilidade, natureza e emoção (assim como para a crítica do dualismo razão/emoção, que defi ne as emoções como domí-nio desqualifi cado por oposição à razão, considerada atributo masculino, e que ocupa lugar central na etnopsicologia ocidental moderna). A antropologia das emoções se amparou também em releituras do pensamento de Michel Foucault, notadamente as refl exões sobre a relação entre discurso, subjetividade e poder que marcaram as análises de Foucault sobre a sexualidade (Abu-Lughod; Lutz, 1990). Se o feminismo evidenciou que nossas concepções acerca daquilo que é ou não “natural” estão atravessadas por relações de poder, a analítica de inspi-ração foucaultiana ajudou a complexifi car essa concepção de poder, colocando em evidência como tanto o objeto do discurso quanto os sujeitos que o enun-ciam são efeitos contingentes da relação que os forma e conecta.

Talvez seja conveniente enfatizar que, embora o presente trabalho dialo-gue de modo transversal com questões de gênero e sexualidade, ele não tem

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a pretensão de explorá-las diretamente. Gênero e sexualidade permanecem como problemas de fundo, se não pelo conteúdo do caso discutido, também pelo fato de que a antropologia das emoções é um campo intelectual que pos-sui conexões genealógicas com os estudos em gênero e sexualidade. O obje-tivo aqui, contudo, é colocar em evidência como o discurso emocional de nossa interlocutora expressa micropoliticamente um questionamento de hierarquias

– notadamente, operações de hierarquização que demarcam uma superioridade moral da heterossexualidade em detrimento de outras orientações sexuais, que tive oportunidade de discutir em ocasiões anteriores (Oliveira, L., 2011; 2013). Questionamento, nesse caso, não signifi ca subversão ou reestruturação radical de relações, mas um tipo de objeção mais ou menos sutil que pode emergir no interior de contextos e situações sociais específi cas (e que, por ser sutil e locali-zada, não é menos impregnada de poder).

É com essas perspectivas em mente que gostaria, aqui, de abordar a história de vida de Karine,1 uma jovem de 25 anos graduada na área de ciências sociais aplicadas. Karine residiu por toda a vida na Zona Norte do Rio de Janeiro, na mesma casa em que seus pais e seu irmão caçula. Percebe a si mesma como uma “pessoa típica” de “classe média”, parte de uma “família típica” de classe média: um casal de profi ssionais liberais, com formação em nível superior, que tiveram um casal de fi lhos. Se apresenta alternadamente como “homossexual”,

“mulher gay” ou “lésbica”, sem expressar preferência signifi cativa por alguma dessas categorias.2

Conheci Karine através de outro colaborador da pesquisa – um jovem gay que integrava, junto com ela, uma rede de sociabilidade em que suas

1 Na apresentação de resultados da pesquisa, todos os nomes citados foram alterados, assim como informações que pudessem identifi car diretamente quem são os entrevistados foram omitidas, de modo a resguardar sua privacidade.

2 Facchini (2008), em sua pesquisa com “mulheres que se relacionam afetiva e/ou sexualmente com outras mulheres” na cidade de São Paulo, assinala o modo como o uso de categorias de clas-sifi cação autoatribuídas pode variar conforme a situação social e os sujeitos envolvidos. Muitas dentre suas entrevistadas expressam uma rejeição ao uso da categoria “lésbica”, seja pela asso-ciação desse termo a uma intensa conotação estigmatizante, seja por um discurso de repúdio a rótulos e valorização da liberdade pessoal. Essa categoria, contudo, era mais adotada entre aquelas que tinham contato/proximidade com ideias do movimento LGBT – notadamente as mulheres mais jovens e pertencentes a estratos sociais mais elevados. Destaco, aqui, que as categorias acionadas por Karine para falar sobre si e sobre sua sexualidade são congruentes com sua afi nidade e simpatia pelas agendas políticas LGBT.

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orientações sexuais eram conhecidas e explicitadas. Em geral, eu acompa-nhava os colaboradores da pesquisa naquelas situações cotidianas de socia-bilidade em que eu fosse acolhido (como encontros em cafés, shoppings, bares, lanchonetes e praças públicas), aproveitando alguns desses encontros para realizar entrevistas registradas em gravador, mas participando também de conversas informais em outras ocasiões. Em nosso primeiro contato, em agosto de 2009, Karine manifestou certa reticência em colaborar com o pro-jeto, e o interesse de que eu explicitasse em detalhe qual era o “referencial teórico” da pesquisa, e de que maneira eu pretendia interpretar os dados. A afi rmação de que eu estava interessado em conhecer as experiências e as percepções de gays e lésbicas sobre a relação com suas famílias (dialogando com um conjunto relativamente amplo de perspectivas e estudos, e não pro-priamente com “um” único referencial teórico) foi considerada ambígua e insufi ciente, demandando esclarecimentos adicionais: quais autores? Quais teorias, quais hipóteses? Demorei um pouco a compreender que essa reserva inicial, expressa de maneira relativamente amistosa, em essência não dizia respeito às correntes teóricas com que eu estaria ou não dialogando, mas a potenciais usos políticos que poderiam ser dados às interpretações produ-zidas. Por sinal, essa postura de reticência se dissolveu quando, em algum momento, mencionei minha vinculação prévia com o Centro Latino Ameri-cano em Sexualidade e Direitos Humanos (Clam/Uerj) e a atuação em pro-jetos de pesquisa preocupados com a promoção da igualdade de gênero e direitos sexuais, que ocorreu paralela à minha atuação como professor em projetos voltados à promoção do debate sobre gênero e diversidade na educa-ção. Em ocasião posterior, Karine verbalizou de forma mais explícita os moti-vos de sua reserva: ela se negaria, terminantemente, a participar de estudos cujas premissas ou resultados pudessem de algum modo reforçar estereóti-pos, visões “negativas” ou “patologizantes” da homossexualidade. Convém lembrar que na primeira década do século XXI ganharam corpo turbulentas controvérsias públicas em torno do “direito” reivindicado por certos psicólo-gos de oferecer “tratamento” e “terapias” para “cura da homossexualidade” – é possível que essa reticência diante de “pesquisas científi cas” em geral tenha alguma correlação com a reverberação desses debates.

Discutir histórias de vida sob uma perspectiva antropológica comporta um conjunto próprio de desafi os e resultados teórico-metodológicos. Como sugere

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Gonçalves (2012), a construção “pessoas-personagem” no interior de “etno-biografi as” evidencia o caráter narrativo tanto do relato biográfi co quanto da etnografi a que o inscreve. O discurso sobre si não é produzido a partir de um self preexistente, mas é construído a partir de compreensões convencionais acerca do que é uma “pessoa”; paralelamente, há um componente de criativi-dade decorrente do fato de que esses discursos em que a vida do narrador é o foco estão sempre articulados a cenas e situações específi cas em que outras pessoas-personagens comparecem. Uma história de vida será sempre constru-ída com o pesquisador dentro de contextos locais nos quais ele próprio compa-rece como uma espécie de personagem – nem que seja no papel de um ouvinte, que é percebido de tal ou qual maneira pelo narrador. Esse tipo de abordagem propicia uma alternativa à antinomia clássica que opõe indivíduo e sociedade, pois coloca em evidência modos possíveis de individuação a partir da elabora-ção de convenções culturais em narrativas sobre situações sociais.

Os pais de Karine comparecem como personagens importantes no relato discutido adiante. Não tive oportunidade, à época, de conversar com eles e de ouvir suas narrativas a respeito dos eventos narrados pela fi lha (ainda que tenha trabalhado, na pesquisa mais abrangente, com uma análise do discurso de mães de homossexuais). Talvez tivesse sido possível negociar esse acesso, mas eu tinha certa preocupação ética de que interpelá-los diretamente poderia favorecer um confronto aberto de perspectivas e potencializar tensões existen-tes entre a jovem e sua mãe. Esse caso evoca um desafi o teórico-metodológico particularmente signifi cativo: embora a tradição antropológica tenda a confe-rir muita atenção ao “discurso nativo”, a construção da realidade não é feita somente de discursos, mas também de silêncios investidos de sentido (Bispo, 2016). Como veremos adiante, não somente o discurso, mas também o silêncio da mãe é especialmente signifi cativo para Karine. O contraponto com as pers-pectivas de seus pais poderia, decerto, iluminar algo a mais sobre as dinâmi-cas familiares vivenciadas por pessoas LGBT, mas não elimina o fato de que as experiências narradas pela fi lha contêm um comentário micropolítico sobre o modo como esta percebe seu lugar na família e no mundo. É desse comentá-rio, socialmente situado e posicionado, que desejo tratar aqui. Nas páginas que se seguem, desejo discutir como Karine aciona discursos emocionais ao falar sobre sua sexualidade e sua relação com a família, com especial atenção para desdobramentos da revelação de sua orientação sexual para os pais.

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Memórias da injúria: a construção de uma “mágoa”

Começo evocando o depoimento de minha interlocutora sobre experiências vividas na juventude, no qual um discurso emocional comparece na evocação e narrativa de certos eventos considerados por ela mais signifi cativos. A des-coberta da sexualidade, para Karine, foi um “processo interrompido”. Por volta dos 12 anos de idade, sentia “tristeza” e “frustação”, por não corresponder a certos estereótipos acerca do gênero feminino, mas sem ter muita consciên-cia do motivo desses sentimentos: ela sempre fora uma “menina-moleca, uma tomboy”,3 que gostava de bola de gude e futebol, e de roupas masculinas. Karine conta que, embora sentisse certa tensão no ar, nunca sofreu censuras diretas na família, ao longo da infância, por essas condutas que transgrediam convenções sobre o gênero feminino. Na adolescência, “fi cou” com outra jovem de sua faixa etária (uma experiência que classifi ca como “absurdamente intensa”, e com a qual não conseguiu “lidar” naquela época): “Eu me fechei, dei um jeito de me convencer de que aquilo tinha sido uma experiência pontual, e não quis mais falar com a menina.” Afi rma que, após o evento, sua sexualidade permaneceu

“congelada” por cinco anos: tinha “medo” de refl etir sobre o signifi cado dessas experiências, não dispunha sequer de um “vocabulário” para isso. Considera que, até então, o vocabulário a seu alcance para nomear esse tipo de desejo e prática estava associado a “xingamentos”: termos como “viado” (no caso da homossexualidade masculina), “lésbica”, “fancha”, que eram empregados por seus colegas de escola, e que aludiam mais à transgressão das convenções em torno do gênero que à sexualidade em si. Para ela, essa restrição no vocabulário tornava difícil até mesmo “pensar” sobre desejos e experiências sexuais vividas com mulheres. Para exemplifi car essa “limitação” linguística, relembra e relata uma cena que vivenciou na escola, quando tinha cerca de 12 anos de idade:

3 A categoria tomboy é uma expressão de língua inglesa, usualmente empregada para se referir a jovens do sexo feminino que apresentem aparência e maneiras consideradas, em um dado contexto, “masculinas”. Segundo Butler (1993, p. 154-155), essa palavra era aplicada no século XVI aos meninos, mas começa no século XVII a ser usada pra se referir a meninas, especialmente aquelas mais agressivas e revoltadas. Por volta do século XIX, o rótulo tomboy – que até então era uma categoria com conotações mais estritamente associadas ao gênero – passa a ser também associado à homossexualidade feminina.

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Eu me lembro que uma vez na escola eu estava fazendo algum tipo de atividade,

eu acho que a gente estava jogando algum tipo de jogo, tinha meninos e meninas

jogando. E aí… […] rolou uma briga, um menino me provocou, a gente discutiu

e aí o menino fi cou puto. Estava um dia quente, daí ele pegou e tirou a blusa.

E quando ele tirou a blusa eu meio que fi quei meio atordoada, assim, meio que

virei [o rosto] para o lado e aí todo mundo começou a rir. Aí uma menina virou

e falou: “Ela é lésbica! Você vai fi car aí brigando com ela? Não perca seu tempo.”

Aí, eu falei assim: “Eu sou o quê? De onde vocês tiraram isso? O que é que vocês

estão falando? O que vocês querem dizer?” Aí aquilo me magoou, mas eu não

entendi muito bem. Aí depois eu fi quei pensando assim “o que será que signi-

fi ca isso? O que será que eu fi z que é coisa de ‘fancha’?” Daí eu fi quei um tempo

remoendo aquilo e não consegui achar a resposta, não sabia dizer exatamente

o que era, o que signifi cava ser “fancha”, naquele momento. Mas foi usado para

me agredir.

O sentido da ofensa, implicada na acusação “você é lésbica”, provém não só do signifi cado investido nas palavras enunciadas, mas do modo como estas são proferidas e da situação da enunciação. Como sugere Julian Pitt-Rivers (1971, p. 17), em ensaio que aborda os códigos da “honra” e da “vergonha” em cultu-ras de sociedades mediterrânicas, a presença física do ofensor exerce um papel crucial na emergência do sentimento de “ofensa”:

A importância da presença pessoal é altamente relevante em matérias de honra.

Aquilo que é uma afronta dito na cara pode não desonrar, dito pelas costas.

Aquilo que é ofensivo geralmente só o é se alguém estiver presente para sentir

a ofensa. O que é ofensivo não é o ato em si, mas o fato de obrigar o ofendido a

assistir a ele.

Em essência, para um insulto funcionar enquanto insulto, ele precisa ser público; tais afrontas interpessoais à honra alheia são feitas para envergo-nhar, e se inscrevem no cerne das convenções culturais sobre a “vergonha”. Ruth Benedict (1972, p.  188-189) abordou a vergonha em contraste com a

“culpa”, como ênfases específi cas conferidas a certos estados emocionais em culturas distintas. A culpa implicaria responsabilização de si por certos atos, sendo eventualmente passível de expiação através de publicização (como no

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ritual da confi ssão cristã); a vergonha, ao contrário, pode se intensifi car com a visibilização do evento que a provocou. Em uma distinta tradição teórica, Goff man (2012, p. 105-108) mostrou como o sentimento de “constrangimento” em situações de interação face a face comparece na manutenção de conven-ções e formas de organização coletiva, resguardando a possibilidade de que um indivíduo desacreditado possa em ocasião futura corresponder a expec-tativas geradas pelas impressões que terceiros têm sobre ele, favorecendo a preservação da distância entre categorias sociais. Trabalhos mais recentes retornaram a esse tema, explorando a articulação entre situações de inte-ração social e contextos político-culturais: sentir vergonha perante alguém, compartilhar de vergonha coletiva ou de vergonha alheia, são formas de afi r-mação de vínculos sociais que implicam compartilhamento de identidade e valores (Ahmed, 2004; Miller, 1993). Retornaremos a este ponto – as articu-lações entre “vergonha” e “ofensa” – mais adiante, ao tratar da percepção de Karine sobre demonstrações de “vergonha” exibidas por sua mãe pelo fato de ter uma fi lha “lésbica”.

A cena de confl ito no ambiente escolar narrada por Karine poderia ser lida como uma pequena fábula moral que, à luz de uma perspectiva contextualista das emoções, possibilita um leque de interpretações distintas, porém com-plementares. Por um lado, a cena inscreve convenções culturais, vigentes em seu grupo de pares, que desqualifi cavam a diversidade sexual. É uma memó-ria da injúria, a rememoração de atos de fala que, como sugere Eribon (2008), são talhados à força no corpo e na subjetividade daqueles que se descobrem alvos de injúria. Tais atos de fala são enunciados performativos que instituem uma demarcação entre o lugar social das pessoas ditas “normais”, ocupado pelo sujeito da fala, e o lugar marginal daqueles que são objeto do discurso e do desprezo alheios. O relato de Karine, contudo, não parece ser uma mera evocação da injúria. Ele desloca ativamente a injúria de seu contexto original e reconfi gura seu sentido, ao ser citada na situação proporcionada pela entre-vista, recorrendo a uma retórica da queixa. Esses eventos não são narrados, apenas e simplesmente, porque geram “mágoa”. Poderíamos, inversamente, sugerir que Karine se refere a eles como mágoas porque sente que eles mere-cem ser narrados, em um contexto político e cultural no qual a legitimidade dos atos que geraram mágoa é passível de questionamento. O depoimento não somente enuncia, mas denuncia: é uma queixa cujas condições de verbalização

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são a inscrição desses eventos na memória como mágoa, a percepção de que os colegas de escola usaram as categorias “lésbica”/”fancha” para agredi-la, e a existência de uma audiência receptiva. Como veremos adiante, esse tom de protesto também aparece na fala de Karine sobre certos confl itos com sua mãe.

No período que identifi ca como o “fi m” de sua “adolescência”, quando ingressou na faculdade, Karine teve dois “namoros” com rapazes que duraram cerca de três meses. Ela afi rma que essas experiências com o sexo oposto esta-vam fadadas ao fracasso, mas que na época não era capaz de perceber isso. Com o ingresso na graduação, em um prestigioso curso de uma prestigiosa institui-ção de ensino carioca, começa a ter amigos gays e lésbicas – fato que associa ao processo gradual pelo qual começou a “se soltar”. Como veremos a seguir, ela retrata esse período como um momento decisivo em sua vida, que impactou sua relação com a família.

“E fi cou claustrofóbico lá dentro…”: o namoro e a experiência do armário

Karine considera que é na faculdade que a maioria das pessoas “assume” a própria homossexualidade. Ao ingressar na graduação, se viu subitamente cer-cada por um círculo de colegas que tratavam desse tópico com “naturalidade” e franqueza. Passou a frequentar “festas alternativas”, voltadas para um público de diferentes orientações sexuais, incluindo gays e lésbicas. Nessa época, com cerca de 21 anos de idade, Karine se questionava acerca de sua sexualidade, e pensava que talvez fosse “bissexual”, tendo inclusive se apaixonado por uma jovem “bissexual” com a qual não chegou a ter qualquer envolvimento. Aos 23 anos, teve seu primeiro “namoro” com uma mulher; pouco depois, “saiu do armário” e revelou sua orientação sexual para a família (primeiramente, para o irmão, e em seguida para seus pais). Afi rma que esse “namoro” se iniciou de forma muito súbita – e para ilustrar, conta uma piada, descrevendo aquilo que as lésbicas levam consigo para um “segundo encontro”: as malas, “já para se mudar” (os homens gays, em contraste, não levariam nada, pois nunca chega-vam a ter um “segundo encontro”). Como veremos adiante, o namoro é uma experiência investida de relevância signifi cativa no contexto da revelação intencional da orientação homossexual.

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Na família de Karine, sempre circulou muita “informação” sobre “sexualidade” – tocante a contracepção, prevenção de infecções sexualmente transmissíveis e à importância do uso do preservativo. Essas “informações” eram compartilhadas tanto com ela quanto com seu irmão, de forma indistinta. A “homossexualidade” era eventualmente tematizada nessas conversas no ambiente doméstico – não como algo que poderia estar presente na própria família, mas como um aspecto da sociedade ou da vida de terceiros: “Olha aquela pessoa ali, que apareceu na novela.” Tais conversas nunca versavam sobre as experiências pessoais dela e do irmão. Desse modo, Karine não se sentia obrigada a contar nada sobre sua sexualidade para seus familiares. Ela teve algumas experiências sexuais com mulheres, antes de seu primeiro namoro, e considerava que estas não eram um assunto que precisasse ou devesse ser compartilhado em família – do mesmo modo que seu próprio irmão, até onde ela tem conhecimento, não falava sobre as experiências sexuais dele. Contudo, ao contrário das experiências sexuais – vistas com assunto estritamente privado – as experiências amorosas são con-sideradas algo que pode e deve ser publicizado. O ingresso em um “namoro” é, assim, retratado como uma experiência que a motiva a “sair do armário:

Quando eu comecei a namorar fi cou complicado porque começa a namorar e isso

não é uma coisa que você consiga esconder, não é, que você consiga “não falar”

sobre. É um relacionamento que você vê a pessoa com frequência, está sempre com

a pessoa. E isso começou a me… a sofrer, o fato de que eu não podia falar sobre isso,

eu me sentia trancada dentro do armário mesmo, trancada no armário. O armário

fi cou pequeno para mim, foi nesse momento que o armário fi cou pequeno. E fi cou

claustrofóbico lá dentro. Eu queria poder falar, queria falar que eu tinha namorada,

que a gente ia no cinema, sabe? Poder apresentar minha namorada e poder falar

das coisas boas e das coisas ruins, “nossa, minha namorada tá chata hoje” ou

“nossa, minha namorada tava linda hoje”, né, como qualquer pessoa faz.

No trecho acima, o ingresso em um namoro aparece como fator que motiva a revelação da orientação sexual para a família, no interior de um discurso nitida-mente pontuado por categorias emocionais e alinhado a uma visão de mundo igualitária, em que o silêncio compulsório é sentido como desconfortável res-trição. Karine ansiava poder falar abertamente sobre suas experiências amoro-sas, como qualquer pessoa faz. Essa aspiração tem lugar de destaque dentre as

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motivações para a revelação. Parece haver uma preocupação mais explícita, por parte de Karine, com seus próprios sentimentos do que com os sentimentos de seus pais. Isso não signifi ca, de modo algum, indiferença às emoções materna e paterna; como veremos adiante, a reação de seus pais é objeto de intensa aten-ção. Contudo, as emoções dos outros são encaradas a partir de uma lente que valoriza a subjetividade do observador: a situação de não poder falar sobre essas experiências pessoais é o que faz Karine sofrer, a sentir-se claustrofóbica, cons-trangida em sua liberdade pessoal pelos limites do armário.

A noção de “armário” sinaliza para um aparato político-cultural que atinge pessoas homossexuais com um conjunto de injunções contraditórias, prescre-vendo simultaneamente a exposição compulsória e a manutenção do segredo sobre si (Pollak, 1990; Sedgwick, 2007). De um ponto de vista macroestrutural, o dispositivo do armário tenta instituir uma fronteira clara entre uma categoria de pessoas ditas exclusivamente heterossexuais e todas as demais (quer estas estejam dentro ou fora do armário); ele não expressa um problema inerente à experiência dos próprios homossexuais, mas, pelo contrário, existe a serviço daquelas pessoas que pretendem demarcar sua identidade em oposição à deles. Sob um prisma fenomenológico, por outro lado, se descobrir “dentro do armário” signifi caria estar sujeito a uma espécie de duplo vínculo, no sentido atribuído por Bateson (1972) a essa expressão: um paradoxo lógico investido de intenso signifi cado emocional, defl agrado por duas prescrições contraditórias (mutu-amente excludentes, que gerariam consequências graves se não fossem ambas atendidas), que despontam acrescidas de uma terceira prescrição que impede a pessoa de ignorar as duas anteriores. Embora a publicização da orientação sexual para a família seja, para Karine, um processo investido de relevância e pontuado por discursos emocionais, essa ânsia por liberdade de expressão, que seu relato evoca, parece ir além da “obrigação de confessar” a verdade sobre a sexualidade cuja gênese histórica foi explorada por Foucault (1988, 2001). Esse discurso, que evoca algo quase da ordem de uma expressão obrigatória dos sen-timentos (Mauss, 1980), poderia ser interpretado como parte integrante de cer-tas “tecnologias de si” contemporâneas que colocam não somente o sexo, mas o discurso emocional em seu centro.

Um aporte para a compreensão dessa atenção cultural à emoção pode ser extraído de Duarte (1999). Em uma releitura do pensamento de Foucault, à luz da análise de Colin Campbell (2001) sobre a centralidade da emoção na ética

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romântica hedonista que se confi gura no século XIX, Duarte argumenta que o Ocidente moderno implantou um “dispositivo de sensibilidade” que atribui preeminência a sensações e experiências pessoais na constituição dos sujeitos, apoiado em uma atenção à corporalidade e em uma aposta na perfectibilidade (possibilidade de aprimoramento) da vida humana. Tecnologias de si são pro-cedimentos que possibilitam aos indivíduos realizarem, por si próprios, ope-rações sobre sua alma/pensamentos/condutas visando uma transformação positiva (Foucault, 2004, p. 95). Na implementação do “dispositivo de sensibi-lidade” no Ocidente moderno, tecnologias de si sustentadas em discurso emo-cional teriam gradativamente conquistado um lugar de destaque nos processos de construção da pessoa.

O desconforto de Karine não derivava, propriamente, de ter que guardar segredo sobre sua “sexualidade”. O que a faz sofrer é a impossibilidade de con-versar com seus familiares sobre emoções vivenciadas em certas experiências importantes pra ela. O paradoxo notado por Pollak (1990), colocado pela obriga-ção simultânea de ocultar e confessar o “segredo” sobre a própria homossexua-lidade, não parece se confi gurar do mesmo modo nesse contexto. Por sob uma capa de persistência e continuidade histórica dos interditos contra a homosse-xualidade, o que se descortina aqui é um cenário interior um pouco distinto: o que esses interditos parecem obstruir, nesse caso, não é a “confi ssão” da orien-tação sexual, mas a possibilidade mesma de exposição de certos sentimentos, em um contexto onde circulam convenções prescrevendo que estes deveriam ser expressados (por exemplo, poder se queixar sobre situações desagradáveis vividas com a namorada, ou expressar satisfação ante situações agradáveis).

Convém destacar a relevância de que a expressão pública de afeto pode, direta ou indiretamente, se revestir nesse contexto. Em depoimentos de gays e lésbicas que assumiram a orientação sexual para a família de forma mais ou menos espontânea ou voluntária, é possível identifi car diversas situações e motivações subjacentes à situação da revelação. O ingresso em um “namoro” com uma pessoa do mesmo sexo, em especial, é uma experiência que compa-rece com alguma insistência em relatos sobre cenas de revelação da homos-sexualidade para a família de origem. O “namoro” parece, aqui, ser algo que existe para ser visto: é a expressão pública de algum tipo de compromisso e/ou dos “sentimentos” que o motivam. As convenções culturais que o diferenciam de outros modos de relacionamento fomentam a expectativa de que ele se

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faça acompanhar de algum grau de exposição e publicização. Para além de quaisquer difi culdades operacionais porventura envolvidas no trabalho de ocultamento de uma relação desse tipo, parece haver (ao menos para algumas pessoas) uma incompatibilidade entre segredo e namoro, que possivelmente se acirra com a duração e consolidação da relação. Em resumo, um namoro é algo que tais sujeitos não querem manter em segredo. Torná-lo público é confi rmar que este “é”, de fato, aquilo que se pretende que ele seja. A existência de cons-trangimentos externos que obstruem esse processo de publicização do namoro pode incomodar bastante a gays e lésbicas que compreendam que deveriam, em sua vida afetiva e relacionamentos amorosos, desfrutar dos mesmos privilé-gios de visibilidade que são franqueados aos namoros heterossexuais.4 Esse tipo de incômodo pode, por um lado, ensejar manifestações organizadas na esfera pública, como os “beijaços”, eventos dedicados a contestar essa distribuição de privilégios considerada pouco equitativa. Mas pode, também, ser expresso em um plano micropolítico, na vida privada e experiências interpessoais cotidia-nas. A permanência ou a saída do armário não diz respeito somente a formas de gestão racional da informação sobre si, mas também a experiências emocio-nais que podem ser bastante intensas (o “medo” das consequências da revelação, o “sofrimento” ensejado pela manutenção do segredo, a “coragem” para sair do armário, etc.). Se trata, de fato, de um dispositivo emocional de gestão da infor-mação e de constituição de si mesmo em situações de interação social. Como veremos adiante, a revelação da orientação sexual é condição necessária, porém não sufi ciente, para assegurar esse tipo de expressão de si no espaço doméstico; ela requer todo um trabalho de reconstrução da defi nição da situação na casa, que implicará em diversos momentos o recurso a discursos emocionais.

A (in)defi nição da situação na revelação para a família

Retomemos o fi o condutor da história de vida aqui analisada. Karine e sua namorada tocavam juntas em uma banda de rock. Um dia, decide levar seu irmão para assistir a um show do grupo. Após o show, apresenta Bianca a

4 Sobre esse ponto, ver a refl exão de L. Oliveira (2011) sobre a visibilidade da diversidade de gênero e da variação sexual e o tema da exposição pública de afeto entre pessoas do mesmo sexo.

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ele, como sua “namorada” – procurando tratar desse tema com naturalidade. Embora não soubesse qual seria a reação do irmão ao saber que ela estava namorando outra mulher, sua expectativa (posteriormente comprovada) é de que essa reação seria positiva:

Eu não queria fazer disso um assunto, tipo “sente aqui, meu irmão, precisamos

conversar”. Eu queria apresentar ela igual eu apresentaria um namorado, com

uma naturalidade. E claro que eu fi quei nervosa porque eu não sabia como ele ia

reagir, né, mas eu achava que ele ia reagir bem. E foi superótimo, supernatural. Foi

até mais natural do que eu imaginava. Não teve um momento depois de con-

versa, sabe, e até depois quando eu cheguei a discutir alguma coisa com a minha

mãe, meu irmão depois vinha conversar comigo e me apoiava, então com o meu

irmão foi super… sei lá. Acho que é uma coisa de geração. A nossa geração tem

mais contato com isso, e tem menos questões, menos problemas.

Após cinco meses de namoro, decide contar para o restante da família sobre essa relação, e discute a decisão com sua parceira antes de prosseguir. A namo-rada mostrou-se reticente e apreensiva, temendo que os pais de Karine – espe-cialmente a mãe – brigassem com a fi lha. Karine responde à companheira que, de fato, não sabe como seus pais poderiam reagir, mas que precisava ter essa conversa com eles. O depoimento apresenta a cena da revelação para os pais como um evento breve, colorido pela aparente objetividade com que Karine abordou o assunto, e pela reação de mutismo dos pais:

Cheguei em casa com a roupa de trabalho e tudo, né, sentei na mesa e falei, sentei

na mesa na frente deles e eles estavam no sofá vendo televisão e falei: “Mãe, eu pre-

ciso falar uma coisa com vocês, mas eu preciso falar rápido, senão eu vou perder

a coragem, então não me interrompam.” Aí meu pai falou: “Ai! Você foi presa?”, e a

minha mãe falou: “Ai! Você tá grávida?”… E aí eu falei: “Não, eu não fui presa; e não,

eu não estou grávida. Muito pelo contrário. Faz cinco meses que eu estou namo-

rando uma menina.” Ponto. Parei. Os dois não responderam absolutamente nada,

fi caram lá parados, meio que em estado de choque, não falaram nada. E eu falei:

“OK, eu vou dar um tempo para vocês. Eu vou sair agora, vou na casa de uma

amiga, eu tenho que terminar um trabalho de faculdade e até amanhã isso tem

que estar pronto. Eu tô levando meu celular, se vocês quiserem conversar comigo

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eu estou no celular, senão a gente se vê quando eu voltar. Eu vou dar um tempo

para vocês.” Aí eu levantei e saí. Daí foi isso. No dia seguinte ninguém falou sobre

o assunto.

A necessidade de “falar rápido” para “não perder a coragem” merece um breve comentário. Uma situação que demanda coragem para ser enfrentada é, de fato, uma situação que provoca medo (Miller, 2000). Até mesmo no contexto da revelação para o irmão, considerado de antemão mais receptivo, Karine se sentiu nervosa. Ao contrário da situação “natural” em que apresentou a namo-rada ao irmão (o concerto de rock em que sua namorada estava presente), a revelação para os pais ocorre no centro de uma conversa formal, reservada exclusivamente para isso, e parece ser fonte de ansiedades mais intensas por parte da jovem. A afi rmação de que “não sabia como os pais reagiriam” expressa mais do que desconhecimento ou ausência de informação: sinaliza também para o medo da reação que os pais poderiam eventualmente ter. Esse discurso assinala, nitidamente, uma sensibilidade da jovem a tensões geracionais e a preconceitos culturais que ela antecipa que poderiam se manifestar naquela situação, e é sugestivo do trabalho emocional (Hochschild, 2013) demandado para transformar o medo inicial da reação dos pais em “coragem”.

Sob outro prisma, o silêncio poderia ser encarado como uma resposta ritual dada pelos pais, no microcosmo delineado por essa cena, ante um curso de ação inesperado assumido pela fi lha, que rompe a linha e a fachada (Goff man, 2012) exibidas por ela na esfera doméstica até aquele momento. O “silêncio” é um gesto que pode ter muitos signifi cados. Se considerarmos, contudo, que sob outros aspectos, a rotina da família após aquele momento não foi alterada, se poderia sugerir que, socialmente, o silêncio funciona nesse contexto como uma forma de preservação das relações, diante de uma súbita alteração na defi nição da situação.

A noção de defi nição da situação é introduzida por W. I. Thomas (1923) em uma refl exão teórica sobre a capacidade que os sujeitos têm de tomar decisões por si mesmos – abordagem que (em retrospectiva) parece precursora de tentativas posteriores, no campo da teoria social, de superação da antinomia entre “indiví-duo” e “sociedade” através do foco em formas relacionais de agência. O cerne do argumento do autor é que as ações humanas não são meramente “determinadas” a partir de fontes exteriores. Elas seriam infl uenciadas pelo modo como sucessi-vas situações vividas pelo sujeito são defi nidas em relações interpessoais, em um

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processo que modela a conduta e a personalidade dos indivíduos, de tal maneira que os “desejos” individuais seriam progressivamente “regulados” em sociedade:

Anteriormente a qualquer ato de comportamento autodeterminado, há sempre

um estágio de exame e deliberação que podemos chamar de defi nição da situação.

E, de fato, não apenas os atos concretos dependem da defi nição da situação, mas

gradualmente toda uma política de vida, e a personalidade do indivíduo em si

mesmo, derivam de uma série de defi nições desse tipo. (Thomas, 1923, p. 42, tra-

dução minha, grifo do autor).

Esse estilo de teorização, em vez de explicar a conduta humana pela ascen-dência de instituições sociais previamente estabelecidas, considera que tanto as personalidades individuais quanto as próprias instituições derivam de sucessivas defi nições da situação. O sentido atribuído a situações vivencia-das é mutável: embora a reiteração de experiências semelhantes em situa-ções semelhantes possa ensejar a constituição de códigos de conduta mais ou menos estáveis, estes estão abertos a transformação, sempre que uma situação inesperada demandar defi nição. Trata-se de ferramenta rentável para a refl e-xão sobre mecanismos informais de regulação das condutas e de ação coletiva, como, por exemplo, aqueles em jogo nas turbas/multidões e na gossip/fofoca (Thomas, 1923, p. 44-50). Essa perspectiva nos permite compreender as situ-ações como espaço de constituição e locus da mediação entre “indivíduo” e

“sociedade”.A abordagem de Thomas, para além de sua eventual relevância para a histó-

ria da teoria social, é pertinente para a análise conduzida neste artigo. Embora não haja uma refl exão sobre o estatuto teórico das emoções em sua obra, as emoções desempenham papel de destaque em sua discussão sobre a defi ni-ção das situações. Exemplo disso é o argumento de que uma comunidade pode, pelo uso de categorias ofensivas (e, notadamente, na prática da fofoca), “conec-tar o opróbrio a pessoas e atos empregando epítetos que são, simultaneamente, concisas e emocionais defi nições da situação” (Thomas, 1923, p. 49, tradução minha, grifo meu). Do mesmo modo, diferentes tipos de gesto e sinais de repú-dio integram também a linguagem empregada na defi nição de uma situação,

“dolorosamente sentidos como reconhecimento desfavorável” (Thomas, 1923, p. 50, tradução minha), como uma depreciação no/do status da pessoa.

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O que desejo ressaltar, aqui, é o modo como discursos emocionais compa-recem na defi nição da situação. Na cena de revelação da orientação sexual por Karine, ocorre uma primeira perturbação na defi nição da situação no espaço doméstico no momento em que ela declara ter algo “importante” para contar, que demandava “coragem” para ser contado. Como sugere Strauss (1999), quando as pessoas envolvidas identifi cam de forma quase imediata a situação que está ocorrendo, elas podem coordenar suas ações mútuas de tal maneira que essa defi nição inicial da situação seja preservada. Não se coloca em questão “quem” cada um é nessa situação; todos os participantes têm uma ideia de quais facetas de sua própria identidade poderiam ser acionadas. Esse acordo tácito, contudo, só é possível quando todos se encontram desempenhando atividades conven-cionais. Se alguém age de forma inesperada, isso torna a situação problemática, gerando um problema de defi nição: “O que está acontecendo aqui?” Os envolvi-dos não sabem como devem agir, não sabem como agir naquela cena, e no limite, podem não saber “quem” eles são ou deveriam “ser”, naquela situação específi ca.

Se a defi nição da situação é ambígua, isso leva a um esforço para decifrar as motivações por trás da conduta inesperada do outro: suposições, “palpites”, per-guntas. A dúvida do pai de Karine, questionando se a fi lha estava vivenciando confl itos com a lei, e a dúvida da mãe, perguntado se a fi lha estava grávida, expressam implicitamente expectativas destes sobre aquilo que a fi lha “é”, e evo-cam um leque de problemas ou transgressões imagináveis e enunciáveis. É veros-símil supor que o “namoro com uma menina” era uma afi rmação relativamente imprevista naquele contexto – ou, se era de algum modo antevista, as convenções vigentes não permitiam sua verbalização explícita. A resposta adotada pelos pais ante a declaração de Karine poderia ser vista como uma forma de evitação (Radcli-ff e-Brown, 1940), que deixa um confl ito potencial em suspenso em prol da manu-tenção de relações sociais. A evitação, nesse caso, é uma reação à súbita mudança na defi nição da situação no ambiente doméstico com a revelação de Karine.

“Agressões sutis”: silêncio, desconsideração e ressentimento

Diante da postura de evitação assumida pelos pais, Karine reage com outra forma de evitação: vai para a casa de uma amiga, “dá um tempo” para os pais. Esta situação, contudo, é considerada bastante desconfortável por Karine

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– talvez pelo fato de que a inquietação que a mobilizou a revelar para os pais seu namoro com Bianca não fosse, propriamente, a necessidade de “confessar” sua orientação sexual, mas a ânsia por expressar seus sentimentos no cotidiano como todo mundo faz.

Jean-Jacques Courtine e Claudine Haroche (2007, p.  191-192, tradução minha) – em obra que aborda o modo como o rosto, fi sionomia e expressões faciais passaram progressivamente a ser representados como um importante mecanismo de expressão e dissimulação das emoções entre os séculos XVI e XIX – apresentam uma interessante refl exão sobre o signifi cado que o silêncio passa a assumir nas relações pessoais, nesse período em que o exprimir e deci-frar das emoções do outro ganham cada vez mais relevância:

A regra do silêncio é clara: não devemos nos fechar ao outro. O rosto taciturno

não convém senão aos espíritos melancólicos e infelizes. O ar aberto e amá-

vel que recomendam muito mais as artes da conversação que os preceitos do

silêncio, esta é a marca depositada sobre o rosto de cada um pelos paradoxos de

uma sociedade civil onde se reforça o controle social ao mesmo tempo em que

se autonomiza o indivíduo, quando tal sociedade é concebida como espaço de

diálogo, de troca e de expressão.

O argumento dos autores é que, na modernidade, o silêncio se torna ao mesmo tempo objeto de um interdito, e uma forma paradoxal e poderosa de expressão em certas situações, pela ausência da fala em contextos nos quais é esperado que esta ocorra. O silêncio é simbólico, ele não apenas demanda interpretação, mas também sublinha o valor do diálogo. Nas relações amorosas, por exem-plo, o poder do silêncio se faria sentir com especial força: o silêncio instaura um ferimento, para o qual as palavras são o consolo e remédio mais desejados (Courtine; Haroche, 2007, p. 200). Essa abordagem histórica oferece uma chave analítica bastante rentável para refl etirmos sobre o poder de que o “silêncio” e seu rompimento podem ser investidos em situações micropolíticas defl agra-das no ambiente doméstico pela revelação da homossexualidade.

O “silêncio” dos pais, como vimos, é fonte de intensa inquietação para Karine. Não basta dar sentido a ele, é preciso atuar ativamente visando a supe-ração do silêncio na redefi nição da situação. Uma de suas amigas, lésbica, a aconselha a não consentir que esse silêncio persista. O conselho é baseado em

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experiência pessoal: a amiga atravessara situação semelhante, anos antes, e afi rma que pagara um “preço alto” por não ter conversado abertamente com seus próprios familiares. Karine passa então a mencionar o nome da namorada em casa, naquelas ocasiões em que fosse encontrá-la: “Estou indo ao cinema com Bianca”, ou “vou a uma festa com Bianca”. Seus pais reagiam, invariavel-mente, com silêncio. Passado algum tempo, expõe para seu pai que essa situ-ação a inquietava. Ela ansiava por saber o que se passava pela cabeça de seus pais, e o modo como sua orientação sexual era vista por eles:

E a gente saiu para conversar, eu e meu pai. E meu pai foi ótimo, foi lindo. Ele

sentou e falou: “Olha, eu não tenho menos problema com isso. Eu acho que não

tem que ter problema [algum] com isso. Estou orgulhoso de você ter tido coragem

de seguir o que realmente vai te fazer feliz, e não tenho o menor problema com

isso. Mas a sua mãe está tendo um pouco de difi culdade, e ela não quer falar sobre

esse assunto. Ela avisou pra mim que ela não quer falar sobre esse assunto.” Aí eu

falei: “Pai, eu entendo que a mamãe tenha difi culdade pra falar sobre esse assunto,

eu demorei cinco, seis anos pra sair do armário para mim mesma, mas […] eu dou o

tempo que ela precisar, mas a gente precisa conversar. A gente precisa do mínimo

de troca.” Aí depois de um tempo a gente começou a falar bem devagarzinho, bem

devagarzinho. Minha mãe não é muito aberta a falar sobre isso, mas hoje em dia

não tem o menor problema. Ela fala sobre isso, eu falo sobre isso. Com mais restri-ção do que com meu pai, mas tranquilamente. Depois de um tempo as coisas se

acertaram. Durante algum tempo eu fi quei bem brava com ela, especialmente por

causa dessa coisa da minha sexualidade porque eu achei que ela estava sendo ego-ísta, preconceituosa e etc. Com o meu pai, sempre foi mais tranquilo, porque o meu

pai tem uma outra personalidade, ele é mais calmo […]. E como ele não teve uma

reação ruim como a da minha mãe, a gente não teve esse período de fi car afastado.

Inicialmente, a jovem julgou que sua mãe estivesse agindo de uma forma “ego-ísta”, “preconceituosa”, e fi cou “brava” com ela por causa disto. Afi rma que a relação com a mãe, antes disto, já era relativamente confl ituosa – mais tensa do que a relação com o pai, que sempre foi uma pessoa “tranquila”. Acredita que essas diferenças de “personalidade” entre seu pai e sua mãe, e a diferença no modo como se relacionava com os dois, nuançaram o modo como eles reagiram ao saber sobre sua orientação homossexual.

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Karine considera que, além dessa tensão manifesta nas situações de silêncio, não houve grandes mudanças em sua relação com a família a partir da revelação da homossexualidade. Os pais habitualmente regulavam sua circulação fora do ambiente doméstico. Queriam saber que lugares ela frequentava, em quais fes-tas ela estava, na companhia de quais pessoas – um tipo de regulação já notado em outros estudos focando a relação entre pais e jovens adultos residindo em um mesmo núcleo doméstico (Ramos, 2006). Eles se preocupavam caso ela che-gasse muito tarde, à noite, e recomendavam que ela não andasse de carona com pessoas que tivessem ingerido bebidas alcoólicas; nomear essas pequenas obrigações como expressão emocional de zelo (preocupação) é uma forma de reconhecer sua relativa legitimidade, ainda que tais recomendações não fossem estritamente observadas. Havia, em especial, uma censura ao pernoite fora do espaço doméstico. Karine acredita que essas censuras não tinham relação com sua sexualidade, e sugere que se trata de uma característica da cultura local das adjacências do tradicional bairro carioca de classe média em que foi criada:

Eu acho que é uma cultura meio [do bairro tal], viu? Vou te falar… Tem duas

amigas minhas que são héteros, uma é casada e a outra é super, namora há

20 milhões de anos, e os pais são do mesmo jeito. Não é porque eu sou gay ou

não sou, sabe. Elas falam, inclusive a minha amiga que casou, ela fala que uma

semana antes do casamento ela não podia dormir na casa do namorado dela por-

que “imagina o que que os porteiros vão dizer!…”, e coisas do tipo. Então a argu-

mentação era que “isso não se faz”, que isso seria perder totalmente o controle,

que era perder o respeito, sei lá. Também não era muito discutido, não, só era

um “problema”. Só do tipo… “Não, não senhora! A senhora vai voltar pra casa tal

hora.” Não era muito argumentado, até porque não tem muito argumento. Acho

que era um senso antigo, assim, de que se você dormir fora de casa você está se

desvalorizando, ou “o que é que as pessoas vão pensar?”, se estiver chegando de

manhã, sabe, com o cabelo amarrotado, no prédio…

Karine comenta que tanto ela quanto o irmão eram igualmente “regulados”: os pais não gostavam que seu irmão “dormisse fora”, havia um tratamento “igua-litário” dispensado a ambos os siblings. Do mesmo modo, não havia hábito de que amigos dela ou dele frequentassem a casa: a presença de visitas era rela-tivamente rara. Em algumas ocasiões, sua namorada visitou sua casa. Karine

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compara e contrasta o tratamento que seus pais davam à sua namorada ao modo como ela própria era recebida na casa da companheira:

No primeiro ano que eu estava namorando, eu cheguei na minha casa e falei:

“Olha, eu queria jantar com todo mundo, e todo mundo inclui a minha namorada.”

Eu falei com o meu irmão, eu estava viajando e falei: “Arranja isso aí com os meus

pais. Fala pra eles que a gente vai jantar juntos.” Aí, de vez em quando a gente fazia

esse tipo de coisa, mas era bem de vez em quando. Eles sabiam quem ela era, eu

apresentei e tal, mas não tinha essa sociabilidade. Já na casa dela, não. Eu ia lá

sempre, sei lá, dia sim, dia não; a mãe e o padrasto dela sabiam quem eu era, e fala-

vam comigo normalmente, o irmão também. Era muito mais aberto nesse sentido.

Hoje, Karine tem uma bandeira do arco-íris em seu quarto, e embora não seja membro de grupos politicamente organizados de defesa dos direitos LGBT, se considera uma pessoa “supermilitante” e é consumidora ávida de literatura do campo da teoria queer. Considera que a relação com os familiares melhorou bastante ao longo do tempo, desde o dia em que “saiu do armário”, mas nota a persistência de certas tensões tocantes à sua orientação sexual, notadamente na relação com a mãe. Os confl itos com a mãe são mencionados como uma forma de “agressão sutil” – com destaque para uma situação específi ca, na qual a mãe teria expressado “vergonha” pelo fato de ter uma fi lha “lésbica”:

Primeiro foi o choque do silêncio, né. Foi a reação de choque que eles tiveram de

não querer falar sobre isso, e de achar que isso é uma coisa sobre a qual não se

deve falar. Ninguém me agrediu, ninguém me bateu, mas aquilo machucou como

se fosse uma violência. Com meu pai, depois de um tempo, a situação se reme-

diou, porque a gente conversou e deixou tudo bem esclarecido, e eu consegui acei-

tar também o que ele estava sentindo. Mas com a minha mãe, eu não conseguia

aceitar o que ela estava sentindo. Na verdade, eu não sabia o que ela estava sen-

tindo, até o meu pai dizer: “Olha, ela está tendo problemas pra lidar com isso, e

ela não quer falar sobre isso.” Com minha mãe, teve um episódio que eu me senti

meio… […] eu me senti pessoalmente ofendida. Aconteceu um problema lá no con-

domínio, e aí eu e minha mãe acabamos discutindo sobre a coisa de eu ser gay…

E daí a minha mãe falou assim pra mim: “Não fi ca na portaria…” Aí eu disse: “Poxa,

mãe. As pessoas fi cam na portaria. A guria sempre fi ca com o namorado… estão se

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despedindo.” Daí eu vi ela nervosa, fechando a janela. Eu vi que ela não queria que

isso virasse um assunto para as outras pessoas no prédio. A princípio, eu achei

que ela estava temendo que as outras pessoas fossem ser preconceituosas com

ela e comigo. Depois, eu conversei com ela: “Ué, mãe, mas eu sou gay. As pessoas

não sabem que eu sou gay? Você acha que as pessoas do prédio, da rua não sabem

que eu sou gay? Eu ando de mão dada com a minha namorada, e eu ando de mão

dada com a minha namorada até aqui, na porta de casa. E até por isso eu fi co aqui

na portaria. Os héteros podem ir na praça, no cinema…” Daí eu comecei a discutir

esse assunto e aí ela começou a fechar a janela, como quem diz “não fala isso alto”.

Eu senti que aquilo não era pra me proteger, não era algo do tipo “não fala isso

que as pessoas podem ser preconceituosas com você”. Era mais uma coisa do tipo “eu tenho vergonha, não quero lidar com isso”. Esse tipo de agressão sutil…, eu acho

que é o que mais acontece lá em casa. Nunca verbalmente, direto – do tipo “sua

fancha, que coisa absurda” – até porque se isso acontecesse, acho que ia ter briga.

Mas é uma coisa sutil, sugerindo que isso [a homossexualidade] é uma coisa que

se deve ter vergonha. O que é também um tipo de violência, porque está dizendo

que a sua orientação sexual tem alguma coisa de ruim de alguma forma, que deve

ser escondida. E o problema não era com o preconceito, entende? Você se preo-

cupa com a pessoa porque você fi ca com medo, claro, de a pessoa ser agredida.

Mas eu acho que o problema não é a proteção, a preocupação com o preconceito.

Acho que as coisas melhoraram muito ao longo do tempo, acho que hoje em dia

isso acontece bem menos. Principalmente a minha mãe, né. Ela percebeu que eu

não me tornei uma pessoa ruim, ou louca, sabe? Que não era o estereótipo múlti-

plo que ela tinha na cabeça dela, do que era uma mulher gay, sei lá.

No depoimento de Karine, o denominador comum presente em diferentes for-mas de “violência” parece ser sempre a reação negativa à visibilidade de uma conduta que não corresponde a certas convenções culturais: na relação com pares na juventude, gostos e envolvimento com atividades desportivas asso-ciados ao gênero masculino; mais recentemente, a exposição pública de afeto por pessoa do mesmo sexo em um “namoro”. Inicialmente, Karine reporta o silêncio dos pais como algo que a “machucou”; a jovem se sente chocada com a reação de choque dos pais. Esses eventos geraram, certamente, problemas de defi nição da situação do ponto de vista da própria Karine: como ela relata acima, ela própria não “sabia” o que a mãe estava sentindo, até seu pai lhe

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contar que ela estava tendo difi culdades para lidar com a orientação sexual da fi lha e que não queria conversar sobre o assunto. Logo em seguida, ela relata, como verdadeiro insulto, uma situação de confl ito em que sua mãe expressara

“vergonha” por ter uma fi lha lésbica. Ela não queria que a fi lha fosse vista com a namorada na portaria do prédio, e também não queria que os vizinhos perce-bessem o embate que estava sendo travado na casa em torno desse tema. Essa atitude da mãe fez a jovem se sentir “pessoalmente ofendida”. Se a conduta da mãe tivesse sido enquadrada como preocupação com o bem-estar fi lha, talvez pudesse ser justifi cável, mas a vergonha (preocupação com o juízo moral de terceiros) é considerada inadmissível.

Essa situação, em particular, é extremamente rentável para introduzir uma refl exão sobre o que é uma “ofensa”, e sobre a relação entre essa categoria e as ideias de “agressão” e “violência”. Os nexos entre essas noções são abordados em texto do antropólogo Luis Roberto Cardoso de Oliveira (2008), a partir de pesquisa que analisa, através da comparação entre três contextos nacionais, a relação entre ideias sobre “respeito” a direitos universalizáveis e de expres-são de “consideração” ao cidadão que é marcado por sua singularidade pessoal. O autor defende que, embora aquilo que é rotulado como “violência física” pos-sua um caráter material inegável e a “ofensa” seja um fenômeno imaterial e simbólico, existe muito mais possibilidade de se encontrar fundamento obje-tivo para a “ofensa” do que para a “violência física”. O argumento é provocador: o autor sugere que “na ausência da ‘violência moral’, a existência da ‘violência física’ seria uma mera abstração” (Oliveira, L. R. C., 2008, p. 135).

A noção de “violência moral” remete a um “insulto” que envolve algum tipo de rebaixamento da parte “insultada”, que no contexto brasileiro é expresso através da oposição entre consideração e desconsideração. O “insulto moral” tende a ser retratado como menos material ou real que a “violência física”, e, desse modo, acaba invisibilizado no nível das instituições jurídicas. Está frequente-mente associado à expressão de “sentimentos”: uma “fenomenologia do fato moral” mostra o lugar do “ressentimento” na percepção de um evento enquanto

“insulto”. Um ato de violência física não intencional pode provocar tanta “dor” quanto um ato intencional, mas não desperta na vítima o mesmo ressentimento que é experimentado diante de uma agressão deliberada. O insulto moral é uma agressão à dignidade daquele a quem se dirige, através da qual se expressa uma ausência de consideração ou reconhecimento para com esta.

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Luis Roberto Cardoso de Oliveira, inspirado no ensaio clássico de Marcel Mauss (2003) sobre “reciprocidade”, sugere que a noção de “consideração” pode-ria ser comparada à categoria maori do hau: cada sujeito tem obrigação de tra-tar os outros com consideração (“dar” consideração), de aceitar a consideração alheia, e de retribuí-la. Negar esse “reconhecimento” do outro ameaça a manu-tenção do vínculo social, e enseja um tipo de resposta emocional que Cardoso de Oliveira busca circunscrever por meio da noção de “ressentimento”.5 Rei-vindicações por reconhecimento são fenômenos difi cilmente codifi cáveis na linguagem do direito positivo, pois não podem ser satisfeitas pela mera obedi-ência a regras: exigem a transmissão de sinais de apreço pelo outro.

Em um contexto em que um sujeito social reivindica algum tipo de “reco-nhecimento”, atos e gestos do outro podem ser interpretados como sinais de indiferença que o inferiorizam, rebaixam seu status, e podem ser sentidos como agressões à sua dignidade. Acompanhando essa linha de argumenta-ção, expressar vergonha de alguém – de algo que esta pessoa “faz” ou algo que esta pessoa “é” – não poderia ser considerado um gesto ofensivo pela própria pessoa?

5 O “ressentimento” aparece como tema relativamente frequente em uma literatura que abordou confl itos e processos macropolíticos sob perspectiva histórica (Elias, 1997; Ferro, 2009; Haroche, 2001). O “ressentimento” tende a ser retratado, nesses trabalhos, como disposição emocional que se instala entre membros de grupos subalternos em contextos em que essa subalterniza-ção seja vista (ou passe, em um dado momento, a ser percebida) como ilegítima; ou em situ-ações em que pretensões de superioridade reivindicadas por um grupo não são plenamente reconhecidas por outros. A ausência de reconhecimento se faria acompanhar da construção coletiva de sentimentos de humilhação e ofensa, e ações voltadas à reparação dessa situação. Essas disposições afetivas possuem um potencial para servir como poderosos motivadores para a ação, podendo assumir desde formas explosivas de ação contra aquele que provocou o ressen-timento (incluindo atos de agressão física, violência letal, guerras) até a forma daquilo que o historiador Marc Ferro (2009, p. 169), inspirado em Nietzsche, chamou de “o ressentimento dos colonizados”: uma “vingança imaginária” que o homem do ressentimento “rumina”, em face da impossibilidade da ação. Em muitos desses trabalhos o “ressentimento” tende a ser retratado sob uma perspectiva bastante negativa, por ser associado a emoções virtualmente explosivas com um potencial para a desumanização do agente visto como provocador do ressentimento e para a disrupção dos próprios vínculos sociais – ainda que este possa aparecer também sob uma ótica menos desabonadora, a partir de uma perspectiva igualitarista, enquanto uma energia que mobiliza a insurgência dos subalternos contra situações que passam a ser percebidas como intoleráveis. Em todos esses casos, essa categoria remete a intensas motivações para a ação, subjacentes a confl itos entre grupos e categorias de pessoas.

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A cena de confl ito familiar narrada por Karine expressa sua sensibilidade àquilo que interpreta como um sentimento de “vergonha” expressado por sua mãe, e a vergonha da mãe ofende a fi lha. Sentir-se pessoalmente ofendida, nesse caso, evoca sentidos aproximáveis à noção de “mágoa”, que Karine emprega em outros momentos de sua fala, por referência a seus sentimentos acerca de injúrias que sofrera na juventude perpetradas por colegas de escola. Karine, contudo, distingue e qualifi ca o sentimento que a mãe expressa nessa situa-ção como uma forma “sutil” de agressão, manifesta através de uma linguagem das emoções. Mesmo na ausência da “injúria”, uso explicitamente agressivo da fala que demarca fronteiras entre categorias sociais, é possível rebaixar o outro expressando vergonha por aquilo que ele “é” ou “faz”. A “vergonha” da mãe é sentida nesse contexto, pela fi lha, como uma forma pela qual é comunicado o status inferior da homossexualidade: a negação de uma forma de consideração pela qual a fi lha anseia.

Considerações fi nais

Independentemente do modo como a mãe de Karine tenha interpretado subje-tivamente essa situação vivenciada por ambas, a fi lha identifi ca na atitude da mãe sinais convencionais de “vergonha”. Sob essa lógica, exibir a homossexua-lidade de forma “desavergonhada” signifi caria expor-se à língua ferina dos vizi-nhos, incorrendo no risco de perda de prestígio para a jovem e para a família à qual ela pertence. Karine, contudo, opera de forma subversiva com esse mesmo código da “vergonha”, embaralhando os termos que o constituem. Para ela, a homossexualidade não é (e não deveria ser) considerada motivo de “vergonha”

– uma premissa que comparece integrada à visão de mundo igualitária culti-vada pela jovem e a seu alinhamento político às agendas do movimento LGBT. A “vergonha” que a fi lha percebe em sua mãe, nesse contexto, é reconhecida como uma “ofensa”; em vez de endossar julgamentos morais que desqualifi cam a homossexualidade, a jovem (ao mostrar-se ofendida) questiona a hierarquia que os legitima.

Outro aspecto signifi cativo para a compreensão do sentido desses discur-sos é que a queixa de Karine não é lançada diretamente à mãe, mas ao pesqui-sador que a interpela no contexto da entrevista. A entrevista é uma situação

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social que oferece um espaço privilegiado – ainda que não necessariamente o único – para a verbalização de sentimentos/ressentimentos associados a confl itos vivenciados na esfera familiar. A história de vida de Karine não é meramente narrada, mas narrada para alguém – nesse caso, para um antro-pólogo que foi reconhecido como uma pessoa que partilha certas afi nidades políticas com sua interlocutora, preocupado com a desconstrução de precon-ceitos contra pessoas LGBT. Esse contexto certamente favoreceu a enuncia-ção dos discursos emocionais apresentados acima, e pode (de uma maneira ou de outra) ter comparecido no modo como a mãe de Karine é construída como pessoa-personagem signifi cativa em seu depoimento. A análise desse caso mostra como categorias emocionais podem comparecer não somente na demarcação e reforço de hierarquias, mas também em sua contestação, evi-denciando a capacidade dos sujeitos de exercer formas de agência e criativi-dade a partir de um leque de alternativas oferecidas no interior de linguagens culturais convencionais.

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Recebido: 31/05/2018 Aceito: 05/02/2019 | Received: 5/31/2018 Accepted: 2/5/2019