Mídia e Política de C&T: uma relação complexa

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1 Trabalho encaminhado para o IV Encontro dos Núcleos de Pesquisa da Intercom, Comunicação Científica e Ambienta, 09, do XXVII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação (INTERCOM) de 30 de agosto a 03 de setembro de 2004, na PUC de Porto Alegre, RS. Mídia e Política de C&T: uma relação complexa 1 Graça Caldas 2 , André Sathler Guimarães 3 , Henrianne Barbosa 4 , Joaquim Valverde 5 , Roberto Jimenes 6 Resumo : Este artigo tem por objetivo avaliar o processo de divulgação científica na mídia. Queríamos saber, se e como a mídia estabelece conexões entre o processo de produção científica, as políticas públicas de C&T e seus públicos de interesse. Para isso examinamos durante o mês de março de 2004, quatro veículos da grande imprensa, dois de caráter geral, Folha de S. Paulo, o Estado de S. Paulo e dois segmentados, Gazeta Mercantil e Valor Econômico. Os resultados preliminares encontrados indicam que a informação, se apresenta via de regra fragmentária e descontextualizada de suas relações de poder. Além disso, o caráter científico da informação muitas vezes é relegado a um segundo plano, em benefício de grupos, sejam eles públicos ou privados, em prejuízo da formação qualificada da opinião pública para uma leitura crítica da mídia . Apresentamos aqui os resultados preliminares do trabalho realizado no Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da FACOM/UMESP, durante a disciplina Mídia e Políticas de C&T, ministrada pela Professora Drª Graça Caldas. Palavras Chave: Mídia, Jornalismo Científico, Ciência e Política de C&T. 1. Introdução Discutir a política científica, conscientizando a população sobre a importância de participação da sociedade nas discussões e decisões acerca da alocação de recursos; e o estabelecimento de prioridades na produção do saber é, sem dúvida, uma das tarefas do Jornalismo Científico. Integrar a sociedade brasileira no debate da política científica nacional é tarefa inadiável. Para Izique & Moura, “a compreensão do público sobre os rumos e os benefícios sociais do avanço do conhecimento é condição indispensável para uma efetiva participação democrática dos cidadãos nas políticas públicas do setor” (IZIQUE & MOURA, 2004: 18). 1 Trabalho enviado para o NP 09, Comunicação Científica e Ambiental, do IV Encontro de Núcleos de Pesquisa Intercom, 30 de agosto a 3 de setembro, PUC do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. 2 Graça Caldas é jornalista, professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da UMESP, líder do grupo de pesquisa Comunicação Científica e Tecnológica do CNPq e professora-pesquisadora do Labjor-Unicamp. 3 André Sathler Guimarães é mestrando em Comunicação Social pela UMESP e coordenador do Curso de Gestão de Negócios Internacionais da UNIMEP. 4 Henrieene Barbosa é jornalista e mestranda em Comunicação Social pela UMESP e pesquisadora da área de Comunicação Pública. 5 Joaquim Valverde é doutorando em Comunicação Social pela UMESP e Diretor de Ensino e Tecnologia das Faculdades ESEEI, em Curitiba, Paraná. 6 Roberto Jimenes é publicitário, mestrando em Comunicação Social pela UMESP e professor de Propaganda e Marketing no UniFIAMFAAM, FAENAC E FOCO.

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Trabalho encaminhado para o IV Encontro dos Núcleos de Pesquisa da Intercom, Comunicação Científica e Ambienta, 09, do XXVII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação (INTERCOM) de 30 de agosto a 03 de setembro de 2004, na PUC de Porto Alegre, RS.

Mídia e Política de C&T: uma relação complexa1

Graça Caldas2, André Sathler Guimarães3, Henrianne Barbosa4, Joaquim Valverde5, Roberto Jimenes6

Resumo: Este artigo tem por objetivo avaliar o processo de divulgação científica na mídia. Queríamos saber, se e como a mídia estabelece conexões entre o processo de produção científica, as políticas públicas de C&T e seus públicos de interesse. Para isso examinamos durante o mês de março de 2004, quatro veículos da grande imprensa, dois de caráter geral, Folha de S. Paulo, o Estado de S. Paulo e dois segmentados, Gazeta Mercantil e Valor Econômico. Os resultados preliminares encontrados indicam que a informação, se apresenta via de regra fragmentária e descontextualizada de suas relações de poder. Além disso, o caráter científico da informação muitas vezes é relegado a um segundo plano, em benefício de grupos, sejam eles públicos ou privados, em prejuízo da formação qualificada da opinião pública para uma leitura crítica da mídia . Apresentamos aqui os resultados preliminares do trabalho realizado no Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da FACOM/UMESP, durante a disciplina Mídia e Políticas de C&T, ministrada pela Professora Drª Graça Caldas. Palavras Chave: Mídia, Jornalismo Científico, Ciência e Política de C&T.

1. Introdução

Discutir a política científica, conscientizando a população sobre a importância de

participação da sociedade nas discussões e decisões acerca da alocação de recursos; e o

estabelecimento de prioridades na produção do saber é, sem dúvida, uma das tarefas do

Jornalismo Científico. Integrar a sociedade brasileira no debate da política científica

nacional é tarefa inadiável.

Para Izique & Moura, “a compreensão do público sobre os rumos e os benefícios

sociais do avanço do conhecimento é condição indispensável para uma efetiva participação

democrática dos cidadãos nas políticas públicas do setor” (IZIQUE & MOURA, 2004: 18).

1 Trabalho enviado para o NP 09, Comunicação Científica e Ambiental, do IV Encontro de Núcleos de Pesquisa Intercom, 30 de agosto a 3 de setembro, PUC do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. 2 Graça Caldas é jornalista, professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da UMESP, líder do grupo de pesquisa Comunicação Científica e Tecnológica do CNPq e professora-pesquisadora do Labjor-Unicamp. 3 André Sathler Guimarães é mestrando em Comunicação Social pela UMESP e coordenador do Curso de Gestão de Negócios Internacionais da UNIMEP. 4 Henrieene Barbosa é jornalista e mestranda em Comunicação Social pela UMESP e pesquisadora da área de Comunicação Pública. 5 Joaquim Valverde é doutorando em Comunicação Social pela UMESP e Diretor de Ensino e Tecnologia das Faculdades ESEEI, em Curitiba, Paraná. 6 Roberto Jimenes é publicitário, mestrando em Comunicação Social pela UMESP e professor de Propaganda e Marketing no UniFIAMFAAM, FAENAC E FOCO.

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O ex-diretor geral da UNESCO, Frederic Mayor, concorda com essa análise, afirmando que

“a ignorância científica é uma das questões capitais que enfrentamos”. Em sua opinião, as

pessoas “são incapazes de tomar decisões racionais sobre questões que exigem um

conhecimento científico básico, porque muitas vezes nunca adquiriram esse conhecimento”

(MAYOR, 1998: 129).

O sistema educacional brasileiro não tem sido eficaz no ensino de ciências

conforme estudo produzido pela Unesco e pela Organização para a Cooperação e

Desenvolvimento Econômico – OCDE, em 2003. “A pesquisa ‘Alfabetização para o mundo

de amanhã’ revela que os estudantes brasileiros estão em penúltimo lugar no desempenho

de Matemática e Ciências e no 37º lugar em leitura, de acordo com um teste aplicado em

adolescentes com 15 anos de 41 países. Na média das três áreas de conhecimento, o país

fica em penúltimo lugar, na frente apenas do Peru”. (Portal Educacional.

www.educacional.com.br) Acesso em 12/06/04.

Além das dificuldades apontadas pela pesquisa da Unesco, o uso freqüente da

mídia na sala de aula com professores despreparados para uma leitura competente e crítica

de seus conteúdos, leva muitas vezes a uma visão reducionista do processo de produção

científica e à amplificação de erros, o que ressalta a importância de um jornalismo

competente, em geral, e científico, em particular, dada a complexidade dos temas

abordados e os múltiplos interesses envolvidos. A falta de um jornalismo científico de

qualidade pode levar ao analfabetismo científico, com graves conseqüências para uma

nação. Conforme SAGAN (2003:21-12),

(...) sei que as conseqüências do analfabetismo científico são muito mais perigosas em nossa época do que em qualquer outro período anterior. É perigoso e temerário que o cidadão comum continue a ignorar o aquecimento global, por exemplo, ou a diminuição da camada de ozônio, a poluição do ar, o lixo tóxico e radioativo, a chuva ácida, a erosão da camada superior do solo, o desflorestamento tropical, o crescimento exponencial da população. (...) Como podemos executar a política nacional – ou até mesmo tomar decisões inteligentes sobre nossas próprias vidas – se não compreendemos as questões subjacentes.

A relevância crescente da ciência e tecnologia na vida cotidiana, demonstra a

necessidade de uma cultura científica, que assegure um mínimo de compreensão ao cidadão

comum sobre o impacto provocado pelas políticas governamentais na área de C&T. Na

verdade, o desenvolvimento desta cultura científica só se tornará possível com a

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participação efetiva das escolas, da mídia, dos centros de ciências, em um esforço conjunto

para popularizar o conhecimento científico.

Um dos problemas que contribuíram para essa situação de analfabetismo

científico foi durante muito tempo a especialização exacerbada do conhecimento,

preconizada por visões como a de WEBER (2003: 32), que afirmava: “jamais um indivíduo

poderá ter certeza de alcançar qualquer coisa de valor real no domínio da ciência, sem

possuir uma rigorosa especialização”. Embora o aprofundamento científico seja necessário,

a complexidade da sociedade moderna exige, --sem abrir mão de precisão da informação

científica--, uma linguagem acessível ao grande público. Este é, precisamente, o papel que

cabe aos meios de comunicação. Só assim o cidadão comum poderá compreender e

participar das decisões dos governos por meio de suas diferentes representações e

organizações sociais.

O jornalista científico tem diante de si, portanto, um desafio de grandes

proporções. A hiper-especialização, contudo, leva também a linguagens progressivamente

herméticas, o discurso competente, - ou seja, os jargões científicos –, o que obriga o

jornalista a “traduzir” a linguagem do cientista em termos compreensíveis à população em

geral. Ocorre que, a mera tradução, muitas vezes, não produz informação adequada ao

público em geral. É necessário ir além. Para Caldas (CALDAS, 2000: 8), “o jornalista

científico não deve se limitar à função de mero ‘tradutor’ da fala do cientista e divulgador de sua

produção, por mais relevante que seja. A divulgação da ciência passa, necessariamente, pela

perspectiva crítica da produção do conhecimento, papel do qual o jornalista científico não deve

abrir mão”.

2. Objetivos:

Nosso objetivo foi examinar de que forma se apresentava a cobertura científica e

tecnológica na mídia, se havia predomínio da informação científica ou política e em que

perspectiva (factual ou analítica-interpretativa). Queríamos analisar se, e como, os

veículos de comunicação de massa (jornais diários) abordam aspectos das relações da

produção com as políticas públicas de C&T. Partimos da hipótese de que, embora seja

visível a melhora na qualidade da informação científica divulgada na mídia, ela ainda se

apresenta de forma fragmentária e descontextualizada, sem discutir as relações de poder

inerentes ao processo e aos diferentes grupos de interesse envolvidos.

4

2. Metodologia

Esta pesquisa é de caráter exploratório e de natureza qualitativa. Em alguns

momentos, recorremos a procedimentos quantitativos. Utilizamos a pesquisa bibliográfica e

a análise documental, numa perspectiva comparativa. Para verificar nossa hipótese, o

corpus contemplou quatro veículos de abrangência nacional, sendo dois com noticiário de

caráter geral, O Estado de S. Paulo (OESP) e Folha de S. Paulo (FSP), e dois voltados

para a área econômica Gazeta Mercantil (GM) e Valor Econômico (VE). O recorte

temporal foi de 03 a 31 de março de 2004, totalizando 98 exemplares dos veículos

selecionados e 238 unidades informativas (UI), distribuídas entre os diferentes gêneros e

sub-gêneros noticiosos. Essas UI foram tratadas genericamente como matérias para efeito

discursivo.

Empregamos a Análise do Conteúdo para a apreciação do material, a partir de

algumas categorias analíticas construídas durante o processo da pesquisa. De acordo com

Krippendorff (1990), a Análise de Conteúdo é uma técnica de investigação destinada a

formular, a partir de certos dados, inferências reproduzíveis e válidas que possam aplicar-se

a seu contexto. Num primeiro momento, selecionamos todas as matérias relacionadas às

áreas de Ciências, Tecnologia e Inovação para verificar a quantidade de matérias

publicadas nos veículos analisados. Separamos as matérias por editoria, gêneros

jornalísticos (informativos e opinativos) e seus respectivos sub-gêneros (nota,

notícia/reportagem; entrevista (ping-pong), editorial, artigo, coluna e carta do leitor).

As categorias analíticas observadas na elaboração do protocolo de pesquisa para a

análise qualitativa foram: a) identificação do veículo, título, data e página; b) fontes

utilizadas (oficial/ governo, cientista/área e origem, entidades de classe, agência de

fomento, opinião do cidadão); c) autor do texto; d) abordagem da informação (matéria

opinativa, analítica e interpretativa); e) linguagem (simples, complicada) f) qualidade da

informação (contextualização, precisão, lacunas).

Após o levantamento das matérias e a tabulação dos resultados, realizamos uma

análise preliminar para estabelecer em quais das categorias temáticas, as unidades

informativas se agrupavam: Biotecnologia (transgênicos, biossegurança, células-tronco);

Meio Ambiente (desflorestamento, poluição), Tecnologia (telecomunicações, software,

aeroespacial), Saúde (legislação, medicamentos, patologias) e Agribusiness.

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Nossa preocupação foi avaliar em que medida as unidades informativas

contemplavam um conteúdo de natureza científica, política ou meramente informativa. Por

científico entendemos a necessidade de informações contextualizadas, que levem à

compreensão do processo de produção científico, suas aplicações e conseqüências. No

âmbito político, consideramos o uso do espaço jornalístico como porta-voz de grupos de

interesses, público ou privado. Já no informativo, notícias factuais sem considerações das

atribuições anteriores. Nesse sentido, foi possível dimensionar o predomínio dessas

categorias e detectar eventuais posicionamentos dos jornalistas e/ou veículos.

Assim, pudemos verificar se a mídia, efetivamente, está cumprindo seu papel na

divulgação científica, com qualidade suficiente e levando em consideração a importância da

inserção da política científica e tecnológica na elaboração das matérias. Entendemos que a

informação científica, veiculada na mídia, é pressuposto de um jornalismo competente, mas

apenas o ponto de partida para a inserção do público leitor na compreensão das políticas

públicas da área de Ciência, Tecnologia e Inovação.

3. Resultados

A seguir, descrevemos os resultados alcançados, explorando as dimensões

quantitativa e qualitativa.

3.1 Dimensão quantitativa

Foram analisadas, no total, 238 unidades informativas relacionadas à cobertura de

Ciência, Tecnologia e Inovação. No OESP foram 82 (34,45%); na FSP 68 (28,57%), na

GM 55 (23,10%) e no VE 33 (13,86%).

3.1.1 Fontes

Consideramos importante identificar os autores das matérias e as fontes

entrevistadas ou que foram utilizadas para o embasamento do texto. Essas fontes foram

subdivididas em: oficiais (representantes do governo na esfera municipal, estadual e

federal), instituições de pesquisa e pesquisadores (nacionais e internacionais), organismos

internacionais, universidades (nacionais e internacionais), entidades de classes (nacionais e

internacionais), ONGs, agências de fomento, revistas científicas (nacionais e

internacionais), empresas (nacionais e internacionais), agências de notícias e jornais

(nacionais e internacionais), outros (políticos, documentos, livros, agências de fomento,

etc). O gráfico abaixo evidencia o predomínio das fontes oficiais.

6

Porcentual de fontes por veículo

37%

16%

0%

9% 9%

0% 0%

16%

0% 0%

9%9%

5%

16% 15%

51%

37%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

Oficial Insts. pesq. Orgs. interns. Universidades Ents. classe ONGs Rev científicas Empresas Ags. notícias Outros

OESP

FSP

GM

VE

Média

A multiplicidade de vozes é requisito essencial para a prática de um jornalismo

público, seja ele científico ou não. De acordo com Marcelo Leite, editor de Ciência da FSP,

a imprensa “supõe que a informação é inextricável dos interesses a ela associados –mesmo

no mundo da ciência–e que faz parte de sua missão incluir ou considerar esses matizes ou

vieses na própria tarefa de informar”7. No entanto, as informações oficiais devem ser

contrapostas a outras posições.

Apesar dessa percepção do editor de Ciências, a própria FSP reduziu, e por vezes,

aniquilou o debate público sobre C&T, ao privilegiar a posição dos órgãos governamentais.

No caso dos transgênicos, por exemplo, houve predomínio de fontes da Embrapa. No

OESP verifica-se, igualmente, preponderância das fontes oficiais e, em alguns casos,

notoriamente a cobertura dos transgênicos, utilização de fonte única (Embrapa).

Na GM, além de preponderam as fontes oficiais/governamentais de 55 unidades

informativas, em 18 somente esse tipo de fonte foi ouvida. Idêntico número de unidades

informativas onde outras fontes que não as governamentais foram ouvidas. Por outro lado

somente em 9 notícias foram ouvidas fontes do governo e outras, não governamentais. Da

7 LEITE, Marcelo. A contribuição do jornalismo cientifico ao desenvolvimento científico brasileiro. Disponível em < http://www.jornalismocientifico.com.br/artigomarceloleitebrasilia.htm> Acesso em: 2/3/04.

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notícias de natureza científica somente uma envolveu governo e entidade de pesquisa, ainda

assim pública, a EMATER, e o assunto ¨Ferrugem causa perdas de US$ 1 bilhão¨, buscava

demonstrar a vantagem de se utilizar a transgenia.

3.1.2 Gêneros jornalísticos

A utilização dos gêneros jornalísticos foi um recurso inicial de categorização.

Percebemos, porém, que não existe uma fronteira claramente delimitada entre os gêneros e

os subgêneros. Na prática, toda informação contempla uma opinião, embora de forma não

explícita, como ocorre nos editoriais e nos artigos assinados. Para este entendimento

recorremos a alguns autores da área de Análise do Discurso (KOCH,1995;

MAINGUENAU, 2002).

Para Koch (1995) a polifonia é uma forma de afirmar algo por meio de terceiros,

conseguindo-se, assim, manter uma certa distância do que foi afirmado e também aumentar

sua credibilidade. Segundo Teixeira (2002, P. 136), há uma

crença equivocada de que repórter bom é repórter mudo. (P. 136). Ocorre “identificação da voz do repórter a outras vozes, muitas vezes sem que ele próprio ou o leitor se dêem conta da confusão. Essa tendência ao amálgama das vozes potencializa-se na cobertura da ciência, dada a menoridade que define os ‘leigos’ frente ao saber do qual os cientistas são depositários.

De uma maneira geral observa-se na tabela acima, uma nítida predominância do

gênero informativo, de natureza meramente factual (relato), principalmente no OESP e

FSP. Em ambos os veículos verificam-se que, mediante o recurso da polifonia, são

inseridas diversas vozes, que acabam fazendo com que as matérias adquiram um cunho

opinativo. Embora na GM exista um certo equilíbrio entre os gêneros informativo e

opinativo, no VE praticamente só aparece o informativo. Destaque-se que o gênero

analítico-interpretativo, fundamental para a informação contextualizada, é minoria em

todos os veículos analisados, embora no OESP seja o mais significativo, por comparação

com os demais veículos.

Gêneros Jornalísticos

Gênero OESP FSP GM VE Total

Informativo 50 56 29 28 163

Opinativo 16 06 20 01 43

Analítico-Interpretativo 16 06 06 04 32

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No jornal VE percebemos também uma predominância do gênero informativo,

porém este vem na forma de um discurso direto. De um modo geral os jornais avaliados

empregam diferentemente o gênero e o tipo do discurso, mas cabe aqui distinguí-los. Os

gêneros e os tipos de discursos estão intimamente relacionados aos vastos setores de

atividade aos quais cada jornal relaciona-se, aliado à sua linha editorial.

“Mesmo quando o discurso direto relata falas consideradas como realmente proferidas, trata-se apenas de uma encenação visando criar um efeito de autenticidade” (MAINGUENEAU, 2002: 141).

Na GM, embora o gênero informativo seja predominante, o opinativo se apresenta

com grande relevância. Do total de 55 notícias, 36% são do gênero opinativo,

contrariamente aos demais jornais analisados.

3.1.3 Sub-gêneros

3.1.4 Na tabela abaixo tabulamos as unidades informativas a partir dos sub-gêneros

jornalísticos amplamente conhecidos e utilizados pelos próprios veículos para

ordenar o noticiário.

Quantidades de sub-gêneros Jornalísticos

4 7

3 8

2 8

1

2

2

3

4

1

55

159

10

7

4

2

0 10 20 30 40 50 60

ESP

FSP

GM

VE

Per

cent

uais

por

Veí

culo

s

Carta do Leitor

Coluna

Editorial

Entrevista (ping-pong)

Artigo

Nota

Notícia / reportagem

As unidades informativas analisadas no VE apresentam fatos relacionados ao

universo do perfil de seu leitor. Desta forma, colocam-se a uma certa distância com relação

aos acontecimentos, servindo-se apenas de uma função puramente informativa.

9

"... ele legitima um tipo de comunicação jornalística que atribui ao leitor maior interesse pelo enriquecimento de sua compreensão do mundo do que pela modificação de seu estoque de informações". (MAINGUENEAU, 2002:35)

Na FSP verifica-se, também o predomínio de matérias informativas com a redução

de espaços reservados ao debate e a aprofundamento dos temas ligados à C&T, como os

editoriais, artigos e colunas. Não há sequer uma entrevista, em todo mês de março, sobre os

assuntos analisados. No OESP há uma predominância de matérias informativas, porém

também há entrevistas, colunas, artigos e editoriais, tratando de temas específicos, passando

aos leitores a opinião do jornal.

As notas, no OESP, são descontínuas e repletas de lacunas, prestando-se mais ao

sensacionalismo do que à boa informação ao público leitor. Para Teixeira (2002:140),

“afirmar a parte pelo todo, sem mencionar que a parte não é o todo, eis a maneira pela qual

a ciência ‘traduzida’ pelos jornalistas faz-se sensacionalista.” Ao se formular um título

como “Células tronco poderão curar até a calvície” (OESP, 15/03, pg. A4), de modo algum

fica evidente o fato de que a nota se refere a experimentos com camundongos. Dessa forma,

como explica Teixeira (2002:140) a afirmação, assim, transforma “a polegada de

conhecimento obtida em princípio de validade geral”.

No jornal Gazeta Mercantil a maior parte das notícias se apresenta sob a forma de

matérias escritas por jornalistas profissionais, porém há que se ressaltar a maior quantidade,

proporcional,superior a 30% de artigos, editoriais e colunas presentes.

3.1.5 - Linguagem

Para a compreensão adequada da informação científica, a utilização de uma

linguagem simples, precisa, com analogias pode ser a grande chave para a alfabetização

científica, para o despertar a curiosidade, o interesse público por assuntos originalmente

complexos. Simplicidade, não implica, porém, em ausência de clareza, pelo contrário.

Para Marques de Melo (1982: 21), o jornalismo científico “deve utilizar uma linguagem

capaz de permitir o entendimento das informações pelo cidadão comum. Deve gerar o

desejo do conhecimento permanente, despertando interesse pelos processos científicos e

não pelos fatos isolados e suas personagens”.

Entretanto, como pode ser observado na tabela abaixo, apesar de ser visível o

esforço na “tradução” do jargão científico, ainda há muito a ser feito para facilitar a

10

compreensão do público leigo, desenvolvendo assim uma cultura científica, uma ciência

cidadã.

Niveis de Linguagem

51

59

55

27

31

9

0

6

0 10 20 30 40 50 60 70

ESP

FSP

GM

VE

Veíc

ulos

Número de UIs

Complicada

Simples

Embora o OESP demonstre um grande esforço em simplificar a linguagem e

torná-la acessível ao grande público, ainda há uma quantidade significativa de unidades

informativas (31 complicadas x 51 simples) redigidas em uma linguagem hermética,

erudita, constituindo-se obstáculo à compreensão do leitor.

Na FSP, em geral, a linguagem é simples e acessível ao público (59 simples x 09

complicadas). Contudo, embora não haja predominância de problemas com o recurso

lingüístico, o mesmo não se pode afirmar em relação ao conteúdo das matérias. Quase

metade dos textos analisados apresenta lacunas, que comprometem a adequada

contextualização do assunto, em sua perspectiva histórica, política, social e econômica.

O jornal VE apresenta um nível de linguagem que se coaduna com o perfil de seu

leitor, preocupado em manter-se informado sobre os acontecimentos de seu mundo. Roland

Barthes (1988: 102) dá sua contribuição ao estudo da linguagem ao apresentar a língua

como instituição social: a divisão da linguagem com base nas noções de grupo e classes

sociais, apoiado no conceito de socioleto (características do social, a linguagem do grupo).

O jornal GM mantém uma linguagem bastante objetiva e direcionada a

empresários e executivos em geral. Ao contrário do que se poderia imaginar, por ser um

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veículo segmentado de natureza predominantemente econômica, praticamente não utiliza

jargões que demandem esforço adicional para a compreensão das notícias selecionadas.

3.2 Dimensão qualitativa

3.2.1 Natureza das Unidades Informativas

Conforme a metodologia proposta, as unidades informativas foram classificadas

quanto ao aspecto predominante em seu conteúdo: político, informativo ou científico.

Categorias das unidades informativas

2121

3

7

42

43

33 8

19

4

19

18

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

OESP FSP GM VE

Por

cent

agem

das

UIs

Informativa

Política

Científica

Na FSP, verificamos que 21 matérias apresentaram conteúdo predominantemente

científico, 43 matérias destacaram o conteúdo político e quatro foram meramente

informativas. Exemplos de informação contextualizada, que contribuem com a

compreensão de políticas de C&T, na área de saúde, são as matérias sobre os medicamentos

fitoterápicos. Ao todo, foram publicadas quatro reportagens sobre o assunto, levantando as

principais controvérsias e contrapondo opiniões divergentes. A FSP consultou 27 fontes,

entre especialistas da área de saúde, fontes oficiais, cidadão comum e centro de pesquisas.

A matéria “Salvador legitima sabedoria popular” (22/03, p.C5) explica que a

Prefeitura de Salvador (BA) inaugurou um posto de saúde voltado à fitoterapia, inspirada

na “sabedoria popular”. O texto mostra que políticas de C&T podem, e devem, ser feitas

12

em sintonia com a população. Já a matéria “Utilização não é consenso porque prática não é

reconhecida” (22/03, p.C5) veicula a opinião de especialistas da área de saúde que são

resistentes ao uso dos fitoterápicos. Além de recorrer a fontes diversas, a FSP retratou as

discussões em diferentes estados brasileiros, possibilitando o conhecimento dos debates

regionais sobre o assunto.

Já sobre o polêmico tema dos transgênicos, encontramos quadro totalmente

diverso ao anterior. Nas seis matérias analisadas, pesquisadores e ambientalistas não foram

ouvidos, há espaço apenas para fontes oficiais. Há também informações contraditórias. A

matéria “Embrapa congela projetos por falta de lei” (7/03, p.D8) é favorável à aprovação

legal de testes de campo com transgênicos. A FSP informou que, por conta da falta de

aprovação da Lei de Biossegurança, sete projetos estão paralisados, entre eles pesquisas

com mamão transgênicos. Seis dias depois, a FSP publicou outro texto “Embrapa testa

feijão transgênico”, 13/03, p.A17) afirmando que o Ibama (Instituto Brasileiro de Amparo

ao Meio Ambiente) concedeu autorização para pesquisas com feijão, e que a primeira

autorização desse tipo “foi dada em outubro do ano passado, também para um produto

desenvolvido pela Embrapa, o mamão transgênico”. As informações se contradizem e

confundem o leitor, suscitando dúvidas, sem possibilitar a construção do conhecimento.

Portanto, as matérias sobre transgênicos não primam pela exatidão da informação, além de

fazerem uso apenas de fontes oficiais.

Sobre a cobertura midiática em C&T que não atende à necessidade de pluralidade

de opiniões, CALDAS indaga:

Como podemos, porém, orientar nossas percepções e decisões, se freqüentemente, encontramos na mídia, de forma velada ou não, reportagens, artigos ou editoriais que nem sempre são claros em suas exposições e podem estar representando interesses corporativos de grupos preocupados não apenas com o bem-estar social, mas com a força do ‘negócio’ que envolve as decisões? (2004, p. 37)

No OESP, houve, igualmente, predominância de matérias com conteúdo político.

Exemplares desse tipo de abordagem foram os editoriais, artigos e entrevistas abordando a

questão do licenciamento de empreendimentos com impactos ambientais, que denotam uma

posição claramente favorável aos empresários. As matérias informativas foram 19, apenas

relatando fatos ocorridos, como “Carro bicombustível ganha mercado no Brasil” (OESP,

24/03, E3). Dentre as matérias consideradas científicas – 19 – destacam-se duas matérias

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sobre afundamento de navios para se transformarem em recifes artificiais, escritas de forma

completa, contextualizada e recorrendo a diversas fontes. São elas: “Navios viram recifes

para atrair peixes e turistas” e “No fundo do mar, concreto é o melhor material”, ambas de

28/03, nas páginas A4 e A5, respectivamente.

Nas unidades veiculadas no VE, podemos perceber uma predominância das

matérias de natureza informativa, representando cerca de 52% de seu total. Deste,

selecionamos três matérias que caracterizam cada natureza abordada:

• Científica (VE, 24 de março de 2004. Página B-6) : "Recursos escassos dificultam pesquisas" . Esta matéria relata que as pesquisas brasileiras na área de nanociência são consideradas de alto nível, porém há uma escassez de recursos por parte do governo federal, além da pequena participação das empresas privadas.

• Política (VE, 10 de março de 2004. 1° caderno / ValorOnline ): "Governo Federal acelera utilização do software livre" . Estando a poucos dias do lançamento de uma nova política industrial, onde a área de software livre será uma das prioridades, o governo Lula resolveu acelerar o uso destes softwares na administração pública federal, o que ocasionou uma grande polêmica em função dos interesses de poderosos conglomerados multinacionais, e entre estes a Microsoft.

• Informativa (VE, 26,27 e 28 de março de 2004. Página B-2): "Fundação Telefônica investe em inclusão digital". A Fundação Telefônica está investindo em um projeto para fazer da inclusão digital um meio de difundir conhecimentos, combatendo assim a exclusão digital. A Fundação Telefônica concentra suas ações na área de tecnologia da informação desde 1999, quando foi criada.

De um modo geral, o VE apresenta uma natureza informativa, onde concentra

suas matérias. Porém, de acordo com o levantamento realizado, as matérias de natureza

política e científica, mesmo sendo em minoria, mostram-se contemporâneas com a

realidade brasileira.

No Jornal GM foram selecionadas 55 notícias, sendo 3 de natureza científica, 33

de natureza política e 19 de natureza informativa. Na totalidade das matérias, 10 foram

editoriais ou colunas de opinião, sem fontes indicadas, sendo somente uma delas de

natureza científica. Nas demais 45 notícias, com 2 de natureza científica, foram citadas 76

fontes. Com relação à quantidade de fontes citadas, em 26 matérias foi citada somente uma

fonte, em 12 matérias foram citadas 2 fontes, 3 fontes foram citadas em 3 matérias e 4

fontes em outras três. Em somente uma matéria foram citadas mais de 4 fontes.

As matérias de natureza científica trataram dos seguintes temas: • “Ferrugem causa perdas de US$ 1 bilhão (5/03,p.B-12)”, apresenta como linha fina

“Seca no Paraná provocará perda de 7,9 % na produção, o que equivale a 1 milhão de

14

tonelada”. Presente na editoria de Agribusiness, a matéria chama a atenção para a importância do desenvolvimento de soja transgênica mais resistente às intempéries. Busca demonstrar como a transgenia pode ser benéfica. Propõe uma discussão mais científica que ideológica. Fontes: João Flávio Veloso - Embrapa Soja; Norberto Ortigara - Deral- Secretaria da Agricultura; EMATER; e Carlos Alberto Salvador - Divisão de Sanidade Vegetal do Ministério da Agricultura.

• “SP e Ceará iniciam parcerias científicas” trata da iniciativa de desenvolvimento científico entre os dois estados e discute a importância dos institutos de pesquisa para o desenvolvimento tecnológico e social (31/03, p.B-13). Fontes: Hélio Guedes de Campos Barros, Secretário da Ciência e Tecnologia do Ceará (Secitece); Jader Onofre de Morais , presidente da Funcap.

• Fatores do Desenvolvimento (05/03,p.A-3). Nela, seu autor, Carlos José Guimarães Cova, salienta entre outros fatores a importância da pesquisa científica.

Com o intuito de exemplificar a natureza política das UIs, selecionamos aquela que

utilizou o maior número de fontes. Com grande destaque de primeira página (capa), trata-

se de uma extensa reportagem intitulada Lula lança sua política industrial; dinheiro não

falta (12/03,p. A-18). O subtítulo Empresários insistem em críticas às taxas de juros

evidencia o ¨espírito¨ de reação dos empresários ao lançamento da referida política Fontes:

Luiz Inácio Lula da Silva (Presidente da República); Horácio Lafer Piva (FIESP);

Armando Monteiro Neto (CNI); Luiz Fernando Furlan (Ministro do Desenvolvimento,

Indústria e Comércio); Paulo Skaf (Abit); Antoninho Marmo Trevisan (Trevisan

Consultoria).

Já no que diz respeito à categoria de natureza informativa, a título de exemplo,

selecionamos notícia publicada no dia 15 de março, na página B-14 sob o chapéu

¨Agricultura ,̈ título Embrapa inicia pesquisa com feijão transgênico” e linha fina O

plantio começará hoje no campo experimental da Embrapa Arroz e Feijão, localizado em

Santo Antônio de Goiás . Neste caso, o autor da reportagem, o jornalista Marcelo Moreira

registra o fato com uma única fonte, Francisco Aragão – pesquisador responsável pela

pesquisa, na Embrapa.

3.2.2 Biotecnologia e Transgênico

O tema transgênico apareceu 12 vezes no OESP, duas vezes mais do que na FSP.

Na Folha, foram privilegiadas fontes oficiais, principalmente a Embrapa. No OESP também

foram valorizadas fontes oficiais e institucionalizadas, constatando-se, em ambos os

jornais, uma ausência quase que absoluta de fontes científicas e ligadas aos movimentos

ambientalistas.

15

Em alguns casos, a Embrapa é utilizada como fonte única, em matérias claramente

favoráveis à transgenia. Confirma-se, assim, a percepção de Teixeira (2002, Pp. 134-135):

Não há contraditório na cobertura de ciência. Dispensamos o jornalismo sobre ciência de cumprir o mandato que interdita a matéria feita a partir de uma única fonte porque entendemos que não há versões da verdade quando se trata de ciência. (...) É mau jornalismo científico qualquer jornalismo que ambiciona reduzir-se a arauto fiel – que dá fé – de uma única fonte.

Quanto à questão da rotulagem dos produtos transgênicos, o OESP praticamente

ignora o tema neste período, dando apenas duas notas sobre o adiamento da obrigatoriedade

de rotulagem. Já a FSP trata melhor do tema, abordando a questão do rastreamento dos

produtos transgênicos e da validade dos testes para confirmação ou não da transgenia.

No tocante à Lei de Biossegurança, o OESP tratou da questão de uma forma

precisa, apresentando o conteúdo com várias fontes, revelando os conflitos políticos sobre a

questão em sua chegada ao Congresso Nacional. A importante informação do envio do

projeto de lei ao Senado não foi noticiado pela FSP. Por outro lado, a Folha abordou, com

certo destaque a Carta dos Cientistas encaminhada ao Congresso sobre o projeto de lei,

enquanto o OESP não fez sequer menção a esse fato.

Ambos os jornais tratam da questão da autorização para as pesquisas de campo.

OESP adota um viés crítico à burocracia anterior e à falta de agilidade para concessão das

licenças para a pesquisa. Nota-se, em ambos os veículos, uma tendência favorável à

transgenia, o que se manifesta pelas próprias unidades informativas (títulos, discurso8),

pelas fontes escolhidas e pelo tratamento dado à informação. Alguns exemplos de títulos de

matérias abordando os transgênicos: “Como a ciência pode salvar os pobres do mundo”

(OESP, 5/03, p. A3), “Ideologia e interesses alimentam a polêmica dos transgênicos”

(OESP, 7/03, pp. A6 e A7), “Transgênico verde-amarelo” (OESP, 16/03, Pg. A2).

O VE não traz muitas informações relacionadas à Biotecnologia e Transgenia.

Foram poucas as notícias relativas a biotecnologia, à transgenia, à produção de grãos, e à

rotulagem desses produtos. Vale a pena destacar que nos textos relacionados diretamente à

Transgenia foram utilizadas apenas fontes oficiais.

8 Não é objeto do presente trabalho realizar análise do discurso dos meios, porém percebe-se, no material recolhido, vários elementos que seriam passíveis do procedimento metodológico da análise do discurso, revelando, preliminarmente, uma tendência notoriamente favorável aos transgênicos e às pesquisas sobre transgenia.

16

Na GM o tema Biotecnologia, envolvendo tanto a questão dos transgênicos

quanto a biossegurança foram objeto de 12 notícias, número inferior somente ao tema

Políticas Públicas e empatado com Tecnologia da Informação. Dessa forma, fica

demonstrado, claramente, o destaque que o veículo dá aos temas que afetam diretamente os

negócios. No entanto, mesmo nesses casos a preocupação maior consiste em informar o

leitor e demonstrar o jogo de forças que se fazem presentes nessas questões. Precisamente

neste tema deu-se o maior índice de polifonia, ou seja, somente na notícia “Seca afeta

lavouras no Rio Grande do Sul” (04/03, p. B-14), foi ouvida uma única fonte, e do governo.

As demais matérias envolveram opiniões não apenas de membros do governo como de

outras instituições.

3.2.3 Políticas Públicas

O tema políticas públicas foi abordado pelo OESP, 19 vezes e pela FSP, 10 vezes.

A FSP tratou da questão da centralização e descentralização de recursos, assunto que foi

objeto de manifestação do novo Ministro da Ciência e Tecnologia, Eduardo Campos. O

OESP, porém, não mencionou o fato.

Em diversos momentos (reportagens, artigos e editorial), o OESP aborda a

questão da suposta dicotomia entre pesquisa básica e pesquisa aplicada, valorizando

claramente a pesquisa aplicada. Em Editorial intitulado Ciência pouco aplicada (10/03, p.

A-3), o Estado aborda diretamente o assunto, encerrando o Editorial com uma citação de

fala de cientista da Embrapa: “pesquisar e não comercializar, é rasgar dinheiro público”.

Essa afirmação contrasta de forma direta com a de outro pesquisador, COLLI (2001:1), que

critica fortemente a percepção vigente de que “ciência que não se transforma em PIB não é

ciência”, em artigo no qual reflete sobre os benefícios da pesquisa básica e as falácias da

suposta dicotomia entre pesquisa básica e pesquisa aplicada. A FSP não tratou desse

assunto.

Com relação às Políticas Públicas o VE traz pouquíssimas matérias, com destaque

à posição do governo na reserva da propriedade industrial em produtos brasileiros, no

contexto da globalização da economia; além da sua política referente à aceleração da

utilização de softwares livres nas unidades públicas federais.

Na GM o tema Políticas Públicas foi o mais presente, em número de 15, sendo 7

informativas (notícias/reportagem) e 8 textos opinativos (editoriais e artigos). Das 7

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informativas, 4 envolveram somente fontes governamentais, 2 combinaram fontes oficiais

com outras e uma utilizou-se somente de uma fonte não oficial estrangeira. No texto

titulado “O governo brasileiro e as indústrias farmacêuticas” (05/03), Giovana Rosales,

advoga a causa das indústrias farmacêuticas que se sentiram prejudicadas pela política de

utilização de remédios para combate a AIDS e critica sua implementação pelo ex-

presidente FHC. Utiliza como única fonte Abner Mason, Consultor do Gov. Americano e

Diretor da ONG "Projeto de Responsabilidade para a AIDS". Os argumentos indicam que

os laboratórios, sentindo-se prejudicados, estão investindo menos no desenvolvimento de

medicamentos. Quanto aos textos opinativos envolvem basicamente as políticas

governamentais nas áreas industrial e de agronegócios.

3.2.4 Meio-Ambiente

O tema Meio-Ambiente apareceu 28 vezes no OESP e 15 vezes na FSP. O OESP

traz, em diversas unidades informativas (artigos, matérias, editorial, coluna), uma discussão

quanto ao papel dos órgãos reguladores sobre os empreendimentos que afetam natureza.

Embora traga a opinião dos órgãos reguladores, com artigo e entrevista do Secretário do

Meio Ambiente do Estado de São, nota-se, na abordagem, uma valorização da percepção de

que os órgãos reguladores são lentos, burocráticos e, portanto, empecilhos ao

desenvolvimento. Esse enfoque fica evidente no Editorial Ambiente, bom senso e

cooperação (31/03, p. A3).

O enfoque da FSP foi para os temas relacionados ao abastecimento de água na

grande São Paulo e nas regiões vizinhas. Na reportagem “Cantareira tem 50% de sua área

degradada” (22/03), a jornalista Mariana Viveiros aborda o assunto positivamente, expondo

a situação e propondo soluções para o desmatamento. Porém, ao discutir a situação da

Amazônia, o jornal limitA o espaço, privilegiando fontes oficiais, como pode ser

verificado na matéria “MMA anuncia ‘maior investida’ antidesmatamento na Amazônia”

(16/03, p.).

Embora o VE tenha apresentado algumas matérias relacionadas ao meio ambiente,

foram poucas, se comparadas ao OESP e FSP. Além disso, a abordagem do VE é ainda

muito superficial. Assim, tivemos 05 notícias voltadas ao tema: câmara de orgânicos,

hortifruti, avanço em agrotóxicos, contra vaca-louca e Vale do Rio Doce.

18

Foram 3 matérias informativas e 2 opinativas as publicadas pela GM, relativas ao

tema meio ambiente. Cada matéria envolveu aspectos diferentes do tema, a saber:

desenvolvimento sustentável, poluição urbana, saneamento básico, marcos regulatórios,

proteção ambiental e desmatamento na Amazônia. De uma forma geral as matérias

demonstraram preocupação com a ausência das políticas governamentais e os equívocos

cometidos na área de meio ambiente. Todas as matérias utilizaram, exclusivamente, fontes

oficiais.

3.2.5 Programa Espacial

A cobertura jornalística da FSP deu ênfase ao programa espacial brasileiro, com

destaque às investigações sobre o acidente no município de Alcântara, no Maranhão, com a

explosão do foguete VLS-1. Ao todo, foram publicados 15 textos, entre eles um editorial,

um artigo assinado e uma coluna. Uma das principais lacunas encontradas é a ausência de

explicações sobre a importância do Programa –recentemente reativado–, para a sociedade

brasileira. No geral, porém, as matérias contemplam vários aspectos da política científica,

expõem fragilidades e avanços no projeto, estimulando o debate público.

O OESP abordou a questão em quatro textos, todos publicados no mesmo dia

21/03, por ocasião da divulgação do Relatório da Comissão que investigou as causas do

acidente. Embora aponte deficiências no programa, a abordagem é claramente favorável ao

programa. A reportagem “Importância do projeto é unanimidade” (21/03, p.A6), evidencia,

no próprio título, a posição do jornal.

No período analisado o VE não apresentou nenhuma matéria relacionada ao

Programa Espacial Brasileiro. Já a GM publicou somente uma matéria relacionada ao tema

no dia 09 de março, sob o título “Governo persegue objetivos da missão completa

brasileira”. As fontes utilizadas foram claramente oficiais: o Ministro da Defesa, Jorge

Viegas e Luiz Bevilacqua, Presidente da Agencia Espacial Prasileira, que falaram sobre s

planos do governo brasileiro.

3.2.6 Tecnologia

Na FSP há poucas matérias que comentam os avanços tecnológicos na área de

Software e Telecomunicações, sob a perspectiva de C&TI. Diferente do que ocorre nos

jornais GM e VE. No caso do OESP, também foram encontradas poucas matérias. Ressalta-

se uma menção à decisão do governo de apoiar o desenvolvimento de softwares livres.

19

Tecnologia foi a temática mais abordada no VE, com 13 matérias relacionadas às

áreas de software e telecomunicações. Destas, 6 referem-se à tecnologia /

telecomunicações, enquanto 7 são exclusivamente sobre softwares. Percebe-se, assim, o

interesse maior do VE por assuntos desta área, até em função do perfil de seu leitor.

Em razão da importância desse tema para a integração do Brasil no novo sistema

capitalista informacional global, foi natural que as questões envolvendo tecnologia fossem

objeto de notícias 15 vezes no período coberto pela GM. As matérias envolveram Inclusão

Digital, Telecomunicações, e Tecnologia da Informação, com bastante destaque para

Software Livre (6 matérias). Uma característica bastante interessante com respeito ao tema

é que, no vaso do Software Livre, o numero de fontes exclusivamente não oficiais em

número de 7, supera as fontes exclusivamente oficiais em número de 6 . As matérias que

envolvem as duas fontes estão representadas somente em dois casos.

3.2.7 Descobertas e Inovações

Na abordagem da FSP sobre o tema Descobertas e Inovações, apenas quatro

matérias, que contemplam avanços na pesquisa em universidades públicas brasileiras. O

OESP trouxe, também, poucas matérias sobre descobertas e inovações, como “Realidade

virtual produz resultados reais “(28/03, p. E8).

O VE apresentou apenas 02 matérias pertinentes à descobertas e inovações. Uma

delas refere-se a um grande laboratório farmacêutico, a Novartis, que realiza um grande

investimento em pesquisas; e a outra diz respeito ao programa de reciclagem de latas de

alumínio no Brasil, que já alcança 89% de efetivação. Este tema foi abordado 4 vezes, entre

dias 17 a 31 de março, na GM. Em todos os casos a questão da importância das pesquisas e

das patentes esteve presente

3.2.8 Saúde

Na FSP, as discussões sobre medicamentos fitoterápicos ocuparam mais espaço do

que qualquer outro tema relacionado à saúde. Houve trabalho de reportagem, abordando o

assunto em seus diversos matizes, com o uso de fontes variadas. Deste modo, a reportagem

sobre o assunto configura-se como uma exceção, em uma cobertura jornalística que, em

geral, se restringiu a emitir a versão oficial dos fatos. No campo da saúde, no OESP, foram

20

identificadas matérias com enfoque em descobertas científicas, recrutamento de voluntários

para pesquisas, decisões de política pública relativas à pesquisas com medicamentos.

O VE não traz qualquer matéria com ênfase à saúde, mas apenas com relação a

pesquisas de laboratórios farmacêuticos e sobre um congresso científico. Para o jornal, a

“temática” saúde acaba sendo colocada em segundo plano, como uma conseqüência desta

pesquisa e congresso, que visam à melhoria dos tratamentos médicos no mundo. Na GM,

somente o mesmo tema, referente aos medicamentos contra AIDS foi publicado.

4. Considerações finais

Nossa análise evidenciou que existe, ainda, uma clara necessidade de melhorar a

divulgação da ciência pelos meios de comunicação de massa. A divulgação científica

ocorre ainda de forma descontínua, fragmentada, descontextualizada. Muitas vezes, utiliza-

se apenas de fontes oficiais, desconsiderando outros grupos relevantes da sociedade. As

matérias têm caráter predominantemente político, atendendo a grupos de interesse. As

informações são ainda descuidadas e imprecisas, não contribuindo para uma melhor

compreensão do campo da ciência em questão e seu respectivo impacto social.

No âmbito geral verificamos um predomínio do gênero informativo. Das 238

matérias analisadas, 63 foram categorizadas como informativas (factuais), 43 de cunho

opinativo e apenas 32 analítico-interpretativas. É importante destacar que nos quatro

veículos selecionados o maior equilíbrio entre informativo (29) e opinativo (20) ocorre no

jornal Gazeta Mercantil, o que evidencia a preocupação do veículo em marcar

publicamente sua postura em relação aos temas abordados.

Apesar de se notar um esforço dos jornais para simplificar a linguagem, nota-se,

ainda, a presença de muitas matérias redigidas em linguagem confusa ou hermética. Em um

número razoável de vezes, com maior presença nos jornais de caráter geral, há uma

utilização sensacionalista das notícias científicas, com valorização de resultados parciais e

descontextualizados. Ainda assim, a linguagem utilizada pelos quatro veículos foi

predominantemente simples, cabendo ao OESP o maior volume de notícias de natureza

complexas.

Considerando-se que uma adequada alfabetização científica é fundamental para

que a população em geral possa participar ativamente das decisões concernentes à política

científica nacional, e que as escolas não têm conseguido suprir adequadamente essa

21

demanda, o papel da mídia assume um relevo importante. Os meios de comunicação

parecem não estar devidamente atentos a essa questão. Verificamos, portanto, que apesar de

avanços visíveis na qualidade da informação, a cobertura jornalística, em grande parte,

mostra-se ainda fragmentária e descontextualizada. De uma maneira geral, observa-se na

mídia uma cobertura ainda factual da produção científica, sem uma perspectiva crítica e

analítica.

5. Referências bibliográficas

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