JURISPRUDÊNCIA - STJ

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JURISPRUDÊNCIA

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JURISPRUDÊNCIA

AÇÃO RESCISÓRIA

AÇÃO RESCISÓRIA N!! 108 - MG CRegi1:'!tro n!! 89076205)

Relator: O Exmo. Sr. Ministro Nilson Naves Revisor: O Exmo. Sr. Ministro Eduardo Ribeiro Autor: Município de Belo Horizonte Réu: João Alves Leite Litis.: Ordem dos Advogados do Brasil- Seção de Minas Gerais Advogados: Drs. Isabel Viana Vaz, Gilberto de Souza Leite e José

de Magalhães Barroso Susto oral: Drs. Robinson Neves Filho (pelo autor), Gilberto de Souza

Leite (pelo réu) e José de Magalhães Barroso (pelo litiscon­sorte passivo)

EMENTA: Ação rescisória. Decadência (ocorrência). Conquanto intentada a ação no prazo de lei, a demora na citação justifica o acolhimento da argüição de deca­dência, quando por motivo atribuível ao autor. Caso em que, tendo proposto a ação no último dia do prazo, o autor não providenciou a citação do réu, no prazo que requerera e lhe fora deferido pelo relator. Decadência pronunciada pela Seção, com extinção do processo.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indica­das, decide a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unani-

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midade, julgar extinto o processo, na forma do relatório e notas taqui­gráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Custas, como de leL

Brasília, em 11 de dezembro de 1991 (data do julgamento). Ministro BUENO DE SOUZA, Presidente. Ministro NILSON NA-

VES, Relator.

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO NILSON NAVES: Com assento no art. 485, inciso V, do Cód. de ,Pro Civil, quer o Município de Belo Horizonte rescindir a decisão final 'de procedência da ação de usucapião que lhe intentou João Alves Leite. Foi a sentença proferida por juiz federal e confirmada por acórdão do Tribunal Federal de Recursos, na AC 109.023, Sr. Ministro WiIliam Patterson, com essa ementa:

"Civil. Usucapião. Posse comprovada. Imóvel particular.

Demonstrado que se cuida de terreno de propriedade particular, e comprovada a posse, nas condições exigidas pe.la 1egislação de regência, merece prosperar o pedido.

Prejudiciais improcedentes, pois preclusa a matéria pertinente ao alegado cerceamento de defesa e incensurá­vel a providência no sentido de antecipar o julgamento da lide.

Sentença confirmada."

2. Alegou o autor que, no curso da ação de usucapião, teve a sua defesa cerceada, pelo indeferimento de perícia requerida, com ofensa ao art. 27 do Cód. de Pro Civil. São suas palavras:

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"6 - Nomeado Perito Oficial e indicado pelo Requerente seu Assistente Técnico, estimou o primeiro seus honorários em 25 (vinte e cinco) ORTN's (denominação da época), intimado o Município, em seguida, a depositar a importância correspon­dente, o que deixou de ser feito, opportuno tempore, por razões de ordem técnica, quais sejam, requisição e empenho de verba, não consignada no orçamento anual.

7 - Em vista de tal fato, e, por haver desentendimento entre o Departamento do Tesouro Municipal e a Justiça Fede­ral, no que toca ao desconto de parcela referente ao imposto de renda devido pelo Perito nomeado, não foram depositados os

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honorários do expert em referência, o que acarretou fosse inde­ferida a perícia questionada.

8 - Indeferida a prova, proferiu-se seqüencialmente o r. decisório que deu por procedente a ação, atribuído ao Requerido o domínio do imóvel usucapiendo e determinada a averbação daquele no registro de imóveis competente."

"A pretexto de que o Requerente não efetuou o depósito dos honorários solicitados pelo Perito Oficial, indeferiu o MM. Juiz a quo uma prova de suma importância para o Município de Belo H~rizonte, de vez que a perícia, se realizada, deixaria claro que o imóvel usucapiendo era de sua propriedade, doado que foi pelo Estado através do Decreto nº 1.088, de 29 de de­zembro de 1897, data de criação da Capital mineira."

O autor reportou-se ainda aos arts. 33 e 420, parágrafo único, do Cód. de Pro Civil.

Pediu: "13 - Pelo exposto, requer o Município de Belo Horizonte a

citação de João Alves Leite, à Rua Ouro Fino, 258, Bairro Cruzei­ro, nesta cidade, para responder, querendo, pena de revelia, aos termos da presente ação rescisória, que, a final, deverá ser julga­da procedente, rescindida a r. sentença proferida nos autos da Ação de Usucapião de nº 1.069/84-F, da 6ª Vara Federal, seção judiciária de Minas Gerais, condenando-se o Requerido ao paga­mento de custas processuais e honorários advocatícios.

14 - Com a desconstituição da r. sentença em epígrafe, requer-se novo julgamento da ação supramencionada, com a produção da indispensável prova pericial."

3. Responderam João Alves Leite e a Ordem dos Advogados do Brasil (Seção de Minas Gerais), esta como litisconsorte passiva necessária. Em suma, alegaram, preliminarmente, (a) que o autor não juntara com a inicial o documento comprobatório do trânsito em julgado do acórdão rescindendo, (b) que o autor não cumprira os despachos proferidos nos autos, (c) que o autor decaíra do direito de propor esta ação, à vista dos arts. 219, §§ 2º a 4º, e 220, do Cód. de Pro Civil, porque a citação do réu só se realizara quando já ocorrida a decadência, e tal por culpa do autor, (d) que o pedido é impossível, juridicamente, ou pelo erro na indicação da decisão rescindenda, ou porque não se admite rescisão de ato inter­locutório. No mérito, pediram a improcedência da ação rescisória.

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4. Apresentadas as razões finais, ouvi a Sub procuradoria-Geral da República, pronunciando-se a Dra. Yedda de Lourdes Pereira, verbis:

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"Aduz então que a decisão, exigindo o que a lei não concedeu e impedindo que a municipalidade provasse sua propriedade, mostrando o equívoco do usucapiente, à toda evidência cerceou o direito de defesa protegido constitucionalmente, fundamento que integrou todos os pronunciamentos.

Observe-se que a própria sentença em seu fundamento IV afirmou:

'In casu, todavia, não ficou comprovada a propriedade do Município. Este, para tanto, porque ônus seu (CPC, 333, lI), deveria demonstrar que o imóvel em questão se localiza no perímetro abrangido pela mencionada lei estadual e que ainda não fora alienado. Tal prova; necessariamente, só pode­ria ser pericial, e o Município, ciente disso, desde o primeiro momento - fls. 72 - a requereu, insistindo a fls. 100, 114, mas, em decorrência de não haver depositado' os honorários do Perito, a mesma, após deferida - fls. 101 -, foi reconsi­derada - fls. 113, abrindo-se nova oportunidade - fls. 115-, resultando, de novo, no indeferimento - fls. 129.' Se a matéria evidentemente dependia de prova pericial

para demonstrar o engano do recorrido na formulação do pedi­do e o MM. Juiz a indeferiu, ocasionou à Municipalidade irre­parável prejuízo porque cerceou a prova do seu direito e, con­seqüentemente, julgou errônea e unilateralmente a ação porque .a instrução não estava completa - e não estava porque foi exigido um prévio depósito .- quando a lei expressamente diz o contrário. Desta forma o julgamento antecipado era incabível porque a questão não era exclusivamente de direito, como reco­nheceu a sentença no item IV, caracterizada uma ofensa ao inciso I do artigo 330 do CPC.

O Tribunal Federal de Recursos, na apelação, se limitou a invocar a sentença recorrida, cuja transcrição instruiu o relató­rio e fundamentou o voto. A ementa resumida informa:

'Civil. Usucapião. Posse comprovada. Imóvel particular. Demonstrado que se cuida de terreno de propriedade particu­lar e comprovada a posse, nas condições exigidas pela legisla­ção de regência, merece prosperar o pedido. Prejudiciais im­procedentes, pois preclusa a matéria pertinente ao alegado

< cerceamento de defesa e incensurável providência no sentido de antecipar o julgamento da lide. Sentença confirmada.'

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Em conclusão, o Autor procura rescindir o acórdão que, declarando preclusas as preliminares, o impediu de provar seu direito e, com isso, levar o Tribunal a decidir pela impossibili­dade do usucapião ante o princípio sumulado no STF sob núme­ro 340.

Corno acentuou Pontes de Miranda em seu Tratado da Ação Rescisória (fls. 144 - 51! ed.):

'Hão de estar exauridos os prazos dos recursos, se in­terponíveis, sem se indagar da negligência - ou ausência - das partes, inclusive do autor da ação rescisória. O au­tor, para propor ação rescisória, tem de interpor os recur­sos, ou deixar que passe em julgado a decisão, não porque deva recorrer, e sim porque um dos pressupostos da pre­tensão a rescindir é o ter passado formalmente em julgado a sentença. O que perdeu o prazo do recurso pode pedir rescisão.' Própria, portanto, a rescisória para rever a alegada preclu­

são e discutir o direito de pagar honorários a posteriori, corno prevê· o artigo 27 do Código de Processo Civil, bem corno provar seu domínio sobre bens que terceiros objetivem usucapir.

Existindo ofensa a direito e justificado o cabimento da açãe, o Ministério Público se manifesta pele previmente da rescisó­ria, a fim de que a Municipalidade pessa prevar sua preprieda­de através da prova pericial requerida e pagá-la nos termes de artigo 27 do CPC, o que excluirá o usucapiãe, nes termes da Súmula 340 do STF."

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO NILSON NAVES (Relater): Dentre lOS

motivos das centestações, examino o atinente à decadência, que se alega verificada em face de art. 219, §§ 22 e 42, c.c. e art. 220, do Cód. de Pro Civil, a partir do momento em que intentada a ação no último dia do seu prazo.

2. De fato, foi a rescisória proposta em 5.5.88, transitado em julga­do o acórdão, para o autor desta, em 5.5.86. No Tribunal Federal' de Recursos, o Sr. Relator determinou ,fosse o réu citado, dando-lhe prazo de 30 dias para a resposta, em 10.6.88. Expedida a carta de ordem, não se consumou a citação, porque o oficial não encontrara o réu. Inadver-

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tidamente, ocorreu despacho, mandando as partes especificarem provas. Veio então petição do autor, apontando o engano e requerendo o seguin­te, em 26.10.88:

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"Através da intimação do autor, pelo DJ de 14.10.88, sex­ta-feira, tomou o mesmo ciência do r. despacho de fls. 254. No entanto, acorrendo aos autos, para o cumprimento da determi­nação judicial, de V. Exa., verificou, o Município, o atropelo processual ocorrido, que vem, agora, denunciar a este douto juízo."

"Ora, ao que se vê da Certidão de fls. 252-v., não citado, o réu, ainda não se formou a relação processual, pelo que não há falar-se em especificação de provas, nesta fase.

Por outro lado, a Certidão do Sr. Oficial de Justiça conduz à necessidade de que a Ordem dos Advogados do Brasil de Minas Gerais seja citada, também, para vir compor a lide, já que, neste caso, há o litisconsórcio necessário. O imóvel vendido à OAB-MG é exatamente aquele que foi objeto da ação de usu­capião, da qual se originou a decisão que ora se pretende res­cindir.

Em face disso, o autor vem requerer a fixação do prazo de vinte dias, para que lhe seja dado localizar o endereço onde poderá ser encontrado o réu, João Alves Leite. Requer, contudo, desde já, a citação da OAB-MG como litisconsorte passiva ne-

, . " cessarIa.

"Em face das razões expostas, o autor vem requerer a V. Exa.:

1 - Chame o feito à ordem, para revogar o r. despacho de fls. 254, tendo em vista que não houve citação regular, nos presentes autos;

2 - Seja fixado o prazo de vinte dias, para que o autor forneça o endereço, caso lhe seja possível, do réu, para que seja providenciada nova Carta de Ordem;

3 - Seja ordenada a citação da OAB-MG, para vir compor a lide, na qualidade de litisconsorte passiva necessária;

4 - Aceite-se a presente petição como aditamento à ini­cial, fazendo-o incluir na contrafé, com as cópias que ora se juntam;

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5 - Seja fixado, ainda, o mesmo prazo de vinte dias, para que o Município regularize as cópias que acompanham a exor­dial, já que as mesmas não estão autenticadas, e para que apresente a Certidão de Trânsito em julgado, da sentença res-cindenda." .

Foi o processo chamado à ordem pelo Sr. Relator, em despacho de 30.11.88, publicado no DJ de 6.12, verbis:

"Quanto à petição de fls. 256 a 259, recebida como adita­mento à inicial, porque jurídicas as suas razões, deferindo-a, chamando o processo à ordem, decido:

1 - não re,alizada a formal citação do réu (cert. fls. 252), impõe-se o cumprimento do ato, sob pena de insanável vício, causador de nulidade. Para tanto, começo revogando o despa-cho de fls. 254; .

2 - deve o Autor, no prazo de vinte dias, casO lhe seja possível, indicar o atual endereço do Réu, informação necessá­ria para ser prov.idenciada, após, nova Carta de Ordem;

3 - cite-se a Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Estado de Minas Gerais, para vir integrar o processo, na qua­lidade de 'litisconsorte passivo necessário'. Expeça-se a Carta de Ordem;

4 - o Autor, no prazo de vinte dias, deve diligenciar a regularização das cópias que acompanham a inicial, uma vez que não estão autenticadas. No mesmo prazo deve comprovar, por certidão hábil, o trânsito em julgado da sentença rescindenda;

5 - fica a cargo do Autor apresentar as cópias necessárias à formação das Cartas de Ordem. Prazo de vinte dias."

Após, encontra-se certificado à fl. 273 v. que os autos foram retirados pela procuradorà do autor em 9.11.88. Parece-me equivocado o mês, por­quanto o despacho, pelo visto, fora publicado no dia 6.12. É de se entender que a retirada ocorrera no mês de dezembro, e não no mês de ·novembro.

Sucede, no entant~, que somente em 3.3.89 o autor retornou ao Tribunal, e com os autos em 13.3, com esta petição:

i'l\Iunicípio de Belo Horizonte, nos autos da Ação Rescisó­ria 1.472-MG, em que contende com João Alves Leite, vem respeitosamente requerer a juntada da inclusa designação para todos os fins de direito e para que, doravante, passe a constar das notificações, intimações e publicações referentes ao proces­so em epígrafe, o nome da advogada que esta subscreve.

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N esta oportunidade, requer ainda:

12) - A juntada das fotocópias anexas e do original da cer­tidão referente ao trânsito em julgado da sentença rescindenda;

2º) - A juntada das fotocópias que deverão acompanhar as contrafés para a citação por edital do réu João Alves Leite e da OAB Seção de Minas Gerais, na pessoa de seu Presidente, Prof. Jair Leonardo Lopes, à Rua Albita nº 250, Belo Horizonte-MG.

3º) - Requer também sejam desentranhadas as fotocópias de fls. 260 a 263 e de fls. 264 a 267, referentes ao aditamento à inicial.

Assim, cumpridas as formalidades determinadas no r. des­pacho de fls., requer o prosseguimento do feito."

Em 15.6.89, agora no Superior Tribunal de Justiça, o Sr. Relator determinou a citação do réu João por edital, e da litisconsorte Ordem por carta.

3. Pois bem, parece-me verificada a decadência, porque a citação não ocorreu no prazo, e por motivo atribuível ao autor, exclusivamente, que não retornou ao Tribunal no prazo que lhe fora assinalado.

Com efeito, a Subsecretaria certificou, na fl. 274, em 13.3.89: "Certi­fico que a petição 374333, juntada nesta data, foi apresentada fora do prazo assinado pelo Sr. Ministro Relator, no despacho de fls. 272". Sim, teve o autor o prazo de vinte dias, aliás por ele mesmo requerido, con­soante o despacho de 30.11 publicado no DJ de 6.12, mas só peticionou em 3.3.89, embora tenha retirado os autos no final do ano anterior.

Ao que creio, ao presente caso não tem aplicação o entendimento desta Seção quando releva a demora, conforme, dentre outros preceden­tes, os EAR-179, de minha relatoria, com essa ementa: "Ação rescisória. Decadência. Intentada a ação no prazo de lei, a demora na citação, quando por motivo atribuível ao funcionamento da Justiça, não justifica o aco­lhimento da argüição de decadência. Em casos dessa ordem, a demora não pode ser imputada ao autor. Embargos infringentes rejeitados". É que, ao contrário do princípio inscrito no precedente, o autor desta res­cisória descurou da prática de ato que lhe competia praticar, podendo­se-lhe então imputar, e não ao funcionamento da Justiça, a demora na citação do réu, donde a ocorrência da decadência.

4. Pronunciando a decadência, extingo o processo, atribuindo ao autor o ônus das custas e dos honorários de advogado, estes arbitrados em 10% sobre o valor da causa, corrigidos a partir do ajuizamento da ação.

24 J? Sup. Trib. Just., Brasflia, a. 4, (39): 15-25, novembro 1992.

EXTRATO DA MINUTA

AR n!! 108 - MG - (89.0007620-5) - Relator: Exmo. Sr. Ministro Nilson Naves. Autor: Município de Belo Horizonte. Réu: João Alves Leite. Litis.: Ordem dos Advogados do Brasil- Seção de Minas Gerais. Advs.: Isabel Viana Vaz, Gilberto de Souza Leite e José de Magalhães Barroso. Sustentaram oralmente os Drs. Robinson Neves Filho pelo Autor, Muni­cípio de Belo Horizonte, Gilberto de Souza Leite, pelo réu, João Alves Leite, e José de Magalhães Barroso, pelo Litisconsorte Passivo, Ordem dos Advogados do Brasil - Seção de Minas Gerais.

Decisão: A Seção, por unanimidade, julgou extinto o processo (em 11.12.91 - 2l! Seção).

Votaram com o Relator os Srs. Ministros Eduardo Ribeiro, Dias Trindade, Athos Carneiro, Waldemar Zveiter, Fontes de Alencar, Cláu­dio Santos, Sálvio de Figueiredo e Barros Monteiro.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro BUENO DE SOUZA.

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AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUl\lENTO

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO N!I 13.175 - SP

(Registro nl! 91.12263-7)

Relator: O Exmo. Sr. Ministro Cláudio Santos Agravantes: Jacob Klabin Lafer - Esp6lio e outros AgravadQ: O R. Despacho de fls. 187 Partes: Jacob Klabin Lafer - Esp6lio e outros e Thomaz Marinho

de Albuquerque Andrade -- Esp6lio e outros Advogados: Pedro Paes Filho e outros,' Péricles Luiz Medeiros Pra­

de e outros

EMENTA: RECURSO ESPECIAL. DESDOBRA· MENTO. ~OVAÇÃO. VEDAÇÃO. INFRINGÊNCIA À . LEI. MATERIA DE FATO.

Ainda que na fase de implantação dC).,..DD~ ~iste·/ ma recursal para os tribunais superiores não pó.de ser admitida inovação no desdobramento de re~urso extraordinário antes interposto. .

Decidindo o Tribunal com base nos fatos não é. possível aferir-se a infração aó art. 502 do CC, se1b o reexame das provas. .

Agravo não provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas:

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Decide a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental, na forma do re­latório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado .

. Custas como de lei. Brasília, 03 de setembro de 1991 (data do julgamento). Ministro EDUARDO RIBEIRO, Presidente. Ministro CLÁUDIO

SANTOS, Relator. RELATÓRIO

O EXl\fO. SR. MINISTRO CLÁUDIO SANTOS (Relator): Proferi . nos autos a seguinte decisão:

"Não merece prosperar a pretensão dos recorrentes, pois como bem demonstrou o Presidente do Tribunal a quo, somente com a efetivação do desdobramento autorizado pelo Supremo Tribunal Federal é que foi suscitado o dissídio jurisprudencial, bem como as alegações de negativa de vigência dos artigos 523, do Código Civil, e 926, do Código de Processo Civil, foram deduzidas.

Por sua vez, a sustentada violação do art. 502, do Código Civil, dependeria, nesta Corte, da necessária reapreciação dos fatos e provas, o que é vedado pela Súmula n2 7.

Com fundamento no art. 28, § 22, da Lei n2 8.038/90, nego seguimento ao agravo de instrumento." (fls. 187)

Da decisão interpõem as partes inconformadas c presente agravo para a Turma, conforme razões de fls. 191/194.

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É o relatório.

VOTO

EMENTA: RECURSO ESPECIAL. DESDOBRA­MENTO. I!'lOVAÇÃO. VEDAÇÃO. INFRINGÊNCIA À LEI. MATE RIA DE FATO.

Ainda que na fase de implantação do novo sistema recursal para os tribunais superiores não pode. ser admiti­da inovação no desdobramento de recurso extraordinário antes interposto.

Decidindo o Tribunal com base nos fatos não é possí­vel aferir-se a infração ao art. 502 do c.c. sem o reexame das provas.

Agravo não provido.

H. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 27-45, novembro 1992.

o EXM:O. SR. MINISTRO CLÁUDIO SANTOS (Relator): Sr. Presi­dente, não tem razão, data venia, o agravante, inclusive quanto à pri­mcira parte da decisão, onde aponto que houve uma alcgação de dissÍ­dio, que não figurava no recurso extraordinário. As suas alegações neste agravo contrariam o que estampam os documentos que se encontram nos autos, isto é, o recurso extraordinário originário e o desdobramento, por onde se constata que a parte inovou no remanejo do recurso consti­tucional de competência do STJ.

Quanto à segunda, também não lhe assiste razão, porque o art. 502 trata exatamente de questão 'possessória, do desforço pessoal, e a deci­são do Tribunal foi tomada com base nos elementos probatórios, de sorte a impedir o seu reexame nesta Instância.

Diante do exposto, llego provimento ao agravo. É como voto.

EXTRATO DA MINUTA

AgRg no Ag nº 13.175 - SP - (91.12263-7) ~ Rcl.: Ministro Cláudio Santos. Agravante: Jacob Klabin Lafer - Espólio e outros. Agravado: O R. despacho de fls. 187. Partes: Jacob Klabin Lafer - Espólio e outros; Tho­maz Marinho de Albuquerque Andrade - Espólio e outroS. Advogados: Pedro Paes Filho e outros; Périclcs Luiz Medeiros Prade e outros.

Decisão: A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental (em 03.09.91 - 3i! Turma).

Participaram do julgamento os Srs. Ministros Eduardo Ribeiro, Dias Trindade e Waldemar Zveiter.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Nilson Naves.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro EDUARDO RIBEIRO.

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO . Nº 15.167 - PE

(Registro nº 910017157-3)

Relator: O Exmo. Sr. Ministro Costa Lima Agravante: Oscar Aracaty Rocha de Lima

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 27-45, novembro 1992. 31

Agravado: Ministério Público do Estado de Pernambuco Advogados: Boris Trindade e outro

EMENTA: RECURSO POR FAX MESSAGE. AD­l\flSSIBn..IDADE. COMO E QUANDO.

1. Relutam os Tribunais em admitir a interposi­ção de recurso através de fax message, ao fundamen­to de que o escrito desaparece com o passar dos me­ses. O fato, no entanto, é simplesmente resolvido com a xerocópia da mensagem, o que torna mais ágil a prestação jurisdicional e faz com que o Judiciário não se distancie da adoção dos meios eletrônicos de co­municação e informação.

Originais, ainda assim, recebidos no prazo am­pliado em decorrência de feriado e ponto facultati­vo.

2. Agravo regimental conhecido, mas desprovi-do.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indica­das:

Decide a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por una­nimidade, preliminarmente, conhecer do agravo pela sua tempestivida­de; e, no mérito, negar-lhe provimento, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Custas, corno de lei. .Brasíli~ 23 de outubro de 1991 (data do julgamento). Minis~9.FLAQUER SCARTEZZINI, Presidente. Ministro COSTA

LIMÁ, Relator. '. '. .

. RELATÓRIO

. O EXMO. SR. MINISTRO COSTA ~IMA: Trata-se de agravo re­gimental interposto através de fax messagé por OSCAR ARACATY RO­CHA DE LIMA, irresignado com a decisão publicada no DJU de 08.10.91, p. '14.052, em que neguei provimento ao agravo de instrumento por ele agitado. .

32 R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 27-45, novembro 1992.

Deixei que o prazo recursal corresse, a ver se chegaria ao protocolo do Tribunal a petição recursal, o que veio a acontecer no dia 16 do mês em curso, enquanto que o fax foi recebido no dia onze.

O agravante combate a minha decisão, porquanto ter-rue-ia valido apenas dos fundamentos do despacho, que negou seguimento ao recurso especial.

Adianta que não rediscute prova, mas clara contrariedade ao dis­posto no art. 411, do Código de Processo Penal, segundo o q1).al "o con­vencimento do juiz não é arbitrário, não podendo ficar distante da pro­va, e sem fundamentação."

Enfim, a divergência jurisprudencial ficou caracterizada.

Relatei.

VOTO (PRELIMINAR)

EMENTA: RECURSO POR FAX MESSAGE. ADMIS­SIBILIDADE. COMO E QUANDO.

1. Relutam os Tribunais em admitir a interposição de recurso através de fax message, ao fundamento de que o escrito desaparece com o passar dos meses. O fato, no en­tanto, é simplesmente resolvido com a xerocópia da mensa­gem, o que torna mais ágil a prestação jurisdicional e faz com que o Judiciário não se distancie da adoção dos meios eletrônicos de comunicação e informação.

Originais, ainda assim, recebidos no prazo ampliado em decorrência de feriado e ponto facultativo.

2. Agravo regimental conhecido, mas desprovido.

o EXMO. SR. MINISTRO COSTA LIMA (Relator): O Plenário de­cidiu, por maioria, na sessão realizada no dia 22 de agosto deste ano (1991), rejeitar projeto de resolução prevendo a admissão de recursos por fax message.

O processamento das informações eletrônicas, iniciado a partir dos anos sessenta, vem sofrendo profundas modificações e aperfeiçoamen­tos, nem sempre aceitos de pronto, mas com o aprimoramento técnico, acabam vencendo as resistências iniciais, até justificáveis.

Assim é que, naquela década, deu-se ênfase aos dados numéricos e, nos anos setenta, ampliou-se a textos e, nos anos 80, aos gráficos.

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 27-45, novembro 1992. 33

Acrescentou-se, a contar da atual década, aos dados numencos, textos e gráficos, o processamento de imagens de documentos, eis que se chegou à conclusão de que as fitas magnéticas, os disquetes, os discos rígidos e a microfilmagem não se mostravam adequados e eficientes para o armazenamento de grandes quantidades de ·informações.

Surgiu, então, um instrumento novo, o disco ótico, plenamente com­patível com os sistemas que empregam a informação eletrônica, o qual vem causando um frisson nos métodos de manuseio e tratamento das informações. Importa lembrar que as experiências nesse setor principia­ram em torno dos anos 70.

O processo de comunicação através da televisão, por exemplo, pre­cisou de anos para que os governos e empresas acabassem por concluir pela necessidade do estabelecimento de padrões estáveis, sem prejuízo do aprimoramento tecnológico, para transcender fronteiras, ao modo da energia, do carro, do telefone, transformando-se em tecnologia pe­netrante, isto é, "lugar comum", usado pela maioria das pessoas.

O computador, por exemplo, ainda é para muitos um "ilustre des­conhecido", um elemento impenetrável, amedrontador ou intimidador. Embora, por sua técnica, seja capaz de libertar o homem do processo repetitivo e rotineiro, muitos o têm como um brinquedo eletrônico exó­tico e complicado. É que ainda não penetrou decisivamente no seio da sociedade, ao modo do que já acontece com o telefone e a televisão. Pre­cisa como que de um botão simples que, ao toque, faça a lâmpada acen­der ou apagar. Uma "interface" durável, consistente, que mantenha a confiança de que os novos equipamentos e as novas aplicações terão uma base comum de intercomunicação. Assim, as pessoas adquirem confian­ça de que essa tecnologia, com regras padronizadas internacionalmente, facilita a comunicação de um para outro aparelho, entre comunidades e países. Também, que se trata de um bem durável o suficiente, permitin­do que possam ser desenvolvidos novos equipamentos respeitado aquele requisito básico de intercomunicação (interface).

Os que vivemos no Poder Judiciário, lembramo-nos das resistências para aceitar cópias em thenno fax, que exigiam um papel próprio e com nitidez nem sempre aceitável, além do que iam perdendo, pouco a pou­co, a intensidade.

Os disquetes empregados nos computadores e destinados ao anna­zenamento de informações em quantidade razoável, começam a ter a seu lado o disco ótico, um dos quais pode conservar, arquivar, aproximada­mente, umas 12.000 páginas. Hoje, é possível a gravação nas duas faces com opção de não regravar, ficando as informações protegidas contra a troca, bem assim o disco ótico regravável, que oferece a oportunidade de atualização de dados.

34 R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 27-45, novembro 1992.

Feita a gravação, pode-se selecionar o que se deseja buscar no arqui­vo, ampliar a imagem ao zoom e, se o quiser, imprimi-la.

Já surgiu a "telemensagem", que através de um receptor de bolso pode transmitir uma mensagem, um recado escrito, dentro dos limites de Brasília, por exemplo.

O fax message, isto é, a comunicação escrita por meio do telefone, ressente-se, hoje, dos mesmos percalços quanto à permanência do escri­to, que afetou o thermo fax, pois a tinta vai perdendo a sua intensidade, daí que para se aceitar a interposição de recursos através desse proces­so, tem-se de adotar cautelas de segurança, a fim de que a informação nele contida permaneça fixa nos autos.

Houve quem sugerisse a ampliação do prazo por mais de cinco dias, no aguardo do original do recurso.

Respeito a prudência dos sábios e a estrita obediência à lei por parte de doutíssimos Colegas, argumentado que se estaria criando um privilé­gio para os advogados, alargando o prazo legal.

Respondo com toda humildade que: primeiro, a lei processual é bem anterior à introdução no país desse sistema de comunicação; segundo, os Tribunais existem para fazer com que o texto frio da lei tenha vida, adapte-se a situações que surjam ao longo de sua aplicação. Disse al­guém que a "lei propõe e a jurisprudência compõe".

CARLOS MAXIMINIANO escrevia há muitos anos:

"Quando os Tribunais compreendem bem o seu papel, como sucede com a Corte de Cassação, de França, e o Tribunal Supre­mo (Obester Gerichtshof), da Áustria, a jurisprudência, embora resultante do empenho em adaptar os textos às condições da so­ciedade presente, torna-se a grande renovadora do Direito, extir­pa, erradica idéias dominantes e retrógradas, apura, depura, cor­rige e consolida as que têm fundo de ciência e de utilidade geral." ("Hermenêutica e Aplicação do Direito", pág. 180)

Argumentam que o fax possibilita a "montagem" das petições ou dos documentos, pois não autenticados.

Ora, o processo de fax message constitui-se, precisamente, em copiar o papel do modo como se acha escrito. A dúvida, se a assinatura aposta no requerimento é ou não do advogado, tanto existe no papel recebido através do fax quanto o entregue datilograficamente. O Código de Processo Civil - art. 38 - exige o reconhecimento de firma nas procurações.

Sem querer rebelar-me contra a decisão Plenária a que me referi, no início deste voto, penso que não se pode recusar a interposição de ''habeas corpus" mediante fax message, dada a natureza desse instituto.

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 27-45, novembro 1992. 35

Todavia, no concernente a recursos estou em que se outros cuida­dos se impõem, especialmente pelo fato de que, decorridos meses, o que foi copiado desaparece. A concessão ele um prazo, curto e razoável, para a chegada dos originais, era uma fórmula que me havia ocorrido. No entanto, rendi-me aos argumentos de doutos Colegas no sentido de que se estaria conferindo validade a um ato sem lei a defini-lo, o que não se compadece com o direito de igual tratamento devido às partes em juízo e nem com a ampla defesa (CF, art. 5º, LV).

Penso, assim, que se pode aceitar o progresso das comunicações eletrônicas e concorrer para agilizar o andamento dos feitos, construin­do-se um meio que não implique em criar novo prazo para a interposi­ção do recurso, mas ofereça oportunidade a advogados residentes em locais distantes deste imenso país, de opor o seu recurso através de fax bastando que seja recebido no Tribunal até o último dia <lo prazo, man­dando-se xerocopiá-Io, o que confere permanência ao escrito recebido ele­tronicamente. E não se diga que, com isso, se está ajudando o advogado em detrimento da outra parte.

Assim, recebido o fax, mandei xerocopiá-Io e, por se tratar do pri­meiro caso c'oncreto a ser decidido por esta Turma, entendi, por prudên­cia, ordenar que se aguardasse a remessa da petição original do agravo regimental, que foi recebida no último dia dezesseis.

Considero, portanto, o recurso como regularmente interposto atra­vés de fax message e tempestivo, data venia.

Ainda assim não se queria aceitar, sustento que o agravo chegou ao protocolo do Tribunal, no original datilografado, atempadamente. É que, publicada a decisão no dia 08 (oito), computando-se os cinco dias a partir de 09 (nove), o prazo findaria a treze, que foi um domingo. Logo, a quatorze, terminaria o prazo. Todavia, nesse dia, o expediente ficou limitado das oito às quatorze ·horas e o dia seguinte foi ponto facultati­vo. Donde, o último dia do prazo passou a ser dezesseis e, se o recurso foi protocolizado nesse dia, é tempestivo.

Dele conheço. Peço destaque.

VOTO MÉRITO

o EXl\10. SR. MINISTRO COSTA LIMA (Relator): Neguei provi­mento ao agravo de instrumento dizendo:

36

"Irreparável o despacho agravado por seus fundamentos, verbis:

"A douta Câmara recorrida, apreciando o respectivo recur­so por ele interposto contra aquela decisão, confirmou esta por

R. Sup. Trib. Just., Brasílía, a. 4, (39): 27-45, novembro 1992.

unanimidade, corroborando o entendimento do magistrado sin­gular, de que efetivamente a prova carreada aos autos não autorizava o convencimento do Juiz para enveredar por uma absolvição singular, conforme prevê o transcrito artigo 411 do CPP. Agora então vem o recorrente, apegando-se a tal disposi­tivo, insistindo em que teria ficado provado nos autos, no inci­dente ocorrido entre recorrente e vítima, do qual resultou a morte deste último, uma situação de legítima defesa própria, em cujo curso ele teria praticado o homicídio denunciado.

Com toda franqueza, não vejo em que nem como o preceito invocado teria sofrido qualquer afronta com a decisão recorri­da, visto como, o que se verifica é exatamente o contrário, ou seja, aquele julgado reflete exatamente fidelidade à linha da­quele mandamento legal.

Com efeito, é de ver, primeiramente, que, para a absolvição liminar, como pretende o recorrente, é imprescindível o conven­cimento do julgador, de que milita, na hipótese apreciada, uma das causas excludentes de criminal idade ou de isenção de pena. E convencimento não se impõe, é estado de espírito.

Em seguida, é também indispensável que fique claramente comprovada e imune de dúvida a militância, no caso, de algu­ma daquelas causas. Então, não havia aqui como o magistrado do primeiro grau decidir pela absolvição liminar, já que não encontrou provas que embasassem o seu convencimento no sen­tido de enveredar por aquele caminho.

Insistindo agora em que o acervo de provas colhidas auto­rizariam essa solução absolutória, e que, portanto, caberia, no caso, a admissão do recurso pretendido, esbarra o recorrente no óbice imposto pelo Colendo Supremo Tribunal Federal, consa­grado através da Súmula 279: "Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário."

Sendo o recurso especial sucedâneo do extraordinário, vale para o mesmo mandamento jurisprudencial. Pelo visto, não há como se agasalhar o recurso interposto pela via da letra a do permissivo constitucional invocado.

Idêntica afirmação cabe ser feita quanto à argüição rela­tiva à letra c do mesmo dispositivo.

Com efeito, os trechos de dois julgados transcritos pelo ilustre defensor do recorrente não guardam a menor fidelidade à tese por este sustentada, em ambos está contida afirmação

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 27-45, novembro 1992. 37

que, exatamente, conflita com os argumentos defensivos por ele articulados" (fls. 151/152).

Embora tenha dito que o recurso especial não buscava o reexame da prova, esse objetivo transparece das próprias ra­zões, o que encontra obstáculo na Súmula 07-STJ.

De outro modo, como poderia este Tribunal reformar pro­núncia para absolver desde logo o agravante?

Adotando os fundamentos do despacho agravado, nego provimento ao recurso" (fls. 263/264).

Insiste o agravante que ficou evidente a violação do art. 411, do Código de Processo Penal, escrevendo:

"A decisão impugnada contraria esse texto legal, porque o que a lei estabelece é que o convencimento do juiz não é arbi­trário, mercê de que ele fica sujeito à prova e, assim, não se trata de um convencimento presumido, pessoal, mas condicio­nado à prova colhida.

N o caso submisso, o que a prova exibiu, e ficou claro, é que o recorrente foi vítima de um assalto, assalto similar ao de tantos que aconteceram, acontecem e continuam acontecendo no local onde ocorreu e na forma em que se verificou.

Ao pronunciar o recorrente, disse o dd. Juiz titular da 2!! Vara Privativa do Júri da Capital:

"Versão de legítima defesa alegada pelo réu e não eviden­ciada pelas circunstâncias reveladas pelos autos."

Este entendimento, contrariador do art. 411, do C. P. Pe­nal, foi esposado pelo acórdão impugnado.

Ora, não exige o texto legal que a legítima defesa fique evidenciada, ou melhor dizer, que a versão de legitima defesa trazida pelo réu, fique evidenciada. O que o texto legal quer, para obter-se a absolvição in limine, é que a legítima defesa se exiba claramente, levando o juiz a se convencer de sua ocorrên­cia e dando os motivos disso." (fls. 118/119)

Não vejo como seja possível chegar ao ponto pretendido pelo agra­vante sem adentrar no exame da prova, a fim de, liminarmente, absol­ver o réu, anulando a pronúncia.

De tal modo, nego provimento ao agravo regimental.

VOTO - PRELIMINAR

O SR. MINISTRO ASSIS TOLEDO: Sr. Presidente, pediria vista, porque já tenho voto a respeito da matéria. Todavia, diante da informa-

38 H. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 27-45, novcmbJ'O 1992.

ção do eminente Ministro-Relator, que mesmo não se considerando a existência do fax ou mesmo que o fax não tivesse sido expedido, ainda assim o original chegou e deu entrada no protocolo dentro do prazo de recurso, parece-me que o tema pode ficar para exame em outra oportu­nidade.

Por esse segundo fundamento, conheço do recurso.

VOTO - PRELIMINAR

O EXMO. SR. MINISTRO EDSON VIDIGAL: Senhor Presidente, reservo-me a maior exame do tema destacado pelo Eminente Ministro­Relator para outra ocasião. A meu ver ainda não está efetivamente exau­rido o debate que, aliás, já se travou nesta Quinta Turma e depois no Pleno, onde um projeto de resolução foi rejeitado.

Acompanho o Eminente Ministro-Relator, consoante o Ministro Assis Toledo, pelo segundo fundamento.

É o voto.

VOTO - PRELIMINAR

O SR. MINISTRO JOSÉ DANTAS: Sr. Presidente, relembro que nesta Turma já votei sobre a matéria, especificadamente, em recurso da relatoria do Sr. Ministro Edson Vidigal - AgRg nQ 1.463 (16.04.90).

No ensejo, com apoio na douta maioria, expressei minha oposição ao sistema fax, não por si mesmo, mas porque a transmissão fac simi­lar teria que se amoldar às exigências da lei processual quanto à auten­ticação formal dos recursos e documentos não originais.

Posteriormente, voltei a essa oposição perante a Corte Especial, no julgamento referido pelo Sr. Ministro Relator, isto em relação à propos­ta de resolução normativa sobre o assunto.

Inobstante essa minha oposição, vejo que, na realidade, no caso não interessa discutir tal matéria, pois que a interposição do agravo pela petição original se deu a tempo, conforme salientado pelo Sr. Ministro­Relator.

Pelo que, acompanho S. Exa., concluindo pelo conhecimento do recurso em razão da tempestividade plena da interposição original.

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 27-45, novembro 1992. 39

EXTRATO DA MINUTA

AgRg no Ag nº 15.167 - PE - (91.0017157-3) - Relator: Exmo. Sr. Ministro Costa Lima. Agrte.: Oscar Aracaty Rocha de Lima. Agrdo.: Ministério Público do Estado de Pernambuco. Advs.: Boris Trindade e outro.

Decisão: A Turma, por unanimidade, preliminarmente, conheceu do agravo pela sua tempestividade; e, no mérito, negou-lhe provimento.

Votaram de acordo os Srs. Mins. Assis Toledo, Edson Vidigal, Fla­quer Scartezzini e José Dantas.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro FLAQUER SCARTEZZINI.

• AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO

Nº 21.400-4 - DF (Registro nº 920009032-0)

Relator: O Exmo. Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro Agravante: Caixa Econômica Federal - CEF Agravados: Joel Guilherme da Silva Filho e outros Advogados: Drs. Adilson de Faria e outros; Darci Alves da Silva

Roepke

EMENTA: FGTS. Aquisição de imóvel funcional de valor superior a 10.000 VRFS. Resolução nº 1.446, de 5.1.88, inciso VIII, letra f.

I - O inciso VIII, letra f, da Resolução nº 1.446, de 5.1.88, não encontra apoio na legislação de regência e, por isso, se impunha a sua inaplicação à espécie.

11 - Agravo regimental desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as acima indicadas:

Decide a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, na con­formidade dos votos e das notas taquigráficas anexas, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Votaram com o Ministro Rela-

40 IL sup. Trib. Just., Brasflia, a. 4, (39): 27-45, novembro 1992.

tor os Ministros José de Jesus, Hélio Mosimann e Américo Luz. Ausen­te, ocasionalmente, o Sr. Ministro Peçanha Martins.

Custas, como de lei. Brasília, 10 de junho de 1992 (data do julgamento). Ministro AMÉRICO LUZ, Presidente. Ministro ANTÔNIO DE

PÁDUA RIBEIRO, Relator.

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO: Trata­se de agravo regimental, interposto pela CAIXA ECONÔMICA FEDE­RAL contra o seguinte despacho:

"Alega a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, em recurso especial com fundamento na letra a do permissivo constitucio­nal, que o acórdão recorrido negou vigência à Resolução nº 1.446, de 5.1.88, do Banco Central do Brasil, que limitou o uso do FGTS, pelos adquirentes de imóveis funcionais, através do SFH.

Todavia, segundo se depreende do julgado recorrido, o in­ciso VIII, letra f, da citada Resolução, não encontra apoio na legislação de regência e, por isso, se impunha a sua aplicação à espécie.

Isto posto, nego provimento ao agravo". Sustenta a agravante (fls.):

"Ora, referida Resolução tem apoio no artigo 9º da Lei nº 4.595, de 31.12.64, e torna pública decisão do Conselho Mone­tário Nacional, a quem cabe, ex ui do disposto no art. 7º do Decreto-lei nº 2.291/86, orientar, disciplinar e controlar o SFH.

Por outro lado, se "se impunha a sua aplicação à espécie, como assentado por V. Exa, e como defendido pela Caixa Econô­mica Federal, a decisão do tribunal a quo, forçosamente, haveria de ser outra, uma vez que referida norma efetivamente limita o uso do FGTS, na compra de imóveis, àqueles de valor até 10.000 VRFs".

É o relatório.

VOTO

EMENTA: FGTS. Aquisição de imóvel funcional de valor superior a 10.000 VRFS. Resolução nº 1.446, de 5.1.88, inciso VIII, letra f.

R. sup. Trib. Just., Brasflia, a. 4, (39): 27-45, novembro 1992. 41

I - O inciso VIII, letra t, da Resolução nº 1.446, de 5.1.88, não encontra apoio na legislação de regência e, por isso, se impunha a sua inaplicação à espécie.

II - Agravo regimental desprovido.

o SENHOR MINISTRO ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO (Rela­tor): Cumpre esclarecer, no caso, que o despacho agravado incidiu em erro material. Conclui por dizer "segundo se depreende do julgado re­corrido, o inciso VIII, letra t, da citada Resolução não encontra apoio na legislação de regência e, por isso, se impunha a sua aplicação à espé­cie", quando, pelo contexto, há de se entender "a sua inaplicação à es-

'" . " peCle .

Ademais, quanto ao aspecto meritório, são irrefutáveis os funda­mentos constantes do voto do ilustre Juiz Aldir Passarinho Júnior, pro­ferido na AMS 91.01.07293-5-DF, nestes termos:

42

"No tocante ao mérito, o ponto nodal da controvérsia resi­de em saber se as regras pertinentes ao SFH são extensivas, e em que grau, à compra das unidades funcionais.

Dispõe o art. 16 do Decreto nº 99.266, de 28.05.90, regu­lamentador da Lei nº 8.025, de 12.04.90, o seguinte:

"Art. 16 - Os adquirentes poderão utilizar saldos de suas contas vinculadas junto ao Fundo de Garantia do Tem­po de Serviço - FGTS para pagamento, total ou parcial, do valor do imóvel adquirido, de acordo com o inciso VII do artigo 20 da Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990".

O referido artigo 20 da Lei nº 8.036/80, a seu turno, reza, litteris:

"Art. 20 - A conta vinculada do trabalhador do FGTS poderá ser movimentada nas seguintes condições:

... onUSSlS ...

VII - pagamento total ou parcial do preço da aquisi­ção de moradia própria, observadas as seguintes condições:

a) o mutuário deverá contar com o mínimo de 3 (três) anos de trabalho sob o regime do FGTS, na mesma empre­sa ou empresas diferentes;

b) seja a operação financiável nas condições vigentes para o SFH."

N a interpretação da impetrada, como o financiamento pelo S.F.H. não é aplicável aos imóveis de valor superior a 10.000

H. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 27-45, novembro 1992.

VRF, ex ui do disposto na Resolução nº 1.446/88, inciso VIII, alínea F, do Banco Central, tal levou-a à ilação de que, embora na espécie dos funcionais o financiamento pudesse extrapolar aquele limite, o FGTS todavia, não, face à remissão ao dito art. 20, VII da Lei 8.036/90.

Data maxima uenia não assiste razão à CEF.

Com efeito, in obstante a remissão ao pré-falado inciso VII da Lei nº 8.036/90, exsurge clara a incompatibilidade entre o comando principal, a diretriz maior do Governo Federal ao instituir a alienação dos imóveis funcionais, quando permitiu, sem limite algum, o financiamento de até 90% (noventa por cento) do preço de venda, independentemente do valor da uni­dade e da renda familiar (cf. art. 14 do Decreto nº 99.266/90).

Ora, se um imóvel de valor superior a 10.000 VRF não pode ser sequer financiado pelo SFH e o funcional pode, não há sentido em se aplicar à excepcionalidade legal, que goza de condições todas especiais, uma restrição parcial, fazendo-se-lhe incidir norma de outra operação absolutamente diversa e ina­plicável à hipótese, ante o .valor de venda.

Basta ler-se a regra do inciso VII, letra b, acima transcrito ("b) seja a operação financiável nas condições vigentes para o SFH") para concluir-se quão incongruente fica a posição adota­da pela CEF. É evidente que tal norma tem sua aplicação res­trita ao SFH, pois que, em condições normais, o uso do FGTS tem vinculação umbilical com as suas operações. Mas, aqui, a situação é outra e particular. Não é operação financiável nas condições do SFH e, apesar disso, há financiameúto ex ui legis.

A acolher-se a tese da impetrada, pela interpretação literal da lei, ter-se-ia que ir até mais longe para concluir que o FGTS não poderia ser utilizado em hipótese alguma, nem abaixo, nem acima das 10.000 VRF. Sim, porque, como dito antes, a venda dos funcionais, que é realizada sem licitação, prevê financiamento em prazo mais longo (25 anos) e sem correlação com a renda familiar, verdadeiras "heresias" se comparadas às operações do SFH. E, dai, relembrando-se o teor do inciso VII, letra b, se a própria operação não é financiável nas condições vigentes para o SFH, o FGTS não poderia ser resgatado em caso algum.

É claro que não é assim, e o que se quer demonstrar é a incorreção da exegese dada à lei pela CEF. A regra consubstan­dada na letra b do inciso VII é claramente inadequada à espé-

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 27-45, novembro 1992. 43

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cie por incompatibilidade integral com a operação especial pre­vista na lei. Só o seria se o ocupante, ao invés de optar pela compra nas condições especiais do art. 14, incisos I a X, preferir o financiamento normal do SFH, conforme facultado no início do caput do mesmo dispositivo legal.

Ademais, com a alteração efetuada na redação do art. 16 do Decreto nº 99.266/90 pelo Decreto nº 99.664, de 1º.11.90, que introduziu um parágrafo único ao dispositivo, a razão de ser da remissão ao art. 20, inciso VII, da Lei nº 8.036/90, contida no caput original, deixou de existir, embora mantida a redação da mencionada cabeça do artigo 16.

Se não, vejamos.

Como o art. 16 possibilitava o pagamento de parte das prestações com o FGTS, o motivo da remissão ao inciso VII do art. 20 da Lei nº 8.036/90 era disciplinar a utilização dessa modalidade específica e a letra a do inciso VII dizia que, no caso, o empregado deveria ter, pelo menos, três anos de traba­lho vinculado ao regime fundiário para fruir da vantagem. Aí residia o sentido útil da norma.

Todavia, à redação do art. 16 do Decreto nº 99.266/90 foi acrescentado, mais tarde, o parágrafo único que traz aquela condição (letra a e mais outras) litteris:

"Parágrafo único. O pagamento de parte das parcelas decorrentes da venda a prazo será permitido, desde que:

a) o adquirente conte com o mínimo de 3 (três) anos de trabalho sob o regime do FGTS, na mesma empresa ou em empresas diferentes;

b) o valor bloqueado seja utilizado, no mínimo, duran­te o prazo de 12 (doze) meses; e

c) o valor do abatimento atinja, no máximo, 80% (oi­tenta por cento) do montante da parcela".

A partir de então, esgotou-se o sentido da anterior remis­são ao art. 20, inciso VII, da Lei nº 8.036/90, porque houve a re­retificação devidamente adequada à espécie, das condições de emprego do FGTS na venda dos funcionais. Desejasse o Poder regulamentador limitar, como deseja a impetrada, a utilização do FGTS, teria explicitado, na ocasião, sua vontade, ou, na pior das hipóteses, ainda que incongruentemente, repetir a malsina­da letra b do inciso VII do art. 20, o que não foi feito porquanto,

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 27·45, novembro 1992.

verdadeiramente, jamais foi caso de sua incidência à espécie, consoante acima largamente explicitado".

Com tal esclarecimento, mantenho a decisão recorrida pelos seus próprios fundamentos. Nego provimento ao agravo.

EXTRATO DA MINUTA

AgRg no Ag 21.400-4 - DF - (920009032-0) - Relator: Exmo. Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro. Agrte.: Caixa Econômica Federal­CEF. Advogados: José Gomes de Matos Filho, Adilson de Faria e outros. Agrdos.: Joel Guilherme da Silva Filho e outros. Advogado: Darci Alves da Silva Roepke.

Decisão: A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental (em 10.06.92 - 2ª Turma).

Participaram do julgamento os Srs. Ministros José de Jesus, Hélio Mosimann e Américo Luz.

Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Peçanha Martins.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro AMÉRICO LUZ.

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 27-45, novembro 1992. 45

CONFLITO DE COMPETÊNCIA

CONFLITO DE COMPETÊNCIA NQ 2.473-0 - SP (Registro nQ 91.0021603-8)

Relator: O Exmo. Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro Autor: Ministério Público Federal Réus: Horafa Shipping Co. e Osvaldo Sampaio

Suscitante: Juízo Federal dá 22!! Vara em São José dos Campos-SP Suscitado: Juízo de Direito da 2!! Vara de São Sebastião-SP

EMENTA: Competência. Conflito. Ação civil pú­blica. Reparação de dano ambiental. Colisão do pe­troleiro "PENELOPE" contra o petroleiro "PIQUETE", no Terminal Marítimo "Almirante Barroso", em São Sebastião, com vazamento de grande quantidade de óleo que atingiu as praias vizinhas.

I - Se o dano ocorreu em Comarca que não de­tém sede de Vara Federal, compete à Justiça Estadu­al em primeiro grau processar e julgar ação civil pública, visando à proteção ao patrimônio público e ao meio ambiente, mesmo no caso de comprovado interesse da União no seu deslinde. Compatibilida­de, no caso, do art. 2!! da Lei n!! 7.347, de 24.7.85, com o art. 109, §§ 2º e 3º, da Constituição.

11 - Conflito de que se conhece, a fim de decla­rar-se a competência do Juízo Estadual, isto é, da 2ª Vara de São Sebastião-SP.

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 47-67, novembro 1992. 49

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as acima indicadas:

Decide a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, na con-. formidade dos votos e notas taquigráficas anexas, por unanimidade,

conhecer do conflito e declarar competente o Juízo de Direito da 2ª Vara de São Sebastião-SP, suscitado. Votaram com o Ministro Relator os Ministros José de Jesus, Garcia Vieira, Hélio Mosimann, Peçanha Mar­tins, Demócrito Reinaldo, Gomes de Barros e César Rocha.

Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Milton Pereira.

Custas, como de lei. Brasília, 26 de maio de 1992 (data do julgamento).

Ministro AMÉRICO LUZ, Presidente. Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, Relator.

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO: Trata­se de conflito positivo de competência suscitado pelo Juiz Federal da 22ª Vara de São José dos Campos, nestes termos (fls. 3-4):

50

"I - Foi ajuizada perante esta Vigésima Segunda Vara Federal, em 06.06.91, pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, Ação Civil Pública, tendente à reparação de dano causado ao meio ambiente, face à HORAFA SHIPPING CO. e PETRÓLEO BRASILEIRO SI A - PETROBRÁS, tendo em vista um vaza­mento de petróleo ocorrido no dia 26.05.91, no Canal. de São Sebastião-SP, que veio a atingir várias praias da Região.

n - Consta que tal vazamento foi provocado pelo Navio "Penélope", de propriedade do armador HORAFA SHIPPING CO., fretado pela PETROBRÁS através da Agência Apollon.

lU - Foram precedidas as devidas citações e o armador do navio ao apresentar sua contestação informou que tramita pe­rante a 2ª Vara da Justiça Estadual da Comarca de São Sebas­tião, uma MEDIDA CAUTELAR DE PRODUÇÃO ANTECIPA­DA DE PROVAS (PROC. nº 406/91) e uma MEDIDA CAUTELAR INOMINADA (PROC. nº 429/91), promovidas pelo Ministério Público do Estado de São Paulo face aos mesmos requeridos, ambas relativas ao mesmo acidente ocorrido com o navio Pe-

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nélope e preparatórias de futura Ação Civil Pública a ser ajui­zada com o mesmo objeto, partes e causa de pedir, da Ação Civil Pública número 91.0401096-5 já ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL junto a esta Vigésima Segunda Vara.

IV - Como foram atingidos bens da União Federal (mar territorial e terrenos de marinha), foi confirmada por este Juízo a competência da Justiça Federal para processar e julgar a aludida Ação Civil Pública, nos termos do art. 109, I, da Cons­tituição Federal, pois é manifesto o interesse da União, além da matéria ser disciplinada especificamente na Convenção Inter­nacional sobre Responsabilidade Civil por Danos Causados por Poluição por Óleo no Mar (CLC-69).

Assim, como o MM. Juiz de Direito da 2!! Vara da Comarca de São Sebastião reconhece a competência da Justiça Estadual para processar e julgar feitos desta natureza (inclusive já foi distribuído perante este Egrégio Superior Tribunal de Justiça, em 25.10.91, Conflito Positivo de Competência versando sobre caso semelhante - Registro nº 91.19610-0), suscito perante este Egrégio Superior Tribunal de Justiça Conflito Positivo de Com­petência, nos termos do artigo 105, I, alínea d, da Constituição Federal.

Sem mais, aproveito a oportunidade para renovar os meus protestos de admiração e respeito".

À vista de promoção do douto órgão do Ministério Público, infor­mou a Secretaria sobre a existência do Conflito de Competência nº 2.374-SP (registro 91.19610-0), em que são partes a Prefeitura Municipal da Estância Balneária de Ilha Bela, Petrobrás, o Armador do navio Katina e o Ministério Público Federal, e suscitante o Juízo Federal da 22!! Vara de São José dos Campos, sendo suscitado o Juízo de Direito da 2ª Vara Cível de São Sebastião-SP (fls. 34 v.).

Este conflito e o outro, referido nas citadas informações, antes dis­tribuídos ao ilustre Ministro Américo Luz, vieram-me, a final, redistri­buídos.

A fls. 63, atendendo a requerimento de HORAF A SHIPPING CO. LTDA., empresa de navegação proprietária do navio "Penélope", sobres­tei o andamento dos feitos até o julgamento deste conflito e designei o MM. Juízo Federal da 22ª Vara em São José dos Campos para resolver, em caráter provisório, as medidas urgentes.

Oficiando nos autos, a douta Subprocuradoria Geral da República reportou-se ao decidido no Conflito de Competência nº 2.230-RO, de que

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fui Relator, concluindo pela competência da Justiça Estadual para diri­mir a controvérsia (fls. 66).

É o relatório.

VOTO

EMENTA: Competência. Conflito. Ação civil pública. Reparação de dano ambiental. Colisão do petroleiro "PENÉ­LOPE" contra o petroleiro "PIQUETE", no Terminal Maríti­mo "Almirante Barroso", em São Sebastião, com vazamento de grande quantidade de óleo que atingiu as praias vizinhas.

I - Se o dano ocorreu em Comarca que não detém sede de Vara Federal, compete à Justiça Estadual em primeiro grau processar e julgar ação civil pública, visando à prote­ção ao patrimônio público e ao meio ambiente, mesmo no caso de comprovado interesse da União no seu deslinde. Compatibilidade, no caso, do art. 2º da Lei nº 7.347, de 24.7.85, com o art. 109, §§ 2º e 3º, da Constituição.

II - Conflito de que se conhece, a fim de declarar-se a competência do Juízo Estadual, isto é, da 2ª Vara de São Sebastião-SP.

O SENHOR MINISTRO ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO (Rela­tor): Reportando-me aos fundamentos do voto-anexo que proferi no Con­flito de Competência nº 2.230-RO, conheço do conflito e declaro compe­tente o Juízo Estadual, isto é, o da 2ª Vara de São Sebastião-SP.

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ANEXO

VOTO "CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 2.230 - RO

(Registro nº 910014255-7)

EMENTA: Competência. Conflito. Ação civil pública. Proteção ao patrimônio público e ao meio ambiente. Explo­ração das jazidas de cassiterita, situadas em Ariquemes-RO.

I - Compete à Justiça Estadual em primeiro grau processar e julgar ação cível pública, visando à proteção ao patrimônio público e ao meio ambiente, mesmo no caso de comprovado interesse da União no seu deslinde. Compatibi­lidade, no caso, do art. 2º da Lei nº 7.347, de 24.7.85, com o art. 109, §§ 2º e 3º, da Constituição.

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II - Extravasa o âmbito do conflito de competência de­cidir sobre a legitimação do Ministério Público para a causa.

III - Conflito de que se conhece, a fim de declarar-se a competência do Juízo Estadual, isto é, da Vara Cível de Ariquemes-RO.

o SENHOR MINISTRO ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO (Rela­tor): Em seu parecer o ilustre Subprocurador-Geral aduziu (fls. 290/304):

''Da competência do Superior Tribunal de Justiça. Não se trata aqui de conflito de competência entre Juiz

Federal e Juiz Estadual, investido de jurisdição federal, que seria dirimido pelo Tribunal Regional Federal, nos termos da Súmula 03 do STJ.

O tema abordado é de maior abrangência: antes é de ve­rificar se compete à Justiça Federal ou à Justiça Estadual, em face do art. 109, § 3Q

, e do art. 2Q, da Lei 4.347/85, decidir a

ação, isto é, dizer se permanece vigorante esse art. 2Q, da Lei 7.347/85, para, em seguida, declarar a que juizo cabe exercer a jurisdição in specie, máxime se o Juiz Estadual detém ou não o exerCício do munus que a multicitada Lei 7.347/85 lhe atribui.

Convém acrescer a esses aspectos aqueles abordados no Conflito de Atribuição nQ 16, cujos autos serão reunidos a estes a fim de se julgarem simultaneus processus - em que se apon­ta usurpação, pelo Chefe do Poder Executivo Estadual, de atri­buição de outro Poder, ato, como sabido, cuja legalidade deve ser posta sob controle do Tribunal de Justiça de Rondônia.

Desse modo, está em conflito a competência do Juiz Fede­ral, do Juiz de Direito, do Tribunal Regional Federal da lê Região e do Tribunal de Justiça daquela unidade federativa.

Por fim, guardião máximo da lei federal, reserva a Consti­tuição ao Superior Tribunal de Justiça o poder de controle da ordem infraconstitucional, daí a imperiosa necessidade de seu pro­nunciamento para, de vez, dirimir controvérsias dessa natureza.

Sob o signo da EC nQ 1/69, grassavam sérias divergências, na doutrina e nos Tribunais, acerca da competência para pro­cessar e julgar as ações civis públicas quando dano ocorria em comarca que não era sede de Vara do Juízo Federal, e figurava como interessada qualquer das pessoas nominadas e em uma das condições arroladas no art. 125, l, isto em face do disposto no artigo 126, da referida Emenda Constitucional, e no art. 2º, da Lei 7.347/85.

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Sejam exemplos: "Examinemos agora o problema do foro competente. Onde

será proposta a ação? A lei diz que será proposta no local do dano; por isto se compreende por certo não só o local do dano ocorrido, como do que deveria ocorrer, pois que temos de con­siderar a hipótese da ação cautelar. Esta competência é fun­cional, e portanto absoluta e inderrogável, não se podendo optar por foro de eleição. Coloquemos o problema seguinte: imaginemos um dano ecológico, provocado por uma usina, circunscrito a um município, ou no máximo a um estado, e agora o mesmo dano, mas que atinja mais de um estado, ou que seja provocado por uma autarquia federal. A ação cabível correrá perante o Juiz de Direito estadual da comarca onde se deu o dano, ou será processada perante a Jus.tiça Federal? O art. 2Q da Lei nQ 7.347, que cuida do foro de competência funcional, não resolve nem pode resolver este problema. Cui­da dito artigo de limite de jurisdição, mas quem o dá ou não à Justiça Federal é a Constituição. O artigo 125, I, da Carta vigente, dispõe, de maneira irretorquível, que, se houver in­teresse da União, entidade autárquica ou empresa pública federal, na qualidade de autoras, rés, assistentes ou oponen­tes, a competência será da Justiça Federal; por sua vez o art. 119, I, alínea d, atribui ao mais alto Pretório processar e jul­gar originariamente as causas e conflitos entre a União e os Estados ou Territórios ou entre uns e outros. Desta forma, se o acidente ecológico ocorrer numa usina nuclear de interesse da União, ou atingir interesses de vários Estados, necessaria­mente será objeto de tutela da Justiça Federal". (Hugo Maz­zi11i - Defesa dos Interesses Difusos em Juízo - Revista do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul - Ed. Especial nQ 19, pág. 42).

"Em razão da fixação legal do foro competente, o fato de a União ou de o Estado serem réus em ação civil pública não lhes trará o benefício concedido pela Constituição Fede­ral, que atribui à Justiça Federal o julgamento das causas em que a União for interessada na condição de autora, ré, assis­tente ou opoente". (in "Ação Civil Pública - Comentários à Lei nQ 7.347, ed. 1987, fls. 70 - Wolgran Junqueira Ferrei­ra). (AI 51132 - 2~ Turma, TFR - RTFR 154", ReI. Min. Otto Rocha).

EMENTA: COMPETÊNCIA DE FORO - AÇÃO CI­VIL PÚBLICA - LIGAÇÃO DE REATOR ATÔMICO - IN­TERESSE DA UNIÃO.

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Comprovado o interesse da União no deslinde da ação cível pública movida para impedir ligação de reator atômi­co em Angra I, fica admitido seu ingresso na lide.

Prevalece, entretanto, a competência da Justiça Esta­dual em primeiro grau, para o processamento do feito, nos termos do artigo 2º, da Lei 7.347/85, com recurso para este E. Tribunal (art. 126, da CF).

Agravo provido em parte". (CC 7.482 - 2ª Seção -Julg. 17.9.87 - DJ de 24.9.87 - ReI. Min. José de Jesus).

EMENTA: CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBU­CA. LEI Nº 7.347/85. COMPETÊNCIA DOS JUÍZES FEDE­RAIS. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ART. 125, INCISO 1.

Compete aos Juízes Federais processar e julgar as cau­sas em que as autarquias federais forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou opoentes (Consti­t~iÇão Fede:al, art. 125, 1): ~s.sim, a ação civil p~b1ica pre- ~ VIsta na LeI nº 7.347/85, dIrIgIda contra autarqUIa federal,"" deve ser ajuizada perante o juizo federal.

Conflito conhecido. Competência do Juiz Federal de Niterói".

No mesmo sentido AI 57-008, reconhecendo a compe­tência da Justiça Federal - 2ª Turma do TFR - Julg. 27.09.88.

Em sentido oposto: AI 51.277-SC - 2ª Turma do TFR - ReI. Min. José Cândido. DJ de 15.10.87.

EMENTA: PROCESSO CIVIL. ART. 87, DO CPC. COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA. PRINCÍPIO DA PERPETUATIO JURISDICTIONIS.

Confirma-se a decisão do Juiz Federal que declinou da competência em favor do juiz do foro local onde ocorreu o dano, tendo em vista o disposto no art. 2º, da Lei nº 7.347/ 85".

Promulgada a Constituição de 1988, não se estancou o dissenso, posto os arts. 125, I, e § 3º, e 126, da EC nº 1/69 correspondem ao art. 109, I, e §§ 3º, e 4º, da atual Carta Magna.

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Transcrevamos os dispositivos que importam ao desfecho da controvérsia:

"Art. 109 - Aos juízes federais compete processar e julgar:

l-As causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de fa­lências, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho".

"§ 32 - Serão processadas e julgadas na justiça esta­dual, no foro do domicílio dos segurados ou beneficiários, as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado, sempre que a comarca não seja sede de vara do juízo federal, e, se verificada essa condição, a lei poderá permitir que outras sejam também processadas e julgadas pela justiça estadual".

"§ 42 - Na hipótese do parágrafo anterior, o recurso cabível será sempre para o Tribunal Regional Federal na área de jurisdição do juiz de primeiro grau".

"Art. 129 - São funções institucionais do Ministério Público:

1 - .............................................................................. ; .. .

II - Promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;

§ 22 - As funções de Ministério Público só podem ser exercidas por integrantes da carreira, que deverão residir na comarca da respectiva lotação". Lei 7.347, de 24 de julho de 1985:

"Art. 22 - As ações previstas nesta lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá compe­tência funcional para processar e julgar a causa".

Da competência da Justiça Estadual:

lmpende verificar, portanto, na hipótese, se o art. 22 , da Lei 7.347/85, foi recepcionado pelo novo Texto Constitucional, e o sendo, combinado com o § 32, do art. 109, da CF, impõe-se aferir se a competência é a da Justiça Federal (inc. l, art. 109)

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ou do Juízo Estadual, tendo em conta que o dano ao patrimônio minerário pertencente à União Federal (art. 20, inc. IX) ocor­reu e está ocorrendo em comarca que não é sede de Vara do Juízo Federal.

Na dicção do § 32 , do art. 109, da Lei maior, sempre que a Comarca não seja sede de Vara de Juízo Federal, a lei poderá permitir que outras causas além das entre segurados ou bene­ficiários e instituições de previdência social, sejam também processadas e julgadas pela justiça estadual, com recurso para o Tribunal Regional Federal.

Q art. 22, da Lei 7.347/85, dispondo que as ações nela previstas serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa, não atrita com o art. 109, § 32, citado. Ao revés. Dá-lhe disciplinamento, observado o princípio da legalidade ("a sub­missão e o respeito à lei, ou atuação dentro da esfera estabele­cida pelo legislador" - José Afonso da Silva - Curso de Direito Constitucional Positivo - 5ª ed., 1989), e sob o aspecto da na­tureza da matéria, não reclama o predito § 32, do art. 109, reserva à lei complementar.

Disso se dessume que não perdeu validade o suso dito artigo 22, da Lei 7.347/85. Por compatibilidade entre ele e o disposto no art. 109, § 32 , da Constituição, recobrou eficácia, e até se renovou, posto mais acesos se tornaram, com o novo Estatuto Básico, os motivos que inspiraram o legislador ordiná­rio a editar essa regra excepcional de competência, expressa­mente autorizado pelo Estatuto Político Fundamental, para tor­nar céleres ("pela facilidade de obtenção da prova testemunhal e realização de perícia que forem necessárias à comprovação do dano" - Hely Lopes Meirelles. Mandado de Segurança. Ação Popular Pública, 12ª ed., pág. 124) - e expeditos os instrumen­tos processuais de tutela do patrimônio público, de valores e interesses difusos e coletivos, ora sob ampla garantia constitu­cional (arts. 129, In, e 225, da CF).

Sob a vigência dos arts. 125, I, e § 32, e 126, da EC 1/69, no AI 51.132-RJ, Relator Eminente Min'. Qtto Rocha, citado, cuja ementa está transcrita, assentou a 2ªTurma do ex-TFR, acompanhando a orientação do Plenário da Corte, no julgamen­to do Ag. Regimental interposto do despacho que suspendeu a Medida Liminar concedida nos autos da ação civil pública, ob­jeto do recurso, caber à Justiça Estadual a competência.

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Do voto do E. Relator, Min. Otto Rocha, transcreve-se: "Envolve o pedido o deslocamento do feito para a Jus­

tiça Federal, como decorrência natural do ingresso da União na lide.

Esse aspecto foi cuidadosamente abordado pelo eminen­te Ministro Carlos Mário Venoso, quando, ao proferir seu voto no julgamento do agravo regimental, assinalou, uerbis:

"A Lei nº 7.347, de 24.7.85, que a instituiu, estabele­ceu, no tocante ao Juízo competente para processá-la e jul­gá-la, no seu artigo 2º:

"Art. 2º. As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa".

E no seu art. 5º, previu a participação, no feito, da União Federal, estabelecendo:

"Art. 5º - A ação principal e a cautelar pode­rão ser propostas pelo Ministério Público, pela União, pelos Estados e Municípios. Poderão, tam­bém, ser propostas por autarquia, empresa pública, fundação, sociedade de economia mista ou por as­sociação que: ... "

Isto quer dizer, ao que penso, que, mesmo residindo nos autos a União Federal, a competência para o processo e julgamento da causa é do Juízo do local onde ocorrer o dano, tal como prescrito no art. 2º.

Com efeito.

A Constituição Federal, art. 126, estabelece que "a lei poderá permitir que a ação fiscal e outras sejam propostas nas comarcas do interior, onde tiver domicílio a outra par­te, perante a Justiça do Estado ou do Território, e com re­curso para o Tribunal Federal de Recursos ... "

Ora, a Lei 7.347, de 1985, ao estabelecer a competência, para o processo e julgamento da causa, do Juízo do local onde ocorrer o dano (art. 2º), mesmo residindo nos autos a União Federal (art. 5º), assim agiu expressamente autorizada pela Constituição, art. 126. E que a Lei 7.347, de 1985, assim agiu, parece-me induvidoso, por isso que, após estabelecer ela a competência do Juízo do local da ocorrência do dano, previu, no seu artigo 5º, a participação, no feito, da União Federal.

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 47-67, novembro 1992.

Destarte, tenho como competente, no caso, para pro­cessar e julgar a presente ação civil pública, o Dr. Juiz da Comarca de Angra dos Reis, Estado do Rio de Janeiro, sen­do competente. de outro lado, para conhecer e julgar os recursos de decisões do citado Juízo, este Tribunal Federal de Recursos, na forma do citado art. 126, da Constituição". E arremata o Min. Relator:

"Na verdade, é fácil depreender que o objeto da norma constitucional e do legislador é de favorecer a parte interessa­da, eis que, visando apurar responsabilidade por eventuais danos causados ao meio ambiente, a defesa torna-se mais viável e real se se tem às mãos os elementos necessários à sua efetivação. O deslocamento do feito para a Capital, entendo, seria inteira­mente contrário ao espírito da lei que, ao fazer a exceção, na forma permitida pela Carta Magna, retirou a ação civil pública da regra geral que estabelece privilégio de foro para a União Federal em primeiro grau". (RTFR 154/24-25).

Consoante já assinalado, o art. 22, da Lei 7.3.47, de 1985, não se incompatibiliza com o art. 109, § 32, da CF, permanecen­do ex integro e aplicável ao caso o decisum retrotranscrito.

Da Exclusiva Legitimação do Ministério Público Federal para a Ação Civil Pública, no caso.

Fixando-se a competência da Justiça Estadual para pro­cessar e julgar ações como a da hipótese ora versada, não im­plica conferir ao Ministério Público Estadual a legitimação ad causam, quando, nessas causas, figurarem as pessoas elenca­das no art. 109, I, da CF, em uma das condições aH apontadas, nem quando estiverem em litígio interesses ou bens integrantes do patrimônio nacional.

Certo, a atribuição do órgão do Ministério Público decorre da natureza da jurisdição, ou seja, o Federal tem atribuição nas hipóteses de competência do Juízo Federal; o Estadual ou do Distrito Federal, nos feitos de jurisdição do Juízo respectivo.

É que as causas e os crimes que àquele compete processar e julgar (art. 109, CF) envolvem ente, bens, interesses ou serviços que ao Ministério Público Federal a lei confere o poder de repre­sentação e tutela (art. 29 do ADCT-CF/88; arts. 33, 34 e 38, da Lei 1.341, de 30.1.51; arts. 32 e 42, do Dec.-Iei 2.386, de 18.12.87).

Nada obstante,. essa coincidência há de ser entendida cum modus in rebus: a incompetência do Juiz Federal não implica,

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por si, falta de atribuição do Ministério Público Federal. A pari ratione, a competência do Juiz Estadual não significa sempre presente atribuição do Ministério Público Estadual. Não é a competência do Juiz que define a atribuição do Ministério PÚ­blico, nos seus diversos ramos e carreiras.

Não há confundir regra de competência judicial com a de representação e de legitimação ad causam para mover ação civil pública em defesa do patrimônio e de outros valores e interesses coletivos, de âmbito nacional, ou pertencentes a en­tidades indicadas no artigo 109, I, da CF.

A atuação do Parquet Federal não se circunscreve tão-só à área única de competência da Justiça Federal. O fato de a ação, excepcionalmente, tramitar pelo Juízo Estadual, investido de jurisdição federal, ou por outro Juízo que não o Federal, não arrebata do Ministério Público Federal a atribuição de promo­ver ou atuar, nem por isso autorizado se acha, automaticamen­te, o Ministério Público Estadual legitimado para o caso de quo agitur.

A atribuição de um e outro decorre da lei, e encontra deli­mitação em razão da pessoa, da matéria ou da natureza dos in­teresses em conflito, e "as funções de Ministério Público só podem ser exercidas por integrantes da carreira" (art. 129, § 22, CF).

A insuflos desse entendimento, o art. 114, da CF, confere à Justiça do Trabalho competência para dirimir os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União. Nas. reclamações trabalhistas propostas, portanto, contra a União, mesmo perante a Justiça Estadual, quando inexistente Junta de Conciliação e Julgamento, é o Ministério Público Fe­deral que comparece perante a Justiça Obreira, ou Estadual investida de jurisdição Trabalhista, em sua defesa.

Ainda: nas causas de acidentes de trabalho, que correm perante a Justiça Estadual Comum, é o Procurador Autárquico que atua em defesa do Instituto Nacional de Seguro Social.

São hipóteses que refogem à competência do art. 109, I, da Carta Magna.

Nessa linha, a atribuição do Ministério Público Federal que, à primeira vista, decorreria da exclusiva competência do juízo federal, vê-se, no exemplo citado, que comporta exceção.

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Com isso dá-se relevo à regra de que, sendo matéria de atribuição do Ministério Público Federal, à Constituição e à lei federal incumbem a sua regulação.

De anotar-se que, contrariamente ao disposto no art. 126, da recém-revogada EC nº 1/69, que autorizava que a lei atribuísse ao Ministério Público Estadual a representação da União - a vigente Constituição não mais permite a delegação de represen­tação judicial da União. No art. 29, § 5º, do ADCT, faculta à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional delegar ao Ministério Público Estadual a representação da União nas causas apenas de natureza fiscal e até que sejam promulgadas as leis comple­mentares relativas ao Ministério Público e Advocacia Geral da União.

Desse modo, salvo essa exceção temporária, não existe mais autorização constitucional ou mesmo legal para 10 Ministério Público Estadual agir como repre~entante judicial da União, e o Federal só deterá esse encargo até a aprovação das leis de que trata o art. 29, do ADCT.

E como, não em razão da pessoa propriamente, mas da matéria, fixar-se-á a atribuição de um ou outro ramo do Minis­tério Público?

Pelo art. 24, da CF, é concorrente entre a União, Estados e Distrito Federal, a competência para legislar sobre florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente, controle de poluição ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico, responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histó­rico, turístico e paisagístico (incs. VI, VII e VIII).

Inarredavelmente, qualquer desses bens, valores, direitos ou interesses a preservar, estarão sempre vinculados a uma ou mais das pessoas jurídicas de direito público interno nos três níveis.

De conseguinte, onde quer que se litigem sobre o patrimô­nio e serviços públicos federais, interesses coletivos ou difusos de abrangência nacional, ou que reclamem intervenção de au­toridade federal, a sua defesa, a legitimação para a causa in­cumbem ao M. P. Federal, privativamente.

Por outro lado, quando o patrimônio e os serviços públicos forem do Estado e seus Municípios ou do D. Federal, ou os

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interesses coletivos ou difusos se exaurirem nas circunscrições do Estado e do DF, sem repercussão direta na órbita federal, ao M. P. Estadual compete exercer o munus de que trata o art. 129, III, da C.F.

Do necessário exame pelo Tribunal da legitimação do Ministério Público (art. 129, III, C. F.).

O art. 3º, do CPC, estabelece que para propor ou contestar ação é necessário ter interesse e legitimidade.

Pelo art. 129, da CF, constituem funções institucionais do Ministério Público, dentre outras, a de promover a ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (inciso IIn.

De conseguinte, sendo a legitimidade das partes uma das condições da ação (art. 267, V( do CPC), há de se aferir, neces­sariamente, a qual dos ramos do Ministério Público compete promovê-la, posto a sua falta ou irregularidade implicam decre­tação de extinção do feito.

No caso, entrelaçam-se competência de vários Juízes e atribuições dos Ministérios Públicos Federais e Estadual. Se se reconhecer a competência da Justiça Federal, automaticamente caberá a legitimidade ao Procurador da República. Mas, se ficar decidido que à Justiça estadual compete processar e julgar as ações, como parece ser esta a interpretação correta, é relevante apontar, por abrangido esse tópico nos conflitos, a qual dos ramos ministeriais incumbe a legitimidade, eis que ambos pos­tulam o mesmo objeto em juízos distintos.

Em conclusão, o parecer é pela competência, no caso, da Justiça Estadual, e, dado que "ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei" (art. 6º, CPC), e não existe lei alguma, qual demonstrado, que atribua ao Ministério Público Estadual legitimidade para plei­tear, em nome próprio, direito da União Federal, é de reconhe­cer a legitimidade do M. P. Federal para agir no exercício da incumbência tutelar do patrimônio desta entidade".

Concordo com o douto parecer em todos os tópicos, isto é, quando sustenta a competência desta Corte para dirimir o conflito, na parte em que sustenta a legitimação do Ministério Público Federal para a causa e quanto à sua conclusão no tocante à competência da Justiça Estadual.

62 R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 47-67, novembro 1992.

Assinalo, todavia, que extravasa o âmbito deste conflito decidir sobre a legitimação do Ministério Público para a causa. Isso é tema que deve ser enfrentado pelo Juiz da ação. Com efeito, segundo se depreende da Constituição (art. 105, I, d), do Código de Processo Civil (art. 115) e do Regimento Interno desta Corte (artigo 193), o conflito de competência, a que compete a esta Corte dirimir, através desta via, é apenas aquele entre órgãos Judiciários.

Com a referida ressalva, conheço do conflito e declaro a competên­cia da Justiça Estadual, isto é, do Juízo de Direito da Vara Cível de Ariquemes-RO."

ESCLARECIMENTOS

o EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS: Sr. Presidente, faço apenas uma indagação. O art. 109 da Constituição diz que compete aos Juízes Federais processar e julgar as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessa­das na ,:ondição de autoras, rés, assistentes ou opoentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho.

O que me preocupa é isso. Gostaria que o Eminente Ministro-Rela­tor esclarecesse.

O EXMO. SR. MINISTRO ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO (Rela­tor): Essa questão foi amplamente discutida nas vezes anteriores. Esse dispositivo tem a derrogá-lo o § 3º do mesmo art. 109, que assim dispõe:

"Serão processadas e julgadas na justiça estadual, no foro do domicílio dos segurados ou beneficiários, as causas em que foram parte instituição de previdência social e segurado, sem­pre que a comarca não seja sede de vara do juízo federal, e, se verificada essa condição, a lei poderá permitir que outras cau­sas sejam também processadas e julgadas pela justiça estadual".

E qual é essa lei federal que permite que nesses casos as ações pos­sam ser ajuizadas em outro foro que não o da Justiça Federal? É a lei que trata da ação civil pública.

O EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS: Verificada a condição de que a comarca não seja sede de Vara de Juízo, acompanho V. Exa.

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 47.67, novembro 1992. 63

EXTRATO DA MINUTA

CC nº 2.473-0 - SP - (91.0021603-8) - Relator: Exmo. Sr. Ministro Pádua Ribeiro. Autor: Ministério Público Federal. Réus: Horafa Shipping Co., Osvaldo Sampaio. Suscte.: Juízo Federal da 22ª Vara em São José dos Campos-SP. Suscdo.: Juízo de Direito da 2ª Vara de São Sebastião-SP.

Decisão: A Seção, por unanimidade, conheceu do conflito e declarou competente o Juízo de Direito da 2ª Vara de São Sebastião-SP, suscitado, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator (em 26.05.92 - 1ª Seção).

Os Srs. Ministros José de Jesus, Garcia Vieira, Hélio Mosimann, Peçanha Martins, Demócrito Reinaldo, Gomes de Barros e César Rocha votaram com o Sr. Ministro Relator.

64

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Milton Pereira. Presidiu o julgamento Sr. Ministro AMÉRICO LUZ .

• CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 2.750-0 -SC

(Registro nº 92.0001568-9)

Relator: O Senhor Ministro Demócrito Reinaldo Autora: Idarlene Rafaela Otacílio Réu: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS Suscitante: Juízo Federal da 8r!: Vara em Criciúma-SC Suscitado: Juízo de Direito da Vara da Fazenda Pública, Aciden­

tes de Trabalho e Registros Públicos de Criciúma-SC Advogado: Sérgio Mendonça Costa

EMENTA: CONSTITUCIONAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. ACIDENTE DO TRABALHO. AÇÃO REVISIONAL DE BENEFÍCIO.

A Justiça Estadual, competente para processar e julgar as causas de acidente do trabalho, também o é para as ações de revisão dos benefícios decorren­tes destas ações.

Precedentes. Conhecido o conflito, para declarar competente

o Juízo Estadual. Decisão unânime.

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 47-67, novembro 1992.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indica­das:

Decide a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por una­nimidade, conhecer do conflito e declarar competente o Juízo da Vara da Fazenda Pública, Acidentes do Trabalho e Registros Públicos, de Cri­ciúma-SC, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator, na forma do re­latório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Votaram com o Sr. Ministro Relator, os Srs. Ministros Gomes de Barros, Pádua Ribeiro, José de Jesus, Garcia Vieira, Hélio Mosimann e Peçanha Martins.

Custas, como de lei.

Brasília, 24 de março de 1992 (data do julgamento). Ministro AMÉRICO LUZ, Presidente. Ministro DEMÓCRITO REI­

NALDO, Relator.

RELATÓRIO

o SENHOR MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO (Relator): Cui­da-se de conflito negativo de competência entre o Juiz de Direito da Vara da Fazenda Pública, Acidentes do Trabalho e Registros Públicos da Co­marca de Criciúma-SC, e o Juiz Federal Substituto da 8ª Vara Federal de Seção Judiciária do Estado de Santa Catarina, deflagrado nos autos da ação ordinária movida contra o INSS, visando obter a revisão de benefício decorrente de acidente do trabalho.

A douta Subprocuradoria-Geral da República manifestou-se pela competência da Justiça Federal, salvo se a Comarca do foro do domicílio do segurado ou beneficiário não for sede de Vara de Juízo Federal.

É o relatório.

VOTO

o SENHOR MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO (Relator): Como é sabido, ao examinar a matéria relacionada com a competência para processar e julgar os litígios decorrentes de acidente do trabalho, a ju­risprudência desta Corte consolidou-se no enunciado da Súmula 15, se­gundo a qual, na hipótese, é competente a Justiça Estadual.

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 47-67, novembro 1992. 65

A questão debatida no presente conflito, entretanto, suscita dúvi­das, em razão de tratar-se de pretensão que visa obter a revisão de be­nefícios decorrentes de acidente do trabalho. A discussão, portanto, gira em torno da natureza da ação.

Embora manifestando discordância, a douta Subprocuradoria-Ge­ral da República reconhece que "esta Egrégia 1 ª Seção tem, em vários casos, entendido não descaracterizada a natureza jurídica da ação aci­dentária mesmo quando persegue o seu autor revisão ou atualização dos benefícios, e - via de conseqüência - aplicável a Súmula 15, do STJ" (fls. 14/16).

De fato, em casos semelhantes, esse tem sido o entendimento da Colenda 1ª Seção, como se vê na ementa do seguinte julgado:

"COMPETÊNCIA. AÇÃO REVISIONAL. CÁLCULO DE APOSENTADORIA DECORRENTE DE ACIDENTE DO TRABALHO.

Impõe-se a aplicação da Súmula STJ 15, cujo enunciado é o seguinte:

"Compete à Justiça Estadual processar e julgar os lití­gios decorrentes de acidente do trabalho." (in DJU 228, de 25.11.91, p. 17.038).

E, mais recentemente, no REsp nº 1.639-RS (9100000488), Relator o eminente Ministro GARCIA VIEIRA, a Egrégia Seção decidiu, à una­nimidade, conforme ementado no seguinte acórdão:

"COMPETÊNCIA. ACIDENTE DO TRABALHO. RE­VISÃO DE BENEFÍCIO.

A competência para apreciar e julgar as ações de aci­dente do trabalho ou de revisão deste benefício é da Justiça Comum Estadual" (DJ 20.05.91, pág. 6.501).

Segundo os vários precedentes jurisprudenciais desta Corte, por­tanto, entendo que o Juízo Estadual, competente para processar e jul­gar a causa de acidente do trabalho, também o é para as ações de revi­são dos benefícios decorrentes destas ações.

Isto posto, conheço do conflito e declaro competente o Juízo de Di~ reito da Vara da Fazenda Pública, Acidente do Trabalho e Registros Públicos da Comarca de Criciúma-SC, ora suscitado, para processar e julgar a ação.

É como voto.

66 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 47-67, novembro 1992.

EXTRATO DA MINUTA

CC nº 2.750-0 - SC - (92.0001568-9) - Relator: Exmo. Sr. Minis­tro Demócrito Reinaldo. Autor: Idarlene Rafaela Otacílio. Adv.: Sérgio Mendonça Costa. Réu: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS. Suscte.: Juízo Federal da 8ª Vara em Criciúma-SC. Suscdo.: Juízo de Direito da Vara da Fazenda Pública, Acidentes de Trabalho e Registros Públicos de Criciúma-SC.

Decisão: A Seção, por unanimidade, conheceu do conflito e decla­rou competente o Juízo de Direito da Vara da Fazenda Pública, Aciden­tes do Trabalho e Registros Públicos de Criciúma-SC, suscitado, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator (em 24.03.92 - 1ª Seção).

Os Srs. Ministros Gomes de Barros, Pádua Ribeiro, José de Jesus, Garcia Vieira, Hélio Mosimann e Peçanha Martins votaram com o Sr. Ministro Relator.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro AMÉRICO LUZ.

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, ~39): 47-67, novembro 1992. 67

EXCEÇÃO DA VERDADE

EXCEÇÃO DA VERDADE Nº 09 - DF (Registro nº 90.0010156-5)

Relator: Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro Revisor: Sr. Ministro Flaquer Scartezzini Excipiente: Irajá Pimentel Excepto: Pedro Aurélio Rosa de Farias Advogados: Drs. Marco Antônio Mundim, Romeu Pires de Campos

Barros, Eurico Vieira de Rezende e José Muniz de Resende, Aluísio Xavier de Albuquerque, Sebastião Os­car de Castro e Humberto Barreto Filho

EMENTA: Penal. Crime de calúnia. Exceção da verdade. Crime de prevaricação. Código Penal, arti­go 138, § 3º, e 319. Aplicação. Crime de injúria. Pres­crição. Caracterização, no caso. Extinção da punibi­lidade. Código Penal, art. 138 c/c artigos 109, VI, e 111, I. Aplicação.

I - O arquivamento do inquérito não tem o con­dão de afastar o cabimento da exceção da verdade, pois não se enquadra nas hipóteses previstas no § 3º do artigo 138 do Código Penal.

II - Ademais, a exceção da verdade não consti­tui ação, mas meio de defesa. lnadmiti-Ia, no caso, . implicaria cercear o direito de defesa do excipiente, com ofensa à garantia constitucional da ampla defe­sa (Constituição, artigo 5º, LV).

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 69-210, novembro 1992. 71

III - Se o excipiente provou a prática pelo ex­cepto do crime de prevaricação, que lhe imputou, a conseqüência é o acolhimento da exceptio veritatis, com a sua absolvição, quanto ao crime de calúnia, por ausência de tipicidade.

IV - Caracterizada a prescrição, decreta-se a ex­tinção da punibilidade do crime de injúria.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as acima indicadas:

Decide a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, na con­formidade dos votos e das notas taquigráficas anexas, preliminarmente, à unanimidade, rejeitar a questão prejudicial suscitada pelo excepto e deliberar julgar a exceção em separado; no mérito, por maioria, julgar provada a exceção e absolver o excipiente quanto ao crime de calúnia e, por unanimidade, declarar extinta a punibilidade no concernente ao crime de injúria, em face da prescrição. Votaram vencidos, no respeitante ao crime de calúnia, os Srs. Ministros Nilson Naves, Dias Trindade, Athos Carneiro, Fontes de Alencar, Sálvio de Figueiredo, Hélio Mosimann, Demócrito Reinaldo, José Dantas e Américo Luz, que rejeitavam a exce­ção da verdade. O Sr. Ministro Antônio Torreão Braz (Presidente) pro­feriu voto-desempate no tocante ao crime de calúnia. Os Srs. Ministros Carlos Thibau, Costa Leite, Eduardo Ribeiro e Vicente Cernicchiaro não participaram do julgamento em face de impedimento. Os Srs. Ministros José Cândido, Costa Lima e Cláudio Santos não participaram do julga­mento (art. 162, § 22, RISTJ). Os Srs. Ministros Dias Trindade e Walde­mar Zveiter não compareceram à sessão por motivo justificado. Os Srs. Ministros Hélio Mosimann e Peçanha Martins não participaram do jul­gamento (art. 162, § 3Q

, RISTJ).

Custas, como de lei. Brasília, 12 de março de 1992 (data do julgamento).

Ministro ANTÔNIO TORREÃO BRAZ, Presidente. Ministro ANTÔ­NIO DE PÁDUA RIBEIRO, Relator.

QUESTÃO DE ORDEM

O EXl\10. SR. MINISTRO ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO: Sr. Presidente, intimadas as partes para dizerem se pretendiam produzir

72 H. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 69-210, novembro 1992.

alguma prova na sessão de julgamento, o excipiente requereu a reinqui­rição do excepto e que sejam ouvidas gravações de diálogos do excepto com Theófilo Soares de Souza Lima Neto, distribuindo-se previamente aos Ministros as traduções datilográficas dos diálogos, que já constam dos autos; e o excepto requereu a oitiva da Sra. Maria Fagundes, a re­petição do seu depoimento pessoal e a reinquirição do Sr. Aldo Fagun­des de Souza.

Trouxe a matéria à deliberação deste órgão julgador, porquanto a instrução do feito perante o Relator está encerrada, tendo as partes ofe­recido as suas alegações finais. Tratando-se, pois, de provas, a serem colhidas nesta Corte Especial, afigura-se-me caber-lhe decidir se defere, ou não, a sua produção.

O meu voto é no sentido de indeferir o requerimento do excipiente no sentido da reinquirição do excepto, porque este já prestou amplas declarações, cuja cópia determinei fosse, juntamente com o relatório; distribuída a todos os Ministros integrantes desta Corte Especial. A propósito, diz o excipiente que o seu intuito é fazer perguntas ao excep­to que não pode formular quand"o este prestou declarações. Acontece que, em audiência, o excipiente teve denegada a possibilidade de formular perguntas ao excepto; inconformado, agravou regimentalmente, mas, posteriormente, desistiu do agravo. Não diviso, ademais, nenhuma ne­cessidade de atender-se a tal pretensão.

Quanto às fitas, acho desnecessário ouvi-las neste Plenário. Nada impede, porém, a distribuição das respectivas traduções datilográficas aos Srs. Ministros que integram esta Corte, juntamente com o relatório.

Indefiro, também, o requerimento do excepto de prestar declara­ções nesta Corte Especial, mesmo porque, conforme assinalei, a cópia das suas declarações, feitas sem quaisquer limitações por parte do Rela­tor, será distribuída, juntamente com o relatório, aos Srs. Ministros.

Indefiro, ainda, o seu pedido no sentido de que se ouça, nesta Cor­te, as testemunhas Aldo Fagundes de Souza e Maria Fagundes de Sou­za, o primeiro porque já prestou depoimento cuja cópia do respectivo termo já mandei fosse distribuída aos Srs. Ministros, juntamente com o relatório; a outra porque, não obstante as diligências feitas, inclusive através da Polícia Federal, não foi encontrada.

Ademais, no requerimento formulado pelo excepto, não há nenhu­ma fundamentação sobre a necessidade de se reinquirir a primeira tes­temunha e de ouvir a segunda. No contexto dos autos, aliás, não há razão para que se atenda ao excepto, que a fls. 297 pediu a substituição das testemunhas Glênio Auto Monteiro Guimarães, Maria Fagundes de Souza e Aldo Fagundes de Souza, por Raimundo de Oliveira Brito e Esdras Dantas de Souza, tendo sido colhido, não obstante, o depoimento de to-

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 69-210, novembro 1992. 73

das essas testemunhas, à exceção de Maria Fagundes de Souza, que não foi encontrada.

A instrução do processo, aliás, foi ampla: foram colhidos os depoi­mentos de oito testemunhas indicadas pelo excipiente e, de oito, indica­das pelo excepto, além de atendidas as diligências solicitadas.

Em razão do exposto, indefiro os requerimentos formulados pelo excipiente e pelo excepto, sem prejuízo de determinar a distribuição aos Srs. Ministros, juntamente com o relatório, das cópias com as declara­ções do excepto, do depoimento de Aldo Fagundes de Souza e das tradu­ções datilográficas dos diálogos do excepto com Theófilo Soares de Souza Lima Neto.

VOTO (QUESTÃO DE ORDEM)

o EXM:O. SR. MINISTRO GERALDO SOBRAL: Senhor Presidente, preliminarmente deveria o Relator, através de despacho, deferir ou indefe­rir o pedido. Se ensejasse agravo, a Corte apreciaria. No que tange ao in­deferimento do pedido, acompanho o Eminente Ministro-Relator.

É o meu voto.

VOTO (QUESTÃO DE ORDEM)

O SR. MINISTRO ASSIS TOLEDO: Sr. Presidente, preliminarmen­te, entendo cabível, no caso, a questão de ordem, porque o nosso Regi­mento, art. 34, incisos IV, V e VI, permite ao Relator submeter à Corte, em questão de ordem, decisões até mais importantes do que esta, que diz respeito apenas à produção de prova em Plenário.

Penso, aliás, ser louvável a iniciativa do ilustre Relator em subme­ter-se à Corte, porque se trata de requerimento especificamente endere­çado à produção de prova em Plenário, durante a sessão de julgamento pelo Tribunal. Portanto, pesa, no caso, a questão de saber se os Minis­tros, que compõem a Corte Especial, têm interesse na produção direta da prova, ou não.

No mérito, acompanho integralmente a conclusão do Ministro-Re­lator, nada tendo a acrescentar à sua fundamentação.

É o voto.

VOTO (QUESTÃO DE ORDEM)

O SR. MINISTRO ATHOS CARNEIRO: Sr. Presidente, com toda vênia diria, em primeiro lugar, que não se cuida bem de uma 'questão

74 R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (3~): 69-210, novembro 1992.

de ordem', porque as questões de ordem normalmente são formuladas de maneira genérica para servir a todos os processos similares; cuida-se aqui, isto sim, de decidir sobre matéria probatória num determinado processo. Parece-me estarmos diante de um julgamento per saltum por este Colegiado. Julgamento lícito, tendo em vista a própria natureza da delegação de poderes do Colegiado ao Relator.

De mérito, acompanho o eminente Relator.

VOTO - VOGAL (QUESTÃO DE ORDEM)

O EXMO. SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR: Senhor Presi­dente, como alegou muito bem o Eminente Ministro Athos Carneiro, não se trata, no caso, de uma questão de ordem, tal como dispõe o art. 34 do Regimento Interno. Ademais, persisto no entendimento de que não cabe à Corte Especial, e sim ao Eminente Ministro-Relator do processo deci­dir matéria instrutória na ação da competência originária do Tribunal.

Ultrapassado esse ponto, acompanho o Eminente Ministro-Relator.

VOTO (QUESTÃO DE ORDEM)

O EXMO. SR. MINISTRO GOMES DE BARROS: Sr. Presidente, preocupou-me de início a circunstância de não ter ocorrido intimação das partes, para este debate. Semelhante intimação, quando se trata de julgamento é essencial, à vista do que dispõe o art. 89, X, da Lei nº 4.215.

Verifico, porém, que não estamos em sessão de julgamento, mas em assentada de avaliação do feito, com objetivo meramente ordinató­rio.

Estou, assim, de acordo com o E. Ministro-Relator.

VOTO (QUESTÃO DE ORDEM)

O SR. MINISTRO PEDRO ACIOLI: Sr. Presidente, acompanho o Eminente Ministro-Relator por entender preliminarmente que é crista­lino o fundamento da questão de ordem do Eminente Ministro-Relator.

Entendo assim, porque concluída a instrução as partes ouvidas apresentaram as suas razões, e estando o feito pronto para julgamento. Qualquer outra diligência haverá de ser perante a Corte, que vai deter­minar se é necessário ou não aquele depoimento. Além do mais, torna­se desnecessário tal depoimento, como também as outras provas, uma vez que já constam nos autos.

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 69·210, novembro 1992. 75

Quanto à testemunha, foi devidamente substituída, sem que a par­te apresentasse qualquer impugnação a respeito disso.

Com essas considerações, em preliminar, entendo que a questão de ordem é devida e, no mérito, acompanho também o Eminente Ministro­Relator, data venia.

É como voto.

VOTO

o EXMO. SR. MINISTRO AMÉRICO LUZ: Sr. Presidente, enten­do que todas as cautelas foram observadas, inclusive com a desistência do agravo regimental pelo excipiente, conforme informou o Eminente Ministro-Relator, cujo voto acompanho.

EXTRATO DA MINUTA

ExVerd nº 09 - DF - (90.10156-5) - Relator: Exmo. Sr. Ministro Pádua Ribeiro. Expte.: Irajá Pimentel. Expto.: Pedro Aurélio Rosa de Farias. Advs.: Marco Antônio Mundim, Romeu Pires de Campos Barros, Eurico Vieira de Rezende, José Muniz de Resende, Aluísio Xavier de Albuquerque e Sebastião Oscar de Castro.

Decisão: A Corte Especial, em questão de ordem formulada nos termos do art. 91, lI, RISTJ, decidiu, por unanimidade, indeferir os re­querimentos formulados pelo excipiente e excepto, sem prejuízo das pro­viàências recomendadas no voto do Sr. Ministro Relator, independente­mente de acórdão (em 03.10.91 - Corte Especial).

Os Srs. Ministros Flaquer Scartezzini, Geraldo Sobral, Nilson Na­ves, Assis Toledo, Athos Carneiro, Fontes de Alencar, Barros Monteiro, Peçanha Martins, Gomes de Barros, José Dantas, Bueno de Souza, Pe­dro Acioli e Américo Luz votaram com o Sr. Ministro Relator.

Impedidos os Srs. Ministros Carlos Thibau, Costa Leite, José de Jesus, Edson Vidigal e Garcia Vieira.

Os Srs. Ministros Antônio Torreão Braz (Presidente), Washington Bolívar, José Cândido, Costa Lima, Eduardo Ribeiro, Dias Trindade, Vicente Cernicchiaro, Waldemar Zveiter, Cláudio Santos e Sálvio de Figueiredo não compareceram à sessão por motivo justificado.

Os Srs. Ministros Peçanha Martins e Gomes de Barros participa­ram do julgamento em face do art. 55, RISTJ.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro WILLIAM PATTERSON.

76 R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 69-210, novembro 1992.

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO: Trata­se de exceção da verdade, oposta pelo Desembargador IRAJÁ PIMEN­TEL, com fundamento no art. 138, § 3º, do Código Penal, contra a impu­tação que se lhe fez de haver caluniado o Juiz de Direito em disponibilidade, Dr. PEDRO AURÉLIO ROSA DE FARIAS, atribuindo­lhe a prática de delito de prevaricação, quando no comando da ação de despejo proposta por CMG - Empreendimentos e Participações Ltda. e CBCC - Empreendimentos Comerciais Ltda. contra F AGGU'S Confec­ções e Modas Ltda.

Sustenta o excipiente que o suposto ofendido prevaricou mesmo ao cometer diversos atos naquele processo, e nos que dele decorreram, con­tra expressas disposições da Lei nº 6.649/79 (Lei do Inquilinato) e do Código de Processo Civil, para satisfação de sentimento pessoal (art. 319 do Código Penal).

Após suscitar, em preliminar, a incompetência desta Corte para julgar a exceção, com a remessa dos autos ao Egrégio Tribunal de Jus­tiça do Distrito Federal, que, a seu ver, seria o competente para apre­ciá-la, aduziu (fls. 6-27):

"II - PROCESSO EM QUE O JUIZ PREVARICOU - PRÁTICA DE ATOS OFICIAIS CONTRA EXPRES­SAS DISPOSIÇÕES DA LEI DO INQUILINATO E DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.

As empresas CMG - Emp. e Parto Ltda. e CBCC - Emp. Com. Ltda. propuseram, em 02.SET.86, ação de despejo por falta de pagamento de alugueres contra a empresa F AGGU'S Confec­ções e Modas Ltda., de que era representante legal o Sr. ALDO FAGUNDES DE SOUZA. O objeto da ação era a loja 2.158 do Conjunto Nacional Brasília. A ação foi distribuída para a 51! Vara Cível da Circunscrição Judiciária de Brasília-DF, de que era titu­lar o Juiz de Direito PEDRO AURÉLIO ROSA DE FARIAS, hoje posto em disponibilidade pelo augusto Plenário Administrativo do Eg. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios.

N a data aprazada para a emenda da mora, a Ré ofertou petição, através de sua advogada, Dra. MARIA DAS GRAÇAS MARTINS LEÃO, legalmente constituída, dizendo-se impossibi­litada de purgar a mora e requerendo a designação de nova data para fazê-lo, para isso contando com a concordância das Autoras (AA).

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 69-210, novembro 1992. 77

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Designada outra data, a R. não emendou a mora, nem contestou o feito.

Conclusos os autos, o susposto ofendido, ora Réu, ordenou:

"Informe a Serventia se as publicações das designações de purga da mora estão corretas. Após, cls. DF, 10.11.86". (fl. 54 - doc. 01).

Seguiu-se certidão de que as publicações foram feitas cor­retamente (fl. 54). Daí a subseqüente sentença de rescisão do contrato locatício e decreto de despejo. Essa sentença é de 25.NOV.86. Seis dias após (01.12.86), a Ré peticiona, por sua Advogada, requerendo a expedição de guia para o depósito dos alugueres devidos (doc. 01 - fl. 58). Nessa petição, o Juiz Pedro Aurélio despachou:

"J. Já houve sentença. Indefiro. DF, 02.12.86".

Três dias após, em 05.12.86, de ofício e sem que os autos sequer lhe estivessem conclusos, o Juiz Pedro Aurélio lançou no processo o seguinte:

''Despacho: Informe a serventia se a Ré foi intimada corretamente no DJ e se foi pessoalmente intimada do mes­mo. Atualize-se a conta. Após, cls. DF, 5/12/86" (doc. 01, fl. 59).

Esse despacho já revela algo de estranho, pois que o Juiz Pedro Aurélio proferiu-o sem ser provocado, isto é, de ofício, após ter emitido sentença final na causa.

Sobre isso, causa espécie tivesse ordenado a atualização da conta dos alugueres devidos, quando não se admitiria mais recolhê-los, consoante ele mesmo proclamara, ao indeferir a petição de fl. 58 (doc. 01). Além disso, não havia porque certi­ficar-se a respeito das publicações e intimações, se isso já fora atendido em cumprimento ao despacho de fl. 54.

Remetidos os autos à Contadoria, para a atualização do débito de aluguéis, a Contadora esclareceu que não tinha meios de saber o valor dos locativos concernentes aos meses de outu­bro e novembro de 1986. Diante disso, sem ouvir qualquer das partes, despachou o Juiz Pedro Aurélio:

"Calcule-se pela média. DF, 11.12.86" (fi. 60 v.)

Nesse mesmo dia (11.12.86), o representante legd da empresa-Ré, Aldo Fagundes de Souza, embora não seja advoga-

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 69-210, novembro 1992.

do, apresentou petição a despacho do Juiz Pedro Aurélio, da qual consta este trecho fundamental:

"(. .. ) vem comunicar a V. Exa. que em virtude dos de­sencontros, perda de prazo para sua defesa e continuados transtornos e configurando má-fé que somente lhe vêm cau­sar prejuízos como poderá V. Exa. apurar, que a partir do presente momento a mesma já não é merecedora de sua confiança, razão pela qual CANCELA a procuração que se encontra nos autos" (sic-fl. 62/3, doc. 01).

Ainda nesse mesmo dia (11.12.86), outra petição é apre­sentada pelo representante da Ré, agora firmada por ele e pelo advogado Dr. Glênio Guimarães (fls. 62/3 - doc. 01). Cuida-se este advogado de pessoa estreitamente ligada ao Juiz Pedro Aurélio, tendo sido por ele nomeado perito-contador em di­versos processos, gozando, pois, de sua confiança e amizade, conforme ninguém ignora no fórum (does. 06 e 11).

Também nessa mesma data (11.12.86), uma terceira peti­ção é apresentada pela Ré (fl. 64 - doc. 01), postulando a emenda da mora, exatamente um mês e dezesseis dias após a segunda data designada para isso e depois de já proferida sen­tença na demanda. Veja-se o despacho que o Juiz Pedro Aurélio emitiu no frontispício dessa petição:

"J. A questão da purga da mora já foi definida. Contudo, como vislumbro questão relevante de direito a ser definida pelo Egrégio TJDF, se for interposta apelação, determino que seja feito o depósito judicial das importâncias relativas aos alugueres em atraso, ad cautelam. Dê-se ciência à OAB/DF dos fatos mencionados na petição retro. DF, 11/12/86".

Importante registrar, neste ponto, que ouvido pela Comis-são de Desembargadores que presidiu o PA nº 2.879/87, instau­rado para apurar faltas e crimes cometidos pelo Juiz Pedro Aurélio Rosa de Farias, o advogado Glênio Guimarães afirmou o seguinte:

"que o Declarante fez um requerimento para purga da mora, sem sequer examinar os autos, baseado nas informa­ções de Aldo; que deu entrada no requerimento, foi feito o depósito e posteriormente o Declarante entrou com um re­curso de apelação". (doc. 06).

Como visto, Aldo Fagundes de Souza era o dono ou repre­sentante legal da Ré. Tem ele uma irmã, de nome Maria Fa-

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gundes de Souza, velha conhecida do Juiz Pedro Aurélio, com quem trabalhou como perita-contadora, por ele nomeada, em diversos processos.

Das provas documentais ofertadas, emerge indiscutível ter sido esse relacionamento entre Maria e o Juiz que provocou a repentina e inusitada mudança de atitude deste na condução da ação de despejo, assim agindo para satisfazer· sentimento pes­soal.

Eis o que declarou Maria Fagundes à Comissão de Desem­bargadores (doc. 07):

"Que tomou conhecimento da ação de despejo proposta contra o Aldo para tirá-lo de uma loja do Conjunto Nacio­nal Brasília, por falta de pagamento de aluguéis; que tendo em vista a situação de desespero revelada pelo Aldo, a De­clarante veio ao fórum e compulsou os autos da ação de despejo, notando que a advogada dele, Dra. Graça, teria perdido prazos, provocando o despejo do Aldo; que a Decla­rante já trabalhou em vários processos da terceira, quarta e quinta varas cíveis, de que são titulares, respectivamen­te, Drs. Queiroga, José Ribeiro Leitão e Pedro Aurélio; que já trabalhou em duas falências na vara do Dr. Pedro Auré­lio, uma da Construtora Embramar S/A e outra da Madei­reira São Jorge; que a Declarante conhece bastante de pro­cessos judiciais, só lhe faltando na verdade o diploma de bacharela em direito, talo número de processos em que já atuou como perita-contadora; que tendo verificado a perda de prazos pela Advogada do Aldo, aconselhou-o a destitui­la e contratar um outro profissional; que então a Declaran­te lhe fez a indicação do Dr. Glênio Auto Monteiro Guima­rães, que na época era colega da Declarante na diretoria da Ordem dos Contadores do Brasil, secção do Distrito Fede­ral; que a Declarante não sabe se na época o Aldo dispunha de dinheiro suficiente para purgar a mora, pois esse assun­to ele tratou diretamente com o Dr. Glênio; que a Decla­rante, por época desse fato, não falou a respeito com o Dr. Pedro Aurélio, até porque se sente tímida diante dele e acha que ele tem um ar assim de pedante" C .. ) "Que este (ALDO) se engrandeceu com o fato de ter uma loja na praça da moda, no Conjunto Nacional, por isso não planejou bem seus ne­gócios, envaideceu-se e daí o desequilíbrio financeiro que o liquidou completamente, a ponto de hoje estar entregue ao

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uso imoderado de álcool; que na época da referida ação de despejo, a empresa do Aldo lá se encontrava arrui­nada financeiramente;" (doc. n!! 07). Tem-se aí a prova de que MARIA FAGUNDES DE SOUZA

esteve no fórum e compulsou os autos da ação de despejo no cartório da 5ª Vara, descobriu que a advogada perdera prazos (o que absolutamente não é verdadeiro) e aconselhou o irmão a peticionar ao Juiz Pedro Aurélio.

Antes, Maria esteve no gabinete do Juiz, com quem falou, conforme declaração da advogada Dra. Maria das Graças Mar­tins Leão, à Comissão de Desembargadores (doc. 08), in verbis:

"que para a referida ação de despejo, Processo nº 19.448/86, da 5ª Vara Cível da Circunscrição Judiciária de Brasília (DF), a Declarante não obteve de Aldo o pagamen­to de quaisquer honorários, nem qualquer centavo para resgatar os alugueres cobrados na ação, com os quais se purgaria a mora; que, na primeira data designada para purgação da mora, Aldo não dispunha de dinheiro, mas a Declarante conseguiu, por suas próprias gestões, que fosse adiada aquela data e designada uma outra; que a Decla­rante tentou adiar a segunda data, mas não conseguiu, ape­sar de haver telefonado para o Advogado das Autoras e até falado pessoalmente com o Sr. Pires, administrador do Con­junto Nacional Brasília; que, em primeiro de dezembro de 1986, a Declarante formulou petição ao Dr. Juiz da 5ª Vara Cível, alegando que a Empresa defendida pela Declarante não fora pessoalmente intimada para a purga da mora, ten­do sido apenas a Advogada; que, nessa petição, de fl. 58 dos autos, o Dr. Pedro Aurélio proferiu a seguinte decisão: "J. Já tem sentença. Indefiro. Pedro Aurélio Rosa de Farias"; que, quatro dias depois, o Dr .. Pedro Aurélio proferiu o des­pacho de fl. 59, de ofício, do seguinte teor: "'Despacho: Informe a Secretaria se a ré foi intimada corretamente no DJ e se foi pessoalmente intimada do mesmo. Atualize-se a conta. Após, cls. (a) Pedro Aurélio Rosa de Farias"; que esse despacho foi proferido no dia em que a Declarante se en­controu com a irmã de Aldo Fagundes de Souza, chamada Maria Fagundes, no cartório da 5ª Vara Cível; que antes viu quando Maria Fagundes saía do gabinete do Dr. Pedro Aurélio e entrava no cartório; que ao encontrar­se com Maria no cartório e perguntar-lhe se ela era Maria

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Fagundes, obteve a indagação do que a Declarante queria, pois o processo já estava resolvido, ou melhor, "eu já resolvi o processo"; que antes desse encontro, a Declarante e Aldo Fagundes falaram pelo telefone, tendo Aldo dito à Decla­rante que viesse ao cartório para encontrar com a irmã dele, pois ela iria resolver a questão do processo de despejo; que Aldo descreveu para a Declarante como era sua irmã, di­zendo tratar-se de uma pessoa alta, forte e aloirada; que a Declarante veio para o cartório da 5ª Vara Cível e estando nas proximidades viu quando uma mulher com aquela descrição saía do gabinete do Dr. Pedro Aurélio e en­trava no cartório; que foi aí que a Declarante se dirigiu à mulher, perguntando se era Maria Fagundes; que então esta respondeu: "o que é que a senhora está querendo com o processo, o processo já está todo resolvido, eu resolvi"; que então a Declarante tomou conhecimento de que o processo já se encontrava no contador; que foi Aldo quem contou para a Declarante que a irmã dele, Maria Fagundes, era muito amiga do Dr. Pedro Aurélio e que já estivera com ele dois dias antes de ordenar o cálculo dos alugueres, voltando a estar naquele dia em que a Declarante se encon­trou com ela no cartório; que não sabe com certeza se o intervalo dos dois encontros de Maria Fagundes com o Juiz Pedro Aurélio teria sido de dois dias ou um pouco mais; que depois do despacho de fl. 59 dos autos, autorizando a atua­lização da conta, a Declarante procurou o processo no con­tador e lá tomou conhecimento da promoção de fl. 60, feita pela Contadora; que então o Dr. Pedro Aurélio mandou que "calcule-se pela média", conforme se vê à fl. 60 v., dos au­tos; que Maria Fagundes trabalhava com o Dr. Glênio Guimarães, numa empresa de contabilidade, auditorias, perí­cias; que foi o Dr. Glênio Guimarães quem substituiu a De­clarante no aludido processo de despejo contra a empresa de Aldo Fagundes de Souza; que a Declarante estranhou muitíssimo a petição de fi. 61 dos autos, em nome de Aldo Fagundes de Souza e firmada pelo próprio, em nome de sua empresa, embora não se trate de advogado; que quando a Declarante tomou ciência da petição de fl. 61, elaborada em dezembro de 1986, ela chamou Aldo em seu escritório para saber o motivo por que fizera aquela petição e ele disse que apenas assinara, pois fora trazida pela irmã dele, Maria Fagundes, e ele nada entendia daquilo (. .. )".

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Cotejando-se essas declarações, apura-se, facilmente, que Maria Fagundes de Souza esteve com o Juiz Pedro Aurélio, no gabinete deste, em 05.12.86, quando, de ofício, e sem conclusão dos autos, ele lançou o seguinte: "Despacho: Informe a Serven­tia se a Ré foi intimada corretamente no DJ e se foi pessoal­mente intimada do mesmo. Atualize-se a conta. Após, eIs.".

Indispensável anotar que esse despacho foi lançado três dias depois do anterior, na petição de fi. 58 (doc. 01), em que se requereu a expedição de guia para depósito de alugueres devidos, em que o Juiz despachou: "J. Já houve sentença. Inde­firo. DF, 02.12.86".

Por que motivo três dias após muda radicalmente de ati­tude e já manda atualizar a conta de alugueres para permitir o depósito? Dúvida não pode existir sobre a interferência de Maria Fagundes, amiga do Juiz, pessoa de sua confiança, por ele nomeada perita-contadora em diversas ações.

Anote-se que, quando ouvido pela Comissão de Desembar­gadores, o representante da Ré, Aldo Fagundes de Souza, asse­verou que sua irmã lhe dissera para tirar a Dra. Maria das Graças da causa, que ela Maria Fagundes iria dar um jeit.::> para ele, como de fato deu (doc. 09).

Conseguiu alterar a posição do Juiz Pedro Aurélio, que an­tes indeferira o requerimento tardio de depósito dos alugueres, sob o fundamento legítimo de que já havia sentença decretando o despejo. Em seguida, no entanto, após a interferência de Maria Fagundes, o Juiz, de ofício, sem qualquer requerimento, e até sem conclusão dos autos, mandou atualizar a conta, para permitir o depósito dos aluguéis. Assim agindo, contra expressa disposição do artigo 463, do CPC, fê-lo o Juiz Pedro Aurélio para satisfazer sentimento pessoal (artigo .319, do Código Penal).

O cometimento do delito de prevaricação pelo Juiz haveria de alcançar contornos ainda mais nítidos pelos atos subseqüen­tes, como se mostrará.

É inexplicável que o Juiz tenha ordenado que se desse ciência à OAB/DF dos fatos descritos na petição de fi. 61 (doc. 01), firmada por quem não é advogado, ensejando que se ins­taurasse procedimento disciplinar contra a advogada Maria das Graças Martins Leão, sem antes ouvir a profissional, como seria indisp~nsávelnas circunstâncias. Muito estranho, ademais, que Aldo Fagundes de Souza, em declaração à OAB/DF (doc. nº

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10), tenha assegurado que referida petição lhe foi apresentada já datilografada e que apenas a assinou, numa prova de que tudo foi urdido por sua irmã Maria, amiga do Juiz Pedro Au­rélio, depois de estar em seu gabinete e de obter o mencionado despacho de ofício, pelo qual mandou calcular os alugueres devidos, para permitir seu retardado recolhimento, mesmo de­pois de proferida a sentença final na causa, já terminada sua jurisdição (art. 463, do CPC).

Mais estranho, ainda, que o Juiz sugerisse à Ré que ape­lasse da sentença, o que aconteceu, evidentemente, e que ele, contra expressa disposição do artigo 42 da Lei do Inquilinato (Lei n!! 6.649/79), haja recebido a apelação em duplo efeito, impossibilitando que as Autoras executassem provisoriamente o julgado (fls. 64 - doc. 01).

Absurdo o pretexto-para o recebimento do recurso em duplo efeito: "Em face da excepcionalidade do caso, ad cautelam" (fl. 64 - doc. 01).

Nada havia de excepcional, senão a interferência de Maria Fagundes junto ao Juiz. Tratava-se de ação de despejo por falta de pagamento de aluguéis, sem contestação e sem purga da mora. Caso comum de decreto do despejo, tal como adotado na sentença final. Mesmo que tivessem ocorrido problemas entre a Ré e sua Advogada, não podia o Juiz torpedear o livre curso da ação das Autoras sob aquele pretexto ilegítimo. A Ré que acionasse sua Advogada. Mas esse desentendimento não existiu (doc. 10).

Desse despacho de recebimento da apelação em duplo efei­to, as Autoras interpuseram agravo de instrumento, que foi provido, para o fim de se imprimir ao recurso tão-só o efeito devolutivo, possibilitando-se a execução provisória da sentença (doc. 02). É interessante dar a saber o despacho do Juiz, que manteve a decisão agravada:

"Mantenho o despacho agravado. O locatário deu mos­tras ao curso da ação principal de que dispunha de nume­rário suficiente para purgar a mora, que somente não foi requerida por desídia de seu advogado, conforme suas pró­prias palavras.

Sua afirmação foi forte suficiente para este juízo te­mer estar frente a procedimento no mínimo duvidoso prati­cado pelo mencionado patrono, a ponto de extrair e remeter peças à Seccional da OAB.

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Estas as razões por que este Juízo, a latere de disposi­tivo processual expresso, admitiu ad cautelam o duplo efei­to ao recurso interposto.

Se realmente houve desídia com participação ativa do locador, a ninguém é facultado beneficiar-se com a própria torpeza.

O depósito efetivado às fls. é suficiente para o paga­mento dos alugueres atrasados, o que por si só torna íntegro o contrato de locação do imóvel, localizado em privilegiado setor de compras da Cidade. .

Subam". (doc. 02, fl. 24). Da análise desse despacho emerge inegável a prática do

crime de prevaricação. Veja-se que o Juiz assegura que "o locatário deu mostras,

ao curso da ação principal, de que dispunha de numerário su­ficiente para purgar a mora, que somente não foi requerida por desídia de seu advogado, conforme suas próprias palavras", O trecho contém várias inverdades. Ao contrário do que afirma o Juiz, a Advogada da Ré postulou a emenda da mora em três ocasiões, tal se lê nas petições de fls. 45, 50 e 58 (doc. 01), embora as duas últimas já fora do prazo legal.

A inverdade maior, porém, foi de dizer o Juiz que a Ré dispunha de numerário suficiente para purgar a mora. De onde ele extraiu isso? Os autos não têm prova da afirmativa. Ao contrário, o Dr. Glênio Guimarães, que substituiu a primeira Advogada da Ré, em seu depoimento perante a Comissão de Desembargadores, contou:

"( ... ) que o Declarante acredita, mas não tem certeza, que o Aldo não teria entregue à Dra. Maria das Graças o dinheiro para purgação da mora; que a empresa do Aldo era bem estabelecida, mas ele é uma pessoa dispersiva e chegou mesmo a envolver-se em questões familiares, unido­se a outra pessoa" (doc. 06). Bem mais expressivas são as declarações de Maria Fagun­

des de. Souza, Irmã de Aldo, à comissão de Desembargadores: "que este (Aldo) se engrandeceu com o fato de ter uma

loja na praça da moda, no Conjunto Nacional, por isso não planejou bem seus negócios, envaideceu-se e daí o desequilí­brio financeiro que o liquidou completamente, a ponto de hoje estar entregue ao uso imoderado de álcool; que na época da

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referida ação de despejo, a empresa do Aldo já se encontrava arruinada financeiramente" (doc. 07) - grifou-se.

Na declaração que forneceu à OAB-DF, Aldo Fagundes confirma as declarações anteriores, ao mencionar:

"que o compromisso para a purgação da mora determi­nada nos autos de ação de despejo Processo nº 19.448/86, fora descumprido por absoluta falta de condição financeira por parte do Declarante" (doc. 10).

Eis aí as provas insofismáveis da falsidade da afirmativa do Juiz Pedro Aurélio de que "O locatário deu mostras, ao curso da ação principal, de que dispunha de numerário suficiente para purgar a mora (. . .)" - AGI n!! 1.855, doc. nº 02, fl. 24.

Por que assim faltou tão escancaradamente com a verda­de, senão para favorecer os interesses de Aldo, irmão de sua amiga Maria Fagundes de Souza? Logo, atuou de molde a sa­tisfazer sentimento pessoal.

Exalte-se, ainda, que o recebimento do recurso em duplo efeito não decorreu de engano, mas de atitude deliberada e confessada, tanto que o Juiz consignou em seu despacho:

"Estas as razões porque este juízo, a latere de disposi­tivo processual expresso, admitiu ad cautelam o duplo efei­to ao recurso interposto" (doc. 02 - fl. 24).

Onde está na lei que o Juiz pode modificar o efeito de um recurso? Principalmente se a mudança veda a execução provi­sória. da sentença?

Não bastasse tantos desvarios, ainda se houve o Juiz por consignar que a desídia da Advogada da Ré teve a participação ativa do locador. Ora, as duas Locadoras eram pessoas jurídi­cas. Ademais, não se colhe nos autos um só elemento de prova da afirmativa do Juiz. As Locadoras restringiram-se a requerer a demanda e a concordar com o adiamento de data para purga da mora, a requerimento da Ré. Nada além disso.

Também não há no processo uma só prova de que a Dra. Advogada da Ré agiu de modo desidioso. Só a petição de Aldo, cujo teor ele disse não ser de sua autoria, elaborada depois do encontro de sua irmã com o Juiz Pedro Aurélio (doc. 10).

Conclui-se, portanto, que o Juiz construiu um itinerário só seu, fruto de sua imaginação, na tentativa de ilaquear a boa-fé dos ilustres Desembargadores que reexaminaram sua decisão,

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procurando convencê-los do acerto de sua solução, francamente aberrante da lei vigente.

Note-se, ademais, que a sentença concessiva do despejo é de 25.NOV.86. Com as filigranas empreendidas pelo Juiz Pedro Aurélio, somente em 13.MAI.87, quase seis meses depois, as Autoras puderam requerer a carta de sentença para execução provisória do julgado (doc. 01, fl. 99).

As arbitrariedades do Juiz Pedro Aurélio não se restringi­ram, porém, só a isso. Extraída a carta de sentença e promovi­da a execução, as Autoras prestaram a caução ordenada e in­timou-se a Ré para desocupar a loja. Esta, então, opôs embargos de retenção por benfeitorias, que foram recebidos liminarmente pelo Juiz, através deste despacho:

"Cumpra-se o despacho de fi. 2, intimando-se os embar­gados para a impugnação. Com o objetivo de efetivar-se a realização da necessária perícia, recolha-se o mandado de intimação expedido nos autos principais". (doc. nº 03, n. 95).

O Juiz Pedro Aurélio levou mais de vinte dias só para emitir esse despacho, o qual terminou por ser proferido no período de férias, mas com a çlata atrasada, como se mostrará.

Na inicial dos embargos de retenção, a Ré tão-só protestou " ... pela produção de prova pericial, se necessário for ... ". Entre­tanto, antes mesmo de ouvir a parte contrária, já o Juiz orde­nou "a realização da necessária perícia". Tal era a confiança no generoso comando judicial que a Ré punha em suas mãos a definição até da necessidade da prova. Será mostrado, todavia, que nem a perícia era necessária, como era até ilegítima na situação da causa.

Sob o pretexto de efetivar-se o exame técnico, o Juiz invia­bilizou a execução provisória da sentença de despejo por falta de pagamento de aluguéis, pois, para a consecução da perícia, deter­minou o "recolhimento do mandado de intimação expedido nos autos principais", o qual tinha em vista a desocupação do imóvel.

Tal despacho, segundo declarações dos Advogados das Autoras à Comissão de Desembargadores (does. niJ.li. 11 e 12), fora proferido no mês de julho, quando o Dr. Pedro Aurélio já se encontrava de férias. Mas foi antedatado para 25-JUN-87, consoante se lê à fi. 95 (doc. 03) dos autos dos embargos de retenção. Impossível, todavia, que o despacho fosse exarado em 25-JUN, se a conclusão dos autos está datada de 30-JUN.

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o Dr. Waldir Leôncio Júnior, que substituiu o Dr. Pedro Aurélio em suas férias, ouvido pela Comissão de Desembargado­res, confirmou que este Juiz despachou processos já no período de férias (doc. 13). Conferiu, assim, inteira credibilidade às declara­ções dos Advogados das Autoras.

Registre-se que essa atitude do Juiz Pedro Aurélio, sus­pendendo a execução do despejo, sob o pretexto de realização de perícia - absolutamente incomportável nas circunstâncias -, fora assumida depois de julgado o Agravo de Instrumento n!! 1.855 (doc. 02), em que se reformara o recebimento da apelação em duplo efeito e se ordenara a extração de cópias de peças dos autos para remessa à douta Corregedoria de Justiça para ins­tauração de investigações contra o Juiz, com vistas a apurar-se o cometimento do crime da prevaricação.

Anote-se que nem mesmo o fato de ter o ora Autor atribuído ao Juiz a prática desse crime não o afastou de sua conduta par­cial em favor da Ré na ação de despejo por falta de pagamento de alugueres.

Durante o mês de julho de 1987, os autos foram conclusos ao Dr. Waldir Leôncio Júnior, substituto do pr. Pedro Aurélio, que revogou o mencionado despacho deste -.:. que suspendeu a execução do despejo -, assim justificando seu decisório:

"Revogo o r. despacho de fl. 95, data venia de seu pro­lator, uma vez que os presentes embargos não têm, por ora, como serem recebidos, uma vez que não houve a entrega da coisa (artigo 737, n, do CPC).

Outrossim, na carta de sentença o exeqüente prestou caução idônea e inclusive atendeu a determinação judicial de registrá-la na Serventia, cumprindo, pois, a exigência do artigo 744, § 32, do CPC. Intime-se, pois, para a desocupa­ção do imóvel" (doc. 03, fl. 146).

Mesmo depois de julgado o Agravo de Instrumento n. 1.855, onde se verberou a conduta anômala, arbitrária e criminosa do Juiz Pedro Aurélio, ele não emendou seu comportamento na causa, teimando em favorecer a Ré, de modo acintoso, seja fa­zendo exigências extravagantes quanto ao caucionamento de bens, seja principalmente impedindo a execução do despejo. A execução só se tornou viável pela ação moralizadora do Juiz Substituto, Dr. Waldir Leôncio Júnior.

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Se a Ré não contestou a ação de retomada, nem alegou a existência de melhoramentos no prédio, não lhe poderia ser reconhecido o direito de retenção da loja por benfeitorias, como de fato não se reconheceu na ação de reconhecimento. Até por­que a Ré não alegou a existência de tais melhoramentos. Daí a grosseira ilegalidade em determinar-se a suspensão do despejo, para realização de perícia em benfeitorias sequer alegadas. Sem se falar em que os embargos não poderiam ser recebidos, pois não se deu a entrega da coisa pela Ré, além de terem as Auto­ras prestado caução legal, o que tornará válida a execução, mesmo se alegada a existência de melhoramentos no imóvel.

Mais esta vez, portanto, o Juiz Pedro Aurélio praticou ato de recebimento dos embargos e de suspensão da execução con­tra expressas disposições legais (artigos 737, n, e 744, § 3!!, do Cód. Proc. Civil), para satisfazer sentimento pessoal.

N as informações prestadas para julgamento do Mandado de Segurança n!! 1.515 (doc. 14, anexo), o Juiz Waldir Leôncio põe à mostra o desvio enorme do Juiz Pedro Aurélio em receben­do os aludidos embargos de retenção.

A ação de despejo por falta de pagamento de aluguéis, não contestada, nem purgada a mora, teve início em 02-SET-86 e só chegou a seu termo em 30-SET-87, mais de um ano após. Assim mesmo porque o Juiz Waldir Leôncio revogou o despacho do Juiz Pedro Aurélio, que admitiu referidos embargos, suspendeu a execução e ordenou de ofício a realização de trabalhosa perí­cia. Com isso, obviamente, o despejo ainda levaria muito tempo para ser ultimado.

Induvidoso, portanto, que o Juiz Pedro Aurélio cometeu o crime de prevaricação (artigo 319 do Cód. Pena]), pois não haven­do motivo legal que justificasse a prática de tantos atos contra expressas disposições legais, evidente que o fez para satisfazer sentimento pessoal de amizade para com Maria Fagundes de Souza, irmã de Aldo, representante legal da empresa-Ré.

IH - O CRIME DE PREVARICAÇÃO DO JUIZ -JULGAMENTO PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA - DIS­PONIBILIDADE FUNCIONAL COM BASE EM PRÁTICAS CRIMINOSAS. O egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Terri­

tórios, por seu augusto Plenário Administrativo, examinou a prática do aludido crime de prevaricação atribuído pelo ora Autor ao Juiz Pedro Aurélio.

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A conclusão, inevitável, foi a de que o Magistrado preva­ricou mesmo. É o que se encontra, por exemplo, no voto do eminente Relator, Desembargador Carneiro de Ulhoa, depois de estudar minuciosamente o tema (doc. 15, págs. 144 e segs., itens 6.4 e seguintes).

Depois do exame, eis o que concluiu o Desembargador Carneiro de Ulhoa:

"6.63 - O que não se pode afastar é que, na ação de despejo, que gerou toda a controvérsia sobre a conduta fun­cional do Juiz, restou demonstrada a prática da prevarica­ção C.')" - doc. 15, pág. 16l.

O então Desembargador Luiz Vicente Cernicchiaro, hoje eminente Ministro do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, tam­bém proclamou a ilegalidade da conduta do Juiz Pedro Aurélio naquela demanda, pondo em evidência a juridicidade da conduta do ora Autor no julgamento do Agravo de Instrumento 1.855 (doc. 02). Eis o que afirma (doc. 15, página 330, nº 05):

"N o tocante à ação de despejo proposta por CMG-Emp. Parto Ltda. e outra contra Faggu's - Confecções e Modas Ltda., é evidente a ilegalidade do despacho, como foi re­conhecido em agravo de instrumento (grifou-se).

A lei é expressa. Em caso de despejo por falta de paga­mento, o recurso tem efeito meramente devolutivo. Nunca suspensivo" (doc. 15, pág. 330, nº 05).

O eminente Desembargador Guimarães de Souza também cuidou de considerar o tema da prevaricação do Juiz Pedro Aurélio na referida ação de retomada, assim se pronunciando:

"O processo de despejo da CMG - Empreendimentos e Participações Ltda. contra a FAGGU'S após a lavratura da sentença, o Juiz admite o pagamento da mora. Havendo re­curso, o Juiz recebe nos dois efeitos, sendo a causa de pedir falta de pagamento, impedindo assim a execução da sentença.

Após o julgamento do agravo, retarda a execução da sentença, ou procura retardar. Descobre-se que o represen­tante da empresa locatária tem uma parenta que, costumei­ramente, é nomeada perita do juízo. A advogada Maria das Graças disse que a perita assegurou ter condições de resol­ver a questão da FAGGU'S por ser amiga do Juiz. Encon­trando-se a perita defronte à 5ª Vara Cível, esta lhe asse-

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gura que o problema já se achava resolvido. Suspeita-se inclusive que o Juiz tenha se manifestado nos autos dessa execução, já estando em férias." (doc. 15, págs. 32617).

O eminente Desembargador Manoel Coelho, de forma lapi­dar, como é de seu feitio, sintetiza com adequação os fatos ju­diciais daquela famigerada ação de despejo, in verbis:

"V - Na AÇÃO DE DESPEJO ajuizada por CMG -Empreendimentos e Participações Ltda. contra F AGGU'S -Confecções e Modas Ltda.:

a) - a Ré pleiteou emenda da mora, mas não efetivou o pagamento;

b) - o representante da Ré, Aldo Fagundes de Souza, e sua irmã, confessaram que, na data da purga da mora, a empresa já se achava arruinada financeiramente;

c) - o Juiz proferiu sentença final, encerrando seu ofício na causa, decretando a rescisão contratual e o despe­jo da Ré;

d) - depois da sentença, Maria Fagundes de Souza, irmã do representante da Ré, esteve no gabinete do Juiz e no respectivo cartório para tratar da causa, chegando a compulsar os autos;

e) - Maria Fagundes já atuara antes, por diversas vezes, como perita-contadora na vara do Juiz Pedro Auré­lio, por indicação do advogado Manoel Pedro Alves, inclusi­ve na falência da Construtora Embramar S/A, onde, só de antecipação de honorários, obteve 480,41 OTN s, totalizan­do hoje cerca de dois milhões e trezentos mil cruzados, só para emitir rápidos pareceres nas habilitações de crédito, em número pequeno;

O - Maria Fagundes, depois de estar com o Juiz orien­tou seu irmão a desconstituir sua advogada, Dra. Maria das Graças Martins, e a valer-se de um sócio dela, Dr. Glênio Guimarães, que também servira como perito na vara do Juiz;

g) - mesmo sem examinar os autos, como ele confessa, o Dr. Glênio elaborou petição em favor da Ré, postulando o depó­sito dos alugueres devidos, sendo deferido pelo Juiz, que se va-leu do ensejo para sugerir que a Ré apelasse de sua sen­tença;

h) - na mesma ocasião e sem ouvir a advogada Maria das Graças, o Juiz, "para justificar suas infundadas

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suspeitas", como afirmou o Des. Carneiro de Ulhõa, man­dou remeter cópia da petição e de outros elementos à OAB­DF, para instauração de processo disciplinar contra ela;

i) - interposta a apelação, foi ela recebida em duplo efeito, contra expressa disposição da Lei do Inquilinato, que, na hipótese de ação de despejo por falta de pagamento de alugueres, determina o recebimento do recurso só no efeito devolutivo;

j) - tendo-se agravado desta decisão, a 1ª Turma Cí­vel deu provimento ao Agravo de Instrumento nº 1.855, onde o Des. Irajá Pimentel afirmou que o comportamento do Juiz configurava prevaricação, remetendo-se peças dos autos à Corregedoria de Justiça para investigações;

1) - mesmo depois de lhe ser atribuído o cometimento de prevaricação, o Juiz inviabilizou a execução provisória da sentença de despejo, em d-esabusado descumprimento do acórdão do Tribunal, ao proferir despacho de recebimento de embargos de retenção por benfeitorias, embora não ale­gadas no curso da demanda;

m) - o Juiz conferiu efeito suspensivo a esses embar~ gos, até que se realizasse prova pericial determinada de ofício, malgrado a Autora tivesse prestado caução real para a execução imediata da sentença;

n) - nas férias do Juiz, seu substituto, Dr. Waldir Leônico Júnior, reconsiderou a ilegítima decisão, porque proferida também contra norma expressa do Código de Pro­cesso Civil, e só assim foi possível ultimar-se o despejo da Ré, quase um ano depois de intentada a ação;

o) - o Juiz, na tentativa de explicar sua conduta gra­vemente anômala em admitir o depósito retardado dos alu­gueres e receber o recurso em duplo efeito, falseou que "o locatário deu mostras ... de que dispunha de numerá­rio suficiente", mas isso foi negado pelo próprio represen­tante da Ré.

O eminente Des. Carneiro de Ulhõa, ao concluir seu voto, diz este caso:

"O que não se pode afastar é que na ação de despejo, que gerou toda a controvérsia sobre a con­duta funcional do Juiz, restou demonstrada a prá­tica de prevaricação". (Doc. 15, págs. 352/3, nº V).

H. sup_ Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 69-210, novembro 1992.

IV - REQUERIMENTOS:

Pelo visto, são exuberantes, indiscutivelmente, as pro­vas da reiterada e contumaz conduta criminosa do Juiz PE­DRO AURÉUO ROSA DE FARIAS nesta ação de despejo, a partir do momento em que sua amiga e perita de confian­ça, Maria Fagundes de Souza - irmã de Aldo, represen­tante legal e dono da empresa inquilina -, vai ao gabinete dele Magistrado e de lá sai com a orientação segura para a alteração dos rumos da demanda. Demanda bem simples, aliás, corriqueira mesmo, de trato diário no foro, pois se tratava de sabida e ressabida ação de despejo por falta de pagamento de aluguéis.

Aquele Juiz - habitual delinqüente no exercício da função judicante, tal emerge dos votos proferidos na decla­ração de sua disponibilidade (doc. 15, anexo) -, para satisfação de seu sentimento pessoal, proferiu diversas decisões na causa, todas contra expressas disposições da Lei do Inquilinato e também do Código de Pro­cesso Civil

Resta, pois, ao ora Autor, com a devida permissão, requerer seja admitida esta excepto veritatis e ordenada a remessa dos autos ao Eg. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, para sua instrução e julgamento, quando espera-se seja declarada procedente.

Requer, por derradeiro, sejam colhidas as declarações do suposto ofendido, Juiz PEDRO AURÉLIO ROSA DE FARIAS, residente no SHIS, QL 04, Conj. 02, Casa 14, nes­ta capital, bem assim os depoimentos das testemunhas cons­tantes do rol abaixo. "Por ocasião do julgamento do agravo, o denunciado profe­

riu seu voto, dando provimento ao recurso, como já o tinham feito os outros Desembargadores componentes da Turma, res­pectivamente Presidente e Relator.

Mas acrescentou: "A espécie, entretanto, não me permite o silêncio, ante

dois fatos que me parecem relevantes. (. .. ) A outra questão, que me parece ainda mais séria, é versada no despacho de fls. 24 destes autos, onde o MM. Juiz não apenas pretende, mas dá conseqüência a seu interesse em patrocinar a defe-

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sa da empresa agravada. Se o verdadeiro patrono da agra­vante não lhe defendeu convenientemente as razões, é pro­blema que se passa entre eles. O Juiz é que não pode, não deve, jamais, arvorar-se em substituto do advogado da par­te ... E advogado ardoroso que chega até a fazer comunica­ção à Seccional da OAB. Penso que essas disputas entre colegas deveriam ser mais reservadas. Digo, colega, porque o Juiz está agindo como advogado. Diante disso, Senhor Presidente, proponho à Egrégia Turma que extraiamos có­pia de todo este agravo de instrumento para remessa ao eminente Desembargador Corregedor da Justiça do Distri­to Federal e dos Territórios, para apurar a lisura da condu­ta do Magistrado." (fls. 13/14),

Não obstante as ponderações do Desembargador Elmano Farias, Presidente da Turma, de que não concordava com a proposta de enviar cópia do agravo à Corregedoria de Justiça, porque "é preciso pressupor-se, aprioristicamente, a idoneidade do Juiz", o denunciado assim afirmou:

"Acho que houve crime e quem preside o in­quérito é o Desembargador Corregedor. Receber o recurso em um efeito, quando deveria ser em ou­tro? Prevaricação! (fl. 14)."

Ao afirmar, publicamente, que o autor do despacho agravado agira como "advogado ardoroso" da agravada e que cometera prevaricação, consistente em dar efeito suspensi­vo à apelação desta, o acusado imputou a prática de delito funcional ao magistrado de primeiro grau, que proclama ter o acusado conhecimento da falsidade dessa imputação."

Duas foram, portanto, as imputações formuladas pelo dig-no representante do Ministério Público contra o Excipiente, consistentes, ambas, em crime de calúnia: a) haver publicamen­te acusado o Juiz, em sua primeira manifestação sobre o mérito do recurso, de ter agido como advogado de uma das partes (cf. nº 3 da transcrição contida no item 6, retro); b) haver, ainda - mesmo após a prudente manifestação do eminente Des. El­mano Farias, sobre dever "pressupor-se, aprioristicamente, a idoneidade do Juiz" -, asseverado constituir prevaricação o recebimento, pelo ora Excepto, do "recurso em um efeito, quan­do deveria ser em outro" (cf. nº 4 da transcrição contida no item 6, retro).

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 69-210, novembro 1992.

Dispunha o Excipiente, por conseguinte, para dar embasa­mento à convicção que externou naquela ocasião, em que por duas vezes caluniou o Excepto, apenas e unicamente dos ele­mentos contidos nos autos do referido Agravo de Instrumento nQ 1.855, cujo inteiro teor foi por ele mesmo juntado, como do­cumento nQ 2, à inicial da exceção da verdade.

Assim, é com tais elementos de convicção, que lhe foram então bastantes - e, não, com quaisquer outros, inexistentes, desconhecidos ou indisponíveis no momento da dupla prática do crime de calúnia -, que haverá o Excipiente de comprovar, a esse Eg. Tribunal, que o Excepto, como na ocasião asseverou, realmente prevaricara.

UTILIZAÇÃO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO EM DESFAVOR DO EXCEPTO E EM PROL DE ESPECÍFICOS INTERESSES PENAIS DO EXCIPIENTE

Não está o Excepto, com o que vem até aqui sustentando, pretendendo fugir a uma verificação de seu proceder por esse Eg. Superior Tribunal de Justiça, pois, a par de antevê-Ia, se viesse a ocorrer, como isenta e justa - e exatamente aí reside o ponto que levou o Excipiente a tentar transferir a competên­cia do julgamento da exceção da verdade, para o seu Tribunal -, tem, ainda, a seu favor, a consciência tranqüila de haver cumprido denodadamente com o seu dever funcional.

As acusações que ora lhe faz o Excipiente são mera repe­tição - até porque de tudo participou ativamente S. Exa. - do relatório acusatório que lhe dirigiu determinada Comissão de Sindicância Instaurada no âmbito do Eg. Tribunal de Justiça do Distrito Federal. A elas já respondeu cumpridamente o Ex­cepto, pelo que pede que sua defesa, tanto na abordagem gené­rica que fez do próprio processo administrativo (Doc. 3), quanto no pertinente à questão específica de sua atuação na ação que deu origem ao referido Agravo de Instrumento nQ 1.855 (Doc. 4), seja considerada como se aqui estivesse transcrita.

Não pode o Excepto furtar-se, de toda sorte, a justificar o título que atribuiu ao presente capítulo da contestação, fazen­do-o, brevitatis causa, com a juntada das iniciais de Ação Cau­telar e de Mandado de Segurança que dirigiu ao CoL Supremo Tribunal Federal (Docs. 5 e 6), petições que tratam longamente do tema e cujo inteiro teor pede, por isso, seja também consi­derado. como se aqui estivesse transcrito.

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Releva ainda notar, sobre o ponto, que, embora tenha sido punido com a sanção disciplinar de disponibilidade compulsó­ria, o Excepto sempre teve a seu favor o posicionamento do Ministério Público do Distrito Federal, que a todo o procedi­mento acompanhou e de tudo participou. Com efeito, seu ilustre representante, o Dr. José de Nicodemus Alves Ramos, opinou, ao fim do processo administrativo, "à míngua de prova suficien­te a embasar a condenação C .. ) em seâe administrativa ou pe­nal", pela absolvição do Juiz (Doc. 7, grifos acrescentados).

Mais tarde, novamente instado a se pronunciar sobre o tema, ante a remessa, pelo Tribunal, de peças do processo ad­ministrativo ao Ministério Público, o mesmo Dr. José de Nico­demus Alves Ramos emitiu nova e mais alentada manifestação (Doc. 8; especialmente item 10, págs. 41 a 50). Seu pronuncia­mento, desta feita, foi integralmente acolhido e formalmente prestigiado pelo eminente Procurador-Geral da Justiça do Dis­trito Federal, Dr. Geraldo Nunes, que encaminhou ofício ao Exmo. Sr. Presidente do Eg. Tribunal remetente, informando­o de que o Ministério Público mantivera-se na sua posição ini­cial de convencimento sobre a absoluta inocência do Juiz, e de arquivamento das peças em questão (Doc. 9).

Dessa última manifestação do MP merece destaque, por dizer diretamente com a questão ora em exame, o seguinte excerto (Doc. 8, págs. 45) verbis: .

"O despacho agravado foi mantido, e, por ocasião de seu julgamento, no Tribunal, o Excelentíssimo Senhor Desembar­gador Irajá Pimentel sugeriu, por entender que o indiciado havia prevaricado, que se adotasse o procedimento que deu origem à instauração do processo administrativo.

Novamente, ao exame desses fatos, há que se pergun­tar, em que teria consistido a prevaricação, onde a conduta do indiciado poderia subsumir-se no tipo do artigo 319 da Lei Substantiva Penal? Na amizade íntima com a perita, que não se confirmou? No indeferimento, por duas vezes segui­das, do pedido de purgação da mora? No determinar o depó­sito, a lattere, da sentença, a fundamento de que alegava o réu graves prejuízos para a sua defesa, com a perda do prazo por parte do seu antigo advogado? No recebimento da apela­ção em seu duplo efeito? Esse ato, o do recebimento do recur­so no duplo efeito, teria sido realmente contrário à lei?

H. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 69-210, novembro 1992.

Houve, sem dúvida, uma antecipação de "prestação jurisdicional costumeiramente deferida, sempre liminarmen­te, pelos eminentes Desembargadores desse E. Tribunal", esclareceu o Magistrado em sua defesa, invocando inúme­ros precedentes consubstanciados em construção jurispru­dencial hoje plenamente admitida, tendo-se em vista a pro­vável ocorrência do periculum in mora, mas daí à adequação dos fatos ao tipo do artigo 319 vai um enorme e intranspo­nível obstáculo jurídico-penal, que é a ausência do dolo, ou seja, a vontade livre e consciente de praticar as ações e omissões indicadas e o elemento subjetivo do tipo expres­so pela especial finalidade de agir para "satisfazer interes­se ou sentimento pessoal".

Poder-se-á até argumentar com a possível existência de error in procedendo, pela antecipação com que se houve o Magistrado na prática concessão da liminar, mas nunca com o tangenciamento à norma penal. E ainda que se lhe pudesse atribuir o erro ou a culpa no reconhecimento do duplo efeito ao recurso, doutrina e jurisprudência dos tribunais são acor­des em que na prevaricação "não há punição a título de culpa" (CELSO DELMANTO, in Código ... )".

Essa enorme disparidade havida entre os pronunciamen­tos do Ministério Público do Distrito Federal e o entendimento do Tribunal ao qual pertence o Excipiente, só pode ter uma

·:única justificativa, já exposta pelo Excepto ao Col. Supremo Tribunal Federal (cf. Doc. 5, itens 26 e 27), verbis:

"A dura verdade, todavia, é que o requerente pode, agora, atribuir a existência desse deplorável estado de coi­sas, não apenas à notória e perniciosa influência que o Exmo. Sr. Desembargador Irajá Pimentel exerce sobre o seu Tri­bunal, como, também, ao fato de haver contribuído para a instauração de ação penal contra S. Exa. (cf. Doc. 4). É que, recebida a denúncia, ficou a Corte - e disso, antes não se apercebera o Juiz requerente -:- sem condições psicológicas de proferir julgamento isento.

É de fácil percepção, com efeito, que a absolvição do Juiz, no feito administrativo, refletir-se-ia desfavoravelmente ao Desembargador, na ação penal. Equivaleria, em outras palavras, em afirmar a Corte local: "o Juiz não prevaricou; ao dizer que prevaricara, caluniou-o o Desembargador" -- e o Tribunal não queria, nem podia, fazer essa afirmação."

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CONCLUSÃO Isto posto, protestado o Excepto por todos os meios de prova

em direito admitidos, especialmente depoimento pessoal do Exci­piente, oitiva de testemunhas e juntada de novos documentos, confia em que seja julgada improcedente a exceção da verdade.

Requer, por último, que V. Exa. se digne de: a) requisitar ao Exmo. Sr. Desembargador Valtênio Men­

des Cardoso, eminente Presidente do Eg. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, os autos do PA n!! 2.879/87-SC, sem os apensos (por serem volumosos e desnecessários), . para conferência de algumas das peças anexadas à presente, bem assim, para a extração de outras;

b) requisitar, ainda, de S. Exa., a remessa de cópia auten­ticada do Ofício n!! 289/90, do Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral da Justiça do Distrito Federal, aqui referido e juntado corno documento n!! 9;

c) deferir ao Excepto a possibilidade de posterior apresen­tação, de forma correta, da qualificação e dos endereços das testemunhas abaixo arroladas.

Termos em que Espera deferimento."

Acompanha a manifestação os documentos de fls. 77-281. A fls. 284 v., pronunciou-se o douto órgão do Ministério Público

pelo prosseguimento do feito, com a sua regular instrução.

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A fls. 286, proferi o seguinte despacho:

"1. Intime-se o Juiz Pedro Aurélio Rosa de Farias a fim de prestar declarações, para o que designo o dia 8 de abril próximo, às 9:00 horas, na sala de reuniões da Corregedoria-Geral, situada no 7!! andar do Edifício-Anexo do Superior Tribunal de Justiça.

2. Notifiquem-se as testemunhas indicadas pelo excipiente (fls. 27-28) para prestarem depoimento, devendo o Dr. Theófilo Soares Souza Lima Neto ser ouvido através de carta de ordem a ser expedida para urna das Varas Federais de Ribeirão Preto­SP, com o prazo de 15 (quinze) dias. Nesta Capital, os depoi­mentos das testemunhas arroladas serão colhidos no dia e local indicados no item .anterior, às 10:00.

3. Notifiquem-se as testemunhas indicadas pelo excepto, menos Maria Fagundes de Souza e Glênio Auto Monteiro Gui-

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marães, já elencadas pelo excipiente, para prestarem depoimento, no local antes referido, no dia 9 de abril próximo,. às 9:00.

Fixo o prazo de 48 horas para que o excepto atenda ao requerido a fls. 76, item 18, letra c.

4. Atenda-se ao requerido a fls. 76, item 18, letras a e b, pelo excepto.

5. Intimem-se deste despacho as partes, seus advogados e o Ministério Público Federal.

6. Providencie a Secretaria a autuação e numeração dos apensos e, ainda, as medidas administrativas necessárias à rea­lização das audiências antes aludidas, certificando-se nos autos."

A fls. 755-785 dos autos da ação penal, consta o tenno de interro­gatório do excipiente (ler).

A fls. 317-324 consta o termo da audiência, realizada em 3-04-91, em que o excepto prestou as suas declarações (ler) e a fls. 325-353, os termos de depoimento das testemunhas, indicadas pelo excipiente (ler): MARIA DAS GRAÇAS MARTINS LEÃO (fls. 325-326); GLÊNIO AUTO MONTEIRO GUIMARÃES (fls. 327); JOSEV AL SIQUEIRA (fls. 328-330); FRANCISCO DE FARIA PEREIRA (fls. 331-335); CÉLIO AFONSO DE ALMEIDA (fls. 336); MAURO CALDEIRA DE MIRANDA RIBEIRO (fls. 337); e THEÓFILO SOARES SOUZA LIMA NETTO (fls. 339-340).

A fls. 342-353 consta o termo da audiência, realizada em 9-4~91, em que foram colhidos o depoimento das testemunhas, indicadas pelo excepto (ler): ESDRAS DANTAS DE SOUZA (fls. 343); DIVOSANA BENTO DE FRANÇA FIGUEIREDO SILVA (fls. 344-345); ODETE SOARES DA ROCHA (fls. 346-347); MARIA VALDENICE DA COSTA XAVIER (fls. 348-349); JOÃO BATISTA DA SILVEIRA (fls. 350-351); CÉSAR DE ALMEIDA COSTA (fls. 352); e RAIMUNDO OLIVEIRA BRITO (fls. 353).

A fls. 355 deferi pedido do excipiente para ouvir o depoimento da testemunha Dr. WALDIR LEÔNCIO JÚNIOR.

A fls. 2.374 consta termo de audiência, realizada em 25-4-91, em que foram ouvidas as testemunhas WALDIR LEÔNCIO JÚNIOR (ter­mos de fls. 2.375-2.377 -ler) e ALDO FAGUNDES DE SOUZA (termo de fls. 2.378-2.380 - ler).

A fls. 358 proferi o seguinte despacho: "Juntem-se aos autos cópias autenticadas do ofício de nº

GP 289/90, de 22.11.90. do Exmo. Sr. Procurador-Geral do Dis­trito Federal, e do ofício de n!! 081/90, do Procurador de Justiça;

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dos ofícios de n~ GP 0982/91, de 09.04.91 e GP 1.037/91, de 11.0·1.91, ambos do Exmo. Sr. Presidente do Tribunal de Justi­ça do Distrito Federal.

Apensem-se aos autos os volumes encaminhados através dos citados ofícios do Exmo. Sr. Presidente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal.

Intimem-se as partes e o Ministério Público para que in­diquem as peças a serem trasladadas e conferidas, dos autos do Processo Administrativo de nl! 2.879/87 - TJDF, no prazo de 72 (setenta e duas) horas, com as devidas cautelas."

A fls. 367 deferi, a requerimento do excipiente, a requisição das fitas cassete, que instruem o PA 2.879/87.

A fls. 390-396 consta agravo regimental, interposto pelo excipiente, contra decisão que proferi, indeferindo-lhe a formulação de perguntas ao ofendido, do qual, posteriormente, desistiu (fls. 2.390 e fls. 2.403).

A fls. 466 acha-se certificado que foram extraídas cópias do PA nl! 2.879/87 - TJDF e juntadas aos presentes autos, após devidamente conferidas (fls. 467-2.368 - volumes nll.l 3 a 9).

As fitas cassete requisitadas foram encaminhadas a esta Corte, através do Ofício de fls. 2.382, do Sr. Presidente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal.

A fls. 2.384 deferi a expedição de ofício à gerência do Banco Mer­cantil do Brasil S/A, agência do Conjunto Nacional Brasília (CNB), para as seguintes finalidades (fls. 2.385-2.386):

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"a) - fornecimento de extratos das contas correntes em nome de F AGGU'S - Confecções e Modas Ltda. e de ALDO FAGUNDES DE SOUZA (conjunta ou individuaD, no período de 01.0UT.86 a 31.DEZ.86;

b) - esclarecimento se a data constante das cintas de papel que envolvem os pacotes de dinheiro são indicativas do dia do saque ou daquele em que contadas mecanicamente as cédulas;

c) - explicar se os pacotes de dinheiro entregues aos clien­tes são sempre envolvidos por aludidas cintas de papel, ou se é comum o uso apenas de ligas de borracha;

d) - informar se o Banco só cinta os pacotes de dinheiro para realizar depósitos junto ao Banco do Brasil S/A."

A diligência foi atendida a fls. 2.400-2.402.

H. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 69-210, novembro 1992.

A fls. 2.404 deferi nova diligência ao I3anco Mercantil do Brasil S/!~. que foi atendida a fls. 2.416-2.419.

A fls. 2.420, por terem sido atendidas as diligências requeridas pc las partes, mandei intimar o excipiente e o excepto para oferecerem ale gações finais, abrindo-se, a seguir. vista dos autos ao douto órgüo d0 Ministério Público para manifestar-se.

A fls. 2.462-2.502 consta carta de ordem, encaminhada ao M1\1. Jui:: Federal da Vara de Ribeirão Preto, para a oitiva da testemunha TIIEC\ FILO SOARES SOUZA LIMA NETO, que, no entanto, ficou prejudiG.'. da, por ter a referida testemunha prestado depoimento neste Tribun;ll (fls. 339-340).

O excipiente ofereceu alegações finais, em que aduziu (fls. 2.<120-2.459):

I - CABIMENTO DA EXCEÇÃO DA VERDADE -AUSÊNCIA DE SENTENÇA ABSOLUTÓRIA II\RECOW{~­VEL EM FAVOIl DO EXCEPTO.

Oposta a Exceçüo da Verdade, foi ela admitida e orden:ll: _ seu processamento regular, ensejando-se ao Excipiente u opor­tunidade de demonstrar a veracidade da imputaçilo lal1pda w, Excepto de haver prevaricado no leme da açüo de d(':;p('JI) J-;íO­

posta por C:\IG-Empreenciímpl1tos e Particípaçües Ltda. e ()utr~c contra FAGG U'S Confecçõps e Modas LUla.

Nos processos por crimes de calúnia, é admissivcl essa de> monstratio vai, como se lê no * 39

, do art. 138, do cód. Pena1.

Somente em três hipóteses nüo se permite a exceção eb verdade, consoante descritas nos itens I a III, do mencior:ae!0 parágrafo.

A terceira assim se exprime:

"Se do crime imputado, embora de HÇ';i.O pública, o cfe;:­dido foi absolvido por sentença irrecorrível".

A doutrina, com o primoroso NÉLSON IIUNGIUA à frer.­te, diante da clareza da ressalva l(·gal, não a interpreta, porque dispensável, mas justifica sua existência pelo modo seguinte:

"A terceira exceção, finalment.e, é uma ilação necessá­ria do cânon jurídico segundo o qual res judicata pro veri­iate habetur. Desde que o ofendido j:i foi absolvido do crime imputado, por decisüo irrecorrível, a falsidade da acusaçüe se presumejuris et de jure. Se a sentcnÇ'a criminal absolu­tória, uma vez passada c.!Jll julgado, não pode ser revistf!;

H. Sup. Trib. Just., Brasília, :l. 4, (:l~) r :: ; 2 - l. J;D"t' !l:Jn-'J ! ~J~J2. lO~

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ainda que surjam novas provas, não se pode admitir que a qualquer pessoa seja dado provar contra a resjudicata" (Cf. Comentários ao Código Penal, Forense, 1958, vol. VI, n2 132, pág.83).

Pelo mesmo diapasão regem os magistérios de HELE­Na FRAGOSO (in Lições de Direito Penal, ed. 1962, 12 vol., pág. 154) e DAMÁSIO DE JESUS (in Direito Penal, Sarai­va, 1983, 22 vol., pág. 237).

Só a coisa julgada substancial, portanto - defluente de sentença absolutória do ofendido -, dispõe de eficácia suficiente para impedir a produção de novas provas contra aquele. Não reconhece a lei penal outra força impeditiva diversa da res judicata.

No caso vertente, o Excepto não respondeu a ação cri­minal pelo delito de prevaricação, cuja prática lhe atribuiu o Excipiente, daí que não há impedimento para que este prove a veracidade da imputação.

O Excepto se esforçará por adversar a norma legal, mas sem proveito, data venia. II - DAS PROVAS AQUI PRODUZIDAS.

A instrução deste incidente principiou pela tomada das declarações do Excepto (22 vo1., fls. 318/324). Dada a importân­cia desse meio de prova, sua análise será feita mais à frente.

A) DAS TESTEMUNHAS ARROLADAS PEW EXCIPIENTE. Em seguida, foram ouvidas sete (7) testemunhas arroladas

pelo Excipiente (22 vol., fls. 325 e segs.). Todas elas haviam sido ouvidas pela Comissão de Desembargadores do TJDF, cujos depoimentos, aliados a outras provas, serviram de base para a condenação do Excepto à pena da disponibilidade funcional.

O Excipiente integrou aquela Comissão e sobre ele o Ex­cepto lançou anátemas por ter sido - segundo falsamente alar­deia - o agente de sua condenação.

Observe-se, no entanto, que todas aquelas pessoas, aqui tornadas a ouvir, confirmaram, sem uma só ressalva, todas as declarações prestadas à referida Comissão, justificando de modo insofismável a lisura de seus membros.

Dentre esses testemunhos, sobressai o da advogada Dra. Maria das Graças Martins Leão (22 vol., fl. 325), que confirmou a ausência de recursos financeiros por parte de Aldo Fagundes

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de Souza, seu cliente, para purgar a mora na ação de despejo movida contra sua empresa F AGGU'S Confecções e Modas Ltda .

. por falta de pagamento de alugueres. Também ratificou a "ami­zade bem próxima" entre o Excepto e Maria Fagundes de Sou­za, irmã de Aldo, ela a responsável por alterar-se a sorte da ação de despejo, em cujo leme o Juiz prevaricou de forma inten­cional e continuada. De suma importância os esclarecimentos aqui prestados pela Advogada e também aqueles a que se repor­tou, prestados à aludida Comissão de Desembargadores (apenso n!! 06, fls. 06 e 09).

Igualmente elucidativo o depoimento do Dl'. Joseval Si­queira (2!! vo1., fls. 328/330) e o que prestou à Comissão de Desembargadores (apenso n!! 06, fls. 15/19). Além de ter sido advogado na ação de despejo em que o Excepto prevaricou por diversas vezes, é ele Juiz do Eg. TRE do Distrito Federal, es­tando, pois, bem afeito à responsabilidade na emissão de juízos de valor.

Também sobressai o depoimento de Mauro Caldeira de Miranda Ribeiro (2!! vol., fl. 337), máxime pela espontaneidade e coragem com que declinou os fatos de seu conhecimento sobre as atitudes arbitrárias e corruptas do Excepto em ação de intei­ro conhecimento da testemunha.

Tal a ênfase emprestada nessas declarações que o eminen­te Dl'. Subprocurador-Geral da República se sentiu impelido a formular-lhe pergunta sobre a exigência de propina pelo Excep­to, tendo ele esclarecido que o fato está registrado em gravações em fita cassete, que foram requisitadas ao TJDF e que poderão ser facilmente ouvidas. A expressividade dos diálogos entre o Juiz (excepto) e a parte Theófilo Soares Souza Lima Netto foi posta em evidência no voto magistral do ilustre Desembargador Manoel Coelho, emitido no julgamento que culminou com a disponibilidade do Excepto (voI. 2, fls. 450 e verso).

As traduções datilográficas completas dos dois diálogos entre o Juiz (excepto) e Theófilo encontram-se no vo1. 2!!, fls. 368/380.

B) DAS TESTEMUNHAS ARROLADAS PELO EXCEPTO.

Foram sete (7) as pessoas ouvidas. Com a devida vênia, nada mais representam que "testemunhas de canonização" do Excepto. Não trazem qualquer esclarecimento útil, a não ser o de que conheceram bem a perita-contadora Maria Fagundes de

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Souza, habitual freqüentadora das dependências da 5ª Vara Cível da Circunscrição Judiciária de Brasília, de que o Excepto era o titular, onde aquela atuou em inúmeros processos (voI. 22,

fls. 343/353). -

C) DEPOIMENTO DO JUIZ DE DIREITO DR. WALDIR LEÔNCIO JÚNIOR (VOL. 1Q2, FLS. 2.375/2.377).

O depoimento do Juiz Dr. Waldir Leôncio Júnior foi reque­rido pelo Excipiente, como testemunha referida, em razão I:a assertiva falsa que o Excepto produziu em suas dec1araçõ~s, segundo a qual o Excipiente convocara aquele Magistrado a seu gabinete para ordenar-lhe que revogasse decisão do Excepto. A propósito, o Dr. Waldir manifestou o seguinte:

"Que não é verdadeira a afirmação feita pelo excepto, nas suas declarações, no sentido de que o depoente fora convidado a comparecer ao gabinete do Desembargador Irajá Pimentel e lá instado a reformar o despacho do referido juiz, proferido nos embargos de retenção por benfeitorias; que tal procedimento não ocorre no âmbito da Justiça em que tra­balha, não tendo conhecimento de que isso tenha ocorrido, inclusive com seus colegas" (vol. lO!!, fI. 2.376).

D) DECLARAÇÕES DO EXCEPTO (VOL. 22, FLS. 318/324). Inicialmente, é imperioso realçar que as declarações do

Excepto, se fossem verdadeiras, consubstanciariam autêntica con­fissão do crime de prevaricação que o Excipiente lhe imputou.

Lembre-se que, à pergunta de V. Exa., ele respondeu ser "professor universitário de Direito Processual Civil". Ao tempo do fato, portanto, já eram duas as suas qualificações profissio­nais: magistrado e professor de Direito.

Indiscutível, assim, que o Excepto não poderia ignorar que deve ser recebida no efeito apenas devolutivo a apelação de sentença que decreta o despejo por falta de pagamento de alu­gueres, uma vez que isso consta de texto expresso de lei (artigo 42, da Lei nQ 6.649/79), de largo uso no foro do Distrito Federal.

Em suas declarações, ele confessa que afrontou menciona­da regra de modo deliberado e consciente, e não por simples equívoco. Eis o que ditou, com suas próprias palavras:

"Que estando plenamente convencido de que prática não ortodoxa havia sido mais uma vez praticada pelo Shop­ping Center, o depoente, ao receber o recurso interposto pela parte, um direito subjetivo público que certamente seria

l{. Sup. Trib .• Just., Brasília, a. 4, (a9): G9-21O, novembro 1992.

utilizado pelo locatário ludibriado pelas práticas não con· vencionais praticáveis, embora enfrentando dispositivo legal expresso, motivada e justificadamente no rosto do recurso, o recebeu em duplo efeito C.')" - (grifou­se - Vo1. 2º, fl. 320).

Foi também com pleno conhecimento do Direito e de modo deliberado que afrontou a norma explícita do artigo 463, do cód. Pro Civil, ao permitir o depósito retardado dos aluguéis, pois que com a sentença já terminara seu ofício na causa, não podendo inová-la.

Pior ainda foi ter recebido liminarmente os embargos de retenção por benfeitorias, ofertados pela inquilina, suspendendo a execução do despejo, antes de seguro o juízo pelo depósito da coisa demandada, como impõe expressamente o artigo 737, lI, do CPC. E note-se que esse ato foi cometido bem depois que o Excipiente - julgando o Agravo de Instrumento nº 1.855 (apenso nº 02) -imputou ao Excepto a prática de prevaricação. Com isso revelou a intensidade de seu dolo, ratificado na continuidade delitiva.

Confessado, assim, o primeiro requisito do crime de preva­ricação (artigo 319 do CP), qual seja a prática de ato contra dis­posição expressa de lei, passa-se à análise do segundo, consistente em ter agido. por esse meio para satisfazer sentimento pessoal.

Também quanto a este particular, o Excepto fez confissão inegável. Nas duas primeiras folhas de suas declarações, narra ele acontecimentos significativos. O primeiro refere-se à influên­cia que fatos extraprocessuais exerceram para direcionar seu livre convencimento. Eis a passagem:

"Que o magistrado, na instrução do processo, freqüen­temente se vê frente a fatos extraprocessuais que direcio­nam o livre convencimento do magistrado, para determinar a situação de fato que diz respeito direto com a demanda em julgamento". (Vol. 2º, fI. 318).

Depois, conta ele, como Aldo Fagundes compareceu a seu gabinete, levando mala (!) bem cheia de dinheiro. Será melhor que se ouça o próprio Excepto que ditou suas declarações à Datilógrafa por este modo:

"Que após a publicação da sentença no mesmo dia, foi o depoente procurado em seu gabinete por um senhor escu­ro, portando uma mala marrom bem cheia, dizendo-se n;u da ação, que entre choro e soluços, tal hOI11('m lhe afirmou

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ser o réu da ação e que havia sido ludibriado por sua advo­gada· que não havia alertado da data designada para a se­gunda purga da mora; que o fato que mais emocionou o depoente foi o de o mencionado senhor ter aberto a sua mala e mostrado no seu interior pacotes de dinheiro, que foram examinados pelo Juiz que ali constatou nas fitas de papel que molduravam o dinheiro uma data anterior àquela de­signada para o ato da purga; que o .depoente naquele ins­tante sentiu que algo de sério havia ocorrido nos autos, uma vez que o réu sendo ajuizado em uma ação de despejo por falta de pagamento, estava demonstrando ao Juiz da causa de que dispunha de numerário para honrar o seu compro­misso" (Vol. 2!!, fi. 318 - grifou-se).

Como se não bastasse a intensidade da emoção que o Excepto descreve ter experimentado, ainda mostra ele que a descrição de Aldo ficou martelando em sua cabeça, prova de que a emoção teve efeito duradouro e afetou seu sentimento pessoal já que

"( .. .) aquela demonstração inequívoca da capacidade do réu para adimplir sua obrigação ficou martelando na cabe­ça do Juiz, que por sua experiência no julgamento de ou­tros fatos e ações envolvendo Centros Comerciais Brasília Ltda. estavam a demonstrar práticas não muito ortodoxas dos seus representantes" (Vol. 2!!, fls. 318/319).

De um lado, portanto, a situação de Aldo emocionou o Excepto; de outro, fez este revelações de animosidade para com os representantes das Empresas-locadoras, que administram o Conjunto Nacional Brasília, mencionando reiteradamente suas "práticas não muito ortodoxas" e atitude "leonina". Assim se .pronunciou em outro trecho:

"Que em face de tais atos, no julgamento dessas ações o depoente convenceu-se de que a prática adotada pelo Shopping Center não era a mais correta e o comporta­mento adotado em relação aos seus locatários certamente era leonino; esta experiência subjetiva, que ficou firme­mente marcada no inconsciente do Juiz somou-se àque­la inequívoca demonstração feita pelo réu da ação de que dispunha de numerário suficiente para o adimplemento da obrigação; que o depoente, ao escutar o réu afirmar de que havia sido ludibriado por sua advogada, embora tendo di­nheiro suficiente para a purga da mora, emocionou pro-

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fundamente o Juiz, que sentiu a certeza de estar em fren­te a mais um ato não-ortodoxo do Shopping Center" (Cf. Vol. 22 , fi. 319). O formidável oráculo que foi NÉLSON HUNGRIA ensina:

"Por sentimento pessoal entende-se a afeição, a simpa­tia, a dedicação, a benevolência, a caridade, o ódio, a parcia­lidade, o despeito, o desejo de vingança, a paixão política, o prazer da prepotência ou do mandonismo, a subserviência, o receio de molestar os poderosos, etc." (In Comentários ao Código Penal, Forense, 1958, voI. IX, nº 147, págs. 37617). E para extirpar dúvidas, registra ainda o grande Mestre que

"O motivo de relevante valor social ou moral deixa, aqui, de ser uma atenuante ou minorante, para ser elemento típico do crime" (Ob. loco cit.). As acusações que o Excepto faz ao comportamento anterior

e no curso da própria ação de despejo aos representantes das Empresas-locadoras, imputando-lhes a prática de atos não-orto­doxos e até de objetivos leoninos, está a mostrar que se encon­trava armado sentimentalmente contra os interesses deles, por qualquer das motivações: desafeição, antipatia, malquerença, ódio, parcialismo etc.

Acresça-se que esse sentimento pré-constituído, que ele denominou de "experiência subjetiva", contra as Locadoras e representantes, aliado ao encontro com Aldo Fagundes de Sou­za (representante da inquilina FAGGUS), levou-o à emoção, como ele próprio confessa, principalmente ao ver a "mala mar­rom bem cheia" de dinheiro (fl. 318). A emoção teria sido tanta que isso ficou "martelando em sua cabeça" (fl. 318) e "firme­mente marcada no inconsciente". Mais à frente é o Excepto que dá o grau dessa emoção, ao confessar que a narrativa de Aldo "emocionou profundamente o Juiz". E note-se que esse senti­mento fortíssimo influiu de maneira decisiva no Excepto, "que sentiu a certeza' de estar frente a mais um ato não-ortodoxo do Shopping Center" (fl. 319).

Importante frisar que as declarações do Excepto foram ditadas por ele mesmo à Datilógrafa, sem a interferência de quem quer que seja. Não há, pois, imaginar-se que o registro não foi fiel à emissão de seu pensamento. Assim, quando ele diz que a narrativa de Aldo "emocionou profundamente o Juiz", a frase deve ser entendida em toda a sua intensidade.

Aqui cabe, então, convocar-se mais uma vez o saudoso NÉLSON HUNGRIA, que conceitua:

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"Emoção é um estado de ânimo ou de consciência ca­racterizada por uma viva excitação do sentimento. É uma forte e transitória perturbação da afetividade, a que estão ligadas certas variações somáticas ou modificações particu­lares das funções da vida orgânica" ( .. .)

Há uma certa diferença entre emoção e paixão, embora esta seja originária daquela. Dizia KANT que a emoção é como "uma torrente que rompe o dique da continência", enquanto a paixão é o "charco que C;:lva o próprio leito, infiltrando-se paulatinamente no solo". A emoção é uma descarga nervosa subitânea, que, por sua breve duração, se alheia aos plexos superiores que coordenam a conduta ou não atinge o plano neopsíquico de que fala PATRIZI. A paixão é, por assim di­zer, a emoção em estado crônico, perdurando, surdamente como um sentimento profundo e monopolizante (amor, ódio, vingança, fanatismo, despeito, avareza, ambiçi'ío, ciúme). Sua lógica, como diz RII30T, é fundada exclusivamente sobre ba­ses afetivas, que, extraindo o próprio conteúdo de motivos sentimentais e inerentes a inclinações, necessidades, desejos, procura dar uma forma racional externamente plausível, uma justificação idêntica a que se tem na lógica racional e que torna aceitáveis todos esses motivos (VEHGANI). É a chamada ló­gica do sentimento. Pode dizer-se que a paixi'ío é a emoção que protrai no tempo, incubando-se, introvertendo-se, crian­do um estado contínuo e duradouro de perturbação afetiva em torno de uma idéia fixa, de um pensamento obsidente. E emoção dá e passa; a paixão permanece, alimentando-se de si própria. Mas a paixão é como o borralho que, a um sopro mais forte pode chamejar de novo, voltando a ser crepitante, retor­nando a ser estado emocional agudo" (Comentários ao Cód. Penal, voI. I, tomo II, n2 109, págs. 367/9).

Após a fixação de tão salutares conceitos, para que se possa bem identificar o sentimento pessoal revelado pelo Excepto na condução e julgamento da questionada ação de despejo, ainda cabe invocar o magistério de MELLUSI (in Quelli che amano e uccídollo, púgina 16), transcrito por NI~LSON HUNGRIA na obra e local mencionados atrLÍs:

"r-;'os tratados contemporúncos, a palavra paixão desa­parece quase inteiramente, substituída pelo vodbulo emo­ção. A paixiio, porém, pelas suas características no conjun­to da vida nfetiva, deve SI!r colocada entre a emoção e a

H. ~up. Trib . .lust.., Brasília. a. 4, l:l~J)' C~k~lO, nov('mbro 1992.

loucura. É difícil indicar com clareza e exatidão a diferença entre emoção e paixão. Não há diversidade de natureza, porque a emoção é fonte de que nasce a paixão; não há di­ferença de grau, pois, se há emoções calmas e paixões vio­lentas, pode ocorrer também o contrário. Resta uma tercei­ra diferença: a duração. Geralmente se diz que a paixão é um estado que dura; a emoção é a forma aguda; a paixão, a crônica". Parece evidente, pela descrição do Excepto ao ditar seus

esclarecimentos, que se contaminou de verdadeira paixão ao receber o Aldo em seu gabinete, portando mala (!) bem cheia de dinheiro, ao verificar que os pacotes estavam laçados por cintas de papel onde se lia data anterior a 24.0UT.86, designada para a purga da mora, o que provava sua alegativa de ter sido ludi­briado pela Advogada, que não lhe comunicara a data do paga­mento dos alugueres devidos. Além disso, não se pode olvidar que o Excepto, por sua experiência subjetiva, já em sabedor de que os representantes das Empresas-locadoras costumavam praticar atos não-ortodoxos e perseguir objetivos leoninos com suas demandas judiciais, tal era o número das que tramitaram por seu juízo e que ele decidira. Tudo isso - ele proclama -ficou martelando em sua cabeça e chegou ao ponto de marcar firmemente seu inconsciente" (vol. 2º, fls. 318/319).

Daí poder-se assegurar mesmo que o Excepto ficou apaixo­nado pela causa do Aldo Fagundes de Souza, condoído de sua sorte de empresário modesto, ludibriado pela Advogada.

Se assim agiu, sob motivação insólita, que afetou o equi­líbrio de seus sentimentos pessoais, dúvida não pode subsistir de que prevaricou.

A verdade, porém, nobre Ministro, é que a estória engen­drada pejo Excepto e que se buscou reforçar com o depoimento de Aldo Fagundes de Souza não tem qualquer laivo de auten­ticidade. Trata-se de engenho falso e ridículo, digno de enganar apenas idiotas e não autoridades cultas e perspicazes como V. Exa. e o eminente Dr. Subprocurador-Geral da República.

É o que se demonstrará a seguir. ui - A ESTÓRIA ABSURD1\ E FALSA ENGENHA­

DA PELO EXCEPTO PARA TENTAR EXPLICAR SUA AÇÃO CRIMINOSA.

Aldo foi ouvido pela Comissão de Desembargadores do TJDF (Apenso n!! 06, doc. 09) e, depois, pelo Relator do PA 2.879,

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Des. Carneiro de Ulhôa, no processo instaurado contra o Excep­to e que resultou em sua disponibilidade funcional. Nas duas vezes, Aldo não se referiu, de qualquer modo, a ter estado no gabinete do Excepto, apresentando-lhe uma pasta bege (ou mala marrom?) cheia de dinheiro, de que disporia para purgar a mora na segunda data para isso designada.

Bem diverso, ao ser ouvido por aquele Relator, em duas passagens, Aldo contou que só conheceu o Excepto no final de

"março de 1988. É o que consta do depoimento prestado em 06.ABR.88, nestes termos:

"Que há uns dez ou quinze dias, o Dr. Pedro Aurélio disse ao Depoente que talvez precisasse dele para vir aqui depor: que só ficou conhecendo o Dr. Pedro Aurélio quando ele disse ao Depoente que talvez fosse precisar dele" (Cf. PA nº 2.879/87, - fl. 565, numeração do TJDF - vols. 3º e segs. do STJ).

Dada a palavra ao Dr. Advogado do Juiz para formular suas perguntas, ele fez questão de fixar bem a data' em que o Aldo ficara conhecendo o Dr. Pedro Aurélio, daí porque repetiu a pergunta anterior e obteve estas respostas:

"Que quando o Dr. Pedro Aurélio se dirigiu ao Depoente diz~ndo que talvez precisasse de seu depoimento, o Depoen­te então se dirigia ao encontro de Francisco, a fim de co­brar uma duplicata; que no dia do encontro com Francisco o Depoente havia se encontrado com o Dr. Jorge Andrade; que o Dr. Jorge Andrade apontou o Dr. Pedro Aurélio ao Depoente, dizendo de quem se tratava; que o Depoente até então não conhecia o Dr. Pedro Aurélio; que o Dr. Pedro Aurélio também não conhecia o Depoente; também o conhe­cendo, na oportunidade, pela indicação do mesmo Advoga­do" (idem).

Se só se conheceram dez ou quinze dias antes da data em que Aldo prestou depoimento no PA 2.879/87 - o que se deu em 06.ABR.88 -, então é incontendível que aquele não poderia ter ~stado no gabinete do Excepto no início de dezembro de 1986.

Essa, contudo, não é a única inverdade que se empolga na estória fantástica concebida pelo Excepto.

Aldo não dispunha mesmo de dinheiro para purgar a mora em 24.0UT.86, nem esteve no gabinete do Excepto na data da

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publicação da sentença de despejo (04.DEZ.86) com uma mala (!) bem cheia de dinheiro, nem promoveu depósito na Caixa Econômica Federal em éspécie.

Assim se afirma exatamente porque só em 10.DEZ.86 a conta bancária de sua empresa THE BEST COMERCIAL DE ROUPAS LTDA. - que ele criou quando a FAGGU'S se mos­trou insolvente - apresentou saldo bastante para enfrentar o débito judicial. Não antes. É questão apenas decompulsar os extratos fornecidos.

Sobre isso, Aldo não sacou o dinheiro no Banco Mercantil do Brasil S/A e o levou ao gabinete do Excepto, depositando-o em &eguida na Caixa Econômica Federal, como declarou. O depósito foi realizado em cheque, cujo valor foi descontado pelo sistema de compensação.

Além disso, o depósito não foi realizado em 04.DEZ.86, como narrou o Excepto, mas em 15.DEZ.86, ou seja, cinqüenta ·e dois (52) dias após a data da purga da mora.

Por derradeiro, Aldo disse que levou dinheiro a juízo por­que à época não possuía talão de cheques, usava cheques avul­sos. Que inverdade! Só no mês de DEZ.86, o Banco Mercantil do Brasil S/A forneceu-lhe talonários de cheques nos dias 01~ 04-05-09-15-19-23 e 30, cujas anotações constam nos extratos sob a rubrica "FORNEC. CHS.", no plural, como se mostrará.

Após" tomadas as declarações das pessoas arroladas pelos contendores, houve o eminente Dr. Subprocurador-Geral dOa República por requerer a audiência de ALDO FAGUNDES DE SOUZA, o que foi deferido pelo nobre Relator (voI. lO!!, fIs. 2.378/2:380). .

Incontendível que Aldo foi instruído a confirmar a estória da mala bem cheia de dinheiro, levada ao gabinete do Excepto para provar-lhe que dispunha de quantia- necessária para pur­gar a mora e que só não ocorreu o pagamento porque sua Advogada não o avisou da data assinada, ludibriando-o.

Em suas declarações, Aldo se lembra de tudo que interessa ao Excepto, mas revelou amnésia em relação aos fatos que poderiam lhe parecer prejudiciais a seu grande benfeitor: o Juiz. Esqueceu-se de tanta coisa que teve de afirmar "que, após a perda da loja, a sua memória piorou" (VoI. lO!!, fi. 2.379).

Em todos os presentes, no entanto, ficou a certeza de que a memória de Aldo está bem íntegra.

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Logo no preâmbulo de seu depoimento, Aldo confessa "que nessa ocasião (quando da propositura da ação de despejo) não se achava bem financeiramente". Ehtretanto, assegura que, à época da emenda da mora, dispunha de dinheiro suficiente, tanto "que, para fins de purga da mora, levou o dinheiro a juízo dentro de uma pasta".

Em seqüência, revelou não estar bem lembrado, daí asseve­rar duvidoso "que acha que mostrou o dinheiro ao Juiz". Parece certo que a ida de um empresário modesto à presença de um Magistrado, num momento de grande angústia, levando uma mala ou pasta bem cheia de dinheiro, com o que pretendia demonstrar que estaria em condições de resgatar o débito judicial e que só não o fizera porque sua Advogada lhe traíra a confiança e não lhe contara a data para o pagamento, importaria num gesto inesque­cível, daí a estranheza com o fato de não se lembrar com seguran­ça de ter mostrado o dinheiro ao Juiz, pois para isso somente ali estivera.

Tateando nas inverdades, acabou por contar detalhes im­portantes para o esclarecimento da verdade real. Eis, por exem­plo, o que narrou:

"Que sacou o dinheiro, para a purga da mora, no Ban­co Mercantil, situado no Conjunto Nacional, banco esse que fica em frente à Caixa Econômica; que não sabe se o di­nheiro estava depositado em seu nome ou no da firma; que obteve o dinheiro para a purga da mora através da liquida­ção de mercadorias existentes em sua loja" (fl. 2.378).

Isso possibilitou a identificação do Banco Mercantil do Brasil S/A, agência do CNB, onde Aldo teria feito o saque do dinheiro para mostrar ao Excepto e purgar a mora. Além disso, foi dado saber que Aldo não tinha conta em seu nome pessoal, mas no nome de suas empresas (vol. 10º, fi. 2.400):

Também foi possível surpreender o ponto fundamen­tal da estória do Excepto e de Aldo, narrado por este:

"Que o dinheiro contido na sua mala foi depo­sitado na Caixa, que, se não lhe falhe a memória, está situada lá mesmo no prédio do juízo".

C.') "Que levou dinheiro a juízo porque à época não pos­

suía talão de cheques, usava cheques avulsos; que tirou

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dinheiro no Banco Mercantil, esteve na sua loja e depois que se dirigiu ao fórum; que na época em que foi levar a mala de dinheiro esteve com uma pessoa de bigode, e que depois é que veio a saber tratar-se do Dr. Pedro Aurélio" (voI. lO!!, fi. 2.379).

Posta à margem a estranheza que causa a informação de Aldo de que foi ao fórum levando o dinheiro para" mostrar, obviamente, ao Juiz, e que só depois veio a saber tratar-se daquela pessoa, estava por esse modo tentada a confirmação da estória que o Excepto engendrou da ida de Aldo a seu gabinete, da mala marrom bem cheia de dinheiro, sendo os pacotes lan­çados por cintas de papel, do choro e soluços do empresário angustiado etc.

Eis, no entanto, como essa farsa mal bolada se espatifa completamente, caindo pedra sobre pedra, num ato de implo­são.

Aldo Fagundes de Souza criou a F AGGU'S Confecções e Modas Ltda., de que era o representante legal, mas, na iminên­cia de ser decretada a falência da empresa, tratou de criar uma segunda, sob a denominação social de THE BEST Comercial de Roupas Ltda. (vol. lO!!, fls. 2.406/2.411).

O Banco Mercantil do Brasil S/A encaminhou os extratos das contas-correntes de ambas as empresas (voI. lO!!, fls. 2.400 e 2.416). Por eles é fácil apurar o seguinte:

a) no dia 24.0UT.86, em que deveria ter sido purgada a inora na ação de despejo questionada, havia na conta da FAGGU'S apenas a quantia de Cz$ 3,86 (fl. 2.401) e na da THE BEST, Cz$ 2.370,81 (fi. 2.417);

b) no dia 04.DEZ.86, em que se publicou a sentença de despejo (fi. 2.395, voI. lO!!) e quando - segundo declarações do Excepto - foi procurado por Aldo em seu gabinete, havia nas contas das duas Empresas a soma de Cz$ 75.266,39, mas insu­ficientes para cobrir a dívida judicial de Cz$ 86.831,16 (fi. 2.398),

Desses dados objetivos e numéricos se infere que, na data da purga da mora (24.0UT.86), Aldo não tinha dinheiro para honrar o débito. Somados os valores das duas contas, totaliza­vam apenas Cz$ 2.374,67. Como poderia pagar uma dívida que ascendia a quase noventa mil cruzados?

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Por aí se comprova que a advogada de Aldo, Dra. Maria das Graças Martins Leão, falou somente a verdade, ao dizer que o débito não foi quitado nas duas datas assinadas para purga da mora porque seu cliente não dispunha de dinheiro. Logo, este não foi ludibriado por aquela. O embuste que se armou contra a Advogada foi só uma cortina de fumaça para ensejar que o Excepto deferisse o depósito retardado dos aluguéis e o recebimento da apelação em duplo efeito, contra disposição expressa do art. 42, da Lei do Inquilinato.

Não bastassem esses dados objetivos, resultantes de docu­mentos bancários, sobre os quais não pode pairar qualquer dúvida, há, ainda, coisa bem pior. O Excepto contou da visita de Aldo Fagundes de Souza em seu gabinete, levando mala (!) marrom bem cheia de dinheiro (fl. 318, voI. 2º). Aldo, a seu turno, disse "que levou dinheiro a juízo porque à época não possuía talão de cheques, usava cheques avulsos". Disse mais "que tirou dinheiro no Banco Mercantil, esteve na sua loja e depois que se dirigiu ao fórum".

Vejam-se os extratos das contas-correntes das duas empre­sas de Aldo e se colherá que ele não pagou a dívida em dinhei­ro, mas em cheque. É o que consta no extrato da THE BEST, do mês de DEZ/86, dia 15 Cf1. 2.419 - voI. 1º - 4º extrato). Lá se lê que Aldo emitiu o cheque nº 254336, que foi dado em pagamento à Caixa Econômica Federal e descontado pelo siste­ma da compensação bancária. É só verificar o recibo do paga­mento, que se encontra na fl. 2.396 do voI. 10º, onde se notará o risco passado no espaço "Em dinheiro", inutilizando-o, e o lançamento do valor Cz$ 86.831,16 na coluna "Comp" alusiva a cheque para compensação. Se se observar, também, no extrato da conta-corrente referida, lá se verá que a importância de Cz$ 86.831,16 foi paga através de "CH. COMPENS.", ou seja, por meio de cheque compensado (fl. 2.419, 4º extrato),

Daí se conclui, nobre Relator, com a devida vênia, que a estória montada pelo Excepto, contando com a ajuda de Aldo Fagundes de Souza, é falsa, desmentida por dados objetivos imutáveis. Não houve saque do dinheiro, em espécie, do Banco Mercantil do Brasil S/A, nem, por conseqüência, seu transporte ao gabinete do Excepto. O pagamento dos alugueres, realizado somente em 15.DEZ.86, ou seja, cinqüenta e dois (52) dias após a data assinada para a purga da mora (24.0UT.86), deu-se por meio de depósito em cheque, cobrado pelo método da compensa-

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ção bancária, através da Câmara de Compensação do Banco do Brasil S/A.

Posto que o excepto não esteja sujeito a sanções penais ao prestar declarações falsas como ofendido, parece induvidoso que ele tinha o dever moral de só dizer a verdade a V. Exa. e ao eminente Dr. Subprocurador-Geral da República. Isso era o mínimo que se poderia esperar de alguém que se diz injustiçado na condenação à disponibilidade funcional e que pretende re­tornar ao exercício da atividade judicante. Porém não só diante do egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal, mas agora, também junto ao colendo Superior Tribunal de Justiça, se reve­la mesmo de personalidade doentia.

De todos quantos apreciaram o caráter do Excepto no jul­gamento do processo administrativo em que foi sancionado, sem dúvida avulta o sufrágio do ilustre Des. Manoel Coelho.

Tão eloqüente é aquele voto que o Excepto tudo fez para atribuir sua autoria ao Excipiente, por ele apontado como seu algoz. Chegou ao cúmulo de formular notícia criminal ao Eg. Superior Tribunal de Justiça contra este e o Des. Manoel Coe­lho. O substancioso parecer do eminente Dr. Subprocurador-Ge­ral da República, todavia, pulverizou a "pretensa notitia crimi­nis", como a qualificou o nobre Ministro Ilmar Galvão, ao decretar seu arquivamento (Vol. 2º, fls. 453 e segs.).

Restabelecida, pois, toda a legitimidade daquele voto mi­nucioso e brilhante, vale a pena transcrever-lhe algumas das passagens, onde se examinam o caráter e a conduta funcional do Excepto:

"Devo exaltar, a partir de agora, que tudo recomenda não se possa manter o Acusado no desempenho do nobre ofício, pois seu atributo moral indica irremediável comprome­timento. Máxime se nos recordarmos de que, em passado próximo, foi o Juiz submetido a outro processo administra­tivo, em que se provou ter celebrado sociedade de advo­gados, o Tribunal agiu com extrema comiseração para com ele, chegando alguns a imputar a "criancice" o fato de seu comportamento insólito e irresponsável. Em vez de abraçar­se à oportunidade que se lhe deu, aumentou o ímpeto para cometer faltas gravíssimas, sem qualquer temor em macu­lar a dignidade de nossa justiça, desacreditando-a publica­mente. Punido com simples advertência, desproporcional

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à enormidade das transgressões então praticadas, sentiu-se estimulado a agir desabridamente, sem impor qualquer ho­rizonte a seus desmandos e arbitrariedades, a tal ponto que, hoje, seu caráter não se afeiçoa apenas a ilícitos disciplina­res, senão e especialmente a desvios criminais. Em diver­sas vezes, e não sem motivo, o eminente Relator propôs-se a tipificar penalmente as faltas cometidas pelo Juiz". (2º vol., folha 440 v.).

"Concluo-o, assim, ser preciso, sem demora, pôr cobro ou paradeiro a estes desmandos, que enodoam a dignidade e a independência do Poder Judiciário da Capital do País. Não se pode permitir que este Juiz continue a manchar a toga impoluta de magistrado". (fl. 447v.) .

. "Enquanto isso, a defesa ocupou-se do princípio da in­dependência do Juiz, para tentar diluir na livre convicção os incontáveis disparates cometidos pelo Acusado. Essa in­dependência, porém, não rima com a irresponsabilidade ab­soluta. Tem ela por principal supedâneo a lei e, ainda, a consciência sadia do julgador. Ora, este Juiz vem teiman­do, em todos esses anos, a desservir às duas.

Evidente que não se lhe exigiria desempenho irrepre­ensível de inteligência, de modo que não pudesse errar. Claro que poderia. Mas não se lhe permitiria cometer erros grosseiros, facilmente perceptíveis, sobretudo quando escu­dados no manifesto descumprimento da lei.

O erro grosseiro é inescusável, máxime quando freqüen­te e em se tratando deste Juiz, que dispõe de bom nível de cultura jurídica. Nele, a grosseria do erro descobre o erro da vontade, que a simples revisão não corrige. Suas atitu­des são dolosas e fraudulentas, ousadas e incessantes, es­tando sempre a resvalar das faltas funcionais muito graves para as práticas criminais insopitáveis. E não é de ontem que está a arremeter contra o Direito e a Moral. Vem de longe. O pior é que seu péssimo exemplo pode dar frutos. Pretenderam que muitos desses escorregões estariam sepul­tados pelo tempo. Esquecem-se, no entanto, de que o tempo não apaga a nódoa da indignidade de um Juiz. Isso, nun­ca!" (fl. 452).

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o Excepto afirmou-se gravemente ofendido em sua honra porque o Excipiente lhe atribuiu o cometimento de ·prevarica­ção. Em vez de fazer-se respeitado, vem ao colendo Superior Tribunal de Justiça e, na presença de um de seus dignos Minis­tros, bem assim na frente de ilustre membro do Parquet Fede­ral, falta com a verdade de modo despudorado e afrontivo da respeitabilidade do augusto Pretório.

Eis que sua índole criminosa é mesmo notável. Não se peja de imaginar estórias fantásticas e narrá-las com ênfase quali­ficada a autoridades de tão excelso matiz.

Obrou assim para tentar escamotear a influência que a perita-contadora Maria Fagundes de Souza - a quem sempre afagou com extorsivos honorários (V. o voto do Des. Manoel Coelho) - sobre ele exercia, a ponto de mudar tão completa­mente sua conduta em demanda singela, de trato diuturno no foro, já sentenciada, pondo abaixo disposições expressas de lei.

Maria Fagundes estava tão segura dessa influência que anunciou ao irmão Aldo que iria dar um jeito na ação de des­pejo em seu favor. Foi o que Aldo narrou à Comissão de Desem­bargadores, depois se desdisse, na fase contenciosa do inquéri­to, inventando mais uma estória incrível de sua prisão por ordem do Excipiente, em situação de autêntico pânico. O que se pas­sou foi apenas a formulação de pedido de auxílio policial para sua localização, já que vivia escondendo-se. Igual providência houve V. Exa. por também adotar nesta demanda, para que se encontrasse exatamente o mesmo Aldo e sua irmã. Localizado naquela oportunidade, foi ouvido e prestou declarações livres e espontâneas.

De nada valeu, porém, aquela sua reconsideração, eis que, agora, na instrução deste incidente, a uma pergunta do emi­nente Dr. Subprocurador-Geral da República, declarou:

"Que quando sua irmã disse que ia dar um jeito na ação de despejo, segundo consta do seu depoimento à Co­missão de Desembargadores, quis dizer que ia arrumar um advogado para ele" (voI. 10Q

, fi. 2.380).

Restabeleceu-f'c, então, a verdade que a Comissão de De­sembargadores do 'l'JDF havia recolhido. Maria Fagundes disse mesmo ao irmilo que ia dar um jeito na ação de despejo já· sentenciada, e deu mesmo. Para isso, o exceptu - depois de indeferir petição da Advogada de Aldo, pela qual requeria o

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depósito serôdio dos alugueres - ordenou novo cálculo dos lo­cativos, de ofício, e passou a deduzir inúmeras decisões contra disposições expressas de lei, para satisfação de sentimento pes­soal, data uenia.

N - DERRADEIRAS CONSIDERAÇÕES SIGNIFICATIVAS.

Demonstrada objetivamente, por documentos fornecidos pelo Banco Mercantil do Brasil S/A, a falsidade da estória in­ventada pelo Excepto, numa tentativa de justificar sua conduta criminosa na questionada ação de despejo, fantasia que Aldo buscou confirmar, pode-se concluir com segurança que o expe­diente utilizado por ambos teve em vista ocultar a verdade.

Aldo não dispunha de recursos financeiros, nas duas datas assinadas para a purga da mora (06 e 24.0UT.86), para efetuar o pagamento do débito judicial. Não foi, então, porque a Advo­gada o tenha ludibriado, deixando de comunicar-lhe a segunda data, que Aldo não quitou a dívida. Essa farsa foi armada pelo Excepto e pela perita-contadora Maria Fagundes de Souza, para justificar a radical alteração na conduta do Juiz na causa, onde passou a agir de ofício - a favor da inquilina e contra os in­teresses das Locadoras - e decidindo por diversas vezes em afronta a disposições expressas de lei, tal já comprovado.

Com a devida vênia, isso parece bastante para dar-se pela procedência da exceção oposta.

É certo que todas as pessoas aqui ouvidas por V. Exa. confirmaram as declarações anteriores prestadas à Comissão de Desembargadores do TJDF. Não se anotou uma só ressalva à correção daqueles depoimentos.

Dessarte, posto que não tenha sido possível encontrar Maria Fagundes de Souza - que o próprio Excipiente arrolara -, dúvida não pode haver de serem verdadeiras suas declarações, tomadas pela mesma Comissão de Desembargadores. Esse de­poimento se encontra nos autos: apenso n2 06, doc. nQ 07.

Nele se lê que, diante do desespero revelado por seu irmão Aldo com o decreto de despejo, Maria Fagundes foi ao fórum, compulsou os autos, determinou a Aldo que destituísse sua Ad­vogada e contratasse o Dr. Glênio Guimarães, colega daquela e muito amigo do Excepto. Embora ela não declare, é correto concluir ter ela elaborado petição para Aldo assinar, fazendo acusações a sua Advogada - inclusive de perdas de prazos processuais, o que constitui grosseira inverdade -, uma ten-

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tativa de fundamentar a destituição dela e criar o ambiente para modificar-se diametralmente a conduta do Juiz na demanda.

Deixou ela irretorquível, também, que, à época da ação de despejo, a empresa de Aldo já encontrava arruinada financeira­mente e que essa ruína nascera da vaidade do irmão, que pla­nejou maIos negócios, além de envolver-se com amante e de­sentender-se com a esposa legítima.

O envolvimento de Maria Fagundes com a causa passou a ser franco e decisivo, como reconhece.

Daí a oportunidade da transcrição de alguns trechos, os mais significativos, das declarações de Maria Fagundes:

"Que tendo em vista a situação de desespero revelada pelo Aldo, a Declarante veio ao Fórum e compulsou os autos da ação de despejo, notando que a advogada dele, Dra. Gra­ça, teria perdido prazos, provocando o despejo do Aldo" C.')

"Que a declarante conhece bastante de processos judi­ciais, só lhe faltando na verdade o diploma de bacharela em Direito, talo número de processos em que já autuou como perita-contadora; que tendo verificado a perda de prazos pela Advogada do Aldo, aconselhou-o a destitUÍ-la e contratar um outro profissional; que então a Declarante lhe fez a indica­ção do Dr. Glênio Auto Monteiro Guimarães, que na época era colega da Declarante na diretoria da Ordem dos Conta­dores do Brasil, secção do Distrito Federal" C .. )

"Que atualmente ele está com duas famílias, pois ar­ranjou uma amante; que soube ter a esposa de Aldo, recen­temente, quebrado tudo que tinha em casa, em razão de bri­ga com o Aldo; que este se engrandeceu com o fato de ter uma loja na praça da moda, no Conjunto Nacional, por isso não planejou bem seus negócios, envaideceu-se e daí o de­sequilíbrio fi nanceiro que o liquidou completamente, a pon­to de hoje estar entregue ao uso imoderado de álcool; que na época da referida ação de despejo, a empresa do Aldo já se encontrava arruinada financeiramente" (Cf. Apenso nQ

06, doc. nQ 07).

Comprovado documentalmente que Aldo não tinha quan­tia necessária para purgar a mora na ação de despejo, em qualquer das duas datas designadas, porque até aí não se de­cidira por liquidar quase todo o estoque de sua loja FAGGU'S e obter a quantia indispensável, é de se afastar de modo termi-

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nante a acusação que se lançou contra sua advogada, Dra. Maria das Graças M. Leão, de tê-lo ludibriado, deixando de comuni­car-lhe, maliciosamente, a segunda data para o pagamento.

Não houve o ludíbrio. Nem perda de qualquer prazo. Tudo foi engendrado pela inteligência e astúcia do Excepto, assim como agora inventou a estória que narrou, sem corar, a V. Exa. Por isso a Dra. Advogada há de merecer, data venia, todo o crédito quanto a suas declarações, onde descreve o que verda­deiramente se passou:

"Que antes viu quando Maria Fagundes saía do gabi­nete do Dr. Pedro Aurélio e entrava no cartório; que ao en­contrar-se com Maria no cartório e perguntar-lhe se ela era Maria Fagundes, obteve a indagação do que a Declarante queria, pois o processo já estava resolvido, ou melhor, "eu já resolvi o processo"; que, antes desse encontro, a Decla­rante e Aldo Fagundes falaram pelo telefone, tendo Aldo dito à Declarante que viesse ao cartório para encontrar corri a irmã dele, pois ela iria resolver a questão do processo de despejo" ( ... )

"Que foi aí que a Declarante se dirigiu à mulher per­guntando se era Maria Fagundes; que então esta respon­deu: "o que é que a senhora está querendo com o processo, o processo já está todo resolvido, eu resolvi"; que então a Declarante tomou conhecimento de que o processo já se encontrava no contador; que foi Aldo quem contou para a Declarante que a irmã dele, Maria Fagundes, era muito amiga do Dr. Pedro Aurélio e que já estivera com ele dois dias antes de ordenar o cálculo dos alugueres, voltando a estar naquele dia em que a Declarante se encontrou com ela no cartório" (Cf. Apenso nº 06, doc. nº 08).

Somem-se essas declarações da Advogada à assertiva de Aldo a V. Exa., diante da pergunta final formulada pelo emi­nente Dr. Subprocurador-Geral da República, segundo a qual "sua irmã disse que ia dar um jeito na ação de despejo" (Vol. 10º, fi. 2.380), bem assim à estória falsa armada pelo Excepto e por Aldo, para que se tenha como certo que o Juiz prevaricou mesmo, e por diversas vezes, na mesma demanda, de forma continuada. Mesmo depois que o Excipiente lhe imputou o co­metimento do delito, ele ainda afrontou, às escâncaras e dolo­samente, a norma do artigo 737, lI, do Cód. Pro Civil, recebendo embargos de retenção por benfeitorias sequer alegadas pela inquilina no curso da ação principal, antes de seguro o juízo

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pelo depósito da loja disputada.

Diante de tudo isso, não há como cogitar-se de equívoco ou erro judicial, já que o Excepto mesmo confessou que decidiu deliberadamente contra disposições expressas de lei. É o que está em suas declarações (vol. 2º, fl. 319). Além disso, cuida-se de professor de Direito Processual Civil, então titular de vara cível, bem afeito ao procedimento das ações de despejo por falta de pagamento de aluguéis, de tramitação de área no foro do Distrito Federal. No Excepto, como acentuou o ilustre Des. Manoel Coelho, "a grosseria do erro descobre o erro da vonta­de".

Sobre tudo isso, nobre Ministro, é azado reconhecer que o Excepto se mostrou um habitual delinqüente no exercício da nobilitante função judicial. Foi o augusto Plenário do' egrégio TJDF, por dois terços de seus membros, que o testificou de maneira indelével.

Ali se diagnosticaram nada menos que nove crimes prati­cados pelo Juiz, todos cometidos no desempenho do cargo, por isso que o ilustre Des. Carneiro de Ulhoa, ex-Procurador-Geral da Justiça do Distrito Federal, como relator do processo admi­nistrativo, em diversos momentos de seu percuciente voto, mostrou ser "a conduta do Juiz incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções". (Cf. vol. 8º).

Dentre os delitos imputados pelo egrégio TJDF -ao Excep­to, contam-se três prevaricações, três estelionatos, um peculato, uma concussão e uma corrupção ativa, esta por venda de sen­tença, sendo intermediário no negócio afortunado o causídico Dr. REGINALDO OSCAR DE CASTRO.

Aliás, não se pode negar que uma das raras especialidades do Excepto era a de associar-se a advogados, que atuavam desen­volta e sem-cerimon'iosamente perante o sócio-Juiz, vencendo as causas, logrando invejáveis honorários e enriquecendo assim a súcia de malfeitores da Justiça da Capital da República.

Uma dessas sociedades foi concebida por instrumento par­ticular, levado a transcrição no Cartório do 2º Ofício de Títulos e Documentos de Brasília-DF, sob nº 502 de ordem, do livro A-2. (Vol. 2º, fls. 404/428).

Tão logo descoberto o contrato desavergonhado, que se tornou notório por força de escândalo jornalístico, o Excepto retirou-se da sociedade, mas, em seu lugar, entrou sua esposa,

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MARIA DAS GRAÇAS FAGUNDES REIS FARIAS (Vol. 2º, fls. 432/434).

O crime de peculato atribuído ao Excepto, em co-autoria, defluiu da venda pelo advogado MANOEL PEDRO ALVES, sócio do Juiz, na qualidade de liquidante judicial nomeado pelo par­ceiro, de cento e vinte (120) garrotes de raça Nelore, por preço superior ao que fez constar nas notas fiscais, apropriando-se da diferença. Isso sem falar que os bois foram vendidos para cus­teio das despesas das sociedades em liquidação, mas, deposita­da a vultuosa quantia num dia, no seguinte já o Excepto auto­rizava que seu sócio levantasse cerca de 95% (noventa e cinco por cento) do valor a título de antecipação dos honorários do liquidante. Hoje, esses 120 garrotes alcançariam a cifra aproxi­mada de Cr$ 13.000.000,00 (treze milhões de cruzeiros), lou­vando-se cada rês em dezoito arrobas, ao preço vigente de seis mil cruzeiros a arroba.

Um dos delitos de estelionato teria resultado do silêncio que o Excepto fez sobre sua condição de cunhado do empresário NORTON FAGUNDES REIS, a quem indicou para advogado do sócio Manoel Pedro Alves, e fez-lhe a venda judicial de um terreno de Mansão do Lago Norte, a preço vil, em prestações e sem correção monetária. A venda foi impugnada pelo Executa­do, mas o Excepto julgou todas as impugnações e incidentes ocorridos, culminando por homologar a alienação judicial, cujo título respectivo foi matriculado no Registro de Imóveis. Segun­do desconfianças que não se apuraram o Juiz e o sócio Advoga­do teriam sido os verdadeiros arrematantes do bem, participan­do o cunhado apenas como "testa-de-ferro".

O delito de concussão decorreu da exigência feita pelo Excepto à parte Theófilo Soares Souza Lima Netto de um sexto do valor por que se vendesse a fazenda Brioso, do Município de Três Lagoas, do Estado do Mato Grosso do Sul, imóvel esse que se encontrava sub judice. A exigência do Juiz, que, na época, correspondia a quinhentos milhões de cruzeiros - e, hoje, a cerca de trinta milhões de cruzeiros (Cr$ 30.000.000,00) - está gravada em duas fitas cassete, que foram por V. Exa. requisi­tadas ao TJDF e poderão ser ouvidas.

Tendo Theófilo se recusado a concordar com a venda da fazenda de 1.075 alqueires geométricos de terras, o Excepto, enfurecido, ordenou a venda judicial do imóvel. Isso, porém, só se mostraria legítimo se o bem fosse indivisível. Disso sabia o

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Excepto, motivo por que, para justificar a indivisibilidade e a venda, lançou nos autos essa decisão antológica:

"A fazenda não admite divisão cômoda entre os dois sócios, porque os animais não podem ser divididos em dois, as terras não podem ser divididas em duas, porque os tra­tores não podem ser divididos ao meio, e pelo simples moti­vo que a fazenda em seu todo é um bem complexo, que se dividido for, perde por completo o seu real valor".

A corrupção passiva foi descrita pelo então Des. Luiz Vi­cente Cernicchiaro, hoje nobre Ministro desta egrégia Corte, nestes preciosos termos:

"7 - Grave, no meu entender, é o que ocorreu relati­vamente à ação reivindicatória proposta por Geraldo Alves da Silva contra Paulo R. Peres de Almeida e sua mulher.

O referido Geraldo depõe afirmando que o advogado Doutor Reginaldo Oscar de Castro o procurara e dissera que o Juiz solicitara quantia "equivalente ao preço de um Che­vrolet-Opala de luxo, para que a ação chegasse a seu final".

Não se olvide que o mesmo Geraldo, tempos depois, modificou essa versão.

Há um fato a que empresto singular importância.

O referido advogado intimado para depor, buscando­se a verdade real, recusa-se a fazê-lo. Impetrou mandado de segurança, denegado, porém.

Os indícios devem ser invocados para esclarecer fatos conhecidos.

Estranha a recusa do advogado. Mais estranha ainda a atitude do Juiz, que continua a mantê-lo como seu advo­gado, tanto que, na 2!J Turma Cível, em julgamento de que participei, o causídico compareceu com o Magistrado e fez sustentação oral em apelação de interesse pessoal do defen­dente.

Acrescento: um dos advogados do ilustre Juiz, neste processo, é o nobre genitor do Dr. Reginaldo.

A lógica menor ensina que, no caso, ocorre uma das três hipóteses:

a) Geraldo mentiu. O advogado e o Juiz são vítimas de calúnia.

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b) O advogado traiu o Juiz. Utilizara indevidamente o nome do magistrado.

c) Geraldo disse a verdade. Advogado e Juiz recebe­ram a vantagem.

Se ocorresse a hipótese a, o advogado teria o maior in­teresse em depor. Explicar. Ser acareado com o depoente mentiroso. Tal não aconteceu. Ao contrário. Fugiu ao deba­te, à explicação, ao desmentido. Chegou a peticionar, decli­nando não querer a acareação.

Se ocorresse a hipótese b, o Juiz, por sua vez, teria interesse no depoimento do advogado. Não teria deixado o processo chegar ao ponto de julgamento sem que reclamas­se prova tão significativa.

Chama a atenção que o advogado do causídico no man­dado de segu,rança referido é o mesmo advogado do Juiz.

Não compreendo, infelizmente, a resistência do advo­gado e a omissão do Juiz.

Excluídas as hipóteses a e b, resta, lamentavelmente, a hipótese c.

Sinto-me constrangido. Cumpre-me, contudo, por im­perativo constitucional, extrair uma conclusão.

Concito o ilustre Juiz a reabrir o processo. Urge que a conclusão, hoje, data venia, evidente, no âmbito do conjun­to probatório, possa, amanhã, ser modificada, ensejando alteração de eventual pena.

Agora, por mais que me esforce, e muito me esforcei, não consigo acolher a hipótese a ou a hipótese b.

A resistência do advogado e o beneplácito do Juiz cons­tituem indícios veementes que consentem extrair a conclu­são de que a hipótese c é verdadeira.

Acrescente-se importante circunstância.

Geraldo foi o vencedor da demanda.

Não se fazem presentes, por isso, o rancor do vencido, a ira do prejudicado, o despeito do perdedor.

Mais uma vez as má~imas da experiência. A parte bem sucedida na demanda não alimenta mágoa do Juiz. Inves­tir, ao depois, há de existir fato significativo. Nada ocorre por acaso. Tudo tem motivo e finalidade.

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o segundo depoimento não está bem explicado. Certa­mente porque Geraldo foi advertido que incorrera também em crime.

Intriga-me, repito, a fuga do advogado, sem a repulsa do Juiz.

8 - Estranho, de outro lado, que o MM. Juiz não haja declinado suspeição na ação de execução proposta por Edson Carvalho de Mendonça contra Paulo de Carvalho Xavier.

Impunha-se fazê-lo. O arrematante era seu cunhado. Presume-se amizade

íntima, a teor do disposto no artigo 135 do Código do Pro­cesso Civil.

Assim, Senhora Presidente, o contexto das provas não favorece o defendente. Insisto, particularmente, no caso de Geraldo Alves da Silva.

Acompanho, então, o eminente Relator, inclusive quan­to à sanção disciplinar" (Cf. vol. 8º). Se se estivesse diante de Juiz que houvesse pela vez pri­

meira cometido um desvario, ou, então, de parcos conhecimen­tos de Direito Processual Civil, por certo que cresceria em di­ficuldades reconhecer contra ele a veracidade da imputação sustentada. Não assim, dada a vênia, ao Excepto, a quem não falecem fundamentos daquele ramo do Direito, do qual é profes­sor há vários anos, por mais isso que incontendível sabedor de todos os meandros procedimentais, máxime de ação singela como a de despejo por falta de pagamento de aluguéis.

Todas as vezes que deliberou contra disposições expressas de lei, fê-lo com consciência e não por mero engano. De tal espécie de desvario não se cuida na espécie. Ele próprio o con­fessou. Houve sempre dolo e manifesto.

Mesmo depois de advertido séria e fundadamente por jul­gamento da 1!! Turma Cível do TJDF, o Excepto prosseguiu afrontando a lei expressa, provavelmente seguro mais uma vez de sua impunidade, como acontecera ao ser julgado pela parti­cipação em sociedade de advogados, cuja pena recebida foi tão insignificante que mais se prestou a estimular que a dissuadir. Não há, data venia, como descriminar suas ações típicas.

A par disso, sendo-lhe aberta a oportunidade de compare­cer perante V. Exa. e o eminente Dr. Subprocurador-Geral da

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República, dele não se poderia aguardar outro comportamento que o do homem respeitoso, honesto, amante da verdade. Qual nada! O que fez foi desfiar estória fantástica, fruto de sua imaginação insana, que documentos bancários trituraram sem dificuldade. Que mais preciso para concluir-se de sua culpabi­lidade, principalmente se, no curso da ação questionada, come­teu não só um deslize, mas vários e todos inexplicáveis?

Emerge, portanto, que o Excipiente não lhe irrogou impu­tação falsa, mas bem de acordo com a verdade recolhida nos presentes autos, que denuncia o cometimento do crime de pre­varicação, em nível de continuidade delitiva. Verdade que ex­surge principalmente da grotesca farsa que -o Excepto idealizou e tentou passar.

Eis porque se espera que a exceptio ueritatis seja julgada provada, arquivando-se a demanda penal contra o Excipiente."

A fls. 2.505-2.597 estão as alegações finais apresentadas pelo ex­cepto, que, em preliminar, alega questão prejudicial, decorrente da cir­cunstância de o Ministério Público do Distrito Federal ter se manifesta­do favoravelmente a ele em duas oportunidades (fls. 2.505-2.506):

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"A primeira, quando, ao final de processo administrativo de perda do cargo, opinou, "à míngua de prova suficiente para embasar a condenação C .. ) em sede administrativa ou penal", pela absolvição do Juiz (VoI. 1, fls. 183-214, 214; grifos acres­centados). A segunda, quando, instado a novamente examinar a matéria, por conta de remessa de peças que lhe fez o Eg. Tribunal de Justiça do Distrito Federal, supostamente fundado no art. 40, do Código de Processo Penal, asseverou (VoI. 1, fls. 218-280, 280; grifos acrescentados), uerbis: "EX POSITIS, sen­do as questões do arquivamento e da obrigatoriedade da ação penal pública, duas faces da mesma moeda, carecendo o vigente Código de Processo Penal de um artigo que diga claramente quando o Ministério Público deve promover o arquivamento e, a contrario sensu, quando deve apresentar denúncia, elencan­do, porém, o artigo 43 dessa mesma Lei Adjetiva Penal os casos em que o Juiz deve rejeitar a vestibular acusatória e, por via de conseqüência, nestas hipóteses previstas, a ação penal não deve ser proposta e o inquérito ou peças de informação devem ser arquivados à falta de condição exigida pela lei para o exercício da ação penal (inc. IH), fórmula essa que, no fun­do, e, substancialmente, se resume à falta de "justa causa", que tenho como presente na espécie sub examinem, na qualidade de

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Procurador de Justiça que esta subscreve, com delegação plena do Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral, Dr. GERALDO NU­NES (Portaria nos autos e Ofício junto), meu parecer, secun­dando o anteriormente já emitido, é no sentido de que se PRO­MOVA o arquivamento dos presentes autos do PA nQ 2.879/87, ou das peças de informação que o compõem, por configurada ausência de justa causa para o exercício da persecutio criminis in iudicio, em virtude do que deixo de oferecer denúncia".

Após examinar, sob o aspecto doutrinário, a questão prejudicial relativa aos pedidos de arquivamento efetivados pelo Ministério Público do Distrito Federal, tece considerações sobre a delimitação do thema probandum nesta exceção e sobre o "momento da prática do crime pelo excipiente", aduzindo quanto ao mérito (fls. 2.517-2.535):

"I - AÇÃO DE DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTO PROPOSTA POR CMG - EMP. PART. LTDA. CONTRA FAGGU'S - CONFECÇÕES E MODAS LTDA. - (CAUSA RE­MOTA DA CONTROVÉRSIA PENAL)."

a) inexistência de amizade entre o Juiz e a Dra. Maria Fagundes de Souza

Constitui, esse o segundo processo de cujo exame o primei­ro relatório acusatório elaborado e redigido pelo Excipiente concluiu ter havido "falcatruas" praticadas pelo Excepto.

Iniciou, a acusação administrativa, por insinuar que (VoI. 4, fls. 812-813):

"Maria Fagundes é ligada ao Dr. Pedro Aurélio, por quem já foi designada perita-contadora, em diversos pro­cessos, com elevados honorários. Assim, por exemplo, atuou ela como perita na ação de dissolução e liquidação de socieda­de proposta pelo Dr. Theófilo Netto, já referida; também na falência da Construtora Embramar S/A, onde teve remune­ração fixada pelo Dr. Pedro Aurélio em um milhão de cru­zados (Cz$ 1.000.000,00) atuais, para realização de traba­lho simples, para o que ainda contratou os serviços de outro profissional, com retribuição autônoma."

A insinuação se apresentou absolutamente graciosa. O Juiz não teve e não tem com a perita qualquer ligação pessoal -nem há nos autos qualquer prova nesse sentido -, limitando­se a se utilizar de seus serviços, quando necessário, da mesma forma como o fazia com mais outros dez profissionais (VoI. 6, fl. 1.509).

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Mencionada senhora chegou mesmo a afirmar, em depoi­mento prestado à Comissão de Desembargadores, ainda na fase sindicante do procedimento; que "a Declarante, por época desse fato, não falou a respeito com o Dr. Pedro Aurélio, até porque se sente tímida diante dele e acha que ele tem um ar assim de pedante" (VoI. 4, fl. 735 - grifos acrescentados), o que só demons­tra a formalidade do relacionamento existente entre ela e o Juiz.

EraJ~la, todavia, perita respeitada e requisitada, há tempos, por inúm~ros Juízos do Distrito Federal, já havendo sido nomeada, dentre outros, pelos Drs. José Hilário Batista de Vasconcelos, Deocleciano Elias de Queiroga, Fátima Nancy Andrighy, Asdru­bal Zola Vasquez Cruxen e Natanael Caetano Fernandes, bem assim pelo hoje saudoso Desembargador Mello Martins. Era, sem dúvida, perita atuante, já havendo prestado serviços à 5!! Vara de Família, 3!!, 4!!, 5!!, 8!!, 9" e lO!! Varas Cíveis, e, por inúmeras vezes, à MM. 7!! JCJ do DF (VoI. 6, fls. 1.510-1.532).

A menos, pois, que se admitisse ser ela também intima­mente ligada - por exclusiva conta das apontadas nomeações - aos demais Juízes antes mencionados, não se poderia con­cluir que entre perita e Excepto pudesse existir qualquer vín­culo de ligação, intimidade ou amizade, a ultrapassar os estrei­tos limites do puro e simples relacionamento profissional.

b) depósito efetuado após a sentença: não caracterização de purga da mora

Seguiu adiante o primeiro relatório acusatório, partindo da falsa premissa de que existiria ligação estreita entre Juiz e perita, para afirmar (VoI. 4, fls. 813-814):

"Maria Fagundes de Souza fez com que Aldo (repre­sentante legal da ré da ação) dispensasse os serviços de sua advogada e colocasse na causa o Dr. Glênio Auto Monteiro Guimarães, que também já atuou por vezes como perito nomeado pelo Juiz. Este requereu e o Dr. Pedro Aurélio deferiu, mesmo após a sentença, que a Ré purgasse a mora. Feito o depósito, o Juiz sugere em despacho que a Ré ape­lasse da sentença, o que se observou.

Proposto o apelo, foi ele recebido em duplo efeito, im­pedindo-se a execução provisória da sentença. Na tentativa de aparentar a legitimidade de seu ato, o Juiz Pedro Auré­lio entende que a primeira Advogada da Ré teria cometido falta disciplinar e ordene que se oficie à OAB-DF para o devido procedimento, que se encontra em curso.

U. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39); 69·210, novembro 1992.

Não se pode negar que, depois de proferir sentença na demanda, o Dr. Pedro Aurélio reabriu o prazo para a purga da mora, o que se constitui em grosseira ilegalidade, já que a oportunidade para isso já se encontrava preclusa ( ... ), além de já haver terminado seu ofício. É o que prescreve o artigo 463, do Código de Processo Civil: ( ... ). Nem inexatidão ha­via, nem embargos foram opostos. Logo, a sentença era in­tocável.

Além disso, o Juiz sugere, após o depósito dos alugue­res, que a Ré apelasse da sentença. Feito isso, recebe ele o recurso em duplo efeito, em franca violação ao artigo 42 da Lei do Inquilinato.

A única explicação plausível para essa conduta seria a amizade dele com Maria Fagundes de Souza, mãe adotiva do Representante da Ré. (. .. )." Necessário se torna fazer um breve retrospecto do anda­

mento da causa. Proposta a ação, o Excepto designou data para a purgação

da mora, vindo em seguida, aos autos, petição da ré, com a concordância das autoras, solicitando a designação de nova data, o que foi atendido pelo Juiz (VoI. 6, fl. 1.533). No dia aprazado a ré não compareceu para purgar a mora, vindo as autoras, por petição datada de 29.10.86, requerer a prolação da sentença (Vol. 6, fl. 1.534). No dia subseqüente, 30, peticionou a ré ex­plicando que se encontrava viajando quando da publicação do despacho que designara nova data para a purgação da mora, e pedindo que outra data fosse marcada, determinando o Juiz que se pronunciassem as autoras (V oI. 6, n. 1.535). Por petição de 07.11.86, vieram as autoras sustentar o descabimento da pretensão da ré, requerendo fosse proferida a sentença (V 01. 6, fls. 1.536-1.537).

Após certificar-se de que os despachos haviam sido publi­cados corretamente (Vo1. 6, fl. 1.538), o Excepto proferiu sen­tença julgando procedente a ação (VoI. 6, fl. 1.539). Voltou a ré aos autos, todavia, reafirmando que não fora regularmente intimada para a purgação da mora (VoI. 6, fl. 1.540), o que fez com que o Juiz, posto houvesse despachado no rosto dessa pe­tição - "J. Já houve sentença. Indefiro." -, novamente deter­minasse à Secretaria que verificasse a regularidade da intima­ção, e atualizasse a conta (V o!. 6, fl. 1.541).

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Nesse ínterim, o representante legal da ré peticionou pes­soalmente, em 10.12.86, dizendo que vinha "comunicar a V. Exa. que em virtude dos desencontros, perda de prazo para sua defesa e continuados transtornos e configurando má-fé que so­mente lhe vêm causar prejuízos como poderá V. Exa. apurar, que a partir do presente momento a mesma já não é merecedo­ra de sua confiança, razão pela qual CANCELA a procuração que se encontra nos -autos.", havendo o Excepto determinado que fosse juntada e anotada a petição (VoI. 6, fl. 1.542).

N o dia seguinte, já representada por novo advogado, vol­tou a ré a requerer a purgação da mora, havendo o Juiz, em conseqüência, proferido o seguinte despacho (Vol. 6, fl. 1.543: grifos acrescentados):

"J. A questão da purga da mora já foi decidida. Contu­do, como vislumbro questão relevante a ser decidida pelo Egrégio TJDF, se for interposta apelação, determino que seja feito o depósito judicial das importâncias relativas aos alu­gueres em atraso, ad cautelam. Dê-se ciência à OAB/DF dos fatos mencionados na petição retro".

Interposta apelação, voltou o Excepto a assim se manifes­tar (VoI. 6, fl. 1.544):

"Há sérias acusações contra a antiga advogada do réu. Dê-se ciência do ocorrido à OAB-DF, para as providências cabíveis. Remetam-se cópias do processo. Recebo o recurso em seus regulares efeitos, em face da excepcionalidade do caso, ad cautelam. Ao apelado".

Vieram as autoras, então, requerer a extração de Carta de Sentença (VoI. 6, fl. 1.545), o que motivou despacho fundamen­tado da MM. Juíza Substituta Tânia Valadares Gontijo Sá Roriz (VoI. 6, fl. 1.546):

"Em face do recurso ter sido recebido em ambos efei­tos (despacho de fls. 70), não cabe execução provisória, motivo pelo qual indefiro a pretensão de fls. 80. c. .. )." Todos os despachos mencionados a partir do item 58, re-

tro, foram publicados, de uma só vez, no DJ de 20.02.87 (VoI. 6, fl. 1.547). Interposto agravo de instrumento pelas autoras (VoI. 6, fl. 1.548), o Excepto proferiu o seguinte despacho (VoI. 6, fl. 1.549):

"Mantenho o despacho agravado. O locatário deu mos­tras ao curso da ação principal de que dispunha de nume-

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rano suficiente para purgar a mora, que somente não foi requerida por desídia de seu advogado, conforme suas pró­prias palavras.

Sua argumentação foi forte o suficiente para este Juízo temer estar frente a procedimento no mínimo duvidoso pra­ticado pelo mencionado patrono, a ponto de extrair e reme­ter peças à Seccional da OAB.

Estas razões porque este Juízo, a lattere de dispositivo processual expresso, admitiu ad cautelam o duplo efeito ao recurso interposto.

Se realmente houve desídia com participação ativa do locador, a ninguém é facultado beneficiar-se com a própria torpeza.

O depósito efetivado à fl. é suficiente para o pagamen­to dos alugueres atrasados, o que por si só torna íntegro o contrato de locação do imóvel, localizado em privilegiado setor de compras da cidade.

Subam." Como ato subseqüente, houve o julgamento desse agravo,

ocasião em que o Excipiente sugeriu, por entender que o Excep­to havia prevaricado, que se adotasse o procedimento que deu origem ao pré-falado processo administrativo.

O que se pode ver, todavia, do exame dos fatos antes se­qüencialmente narrados, é que, a par de não haver nenhuma intimidade entre o Juiz e a Dra. Maria Fagundes, o Excepto em nenhum momento admitiu, tal como concluiu o primeiro relató­rio acusatório, a purga da mora. Pelo contrário, indeferiu ex­pressamente a pretensão em duas oportunidades distintas (cf. Vol. 6, fls. 1.340 e 1.543).

Extremamente facciosa, sem dúvida - como, aliás, todas as demais ilações tiradas pelo Excipiente -, foi a conclusão adotada, nesse ponto, pelo primeiro relatório acusatório. Nenhum intérpre­te, salvo se predisposto a empreender exegese direcionadamente contorcida, poderia atribuir ao ato praticado pelo Excepto, a ab­surda conseqüência jurídico-processual de admissão de purga da mora, após a prolação da sentença. Até porque, por flagrantemen­te ilegal, teria vida curta a ínvia solução.

Ao determinar que a ré depositasse o numerário, no mes­mo despacho em que pela segunda vez indeferira o pedido de purgação da mora, buscava o Excepto apurar se ela realmente

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dispunha de condições financeiras para praticar o ato. Podia tratar-se de mero golpe, envolvendo assunto da maior impor­tância, e a não realização do depósito permitido propiciaria a constatação da trama. O contrário ocorreu, provando a ré, efe­tivamente, com o depósito, que tinha recursos suficientes para purgar a mora se oportuno fosse.

c) o penúltimo sofisma do Excipiente

Disse o Excepto, aliás, em suas declarações (Vol. 2, fl. 318), que "após a publicação da sentença", (de despejo, o que ocorreu a 04.12.86) "no mesmo dia foi o declarante procurado em seu gabinete por um senhor escuro" (Aldo Fagundes de Souza, representante da ré) "portando uma mala marrom bem cheia, dizendo-se réu da ação, que entre choro e soluços, tal homem lhe afirmou ser o réu da ação e que havia sido ludibriado por sua advogada, que não o havia alertado da data designada para a segunda purga da mora; que o fato que mais emocionou o declarante foi o de o mencionado senhor ter aberto a sua mala e mostrado no seu interior pacotes de dinheiro ... ". Ouvido, Aldo, por sua vez, afirmou (Vol. 10, fls. 2.378-2.380): "que, para fins de purga da mora levou o dinheiro a juízo dentro de uma pasta; que, quando levou o dinheiro, conversou com uma pessoa, que não tem certeza, mas acha que era o Juiz; que não se lembra bem como era a pessoa, mas tem certeza de que era o Juiz; que acha que mostrou o dinheiro ao Juiz; (. .. ); que após mostrar o dinheiro ao Juiz disse ele que tinha que procurar advogado, o que fez procurando o Dr. Glênio. C.'); que dona Maria Fagun­des não lhe disse que tinha acesso ao Juiz, mas iria indicar-lhe um advogado; (. .. ); que o Juiz não manifestou interesse em ajudá-lo, mas mandou que procurasse advogado; que chorou perante o Juiz da vara quando o procurou; C .. ); que não se lembra da quantia que levou para purgar a mora; (. .. ); que assinou a petição de fls. 61 da ação de despejo" (aquela em que acusara sua advogada de desídia) "movida contra sua empresa; que não sabe quem redigiu a referida petição; que hoje não sabe nem porque assinou a referida petição; que após a perda da loja sua memória piorou; (. .. ); que o dinheiro contido na sua mala foi depositado na Caixa que se não lhe falha a memória está situada lá mesmo no prédio do juízo; (. .. ); que levou o dinheiro a juízo porque à época não possuía talão de cheques, usava cheques avulsos; que tirou o dinheiro no Banco Mercantil, es­teve na sua loja e depois que se dirigiu ao fórum; que na época

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em que foi levar a mala de dinheiro esteve com uma pessoa de bigode, e que depois é que veio a saber tratar-se do Dr. Pedro Aurélio; t . .); que não se lembra quem lhe deu a petição antes referida, constante dos autos da ação de despejo, para que assi­nasse; que não se lembra mas acha que depôs umas duas vezes no Tribunal de Justiça; C .. ); que não disse que a irmã dele Maria Fagundes era muito amiga do Dr. Pedro Aurélio; que quando sua irmã disse que ia dar um jeito na ação de despejo, segundo consta do seu depoimento à Comissão de Desembargadores quis dizer que ia arrumar um advogado para ele;".

Como apurou-se, só agora, no curso da instrução da pre­sente exceção da verdade, que Aldo não dispunha de suficiente saldo bancário por ocasião da nova data fixada para a purgação da mora (24.10.86); que, ao contrário do que dissera, Aldo se utilizava de cheques à época da publicação da sentença de despejo e de sua ida à presença do Excepto; que o depósito em Juízo se dera em cheque e, não, em dinheiro, como afirmara; e que o depósito só se dera a 12.12.86, dias depois, portanto, da data da publicação da sentença de despejo e de sua estada no gabinete do Juiz (04.12.86), aproveitou-se o Excipiente para desenvolver, em suas alegações finais, extensos capítulos inti­tulados "IH A ESTÓRIA ABSURDA E FALSA ENGENDRADA PELO EXCEPTO PARA TENTAR EXPLICAR SUA AÇÃO CRI­MINOSA" e "IV - DERRADEIRAS CONSIDERAÇÕES SIGNI­FICATIVAS" (VoI. 10, fls. 2.438-2.459), nos quais pretendeu demonstrar toda uma trama montada, de comum acordo, entre o Excepto e Aldo Fagundes de Souza, com um escopo único de iludir, enganar os eminentes julgadores de agora.

Trata-se, contudo, de apenas mais um dos muitos sofismas desenvolvidos pelo Excipiente. Pouco importa, com efeito, que Aldo se utilizasse, ou não, de cheques; que tivesse, ou não, saldo à época da segunda data fixada para a purgação da mora; ou que só tenha realizado o depósito deferido ad cautelam, oito dias após ter estado com o Excepto. É que este último não afirmou, em nenhum momento, que o depósito tenha se dado dessa ou daquela forma, ou mesmo que Aldo tivesse suficiente saldo bancário ou em cofre no dia 24.10.86; ou, ainda, que o depósito se tivesse realizado no dia 04.12.86. Tal fato realmente ocorreu, e o levou, sem dúvida, como antes já explicado, a ad­mitir o depósito ad cautelam e a receber a apelação, posterior­mente aviada em ambos os efeitos.

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o que afirmou o excepto, com efeito, foi que Aldo esteve na sua presença, mostrando-lhe uma mala cheia de dinheiro, que examinou, MAS NÃO CONTOU. Não afirmou que o dinheiro ali contido bastasse categoricamente, à purgação da mora - embora essa tivesse sido a sua impressão -, nem que fora retirado do cofre da empresa, ou desse ou daquele Banco. Disse, apenas, que Aldo aparecera com a mala, chorando por ter sido enganado. O próprio Aldo afirmou que o Excepto lhe mandara procurar um advogado, o que fez em seguida, tanto que "cancelou" a anterior procuração no dia 10, peticionou por meio de novo causídico no dia 11, e promoveu o depósito cautelar no dia 12 de dezembro de 1986 (VoI. 6, fls. 1.542, 1.543 e VoI. 10, fl. 2.398).

Só mesmo na cabeça do Excipiente pode ter passado a possibilidade de que o Excepto, Juiz experiente - como ele mesmo reconhece -, pudesse montar, com a inocência dos dementes, estratagema tão facilmente derrubável, mentira de perna tão curta, para cuja descoberta bastaria buscar-se prova documental bancária, imutável por quem quer que seja.

d) recebimento de apelação com efeito suspensivo - Ino­corrência de prevaricação

Resta, pois, saber se o fato de haver o Excepto recebido o recurso também no efeito suspensivo pode ter importado na prática do crime de prevaricação, como quis o tal relatório.

Cabe, aqui, uma pergunta. O que faria V. Exa., na condi­ção de Juiz de primeiro grau, se se deparasse com semelhante questão? Provavelmente agiria da mesma forma que o Excepto, dando ao recurso, justificadamente, efeito que, conquanto legal­mente incabível, produziria conseqüências de extrema justiça, a saber: a) adiar a execução da sentença; b) evitar possível injus­tiça, possibilitando ao Eg. Tribunal ad quem dar, enquanto tempo, a última palavra sobre a controvérsia.

Talvez o erro cometido pelo Excepto - e errar não é cri­me, humano que é - tenha sido antecipar, como Juiz de pri­meiro grau, a prestação jurisdicional costumeiramente deferi­da, sempre liminarmente, pelos eminentes Desembargadores do Eg. Tribunal de Justiça do Distrito Federal.

Exemplo típico se vê no r. despacho, da lavra do eminente Desembargador Guimarães de Souza, proferido na Reclamação 668 e publicado à pág. 28.772 do DJ de 15.12.77 - em cuja folha também se vêem dois outros despachos liminares, conces-

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sivos de efeito suspensivo a agravo de instrumento -, mesmo mês em que o Excepto foi afastado liminarmente de suas fun­ções (VaI. 5, fl. 1.550):

"Os reclamantes pretendem se dê ao seu recurso o efeito suspensivo, não concedido pela eminente Juíza. É certo que o efeito da apelação interposta da sentença que julga im­procedentes os embargos opostos à execução é somente de­volutivo. Todavia, no caso presente, como já houve diversos questionamentos a respeito desta alienação judicial e por não ser heterodoxo o entendimento no sentido de se conce­der também o efeito suspensivo ao apelo neste caso, resolvo deferir a liminar, pelo prazo de 60 (sessenta) dias, de acor­do com o art. 163 do RI, determinando que se recolha a Carta de Arrematação. Muito embora não se haja praticado erro de procedimento, em virtude da divergência que gras­sa a respeito do tema, entendo que, no presente caso, a boa prudência aconselha a que se suste a expedição do referido documento. Comunique-se."

São exceções, sem dúvida, que se impõem em função das peculiaridades de cada caso concreto, que se apóiam e tomam corpo na construção jurisprudencial, e justa que, diante da iminência de periculum in mora e constatada a existência de fumus boni juris, aconselham a prática de atos que, posto ile­gais - porque não previstos em lei -, evitam a execução, possivelmente desastrosa, de determipado ato judicia1."

e) escusabilidade de eventual erro praticado pelo Excepto

Impõe registrar-se, por outro lado, a evidente ausência de prova do dolo do Excepto, na prática do ato inquinado de crimi­noso (receber um recurso no duplo efeito contra literal disposição legal). Mesmo com a participação do Excipiente, o fato concreto é que nem por meio da malsinada Comissão de Sindicância, nem tampouco, na instrução da presente exceção da verdade conse­guiu-se caracterizar, fazer a prova do dolo do agente.

"É o dolo específico", - leciona HELENO FRAGOSO ("Li­ções de Direito Penal", José Bushatsky, 2i! ed., pág. 1.113) -"que consiste na vontade conscientemente dirigida à prática de qualquer das ações que constituem a materialidade do fato, para o fim de satisfazer interesse ou sentimento pessoa1."

Ora, é de comum sabença que o dolo não se presume, antes prova-se. Assim, para a definitiva prova da prática do

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crime de prevaricação imputado ao Excepto, necessário seria a prova efetiva de que o Juiz prevaricara no exercício de suas funções judicantes.

"É indispensável" - diz, adiante, o saudoso jurista - "que a ação ou omissão seja praticada para satisfazer interesse ou sentimento pessoal ( ... ). - O interesse pessoal pode ser de qual­quer espécie (patrimonial, material ou moral) ( ... ). - O interesse pessoal diz respeito com a afetividade do agente em relação às pessoas ou fatos a que se refere a ação a ser praticada, e pode ser representado pelo ódio, pela afeição, pela benevolência etc. A eventual nobreza dos sentimentos e o altruísmo dos motivos de­terminantes são indiferentes para a configuração do crime, embo­ra possam influir na medida da pena."

Apesar de uma única testemunha arrolada pelo Excipiente - o Dr. Joseval Siqueira, advogado sobre o qual se falará adi­ante (itens 118 a 129, infra) - ter afirmado ser a irmã de Aldo Fagundes, amiga íntima do Excepto, com quem teria totalliber­dade de entrar e sair a qualquer hora de seu gabinete, além de ser aquinhoada com milionárias perícias, a verdade é que uma longa série de outras insuspeitas testemunhas - tratadas pelo Excipiente, em suas alegações finais, como "testemunhas de canonização" - afirmaram justamente o contrário, ou seja, que a referida contadora tinha verdadeiro receio em dirigir-se ao Excepto, a ponto de pedir inúmeras vezes aos funcionários do Cartório que a introduzissem no gabinete do Juiz para tratar de assunto profissional.

A atitude do representante legal da locatária foi suficien­temente forte para levar a dúvida ao espírito do julgador, que já tinha alguma experiência profissional anterior, aliás não muito boa, com os patronos da locadora. Pareceu ao Excepto que a versão que lhe foi apresentada - a de que o Sr. Aldo havia sido traído por sua advogada, que ter-se-ia aliado ao adversário para obter a rescisão do contrato e a desocupação da loja -, era verissímil. Essa impressão do Juiz do feito, é ínsita à formação de sua livre convicção, cabendo salientar que o artigo 52, Lei de Introdução ao Código Civil, dá ao Juiz o poder de aplicar a lei atendendo aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum, não sendo dado a ninguém beneficiar-se em decor­rência de sua própria torpeza.

O Excepto nunca teve qualquer intimidade ou conheci­mento maior, quer com o representante legal da locatária, quer

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com sua irmã, Dra. Maria Fagundes, a qual, apesar de prestar serviços de contabilidade à Vara em que é ele titular, e também em inúmeras outras Varas da Justiça local e da Justiça do Trabalho, nunca teve com ele a menor intimidade, nem mesmo para entrar no seu gabinete, quanto mais para pedir favores ou gentilezas jurídicas.

O que o levou a deferir, justificada e motivadamente, diga­se mais uma vez, o recebimento do recurso em seu duplo efeito, foi, exclusivamente, a sua livre convicção de estar agindo de for­ma absolutamente correta e coerente, e de impedir, pelo menos até a apreciação do recurso pelo Eg. Tribunal ad quem, a prática de um ato que lhe pareceu, naquele instante, ilegal e indigno.

Não houve em nenhum momento qualquer outro dado sub­jetivo que pudesse interferir no ato do Juiz do feito, senão o de simplesmente convencer-se, à frente de dados materiais - a apresentação do dinheiro e a acusação formal contra a advoga­da da locatária - de que algo de muito sério havia acontecido em sua Vara.

Apesar do Excepto não ter o patrono do locador em bom conceito profissional, isso não significa que por conta desse sen­timento o Juiz vivesse a julgar contra seus interesses ou os de seus constituintes. Apenas lhe pareceu que a versão apresenta­da de forma convincente pelo representante legal da locatária era verossímil, muito possível de ter realmente acontecido, pois os advogados que ali estavam envolvidos não lhe inspiravam irrestrita confiança.

O Excepto não tinha motivos para desacreditar das infor­mações que lhe prestara o Sr. Aldo, ou, pelo menos, embora os tivesse para ter dúvidas fundadas acerca do procedimento na­quela oportunidade denunciado. Como não dispunha de dados maiores para a liminar averiguação do ocorrido, e pelo fato da sentença de despejo já ter sido proferida, o fato à Seccional da OAB-DF para fins de apuração da possível falta ética e profis­sional no foro competente, e recebeu motivadamente o recurso em seu duplo efeito.

É de salientar-se, ademais, que, caso fosse verdadeira a propalada amizade íntima entre a irmã do Sr. Aldo e o Excepto, não haveria razão para que ela não tivesse procurado o Juiz antes de proferida a sentença, logo ao início do feito, deixando para fazê-lo somente após a decretação do despejo.

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A conclusão é que, ainda que não devesse o Juiz, ad argu­mentandum, dar ouvidos às denúncias formuladas pelas partes, em o fazendo teria incorrido o Excepto em error in procedendo ou in judicando, não se fazendo presente à essa ação o dolo específico, exigido pelo tipo penal subjetivo formulado pelo ar­tigo 319 do CPB.

Tivesse o Juiz errado ao ter recebido o recurso no duplo efeito, quando por lei somente deveria sê-lo em seu efeito me­ramente devolutivo, o error in procedendo ou in judicando ser­viria por si só para excluir a consciência da ilicitude do ato, e por conseguinte a culpabilidade do agente.

Sobre o tema, vale rememorar preciosa lição do eminente Professor e Ministro ASSIS TOLEDO (O Erro no Direito Penal, Saraiva, 1977, pág. 49), verbis: "O que importa, pois, para que se dê um erro sobre os elementos do tipo (= erro de tipo, Tatbestan­sirrtum) não é a natureza do elemento sobre que recai o erro (elemento fático, descritivo ou jurídico-normativo) mas que este efetivamente recai sobre um dos elementos essenciais do tipo, seja qual for." Mais à frente, às fls. 52, continua o festejado Jurista e Juiz: "O Código Penal vigente declara no artigo 17, segunda parte " ... quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima". O preceito é complementado pelo § 1º do mesmo artigo: "Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo". Essa orientação coincide em boa parte com a da chamada teoria limitada da culpabilidade (supra, capo 2, 3, b.b) que classifica com erro de tipo, excludente do dolo, o que recai sobre os pressupostos objetivos de uma causa de justificação, in verbis: 'designa-se por erro de tipo permissivo o erro sobre os

"pressupostos típicos de uma causa de justificação reconhecida. Ele ocorre quando o autor tem erroneamente por existentes cir­cunstâncias que, no caso de sua existência real, justificariam o fato' ".

Não havendo o dolo do agente, nem a sua prova, vislum­bra-se que o máximo que pode ter ocorrido com o Excepto foi ter incorrido na prática de um error in procedendo ou in judican­do, por ele praticado na mais absoluta convicção de que estava agindo corretamente, em face dos elementos fáticos que lhe estavam sendo apresentados, o que por si só serve para excluir a ilicitude do tipo, já que envolvido por erro plenamente justi­ficável nas circunstâncias.

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Não havendo nenhuma espécie de dolo na ação do agente, e demonstrado que o máximo que pode ter ocorrido foi a prática de um error in procedendo ou in judicando por parte do Excep­to, vê-se que a exclusão da ilicitude do tipo é um imperativo de justiça, e não admitindo o crime previsto no artigo 329 do CPB a forma culposa, tem-se como totalmente falsa a afirmativa do Excipiente de que o Excepto praticara o crime de prevaricação.

É bem verdade que ao Juiz não competia modificar a sen­tença que proferira, mas nada lhe impedia de propiciar a opor­tunidade da prática - ou da sua não realização - de um ato processual e juridicamente irrelevante, cujo resultado, positivo ou não, só viria dar ao Eg. Tribunal de Justiça do Distrito Federal a exata noção da confiabilidade das acusações lançadas pela Ré.

De outro lado, o encaminhamento de peças à Ordem dos Advogados do Brasil - ao contrário de importar "tentativa de aparentar a legitimidade de seu ato" -, decorreu do estrito cumprimento de dever legal imposto ao Juiz (art. 40 do CPP).

Vale, no ponto, sublinhar-se, retirando-o da última mani­festação do Ministério Público do Distrito Federal, o seguinte excerto (Vo1. 1, fls. 262-263), verbis:

"O despacho agravado foi mantido, e, por ocasião de seu julgamento, no Tribunal, o Excelentíssimo Senhor Desembar­gador Irajá Pimentel sugeriu, por entender que o indiciado havia prevaricado, que se adotasse o procedimento que deu origem à instauração do processo administrativo.

Novamente, ao exame desses fatos, há que se pergun­tar, em que teria consistido a prevaricação, onde a con­duta do indiciado poderia subsumir-se no tipo do artigo 319 da Lei Substantiva Penal? Na amizade íntima com a peri­ta, que não se confirmou? No indeferimento, por duas vezes seguidas, do pedido de purgação da mora? No determinar o depósito, a lattere da sentença, a fundamento de que alega­va o réu graves prejuízos para a sua defesa, com a perda do prazo por parte de seu antigo advogado? No recebimento da apelação em seu duplo efeito? Esse ato, o do recebimen­to do recurso no duplo efeito, teria sido realmente contrário à lei?

Houve, sem dúvida, uma antecipação de 'prestação jurisdicional costumeiramente deferida, sempre liminarmen-

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te, pelos eminentes Desembargadores deste E. Tribunal', esclareceu o Magistrado em sua defesa, invocando inúme­ros precedentes consubstanciados em construção jurispru­dencial hoje plenamente admitida, tendo-se em vista a pro­vável ocorrência do periculum in mora, mas daí à adequação dos fatos ao tipo do artigo 319 vai um enorme e intranspo­nível obstáculo jurídico-penal, que é a ausência do dolo, ou seja, a vontade livre e consciente de praticar as ações e omissões indicadas e o elemento subjetivo do tipo expres­so pela especial finalidade de agir para 'satisfazer interesse ou sentimento pessoal'.

Poder-se-á até argumentar com a possível existência de error in procedendo, pela antecipação com que se houve o magistrado na prática concessão liminar, mas nunca com o tangenciamento à norma penal. E ainda que se lhe pudesse atribuir o erro ou a culpa no reconhecimento do duplo efeito ao recurso, doutrina e jurisprudência dos tribunais são acor­des em que na prevaricação 'não há punição a título de culpa' (CELSO DELMANTO, in Código ... )".

f) indisfarçável presença do dolo na ação do Excipiente

Diferentemente de quando se relaciona com a conduta do Excepto, o dolo da ação do Excipiente apresenta-se evidente. Poder-se-ia mesmo dizer ser ele reincidente mais do que espe­cífico na acusação leviana que costuma dirigir a seus colegas (cf. itens 236 a 243, infra), sendo certo que, no caso concreto, se não agiu com dolo direto - vontade e consciência dirigidas à prática do crime -, sem dúvida obrou premeditadamente, movido pelos efeitos do dolo eventual.

Cabe, aqui portanto, lição de NÉLSON HUNGRIA (Co­mentários ao Código Penal, Forense, Rio, 1945, Vol. VI, pág. 32): "Segundo a regra geral, o dolo, in subjecta materia, pode ser direto ou eventual. Não basta, para o reconhecimento da dolosidade, a simples consciência do caráter ofensivo da ação, é suficiente, entretanto, que a previsão do resultado lesivo não tenha servido de contramotivo à ação, isto é, basta que o agen­te, embora sem querer, positiva ou diretamente, o previsto re­sultado lesivo, consinta ex ante no seu advento. - Assim, se alguém, fundado em prova incapaz de gerar certeza, atribui a outrem a autoria de um crime, não ~e isentará, se falsa a acu­sação, da pena de calúnia".

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 69·210, novembro 1992 ..

Não é outro o entendimento de HELENO FRAGOSO (ob. cit., 1!! vol., pág. 152), uerbis: "A falsidade é elemento constitu­tivo do crime ... O dolo neste crime exige a consciência da fal­sidade da afirmação feita, ou pelo menos a dúvida quanto à falsidade (dolo eventual)".

As provas por último requeridas pelo Excipiente (requisi­ção dos extratos de conta corrente das empresas do Sr. Aldo), estão a demonstrar que até hoje guarda ele dúvida invencível sobre a veracidade da imputação feita ao Excepto, pois, caso contrário, deveria dar-se por plenamente satisfeito com aque­las, por ele mesmo produzidas e coligidas. em benefício próprio, no curso da sindicância realizada pela comissão da qual parti­cipou.

O dolo direto do agente está mais do que evidente, pois a todo momento o mesmo repete suas insólitas e despropositadas acusações, como se pudesse a todos enganar por todo o tempo.

g) despacho de· autos no curso das férias Encerrando a parte relacionada com a ação em tela, con­

cluiu o primeiro relatório, que (VoI. 4, fls. 814-815):

"c. .. ). O comportamento do Dr. Pedro Aurélio ainda tornou-se mais grave ao despachar os autos já em gozo de férias e de alterar despacho nos embargos de retenção por benfeitorias opostos pela Ré, ordenando a realização de perícia, de molde a impedir a execução da sentença de des­pejo, depois de provido o agravo de instrumento, viabilizan­do a execução do julgado.

Essas conclusões decorrem de provas colhidas nos au­tos desse procedimento administrativo, além de dados da mencionada ação e recursos respectivos." Como não disse o relatório aonde se encontram tais pro­

vas, restou ao Excepto procurá-las ... O primeiro indício, a seu ver, poderia ser aquele encontra­

do no depoimento prestado pelo Dr. Joseval Siqueira, no dia 07.08.87, verbis (VoI. 3, fls. 509-513):

"C .. ); que o novo advogado da Ré foi o Dr. Glênio Auto Monteiro Guimarães, muito amigo do Juiz, Dr. Pedro Au­rélio, e com o qual já serviu em inúmeras perícias" (fl. 509); "que no dia três, compareceu em cartório para apresentar o registro e então se defrontou com um despacho proferido

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pelo Dr. Pedro Aurélio nos autos dos embargos de retenção, datado de trinta de junho anterior; que embora não possa prová-lo, o Declarante tem absoluta certeza e convicção de que esse despacho deve ter sido proferido no dia dois de julho, com data anterior de trinta de junho; que a colega de escritório do Declarante lhe afirmou que esteve no fórum nos dias primeiro, dois e três de julho, tendo visto o Dr. Pedro Aurélio trabalhando nos três dias;" (fl. 511).

Veja-se o que disse a colega de escritório do Dr. Joseval Siqueira, a Dra. Luziana Machado de Araújo (VoI. 3, fls. 627-628):

"c .. ); que estando no fórum também nos dias primeiro, dois e três de julho, encontrou nos três dias o Dr. Pedro Aurélio, que se encontrava em seu gabinete, despachando; que por isso está convencida de que o despacho nos embar­gos de retenção, implicando na paralisação do despejo, foi proferido no início de julho, mas com data de trinta (30) de junho, ou seja, foi proferido quando o Dr. Pedro Aurélio já se encontrava em férias;" (fl. 627). Outro suposto indício poderia estar no depoimento presta­

do, em 13.08.87, pelo Dr. Antônio Lins Guimarães (VoI. 3, fls. 514/518):

"c .. ); que mais tarde o Depoente veio ao Tribunal e aqui obteve o ofício ao Juiz comunicando o deferimento da liminar no mandado de segurança; que o Depoente entre­gou o ofício à Dra. Divosana e pediu que os autos fossem feitos conclusos ao Dr. Pedro Aurélio, quando então foi in­formado de que ele se encontrava em férias e ali estava em exercício o Dr. Waldir Leôncio; que pouco depois chegou o Dr. Pedro Aurélio e entrou no gabinete dele, mas o Depo­ente não quis procurá-lo porque já informado de achar-se de férias; que, entretanto, o Depoente, enquanto aguarda­va que o Dr. Waldir Leôncio terminasse uma audiência de duas horas e meia, mais ou menos, pôde perceber que di­versos advogados entravam com petições no gabinete do Dr. Pedro Aurélio e de lá saíam com elas despachadas; que o Depoente não tem dúvida disso porque a letra do Dr. Pedro Aurélio e sua assinatura são muito conhecidas; C .. ); que no dia seguinte, 03 de julho, o Depoente ainda muito aflito voltou ao fórum c. .. ); que novamente, estando no corredor, viu quando o Dr. Pedro Aurélio chegou e entrou em seu

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gabinete, tornando a despachar petições de advogados que ali entravam" (fls. 516-517).

A esses supostos indícios somar-se-ia, finalmente, o depoi­mento prestado pelo ilustrado Juiz Substituto Dr. Waldir Leôn­cio Júnior (VoI. 3, fls. 562 e v.):

"c. .. ); que o Dr. Pedro Aurélio entrou em gozo de férias no dia 02 de julho, uma quinta-feira, mas nesse mesmo dia 02 e no dia 03 seguinte ele ainda compareceu ao fórum e ocupou o gabinete dele; C.'); que no dia 02 de julho, o Depoente também esteve presente, despachando processos, no gabi­nete do Dr. Pedro Aurélio; que o Dr. Pedro Aurélio também despachou processos nesse dia, mas o Depoente não sabe se as decisões foram datadas do dia 02 ou de data anterior; que no dia 03 o Depoente não sabe se o Dr. Pedro Aurélio despachou processos, mas ele disse ao Depoente que não; que no dia 03, quando estava no gabinete da 2!! Vara de Delitos de Trânsito, ali compareceu o Juiz aposentado Dr. Sebastião Rios Corrêa, que disse ao Depoente encontrar-se com o Dr. Pedro Aurélio no gabinete dele, mas que não estaria despachando;". Há que se ir por partes.

Primeiramente, que não despachou a ação de despejo em questão, nem, tampouco, deu seguimento a petições apresenta­das pessoalmente por advogados, afirmou-o, nas razões finais de defesa que apresentou no processo administrativo - já que em momento algum foi ouvido naqueles autos -, categorica­mente, o Excepto.

Reconheceu, em segundo lugar, como afirmou o ilustre Juiz Waldir Leôncio Júnior, que realmente esteve em seu gabinete nos primeiros dias de julho de 1987. Foram passagens ligeiras, pois a razão principal de o Excepto haver ido ao fórum estava em que tinha consultas médicas nos dias 01, 02 e 03 daquele mesmo mês (Vol. 6, fl. 1.551), sendo que, no dia 02, primeiro dia de suas férias, ainda proferiu despachos de mero expediente em alguns feitos que antes lhe haviam ido conclusos.

Teria, com isso, praticado algum ato ilícito? A experiência mostra que não.

Do experiente Desembargador que se aposenta, ao jovem Juiz que inicia carreira, colhe-se unânime opinião a respeito da prática de tais atos. Com efeito, na última edição, àquela época,

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do Jornal da Ordem encontra-se artigo tratando da então re­cente aposentadoria do eminente Desembargador Dirceu de Faria, cujo texto inicia-se com palavras daquele ilustrado Ma­gistrado (Vol. 6, fl. 1.552), uerbis:

"Juiz em Brasília não tira férias para descansar. A solução é aproveitá-las para pôr em dia o serviço." Idêntica opinião se extrai do depoimento prestado, já na

fase instrutória do processo administrativo, pelo Dr. Waldir Leôncio Júnior (Vol. 4, fls. 1.020-1.021 v.; 1.021; grifos acres­centados).

"(. .. ); que o Depoente e outros juízes, mesmo estando em férias, prolatam sentenças em processos a que estejam vinculados, despachando nos processos que foram conclu­sos, com isso procurando evitar prejuízo às partes e não permitir o acúmulo dos feitos;" Essa era e é a realidade da Justiça local, bem assim da

brasileira em geral, em que magistrados de todos os graus são obrigados a se desdobrar para dar conta da carga de trabalho a que são afeitos. Não há sábado, domingo ou feriado em que não se tenha trabalho para realizar, autos para estudar. Férias, nem se falar.

Quis o relatório acusatório redigido e elaborado pelo Exci­piente, todavia, contrariando-a excepcionalmente, crucificar o Excepto, que a seguiu e nela se enquadrou, proferindo, já de férias, dois ou três despachos de mero expediente, em autos que antes já lhe tinham ido conclusos.

h) testemunhos suspeitíssimos

Já afirmou o Excepto, anteriormente, que não proferiu nenhum despacho na ação de despejo em questão. É, pois, a sua palavra contra a do advogado Joseval Siqueira, sobre cuja va­lidade passa-se agora a fazer algumas considerações.

Responda-se, primeiramente, o que foi fazer, e sob que pretexto, o Dr. Joseval Siqueira, na presença da Comissão de Desembargadores encarregada de apurar fatos relacionados com a Vara de Falências, Concordatas e Registros Públicos, se seu depoimento não traz uma linha a respeito daquele MM. Juízo, limitando-se a fazer acusações ao Excepto, e ao seu comporta­mento à frente da 5ª Vara Cível e na condução da ação de despejo já referida, na qual fora ele advogado da parte agra­vante?

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Simples é a resposta, embora não ajude a quem pretenda defender a isenção - pela não interferência do inimigo pessoal' do Juiz - das conclusões dos relatórios acusatórios sob comen­to.

Antes que o Eg. Tribunal Pleno decidisse determinar a instauração de sindicância contra o ora Excepto - o que só se deu em 25.09.87 (Vol. 3, fl. 525) -, o Excipiente, com a compla­cência, voluntária ou não, de seus eminentes pares junto à Comis.são encarregada da apuração de fatos relacionados com a Vara de Falências, decidiu realizar sindicância pessoal, decidiu antecipar, e para tanto fez as gestões cabíveis, a constituição de provas contra o Excepto. E assim é que se ouviu, em 7.8.87, o referido advogado, autor do Agravo de Instrumento nQ 1.855, pessoa que obviamente não falaria bem do Juiz, embora nada tivesse a dizer, como não o disse, sobre a Vara de Falências.

O mesmo pode ser dito em relação ao Dr. Antônio Lins Guimarães, o qual prestou depoimento em 13.8.87, fazendo-o, também, antes que aquele Eg. Tribunal determinasse a instau­ração de sindicância contra o Juiz, e, igualmente, nada infor­mando a respeito da Vara de Falências, que é'ra, até então, a única objeto de sindicância.

Trata-se de advogado que antes impetrara mandado de segurança contra ato do Excepto, e que obtivera, do Relator do feito, exatamente o ora Excipiente, deferimento de pedido de liminar (Vo1. 6, fls. 1.553-1.555). Reinquirido na fase instrutó­ria do processo administrativo (Vo1. 5, fls. 1.062-1.068), come­çou o causídico por tentar justificar a sua presença ante a Comissão, afirmando que a mesma se devera a um telefonema recebido, por sua esposa, de uma moça chamada Márcia, a quem desconhece, não sabe aonde trabalha, nem procurou identificar.

Esse advogado de olhos de lince, que afirmou sem nenhu­ma dúvida poder atestar que o Juiz despachara processos em mãos de advogados, quando já de férias - porque, estando "juntinho da porta do gabinete do Juiz" podia ver os despachos quando os mesmos saíam tentando-os ler (Vo1. 5, fl. 1.066) -, informou que nos três dias em que o vira, "o Dr. Pedro Aurélio compareceu ali de terno e gravata" (Vol. 5, fl.1.066). Pois bem. Esse mesmo advogado de olhos de águia, que viu os despachos e viu o Juiz, e que de tudo se recorda com absoluta precisão, foi desmentido frontalmente pelo ilustrado Juiz Waldir Leôncio Júnior, o qual, havendo estado pessoalmente com o Excepto,

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informou "que quando esteve na ocasião com o Dr. Pedro Auré­lio ele usava trajes esportivos" (Vol. 4, fl. 1.021), mais adequa­dos a quem, de férias, só esteve no fórum para comparecer ao Serviço Médico.

Outros dados ainda existem a esvaziar de qualquer réstia de credibilidade o depoimento prestado pelo Dr. Antônio Lins Guimarães.

Ao depor pela primeira vez, antes mesmo da fase sindican­te do procedimento (Vol. 3, fls. 514-518), o causídico fez graves acusações ao Excepto, e disse que os fatos que relatava haviam sido a ele informados por terceiras pessoas, cujos nomes não declinou. Reinquirido na fase instrutória (Vol. 5, fls. 1.062-1.068), ratificou aquele primeiro depoimento, mas se viu obrigado a dizer quem o teria informado dos fatos que antes narrara. Ci­tou, então, os nomes do Oficial de Justiça Sebastião de Andrade Carneiro, e do Promotor de Justiça Dr. Lecir Manoel da Luz.

Veja-se, pois, o que ambos disseram a respeito dos fatos que, segundo o Dr. Antônio Lins Guimarães, lhe teriam sido por eles informados:

"Compromissado na forma da lei, inquirido, após in­formá-lo o Relator sobre o teor dos depoimentos prestados pelo advogado Dr. Antônio Lins Guimarães, no que perti­ne, respondeu: C .. ); que o Dr. Antônio Lins Guimarães, por umas duas outras vezes, esteve no gabinete do Depoente, onde conversou também com outros membros do Ministério Público sobre questões institucionais do Ministério Público, mesmo porque referido advogado tinha interesse em sub­meter-se a concurso na instituição; que em nenhuma des­sas oportunidades o Dr. Antônio Lins referiu-se ao Dr. Pe­dro Aurélio ou a qualquer ação em tramitação pelo Juízo da 5ª Vara de Brasília; que, pelo que recorda o Depoente, em nenhum momento o Dr. Antônio Lins referiu-se ao De­sembargador Irajá Pimentel; que poderá eventualmente ter o referido advogado mencionado o nome do Desembargador Irajá Pimentel, mas o Depoente nenhuma alusão fez, embo­ra reconheça que o Desembargador Irajá Pimentel é um ma­gistrado expedito no exercício de sua função; que o mesmo pode dizer do Juiz Dr. Pedro Aurélio Rosa de Farias, a quem considera pessoa íntegra e sem qualquer mácula que seja do conhecimento do Depoente; C.'); o Depoente nunca sou­be de algo que desabonasse a conduta moral e profissional

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do referido Juiz." (Dr. Lecir Manoel da Luz, VoI. 5, fls. 1.097-1.098);

"C .. ); que o Depoente jamais fez qualquer referência desabonadora seja contra a pessoa do Juiz Dr. Pedro Auré­lio, ou a qualquer outro magistrado; que quer enfatizar que, normalmente, advogados quando não obtêm sucesso em determinada ação, criticam a atitude do Juiz prolator da­quela decisão; que afirma que quando da referida ação cau­telar não fez qualquer referência à conduta do Dr. Pedro Aurélio ao mencionado advogado Dr. Antônio Lins; que não foi o Depoente a pessoa que teria feito alusões negativas à conduta do Dr. Pedro Aurélio e constante do depoimento do Dr. Antônio Lins Guimarães às fls. 89, dos autos do PA; que a única ponderação que fez ao advogado foi a de que a medida deferida pelo Juiz era provisória e que poderia ser reformada, não apenas pelo próprio prolator, mas também em grau de recurso; C .. ); que jamais pediu segredos ao Dr. Antônio Lins, mesmo porque nenhuma confidência lhe fez;" (Sebastião de Andrade Carneiro, VoI. 5, fls. 1.099-1.100). Tratou-se, pois, de desmentido formal, ao que disse o Dr.

Antônio Lins Guimarães, feito por aqueles a quem o causídico atribuíra a autoria das informações que, vê-se agora, mentiro­samente prestara.

E não se pode olvidar, que o depoimento do referido advo­gado foi o único a conter, dentre os colhidos na fase instrutória do processo administrativo, menção desairosa à conduta do Excepto."

A seguir, aborda, procurando esclarecer, o tema sobre a ação de dissolução e liquidação de sociedade proposta por Theófilo Soares Souza Lima Netto contra Hernani Oliveira Xavier (fls. 2.535-2.562), faz um balanço sobre a questão, tratando do seu perfil e do perfil do excipiente (fls. 2.563-2.576) e sustenta, em face da punição administrativa que lhe foi imposta, ocorrer "patente submissão de grande maioria dos Membros do Tribunal de Justiça do Distrito Federal aos desejos e determinações do Exmo. Sr. Desembargador Irajá Pimentel" (fls. 2.576-2.597).

Oficiando nos autos, a douta Subprocuradoria-Geral da República, através do ilustrado Subprocurador-Geral Dr. Paulo Sollberger, mani­festou-se, preliminarmente, pela rejeição da questão preju'dicial suscita­da, e, no mérito, no sentido de que se julgue procedente a exceção (fls. 2.599-2.624-ler).

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A fls. 2.626 determinei ~ intimação das partes para dizerem se pretendiam produzir alguma prova nesta sessão de julgamento. Em decorrência, o excipiente requereu a reinquirição do excepto e que fos­sem ouvidas gravações de diálogos do excepto com Theófilo Soares de Souza Lima Neto, distribuindo-se previamente aos Ministros as tradu­ções datilográficas dos diálogos, que já constam dos autos e o excepto a oitiva da Sra. Maria Fagundes, a repetição do seu depoimento pessoal e a reinquirição do Sr. Aldo Fagundes de Souza. Submeti os respectivos requerimentos à deliberação da Corte Especial, que, em Sessão de 03.10.91, os indeferiu.

Deverá acompanhar este relatório, a ser distribuído aos Srs. Mi­nistros, cópia das peças nele referidas para leitura e, ainda, da tradução datilográfica dos diálogos, antes referidos.

Encaminhem-se os autos ao Exmo. Sr. Ministro Revisor. É o relatório.

VOTO (QUESTÃO PREJUDICIAL)

EMENTA: Penal. Crime de calúnia. Exceção da Ver­dade. Crime de prevaricação. Código Penal, artigos 138, § 32, e 319. Aplicação. Crime de injúria. Prescrição. Caracte­rização, no caso. Extinção da punibilidade. Código Penal, art. 138 c/c artigos 109, VI, e 111, 1. Aplicação.

I - O arquivamento do inquérito não tem o condão de afastar o cabimento da exceção da verdade, pois não se enquadra nas hipóteses previstas no § 32 do artigo 138 do Código Penal.

H - Ademais, a exceção da verdade não constitui ação, mas meio de defesa. Inadmiti-Ia, no caso, implicaria cercear o direito de defesa do excipiente, com ofensa à garantia cons­titucional da ampla defesa (Constituição, artigo 52, LV).

IH - Se o excipiente provou a prática pelo excepto do crime de prevaricação, que lhe imputou, a conseqüência é o acolhimento da exceptio veritatis, com a sua absolvição, quanto ao crime de calúnia, por ausência de tipicidade.

IV - Caracterizada a prescrição, decreta-se aextin­ção da punibilidade do crime de injúria.

o SENHOR MINISTRO ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO (Rela­tor): Examino a questão prejudicial. Pretende o excepto que o arquiva­mento do inquérito, requerido pelo Ministério Público do Distrito Fede-

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ral (12 volume, fls. 183-284 e fls. 218-280), tenha o condão de afastar o cabimento desta exceção da verdade.

Penso que não lhe assiste razão. Com efeito, o caso não se enqua­dra nas hipóteses em que a lei não admite a prova da verdade, segundo decorre do § 39 do artigo 138 do Código Penal, nestes termos:

"§ 3Q - Admite-se a prova da verdade, salvo:

I - se, constituindo o fato imputado crime de ação priva­da, o ofendido não foi condenado por sentença irrecorrível;

H - se o fato é imputado a qualquer das pessoas indica­das no nQ I do artigo 141;

IH - se do crime imputado, embora de ação pública, o ofendido foi absolvido por sentença irrecorríve1."

Dentre as excludentes elencadas, afastadas, de logo, as duas pri­meiras, por não terem qualquer pertinência com o caso, resta apenas examinar a terceira. E, ao fazê-lo, resulta que, ainda ela, não se ajusta à espécie. Com efeito, o que visa o inciso IH do § 3Q do artigo 138, supra­transcrito, é impedir que se possa provar contra ares judicata (NÉL­SON HUNGRIA, Comentários ao Código Penal, voI. VI, pág. 83, Foren­se, 1958). Acontece que o arquivamento do inquérito não produz coisa julgada substancial, não tendo caráter definitivo (EDUARDO ESPINO­LA, Código de Processo Penal Brasileiro Anotado, pág. 311, Editora Rio, 1980). Por isso mesmo, nada impede a reabertura das investigações e, se for o caso, inclusive, a propositura de ação penal, consoante se infere da Súmula nQ 524 do Supremo Tribunal Federal.

Ademais, para o deslinde da questão, não se pode deixar de ter presente o texto constitucional expresso, no sentido de assegurar aos acusados "o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes" (artigo 5Q

, LV). Ora, a exceção da verdade não constitui ação, mas meio de defesa. Opondo-a, procura o excipiente, no caso, provar a veracidade do fato criminoso imputado ao excepto (que praticou o crime de prevaricação), para afastar a demanda penal contra ele movida pelo crime de calúnia. Nada mais que isso. Impedi-la, implica, pois, cercear a sua defesa, com ofensa à aludida regra constituciona1.

Nesse sentido, aduziu, com clarividência, o parecer da douta Sub­procuradoria-Geral da República (fls. 2.599-2.601):

"Em suas alegações finais, suscita o excepto questão pre­judicial que entende intransponível e invencível ao exame do mérito da exceção: a circunstância de se haver manifestado em seu favor e em duas oportunidades o Ministério Público do

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Distrito Federal. A primeira quando, ao final do processo admi­nistrativo por perda de cargo a que o excepto respondeu peran­te o Tribunal de Justiça local, opinou pela absolvição "à míngua de prova suficiente para embasar a condenação" (vol. 1, fls. 1831 2.814). A segunda quando, instado a novamente examinar a matéria, em atenção a peças que lhe remetera o Tribunal de Justiça (artigo 40, do CPP), requereu o arquivamento dos autos "por configurada a ausência de justa causa para o exercício da perssecutio criminis in judicio" (lº vol. 218/280).

Entende o excepto que tendo o fato, objeto da presente exceção, sido cumpridamente investigado nas duas manifesta­ções do Ministério Público do Distrito Federal, "não há como deixar-se de reconhecer a sua prejudicialidade em relação à exceptio veritatis argüida pelo caluniador, uma vez que o méri­to da imputação já está definitivamente apreciado, e soberana­mente arquivado, pelo órgão competente para a ação penal.

Embora prestando sincera homenagem à brilhante argu­mentação desenvolvida pelo excepto em defesa de tal" entendi­mento, cremos que razão não lhe assiste, data venia.

N o sistema processual penal, o arquivamento do inquérito e a impronúncia não fazem coisa julgada material. "São deci­sões tomadas rebus sic stantibus", como observa HÉLIO TO R­NAGHI, não sendo vedada a autoridade policial proceder as novas investigações mesmo após o arquivamento do inquérito, se tiver notícia da existência de outras provas (Comentários ao Código de Processo Penal, vol. I, tomo I, págs. 187/188).

Não há, assim, como falar em definitividade das manifes­tações do Ministério Público. O arquivamento do inquérito não impede a abertura das investigações e, nem mesmo, a instau­ração de ação penal caso surjam novas provas (Súmula STF 524).

Ora, se o ato de arquivamento de inquérito não possui o atributo da definitividade, como pretender invocá-lo para im­possibilitar a defesa do réu em processo por calúnia, impedin­do-o de procurar demonstrar o que o Ministério Público enten­deu não provado?

Observe-se, por importante, que não se cuida de intentar ação penal contra o excepto, usurpando atribuição do Ministé­rio Público, mas, apenas de facultar-se, ào excipiente, com a amplitude que a Constituição requer, a utilização de um ins-

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trumento de defesa - a exceção da verdade - cujo julgamento não poderá, por si só, acarretar a imposição de qualquer puni­ção ao excepto, o que torna improcedente, por igual, o argu­mento de prejudicialidade em razão da extinção da punibilidade pela prescrição in abstrato.

O exercício do direito de opor exceção da verdade encontra limitação apenas nas hipóteses arroladas no artigo 138, § 39 ,

IH, do Código Penal, que deve ser in'terpretado restritivamente, em vista da natureza desta ação incidental.

Parece-nos, assim, que se deve rejeitar a prejudicial sus­citada."

Isto posto, rejeito a prejudicial e o faço, agora, de acordo com o próprio advogado do excepto que, da Tribuna, admitiu expressamente que a preliminar não procede.

ADITAMENTO AO VOTO (PRELIMINAR)

O SR. MINISTRO ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO (Relator): Da Tribuna, o ilustre advogado do excepto argüiu preliminar no sentido de que teria ocorrido uma descaracterização do dolo específico. Todavia, tal matéria, creio, não é preliminar, ftllaS meritória, porque crime é um ação típica, antijurídica e culpável, o aspecto culpabilidade integra

• o exame atinente à própria existência do crime. Em se tratando de matéria meritória, a questão há de ser apreciada nos votos a respeito, que vierem a ser proferidos. Irei abordá-la a final, mesmo porque essa questão não foi suscitada em nenhum momento durante o curso do pro­cesso. Só agora, durante a sustentação oral, que o advogado do excepto entendeu de trazê-la à consideração deste Tribunal.

VOTO (MÉRITO)

O SENHOR MINISTRO ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO (Rela­tor): No mérito, o parecer da douta Subprocuradoria-Geral da República concluiu pela procedência da exceção, argumentando (fls. 2.601-2.624):

"Quanto ao mérito, cumpre antes do mais, resumir os fatos que antecederam a presente exceção da verdade.

Proposta ação de despejo por falta de pagamento pelas empresas CMG-Empreendimentos e Participações Ltda. e CBCC-

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Empreendimentos Comerciais Ltda. contra FAGGU'S, Confec­ções e Modas, o Juiz da causa, Dr. Pedro Aurélio Rosa de Fa­rias, ora excepto, designou o dia 06.10.86 para a purga da mora.

Na data aprazada, veio a ré aos autos, por sua advogada MARIA DAS GRAÇAS MARTINS LEÃO, dizendo-se impossibi­litada de purgar a mora e requerendo nova data para fazê-lo, no que foi atendida pelo Juiz (62 vol., fls. 1.533).

Designada a nova data para o dia 24.10.86, não compare­ceu a ré para purgar a mora, nem contestou a ação, o que levou as autoras a requererem a prolação da sentença decretando despejo, por petição datada de 29.10.86 (voI. 62, fls. 1.534).

N o dia subseqüente, 30, peticionou a ré dizendo que esta­va viajando quando da publicação do despacho que designara o dia 24 para a purga da mora e pedindo que outra data fosse marcada (voI. 6, fls. 1.535).

Após o pronunciamento das autoras, não concordando com o pedido e conclusos os autos, proferiu o excepto o seguinte despacho: (6Q vo1., fls. 1.538).

"Informe a serventia se as publicações das designações da purga da mora estão corretas. Após cls. DF, 10.11.86".

Após certificar-se de que os despachos haviam sido publi­cados corretamente, proferiu o excepto sentença, datada de 25.11.86, julgando procedente a ação e decretando o despejo (voI. 6Q, fls. 1.539).

Seis dias após, voltou a ré aos autos, ainda por sua advo­gada MARIA DAS GRAÇAS, insistindo que não fora regular­mente intimada para a purga da mora e requerendo a expedi­ção de guia para depósitos dos alugueres. Esse requerimento recebeu o seguinte despacho (voI. 62 , fls. 1.540):

"J. Já houve sentença. Indefiro. DF. 02.12.86".

Três dias depois, em 05.12.86, sem qualquer provocação das partes e sem que os autos lhe estivessem conclusos, profe­riu o excepto este despacho:

"Informe a serventia se a ré foi intimada corretamen­te no DJ e se foi pessoalmente intimada do mesmo. Atuali­za-se a conta (voI. 6Q

, fls. 1.541)".

No dia 11.12.86, o representante legal da empresa-ré, ALDO FAGUNDES DE SOUZA, peticionou em nome próprio comuni­cando ao Juiz "que em virtude dos desencontros, perda de prazo

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para sua defesa e continuados transtornos e configurando má-fé que somente lhe vêm causar prejuízos como poderá V. Exa. apurar, que a partir do presente momento a mesma (Dra. MARIA DAS GRAÇAS MARTINS) já não é mais merecedora de sua confiança, razão pela qual CANCELA a procuração que se encontra nos autos" (parenteses da transcrição, voI. 6º, fls. 1.542).

N esse mesmo dia, já representada por novo advogado, Dr. GLÊNIO GUIMARÃES, voltou a ré, pela terceira vez, a reque­rer a purga da mora, tendo o excepto proferido este despacho:

"J. A questão da purga da mora já foi decidida. Con­tudo, como vislumbro questão relevante de direito a ser decidida pelo Egrégio TJDF, ser for interposta apelação, determino que seja feito o depósito judicial das importâncias relativas aos alugueres em atraso, ad cautelam. Dê-se ciên­cia à OAB-DF dos fatos mencionados na petição retro." (vol. 6º, fls. 1.543). Interposta a apelação, recebeu-a o excepto no duplo efeito

em despacho assim fundamentado: "Há sérias acusações contra a antiga advogada do Réu.

Dê-se ciência do ocorrido à OAB-DF, para as providências cabíveis. Remetam-se as cópias do processo. Recebo o re­curso em seus regulares efeitos, em face da excepcionalida­de do caso, ad cautelam ao apelado" (voI. 6º, fls. 1.544).

Dessa decisão interpuseram as autoras agravo de ins­trumento, assim despachado pelo excepto:

"Mantenho o despacho agravado. O locatário deu mos­tras ao curso da ação principal de que dispunha de nume­rário suficiente para purgar a mora, que somente não foi requerida por desídia de seu advogado, conforme suas pró­prias palavras.

Sua argumentação foi forte o suficiente para este Juízo temer estar frente a procedimento no mínimo duvidoso pra­ticado pelo mencionado patrono, a ponto de extrair e reme­ter peças à Seccional da OAB.

Estas as razões porque este Juízo, a lattere de disposi­tivo processual expresso, admitiu ad cautelam o duplo efei­to ao recurso interposto.

Se realmente houve desídia com participação ativa do locador, a ninguém é facultado beneficiar-se com a própria torpeza.

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o depósito efetivado às fls. é suficiente para o paga­mento dos alugueres atrasados, o que por si só torna ínte­gro o contrato de locação do imóvel, localizado em privilegia­do setor de compras da cidade.

Subam." (voI. 62, fls. 1.549) No dia 11.05.87, a 1ª Turma Cível do Tribunal de Justiça

do Distrito Federal e Territórios julgou e deu provimento, à unanimidade, ao referido agravo. Participaram do julgamento os Desembargadores ELMANO FARIAS (Presidente), GUIMA­RÃES DE SOUSA (Relator) e IRAJÁ PIMENTEL (vogaD, tendo este último, após aderir aos pronunciamentos que lhe antecede­ram, acrescentado em seu voto:

"A espécie, entretanto, não me permite o silêncio ante dois fatos que me parecem relevantes. Prímeiro, a petição da empresa agravada, com a qual se pretendeu o adiamen­to deste julgamento, sob a alegação da necessidade de exa­me simultâneo do mérito do recurso de apelação por ela interposto, uma vez que se trataria de matéria conexa. A petição é maliciosa, mas, felizmente, não nos pusemos sob seus féitos. A outra questão, que me parece ainda mais sé­ria, é a versada no despacho de fls. 24 destes autos, onde o MM. Juiz não apenas pretende, mas dá conseqüência a seu interesse em patrocinar a defesa da empresa agravada. Se o verdadeiro patrono da agravada não lhe defendeu conve­nientemente as razões, é problema que se passa entre eles.

O Juiz é o que não pode, não deve, jamais, arvorar-se em substituto do advogado da parte ... E advogado ardoroso que chega até a fazer comunicação à Seccional da OAB. Pen­so que essas disputas entre colegas deveriam ser mais reser­vadas. Digo, colega, porque o Juiz está agindo como advoga­do. Diante disso, Senhor Presidente, proponho à Egrégia Turma que extraiamos cópia de todo este agravo de instru­mento para remessa ao eminente Desembargador Corregedor da Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, para apurar a lisura da conduta do magistrado". (voI. 1, fls. 81/82).

Não obstante as ponderações do Desembargador Elmano de Farias, Presidente da Turma, de que não concordava com a proposta de enviar cópia do agravo à Corregedoria de Justiça, porque "é preciso pressupor-se, aprioristicamente, a idoneidade do Juiz", o ora excipiente não se conformou, afirmando:

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"Acho que houve crime e quem preside o inquérito é o Desembargador Corregedor. Receber um recurso em um efeito quando deveria ser em outro? Prevaricação!" (voI. 1, fls. 80/82).

Tendo sido denunciado pelo Ministério Público Federal por crime de calúnia, e recebida que foi a denúncia pelo Colendo Supremo Tribunal Federal, busca, agora, o Des. IRAJÁ PIMEN­TEL, provar a veracidade da imputação feita ao excepto, Juiz PEDRO AURÉLIO, por ocasião do referido julgamento.

IH O exame dos fatos acima resumidos evidencia que entre os

dias 02.12.86 e 05.12.86 ocorreu um fato extra-autos que in­fluiu decisivamente no processo.

Com efeito, depois de haver indeferido requerimento apre­sentado pelo réu pedindo a expedição de guia para depósito dos alugueres devidos, argumentando que já havia sido proferida sentença decretando o despejo, o excepto, sem que os autos lhe estivessem conclusos e sem qualquer manifestação das partes, profere o seguinte despacho:

"Informe a Serventia se a Ré foi intimada corretamen­te no DJ e se foi pessoalmente intimada do mesmo. Atuali­ze-se a conta. Após, cls.". (voI.· 6, fls. 1.541). É difícil entender a razão pela qual o excepto manda atua­

lizar a conta dos alugueres devidos após haver, três dias antes, recusado o pedido de depósito desses alugueres, ao fundamento, correto, de que já havia sentença decretando o despejo.

Afirma o excipiente que essa "alteração de posição" resul­tou de uma conversa que o excepto manteve, em seu gabinete, no dia 05.12.86, com MARIA FAGUNDES DE SOUZA, perita­contadora que vinha atuando em processos por designação do excepto e irmã de ALDO FAGUNDES, representante legal da empresa, . F AGGU'S, ré na ação de despejo.

Apóia-se para tanto, basicamente, no depoimento prestado à Comissão de Desembargadores, posteriormente confirmado em juízo, pela advogada MARIA DAS GRAÇAS LEÃO MARTINS:

"que, quatro dias depois, o Dr. Pedro Aurélio proferiu o despacho de fls. 59, de ofício, do seguinte teor: "Despacho: informe a Secretaria se a ré foi intimada corretamente no DJ e se foi pessoalmente intimada do mesmo. Atualize-se a conta. Após, cls. (a) Pedro Aurélio Rosa de Farias"; que esse

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despacho foi proferido no dia em que a Declarante se en­controu com a irmã de Aldo Fagundes de Souza, chamada Maria Fagundes, no Cartório dà 5ª Vara Cível; que antes viu quando Maria Fagundes saía do gabinete do Dr. Pedro Aurélio e entrava no cartório; que ao encontrar-se com Maria no cartório e perguntar-lhe se ela era Maria Fagun­des, obteve a indagação do que a Declarante queria, pois o processo já estava resolvido, ou melhor, "eu já resolvi o processo"; que antes desse encontro, a Declarante e Aldo Fagundes falaram pelo telefone, tendo Aldo dito à Decla­rante que viesse ao cartório para encontrar com a irmã dele, pois ela iria resolver a questão do processo de despejo; que Aldo descreveu para a Declarante como era sua irmã, di­zendo tratar-se de uma pessoa alta, forte e aloirada; que a Declarante veio para o cartório da 5ª Vara Cível e estando nas proximidades viu quando uma mulher com aquela des­crição saía do gabinete do Dr. Pedro Aurélio e entrava no cartório; que foi aí que a Declarante se dirigiu à mulher, perguntando se era Maria Fagundes; que então esta res­pondeu - "o que é que a senhora está querendo com o pro­cesso, o processo já está todo resolvido, eu resolvi"; que então a Declarante tomou conhecimento de que o processo já se encontrava no contador; que foi Aldo quem contou para a Declarante que a irmã dele, Maria Fagundes, era muito amiga do Dr. Pedro Aurélio e que já estivera com ele dois dias antes de ordenar o cálculo dos alugueres, voltando a estar naquele dia em que a Declarante se encontrou com ela no cartório" (vol. 1, fls. 12/13). Contudo, nas declarações que prestou em Juízo o excepto

atribui a nova orientação imprimida ao processo a uma visita que lhe fez, em seu gabinete, Aldo Fagundes, convencendo-o de que dispunha de numerário para saldar seus compromissos e fazendo­o suspeitar de que Aldo havia sido ludibriado por sua advogada.

Destas declarações merecem destaque estes trechos: "Após a publicação da sentença, no mesmo dia foi o

declarante procurado em seu gabinete por um senhor escu­ro, portando uma mala marrom bem cheia, dizendo-se réu da ação, que entre choro e soluços, tal homem lhe afirmou ser o réu da ação e que havia sido ludibriado por sua ad­vogada, que não o havia alertado da data designada para a segunda purga da mora, que o fato que mais emocionou o declarante foi o de o mencionado senhor ter aberto a mala e

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mostrado no seu interior pacotes de dinheiro, que foram exa­minados pelo juiz que ali constatou nas fitas de papel que emolduravam o dinheiro uma data anterior àquela designada para o ato da purga; que o declarante naquele instante sen­tiu que algo de sério havia ocorrido nos autos, uma vez que o réu sendo ajuizado em uma ação de despejo por falta de pa­gamento, estava demonstrando ao Juiz da causa de que dis­punha de numerário para honrar o seu compromisso; que o declarante afirmou ao réu, naquela ocasião, de que nada po­dia fazer uma vez que já proferira a sentença, mas aquela demonstração inequívoca da capacidade do réu para adimplir sua obrigação ficou martelando na cabeça do Juiz, que por sua experiência no julgamento de outros fatos e ações envol­vendo Centros Comerciais Brasília Ltda. estavam a demons­trar práticas não muito ortodoxas dos seus representantes (. .. ) que em face de tais atos no julgamento dessas ações o decla­rante convenceu-se de que prática adotada pelo Shopping Center não era a mais correta e o comportamento adotado em relação aos seus locatários certamente era leonino; esta expe­riência subjetiva, que ficou firmemente marcada no inconsci­ente do Juiz somou-se àquela inequívoca demonstração feita pelo réu da ação de que dispunha de numerário suficiente para o adimplemento da obrigação; que o declarante ao escu­tar o réu afirmar de que havia sido ludibriado por sua advo­gada, embora tendo dinheiro suficiente para a purga da mora, emocionou profundamente o Juiz, que sentiu a certeza de es­tar frente a mais um ato não ortodoxo do Shopping Center; naquele momento apenas pediu ao réu que formalizasse a sua denúncia, o que foi feito no dia seguinte por petição do pró­prio punho do locatário, comunicando a desídia de sua advo­gada e a cassação de seu mandado". (voI. 2, fls. 318/319).

Seja como for, ou em decorrência da mediação de MARIA FAGUNDES, ou como resultado da visita de ALDO FAGUN­DES, o certo é que, após haver mandado atualizar a conta, veio o excepto a proferir despacho determinando fosse feito depósito judicial das importâncias relativas aos alugueres em atraso, ad cautelam, caso interposta apelação.

Manifestado o recurso, recebeu o excepto no duplo efeito. Teria o excepto prevaricado ao praticar tais atos, especial­

mente ao receber no duplo efeito, a apelação interposta de sen­tença que decreta o despejo por falta de pagamento?

É o que passamos a examinar a seguir.

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IV

O Código Penal vigente assim define o crime de prevaricação.

"Art. 319 - retardar ou deixar de praticar, indevida­mente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposições expres­sas de lei, para satisfazer interesse pessoal."

Segundo MAGALHÃES DRUMOND, "a prevaricação con­siste essencialmente no fato de espontaneamente o funcionário se desgarrar do sentido de finalidade pública que deve ser a de toda a sua vida funcional, para, no caso, em vez disto, ter a sua ação norteada para o que se lhe afigure o seu interesse ou lhe pareça condizente com sentimento seu, pessoal". (Comentários ao Código Penal, voI. IX, Ed. Forense, 1944, pág. 302).

Nesse delito, o elemento moral é o dolo genérico, represen­tado pela vontade livremente dirigida a qualquer das condutas mencionadas na lei penal, e o dolo específico, que é o fim de satisfazer interesse ou sentimentos pessoais (NÉLSON HUN­G:B.IA, Comentários ao Código Penal, voI. IX, pág. 378).

O dolo genérico, principalmente em relação ao Juiz, se caracteriza pela intenção de contrariar a lei, a vontade de agir contra disposição expressa de lei. O erro, ou mesmo a negligên­cia permitirão tão-somente a responsabilidade cível ou sanções de natureza disciplinar (RT 351/359).

MAGALHÃES NORONHA, discorrendo sobre o tema, afir­ma que o dolo é o genérico como em qualquer delito. "Mas o delito exige dolo específico: há que o funcionário agir para satis­fazer interesse ou sentimento pessoal. É o escopo ou fim, sem o qual aquele se desnatura podendo haver lugar outro. (Direito Penal, voI. IV, 1962, pág. 355).

Por sentimento pessoal entende-se, segundo NÉLSON HUNGRIA, "a afeição, a simpatia, a dedicação, a benevolência, a caridade, o ódio, a parcialidade, o despeito, o desejo de vin­gança, a paixão política, o prazer da prepotência ou do mando­nismo, a subserviência, o receio de molestar os poderosos, etc." (ob., pág. 378).

V

No caso em exame, o dolo genenco está caracterizado. O excepto evidentemente não ignorava que a sentença que decreta despejo por falta de pagamento de alugueres deve ser recebida no efeito apenas devolutivo, consoante dispõe expressamente o art.

H. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 69-210, novembro 1992.

42 da Lei nº 6.649/72. Tanto assim que, ao proferir despacho mantendo a decisão que recebera a apelação no duplo efeito, consignou:

"Estas as razões porque este juízo, a lattere de dispo­sitivo processual e expresso, admitiu ad cautelam o duplo efeito interposto". Posteriormente, nas declarações que prestou em juízo re­

conheceu o excepto haver decidido contra "dispositivo legal expresso", embora "motivada e justificadamente":

"que estando plenamente convencido de que prática não ortodoxa havia sido mais uma vez praticada pelo Shopping Center, o declarante, ao receber o recurso interposto pela parte, um direito subjetivo público que certamente seria utilizado pelo locatário ludibriado pelas práticas não con­vencionais praticáveis, embora enfrentando dispositivo le­gal expresso, motivada e justificadamente no rosto do re­curso, o recebeu no duplo efeito." (voI. 2, pág. 320). Cumpre, pois, verificar se o excepto, agindo dessa forma,

o fez "para satisfazer interesse ou sentimento pessoal". VI

Nas razões que fundamentaram a exceção da verdade, bus­cou o excipiente demonstràr que "ao praticar tantos atos contra expressas disposições de lei, o excepto agiu para satisfazer senti­mento pessoal de amizade para com MARIA F AGUNDES DE SOUZA, irmã de Aldo, representante legal da empresa-Ré".

Essa relação de amizade, contudo, não ficou provada. Inú­meras testemunhas, especialmente os funcionários que traba­lhavam no cartório da 5!! Vara Cível, afirmam tratar-se de re­lações de caráter meramente profissional, tendo MARIA FAGUNDES chegado mesmo a afirmar, em depoimento presta­do à Comissão de Desembargadores, na fase sindicante, que se sentia "tímida", diante do Juiz PEDRO AURÉLIO, a quem atribuiu "um ar assim pedante" (vol. 4, fls. 735).

O próprio excipiente nas alegações finais não volta a insis­tir no tema da amizade entre o excepto e MARIA F AGUNDES. Argumenta que a dar crédito às declarações prestadas pelo excepto, teria ele se "apaixonado pela causa de Aldo Fagundes de Souza, condoído de sua sorte de empresário modesto, ludibri­ado pela advogada". E acrescenta: "se assim agiu, sob motiva­ção insólita, que afetou o equilíbrio de seus sentimentos pesso­ais, dúvida não pode subsistir de que prevaricou".

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Extraiu essa conclusão de expressões utilizadas nas refe­ridas declarações, nas quais o excepto afirma haver se emocio­nado com a situação de ALDO F AGUNDES, além de referir-se a "práticas não muito ortodoxas" por parte dos represen­tantes das empresas locadoras que administram o Conjunto Nacional Brasília, revelando, no entender do excipiente, "ani­mosidade" para com estes representantes. ° excipiente, aliás, submete as declarações prestadas pelo excepto a severa crítica, justificada, sem dúvida, pelo menos em um aspecto.

Veja-se, por exemplo, o que declarou o excepto:

" ... tal hom'em lhe afirmou ser o réu da ação e que ha­via sido ludibriado por sua advogada, que não o havia aler­tado da data designada para a segunda purga da mora; que o fato que mais emocionou o declarante foi o mencionado senhor ter aberto a sua mala e mostrado no seu interior pacotes de dinheiro, que foram examinados pelo Juiz que ali constatou nas fitas de papel que moi duravam o di­nheiro uma data anterior àquela designada para o ato da purga." (grifos da transcrição - voI. 2, fls. 318). Tendo ALDO F AGUNDES afirmado em juízo que sacara o

dinheiro para a purga da mora no Banco Mercantil (fls. 2.378), foram requisitados os extratos, relativos aos meses de outubro, novembro e dezembro de 1986, da conta corrente que a FAGGU'S mantinha nesse banco, bem como da conta em nome de THE BEST Comercial de Roupas Ltda., a outra empresa que ALDO havia criado.

Ora, desses extratos verifica-se que na data da "segunda purga da mora", dia 24.10.86 (cfr. item 14 supra), havia na conta da F AGGU'S apenas Cz$ 3,85 e na conta da THE BEST Cz$ 2.370,81, num total de Cz$ 2.374,64 (fls. 2.401 e 2.417), quantia irrisória em se considerando o total da dívida a pagar, que montava em Cz$ 86.831,16 (fls. 2.398).

É evidente que ALDO, em 24.10.86, não tinha dinheiro para purgar a mora, e é claro, também, pelo mesmo motivo, que o excepto não poderia ter constatado "nas fitas de papel que emolduravam o dinheiro uma data anterior àquela designada para o ato da purga", conforme afirmou.

No dia 04.12.86, em que se publicou a sentença de despejo e quando, segundo declarações do excepto, foi ele procurado em seu gabinete por ALDO, havia nas contas das duas empresas a

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 69-210, novembro 1992.

soma de Cz$ 75.266,39, também insuficiente para saldar a dí­vida judicial de Cz$ 86.831,16.

Observa, ainda, o excipiente que, antes de depor em Juízo, ALDO foi ouvido, primeiro pela Comissão de Desembargadores e depois no Processo Administrativo instaurado contra o excep­to, não ,tendo, nessas duas vezes, se referido a ter estado no

-gabinete do excepto, portando uma pasta marrom contendo o dinheiro necessário à purga da mora.

Pondera, mais, com base no depoimento prestado por ALDO, em 06.04.88, no processo administrativo, que ALDO só conhe­cera o excepto no final de março de 1988:

"Que há uns dez dias ou quinze dias, o Dr. Pedro Aurélio disse ao Depoente que talvez precisasse dele para vir aqui depor: que só ficou conhecendo o Dr. Pedro Aurélio quando ele disse ao Depoente que talvez fosse precisar dele" (voI. 4, fls. 1.040). '

Diante dessas circunstâncias conclui o excipiente que, se ALDO e o excepto "só se conheceram dez ou quinze dias antes da data em que Aldo prestou depoimento no PA 2879/87 - o que se deu em 06.ABR.88 -, então é incontendível que aquele não poderia ter estado no gabinete do Excepto no início de dezembro de 1986".

Daí a afirmar que, antes de prestar seu depoimento em Juízo, ALDO "foi instruído a confirmar a estória da mala bem cheia de dinheiro".

A estória, efetivamente, não parece plausível, embora não totalmente impossível, porque ALDO pode ter tido seus moti­vos, na ocasião em que depôs em sede administrativa, para omitir o encontro com o Juiz.

Tudo leva a crer, entretanto, que o fato extrajudicial que influiu o curso do processo foi, efetivamente, a visita de MARIA FAGUNDES ao gabinete do excepto, no dia 05.12.86, conforme declarado pela advogada MARIA DAS GRAÇAS LEÃO MAR­TINS (cfr. itens 30 e 31, retro).

O excepto a recebeu e provavelmente conversaram sobre o despejo da FAGGU'S, não como amigos, porque relação de amizade não havia, mas como pessoas que se conheciam e mantinham relações profissionais.

É de fato comum, no dia a dia da justiça, os Juízes recebe­rem e ouvirem pessoas que desejam relatar detalhes relacionados com processos de seu interesse.

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Coisa diversa não deve ter ocorrido no encontro entre MARIA FAGUNDES e o excepto, caso o mesmo tenha realmen­te ocorrido, como tudo indica.

De qualquer forma, tendo tomado conhecimento de fatos ex­trajudiciais através de MARIA F AGUNDES ou pelo encontro com ALDO, o certo é que tais fatos vieram a influir decisivamente no feito, levando o excepto, primeiro a determinar, antes mesmo de interposta a apelação, o depósito judicial das importâncias relati­vas aos alugueres, e, depois de manifestado o recurso, a recebê­lo no duplo efeito, contra literal disposição de lei.

Teria o excepto praticado tais atos na convicção de que estava agindo corretamente em face dos elementos que lhe foram trazidos, ou teria atuado movido por sentimento pessoal, praticando ato contra expressa disposição de lei, com o objetivo de favorecer uma parte em detrimento da outra?

Na resposta a essa questão encontra-se a solução da causa.

O excepto sustenta que não há prova do dolo específico, argumentando:

"O que o levou a deferir, justificada e motivadamente, diga-se mais uma vez, o recebimento de recurso em seu duplo efeito, foi, exclusivamente, a sua livre convicção de estar agindo de forma absolutamente correta e coerente, e de impedir, pelo menos até a apreciação do recurso pelo Eg. Tribunal ad quem, a prática de um ato que lhe pare­ceu, naquele instante, ilegal e indigno.

Não houve em nenhum momento qualquer outro dado subjetivo que pudesse interferir no ato do Juiz do feito, senão o de simplesmente convencer-se, à frente de dados materiais - a apresentação do dinheiro e a acusação formal contra a advogada - de que algo de muito sério havia acontecido em sua Vara."

Também não encontrou caracterizado o elemento subjeti­vo do crime de prevaricação o ilustre representante do Minis­tério Público do Distrito Federal, que deixou de oferecer denún­cia contra o excepto por entender "configurada a ausência de justa causa para o exercício da persecutio in judicio".

Após historiar os fatos já resumidos neste parecer, assim manifestou S. Exa. (vol. 1, fls. 262/263):

"Novamente, ao exame desses fatos, há de se perguntar, em que teria consistido a prevalicação, onde a conduta do

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indicado poderia subsumir-se no tipo do artigo 319 da Lei Substantiva Penal? Na amizade íntima com a perita, que não se confirmou? No indeferimento, por duas vezes seguidas, do pedido de purgação da mora? No determinar o depósito, a lat­tere da sentença, a fundamento de que alegava o réu graves prejuízos para sua defesa, com a perda do prazo por parte de sua antiga advogada? No recebimento da apelação em seu duplo efeito? Esse ato, o do recebimento do recurso no duplo efeito, teria sido realmente contrário à lei?

Houve, sem dúvida, uma antecipação de "prestação ju­risdicional costumeiramente deferida, sempre liminarmente, pelos eminentes Desembargadores desse E. Tribunal", escla­receu o Magistrado em sua defesa, invocando inúmeros pre­cedentes consubstanciados em construção jurisprudencial hoje plenamente admitida, tendo-se em vista a provável ocorrên­cia do periculum in mora mas daí à adequação dos fatos ao tipo do art. 319 vai um enorme e intransponível obstáculo jurídico-penal, que é a ausência do dolo, ou seja, a vontade livre e consciente de praticar as ações e omissões indicadas e o elemento subjetivo do tipo expresso pela especial finali­dade de agir para "satisfazer interesse ou sentimento pessoal".

Poder-se-á até argumentar com a possível existência de error in procedendo pela antecipação com que se houve o magistrado na prática concessão da liminar, mas nunca com o tangenciamento à norma penal. E ainda que se lhe pudesse atribuir o erro ou a culpa no reconhecimento do duplo efeito ao recurso, doutrina e jurisprudência dos tri­bunais são acordes em que na prevaricação "não há punição a título de culpa". Em que pese a ponderável argumentação transcrita, não

pensamos, assim, data maxima venia.

Cada ato praticado pelo excepto, se examinado isolada­mente encontrará justificativa. O que impressionava é o exame em conjunto desses atos.

Já vimos que, no dia 11.12.86, ALDO FAGUNDES, repre­sentante legal da empresa-ré, peticionou ao Juiz comunicando o cancelamento da procuração outorgada à advogada MARIA DAS GRAÇAS, que lhe teria causado prejuízos "em virtude dos desencontros, perda de prazo e continuados trans­tornos" (item 20, retro).

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Nesse dia voltou a ré, já representada por novo advogado, a requerer, pela terceira vez, a purga da mora, tendo o excepto proferido despacho, no qual, após esclarecer que a questão da purga da mora já fora decidida, determinou o depósito judicial, ad cautelam, das importâncias relativas aos alugueres em atra­so, justificando sua decisão no fato de haver vislumbrado "ques­tão relevante a ser decidida pelo Egrégio TJDF, se for interposta a apelação". (item 21).

A justificativa apresentada é de todo inconveniente, pois a "questão relevante", vislumbrada pelo Juiz não passava de uma simples petição, de redação obscura, na qual ALDO FAGUNDES acusava, sem nada provar, que a sua advogada lhe vinha cau­sando prejuízos. Refere-se a petição a "desencontros" e "trans­tornos", sem especificá-los e a "perda de prazo para a defe­sa", sem esclarecer em que circunstâncias isso teria se verificado.

Muito pouco, como se vê, para autorizar a decisão.

Posteriormente, interposta a apelação, recebeu-a o excepto no duplo efeito, argumentando com a "excepcionalidade do caso" e a existência de "sérias acusações contra a antiga advoga­da do réu" (item 22).

Nesse passo voltamos a repetir que, em nenhuma hipóte­se, poderiam ser considerados "sérias" as vagas e incomprova­das "acusações" contidas na petição acima analisada.

Tampouco justificava a decisão contra legem o que o ex­cepto porventura tivesse sabido através de MARIA FAGUN­DES ou de ALDO FAGUNDES. É inadmissível que se aceite, como verdadeiras. acusações extra-autos, formuladas por pessoas interessadas na causa e sem que se ouça sequer a advogada tão seriamente acusada.

Depois, ao manter o despacho que recebera no duplo efeito à apelação, argumentou o excepto que "o locatário deu mos­tras no curso da ação principal de que dispunha de numerário suficiente para purgar a mora, que somente não foi requerida por desídia de seu advogado" (item 28).

De todas as justificativas apresentadas pelo excepto para seus atos, essa é a menos convincente e encerra, data venia, uma inverdade.

A imputação de desídia à advogada é inteiramente injus­tificável, como já observamos. Por outro lado, não há qualquer elementq que dê suporte à afirmação de que o locatário teria

H. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39); 69-210, novembro 1992.

dado mostras no curso da ação de despejo de que "dispunha de numerário suficiente para purgar a mora."

Em verdade, o que se poderia presumir do exame dos autos era exatamente o contrário à vista do requerimento datado de 06.10.86, no qual a ré dizia-se impossibilitada de purgar a mora (6º vo1., 1.533).

O certo é que, na data marcada para a segunda purga da mora (24.10.86), a ré não dispunha de numerário para satisfa­zer o débito, conforme já nos encarregamos de demonstrar. (itens 52 e 55, supra).

Essa seqüência de fatos, aos quais acresce a afirmativa (inverídica) do excepto de que teria constado "nas fitas de papel que emolduravam o dinheiro uma data anterior àquela designa­da para a purga da mora" (item 54, supra), leva-nos a concluir que o excepto, na verdade, atuou no processo, a lattere da lei, movido por sentimento pessoal.

Não endossamos a crítica feroz e impiedosa do excipiente. Cremos que o excepto não a merece e muito menos se justificam as ironias, as palavras ásperas, os adjetivos mais contundentes de que valeu o excipiente para, nessa e em outras oportunida­des, atacar o excepto.

Não julgamos que o excepto tenha decidido como decidiu por razões subalternas. Sequer se insinuou tenha ele auferido vantagem pessoal.

Embora se possa duvidar da veracidade das declarações do excepto no que se refere ao encontro, em seu gabinete, com ALDO FAGUNDES, o certo é que, nessas declarações, revela ele uma indisfarçável simpatia pela causa do réu. Confessa-se profundamente emocionado com a situação de ALDO, que lhe pareceu vitima de mais um ato não ortodoxo do Shopping Center e da desídia de sua advogada. Simpatia e piedade em relação a ALDO, pequeno comerciante em situação econômica difícil, e um certo preconceito contra os representantes do Conjunto Nacional Brasília foram, a nosso ver, os sentimentos determinantes da atuação do excepto.

Se ao Juiz fosse dado afastar a lei para decidir a favor dos pequenos contra os grandes, não teria o excepto prevaricado.

Ante a propalada "desídia" da advogada MARIA DAS GRAÇAS (nunca comprovada), o Juiz a substituiu e advogou a causa do réu.

R. sup. Trib. Just., Bmsília, a. 4, (39): 69-210, novembro 1992. 165

Amor, ódio, simpatia, preconceito, piedade, admiração são sentimentos comuns a todo ser humano. Nem mesmo o magis­trado está imune a eles. Cumpre-lhe, no entanto, lutar para que o sentimento não obscureça a razão, para que a emoção não o impeça de julgar com total imparcialidade. Nessa tarefa, muitas vezes ingrata e difícil, sucumbiu o excepto.

Por isso, o parecer é no sentido de que se julgue proceden­te a exceção."

O transcrito parecer analisou, sob todos os aspectos, os fatos da causa, deixando claro que, na espécie, acha-se exuberantemente com­provado que o excepto prevaricou. Daí a inexorável conseqüência: a procedência desta exceção.

Acrescento, para bem avaliar-se a intensidade do dolo, que o excepto continuou a violar, conscientemente, texto expresso de lei mesmo após o julgamento do Agravo de Instrumento nº 1.855, oportunidade em que o excipiente lhe imputou a prática do crime de prevaricação. A propósito, argumenta, com razão, o excipiente, em suas alegações finais (fls. 2.431-2.432):

"Pior ainda foi ter recebido liminarmente os embargos de retenção por benfeitorias, ofertados pela inquilina, suspendendo a execução do despejo, antes de seguro o juízo pelo depósito da coisa demandada, como impõe expressamente o art. 737, 11, do CPC. E note-se que esse ato foi cometido bem depois que o Excipiente -julgando o Agravo de Instrumento nº 1.855 (apenso nº 02) -imputou ao Excepto a prática de prevaricação. Com isso revelou a intensidade de seu dolo, ratificado na continuidade delitiva."

De assinalar, finalmente, que a alegação do excepto de ter agido movido por motivo de relevante valor social não pode ser acolhida, se­gundo se insere dos ensinamentos de NELSON HUGRIA, ao dizer:

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"Por sentimento pessoal entende-se a afeição, a simpa­tia, a dedicação, a benevolência, a caridade, o ódio, a parciali­dade, o despeito, o desejo de vingança, a paixão política, o pra­zer da prepotência ou do mandonismo, a subserviência, o receio de molestar os poderosos, etc." (Comentários ao Código Penal, voI. IX, págs. 376-377, Forense, 1958).

E, em nota ao pé de página, dilucida:

"O motivo de relevante valor social ou moral deixa, aqui, de ser uma atenuante ou minorante, para ser elemento típico do crime." (obra citada, pág. 376).

R. sup. Trib. Just., Bl'I1sflia, a. 4, (39): 69·210, novembro 1992.

No mesmo sentido, HELENO FRAGOSO:

"A eventual nobreza de sentimentos e o altruísmo dos motivos determinantes são indiferentes para a configuração do crime". (Lições de Direito Penal, Volume II, pág. 446, Forense, 1910/1989).

Isto posto, em conclusão,.julgo provada a presente exceptio verita­tis e, em conseqüência, absolvo o excipiente, quanto ao crime de calú­nia, por ausência de tipicidade.

ADITAMENTO AO VOTO (MÉRITO)

o SR. MINISTRO ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO (Relator): Acrescento ao voto, tendo em conta a sustentação oral, o aspecto seguin­te: não houve aqui, segundo se depreende, qualquer alteração quanto ao exame do dolo específico. Desde o início, toda controvérsia está bem lo­calizada, e se refere ao julgamento ocorrido no Tribunal de Justiça do Distrito Federal, ocasião em que, ao examinar agravo de instrumento tirado de uma ação de despejo, o excipiente localizou vários atos que ensejaram propositura de providência de sua parte no sentido de enca­minhar o conhecimento de tais fatos, vários, à Corregedoria. No entan­to, em razão de ponderações, ele adiantou-se e foi além, dizendo que se estava diante de um crime de prevaricação, pois realmente havia outros dados do conhecimento do Desembargador que o conduziram a isso.

Processado por calúnia, recebida a denúncia, ele passou a defen­der-se e a demonstrar a ocorrência efetiva do crime de prevaricação, e o fez movimentando toda a sua atuação probatória com relação à verifica­ção de todos os elementos constitutivos do crime de prevaricação.

Conforme vêem, e isso é importante, todos os dados apurados e considerados no texto que acabei de ler, todos esses elementos, concer­nem a fatos ligados a essa ação de despejo. O voto, portanto, está puri­ficado de todos os demais elementos factuais que vieram para o bojo dos autos e que são numerosos e diversificados. Atém-se, tão-somente, a isso. É exatamente desse contexto probatório que se verificou a ocorrência do dolo específico. O dolo genérico ficou demonstrado, aflorando das próprias declarações do Juiz, no sentido de que violou a lei de maneira consciente, e o dolo específico ficou caracterizado, porquanto se apurou que, ao as­sim proceder, o fez para atender aspectos de sentimento pessoal. Ele ficou impressionado com a situação de um comerciante que estava sen­do despejado. Embora tivesse praticado todos os atos de acordo com a

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lei, depois de proferida a sentença final, numerosos atos manifestamen­te ilegais passaram a se seguir, e desse conjunto de atos, desse contexto probatório, sempre ligado à ação de despejo, é que se verifica que real­mente os elementos constitutivos do crime de prevaricação se concreti­zaram e estão devidamente demonstrados.

Em razão disso é que julguei provada a presente t"xct!ptio veritatis e, em conseqüência, absolvi o excepto quanto ao crime de calúnia por ausência de tipicidade.

VOTO - REVISOR

O Ex:M:O. SR. MINISTRO FLAQUER SCARTEZZINI: Sr. Presiden­te, conforme visto do relatório e voto da lavra do eminente Ministro Pádua Ribeiro, trata-se de apreciação de pedido de exceção da verdade que tem por objetivo provar a veracidade da imputação feita pelo excipiente, Des. Irajá Pimentel, ao excepto, Dr. Pedro Aurélio Rosa de Farias, de haver este prevaricado ao praticar atos na ação de despejo proposta por CMG - Empreendimentos e Participações Ltda. e CBBC - Empreendimen­tos Comerciais Ltda., contra F AGGU'S Confecções e Modas Ltda.

Apesar do minucioso relatório distribuído pelo eminente Relator, cumpre-me fazer uma síntese dos fatos para melhor orientar meu voto. Assim, na ação de despejo ajuizada por CMG - Empreendimentos e Participações Ltda. e outra, contra FAGGU'S - Confecções e Modas Ltda., temos como pontos básicos:

a) a Ré pleiteou emenda da mora, mas não efetivou o pagamento, ofertando, na ocasião, petição para dilação do prazo, o que foi deferido;

b) novamente não cumpriu o estabelecido, nem contestou a ação;

c) conclusos os autos, o suposto ofendido, ora excepto, determinou que o Cartório informasse sobre a exatidão das certidões, o que foi feito, indo os autos para sentença sobrevindo a decretação da rescisão contra­tual e o despejo da ré;

d) depois da sentença, Maria Fagundes de Souza, irmã do repre­sentante da Ré, esteve no gabinete do Juiz e no respectivo cartório para tratar da causa, chegando a compulsar os autos;

e) Maria Fagundes já atuara antes, por diversas vezes, como peri­ta-contadora em feitos que correram pela Vara de responsabilidade do Juiz Pedro Aurélio, excepto, na presente ação;

f) Maria Fagundes, depois de estar com o Juiz orientou seu irmão a desconstituir sua advogada, Dra. Maria das Graças Martins, e a va-

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ler-se de um sócio dela, Dr. Glênio Guimarães, que também servira como perito na citada Vara de responsabilidade do excepto;

g) mesmo sem examinar os autos, como confessa, o próprio Dr. Glênio Guimarães elaborou petição em favor da Ré, postulando o depó­sito dos alugueres devidos, sendo deferido pelo Juiz, que se valeu do ensejo para sugerir que a Ré apelasse de sua sentença;

h) na mesma ocasião e sem ouvir a advogada Maria das Graças, o Juiz mandou remeter cópia da petição e de outros elementos à OAB-DF, para instauração de processo disciplinar contra ela;

i) interposta a apelação, foi ela recebida em duplo efeito, contra expressa disposição da Lei do Inquilinato, que, na hipótese de ação de despejo por falta de pagamento de alugueres, determina o recebimento do recurso só no efeito devolutivo;

j) tendo-se agravado desta decisão, a I!! Turma Cível do E. TJDF deu provimento ao Agravo de Instrumento (nQ 1.855) onde o Des. Irajá Pimentel afirmou que o comportamento do Juiz configurava prevarica­ção, remetendo-se peças dos autos à Corregedoria de Justiça para inves­tigações;

l) mesmo depois de lhe ser atribuído o cometimento de prevarica­ção, o Juiz inviabilizou a execução provisória da sentença de despejo, em desabusado descumprimento do acórdão do Tribunal, ao proferir despacho de recebimento de embargos de retenção por benfeitorias, embora não alegadas no curso da demanda;

m) o Juiz conferiu efeito suspensivo a esses embargos, até que se realizasse prova pericial determinada de ofício, malgrado a Autora ti­vesse prestado caução real para a execução imediata da sentença;

n) nas férias do Juiz excepto, seu substituto, Dr. Waldir Leôncio Júnior, reconsiderou a ilegítima decisão, porque proferida também con­tra norma expressa do Código de Processo Civil, e só assim foi possível ultimar-se o despejo da Ré, quase um ano depois de intentada ação.

O Juiz, na tentativa de explicar sua conduta em admitir o depósito posterior à prolação da sentença e receber o recurso de apelação no duplo efeito, alegou que o locatário dispunha de numerário suficiente, o que foi negado pelo próprio representante da ré.

Resumidos nestes pontos o procedimento do excepto na ação de despejo referida, vindo os autos a este E. Superior Tribunal, argumenta ele, o excepto, que o comportamento calunioso do excipiente pode ser bem retratado por ocasião do Agravo de Instrumento nQ 1.855, já referi­do, na oportunidade em que proferiu o seu voto, acrescentando, verbis:

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"A especJe, entretanto, não me permite o silêncio, ante dois fatos que me parecem relevantes. (...). A outra questão, que me parece ainda mais séria, é versada no despacho de fls. 24 destes autos, onde o 1\11\1. Juiz não apenas pretende, mas dá conseqüência a seu interesse em patrocinar a defesa da empre­sa agravada. Se o verdadeiro patrono da agravante não lhe defendeu convenientemente as razões, é problema que se passa entre eles. O Juiz é que não pode, não deve, jamais, arvorar-se em substituto do advogado da parte ... E advogado ardoroso que chega até a fazer comunicação à Seccional da OAB. Penso que essas disputas entre colegas deveriam ser mais reservadas. Digo, colega, porque o Juiz está agindo como advogado. Diante disso, Senhor Presidente, proponho à Egrégia Turma que extraiamos cópia de todo este agravo de instrumento para remessa ao eminente Desembargador Corregedor da Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, para apurar a lisura da conduta do Magistrado ... " (EXVERD voI. 1, fls. 81/82).

Ainda, conforme o excepto, "não obstante as ponderações do De­sembargador Elmano Farias, Presidente da Turma, de que não concor­dava com a proposta de enviar cópia do agravo à Corregedoria de Jus­tiça, porque "é preciso pressupor-se, aprioristicamente, a idoneidade do Juiz", o denunciado assim afirmou:

"Acho que houve crime e quem preside o inquérito é o Desembargador Corregedor. Receber o recurso em um efeito, quando deveria ser em outro? Prevaricação" (EXVERD voI. 1, fls. 82).

Com isso,' no seu dizer, "duas foram, portanto, as imputações for­muladas pelo digno representante do Ministério Público Federal na de­núncia que ofereceu contra o excipiente, após o julgamento do referido agravo de, instrumento, consistentes, ambas, em crime de calúnia: a) haver publicamente acusado o Juiz, em sua primeira manifestação so­bre o mérito do recurso, de ter agido como advogado de uma das partes (cf. 'nº 3 da transcrição contida no item 6, retro); b) haver, ainda, -mesmo após a prudente manifestação do eminente Des. Elmano Farias, sobre haver "pressupor-se, aprioristicamente, a idoneidade do Juiz" -, asseverado constituir prevaricação o recebimento, pelo ora Excepto, do "recurso em um efeito, quando deveria ser em outro" (cf. nº 4 da trans­crição contida no item 6 retro)." (Todos os grifos e citações, são do origi­naI).

Por tal comportamento, entende o excepto que o excipiente o calu­niou, porque na ocasião dispunha apenas dos elementos contidos nos autos do Agravo de Instrumento.

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Finalmente, em suas alegações finais, suscita o excepto questão prejudicial ao exame do mérito, qual seja a circunstância vista de haver o ministério público se manifestado, em duas oportunidades, a seu fa­vor. A primeira, quando do processo administrativo, onde opinou pela sua absolvição "à míngua de prova suficiente para embasar a condena­ção". A segunda quando, instado a novamente examinar a matéria, em atenção a peças que lhe remetera o 'l'JDF, requereu o arquivamento dos autos "por configurada a ausência de justa causa para o exercício da persecutio criminis in Juditio".

A final, confia em que seja julgada improcedente a exceção da ver­dade.

Preliminarmente, quanto à prejudicial invocada, para que se dei­xasse de apreciar o mérito da questão, ao entendimento de que o MP não encontrou provas suficientes para embasar a condenação no proces­so administrativo, pedindo a absolvição do excepto, e, em outra ocasião, ao afirmar a ausência de justa causa para o exercício de denúncia ante as provas enviadas pelo 'l'JDF, ficando, assim, definitivamente sepulta­do o direito deste para a ação penal, entendo improcedente.

Não se pode olvidar que o arquivamento do inquérito ou da impro­núncia, não fazem coisa julgada material. O que determina a abertura de inquérito ou a pronúncia é o momento em que estão ou se dão as coisas (rebus sic stantibus). Se naquelas oportunidades, elementos não existiam para um ou outro procedimento, não significa dizer que para a autoridade policial ou para o Ministério Público as coisas se tornem definitivas, impeditivas mesmo de reabertura de investigações ou mes­mo a instauração da ação penal.

O que a jurisprudência da E. Suprema Corte ensina, consubstancia­da no enunciado de sua Súmula 524, é que, verbis: "arquivado o inqué­rito policial, por despacho do juiz, a requerimento do promotor de justi­ça, não pode a ação penal ser iniciada sem novas provas", mas nunca a impossibilidade de nova manifestação, caso novas provas vierem a ser apuradas.

No que pertine ao cabimento da exceção da verdade tenho-a por procedente. Só, no entender de Nelson Hungria ri Heleno Fragoso, a coisa julgada substancial dispõe de eficácia para impedir a produção de novas provas contra o ofendido, o que, in casu, não acontece, posto que o ex­cepto não respondeu a ação criminal pelo delito de prevaricação, que lhe atribuiu o excipiente, logo, nada impede a este que prove a veracidade da imputação.

Quanto ao mérito, conforme frisou o eminente Ministro Relator, não se pode, de sã consciência, deixar de afirmar que as atitudes tornadas

H. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 69·210, novcmb,·o 1992. 171

pelo excepto, no processo que deu margem a esta exceção, são de cunho a revelar a existência de fatos, que ao menos em tese vislumbram delito de prevaricação.

E digo isto pela simples compulsão dos autos e verificação dos di­versos despachos e procedimentos tomados pelo excepto.

Assim é que, na oportunidade em que deferiu a emenda da mora e esta não foi purgada, tendo a advogada da Ré, inquilina, no processo de despejo já referido, requerido nova data para fazê-lo, o Dr. Juiz deferiu o pedido. Não havendo a purgação, nesta ocasião, sequer contestado o feito, foi proferido o despacho, aliás prudente, neste sentido:

!'Informe a Serventia se as publicações das designações de purga da mora estão corretas. Após, eIs. DF, 10.11.86". (EXVERD vaI. 6, fls. 1.538)

Certificado que tudo estava em ordem sobreveio a sentença de res­cisão do contrato e decreto de despejo (25.11.86). Após, seis dias decor­ridos, a Ré peticiona (01.12.86) no sentido da expedição de guias para o pagamento dos alugueres, merecendo do Dr. Juiz o seguinte despacho:

"J. Já houve sentença. Indefiro. DF, 02.12.86". (EXVERD vaI. 6, fls. 1.540)

Até aqui, tudo perfeitamente normal. Todavia, não obstante, e de ofício, sem ser provocado, três dias após, novo despacho é proferido, com o seguinte teor:

"Despacho: Informe a serventia se a Ré foi intimada cor­retamente no DJ e se foi pessoalmente intimada do mesmo. Atualize-se a conta. Após, eIs. DF, 5/12/86." (EXVERD vol. 6, fls. 1.541)

Dois fatos ressaltam imediatamente. Primeiro, ter sido proferido após a emissão de sentença final e sem ser provocado e, segundo, por­que determinava a atualização da conta de alugueres, quando ele pró­prio indeferira a petição da Ré neste sentido.

Não obstante a serventia cumpriu o determinado e certificou a impossibilidade de saber dos valores, sem ouvir qualquer das partes, sendo determinado pelo Dr. Juiz: "Calcule-se pela média. DF, 11/12/86)".

No mesmo dia 11 de dezembro, três petições apresentadas, uma do próprio punho do representante da Ré inquilina, Sr. Aldo Fagundes de Souza, comunicando ao Juiz que a perda dos prazos para a purgação da mora deveu-se, exclusivamente, por negligência de sua procuradora, razão porque cancelava a procuração a ela dada. A segunda, ainda assi­nada pelo representante da ré, mas secundada pela assinatura do Dr. Glênio Guimarães, que estava, naquela ocasião, sendo apresentado como

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novo representante do Réu. A terceira, já assinada pelo Dr. Glênio, re­queria a purga da mora, que mereceu do excepto o seguinte despacho:

"J. A questão da purga da mora já foi definida. Contudo, como vislumbro questão relevante de direito a ser definida pelo Egrégio TJDF, se for interposta apelação, determino que seja feito o depósito judicial das importâncias relativas aos alugueres em atraso, ad cautelam. Dê-se ciência à OABIDF dos fatos mencio­nados na petição retro. DF, 11/12/86". (EXVERD vo1. 6, fls. 1.543)

Ressalte-se que este despacho foi proferido um mês e dezesseis dias após a segunda data deferida para purgação da mora e, o que é mais importante, após a prolação da sentença.

A petição que mereceu o despacho retro foi apresentada, no dizer do Dr. Glênio, sem que houvesse examinado os autos, tanto que na épo­ca do Processo Administrativo instaurado para apurar faltas do ora ex­cepto, diz ele perante a Comissão de Desembargadores, verbis:

"que o declarante fez um requerimento para purga da mora, sem sequer examinar os autos, baseado nas informações de Aldo; que deu entrada no requerimento, foi feito o depósito e poste­riormente o Declarante entrou com um recurso de apelação".

Tal petição, como visto anteriormente, foi recebida no duplo efeito, impossibilitando a execução da sentença, o que, em se tratando de ação de despejo por falta de pagamento, contraria frontalmente o art. 42 da Lei do Inquilinato (Lei nº 6.649/79).

Houve, evidentemente, o desacordo das Autoras com tal proceder, externado no Agravo de Instrumento que interpuseram. O despacho que sobreveio, manteve o anterior, tendo seu prolator assim se justificado:

"Mantenho o despacho agravado. O locatário deu mostras ao curso da ação principal de que dispunha de numerário su­ficiente para purgar a mora, que somente não foi requerida desídia de seu advogado, conforme suas próprias palavras.

Sua afirmação foi forte suficiente para este juízo temer estar de frente a procedimento no mínimo duvidoso praticado pelo mencionado patrono, a ponto de extrair e remeter peças à Seccional da OAB.

Estas as razões por que este Juízo, a lattere de dispositivo processual expresso, admitiu ad cautelam o duplo efeito ao recurso interposto.

Se realmente houve desídia com participação ativa do lo­cador, a ninguém é facultado beneficiar - se com a própria torpeza.

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o depósito efetivado às fls.' é suficiente para o pagamento dos alugueres atrasados, o que por si só torna íntegro o contra­to de locação do imóvel, localizado em privilegiado setor de compras da Cidade.

Subam". (EXVERD voI. 6, fls. 1.549)

O agravo foi, como não podia deixar de ser, provido, para que se imprimisse um rumo normal ao caso, dando-se ao recurso de apelação tão-só o efeito devolutivo, possibilitando a execução provisória da sen­tença.

Já, até este ponto, como disse, vislumbramcse fatos, ao menos em tese, de crime de prevaricação, pelas diversas situações. Quando deter­minou o depósito judicial das importâncias relativas aos alugueres em atraso, posteriormente à prolação de sentença condenatória; quando recebeu a petição de apelo em duplo efeito, contra expressa disposição de Lei; quando afirmou, na mantença do despacho agravado, que o loca­tário, no curso da ação principal, possuía numerário suficiente para pur­gação da mora, só não o fazendo por desídia do seu advogado, contrari­ando as petições assinadas por sua procuradora, as quais nos referimos.

Tais afirmações são contestadas, umas por certidões constantes dos autos - as que se referem às petições firmadas pela Dra. Maria das Graças para a purgação da mora - e outras por depoimentos, tanto do novo advogado do Réu, Dr. Glênio, como da irmã daquele, Maria Fagun­des de Souza.

O primeiro afirma ante a Comissão de Desembargadores que: " ... o Declarante acredita, mas não tem certeza, que o Aldo

não teria entregue à Dra. Maria das Graças o dinheiro para purgação da mora ... "

A segunda, perante a mesma Comissão declara:

" ... que este (Aldo) se engrandeceu com o fato de ter uma loja na praça da moda, no Conjunto Nacional, por isso não planejou bem seus negócios, envaideceu-se e daí o desequilíbrio financeiro que o liquidou completamente, a ponto de hoje estar entregue ao uso imoderado de álcool; que na época da referida ação de despejo, a e.mpresa do Aldo já se encontrava arruinada financeiramente".

Não menos expressiva é a declaração do próprio Réu, fornecida à OAB-DF, por ocasião de apuração do comportamento da sua advogada, Dra. 'Maria das Graças. Diz ele:

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" que o compromisso para a purgação da mora determi­nada nos autos da ação de despejo - processo nº 19A·18/88, fora descumprido por absoluta falta de condição financeira por parte do Declarante."

Destes depoimentos, contrariando as afirmações do Dr. Juiz, só põe a descoberto que este, em inúmeras situações, não esclareceu conveni­entemente os fatos, e, da maneira comõ procedeu, só se pode presumir que agiu com o intuito de satisfazer sentimento pessoal, o que permite caracterizar o crime de prevaricação.

Ainda, conforme afirma o excipiente, fls. 6/27 dos autos da exceção da verdade, temos:

"As arbitrariedades do Juiz Pedro Aurélio não se restrin­giram, porém, só a isso. Extraída a carta de sentença e promo­vida a execução, as Autoras prestaram a caução ordenada e intimou-se a Ré para desocupar a loja. Esta, entüo, apôs embar­gos de retenção por benfeitorias, que foram recebidos liminar­mente pelo Juiz, através deste despacho:

"Cumpra-se o despacho de fls. 2, intimando-se os em­bargados para a impugnação. Com o objetivo de efetivar-se a realização da necessária perícia, recolha-se o mandado de intimação expedido nos autos principais". (doc. nº 3, fls. 95).

O Juiz Pedro Aurélio levou mais de vinte dias só para emitir esse despacho, o qual terminou por ser proferido no período de férias, mas com a data atrasada, como se mostrará.

Na inicial dos embargos de retenção, a Ré tão-só protestou " ... pela produção de prova pericial, se necessário for ... ". Entre­tanto, antes mesmo de ouvir a parte contniria, já o Juiz orde­nou "a realização da necessária perícia". Tal era a confiança no generoso comando judicial que a Ré punha em suas mãos a definição até da necessidade da prova. Será mostrado, todavia, que nem a perícia era necessária, como era até ilegítima na situação da causa.

Sob o pretexto de efetivar-se o exame técnico, o Juiz invia­bilizou a execução provisória da sentença de despejo por falta de pagamento de aluguéis, pois, para a consecução da perícia, determinou o "recolhimento do mandado de intimação expedido nos autos principais", o qual tinha em vista a desocupação do imóvel.

Tal despacho, segundo declarações dos Advogados das Autoras à Comissão de Desembargadores (does. ns. 11 e 12),

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fora proferido no mês de julho, quando o Dr. Pedro Aurélio já se encontrava de férias. Mas foi antedatado para 25-jun-87, consoante se lê às fls. 95 (doc. 03) dos autos dos embargos de retenção. Impossível, todavia, que o despacho fosse exarado em 25-jun, se a conclusão dos autos está datada de 30-jun.

Durante o mês de julho de 1987, os autos foram conclusos ao Dr. Waldir Leôncio Júnior, substituto do Dr. Pedro Aurélio, que revogou o mencionado despacho deste - que suspendeu a execução do despejo -, assim justificando seu decisório:

"Revogo o r. despacho de fls. 95, data venia de seu pro­lator, uma vez que os presentes embargos não têm, por ora, como serem recebidos, uma vez que não houve a entrega da coisa (art. 737, lI, do CPC).

Outrossim, na carta de sentença o exeqüente prestou caução idônea e inclusive atendeu a determinação judicial de registrá-la na Serventia, cumprindo, pois, a exigência do art. 744, § 32, do CPC. Intime-se, pois, para a desocupação do imóvel" (doc. 03, fls. 146).

E conclui, neste ponto:

"Mesmo depois de julgado o Agravo de Instrumento 1.855, onde se verberou a conduta anômala, arbitrária e criminosa do Juiz Pedro Aurélio, ele não emendou seu comportamento na causa, teimando em favorecer a Ré, de modo acintoso, seja fa­zendo exigências extravagantes quanto ao caucionamento de bens, seja principalmente impedindo a execução do despejo. A execução só se tornou viável pela ação moralizadora do Juiz Substituto Dr. Waldir Leônio Júnior." (fls. 19, do Relatório).

Friso que na ação principal a Ré não alegou a existência de benfei­torias, nem contestou a ação, logo, não se lhe poderia ser deferido o direito de retenção do imóvel por este motivo, advindo daí ser totalmente es­drúxulo (ilegal mesmo), o despacho determinando a suspensão do despe­jo para realização de perícia em benfeitorias sequer alegadas. Sem fa­lar, como bem frisou o excipiente, "em que os embargos não poderiam ser recebidos, pois não se deu a entrega da coisa pela Ré, além de have­rem as Autoras prestado caução legal, o que tornará válida a execução, mesmo se alegada a existência de melhoramento no imóvel.

Com tais comportamentos o excepto, indiscutivelmente, violou dis­positivos expressos de lei, tais como o art. 42, da Lei 6.649179 (Lei do Inquilinato), quando recebeu em ambos os efeitos a apelação de senten-

176 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 69·210, novembro 1992.

ça que decretou o despejo por falta de pagamento; afrontou a norn::ta explícita do art. 463, do Código de Processo Civil, ao permitir o depósito retardado dos aluguéis, ato que absolutamente poderia fazê-lo, pois com a prolação da sentença exaurira-se seu ofíci?!la causa; e ofendeu o art. 737, do CPC, ao receber liminarmente os embargos de retenção por ben­feitorias, ofertados pela inquilina, suspendendo a execução do despejo, ~ntes de seguro o juízo pelo depósito da coisa demandada.

Com efeito, dispõem os citados artigos: "Lei 6.649/79:

Art. 42 - Será recebida, somente no efeito devolutivo, a apelação interposta contra sentença que decretar o despejo por infração ao disposto no § 22 do art. 18, nos incisos II e V do art. 19 e no art. 29, ou nos casos do inciso VI do art. 52 e do inciso II do art. 54.".

"Art. 463 - CPC (Publicação de sentença. Efeitos. Corre­ção e integração da sentença).

Ao publicar a sentença de mérito, o juiz cumpre e acaba o ofício jurisdicional, .s~ podendo alterá-la:

I - para lhe corrigir, de ofício ou requerimento da parte, inexatidões materiais, ou lhe retificar erros de cálculo;

II - por meio de embargos de declaração." "Art. 737 - CPC (Segurança do Juízo corno pressuposto) Não são admissíveis embargos do devedor antes de seguro

o juízo: I - pela penhora, na execução por quantia certa; II - pelo depósito, na execução para entrega de coisa."

Assim agindo, tenho por tipificada sua conduta na primeira parte do ~rt. 319, do Código Penal - crime de prevaricação - posto que reza tal artigo, no seu caput, verbis:

"Art. 319. Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal:

Embora se constate a existência, em tese, de fatos indicadores do delito de prevaricação, necessário se faz examinarmos as razões e pon­derações apresentadas pelo excepto para justificar sua atitude.

Pergunta-se: sabia o excepto da irregularidade da conduta que ha­via assumido?

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 69-210, novembro 1992. 177

É ele pr6prioquem responde, pois são suas estas palavras: "Que estando plenamente convencido de que prática ·não

ortodoxa havia sido mais uma vez praticada pelo Shopping Center, o dépoente, ao receber o recurso interposto pela parte, um direito subjetivo público que certamente seria utilizado pelo locatário ludibriado pelas práticas não convencionais praticá­veis,embora enfrentando dispositivo legal expresso, motivado e justificadamente no rosto do recurso, o recebeu em duplo efei-to ... " (EXVERD vol. 2, fls. 320). .

Mais além, prosseguindo, atesta que influências de fatos extrajudi­ciais tiveram a ver com seu procedimento .. Eis a justificativa:

"Que o magistrado, na instrução do processo, freqüente­mente se vê frente a fatos extraprocessuais que direcionam o livre convencimento do magistrado, para determinar a situação de fato que diz respeito direto com a demanda do julgamento" CEXVERD vol. 2, fls. 318).

E quais seriam estes fatos? É o pr6prio excepto quem nos traz, quando declara, em audiência,

verbis:

178

"Que ap6s a publicação da sentença no mesmo dia, foi o depoente procurado em seu gabinete por um senhor escuro, portando uma mala marrom bem' cheia, dizendo-se réu da ação, que entre' choro e soluços, tal homem lhe afirmou ser o réu da ação e que havia sido ludibriado por sua advogada que não havia alertado da data designada para a segunda purga da mora; que o fato que mais emocionou o depoente foi o de o mencionado senhor ter aberto a sua mala e mostrado no seu interior pacotes de dinheiro, que foram examinados pelo Juiz que ali constatou nas fitas de papel que molduravam o dinheiro uma data anterior àquela designada para o ato da purga; que o depoente naquele instante sentiu que algo de sério havia ocorrido nos autos, uma vez que o réu sendo ajuizado em uma ação de despejo por falta de pagamento, estava demonstrando ao Juiz da causa de que dispunha de numerário para honrar o seu compromisso" C ... ) "aquela demonstração inequívoca da ca­pacidade do réu para adimplir sua obrigação ficou martelando na cabeça do juiz, que por sua experiência no julgamento de outros fatos e ações envolvendo Centros Comerciais Brasília Ltda. estavam a demonstrar práticas não muito ortodoxas dos seus representantes". (. .. ) "Que em face de tais atos, no jul-

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 69·210, novembro 1992.

gamento dessas ações o depoente convenceu-se de que a prática adotada pelo Shopping Center não era a mais correta e o com­portamento adotado em relação aos seus locatários certamente era leonino; esta experiência subjetiva, que ficou firmemente marcada no inconsciente do Juiz somou-se àquela inequívoca demonstração feita pelo réu da ação de que dispunha de nume­rário suficiente para o adimplemento da obrigação; que o depoen­te, ao escutar o réu afirmar de que havia sido ludibriado por sua advogada, embora tendo dinheiro suficiente para a purga da mora, emocionou profundamente o Juiz, que sentiu a certeza de estar em frente a mais um ato não-ortodoxo do Shopping Cen­ter." (EXVERD voI. 2, fls. 318)

Temos, então, que o comportamento do réu na ação de despejo, emocionou o excepto, provocando-lhe viva emoção, que sua narrativa ficou firmemente marcada no inconsciente do Juiz, e levou-o a ter certeza de estar em frente a mais um ato não-ortodoxo do Shopping Center, com toda evidência, leoninos. (extraídas da própria declaração retro).

Estas afirmações, longe de eximir-lhe a imputação que lhe fez o excipiente, pois pretendia com elas dar um cunho de magnanimidade na prestação jurisdicional que lhe cabia, refletem comportamento apropriado para satisfazer interesse ou sentimento pessoal.

Com isto, incorreu, também, na segunda parte do citado artigo 319 do Código Penal, posto que ditou seu comportamento exclusivamente para satisfação de interesses ou sentimentos pessoais.

Se milita ou não a seu favor alguma causa de exclusão de tipicida­de, de ilicitude ou de culpabilidade, constitui matéria estranha a estes autos, que só poderá ser apreciada em eventual ação penal que por ven­tura venha a ser proposta contra o excepto.

Cabe-nos, nesta oportunidade, breve consideração a respeito do julgamento da exceptio veritatis, juntamente com a ação penal.

Entendo que a exceção da verdade, embora tenha esta denomina­ção, não se apresenta como uma exceção proce~sual. que deve ser exa­minada aprioristicamente.

Trata-se de mera manifestação da defesa, que a exerce com o intui­to de demonstrar a irresponsabilidade do acusado, por haver imputado ao ofendido fato verdadeiro, razão porque se exclui a figura da injúria e difamação.

Assim, não determinando nossa lei adjetiva penal um julgamento preliminar e prejudicial da causa, onde o julgador deva de plano absol-

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ver o réu, cabe-nos por entender procedente a exceptio veritatis, apre­ciá-la juntamente com a ação penal, num só todo, o merecimento da acusação e o da defesa em todos os seus aspectos, como salienta o emi­nente e saudoso processualista Eduardo Espínola Filho, in Código de Processo Penal Brasileiro Anotado, 6ª ed., vaI. V, p. 205; sendo tal en­tendimento professado por outros grandes mestres do Direito Proces­sual Penal, 11ª ed., 42 vol., p. 155; E. Magalhães Noronha, in Curso de Direito Processual Penal, 18ª ed., p. 303, apenas para lembrar alguns eis que a lista de outros luminares que adotam o mesmo entendimento é bem mais extensa.

In casu, o excepto imputou ao excipiente o crime de calúnia por este, no dia 11.05.87, quando do julgamento do já referido Agravo de Instru­mento, perante a 1ª Turma do E. TJDF, meSJllO ante as ponderações do Desembargador Presidente, de não enviar cópia do agravo à Corregedoria como sugerira o excipiente, Des. Irajá Pimentel, afirmou este, verbis:

"Acho que houve crime e quem preside o inquérito é o Desembargador Corregedor. Receber um recurso em um efeito quando deveria ser em outro? Prevaricação!" (voI. 1, fls. 80/82)

Não vislumbro a possibilidade de imputar ao excipiente o crime de calúnia.

Inquestionavelmente, nos incisos do artigo 142, do C. Penal, a ex­clusão só alcança a difamação e a injúria, contudo, tenho para mim que, se a expressão tida como caluniosa é proferida com o único intuito de defender um direito, e, portanto, despida da intenção ofensiva, torna o fato atípico.

O Desembargador, ora excipiente, ao proferir seu voto, emitiu sua opinião oficialmente, com a franqueza que entendeu necessária ao inte­resse da própria administração.

A essência da calúnia reside na falsidade da imputação, portanto, afastada esta, inexiste o delito, por ausência de adequação típica.

Cabe-me, ainda, uma última ponderação. É que a denúncia de fls. 3, voI. 1, dos autos da ação penal, em que

se imputou ao réu a prática do delitô de calúnia, fOI aditada em 18 de agosto de 1988 (fls. 165/6 do mesmo vaI. 1) na qual a MPF expõe, verbis:

180

"O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL vem perante essa excelsa Corte oferecer ADITAMENTO À DENÚNCIA contra o Desembargador IRAJÁ PIMENTEL, com suporte em nova re­presentação feita pelo magistrado Pedro Aurélio Rosa de Farias, que noticia o seguinte fato delituoso, evidentemente conexo com o fato já objeto da denúncia de fls. 2/4.

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. ~, (39): 69-210, novembro 1992.

Ciente de que o juiz Pedro Aurélio Rosa de Farias havia ofertado representação criminal ao excelentíssimo Senhor Dou­tor Procurador-Geral da República, imputando ao acusado a prática do crime de calúnia, objeto da denúncia de fls. 2/4, este endereçou, ao destinatário da representação, o ofício n2 3.836/ 87, de 06.11.1987, protocolado na Procuradoria-Geral da Repú­blica em 12 de dezembro do mesmo ano.

O denunciado, no ofício aludido, depois de relembrar o julgamento do agravo de instrumento, em que afirmou ter o juiz de primeiro grau cometido delito de prevaricação, acrescen­tou:

"Afirmei-o e confirmo que mencionado Juiz de Direito é um habitual criminoso, vestido de toga" (fls. 24 do PGR n2

1.033/88, em anexo e fls. dos autos do Inquérito n2 38I-DF).

Proclamar que um magistrado ué um habitual criminoso, vestido de toga", constitui patente injúria, porque fere a honra subjetiva da vítima, ofendendo-lhe o sentimento pessoal de dig­nidade e de decoro.

Pelo exposto, a conduta do denunciado está tipificada no artigo 140, do Código Penal, pelo que o Ministério Público Fe­deral oferece esta denúncia, requerendo seja tomada como adi­tamento à denúncia de fls. 2/4 do Inquérito n2 381-DF, bem como esta seja dado prosseguimento ao feito, termos regimen­tais.".

Conforme consta do v. Acórdão do Plenário da Eg. Suprema Corte (fls. 203/250), tanto a denúncia como seu aditamento foram recebidos em 21 de setembro de 1988.

Visto pela transcrição retro que o aditamento à denúncia somente imputou ao réu a prática do delito de injúria, capitulado no caput do art. 140 do CP, para o qual prevê-se pena de detenção de um a seis meses, ou multa, crime este, que pelo art. 109, IV, do CP, estaria pres­crito em dois anos, ou seja, em 21/09/90.

Com estas considerações finais, entendo procedente a presente ex­ceção da verdade, ipso facto improcedente a denúncia, que imputou ao réu o crime do art. 138, do C. Penal- calúnia - absolvendo-o com base no art. 386, I, do Código de Processo Penal, por absoluta inadequação ao tipo penal, ao mesmo tempo que declaro extinta a punibilidade pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva, no que se refere ao de­lito de injúria (art. 140, do CP).

R. sup. Trib. Just.., Brasília, a. 4, (39): 69-210, novembro 1992. 181

Remeta-se cópia do v. acórdão ao MP para as providências que entenda necessárias.

É o meu voto.

ESCLARECIMENTO (PELA ORDEM)

O SR. MINISTRO ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO (Relator): Sr. Presidente, na verdade, há uma ligeira diferença entre o voto do ilustre Ministro-Revisor e aquele que proferi na qualidade de Relator.

Como Relator, até o momento, apreciei apenas a questão atinente à exceção da verdade, e não passei disso. Assim procedi porque a exceção da verdade, entendo, é uma exceção substancial, isto é, é uma exceção de mérito. Quem alega a exceção substancial alega fatos que, tendo por con­teúdo um direito seu, paralisam os efeitos jurídicos dos fatos alegados pelo autor. É o caso que ocorre com mais freqüência em Direito Civil: o problema da prescrição, da compensação. Esse é o aspecto fundamental.

Portanto, ative-me ao julgamento da exceção. Não fui além porque, se acolhida a exceção, a conseqüêncià seria a absolvição do excipiente. Nesse ponto assim votei e da mesma maneira procedeu o ilustre Minis­tro-Revisor. Não fiz qualquer consideração acerca do crime de injúria. Caber-me-ia assim proceder desde que rejeitada a exceção. Se rejeitada, passaria a examinar o feito, no tocante ao crime de injúria. A ação pe­nal principal acha-se paralisada. Houve o interrogatório do réu e, fora disso, nada se fez. Então, o processo está paralisado na dependência do julgamento desta preliminar de mérito, da exceção de mérito.

Com relação ao crime de injúria, vou proclamar a prescrição, mas o farei posteriormente. A ação penal foi colocada em pauta apenas para examinar a questão da prescrição da ação quanto ao crime de injúria. Não quis antecipar-me. No meu entendimento, dever-se-ia esperar pri­meiro o julgamento da exceção e, secundum eventus litis, passar-se às demais questões, ou seja, as atinentes ao prosseguimento, ou não, da ação penal quanto ao crime de calúnia e com relação à proclamação da prescrição quanto ao crime de injúria.

Essa era a ponderação que queria fazer. Se necessário, posso ir adialll\! no meu voto. Mas, creio que, tecnicamente, o encaminhamento proposto é mais adequado, data venia do ilustre Ministro-Revisor.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO GERALDO SOBRAL: Senhor Presiden­te, voto de acordo com o Sr. Ministro-Relator.

É o meu voto.

182 H. Sup. Trib. Just.., Brasília, a. 4, (39): 69·210, novembro 1992.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO NILSON NAVES: Sr. Presidente, peço licença para divergir, quanto à exceção da verdade.

Na petição em que intentou a exceção, o excipiente disse que o excepto prevaricara (Prevaricação, conforme o art. 319, do Cód. Penal: "Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou prati­cá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sen­timento pessoal:"). no curso da ação de despejo por falta de pagamento, proposta por CMG-Empreendimentos e Participações Ltda. e CBCC-Em­preendimentos Comerciais Ltda.

Recordemos que, julgada procedente a ação, o juiz, ao que parece, voltara atrás, despachando, de ofício: "Informe a serventia se a ré foi intimada corretamente no DJ e se foi pessoalmente intimada do mesmo. Atualize-se a conta". Depois, admitiu o depósito ad cautelam e recebeu a apelação, no seu duplo efeito, dizendo: "Recebo o recurso em seus re­gulares efeitos, em face da excepcionalidade do caso, ad cautelam". In­terposto o agravo de instrumento pelas autoras, afirmou o excipiente, em sessão de julgamento:

"Acho que houve crime e quem preside o inquérito é o Desembargador-Corregedor. Recebeu um recur.so em um efeito, quando deveria ser em outro? Prevaricação."

A meu ver, tudo gira ao redor de despejo, até aquele momento. Examinando dessa forma o assunto destes autos, pergunto se foi repro­vável o ato do juiz ao receber a apelação no duplo efeito. Reprovável talvez por ter incorrido ou em error in procedendo ou em error in iudi­cando, corrigível, se tanto, via recurso ordinário, como aHás o foi. Se reprovável em termos de erro processual, tal modo de agir implicaria comportamento penalmente reprovável? Penso que não, porque o juiz não há de responder, no campo penal, por suas convicções simplesmente pessoais.

Certo que, publicada a sentença, o juiz cumpre e acaba o ofício jurisdicional, sendo-lhe defeso tornar aos autos, salvo as hipóteses pre­vistas em lei. Não obstante, <> juiz aos autos voltou, e até de ofício, para proferir despachos, tais como, entre outros:

"J. A questão da purga da mora já foi decidida. Contudo, . como vislumbro questão relevante de direito a ser decidida pelo Egrégio TJDF, se for interposta apelação, determino que seja

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 69-210, novembro 1992. 183

feito o depósito judicial das importâncias relativas aos alugue­res em atraso, ad cautelam. Dê-se ciência à OAB/DF dos fatos mencionados na petição retro."

"Há sérias acusações contra a antiga advogada do Réu. Dê-se ciência do ocorrido à OAB/DF, para as providências cabí­veis. Remetam-se as cópias do processo. Recebo o recurso em seus regulares efeitos, em face da excepcionalidade do caso, ad cautelam. Ao apelado."

Veja-se que foram usadas expressões tais como ad cautelam e ex­cepcionalidade do caso.

Penso que, ao assim proceder, o juiz agiu de acordo com a sua persuasão íntima. O ato judicial não deixa de ser fruto da filosofia do seu autor. Há de revelar, sim, a vontade ou o comando da lei, mas não deixa de conter a interpretação pessoal do seu prolator. "Não há dúvida que as razões de decidir, que constituem alvo da inteligência do Juiz, preparam em operações lógicas a conclusão a que vai chegar no ato de declarar a vontade da lei, mas, como pondera Chiovenda, o Juiz, 'en­quanto razoa, não representa o Estado; representa-o enquanto lhe afir­ma a vontade' (Chiovenda, Instituições, I, nl! 115)", Sr. Ministro Alfredo Buzaid, in RTJ-1031763. Já se foi o tempo em que o juiz era simples­mente a boca da lei: "La bouche qui prononce les paroles de la lei, ]es exécutants fidêles de la volonté du législateur", in Bicentenaire de La Cour de Cassation, La Documentation Française, pág. 12l.

Talvez se possa dizer, até, que o juiz agiu cautelarmente, como há pouco lembrava, aqui ao meu lado, o Sr. Ministro Dias Trindade, dei­xando, como deixou, ao Tribunal a solução final da pendência, e o Tri­bunal, julgando o agravo de instrumento, prestem atenção, proveu-o e o proveu para reformar exatamente a decisão inferior.

Em resumo, quero crer que, no caso, o juiz, ao praticar o ato, não agiu para satisfazer sentimento pessoal, o que me leva, reiterando o pedido de licença, a ter por não provada a exceção. Em conseqüência, julgo-a improcedente.

VOTO

O SR. MINISTRO DIAS TRINDADE: Sr. Presidente, também não tenho por provada a prática do crime de prevaricação, pelo juiz, porque esse juiz, pelo que está nos seus despachos, agiu no exercício do poder de cautela, deferiu um depósito, não julgou purgada a mora, deferiu de-

184 n. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 69·210, novembro 1992.

p6sito judicial para que o Tribunal, apreciando situação que ele enten­dia ser relevante, dissesse a respeito e, então, ou se levantaria o dep6-sito ou se converteria o dep6sito em pagamento, se fosse o caso.

Quanto a receber o recurso em ambos os efeitos - também o fez cautelarmente e está expresso no seu despacho que o fez em virtude daqueles considerações que fizera antes; dizer que o juiz. no exercício do poder de cautela, indo contra disposição legal, prevaricou - já o lem­brou o Ministro Nilson Naves - vai nos impedir, amanhã, de conferir efeito suspensivo a um agravo, em liminar - quantas vezes o temos feito - quando a lei diz que agravo de instrumento não tem efeito sus­pensivo.

Decidindo contra a lei e exercendo o poder de cautela, amanhã se poderá vir a dizer que qualquer de nós estaria prevaricando, para aten­der a sentimento pessoal.

A imputação feita ao Juiz está contida nestas palavras que estão aqui reproduzidas: "receber o recurso em um efeito quando deveria ser em outro, prevaricação". Quanto a este fato, de receber o recurso em um efeito, quando deveria receber em outro, o Desembargador excipiente entendeu que estaria configurada a prevaricação e se propôs a provar que ela ocorrera. Estou dizendo que não vejo nele, ao receber o recurso, em ambos os efeitos, cautelarmente, o delito de prevaricação. Daí por­que meu voto é acompanhando o voto do Sr. Ministro Nilson Naves quanto à exceção, mas acompanho o voto do Ministro Flaquer Scartez­zini, ilustre Revisor, julgando também a ação e dizendo que esta afirma­ção do Desembargador de achar que houve crime, e esse crime seria prevaricação, não encerra tipicidade para o crime de calúnia.

Acompanho inteirame!1te o Ministro Flaquer Scartezzini, inclusive quanto à prescrição do delito de injúria.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO NILSON NAVES: Sr. Presiàente, não sei se seria interessante V. Exa. consultar o Tribunal, se deveríamos julgar apenas a exceção ou julgar também a ação penal, porque temos votos num e noutro sentidos.

VOTO VENCIDO (QUESTÃO DE ORDEM)

O EXMO. SR. MINISTRO FLAQUER SCARTEZZINI: Sr. Presiden­te, mantenho meu entendimento de que há impossibilidade lógica e jurí-

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 69-210, novembro 1992. 185

dica de cisão do julgamento da ação e da exceção. Portanto, deve ser julgada uma s6, a exceção, por ser parte integrante da ação.

É o meu voto.

VOTO (QUESTÃO DE ORDEM)

O SR. MINISTRO DIAS TRINDADE: Sr. Presidente, não obstante tenha adiantado o meu voto quanto ao julgamento da ação, acompanho o Sr. Ministro-Relator, para que se julgue somente a exceção.

VOTO (QUESTÃO DE ORDEM)

O SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR: Eminente Presidente, se entendi bem, a ação penal não está madura para julgamento, e, porque não está madura para julgamento, não se pode cindir a sentença. Con­fesso que estou com uma certa perplexidade, pois a cisão não é possível.

O SR. MINISTRO DIAS TRINDADE: Sr. Ministro, as duas estão na pauta, a ação penal a exceção.

O SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR: O Sr. Ministro-Relator disse que não há julgamento da ação penal.

O SR. MINISTRO ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO - APARTE (Relator): Sr. Ministro, a questão deve ser vista com certos temperos, conforme sabe V. Exa, e isso já é doutrina muito divulgada nos Tribu­nais Superiores, inclusive no Supremo Tribunal Federal, que, em maté­ria criminal, a exceção há de ser examinada dentro de determinado con­texto, mesmo porque nem sempre quem julga a exceção, julga a ação. No caso, coincidiu que o tribunal pode julgar a ação e a exceção. Mas, se o processamento se fez à parte; por que fez, por que se está a julgar desde logo a exceção? É porque é uma prejudicial de mérito: se acolhida implicará concretamente na extinção da ação, com relação ao crime de calúnia; e quanto ao crime de injúria - e por isso a ação penal está também em pauta - isso ocorrerá, segundo já antecipado pelo ilustre Revisor, em razão da extinção da punibilidade pela prescrição. É este o contexto em que a matéria está sendo examinada. Agora, se rejeitada a exceção, a ação penal prosseguirá pelo crime de calúnia, mesmo porque ela se interrompeu com o interrogatório do réu. Não teria sentido pros­seguir-se na ação criminal, com nova atividade probatória, pois esta poderia ser totalmente despicienda, no caso de acolhida a exceção.

186 R Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 69·210, novembro 1992.

o SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR: Senhor Presidente, compreendo a lógica da exposição do Eminente Relator. Louvo mesmo o seu cuidado, mas entendo que não se poderia fracionar o julgamento, e S. Exa. não fracionou ao acolher a exceção e absolver o réu ao argumen­to de que admitisse e recebesse como boa a exceção. Isto conduziria, necessariamente, à absolvição do acusado. Mas pode-se chegar a outra situação, como a que chegaram os Eminentes Ministros Nilson Naves ou Dias Trindade, que acharam não provada a exceção e avançaram. Creio que não se pode fracionar o julgamento.

É nesse sentido que voto. O SR. MINISTRO ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO (Relator): Em

suma, Sr. Presidente, tendo em conta os aspectos técnicos, creio que devemos examinar, no momento, tão-somente a questão da exceção. Depois, de acordo com o resultado do julgamento, é que prosseguiremos com relação às demais matérias.

VOTO ('-

MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO: Sr. Presidente, melhor seria que apreciássemos, na mesma assentada de julgamento, não só a matéria atinente à exceção da verdade, como também a matéria de fun­do. No entanto, não vejo nenhuma inviabilidade no desdobramento, como proposto pelo Sr. Ministro Relator.

Quanto à questão da preliminar, creio que podemos aplicar, em termos científicos, a mesma orientação do Processo Civil, pois toda deci­são, seja sentença, seja acórdão, tem os seus capítulos, em face das pre­liminares processuais, das preliminares de mérito e do mérito propria­mente dito.

Dentro deste contexto, não vejo como questão de mérito, questão de fundo, a exceção da verdade. Parece-me que ela se põe como prelimi­nar de mérito, e nisto fico com o Relator. Da mesma forma que ocqrre quando se trata de prescrição ou decadência, esta questão prejudica, conforme o tipo de julgamento, a questão de fundo. Ademais, conforme foi salientado, pode acontecer da exceção da verdade não ser da compe­tência do mesmo órgão que vai julgar a matéria de fundo. Conseqüente­mente, se isso ocorre, teria que haver cisão nos capítulos da decisão.

Com o devido respeito às opiniões em contrário, acompanho o Mi­nistro-Relator nesta parte.

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 69-210, novembro 1992. 187

VOTO (QUESTÃO DE ORDEM)

o EXMO. SR. MINISTRO PEÇANHA MARTINS: Senhor Presiden­. te, como acentuou no seu voto o Eminente Ministro Sálvio de Figueire­do, havendo a possibilidade de competência concorrente para julgar a exceção da verdade e a ação, acompanho o Relator.

QUESTÃO DE ORDEM

O SENHOR MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO: Sr. Presiden­te, se se tratasse de processo cível, não teria nenhuma dúvida a respeito de que, havendo conexão e continência, em se tratando de processo prin­cipal e de processos incidentes ou acessórios, eles teriam que ser julga­dos conjuntamente através de uma decisão única. Mas trata-se de maté­ria penal e há uma impossibilidade absoluta desse julgamento conjugadamente, desde que a ação penal não foi ainda submetida ao contraditório.

Por essas razões, estou de acordo com o voto do Eminente Minis­tro-Relator.

VOTO (QUESTÃO DE ORDEM)

O SR. MINISTRO JOSÉ DANTAS: Sr. Presidente, esta exceção só integrou-se à nossa competência por atração da ação, pois que o juiz

. excepto tem foro no Tribunal de Justiça do Distrito Federal; somente pela força atrativa da ação penal, chamou-se para este Tribunal a ma­téria de defesa, justamente para evitar a cindibilidade do julgamento, ao qual necessariamente se integra a matéria de defesa instrumentada pela exceção da verdade.

Então, por que cindir o julgamento? Estou, pois, com os argumentos do Sr. Ministro Fontes de Alencar,

de que não se pode cindir o julgamento, deixando para outra oportuni­dade a decisão da ação penal, se acaso rejeitada a exceção.

ESCLARECIMENTO (QUESTÃO DE ORDEM)

O SR. MINISTRO ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO (Relator): Tal­vez seja necessário um esclarecimento. É o seguinte: a denúncia e seu aditamento abrangem dois crimes. O crime de calúnia e o crime de in-

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júria. Quanto ao crime de calúnia foi oferecida a exceção da verdade que ora está sendo julgada. Veio à pauta também a ação penal, porque poderá ser examinada, e faria isso a seguir, quanto à prescrição do cri­me de injúria. Assim procedeu já o ilustre Revisor. Existe a prescrição e até o Relator, de ofício, poderia proclamá-la através de despacho.Trou­xe aqui os autos, a fim de que, também, de logo, se julgasse essa outra exceção substancial. Há prescrição apenas com relação ao crime de injú­ria. Quanto à calúnia, em razão da exceção, a ação principal acha-se sobrestada. Houve um interrogatório e ficou paralisada, porquanto não teria sentido o seu prosseguimento, até mesmo em razão da demora, da dificuldade e do esforço que poderia ser inútil, se acolhida a exceção substancial. Se não acolhida esta, então, prosseguir-se-á com a ação penal. Imaginemos que a ação penal fosse julgada pelo Tribunal e a exceção por outro Tribunal. Evidentemente que, se rejeitada a exçeção, o Tribu­nal competente prosseguiria na ação. Teria de ater-se ao resultado do julgamento da exceção da verdade. Acolhida a exceção, encerrar-se-ia todo o processo, seja com relação à calúnia seja com relação à injúria; esta por prescrição, porque, à vista dos elementos existentes nos autos, pode ser decretada. Afora, caso fosse rejeitada a exceção da verdade, então haveria de prosseguir-se no processo principal com relação ao crime de calúnia, mesmo porque, até agora, não prescreveu. Poderá vir, até, a prescrever no curso da instrução. Às vezes a instrução demora. Nós recebemos esse processo, aqui no Tribunal, após transitar pela Suprema Corte. É a ponderação que queria fazer a V. Exa.

Seria uma perda de tempo proceder-se a numerosa atividade pro­batória sem qualquer vantagem específica. É exatamente isso, tendo em conta a tradição de os Tribunais cindirem muitas vezes o julgamento em tal caso, excepcionando a regra, segundo a qual o Juiz da ação é o Juiz da exceção. No caso específico da exceção substancial, da exceção da verdade, a doutrina criou a ressalva ao citado princípio que, sob o aspecto pragmático, melhor consulta, ao ver dessa doutrina, os interes­ses aplicáveis a julgamento dessa espécie.

O SR. MINISTRO AMÉRICO LUZ: Sr. Presidente, é apenas uma pergunta, porque me causou perplexidade agora a fala do eminente Ministro-Relator. Parece-me que ouvi S. Exa. enunciar na conclusão que absolvia o excipiente.

O SR. MINISTRO ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO (Relator): Do crime de calúnia, é evidente, porque, no caso, acolhi a exceção da verda­de. Ela foi oposta quanto à acusação do crime de calúnia. O excipiente foi acusado pelo excepto de ter praticado o crime de calúnia. Defenden­do-se, ele alegou uma exceção substancial, isto é, ele confirmou que

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realmente o excepto havia prevaricado. Então, se ele provou que real­mente o excepto prevaricou, ocorreu a exclusão da tipicidade do crime de calúnia. É o que se chama de exceção substancial... É o caso, por exemplo, de uma prescrição. O réu, quando alega prescrição, não nega os fatos alegados pelo autor. Alega apenas fatos que, tendo <> conteúdo um direito seu, paralisam os efeitos jurídicos dos fatos alegados pelo autor. Então é uma defesa indireta de mérito. Esse é o aspecto que me cumpre esclarecer a V. Exa.

VOTO-VENCIDO QUESTÃO DE ORDEM

O SR. MINISTRO WILLIAM PATTERSON: Sr. Presidente, a ação penal está em pauta. Isto significa que está apta a ser julgada, assim como a exceção da verdade. O Ministro Pádua Ribeiro colocou-as em pauta, porque o seu voto conduzia para o recebimento da exceção. Ora, quem julga procedente a exceção, pode julgar a ação penal. Mas quem julga improcedente a exceção, não pode, não tem condição de julgar a ação penal, se ela ainda não está instruída.

Iria acompanhar o Sr. Ministro-Relator, mas percebo que vamos ter dificuldades, dependendo do resultado do julgamento da exceção.

Diante da circunstância, acompanho o Eminente Ministro Fontes de Alencar.

QUESTÃO DE ORDEM

O SENHOR MINISTRO BUENO DE SOUZA: Senhor Presidente, essa questão, como os debates estão mostrando, é realmente delicada, porque a doutrina e a jurisprudência do Processo Penal (não somente no Brasil) não estão ainda sedimentadas.

É amplamente reconhecido que a prejudicial t~nto pode ser objeto de julgamento principaliter (isto é, como prejudicial necessária, median­te paralisação ou sustação do processo em que ela surge, principalmente quando heterogênea), como a questão sobre nulidade de casamento sus­citada na ação penal por bigamia: como também pode ser necessaria­mente destacada no seu julgamento, quando ocorra incompetência abso­luta para uma das questões. Há diversos matizes na doutrina e diferentes situações que a lei prevê. O ilustre Ministro-Relator submete a exceção da verdade a esta Corte, neste momento, para que se delibere sobre o destaque dessa prejudicial. A jurisprudência e a lei brasileiras admitem

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esse critério, em matéria penal (e até em matéria não penal, quando se trata de prejudicial cível trazida ao juízo penal, sobre estado de pessoa; ou de prejudicial penal trazida ao juízo cível, em certos casos que o Código de Processo Penal discrimina e em alguns casos em que o Código confia no prudente arbítrio do Juiz). Se o eminente Ministro-Relator nos sub­mete exceção da verdade que diz com determinado delito, é também pron­tamente perceptível que outro delito conduza o processo principal. Não vejo razões de ordem prática que devam obstar essa proposta, porquan­to, se é verdade que também consta da pauta a ação penal (principal, originária), o eminente Ministro-Relator já nos permitiu compreender também que essa não se acha em fase de julgamento pelo mérito. Sendo assim, meu pensamento é de que, por um lado, não há inconveniente em que venhamos a exaurir o juízo sobre a prejudicial (aliás homogê­nea), de exceptio veritatis, tanto mais quanto, em certa medida, o pró­prio andamento da ação penal por calúnia poderá, tal a hipótese, secun­dun eventum litis (disse-o o eminente Ministro-Relator), sofrer reflexos do que venhamos a decidir, na exceptio veritatis; e, se não vejo inconve­niente nessa separação (separação essa que já está praticamente exau­rida pelos votos antecedentes), também vejo certa dificuldade da unifi­cação do julgamento, nesta altura dos trabalhos, quando o eminente Ministro-Relator já adiantou (e algumas vozes se fizeram ouvir nesse sentido) que, ao que parece, a ação penal propriamente não tem ainda sua instrução ultimada: foi o que salientou o eminente Ministro DEMÓ­CRITO REINALDO. É bem verdade que ela poderia ser apreciada sem subseqüente instrução, por exemplo sob o prisma da prescrição; mas não sob outros aspectos.

O SENHOR MINISTRO PÁDUA RIBEIRO: Trata-se, a meu ver, de um problema muito simples. É comum, em matéria penal, que se submeta o feito a julgamento, adstringindo-se este à questão da prescri­ção. Acolhida a preliminar extintiva, encerra-se o processo; caso contrá­rio, prossegue-se à normal tramitação do feito. Isso é usual. Pois bem. A prescrição é uma exceção substancial tanto quanto a exceção da verda­de.

O SENHOR MINISTRO BUENO DE SOUZA: Penso, portanto, que a metodologia do julgamento meramente incidental da prejudicial de exceção de verdade não somente é viável para o caso, como disse o emi­nente Ministro BARROS MONTEIRO; como, d~da a fase em que já se encontra, é aquilo que, a meu ver, mais se aconselha.

Senhor Presidente, peço vênia para concluir o meu voto. Compre­endo que se trata de matéria complexa; mas não é esta a sede para elo­cubrações.

Acompanho, pois, o Senhor Ministro-Relator.

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QUESTÃO DE ORDEM

O SR. MINISTRO BUENO DE SOUZA: Então, penso que a meto­dologia do julgamento meramente incidental da prejudicial de exceção da verdade não somente é praticável para o caso, como disse o Eminen­te Ministro Barros Monteiro, como, dada a fase em que já se encontra, é aquilo que, a meu ver, mais se aconselha.

O SR. MINISTRO ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO: Trata-se de um problema, a meu ver, muito simples. Quando se trata de prescrição, não é comum que se traga o feito e se o julgue s6 quanto à ocorrência do prazo extintivo? Se repelida, segue-se o julgamento. Isso é usual. A pres­crição constitui exceção substancial tanto quanto a exceção da verdade.

O SR. MINISTRO BUENO DE SOUZA: Sr. Presidente, peço vênia para concluir o meu voto. Compreendo que se trata de matéria muito complexa, que demandará ainda muito tempo, um novo C6digo de Pro­cesso Penal, uma doutrina realmente coerente, mas é esse o nosso pro­blema. Não ternos que dar aula para ninguém; precisamos é de julgar a causa, prosseguindo no caminho já tantas estações percorrido.

Acompanho o Sr. Ministro-Relator.

QUESTÃO DE ORDEM

O SENHOR MINISTRO AMÉRICO LUZ: Na questão de ordem acompanho o voto do eminente Ministro Nilson Naves, com a devida vênia dos que têm entendimento em contrário.

VOTO (QUESTÃO DE ORDEM)

O EXMO. SENHOR MINISTRO ATHOS CARNEIRO: Sr. Presiden­te, em primeiro lugar devo sublinhar que não estamos perquirindo quanto à conduta do magistrado de primeiro grau, relativamente ao procedi­mento administrativo a que responde. Limitamo-nos, aqui, tão-somente ao plano do processo penal. Ponto nuclear do dissídio é o alusivo às con­seqüências da concessão do duplo efeito à apelação interposta na ação de despejo.

Fundamentalmente, alega-se na exceção que, atribuindo efeito tam­bém suspensivo a uma apelação que legalmente tem efeito apenas devo­lutivo, teria incidido o magistrado singular no crime de prevaricação.

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A pergunta inicial que se pode fazer é se, em assim decidindo, come­teu o Juiz algum erro enorme, algum erro inescusável, se a decisão é teratológica. Parece-me, com toda vênia, seguindo a trilha lançada pelo eminente Ministro Nilson Naves, que tal possibilidade, encarada essa conduta como concessiva de uma medida cautelar, é admissível. Esta­mos vendo todos os dias no Foro mandados de segurança impetrados exatamente para conceder efeito suspensivo a recurso que legalmente efeito suspensivo não tem; inclusive neste pretório, e também em ou­tros, se prevê hipótese de ações cautelares inclusive para dar efeito suspensivo a recurso especial dirigido a este Superior Tribunal de Jus­tiça, pressuposta, naturalmente, a existência da plausibilidade do bom direito e do dano irreparável. Em tese pode o magistrado, em determi­nados casos, antecipando-se a eventual mandado de segurança, ou a eventual ação cautelar, desde logo deferir o duplo efeito. Vejamos agora se no caso concreto, em assim procedendo, terá cometido algum grave erro in procedendo, ou se o julgador agiu para satisfazer algum conde­nável interesse pessoal. E condenável a tal ponto que possa incidir em sanção penal. Impressionaram-me sobremodo os fundamentos do pare­cer do eminente Subprocurador-Geral da República, o qual menciona, no inciso 87, que não endossa, de forma alguma, as ironias ou palavras ásperas,ou adjetivos mais contundentes utilizados pelo excipiente. Após isso, afirmou o ilustre representante do parquet federal que "não julga­mos que o excepto tenha decidido como decidiu por razões subalternas. Sequer se insinuou tenha ele auferido vantagem pessoal". E no item seguinte sustentou S. Exa. que das próprias declarações do excepto, o que se poderá deduzir é que passou ele a nutrir um sentimento de sim­patia e piedade em relação ao "pequeno comerciante, situação econômi­ca difícil, e um certo preconceito contra os representantes do Conjunto Nacional de Brasília". Tais teriam sido os sentimentos determinantes da atuação do excepto.

A prevaricação consistiria, portanto, em haver o Magistrado deci­dido sob a influência de sentimentos de simpatia e de piedade com rela­ção à parte mais fraca. E acrescenta o douto Subprocurador que "se ao Juiz fosse dado afastar a lei para decidir a favor dos pequenos contra os grandes, não teria o; excepto prevaricado".

Em última análise, estará o problema de admitir ou não uma certa dose de eqüidade, diante de mandamentos taxativos da lei. Se o Magis­trado singular agiu levado por emoções, há que indagar que emoções foram essas. Há emoções louváveis; há emoções condenáveis num plano ético; há emoções que podem levár à prática do crime. No caso, as emo-

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ções teriam sido a simpatia e a piedade. Entretanto, a fundamentação que o Juiz deu às suas decisões interlocutórias, ainda que possamos nelas vislumbrar errares in procedendo, pela fundamentação que deu, podem os seus sentimentos pessoais ter repousado na preocupação pela Justiça do caso concreto, evitando a execução do despejo, que conduziria a um dano irreparável, enquanto pendente a apelação. O depósito, o juiz não o admitiu para purgação da mora, mas apenas ad cautelam. E ainda, num indício dos motivos que o levaram à concessão desse duplo efeito ao recurso, o magistrado mandou, justamente ou injustamente, com razão ou sem razão, isso não importa, remeter à OAB notícia sobre a conduta da anterior advogada da inquilina.

Parece-me, portanto, data maxima venia, que o Juiz prestou explica­ções não despiciendas dos porquês da sua cOl)duta no processo. Possível admitir que esta conduta, e os atos que se seguiram, e os que antecederam à concessão do duplo efeito, sejam atos censuráveis no plano administrati­vo, atos que poderiam até ter sido corrigidos mediante o ajuizamento, pelo locador, de mandado de segurança ou de correção parcial. Mas parece-me que não se chega ao ponto de ponderavelmente vislumbrar nessa conduta a possibilidade da censura penal. Também foi dito, embora um tanto a lattere, que o Juiz teria aceito ilegalmente embargos de retenção por ben­feitorias, já em execução da sentença que decretou o despejo.

Sei, e assim tenho sustentado vezes muitas, que a sentença de despejo possui eficácia executiva lato sensu, não comportando, portanto, um processo de execução. Esta se faz per officium iudicis, mediante a simples expedição de um mandado; portanto, quaisquer defesas, inclusive a de retenção por benfeitorias, devem ser alegadas e provadas na contes­tação. Entretanto esta orientação não pode dizer seja remansosa e tran­qüila, porque há numerosos exemplos na prática jurisprudencial em que, em determinados casos, tem-se admitido embargos inclusive de retenção, creio eu que equivocadamente, em ações de despejo procedentes.

Em suma, eminentes Colegas, se possível é tenham ocorrido gra­ves erros de procedimento, não encontrei, tal como o eminente Ministro Nilson Naves, provas concludentes do dolo específico do Juiz, capaz de caracterizar o crime que, na exceção, foi dito que ele cometeu.

Por tais motivos, rogando vênia máxima, rejeito a exceção da ver­dade; sublinho ainda que, com isto, não estou prejulgando, de forma alguma, a ação penal, pois nesta poderá e deverá, inclusive, ser perqui­rido o dolo específico, se ocorrente ou não, do crime contra a honra.

VOTO (VOGAL)

O EXMO. SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR: Senhor Pre­sidente, eminentes Colegas, ressalvando o meu entendimento já exposto

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da impossibilidade de -incisura no julgamento da ação penal e da exce­ção, mas atento ao que decidiu esta Corte ainda há pouco no sentido de que devemos julgar a exceção, passo a proferir o meu voto.

O réu foi denunciado por conduta que estaria tipificada no art. 138, do Código Penal. E na peça inaugural da ação penal transcreve-se tre­cho do que falara o réu, trecho que consubstanciaria, a sentir do Minis­tério Público, a figura penal. Está dito em tal trecho que a vítima, dan­do seqüência ao seu interesse, e em outro tópico especificadamente alude ao duplo efeito que teria sido dado a uma apelação e, daí, a inter­jeição: "prevaricàção".

Quanto à exceção ora em julgamento, não vi demonstrado em ins­tante algum o segundo elemento subjetivo do tipo penal, eis que esse segundo elemento subjetivo do tipo se encontra na expressão "satisfazer interesse ou sentimento pessoal". Em momento algum - bem ao contrá­rio - falou-se que o Juiz de Primeiro Grau tivesse agido para satisfazer interesse. O eminente Representante do Ministério Público, o titular da ação penal, chegou a explicitar que o Juiz não teria agido por interesse subalterno.

Por outro lado, a acusação, que no Tribunal do Distrito Federal foi feita ao Juiz, não tinha nada a ver com o seu sentimento pessoal, pelo que entendo que não se faz presente para o crime de prevaricação aquele segundo elemento subjetivo do tipo: o interesse não se faz pre­sente.

Quanto ao sentimento pessoal, este elemento não está na acusação. Tenho, pois, que, ainda que tivesse o magistrado de Primeiro Grau

praticado erro conspícuo no'que tange à causa que esteve sob o seu co­mando jurisdicional, não há fato típico de prevaricação.

Rejeito pois a exceção, mas sem querer adiantar qualquer juízo em relação à ação principal e, realmente, não o faço. Apenas quero deixar claro que, no meu entendimento, não ocorrera a prevaricação, o que não implicará, necessariamente, no acolhimento da denúncia.

Rejeito a exceção.

VOTO

MINISTRO SÁLVIO -DE FIGUEIREDO: Em síntese e rogando vê­nia aos que votaram em sentido contrário, acompanho os Ministros Nil­son Naves, Dias Trindade, Athos Carneiro e Fontes de Alencar, pelos fundamentos dos seus votos.

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Em preliminar, tenho que não estamos, nesta oportunidade, a julgar o Juiz excepto pelo seu passado, nem a sua conduta como magistrado.

Admito que, no caso, foram praticados equívocos, que ganham re­levo quando se sabe da capacidade intelectual do magistrado, professor nesta capital e, exatamente, na matéria em que atuava como diretor do feito. Entendo, porém, que as sua atuação não foi de molde a fazê-lo incorrer nas graves sanções do crime de prevaricação.

Como qualquer outra infração penal, a prevaricação reclama anti­juridicidade, tipicidade e culpabilidade lato sensu. Não vejo bem nítido e bem caracterizado o animus a incriminar o Excepto pela prática dos atos contrários à dinâmica processual. Como já foi salientado, muitas vezes, nós, magistrados, dada a excepcionalidade do caso, e ad caute­iam, temos buscado uma solução mais compatível com a realização da justiça, fugindo um pouco da rigidez da lei através de exegese teleo]ógi­ca e construtiva.

Em suma, rejeito a exceção da verdade, sem com isso ingressar na apreciação da ação de calúnia.

VOTO

o EXMO. SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO: Senhor Presiden­te, com a sentença, o ora excepto esgotou o seu ofício jurisdicionaL De­pois disso praticou, a meu ver, diversos atos manifestamente contrários à expressa disposição legal. Mudou inteiramente o rumo da causa, como descreveram muito bem os Eminentes Ministros Relator e Revisor.

De maneira que a imputação feita a ele não se cinge apenas à cir­cunstância de haver recebido indevidamente o recurso de apelação tão­somente no duplo efeito, mas também se lhe atribui a circunstância de ter se transformado em Advogado da parte; vale dizer, ter substituído o patrono da locatária.' Esses fatos ficaram, como disse, nitidameI1:te evi­denciados no julgamento de hoje.

Entendo, portanto, que, no caso em tela, o excepto agiu com dolo genérico e específico, ou seja, praticou ato contra expressa preceituação de lei para satisfazer sentimento pes'soal, consistente, como ficou bem esclarecido, na simpatia por ele deixada transparente em favor da in­quilina. E isso, tudo indica, por interferência de elementos extrapro­cessuais, seja por influência da irmã do representante legal da inquili­na, seja por influência do próprio locatário, como, aliás, admitiu o próprio excepto em depoimento pessoal.

Tenho, portanto, Sr. Presidente, com a devida vênia, como configu­rado, em tese, o delito de prevaricação.

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Acompanho o voto do Eminente Ministro-Relator, julgando prova­da a exceção de verdade e absolvendo o excipiente da acusação concer­nente ao crime de calúnia.

VOTO

O EXMO. SENHOR MINISTRO HÉLIO MOSIMANN: Senhor Pre­sidente, depois de tudo que ouvi e de muita reflexão, peço vênia para rejeitar a exceção, e o faço em breves palavras, nos precisos termos do voto que acaba de proferir o Eminente Ministro Sálvio de Figueiredo.

Rejeito a exceção.

VOTO

o EXMO. SR. MINISTRO PEÇANHA MARTINS: Senhor Presiden­te, o Eminente Ministro Barros Monteiro bem situou a questão. O Juiz se houve muitíssimo bem até a sentença. E é um professor. A partir de determinado instante, provado nos autos, ou seja, a partir da visita de Maria Fagundes, os despachos mudaram, revelando, sem dúvida nenhu­ma, que o Magistrado alterou a sua conduta em favor da ré. E chegou ao ponto de imputar à Advogada do réu a prática de ato que lhe enxo­valha a folha' profissional, qual seja, a de desídia.· Essa é a realidade provada nos autos. Como bem acentuou o Eminente Ministro-Revisor, a Dra. Maria das Graças Martins respondeu a um processo disciplinár ins­taurado pela OAB-DF a partir do recebimento de ofício expedido pelo juiz. E ela se houve bem, requerendo a purgação da mora e comprovou que não dispôs da quantia suficiente para fazê-lo, como o próprio Aldo Fagundes reconheceu.

Diante da prova dos autos, senhores Ministros, voto com o Emi­nente Ministro-Relator.

VOTO

O SENHOR MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO: Sr. Presiden­te, Srs. Ministros, parece-me que o cerne da questão consiste em que se considere provada a prática, pelo excepto, de crime de prevaricação, mediante despacho em processo contra expressa disposição de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal.

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Esse delito, o de prevaricação, consoante definição do art. 319, do Código Punitivo, para sua configuração, além da materialidade compre­endida na prática indevida ou contrária à lei de ato de ofício, carece também da indispensável presença do elemento subjetivo. No caso, o dolo específico.

Na definição desse tipo delitivo não é necessário somente que o agente execute o ato contrário à lei, mas que o faça com o propósito deliberado, com a intenção direta de satisfazer interesse ou sentimento pessoal.

Na hipótese, o excepto, através de despacho nos autos de uma ação de despejo por falta de pagamento, recebeu a apelação, e no efeito tam­bém suspensivo, contrariando a lei pertinente, mas o fez de modo razoa­velmente justificado, com estas palavras:

"Recebo o recurso em seus regulares efeitos, em face da excepcionalidade do caso ad cautelam ao apelado."

Logo depois, indeferindo a extração de carta para execução provi­sória da sentença, esclareceu:

"Mantenho o despacho agravado. O locatário deu mostras, ao curso da ação principal, de que dispunha de numerário suficiente para purgar a mora, que somente não foi requerida por desídia de seu advogado, conforme suas próprias palavras. Sua argumentação foi forte o suficien­te para este Juízo temer estar frente a procedimento no mínimo duvido­so, praticado pflo mencionado patrono. É esta a razão por que este Juízo, a lattere de dispositivo processual expresso, admitiu ad cautelam o duplo efeito ao recurso interposto".

"Se realmente houve desídia, com a participação do loca­dor, a ninguém é facultado beneficiar-se com a própria torpeza."

Aí está tão-somente o fato, um despacho proferido com error in procedendo, mas, como se afirmou alhures, com fundamentação razoá­velou pelo menos justificável na ótica jurídica, pela qual o Juiz enten­deu de fazer justiça. Mas, daí não se pode concluir, com a certeza que se exige nesses casos, de que tenha o excepto exarado essa decisão, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal.

Até o próprio excipiente e o Ministério Público divergem na inter­pretação do sentimento que levou o juiz a lançar nos autos aquele des­pacho.

Assim, se não está embutido no fato o elemento subjetivo, o dolo· específico, não se há de falar em prevaricação, que é crime formal a se

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caracterizar com a junção da materialidade a culpa lato sensu. Se não houve prevaricação da parte do excepto, não há corno se admitir uma exceção da verdade, para provar o que não existiu.

Datíssima vênia do Eminente Ministro-Relator e dos demais que se lhe seguiram, julgo improcedente a exceção da verdade.

É corno voto.

VOTO

o SR. MINISTRO JOSÉ DANTAS: Sr. Presidente, peço vênia ao Eminente Ministro-Relator, ao Revisor e aos demais Eminentes Minis­tros que os acompanharam, para votar na forma corno votou o Sr. Mi­nistro Nilson Naves, acompanhado por não menos judiciosos votos.

VOTO-VOGAL

O SR. MINISTRO WILUAM PATTERSON: Sr. Presidente, na opor­tunidade do julgamento da Ação Penal n!! 15. meu pronunciamento foi o seguinte, a propósito de terna semelhante: (lê)

"Corno se sabe, a prevaricação insere-se na categoria de crime doloso, consubstanciado o dolo, que é o elemento subjeti­vo genérico, na vontade de retardar, deixar de praticar ato de ofício, ou praticá-lo contra expressa disposição de lei. Mas isso não é o bastante, o delito exige também, para sua configuração, ao lado daquele elemento genérico, outro de ordem específica, qual seja o fim de satisfazer interesses ou sentimentos pessoais. Para que ocorra o crime é imprescindível a coexistência desses dois elementos, sob pena de se chegar a urna figura atípica."

No caso que se examina, o único ponto que se discute, que se ques­tiona, é a existência ou não de um sentimento pessoal. na prática dos atos que se dizem delituosos.

Louvo-me, para chegar a urna conclusão, no conceito de Nélson Hungria, que diz o seguinte: (lê)

"Por sentimento pessoal entende-se a afeição, a simpatia, a dedicação, a benevolência, a caridade, ° ódio, a parcialidade, o despeito, o desejo de vingança, a paixão política, o prazer da prepotência ou do mandonismo, a subserviência, o receio de molestar os poderosos, etc."

R. Sup. Trib. Just., Brasí1ia, a. 4, (39): 69·210, novembro 1992. 199

Parece muito difícil negar-se ao fato a identificação com uma das figuras elencadas.

Por isso, com a devida vênia dos que pensam em contrário, acom­panho o eminente Sr. Ministro-Relator.

VOTO

o SENHOR MINISTRO BUENO DE SOUZA: Senhor Presidente, acentuo, desde logo, que não me impressiona a alegação de que não haveria estrita conformidade entre as expressões empregadas pelo exci­piente, em sessão do Tribunal,. ao proferir seu voto, e a imputação que, na exceptio veritatis, veio a formular.

Ao verberar o comportamento do magistrado, que, nas palavras do Desembargador, agiu como advogado da parte, em determinado proces­so, limitou-se ao aspecto da conduta do juiz configurador do desvio en­tão incriminado.

Depois, acusado de crime contra a honra do magistrado, o Desem­bargador, como excipiente, veio a especificar a consistência objetiva daquela conduta do magistrado excepto, que configurou sua atuação como advogado de uma das partes.

Não vejo mister dessa estrita coincidência, mesmo porque a condu­ta qualificada como comprometida com o interesse de uma das partes não seria, necessariamente, motivada pela percepção de alguma vanta­gem pecuniária.

Não se há de recusar ao juiz a possibilidade de dar alguma orien­tação à parte que o procura, em estado de aflição, se (como, no caso, se alega) o juiz já se distanciou da causa, por já havê-la decidido; não so­mente o juiz poderia, como, até, deveria apontar ao litigante vencido que reclamasse de seu advogado as providências para conduzir a causa ao Tribunal.

Na espécie, porém, como as provas revelam, não foi o que ocorreu, pois o magistrado retomou a direção da causa de que já não era o juiz e nela passou a agir como se fosse o juiz, no intento de alterar a situação em que a havia deixado, o que somente mediante recurso poderia o Tribunal fazer.

Se não foi por alguma vantagem financeira; se foi por sentimento (nobre ou não), como quer que seja, essa conduta, com essa motivação, caracteriza o ilícito que lhe foi imputado: o qual, em substância, corres­ponde às expressões proferidas em sessão do Tribunal.

200 H. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 69-210, novembro 1992.

Eis porque me encontro convencido da procedência da exceção de verdade, com a vênia dos doutos votos em sentido contrário.

VOTO

o EXMO. SR. MINISTRO PEDRO ACIOLI: Sr. Presidente, Srs. Ministros, a Corte está de parabéns ao exame da controvérsia diante das lições sábias dos Eminentes Ministro-Relator e Ministro-Revisor, acompanhados por ensinamentos também significativos como o ora pro­ferido pelo culto Ministro Bueno de Souza e, ainda, dos demais Minis­tros que se pronunciaram na Corte com lições veementes e adequadas à matéria.

Cabe, de outro lado, ressaltar as exemplares sustentações orais feitas pelos ilustres Advogados do excipiente e do excepto. Lições na Corte re­almente foram dadas, sobre a exceção da verdade, ora como uma preju­dicial para o exame dos Eminentes Ministros.

Trata-se de uma ação de despejo -por falta de pagamento proposta por Empreendimentos e Participações Ltda. e Empreendimentos Comer­ciais Ltda. contra Confecções e Moda Ltda. Nesta ação o ilustre Juiz, Dr. Pedro Aurélio Rosa de Farias, Professor emérito de Direito, mesmo sem a contestação, S. Exa. julga a ação procedente e decreta o despejo. Por aí se vê a conduta certa, retilínea do magistrado, circunstância tam­bém salientada pelos Eminentes Ministros Peçanha Martins e Barros Monteiro.

A seis dias, após a sentença, a ré veio aos autos, através de sua Advogada, Maria das Graças Martins Leão, alegando que não fora regu­larmente intimada para a purga da mora e requerendo a expedição de guia para depósitos dos alugueres. Esse requerimento recebeu o seguin­te despacho de S. Exa.: "Junte-se. Já houve sentença. Indefiro". Até esse ponto vemos a conduta retilínea do Juiz no curso do processo. Três dias depois, sem qualquer provocação das partes, sem que os autos lhe esti­vessem conclusos, .proferiu o excepto o seguinte despacho: "Informe a serventia se a ré foi intimada corretamente no Diário de Justiça e se foi pessoalmente intimada do mesmo. Atualize-se a conta." A partir daí o Eminente Magistrado começou a maltratar a Lei de Inquilinato e o Código de Processo Civil, isto é, proferindo despacho inadequado.

Quando, então, já por ocasião da apelação, S. Exa. a recebe em ambos os efeitos. Desse despacho houve agravo para a Corte, para o

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 69-210, novembro 1992. 201

Tribunal de Justiça do Estado, que reforma a decisão do Magistrado, mandando que o recurso fosse recebido somente em efeito devolutivo para o devido cumprimento da decisão. Então, aí se verifica o que o Eminen­te Desembargador Guimarães de Souza diz à fl. 22, cuidando de consi­derar o tema da prevaricação do Juiz na referida ação de retomada, assim se pronunciando:

"O Processo de despejo de CMG - Empreendimentos e Participações Ltda. contra a FAGGU'S, após a lavratura da sentença o juiz admite o pagamento da mora. Havendo recurso, o juiz recebe nos dois efeitos, sendo a causa de pedir falta de pagamento, impedindo assim a execução da sentença."

Ainda, à fl. 25, o ilustre Desembargador Carneiro de Ulhoa, ao con­cluir seu voto, diz:

"O que não se pode afastar é que na ação de despejo, que gerou toda a controvérsia sobre a conduta funcional do juiz, restou demonstrada a prática da prevaricação."

Saiba o douto Ministro Nilson Naves que as' críticas feitas ao ex­cepto não se prendem exclusivamente à questão do recurso do agravo de instrumento, como também ao recebimento da apelação em ambos os efeitos, mas, sim, por uma seqüência de fatos, de despachos, todos pro­feridos não só em desacordo com a Lei do Inquilinato como ao Código de Processo Civil.

Extrai-se do lúcido parecer do ilustre Subprocurador-Geral da Re­pública que o Magistrado, quando do despacho agravado a S. Exa. diz o seguinte para mantê-lo:

202

"Mantenho o despacho agravado. O locatário deu mos­tras ao curso da ação principal de que dispunha de numerário suficiente para purgar a mora, que somente não foi requeri­da por desídia de seu advogado, conforme suas próprias pala­vras.

Sua argumentação foi forte o suficiente para este Juízo temer estar frente a procedimento no mínimo duvidoso pratica­do pelo mencionado patrono, a ponto de extrair e remeter peças à Seccional da OAB.

Estas as razões por que este Juízo a lattere de dispositivo processual expresso admitiu ad cautelam o duplo efeito do re­curso interposto.

R. Sup. Trib. Just., Brasflia, a. 4, (39): 69·210, novembro 1992.

Se realmente houve desídia com participação ativa dolo­cador, a ninguém é facultado beneficiar-se com a própria torpe­za.

o depósito efetivado às fls. é suficiente para ~ pagamento dos alugueres atrasados, o que por si só torna íntegro o contra­to de locação do imóvel localizado em privilegiado setor de com­pras da cidade.

Subam."

Interposta a apelação, recebeu-a o excepto no duplo efeito em des­pacho assim escrito:

"Há sérias acusações contra a antiga advogada do Réu. Dê-se ciência do ocorrido à OABIDF, para as providências cabí­veis. Remetam-se as cópias do processo. Recebo o recurso em seus regulares efeitos em face da excepcionalidade do caso, ad cautelam. Ao apelado."

Ora, vê-se dos autos que a própria ré alega a sua penúria, a sua dificuldade para, depois, surgir com dinheiro suficiente para a cobertu­ra, para o depósito. Ainda é de ver-se, conforme bem esclarece o pare­cer, que, na verdade, houve um ilícito de prevaricação. Diz o Código Penal, no seu art. 319:

"Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposições expressas de lei, para satisfazer interesse pessoal."

Segundo MAGALHÃES DRUMOND, "a prevaricação con­siste essencialmente no fato de espontaneamente o funcionário se desgarrar do sentido de finalidade pública que deve ser a de toda a sua vida funcional, para, no caso, em vez disto, ler a sua ação norteada para o que se lhe afigure o seu interesse ou lhe pareça condizente com sentimento seu, pessoal". (Comentários ao Código Penal, voI. IX, Ed. Forense, 1944, pág. 302).

Nesse delito, o elemento moral é o dolo genérico, represen­tado pela vontade livremente dirigida a qualquer das condutas mencionadas na lei penal, e o dolo específico, que é o fim de satisfazer interesses ou sentimentos pessoais (NELSON HUN­GRIA, Comentários ao Código Penal, voI. IX, pág. 378).

O dolo genérico, principalmente em relação ao Juiz, se caracteriza pela intenção de contrariar a lei, a vontade de agir contra disposição expressa de lei. O erro, ou mesmo a negligên-

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204

cia permitirão tão-somente a responsabilidade cível ou sanções de natureza disciplinar (RT 351/359).

MAGALHÃES NORONHA, discorrendo sobre o tema, afir­ma que o dolo é o genérico como em qualquer delito. "Mas o delito exige dolo específico: há que o funcionário agir para sa­tisfazer interesse ou sentimento pessoal. É o escopo ou fim, sem o qual aquele se desnatura podendo haver lugar outro. (Direito Penal, voI. IV, 1962, pág. 355).

Por sentimento pessoal entende-se, segundo NELSON HUNGRIA, "a afeição, a simpatia, a dedicação, a benevolência, a caridade, o ódio, a parcialidade, o despeito, o desejo de vin­gança, a paixão política, o prazer da prepotência ou do mando­nismo, a subserviência, o receio de molestar os poderosos, etc." (ob. cit., pág. 378).

No caso em exame, o dolo genérico está caracterizado. O excepto evidentemente não ignorava que a sentença que decre­ta despejo por falta de pagamento de alugueres deve ser rece­bida no efeito apenas aevolutivo, consoante dispõe expressa­mente o art. 42 da Lei nº 6.649/72~ Tanto assim que, ao proferir despacho mantendo a decisão que recebera a apelação no duplo efeito, consignou:

"Estas as razões por que este juízo, a lattere de dispo­sitivo processual e expresso, admitiu ad cautelam o duplo efeito interposto".

Posteriormente, nas declarações que prestou em juízo re­conheceu ao excepto haver decidido contra "dispositivo legal expresso", embora "motivada e justificadamente":

"que estando plenamente convencido de que prática não ortodoxa havia sido mais uma vez praticada pelo Shopping Center, o declarante, ao receber o recurso interposto pela parte, um direito subjetivo público que certamente seria utilizado pelo locatário ludibriado pelas práticas não con­vencionais praticáveis, embora enfrentando dispositivo le­gal expresso, motivada e justificadamente no rosto do re­curso, o recebeu no duplo efeito". (vol. 2, pág. 320).

Cumpre, pois, verificar se o excepto, agindo dessa forma, o fez "para satisfazer interesse ou sentimento pessoal".

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 69c210, novembro 1992.

Quanto à ação do magistrado, na verdade, não existem elementos que venham a denegrir a sua dignidade em questão de efeito de recebi­mento de bem material, mas houve um procedimento que não se coadu­na com os princípios basilares do magistrado no procedimento do curso do processo, dificultando a ação das partes com despachos que, na rea­lidade, maltratam não só a Lei do Inquilinato como também a Lei Pro­cessual CiviL

Com essas considerações, adotando em todos os termos o voto do Eminente Ministro-Relator, como também do Ministro-Revisor, e ainda, com sustentáculo no lúcido parecer muito bem elaborado, pela sua inde­pendência, pela sua clareza, e juridicidade, acompanho o Eminente Mi­nistro-Relator, julgando procedente a exceção da verdade.

VOTO

o SENHOR MINISTRO AMÉRICO LUZ: Sr. Presidente. A inten­ção do Juiz quando decide é elemento de tamanha subjetividade que não me atrevo, salvo prova concreta e silogística, a avaliá-la como prática de prevaricação. Não vislumbro prova nesse sentido nos autos. Louvo-me, portanto, na fundamentação dos votos dos eminentes Ministros Nilson Naves e daqueles que o acompanharam, pela rejeição da exceção da verdade, reconhecendo que o excepto não cometeu o delito a ele imputa­do ou, pelo menos, isso não ficou evidenciado nos autos.

Peço vênia aos eminentes Ministros Relator, Revisor e aos outros que votaram em sentido contrário, poi~ rejeito a exceção de verdade.

VOTO (PRESCRIÇÃO QUANTO AO CRIME DE INJÚRIA)

O SR. MINISTRO ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO (Relator): Com atinência ao crime de calúnia, esta Corte, ao julgar provada a exceptio veritatis, absolveu o excepto, por ausência de tipicidade.

No tocante ao crime de injúria, cumpre, no ensejo, declarar a ex­tinção da punibilidade, por ocorrência da prescrição.

A acusação do crime de injúria foi objeto do aditamento da denún­cia, em cuja peça (fls. 165-166) verifica-se que se refere a fato ocorrido em 06.T1.87 (fls. 165), a partir de quando começou a correr o prazo ex­tintivo de dois anos (Código Penal, artigo 138 c/c arts. 109, VI, e 111,1).

Recebido o aditamento pelo Supremo Tribunal Federal, na sessão de 21.09.88, interrompeu-se o prazo prescricional, que veio a consumar-

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se no dia 21.09.90, data seguinte àquela em que os autos vieram-me redistribuídos, após transitarem por esta Corte desde 12.07.89.

Assinalo tais aspectos a fim de que fique claro que não me pode ser atribuída qualquer omissão ensejadora do transcurso do prazo prescricio­nal, mesmo porque, no mesmo dia em que recebi os autos, designei data para o interrogatório do acusado, que ocorreu dez dias após. Posterior­mente, presidi pessoalmente a toda instrução, encerrada no menor pra­zo possível, da exceção da verdade, qu~ acabou de ser julgada.

Em conclusão, pois, declaro extinta a punibilidade quanto ao crime de injúria, em face da ocorrência de prescrição.

EXTRATO DA MINUTA

ExVerd ng 9 - DF - (90.0010156-5) - Relator: Exmo. Sr. Minis­tro Pádua Ribeiro. Expte.: Irajá Pimentel. Expto.: Pedro Aurélio Rosa de Farias. Advs.: Marco Antônio Mundirn, Romeu Pires de Campos Bar­ros, Eurico Vieira de Rezende, José Muniz de Resende, Aluísio Xavier de Albuquerque, Sebastião Oscar de Castro e Humberto Barreto Filho. Sustentaram oralmente os Drs. José Muniz de Resende, pelo Excipien­te, Paulo André Fernando Sollberger, pelo Ministério Público, e Aluísio Xavier de Albuquerque, pelo Excepto.

Decisão: Rejeitada a questão prejudicial suscitada pelo excepto, resolvido o julgamento da exceção em separado e após os votos do Rela­tor e dos Srs. Ministros Flaquer Scartezzini, Geraldo Sobral, Barros Monteiro, Peçanha Martins, Washington Bolívar, William Patterson, Bueno de Souza e Pedro Acioli julgando provad~ a exceção e absolvendo o excipiente quanto ao crime de calúnia, por ausência de tipicidade, e dos votos dos Srs. Ministros Nilson Naves, Dias Trindade, Athos Car­neiro, Fontes de Alencar, Sálvio de Figueiredo, Hélio Mosimann, Demó­crito Reinaldo, José Dantas e Américo Luz rejeitando a exceção da ver­dade, pediu vista o Sr. Ministro Antônio Torreão Braz (Presidente), em face do empate na votação, nos termos regimentais (em 22.11.92 - Corte Especial). .

Os Srs. Ministros Carlos Thibau, Costa Leite, Eduardo Ribeiro, Garcia Vieira e Vicente Cernicchiaro não participaram do julgamento em face de impedimento.

Os Srs. Ministros José Cândido, Costa Lima, Waldemar Zveiter e Cláudio Santos não compareceram à sessão por motivo justificado.

Os Srs. Ministros Hélio Mosimann, Peçanha Martins e Demócrito Reinaldo compareceram à sessão para compor quorum regimental.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro ANTÔNIO TORREÃO BRAZ.

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VOTO (Vista-desempate)

O EXMO. SR. MINISTRO TORREÃO BRAZ (Presidente): O Minis­tério Público ofereceu denúncia contra o Desembargador Irajá Pimen­tel, dando-o como incurso no art. 138, do Código Penal, porque, ao pro­ferir voto no Agravo de Instrumento n2 1.855, interposto por CMG -Empreendimentos e Participações Ltda. e CBC-Empreendimentos Co­merciais Ltda. contra decisão do Juiz de Direito Pedro Aurélio Rosa de Farias, imputou a este a prática do crime de prevaricação na direção da ação de despejo proposta pelas citadas empresas contra FAGGU'S Con­fecções e Modas Ltda.

Visando a excluir a incriminação, o acusado opôs a exceção da ver­dade, nos termos do art. 138, § 32 , da lei penal, via da qual intentou demonstrar que o magistrado ofendido, "para satisfação de seu senti­mento pessoal, proferiu diversas decisões na causa, todas contra expres­sas disposições da Lei do Inquilinato e também do Código de Processo Civil".

Na sessão de 22.11.91, depois de rejeitada a questão prejudicial, houve empate no julgamento do mérito. Competindo a mim proferir o voto de desempate, ex vi do art. 21, VI, do Regimento Interno, pedi vista para melhor exame da matéria.

A leitura dos autos evidencia que o desvio de comportamento do excepto teve início no momento em que Maria Fagundes de Souza, irmã de Aldo Fagundes de Souza, representante da locatária na ação de des­pejo, passou a interferir. E é nesse comportamento corno um todo, no conjunto dos atos praticados, que se delineia a figura típica descrita no art. 319, do Código Penal.

A tal resultado chegou, em seu excelente parecer, o ilustre Subpro­curador-Geral da República, Dr. Paulo Sollberger, depois de exame per­cuciente dos elementos probatórios, in verbis:

"Já vimos que no dia 11.12.86, Aldo Fagundes, represen­tante legal da empresa-ré, peticionou ao Juiz comunicando o cancelamento da procuração outorgada à advogada Maria das Graças, que lhe teria causado prejuízos "em virtude dos desen­contros, perda de prazo e continuados transtornos" (item 20, retro).

Nesse dia voltou a ré, já representada por novo advogado, a requerer, pela terceira vez, a purga da mora, tendo o excepto proferido despacho, no qual, após esclarecer que a questão da

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purga da mora já fora decidida, determinou o depósito judicial ad cautelam das importâncias relativas aos alugueres em atra­so, justificando sua decisão no fato de haver vislumbrado "ques­tão relevante a ser decidida pelo Egrégio TJDF, se for interpos­ta a apelação" (item 21).

A justificativa apresentada é de todo inconveniente, pois a "questão relevante" vislumbrada pelo Juiz não passava de uma simples petição, de redação obscura, na qual Aldo Fagundes acusava, sem nada provar, que a sua advogada lhe vinha cau­sando prejuízos. Refere-se a petição a "desencontros" e "trans­tornos", sem especificá-los, e a "perda de prazo para a defesa", sem esclarecer em que circunstâncias isso teria se verificado.

Muito pouco, como se vê, para autorizar a decisão. Poste­riormente, interposta a apelação, recebeu-a o excepto, no duplo efeito, argumentando com a "excepcionalidade do caso" e a existência de "sérias acusações contra a antiga advogada do réu" (item 22).

N esse passo voltamos a repetir que, em nenhuma hipóte­se, poderiam ser consideradas "sérias" as vagas e incomprova­das "acusações" contidas na petição acima analisada. Tampouco justificava a decisão contra legem o que o excepto porventura tivesse sabido através de Maria Fagundes ou de Aldo Fagun­des. É inadmissível que se aceite, como verdadeiras, acusações extra-autos, formuladas por pessoas interessadas na causa e sem que se ouça sequer a advogada tão seriamente acusada.

Depois, ao manter o despacho que recebera no duplo efeito a apelação, argumentou o excepto que "o locatário deu mostras no curso da ação principal de que dispunha de numerário su­ficiente para purgar a mora, que somente não foi requerida por desídia de seu advogado" (item 23).

De todas as justificativas apresentadas pelo excepto para seus atos, essa é a menos convincente e encerra, data venia, uma inverdade.

A imputação de desídia à advogada é inteiramente injus­tificável, como já observamos. Por outro lado, não há qualquer elemento que dê suporte à afirmação de que o locatário teria dado mostras no curso da ação de despejo de que "dispunha de numerário suficiente para purgar a mora".

Em verdade, o que se poderia presumir do exame dos autos era exatamente o contrário à vista do requerimento datado de

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06.10.86, no qual a ré dizia-se impossibilitada de purgar a mora (6Q vol., 1.533).

O certo é que, na data marcada para a segunda purga da mora (24.10.86), a ré não dispunha de numerário para satisfa­zer o débito, conforme já nos encarregamos de demonstrar (itens 52 e 55, supra).

Essa seqüência de fatos, aos quais acresce a afirmativa (inverídica) do excepto de que teria constatado "nas fitas de papel que emolduravam o dinheiro uma data anterior àquela designada para a purga da mora" (item 54, supra), leva-nos a concluir que o excepto, na verdade, atuou no processo a lattere da lei, movido por sentimento pessoal."

Objetar-se-á que o excepto cometera um simples error in proceden­do perfeitamente escusável, pois - argumenta-se - diuturnamente os tribunais concedem mandado de segurança para conferir efeito suspen­sivo a recurso que legalmente efeito suspensivo não tem.

Não existe paralelo entre as duas situações. No exemplo posto em confronto, o provimento é expedido pela ins­

tância superior, mediante provocação da parte interessada na via pro­cessual adequada, e tem função precipuamente cautelar cujos pressu­postos são o fumus boni juris e o periculum in mora.

No caso vertente, o juiz continuou a emitir decisões depois de pro­ferida a sentença de mérito, contrariando frontalmente o art. 463, do Código de Processo Civil.

Poder-se-á contrapor também que, apreciando a espécie "conforme o seu sentimento ou o seu modo de ver subjetivo", o excepto decidiu por eqüidade.

Mas o julgamento por eqüidade tem os seus limites e estes estão traçados no art. 127, do CPC. "Não se recorre à eqüidade - diz Carlos Maximiliano - senão para atenuar o rigor de um texto e o interpretar de modo compatível com o progresso e a solidariedade humana; jamais será a norma invocada para se agir, ou decidir, contra prescrição posi­tiva clara e precisa" ("Hermenêutica e Aplicação do Direito", 4ª ed., pág. 215).

Em suma, não conheço o excepto e não me é lícito emitir aqui opi­nião sobre o seu desempenho profissional, que deve ser considerado reto até prova em contrário. Todavia, vejo-me na conjuntura de admitir que, na hipótese concreta, a prática de atos de ofício notadamente contra as expressas disposições dos arts. 463, do CPC, e 42, da Lei nQ 6.649, de 16.05.79, nas circunstâncias e modo apontados no parecer do Ministério

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Público, induz à convicção de que, em tese, está configurado o crime de prevaricação.

Do quanto foi exposto, julgo provada a demonstratio veri e absolvo o excipiente da imputação concernente ao crime de calúnia, acompanhan­do, destarte, o voto do Ministro Relator.

EXTRATO DA MINUTA

ExVerd nQ 09 - DF - (90.10156-5) - Relator: Exmo. Sr. Ministro Pádua Ribeiro. Expte.: Irajá Pimentel. Expto.: Pedro Aurélio Rosa de Farias. Advs.: 1\1arco Antônio Mundim, Romeu Pires de Campos Barros, Eurico Vieira de Rezende e José Muniz de Resende, Aluísio Xavier de Albuquerque, Sebastião Oscar de Castro e Humberto Barreto Filho.

Decisão: A Corte Especial, preliminarmente, à unanimidade, rejei­tou a questão prejudicial suscitada pelo excepto e deliberou julgar a exceção em separado; no mérito, por maioria, julgou provada a exceção e absolveu o excipiente quanto ao crime de calúnia e, por unanimidade, declarou extinta a punibilidade no concernente ao crime de injúria, em face da prescrição (em 12.03.92 - Corte Especial).

Votaram vencidos, no respeitante ao crime de calúnia, os Srs. Mi­nistros Nilson Naves, Dias Trindade, Athos Carneiro, Fontes de Alen­car, Sálvio de Figueiredo, Hélio Mosimann, Demócrito Reinaldo, José Dantas e Américo Luz, que rejeitavam a exceção da verdade.

O Sr. Ministro Antônio Torreão Braz (Presidente) proferiu voto­desempate no tocante ao crime de calúnia.

Os 81's. Ministros Carlos Thibau, Costa Leite, Eduardo Ribeiro e Vicente Cernicchiaro não participaram do julgamento em face de impe­dimento.

Os Srs~ Ministros José Cândido, Costa Lima e Cláudio Santos não participaram do julgamento (art. 162, § 2º, RISTJ).

Os 81's. IVlinistros Dias Trindade e Waldemar Zveiter não compare­ceram à sessão por motivo justificado.

Os Srs. Ministros Hélio Mosimann e Peçanha Martins não partici­param cio julgamento Cart. 162, § 3Q

, RISTJ).

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro ANTÔNIO TORREÃO BRAZ.

210 n. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 69-210, novembro 1992.

HABEAS CORPUS E RECURSOS

HABEAS CORPUS Nº 1.171-0-RJ (Registro nº 92.0005710-1)

Relator: O Sr. Ministro José Dantas Impetrante: Aluísio Magalhães Galvão Impetrada: Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do

Estado do Rio de Janeiro Paciente: Aluísio Magalhães Galvão (réu preso) Advogado: José Lindenberg Freitas

EMENTA: CRIMINAL. AÇÃO PENAL. JUIZ. COM­PETÊNCIA PREVENTA. PROMOTOR NATURAL.

Nulidades. Não constituem nulidades a compe­tência determinada pela prevenção de atos pratica­dos antes da distribuição do feito, nem a atuação do Promotor de Justiça integrante de Grupo Especializa­do constituído por determinação da Procuradoria­Geral da Justiça.

Precedentes da Turma •.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, -acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, em indeferir o pedido. Votaram de acordo os Srs. Mins. Costa Lima, Assis Toledo e

R. sup. Trib., Just., Brasília, a. 4, (39): 211-276, novembro 1992. 213

Flaquer Scartezzini. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Edson Vi­diga1.

Custas, como de lei. Brasília, 29 de abril de 1992 (data do julgamento). Ministro FLAQUER SCARTEZZINI, Presidente. Ministro JOSÉ

DANTAS, Relator.

RELATÓRIO

o SR. MINISTRO JOSÉ DANTAS: A espécie se basta elucidada pejas informações prestadas pelo Des. Jorge Loretti, Presidente do Eg. Tribunal de Justiça-RJ, ora impetrado, verbis:

214

"Senhor Ministro,

Em atenção ao ofício nQ 063/S5T, de 10/03/92, desse Colen­do Superior Tribunal de Justiça, nos autos do Habeas Corpus nQ 1.171-RJ, tenho a honra de prestar a Vossa Excelência as seguintes informações:

O Dr. José Lindenberg Freitas impetra ordem de habeass corpus em favor de ALUISIO MAGALHÃES GALVÃO, dando-o como vítima de ilegal constrangimento por parte da E. 2" Câ­mara Criminal deste Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

Alega que o paciente foi denunciado perante o juízo da 9" Vara Criminal por Promotor de Justiça pertencente ao grupo de "Promotores Especiais", instituído pela Resolução nQ 380, de 18/06/90, do Exmo. Sr. Procurador-Geral, com o objetivo de acom­panhar as ações penais relativamente a crimes de extorsão mediante seqüestro, tráfico de entorpecentes, praticados em bando ou quadrilha. Refere que aquele juízo se julgou incompe­tente e remeteu os autos ao juízo da 25" Vara Criminal, tam­bém da Capital, que teria praticado atos anteriores, ou seja, decretado a prisão de suspeitos (e depois denunciados). Veio a ser condenado à pena de 16 anos de reclusão, como incurso nas sanções do art. 159, § 12, do Código Penal.

Afirma que o processo estaria nulo, por falta de atribuição do Promotor oficiante, atribuição que deveria caber ao Promo­tor em exercício na 9" Vara, Promotor natural da causa, e não ao integrante do referido Grupo. Diz ainda, que o processo estaria nulo, por faltar competência ao juízo da 25" Vara Criminal, que

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 211·276, novembro 1992.

teria agido com apoio no Ato Executivo nl! 358, expedido pelo então Des. Presidente deste Tribunal de Justiça, diante da suspensão dos trabalhos dos serventuários em greve. Aduz que a competência se firmaria pela precedência na distribuição e não pela prática de atos antecedentes à própria distribuição.

Dizendo cerceada a defesa, pede a concessão do writ, com a anulação do processo e conseqüente expedição de alvará de liberdade em favor do paciente.

De fato, senhor Ministro, o paciente e demais co-réus fo­ram denunciados, perante o juízo da 9i! Vara Criminal, por Promotor de Justiça com atribuição definida nas Resoluções nrul

380 e 384/90, da Procuradoria-Geral da Justiça. Tais Resolu­ções criaram o GECCOR - Grupo Esp. de Promotores de Jus­tiça, para atuar contra o crime organizado.

Quanto à competência do juízo da condenação, foi a maté­ria analisada pela r. sentença do Juízo da 25i! Vara Criminal e pelo v. acórdão, no julgamento do Habeas Corpus nl! 1.130/91, da 2i! Câmara Criminal deste Tribunal de Justiça.

Aquela Câmara, por decisão unânime, conheceu do habeas corpus, mas denegou a ordem, entendendo que "no concurso de juízes igualmente competentes ou com jurisdição cumulativa, a competência se define pela prevenção, em favor daquele que, antes mesmo do recebimento da denúncia ou da queixa, primei­ro praticar ato do processo ou medida a este relativa."

Com referência ao citado Ato Executivo nl! 358, é ele de 16/ 12/88, nada tendo a ver com possível greve dos serventuários, mas cuida do "atendimento pelos magistrados de providências que reclamem e possibilitem solução de urgência, fora do dia e horário de expediente comum ou do plantão, nos dias em que não houver expediente forense."

Para melhor exame por parte dessa Colenda Turma, são encaminhadas cópias da r. sentença, do v. acórdão e do Ato Executivo nl! 358." - fls. 116/118.

Oficiando no feito, o Subprocurador-Geral da República Edinaldo de Holanda ofereceu o seguinte parecer:

"1. Pretende o impetrante haver anulação de sentença con­denatória, ao argumento de incompetência do Juízo processan­te, por falta, segundo deduz, de formalidade essencial para a validade do processo, qual seja a distribuição do feito.

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 211-276, novembro 1992. 215

2. O Egrégio Tribunal recorrido denegou pedido semelhan­te ao fundamento de que "no concurso de juízes igualmente competentes ou com jurisdição cumulativa, a competência se define pela prevenção, em favor daquele que, antes mesmo do recebimento da denúncia ou da queixa, primeiro praticar ato, do processo ou medida a este relativa." (págs. 117/118).

3. Incensurável a decisão recorrida. O Juízo da 25ª Vara, contra o qual se insurge o impetrante, antes do oferecimento da denúncia, decretara a prisão preventiva do paciente, tornando­se, ipso facto, prevento para o processo, consoante a regra do parágrafo único do art. 75 do Código de Processo Penal.

Face ao exposto, -propugna o Ministério Público Federal pela denegação do atual pedido." - fls. 176/177.

Mandei juntar petição do impetrante, via da qual, justificando-se pelo atraso' como o fez, pede considerar-se a transcrição de subsídios doutrinários da lavra dos Professores Hélio Tornaghi, Ada Pellegrini e Frederico Marques, tocantes à intocabilidade da ordem da competência taxativamente pré-constituída - fls. 179/188.

Relatei.

VOTO

o SR. MINISTRO JOSÉ DANTAS (Relator): Senhor Presidente, das suscitações deste pedido originário substitutivo do recurso, tenho-as como bem respondidas pelo v. acórdão atacado, consoante os seguintes tópicos da incensurável fundamentação do voto-condutor, lavra do Sr. Des. Enéas Cotta:

216

"2.1. Não procede a argüição de nulidade do processo, por incompetência do douto juízo sentenciante, sob o pretexto de ter sido o paciente, primitivamente, denunciado perante o MM. Juízo de Direito da 9ª Vara Criminal da mesma Comarca da Capital.

A denúncia, segundo as alegações finais do órgão ministe­rial, foi oferecida perante o Juízo da 9ª Vara Criminal, por ser o competente para julgamento do feito por distribuição. Ocorre que o ilustre magistrado declinou de sua competência para o Juízo da 25ª Vara Criminal, sob o fundamento de que este es­taria prevento em face das prisões preventivas decretadas.

Acrescenta o órgão ministerial, nas mesmas alegações fi­nais, "que não se pode falar em prevenção, pois as prisões fo-

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 211-276, novembro 1992.

ram decretadas em prestação jurisdicional extraordinária, ou seja, com base no Ato Executivo 358 do Egrégio Tribunal de Justiça, como medida de urgência, sem prévia distribuição". (fls. 75176)

Esses argumentos, adotados pela impetração, foram rejei­tados, com vantagem, pela douta sentença, uerbis:

"Com efeito, como bem salienta o eminente magistra­do titular da 9!! Vara Criminal da Comarca da Capital, em seu bem lançado despacho de f. 298 usque 300, na dicção do art. 83, do CPP, está cristalizado o princípio e instituto da prevenção, toda vez que, "concorrendo dois ou mais juízes igualmente competentes ou com jurisdição cumulativa, um deles tiver antecedido aos outros na prática de algum ato do processo ou de medida a este relativa, ainda que ante­rior ao oferecimento da denúncia ou da queixa. (arts. 70, § 3º, 71, 72, § 2º, e 78, inciso lI, letra c)

Na realidade, a lei processual penal se sobrepõe a qualquer dispositivo que sem o mesmo poder que ela, ve­nha a regular matéria de sua exclusiva alçada e competên­cia, bem como, não pode ela se curvar a entendimentos, os quais, malgrado a eminência de seus argumentos, com ela se choquem frontal e radicalmente". (fls. 25 e 139)

No concurso de juízes igualmente competentes ou com jurisdição cumulativa, a competência se define pela prevenção, em favor daquele que, antes mesmo do recebimento da denún­cia ou da queixa, primeiro praticar ato do processo ou medida a este relativa.

Em tema de competência, a lei processual penal, de supe­rioridade hierárquica, prevalece sobre qualquer norma domés­tica.

2.2. A 'nulidade de processo, por cerceamento de defesa, também, não merece prosperar.

Não cabe falar-se em cerceio de defesa, sublinha a douta PGJ, longe dos autos principais, nos quais estão registrados os atos praticados no curso da instrução.

Allegare nihil et allegatum non probare paria sunt - nada alegar e não provar o alegado, são coisas iguais.

O cerceamento de defesa, alegado e não provado, não se erige em nulidade processua1." - fls. 56/58.

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 211-276, novembro 1992. 217

Assim respondidas as suscitações ali formuladas, causa espécie que na presente impetração haja-se acrescido o tópico da nulidade da cons­tituição do Grupo de Promotores de que trata a Resolução n2 380/90, da Procuradoria-Geral de Justiça-RJ. Matéria nova que seria, não viria ao caso atentá-la nesta via, porquanto se sabe dever o chamado habeas corpus originário substitutivo do recurso limitar-se às matérias explici­tamente julgadas na impetração primitiva.

Contudo, a cuidar-se de terna conhecidíssimo desta Eg. Turma, sob título "Promotor Natural", dê-se de barato a resposta tantas vezes aqui prestada a semelhante tese, desde o julgamento do EC 63-RJ (16/8/89), cujos fundamentos se reproduziram no EC 1.237-RJ, conforme ementa lavrada pelo Sr. Ministro Costa Lima (Relator designado, dado que ven­cido o Sr. Ministro Edson Vidigal, Relator primitivo); ei-la:

"CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. AÇÃO PENAL. TRANCAMENTO. PROMOTOR NATURAL.

1. A criação pelo Procurador-Geral de Justiça de Gru­po Especializado de Promotores de Justiça, "a fim de oficia­rem nos inquéritos, promoverem e acompanharem as ações penais concernentes a crimes de extorsão mediante seqües­tro e a crimes de tráfico de entorpecentes praticados em bando ou quadrilha", não contraria os artigos 127 a 129, da Constituição, estando apoiada na LC nº 40/81.

2. Incompetência de Juízo não configurada, pois a me­dida urgente foi ordenada antes de distribuída.

3. Regularidade da denúncia oferecida por Promotor de Justiça integrante do Grupo Especializado.

4. Recurso conhecido e improvido." - in DJ de 07/10/91. Pelo exposto, indefiro o pedido.

EXTRATO DA MINUTA

HC nº 1.171-0 - RJ - (92.0005710-1) - Relator: Exmo. Sr. Minis­tro José Dantas. Impte.: Aluísio Magalhães Galvão. Adv.: José Linden­berg Freitas. Impda.: Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Pacte.: Aluísio Magalhães Galvão (réu pre­so).

Decisão: A Turma, por unanimidade, indeferiu o pedido (em 29.04.92 - 5ª Turma).

Votaram de acordo os Srs. Mins. Costa Lima, Assis Toledo e Flaquer Scartezzini. Ausente, ocasionalmente, o Sr. l\linistro Edson Vidiga1.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro FLAQUER SCARTEZZINI.

218 H. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 211-276, novembro 1992.

lIABEAS CORPUS N!! 1.255-0 - HS

(Registro n2 92.0009543-7)

Relator: O Senhor Ministro Costa Leite

Impetrante: José Antero Bittencourt Fabrício Barcellos

Impetrado: Desembargador Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

Pacientes: Amado Jesus Gonçalves da Silva (réu preso), Cleni Antônio Ribeiro :Machado (réu preso)

EMENTA: Proccsso Pcnal. Habeas Corpus. Exe­cução penal.

Não se conhece de habeas corpus originário, em substituição ao recurso ordinário cabível, quando não ataca o fundamento em que alicerçado o acór­dão. In casu o pedido não foi conhecido, insistindo a impetração na matéria atinente ao mérito.

Ordem de habeas corpus concedida de ofício. A existência de recurso próprio para atacar decisão proferida em sede de execução penal não constitui empeço à impetração de habeas corpus.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os l\'1inistros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo­tos e notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, em não conhecer do pedido, mas em conceder a ordem de ofício. Votaram com o Relator os Ministros Vicente Cernicchiaro, José Cândido e Pedro Acioli. '

Custas, como de lei.

Brasília, 09 de junho de 1992 (data do julgamento).

Ministro JOSÉ CÂNDIDO, Presidente. Ministro COSTA LEITE, Relator.

R. sup. Trib. Just., Brasflia, a. 4, (39): 211-276, novembro 1992. 219

RELATÓRIO

o SENHOR MINISTRO COSTA LEITE: Trata-se de ordem de habeas corpus requerida pelo ilustre defensor público José Antonio Bit­tencourt Fabrício Barcellos, em favor de AMADO JESUS GONÇALVES DA SILVA e CLENI ANTÔNIO RIBEIRO MACHADO, ambos condena­dos a seis anos de reclusão, como incursos nas sanções do art. 121, do Código Penal, apontando-se constrangimento ilegal na submissão aos pa­cientes ao regime fechado, porquanto lhes foi deferido o regime semi­aberto, para o cumprimento- das reprimendas, desde o início. Na falta de estabelecimento penal adequado, postula-se a prisão domiciliar.

O parecer do Ministério Público Federal é pelo deferimento da or­dem.

É o relatório, Senhor Presidente.

VOTO

O SENHOR MINISTRO COSTA LEITE (Relator): Pelos acórdãos cujas cópias se encontram a fls. 37/38 e 39}40, destes autos, a e. Câmara de Férias do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul não conheceu dos Habeas Corpus nJl.J 691.120.703 e 691.121.255, impetrados, respecti­vamente, em favor de Amado Jesus Gonçalves da Silva e Cleni Antonio Ribeiro Machado, estabelecido o juízo negativo de admissibilidade no mesmo fundamento: tratando-se de incidente da execução, impõe-se o manejo do agravo, nos termos da lei de regência, não sendo o habeas corpus sucedâneo do recurso cabível.

A presente impetração originária, não obstante revestir-se de cará­ter substitutivo de recurso ordinário em habeas corpus, não investe propriamente contra o fundamento em que se estabeleceu o juízo nega­tivo de admissibilidade, como seria de rigor, insistindo na matéria ati­nente ao mérito, que não foi objeto de exame.

Assim é que, na esteira do que decidiu esta Turma, ao julgar o HC nQ 636-SP, não conheço do pedido.

Todavia, é assente nesta Corte que a existência de recurso próprio para atacar decisão proferida em sede de execução penal não constitui empeço à impetração de habeas corpus. Com efeito, tal restrição ao ca­bimento do remédio heróico não se conforma à disciplina constitucional do instituto.

In casu, cuida-se de questão exclusivamente de direito, não haven­do controvérsia a respeito do fato apontado.

220 R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 211-276, novembro 1992.

Vai daí que concedo a ordem de ofício. Não para a providência perseguida pelo impetrante, pois implicaria supressão de instância. Tão­só para que o e. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul aprecie o mérito dos pedidos deduzidos nos habeas corpus mencionados.

É como voto, Senhor Presidente.

EXTRATO DA MINUTA

HC nº 1.255-0 - RS - (92.0009543-7) - Relator: Exmo. Sr. Mi­nistro Costa Leite. Impte.: José Antero Bittencourt Fabrício Barcellos. Impdo.: Desembargador Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Pactes.: Amado Jesus Gonçalves da Silva (réu preso) e Cleni Antônio Ribeiro Machado (réu preso).

Decisão: Após o voto do Sr. Ministro Relator não conhecendo do pedido, mas concedendo a ordem de ofício para determinar que o Tribu­nal de Justiça examine o mérito, pediu vista o Sr. Ministro Vicente Cernicchiaro-. Aguardam os Srs. Ministros José Cândido e Pedro Acioli (em 08.06.92 - 6ª Turma).

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro JOSÉ CÂNDIDO.

VOTO-VISTA

O EXMO. SR. MINISTRO VICENTE CERNICCHIARO: Sr. Presi­dente, é sobre a hipótese tratada na assentada de ontem. O Eminente Relator concedeu habeas corpus de ofício a fim de o Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul apreciar o mérito de dois habeas corpus impetrados em favor dos Pacientes.

Consultei os autos. Vou acompanhar S. Exa., porquanto os habeas corpus encerraram-se ao fundamento de que em havendo concomitante, em curso, o recurso ordinário, o habeas corpus não poderia ser conhecido.

A jurisprudência desta Casa é no sentido de que em se tratando de ação constitucional, não encontra obstáculo na legislação ordinária - e bem realçou o Eminente Relator, neste habeas corpus, postula-se em favor dos Pacientes que sejam colocados, em face de ausência de estabe­lecimento adequado para o cumprimento da pena privativa de liberda­de, a chamada "prisão domiciliar".

Em sendo assim, não se pode apreciar o mérito postulado, entre­tanto, através de habeas corpus de ofício, determinar ao Tribunal a quo que aprecie o mérito da questão.

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 211-276, novembro 1992. 221

Acompanho o eminente Relator, concedendo o habeas corpus de ofício.

EXTRATO DA MINUTA

BC nQ 1.255-0 - RS - (92.0009543-7) - Relator: Exmo. Sr. Mi­nistro Costa Leite. Impte.: José Antero Bittencourt Fabrício Barcellos. Impdo.: Desembargador Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Pactes.: Amado Jesus Gonçalves da Silva (réu preso) e Cleni Antônio Ribeiro Machado (réu preso).

Decisão: Prosseguindo no julgamento a Turma, por unanimidade, não conheceu do pedido, mas concedeu a ordem de ofício, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator (em 09.06.92 - 6il Turma).

Votaram os Srs. Ministros Vicente Cernicchiaro, José Cândido e Pedro Acioli.

222

Presidiu o julgamento o Sr. lVlinistro JOSÉ CÂNDIDO.

llABEAS CORPUS N!! 1.257-3 - PE

(Registro n!! 92.9627-1)

Relator: Ministro José Cândido

Impetrante: Célio Avelino de Andrade

Impetrado: Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco

Paciente: Cleodon Elenio dos Santos

EMENTA: HABEAS CORPUS. LESÕES CORPO­RAIS. CORPO DE DELITO INDIRETO.

Desaparecidos os vestígios, é perfeitamente pos­sível o exame do corpo de delito, de forma indireta, através da prova testemunhal, como previsto nos al"ts. 158 e 167, do Código de Processo Penal.

Ordem denegada.

It Sup. Trib. Just., Brasflia, a. 4, (:~9): 211-27G, novembro 1992.

ACÓIlDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, em dene­gar a ordem de habeas corpus. Votaram com o Relator os Ministros Pedro Acioli e Costa Leite. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Vicente Cernicchiaro.

Custas, como de lei.

Brasília, 10 de agosto de 1992 (data do julgamento).

Ministro JOSÉ CÂNDIDO, Presidente e Relator.

RELATÓRIO

o SR. MINISTRO JOSÉ CÂNDIDO: Trata-se de habeas corpus impetrado por CÉLIO AVELINO DE ANDRADE em favor do magistra­do estadual, Cleodon Eleno dos Santos, contra o ato do Desembargador­Relator que recebeu denúncia contra o paciente, por infração ao artigo 129, caput, do Código Penal, figurando como vítima o também Juiz de Direito Mário Alves de Souza Melo.

Consta da denúncia "que, na madrugada do dia 2 de fevereiro de 1990, por ocasião de festividade comemorativa da posse da mesa Direto­ra do Tribunal de Justiça de Pernambuco, na casa de eventos Blue Angel, o paciente apresentando sintomas de embriaguez, após proferir palavras insultosas contra o também Juiz de Direito Mário Alves de Souza Melo, esmurrou-o no rosto, disso resultando ferimento no lado esquerdo do lábio superior" (fls. 35/36).

Notificado, o paciente ofereceu resposta escrita (CPP, art. 558), argüindo inépcia da denúncia por estar ausente o pressuposto de cons­tituição do processo, consistente na prova da materialidade do delito.

Por despacho de 19.08.91, foi rejeitada a argüição e ratificado o recebimento da denúncia, marcando-se a data de 02 de outubro para o interrogatório, que não se realizou, por falta de intimação do acusado.

Por essa razão, o paciente interpôs recurso de Habeas Corpus jun­to a este Tribunal, requerendo o trancamento da ação penal, argumen­tando que não houve perícia por vontade da própria vítima, sendo aplicá­velo art. 167, do Código de Processo Penal, que admite prova testemunhal apenas quando for impossível a perícia. Argumenta, ainda, que se trata de "dois pequenos arranhões", que não constituem lesão corporal.

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (:39): 211-276, novembro 1992. 223

Subindo os autos, manifestou-se a Procuradoria-Geral da Repúbli­ca, de cujo Parecer destacamos:

"Contendo a denúncia a narração de fatos atribuídos ao paciente, mesmo que eles se encontrem abstraídos do tipo pre­visto no art. 129, caput, do CP, seja porque sua conduta não tipifica o crime em questão, seja pela ausência do laudo que comprova a materialidade, pode muito bem o julgador vislum­brar delito outro, tal como contravenção de vias de fato, hipó­tese que não se descarta, ou mesmo injúria real, de sorte que o Juiz não está adstrito aos fatos narrados na denúncia, poden­do atribuir-lhes definição jurídica diversa, conforme o disposto no artigo 383, do CPP.

À luz do exposto, entende o Ministério Público Federal que a ordem deve ser indeferida." (fls. 36).

É o relatório.

VOTO

EMENTA: HABEAS CORPUS. LESÕES CORPORAIS. CORPO DE DELITO INDIRETO.

Desaparecidos os vestígios, é perfeitamente possível o exame do corpo de delito, de forma indireta, através da prova testemunhal, como previsto nos arts. 158 e 167, do Código de Processo Penal.

Ordem denegada.

O SR. MINISTRO JOSÉ CÂNDIDO (Relator): O presente habeas corpus reabre o tema sugerido pelo art. 157, do Código de Processo Pe­nal, a respeito da obrigatoriedade de exame de corpo de delito, quando a infração deixar vestígios.

No caso dos autos, é invocada a inexistência do corpo de delito, para prosseguimento da ação penal. Observa-se que toda sorte de dificuldade tem sido oposta pela defesa, que não permitiu, até agora, o interrogató­rio do acusado.

Não vejo dificuldades para o processamento da causa. Nos crimes que deixam vestígios, o corpo de delito pode ser substituído, plenamen­te, pela prova testemunhal. O que a lei proíbe é que ele seja substituído pela confissão do acusado (art. 158, do CPP). O exame de corpo de deli­to, na forma indireta, está previsto no mesmo dispositivo legal, sendo absolutamente possível a sua realização.

224 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 211-276, novembro 1992.

MAGALHÃES NORONHA (Curso de Direito Processual Penal, Saraiva, 1990, pág. 105), ao aludir à prova testemunhal, é explícito: "Fa­lamos em testemunhas, porém, de acordo com o sistema de nosso Códi­go, bastará uma". Por sua, vez o mesmo Código reza, em seu art. 167: "Não sendo possível o exame do corpo de delito, por haverem desapare­cido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta". Pare­ce-me que é esta a hipótese dos autos, sobre a qual assinala MIRABET­TE (Processo Penal, Atlas, 2ª ed., pág. 261):

"Ensina a doutrina que não há qualquer formalidade para a constituição do corpo de delito indireto, normalmente revela­do por prova testemunhal. O juiz deve inquirir a testemunha sobre a materialidade do fato e suas circunstâncias e a palavra dela bastará para firmar o convencimento do julgador, de acor­do com o princípio da livre apreciação."

Também não ficam afastadas as hipóteses consideradas no brilhante Parecer da Subprocuradora-Geral da República, ilustre Dra. DELZA CURVELLO ROCHA, às fls. 35-6, dos autos.

Com estes fundamentos, denego a ordem. É o meu voto.

EXTRATO DA MINUTA

HC nº 1.257-3 - PE - (92.9627-1) - Relator: Exmo. Sr. Ministro José Cândido. Impte.: Célio Avelino de Andrade. Impdo.: Desembarga­dor do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco. Pacte.: Cleodon Eleno dos Santos.

Decisão: A Turma, por unanimidade, denegou a ordem de habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator (em 10.08.92 - 6ª Turma).

Votaram os Srs. Ministros Pedro Acioli e Costa Leite. Ausente, por motivo justificado, o Sr. Ministro Vicente Cernicchiaro.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro JOSÉ CÂNDIDO.

HABEAS CORPUS Nº 1.305-0 - ES (Registro nQ 92.0012476-3)

Relator: Ministro José Cândido Impetrantes: Caixa Econômica Federal-CEF, e Hermes Donizeti

Marinelli

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 211-276, novembro 1992. 225

Impetrado: Juiz Relator do HC nº 9202089043 da Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 2ª Região

Paciente: José Olinto Medrado de Figueiredo

EMENTA: HABEAS CORPUS.

Liberação de depósitos do FGTS, em virtude da mudança do servidor para o regime da Lei nº 8.112/ 90.

Concedida liminar a funcionários da Caixa Eco­nômica, para que se abrigassem contra ordem de prisão, por parte de Juiz de Tribunal Federal Regio­nal, tem-se no julgamento do habeas corpus a confir­mação do decisório preliminar.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, em confirmar a liminar, na conformidade dos votos e notas taquigráficas 'constantes dos autos. Votaram os Srs. Ministros Pedro Acioli e Vicente Cernicchiaro.

Custas, como de lei. Brasília, 13 de outubro de 1992 (data do julgamento). Ministro JOSÉ CÂNDIDO, Presidente e Relator.

RELATÓRIO

o SR. MINISTRO JOSÉ CÂNDIDO: A Caixa Econômica Federal e Hermes Donizeti Martinelli impetram Habeas Corpus contra ato do MM. Juiz SIL VÉRIO CABRAL, da 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, o qual negou liminar pleiteada nos autos de HC nº 92.0208904-3, em que é paciente JOSÉ OLINTO MEDRADO DE FIGUEI­REDO, ameaçado de prisão, caso descumpra; em ações cautelares, limi­nares concedidas por diversos Juízes Federais de 1º Grau, que determi­naram a liberação do FGTS a funcionários celetistas, transformados em estatutários.

Aduzem os impetrantes que a ação cautelar não pode revestir-se de caráter satisfativo, e que a modalidade de liberação do FGTS, no caso,

226 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 211-276, novembro 1992.

é estranha aos permissivos vistos na Lei nº 8.112/90, que regula a ma­téria.

Em seu Parecer, o Ministério Público Federal argumenta que, por lei, incumbe ao MINISTÉRIO DA AÇÃO SOCIAL a gestão do FGTS, sendo a Caixa Econômica Federal mero agenciador, faltando-lhe legiti­midade para figurar no pólo passivo da relação processual.

Pondera o Ministério Público Federal que a recusa ao cumprimen­to da ordem reveste-se de legalidade, e que o paciente, de outra forma, poderia ser responsabilizado por atos praticados à revelia do Conselho Curador do Fundo.

Conclui o Parecer pelo conhecimento e concessão da ordem. É o relatório.

VOTO

O SR: MINISTRO JOSÉ CÂNDIDO (Relator): A matéria é regida pela Lei 8.036, cujo artigo 6º assim se expressa:

"Art. 6º - Ao Ministério da Ação Social, na qualidade de gestor da aplicação do FGTS, compete:

I - praticar todos os atos necessários à gestão da aplica­ção do Fundo, de acordo com as diretrizes e programas estabe­lecidos pelo Conselho Curador".

Por seu turno, o art. 7º da mesma Lei, em seu caput, qualifica a Caixa Econômica Federal como Agente Operador:

"Art. 7º - À Caixa Econômica Federal, na qualidade de Agente Operador, cabe:

(omissis) VII - implementar os atos emanados do Ministério da

Ação Social relativos à alocação e aplicação dos recursos do FGTS, de acordo com as diretrizes estabelecidas pelo Conselho Curador"

Infere-se do texto legal que a Caixa Econômica Federal "não tem titularidade que justifique seu chamamento em Juízo, em processo que verse sobre o FGTS - especialmente em relação à disponibilidade das quantias sob a sua' guarda", como bem enfatizou o Ministério Público Federal.

Por outro ângulo, não se configura o periculum in mora, ao argu­mento de que os índices de reajuste do FGTS não acompanham o ritmo

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 211-276, novembro 1992. 227

inflacionário, pois há outros remédios jurídicos à disposição dos bene­ficiários para reclamar as eventuais diferenças.

A recusa dos funcionários da operadora em cumprir uma ordem judicial liminar, com caráter eminentemente satisfativo, está plenamen­te justificada. Com razão a análise feita pelo Ministério Público Federal:

"Sem dúvida alguma terão a empresa pública e mesmo os seus funcionários que responder, pessoalmente, perante o Con­selho Curador do Fundo, por atos praticados à sua revelia".

Por esses fundamentos, confirmo a liminar. É o meu voto.

EXTRATO DA MINUTA

HC n2 1.305-0 - ES - (92.0012476-3) - Relator: Exmo. Sr. Mi­nistro José Cândido. Imptes.: Caixa Econômica Federal-CEF e Hermes Donizeti Marinel1i. Impdo.: Juiz Relator do HC n2 9202089043 da Se­gunda Turma do Tribunal Regional Federal da 2!! Região. Pacte.: José Olinto Medrado de Figueiredo.

Decisão: A Turma, por unanimidade, confirmou a liminar, nos ter­mos do voto do Sr. Ministro Relator.

228

Votaram os Srs. Ministros Pedro Acioli e Vicente Cernicchiaro. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro JOSÉ CÂNDIDO .

• HABEAS CORPUS Nº 1.357-7 - SP

(Registro nº 92.0015970-2)

Relator: O Exmo. Sr. Ministro Vicente Cernicchiaro Impetrante: Paulo Sérgio Leite Fernandes Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo Paciente: Alaor Ferreira

EMENTA: HC - CONSTITUCIONAL - PENAL -LEI DE IMPRENSA - QUEIXA - RENÚNCIA - A Lei de Imprensa, porque recepciona as normas do Códi­go Penal (Direito Penal FundamentaD, admite o con­curso de agentes. Em ocorrendo esta hipótese, o

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 211-276, novembro 1992.

querelante, considerado o interesse público. do pro­cesso penal, não pode escolher um ou outro. Todos devem. comparecer como querelados. Caso contrário, configura-se renúncia tácita ao direito de queixa.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, em conceder a ordem de habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Votaram de acordo os Srs. Ministros José Cândido, Pedro Acioli e Costa Leite.

Brasília, 25 de agosto de 1992 (data do julgamento).

Ministro JOSÉ CÂNDIDO, Presidente. Ministro LUIZ VICENTE CERNICCHIARO, Relator.

RELATÓRIO

o EXMO. SR. MINISTRO VICENTE CERNICCHIARO (Relator): Habeas Corpus. impetrado por Paulo Sérgio Leite Fernandes, em favor de Alaor Ferreira, perante o Supremo Tribunal Federal, contra despa­cho do Desembargador-Relator do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, rejeitando preliminar de decadência e indeferindo pedido de arquivamento, recebeu queixa-crime promovida por Otacílio Rodrigues da Silva e instaurou ação penal contra o Paciente, Prefeito da Cidade de Piquete-SP, como incurso nas penas dos arts. 20 e 21 da Lei nº 5.250/67.

O Impetrante pretende "o tratamento da querela, por descumpri­mento de preceitos inafastáveis ligados à indivisibilidade, com seus con­sentâneos de renúncia ou perdão". Alega que a publicação que deu ori­gem à querela não estava subscrita pelo prefeito e sim por uma repórter. Sustenta:

"Já se vê que o· Paciente, sozinho, não poderia ser proces­sado validamente por crime de imprensa. Haveria de viger a regra da obrigatoriedade de inclusão do co-partícipe (NO CASO, A JORNALISTA QUE ASSINOU ° ARTIGO), sob pena de se ter como nula a ação penal. Independentemente disto, e mesmo na hipótese outra de subsunção de autores segundo a respon­sabilidade sucessiva, seria responsável a jornalista Célia, em se tratando de artigo assinado, nos expressos termos da lei de imprensa. O mais curioso é que o Paciente negou ser o autor da

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 211-276, novembro 1992. 229

contumélia, asseverando que, se e quando o fizesse, assinaria o escrito (Doc. V). Portanto, ou a ação penal deveria ser proposta contra a jornalista ou contra ambos. Daí o absolutismo da nu­lidade concretizada, insuscetível tal irregularidade de sanea­mento, pois o prazo decadencial já se esgotou" (fls. 08).

Despacho do eminente Ministro Paulo Brossard, do Supremo Tri­bunal Federal, remetendo os autos a este Superior Tribunal de Justiça, competente para julgamento do writ (fls. 27).

Informações às fls. 37/60.

Parecer do Ministério Público Federal, subscrito pela ilustre Sub­procuradora-Geral da República Dra. Yedda de Lourdes Pereira, opinan­do pela concessão da ordem (fls. 62/68).

É o relatório.

VOTO

o EXMO. SR. MINISTRO VICENTE CERNICCHIARO (Relator): A Lei de Imprensa é especial em relação ao Código Penal. Lex specialis derogat legem generalis. Daí a inaplicabilidade do disposto no art. 141, IH, do Código Penal, quando <> fato é divulgado por meio de informação e divulgação, especificados na Lei nQ 5.250/67: jornais e outras publica­ções periódicas, os serviços de radiodifusão e os serviços noticiosos (art. 12, parágrafo único).

A Lei de Imprensa adotou o critério par cascades para fixar a res­ponsabilidade penal. Urge ,atenção especial, a fim de evitar-se a respon­sabilidade objetiva, banida dos sistemas penais modernos, sensíveis com a decisão justa. Evidentemente, ausente quando se pune criminalmente quem não praticou o delito.

Nos casos dos autos, no entanto, o tema não se coloca. A matéria foi assinada por Célia Paccini (da reportagem local) (fls. 12).

A ordem escalonada na Lei nQ 5.250/67 (no particular, insista-se, de legitimidade duvidosa) é observada, a teor do art. 28, a, "o escrito publicado em jornais ou periódicos sem indicação de seu autor".

Na espécie assinada, a matéria é de responsabilidade de seu autor.

Apesar de especial, a Lei de Imprensa, porque recepciona as nor­mas do Código Penal (Direito Penal Fundamental) quando não dispuser diferentemente, admite o concurso de agentes.

É lógico, impõem-se algumas considerações.

230 H. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 211-276, novembro 1992.

o mencionado concurso reclama homogeneidade do elemento subjeti­vo, voltado, ademais, para a realização do mesmo crime (dolo direto ou eventual).

Assim, porque uma pessoa concede entrevista ao jornalista, não decorre, não configura, necessariamente, concurso de agentes.

Imperioso, então, como ocorre quando se analisa a denúncia e a queixa como aptas ao início do processo, cautela do julgador para apre­ender os indícios, a fim de não remeter para apreciação final dados que devem ser considerados preambularmente. Aquelas peças devem descre­ver o fato delituoso com todas as circunstâncias, apoiadas num mínimo de indícios.

Não se faz imperioso, é verdade, como reclama o douto parecer do Ministério Público, formalização de inquérito policial. Este não é pres­suposto, embora, por reunir elementos indicativos de possível autoria e descrição de fato, seja útil para o juízo acima reclamado.

Façam-se algumas distinções, embora ilustrativamente. a) Quando se trata de entrevista e o jornalista, deixando evidenciado

que se limite a transmitir as palavras por outrem proferidas, sendo útil que a apresentação evidencie não emitir juízo de valor, nem iITogações a terceiro, em princípio, a responsabilidade criminal é do entrevistado. Poderá envolver o comunicador social, caso haja interesse em divulgar o fato (divulgação deliberadamente ofensiva), concorrendo, pois, para a execução do delito. Nesse caso, em tese, ter-se-á o concurso de agentes.

b) O jornalista redige a reportagem e menciona que terceiro lhe passou a informação. Nesta hipótese, para os efeitos penais, o comuni­cador ganha relevo. A outra pessoa, em princípio, fica em posição secun­dária. Admitir-se-á até que não dera a informação, não fora como noticia­do, ou, como se está em terreno de mera especulação teórica, desconhecia que falava com um jornalista. E mais. Proibira que o narrado fosse di­vulgado a terceiro, muito menos pelo jornal.

c) Quando se trata de matéria paga, a divulgação é de exclusiva responsabilidade de quem a redigiu.

A reportagem, no tocante ao Paciente, é a seguinte: "O ex-prefeito de Piquete, Otacílio Rodrigues da Silva

(PMDB), 43, acredita que os ex-prefeitos ameaçam o poder dos atuais prefeitos. "Afinal, ninguém atira pedra em cachorro morto", lembrou.

Silva foi acusado há dois meses pelo prefeito Alaor Ferrei­ra (PFL), 55, de ter destruído os filtros da estação de tratamen­to de água e de ter causado o desaparecimento dos trilhos de

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 211·276, novembro 1992. 231

um trecho desapropriado da antiga Central do Brasil. O ex­prefeito nega as acusações e diz que isso é parte de um plano para "minar" a sua candidatura.

Ferreira admite que não reuniu provas contra as denún­cias, mas justifica que "quem rouba não deixa vestígios". O prefeito acredita que as denúncias "balançaram a credibilidade do ex-prefeito" (fls. 12).

Nota-se, com facilidade, não se trata de entrevista, no sentido for­mal. Parece, a jornalista colhera a informação e resolveu compor a re­portagem.

A veracidade da informação (e da própria informação) será consta­tada, evidente, na instrução criminal. Ali é o momento certo para a produção de provas.

A reportagem, porém, é redação exclusiva da jornalista, que, para credibilidade, trouxe o Paciente à colação.

O Paciente, na espécie, é figura secundária. A jornalista apresenta o fato, em reportagem exclusivamente suà.

Tais considerações, data venia, são relevantes para o juízo de ad­missibilidade da queixa.

Em tese, jornalista e Paciente compuseram a notícia. Responsabi­lidade criminal comum.

O ofendido, sem dúvida, tem o direito de recorrer ao Judiciário para, civilizadamente, responder a quem haja molestado sua reputação, dig­nidade ou decoro.

O Processo Penal visa a um fim de interesse público, qual seja, respeitados o contraditório e a plenitude de defesa, apurar existência de infração penal, impondo, então, ao agente, a respectiva sanção.

O processo, mesmo iniciado por queixa, restando ao ofendido deli­berar da conveniência e oportunidade de inaugurar a ação, evidencia predominante, como registrado, interesse público.

O Querelante, então, não pode movimentá-lo por mero capricho, picardia, emulação, visando apenas a molestar o Querelado. Explica-se, pois, a presença, dentre outros de dois institutos - a renúncia do direi­to de queixa e o perdão do ofendido.

O Querelante, ocorrendo possibilidade de concurso de agentes, in­sista-se, considerado o interesse público do processo penal, não pode escolher um ou outro. Todos devem comparecer como Querelados.

Daí o teor do art. 104, parágrafo único, do Código Penal, ao concei­tuar a renúncia tácita do direito de queixa:

232 R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 211-276, novembro 1992.

"Importa renúncia tácita ao direito de queixa a prática de ato incompatível com a vontade de exercê-lo ... "

Em sendo assim, a investida unilateral do Querelante subsume-se à norma invocada. Impossível a seleção preferida.'

Concedo o habeas corpus a fim de extinguir o processo, sem julga­mento do~ mérito.

EXTRATO DA MINUTA

HC nQ 1.357-7 - SP - (92.0015970-2) - Relator: Exmo. Sr. Minis­tro Vicente Cernicchiaro. Impte.: Paulo Sérgio Leite Fernandes. Impdo.: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Pacte.: Alaor Ferreira.

Decisão: A Turma, por unanimidade, concedeu a ordem de habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator (em 25.08.92 - 6ª Turma).

Votaram os Srs. Ministros José Cândido, Pedro Acioli e Costa Leite. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro JOSÉ CÂNDIDO.

RECURSO DE HABEAS CORPUS NQ 1. 705 - RJ

(Registro nQ 91.0024136-9)

Relator: O Exmo. Sr. Ministro Edson Vidigal

Recorrente: João Galan Júnior Advogada: Márcia Dinis Recorrido: Tribunal de Alçada Criminal do Estado do Rio de Ja­

neiro Paciente: João Galan Júnior

EMENTA: PENAL. PROCESSUAL. CRIME CON­TRA A HONRA. AÇÃO PENAL. TRANCAMENTO. HA­BEAS CORPUS.

1. Evidenciado nos autos, sem necessidade de revolvimento de matéria fática, que o recorrente, ao denunciar fiscal de tributos a superior hierárquico, ensejando inquérito administrativo para apuração de

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 211-276, novembro 1992. 233

tentativa de extorsão de que se disse vítima, exerceu apenas, com animus narrandi, seu direito de cidada­nia (CF, art. 52, XXXIV), tranca-se a ação penal por atipicidade de conduta. (CP, art. 23, IH).

2. Recurso conhecido e provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e· discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, em dar provimento ao recurso, para trancar a Ação Penal. Votaram com o Relator os Srs. Mins. Flaquer Scartezzini, José Dantas, Costa Lima e Assis Toledo.

Custas, como de lei.

Brasília, 26 de fevereiro de 1992 (data do julgamento). Ministro FLAQUER SCARTEZZINI, Presidente. Ministro EDSON

VIDI GAL , Relator.

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO EDSON VIDIGAL: Quando apareceu no Núcleo de Estudos Odontológicos, em Niterói, Rio de Janeiro, já pela segunda vez, Paulo Rodrigues Alves, fiscal de tributos da Prefeitura, teria falado - segundo a petição inicial destes autos - que os proble­mas existentes seriam resolvidos se João Galan Júnior, o Diretor, tra­tasse dos dentes de sua filha. Sustenta que o dentista repeliu a propos­ta, esclarecendo que ortodontia não era sua especialidade.

Dia seguinte, 25 de junho de 1990, ainda na versão do impetrante, surgiu um Auto de Infração da Prefeitura Municipal de Niterói. Indig­nado, correu ao Prefeito Jorge Silveira que mandou-o ao Secretário da Fazenda, Carlos Antônio Sasse, que o orientou a formalizar a denúncia, o que fez em forma de carta, para que fosse então aberto Inquérito Administrativo. Interpôs recurso contra a multa.

O resultado do Inquérito Administrativo foi eximindo o fiscal Pau­lo Rodrigues Alves. João Galan Júnior, o contribuinte que se disse víti­ma do fiscal, foi denunciado por crime de calúnia e responde no momen­to Ação Penal.

O Acórdão que neste Recurso se pretende derrogar foi assim emen­tado:

234 R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 211-276, novembro 1992.

"HABEAS CORPUS - TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL - CRIME EM TESE - EXERCÍCIO DO DIREI­TO DE PETIÇÃO - LIMITES.

Quando o fato atribuído ao paciente encontra adequa­ção típica da norma penal, inadmissível se apresenta o pre­tendido trancamento da ação penal.

O direito de petição aos Poderes Públicos para apurar suposta infração não se confunde com a imputação de fato típico definido como crime a servidor público no exercício de suas funções sem o devido respaldo probatório.

A democracia impõe restrições ao exercício dos direi­. tos, para que todos tenham liberdade com responsabilida­

de. Em conseqüência, o remédio heróico do habeas corpus

não se mostra adequado para impor a extinção da ação penal antes de serem produzidas as provas regularmente reque­ridas".

Repete neste Recurso o que disse na impetração originária; que, ao queixar-se à autoridade administrativa e ao depor no inquérito, limitou­se a narrar o ocorrido, sem fazer referência de cunho pessoal, demons­trando absoluta ausência de intenção de ofender. "Agiu - anota, às fls. 170 - estritamente nos termos previstos no art. 23, UI, do CP, que, no caso em tela, ampara o direito constitucionalmente previsto no art. 5Q

,

inciso XXXIV, alínea a, CF (. .. ) João Galan Júnior exerceu esse direito. Mais que isso, foi orientado pela autoridade à qual recorreu o Secretário da Fazenda do Município de Niterói, a fazê-lo. Os fatos tratados no Habeas Corpus nQ 13.302 originaram-se da mais digna e exemplar con­duta. O recorrente, seguindo a orientação de autoridade competente, nar­rou o comportamento de um fiscal de impostos em sua empresa" (fls. 170).

Pede a ordem para trancamento da Ação Penal, com o que concor­da, nesta instância, a douta Subprocuradoria-Geral da República, no Parecer em que anota:

"Improcede, entretanto, a veneranda decisão. O comporta­mento descrito com o nomem iuris de calúnia consiste em im­putar fato definido como crime. E aí se resume a atividade que o tipo define. Se o comportamento efetivamente é diferente por algum aspecto, não há como configurar o delito sob apreciação.

In casu, o denunciado postulou instauração de inquérito administrativo para averiguação de determinado fato. Or~.

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 211-276, novembro 1992. 235

imputar falsamenté fato é diferente de pedir investigação sobre a existência de fato.

Tanto é verdade que a imputação de fato não é o mesmo que pedir investigação, que o Legislador Penal erigiu em crime autônomo o pedido de investigação policial com consciência da falsidade (art. 339).

Evidencia-se que o fato de dar curso a investigação falsa de crime fosse o mesmo que imputar fato definido como crime, desnecessária seria a figura do art. 339, do Código Penal (de­nunciação caluniosa).

Como são condutas diferentes, o legislador criou a figura da denunciação para coibir a falsa propositura de inquérito policial ou processo judicial. Nunca, entretanto, de inquérito administrativo, por constituir exame necessário da legalidade de atos públicos".

Conclui pela concessão da ordem para que seja trancada a Ação Penal em curso contra o recorrente.

Relatei.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO EDSON VIDIGAL: Senhor Presidente, o recorrente responde a Ação Penal por crime de calúnia (CP, art. 138). Alega que recusou proposta de um Fiscal de Tributos; que lhe dispensa­ria eventual multa em troca de um tratamento em sua filha, tendo sido, por isso, multado, e que, não se conformando, reagiu em duas frentes -interpondo recurso formal contra o Auto de Infração e representando, por escrito, à autoridade administrativa, no caso o Prefeito Municipal, narrando o que aconteceu.

O Secretário de Fazenda do Município, Carlos Antônio Sasse, em depoimento às fls. 192/193, confirma que após receber a carta enviada pelo Gabinete do Prefeito convidou o dentista, ora recorrente, que, pes­soalmente, lhe confirmou tudo; "que enalteceu a forma de agir do acusa­do (no caso o ora recorrente), pois nem todos agem da forma pela qual agiu, tomando a iniciativa de denunciar o funcionário e confirmar a denúncia; que o inquérito administrativo foi aberto para apurar os fatos mas o depoente (no caso, o Secretário da Fazenda) antes de sua conclu­são deixou a municipalidade, não tomando conhecimento da sua conclu­são oficial, que mais tarde o depoente através de amigos tomou conheci­mento da conclusão do inquérito que deu o funcionário Paulo Rodrigues Alves como inocente. Às perguntas da defesa, respondeu que: o depoen-

236 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 211·276, novembro 1992.

te ratifica que convidou o acusado a comparecer a sua Secretaria onde ele ratificou através de depoimento escrito os termos da carta oficiando a tentativa de extorsão; que o depoente entendeu que o acusado não teve a intenção de ofender o funcionário público e sim que fosse apura­do o fato; que à época o depoente não fiscalizava o andamento dos in­quéritos administrativos pois tais iniciativas cabiam a outra secretaria; que obviamente em todos os inquéritos o depoente procurava o titular da administração para saber sobre o andamento das questões relaciona­das a sua secretaria; que o depoente não fiscalizou o andamento do in­quérito administrativo a que respondeu Paulo Rodrigues Alves".

A testemunha Tania Maria Carvalho Nanem confirma, às fls. 195, a proposta do fiscal: "que o fiscal achou um débito da clínica para com a Prefeitura; que ele disse que o débito ficaria sanado em troca do trata­mento da filha dele; C .. ) que o acusado (no caso o ora recorrente) disse que se a clínica devesse alguma coisa somente pagaria mediante autori­zação da Prefeitura", etc. Maria Beatrice Ribeiro Marques, outra teste­munha, afirmou, também em Juízo, que "estava saindo quando viu o fiscal propondo ao doutor Galan um tratamento para diminuir a multa". (Fls. 196)

Não cabe aqui avaliar a extensão da ação do Fiscal de Tributos, aferindo sua culpabilidade ou inocência. O que este Recurso de Habeas Corpus impõe é saber se a conduta do dentista, Diretor do Núcleo de Estudos Odontológicos de Niterói-RJ, denunciando aquele servidor pú­blico aos seus superiores hierárquicos, de modo a ensejar a abertura de Inquérito Administrativo, se revestiu ou não de ingredientes danosos à sua honra subjetiva.

Penso que, em tese, todos que se julguem prejudicados em quais­quer dos seus direitos, principalmente por servidor público de qualquer hierarquia, têm o dever cívico de, não se intimidando, propugnar por uma providência legal reparadora. Nenhuma vítima pode ser induzida a ocultar o crime, em tese, de que se julgou vítima. É preciso que todos se sintam encorajados a acreditar na força moral da lei na ação sensata e serena da Justiça. Não é construtivo deixar de reagir achando que pode ser pior, que reclamar não resulta em nada, que a impunidade acaba vencendo.

No caso destes autos, o ora recorrente não agiu nos termos do Código de Processo Penal, art. 27, que manda a qualquer pessoa do povo provo­car a iniciativa do Ministério Público, "nos casos em que caiba a ação pública, fornecendo-lhe, por escrito, informações sobre o fato e autoria e indicando o tempo, o lugar e os elementos de convicção". Poderia ter feito. Mas preferiu, primeiro, acionar a hierarquia administrativa, dan­do-lhe notícia de fato inerente à sua convicta reprovação.

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 211-276, novembro 1992. 237

Por isso, não vejo, data venia, tipicidade na conduta do ora recor­rente. Onde o crime? Define-se como calúnia a imputação falsa a al­guém de um fato definido como crime. Falsa ou não a imputação, o que está, antemão, provado, é que a ação do agente não se revestiu de dolo específico, de animus caluniandi ou injuriandi, tendo tudo se limitado a uma narrativa de fato sobre o qual intentou apuração a nível adminis­trativo, a qual, sem o testemunho das pessoas que só depois falaram em Juízo, resultou favorável ao funcionário.

A Constituição Federal, art. 5º, inc. XXXIV, assegura a todos os cidadãos "independentemente do pagamento de taxas, a - o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa dos direitos ou contra ilegalida­de ou abuso de poder".

Ao dar conhecimento da conduta do fiscal de tributos, que julgou reprovável, o ora recorrente cumpriu dever legal inerente ao seu direito de cidadania. A sua ação não transcendeu, data venia, ao exercício de um direito individual, assegurado pela Constituição; o direito de repre­sentar ao poder público contra o que entendeu ser uma ilegalidade e um abuso de poder de um agente do poder público, investido do poder de lançar multas sobre tributos.

Não pode haver crime quando a ação transcorre em razão do cum­primento de um dever ou do exercício regular de um direito. Essa exclu- -dente do Código Penal, art. 23, IH. E este é exatamente o caso.

Por isso, acolhendo ainda os fundamentos do Ministério Público Federal, no Parecer de fls. 185/187, entendendo que não bá crime em face da absoluta atipicidade da conduta do ora recorrente, dou provi­mento ao Recurso par.a que seja trancada a Ação Penal, nos termos do pedido.

É o voto.

VOTO

O SR. MINISTRO JOSÉ DANTAS: Sr. Presidente, ao largo dos percalços da apuração administrativa do fato funcional levado ao conhe­cimento da autoridade, ao largo desses percalços impeditivos da apura­ção do fato, a impressão que me ficou evidente é a de que o ora paciente nada mais fez do que exercer o poder de fiscalização da administração da coisa pública, e o fez, inclusive, por estímulo da própria autoridade a quem primeiro noticiou a prática reputada irregular.

Por essa consideração básica, não vejo por onde se dê a seu com­portamento a tipicidade que a denúncia quer.

Com essas considerações, concedo a ordem.

238 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 211-276, novembro 1992.

VOTO VOGAL

o EXMO. SR. MINISTRO COSTA LIMA: Senhor Presidente. De tudo quanto ouvi e do memorial que li, ficou-me a convicção de que o paciente não imputou à pretensa vítima a prática de algum fato defini­do como infração penal. A cópia do depoimento prestado à Comissão de Inquérito Administrativo demonstra, quantum satis, que tal não ocor­reu. Narrou apenas um acontecimento e foi, inclusive, estimulado pelo Prefeito Municipal e Secretário da Fazenda a assim agir.

No caso, como lembra NELSON HUNGRIA, o paciente forneceu uma pista às autoridades sobre fato que reputou relevante. Exerceu o legíti­mo direito de todo cidadão levando ao conhecimento do EdU procedimento ilegal ou abuso de poder de um fiscal.

Ai de nós. Ai deste Brasil, se os homens de bem, os cidadãos hon­rados não receberem do Poder Judiciário a acolhida de atitudes como estas do paciente.

Antes de concluir, esclareço que não estando em julgamento o fis­cal, claro é que não adianto qualquer juízo sobre a sua conduta.

Feitas estas considerações, voto com o Senhor Ministro Relator.

VOTO

O SR. MINISTRO ASSIS TOLEDO: Senhor Presidente, abstenho­me na via do habeas corpus de emitir juízo de valor sobre a conduta do fiscal ou de seu denunciante.

O SR. MINISTRO EDSON VIDIGAL (Relator): Concordo plenamen­te com V. Exa. Neste caso, reporto-me a registros constantes dos autos.

O SR. MINISTRO ASSIS TOLEDO: Colocada assim a questão, devo dizer o seguinte: em matéria de calúnia, o Código Penal exige que haja um dolo específico, ou seja, a intenção de imputar falsamente um fato previsto como crime. Pela descrição dos fatos aqui registrados, confir­mados no depoimento do ex-Secretário da Fazenda, Carlos Antonio Soa­res, que tenho por cópia em minhas mãos, o dentista - o paciente - foi convocado à Secretaria da Fazenda e instruído a prestar depoimento, para que se pudesse apurar o fato. Como atribuir-lhe, então, a intenção de falsamente imputar a alguém fato criminoso? Se eventualmente o fato que ele descreveu não pôde ser apurado por falta de provas ou porque se revelou inexato, o que admito possa ter ocorrido - isso não significa que ele tenha necessariamente atuado com a intenção de imputar falsa­mente um crime ao fiscal.

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 211-276, novembro 1992. 239

Como salientaram os eminentes Ministros Relator e Costa Lima, a Justiça não pode servir de instrumento de vindita contra aqueles que procuram a Administração Pública e oferecem fatos a serem apurados em prol da moralidade administrativa. O dia em que a Justiça se pres­tar a tanto, como instrumento de vindita contra os que -vão denunciar fatos irregulares, então sim, este país será realmente um pobre país.

Por essas razões, também concedo a ordem. É o meu voto.

EXTRATO DA MINUTA.

RHC nQ 1.705 - RJ - (91.0024136-9) - Relator: Exmo. Sr. Minis­tro Edson Vidigal. Recte.: João Galan Júnior. Adva.: Márcia Dinis. Recdo.: Tribunal de Alçada Criminal do Estado do Rio de Janeiro. Pacte.: João Galan Júnior. Sustentação oral: Dra. Márcia Dinis (P/recte.).

Decisão: A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso, para trancar a ação penal (em 26.02.92 - 5ª Turma).

Votaram de acordo os Srs. Mins. Flaquer Scartezzini, José Dantas, Costa Lima e Assis Toledo.

240

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro FLAQUER SCARTEZZINI.

RECURSO DE HABEAS CORPUS NQ 1.809 - SP

(Registro nQ 92.0002817-9)

Relator: O Sr. Ministro Costa Leite Recorrente: José de Freitas Mendonça Recorrido: Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo

Paciente: José de Freitas Mendonça Advogados: Dr. Vagner da Costa e outro

EMENTA: Processo Penal. Habeas Corpus. Tran­camento da Ação Penal. Alegações de falta de justa causa e inépcia da denúncia.

Se os fatos narrados na denúncia revestem-se, em tese, de ilicitude penal, não há falar em falta de jus-

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 211-276, novembro 1992.

ta causa para a ação penal. O habeas corpus não é meio idôneo para o exame aprofundado da prova.

Denúncia que atende satisfatoriamente aos re­quisitos do art. 41, do CPP, com os elementos infor­mativos do inquérito policial dando respaldo sufi­ciente para a versã'o acusatória. Inconsistência da alegação de inépcia.

Recurso improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, em negar provimento ao recurso. Votaram com o Relator os Ministros Vicente Cer­nicchiaro e José Cândido.

Custas, como de lei. Brasília, 16 de junho de 1992 (data do julgamento).

Ministro JOSÉ CÂNDIDO, Presidente. Ministro COSTA LEITE, Relator.

RELATÓRIO

o SENHOR MINISTRO COSTA LEITE: A espécie foi assim suma­riada na instância de origem:

"Os béis. Vagner da Costa e Marlene Alvares da Costa impetram a presente ordem de Habeas Corpus em favor de José de Freitas Mendonça, Delegado de Polícia, processado perante a r. 2ª Vara Distrital de Itaquaquecetuba/Poá, Proc. 411/91, como incurso no art. 4º, le~ra h, c.c. art. 5º, da Lei 4.898/65.

Salientam estar o Paciente sendo processado pela segunda vez como incurso nos dispositivos penais supra, trancada a primeira ação penal por este Egrégio Tribunal, por inépcia da denúncia, nova denúncia oferecida contra o Paciente, em 31 de julho do corrente ano.

A atual denúncia também seria inepta, mas pela 'invera-cidade das alegações nela éontidas.' .

Sofre o Paciente constrangimento ilegal, uma vezinaten-" dido também aqui o disposto no a.t. 41, do CPP, deverido a

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 211-276, novembro 1992. 241

exposição do fato criminoso ter respaldo em provas colhidas no inquérito policial ou, como no caso presente, na sindicância procedida previamente.

Esses fatos, entretanto, não podem ser distorcidos dos ele­mentos colhidos na fase investigatória.

O Ministério Público, diz a impetração, 'que não tinha elementos para descrever a conduta do acusado na primeira denúncia oferecida, detalha sua participação nesta, narrando conduta que não encontra qualquer respaldo na sindicância que lhe deu origem'.

O Paciente era Diretor da Cadeia e não Delegado Titular. Além disso, foi prejulgado pelo despacho que recebeu a

denúncia, já condenado, escusada a produção de provas ante o teor de tal decisão.

O prejulgamento ainda estaria mais acentuado na afirma­ção no sentido de que 'a gravidade do delito imputado ao acu­sado recomenda que nesse sentido se proceda', e bem assim, ao escrever que 'considerando estar tendo o acusado, com a adoção dessa medida, o mais amplo direito de defesa, inexistirá nulida­de apta a ser reconhecida'.

Com tal afirmativa se pretenderia cercear o direito do Pa­ciente de alegar nulidade perante este Egrégio Tribunal, embo­ra consagrado na Carta Política o direito de recorrer.

A redação do despacho de recebimento da denúncia, enfim, indicaria a emissão de juízo condenatório, que ali só não restou

. expresso.

Entretanto, o Paciente sofre constrangimen~o ilegal, 'coa­ção ilegítima consubstanciada no f~to de ver contra si instau­rada ação penal que carece de justa causa e não se alicerça em nenhum lídimo fundamento'.

'O paciente, delegado conceituado no município há mais de dez anos, de repente vê-se denunciado, sindicado por razões de somenos, que não se enquadram, sequer, em qualquer tipo legal'.

Por tudo isso, pede a concessão da ordem, para o tranca­mento da ação penal.

Com as informações e outros documentos que a acompa­nham, pela denegação do writ é a ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça."

Decidindo, a e. Nona Câmara do Tribunal de Alçada Criminal, por votação unânime, denegou a ordem, motivando a interposição deste recur-

242 R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 211-276, novembro 1992.

so ordinário, com as razões de fls. 227/230, que renovam os fundamen­tos da impetração.

O parecer do Ministério Público Federal é, adotando pronunciamen­to do Ministério Público Estadual de fls. 200/204, pelo improvimento do recurso.

É o relatório, Senhor Presidente.

VOTO

O SENHOR MINISTRO COSTA LEITE (Relator): Sem razão o re­corrente. Não só os fatos imputados são penalmente relevantes como a denúncia atende satisfatoriamente os requisitos do art. 41, do Código Penal, com os elementos colhidos no inquérito policial dando respaldo suficiente para a versão acusatória. É o que se colhe do voto condutor do v. acórdão recorrido, que escorreitamente arredou as alegações de falta de justa causa para a ação penal e de inépcia da denúncia, nestes termos:

"Diferentemente do que o Dr. Juiz de Direito entendeu de dizer, não bem compreendido o v. acórdão antes prolatado, a ordem anterior foi concedida por este Colendo Tribunal, não por falta de 'suficiente detalhe' na denúncia, mas porque nela inexistia imputação de conduta qualquer ao Paciente, e que pudesse, mesmo com boa vontade, identificar a conduta tipificada nos dispositivos tidos como violados.

A leitura do v. acórdão prolatado no Habeas Corpus nº 205.778/5, às fls. 87/88 destes autos, mostra que lá se concedeu o writ, pois

'Ao se referir a ato lesivo da honra ou do patrimô­nio, supõe a norma incriminadora, como transparente, uma conduta positiva, um agere por parte do acusado, de tal sorte a praticar ato lesivo, aqui, ao patrimônio de pessoa natu­ral.

Mais ainda, exige a lei que esse ato seja praticado com abuso ou desvio de poder ou sem competência legal, sempre tornando mais e mais evidente que exige e pressupõe uma ação física pessoal do acusado, que se qualifique por ser praticada com abuso ou desvio de poder ou sem competência legal.

As elementares do tipo penal, abu,so ou desvio de poder ou a falta de competência legal, tornam sempre e

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cada vez mais evidente que é necessário esse ato físico do acusado.

Assim sendo, nada mais intuitivo, natural e primário, mesmo que a denúncia tivesse cuidado de descrever esse ato físico ou conduta'. Agora, na segunda denúncia oferecida contra o Paciente

não existem os mesmos vícios e nela, ao contrário, se lê que 'A ação física do denunciado consistiu em apoiar a ação

truculenta da Prefeitura local, na presença dos Secretários Municipais. O denunciado participou da efetiva derrubada das dez casas.

Alguns moradores questionaram do denunciado sobre a derrubada das casas, tendo o increpado dito 'que a derru­bada das casas ocorria por expressa determinação do Juiz de Direito e que haviam no local Oficiais de Justiça para proteger a derrubada das casas'. Prossegue a denúncia, afirmando ter havido arbitrarieda­

de e ilegalidade na conduta do Paciente. Além de não ter competência para praticar aquele ato de

demolição, terá ele exorbitado da função pública. Como se percebe, de maneira muito diversa do que cons­

tava na denúncia julgada inepta por esta Egrégia Câmara, onde simplesmente se atribuiu ao Paciente conduta consistente em 'apoio' à demolição, sem dizer no que o tal apoio terá consistido, aqui existe descrição de uma conduta positiva, tal como então se decidiu, de um agere atribuído ao Paciente.

Os fatos a ele imputados, outrossim, se identificam, em tese, em princípio, com a conduta descrita no art: 42, letra h da Lei 4.898/65, a saber, 'o ato lesivo da honra ou do patrimônio de pessoa natural ou jurídica, quando praticado com abuso ou desvio de poder ou sem competência legal'.

Diz a impetração, entretanto, que a denúncia seria fanta­siosa, não constando os fatos nela descritos dos informes colhi­dos na Polícia ou na sindicância, a ponto de restar injustificada a acusação.

O argumento, em princípio; é válido, pois a denúncia, com efeito, há de estar justificada pelos elementos disponíveis no Inquérito Policial ou em Sindicância, como no caso, um e outra se destinando a formar, sim ou não, o convencimento do acusa­dor, a opinio delicti.

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 211-276, novembro 1992.

Não se admite como idônea e apta a ensejar a instauração de ação penal, denúncia que não tenha apoio nos elementos disponíveis ou que constitua mera criação mental do acusador.

Aqui, entretanto, não se pode acolher a afirmativa da ini­cial, não sendo exato, pura e simplesmente, tenha sido ofertada acusação delirante dos elementos disponívei"s, colhidos na fase extrajudicial.

Maria Aparecida da Silva, fl. 107, prestou declarações perante o Ministério Público, no sentido de que o Paciente es­tava no local e ter conversado com ele 'para não derrubar a casa, tendo este respondido que era autorização do Juiz da Comarca'.

E ainda, 'O delegado Mendonça disse que havia no local ofici... de

Justiça para não fazer escândalo'.

Foi conversar com o Dr. Mendonça que disse, 'hoje em dia o mundo é dos espertos', e que as máquinas estavam ali para impedir pessoas do Nordeste, Pernambuco, Bahia, ladrão, estu­pradores'.

Maria D'Ajuda de Oliveira, fls. 110, também ouvida pelo Ministério Público, declarou: 'Quando a máquina chegou sua vizinha começou a chorar (Sra. Aparecida da Silva) tendo esta se dirigido até o Dr. Mendonça pedindo para não derrubar as casas, tendo o delegado respondido 'que era para derrubar sim, pois o terreno não era da gente'.

É certo que Agnebrante Batista de Figueiredo, fls. 112, disse que em nenhum momento o Paciente manteve diálogo com os moradores do local, mas às fls. 114, Luiz Carlos de Souza disse que ele pessoalmente 'foi conversar com o delegado Mendonça' que disse que aquelas casas não estavam habitadas seriam derrubadas e que as casas que não estavam habitadas ou iam ser derrubadas ou havia ordem de despejo no forum'.

Às fls. 134, ouvido no Processo nº 01/91 da Corregedoria permanente de Itaquaquecetuba, embora negasse a conduta a ele atribuída, o Paciente confirmou sua presença no local e ter conversado com uma mulher, inclusive evitando a derrubada da casa por ela indicada.

Na mesma ocasião, fls. 135, Manoel Messias Ferreira dos Santos confirmou a presença do Paciente no local e momento dos fatos e dele ter ouvido dizer que o mundo era dos mais

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espertos ... , e Maria Aparecida da Silva, fls. 136, textualmente: 'quem indicava as casas que deveriam ser derrubadas eram o Dr. Menfredi, o Secretário de Obras e o Dr. Mendonça. Diz que eles permaneceram juntos e conversando e acabaram saindo todos juntos'.

'Diz que todos foram pegos de surpresa e diz que nunca receberam notificação para deixar o local'.

Em História e Prática do Habeas Corpus, Saraiva, SP, 1979, 22 volume, pg. 135, escreve PONTES DE MIRANDA que 'Se não se perfaz o suporte fáctico - Tatbestand - para a incidência da regra jurídica de direito penal, ou privado, ou administrativo, não há justa causa'.

Aaui, tal como sabido, não se analisa prova, mas se veri­fica se os elementos disponíveis na fase administrativa autori­zam o oferecimento de denúncia.

Nesse sentido, é a jurisprudência, de que não há inépcia se a 'denúncia atende satisfatoriamente aos requisitos do art. 41, do CPP, com os elementos informativos do inquérito policial dando respaldo suficiente para a versão acusatória'. (STJ, RHC 1.230-ES - 91.0009811-6, Relator Ministro Costa Leite, DJU 05.08.91, pg. 10.015).

E ainda, 'descrevendo a denúncia fato típico penal e ha­vendo indícios da autoria, não cabe trancar-se a ação penal, na via sumaríssima do writ, se tal decisão depende do exame apro­fundado de provas', STJ, DJU 07.10.91, pg. 13.979.

A denúncia atribuiu ao Paciente ter apoiado efetivamente a derrubada das casas, intimidando os moradores com sua pre­sença em decorrência de exercer o cargo de Delegado de Polícia, bem como determinar e apontar aos condutores das máqui­nas quais as casas que deveriam ser derrubadas, url'ta a uma.

Existem elementos indicativos de que os moradores ouvi­ram do Paciente, assim sendo em tese, em princípio, sem se fazer qualquer apreciação de mérito, intimados pela sua pre­sença, que não deveria haver escândalo, de que havia ordem judicial -, o que a denúncia expressamente nega - e bem assim, ter ele apontado casas que deveriam ser derrubadas.

Não se pode, nessas circunstâncias, havendo elementos em apoio direto à peça incoativa, acolher a tese da impetração e tampouco cercear o direito do órgão da acusação de provar sua procedência durante a instrução criminal.

R Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 211-276, novembro 1992.

Não é atendível, pois, o pedido de trancamento da ação penal por falta de justa causa ou inépcia da denúncia, que afirmaria fatos e circunstâncias não constantes dos procedi­mentos administrativos preparatórios."

Não calha, por igual, a alegação de que o despacho de recebimento da denúncia prejulgou a causa. A afirmação de que há indícios de mate­rialidade e autoria, de modo a fundamentar a opinio delícti, não pode ser vista como prejulgamento. Com efeito, não só pode como deve o Juiz verificar a existência de elementos que dêem um mínimo de suporte à acusação. O que ele rigorosamente não pode, para receber ou rejeitar a denúncia, é proceder ao exame crítico da prova, sopesar os elementos probatórios, tal como expresso, aliás, no acórdão desta Turma no REsp nº 8.415-PR, da relatoria do eminente Ministro Vicente Cernicchiaro.

De outra parte, o despacho de recebimento da denúncia tão-só jus­tificou a adoção do rito ordinário, no lugar do sumário, proclamando inexistir nulidade. "Nesse ponto, inclusive, é evidente a inexistência mesmo de nulidade qualquer, pois entre o rito sumário e mais conden­sado e o rito ordinário, com todas as possibilidades de defesa, maior elas­ticidade de prazos etc., o Paciente só tem vantagem e não sofre nenhum prejuízo", como ressaltou o v. acórdão recorrido.

Do quanto exposto, Senhor Presidente, nego provimento ao recur­so. É como voto.

EXTRATO DA MINUTA

RHC nº 1.809-0 - SP - (92.0002817 -9) - Relator: Exmo, Sr. Mi­nistro Costa Leite. Recte.: José de Freitas Mendonça. Advs.: Vagner da Costa e outro. Recdo.: Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo. Pacte.: José de Freitas Mendonça.

Decis.ão: Após o voto do Sr. Ministro Relator, negando provimento ao recurso, pediu vista o Sr. Ministro Vicente Cernicchiaro. Aguardam os Srs. Ministros José Cândido e Carlos Thibau (em 11.05.92 - 6i! Tur­ma).

Ausente, por motivo justificado, o Sr. Ministro Pedro Acioli.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro JOSÉ CÂNDIDO.

VOTO-VISTA

O EXMO. SR. MINISTRO VICENTE CERNICCHIARO: A denún­cia descreve demolição de casas por ordem e comando do Paciente. Em

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razão de sua atividade profissional, o fato delituoso foi capitulado no art. 4º, h, da Lei nº 4.898/65.

A impetração, expressamente, noticia: "A diligência efetivada pelo denunciado juntamente com os

Secretários Municipais se revestiu de absoluta arbitrariedade e . ilegalidade, além de não ter competência legal para praticar aquele ato de demolição. Efetivamente exorbitou de sua função pública.

Somente o Poder Judiciário com o due process of law po­deria autorizar a demolição daqueles imóveis em construção, entretanto tal providência não foi determinada por nenhum dos dois juízos onde existem ação sobre referida área" (fls. 39).

A denúncia satisfaz os requisitos do art. 41, do Código de Processo Penal. Imputa fato certo, narra a conduta, identificáveis no tempo e no espaço.

O Impetrante alega dissonância entre os fatos imputados e os ele­mentos colhidos na investigação (fls. 5). O pormenor toca Q mérito, alheio às condições da ação, aferível, ademais, na instrução probatória.

Não foi deduzida, outrossim, hipótese de ausência de justa causa. Acompanho o eminente Relator, Ministro Costa Leite. Nego provimento.

EXTRATO DA MINUTA

RHC nº 1.809-0 - SP - (92.0002817-9) - Relator: Exmo. Sr. Mi­nistro Costa Leite. Recte.: José de Freitas Mendonça. Advs.: Vagner da Costa e outro. Recdo.: Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo: Pacte.: José de Freitas Mendonça.

Decisão: Prosseguindo no julgamento, a Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Rela­tor (em 16.06.92 - 6!! Turma).

Os Srs. Ministros Vicente Cernicchiaro e José Cândido votaram com o Sr. Ministro Relator.

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Presidiu o julgamento o Sr. Ministro JOSÉ CÂNDIDO .

• RECURSO DE HABEAS CORPUS Nº 1.880-3 - SP

(Registro nº 92.0006251-2)

Relator originário: O Senhor Ministro José Cândido Relator designado: O Senhor Ministro Costa Leite

H. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 211-276, novembro 1992.

Recorrente: João Eduardo Negrão de Campos Recorrido: Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo Paciente: Adernar Paula Silva (réu preso)

EMENTA: Processo Penal. Apelação em liberda-de.

Satisfeitos os requisitos do art. 594, do CPP, o réu tem, em princípio, o direito de aguardar o julga­mento da apelação em liberdade.

Recurso provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e notas taquigráficas constantes dos autos, tendo em vista o disposto no art. 181, § 4!!, do Regimento Interno, em dar provimento ao recurso e em conceder a ordem. Lavrará o acórdão o Sr. Ministro Costa Leite. O Mi­nistro Pedro Acioli votou com o Ministro José Cândido, e o Ministro Vi­cente Cernicchiaro votou com o Ministro Costa Leite.

Custas, como de lei. Brasília, 25 de agosto de 1992 (data do julgamento). Ministro JOSÉ CÂNDIDO, Presidente. Ministro COSTA LEITE,

Relator designado.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO JOSÉ CÂNDIDO: Trata-se de Recurso Ordiná­rio, interposto pelo advogado JOÃO EDUARDO NEGRÃO DE CAMPOS, irresignado com o acórdão do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo, que denegou habeas corpus a ADEMAR PAULA SILVA, con­denado nas penas do art. 157, §§ 1!! e 2!!, lI, do Código Penal.

Como o réu tivesse permanecido solto durante o julgamento, o magistrado condicionou o recebimento da apelação interposta a seu re­colhimento à prisão.

Contra essa decisão o paciente impetrou o habeas corpus, a que foi favorável a Procuradoria-Geral do Estado. Porém, o Tribunal de Alçada Criminal denegou a ordem (fls. 31), consoante o artigo 594, do Código

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Penal, que não impõe soltura, mas faculta ao Juiz deferir ao réu pedido para apelar em liberdade.

O Presidente do Tribunal a quo prestou informações sobre o anda­mento do recurso de apelação, que se encontrava na Procuradoria-Geral para Parecer, em 29 de abril de 1992 (fls. 59).

Com parecer favorável do Ministério Público do Estado de São Paulo, remeteram-se os autos de habeas corpus a este Tribunal.

O Ministério Público Federal igualmente opinou pelo deferimento da ordem, manifestando-se nos seguintes termos:

250

"Sobrevindo a sentença condenatória, ela pode encontrar o réu em uma das duas situações: ou preso em razão de flagrante ou de decreto preventivo, tendo nesta situação aguardado o julgamento, assim em princípio deverá ser conservado por oca­sião do seu recurso, ou solto porque, não tendo sido pego em flagrante, não foi necessária a preventiva.

Ora, tendo o recurso o efeito suspensivo e sendo o Réu primário e de bons antecedentes, reconhecido na sentença, como é o caso dos autos, tem ele, em princípio, o direito de aguardar em liberdade o julgamento do seu recurso. É também o que ensina Tourinho Filho (in Processo Penal, Ed. Jalovi, Bauru, vol. 4, pág. 266/267) e no que é secundado por Damásio de Jesus nas suas anotações aos art. 594 e 597, do CPP (ed. Sa­raiva)".

É o relatório.

VOTO

EMENTA: RECURSO DE HABEAS CORPUS. Recolhimento à prisão para efeito de recebimento da

apelação. Art. 594, do Código de Processo Penal. Contra sentença condenatória, para justificar o apelo

do réu, em liberdade, não é suficiente a sua condição de primário e de bons antecedentes. Apresentando ele sinais de periculosidade pela natureza do crime, e a violência com que praticou, não faz jus à liberalidade do artigo 594, do Código de Processo Penal.

Convém assinalar que, a rigor, não pode ser conside­rado de bons antecedentes acusado que já respondeu a processo por uso de tóxicos, ainda que tenha sido absolvido, como no caso dos autos.

Recurso improvido.

R. sup. Trib. Just., Brasflia, a. 4, (39): 211-276, novembro 1992.

EXMO. SR. MINISTRO JOSÉ CÂNDIDO (Relator): O venerando acórdão de fls. 30-1, no mérito, assinalou:

"Observa-se inicialmente que o disposto no art. 594, do Código de Processo Penal, não é regra de soltura, competindo ao Magistrado deferir ou não a faculdade de apelar solto.

N o caso em testilha, o d. Sentenciante fixou o regime fe­chado, referindo-se à gravidade do crime de roubo.

Assim agindo, o d. Juiz, tendo em vista a gravidade do crime, houve por bem em denegar o direito de apelar em liber­dade, situação essa reafirmada na prestação de informações de fl. 15.

E bem agiu o d. Magistrado, máxime se se atentar para o fato de a vítima ter sido espancada pelos ladrões.

Por derradeiro, para a efetivação do mandado de prisão não é necessário que a sentença condenatória tenha transitado em julgado, bastando apenas a prolação da decisão monocráti­ca.

Pelo exposto, denega-se a ordem." (fls. 30-1).

O Ministério Público Federal opinou pelo provimento do recurso, para permitir que o paciente aguarde em liberdade a decisão do Tribu­nal, na apelação que formulou contra a decisão condenatória.

É verdade que o Juiz sentenciante reconheceu que o réu é primá­rio e de bons antecedentes. Mas isso não tem sido o bastante, quando o fato envolve acusado com sinais de periculosidade, e autor de crime grave, como destaca o venerando acórdão recorrido.

Observe-se que, ao contrário do que se vem afirmando sobre o pa­ciente, a sua "Folha de Antecedentes", juntada ao processo, fl. 11, revela que ele respondeu, autos n9 387/87, pelo crime do art. 16 da Lei n9 6.368/ 76, na F Vara Criminal de São Paulo, tendo sido absolvido por sentença de 13.06.88. O fato é anterior à decisão condenatória deste processo, que é de 29.05.91.

Não há informação nos autos sobre o recurso do Ministério Públi­co, no caso do crime por uso de entorpecentes. Mas, ainda que se admita não ter havido recurso, possibilitando a reforma daquela decisão absolu­tória, há de se considerar que não se trata agora de réu de bons antece­dentes. Na verdade, não os tem aquele que por uso de tóxicos já respon­deu a processo.

Por força disso, não vejo como reformar-se a decisão do Tribunal a quo, proferida por votação unânime, quando confirmou a exigência do

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 211-276, novembro 1992. 251

MM. Juiz, a fim de que o acusado se recolhesse ao presídio, para acolhi­mento de sua apelação.

Com estes fundamentos, nego provimento ao recurso.

É o meu voto.

VOTO

O SENHOR MINISTRO COSTA LEITE: Sr. Presidente, respeito­samente, divirjo do voto de V. Exa., pondo-me de inteiro acordo com as manifestações do Ministério Público na instância recorrida e neste Tri­bunal.

Com efeito, o paciente é primário e não tem antecedentes desabo­nadores, segundo a própria sentença, de forma que não se justifica a exigência do seu recolhimento à prisão para apelar.

Satisfeitos os requisitos do art. 594, do CPP, a apelação em liberda­de constitui direito subjetivo do réu.

Dou provimento ao recurso, para conceder a ordem, data venia.

EXTRATO DA MINUTA

}lHC n. 1.880-3 - SP - (92.0006251-2) - Relator: Exmo. Sr. Mi­nistro José Cândido. Recte.: João Eduardo Negrão de Campos. Recdo.: Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo. Pacte.: Adernar Paula Silva (réu preso).

Decisão: Após o voto do Sr. Ministro Relator negando provimento ao recurso, no que foi acompanhado pelo Sr. Ministro Pedro Acioli, vo­tou em sentido contrário o Sr. Ministro Costa Leite. Aguarda-se a volta do Sr. Ministro Vicente Cernicchiaro, para completar o julgamento (em 10.08.92 - 6ª Turma).

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro JOSÉ CÂNDIDO.

VOTO - DESEMPATE

O EXMO. SR. MINISTRO VICENTE CERNICCHIARO: Sr. Presi­dente, não existe mais em nossa legislação a medida da prisão preven­tiva obrigatória, tomando como referência a natureza da infração penal.

Por isso, é necessário que se examinem os elementos objetivos e subjetivos vinculados ao agente para constatar-se se, em liberdade, ofe-

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rece perigo à ordem pública, à instrução criminal ou à probabilidade de furtar-se ao cumprimento de eventual sentença condenatória.

V. Exa. esclarece que o agente respondeu ao processo em liberda­de. Se somente considerada a natureza dessa infração ou mesmo a con­denação, estar-se-á, por via oblíqua, conferindo a prisão cautelar com­pulsória pela natureza da infração penal. Assim já decidi nesta Turma. Além disso, como o agente foi absolvido de processo anterior, parece-me, data venia, não se pode extrair a conclusão de maus antecedentes, por­que, caso contrário, antecipar-se-ia à eficácia à sentença judicial.

Em face dessas considerações, rogando vênia, e mais uma vez de­monstrando meu profundo apreço por V. Exa., peço licença para acom­panhar o Eminente Ministro Costa Leite.

EXTRATO DA MINUTA

RHC nº 1.880-3 - SP - (92.0006251-2) - Relator: Exmo. Sr. Mi­nistro Jo'sé Cândido. Recte.: João Eduardo Negrão de Campos. Recdo.: Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo. Pacte.: Adernar Paula Silva (réu preso).

Decisão: A Turma, em razão do empate, e tendo em vista o dispos­to no art. 181, § 4º, do Regimento Interno, deu provimento ao recurso e concedeu a ordem por entender que cabia ao recorrente decisão- mais favorável. Lavrará o acórdão o Sr. Ministro Costa Leite (em 25.08.92 -6ª Turma).

O Sr. Ministro Pedro Acioli votou com o Sr. Ministro Relator e o Sr. Ministro Vicente Cernicchiaro votou com o Sr. Ministro Costa Leite.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro JOSÉ CÂNDIDO.

RECURSO DE HABEAS CORPUS Nº 1.895-5 - RS (Regisb·o nº 92.0007058-2)

Relator: O Sr. Ministro José Dantas Recorrentes: Alidi Gressler e outros Recorrido: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul Pacientes: Alidi Gressler, Edson Carlos Fernandes Grusche e [ri-

neu Gressler Advogados: Drs. Ney Fayet e outro

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39); 211-276, novembro 1992. 253

EMENTA: PENAL. SONEGAÇÃO FISCAL. Condição de procedibilidade. Reiterada orienta­

ção pretoriana, sobre negar à exigência da apuração do débito tributário, na instância administrativa, o caráter condicional de procedibilidade da ação pe­nal por sonegação fiscal.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, em negar provimento ao recurso. Votaram de acordo os Srs. Mins. Assis Toledo e Costa Lima. Ausentes, justificadamente, os Srs. Mins. Edson Vidigal e Flaquer Scartezzini.

Custas, como de lei.

Brasília, 20 de abril de 1992 (data do julgamento).

Ministro COSTA LIMA, Presidente em exercício. Ministro JOSÉ DANTAS, Relator.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO JOSÉ DANTAS: Cuidando-se de denúncia por sonegação fiscal, o v. acórdão houve por bem denegar o habeas corpus endereçado ao trancamento da ação penal, porquanto, em suma, segun­do a torrencial jurisprudência dos tribunais, a instauração do procedi­mento penal não tem dependência alguma com a apuração final do respectivo débito fiscal na instância administrativa, tudo conforme a seguinte ementa:

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"HABEAS CORPUS VISANDO O TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL POR DELITO CONTRA A ORDEM TRI­BUTÁRIA. ALEGAÇÃO, PARA TANTO, DE AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA, POR AUSÊNCIA DE PROCEDIMENTO FISCAL ANTERIOR E SEUS NECESSÁRIOS ATOS, IN­CLUSIVE DA CIENTIFICAÇÃO DO DEVEDOR A RESPEI­TO DE SEU DÉBITO.

ORDEM DENEGADA. INEXISTE NA LEGISLAÇÃO QUE TRATA DOS DELITOS DE SONEGAÇÃO FISCAL OU CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA, ANTES OU DEPOIS

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 211-276, novembro 1992.

DE DEZEMBRO/90, EXIGÊNCIA OU CONDIÇÃO DE PRO­CEDIBILIDADE PARA A INSTAURAÇÃO DE AÇÃO PE­NAL." - fls. 73.

Insistem, pois, os recorrentes, em se louvar no argumento-mor de que, inconclusa a apuração administrativa do débito fiscal, falta justa causa para a ação penal por sonegação, até mesmo porque assim resta­ria frustrada a faculdade do pagamento do débito como causa extintiva da punibilidade, consoante a previsão do art. 14 da Lei 8.137/90. Lê-se (fls. 80/83).

Nesta instância, o parecer do Subprocurador-Geral Pedro Yannou­lis é pelo improvimento do recurso - fls. 91/93.

Relatei.

VOTO

o SR. MINISTRO JOSÉ DANTAS (Relator): Senhor Presidente, o desprestígio da tese suscitada em favor dos pacientes dispensa-se ao confronto das datas dos fatos sonegadores que lhe são irrogados, pois que, na verdade, mesmo que ocorridos na vigência da invocada Lei 8.137/ 90, art. 14, quer que o tivesse sido no regime da antiga Lei 4.729/65, art. 2º (hoje revogados ambos os dispositivos pela Lei 8.383/91, art. 98), certo é que o pormenor da possibilidade do pagamento do tributo sone­gado, feito antes de iniciada a ação fiscal própria (primeira lei), ou antes do recebimento da denúncia (segunda lei), nunca foi tido como evento que fizesse depender da integral apuração do débito fiscal a respectiva ação penal.

A propósito, confiram-se os precedentes anotados no parecer minis­terial, assim analisados:

"2. O argumento nuclear da impetração originária, bem como do apelo excepcional, está em que a inexistência de pro­cesso administrativo fiscal impede a ação penal, face à norma do art. 2º da Lei nº 4.729/65 que estabelece a extinção da pu­nibilidade pelo recolhimento do tributo, antes de ter início, na esfera administrativa, a ação fiscal.

3. O argumento é de que, em podendo extinguir, não pode começar. Se há possibilidade de pagamento, não poderia haver perseguição pela sua falta. A possibilidade seria fator decisivo, enquanto perdurasse pela inação fiscal. Por conseguinte, a ins­crição da dívida ativa constituiria, segundo os recorrentes, con­dição de procedibilidade.

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 211-276, novembro 1992. 255

4. A tese sobremencionada subordina a instância jurídico­penal à esfera administrativa. O crime se consuma com a rea­lização formal dos requisitos de liquidez e certeza, que é o ob­jeto da inscrição da dívida.

5. Evidencia-se que o crime de sonegação fiscal não tem apenas por objeto da tutela jurídica o pagamento do imposto, mas visa as fraudes ou falsidades para eximir-se de tal paga­mento. A intenção de não pagar é apenas o elemento subjetivo que especifica o dolo.

6. O entendimento do COLENDO SUPREMO TRIBUNAL não poderia ser em outro sentido. Assim, a ementa do RHC nQ

55.934-4-PR, sendo Relator o MIN. XAVIER DE ALBUQUER­QUE:

EMENTA: CRIME DE SONEGAÇÃO FISCAL. A APU­RAÇÃO DO DÉBITO FISCAL, NA INSTÂNCIA ADMINIS­TRATIVA, NÃO CONSTITUI CONDIÇÃO DE PROCEDI­BILIDADE DA AÇÃO PENAL, OU CONDIÇÃO OBJETIVA DE PUNIBILIDADE. JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

RECURSO DE HABEAS CORPUS NÃO PROVIDO. (D.J. de 25.04.78). 7. Do mesmo teor é a decisão do RHC 57.427-1-SP, quando

Relator o MIN. RAFAEL MAYER: EMENTA: CRIME DE SONEGAÇÃO FISCAL. AÇÃO

PENAL. A APURAÇÃO DE DÉBITO FISCAL, NA INSTÂN­CIA ADMINISTRATIVA, NÃO CONSTITUI CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE DA AÇÃO PENAL C .. ) (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, DJ de 19.11.79).

8. O anterior TRIBUNAL FEDERAL DE RECURSOS já entrevia da mesma forma a matéria:

EMENTA - PROCESSUAL. HABEAS CORPUS. INQUÉ­RITO POLICIAL. DELITO PREVISTO NA LEI 4.729/65.

I - O PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO FISCAL NÃO CONSTITUI PRESSUPOSTO OU CONDIÇÃO AO EXERCÍCIO DA AÇÃO PENAL (ReI. MIN. JUSTINO RI­BEIRO, RHC n2 4.584-DF, DJ de 26.09.79)." - fls. 91/93.

Acrescente-se a esse rol jurisprudencial a orientação deste Eg. Tribu­nal, conforme acórdão da Sexta Turma, que sequer admitiu impedir-se a ação penal pela garantia prestada em juízo para discussão do débito na via da ação cível. Veja-se a seguinte ementa:

256 R. Sup. Trib. Just., Brasflia, a. 4, (39): 211-276, novembro 1992.

" I - No crime de sonegação fiscal como, de resto, nos

demais crimes, o depósito judicial da quantia alcançada para posterior discussão da exigência tributária em ação civil, como também, a reparação do dano, não elide a caracteri­zação da figura típica, caso ela for encontrada .

... " RHC 1.145-MT, ReI. Min. José Cândido, in DJ de 19/08/91.

Ademais, aqui mesmo nesta Eg. Turma, já tivemos ensejo de con­firmar o entendimento esposado pelo v. acórdão recorrido, em caso tam­bém procedente do Rio Grande do Sul, onde ultimamente a Fazenda Estadual ativou-se em perseguição aos sonegadores do ICMS, a exemplo do caso dos autos. Refiro-me aos RHCs nl1.l! 1.066, in DJ de 23/03/92, e 1.632, DJ de 13/04/92.

Na linha de todas essas considerações, forçoso é reconhecer-se a incensurabilidade do v. acórdão impugnado.

Pelo exposto, nego provimento ao recurso.

EXTRATO DA MINUTA

RHC nº 1.895-5 - RS - (92.0007058-2) - Relator: Exmo. Sr. Mi­nistro José Dantas. Rectes.: Alidi Gressler e outros. Advs.: Ney Fayet e outro. Recdo.: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Su1. Pac­tes.: Alidi Gressler, Edson Carlos Fernandes Grusche e Irineu Gressler.

Decisão: A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso (em 20.04.92 - 5i! Turma).

Votaram de acordo os Srs. Mins. Assis Toledo e Costa Lima. Au­sentes, justificadamente, os Srs. Mins. Edson Vidigal e Flaquer Scartez­zini.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro COSTA LIMA.

RECURSO DE HABEAS CORPUS Nº 1.933-9 - RJ

Relator: O Exmo. Sr. Ministro Edson Vidigal

Recorrente: Ricardo Pontes Vieira

R Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 211-276, novcrnbm 1992. 257

Recorrido: Tribunal de Alçada Criminal do Estado do Rio de Ja­nelro

Paciente: Ana Cláudia de Oliveira (ré presa)

EMENTA: PENAL. PROCESSUAL. HABEAS COR­PUS. RECURSO, SUBSTITUTIVO DE RECURSO. PRE­JUDICIALIDADE.

1. Para ganhar tempo o inconformado com a decisão denegatória no habeas corpus pode trazer o Recurso diretamente ao STJ.

2. Verificando-se que está no prazo e que há pro­va da decisão denegatória, conhece-se da impetração como substitutivo de Recurso Ordinário.

3. O Recurso interposto perante a instância a quo contra a mesma decisão estará prejudicado se o subs­titutivo do Recurso Ordinário tiver sido julgado an­tes.

4. Recurso prejudicado.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, julgar preju­dicado o recurso. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Flaquer Scar­tezzini, José Dantas, Costa Lima e Assis Toledo.

Custas, como de lei.

Brasília, 17 de junho de 1992 (data do julgamento).

Ministro FLAQUER SCARTEZZINI, Presidente. Ministro EDSON VIDIGAL, Relator.

RELATÓRIO o

O EXMO. SR. MINISTRO EDSON VIDIGAL: Com um revólver apontado para sua cabeça, o dono do Ford-Escort, 1986, cor prata, que esta"a estacionado nas imediações da Faculdade Gama Filho, no Rio de Janeiro, RJ, obedeceu. Passou para o banco traseiro, entregando o vo­lante para Ana Cláudia de Oliveira e Luiz Carlos Barros Novais, sendo largado muito adiante, no bairro Oswaldo Cruz.

258. R Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 211-276, novembro 1992.

Isto foi na noite de 19 de setembro de 1991. Manhã seguinte, os dois foram presos em flagrante e depois denunciados por roubo qualifi­cado com emprego de arma em concurso de pessoas (CP, art. 157, § 2º, I e II).

Impetrou Ana Cláudia de Oliveira, por seu advogado, habeas cor­pus perante o Tribunal de Alçada Criminal do Rio de Janeiro, querendo a revogação da prisão em flagrante porque não caracterizada (fls. 2/5).

Prestou informações a autoridade dita coatora (fls. 15/17), manifes­tando-se o Ministério Público Estadual pela concessão do writ (fls. 21 verso).

A 3;! Câmara Criminal denegou a ordem à unanimidade em Acór­dão assim ementado:

"HABEAS CORPUS - CONSTRANGIMENTO ILE­GAL - AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE NULO -INOCORRÊNCIA - ORDEM DENEGADA.

Permanece em estado de flagrância agente que é pre­so horas após a prática do crime, quando há perseguição e procura incessante da autoridade policia}" (fls. 42/44).

Inconformada, insiste com as mesmas razões no presente recurso (fls. 49/51).

O Ministério Público Federal, nesta instância, em breve Parecer, opina pelo não provimento do recurso (fls. 61).

Relatei.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO EDSON VIDIGAL: Senhor Presidente, o presente recurso visa desconstituir Acórdão que já foi objeto de julga­mento do Habeas Corpus nº 1.014-RJ, substitutivo de Recurso Ordiná­rio.

Nesta hipótese, já entendeu esta Eg. 5;! Turma que, julgado o writ, fica prejudicado o recurso interposto, RHC 1.729 e RHC 1.764, Re 1. Mi­nistro Costa Lima, assim ementados:

"RECURSO DE HABEAS CORPUS E HABEAS COR­PUS SUBSTITUTIVO. PREJUDICIALIDADE ANTERIOR­MENTE DECLARADA.

A constituição admite que o interessado possa substi­tuir o Recurso Ordinário pelo Habeas Corpus originário perante o STJ.

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 211-276, novembro 1992. 259

Feita a opção, julgado o WRIT, fica prejudicado o re­curso interposto.

Hipótese em que não se conhece do Recurso Ordiná­rio, que visa a desconstituir o mesmo Acórdão objeto do jul­gamento do Habeas Corpus."

Assim, julgo prejudicado o recurso.

É o voto.

EXTRATO DA MINUTA

RHC n!! 1.933-9 - RJ - Relator: Exmo. Sr. Ministro Edson Vidigal. Recte.: Ricardo Pontes Vieira. Recdo.: Tribunal de Alçada Criminal do Es­tado do Rio de Janeiro. Pacte.: Ana Cláudia de Oliveira (ré presa).

Decisão: A Turma, por unanimidade, julgou prejudicado o recurso (em 17.06.92 - 5ª Turma). .

Votaram de acordo os Srs. Mins. Flaquer Scartezzini, José Dantas, Costa Lima e Assis Toledo.

260

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro FLAQUER SCARTEZZINI.

RECURSO DE HABEAS CORPUS N!! 1.936-4 - MG (Registro n!! 92.0008~25-0)

Relator: O Exmo. Sr. Ministro Flaquer Scartezzini Recorrente: Paulino Gabriel de Abreu Advogado: Darwin Sandino de Castro Recorrido: Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais Paciente: Paulino Gabriel de Abreu

EMENTA: RECURSO DE HABEAS CORPUS -INADIMPLEMENTO DE OBRIGAÇÃO ALIMENTAR­PRISÃO CIVIL - ALEGAÇÃO DE CONSTRANGIMEN­TO ILEGAL.

A sumária via do habeas corpus não comporta discussão a respeito de obrigação alimentar, por se

H. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 211-276, novembro 1992.

tratar de questão a ser apreciada no juízo cível, em ação própria, sob o crivo do contraditório e da am­pla defesa.

No âmbito do remédio heróico só se verifica a le­galidade ou não da prisão do devedor de alimentos.

Inexistência, in casu, de constrangimento ilegal. Recurso improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, em negar provimento ao recurso. Votaram com o relator os Srs. Ministros José Dantas, Assis Toledo e Edson Vidiga1. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Costa Lima.

Custas, como de lei. Brasília, 29 de abril de 1992 (data do julgamento).

Ministro FLAQUER SCARTEZZINI, Presidente e Relator.

RELATÓRIO

O EXMO. SENHOR MINISTRO FLAQUER SCARTEZZINI: Trata­se de recurso ordinário interposto ao v. acórdão da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que denegou 'ordem originária impetrada em favor da Paulino Gabriel de Abreu, alegando constrangimento ilegal em face de justo receio de que venha ser decre., tada sua prisão civil por dívida alimentar, sem lhe ser concedido antes o direito de se defender, justificar sua inadimplência ou impossibilidade de efetuar o pagamento. .

O r. aresto atacado restou assim ementado (fls. 40): "HABEAS CORPUS - Prisão civil - Ameaça de

constrangimento ilegal - Limite de cognição do writ - Nos estreitos limites do habeas corpus não comporta discussão a respeito da justiça ou injustiça do arbitramento de pen­são alimentícia

- Se o juízo cível determinou o integral cumprimen­to do disposto no art. 733, do Código de Processo Civil, não se justifica o temor do paciente em ser arbitrariamente preso por débito alimentício - Ordem denegada.".

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 211-276, novembro 1992. 261

N esta Superior Instância, a ilustrada Subprocuradoria-Geral da República opina pelo improvimento do recurso (fls. 70171).

É o relatório.

VOTO

EMENTA: RECURSO DE HABEAS CORPUS - INA­DIMPLEMENTO DE OBRIGAÇÃO ALIMENTAR - PRI­SÃO CIVIL - ALEGAÇÃO DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL.

A sumária via do habeas corpus não comporta discus­são a respeito de obrigação alimentar, por se tratar de ques­tão a ser apreciada no juízo cível, em ação própria, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa.

No âmbito do remédio heróico só se verifica a legalida­de ou não da prisão do devedor de alimentos.

Inexistência, in casu, de constrangimento ilegal.

Recurso improvido.

O EXMO. SENHOR MINISTRO FLAQUER SCARTEZZINI: Srs. Ministros, o ora recorrente, Paulino Gabriel de Abreu, insurge-se con­tra o v. acórdão da Eg. Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Jus­tiça de Minas Gerais, que denegou ordem originária impetrada, onde alegava ameaça de constrangimento ilegal em face do justo receio de que seja determinado o pagamento, incontinenti, das pensões alimentí­cias em atraso, sob pena de prisão, sem ao menos lhe proporcionar opor­tunidade de demonstrar a impossibilidade de fazê-lo.

O ego Colegiado impetrado entendeu que a restrita via do writ não comporta exame de questão alimentar, de competência do juízo cível.

Não merece censuras, a meu sentir, a r. decisão guerreada.

Com efeito, o habeas corpus não comporta discussão a respeito de arbitramento de pensão alimentícia, por se tratar de matéria a ser de­batida no juízo cível, na ação própria, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa.

No âmbito do remédio heróico, só se verifica se a ordem de prisão por divida de alimentos foi determinada por autoridade competente e com observância das formalidades legais ("Dos Alimentos", pág. 654, 1ª ed., RT, 4ª Tiragem, 1987).

262 H. sup. TI·ih. Just., Brasília, a. 4, (39): 211-276, novcmhJ"O 1992.

In casu, o recorrente tão-só alega receio de ser preso sem que lhe seja dada oportunidade de justificar sua inadimplência.

Contudo, verifico pelas informações prestadas ao Tribunal recorri­do, que, após requerimento do cônjuge-varo a, no processo de separação litigiosa em trâmite, no sentido de que seja determinado o pagamento da pensão arbitrada, pelo cônjuge-varão, o MM. Juiz de Primeiro Grau mandou que fussem feitos os cálculos e intimado pessoalmente o ora pa­ciente para pagar, dar bem à penhora ou justificar (fls. 32), em estrita obediência ao art. 733, do CPC.

Desta forma, não existindo fundamentó algum para o temor do ora recorrente de que seja decretada sua prisão civil sem sua prévia audiên­cia, incabível a concessão do remédio preventivo.

Isto posto, nego provimento ao recurso.

É como voto.

EXTRATO DA MINUTA

RHC nº 1.936-4 - MG - (92.0008325-0) - Relator: Exmo. Sr. Mi­nistro Flaquer Scartezzini. Recte.: Paulino Gabriel de Abreu. Advogado: Darwin Sandino de Castro. Recdo.: Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Pacte.: Paulino Gabriel de Abreu.

Decisão: A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso (em 29.04.92 - 51! Turma).

Votaram de acordo os Srs. Mins. José Dantas, Assis Toledo e Ed­son Vidigal. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Min. Costa Lima.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro FLAQUER SCARTEZZINI.

RECURSO DE HABEAS CORPUS Nº 1.970-4 - RS

(Registro nº 92.0009990-4)

Relator: O Sr. Ministro José Dantas

Recorrentes: Rosane Ferreira e outros

Recorrido: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

Pacientes: Rosane Ferreira, Rômu[o Ferreira Figurelli GOl11.eS e Ro-dolfo Ferreira Figurelli Gomes

R. Sup. Trib. Just., Brasflia, a. 4, (89): 211-276, novembro 1992. 263

Interessados: Nilton Figurelli Gomes e outros

Advogados: Drs. Cícero Hartmann e outros; Fernando Malheiros

EMENTA· PROCESSUAL. GUARDA DE CRIAN­ÇAS. SUSPENSÃO PROVISÓRIA EM AÇÃO CAUTE­LAR.

Habeas corpus. Inteira impropriedade de tal writ para atacar a decisão provisória do juízo de família, apesar de interposto com vistas à mudança de resi­dência da mãe-guardiã, mas sob protesto cautelar da fraude ao clausulado direito de visita às crianças, assegurado ao pai separado.

ACÓRDÃO

,Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provi­mento ao recurso. Votaram de acordo os Srs. Mins. Assis Toledo, Edson Vidigal e Costa Lima. Ausente, justificadamente, o Sr. Min. Flaquer Sca rtezzi n i.

Custas, como de lei.

Brasília, 20 de maio de 1992 (data do julgamento).

Ministro COSTA LIMA, Presidente em exercício. Ministro JOSÉ DANTÃS, Relator.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO JOSÉ DANTAS: Eis como foi relatado e julgado o presente habeas corpus no Eg. Tribunal recorrido:

264

"Discorrendo sobre o que entende como obstáculo à liber­dade de locomoção e acoimando de ilegal cláusula que lhe im­pedia de levar para fora do Estado os menores Rômulo e Rodol­fo Ferreira Figurelli Gomes, seus filhos, Rosane Ferreira, por si e representando as aludidas crianças, impetra ordem de habeas corpus, pedindo expedição de salvo conduto para se locomover, sem restrições, com os filhos, e a manutenção das crianças sob a sua guarda. Quer também uma astreinte (palavra francesa que significa prisão por dívida) no caso de descumprimento da

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 211-276, novembro 1992.

decisão que nulificará ou reconhecerá a ineficácia, a invalidade daquela cláusula despicienda e da decisão hostilizada (sic). Al­ternativamente pede que o requerimento seja acolhido como correição parcial.

A liminar não foi deferida, mas confiada ao Juízo de ori­gem a supervisão do encontro entre impetrante e filhos, por algumas horas ant'es da viagem daquela.

Informa o Juízo que várias ações estão em curso naquela 8!! Vara de Família, versando sobre a guarda das crianças, e que a mudança da impetrante para outro Estado e sua relutân­cia em permitir o cumprimento da visitação e de decisões judi­ciais, além da possível dificuldade de realizar a prova técnica, levaram-no a colocar os menores sob a custódia dos avós pater­nos.

o Ministério Público, entendendo que -as crianças estão sendo tratadas como objeto, é pela concessão da ordem.

VOTO

O que a requerente pretende é se atravessar à frente de uma decisão judicial, para coarctar-lhe os efeitos às avessas. Distorce, inteligentemente, a figura milenar do instituto jurídi­co do habeas corpus, transformando-o em via recursal. Atraves­sada pela angústia, e por força de sua pressa, de seu açodamen­to, de sua ânsia em ter uma decisão judicial imediata, sem os meandros do processo, quer ou habeas corpus, ou correição parcial.

Há, segundo informa o JUIZO, processos em curso. E das decisões proferidas no curso do processo caberá agravo de ins­trumento (art. 522, do CPC).

O habeas corpus é instrumento de direito processual pe­nal. As causas que envolvem as crianças, todavia, são de natu­reza cível.

Não é preciso ser grandemente expedito para compreender que o habeas corpus é medida prevista contra decisões de cará­ter penal, emanadas de autoridade investida de poderes para coarctar a liberdade de locomoção.

Aqui nos autos, o que a impetrante quer é impor ineficácia à medida judicial que modificou, provisoriamente, a guarda dos

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 211-276, novembro 1992. 265

266

menores. Em nenhum momento foi sonegada a liberdade. às crianças. Sob a guarda dos avós, a quem foram confiados, terão eles pleno direito de ir e vir. E quanto à própria impetrante nenhuma decisão judicial está a impedi-la de se locomover para onde lhe aprouver.

N em se cogita queira ela, através de habeas corpus, anu­lar a cláusula que lhe impede de atravessar as fronteiras do Estado em companhia dos filhos, avençada com o pai das crian­ças. A tal nível não desceria o saber jurídico do ilustre subscri­tor da inicial, pois o habeas corpus como visto acima, não se presta para tanto, nem mesmo sob o peso da consternação que se procurou trazer para dentro do processo.

Enfim, se há recurso previsto em lei - artigo 198, do Estatuto da Criança e do Adolescente e 522, do CPC - não cabe correição parcial.

O pedido, sem tessitura jurídica conveniente, não merece ser conhecido, como não se toma conhecimento, também, dos documentos de fls. 50 a 68, trazidos aos autos por pessoas to­talmente estranhas a ele.

O DR. JOÃO PEDRO RODRIGUES REIS: A questão, Sr. Presidente, como ressaltou o eminente Relator, tem uma cono­tação civilista fundamentalmente, e nenhuma co-relatividade no âmbito do direito penal, este sim, no caso, sustentado pela figura do habeas corpus. Embora da maior importância para as crianças e para a mãe a questão fática suscitada até com vee­mência da tribuna, o caso aqui em exame não é de ser conhe­cido em função da má direção do requerimento.

Então, acompanho o eminente Relator no seu voto, aguar­dando para que, quando aqui aportarem os recursos apropria­dos, nós possamos tornar a reexaminar a questão.

O SR. PRESIDENTE (Des. CLARINDO F A VRETTO): Co­lenda Câmara. Também não conheço do pedido, porque o remé­dio extremo do habeas corpus, do mandado de segurança e da própria correição parcial só tem cabida quando do ato judicial não caiba recurso previsto nas leis processuais. Os tribunais têm admitido, excepcionalmente o mandado de segurança, para dar efeito suspensivo à decisão judicial de que caiba recurso, para prevenir possível ineficácia, pelo seu tardio provimento. Talvez fosse o remédio adequado se para tanto os pressupostos existissem. Entretanto, impetrar um Habeas Corpus para con-

H. Sup. Trib. Just., Brasflia, a. 4, (39): 211-276, novembro 1992.

seguir por via de superação ao recurso previsto na lei, me parece que não é cabível.

Portanto, acompanho o voto do eminente Relator.

Habeas Corpus nº 591.091.772, de Porto Alegre - Não conheceram do pedido. Unânime." fls. 78/81.

O recurso volta a defender a viabilidade do habeas corpus para fazer cessar todo e qualquer abuso de poder, independentemente da sede ju­dicial em que se dê e como substitutivo de qualquer recurso. No caso, tal abuso teria se dado pela malsinada decisão do juízo de família em impedir que a mãe-impetrante conduzisse consigo para fora do Estado os filhos menores, dos quais tem a guarda por acordo na separação do casal. Nisso, aliás, estaria em causa a própria liberdade de "ir, vir e ficar" dos ditos menores "sob guarda e responsabilidade da acautelante mãe", que no mister não abusou do pátrio-poder, de forma que não hou­ve razão para submetê-los o juiz à guarda provisória dos avós paternos. Lê-se (fls. 85/89).

Contra-arrazoado a fls. 90, contrário ao provimento do recurso manifestou-se o Ministério Público Federal - fls. 94.

Relatei.

VOTO

O SR. MINISTRO JOSÉ DANTAS (Relator): Senhor Presidente, a engenhosa colocação da matéria pela inicial parecia afeita mesmo a pro­teger o direito de ir e vir das crianças impetrantes, para em companhia da mãe, a cuja guarda foram confiadas na separação do casal, viajarem para fora do Estado do domicílio. Até aí, certamente que a ordem judi­cial em contrário estaria sujeita à célere e compulsória reparação do habeas corpus.

No entanto, ao que informou o MM. Juiz impetrado, a ordem judi­cial impeditiva daquele deslocamento se deu no curso de uma renitente contenda sobre o direito de visita do pai, cuja concordância com a sepa­ração do casal se deu sob cláusula, consentida a guarda dos filhos com a mãe sob condição de a mesma não se retirar do Estado do Rio Grande do Sul. E mais, tal ordem sobreveio no curso de uma ação cautelar es­pecífica de busca e apreensão das referidas crianças, na iminência da­quela mudança de residência da mãe; dai o caráter temporário da remo­ção das mesmas para a guarda dos avós paternos, com estes fundamentos:

"Os autos desta ação cautelar vieram apensos, aos demais, e pelo exame da documentação acostada, pelos incidentes já

H. sup. Trib. JusL., Brasília, a. 4, (39): 211-276, novembro 1992. 267

verificados nas outras ações, inclusive com certidão do Oficial de Justiça na ação de execução, entendi que a ré vinha real­mente .obstaculizando o cumprimento da visitação e de decisões judiciais, e poderia ainda, com o súbito afastamento para outro Estado, dificultar ou mesmo impedir a realização da prova téc­nica. Por isso, deferi a liminar de busca e apreensão, colocando, provisoriamente, os menores sob a custódia dos avós paternos Adroaldo José Gomes e Neusa Maria Figurem Gomes." - fls. 3t>.

Do trecho suso transcrito, percebe-se não se cuidar de simples pro­teção ao direito de ir e vir da mãe e seus filhos menores. Cuida-se, na verdade, de controvertida contenda de natureza familiar, a ser dirimida numa área de especulação jurídica inteiramente estranha às conotações daquele direito fundamental de locomoção, e com o qual não tem a ver a pendente regulamentação ou cassação da guarda das crianças, denun­ciada na cautelar a desobediência íncita na pretendida mudança de re­sidência da guardiã. Matéria, aliás, para a qual há previ.são recursal no âmbito cível das postulação em causa, a qual, a merecer remédio repa­rador mais expedito, sucedâneo do recurso, seria então o do mandado de segurança, e nunca o habeas corpus.

Por isso que não há censurar-se o v. acórdão atacado, em boa hora posto em não conhecer do pedido de habeas corpus.

Pelo exposto, nego provimento ao recurso.

EXTRATO DA MINUTA

RHC n2 1.970-4 - RS - (92.0009990-4) - Relator: Exmo. Sr. Mi­nistro José Dantas. Rectes.: Ros'ane Ferreira e outros. Advogado: Cícero Hartmann e outros. Recdo.: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Gran­de do Sul. Pactes.: Rosane Ferreira, Rômulo Ferreira Figurelli Gomes e Rodolfo Ferreira Figurem Gomes. Interes.: Nilton Figurelli Gomes e ou­tros. Advogado: Fernando Malheiros.

Decisão: A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso (em 20.05.92 - 5!! Turma).

Votaram de acordo os Srs. Mins. Assis Toledo, Edson Vidigal e Costa Lima. Ausente, justificadamente, o Sr. Min. Flaquer Scartezzini.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro COSTA LIMA.

268 H. Sup. Trib .• Just., Brasília, a. 4, (39): 211-276, novembro 1992.

RECURSO DE HABEAS CORPUS Nº 2.061-5 - SP (Registro nº 920015787-4)

Relator: O Exmo. Sr. Ministro Costa Lima Recorrentes: Márcio Thomaz Bastos e outro Recorrido: Primeiro Tribunal de Alçada Civil do Estado de São

Paulo Paciente: Carlos Alberto Pereira Rosa

EMENTA: RECURSO DE HABEAS CORPUS. PRI­SÃO CIVIL. DEPOSITÁRIO INFIEL.

I. Ação de busca e apreensão de veiculo, adquiri­do mediante alienação fiduciária em garantia, poste­riormente transformada em ação de depósito, desde que o desaparecimento do veiculo não dependeu de ação ou omissão do devedor, não pode ser considera­do depositário infiel 'e ter a prisão decretada.

11. Recurso provido para desconstituir o decreto de prisão do recorrente.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, em conhecer e em dar provimento ao recurso, para cassar a decisão que decretou a prisão civil do paciente. Vota,ram com o relator os Ministros Flaquer Scar­tezzini e José Dantas. Ausentes, justificadamente, os Ministros Assis Toledo e Edson VidigaI.

Custas, como de lei.

Brasília, 05 de agosto de 1992 (data do julgamento).

Ministro FLAQUER SCARTEZZINI, Presidente. Ministro COSTA LIMA, Relator.

RELATÓRIO

o EXMO. SR. MINISTRO COSTA LIMA: Recurso ordinário de habeas corpus interposto pelos advogados MÁRCIO THOMAZ e SÔNIA

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 211-276, novembro 1992. 269

COCHRANE RÁo em favor de CARLOS ALBERTO PEREIRA ROSA, por razão de não se conformarem com o v. acórdão denegatório de fls. 329/336.

Consta dos autos que foi movida contra o paciente ação de busca e apreensão, pois não pagara prestações de um caminhão adquirido atra­vés de consórcio e alienado fiduciariamente, tendo o oficial de justiça certificado, em 19.10.88, que o paciente lhe informara não saber do pa­radeiro do veículo, o MM. Juiz a quo deferiu a conversão da busca e apreensão em ação de depósito. Defendeu-se o paciente dizendo que o veículo fora furtado e apresentou certidão do Departamento de Polícia Civil de Campo Mourão-PR referente à notitia criminis dada em 05.12.88.

Encerrada a instrução, o MM. Juiz a quo considerou não comprovado o furto do veículo, prolatando sentença, que já transitou em julgado.

Por fim, não apresentado o bem e nem efetuado o pagamento do seu equivalente em dinheiro, foi decretada a prisão civil do paciente por três meses.

Nas informações prestadas pela autoridade coatora em 18.10.91, consta não ter o paciente sido preso até a época (fls. 235/238).

A colenda Sexta Câmara do Primeiro Tribunal de Alçada Civil, por maioria, denegou a ordem com base nas "nuances que envolveram o tra­mitar da busca e apreensão e de sua conversão em depósito", entenden­do que o paciente, "por sua indiferença, deu causa à compulsão especí­fica da ação de depósito, não revelando, como lhe competia, o paradeiro do veículo, que, ao tempo da diligência formalizada na busca e apre­ensão, ainda não era notícia de furto." (fls. 329/336).

Votou vencido o Juiz MENDONÇA DE BARROS sustentando "tra­tar-se de depósito atípico, contratualmente convencionado que é um plus em relação às outras garantias do credor, mas que não justifica o encar­ceramento do devedor, por isso." Traz à colação o REsp nº 3.413-RS, STJ, ReI. Min. ATHOS CARNEIRO, DJU 09.09.91 (fls. 337/338).

Na petição recursal de fls. 340/346, insistem os recorrentes na exis­tência de furto do veículo e imputam à falta de malícia do paciente e à sua ignorância a lavratura da lacônica certidão pelo oficial de justiça. Já ajuizou o paciente ação de indenização contra a seguradora.

Opina a Dra. ELA WIECKO V. DE CASTILHO, ilustrada Subpro­curadora-Geral da República, pelo provimento do recurso, atenta para a possibilidade de interpretação errônea da certidão dada pelo meirinho, no caso em desfavor do paciente, e considera que a prisão foi decretada com base na presunção de má-fé, indicando também como precedente o REsp nº 3.431-RS.

Relatei.

270 R. sup. Trib. Jusi., Brasília, a. 4, (39): 211-276, novembro 1992.

VOTO

EMENTA: RECURSO DE HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL. DEPOSITÁRIO INFIEL.

/. Ação de busca e apreensão de veículo, adquirido mediante alienação fiduciária em garantia, posteriormente transformada em ação de depósito, desde que o desapareci­mento do veículo não dependeu de ação ou omissão do de­vedor, não pode ser considerado depositário infiel e ter a prisão decretada.

lI. Recurso provido para desconstituir o decreto de prisão do recorrente.

O EXMO. SR. .MINISTRO COSTA LIMA (Relator): O decreto profligado tem estes dizeres:

"Vistos, etc. Regularmente intimado, deixou o requerido de cumprir

o quanto determinado na sentença de fls. Desta forma, com base nos artigos 902 e 904, ambos

do Código de Processo Civil, e inciso LXVII, do art. 5 Q da Constituição Federal, decreto a prisão civil do requerido -CARLOS ALBERTO PEREIRA ROSA, pelo prazo de 03 {três} meses.

Expeça-se mandado de prisão, deprecando-se seu cum­primento. " (fi. 296)

Há uma matéria prejudicial a examinar, a possibilidade da prisão civil do réu, em ação de depósito.

Trata-se de providência que não devia existir no mundo moderno: prender uma pessoa porque não paga uma dívida. O correto seria a execução patrimonial do devedor.

É, em suma, uma medida violenta, um meio extremo, mas admiti­do pela Constituição (art. 5Q

, LXVII).

A esse propósito, reporto-me às lições de CELSO RIBEIRO BAS­TOS - "Comentários à Constituição do Brasil", 2Q vol., p. 310 - :

"A expressão depositário infiel é utilizada de maneira ampla pela Constituição dando assim nwrgem à lei ordinária para que possa cominar a pena de prisão a modalidades diferentes de depósito.

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 211-276, novembro 1992. 271

o depositário infiel pode muito facilmente ser capitulado em uma figura delituosa, como por exemplo a de apropriação indébita. Mas o que a Constituição quis foi, independentemente de criminalização deste comportamento, munir o depositante de medida judicial que lhe possibilite recuperar o bem depositado. É um comportamento extremamente desleal este de alguém, mercê de uma confiança nele depositada, deixar de restituir bem cuja guarda lhe cabia.

É portanto ainda aqui uma prisão sem caráter apenatório, mas tão-somente dissuasório. Objetiva remover os óbices que o depositário esteja criando à restituição da coisa.

Há duas modalidades de depósito: a convencional e a ju­dicial. Ambas comportam a prisão civil, o que varia é o momen­to da sua decretação. No caso de depósito convencional, a sua decretação e execução só pode se dar após o trânsito em julgado da sentença proferida em ação de depósito, isto por força do art. 904, do Código de Processo Civil.

No caso de depositário judicial ao juiz da execução é dado, independentemente do ajuizamento da ação de depósito, decre­tar a prisão civil do auxiliar infiel do juízo."

Considere-se como fundamentàda a decisão que decretou a prisão do paciente, verdade é que ela não se justifica porquanto pairam dúvi­das quanto à má-fé do recorrente. Na primeira vez que foi procurado pelo Oficial de Justiça alegou não saber onde se encontrava o veículo e, ao depois, apresentou queixa à Polícia, alegando que o veículo fora rou­bado e nada se provou em contrário. Portanto, embora a sentença tenha "dito que, em 19.10.1988, a apreensão deixou de se realizar porque o veículo não se encontrava em poder do réu "e este, ressalte-se na oportu­nidade, nada informou a respeito do alegado furto" (fl. 291), o certo é que a certidão exarada pelo Oficial de Justiça (fl. 254) em 19.10.1988, esclarece: " ... tendo sido informado pelo executado que o mesmo não sabe onde se encontra o referido veículo."

Ora, por óbvio, quem não sabe onde está o veículo, é porque ignora o fato. Em outras palavras, tinha sido furtado, o que é comum nesse país.

272

O Colendo Supremo Tribunal Federal decidiu: "Alienação fiduciária. Prisão civil de depositário do bem.

Descabimento em caso de roubo deste. Não se considera o devedor alienante d.epositário infiel de

bem alienado fiduciariamente, se este lhe é posteriormente rouba­do, descabendo, nessa hipótese, sua prisão civil.

R. Sup. Trib. Just., Brasflia, a. 4, (39); 211-276, novembro 1992.

HC deferido para soltura do paciente. Precedente." (RTJ 129, p. 781)

À sua vez, este Superior Tribunal de Justiça também se pronun­ciou nessa mesma linha de concepção:

, "ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. FURTO DO VEÍCULO OB-JETO DA GARANTIA. PRISÃO CIVIL DO DEVEDOR.

Se o bem adquirido por alienação fiduciária vem a ser furtado, não pode o devedor ser considerado depositário infiel. Descabimento de sua prisão civil, sem prejuízo da procedência da ação de depósito.

Recurso Especial conhecido e provido parcialmente." (REsp n Q 5.318-RS, Rei. Min. BARROS MONTEIRO, DJU de 24.06.91)

Desse modo, se o recorrente não tem a mínima condição de devol­ver o bem porque desapossado dele por terceiros, a prisão transformou­se em ilegal, além do que sem eficácia, desde que o seu objetivo é a coerção para que o depositário devolva o bem.

À vista do exposto, conheço do recurso e lhe dou provimento para cassar a decisão que decretou a prisão do Recorrente.

EXTRATO DA MINUTA

RHC nº 2.061-5 - SP - (92.0015787-4) - Relator: Exmo. Sr. Mi­nistro Costa Lima. Rectes.: Marcio Thomaz Bastos e outro. Recdo.: Pri­meiro Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo. Pacte.: Carlos Alberto Pereira Rosa.

Decisão: A Turma, por unanimidade, conheceu e deu provimento ao recurso, para cassar a decisão que decretou a prisão civil do paciente (em 05.08.92 - 5ª Turma).

Votaram de acordo os Srs. Mins. Flaquer Scartezzini e José Dantas. Ausentes, justificadamente, os Srs. Mins. Assis Toledo e Edson Vidigal.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro FLAQUER SCARTEZZINI.

+

RECURSO DE HABEAS CORPUS Nº 2.204-1 - RJ (Registro nQ 92.22020-7)

Relator: O Sr. Ministro José Cândido Recorrente: Flávio Jorge Martins

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 211-276, novembro 1992. 273

Recorrido: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro

Pacientes: Carlos Siqueira da Silva e Ricardo Sardemberg Siqueira

Advogado: Flávio Jorge Martins

EMENTA: HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVEN­TIVA.

Não se revoga quando fundada em razões que a justifiquem. Decreto com suporte em pedidos formu­lados pela Polícia e pelo Ministério Público e razoa­velmente fundamentado.

Ordem denegada.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, em negar provimento ao recurso, na conformidade dos votos e notas ta qui­gráficas constantes dos autos. Votaram os Srs. Ministros Pedro Acioli e Vicente Cernicchiaro.

Custas, como de lei.

Brasília, 13 de outubro de 1992 (data do julgamento).

Ministro JOSÉ CÂNDIDO, Presidente e Relator.

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO JOSÉ CÂNDIDO: Trata-se de Recurso em Habeas Corpus impetrado pelo advogado FLÁVIO JORGE MARTINS, a favor dos pacientes CARLOS SIQUEIRA DA SILVA e RICARDO SAR­DEMBERG SIQUEIRA, com fulcro no art. 105, n, a, da Constituição Federal.

A prisão preventiva dos pacientes decorreu de acusação de prática de seqüestro de três pessoas, urna das quais foi assassinada, logo ap6s, por outros elementos do grupo, que também tentaram contra a vida dos outros dois seqüestrados, que, contudo, lograram evadir-se.

Em pedido de habeas corpus, alega o recorrente falta de fundamen­tação no decreto impugnado, embora tenh-a sido fundado na conveniên­ciada instrução criminal.

274 R Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 211-276, novembro 1992.

o acórdão recorrido apresenta o seguinte voto:

"Posto que não se possa apontar o decreto de prisão pre­ventiva ora impugnado como paradigma do figurino legal, nem por isso se há de considerá-lo como imotivado.

É que, ao acolher as representações da autoridade policial e da ministerial, perfilhou-lhes os fundamentos, preenchendo, assim, o aparente vazio .do ato impugnado" m. 32).

No Recurso Especial aduz o recorrente que há no país dramatiza­ção da violência, cujo bode expiatório é o "marginal", induzindo os Juí­zes a proferirem decisões contra a lei. Invoca observação de Santo Agos­tinho, segundo o qual "os homens torturam para saber se devem torturar" (sic, fls. 41).

Postula o recorrente se conceda aos pacientes o direito de saber "os fundamentos de fato e de direito" que levaram o Juiz a decretar-lhes a custódia preventiva, trazendo aos autos jurisprudência do Supremo Tri­bunal Federal e excertos de doutrina.

O Ministério Público Federal pondera que:

"Improcede, data venia, a irresignação. Apesar de sucinto, o decreto prisional revela a conveniência da decretação, sendo juízo suficiente para a sua manutenção" (fl. 48).

Conclui o Parecer opinando pelo improvimento do recurso. É o relatório.

VOTO

EMENTA: HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA.

Não se revoga quando fundada em razões que a justi­fiquem. Decreto com suporte em pedidos formulados pela Polícia e pelo Ministério Público, e razoavelmente funda­mentado.

Ordem denegada.

O SR. MINISTRO JOSÉ CÂNDIDO (Relator): O eminente Relator, Desembargador Décio Goes, em seu voto no Tribunal a quo, definiu com precisão o estado do processo. A ordem de habeas corpus não pode ser concedida, porque o despacho de prisão preventiva está, razoavelmente, fundamentado, e, além disso, incorpora as razões do pedido assinado pelo Ministério Público e pela autoridade policial.

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 211-276, novembro 1992. 275

Nesta Corte, o Ministério Público Federal entendeu que ainda que sucinto o despacho "prisional revela a conveniência da decretação, sen­do juízo suficierite para a sua manutenção" (fl 48).

Na informação prestada, às fls. 18-19, o doutor Juiz de Direito é explícito, ao afirmar que "a liberdade dos acusados prejudicaria o desen­volvimento da instrução criminal" (doc. IV), (n. 18).

Acolho o entendimento do decreto de prisão preventiva, por isso que o mantenho.

Isto posto, denego a ordem. É o meu voto.

EXTRATO DA MINUTA

RHC n!l 2.204-1- RJ - (92.22020-7) - Relator: Exmo. Sr. Minis­tro José Cândido. Recte.: Flávio Jorge Martins. Adv.: Flávio Jorge Mar­tins. Recdo.: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Pactes.: Carlos Siqueira da Silva e Ricardo Sardemberg Siqueira.

Decisão: A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator (em 13.10.92 - 6ª Turma).

276

Votaram os Srs. Ministros Pedro Acioli e Vicente Cernicchiaro.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro JOSÉ CÂNDIDO.

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 211-276, novembro 1992.

MANDADO DE INJUNÇÃO

das:

MANDADO DE INJUNÇÃO NQ 67 - CE

(Registro nQ 9190700)

Relator: Exmo. Sr. Ministro Pedro Acioli Impetrante: Francisco Augusto Filho Impetrado: Instituto Nacional de Previdência Social-INPS

Advogados: Drs. Rogger Rodney Garcia Dantas e outro

EMENTA: CONSTITUCIONAL. MANDADO DE INJUNÇÃO. PRESSUPOSTOS.

I - A via mandamental de injunção, instituída pela novel Constituição, tem o escopo, tão-somente, de fazer valer o exercício das liberdades e direitos constitucionais inviabilizados por falta de regulamen­tação legal.

II - Imprescindível nesta via especial que seja apontado o dispositivo constitucional carece dor de regulamentação.

III - À míngua da satisfação deste pressuposto, não se conhece do mandado de injunção.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indica-

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 277-282, novembro 1992. 279

Decide a Egrégia Corte Especial, do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do pedido, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes d8stes autos e que ficam fazendo parte inte­grante do presente julgado.

Custas, como çle lei. Brasília, 12 de setembro de 1991 (data do julgamento).

Ministro TORREÃO BRAZ, Presidente. Ministro PEDRO ACIOLI, Relator.

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO PEDRO ACIOLI: O Ministério Público Federal relata a questão nos seguintes termos - fls. 19/21:

280

"Francisco Augusto Filho, beneficiário do sistema estatal de previdência social, ajuizou, perante o Juízo de Direito da Comarca de Oiós-CE, mandado de injunção contra o Instituto N acionaI de Previdência Social para o fim de obter a revisão dos benefícios que percebe, os quais, "em virtude de omissão normativa", segundo alega, lhe vêm sendo pagos em valores inferiores aos que entende fazer jus.

2. A ilustre magistrada, após ouvir o órgão do Ministério Público do Estado, declinou de sua competência para essa Co­lenda Corte (fls. 08).

3. Prestando as informações de praxe, esclarece o órgão impetrado:

"A resumida peça inicial além de não apontar qual dispositivo legal inexistente ou inoperante que vem a impe­dir o exercício do direito vindicado, está desacompanhada de qualquer elemento que possibilite identificar a modali­dade do benefício de que é titular o impetrante, bem como a origem de sua irresignação.

Desta forma, pressupõe-se o segurado pugna pela re­visão de renda mensal inicial do seu bel'lefício.

Em conseqüência, data venia a via mandamental elei­ta é imprópria visto que o Mandado de Injunção, de acordo com o que preceitua o artigo 5º, inciso LXXI, da Constitui­ção Federal, será concedido quando, por ausência de dis­positivo legal regulamentador, se inviabilize o exercício das liberdades e direitos garantidos na Carta Magna.

H. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 277-282, novembro 1992.

Assim, acreditando o impetrante estar sendo lesado em seu direito, por aplicação ou interpretação errônea da nor­ma legal regulamentadora, quando da concessão do benefí­cio, deve valer-se da via administrativa mediante requeri­mento escrito ou abrigar-se sob o pálio do Poder Judiciário, através de ação própria.

Neste mesmo sentido, pronunciou-se o representante do Ministério Público local, concluindo, in verbis:

"Deve o impetrante buscar o direito preterido, por outra via judicial, que não o mandado de in­junção, por não ser esta aplicável ao caso".

Em suma, não se enquadrando o presente mandamus na hipótese constitucional de sua admissibilidade, espera­se pela Autarquia de Previdência, seja o mesmo liminar­mente indeferido".

Concluiu o Ministério Público Federal pelo não conhecimento do mandado de injunção.

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO PEDRO ACIOLI (Relator): Qualquer acréscimo que eu faria, sem dúvida, representará preciosismo, porque a questão tem o seu desate na conclusão do Ministério Público Federal, o qual frisou assim - fl. 2l:

"4. Com efeito, por afinição constitucional (CF, art. 5!!, LXXI), tem-se que será concedido "mandado de injunção sem­pre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerro­gativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania".

5. Para que se possa cogitar, portanto, de mandado de injunção, é necessário haver um direito constitucionalmente assegurado dependente de regulamentação.

6. Ora, é exatamente tal pressuposto que, na hipótese, não se mostrou presente, pois o impetrante em nenhum momento apontou o dispositivo constitucional que, por falta de norma regulamentadora, teria deixado de ser considerado no cálculo dos benefícios que percebe.

Assim sendo, opinamos pelo não conhecimento do manda­mus".

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 277-282, novembro 1992. 281

De fato, nada mais acrescento e até porque recentemente foi edita­da a Lei nº 8.212, de 24.07.91, dispondo sobre a organização da seguri­dade social e instituindo o plano de custeio.

Assim, não conheço da injunção. É corno voto. '

EXTRATO DA MINUTA

MI n!! 67 - CE - (9190700) - Relator: Exmo. Sr. Ministro Pedro Acioli. Impetrante: Francisco Augusto Filho. Impetrado: Instituto Nacio­nal de Previdência Social-INPS. Advogados: Drs. Rogger Rodney Garcia Dantas e outro.

Decisão: A Corte Especial, por unanimidade, não conheceu do pe­dido, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator (em 12.09.91 - Corte Especial).

Os Srs. Ministros Américo Luz, Pádua Ribeiro, Flaquer Scartezzi­ni, Costa Lima, Carlos Thibau, Costa Leite, Eduardo Ribeiro, Dias Trin­dade, Garcia Vieira, Vicente Cernicchiaro, Waldemar Zveiter, Fontes de Alencar, Cláudio Santos, Sálvio de Figueiredo, Barros Monteiro, Hélio Mosimann, Peçanha Martins, Demócrito Reinaldo, Gomes de Barros, José Dantas, William Patterson e José Cândido votaram com o Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Washington Bolívar, Bueno de Souza, Geraldo Sobral, Nilson Naves e Athos Carneiro não compareceram à sessão por motivo justificado.

Os Srs. Ministros Hélio Mosimann, Peçanha Martins, Demócrito Reinaldo e Gomes de Barros participaram do julgamento em face do art. 55, RISTJ. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro TORREÃO BRAZ.

282 H. Sup. Trih. Just., Bl"asflia, a. 4, (39): 277-282, novemhro 1992.

MANDADO DE SEGURANÇA E RECURSOS

das:

RECURSO EM MANDADO DE SEGURAl.~ÇA NQ 239-0 - SP (Registro nQ 90.0000434-9)

Relator: Exmo. Sr. Ministro José de Jesus Filho Recorrente: Antônio Sergio Mello Buzza T. Origem: Tribunal de Justiça de São Paulo

Impetrado: Secretário de Estado da Saúde

Recorrida: Fazenda do Estado de São Paulo

Advogados: Drs. Cláudio Martins Chaves e outro e Roberto Germa­no Frederico Burgdorf

EMENTA: Funcionário público estadual, titular de cargo efetivo, exercendo cargo em comissão. Mastamento para exercício de mandato eletivo de Pre­feito Municipal. Opção entre remuneração e subsídios. Deixando o funcionário o cargo comissionado do qual poderia ser demissível ad nutum, não poderia optar pela remuneração do aludido cargo, mas sim pela do cargo efetivo que continuaria a deter com as vanta­gens já incorporadas ao seu patrimônio jurídico. Recurso ordinário a que se nega provimento.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indica-

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 283-332, novembro 1992. 285

Decide a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Hélio Mosimann, Peçanha Martins e Pádua Ribeiro. Ausente, justificadamen­te, o Sr. Ministro Américo Luz.

Custas, como de lei. Brasília, 16 de setembro de 1992 (data do julgamento).

Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, Presidente. Ministro JOSÉ DE JESUS FILHO, Relator.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO JOSÉ DE JESUS FILHO: No Tribunal de Jus­tiça de São Paulo, a questão foi assim relatada:

286

"O impetrante veio a ser eleito Prefeito Municipal de Ri­beirão Bonito, quando exercia, como médico sanitarista, as fun­ções de Diretor Técnico do Escritório Regional de Saúde de São Carlos, designado para tal a partir de 22.12.86. Com fundamen­to no art. 38, lI, da CR, assemelhado ao art. 73, do EFPCE, fez opção pela remuneração do cargo que exercera, devendo, por­tanto, fazer jus à integralidade do ganho, inclusive ao pro la­bore, mas esta gratificação não foi admitido a mantivesse por estar condicionado ao efetivo exercício da função de direção, e o inciso V da norma constitucional invocada prescreve que para efeito do benefício previdenciário os valores se manterão como se não houvesse afastamento do cargo, enquanto o art. 73 do Estatuto alude à percepção mesmo das vantagens pecuniárias não incorporadas. Também a Lei Complementar Estadual 556/ 88 contém a respeito normas peremptórias. Diante da ilegalida­de do ato, haveria de ser concedido o writ.

As informações da autoridade tida como coatora atribuem relevância ao condicionamento legal existente da gratificação ao efetivo exercício da função, mormenté em se cuidando de designação na dependência da confiança de quem designa. A gratificação que advém do Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde do Estado tem natureza especial e transitória e impli­ca no exercício das atribuições próprias.

Para a douta Procuradoria, remuneração é termo com conteúdo mais amplo que vencimentos, não podendo existir

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 283-332, novembro 1992.

restrição à forma pela qual o texto normativo constitucional atribuiu o direito à opção." (fls. 97/98).

A 8ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, por vota­ção unânime, denegou a segurança impetrada.

, Daí o recurso ordinário do vencido, com suporte na previsão cons­titucional, sob alegação de que tem direito à remuneração do cargo em comissão e não à de seu cargo efetivo, como decidiu o v. acórdão recor­rido.

Subindo os autos a esta Corte, aqui opinou a douta Subprocurado­ria-Geral da República pelo provimento do recurso.

É este o relatório.

VOTO

EMENTA: Funcionário público estadual, titular de cargo efetivo, exercendo cargo em comissão. Afastamento para exercício de mandato eletivo de Prefeito Municipal. Opção entre remuneração e subsídios. Deixando o funcio­nário o cargo comissionado do qual poderia ser demissível ad nutum, não poderia optar pela remuneração do aludido cargo, mas sim pela do cargo efetivo que continuaria a de­ter com as vantagens já incorporadas ao seu patrimônio ju­rídico. Recurso ordinário, a que se nega provimento.

O SR. MINISTRO JOSÉ DE JESUS FILHO (Relator): Com a elei­ção do recorrente para Prefeitura Municipal de Ribeirão Bonito teria ele de afastar-se de suas funções e optar entre a sua remuneração e os subsídios. Acontece que, além de ocupar cargo efetivo como médico sani­tarista exercia também o cargo em comissão de Diretor Técnico do Es­critório Regional de Saúde na cidade de São Carlos. Cargo em comissão segundo o saudoso e sempre lembrado HELY LOPES MEIRELLES é o que só admite provimento em caráter provisório. Destina-se a funções de confiança dos superiores hierárquicos. A instituição de tais cargos é permanente, mas o seu desempenho é sempre precário, pois quem os exerce não adquire direito à continuidade na função (Direito Adminis­trativo Brasileiro, 16ª ed., pág. 357). Ora, deixando o recorrente o cargo do qual poderia ser demissível ad nutum, não poderia optar pela remu­neração do cargo comissionado, mas sim pela do cargo efetivo que con­tinua a deter com todas as vantagens já incorporadas ao seu patrimônio jurídico. E garantir-se o licenciamento em cargo de confiança ou em

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 283-332, novcrnbJ'O 1992. 287

comissão seria afrontar a autonomia do Administrador Público, que fi­caria obrigado a licenciar, e assim, a manter a investidura em cargo demissível ad nutum (RTJ 991760). A meu ver a questão veio a ser bem equacionada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, e assim posta:

288

"O' impetrante não está logrando distinguir entre cargo e função. Não é ele Diretor-Técnico Efetivo. Foi designado para exercer as respectivas funções.

De seu prontuário funcional está a constar que a gratifi­cação pro labore advém do art. 28, § 2Q

, da Lei nQ 10.168/68. E o respectivo § 3l!, ib., dispõe que a gratificação implica no efe­tivo exercício da função de chefia ou de direção, vindo a cessar se não houver o exercício, com as ressalvas pertinentes.

O caput do aludido dispositivo refere que em casos de reforma administrativa o Poder Executivo estará autorizado a conceder a gratificação aos servidores designados para o exer­cício da função de chefia ou de direção da unidade criada legal­mente e que não tenha o cargo cOrrespondente.

Se foi a designação decorrente dessas normas, e em seus termos, evidentemente a remuneração completa não era do cargo mas das funções, pois o cargo inexiste. Ainda que permaneça no exercício, em tese não haverá incorporação.

Importa lembrar a precisa distinção estabelecida por HELY LOPES MEIRELLES:

. "Cargo público é o lugar instituído na organização do funcionalismo, com denominação própria, atribuições espe­cíficas e estipêndio correspondente, para ser provido e exer­cido por um titular ... Função é a atribuição ou o conjunto de atribuições que a Administr!lção confere a cada catego­ria funcional, ou ... individualmente a determinados servi­dores para a execução de serviços eventuais.

Todo cargo tem função, mas pode haver função sem cargo. As funções do cargo são definitivas; as funções autô­nomas são, por índole, provisórias, dada a transitoriedade do serviço a que visam atender. Daí porque as funções per­manentes ... devem ser desempenhadas pelos titulares de cargos, e, as transitórias, por servidores designados ... os fun­cionários podem estabilizar-se nos cargos, mas não nas fun­ções" ("Direito Administrativo Brasileiro", 12!! ed., 1986, págs. 352-353).

H. Sup. Trib. Jusi., Brasília, a. 4, (39): 283-332, novembro 1992.

A inexistência do cargo implicou na criação do pro labore para quem exerça as funções, e apenas para eles. O impetrante terá o direito à remuneração de seu cargo efetivo, não à do Diretor Técnico que estava a exercer sem efetividade, mas em comissão.

Esse pro labore será destinado a ql).em o venha a substi­tuir nas funções.

Às demais vantagens pecuniárias, decorrentes de sua situa­ção pessoal e de seu tempo de serviço, fará jus integralmente, em decorrência da opção feita:' (fls. 98/99).

Pelo exposto, nego provimento ao recurso. É o meu voto.

EXTRATO DA MINUTA

RMS nº 239-0 - SP - (90.0000434-9) - Relator: Exmo. Sr. Minis­tro José de Jesus. Recte.: Antônio Sergio Meno Buzza. Advs.: Cláudio Martins Chaves e outro. T. Origem: Tribunal de Justiça de São Paulo. Impdo.: Secretário de Estado da Saúde. Recda.: Fazenda do Estado de São Paulo. Advogado: Roberto Germano Frederico Burgdorf.

Decisão: A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso (em 16.09.92 - 2ª Turma).

Participaram do julgamento, os Srs. Ministros Hélio Mosimann, Peçanha Martins e Pádua Ribeiro.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Américo Luz. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RI­

BEIRO.

• EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO MANDADO DE SEGURANÇA

Nº287-DF (Registro nº 89.0013148-6)

Relator Originário: Exmo. Sr. Ministro Garcia Vieira Relator p/acórdão: Exmo. Sr. Ministro Peçanha Martins Embargante: Hjalmar Luiz de Carvalho Tufvesson Embargado: V. Acórdão de fls. 184 Advogados: Inemar Baptista Penna Marinho e outro

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 283-332, novembro 1992. 289

EMENTA: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. EFEI­TO MODIFICATIVO. POSSillILIDADE.

1. Dá-se, excepcionalmente, efeito modificativo aos embargos declaratórios, quando manifesto o erro de julgamento.

2. Embargos conhecidos e providos.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por maioria, em conhecer dos embargos e em os receber para anular o acórdão proferido no julgamen­to do Incidente de Execução suscitado nos autos, mantendo-se, em sua íntegra, a decisão proferida no julgamento do mandado de segurança, vencidos os Srs. Ministros Garcia Vieira (Relator) e Hélio Mosimann (voto vista). Votaram com o Sr. Ministro Peçanha Martins os Ministros De­mócrito Reinaldo, Gomes de Barros, Pádua Ribeiro e José de Jesus.

Custas, como de lei. Brasília, 11 de fevereiro de 1992 (data do julgamento).

Ministro AMÉRICO LUZ, Presidente. Ministro PEÇANHA MAR­TINS, Relator.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO GARCIA VIEIRA: HJALMAR LUIZ DE CARVA­LHO TUFVESSON embarga de declaração, alegando a ~xistência de obscuridade, dúvida, contradição e omissão.

Entende o embargante que no incidente de execução revogou-se a coisa julgada, o ato jurídico perfeito e o direito adquirido.

O incidente de execução tem origem no Aviso 228/91 do Exmo. Sr. Ministro do Exército solicitando o reexame do assunto por não aceitar e discordar da decisão já transitada, entendendo haver surgido um Tribu­nal de Exceção em desafio ao STJ e ao texto constitucional.

Entende o Embargánte que a promoção foi concedida "ao posto a que teria alcançado por antigüidade, se permanecess·e na ativa até ou­tubro de 1988", não havendo como não reconhecer ao Embargante o direito de contagem de tempo de serviço até outubro de 1988, na forma do pedido, com os conseqüentes efeitos sobre o soldo.

290 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 283-332, novembro 1992.

Diversamente do que se afirma no acórdão os precedentes julga­dos, nesta Egrégia Seção, foram sempre no sentido de se conceder o tempo de serviço e as vantagens correspondentes ao posto de oficial superior, quando os militares eram oficiais de carreira, formados pelas Academias Militares (MS 144, 01 e 02). Relevante notar o MS 309, relatado pelo eminente Ministro Garcia Vieira, no qual se incluiu a contagem do tem­po de serviço.

Requer o conhecimento e provimento dos Embargos, declarar nulo, anular e improver o acórdão recorrido do incidente de Execução, para determinar o cuprimento da res judicata.

É o relatório.

VOTO (VENCIDO)

O SR. MINISTRO GARCIA VIEIRA (Relator): Sr. Presidente. Não há no v. acórdão embargado nenhuma obscuridade, dúvida, contradição ou omissão. Consta de sua ementa (fls. 184) que o art. 82 . do ADCT só assegurou aos anistiados «as promoções, na inatividade, ao cargo, em­prego, posto ou graduação a que teriam direito se estivesse em serviço ativo. A contagem de tempo de serviço e suas conseqüências não foi contemplada no texto.

Acolhido o incidente de execução para reconhecer ao Impetrante a promoção na inatividade ao posto de Coronel e os efeitos financeiros deste".

Consta do voto condutor do aresto hostilizado que: "O v. acórdão exeqüendo (fls. 88/97) concedeu a segurança

para reconhecer ao autor o direito " ... à promoção ao posto a que teria alcançado, por antigüidade, se permanecesse na ativa até outubro de 1988" (Ementa de fls. 90), com efeitos financeiros a partir de 05 de outubro de 1988, data da promulgação da vigen­te Constituição Federal (fls. 90/97). Em nenl).um m<:>mento se discutiu ou se reconheceu direito de contagem de tempo de serviço, a proventos calculados sobre o soldo correspondente ao posto imediato, aumento de adicional à indenização de Habili­tação Militar de 160%. Mas nada disso foi discutido ou acolhido pelo aresto em execução porque o referido dispositivo constitu­cional só assegurou aos anistiados por ele: "as promoções, na inatividade, ao cargo, emprego, posto ou graduação a que teriam direito se estivessem em serviço ativo ... Nada dispõe sobre con­tagem de tempo e suas conseqüências. Quisesse o legislador

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constitucional· contemplar os anistiados com este direito ele o teria feito expressamente, como acontece com o seu próprio § 4º que mandou contar, para efeito de aposentadoria no serviço público e previdência social, os períodos em que, por força de atos institucionais, o exercício gratuito de mandato eletivo de vereador." (fls. 176).

Em nenhum momento do v. acórdão de fls. 90/100 se discutiu ou se reconheceu o pretenso direito de contagem de tempo de serviço ou à indenização de habilitação militar. Está bem claro pelos votos de fls. 90/ 96 e pela ementa de fls. 100 que só foi reconhecido o direito à promoção e com efeitos financeiros a partir da promulgação da Constituição.

O que o embargante está pretendendo é dar efeitos modificativos aos embargos, e isto, evidentemente, não é possível. Neste sentido os registros precedentes do extinto TFR nos Embargos de Declaração nas Apelações Cíveis nl!ll 119.768-MG, DJ de 26/05/89, 149.566-MT, DJ de 26/06/89, 86.026-DF, DJ de 10/10/85, EDRO nº 7.339-RS, DJ de 23/05/ 85, EDAERO nº 5.454-PE, DJ de 30/08/84, e EDEDAG nº 43.980-SP, DJ de 10/05/84, além das decisões de nossa Corte Maior no RHCED nº 66.281-RJ, DJ de 27/10/88, e MSAED nº 20.588-DF, DJ de 15/04/87.

Rejeito os embargos.

ESCLARECIMENTOS

O SR. MINISTRO GARCIA VIEIRA: Sr. Presidente, tenho uma informação para S. Exa. o Sr. Ministro Demócrito Reinaldo: o acórdão foi publicado no dia 14.05.90 - conforme certidão de fl .101 (lê):

"Certifique que o respeitável acórdão de folha 100 transi­tou em julgado.

Brasília, 18 de junho de 1990."

Antes de transitar em julgado, já havia um ofício assinado pelo Eminente Ministro Carlos Venoso, no exercício da presidência, com data de 23 de abril de 1990, mas, após transitado em julgado, houve requeri­mento da parte; o Sr. Ministro Armando Rollemberg fez um ofício, já no dia 21 de agosto.

O Sr. IvIinistro Pedro Acioli expediu um despacho no dia 06 de abril de 1991, determinando o cumprimento; um outro ofício do dia 08 de maio de 1991; outro despacho no dia 06 de agosto de 1991; em seguida, despa­cho do dia 12 de agosto de 1991; novo despacho em 30 de agosto; logo após um ofício em 03 de setembro de 1991. Houve uma manifestação da Subprocuradoria-Geral da República.

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Quero informar a V. Exa. que o Sr. Ministro Pedro AcioH, em 17 de setembro de 1991, recebeu a manifestação como incidente de execução e indicou como Relator, muito depois de transitado em julgado o acórdão; houve o relatório e o voto.

O SR. MINISTRO HÉLIO MOSIMANN: Sr. Presidente, acredito que isso tudo seja irrelevante; o importante é saber o que o Tribunal decidiu no mandado de segurança, qual a extensão da decisão e se o Tribunal concedeu também esses acessórios.

VOTO - VISTA (VENCIDO)

O SENHOR MINISTRO HÉLIO MOSIMANN: Importante registrar, de início, que os embargos de declaração foram opostos não ao acórdão lavrado no mandado de segurança, mas no incidente de execução.

Senhor Presidente, faço um relato da situação, porque o problema focalizado nos embargos exige esta rememoração, ainda que breve.

O mandado de segurança foi impetrado por um militar contra ato praticado pelo Ministro do Exército, em que aquele pretendia a sua pro­moção do posto de Tenente-Coronel para Coronel do Exército, e o pedido da segurança concluiu assim:

Que se lhe conceda a segurança ''para o fim de. promovê­lo ao posto de Coronel, grau hierárquico que teria alcançado se tivesse permanecido em atividade até a data da promulgação da nova Constituição, com as vantagens correspondentes ao posto de Oficial Superior e respectiva contagem do tempo de serviço até 05 de outubro de 1988".

O mandado de segurança distribuído ao eminente Ministro I1mar Galvão foi processado regularmente, e a Seção concedeu a segurança, por unanimidade, parcialmente, o eminente Ministro Garcia Vieira, que a concedia em menor extensão.

Lavrado o acórdão, o autor pediu a execução da decisão tomada pelo Tribunal, pedido este que foi reiterado logo depois. O impetrante, nessa reiteração, alega que o Ministro do Exército, autoridade coatora, cumpriu apenas em parte a decisão, determinando que se efetuasse a promoção, mas sem· o pagamento das gratificações correspondentes, que ele entendia devidas.

Em virtude disso, o então Presidente da Seção, Ministro Pedro Acioli, proferiu um despacho nos autos, concluindo assim:

"Portanto, o impetrante obteve do Tribunal todas as pro­moções até o posto de Coronel, obteve, também, as vantagens

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correspondentes ao posto de Oficial Superior, além da conta­gem do tempo de serviço até 05 de outubro de 1988.

Por isso, realmente, não houve o cumprimento integral da coisa julgada formal e material.

Oficie-se à ilustre autoridade impetrada, para que cumpra integral­mente o mandado de segurança, informando o Tribunal acerca dessa determinação" (fls. 114).

Veio uma certidão aos autos, cientificando ao Presidente que não havia informação alguma a respeito do cumprimento do mandado de segurança por parte da autoridade apontada como coatora.

Assim, o Presidente proferiu um novo despacho, assinando, agora, o prazo de dez dias para que a decisão fosse integralmente cumprida. O Ministro do Exército oficiou ao Presidente da Seção, Ministro Pedro Acioli, afirmando, na parte que mais nos interessa, que se discutiu o pedido em face do art. 8º do ADCT, reconhecendo-se o direito à promoção, nenhu­ma vantagem sendo deferida, nem mesmo nova contagem de tempo de serviço ou a indenização' de habilitação militar, que não é inerente ao posto de Coronel, "como falsamente sustenta o impetrante" (fls. 124/127).

Pede instruções sobre como proceder.

O Presidente, então, recebeu a petição como incidente de execução no mandado de segurança, e mandou ouvir a douta Subprocuradoria da República que opinou no sentido de que nada restaria prover, até por­que, quanto ao mais, não foi objeto de embargos declaratórios, o acórdão proferido no mandado de segurança.

Nova petição do impetrante, em que refuta as alegações do Minis­tro do Exército, aduz novas alegações, concluindo por dizer que reque­reu a promoção com as vantagens dela decorrentes e, trazendo a legis­lação que entende pertinente, conclui pedindo que a decisão seja integralmente cumprida em relação à promoção e, também, às vanta­gens, como contagem de tempo de serviço, adicional de inatividade (40%) e indenização de habilitação militar (160%).

A Seção julgou o incidente. O processo foi encaminhado - na au­sência do eminente Ministro lImar Galvão, que foi o relator originário - ao não menos eminente Ministro Garcia Vieira, que funcionou como relator do incidente. Esta Seção, em data de 8 de outubro de 1991, por unanimidade, acolheu o incidente de execução para assegurar ao impe­trante apenas a promoção na inatividade, com efeitos financeiros a par­tir da promulgação da Constituição de 1988 (fls. 176/180).

Publicado o acórdão no incidente, veio o impetrante do mandado de segurança com estes embargos de declaração, sustentando que nele

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existe obscuridade, dúvida, contradição e omissão. E, resumidamente, que o acórdão revogou a coisa julgada, o ato jurídico perfeito e o direito adquirido; que a segurança foi integralmente concedida, não bastando efetivar a promoção, mas o cumprimento do acórdão deveria compreen­der, também, a contagem do tempo de serviço e as gratificações: indeni­zação de habilitação militar, no valor de 160%, e adicional de inativida-_ de, no valor de 40%. Assim ocorreu em outros processos, diz o impetrante ou embargante de declaração, pedindo, então, a procedência dos embar­gos.

O relator, Ministro Garcia Vieira, votou pela rejeição dos embar-gos.

Pedi vista, numa das últimas sessões do ano passado, principal­mente porque recebi memorial do embargante e me comovi com as ale­gações nele contidas. Segundo estas, estaria sendo cometida uma gran­de injustiça e um tratamento diferenciado em relação a outros impetrantes igualmente militares e igualmente anistiados pela Constituição, cuja anistia foi reconhecida por esta Seção.

Para melhor compreensão, fazia-se necessária a exposição dos fa-tos.

Estudei, realmente, todo este processo, mas, embora procurasse uma melhor solução, concluo, pelo meu voto, q\.Le a pretensão deduzida nos embargos de declaração não pode vingar através deste recurso. O im­portante - e vou dirigir o voto nesse sentido - é que os embargos de declaração atacam o acórdão, não no julgamento do mandado de segu­rança, o que ainda seria compreensível, mas no julgamento do incidente de execução no mandado de segurança, tal como foi processada a dúvida exposta pela autoridade impetrada.

A ementa desse julgamento diz o seguinte:

"ANISTIA - ADCT - ART. 851 - INCIDENTE NA EXECUÇÃO - CONTAGEM DE TEMPO DE SERVIÇO.

O dispositivo constitucional só assegurou aos anistia­dos 'as promoções, na inatividade, ao cargo, emprego, posto ou graduação a que teriam direito se estivessem em serviço ativo'. A contagem de tempo de serviço e suas conseqüências não foi contemplada no texto.

Acolhido o incidente de execução para reconhecer ao Impetrante a promoção na inatividade ao posto de Coronel e os efeitos financeiros deste."

A decisão foi unânime, justificando o relator o seu ponto de vista, retratado na ementa. O Ministro Peçanha Martins ainda sublinhou: "por

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se tratar de incidente de execução, voto com o Sr. Ministro relator" (fls. 178). Também o Ministro Pádua Ribeiro observou que estava exa­minando exatamente o voto do relator (no MS), concluindo no sentido de conceder a segurança, mas, antes, deixou explicitado que o fazia, segundo se depreende, diante dos termos do art. 82 do Ato das Disposi­ções Constitucionais Transitórias (fls. 179). Os demais não explicitaram o voto, acompanhando o relator.

Por aí já se vê que a Seção julgou o incidente assegurando a pro­moção na inatividade, com todos os direitos e vantagens dela decorren­tes, sem dúvida. Não apenas o vencimento do posto, como se afirmou. Agora, o pedido expresso para incluir as gratificações, formulado em 15.04.91, quando o julgamento data de 17.04.90 (fls. 108/110 e 97), im­portaria em um novo julgamento, inàdmissível em sede destes embar­gos. Mesmo porque, pelo que conclui, a questão (não debatida), é, no mínimo, duvidosa.

Ainda que se admita tenha a petição inicial pleiteado e tenha sido concedida a contagem de tempo de serviço - quando a Seção concedeu a segurança, na forma do relatório e notas taquigráficas - jamais se falou em gratificações, cuja concessão estaria a depender do exame da folha funcional do requerente, para se aferir sobre o atendimento aos pressupostos legais. Ou será que as gratificações pleiteadas decorrem indistintamente da simples aplicação do art. 82 do ADCT? Pelo visto, depende da situação de cada um. No caso concreto, sobre elas - só na fase de execução requeridas - não se referiram nem o pedido, nem o acórdão. E não houve embargos de declaração no prazo legal. Se assim é, só diante da negativa da autoridade, que indagou como deveria pro­ceder, poderia o interessado reclamar, como de direito.

Considero, por isso, que toda essa matéria deve ser enfrentada sob o crivo do contraditório e não simplesmente através de embargos de declaração. Não que o militar beneficiado pela anistia não tenha direito às gratificações postuladas, mas, no meu entendimento, data venia, não podemos concedê-las por meio de embargos de declaração, se nada disso foi discutido no processo.

De outra parte, em caso de ofensa à coisa julgada, ato jurídico per­feito ou direito adquirido, a solução não estaria nestes embargos de declaração.

O voto condutor do acórdão, vale repetir, concedendo a segurança, tratou tão-somente da promoção. "Promoção - palavras do voto condu­tor, resumido na ementa - ao posto a que teria alcançado". Não cuidou, em momento algum, de vantagens pessoais, e muito menos especificou quais seriam essas vantagens e quais seriam as gratificações. Bastaria

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seguir a orientação deste Tribunal em casos idênticos: '~s vantagens a que faz jus são apenas aquelas advindas das promoções e não generica­mente como quer o impetrante" (Min. :pedro Acioli, MS nº 304-DF - Rev. do STJ, 19/277). "Descabem embargos de declaração para suscitar ques­tões novas, anteriormente não ventiladas" (STJ - T. Negrão, art. 535, nota 4, 22!! ed.).

Ademais, quando muito, se dúvida ou omissão tivesse ocorrido (mas nem a inicial nem os votos falam nas gratificações), os embargos para dissipar essas dúvidas ou suprir as omissões deveriam ter sido opostos naquela ocasião, não agora, após o julgamento do chamado incidente de execução no mandado de segurança, sabendo-se que contra a decisão proferida no mandado de segurança não houve embargos. Passou em julgado.

Na verdade, o incidente não figura na lei processual, mas, previsto no Regimento Interno (art. 304), tem sido pacificamente admitido, como ainda recentemente nesta Seção (no MS nº 559-DF).

Seja como for, o importante é que o acórdão, irrecorrido, não deci­diu sobre as gratificações requeridas na execução, um ano depois do julgamento (fls. 10S/110). Portanto, não há decisões colidentes e não se restringiu o alcance da decisão mandamental, data venia.

Em contradição, nem se poderia falar, pois teria que ser constata­da no acórdão e não de um acórdão para outro.

Finalmente, os embargos de declaração não são aptos a desconsti­tuir, sob a alegação de omissão inexistente, preclusão anteriormente existente (T. Negrão, art. 535, nota 14, c) É da Súmula 317, do Supremo Tribunal: "São improcedentes os embargos declaratórios, quando não pedida a declaração do julgado anterior, em que se verificou a omissão". Se precluiu a matéria no primeiro julgamento, não há como, através de embargos, fazê-la ressuscitar em um julgamento seguinte.

Além de todo o exposto, não se recusa o uso dos embargos declara­tórios com efeito infringente do julgado, "mas apenas em caráter ex­cepcional, quando manifesto o equívoco" (STJ - Min. Sálvio de Figueiredo, T. Negrão, nota 10). Não é o caso dos autos, em que a pre­tendida inclusão das gratificações, sem prévio exame das condições ne­cessárias, é discutível. Não houve equívoco e muito menos erro, datis.: sima venia. Por isso que não se atentou contra a coisa julgada e nem se desviou da jurisprudência do Supremo, que reconhece efeitos modifica­tivos, mas em caso de erro evidente.

Com estas considerações, Senhor Presidente, embora partidário da anistia ampla, meu voto é no sentido de acompanhar o eminente rela­tor, rejeitando os embargos.

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VOTO

o EXMO. SR. MINISTRO PEÇANHA MARTINS: Senhor Presiden­te, o Eminente Ministro Hélio Mosimann há pouco referiu-se à decisão unânime e destacou o meu voto. Não tenho dúvida, pelo que li nos me­moriais, em afirmar que naquele voto, prolatado no incidente de execu­ção, cometi erro. Isso porque a contradição entre tal acórdão e o que decidimos no mandado de segurança é inafastável. Decidimos certo no mandado de segurança, porque o fizemos tendo em mira o que no art. 8º do ADCT se contém, vale dizer: o legislador constitucional assegurou as promoções no cargo, emprego, posto ou graduação a que teria direito se estivesse em serviço ativo, obedecidos os prazos de permanência em ati­vidade previsto nas leis e regulamentos. É que o militar só pode ser promovido, de qualquer sorte, após o decurso de tempo na função, no posto. E para atingir o posto de Coronel, cujo direito lhe reconhecemos, é certo que o seu paradigma passou um tempo certo no exercício do posto, entre Tenente-Coronel e Coronel.

E se é certo que nesta Seção, interpretando o dispositivo constitu­cional, temos reconhecido os mais amplos efeitos à anistia - recordo-me termos dito que a anistia se fez a mais ampla - com base nesta ampli­tude deferi mandado de segurança requerido por praças da Marinha que teriam sido punidos por meios regulares, embora, em verdade, porque participaram da célebre reunião comandada pelo Cabo Anselmo.

A Seção tem proclamado que o mandado de segurança defere a promoção do requerente ao posto de Coronel com as vantagens, dentre as quais indiscutivelmente está a do tempo de serviço, até porque sabe­mos que os vencimentos-base no Brasil correspondem, não raro, a ape­nas uma parcela insignificante da remuneração, mormente quando se trata de soldo. Se dermos ao requerente apenas os vencimentos do pos­to, estaremos fazendo não uma isonomia, como determina o art. 8º, mas, ao contrário, dando-lhe apenas um título que não corresponderá à re­muneração que vence o seu paradigma.

Votamos à unanimidade um incidente de execução. Discutia-se nele o que houvéramos decidido no mandado de segurança, ou seja, na ação, e decidimos, inclusive com o meu voto, contra a coisa julgada. Então, indago aos meus Eminentes pares: sendo indiscutível o direito do reque­rente, e o erro da Seção, deveremos mantê-la obrigando o requerente à rescisão dessa decisão? Sem dúvida nenhuma são inúmeros os casos em que o Supremo Tribunal Federal, em admitindo erro, tem dado efeito modificativo aos embargos de declaração. Erramos contra nossa própria decisão, entendo eu. Por isso, não vejo por que não possamos emendar

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esse erro, ainda que em embargos de declaração, com base na jurispru­dência do Supremo Tribunal Federal. Se não posso aqui, neste instante, individuar os casos, me comprometo com V. Exas. a enumerá-los, ao menos dez, de acórdãos do Supremo Tribunal Federal, dando tal efeito modificativo aos embargos de declaração.

O EXMO. SR. MINISTRO HÉLIO MOSIMANN (Aparte): Eu lhe dispensaria de trazer essas decisões. Conheço várias delas. O Supremo Tribunal Federal, realmente, tem emprestado efeito modificativo de jul­gado em casos excepcionalíssimos, pois representa a Corte Maior, a úl­tima palavra. Então, se a Suprema Corte constata um erro grave, evi­dente, sobre o qual não haja qualquer dúvida, ela mesma deve corrigi-lo através desses embargos. O Supremo Tribunal Federal só tem conferido efeito modificativo em casos excepcionais para corrigir erro material e diante do equívoco manifesto, o que, no meu entendimento, data venia não é caso.

O EXl\IIO. SR. MINISTRO PEÇANHA MARTINS: Agradeço o apar­te, mas quero dizer ao Eminente Ministro Mosimann que este Tribunal tem a última palavra também no que diz respeito à matéria infracons­titucional. Não posso deixar de julgar de acordo com a minha consciên­cia e, no caso, com o relevo que ele merece. Não se trata aqui da decisão de um direito deferido por lei ordinária, mas de um direito consagrado na própria Constituição, por consenso do povo brasileiro. Em função desse consenso continuamos a viver em harmonia neste País, fazendo com que os interesses, ainda que contrariados, possam ser harmonizados nos Tribunais. É o que estamos fazendo e o que fizemos com o requerente, aplicando-lhe a lei constitucional no perdão de atos cometidos em passa­do recente. Anistiamos vencidos e vencedores, e ele foi um dos prejudi­cados. Indago diante da excepcionalidade da situação: pode-se permitir que este Tribunal, valendo-se, inclusive, da juri~prudência do mais alto Pretório, não possa corrigir o seu erro, ainda que em embargos? Enten­do que sim e, porque assim entendo, corrijo o meu erro anterior, para, no particular, conhecer dos embargos e modificar o julgado, dentro da melhor interpretação da lei processual, que é exatamente a interpreta­ção que lhe dá o Tribunal Maior.

O EXMO. SR. MINISTRO HÉLIO MOSIMANN: V. Exa. acaba de dizer que houve ofensa à coisa julgada?

O EXMO. SR. MINISTRO PEÇANHA MARTINS: Não. O que disse é que, neste caso, sem dúvida nenhuma, chegamos até a ofender o jul­gado.

O EXl\IIO. SR. MINISTRO HÉLIO MOSIMANN: Não concordo. Mas, se ofensa houve, a forma de reparar é a ação rescisória.

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o EXMO. SR. MINISTRO PEÇANHA MARTINS: Por entender que tenha havido erro na execução do julgado, corrijo-o nos embargos, para evitar que, nesta situação excepcional, de negação do direito antes reco­nhecido, tenha o requerente que fazê-lo em outra ação.

O EXMO. SR. MINISTRO HÉLIO MOSIMANN: V. Exa. repara com um novo julgamento?

O EXMO. SR. MINISTRO PEÇANHA MARTINS: Recebo os em­bargos sob esses argumentos que expendi e lhe dou efeito modificativo, com amparo na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

O EXMO. SR. MINISTRO HÉLIO MOSIMANN: Decidimos aqui no dia 19 de dezembro último, por unanimidade, o seguinte: "em sede de embargos declaratórios não pode haver novo julgamento da causa".

O EXMO. SR. MINISTRO PEÇANHA MARTINS: Eminente Minis­tro Mosimann, tive o prazer e a ventura de ler Voltaire. Confesso que, embora no que diz respeito à conduta ética e moral sempre a tivesse mantido invariável, no plano do pensamento, no plano das idéias, estou sempre .pronto a aprender e a modificar para melhor. E, no caso, não estou rejulgando a causa, mas corrigindo um erro cometido num inci­dente de execução do julgado que cumpre manter.

VOTO (ESCLARECIMENTO)

O SENHOR MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO: Sr. Presiden­te, gostaria de fazer um esclarecimento que é importantíssimo para sal­vaguardar o direito da parte impetrante. É que se continuarmos insis­tindo nesta decisão e ela transitar em julgado a parte ficará prejudicada e não poderá promover outra ação reivindicando seu direito. Enquanto que, se afastarmos esse incidente em seu todo, e se amanhã se vier a compreender que esta questão de tempo de serviço não está embutida na decisão primitiva do mandado de segurança, a parte poderá requerer outro mandado de segurança e ser beneficiada em relação a este aspec­to, ou promover a ação adequada para efeito da contagem do seu tempo de serviço.

É como voto.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO GOMES DE BARROS: Sr. Presidente, havia feito algumas anotações no mesmo sentido do que expôs o Emi­nente Ministro Demócrito Reinaldo. Em verdade, a decisão do mandado de segurança não denegou, em momento algum, a contagem desse tem-

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po. Posteriormente, nesse incidente de execução é que restringimos o alcance desta decisão - uma decisão já transitada em julgado. Em se­guida, vêm os embargos de declaração para esclarecer.

Parece-me que há duas decisões colidentes, já que há uma decisão tomada, recebendo esses embargos, para declarar que se deva cumprir a decisão do mandado de segurança em toda sua extensão. Essa segunda decisão, relativa ao incidente, com todas as vênias, está restringindo o alcance da decisão transitada em julgado. Por isto, neste incidente de execução, insólito mas que cujo exame que já vai avançado - pediria até vênia ao Eminente Sr. Ministro Demócrito Reinaldo - para dizer que, talvez fosse melhor a recomendação do Eminente Sr. Ministro Pe­çanha Martins; recebermos os embargos, para declarar que o acórdão deva ser cumprido em toda sua extensão. Evidentemente, estes embar­gos terão efeitos infringentes.

O EXMO. SR. MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO (Aparte): Eminente Ministro Gomes de Barros, o simples fato de não se conhecer deste incidente e excluí-lo do processo, porque é uma excrescência pro­cessual, conforme afirmei, restaura, no seu todo, a sentença punitiva no mandado de segurança, sem precisar uma declaração expressa desta Egrégia Primeira Seção.

O EXMO. SR. MINISTRO GOMES DE BARROS: Mas é necessá­rio, então, que se declare nulo esse acórdão relativo ao já publicado e não por trânsito em julgado, porque é de uma execução. Esse acórdão -já havia notado - não faz coisa julgada.

O EXMO. SR. MINISTRO PEÇANHA MARTINS (Aparte): Adiro inteiramente à solução proposta pelo Eminente Ministro Demócrito Rei­naldo, porque, inclusive, concede todas as honras ao processo. Mas, como é indubitável, do nosso erro no julgamento do incidente de execução não há como fugir, e a solução arbitrada, sem dúvida, é a processualmente mais correta: recebermos esses embargos no incidente de execução, para declarar o erro em que incorremos e restaurar na sua plenitude a deci­são do mandado de segurança. Esta sim, a decisão que há de ser cum­prida, nos termos em que ela foi posta, ou seja, deferindo ao requerente a promoção a tenente-coronel, com os consectários lógicos dessa promo­ção, vale dizer, com todos os adicionais a que faz jus.

O EXMO. SR. MINISTRO GOMES DE BARROS: Este acórdão, como está posto no mandado de segurança transitado em julgado, não é suscetível sequer de ação rescisória, porque está corretíssimo. Num in­cidente de execução, perante um acórdão transitado em julgado - te­mos que dar a mão à palmatória - enganamo-nos.

O EXMO. SR. MINISTRO GARCIA VIEIRA (Aparte): Estou com a íntegra do acórdão - e o li mais uma vez; em momento algum deste acórdão discutiu-se isso.

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Como é que vamos receber estes embargos, para poder declarar algo . que não existe?

O E~. SR. MINISTRO GOMES DE BARROS: Mas está implí­cito.

O EXMO. SR. MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO (Aparte): Sr. Ministro Garcia Vieira, se recebemos e processamos um incidente de execução numa decisão de mandado de segura~ça já transitado em jul­gado, por que é que não podemos agora receber estes embargos de de­claração para corrigir um erro crasso?

O EXMO. SR. MINISTRO GARCIA VIEIRA (Aparte): Isso é outro assunto, Sr. Ministro Demócrito Reinaldo. V. Exa. está. votando num outro sentido, apenas para receber os embargos e dizer que não cabe incidente.

O EXMO. SR. MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO (Aparte): Não existe esse incidente.

O EXMO. SR. MINISTRO GARCIA VIEIRA (Aparte): O que estou refutando não são as·alegações de V. Exa.; estou refutando as alegações dos Eminentes Srs. Ministros Gomes de Barros e Peçanha Martins, quando dizem que no acórdão foi discutido o problema do tempo de ser­viço, e não foi.

VOTO

O SENHOR MINISTRO ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO: Sr. Pre­sidente, o acórdão concessivo da segurança foi da lavra do Eminente Ministro Ilmar Galvão. S. Exa. no relatório assim resumiu o pedido (fls. 88):

"HJALMAR LUIZ DE CARVALHO TUFVESSON impetrou a presente segurança contra o Sr. MINISTRO DO EXÉRCITO, objetivando compeli-lo a promovê-lo, na inatividade, ao posto de Coronel, grau hierárquico que, no seu dizer, teria alcançado, se tivesse permanecido em atividade até a data da promulgação da nova Constituição, com as vantagens correspondentes ao posto de Oficial Superior e respectiva contagem do tempo de serviço até 5 de outubro de 1988".

Esse, portanto, foi o pedido feito pelo impetrante e resumido no relatório do Ministro Ilmar Galvão. Esse pedido reflete exatamente aquele que consta da exordial, senão vejamos (fls. 12):

302

"Pretende, pois, o Impetrante, na conformidade dos fatos e fundamentos expostos, que essa Egrégia Corte, sanando a lesão

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 283-332, novembro 1992.

a direito seu, líquido e certo, conceda-lhe segurança para o fim de promovê-lo ao posto de Coronel, grau hierárquico que teria alcançado se tivesse permanecido em atividade até a data da promulgação da Nova Constituição, com as vantagens corres­pondentes ao posto de Oficial Superior, e respectiva contagem do tempo de serviço até 05 de outubro de 1988".

Portanto, o pedido está bem refletido no relatório feito pelo Minis­tro Ilmar Galvão, então Relator. À vista dele é que ele concedeu a segu­rança. Apreciou a matéria, em face do art. 8º do Ato das Disposições Cons­titucionais Transitórias, e concedeu a segurança sem nenhuma restrição. O ilustre Presidente da Seção mandou cumprir a decisão nesses termos, tanto assim que, tendo a autoridade coatora cumprido a decisão com as restrições ora discutidas, S. Exa. proferiu o seguinte despacho, que mostra que o seu teor foi bem percebido por S. Exa. (fls. 114):

"Verifica-se nestes autos que o v. acórdão de fl. 100 tran­sitou em julgado fls. 101 v. - e à fl. 98, através do ofício 650/ 90, de 23.04.90, a autoridade impetrada foi comunicada da decisão e, por sua vez, à fl. 106, através do Ofício 1.658/SPS, de 21.08.90, foi encaminhado à autoridade impetrada o inteiro teor do v. acórdão para cumprimento da decisão do Tribunal.

A partir de então, não se teve n"otícia nos autos de que a decisão foi efetivamente cumprida, apenas o impetrante ingres­sou com petição às fls. 108/112 dando notícia de que a decisão que lhe foi favorável foi cumprida parcialmente, deixando a autoridade impetrada de atender o seguinte - fls. 108/109:

"a. Contagem do tempo de serviço até 5 de outubro de 1988, o que assegura ao impetrante mais de 30 (trinta) anos de serviço, por ter ingressado no Exército em 24 de feverei­ro de 1958. Em conseqüência, os seus proventos da inativi­dade teriam que ser calculados sobre o soldo corresponden­te ao posto imediato (art. 50, § 1º, letra a, da Lei 6.880, de g de dezembro de 1980) e o Adicional de Inatividade teria o percentual de 40% (quarenta por cento), de acordo com o Decreto nº 96.877, de 29 de setembro de 1988:

2. Pagamento da Indenização de Habilitação Militar no percentual de 160% (cento e sessenta por cento) que é a inerente ao posto de Coronel ao qual foi promovido o impe­trante". O voto condutor do v. acórdão exeqüendo - fls. 88/92 -

foi no sentido de se conceder integralmente o mandado de se­gurança, no qual consta o seguinte pedido - fl. 12:

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 283-332, novembro 1992. 303

"XVIII - Pretende, pois, o Impetrante, na conformi­dade dos fatos e fundamentos expostos, que essa Egrégia Corte, sanando a lesão a direito seu líquido e certo, conce­da-lhe segurança para o fim de promovê-lo ao posto de Co­ronel, grau hierárquico que teria alcançado se tivesse per­manecido em atividade até a data de promulgação da Nova Constituição, com as vantagens correspondentes ao posto de Oficial Superior, e respectiva contagem do tempo de servi­ço até 05 de outubro de 1988".

Portanto, o impetrante obteve do Tribunal todas as promo­ções até o posto de Coronel, obteve, também, as vantagens cor­respondentes ao posto de Oficial Superior, além da contagem do tempo de serviço até 05 de outubro de 1988.

Por isso, realmente, não houve o cumprimento integral da coisa julgada formal e material.

Oficie-se à ilustre autoridade impetrada, para qu.e cumpra integralmente o mandado de segurança, informando o Tribunal acerca dessa determinação".

O SENHOR MINISTRO GARCIA VIEIRA (Aparte): V. Exa. disse que o voto do Eminente Ministro Ilmar Galvão era concedendo a segu­rança. S. Exa. disse o seguinte: "ante o exposto, meu voto é no sentido de conceder a segurança". Não disse que era nos termos do pedido. Além do mais, no texto do voto, em momento algum S. Exa. examinou o pro­blema do tempo de serviço, das gratificações, e os votos subseqüentes também.

O SENHOR MINISTRO ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO: Ouvi com atenção o voto de V. Exa. e estou apenas fundamentando o meu. Por isso mesmo é que li o trecho do relatório feito pelo Ministro Ilmar Gal­vão, que retratou o pedido feito na petição inicial. E, ao conceder a se­gurança, evidentemente o eminente Relator o fez nos termos do pedido resumido no relatório. Não restringiu o pedido. Aliás, foi isso que enten­deu o próprio Presidente da Seção ao dar o despacho, que acabei de ler, indagando à autoridade coatora por que não cumpriu essa decisão.

Portanto, o Presidente desta Seção assim entendeu e indagou à autoridade coatora por que não cumpriu a decisão nos termos em que ela foi proferida. Em conseqüência, a autoridade impetrada encaminhou o expediente dizendo que realmente entendia que a decisão deveria ser cumprida com restrições. Daí ter o Presidente, segundo se lê às folhas 129, suscitado incidente de execução, distribuído ao Sr. Ministro Garcia Vieira, que proferiu a decisão já conhecida.

304 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 283-332, novembro 1992.

Da leitura que fiz das peças do processo estou convencido de que realmente houve afronta à coisa julgada pela decisão ora embargada, manifesta afronta à coisa julgada. Não tenho dúvida nenhuma quanto a isso, e os embargos alegam inclusive contradição no julgado que foi pro­ferido no incidente suscitado, dela decorrendo ofensa à coisa julgada. A contradição aflora, comparando a segunda decisão com a coisa julgada, em que já se erigira a primeira. É manifesta, segundo se verifica dos textos que acabo de ler.

Os embargos declaratórios podem, sem dúvida alguma, ter efeitos modificativos. Sempre votei nesse sentido no antigo Tribunal Federal de Recursos. Os precedentes do Supremo, acerca da matéria, são numero­sos. Assim tenho entendido não só em razão desses precedentes, mas também em face dos próprios dispositivos do Código de Processo Civil. Diz o art. 463 que, "ao publicar a sentença de mérito, o Juiz cumpre e acaba o ofício jurisdicional", só podendo alterá-la, inciso lI, "por meio de embargos de declaração". Então, o Código admite que possa ser o julga­do alterado por meio de embargos de declaração. Da mesma forma, sem­pre sustentei a aplicação desse dispositivo no segundo grau de jurisdi­ção. Assim entendo, porque os embargos de declaração são cabíveis na segunda instância, segundo se verifica no art. 535 do mesmo Código de Processo Civil, com a mesma amplitude em que são aceitos no primeiro grau de jurisdição. E, mais ainda, esses embargos podem ter efeitos modi­ficativos com certas restrições. Sobre o tema, o Regimento do Supremo contém um dispositivo que é muito claro. Eis o que diz o seu art. 338:

"Se os embargos forem recebidos, a nova decisão se limita­rá a corrigir a inexatidão ou a sanar a obscuridade, dúvida, omissão ou contradição, salvo se algum outro ponto da causa tiver de ser apreciado como conseqüência necessária".

No caso, acredito que, quando a parte alega contradição no julga­do, tem razão. O voto do ilustre Relator resume o pedido, cujo acórdão que o acolheu transitou em julgado e, não obstante, dá-lhe interpreta­ção restritiva, não condizente com o decidido. Por reconhecer ofensa à coisa julgada, anulo o segundo acórdão, para restabelecer o exato teor do primeiro aresto, bem refletido no despacho do Presidente da Corte, proferido a fls. 114 dos autos, cujo cumprimento de logo determino.

O SENHOR MINISTRO HÉLIO MOSIMANN: Mas depois ele mu­dou o entendimento.

O SENHOR MINISTRO ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO: Se o Presidente mudou ou não de entendimento não interessa. Estou apenas repetindo aquilo que entendo que a Seção julgou. Este despacho reflete exatamente o teor do julgado.

R. Sup. Trib. Just., Brasí1ia, a. 4, (39): 283-332, novembro 1992. 305

Em conclusão, pois, conheço dos embargos e os recebo para anular o acórdão de folhas 184, proferido no incidente de execução suscitado, determinando que se cumpra integralmente o despacho presidencial de fls. 114.

VOTO

O SR. MINISTRO JOSÉ DE JESUS FILHO: Sr. Presidente. O Eminente Ministro Pádua Ribeiro leu um trecho do relatório feito pelo então Relator, Ministro Ilmar Galvão.

Peço a compreensão e paciência dos Srs. Ministros para ler mais um parágrafo pequeno do Relatório. Diz o Sr. Ministro Ilmar Galvão:

"Com advento do ato ... ... foi indevidamente denegado."

Isso reflete, na conclusão do acórdão, que já foi profundamente debatido.

Mas, Sr. Presidente. O que tenho debatido aqui centenas de vezes, e hoje o faço mais uma vez, é que Mandado de Segurança é ação cons­titucional, com procedimento específico, e na sua execução só há uma forma. A do art. 11: (lê).

"Julgado procedente o pedido ...

... à autoridade coatora."

Essa é a forma de execução. Recebido o expediente, se a autoridade coatora se sentir impossibilitada de cumpri-lo, deveria lançar mão dos embargos de declaração, perfeitamente comportáveis nesta ação.

Nada disto aconteceu, transitou em julgado, e não foi cumprida a decisão tal como foi determinada. Aqui faço uma observação: se oficiais mais modernos, indicados no mandado de segurança, chegaram ao posto de coronel, é evidente que o impetrante, no dia 05 de outubro de 1988, também teria tempo necessário para ser promovido a Coronel. O que não posso entender é como se promove alguém a coronel com as vanta­gens de posto inferior. Não é possível. Ou o cidadão vai a coronel com todos os direitos e vantagens do cargo, ou então não vai a coronel. Esse é o meu entendimento. É preciso. que cada um,· no seu posto, leve as vantagens que o cargo lhe outorga.

O SR. MINISTRO GARCIA VIEIRA (Relator): Sr. Ministro José de Jesus, não é isto que está sendo discutido, data venia. As vantagens do posto não lhe foram negadas, o que está sendo negado é o tempo de serviço e as vantagens que ele está pleiteando por uma outra promoção.

306 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 283-332, novembro 1992.

o SR. MINISTRO JOSÉ DE JESUS FILHO: Sr. Ministro Garcia Vieira. O Ministro Pedro Acio1i concedeu a segurança nos termos do pedido. Na minha compreensão de Juiz, ao dizer que concedeu a segu­rança, e implicitamente o fez nos termos do pedido. Se fosse com restri­ção, o Relator diria: concedo a segurança menos isso ou aquilo. Logo, se concedeu nos termos do pedido, não houve nenhuma restrição ao que foi pedido. O Ministro Pádua colocou bem a questão. O que me causa espé­cie é que o Ministro-Presidente da Seção enviou expediente ao Sr. Mi­nistro, dizendo-lhe o que deveria ser cumprido. O Sr. Ministro respon­deu que não tinha condições de cumprir. O Ministro-Presidente disse ter refletido melhor e recebeu como incidente de execução. Depois de cumprido o artigo 11 da Lei de mandado de segurança. Sinceramente não entendo que, depois de cumprido o art. 11 da Lei, se possa pensar em incidente de execução. Incidente de execução, para quê? E o voto de V. Exa., ao decidir esse chamado "incidente de execução", que para mim não existe, teve o cuidado de nos dizer, em conclusão de voto, o seguin­te: "Acolho o incidente de execução para deixar claro que ao impetrante foi assegurada apenas a promoção na inatividade ao posto de coronel e os efeitos financeiros desta, a partir da promulgação da vigente Consti­tuição Federal."

Veja, V. Exa. decidiu como se embargos de declaração fossem. V. Exa. explicitou o julgado. Por outro lado, V. Exa. deu os efeitos financei­ros dessa promoção. Quer me parecer, Ministro Garcia Vieira, que os efeitos financeiros compreendem tudo aquilo que tem direito um Coro­nel na ativa, normal. Isso é que é anistia. V. Exa. lembra-se que me debati algum tempo aqui sobre esse problema da anistia e V. Exa. até me acompanhou em algumas oportunidades. Tinha critérios objetivos, subjetivos. Vencido, curvei-me à maioria, ressalvei meu ponto de vista e tenho concedido integralmente a segurança em caso de anistia. Hoje estou convencido de que a anistia tem que ser interpretada sem restrição al­guma. Então esqueçamos a punição, esqueçamos o passado e que o Co­ronel impetrante tem o mesmo direito que tiveram seus colegas mais modernos de chegar ao posto com os direitos e vantagens. Se nós res­tringirmos essas vantagens, esses direitos, estaremos praticando uma injustiça. Estaremos dizendo que colegas mais modernos estão com os direitos e vantagens dos posto de coronel. O impetrante, que foi punido, anistiado, esse não tem direito às vantagens. Não seria um critério de justiça, o que não é próprio deste Tribunal.

Feitas essas considerações, Sr. Presidente, também conheço dos embargos com efeito modificativo para não conhecer do incidente de execução, pois acho que não deve ser conhecido como incidente de exe­cução, porque inexiste esse instituto na lei processual adequada.

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 283-332, novembro 1992. 307

EXTRATO DA MINUTA

EDcl no MS nº 287 - DF - (89.0013148-6) - Relator: Exmo. Sr. Ministro Garcia Vieira. Embte.: Hjalmar Luiz de Carvalho Tufvesson. Embdo.: V. Acórdão de fls. 184. Advs.: Inemar Baptista Penna Marinho e outro.

Decisão: Prosseguindo no julgamento, a Seção, por maioria, venci­dos os Srs. Ministros Garcia Vieira (Relator) e Hélio Mosimann (voto vista), conheceu dos embargos e os recebeu para anular o acórdão pro­ferido no julgamento do Incidente de Execução suscitado nos autos, mantendo-se, em sua íntegra, a decisão proferida no julgamento do mandado de segurança (em 11.02.92 - P Seção).

Os Srs. Ministros Demócrito Reinaldo, Gomes de Barros, Pádua Ribeiro e José de Jesus votaram com o Sr. Ministro Peçanha Martins que lavrará o acórdão.

308

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro AMÉRICO LUZ.

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 603 - RJ (Registro nº 90.0009250-7)

Relator: O Exmo. Sr. Ministro Fontes de Alencar Rectes.: Fernando Magalhães Corrêa de Mello e outro T. Origem: Primeiro Tribunal de Alçada Civil do Estado do Rio de

Janeiro Impdo.: Quarto Grupo' de Câmaras Cíveis do Primeiro Tribunal de

Alçada Civil do Estado do Rio de Janeiro Advogados: Drs. Júlio de Miranda Bastos Filho e outro

EMENTA: UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊN­CIA.

A parte, ainda que suscitante, não tem direito processual à instauração do incidente de' uniformi­zação de jurisprudência.

Precedente do Superior Tribunal de Justiça. Recurso denegado. Unânime.

R. sup. Trib. Just, Brasília, a. 4, (39): 283·332, novembro 1992.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indica-das:

Decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por una­nimidade, negar provimento ao recurso, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo, Barros Monteiro e Bueno de Souza votaram com o Relator. Ausente, por motivo justificado, o Sr. Ministro Athos Carneiro.

Custas, como de lei. Brasília, 19 de novembro de 1991 (data do julgamento).

Ministro FONTES DE ALENCAR, Presidente e Relator.

RELATÓRIO

o EXMO. SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR: Trata-se de mandado de segurança contra decisão proferida pelo quarto Grupo de Câmaras do 12 Tribunal de Alçada do Rio de Janeiro por entender que este não poderia julgar agravo regimental contra despacho do Relator que indeferiu de plano ação rescisória, sem antes ter determinado o processamento do Incidente de Uniformização de Jurisprudência susci­tado junto ao agravo.

O Órgão Especial do Tribunal de Alçada Cível do Rio de Janeiro denegou a segurança, nos termos da seguinte ementa:

''Uniformização de jurisprudência. O órgão julgador é soberano para decidir quanto ao processamento ou não de incidente de uniformização de jurisprudência, não importan­do o não acolhimento em supressão de competência." m. 39)

Inconformados, os recorrentes interpuseram recurso extraordiná­rio transformado ipsu iure em recurso ordinário (fl. 77), vindo os autos a esta Corte.

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR (Relator): Con­soante se constata do aresto recorrido o writ foi denegado sob o funda­mento de que

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 283-3:{2, novembro 1992. 309

"c. . .) o órgão julgador é soberano para decidir quanto ao processamento ou não de Incidente de Uniformização de Juris­prudência, o que importa em dizer não ser obrigatório" (fl. 40)

Tal entendimento encontra respaldo na melhor doutrina e na juris­prudência desta Corte, consoante se constata no REsp nº 1.865, relatado pelo eminente Ministro Athos Carneiro, que assim expôs em seu voto:

310

"Não assiste razão à recorrente. O incidente de uniformi­zação busca homogenizar a orientação intra muros de um tri­Qunal, a respeito de quaestio juris sobre a qual os órgãos fra­cionários da corte estejam adotando jurisprudência conflitante,

. que se imponha uniformizar. Não é suficiente, todavia, o mero dissídio eventual, a decisão isolada, ou a decisão antiga, que não mais reflita o pensamento dos integrantes de um órgão fracionário. Ew sendo já conhecida a orientação dominante no pretório, a cujo respeito dúvida não subsista, perde interesse o processamento do incidente, que quando suscitado pela parte poderá constituir-se em mera manobra protelatória.

Revisando opinião anterior, mestre BARBOSA MOREIRA atualmente sustenta qu.'e "deve reconhecer-se ao órgão julgador certa margem de discrição, no exame da conveniência e da opor­tunidade de dar-se curso ao incidente, às vezes suscitado sem motivo sério, ou até com puro e manifesto intuito protelatório. O que ao órgão evidentemente não se abre é a possibilidade de deferir a solicitação ou o requerimento apesar de não reconhe­cer o dissídio. Este funciona, portanto, como pressuposto neces­sário, mas não suficiente" ('Comentários ao Código de Processo Civil', Forense, v. V, 5;) ed., nº 14). Sublinha, mais, que a deli­beração do órgão julgador é irrecorrível, reportando-se, a res­peito, ao magistério de PONTES DE MIRANDA ("Comentários ao Código de Processo Civil" de 1973, t. VI, pág. 35) e de SYD­NEY SANCHES ("Uniformização da Jurisprudência", págs. 40/ 41). (Ibidem., nota 21).

A inexistência de direito processual da parte à instauração do incidente é igualmente defendida por VICENTE GRECO FILHO, aduzindo ele que "na prática dos tribunais, o entendi­mento vigorante é que não é toda jurisprudência sobre a tese jurídica que deve levar à uniformização da jurisprudência, mas apenas aquela que, pela reiteração e repercussão, bem como prognóstico futuro de repetição, convenha se ver uniformizada e consagrada em Súmula" ('Direito Processual Civil Brasileiro', Saraiva, 2Q v., 1984, nQ 82.2).

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 283-3:j2, novembro 1992.

Inexiste, pois, direito processual da parte à instauração do inciden­te de uniformização, cabendo ao órgão julgador certo grau de discricio­nariedade para o seu exame, a fim de evitar protelação da demanda.

Postas as questões nestes termos, não há nenhuma ilegalidade a ser sanada pelo remédio heróico do writ.

Em face do exposto, nego provimento ao presente recurso. É o meu voto.

VOTO

MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO: Estou de inteiro acordo, até porque, na qualidade de relator do Recurso Especial nº 3.835-PR, julgado no dia 2 de outubro de 1990, comunguei da mesma tese em acór­dão que recebeu a seguinte ementa:

"A suscitação do incidente de uniformização de juris­prudência em nosso sistema constitui faculdade, não vincu­lando o juiz, sem embargo do estímulo e do prestígio que se deve dar a esse louvável e belo instituto".

EXTRATO DA MINUTA

RMS nº 603 - RJ - (90.0009250-7) - Relator: Exmo. Sr. Ministro Fontes de Alencar. Rectes.: Fernando Magalhães Correa de Mello e outro. T. Origem: Primeiro Tribunal de Alçada Civil do Estado do Rio de Ja­neiro. Impdo.: Quarto Grupo de Câmaras Cíveis do Primeiro Tribunal de Alçada Civil do Estado do Rio de Janeiro. Advs.: Júlio de Miranda Bastos Filho e outro.

Decisão: A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso (em 19.11.91 - 4" Turma).

Votaram com o Relator os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo, Barros Monteiro e Bueno de Souza.

Ausente, por motivo justificado, o Sr. Ministro Athos Carneiro. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro FONTES DE ALENCAR.

MANDADO DE SEGURANÇA Nº 777 - DF (Registro nº 91.0001700-0)

Relator: O Senhor Ministro Milton Pereira Impetrante: José Lauro Moreira

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 283-332, novembro 1992. 311

Impetrado: Ministro de Estado da Aeronáutica

Advogado: Dr. Antônio Sabino de Oliveira Filho

EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. ADMI­NISTRATIVO. MILITAR. REFORMA POR MOTIVA­çÃO POLÍTICA. ANISTIA. PROMOÇÃO. ART. 8º DO ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRAN­SITÓRIAS. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. LEI Nº 6.683/ 79. EMENDA CONSTITUCIONAL 26/85. LEGITIMIDA­DE DA AUTORIDADE IMPETRADA.

I - Configurada a ação ou omissão, que consubs­tancia a alegada violação de direito, dispondo de autoridade administrativa para cumprir a ordem ju­dicial e, como agente público, defendendo a legalida­de do ato, encarnando a figura da autoridade coato­ra, legitima-se o Senhor Ministro de Estado para integrar a relação processual.

11 - Demonstrada a conotação política da refor­ma, sobrevindo a anistia, assegura-se ao seu benefi­ciário o direito às promoções sucessivas, que teria alcançado se permanecesse na atividade, com as van­tagens patrimoniais, que faz jus, a partir da promul­gação da Constituição (art. 8Q

, ADCT).

lU - Precedentes da Corte. IV - Segurança concedida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas:

Decide a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por una­nimidade, conceder o mandado de segurança, nos termos do voto do Relator, sendo que o Ministro Hélio Mosimann o concedia em maior extensão, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Os Srs. Minis­tros Cesar Rocha, Pádua Ribeiro, José de Jesus, Garcia Vieira, Hélio Mosimann e Gomes de Barros votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Peçanha Martins e Demó­crito Reinaldo.

Custas, como de lei.

312 K sup. Trib. Just., Brasília, H. 4, (39): 283-3:32, novembro 1992.

Brasília, 30 de junho de 1992 (data do julgamento).

Ministro AMÉRICO LUZ, Presidente. Ministro MILTON PEREI­RA, Relator.

RELATÓRIO

o SENHOR MINISTRO MILTON PEREIRA (Relator): JOSÉ LAU­RO MOREIRA, Suboficial RIR da Aeronáutica, com fulcro no art. 5º, incisos XXXV e LXIX c/c o art. 8º, do Ato das Disposições Constitucio­nais Transitórias, impetrou Mandado de Segurança contra ato do Exmo. Sr. Ministro de Estado da Aeronáutica, formulando o seguinte pedido:

"a) seja citada a autoridade coatora assegurada na inicial, Exmo. Sr. Ministro da Aeronáutica, na pessoa de seu represen­tante legal, para responder aos termos do presente, ciente, ain­da, o Douto MP e entidade federal se couber;

b) requer o impetrante que lhe seja assegurado judicial­mente o mesmo tratamento administrativo aplicado aos 3J1.11 Sargentos Claudionor Cardoso de Melo, José Antonio Gnecco e Aldo Augusto Voigt, hoje Tenentes Coronéis Especialistas em Tráfego Aéreo, apontados devidamente nos documentos inclu­sos;

c) finalmente, seja concedido o presente Mandado de Se­gurança ao impetrante, para promovê-lo ao posto de Ten. Cel. Especialista em Tráfego Aéreo, na inatividade, com todos os direitos e vantagens do posto, com os proventos de Coronel e seus consectários, por contar com mais de 35 anos de efetivo serviço, tudo com fulcro no art. 8º do ADCT;

d) após remessa de Ofício ao Exmo. Sr. Ministro da Aero­náutica, para que cumpra imediatamente a decisão proferida." (fl. 7).

Alega o impetrante que, punido pelo Ato Institucional nº 9/64, não pôde cursar a Escola de Oficiais Especialistas e Infantaria de Guarda­EOEIG, que lhe daria condições para as promoções, a exemplo de vários colegas, seus contemporâneos. Sua pretensão, requerida administrati­vamente, não obteve resposta (fl. 3).

O Exmo. Sr. Ministro da Aeronáutica, em suas informações, decla­rou, primeiramente, ser o Superior Tribunal de Justiça incompetente, ratione personae, para julgar o presente Mandado de Segurança. No mérito, aduziu que os exemplos apresentados não representam paradig­mas, já que entraram na Aeronáutica quando o impetrante já era 3º

H. sup. Trib. Just., Brasflia, a. 4, (39): 283-332, novembro 1992. 313

Sargento, ocasião em que poderia ter cursado a EOEIG. Finalmente, disse que não provou, o reclamante, ser titular de direito líquido e certo (fls. 27/33).

A Subprocuradoria-Geral da República, a final, assim se manifestou:

"À promoção, na espécie, ao posto reclamado, haveria de preceder aferição de requisitos, objetivos uns, subjetivos outros, segundo o Estatuto dos Militares, com as peculiaridades fixadas em Regulamento de cada Força, o que afasta a viabilidade da ascensão profissional postulada, automaticamente.

Com a promoção, portanto, efetivada sob os auspícios da Lei 6.683/79 e da EC 26/85, exauriram-se, para o impetrante, os benefícios da anistia.

Pela denegação da ordem." (fls. 48/53).

É o relatório.

VOTO - PRELIMINAR

O SENHOR MINISTRO MILTON PEREIRA (Relator): Sr. Minis­tro-Presidente e Srs. Ministros, destaquei uma preliminar que cuida da alegada incompetência ratione personae do Sr. Ministro da Aeronáutica; todavia, dou-me conta, pelos debates nesta Seção, que esta matéria está vencida. Sendo assim, tenho como superada a questão preliminar e vou ao mérito, dando-a por repelida, conforme os fundamentos registrados no voto preliminar, apresentado como destaque.

VOTO - PRELIMINAR

O SENHOR MINISTRO MILTON PEREIRA (Relator): Nas infor­mações foi suscitada a incompetência desta Corte - ratione personae -pelo fato de que "seu pedido, inespecífico, pois pleiteou genericamente os benefícios da anistia do artigo 8Q do ADCT, foi, na verdade, apreciado pela Comissão de Anistia criada pela Diretoria de Administração do Pessoal da Aeronáutica, a qual opinou pela promoção do impetrante à graduação de Suboficial" e que "coube ao Diretor da Diretoria de Admi­nistração do Pessoal da Aeronáutica - DIRAP, a prática do ato de pro­moção do impetrante à graduação de Suboficial, com proventos do posto de 22 Tenente:"

Em outros casos, por maioria, esta Seção não tomou conhecimento da segurança; como exemplo, esta ementa:

314 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 283-332, novembro 1992.

"Militar - Transferência para a Reserva Remunerada - Promoção - Ato do Comandante-Geral do Pessoal.

Inexiste ato praticado pelo Excelentíssimo Senhor Mi­nistro de Estado da Aeronáutica, embora a ele dirigido o requerimento. O impetrante indicou que "o ato atacado encontra-se às fls. 32, firmado pelo subordinado do Minis­tro de Estado, o Maj. Inf., resp. pela Comissão de Anistia."

Mandado de Segurança não conhecido" (MS n!! 576-STJ - ReI. Min. Garcia Vieira - in DJU de 10.02.92).

Não obstante, deve ser anotado que o Senhor Ministro da Aeronáu­tica, embora argüindo essa preliminar, com expresso endosso, encam­pando o ato, nas informações, enfaticamente, classificando de falsos os argumentos da impetração, sustentou a impossibilidade legal das pro­moções objetivadas pelo Impetrante, concluindo não ser o mesmo deten­tor de direito líquido e certo. Vale dizer: como autoridade hierarquica­mente superior, com competência decisória, assumiu a responsabilidade administrativa pelas conseqüências do ato indeferitório.

Além do mais, como bem assinalaram os Srs. Ministros Peçanha Martins e Américo Luz, respectivamente, votando no MS n!! 576-DF -Relator o Sr. Ministro Garcia Vieira:

"Não é competente quem quer, mas quem pode, segun­do a norma de direito". (Caio Tácito, in Abuso de Poder Administrativo no Brasil, Rio, 1959, pág. 27).

No caso dos autos, o despacho denegatório da anistia foi proferido pelo Comandante-Geral do Pessoal (doc. de fl. 32).

A competência administrativa, porém, é intransferível e improrrogável pela vontade.dos interessados. Trata-se de requi­sito de ordem pública, e somente a lei pode facultar a delegação de competência, como esclarece Hely Lopes Meirelles (in Direi­to Administrativo Brasileiro, 8;! ed., RT, pág. 125).

A Constituição Federal, no seu art. 84, inciso XII, atribui competência privativa ao Presidente da República para "conce­der indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em lei". No parágrafo único do mesmo arti­go, permite-se-Ihe "delegar as atribuições mencionadas nos in­cisos VI, XII e XXV, primeira parte, aos Ministros de Estado, ao Procurador-Geral da República e ao Advogado-Geral da União, que observarão os limites traçados nas respectivas de­legações".

Definindo a competência dos Ministros de Estado, a Carta Magna, no seu art. 87, parágrafo único, inciso IV, determina:

R. sup. TI·ib. JusL, Brasília, a. 4, (39): 283-332, novembro 1992. 315

316

"IV - praticar os atos pertinentes às atribuições que lhe forem outorgadas ou delegadas pelo Presidente da Re­pública."

A Lei 6.683, de 28.08.1979, que "concede anistia e dá ou­tras providências", dispõe, por seu turno, no art. 2Q e inciso I:

"Art. 2Q - Os servidores civis e militares demitidos,

postos em disponibilidade, aposentados, transferidos para a reserva ou reformados, poderão, nos cento e vinte dias se­guintes à publicação desta lei, requerer o seu retorno ou reversão ao serviço ativo:

I - se servidor civil ou militar, ao respectivo Ministro de Estado."

O Decreto nQ 84.143, de 31.10.1979, que regulamenta a Lei nQ 6.683, de 28.08.1979, que concede anistia e dá outras provi­dências, estabeleceu nos seus artigos 8Q

, I, e 14, o seguinte:

"Art. 8Q - O requerimento de retorno ou reversão ao

serviço ativo, contendo o nome do requerente, o cargo que exercia à data da punição, bem como a data do ato puniti­vo, será dirigido:

I - pelo servidor militar ou civil da Adminis­tração Direta e Indireta, bem como de Fundação vinculada ao Poder Público, ao respectivo Ministro de Estado."

"Art. 14 - A decisão será proferida por autoridade indicada no artigo 8Q

, ou pelo Presidente da República quan­do lhe competir o provimento do cargo, com base no proces­so devidamente instruído pela Comissão, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias seguintes ao recebimento do pedido."

O art. 8Q do Ato das Disposições Constitucionais Transitó-rias ampliou a concessão da anistia e não revogou as disposi­ções contidas na Lei nQ 6.683 e no Decreto nQ 84.143, que a regulamentou, ao menos quanto à competência para apreciar o requerimento. Incide, pois, o princípio da recepção, e a doutrina é unânime em proclamar a indelegabilidade da competência para o exercício de atos de natureza política. Demais disso, a delegação somente poderá operar-se mediante norma que a autorize".

"A princípio, na edição dos atos de exceção, a competência para cassar direitos políticos e suas conseqüências era exclusi­va do Presidente da República. Posteriormente, com a edição do

R Sup. Trib. Just., Brasflia, a. 4, (39): 283-332, novembro 1992.

Ato Complementar nº 39/68, art. 1º, inciso n, o Presidente da República delegou essa competência aos Ministros de Estado.

Portanto, em se tratando de ato político, essa delegação do Presidente da República aos Ministros foi legítima, porque feita por ato de natureza constitucional. Mas, daí para frente, o Ministro delegar a um oficial comandante tal competência tor­nou-se impossível ex ui legis. Tanto que na opinião de Hely Lopes Meirelles, que é dada em âmbito mais restrito, que é o do Direito Administrativo, os atos políticos são indelegáveis.

Ora, se em atos de natureza inferior a autoridade adminis­trativa não pode delegar competência, em se tratando de fato político, quanto mais em fatos de natureza constitucional".

E, na verdade, no caso, face à hierarquia militar, entendo que, concreta e especificamente a execução ou inexecução do ato impugnado e, mais que isso, as suas conseqüências administrativas, resultarão da vontade maior do Sr. Ministro da Aeronáutica que dispõe de competên­cia para cumprir a ordem judicial.

Por isso, dirigir essa determinação ao inferior hierárquico seria colocá-lo diante do superior, sem condições para invalidar orientação ou determinação deste, com dificuldade funcional para a execução da or­dem judicial.

Na espécie, de qualquer modo, como prenunciado, o Sr. Ministro da Aeronáutica - como agente público - nas informações, defendendo a legalidade do ato, bem encarna a figura da autoridade coatora.

Com essas razões, para firmar o Senhor Ministro da Aeronáutica na relação processual como autoridade coatora, rejeito a preliminar da sua ilegitimidade passiva ad causam, de conseguinte, definindo-se a competência desta Corte, a fim de ser examinado o mérito da impetra­ção.

VOTO - MÉRITO

o SENHOR MINISTRO MILTON PEREIRA (Relator): Em comu­nhão com o exposto, afastada a questão preliminar, parcialmente reco­nhecendo o direito às objetivadas promoções sucessivas até o implemen­to pela idade, verificado o tempo de permanência no serviço ativo, em submissão aos prazos estabelecidos na legislação de regência e, ainda, porque falta a prova documental da conclusão do curso de segundo grau, até o posto de Capitão, concedo a segurança. Deixo registrado que, no meu entender, quanto às promoções até o posto de Tenente-Coronel, tra-

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 283-332, novembro 1992. 317

tando-se de oficial superior, pelas suas peculiares exigências, somente em ação ordinária seria viável o exame das questões pertinentes.

VOTO (MÉRITO)

O SENHOR MINISTRO MILTON PEREIRA (Relator): O impetran­te, historiando que, com a rubrica de punição, como Sargento, conside­rada a proporcionalidade do seu tempo de serviço, foi reformado pelo Ato Institucional de 09 de abril de 1964, comentou que:

"O impetrante, a exemplo de milhares de brasileiros puni­dos violentamente pelos Atos Institucionais, foi atingido pelo Ato de 9 de abril de 1964, do Excelentíssimo Senhor Presidente da República, o impetrante possuía todos os requisitos para ingressar na Escola de Oficiais Especialistas e Infantaria de Guarda - EDEIG, em Curitiba, exclusiva para Sargentos Es­pecialistas, para prosseguir sua carreira militar, não o fazendo por ter sido demitido pelo AI.

Seus contemporâneos, alunos da Escola de Especialistas da Aeronáutica, e posteriores, vários deles são Oficiais na ina­tividade, e Claudionor Cardoso de Melo, Aspirante em 15 de dezembro de 1967, promovido a Ten .. Cel. em 30 de abril de 1984, José Antonio Gnecco, Aspirante de 12.12.68 e Ten. Cel. em 31.08.85, e Aldo Augusto Voigt - promovido a Aspirante em 08.08.69 e a Ten. Cel. em 31 de agosto de 1985. Todos mais modernos do que o impetrante (Doc. 2, anexo).

Entretanto, face ao que determina o artigo 8º das Disposi­ções Constitucionais Transitórias, e com apoio no Dec. 98.333, de 24 de outubro de 1989, do Exmo. Sr. Presidente da Repúbli­ca, "para baixarem todos os Atos necessários à execução do disposto no artigo 8Q e seus parágrafos" deveria em paridade e isonomia com seus colegas mais modernos Claudionor Cardoso de Melo, José Antônio Gnecco e Aldo Augusto Voigt, ter sido promovido a Ten. Cel.

Trata-se ainda de obter em eqüidade com a solução judi­cial e administrativa dada para o agora Ten. Cel. Esp. Com. JOÃO FERREIRA DA SILVA, MS 109-DF, e o Capo LUCIO REZENDE E SILVA - MS 402-DF".

À palma os antecedentes e a legislação aplicável, comporta verifi­car o alegado direito líquido e certo, pressuposto maior da pretendida segurança.

318 R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 283-332, novembro 1992.

Sucedeu que, editada a Lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979, re­formado na graduação de Terceiro Sargento, na esteira da Emenda Constitucional 26/85, promovido a Suboficial da Reserva, com proventos de 2º Tenente, promulgada a Constituição de 1988 (art. 8º - ADCT), conforme o seu pleito, tem direito às promoções sucessivas.

Pois a reforma, por força de Ato Institucional, teve inequívoca motivação política e, no particular, não foi contestada nas informações prestadas pela digna autoridade impetrada.

Em assim sendo, no lanço amplo das considerações, a reforma em causa, para reparação, tem a seu favor as benesses da Lei nº 6.683/79, da Emenda Constitucional 26/85 e as contidas no art. 8º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (Constituição de 1988), com pá de cal anistiando as punições com base em Atos Institucionais ou Com­plementares, não decorrentes de transgressão disciplinar baseada na legislação ordinária (RE 20.287 - STF - ReI. Min. Soares Munoz - in RTJ 104/90 -; RE 114.869 - STF - ReI. Min. Carlos Madeira - in DJU de 18.11.88 -; RE 116.028 - STF - ReI. Min. Célio Borja - in DJU de 31.03.89 -; RE 116.130 - STF - ReI. Min. Octávio Gallotti­in DJU de 09.12.88 -; RE 116.386 - STF - ReI. Min. Oscar Corrêa­in DJU de 03.03.89 -; RE 116.589 - STF - ReI. Min. Carlos Madei­ra).

Desse modo, no caso, a trato de reforma decidida por razões de cunho nitidamente político, arrimada em Ato Institucional e não com amparo na legislação ordinária, ressoam fortes os efeitos da anistia, com o reconhecimento dos direitos que a parte interessada teria se estivesse no serviço ativo (MS 236 - STJ - ReI. Min. Américo Luz - in DJU de 06.08.90; MS 115.109 - TFR - ReI. Min. Assis Toledo - in Rev. TFR 1541360).

Resta verificar se, na ativa, ao ser acolhido pela punição institucio­nal, segundo o Estatuto dos Militares e regulamentação pertinente, já preenchia ou não as condições administrativas afins à suas qualifica­ções funcionais, assentamento indispensável para o direito às promoções na carreira dos graduados e do Quadro Auxiliar de Oficiais.

Com essa linha de pensar, as dificuldades apontadas nas informa­ções, sob o custeio de conjecturas ou com lastro subjetivo de que "aten­der o pleito do Impetrante seria, data uenia, garantir a ele, na reserva, mais do que aquilo que conseguiram alguns poucos na ativa, pois limi­tadíssimo o número de vagas; seria o absurdo de conceder-lhe mais do que teria conseguido se na ativa estivesse ... " (fl. 32), não atrai o aplauso da ~oncordância. É que, a falar em promoções e não em reversão à ati­vidade, em contrário, ganha relevo a antítese: não tivesse ocorrido a

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 283-332, novembro 1992. 319

reforma, os óbices da sanção política poderiam ter sido afastados e as promoções teriam ocorrido. Com essa compreensão, demais, por ficção legal, edifica-se solução justa, evitando-se que fique inócuo o alcance da anistia.

São benefícios administrativos, desde a Lei nQ 6.683/79, explicitada no Decreto nQ 84.143/79, reforçados na EC 26/85 e ungidos na vigência da nova ordem constitucional (art. 8Q

, ADCT).

Tratando-se de destinatário da anistia ampla, reparadora de san­ções decorrentes de "motivação exclusivamente política", no caso, garante as "promoções na inatividade ... como ... se estivessem em serviço ativo" (art. 8Q

, ref.). São as decorrências da isonomia com os colegas que per­maneceram na atividade (fl. 14).

Em comunhão com o exposto, afastada a questão preliminar, parcial­mente, reconhecendo o direito às objetivadas promoções sucessivas até o implemento pela idade, como tempo de permanência no serviço ativo, com submissão aos prazos estabelecidos na legislação de regência e, ain­da, porque falta a prova documental de conclusão do curso do segundo grau, até o posto de Capitão, concedo a segurança.

Deixo explicitado, quanto às vantagens patrimoniais, que faz- jus a partir da promulgação da Constituição de 1988 (art. 8Q

, ADCT).

Descogita-se de honorários advocatícios (Súmula 512 - STF).

É o voto.

VOTO-VOGAL

O SENHOR MINISTRO HÉLIO MOSIMANN: Senhor Presidente, tenho ponto de vista a respeito da matéria no sentido de que só se pode exigir aquele grau de escolaridade onde a lei prevê. Pelo que me foi dado conhecer, na Aeronáutica, essa exigência começou em 1980. Antes dis­so, a lei que criou o Curso de Formação de Oficiais, que é de 1950, se não me engano, e o decreto que a regulamentou, que é de 1952, não previam tal requisito. Neste caso, como não havia essa prévia exigência da escolaridade mínima, e como, segundo o Eminente Relator acaba de nos informar, o impetrante não se submeteu ao concurso para o curso de especialização, apenas porque foi excluído da Força, estou votando pela concessão da segurança, de acordo com os precedentes, inclusive da Seção de hoje, nos termos do art. 8Q do Ato das Disposições Transi­tórias.

320 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 283-332, novembro 1992.

EXTRATO DA MINUTA

MS nQ 777-0 - DF - (91.0001700-0) - Relator: Exmo. Sr. Minis­tro Milton Pereira. Impte.: José Lauro Moreira. Adv.: Antonio Sabino de Oliveira Filho. Impdo.: Ministro de Estado da Aeronáutica.

Decisão: A Seção, por unanimidade, concedeu o mandado de segu­rança, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator, sendo que o Ministro Hélio Mosimann o concedia em maior extensão (em 30.06.92 - li! Se­ção).

Os Srs. Ministros Cesar Rocha, Pádua Ribeiro, José de Jesus, Gar­cia Vieira, Hélio Mosimann e Gomes de Barros votaram com o Sr. Mi­nistro Relator.

Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Peçanha Martins e Demóc~ito Reinaldo.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro AMÉRICO LUZ.

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA NQ 1.251-0 - MS

(Registro nQ 91.0017877-2)

Relator: O Exmo. Sr. Ministro Fontes de Alencar Rectes.: Sônia Felix Figueiro e outros T. Origem: Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul Impdo.: Juízo de Direito da lOª Vara Cível de Campo Grande-MS Litis.: Sociedade Miguel Couto dos Amigos do Estudante Advogado: Dr. Antonino Moura Borges

EMENTA: DESPEJO. EMBARGOS DE TERCEffiO. Contra mandado de despejo impróprios são em­

bargos de terceiro. Recurso denegado. Unânime.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas:

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 283-332, novembro 1992. 321

Decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por una­nimidade, negar provimento ao recurso em mandado de segurança, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo, Barros Monteiro e Bueno de Souza votaram com o Rela­tor. Ausente, por motivo justificado, o Sr. Ministro Athos Carneiro

Custas, como de lei.

Brasília, 02 de junho de 1992 (data do julgamento).

Ministro FONTES DE ALENCAR, Presidente e Relator.

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR: Trata-se de recurso ordinário em mandado de segurança

"para pedir o EFEITO SUSPENSIVO do mandado de des­pejo" - (sic) - (fl. 115), com pedido de liminar "para suspender o mandado de despejo sobre as áreas dos impetrantes descritas in causa petendi enquanto discutir o recurso de apelação inter­posto ~os embargos de terceiro ... " - (sic) - (fl. 117).

Indeferida liminarmente a petição inicial do mandado de seguran­ça (fls. 81 e 82), foi manifestado contra a tal decisão agravo regimental (fls. 02 a 07), a que a Seção Cível do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul negou provimento, em acórdão assim sumariado:

"AGRAVO REGIMENTAL.- MANDADO DE DESPE­JO EXPEDIDO EM CUMPRIMENTO A DECISÃO JUDI­CIAL - ALEGAÇÃO DE CONFUSÃO DE LIMITES EN­TRE PROPRIEDADES - DISCUSSÃO IMPRÓPRIA EM SEDE DE MANDADO DE SEGURANÇA - REJEIÇÃO.

Quando o Juiz não comete alguma ilegalidade ao de­terminar a expedição de mandado de despejo, quando se discute questão de limites entre propriedades em sede de mandado de segurança, impõe-se a aplicação do artigo oita­vo, caput, da Lei nº 1.533/51." (FI. 90)

Inconformados, os recorrentes interpuseram recurso ordinário, sen­do os autos encaminhados a esta Corte.

A Subprocuradoria-Geral da República opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 192 a 194).

322 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 283-332, novembro 1992.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR (Relator): O parecer da lavra do Dr. Vicente de Paulo Saraiva, eminente Subprocu­rador-Geral da República, de que extraio o trecho abaixo, bem elucida a controvérsia:

"(. .. ) o mandamus objetiva "suspender o mandado de des­pejo sobre as áreas dos impetrantes ... enquanto discutir o re­curso de apelação nos embargos de terceiro" (fls. 117 - negri­tos não-originais, assim como os das futuras transcrições). Ale­ga "lesão grave e de difícil reparação" (ib.), decorrente sobretudo da imprecisão na descrição da área desocupada, constante do mandado de despejo (fls. 163).

1.3 O writ foi indeferido, liminarmente também, pelo iL Desembargador-Relator, firmando-se S. Exa. no art. 8º da Lei nº 1.533/51 (fls. 81/82).

1.4 Já no agravo regimental, explicam os agravantes que "O QUE SE PRETENDE COM O PRESENTE MANDADO DE SEGURANÇA É DAR EFEITO SUSPENSIVO AOS EMBAR­GOS DE TERCEIRO" (fls. 04).

Rejeitado o agravo pela Eg. Seção Cível do TJMS (fls. 84/ 91), c/ pub1. no DO de 25/06/91 (fls. 92), foi tempestivamente interposto o presente RMS aos 27 do mesmo mês (fls. 94/97).

2. Crescente jurisprudência é no sentido de que "a senten­ça de despejo não pode ser equiparada a qualquer dos atos de apreensão judicial previstos no art. 1.046, do CPC, e, portanto, contra ela não cabem embargos de terceiro" (TJSC, 3ª CC, AC 20.752, j. 15/05/84 - JC 44/97).

No mesmo sentido: TJSP, 9ª CC, AC 140.549, j. 29/12/81-RF 284/261; 2º TACiSP, 9ª Câm., AC 128.911 - RT 553/183; id., 1ª Câm., AC 135.807, j. 05/10/81 - RT 560/160; id., 3ª Câm., AC 133.722, j. 23/11/81 - RT 558/129; id., 4ª Câm., AC 147.348, j. 05/10/82 - RT 566/144; id., 6ª Câm., Ag 156.950, j. 10/05/83 - ADCOAS/84, nº 94.547; id., 4ª Câm., 153.923, j. 12/ 05/83; id., 1ª Câm., AC 169.515-0, j. 13/08/84 - RT 591/160.

2.1 Se por um lado descabem os embargos de terceiro, por outro lado, também não, a segurança.

88), Porquanto, como argumenta o V. Acórdão recorrido (fls.

"Da douta impetração infere-se que os impetrantes, na verdade, querem impedir a execução de sentença proferida

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 283-332, novembro 1992. 323

em ação de despejo intentada contra Pedro Figueiró, ao argumento de que a execução da sentença pela forma inde­terminada da coisa e pelo mandado expedido está objetivan­do também a posse e propriedade dos embargos que não se confunda com a g1eba da exeqüente (fls. 04).

Entrementes, o juiz determinou a expedição do man­dado de despejo após a sentença de procedência ter sido confirmada pelo Tribunal de Justiça, razão por que não se pode vislumbrar nenhuma ilegalidade ou abuso de poder. De outro tanto, se a área, objeto do mandado de despejo, extrapola os limites da de propriedade da Sociedade Miguel Couto dos Amigos dos Estudantes, adentrando em proprie­dade dos impetrantes, é questão que, à evidência, não pode ser discutida através da via estreita do mandado de segu­rança, exigindo, inclusive, exame técnico".

Pelo desprovimento do recurso, em decorrência." (fls. 193 a 194).

Os argumentos expendidos merecem in totum acolhimento, porquan­to demonstrado está de forma inequívoca a inviabilidade do writ, pois impróprios os embargos de terceiro para atacar mandado de despejo e não se presta a Segurança para a discus~ão sobre provas.

Em face do exposto, nego provimento ao presente recurso.

EXTRATO DA MINUTA

RMS nº 1.251-0 - MS - (91.000178772) - Relator: Exmo. Sr. Ministro Fontes de Alencar. Rectes.: Sônia Felix Figueiro e outros. Adv.: Antonino Moura Borges. T. Origem: Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Su1. Impdo.: Juízo de Direito da 10ª Vara Cível de Cam­po Grande-MS. Litis.: Sociedade Miguel Couto dos Amigos do Estudan­te.

Decisão: A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso em mandado de segurança (em 02.06.92 - 4ª Turma).

Votaram com o Relator os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo, Barros Monteiro e Bueno de Souza.

324

Ausente, por motivo justificado, o Sr. Ministro Athos Carneiro ..

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro FONTES DE ALENCAR.

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 283-332, novembro 1992.

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA N!! 1.422-0 - RJ

(Registro n!! 91.0023474-5)

das:

Relator: Exmo. Sr. Ministro José de Jesus Filho

Recorrente: Lucilane Narciso Pantoja

Recorrido: Estado do Rio de Janeiro

T. Origem: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro

Impetrada: Secretária de Educação do Estado do Rio de Janeiro

Advogados: Drs. Carlos Alberto Patrício de Souza e Sônia Maria G. de Carvalho

EMENTA: Concurso público para o magistério estadual. Inscrição indeferida. Limite de idade.

A concessão da liminar em mandado de seguran­ça deu ensejo à inscrição da candidata ao certame no qual veio a ser aprovada e vem exercendo o ma­gistério aproximadamente há dois anos, consolidou no tempo uma situação de fato e de direito, pois o limite de idade ficou sanado pela proteção judicial da liminar cuja suspensão não foi pedida.

Recurso ordinário conhecido e provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indica-

Decide a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Hélio Mosimann, Peçanha Martins e Pádua Ribeiro. Ausente, justificadamen­te, o Sr. Ministro Américo Luz.

Custas, como de lei.

Brasília, 16 de setembro de 1992 (data do julgamento).

Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, Presidente. Ministro JOSÉ DE JESUS FILHO, Relator.

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 283-332, novcmlJ!"o 1992. 325

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO JOSÉ DE JESUS FILHO: A controvérsia foi assim relatada no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:

"Trata-se de mandado de segurança, impetrado em face da Exma. Secretária de Estado de Educação, objetivando a impe­trante sua inscrição para participar do concurso para o cargo de Professor n, visto que, não tendo dezoito anos, foi impedida de inscrever-se.

A Constituição Federal, no seu artigo 7Q, XXX, assegura à impetrante a inscrição no certame, daí o direito líquido e certo que postula.

Deferida a liminar, vieram as informações prestadas pela FESP, entidade que realiza o concurso.

A douta Procuradoria-Geral opinou pela denegação da or­dem, se não acolhida a ilegitimidade passiva de parte, enquanto que a Procuradoria da Justiça é pelo conhecimento do manda­mus e pela sua denegação."

A segurança veio a ser denegada por maioria de votos.

Daí o recurso ordinário da impetrante, argumentando que o v. acór­dão recorrido teria malferido o direito consumado, posto que com a sua posse e o exercício de sua função de professor tornou inócua a seguran­ça impetrada assim como a própria liminar. Nesta Superior Instância, opinou a douta Subprocuradoria-Geral da República pelo improvimento do recurso.

326

É este o relatório.

VOTO

EMENTA: Concurso público para o magistério esta­dual. Inscrição indeferida. Limite de idade.

A concessão da liminar em mandado de segurança deu ensejo à inscrição da candidata ao certame no qual veio a ser aprovada e vem exercendo o magistério aproximadamen­te há dois anos, consolidou no tempo uma situação de fato e de direito, pois o limite de idade ficou sanado pela prote­ção judicial da liminar cuja suspensão não foi pedida. Re­curso ordinário conhecido e provido.

R Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 283-332, novembro 1992.

o SR. MINISTRO JOSÉ DE JESUS FILHO (Relator): Por força da liminar concedida no mandado de segurança a impetrante inscreveu-se no concurso e veio a ser aprovada, classificada, nomeada e empossada no cargo de Professor 11 do Magistério Público Estadual do Rio de Ja­neiro e encontra-se em pleno exercício fls. 44. Em razão do poder desses fatos aplica-se o arbítrio do bom varão o argumento do fato consumado, pois o limite de idade ficou sanado pela proteção judicial da liminar cuja suspensão não foi pedida, consolidando uma situação de fato e de direito dã impetrante no tempo, pois vem exercendo o magistério aproximada­mente há dois anos desaconselhando sua desconstituição. Por isso mes­mo acredito que a solução alvitrada pela douta minoria representada pelo douto voto do Des. José Domingos Moledo Sartori foi a melhor, data venia, e vale a pena transcrever:

"Nada objetaria aos termos do v. acórdão não fora circuns­tância muito peculiar do presente caso transmudando a questão a ponto de que, a reverenciar-se o excesso de direito, se estará homenageando o summum jus, summa injuria.

É que, por força da liminar, a impetrante prestou as pro­vas, sendo aprovada e nomeada; exerce o magistério, já com matrícula registrada, sendo de notar que alcançou o limite mínimo de idade para a função pública.

De ver que o limite mínimo é de ser visto como necessário para o ingresso do candidato, ao pressuposto de que só após atingir certo estágio da vida, capacita-se a pessoa para o mister público.

Como diz Gascon Y Marin, Tratado de Derecho Admi­nistrativo, 1F ed., Madrid, 1950, pág. 290, "a idade está em relação não só com as condições materiais do desenvolvimento físico para o desempenho das funções, como também do desen­volvimento para o desempenho das funções, como também do desenvolvimento intelectual, sendo um meio de exclusão daque­la a quem não se supõe com aptidão para o exercício do cargo."

Ora, aptidão, demonstrou-a a impetrante, que aprovada e nomeada.

Desconstituir todo o procedimento que resultou na nomea­ção da impetrante não me parece jurídico e justo. O Juiz afinal deve saber e tentar converter o direito em justiça.

Repare que foi presidente da União Internacional dos Ma­gistrados.

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 283-332, novembro 1992. 327

"Placé entre laregidité de la loi et la vie, "le magistrat, selon le mot magnifique de Malraux, transforme le droit en Justice". (Hommenage à Jean Louis Ropers, Arti gráfiche Edi­toriali AgefUrbino, pg. 73)".

Tenho por inaceitável a' solução ditada pela maioria, tanto mais que, não fora a liminar, teria a impetrante a possibilidade de prestar concurso subseqüente.

Não é humano que, a essa altura, se retire da jovem o posto que galhardamente conquistou, e que não se sabe se re­conquistará em certames futuros."

Pelo exposto, conheço do recurso e dou-lhe provimento para refor­mar o acórdão recorrido e tornar definitiva a liminar concedida.

É o meu voto.

EXTRATO DA MINUTA

RMS nl! 1.422-0 - RJ - (91.0023474-5) - Relator: Exmo. Sr. Mi­nistro José de Jesus. Recte.: Lucilane Narciso Pantoja. Advogado: Car­los Alberto Patrício de Souza. T. Origem: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Impda.: Secretária de Educação do Estado do Rio de Janeiro. Recdo.: Estado do Rio de Janeiro. Advogada: Sônia Maria G. de Carvalho

Decisão: A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso ,(em 16:09.92 - 2f! Turma).

Participaram do julgamento os Srs. Ministros Hélio Mosimann, Peçanha Martins e Pádua Ribeiro.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Américo Luz.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RI­BEIRO.

328

MANDADO DE SEGURANÇA Nl! 1. 736-3 - DF

(Registro nl! 92.0013958-2)

Relator: O Exmo. Sr. Ministro Humberto Gom,es de Barros

Impetrante: João Benedito de Sousa

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 283-332, novembro 1992.

Impetrados: Secretário de Administração Federal e Ministro de Estado da Aeronáutica

Advogados: Drs. Luiz Carlos Martins da Silva e outro

EMENTA: ADMINISTRATIVO - VENDA - IMÓ­VEIS FUNCIONAIS - SERVIDORES CIVIS DOS MI­NISTÉRIOS MILITARES.

Incluem-se entre os imóveis a serem vendidos pela União, aqueles administrados pelas Forças Ar­madas, mas utilizados por servidores civis (Decreto nº 99.266/90 - art. 1º, § 2º).

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, em conceder o mandado de segurança. Votaram com o relator os Srs. Ministros Mil­ton Pereira, Cesar Rocha, José de Jesus, Hélio Mosimann, Peçanha Martins e Demócrito Reinaldo. Ausentes, justificadamente, os Srs. Mi­nistros Américo Luz e Garcia Vieira.

Custas, como de lei. Brasília, 08 de setembro de 1992 (data do julgamento).

Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, Presidente. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Relator.

RELATÓRIO

O EX1\10. SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS: Mandado de Segurança, com pedido de liminar, impetrado por João Benedito de Sousa contra alegados atos omissivos do Senhor Ministro da Aeronáutica e do Senhor Secretário da Administração Federal da Presidência da República, consistentes em obstar cadastramento desti­nado à formalização de intenção de compra de imóvel funcional de pro­priedade da União, nos termos da Lei 8.025/90, regulamentada pelos Decretos 99.266/90 e 99.664/90.

Aduz o impetrante que é legítimo e regular ocupante de imóvel residencial da União, instruída a inicial com o respectivo termo de ocu­pação.

H. Sup. 1'1;b. Just., Brasília, a. 4, (39): 283-332, novembro 1992. 329

A impetração vem fundamentada em alegação de cerceamento a di­reito líquido e certo, face à omissão das autoridades apontadas coatoras, as quais não vêm permitindo o cadastramento junto à SAF-PR para as provi­dências administrativas pertinentes ao procedimento alienatório.

Com a ordem de segurança objetiva o impetrante:

"1. Cadastramento dos impetrantes pelo Ministério da Aeronáutica e remessa dos respectivos cadastros à SAFIPR.

2. A cargo da SAFIPR deverá ser providenciado: Determinação para que a CEF proceda a avaliação dos

imóveis dos impetrantes;

Publicação formal dos nomes dos impetrantes no rol de legítimos ocupantes no Diário Oficial da União para fins de alienação" (fls. 6-7).

Processado sem liminar, e solicitadas as informações, prestou-as o Ministro da Aeronáutica argüindo preliminarmente:

a - ausência de ato violador de direito;

b - inexistência de direito líquido e certo.

Quanto ao mérito, sustenta a improcedência da pretensão deduzi­da, ao argumento de que a ocupação dos imóveis residenciais, adminis­trados pelas Forças Armadas, por servidores civis, se faz a título precá­rio, a lhes retirar o direito à aquisição postulada.

Por seu turno, o Secretário da Administração Federal, prestando as informações requisitadas, em análise dos dispositivos legais pertinen­tes, reconhece o direito à alienação dos imóveis funcionais que, apesar de administrados pelas Forças Armadas, fossem ocupados por servido­res civis (fls. 21).

Parecer do Ministério Público Federal, oferecido pelo E. Subprocu­rador-Geral da República José Arnaldo da Fonseca, opinando pela con­cessão da segurança circunscrita à remessa do requerimento e cadastra­mento à Secretaria da Administração Federal, para que esta os aprecie, deferindo ou não a pretensão de compra do imóvel; à luz da legislação aplicável.

330

É o relatório.

VOTO

EMENTA: ADMINISTRATIVO - VENDA - IMÓ­VEIS FUNCIONAIS - SERVIDORES CIVIS DOS MINIS­TÉRIOS MILITARES.

R Sup. Trib. Jus!", Brasília, a. 4, (39): 283-332, novembro 1992.

Incluem-se entre os imóveis a serem vendidos pela União, aqueles administrados pelas Forças Armadas, mas utilizados por servidores civis (Decreto n2 99.266/90 - art. 12, § 22).

o EXl\tIO. SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS (Re­lator): De início, cumpre examinar as preliminares suscitadas.

Argúi o Senhor Ministro da Aeronáutica, ausência de ato coator, posto não haver indeferido requerimento do impetrante, no tocante a ato que devia praticar.

Todavia, o princípio dainafastabilidade da função jurisdicional, consagrado no art. 52, XXXV, da Constituição, não admite que se condi­cione o ingresso em juízo ao prévio exaurimento das vias administrati­vas.

Ademais, na parte das informações concernentes ao mérito, revela­se clara resistência à pretensão do impetrante, a caracterizar a lide.

Afasta-se, por igual, a alegação de inexistência de direito líquido e certo, porquanto destituída de qualquer fundamentação.

Assinale-se que a petição inicial vem instruída com o termo de ocu­pação do imóvel pelo servidor. Por outro lado, as informações não refu­tam o fato de ser o impetrante servidor civil, nem tampouco a legitimi­dade e a regularidade da ocupação demonstrada.

Ultrapassadas as preliminares, passo a examinar o mérito da segu­rança pleiteada.

O impetrante objetiva no presente mandamus o cadastramento do imóvel funcional de que é ocupante, com a respectiva remessa à Secre­taria da Administração Federal, para que esta diligencie os procedimen­tos cabíveis para fins de alienação.

A matéria é conhecida nesta Seção. Há reiterados precedentes, onde se decidiu que: "Os imóveis residenciais administrados pelas Forças Ar­madas não destinados à ocupação por militares estão incluídos na regra geral da venda autorizada (art. 12, § 12, do Decreto 99.266/90)" (REsp 656 - Relator Ministro Garcia Vieira).

Perfilhando o mesmo entendimento estão os Mandados de Segu­rança 585 e 714 - Relator Ministro Ilmar Galvão; 579 - Relator Mi­nistro Pedro Acioli; 614 - Relator Ministro Geraldo Sobral; 738 - Re­lator Ministro Garcia Vieira.

O Decreto 99.266/90, art. 12, § 22, encerra expressa autorização à alienação do imóvel ocupado pelo impetrante, consoante se depreende de sua redação, uerbis:

H. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 283-332, novembro 1992. 331

"Art. 19 - ............................................................................. .

§ 2g - Incluem-se entre os imóveis a serem vendidos os

administrados pelas Forças Armadas, ocupados por servidores civis."

É bem de ver que a restrição à regra geral da alienação, em rela­ção aos imóveis residenciais da União administrados pelas Forças Ar­madas, alcança apenas a hipótese de imóveis destinados à ocupação por militares (art. 19, § P, c, do dispositivo legal citado).

Concedo a segurança para que seja cadastrado o imóvel ocupado pelo impetrante e remetidos os documentos à Secretaria da Administra­ção Pública para apreciação, nos termos da legislação disciplinadora da alienação dos imóveis funcionais de domínio da União.

EXTRATO DA MINUTA

MS ng 1.736-3 - DF - (92.0013958-2) - Relator: Exmo. Sr. Mi­nistro Gomes de Barros. Impte.: João Benedito de Sousa. Advogados: Luiz Carlos Martins da Silva e outro. Impdos.: Secretário de Adminis­tração Federal e Ministro de Estado da Aeronáutica.

Decisão: A Seção, por unanimidade, concedeu o mandado de segu­rança, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator (em 08.09.92 - 1ª Seção).

Os Srs. Ministros Milton Pereira, Cesar Rocha, José de Jesus, Hélio Mosimann, Peçanha Martins e Demócrito Reinaldo votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Américo Luz e Gar­cia Vieira.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro PÁDUA RIBEIRO.

332 R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 283·332, novembro 1992.

AGRAVO REGIMENTAL EM PETIÇÃO

das:

AGRAVO REGIMENTAL EM PETIÇÃO Nº 301-9 - SP (Registro nº 92.0013987-6)

Relator: O Exmo. Sr. Ministro Barros Monteiro Agravante: Loja Eliela Ltda. Agravado: R. Despacho de fls. 85

Advogados: Drs. Jorge Elias Fraiha e outro

EMENTA: MEDIDA CAUTELAR. SOBRESTA­MENTO DE EXECUÇÃO PROVISÓRIA DE DESPEJO, ENQUANTO SE APURAM EM FEITO À PARTE AS PERDAS E DANOS. INVIABILIDADE.

Pretensão acautelatória requerida incidentemen­te à ação de despejo, quando, na realidade, ela se vin­cula a uma postulação de natureza indenizatória em curso à parte, ainda na instância ordinária. Inocor­rência, ademais, do fumus boni iuris e do periculum in mora.

Agravo improvido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indica-

Decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por una­nimidade, negar provimento ao agravo regimental, na forma do relató-

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 333-338, novembro 1992. 335

rio e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Bueno de Souza, Athos Carneiro, Fontes de Alencar e Sálvio de Figueiredo.

Custas, como de lei. Brasília, 23 de junho de 1992 (data do julgamento).

Ministro ATHOS CARNEIRO, Presidente. Ministro BARROS MON­TEIRO, Relator.

RELATÓRIO

° EXMO. SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO: Cuida-se de agra­vo regimental interposto da seguinte decisão:

"Trata-se de medida cautelar requerida por locatária, vi­sando a sustar a execução do despejo na ação que lhe movem Luiz Petroni e outros. Alega para tanto que estará impossibili­tada de apurar-se as perdas e danos, objeto de uma outra de­manda, de caráter indenizatório, em que figura como autora. Assevera, outrossim, que os exeqüentes na ação de despejo não prestaram caução.

Pende de exame, nesta Corte, o Agravo de Instrumento nº 18.265-SP, interposto de despacho denegatório do recurso espe­cial manifestado na referida ação de despejo. Não se postula, na presente cautelar, a atribuição de efeito suspensivo ao referido apelo excepcional.

O que se pretende, em verdade, é o sobrestamento da execução do despejo por motivos estranhos àquele invocado no recurso especial citado e no agravo ainda pendente de julga­mento. Ora, assim sendo, falece competência a esta Corte para processar e julgar esta ação cautelar, desde que se cuida de tema novo, que ainda não está submetido ao seu crivo e, sim, às instâncias ordinárias, a quem cabe nessas condições dirimir a questão posta.

Ante o exposto, nego seguimento ao pedido,'nos termos do art. 38 da Lei nº 8.038, de 28.5.90, c.c. o art. 34, inciso XVIII, do RISTJ" (fls. 85).

Sustenta a agravante que a competência para apreciar a presente medida cautelar é inquestionavelmente do STJ, pois os motivos a ela concernentes não são estranhos àqueles invocados no recurso especial. Entende que, satisfeitos os requisitos do fumus boni iuris e do pericu-

336 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 333-338, novembro 1992.

Zum in mora, a execução do despejo não deve consumar-se até que se apurem as perdas e danos.

É o relatório.

VOTO

O EXl\10. SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO (Relator): Na ação de anulação de ato jurídico, cumulada com adjudicação compulsória e perdas e danos que a ora requerente move a Emílio Sauerbronn e ou­tros, afastados os pedidos principais, o Segundo Tribunal de Alçada Ci­vil deu provimento parcial à sua apelação, a fim de que o MM. Juiz aprecie a pretensão indenizatória deduzida pela autora-locatária. En­quanto isso, o despejo da mesma foi decretado, tendo sido do respectivo Acórdão interposto o recurso especial que, denegado na origem, deu ensejo à apresentação de agravo de instrumento.

O que objetiva a requerente através desta medida cautelar, em suma, é sobrestar a execução provisória do despejo enquanto não resta­rem apuradas as perdas e danos objeto do pleito reparatório, o que está sendo veiculado em produção antecipada de provas por ela também re­querida.

A proposição falaciosa da ora requerente é no sentido de que a medida acautelatória está sendo pleiteada incidente à ação de despejo quando, em verdade, a pretensão é a de assegurar a utilidade prática de um futuro provimento jurisdicional vinculado à ação de ressarcimento de danos, ainda pendente. A postulação cautelar liga-se, assim, à outra demanda e não à ação de despejo, cuja execução está prestes a consu­mar-se. Trata-se, como se vê, de uma providência que irá retardar a execução da citada ação de despejo por vários e vários meses em detri­mento sim da parte ex adversa.

Na aludida ação de despejo, julgada procedente em ambas as ins­tâncias ordinárias, o recurso especial tirado pela ora requerente diz com a argüição de conexão de causas, entre as duas demandas citadas -ação de despejo e indenizatória. Proferi decisão, negando provimento ao agravo oferecido, pois à evidência não se vislumbra a alegada conexida­de entre os dois feitos.

Não há como, portanto, atribuir-se efeito suspensivo ao apelo ex­tremo interposto, ausente por completo o fumus boni iuris.

E, fosse o caso de adentrar-se no exame do invocado periculum in mora, prescindível em face de todo o acima exposto, deve ser ponderado a respeito que a apuração das perdas e danos de modo algum depende

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 333-338, novembro 1992. 337

tão-somente da suspensão de execução do despejo, desde que, tratando­se de locatária exercente de atividade comercial, o substraetum mate­rial de seu estabelecimento é suscetível de verificação pelo exame da escrituração contábil, que todo comerciante deve obrigatoriamente pos­suir.

Ante o exposto, nego provimento ao agravo.

É como voto.

VOTO

O EXMO. SENHOR MINISTRO ATHOS CARNEIRO: Estou de pleno acordo com o Eminente Ministro-Relator. Trata-se de execução de plano, per officium judieis, que, salvo em excepcionalíssimas circuns­tâncias, sequer admite a oposição através de embargos de execução.

EXTRATO DA MINUTA

AgRg em Pet nº 301-9 - SP - (92.0013987-6) - Relator: Exmo. Sr. Ministro Barros Monteiro. Agrte.: Loja Eliela Ltda. Advogados: Jor­ge Elias Fraiha e outro. Agrdo.: R. despacho de fls. 85.

Decisão: A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental (em 23.06.92 - 4ª Turma).

Votaram' com o Relator os Srs. Ministros Bueno de Souza, Athos Carneiro, Fontes de Alencar e Sálvio de Figueiredo.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro ATHOS CARNEIRO.

338 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 333-338, novembro 1992.

RECURSO ESPECIAL E EMBARGOS

RECURSO ESPECIAL NQ l.627-0 - GO (Registro nQ 89.0012499-4)

Relator: O Senhor Ministro Bueno de Souza Recte.: Banco Bamerindus do Brasil S/A Recdo.: José de Deus Guerra Advogados: Drs. Edmar Lázaro Borges, Neiron Cruvinel e José

Walter Souza Filho

EMENTA: nfiEITO PROCESSUAL CIVIL E ECO­NÔMICO. RECURSO ESPECIAL. CONHECIMENTO. CORREÇÃO MONETÁRIA NÃO PACTUADA. CAM­BIAL. INCIDÊNCIA. TERMO A QUO.

1. O mero equívoco em que tenha incorrido o re­corrente, ao apontar o dispositivo legal tido como contrariado, quiçá causado por simples erro datilo­gráfico, não deve obstacular o conhecimento do re­curso especial, desde que o lapso se evidencie do teor das razões do inconformismo.

2. A correção monetária, como tem amplamente proclamado a jurisprudência desta Corte, nada acres­centa ao valor do débito, eis que somente preserva sua expressão econômica dos desgastes provocados pelo processo inflacionário, evitando, assim, que com a depreciação da moeda, aliada ao transcurso do tem­po, ocorra o enriquecimento sem causa do devedor.

3. Contudo, quando não contratada, deverá fluir a partir do vencimento da obrigação.

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 341

4. Precedentes. 5. Recurso especial conhecido e provido em par-

te.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, em conhecer do recurso e em dar-lhe parcial provimento.

Votaram com o Relator os Srs. Ministros Athos Carneiro, Fontes de Alencar e Barros Monteiro. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo.

Custas, como de lei.

Brasília, 10 de agosto de 1992 (data do julgamento). Ministro ATHOS CARNEIRO, Presidente. Ministro BUENO DE

SOUZA, Relator.

RELATÓRIO

o SENHOR MINISTRO· BUENO DE SOUZA: JOSÉ DE DEUS GUERRA propôs ação declaratória de inexistência parcial de relação jurídica de dívida cumulada com o reconhecimento judicial de seu débi­to, restando, apenas, obrigação de pagar o equivalente do valor exigido a maior contra o BAMERINDUS.

Julgada procedente a demanda, interpôs o banco apelação com o objetivo de reformar a sentença.

Assim ficou ementada a r. decisão da. Primeira Turma da Segunda Câmara do Tribunal de Justiça de Goiás, verbis, fls. 154:

'~ção declaratória. Nota promissória. Ainda que a credora seja estabelecimento bancário, não há de se falar em juros remu­neratórios, correção monetária e comissão de permanência, por não avençados. Devidos são, somente, os juros legais e despesas de protesto. Conhecido o apelo e provido parcialmente."

Ao v. acórdão foram opostos cinco embargos de declaração (fls. 161/ 221), ora pela instituição bancária, ora pelo autor apelado.

Inconformado, o banco manifestou recurso especial (fls. 222), que foi admitido na origem, alegando contrariedade ao art. 19, § 22, da Lei

342 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

6.899/81, e art. 42, inciso IX, da Lei 4.595/65, além de divergência com a Súmula 596 do Supremo Tribunal Federal, trazendo à colação julga­dos do excelso pretório.

Pretende o recorrente (fls: 227):

"Que se inclua no crédito do recorrente a taxa de perma­nência no percentual praticado no dia do efetivo pagamento, ou a correção monetária, a contar do vencimento da nota promis­sória (21 de fevereiro de 1989), com a inclusão dos honorários advocatícios proporcionais, restabelecendo, dessa forma, a or­dem jurídica".

VOTO

O SENHOR MINISTRO BUENO DE SOUZA (Relator): Senhor Pre­sidente, esta Quarta Turma, no julgamento do REsp 12.687-SP, de que foi Relator, em 5.XI.91 (DJ 06.4.92), o eminente Ministro FONTES DE ALENCAR, decidiu, à unanimidade, na consonância da ementa deste teor:

"RECURSO ESPECIAL. O recorrente deve indicar, com precisão, o dispositivo

de lei federal que entende violado. Recurso não conhecido. Unânime."

Entretanto, tenho como superável o mero equívoco em que tenha incorrido o recorrente, ao apontar dispositivo legal, a seu ver, contrariado pela decisão impugnada, quando se apresente manifesto, em face do teor das razões de seu inconformismo e do escopo expresso do recurso, não devendo constituir vício formal da respectiva interposição, a ponto de obstacular seu conhecimento, tanto mais quando a falha pode traduzir simples erro datilográfico.

Neste sentido decidiu esta Quarta Turma, no julgamento do REsp 4.206-MG, de que fui Relator em 26.5.92 (DJU 04.8.92), cuja ementa resume:

"PROCESSUAL CIVIL E COMERCIAL. CONCORDA­TA PREVENTIVA. CORREÇÃO MONETÁRIA. RECURSO ESPECIAL.

1. A ocorrência de mero equívoco na petição de inter­posição do recurso especial, consistente na errônea indica­ção da alínea que o autoriza (art. 105, III, Constituição da República), não comprom.ete o seu conhecimento, quando nas

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 343

respectivas razões encontra-se suficientemente demonstra­do o dissenso pretoriano que lavra sobre o tema.

2. "Aplica-se a correção monetária aos créditos habili­tados em concordata preventiva, salvo durante o período compreendido entre as datas de vigência da Lei 7.274, de 10.12.84, e do Decreto-lei 2.283, de 27.02.86." (Súmula 08 do STJ)

3. Recurso especial conhecido e provido. n

Cumpre, aliás, observar que é bem este o caso em exame, pois o recorrente expõe (fls. 224):

"Por inexistir contrato, e sim nota promissória, o Egrégio Tribunal a quo, com base no referido' Provimento, EDITADO em 1987, quando o empréstimo foi concedido em 1985, entendeu ser indevida a taxa de permanência ou a correção monetária pelos dias de atraso, ferindo, de conseqüência, o disposto no artigo 1 2, § 2 2, da Lei 6.899/81, e artigo 4 2, inciso IX, da Lei 4.595/64, além da Súmula 596, do Supremo Tribunal Federal e a jurisprudência mansa e pacífica dos Tribunais Pátrios.

O artigo 1 2, da Lei 6.899/81, estabelece que "a correção monetária incide sobre qualquer débito resultante de decisão ju­dicial, inclusive sobre custas e honorários advocatícios", vindo o seu § 12 estipular que "nas execuções de dívida líquida e certa, a correção será calculada a contar do respectivo vencimento".

Ora, o empréstimo foi concedido à taxa de juros zero so­mente até o vencimento do título, o que ocorreu no dia 21 de fevereiro de 1985, a partir de quando passou a incidir a corre­ção monetária ou a taxa de permanência cobrada na época."

Quer, portanto, o recorrente, sem dúvida, apontar contrariedade ao art. P, § lº, da Lei 6.899, de 8 de abril de 1981, ao postular a incidên­cia de correção monetária sobre o valor constante do título discutido nos autos, a contar do respectivo vencimento.

Em outras palavras, neste capítulo busca o recorrente a reforma da r. decisão recorrida, de modo a se afastar a pretensão do autor da demanda, de eximir seu débito, em face do recorrente, da incidência da atualização monetária, desde o decurso de prazo que fora estipulado para o respectivo resgate.

Sob este aspecto, assiste razão ao recorrente, pois, como resulta dos autos, as instâncias ordinárias dão como certo o vencimento do título, sem que tenha sido pago o débito, em virtude da exigência, pelo credor, de pa.rcelas impugnadas pelo devedor.

344 R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

Ajurisprudência desta Corte, inspirada no entendimento reiterado de que a correção monetária nada acrescenta ao débito, uma vez que se limita, apenas, a atualizá-lo (REsps 3.170-MG, DJU 27.08.90, 3.705-MG. DJU 17.09.90, entre inúmeros outros), ampara a pretensão do recorren­te, cujo crédito, a não sofrer a devida atualização, resultaria, em verda­de, reduzido em sua expressão monetária, com o correspondente enri­quecimento sem causa do devedor (REsps 2.430-SP, DJU 06.08.90, 1.553-RJ, DJU 03.02.92, dentre outros).

A propósito, aliás, de determinadas relações jurídicas, esta Corte já consolidou este seu entendimento nos enunciados 8, 14, 16 e 35, da res­pectiva jurisprudência sumulada.

Mais recentemente, mutatis mutandis, a Segunda Seção deste Tri­bunal decidiu, por maioria, que "não atrita com o enunciado n!! 16 da Súmula do Tribunal o entendimento segundo o qual não incide a corre­ção monetária nos mútuos rurais durante a vigência do contrato, se neste não pactuada, sendo devida, no caso, após o vencimento da obrigação." (EREsp 6.280-SE, Relator o Senhor Ministro SÁLVIO DE FIGUEIRE­DO, 25.Xl.91, DJU 15.6.92).

Nestes autos, contudo, a correção monetária é explicitamente plei­teada a propósito do período subseqüente ao vencimento da obrigação.

Nesta parte, portanto, o recurso merece prosperar, para o fim coH­mado, isto é, de sujeitar o débito reconhecido pela r. decisão recorrida à correção monetária da Lei 6.899; citada, art. 1!!, § 1!!, desde o respectivo vencimento.

No tocante, porém, à pretendida incidência da comissão de perma­nência, o v. acórdão não incorre na alegada contrariedade ao art. 42, IX, da Lei 4.595, de 1964, porquanto não foi definido, nas instâncias ordiná­rias, que a verba a esse título pleiteada não viesse a consistir em dupla· incidência da correção monetária do principaL

A Súmula 30 desta Corte, a este propósito, resume nossa jurispru­dência:

"A comissão de permanência e a correção monetária são inacumuláveis."

Relativamente aos juros, cumpre acentuar que o v. acórdão recor­rido apontou, como fundamento de sua decisão a este propósito, a falta de ajuste contratual, pois o mútuo foi dado como resumido à emissão da nota promissória e à entrega do numerário correspondente, no título, nada consta, quanto à remuneração do mútuo.

Daí porque a decisão recorrida se limitou a assegurar a incidência, apenas, de juros moratórios (legais), de 6% ao ano, daí não advindo contrariedade alguma à Súmula 596 do Supremo Tribunal, a qual, em

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 345

verdade, admite, sim, juros por taxa maior; desde, pois, que tenham sido ajustados.

Eis porque conheço do recurso, por contrariedade à Lei 6.899/81, (art. 1!!, § 1!!) e, nessa parte, dou-lhe provimento, ou seja, tão-somente para assegurar a fluência de correção monetária, a partir da data do vencimento do título, mantido no mais o v. acórdão recorrido.

É como voto.

VOTO-VOGAL

o EXMO. SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR: Sr. Presiden­te, ratificando a minha posição de que é imprescindível a indicação pre­cisa do dispositivo legal dado como violado, mas considerarido que o Eminente Relator constatou um mero equívoco sem prejuízo da vontade ~e recorrer, nem dos fundamentos do recurso, acompanho o voto de S. Exa.

EXTRATO DA MINUTA

REsp n!! 1.627-0 - GO - (89.0012499-4) - Relator: Exmo. Sr. Ministro Bueno de Souza. Recte.: Banco Bamerindus do Brasil S/A. Advs.: José Walter de Sousa Filho e outro. Recdo.: José de Deus Guerra. Adv.: Neiron Cruvinel.

Decisão: A Turma, por unanimidade, conheceu do recurso e deu­lhe parcial provimento (em 10.08.92 - 4ª Turma).

Votaram com o Relator os Srs. Ministros Athos Carneiro, Fontes de Alencar e Barros Monteiro.

346

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro ATHOS CARNEIRO.

RECURSO ESPECIAL N!! 1.867 - RJ

(Registro n!! 89.0013407-8)

Relator: O Senhor Ministro Bueno de Souza

Recte.: Iara Ferreira da Rosa

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

Recdo.: Oswaldo Mendes Luz - Espólio Advogadôs: Drs. Paulo Dourado de Gusmão e Edison Ribeiro

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE DES­PEJO. IMÓVEL RESIDENCIAL. LEGITIMIDADE ATI­VA DE ESPÓLIO.

1. O ordenamento jurídico não impede que espó­lio, devidamente representado por sua inventarian­te, peça em juízo bens da herança para uso de seus herdeiros ou sucessores, ainda que não concluída a partilha.

2. Recurso especial não conhecido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, em não co­nhecer do recurso. Votaram com o Relator os Senhores Ministros Athos Carneiro, Fontes de Alencar, Sálvio de Figueiredo e Barros Monteiro.

Custas, como de lei. Brasília, 10 de março de 1992 (data do julgamento). Ministro ATHOS CARNEIRO, Presidente. Ministro BUENO DE

SOUZA, Relator.

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO BUENO DE SOUZA: Espólio de OSWAL­. DO MENDES LUZ ajuizou, perante a 26f! Vara Cível da Capital do Rio de Janeiro, ação de despejo com pedido de retomada do imóvel para uso de descendente da inventariante:

O Dr. Juiz de primeira instância decretou a extinção do processo, sem julgamento do mérito, por entender que espólio não possui descen­dência; e, bem assim, que, à míngua de partilha, é desconhecido o su­cessor na propriedade do bem, dado em locação, tornando-se o pedido juridicamente impossível (fls. 37/38).

A Sexta Câmara Cível do Tribunal de Alçada Cível daquele Esta­do, contudo, sem discrepância de votos, reformou a decisão e decretou o despejo.

R Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 347

o v. acórdão traz a seguinte ementa (fls. 64):

"LOCAÇÃO RESIDENCIAL. RETOMADA POR ESPÓ­LIO PARA USO DE HERDEIRO. POSSIBILIDADE.

No curso do inventário e enquanto não realizada a partilha, a ação que teria de ser movida pelo autor da he­rança ou contra ele, em vida deste, deve ser proposta por seu espólio ou contra o mesmo, representado por seu inven­tariante, e não por ou contra os herdeiros.

Atendidos os requisitos legais, pode o espólio retomar imóvel em favor do herdeiro. Presunção legal de sincerida­de do pedido se o herdeiro não tem imóvel próprio e mora em prédio alugado ..

Provimento do recurso."

Antes da instalação do Superior Tribunal de Justiça (07.04.89), o locatário interpôs, em petições distintas, recurso extraordinário (fls. 76/ 78) e recurso especial (fls. 80/82), os quais foram admitidos na origem por despachos de 05.05.89 (fls. 88 e 89).

No Supremo Tribunal Federal, para onde foram enviados os autos, o eminente Ministro CÉLIO BORJA exarou despacho nestes termos (fls. 108):

"Preliminarmente, determino a remessa dos autos ao ego Superior Tribunal de Justiça para que este julgue o recurso especial admitido às fls. 89. Posteriormente, o Supremo Tribu­nal Federal apreciará a matéria constitucional invocada no recurso extraordinário de fls. 76/80. Intimem-se."

Anoto ainda que, no tocante ao recurso especial, o recorrente alega violação aos artigos 52, inciso UI, da Lei 6.649/79; 331 a 457 e 460, do Código de Processo Civil, argumentando com a impossibilidade jurídica do pedido (tal como afirmada pela r. sentença); decisão ultra petita; supressão de instância; irregularidade de representação processual do espólio, à falta de alvará judicial autorizativo da rescisão do pacto loca­tício; e, por derradeiro, no mérito, que a sinceridade do pedido não re­sultou comprovada.

VOTO

O SENHOR MINISTRO BUENO DE SOUZA (Relator): Senhor Presidente, no que concerne à impossibilidade jurídica do pedido de re­tomada de imóvel para uso de descendente da inventariante, alegada por ter sido proposta a demanda por espólio, uma vez que não fora ain-

348 H. Sup. Trib. Jus!.., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

da ultimada a partilha, tenho como certo que não se configura contrarie­dade à Lei 6.649, de 16 de maio de 1979, art. 52, IH.

Desde logo cumpre ter em vista que não se cuida, em verdade, de impossibilidade jurídica da pretensão deduzida na demanda, desde que o próprio preceito legal que se dá por afrontado, precisamente admite a retomada, pelo proprietário, para uso de descendente. A hipótese pode­ria, sim, subsumir-se à ilegitimidade ad causam, segundo o entendimento de que espólio não pode ter descendente.

2. Mas, no particular, não se há de negar o acerto da decisão recor­rida, ao expor (fls. 65/66):

"Inexiste óbice legal para que o espólio peça, para um dos herdeiros ou sucessores, bens da herança.

Embora com a morte do autor da herança, equivale dizer, aberta a sucessão, a propriedade e posse dos bens se transmi­tem de imediato aos herdeiros, por força do artigo 1.572 do Código Civil, no curso do inventário e enquanto não realizada a partilha, a ação que teria de ser movida pelo autor da heran­ça ou contra ele, em vida deste, deverá ser proposta por seu espólio ou contra o mesmo, representado por seu inventariante, e não por ou contra os herdeiros. De todo é sabido que o espólio, assim como a massa falida e o condomínio, embora não seja pessoa jurídica, é, pela lei, considerado uma pessoa ou ente formal, e, como tal, tem capacidade para ser parte e estar em Juízo, representado por seu inventariante, consoante o disposto no artigo 12, inciso V, do Código de Processo Civil, enquanto encerrado o inventário.

Inexiste, portanto, data maxima venia, nenhuma impossi­bilidade jurídica no pedido do autor, devendo ser ressaltado que é justamente pelo fato de não ter ainda havido partilha que a ação tinha que ser proposta pelo espólio, representado por seu inventariante. Quando assim não fosse, legitimado para a ação seria o herdeiro a quem a partilha tivesse atribuído o bem.

No caso em exame, o beneficiário da retomada, além de ser filho do de cujus e da inventariante do seu espólio, reside em prédio alheio, conforme comprovado às fls. 31/33, militando, portanto, em favor do pedido, presunção legal de sinceridade."

3. Neste sentido, aliás, também decidiu a Sétima Câmara do Se­gundo Tribunal de Alçada Cível do Estado de São Paulo, unânime, em 14.10.86, sendo Relator o ilustre Juiz GUERRIERI REZENDE (JTAC SP-RT 105/385), como se vê na ementa:

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 349

"DESPEJO - LEGITIMIDADE - ESPÓLIO - USO DE HERDEIRO - ADMISSIBILIDADE - INTELIGÊNCIA DO ART. 623, DO CC.

Enquanto não ocorrer a divisão de bens, o espólio tem legitimidade ativa para retomar imóvel locado para uso de herdeiro. Somente após a partilha o direito do herdeiro se individualiza."

Entender diversamente, de modo a somente admitir o exercício da pretensão de retomada após concluída a partilha, redundaria em restri­ção indevida do direito que a lei confere, desde que a personificação do espólio para os fins condizentes ao Direito Processual (Código de Pro­cesso Civil, art. 12, V), se destina a limitar o princípio mais abrangente (Código de Processo Civil, art. 72) por uma razão de evidente utilidade, certo que, a despeito da regra do art. 1.572, do Código Civil, a tutela dos direitos dos sucessores seria indevidamente cerceada enquanto penden­te de conclusão a partilha dos bens, sua propriedade poderia se.r tida por incerta.

Assim é que, ao erigir o espólio, utilitalis causa, em personalidade processual, o art. 12, V, do Código de Processo Civil, não pode e não deve constituir obstáculo à decisão sobre a pretensão deduzida nos au­tos, mercê de interpretação estritamente casuística do art. 52, IH, da Lei 6.649, citada.

4. Assim também não se evidencia a alegada contrariedade ao art. 460, do Código de Processo Civil, certo, em primeiro lugar, que o precei­to se dirige ao juiz de primeiro grau, cujo pronunciamento foi favorável ao recorrente; depois, que a restrição, a esse título, ao acórdão da ape­lação deveria reportar-se a outras normas legais, de conotação distinta (Código de Processo Civil, arts. 515, 516, 517), às quais o recurso não se refere explicitamente; e, enfim, que o Tribunal, ao prover a apelação, não assegurou ao autor mais do que aquilo que fora inicialmente pedi­do.

5. Resta a genérica alegação de contrariedade ao princípio do du­plo grau de jurisdição.

Contudo, do exame do petitório recursal, observo que o recorrente deixou de mencionar o preceito legal que a embasaria.

Assim, como já observou nesta Corte o eminente Ministro FON­TES DE ALENCAR, "o recorrente deve indicar, com precisão, o disposi­tivo de lei federal que entende violado (REsp 12.687-SP, DJU 06.04.92).

350

Ante o exposto, não conheço do recurso.

É como voto.

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

VOTO

O EXl\10. SR. MINISTRO ATHOS CARNEIRO: Embora comungan­do das mesmas preocupações do eminente Ministro-Relator, quanto à procrastinação que os sucessos processuais vão trazer à decisão de mé­rito, não vejo como deixar de acolher a sua conclusão final.

VOTO-VOGAL

O EXl\10. SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR: Senhor Presi­dente, o eminente Ministro-Relator esclareceu que a parte não apontou como violado o art. 515, mas sugeriu a violação de dezenas de dispositi­vos, agindo assim com impropriedade quanto à estruturação do recurso especial.

Peço vênia a S. Exa. para me afastar de seu voto e não conhecer do recurso.

EXTRATO DA MINUTA

REsp nº 1.867 - RJ - (89.0013407-8) - Relator: Exmo. Sr. Minis­tro Bueno de Souza. Recte.: Iara- Fer.reira da Rosa. Adv.: Paulo Dourado de Gusmão Filho. Recdo.: Oswaldo Mendes Luz - espólio. Adv.: Edison Ribeiro.

Decisão: A Turma, por unanimidade, não conheceu do recurso (em 10.03.92 - 4!! Turma).

Votaram com o Relator os Srs. Ministros Athos Carneiro, Fontes de Alencar, Sálvio de Figueiredo e Barros Monteiro.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro ATHOS CARNEIRO .

. RECURSO ESPECIAL Nº 2.021-RJ

(Registro nº 90.680-5)

Relator: O Sr. Ministro Assis Toledo Recorrente: Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro Recorrido: Paulo César da Silva Advogada: Dra. Rosângela Martins Alcântara Zagaglia

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 351

EMENTA: PENAL. MEDIDA DE SEGURANÇA. PRESCRIÇÃO.

Tratando-se de sentença absolutória, em razão de inimputabilidade, o prazo de prescrição continua regulado pela pena em abstrato.

Não há prazo de prescrição específico para me­dida de segurança, regulando a matéria o parágrafo único do art. 96, do CP.

Se entre a data da imposição da medida e a cap­tura do inimputável decorre tempo superior ao pra­zo mínimo de duração da medida, a execução deverá ser precedida de exame de verificação da cessação da periculosidade.

Recurso especial conhecido e provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indica­das:

Decide a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por una­nimidade, conhecer do recurso e lhe dar parcial provimento para cassar o acórdão, determinando, porém, que a execução da medida de seguran­ça fique condicionada ao prévio exame de cessação da periculosidade, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Custas, como de lei. Brasília, 16 de maio de 1990 (data do julgamento). Ministro JOSÉ DANTAS, Presidente. Ministro ASSIS TOLEDO,

Relator.

RELATÓRIO

° SR. MINISTRO ASSIS TOLEDO: Paulo César da Silva, acusado de roubo qualificado, foi absolvido com fundamento no inciso V do art. 386 do CPP, por sentença datada de 12.02.81, sendo-lhe aplicada, po­rém, medida de segurança de internação em casa de custódia e trata­mento pelo prazo de dois anos, considerada a sua inimputabilidade pe­nal.

352 R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

Preso em 14.06.89 e recolhido ao Manicômio Judiciário impetrou ordem de habeas corpus alegando prescrição retroativa e a conseqüente extinção da punibilidade.

A 2ª Câmara do Tribunal de Alçada Criminal do Estado do Rio de Janeiro concedeu a ordem nos seguintes termos:

"

Assim decidem, tendo em vista o parágrafo único do artigo 96 do Cód. Penal, o qual estabelece que quando ocorre a extin­ção da punibilidade, não se impõe qualquer medida de seguran­ça, nem subsiste a que houver sido imposta, se extinta a punibili­dade em virtude da prescrição retroativa da pretensão punitiva, deve ser afastada a medida de segurança detentiva então im­posta." (Fls. 19).

Inconformado, recorreu o Ministério Público pela letra a do per­missivo constitucional, apontando como de vigência negada os arts. 110, § I!!, e 96, parágrafo único, do Código Penal.

Sustenta-se, em resumo, que a prescrição, no caso, só poderia ter por base a pena em abstrato por se tratar de réu absolvido por ser inim­putável.

Admitido o recurso, subiram os autos com manifestação da Procu-, radoria-Geral de Justiça pelo seu provimento.

É o relatório.

VOTO

EMENTA: PENAL. MEDIDA DE SEGURANÇA. PRES­CRIÇÃO.

Tratando-se de sentença absolutória, em razão de inim­putabilidade, o prazo de prescrição continua regulado pela pena em abstrato.

Não há prazo de prescrição específica para medida de segurança, regulando a matéria o parágrafo único do art. 96 do CP.

Se entre a data da imposição da medida e a captura do inimputável decorre tempo superior ao prazo mínimo de duração da medida, a execução deverá ser precedida de exame de verificação da cessação da periculosidade.

Recurso especial conhecido e provido.

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 353

OSR. MINISTRO ASSIS TOLEDO (Relator): O paciente, acusado de roubo qualificado (emprego de arma) foi absolvido por ser considera­do inimputável, impondo-se-Ihe, em conseqüência, medida de segurança pelo prazo mínimo de dois anos.

Segundo a inicial, o paciente, que estava foragido, foi capturado em 14/06/89, por força de mandado expedido em 11/06/82, para cumpri­mento da medida de segurança em foco.

Argumenta-se que, sendo de 02 anos a medida de segurança im­posta, e tendo decorrido mais de 04 anos, deu-se a prescrição.

O Tribunal acolheu o pedido, aplicando à hipótese o art. 96, pará­grafo único, do CP.

Manifesto é o equívoco do acórdão recorrido, já que, no caso, não se cuida de prescrição da ação ou da condenação, que não houve, pelo que totalmente inaplicável seria o dispositivo legal invocado.

Segundo as informações do Juiz (fls. 14/15), o fato ocorreu em 09/ 04/80, tendo sido a denúncia recebida em 28/04/80, com sentença prola­tada em 12/02/81, efetivando-se a internação em 14/06/89. Sendo o cri­me (art. 157, § 2º, 1) punido, no máximo, com 15 anos de reclusão, a prescrição ocorreria em 20 anos, prazo esse não decorrido, qualquer que seja o critério de contagem.

O tempo de duração da medida de segurança é, como se sabe, inde­terminado, não se podendo tomar o prazo mínimo para regular a pres­crição. E não havendo pena concretizada não se pode falar em prescri­ção com base no que não existe.

Negou, pois, o acórdão, vigência aos arts. 96, parágrafo único, e 110, § 2º, do CP, ao fazê-los incidir sobre uma hipótese por eles eviden­temente não alcançada.

Dado, porem, o tempo decorrido entre a imposição da medida de segurança e a data da captura, torna-se necessário, anV'.:s do início de execução, verificar se persiste a periculosidade do agente, razão de ser da medida.

Assim, acolhendo o recurso, dele conheço e dou-lhe provimento parcial para cassar o acórdão recorrido, determinando, porém, a prévia realização do exame de cessação de periculosidade, de cujo resultado dependerá a execução da medida.

É o voto.

EXTRATO DA MINUTA

REsp nº 2.021 - RJ - (90.680-5) - ReI.: Min. Assis Toledo. Rec­te.: Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Recdo.: Paulo César da Silva. Adva.: Dra. Rosângela Martins Alcântara Zagaglia.

354 R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

Decisão: A Turma, por unanimidade, conheceu do recurso e lhe deu parcial provimento para cassar o acórdão, determinando, porém, que a execução da medida de segurança fique condicionada ao prévio exame de cessação da periculosidade (em 16.05.90 - 5i! Turma).

Votaram de acordo os Srs. Mins. Edson Vidigal, José Dantas e FIa­quer Scartezzini. Ausente o Sr. Min. Costa Lima.

Presidiu o julgamento o Exmo. Sr. Min. JOSÉ DANTAS.

+

RECURSO ESPECIAL Nº 6.095 - PR (Registro nº 90.0011532-9)

Relator: O Exmo. Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros Recorrentes: Hussein Ahmad Halndar e cônjuge Recorridos: CIC - Cidade Industrial de Curitiba S/A e Municí­

pio de Curitiba

Advogados: Drs. Hugo Martins Kosop, Teresa Maria Freire Almei­da e outro e Manoel Diniz Neto e outros

EMENTA: QUITAÇÃO - PRESUNÇÃO DE PAGA­MENTO DE JUROS - CÓDIGO CIVIL - ARTS. 940 E 944.

O art. 944 do Código Civil, explicitando os limi­tes da quitação, é complemento do art. 940.

Não se pode cogitar em pagamento presumido de juros, se não houve quitação.

Para ocorrer quitação é necessário que o credor especifique a dívida a que se vincula o pagamento.

Termo de quitação onde não se especifica a dívi­da a que ele se refere é tão inútil como um atestado de óbito a que falta o nome do defunto.

Documento em que o credor passa quitação "pela quantia recebida", sem referência à dívida paga, não traduz quitação.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 355

votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provi­mento ao recurso. Votaram com o relator os Ministros Milton Pereira, César Rocha, Garcia Vieira e Demócrito Reinaldo.

Custas, como de lei. Brasília, 20 de agosto de 1992 (data do julgamento). Ministro GARCIA VIEIRA, Presidente. Ministro HUMBERTO GO­

MES DE BARROS, Relator.

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS: Os recorrentes apelaram contra sentença que julgou extinto processo de desapropriação "face ao pagamento da condenação por sua equivalência em OTN's".

Dizem que receberam, em 22.12.86, valor constante de precatório.

Tal valor correspondeu ao montante apurado em 25.01.85, corrigi­do monetariamente.

Sustentam que este recebimento não traduziu a indenização que lhe era devida, pela propriedade expropriada.

Afirmam que tal indenização apenas estará completa com o paga­mento dos juros compensatórios pelos quase dois anos que se passaram entre a conta e o efetivo pagamento.

O Tribunal de Justiça do Paraná negou provimento à apelação, ao fundamento de que:

"Expedido o precatório, os apelantes receberam o valor de­vidamente corrigido e nele indicado, e deram quitação sem qualquer ressalva quanto aos juros, de modo que, a teor do que dispõe o art. 944 do Código Civil, recebido o principal "sem a ressalva dos juros, estes presumem-se pagos", restando, assim, extinta a obrigação pelo pagamento." (Fls. 603).

O recurso especial, fincado na alínea c do permissivo constitucio­nal, sustenta que este aresto dissentiu de vários acórdãos do Supremo Tribunal Federal.

356

É o relatório.

VOTO

EMENTA: QUITAÇÃO - PRESUNÇÃO DE PAGA­MENTO DE JUROS - CÓDIGO CIVIL - ARTS. 940 E 944.

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

o art. 944 do Código Civil, explicitando os limites da quitação, é complemento do art. 940.

Não se pode cogitar em pagamento presumido de ju­ros, se não houve quitação.

Para ocorrer quitação é necessário que o credor espe­cifique a dívida a que se vincula o pagamento.

Termo de quitação onde não se especifica a dívida a que ele se refere é tão inútil como um atestado de óbito a que falta o nome do defunto.

Documento em que o credor passa quitação "pela quan­tia recebida", sem referência à dívida paga, não traduz qui­tação.

o EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS (Re­lator): O Acórdão recorrido admite que a jurisprudência predominante determina que, em havendo descompasso cronológico entre a efetivação dos cálculos e o pagamento da indenização, são devidos juros, por todo este tempo.

Nega-se, contudo, em dar agasalho à pretensão dos recorrentes, sob o argumento de que estes, quando receberam o precatório, deram quita­ção, sem qualquer ressalva.

Ter-se-ia operado, assim, a presunção de que trata o art. 944 do Código Civil, in verbis:

"Sendo a quitação do capital sem reserva dos juros, estes presumem-se pagos."

Isto não ocorreu.

O art. 944, explicitando os limites da quitação, é complemento do art. 940, assim expresso:

"A quitação designará o valor e a espécie da dívida quita­da, o nome do devedor, ou quem por este pagou o tempo e lugar do pagamento, com a assinatura do credor, ou do seu represen­tante."

Não se pode cogitar em pagamento presumido de juros, se não houve quitação.

Como se vê do art. 940, o título de quitação conterá, entre outros requisitos, referência expressa à espécie da dívida quitada.

Não basta, para que ocorra quitação, a declaração de que se rece­beu tal quantia, e que, a propósito dela, passa quitação.

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 357

É necessário, para tanto, que o credor especifique haver recebido determinada quantia, em pagamento de determinada dívida, e que, por esta dívida, passa quitação .

. Documento a que faltar a identificação explícita do crédito extinto com o pagamento não é título de quitação.

O título de quitação é o atestado de óbito do crédito. Termo de quitação sem especificação da dívida é tão inútil quanto

um atestado de óbito a que falte o nome do defunto. A fls. 491 os recorrentes firmaram, em impresso que lhes apresen­

tou o Município recorrido, recibo nestas palavras: "Recebi a importância de Cz$ 3.988.784,91 (TRÊS MI­

LHÕES, NOVECENTOS E OITENTA E OITO MIL, SETECEN­TOS E OITENTA E QUATRO CRUZADOS E NOVENTA E UM CENTAVOS) de qual dou plena quitação."

Passou-se quitação "pela importância", não pelo ressarcimento. Na linguagem do art. 944, não houve quitação do capital. Impossível, então, presumir o pagamento de juros. Dou provimento ao recurso para reformar a Sentença de fls. 516 e

deferir o requerimento de fls. 490.

EXTRATO DA MINUTA

REsp n2 6.095-0 - PR - (90.0011532-9) - Relator: Exmo. Sr. Ministro Gomes de Barros. Rectes.: Hussein Ahmad Hamdar e cônjuge. Adv.: Hugo Martins Kosop. Recdo.: CIC - Cidade Industrial de Curiti­ba S/A. Advs.: Teresa Maria Freire Almeida e outro. Recdo.: Município de Curitiba. Advs.: Manoel Diniz Neto e outros.

Decisão: A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso, nos termos do voto do Exmo. Sr. Ministro-Relator (em 20.08.92 - li! Turma).

Participaram do julgamento os Exmos. Srs. Ministros Milton Pe­reira, Cesar Rocha, Garcia Vieira e Demócrito Reinaldo.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro GARCIA VIEIRA.

• EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO RECURSO ESPECIAL Nº 6.283 - BA

(Registro n2 91.0017879-9)

358

Relator: O EXl1W. Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros Embargantes: Altalniro Machado Costa e outros

R Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

Embargado: Estado da Bahia Advogados: Drs. João Estênio Campelo Bezerra e outros e Pedro

Augusto de Freitas Gordilho e outro

EMENTA: ADMINISTRATIVO - PRESCRIÇÃO -SILÊNCIO DO ADMINISTRADOR.

Enquanto pender, sem resposta, requerimento dirigido à Administração, não se inicia o fluxo pres­cricional em favor desta.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, em receber os embargos. Votaram com o relator os Ministros Milton Pereira, César Rocha, Pádua Ribeiro, José de Jesus, Garcia Vieira, Hélio Mosimann, Peçanha Martins e Demócrito Reinaldo.

Custas, como de lei.

Brasília, 16 de junho de 1992 (data do julgamento). Ministro AMÉRICO LUZ, Presidente. Ministro HUMBERTO GO­

MES DE BARROS, Relator.

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO GOMES DE BARROS: Embargos de Divergência opostos a decisão proferida pela Segunda Turma, no exame do REsp 6.283, Relator para o acórdão Ministro Ilmar Galvão, lavrado nestes termos:

"ADMINISTRATIVO. FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS DO ESTADO DA BAHIA. PRETENDIDO REENQUADRA­MENTO PREVISTO NA LEI NQ 3.640/78, COM CONSE­QÜENTE CONDENAÇÃO DO ESTADO AO PAGAMENTO DE EVENTUAIS DIFERENÇAS SALARIAIS.

Não tendo feito a opção para integrar a novel catego­ria funcional, no prazo que lhes foi assinalado em lei, per­deram os autores o direito ao reenquadramento pleiteado.

Recurso provido" (fls. 316).

R. sup. Trib. JusL, Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 359

Os Embargantes sustentam que o decisório dissentiu de iterativa jurisprudência do STJ e do STF. Apontam como divergente aresto su­fragado pela Primeira Turma, sob a condução do Ministro Geraldo So­bral, assim resumido:

"PROCESSUAL. DECADÊNCIA. PRESCRIÇÃO. INO­CORRÊNCIA. DECRETO 20.910/32.

I - Se a lei não determinou o prazo para a opção do enquadramento, carecia o Decreto, hierarquicamente infe­rior, de força por fazê-lo.

11 - Desde que não houve decisão administrativa in­deferindo o pedido de enquadramento, vale dizer, negativa da administração sobre o próprio direito pretendido, não se há cogitar da prescrição do fundo do direito. Precedentes.

IH - Recurso desprovido" (fls. 329).

Admitidos os embargos (fls. 428), seguiu-se impugnação do Embar­gado (fls. 430-439), em que propugna a tese de prescrição do direito, vez que não efetuada a opção ao enquadramento vindicado no prazo assina­do em lei.

É o relatório.

VOTO

EMENTA: ADMINISTRATIVO - PRESCRIÇÃO­SILÊNCIO DO ADMINISTRADOR.

Enquanto pender, sem resposta, requerimento dirigi­do à Administração, não se inicia o fluxo prescricional em favor desta.

O EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS (Re­lator): Discute-se a incidência do art. 12 do Decreto 20.910/32, que regu­la a prescrição qüinqüenal das ações contra a Fazenda Pública, a atin­gir o direito de pleitear judicialmente vantagem decorrente de relação jurídica estatutária, ou a alcançar apenas os efeitos patrimoniais resul­tantes, na forma do art. 32 do mencionado diploma federal.

O acórdão embargado firmou-se no sentido da.perda do direito do reenquadramento postulado pelos embargantes, porquanto não observa­do o prazo estabelecido na Lei estadual 3.640/78.

De outra parte, o paradigma invocado, em hipótese por tudo seme­lhante com o caso dos autos, entendeu não ocorrida a chamada prescri-

360 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

ção do fundo do direito, ausente indeferimento administrativo do pedido de enquadramento.

Assim, verificada a oposição das teses sustentadas nas decisões em exame, conheço dos embargos.

No tocante ao tema debatido, a jurisprudência das duas turmas que integram esta Seção consagrou entendimento segundo o qual, inexistin­do ato administrativo indeferitório da pretensão, não há prescrição do direito de ação em si, mas apenas das parcelas de trato sucessivo, não reclamadas no qüinqüênio anterior ao ajuizamento da demanda.

Aliás, assim tenho votado, na esteira de orientação sedimentada em inúmeros julgados, dos quais destaco aquele relativo ao Recurso Especial 9.512-BA, do qual fui relator designado, assim ementado:

"ADMINISTRATIVO - PROCESSO CIVIL - SILÊN­CIO DA ADMINISTRAÇÃO - INÍCIO DO PRAZO PRES­CRICIONAL - LEI ESTADUAL - IMPOSSIBILIDADE DE RECURSO ESPECIAL.

1. Enquanto pender sem resposta requerimento dirigi­do à Administração, o fluxo prescricional em favor desta não se inicia.

2. Nas obrigações de trato sucessivo, a prescrição em favor do Estado incide apenas sobre as prestações não rei­vindicadas no qüinqüênio que antecedeu o exercício da ação (Decreto 20.910/32 - art. 3Q

).

3. Em sede de recurso especial não se discute pendên­cia relacionada com lei estadual."

Em voto que proferi no julgamento deste acórdão, disse:

"Na hipótese, lei local (de nQ 3.640/78) criou a carreira de Fiscal de Rendas Adjunto, para absorção dos servidores comissio­nados em cargos de Fiscal de Renda.

Por se julgarem com direito à absorção, os recorridos, após requererem-na administrativamente, sem obterem resposta, pleiteam em Juízo sua obtenção.

Em sua resposta, o Estado afirma que houve prescrição, porque os autores deixaram de optar, no prazo fixado em regu­lamento.

A sentença, assim como o acórdão, deixou de reconhecer esta prescrição.

R. sup. Trib. Just.., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 361

A propósito, o acórdão registrou que "na relação jurídica da função pública, a prescrição qüinqüenal não atinge o próprio direito, se ainda não pleiteado e negado, mas apenas as pres­tações anteriores no qüinqüênio precedente à propositura da ação". (fls. 282).

N a hipótese, o direito, embora pleiteado, não foi negado. O estado, mantendo-se em silêncio, não deixou que o fluxo pres­cricional se iniciasse.

Esta conclusão se põe em acordo com a jurisprudência ho­menageando o art. 3!! do Decreto 20.910/32.

A questão resultante de os autores não haverem manifes­tado suas opções, no prazo do regulamento, teria acarretado, não a prescrição, mas a renúncia presumida do direito ao apro­veitamento .

. Este problema, contudo, não pode ser discutido na sede do recurso especial: nele se envolve norma estadual - não lei federal."

O acórdão embargado considerou extinto o próprio direito ao en­quadramento, após o transcurso do prazo, assinalado no regulamento da Lei estadual 3.640/78 para a opção pela nova carreira.

Todavia, como bem acentuou o Ministro Geraldo Sobral, em emen­ta redigida no REsp 848:

"Se a lei não determinou prazO' para a opção do enqua­dramento, carecia o Decreto, hierarquicamente inferior, de força por fazê-lo.

Desde que não houve decisão administrativa indeferin­do o pedido de enquadramento, vale dizer, negativa da ad­ministração sobre o próprio direito pretendido, não se há cogitar da prescrição do fundo do direito" (fls. 337).

Do exposto, meu voto é para receber os embargos.

EXTRATO DA MINUTA

EDiv no REsp n!! 6.283-0 - BA - (91.0017879-9) - Relator: Exmo. Sr. Ministro Gomes de Barros. Embtes.: Altamiro Machado Costa e ou­tros. Advs.: João Estenio Campelo Bezerra e outros. Embdo.: Estado da Bahia. Advs.: Pedro Augusto de Freitas Gordilho e outro.

Decisão: A Seção, por unanimidade, recebeu os embargos, nos ter­mos do voto do Sr. Ministro Relator (em 16.06.92 - I!! Seção).

362 R Sup. Trib. Jusl., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

Os Srs. Ministros Milton Pereira, Cesar Rocha, Pádua Ribeiro, José de Jesus, Garcia Vieira, Hélio Mosimann, Peçanha Martins e Demócrito Reinaldo votaram com o Sr. Ministro Relator.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro AMÉRICO LUZ.

~

RECURSO ESPECIAL NQ 6.601 - CE (Registro nQ 90127734)

Relator: Exmo. Sr. Ministro Pedro Acioli Recorrente: Universidade Federal do Ceará Recorridos: Angela de Fátinw Saraiva de Oliveira e outro Advogados: Drs. Francisco Everaldo Carvalho Cirino e Joelina

Pereira Marinho e outro

EMENTA: ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPE­RIOR. JUBILAMENTO.

I - O jubilamento não pode ocorrer unilateral­mente, é imprescindível a observância do princípio do devido processo legal.

II - Recurso improvido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas: Decide a Egrégia Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça,

por unanimidade, negar provimento ao recurso, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes destes autos e que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Custas, como de lei.

Brasília, 18 de setembro de 1991 (data do julgamento).

Ministro PEDRO ACIOLI, Presidente e Relator.

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO PEDRO ACIOLI: A Universidade Fede­ral do Ceará interpõe o presente Recurso Especial contra o v. acórdão que traz a seguinte ementa:

R. sup. Trib. Just., Brasflia, a. 4, (39): 3:39-615, novembro 1992. 363

"ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. JUBILA­çÃO. DESOBEDIÊNCIA AO NECESSÁRIO PROCESSO LEGAL. ILEGALIDADE DO ATO, QUE AFRONTA, IN­CLUSIVE, MANDAMENTOS CONSTITUCIONAIS GA­RANTIDORES DO DIREITO À EDUCAÇÃO DE TODOS." (fls. 128).

afirma que a decisão negou vigência às Leis Federais nl!ll4.024/61, 5.540/ 68, 5.789/72 e DL 464/69.

Colaciona, ainda, precedente do extinto TFR, do seguinte teor: "ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. JUBILA­

MENTO. "Pacificou-se o entendimento do TFR acerca da possi­

bilidade de jubilar-se o estudante que não atinge os limites mínimos de rendimento escolar, desde que haja previsão no regimento da instituição de ensino, com a apro­vação do Conselho Federal de Educação"." (fl. 139).

o que sob sua ótica, demonstra a divergência jurisprudencial.

Subindo os autos a esta instância, a douta Subprocuradoria-Geral da República manifestou-se pelo improvimento do recurso.

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO PEDRO ACIOLI (Relator): Nos termos do acórdão combatido, não há se negar o direito de as instituições de ensino superior, no caso particular da Universidade Federal do Ceará, proceder medidas a resguardar a observância normativa interna e ex­terna, por parte do seu corpo discente. Assim, é reconhecido o direito de a Instituição aplicar o jubilamento. Todavia, para exercer tal direito, necessário se faz que o ritual seja estritamente cumprido, ou seja, o ato final deverá ser precedido do devido processo legal, em obediência a um dos primados do nosso direito. O contraditório.

Se tal não foi feito, correta a decisão que reconhecendo o direito, negou-lhe o exercício do mesmo, dada a inobservância das regras perti­nentes.

Não se afasta de tal entendimento o parecer do Ministério Público Federal quando expõe que:

364

"Acentua-se, inicialmente, que o inquérito administrativo que a Universidade diz haver realizado parece não ser o mesmo

R. sup. Trib. Jus!.., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

exigido pelo v. acórdão. Aquele, teria constituído apuração unilateral dos fatos e antes disto já impedia a inscrição depois o jubilamento. O processo, porém, que o acórdão exige, é o que inclui todo consectário que lhe é próprio, sobretudo a defesa do interessado.

5. Ora, embora caiba às Universidades, efetivamente, fa­zer a apuração, de início, unilateralmente, a verdade, porém, é que para aplicar a pena o interessado tem o direito imposter­gáveI de ser ouvido previamente pois poderá demonstrar razões que lhe forem próprias - v.g., doença, transferência, serviços públicos - que justificariam as faltas e impediriam a penalida­de." (fl. 145).

Diante do que foi exposto, nego provimento ao recurso.

É como voto.

VOTO

O SR. MINISTRO GARCIA VIEIRA: Sr. Presidente, estou inteira­mente de acordo com V. Exa., principalmente pelo disposto no art. 52, inciso LV, da Constituição Federal, que diz o seguinte:

"Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes."

EXTRATO DA MINUTA

REsp nº 6.601 - CE - (90127734) - Relator: Exmo. Sr. Ministro Pedro Acioli. Recorrente: Universidade Federal do Ceará. Recorridos: Angela de Fátima Saraiva de Oliveira e outro. Advogados: Drs. Francis­co Everaldo Carvalho Cirino e Joelina Pereira l\brinho e outro.

Decisão: A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso (em 18.09.91 - li! Turma).

Participaram do julgamento os Exmos. Srs. Ministros Garcia Viei­ra e Demócrito Reinaldo. Ausente, justificadamente, o Exmo. Sr. Minis­tro Gomes de Barros. Presidiu a sessão o Exmo. Sr. Ministro PEDRO ACIOLI.

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 365

RECURSO ESPECIAL Nº 6.965-0 - PR

(Registro nº 90.0013793-4)

Relator: Exmo. Sr. Ministro José de Jesus Filho Recorrente: David Ramos da Silva Recorrido: Estado do Paraná Advogados: Drs. Carlos Alberto Pereira, Ubirajara Ayres Gaspa­

rin e outros

EMENTA: RECURSO ESPECIAL - PRESCRI­çÃO DA AÇÃO. A prescrição só começa a correr do momento em que, violado o direito subjetivo, nasce para seu titular a pretensão. Recurso Especial conhe­cido e provido, para afastar a alegada prescrição.

·ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indica­das:

Decide a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer do recurso e lhe dar provimento, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Hélio Mosimann, Peçanha Martins, Américo Luz e Pádua Ribeiro.

Custas, como de lei. Brasília, 03 de junho de 1992 (data do julgamento). Ministro AMÉRICO LUZ, Presidente. Ministro JOSÉ DE JESUS

FILHO, Relator.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO JOSÉ DE JESUS FILHO: A espécie foi assim relatada no Colendo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná:

366

"David Ramos da Silva ajuizou contra o Estado do Paraná ação ordinária declaratória de promoção em cargo público cu­mulada com diferenças salariais atrasadas, onde pleiteia pro­moção à graduação de subtenente QMP 1-0 do Quadro de

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

Combatentes a partir de 19/12/71, com todas as diferenças sala­riais atrasadas, acrescidas de juros e correção monetária.

Afirmou o autor ter ingressado nas fileiras da Polícia Militar deste Estado no ano de 1949, sendo que em 1958 foi promovido a cabo e, após, em 1959, promovido a 32 Sargento, finalizando em 22 Sargento em 1965, quando então foi transfe­rido para a reserva remunerada em 1976.

Ponderou ter sido preterido em seu direito às graduações subseqüentes por diversos elementos, por entender o Estado que os sargentos não possuidores do Curso de Aperfeiçoamento de Sargentos (CAS) não detinham tal direito.

Assim, a Procuradoria-Geral do Estado, atendendo a con­sulta formulada pelo Comandante Geral da Polícia Militar des­te Estado, entendeu que a exigência do referido curso deveu-se à equivocada compreensão dos requisitos necessários. Com isto ocorreram mil e oitocentas promoções, sendo que o autor não se viu promovido, e inúmeros Sargentos promovidos a Subtenente tinham menos tempo de serviço que o requerente. Pediu a pro­cedência da demanda.

Citado, o Estado-réu apresentou contestação, preliminar­mente assinalando o não exaurimento das vias administrativas pelo autor, conforme art. 208 da Lei Estadual nº 1.943/54.

Quanto ao mérito, aduziu não ter fundamento o pedido vestibular. Isto porque estando o requerente na reserva remu­nerada, não poderia estar incluído nos quadros de acesso e, conseqüentemente, sem condições de ser promovido, sendo irre­levante a discussão em torno da exigência ou não do Curso de aperfeiçoamento de Sargentos. Assim, requereu a extinção do processo de acordo com o art. 267, IV, do CPC, ou, então, a improcedência da demanda.

Oficiando nos autos, o Dr. Curador opinou pelo acolhimen­to da preliminar levantada pelo Estado e, no mérito, pela im­procedência da ação (fls. 123/124-TJ).

Sentenciando o feito, o dr. Juiz de Direito julgou extinta a presente ação, conforme o inciso IV, do artigo 267, do CPC, tendo em vista que o suplicante deixou de percorrer a via ad­ministrativa (fls. 127/129-TJ).

Inconformado com o decisum, interpõe recurso apelatório o autor, ora recorrente, para que seja reformada inteiramente a r. sentença a quo, ratificando os argumentos expostos na inicial.

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 367

N a resposta, a manutenção da decisão monocrática.

O Ministério Público, em ambas as instâncias, ofereceu parecer pelo improvimento do recurso."

Apreciando a questão decidiu o Tribunal local, entre outras razões, que decorridos mais de dez anos entre a publicação da reforma do poli­cial militar e o ajuizamento de seu pleito a promoção, sem causa inter­ruptiva, prescrita está não só a ação mas a própria pretensão do recor­rente.

Contra essa decisão manifestou o vencido recurso especial, com base nas letras b e c de previsão constitucional, sob alegação de que o v. acórdão recorrido divergira de outros julgados que indica.

Pelo fundamento da letra b, embora argüido, nada alegou o recor­rente.

Admitido o recurso, subiram os autos a esta Corte. Aqui, opinou a douta Subprocuradoria-Geral da República pelo conhecimento, mas im­provimento do recurso.

É este o relatório.

VOTO

EMENTA: RECURSO ESPECIAL - PRESCRIÇÃO DA AÇÃO. A prescrição só começa a correr do momento em que, violado o direito subjetivo, nasce para seu titular a pretensão. Recurso Especial conhecido e provido, para afas­tar a alegada prescrição.

O SR. MINISTRO JOSÉ DE JESUS FILHO (Relator): O recurso excepcional veio fundamentado nas letras b e c da previsão constitucio­nal. No entanto, nada alegou o recorrente com relação à letra b. Inobs­tante, conheço do recurso pela letra c, por entender configurada a diver­gência da tese esposada pelo acórdão recorrido e os acórdãos trazidos a confronto pelo recorrente verbis:

368

"Servidor público. Prescrição de gratificação - O direito à gratificação, que tem o servidor, é um dos direitos que integram a relação estatutária de função pública. - Quando o servidor não recebe e não reclama essa gratificação, decorridos cinco anos, a respectiva prestação cai na prescrição. D. 20.910, de 6.1.32, art. 32 - mas, o direito, que se insere na relação, não é atingido pela prescrição. (RE nQ 58.953-ES, ReI. p/Ac. Min.

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

Eloy da Rocha - RTJ 46/44). E na mesma linha este outro do STF:

"A jurisprudência desta Corte, aliás, tem-se mantido firme no sentido de que, não havendo prazo fixado, no ato concessivo do direito, para o exercício deste, e não havendo decisão explí­cita ou implícita negando a pretensão, e neste sentido, é certo, são os Acórdãos desta Turma, trazidos à colação pelo recorren­te, Relator o Sr. Ministro Décio Miranda, o que prescrevem são as parcelas de trato sucessivos anteriores ao qüinqüênio, e não o próprio fundo do direito. Do voto de S. Exa., nos precedentes aludidos, menciono o seguinte tópico, reproduzidos tanto no RE nº 93.301, como no RE nº 84.828:

"A solução do litígio encontra, por igual, subsídio na Súmula nº 443, a significar que a prescrição qüinqüenal não atinge as prestações de trato sucessivo, quando o próprio direito reclamado, ou a situação jurídica de que ele resulta, não tenham sido negados antes do período considerado."

E no mesmo sentido decidiu ainda esta Turma, ao não conhecer do recurso, em Acórdão favorável a funcionários, no RE nº 93.875, Relator o Sr. Ministro Moreira Alves. Observou S. Exa.:

"Por outro lado, na espécie, não se discutiu adminis­trativamente a existência ou não de direito adquirido a determinação da aplicação da lei antiga, razão por que não se pode alegar sequer que a ora recorrente tenha negado, em decisão administrativa, e de modo permanente, a pre­tensão dos ora recorridos." (RE nº 101.082-SP - ReI. Min. Aldir Passarinho, RTJ 112/393).

N o caso em exame, o acórdão julgou prescrita a ação com estas considerações:

"Na espécie, o ato da reforma do policial militar foi publi­cado em 24/06/76, enquanto que a ação declaratória foi proposta em 21/12/87, quando o foi a prescrição do direito de ação já se operava em favor do Estado do Paraná, de modo claro, insofis­mável e indiscutível.

É da Lei Substantiva Civil preconizado no art. 178, 10º, VI, que se a ação é dirigida contra a Fazenda Estadual, o prazo da prescrição é de 05 (cinco) anos, e a contagem tem o seu marco inicial na data do ato que a ação deu causa. A contagem do prazo prescricional haverá de se iniciar na data do ato que

R. Sup. Trib. Just., Brasflia, a. 4, (39); 339-615, novembro 1992. 369

deu causa à demanda, 24/06/76. A partir daí, no judiciário, teria o apelante 5 (cinco) anos para demandar. Quando procu­rou fazê-lo já haviam se passado mais de dez anos e a prescri­ção alcançara-lhe o direito de ação." (fls. 185).

De acordo com o artigo 9Q do Decreto nQ 20.910/32, a prescrição foi interrompida quando a Administração em 1984 reconheceu que o recor­rente para ser promovido não necessitava do Curso de Aperfeiçoamento, condição que o excluiu da graduação de Subtenente. E mesmo que as­sim não fosse, como demonstrado nos acórdãos trazidos à colação, o Es­tado não provou que havia negado a pretensão do recorrente de forma implícita ou explícita a teor da Súmula 443 do STF. A prescrição só co­meça a correr do momento em que, violado o direito subjetivo, nasce para seu titular a pretensão.

Pelo exposto, conheço do recurso, e lhe dou provimento para deter­minar a devolução dos autos ao Egrégio Tribunal, a fim de que afastada a alegação de prescrição se julgue o direito postulado pelo recorrente.

É o meu voto.

EXTRATO DA l\IINUTA

REsp nQ 6.965-0 - PR - (90.0013793-4) - Relator: Exmo. Sr. Ministro José de Jesus. Recte.: David Ramos da Silva. Adv.: Carlos Alberto Pereira. Recdo.: Estado do Paraná. Advs.: Ubirajara Ayres Gasparin e outros.

Decisão: A Turma, por unanimidade, conheceu do recurso e lhe deu provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator (em 03.06.92 -2i! Turma).

Participaram do julgamento os Srs. Ministros Hélio Mosimann, Peçanha Martins, Américo Luz e Pádua Ribeiro.

370

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro AMÉRICa LUZ. ~

RECURSO ESPECIAL N'1 7.187-0 - SP (Registro n'1 91.0000297-6)

Relator: ~Ministro Sálvio de Figueiredo

Recorrente: Banco Safra de Investimentos S/A

Advogados: Dr. Rubens Ferraz de Oliveira Lima e outros

Recorridos: Cofarma ComI. Farmacêutica Ltda. e outro

Advogados: Dr. Pedro Alcides Barense e outro

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): :339-G15, novembro 1992.

EMENTA: Direito Comercial. Penhor mercantil. Tradição simbólica. Admissibilidade. Código Comer­cial, art. 274. Vigência. Ação de depósito. Boa-fé. Re­curso provido.

I - Em se tratando de penhor mercantil admis­sível é a entrega simbólica dos objetos, estando em vigor a norma do art. 274 do Código Comercial.

II - A aceitação do encargo pelo depositário, no penhor mercantil, faz presumir a tradição dos bens dados em garantia, caracterizando infidelidade do depositário a falta de entrega dos objetos.

UI - A realidade das relações de comércio dos tempos atuais repudia os formalismos injustificáveis instalando-se na boa-fé a "consagração do dever moral de não enganar a outrem".

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo­tos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, em conhecer do recurso e em dar-lhe provimento. Votaram com o Relator os Ministros Bar­ros Monteiro, Bueno de Souza, Athos Carneiro e Fontes de Alencar.

Custas, como de lei.

Brasília, 12 de maio de 1992 (data do julgamento).

Ministro ATHOS CARNEIRO, Presidente. lVIinistro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Relator.

EXPOSIÇÃO

MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO: Consta dos autos que o recorrente, em 15.12.86, celebrou contrato de mútuo com a empresa recorrida, no valor de Cz$ 2.000.000,00 (dois milhões de cruzados), com vencimento previsto para 13.2.87, garantido por promissória de emissão da empresa e aval do seu representante legal e da esposa deste, tendo sido avençado penhor mercantil com produtos da empresa, que ficariam em depósito com o recorrido, sócio-diretor da empresa (cláusula IV, § 12).

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (:19): 339-615, novcOluro 1992. 371

Vencido e protestado o título, não encontrados os bens dados em penhor, ajuizou o recorrente ação de depósito, inacolhida sua pretensão em ambas as instâncias ordinárias, por inexistência, no caso, de tradi­ção real dos bens.

Interposto recurso especial pelo dissídio pretoriano e por ofensa aos arts. 274, 281 e 284 do Código Comercial, e 1.265 e 1.287 do Código Civil, foi ele inadmitido, do que resultou manifestação de agravo de ins­trumento, a que dei provimento pela decisão que se vê por cópia à fl. 162, entendendo caracterizado o dissenso.

Subiram os autos, com as contra-razões. É o relatório.

VOTO

MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO (Relator): Debate-se, em ultima ratio, se o penhor mercantil reclama a entrega real dos bens dados em garantia, ou se bastante a tradição simbólica, com a aplicaçãO da cláusula constituti.

Segundo a r. sentença, imprescindível seria a tradição efetiva da coisa para a configuração do penhor, dada a natureza real desse contra­to, que não se ultimaria com o simples acordo entre as partes, daí não ser admissível a tradição ficta, exceto nas hipóteses do art. 769 do Códi­go Civil, concernentes ao penhor agrícola ou pecuário, em que os objetos continuam em poder do devedor por efeito do constituto possessório.

Na mesma trilha julgou a segunda "instância", citando Fran Mar­tins ("Contratos e Obrigações Comerciais", Forense, 1984, p. 386), após aduzir que a referida cláusula somente valeria nos cases expressamente permitidos em lei, estando hoje regidas pelo D.1ei 413/69 quase todas as modalidades de penhor e revogado o art. 274 do Código Comercial.

Tenho que razão assiste ao recorrente. A uma, porque se trata de penhor mercantil, nada autorizando o

entendimento de que esteja revogada a norma do art. 274 do Código Comercial, segundo a qual

"A entrega do penhor pode ser real ou simbólica, e pelos mesmos modos por que pode fazer-se a tradição da coisa vendi­da (art. 199)".

A invocada lição do Prof. Fran Martins a respeito baseia-se unica­mente em dois julgados isolados do Excelso Pretório, ambos de 1950, já ultrapassados há muito naquela Corte, como reconheceu Washington de Barros Monteiro (cfr. "Curso", Saraiva, 1988).

372 H. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

A duas, porque jurisprudência do Supremo Tribunal Federal mais recente, inclusive posterior à edição do DL 413/69, prestigia a pretensão do autor-recorrente, como se vê da ementa que se segue, referente ao RE 72.500-SP, de que foi relator o grande Ministro Rodrigues de Alck­min, de 30.4.74:

"Penhor mercantil - Prisão dos depositários - Alegada impossibilidade de constituir-se o penhor sem a entrega real e efetiva dos objetos apenhados e de tratar-se, no caso, de depó­sito irregular - Acórdão que admitiu ter sido regular a cons­tituição do penhor, mediante entrega simbólica, presumida a tradição dos objetos dados em garantia pela aceitação do encar­go - Interpretação razoável do direito federal e de cláusulas do contrato - Dissídio jurisprudencial não comprovado - Recurso extraordinário não conhecido.

O penhor mercantil admite a entrega simbólica dos objetos. Uma vez celebrado o penhor mercantil e nomeado deposi­

tário para os bens respectivos, a aceitação do encargo faz pre­sumir a tradição dos objetos dados em garantia, e a falta de sua entrega caracterizará a infidelidade do depositário, que assim fica sujeito às sanções previstas". (RT 476/235).

Daquele aresto, do seu voto condutor, colhe-se: "As partes firmaram um contrato de abertura de crédito

com garantia de títulos e penhor mercantil, mediante o qual a empresa creditada deu mercadorias de sua produção para asse­gurar a avença, as quais ficaram depositadas em seu estabele­cimento.

Nesse mesmo instrumento os agravantes assumiram em termos expressos a condição de depositários das coisas objeto de penhor mercantil (fls.), mas o contrato não foi cumprido, fican­do sem pagamento os títulos representativos do crédito.

Proposta a ação e sendo citados, ao invés de procederem à devolução das mercadorias em apreço os agravantes ofereceram contestação, à guisa de explicações, sustentando a propósito que o penhor não se constituíra porque não ocorreu a efetiva tradição das coisas empenhadas.

Entretanto, não se trata de penhor civil, e sim de penhor mercantil, regulado pelo art. 274 do Código Comercial, que admite a entrega simbólica dos objetos.

Tem-se a respeito a lição de Pontes de Miranda, para quem é admissível em matéria comercial a entrega da posse pelo

R. sup. Trib. Just., Bl"asília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 373

constituto possessono, ficando ao devedor a posse própria e imediata (cf. "Tratado de Direito Privado", tomo 20/432).

De igual modo a jurisprudência tem se manifestado, ao decidir que uma vez celebrado o penhor mercantil e nomeado depositário para os bens respectivos, a aceitação do encargo faz presumir a tradição dos objetos dados em garantia e a falta de entrega dos mesmos caracterizará a infidelidade do depositário, que assim fica sujeito às sanções previstas (RT 391/173).

Acresce observar que nada impedia a celebração no mesmo instrumento de contratos diversos - o penhor, em que é deve­dora a pessoa jurídica, e o depósito, em que são depositários os próprios agravantes.

Vencido o contrato de penhor, a entrega da coisa fazia-se necessária. Ainda que se pudesse discutir todavia a validade do penhor, permaneceriam válidas as obrigações assumidas pelos depositários, não se confundindo então as figuras da devedora (pessoa jurídica) e dos sócios.

Daí resulta que a prisão destes era medida correlata e que deve ser mantida, portanto, restando assinalar, para remate, que a circunstância de se tratarem de coisas fungíveis nada traduz de anormal, isso porque o penhor mercantil, segundo os tratadistas, pode ter por objeto coisas móveis suscetíveis de alienação, incluindo-se ordinariamente entre elas as mercado­rias e produtos industrializados, que são precisamente os obje­tos que as empresas necessitadas de crédito possuem para ofe­recer em garantia".

Na mesma direção, os precedentes paulistas e paranaenses trazi­dos à colação pelo recorrente, coligidos na "Revista dos Tribunais" (375/ 309,391/173,413/195).

No mais, afigurar-se-ia estranho que, sobretudo quanto mais e mais se busca facilitar as relações econômico-financeiras na sociedade, o di­reito viesse a abrigar formalismos excessivos em prol de um fetichismo injustificável. Seria realmente incompreensível que, em face de celebra­ção de mútuo, o credor pignoratício tivesse que efetivamente receber as coisas móveis para posteriormente entregá-las ao depositário.

Não bastassem tais considerações, haver-se-á de acrescentar aqui o elemento moral de boa-fé, merecedora da proteção legal para que "as partes cumpram aquilo a que, por escrito e livremente se obrigaram", boa-fé que, no dizer de François Gorphe, é a alma das relações jurídicas, na qual se insere a "consagração do dever moral de não enganar a ou­trem" (Le Principe de la Bonne Foi).

374 H. sup. Trib. Jusl., Brasília, a. 4, (39); :3:39-G15, novembro 1992.

Pelo exposto, conheço do recurso por ambas as alíneas do permis­sivo constitucional e lhe dou provimento, tendo por procedente a pre­tensão ajuizada, com inversão dos ônus da sucumbência.

VOTO

O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO: Sr. Presidente, ponho­me de acordo com o Eminente Relator.

Em se tratando de penhor mercantil, é possível a tradição ficta de acordo com o que reza o art. 2'/4 do Código Comercial.

A entrega da posse pode dar-se, portanto, através do constituto possessório.

EXTRATO DA MINUTA

REsp nº 7.187 - SP - (91.0000297-6) - Relator: Exmo. Sr. Minis­tro Sálvio de Figueiredo. Recte.: Banco Safra de Investimentos S/A. Rec­dos.: Cofarma ComI. Farmacêutica Ltda. e outro. Advs.: Rubens Ferraz de Oliveira Lima e outros; Pedro Alcides Barense e outro. Sustentou, oralmente, o Dr. Joaquim Jair Ximenes Aguiar, pelo Recorrente.

Decisão: Após os votos dos Srs. Ministros Relator e Barros Mon­teiro, conhecendo do recurso e dando-lhe provimento, pediu vista o Sr. Ministro Bueno de Souza (em 08.10.92 - 4;! Turma).

Aguardam os Srs. Ministros Athos Carneiro e Fontes de Alencar.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro ATHOS CARNEIRO.

EXTRATO DA MINUTA

REsp nº 7.187-0 - SP - (91.0000297-6) - Relator: Exmo. Sr. Mi­nistro Sálvio de Figueiredo. Recte.: Banco Safra de Investimentos S/A. Advs.: Rubens Ferraz de Oliveira Lima e outros. Recdos.: Cofarma ComI. Farmacêutica Ltda. e outro. Advs.: Pedro Alcides Barense e outro.

Decisão: Prosseguindo no julgamento, a Turma, por unanimidade, conheceu do recurso e deu-lhe provimento (em 12.05.92 - 4;! Turma).

Os Srs. Ministros Athos Carneiro e Fontes de Alencar acompanha­ram os votos proferidos anteriormente.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro ATHOS CARNEIRO.

R. Sup. Trib. Jusl., Brasília, a. 4, (39): 339-G15, novcrnoro H) 92. 375

RECURSO ESPECIAL NQ 7.585-0 - SP

(Registro nQ 91.0001211-4)

Relator: Sr. Ministro Eduardo Ribeiro

Recorrentes: Raphael de Camargo Simões e cônjuge

Recorridos: João Raphael Frattini e cônjuge Advogados: Drs. Denise Viana Nona'w Aliende Ribeiro e outros;

Maria do Socorro Dantas de Souza

EMENTA: Reconhecimento do pedido.

Exige, para que se tenha como configurado, cla­ra manifestação do réu de que se submete aos ter­mos da demanda. O fato de que tenha desfeito cons­trução, que a inicial sustentava ser irregular, não significa haja admitido a procedência da pretensão do autor, podendo ter agido impelido por motivação inteiramente estranha à alegada ilicitude. Para de­cidir sobre a condenação em custas e honorários ter­se-á que examinar a lide e verificar quem deu causa, de modo objetivamente injurídico, à instauração do processo.

Loteamento - Restrições convencionais à cons­trução.

Prevalência das normas municipais supervenien­tes, pois o plano urbanístico é de interesse geral e limitações introduzidas por particulares não podem empecer o normal desenvolvimento da cidade.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, em não co­nhecer do recurso especial. Votaram com o relator os Srs. Ministros Dias Trindade, Waldemar Zveiter, Cláudio Santos e Nilson Naves.

376

Custas, como de lei .. Brasília, 09 de novembro de 1992 (data do julgamento).

Ministro EDUARDO RIBEIRO, Presidente e Relator.

H. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): :339-G15, novembro 1992.

RELATÓRIO

o SR. MINISTRO EDUARDO RIBEIRO: Cuidam os autos de ação de nunciação de obra nova, ajuizada por Raphael de Camargo Simões e sua mulher em desfavor de João Raphael Frattini e sua mulher. Alega­ram que a construção, iniciada pelos réus, encontra-se plena de irregu­laridades, evidenciando o uso impróprio da propriedade, ocasionando­lhes prejuízo.

Em primeiro grau, foi a ação julgada improcedente, por não de­monstrado o prejuízo que a obra nova acarretaria à dos autores.

Foi a decisão confirmada em segundo grau.

Apresentaram-se embargos declaratório~, em que se salienta ter sido demolida a obra, o que importaria reconhecimento do pedido. Acolhidos, esclareceu-se que o fato não implicava a pretendida conseqüência.

No especial, alegou-se que violado o Decreto-lei n9 58/37, não aten­didas as restrições aí estabelecidas quanto ao uso e ocupação do solo. Conseqüentemente, vulnerados também o Decreto n~ 3.079/38 e a Lei 6.766/79 que disciplinam matéria idêntica. Sustentou-se, ainda, que con­trariados os arts. 269, I, e 462, do CPC, pelo fato de os réus, no curso da ação, terem desfeito a obra.

Recurso admitido pela letra a do art. 105, III, da Constituição Fe­deral, embora salientando-se ser duvidosa sua tempestividade.

Não conhecido o recurso, entendendo-se que interposto fora do pra­zo, os recorrentes manifestaram embargos de declaração, que foram "re­cebidos para declarar tempestivo o especial, corrigindo o erro da decisão anteriormente tomada".

Atribuindo-se efeitos infringentes aos declaratórios, determinou-se nova inclusão em pauta.

É o relatório.

VOTO

EMENTA: Reconhecimento do pedido.

Exige, para que se tenha como configurado, clara manifestação do réu de que se submete aos termos da de­manda. O fato de que tenha desfeito construção, que a ini­cial sustentava ser irregular, não significa haja admitido a

R. sup. Trib. JusL, Brasília, a. 4, (39): :339-615, novembro 1992. 377

procedência da pretensão do autor, podendo ter agido im­pelido por motivação inteiramente estranha à alegada ilici­tude. Para decidir sobre a condenação em custas e honorá­rios ter-se-á que examinar a lide e verificar quem deu causa, de modo objetivamente injurídico, à instauração do proces­so.

Loteamento - Restrições convencionais à construção.

Prevalência das normas municipais supervenientes, pois o plano urbanístico é de interesse geral e limitações introduzidas por particulares não podem empecer o normal desenvolvimento da cidade.

o SR. MINISTRO EDUARDO RIBEIRO: Tenho como correto o acórdão quando entendeu não configurado o reconhecimento do pedido. Certo que o réu demoliu a construção, a cujo propósito se litiga. Não se segue daí, necessariamente, tenha admitido a procedência da pretensão do autor. Muitas outras razões podem tê-lo levado a considerar convenien­te não manter o que fizera erigir, sem qualquer vínculo com a alegada ilicitude. O reconhecimento do pedido exige, para ter-se como configura­do, a clara manifestação de submeter-se o demandado aos termos da demanda. Se não detectada, no caso em exame, não se justificaria, no especial, interpretar de forma diversa o comportamento do réu. Afasta­se, pois, a alegação de violação dos dispositivos processuais a isso perti­nentes.

O acórdão fez referência a um aspecto da sentença que diz com a ausência de prejuízo para os autores. Confirmou-a, entretanto, na Ínte­gra. E dela consta outro argumento que me parece decisivo, bastante para sustentá-la.

Com base nas opiniões de Hely Lopes Meirelles e José Afonso da Silva, entendeu que as convenções relativas à utilização do solo não subsistem quando em desacordo com as normas municipais editadas, visando ao mesmo propósito. Convenci-me do acerto desse entendimen­to. Não seria possível que o loteador estabelecesse regras, ainda que aceitas pelos primeiros adquirentes, que se tornariam praticamente imutáveis, muitas vezes afrontando as necessidades urbanísticas. Essas são dinâmicas, condicionam-se ao desenvolvimento da cidade, não sendo admissível que esse fique prejudicado. No caso, sendo a construção eri­gida de acordo com as normas municipais, e prevalecendo estas, não se pode ter como irregular o que foi feito.

Não conheço do recurso.

378 R. sup. Trib. Jusl., Brasília, a. 4, (39): 3:39-615, novembro 1992.

EXTRATO DA MINUTA

REsp nº 7.585-0 - SP - (91.0001211-4) - Relator: Exmo. Sr. Mi­nistro Eduardo Ribeiro. Recte.: Raphael de Camargo Simões e cônjuge. Advs.: Denise Viana Nonaka Aliende Ribeiro e outros. Recdo.: João Ra­phael Frattini e cônjuge. Adv.: Maria do Socorro Dantas de Souza.

Decisão: A Turma, por unanimidade, não conheceu do recurso es­pecial (em 09.11.92 - 3;! Turma).

Participaram do julgamento os Srs. Ministros Dias Trindade, \Val­demar Zveiter, Cláudio Santos e Nilson Naves.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro EDUARDO RIBEIRO.

RECURSO ESPECIAL NQ 8.412 - SP

(Registro nº 91.0002907-6)

Relator: O Exmo. Sr. Ministro Waldemar Zveiter

Recorrente: Banco ItaLÍ S/A

Recorridos: Francisco Anibal Mazetto e outros

Advogados: Drs. Ronaldo Menezes da Silva e outros e Celso Reh­der de Andrade

EMENTA: PROCESSUAL E CIVIL - PAULIANA (REVOCATÓRIA) - IMÓVEL - DOAÇÃO A MENOR - INSOLVÊNCIA.

I - Não caractcriza insolvência como prcssupos­to da Revocatória, quando a prova dos autos eviden­cia a existência de outros imóvcis, os quais, suficien­tes para responderem pelas dívidas do executado, suportam o risco que a doação de um dentre eles possa abalar-lhe o patrimônio a justificar o ajuiza­mento da pauliana.

II - Recurso não conhecido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas:

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): :339·615, novembro 1992. 379

Decide a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do Recurso Especial, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte in­tegrante do presente julgado.

Custas, como de lei. Brasília, 10 de dezembro de 1991 (data do julgamento). Ministro NILSON NAVES, Presidente. Ministro W ALDEMAR ZVEI­

TER, Relator.

RELATÓRIO

O EXMO. SENHOR MINISTRO \VALDEMAR ZVEITER: Cuida-se de Revocatória ou Pauliana e o acórdão fundamentou-se em que a dívi­da foi contraída na mesma data da efetivação da doação do imóvel aos menores. A doação, só por si, não reduziu os réus à condição de insol­vência.

Contra esse lineamento o recorrente postula Especial, onde, com arrimo nas letras a e c do permissivo, alega que, no seu entender, o aresto hostilizado teria vulnerado os artigos 106 e 147, II, do Código Civil, e dissentido de precedentes que indica às fls. 144/159.

No exame dos pressupostos de admissibilidade (fls. 165), o apelo foi deferido pela letra a.

Nas razões de fls. 179/181, o ilustre Subprocurador-Geral opina por que se devolvam os autos a fim de que se proceda ao exame analítico da admissão do recurso.

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO \VALDEMAR ZVEITER (Relator): Exa­mino a hipótese pela letra a.

O acórdão invectivado, às fls. 127, demonstrou à espécie, deduzin­do-a assim:

380

" ... Como bem demonstrou o parecer da douta Procurado­ria de Justiça, o requisito da anterioridade da dívida não está comprovado.

Resulta, ao contrário, evidenciado, pelos documentos exi­bidos, que a dívida foi contraída na mesma data em que ocorreu a doação do imóvel aos menores.

H. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

A doação, por si só, não reduziu os réus à condição de insolvência, já que outros imóveis remanesceram no seu patri­mônio.

As outras transmissões, consistentes em dação em paga­mento, não são questionadas.

A transmissão posterior desses outros bens não outorga a anulação da doação anterior, legitimamente feita.

Assim, adotadas as razões da douta Procuradoria de Jus­tiça, deve ser acolhido o recurso, para a improcedência da ação, invertidos os ônus da sucumbência."

Daí que, no aludido parecer, diz-se que (fls. 162):

" ... Note-se, claramente, o uso das expressões devedor já insolvente, ou por eles reduzido à insolvência. E isto porque o aresto foi enfático em afirmar o seguinte: "Resulta, ao contrá­rio, evidenciado, pelos documentos exibidos, que a dívida foi contraída na mesma data em que ocorreu a doação do imóvel aos menores. A doação, só por si, não reduziu os réus à condi­ção de insolvência, já que outros imóveis remanesceram no seu patrimônio."

Como registrado, as provas documentais é que forneceram a evi­dência de que quando da liberalidade ainda existiam outros imóveis no patrimônio do devedor.

E Yussef Said Cahali (Fraudes Contra Credores) ensina que:

"A Jurisprudência, na aplicação do art. 106 do CC, é uni­forme no sentido de que, para autorizar a revogação do ato do devedor, é indispensável que o pratique o devedor já insolvente ou que do próprio ato resulte a insolvência; reclama-se o requi­sito da insolvência a caracterizar o evento dano ao credor.

Subentende-se, assim, a idéia de prejuízo contida na frau­de pauliana e representada pela insolvência do devedor; evi­dentemente, a lei quer referir-se a uma fraude prejudicial, ou seja, danosa aos credores, já que, diversamente, não se com­preenderia com que direito viriam estes queixar-se ou deman­dar reparação; ... " páginas 153/154, RT, 1989.

Em face desses suplementos doutrinários que reforçam a correta exegese que o aresto deu à norma em comento, não há como acolher a alegação de que o julgado teria ferido os artigos 106 e 147 do Código Civil, por isso não conheço do recurso.

R. sup .. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 381

EXTRATO DA MINUTA

REsp nº 8.412 - SP - (91.0002907-6) - Relator: Exmo. Sr. Minis­tro Waldemar Zveiter. Recte.: Banco Itaú S/A. Recdos.: Francisco Ani­bal Mazetto e outros. Advs.: Ronaldo Menezes da Silva e outros; Celso Rehder de Andrade.

Decisão: A Turma, por unanimidade, não conheceu do recurso es­pecial (em 10.12.91 - 3f! Turma).

Participaram do julgamento os Srs. Ministros Cláudio Santos, Nil­son Naves, Eduardo Ribeiro e Dias Trindade.

382

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro NILSON NAVES .

• RECURSO ESPECIAL Nº 8.690-0 - PR

(Registro nº 91.0003589-0)

Relator: O Senhor Ministro Milton Pereira

Recorrentes: João Maria Pires de Almeida e outros

Recorrido: Estado do Paraná

Advogados: Drs. Renato Cardoso de Almeida Andrade e outros e Vabnor Coelho e outros

EMENTA: CÓDIGO FLORESTAL (LEI 4.771/65). PARQUES NACIONAIS, ESTADUAIS E MUNICIPAIS. PRESERVAÇÃO AMBIENTAL. LIMITAÇÕES ADMI­NISTRATIV AS. SERVIDÃO. DECLARAÇÃO DE UTI­LIDADE PÚBLICA. OCUPAÇÃO PERMANENTE COM A RETIRADA DOS PROPRIETÁRIOS, IMPEDINDO O USO, GOZO E LIVRE DISPOSIÇÃO (ART. 524, CÓDI­GO CIVIL). INDENIZAÇÃO DEVIDA.

1. O Poder Público pode criar Parques (art. 5º. Lei 4.771/65), ficando resguardado o direito de pro­priedade, com a conseqüente reparação patrimonial, quando ilegalmente afetado.

2. As "limitações administrativas", quando supe­radas pela ocupação permanente, vedando o uso, gozo c livre disposição da propriedade, desnaturam-se

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339·615, novembro 1992.

das:

conceitualmente, materializando verdadeira desapro­priação. Impõe-se, então, a obrigação indenizatória justa e em dinheiro, espancando mascarado "confis­co".

3. Precedentes jurisprudenciais. 4. Demonstrada a divergência (art. 105, IH, c,

CF), dá-se provimento ao recurso.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indica-

Decide a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso, nos termos do voto do Rela­tor, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Sustentou oral­mente o Dr. Júlio César Ribas Boeng, pelo recorrido. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Garcia Vieira e Demócrito Reinaldo. Au­sentes, justificadamente, os Srs. Ministros Gomes de Barros e César Rocha. Presidiu o julgamento o Sr. Min. Garcia Vieira.

Custas, como de lei.

Brasília, 21 de setembro de 1992 (data do julgamento).

Ministro GARCIA VIEIRA, Presidente. Ministro MILTON PEREI­RA, Relator.

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO MILTON PEREIRA (Relator): O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná em ação de indenização movida por João Maria Pires de Almeida e outros contra o Estado do Paraná proferiu o v. acórdão abaixo transcrito, in verbis:

"Ação de Indenização - Desapropriação Indireta - Agra­vo Retido - Ilegitimidade de Parte - Improcedência - Auto­res proprietários do imóvel adquirido na constância do casa­mento em comunhão de bens - Preliminar de nulidade da sentença - Inocorrência - Sentença proferida com esteio na prova coligida - Fundamentação adequada.

Mérito - Efetivo apossamento administrativo - O Estado tem a obrigação de indenizar se ao instituir reserva florestal,

H. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 3:39-615, novembro 1992. 383

impõe restrições que impossibilitem o proprietário ao uso e gozo das terras.

Juros compensatórios e correção monetária - Aplicação correta - Os juros moratórios devem ser contados a partir do trânsito em julgado da sentença - Provimento parcial à remes­sa necessária e ao recurso voluntário".

Contra esse v. aresto foram opostos pelo Estado do Paraná Embar­gos Infringentes acolhidos pelo Tribunal a quo, assim ementado:

"Embargos Infringentes. Ação Ordinária de Indeniza­ção. Ressarcimento de prejuízos causados em face da cria­ção do Parque Marumbi. Obrigação do Estado de indenizar o proprietário pela limitação de uso da propriedade. Inexis­tência. Ao criar o Parque Marumbi, objetivando proteger a flora da região, não está o Estado do Paraná obrigado a res­sarcir os proprietários de terras ali localizadas, uma vez que a criação do Parque simplesmente cumpre o previsto na legislação federal própria, consubstanciada no novo código florestal. Inteligência dos artigos P, 52 e parágrafo único da Lei 4.771/65. Embargos acolhidos para julgar improce­dente a ação indenizatória".

Inconformados com o acolhimento dos Embargos JOÃO MARIA PIRES DE ALMEIDA E OUTROS, com fundamento no art. 105, inciso III, alíneas a e c, da Constituição Federal, interpuseram Recurso Espe­cial contra o v. acórdão.

Alegam, em síntese, os Recorrentes, negativa de vigência aos arti­gos 12, 22 e 52, parágrafo único, da Lei n2 4.771/65, apesar de ter sido a indenização negada com base nestes dispositivos. Além disso, segundo os Recorrentes, o v. acórdão diverge da Jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo e do Tribunal de Alçada de São Paulo (fls. 569/ 577).

Simultaneamente, os Recorrentes opuseram Recurso Extraordiná­rio, fundado nlrart. 102, inciso lII, alínea a, da Carta Magna, cujo se­guimento foi denegado (fls. 579/584 e 597/598).

384

Admitido o Recurso Especial, subiram os autos a esta Corte.

É o relatório.

VOTO

EMENTA: CÓDIGO FLORESTAL (LEI 4.771/65). PAR­QUES NACIONAIS, ESTADUAIS E MUNICIPAIS. PRE-

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

SERVAÇÃO AMBIENTAL. LIMITAÇÕES ADMINISTRATI­VAS. SERVIDÃO. DECLARAÇÃO DE UTILIDADE PÚBLI­CA. OCUPAÇÃO PERMANENTE COM A RETIRADA DOS PROPRIETÁRIOS, IMPEDINDO O USO, GOZO E LIVRE DISPOSIÇÃO (ART. 524, CÓDIGO CIVIL). INDENIZAÇÃO DEVIDA.

1. O Poder Público pode criar Parques (art. 52, Lei 4.771165), ficando resguardado o direito de propriedade, com a conseqüente reparação patrimonial, quando ilegalmente afetado.

2. As "limitações administrativas", quando superadas pela ocupação permanente, vedando o uso, gozo e livre dis­posição da propriedade, desnaturam-se conceitualmente, materializando verdadeira desapropriação. Impõe-se, então, a obrigação indenizatória justa e em dinheiro, espancando masCarado "confisco".

3. Precedentes jurisprudenciais.

4. Demonstrada a divergência (art. 105, III, c, CF), dá­se provimento ao recurso.

o SENHOR MINISTRO MILTON PEREIRA (Relator): Por revela­ção documentária dos autos extrai-se que os Recorrentes, no sulco cons­titucional (art. 105, III, a e c, Constituição Federal), nesta via Especial, soerguendo a negativa de vigência dos arts. 12, 22 e 52, parágrafo único, da Lei n2 4.771165, somando que está presente a divergência pretoriana na interpretação da legislação de regência, objetivam afastar o julgado proferido no E. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.

Para o exame recursal, abrindo espaço à compreensão do tema, à guisa de memorar, registra-se que os Recorrentes, qualificando-se como condôminos de imóvel rural, localizado no Município de Morretes, origi­nariamente, ajuizaram Ação de Indenização por Desapropriação Indire­ta contra o Estado do Paraná, quando foi criado o Parque Marumbi, con­forme o Decreto Estadual nQ 5.591, de 02.10.1978.

No Juízo de Direito da Comarca, onde está localizado o imóvel, lograram êxito, assim dispondo a ilustrada sentença monocrática:

omissis ....................................... : ........................................... . " ... JULGO PROCEDENTE a presente ação, vez que pro­

vado o apossamento pelo Estado do Paraná, sobre a área de 168,89 hectares, ou 1.688.900 metros quadrados, atingida pelo projeto Marumbi. Com base nesta decisão, condeno o réu no

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 385

pagamento da indenização devida aos requerentes, representa­da pelas seguintes parcelas: terra nua, em Cz$ 2.702.240,00; madeiras que revestem a propriedade, Cz$ 1.711.174,50, e cer­cas divisionárias, em Cz$ 67.622,00, alcançando o total de Cz$ 4.481.035,65 (quatro milhões, quatrocentos e oitenta e um mil e 'trinta e cinco cruzados e sessenta e cinco centavos), valores estes a serem corrigidos de acordo com as disposições dos arti­gos 12 e 2º da Lei 6.899, de 08 de abril de 1981, observando-se para tanto o período da sua vigência e a partir da data da avaliação do imóvel, acrescidos de juros moratórios, na base de 6% ao ano, a contar da citação do Estado, e juros compensató­rios, calculados em 12% ao ano, da data em que verificou-se a interdição da propriedade, ou seja, 02 de outubro de 1978, tudo a ser apurado por cálculo do Contador" (f1. 368).

Apreciando a apelação e o reexame necessário, o E. Tribunal a quo, com alteração parcial, manteve o julgado inaugural, concluindo o v. acórdão:

"Face ao exposto, ACORDAM os Desembargadores da Pri­meira Câmara Civil do Tribunal de Justiça do Estado do Para­ná, por maioria de votos, em negar provimento ao agravo reti­do, em rejeitar a preliminar de nulidade da sentença e em dar provimento parcial ao reexame necessário e ao recurso volun­tário do Estado do Paraná, para tão-somente determinar que os juros moratórios sejam contados a partir do trânsito em julgado da sentença" (fl. 503).

Sucederam-se os Embargos Infringentes, julgando improcedente a ação, com esta ementa:

386

"EMBARGOS INFRINGENTES. AÇÃO ORDINÁRIA DE INDENIZAÇÃO. RESSARCIMENTO DE PREJUÍZOS CAUSADOS EM FACE DA CRIAÇÃO DO PARQUE MA­RUMBI. OBRIGAÇÃO DO ESTADO DE INDENIZAR O PROPRIETÁRIO PELA LIMITAÇÃO DE USO DA PRO­PRIEDADE. INEXISTÊNCIA. AO CRIAR O PARQUE MARUMBI, OBJETIVANDO PROTEGER A FLORA DA REGIÃO, NÃO ESTÁ O ESTADO DO PARANÁ OBRIGA­DO A RESSARCIR OS PROPRIETÁRIOS DE TERRAS ALI LOCALIZADAS, UMA VEZ QUE A CRIAÇÃO DO PARQUE SIMPLESMENTE CUMPRE O PREVISTO NA LEGISLA­çÃO FEDERAL PRÓPRIA, CONSUBSTANCIADA NO NOVO CÓDIGO FLORESTAL. INTELIGÊNCIA DOS AR­TIGOS 1º, 5º, E PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 4.771/65. EMBARGOS ACOLHIDOS PARA JULGAR IMPROCEDEN­TE A AÇÃO INDENIZATÓRIA" (fl. 563).

R. sup. Trib. Jusi., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

Percorrido o itinerário processual, de logo, por utilidade pública, imana que está caracterizada verdadeira expropriação, com apossamen­to da área, não se omitindo que o imóvel está registrado como proprie­dade dos autores.

Outrossim, ficando intangido o valor dado pericialmente, a questão ficou desconsiderada no julgado infringente, por maioria, circunscrito à demonstração da inexistência de obrigação indenizatória, nesse toar, anotando:

on1.issis .................................................................................. . "Com efeito, a criação do Parque Marumbi, objetivando

preservar o ambiente ecológico da região da Serra do Mar, ain­da que determine restrições ao direito de propriedade dos em­bargos, não é passível de indenização.

No caso 'concreto, embora seja certa a caducidade do res­pectivo decreto expropriatório, consoante enfatiza o voto do Desembargador Oto Sponholz, ressalta evidente que a iniciati­va do Estado do Paraná, procurando preservar a estrutura am­biental da região, instituindo o Parque Marumbi, decorre da Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, que instituiu o novo Código Florestal. De acordo com o art. P da mencionada lei, "as florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do país, exercendo-se os direitos de propriedade, com as limitações que a legislação em geral e especialmente esta lei estabelecem" (grifos não do original). Assim, no caso específico, destinando-se a área para constituição de parque estadual, a fim de resguardar, preservar e proteger integralmente a flora, tem incidência o contido no artigo 59 e parágrafo único da mesma lei antes in­dicada, eis que, ao proprietário, "fica proibida qualquer forma de exploração dos recursos naturais nos Parques Nacionais, Estaduais e Municipais" (grifos não do original). E a limitação de uso imposta pelo Estado do Paraná aos Embargados, deveu­se única e exclusivamente no cumprimento de disposição legal expressa.

Aliás, apreciando situação semelhante, este 2º Grupo de Câmaras Cíveis, ao julgar os Embargos Infringentes nº 9/88, também de Morretes, e que decidiu questão referente a uma área de terras situada no Parque Marumbi, por votação unâni­me, acolheu o voto do Desembargador Sydney Zappa, no senti­do de ser indevida a indenização então reclamada, porque a

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 3:39·615, novembro 1992. 387

388

intervenção do Estado do Paraná, através de fiscalização do ITC, destina-se a cumprir, em relação às florestas permanen­tes, a disciplina traçada pela aludida lei federal em relação aos parques criados pelo Poder Público, valendo aqui transcrever a ementa daquela decisão, uerbis:

"DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. PARQUE MARUM­BI, DECRETO 5.590/78, DO PODER EXECUTIVO ESTA­DUAL, QUE DECLAROU DE UTILIDADE PÚBLICA, PARA FINS DE DESAPROPRIAÇÃO, A ÁREA DESTINADA AO REFERIDO PARQUE, ONDE SE SITUA O IMÓVEL DOS AUTORES. DECLARAÇÃO EXPROPRIATÓRIA INCON­FUNDÍVEL COM A DESAPROPRIAÇÃO PROPRIAMENTE DITA E QUE POR CONSEGUINTE NÃO CONFIGURA ATO LESIVO AO DIREITO DE PROPRIEDADE, NEM IMPE­DE O USO OU A DISPOSIÇÃO DA COISA PELO PRO­PRIETÁRIO. DECRETO Nº 5.591/78, DA MESMA ORIGEM, QUE DECLAROU PERMANENTE AS FLORESTAS ALI EXISTENTES E AUTORIZOU O ITC A PROMOVER A DE­LIMITAÇÃO DEFINITIVA E A EXECUTAR AS MEDIDAS DE GUARDA, FISCALIZAÇÃO E REGENERAÇÃO DA REFERIDA FLORA. MANIFESTAÇÃO DO PODER PÚBLI­CO ESTADUAL QUE TAMBÉM NÃO REVELA CARÁTER EXPROPRIATÓRIO POR TER SE LIMITADO A REITE­RAR NÃO SÓ DISPOSITIVO DO CÓDIGO FLORESTAL (LEI 4.771/65, ARTS. P e 22), QUE CONSIDEROU AS FLO­RESTAS EM GERAL COMO BENS DE INTERESSE CO­MUM A TODOS OS HABITANTES DO PAÍS, LIMITOU SEU USO E DECLAROU PERMANENTES AQUELAS SI­TUADAS NO TOPO DOS MORROS, MONTES, MONTA­NHAS E SERRAS, COMO TAMBÉM O DECRETO FEDE­RAL Nº 50.813/61, AO DECLARAR PROTETORAS AS FLORESl'AS DA COSTA ATLÂNTICA, INCLUSIVE AS DA SERRA DO MAR, NO PARANÁ, E DESIGNAR O MINIS­TÉRIO DA AGRICULTURA PARA EFETUAR O PAGA­MENTO DAS INDENIZAÇÕES CABÍVEIS AOS PROPRIE­TÁRIOS ATINGIDOS REFERIDO ATO ADMINISTRATIVO. ATUAÇÃO DO EXECUTIVO ESTADUAL AO REITERAR O QUE JÁ ESTAVA DETERMINADO PELO GOVERNO FEDERAL, QUE NÃO PASSOU DE PRÁTICA INÓCUA, SEM REPERCUSSÃO NO DIREITO DOS AUTORES". (Acór­dão nº 1.291 - unânime).

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

Dessa forma, não havendo comprometimento ao direito de propriedade consagrado pelo artigo 52, inciso XXII, da Consti­tuição Federal (artigo 153, § 22, da antiga Carta), pois os atos praticados pelo Estado do Paraná situam-se nos limites da pre­visão assentada no Código Florestal, ... " (fls. 564/567).

Eis o conteúdo dos votos vencidos:

"Houve ocupação da área, conforme laudo pericial.

Isto é ato ilícito, gerando, por si, indenização.

Irrelevante, pois, o problema de caducidade do Decreto aludido nos autos.

Permanecendo a ocupação, sem devolução ao proprietário, inegável o direito pleiteado, com o devido respeito aos votos vencedores".

Deveras. Por essas estrias, inafastável que, sem qualquer pagamen­to, houve a incorporação do imóvel, na área do Parque Marumbi, criado pelo Estado do Paraná, registrando reflexos no exercício da propriedade (art. 524, Código Civi1), emerge a natural conclusão da existência de danos. De conseguinte, impondo-se a identificação da sua extensão e indenização correspondente, expressamente pleiteada pelos autores da ação.

Ora, na r. sentença, com o prestígio de confirmação coletiva -depois desconstituída no v. aresto aqui hostilizado -, examinada a lide à base dos fatos e provas, tendo em conta que, com a obstaculização de obtenção de qualquer benefício econômico decorrente da propriedade da área alcançada, bem ficou demonstrado que era devida a indenização, às tantas, a parIa:

olnissis .................................................................................. . "Portanto, não há como negar que o Estado do Paraná,

mediante os Decretos 5.590/78 e 5.591/78, declarou de utilidade pública, para fins de desapropriação, os imóveis abrangidos pelo projeto Marumbi - F parte - de preservação permanente as florestas nativas existentes na área especificada, inclusive a parte atingida pela propriedade dos autores, subordinando tudo, de imediato, à fiscalização exercida por prepostos seus, proibin­do a extração ou derrubada de qualquer espécie vegetativa na região, assumindo, assim, a condição de titular absoluto da pos­se e domínio das terras dentro dos limites que estabeleceu, materializando-se através do procedimento coercitivo do I.T.C.

Não se desconhece que ao Estado cumpre tutelar direitos sendo-lhe defeso violentá-los.

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 389

No caso dos citados Decretos, seu ato não é de mera limi­tação administrativa, prevista pelo Código Florestal ou Lei Fe­deral, ao reverso, caracteriza ação volitiva própria, exercida por servidores lotados no Instituto de Terras e Cartografia, impon­do restrição literal aos autores, quanto ao direito de proprieda­de, que lhes é assegurado pela Constituição Federal".

"Observa-se do laudo pericial que a área atingida pelo Parque Marumbi, efetivamente é de 168,89 hectares, ou 1.688.900 metros quadrados. Informa o vistor judicial a sua composição, constituindo-se de pastagens, reflorestamento com pinus elliot­ti, capoeira de porte médio e floresta nativa, com essências típicas da mata atlântica, bem como, outras situações do imó­vel, possuindo o mesmo cercas divisionárias, estradas vicinais, casa residencial, estábulo, galpões, mangueiras, restaurante e tanques para criação de peixes, entre outras benfeitorias. Es­clarece ainda, que as terras se prestam para a agricultúra, pecuária e exploração turística, podendo serem subdivididas em chácaras, modalidade de propriedades que se desenvolvem na região, ressaltando, no mais, peculiaridades do imóvel que o valorizam, e condições adversas, conseqüência da limitação do uso da propriedade, em especial por ter sofrido redução na bubalinocultura, quando deveria ser expendida sua atividade pecuária" (fls. 363, 364 e 366).

E, no âmbito do presente Recurso, não é demasia acudir que, mes­mo com relação a matas de preservação permanente, a jurisprudência tem reconhecido o direito do proprietário à indenização, cabendo citar, primeiro, conforme arestos do Supremo Tribunal Federal; p. ex.: RE 100.717-6-SP - ReI. Min. Francisco Rezek - in DJU de 10.02.84 -Ementário nQ 1.323-3 - e RE 0140224/5/210 - ReI. lVlin. Carlos Velloso - in DJU de 18.10.91 - Ementário nQ 1.638-2.

Em seguida, no precedente desta Corte - REsp 5.989-PR - in DJU de 15.04.91, com precisão, o eminente Relator Ministro Garcia Vieira dissertando no seu erudito voto condutor:

390

on1.issis ................................................................................... . "Ninguém nega ao Poder Público o direito de instituir

parques nacionais, estaduais ou municipais, contanto que o faça respeitando o sagrado direito de propriedade, assegurado pela Constituição Federal (art. 153, § 22, da CF anterior, e art. 5Q

,

XXII, da CF vigente).

K sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339·G15, novembro 1992.

Nosso ordenamento jurídico assegura ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor de seus bens ... (CC, art. 524) e não admite o confisco. No caso sub judice admitir-se que possa o Governador do Paraná declarar de preservação permanente todos os 1.000 ha. dos autores, apossar-se deles e criar o Parque Municipal do Marumbi e proibir seus legítimos proprietários de usar e dispor de sua propriedade e até de entrar nela, sem qualquer indenização, é legitimar o confisco. No caso não se trata apenas de simples limitação administrativa que não che­gou a suprimir o direito de propriedade. Ely Lopes Meirelles, no seu Direito Administrativo Brasileiro, 15;! ed. atualizada pela Constituição de 1988, deixa claro que:

"Limitações administrativas são por exemplo, o recuo de alguns metros das construções em terrenos urba­nos e a proibição de desmatamento de parte da área flores­tada em cada propriedade rural. Mas, se o impedimento de construção ou de desmatamento atingir a maior parte da propriedade ou a sua totalidade, deixará de ser limitação para ser interdição de uso da propriedade e, nesse caso, o Poder Público ficará obrigado a indenizar a restrição que aniquilou o direito dominial e suprimiu o valor econômico do bem. Pois ninguém adquire terreno urbano em que seja vedada a construção, como também nenhum particular ad­quire terras ou matas que não possam ser utilizadas econo­micamente, segundo a sua destinação normal. Se o Poder Público retira do bem particular o seu valor econômico, há de indenizar o prejuízo causado ao proprietário. Essa re­gra, que deflui do princípio da solidariedade social, se­gundo a qual só é legítimo o ônus suportado por todos, em favor de todos, não têm exceção no direito pátrio, nem nas legislações estrangeiras".

Como se vê, não se pode confundir as simples limitações previstas pela Lei nQ 4.771, de 15 de setembro de 1965 (Código Florestal), com a proibição de desmatamento e uso de uma flo­resta que cobre totalmente a propriedade porque isso seria "in­terdição de uso da propriedade", só possível com indenização prévia, justa e em dinheiro como compensação pela perda total do direito de uso da propriedade e desaparecimento de seu valor econômico. Sendo a propriedade dos recorrentes tocla coberta de floresta, foi ela, integralmente, declarada de preservação per­manente, ficando seus legítimos proprietários proibidos de usá-

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (:39): :3:39-G15, nuvcmuru 1992. 391

la ou aliená-la. No caso não se trata de limitação parcial de parte da floresta, mas de total interdição de uso e de alienação da propriedade inteira. Indenizáveis não são só as florestas, mas também a terra nua (as matas de preservação permanente são indenizáveis. Nesse sentido, era o entendimento tranqüilo do TFR (AC 118.641-AC, DJ do dia 26.11.87, AC 49.099-SP, DJ de 03.09.81 e AC 99.625-SP, DJ de 26.5.88), e é o entendimento de nossa Corte Maior (RE nQ 100.717-SP, RTJ 108/1.314).

Para esclarecimento:

"DESAPROPRIAÇÃO. MATA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. INDENIZABILIDADE.

As matas de preservação permanente são indenizáveis, visto que, embora proibida a derrubada pelo proprietário, persiste o seu valor econômico e ecológico.

Recurso extraordinário não conhecido". (RE 100.717-SP - ReI. Min. Francisco Rezek in RTJ 108/1.314 a 1.317).

Bem recentemente, igual entendimento foi festejado no REsp nQ

19.630-SP, ReI. Min. Garcia Vieira, julgado na lª Turma, em 19.08.92.

Concluído o alinhamento da motivação, não se pode aceitar, no caso, a espreita de simples servidão (permanecendo a propriedade com o par­ticular, só indenizando-se pelos ônus acarretados pela restrição de uso com a serventia) ou de limitações administrativas com imposições gerais. Pelo contrário, a propriedade foi retirada, criando um vazio eco­nômico, somente recuperável por um pagamento indenizatório justo e em dinheiro. Há insofismável nexo causal entre a integração do imóvel no Parque Marumbi, e os danos patrimoniais conseqüentes, uma vez que os proprietários não poderão continuar na área.

Enfim, não se cuidou de simples preservação de área ambiental, com limitações administrativas, mas, isto sim, de coonestar o proveito econômico integral, substituindo os proprietários pelo Estado, com ma­terializado desapossamento.

Essa verdade arrola a conclusão da indenizabilidade das matas de preservação permanente, por causa do valor ecológico que representam.

Pelo fio de todo o exposto, averiguado que se materializou a ocupa­ção permanente e não temporária ou provisória, com o despojamento total da propriedade (renove-se: não simples limitação administrativa de uso e gozo), com inegável desfalque econômico, viceja que o v. acórdão guer­reado, no elastério interpretativo da Lei nQ 4.771/65, criando divergente

392 H. sup. Trib. Just.., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

orientação jurisprudencial, com supedâneo no art. 105, IIl, c, da Cons­tituição Federal, conhecendo do recurso, voto pelo seu provimento, restaurando a sentença monocrática, com a modificação estabelecida no v. acórdão atingido pelos Embargos Infringentes, fixando que os juros moratórios serão contados a partir do trânsito em julgado.

É o voto.

VOTO

O SR. MINISTRO GARCIA VIEIRA: Estou de inteiro acordo com o voto proferido pelo Eminente Ministro-Relator e farei juntada da cópia do voto que proferi no Recurso Especial nº 5.989-PR.

ANEXO

"RECURSO ESPECIAL nº 5.989-PR (Registro nº 90.0011304-0)

VOTO

O SR. MINISTRO GARCIA VIEIRA (Relator): Sr. Presidente. Os recorrentes são proprietários do imóvel rural denominado Ribeirão de Santana e Morro da Conceição, situado na Comarca de Morretes, Esta­do do Paraná, com a área de 1.000 (hum mil) hectares (docs.de fls. 21/ 25). Esta área é toda coberta por floresta. Constatou o perito oficial em seu laudo de fls. 108/122 que 920,13 ha. são de floresta alta e densa, 78,87 ha. de floresta baixa e 1,00 ha. de cerrado (fls. 117), esclarecendo tratar-se de matas virgens, com inúmeras espécies de árvores capazes de fornecer madeira de valor econômico (fls. 116).

Esclareceram os autores, que pretendiam explorar economicamen­te seu imóvel ou aliená-lo a terceiro, mas, pelo Decreto Estadual nº 5.590, de 02 de outubro de 1978, publicado no D.O. do Estado de 04 de outubro do mesmo ano (doc. de fls. 30) foi declarada de utilidade pública, para fins de desapropriação uma área de 6.547 ha. para o Projeto Marumbi - li! Parte, na qual está incluída toda a propriedade dos recorrentes. No dia 04 de outubro de 1978 foi publicado o Decreto nº 5.591/78, decla­rando de preservação permanente todas as florestas existentes na área, inclusive a propriedade dos autores que se encontra totalmente dentro da área do citado Parque Marumbi, conforme comprova a certidão de fls. 39. Como toda a propriedade dos recorrentes hoje faz parte do Par-

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (a9): aa9-615, novembro 1992. 393

que Marumbi, estão eles proibidos de derrubar qualquer parte da flores­ta, para vender madeira ou para a exploração da agricultura, pecuária ou qualquer outra finalidade e até mesmo de penetrar na sua proprie­dade, conforme esclareceu o expert oficial, ao prestar esclarecimentos em audiência (fls. 275). Disse ele que:

"por ocasião dos trabalhos realizados na área, quando se fazia acompanhar de um representante do ITC, foram interpe­lados por policiais integrantes da Polícia Florestal, os quais informaram que não era permitida a presença de pessoas na área, já que a mesma integraria o Parque Marumbi. Que obser­vou ainda estradas, ou melhor, picadas por onde os policiais percorriam a área ... "

Ninguém nega ao Poder Público o direito de instituir parques na­cionais, estaduais ou municipais, contanto que o faça respeitando o sa­grado direito de propriedade, assegurado pela Constituição Federal (art. 153, § 22, da CF anterior e art. 5º, XXII, da CF vigente). Nosso ordena­mento jurídico assegura ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor de seus bens ... (CC, art. 524) e não admite o confisco. No caso sub judice admitir-se que possa o Governador do Paraná declarar de preservação permanente todos os 1.000 ha. dos autores, apossar-se deles e criar o Parque Municipal do Marumbi e proibir seus legítimos proprietários de usar e dispor de sua propriedade e até de entrar nela, sem qualquer indenização, é legitimar o confisco. No caso não se trata apenas de sim­ples limitação administrativa que não chegou a suprimir o direito de propriedade. Ely Lopes Meirelles, no seu Direito Administrativo Brasi­leiro, 15õ! ed. atualizada pela Constituição de 1988, deixa claro que:

394

"Limitações administrativas são, por exemplo, o recuo de alguns metros das construções em terrenos urbanos e a proibição de desmatamento de parte da área florestada em cada propriedade rural. Mas, se o impedimento de construção ou de desmatamento atingir a maior parte da propriedade ou a sua totalidade, deixará de ser limitação para ser interdição de uso da propriedade e, nesse caso, o Poder Público ficará obrigado a indenizar a restrição que aniquilou o direito domi­nial e suprimiu o valor econômico do bem. Pois ninguém adqui­re terreno urbano em que seja vedada a construção, como tam­bém nenhum particular adquire terras ou matas que não possam ser utilizadas economicamente, segundo a sua destinação nor­mal. Se o Poder Público retira do bem particular o seu valor econômico, há de indenizar o prejuízo causado ao proprietário. Essa regra, que deflui do princípio da solidariedade social,

H. Sup. Trib. Just., Brasflia, a. 4, (89): 8:39-615, novembro 1992.

segundo a qual só é legítimo o ônus suportado por todos, em favor de todos, não tem exceção no direito pátrio, nem nas legislações estrangeiras."

Como se vê, não se pode confundir as simples limitações previstas pela Lei nQ 4.771, de 15 de setembro de 1965 (Código Floresta}), com a proibição de desmatamento e uso de uma floresta que cobre totalmente a propriedade porque isso seria "interdição de uso da propriedade", só possível com indenização prévia, justa e em dinheiro como c'ompensação pela perda total do direito de uso da propriedade e desaparecimento de seu valor econômico. Sendo a propriedade dos recorrentes toda coberta de floresta, foi ela, integralmente, declarada de preservação permanen­te, ficando seus legítimos proprietários proibidos de usá-la ou aliená-la. No caso não se trata de limitação parcial de parte da floresta, mas de total interdição de uso e de alienação da propriedade inteira. Indenizá­veis não são só as florestas, mas também a terra nua (as matas de pre­servação permanente são indenizáveis. Nesse sentido, era o entendimento tranqüilo do TFR (AC nQ 118.641-AC, DJ do dia 26.11.87, AC nQ 49.099-SP, DJ de 03.09.81 e AC nQ 99.625-SP, DJ de 26.05.88) e é o entendi­mento de nossa Corte Maior (RE 100.717 -SP, RTJ 108/1.314).

Ora, se as matas de preservação permanente são indenizáveis e, se no caso em exame, elas cobrem toda a propriedade dos recorrentes e houve interdição total de sua propriedade, que hoje faz parte de um parque estadual, devem os autores ser devidamente indenizados.

Ao contrário do que entendeu o venerando acórdão recorrido, a Lei 4.771/65 não autoriza o Poder Público a declarar de preservação perma­nente a floresta que cobre toda uma área de 1.000 ha. para criar um parque estadual, impedir os seus legítimos proprietários dela usar e dispor e suprimir inteiramente o seu valor econômico, sem a correspon­dente indenização do preço justo, prévio e em dinheiro.

Conheço do recurso por violação à Lei 4.771/65 e pela divergência e dou-lhe provimento." .

EXTRATO DA MINUTA

REsp nQ 8.690-0 - PR - (91.0003589-0) - Relator: Exmo. Sr. Ministro Milton Pereira. Rectes.: J ~;lO Maria Pires de Almeida e outros. Advs.: Renato Cardoso de Almeida Andrade e outros. Recdo.: Estado do Paraná. Advs.: Valmor Coelho e outros.

Sustentou oralmente o DI'. Júlio Cesar Ribas Boeng, pelo recorri-do.

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 3:39-615, novembro 1992. 395

Decisão: A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso, nos termos do voto do Exmo. Sr. Ministro-Relator (em 21.09.92 - 1ª Turma).

Participaram do julgamento os Exmos. Srs. Ministros Garcia Viei­ra e Demócrito Reinaldo.

Ausentes, justificadamente, os Exmos. Srs. Ministros Gomes de Barros e Cesar Rocha.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro GARCIA VIEIRA.

• EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RESP N!! 9.453-0 - SP

(Registro n!! 91.170305)

Relator: O Exmo. Sr. Ministro Dias Trindade Embargante: Westinghouse do Brasil S/A

Embargado: Fazenda do Estado de São Paulo

Advogados: Drs. Fernanda Guimarães H. G. de Andrade, Aldir Guimarães Passarinho e outros e Carlos Weis, Miguel Francisco Urbano Nagib e outros

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS. DIVERGÊNCIA COM SÚMULA. CARÁTER INFRIN­GENTE. EXAME DE PROVA.

Tem caráter infringente o recurso de embargos de divergência em face de aplicação de Súmula, de conteúdo técnico, relacionado com o exame de pro­vas em recurso especial, posto que os acórdãos pos­tos em confronto não negam essa mesma aplicação, limitando-se o embargado em dar aos mesmos fatos examinados na instância revisora ordinária qualifi­cação di versa.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, prosseguindo no julgamento, por maioria, em não conhecer dos embargos. Votou vencido o Sr. Minis-

396 R Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

tro José de Jesus que deles conhecia. Os Srs. Ministros Athos Carneiro, Fontes de Alencar, Cláudio Santos, Hélio Mosimann, Demócrito Reinal­do, José Dantas, William Patterson, Bueno de Souza, Pádua Ribeiro, Nilson Naves e Eduardo Ribeiro votaram com o Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros José Cândido, Flaquer Scartezzini, Costa Lima, Assis Toledo, Vicente Cernicchiaro, Waldemar Zveiter, Sálvio de Figueiredo e Barros Monteiro não participaram do julgamento. Os Srs. Ministros Pedro Acioli, Américo Luz, Costa Leite e Edson Vidigal não comparece­ram à sessão por motivo justificado.

Custas, como de lei.

Brasília, 08 de outubro de 1992 (data do julgamento).

Ministro ANTÔNIO TORREÃO BRAZ, Presidente. Ministro DIAS TRINDADE, Relator.

RELATÓRIO

o EXMO. SR MINISTRO DIAS TRINDADE (Relator): WESTINGHOUSE DO BRASIL,S'A opõe embargos de divergência ao acórdão no recurso espe­cial em referência, da egrégia Primeira Turma deste Tribunal, pondo-o em confronto com acórdão da Quarta Turma, no Recurso Especial 2.278-PR, da lavra do Sr. Ministro Barros Monteiro, a propósito do tema reI a;. cionado com a aplicação do art. 219 e seus parágrafos do Código de Pro­cesso Civil e com acórdão da Terceira Turma, envolvendo a mesma matéria, mas com conotação com o reexame da matéria de fato e, ainda outros, das Quarta, Quinta e Segunda Turmas, tão-somente no que diz com esse segundo tema do reexame de fatos e provas, que estariam em desalinho com o acórdão embargado.

Mastei, liminarmente, os embargos, ante a diversidade de situa­ções dos acórdãos ditos em divergência, porquanto o embargado diz da existência de negligência da parte, enquanto que o paradigma afasta culpa no retardo da citação, atribuindo-a apenas ao mau funcionamento dos serviços da Justiça.-

Reconsiderei, contudo, a decisão indeferitória dos embargos, consi­derando a dupla fundamentação dos mesmos, para situar a existência de dissídio, em tese, com o acórdão da Terceira Turma, no particular do reexame de fatos, com este despacho:

"Os embargos de divergência repousam em dupla funda­mentação, decorrente da duplicidade de situação divergencial entre Turmas de diferentes Seções do Tribunal e a decisão que

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 397

os rejeitou, liminarmente, afastou apenas uma das situações €m confronto.

O agravo regimental, com toda propriedade, demonstra a omissão no que tange à impossibilidade de reexame da situação fática e probatória, examinada pela instância ordinária, a pro­pósito da qual se acha, efetivamente, comprovada a divergên­cia, ensejadora da admissão dos embargos.

De fato, os acórdãos paradigmas, especialmente o da Ter­ceira Turma, no REsp 6.510-DF, de que foi relator o Sr. Minis­tro WALDEMAR ZVEITER, está em franca divergência com o embargado, no tocante à possibilidade do reexame da prova, para atribuir, ao contrário do que fizera o acórdão da instância ordinária, à parte, a responsabilidade pela tardia efetivação da citação ensejadora do pronunciamento da prescrição.

Reconsidero, pois, a decisão agravada, para admitir os embargos e determinar o seu processamento, abrindo-se vista à embargada, pelo prazo de impugnação, art. 267 do Regimento Interno."

Os embargos foram impugnados, argüindo o embargado a inexis­tência de divergência, dado que o tema da possibilidade de reexame de fatos e provas somente poderia dar lugar a embargos infringentes, não previstos em sede extraordinária, pela atual legislação processual.

É como relato.

VOTO

O EXM:O. SR. MINISTRO DIAS TRINDADE (Relator): Em preli­minar, estou em que está com a razão a embargada, quando afirma do caráter infringente do recurso interposto, dado que estaríamos diante de caso em que o acórdão embargado teria contrariado a recomendação sumular do enunciado nQ 07, da jurisprudência deste Tribunal, ao en­trar no exame de situação fática, para se pôr em conclusão diversa da que fora considerada pelo acórdão na instância ordinária, pois não o fez por afirmar tese contrária à do aludido verbete, senão com assento na mesma situação de fato posta no acórdão sob exame da Turma, no re­curso especial, dela concluiu em sentido diverso, ou seja, atribuiu aos mesmos fatos qualificação outra que não a adotada no aresto recorrido.

398 R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

É certo que o acórdão embargado, analisando os fatos como exa­minados pelo Tribunal de origem, tirou dos mesmos a ilação de que a parte teria sido negligente, devendo a ela imputar-se a responsabilidade pela tardia citação, pelo que aplicou a disposição legal que diz não inter­rompida a decadência (§ 4Q do art. 219 do Código de Processo Civil).

Não afirmou o acórdão embargado possível o reexame de fatos e provas no recurso especial, daí porque, ainda sobre esse tema, possível não se apresenta afirmar a divergência com o da Terceira Turma, que, examinando a mesma matéria de aplicação do art. 219, invocou o enun­ciado sumular, para ter pela inexistência de culpa da parte com o retar­damento da citação. E, menos ainda, não se colocou em dissídio com os outros acórdãos trazidos como paradigmas, que, simplesmente, afirmam a tese inscrita na Súmula 07/STJ, para adotar a situação de fato defini­da na instância ordinária.

É de lembrar que a Súmula 07-STJ tem conteúdo técnico, formali­zando orientação sobre os limites do recurso especial, destinado que é à preservação do direito federal, em sua aplicação e à uniformização quanto à sua interpretação pelos diferentes Tribunais do país, objeto este último que informa a previsão legal dos embargos de divergência, mas em relação aos órgãos julgadores deste próprio Superior Tribunal de Justiça.

O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, como lembra a impugnação oferecida pelo ESTADO DE SÃO PAULO, já enfrentou o tema dos limi. tes entre os embargos de divergência e dos infringentes, ao julgar o RE 76.439-RJ, de que foi Relator o Sr. Ministro XAVIER DE ALBUQUER­QUE, em que, após longa discussão, em sucessivos votos vista, chegou o plenário ao acórdão que se acha expresso, com precisão, na ementa:

"Embargos de divergência não se podem fundar - o que os caracteriza como infringentes - em haver o acórdão embargado, no julgamento do caso, dissentido de regras técnicas pertinentes à admissibilidade do recurso extraor­dinário e inscritas em Súmula de índole formal".

No caso se" discutia a propósito da aplicação da Súmula 280, daque­la Corte, por haver entendido o acórdão embargado que havia tema fe­deral em discussão. O Sr. Ministro Relator orientou seu voto em sentido oposto, ou seja, da inexistência de matéria federal, mas simples aplica­ção de direito local, para restabelecer o acórdão do Tribunal do Rio de Janeiro, mas, após voto vista do Sr. Ministro RODRIGUES ALCKMIN, acabou o plenário, a instância do próprio relator sobre a tese, por enten­der pela natureza infringente" dos embargos, postos como de divergên­cia.

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 399

Eis o que diz, em sugestiva passagem, o voto do Sr. Ministro AL­CKMIN:

"Ora, se admitirmos que as invocações de Súmulas (v.g. 280 - "Por ofensa a direito local não cabe recurso extraordiná­rio"; 279 - "Para simples reexame de provas não cabe recurso extraordinário"; 400 - "Decisão que deu razoável interpretação à lei, ainda que não seja a melhor, não autoriza recurso extra­ordinário pela letra a do art. 119, III, da Constituição") - que se pretendam desrespeitadas por acórdãos de Turmas, legiti­mam conhecimento de embargos de divergência, estarão resta­belecidos os embargos infringentes. Ressalvo, é claro, a anoma­lia de algum julgado afirmar expressamente tese contrária às das Súmulas. Mas, com esta afirmativa de tese contrária à da Súmula não se equipara o caso de ter o acórdão fundamentos totalmente ajustados à Súmula e de pretender o embargante que esses fundamentos são fruto de equívoco. O recurso seria, nesta hipótese, infringente." (RTJ 75-491/2).

E o Sr. Ministro XAVIER DE ALBUQUERQUE, ao pôr em relevo o tema, adotado como fundamento da retificação que fez ao seu voto já proferido, sem considerar a preliminar suscitada no voto vista:

"Estes embargos trazem em si um tema da maior impor­tância para a nossa sistemática: o discernimento de onde termi­na a infringência e começa a divergência, ou vice-versa, quando se tem em contra enunciados da Súmula.

Neste caso, o embargante sustentou que o acórdão embar­gado havia divergido da Súmula 280, porque havia conhecido, para provê-lo, de um recurso extraordinário em que se cuidava apenas de direito estadual.

Examinei o caso, convenci-me de que se cuidava, realmen­te, de puro direito estadual e, por isso, conheci dos embargos e os recebi. Mas, o eminente Ministro RODRIGUES ALCKMIN pondera, suscitando dúvida que já me assaltou, que quando a parte, embargando, alega que o acórdão dissentiu de Súmulas como as de ns. 280, 279, 400, etc., na verdade está infringindo o acórdão, porque essas Súmulas transformam-se em postula­dos normativos que podem ser infringidos, mas dos quais não se diverge in abstracto." (RTJ 75/492).

Reduzir-se-ia, portanto, a divergência, no caso ora em exame· nes­tes embargos, a questão de poder ou não poder o reexame de prova con­duzir recurso especial, mas, em seu significado abstrato, não haveria

400 R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

dissídio com a Súmula 07-STJ, cuja proposição não seria negada pelos integrantes da Corte, limitada que ficaria a discussão a saber se fora o enunciado contrariado pelo acórdão embargado, a caracterizar, sem som­bra de dúvida, a natureza infringente destes embargos.

E esse tema é o único que restou dos embargos, porquanto de rela­ção ao central do caso concreto, assim decidi, ao rejeitá-los, liminarmen­te:

"Não há divergência, porquanto o acórdão embargado, como está no voto condutor, atribui o retardo da citação à negligência da parte, que a não promoveu e nem pediu que fosse prorroga­do o prazo respectivo, além de haver feito distribuir a ação em comarca evidentemente incompetente, acoimada dita distribui­ção de erro grosseiro, enquanto que os acórdãos ditos divergen­tes dessa orientação estão em que não se há de pronunciar a prescrição, quando a demora da citação se deva exclusivamente à própria atuação do poder judiciário."

E quanto à esse tema central não versou o agravo regimental, que determinou a minha reconsideração, transcrita no relatório que fiz dis­tribuir aos Srs. Ministros.

Isto posto, voto no sentido de não conhecer dos embargos.

EXTRATO DA MINUTA

EDiv em REsp nQ 9.453 - SP - (91.17030-5) - Relator: Exmo. Sr. Ministro Dias Trindade. Embte.: Westinghouse do Brasil S/A. Embda.: Fazenda do Estado de São Paulo. Advs.: Fernanda Guimarães H. G. de Andrade, Aldir Guimarães Passarinho e outros, Carlos Weis, Miguel Francisco Urbano Nagib e outros. Susto oral: Usaram da palavra os Drs. Aldir Guimarães Passarinho, pela Embargante (com pedido de juntada de substabelecimento deferido pelo Sr. Ministro Relator) e Miguel Fran­cisco Urbano Nagib, pela Embargada.

Decisão: Após o voto do Sr. Ministro Relator, não conhecendo dos embargos, pediu vista o Sr. Ministro José de Jesus. Aguardam os Srs. Ministros Athos Carneiro, Fontes de Alencar, Cláudio Santos, Hélio Mosimann, Peçanha Martins, Demócrito Reinaldo, José Dantas, William Patterson, Bueno de Souza, Pedro Acioli, Américo Luz, Pádua Ribeiro, Flaquer Scartezzini, Geraldo Sobral, Costa Leite, Nilson Naves e Eduardo Ribeiro (em 06.12.91 - Corte Especial). '

Os Srs. Ministros José Cândido, Carlos Thibau, Vicente Cernicchiaro e Waldemar Zveiter não compareceram à sessão por motivo justificado.

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 401

Ausentes, ocasionalmente, os Srs. Ministros Costa Lima, Garcia Vieira, Sálvio de Figueiredo e Barros Monteiro.

Os Srs. Ministros Hélio Mosimann, Peçanha Martins e Demócrito Reinaldo compareceram à sessão para compor quorum regimental.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro ANTÔNIO TORREÃO BRAZ.

VOTO-VISTA

o SR. MINISTRO JOSÉ DE JESUS FILHO: Para relembrar a questão em exame, leio o relatório e o voto do em. Ministro Dias Trin­dade: (lê). Pedi vista dos autos em razão dos argumentos apresentados na. tribuna em sustentação oral pelo nobre patrono dos embargantes. Trago agora o meu voto, depois de ler o memorial que me foi endereçado pelo ilustre causídico. A tese jurídica esposada pela embargante para justificar os embargos de divergência parte do pressuposto de que no recurso especial se procedeu ao exame dos fatos, o que é vedado pela Súmula 07 desta Corte. E em conseqüência disso divergiu dos acórdãos proferidos nos REsps nQ 67, publicado na Revista do Superior Tribunal de Justiça, nQ 04, pág. 1.487/1.489; no REsp 290, publicado na Revista do Superior Tribunal de Justiça, nQ 07, pág. 296/299, e de inúmeros ou­tros que indica. Vou ler para a Corte o acórdão embargado na parte que interessa da autoria do em. Ministro Garcia Vieira:

402

"A inicial foi distribuída no dia 13.08.82 e no dia 18 do mesmo mês e ano foi despachada (fls. 02). No dia 03 de setem­bro do mesmo ano o MM. Juiz de Direito da Quarta Vara de Osasco declinou de sua competência e determinou a remessa dos autos a uma das varas privativas da Fazenda Pública Es­tadual da Capital de São Paulo (fls. 62). O ajuizamento desta ação, movida contra a Fazenda do Est. de São Paulo (fls. 02), na Comarca de Osasco, foi erro grosseiro da autora, porque sabia ou deveria saber que as ações movidas contra a Fazenda do Estado devem ser propostas no domicílio da ré e distribuídas a uma das varas privativas da Fazenda Estadual da Capital. Ao ser publicado o despacho pelo qual o julgador monocrático de­clinou de sua competência (fls. 63), nenhuma providência to­mou a autora para cumprir o disposto nos §§ 2Q e 3Q do art. 219 do cPC. Precisou que o MM. Juiz desse impulso ao processo de ofício, proferindo o seguinte despacho:

"Requeira a autora o que entender de direito" (fls. 65).

Ela, então, em 08 de novembro de 1982, peticiona, confes­sando ter distribuído esta ação em Osasco, "por um lapso", e ter

R Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

agido o MM. Julgador a quo, acertadamente, em declinar de sua competência e remeter os autos a uma das varas privativas da Fazenda Estadual da Capital de São Paulo (fls. 66). Com esta petição, a autora não pediu fosse efetivada a citação ou prorrogação do prazo para que a ré fosse citada. Requereu apenas a remessa dos autos à 3ª Vara dos Feitos da Fazenda Estadual e sua reunião com outra ação por ela proposta contra a mesma ré, já ali em andamento (fls. 66/67). Este requerimento é de 08 de novembro de ·1982, despachado no dia 10 do mesmo mês e ano (fls. 66). No dia 12.11.82 foi atendido o requerimento e determinada a remessa dos autos à 3ª Vara da Fazenda Esta­dual (fls. 68). Lá chegando os autos, permaneceu a autora iner­te, sendo novamente necessário despacho do julgador de 1 º grau, determinando às partes para falar sobre o processo e este des­pacho foi proferido no dia 09.12.82 (fls. 69). No dia 20 de de­zembro de 1982, a autora pediu apenas o prosseguimento do feito, sem se referir à citação ou à prorrogação de prazo para a sua consumação (fls. 70) e o MM. Juiz de Direito da 3ª Vara da Fazenda Pública, prontamente, determinou a citação em despacho de 22.2.83 (fls. 71) e ela foi efetivada no dia 03 de março de 1983 (cert. de fls. 72v.). Ora, levando-se em conta a enorme quantidade de processos em andamento em qualquer vara de Osasco e da Capital de São Paulo, foi, até, muito rápida e eficiente a atuação da Justíça. Não houve qualquer demora por motivos inerentes ao seu mecanismo. Ao contrário, quem foi displicente, morosa e omissa, foi a autora, ao cometer erro gros­seiro na distribuição da ação em Osasco e jamais ter cumprido o disposto nos §§ 2º e 3º do citado art. 219 do CPC. Por isso, com inteira razão a Fazenda do Est. de SP, em seu recurso, ao afirmar que a prescrição só foi interrompida no dia 03 de março de 1983, quando foi ela citada (cert. de fls. 72v.). Assim, todo e qualquer crédito da autora, antes de 03.03.78, está irremedia­velmente prescrito e o v. aresto hostilizado violou, frontalmen­te, o art. 219 do CPC."

Depreende-se à toda evidência, data venia, que os fundamentos do v. acórdão embargado reexaminaram os fatos da questão, até com rique­zas de detalhes. Por isso mesmo incursionando no terreno mencionado chegou à conclusão de que a embargante fora displicente, morosa e omissa. Mas, tal exame compete às instâncias ordinárias, e não ao Su­perior Tribunal de Justiça, que não é terceira instância. Essa orienta­ção firmada pelo v. acórdão embargado entra em testilha com os diver­sos julgados trazidos a confronto, posto que inadmitem o exame de prova

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339·615, novembro 1992. 403

no âmbito do recurso especial. Tenho, pois, como configurada a diver­gência na forma em que foi deduzida pela embargante.

Pelo exposto, conheço dos embargos, data uenia do eminente Rela-toro

É o meu voto.

EXTRATO DA MINUTA

EDiv em REsp nº 9.453-0 - SP - (91.17030-5) - Relator: Exmo. Sr. Ministro Dias Trindade. Embte.: Westinghouse do Brasil S/A. Advs.: Fernanda Guimarães H. G. de Andrade, Aldir Guimarães Passarinho e outros. Embda.: Fazenda do Estado de São Paulo. Advs.: Carlos Weis, Miguel Francisco Urbano Nagib e outros.

Decisão: Após o voto do Sr. Ministro Relator não conhecendo dos embargos e do voto do Sr. Ministro José de Jesus deles conhecendo, pediu vista o Sr. Ministro Athos Carneiro. Aguardam os Srs. Ministros Fontes de Alencar, Cláudio Santos, Demócrito Reinaldo, José Dantas, William Patterson, Pedro Acioli, Américo Luz, Pádua Ribeiro, Flaquer Scartezzi­ni, Geraldo Sobral, Nilson Naves e Eduardo Ribeiro (em 23.06.92 - Corte Especial).

Os Srs. Ministros José Cândido, Vicente Cernicchiaro, Sálvio de Figueiredo e Barros Monteiro não participaram do julgamento (art. 162, § 2º, RISTJ).

Os Srs. Ministros Bueno de Souza, Costa Lima, Assis Toledo e Waldemar Zveiter não compareceram à sessão por motivo justificado.

O Sr. Ministro Costa Leite não participou do julgamento.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro ANTÔNIO TORREÃO BRAZ

EXTRATO DA MINUTA

EDiv em REsp nº 9.453-0 - SP - (91.17030-5) - Relator: Exmo. Sr. Ministro Dias Trindade. Embte.: Westinghouse do Brasil S/A. Advs.: Fernanda Guimarães H. G. de Andrade, Aldir Guimarães Passarinho e outros. Embda.: Fazenda do Estado de São Paulo. Advs.: Carlos Weis, Miguel Francisco Urbano Nagib e outros.

Decisão: Adiado o julgamento por não estar completo o quorum mí­nimo para o mesmo (em 10.09.92 - Corte Especial).

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro ANTÔNIO TORREÃO BRAZ.

404 R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

VOTO-VISTA

O EXMO. SR. MINISTRO ATHOS CARNEIRO: Sr. Presidente, pedi vista a fim de fazer um reexame quanto ao aspecto da admissibilidade. Coloco-me de inteiro acordo com o Eminente Relator.

EXTRATO DA MINUTA

EDiv em REsp n!! 9.453-0 - SP - (91.17030-5) - Relator: Exmo. Sr. Ministro Dias Trindade. Embte.: Westinghouse do Brasil S/A. Advs.: Fernanda Guimarães H. G. de Andrade, Aldir Guimarães Passarinho e outros. Embda.: Fazenda do Estado de São Paulo. Advs.: Carlos Weis, Miguel Francisco Urbano N agib e outros.

Decisão: Prosseguindo no julgamento, a Corte Especial, por maio­ria, não conheceu dos embargos (em 08.10.92 - Corte Especial).

Votou vencido o Sr. Ministro José de Jesus que deles conhecia.

Os Srs. Ministros Athos Carneiro, Fontes de Alencar, Cláudio San­tos, Hélio Mosimann, Demócrito Reinaldo, José Dantas, Wi11iam Patter­son, Bueno de Souza, Pádua Ribeiro, Nilson Naves e Eduardo Ribeiro votaram com o Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros José Cândido, Flaquer Scartezzini, Costa Lima, Assis Toledo, Vicente Cernicchiaro, Waldemar Zveiter, Sálvio de Figuei­redo e Barros Monteiro não participaram do julgamento.

Os Srs. Ministros Pedro Acioli, Américo Luz, Costa Leite e Edson Vidigal não compareceram à sessão por motivo justificado.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro ANTÔNIO TORREÃO BRAZ.

+

RECURSO ESPECIAL Nº 9.867 - RJ (Registro n!! 91.65498)

Relator: O Exnw. Senhor Ministro Athos Carneiro Recorrente: TVS - TV Studios Sílvio Santos Ltda. Recorrido: . ASA - Associação dos Atores em Dublagem, Cinema,

Rádio, Televisão, Propaganda e Imprensa

Advogados: Regina Marques Netto e outros, Nauro Araújo Silva e outro

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 405

EMENTA: DIREITOS AUTORAIS. AÇÃO DE COBRANÇA AJUIZADA POR ASSOCIAÇÃO DE ATO­RES CONTRA EMPRESA DE TELEVISÃO. LEGITIMI­DADE ATIVA AD CAUSAM. ARTIGOS 103 E 104 DA LEI 5.988/73.

À Associação constituída nos termos do artigo 103 da Lei 5.988/73 assiste legitimidade ad causam para, em substituição processual, defender em juízo direitos de seus associados. Assim não fosse, estaria jâ agora legitimada, nos termos do artigo 5º, XXI, da Constituição Federal, face à expressa autorização constante de lei ordinária.

Recurso especial conhecido pela alínea c mas não provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados os autos, em que são partes as acima indicadas: Decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por una­

nimidade, conhecer do recurso e negar-lhe provimento, na forma do re­latório e notas taquigráficas precedentes que integram o presente julga­do. Participaram do julgamento, além do signatário, os Srs. Ministros Fontes de Alencar, Sálvio de Figueiredo, Barros Monteiro e Bueno de Souza.

Custas, como de lei. Brasília, 05 de maio de 1992 (data do julgamento). Ministro ATHOS CARNEIRO, Presidente e Relator.

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO ATHOS CARNEIRO: Cuida-se de ação proposta por ASA - ASSOCIAÇÃO DOS ATORES EM DUBLAGEM, CINEMA, RÁDIO, TELEVISÃO, PROPAGANDA E IMPRENSA, pos­tulando como 'mandatária legal' de 483 associados, nominalmente apon­tados na inicial, contra TVS - STUDIOS SÍLVIO SANTOS LTDA., plei­teando o "pagamento das prestações mensais dos direitos autorais, vencidas a partir de agosto de 1978", e de indenização pela violação de direitos autorais, ambas as parcelas apuradas com base na 'potenciali­dade de comercialização', acrescidos de juros de mora e correção mo­netária. O MM. Juiz de primeiro grau julgou a autora carecedora da ação, entendendo não se tratar de substituição processual, dando pela

406 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 3:39-615, novembro 1992.

impossibilidade da aSlsociação demandante postular, em nome próprio, direito dos seus associados (fls. 1291130).

Apelou a autora, pugnando pela sua legitimidade ativa para o plei­to, conforme o art. 103 da Lei 5.988/73. A ego 7'" Câmara Cível do Tribu­nal de Justiça do Rio de Janeiro, por maioria de votos, vencido o Desem­bargador revisor, negou provimento ao apelo sob o fundamento de que, mesmo possuindo a autora condições legais para representar seus asso­ciados, pelo modo como foi formulado o pedido, em caráter genérico, "não sendo esclarecido em que cada um teria seus direitos violados, e, o que pretenderiam eles individualmente" (fls. 155), o apelo não deveria pros­perar, de acordo com o disposto no artigo 69 do Código de Processo Civil.

Opostos embargos de declaração pela sucumbente, foram estes re­jeitados. Manejou, então, a autora, embargos infringentes, os quais fo­ram, à unanimidade, recebidos pelo ego 39 Grupo de Câmaras Cíveis do Tribunal a quo sob a seguinte ementa, verbis:

"Embargos infringentes. Tempestividade. As entidades de classe representativas de artistas-autores têm representação para reclamar direitos autorais de seus associados pelo simples fato da associação deles à entidade." (fls. 201)

Conclui o V. aresto, com apoio no art. 104 da Lei 5.988/73, que a embargante age como mandatária de seus associados, os quais nominou civilmente e artisticamente (fls. 201/202). Foram rejeitados embargos de declaração, embora no azo cOlTigido erro datilográfico.

lrresignada, manifestou a ré recurso extraordinário, ainda sob a égide do ordenamento constitucional pretérito, convertido, ipso iure, em recurso especial pelas alíneas a e c do atual permissório constitucional (fls. 269). Alega, a ora recorrente, ofensa aos artigos 6Q do Código de Processo Civil, e 104 da Lei 5.988/73, além de divergência jurispruden­cial. Sustenta, preliminarmente, a intempestividade dos embargos in­fringentes, uma vez que, de acordo com o RE 87.262, in RTJ 95/739, quando da interposição de embargos de declaração, o dia do reinício do prazo coincide com o da publicação do seu acórdão, não incidindo des­tarte a regra do art. 184 do CPC. Aduz, outrossim, que a lei reguladora dos direitos autorais, ao mencionar na regra do seu artigo 104 serem as associações mandatárias de seus associados, "não pode senão estar fa­lando do mesmo instituto do mandato ... (omissis) ... que visa, antes de tudo, a permitir àquelas sociedades representarem os artistas indepen­dentemente de procuração especialmente outorgada em cada caso" (fls. 223). Apoiada na tese do acórdão do TJSP coligido como paradigma, sustenta ao final que a autora seria "mandatária, apenas. Destarte, não exibe legitimidade para, em nome próprio, demandar direito alheio, como pretende. É efetivamente carecedora de ação, em face da lei e dos pre­cedentes citados" (fls. 213/228).

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (:~9): 339-G15, novembro 1992. 407

N esta instância, a douta Subprocuradoria-Geral da República reitera o parecer de fls. 260/263, quando (ainda recurso extraordinário) opinou o parquet federal pelo não -:unhecimento do recurso, entendendo tem­pestivos os embargos infril'mt ,s e ser a recorrida "pessoa de legítimo interesse na causa, porquamo preencheu as condições da ação, dentre estas o interesse e a qualidade para agir" (fls. 262/263).

É o relatório.

VOTO

o EXJ\10. SENHOR MINISTRO ATHOS CARNEIRO (Relator): L Em primeiro lugar, rejeito a argüição de intempestividade dos embargos infringentes, em cujo julgamento a ora recorrida obteve ganho de causa. O aresto apontado como' divergente, RE 87.262, da ego 2l! Turma do Pretório Excelso, adotou orientação atualmente de toda superada, como está no voto do em. Min. 'CARLOS MADEIRA no RE 108.569 (in RTJ, 122/346), com remissões ao decidido nos RREE 92.781, (RTJ 102/664), 96.918 e 97.187 (RTJ, 103/1.286 e 104/844), firmado assim o principio de que o prazo para a interposição de recurso, suspenso pela oposição de embargos declaratórios, recomeça a fluir no dia útil imediato ao da publicação do acórdão proferido nos mesmos embargos. Assim tem deci­dido, outrossim, este Superior Tribunal de Justiça. Dissídio superado não dá ensancha ao conhecimento do apelo excepcional sob a letra c, em aplicação analógica da Súmula nQ 286 do STF.

2. Do mérito, o V. aresto recorrido apresenta a seguinte fundamen­tação:

408

"Restringe-se a divergência em saber se a Associação de Classe representando seus Associados pode vir aJuízo cobrar direitos autorais a seus associados pertencentes. Há que distin­guir. O grande número de associados detentores e direitos au­torais de variada origem - autores, atores, dubladores, figu­rantes, etc., não poderia individualmente exercer o direito decorrente da propriedade autoral, artística, da imagem, etc. Seria um absurdo e um contra-senso. Por isso a lei criou a figura da representação judicial ou processual e as Associações de Classe unificando seus afiliados, bastando a filiação para configurar o mandato. Ainda, no mesmo esquema de simplifica­ção, de desburocratização, de possibilitação, deu-lhes personali­dade processual e representatividade de classe. Tal como se fez, v.g. com o condomínio através do Síndico. Na espécie carece de importância o tema pois a Embargante se declarou represen­tante de dezenas de autores que nominou civilmente e artisti-

H. sup. Trib. Jusi., Brasília, a. 4, (39): 3:~9-G15, novembro 1992.

camente às fls. 2 a 13. Portanto, não argúi em nome próprio, nem defende pessoalmente interesses de terceiros. Age como mandatária, que o é de dezena de autores nominados na inicial. Perde, pois, a substância o tema e a discussão de saber-se se há representação ou substituição processual, data venia.

Sobreleva, ainda, que os padrões trazidos a cotejo, inclusi­ve do Pretório Excelso, são paradigmas velhos, revogados e sem valor - a lei que o douto Voto Vencido invoca, com acerto e propriedade, é de 1973, e no seu art. 104 é cristalina.

"Com o ato de filiação, as associações se tornaram manda­tárias de seus associados para a prática de todos os atos neces­sários à defesa judicial ou extrajudicial de seus direitos auto­rais, bem como para sua cobrança."

Nada mais claro e assegurador da legitimação ad causam da autora e seus nominados associados para o exercício da ação. Pede ela e eles que a Ré pague pela utilização de obra ou espetáculo em suas transmissões como se apurar ou fixar na fase do conhecimento ou da execução como a lei admite e prevê. O resto é problema de prova que só o processo pode revelar." (fls. 201/202).

Em embargos declaratórios, esclareceu o ego 3Q Grupo de Câmaras Cíveis do TJRJ que a expressão "pede ela e eles que a ré pague ... " con­tém erro datilográfico, devendo ler-se "pede ela para eles ... " (fls. 210/ 211).

Em suma, considerou o V. acórdão que a sociedade ASA agiu "como mandatária, que o é, de dezena de autores nominados na inicial", per­dendo interesse a questão de saber-se se ocorre representação ou subs­tituição processual.

A douta Procuradoria da República ofereceu parecer pelo não co­nhecimento da irresignação extrema (então ainda pendente como recur­so extraordinário), pelos fundamentos que seguem:

"Quanto à questão da qualidade da entidade de classe para agir em nome dos artistas que representa, a veneranda decisão recorrida está ungida pela Súmula 400. Com efeito, a Lei nQ

5.988, de 14 de dezembro de 1973, que regula os direitos auto­rais, dispõe em seu artigo 10-1, verbis:

"Com o ato de filiação, as associações se tornam man­datárias de seus associados para a prática de todos os atos necessários à defesa judicial ou extrajudicial de seus direi­tos autorais, bem como para a sua cobrança.

Parágrafo único. Sem prejuízo desse mandato, os titu­lares de direitos autorais poderão praticar pessoalmente os atos referidos neste artigo".

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-G15, novembro 1992. 409

Nada mais claro, demonstrando que a demandante, ora recorrida, é pessoa de legítimo interesse na causa porquanto preencheu as condições de ação, dentre estas o interesse e a qualidade para agir, desde que a ela filiados os artistas cujos direitos autorais foram judicialmente cobrados.

De resto, afirmou - com acerto - o r. despacho que a negati va de vigência ao artigo 6Q do Código de Processo Civil não foi prequestionada." (fls. 262/263).

3. Pergunta-se, então, se a autora agiu como 'mandatária' de seus associados, como está na petição inicial e consta literalmente do artigo 104, caput, da Lei 5.988/73, ou se a rigor postula em substituição pro­cessual de seus filiados, nominados na peça introdutória, sendo estes os substituídos processuais? Se verdadeira a primeira proposição, então autores serão os associados, e a ASA apenas sua mandatária; pedem em juízo os associados, não a associação. Se verdadeira a segunda proposi­ção, a associação é quem pede em juízo, em nome próprio e em defesa de direito alheio, como previsto no artigo 6Q do Código de Processo Civil.

A respeito da substituição processual, em sede doutrinária tivemos ocasião de mencionar:

"Conforme expõe, por todos, ARRUDA ALVIM, "o fenôme­no da substituição processual, nome latino devido a CHIOVEN­DA, consiste, precisamente, na circunstância de que, quem é parte no processo, por definição, não se afirma ser titular do direito material. Há, pois, uma autêntica dissociação, na titula­ridade, no que tange ao direito de ação. Materialmente, é um o titular, ou seja, no campo do Direito Privado; no campo do processo, é outro o titular do direito de ação" ("Código de Pro­cesso Civil Comentado", RT, 1975, vol. I, ps. 427-428). Lembra o ilustre processualista que com freqüência o sistema admite a legitimação concorrente, isto é, a legitimação extraordinária do substituto processual ao lado da legitimação normal do titular da pretensão." (RF, v. 316, p. 37).

No mesmo estudo, apreciando a norma do artigo 5Q, XXI, da Cons­

tituição Federal, relativo à legitimidade das entidades associativas para "representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente", sustentamos o seguinte:

410

"Note-se, em primeiro lugar, a amplitude da representa­ção, a ser executada tanto em juízo como fora dele, e que em juízo pode ser exercida tanto através de remédios jurídicos co­muns, como através de ações constitucionalmente "potenciadas", inclusive mediante o mandado de segurança individual.

Pergunta-se, todavia, e este é ponto de maior interesse prático, como será formalizada a representação? Note-se que

H. Sup. Trib. ,Just., Brasília, a. 4, (:l9): 339-G15, novembro 1992.

aqui não se cuida de "substituição processual", em que A defen­de, em nome próprio, o direito de B, mas sim de "representa­ção", em que A defende, em nome de B, o direito de B. O filho menor impúbere é representado pelo progenitor, quem de sua vez, para agir em juízo, outorga mediante instrumento público ou particular poderes de representação judicial ao advogado. Como se dará, no caso do art. 52, XXI, da Lei Maior, a "expres­sa" outorga dos poderes de representação em favor da entidade associativa? SÉRGIO FERRAZ, após manifestar sua opinião de que se trata de caso de substituição processual, prossegue com o contrastante entendimento de que a norma constitucional contém a exigência de mandato, "única via habilitante ao exer­cício da faculdade constitucional" (in "Arquivos do Ministério da Justiça", n2 43, jan.-junho 90, p. 53). Já CELSO RIBEIRO BASTOS, após observar que a norma do inciso XXI "retrata a generalização de uma tendência encontrável setorialmente em campos, portanto, isolados do nosso direito" (e de mencionar os precedentes, no direito comparado, da relactor action do direito inglês e das class actio12s do direito norte-americano), sustenta que a autorização "pode advir tanto da lei, nos casos excepcio­nais em que se admite a associação por via de lei. .. , quando dos próprios estatutos sociais", e que tal autorização deve consoar com as finalidades sociais da entidade, a qual não poderá ser uma "procuradora universal" de seus associados ("Comentários à Constituição do Brasil", voI. lI, Saraiva, 1989, págs. 110-115)."

Em suma, as possibilidades apresentam-se, em tese, as seguintes:

a) a entidade associativa é autorizada pela lei ou pelos estatutos a representar seus associados, em juízo ou fora dele, e portanto dispens,:ível a autorização, ou pelo menos, a anuência do próprio associado; esta solução, ainda que a associação atue dentro de seus fins estatutários, tem o gra­ve inconveniente o associado ver-se, sem seu consentimen­to e à sua revelia, como parte em processo judicial, arcando com as responsabilidades a tal posição inerentes;

b) a entidade associativa, diante de conflito de interes­ses que diga respeito a muitos seus associados, busca a au­torização dos mesmos através da convocação de assembléia geral; a solução parece mais admissível, dês que a repre­sentação se limite aos associados que houverem compareci­do ao concbve e nele manifestado expressa autorização para agir;

c) o associado, ou os associados interessados em que a entidade os auxilie na defesa de seus direitos subjetivos,

R. sup. Tl'ih, Jusi., Brasília, a. 4, (:39): 339-G15, novembro H)92. 411

direitos compatíveis com as próprias fina1id~:rles da associa­ção, a esta se dirigem solicitando a representação e expres­samente a autorizando a repesentá-Ios esta solução cremos pragmaticamente adequada, e a mais fiel à natureza do ins­tituto da representação.

Impende novamente ressaltar que a representação não poderá extravasar aos fins estatutários ou legalmente estabele­cidos da entidade associativa: não irá uma associação recreati­va receber autorização para ajuizar ação de despejo em repre­sentação de associado seu, ou para representá-lo como réu em ação de despejo; e nem irá a associação de enxadristas repre­sentar associados seus perante o Sistema Financeiro de Habi­tação, discutindo o valor das prestações de mútuos habitacio­nais." (RF v. 316, p. 39140).

Postas estas premissas, cumpre indagar-se se os artigos 103 e 104 da Lei 5.988/73 constituem as associações de defesa dos direitos auto­rais como, em juízo, 'mandatárias' de seus associados - e assim a lite­ralidade do art. 104 -, ou se, sob o color, sob a aparência de um man­dato legal decorrente da mera filiação dos titulares de direitos, age em realidade a associação como mera substituta processual de seus filiados.

Estou, vênia rogando aos doutos precedentes judiciários citados pela recorrente, com a segunda posição. O 'mandato' do artigo 104 habilita a associação a, em nome próprio, pleitear em defesa dos direitos de seus filiados, sendo irrelevante a circunstância de os substituídos serem, ou não, nominados individualmente na petição inicial. Aliás, de comum sabença que as associações cobram os direitos autorais em nome pró­prio, para posterior distribuição, sob determinados critérios, aos titula­res do direito material, seus associados.

Nossa convicção se robustece ante o teor do parágrafo único do aludido artigo 104, verbis:

"Pan:ígrafo único - Sem prejuízo desse mandato, os titu­lares de direitos autorais poderão praticar pessoalmente os atos referidos neste artigo."

Ora, se a hipótese fosse realmente de mandato, mesmo que manda­to decorrente, por lei, do mero ato de filiação, a regra do parágrafo seria de todo inútil, pois a ocorrência de mandato não impediria ao mandante de praticar pessoalmente os atos confiados ao mandatário. Já no caso de

412 R. Sup. Trib. Jusl., Brasília, a. 4, (:39): 339·G15, novembro 1992.

substituição processual, decorrente de lei, a ressalva da legitimação concorrente apresentou-se necessária.

De qualquer forma, ainda que rigorosamente de mandato se cui­dasse, ainda assim não ocorrente a pretendida carência de ação. Teria ocorrido, tão-somente, mero defeito de forma no figurar como autora a associação, "na qualidade de mandatária legal de seus associados" (sic, fls. 2), e não os associados, representados pela associação. E como o mandato dos associados à associação decorre de lei, bastante a procura­ção outorgada pela mandatária legal aos advogados subscritores da ini­cial. Em última análise, o jus s"uperveniens, decorrente da norma cons­titucional já citada, teria validado a representação legal.

Quanto ao pedido, não encontro problemas. O pedido genérico, em litisconsórcio ativo, admitirá, antes as peculiaridades inerentes aos cré­ditos de direitos autorais múltiplos, a especificação dos créditos singula­res durante a instrução da causa, ou mesmo em liquidação, como aliás sugerido (fls. 17).

Face ao exposto, conheço do recurso especial apenas pela alínea c, ante o confronto com o aresto de fls. 229/230, mas ao mesmo nego pro­vimento.

É o voto.

EXTRATO DA MINUTA

REsp n2 9.867-0 - RJ - (91.65498) - Relator: Exmo. Sr. Ministro Athos Carneiro. Recte.: TVS - TV Studios Sílvio Santos Ltda. Advs.: Regina Marques Netto e outros. Recdo.: ASA - Associação dos Atores em Dublagem, Cinema, Rádio, Televisão, Propaganda e Imprensa. Advs.: Nauro Araújo Silva e outro.

Decisão: A Turma, por unanimidade, conheceu do recurso e negou­lhe provimento.

Votaram com o Relator os Srs. Ministros Fontes de Alencar, Sálvio de Figueiredo, Barros Monteiro e Bueno de Souza (em 05.05.92 - 4~ Turma).

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro ATHOS CARNEIRO .

• RECURSO ESPECIAL N!! 9.938-0 - SP

(Registro nº 91.6771-7)

Relator: Ministro Sálvio de Figueiredo Recorrente: Abram Szni(er

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 413

Advogados: Drs. José Mário Pilnentel de Assis Moura e outro

Recorrida: Elvira Degenszajn

Advogados: Drs. Sérgio Marques da Cruz e outros

EMENTA: Direito de Família. Regime da separa­ção legal de bens. Aqüestos. Esforço COlnum. Comuni­cabilidade. Súmula STF, enunciado nº 377. Correntes. Código Civil, arts. 258/259. Recurso inacolhido.

I - Em se tratando de regime de separação obri­gatória (Código Civil, art. 258), comunicam-se os bens adquiridos na constância do casamento pelo esforço comum.

11 - O enunciado nº 377 da súmula STF deve restringir-se aos aqüestos resultantes da conjugação de esforços do casal, em exegese que se afeiçoa à evolução do pensamento jurídico e repudia o enrique­cimento sem causa.

111 - No âmbito do recurso especial não é ad­missível a apreciação da matéria fática estabelecida nas instâncias locais.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, em não co­nhecer do recurso. Votaram com o Relator os Ministros Barros Montei­ro, Bueno de Souza e Athos Carneiro.

Custas, como de lei. Brasília, 09 de junho de 1992 (data do julgamento). Ministro ATHOS CARNEIRO, Presidente. Ministro SÁLVIO DE

FIGUEIREDO TEIXEIRA, Relator.

EXPOSIÇÃO

MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO: Cuida-se de recurso espe­cial, fundado nas alíneas a e c do permissivo constitucional, interposto contra acórdão proferido pela ego Sexta Câmara Civil do Tribunal de

414 H. sup. Trib. Just., I3rasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

Justiça de São Paulo que, em ação declaratória incidental à alienação de coisa comum, reconheceu, pelo esforço comum, o direito da autora­recorrida à meação de imóvel, inobstante o regime da separação legal de bens, acolhendo o pedido para sua venda judicial, negando provimento por conseguinte, à apelação do réu.

Afirma o réu-recorrente dissídio com o enunciado nº 377 da súmula do Supremo Tribunal Federal e negativa de vigência aos arts. 264, 349 e 460, CPC (porque teria o acórdão adotado fundamento diverso do pe­dido e desprezado a confissão da recorrida), 269, I, 263, VII, 264, e 272, do Código Civil (pela desconsideração da existência de sub-rogação real).

O recurso especial foi admitido pela alínea a, restando irrecorrida a inadmissão do extraordinário.

É o relatório.

VOTO

MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO (Relator): Do v. acórdão impugnado, colhe-se:

"Não procede a tese da sub-rogação real, que o beneficia­ria, na medida em que o imóvel fora adquirido com o recurso proveniente da venda de outro imóvel, que, anterior ao casa­mento, lhe pertencia com exclusividade.

O magistrado examinou, corretamente, a hipótese, ficando claro que o casal, na alienação do imóvel, assumiu dívida, o que se comprova pelo documento de fls. 67, caracterizando, a prova testemunhal, o esforço da mulher, nessa transação.

Inaplicável, com efeito, à espécie, a previsão do art. 269, II, do C. Civil, mesmo porque adequada à solução da controvér­sia a Súmula 377, do Colendo Supremo Tribunal Federal.

Restou, em verdade, satisfatoriamente demonstrado que o imóvel foi adquirido já na constância do casamento, com a co­laboração da mulher.

E, bem por isso, acertado, sem dúvida, o deferimento, para venda judicial da coisa comum".

Não assiste razão ao recorrente. A uma, porque divergência alguma existe em relação ao verbete n!!

377 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, segundo o qual

"no regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento".

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 415

A bem da verdade, é sabido que numerosas são as restrições à refe­rida súmula, de redação ambígua por não explicitar se a comunicação de aqüestos depende ou não do esforço comum.

Para sua melhor compreensão, algumas considerações se fazem necessárias.

Em breve síntese, observa-se que, em relação ao regime conven­cional da separação, a lei (Código Civil, art. 259) exige que, por ocasião do pacto antenupcial, os nubentes, além de declararem a opção pelo regime da separação, ainda declarem que os aqüestos também não se comunicarão (cfr. Sílvio Rodrigues, "Direito de Família", Saraiva, 14ª ed., 1988, nQ 80), estando a aOorar entendimento jurisprudencial, fundado no princípio que veda o enriquecimento sem causa, e por isso merecedor de aplausos, no sentido da comunicabilidade dos bens aqüestos quando resu1tantes da conjugação do esforço dos cônjuges (op. cit., nQ 80-A).

Por outro lado, em se tratando de separação obrigatória (lega}), sem embargo da formulação da súmula (verbete 377), continua a polêmica, não se harmonizando com ela a melhor doutrina.

Em pelo menos dois precedentes da ego Terceira Turma, REsps 1.615-GO e 9.414-SP, decidiu este Tribunal:

"Casamento - Regime de bens - Separação legal -Súmula 377 do STF.

Quando a separação de bens resulta apenas de imposi­ção legal, comunicam-se os aqüestos, não importando que hajam sido ou não adquiridos com o esforço comum" (DJ de 12.3.90, reI. Min. Eduardo Ribeiro):

"Civil. Casamento. Regime obrigatório de bens. Comu­nicabilidade dos aqüestos.

Aplica-se o art. 259 do Código Civil quanto aos bens adqui­ridos na constância do casamento, inclusive nos casos de sepa­ração obrigatória" (DJ de 23.9.91, reI. Min. Dias Trindade).

Diversa, porém, é, majoritariamente, a posição da doutrina, como se vê em Caio Mário, que, fiel à linha de Clóvis e Pontes de Miranda, chega a contestar a súmula, por inteiro ("Instituições", Forense, 7ª edi­ção, 1990, nQ 402).

Menos radical, diz Washington de Barros Monteiro do maior acerto da corrente que admite a comunicação, mas se referindo à hipótese de bens adquiridos na constância do casamento por "mútuo esforço" ("Di­reito de Família", Saraiva, 27'J ed., 1989, p. 175).

416 H. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

Nessa mesma direção, e com mais ênfase, após discorrer sobre o tema, escreve Sílvio Rodrigues na nota n9 126 da 14;! edição (fls. 182/183):

"Na primeira edição deste livro muito aplaudi a solução pretoriana consignada na Súmula e para meu desconsolo veri­fiquei que, embora houvesse, de há muito, desertado daquela opinião, não tive o cuidado de rever, com a devida profundidade as subseqüentes edições deste volume, de modo que tal ponto de vista foi defendido até a 13;! edição, que ora é apresentada ao público.

Com efeito, já de há muito censuro a amplitude da Súmula 377, pois entendo que ela deve ser restrita apenas aos bens adquiridos na vigência do matrimônio, pelo esforço comum dos cônjuges. Aliás, nesse sentido manifestei-me com bastante mi­núcia em trabalho publicado em 1985 (O direito na década de 80. Estudos jurídicos em homenagem a Hely Lopes Meire11es, artigo intitulado "A Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal: necessidade de sua revogação") e nele procuro demonstrar, de um lado, que os acórdão de onde se extraiu a Súmula não são veementes, nem torrenciais ao acolher a tese nela constante; de outro lado, que a finalidade protetiva almejada pela orientação jurisprudencial e consignada na Súmula, já fora alcançada pelo usufruto vidual, concedido pelo art. 1.611, § 12, do Código Civil, na forma que lhe deu a Lei n9 4.121/G2".

Esta, a meu juízo, a melhor exegese, que se afeiçoa à evolução do pensamento jurídico, repudia o enriquecimento sem causa e dá sentido ao enunciado n9 377 da Súmulu/STF.

Em segundo lugar, não merece prosperar o apelo porque esse es­forço comum foi reconhecido nas instâncias locais, sendo vedados, no âmbito do recurso especial, o reexame de prova e a apreciação de maté­ria fática, consoante proclama a jurisprudência sumulada desta Corte (verbete n9 7).

Assim, resta inapreciável a alegação de existência de sub-rogação real.

Finalmente, vê-se com relativa facilidade que não ocorreu confis­são da recorrida (que apenas se limitara a dizer ser irrelevante na espé­cie a apuração do esforço comum em face dos termos do enunciado da súmula), pelo que inaplicáveis, via de conseqüência, os demais invoca­dos dispositivos legais.

Em suma, não conheço do recurso.

H. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 417

VOTO-VISTA

O EXMO. SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO: Elvira Dogenszajn ajuizou contra seu ex-marido Abram Sznifer pedido de alienação de coi­sa comum referente ao imóvel situado à rua Barra do Tibagi, nº 238/ 240, São Paulo, e, concomitantemente, ação declaratória incidental, vi­sando ao reconhecimento de que o aludido bem é de propriedade comum a ambos.

O MM. Juiz de Direito acolheu as duas pretensões, declarando a existência do direito da mulher à metade ideal do bem descrito na inicial e determinando a venda, em praça, do imóvel em questão. Repelindo a alegação do réu de que o imóvel em foco teria vindo ao seu patrimônio exclusivo em razão da venda de um outro prédio de sua propriedade, a sentença entendeu aplicável à espécie a Súmula 377 do STF, acentuan­do ainda a colaboração da autora na aquisição do bem.

A decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo pelos seguintes fundamentos:

418

"Não prospera, data venia, a irresignação.

O apelante não tem razão, quando sustenta que há deci­são, com trânsito em julgado, reconhecendo que o bem não integra o patrimônio comum.

A solução dispõe, aliás, exatamente, o contrário do que afirma.

Mas, de qualquer maneira, a declaratória foi bem acolhi-da.

Não procede a tese da sub-rogação real, que o beneficiaria, na medida em que o imóvel fora adquirido com o ]'ecurso prove­niente da venda de outro imóvel, que, anterior ao casamento, lhe pertencia com exclusividade.

O magistrado examinou, corretamente, a hipótese, ficando claro que o casal, na alienação do imóvel, assumiu dívida, o que se comprova, pelo documento de fls. 67, caracterizando, a prova testemunhal, a esforço da mulher, nessa transação.

Inaplicável, com efeito, à espécie, a previsão do art. 269, n, do C. Civil, mesmo porque adequada à solução da controvér­sia a Súmula 377, do Colendo Supremo Tribunal Federal.

Restou, em verdade, satisfatoriamente demonstrado que o imóvel foi adquirido já na constância do casamento, com a co­laboração da mulher.

R Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

E, bem por isso, acertado, sem dúvida, o deferimento para venda judicial da coisa comum.

A sentença hostilizada deu à lide solução justa e adequa­da, merecendo subsistir irreparada, pelos próprios e jurídicos fundamentos.

Nega-se provimento à apelação." (fls. 154/155).

Daí o presente recurso especial interposto pelo vencido, com argüi­ção de afronta aos arts. 264, parágrafo único, 460 e 349, parágrafo úni­co, do CPC; 269, nº I, 263, nº VII, 264 e 272 do Código Civil, além de divergência com a Súmula 377, do Supremo Tribunal Federal.

O Sr. Ministro Relator não conhece do apelo extremo. Acompanho o voto de S. Exa.

Centra-se a defesa do réu na assertiva de sub-rogação real, ou seja, no sentido de que o imóvel da rua Barra do Tibagi foi por ele adquirido com exclusividade via produto da venda de um outro imóvel, sito à rua José Paulino.

Por primeiro, não se acha prequestionado o tema relativo à imuta­bilidade do pedido (arts. 264, parágrafo único, e 460, ambos da lei pro­cessual civil). O mesmo ocorre em relação à pretendida confissão (art. 349, parágrafo único, do citado estatuto). Ao depois, conforme assinalou o preclaro Ministro-Relator, a ocorrência ou não de sub-rogação real, invocada pelo recorrente, envolve necessariamente o reexame de maté­ria probatória, o que é defeso na via angusta do recurso especial (Súmu­la 7-STJ). As instâncias ordinárias afirmaram soberanamente, com es­teio na prova coligida, que o casal assumira uma dívida de Cr$ 275.000,00 para permitir a transação do imóvel da rua José Paulino, além da efeti­va contribuição da mulher no mencionado negócio jurídico.

Eis a razão pela qual se reputou inaplicável o disposto no art. 269, nº li, do CC, aliás, respeitante ao regime da comunhão parcial de bens e, de outro lado, adequada à espécie à Súmula nº 377 do Sumo Pretório. Tocante aos demais preceitos do Código Civil indicados pelo recorrente, afiguram-se eles de todo impertinentes em relação ao tema debatido.

Ante o exposto, também não conheço do recurso.

É como voto.

VOTO

O SENHOR MINISTRO BUENO DE SOUZA: Senhor Presidente, verifica-se que as instâncias ordinárias deixaram assentados dois aspec-

R. sup. Trib. Just., Brasflia, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 419

tos concernentes ao fato: o primeiro, que o bem de que se trata foi ad­quirido após a celebração do casamento e na sua constância; o segundo, de que houve esforço da mulher, comum ao do marido, para a respectiva aquisição.

Como se verifica, por outro lado, não ocorre discrepância entre o julgado recorrido e o enunciado da Súmula 377, do Supremo Tribunal Federal, cujo teor, tantas vezes objeto de reservas da jurisprudência e da doutrina, não foi, contudo, vulnerado.

Cumpre, ademais, sublinhar que a decisão recorrida estabelece que a comunhão dos aqüestos, em regime de separação legal, reclama o con­curso de ambos os cônjuges, de modo a se afastar o risco de enriqueci­mento sem causa.

Este entendimento é, a meu ver, o que corresponde ao critério da lei.

Acompanho, portanto, os d. votos dos que me antecederam.

EXTRATO DA MINUTA

REsp nº 9.938-0 - SP - (91.6771-7) - Relator: Exmo. Sr. Minis­tro Sálvio de Figueiredo. Recte.: Abram Sznifer. Advs.: José Mário Pi­mentel de Assis Moura e outro. Recda.: Elvira Degenszajn. Advs.: Sér­gio Marques da Cruz e outros.

Decisão: Prosseguindo no julgamento, a Turma, por unanimidade, não conheceu do recurso (em 09.06.92 - 4;; Turma).

Os Srs. Ministros Barros Monteiro, Bueno de Souza e Athos Car­neiro acompanharam o voto do Sr. ]\;linistro Relator.

O Sr. Ministro Fontes de Alencar não participou da votação por estar ausente à sessão anterior.

420

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro ATHOS CARNEIRO .

• RECURSO ESPECIAL Nº 9.972 - PR

(Registro nº 91.6805-5)

Relator: O Exmo. Sr. Ministro Barros Monteiro

Recorrentes: Daniel Meneghel e cônjuge

Recorridos: SUSUl1W Itimura e outros

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339·615, novembro 1992.

Advogados: Drs. Edson Ferreira Cardoso e outro e Assis Correa e outros

das:

EMENTA: COMPRA E VENDA. PRESCRIÇÃO. INVOCAÇÃO DO ART. 178, § 9Q

, INCISO V, B, DO CÓ­DIGO CIVIL.

Não se aplica o disposto no art. 178, § 9Q, n Q V,

letra b, do Código Civil, à ação de anulação de con­trato de compra e venda fundada na falta de paga­mento do preço convencionado.

Recurso especial conhecido e provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indica-

Decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por una­nimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, na forma do rela­tório e notas taquigráfícas constantes dos autos, que ficam fazendo par­te integrante do presente julgado. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Bueno de Souza, Athos Carneiro, Fontes de Alencar e Sálvio de Figueiredo.

Custas, como de lei.

Brasília, 23 de junho de 1992 (data do julgamento).

Ministro ATHOS CARNEIRO, Presidente. lVlinistro BARROS MON­TEIRO, Relator.

RELATÓRIO

o EXMO. SR. TvIINISTRO BARROS l\10NTEIRO: Trata-se de ação de anulação de ato jurídico (escritura pública de compra e venda e res­pectiva matrícula) proposta por Daniel Meneghel e sua esposa contra Susumo ltimura e sua mulher; Tomita ltimura e sua mulher; João Iti­mura e sua mulher e Katsiko ltimura e sua mulher. Assim resumiu o MM. Juiz de Direito a pretensão vestibular:

"Os requerentes adquiriram, juntamente com José Mar­tins Marinho e sua esposa Eponina Sales Marinho, em 12 de abril de 1977, de Sebastião Gonçalves Gil e sua esposa Anedina

H. sup. Trib. Just., Brasflia, a. 4, (:39): 3:l9-G15, novemlwo 1992. 421

422

Gonçalves Gil, através de um compromisso de compra e venda, documento de fls. 15/17, a propriedade rural denominada "Fa­zeqda Saltinho", hoje "Fazenda São Sebastião", localizada no município de Santo Antonio do Paraíso, desta Comarca, pelo preço de Cr$ 7.000.000,00 (sete milhões de cruzeiros), com área de 451,50 alqueires paulistas, equivalentes a 1.091 hectares.

Em 20 daquele mesmo mês e ano, José Martins Marinho e sua esposa cederam e transferiram aos Requerentes todos os direitos e obrigações constantes do aludido contrato de aliena­ção (documento de fls. 18), ficando estes sendo os únicos senho­res possuidores, por justo título mansa e pacificamente, do re­ferido imóvel rural.

Em meados do mês de junho daquele ano, os Autores fo­ram procurados por Cid Fausto Rodrigues Pinto, serventuário da Justiça, da Comarca de Bandeirantes, que na qualidade de intermediário de negócio, dizia ter interessado na aquisição, do imóvel já mencionado.

Após vários encontros para acerto do preço da alienação, ou seja, Cr$ 9.000.000,00 (nove milhões de cruzeiros), o dito "corretor" apresentou aos Requerentes as pessoas interessadas na aquisição, que nada mais eram que os requeridos varões.

Saliente-se que os requeridos eram pessoas conhecidas do autor.

Como a condição para o pagamento era à vista, e o corre­tor, após ter apregoado sobre as qualidades morais e econômi­cas dos requeridos, ressaltou que estes somente se interessa­riam, se o pagamento fosse efetuado dia 30 de setembro daquele ano, vez que, nesta data, tinham vultosa importância a receber de Kunihiro lVliyamoto, de quem eram possuidores de nove notas promissórias, com aval da esposa daquele, cada uma no valor de Cr$ 1.000.000,00 (hum milhão de cruzeiros).

O referido corretor enalteceu a pessoa do Sr. Kunihiro Miyamoto, dizendo tratar-se de pessoa de grande sucesso em­presarial, conhecida e amiga, 'de freqüentar a casa' dos irmãos Itimura, ora requeridos, honraria com sua obrigação.

Sucede que o autor tinha, e ainda tem, crédito no valor de Cr$ 9.000.000,00 (nove milhões de cruzeiros), eis que não conse­guiu até a presente data receber o que tem direito pela alienação.

Acrescente-se que o requerente tem um débito de Cr$ 8.459.000,00 (oito milhões, quatrocentos e cinqüenta e nove mil cruzeiros), para com os requeridos, avalizada por seu genitor

n. Sup. Trib .• Ju,;t., Brasília, a. 4, (:)9): :3:)9·G15. novembro 1992.

Luiz Meneghel e seu irmão Antonio Luiz Meneghel, coinci­dentemente para a mesma data de vencimento daquelas que recebera dos réus.

À toda evidência os autores estavam dispostos a vender a Fazenda São Sebastião, justamente para saldar o referido débito, e lhes restaria ainda a quantia de Cr$ 541.000,00 (quinhentos e quarenta e um mil cruzeiros), na época verdadeira fortuna.

Em 11 de julho daquele ano os autores autorizaram os então compromitentes-vendedores Sebastião Gonçalves Gil e sua mulher a outorgarem diretamente aos Réus a escritura de com­pra e venda. Embora o valor consignado no referido instrumen­to tenha sido de Cr$ 7.000.000,00 (sete milhões de cruzeiros), a alienação fora efetuada por Cr$ 9.000.000,00 (nove milhões de cruzeiros).

E, neste mesmo dia, os Requeridos receberam as nove notas promissórias já referidas, juntamente com o documento de fls. 30 e verso, intitulado de autorização, firmado por Susumo, João e Katsiko, havendo o de acordo do autor e servindo de testemu­nhas o mencionado corretor e José Primo Vicente.

Como o contido na parte final da supramencionada auto­rização, não estava de acordo com o combinado, no dia seguinte rumaram, o autor-varão e o corretor, até a cidade de Uraí, indo até a residência de Susumo para desfazer o negócio.

O réu Susumo, na presença do corretor, asseverou que Kunihiro era pessoa dele há muito tempo conhecida, que não tinha o que temer, ainda levando-se em consideração que ele, autor, era devedor de uma nota promissória àquele e seus ir­mãos, podendo-se fazer uma compensação, caso não conseguisse receber as notas promissórias, o que duvidava.

Em meados de agosto daquele ano, pouco mais de um mês da celebração do negócio, chegou ao conhecimento do requeren­te que Kunihiro promovera medida cautelar de seqüestro e, a seguir, ajuizara ação principal, ou seja, Declaratória, seqües­trando sessenta e nove notas promissórias de sua emissão, ava­lizadas por sua esposa em favor de Orlando Borges da Silva, cujos feitos tramitavam perante o r. Juízo de Direito da Comar­ca de São Bernardo do Campo, Quarta Vara Cível.

Após várias e infrutíferas viagens à cidade de Uraí, sem­pre acompanhado do corretor, eis que, em data de 11 de setem­bro daquele ano, conseguiu encontrar-se com o Requerido Susu-

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339·G15, novembro 1992. 423

mo, que apresentou uma alternativa viável para solucionar o impasse, sem a necessidade de se desfazer o negócio, ou seja, se comprometia em receber as referidas notas promissórias, tendo o advogado daquele firmado uma declaração, havendo o de acordo de ambos (fls. 36).

Em data de 04 de dezembro daquele ano, a nota promis­sória de Cr$ 8.459.000,00 (oito milhões, quatrocentos e cinqüenta e nove mil cruzeiros), de emissão do autor, fora levada a pro­testo. Sendo ajuizado medida cautelar de sustação de protesto, que foi cassada face à inépcia da inicial da ação principal.

Em 05 de agosto de 1981, os Requeridos promoveram Pro­testo Judicial objetivando a interrupção do prazo prescricional de três anos.

A seguir, ajuizaram execução forçada, contra o autor, seu genitor e irmão avalistas, arrimada no referido título de crédi­to. Falecendo seu genitor, ad cautelam, promoveram a citação do Representante do espólio,

Mister se faz ressaltar que, até a presente data os réus, e em especial o Sr. Susumo, não tomaram providência nenhuma judicial para recebimento das nove notas promissórias, con­soante combinado.

A ilicitude e a imoralidade dos Requeridos não repousam em um caso isolado; há outras vítimas, consoante demonstram documentos juntados aos autos.

Acolhida a procedência da anulação do negócio jurídico titulado de compra e venda por ausência de pagamento do pre­ço, que é um dos requisitos essenciais cujo contrato padece de validade, a restituição ao status quo ante é uma imposição inar­redável, independentemente da responsabilidade civil dos réus, em via própria.

Requer, finalmente, a intervenção do representante do lVlinistério Público, a produção de provas e a procedência do feito, com as cominações de estilo.

Deram à causa o valor de Cz$ 7.000,00 (sete mil cruzados).

Juntaram aos autos os documentos de fls. 14 usque 75, que acompanharam a inicia1." (fls. 263/266).

Sob o fundm:nento de que os autores argúem o dolo como funda­mento do pedido, a decisão monocrática de P grau acolheu a alegação de prescrição formulada pelos réus, nos termos do artigo 178, § 9º, nº V, letra b, do Código Civil, razão pela qual julgou improcedente a demanda.

424 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

o Tribunal de Justiça do Paraná negou provimento ao apelo in­terposto pelos autores, entendendo que, embora omitidas as expressões "erro, dolo, simulação ou fraude" na inicial, os autores de forma genéri­ca atacam os réus, imputando-lhes a simulação e a fraude. Eis a ementa do v. Acórdão:

"ANULAÇÃO DE ATO JURÍDICO. ESCRITURA PÚ­BLICA DE COMPRA E VENDA. PRESCRIÇÃO. ARTIGO 178, § 9º, INCISO V, LETRA n, DO CÓDIGO CIVIL. RE­CURSO IMPROVIDO.

Qualquer ação que seja fundada em simulação, erro, dolo ou fraude, prescreve ao fim de quatro anos, contado o prazo do dia em que se realizou o contrato. Sendo o caso de anulação a prescrição aplicável é a prevista no artigo 178, § 9º, V, b, do Código Civil." (fls. 340)

Rejeitados os embargos declaratórios, os acionantes manejaram recurso especial com arrimo nas alíneas a e c do permissivo constitucional, alegando vulneração dos arts. 104, 170, 177 e l.122, do Código Civil. Sustentaram nesse particular que o pedido se acha fulcrado na falta de pagamento do preço ajustado e que aos réus não é dado invocar a pró­pria torpeza. Como divergente, colacionaram o julgado inserto na Rev. dos Tribs. 374/142, de conformidade com o qual não se aplica o disposto no art. 178, § 9!!, nº V, do Código Civil, à ação de anulação de contrato de compra e venda fundada na falta de recebimento do preço convencionado.

Admitido o apelo extremo pela letra c do autorizativo, subiram os autos a esta Corte.

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO (Relator): Os autores intentaram a ação de anulação de ato jurídico escudados inega­velmente na falta de pagamento do preço avençado. É o que decorre dos termos do petitório inaugural, onde em nenhum momento se alude à ocorrência dos denominados vícios de consentimento.

Assim é que a fls. 12 a inicial alude, como fundamento da preten­são, à ausência de pagamento do preço, um dos elementos essenciais da compra e venda. E, na especificação derradeira, o petitum é claro: "anu­lando-se, por conseguinte, as escrituras de venda e compra e divisão amigável e respectivos registros e matrículas retro-referenciados, por falta de pagamento do preço da compra e venda ... " (fls. 13).

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-G15, novembro 1992. 425

Não paira dúvida, pois, quanto à natureza da ação proposta: cuida­se de ação de anulação em face do não pagamento do preço avençado no negócio jurídico. Os demandantes narraram, como lhes incumbia, a tran­sação e as circunstâncias que se lhe seguiram, dando ênfase à ilicitude do comportamento dos réus, mas não em razão da existência de vícios de consentimento e, sim, ante o mencionado inadimplemento da obriga­ção. Isto tudo é o que resulta da exposição por eles feita; vale dizer, recebidas as notas promissórias emitidas por terceiro, as cártulas torna­ram-se incobráveis, razão pela qual um dos réus, Susumo Itimura, se comprometeu a tomar as providências cabíveis contra o devedor, não o fazendo, porém. Daí a falta de pagamento do preço, de que se queixam os ora recorrentes.

Os pedidos, segundo a norma inscrita no art. 293, do CPC, hão de ser interpretados restritivamente. Não se pode, por via de conseqüência, vislumbrar dolo, erro, simulação ou fraude, quando a eles não se repor­ta a exordial expressamente.

Os autores, em verdade, não carreiam como fundamento de sua postulação o engano em que teriam incidido diante de uma manobra astuciosa dos réus. Não; o que está em causa na inicial é a falta de pagamento do preço, conforme já assinalado.

Este Tribunal tem decidido em inúmeras oportunidades que a na­tureza da tutela jurisdicional reclamada é definida pelo pedido e pela causa petendi (CC nºs 411-MS e 741-SE, ambos relatados pelo Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira; 733-SE, 736-SE, 746-SE, 749-SE, 1.628-RO e 2.371-PE, por mim relatados). No caso, a demanda não se funda em erro, dolo, simulação ou fraude.

Daí a inaplicabilidade à hipótese sub judice do art. 178, § 9º, nº V, letra b, do Código Civil.

Ao concluir pela prescrição nos termos do citado inciso legal, o Acórdão recorrido não malferiu os preceitos dos arts. 104, 170 e 1.122 do citado estatuto legal. Nem mesmo teria contrariado o disposto no art. 177, de que não se cuidou nas instâncias ordinárias.

Todavia, a dissonância jurisprudencial mostra-se patente na espé­cie em exame. O Tribunal de Justiça de São Paulo, em litígio similar, assentou:

426

"Os autores desta demanda querem anular a venda do imóvel que fizeram aos réus sob a alegação de que não recebe­ram o preço ajustado.

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

o Juiz, porém, acolhendo argüição da defesa, julgou prescri­ta a ação com fundamento no art. 178, § 9g

, ng V, do Código Civil.

Daí o presente recurso a que se dá provimento a fim de que o magistrado julgue a causa pelo mérito.

O dispositivo legal indicado para o acolhimento da preju­dicial diz respeito, tão-só, aos casos de erro, dolo, simulação ou fraude, e não são estas as circunstâncias de que, em verdade, se socorrem os autores.

Sustentam que não foram pagos e, por isso, querem o des­fazimento da venda.

Argumentos ou referências laterais não desnaturam a rea­lidade do motivo exato invocado para a rescisão pleiteada e, desse modo, não é justo que se deixe de apreciar a pretensão ajuizada pelo seu mérito. Daí o provimento dado para o fim já indicado." (Rev. dos Tribs. 374, pág. 143).

Diante da motivação acima expendida, tenho como orientação es­correita e, portanto, prevalecente aquela proclamada pelo aresto trazido como paradigma, motivo por que não se pode haver como prescrita a presente ação.

Ante o exposto, conheço do recurso pela alínea c do permissor cons­titucional e dou-lhe provimento, a fim de que, afastada a prescrição, a causa retorne ao Juízo de origem, a fim de ser apreciada pelo seu mere­cimento propriamente, como de direito.

É o meu voto.

EXTRATO DA MINUTA

REsp ng 9.972-0 - PR - (91.6805-5) - Relator: Exmo. Sr. Minis­tro Barros Monteiro. Recte.: Daniel J\leneghel e cônjuge. Advs.: Edson Ferreira Cardoso e outro. Recdos.: Susumo Itimura e outros. Advs.: Assis Correa e outros.

Decisão: A Turma, por unanimidade, conheceu do recurso e deu­lhe provimento (em 23.06.92 - 4õ! Turma).

Votaram com o Relator os Srs. Ministros Bueno de Souza, Athos Carneiro, Fontes de Alencar e Sálvio de Figueiredo.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro ATHOS CARNEIRO

H. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (:39): :3:l9·G15, novembro 19~)2. 427

das:

RECURSO ESPECIAL N!! 10.474-0 - RS (Registro n!! 91.0008044-6)

Relator: O Exnw. Sr. Ministro Barros }'1onteiro Recorrentes: Maria da Glória de Oliveira e outros Recorrido: Juízo de Direito da 2ª Vara Cível de São Leopoldo-RS Advogados: Drs. Jorge Aristides A. do Amaral e outros

EMENTA: ARROLAMENTO. RENÚNCIA IN FA­VOREM. FORMALIZAÇÃO POR TERMO NOS AUTOS.

Ainda que se trate de renúncia em favor de pes­soa determinada, é ela suscetível de formalizar-se mediante termo nos autos. Art. 1.581, do Código Ci­vil. Precedentes do STF.

Recurso especial conhecido e provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indica-

Decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por una­nimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, na forma do rela­tório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo par­te integrante do presente julgado. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Bueno de Souza, Athos Carneiro, Fontes de Alencar e Sálvio de Figueiredo.

Custas, como de lei.

Brasília, 27 de maio de 1992 (continuação da sessão iniciada em 26/05/92).

Ministro ATHOS CARNEIRO, Presidente. NIinistro BARROS MON­TEIRO, Relator.

RELATÓRIO

O EX1vIO. SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO: Nos autos de arrolamento dos bens deixados por José Benício de Oliveira, os herdei­ros renunciaram aos direitos hereditários em favor da viúva-meeira. Da decisão que inadmitiu fosse a renúncia formalizada mediante termo nos autos os interessados interpuseram o recurso de agravo de instrumento,

428 IL Sup. Trib. Just., Bra,;ília, a. 4, (:i9): a:i9-G15, novembro 1992.

a que a Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, vencido o Relator, negou provimento, sob os seguintes fundamentos insertos no voto do Desembargador Sérgio Pilla da Silva:

"Penso que é inafastável a exigibilidade da escritura públi­ca, em se tratando de cessão de direitos hereditários, e o caso assim é porque a renúncia em favor de determinada pessoa é cessão de direitos, inaplicando-se o mesmo princípio da parti­lha, porque esta decorre da saisine e é meramente declaratória. A translação da propriedade já ocorreu no instante da morte do autor da herança, ao passo que a cessão é ato inter vivos e que tem natureza imóvel, como é do sistema, e a translação de imóveis exige a solenidade da escritura pública." (fls. 47/48).

Inconformados, a meeira e os herdeiros manifestaram recurso es­pecial com fulcro na alínea c do permissivo constitucional, carreando como discrepante o aresto publicado na Rev. dos Tribs. 614/613, RE nQ

llO.756-1/RS, ReI. Min. Carlos Madeira.

Admitido o apelo extremo, subiram os autos.

É o relatório.

VOTO

o EXMO. SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO (Relator): Tenho, por primeiro, como configurado o dissentimento pretoriano na espécie dos autos, pois, enquanto o Acórdão recorrido considerou imprescindível a solenidade da escritura pública para a hipótese de renúncia em favor de determinada pessoa, o julgado paradigma a admitiu como válida por termo lavrado nos autos.

Não se cuida no caso de renúncia meramente abdicativa, mas de renúncia in favorem, , que caracteriza em verdade doação ou cessão gratui­ta da herança. Todavia, ainda que se trate da renúncia impropriamente denominada "translativa", é ela suscetível de formalizar-se mediante termo nos autos" consoante às expressas faculta o art. 1.581, do Código Civil.

Em controvérsia similar à presente, o Eg. Supremo Tribunal Fede­ral reputou como válida a renúncia translativa da herança reduzida a termo nos autos (RE nQ 81.632-PR, ReI. Min. Bilac Pinto). Nesse prece­dente, em voto-vista, o Min. Rodrigues de Alckmin pontificou:

"5. Ora, a mesma fé pública de que se revestem as decla­rações de ofício do tabelião de notas, têm-na igualmente as declarações dos escrivães e, anteriormente, dos denominados tabeliães do judicia1. Uns e outros lavravam escrituras públi­cas. Diferentes eram os atos que se compreendiam na compe-

H. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 429

430

tência de cada serventuário. Igual porém, a fé pública que lhes dava autenticidade.

Compreende-se, pois, a afirmação corrente, relativa a va­ler como escritura pública um termo judicial.

6. O escrito público, emanado do tabelião de notas ou do escrivão, tem a sua autenticidade assegurada pela mesma fé pública. São escrituras públicas, em sentido amplo, revestidas do mesmo valor. A questão da validade de ato jurídico por eles documentado se desloca, assim, para o âmbito da competência para fazê-lo. Não se cuida de forma, que públicos e dotados de fé pública são os escritos. Mas de saber se podia fazê-lo o serventuário que o fez. Se cabe na competência de um escrivão a documentação de determinado ato os efeitos deste ato serão aqueles que a lei atribua.

Assim, quando se realiza um ato no processo, ou um ato de procedimento, cabe ao escrivão documentá-lo, ainda que dele decorra efeito como o de transmissão da propriedade. Assim acontece com as arrematações e as adjudicações.

7. Postos os princípios, vê-se que se, como regra geral, a competência para a documentação de negócios jurídicos que sejam aptos à transmissão do domínio de bens imóveis de valor superior à taxa legal cabe a tabeliães de notas, tal regra não se reveste de natureza absoluta e comporta exceções relativas a atos jurídicos admitidos em procedimentos judiciais. Quanto a estes atos, a competência para a documentação é dos escrivães, ou os antigos 'Tabeliães do Judicial', a que se referiam as Or­denações.

8. A renúncia à herança é, sem dúvida, ato documentável no feito, pelo escrivão. A norma legal civil possibilita que tam­bém se faça por escritura pública, em tabelião. Ambos - escri­tura pública, termo judicial - são parificados na eficácia decor­rente da mesma autenticidade.

Compreende-se, assim, que a chamada 'renúncia transla­tiva' seja admitida por termo nos autos, como ato que se realiza no procedi+nento, ato prévio à futura partilha ou adjudicação, que também se documenta nos autos. A tradição de séculos se impõe sobre a omissa disciplina dos textos legislativos, em tema cuja competência, como visto, não se delimita indu vi dosam ente.

Diante dessas circunstâncias, tenho que a melhor inter­pretação da lei, no caso, não é a que se prenda somente a

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

considerações sobre o estrito sentido de "renúncia" no texto da norma civil, mas a que tenha à vista a segurança da autenti­cidade do ato jurídico, revestida de induvidosa fé pública e documentada pela solene manifestação de vontade na presença da própria autoridade judiciária. E que, no tocante à competên­cia para a documentação do ato, não olvide a necessária relação que o prende ao procedimento em juízo.

Não vejo, portanto, ofensa à lei no entendimento esposado pelos ilustres juízes do Tribunal a quo, frisando finalmente que também considerações de ordem ética (a inexistência de erro, dolo ou violência que viciassem o ato perfeito e acabado) terão levado os nobres juízes à adoção da interpretação impugnada.

E ainda que pudesse tê-la admitido, considero, pelos mo­tivos expostos, que deve ser considerada válida a chamada re­núncia translativa por termo nos autos, como documentação bastante da existência dela. E como o faz o eminente Relator, conheço do recurso, negando-lhe porém provimento." (RTJ 76/ 301-302).

Tal orientação adotou-a o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em julgado de que foi Relator o Desembargador Itacy Jardim, que no voto condutor do Acórdão destacara:

"Assim sendo, ou mesmo que assim não fosse, em se tra­tando de 'renúncia translativa' da herança, embora tal expres­são criticada como 'uma grave imprecisão terminológica', a validade dessa renúncia é proclamada por autores de renome, 'nela enxergando mera doação se a título gratuito, ou compra e venda, se a título oneroso'. Essa renúncia, também denominada in favorem, poderá quanto, à forma, ser feita tanto por termo nos autos ou revestir a forma de escritura pública, segundo os termos do art. 1.581, do CC, in fine: "A renúncia, porém, deverá constar expressamente de escritura pública ou termo nos au­tos." (in Rev. dos Tribs. 500, pág. 200).

Não vejo razões para modificar a diretriz de há muito traçada pelo Sumo Pretório, desde que permanecem asseguradas amplamente a se­gurança e a publicidade do ato, o qual, além do mais, da forma supra­aludida, requer custos e tempo bem inferiores em relação à solene e sacramental escritura pública. Fico, por conseguinte, com a tese esposa-

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da pelo r. voto minoritário havido no decisum, recorrido, da lavra do eminente Desembargador Ruy Rosado de Aguiar Júnior, e com a que encampou o Acórdão carreado como modelo pelos ora recorrentes (Rev. dos Tribs. 614/253-255).

Ante o exposto, conheço do recurso e dou-lhe provimento, a fim de que a renúncia manifestada se formalize por termo nos autos.

É como voto.

VOTO-VOGAL

O SENHOR MINISTRO BUENO DE SOUZA: Senhor Presidente, penso que o v. acórdão trazido por paradigma melhor se ajusta ao pre­ceito legal, que considero adequado à espécie, ou seja, o art. 1.581, do Código Civil, o qual se refere, por igual, à escritura pública ou ao termo judicial.

É oportuno recordar que, segundo a nomenclatura autorizada de JOÃO MENDES, tabeliães e escrivães são auxiliares do juízo, órgãos da fé pública do foro judicial ou extrajudicial. Não me deparo com ra­zões legais ou interpretativas que possam confortar os fundamentos do v. acórdão recorrido, convindo, também, lembrar que legislação mais re­cente do Sistema Financeiro da Habitação abre numerosas exceções à exi­gência de escritura pública para a transmissão de direitos sobre imóveis.

Acompanho, portanto, o eminente Relator.

VOTO

O EXMO. SENHOR MINISTRO ATHOS CARNEIRO (Presidente): São relevantes os argumentos jurídicos trazidos no voto do eminente Desembargador Sérgio Pi11a da Silva. Realmente, é possível dizer que a renúncia, a que se refere o art. 1.581, do Código Civil, e que pode ser feita tanto por escritura pública como igualmente por termo judicial, seria a renúncia propriamente dita, aquela em que o renunciante abre mão de seus direitos em favor do monte e, por isso, é tido como se não hou­vesse sido herdeiro. Não abrangeria, assim, os casos de renúncia em favor de outro herdeiro, ou de outra pessoa, caso em que nitidamente se con­figura uma transmissão de direitos imobiliários.

Todavia, acompanho o eminente Relator, quer tendo em vista o peso das decisões trazidas por S. Exa. como traduzindo a jurisprudência mais

432 R Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

autorizada até o momento, como também em virtude da conveniência prática em que, por termo nos autos ou pelo tabelião, se possam instru­mentar as transmissões de direitos imobiliários, nos casos de processo de inventário pendente.

Conheço do recurso e dou-lhe provimento.

VOTO-VOGAL

o EXMO. SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR: Senhor Presi­dente, ainda que se considere ser a renúncia, quando in favorem, um ato translativo da propriedade imobiliária - porque imóvel é o direito à sucessão aberta, nos termos da ficção da lei -, entendo que a cláusula final do art. 1.581, do Código Civil se constitui numa exceção ao art. 134 do mesmo diploma legal, que considera ser da substância do ato a escri­tura pública nos contratos translativos ou constitutivos de direitos reais sobre imóveis acima do valor que menciona.

Assim, sigo o voto do Eminente Ministro-Relator.

VOTO

MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO: Também me coloco de acor­do com o Sr. Ministro-Relator, dado que a nossa lei contempla a hipóte­se no art. 1.581, do Código Civil dentro da orientação de que o ato pra­ticado em juízo, nos autos do processo, tem a necessária segurança para sua eficácia jurídica, observado ainda que nenhum prejuízo acarreta ao Fisco.

EXTRATO DA MINUTA

REsp nº 10.474-0 - RS - (91.0008044-6) - Relator: Exmo. Sr. Ministro Barros Monteiro. Rectes.: Maria da Glória de Oliveira e ou­tros. Advs.: Jorge Aristides A. do Amaral e outros. Recdo.: Juízo de Direito da 2ª Vara Cível de São Leopoldo-RS.

Decisão: A Turma, por unanimidade, conheceu do recurso e deu­lhe provimento.

Votaram com o Relator os Srs. Ministros Bueno de Souza, Athos Carneiro, Fontes de Alencar e Sálvio de Figueiredo.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro ATHOS CARNEIRO.

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 433

RECURSO ESPECIAL Nº 10.584-0 - TIA (Registro nº 91.0008375-5)

Relator: Exmo. Sr. Ministro Cesar Rocha Recorrentes: Cory Irmãos Comércio Representações Ltda. e outros Recorrida: Cia. das Docas do Estado da Bahia-CODEBA Advogados: Drs. Carlos José Alcântara, Carlos Odorico Vieira

Martins e outros

EMENTA: TRIBUTÁRIO. ADICIONAL DA TARI­FA PORTUÁRIA - ATP. INCIDÊNCIA. LEI Nº 7.700/ 88. PRECEDENTES.

I - O parágrafo primeiro do art. 1 º da Lei nº 7.700/88 preceitua que o adicional da tarifa portuá­ria somente incide sobre as operações realizadas com mercadorias importadas ou exportadas, objeto do co­mércio de navegação de longo curso.

II - Sobre os demais serviços portuários, não diretamente relacionados com tais mercadorias, in­cidem as tarifas normais.

IH - Recurso provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam o~ Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, em dar pro­vimento ao recurso. Votaram com o relator os Ministros Garcia Vieira, Demócrito Reinaldo, Gomes de Barros e Milton Pereira.

Custas, como de lei.

Brasília, 09 de setembro de 1992 (data do julgamento).

Ministro GARCIA VIEIRA, Presidente. Ministro CESAR ROCHA, Relator.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO CESAR ROCHA: Versam os autos sobre manda­do de segurança impetrado contra ato do Sr. Presidente da Cia. Docas

434 R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

do Estado da Bahia-CODEBA, consubstanciado na cobrança do adicio­nal da tarifa portuária (ATP), instituído pela Lei nQ 7.700/88 sobre todas as vantagens e serviços referidos na tabela contida no Decreto nQ 24.508/ 34.

A Colenda Terceira Turma do Tribunal Federal da 1" Região, por unanimidade de votos, dando provimento à apelação da impetrada, de­negou a segurança em acórdão assim ementado:

"TRIBUTÁRIO. ADICIONAL DE TARIFA PORTUÁ­RIA. ANTIGA TAXA DE MELHORAMENTO DOS POR­TOS. LEI N'l 7.700/88. EXTENSÃO DE SUA INCIDÊN­CIA. DEC. N'l 24.508/34. TABELAS DE SERVIÇOS E VANTAGENS PORTUÁRIAS.

- O adicional de tarifa portuária, instituído pela Lei 7.700/88, que substituiu a antiga taxa de melhoramento dos portos, incide sobre todas as operações realizadas, nos por­tos organizados, relacionadas direta ou indiretamente com a movimentação de 117.ercadorias importadas ou exportadas, objeto do comércio de navegação de longo curso.

- Apelação provida. Segurança denegada. Remessa oficial prejudicada." (fl. 164).

Desta decisão os impetrantes interpuseram recurso especial alegan­do base nas alíneas a e c do permissivo contido na Lei Ma.ior. Sustentam negativa 'de vigência ao art. P, § 1'1, da Lei nº 7.700/88, na medida em que este preveria a incidência do referido adicional "apenas e tão-so­mente sobre as operações realizadas com mercadorias de circulação co­mercial na navegação de longo curso". (folha 169).

Colaciona acórdão da Quarta Turma do mesmo Tribunal Federal à caracterização da divergência.

O exame da admissibilidade procedido na origem refutou a diver­gência pretendida invocando o enunciado nº 13 da Súmula desta Corte e o próprio texto constitucional, ao preceituar que a interpretação diver­gente haja sido atribuída por outro tribunal. Asseverou, contudo, o pre­questionamento do dispositivo apontado como violado e a importância do tema, razão pela qual admitiu o recurso, ordenando a remessa a este Tribunal.

O douto Ministério Público Federal, com vista dos autos, emitiu parecer pelo provimento do recurso, na linha dos precedentes mencio­nados.

É o relatório.

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 435

VOTO

o SR. MINISTRO CESAR ROCHA (Relator): Primeiramente, assi­nalo a impossibilidade do conhecimento do recurso pela alínea c, porque imprestáveis à caracterização da divergência acórdãos do mesmo Tribu­nal prolator da decisão recorrida, conforme, inclusive, o enunciado n!! 13 da SúmulalSTJ. No entanto, conheço do recurso pela alínea a.

Debate-se sobre a legitimidade ou não da cobrança do Adicional da Tarifa Portuária - ATP - sobre todos os serviços portuários indicados nas Tabelas contidas no Decreto n!! 24.508, de 29 de junho de 1934.

A questão é conhecida e pacífica nesta Corte. A Lei n!! 7.700/88, ao criar, no seu art. 1!!, "o adicional da tarifa

portuária sobre as tabelas das tarifas portuárias", especifica no § I!! do referido artigo que "o adicional a que se refere este artigo é fixado em 50% (cinqüenta por cento) e incidirá sobre as operações realizadas com mercadorias importadas ou exportadas, objeto do comércio de navega­ção de longo curso".

A particularidade expressa impede outra interpretação que não a literal, sob pena de indevida ampliação da hipótese legal de incidência. O legislador, de forma clara e inequívoca, limitou a incidência do Adici­onal às operações com mercadorias importadas ou exportadas, objeto de navegação de longo curso. A contrario sensu, dito Adicional não alcança as operações que não envolvam mercadorias.

Muito embora sejam os serviços portuários integrados, de forma que, indiretamente, outros benefícios podem vir a ser utilizados no manejo das mercadorias, o legislador não os onerou com o Adicional, sendo devidas, quanto a estes, apenas as tarifas portuá:ias normais.

Ambas as Turmas integrantes da Conspícua Primeira Seção deste Sodalício firmaram entendimento neste sentido. Cito como exemplo os REsp's nJl..S 13.123-0-BA, reI. Ministro Gomes de Barros, DJ de 03.8.92; 12.459-BA, reI. Ministro Demócrito Reinaldo, DJ de 4.11.91; 10.586-0-BA, reI. Ministro Garcia Vieira, DJ de 3.8.92; 10.587 -O-BA, reI. Ministro Milton Pereira, DJ de 24.8.91; 10.601-0-BA, rel. Ministro Hélio Mosi­mann, DJ de 3.8.92; 10.577-0-BA, reI. Ministro José de Jesus, DJ de 10.8.92; 10.567-BA, reI. Ministro Peçanha Martins, DJ de 10.2.92. Trans­crevo as ementas:

436

"TRIBUTÁRIO -ADICIONAL DE TARIFA PORTUÁ­RIA (ATP) - LEI NQ 7.700/88.

O Adicional de Tarifa Portuária (Art. }Q, § }Q, da Lei nQ 7.700, de 21.12.88) incide apenas nas operações em que

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

se manipulam mercadorias, objeto de navegação de longo curso; operações que não envolvam tais mercadorias não geram a incidência do adicional."

"TRIBUTÁRIO. ATP - ADICIONAL DE TARIFA PORTUÁRIA.

Segundo o § 1'1 do artigo 1'1 da Lei n'1 7.700. de 21 de dezembro de 1988, o Adicional de Tarifa Portuária incide apenas nas operações realizadas com mercadorias importa­das, objeto do comércio de navegação de longo curso. A contrario sensu, não atinge as operações que não envol­vem ditas mercadorias, as quais são custeadas pelas tari­fas portuárias normais.

Precedentes deste Superior Tribunal de Justiça. Recurso provido. Decisão unânime."

"TRIBUTÁRIO - TARIFA PORTUÁRIA -INCIDÊN­CIA - COMÉRCIO INTERNO.

O Adicional de Tarifa Portuária incide somente sobre operações realizadas sobre mercadorias.

Recurso provido."

"TRIBUTÁRIO. ADICIONAL DA TARIFA PORTUÁ­RIA - ATP. INCIDÊNCIA. LEI 7.700/88. DECRETO 24.508/34.

O Adicional de Tarifa Portuária, à luz do art. 1'1, § 1'1, da Lei 7.700/88, incide apenas nas operações realizadas com mercadorias importadas ou exportadas, objeto do co­mércio de navegação de longo curso.

Precedentes desta Corte. Recurso conhecido e provido."

"TRIBUTÁRIO. ADICIONAL DE TARIFA PORTUÁ­RIA. INCIDÊNCIA.

O Adicional de Tarifa Portuária - ATP - incide ape­nas nas operações realizadas com mercadorias importadas ou exportadas, objeto do comércio de navegação de longo curso.

- Precedentes do ST J. - Recurso provido."

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 437

"TRIBUTÁRIO. ATP. INCIDÊNCIA. O ATP incide sobre as tabelas das tarifas portuárias

(Dec. nº 24.508/34), mas somente sobre as operações reali­zadas com mercadorias importadas ou exportadas, objeto do comércio na navegação de longo curso, e não sobre todas as vantagens e serviços prestadas ao comércio de navega­ção, pelas administrações dos portos."

"TRIBUTÁRIO. ADICIONAL DE TARIFA PORTUÁ­RIA. INCIDÊNCIA. ART. 1º, § 1º, DA LEI Nº 7.700/88. PRECEDENTES DO ST J.

- O Adicional de Tarifa Portuária - ATP - incide somente sobre as operações realizadas com mercadorias ex­portadas ou importadas, objeto de navegação de longo curso. Excluent-se, pois, os serviços prestados no porto, aos navios ou embarcações, não relacionadas com tais mercadorias, so­bre os quais incidem as tarifas portuárias normais.

- Precedentes do ST J. - Recurso provido, parcialmente."

Dou provimento ao recurso, concedendo a segurança pleiteada, para que do recorrente não seja exigido o pagamento do adicional em se tra­tando dos serviços não relacionados diretamente com as operações rea­lizadas com mercadorias importadas ou exportadas, objeto de navegação de longo curso.

EXTRATO DA MINUTA

REsp nº 10.584-0 - BA - (91.0008375-5) - Relator: Exmo. Sr. Mi­nistro Cesar Rocha. Recte.: Cory Irmãos Comércio Representações Ltda. e outros. Adv.: Carlos José Alcântara. Recda.: Cia. das Docas do Estado da Bahia-CODEBA. Advs.: Carlos Odorico Vieira Martins e outros.

Decisão: A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso. Participaram do julgamento os Exmos. Srs. Ministros Garcia Viei­

ra, Demócrito Reinaldo, Gomes de Barros e Milton Pereira.

438

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro GARCIA VIEIRA.

RECURSO ESPECIAL Nº 11.108 - RS (Registro nº 91.9715-2)

Relator: O Exmo. Sr. Ministro Cláudio Santos Recorrente: Citibank N.A.

H. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

Recorrido: João Luiz Bittencourt Horta Barbosa

Interessados: Maria Terezinha de Jesus Kraft Horta Barbosa; Ca­banha Prateada Agropecuária Ltda.

Advogados: Alexandre Serpa Trindade e outros; Carlos Francisco Sica Diniz e outros

EMENTA: AÇÃO DE DEPÓSITO. PENHOR. COI­SAS FUNGÍVEIS.

Nos contratos de depósito irregular aplicam-se as regras do mútuo. Nesse caso não cabe a ação de depósito com pedido de prisão do devedor.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas:

Decide a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer do recurso especial pela alínea c, mas -negar-lhe provimento, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado_

Custas, como de lei.

Brasília, 08 de outubro de 1991 (data do julgamento).

Ministro NILSON NAVES, Presidente. Ministro CLÁUDIO SAN-TOS, Relator. .

RELATÓRIO

O EXJv.IO. SR. MINISTRO CLÁUDIO SANTOS (Relator): A contro­vérsia está exposta na decisão de admissão preambular do recurso nes­tes termos:

"Trata-se de recurso especial, fundamentado no art. 105, inciso In, letras a e c, da Constituição Federal, interposto de decisão proferida em ação de depósito.

O recorrente alega que o aresto recorrido negou vigência à Lei 492/37 e ao art. 1.280, do Código Civil.

Consigna a ementa do julgado impugnado:

"Ação de depósito. O contrato de depósito dito regular exige que o bem, objeto da avença, seja infungível. Se fun-

R. sup. Trib. Just., Brasflia, a. 4, (a9): aa9-615, novembro 1992. 439

glVels os bens, tem-se o contrato de depósito irregular, a que o Código Civil manda aplicar as regras do mútuo. Nes­sa hipótese, sem cabida a ação de depósito com cominação de prisão ao devedor.

Apelação desprovida"."

Face à razoabilidade da interpretação adotada, não se com­prova a argüida infringência aos dispositivos citados. Súmula 400 do STF.

Divergência jurisprudencial.

Os acórdãos trazidos como paradigmas pelo recorrente lavram dissídio com a decisão recorrida, vez que entendem que a irregularidade do depósito não o desca'racteriza, sendo cabível a ação proposta e aplicável a lei especial, referente ao depósito irregular.

Isto posto, admito o recurso pela alínea c do permissivo constitucional, por divergência jurisprudenciaL" (fls. 103/104).

É o .relatório.

VOTO

EMENTA: AÇÃO DE DEPÓSITO. PENHOR. COISAS FUNGÍVEIS.

Nos contratos de depósito irregular aplicam-se as re­gras do mútuo. Nesse caso não cabe a ação de depósito com pedido de prisão do devedor.

O EXMO. SR. MINISTRO CLÁUDIO SANTOS (Relator): A decisão recorrida não se distancia da linha seguida pela jurisprudência desta Corte. Com efeito, no REsp nQ 3.909-RS, decidiu esta Turma em acórdão lavrado pelo Em. Min. Waldemar Zveiter: "Não há como se admitir a ameaça de prisão decorrente do texto legal pela eventual inexistência do bem em depósito, sabido que a privação da liberdade por causa tal se contrapõe ao princípio constitucional de incompossibilidade de prisão por dívida" (trecho da ementa, DJU de 29.10.90).

A douta Quarta Turma, por sua vez, em caso de garantia de alie­nação fiduciária de bem infungível foi além, a assim pronunciar-se:

440

"ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. FINANCIAMENTO PARA OBTENÇÃO DE CAPITAL DE GIRO, COM EMIS­SÃO DE CÉDULA DE CRÉDITO INDUSTRIAL.

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

Bens infungíveis, instrumentos de trabalho da empre­sa. Possibilidade de sua alienação em garantia, mesmo já anteriormente integrados ao patrimônio do devedor. Não cabe estabelecer distinçao onde a lei não distingue e a na­tureza do pacto não a impõe.

Prisão civil. Sua impossibilidade nos casos de depósi­tos atípicos, instituídos por "equiparação" para reforço às garantias em favor de credores. Prevalência da norma cons­titucional, tutelar do direito maior à liberdade, e imune a leis ordinárias ampliativas do conceito do depositário infiel.

Recurso especial conhecido e provido, com a ressalva da impossibilidade da prisão civil." (Ementa no ac. unân. no REsp nº 3.413-RS, .de 25.06.91, DJU de 09.09.91, reI. Min. Athos Carneiro).

Ainda desta Terceira Turma em situação em tudo assemelhada ao acórdão, decidiu-se:

"Depósito. Coisas fungíveis. O depósito irregular não se confunde com mútuo, tendo

cada um finalidades específicas. Aplicam-se-lhe, entretanto, as regras deste, não sendo possível o uso da ação de depósito para obter o cumprimento da obrigação de devolver as coisas depo­sitadas, cuja propriedade transferiu-se ao depositário. O adim­plemento da obrigação de devolver o equivalente há de buscar­se em ação ordinária, não se podendo pretender a prisão do depositário" (Ementa do ac. unân. no REsp nº 3.013-SP, de 12.08.91, DJU ge 19.08.91, reI. Min. Eduardo Ribeiro).

No último precedente questionava-se sobre validade e efeitos de contrato de depósito de bens fungíveis, vinculada a penhor, em garantia de mútuo, salientando o douto relator em seu voto:

"Sobre a exata qualificação jurídica desse contrato já hou­ve divergência, hoje praticamente superada. Comumente deno­minado de depósito irregular, alguns juristas sustentam que se confundia com o empréstimo. Incisivo, nesse sentido, M.I. CAR­VALHO DE MENDONÇA (Contratos no Direito Civil Brasileiro - Forense - 4ó! ed. - tomo I - p. 152). CLÓVIS nega a existência de depósito irregular, no sentido do direito romano, e afirma que o "depósito de coisas fungíveis, para serem resti­tuídas outras do mesmo gênero, qualidade e quantidade, é mútuo" (Código Civil Comentado - Francisco Alves - 5ó! ed. -voI. V - p. 20).

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 441

Não parece ser essa a melhor doutrina. Mútuo e depósito, ainda de coisas fungíveis, apresentam elementos distintivos; um visa a atender a conveniência do depositante e tem por finalidade a guarda; o outro, o interesse do mutuário e o obje­tivo é o uso. Contudo, embora distingam-se substancialm,ente, o citado artigo do Código Civil determina que as regras desse último regerão o depósito, tratando-se de coisas fungíveis. Este, a meu ver, ponto relevante. Válido o depósito, é certo, não se lhe aplicam simplesmente as normas relativas ao de bens in­fungíveis, depósito regular.

Uma das disposições que se há de afastar é a que prevê a prisão do depositário infiel. Excepcional que é, inteiramente estranha ao contrato de mútuo, não há de ter-se como abrangen­do o pacto em exame, onde ocorre a transferência da propriedade da coisa mutuada. Claro que poderá exigir o depositante a devolução do equivalente ao que foi depositado, como salientou­se nos autos. Não poderá pretender a prisão do depositário para obter o adimplemento da obrigação. Assim, não lhe será dado valer-se da ação de depósito.

Questão muito semelhante à ora em exame foi apreciada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 86.257 (RTJ 951705). O relator originário, Ministro DÉCIO MIRANDA, observou que o depósito de mercadorias, destinadas à venda, constitui "pura simulação, excogitada para o efeito de proporcio­nar ao credor a medida coativa da prisão dos administradores da empresa devedora, na falta de pagamento de empréstimo". Entendeu que se negara vigência aos artigos 1.265 e 1.280 do Código Civil e julgou improcedente a ação de depósito. O Minis­tro. MOREIRA ALVES, em voto que terminou por prevalecer, dissentiu do relator, entendendo que o acórdão não violara aqueles dispositivos de lei, ao afirmar que o depósito irregular é depósito. Ressalvou, porém, se discutisse a possibilidade da ação de depósito, o que não teri~ ocorrido no extraordinário. Os demais ministros que o acompanharam salientaram a circuns­tância de que não havia ameaça de prisão, no caso concreto.

Parece-me não haver óbices ao conhecimento. A inviabili­dade da ação ajuizada resulta exatamente da circunstância de o depósito irregular reger-se \)elo disposto quanto ao mútuo, como previsto no artigo 1.280. Contrariou-o o julgado recorrido ao tê-la como admissível."

In casu, o penhor é constituído de gado para corte, em circunstân­cias análogas às dos precedentes.

442 R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

Diante do exposto, não caracterizada a violação da lei federal, mas demonstrado o dissídio exegético, conheço do recurso, porém para ne­gar-lhe provimento.

É como voto.

EXTRATO DA MINUTA

REsp nQ 11.108 - RS - (91.9715-2) - Relator: O Sr. Ministro Cláudio Santos. Recorrente: Citibank N.A. Recorrido: João Luiz Bitten­court Horta Barbosa. Interessados: Maria Terezinha de Jesus Kraft Horta Barbosa, Cabanha Prateada Agropecuária Ltda. Advogados: Alexandre Serpa Trindade e outros; Carlos Francisco Sica Diniz e outros.

Decisão: A Turma, por unanimidade, conheceu do recurso pela alí­nea c, mas lhe negou provimento (em 08.10.91 - 3" Turma).

Participaram do julgamento os Srs. Ministros Nilson Naves, Eduar­do Ribeiro, Dias Trindade e Waldemar Zveiter. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro NILSON NAVES.

RECURSO ESPECIAL N2 11.301-0 - BA

(Registro n2 91.10274-1)

Relator: O Senhor Ministro Milton Pereira Recorrentes: Antônio Joaquim da Silva Braga e outros

Recorridos: Caixa Econônúca Federal - CEF, Baneb Crédito Imo-biliário S/A

Advogados: Drs. Eury Pereira Luna Filho e outros; Dalua Nazaré de Siqueira e outros; Sérgio Barreto Coutinho e outros

EMENTA: Administrativo - S.F.H. - Contrato de Financiamento da Casa Própria - Índice do Rea­justamento das Prestações - Decreto-lei nº 19/66. Lei nº 4.380/64 (art. 5º) - Lei nº 5.107/66 (art. llº) - Decre­tos-leis n~ 2.045/83, 2.065/83 e 2.164/84.

I - A revogação das normas do art. 5º da Lei nº 4.380/64, pelo Decreto-lei n 2 19/66 (STF - Represen­tação nº 1.288-3/DF), não impedia o llNH, por meio de atos normativos, adotar o sistema de reajustamen-

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 443

to das prestações com base na variação do salário mínimo (Decreto-lei nº 19/66, art. 1º).

II - Os Decretos-leis nºs 2.045/83, 2.065/83 e 2.164/ 84, embora aparentassem benefícios ao mutuário, a rigor, desvirtuaram o Plano de Equivalência Salarial -PESo

IH - Persistência, conforme contratualmente estabelecido, do reajustamento das prestações den­tro do Plano de Equivalência Salarial.

IV - Precedentes da Corte. V - Recurso provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indica­das:

Decide a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos. autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Cé­sar Rocha, Garcia Vieira e Gomes de Barros. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Demócrito Reinaldo. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Garcia Vieira.

Custas, como de lei. Brasília, 30 de setembro de 1992 (data do julgamento).

Ministro GARCIA VIEIRA, Presidente. Ministro MILTON PEREI-RA, Relator. .

RELATÓRIO

o SENHOR MINISTRO MILTON PEREIRA (Relator): ANTONIO JOAQUIM DA SILVA BRAGA e outros, com fundamento no art. 105, inciso IIl, alíneas a e c, interpuseram Recurso Especial contra o v. acór­dão do E. Tribunal a quo, verbis:

444

"ADMINISTRATIVO. SFH. REAJUSTE DAS PRESTAÇÕES. CRITÉRIO.

I - Após a revogação dos parágrafos do art. 52 da Lei nº 4.380/64 pelo Decreto-lei n2 19/66, o critério de reajustamento

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

das prestações dos financiamentos habitacionais passou a ser exclusivamente regido pelas disposições regulamentares expe­didas pelo BNH, antigo órgão gestor do Sistema, portanto nor­mas de caráter infralegal (Representação nº 1.288-DF, DJU de 07.11.86).

H - Até a promulgação da Lei nº 6.423/77 e a conseqüente expedição da RCIBNH nº 01/77, o reajuste das prestações era vinculado à elevação do salário mínimo, passando a ser a partir de então atualizado, sem limitação, de acordo com a variação das Unidades Padrão de Capital (UPC) do BNH.

IH - As disposições regulamentares do denominado "Pla­no de Equivalência Salarial - PES" mostram que o mesmo não possuía qual conotação com a vindicada equiparação entre o índice de elevação do salário do mutuário e o aumento da pres­tação, destinando-se, na verdade, a tornar proporcional o rea­juste em relação à época da assinatura de cada contrato (RC nº 36/39, itens 2 e 3, RC nº 01/77, item 2).

IV - Caso em que, tendo sido celebrados os contratos de mútuo hipotecário após a vigência da RCIBNH nº 01/77, não fazem jus os autores nem ao reajustamento de suas prestações pela equivalência salarial pretendida, nem, sequer, com base na elevação do salário mínimo."

Alegam os Tecorrentes divergência jurisprudencial com julgados desta Corte e negativa de vigência ao art. 6º, da LICC (fls. 639/644).

Contra-razões foram apresentadas pelo recorrido às fls. 647/649. A ilustre Subprocuradoria-Geral da República entendeu configura­

das a negativa de vigência de lei federal e a divergência jurisprudencial, opinou, pois, pelo provimento do recurso (fls. 656/658).

Admitido o Recurso Especial, subiram os autos a este Tribunal.

É o relatório.

VOTO

O SENHOR MINISTRO MILTON PEREIRA (Relator): A trato de questão conhecida, objeto de estudo que fiz anteriormente, reafirmando as razões que sustentei em voto-vista proferido no Recurso Especial nº 10.729-0-SP, para o exame do mérito, conhecendo, dou provimento ao recurso, conseqüentemente, procedente a ação, com a inversão do ônus da sucumbência.

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 445

ANEXO

"RECURSO ESPECIAL N!! 10.729 - SÃO PAULO

(Registro n!! 91.087432)

VOTO

O SENHOR MINISTRO MILTON PEREIRA (Relator): A questão de fundo relaciona-se com o critério de reajustamento das prestações da casa própria, contrato vinculado ao SFH, em torno do Plano de Equiva­lência Salarial - PES -, conforme estabelecido entre as partes con­tratantes. Nesse prisma, a ausência do BNH e, depois, por substituição, da Caixa Econômica Federal, na relação processual, poderia inquinar de vício o processamento da ação. Todavia, o judicium a quo repeliu a necessidade da integração de uma ou de outra entidade, no pormenor, ficando irrecorrido o julgado.

Em sendo assim, a tempo e modo, não prequestionada essa questão e, demais disso, pela amplitude da compreensão de que não houve pre­juízo - mesmo porque as partes, tacitamente, conformaram-se com a situação -, sob o manto da preclusão, nesta oportunidade, aconselham o bom senso e os princípios regedores do processo (que, de instrumento útil não pode converter-se em entrave à composição do litígio), à vista das peculiaridades do caso concreto, que fiquem à margem de qualquer atenção preliminar, as conseqüências advindas da revelada falta.

Feito preambular encaminhamento, no tocante à questão-mérito, começo por comemorar o v. acórdão combatido:

446

Olnissis ................................................................................ .. " ... Ao contrário do que pretendem os autores, os reajustes

anuais devem ser feitos com base nas variações das UPCs, e não no salário mínimo ou salário mínimo habitacional.

Sim, porque os dispositivos do artigo 5!! da Lei n!! 4.380/64 foram derrogados pelo Decreto-lei n!! 19/66. A partir desta data e por imposição deste diploma legal passaram a ser adotados os índices das variações das ORTN 5, para fins dos reajus) es con­tratuais e não mais os do percentual do salário míni,:.ü.

A esse respeito, vejam-se as Apelações n~ 331.883 e 340.413, onde a questão em tela foi bem apreciada e cujos fundamentos adotamos. Ainda, Julgados, RT, voI. 93/137.

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

E a Lei nº 6.243/77 vedou a efetivação de cálculo de cor­reção monetária, em qualquer negócio, ou qualquer outro diver­so da variação nominal das ORTNs. Legítima, portanto, a apli­cação das UPCs, expressamente prevista nos contratos realizados entre as partes.

Por fim, o plano de equivalência salarial, constante das referidas avenças não significa que os reajustamentos estejam jungidos às variações do salário mínimo ou dos mutuários, sen­-10 app-ms um critério de ajuste ... " (fls. 183 e 184).

À sua vez, o eminente Presidente do Tribunal a quo, com fulcro base no art. 105, iH, a, Constituição Federal, admitindo o recurso, ponderou:

olnissis .................................................................................. . "A douta Turma Julgadora afastou a pretensão dos auto­

res sob o fundamento de que os reajustes anuais devem ser feitos com base nas variações das Unidades Padrão de Capital e não no salário mínimo ou salário mínimo habitacional. E, concluíram que, o plano de equivalência salarial constante da avença, não significa que os reajustes estejam jungidos às va­riações do salário mínimo ou do dos mutuários, sendo apenas um critério de ajuste.

Entretanto, este posicionamento não é o mesmo adotado pelo Superior Tribunal de Justiça que, em casos tais, tem de­cidido que, "o referido Plano de Equivalência Salarial haveria de ser interpretado, até o advento do Decreto-lei nº 2.284/86, no sentido de que as prestações contratuais, nos financiamentos destinados à aquisição da casa própria, vinculados ao Sistema Financeiro da Habitação, deveriam ser reajustadas na mesma proporção da variação verificada no salário mínimo (cf. inter plures os Recursos Especiais nºs 91-RS, Relator Ministro IL­MAR GALVÃO, Diário da Justiça de 04.12.89 e 510-BA, Relator Ministro CARLOS VELLOSO, Diário da Justiça de 18.12.89)".

A partir do "Plano Cruzado", todavia, passou a viger a norma do artigo 10, § 1!!, do Decreto-lei nº 2.284/86, segundo a qual, "em nenhuma hipótese a prestação do Sistema Financeiro da Habitação será superior à equivalência salarial da categoria profissional do mutuário". (Agravo nº 3.867-SP, Relator Minis­tro ILMAR GALVÃO, in Diário da Justiça da União de 06.06.90, página 5.164) (fl. 197).

Com efeito, à vista de iterativos julgados desta Corte, a questão não enseja mais debates sobre o tema, estando bem assentado que o

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 447

apelidado Plano de Equivalência Salarial, para os contratos de aquisi­ção de casa própria, pelo Sistema Financeiro da Habitação - SFH -teve sua origem na própria lei que instituiu o mencionado sistema, dis­ciplinou os chamados contratos imobiliários de interesse social e criou o BNH, hoje substituído pela Caixa Econômica Federal (Lei n!! 4.380/64, art. 5!! e §§ !!!, 2!!, 3!! e 4º).

O caminhamento, legalmente estabelecido, sem dúvidas, a par da periódica e necessária atualização monetária, previu direção assecura­tória para a manutenção da capacidade de solvência dos mutuários, sob o imperativo de superior interesse social.

Nesse toar, embora o Decreto-lei n!! 19/66 revogasse as disposições legais rememoradas (STF - Repr n!! 1.288/3-DF), diante das realidades dos fatos, o então BNH não espancou o critério de atualização das pres­tações contratuais com base na variação do salário mínimo (Resol. 25/ 67), motivando a Resol. 36/69 - "Plano de Equivalência Salarial" - PES - garantindo o reajustamento das prestações "na mesma razão entre o valor do maior salário mínimo vigente no País e o imediatamente ante­rior" (item 2.5). O PES foi mantido, até quando se previu que a correção se fizesse com base no chamado "salário mínimo habitacional" (Resol. 12, de 30/04/73), a rigor, equiparando os índices do salário mínimo e da ORTN e, de avante, do PES ao PCM, sem elidir o princípio da equiva­lência salarial, ficando intangido o contrato.

Há, pois, que se concluir, inclusive, em homenagem à estabilidade jurídica, fincados os princípios que regem os contratos, que a cláusula de equivalência salarial não pode ser alterada unilateralmente, portan­to, sem afronta à lei, devendo ser reconhecido como vigorante o PESo

448

É o sentido de pacificada jurisprudência: "RECURSO ESPECIAL. CONTRATOS DE FINANCIA­

MENTO DA CASA PRÓPRIA, VINCULADOS AO SFH, COM cLÁUSULA DE EQUIVALÊNCIA SALARIAL. REAJUSTA­MENTO DAS PRESTAÇÕES DE ACORDO COM BASE EM ÍNDICES DOS REAJUSTAMENTOS SALARIAIS DOS MUTUÁRIOS. ALEGADA VIOLAÇÃO DO DECRETO-LEI Nº 19/66, ART. 1!!, DA LEI Nº 5.107/66, ART. 13, E DO RISTF, ART. 187. PRETENSO DISSÍDIO COM DECISÃO PROFERIDA PELO STF NA REPRESENTAÇÃO N!! 1.288/ 3-DF.

Irrogações improcedentes.

O Decreto-lei, conquanto houvesse revogado o artigo quinto e parágrafos, da Lei 4.380/64, o BNH, no exercício

R Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

das atribuições que lhe foram outorgadas pelo novel diplo­ma legal, e diante da realidade dos fatos, manteve o crité­rio de atualização das prestações contratuais com base em índices de reajustamento salariais.

Por outro lado, instituiu o Fundo de Compensação de Variações Salariais (RC 25/67) destinado a cobrir eventuais saldos devedores, com o que foi superado o óbice da utiliza­ção de recursos do FGTS com remuneração inferior à pre­vista por lei para os depósitos vinculados (art. 13 da Lei nº 5.107/66).

Recurso improvido". (REsp nº 91-RS - ReI. Min. Il­mar Galvão - in DJU de 04.12.89).

"FINANCIAMENTO DA CASA PRÓPRIA PELO SIS­TEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO. REAJUSTE DAS PRESTAÇÕES. LEI Nº 4.380/64 E DECRETO-LEI Nº 19/ 66. PLANO DE EQUIVALÊNCIA SALARIAL.

O reajuste impugnado promana de ato do BNH, cuja execução, em cada Estado-membro, compete ao Gerente Regional. Os Decretos-leis nºs 2.045/83, 2.065/83 e 2.164/ 84, embora aparentemente visassem a beneficiar, na verda­de estabeleceram condições gravosas que implicaram o des­virtuamento da equivalência salarial contratualmente estipulada. Ilegitimidade passiva ad causam, falta de inte­resse processual e impetração contra e lei em tese. Prelimi­nares repelidas.

Abstraído o acórdão do STF na Representação 1.288-3, cumpre ressaltar que a sentença de inferior ihstância man­dou que o reajustamento das prestações se fizesse dentro do Plano de Equivalência Salarial, o qual, além de instituído pelo BNH, está previsto nos contratos, na linha, aliás, de campanha publicitária largamente difundida na imprensa pelo órgão oficiaL" (AMS 108.452-RJ, Rel. Min. TORREÃO BRAZ).

"ADMINISTRATIVO. BNH. PLANO DE EQUIVALÊN­CIA SALARIAL - PESo REAJUSTAMENTO DAS PRES­TAÇÕES: ÍNDICES A SEREM OBSERVADOS. SALÁRIO MÍNIMO ... "

I - Não obstante revogadas as normas do artigo 5º da Lei nº 4.380, de 1964, pelo Decreto-lei nº 19, de 1966, com este incompatíveis (STF-Representação nº 1.288-DF), pode-

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ria o BNH, através de atos normativos regulamentares ado­tar o sistema de reajustamento das prestações com base na variação do salário mínimo (DL 19/66, art. 1º).

H - Adoção, pelo BNH, através de instruções e reso­luções, do Plano de Equivalência Salarial - PES, nos mol­des acima explicitados: Instrução nº 05/66; RC 25/67; RC 36/69; RC 12/73; RC 01/77.

IH - Ratio legis das Resoluções 12/73 e 01/77, sendo esta mera decorrência daquela". (AMS 108.702-RJ, ReI. Min. Carlos M. Venoso).

"IMÓVEL - MUTUÁRIO - REAJUSTE DAS PRES­TAÇÕES - FUNDAMENTO INATACADO.

O Decreto-lei nº 19/66 ao determinar obrigatória a adoção de cláusula de correção monetária nas operações do Sistema Financeiro da Habitação, não proibiu continuassem sendo aplicados índices de correção monetária de acordo com a equivalência salarial.

Assentando a decisão recorrida em mais de um funda­mento suficiente e não abrangendo o apelo extremo todos eles, inadmissível se torna o conhecimento do recurso espe­cial em que foi convertido.

Aplicação da Súmula 283 do E. STF. Afastada a negativa de vigência aos artigos 1º, do De­

creto-lei nº 19/66, e 13, da Lei nº 5.107/66, bem como a ale­gada divergência jurisprudencial.

Recurso não conhecido". (REsp nº 107-RS - ReI. Min. Garcia Vieira - in DJU de 06.11.89).

"ADMINISTRATIVO. B.N.H. CASA PRÓPRIA. PLA­NO DE EQUIVALÊNCIA SALARIAL - PESo REAJUSTA­MENTO DAS PRESTAÇÕES.

I - Contrato de financiamento da casa própria vincu­lado ao Sistema Financeiro da Habitação, com cláusula de equivalência salarial. Alegação no sentido de que o acórdão recorrido teria negado vigência ao art. 1º do Decreto-lei 19/ 66, ao art. 13 da Lei 5.107/66 e ao art. 187 do RISTF, bem assim divergido do decidido pela Corte Suprema na Repre­sentação 1.288-DF.

H - Não obstante revogadas as normas do art. 5º da Lei 4.380, de 1964, pelo Decreto-lei 19, de 1966, com este incompatíveis (STF, Representação nº 1.288-DF), poderia o

H. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

BNH, através de atos normativos regulamentares, adotar o sistema de reajustamento das prestações com base na varia­ção do salário mínimo (Decreto-lei 19, de 1966, art. lº). Adoção pelo BNH, através de instruções normativas, do Plano de Equivalência Salarial-PES: Instrução nQ 5/66; RC 25/67; RC 36/69; RC 12/73; RC 01177.

lU -Ratio legis das Resoluções nQs 12/73 e 01177, sen­do esta mera decorrência daquela.

IV - Improcedência da alegação no sentido de que o acórdão teria negado vigência ao art. 1 Q do Decreto-lei nQ

19/66, ao art. 187 do RIISTF, ou andado às testilhas com o decidido, pelo STF, na Representação nQ 1.288-DF. Também não há falar em negativa de vigência ao art. 13 da Lei 5.107/ 66.

v - Recurso Especial não conhecido". (REsp 330-PB - ReI. Min. Carlos Venoso - in DJU de 12.02.90).

"PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CONDENATÓRIA CU-­MULADA COM CONSIGNATORIA - SFH - REAJUSTE DE PRESTAÇÃO - LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO -COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL (CF/69, ART. 125, 1. CF/88, ART. 109, 1).

- Causa em que se discute reajustamento de presta­ção de imóvel financiado pelo SFH. É defeso ao agente fi­nanceiro alterar, nwtu proprio, os índices impugnados. Mis­ter se faz a citação da União Federal como litisconsorte necessário. Competência da Justiça Federal.

- Recurso não conhecido". (REsp 311-SC - ReI. Min. Vicente Cernicchiaro - in DJU de 12.03.90).

Diante do exposto, evitando a redundância, despiciendas outras razões, conhecendo, dou provimento ao recurso, conseqüentemente, pro­cedente a ação, com a inversão do ônus da sucumbência."

EXTRATO DA MINUTA

REsp nQ 11.301-0 - BA - (91.10274-1) - Relator: Exmo. Sr. Mi­nistro Milton Pereira. Rectes.: Antonio Joaquim da Silva Braga e ou­tros. Advogados: Eury Pereira Luna Filho e outros. Recda.: Caixa Eco­nômica Federal- CEF. Advs.: Dalva Nazaré de Siqueira e outros. Recdo.: Baneb Crédito Imobiliário S/A. Ad'vs.: Sérgio Barreto Coutinho e outros.

Decisão: A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso (em 30.09.92 - li! Turma).

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 451

Participaram do julgamento os Exmos. Srs. Ministros César Rocha, Garcia Vieira e Gomes de Barros.

do. Ausente, justificadamente, o Exmo. Sr. Ministro Demócrito Reinal-

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro GARCIA VIEIRA.

RECURSO ESPECIAL NQ 11.639-0 - MG (Registro nQ 91.0011295-0)

Relator originário: Exmo. Sr. Ministro José de Jesus Relator p/ acordão: Exmo. Sr. Ministro Peçanha Martins Recorrente: Elias Donato Neto Advogados: Aristóteles Dutra Araújo Atheniense e outros Recorrida: Fazenda Pública do Estado de Minas Gerais Advogados: Celso de Oliveira Ferreira e outros Sustentação oral: Aristóteles Dutra Araújo Atheniense, p/ recor­

rente e Sylvio Fiorencio p/ SPGR

EMENTA: TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. IMPOSTO DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS (ICM). LENTES INTRA-OCULARES. INCIDÊNCIA DO TRIBUTO. DECRETO-LEI N2 406/68.

1. A aplicação de lentes de contato se insere na prática da medicina oftalmológica, não constituindo, propriamente, mercancia, por isso que excluída da incidência do ICM.

2. Recurso conhecido e provido com apoio no art. 82, § 12, do Decreto-lei n!! 406/68.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por maioria, conhecer do recur­so e lhe dar provimento, vencidos os Ministros-Relator e Hélio Mosimann. Acompanharam o Ministro Peçanha Martins os Ministros Américo Luz e Pádua Ribeiro.

452 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39); 339-615, novembro 1992.

Custas, como de lei.

Brasília, 13 de maio de 1992 (data do julgamento). Ministro AMÉRICO LUZ, Presidente. Ministro PEÇANHA MAR­

TINS, Relator (art. 52, lI-RI).

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO JOSÉ DE JESUS FILHO: ELIAS DONATO NETO, com apoio no artigo 105, III, alíneas a, b e c, da Constituição Federal, interpôs Recurso Especial ao v. acórdão, proferido pela 3ª Câ­mara Cível do Tribunal de Justiça, que deu provimento ao recurso da Fazenda Estadual ao argumento de que "ao adquirir as lentes de conta­to, para repassá-las aos seus clientes, o embargante exerceu uma ativi­dade sujeita à incidência do ICM sobre o respectivo valor, uma vez que houve, simultaneamente, a prestação de serviços médicos e o forneci­mento daquela mercadoria".

Alega o Recorrente que a decisão atacada negou vigência ao artigo 8º, § 1º, do DL nº 834/69, bem como julgou válido ato do governo local contestado em face dos Decretos-lei 406/68 e 834/69. Alega, ainda, di­vergência com julgados do Colendo STF.

O Recurso foi impugnado (fls. 184/198), tendo sido processado em virtude de provimento do Agravo então interposto.

Razões e contra-razões, respectivamente, às fls. 231/258 e 260/271.

Remetidos os autos a esta Corte, a douta Subprocuradoria-Geral da República opinou pelo provimento do recurso.

É o relatório.

VOTO - VENCIDO

O SR. MINISTRO JOSÉ DE JESUS FILHO (Relator): A pretensão do recorrente veio a ser examinada e rejeitada pelo Colendo Tribunal de Justiça de Minas Gerais ao fundamento de que verbis:

"Ao adquirir as lentes de contato, para repassá-las aos seus clientes, o embargante exerceu uma atividade sujeita à incidência do ICM sobre o respectivo valor, uma vez que houve, simultaneamente, a prestação de serviços médicos e o forne­cimento daquela mercadoria.

No julgamento do RE nº 86.993-SP, a Excelsa Corte deci­diu que, em face do que dispõe o artigo 8º, § 2º, do Decreto-lei

R. Sup. Trib. Jusl., Brasflia, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 453

n!! 406/68, com a redação do artigo 3!!, lU, do Decreto-lei n!! 834/ 69, não são mais tributáveis os serviços cuja prestação envolva o fornecimento de mercadorias, devendo o ICM, porém, "incidir apenas sobre o valor das mercadorias fornecidas ou emprega­das" (RTJ: 88/295).

Na espécie, o embargante adquiriu em São Paulo, para serem fornecidas aos seus clientes, 230 lentes de contato.

Indiscutivelmente, incide o ICM sobre o valor das lentes revendidas, conforme apurado no PTA.

Em hipótese que guarda semelhança com a destes autos, a Egrégia Primeira Câmara Cível deste Tribunal houve por bem julgar improcedentes os embargos opostos pelo devedor à execução fiscal, acolhendo o parecer do Dr. José Antero Montei­ro Filho, ilustre Procurador de Justiça, que assim se manifes­tou:

" ... A matéria versada nos autos, a meu sentir, é de simples desate. Trata-se de saber se o médico oftalmologis­ta, que vende, em seu consultório, lentes de contato aos respectivos clientes, deve recolher o ICM pela comercializa­ção desta mercadoria. E a resposta há que ser, iniludivel­mente, positiva. Ao prescrever o uso de lentes ou óculos ao paciente, o médico está a exercer atos inerentes à sua pro­fissão, compreendidos na prestação de serviços médicos. Se, entretanto, vende as lentes ou os óculos diretamente aos clientes, isto nada tem a ver com o exercício da arte médi­ca, mas implica na prática inequívoca de atividade comercial, sujeita ao ICM". - Apelação Cível nQ 63.498, da Comarca de Poços de Caldas.

E, como bem acentuou o parecer ministerial de fls. 43 a 49, "houve compra e venda de lentes de contato, pura e crista­lina circulação de mercadorias, isolada totalmente da prestação de serviços profissionais, pois, na própria inicial dos embargos, afirma-se que colocação de lentes de contato, mesmo que remuneradamente, não se constitui em promover circu­lação de mercadorias."

Acompanhando o relator Des. Rubens Lacerda, o Des. revisor Ayr­ton Maia proferiu o voto que se segue:

454

"A prova colhida é segura em informar que o recorrido, médico oftalmologista, prescrevendo para seus clientes lentes de contato, as vendia aos mesmos.

K sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (89): 889·615, novembro 1992.

A alegação de que a venda dessas lentes é prestação de serviço inerente à sua profissão, com a devida vênia, não tem o menor sentido.

Como acentuou o Dr. Luiz Terra, ilustrado Procurador de Justiça, colocar lentes e conferir aparelhos óticos é prestação de serviço médico, mas ela não se confunde com compra e venda de lentes, que é atividade meramente mercantil; daí conclui o eminente parecerista que "a tese sustentada é por demais ou­sada" e levaria a conclusões absurdas e a situações contraditó­rias e impediriam o legítimo comércio das óticas, que seriam obrigadas a fechar suas portas, pois, obrigadas a pagar ICM, não teriam condições para concorrer com os médicos. O que o apelado pratica é ato de comércio a lhe impor a obrigação de pagar o Imposto sobre Citculação de Mercadorias."

Resulta do acórdão impugnado que a questão é de saber se o médi­co oftalmologista, que vende, em seu consultório, lentes de contato aos respectivos clientes, deve recolher o ICM pela comercialização desta mercadoria. Partindo desse pressuposto concluiu o aresto pela incidên­cia do tributo à luz do § 22 do artigo 82 do Decreto-lei n2 406/68, alterado pelo art. 32

, IH, do Decreto-lei n2 834/69, que estabelece:

"O fornecimento de mercadorias com prestação de serviços não especificados na lista fica sujeito ao Imposto sobre Circula­ção de Mercadorias."

Como se viu, a decisão foi prolatada com fundamento no exame da prova, o que não torna viável a sua revisão nos termos das Súmulas 07 e 279 do STJ e do STF, pois nesta fase saber ou não saber se o recorren­te praticou ato de comércio é matéria estranha no âmbito do apelo ex­cepcional. Assim à alegação de negativa de vigência do artigo 82 , § 12 , do Decreto-lei n2 834/69, não é de acolher-se frente aos termos do v. acór­dão impugnado.

No tocante ao dissídio jurisprudencial tenho que o dissídio não se acha comprovado na forma exigida pelos §§ 12 e 22 do artigo 255 do RISTJ, posto que a questão versada no paradigma diz respeito a prestação de serviços de composição gráfica, não se ajusta à questão discutida nestes autos. Com relação à letra b, tenho igualmente que o recorrente não demonstrou em que consistiria julgar válida lei ou ato do governo local contestado em face da lei federal.

Pelo exposto, não conheço do recurso.

É o meu voto.

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 455

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO PEÇANHA MARTINS: Senhor Presiden­te, tenho votado em favor da cobrança de ICM no fornecimento de bebi­das em bares e restaurantes, mas o tenho feito ao argumento principal de que tais serviços não se encontram inseridos na lista de serviços, e, por isso mesmo, estão excluídos da competência do Município.

Em relação às lentes de contato, as técnicas modernas, sobretudo no que diz respeito às operações de catarata, determinam hoje que se faça a instalação das lentes intra-oculares. E mesmo a colocação de de­terminado tipo de lentes de contato também exige uma técnica rigorosa, sobretudo de acompanhamento. Hoje, são vários os tipos de lentes, in­clusive para melhor adaptação no globo ocular.

Entendo que não há mercancia quando o uso da lente de contato faz parte da própria atividade médica, naqueles casos em que ela é co­locada fi'as operações de catarata, e mesmo naquelas típicas de contato; elas se inserem na prática do exercício da medicina oftalmológica.

Por isso é que peço vênia ao Eminente Relator para, com base no art. 8º, § 1º, do Decreto-lei 406/68, deferir o recurso.

VOTO

O SENHOR MINISTRO AMÉRICO LUZ (Presidente); Srs. Minis­tros, os médicos adquirem as lentes diretamente da indústria ou no co­mércio. Está, pelo que ouvi, nos autos, que o recorrente adquire essas lentes em uma indústria paulista. Ora, é direito do médico escolher o material adequado para servir ao cliente. Esta aquisição, para mim, integra os honorários médicos, não é em si um ato de mercancia. Por outro lado, como ressaltou S. Exa., o Ministro Peçanha Martins, com apoio do Ministro Pádua Ribeiro, a lista que acompanha o decreto-lei não faz referência específica a esse tipo de operação.

Com a vênia devida ao eminente Ministro-Relator e ao Ministro Hélio Mosimann, que o acompanhou, conheço do recurso e lhe dou pro­vimento.

VOTO

O SENHOR MINISTRO ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO: Sr. Pre­sidente, ratifico, após os debates, os termos do aparte que dei ao ilustre Ministro Peçanha Martins. Realmente, esta hipótese de incidência não

456 R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339·615, novembro 1992.

está prevista na Lei Tributária. O art. 8º, § P, do Decreto-lei nº 406, de dezembro de 1968, é expresso ao dizer que:

"Os serviços incluídos na lista ficam sujeitos apenas ao imposto previsto neste artigo, ainda que sua prestação envolva fornecimento de mercadorias".

Posteriormente, o Decreto-lei nº 834, de 1969, ratificando essa orien­tação, deixou muito claro no § 2º do art. 8º o seguinte:

"O fornecimento de mercadorias com prestação de serviços não especificados na lista, fica sujeito ao imposto sobre circula­ção de mercadorias".

A contrário senso, significa que se o serviço for especificado na lis­ta não é caso de cobrança do ICM.

No inciso I da lista lê-se: "serviços de médicos, dentistas e veteri­nários". Portanto, o dispositivo, realmente, é expresso, não deixa mar­gem a dúvida nenhuma de que, no caso, o ICM não é devido.

Com a devida vênia, acompanho o Sr. Ministro Peçanha Martins.

EXTRATO DA MINUTA

REsp nº 11.639-0 - MG - (91.0011295-0) - Relator: Exmo. Sr. Ministro José de Jesus. Recte.: Elias Donato Neto. Advs.: Aristóteles Dutra Araújo Atheniense e outros. Recda.: Fazenda Pública do Estado de Minas Gerais. Advs.: Celso de Oliveira Ferreira e outros. Sustenta­ram, oralmente, os Drs. Aristóteles Dutra Araújo Atheniense, pelo re­corrente e Sylvio Fiorencio, Subprocurador-Geral da República.

Decisão: A Turma, por maioria, vencidos os Srs. Ministros Relator e Hélio Mosimann, conheceu do recurso e lhe deu provimento. Lavrará o acórdão o Sr. Ministro Peçanha Martins (em 13.05.92 - 21! Turma).

Participaram do julgamento os Srs. Ministros Hélio Mosimann, Peçanha Martins, Américo Luz e Pádua Ribeiro.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro AMÉRICO LUZ.

RECURSO ESPECIAL Nº 11.710 - RS (Registro nº 91.0011456-1)

Relator: O Exmo. Senhor Ministro Athos Carneiro Recorrentes: Jorge Alberto Lopes Jardim e outros

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 457

Recorrido: Unibanco - União de Bancos Brasileiros S/A Advogados: Luiz Alberto Hoff e Waldo Pereira Filho e outros

EMENTA: RECURSO ESPECIAL. Pressupostos de admissibilidade. Alíneas a e c do permissório consti­tucional.

O conhecimento e provimento do recurso espe­cial pela alínea a pressupõe haja o aresto recorrido contrariado aqueles dispositivos de lei apontados no apelo extremo.

O conhecimento do recurso especial pela alínea c pressupõe divergência de interpretação de lei fe­deral, não sendo adequado quando a divergência se haja estabelecido quanto à exegese de norma consti­tucional.

Recurso especial não conhecido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados os autos, em que são partes as acima indicadas:

Decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por una­nimidade, não conhecer do recurso, na forma do relatório e notas taqui­gráficas precedentes que integram o presente julgado. Participaram do julgamento, além do signatário, os Srs. Ministros Fontes de Alencar, Sálvio de Figueiredo, Barros Monteiro e Bueno de Souza.

Custas, como de lei.

Brasília, 12 de maio de 1992 (data do julgamento).

Ministro ATHOS CARNEIRO, Presidente e Relator.

RELATÓRIO

o EXl\10. SENHOR MINISTRO ATHOS CARNEIRO: Cuida-se de ação proposta por JORGE ALBERTO JARDIM e OUTROS contra UNI­BANCO - União de Bancos Brasileiros S/A, visando obter declaração da não-incidência da correção monetária no crédito rural, proibição da cobrança de juros capitalizados, a revisão de contratos com base na teo­ria da imprevisão e, ainda, a concessão da anistia da correção monetá-

458 R. Sup. Trib. Jusl., Brasília, a. 4, (39): 3:39-615, novembro 1992.

ria consoante o art. 47 do ADCT. Julgada procedente a demanda apenas quanto à isenção constitucional da correção monetária, apelou a entida­de bancária, alegando que à época da propositura da ação ainda não vigorava a Constituição Federal de 1988; aduz, também, que os autores não preencheram as condições exigidas pela regra constitucional para obtenção do benefício da anistia da correção monetária, prova cujo ônus a eles competia na forma do art. 333, do CPC.

A ego 2!! Câmara Cível do TARGS, à unanimidade, deu provimento ao recurso, sob o fundamento de não terem os autores efetuado o depó­sito dentro do prazo decadencial de 90 dias.

Inconformados, manifestam os autores recurso especial, pelas alí­neas a e c, sob a invocação de ofensa aos arts. 302 e 334, lU, do CPC, bem como a existência de dissídio jurisprudencial. Sustentam, em sínte­se, que "não tendo havido contestação sobre o pedido de anistia e tendo sido ela formulada expressamente da inicial, era obrigação do julgador sentenciar a favor dos autores, já que o réu não se manifestou precisa­mente sobre os fatos narrados na vestibular" (fls. 460); portanto, a ar­güição não carecia de prova. A culpa pela não realização do depósito do valor da dívida é exclusiva do réu, alegam os recorrentes, já que, devi­damente citado, não apresentou seus cálculos antes de exaurido o prazo decadencia1.

A ilustre Presidência do Tribunal a quo admitiu o processamento do apelo especial, sob o pálio da letra c.

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SENHOR MINISTRO ATHOS CARNEIRO (Relator): O tema questionado, ultima ratio cinge-se à exegese do artigo 47, § 32, I, da Constituição Federal, pelo qual a isenção da correção monetária "só será concedida" se o devedor - no caso, o produtor rural - efetivar a "liquidação do débito inicial, acrescido de juros legais e taxas judiciais", no prazo de 90 dias a contar da data da promulgação da Lei Maior. Sus­tentou o v. aresto como necessário que o depósito da importância devida fosse efetivado dentro do prazo decadencial; não liquidado o débito "até agora", os apelados teriam perdido o direito à anistia constitucional (fls. 451/452). Dizem os recorrentes, todavia, que a culpa pela não efetivação de depósito seria exclusivamente do Banco, que "não apresentou os cál­culos que entendia corretos" (sic, fls. 462), anotando que a ação foi pro­posta em 14 de outubro de 1988, já em vigor a Lei Maior; trazem à cola­ção, como,paradigma, aresto do ego 12TACSP, segundo o qual "impossível

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 459

que se consume a decadência do direito pelo fato de o devedor não ter efetivado a liquidação do débito nos 90 dias constitucionalmente previs­tos se, estando a pendência sub judice não há sequer determinação ju­dicial para depósito" - em suma, bastaria o ajuizamento da ação, com incidência dos artigos 219 e 220, do CPC.

Não merecem, nas circunstâncias do presente recurso, acolhida as pretensões dos recorrentes.

A uma, discute-se a exata exegese de norma constitucional, que exige seja a liquidação do débito efetivada dentro de determinado pra­zo. 'Efetivar', no dizer constitucional, significa realizar efetivamente o depósito da pecúnia devida (ou da parcela ainda devida), ou, mais am­plamente, bastará requerer o depósito, na aguarda do lançamento do cálculo e/ou da determinação judicial a respeito? Como se observa, a divergência entre o aresto recorrido e aquele trazido à colação não se estabeleceu sobre a interpretação de lei federal, ou de ato normativo de categoria inferior à da lei, mas sim sobre a exegese de dispositivo da própria Constituição Federal. A argüição de divergência, destarte, mal­grado o precedente desta Turma no REsp 10.121, de que foi relator o em. Min. Fontes de Alencar, a meu sentir não se enquadra na previsão do artigo 105, In, c, da Lei Magna, mesmo porque a eventual inci­dência dos artigos 219 e 220, do CPC, não foi questionada no acór­dão recorrido.

A duas, não encontro contrariedade aos artigos 302 e 334, III, do CPC, pertinentes ao ônus da impugnação especificada dos fatos e à des­necessidade de provar os fatos admitidos no processo como incontrover­sos. Mas o v. aresto não nega a qualificação dos autores como mini, pequenos ou médios produtores rurais, ou fatos outros que os possam qualificar à isenção constitucional; limita-se a fundamentação, como já afirmado, à negativa da isenção pela ausência do depósito em tempo hábil, ou seja, nos 90 dias do prazo decadencial. E sobre isso não se discute, eis que os próprios autores, na inicial, postulam no sentido de que o Banco apresente o cálculo correto, "e uma vez aprovado, o pagamento será feito imediatamente" (inicial, fls. 43). A questão, portanto, ficou circunscrita a uma tese de direito, pertinente ao tempo em que, nos termos constitucionais, o depósito deveria ser efetivado.

Pelo exposto, não ocorrentes divergência pretoriana sobre a exege­se de lei federal, nem contrariedade às normas de lei apontadas no re­curso extremo, deste não conheço.

É o voto.

460 R Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

EXTRATO DA MINUTA

REsp nº 11.710-0 - RS - (91.0011456-1) - Relator: Exmo. Sr. Ministro Athos Carneiro. Rectes.: Jorge Alberto Lopes Jardim e outros. Adv.: Luiz Alberto Hoff. Recdo.: Unibanco - União de Bancos Brasilei­ros S/A. Advs.: Waldo Pereira Filho e outros.

Decisão: A Turma, por unanimidade, não conheceu do recurso (em 12.05.92 - 4;) Turma).

Votaram com o Relator os Srs. Ministros Fontes de Alencar, Sálvio de Figueiredo, Barros Monteiro e Bueno de Souza.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro ATHOS CARNEIRO.

RECURSO ESPECIAL NQ 11.722-0 - SP (Registro nº 91.0011496-0)

Relator: O Exnw. Sr. Ministro Vicente Cernicchiaro Recorrente: Ministério Público Federal Recorrido: Otávio Ceccato Advogado: Dr. Rainwndo Pascoal Barbosa

EMENTA: RESP - CONSTITUCIONAL - PRO­CESSUAL PENAL -l'rlINISTÉRIO PÚBLICO - PRO­ftil0TOR NATURAL - O Promotor ou o Procurador não pode ser designado sem obediência ao critério legal, a fim de garantir julgamento imparcial, isento. Veda-se, assim, designação de Promotor ou Procura­dor ad hoc, no sentido de fixar prévia orientação, como seria odioso indicação singular de magistrado para processar e julgar alguém. Importante, funda­mental é prefixar o critério de designação. O réu tem direito público, subjetivo de conhecer o órgão do Ministério Público, como ocorre com o juízo natural.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 461

e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, não conhecer do recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro-Rela­tor. Votaram de acordo os Srs. Ministros José Cândido e Pedro Acioli.

Custas, como de lei. Brasília, 08 de setembro de 1992 (data do julgamento).

Ministro JOSÉ CÂNDIDO, Presidente. Ministro LUIZ VICENTE CERNICCHIARO, Relator.

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO VICENTE CERNICCHIARO (Relator): Recurso Especial interposto pelo Ministério Público Federal contra v. acórdão do Tribunal Regional Federal da 3'.! Região, concessivo de ha­beas corpus.

O Recorrente, com base no disposto no art. 105, lII, da Constitui­ção Federal, argúi que o v. acórdão, ao conceder o habeas corpus em favor de Otávio Ceccato, trancando a ação penal, deu interpretação di­vergente ao art. 648, I, do CPP, em relação à jurisprudência do Colendo Supremo Tribunal Federal.

Alega ser "inaceitável" o entendimento de que "a farta prova indi­ciária existente contra o Paciente não passara de "ilações e suposições", eis ser "incabível o exame interpretativo da prova no âmbito do habeas corpus, havendo a denúncia descrito o fato criminoso com todas as suas circunstâncias, fornecendo indícios da autoria.

O v. acórdão (fls. 429/430) concedeu a ordem de habeas corpus, por maioria, para o fim de tornar sem efeito o despacho que recebeu a de­núncia, em relação a Otávio Ceccato, por falta de justa causa para a ação penal.

Contra-razões às fls. 454/461.

O r. despacho do ilustre Presidente do Tribunal de origem admitiu o Recurso Especial pela alínea c, em relação ao acórdão proferido pelo Eg. STF no HC n!! 59.857 (fls. 473/476).

Parecer do Ministério Público Federal, subscrito pela ilustre Sub­procuradora-Geral da República, Dra. Delza Curvello Rocha, opinando pelo não conhecimento do recurso, e, se conhecido, pelo não provimento, posto que a interpretação oferecida no acórdão não se encontra em dis­sonância com o acórdão oferecido como paradigma (fls. 486/491).

É o relatório.

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VOTO

o EXMO. SR. MINISTRO VICENTE CERNICCHIARO (Relator): Examino, em primeiro lugar, o tema argüido pelo Recorrido, concernen­te à unidade e indivisibilidade do Ministério Público. Ganha importân­cia, daí, a argüição, porque o parecer, no habeas corpus, fora emitido pelo Procurador da República, Dr. Samir Haddad; opinara pela conces­são da ordem, ao fundamento de a denúncia não descrever fato típico penal. Outro Procurador da República, Dr. Augusto Cotrim, no entanto, interpôs Recurso Especial, propugnando conclusão adversa, ou seja, a reforma do v. acórdão. Isso, sustenta a defesa, configura contradição à estrutura do Ministério Público.

A Constituição da República estabelece serem "instituições funcio­nais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a independên­cia funcional" (art. 127, § P). E dentre as suas - funções institucionais - está "promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei" (art. 129, 1).

A organização do Ministério Público, de outro lado, por força de lei, relaciona a lotação e exercício normal dos órgãos do Ministério Público.

'Paralelamente ao - juízo natural - conquista histórica e política - cumpre raciocinar com a Promotoria ou a Procuradoria natural.

O - processo penal - busca realizar finalidade pública, ou seja, verificar, com a garantia do contraditório e da defesa plena, eventual infração penal, impondo-se, então, as sanções previamente cominadas.

Finalidade pública opõe-se a interesse subalterno, seja de pessoas ou de instituições, ainda que estatais.

Decorre daí, o Ministério Público deve, como acontece com a ma­gistratura, ser conhecido do réu, ensejando-lhe até o exercício do direito de averbar alguém de impedido ou suspeito.

O Promotor ou o Procurador não pode ser designado sem observân­cia de critério legal, a fim de garantir-se julgamento imparcial, isento. Veda-se, pois, o Promotor ou o Procurador ad hoc, no sentido de fixar prévia orientação, como seria odiosa designação singular de Juiz para processar e julgar alguém.

A conclusão, porém, não conduz à afirmação de o Promotor, o Pro­curador e o Juiz não poderem ser designados para atuação em processo determinado. Urge, porém, respeitar a exigência legal previamente es­tabelecida.

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Assim, como pode haver o Juiz auxiliar ou substituto (consoante critério anterior à designação) são viáveis o Promotor e o Procurador auxiliar ou substituto.

Importante, fundamental mesmo, é a prefixação do critério. Nisto reside a distinção da designação ad hoc, orientada para o caso concreto. A primeira é salutar. A segunda, odiosa.

No caso dos autos, não restou esclarecido que a substituição visava deduzir recurso ideologicamente preparado, a fim de, a qualquer custo e por interesse pessoal, orientar o desfecho do processo.

Em segundo lugar, cumpre analisar a legalidade de membro do Ministério Público contrariar a orientação que o colega antes o fizera. Na espécie, se possível o Recurso Especial, buscando a reforma do v. acórdão, pois, antes, no parecer do habeas corpus, opinara pela conces­são da ordem.

O Ministério Público, na ação penal pública, é parte do referido processo. Cumpre, no entanto, ponderar a natureza jurídica do referido processo. O Ministério Público promove a imputação por dever de ofício; ninguém pode ser condenado penalmente sem observância do devido processo legal.

Como manifestado anteriormente, no processo penal, não há lide, no sentido de conflito de interesses. Substancialmente, Ministério PÚ­blico e réu conjugam esforços para a verificação de infração penal, com todas as suas circunstâncias.

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No REsp nº 13.375-RJ, de que fui Relator, a ementa é a seguinte:

"RESP - RECURSO - ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO - O Processo Penal é complexo de relações jurídicas que têm por objeto a aplicação da Lei Penal. Não há partes, pe­dido ou lide, nos termos empregados no Processo Civil. Ju­ridicamente, acusação e defesa conjugam esforços, decorrên­cia do contraditório e defesa ampla, para esclarecimento da verdade real. Ninguém pode ser condenado sem o devido processo legal. O assistente também é interessado na averi­guação da verdade substancial. O interesse não se restrin­ge à aquisição de título executório para reparação de per­das e danos. O direito de recorrer, não o fazendo o Ministério Público, se dá quando a sentença absolveu o réu, ou postu­lado aumento da pena. A hipótese não se confunde com a justiça privada. A vítima, como o réu, tem direito a decisão justa. A pena, por seu turno, é a medida jurídica do dano social decorrente do crime."

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Em sendo assim, o Ministério Público, juridicamente, não busca condenar por condenar. Busca, sim, esclarecimento do fato.

Ao contrário da ação penal de iniciativa privada, a ação penal pú­blica (condicionada, ou incondicionada) é incompatível com' a renúncia e , a perempção.

E mais. Como a finalidade do processo penal é revelar a verdade real, o Ministério Público pode opinar pela absolvição ou pela condena-

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ção.

Em conseqüência, as manifestações dos membros do Ministério Público (não atuam no interesse pessoal) são opinativas. 'Juridicamente, quando divergem, não são contraditórias.

A unidade e a indivisibilidade do Ministério Público coordenam-se com a independência funcional. Esta compreende também a liberdade de opinar, da mE',,;na forma que no ,Judiciário não há hierarquia, no sentido de o mdi5istrado re:o"'Lar obr: ,;ado a seguir a jurisprudência de qualquer Tribunal.

No douto parecer do Ministério Público Federal, subscrito pela emitente Subprocuradora-Geral, Dra. Delza Curvello Rocha, está escri­to, e bem escrito:

" ... não há que se confundir os princípios de unidade e indivisibilidade que presidem a estrutura do parquet, com uni­formidade de pensamento ou opinião" (fls. 488).

O Egrégio Supremo Tribunal Federal sempre manteve orientação nesse sentido.

Valho-me do HC nº 68.316-9-DF, Relator Ministro Sepúlveda Per­tence. Votação unânime - I!! Turma, 27-11-90:

"Recurso criminal: sucumbência do MP, não,obstante a sentença absolutória haja acolhido suas alegações finais: precedentes.

Dada a indisponibilidade da ação penal pública, a su­cumbência do MP é medida em relação ao objeto total da acusação, demarcada pela imputação deduzida na denún­cia, que não pode ser retratada nem reduzida por alegações posteriores: assim, não obstante as razões finais hajam con­cluído pela absolvição do réu, pode o Ministério Público apelar da sentença absolutória".

Ressalto estas passagens da motivação: "Certo, nos dois casos referidos no parecer, o que se opu­

nha, no primeiro - HC 57.210, 17.8.79, Djaci Falcão, fls. 38 -

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a própria subsistência da apelação interposta em primeira ins­tância e, no outro - RE 92.285, 24.6.80, Thompson Flores, fls. 46 e RTJ 97/421, à legitimação para o RE da acusação, eram simples pareceres do órgão do Ministério Público junto ao Tri­bunal, a respeito dos quais predomina a tese de que constituem manifestação de custos legis, e não, de parte.

A ementa do último dos precedentes recordados, o RE 92.285, remete, contudo, a julgado anterior - HC 50.102, 15.9.72, Eloy da Rocha, RTJ 63/59 - este sim, alusivo, como aqui, a apelação contra sentença que acolhera razõ-es finais da Promotoria, no sentido da absolvição.

Assinalou, na ocasião, o em. Ministro Eloy da Rocha, sin­tetizando a tese acolhida, que "o representante do Ministério Público pode, sem dúvida, opinar, em dado momento, pela ab­solvição do réu, mas com isso não renuncia à sua posição no processo, porque não pode desistir da ação penal, art. 42, do Cód. Proc. Penal".

"De fato. Só ao querelante, não ao Ministério Público é que se impõe, na expressão feliz de FREDERICO MARQUES (Ele­mentosDir. Proc. Penal, 1962, III/147, § 680), "o ônus ( ... ) de manter viva e .permanente a acusação. C.'). Não basta ao que­relante que movimente a instância e impulsione o procedimen­to: tem ele de mostrar que persiste o seu animus querelandi. Daí o "ônus q"!le se lhe impõe, no art. 60, III, do Cód. de Proc. Penal, de reiterar a acusação, formulando 'pedido de condena­ção nas alegações finais' C .. ) Sua manifestação sobre a res in indicio deducta é indeclinável: ou ele reitera o pedido acusató­rio contido na queixa, ou então ocorre a perempção ... ".

Ao contrário, não há perempção da ação penal pública. Ao Ministério Público, deduzida a acusação, não se impõe, ao menos como ônus perfeito - isto é, de conseqüência negativa necessá­ria (J. GOLDSCHMIDT, apud J. F; MARQUES, ob. cit., 1I/33, § 244) -, nem o impulso do procedimento, nem a reiteração do pedido, définitivamente formulado e delimitado com a imputa­ção da denúncia. É lógico que assim seja: não sendo facultada a acusação pública a desistência explícita da ação, não se lhe pode conceder indiretamente, por força da omissão, o que dire­tamente lhe é vedado.

Daí que - servindo-nos ainda da classificação de FRE­DERICO MARQUES (ob. cit., 1I/84, §§ 276 ss.) -, enquanto as

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razões finais da acusação, para o querelante, devam ser quali­ficados de atos postulatórios e eventualmente dispositivos, no processo de ação pública são meras alegações, atos instrutórios, que tendem a convencer o Juiz, sem, contudo, delimitar-lhe âmbito de cognição ou o sentido de decisão da causa, de que não dispõe."

A substituição, pois, é legal. Não há demonstração, insista-se, de designação ad hoc, afrontando o esquema preestabelecido.

Em se tratando de habeas corpus, o Ministério Público atua como custos legis. Opina, curando a legalidade e o justo.

Em terceiro lugar, o Recorrido sustenta ausência de pressuposto do Recurso Especial - prequestionamento (fls. 459).

O prequestionamento, tenho decidido, deve ser analisado do ponto de vista material, prosseguimento do debate jurídico travado no tribunal a quo. Dispensável a indicação formal dos dispositivos incidentes na espécie.

Nos autos, o tema central é a falta de justa causa para instauração de ação penal, envolvendo o Paciente como co-autor.

O v. acórdão acolheu o pedido da impetração.

O recurso busca a reforma desse julgado: Encerra, pois, o mesmo debate. O objeto deste recurso é a matéria do v. acórdão recorrido.

Satisfeita, então, a exigência legal.

Em quarto lugar, enfrente-se o dissídio jurisprudencial.

O Direito é norma e fato (valorados). Todo julgado, pois, considera ambos os aspectos.

Em conseqüência, a identidade (ou não identidade) de decisões implica comparação do fato e da norma considerados.

Daí, a necessidade do chamado - confronto analítico, que conside­ra um e outra.

Decorre daí, a ementa, ainda que síntese perfeita do julgado, por si só é imprópria para o confronto, dado ser insuficiente para projetar o fático e o normativo.

Há, porém, uma exceção: quando a ementa se restringe a enunciar a hipótese normativa, compreensiva de qualquer fato.

Exemplificativamente: incide correção monetária nas dívidas de valor. Ninguém pode ser punido criminalmente, senão por fato definido anteriormente como infração penal.

Essas ilustrações compreendem todos os fatos: dívida de va]ore infração penal.

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Esse raciocínio, data venia, aplica-se, porque idêntico, à descrição: nos casos de autoria conjunta ou coletiva não se faz indispensável a individualização da conduta específica de cada agente.

Nessas hipóteses, é suficiente a demonstração da fonte para com­provar a existência do julgado divergente.

Em quinto lugar, enfrento, ainda a título de dissídio de julgados, que nos delitos praticados em sociedade, não se faz indispensável a in­dividualização da conduta específica de cada agente.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, até certo ponto, abonou essa orientação, de que é exemplo o HC n2 58.082, in RTJ 100/ 556.

Crime é conduta individual ou desenvolvida em grupo. Embora com o devido respeito à Augusta Corte, sempre manifestei reservas a esse entendimento.

Dois argumentos parecem-me relevantes. O Direito Penal brasileiro, por imposição constitucional, repousa

na responsabilidade subjetiva. Estão banidas todas as lembranças da responsabilidade objetiva, do versari in re illicita.

De outro lado, ainda comando da Constituição da República, impe­ra soberano o - princípio da personalidade. Ninguém responde, crimi­nalmente, pela conduta de outrem. Exemplos, outrora tão freqüentes, felizmente, restam à história.

A denúncia individualiza conduta, a fim de ser responsabilizado o agente do comportamento. Importante: ele e só ele.

Urge, pois, pouco importa a espécie da infração penal, narrar a conduta delituosa, ainda que se trate de crime de pluralidade subjetiva.

Indispensável, portanto, descrever para cada partícipe, os elemen­tos essenciais do delito, embora algumas circunstâncias sejam mencio­nadas genericamente. Assim, entenda-se a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Caso contrário, desprezar-se-ia o contraditório.

Aliás, no próprio Supremo Tribunal Federal, houve voz discordan­te, como ilustra o RHC n2 59.857-SP (RTJ 104/1.052-1.060). O saudoso Ministro Firmino Paz sintetizou o pensamento, após considerações:

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"Demais de tudo isso, é certo que os factos jurídicos ilíci­tos, absolutos ou relativos, têm eficácia jurídica reativa, é dizer, eficácia que só atinge, alcança o autor do ilícito. Não pode al­cançar, atingir terceiro, estranho ao facto ilícito, que, dele, não participou. Se o pudesse, a eficácia do ilícito seria reflexa e, pois, inadmissível" (pág. 1.054).

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

Em trabalho anterior, escrevi a respeito:

"A Lei de Mercado de Capitais - Lei 4.728, de 14.7.65 -merece também referência específica. Estatui o art. 73, § 22: A violação de qualquer dos dispositivos constituirá crime de ação pública, punido com pena de 1 a 3 anos de detenção, recaindo a responsabilidade, quando se tratar de pessoa jurídica, em todos os seus diretores. Não se pode agir com afoiteza, pena decair-se na erronia de que integrar a administração da empre­sa acarreta responsabilidade penal se algum representante da entidade, agindo no interesse desta, ou através dela, incursio­nar no terreno da criminalidade.

A defesa da constitucionalidade da lei só encontrará anco­radouro seguro se respeitados os princípios que governam o Direito Penal.

Também aqui, há distinguir-se administrador que agiu ili­citamente do que se comportou conforme o Direito e do que sequer participou da atividade penalmente típica.

O pormenor é fundamental. O Judiciário não pode adotar o comodismo de relegar para o momento da sentença a apreciação dos requisitos que garantem o indivíduo. Aceita-se que o proces­so examina um possível crime. Não menos verdadeira, entre­tanto, a denúncia, para recebimento, deve se revestir de ele­mentos mínimos. Pertinente ao tema, mencione-se porque diz respeito à justa causa, a peça acusatória, para prosperar, pre­cisa individualizar a conduta, descrevendo-a em todas as suas circunstâncias. Não basta, merecendo recusa liminar, imputa­ção que se restrinja a mencionar que o acusado ocupa na em­presa um dos postos indicados na lei. Têm-se repetido denún­cias que arrolam co-participação sem especificar o compor­tamento de cada acusado" (Direito Penal na Constituição, pág. 84).

O Recorrente impugna o v. acórdão recorrido porque "nos casos de autoria conjunta ou coletiva, nos delitos praticados em sociedade, não se faz indispensável a individualização da conduta específica de cada agen­te" (fls. 440) e o habeas corpus não é "via adequada para o trancamento da ação penal, quando só a prova deduzida no curso da ação penal po­derá definir a participação do paciente" (fls. 440).

Assim o fez, para ilustrar o dissídio jurisprudencial, respectivamen­te, arestos, segundo indicou, estampados na RTJ 100/556, 104/1.002 e RTJ 104/1.052.

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Esses precedentes foram equivocadamente mencionados.

A RTJ 100/556 menciona decisão que, como reconheceu a Douta Subprocuradoria da República, conta contra o recurso.

A RTJ 104/1.002 refere-se a outra matéria (emissão de cheque sem fundo).

A RTJ 104/1.052 estampa RHC nº 59.857-SP, Relator para o acór­dão, o Ministro Décio Miranda. O conteúdo, no entanto, refere-se aos requisitos da denúncia relativa aos delitos praticados por diretores de sociedade comercial.

Rejeito sempre o discurso formal. O processo é instrumento. Cum­pre ao magistrado, em atenção à substância, repelir particularidades literais, sacrificando o julgamento da causa.

O engano quanto ao nome do Ministro e da espécie da ação ou do recurso são contornáveis, uma vez identificada a matéria.

No caso presente, entretanto, o assunto tratado no acórdão-para­digma foge, às inteiras, à transcrição do Recorrente.

Ao Recorrente incumbe o ônus de indicar a divergência. Aliás, re­laciona-se com a própria fundamentação do Recurso Especial.

Não conheço do Recurso Especial.

VOTO-VOGAL

O SR. MINISTRO JOSÉ CÂNDIDO: Tive oportunidade de ler o memorial que me foi enviado pelo ilustre Advogado do recorrido. Ouvi, com cuidado, o brilhante voto do Eminente Ministro-Relator, e, em ra­zão disso, acompanho-o.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO PEDRO ACIOLI: Sr. Presidente, ouvi com cuidado o voto lúcido e brilhante do Eminente Ministro-Relator, do qual se conclui tratar-se de um caso em que o Juiz a quo denunciou o acusado, o ora recorrido. Este impetra habeas corpus perante o Tribu­nal Regional Federal, o qual concede a ordem, baseado no parecer do Ministério Público Federal.

Diz o Eminente Juiz-Relator, no seu ilustre voto assim ementado - fl. 429:

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"HABEAS CORPUS - Falta de justa causa - Exclu­são do paciente da denúncia.

R. sup. Trib. Just.~ Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

I - Se a denúncia descreve a prática de atos atípicos, do ponto de vista penal, como vem reconhecido no parecer do Ministério Público Federal, é de conceder-se a ordem impetrada, para o fim de tornar sem efeito o despacho que recebeu a denúncia, em relação ao paciente. Averiguação que não demanda exame aprofundado das provas.

II - Meras hipóteses, suposições ou estranhezas di­ante dos fatos apurados não autorizam a inclusão na peça acusatória do nome de diretor de instituição financeira, cuja participação nos negócios tidos como ilícitos não restou de­monstrada no curso do inquérito policial que lhe serviu de suporte, sendo inaceitável o critério da responsabilidade ob­jetiva.

IH - Ordem de habeas corpus deferida, por estar evi­denciada a atipicidade dos fatos que se imputam à conduta do paciente".

Ocorre, porém, que o Ministério Público que se pronunciou no ha­beas corpus não foi o mesmo que apresentou'o recurso especia1. A cir­cunstância de ter sido outrQ Representante do Ministério Público Fede­ral é de somenos importância, conforme bem esclareceu o Eminente Ministro-Relator no seu voto, como também o ilustre Representante do Ministério Público quando aqui se pronunciou, e, ainda mais, com a brilhante sustentação do Advogado da tribuna.

Acontece, porém, que o recurso, conforme esclareceu o Relator, como também o ilustre Advogado, da tribuna, não poderia ser conhecido, ba­seado no art. 255 do Regimento .Interno do Superior Tribunal de Justi­

. ça, que assim se expressa:

"§ 2Q - Em qualquer caso, o recorrente deverá transcrever os trechos dos acórdãos que configurem o dissídio, mencionando as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos con­frontados".

A alegação trazida no recurso especial - verifica-se - não tem os requisitos indispensáveis para o seu conhecimento, porque não trouxe nenhuma ementa e nem trechos transcritos de acórdãos divergentes.

Com essas ligeiras considerações e tendo em vista o brilhante voto proferido pelo Eminente Relator, também o acompanho, não conhecendo do recurso.

É como voto.

R. Scp. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 471

EXTRATO DA MINUTA

REsp n!! 11.722-0 - SP - (91.0011496-0) - Relator: Exmo. Sr. Ministro Vicente Cernicchiaro. Recte.: Ministério Público Federal. Recdo.: Otávio Ceccato. Adv.: Raimundo Pascoal Barbosa. Sustentaram, oralmen­te, o Dr. Aldir G. Passarinho, pelo recorrido, e o Dr. Raimundo Francis­co Ribeiro de Bonis, Subprocurador-Geral da República.

Decisão: A Turma, por unanimidade, não conheceu do recurso es­pecial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator (em 08.09.92 - 6ª Turma).

472

Votaram os Srs. Ministros José Cândido e Pedro Acioli.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro JOSÉ CÂNDIDO .

• EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL

N!! 11.828-0 - RJ

(Registro n!! 91.0011789-7)

Relator: O Senhor Ministro Dem.ócrito Reinaldo

Embargante: Estado do Rio de Janeiro

Embargados: Ruffet Mikonos e outros

Advogados: Marcelo Mello Martins e Salette Gonçalves Morgado e outro

EMENTA: TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. IMPOSTO SOBRE CIRCULAçÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS (ICMS) NO FORNECIMENTO DE ALI­MENTOS E BEBIDAS EM BARES, RESTAURANTES E SIMILARES. EMBARGOS DECLARATÓRIOS.

Não há cerceamento de defesa contra a parte que, regularmente intimada a falar sobre o desdobramen­to de recurso extraordinário em especial, limita-se a asseverar que o mesmo é descabido, sem contraditar­lhe o mérito.

Descabem os embargos com o escopo de obter pronunciamento sobre a convalidação da cobrança do

R Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

tributo frente a lei nova, o que constitui vero pedido de rejulgamento de questão inédita. Inocorrência de omissão a declarar.

Embargos rejeitados, à unanimidade.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados os autos, em que são partes as acima indicadas: Decide a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por

unanimidade, rejeitar os embargos, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos au­tos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Participa­ram do julgamento os Srs. Ministros Gomes de Barros e Garcia Vieira.

Custas, como de lei.

Brasília, 18 de março de 1992 (data do julgamento).

Ministro GARCIA VIEIRA, Presidente. Ministro DEMÓCRITO REINALDO, Relator.

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO (Relator): O ESTADO DO RIO DE JANEIRO interpõe embargos de declaração con­tra acórdão desta egrégia Primeira Turma, que julgou ilegítima a co­brança do imposto sobre circulação de mercadorias (ICM) no fornecimento de alimentos e bebidas em restaurantes, por inexistir legislação que es­pecifique a base de cálculo do tributo.

Alegou que se teria verificado erro material no julgamento em ra­zão de não se lhe ter sido dada oportunidade de contra-arrazoar o espe­cial, e requer, subsidiariamente, que se esclareça o alcance do julgado, em face de lex nova que não foi apreciada no processo.

É o relatório.

VOTO

O SENHOR MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO (Relator): Não há como se acolherem os embargos. Quanto à suposta falta de vista para contra-razões, vê-se que o digno Terceiro Vice-Presidente do tribunal a quo proferiu despacho abrindo prazo ao embargante, "para o que enten-

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desse de direito", após o desdobramento do recurso extraordinário em especial (folha 461).

Na ocasião, o Estado do Rio de Janeiro limitou-se a argüir que a conversão seria indevida, abstendo-se de, por cautela, contraditar o mérito do especial, como deveria. Não houve, pois, cerceamento de defesa. Ade­mais, isto não configura, absolutamente, hipótese de erro no acórdão, que pudesse ensejar os embargos declaratórios.

Quanto ao segundo pedido, trata-se de verdadeira consulta e não de dúvida ocasionada pelo decisum embargado. Conforme decidiu o Supremo Tribunal Federal, "a função dos tribunais, nos embargos de declaração, não é responder a questionários .sobre meros pontos de fato, mas sim dirimir dúvidas, obscuridades, contradições ou omissões" (Re­vista Trimestral de Jurisprudência, volume 103, página 269).

Se o embargante entende que, com a nova legislação, tornou-se legal a cobrança do tributo, tem a faculdade de exigi-lo. O que não se pode é, a esta altura, provocar novo julgamento em face dessa lei subseqüente.

Inocorrentes os requisitos de cabimento do recurso, rejeito os em­bargos declaratórios.

É como voto.

EXTRATO DA MINUTA

EDcl no REsp nº 11.828-0 - RJ - (91.11789-7) - Relator: Exmo. Sr. Ministro Demócrito Reinaldo. Embte.: Estado do Rio de Janeiro. Emb­dos.: Buffet Mikonos e outros. Advs.: Marcelo Meno Martins e Salette Gonçalves Morgado e outro.

Decisão: A Turma, por unanimidade, rejeitou os embargos (em 18.03.92 - li! Turma).

Participaram do julgamento os Exmos. Srs. Ministros Gomes de Barros e Garcia Vieira.

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Presidiu o julgamento o Sr. Ministro GARCIA VIEIRA.

RECURSO ESPECIAL Nº 12.061- RJ (Registro nº 91126853)

Relator: Exmo. Sr. Ministro Pedro Acioli Recorrente: Instituto de Administração Financeira da Previdência

Social- lAPAS

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

Recorrido: Ismael Borges de Alvarenga Advogados: Drs. Américo Luis Martins da Silva e outro e Wilsonei

Ferrero Fraga

EMENTA: lAPAS. INTIMAÇÃO. AÇÃO DE RES­TITUIÇÃO DE CONTRffiUIÇÃO.

I - Em se tratando de ação de restituição de contribuições pagas indevidamente por aposentado da Previdência Social, não há necessidade de a au­tarquia ser intimada pessoalmente da sentença, bas­tando a sua publicação.

II - Recurso improvido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indica­das:

Decide a Egrégia Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes destes autos e que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Custas, como de lei.

Brasília, 18 de setembro de 1991 (data do julgamento). Ministro PEDRO ACIOLI, Presidente e Relator.

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO PEDRO ACIOLI: Cuida-se de Recurso Especial interposto pelo Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), em razão de decisão que asseverou válida a intimação do lAPAS.

As razões do recorrente estão assim postas - fls. 54155:

"Trata-se de hipótese em que foi decretada a intempestivi­dade do recurso de apelação, uma vez que a intimação do lA­PAS da sentença foi considerada válida. O v. acórdão de fls. 39/ 43 considerou que, nas comarcas do interior é válida a intimação do INPS através da agência local, sem que o representante do lAPAS nos autos judiciais tenha sido intimado pessoalmente ou por carta da sentença definitiva que julgou o mérito da ação".

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 475

Alega que a decisão fere frontalmente o art. 237 e seus incisos do CPC, bem como contraria o art. 243 do mesmo código.

N esta instância o Ministério Público Federal manifestou-se pelo improvimento do recurso.

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO PEDRO ACIOLI (Relator): Desde o iní­cio do processado, em razão da desobediência ao postulado ao artigo 39, CPC, os atos processuais vêm sendo dados a conhecer ao Procurador, via ofício, ao órgão que figura como parte. Tanto é certa esta assertiva, gue à fl. 8 consta o ofício de intimação da sentença, dirigida ao lAPAS, na pessoa de seu representante.

À fl. 14, novamente encontra-se novo ofício, dirigido ao lAPAS, comunicando, novamente, ato judicial.

Satisfeito, portanto, o inciso 11 do art. 237, CPC.

Inexiste, d'outra parte, violação ao art. 243, CPC, porquanto em nada restou afetado, já inexistente nulidade.

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No voto condutor da decisão a quo colhe-se que - fl. 40:

"De acordo com a certidão de fls. 13, o INPS foi intimado da sentença em 22.07.88, "através da agência local, diante da impossibilidade de intimar, pessoalmente, o Procurador do ór­gão, Dr. William de 'Souza Rangel, por não possuir nos autos endereço para tal".

O recurso foi entregue em Cartório no dia 14.10.88. Diante da Certidão supratranscrita, o MM. Juiz não recebeu o recurso, por considerá-lo intempestivo, o que gerou o presente agravo.

Trata-se de ação de restituição de contribuições pagas in­devidamente, por aposentado da Previdência Social.

Não se tratando de execução fiscal, não há necessidade da autarquia ser intimada pessoalmente da sentença, bastando a sua publicação.

Todas as citações e intimações foram feitas na agência local da autarquia.

A própria decisão agravada foi endereçada ao Procurador do lAPAS na agência local (fls. 14).

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

Tendo sido o lAPAS citado dessa forma e apresentado contestação, igualmente agravado âa decisão que não recebeu a apelação, não pode agora invocar essa forma de intimação para justificar a intempestividade do seu recurso".

Veio o apelante, em suas razões, repisar os mesmos fundamentos já afastados pela instância singular e Tribunal a quo, conforme trans­crito no relatório.

Por fim, merece destaque o dizer do Parquet Público à fl. 67, nes­tes termos:

"Data venia acoitar diretriz diversa, mesmo considerando não ter sido informado o endereço, o que equivaleria, em ver­dade, a ter sempre que ser feita a intimação pessoal do procu­rador autárquico, isso poderia facilmente conduzir, na prática, à procrastinação do feito, com o seu prosseguimento apenas quando o desejasse aquele, não se afigurando, pois, o que sus­tenta o Recorrente, tese que possa prevalecer, a qual, absoluta­mente, não se coaduna com o espírito da norma processual sobre o assunto, inteiramente em sentido contrário, o que so­bressai claramente quando se vê entender a lei, artigo 39, p. único, do CPC, válida a intimação por carta para o endereço constante dos autos, na hipótese de não ser o escrivão comuni­cado sobre mudança do mesmo.

Releva salientar, por fim, que, contrariamente ao afirma­do, não houve, em absoluto, "confusão entre INPS e lAPAS", pois se vê claramente que as intimações foram endereçadas à Agência local do lAPAS (fls. 8 e 14), somente tendo figurado na ementa do v. acórdão atacado o nome INPS por equívoco, con­sertado com os embargos declaratórios, não tendo tido o fato, obviamente, nenhuma interferência na questão da intempesti­vidade do recurso".

Diante de todo o exposto, nego provimento ao recurso.

É como voto.

EXTRATO DA MINUTA

REsp nº 12.061 - RJ - (91126853) - Relator: Exmo. Sr. Ministro Pedro Acioli. Recorrente: Instituto de Administração Financeira da Pre­vidência Social - lAPAS. Recorrido: Ismael Borges de Alvarenga. Ad­vogados: Drs. Américo Luis Martins da Silva e outro e Wilsonei Ferrero Fraga.

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 477

Decisão: A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso (em 18.09.91 - 1ª Turma).

Participaram do julgamento os Exmos. Srs. Ministros Garcia Viei­ra e Demócrito Reinaldo. Ausente, justificadamente, o Exm.o. Sr. Minis­tro Gomes de Barros. Presidiu a sessão o Exmo. Sr. Ministro PEDRO ACIOLI.

RECURSO ESPECIAL N!! 13.570 - GO (Registro n!! 91.16238-8)

Relator: O Sr. Ministro Assis Toledo Recorrente: Ministério Público do Estado de Goiás Recorrido: Paulo Pereira Valverde Advogado: Dr. Heber Matos Oliveira

EMENTA: PENAL. CRIME DE INVASÃO DE DO­MICÍLIO (ART. 150, DO CÓD. PENAL). SUBSIDIARIE­DADE.

Tratando-se de crime subsidiário, não subsiste autonomamente quando foi apenas o meio para a prática de crime de furto, mais grave. Se este último nã,o se consumou, resta a possibilidade de caracteri­zação da tentativa, não se podendo cogitar do res­surgimento da norma subsidiária relativa à invasão de domicílio, já abrangida totalmente pela norma incriminatória primária.

Recurso especial, pela letra a, não conhecido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indica­das:

Decide a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por una­nimidade, não conhecer do recurso, na forma do relatório e notas taqui­gráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

478 R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

Custas, como de lei. Brasília, 13 de novembro de 1991 (data do julgamento). Ministro FLAQUER SCARTEZZINI, Presidente. Ministro ASSIS

TOLEDO, Relator.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO ASSIS TOLEDO: O E. Tribunal de Justiça do Estado de Goiás proveu recurso de apelação da defesa para absolver o acusado, nestes termos:

"No caso sob recurso, três pessoas acordaram em realizar subtração de coisa móvel da residência de Joel Arthur Enus. Mas, um deles, Divino de Sousa, contou à polícia que o fato iria acontecer à noite. Mas, mesmo contado à polícia, realizou o combinado com seus outros dois companheiros e deslocaram-se para os fundos da casa da vítima. Lá, Paulo pulou o muro enquanto os outros dois companheiros ficavam em vigília. Ao simples ato de pular o muro, a autoridade policial já os espera­va, e, imediatamente, deu voz de prisão a Paulo, enquanto os outros dois fugiram.

Ora, o dolo - vontade consciente dirigida.a determinado fim - era para subtrair coisa alheia móvel. E o ato da autori­dade policial impediu que o fato querido ocorresse. Havendo, induvidosamente, frustração da conduta querida.

Enquanto havia o ato de pular o muro, ainda estava em andamento a realização do fim pretendido. Eram atos prepara­tórios que possibilitariam o fim colimado.

Não há se falar em dolo genérico. Com a devida vênia. E que a cada tipo penal corresponde o dolo do mesmo tipo, eis que o dolo, como elemento subjetivo, integra o tipo, ou, melhor di­zendo, está no núcleo verbal do tipo. E como não há crime sem o elemento subjetivo, impossível dizer que alguém queria agir de uma certa forma e vá condenado por outra, sem a intenção do fim perseguido. Mesmo naqueles considerados crimes culpo­sos, em que o tipo é aberto, a imprevisibilidade objetiva exclui a tipicidade enquanto a culpabilidade decorre da previsibilida­de subjetiva, sendo certo que a previsibilidade é a possibilidade de antever o resultado pelo sujeito ativo.

Desta forma, veja-se a clamorosa injustiça que a sentença carregou. Três pessoas combinam praticar furto. Uma delas

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 479

adentra o quintal onde a polícia os esperava. E ele é preso, mas os outros dois que estavam de vigília, porque fogem do local do fato, não são nem indiciados. Onde ficou o acordo de vontades? N em se diga que houve, pelo menos, arrependimento eficaz, porque eles estavam em vigilância para que o outro' realizasse a conduta combinada.

A jurisprudência e a doutrina citada pela sentença, e aco­lhida, também no parecer da ilustrada Procuradoria de Justiça, como para o crime de violação de domicílio para a dúvida da conduta, aqui, não tem aplicação. É que, não há dúvida alguma na conduta de Paulo, o apelante. O que ele, e os outros compa­nheiros queriam era subtrair coisa móvel d,a casa de Joe] Ar­thur. Única motivação da realização da conduta deles.

Repugna. que, dos três acordos de vontades, somente a um seja imposta a pena.

Desacolho o parecer da ilustrada Procuradoria de Justiça e dou provimento à apelação para absolver Paulo Pereira Val­verde, já qualificado, da imputação feita, de acordo com o artigo 386, III, do Código de Processo Penal.

E como está certificado a fls. 111 que Paulo Pereira Val­verde teve seu nome lançado no Livro "Rol dos Culpados" deter­mino se cancele a anotação, mesmo porque, ainda não transita­ra a sentença condenatória e a escrivania não poderia ter realizado o ato processual porque, hoje, a Constituição Federal adotou o princípio, da "presunção de inocência" e só com o trân­sito em julgado da sentença condenatória alguém pode ser lan­çado no referido livro (art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal)." (Fls. 139/141).

Inconformado, ingressou o Ministério Público estadual com recur­so especial, pela letra a, alegando negativa de vigência do art. 150, do Código Penal.

Sustenta que, a prevalecer o acórdão recorrido, "o crime de viola­ção de domicílio nunca ocorrerá, pois que ninguém age com o fim, o dolo específico de violar casa alheia, mas, apenas, o dolo genérico, qual seja, basta entrar ou permanecer em casa alheia sem o consentimento do morador. O núcleo do verbo é entrar ou permanecer, sendo inexigível o fim pelo qual constitui o tipo." (Fls. 148).

Admitido o recurso, nesta instância, a douta Subprocuradoria-Ge­ral da República, em parecer do Dr. Edinaldo de Holanda, é pelo impro­vimento.

É o relatório.

480 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

VOTO

EMENTA: PENAL. CRIME DE INVASÃO DE DO­MICÍLIO (ART. 150 DO CÓD. PENAL). SUBSIDIARIEDA­DE.

Tratando-se de crime subsidiário, não subsiste auto­nomamente quando foi apenas o meio para a prática de crime de furto mais grave. Se este último não se consumou, resta a possibilidade de caracterização da tentativa, não se podendo cogitar do ressurgimento da norma subsidiária relativa à invasão de domicílio, já abrangida totalmente pela norma incriminadora primária.

Recurso especial, pela letra a, não conhecido.

o SR. MINISTRO ASSIS TOLEDO (Relator): Conforme consta do acórdão, os acusados se preparavam para um crime de furto, tendo o recorrido iniciado a execução ao escalar o muro da residência.

A Polícia, entretanto, avisada por um dos partícipes, efetuou a prisão do recorrido.

Na hipótese, poder-se-ia discutir sobre a existência de uma tenta­tiva de furto, que, na linha da doutrina e da jurisprudência, absorve o delito subsidiário de invasã~ de domicílio.

Este último, porém, não subsiste autonomamente quando foi ape­nas o meio empregado para a prática de crime patrimonial mais grave.

Não vejo, portanto, caracterizada a alegada negativa de vigência ao art. 150 do Cód. Penal, e, nesta altura, não se pode examinar o tema da tentativa, por falta do pedido e de prequestionamento.

Não conheço do recurso.

É o voto.

EXTRATO DA MINUTA

REsp nº 13.570 - GO - (91.16238-8) - ReI.: O Sr. Min. Assis Toledo. Recte.: Ministério Público do Estado de Goiás. Recdo.: Paulo Pe­reira Valverde. Adv.: Dr. Heber Matos Oliveira.

Decisão: A Turma, por unanimidade, não conheceu do recurso (em 13.11.91 - 51! Turma).

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 481

Os Srs. Ministros Edson Vidigal, Flaquer Scartezzini, José Dantas e Costa Lima votaram com o Relator.

NI.

das:

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Presidiu o julgamento o Exmo. Sr. Ministro FLAQUER SCARTEZZI-

RECURSO ESPECIAL Nº 13.768 - SP (Registro nº 91.16957-9)

Relator Originário: O Sr. Ministro Vicente Cernicchiaro Relator p/acórdão: O Sr. Ministro Assis Toledo Recorrente: Ministério Público do Estado de São Paulo Recorrido: José Aparecido de Oliveira (réu preso) Advogado: Dr. Milton Bonelli

EMENTA: JÚRI. HOMICÍDIO QUALIFICADO, EM FORMA TENTADA.

Reconhecida pelo Júri a qualificadora do moti­vo torpe, não pode o Tribunal de Justiça, em apela­ção da defesa, simplesmente reformar o veredicto popular para cancelá-la, já que isso implicaria em malferir a soberania do Júri (art. 5º, XXXVIII, c, da Constituição).

Todavia, tendo o Tribunal reconhecido que a decisão, nessa parte, contraria a prova dos autos, não se pode, igualmente, em recurso exclusivo da acusa­ção, restabelecer simplesmente a sentença de primei­ro grau, deixando sem julgamento o apelo do réu.

Recurso especial conhecido, unanimemente, e, pelo voto médio, parcialmente provido para cassar o fundamento do acórdão, no tocante à exclusão da qualificadora, e determinar que se prossiga no jul­gamento da apelação, com vistas à aplicação, ou não, do § 3º do art. 593 do CPP.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indica-

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

Decide a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, pelo voto médio, dar provimento parcial ao recurso, para afastar o fundamento do acórdão e determinar que o Tribunal prossiga no julgamento do mérito, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Custas, como de lei. Brasília, 11 de novembro de 1991 (data do julgamento).

Ministro JOSÉ CÂNDIDO, Presidente. Ministro ASSIS TOLEDO, Relator para acórdão.

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO VICENTE CERNICCHIARO (Relator): Recurso Especial interposto pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, nos autos da Apelação Criminal, inconformado com o v. acórdão da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo.

O Recorrente, com base no disposto no art. 105, IH, da Constitui­ção Federal, argúi negativa de vigência de lei federal e divergência ju­risprudencial (fls. 251/269).

O Recorrente pretende seja cassado o v. acórdão recorrido, restabe­lecendo-se a sentença prolatada em primeiro grau. Alega que o v. acór­dão, ao rescindir a decisão do Tribunal do Júri, reduzindo a pena impos­ta por entender que o reconhecimento da qualificadora contrariava a prova dos autos, violentou a soberania dos veredictos nos julgamentos populares.

A sentença, julgando procedente a ação penal, condenou o ora Re­corrente à pena de quatro anos de reclusão, como incurso nas sanções do art. 121, § 22, inciso I, c/c art. 14, inciso II, ambos do Código Penal, em conformidade com o decidido pelo Conselho de Sentença (fls. 216/ 217).

O v. acórdão decidiu dar provimento parcial ao recurso de apelação a fim de cancelar a qualificadora e reduzir a pena imposta ao réu a dois anos de reclusão (fls. 244/248).

O Recorrente, quanto à alínea a, sustenta: "Vê-se facilmente de tais escólios que o acórdão recorrido,

inovando em interpretação que se não afigura pelo menos razoável, recusou aplicação aos precitados dispositivos do Código de Pro­cesso Penal, notadamente no que toca ao § 2º do art. 593 do Estatuto Processual Penal". (fls. 262)

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 483

Relativamente à alínea c, sustenta:

"É nítido o estreito paralelismo entre a hipótese versada nos presentes autos e aquelas objeto dos acórdãos trazidos a confronto. Em todas cuida-se da situação de réus submetidos ao julgamento pelo Tribunal do Júri em que se questiona a possi­bilidade de a segunda instância proceder à desclassificação de homicídio qualificado, afirmado pelo Júri, para sua forma sim­ples, arredando-se a causa exasperante na sede recursal; ou de se afirmar causa de especial diminuição da pena afastada pela Corte Popular. Mas, enquanto o acórdão recorrido afirma a le­gitimidade de tal procedimento, os arestos-paradigmas repelem veementemente a possibilidade". (fls. 268)

Despacho do ilustre 22 Vice-Presidente do Tribunal de origem ad­mitindo o Recurso Especial com fundamento nas alíneas a e c (fls. 272/

·273).

Parecer do Ministério Público Federal, subscrito pela ilustre Pro­curadora da República, Dra. Áurea Maria Etelvina Nogueira Lristosa Pierre, opinando pelo provimento do Recurso (fls. 280/290).

É o relatório.

VOTO

o EXJ\10. SR. MINISTRO VICENTE CERNICCHIARO (Relator): O tema em julgamento, como registra o relatório, é simples. Vale dizer, reconhecida qualificadora pelo Conselho de Sentença, pode o Tribunal de Justiça, ao fundamento de ser a decisão, nessa parte, manifestamen­te contrária à prova dos autos, limitar-se a reduzir a pena in concreto?

A solução determina definir a natureza jurídica da qualificativa e a extensão do julgado de 22 grau de jurisdição.

O tipo penal apresenta várias categorias.

A doutrina italiana labora distinção entre essentialia delicti e acci­dentalia delicti. Os primeiros são indispensáveis ao tipo. Os segundos, circunstancialmente a ele podem ser agregados. Costuma-se utilizar a expressão mnemônica de formarem satélites que gravitam em torno do planeta.

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ANTOLISEI pode ser lembrado para expressar essa orientação: "Circunstancia deI delito (de circum stat), es, en general,

aquell0 que está em torno aI delito. Implicando por su misma índole la idea de accessoriedad, pressupore necessariamente lo

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

principal, que está constituído por un delito perfecto en su estructura. Por ello se distingue la circunstancia de los elemen­tos esenciales, que son indispensables para la existencia deI delito. Mientras la falta de un elemento esencial hace que un hecho no pueda considerarse delito, la ausencia de una circuns­tancia no influye sobre la existencia deI delito o de un determi­nado delito. La circunstancia puede existir o no, sin que el delito desaparezca en su forma normal, teniendo por e110 carác­ter eventual (accidentalia delicti). (Manual de Derecho Penal - parte general - Buenos Aires, Uteha Argentina, 1960, pág. 319).

A doutrina alemã, embora não destoe dessa postulação, vale-se de expressões diferentes. Todavia, registre-se, apenas formalmente distin­tos. Assim "tipo fundamental" e "tipo derivado". O segundo reúne todos os elementos do primeiro e acrescenta outros.

JESCHECK sintetiz.a essa colocação:

"Cuando a partir de un delito base y mediante la adición de elementos se forman nuevos tipos penales que aparecen como especiales modalidades de aquel delito base, nos hanamos fren­te a una "variante dependiente". Los elementos adicionales pueden expressar tanto una agravación como una alternación deI contenido de injusto o de culpabilidad deI delito base. Se distinguen, ségun esto, variantes "cualificadas" y "privilegia­das" (Tratado de Derecho Penal, parte general - Barcelona, 1981, Bosch, voI. I, pago 363)."

Indiscutivelmente, o estudo lógico dos tipos revela, para alcançar arco amplo de punibilidade, a lei descreve a conduta como infração pe­nal com vários pormenores. Apesar de persistência da antijuridicidade, contempla, para efeito de culpabilidade, no sentido de medida da repro­vabilidade ao agente do injusto, várias hipóteses. Ora para amenizar o tratamento penal. Ora para recrudescê-lo.

I1ustrativamente, o homicídio. Basta matar alguém, dolosamente. Ter-se-á ainda homicídio se o agente atuar na hipótese do § 12 ou do § 2º do art. 121 do Código Penal.

Qualquer dos casos é homicídio doloso. Categorialmente (em lógica menor, idéia) são três situações jurídicas. Evidencia relação de gênero/ espécie entre elas. Cada qual, com sua autonomia, não obstante a ma­triz comum.

Sem dúvida, tais distinções visam a distingair para efeito da puni­bilidade. Daí, como registrado, pensar dimensões da culpabilidadé.

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A punibilidade, por seu turno, dado a individualização da pena ser escalonada em três etapas (cominação, aplicação e execução), a lei a registra na cominação ou na aplicação. A primeira é elaborada pelo le­gislador, especificando hipóteses (homicídio privilegiado, homicídio qua­lificado). Em outros termos, define, através de tipos, categorias de deli­tos.

Ainda trabalho do legislador, o enunciado das circunstâncias agra­vantes e atenuantes, ditas legais ou genéricas, porque definidas em lei e aplicáveis às infrações penais, sem referência específica.

A segunda (aplicação) é exercida pelo magistrado na sentença con­denatória. Todavia, sem criar novos tipos. Caso contrário, frustrar-se-ia o princípio - nulla poena sine lege.

O tipo descreve conduta proibida com a cominação da pena. Só a lei pode fazê-lo. O juiz labora com os tipos postos.

Assim, não tenho dúvida, dado adotar a concepção de o tipo do injusto ser um corte da realidade, o tipo legal de crime alberga a culpa­bilidade. O homicídio qualificado é um dos casos.

Distinta é a situação das circunstâncias aplicáveis às infrações genericamente consideradas, adaptáveis, como regra geral, a qualquer delito. Daí a redação do art. 61 do Código Penal, cujo rol só é aplicável se cada caso não constituir ou qualificar o crime.

Ao lado de tais considerações quanto à natureza jurídica do crime qualificado, relevante se faz invocar a soberania do Tribunal do Júri (Const., art. 5!!, XXXVIII, c). Aliás, mitigada apenas quando a decisão for manifestamente contrária à prova dos autos. Mesmo assim, o julga­mento será anulado. Jamais reformado.

Ainda mais. O Júri é questionado especificamente quanto às quali­ficadoras e genericamente a respeito das agravantes e atenuantes.

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O art. 484, IV, do Cód. Proc. Penal, é incisivo:

"Se for alegada a existência de causa que determine au­mento de pena em quantidade fixa ou dentro de determinados limites, ou de causa que determine ou faculte diminuição de pena, nas mesmas condições, o juiz formulará os quesitos cor­respondentes a cada uma das causas alegadas".

E o mesmo art. 484, parágrafo único, dispõe: "Serão formulados quesitos relativamente às circunstân­

cias agravantes e atenuantes, previstas nos arts. 44, 45 e 48 do Cód. Penal, observado o seguinte:

I. para cada circunstância agravante, articulada no libelo, o juiz formulará um quesito;

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

lI. se resultar dos debates o conhecimento da existência de alguma circunstância agravante, não articulada no libelo, o juiz, a requerimento do acusador, formulará o quesito a ela relativo;

lII. o juiz formulará sempre um quesito sobre a existência de circunstâncias atenuantes, tenham ou não sido articuladas ou alegadas;

IV. se o júri afirmar a existência de circunstâncias atenuan­tes, o juiz o questionará a respeito das que lhe parecerem apli­cáveis ao caso, fazendo escrever os quesitos respondidos afirma­tivamente, com as respectivas respostas".

O Júri, assim, responde a respeito do fato delituoso e de circuns­tâncias referentes à aplicação da pena. E o faz soberanamente, ou seja, de modo a não ser contestado pelo Presidente ou julgado de 2;! instância. Nada pode ser acoimado de errado ou injusto. O único tempero, regis­trou-se, será a anulação do julgamento, quando manifestamente contrá­rio à prova dos autos.

O Presidente do Tribunal do Júri, no aplicar a pena, vincula-se às respostas, ainda que outra seja sua convicção pessoal.

Em sendo assim, data venia, o Recorrente, em suas eruditas ra­zões, analisa com precisão o tema jurídico. Abona os argumentos com lição de festejados juristas. Além disso, evidencia o contraste de juris­prudência, inclusive do Superior Tribunal de Justiça, conforme acórdãos desta Turma, relatados pelos eminentes Ministros Carlos Thibau e Cos­ta Leite (fls. 266/267).

O Juiz togado não pode corrigir a decisão do Júri. Total ou parcial­mente. Resta-lhe apenas anular o julgamento diante da evidência de descompasso da decisão com a prova dos autos. Uma só vez. Se assim não fosse, o Tribunal do Júri deixaria de ser soberano.

Conheço do recurso, por ambos os fundamentos. Dou-lhe provimento para', cassando o v. acórdão, restabelecer a r. sentença de P grau.

VOTO - VENCIDO

O SENHOR MINISTRO COSTA LEITE: Conheço do recurso, dan­do-lhe provimento, para que o réu seja submetido a novo julgamento pelo Júri, tal como já decidiu esta Turma em hipótese análoga.

VOTO - MÉRITO (DESEMPATE)

O SR. MINISTRO ASSIS TOLEDO: Sr. Presidente,' pelos debates sinto-me habilitado a proferir voto. Segundo inferi, o Tribunal reconhe-

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ceu que a aplicação da qualificadora, na tentativa do homicídio de que se trata, contraria a prova dos autos. Entretanto, ao invés de mandar o réu a novo julgamento, preferiu extirpar simplesmente a qualificadora. Contra esse acórdão recorre exclusivamente o Ministério Público limi­tando-se a pleitear o restabelecimento da qualificadora pela argumenta­ção jurídica que apresenta. Assim, se apenas o Ministério Público recor­re, o efeito devolutivo do recurso está limitado pelo que se pede nesse recurso. Cabe, portanto, ao Tribunal, decidir se restabelece ou não a qualificadora. Nesse ponto, estou de acordo, em parte, com a fundamen­tação apresentada pelo eminente Ministro-Relator.

Entretanto, vou divergir, na conclusão, de S. Exa., porque parece­me que o simples restabelecimento por uma questão jurídica da qualifi­cadora, sem que o Tribunal resolva a questão de saber se de fato a de­cisão contrariou ou não a prova dos autos, no tocante ao reconhecimento da qualificadora, deixaria sem julgamento o recurso de apelação da de­fesa que teve esse objetivo e, nesse ponto, logrou até o reconhecimento por parte do Tribunal. Assim, este recurso apresenta alguma dificulda­de, mas a solução jurídica não me parece tão difícil.

Se o Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar o recurso especial, reconhece que não poderia o Tribunal de Justiça ter procedido como procedeu, pode muito bem dar provimento parcial ao recurso da acusa­ção para cassar a decisão que extirpou apenas a qualificadora reconhe­cida no julgamento pelo júri.

A conseqüência lógica será o prosseguimento, pelo Tribunal a quo, do julgamento da apelação para concluir se manda, ou não, o réu a novo julgamento. É que, estando em exame apenas o recurso da acusação, não poderíamos decidir desde logo, extra petita, essa questão. Mas não seria justo restabelecer-se, simplesmente, a sentença de primeiro grau, suprimindo-se o julgamento de mérito da apelação do réu.

Em conclusão, conheço do recurso e lhe dou provimento parcial para afastar o fundamento do acórdão e determinar que o Tribunal prossiga no julgamento do mérito da apelação.

É o voto.

EXTRATO DA MINUTA

REsp nº 13.768 - SP - (91.00169579) - Relator: Exmo. Sr. Minis­tro Vicente Cernicchiaro. Recte.: Ministério Público do Estado de São Pau­lo. Recdo.: José Aparecido de Oliveira (réu preso). Adv.: Milton Bonelli.

488 R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

Decisão: Em face do voto do Sr. Ministro Assis Toledo, a Turma, após os votos do Sr. Ministro Relator, no que foi acompanhado pelo Sr. Ministro José Cândido, e o do Sr. Ministro Carlos Thibau acompanhado pelo Sr. Ministro Costa Leite, decidiu dar provimento parcial ao recur­so, para afastar o fundamento do acórdão e determinar que o Tribunal prossiga no julgamento do mérito (em 11.11.91 - 6!! Turma) .

. Ausente, por motivo justificado, o Sr. Ministro Washington Bolí­varo O Sr. Ministro Assis Toledo compareceu à sessão para proferir voto de desempate.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro JOSÉ CÂNDIDO .

• RECURSO ESPECIAL NQ 13.846 - RJ

(Registro nQ 91.0017288-0)

Relator: O Exmo. Sr. Ministro Nilson Naves

Recorrente: Usina Costa Pinto S/A - Açúcar e Álcool Recorrida: Petrobrás COl11.ércio Internacional S/A - Interbrás

Advogados: Drs. João Baptista de Souza N. Athayde e outros e Eduardo de Moura Abelheira e outros

Susto ora]: Dr. José Alves Bezerra (pela recorrida)

EMENTA: Contrato comercial. Constituição em mora. Para ser considerado em mora (o vendedor ou comprador), impõe-se a interpelação judicial, salvo estipulação das partes em contrário. Cód. Comercial, arts. 205 e 138. 2. Argüição de nulidade da citação e da sentença. Improcedência. 3. Recurso especial cO g

nhecido, quanto ao primeiro ponto, e provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indica­das, decide a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por una­nimidade, conhecer em parte do recurso especial e, nesta parte, dar-lhe provimento, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Custas, como de lei.

R. Sup. Trib. Jusi., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 489

Brasília, em 09 de dezembro de 1991 (data do julgamento). Ministro NILSON NAVES, Presidente e Relator.

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO NILSON NAVES: Em vista de contrato de compra e venda de álcool, a Petrobrás Comércio Internacional S.A. - Interbrás propôs ação de cobrança contra a Usina Costa Pinto S.A. -Açúcar e Álcool, que a sentença julgou procedente, tendo, antes, rejeita­do preliminar de nulidade da citação ("face à total ausência de prejuízo para a Ré, que inclusive apresentou sua defesa") e considerado desne­cessária a interpelação ou válida a intérpelação realizada ("Acrescente­se, no entanto, que, malgré tout tenho como regular e válida a interpe­lação levada a efeito pela Autora, tendo se limitado a Ré às vazias explicações constantes de fls. 21/22, sem qualquer providência judiciaL.").

Foi a sentença confirmada por este acórdão: "E assim decidem, rejeitando as preliminares de nulidade

da citação e da sentença, porque a citação pelo correio foi feita regularmente, não tendo sentido a desejada restrição ao terri­tório da Comarca, pois, o que expressa o art. 222, CPC, é o domicílio no Brasil (RI 573/157, in CPC, Theotônio Negrão, 16ª ed., nota n2 3, ao art. 222). Também não procede a preliminar de nulidade da sentença por falta de motivação, pois a adoção das teses, esposadas na réplica, com fundamentação dela, reve­la as razões que convenceram o juiz.

Ainda, no que diz respeito à mora, está evidenciada pelo inadimplemento das obrigações ajustadas no contrato (fls. 13/ 18), memorizada pela interpelação (fls. 7/28).

Não tem razão, tampouco, quando se opõe à cumulação da pena convencional, estipulada no contrato (fls. 17, n2 IX), com os honorários arbitrados, em face do enunciado da Súmula 616 do STF.

No que pertine ao mérito, isto é, ao valor da dívida, não há resistência quanto à legitimidade dela, pelo que nenhuma cen­su~a merece a sentença recorrida.

Negou-se, por isso, provimento à apelação." Rejeitados os embargos de declaração, a Usina interpôs recurso

especial, pelas alíneas a e c, suscitando três temas: nulidade da citação (arts. 200, 201 e 223, §§ 12, 29 e 39, do Cód. de Pro Civil), sentença sem fundamentos (art. 458, incisoIl, do Cod. de Pro Civil), e fixação do dies a quo da constituição em mora (arts. 138 e 205 do Cód. Comercial).

490 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339·615, novembro 1992.

Inadmitido o recurso especial, determinei o seu processamento para melhor exame, provendo o agravo de instrumento, em apenso.

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO NILSON NAVES (Relator): Sobre a cita­ção pelo correio, afasto a argüição de sua nulidade, seja pelo fundamen­to já apresentado na instância ordinária, seja pela falta de prejuízo, porque a ré defendeu-se regularmente. Com efeito, em 21.4 veio aos autos o aviso de recepção a que se refere o art. 223, § 22 , do Cód. de Pro Civil, e no dia 3.5 chegou a resposta, com toda a matéria de defesa.

Sobre a sentença, afasto, também, a argüição de sua nulidade. Argúi-se de nula a sentença, porque dela constou o seguinte: "Tenho que precisas são as teses esposadas, quando da Réplica, pela Autora (fls. 73/82), que ficam fazendo parte da presente Sentença, como fundamen­tação". Mas o juiz, ao assim proceder, não deixou de fornecer os motivos do seu convencimento. Reportou-se às alegações da autora, sem dúvida, o que não me parece tão censurável, mas apresentou outros motivos, ainda que de forma resumida.

Sobre o dies a quo da mora, tem razão a recorrente, parecendo-me indispensável a interpelação, a teor do art. 205 do Cód. Comercial, que dispõe: "Para o vendedor ou comprador poder ser considerado em mora, é necessário que preceda interpelação judicial da entrega da coisa ven­dida, ou do pagamento do preço". Tanto assim, que previamente a Pe­trobrás interpelou a Usina, invocando, na petição, entre outras disposi­ções, exatamente a do aludido art. 205, sobre constituição em mora. Não se cuida, neste, de caso em que as partes, no contrato, tenham dispensado a interpelação. Leia-se o que, a propósito desse assunto, escreveu o Sr. Ministro Moreira Alves, como relator do RE-85.141, in RTJ-82/282-3:

"A meu ver - e ao contrário do que decidiu o acórdão recorrido -, em direito comercial, por força do disposto no art. 205 do Código de 1850, que, no particular, seguiu o Código Civil Francês, não há a denominada mora ex re. Para que a interpe­lação judicial ali exigida seja afastada é necessário, e isso por­que o dispositivo não é cogente, que as partes tenham expres­samente convencionado em contrário (cláusula de mora). Essa cláusula, no caso, não existe.

Por outro lado, não se pode dar a esse art. 205 a interpre­tação evolutiva pretendida no parecer da Procuradoria-Geral

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339·615, novembro 1992. 491

da República, uma vez que é inequívoco que sua letra e espírito se conciliam no sentido da necessidade, em direito comercial, da interpelação judicial para a constituição de mora, se as partes expressamente não dispuseram do contrário. É esta, aliás, uma das questões, no tocante aos princípios gerais das obrigações, em que divergem os preceitos do Código Comercial e do Código Civil, como acentua Clóvis Bevilacqua (Código Civil dos Esta­dos Unidos do Brasil Comentado, voI. IV, p. 120-121, 4i! ed., Rio de Janeiro, 1934), ao esclarecer, no comentário ao art. 960 do Código Civil - cuja primeira parte diz respeito à mora ex re -que o Código Comercial (arts. 138 e 205) exige a interpelação judicial, ainda quando há prazo estipulado para o cumprimento da obrigação. E sendo o direito comercial ~ como salienta Degni (L'Interpretazione della legge, 2i! ed., pp. 21 e segs., Naápoli, 1909) - direito especial em face do direito civil, que é o direito comum no terreno do direito privado, ele forma um sistema integral de normas particulares, cujas divergências com os prin­cípios do direito comum não podem ser eliminadas por in-o terpretação em que se dê supremacia aos preceitos deste, por­quanto as singularidades daquele decorrem da natureza mesma das relações jurídicas que ele, de maneira especial, regula."

Ora, parecendo-me, por se tratar de contrato comercial, necessária a interpelação judicial, e tendo esta realmente se efetivado, a partir dela fluiriam as conseqüências da mora, como quer a recorrente, sublinhan­do, ao final de suas raz"ões: "seja fixado como termo a quo da mora a data em que efetivada a interpelação judicial da Requerente".

Ante o exposto, conheço em parte do recurso especial e, nessa par­te, dou-lhe provimento, como declinado.

EXTRATO DA MINUTA

REsp nº 13.846 - RJ - (91.0017288-0) - Relator: Exmo. Sr. Mi­nistro Nilson Naves. Recte.: Usina Costa Pinto S/A - Açúcar e Álcool. Recdo.: Petrobrás Comércio Internacional S/A - Interbrás. Advs.: João Baptista de S. N. Athayde e outros, Eduardo de Moura Abelheira e ou­tros. Sustentou oralmente o Dr. José Alves Bezerra, pela Recorrida.

Decisão: A Turma, por unanimidade, conheceu em parte do recur­so especial, e nesta parte deu-lhe provimento (em 09.12.91 - 3i! Tur­ma).

492 R. Sup. Trib. Jusl., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

Participaram do julgamento os Srs. Ministros Eduardo Ribeiro, Dias Trindade, Waldemar Zveiter e Cláudio Santos.

das:

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro NILSON NAVES .

• RECURSO ESPECIAL Nº 14.088 - SP

(Registro nº 91.0017939-6)

Relator: O Exmo. Senhor Ministro Waldemar Zveiter

Recorrente: Takiplan Pinheiros Construtora S/A Recorrido: Condomínio Edifício Residencial Portal da Cantareira Advogados: Cristóvão Colom.bo dos Reis Miller e outro e Ana Lúcia

P. Dias e outro

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL - PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVA - EXCEÇÃO DE INCOM-

,;

PETENCIA. 1-A jurisprudência do STJ firmou entendimen­

to no sentido de que as medidas cautelares, quando preparatórias, devem ser requeridas ao Juiz que se apresenta competente para conhecer da causa prin­cipal qu~, por isso, fica prevento. Também é da dou­trina que as medidas cautelares, quaisquer que se­jam, têm de ser pedidas ao Juiz que no momento seria o competente para a ação, ainda que não se trate de ação de medida cautelar para a preparação de ou­tra.

II - Recurso não conhecido.

ACÓRDÃO

.'

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indica-

Decide a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do recurso especial, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte inte­grante do presente julgado.

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 493

Custas, como de lei. Brasília, 09 de dezembro de 1991 (data do julgamento). Ministro NILSON NAVES, Presidente. Ministro W ALDEMAR ZVEI­

TER, Relator.

RELATÓRIO

O EXM:O. SR. MINISTRO WALDEMAR ZVEITER: Cuida-se de agravo de instrumento tirado contra decisão que rejeitou exceção de incompetência oposta, em face de cautelar de produção antecipada de provas, para a ação principal.

O acórdão confirmou a decisão agravada (fls. 81), atento a que a jurisprudência reiterada é no sentido de que o juiz da ação preparatória deve ser o mesmo da ação preparada.

A agravante, irresignada, apresenta Especial e, com apoio nas le­tras a e c, alega que, no seu parecer, o aresto teria vulnerado os artigos 800 e 806 do CPC e divergido da Súmula 263 do extinto TFR.

No exame dos pressupostos de admissibilidade (fls. 103), o apelo é deferido.

É o relatório.

VOTO

O EXM:O. SR. MINISTRO WALDEMAR ZVEITER (Relator): O acórdão do agravo, ao manter a competência do juiz da cautelar de pro­dução antecipada de provas para a ação principal (art. 800 do CPC), apoiou-se na jurisprudência, isto é, nos precedentes da Câmara.

O eminente Prolator, no Tribunal a quo, consigna que (fls. 81):

" ... o preceito da lei processual trazido a confronto deve ser interpretado em consonância com esses precedentes. Sobreleva, no caso, a manifesta conveniência do mesmo juiz que presidiu a produção da prova antecipada atuar na ação em que essa prova vai ser avaliada. Daí se afirmar, como regra a ser obser­vada sempre que possível, que o juiz da ação preparatória deve ser o mesmo da ação preparada."

Correto esse lineamento. Não há como vislumbrar, na hipótese, a vulneração dos artigos 800 e 806 do CPC, nem, por outro lado, se tem como contrariado o verbete 263 do TFR, eis que este não caracteriza a hipótese dos autos.

494 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

Quanto às regras processuais, ditas violadas, ao contrário do sus­tentado pelo recorrente, in casu, o julgamento ateve-se à disciplina que emana da regra do art. 800 do cpc.

Sobre o tema, é do magistério de Pontes de Miranda que:

" ... As medidas cautelares, quaisquer que sejam, têm de ser pedidas ao juiz que no momento seria o competente para a ação, ainda que não se trate, in casu, de ação de medida cau­telar para a preparação de outra. Se pedidas pendente a lide, está visto que a causa principal atrai a acessória." (Com. ao Código de Processo Civil, Forense, tomo XII, 1976, pág. 58).

O mesmo doutrinador ensina que: " ... As vistorias, arbitramentos, perícias e inquirições ad

perpetuam rei memoriam, têm processo expedito, porém não escapam ao rito dos arts. 801-804. A petição tem de obedecer ao art. 801." (ob. cit. pág. 63).

No mesmo entendimento é a lição de Theodoro Júnior que ensina: " ... Entre as duas ações ocorre, portanto, o fenômeno da

prevenção, via de regra, de sorte que a que primeiramente for ajuizada fixará a competência para a que lhe seguir, pouco importando que a primeira seja a principal ou a cautelar." (Curso de Direito Processual Civil, voI. lI, 4!! ed., pág. 1.134).

É ainda do mesmo Autor o ensinamento de que: " ... Ajuizada a medida cautelar, fica preventa a competên­

cia do juiz que dela conheceu para o posterior ajuizamento da ação principal. Observa-se a regra de que, entre duas ações conexas, prevalece a competência do juiz que primeiro proces-sou uma delas (art. 106)." (ob. cit. pág. 1.135). .

Quanto à Súmula 263 do TFR, cujo conteúdo o recorrente diz coli­dir com a conclusão do acórdão, melhor sorte não lhe assiste.

No precedente que serviu de forro ao verbete (IUJ no CC 6.979-RJ) há lineamentos que contrariam a tese levantada no apelo.

Num dos tópicos o eminente Relator levanta que o anseio é que os processos cautelar e o principal tenham curso no mesmo foro, entretan­to, o que não significa na mesma vara, para uniformizar a jurisprudên­cia defrontada, assentando-se que produção antecipada de provas, ne­cessariamente, não previne a competência para a ação principal.

Daí que a ementa desse exemplo ficou registrada assim:

"A produção antecipada de provas, necessariamente ou per se, não previne a competência para a ação principal."

R. sup. Tl"ib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 495

Da Corte, a exegese da regra do art. 800 do CPC é feita no sentido de que:

"Quando preparatórias, as medidas cautelares devem ser requeridas ao Juiz que se apresenta competente para conhecer da causa principal, que, por isso, fica prevento." (REsp 6.386-PR, ReI. eminente Min. Sálvio de Figueiredo - 4ª Turma).

Por tais fundamentos, inocorrendo as alegadas violações e inexis­tindo a apontada divergência com a Súmula 263 do TFR, não conheço do recurso.

EXTRATO DA MINUTA

REsp nº 14.088 - SP - (91.0017939-6) - Relator: Exmo. Sr. Mi­nistro Waldemar Zveiter. Recte.: Takiplan Pinheiros Construtora S/A. Recdo.: Condomínio Edifício Residencial Portal da Cantareira. Advs.: Cristóvão Colombo dos Reis Miller e outro; Ana Lúcia P. Dias e outro.

Decisão: A Turma, por unanimidade, não conheceu do recurso es­pecial (em 09.12.91 - 3ª Turma).

Participaram do julgamento os Srs. Ministros Cláudio Santos, Nil­son Naves, Eduardo Ribeiro e Dias Trindade.

496

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro NILSON NAVES .

• RECURSO ESPECIAL Nº 14.696 - BA

(Registro nº 91.0018815-8)

Relator: O Exrno. Senhor Ministro Waldemar Zueiter

Recorrente: Almir Francisco de Moraes Recorrido: José Fausto Alues Brito Advogados: Drs. Renato Mário Borges Simões, Délcio Medeiros

Ribeiro e outros

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO DE IN­DENIZAÇÃO POR ATO ILÍCITO - NULIDADE -PAUTA DE JULGAMENTO NÃO PUBLICADA - CER­CEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA - VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE - ART. 552, § 1 º, DO CPC.

R. sup. Trib. Just.., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

das:

I - Independentemente do requisito do preques­tionamento (Súmulas n.!l.t;i 282 e 356 - STF), a parte prejudicada pode argüir, em Recurso Especial, a nu· lidade do julgamento, por não ter sido o feito incluído na pauta de julgamento (art. 552, do CPC).

II - Recurso conhecido e provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indica-

Decide a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, à una­nimidade, conhecer do recurso especial e lhe dar provimento, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazen­do parte integrante do presente julgado.

Custas, como de lei. Brasília, 25 de novembro de 1991 (data do julgamento). Ministro NILSON NAVES, Presidente. Ministro WALDEMAR ZVEI­

TER, Relator.

RELATÓRIO

O EXMO. SENHOR MINISTRO WALDEMAR ZVEITER: Trata-se de Ação de Indenização, por ato ilícito, proposta por José Fausto Alves Brito contra Almir Francisco de Moraes, julgada procedente, em parte, condenado o réu a indenizar o autor, a título de danos emergentes, lu­cros cessantes, bem como, a suportar os ônus da sucumbência (fls. 701 80).

Interposta apelação (fls. 82/84) a Terceira Câmara Cível do Colen­do Tribunal de Justiça da Bahia, à unanimidade, negou-lhe provimento (fls. 991101).

Irresignado, interpôs o apelante Recurso Especial, fundado no art. 105, inciso III, alínea a, da Constituição, pretendendo nulo o julgamen­to, por desobediência às normas procedimentais contidas nos artigos 40, lI, 552, §§ 1º e 2º, do CPC; 89, XVII, da Lei n!! 4.215/ô3; e 5º, LV, da Lei Maior (fls. 107/108).

Sem contra-razões, o nobre Presidente daquela Corte o admitiu (fls. 112/113).

É o relatório.

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 497

VOTO

O·EXMO. SENHOR MINISTRO WALDEMAR ZVEITER (Relator): Pretende o recorrente a nulidade do julgamento, porque realizado sem observância das normas insertas na lei processual civil.

Quanto à alegação de ofensa ao dispositivo da Carta Magna, consoante reiteradamente tem decidido esta Egrégia Corte, não comporta exame em sede do Especial (REsp n!! 7.688-RO, de minha relatoria - DJ de 15.4.90).

Tocante à alegada negativa de vigência dos artigos 40, lI, do CPC, e 89, XVII, da Lei nº 4.215/63, nesse ponto, improsperável a irresigna­ção.

Consta dos autos que o recorrente, por seu Advogado, em 21.12.90, requereu juntada do substabelecimento, sem reservas dos poderes ou­torgados ao seu Patrono que então vinha atuando no feito; pediu, ainda, que as publicações de intimações futuras fossem feitas no nome do sig­natário, Dr. Renato Mário Borges Simões; bem como, vistas dos autos pelo prazo de lei.

Ocorre que, surpreendentemente, alega, tomou conhecimento de que a apelação foi julgada em 20.3.91; sem que, todavia, sua petição houves­se sequer sido despachada, juntada somente ao processo no dia 5.5.91 (fls. 102-v. e 1041105).

Tudo indica que tal petição teria se perdido na Secretaria do Tri­bunal de origem; daí não poderia o nobre Relator deferir seu requeri­mento, se este não chegou às suas mãos.

Essa nulidade, segundo a orientação consolidada na j'.lrisprudência do Pretório Excelso, poderia ter sido argüida através dos Embargos de Declaração; contudo, deles não se valeu a recorrente.

No que pertine à pretendida violação ao art. 552, §§ 1º e 22, da lei adjetiva civil, contudo, razão assiste ao recorrente.

Apresentados os autos ao Presidente da Câmara julgadora, cabe­lhe designar dia para o julgamento da apelação. A pauta haverá de ser publicada no órgão oficial. conforme estabelece o art. 552, da lei proces­sual civil, e doutrinam, dentre outros, Pontes de Miranda e Barbosa ;l\'foreira.

498

É deste último o trecho que colho in "Comentários":

"Embora a lei não contenha cominação expressa, deve considerar-se nulo o julgamento realizado sem prévia publica-

R. sup. Trib .. Just., Brasília, a. 4, (39): 339·615, novembro 1992.

ção da pauta, ou antes de 48 horas a partir da publicação. Se a pauta foi publicada, com a devida antecedência, mas se omi­tiu algum feito, não pode ele ser validamente julgado na sessão, a menos que ocorra nova publicação, para suprir a falha, ainda antes das últimas 48 horas. A falta da publicação tempestiva é causa insanável de nulidade, porque não se concebe que o seu fim - avisar os interessados com a antecedência necessária -seja atingido por outra forma. Interessados não são, aliás, uni­camente as partes e seus procuradores, mas os próprios juízes que hão de participar do julgamento, e podem precisar consul­tar anotações, ou fazer estudos, para se pronunciarem na ses­são." (Comentários ao Código de Processo Civil, Forense, 1974, voI. V, págs. 478/479)

Pacificado, de sua vez, na jurisprudência da Suprema Corte o en­tendimento de que, independentemente do requisito do prequestionamen­to (Súmulas n~ 282 e 556 - STF), a parte prejudicada pode alegar, no Recurso Extraordinário, a nulidade do julgamento precedido de intima­ção que houver desobedecido às normas contidas nos artigos 236, § 1º, e 552, § 1º, do CPC (RTJ's 86/242 e 951725).

Conforme se verifica das certidões lavradas às fls. 98, não houve a publicação da pauta de julgamento, cerceando o direito de defesa do recorrente, através de sustentação oral da apelação por seu Advogado; bem como, violado o princípio da publicidade, basilar na prática dos atos processuais.

Dessa forma, o Acórdão recorrido não só negou a vigência do art. 552, do Código de Processo Civil, como, também, discrepou do entendi­mento afirmado na doutrina e na jurisprudência do Pretório Excelso.

Por esse único fundamento, conheço, pois, do recurso, e lhe dou provimento para anular o julgamento em que proferido o Acórdão para que outro seja realizado, em obediência às normas processuais.

EXTRATO DA MINUTA

REsp nº 14.696 - BA - (91.0018815-8) - Relator: Exmo. Sr. Mi­nistro Waldemar Zveiter. Recte.: Almir Francisco de Moraes. Recdo.: José Fausto Alves Brito. Advs.: Renato Mário Borges Simões; Délcio Medei­ros Ribeiro e outros.

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 499

Decisão: A Turma, por unanimidade, conheceu do recurso especial e lhe deu provimento nos termos do voto do Sr. Ministro Relator (em 25.11.91 - 3!! Turma).

Participaram do julgamento os Srs. Ministros Cláudio Santos, Nil­son Naves, Eduardo Ribeiro e Dias Trindade.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro NILSON NAVES .

• RECURSO ESPECIAL Nº 14.930 -PR

(Registro nº 91195324)

Relator: O Exmo. Sr. Ministro Nilson Naves

Recorrente: Paraná Companhia de Seguros Germano Brasileira

Recorrido: Geraldo João da Silva

Advogados: Drs. Márcia Regina Rodacoski e outros

EMENTA: Acidente de veículos. Ação regressiva do segurador contra o causador do dano. Correção monetária. Termo inicial. A correção monetária flui da data do desembolso, ou seja, do momento em que, uma vez paga a indenização, opera-se a sub-rogação. Trata-se de um quid (dívida de valor) e não de um quantum (dívida de dinheiro), Recurso especial co­nhecido pelo dissídio e provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indica­das, decide a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por una­nimidade, conhecer do recurso especial e lhe dar provimento, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazen­do parte integrante do presente julgado.

500

Custas, como de lei.

Brasília, 10 de dezembro de 1991 (data do julgamento).

Ministro NILSON NAVES, Presidente e Relator.

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

RELATÓRIO

O EX1\10. SR. MINISTRO NILSON NAVES: Tomo por relatório o despacho do Presidente Francisco Muniz, admitindo o recurso especial:

"No presente recurso especial (fundado na alínea c do permissivo constitucional) discute-se a seguinte questão: o ter­mo inicial da incidência da correção monetária em ~ção de in­denização proposta pela seguradora, sub-rogada no crédito, contra o causador do dano decorrente de acidente de veículos.

Colhe-se dos autos que Paraná Companhia de Seguros Germano Brasileira propôs ação de ressarcimento em face de Geraldo João da Silva (fls. 02/05). O doutor Juiz julgou proce­dente o pedido, condenando o réu ao pagamento da quantia pleiteada na inicial, atualizada 'a partir do ajuizamento da ação, com a distribuição' (sic - fls. 47), acrescida de juros de mora, custas do processo e honorários de advogado.

Insatisfeita com o termo a quo da correção monetária, a seguradora interpôs recurso de apelação, argumentando que a atualização monetária deveria incidir a partir do momento do desembolso da indenização ao segurado.

Este Tribunal negou provimento ao apelo, sob o funda­mento de que 'o crédito da seguradora, em ação regressiva de­corrente de sub-rogação legal (art. 985, IlI, C. Civ.), exigido em ação movida contra o causador do dano em acidente de trânsito, é restrito à soma que desembolsou (art. 989). Conseqüentemen­te, a dívida do autor de dano é de dinheiro, o que importa em aplicação da correção monetária, no processo de conhecimento, a partir da data do ajuizamento do pedido Cart. 12, § 22, da Lei 6.899, de 08.04.81)' (sic - ementa - fls. 79). Daí a interposição do recurso especial de fls. 90/97, no qual a recorrente sustenta dissídio de jurisprudência, trazendo à colação os julgados emen­tados de fls. 93/96.

O presente recurso oferece condições de admissibilidade.

De início, há que se ressaltar que os arestos paradigmas de fls. 95 e 96 - extraídos respectivamente da Revista dos Tribunais nll.ll 583, pág. 145 e 601, pág. 221, não são hábeis para comprovar divergência, pois não demonstram tratarem de situa­ção assemelhada com a espécie dos autos, qual seja, termo ini­cial da correção monetária na ação em que a seguradora pre­tende o reembolso em face do causador do dano.

R. Sup. TI:ib. Just., Brasília, a. ·4, (39): 339-615, novembro 1992. 501

502

Entretanto, o julgado de fls. 94 - não obstante reprodu­zido apenas em sua ementa - não deixa dúvidas quanto à controvérsia, na jurisprudência, da questão ora examinada.

Com efeito o acórdão recorrido decidiu que a correção monetária - neste caso - incide a partir do ajuizamento da ação por entender que 'a seguradora tem crédito de dinheiro, porque sua pretensão é originada do contrato de seguro, com a sub-rogação legal (art. 985, lU), de sorte que se volta contra o terceiro causador do dano para reembolsar-se do que pagou (art. 989), vale dizer, para recuperar um quantum despendido. Não é o mesmo que ocorre com a vítima do dano; esta tem pretensão de recuperar-se para retornar ao estado anterior, daí a obrigação de valor por parte do autor do dano. Por outras, a vítima pretende reparação do dano - o que é um quid; a segu­radora, o reembolso do que pagou - o que um quantum. Aqui, dívida de dinheiro; aí, dívida de valor' (sic - fls. 87).

Já a decisão paradigma, prolatada em sessão plenária do 12 Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo proclamou que 'em ação regressiva proposta por seguradora contra ° cau­sador do dano decorrente de acidente de veículos o termo inicial da correção monetária é a data do desembolso (RT 626, pág. 93). Extrai-se, dentre os inúmeros argumentos expendidos nes­te julgado, o seguinte trecho:

'Passando à interpretação a ser conferida, a primeira ques­tão suscitada é saber se se trata de dívida de valor ou de di­nheiro.

Os que defendem esta última hipótese argumentam não estar o fundamento do pedido do segurador preso ao ato ilícito, mas ao contrato de seguro firmado. A matéria exige uma aná­lise mais cuidadosa.

Embora exista o contrato de seguro, este somente tem atuação e, mesmo, razão de ser na hipótese da ocorrência de um ato ilícito. Esse ato antijurídico produziu lesão que compor­ta uma reparação quantitativa e qualitativamente dimensiona­da ao prejuízo, de molde a recompor o patrimônio atingido em idêntica medida. É a restitutio integrul1l.

O contrato de seguro, assim, tem por finalidade essa re­composição, eminentemente valorativa. Basta ver que ele não se cinge a um quantum fixado contratualmente, mas é adapta­do ao monte necessário ao acertamento do dano e na proporção deste.

R. Sup. Trib. Just., 13rasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

Em suma, não se trata de uma dívida meramente de di­nheiro, como sucede no contrato de mútuo, mas presa à valora­ção de um prejuízo.

Sendo dívida de valor, nada obsta a que se enquadre na orientação jurisprudencial anterior à Lei 6.898/81, no sentido de que nesse tipo de dívida a correção monetária incide desde a data do desembolso' (RT n!! 626, pág. 95).

Não bastasse isto, o Tribunal de Alçada do Estado do Rio Grande do Sul, de certa feita decidiu em caso análogo à espécie dos autos - que 'a correção monetária do valor a ser reembol­sado à seguradora aplica-se a partir da citação' (Julgados do Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul nº 45, pág. 370).

Ante o exposto, dá-se seguimento ao recurso pela alínea c do inciso IH do artigo 105 da Constituição Federal."

É o relatório.

VOTO

o EXMO. SR. MINISTRO NILSON NAVES (Relator): Suficiente­mente comprovado o dissídio, conheço do recurso especial, e vou provê­lo em atenção ao pensamento do acórdão padrão, in RT-626/93 ("Em ação regressiva proposta por seguradora contra o causador do dano decorren­te de acidente de veículos o termo inicial da correção monetária é a data do desembolso ... "), que melhor se ajusta ao conceito de correção monetá­ria adotado por este Tribunal em inúmeros casos: a correção é mero instrumento de atualização da moeda, não é um plus, portanto.

Parece-me cuidar-se de caso que realmente reclama atualização desde o acontecimento, isto é, em data anterior à do ajuizamento do pedido. Especificamente, pede-se, na espécie, seja atualizada a dívida (o crédito que se tem) a partir do desembolso. A seguradora pagou e quer receber o que desembolsou mas atualizado desde o momento do desem­bolso. "O segurador" - reza a Súmula 188/STF - "tem ação regressiva contra o causador do dano, pelo que efetivamente pagou, até ao limite previsto no contrato de seguro". Procede a reclamação da autora, ora recorrente.

A origem da dívida, em casos dessa espécie, não deixa de ser o ato ilícito, tanto que o segurador cobra o seu crédito do causador do dano. Esse o seu título. Sem dúvida que a relação principal, estabelecida en­tre as partes, é entre segurador e segurado, mas nem por isso desapare­ce aquilo que deu causa à dívida: o sinistro, donde a ocorrência de pre-

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juízo ou dano, reparável pelo segurador. Uma vez reparado o prejuízo ou dano, daí a origem do crédito, tem o segurador ação regressiva, nos mesmos moldes se a cobrança se efetuasse pelo seguràdo-vítima ao cau­sador do prejuízo ou dano. Doutro lado, ainda que a relação, como sus­tentou o acórdão, entre segurador e causador do dano, decorra da sub­rogação, impõe-se, mesmo, a atualização da dívida de modo amplo. Logo, por um ou por outro lado, a dívida de que se trata é um quid (de valor, portanto) e não um quantum, (de dinheiro). Sobre dívida de valor e dívi­da de dinheiro, cuja distinção vem perdendo a sua importância, confira­se o meu voto, proferido no Tribunal Federal de Recursos, nos EAC-110.446, em pedido de vista, DJ de 10.4.89, nesses tópicos:

504

"Sobre a atualização de valores, prevaleceu durante bom tempo, a compreensão de que não havia correção monetária sem lei que a instituísse. Era uma decorrência do princípio nominalista, segundo o qual a moeda conse~va sempre o seu valor liberatório. Foi então que surgiu a inflação, o grande mal de nossos tempos, tornando irreal o valor nominal. Escreveu Luiz Olavo Baptista:

'Sua vitória (a do nominalismo) não nos parece porém definitiva: é que, quando a inflação passa certos limites, a irrealidade do valor nominal leva as pessoas a ignorá-lo ou a evitar o uso da moeda. Quando o estado não pode mais sofrer os efeitos da inflação que gerou, ou não soube repri­mir, passa a atenuar os efeitos do nominalismo, em geral pelo recurso à indexação.' ('A cláusula-ouro e .. .', in RF-303/ 47).

Acrescentou, logo após:

'Parece que foi durante a crise econômica ocorrida entre as duas Grandes Guerras, cujo ápice em 1929-30, que a jurisprudência dos países desenvolvidos começou a preocu­par-se com a desvalorização. Ao. que tudo indica, foi na Ale­manha, onde o marco sofreu das maiores quedas já sofridas por u'a moeda. A doutrina, a seguir, elaborou ou aperfei­çoou conceitos como o de dívida de valor para superar o problema.

Tulio Ascare11i, aqui no Brasil, já lembrava que o prin­cípio do valor nominal não equivale a uma declaração legal de constante irrelevância das oscilações do poder aquisitivo da moeda, atendendo-se à depreciação monetária, em ma­téria de mora nas legislações que permitem ser o ressarci­mento dos prejuízos de mora superior aos juros legais ('Pro-

R Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-G15, novembro 1992.

blemas das Sociedades Anônimas e Direito Comparado', S. Paulo, Ed. Saraiva, ps. 188-9).

Essa tendência predominou no Brasil de hoje, em que a indexação ou correção monetária é norma.' (idem, pág. 47).

Entre nós, o reajustamento de valores deve muito à cria­ção dos tribunais. Por exemplo, entre os enunciados aprovados pelo Supremo Tribunal Federal, na sessão de 13.12.63, figurou o de nº 314, com essa redação: 'Na composição do dano por acidente do trabalho, ou de transporte, não é contrário à lei tomar para base da indenização o salário do tempo da perícia ou da sentença'. É certo que, a partir de 1964, surgiram leis adotando a correção monetária, a começar pela de nº 4.357, de 16.7.64, autorizando a emissão de Obrigações do Tesouro Nacio­nal. Mas, em termos de jurisprudência, o ponto culminante re­side no RE-79.663, de 1975, in RTJ-79/515, Relator para o acór­dão o Sr. Ministro Rodrigues Alckmin, com essa ementa:

'Responsabilidade civil. Danos materiais. Dívida de valor. Correção monetária.

Decisão que determina a atualização da importância dos danos, no pagamento, pela aplicação de índices de cor­reção monetária, por ser de valor a dívida.

Para que haja completa reparação do dano, a indeni­zação, como dívida de valor, deve ser atualizada com rela­ção à data do pagamento. Entre os possíveis critérios a se­rem adotados para essa atualização, o de aplicar-se índice de correção monetária à estimativa já constante dos autos não ofende a direito federal e pode ser utilizado.

Recurso extraordinário conhecido e não provido.'

Daí a Súmula 562/STF, com referência aos arts. 159, 1.541 e 1.543, do Cód. Civil, para as chamadas dívidas de valor, nes­ses termos:

'Na indenização de danos materiais decorrentes de ato ilícito cabe a atualização de seu valor, utilizando-se, para esse fim, dentre outros critérios, os índices de correção monetária'.

Aqui, neste Tribunal, a sua 1ª Seção, em 18.02.81, editou a Súmula 71, com essa redação:

'A correção monetária incide sobre as prestações de benefícios previdenciários em atraso, observado o critério

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 505

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do salário mínimo vigente na época da liquidação da obri­gação.'

Foi então que surgiu a aludida Lei n!! 6.899, que, consoan­te a ementa do RE-99.222, in RTJ-106/860, 'não veio impedir a fluência da correção monetária nos casos em que, anteriormen­te, já era admitida, mas, sim, estendê-la a hipóteses a que essa correção não se aplicava'. Em suma, veio para .atualizar a cha­mada dívida de dinheiro. Anotou Lauro Paiva Restiffe: 'Para se entender e se aplicar corretamente a lei nova tem de levar-se em conta ser ela de índole completiva e ampliativa; e não exaus­tiva, nem restritiva' (in Tratado da correção ... , RT, 1983, pág. 2).

Quanto a proventos, salários ou vencimentos, o Supremo Tribunal Federal, por exemplo num acórdão de 1978, enten­deu não incidir a correção monetária (RE-85.708, in RTJ-87/ 251), noutro de 1981, mas antes da edição da Lei n!! 6.899, deu pela sua incidência: ' ... caso equiparável à de alimentos, quais são os vencimentos, soldos ou estipêndios' (RE-93.654, in RTJ-101/1.214, citado pelo Sr. Relator). Ao que me parece, a orien­tação recente, em casos tais, é pelo reconhecimento da dívida de valor.

A distinção entre dívida de dinheiro e dívida de valor vem perdendo o seu significado, como anotou o Sr. Ministro Oscar Corrêa, no RE-98.388, in RTJ-1091726-7:

'13. Ora, cremos, tal distinção perdeu substância em regime de absoluta instabilidade da moeda, de flutuação permanente de seu valor, quando se despe, por completo, das características que a marcam - de padrão de valor, de instrumento de troca, meio de pagamento e liberação, de reserva de valor; - quando é o próprio Poder que a emite, que lhe reconhece, proclama e fixa a desvalorização; não há mais falar em dívida de valor e dívida de dinheiro, porque igualmente desfiguradas as prestações, quer de uma quer de outra. Tanto sofre quem tem a cobrar uma dívida de valor - alimentos, um braço perdido no emprego, reparação pa­trimonial por ato ilícito, ou o que seja - e que receberia o ressarcimento - o quid - desnaturado na moeda do paga­mento, insuscetível de representar reparação; como o que empresta quantia em dinheiro - no momento, representa­tiva de um poder de compra - um quid, da mesma forma - e que vai receber, tempos depois, em quantum insusce-

H. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

tível de significar senão parcela variável da quantia presta­da, mas sempre menor em poder aquisitivo.

14. A tal ponto que, nas grandes inflações, nas hiper­inflações, inflações galopantes (como a da Alemanha, em 1943, da Hungria, em 1946), substitui-se a moeda pela mercadoria e volta-se à troca primitiva, não havendo como falar em natureza da dívida, se o dinheiro - a moeda -que a representa, perde instantaneamente o seu valor.'

S. Exa. lembrou, em seu longo voto, Washington Albino, nessa passagem:

'Esta distinção ('dívida de dinheiro' e 'dívida de valor'), cada vez mais discutível, pois, afinal, os valores das coisas se medem em dinheiro e este é referência de valor, ainda predomina nos julgados e é tratada, com insistência, na li­teratura. Na orientação de unificá-las, alguns se posicionam pela redução das duas a dívidas de dinheiro, enquanto ou­tros as reduzem a dívidas de valor'.

Por tudo isso é que, respondendo à pergunta acima formu­lada, respondo-a reconhecendo o caráter de valor da dívida de que se trata." .

A respeito do tema versado nestes autos, veja-se, do acórdão pa­drão, o restante da ementa, cuja parte inicial já citei:

"Com efeito, se a seguradora tem ação regressiva con­tra o terceiro para dele haver o que desembolsou a favor do segurado, tem, igualmente, o direito de receber a importân­cia atualizada desde o momento da sub-rogação. Não se conceder à seguradora que ressarciu os prejuízos do segu­rado a correção monetária desde então seria condenar o terceiro causador do dano a pagar menos a e]a do que pa­garia ao próprio segurado. Em outras palavras, seria enri­quecer sem causa, pelo pagamento a menor, o causador do dano, em prejuízo da seguradora que honrou o contrato de seguro.

Ainda que não positivada no Direito Civil brasileiro a sub-rogação da seguradora, a ausência de norma explícita no ordenamento não impede sua integração através dos mecanismos próprios da analogia e dos princípios gerais do Direito, eis que não afronta o sistema jurídico em suas li­nhas mestras. E tanto assim é que a Súmula 188 do STF a contempla.

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 507

o contrato de seguro tem por finalidade recompor o patrimônio atingido em idêntica medida (restitutio in inte­grum), não se cingindo a um quantum fixado contratual­mente, mas adaptado ao monte necessário ao acertamento do dano e na proporção deste, somente tendo atuação e, mesmo, razão de ser na hipótese da ocorrência de um ato ilícito. Sendo, assim, dívida de valor, nada obsta a que se enquadre na orientação jurisprudencial anterior à Lei 6.899/ 81, inaplicável à espécie." (RT-626/93).

Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial, para fixar na data do desembolso o termo inicial da correção monetária.

EXTRATO DA MINUTA

REsp nº 14.930 - PR - (91.0019532-4) - Relator: Exmo. Sr. Mi­nistro Nilson Naves. Recte.: Paraná Cia. de Seguros Germano Brasilei­ra. Recdo.: Geraldo João da Silva. Advs.: Márcia Regina Rodacoski e outros.

Decisão: A Turma, por unanimidade, conheceu do recurso especial e lhe deu provimento (em 10.12.91 - 3i! Turma).

Participaram do julgamento os Srs. Ministros Eduardo Ribeiro, Dias Trindade, Waldemar Zveiter e Cláudio Santos.

508

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro NILSON NAVES .

• RECURSO ESPECIAL NQ 15.448-0 - SP

(Registro nQ 91.0020754-3)

Relator: O Senhor Ministro Demócrito Reinaldo

Recorrente: Fazenda do Estado de São Paulo

Recorrido: Lenine Carlos Gomes Advogados: Cláudia Polto da Cunha e outros e Pedro Paulo F.

Scalante e outro

EMENTA: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EX­TINÇÃO DO PROCESSO DE EXECUÇÃO (ART. 794, lIl, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVTI...) SEM PRÉVIA

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

das:

AUDIÊNCIA DA EXEQÜENTE SOBRE QUITAÇÃO DE DÉBITO. IMPOSSillILIDADE. PRAZO. INTIMAÇÃO EFETIVADA NO PERÍODO DE FÉRIAS. CONSEQÜÊN­CIAS JURÍDICAS.

Havendo a publicação intimatória sido efetiva­da em período de férias forenses, neste não flui o prazo para interposição de recursos.

A circunstância de haver o executado deposita­do o quantum debeatur que, arrimado nos cálculos de liquidação, reputou correto, não o autoriza a exi­mir-se do processo executório, pela quitação do dé­bito, sem que, antes, se manifeste, sobre o cálculo, a exeqüente.

O pagamento parcial do débito em execução não importa na renúncia da dívida remanescente, por­quanto esse entendimento resultaria em enriqueci­mento sem causa, com sacrifício manifesto do princí­pio da in integrum restitutio, que protege o autor, no procedimento executório.

Recurso improvido. Decisão unânime.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indica-

Decide a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso, tudo na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte in­tegrante do presente julgado. Participaram do julgamento os Srs. Mi­nistros Gomes de Barros e Garcia Vieira.

Custas, como de lei. Brasília, 06 de abril de 1992 (data do julgamento).

Ministro GARCIA VIEIRA, Presidente. Ministro DEMÓCRITO REINALDO, Relator.

RELATÓRIO

o SENHOR MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO (Relator): O processo cuida de Recurso Especial manifestado, em tempo côngruo, pela

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 509

Fazenda do Estado de São Paulo, contra acórdão do Tribunal de Justiça que, em julgamento de apelação, reformou a decisão de primeiro grau, que julgara extinto o processo de Execução.

O fundamento do recurso prende-se ao fato de que, uma vez inti­mada, a recorrida, do depósito da quantia inscrita no cálculo, recebeu a quantia, sem qualquer ressalva, o que induz à renúncia do crédito, nos termos do disposto no art. 974, inciso III, do Código de Processo Civil.

O Dr. Subprocurador da República opinou pelo improvimento do recurso.

Preparados, vieram-me os autos conclusos. Está feito o Relatório.

VOTO

O SENHOR MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO (Relator): Tra­ta-se, na hipótese, de Execução promovida contra a Fazenda do Estado de São Paulo, em que o Juiz do primeiro grau decretou a extinção do processo, com base no art. 794, IH, do Código de Processo Civil.

Em grau de apelação, o Tribunal de Justiça, através de sua Quinta Câmara Civil, àfastando a sentença extintiva, autorizou o prosseguimento da Execução, em suas fases subseqüentes. A Fazenda Estadual, sob co­Ior de ofensa ao disposto no art. 794, III, do CPC, manifestou Recurso Especial, cujo fundamento basilar consiste na alegativa de que, "embora tenha, a autora, sido intimada do depósito efetuado em 19 de junho de 1991, somente requereu o levantamento respectivo em 17 de agosto e o fez sem qualquer ressalva, o que equivale a uma desistência tácita acer­ca de saldo credor, porventura existente".

É desprovida de juridicidade a alegação da recorrente. Com efeito, o recebimento da quantia pertinente ao cálculo não poderia, por si só, importar na extinção do processo, desde que o Código de Processo Civil é expresso ao consignar, de forma estrita, as hipóteses de finação do processo executório (art. 794).

É evidente que essa modalidade de extinção, para ter eficácia ple­na, implicando na renúncia do crédito, teria que ser manifestada de forma expressa e indiscutível. Ademais, como foi salientado no acórdão malsi­nado, a intimação do depósito "foi efetuada através de publicação feita no período de férias forenses, em que não flui o prazo para reclamações ou recursos."

É cediço, ainda, que o pagamento parcial do débito não impede a continuidade da execução para, com ela, se reaver daquilo que sobejar.

510 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

o nobre Subprocurador da República, em seu lúcido Parecer (fls. 314), expende argumentação irrespondível, arrimando-se em jurispru­dência remansosa, segundo a qual o "fato de haver o executado deposi­tado o quantum debeatur que, baseado nos cálculos de liquidação, repu­tou correto, não o credencia a eximir-se do processo, pela quitação do débito, sem que, antes, se manifeste, sobre o cálculo, o exeqüente" (fls. 314).

Esse pagamento parcial e o simples fato de a exeqüente haver sido intimada (aliás, irregularmente) do depósito, não podem importar na renúncia do restante da dívida, porque isso significaria enriquecimento sem causa, em detrimento do direito da autora e em favor da Fazenda executada, com o sacrifício manifesto do princípio vetusto da in inte­grum restitutio, sempre com efeito favorável às partes, na Execução.

A renúncia do crédito (parcial ou total) só produz efeitos, na disci­plina prevista no art. 794, In, do CPC, se manifestada por via de decla­ração escrita, clara e precisa, e por meio de instrumento público ou par­ticular. O silêncio da parte só produz aqueles efeitos que vêm expressamente inscritos na lei, que não se aplica ao caso vertente.

Nego provimento ao recurso. É como voto.

EXTRATO DA MINUTA

REsp nº 15.448-0 - SP - (91.0020754-3) - Relator: Exmo. Sr. Ministro Demócrito Reinaldo. Recte.: Fazenda do Estado de São Paulo. Advs.: Cláudia Polto da Cunha e outros. Recdo.: Lenine Carlos Gomes. Advs.: Ped~o Paulo Fernandes Scalante e outro.

Decisão: A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso (em 06.04.92 - li! Turma)~

Participaram do julgamento os Exmos. Ministros Gomes de Barros e Garcia Vieira.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro GARCIA VIEIRA.

• RECURSO ESPECIAL Nº 15.922-0 - RJ

Relator: Sr. Ministro Hélio Mosimann Recorrente: Importex Importação e Exportação de Metais Ltda.

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 511

Recorrida: União Federal

Advogados: Hamilton Dias de Souza e outros

EMENTA: TRmuTÁRIO. IMPORTAÇÃO. ICMS. RECOLHIMENTO ANTECIPADO. FATO GERADOR. CONVÊNIO ICM 66/88. ART. 34, § 8º, DO ADCT. AR­TIGO 1 º DO DECRETO-LEI Nº 406/68.

- Até que lei complementar seja editada, preva­lece o disposto no artigo 1 º do Decreto-lei nº 406/68, diploma legal recepcionado pela vigente Constituição Federal, não prevalecendo a exigência de recolhimen­to do ICMS por ocasião do desembaraço aduaneiro previsto no Convênio nº 66/88.

- Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. - Recurso provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, em dar pro­vimento ao recurso. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Peça­nha Martins, Pádua Ribeiro e José de Jesus. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Américo Luz.

Custas, como de lei.

Brasília, 21 de setembro de 1992 (data do julgamento).

Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, Presidente. Ministro HÉLIO MOSIMANN, Relator.

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO HÉLIO MOSIMANN: Trata-se de recurso especial interposto por IMPORTEX IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO DE METAIS LTDA., com fundamento no art. 105, IIl, letras a, b e c, da Constituição Federal, contra decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região que, unanimemente, deu provimento ao recurso da UNIÃO, nos termos da ementa, verbis:

512 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

"TRIBUTÁRIO. EXIGIBILIDADE ANTECIPADA DO ICMS. IMPORTAÇÃO POSTERIOR AO CONVÊNIO ICM 66/88.

Por força do artigo 34, § 8Q, das Disposições Constitu­

cionais Transitórias, a instituição e a cobrança do ICMS não são mais reguladas pelo DL 406/68, e sim por Convênio celebrado pelos Estados e o Distrito Federal, até que a pró­pria União o faça por Lei Complementar.

Celebrado o Convênio em questão, e promulgada pelo Estado do Rio de Janeiro a Lei nQ 1.423, de 27.01.89, com base nele, fixando como fato gerador do imposto o recebi­mento, pelo importador da mercadoria importada, assim considerado o despacho aduaneiro, é nessa oportuni­dade que ele é devido, e não mais na entrada no estabeleci­mento." (fls. 56).

Alega a recorrente que o venerando acórdão negou vigência ao art. 1Q

, n, do DL nQ 406/68; julgou válido o disposto no art. 2Q, V, e § 6º, da

Lei Estadual nº 1.423/89, contestada em face da Lei Federal (DL 406/ 68); além de ter divergido da jurisprudência consubstanciada na Súmu­la 577 do STF, que determina, na importação de mercadoria do exterior, que o fato gerador do ICM ocorre no momento de sua entrada no esta­belecimento importador.

Nesta superior instância, a douta Subprocuradoria-Geral da Repú­blica, às fls. 159/160, opinou pelo provimento ao recurso.

É o relatório.

VOTO

O SENHOR MINISTRO HÉLIO MOSIMANN: Senhor Presidente, no regime da Constituição anterior, a questão foi exaustivamente apre­ciada pelos Tribunais Superiores, tornando-se a jurisprudência pacífica no antigo TFR e cristalizada em Súmula do egrégio STF, segundo a qual:

"N a importação de mercadorias do exterior, o fato ge­rador do ICM ocorre no momento de sua entrada no es­tabelecimento do importador" (Súmula nQ 577).

Novas dúvidas, entretanto, foram suscitadas com o advento da Constituição de 1988, que no Ato das Disposições Constitucionais Tran­sitórias, dispõe no seu art. 34, § 8Q

:

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 513

"Art. 34 .... (omissis)

§ 82 - Se, no prazo de sessenta dias contados da promul­gação da Constituição, não for editada a lei complementar ne­cessária à instituição do imposto de que trata o art. 155, I, b, os Estados e o Distrito Federal, mediante convênio celebrado nos termos da Lei Complementar n2 24, de 07 de janeiro de 1975, fixarão normas para regular provisoriamente a matéria."

De fato, com fundamento nesse permissivo constitucional foi cele­brado o Convênio ICM 66/88, prevendo que o fato gerador do imposto ocorre "na entrada no estabelecimento ou no recebimento pelo importa­dor de mercadoria ou bens, importados do exterior". De outra parte, a Lei Estadual n2 1.423/89 também estabeleceu que o fato gerador do imposto ocorre "no recebimento pelo importador de mercadoria ou bens importados do exterior" (art. 22, V, da citada lei).

O cerne da questão ora suscitada, portanto, está em saber se essas disposições contidas no convênio e lei estadual citados encontram base constitucional e legal, conforme concluiu o aresto guerreado, ou seja, se o fato gerador de mercadoria importada é a entrada no estabelecimento ou no território nacional. Entendo que nem o convênio e nem a Lei n2

1.423/89 poderiam dispor sobre a ocorrência do fato gerador do imposto, alterando disposições dQ DL n2 406/88 e Código Tributário Nacional, recepcionadas pela atual Constituição. Na ausência de lei complemen­tar, os Estados só poderão celebrar convênio para regulamentar provi­soriamente o ICM, no que diz respeito às lacunas existentes e sobre matéria tratada em dispositivos da lei complementar que não foram recepcionados pela Carta Magna. É de aplicar-se, portanto, a legislação anterior, quando não for esta incompatível com as disposições do novo texto constitucional.

Ora, a teor do disposto no art. 146, IH, letra a, da CF, somente a lei complementar poderá estabelecer normas gerais sobre o fato gera­dor, não podendo ser, dessarte, conferido este poder aos Estados, por delegação.

Nesse sentido, tanto a doutrina, quanto a jurisprudência dominan­te, caminham no sentido oposto ao do acórdão recorrido.

Sobre o tema, IVES GANDRA MARTINS faz os seguintes comen­tários:

514

"Na falta de lei complementar edita&;i' p:ara a instituição do ICMS no prazo de sessenta dias contados.da promulgação da Constituição, as disposições transitórias autoJ'izam os Estados

R. sup. Trib. Ju~l.. Brasília. a. 4. (39): :339,G15. novembro 1992.

a fixar normas para regular provisorjamente a matéria. Tal autorização, à evidência, só pode versar sobre as lacunas exis­tentes e sobre os dispositivos da lei complementar anterior não recepcionados. Entretanto, o dispositivo entusiasmou de tal forma os senhores Secretários da Fazenda dos Estados que eles produziram um convênio inconstitucional (66/88), com caracte­rísticas de confuso regulamento. Não há nele nem estrutura, nem perfil de lei complementar." (in Sistema Tributário na Constituição de 1988, São Paulo, Saraiva, 1989, pág. 288. No original, por evidente erro tipográfico, encontra-se a palavra nomes, em lugar de normas, e Constituinte,em invés de Cons­tituição).

De outra parte, nesta Colenda Corte, as egrégias Primeira e Se­gunda Turmas decidiram, em pelo menos quatro julgamentos no mesmo sentido:

"ICMS. EXIGIBILIDADE ANTECIPADA. CONVÊNIO Nº 66/88.

Não editada a Lei Complementar necessária à insti­tuição do ICM prevalecem as disposições contidas no DL nº 406/68, recepcionadas pela vigente Constituição Federal.

Os Estados e o Distrito Federal, mediante convênios, só poderão fixar normas para regular provisoriamente a matéria nas lacunas existentes e sobre os dispositivos da lei complementar não recepcionados.

Não prevalece, portanto, a exigência do recolhi­mento do ICM por ocasião do desembaraço aduanei­ro introduzido pelo Convênio nº 66/88.

Recurso conhecido e provido." (REsp nº 14.410-RJ, ReI. Min. GARCIA VIEIRA, DJ 06.12.91).

''TRIBUTÁRIO. IMPORTAÇÃO. ICMS. RECOLHIMEN­TO. MOMENTO DO FATO GERADOR. CONVÊNIO ICM 66/ 88. ART. 34, § 8º, DO ADCT. DL 406/68, ART. 1º.

Não prevalece, diante do que preceitua o art. 1º, do DL 406/68, diploma legal recepcionado pela atual Consti­tuição Federal, a exigência do recolhimento do tributo em questão por ocasião do desembaraço aduaneiro, introduzida pelo Convênio acima aludido.

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 515

Recurso provido." (REsp nl.! 19.570-0-RJ, ReI. Min. AMÉRICO LUZ, DJ de 03.08.92, já se reportando a outro precedente, o REsp nQ 7.582, DJ de 27.05.91). Da mesma forma, recentemente: REsp nQ 23.628-SP, ReI. Min. José de Jesus, DJ de 21.9.92.

Com a promulgação da nova Constituição Federal, à luz do dispos­to no § 8Q

, do artigo 34, do ADCT, portanto, não é de se entender que tenha sido derrogado o item II do artigo P do DL nQ 406/68, nem deixa­do de prevalecer a orientação contida na Súmula 577/STF.

Isto posto, mantendo tal entendimento, dou provimento ao recurso.

EXTRATO DA MINUTA

REsp nQ 15.922-0 - RJ - Relator: Exmo. Sr. Ministro Hélio Mosi­mann. Recte.: Importex Importação e Exportação de Metais Ltda. Advs.: Hamilton Dias de Souza e outros. Recda.: União Federal.

Decisão: A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso (em 21.09.92 - 2ó! Turma).

Participaram do julgamento os 8rs. Ministros Peçanha Martins, Antônio de Pádua Ribeiro e José de Jesus.

516

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Américo Luz. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro HÉLIO MOSIMANN .

• EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL

NQ 16.045-0 - SP (Registro nQ 91.0021897-9)

Relator: Exmo. Sr. Ministro Cesar Rocha

Embargante: Rhodia S/A

Embargada: União Federal

Advogados: Drs. Hugo Mosca.e outros

EMENTA: EMBARGOS DECLARATÓRIOS. RE­CURSO ESPECIAL. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. IN­TENÇÃO DE PREQUESTIONAMENTO. REJEIÇÃO.

I - Não servem os embargos de declaração eomo espeque ao levante de questões novas, eujo exame não

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 3:39-615, novembro 1992.

cumpriria à decisão embargada e, muito menos, pres­tam-se ao rejulgamento da causa.

H - Ademais, não consubstancia omissão o sim­ples fato da decisão sei- contrária aos interesses da parte ou não lhe proporcionar meios de recorrer à instância superior.

IH - Embargos rejeitados.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, em rejeitar os embargos. Votaram com o relator os Ministros Demócrito Reinaldo, Gomes de Barros e lVIilton Pereira. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Garcia Vieira.

Custas, como de lei.

Brasília, 05 de agosto de 1992 (data do julgamento).

lVlinistro DEMÓCRITO REINALDO, Presidente. Ministro CESAR ROCHA, Relator.

RELATÓRIO

O EXl\TO. SR. MINISTRO CESAR ROCHA: Ao acórdão proferido, no julgamento de recurso especial, por esta Egrégia Primeira Turma, relatado pelo Eminente Ministro Pedro Acioli, a recorrida opõe embar­gos de declaração, buscando, entremeio à farta jurisprudência e com supedâneo em suposta omissão, o prequestionamento dos arts. 5Q

, caput, e 150, II, da Lei Maior, e, na seqüência, a declaração da inconstitucio­nalidade do art. 6Q do Dec.-lei nQ 2.434/88.

Transcrevo a ementa do aresto embargado:

"IOF. ISENÇÃO. OPERAÇÕES DE CÂMBIO. PAGA­MENTO. BENS IMPORTADOS. FATO GERADOR. INCI­DÊNCIA. ANTES E APÓS 1'2.07.88. TRATAMENTO FIS­CAL DIFERENCIADO. PRINCÍPIO DA ISONOMIA NA TRIBUTAÇÃO. INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 6 Q

,

DECRETO-LEI 2.434/88. ART. 150, INCISO Il, E ART. 151, INCISO I, DA CONSTITUIÇÃO.

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (:39): <,:l:39-G 15, novcmhro 19!J:2. 517

518

I - Pelo art. 62, do Decreto-lei 2.434/88, ocorreram

duas situações para o contribuinte importador de bens, a saber:

- 1) se a guia de importação ou documento equiva­lente tiverem sido emitidos antes de 12.07.88, haverá a in­cidência do imposto; - 2) se, entretanto, a guia de impor­tação ou documento equivalente tiverem sido emitidos após 12.07.88, haverá isenção do imposto.

11 - Verifica-se com simplicidade essa diversidade de tratamento fiscal e esse tratamento diferenciado entre os contribuintes isso é que se questiona nos autos.

111 - Nos termos do art. 63, do CTN, e do Decreto-lei 1.783/80, o IOF incide no momento da liquidação do con­trato ou câmbio, isto é~ a entrega de moeda nacional ou es­trangeira, ou documento que a represente, ou sua colocação à disposição do interessado, ou melhor dizendo no momen­to do fechamento do câmbio.

IV - As duas situações diferenciadas postas no art. 62

, do Decreto-lei 2.484/84, em diversidade de tratamento fiscal entre os contribuintes, parece não ser possível; esse tratamento fiscal deve e tem que ser uniforme, não podendo haver distinção mediante diferenciação de fato gerador, se presente a mesma circunstância de fato, devendo ele ~er único e não diferenciado para os contribuintes em situações iguais ou idênticas.

V - O art. 150, inciso lI, da Constituição, consagra o princípio da igualdade na tributação ou do tratamento iso­nômico na tributação entre os contribuintes.

VI - Ambas as situações diferenciadoras constantes do art. 6 2, do Decreto-lei 2.434/88, a prÍ1neira, a assertiva escrita de que o elemento diferenciador - data da emissão de guia de importação ou documento equivalente - é ilegí­tima porque estranha à hipótese de incidência do imposto; a segunda, parte final do dispositivo, atinge o momento temporal da hipótese de incidência da norma - liquidação do contrato de câmbio com a entrega da moeda ou coloca­ção desta à disposição - fica suprimido quando a liquida­ção diz respeito a operações decorrentes de guias emitidas após 12.07.88. .

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

VII - Ressalva do ponto de vista da existência de inconstitucionalidade é incidenter tantum, que por si, aco­lho o recurso especial para declarar a invalidade ou inefi­cácia do art. 6 fl

, do Decreto-lei 2.434/88, frente aos arts. 150, inciso II e 151, inciso !, da Constituição, dispositivos esses todos verificados na decisão recorrida, o que devolve toda a matéria ao conhecimento do Tribunal.

VII! - Vencida essa questão, fica provido o recurs.o especial na linha do voto do Ministro Garcia Vieira.

!X - Recurso Especial conhecido e provido." (fls. 150/ 151), sem grifos no origina1.

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO CESAR ROCHA (Relator): É cediço que os embargos de declaração não servem como espeque ao levante de ques­tões novas, cujo exame não cumpriria à decisão embargada e, muito menos, prestam-se ao rejulgamento da causa.

Afigura-se, desta forma, manifestamente incabível a declaração da inconstitucionalidade do art. 6!! do Decreto-lei n!! 2.434/88. A uma, por­que fora da destinação dos embargos declaratórios que visam a sanar dúvida, obscuridade, contradição ou omissão. A duas, porque matéria totalmente estranha ao âmbito do v. acórdão embargado, limitado, por sua vez, ao deduzido no recurso especial.

Ademais, não consubstancia omissão o simples fato da decisão ser contrária aos interesses da parte ou não lhe proporcionar meios de re­correr à instância superior.

Neste sentido, a uníssona e numerosa jurisprudência destà Corte, de que são significativos exemplos os Embargos de Declaração em Re­curso Especial nllJl 14.461, DJ de 4/5/92; 15.511-0, DJ de 15/6/91, 14.607, DJ de 25/5/92.

Rejeito os embargos.

EXTRATO DA MINUTA

EDcl no REsp n!! 16.045-0 - SP - (91.0021897-9) Relator: Exmo. Sr. Ministro Cesar Rocha. Embte.: Rhodia S.A. Embdo.: União Federal. Advs.: Hugo Mosca e outros.

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 519

Decisão: A Turma, por unanimidade, rejeitou os embargos (em 05.08.92 - P Turma).

Participaram do julgamento os Exmos. Srs. Ministros Demócrito Reinaldo, Gomes de Barros e Milton Pereira.

520

Ausente, justificadamente, o Exmo. Sr. Ministro Garcia Vieira.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro DEMÓCRITO REINALDO.

RECURSO ESPECIAL Nº 16.409-0 - DF

Relator: Exmo. Sr. Ministro Peçanha Martins

Recorrentes: Koki Tani e outros

Advogado: Luiz Cláudio Marques Pereira

Recorridas: Caixa Econômica Federal, Economia - Crédito Imobi­liário S/A - Economisa em liquidação extrajudicial, Sociedade de Habitações de Interesse Social Ltda. SHIS e Mutual Apetrim - Crédito Inwbiliário S/A

Advogados: Adilson de Faria e outros, Jaime Marchesi, Ieda Al­buquerque e Marcos Ladeira de Moraes

EMENTA: RECURSO ESPECIAL. SISTEMA FI­NANCEIRO DE HABITAÇÃO. REAJUSTAMENTO. PLANO DE EQUIVALÊNCIA SALARIAL. sÚMULAS 05 e 07 DO ST J. PRECEDENTES.

1. O reajustamento das prestações dos contratos de financiamento pelo Sistema Financeiro de Habi­tação deve obedecer à equação econômico-financei­ra dos contratos celebrados.

2. A aplicação do índice de variação do salário mínimo é o critério geral que melhor se adequa à manutenção da equivalência salarial avençada, além de constituir índice previsto no PESo

3. Interpretação de cláusula contratual e reexa­me da prova esbarram em entendimento sumulado desta Corte.

4. Recurso não conhecido.

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do recurso. Votaram com o Relator os l\finistros José de Jesus e Hélio Mosimann. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Américo Luz. Impe­dido o Sr. Ministro Pádua Ribeiro.

Custas, como de lei.

Brasília, 24 de junho de 1992 (data do julgamento).

Ministro JOSÉ DE JESUS, Presidente. Ministro PEÇANHA MAR­TINS, Relator.

RELATÓRIO

O EXlVIO. SR. MINISTRO PEÇANHA MARTINS: Trata-se de re­curso especial, interposto por KOIU TANI E OUTROS, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da F Região, que determinou o reajuste das prestações dos financiamentos pelo Sistema Financeiro de Habita­ção em proporção igual à do índice de variação do salário mínimo.

Amparando-se nos permissivos constitucionais viabilizadores do apelo e alegando não só violação de lei federal como, também, divergên­cia pretoriana, os recorrentes insistem em que a variação a ser obedeci­da nos reajustamentos das prestações é a ocorrida em seus respectivos salários, ou vencimentos.

O recurso foi admitido na origem e regularmente processado, dis­pensando-se o pronunciamento da Subprocuradoria-Geral da República, na forma do art. 256/RISTJ.

É o relatório.

VOTO

o EXMO. SR. l\IINISTRO PEÇANIIA MARTINS (Relator): A ju­risprudência da Primeira e Segunda Turmas e Primeira Seção deste

R. sup. Trib. Just., Brasília, 11. 4, (:39): a:39-G15, novembro 1992. 521

STJ já se pacificou no mesmo sentido do acórdão recorrido (Preceden­tes: Primeira Turma: REsps 100-PR, 139-PR, 159-RS, 178-RN, ReI. Min. José de Jesus, in DJ 19.02.90; Segunda Turma: REsps 154-RS, 174-RS, 916-DF, ReI. Min. Carlos M. Velloso, in DJ 19.03.90; REsps 177-PR, 220-SP, 393··SP, ReI. Min. Vicente Cernicchiaro, in DJ 19.03.90). Contra­tado o financiamento de acordo com o Plano de Equivalência Salarial, seja qual for o índice adotado para o reajustamento das prestações haverá de conformar-se à equação econômica e financeira dos contratos conso­ante as regras fundamentais do SFH. E o índice de reajustamento que mais se adequa a tais regras é o da variação do salário mínimo. Aliás, é de registrar-se que a regra do art. 12 do Decreto-lei 19/66 foi posta em desuso pelo próprio BNH, que ao editar a Resolução n!! 36/69, institui­dora do Plano de Equivalência Salarial, determinou, como índice de reajuste a variação do salário mínimo, parâmetro permitido no § 12 do mesmo art. 12 do Decreto-lei n!! 19/66.

Demais disso, incidem, na hipótese, as Súmulas 05 e 07 deste STJ.

À vista do exposto e da jurisprudência pacífica da Corte, não co­nheço do recurso.

EXTRATO DA MINUTA

REsp n!! 16.409-0 - DF - Relator: Exmo. Sr. Ministro Peçanha Martins. Rectes: Koki Tani e outros. Adv.: Luiz Cláudio Marques Pereí­ra. Recda.: Caixa Econômica Federal- CEF. Advs.: Adilson de Faria e outros. Recda.: Economia Crédito Imobiliário SIA - Economisa em li­quidação extrajudicial. Advogado: Jaime Marchesi. Recda.: Sociedade de Habitações de Interesse Social Ltda. - SHIS. Advogada: Ieda Albuquer­que. Recda.: Mutual Apetrim - Crédito Imobiliário SIA. Advogado: Mar­cos Ladeira de Moraes.

Decisão: A Turma, por unanimidade, não conheceu do recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator (em 24.06.92 - 2" Turma).

Participaram do julgamento os Srs. Ministros José de Jesus e Hé-lio Mosimann.

522

Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Américo Luz.

Impedido o Sr. Ministro Pádua Ribeiro.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro JOSÉ DE JESUS.

R. sup. Trib. Jusi., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

RECURSO ESPECIAL N2 16.560-0 - SC (Registro n291.0023696-9)

Relator: O Exmo. Sr. Ministro Fontes de Alencar Recte.: Marilene Molinari Sá Recda.: Sul América Unibanco Seguradora S/A Advogados: Drs. Rogério Otáuio Ramos e outro e luar Lima Riffel e

outros

EMENTA: SEGURO. ACIDENTES PESSOAIS. SUI· CÍDIO INVOLUNTÁRIO.

O suicídio desintencional está abrangido pelo seguro de acidentes pessoais.

Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial atendido. Unânime.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas: Decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por una­

nimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, na forma do rela­tório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo par­te integrante do presente julgado. Os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo, Barros Monteiro, Bueno de Souza e Athos Carneiro votaram com o rela­tor.

Custas, como de lei. Brasília, 12 de maio de 1992 (data do julgamento).

Ministro ATHOS CARNEIRO, Presidente. Ministro FONTES DE ALENCAR, Relator.

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR: A viúva Mari­Iene Molinari Sá ajuizou ação sumaríssima de cobrança contra Sul América Unibanco Seguradora S/A pleiteando o recebimento do seguro de acidente pessoal pelo falecimento de seu marido.

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 523

A decisão de 1 ª i nstância julgou procedente a ação entendendo que o suicídio involuntário é passível de indenização.

A lª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina reformou o decisum de primeiro grau, nos termos da seguinte ementa:

"Seguro de acidentes pessoais. Suicídio. Não cobertu-ra.

o suicídio involuntário encontra sua etiologia numa anormalidade psíquica do segurado, uma perturbação men­tal ainda que momentânea.

O seguro de acidentes pessoais não cobre as doenças ou males físicos ou mentais, não podendo, assim, abranger o suicídio involuntário, que é necessariamente causado por moléstia psíquica do segurado." (O. 77).

Inconformada, a recorrente interpôs recurso especial com funda­mento no art. 105, IH, a e c, da Constituição Federal, alegando afronta ao art. 1.440, do Código Civil, além de dissídio jurisprudencial (fls. 82 a 88).

Pelo despacho de fls. 97 a 99 foi o recurso admitido, subindo os autos a esta Corte.

VOTO

O EXTvIO. SR. l\HNISTRO FONTES DE ALENCAR (Relator): O aresto recorrido embora tenha concluído pela ocorrência do suicídio in­voluntário, afastou o direito à indenização, sob o fundamento de que esta hipótese não se constitui em acidente pessoal.

524

Dele destaco os seguintes fundamentos:

"Tudo leva a crer que ocorreu o suicídio involuntário, in­consciente, provocado pelo estado de embriaguez do segurado, acoplado a desgostos familiares resultantes talvez de procedi­mento incorreto da mãe do segurado. Esses elementos afastam a morte acidental resultante de mau manuseio de arma em conserto ou em limpeza. Todos os depoimentos se referem a suicídio e não a acidente. O suicídio era a referência corrente quanto aos familiares à época do evento.

Por acidentes pessoais estava segurado o marido da autora.

R. sup. Trib. Jusl., Brasília, a. 4, (:39): :l:l9-G15, novembro 1992.

Pedro Alvin em "O Contrato de Seguro" diz (fls. 249):

"O suicídio involuntário encontra sua etiologia numa anormalidade psíquica do segurado, como ficou esclarecido antes. Provém de uma causa interna, isto é, de uma predis­posição hereditária, de uma doença ou de uma perturbação, ainda que momentânea.

"A exclusão da cobertura do seguro de acidentes pes­soais é uma decorrência lógica da própria concepção do pla­no técnico. Se não cobre as doenças e moléstias, não pode­ria abranger o suicídio involuntário, que é necessariamente causado por moléstia psíquica do segurado."

Como se vê, o suicídio involuntário ou inconsciente não configura o acidente, pois é uma moléstia que só o seguro genérico de vida cobre. E estando o segurado coberto so­mente pelo seguro-acidente, não houve a cobertura." (fls. 79/80).

Assiste razão à recorrente, porquanto a matéria já se acha pacifi­cada nesta Corte, através de ambas as Turmas, no sentido da cobertura do seguro de acidente pessoal, em caso de suicídio involuntário.

Assim se expressou em seu primoroso voto o eminente Ministro Barros Monteiro, ao relatar o REsp 194:

"Ao considerar que a morte por suicídio, voluntário ou in­voluntário, não caracteriza acidente pessoal, o decisum recorri­do apartou-se da Súmula 105 do STF, que assim se exprime: "salvo se tiver havido premeditação, o suicídio do segurado no período contratual de carência não exime o segurador do paga­mento do seguro". Além disso, contrastou com diversos outros julgados, que perfilham a tese consolidada pela referida súmu­la, quais sejam: RTJ 37/628; RTJ 75/297; RTJ 104/1.114; Rev. dos Tribunais 575/150; Rev. dos Tribunais 562/128 e Rev. dos Tribunais 520/253)."

Eis a ementa do respectivo acórdão:

"DIREITO CML. SEGURO. SUICÍDIO INVOLUNTÁRIO. É i noperante a cláusula que, nos seguros de acidentes

pessoais, exclui a responsabilidade de seguradora em casos de suicídio involuntário.

À seguradora, ainda, compete a prova de que o segu­rado se suicidou premeditadamente, com a consciência de seu ato. Recurso conhecido e provido."

R. sup. Trib. Just., BJ"asflia, a. 4, (39): 339·G15, novembro 1992. 525

De igual modo, o REsp 6.729, relatado pelo preclaro Ministro Eduar­do Ribeiro, de acórdão assim sumariado:

"Seguro - Acidentes pessoais.

O suicídio não premeditado é de considerar-se abran­gido pelo conceito de acidente para fins de seguro. Invali­dade da cláusula excludente desse risco."

Por oportuno trago também à colação oRE 81.160, relatado em 1975 pelo saudoso Ministro Cunha Peixoto:

"Seguro de vida. Suicídio não premeditado. A Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal predomi­

na no sentido de invalidade de cláusula que exclui indenização em seguro de vida inclusive de acidentes pessoais,' se ocorrer suicídio não predeterminado e produzido pela perturbação men­tal do segurado." (RTJ 75/297)

Isto posto, conheço do recurso por ambos os fundamentos e lhe dou provimento, para, reformando o aresto recorrido, restabelecer a decisão de primeiro grau.

EXTRATO DA MINUTA

REsp nQ 16.560-0 - SC - (91.0023696-9) - Relator: Exmo. Sr. Ministro Fontes de Alencar. Recte.: Marilene Molinari Sá. Advs.: Rogé­rio Otávio Ramos e outro. Recda.: Sul América Unibanco Seguradora S/A Advogados: Ivar Lima Riffel e outros.

Decisão: A Turma, por unanimidade, conheceu do recurso e deu­lhe provimento. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Sálvio de Fi­gueiredo, Barros Monteiro, Bueno de Souza e Athos Carneiro (em 12.05.92 - 4ª Turma).

526

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro ATHOS CARNEIRO .

• RECURSO ESPECIAL NQ 16.656-0 - SP

(Registro nº 91.237981)

Relator: Ministro Américo Luz Recte.: União Federal Recda.: Construtora Coveg Ltda. Adv.: Norton A. Severo Batista Júnior

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. REMESSA EX OFFICIO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ACÓRDÃO QUE, REFORMANDO SENTENÇA, MAJORA TAL VERBA NA AUSÊNCIA DE RECURSO VOLUNTÁRIO DA PARTE. REFORMATIO IN PEJUS. CARACTERI­ZAÇÃO.

Com o percentual da verba honorária arbitrado na sentença conformou-se a Fazenda, tornou-se defi­nitivo à míngua de impugnação. Não poderia o Tri­bunal majorá-lo, pois é vedada a reformatio in pejus.

Remessa ex officio. Não pode redundar em prejuí­zo da Fazenda, em cujo favor foi instituída.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade. em dar pro­vimento ao recurso. Votaram com o relator os Ministros Pádua Ribeiro, Hélio Mosimann e Peçanha Martins. Ausente,' ócasionalmente, o Minis­tro José de Jesus.

Custas, como de lei.

Brasília, 20 de maio de 1992 (data do julgamento).

Ministro AMÉRICO LUZ, Presidente e Relator.

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO AMÉRICO LUZ: Acórdão do Eg. Tribu­nal Regional Federal de São Paulo, negando provimento à apelação in­terposta pela União Federal, confirmou sentença de procedência de ação de repetição do indébito, majorando, no âmbito do duplo grau, a verba honorária advocatícia para 10% (dez por cento).

Irresignada com a majoração procedida, interpôs a União Federal o presente recurso especial sustentando que, diante do pacífico entendi­mento doutrinário e jurisprudencial, não pode o tribunal, no âmbito do reexame necessário, modificar a sentença, agravando a situação da Fa­zenda Pública e beneficiando a quem não recorreu, o que caracteriza reformatio in pejus.

R Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 527

o recurso foi admitido na origem, em face do dissenso jurispruden-cia1.

É o relatório, dispensada a audiência do Ministério Público Fede-ral.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO AMÉRICO LUZ (Relator): Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de con­firmada pelo tribunal, a sentença proferida contra a União, o Estado e o Município, consoante estatui a regra do art. 475, lI, do Código de Pro­cesso Civil.

A questão que se coloca no presente recurso é se, examinando a sentença no âmbito do duplo grau, pode o tribunal reformá-la, majoran­do verba honorária a que foi a Fazenda Pública condenada.

Comentando o citado dispositivo legal, sustenta Barbosa Moreira:

"Assim, ug na hipótese do art. 475, n2 lI, se a decisão da causa, na primeira instância, foi parcialmente desfavorável à União, ao Estado ou ao Município, e não houve apelação algu­ma - nem do outro litigante, nem da Fazenda Pública -, os autos sobem exclusivamente para reapreciação da parte em que esta ficou vencida; ocorrerá, portanto, reformatio in pejus caso o tribunal lhe agrave a situação, negando-lhe algo que o órgão a quo lhe reconhecera, ou reconhecendo ao adversário algo que órgão a quo lhe negara. É claro que, se o litigante adverso tiver apelado (sem limitar seu recurso), a devolução é total, haja ou não haja apelação da Fazenda - e em semelhante hipótese, à evidência, não cabe sequer cogitar de reformatio in pejus". (Co­mentários ao Código de Processo Civil, pág. 419).

Doutrina e jurisprudência se concertam no sentido da impossibili­dade do agravamento da situação da Fazenda Pública em situações como a dos autos. De fato, a majoração da verba honorária não foi objeto de apelação da parte. Com o percentual arbitrado conformou-se a Fazenda; tornou-se definitivo à míngua de impugnação. Não poderia o Tribunal alterá-lo, pois é vedada a reformatio in pejus.

Neste sentido inúmeros precedentes do Pretório Excelso, dentre os quais cito o relativo ao RE 105.345-3, assim ementado:

528 R. Sup. Trib. Just., Bnlsflia, a. 4, (39): 339-G15, novembro 1992.

"RECURSO EX OFFICIO - Decisão proferida contra a União Federal - Reforma da parte que a favorece -Inadmissibilidade - Ausência de recurso voluntário -Matéria preclusa - Reformatio in pejus caracterizada -Recurso extraordinário conhecido e provido.

Ementa oficial: Remessa Ex officio. Não pode redun­dar em prejuízo da Fazenda, em cujo favor foi instituída. Recurso extraordinário de que se conhece para dar-lhe pro­vimento.

Nesta Eg. Corte, semelhante é o entendimento, consoante se vê dos seguintes julgados, dentre outros: Recursos Especiais nl!ll 12.861, ReI. Min. Gomes de Barros; 12.786, ReI. Min. Pádua Ribeiro, e 13.203, do meu relato, todos de São Paulo, publicados no DJ de 16.10.91, estando o úl­timo assim ementado, uerbis:

"PROCESSUAL CIVIL. REMESSA EX OFFICIO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ACÓRDÃO QUE, RE­FORMANDO SENTENÇA, MAJORA TAL VERBA NA AU­SÊNCIA DE RECURSO VOLUNTÁRIO DA PARTE. RE­FORMATIO IN PEJUS. CARACTERIZAÇÃO.

Com o percentual da verba honorária arbitrado na sentença conformou-se a Fazenda; tornou-se definitivo à míngua de impugnação. Não poderia o Tribunal majorá-lo, pois é vedada a refonnatio in pejus.

Remessa ex officio. Não pode redundar em prejuízo da Fazenda, em cujo favor foi instituída".

Do exposto, dou provimento ao recurso para que prevaleça a hono­rária fixada na sentença.

EXTRATO DA MINUTA

REsp nº 16.656-0 - SP - (91.237981) - Relator: Exmo. Sr. Minis­tro Américo Luz. Recte.: União Federal. Recda.: Construtora Coveg Ltda. Adv.: Norton A. Severo Batista Júnior.

Decisão: A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator (em 20.05.92 - 2ª Turma).

Participaram do julgamento os Srs. Ministros Pádua Ribeiro, Hélio Mosimann e Peçanha Martins.

Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro José de Jesus. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro AMÉRICO LUZ.

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 529

RECURSO ESPECIAL N!! 16.923-0 - SP (Registro n!! 91.24420-1)

Relator: O Exmo. Sr. Ministro Cláudio Santos Recorrente: Tirreno Indústria e Comércio de Produtos Químicos

Ltda. Recorrida: Tirreno Veículos Ltda. Advogados: Mauro J.G. Arruda e outros; Otávio Tinoco Soares,

Roberto Trigueiro Fontes e outros

EMENTA: ~C~SO E~fECIAL. NOME COMER­CIAL. PROTEÇAO. NAO OONHECIMENTO.

Nome comercial não é apenas a expressão de fantasia, mas o conjunto, considerado em toda sua extensão.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, em não co­nhecer do recurso especial. Votaram com o relator os Ministros Nilson Naves, Eduardo Ribeiro, Dias Trindade e Waldemar Zveiter.

Custas, como de lei. Brasília, 7 de abril de 1992 (data do julgamento).

Ministro NILSON NAVES, Presidente. Ministro CLÁUDIO SAN­TOS, Relator.

RELATÓRIO

o EXMO. SR. MINISTRO CLÁUDIO SANTOS (Relator): Ação or­dinária movida por Tirreno Indústria e Comércio de Produtos Químicos Ltda. contra Tirreno Veículos Ltda., ao fundamento de estar a ré fazen­do uso indevido do nome registrado da autora, foi julgada improcedente na dupla instância ordinária.

Irresignada, apresenta a sucumbente o presente recurso especial interposto com fulcro nas alíneas a e c do permissivo constitucional e

530 R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339.615, novembro 1992.

alegação de ofensa aos arts. 8º da Convenção da União de.-Paris, 4º da Lei nº 5.772/71, e 30, IX, da Lei nº 4.726/65, que asseguram proteção ao nome comercial, além de divergência de decisão de outros Tribunais.

Admitido o recurso vieram os autos a esta Corte.

É o relatório.

VOTO

EMENTA: RECURSO ESPECIAL. NOME COMER­CIAL. PROTEÇÃO. NÃO CONHECIMENTO.

O nome comercial não é apenas a expressão de fanta­sia, mas o conjunto, considerado em toda sua extensão.

O EXMO. SR. MINISTRO CLÁUDIO SANTOS (Relator): Faz mis­ter o exame da fundamentação do acórdão:

"Pretendeu a autora que se declarasse seu direito ao uso exclusivo da expressão "TIRRENO", que compõe seu nome co­mercial, invocando a Convenção de Paris, a Lei Brasileira e o disposto no inciso XXIX, do artigo 5º, da Constituição da Repú­blica Federativa do"Brasil.

Todavia, aclarou o douto Magistrado que a Lei nº 4.726, de 13 de julho de 1965, em seu artigo 38, inciso IX, dispondo que:

"não podem ser arquivados: os contratos de socie­dades mercantis sem firma ou denominação idêntica ou semelhante a outra existente",

visou a evitar que se estabelecesse confusão entre as pessoas jurídicas.

N o caso dos autos, porém, os nomes comerciais das litiglVl­tes trazem em si os elementos que os distinguem, na medida em que a autora se dedica à indústria e comércio de produtos quí­micos e a ré à comercialização de veículos.

O próprio INPI ao deferir os respectivos registros, fê-lo, em relação à autora, na classe 40.15 (produtos e serviços) como se vê do documento de fls. 27 e relativamente à ré nas classes 7.25, 7.55 e 7.60 (produtos e serviços) como consta do documen­to de fls. 58.

Não há, efetivamente, confusão possível para o consumi­dor, em razão do nome TIRRENO, um patronímico que não

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 531

pertence a nenhuma das litigantes, pois que se dedicam elas a atividades bem diferentes, como seus nomes comerciais procla­mam, aliás". (fi. 220).

Lembra a recorrida que o nome Tirreno provém de um trecho de mar pertencente à bacia ocidental do Mediterrâneo, sendo de certa for­ma de uso não apropriável com exclusividade.

Na verdade, o nome comercial não é apenas a expressão de fanta­sia, mas o conjunto, considerado em toda sua extensão. Assim, salvo a hipótese de marca, cuja exclusividade é tutelada, a garantia ao nome comercial deve ser conferida à vista do nome completo, o que não é o caso.

Os nomes das partes, conforme decidido, na instância comum, não se confundem, e, por isso, não exsurge da decisão recorrida a afronta à lei federal, como pretende a recorrente.

De salientar, ainda, que ambas sociedades comerciais gozam do direito ao uso da marca "Tirreno", em classes diversas, nos termos do art. 59, do Cód. de Propriedade Industrial, fato confirmado em sentença do Dr. Juiz Federal da 21ª Vara, de 13.2.91, segundo cópia nos autos (fls. ~269/274).

Diante das considerações feitas evidencia-se não estar comprovada - a divergência jurisprudencial, porquanto os acórdãos apontados como

divergidos assentaram-se em situações fáticas diversas.

Meu voto é pelo não conhecimento do recurso.

EXTRATO DA MINUTA

REsp nQ 16.923-0 - SP - (91.24420-1) - Relator: Exmo. Sr. Mi­nistro Cláudio Santos. Recte.: Tirreno Indústria e Comércio de Produtos Químicos Ltda. Advs.: Mauro J.G. Arruda e outros. Recda.: Tirreno Ve­ículos Ltda. Advogados: Otávio Tinoco Soares e outros. Sustentou oral­mente o Dl'. Roberto Trigueiro Fontes, pela Recorrente.

Decisão: A Turma, por unanimidade, não conheceu do recurso es­pecial (em 07.04.92 - 3ª Turma).

Participaram do julgamento os Srs. Ministros Nilson Naves, Eduar­do Ribeiro, Dias Trindade e Waldemar Zveiter.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro NILSON NAVES.

532 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

RECURSO ESPECIAL N!! 16.994-0 - DF (Registro n!! 92.0000562-4)

Relator: O Exmo. Sr. Ministro Flaquer Scartezzini Recorrente: Ministério Público Federal Recorridos: Raimundo Pinto de Souza e Manoel Renato da Silva

Botelho Advogado: Carlos Zanúth Júnior

EMENTA: PROCESSUAL PENAL - IDENTIFICA­çÃO FOTOGRÁFICA.

A Constituição de 1988, no seu art. 52, inciso LVIII, veda a identificação criminal do civilmente identificado, salvo nas hipóteses previstas em lei, a~sim entendida, também, a fotográfica, à ausência de comando legal que a autorize.

Recurso improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, em conhecer do recurso e em lhe negar provimento. Votaram com o relator os Srs. Ministros José Dantas, Costa Lima, Assis Toledo e Edson VidigaL

Custas, como de lei. Brasília, 13 de maio de 1992 (data do julgamento).

Ministro FLAQUER SCARTEZZINI, Presidente e Relator.

RELATÓRIO

o EXMO. SR. MINISTRO FLAQUER SCARTEZZINI: O MINIS­TÉRIO PÚBLICO FEDERAL, nos termos das razões de fls. 79/87, recor­re do v. acórdão de fls. 71/75, que, negando provimento à remessa ofi­cial, confirmou a r. sentença que concedeu ordem de habeas corpus, desautorizando a identificação fotográfica do indiciado.

O recursante sustenta, em suma, que dentre os elementos de iden­tificação criminal, inclui-se a fotografia, considerando que a lei a respei-

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 533

to não limitou o processo identificatório, e o v. aresto ao excluí-la acabou por negar vigência ao art. 62, inciso VIII, do CPP, conforme já decidiu a Suprema Corte, argumentos estes com que pretende ver reformado o v. -decisum hostilizado.

Admitida a irresignação, os autos subiram a esta instância, tendo a douta Subprocuradoria-Geral da República, na cota de fls. 109/113, se pronunciado pelo desprovimento do inconformismo.

É o relatório.

VOTO

EMENTA: PROCESSUAL PENAL - IDENTIFICA­çÃO FOTOGRÁFICA.

A Constituição de 1988, no seu art. 52, inciso LVIII, veda a identificação criminal do civilmente identificado, sal­vo nas hipóteses previstas em lei, assim entendida, também, a fotográfica, à ausência de comando legal que a autorize.

Recurso improvido.

o EXMO. SR. MINISTRO FLAQUER SCARTEZZINI: Srs. Minis­tros, inconformado com o v. acórdão de fls. 71/73, que negou provimento à remessa ex officio, confirmando a ordem de habeas corpus concedida no sentido de determinar o desentranhamento dos autos, das fotos e dos negativos relativos à identificação criminal, o Ministério Público ofere­ceu recurso especial, com fundamento nas alíneas a e c da autorização constitucional, por entender vulnerado o art. 62 do CPP, e dissentir a r. decisão da jurisprudência do STF.

Examinando o feito, verifico não proceder a irresignação da acusa­ção, tendo em vista que o art. 62 do Estatuto Processual Penal não prevê a identificação fotográfica.

Por outro lado, o art. 52, inciso LVIII, proíbe a identificação crimi­nal do civilmente identificado, ressalvado os casos previstos em lei.

Diante deste preceito, inexistindo previsão legal para a hipótese em exame, não há como se entender legítimo tal procedimento, que, caso executado, sem dúvida, caracterizaria constrangimento ilegal.

É bem verdade que os fatos ocorreram sob a égide da Carta Políti­ca de 1969, que não dispunha sobre a matéria. No entanto, a norma constitucional vigente que proíbe a identificação criminal do civilmente

534 R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

identificado, ressalvados os casos previstos em lei, tem vigência imedia­ta e como tal beneficia o paciente.

A nível jurisprudencial, é pacífico o entendimento nesta Corte, em abono à tese sustentada pelo v. decisum recorrido, do que me permito destacar a seguinte ementa:

"PENAL. HABEAS CORPUS. IDENTIFICAÇÃO CRI­MINAL. NOVA CONSTITUIÇÃO.

Com a vigência da nova constituiç:1o, a identificação criminal de quem já é civilmente identificado constitui cons­trangimento ilegal, à falta de legislação ordinária dispondo sobre as exceções permitidas, a teor do disposto no seu art. 5º, inciso LVIII.

Recurso provido." CRRC 67 -DF - ReI. Min. William Patterson - 6~ Turma - STJ - DJU de 18.09.89).

No mesmo sentido são os acórdãos proferidos no RRC 77-DF (ReI.: Min. Costa Leite - 6~ Turma - STJ - DJU de 14.08.89), RRC 323-DF (ReI.: Min. Dias Trindade - 6~ Turma - STJ - DJU de 06.11.89).

Esta Egrégia Turma tem adotado o 'mesmo entendimento, do que cito como exemplo o r. aresto prolatado por ocasião do julgamento do RRC 645-SP, do qual participei na condição de Relator, publicado no DJU de 17.09.90, verbis:

"PROCESSUAL PENAL - IDENTIFICAÇÃO CRIMI­NAL - DISPENSA - DEFINIÇÃO.

Salvo nas hipóteses previstas em lei, o civilmente iden­tificado não será submetido à identificação criminal.

Inteligência do art. 5º, LVIII, da Constituição Federal.

Recurso provido."

Com estas considerações, nego provimento ao recurso.

É como voto.

EXTRATO DA MINUTA

REsp nº 16.994-0 - DF - (92.0000562-4) - Relator: Exmo. Sr. Ministro Flaquer Scartezzini. Recte.: Minist6rio Público Federal. Recdos.: Raimundo Pinto de Souza e Manoel Renato da Silva Botelho. Adv.: Car­los Zamith Júnior.

Decisão: A Turma, por unanimidade, conheceu do recurso e lhe negou provimento (em 13.05.92 - 5~ Turma).

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 535

Votaram de acordo os Srs. Mins. José Dantas, Costa Lima, Assis Toledo e Edson Vidigal.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro FLAQUER SCARTEZZINI. t

RECURSO ESPECIAL NQ 17.145-0 - RJ (Registro nQ 92.0000741-4)

Relator: O Exmo. Sr. Ministro Flaquer Scartezzini Recorrente: Luiz Cláudio Soares da Silva RecorrIdo: Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro Advogad0: José Danir Siqueira do Nascimento

EMENTA: RECURSO ESPECIAL - DESMEM­BRAMENTO DO PROCESSO - PERMISSillILIDADE - ART. 80 DO CPP.

A proibição da cisão processual, como regra ge­ral ínsita no art. 79 do CPP, é excepcionada no art. 80 do mesmo estatuto processual, facultando ao Juiz, nos casos que enumera, a separação do feito, sem que daí resulte nulidade.

Recurso não conhecido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, em não co­nhecer do recurso. Votaram de acordo os Srs. Ministros Costa Lima, Assis Toledo e Edson Vidigal. Ausente, justificadamente, o Sr. Min. José Dan­tas.

Custas, como de lei. Brasília, em 15 de junho de 1992 (data do julgamento). Ministro FLAQUER SCARTEZZINI, Presidente e Relator.

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO FLAQUER SCARTEZZINI: Trata-se de Recurso Especial constitucional com fulcro no art. 105, III, letras a e c,

536 R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

da Carta Política de 1988, por não se conformar com o v. acórdão da Terceira Câmara Criminal do E. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que não acolheu a argüição de nulidade da sentença, que determinou o desmembramento do processo em relação ao co-réu.

Sustenta em seu favor, que o desmembramento não é possível, pois a prova que se vai repetir pode prejudicar sua defesa. Assim, se o co-réu não foi intimado antes, a solução seria anular todo o processo.

Entende, por isso, vulnerado ao art. 79, I, II, §§ 12 e 22 , do Código de Processo Penal, colacionando, como paradigma, acórdão da Terceira Câmara Criminal do E. Tribunal de Justiça de São Paulo.

Não admitido o recurso por despacho do eminente Desembargador Terceiro Vice-Presidente do E. Tribunal a quo, subiram os autos por força de provimento a Agravo interposto.

Vindo os autos, nesta Superior Instância manifesta-se a douta Sub­procuradoria-Geral da República pelo improvimento do recurso, posto que o desmembramento atacado é permitido expressamente pela Lei Adjetiva Penal.

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO FLAQUER SCARTEZZINI: Srs. Minis­tros, o presente Recurso Especial foi interposto contra o v. acórdão da Terceira Câmara Criminal do E. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que não acolheu argüição de nulidade da sentença que determinou o desmembramento do processo em relação ao co-réu, em flagrante des­respeito ao art. 79, I, II, §§ 12 e 22, do CPP, colacionando, também, o recorrente, jurisprudência em favor de sua tese.

O ora recorrente, Luiz Cláudio Soares da Silva, juntamente com o co-réu Jorge Miguel de Lima foram denunciados por infração aos arts. 121, § 22, II, c/c art. 14, lI, e 129, do CP, c/c art. 70, do mesmo Estatuto, c/ ainda com o art. 29 do aludido Diploma.

Na sentença de pronúncia (fls. 383/391) o Dr. Juiz acolheu prelimi­nar de nulidade da Instrução, no tocante ao co-réu Jorge Miguel, eis que o mesmo não fora devida e regularmente intimado para comparecer em atos da instrução criminal (fls. 388), finalizando por pronunciar o réu Luiz Cláudio nas sanções que enumerou (fls. 390/391) e determi­nando o desmembramento do processo quanto ao co-réu Jorge Miguel, o que gerou recurso em sentido estrito do ora recorrente ao entendimento de não ser "possível cindir a prova em processo que diz respeito a uma

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 537

autoria e a uma co-autoria", e que "não é possível a separação do proces­so, se a prova a ser feita puder ter influência no direito de defesa do recorrente." (fls. 410).

Tais razões prosseguiram, e vieram a integrar o presente recurso.

Diz o art. 79, seus incisos e parágrafos do CPP, supostamente vul­nerado, verbis:

"Art. 79 - A conexão e a continência importarão unidade de processo e julgamento, salvo:

I - no concurso entre a jurisdição comum e a militar;

II - no concurso entre a jurisdição comum e a do Juízo de menores.

§ 1º - Cessará, em qualquer caso, a unidade do processo, se, em relação a algum co-réu, sobrevier o caso previsto no art . . 152.

§ 2º - A unidade do processo não importará a do julga­mento, se houver co-réu foragido que não possa ser julgado à revelia, ou ocorrer a hipótese do art. 461."

A contrariedade à supracitada norma processual penal estaria, no dizer do recorrente, em que a sentença determinou a cisão do processo, ainda em face de produção de provas e na conclusão da instrução, quan­do a lei fala que a quebra somente poderá se dar em fase de julgamento.

O julgado colacionado, da Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, tem a seguinte ementa:

"SENTENÇA CRIMINAL - Nulidade - Separação do julgamento de um dos denunciados por lesões corporais recíprocas, não obstante a identidade originária dos fatos delituosos, subordinados à mesma causa - Inadmissibili­dade - Quebra da regra geral da "unidade do processo e julgamento."

Não há razão de ordem jurídico-processual e nem mes­mo de ordem prática, para que se rompa a norma adjetiva da "unidade do processo e julgamento", separando-se o jul­gamento de um dos réus, não obstante a identidade origi­nária dos fatos delituosos, subordinados a uma causa co­mum" (in RT 213/84).

A prima facie poderíamos estar diante de negativa de vigência de norma legal e dissidência jurisprudencial.

Contudo, ao examinarmos detidamente os autos, não podemos con­cordar com o ora recorrente.

538 R Sup. Trib. Just., Bnisília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

É que o processo foi anulado em relação ao co-réu, eis que não in­timado para os atos da instrução criminal, e não vejo razão plausível por que repetir-se os mesmos atos no que se refere ao recorrente, quan­do, em relação a ele, foram absolutamente perfeitos. Seria, como preten­dido, uma repetição absolutamente inócua, que só retardaria a marcha processual e, ademais, o procedimento nenhum malefício redundou em prejuízo do recorrente.

A respeito salientou a Procuradoria de Justiça que, abrandando o rigor da referida norma, o legislador houve por bem facultar a separa­ção ou desmembramento do Processo ainda que uno pela regra da con­tinência, como in casu.

Com efeito, se a nulidade não atingiu a instrução no tocante ao recorrente, e havendo motivo relevante, o Juiz poderia ter desmembra­do o processo, pois a lei processual penal assim o prevê, a teor do artigo 80 do CPP, que diz:

"Art. 80. Será facultativa a separação dos processos quan­do as infrações tiverem sido praticadas em circunstâncias de tempo ou de lugar diferentes, ou, quando pelo excessivo núme­ro de acusados e para não lhes prolongar a prisão provisória, ou por outro motivo relevante, o juiz reputar conveniente a sepa­ração."

Se, por um lado, o art. 79 do CPP, como regra geral proíbe a cisão processual, a não ser nos casos que enumera, o certo é que o art. 80 do mesmo Diploma excepciona essa regra facultando ao juízo, por motivo que repute relevante ou conveniente, a separação do feito, sem que daí resulte em nulidade.

Pelo mesmo motivo, a decisão trazida como paradigma, a isso não se presta, pois, no caso em que versava, não considerou o disposto no art. 80 do CPP, o que aconteceu no presente caso, como fez o v. acórdão atacado.

Assim, não vendo configurada afronta a dispositivos de lei, nem tampouco dissídio jurisprudencial pretendido, não conheço do presente recurso.

É o meu voto.

EXTRATO DA MINUTA

REsp nº 17.145-0 - RJ - (92.0000741-4) - Relator: Exmo. Sr. Ministro Flaquer Scartezzini. Recte.: Luiz Cláudio Soares da Silva. Adv.: José Danir Siqueira do Nascimento. Recdo.: Ministério Público do Esta­do do Rio de Janeiro.

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 539

Decisão: A Turma, por unanimidade, não conheceu do recurso (em 15.06.92 - 5!! Turma).

Votaram de acordo os Srs. Mins. Costa Lima, Assis Toledo e Edson Vidigal. Ausente, justificadamente, o Sr. Min. José Dantas.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro FLAQUER SCARTEZZINI.

+

RECURSO ESPECIAL N!l 19.435-0 - PR

Relator: O Exnw. Sr. Ministro Edson Vidigal

Recorrente: Ministério Público do Estado do Paraná

Recorrido: Luiz Alberton

Advogados: Erico Constantinopolis e outro

EMENTA: PENAL. PROCESSUAL. HOMICÍDIO. JÚRI. CONDENAÇÃO. MOTIVO FÚTIL. QUALIFICA­DORA DO CRIME.

1. O motivo fútil, no crime de homicídio, é ingre­diente do crime e não circunstância agravante.

2. Acolhido o motivo fútil contra a prova dos autos, anula-se o julgamento para que outro seja pro­ferido.

3. Anular o julgamento não é o mesmo que refor­mar o julgamento. Lembrar sempre que o Júri é so­berano. Mas não pode decidir contra a .prova dos autos.

4. Divergência demonstrada, recurso conhecido. Porém improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, em conhecer do re­curso, mas em lhe negar provimento. Votaram com o Relator os Srs. Mi­nistros Flaquer Scartezzini, José Dantas, Costa Lima e Assis Toledo.

540 R Sup. Trib. JusL, Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

Custas, como de lei. Brasília, 13 de maio de 1992 (data do julgamento).

Ministro FLAQUER SCARTEZZINI, Presidente. Ministro EDSON VIDI GAL , Relator.

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO EDSON VIDIGAL: Os dois leitões, suí­nos em idade tenra, eram a poupança com que a mãe de Luiz e José iria custear seu tratamento médico. José, 38 (trinta e oito) anos, vendeu os leitões. Luiz, 31 (trinta e um) anos, indignado, encerrou a discussão, à mesa no almoço, enfiando uma faca em José e ainda lhe golpeando na cabeça com um cabo de machado.

José morreu, Luiz foi levado a Júri Popular, na Comarca de Santa Helena, Paraná. Denunciado por homicídio qualificado por motivo fútil (CP, art. 121, § 22, II c/c o art. 61, lI, e (contra irmão), foi condenado a 12 (doze) anos de reclusão com as atenuantes do CP, art. 65, I e IIl, c.

Apelou com fundamento no Código de Processo Penal, art. 593, IIl, d, visando a cassação do julgado, que teria contrariado manifestamente a prova dos autos, demonstradora da excludente da legítima defesa pró­pria, não sendo aceitável, também, o reconhecimento da qualificadora do motivo fútil, porque teria apenas reagido à agressão física do irmão.

O Tribunal de Justiça do Paraná proveu o apelo do réu, anulando a sentença e determinando fosse o réu submetido a novo julgamento pelo Tribunal do Júri, lançando no Acórdão ementa de teor seguinte:

"JÚRI - DECISÃO CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS - RECONHECIMENTO DA QUALIFICADORA EM DESACORDO COM AS PROVAS - INADMISSIBILI­DADE - APELAÇÃO PROVIDA - NOVO JULGAMEN­TO ORDENADO.

O reconhecimento pelos Jurados da qualificadora em desacordo com as provas, expressa decisão contrária à pro­va dos autos, ensejando novo julgamento do réu. A retifica­ção da pena nesta instância, sob tal fundamento, constitui­ria violação à soberania do Júri."

Ressaltou a Câmara julgadora, que em tendo havido discussão se­guida de tentativa de agressão por parte da vítima, não se caracterizou a futilidade da ação, inocorrendo a qualificadora, além do que, interpos­ta a apelação somente com indicativo da alínea d do permissivo legal, dentro desse parâmetro é que deveria ser apreciada a matéria, consoan-

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 541

te decisão do Supremo Tribunal Federal ali citada. Ademais, "houve equívoca decisão dos Jurados no tocante à qualificadora, e não simples erro ou injustiça na aplicação da pena, devendo pois ser o erro corrigido mediante seu acatamento como decisão manifestamente contrária à pro-

. va dos autos" (fls. 115).

O Ministério Público, então, recorreu extraordinariamente, argüindo a relevância da questão federal, em fevereiro de 1988, pugnando pela confirmação da conclusão condenatória e pela desclassificação do crime para homicídio simples, imposta a pena respectiva, bem como mantidos os critérios adotados pela sentença. Sustenta a violação do princípio constitucional da ampla defesa, eis que o Acórdão não conheceu da irre­signação pela letra c, In, art. 593, CPP, porque interposto o apelo ape­nas pela d. Alega negativa de vigência à lei federal e dissenso interpu­tativo.

Admitido o recurso no Tribunal de origem, subiram os autos ao Supremo Tribunal Federal, que os enviou a esta Corte por despacho do Ministro Néri da Silveira, para ser primeiro apreciada a matéria infra­constitucional nele deduzida, após, retornarem ao STF para exame dos fundamentos de natureza constitucional.

A douta Subprocuradoria-Geral da República opina pelo provimen­to do recurso, ao argumento de que:

"O entendimento da SUPREMA CORTE é decisivo. A im­possibilidade de se determinar novo julgamento, em vez de modificação da pena para excluir a agravante do motivo fútil, deriva do alcance segundo o qual a qualificadora é exasperação punitiva e não circunstância do crime. Ora, sendo pressuposto da pena, em vez de elemento do tipo, o erro verificado é sobre a aplicação da pena, da previsão da alínea c e não da alínea d, impondo-se o julgamento do recurso, na conformidade do § 2º do art. 593 do Código de Processo Penal". (fls. 170)

Relatei.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO EDSON VIDIGAL: Senhor Presidente, duas são as questões postas em discussão.

Primeiro, se nas apelações das decisões do Tribunal do Júri fica ou não o recurso adstrito exclusivamente aos fundamentos invocados pelo recorrente quando de sua interposição, ou se devolve à instância supe­rior o conhecimento pleno da matéria decidida.

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o Acórdão recorrido ponderou que o pensamento predominante na jurisprudência é de restringir o recurso aos motivos invocados pelo re­corrente ao interpô-lo. E com razão.

As apelações do Júri podem ser balizadas nas quatro alíneas do art. 593, UI, CPP, não sendo obrigatório que o fundamento da irresigna­ção venha expresso na petição que a manifesta. Entendo, inclusive, que na ausência dessa indicação, presume-se total a apelação, ou seja, se a petição de interposição não diz qual ou quais as letras da disposição processual em que se funda, não dando definição do âmbito recursal, deve o recurso ser entendido em sentido amplo e abrangido por todas elas.

Nesse sentido já se pronunciou o Supremo Tribunal Federal- RTJ 96/1.027, verbis:

"No entanto, em razão de o recurso ter sido interposto pela defesa, sem restrições ou limitações expressas, e assim recebi­do, penso que restringi-lo, depois, não consulta ao princípio constitucional que assegura a plenitude de defesa".

Porém, a sua limitação expressa na peça recursal torna defeso à superior instância o exame de matéria não formalmente impugnada.

Deixou assente o Pretório Excelso que o recurso tem caráter restri­to nos casos em que o juízo a quo é o Júri:

"Apelação do Tribunal do Júri. É ela adstrita aos motivos invocados pelo recorrente, quando da interposição, ou, pelo menos, na apresentação tempestiva das razões". (RE 80.423-DF, ReI. Min. Moreira Alves - RTJ 75/243)

Segundo, se reconhecida a qualificadora do motivo fútil pelo Con­selho de Sentença, poderia o Tribunal ad quem, por considerá-la inexis­tente, e ao fundamento de ser essa decisão manifestamente contrária à prova dos autos, limitar-se a reduzir a pena in concreto.

O Ministério Público recorrente, como exposto no relatório, bate-se pela afirmativa, citando decisão do Supremo Tribunal Federal (RTJ 103/ 696), de cujo teor se socorre, assim:

... "a circunstância qualificadora pertine à punibilidade" e à aplicação da pena, em vez de concernir ao fato do crime, e que, como circunstância da pena, antes que circunstância do delito, o erro de julgamento a seu respeito é erro no tocante à aplica­ção da pena, do qual pode participar, também, o conselho de jurados".

Consoante o ensinamento do brilhante processualista Fernando da Costa Tourinho Filho, "o motivo fútil, no crime de homicídio, não é, pura

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e simplesmente, uma circunstância da pena. Muito embora o seja na maioria dos crimes, em se tratando de homicídio doloso, ele se converte e se transmuda em elemento constitutivo. Desse modo, sendo ele ele­mentar do crime de homicídio qualificado, passa a compor o crime" (Pro­cesso Penal, VoI. 4, p. 286, 12i! ed., 1990).

Nesse sentido, o REsp 4.196-SP, Re1. Ministro Costa Leite, DJ 2.10.90, assim ementado:

"Processo penal. Júri. Qualificadora. A qualificadora é elemento do crime, e não circunstância da pena, pelo que, na hipótese de o Júri acolhê-la contrariamente à prova dos autos, a conseqüência é a submissão do réu a novo julga­mento popular, não podendo o Tribunal simplesmente ex­cluí-la e retificar a pena".

O Acórdão recorrido, do Tribunal de Justiça do Paraná, citando precedente daquela Corte, assinalou:

544

" ... se a segunda instância pudesse subtrair do Tribunal do Júri no julgamento da apelação a apreciação da qualificadora, pela mesma razão haver-se-ia que aceitar a independência, nes­se particular, do MM. Juiz Presidente na fixação da sanção penal, o que feriria a estrutura procedimental e a própria na­tureza da instituição do Tribunal do Júri - ex vi art. 153, § 18 da Constituição Federal, Ccfe. tb. Fernando da Costa Tourinho Filho, em "Processo Penal", voI. 4, pág. 62, 5i! edição). Nesse sentido o ensinamento de Hermínio Alberto Marques Porto, "Júri", 3l! edição, pág. 172: "O reconhecimento pelos jurados de agravante repelida pelas provas, expressa decisão manifesta­mente contrária à prova dos autos (letra d, inciso In, do art. 593), ensejando novo julgamento, pois não é possível, sob pena de violação da soberania dos veredictos, somente a retificação da pena em grau de recurso". Segundo José Lisboa da Gama Maucher, in "Manual de Processo Penal Brasileiro", pág. 43, a letra c não se refere à manifestação do Conselho de Sentença mas, tão-somente, à do juiz togado.

É ainda, de se destacar que sendo o homicídio qualificado um tipo derivado, sobre este é que incidem as circunstâncias judiciais, agravantes e atenuantes, formando as duas primeiras etapas do procedimento trifásico de fixação da pena dentro dos limites de mínimo e máximo estabelecidos pela tipificação aco­lhida pelos Srs. Jurados. Assim, o enquadramento ou a adequa­ção típica, ao contrário do grau de reprovação oriundo das duas operações iniciais acima mencionadas (limitado, como dissemos, pelos parâmetros do próprio tipo escolhido), só pode ser revisto

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com fundamento na letra d do art. 593, inciso III, do Código de Processo Penal" (fls. 116/117).

E concluiu, a meu ver acertadamente, que não se tratava apenas de simples erro ou injustiça na aplicação da pena, mas de decisão equi­vocada dos Jurados no tocante à qualificadora, anulando a decisão e determinando novo julgamento. Posicionamento que se afina ao já espo­sado por esta Casa no julgamento do Res. 13.768-SP, relator para o Acór­dão o Ministro Assis Toledo. Ali, ressaltou o Ministro Vicente Cernicchia­ro:

" ... quanto à natureza jurídica do crime qualificado, rele­vante se faz invocar a soberania do Tribunal do Júri (Const., art. 52, XXXVIII, c). Aliás, mitigada apenas quando a decisão for manifestamente contrária à prova dos autos. Mesmo assim, o julgamento será anulado. Jamais reformado".

E, acrescenta:

"O Júri, assim, responde a respeito do fato delituoso e de circunstâncias referentes à aplicação da pena. E o faz sobera­namente, ou seja, de modo a não ser contestado pelo Presidente ou julgado de 2f! instância. Nada pode ser acoimado de errado ou injusto. O único tempero, registrou-se, será a anulação do julgamento, quando manifestamente contrário à prova dos au­tos.

O Presidente do Tribunal do Júri, no aplicar a pena, vin­cula-se às respostas, ainda que outra seja sua convicção pes­soaL C .. )

O Juiz togado não pode corrigir a decisão do Júri. Total ou parcialmente. Resta-lhe apenas anular o julgamento diante da evidência de descompasso da decisão com a prova dos autos. Uma só vez. Se assim não fosse, o Tribunal do Júri deixaria de ser soberano."

Mirabete ("Processo Penal", 1991, p. 612), ao cuidar na matéria, é peremptório:

"Em respeito à soberania dos vereditos o Juízo ad quem não poderia, a pretexto de corrigir injustiça na aplicação da pena, afastar a decisão dos jurados no referente aos quesitos sobre qualificadoras, causas de aumento ou redução de pena, agravantes e atenuantes, cabendo na hipótese apenas a anula­ção do julgamento por ser a decisão manifestamente contrária à prova dos autos. (. .. ) Os artigos 604 a 606 do Código de Pro­cesso Penal, que continham regras a respeito de alteração nas

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sentenças proferidas pelo Tribunal do Júri, foram revogados pela Lei n2 263, de 23.02.48, em virtude do que dispunha o artigo 141, § 28, da Constituição Federal de 1946, que consa­grava o princípio da soberania dos vereditos, agora reconduzin­do a qualidade de garantia constitucional pela nova Carta Magna (art. XXXVIII, c). Alterar a decisão dos jurados, em nosso en­tendimento, é uma violação desse princípio".

Assim, em face da divergência jurisprudencial devidamente demons­trada, e na esteira do entendimento adotado neste Tribunal, conheço do recurso, mas lhe nego provimento.

É o voto.

VOTO

O SR MINISTRO JOSÉ DANTAS: Sr. Presidente, em face do bri­lhante voto do Sr. Ministro Relator, dou por muito bem lavrada a sua fundamentação naquilo que diretamente interessou à decisão.

No ponto acadêmico, porém, sem relevância no deslinde da hipóte­se, mas fixador de precedência, tenho por certo, diferentemente de S. Exa., que o recurso das decisões do júri há de ser sempre bitolado pela matéria prevista na alínea invocada (CPP, art. 593, inciso IH).

Com esse ligeiro reparo à parte doutrinária dissertada, mas não à parte conclusiva do seu douto voto, acompanho o Sr. Ministro Relator.

EXTRATO DA MINUTA

REsp n2 19.435-0 - PR - Relator: Exmo. Sr. Ministro Edson Vidi­gal. Recte.: Ministério Público do Estado do Paraná. Recdo.: Luiz Alber­tono Advogados: Erico Constantinopolis e outro.

Decisão: A Turma, por unanimidade, conheceu do recurso, mas lhe negou provimento (em 13.05.92 - 5i! Turma).

Votaram de acordo os Srs. Mins. Flaquer Scartezzini, José Dantas, Costa Lima e Assis Toledo.

546

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro FLAQUER SCARTEZZINI.

• RECURSO ESPECIAL N2 19.775-0 - GO

Relator: Sr. Ministro Hélio Mosimann

Recorrente: Ministério Público Federal

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

Recorrida: Faculdade Anhangüera de Ciências Humanas Interessado: Aloisio Leão André

Advogado: Dr. Adriano de Araújo Carneiro Vaz

EMENTA: ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPE­RIOR. EXAME VESTIDULAR. MATRÍCULA. CERTIFI­CADO DE CONCLUSÃO DO SEGUNDO GRAU. FATO CONSUMADO POR FORÇA DA CONCESSÃO DE LI­MINAR. SITUAÇÃO CONSOLIDADA.

Se a matrícula na Faculdade de Administração, após exame vestibular prestado há mais de quatro anos, foi assegurada em cumprimento a decisão judi­cial, tornando o fato consumado pelo decurso do tem­po, sem prejuízo de terceiros, merece respeito a situa­ção já consolidada.

Precedentes jurisprudenciais.

Recurso provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, em dar pro­vimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Partici­param do julgamento os Srs. Ministros Peçanha Martins, Pádua Ribeiro e José de Jesus. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Américo Luz.

Custas, como de lei.

Brasília, 09 de setembro de 1992 (data do julgamento).

Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, Presidente. Ministro HÉLIO MOSIMANN, Relator.

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO HÉLIO MOSIMANN: Trata-se de recurso especial interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, com fun­damento no art.105, UI, letra c, da Constituição Federal, contra decisão da Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da I!! Região que, re­formando sentença, julgou não ter direito à matrícula no ensino supe­rior o aluno que não concluiu o segundo grau.

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 547

A ementa do acórdão recorrido está assim lavrada:

"ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. CERTIFI­CADO DE CONCLUSÃO DO 2Q GRAU. MATRÍCULA.

I - Sem conclusão do 2Q grau, não pode haver matrÍ­cula no Curso Superior. Se o candidato, aprovado em exa­me vestibular, a obteve por força de medida liminar, tal ma­trícula não pode prevalecer. Aproveitam-se os créditos acaso obtidos mediante aprovação em novo concurso vestibular e conseqüente matrícula, comprovada a conclusão do 2Q grau.

II - Remessa oficial provida." (fls. 56).

Aponta, o douto órgão ministerial, dissídio pretoriano.

Sustenta, ainda, que laborou em equívoco o aresto atacado, pois o impetrante apresentou o certificado de conclusão do 2Q grau antes da sentença de mérito, com respaldo na liminar concedida.

Admitido o processamento do recurso (fls. 89/90), subiram os autos a este Colendo Tribunal, tendo a douta Subprocuradoria-Geral da Repú­blica opinado pelo seu provimento (fls. 95/97).

É o relatório.

VOTO

O SENHOR MINISTRO HÉLIO MOSIMANN: Sr. Presidente, ALOI­SIO LEÃO ANDRÉ, aprovado em concurso vestibular para o Curso de Administração, teve sua matrícula indeferida pela direção da Faculdade Anhangüera, de Goiânia/GO, à falta de comprovação dI:! conclusão do segundo grau.

No prazo estipulado pelo despacho de fls. 31, o impetrante apre­sentou ao reclamado o certificado de conclusão do Curso de Segundo Grau (fls. 33/36), pelo que a segurança foi concedida nos termos da sentença de fls. 39/42, assim fundamentada, verbis:

548

"Este é outro dos inúmeros casos que sobejaram na Justiça Federal, com o mesmo ponto de identidade: estudantes que, sem concluir o 2Q grau, foram aprovados no concurso vestibular e ganharam prontas liminares que lhes asseguraram as respec­tivas matrículas. Desse modo, com o decorrer do tempo, a pró­pria morosidade judiciária levava a se consumar a situação, de tal modo que se tornava irreversível. O que inicialmente não constituía nenhum direito líquido e certo transmudou-se para

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

uma consolidação que se recomenda ser mantida para evitar mais prejuízos.

2 - Tal é o caso. O Impetrante ganhou uma liminar em 19.02.88 (fls. 14), que se efetivou com a matrícula dele no Curso de Administração da Faculdade Anhangüera. Pela correspon­dência de fls. 33/37, informa a Autoridade impetrada que o impetrante apresentou o Certificado de conclusão do 29 Grau e encontra-se freqüentando regularmente as aulas.

A jurisprudência, a esse respeito, tem decidido assim:

"ENSINO SUPERIOR. FALTADO CERTIFICADO DE CONCLUSÃO DO 2º GRAU À ÉPOCA DA MATRÍCULA. MEDIDA LIMINAR CONCESSIVA.

I - Obtida pelo impetrante medida liminar para a realização da matrícula na Universidade e, antes do julga­mento de 19 grau, apresentando o certificado de conclusão que faltava, o que valeu a concessão da segurança e a fre­qüência ao curso de engenharia elétrica desde 1985, confi­gura-se situação de fato que o bom senso recomenda seja mantida para evitar-se prejuízo aos estudos já realizados." (fls. 40/41).

Ora, consoante a jurisprudência consolidada a respeito, de que são exemplos os vários precedentes trazidos pelo recorrente na peça recur­sal de fls. 68/73, tem-se por divergente o acórdão recorrido.

Não se pode, a esta altura, anular tudo e prejudicar o estudante, aprovado em vestibular a que se submeteu há vários anos, com o segun­do grau comprovadamente concluído e já em final de curso superior. A situação foi criada e consolidada, contando com o amparo da jurispru­dência. Vejam-se, a propósito, os Recursos Especiais nll.:! 6.289-GO, por mim relatado, in DJ de 02.09.91; 3.534-GO, ReI. Min. Américo Luz, DJ de 17.02.90, e 3.538, ReI. Min. Garcia Vieira, DJ de 29.04.91.

Isto posto, firme no entendimento de que o fato consolidado não deve sofrer mutação em prejuízo da parte, quando terceiros não são atingidos pela decisão, dou provimento ao recurso.

EXTRATO DA MINUTA

REsp n9 19.775-0 - GO - Relator: Exmo. Sr. Ministro Hélio Mo­simann. Recte.: Ministério Público Federal. Recda.: Faculdade Anhan­güera de Ciências Humanas. Interes.: Aloisio Leão André. Advogado: Adriano de Araújo Carneiro Vazo

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 549

Decisão: A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator (em 09.09.92 - 2!! Turma).

Participaram do julgamento os Srs. Ministros Peçanha Martins, Pádua Ribeiro e José de Jesus.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Américo Luz.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RI­BEIRO.

RECURSO ESPECIAL N2 19.921-0 - RS

(Registro n2 92.0005956-2)

Relator: O Senhor Ministro Bueno de Souza

Recte.: Banco Industrial e Comercial S/A

Recdos.: Sílvio Lúcio Piassarollo e João Oscar de Carvalho Advogados: Drs. Rodolfo Carrion Lopes de Almeida, Francisco

Mariano Ricoldi e outro e Vânia E. Pereira Andrade

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. IMPENHORABI­LIDADE DE BEM DE FAMÍLIA.

1. Desde que a execução não se tenha ainda exau­rido, pela alienação do bem penhorado, verifica-se, em princípio, a incidência da Lei 8.009/90 sobre pe­nhoras efetuadas antes de sua vigência.

2. Situação jurídica ainda não consolidada e su­jeita, portanto, a modificações.

3. Precedentes.

4. Recurso conhecido e negado provimento.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por maioria, em conhecer do

550 R Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

recurso, vencido o Senhor Ministro Fontes de Alencar, no mérito, em negar provimento, por unanimidade. Votaram com o Relator os Senho­res Ministros Athos Carneiro e Barros Monteiro. Ausente, ocasionalmen­te, o Senhor Ministro Sálvio de Figueiredo.

Custas, como de lei.

Brasília, 30 de junho de 1992 (data do julgamento).

Ministro ATHOS CARNEIRO, Presidente. Ministro BUENO DE SOUZA, Relator.

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO BUENO DE SOUZA: Senhor Presidente, Banco Industrial e Comercial S/A interpôs recurso especial, com fulcro nas alíneas a e c, do permissi'vo constitucional, contra v. acórdão da Sexta Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Estado do Rio Grande do Sul, assim ementado (fls. 54):

"Penhora. Aplicação da Lei nQ 8.009/90. Face ao seu caráter protetivo e à sua natureza de norma de ordem pú­blica, a sua aplicação é imediata, incidindo sobre penhora realizada antes de sua entrada em vigor, desde que ainda não efetivada a venda judicial. Sendo a constrição ato ini­cial da execução, não se pode falar em ato jurídico perfeito, já que esse exige que o ato tenha sido praticado e que os seus efeitos tenham sido produzidos na vigência da lei an­terior. Caracterizado o bem como de família, não pode per­sistir a penhora. Decisão declarando-a sem efeito mantida. Agravo não provido."

O recorrente alega negativa de vigência aos arts. 6Q da Lei de In­trodução ao Código Civil, 657, P parte, 664 e 665, inciso I, do Código de Processo Civil, e, ainda, art. 5Q

, inciso XXXVI, da Constituição; aduz, também, o recorrente, dissídio jurisprudencial com julgados do Primeiro Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo e do Tribunal de Alça­da do Estado do Paraná, pleiteando a reforma do v. acórdão recorrido, a fim de que o bem imóvel penhorado seja, finalmente, leiloado.

O Exmo. Sr. Juiz Presidente do Tribunal a quo admitiu o presente recurso especial, apenas pela alínea c, por julgar comprovada a diver­gência jurisprudencial alegada.

R. sup. Trib. Jusi., Brasília, a. 4, (89): 339-G15, novembro 1992. 551

VOTO

O SENHOR MINISTRO BUENO DE SOUZA (Relator): Senhor Presidente, trata-se de ação de execução de títulos extrajudiciais promo­vida pelo Banco Industrial e Comercial S/A contra Sílvio Lúcio Piassa­ro11o e outro, tendô recaído a penhora sobre imóvel residencial do pri­meiro executado (cf. auto de penhora e depósito, fls. 32), em 26 de abril de 1988.

Por decisão de fls. 43, o MM. Juiz de Direito da 16f! Vara Cível de Porto Alegre-RS, sob a égide da Lei 8.009/90, considerou sem efeito a penhora.

A instituição financeira interpôs agravo de instrumento junto à instância superior, pleiteando o restabelecimento daquela penhora e a continuidade da ação executivà (fls. 2/4).

Do v. acórdão deste agravo de instrumento, cujos dizeres já foram transcritos no relatório, irresignada, a agravante interpôs o presente recurso especial, pretendendo a reforma da r. decisão recorrida e, por conseqüência, o normal prosseguimento da ação de execução.

Esta Corte tem sido unânime no entendimento de que a superveni­ência da Lei 8.009/90, quando ainda em curso a execução, afasta o imó­vel residencial, embora penhorado (mas ainda não alienado), dos efeitos da execução.

Tal entendimento encontra-se claramente esposado, dentre outros, nos seguintes julgados:

RMS 1.036-SP, Relator o Senhor :Ministro EDUARDO RIBEIRO, in DJU de 30.03.92, assim ementado:

"Direito intertemporal - Lei 8.009/90. Determinando a Lei 8.009/90 que não responde por

dívidas de qualquer natureza o imóvel residencial e os bens que o guarnecem, salvo as exceções que estabelece, não poderão eles ser objeto de expropriação judicial, não impor­tando que a penhora tenha-se efetuado antes da vigência da norma proibitiva."

REsp 17.562-MG, Relator o Senhor lVIinistro DIAS TRINDADE, in DJU de 06.04.92:

552

"CIVIUPROCESSUAL CIVIL. BEIVI DE F Al\1ÍLIA. IM­PENHORABILIDADE.

Aplica-se aos processos pendentes a Lei 8.009/90, des­constituindo-se penhora efetivadas anteriormente à sua edição."

IL Sup. Trib. Jusl., Brasília, a. 4, C:i9): :i:l9-G15, novembro 1992.

REsp 13.468-PR, Relator o Senhor Ministro CLÁUDIO SANTOS, in DJU de 20.04.92:

"EXECUÇÃO. PENHORA. IMÓVEL RESIDENCIAL DA FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. INCIDÊNCIA IMEDIATA DA LEI.

A Lei n2 8.009/90, além de decretar a impenhorabili­dade do imóvel residencial do casal ou da entidade fami­liar, acrescenta não responder o bem por qualquer dívida. Em conseqüência, o bem não pode ser expropriado para satisfação do direito do credor."

REsp 17.779-RS, Relator o Senhor Ministro NILSON NAVES, in DJU de 11.05.92:

"Impenhorabilidade do bem de família. Aplicação da Lei n2 8.009 de 1990, embora a penhora seja de data anterior à sua edição. Possibilidade, sem ofensa ao texto legal que impÕe respeito ao ato jurídico perfeito e ao direito adquiri­do. Precedentes do STJ, entre outros, o REsp 11.698. Re­curso especial conhecido pelo dissídio mas improvido."

REsp 17.072-0-PR, Relator o Senhor Ministro WALDEMAR ZVEI­TER, in DJU de 04.05.92:

"PROCESSUAL CIVIL. IMPENHORABILIDADE. BEM DE FAMÍLIA.

I - Preceito legal que resguarda bem de família, ao entrar em vigência, produz, de imediato, efeito sobre pro­cesso em curso, por isso que, incidindo sobre penhora, o ato de constrição se torna insubsistente. Inteligência da Lei n2

8.009/90.

II - Recurso não conhecido."

REsp 18.652-0-SP, Relator o Senhor Ministro SÁLVIO DE FIGUEI­REDO, in DJU de P.06.92:

"Processo civil. Execução. Penhora efetuada. Su­perveniência da Lei n 2 8.009/90. Direito transitório. Incidência. Precedentes. Recurso desacolhido.

A Lei nQ 8.009/90, de aplicação imediata, incide no curso da execução se ainda não efetuada a alienação forçada, ten­do o condão de levantar a constrição sobre os bens afetados pela i.mpenhorabilidade."

REsp 12.330-PR, Relator o Senhor Ministro FONTES DE ALEN­CAR, in DJU de 08.06.92:

R Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (:39): 3:39-G15, novembro 1992. 553

"RECURSO ESPECIAL.

Do recurso especial não se conhece, quando a respecti­va petição não contém precisa indicação de dispositivos le­gais tidos como vulnerados.

Argüição de dissentimento jurisprudencial desatenta­da na Súmula 291 do Supremo Tribunal Federal e no art. 2$5 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça.

Maioria. Voto dissonante conhecendo do recurso pelo dissídio."

Por ocasião do julgamento do REsp 13.600-SP, Relator o eminente Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO, tive oportunidade de expressar o meu pensamento a propósito do tema.

Ressaltei, naquela oportunidade, o seguinte: "Posso admitir a preconizada incidência da lei nova a pro­

pósito de penhoras efetuadas antes de sua vigência, desde que a execução não se tenha ainda exaurido pela alienação do bem penhorado.

Cuida-se, em verdade, de instituto cujas raízes remetem para o direito material (direito civil), concernente à disponibi­lidade ou não de bens integrantes de patrimônios privados. Neste caso, pode-se sustentar que o credor, sujeito aos efeitos reflexos ainda mesmo de fatos jurídicos stricto sensu (inundação, seca, geada) que possam acarretar o desaparecimento de bens do patrimônio do devedor (o qual, assim, deixa de proporcionar a mesma garantia que antes prometia), igualmente não possa eximir-se de efeitos do advento de lei nova, relativa a situações jurídicas ainda não consolidadas.

Independentemente, portanto, de qual seja a maior ou menor importância da penhora, que não se aconselha desprezar (ato que é do Estado), afigurando-se-me ainda menos razoável diminuí-la em face de atos de direito privado, observo, não obs­tante, que a lei reflete o imperativo constitucional de amparar a família. E aqui se trata apenas de direito processual, pois a lei, em outro plano, dispõe que esses bens são insusceptíveis de alienação."

Pelas razões expostas, sem embargo de insuficiências formais con­cernentes à indicação de julgados paradigmas, em face da notoriedade do dissídio pretoriano relativo ao tema controvertido, conheço do recur­so pela alínea c, porém, na conformidade da orientação jurisprudencial que veio a prevalecer nesta Corte, nego-lhe provimento.

É como voto.

554 R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

VOTO - VENCIDO

O EXMO. SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR: Sr. Presiden­te, data venia, se não está feito o dissídio na forma da Súmula 291 e do Regimento Interno da Corte, não conheço do recurso.

EXTRATO DA MINUTA

REsp nº 19.921-0 - RS - (92.0005956-2) - Relator: Exmo. Sr. Ministro Bueno de Souza. Recte.: Banco Industrial e Comercial S/A. Adv.: Rodolfo Carrion Lopes de Almeida. Recdo.: Sílvio Lúcio Piassarollo. Advs.: Francisco Mariano Ricoldi e outro. Recdo.: João Oscar de Carvalho. Advogada: Vania E. Pereira Andrade.

Decisão: A Turma, por maioria, conheceu do recurso, vencido o Sr. Ministro Fontes de Alencar; de mérito, negou provimento, por unanimi­dade (em 30.06.92 - 4!! Turma).

Votaram com o Relator os S1's. Ministros Athos Carneiro, Fontes de Alencar e Barros Monteiro.

Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro AT.f-IOS CARNEIRO.

RECURSO ESPECIAL Nº 20.303-3 - DF

Relator: Ministro Sáluio de Figueiredo

Recorrente: Condomínio Sargento Wolf

Advogados: Drs. Adriana Torquato dos Santos e outros

Recorrido: Marco Aurélio Cauiola

Advogados: Drs. Sandra Faro Vieira e outro

EMENTA: Direito civil. Responsabilidade civil. Condomínio. Garagem. Furto de veículo. Silêncio da convenção. Doutrina. Precedente da Turma. Recurso conhecido pelo dissídio e provido.

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 555

Inexistindo previsão e culpa de condomínio, não responde ele por eventuais furtos ocorridos na gara­gem do prédio.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, em conhecer do recurso e em dar-lhe provimento. Votaram com o Relator os Ministros Barros Monteiro, Bueno de Souza, Athos Carneiro e Fontes de Alencar.

Custas, como de lei. Brasília, 26 de maio de 1992 (data do julgamento).

Ministro ATHOS CARNEIRO, Presidente. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Re1ator.

EXPOSIÇÃO

MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO: Ajuizada ação indenizató­ria pelo recorrido, objetivando ressarcir-se dos prejuízos resultantes do furto de motocicleta de sua propriedade ocorrido no interior da garagem do edifício em que reside, o MM. Juiz, com base no art. 22, § 1º, b, da Lei nº 4.591/64, julgou procedente o pedido, condenando o condomínio­réu a pagar ao autor o valor do veículo furtado, a título de perdas e danos.

Interposta apelação, a Primeira Turma do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios negou-lhe provimento em decisão as­sim ementada:

"Responsabilidade civil. Condomínio. Furto de veículo estacionado na garagem. Se o condomínio tem garagem e autoriza o estacionamento de veículos na mesma, assume a obrigação de guardá-los, mantendo adequada vigilância. Se o veículo é furtado da garagem, por comprovada falha da vigilância e da segurança, indemonstrados o caso fortuito ou a força maior, deve o condomínio responder pela repara­ção do dano causado ao patrimônio do condômino. No caso, trata-se de responsabilidade subjetiva e a culpa do réu foi robustamente provada pelo autor".

Inconformado, manifestou o condomínio recurso especial, susten­tando não ser conclusiva a prova quanto ao local em que se verificou a

556 R. sup. Trib. Jus!.., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

ocorrência do furto. No concernente à responsabilidade civil propriamente dita, argumenta ter havido contrariedade ao art. 1.523, CC, trazendo a confronto, visando a caracterizar o dissenso interpretativo, julgados do mesmo Tribunal e do Tribunal de Justiça de São Paulo.

Admitido o apelo na origem, subiram os autos. É o relatório.

VOTO

MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO (Relator); Por primeiro, cumpre assinalar que o reexame da matéria fática pretendido pelo re­corrente se afigura inviável, a teor do enunciado nQ 7 da jurisprudência sumulada desta Corte. A ocorrência do furto, deduziram sentença e acór­dão, ocorreu no interior da garagem. Tal conclusão, porque lastreada nos elementos de prova constantes dos autos, não se mostra passível de reapreciação em sede de recurso especial.

No que diz com a afronta ao dispositivo do Código Civil apontado como violado (art. 1.523), entendo que não guarda pertinência direta com o caso em julgamelito. O artigo em tela dispõe sobre a necessidade de comprovação de culpa das pessoas civilmente responsáveis pela repara­ção do dano. Tal comprovação, entretanto, a despeito de envolver análi­se do conjunto probatório, não se mostra relevante para o deslinde da espécie.

E isso porque a questão central, em torno da qual gravita a contro­vérsia, reside exatamente na determinação sobre se o condomínio é, ou não, civilmente responsável pela reparação do prejuízo resultante do furto.

A sentença, no particular, assim se manifestou:

"O caso dos autos está a merecer a indagação sobre a existência ou não, de responsabilidade civil do Réu. Este é o ponto controvertido sobre o que incidirá o exame das provas carreadas ao processo, e Direito a ser aplicado à espécie.

A responsabilidade civil subjetiva, no direito pátrio, assen-ta-se nos seguintes elementos fundamentais:

a) a conduta voluntária do agente; b) o elemento subjetivo culpa ou dolo; c) o resultado danoso;

d) o nexo de causalidade entre a conduta culposa e o even­to danoso.

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339·615, novembro 1992. 557

o autor de urna ação de indenização, decorrente de res­ponsabilidade civil subjetiva tem, pois, o ônus de provar os requisitos mencionados, pois são eles, em seu conjunto, o fato constitutivo do direito que se pretende exercitar contra o réu (art. 333, inciso I, do CPC).

Sobre o terna da responsabilidade por fato de outrem e por fato próprio, o saudoso e insigne jurista Pontes de Miranda assinala "que não há responsabilidade por culpa de outrem, mas pela ação de outrem. Trata-se de responsabilidade própria, por culpa própria, e não por culpa alheia" (Manual do Código Civil; Direito das Obrigações, 3ª parte, pág. 406).

Exato, portanto, é dizer-se que, responsável civil é aquele a quem se carregam as conseqüências da lesão de interesse privado, juridicamente protegido. Não importa distinguir, para esse efeito geral, qual a fonte do dever preexistente. Só pode preocupar-nos, nessa indagação, a apuração da existência desse dever. É necessário, em suma, saber se o Condomínio Sargento Wolf tinha o dever de manter a vigilância e a segurança do edifício.

A Lei nº 4.591, de 16.12.64, que dispõe sobre o Condomínio em edificações, residenciais ou não residenciais, expressa em seu art. 22, § 1º, alínea b:

"Compete ao síndico: b) exercer a administração interna da edificação ou do

conjunto de edificações no que respeita à vigilância, mora­lidade e segurança, bem corno aos serviços que interessam a todos os moradores". Vê-se, pois, que é induvidosa a obrigação do condomínio,

pela vigilância e segurança do edifício. É a lei que estabelece a obrigação".

Por outro lado, extrai-se da fundamentação do v. acórdão: "De fato, se o réu tem garagem e nela consente e autoriza

os condôminos a guardarem seus veículos e descuida-se de sua segurança não mantendo sequer vigia, responde pelo dano cau­sado ao patrimônio do morador que teve o seu bem imóvel fur­tado. No caso, o réu assumiu, induvidosamente, o dever de guarda que implica na obrigação de vigilância, a qual, infeliz­mente, foi descuidada pelo réu, ora apelante".

Quanto ao dissídio jurisprudencial, a decisão emanada do mesmo Tribunal prolator do aresto recorrido não se presta à sua configuração (enunciado nº 13 da súmulalSTJ).

558 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

Logrou o recorrente, no entanto, trazer a confronto duas decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo, estampadas na RJTJESP 102/117 e 102/193, assim ementadas:

"Indenização. Responsabilidade civil. Furto de motoci­cleta em garagem de edifício. Contrato de depósito não ca­racterizado. Inexistência, ademais, de funcionário encarre­gado da guarda e vigilância dos veículos. Ação improcedente. Recurso não provido".

"Indenização. Responsabilidade civil. Furto de veículo de garagem de edifício. Inexistência de obrigação de guar­da dos bens dos condôminos pelo condomínio, estejam nas unidades autônomas ou na garagem. Ação improcedente. Recurso provido para esse fim".

O caso destes autos e os paradigmas apontados afeiçoam-se, consi­derando que:

a) em todos eles o condomínio não possuía funcionário encarregado da vigilância noturna da garagem;

b) em todos eles também não existia disposição estatutária, na con­venção de condomínio, imputando a este responsabilidade pela guarda dos veículos.

Assim, havendo os arestos trazidos à colação entendido que, em casos tais, não se encontra configurada a responsabilidade do condomí­nio pela guarda dos carros e motos de propriedade dos condôminos, ca­bendo a estes as providências necessárias à prevenção de furtos, restou caracterizado o dissídio jurisprudencial com o acórdão recorrido que, diante de moldura fática idêntica em substância, conferiu solução jurí­dica diversa.

Relevante, in casu, o fato de não haver vigia contratado para per­manecer na garagem do prédio.

Conquanto seja encargo do síndico "exercer a administração inter­na da edificação ou do conjunto de edificação no que respeita à vigilân­cia, moralidade e segurança, bem como os serviços que interessam a todos os moradores" (art. 22, § 12, b, da Lei 4.591/64), é certo que o desempe­nha vinculado e limitado às deliberações da assembléia geral, órgão ao qual incumbe a tomada de decisões. Ao síndico cumpre tão-somente di­ligenciar no sentido de que as propostas aprovadas sejam levadas a efei­to da melhor forma possíveL A ele, contudo, como simples administra­dor, não assiste poder decisório.

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Assim, se em assembléia os condôminos decidem por não contratar vigia noturno para a garagem, colimando por certo a redução da presta­ção condominial, não se mostra exigível ao síndico, com recursos pró­prios, providenciar tal contratação.

Situação diversa ocorreria se, tendo havido deliberação em sentido contrário, vale dizer, pela majoração da taxa de condomínio para fazer face a despesas com serviço de vigilância da garagem, o síndico negli­gentemente não tivesse realizado a respectiva contratação ou houvesse contratado profissionais desqualificados ou despreparados. .

Considero, portanto, que, silente a convenção do condomínio no que respeita à responsabilidade pela guarda de veículos, o contrato de depó­sito entre este e os condôminos só se aperfeiçoa a partir do momento em que a assembléia decide adotar medidas direcionadas a proporcionar meios para prestação de serviços de vigilância na área específica desti­nada ao estacionamento de veículos. E, ainda que firmado desta forma o contrato de depósito, o condomínio só responde por eventuais prejuí­zos se comprovada culpa em qualquer de suas modalidades in vigilando ou in eligendo de seu administrador ou dos prepostos pelo mesmo admi­tidos. Não assim na hipótese de caso fortuito ou força maior.

Da mesma forma, quando se decide, em assembléia, a instalação de porteiros eletrônicos como única forma de segurança das dependências do edifício, o condomínio só responderá por danos se negligenciar na manutenção para perfeito funcionamento de tais dispositivos de prote­ção. No caso dos autos, nem sentença nem acórdão dão notícia sobre a existência de portas automáticas, tampouco se pronunciando, caso exis­tentes, sobre o estado de conservação das mesmas e ocorrência de culpa do síndico por eventual defeito. Não houve, outrossim, postulação do recorrido para que houvesse pronunciamento quanto ao ponto, razão por que, também nesta instância, defeso se mostra analisá-lo.

Em síntese, o que impende considerar é que o condomínio possui vontade própria emanada da vontade majoritária dos moradores. A es­tes, em última análise, cabe avaliar até que ponto pretendem responsa­bilizar o condomínio pela guarda de seus bens particulares e até que ponto desejam que tal responsabilidade corra por conta e risco das pessoas físi­cas que o compõem. Em verdade, a deliberação majoritária da assembléia é que fixa as medidas de segurança a serem adotadas. Ao condomínio só é possível atribuir responsabilidade pela omissão ou ineficiência na execu­ção de tais medidas. Nunca, porém, pela não adoção de providências que extrapolam as determinações de seus próprios membros.

Neste sentido, aliás, já teve oportunidade de se pronunciar esta Turma quando do julgamento do REsp 9.191-PR, relator o Sr. Ministro Barros Monteiro, cujo acórdão restou assim ementado:

560 R. sup. Trib. JusL, Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

"Responsabilidade civil. Condomínio. Furto de toca-fi­tas em veículo estacionado na garagem.

Não se configura a responsabilidade do condomínio quando nenhuma obrigação assuma perante os condôminos relativamente à guarda de veículos. Inocorrente, ademais, a culpa do preposto, funcionário da portaria do edifício.

Recurso especial não conhecido" (DJ de 30.09.91). Naquela ocasião, citadas no voto condutor lições de João Batista

Lopes, J. Nascimento Franco e Nisske Gondo, manteve-se decisão do Tribunal de Justiça do Paraná no sentido de que,

"Inexistindo vigia ou guardião para zelar pela segurança das partes comuns do condomínio, descabe o reconhecimento de sua responsabilidade por eventual prejuízo decorrente de furto verificado na garagem do prédio".

Colho dos fundamentos adotados pelo em. Relator daquele recurso especial o seguinte excerto:

"Ao síndico - é certo - incumbe a administração interna da edificação no que respeita à vigilância e segurança, mas sua atuação é dependente dos meios que os condôminos põem à sua disposição com vistas a tal finalidade. Ao porteiro não era dado cometer-se a função de vigilância dos automóveis estacionados na garagem".

Em face do exposto, conheço do recurso pelo dissídio e ao mesmo dou provimento para, reformando o acórdão recorrido, julgar improce­dente o pedido, invertidos os ônus da sucumbência.

VOTO-VOGAL

O SENHOR MINISTRO BUENO DE SOUZA: Senhor Presidente, entendo que não basta a previsão legal de responsabilidades ou deveres de vigilância, tal como no art. 22 da Lei 4.591, ao dizer, no § P, letra a, que "o síndico tem as atribuições conferidas pela lei ou pela convenção". Se a convenção não é explícita em prever esta incumbência e em prover, também, meios e modos para que o síndico possa desincumbir-se dessa tarefa, a norma legal resulta inoperante, para o caso.

Evidenciado o dissídio, acompanho o eminente Ministro Relator no seu entendimento.

VOTO

O EXMO. SENHOR MINISTRO ATHOS CARNEIRO: Acompanho o voto do eminente Relator. Parece-me que o Condomínio, como um con-

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39); 339-615, novembro 1992. 561

junto peculiar de pessoas ligadas por interesses patrimoniais, só é res­ponsável por furto de veículos, ou danos ocorridos nos veículos, que es­tejam nas suas garagens ou nas áreas adjacentes, se expressa cláusula da convenção Condominial assim houver resolvido; caso contrário, não. A tese sustentada pelo decisório recorrido é inclusive passível de amplia­ções absolutamente injustas, porque se o Condomínio fosse responsável por furtos ocorridos nas partes comuns, isto não só poderia trazer con­seqüências pouquíssimo equidosas relativamente aos demais condômi­nos, como também a mesma tese poderia ser extensiva, verbi gratia aos casos de furto ou roubos dentro dos próprios apartamentos, pois o pre­judicado iria argumentar que o Condomínio teria, como obrigação implí­cita, a de manter guardas, vigilância ou sistemas de segurança que impedissem que meliantes ou assaltantes penetrassem no prédio.

O SR. MINISTRO BUENO DE SOUZA (Aparte): Sr. Presidente, a se interpretar com tal amplitude e com tanta benevolência o art. 22, § 12, b, da Lei de Condomínios, poder-se-ia mesmo chegar à conclusão, sumamente inconveniente, de que ninguém, por certo, assumiria a sin­dicância de condomínio de edifícios.

O EXMO. MINISTRO ATHOS CARNEIRO: Posso imaginar a hipó­tese, por exemplo, de um prédio em que haja condôminos de mais posses que os outros. Se algum dos mais abastados resolve comprar um auto­móvel estrangeiro de alto custo, e o mesmo é furtado, todos os condômi­nos ficariam pessoalmente responsáveis por fato do qual não lhes cabe­ria a mínima culpa, arcando com despesas desproporcionais.

Acompanho o eminente relator, salientando que este julgamento, bem como aquele que proferido pelo eminente Ministro Barros Montei­ro, servirão como verdadeiros leading cases na matéria.

EXTRATO DA MINUTA

REsp nQ 20.303-3 - DF - Relator: Exmo. Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo. Recte.: Condomínio Sargento Wolf. Advogados: Adriana Tor­quato dos Santos e outros. Recdo.: Marco Aurélio Caviola. Advogados: Sandra Faro Vieira e outro.

Decisão: A Turma, por unanimidade, conheceu do recurso e deu­lhe provimento (em 26.05.92 - 41! Turma).

Votaram com o Relator os Srs. Ministros Barros Monteiro, Bueno de Souza, Athos Carneiro e Fontes de Alencar.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro ATHOS CARNEIRO.

562 H. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

RECURSO ESPECIAL NQ 20.426-8 - MG

(Registro n2 92.0006827-8)

Relator: O Exmo. Senhor Ministro Athos Carneiro

Recorrente: Gisela Batista de Queirós Matloso Recorrida: Casa Arthur Haas Comércio e Indústria Ltda.

Advogados: Gisela Batista de Queirós "A1attoso e Bruno Reis Cer-queira e outros

EMENTA: CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. UTILIZAÇÃO DE CRUZADOS NOVOS BLOQUEADOS. CONTRATO DE CONSÓRCIO. ARTIGO 12 DA LEI 8.024/90,

É possível a utilização de cruzados novos, medi­ante a transferência de titularidade, para pagamen­to de dívidas e operações comprovadamente contra­tadas antes de 15 de março de 1990, observados os prazos e condições referidos no artigo 12 da Lei 8.024/ 90. Pagamento de prestações devidas em contrato de consórcio.

Disposições normativas expedidas pelo Departa­mento da Receita Federal não podem limitar o poder liberatórÍo excepcional previsto no aludido disposi­tivo de lei.

Recurso especial conhecido e provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados os autos, em que são partes as acima indicadas:

Decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por una­nimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, na forma do re­latório e notas taquigráficas precedentes que integram o presente jul­gado. Participaram do julgamento, além do signatário, os Srs. Ministros Fontes de Alencar, Sálvio de Figueiredo e Barros Monteiro.

Custas, como de lei. Brasília, 29 de abril de 1992 (data do julgamento).

Ministro ATHOS CARNEIRO, Presidente e Relator.

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (:39): 339-615, novembro 1992. 563

RELATÓRIO

O EXMO. SENHOR MINISTRO ATHOS CARNEIRO: Cuida-se de ação de consignação em pagamento - visando, com invocação ao art. 12 da Lei 8.024, a quitação de prestações em contrato de consórcio de automóveis -, ajuizada por GISELA BATISTA DE QUEIRÓS MATTO­SO contra CASA ARTHUR HAAS COMÉRCIO E INDÚSTRIA LTDA. O juízo monocrático julgou procedente a demanda. Apreciando a apela­ção do réu, a 1" Câmara Especial Temporária do TAMG, por unanimi­dade de votos, deu-lhe provimento (fls. 83), rejeitados embargos decla­ratórios (fls. 95).

Manejou a autora recurso especial pela alínea a do permissório constitucional, alegando contrariedade aos arts. 128, 462, 893 e 896 do CPC, e aos arts. 12 e 12 da Lei nQ 8.024/90. Sustenta, em síntese, ser injusta a recusa do credor receber as prestações, pois a Lei 8.024/90 (Plano Collor 1) facultou, art. 12, a quitação de dívidas parcial ou total­mente em cruzados novos.

O eminente Juiz Vice-Presidente do Tribunal a quo admitiu o re­curso especial, afirmando que:

" ... a interpretação dada pelo acórdão ao artigo 893 do CPC estaria em desconformidade com o verdadeiro espírito da lei, na medida em que o total do depósito, ainda que diversos os valo­res das respectivas parcelas, permaneceu o mesmo declarado na inicial.

O que o dispositivo reclama é que o credor seja citado para receber a quantia devida, e essa, à toda evidência, foi man­tida na sua integralidade. O que houve foi, apenas, variação dos valores representados por cruzados e cruzeiros, padrões monetários vigorantes por força de determinação governamen­tal, mas, sem qualquer prejuízo para o credor, porquanto o montante final permaneceu o mesmo.

Quanto aos demais dispositivos dados como violados, sem qualquer razão a recorrente." (fls. 112/113).

É o rélatório.

VOTO

O EXMO. SENHOR MINISTRO ATHOS CARNEIRO (Relator): O aresto recorrido está assim fundamentado:

564 R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

"A requerente, não importa o motivo, ofereceu determina­das importâncias em cruzados novos e cruzeiros, trazendo ou­tras. Por isso, há que se considerar justa a recusa do consigna­tário em face da desconformidade evidenciada.

Isto posto, é evidente no caso que a consignação, embora pudesse ser feita, não o foi, quando do comparecimento da con­signante em juízo. A situação não é de carência de ação, mas de improcedência, porque não verificada a prestação devida e pro­metida de acordo com a inicia1." (fls. 84/85).

É possível lembrar que no RMS 1.144-SP (D.JU de 09.12.91), do qual fui relator, o aresto guardou a seguinte ementa:

"RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGU­RANÇA. UTILIZAÇÃO DE CRUZADOS NOVOS PARA PA­GAMENTO DE CONDENAÇÃO JUDICIAL. DESCABI­MENTO.

O artigo 12 da Lei 8.024/90, permissivo de transferên­cia da titularidade de cruzados novos, não se aplica às con­denações em juízo. Não se pagam dívidas impostas em con­denações judiciais com dinheiro de que o credor não poderá de imediato dispor.

Recurso ordinário não provido."

A hipótese dos autos, todavia, não se enquadra nesse precedente. Realmente, o motivo fundamental pelo qual a ré não quer receber parte do débito em cruzados novos bloqueados, vem expresso em sua contesta­ção, verbis:

"A Ré, diante das exatas instruções emanadas do Departa­mento da Receita Federal, viu-se impossibilitada de receber EM CRUZADOS NOVOS a totalidade do débito da Autora, visto que, se assim agisse, estaria cometendo uma grave infração legal e sujeitar-se-ia às severas penalidades que, fatalmente, lhe seriam impostas pêla fiscalização do Departamento da Re­ceita Federal.

O recebimento do débito, de conformidade com a instrução normativa, somente poderia ser feito em CRUZEIROS, visto que o débito venceu em 30.03.90.

No entanto, a Autora não concordou com tal forma de pagamento e não acatou as normas impostas pelo Departamen­to da Receita Federal, insistindo em pagar parte do débito em cruzados novos e parte em cruzeiros.

H. sup. Trib. Just., Brasflia, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 565

Houve por parte da Ré JUSTA RECUSA em receber parte do débito em cruzados novos, o que é vedado à Autora pela Instrução Normativa nº 044/90 do departamento da Receita Federal.

Insere-se, portanto, que foi JUSTA A RECUSA DA RÉ em não receber o pagamento da forma pretendida pela Autora (in­ciso II do artigo 896 do CPC), visto que, se assim agisse, estaria infringindo norma legal." (fls. 28/29)

Transcreve a contestante a Instrução Normativa n9 44, de 28.3.90, do Diretor da Receita Federal, nos seguintes termos:

"1 - As administradoras de consórcios deverão receber pagamen­tos em cruzados novos de apenas 1 (uma) contribuição mensal vencida

, em data anterior a 15.03.90, acrescida, se for o caso dos reajustes, taxas e encargos permitidos pela legislação, que porventura tenham sido lan­çados no documento de cobrança, atualizados de acordo com a variação do preço do bem ocorrido até 14.03."

E segue a pré-mencionada Instrução Normativa em seu item 2 (dois), verbis:

'2 - Os demais pagamentos relativos a contribuições, di­ferenças de mensalidades, rateio de reajuste de saldo de caixa, encargos e taxas autorizadas pela legislação, vencidas até 14.03 de 1990 ou vincendas após essa data, deverão ser efetuadas em cruzeiros, sem prejuízo do disposto nos itens 22 a 23 da Portaria MF nº 190, de 27.10.89.' (grifos nossos)." (fls. 29)

Todavia, como curial, as "Instruções" ou regulamentos baixados pela autoridade administrativa não se podem sobrepor ao mandamento legal. E o artigo 12 da Lei 8.024, de 12.04.90, originária da Medida Provisória nº 168, de 15.03.90, dispõe expressamente que

"Pelo prazo de 180 (cento e oitenta) dias, a contar da pu­blicação da Medida Provisória que deu origem a esta Lei, as contas e depósitos denominados em cruzados novos são passí­veis de transferência de titularidade, observadas as condições especificadas nos artigos 59, 62

, 7º para fins de liquidação de dívidas e operações comprovadamente contratadas antes de 15 de março de 1990." (fls. 3).

Ora, no caso dos autos cuida-se de operação (adesão a contrato de consórcio) contratada anteriormente a 15 de março de 1990; assim, pelo prazo de 180 dias, os cruzados novos bloqueados mantiveram seu valor liberatório mediante a transferência de titularidade da respectiva im-

566 R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (:39): 3:3~)-G15, novembro 1992.

portância, para a liquidação de dívidas (as prestações do consórcio) decor­rentes de tais operações.

Pelo exposto, entendendo violado o artigo 12 da Lei 8.024/90, e adotando ainda os corretos fundamentos da decisão que admitiu o re­curso especial, conheço do recurso e ao mesmo dou provimento, para restabelecer a r. sentença de fls. 49/52.

É o voto.

EXTRATO DA MINUTA

REsp nQ 20.426-8 - MG - (92.0006827-8) - Relator: Exmo. Sr. Ministro Athos Carneiro. Recte.: Gisela Batista de Queirós Mattoso. Ad­vogada: Gisela Batista de Queirós Mattoso. Recda.: Casa Arthur Haas Comércio e Indústria Ltda. Advs.: Bruno Reis Cerqueira e outros.

Decisão: A Turma, por unanimidade, conheceu do recurso e deu­lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relntor (em 29.04.92 - 4;! Turma).

Votaram com o Relator os Srs. Ministros Fontes de Alencar, Sálvio de Figueiredo e Barros Monteiro.

Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Bueno de Souza.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro ATHOS CARNEIRO.

+

RECURSO ESPECIAL Nº 20.829-8 - SP (Registro nQ 92.0007969-5)

Relator: O Exnw. Sr. Ministro Costa Lima

Recorrente: Ministério Público do Estado de São Paulo Recorrido: lraci Batista Trindade

Advogada: Maria Lucia Nunes

EMENTA: PENAL. ESTUPRO.

I. "O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLES­CENTE" - Lei nº 8.069, de 13.07.90 - foi revogado, parcialmente, no período da "vacatio legis", através da charnada lei dos crim,es hediondos, que fixou pena mais elevada para o crime de estupro.

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 567

11. Recurso conhecido e provido, em parte, para adequar a pena-base ao mínimo previsto no art. 6º da Lei nº 8.072, de 1990.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, em conhecer do recurso e lhe dar parcial provimento, para corrigir a pena-base im­posta, fixando-a em 6 (seis) anos de reclusão, mantendo o acréscimo de 1/4 (um quarto) previsto no art. 226, item li, do Código Penal, fixando­a definitivamente em 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de reclusão, a serem cumpridos em regime fechado. Votaram com o relator os Ministros Assis

'i1 Toledo, Flaquer Scartezzini e José Dantas. Ausente, justificadamente, o Ministro Edson Vidigal.

Custas, como de lei. Brasília, 19 de agosto de 1992 (data do julgamento).

Ministro FLAQUER SCARTEZZINI, Presidente. Em gozo de licen­ça. Ministro COSTA LIMA, Relator.

RELATÓRIO

O EXl\10. SR. lVIINISTRO COSTA LIl'vfA: O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo interpõe recurso especial baseado na alínea a, inciso lII, art. 105, da Constituição Federal, não se conforman­do com o v. aresto de fls. 141/142, proferido pela Segunda Câmara Cri­minal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Extrai-se dos autos que Iraci Batista Trindade foi condenado na primeira instância a onze anos e oito meses de reclusão, por infração aos artigos 213 e 214, c/c o arts. 14, 71 e 226, todos do CP, a ser cum­prida no regime fechado por força da Lei nQ 8.072/90, em seu art. 2Q

, § 12 (fls. 921107).

sim:

568

Em grau de recurso o Tribunal a quo reduziu a pena aplicada as-

"É definitivamente o caso de condenação, porém a repri­menda foi excessiva.

Reduz-se a pena básica para quatro anos de reclusão, a mínima cabível conforme previsão do Estatuto da Criança e do

It sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (:39): a:l9-G15, novembro 1992.

Adolescente (Lei 8.069/90) e a ela se acresce a quarta parte por ser o acusado pai da ofendida.

A parcela se acresce a um sexto pela continuidade delitiva.

Em decorrência, dá-se provimento parcial ao recurso para redução da pena a cinco anos e dez meses de reclusão mantendo o regime prisional fechado por se tratar de crime hediondo." (fl. 142)

"Assim decidindo" - diz o recorrente - "a decisão negou vigência à Lei nQ 8.072, de 25 de julho de 1990, especialmente, seus artigos 6Q

, 9Q

e 12", referente aos crimes hediondos, que revogou a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), na parte apli­cada pelo v. acórdão - art. 263 (fls. 144./14.9).

Pelo provimento do recurso, a fim de que seja restabelecida a sen­tença, é o parecer do Dr. PEDRO YANNOULIS, ilustrado Subprocura­dor-Geral da República, por entender revogado o dispositivo da Lei nQ

8.069/90 aplicado, estando em vigor o art. GQ da Lei n9 8.072/90 (Os. 162/ 164).

Relatei.

VOTO

EMENTA: PENAL. ESTUPRO. I. "O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCEN­

TE" - Lei nº 8.069, de 13.07.90 - foi revogado, parcial­mente, no período da vacatio legis, através da chamada lei dos crimes hediondos, que fixou pena mais elevada para o crime de estupro.

lI. Recurso conhecido e provido, em parte, para ade­quar a pena-base ao mínimo previsto no art. 6 Q da Lei nº 8.072, de 1990.

O EXMO. SR. MINISTRO COSTA LIl\IA (Helator): A Lei n9 8.069, de 13.07.90 - ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE -, mas que entrou em vigor noventa dias depois, incursionou em terreno que não lhe era próprio - Código Penal - estabelecendo aumento de penas para, dentre outros delitos, o de estupro (art. 213).

"Art. 213 ............................................................................................ .

Parágrafo único - Se a ofendida é menor de catorze anos:

H. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 3:19-615, novembro 1992. 569

Pena - reclusão de quatro a dez anos."

A Lei n2 8.072, de 25.07.90, que trata dos crimes hediondos, no art. 62, dispõe que o art. 213, do Código Penal, passará a vigorar assim:

"Art. 213 - ......................................................................... ..

Pena - reclusão de seis a dez anos".

E, no art. 92, estabeleceu:

"Art. 92 - As penas fixadas no artigo 62 para os crimes capitulados nos artigos 157, § 32 , 158, § 22, 159, caput, e seus §§ 12,22 e 32, 213, caput e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único, 214, e sua combinação com o art. 233, caput, e parágrafo único, todos do Código Penal, são acrescidas de metade, respeitado o limite superior de 30 (trinta) anos de re­clusão, estando a vítima em qualquer das hipóteses referidas no artigo 224 também do Código Pena1."

Quer dizer, durante o período da vacatio legis, a Lei n2 8.072, de 25.07.90, instituiu uma causa de aumento da pena quando a ofendida não é maior de catorze anos de idade (art. 224, a), ao passo que o Esta­tuto da Criança e do Adolescente fala em ofendida menor de catorze anos.

Desse modo, observa-se uma distorção punitiva entre o caput e o parágrafo único do art. 213, pois de acordo com a Lei n2 8.072/90, o es­tupro é apenado entre seis e dez anos de reclusão, enquanto que, na forma da Lei n2 8.069/90, a pena do parágrafo único varia de quatro a dez anos de reclusão.

A constatação do fato pode estimular os agentes a cometerem estu­pro contra menor de catorze anos, posto que, de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente a pena seria mais branda.

Com o maior respeito pelas opiniões em contrário, sustento que o propósito da Lei n2 8.069, de 13.07.90, foi o de estabelecer penas mais ri­gorosas para os casos de estupro, desde que o ofendido seja uma criança.

Ora, no período que mediou entre aquela data e a entrada em vi­gor do Estatuto da Criança e do Adolescente, outubro de 1990, foi pro­mulgada a Lei n2 8.072, de 25.07.90 elevando as penas daquele delito, revogada a lei anterior que entrara no mundo jurídico e, pois, suscetível de ser revogada. Demais disso, não tem a menor lógica que a pena para os casos comuns seja inferior para as hipóteses em que a vítima seja menor de catorze anos, que foi o objetivo colimado pelo art. 263, n2 4, da Lei n2 8.069/90.

Em caso semelhante, decidiu recentemente a ego Sexta Turma, Relator o eminente Ministro COSTA LEITE:

570 H. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (89): a89-G15, novembro 1992.

"PENAL. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. VÍTI­MA MENOR DE 14 ANOS. CRIME HEDIONDO. ESTATU­TO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.

Não subsiste a alteração introduzida no art. 214, do CP, pela LeinQ 8.069/90, porquanto, no período de vacatio legis, esta foi parcialmente revogada pela Lei nQ 8.072/90, de vigência imediata, que disciplinou de modo diverso as matérias de que tratou nos itens 4 e 5 do art. 263.

Não é lógico nem jurídico conceber pena mais branda para o atentado violento ao pudor quando a vítima é menor de quatorze anos. O contra-senso é evidente e, segundo prin­cípio assente da hermenêutica, deve sempre preferir-se a exegese que faz sentido à que não faz.

Recurso conhecido e provido (REsp nQ 20.726-9-SP, julgado em 12.05.92, DJU 01.06.92)."

À época em que o fato ocorreu - 27.01.91- já se achava em vigor a Lei nQ 8.072, que é de 25.7.90. Por conseguinte, revogada a disposição do Estatuto da Criança e do Adolescente, sendo a pena mínima de 06 (seis) e não de 04 (quatro) anos de reclusão.

O acórdão reduzindo a pena-base para o mínimo previsto no Esta­tuto da Criança, isto é, quatro anos, equivocou-se. Negou aplicação ao disposto no art. 6Q da Lei nQ 8.072, de 25.7.90, que a estabelece em seis anos.

Vale relembrar que, no REsp nQ 21.258-7-PR, contra voto meu, esta ego Turma entendeu que o acréscimo de metade da pena prevista no art. 9Q

, da mencionada Lei nQ 8.072/90, somente incide quando o estupro se subsume às disposições do art. 223 do Código Penal.

Vou acolher esse entendimento.

Daí que, conheço do recurso e lhe dou parcial provimento com vis­tas a corrigir a pena-base para 06 (seis) anos de reclusão, mantidos os outros dispositivos do julgado, isto é, o acréscimo de um quarto, CP, art. 226, II, ficando definitiva a pena em 07 anos e 06 meses de reclusão a serem cumpridas em regime fechado.

EXTRATO DA MINUTA

REsp nQ 20.829-8 - SP - (92.0007969-5) - Relator: Exmo. Sr. Ministro Costa Lima. Recte.: Ministério Público do Estado de São Paulo. Recdo.: Iraci Batista Trindade. Advogada: Maria Lucia Nunes.

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-G15, novemuro 1992. 571

Decisão: A Turma, por unanimidade, conheceu do recurso e lhe deu parcial provimento, para corrigir a pena-base imposta, fixando-a em 6 (seis) anos de reclusão, mantendo o acréscimo de 1/4 (um quarto) pre­visto no art. 226, item II, do Código Penal, fixando-a definitivamente em 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de reclusão, a serem cumpridos em regime fechado (em 19.08.92 - 5l! Turma).

Votaram de acordo os Srs. Mins. Assis Toledo, Flaquer Scartezzini e José Dantas. Ausente, justificadamente, o Sr. Min. Edson Vidiga1.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro FLAQUER SCARTEZZINI.

• RECURSO ESPECIAL NQ 21.354-3 - PR

(Registro n2 92.0009468-6)

Relator: O Sr. Ministro Garcia Vieira

Recorrente: Estado do Paraná

Recorridos: Odilon Kruger dos Passos e Cia. Ltda. e outro

Advogados: Drs. Manoel Caetano Ferreira Filho e outros, Wilson Naldo Grube Filho e outros

EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA - IeM­CRÉDITOS - CORREÇÃO MONETÁRIA.

Em regime de violenta inflação, reconhecer o direito ao crédito e negar a atualização de seu valor é o mesmo que negar o direito.

Recurso improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, em negar provimento ao recurso. Votaram com o relator os Ministros Demócrito Reinaldo, Gomes de Barros, Milton Pereira e Cesar Rocha.

572

Custas, como de lei. Brasília, P de junho de 1992 (data do julgamento). Ministro GARCIA VIEIRA, Presidente e Relator.

H. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (:39): :3:39-G15, novembro 1992.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO GARCIA VIEIRA: Odilon Kruger dos Passos e Cia. Ltda. e outro impetraram mandado de segurança contra ato da 2ª Câmara do Conselho de Contribuintes e Recursos Fiscais do Estado do Paraná, objetivando que os créditos do ICM sejam monetariamente atu­alizados, visto que foram impedidos de lançá-los no tempo certo.

Em primeira instância a segurança foi concedida e confirmada a sentença em grau de recurso para reconhecer o direito aos impetrantes de atualização de seus créditos tributários, impedindo a sua inscrição em dívida ativa (fls. 273/277).

Inconformado, o Estado do Paraná interpôs recurso especial apoia­do no artigo 105, inciso IH, alínea a, da Constituição Federal.

Sustenta, em síntese, que o v. acórdão recorrido negou vigência aos artigos 42 da Lei de Introdução ao CCE, e 108, inciso I, do CTN (fls. 279/ 286).

Oferecidas contra-razões e admitido o recurso, subiram os autos a este Egrégio Tribunal.

É o relatório.

VOTO

o SR. MINISTRO GARCIA VIEIRA (Relator): A impetrante, em­presa torrefadora ~e café, no período de 1967 a 1981 adquiria este pro­duto do IBC, teve reconhecido o direito de crédito de ICM incidente sobre a operação anterior, na forma da Súmula 571 do STF. Ao utilizar-se destes créditos, devidamente atualizados nos meses de junho e julho de 1983, foi autuada pelo Fisco. A questão se resume em se saber se a recorrida tem ou não direito à atualização dos valores correspondentes aos crédi­tos a ela reconhecidos. O crédito só não foi utilizado na época própria porque o Fisco estadual não permitiu o creditamento do ICM pago na operação anterior, até a vigência da citada Súmula 571 da Excelsa Cor­te. Em regime de violenta inflação como a nossa, reconhecer o direito ao crédito e negar a atualização de seu valor é o mesmo que negar o direito a ele, principalmente como no caso em que as aquisições de café foram no período de 1967 a 1981 e a utilização do crédito somente ocorreu em 1983. Hoje, generalizou-se a aplicação da correção monetária em todos

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339·615, novembro 1992. 573

os débitos e créditos, inclusive pagos administrativamente. E isso vem acontecendo porque a correção monetária não representa nenhum acrésci­mo e sim a recomposição do valor real. Se a Fazenda, ao cobrar os seus créditos o faz sempre em valores atualizados, não pode negar-se a pagar as suas dívidas com correção monetária, até por analogia ou eqüidade (CTN, art. 108, I e IV). Com inteira razão o v. acórdão recorrido, ao acentuar que:

"E a correção monetária, em casos idênticos, já foi acolhida por todas as Câmaras, conforme Acórdão 6.196 (desta Câmara, reI. Des. Wilson Reback), 4.174 (2!! Câmara, reI. Des. Ossian França), 6.283 (I!! Câmara, reI. Des. Zeferino Krukoski) e 5.843 (da 3!! Câmara, reI. Des. Luiz Perrotti) reproduzidos nos autos.

Nesse particular, vale a pena transcrever, como razão de decidir, o seguinte trecho do já mencionado Acórdão 6.196:

"No regime inflacionário em que vive a Nação, genera­lizou-se a correção monetária como simples recomposição do valor original da moeda. Essencialmente, ninguém lucra quando é credor, nem perde quando é devedor, pela inci­dência da atualização monetária nos termos dos índices ofi­ciais. Aliás, a desvalorização da moeda nacional está sendo tão acentuada que se "estabeleceram índices de correção."

"Outrossim, em se tratando de créditos tributários, a atualização monetária impõe-se senão por outros motivos, por simples eqüidade, pois o fisco além de pesadas multas, atualiza monetariamente seus créditos, toda vez que o con­tribuinte deixa de pagar no dia avençado seus impostos e taxas."

Aplicáveis, pois, em favor dos apelados, a analogia e a eqüidade, especialmente previstas no art. 108 do Cód. Trib. Nacional, na ausência de disposição expressa.

N essa linha de raciocínio, ao contrário do que afirma o apelante, os apelados têm direito líquido e certo de aplicar a correção monetária, que acabou sendo violado pelo julgamento na via administrativa, posto que o negou." (fls. 275/276).

Neste mesmo sentido vem se orientando este Superior Tribunal de Justiça, bastando lembrar suas decisões nos Recursos Especiais nlll! 1.067-RJ, DJ de 06.08.90, 2.466-PR, DJ de. 10.09.90 e 2.045-PR, DJ de 04.06.90.

Nego provimento ao recurso.

574 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

EXTRATO DA MINUTA

REsp nº 21.354-3 - PR - (92.0009468-6) - Relator: Exmo. Sr. Ministro Garcia Vieira. Recte.: Estado do Paraná. Advogados: Manoel Caetano Ferreira Filho e outros. Recdos.: Odilon Kruger dos Passos e Cia. Ltda. e outro. Advs.: Wilson Naldo Grube Filho e outros.

Decisão: A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso (em 1º.06.92 - F Turma).

Participaram do julgamento os Exmos. Srs. Ministros Demócrito Reinaldo, Gomes de Barros, Milton Pereira e Cesar Rocha.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro GARCIA VIEIRA.

+

RECURSO ESPECIAL Nº 23.510-1- SP (Registro nº 92.0014578-7)

Relator: O Sr. Ministro Garcia Vieira Recorrente: Municipalidade de São Paulo Recorridos: João Sabino de Araújo e cônjuge

Advogados: Drs. Pedro Soares de Araújo e outros; Airton Alves de Oliveira e outro

EMENTA: DESAPROPRIAÇÃO - LIQUIDAÇÃO - CÁLCULOS - CORREÇÃO MONETÁRIA.

O entendimento dominante nesta Corte e no STF é que o recurso da decisão homologatória de cálcu­los sucessivos de execução é o de apelação. Aqui não se trata de mera atualização e, sim, de inclusão nos cálculos do referido índice de 70,28% do IPC de ja­neiro.

Precedentes: REsp n.!Lli 1.488, 2.702, 8.672, 14.659, RE n.!Lli 114.466, 97.685, 99.033 e 110.627.

Recurso provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 575

e notas taquigráficas a seguir, por maioria, dar provimento ao recurso, nos termos do voto do Exmo. Sr. Ministro Relator. Vencido o Exmo. Sr. Minis­tro Demócrito Reinaldo. Votaram com o Relator os Ministros Gomes de Barros, Milton Pereira e Cesar Rocha.

Custas, como de lei. Brasília, 20 de agosto de 1992 (data do julgamento). Ministro GARCIA VIEIRA, Presidente e Relator.

RELATÓRIO

o SR. MINISTRO GARCIA VIEIRA: A Municipalidade de São Paulo, fls. 370/374, apoiada na Constituição Federal, artigo 105, In, a, inter­põe recurso especial, irresignada com o V. Acórdão (fls. 366/368) que não conheceu da apelação contra sentença (fls. 343) que homologou o cálculo de fls. 334. Aduz que é do cód. Proc. Civil, artigo 520, In, o recebimento de apelação que julgar a liquidação de sentença, pede o reexame do V. Acórdão, para dar-se a real interpretação à lei federal afrontada.

Não ocorreram contra-razões, fls. 375.

Despacho às fls. 377 deferindo o processamento do recurso por re­conhecer dos fundamentos deduzidos a evidência da existência da ques­tão federal motivadora do acesso à instância especial.

Cuida-se de impugnação em depósito efetuado em Ação Expropria­tória, relativo à primeira parcela de pagamento, em face da não conside­ração, para fins de correção monetária, dos índices inflacionários con­cernentes ao mês de janeiro de 1986.

Determinado o recálculo com a inclusão do IPC de janeiro de 70,28% sobre a OTN de dezembro de 1988, veio a conta de fls. 334, impugnada pela Municipalidade, foi homologada pela sentença de fls. 343.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO GARCIA VIEIRA (Relator): Em ação de desapro­priação movida pelo Departamento de Estradas de Rodagem' de São Paulo, julgada procedente, foi requerida a liquidação. Elaborados os primeiros cálculos (fls. 258), foram os mesmos homologados (fls. 261). Procedidos o recolhimento (fls. 265) e o levantamento (fls. 267/268) fo­ram elaborados novos cálculos (fls. 324/325), sendo deferido o levanta­mento da importância (fls. 328). Procedido o levantamento (fls. 330), pediu

576 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

o expropriado fosse incluído nos cálculos o índice de 70,28% (fls. 332), sendo elaborados novos cálculos (fls. 334), foram os mesmos homologa­dos (fls. 343). Desta decisão apelou a Municipalidade de SP (fls. 344/ 351). A Décima Sétima Câmara Cível do E. Tribunal de Justiça do Es­tado de São Paulo não conheceu do recurso por entender caber agravo de instrumento e não apelação (fls. 366/368). Desta decisão foi interpos­to o recurso especial com fundamento na letra a (fls. 370/374). -

Em certa época predominou em nossos Tribunais Superiores, e es­pecialmente no TFR, o entendimento de que da decisão que homologa cálculos sucessivos de execução caberia agravo e não apelação. Mas, no próprio TFR acabou predominando o entendimento hoje dominante no STJ e STF de que o recurso cabível é o de apelação. No caso não se trata sequer de mera atualização, e sim de inclusão nos cálculos do referido índice de 70,28%, IPC de janeiro, devidamente autorizada pelo julgador monocrático (fls. 333). DO STJ e do STF podemos citar os seguintes precedentes no sentido de que o recurso cabível é apelação e não o agra­vo de instrumento: REsp 1.488, DJ de 11.12.89, REsp 2.702, DJ de 06.08.90, REsp 8.672, DJ de 22.04.91, REsp 14.659, DJ de 17.02.92, RE 114.466, DJ de 12.02.88, RE 97.685, DJ de 01.07.83, RE 99.033, DJ de 14.3.86, RE 110.627, DJ de 03.10.86.

Dou provimento ao recurso para que o E. Tribunal de Justiça de São Paulo aprecie a apelação interposta pela Municipalidade de São Paulo· (fls. 344/351).

VOTO-VENCIDO

O SENHOR MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO: Senhor Presi­dente, no caso não é inclusão. Continua como mera atualização, uma correção monetária que a lei prevê. Acho que o recurso de apelação só é cabível naquelas hipóteses do artigo 513, em que há extinção do proces­so. Uma mera atualização de cálculo não pode ser considerada como extinção do processo de liquidação.

Discordo de V. Exa. com a devida vênia.

É como voto.

RATIFICAÇÃO DO VOTO

O SENHOR MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO: Se V. Exa. me permite, farei uma segunda sustentação do meu voto com jurisprudên­cia farta, inclusive no Supremo Tribunal Federal (lê):

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 577

"Comporta agravo de instrumento e não ...

... não conhecendo da apelação."

É como voto.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS: Sr. Presidente, peço vênia ao Eminente Ministro Demócrito Reinaldo por­que me parece que o processo de liquidação é um processo autônomo e a sentença que homologa os cálculos põe fim a esse processo. Nessa cir­cunstância, o recurso é de apelação.

Acompanho o Sr. Ministro Relator.

VOTO

O SENHOR MINISTRO MILTON PEREIRA: Sr. Presidente, tenho entendimento seguindo exatamente a jurisprudência. Desde que se te­nha uma sentença homologatória, sem dúvida o recurso é de apelação; agora, se se cuida de simples retificações, então seria agravo. No caso, houve sentença.

Acompanho V. Ex!!.

EXTRATO DA MINUTA

REsp nQ 23.510-1 - SP - (92.0014578-7) - Relator: Exmo. Sr. Ministro Garcia Vieira. Recte.: Municipalidade de São Paulo. Advs.: Pedro Soares de Araújo e outros. Recdos.: João Sabino de Araújo e cônjuge. Advs.: Airton Alves de Oliveira e outro.

Decisão: A Turma, por maioria, deu provimento ao recurso, nos termos do voto do Exmo. Sr. Ministro Relator. Vencido o Exmo. Sr. Mi­nistro Demócrito Reinaldo (em 20.08.92 - 1!! Turma).

Participaram do julgamento os Exmos. Srs. Ministros Demócrito Reinaldo, Gomes de Barros, Milton Pereira e César Rocha.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro GARCIA VIEIRA.

578 R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

RECURSO ESPECIAL NQ 23.5&7-5 - RJ

Relator: Sr. Ministro Américo Luz

Recte.: Indústria e Comércio Quimetal S/A

Recda.: Fazenda Nacional

Advs.: Drs. Fábio Coutinho Kurtz e outros, Milbert Macau e outros

EMENTA: TRffiUTÁRIO. IMPORTAÇÃO. ICMS. RECOLHIMENTO. MOMENTO DO FATO GERADOR. CONVÊNIO ICM 66/88. ART. 34, § 8º, DO ADCT. DE­CRETO-LEI 406/68, ART. 1º.

- Não prevalece, diante do que preceitua o art. 1º, do DL 406/68, diploma legal recepcionado pela atual Constituição Federal, a exigência do recolhi­mento do tributo em questão por ocasião do desem­baraço aduaneiro, introduzida pelo Convênio acima aludido.

- Recurso provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, em conhecer do recurso e em lhe dar provimento. Votaram com o relator os Ministros Pádua Ribeiro, José de Jesus, Hélio Mosimann e Peçanha Martins.

Custas, como de lei.

Brasília, 26 de agosto de 1992 (data do julgamento).

Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, Presidente. Ministro AMÉRICa LUZ, Relator.

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO AMÉRICa LUZ: O acórdão recorrido deu pela legitimidade da exigência do recolhimento antecipado do ICMS, por

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 579

ocasião do desembaraço de mercadorias importadas, considerando, para tanto, que o Convênio ICM 66/88, publicado no DOU de 16/12/88, está embasado no dispositivo do art. 34, § 8º, do Ato das Disposições Consti­tucionais Transitórias.

No especial interposto sustenta-se negativa de vigência ao DL 406/ 68, ou não admitir a ocorrência do fato gerador, na hipótese, quando da entrada da mercadoria importada do exterior no estabelecimento do ti­tular. Finalmente, suscita-se divergência com a Súmula 577 do Pretório Excelso.

É o relatório.

VOTO

o EXMO. SR. MINISTRO AMÉRICO LUZ (Relator): Questão aná­loga apreciei no Recurso Especial nº 7.582-RJ, cujo acórdão publicado no DJ de 27.05.91 ostenta a seguinte ementa:

"TRIBUTÁRIO. IMPORTAÇÃO. ICMS. RECOLHI­MENTO. MOMENTO DO FATO GERADOR. CONVÊNIO ICM 66/88. ART. 34, § 8º, DO ADCT. DECRETO-LEI 406/ 68, ART. lº.

Não prevalece, diante do que preceitua o art. 12 do DL 406/68, diploma legal recepcionado pela atual Constituição Federal, a exigência do recolhimento do tributo em questão por ocasião do desembaraço aduaneiro, introduzida pelo Convênio acima aludido.

Recurso provido." Reportando-me aos fundamentos do voto que então proferi, cuja

juntada determino ao presente, dou provimento ao recurso.

ANEXO

"RECURSO ESPECIAL Nº 7.582 - RJ (Registro nº 91.1052-9)

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO AMÉRICO LUZ (Relator): Ao art. 34, § 8º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, não dou a am­plitude com que se houve o acórdão recorrido. O dispositivo acima re­ferido é do seguinte teor:

580 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

"Art. 34 ... (omissis).

§ 82 - Se, no prazo de sessenta dias contados da promul­gação da Constituição, não for editada a lei complementar ne­cessária à instituição do imposto de que trata o art. 155, I, b, os Estados e o Distrito Federal, mediante convênio celebrado nos termos da Lei Complementar nQ 24, de 7 de janeiro de 1975, fixarão normas para regular provisoriamente a matéria".

Ora, a citada Lei Complementar só autorizou os Estados a celebra­rem convênios para isenção, anistia, remissão, transação, moratória, parcelamento de débitos fiscais e ampliação do prazo de recolhimento do ICM. É certo, porém, que na ausência de leis complementares, as nor­mas gerais serão supridas pelos Estados. Entretanto, tenho que ficou assegurada a aplicação da legislação anterior, desde que não incompatí­vel com a legislação nova (CF-ADCT art. 34, § 52).

Alcides Jorge Costa, ao tratar dos tribunais estaduais, no II Fórum Jurídico, sobre a Constituição atual, refere-se ao § 82 do art. 34 do ADCT, como "um dispositivo altamente perigoso", e explica, verbis:

" ... Ou seja, imprudentemente a meu ver, a Constituinte deu ao Poder Executivo dos Estados (pois a Lei Complementar n2 24/75 exclui a interferência do Legislativo) a possibilidade de fazer um corpo de normas gerais que deveria constar de uma Lei Complementar. É verdade que se diz: "normas para regular provisoriamente a matéria." Mas não sabemos quanto tempo vai durar o provisório. E acho que isso foi uma imprudência por duas razões. Primeiro, porque é incompatível com todo o resto da Constituição que restabelece as prerrogativas do Poder Le­gislativo. Segundo, porque infelizmente muitas vezes os Execu­tivos Estaduais deixam-se levar por considerações meramente arrecadatórias sem olharem um pouquinho à frente para ver os efeitos econômicos dos impostos ou da forma pela qual preten­dem cobrá-los ... " (A Constituição Brasileira de 1988 - Inter­pretações - Ed. Forense Universitária - P edição - págs. 324/325).

Ainda sobre o tema, Ives Gandra Martins preleciona:

"Na falta de lei complementar editada para a instituição do ICMS no prazo de sessenta dias contados da promulgação da Constituição, as disposições transitórias autorizam os Estados, a fixar normas para regular provisoriamente a matéria. Tal autorização, à evidência, só pode versar sobre as lacunas exis-

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 581

tentes e sobre os dispositivos da lei complementar anterior não recepcionados. Entretanto, o dispositivo entusiasmou de tal forma os senhores Secretários da Fazenda dos Estados que eles produziram um convênio inconstitucional (66/86), com caracte­rísticas de confuso regulamento. Não há nele nem estrutura, nem perfil de lei complementar.

Pelo fato de ter sido redigido por autênticos "reglilamen­teiros" - na feliz expressão de Alcides Jorge Costa - e não por legisladores, o Convênio 66/86 "é voltado exclusivamente para a arrecadação, sendo lacunoso sobre os demais aspectos de real política tributária, que seria necessário plasmar no sistema nacio­nal - sem falar no vício de inconstitucionalidade de que poderia, em alguns dispositivos, revogar a lei complementar recepciona­da." (Sistema Tributário na Constituição de 1988, pág. 288).

Desse modo, o ICM de mercadoria importada continua regulado pelo Decreto-lei nQ 406/68, porquanto recepcionado pelo novo texto constitu­cional, uma vez despido da eiva de incompatibilidade.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso. É como voto."

EXTRATO DA MINUTA

REsp nQ 23.557-5 - RJ - Relator: Exmo. Sr. Ministro Américo Luz. Recte.: Indústria e Comércio Quimetal S/A. Advs.: Fábio Coutinho Kurtz e outros. Recda.: Fazenda Nacional. Proc.: Milbert Macau e outros.

Decisão: A Turma, por unanimidade, conheceu do recurso e lhe deu provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator (em 26.08.92 -2õ! Turma).

Participaram do julgamento os Srs. Ministros Pádua Ribeiro, José de Jesus, Hélio Mosimann e Peçanha Martins.

RO.

582

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEI-

RECURSO ESPECIAL N!! 23.862-0 - PR (Registro n!! 92.0015701-7)

Relator: O Sr. Ministro Eduardo Ribeiro

Recorrentes: Camélia Afonso Capaverde e cônjuge

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

Recorridos: Frieda Mathilde Assme e outro Advogados: Drs. Adilson Luiz Bohatczuk e Henrique Schneider

Neto

EMENTA: Extinção do processo sem julgamento do mérito - Reforma da sentença em apelação -Impossibilidade de, desde logo, julgar-se o mérito.

Nos termos do artigo 463 do CPC "o Juiz cum­pre e acaba '0 ofício jurisdicional" quando publica a sentença de mérito. Se ainda não o fez, vedado ao Tribunal suprimir-lhe esta possibilidade. Necessida­de de que tornem os autos ao primeiro grau para, superada a preliminar, prosseguir-se no exame da causa.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, em conhecer do recurso especial e em lhe dar provimento. Participaram do julgamen­to os Srs. Ministros Dias Trindade, Waldemar Zveiter, Cláudio Santos e Nilson Naves.

Custas, como de lei.

Brasília, 1Q de setembro de 1992 (data do julgamento).

Ministro NILSON NAVES, Presidente. Ministro EDUARDO RIBEI­RO, Relator.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO EDUARDO RIBEIRO: FRIEDA MATHILDE ASSME e outro locaram imóvel comercial a CORNÉLIO CAPA VERDE e sua mulher. Não mais lhes interessando a locação, ajuizaram ação de despejo.

A sentença, nos termos do art. 267, VI, julgou extinto o processo, concluindo pela carência da ação por nulidade da notificação.

A decisão foi reformada, ao fundamento de que, tomando o locatá­rio "ciência inequívoca da vontade do locador", válida é a notificação.

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39); 339-615, novembro 1992. 583

Não acolhido o pedido de declaração, os locatários utilizaram-se dos recursos extraordinário e especial.

Com base no art. 105, In, alíneas a e c, da Constituição Federal, alegaram que afrontados os arts. 513, 496 e 499, do CPC. Argumenta­ram que houve cerceamento de defesa, supressão de instância e que havia, quanto ao tema, divergência jurisprudencial.

Recurso admitido e processado. É o relatório.

VOTO

EMENTA: Extinção do processo sem julgamento do mérito - Reforma da sentença em apelação - Impossibili­dade de, desde logo, julgar-se o mérito.

Nos termos do artigo 463 do CPC "o Juiz cumpre e aca­ba o ofício jurisdicional" quando publica a sentença de mé­rito. Se ainda não o fez, vedado ao Tribunal suprimir-lhe esta possibilidade.

Necessidade de que tornem os autos ao primeiro grau para, superada a preliminar, prosseguir-se no exame da causa.

O SR. MINISTRO EDUARDO RIBEIRO: A sentença extinguiu o processo, sem julgamento do mérito, por ausência de condição necessá­ria a que pudesse ser formulada a pretensão nele contida. O Tribunal, entendendo que não havia a falha indicada pelo Juiz, deu provimento à apelação. Considerou mais que, por não haver outros temas a serem examinados, o mérito podia ser desde logo julgado, o que se fez. O espe­cial versa esse ponto, ou seja, se viável o exame do mérito, que não fora objeto da sentença.

De lege ferenda, inclino-me francamente pelo enteridimento de que, estando o mérito em condições de ser julgado, isso deveria desde logo fazer-se, superado pelo Tribunal o óbice acolhido em primeiro grau. Sustentei-o em trabalho apresentado ao Congresso Nacional de Processo Civil, realizado em Porto Alegre em julho de 1983. (Revista Forense -voI. 286 - p. 89/94). Frente ao direito posto, entretanto, não me parece defensável a tese acolhida pelo acórdão.

O artigo 463 do Código de Processo Civil deixa claro que "o juiz cumpre e acaba o ofício jurisdicional" quando publica a sentença de

584 R Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

mérito. Se ainda não o fez, não é possível suprimir-lhe esta possibilida­de.

o aresto recorrido procurou introduzir distinção que não é admis­sível. Firmou-se em que não haveria outros temas a examinar. Ora, se o Juiz sequer tocou o mérito, restava-lhe exatamente verificar se o pedi­do deveria ser ou não acolhido, se os fatos expostos conduziam à preten­dida conseqüência jurídica. Ainda não houvesse o réu trazido qualquer ponto à discussão, e trouxe, aquele exame se impunha.

Invocou-se, no julgado, a autoridade de Barbosa Moreira. Esse re­nomado processualista, entretanto, logo antes de fazer as observações transcritas, enfatiza ser "inadmissível que o órgão superior se pronun­cie sobre o meritum causae, sem que antes o tenha feito o juízo inferior" (Comentários - vol. V - Forense - 5i! ed. - p. 428).

Conheço do recurso, pelas letras a e c, e dou-lhe provimento para anular o acórdão, na parte em que desde logo julgou procedente a ação. Os autos haverão de tornar ao primeiro grau para que se prossiga na causa, superada a preliminar que conduziu à extinção do processo. Fica prejudicado o extraordinário.

EXTRATO DA MINUTA

REsp nº 23.862-0 - PR - (92.0015701-7) - Relator: Exmo. Sr. Ministro Eduardo Ribeiro. Rectes.: Cornélio Afonso Capaverde e cônju­ge. Adv.: Adilson Luiz Bohatczuk. Recdos.: Frieda Mathilde Assme e ou­tro. Adv.: Henrique Schneider Neto.

Decisão: A Turma, por unanimidade, conheceu do recurso especial e lhe deu provimento (em 01.09.92 - 3i! Turma).

Participaram do julgamento os Srs. Ministros Dias Trindade, Wal­demar Zveiter, Cláudio Santos e Nilson Naves.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro NILSON NAVES .

• RECURSO ESPECIAL Nº 23.950-7 - SP

(Registro nº 92.0015873-0)

Relator: O Sr. Ministro Eduardo Ribeiro

Recorrente: Vivian Roque Rosolillo Paiva

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 585

Recorrido: Banco lnduscred S/A Advogados: Drs. Celso José de Lima e outro; Levon Kissajikian e

outros

EMENTA: Ação em que o arrematante do imóvel pretende imitir-se na posse. Natureza real imobiliá­ria. Citação de ambos os cônjuges.

Irrelevância da circunstância de estarem sepa­rados de fato, apenas um deles ocupando o imóvel. A necessidade da citação de ambos decorre da nature­za da ação e não de a ofensa ao direito ser imputável aos dois.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, em conhecer do recurso especial e em lhe dar provimento. Participaram do julgamen­to os Srs. Ministros Dias Trindade, Waldemar Zveiter, Cláudio Santos e Nilson Naves.

Custas, como de lei.

Brasília, 08 de setembro de 1992 (data do julgamento). Ministro NILSON NAVES, Presidente. Ministro EDUARDO RIBEI­

RO, Relator.

RELATÓRIO

o SR. MINISTRO EDUARDO RIBEIRO: Cuida-se de ação movida por BANCO INDUSCRED S/A contra VIVIAN ROQUE ROSOLILLO PAIVA, por meio da qual o autor pretende imitir-se na posse de imóvel que arrematara. A ação foi julgada procedente.

No especial, embasado no art. 105, In, alínea a, da Constituição Federal, a vencida sustentou que desatendido o art. 10, parágrafo único I, do CPC, salientando que, em virtude da natureza da ação, tornava-se indispensável a citação de seu marido.

586

Recurso admitido e processado.

É o relatório.

R. sup. 'Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

VOTO

EMENTA: Ação em que o arrematante do imóvel pre­tende imitir-se na posse. Natureza real imobiliária. Citação de ambos os cônjuges.

Irrelevância da circunstância de estarem separados de fato, apenas um deles ocupando o imóvel. A necessidade da citação de ambos decorre da natureza da ação e não de a ofensa ao direito ser imputável aos dois.

O SR. MINISTRO EDUARDO RIBEIRO: A hipótese não é de ação possessória mas petitória. Em ambas pretende-se a posse, distinguindo­se pela causa de pedir. Na primeira, a própria posse, esbulhada, turba­da ou ameaçada; na segunda, o domínio. No caso em exame, não há dúvida alguma de que se trata dessa última. Tornando-se o autor pro­prietário do bem, pleiteia a posse. Explicita a inicial (fls. 3):

"Se o autor é detentor do domínio, como se demonstrou, os réus, por sua vez, não podem recusar-se a outorgar-lhe a posse, detendo o imóvel injustamente."

Clara também a sentença:

"Por outro lado, a presente ação não nasce de atos posses­sórios praticados em conjunto pelos réus, mas sim, têm por fundamento título que outorga a propriedade à autora."

Tratando-se de ação com a natureza indicada, não há dúvida que tem caráter real. Com efeito, para defini-lo, não basta o exame do pedi­do, devendo ter-se em conta, também, a causa de pedir. Há que se inda­gar porque se deve, como anota LOPES DA COSTA, invocando GAR­SONNET e BRU (Direito Processual Civil Brasileiro, voI. I, p. 160, Forense 1959). Na espécie em exame, intenta-se a defesa do direito real de propriedade, pleiteando-se seja assegurado um de seus atributos que é o de usar da coisa (Código Civil - art. 524).

Cuidando-se de ação real relativa a imóvel, impõe-se figurem am­bos os cônjuges como réus, em litisconsórcio necessário (art. 10, pará­grafo único, I, do CPC). Isso não se fazendo, a sentença será ineficaz para todos, mesmo para o que participou do processo. Consulte-se, a propósito, CELSO BARBI (Comentários ao CPC - Forense - I;! ed. -voI. I - tomo I - p. 280).

Mencionou-se, nos autos, que os cônjuges estão separados de fato. Apenas a mulher se encontraria no imóvel. A circunstância é de todo

H. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 587

irrelevante. A citação de ambos é de rigor por tratar-se de ação real imobiliária e não porque parta de ambos a alegada ofensa ao direito do proprietário do imóvel. .

Conheço do recurso e dou-lhe provimento para anular o processo, a partir da sentença inclusive, devendo determinar-se a citação do marido da recorrente.

EXTRATO DA MINUTA

REsp nº 23.950-7 - SP - (92.0015873-0) - Relator: Exmo. Sr. Ministro Eduardo Ribeiro. Recte.: Vivian Roque Rosolillo Paiva. Advs.: Celso José de Lima e outro. Recdo.: Banco Induscred S/A. Advs.: Levon Kissajikian e outros.

Decisão: A Turma, por unanimidade, conheceu do recurso especial e lhe deu provimento (em 08.09.92 - 3;! Turma).

Participaram do julgamento os Srs. Ministros Dias Trindade, Wal-demar Zveiter, Cláudio Santos e Nilson Naves. .

588

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro NILSON NAVES .

• RECURSO ESPECIAL Nº 24.275-0 - GO

(Registro nº 92.0016775-6)

Relator: O Exmo. Sr. Ministro Garcia Vieira Recorrente: Estado de Goiás Recorridos: Divino Barbosa da Silva e outros

Advogados: Drs. Hector Valverde Santana e Abílio Arrais de Morais

EMENTA: FUNCIONÁRIO - ADICIONAL POR TEMPO DE SERVIÇO.

O Estado, ao fixar o limite máximo de remune­ração de seus servidores no âmbito do Poder Execu­tivo, não pode, simplesmente, reduzir os adicionais já definitivamente adquiridos pelo funcionário e, para sempre, incorporados a seus vencimentos.

Recurso improvido.

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provi­mento ao recurso. Votaram com o Relator os Ministros Demócrito Rei­naldo, Gomes de Barros, Milton Pereira e César Rocha.

Custas, como de lei.

Brasília, 02 de setembro de 1992 (data do julgamento). Ministro GARCIA VIEIRA, Presidente e Relator.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO GARCIA VIEIRA: Divino Barbosa da Silva e outros, funcionários públicos, impetraram mandado de segurança con­tra ato do Exmo. Sr. Governador do Estado de Goiás objetivando a rein­clusãonos seus vencimentos da gratificação correspondente ao adicional por tempo de serviço legitimamente adquirida.

Esclarecem os impetrantes que a autoridade apontada coatora es­tabeleceu como limite máximo do adicional por tempo de serviço em 35% (trinta e cinco por cento), reduzindo seus vencimentos em flagrante desrespeito ao princípio do direito adquirido.

O E. Tribunal de Justiça do Estado de Goiás concedeu a segurança ao fundamento de que não pode haver redução em vantagem legitima­mente concedida (fls. 71/74).

Inconformado, o Estado de Goiás interpôs recurso especial apoiado no art. 105, inciso In, alínea a, sob violação ao art. 1Q da Lei nQ 1.533/51.

Sustenta, em síntese, que os impetrantes não vislumbram direito líquido e certo (fls. 81/86).

Admitido o recurso (fls. 88/91), subiram os autos a este E. Tribu-naI.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO GARCIA VIEIRA (Relator): Vinham os impetran­tes recebendo adicionais, nos termos do art. 170 da Lei Estadual nQ

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 589

10.460, de 22 de fevereiro de 1988, Estatuto dos Funcionários Públicos . do Estado de Goiás, que concedeu a todos os Funcionários Públicos do Estado o adicional de 10% (dez por cento) por qüinqüênio sobre os ven­cimentos ou remuneração. Com o decorrer do tempo, referida vantagem passou para sempre a ser devida ao recorrido e incorp0rou a seus ven­cimentos (Lei n!! 8.112/90, art. 49, § 22). Ensina Hely Lopes Meirelles, no seu Direito Administrativo Brasileiro, 15ª ed., atualizada pela Consti­tuição de 1988, que:

"Adicional por tempo de serviço é o acréscimo pecuniário que se adita definitivamente ao padrão do cargo, em razão ex­clusiva do tempo de exercício estabelecido em lei para o aufe­rimento da vantagem. É um adicional ex facto temporis, resul­tante de serviço já prestado pro labore facto. Daí porque se incorpora automaticamente ao vencimento e o acompanha na disponibilidade e na aposentadoria." (pág. 399)

E conclui o saudoso e renomado Mestre, ob. cito que:

"E é irretirável do funcionário, precisamente porque re­presenta uma contraprestação de serviço já feito. É uma vanta­gem pessoal, um direito adquirido para,o"futuro. Sua conditio juris é, apenas, e tão-somente, o tempó de serviço já prestado, sem se exigir qualquer outro requisito da função do servidor". (pág. 399)

É verdade que a Administração pode a qualquer tempo alterá-lo ou até extingui-lo "desde que o faça por lei, e respeite as situações jurídicas anteriores, definitivamente constituídas em favor dos servidores que já completaram o tempo necessário para a obtenção da vantagem" (Hely Lopes Meirelles, ob. cit., pág. 400).

Assim, poderia a Administração do Estado, a qualquer tempo, re­duzir o adicional de 10% (dez por cento) para 5% (cinco por cento) e até extingui-lo, contanto que respeitasse o direito aos adicionais já, definiti­vamente, adquiridos pelo funcionário. A mudança ou a extinção só pode­riam ter eficácia para o futuro e não para o passado. Assim, a redução do percentual mínimo do adicional só pode prevalecer para o futuro e não para retirar do servidor os adicionais adquiridos e incorporados a seus vencimentos. Os impetrantes não poderiam sofrer redução em seus qüinqüênios porque se trata de uma situação jurídica definitivamente constituída e de direito por ele adquirido para sempre, e nem mesmo a lei nova terá força para prejudicá-lo (CF, art. 52, XXXVI).

590 R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

o Estado, em obediência ao disposto na Constituição Federal vi­gente, art. 37, XI, ao fixar o limite máximo de remuneração de seus servidores no âmbito do Poder Executivo, em quantia igual à percebida, a qualquer título, por seus Secretários, não pode simplesmente reduzir os adicionais já definitivamente adquiridos pelo funcionário, e para sem­pre incorporados a seus vencimentos. O confronto para a fixação do li­mite legal deverá ser feito entre as remunerações totais do servidor e do Secretário de Estado, porque o legislador constitucional (art. 37, XI) fala em "valores percebidos como remuneração ... ". É claro que, se a remune­ração do funcionário for superior à do Secretário, o Estado, na fixação do limite máximo, poderia reduzir a remuneração do primeiro, mas não diminuir somente adicionais, gratificações, e muito menos vantagens ir­retiráveis do servidor. Nem mesmo o disposto no art. 17 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias poderia ser invocado, porque o recorrido não vinha recebendo seus adicionais em desacordo com a Cons­tituição. A Lei Estadual nQ 11.313, de 17 de setembro de 1991, não po­deria diminuir o adicional por tempo de serviço já incorporado.

Nego provimento ao recurso.

EXTRATO DA MINUTA

REsp nQ 24.275-0 - GO - (92.0016775-6) - Relator: Exmo. Sr. Ministro Garcia Vieira. Recte.: Estado de Goiás. Advs.: Hector VaI verde Santana. Recdos.: Divino Barbosa da Silva e outros. Advs .. : Abilio Arrais de Morais.

Decisão: A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso (em 02.09.92 - 1ª Turma).

Participaram do julgamento: os Exmos. Srs. Ministros Demócrito Reinaldo, Gomes de Barros, Milton Pereira e César Rocha.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro GARCIA VIEIRA.

RECURSO ESPECIAL NQ 24.803-0 - RJ

Relator: Sr. Ministro Hélio Mosimann Recorrente: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 591

Recorrido: Produtos Alimentícios Servith Ltda. Advogados: Drs. Américo Luis Martins da Silva e outros

EMENTA: DÉBITO PREVIDENCIÁRIO. CANCE­LAMENTO. DECRETO-LEI Nl! 2.303/86, ARTIGO 29. INAPLICABILIDADE.

O artigo 29 do Decreto-lei nl! 2.303/86 não abran·­ge os débitos previdenciários.

Precedentes. Recurso provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, em dar provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Américo Luz, Pádua Ribeiro e José de Jesus. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Peçanha Martins.

Custas, como de lei. Brasília, 02 de setembro de 1992 (data do julgamento). Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, Presidente. Ministro

HÉLIO MOSIMANN, Relator.

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO HÉLIO MOSIMANN: Trata-se de recurso especial interposto pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL (INSS), com fundamento no art. 105, IH, letras a e c, da Constituição Federal, contra o venerando acórdão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região que, nos autos da execução fiscal movida contra PRODUTOS ALIMENTÍCIOS SERVITER L'rDA., julgou anistiado o débito previden­ciário, por força do art. 29 do Decreto-lei n!! 2.303/86, que considerou aplicável às autarquias federais.

Alega o recorrente violação aos Decretos-leis nJIJI 1.793/80 e 1.889/ 81, bem como dissídio com decisões de outros Tribunais.

Inadmitido na origem (fls. 62), foi o recurso processado em face do provimento de agravo (fls. 66).

É o relatório.

592 R. Sup. Trib. Jusi., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

VOTO

o SENHOR MINISTRO HÉLIO MOSIMANN: Senhor Presidente, o Decreto-lei nº 2.303, de 21.11.86, em seu artigo 29 cancelou apenas os débitos para com a Fazenda Nacional, não os das Autarquias Federais, e estas não são partes da Fazenda NacionaL Quando o legislador pre­tendeu cancelar os débitos das autarquias e da Previdência Social o fez expressamente, por normas legais a ela destinadas, como, por exemplo, nos Decretos-leis nl!ll 1.889/81, 1.699/79 e 1.694/79.

A questão já era pacífica no extinto Tribunal Federal de Recursos, bastando lembrar seus precedentes na AC nº 85.038-PR, Relator o sau­doso Ministro Geraldo Sobral que, em seu voto, citou a AC nº 136.806-PR, ReI. Ministro Pádua Ribeiro, DJ de 03.03.88, e AC nº 138.000-PE, ReI. Min. Carlos VelIoso, DJ de 14.04.88.

Este Colendo Superior Tribunal de Justiça entendeu da mesma forma. Vejam-se, a propósito, os Recursos Especiais nl!ll 11.424-RJ, por mim relatado, DJ de 09.09.91, 15.402-0-RJ, ReI. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, DJ de 25.05.92, e 23.328-1-RJ, ReI. Min. José de Jesus, DJ de 03.08.92.

Isto posto, dou provimento ao recurso.

EXTRATO DA MINUTA

REsp nº 24.803-0 - RJ - Relator: Exmo. Sr. Ministro Hélio Mosi­mann. Recte.: Instituto Nacional do Seguro Social- INSS. Advogados: Américo'Luis Martins da Silva e outros. Recdo.: Produtos Alimentícios Servith Ltda.

Decisão: A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator (em 02.09.92 - 2!! Turma).

Participaram do julgamento os Srs. Ministros Américo Luz, Pádua Ribeiro e José de Jesus.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Peçanha Martins. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO .

• RECURSO ESPECIAL Nº 25.358-9 - SP

(Registro nº 92.189210)

Relator: Ministro Américo Luz Recte.: Fazenda do Estado de São Paulo

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 593

Eecdo.: Braswey S/A Indústria e Comércio Advs.: Maria Elisabeth Rolim e outro, Paulo Augusto de C. T. da

Silva e outro

EMENTA: TRIBUTÁRIO. EXPORTAÇÃO DE CAFÉ. QUOTA DE CONTRIBUIÇÃO. DL 2.295/86. EXCLUSÃO DA BASE DE CÁLCULO DO ICM. DL 406/ 68, ART. 2º, § 8º.

Na exportação de café cru, o valor da quota de contribuição, instituída pelo Decreto-lei nº 2.295/86, não se inclui na base de cálculo de ICM.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos '1otos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, em não co­nhecer do recurso. Votaram com o relator os Ministros Pádua Ribeiro, José de Jesus, Hélio Mosimann e Peçanha Martins.

Custas, como de lei. Brasília, 05 de outubro de 1992 (data do julgamento).

Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, Presidente. Ministro AMÉRICO LUZ, Relator.

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO AMÉRICO LUZ: O presente recurso especial impugna acórdão que concedeu segurança para excluir da base de cálculo do ICM, nas operações de exportação de café cru, o valor correspondente à "quota de contribuição" devida ao Instituto Brasileiro do Café-IBC.

Alega a recorrente contrariedade a vários dispositivos legais, ex­pressamente mencionados na petição de interposição.

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO AMÉRICO LUZ (Relator): A matéria controvertida nos autos encontra-se pacificada nesta Eg. Corte. De fato, a partir do julgamento dos Embargos de Divergência nos Recursos Es-

R. Sup. Trib. Jusi., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

peciais nllJ 6.963-PR e 7.336-MG, consolidado ficou o entendimento de que na exportação de café cru, o valor da quota de contribuição, instituÍ­da pelo Decreto-lei nQ 2.295/86, não se inclui na base de cálculo do ICM.

O acórdão recorrido, decidindo em consonância com essa orientação, desmerece censura, pelo que, juntando cópia do voto que proferi no REsp nQ 7.783-SP, a cujos fundamentos me reporto, não conheço do recurso.

ANEXO

"RECURSO ESPECIAL N!! 7.783 - SP (Registro nQ 91.15.903)

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO AMÉRICO LUZ (Relator): Embora o recurso tenha sido admitido apenas pelo reconhecimento do dissídio ju­risprudencial, nada obsta o seu conhecimento quanto aos demais funda­mentos, porquanto aplicável à hipótese o enunciado da Súmula nQ 292, da Suprema Corte.

A espécie, conforme se viu da leitura do relatório, cinge-se em sa­ber se a denominada "quota de contribuição", instituída pelo Decreto-lei nQ 2.295/86, deve ser considerada na base de cálculo do ICM, devido nas exportações de café cru, como pretende a recorrente, apoiada no Convê­nio 27/87.

Ao examinar a questão no Recurso Especial nQ 3.939-PR, relator o eminente Ministro Armando Rollemberg, a Eg. I!! Turma desta Eg. Cor­te decidiu conforme a seguinte ementa, verbis:

"Tributário - ICM - Exportação de café - Abatimen­to da quota de contribuição recolhida ao Instituto Brasilei­ro do Café.

Não há como considerar-se que o § 8Q, do artigo 2Q

, do Dec.-lei 406/68, ao estabelecer que a base de cálculo na saí­da de mercadorias para o exterior seria o valor líquido fa­turado, estivesse considerando tal valor diverso daquele al­cançado pela mercadoria, deduzidos os ônus previstos em relação à mesma, e, portanto, a quota de contribuição para o IBC. Quanto à referência contida na referida norma legal a frete, seguro e despesas de embarque, tem a finalidade de não fazer a base de cálculo do imposto menor que o valor líquido da mercadoria, não interferindo, porém, na concei­tuação de tal valor.

Recurso provido".

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o § 8Q do art. 2Q do Decreto-lei nQ 406/68 assevera:

"Na saída de mercadoria para o Exterior ou para os esta­belecimentos a que se refere o § 5Q do art. I!!, a base de cálculo será o valor líquido faturado, a ele não se adicionando frete auferido por terceiro, seguro, ou despesas decorrentes do servi­ço de embarque por via aérea ou marítima",

Assim, como também compreendo, e acentuou o acórdão recorrido com propriedade, "os termos dessa disposição legal não permitem, no caso, a adoção da interpretação dada em face da circunstância de que o "valor líquido faturado", já determinado em lei, ficaria ao sabor das con­veniências dos Estados-Membros, perdendo, conseqüentemente, essa característica (fls. 195).

In casu, vale transcrever os seguintes tópicos do voto vencido do eminente Ministro Vicente Cernicchiaro, a que aderi por ocasião do jul­gamento do REsp fi!! 6.963-PR:

"Sempre entendi, a Cláusula final do art. 2!!, § 8Q, do DL nQ 406/68 é meramente exemplificativa. É sabido, para a apu­ração do - valor líquido - não se excluem somente aqueles encargos. Outros, e tantas vezes significativos, podem ser acres­centados.

Essa interpretação harmoniza-se com o princípio da isono­mia, com o que é conferido o mesmo tratamento, na espécie, aos exportadores."

Ressa1to a seguinte passagem da fundamentação da AC nQ 134.370-2, do Tribunal de Justiça de São Paulo:

596

"Se a quota de contribuição "que se questiona (acrescenta­mos), identifica-se necessariamente como tributo, a inclusão de seu valor na base de cálculo do ICM também deveria vir ex­pressa, a exemplo do que ocorre com o IPI e o imposto de ex­portação, quando o respectivo valor deva integrar-se na base imponível daquele imposto estadual. Ao depois, o conceito ma­terial (em oposição ao meramente formal, acrf!scentamos) de "valor líquido faturado" melhor se identifica com a própria rea­lidade da operação, visto que o valor da quota de contribuição é exigida diretamente do exportador, sem possibilidade de re­passe para o adquirente da mercadoria exportada, por isso que não integrando o valor faturado ao importador ... Nota-se, além do já exposto, a preocupação do legislador complementar, bus­cando evitar a ampliação da base de cálculo de ICM, ao ex-

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pressamente determinar que no "valor liquido faturado" não se incluiriam os valores de frete auferidos por terceiro, seguro ou despesas decorrentes do serviço de embarque por via aérea ou marítima. A relação dessas despesas revela-se nitidamente exem­plificativa, mas nunca taxativa, como pretende a Fazenda ape­lante". Nesse sentido, adotando a mesma conclusão da r. sen­tença recorrida, vem decidindo esta Câmara (Apelação Cível nQ

134.181-2, Santos, Relator Desembargador Laerte Nordi, j. 15.09.88)". (fls. 278/279).

Do exposto, não conheço do recurso pela letra a; quanto à c, conhe­ço mas lhe nego provimento."

EXTRATO DA MINUTA

REsp nQ 25.358-9 - SP - (92.189210) - Relator: Exmo. Sr. Minis­tro Américo Luz. Recte.: Fazenda do Estado de São Paulo. Advogados: Maria Elizabeth Rolim e outro. Recdo.: 13raswey S/A Indústria e Comér­cio. Advs.: Paulo Augusto de C. T. da Silva e outro.

Decisão: A Turma, por unanimidade, não conheceu do recurso (em 05.10.92 - 2l! Turma).

Participaram do julgamento os Srs. Ministros Pádua Ribeiro, José de Jesus, Hélio Mosimann e Peçanha Martins.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RI­BEIRO.

RECURSO ESPECIAL NQ 25.397-8 - SP

(Registro nQ 92.0018964-4)

Relator: O Exnw. Sr. Ministro Vicente Cernicchiaro Recorrente: Briuest Comércio de Roupas Ltda. Recorridos: Heloisa Aline Taveira Diníz e outros Advogados: Drs. João José Ozores Angeli e Antonio Diniz Neto e

outros

EMENTA: RESP - PROCESSUAL CIVIL - LO­CAÇÃO -'- RENOVATÓRIA - FÉRIAS - APELAÇÃO - PRAZO - O Código de Processo Civil, por sua

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natureza jurídica, é a lei fundamental dessa área jurídica. Só não prevalece quando lei especial dispu­ser diferentemente. A Lei n Q 6.014/73 estatui que o procedimento nas ações fundadas no Decreto n Q

24.150/34, é ordinário, aplicando-se as normas do Código de Processo Civil. Houve, pois, na espécie, reelaboração orgânica. Metado, assim, o art. 35, do DL n Q 24.150/34. Prevalecem os dispositivos do texto unitário. Em conseqüência, a superveniência de fé­rias suspende o prazo para apelação; recomeça a correr do primeiro dia útil seguinte ao termo daque­le período.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, em conhe­cer do recurso e em dar:lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro­Relator. Votaram de acordo os Srs. Ministros José Cândido e Pedro Acioli.

Custas, como de lei.

Brasília, 01 de setembro de 1992 (data do julgamento). Ministro JOSÉ CÂNDIDO, Presidente. Ministro LUIZ VICENTE

CERNICCHIARO, Relator.

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO VICENTE CERNICCHIARO (Relator): Brivest Comércio de Roupas Ltda. interpôs recurso especial, com arrimo no art. 105, inciso lU, letras a e c, da Constituição Federal, contra acór­dão proferido pela Eg. Segunda Câmara Julgadora do Segundo Tribunal de Alçada do Estado de São Paulo.

Revelam os autos que o v. acórdão impugnado não conheceu, por intempestiva, da apelação interposta pela ora Recorrente contra senten­ça de homologflção de liquidação, em ação renovatória.

A Recorrente, por sua vez, aduz que a r. decisão violou o disposto na Lei 6.014/73, a qual, em seu art. 12, faz incidir às renovatórias as regras gerais do Código de Processo Civil e, em especial, o art. 179, que desauto­riza o prosseguimento dessas ações no período de férias forenses.

H. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

Preconiza, outrossim, a existência de dissenso jurisprudencial em relação a julgados do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Ger~1;~ (RT 520/258, RF 264/237) e do Supremo Tribunal Federal (RT 58IJ2G:3J, os quais não admitem o decurso de prazo recursal durante o reccss) forense.

Contra-razões a fls. 249.

Despacho dando seguimento a fls. 253. É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO VICENTE CERNICCHIARO (Relator): O Direito, como sistema, não enseja contradição lógica. Todas as nor­mas se harmonizam, ainda quando se sucedam no tempo.

No Direito Processual Civil, o Código de Processo Civil é a lei fUIl­

damental. Só não incidira nas respectivas relações jurídicas quando outru lei dispuser em sentido contrário.

Os autos tratam de ação renovatória disciplinada pelo Decreto n!! 24.150/34.

A divergência, de outro lado, é restrita ao prazo para a apelação, especificamente o termo a quo dos 15 dias.

A mencionada lei comercial estatuíra no art. 35: "Os processos de que trata a presente lei podem ser ins­

taurados e não se suspendem durante as férias forenses".

A Lei n!! 6.014, de 27 de dezembro de 1973, dispôs no art. 12: "O procedimento nas ações fundadas no Decreto n!! 24.150,

de 20 de abril de 1934, é ordinário, aplicando-se as normas do Código de Processo Civil".

Registre-se a natureza jurídica da Lei n!! 6.014/73, cuja ementa é a seguinte - Adapta ao novo Código de Processo Civil as leis que mencio­na.

Evidencia-se, tal como o Código de Processo Civil reelaborou -organicamente - o processo civil brasileiro.

Em conseqüência, porque em nível e âmbito sistemático, conferiu disciplina, inclusive quanto às normas anteriores. '

Dessa forma, o art. 35, do Decreto n!! 24.150/34, foi afetado pela Lei nº 6.014/73. Prevalecem, pois, os dispositivos do Código de Processo Civil.

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615. novembro 1992. 599

N o tocante aos - prazos processuais - à hipótese em deslinde interessa o disposto no art. 179, CPC:

"A superveniência de férias suspenderá o curso do prazo, o que lhe sobejar recomeçará a correr do primeiro dia útil se­guinte ao termo das férias".

O efeito não é restringido pelo art. 174, In, do CPC, ao comandar que não se suspendem pela superveniência de férias "todas as causas que a lei determinar".

O art. 174, In, e o art. 179 configuram relação - gênero/espécie. O primeiro é gênero. O segundo é espécie. Assim o é porque do procedi­mento relativo aos processos que correm nas férias, foi, no tocante, ao prazo recursal, eleita norma especial. Lex especialis derogat legem gene­ralis.

Em sendo assim, não obstante o erudito voto condutor do v. acór­dão, data venia, o Recorrente batalha o bom Direito.

Conheço do recurso quanto ao dissídio jurisprudencial, dou-lhe provimento para, reformando o v. acórdão, prossiga o julgamento, como de Direito.

EXTRATO DA MINUTA

REsp nº 25.397-8 - SP - (92.0018964-4) - Relator: Exmo. Sr. Ministro Vicente Cernicchiaro. Recte.: Brivest Comércio de Roupas Ltda. Adv.: João José Ozores Angeli. Recdos.: Heloisa Aline Taveira Diniz e outros. Advogados: Antônio Diniz Neto e outros.

Decisão: A Turma, por unanimidade, conheceu do recurso e deu­lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator (em 01.09.92 - 6!! Turma).

600

Votaram os Srs. Ministros José Cândido e Pedro Acioli.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro VICENTE CERNICCHIARO.

+

RECURSO ESPECIAL Nº 25.617-7 - SP (Registro nº 92192815)

Relator: O Exnw. Sr. Ministro Dias Trindade

Recorrente: Roberto Gergely Georges

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

Recorrido: Banco Bradesco S/A Advogados: Décio Menna Barreto de Araújo Filho e outros e Wil­

son Aparecido Mena e outros

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. PROCESSO. CARÁTER DISPOSITIVO. RESTRIÇÃO. PODER DE INSTRUÇÃO DO JUIZ.

Contraria o art. 130 do Código de Processo Civil o acórdão que desconsidera, por atentatório ao prin­cípio de igualdade das partes, depoimento de teste­munha determinado pelo juiz da causa.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Minis­tros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformida­de dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, após o voto vista do Sr. Ministro Waldemar Zveiter, em conhecer do recurso especial e em lhe dar provimento. Votaram com o relator os Srs. Minis­tros Nilson Naves, Eduardo Ribeiro e Dias Trindade.

Custas, como de lei.

Brasília, 13 de outubro de 1992 (data do julgamento). Ministro NILSON NAVES, Presidente. Ministro DIAS 'rlUNDADE,

Relator.

RELATÓRIO

o EXMO. SR. MINISTRO DIAS TRINDADE (Relator): Recorre Roberto Gergely Georges com fundamento no art. 105, IIl, a e c, da Constituição Federal de acórdão proferido pela Segunda Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo que deu provimento a agravo reti­do e apelação interpostos em ação de indenização por furto de veículo em estacionamento de agência bancária promovida contra o Banco Bra­sileiro de Descontos S/A - BRADESCO.

Sustenta o recorrente ter o acórdão contrariado o art. 130 do Código de Processo Civil quando desconsiderou a inquirição de testemunha sua. julgando improcedente a ação. Alega ainda dissídio jurisprudencial.

Processado o recurso vieram os autos a este Tribunal. É como relato.

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 601

VOTO

O EXl\1:0. SR. MINISTRO DIAS TRINDADE (Relator): Em ação indenizatória, em virtude de responsabilidade-por furto de motocicleta, que estaria estacionada em local determinado por agência bancária, o acórdão reformou sentença que definira essa responsabilidade, com base na prova documental produzida, complementada por depoimento de tes­temunha, tomado por determinação do juízo, ao decidir impugnação fei­ta pela ré, quando da audiência, por constar de rol depositado a menos de cinco dias da mesma audiência, em afronta ao art. 407 do Código de Processo Civil.

Para reformar a sentença o acórdão desconsiderou o depoimento dessa testemunha, para negar valor ao documento, consistente em Bole­tim sobre a ocorrência, por decorrente de declarações da vítima e autor da ação, tendo, assim, por inexistente prova de que o furto ocorrera quando o veículo se achava sob a proteção da entidade ré.

Não obstante as ponderáveis razões desenvolvidas no voto do ilus­trado relator da apelação, o Desembargador CESAR PELUSO, especial­mente no que tange à questão da igualdade entre as partes, que, a seu sentir, teria sido desrespeitada, estou em que a negativa do poder do juiz de determinar diligências de instrução tendente à total averiguação dos fatos postos a desate, contraria o art. 130 do Código de Processo Civil.

Com efeito, no caso em exame, o juiz, dentre as testemunhas tardia­mente arroladas pelo autor, resolveu ouvir apenas uma delas, exatamente porque o seu nome fora arrolado no próprio documento policial com que foi instruída a ação, afirmando-se a única que presenciara os fatos.

É certo que o caráter dispositivo, desde o anterior sistema proces­sual brasileiro, sofre restrições, decorrentes do teor de publicização do processo, não permitindo que o juiz se quede inerte na colheita da pro­va.

Assim já dispunha o art. 117 do Código revogado sobre esse poder do juiz, de procurar a verdade dos fatos, não obstante o ônus que às partes é imposto.

É verdade que LOPES DA COSTA, louvando, embora, a regra do Código de 1939, faz restrições à questão da prova testemunhal, mas, mesmo assim, tem como possível fazê-lo em relação às testemunhas re­feridas, como a de que se trata neste feito, certo que referida não é apenas aquela testemunha a que tenha feito alusão outra, mas, por igual, aque­la cujo nome se acha em documento, trazido para comprovar fato da causa.

602 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

PONTES DE MIRANDA, em comentário ao art. 117 da lei proces­sual revogada, é explícito, mediante citação de PEDRO BATISTA MAR­TINS, em admitir que o juiz possa determinar a realização de qualquer diligência, ao afirmar:

"Diligências necessárias à instrução do processo são todas as que as partes poderiam pedir. Só se excetuam os atos postu­lacionais. A lei não distinguiu entre aquelas". (COMENTÁRIOS - voI. I, pág. 423).

Comentando o art. 130 do atual Código, AGRÍCOLA BARBI assim diz:

"O texto ritual é amplo, não limitando os meios de prova que o juiz pode entender convenientemente determinar por sua própria iniciativa. Atende ele a um sentimento muito difundido entre nossos magistrados, que, com razão, não se satisfazem com uma atitude de inércia, que poderia levá-los, em certos casos, a julgar uma causa em forma não satisfatória, porque insuficientemente esclarecidos os fatos. A norma legal propicia ao juiz, nessas hipóteses, meios para c;ompletar sua convicção e, assim, decidir com tranqüilidade de consciência, realizando ideal do verdadeiro juiz, que não é apenas ó de decidir, mas sim o de decidir bem, dando a correta solução da causa em face dos fatos e do direito". (COMENTÁRIOS - voI. I, tomo lI, pág. 532).

E, no caso em julgamento, não vejo em que a atitude do juiz, ao determinar que fosse tomado o depoimento da testemunha, cujo nome se achava no documento, tenha atentado contra o princípio de igualda­de entre as partes, se é certo que foram tomados os depoimentos de duas testemunhas arroladas pelo réu, que desistiu de ouvir o de outra que arrolara e não fora intimada.

Isto posto, voto no sentido de conhecer d6 recurso e lhe dar provi­mento, para anular o acórdão recorrido e determinar que o órgão julga­dor examine a apelação, sem desconsiderar o depoimento da testemu­nha do juízo.

EXTRATO DA MINUTA

REsp n!? 25.617-7 - SP - (92192815) - Relator: Exmo. Sr. Minis­tro Dias Trindade. Recte.: Roberto Gergely Georges. Advogados: Décio Menna Barreto de Araújo Filho e outros. Recdo.: Banco Bradesco S/A. Advs.: Wilson Aparecido Mena e outros.

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 603

Decisão: Após o voto do Sr. Ministro Relator, conhecendo do recur­so especial e lhe dando provimento, pediu vista o Sr. Ministro Walde­mar Zveiter. Aguardam os Srs. Ministros Nilson Naves e Eduardo Ri­beiro (em 14.09.92 - 3ª Turma).

Participaram do julgamento os Srs. Ministros Waldemar Zveiter, Nilson Naves e Eduardo Ribeiro.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Cláudio Santos.

Presidiu o j1.?-lgamento o Sr. Ministro NILSON NAVES.

VOTO-VISTA

O EXMU. SR. MINISTRO WALDEMAR ZVEITER: Senhor Presi­dente, a hipótese é aquela em que o Dr. Juiz desconheceu de um recurso de apelação sob o fundamento de que, tendo o autor apresentado o rol de testemunhas a destempo, o Magistrado, para seu convencimento, resolveu ouvir uma das testemunhas ali arroladas.

Solicitei vista dos autos e constatei que essa testemunha ouvida pelo Dr. Juiz Evaldo Gomes de Figueiredo tinha o seu nome integrante do rol de testemunhas, que fora oferecido a destempo, mas também cons­tava do boletim de ocorrência, como testemunha do fato, adunado nos autos, às fls. 14, como documento n!! 5, pelo autor. Por isso foi ouvida pelo Dr. Juiz, com esteio na faculdade que lhe outorga o art. 130 do Código de Processo Civil, às fls. 130 dos autos.

O Dr. Juiz não pinçou essa testemunha, segundo revela o processo, do rol depositado pelo autor tardiamente em cartório, mas sim em docu­mento constante dos autos ofertado pelo autor com a inicial, como se vê.

Penso, pois, equivocado o acórdão, quando teve a testemunha ouvi­da pelo Dr. Juiz como aquela tão-só arrolada a destempo.

Tenho para mim que o Eminente Relator apreciou bem essa maté­ria, e trazendo a comento o art. 130 do Código de Processo CiviL O Juiz tem ampla faculdade de, colhendo elementos dos autos, ampliar a maté­ria de prova para o seu próprio convencimento, assim realizando e dis­tribuindo justiça às partes.

Por esses fundamentos, estou de inteiro acordo com o Eminente Ministro-Relator e acompanho Sua Excelência no sentido de conhecer do recurso e lhe dar provimento, para anular o acórdão recorrido e de­terminar que o órgão julgador examine a apelação, sem desconsiderar o depoimento da testemunha do Juízo.

604 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

EXTRATO DA MINUTA

REsp nº 25.617-7 - SP - (92192815) - Relator: Exmo. Sr. Minis­tro Dias Trindade. Recte.: Roberto Gergely Georges. Advogados: Décio Menna Barreto de Araújo Filho e outros. Recdo.: Banco Bradesco S/A. Advs.: Wilson Aparecido Mena e outros.

Decisão: Retomando o julgamento, após o voto vista do Sr. Minis­tro Waldemar Zveiter, a Turma, por unanimidade, conheceu do recurso especial e lhe deu provimento (em 13.10.92 - 3!! Turma).

Participaram do julgamento os Srs. Ministros Nilson Naves, Eduar­do Ribeiro e Dias Trindade.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro NILSON NAVES.

RECURSO ESPECIAL Nº 26.175-6 - S:P (Registro nº 92.0020600-0)

Relator Originário: Exmo. Sr. Ministro Milton Pereira Relator p/Acórdão: Exmo. Sr. Ministro Cesar Rocha Recorrente: União Federal (Procuradoria da Fazenda Nacional) Recorrida: Henkel S/A - Indústrias Químicas Advogados: Drs. Benedito de Jesus Marques Faim e outros

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ES­PECIAL. IOF. CÂMBIO. ISENÇÃO. GUIAS DE IMPOR­TAÇÃO. DECRETO-LEI Nº 2A34/88. ACÓRDÃO COM FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL. RECURSO EX­TRAORDINÁRIO INADMITIDO. AGRAVO. DESIS­TÊNCIA HOMOLOGADA. TRÂNSITO EM JULGADO. NÃO CONHECIMENTO. VOTO VENCIDO PELO CO­NHECIMENTO E PROVIMENTO. ENTENDIMENTO SUPERADO.

"É inadmissível recurso especial quando o acór­dão recorrido assenta-se em fundam~nto constitucio­nal e fundamento infraconstitucional, qualquer deles su.ficiente, por si só, para mantê-lo, e a parte vencida

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 605

não manifesta recurso extraordinário." (Questão de Ordem, I!! Seção, DJ de 28.02.92).

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por maioria, vencidos os Srs. Ministros Relator e Garcia Vieira, em não conhecer do recurso. Partici­param do julgamento os Srs. Ministros Cesar Rocha, Garcia Vieira, Milton Pereira e Demócrito Reinaldo.

Custas, como de lei. Brasília, 16 de setembro de 1992 (data do julgamento).

Ministro GARCIA VIEIRA, Presidente. Ministro CESAR ROCHA, Relator p/Acórdão.

RELATÓRIO

o SENHOR MINISTRO MILTON PEREIRA (Relator): A FAZEN­DA NACIONAL, com fundamento no art. 105, inciso IlI, alíneas a e c, da Constituição Federal, interpôs Recurso Especial contra o v. acórdão do Tribunal a quo, uerbis:

"TRIBUTÁRIO. IOF. DECRETO-LEI 2.434/88. PRIN­CÍPIO DA ISONOMIA.

1. O fato de estar a autoridade administrativa jungida ao cumprimento da lei, não impede o contribuinte de bus­car o seu direito via Mandado de Segurança. Preliminar rejeitada.

lI. Rejeitada também a segunda preliminar, atinente à inexistência de direito líquido e certo, que se confunde com o mérito.

lU. Embora a lei possa escolher qualquer fato, econô­mico ou jurídico, para fundamentar uma isenção tributá­ria, não pode da escolha desse fato advir diferença de tribu­tação para duas pessoas, que estejam em igualdade. Propiciando o artigo 6º do Decreto-lei nº 2.434/88 tal dife­rença, fere esse dispositivo o princípio da isonomia".

Simultaneamente foi oposto Recurso Extraordinário, com fulcro no art. 102, inciso IlI, alínea a, da Carta Magna.

606 R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

A parte recorrente manifestou desistência do Agravo de Instrumento interposto contra decisão que in admitira o Recurso Extraordinário, às fls., que foi homologada consoante certidão de fls.

Contra-razões foram apresentadas.

Admitido o Recurso Especial, subiram os autos a esta Corte. É o relatório.

VOTO

O SENHOR MINISTRO MILTON PEREIRA (Relator): A trato de questão conhecida, objeto de estudo que fiz anteriormente, reafirmando as razões que sustentei em voto proferido no Recurso Especial nº 24.712-SP, conheço do recurso e lhe dou provimento.

Faço juntar cópia do voto referido.

ANEXO

"RECURSO ESPECIAL Nº 24.712-7 - SP (Registro nº 92.176577)

VOTO

EMENTA: TRIBUTÁRIO. IOF. DECRETO-LEI Nº 2.434/88 (ART. 6º). ARTS. 63, 104, 111 e 179, CTN.

I - É legítima a cobrança do IOF relativo a Guias de Importação emitidas anteriormente a 1º de julho de 1988 (art. 6º, DL nº 2.434/88).

n - Não ocorrente a hipótese de modificação do fato gerador do IOF, devendo ser observada a interpretação res­tritiva.

In - Precedentes jurisprudenciais iterativos. IV - Recurso Especial conhecido e provido.

O SENHOR MINISTRO MILTON PEREIRA (Relator): Eis a emen­ta do julgado malsinado no recurso processado:

"TRIBUTÁRIO. IOF. ISENÇÃO. DECRETO-LEI Nº 2.434/88, ART. 6º. INCONSTITUCIONALIDADE.

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 607

I - A data de emissão da guia de importação fixada pelo artigo 6º do Decreto-lei nº 2.434/88, como discrímen escolhido para conceder isenção do IOF, é arbitrária, ferin­do o princípio constitucional da isonomia.

U - O dispositivo referido, expurgado do vício da in­constitucionalidade, remanesce para conceder isenção a to­dos os contratos de câmbio fechados após sua vigência, in­dependentemente da data de emissão das respectivas guias.

lU - Sentença confirmada": A questão, aqui posta, de índole infraconstitucional, de há muito

vem sendo examinada nesta Corte, com iterativos precedentes escudan­do a compreensão da impossibilidade de ilimitados efeitos à concessão ampla, com base no art. 6º, do Decreto-lei nº 2.434/88.

Com efeito, de propósito, deixando-se ao largo considerações perti­nentes do conceito jurídico - quanto à natureza jurídico-fiscal da isen­ção, no caso, cabe reavivar as disposições do art. 176, CTN, sobressai que não ocorreu modificação alguma no fato gerador do IOF (art. 63, U, CTN). Demais, ainda, desbordando-se a respeito do conteúdo conceitual da isenção - aqui, recolhida na linha dos precedentes jurisprudenciais que a equiparam como sinônimo de "redução" - (porque, pessoalmente, entendo que os vocábulos "isenção" e "redução" são diferentes - Ag. Pet. 135.512-3-RS - STF - ReI. Min. Marco Aurélio - in DJU de 01.03.91, pág. 1.809), tem especial significação alumiar as idéias com o estatuído no art. 111, CTN, mostrando que não pode ser extensiva a interpretação do citado art. 6º, Decreto-lei nº 2.434/88, tal como, restritivamente, dis­ciplinam os arts. 104 e 179, CTN.

Sinalize-se, também, que não é defeso ao legislador tributário espe­cificar condições e requisitos para os favorecimentos fiscais, com inter­pretações e efeitos limitados (art. 111, CTN).

Enfim, não merece guarida assemelhar-se a fato gerador com a isenção ou as normas desta às de incidência tributária.

Se, por análise reflexa ou de reforço, se bandeasse o exame para a ISONOMIA, também redundaria em insucesso, face à constitucionalida­de do art. 6º, ref., salvaguardado pela Suprema Corte: a igualdade ficou reconhecida para todos os contribuintes, cujas guias foram alcançadas pelo lapso temporal estabelecido no multicitado Decreto-lei.

Pelo fio do exposto, finalmente, acentue-se que os precedentes des­ta Corte, pacificados, acodem as motivações aduzidas; p. ex.:

608

"TRIBUTÁRIO. IOF. ISENÇÃO. DECRETO-LEI Nº 2.434, DE 1988.

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615,novcrnbro 1992.

I - A jurisprudência das Primeira e Segunda Turmas firmou-se no sentido de que é legítima a cobrança do IOF relativo a guias de importação emitidas anteriormente a 12

de julho de 1988, como fixado pelo artigo 62 do Decreto-lei n2 2.434, de 1988.

II - Recurso especial conhecido e provido" (REsp 13.039-SP, ReI. Min. Pádua Ribeiro, in DJ 16.10.91).

"PROCESSUAL. IOF. COMPROVADA A DIVERGÊN­CIA JURISPRUDENCIAL, CONHECE-SE DO RECURSO.

Caracterizada a divergência, recebo os embargos para conhecer do recurso.

Todavia, não houve violação a norma legal, c Decreto­lei 2.434, de 19 de maio de 1988, fixou regularmente o dia para o início da isenção e quanto ao ferimento ou n5.o do princípio constitucional da igualdade, na sede do recurso especial, não pode ser examinado.

Embargos recebidos" (EDREsp 11.273-AM, ReI. Min. Garcia Vieira, in DJ 16.10.91).

TRIBUTÁRIO. IOF SOBRE OPERAÇÕES DE cÂM­BIO.

O Decreto-lei n2 2.434/88, em seu artigo 62, ao isentar de IOF as operações de câmbio para pagamento de bens importados ao abrigo de guias de importação emitidas a partir de 12 de julho de 1988, agiu em estreita observância ao artigo 176, do CTN, não tendo modificado, em hipótese alguma, o fato gerador do imposto em questão, definido no artigo 63, II, também do CTN.

Recurso não conhecido" (REsp 12.068-RJ, ReI. Min. José de Jesus, in DJ 23.09.81).

"TRIBUTÁRIO. ISENÇÃO. IOF EM OPERAÇÕES DE CÂMBIO.

Não viola a norma legal a fixação do dia para termo inicial da isenção, que não se vincula ao fato gerador, ao lançamento ou até a vigência da lei.

É sem base legal o pretender estender a isenção a to­das as operações de câmbio, realizadas antes do termo ini­cial da isenção.

Recurso não conhecido" (REsp 12.320-PE, ReI. Min. Garcia Vieira, in DJ 07.10.91).

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 609

"TRIBUTÁRIO: IOF SOBRE OPERAÇÕES DE cÂM­BIO.

O Decreto-lei nº 2.434/88, em seu artigo 6º, ao isentar de IOF as operações de câmbio para pagamento de bens importados ao abrigo de guias de importação emitidas a partir de 1º de julho de 1988, agiu em estreita observância ao artigo 176, do CTN, não tendo modificado, em hipótese alguma, o fato gerador do imposto em questão, definido no artigo 63, lI, também do CTN.

Recurso provido" (REsp 15.017-SP, ReI. Min. José de Jesus, in DJ 10.02.92).

"TRIBUTÁRIO. IOF. OPERAÇÕES DE CÂMBIO. ISENÇÃO. CRITÉRIO ADOTADO. LEGALIDADE.

Especificar as operações alcançadas pela isenção não importa alterar o fato gerador, nada impedindo a adoção de critério como medida de caráter geral.

Não há, assim, como estender a isenção a todas as operações de câmbio, incluindo aquelas realizadas antes da data limite da mesma isenção.

Recurso conhecido e provido" (REsp 15.505-SP - ReI. Min. Hélio Mosimann, in 24.02.92) .

. Diante do exposto, pela alínea c, art. 105, III, CF, conhecendo do recurs<>, com apoio na jurisprudência deste Tribunal, voto pelo provi­mento do recurso.

É o voto."

VOTO

O SR. MINISTRO CESAR ROCHA: Contra decisum do egreglO Tribunal a quo, dando interpretação ampliativa ao art. 62 do Decreto-lei nº 2.434/88, importando na compreensão da isenção do IOF a "todos os contratos de câmbio fechados após a sua vigência, independentemente da data da emissão das respectivas guias", a Fazenda Nacional agitou recursos extraordinário e especial, vez que o aresto atacado fundamen­ta-se em dispositivos constitucionais e da legislação ordinária.

Não tendo o primeiro sido admitido, foi interposto agravo contra o despacho que lhe negou seguimento, para, depois, a parte recorrente manifestar a sua desistência, que foi homologada consoante certidão de folha~,.

610 R. Sup. Trib. Just., Brasília,a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

Entendo que, com o trânsito em julgado do fundamento constitucio­nal do acórdão, bastante por si só para mantê-lo, impossível prosperar ü

Recurso Especial sub examine, tendo em vista o que decidiu a Eruditu Primeira Seção, na Questão de Ordem publicada no DJU de 28.02.92 suscitada pelo Eminente Ministro PÁDUA RIBEIRO, de que restou (;:;;­tipulada a seguinte regra de julgamento:

"É inadm,issível recurso especial quando o acórdão recor­rido assentar-se em fundamento constitucional e fundamento por si só, para mantê-lo, e a parte vencida não manifestar re­curso extraordinário".

Aliás, sendo o último a integrar a Colenda Primeira Seção, na SU~! composição atual, ao aqui chegar já encontrei esta mesma compreensão absolutamente consolidada, pelas vozes autorizadas de todos os seus Eminentes Ministros, conforme despachos solitários exarados em casos absolutamente idênticos, todos encerrando o seguimento de recurso es­pecial que cuidasse do mesmo tema, e desde que, obstado o andamento do extraordinário, ou não tivesse sido interposto agravo ou, interposto, fosse posteriormente lançada a sua desistência, tendo em conta, sempre, a Questão de Ordem acima afirmada.

Pertinente trazer à colação o enunciado ng 283 da Súmula/STF, que pontifica:

"É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deci­são recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles."

Enfadonho dizer que não cabe, em sede de recurso especial, anali­sar ofensa a Constituição, pela manifesta impropriedade da via eleita.

Ademais, firme a jurisprudência desta Egrégia Primeira Turma, no mesmo entendimento ora exposto, conforme pode ser visto em nume­rosos julgados.

Por tais razões, não conheço do recurso.

EXTRATO DA MINUTA

REsp nº 26.175-6 - SP - (92.002600-0) - Relator: Exmo. Sr. Mi­nistro Milton Pereira. Recte.: Fazenda Nacional. Procs.: Rubens Lazza­rini e outros. Recdo.: Henkel S/A Indústrias Químicas. Advs.: Benedito de Jesus Marques Faim e outros.

Decisão: A Turma, por maioria, vencidos os Exmos. Srs. Ministros Relator e Garcia Vieira, não conheceu do recurso (em 16.09.92 -1ª Tur­ma).

R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 611

Lavrará o acórdão o Exmo. Sr. Ministro Cesar Rocha. Participaram do julgamento: os Exmos. Srs. Ministros Cesar Ro­

cha, Garcia Vieira, Demócrito Reinaldo e Milton Pereira.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro GARCIA VIEIRA.

RECURSO ESPECIAL Nº 26.943-3 - MG (Registro nº 92.224415)

Relator: O Exmo. Sr. Ministro Dias Trindade Recorrente: Banco do Brasil S/A Recorrido: Wilson de Barros Advogados: Drs. Lincoln de Souza Chaves e outros, Henrique Al­

ves Pereira

EMENTA: CIVIL. CÉDULA RURAL. PENHOR. AÇÃO DE DEPÓSITO. EXECUÇÃO COM PENHORA DE OUTROS- B.ENS.

1. O credor pignoratício somente tem ação de depósito quando, tendo havido produção e colheita, os bens são desviados, abandonados, ou o devedor deixa que os mesmos se deteriorem ou pereçam •.

2. A existência de penhora de outros bens, para a garantia de execução da cédula rural, não impug­nada pelo exeqüente, não autoriza o uso da ação de depósito.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, em não conhecer do recurso especial. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Waldemar Zveiter, Cláudio Santos, Nilson Naves e Eduardo Ribeiro.

Custas, como de lei. Brasília, 28 de setembro de 1992 (data do julgamento).

612 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

Ministro NILSON NAVES, Presidente. Ministro DIAS TRINDADE, Relator.

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO DIAS TRINDADE (Relator): Recorre o BANCO DO BRASIL S/A, com fundamento no art. 105, In, a, da Cons­tituição Federal, de acórdão proferido pela Primeira Câmara Civil do Tribunal de Alçada de Minas Gerais que negou provimento a apelação interposta em ação de depósito promovida contra WILSON DE BARROS, julgando-a improcedente.

Sustenta o recorrente ter o acórdão ofendido os arts. 901 e 902, I, do Código de Processo Civil, art. 17 dos Decretos-leis 167/67, 755 e 759 do Código Civil, quando entendeu que a cédula rural pignoratícia esta­ria sendo objeto de execução e, no processo, já existe contrição em bens imóveis do devedor, aceita pela apelante.

Recebido e processado o recurso vieram os autos a este Tribunal. É como relato.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO DIAS TRINDADE (Relator): O acórdão decidiu a causa tão-somente em face da aplicação do art. 17 do Decreto­lei 167, de 14 de fevereiro de 1937, em combinação com o art. 35 da Lei 492, de 30 de agosto de 1967, e 12 da Lei 2.666, de 06 de dezembro de 1955, sobre penhor agrícola, em face do art. 15 do aludido Decreto-lei 167/67.

É certo que se admite o penhor de produtos agrícolas ainda por se produzirem ou colherem, mas se trata de espécie de penhor, por força da lei, que somente sujeita o devedor pelos efeitos do depósito, se este efetivamente se verificar, ou seja, depois de produzidos e colhidos os bens.

Com efeito, o art. 15 do Decreto-lei 167/67 admite o penhor cedular sobre os bens susceptíveis de penhor rural, o que significa remessa à legislação específica, exatamente as Leis 492/37 e 2.666/55. Não há dú­vida, pois, de que a safra futura pode ser objeto de penhor cedular.

Mas o art. 17 do mesmo Decreto-lei, dito contrariado, especifica a hipótese de responsabilidade do emitente do título pela guarda e conser­vação, como fiel depositário, o que supõe, evidentemente, que tenha havido safra e colheita, pois não se há de guardar e conservar o que se não produziu.

R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992. 613

E o art. 35 da Lei 492/37 reza sobre a aplicação das normas sobre depositário infiel, quando o devedor ou terceiro que der os seus bens em garantia "os desviar, abandonar ou permitir que se depreciem ou ve­nham a perecer", o que faz supor, por igual, que esses bens tenham sido produzidos e colhidos.

Por sua vez o art. }Q da Lei 2.666/55 cuida da espécie nos seguintes termos:

"Art. }Q - Independe de tradição efetiva o penhor mercan­til dos produtos agrícolas existentes em estabelecimento desti­nados ao seu benefício ou transformação.

§ 12 - Em caso de dúvida quanto à identidade do produto apenhado em face de outros da mesma espécie existentes no local, o vínculo real incidirá sobre a quantidade equivalente de bens da mesma natureza, de propriedade e em poder do esta­belecimento, que responderá como fiel depositário sob as penas da lei."

Ora, daí se verifica que há sempre a exigência da existência de bens apanhados em poder do devedor, dispensada apenas a tradição, própria da obrigação que assume o depositário e que esses bens estejam em estabelecimento destinado ao benefício ou transformação dos produ­tos, mas sempre na certeza de sua existência.

Desse modo, não vejo como tenha o acórdão contrariado o art. 17 do Decreto-lei 167/67 e, menos, as regras do Código de Processo Civil, que cuidam dos fins da ação de depósito (art. 901) e dos requisitos da respectiva petição inicial (art. 902), nem os dispositivos do Código Civil, que vincula os bens apenhados, por vínculo real, ao cumprimento da obrigação (art. 755) e que indica preferência de crédito garantido por penhor em face de outros créditos (art. 759), dos quais sequer cogitou o acórdão recorrido.

Em realidade, não comprovada a produção, como a colheita dos bens, estimativamente apenhados, não há lugar para a ação de depósito, como bem decidiu a sentença confirmada pelo acórdão recorrido, tanto mais quando as dívidas do recorrido se acham em execução, promovida pelo recorrente, já garantida por penhora que atinge o seu próprio imóvel rural, certo que, em eventual concurso creditício com outros exeqüen­tes, prevalecerá o benefício do privilégio que milita em favor do credor pignoratício (art. 711 do CPC).

Isto posto, voto no sentido de não conhecer do recurso.

614 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992.

EXTRATO DA MINUTA

REsp n2 26.943-3 - MG - (92.224415) - Relator: Exmo. Sr. Mi­nistro Dias Trindade. Recte.: Banco do Brasil S/A. Advogados: Lincoln de Souza Chaves e outros. Recdo.: Wilson de Barros. Advogado: Henri­que Alves Pereira.

Decisão: A Turma, por unanimidade, não conheceu do recurso es­pecial (em 28.09.92 - 3l! Turma).

Participaram do julgamento os Srs. Ministros Waldemar Zveiter, Cláudio Santos, Nilson Naves e Eduardo Ribeiro.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro NILSON NAVES.

H. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 4, (39): 339-G15, novembro 19D2. G15