Imagens metafóricas em Olímpica 6
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IMAGENS METAFOacuteRICAS EM OLIacuteMPICA 6
Gloacuteria Braga Onelley
Shirley Faacutetima Gomes de Almeida Peccedilanha
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RESUMO
Na literatura grega do periacuteodo tardo-arcaico notabilizou-se como cultor de epiniacutecios o
poeta Piacutendaro de cuja produccedilatildeo se destacou no presente artigo a ode Oliacutempica 6
dedicada a Hageacutesias de Siracusa vencedor na quadriga de mulas em 472 a C ou 468 a
C Teceremos inicialmente comentaacuterios acerca do epiniacutecio e a seguir da estrutura da
ode Oliacutempica 6 privilegiando-lhe as metaacuteforas poeacuteticas a performance e a relaccedilatildeo entre
as alusotildees miacuteticas e o atleta laureado
Palavras-chave Piacutendaro epiniacutecio metaacutefora performance mito
ABSTRACT
In the Greek literature of the late archaic period Pindar became notable as an epinician
Poet from whose lyric production the present article focus on Olympian 6 which was
dedicated to Hagesias of Syracuse winner of the chariot-race with mules in 472 BC or
468 BC We initially develop some commentaries about the epinician followed by an
analysis of the Olympian 6 ode highlighting the poetic metaphors the performance
and the relation between the mythic allusions and the laureate athlete
Keywords Pindar epinician metaphor performance myth
Artigo publicado em Caliacuteope Presenccedila Claacutessica Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em
Letras Claacutessicas Departamento de Letras Claacutessicas da Universidade Federal do Rio de
Janeiro Rio de Janeiro7Letras dezembro de 2012 (publicaccedilatildeo agosto de 2015) vol 24
p67-85
2
Piacutendaro poeta tebano de fins do seacuteculo VI a C e iniacutecios do seacuteculo V a C (518-
438 a C) - cuja plenitude literaacuteria1 se situa entre 490 a C (LESKY 1995 p 221) e 452
a C portanto no periacuteodo de produccedilatildeo poeacutetica da Greacutecia tardo-arcaica (550-450 a C) -
eacute considerado unanimemente pela criacutetica moderna o principal representante da poesia
liacuterica da Antiguidade pois sua obra contrariamente agrave de outros poetas liacutericos como
Alceu Safo e Anacreonte natildeo nos chegou em estado muito fragmentaacuterio Com efeito na
transmissatildeo da poesia liacuterica grega Piacutendaro eacute uma exceccedilatildeo jaacute que de todos os subgecircneros
da ldquomeacutelicardquo por ele cultivados2 nos foram legadas por meio de manuscritos datados da
Idade Meacutedia - procedentes talvez da compilaccedilatildeo das odes triunfais realizadas pelos
alexandrinos (ORTEGA 1984 p51) - quatro coletacircneas com 45 epiniacutecios3 cantos
triunfais que celebram de modo geral os vencedores das principais competiccedilotildees pan-
helecircnicas e foram ordenados de acordo com a data de instituiccedilatildeo dos jogos primeiro os
Oliacutempicos (iniciados em 776 a C em Oliacutempia em honra de Zeus e celebrados de quatro
em quatro anos) os Piacuteticos (instituiacutedos em 582 a C em Delfos em honra de Apolo e
realizados de quatro em quatro anos alternando de dois em dois anos com os Oliacutempicos)
os Iacutestmicos (realizados em Corinto desde 581 a C em honra de Posecircidon no mecircs de
1 Com a Piacutetica 6 dedicada a Trasiacutebulo filho de Xenoacutecrates irmatildeo de Teratildeo de Agrigento Piacutendaro inicia
informa Lesky (1995 p 222-4) uma importante relaccedilatildeo com a aristocracia da Siciacutelia firmando laccedilos de
amizade com os tiranos Hieratildeo de Siracusa e Teratildeo de Agrigento Sua ode mais antiga datada de 498 a C
eacute a Piacutetica X dedicada ao jovem tessaacutelio Hipoacutecleas vencedor na corrida dupla 2 Como informa Ortega (1984 p 30-1) a produccedilatildeo literaacuteria de Piacutendaro foi catalogada por Aristoacutefanes de
Bizacircncio em 17 livros (cf SUDA Vita Ambrosiana I 3 6) organizados segundo o criteacuterio de ediccedilatildeo por
gecircneros isto eacute divididos inicialmente pelas diferentes modalidades do lirismo coral e assim classificados
um livro de hinos (cantos em honra aos deuses) um de peatildes (cantos em honra de Apolo) dois de ditirambos
(cantos em honra de Dioniso e ainda de outras divindades [apud ROCHA PEREIRA 2006 p 195 nota
6]) dois de prosoacutedios (cantos em procissatildeo) trecircs de partecircnios (cantos entoados por um coro de donzelas)
dois de hiporquemas (cantos acompanhados de danccedila agitada) um livro de encocircmios (cantos de elogio em
honra de cidadatildeos ilustres) um livro de trenos (cantos fuacutenebres em honra de cidadatildeos) e quatro coletacircneas
de epiniacutecios (cantos de celebraccedilatildeo de atletas vencedores nos Jogos Oliacutempicos Piacuteticos Iacutestmicos e Nemeus)
No que diz respeito agrave ordenaccedilatildeo dos epiniacutecios foram eles organizados em quatro coletacircneas de acordo com
a data de instituiccedilatildeo dos jogos primeiro os Oliacutempicos a seguir os Piacuteticos os Istiacutemicos e os Nemeus No
interior de cada livro as odes foram organizadas segundo a competiccedilatildeo celebrada ndash corrida de cavalos
corrida de cavalos montados corrida de mulas pancraacutecio luta pugilato pentatlo corridas e concursos
musicais Por outro lado tambeacutem natildeo se organizavam as odes por ordem cronoloacutegica das competiccedilotildees e
respectivas vitoacuterias mas eram elas ordenadas de acordo com a importacircncia do atleta vencedor ou da
modalidade de competiccedilatildeo Por exemplo as Piacuteticas 1 2 e 3 celebradas em honra de Hieratildeo de Siracusa
satildeo posteriores em dataccedilatildeo (respectivamente 474 a C data desconhecida e 470 a C) agraves Piacuteticas 6 e 7
compostas respectivamente em 490 e 486 aC em honra de Xenoacutecrates de Agrigento e Meacutegacles de
Atenas
3 Race (1986 p 24) afirma que Piacutendaro ao referir-se a seu fazer poeacutetico emprega os termos hyacutemnos aoidaacute
ou epiniacutekios este uacuteltimo para qualificar suas odes (Nemeia 4 v 78) e natildeo para designar um subgecircnero
especiacutefico No periacuteodo heleniacutestico entretanto assinala Carey (2009 p 32) parece natildeo haver uma distinccedilatildeo
precisa entre a ode que celebrava uma vitoacuteria atleacutetica e outros poemas que continham algum tipo de louvor
A esse respeito Carey cita a ode Nemeia 11 que embora esteja inserida na coletacircnea de epiniacutecios natildeo
celebra uma vitoacuteria desportiva mas a investidura de Aristaacutegoras de Tecircnedos no cargo de priacutetane
3
abril de dois em dois anos alternando-se com os Oliacutempicos e os Piacuteticos) e os Nemeus
(celebrados desde 573 a C em honra de Zeus na planiacutecie de Nemeia tambeacutem de dois
em dois anos no mecircs de julho coincidindo a partir deste ano com os Iacutestmicos) No
contexto da Greacutecia arcaica essas competiccedilotildees eram importantes natildeo somente na esfera
desportiva mas tambeacutem no acircmbito das relaccedilotildees religiosas e poliacuteticas Por outro lado no
acircmbito pessoal a vitoacuteria nesses Jogos facultava ao atleta a gloacuteria imorredoura
materializada no canto triunfal
A liacutengua empregada na composiccedilatildeo desses cantos triunfais consiste numa mescla
dialectal em que se articulam elementos do doacuterico e do eoacutelico e ainda da poesia
homeacuterica resultando num dialeto literaacuterio artificial Diversas satildeo tambeacutem as modalidades
riacutetmicas dispostas preferencialmente em estruturas triaacutedicas em que o metro das estrofes
eacute repetido nas antiacutestrofes apoacutes as quais se seguem os epodos que embora iguais entre
si possuem um padratildeo meacutetrico distinto das duas partes anteriores Portanto a triacuteade
compotildee-se de um sistema riacutetmico formado de estrofe antiacutestrofe e epodo Entretanto sete
odes (Oliacutempica 14 Piacuteticas 6 e 12 Nemeias 2 4 9 e Iacutestmica 8) apresentam estrutura
monostroacutefica isto eacute possuem apenas estrofes em que se repete em todas as partes do
poema o mesmo esquema meacutetrico Nas odes pindaacutericas predominam duas modalidades
riacutetmicas a eoacutelica e a daacutectilo-epiacutetrita com base nas quais Piacutendaro criava para cada ode um
ritmo diferente anotou Frederico Lourenccedilo (2006a p 10-1 2006b p 95-6)
Outros aspectos que tecircm suscitado discussotildees vaacuterias entre os estudiosos dizem
respeito agrave performance e agraves circunstacircncias em que foram executados os epiniacutecios apesar
de natildeo haver respostas definitivas acerca dessas questotildeesQuanto agrave performance4 maioria
4 Segundo informa Lourenccedilo (2009 19-25) a divisatildeo entre meacutelica monoacutedica e meacutelica coral natildeo foi
estabelecida pelos eruditos antigos mas pela maioria dos teoacutericos modernos que seguindo a liccedilatildeo de Karl
O Muumlller em seu compecircndio de Histoacuteria da literatura grega publicada pela primeira vez em inglecircs em
1840 ndash History of the literature of ancient Greece ndash a separaram nessas duas modalidades Essa divisatildeo foi
adotada por Cecil M Bowra em Greek Lyric Poetry (1961) muito embora essa discussatildeo tenha sido
iniciada em comeccedilos do seacuteculo XX por Willamowitz ao analisar as odes Oliacutempicas I e II dedicadas
respectivamente aos tiranos Hieratildeo de Siracusa e Teratildeo de Agrigento que segundo ele teriam tido
execuccedilatildeo monoacutedica e natildeo coral Conforme informa Lourenccedilo (2009 p 25) o estudioso alematildeo julgou
terem as referidas odes indiacutecios sugestivos de que a performance original natildeo exigia a presenccedila do coro Essa complexa questatildeo acerca da performance da poesia coral foi reexaminada por Martin West em 1971
ao investigar os novos achados da obra do poeta coral Estesiacutecoro cujos extensos poemas levaram o
helenista inglecircs a questionar a execuccedilatildeo coral (apud Lourenccedilo 2009 p 22-3) dos poemas Por outro lado
West assinala tambeacutem destaca Lourenccedilo (2009 p 24) que a estrutura triaacutedica da poesia de Estesiacutecoro
constitui somente um princiacutepio de composiccedilatildeo e natildeo uma evidecircncia de performance coral Rocha Pereira
(2006 p 194 nota 5) com base em Pfeiffer e Frederico Lourenccedilo (2009 p 20) essa divisatildeo moderna da
4
dos estudiosos5 julga terem sido os epiniacutecios produzidos para o canto coral6 muito
embora admitam natildeo ser esse tipo de execuccedilatildeo comum a todas as odes do corpus
pindaacuterico jaacute que algumas apresentam indiacutecios de ter sido a performance monoacutedica7 Por
sua vez Mary Lefkowitz (1991 p 70-1)8 considerando o emprego de referecircncias pessoais
na poesia de Piacutendaro eacute de opiniatildeo que grande parte dos epiniacutecios foi apresentada por um
cantor solo
Em referecircncia ao local de performance difiacutecil tambeacutem se torna assegurar com
exatidatildeo o cenaacuterio em que as odes foram apresentadas pois as informaccedilotildees nelas contidas
natildeo satildeo agraves vezes muito claras A esse respeito no entanto haacute unanimidade entre os
criacuteticos de terem sido os seguintes os locais de execuccedilatildeo dos epiniacutecios a saber o proacuteprio
local da vitoacuteria9 a cidade ou a casa do homenageado10 ou ainda um templo ou santuaacuterio
situados no local da vitoacuteria ou na cidade11 do vencedor Logo pode-se dizer que os
epiniacutecios estavam circunscritos a um ambiente de festa ou puacuteblico ou privado
Embora a vitoacuteria atleacutetica seja a motivaccedilatildeo primeira do canto agonal nele natildeo se
privilegiam as circunstacircncias do acontecimento desportivo que se dilui em meio a outros
elementos caracteriacutesticos da ode pindaacuterica Assim encontram-se nas odes referecircncias ao
vencedor a seus antepassados ndash histoacutericos ou miacuteticos - aos triunfos obtidos em outros
jogos ao lugar da vitoacuteria agraves circunstacircncias de sua vida dados esses que se podem
relacionar com narrativas miacuteticas de valor paradigmaacutetico natildeo apresentadas na iacutentegra
apenas em parte ou simplesmente aludidas (Kirkwood 1982 p 15) e inseridas em geral
poesia liacuterica em monoacutedica e coral tem levado outros estudiosos modernos a citar uma passagem da obra de
Platatildeo (Leis VI 764 d-e) para justificar erroneamente a antiguidade da separaccedilatildeo entre monodia e canccedilatildeo
coral Na verdade esse passo de Platatildeo se refere observam Rocha Pereira e Frederico Lourenccedilo ao
treinamento de cantores solistas e cantores corais durante uma discussatildeo acerca da educaccedilatildeo musical
Logo para esses helenistas entre outros a distinccedilatildeo liacuterica monoacutedica e coral eacute moderna
5 Cf SULLIVAN S D Aspects of the ldquofictive Irdquo in Pindar adress to psychic enteties Emerita vol
LXX 1 2002 p 83-4 NISETICH F J Pindarrdquos Victory Songs London The Johns Hopkins University
Press 1980 p 2 6Citam-se eg Piacutetica 1 vv 1-4 Piacutetica 10 vv 55-8 Oliacutempica 6 vv 87-92 7 Cf Nemeia 4 vv 13-6 8 A respeito das referecircncias pessoais nos epiniacutecios pindaacutericos cf Lefkowitz Mary R First-Person
Fictions Pindarrsquos Poetic lsquoIrsquo Oxford Clarendon Press 1991 p 1-71 9 A Piacutetica 7 celebrada em honra de Meacutegacles de Atenas foi cantada em uma festividade puacuteblica em Delfos
10 As Oliacutempicas 1 e 2 dedicadas aos tiranos Hieratildeo de Siracusa e a Teratildeo de Agrigento respectivamente
foram celebradas em banquetes nas cortes desses tiranos
11 A Oliacutempica 3 (vv 1-3) em honra do tirano Teratildeo de Agrigento foi executada num templo por ocasiatildeo
das Teoxecircnias festas populares consagradas aos Dioacutescuros Castor e Poacutelux e a Helena
5
- afirma Rocha Pereira (2006 p 223) ndash para ilustrar sentenccedilas gnocircmicas as gnocircmai que
aleacutem de terem uma funccedilatildeo didaacutetica enunciando conselhos de ordem moral ou maacuteximas
de caraacuteter universal e atemporal podem ser empregadas como elementos de transiccedilatildeo
entre as partes da ode e ser expressas antes da narrativa miacutetica esta uacuteltima natildeo presente
em todas as odes12 Por fim Piacutendaro tece comentaacuterios acerca de seu mister destinado a
representantes da aristocracia da Greacutecia do seacuteculo V a C para os quais compocircs por
encomenda cantos triunfais fato que vincula seu fazer poeacutetico ao mecenato13 e ainda
ao contexto histoacuterico de seu tempo Com efeito enaltecem-se em seus versos os princiacutepios
aristocraacuteticos cuja base residia no poder da ancestralidade na riqueza e ainda na
excelecircncia fiacutesica e moral dos nobres seus contemporacircneos e vencedores dos agocircnes
atleacuteticos Portanto sendo os epiniacutecios instrumentos de legitimaccedilatildeo do poder
aristocraacutetico14 constitui entatildeo a ode Oliacutempica 615 um dos importantes testemunhos
histoacuterico-literaacuterios tendo em vista ter sido composta para celebrar a vitoacuteria de Hageacutesias
de Siracusa - chefe militar16 do tirano Hieratildeo de Siracusa (478- 467-6)17 - numa quadriga
de mulas em 472 ou 468 a C
Estrofe 1
Estabelecendo douradas
colunas debaixo de um bem murado poacutertico do santuaacuterio
como se estabelece um belo palaacutecio
construamos Iniciado o trabalho
eacute preciso dar-lhe uma fachada que brilhe ao longe Mas se
ele eacute um vencedor Oliacutempico
5 guardiatildeo no altar profeacutetico de Zeus em Pisa
12 Cf Oliacutempicas 5 11 12 e 14 Piacutetica 7 Nemeias 2 e 11 e Iacutestmicas 2 e 3 13 Na Greacutecia arcaica a poesia de modo anaacutelogo a outras atividades profissionais passou a ter um valor
comercial como se infere por exemplo de Piacutetica 11 vv 41-2 ldquoMusa se concordas em conceder por
salaacuterio tua voz venal eacute preciso que teu ofiacutecio seja divulgado aqui e laacuterdquo (Traduccedilatildeo nossa) 14 Sobre as formas de legitimaccedilatildeo do poder aristocraacutetico em especial dos tiranos siciliotas cf HIRATA
Elaine F V 2010 p 23-41 15 A traduccedilatildeo de Oliacutempica 6 eacute de responsabilidade das autoras deste trabalho e constitui parte da pesquisa
interinstitucional (UFRJUFF) por elas desenvolvida sobre as odes Oliacutempicas A ediccedilatildeo criacutetica eacute a
estabelecida por Snell-Maehler 1987 16 Cf PINDARE Olympiques Paris Les Belles Lettres 1970 p 74-5 17 Para detalhes acerca das tiranias siciliotas cf HIRATA Elaine F V 2010 p 23-41 VALLET Georges
Pindare et la Sicile In Entretiens sur lrsquo Antiquiteacute Classique Pindare Vandoeuvres ndash Genegraveve Fondation
Hardt 1984 p 285-327
6
e cofundador da afamada Siracusa
de que hino fugiria
tal homem ao encontrar
cidadatildeos sem inveja no meio de cantos encantadores
Antiacutestrofe 1
Saiba na verdade que nesta sandaacutelia18
tem seu peacute afortunado
o filho de Soacutestrato Faccedilanhas sem riscos
10 nem junto aos homens nem nas cocircncavas naus
satildeo honradas mas muitos se lembram
quando algo de belo foi realizado com esforccedilo
Oacute Hageacutesias eacute teu o real elogio que com justo
discurso Adrasto outrora proclamara para o vidente
filho de Oicles Anfiarau
quando a terra o
engoliu e tambeacutem os seus brilhantes cavalos
Epodo 1
15 Depois quando tinham queimado as sete piras
de cadaacuteveres o filho de Talau (Adrasto)
proferiu em Tebas o seguinte discurso
lsquoEstou com saudades do olho de meu exeacutercito
bom em duas coisas ser adivinho e
combater com a lanccedilarsquo Isto tambeacutem
eacute verdadeiro para o homem de Siracusa senhor do cortejo processional
Embora natildeo seja ele propenso agrave desavenccedila nem amigo de disputa em excesso
18Com valor metafoacuterico na acepccedilatildeo de ldquonesta posiccedilatildeordquo (SLATER1969 p 401)
7
20 fazendo um grande juramento disso claramente lhe
darei testemunho e com vozes doces como o mel
as Musas o aprovaratildeo
Estrofe 2
Oacute Fiacutentis pois bem atrela agora
para mim a forccedila das mulas
o mais raacutepido possiacutevel para que em caminho puro
conduzamos a quadriga de mulas e eu chegue ateacute
25 a linhagem destes homens pois essas mulas mais do que
outras sabem abrir
esse caminho jaacute que coroas em Oliacutempia
ganharam eacute preciso entatildeo
abrir-lhes as portas dos hinos
e a Piacutetana junto do curso do Eurotas
eacute preciso chegar hoje em hora oportuna
Antiacutestrofe 2
Diz-se que Piacutetana unida a Posecircidon
filho de Crono
30 deu agrave luz uma filha com cabelo cor de violeta Evadne
Mas nas pregas de sua roupa escondeu a gravidez
e enviando no mecircs determinado
suas servas ordenou-lhes
que entregassem a crianccedila aos cuidados do heroacutei Eacutepito filho de Eacutelato
que reinava sobre os homens da Arcaacutedia em Fesana
e fora designado para habitar o Alfeu
35 Tendo sido criada aiacute sob o domiacutenio de Apolo
(Evadne) experimentou pela primeira vez a doccedilura de Afrodite
8
Epodo 2
E ela natildeo ocultou de Eacutepito durante toda
o tempo o filho do deus
Mas ele (Eacutepito) foi para Delfos reprimindo no coraccedilatildeo
a raiva inenarraacutevel com agudo propoacutesito
para consultar o oraacuteculo sobre
esse sofrimento insuportaacutevel
Ela por sua vez logo que depocircs a cinta purpuacuterea
40 e o cacircntaro de prata debaixo da mata sombria
deu agrave luz um filho inspirado pelos deuses Junto dela o de aacuteureos cabelos (Apolo)
estabeleceu a amaacutevel Iliacutetia
e as Moicircras
Estrofe 3
E de seu ventre no meio das dores
amaacuteveis do parto Iacuteamo
veio logo agrave luz E ela (Evadne) angustiada
45 deixou-o no chatildeo mas duas serpentes de olhos brilhantes
por desiacutegnio dos deuses cuidando dele
o alimentaram com o irrepreensiacutevel
veneno das abelhas Mas quando o rei
conduzindo seu carro chegou da
rochosa Delfos a todos em casa
perguntou sobre a crianccedila que Evadne
dera agrave luz de fato ele (Eacutepito) dizia que a crianccedila era filho de Febo
Antiacutestrofe 3
50 que acima dos mortais seria um adivinho para os homens
e jamais lhe faltaria descendecircncia
9
Assim entatildeo declarou Mas eles confessavam que natildeo o tinham ouvido
nem visto
embora tivesse nascido havia cinco dias Mas
na verdade estava escondido num canteiro de juncos no impenetraacutevel matagal
55 pelos raios dourados e roxos das violetas
banhado em seu delicado
corpo Por isso sua matildee declarou
que ele fosse chamado durante todo o tempo
por esse nome imortal
Mas depois que recebeu o fruto da amaacutevel
Juventude da coroa dourada descendo no meio do Alfeu
invocou o poderoso Posecircidon
seu avocirc e o arqueiro guardiatildeo
da divina Delos
60 pedindo para sua cabeccedila uma honra que alimentasse o povo
no ar livre da noite Clara ressoou a voz paterna e lhe pediu
lsquoLevanta-te filho
vem aqui para a terra paterna
atraacutes da minha vozrsquo
Estrofe 4
Chegaram ao escarpado
rochedo do monte de Crono
65 onde ele lhe outorgou o duplo tesouro
da adivinhaccedilatildeo primeiro ouvir a voz
desconhecedora das mentiras e depois quando
chegasse o de ousados expedientes
10
Heacuteracles majestoso filho dos Alceus19
69 para fundar em honra de seu pai uma festa concorrida
e o maior festival dos jogos
70 na parte mais alta do altar de Zeus
ordenou entatildeo que (Iacuteamo) estabelecesse o oraacuteculo
Antiacutestrofe 4
Desde aquele momento eacute renomada entre
os Helenos a linhagem dos Iacircmidas
A prosperidade os acompanhou ao mesmo tempo E honrando as virtudes
percorrem um caminho visiacutevel daacute provas disso
cada accedilatildeo (deles) Mas a censura da parte
de outros invejosos estaacute suspensa
75 sobre aqueles que foram outrora os primeiros a conduzir o carro na corrida de doze
voltas
e sobre os quais a Graccedila veneranda derrama
gloriosa forma corporal
Se na verdade habitando sob a montanha
de Cilene oacute Hageacutesias teus antepassados maternos
Epodo 4
presentearam
muitas vezes o arauto dos deuses
Hermes com muitos sacrifiacutecios suplicantes de modo piedoso
ele que rege as competiccedilotildees atleacuteticas e a devida parte dos precircmios
80 e honra a Arcaacutedia de nobres varotildees
eacute ele oacute filho de Soacutestrato
com seu pai (Zeus) de barulho retumbante que realiza o teu ecircxito
19 Progenitor de de Anfitriatildeo e este o suposto pai de Heacuteracles
11
Tenho em minha liacutengua a fama de uma liacutempida pedra de afiar20
que quando eu quero se aproxima de mim com sopros de belas correntes
Minha avoacute materna era
de Estiacutenfalo a florescente Metopa
Esfrofe 5
que deu agrave luz Teba condutora de cavalos
de cuja deliciosa aacutegua
86 beberei enquanto teccedilo para os varotildees lanceiros
um hino variado Agora incita teus companheiros
oacute Eneias primeiro a Hera
Virginal celebrar
e depois a saber se evitamos o antigo insulto
90 de suiacuteno Beoacutecio com verdadeiras palavras
De fato eacutes correto mensageiro
inteacuterprete das Musas de belos cabelos
doce taccedila de cantos ressoantes
Antiacutestrofe 5
Diz-lhes que se lembrem
de Siracusa e de Ortiacutegia21
que Hieratildeo ao governaacute-la com imaculado cetro
com justos pensamentos
95 honra Demeacuteter de peacutes vermelhos
a festa de sua filha de brancos corceacuteis
e o poder de Zeus do Etna As liras
e as canccedilotildees de doces palavras o conhecem
20 Metaacutefora do fazer poeacutetico em que a liacutengua do poeta eacute estimulada agrave produccedilatildeo de um canto harmonioso 21Parte mais antiga de Siracusa onde estava situado o palaacutecio de Hieratildeo e talvez o de Hageacutesias (ORTEGA
Alfonso 1984 p 100)
12
Que o tempo em seu curso natildeo lhe destrua a felicidade
mas com amaacuteveis atos de amizade
receba (Hieratildeo) o cortejo processional de Hageacutesias
Epodo 5
(cortejo que) vem de uma casa para outra
das muralhas de Estiacutenfalo
100 e deixa a matildee da Arcaacutedia rica em rebanhos
Boas satildeo na tempestuosa
noite para serem lanccediladas de uma nau veloz
duas acircncoras Que o deus
a estes e agravequeles conceda com amizade glorioso destino
Oacute senhor soberano do mar concede uma direta travessia
isenta de dificuldades oacute esposo
105 de Anfitrite da roca de ouro e faz prosperar
a flor jubilosa de meus hinos
O atleta homenageado da ode eacute filho de Soacutestrato (vv 9 80) pertencente agrave
linhagem dos Iacircmidas e de uma mulher cujos antepassados procediam de Cilene (vv 77-
8) montanha ao norte da Arcaacutedia onde se situava a cidade de Estiacutenfalo ndash lugar em que
ocorrera provavelmente a primeira performance22 do epiniacutecio (vv 99-100) e onde o deus
Hermes era cultuado (vv 79-81) Note-se que a referecircncia a essa divindade vincula o
triunfo atleacutetico agrave benevolecircncia divina tendo em vista ter sido Hermes a divindade doadora
da vitoacuteria (v 81) a Hageacutesias Com efeito a relaccedilatildeo entre a vitoacuteria e a vontade dos deuses
constitui um topos23 da poesia pindaacuterica
22 O argumento da maior parte da criacutetica pindaacuterica sobre a ode ter sido executada em Estiacutenfalo fundamenta-
se nos versos 98-105 nos quais o vencedor e seu kocircmos saem de Estiacutenfalo rumo a Siracusa Acresce ainda
que o fato de o laureado ter laccedilos estreitos com as duas cidades motivou uma discussatildeo acerca da localizaccedilatildeo
da premiegravere do canto triunfal (STAMATOPOULOU 2014 p 1)
23 Cf eg Oliacutempicas 9 vv 100-4 13 vv 13-8 Piacutetica 10 vv 10-5
13
De modo anaacutelogo ao proecircmio da Odisseia (vv 1-10) em que natildeo se menciona o
nome do heroacutei Odisseu designado somente no verso 21 tambeacutem em Oliacutempica 6 o nome
do atleta homenageado soacute aparece no verso 12 por meio de uma invocaccedilatildeo muito embora
tenha sido referido indiretamente no verso 4 apenas pela forma verbal em terceira pessoa
e nos versos 4 a 9 por meio da citaccedilatildeo de seus atributos e de sua descendecircncia
Informa tambeacutem o canto agonal ter tido o vencedor dupla funccedilatildeo a de guardiatildeo
do altar profeacutetico de Zeus em Pisa (v 5) ndash tendo em vista ter como ascendente o adivinho
Iacuteamo que recebera de seu pai Apolo o dom da profecia (vv 65-70) ndash e a de cofundador
de Siracusa (v 6)24 Essas referecircncias ao laureado histoacutericas e miacuteticas encontram-se
distribuiacutedas pelos 105 versos que compotildeem as cinco triacuteades de Oliacutempica 6 iniciada com
uma imagem metapoeacutetica ou autorreferencial em que se coteja o fazer poeacutetico com um
monumento e o poeta com um construtor como atesta nos quatro primeiros versos da
ode a presenccedila de termos pertencentes ao campo semacircntico da arquitetura como kiacuteonas
ldquocolunardquo euteikheicirc ldquobem muradordquo prothyacuteroi ldquopoacuterticordquo paacutexomen ldquoconstruamosrdquo e
proacutesōpon ldquofachadardquo entendido este uacuteltimo metaforicamente segundo o leacutexico pindaacuterico
editado por William Slater (1969 p 454) como o proecircmio da ode Logo eacute a
magnificecircncia dessa construccedilatildeo poeacutetico-arquitetocircnica ndash enfatizada pelos adjetivos
khryseacuteas ldquodouradasrdquo e telaugeacutes ldquoque brilha ao longerdquo ndash que torna impereciacuteveis a
efemeridade do evento atleacutetico ndash ideia sumarizada no verso 4 ndash e o proacuteprio destinataacuterio
apresentado ainda na primeira estrofe como vencedor oliacutempico guardiatildeo por heranccedila
paterna do altar divinatoacuterio de Zeus e cofundador de Siracusa ndash atributos que devem
brilhar ao longe
A par dessas metaacuteforas delineia-se na segunda estrofe a imagem do poeta-
condutor quando a persona loquens ao invocar o nome do condutor da quadriga ndash
Fiacutentis25 auriga de Hageacutesias ndash a ele se iguala como assinala o sintagma autorreferencial
baacutesomen oacutekkhon ldquoconduzamos a quadriga de mulasrdquo (v 24) Logo por meio de
linguagem metafoacuterica o fazer poeacutetico e a performance do canto convertem-se assinala
24 Segundo os escolia 8a e 8b Hageacutesias pode ser considerado cofundador de Siracusa porque seus
antepassados participaram da colonizaccedilatildeo desta cidade Entretanto Willamowitz (1922) e Luraghi (1997)
sugeriram que o proacuteprio Hageacutesias teria participada reestruturaccedilatildeo de Siracusa no governo do tirano Gelatildeo
(apud STAMATOPOULOU 2014 p 7 nota 21) Acerca da remodelaccedilatildeo ldquogelonianardquo de Siracusa ver
Hirata (2010 p 28-9)
25 Fiacutentis representa o aristocrata siracusano Hageacutesias patrocinador do treinamento das parelhas do auriga
(CALAME 2005 p 54)
14
Calame (2005 p 53) numa corrida de quadrigas toacutepos na poesia grega arcaica De fato
assim como o atleta conduz a quadriga agrave vitoacuteria tambeacutem o poeta-atleta elabora
harmoniosamente seus versos para glorificar o vencedor e sua linhagem Deste modo
configuram-se nesse percurso metafoacuterico a quadriga e a poesia como vias de acesso agrave
imortalidade a julgar pela presenccedila dos termos sinocircnimos keleuthoacutes (v 23) e hodoacutes (v
25) ldquocaminhordquo o primeiro dos quais representando conotativamente a poesia e o
segundo conservando sua acepccedilatildeo denotativa tem o sentido de rota percorrida pela
carruagem
Aliaacutes essas imagens metafoacutericas natildeo satildeo as uacutenicas empregadas pela persona
loquens para descrever por meio de metalinguagem sua arte poeacutetica comparada ora com
objetos preciosos ndash como na ode em pauta em que a canccedilatildeo eacute relacionada com um poacutertico
de colunas douradas (Ol 6 vv 1-4) ou em outras odes com uma taccedila de ouro (Ol 7
vv 1-4) e com ouro refinado (Nemeia 4 v 82) - ora com o produto resultante do trabalho
das abelhas (Ol 10 v 98 Nemeia 3 v 77) ou com elementos da natureza como a flor
(Ol 6 v 105) soacute para citar algumas Tambeacutem o mister do poeta eacute vinculado a diferentes
atividades profissionais como a de lavrador (Nemeia 6 v 32 Piacutetica 6 v 2) escultor
(Nemeia vv 1-5) arqueiro (Ol 1 v 111 Ol 2 vv 83-6) e tecelatildeo este uacuteltimo labor
evocado em Oliacutempica 6 (v 86) pelo emprego do verbo pleacutekō ldquotecerrdquo metaacutefora frequente
do fazer poeacutetico na poesia meacutelica assinala Calame (2005 p58 n12) Com efeito do
mesmo modo que o tecelatildeo tranccedila com sutileza e habilidade os fios para a confecccedilatildeo do
tecido tambeacutem o poeta elabora seu discurso poeacutetico entrelaccedilando recursos literaacuterios e
linguiacutesticos combinados com o ritmo e a harmonia para a perfeita composiccedilatildeo da ode e
por conseguinte para a glorificaccedilatildeo do atleta vencedor como se infere dos versos 86-7
ldquoteccedilo para os varotildees lanceiros um hino variadordquo
Entre os elementos constitutivos do epiniacutecio pindaacuterico eacute interessante pontuar
ainda a alternacircncia das formas de primeira pessoa26 do singular e do plural (eunoacutes ndash vv
3 21 23 24 82 84 86 e 105) por meio da qual eacute possiacutevel haver um revezamento entre
a voz do poema e a voz do coro dado que torna improdutiva segundo Calame (2005 p
58) a discussatildeo acerca da natureza do sujeito poeacutetico nas odes pindaacutericas ldquonem
unicamente ldquomonoacutedicordquo nem inteiramente coral o eunoacutes do locutor eacute essencialmente
polifocircnicordquo
26 Sobre o emprego da primeira pessoa na poesia pindaacuterica cf LEFKOWITZ Mary op cit 1991 p 1-71
15
Deve-se observar tambeacutem com Claire Muckensturn-Poulle (2009 p 77) que ao
longo da Oliacutempica 6 o sujeito do enunciado confere voz a outros enunciadores ora
empregando o discurso direto como no elogio que Adrasto faz a Anfiarau (vv 16-7) e na
ordem dada por Apolo a Iacuteamo (vv 62-3) no momento em que o deus lhe concede o dom
da profecia ora transferindo por meio de uma ordem sua funccedilatildeo de locutor do canto
agonal a Fiacutentis o auriga de Hageacutesias (v 22) ou a Eneias o khorodidaacuteskalos (vv 88-96)
com os quais se identifica como poeta-condutor e poeta-mestre do coro
Por outro lado haacute dados sugestivos da performance coral da ode e de seu local de
execuccedilatildeo haja vista a invocaccedilatildeo da persona loquens a Eneias possivelmente o
khorodidaacuteskalos - a julgar pelos escoacutelios a essa passagem (148a e 149ordf apud
STAMATOPOULOU 2014 p 11 nota 34 CALAME 2005 p 57 nota 10 p 58 nota
13) - a referecircncia aos hetaicircroi companheiros de Eneias e talvez integrantes do coro e
ainda o voto do sujeito poeacutetico para que o kocircmos ldquocortejo processionalrdquo ao vencedor
apoacutes ter sido apresentado em Estiacutenfalo como julga a maior parte da criacutetica pindaacuterica
acerca da premiegravere do epiniacutecio (apud STAMATOPOULOU 2014 p 2) fosse tambeacutem
recebido pelo tirano Hieratildeo em Siracusa onde seria realizada a reperformance durante a
festa cultual (v 95) dedicada a Demeacuteter e a Perseacutefone deusas tutelares de Siracusa culto
possivelmente organizado pela famiacutelia de Hieratildeo (apud CALAME 2005 p 59)
Evidenciam respectivamente a recepccedilatildeo e a reapresentaccedilatildeo do canto em Siracusa a
forma verbal deacutexaito ldquorecebardquo (v 98) no optativo desiderativo enfatizada pela expressatildeo
sỳn degrave philophrosyacutenas euētaacutetois ldquocom amaacuteveis atos de amizaderdquo e os sintagmas
adverbiais presentes no verso 99 oiacutekothen oiacutekadrsquo ldquode uma casa para outrardquo e apograve
Stymphaliacuteōn ldquode Estiacutenfalordquo e por fim a justaposiccedilatildeo no verso 102 dos pronomes tocircnde
ldquoestesrdquo e keiacutenon ldquoagravequelesrdquo alusivos aos estinfaacutelios e siracusanos respectivamente Assim
como esses elementos apontam para a saiacuteda do vencedor da cidade Estiacutenfalo e Siracusa
eacute ainda um lugar a ser alcanccedilado por via mariacutetima acredita-se que a execuccedilatildeo primeira
do canto tenha ocorrido na cidade da matildee de Hageacutesias Note-se que o atleta e as duas
cidades a de seus antepassados maternos Estiacutenfalo e a sua terra natal Siracusa satildeo ainda
representados respectivamente pelas imagens metafoacutericas do navio e das duas acircncoras
(vv 101-5a) imagens que remetem ao deus do mar Posecircidon invocado pela persona
loquens para conceder uma favoraacutevel travessia ao kocircmos de Hageacutesias do qual
possivelmente fazia parte o chefe do coro responsaacutevel segundo Calame (2005 p 57)
16
pelo treinamento dos coreutashetaicircroi que deveriam transmitir em performance coral a
voz do poeta
Ainda acerca dessa metaacutefora mariacutetima Meacuteautis (1962 p 200) Kirkwood (1982
p 94) a interpretam como uma referecircncia agrave crise poliacutetica instaurada em Siracusa nos
uacuteltimos anos de governo de Hieratildeo crise representada pela imagem da lsquotempestuosa
noitersquo (vv 100-1) Assim na qualidade de cidadatildeo siracusano observa ainda Meacuteautis
(1962 p 200) Hageacutesias prevendo a queda do regime tiracircnico pretendia solicitar uma
nova cidadania em Estiacutenfalo A esse respeito vale mencionar uma vez mais a opiniatildeo
de Stamatopoulou (2014 p 3-4) que compartilhando do ponto de vista de Stehle julga
ter sido a ode executada primeiramente em Estiacutenfalo com o objetivo de estreitarem-se os
laccedilos entre o vencedor e essa cidade da Arcaacutedia
No que concerne ao possiacutevel chefe do coro o sujeito poeacutetico num tom laudatoacuterio
refere-se a Eneias como notou Kirkwood (1982 p 93) acerca do estilo metafoacuterico de
Piacutendaro - como aacutengelos ldquomensageirordquo (v 90) e skytaacutela (v 91)27 traduzido como
ldquointeacuterpreterdquo por ser ele o responsaacutevel pela recepccedilatildeo dos efluacutevios das Musas ndash como
explicita a expressatildeo ldquodoce taccedila de cantos ressoantesrdquo (v 91) - pela transmissatildeo e
reapresentaccedilatildeo da mensagemcanto em Siracusa onde tambeacutem deveria ser objeto de
encocircmio o tirano Hieratildeo do qual se enfatizam o governo justo a piedade religiosa os
triunfos jaacute festejados ldquopelas liras e canccedilotildees de doces palavrasrdquo (vv 96-7) a generosidade
e a amizade (v 98)
Deste modo a referecircncia a Eneias destaca o importante papel do poeta-cantor na
perpetuaccedilatildeo do triunfo agonal Nesse complexo processo de elaboraccedilatildeo poeacutetico-
perfomativa utilizam-se natildeo soacute metaacuteforas como jaacute destacou mas tambeacutem narrativas
miacuteticas relacionadas com a arte divinatoacuteria Assim por meio do elogio ao atleta
homenageado evoca-se primeiramente como modelo miacutetico Anfiarau (vv 12-21) ndash
participante da expediccedilatildeo dos Sete contra Tebas sob o comando de Adrasto rei de
Argos- possuidor das mesmas atribuiccedilotildees do laureado jaacute que ambos satildeo
guerreirogeneral e adivinho Eacute importante enfatizar que a transiccedilatildeo do tempo presente
representado pelo vencedor para o passado miacutetico se estabelece por meio do pronome
relativo hoacuten (v 12) referente ao louvor destinado a Hageacutesias e a Anfiarau e do adveacuterbio
27 Em Esparta espeacutecie de bastatildeo de madeira sobre o qual se enrolavam correias compridas e estreitas com
mensagens secretas lidas e compreendidas por quem possuiacutesse um bastatildeo idecircntico (PINDARE
Olympiques 1971 p 85 nota 4)
17
potrsquo ldquooutrora (v 13) com base no qual se alude ao desaparecimento repentino do
adivinho tebano (v 14) que segundo a versatildeo miacutetica fora arrebatado por Zeus para evitar
a morte do heroacutei como se infere do emprego do verbo katamaacuterptō lsquoengolirrsquo em tmese
que indica ter sido Anfiarau tragado pela terra Observa Barciela (2015 p 53) que esse
corte entre a preposiccedilatildeo kataacute ldquodebaixo derdquo ldquosobrdquo (v 14) e o radical do verbo salienta
natildeo somente o sentido do preveacuterbio mas tambeacutem aponta a razatildeo de natildeo ter Adrasto
encontrado Anfiarau nas sete piras Acredita-se ter sido essa a razatildeo de Adrasto ter
proferido ao adivinho um elogio em discurso direto por meio da imagem metafoacuterica
stratiacircs ophthalmograven emacircs ldquoolho28 do meu exeacutercitordquo metaacutefora que aleacutem de assinalar a
importacircncia de Anfiarau na expediccedilatildeo tebana lhe sintetiza os dois atributos relacionados
respectivamente com a macircntica e com a guerra
Julga-se que a menccedilatildeo ao atributo divinatoacuterio de Anfiarau constitui um meio de
antecipaccedilatildeo do principal mito da ode cujo eixo temaacutetico se centra no nascimento de
Iacuteamo29 (vv 39-47) e em sua iniciaccedilatildeo na arte divinatoacuteria tornando-se o primeiro de uma
famiacutelia de adivinhos ndash os Iacircmidas ndash e o responsaacutevel pelo altar profeacutetico de Zeus em
Oliacutempia (v 70)
Eacute digno de nota ter sido o citado mito introduzido pelas imagens metafoacutericas do
poeta-condutor e da poesia-quadriga por meio das quais anota Calame (2005 p 54)
ocorre um deslocamento geograacutefico-temporal jaacute que a par do movimento de Oliacutempia ndash
lugar onde ocorrera a competiccedilatildeo desportiva ndash para Piacutetana cidade espartana situada junto
ao leito do rio Eurotas na Lacocircnia haacute uma transposiccedilatildeo do tempo da ldquoenunciaccedilatildeo do
cantordquo isto eacute o tempo presente ndash marcado pelo adveacuterbio saacutemeron lsquohojersquo (v 28) ndash para o
passado miacutetico indicado pela referecircncia a Piacutetana- natildeo somente o nome de uma pequena
povoaccedilatildeo de que se compunha Esparta mas tambeacutem o nome de uma ninfa filha do deus-
rio Eurotas e fundadora da linhagem dos Iacircmidas - que unida a Posecircidon gerou em
segredo Evadne matildee de Iacuteamo ancestral miacutetico de uma extensa linhagem de adivinhos
28 Imagem presente em Oliacutempica 2 (v 10) em referecircncia aos ancestrais histoacutericos de Teratildeo de Agrigento
e em Piacutetica 5 (vv 55-7a) em alusatildeo a Bato fundador da estirpe dos reis de Cirene cidade do vencedor
Com relaccedilatildeo agrave imagem do olho em Oliacutempica 6 conveacutem lembrar citando Villarrubia (1995 p 17) Suaacuterez
de la Torre (1989 p 97) e Meacuteautis (1962 p 195) que o escoacutelio pindaacuterico ao citado verso refere a Tebaida
como fonte direta do elogio de Adrasto a Anfiarau 29Como observa Nisetich (1998 p 2) nas odes pindaacutericas eacute conferido destaque maior agrave famiacutelia do vencedor
que ao proacuteprio homenageado jaacute que se busca em fatos preteacuteritos explicaccedilotildees ou justificativas para o
momento presente A esse respeito verifica-se na ode em estudo que a volta ao passado (vv 28-71)
constitui um meio de glorificaccedilatildeo do homenageado
18
cujo representante atual eacute o vencedor oliacutempico Hageacutesias de Siracusa Evadne por sua
vez seduzida por Apolo deu agrave luz Iacuteamo cuja vocaccedilatildeo profeacutetica eacute anunciada na ode pelo
atributo theoacutephrona lsquoinspirado pelos deusesrsquo (v 41) e pelo oraacuteculo de Delfos revelado
ao pai mortal e adotivo de Evadne ndash Eacutepito - a quem satildeo declarados a origem e o dom
divinatoacuterio de Iacuteamo (vv 49b-51) cujo nome de etimologia obscura estaacute associado ao
nome da flor violeta (DUCHEMIN 1955 p 242-3) iacuteon tambeacutem presente no epiacuteteto
atribuiacutedo a Evadne ioacuteplokos ldquocabelo cor de violetardquo (v 30) portanto cor que identifica
Iacuteamo como filho de Evadne Em sintonia com Eleanor Irwin (1996 p 386) acerca de seu
comentaacuterio sobre o ambiente onde Iacuteamo fora abandonado por sua matildee isto eacute khamaiacute ldquono
chatildeordquo (v 45) considera-se que esse lugar eacute tambeacutem ser esse sobrenatural haja vista terem
florescido do chatildeo violetas que forneceram ao receacutem-nascido calor e proteccedilatildeo necessaacuterios
agrave sua sobrevivecircncia Destarte as violetas simbolizam a proacutepria Evadne posto que
exerceram a funccedilatildeo materna
Significativo tambeacutem nessa passagem eacute o fato de ter sido por intervenccedilatildeo divina
(v 46) Iacuteamo alimentado por duas serpentes (45b-47a) com ldquoo veneno irrepreensiacutevel das
abelhasrdquo expressatildeo que se associa anotou Duchemin (1955 p 251) jaacute haacute algum tempo
ao dom da profecia e do fazer poeacutetico Deborah Steiner (1986 p 103) por sua vez refere
acerca dessa passagem que a relaccedilatildeo entre a serpente animal macircntico por excelecircncia
(Meacuteautis 1962 p 196) e o mel anuncia o dom profeacutetico que o receacutem-nascido teria
posteriormente30
Ao chegar agrave adolescecircncia Iacuteamo ciente de sua ascendecircncia divina solicita a seu
avocirc Posecircidon e a seu pai Apolo um atributo que beneficiasse todo o povo uma honra
puacuteblica laoacutethrophos ldquoque alimentasse o povordquo (v 60) Ressalte-se que embora a suacuteplica
tenha sido dirigida a essas duas divindades eacute Apolo nomeado com seu epiacuteteto ldquoarqueiro
guardiatildeo da divina Delosrdquo (v 59) quem concede ao filho o duplo dom da adivinhaccedilatildeo
(vv 65-70) a faculdade de ouvir-lhe a voz profeacutetica pautada sempre na verdade e a
fundaccedilatildeo de oraacuteculo de Zeus em Oliacutempia antes mesmo da instituiccedilatildeo dos Jogos
Oliacutempicos por Heacuteracles Logo com a concessatildeo da daacutediva da adivinhaccedilatildeo encerra-se o
relato miacutetico dos Iacircmidas Faz entatildeo a voz do poema a passagem do tempo miacutetico (vv
71-7) para o passado proacuteximo de Hageacutesias com a alusatildeo laudatoacuteria aos antepassados
30 Acrescente-se que a relaccedilatildeo entre a serpente e a figura de Apolo se justifica pelo fato de a divindade ter
assassinado a serpente Piacuteton para habitar Delfos
19
histoacutericos do vencedor (vv 78-81) e numa referecircncia metapoeacutetica (vv 82-7b) a seus
proacuteprios ancestrais por serem todos procedentes da cidade de Estiacutenfalo dado que
identifica o laureado com a persona loquens
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a C portanto no periacuteodo de produccedilatildeo poeacutetica da Greacutecia tardo-arcaica (550-450 a C) -
eacute considerado unanimemente pela criacutetica moderna o principal representante da poesia
liacuterica da Antiguidade pois sua obra contrariamente agrave de outros poetas liacutericos como
Alceu Safo e Anacreonte natildeo nos chegou em estado muito fragmentaacuterio Com efeito na
transmissatildeo da poesia liacuterica grega Piacutendaro eacute uma exceccedilatildeo jaacute que de todos os subgecircneros
da ldquomeacutelicardquo por ele cultivados2 nos foram legadas por meio de manuscritos datados da
Idade Meacutedia - procedentes talvez da compilaccedilatildeo das odes triunfais realizadas pelos
alexandrinos (ORTEGA 1984 p51) - quatro coletacircneas com 45 epiniacutecios3 cantos
triunfais que celebram de modo geral os vencedores das principais competiccedilotildees pan-
helecircnicas e foram ordenados de acordo com a data de instituiccedilatildeo dos jogos primeiro os
Oliacutempicos (iniciados em 776 a C em Oliacutempia em honra de Zeus e celebrados de quatro
em quatro anos) os Piacuteticos (instituiacutedos em 582 a C em Delfos em honra de Apolo e
realizados de quatro em quatro anos alternando de dois em dois anos com os Oliacutempicos)
os Iacutestmicos (realizados em Corinto desde 581 a C em honra de Posecircidon no mecircs de
1 Com a Piacutetica 6 dedicada a Trasiacutebulo filho de Xenoacutecrates irmatildeo de Teratildeo de Agrigento Piacutendaro inicia
informa Lesky (1995 p 222-4) uma importante relaccedilatildeo com a aristocracia da Siciacutelia firmando laccedilos de
amizade com os tiranos Hieratildeo de Siracusa e Teratildeo de Agrigento Sua ode mais antiga datada de 498 a C
eacute a Piacutetica X dedicada ao jovem tessaacutelio Hipoacutecleas vencedor na corrida dupla 2 Como informa Ortega (1984 p 30-1) a produccedilatildeo literaacuteria de Piacutendaro foi catalogada por Aristoacutefanes de
Bizacircncio em 17 livros (cf SUDA Vita Ambrosiana I 3 6) organizados segundo o criteacuterio de ediccedilatildeo por
gecircneros isto eacute divididos inicialmente pelas diferentes modalidades do lirismo coral e assim classificados
um livro de hinos (cantos em honra aos deuses) um de peatildes (cantos em honra de Apolo) dois de ditirambos
(cantos em honra de Dioniso e ainda de outras divindades [apud ROCHA PEREIRA 2006 p 195 nota
6]) dois de prosoacutedios (cantos em procissatildeo) trecircs de partecircnios (cantos entoados por um coro de donzelas)
dois de hiporquemas (cantos acompanhados de danccedila agitada) um livro de encocircmios (cantos de elogio em
honra de cidadatildeos ilustres) um livro de trenos (cantos fuacutenebres em honra de cidadatildeos) e quatro coletacircneas
de epiniacutecios (cantos de celebraccedilatildeo de atletas vencedores nos Jogos Oliacutempicos Piacuteticos Iacutestmicos e Nemeus)
No que diz respeito agrave ordenaccedilatildeo dos epiniacutecios foram eles organizados em quatro coletacircneas de acordo com
a data de instituiccedilatildeo dos jogos primeiro os Oliacutempicos a seguir os Piacuteticos os Istiacutemicos e os Nemeus No
interior de cada livro as odes foram organizadas segundo a competiccedilatildeo celebrada ndash corrida de cavalos
corrida de cavalos montados corrida de mulas pancraacutecio luta pugilato pentatlo corridas e concursos
musicais Por outro lado tambeacutem natildeo se organizavam as odes por ordem cronoloacutegica das competiccedilotildees e
respectivas vitoacuterias mas eram elas ordenadas de acordo com a importacircncia do atleta vencedor ou da
modalidade de competiccedilatildeo Por exemplo as Piacuteticas 1 2 e 3 celebradas em honra de Hieratildeo de Siracusa
satildeo posteriores em dataccedilatildeo (respectivamente 474 a C data desconhecida e 470 a C) agraves Piacuteticas 6 e 7
compostas respectivamente em 490 e 486 aC em honra de Xenoacutecrates de Agrigento e Meacutegacles de
Atenas
3 Race (1986 p 24) afirma que Piacutendaro ao referir-se a seu fazer poeacutetico emprega os termos hyacutemnos aoidaacute
ou epiniacutekios este uacuteltimo para qualificar suas odes (Nemeia 4 v 78) e natildeo para designar um subgecircnero
especiacutefico No periacuteodo heleniacutestico entretanto assinala Carey (2009 p 32) parece natildeo haver uma distinccedilatildeo
precisa entre a ode que celebrava uma vitoacuteria atleacutetica e outros poemas que continham algum tipo de louvor
A esse respeito Carey cita a ode Nemeia 11 que embora esteja inserida na coletacircnea de epiniacutecios natildeo
celebra uma vitoacuteria desportiva mas a investidura de Aristaacutegoras de Tecircnedos no cargo de priacutetane
3
abril de dois em dois anos alternando-se com os Oliacutempicos e os Piacuteticos) e os Nemeus
(celebrados desde 573 a C em honra de Zeus na planiacutecie de Nemeia tambeacutem de dois
em dois anos no mecircs de julho coincidindo a partir deste ano com os Iacutestmicos) No
contexto da Greacutecia arcaica essas competiccedilotildees eram importantes natildeo somente na esfera
desportiva mas tambeacutem no acircmbito das relaccedilotildees religiosas e poliacuteticas Por outro lado no
acircmbito pessoal a vitoacuteria nesses Jogos facultava ao atleta a gloacuteria imorredoura
materializada no canto triunfal
A liacutengua empregada na composiccedilatildeo desses cantos triunfais consiste numa mescla
dialectal em que se articulam elementos do doacuterico e do eoacutelico e ainda da poesia
homeacuterica resultando num dialeto literaacuterio artificial Diversas satildeo tambeacutem as modalidades
riacutetmicas dispostas preferencialmente em estruturas triaacutedicas em que o metro das estrofes
eacute repetido nas antiacutestrofes apoacutes as quais se seguem os epodos que embora iguais entre
si possuem um padratildeo meacutetrico distinto das duas partes anteriores Portanto a triacuteade
compotildee-se de um sistema riacutetmico formado de estrofe antiacutestrofe e epodo Entretanto sete
odes (Oliacutempica 14 Piacuteticas 6 e 12 Nemeias 2 4 9 e Iacutestmica 8) apresentam estrutura
monostroacutefica isto eacute possuem apenas estrofes em que se repete em todas as partes do
poema o mesmo esquema meacutetrico Nas odes pindaacutericas predominam duas modalidades
riacutetmicas a eoacutelica e a daacutectilo-epiacutetrita com base nas quais Piacutendaro criava para cada ode um
ritmo diferente anotou Frederico Lourenccedilo (2006a p 10-1 2006b p 95-6)
Outros aspectos que tecircm suscitado discussotildees vaacuterias entre os estudiosos dizem
respeito agrave performance e agraves circunstacircncias em que foram executados os epiniacutecios apesar
de natildeo haver respostas definitivas acerca dessas questotildeesQuanto agrave performance4 maioria
4 Segundo informa Lourenccedilo (2009 19-25) a divisatildeo entre meacutelica monoacutedica e meacutelica coral natildeo foi
estabelecida pelos eruditos antigos mas pela maioria dos teoacutericos modernos que seguindo a liccedilatildeo de Karl
O Muumlller em seu compecircndio de Histoacuteria da literatura grega publicada pela primeira vez em inglecircs em
1840 ndash History of the literature of ancient Greece ndash a separaram nessas duas modalidades Essa divisatildeo foi
adotada por Cecil M Bowra em Greek Lyric Poetry (1961) muito embora essa discussatildeo tenha sido
iniciada em comeccedilos do seacuteculo XX por Willamowitz ao analisar as odes Oliacutempicas I e II dedicadas
respectivamente aos tiranos Hieratildeo de Siracusa e Teratildeo de Agrigento que segundo ele teriam tido
execuccedilatildeo monoacutedica e natildeo coral Conforme informa Lourenccedilo (2009 p 25) o estudioso alematildeo julgou
terem as referidas odes indiacutecios sugestivos de que a performance original natildeo exigia a presenccedila do coro Essa complexa questatildeo acerca da performance da poesia coral foi reexaminada por Martin West em 1971
ao investigar os novos achados da obra do poeta coral Estesiacutecoro cujos extensos poemas levaram o
helenista inglecircs a questionar a execuccedilatildeo coral (apud Lourenccedilo 2009 p 22-3) dos poemas Por outro lado
West assinala tambeacutem destaca Lourenccedilo (2009 p 24) que a estrutura triaacutedica da poesia de Estesiacutecoro
constitui somente um princiacutepio de composiccedilatildeo e natildeo uma evidecircncia de performance coral Rocha Pereira
(2006 p 194 nota 5) com base em Pfeiffer e Frederico Lourenccedilo (2009 p 20) essa divisatildeo moderna da
4
dos estudiosos5 julga terem sido os epiniacutecios produzidos para o canto coral6 muito
embora admitam natildeo ser esse tipo de execuccedilatildeo comum a todas as odes do corpus
pindaacuterico jaacute que algumas apresentam indiacutecios de ter sido a performance monoacutedica7 Por
sua vez Mary Lefkowitz (1991 p 70-1)8 considerando o emprego de referecircncias pessoais
na poesia de Piacutendaro eacute de opiniatildeo que grande parte dos epiniacutecios foi apresentada por um
cantor solo
Em referecircncia ao local de performance difiacutecil tambeacutem se torna assegurar com
exatidatildeo o cenaacuterio em que as odes foram apresentadas pois as informaccedilotildees nelas contidas
natildeo satildeo agraves vezes muito claras A esse respeito no entanto haacute unanimidade entre os
criacuteticos de terem sido os seguintes os locais de execuccedilatildeo dos epiniacutecios a saber o proacuteprio
local da vitoacuteria9 a cidade ou a casa do homenageado10 ou ainda um templo ou santuaacuterio
situados no local da vitoacuteria ou na cidade11 do vencedor Logo pode-se dizer que os
epiniacutecios estavam circunscritos a um ambiente de festa ou puacuteblico ou privado
Embora a vitoacuteria atleacutetica seja a motivaccedilatildeo primeira do canto agonal nele natildeo se
privilegiam as circunstacircncias do acontecimento desportivo que se dilui em meio a outros
elementos caracteriacutesticos da ode pindaacuterica Assim encontram-se nas odes referecircncias ao
vencedor a seus antepassados ndash histoacutericos ou miacuteticos - aos triunfos obtidos em outros
jogos ao lugar da vitoacuteria agraves circunstacircncias de sua vida dados esses que se podem
relacionar com narrativas miacuteticas de valor paradigmaacutetico natildeo apresentadas na iacutentegra
apenas em parte ou simplesmente aludidas (Kirkwood 1982 p 15) e inseridas em geral
poesia liacuterica em monoacutedica e coral tem levado outros estudiosos modernos a citar uma passagem da obra de
Platatildeo (Leis VI 764 d-e) para justificar erroneamente a antiguidade da separaccedilatildeo entre monodia e canccedilatildeo
coral Na verdade esse passo de Platatildeo se refere observam Rocha Pereira e Frederico Lourenccedilo ao
treinamento de cantores solistas e cantores corais durante uma discussatildeo acerca da educaccedilatildeo musical
Logo para esses helenistas entre outros a distinccedilatildeo liacuterica monoacutedica e coral eacute moderna
5 Cf SULLIVAN S D Aspects of the ldquofictive Irdquo in Pindar adress to psychic enteties Emerita vol
LXX 1 2002 p 83-4 NISETICH F J Pindarrdquos Victory Songs London The Johns Hopkins University
Press 1980 p 2 6Citam-se eg Piacutetica 1 vv 1-4 Piacutetica 10 vv 55-8 Oliacutempica 6 vv 87-92 7 Cf Nemeia 4 vv 13-6 8 A respeito das referecircncias pessoais nos epiniacutecios pindaacutericos cf Lefkowitz Mary R First-Person
Fictions Pindarrsquos Poetic lsquoIrsquo Oxford Clarendon Press 1991 p 1-71 9 A Piacutetica 7 celebrada em honra de Meacutegacles de Atenas foi cantada em uma festividade puacuteblica em Delfos
10 As Oliacutempicas 1 e 2 dedicadas aos tiranos Hieratildeo de Siracusa e a Teratildeo de Agrigento respectivamente
foram celebradas em banquetes nas cortes desses tiranos
11 A Oliacutempica 3 (vv 1-3) em honra do tirano Teratildeo de Agrigento foi executada num templo por ocasiatildeo
das Teoxecircnias festas populares consagradas aos Dioacutescuros Castor e Poacutelux e a Helena
5
- afirma Rocha Pereira (2006 p 223) ndash para ilustrar sentenccedilas gnocircmicas as gnocircmai que
aleacutem de terem uma funccedilatildeo didaacutetica enunciando conselhos de ordem moral ou maacuteximas
de caraacuteter universal e atemporal podem ser empregadas como elementos de transiccedilatildeo
entre as partes da ode e ser expressas antes da narrativa miacutetica esta uacuteltima natildeo presente
em todas as odes12 Por fim Piacutendaro tece comentaacuterios acerca de seu mister destinado a
representantes da aristocracia da Greacutecia do seacuteculo V a C para os quais compocircs por
encomenda cantos triunfais fato que vincula seu fazer poeacutetico ao mecenato13 e ainda
ao contexto histoacuterico de seu tempo Com efeito enaltecem-se em seus versos os princiacutepios
aristocraacuteticos cuja base residia no poder da ancestralidade na riqueza e ainda na
excelecircncia fiacutesica e moral dos nobres seus contemporacircneos e vencedores dos agocircnes
atleacuteticos Portanto sendo os epiniacutecios instrumentos de legitimaccedilatildeo do poder
aristocraacutetico14 constitui entatildeo a ode Oliacutempica 615 um dos importantes testemunhos
histoacuterico-literaacuterios tendo em vista ter sido composta para celebrar a vitoacuteria de Hageacutesias
de Siracusa - chefe militar16 do tirano Hieratildeo de Siracusa (478- 467-6)17 - numa quadriga
de mulas em 472 ou 468 a C
Estrofe 1
Estabelecendo douradas
colunas debaixo de um bem murado poacutertico do santuaacuterio
como se estabelece um belo palaacutecio
construamos Iniciado o trabalho
eacute preciso dar-lhe uma fachada que brilhe ao longe Mas se
ele eacute um vencedor Oliacutempico
5 guardiatildeo no altar profeacutetico de Zeus em Pisa
12 Cf Oliacutempicas 5 11 12 e 14 Piacutetica 7 Nemeias 2 e 11 e Iacutestmicas 2 e 3 13 Na Greacutecia arcaica a poesia de modo anaacutelogo a outras atividades profissionais passou a ter um valor
comercial como se infere por exemplo de Piacutetica 11 vv 41-2 ldquoMusa se concordas em conceder por
salaacuterio tua voz venal eacute preciso que teu ofiacutecio seja divulgado aqui e laacuterdquo (Traduccedilatildeo nossa) 14 Sobre as formas de legitimaccedilatildeo do poder aristocraacutetico em especial dos tiranos siciliotas cf HIRATA
Elaine F V 2010 p 23-41 15 A traduccedilatildeo de Oliacutempica 6 eacute de responsabilidade das autoras deste trabalho e constitui parte da pesquisa
interinstitucional (UFRJUFF) por elas desenvolvida sobre as odes Oliacutempicas A ediccedilatildeo criacutetica eacute a
estabelecida por Snell-Maehler 1987 16 Cf PINDARE Olympiques Paris Les Belles Lettres 1970 p 74-5 17 Para detalhes acerca das tiranias siciliotas cf HIRATA Elaine F V 2010 p 23-41 VALLET Georges
Pindare et la Sicile In Entretiens sur lrsquo Antiquiteacute Classique Pindare Vandoeuvres ndash Genegraveve Fondation
Hardt 1984 p 285-327
6
e cofundador da afamada Siracusa
de que hino fugiria
tal homem ao encontrar
cidadatildeos sem inveja no meio de cantos encantadores
Antiacutestrofe 1
Saiba na verdade que nesta sandaacutelia18
tem seu peacute afortunado
o filho de Soacutestrato Faccedilanhas sem riscos
10 nem junto aos homens nem nas cocircncavas naus
satildeo honradas mas muitos se lembram
quando algo de belo foi realizado com esforccedilo
Oacute Hageacutesias eacute teu o real elogio que com justo
discurso Adrasto outrora proclamara para o vidente
filho de Oicles Anfiarau
quando a terra o
engoliu e tambeacutem os seus brilhantes cavalos
Epodo 1
15 Depois quando tinham queimado as sete piras
de cadaacuteveres o filho de Talau (Adrasto)
proferiu em Tebas o seguinte discurso
lsquoEstou com saudades do olho de meu exeacutercito
bom em duas coisas ser adivinho e
combater com a lanccedilarsquo Isto tambeacutem
eacute verdadeiro para o homem de Siracusa senhor do cortejo processional
Embora natildeo seja ele propenso agrave desavenccedila nem amigo de disputa em excesso
18Com valor metafoacuterico na acepccedilatildeo de ldquonesta posiccedilatildeordquo (SLATER1969 p 401)
7
20 fazendo um grande juramento disso claramente lhe
darei testemunho e com vozes doces como o mel
as Musas o aprovaratildeo
Estrofe 2
Oacute Fiacutentis pois bem atrela agora
para mim a forccedila das mulas
o mais raacutepido possiacutevel para que em caminho puro
conduzamos a quadriga de mulas e eu chegue ateacute
25 a linhagem destes homens pois essas mulas mais do que
outras sabem abrir
esse caminho jaacute que coroas em Oliacutempia
ganharam eacute preciso entatildeo
abrir-lhes as portas dos hinos
e a Piacutetana junto do curso do Eurotas
eacute preciso chegar hoje em hora oportuna
Antiacutestrofe 2
Diz-se que Piacutetana unida a Posecircidon
filho de Crono
30 deu agrave luz uma filha com cabelo cor de violeta Evadne
Mas nas pregas de sua roupa escondeu a gravidez
e enviando no mecircs determinado
suas servas ordenou-lhes
que entregassem a crianccedila aos cuidados do heroacutei Eacutepito filho de Eacutelato
que reinava sobre os homens da Arcaacutedia em Fesana
e fora designado para habitar o Alfeu
35 Tendo sido criada aiacute sob o domiacutenio de Apolo
(Evadne) experimentou pela primeira vez a doccedilura de Afrodite
8
Epodo 2
E ela natildeo ocultou de Eacutepito durante toda
o tempo o filho do deus
Mas ele (Eacutepito) foi para Delfos reprimindo no coraccedilatildeo
a raiva inenarraacutevel com agudo propoacutesito
para consultar o oraacuteculo sobre
esse sofrimento insuportaacutevel
Ela por sua vez logo que depocircs a cinta purpuacuterea
40 e o cacircntaro de prata debaixo da mata sombria
deu agrave luz um filho inspirado pelos deuses Junto dela o de aacuteureos cabelos (Apolo)
estabeleceu a amaacutevel Iliacutetia
e as Moicircras
Estrofe 3
E de seu ventre no meio das dores
amaacuteveis do parto Iacuteamo
veio logo agrave luz E ela (Evadne) angustiada
45 deixou-o no chatildeo mas duas serpentes de olhos brilhantes
por desiacutegnio dos deuses cuidando dele
o alimentaram com o irrepreensiacutevel
veneno das abelhas Mas quando o rei
conduzindo seu carro chegou da
rochosa Delfos a todos em casa
perguntou sobre a crianccedila que Evadne
dera agrave luz de fato ele (Eacutepito) dizia que a crianccedila era filho de Febo
Antiacutestrofe 3
50 que acima dos mortais seria um adivinho para os homens
e jamais lhe faltaria descendecircncia
9
Assim entatildeo declarou Mas eles confessavam que natildeo o tinham ouvido
nem visto
embora tivesse nascido havia cinco dias Mas
na verdade estava escondido num canteiro de juncos no impenetraacutevel matagal
55 pelos raios dourados e roxos das violetas
banhado em seu delicado
corpo Por isso sua matildee declarou
que ele fosse chamado durante todo o tempo
por esse nome imortal
Mas depois que recebeu o fruto da amaacutevel
Juventude da coroa dourada descendo no meio do Alfeu
invocou o poderoso Posecircidon
seu avocirc e o arqueiro guardiatildeo
da divina Delos
60 pedindo para sua cabeccedila uma honra que alimentasse o povo
no ar livre da noite Clara ressoou a voz paterna e lhe pediu
lsquoLevanta-te filho
vem aqui para a terra paterna
atraacutes da minha vozrsquo
Estrofe 4
Chegaram ao escarpado
rochedo do monte de Crono
65 onde ele lhe outorgou o duplo tesouro
da adivinhaccedilatildeo primeiro ouvir a voz
desconhecedora das mentiras e depois quando
chegasse o de ousados expedientes
10
Heacuteracles majestoso filho dos Alceus19
69 para fundar em honra de seu pai uma festa concorrida
e o maior festival dos jogos
70 na parte mais alta do altar de Zeus
ordenou entatildeo que (Iacuteamo) estabelecesse o oraacuteculo
Antiacutestrofe 4
Desde aquele momento eacute renomada entre
os Helenos a linhagem dos Iacircmidas
A prosperidade os acompanhou ao mesmo tempo E honrando as virtudes
percorrem um caminho visiacutevel daacute provas disso
cada accedilatildeo (deles) Mas a censura da parte
de outros invejosos estaacute suspensa
75 sobre aqueles que foram outrora os primeiros a conduzir o carro na corrida de doze
voltas
e sobre os quais a Graccedila veneranda derrama
gloriosa forma corporal
Se na verdade habitando sob a montanha
de Cilene oacute Hageacutesias teus antepassados maternos
Epodo 4
presentearam
muitas vezes o arauto dos deuses
Hermes com muitos sacrifiacutecios suplicantes de modo piedoso
ele que rege as competiccedilotildees atleacuteticas e a devida parte dos precircmios
80 e honra a Arcaacutedia de nobres varotildees
eacute ele oacute filho de Soacutestrato
com seu pai (Zeus) de barulho retumbante que realiza o teu ecircxito
19 Progenitor de de Anfitriatildeo e este o suposto pai de Heacuteracles
11
Tenho em minha liacutengua a fama de uma liacutempida pedra de afiar20
que quando eu quero se aproxima de mim com sopros de belas correntes
Minha avoacute materna era
de Estiacutenfalo a florescente Metopa
Esfrofe 5
que deu agrave luz Teba condutora de cavalos
de cuja deliciosa aacutegua
86 beberei enquanto teccedilo para os varotildees lanceiros
um hino variado Agora incita teus companheiros
oacute Eneias primeiro a Hera
Virginal celebrar
e depois a saber se evitamos o antigo insulto
90 de suiacuteno Beoacutecio com verdadeiras palavras
De fato eacutes correto mensageiro
inteacuterprete das Musas de belos cabelos
doce taccedila de cantos ressoantes
Antiacutestrofe 5
Diz-lhes que se lembrem
de Siracusa e de Ortiacutegia21
que Hieratildeo ao governaacute-la com imaculado cetro
com justos pensamentos
95 honra Demeacuteter de peacutes vermelhos
a festa de sua filha de brancos corceacuteis
e o poder de Zeus do Etna As liras
e as canccedilotildees de doces palavras o conhecem
20 Metaacutefora do fazer poeacutetico em que a liacutengua do poeta eacute estimulada agrave produccedilatildeo de um canto harmonioso 21Parte mais antiga de Siracusa onde estava situado o palaacutecio de Hieratildeo e talvez o de Hageacutesias (ORTEGA
Alfonso 1984 p 100)
12
Que o tempo em seu curso natildeo lhe destrua a felicidade
mas com amaacuteveis atos de amizade
receba (Hieratildeo) o cortejo processional de Hageacutesias
Epodo 5
(cortejo que) vem de uma casa para outra
das muralhas de Estiacutenfalo
100 e deixa a matildee da Arcaacutedia rica em rebanhos
Boas satildeo na tempestuosa
noite para serem lanccediladas de uma nau veloz
duas acircncoras Que o deus
a estes e agravequeles conceda com amizade glorioso destino
Oacute senhor soberano do mar concede uma direta travessia
isenta de dificuldades oacute esposo
105 de Anfitrite da roca de ouro e faz prosperar
a flor jubilosa de meus hinos
O atleta homenageado da ode eacute filho de Soacutestrato (vv 9 80) pertencente agrave
linhagem dos Iacircmidas e de uma mulher cujos antepassados procediam de Cilene (vv 77-
8) montanha ao norte da Arcaacutedia onde se situava a cidade de Estiacutenfalo ndash lugar em que
ocorrera provavelmente a primeira performance22 do epiniacutecio (vv 99-100) e onde o deus
Hermes era cultuado (vv 79-81) Note-se que a referecircncia a essa divindade vincula o
triunfo atleacutetico agrave benevolecircncia divina tendo em vista ter sido Hermes a divindade doadora
da vitoacuteria (v 81) a Hageacutesias Com efeito a relaccedilatildeo entre a vitoacuteria e a vontade dos deuses
constitui um topos23 da poesia pindaacuterica
22 O argumento da maior parte da criacutetica pindaacuterica sobre a ode ter sido executada em Estiacutenfalo fundamenta-
se nos versos 98-105 nos quais o vencedor e seu kocircmos saem de Estiacutenfalo rumo a Siracusa Acresce ainda
que o fato de o laureado ter laccedilos estreitos com as duas cidades motivou uma discussatildeo acerca da localizaccedilatildeo
da premiegravere do canto triunfal (STAMATOPOULOU 2014 p 1)
23 Cf eg Oliacutempicas 9 vv 100-4 13 vv 13-8 Piacutetica 10 vv 10-5
13
De modo anaacutelogo ao proecircmio da Odisseia (vv 1-10) em que natildeo se menciona o
nome do heroacutei Odisseu designado somente no verso 21 tambeacutem em Oliacutempica 6 o nome
do atleta homenageado soacute aparece no verso 12 por meio de uma invocaccedilatildeo muito embora
tenha sido referido indiretamente no verso 4 apenas pela forma verbal em terceira pessoa
e nos versos 4 a 9 por meio da citaccedilatildeo de seus atributos e de sua descendecircncia
Informa tambeacutem o canto agonal ter tido o vencedor dupla funccedilatildeo a de guardiatildeo
do altar profeacutetico de Zeus em Pisa (v 5) ndash tendo em vista ter como ascendente o adivinho
Iacuteamo que recebera de seu pai Apolo o dom da profecia (vv 65-70) ndash e a de cofundador
de Siracusa (v 6)24 Essas referecircncias ao laureado histoacutericas e miacuteticas encontram-se
distribuiacutedas pelos 105 versos que compotildeem as cinco triacuteades de Oliacutempica 6 iniciada com
uma imagem metapoeacutetica ou autorreferencial em que se coteja o fazer poeacutetico com um
monumento e o poeta com um construtor como atesta nos quatro primeiros versos da
ode a presenccedila de termos pertencentes ao campo semacircntico da arquitetura como kiacuteonas
ldquocolunardquo euteikheicirc ldquobem muradordquo prothyacuteroi ldquopoacuterticordquo paacutexomen ldquoconstruamosrdquo e
proacutesōpon ldquofachadardquo entendido este uacuteltimo metaforicamente segundo o leacutexico pindaacuterico
editado por William Slater (1969 p 454) como o proecircmio da ode Logo eacute a
magnificecircncia dessa construccedilatildeo poeacutetico-arquitetocircnica ndash enfatizada pelos adjetivos
khryseacuteas ldquodouradasrdquo e telaugeacutes ldquoque brilha ao longerdquo ndash que torna impereciacuteveis a
efemeridade do evento atleacutetico ndash ideia sumarizada no verso 4 ndash e o proacuteprio destinataacuterio
apresentado ainda na primeira estrofe como vencedor oliacutempico guardiatildeo por heranccedila
paterna do altar divinatoacuterio de Zeus e cofundador de Siracusa ndash atributos que devem
brilhar ao longe
A par dessas metaacuteforas delineia-se na segunda estrofe a imagem do poeta-
condutor quando a persona loquens ao invocar o nome do condutor da quadriga ndash
Fiacutentis25 auriga de Hageacutesias ndash a ele se iguala como assinala o sintagma autorreferencial
baacutesomen oacutekkhon ldquoconduzamos a quadriga de mulasrdquo (v 24) Logo por meio de
linguagem metafoacuterica o fazer poeacutetico e a performance do canto convertem-se assinala
24 Segundo os escolia 8a e 8b Hageacutesias pode ser considerado cofundador de Siracusa porque seus
antepassados participaram da colonizaccedilatildeo desta cidade Entretanto Willamowitz (1922) e Luraghi (1997)
sugeriram que o proacuteprio Hageacutesias teria participada reestruturaccedilatildeo de Siracusa no governo do tirano Gelatildeo
(apud STAMATOPOULOU 2014 p 7 nota 21) Acerca da remodelaccedilatildeo ldquogelonianardquo de Siracusa ver
Hirata (2010 p 28-9)
25 Fiacutentis representa o aristocrata siracusano Hageacutesias patrocinador do treinamento das parelhas do auriga
(CALAME 2005 p 54)
14
Calame (2005 p 53) numa corrida de quadrigas toacutepos na poesia grega arcaica De fato
assim como o atleta conduz a quadriga agrave vitoacuteria tambeacutem o poeta-atleta elabora
harmoniosamente seus versos para glorificar o vencedor e sua linhagem Deste modo
configuram-se nesse percurso metafoacuterico a quadriga e a poesia como vias de acesso agrave
imortalidade a julgar pela presenccedila dos termos sinocircnimos keleuthoacutes (v 23) e hodoacutes (v
25) ldquocaminhordquo o primeiro dos quais representando conotativamente a poesia e o
segundo conservando sua acepccedilatildeo denotativa tem o sentido de rota percorrida pela
carruagem
Aliaacutes essas imagens metafoacutericas natildeo satildeo as uacutenicas empregadas pela persona
loquens para descrever por meio de metalinguagem sua arte poeacutetica comparada ora com
objetos preciosos ndash como na ode em pauta em que a canccedilatildeo eacute relacionada com um poacutertico
de colunas douradas (Ol 6 vv 1-4) ou em outras odes com uma taccedila de ouro (Ol 7
vv 1-4) e com ouro refinado (Nemeia 4 v 82) - ora com o produto resultante do trabalho
das abelhas (Ol 10 v 98 Nemeia 3 v 77) ou com elementos da natureza como a flor
(Ol 6 v 105) soacute para citar algumas Tambeacutem o mister do poeta eacute vinculado a diferentes
atividades profissionais como a de lavrador (Nemeia 6 v 32 Piacutetica 6 v 2) escultor
(Nemeia vv 1-5) arqueiro (Ol 1 v 111 Ol 2 vv 83-6) e tecelatildeo este uacuteltimo labor
evocado em Oliacutempica 6 (v 86) pelo emprego do verbo pleacutekō ldquotecerrdquo metaacutefora frequente
do fazer poeacutetico na poesia meacutelica assinala Calame (2005 p58 n12) Com efeito do
mesmo modo que o tecelatildeo tranccedila com sutileza e habilidade os fios para a confecccedilatildeo do
tecido tambeacutem o poeta elabora seu discurso poeacutetico entrelaccedilando recursos literaacuterios e
linguiacutesticos combinados com o ritmo e a harmonia para a perfeita composiccedilatildeo da ode e
por conseguinte para a glorificaccedilatildeo do atleta vencedor como se infere dos versos 86-7
ldquoteccedilo para os varotildees lanceiros um hino variadordquo
Entre os elementos constitutivos do epiniacutecio pindaacuterico eacute interessante pontuar
ainda a alternacircncia das formas de primeira pessoa26 do singular e do plural (eunoacutes ndash vv
3 21 23 24 82 84 86 e 105) por meio da qual eacute possiacutevel haver um revezamento entre
a voz do poema e a voz do coro dado que torna improdutiva segundo Calame (2005 p
58) a discussatildeo acerca da natureza do sujeito poeacutetico nas odes pindaacutericas ldquonem
unicamente ldquomonoacutedicordquo nem inteiramente coral o eunoacutes do locutor eacute essencialmente
polifocircnicordquo
26 Sobre o emprego da primeira pessoa na poesia pindaacuterica cf LEFKOWITZ Mary op cit 1991 p 1-71
15
Deve-se observar tambeacutem com Claire Muckensturn-Poulle (2009 p 77) que ao
longo da Oliacutempica 6 o sujeito do enunciado confere voz a outros enunciadores ora
empregando o discurso direto como no elogio que Adrasto faz a Anfiarau (vv 16-7) e na
ordem dada por Apolo a Iacuteamo (vv 62-3) no momento em que o deus lhe concede o dom
da profecia ora transferindo por meio de uma ordem sua funccedilatildeo de locutor do canto
agonal a Fiacutentis o auriga de Hageacutesias (v 22) ou a Eneias o khorodidaacuteskalos (vv 88-96)
com os quais se identifica como poeta-condutor e poeta-mestre do coro
Por outro lado haacute dados sugestivos da performance coral da ode e de seu local de
execuccedilatildeo haja vista a invocaccedilatildeo da persona loquens a Eneias possivelmente o
khorodidaacuteskalos - a julgar pelos escoacutelios a essa passagem (148a e 149ordf apud
STAMATOPOULOU 2014 p 11 nota 34 CALAME 2005 p 57 nota 10 p 58 nota
13) - a referecircncia aos hetaicircroi companheiros de Eneias e talvez integrantes do coro e
ainda o voto do sujeito poeacutetico para que o kocircmos ldquocortejo processionalrdquo ao vencedor
apoacutes ter sido apresentado em Estiacutenfalo como julga a maior parte da criacutetica pindaacuterica
acerca da premiegravere do epiniacutecio (apud STAMATOPOULOU 2014 p 2) fosse tambeacutem
recebido pelo tirano Hieratildeo em Siracusa onde seria realizada a reperformance durante a
festa cultual (v 95) dedicada a Demeacuteter e a Perseacutefone deusas tutelares de Siracusa culto
possivelmente organizado pela famiacutelia de Hieratildeo (apud CALAME 2005 p 59)
Evidenciam respectivamente a recepccedilatildeo e a reapresentaccedilatildeo do canto em Siracusa a
forma verbal deacutexaito ldquorecebardquo (v 98) no optativo desiderativo enfatizada pela expressatildeo
sỳn degrave philophrosyacutenas euētaacutetois ldquocom amaacuteveis atos de amizaderdquo e os sintagmas
adverbiais presentes no verso 99 oiacutekothen oiacutekadrsquo ldquode uma casa para outrardquo e apograve
Stymphaliacuteōn ldquode Estiacutenfalordquo e por fim a justaposiccedilatildeo no verso 102 dos pronomes tocircnde
ldquoestesrdquo e keiacutenon ldquoagravequelesrdquo alusivos aos estinfaacutelios e siracusanos respectivamente Assim
como esses elementos apontam para a saiacuteda do vencedor da cidade Estiacutenfalo e Siracusa
eacute ainda um lugar a ser alcanccedilado por via mariacutetima acredita-se que a execuccedilatildeo primeira
do canto tenha ocorrido na cidade da matildee de Hageacutesias Note-se que o atleta e as duas
cidades a de seus antepassados maternos Estiacutenfalo e a sua terra natal Siracusa satildeo ainda
representados respectivamente pelas imagens metafoacutericas do navio e das duas acircncoras
(vv 101-5a) imagens que remetem ao deus do mar Posecircidon invocado pela persona
loquens para conceder uma favoraacutevel travessia ao kocircmos de Hageacutesias do qual
possivelmente fazia parte o chefe do coro responsaacutevel segundo Calame (2005 p 57)
16
pelo treinamento dos coreutashetaicircroi que deveriam transmitir em performance coral a
voz do poeta
Ainda acerca dessa metaacutefora mariacutetima Meacuteautis (1962 p 200) Kirkwood (1982
p 94) a interpretam como uma referecircncia agrave crise poliacutetica instaurada em Siracusa nos
uacuteltimos anos de governo de Hieratildeo crise representada pela imagem da lsquotempestuosa
noitersquo (vv 100-1) Assim na qualidade de cidadatildeo siracusano observa ainda Meacuteautis
(1962 p 200) Hageacutesias prevendo a queda do regime tiracircnico pretendia solicitar uma
nova cidadania em Estiacutenfalo A esse respeito vale mencionar uma vez mais a opiniatildeo
de Stamatopoulou (2014 p 3-4) que compartilhando do ponto de vista de Stehle julga
ter sido a ode executada primeiramente em Estiacutenfalo com o objetivo de estreitarem-se os
laccedilos entre o vencedor e essa cidade da Arcaacutedia
No que concerne ao possiacutevel chefe do coro o sujeito poeacutetico num tom laudatoacuterio
refere-se a Eneias como notou Kirkwood (1982 p 93) acerca do estilo metafoacuterico de
Piacutendaro - como aacutengelos ldquomensageirordquo (v 90) e skytaacutela (v 91)27 traduzido como
ldquointeacuterpreterdquo por ser ele o responsaacutevel pela recepccedilatildeo dos efluacutevios das Musas ndash como
explicita a expressatildeo ldquodoce taccedila de cantos ressoantesrdquo (v 91) - pela transmissatildeo e
reapresentaccedilatildeo da mensagemcanto em Siracusa onde tambeacutem deveria ser objeto de
encocircmio o tirano Hieratildeo do qual se enfatizam o governo justo a piedade religiosa os
triunfos jaacute festejados ldquopelas liras e canccedilotildees de doces palavrasrdquo (vv 96-7) a generosidade
e a amizade (v 98)
Deste modo a referecircncia a Eneias destaca o importante papel do poeta-cantor na
perpetuaccedilatildeo do triunfo agonal Nesse complexo processo de elaboraccedilatildeo poeacutetico-
perfomativa utilizam-se natildeo soacute metaacuteforas como jaacute destacou mas tambeacutem narrativas
miacuteticas relacionadas com a arte divinatoacuteria Assim por meio do elogio ao atleta
homenageado evoca-se primeiramente como modelo miacutetico Anfiarau (vv 12-21) ndash
participante da expediccedilatildeo dos Sete contra Tebas sob o comando de Adrasto rei de
Argos- possuidor das mesmas atribuiccedilotildees do laureado jaacute que ambos satildeo
guerreirogeneral e adivinho Eacute importante enfatizar que a transiccedilatildeo do tempo presente
representado pelo vencedor para o passado miacutetico se estabelece por meio do pronome
relativo hoacuten (v 12) referente ao louvor destinado a Hageacutesias e a Anfiarau e do adveacuterbio
27 Em Esparta espeacutecie de bastatildeo de madeira sobre o qual se enrolavam correias compridas e estreitas com
mensagens secretas lidas e compreendidas por quem possuiacutesse um bastatildeo idecircntico (PINDARE
Olympiques 1971 p 85 nota 4)
17
potrsquo ldquooutrora (v 13) com base no qual se alude ao desaparecimento repentino do
adivinho tebano (v 14) que segundo a versatildeo miacutetica fora arrebatado por Zeus para evitar
a morte do heroacutei como se infere do emprego do verbo katamaacuterptō lsquoengolirrsquo em tmese
que indica ter sido Anfiarau tragado pela terra Observa Barciela (2015 p 53) que esse
corte entre a preposiccedilatildeo kataacute ldquodebaixo derdquo ldquosobrdquo (v 14) e o radical do verbo salienta
natildeo somente o sentido do preveacuterbio mas tambeacutem aponta a razatildeo de natildeo ter Adrasto
encontrado Anfiarau nas sete piras Acredita-se ter sido essa a razatildeo de Adrasto ter
proferido ao adivinho um elogio em discurso direto por meio da imagem metafoacuterica
stratiacircs ophthalmograven emacircs ldquoolho28 do meu exeacutercitordquo metaacutefora que aleacutem de assinalar a
importacircncia de Anfiarau na expediccedilatildeo tebana lhe sintetiza os dois atributos relacionados
respectivamente com a macircntica e com a guerra
Julga-se que a menccedilatildeo ao atributo divinatoacuterio de Anfiarau constitui um meio de
antecipaccedilatildeo do principal mito da ode cujo eixo temaacutetico se centra no nascimento de
Iacuteamo29 (vv 39-47) e em sua iniciaccedilatildeo na arte divinatoacuteria tornando-se o primeiro de uma
famiacutelia de adivinhos ndash os Iacircmidas ndash e o responsaacutevel pelo altar profeacutetico de Zeus em
Oliacutempia (v 70)
Eacute digno de nota ter sido o citado mito introduzido pelas imagens metafoacutericas do
poeta-condutor e da poesia-quadriga por meio das quais anota Calame (2005 p 54)
ocorre um deslocamento geograacutefico-temporal jaacute que a par do movimento de Oliacutempia ndash
lugar onde ocorrera a competiccedilatildeo desportiva ndash para Piacutetana cidade espartana situada junto
ao leito do rio Eurotas na Lacocircnia haacute uma transposiccedilatildeo do tempo da ldquoenunciaccedilatildeo do
cantordquo isto eacute o tempo presente ndash marcado pelo adveacuterbio saacutemeron lsquohojersquo (v 28) ndash para o
passado miacutetico indicado pela referecircncia a Piacutetana- natildeo somente o nome de uma pequena
povoaccedilatildeo de que se compunha Esparta mas tambeacutem o nome de uma ninfa filha do deus-
rio Eurotas e fundadora da linhagem dos Iacircmidas - que unida a Posecircidon gerou em
segredo Evadne matildee de Iacuteamo ancestral miacutetico de uma extensa linhagem de adivinhos
28 Imagem presente em Oliacutempica 2 (v 10) em referecircncia aos ancestrais histoacutericos de Teratildeo de Agrigento
e em Piacutetica 5 (vv 55-7a) em alusatildeo a Bato fundador da estirpe dos reis de Cirene cidade do vencedor
Com relaccedilatildeo agrave imagem do olho em Oliacutempica 6 conveacutem lembrar citando Villarrubia (1995 p 17) Suaacuterez
de la Torre (1989 p 97) e Meacuteautis (1962 p 195) que o escoacutelio pindaacuterico ao citado verso refere a Tebaida
como fonte direta do elogio de Adrasto a Anfiarau 29Como observa Nisetich (1998 p 2) nas odes pindaacutericas eacute conferido destaque maior agrave famiacutelia do vencedor
que ao proacuteprio homenageado jaacute que se busca em fatos preteacuteritos explicaccedilotildees ou justificativas para o
momento presente A esse respeito verifica-se na ode em estudo que a volta ao passado (vv 28-71)
constitui um meio de glorificaccedilatildeo do homenageado
18
cujo representante atual eacute o vencedor oliacutempico Hageacutesias de Siracusa Evadne por sua
vez seduzida por Apolo deu agrave luz Iacuteamo cuja vocaccedilatildeo profeacutetica eacute anunciada na ode pelo
atributo theoacutephrona lsquoinspirado pelos deusesrsquo (v 41) e pelo oraacuteculo de Delfos revelado
ao pai mortal e adotivo de Evadne ndash Eacutepito - a quem satildeo declarados a origem e o dom
divinatoacuterio de Iacuteamo (vv 49b-51) cujo nome de etimologia obscura estaacute associado ao
nome da flor violeta (DUCHEMIN 1955 p 242-3) iacuteon tambeacutem presente no epiacuteteto
atribuiacutedo a Evadne ioacuteplokos ldquocabelo cor de violetardquo (v 30) portanto cor que identifica
Iacuteamo como filho de Evadne Em sintonia com Eleanor Irwin (1996 p 386) acerca de seu
comentaacuterio sobre o ambiente onde Iacuteamo fora abandonado por sua matildee isto eacute khamaiacute ldquono
chatildeordquo (v 45) considera-se que esse lugar eacute tambeacutem ser esse sobrenatural haja vista terem
florescido do chatildeo violetas que forneceram ao receacutem-nascido calor e proteccedilatildeo necessaacuterios
agrave sua sobrevivecircncia Destarte as violetas simbolizam a proacutepria Evadne posto que
exerceram a funccedilatildeo materna
Significativo tambeacutem nessa passagem eacute o fato de ter sido por intervenccedilatildeo divina
(v 46) Iacuteamo alimentado por duas serpentes (45b-47a) com ldquoo veneno irrepreensiacutevel das
abelhasrdquo expressatildeo que se associa anotou Duchemin (1955 p 251) jaacute haacute algum tempo
ao dom da profecia e do fazer poeacutetico Deborah Steiner (1986 p 103) por sua vez refere
acerca dessa passagem que a relaccedilatildeo entre a serpente animal macircntico por excelecircncia
(Meacuteautis 1962 p 196) e o mel anuncia o dom profeacutetico que o receacutem-nascido teria
posteriormente30
Ao chegar agrave adolescecircncia Iacuteamo ciente de sua ascendecircncia divina solicita a seu
avocirc Posecircidon e a seu pai Apolo um atributo que beneficiasse todo o povo uma honra
puacuteblica laoacutethrophos ldquoque alimentasse o povordquo (v 60) Ressalte-se que embora a suacuteplica
tenha sido dirigida a essas duas divindades eacute Apolo nomeado com seu epiacuteteto ldquoarqueiro
guardiatildeo da divina Delosrdquo (v 59) quem concede ao filho o duplo dom da adivinhaccedilatildeo
(vv 65-70) a faculdade de ouvir-lhe a voz profeacutetica pautada sempre na verdade e a
fundaccedilatildeo de oraacuteculo de Zeus em Oliacutempia antes mesmo da instituiccedilatildeo dos Jogos
Oliacutempicos por Heacuteracles Logo com a concessatildeo da daacutediva da adivinhaccedilatildeo encerra-se o
relato miacutetico dos Iacircmidas Faz entatildeo a voz do poema a passagem do tempo miacutetico (vv
71-7) para o passado proacuteximo de Hageacutesias com a alusatildeo laudatoacuteria aos antepassados
30 Acrescente-se que a relaccedilatildeo entre a serpente e a figura de Apolo se justifica pelo fato de a divindade ter
assassinado a serpente Piacuteton para habitar Delfos
19
histoacutericos do vencedor (vv 78-81) e numa referecircncia metapoeacutetica (vv 82-7b) a seus
proacuteprios ancestrais por serem todos procedentes da cidade de Estiacutenfalo dado que
identifica o laureado com a persona loquens
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3
abril de dois em dois anos alternando-se com os Oliacutempicos e os Piacuteticos) e os Nemeus
(celebrados desde 573 a C em honra de Zeus na planiacutecie de Nemeia tambeacutem de dois
em dois anos no mecircs de julho coincidindo a partir deste ano com os Iacutestmicos) No
contexto da Greacutecia arcaica essas competiccedilotildees eram importantes natildeo somente na esfera
desportiva mas tambeacutem no acircmbito das relaccedilotildees religiosas e poliacuteticas Por outro lado no
acircmbito pessoal a vitoacuteria nesses Jogos facultava ao atleta a gloacuteria imorredoura
materializada no canto triunfal
A liacutengua empregada na composiccedilatildeo desses cantos triunfais consiste numa mescla
dialectal em que se articulam elementos do doacuterico e do eoacutelico e ainda da poesia
homeacuterica resultando num dialeto literaacuterio artificial Diversas satildeo tambeacutem as modalidades
riacutetmicas dispostas preferencialmente em estruturas triaacutedicas em que o metro das estrofes
eacute repetido nas antiacutestrofes apoacutes as quais se seguem os epodos que embora iguais entre
si possuem um padratildeo meacutetrico distinto das duas partes anteriores Portanto a triacuteade
compotildee-se de um sistema riacutetmico formado de estrofe antiacutestrofe e epodo Entretanto sete
odes (Oliacutempica 14 Piacuteticas 6 e 12 Nemeias 2 4 9 e Iacutestmica 8) apresentam estrutura
monostroacutefica isto eacute possuem apenas estrofes em que se repete em todas as partes do
poema o mesmo esquema meacutetrico Nas odes pindaacutericas predominam duas modalidades
riacutetmicas a eoacutelica e a daacutectilo-epiacutetrita com base nas quais Piacutendaro criava para cada ode um
ritmo diferente anotou Frederico Lourenccedilo (2006a p 10-1 2006b p 95-6)
Outros aspectos que tecircm suscitado discussotildees vaacuterias entre os estudiosos dizem
respeito agrave performance e agraves circunstacircncias em que foram executados os epiniacutecios apesar
de natildeo haver respostas definitivas acerca dessas questotildeesQuanto agrave performance4 maioria
4 Segundo informa Lourenccedilo (2009 19-25) a divisatildeo entre meacutelica monoacutedica e meacutelica coral natildeo foi
estabelecida pelos eruditos antigos mas pela maioria dos teoacutericos modernos que seguindo a liccedilatildeo de Karl
O Muumlller em seu compecircndio de Histoacuteria da literatura grega publicada pela primeira vez em inglecircs em
1840 ndash History of the literature of ancient Greece ndash a separaram nessas duas modalidades Essa divisatildeo foi
adotada por Cecil M Bowra em Greek Lyric Poetry (1961) muito embora essa discussatildeo tenha sido
iniciada em comeccedilos do seacuteculo XX por Willamowitz ao analisar as odes Oliacutempicas I e II dedicadas
respectivamente aos tiranos Hieratildeo de Siracusa e Teratildeo de Agrigento que segundo ele teriam tido
execuccedilatildeo monoacutedica e natildeo coral Conforme informa Lourenccedilo (2009 p 25) o estudioso alematildeo julgou
terem as referidas odes indiacutecios sugestivos de que a performance original natildeo exigia a presenccedila do coro Essa complexa questatildeo acerca da performance da poesia coral foi reexaminada por Martin West em 1971
ao investigar os novos achados da obra do poeta coral Estesiacutecoro cujos extensos poemas levaram o
helenista inglecircs a questionar a execuccedilatildeo coral (apud Lourenccedilo 2009 p 22-3) dos poemas Por outro lado
West assinala tambeacutem destaca Lourenccedilo (2009 p 24) que a estrutura triaacutedica da poesia de Estesiacutecoro
constitui somente um princiacutepio de composiccedilatildeo e natildeo uma evidecircncia de performance coral Rocha Pereira
(2006 p 194 nota 5) com base em Pfeiffer e Frederico Lourenccedilo (2009 p 20) essa divisatildeo moderna da
4
dos estudiosos5 julga terem sido os epiniacutecios produzidos para o canto coral6 muito
embora admitam natildeo ser esse tipo de execuccedilatildeo comum a todas as odes do corpus
pindaacuterico jaacute que algumas apresentam indiacutecios de ter sido a performance monoacutedica7 Por
sua vez Mary Lefkowitz (1991 p 70-1)8 considerando o emprego de referecircncias pessoais
na poesia de Piacutendaro eacute de opiniatildeo que grande parte dos epiniacutecios foi apresentada por um
cantor solo
Em referecircncia ao local de performance difiacutecil tambeacutem se torna assegurar com
exatidatildeo o cenaacuterio em que as odes foram apresentadas pois as informaccedilotildees nelas contidas
natildeo satildeo agraves vezes muito claras A esse respeito no entanto haacute unanimidade entre os
criacuteticos de terem sido os seguintes os locais de execuccedilatildeo dos epiniacutecios a saber o proacuteprio
local da vitoacuteria9 a cidade ou a casa do homenageado10 ou ainda um templo ou santuaacuterio
situados no local da vitoacuteria ou na cidade11 do vencedor Logo pode-se dizer que os
epiniacutecios estavam circunscritos a um ambiente de festa ou puacuteblico ou privado
Embora a vitoacuteria atleacutetica seja a motivaccedilatildeo primeira do canto agonal nele natildeo se
privilegiam as circunstacircncias do acontecimento desportivo que se dilui em meio a outros
elementos caracteriacutesticos da ode pindaacuterica Assim encontram-se nas odes referecircncias ao
vencedor a seus antepassados ndash histoacutericos ou miacuteticos - aos triunfos obtidos em outros
jogos ao lugar da vitoacuteria agraves circunstacircncias de sua vida dados esses que se podem
relacionar com narrativas miacuteticas de valor paradigmaacutetico natildeo apresentadas na iacutentegra
apenas em parte ou simplesmente aludidas (Kirkwood 1982 p 15) e inseridas em geral
poesia liacuterica em monoacutedica e coral tem levado outros estudiosos modernos a citar uma passagem da obra de
Platatildeo (Leis VI 764 d-e) para justificar erroneamente a antiguidade da separaccedilatildeo entre monodia e canccedilatildeo
coral Na verdade esse passo de Platatildeo se refere observam Rocha Pereira e Frederico Lourenccedilo ao
treinamento de cantores solistas e cantores corais durante uma discussatildeo acerca da educaccedilatildeo musical
Logo para esses helenistas entre outros a distinccedilatildeo liacuterica monoacutedica e coral eacute moderna
5 Cf SULLIVAN S D Aspects of the ldquofictive Irdquo in Pindar adress to psychic enteties Emerita vol
LXX 1 2002 p 83-4 NISETICH F J Pindarrdquos Victory Songs London The Johns Hopkins University
Press 1980 p 2 6Citam-se eg Piacutetica 1 vv 1-4 Piacutetica 10 vv 55-8 Oliacutempica 6 vv 87-92 7 Cf Nemeia 4 vv 13-6 8 A respeito das referecircncias pessoais nos epiniacutecios pindaacutericos cf Lefkowitz Mary R First-Person
Fictions Pindarrsquos Poetic lsquoIrsquo Oxford Clarendon Press 1991 p 1-71 9 A Piacutetica 7 celebrada em honra de Meacutegacles de Atenas foi cantada em uma festividade puacuteblica em Delfos
10 As Oliacutempicas 1 e 2 dedicadas aos tiranos Hieratildeo de Siracusa e a Teratildeo de Agrigento respectivamente
foram celebradas em banquetes nas cortes desses tiranos
11 A Oliacutempica 3 (vv 1-3) em honra do tirano Teratildeo de Agrigento foi executada num templo por ocasiatildeo
das Teoxecircnias festas populares consagradas aos Dioacutescuros Castor e Poacutelux e a Helena
5
- afirma Rocha Pereira (2006 p 223) ndash para ilustrar sentenccedilas gnocircmicas as gnocircmai que
aleacutem de terem uma funccedilatildeo didaacutetica enunciando conselhos de ordem moral ou maacuteximas
de caraacuteter universal e atemporal podem ser empregadas como elementos de transiccedilatildeo
entre as partes da ode e ser expressas antes da narrativa miacutetica esta uacuteltima natildeo presente
em todas as odes12 Por fim Piacutendaro tece comentaacuterios acerca de seu mister destinado a
representantes da aristocracia da Greacutecia do seacuteculo V a C para os quais compocircs por
encomenda cantos triunfais fato que vincula seu fazer poeacutetico ao mecenato13 e ainda
ao contexto histoacuterico de seu tempo Com efeito enaltecem-se em seus versos os princiacutepios
aristocraacuteticos cuja base residia no poder da ancestralidade na riqueza e ainda na
excelecircncia fiacutesica e moral dos nobres seus contemporacircneos e vencedores dos agocircnes
atleacuteticos Portanto sendo os epiniacutecios instrumentos de legitimaccedilatildeo do poder
aristocraacutetico14 constitui entatildeo a ode Oliacutempica 615 um dos importantes testemunhos
histoacuterico-literaacuterios tendo em vista ter sido composta para celebrar a vitoacuteria de Hageacutesias
de Siracusa - chefe militar16 do tirano Hieratildeo de Siracusa (478- 467-6)17 - numa quadriga
de mulas em 472 ou 468 a C
Estrofe 1
Estabelecendo douradas
colunas debaixo de um bem murado poacutertico do santuaacuterio
como se estabelece um belo palaacutecio
construamos Iniciado o trabalho
eacute preciso dar-lhe uma fachada que brilhe ao longe Mas se
ele eacute um vencedor Oliacutempico
5 guardiatildeo no altar profeacutetico de Zeus em Pisa
12 Cf Oliacutempicas 5 11 12 e 14 Piacutetica 7 Nemeias 2 e 11 e Iacutestmicas 2 e 3 13 Na Greacutecia arcaica a poesia de modo anaacutelogo a outras atividades profissionais passou a ter um valor
comercial como se infere por exemplo de Piacutetica 11 vv 41-2 ldquoMusa se concordas em conceder por
salaacuterio tua voz venal eacute preciso que teu ofiacutecio seja divulgado aqui e laacuterdquo (Traduccedilatildeo nossa) 14 Sobre as formas de legitimaccedilatildeo do poder aristocraacutetico em especial dos tiranos siciliotas cf HIRATA
Elaine F V 2010 p 23-41 15 A traduccedilatildeo de Oliacutempica 6 eacute de responsabilidade das autoras deste trabalho e constitui parte da pesquisa
interinstitucional (UFRJUFF) por elas desenvolvida sobre as odes Oliacutempicas A ediccedilatildeo criacutetica eacute a
estabelecida por Snell-Maehler 1987 16 Cf PINDARE Olympiques Paris Les Belles Lettres 1970 p 74-5 17 Para detalhes acerca das tiranias siciliotas cf HIRATA Elaine F V 2010 p 23-41 VALLET Georges
Pindare et la Sicile In Entretiens sur lrsquo Antiquiteacute Classique Pindare Vandoeuvres ndash Genegraveve Fondation
Hardt 1984 p 285-327
6
e cofundador da afamada Siracusa
de que hino fugiria
tal homem ao encontrar
cidadatildeos sem inveja no meio de cantos encantadores
Antiacutestrofe 1
Saiba na verdade que nesta sandaacutelia18
tem seu peacute afortunado
o filho de Soacutestrato Faccedilanhas sem riscos
10 nem junto aos homens nem nas cocircncavas naus
satildeo honradas mas muitos se lembram
quando algo de belo foi realizado com esforccedilo
Oacute Hageacutesias eacute teu o real elogio que com justo
discurso Adrasto outrora proclamara para o vidente
filho de Oicles Anfiarau
quando a terra o
engoliu e tambeacutem os seus brilhantes cavalos
Epodo 1
15 Depois quando tinham queimado as sete piras
de cadaacuteveres o filho de Talau (Adrasto)
proferiu em Tebas o seguinte discurso
lsquoEstou com saudades do olho de meu exeacutercito
bom em duas coisas ser adivinho e
combater com a lanccedilarsquo Isto tambeacutem
eacute verdadeiro para o homem de Siracusa senhor do cortejo processional
Embora natildeo seja ele propenso agrave desavenccedila nem amigo de disputa em excesso
18Com valor metafoacuterico na acepccedilatildeo de ldquonesta posiccedilatildeordquo (SLATER1969 p 401)
7
20 fazendo um grande juramento disso claramente lhe
darei testemunho e com vozes doces como o mel
as Musas o aprovaratildeo
Estrofe 2
Oacute Fiacutentis pois bem atrela agora
para mim a forccedila das mulas
o mais raacutepido possiacutevel para que em caminho puro
conduzamos a quadriga de mulas e eu chegue ateacute
25 a linhagem destes homens pois essas mulas mais do que
outras sabem abrir
esse caminho jaacute que coroas em Oliacutempia
ganharam eacute preciso entatildeo
abrir-lhes as portas dos hinos
e a Piacutetana junto do curso do Eurotas
eacute preciso chegar hoje em hora oportuna
Antiacutestrofe 2
Diz-se que Piacutetana unida a Posecircidon
filho de Crono
30 deu agrave luz uma filha com cabelo cor de violeta Evadne
Mas nas pregas de sua roupa escondeu a gravidez
e enviando no mecircs determinado
suas servas ordenou-lhes
que entregassem a crianccedila aos cuidados do heroacutei Eacutepito filho de Eacutelato
que reinava sobre os homens da Arcaacutedia em Fesana
e fora designado para habitar o Alfeu
35 Tendo sido criada aiacute sob o domiacutenio de Apolo
(Evadne) experimentou pela primeira vez a doccedilura de Afrodite
8
Epodo 2
E ela natildeo ocultou de Eacutepito durante toda
o tempo o filho do deus
Mas ele (Eacutepito) foi para Delfos reprimindo no coraccedilatildeo
a raiva inenarraacutevel com agudo propoacutesito
para consultar o oraacuteculo sobre
esse sofrimento insuportaacutevel
Ela por sua vez logo que depocircs a cinta purpuacuterea
40 e o cacircntaro de prata debaixo da mata sombria
deu agrave luz um filho inspirado pelos deuses Junto dela o de aacuteureos cabelos (Apolo)
estabeleceu a amaacutevel Iliacutetia
e as Moicircras
Estrofe 3
E de seu ventre no meio das dores
amaacuteveis do parto Iacuteamo
veio logo agrave luz E ela (Evadne) angustiada
45 deixou-o no chatildeo mas duas serpentes de olhos brilhantes
por desiacutegnio dos deuses cuidando dele
o alimentaram com o irrepreensiacutevel
veneno das abelhas Mas quando o rei
conduzindo seu carro chegou da
rochosa Delfos a todos em casa
perguntou sobre a crianccedila que Evadne
dera agrave luz de fato ele (Eacutepito) dizia que a crianccedila era filho de Febo
Antiacutestrofe 3
50 que acima dos mortais seria um adivinho para os homens
e jamais lhe faltaria descendecircncia
9
Assim entatildeo declarou Mas eles confessavam que natildeo o tinham ouvido
nem visto
embora tivesse nascido havia cinco dias Mas
na verdade estava escondido num canteiro de juncos no impenetraacutevel matagal
55 pelos raios dourados e roxos das violetas
banhado em seu delicado
corpo Por isso sua matildee declarou
que ele fosse chamado durante todo o tempo
por esse nome imortal
Mas depois que recebeu o fruto da amaacutevel
Juventude da coroa dourada descendo no meio do Alfeu
invocou o poderoso Posecircidon
seu avocirc e o arqueiro guardiatildeo
da divina Delos
60 pedindo para sua cabeccedila uma honra que alimentasse o povo
no ar livre da noite Clara ressoou a voz paterna e lhe pediu
lsquoLevanta-te filho
vem aqui para a terra paterna
atraacutes da minha vozrsquo
Estrofe 4
Chegaram ao escarpado
rochedo do monte de Crono
65 onde ele lhe outorgou o duplo tesouro
da adivinhaccedilatildeo primeiro ouvir a voz
desconhecedora das mentiras e depois quando
chegasse o de ousados expedientes
10
Heacuteracles majestoso filho dos Alceus19
69 para fundar em honra de seu pai uma festa concorrida
e o maior festival dos jogos
70 na parte mais alta do altar de Zeus
ordenou entatildeo que (Iacuteamo) estabelecesse o oraacuteculo
Antiacutestrofe 4
Desde aquele momento eacute renomada entre
os Helenos a linhagem dos Iacircmidas
A prosperidade os acompanhou ao mesmo tempo E honrando as virtudes
percorrem um caminho visiacutevel daacute provas disso
cada accedilatildeo (deles) Mas a censura da parte
de outros invejosos estaacute suspensa
75 sobre aqueles que foram outrora os primeiros a conduzir o carro na corrida de doze
voltas
e sobre os quais a Graccedila veneranda derrama
gloriosa forma corporal
Se na verdade habitando sob a montanha
de Cilene oacute Hageacutesias teus antepassados maternos
Epodo 4
presentearam
muitas vezes o arauto dos deuses
Hermes com muitos sacrifiacutecios suplicantes de modo piedoso
ele que rege as competiccedilotildees atleacuteticas e a devida parte dos precircmios
80 e honra a Arcaacutedia de nobres varotildees
eacute ele oacute filho de Soacutestrato
com seu pai (Zeus) de barulho retumbante que realiza o teu ecircxito
19 Progenitor de de Anfitriatildeo e este o suposto pai de Heacuteracles
11
Tenho em minha liacutengua a fama de uma liacutempida pedra de afiar20
que quando eu quero se aproxima de mim com sopros de belas correntes
Minha avoacute materna era
de Estiacutenfalo a florescente Metopa
Esfrofe 5
que deu agrave luz Teba condutora de cavalos
de cuja deliciosa aacutegua
86 beberei enquanto teccedilo para os varotildees lanceiros
um hino variado Agora incita teus companheiros
oacute Eneias primeiro a Hera
Virginal celebrar
e depois a saber se evitamos o antigo insulto
90 de suiacuteno Beoacutecio com verdadeiras palavras
De fato eacutes correto mensageiro
inteacuterprete das Musas de belos cabelos
doce taccedila de cantos ressoantes
Antiacutestrofe 5
Diz-lhes que se lembrem
de Siracusa e de Ortiacutegia21
que Hieratildeo ao governaacute-la com imaculado cetro
com justos pensamentos
95 honra Demeacuteter de peacutes vermelhos
a festa de sua filha de brancos corceacuteis
e o poder de Zeus do Etna As liras
e as canccedilotildees de doces palavras o conhecem
20 Metaacutefora do fazer poeacutetico em que a liacutengua do poeta eacute estimulada agrave produccedilatildeo de um canto harmonioso 21Parte mais antiga de Siracusa onde estava situado o palaacutecio de Hieratildeo e talvez o de Hageacutesias (ORTEGA
Alfonso 1984 p 100)
12
Que o tempo em seu curso natildeo lhe destrua a felicidade
mas com amaacuteveis atos de amizade
receba (Hieratildeo) o cortejo processional de Hageacutesias
Epodo 5
(cortejo que) vem de uma casa para outra
das muralhas de Estiacutenfalo
100 e deixa a matildee da Arcaacutedia rica em rebanhos
Boas satildeo na tempestuosa
noite para serem lanccediladas de uma nau veloz
duas acircncoras Que o deus
a estes e agravequeles conceda com amizade glorioso destino
Oacute senhor soberano do mar concede uma direta travessia
isenta de dificuldades oacute esposo
105 de Anfitrite da roca de ouro e faz prosperar
a flor jubilosa de meus hinos
O atleta homenageado da ode eacute filho de Soacutestrato (vv 9 80) pertencente agrave
linhagem dos Iacircmidas e de uma mulher cujos antepassados procediam de Cilene (vv 77-
8) montanha ao norte da Arcaacutedia onde se situava a cidade de Estiacutenfalo ndash lugar em que
ocorrera provavelmente a primeira performance22 do epiniacutecio (vv 99-100) e onde o deus
Hermes era cultuado (vv 79-81) Note-se que a referecircncia a essa divindade vincula o
triunfo atleacutetico agrave benevolecircncia divina tendo em vista ter sido Hermes a divindade doadora
da vitoacuteria (v 81) a Hageacutesias Com efeito a relaccedilatildeo entre a vitoacuteria e a vontade dos deuses
constitui um topos23 da poesia pindaacuterica
22 O argumento da maior parte da criacutetica pindaacuterica sobre a ode ter sido executada em Estiacutenfalo fundamenta-
se nos versos 98-105 nos quais o vencedor e seu kocircmos saem de Estiacutenfalo rumo a Siracusa Acresce ainda
que o fato de o laureado ter laccedilos estreitos com as duas cidades motivou uma discussatildeo acerca da localizaccedilatildeo
da premiegravere do canto triunfal (STAMATOPOULOU 2014 p 1)
23 Cf eg Oliacutempicas 9 vv 100-4 13 vv 13-8 Piacutetica 10 vv 10-5
13
De modo anaacutelogo ao proecircmio da Odisseia (vv 1-10) em que natildeo se menciona o
nome do heroacutei Odisseu designado somente no verso 21 tambeacutem em Oliacutempica 6 o nome
do atleta homenageado soacute aparece no verso 12 por meio de uma invocaccedilatildeo muito embora
tenha sido referido indiretamente no verso 4 apenas pela forma verbal em terceira pessoa
e nos versos 4 a 9 por meio da citaccedilatildeo de seus atributos e de sua descendecircncia
Informa tambeacutem o canto agonal ter tido o vencedor dupla funccedilatildeo a de guardiatildeo
do altar profeacutetico de Zeus em Pisa (v 5) ndash tendo em vista ter como ascendente o adivinho
Iacuteamo que recebera de seu pai Apolo o dom da profecia (vv 65-70) ndash e a de cofundador
de Siracusa (v 6)24 Essas referecircncias ao laureado histoacutericas e miacuteticas encontram-se
distribuiacutedas pelos 105 versos que compotildeem as cinco triacuteades de Oliacutempica 6 iniciada com
uma imagem metapoeacutetica ou autorreferencial em que se coteja o fazer poeacutetico com um
monumento e o poeta com um construtor como atesta nos quatro primeiros versos da
ode a presenccedila de termos pertencentes ao campo semacircntico da arquitetura como kiacuteonas
ldquocolunardquo euteikheicirc ldquobem muradordquo prothyacuteroi ldquopoacuterticordquo paacutexomen ldquoconstruamosrdquo e
proacutesōpon ldquofachadardquo entendido este uacuteltimo metaforicamente segundo o leacutexico pindaacuterico
editado por William Slater (1969 p 454) como o proecircmio da ode Logo eacute a
magnificecircncia dessa construccedilatildeo poeacutetico-arquitetocircnica ndash enfatizada pelos adjetivos
khryseacuteas ldquodouradasrdquo e telaugeacutes ldquoque brilha ao longerdquo ndash que torna impereciacuteveis a
efemeridade do evento atleacutetico ndash ideia sumarizada no verso 4 ndash e o proacuteprio destinataacuterio
apresentado ainda na primeira estrofe como vencedor oliacutempico guardiatildeo por heranccedila
paterna do altar divinatoacuterio de Zeus e cofundador de Siracusa ndash atributos que devem
brilhar ao longe
A par dessas metaacuteforas delineia-se na segunda estrofe a imagem do poeta-
condutor quando a persona loquens ao invocar o nome do condutor da quadriga ndash
Fiacutentis25 auriga de Hageacutesias ndash a ele se iguala como assinala o sintagma autorreferencial
baacutesomen oacutekkhon ldquoconduzamos a quadriga de mulasrdquo (v 24) Logo por meio de
linguagem metafoacuterica o fazer poeacutetico e a performance do canto convertem-se assinala
24 Segundo os escolia 8a e 8b Hageacutesias pode ser considerado cofundador de Siracusa porque seus
antepassados participaram da colonizaccedilatildeo desta cidade Entretanto Willamowitz (1922) e Luraghi (1997)
sugeriram que o proacuteprio Hageacutesias teria participada reestruturaccedilatildeo de Siracusa no governo do tirano Gelatildeo
(apud STAMATOPOULOU 2014 p 7 nota 21) Acerca da remodelaccedilatildeo ldquogelonianardquo de Siracusa ver
Hirata (2010 p 28-9)
25 Fiacutentis representa o aristocrata siracusano Hageacutesias patrocinador do treinamento das parelhas do auriga
(CALAME 2005 p 54)
14
Calame (2005 p 53) numa corrida de quadrigas toacutepos na poesia grega arcaica De fato
assim como o atleta conduz a quadriga agrave vitoacuteria tambeacutem o poeta-atleta elabora
harmoniosamente seus versos para glorificar o vencedor e sua linhagem Deste modo
configuram-se nesse percurso metafoacuterico a quadriga e a poesia como vias de acesso agrave
imortalidade a julgar pela presenccedila dos termos sinocircnimos keleuthoacutes (v 23) e hodoacutes (v
25) ldquocaminhordquo o primeiro dos quais representando conotativamente a poesia e o
segundo conservando sua acepccedilatildeo denotativa tem o sentido de rota percorrida pela
carruagem
Aliaacutes essas imagens metafoacutericas natildeo satildeo as uacutenicas empregadas pela persona
loquens para descrever por meio de metalinguagem sua arte poeacutetica comparada ora com
objetos preciosos ndash como na ode em pauta em que a canccedilatildeo eacute relacionada com um poacutertico
de colunas douradas (Ol 6 vv 1-4) ou em outras odes com uma taccedila de ouro (Ol 7
vv 1-4) e com ouro refinado (Nemeia 4 v 82) - ora com o produto resultante do trabalho
das abelhas (Ol 10 v 98 Nemeia 3 v 77) ou com elementos da natureza como a flor
(Ol 6 v 105) soacute para citar algumas Tambeacutem o mister do poeta eacute vinculado a diferentes
atividades profissionais como a de lavrador (Nemeia 6 v 32 Piacutetica 6 v 2) escultor
(Nemeia vv 1-5) arqueiro (Ol 1 v 111 Ol 2 vv 83-6) e tecelatildeo este uacuteltimo labor
evocado em Oliacutempica 6 (v 86) pelo emprego do verbo pleacutekō ldquotecerrdquo metaacutefora frequente
do fazer poeacutetico na poesia meacutelica assinala Calame (2005 p58 n12) Com efeito do
mesmo modo que o tecelatildeo tranccedila com sutileza e habilidade os fios para a confecccedilatildeo do
tecido tambeacutem o poeta elabora seu discurso poeacutetico entrelaccedilando recursos literaacuterios e
linguiacutesticos combinados com o ritmo e a harmonia para a perfeita composiccedilatildeo da ode e
por conseguinte para a glorificaccedilatildeo do atleta vencedor como se infere dos versos 86-7
ldquoteccedilo para os varotildees lanceiros um hino variadordquo
Entre os elementos constitutivos do epiniacutecio pindaacuterico eacute interessante pontuar
ainda a alternacircncia das formas de primeira pessoa26 do singular e do plural (eunoacutes ndash vv
3 21 23 24 82 84 86 e 105) por meio da qual eacute possiacutevel haver um revezamento entre
a voz do poema e a voz do coro dado que torna improdutiva segundo Calame (2005 p
58) a discussatildeo acerca da natureza do sujeito poeacutetico nas odes pindaacutericas ldquonem
unicamente ldquomonoacutedicordquo nem inteiramente coral o eunoacutes do locutor eacute essencialmente
polifocircnicordquo
26 Sobre o emprego da primeira pessoa na poesia pindaacuterica cf LEFKOWITZ Mary op cit 1991 p 1-71
15
Deve-se observar tambeacutem com Claire Muckensturn-Poulle (2009 p 77) que ao
longo da Oliacutempica 6 o sujeito do enunciado confere voz a outros enunciadores ora
empregando o discurso direto como no elogio que Adrasto faz a Anfiarau (vv 16-7) e na
ordem dada por Apolo a Iacuteamo (vv 62-3) no momento em que o deus lhe concede o dom
da profecia ora transferindo por meio de uma ordem sua funccedilatildeo de locutor do canto
agonal a Fiacutentis o auriga de Hageacutesias (v 22) ou a Eneias o khorodidaacuteskalos (vv 88-96)
com os quais se identifica como poeta-condutor e poeta-mestre do coro
Por outro lado haacute dados sugestivos da performance coral da ode e de seu local de
execuccedilatildeo haja vista a invocaccedilatildeo da persona loquens a Eneias possivelmente o
khorodidaacuteskalos - a julgar pelos escoacutelios a essa passagem (148a e 149ordf apud
STAMATOPOULOU 2014 p 11 nota 34 CALAME 2005 p 57 nota 10 p 58 nota
13) - a referecircncia aos hetaicircroi companheiros de Eneias e talvez integrantes do coro e
ainda o voto do sujeito poeacutetico para que o kocircmos ldquocortejo processionalrdquo ao vencedor
apoacutes ter sido apresentado em Estiacutenfalo como julga a maior parte da criacutetica pindaacuterica
acerca da premiegravere do epiniacutecio (apud STAMATOPOULOU 2014 p 2) fosse tambeacutem
recebido pelo tirano Hieratildeo em Siracusa onde seria realizada a reperformance durante a
festa cultual (v 95) dedicada a Demeacuteter e a Perseacutefone deusas tutelares de Siracusa culto
possivelmente organizado pela famiacutelia de Hieratildeo (apud CALAME 2005 p 59)
Evidenciam respectivamente a recepccedilatildeo e a reapresentaccedilatildeo do canto em Siracusa a
forma verbal deacutexaito ldquorecebardquo (v 98) no optativo desiderativo enfatizada pela expressatildeo
sỳn degrave philophrosyacutenas euētaacutetois ldquocom amaacuteveis atos de amizaderdquo e os sintagmas
adverbiais presentes no verso 99 oiacutekothen oiacutekadrsquo ldquode uma casa para outrardquo e apograve
Stymphaliacuteōn ldquode Estiacutenfalordquo e por fim a justaposiccedilatildeo no verso 102 dos pronomes tocircnde
ldquoestesrdquo e keiacutenon ldquoagravequelesrdquo alusivos aos estinfaacutelios e siracusanos respectivamente Assim
como esses elementos apontam para a saiacuteda do vencedor da cidade Estiacutenfalo e Siracusa
eacute ainda um lugar a ser alcanccedilado por via mariacutetima acredita-se que a execuccedilatildeo primeira
do canto tenha ocorrido na cidade da matildee de Hageacutesias Note-se que o atleta e as duas
cidades a de seus antepassados maternos Estiacutenfalo e a sua terra natal Siracusa satildeo ainda
representados respectivamente pelas imagens metafoacutericas do navio e das duas acircncoras
(vv 101-5a) imagens que remetem ao deus do mar Posecircidon invocado pela persona
loquens para conceder uma favoraacutevel travessia ao kocircmos de Hageacutesias do qual
possivelmente fazia parte o chefe do coro responsaacutevel segundo Calame (2005 p 57)
16
pelo treinamento dos coreutashetaicircroi que deveriam transmitir em performance coral a
voz do poeta
Ainda acerca dessa metaacutefora mariacutetima Meacuteautis (1962 p 200) Kirkwood (1982
p 94) a interpretam como uma referecircncia agrave crise poliacutetica instaurada em Siracusa nos
uacuteltimos anos de governo de Hieratildeo crise representada pela imagem da lsquotempestuosa
noitersquo (vv 100-1) Assim na qualidade de cidadatildeo siracusano observa ainda Meacuteautis
(1962 p 200) Hageacutesias prevendo a queda do regime tiracircnico pretendia solicitar uma
nova cidadania em Estiacutenfalo A esse respeito vale mencionar uma vez mais a opiniatildeo
de Stamatopoulou (2014 p 3-4) que compartilhando do ponto de vista de Stehle julga
ter sido a ode executada primeiramente em Estiacutenfalo com o objetivo de estreitarem-se os
laccedilos entre o vencedor e essa cidade da Arcaacutedia
No que concerne ao possiacutevel chefe do coro o sujeito poeacutetico num tom laudatoacuterio
refere-se a Eneias como notou Kirkwood (1982 p 93) acerca do estilo metafoacuterico de
Piacutendaro - como aacutengelos ldquomensageirordquo (v 90) e skytaacutela (v 91)27 traduzido como
ldquointeacuterpreterdquo por ser ele o responsaacutevel pela recepccedilatildeo dos efluacutevios das Musas ndash como
explicita a expressatildeo ldquodoce taccedila de cantos ressoantesrdquo (v 91) - pela transmissatildeo e
reapresentaccedilatildeo da mensagemcanto em Siracusa onde tambeacutem deveria ser objeto de
encocircmio o tirano Hieratildeo do qual se enfatizam o governo justo a piedade religiosa os
triunfos jaacute festejados ldquopelas liras e canccedilotildees de doces palavrasrdquo (vv 96-7) a generosidade
e a amizade (v 98)
Deste modo a referecircncia a Eneias destaca o importante papel do poeta-cantor na
perpetuaccedilatildeo do triunfo agonal Nesse complexo processo de elaboraccedilatildeo poeacutetico-
perfomativa utilizam-se natildeo soacute metaacuteforas como jaacute destacou mas tambeacutem narrativas
miacuteticas relacionadas com a arte divinatoacuteria Assim por meio do elogio ao atleta
homenageado evoca-se primeiramente como modelo miacutetico Anfiarau (vv 12-21) ndash
participante da expediccedilatildeo dos Sete contra Tebas sob o comando de Adrasto rei de
Argos- possuidor das mesmas atribuiccedilotildees do laureado jaacute que ambos satildeo
guerreirogeneral e adivinho Eacute importante enfatizar que a transiccedilatildeo do tempo presente
representado pelo vencedor para o passado miacutetico se estabelece por meio do pronome
relativo hoacuten (v 12) referente ao louvor destinado a Hageacutesias e a Anfiarau e do adveacuterbio
27 Em Esparta espeacutecie de bastatildeo de madeira sobre o qual se enrolavam correias compridas e estreitas com
mensagens secretas lidas e compreendidas por quem possuiacutesse um bastatildeo idecircntico (PINDARE
Olympiques 1971 p 85 nota 4)
17
potrsquo ldquooutrora (v 13) com base no qual se alude ao desaparecimento repentino do
adivinho tebano (v 14) que segundo a versatildeo miacutetica fora arrebatado por Zeus para evitar
a morte do heroacutei como se infere do emprego do verbo katamaacuterptō lsquoengolirrsquo em tmese
que indica ter sido Anfiarau tragado pela terra Observa Barciela (2015 p 53) que esse
corte entre a preposiccedilatildeo kataacute ldquodebaixo derdquo ldquosobrdquo (v 14) e o radical do verbo salienta
natildeo somente o sentido do preveacuterbio mas tambeacutem aponta a razatildeo de natildeo ter Adrasto
encontrado Anfiarau nas sete piras Acredita-se ter sido essa a razatildeo de Adrasto ter
proferido ao adivinho um elogio em discurso direto por meio da imagem metafoacuterica
stratiacircs ophthalmograven emacircs ldquoolho28 do meu exeacutercitordquo metaacutefora que aleacutem de assinalar a
importacircncia de Anfiarau na expediccedilatildeo tebana lhe sintetiza os dois atributos relacionados
respectivamente com a macircntica e com a guerra
Julga-se que a menccedilatildeo ao atributo divinatoacuterio de Anfiarau constitui um meio de
antecipaccedilatildeo do principal mito da ode cujo eixo temaacutetico se centra no nascimento de
Iacuteamo29 (vv 39-47) e em sua iniciaccedilatildeo na arte divinatoacuteria tornando-se o primeiro de uma
famiacutelia de adivinhos ndash os Iacircmidas ndash e o responsaacutevel pelo altar profeacutetico de Zeus em
Oliacutempia (v 70)
Eacute digno de nota ter sido o citado mito introduzido pelas imagens metafoacutericas do
poeta-condutor e da poesia-quadriga por meio das quais anota Calame (2005 p 54)
ocorre um deslocamento geograacutefico-temporal jaacute que a par do movimento de Oliacutempia ndash
lugar onde ocorrera a competiccedilatildeo desportiva ndash para Piacutetana cidade espartana situada junto
ao leito do rio Eurotas na Lacocircnia haacute uma transposiccedilatildeo do tempo da ldquoenunciaccedilatildeo do
cantordquo isto eacute o tempo presente ndash marcado pelo adveacuterbio saacutemeron lsquohojersquo (v 28) ndash para o
passado miacutetico indicado pela referecircncia a Piacutetana- natildeo somente o nome de uma pequena
povoaccedilatildeo de que se compunha Esparta mas tambeacutem o nome de uma ninfa filha do deus-
rio Eurotas e fundadora da linhagem dos Iacircmidas - que unida a Posecircidon gerou em
segredo Evadne matildee de Iacuteamo ancestral miacutetico de uma extensa linhagem de adivinhos
28 Imagem presente em Oliacutempica 2 (v 10) em referecircncia aos ancestrais histoacutericos de Teratildeo de Agrigento
e em Piacutetica 5 (vv 55-7a) em alusatildeo a Bato fundador da estirpe dos reis de Cirene cidade do vencedor
Com relaccedilatildeo agrave imagem do olho em Oliacutempica 6 conveacutem lembrar citando Villarrubia (1995 p 17) Suaacuterez
de la Torre (1989 p 97) e Meacuteautis (1962 p 195) que o escoacutelio pindaacuterico ao citado verso refere a Tebaida
como fonte direta do elogio de Adrasto a Anfiarau 29Como observa Nisetich (1998 p 2) nas odes pindaacutericas eacute conferido destaque maior agrave famiacutelia do vencedor
que ao proacuteprio homenageado jaacute que se busca em fatos preteacuteritos explicaccedilotildees ou justificativas para o
momento presente A esse respeito verifica-se na ode em estudo que a volta ao passado (vv 28-71)
constitui um meio de glorificaccedilatildeo do homenageado
18
cujo representante atual eacute o vencedor oliacutempico Hageacutesias de Siracusa Evadne por sua
vez seduzida por Apolo deu agrave luz Iacuteamo cuja vocaccedilatildeo profeacutetica eacute anunciada na ode pelo
atributo theoacutephrona lsquoinspirado pelos deusesrsquo (v 41) e pelo oraacuteculo de Delfos revelado
ao pai mortal e adotivo de Evadne ndash Eacutepito - a quem satildeo declarados a origem e o dom
divinatoacuterio de Iacuteamo (vv 49b-51) cujo nome de etimologia obscura estaacute associado ao
nome da flor violeta (DUCHEMIN 1955 p 242-3) iacuteon tambeacutem presente no epiacuteteto
atribuiacutedo a Evadne ioacuteplokos ldquocabelo cor de violetardquo (v 30) portanto cor que identifica
Iacuteamo como filho de Evadne Em sintonia com Eleanor Irwin (1996 p 386) acerca de seu
comentaacuterio sobre o ambiente onde Iacuteamo fora abandonado por sua matildee isto eacute khamaiacute ldquono
chatildeordquo (v 45) considera-se que esse lugar eacute tambeacutem ser esse sobrenatural haja vista terem
florescido do chatildeo violetas que forneceram ao receacutem-nascido calor e proteccedilatildeo necessaacuterios
agrave sua sobrevivecircncia Destarte as violetas simbolizam a proacutepria Evadne posto que
exerceram a funccedilatildeo materna
Significativo tambeacutem nessa passagem eacute o fato de ter sido por intervenccedilatildeo divina
(v 46) Iacuteamo alimentado por duas serpentes (45b-47a) com ldquoo veneno irrepreensiacutevel das
abelhasrdquo expressatildeo que se associa anotou Duchemin (1955 p 251) jaacute haacute algum tempo
ao dom da profecia e do fazer poeacutetico Deborah Steiner (1986 p 103) por sua vez refere
acerca dessa passagem que a relaccedilatildeo entre a serpente animal macircntico por excelecircncia
(Meacuteautis 1962 p 196) e o mel anuncia o dom profeacutetico que o receacutem-nascido teria
posteriormente30
Ao chegar agrave adolescecircncia Iacuteamo ciente de sua ascendecircncia divina solicita a seu
avocirc Posecircidon e a seu pai Apolo um atributo que beneficiasse todo o povo uma honra
puacuteblica laoacutethrophos ldquoque alimentasse o povordquo (v 60) Ressalte-se que embora a suacuteplica
tenha sido dirigida a essas duas divindades eacute Apolo nomeado com seu epiacuteteto ldquoarqueiro
guardiatildeo da divina Delosrdquo (v 59) quem concede ao filho o duplo dom da adivinhaccedilatildeo
(vv 65-70) a faculdade de ouvir-lhe a voz profeacutetica pautada sempre na verdade e a
fundaccedilatildeo de oraacuteculo de Zeus em Oliacutempia antes mesmo da instituiccedilatildeo dos Jogos
Oliacutempicos por Heacuteracles Logo com a concessatildeo da daacutediva da adivinhaccedilatildeo encerra-se o
relato miacutetico dos Iacircmidas Faz entatildeo a voz do poema a passagem do tempo miacutetico (vv
71-7) para o passado proacuteximo de Hageacutesias com a alusatildeo laudatoacuteria aos antepassados
30 Acrescente-se que a relaccedilatildeo entre a serpente e a figura de Apolo se justifica pelo fato de a divindade ter
assassinado a serpente Piacuteton para habitar Delfos
19
histoacutericos do vencedor (vv 78-81) e numa referecircncia metapoeacutetica (vv 82-7b) a seus
proacuteprios ancestrais por serem todos procedentes da cidade de Estiacutenfalo dado que
identifica o laureado com a persona loquens
Ediccedilotildees traduccedilotildees e comentaacuterios
HEROacuteDOTO Histoacuteria O relato claacutessico da guerra entre Gregos e Persas 2ordf ed
Traduccedilatildeo de J Brito Broca Satildeo Paulo Ediouro 2001
KIRKWOOD Gordon Selections from Pindar Chicago American Philological
Association 1982 p 3-19
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4
dos estudiosos5 julga terem sido os epiniacutecios produzidos para o canto coral6 muito
embora admitam natildeo ser esse tipo de execuccedilatildeo comum a todas as odes do corpus
pindaacuterico jaacute que algumas apresentam indiacutecios de ter sido a performance monoacutedica7 Por
sua vez Mary Lefkowitz (1991 p 70-1)8 considerando o emprego de referecircncias pessoais
na poesia de Piacutendaro eacute de opiniatildeo que grande parte dos epiniacutecios foi apresentada por um
cantor solo
Em referecircncia ao local de performance difiacutecil tambeacutem se torna assegurar com
exatidatildeo o cenaacuterio em que as odes foram apresentadas pois as informaccedilotildees nelas contidas
natildeo satildeo agraves vezes muito claras A esse respeito no entanto haacute unanimidade entre os
criacuteticos de terem sido os seguintes os locais de execuccedilatildeo dos epiniacutecios a saber o proacuteprio
local da vitoacuteria9 a cidade ou a casa do homenageado10 ou ainda um templo ou santuaacuterio
situados no local da vitoacuteria ou na cidade11 do vencedor Logo pode-se dizer que os
epiniacutecios estavam circunscritos a um ambiente de festa ou puacuteblico ou privado
Embora a vitoacuteria atleacutetica seja a motivaccedilatildeo primeira do canto agonal nele natildeo se
privilegiam as circunstacircncias do acontecimento desportivo que se dilui em meio a outros
elementos caracteriacutesticos da ode pindaacuterica Assim encontram-se nas odes referecircncias ao
vencedor a seus antepassados ndash histoacutericos ou miacuteticos - aos triunfos obtidos em outros
jogos ao lugar da vitoacuteria agraves circunstacircncias de sua vida dados esses que se podem
relacionar com narrativas miacuteticas de valor paradigmaacutetico natildeo apresentadas na iacutentegra
apenas em parte ou simplesmente aludidas (Kirkwood 1982 p 15) e inseridas em geral
poesia liacuterica em monoacutedica e coral tem levado outros estudiosos modernos a citar uma passagem da obra de
Platatildeo (Leis VI 764 d-e) para justificar erroneamente a antiguidade da separaccedilatildeo entre monodia e canccedilatildeo
coral Na verdade esse passo de Platatildeo se refere observam Rocha Pereira e Frederico Lourenccedilo ao
treinamento de cantores solistas e cantores corais durante uma discussatildeo acerca da educaccedilatildeo musical
Logo para esses helenistas entre outros a distinccedilatildeo liacuterica monoacutedica e coral eacute moderna
5 Cf SULLIVAN S D Aspects of the ldquofictive Irdquo in Pindar adress to psychic enteties Emerita vol
LXX 1 2002 p 83-4 NISETICH F J Pindarrdquos Victory Songs London The Johns Hopkins University
Press 1980 p 2 6Citam-se eg Piacutetica 1 vv 1-4 Piacutetica 10 vv 55-8 Oliacutempica 6 vv 87-92 7 Cf Nemeia 4 vv 13-6 8 A respeito das referecircncias pessoais nos epiniacutecios pindaacutericos cf Lefkowitz Mary R First-Person
Fictions Pindarrsquos Poetic lsquoIrsquo Oxford Clarendon Press 1991 p 1-71 9 A Piacutetica 7 celebrada em honra de Meacutegacles de Atenas foi cantada em uma festividade puacuteblica em Delfos
10 As Oliacutempicas 1 e 2 dedicadas aos tiranos Hieratildeo de Siracusa e a Teratildeo de Agrigento respectivamente
foram celebradas em banquetes nas cortes desses tiranos
11 A Oliacutempica 3 (vv 1-3) em honra do tirano Teratildeo de Agrigento foi executada num templo por ocasiatildeo
das Teoxecircnias festas populares consagradas aos Dioacutescuros Castor e Poacutelux e a Helena
5
- afirma Rocha Pereira (2006 p 223) ndash para ilustrar sentenccedilas gnocircmicas as gnocircmai que
aleacutem de terem uma funccedilatildeo didaacutetica enunciando conselhos de ordem moral ou maacuteximas
de caraacuteter universal e atemporal podem ser empregadas como elementos de transiccedilatildeo
entre as partes da ode e ser expressas antes da narrativa miacutetica esta uacuteltima natildeo presente
em todas as odes12 Por fim Piacutendaro tece comentaacuterios acerca de seu mister destinado a
representantes da aristocracia da Greacutecia do seacuteculo V a C para os quais compocircs por
encomenda cantos triunfais fato que vincula seu fazer poeacutetico ao mecenato13 e ainda
ao contexto histoacuterico de seu tempo Com efeito enaltecem-se em seus versos os princiacutepios
aristocraacuteticos cuja base residia no poder da ancestralidade na riqueza e ainda na
excelecircncia fiacutesica e moral dos nobres seus contemporacircneos e vencedores dos agocircnes
atleacuteticos Portanto sendo os epiniacutecios instrumentos de legitimaccedilatildeo do poder
aristocraacutetico14 constitui entatildeo a ode Oliacutempica 615 um dos importantes testemunhos
histoacuterico-literaacuterios tendo em vista ter sido composta para celebrar a vitoacuteria de Hageacutesias
de Siracusa - chefe militar16 do tirano Hieratildeo de Siracusa (478- 467-6)17 - numa quadriga
de mulas em 472 ou 468 a C
Estrofe 1
Estabelecendo douradas
colunas debaixo de um bem murado poacutertico do santuaacuterio
como se estabelece um belo palaacutecio
construamos Iniciado o trabalho
eacute preciso dar-lhe uma fachada que brilhe ao longe Mas se
ele eacute um vencedor Oliacutempico
5 guardiatildeo no altar profeacutetico de Zeus em Pisa
12 Cf Oliacutempicas 5 11 12 e 14 Piacutetica 7 Nemeias 2 e 11 e Iacutestmicas 2 e 3 13 Na Greacutecia arcaica a poesia de modo anaacutelogo a outras atividades profissionais passou a ter um valor
comercial como se infere por exemplo de Piacutetica 11 vv 41-2 ldquoMusa se concordas em conceder por
salaacuterio tua voz venal eacute preciso que teu ofiacutecio seja divulgado aqui e laacuterdquo (Traduccedilatildeo nossa) 14 Sobre as formas de legitimaccedilatildeo do poder aristocraacutetico em especial dos tiranos siciliotas cf HIRATA
Elaine F V 2010 p 23-41 15 A traduccedilatildeo de Oliacutempica 6 eacute de responsabilidade das autoras deste trabalho e constitui parte da pesquisa
interinstitucional (UFRJUFF) por elas desenvolvida sobre as odes Oliacutempicas A ediccedilatildeo criacutetica eacute a
estabelecida por Snell-Maehler 1987 16 Cf PINDARE Olympiques Paris Les Belles Lettres 1970 p 74-5 17 Para detalhes acerca das tiranias siciliotas cf HIRATA Elaine F V 2010 p 23-41 VALLET Georges
Pindare et la Sicile In Entretiens sur lrsquo Antiquiteacute Classique Pindare Vandoeuvres ndash Genegraveve Fondation
Hardt 1984 p 285-327
6
e cofundador da afamada Siracusa
de que hino fugiria
tal homem ao encontrar
cidadatildeos sem inveja no meio de cantos encantadores
Antiacutestrofe 1
Saiba na verdade que nesta sandaacutelia18
tem seu peacute afortunado
o filho de Soacutestrato Faccedilanhas sem riscos
10 nem junto aos homens nem nas cocircncavas naus
satildeo honradas mas muitos se lembram
quando algo de belo foi realizado com esforccedilo
Oacute Hageacutesias eacute teu o real elogio que com justo
discurso Adrasto outrora proclamara para o vidente
filho de Oicles Anfiarau
quando a terra o
engoliu e tambeacutem os seus brilhantes cavalos
Epodo 1
15 Depois quando tinham queimado as sete piras
de cadaacuteveres o filho de Talau (Adrasto)
proferiu em Tebas o seguinte discurso
lsquoEstou com saudades do olho de meu exeacutercito
bom em duas coisas ser adivinho e
combater com a lanccedilarsquo Isto tambeacutem
eacute verdadeiro para o homem de Siracusa senhor do cortejo processional
Embora natildeo seja ele propenso agrave desavenccedila nem amigo de disputa em excesso
18Com valor metafoacuterico na acepccedilatildeo de ldquonesta posiccedilatildeordquo (SLATER1969 p 401)
7
20 fazendo um grande juramento disso claramente lhe
darei testemunho e com vozes doces como o mel
as Musas o aprovaratildeo
Estrofe 2
Oacute Fiacutentis pois bem atrela agora
para mim a forccedila das mulas
o mais raacutepido possiacutevel para que em caminho puro
conduzamos a quadriga de mulas e eu chegue ateacute
25 a linhagem destes homens pois essas mulas mais do que
outras sabem abrir
esse caminho jaacute que coroas em Oliacutempia
ganharam eacute preciso entatildeo
abrir-lhes as portas dos hinos
e a Piacutetana junto do curso do Eurotas
eacute preciso chegar hoje em hora oportuna
Antiacutestrofe 2
Diz-se que Piacutetana unida a Posecircidon
filho de Crono
30 deu agrave luz uma filha com cabelo cor de violeta Evadne
Mas nas pregas de sua roupa escondeu a gravidez
e enviando no mecircs determinado
suas servas ordenou-lhes
que entregassem a crianccedila aos cuidados do heroacutei Eacutepito filho de Eacutelato
que reinava sobre os homens da Arcaacutedia em Fesana
e fora designado para habitar o Alfeu
35 Tendo sido criada aiacute sob o domiacutenio de Apolo
(Evadne) experimentou pela primeira vez a doccedilura de Afrodite
8
Epodo 2
E ela natildeo ocultou de Eacutepito durante toda
o tempo o filho do deus
Mas ele (Eacutepito) foi para Delfos reprimindo no coraccedilatildeo
a raiva inenarraacutevel com agudo propoacutesito
para consultar o oraacuteculo sobre
esse sofrimento insuportaacutevel
Ela por sua vez logo que depocircs a cinta purpuacuterea
40 e o cacircntaro de prata debaixo da mata sombria
deu agrave luz um filho inspirado pelos deuses Junto dela o de aacuteureos cabelos (Apolo)
estabeleceu a amaacutevel Iliacutetia
e as Moicircras
Estrofe 3
E de seu ventre no meio das dores
amaacuteveis do parto Iacuteamo
veio logo agrave luz E ela (Evadne) angustiada
45 deixou-o no chatildeo mas duas serpentes de olhos brilhantes
por desiacutegnio dos deuses cuidando dele
o alimentaram com o irrepreensiacutevel
veneno das abelhas Mas quando o rei
conduzindo seu carro chegou da
rochosa Delfos a todos em casa
perguntou sobre a crianccedila que Evadne
dera agrave luz de fato ele (Eacutepito) dizia que a crianccedila era filho de Febo
Antiacutestrofe 3
50 que acima dos mortais seria um adivinho para os homens
e jamais lhe faltaria descendecircncia
9
Assim entatildeo declarou Mas eles confessavam que natildeo o tinham ouvido
nem visto
embora tivesse nascido havia cinco dias Mas
na verdade estava escondido num canteiro de juncos no impenetraacutevel matagal
55 pelos raios dourados e roxos das violetas
banhado em seu delicado
corpo Por isso sua matildee declarou
que ele fosse chamado durante todo o tempo
por esse nome imortal
Mas depois que recebeu o fruto da amaacutevel
Juventude da coroa dourada descendo no meio do Alfeu
invocou o poderoso Posecircidon
seu avocirc e o arqueiro guardiatildeo
da divina Delos
60 pedindo para sua cabeccedila uma honra que alimentasse o povo
no ar livre da noite Clara ressoou a voz paterna e lhe pediu
lsquoLevanta-te filho
vem aqui para a terra paterna
atraacutes da minha vozrsquo
Estrofe 4
Chegaram ao escarpado
rochedo do monte de Crono
65 onde ele lhe outorgou o duplo tesouro
da adivinhaccedilatildeo primeiro ouvir a voz
desconhecedora das mentiras e depois quando
chegasse o de ousados expedientes
10
Heacuteracles majestoso filho dos Alceus19
69 para fundar em honra de seu pai uma festa concorrida
e o maior festival dos jogos
70 na parte mais alta do altar de Zeus
ordenou entatildeo que (Iacuteamo) estabelecesse o oraacuteculo
Antiacutestrofe 4
Desde aquele momento eacute renomada entre
os Helenos a linhagem dos Iacircmidas
A prosperidade os acompanhou ao mesmo tempo E honrando as virtudes
percorrem um caminho visiacutevel daacute provas disso
cada accedilatildeo (deles) Mas a censura da parte
de outros invejosos estaacute suspensa
75 sobre aqueles que foram outrora os primeiros a conduzir o carro na corrida de doze
voltas
e sobre os quais a Graccedila veneranda derrama
gloriosa forma corporal
Se na verdade habitando sob a montanha
de Cilene oacute Hageacutesias teus antepassados maternos
Epodo 4
presentearam
muitas vezes o arauto dos deuses
Hermes com muitos sacrifiacutecios suplicantes de modo piedoso
ele que rege as competiccedilotildees atleacuteticas e a devida parte dos precircmios
80 e honra a Arcaacutedia de nobres varotildees
eacute ele oacute filho de Soacutestrato
com seu pai (Zeus) de barulho retumbante que realiza o teu ecircxito
19 Progenitor de de Anfitriatildeo e este o suposto pai de Heacuteracles
11
Tenho em minha liacutengua a fama de uma liacutempida pedra de afiar20
que quando eu quero se aproxima de mim com sopros de belas correntes
Minha avoacute materna era
de Estiacutenfalo a florescente Metopa
Esfrofe 5
que deu agrave luz Teba condutora de cavalos
de cuja deliciosa aacutegua
86 beberei enquanto teccedilo para os varotildees lanceiros
um hino variado Agora incita teus companheiros
oacute Eneias primeiro a Hera
Virginal celebrar
e depois a saber se evitamos o antigo insulto
90 de suiacuteno Beoacutecio com verdadeiras palavras
De fato eacutes correto mensageiro
inteacuterprete das Musas de belos cabelos
doce taccedila de cantos ressoantes
Antiacutestrofe 5
Diz-lhes que se lembrem
de Siracusa e de Ortiacutegia21
que Hieratildeo ao governaacute-la com imaculado cetro
com justos pensamentos
95 honra Demeacuteter de peacutes vermelhos
a festa de sua filha de brancos corceacuteis
e o poder de Zeus do Etna As liras
e as canccedilotildees de doces palavras o conhecem
20 Metaacutefora do fazer poeacutetico em que a liacutengua do poeta eacute estimulada agrave produccedilatildeo de um canto harmonioso 21Parte mais antiga de Siracusa onde estava situado o palaacutecio de Hieratildeo e talvez o de Hageacutesias (ORTEGA
Alfonso 1984 p 100)
12
Que o tempo em seu curso natildeo lhe destrua a felicidade
mas com amaacuteveis atos de amizade
receba (Hieratildeo) o cortejo processional de Hageacutesias
Epodo 5
(cortejo que) vem de uma casa para outra
das muralhas de Estiacutenfalo
100 e deixa a matildee da Arcaacutedia rica em rebanhos
Boas satildeo na tempestuosa
noite para serem lanccediladas de uma nau veloz
duas acircncoras Que o deus
a estes e agravequeles conceda com amizade glorioso destino
Oacute senhor soberano do mar concede uma direta travessia
isenta de dificuldades oacute esposo
105 de Anfitrite da roca de ouro e faz prosperar
a flor jubilosa de meus hinos
O atleta homenageado da ode eacute filho de Soacutestrato (vv 9 80) pertencente agrave
linhagem dos Iacircmidas e de uma mulher cujos antepassados procediam de Cilene (vv 77-
8) montanha ao norte da Arcaacutedia onde se situava a cidade de Estiacutenfalo ndash lugar em que
ocorrera provavelmente a primeira performance22 do epiniacutecio (vv 99-100) e onde o deus
Hermes era cultuado (vv 79-81) Note-se que a referecircncia a essa divindade vincula o
triunfo atleacutetico agrave benevolecircncia divina tendo em vista ter sido Hermes a divindade doadora
da vitoacuteria (v 81) a Hageacutesias Com efeito a relaccedilatildeo entre a vitoacuteria e a vontade dos deuses
constitui um topos23 da poesia pindaacuterica
22 O argumento da maior parte da criacutetica pindaacuterica sobre a ode ter sido executada em Estiacutenfalo fundamenta-
se nos versos 98-105 nos quais o vencedor e seu kocircmos saem de Estiacutenfalo rumo a Siracusa Acresce ainda
que o fato de o laureado ter laccedilos estreitos com as duas cidades motivou uma discussatildeo acerca da localizaccedilatildeo
da premiegravere do canto triunfal (STAMATOPOULOU 2014 p 1)
23 Cf eg Oliacutempicas 9 vv 100-4 13 vv 13-8 Piacutetica 10 vv 10-5
13
De modo anaacutelogo ao proecircmio da Odisseia (vv 1-10) em que natildeo se menciona o
nome do heroacutei Odisseu designado somente no verso 21 tambeacutem em Oliacutempica 6 o nome
do atleta homenageado soacute aparece no verso 12 por meio de uma invocaccedilatildeo muito embora
tenha sido referido indiretamente no verso 4 apenas pela forma verbal em terceira pessoa
e nos versos 4 a 9 por meio da citaccedilatildeo de seus atributos e de sua descendecircncia
Informa tambeacutem o canto agonal ter tido o vencedor dupla funccedilatildeo a de guardiatildeo
do altar profeacutetico de Zeus em Pisa (v 5) ndash tendo em vista ter como ascendente o adivinho
Iacuteamo que recebera de seu pai Apolo o dom da profecia (vv 65-70) ndash e a de cofundador
de Siracusa (v 6)24 Essas referecircncias ao laureado histoacutericas e miacuteticas encontram-se
distribuiacutedas pelos 105 versos que compotildeem as cinco triacuteades de Oliacutempica 6 iniciada com
uma imagem metapoeacutetica ou autorreferencial em que se coteja o fazer poeacutetico com um
monumento e o poeta com um construtor como atesta nos quatro primeiros versos da
ode a presenccedila de termos pertencentes ao campo semacircntico da arquitetura como kiacuteonas
ldquocolunardquo euteikheicirc ldquobem muradordquo prothyacuteroi ldquopoacuterticordquo paacutexomen ldquoconstruamosrdquo e
proacutesōpon ldquofachadardquo entendido este uacuteltimo metaforicamente segundo o leacutexico pindaacuterico
editado por William Slater (1969 p 454) como o proecircmio da ode Logo eacute a
magnificecircncia dessa construccedilatildeo poeacutetico-arquitetocircnica ndash enfatizada pelos adjetivos
khryseacuteas ldquodouradasrdquo e telaugeacutes ldquoque brilha ao longerdquo ndash que torna impereciacuteveis a
efemeridade do evento atleacutetico ndash ideia sumarizada no verso 4 ndash e o proacuteprio destinataacuterio
apresentado ainda na primeira estrofe como vencedor oliacutempico guardiatildeo por heranccedila
paterna do altar divinatoacuterio de Zeus e cofundador de Siracusa ndash atributos que devem
brilhar ao longe
A par dessas metaacuteforas delineia-se na segunda estrofe a imagem do poeta-
condutor quando a persona loquens ao invocar o nome do condutor da quadriga ndash
Fiacutentis25 auriga de Hageacutesias ndash a ele se iguala como assinala o sintagma autorreferencial
baacutesomen oacutekkhon ldquoconduzamos a quadriga de mulasrdquo (v 24) Logo por meio de
linguagem metafoacuterica o fazer poeacutetico e a performance do canto convertem-se assinala
24 Segundo os escolia 8a e 8b Hageacutesias pode ser considerado cofundador de Siracusa porque seus
antepassados participaram da colonizaccedilatildeo desta cidade Entretanto Willamowitz (1922) e Luraghi (1997)
sugeriram que o proacuteprio Hageacutesias teria participada reestruturaccedilatildeo de Siracusa no governo do tirano Gelatildeo
(apud STAMATOPOULOU 2014 p 7 nota 21) Acerca da remodelaccedilatildeo ldquogelonianardquo de Siracusa ver
Hirata (2010 p 28-9)
25 Fiacutentis representa o aristocrata siracusano Hageacutesias patrocinador do treinamento das parelhas do auriga
(CALAME 2005 p 54)
14
Calame (2005 p 53) numa corrida de quadrigas toacutepos na poesia grega arcaica De fato
assim como o atleta conduz a quadriga agrave vitoacuteria tambeacutem o poeta-atleta elabora
harmoniosamente seus versos para glorificar o vencedor e sua linhagem Deste modo
configuram-se nesse percurso metafoacuterico a quadriga e a poesia como vias de acesso agrave
imortalidade a julgar pela presenccedila dos termos sinocircnimos keleuthoacutes (v 23) e hodoacutes (v
25) ldquocaminhordquo o primeiro dos quais representando conotativamente a poesia e o
segundo conservando sua acepccedilatildeo denotativa tem o sentido de rota percorrida pela
carruagem
Aliaacutes essas imagens metafoacutericas natildeo satildeo as uacutenicas empregadas pela persona
loquens para descrever por meio de metalinguagem sua arte poeacutetica comparada ora com
objetos preciosos ndash como na ode em pauta em que a canccedilatildeo eacute relacionada com um poacutertico
de colunas douradas (Ol 6 vv 1-4) ou em outras odes com uma taccedila de ouro (Ol 7
vv 1-4) e com ouro refinado (Nemeia 4 v 82) - ora com o produto resultante do trabalho
das abelhas (Ol 10 v 98 Nemeia 3 v 77) ou com elementos da natureza como a flor
(Ol 6 v 105) soacute para citar algumas Tambeacutem o mister do poeta eacute vinculado a diferentes
atividades profissionais como a de lavrador (Nemeia 6 v 32 Piacutetica 6 v 2) escultor
(Nemeia vv 1-5) arqueiro (Ol 1 v 111 Ol 2 vv 83-6) e tecelatildeo este uacuteltimo labor
evocado em Oliacutempica 6 (v 86) pelo emprego do verbo pleacutekō ldquotecerrdquo metaacutefora frequente
do fazer poeacutetico na poesia meacutelica assinala Calame (2005 p58 n12) Com efeito do
mesmo modo que o tecelatildeo tranccedila com sutileza e habilidade os fios para a confecccedilatildeo do
tecido tambeacutem o poeta elabora seu discurso poeacutetico entrelaccedilando recursos literaacuterios e
linguiacutesticos combinados com o ritmo e a harmonia para a perfeita composiccedilatildeo da ode e
por conseguinte para a glorificaccedilatildeo do atleta vencedor como se infere dos versos 86-7
ldquoteccedilo para os varotildees lanceiros um hino variadordquo
Entre os elementos constitutivos do epiniacutecio pindaacuterico eacute interessante pontuar
ainda a alternacircncia das formas de primeira pessoa26 do singular e do plural (eunoacutes ndash vv
3 21 23 24 82 84 86 e 105) por meio da qual eacute possiacutevel haver um revezamento entre
a voz do poema e a voz do coro dado que torna improdutiva segundo Calame (2005 p
58) a discussatildeo acerca da natureza do sujeito poeacutetico nas odes pindaacutericas ldquonem
unicamente ldquomonoacutedicordquo nem inteiramente coral o eunoacutes do locutor eacute essencialmente
polifocircnicordquo
26 Sobre o emprego da primeira pessoa na poesia pindaacuterica cf LEFKOWITZ Mary op cit 1991 p 1-71
15
Deve-se observar tambeacutem com Claire Muckensturn-Poulle (2009 p 77) que ao
longo da Oliacutempica 6 o sujeito do enunciado confere voz a outros enunciadores ora
empregando o discurso direto como no elogio que Adrasto faz a Anfiarau (vv 16-7) e na
ordem dada por Apolo a Iacuteamo (vv 62-3) no momento em que o deus lhe concede o dom
da profecia ora transferindo por meio de uma ordem sua funccedilatildeo de locutor do canto
agonal a Fiacutentis o auriga de Hageacutesias (v 22) ou a Eneias o khorodidaacuteskalos (vv 88-96)
com os quais se identifica como poeta-condutor e poeta-mestre do coro
Por outro lado haacute dados sugestivos da performance coral da ode e de seu local de
execuccedilatildeo haja vista a invocaccedilatildeo da persona loquens a Eneias possivelmente o
khorodidaacuteskalos - a julgar pelos escoacutelios a essa passagem (148a e 149ordf apud
STAMATOPOULOU 2014 p 11 nota 34 CALAME 2005 p 57 nota 10 p 58 nota
13) - a referecircncia aos hetaicircroi companheiros de Eneias e talvez integrantes do coro e
ainda o voto do sujeito poeacutetico para que o kocircmos ldquocortejo processionalrdquo ao vencedor
apoacutes ter sido apresentado em Estiacutenfalo como julga a maior parte da criacutetica pindaacuterica
acerca da premiegravere do epiniacutecio (apud STAMATOPOULOU 2014 p 2) fosse tambeacutem
recebido pelo tirano Hieratildeo em Siracusa onde seria realizada a reperformance durante a
festa cultual (v 95) dedicada a Demeacuteter e a Perseacutefone deusas tutelares de Siracusa culto
possivelmente organizado pela famiacutelia de Hieratildeo (apud CALAME 2005 p 59)
Evidenciam respectivamente a recepccedilatildeo e a reapresentaccedilatildeo do canto em Siracusa a
forma verbal deacutexaito ldquorecebardquo (v 98) no optativo desiderativo enfatizada pela expressatildeo
sỳn degrave philophrosyacutenas euētaacutetois ldquocom amaacuteveis atos de amizaderdquo e os sintagmas
adverbiais presentes no verso 99 oiacutekothen oiacutekadrsquo ldquode uma casa para outrardquo e apograve
Stymphaliacuteōn ldquode Estiacutenfalordquo e por fim a justaposiccedilatildeo no verso 102 dos pronomes tocircnde
ldquoestesrdquo e keiacutenon ldquoagravequelesrdquo alusivos aos estinfaacutelios e siracusanos respectivamente Assim
como esses elementos apontam para a saiacuteda do vencedor da cidade Estiacutenfalo e Siracusa
eacute ainda um lugar a ser alcanccedilado por via mariacutetima acredita-se que a execuccedilatildeo primeira
do canto tenha ocorrido na cidade da matildee de Hageacutesias Note-se que o atleta e as duas
cidades a de seus antepassados maternos Estiacutenfalo e a sua terra natal Siracusa satildeo ainda
representados respectivamente pelas imagens metafoacutericas do navio e das duas acircncoras
(vv 101-5a) imagens que remetem ao deus do mar Posecircidon invocado pela persona
loquens para conceder uma favoraacutevel travessia ao kocircmos de Hageacutesias do qual
possivelmente fazia parte o chefe do coro responsaacutevel segundo Calame (2005 p 57)
16
pelo treinamento dos coreutashetaicircroi que deveriam transmitir em performance coral a
voz do poeta
Ainda acerca dessa metaacutefora mariacutetima Meacuteautis (1962 p 200) Kirkwood (1982
p 94) a interpretam como uma referecircncia agrave crise poliacutetica instaurada em Siracusa nos
uacuteltimos anos de governo de Hieratildeo crise representada pela imagem da lsquotempestuosa
noitersquo (vv 100-1) Assim na qualidade de cidadatildeo siracusano observa ainda Meacuteautis
(1962 p 200) Hageacutesias prevendo a queda do regime tiracircnico pretendia solicitar uma
nova cidadania em Estiacutenfalo A esse respeito vale mencionar uma vez mais a opiniatildeo
de Stamatopoulou (2014 p 3-4) que compartilhando do ponto de vista de Stehle julga
ter sido a ode executada primeiramente em Estiacutenfalo com o objetivo de estreitarem-se os
laccedilos entre o vencedor e essa cidade da Arcaacutedia
No que concerne ao possiacutevel chefe do coro o sujeito poeacutetico num tom laudatoacuterio
refere-se a Eneias como notou Kirkwood (1982 p 93) acerca do estilo metafoacuterico de
Piacutendaro - como aacutengelos ldquomensageirordquo (v 90) e skytaacutela (v 91)27 traduzido como
ldquointeacuterpreterdquo por ser ele o responsaacutevel pela recepccedilatildeo dos efluacutevios das Musas ndash como
explicita a expressatildeo ldquodoce taccedila de cantos ressoantesrdquo (v 91) - pela transmissatildeo e
reapresentaccedilatildeo da mensagemcanto em Siracusa onde tambeacutem deveria ser objeto de
encocircmio o tirano Hieratildeo do qual se enfatizam o governo justo a piedade religiosa os
triunfos jaacute festejados ldquopelas liras e canccedilotildees de doces palavrasrdquo (vv 96-7) a generosidade
e a amizade (v 98)
Deste modo a referecircncia a Eneias destaca o importante papel do poeta-cantor na
perpetuaccedilatildeo do triunfo agonal Nesse complexo processo de elaboraccedilatildeo poeacutetico-
perfomativa utilizam-se natildeo soacute metaacuteforas como jaacute destacou mas tambeacutem narrativas
miacuteticas relacionadas com a arte divinatoacuteria Assim por meio do elogio ao atleta
homenageado evoca-se primeiramente como modelo miacutetico Anfiarau (vv 12-21) ndash
participante da expediccedilatildeo dos Sete contra Tebas sob o comando de Adrasto rei de
Argos- possuidor das mesmas atribuiccedilotildees do laureado jaacute que ambos satildeo
guerreirogeneral e adivinho Eacute importante enfatizar que a transiccedilatildeo do tempo presente
representado pelo vencedor para o passado miacutetico se estabelece por meio do pronome
relativo hoacuten (v 12) referente ao louvor destinado a Hageacutesias e a Anfiarau e do adveacuterbio
27 Em Esparta espeacutecie de bastatildeo de madeira sobre o qual se enrolavam correias compridas e estreitas com
mensagens secretas lidas e compreendidas por quem possuiacutesse um bastatildeo idecircntico (PINDARE
Olympiques 1971 p 85 nota 4)
17
potrsquo ldquooutrora (v 13) com base no qual se alude ao desaparecimento repentino do
adivinho tebano (v 14) que segundo a versatildeo miacutetica fora arrebatado por Zeus para evitar
a morte do heroacutei como se infere do emprego do verbo katamaacuterptō lsquoengolirrsquo em tmese
que indica ter sido Anfiarau tragado pela terra Observa Barciela (2015 p 53) que esse
corte entre a preposiccedilatildeo kataacute ldquodebaixo derdquo ldquosobrdquo (v 14) e o radical do verbo salienta
natildeo somente o sentido do preveacuterbio mas tambeacutem aponta a razatildeo de natildeo ter Adrasto
encontrado Anfiarau nas sete piras Acredita-se ter sido essa a razatildeo de Adrasto ter
proferido ao adivinho um elogio em discurso direto por meio da imagem metafoacuterica
stratiacircs ophthalmograven emacircs ldquoolho28 do meu exeacutercitordquo metaacutefora que aleacutem de assinalar a
importacircncia de Anfiarau na expediccedilatildeo tebana lhe sintetiza os dois atributos relacionados
respectivamente com a macircntica e com a guerra
Julga-se que a menccedilatildeo ao atributo divinatoacuterio de Anfiarau constitui um meio de
antecipaccedilatildeo do principal mito da ode cujo eixo temaacutetico se centra no nascimento de
Iacuteamo29 (vv 39-47) e em sua iniciaccedilatildeo na arte divinatoacuteria tornando-se o primeiro de uma
famiacutelia de adivinhos ndash os Iacircmidas ndash e o responsaacutevel pelo altar profeacutetico de Zeus em
Oliacutempia (v 70)
Eacute digno de nota ter sido o citado mito introduzido pelas imagens metafoacutericas do
poeta-condutor e da poesia-quadriga por meio das quais anota Calame (2005 p 54)
ocorre um deslocamento geograacutefico-temporal jaacute que a par do movimento de Oliacutempia ndash
lugar onde ocorrera a competiccedilatildeo desportiva ndash para Piacutetana cidade espartana situada junto
ao leito do rio Eurotas na Lacocircnia haacute uma transposiccedilatildeo do tempo da ldquoenunciaccedilatildeo do
cantordquo isto eacute o tempo presente ndash marcado pelo adveacuterbio saacutemeron lsquohojersquo (v 28) ndash para o
passado miacutetico indicado pela referecircncia a Piacutetana- natildeo somente o nome de uma pequena
povoaccedilatildeo de que se compunha Esparta mas tambeacutem o nome de uma ninfa filha do deus-
rio Eurotas e fundadora da linhagem dos Iacircmidas - que unida a Posecircidon gerou em
segredo Evadne matildee de Iacuteamo ancestral miacutetico de uma extensa linhagem de adivinhos
28 Imagem presente em Oliacutempica 2 (v 10) em referecircncia aos ancestrais histoacutericos de Teratildeo de Agrigento
e em Piacutetica 5 (vv 55-7a) em alusatildeo a Bato fundador da estirpe dos reis de Cirene cidade do vencedor
Com relaccedilatildeo agrave imagem do olho em Oliacutempica 6 conveacutem lembrar citando Villarrubia (1995 p 17) Suaacuterez
de la Torre (1989 p 97) e Meacuteautis (1962 p 195) que o escoacutelio pindaacuterico ao citado verso refere a Tebaida
como fonte direta do elogio de Adrasto a Anfiarau 29Como observa Nisetich (1998 p 2) nas odes pindaacutericas eacute conferido destaque maior agrave famiacutelia do vencedor
que ao proacuteprio homenageado jaacute que se busca em fatos preteacuteritos explicaccedilotildees ou justificativas para o
momento presente A esse respeito verifica-se na ode em estudo que a volta ao passado (vv 28-71)
constitui um meio de glorificaccedilatildeo do homenageado
18
cujo representante atual eacute o vencedor oliacutempico Hageacutesias de Siracusa Evadne por sua
vez seduzida por Apolo deu agrave luz Iacuteamo cuja vocaccedilatildeo profeacutetica eacute anunciada na ode pelo
atributo theoacutephrona lsquoinspirado pelos deusesrsquo (v 41) e pelo oraacuteculo de Delfos revelado
ao pai mortal e adotivo de Evadne ndash Eacutepito - a quem satildeo declarados a origem e o dom
divinatoacuterio de Iacuteamo (vv 49b-51) cujo nome de etimologia obscura estaacute associado ao
nome da flor violeta (DUCHEMIN 1955 p 242-3) iacuteon tambeacutem presente no epiacuteteto
atribuiacutedo a Evadne ioacuteplokos ldquocabelo cor de violetardquo (v 30) portanto cor que identifica
Iacuteamo como filho de Evadne Em sintonia com Eleanor Irwin (1996 p 386) acerca de seu
comentaacuterio sobre o ambiente onde Iacuteamo fora abandonado por sua matildee isto eacute khamaiacute ldquono
chatildeordquo (v 45) considera-se que esse lugar eacute tambeacutem ser esse sobrenatural haja vista terem
florescido do chatildeo violetas que forneceram ao receacutem-nascido calor e proteccedilatildeo necessaacuterios
agrave sua sobrevivecircncia Destarte as violetas simbolizam a proacutepria Evadne posto que
exerceram a funccedilatildeo materna
Significativo tambeacutem nessa passagem eacute o fato de ter sido por intervenccedilatildeo divina
(v 46) Iacuteamo alimentado por duas serpentes (45b-47a) com ldquoo veneno irrepreensiacutevel das
abelhasrdquo expressatildeo que se associa anotou Duchemin (1955 p 251) jaacute haacute algum tempo
ao dom da profecia e do fazer poeacutetico Deborah Steiner (1986 p 103) por sua vez refere
acerca dessa passagem que a relaccedilatildeo entre a serpente animal macircntico por excelecircncia
(Meacuteautis 1962 p 196) e o mel anuncia o dom profeacutetico que o receacutem-nascido teria
posteriormente30
Ao chegar agrave adolescecircncia Iacuteamo ciente de sua ascendecircncia divina solicita a seu
avocirc Posecircidon e a seu pai Apolo um atributo que beneficiasse todo o povo uma honra
puacuteblica laoacutethrophos ldquoque alimentasse o povordquo (v 60) Ressalte-se que embora a suacuteplica
tenha sido dirigida a essas duas divindades eacute Apolo nomeado com seu epiacuteteto ldquoarqueiro
guardiatildeo da divina Delosrdquo (v 59) quem concede ao filho o duplo dom da adivinhaccedilatildeo
(vv 65-70) a faculdade de ouvir-lhe a voz profeacutetica pautada sempre na verdade e a
fundaccedilatildeo de oraacuteculo de Zeus em Oliacutempia antes mesmo da instituiccedilatildeo dos Jogos
Oliacutempicos por Heacuteracles Logo com a concessatildeo da daacutediva da adivinhaccedilatildeo encerra-se o
relato miacutetico dos Iacircmidas Faz entatildeo a voz do poema a passagem do tempo miacutetico (vv
71-7) para o passado proacuteximo de Hageacutesias com a alusatildeo laudatoacuteria aos antepassados
30 Acrescente-se que a relaccedilatildeo entre a serpente e a figura de Apolo se justifica pelo fato de a divindade ter
assassinado a serpente Piacuteton para habitar Delfos
19
histoacutericos do vencedor (vv 78-81) e numa referecircncia metapoeacutetica (vv 82-7b) a seus
proacuteprios ancestrais por serem todos procedentes da cidade de Estiacutenfalo dado que
identifica o laureado com a persona loquens
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5
- afirma Rocha Pereira (2006 p 223) ndash para ilustrar sentenccedilas gnocircmicas as gnocircmai que
aleacutem de terem uma funccedilatildeo didaacutetica enunciando conselhos de ordem moral ou maacuteximas
de caraacuteter universal e atemporal podem ser empregadas como elementos de transiccedilatildeo
entre as partes da ode e ser expressas antes da narrativa miacutetica esta uacuteltima natildeo presente
em todas as odes12 Por fim Piacutendaro tece comentaacuterios acerca de seu mister destinado a
representantes da aristocracia da Greacutecia do seacuteculo V a C para os quais compocircs por
encomenda cantos triunfais fato que vincula seu fazer poeacutetico ao mecenato13 e ainda
ao contexto histoacuterico de seu tempo Com efeito enaltecem-se em seus versos os princiacutepios
aristocraacuteticos cuja base residia no poder da ancestralidade na riqueza e ainda na
excelecircncia fiacutesica e moral dos nobres seus contemporacircneos e vencedores dos agocircnes
atleacuteticos Portanto sendo os epiniacutecios instrumentos de legitimaccedilatildeo do poder
aristocraacutetico14 constitui entatildeo a ode Oliacutempica 615 um dos importantes testemunhos
histoacuterico-literaacuterios tendo em vista ter sido composta para celebrar a vitoacuteria de Hageacutesias
de Siracusa - chefe militar16 do tirano Hieratildeo de Siracusa (478- 467-6)17 - numa quadriga
de mulas em 472 ou 468 a C
Estrofe 1
Estabelecendo douradas
colunas debaixo de um bem murado poacutertico do santuaacuterio
como se estabelece um belo palaacutecio
construamos Iniciado o trabalho
eacute preciso dar-lhe uma fachada que brilhe ao longe Mas se
ele eacute um vencedor Oliacutempico
5 guardiatildeo no altar profeacutetico de Zeus em Pisa
12 Cf Oliacutempicas 5 11 12 e 14 Piacutetica 7 Nemeias 2 e 11 e Iacutestmicas 2 e 3 13 Na Greacutecia arcaica a poesia de modo anaacutelogo a outras atividades profissionais passou a ter um valor
comercial como se infere por exemplo de Piacutetica 11 vv 41-2 ldquoMusa se concordas em conceder por
salaacuterio tua voz venal eacute preciso que teu ofiacutecio seja divulgado aqui e laacuterdquo (Traduccedilatildeo nossa) 14 Sobre as formas de legitimaccedilatildeo do poder aristocraacutetico em especial dos tiranos siciliotas cf HIRATA
Elaine F V 2010 p 23-41 15 A traduccedilatildeo de Oliacutempica 6 eacute de responsabilidade das autoras deste trabalho e constitui parte da pesquisa
interinstitucional (UFRJUFF) por elas desenvolvida sobre as odes Oliacutempicas A ediccedilatildeo criacutetica eacute a
estabelecida por Snell-Maehler 1987 16 Cf PINDARE Olympiques Paris Les Belles Lettres 1970 p 74-5 17 Para detalhes acerca das tiranias siciliotas cf HIRATA Elaine F V 2010 p 23-41 VALLET Georges
Pindare et la Sicile In Entretiens sur lrsquo Antiquiteacute Classique Pindare Vandoeuvres ndash Genegraveve Fondation
Hardt 1984 p 285-327
6
e cofundador da afamada Siracusa
de que hino fugiria
tal homem ao encontrar
cidadatildeos sem inveja no meio de cantos encantadores
Antiacutestrofe 1
Saiba na verdade que nesta sandaacutelia18
tem seu peacute afortunado
o filho de Soacutestrato Faccedilanhas sem riscos
10 nem junto aos homens nem nas cocircncavas naus
satildeo honradas mas muitos se lembram
quando algo de belo foi realizado com esforccedilo
Oacute Hageacutesias eacute teu o real elogio que com justo
discurso Adrasto outrora proclamara para o vidente
filho de Oicles Anfiarau
quando a terra o
engoliu e tambeacutem os seus brilhantes cavalos
Epodo 1
15 Depois quando tinham queimado as sete piras
de cadaacuteveres o filho de Talau (Adrasto)
proferiu em Tebas o seguinte discurso
lsquoEstou com saudades do olho de meu exeacutercito
bom em duas coisas ser adivinho e
combater com a lanccedilarsquo Isto tambeacutem
eacute verdadeiro para o homem de Siracusa senhor do cortejo processional
Embora natildeo seja ele propenso agrave desavenccedila nem amigo de disputa em excesso
18Com valor metafoacuterico na acepccedilatildeo de ldquonesta posiccedilatildeordquo (SLATER1969 p 401)
7
20 fazendo um grande juramento disso claramente lhe
darei testemunho e com vozes doces como o mel
as Musas o aprovaratildeo
Estrofe 2
Oacute Fiacutentis pois bem atrela agora
para mim a forccedila das mulas
o mais raacutepido possiacutevel para que em caminho puro
conduzamos a quadriga de mulas e eu chegue ateacute
25 a linhagem destes homens pois essas mulas mais do que
outras sabem abrir
esse caminho jaacute que coroas em Oliacutempia
ganharam eacute preciso entatildeo
abrir-lhes as portas dos hinos
e a Piacutetana junto do curso do Eurotas
eacute preciso chegar hoje em hora oportuna
Antiacutestrofe 2
Diz-se que Piacutetana unida a Posecircidon
filho de Crono
30 deu agrave luz uma filha com cabelo cor de violeta Evadne
Mas nas pregas de sua roupa escondeu a gravidez
e enviando no mecircs determinado
suas servas ordenou-lhes
que entregassem a crianccedila aos cuidados do heroacutei Eacutepito filho de Eacutelato
que reinava sobre os homens da Arcaacutedia em Fesana
e fora designado para habitar o Alfeu
35 Tendo sido criada aiacute sob o domiacutenio de Apolo
(Evadne) experimentou pela primeira vez a doccedilura de Afrodite
8
Epodo 2
E ela natildeo ocultou de Eacutepito durante toda
o tempo o filho do deus
Mas ele (Eacutepito) foi para Delfos reprimindo no coraccedilatildeo
a raiva inenarraacutevel com agudo propoacutesito
para consultar o oraacuteculo sobre
esse sofrimento insuportaacutevel
Ela por sua vez logo que depocircs a cinta purpuacuterea
40 e o cacircntaro de prata debaixo da mata sombria
deu agrave luz um filho inspirado pelos deuses Junto dela o de aacuteureos cabelos (Apolo)
estabeleceu a amaacutevel Iliacutetia
e as Moicircras
Estrofe 3
E de seu ventre no meio das dores
amaacuteveis do parto Iacuteamo
veio logo agrave luz E ela (Evadne) angustiada
45 deixou-o no chatildeo mas duas serpentes de olhos brilhantes
por desiacutegnio dos deuses cuidando dele
o alimentaram com o irrepreensiacutevel
veneno das abelhas Mas quando o rei
conduzindo seu carro chegou da
rochosa Delfos a todos em casa
perguntou sobre a crianccedila que Evadne
dera agrave luz de fato ele (Eacutepito) dizia que a crianccedila era filho de Febo
Antiacutestrofe 3
50 que acima dos mortais seria um adivinho para os homens
e jamais lhe faltaria descendecircncia
9
Assim entatildeo declarou Mas eles confessavam que natildeo o tinham ouvido
nem visto
embora tivesse nascido havia cinco dias Mas
na verdade estava escondido num canteiro de juncos no impenetraacutevel matagal
55 pelos raios dourados e roxos das violetas
banhado em seu delicado
corpo Por isso sua matildee declarou
que ele fosse chamado durante todo o tempo
por esse nome imortal
Mas depois que recebeu o fruto da amaacutevel
Juventude da coroa dourada descendo no meio do Alfeu
invocou o poderoso Posecircidon
seu avocirc e o arqueiro guardiatildeo
da divina Delos
60 pedindo para sua cabeccedila uma honra que alimentasse o povo
no ar livre da noite Clara ressoou a voz paterna e lhe pediu
lsquoLevanta-te filho
vem aqui para a terra paterna
atraacutes da minha vozrsquo
Estrofe 4
Chegaram ao escarpado
rochedo do monte de Crono
65 onde ele lhe outorgou o duplo tesouro
da adivinhaccedilatildeo primeiro ouvir a voz
desconhecedora das mentiras e depois quando
chegasse o de ousados expedientes
10
Heacuteracles majestoso filho dos Alceus19
69 para fundar em honra de seu pai uma festa concorrida
e o maior festival dos jogos
70 na parte mais alta do altar de Zeus
ordenou entatildeo que (Iacuteamo) estabelecesse o oraacuteculo
Antiacutestrofe 4
Desde aquele momento eacute renomada entre
os Helenos a linhagem dos Iacircmidas
A prosperidade os acompanhou ao mesmo tempo E honrando as virtudes
percorrem um caminho visiacutevel daacute provas disso
cada accedilatildeo (deles) Mas a censura da parte
de outros invejosos estaacute suspensa
75 sobre aqueles que foram outrora os primeiros a conduzir o carro na corrida de doze
voltas
e sobre os quais a Graccedila veneranda derrama
gloriosa forma corporal
Se na verdade habitando sob a montanha
de Cilene oacute Hageacutesias teus antepassados maternos
Epodo 4
presentearam
muitas vezes o arauto dos deuses
Hermes com muitos sacrifiacutecios suplicantes de modo piedoso
ele que rege as competiccedilotildees atleacuteticas e a devida parte dos precircmios
80 e honra a Arcaacutedia de nobres varotildees
eacute ele oacute filho de Soacutestrato
com seu pai (Zeus) de barulho retumbante que realiza o teu ecircxito
19 Progenitor de de Anfitriatildeo e este o suposto pai de Heacuteracles
11
Tenho em minha liacutengua a fama de uma liacutempida pedra de afiar20
que quando eu quero se aproxima de mim com sopros de belas correntes
Minha avoacute materna era
de Estiacutenfalo a florescente Metopa
Esfrofe 5
que deu agrave luz Teba condutora de cavalos
de cuja deliciosa aacutegua
86 beberei enquanto teccedilo para os varotildees lanceiros
um hino variado Agora incita teus companheiros
oacute Eneias primeiro a Hera
Virginal celebrar
e depois a saber se evitamos o antigo insulto
90 de suiacuteno Beoacutecio com verdadeiras palavras
De fato eacutes correto mensageiro
inteacuterprete das Musas de belos cabelos
doce taccedila de cantos ressoantes
Antiacutestrofe 5
Diz-lhes que se lembrem
de Siracusa e de Ortiacutegia21
que Hieratildeo ao governaacute-la com imaculado cetro
com justos pensamentos
95 honra Demeacuteter de peacutes vermelhos
a festa de sua filha de brancos corceacuteis
e o poder de Zeus do Etna As liras
e as canccedilotildees de doces palavras o conhecem
20 Metaacutefora do fazer poeacutetico em que a liacutengua do poeta eacute estimulada agrave produccedilatildeo de um canto harmonioso 21Parte mais antiga de Siracusa onde estava situado o palaacutecio de Hieratildeo e talvez o de Hageacutesias (ORTEGA
Alfonso 1984 p 100)
12
Que o tempo em seu curso natildeo lhe destrua a felicidade
mas com amaacuteveis atos de amizade
receba (Hieratildeo) o cortejo processional de Hageacutesias
Epodo 5
(cortejo que) vem de uma casa para outra
das muralhas de Estiacutenfalo
100 e deixa a matildee da Arcaacutedia rica em rebanhos
Boas satildeo na tempestuosa
noite para serem lanccediladas de uma nau veloz
duas acircncoras Que o deus
a estes e agravequeles conceda com amizade glorioso destino
Oacute senhor soberano do mar concede uma direta travessia
isenta de dificuldades oacute esposo
105 de Anfitrite da roca de ouro e faz prosperar
a flor jubilosa de meus hinos
O atleta homenageado da ode eacute filho de Soacutestrato (vv 9 80) pertencente agrave
linhagem dos Iacircmidas e de uma mulher cujos antepassados procediam de Cilene (vv 77-
8) montanha ao norte da Arcaacutedia onde se situava a cidade de Estiacutenfalo ndash lugar em que
ocorrera provavelmente a primeira performance22 do epiniacutecio (vv 99-100) e onde o deus
Hermes era cultuado (vv 79-81) Note-se que a referecircncia a essa divindade vincula o
triunfo atleacutetico agrave benevolecircncia divina tendo em vista ter sido Hermes a divindade doadora
da vitoacuteria (v 81) a Hageacutesias Com efeito a relaccedilatildeo entre a vitoacuteria e a vontade dos deuses
constitui um topos23 da poesia pindaacuterica
22 O argumento da maior parte da criacutetica pindaacuterica sobre a ode ter sido executada em Estiacutenfalo fundamenta-
se nos versos 98-105 nos quais o vencedor e seu kocircmos saem de Estiacutenfalo rumo a Siracusa Acresce ainda
que o fato de o laureado ter laccedilos estreitos com as duas cidades motivou uma discussatildeo acerca da localizaccedilatildeo
da premiegravere do canto triunfal (STAMATOPOULOU 2014 p 1)
23 Cf eg Oliacutempicas 9 vv 100-4 13 vv 13-8 Piacutetica 10 vv 10-5
13
De modo anaacutelogo ao proecircmio da Odisseia (vv 1-10) em que natildeo se menciona o
nome do heroacutei Odisseu designado somente no verso 21 tambeacutem em Oliacutempica 6 o nome
do atleta homenageado soacute aparece no verso 12 por meio de uma invocaccedilatildeo muito embora
tenha sido referido indiretamente no verso 4 apenas pela forma verbal em terceira pessoa
e nos versos 4 a 9 por meio da citaccedilatildeo de seus atributos e de sua descendecircncia
Informa tambeacutem o canto agonal ter tido o vencedor dupla funccedilatildeo a de guardiatildeo
do altar profeacutetico de Zeus em Pisa (v 5) ndash tendo em vista ter como ascendente o adivinho
Iacuteamo que recebera de seu pai Apolo o dom da profecia (vv 65-70) ndash e a de cofundador
de Siracusa (v 6)24 Essas referecircncias ao laureado histoacutericas e miacuteticas encontram-se
distribuiacutedas pelos 105 versos que compotildeem as cinco triacuteades de Oliacutempica 6 iniciada com
uma imagem metapoeacutetica ou autorreferencial em que se coteja o fazer poeacutetico com um
monumento e o poeta com um construtor como atesta nos quatro primeiros versos da
ode a presenccedila de termos pertencentes ao campo semacircntico da arquitetura como kiacuteonas
ldquocolunardquo euteikheicirc ldquobem muradordquo prothyacuteroi ldquopoacuterticordquo paacutexomen ldquoconstruamosrdquo e
proacutesōpon ldquofachadardquo entendido este uacuteltimo metaforicamente segundo o leacutexico pindaacuterico
editado por William Slater (1969 p 454) como o proecircmio da ode Logo eacute a
magnificecircncia dessa construccedilatildeo poeacutetico-arquitetocircnica ndash enfatizada pelos adjetivos
khryseacuteas ldquodouradasrdquo e telaugeacutes ldquoque brilha ao longerdquo ndash que torna impereciacuteveis a
efemeridade do evento atleacutetico ndash ideia sumarizada no verso 4 ndash e o proacuteprio destinataacuterio
apresentado ainda na primeira estrofe como vencedor oliacutempico guardiatildeo por heranccedila
paterna do altar divinatoacuterio de Zeus e cofundador de Siracusa ndash atributos que devem
brilhar ao longe
A par dessas metaacuteforas delineia-se na segunda estrofe a imagem do poeta-
condutor quando a persona loquens ao invocar o nome do condutor da quadriga ndash
Fiacutentis25 auriga de Hageacutesias ndash a ele se iguala como assinala o sintagma autorreferencial
baacutesomen oacutekkhon ldquoconduzamos a quadriga de mulasrdquo (v 24) Logo por meio de
linguagem metafoacuterica o fazer poeacutetico e a performance do canto convertem-se assinala
24 Segundo os escolia 8a e 8b Hageacutesias pode ser considerado cofundador de Siracusa porque seus
antepassados participaram da colonizaccedilatildeo desta cidade Entretanto Willamowitz (1922) e Luraghi (1997)
sugeriram que o proacuteprio Hageacutesias teria participada reestruturaccedilatildeo de Siracusa no governo do tirano Gelatildeo
(apud STAMATOPOULOU 2014 p 7 nota 21) Acerca da remodelaccedilatildeo ldquogelonianardquo de Siracusa ver
Hirata (2010 p 28-9)
25 Fiacutentis representa o aristocrata siracusano Hageacutesias patrocinador do treinamento das parelhas do auriga
(CALAME 2005 p 54)
14
Calame (2005 p 53) numa corrida de quadrigas toacutepos na poesia grega arcaica De fato
assim como o atleta conduz a quadriga agrave vitoacuteria tambeacutem o poeta-atleta elabora
harmoniosamente seus versos para glorificar o vencedor e sua linhagem Deste modo
configuram-se nesse percurso metafoacuterico a quadriga e a poesia como vias de acesso agrave
imortalidade a julgar pela presenccedila dos termos sinocircnimos keleuthoacutes (v 23) e hodoacutes (v
25) ldquocaminhordquo o primeiro dos quais representando conotativamente a poesia e o
segundo conservando sua acepccedilatildeo denotativa tem o sentido de rota percorrida pela
carruagem
Aliaacutes essas imagens metafoacutericas natildeo satildeo as uacutenicas empregadas pela persona
loquens para descrever por meio de metalinguagem sua arte poeacutetica comparada ora com
objetos preciosos ndash como na ode em pauta em que a canccedilatildeo eacute relacionada com um poacutertico
de colunas douradas (Ol 6 vv 1-4) ou em outras odes com uma taccedila de ouro (Ol 7
vv 1-4) e com ouro refinado (Nemeia 4 v 82) - ora com o produto resultante do trabalho
das abelhas (Ol 10 v 98 Nemeia 3 v 77) ou com elementos da natureza como a flor
(Ol 6 v 105) soacute para citar algumas Tambeacutem o mister do poeta eacute vinculado a diferentes
atividades profissionais como a de lavrador (Nemeia 6 v 32 Piacutetica 6 v 2) escultor
(Nemeia vv 1-5) arqueiro (Ol 1 v 111 Ol 2 vv 83-6) e tecelatildeo este uacuteltimo labor
evocado em Oliacutempica 6 (v 86) pelo emprego do verbo pleacutekō ldquotecerrdquo metaacutefora frequente
do fazer poeacutetico na poesia meacutelica assinala Calame (2005 p58 n12) Com efeito do
mesmo modo que o tecelatildeo tranccedila com sutileza e habilidade os fios para a confecccedilatildeo do
tecido tambeacutem o poeta elabora seu discurso poeacutetico entrelaccedilando recursos literaacuterios e
linguiacutesticos combinados com o ritmo e a harmonia para a perfeita composiccedilatildeo da ode e
por conseguinte para a glorificaccedilatildeo do atleta vencedor como se infere dos versos 86-7
ldquoteccedilo para os varotildees lanceiros um hino variadordquo
Entre os elementos constitutivos do epiniacutecio pindaacuterico eacute interessante pontuar
ainda a alternacircncia das formas de primeira pessoa26 do singular e do plural (eunoacutes ndash vv
3 21 23 24 82 84 86 e 105) por meio da qual eacute possiacutevel haver um revezamento entre
a voz do poema e a voz do coro dado que torna improdutiva segundo Calame (2005 p
58) a discussatildeo acerca da natureza do sujeito poeacutetico nas odes pindaacutericas ldquonem
unicamente ldquomonoacutedicordquo nem inteiramente coral o eunoacutes do locutor eacute essencialmente
polifocircnicordquo
26 Sobre o emprego da primeira pessoa na poesia pindaacuterica cf LEFKOWITZ Mary op cit 1991 p 1-71
15
Deve-se observar tambeacutem com Claire Muckensturn-Poulle (2009 p 77) que ao
longo da Oliacutempica 6 o sujeito do enunciado confere voz a outros enunciadores ora
empregando o discurso direto como no elogio que Adrasto faz a Anfiarau (vv 16-7) e na
ordem dada por Apolo a Iacuteamo (vv 62-3) no momento em que o deus lhe concede o dom
da profecia ora transferindo por meio de uma ordem sua funccedilatildeo de locutor do canto
agonal a Fiacutentis o auriga de Hageacutesias (v 22) ou a Eneias o khorodidaacuteskalos (vv 88-96)
com os quais se identifica como poeta-condutor e poeta-mestre do coro
Por outro lado haacute dados sugestivos da performance coral da ode e de seu local de
execuccedilatildeo haja vista a invocaccedilatildeo da persona loquens a Eneias possivelmente o
khorodidaacuteskalos - a julgar pelos escoacutelios a essa passagem (148a e 149ordf apud
STAMATOPOULOU 2014 p 11 nota 34 CALAME 2005 p 57 nota 10 p 58 nota
13) - a referecircncia aos hetaicircroi companheiros de Eneias e talvez integrantes do coro e
ainda o voto do sujeito poeacutetico para que o kocircmos ldquocortejo processionalrdquo ao vencedor
apoacutes ter sido apresentado em Estiacutenfalo como julga a maior parte da criacutetica pindaacuterica
acerca da premiegravere do epiniacutecio (apud STAMATOPOULOU 2014 p 2) fosse tambeacutem
recebido pelo tirano Hieratildeo em Siracusa onde seria realizada a reperformance durante a
festa cultual (v 95) dedicada a Demeacuteter e a Perseacutefone deusas tutelares de Siracusa culto
possivelmente organizado pela famiacutelia de Hieratildeo (apud CALAME 2005 p 59)
Evidenciam respectivamente a recepccedilatildeo e a reapresentaccedilatildeo do canto em Siracusa a
forma verbal deacutexaito ldquorecebardquo (v 98) no optativo desiderativo enfatizada pela expressatildeo
sỳn degrave philophrosyacutenas euētaacutetois ldquocom amaacuteveis atos de amizaderdquo e os sintagmas
adverbiais presentes no verso 99 oiacutekothen oiacutekadrsquo ldquode uma casa para outrardquo e apograve
Stymphaliacuteōn ldquode Estiacutenfalordquo e por fim a justaposiccedilatildeo no verso 102 dos pronomes tocircnde
ldquoestesrdquo e keiacutenon ldquoagravequelesrdquo alusivos aos estinfaacutelios e siracusanos respectivamente Assim
como esses elementos apontam para a saiacuteda do vencedor da cidade Estiacutenfalo e Siracusa
eacute ainda um lugar a ser alcanccedilado por via mariacutetima acredita-se que a execuccedilatildeo primeira
do canto tenha ocorrido na cidade da matildee de Hageacutesias Note-se que o atleta e as duas
cidades a de seus antepassados maternos Estiacutenfalo e a sua terra natal Siracusa satildeo ainda
representados respectivamente pelas imagens metafoacutericas do navio e das duas acircncoras
(vv 101-5a) imagens que remetem ao deus do mar Posecircidon invocado pela persona
loquens para conceder uma favoraacutevel travessia ao kocircmos de Hageacutesias do qual
possivelmente fazia parte o chefe do coro responsaacutevel segundo Calame (2005 p 57)
16
pelo treinamento dos coreutashetaicircroi que deveriam transmitir em performance coral a
voz do poeta
Ainda acerca dessa metaacutefora mariacutetima Meacuteautis (1962 p 200) Kirkwood (1982
p 94) a interpretam como uma referecircncia agrave crise poliacutetica instaurada em Siracusa nos
uacuteltimos anos de governo de Hieratildeo crise representada pela imagem da lsquotempestuosa
noitersquo (vv 100-1) Assim na qualidade de cidadatildeo siracusano observa ainda Meacuteautis
(1962 p 200) Hageacutesias prevendo a queda do regime tiracircnico pretendia solicitar uma
nova cidadania em Estiacutenfalo A esse respeito vale mencionar uma vez mais a opiniatildeo
de Stamatopoulou (2014 p 3-4) que compartilhando do ponto de vista de Stehle julga
ter sido a ode executada primeiramente em Estiacutenfalo com o objetivo de estreitarem-se os
laccedilos entre o vencedor e essa cidade da Arcaacutedia
No que concerne ao possiacutevel chefe do coro o sujeito poeacutetico num tom laudatoacuterio
refere-se a Eneias como notou Kirkwood (1982 p 93) acerca do estilo metafoacuterico de
Piacutendaro - como aacutengelos ldquomensageirordquo (v 90) e skytaacutela (v 91)27 traduzido como
ldquointeacuterpreterdquo por ser ele o responsaacutevel pela recepccedilatildeo dos efluacutevios das Musas ndash como
explicita a expressatildeo ldquodoce taccedila de cantos ressoantesrdquo (v 91) - pela transmissatildeo e
reapresentaccedilatildeo da mensagemcanto em Siracusa onde tambeacutem deveria ser objeto de
encocircmio o tirano Hieratildeo do qual se enfatizam o governo justo a piedade religiosa os
triunfos jaacute festejados ldquopelas liras e canccedilotildees de doces palavrasrdquo (vv 96-7) a generosidade
e a amizade (v 98)
Deste modo a referecircncia a Eneias destaca o importante papel do poeta-cantor na
perpetuaccedilatildeo do triunfo agonal Nesse complexo processo de elaboraccedilatildeo poeacutetico-
perfomativa utilizam-se natildeo soacute metaacuteforas como jaacute destacou mas tambeacutem narrativas
miacuteticas relacionadas com a arte divinatoacuteria Assim por meio do elogio ao atleta
homenageado evoca-se primeiramente como modelo miacutetico Anfiarau (vv 12-21) ndash
participante da expediccedilatildeo dos Sete contra Tebas sob o comando de Adrasto rei de
Argos- possuidor das mesmas atribuiccedilotildees do laureado jaacute que ambos satildeo
guerreirogeneral e adivinho Eacute importante enfatizar que a transiccedilatildeo do tempo presente
representado pelo vencedor para o passado miacutetico se estabelece por meio do pronome
relativo hoacuten (v 12) referente ao louvor destinado a Hageacutesias e a Anfiarau e do adveacuterbio
27 Em Esparta espeacutecie de bastatildeo de madeira sobre o qual se enrolavam correias compridas e estreitas com
mensagens secretas lidas e compreendidas por quem possuiacutesse um bastatildeo idecircntico (PINDARE
Olympiques 1971 p 85 nota 4)
17
potrsquo ldquooutrora (v 13) com base no qual se alude ao desaparecimento repentino do
adivinho tebano (v 14) que segundo a versatildeo miacutetica fora arrebatado por Zeus para evitar
a morte do heroacutei como se infere do emprego do verbo katamaacuterptō lsquoengolirrsquo em tmese
que indica ter sido Anfiarau tragado pela terra Observa Barciela (2015 p 53) que esse
corte entre a preposiccedilatildeo kataacute ldquodebaixo derdquo ldquosobrdquo (v 14) e o radical do verbo salienta
natildeo somente o sentido do preveacuterbio mas tambeacutem aponta a razatildeo de natildeo ter Adrasto
encontrado Anfiarau nas sete piras Acredita-se ter sido essa a razatildeo de Adrasto ter
proferido ao adivinho um elogio em discurso direto por meio da imagem metafoacuterica
stratiacircs ophthalmograven emacircs ldquoolho28 do meu exeacutercitordquo metaacutefora que aleacutem de assinalar a
importacircncia de Anfiarau na expediccedilatildeo tebana lhe sintetiza os dois atributos relacionados
respectivamente com a macircntica e com a guerra
Julga-se que a menccedilatildeo ao atributo divinatoacuterio de Anfiarau constitui um meio de
antecipaccedilatildeo do principal mito da ode cujo eixo temaacutetico se centra no nascimento de
Iacuteamo29 (vv 39-47) e em sua iniciaccedilatildeo na arte divinatoacuteria tornando-se o primeiro de uma
famiacutelia de adivinhos ndash os Iacircmidas ndash e o responsaacutevel pelo altar profeacutetico de Zeus em
Oliacutempia (v 70)
Eacute digno de nota ter sido o citado mito introduzido pelas imagens metafoacutericas do
poeta-condutor e da poesia-quadriga por meio das quais anota Calame (2005 p 54)
ocorre um deslocamento geograacutefico-temporal jaacute que a par do movimento de Oliacutempia ndash
lugar onde ocorrera a competiccedilatildeo desportiva ndash para Piacutetana cidade espartana situada junto
ao leito do rio Eurotas na Lacocircnia haacute uma transposiccedilatildeo do tempo da ldquoenunciaccedilatildeo do
cantordquo isto eacute o tempo presente ndash marcado pelo adveacuterbio saacutemeron lsquohojersquo (v 28) ndash para o
passado miacutetico indicado pela referecircncia a Piacutetana- natildeo somente o nome de uma pequena
povoaccedilatildeo de que se compunha Esparta mas tambeacutem o nome de uma ninfa filha do deus-
rio Eurotas e fundadora da linhagem dos Iacircmidas - que unida a Posecircidon gerou em
segredo Evadne matildee de Iacuteamo ancestral miacutetico de uma extensa linhagem de adivinhos
28 Imagem presente em Oliacutempica 2 (v 10) em referecircncia aos ancestrais histoacutericos de Teratildeo de Agrigento
e em Piacutetica 5 (vv 55-7a) em alusatildeo a Bato fundador da estirpe dos reis de Cirene cidade do vencedor
Com relaccedilatildeo agrave imagem do olho em Oliacutempica 6 conveacutem lembrar citando Villarrubia (1995 p 17) Suaacuterez
de la Torre (1989 p 97) e Meacuteautis (1962 p 195) que o escoacutelio pindaacuterico ao citado verso refere a Tebaida
como fonte direta do elogio de Adrasto a Anfiarau 29Como observa Nisetich (1998 p 2) nas odes pindaacutericas eacute conferido destaque maior agrave famiacutelia do vencedor
que ao proacuteprio homenageado jaacute que se busca em fatos preteacuteritos explicaccedilotildees ou justificativas para o
momento presente A esse respeito verifica-se na ode em estudo que a volta ao passado (vv 28-71)
constitui um meio de glorificaccedilatildeo do homenageado
18
cujo representante atual eacute o vencedor oliacutempico Hageacutesias de Siracusa Evadne por sua
vez seduzida por Apolo deu agrave luz Iacuteamo cuja vocaccedilatildeo profeacutetica eacute anunciada na ode pelo
atributo theoacutephrona lsquoinspirado pelos deusesrsquo (v 41) e pelo oraacuteculo de Delfos revelado
ao pai mortal e adotivo de Evadne ndash Eacutepito - a quem satildeo declarados a origem e o dom
divinatoacuterio de Iacuteamo (vv 49b-51) cujo nome de etimologia obscura estaacute associado ao
nome da flor violeta (DUCHEMIN 1955 p 242-3) iacuteon tambeacutem presente no epiacuteteto
atribuiacutedo a Evadne ioacuteplokos ldquocabelo cor de violetardquo (v 30) portanto cor que identifica
Iacuteamo como filho de Evadne Em sintonia com Eleanor Irwin (1996 p 386) acerca de seu
comentaacuterio sobre o ambiente onde Iacuteamo fora abandonado por sua matildee isto eacute khamaiacute ldquono
chatildeordquo (v 45) considera-se que esse lugar eacute tambeacutem ser esse sobrenatural haja vista terem
florescido do chatildeo violetas que forneceram ao receacutem-nascido calor e proteccedilatildeo necessaacuterios
agrave sua sobrevivecircncia Destarte as violetas simbolizam a proacutepria Evadne posto que
exerceram a funccedilatildeo materna
Significativo tambeacutem nessa passagem eacute o fato de ter sido por intervenccedilatildeo divina
(v 46) Iacuteamo alimentado por duas serpentes (45b-47a) com ldquoo veneno irrepreensiacutevel das
abelhasrdquo expressatildeo que se associa anotou Duchemin (1955 p 251) jaacute haacute algum tempo
ao dom da profecia e do fazer poeacutetico Deborah Steiner (1986 p 103) por sua vez refere
acerca dessa passagem que a relaccedilatildeo entre a serpente animal macircntico por excelecircncia
(Meacuteautis 1962 p 196) e o mel anuncia o dom profeacutetico que o receacutem-nascido teria
posteriormente30
Ao chegar agrave adolescecircncia Iacuteamo ciente de sua ascendecircncia divina solicita a seu
avocirc Posecircidon e a seu pai Apolo um atributo que beneficiasse todo o povo uma honra
puacuteblica laoacutethrophos ldquoque alimentasse o povordquo (v 60) Ressalte-se que embora a suacuteplica
tenha sido dirigida a essas duas divindades eacute Apolo nomeado com seu epiacuteteto ldquoarqueiro
guardiatildeo da divina Delosrdquo (v 59) quem concede ao filho o duplo dom da adivinhaccedilatildeo
(vv 65-70) a faculdade de ouvir-lhe a voz profeacutetica pautada sempre na verdade e a
fundaccedilatildeo de oraacuteculo de Zeus em Oliacutempia antes mesmo da instituiccedilatildeo dos Jogos
Oliacutempicos por Heacuteracles Logo com a concessatildeo da daacutediva da adivinhaccedilatildeo encerra-se o
relato miacutetico dos Iacircmidas Faz entatildeo a voz do poema a passagem do tempo miacutetico (vv
71-7) para o passado proacuteximo de Hageacutesias com a alusatildeo laudatoacuteria aos antepassados
30 Acrescente-se que a relaccedilatildeo entre a serpente e a figura de Apolo se justifica pelo fato de a divindade ter
assassinado a serpente Piacuteton para habitar Delfos
19
histoacutericos do vencedor (vv 78-81) e numa referecircncia metapoeacutetica (vv 82-7b) a seus
proacuteprios ancestrais por serem todos procedentes da cidade de Estiacutenfalo dado que
identifica o laureado com a persona loquens
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de que hino fugiria
tal homem ao encontrar
cidadatildeos sem inveja no meio de cantos encantadores
Antiacutestrofe 1
Saiba na verdade que nesta sandaacutelia18
tem seu peacute afortunado
o filho de Soacutestrato Faccedilanhas sem riscos
10 nem junto aos homens nem nas cocircncavas naus
satildeo honradas mas muitos se lembram
quando algo de belo foi realizado com esforccedilo
Oacute Hageacutesias eacute teu o real elogio que com justo
discurso Adrasto outrora proclamara para o vidente
filho de Oicles Anfiarau
quando a terra o
engoliu e tambeacutem os seus brilhantes cavalos
Epodo 1
15 Depois quando tinham queimado as sete piras
de cadaacuteveres o filho de Talau (Adrasto)
proferiu em Tebas o seguinte discurso
lsquoEstou com saudades do olho de meu exeacutercito
bom em duas coisas ser adivinho e
combater com a lanccedilarsquo Isto tambeacutem
eacute verdadeiro para o homem de Siracusa senhor do cortejo processional
Embora natildeo seja ele propenso agrave desavenccedila nem amigo de disputa em excesso
18Com valor metafoacuterico na acepccedilatildeo de ldquonesta posiccedilatildeordquo (SLATER1969 p 401)
7
20 fazendo um grande juramento disso claramente lhe
darei testemunho e com vozes doces como o mel
as Musas o aprovaratildeo
Estrofe 2
Oacute Fiacutentis pois bem atrela agora
para mim a forccedila das mulas
o mais raacutepido possiacutevel para que em caminho puro
conduzamos a quadriga de mulas e eu chegue ateacute
25 a linhagem destes homens pois essas mulas mais do que
outras sabem abrir
esse caminho jaacute que coroas em Oliacutempia
ganharam eacute preciso entatildeo
abrir-lhes as portas dos hinos
e a Piacutetana junto do curso do Eurotas
eacute preciso chegar hoje em hora oportuna
Antiacutestrofe 2
Diz-se que Piacutetana unida a Posecircidon
filho de Crono
30 deu agrave luz uma filha com cabelo cor de violeta Evadne
Mas nas pregas de sua roupa escondeu a gravidez
e enviando no mecircs determinado
suas servas ordenou-lhes
que entregassem a crianccedila aos cuidados do heroacutei Eacutepito filho de Eacutelato
que reinava sobre os homens da Arcaacutedia em Fesana
e fora designado para habitar o Alfeu
35 Tendo sido criada aiacute sob o domiacutenio de Apolo
(Evadne) experimentou pela primeira vez a doccedilura de Afrodite
8
Epodo 2
E ela natildeo ocultou de Eacutepito durante toda
o tempo o filho do deus
Mas ele (Eacutepito) foi para Delfos reprimindo no coraccedilatildeo
a raiva inenarraacutevel com agudo propoacutesito
para consultar o oraacuteculo sobre
esse sofrimento insuportaacutevel
Ela por sua vez logo que depocircs a cinta purpuacuterea
40 e o cacircntaro de prata debaixo da mata sombria
deu agrave luz um filho inspirado pelos deuses Junto dela o de aacuteureos cabelos (Apolo)
estabeleceu a amaacutevel Iliacutetia
e as Moicircras
Estrofe 3
E de seu ventre no meio das dores
amaacuteveis do parto Iacuteamo
veio logo agrave luz E ela (Evadne) angustiada
45 deixou-o no chatildeo mas duas serpentes de olhos brilhantes
por desiacutegnio dos deuses cuidando dele
o alimentaram com o irrepreensiacutevel
veneno das abelhas Mas quando o rei
conduzindo seu carro chegou da
rochosa Delfos a todos em casa
perguntou sobre a crianccedila que Evadne
dera agrave luz de fato ele (Eacutepito) dizia que a crianccedila era filho de Febo
Antiacutestrofe 3
50 que acima dos mortais seria um adivinho para os homens
e jamais lhe faltaria descendecircncia
9
Assim entatildeo declarou Mas eles confessavam que natildeo o tinham ouvido
nem visto
embora tivesse nascido havia cinco dias Mas
na verdade estava escondido num canteiro de juncos no impenetraacutevel matagal
55 pelos raios dourados e roxos das violetas
banhado em seu delicado
corpo Por isso sua matildee declarou
que ele fosse chamado durante todo o tempo
por esse nome imortal
Mas depois que recebeu o fruto da amaacutevel
Juventude da coroa dourada descendo no meio do Alfeu
invocou o poderoso Posecircidon
seu avocirc e o arqueiro guardiatildeo
da divina Delos
60 pedindo para sua cabeccedila uma honra que alimentasse o povo
no ar livre da noite Clara ressoou a voz paterna e lhe pediu
lsquoLevanta-te filho
vem aqui para a terra paterna
atraacutes da minha vozrsquo
Estrofe 4
Chegaram ao escarpado
rochedo do monte de Crono
65 onde ele lhe outorgou o duplo tesouro
da adivinhaccedilatildeo primeiro ouvir a voz
desconhecedora das mentiras e depois quando
chegasse o de ousados expedientes
10
Heacuteracles majestoso filho dos Alceus19
69 para fundar em honra de seu pai uma festa concorrida
e o maior festival dos jogos
70 na parte mais alta do altar de Zeus
ordenou entatildeo que (Iacuteamo) estabelecesse o oraacuteculo
Antiacutestrofe 4
Desde aquele momento eacute renomada entre
os Helenos a linhagem dos Iacircmidas
A prosperidade os acompanhou ao mesmo tempo E honrando as virtudes
percorrem um caminho visiacutevel daacute provas disso
cada accedilatildeo (deles) Mas a censura da parte
de outros invejosos estaacute suspensa
75 sobre aqueles que foram outrora os primeiros a conduzir o carro na corrida de doze
voltas
e sobre os quais a Graccedila veneranda derrama
gloriosa forma corporal
Se na verdade habitando sob a montanha
de Cilene oacute Hageacutesias teus antepassados maternos
Epodo 4
presentearam
muitas vezes o arauto dos deuses
Hermes com muitos sacrifiacutecios suplicantes de modo piedoso
ele que rege as competiccedilotildees atleacuteticas e a devida parte dos precircmios
80 e honra a Arcaacutedia de nobres varotildees
eacute ele oacute filho de Soacutestrato
com seu pai (Zeus) de barulho retumbante que realiza o teu ecircxito
19 Progenitor de de Anfitriatildeo e este o suposto pai de Heacuteracles
11
Tenho em minha liacutengua a fama de uma liacutempida pedra de afiar20
que quando eu quero se aproxima de mim com sopros de belas correntes
Minha avoacute materna era
de Estiacutenfalo a florescente Metopa
Esfrofe 5
que deu agrave luz Teba condutora de cavalos
de cuja deliciosa aacutegua
86 beberei enquanto teccedilo para os varotildees lanceiros
um hino variado Agora incita teus companheiros
oacute Eneias primeiro a Hera
Virginal celebrar
e depois a saber se evitamos o antigo insulto
90 de suiacuteno Beoacutecio com verdadeiras palavras
De fato eacutes correto mensageiro
inteacuterprete das Musas de belos cabelos
doce taccedila de cantos ressoantes
Antiacutestrofe 5
Diz-lhes que se lembrem
de Siracusa e de Ortiacutegia21
que Hieratildeo ao governaacute-la com imaculado cetro
com justos pensamentos
95 honra Demeacuteter de peacutes vermelhos
a festa de sua filha de brancos corceacuteis
e o poder de Zeus do Etna As liras
e as canccedilotildees de doces palavras o conhecem
20 Metaacutefora do fazer poeacutetico em que a liacutengua do poeta eacute estimulada agrave produccedilatildeo de um canto harmonioso 21Parte mais antiga de Siracusa onde estava situado o palaacutecio de Hieratildeo e talvez o de Hageacutesias (ORTEGA
Alfonso 1984 p 100)
12
Que o tempo em seu curso natildeo lhe destrua a felicidade
mas com amaacuteveis atos de amizade
receba (Hieratildeo) o cortejo processional de Hageacutesias
Epodo 5
(cortejo que) vem de uma casa para outra
das muralhas de Estiacutenfalo
100 e deixa a matildee da Arcaacutedia rica em rebanhos
Boas satildeo na tempestuosa
noite para serem lanccediladas de uma nau veloz
duas acircncoras Que o deus
a estes e agravequeles conceda com amizade glorioso destino
Oacute senhor soberano do mar concede uma direta travessia
isenta de dificuldades oacute esposo
105 de Anfitrite da roca de ouro e faz prosperar
a flor jubilosa de meus hinos
O atleta homenageado da ode eacute filho de Soacutestrato (vv 9 80) pertencente agrave
linhagem dos Iacircmidas e de uma mulher cujos antepassados procediam de Cilene (vv 77-
8) montanha ao norte da Arcaacutedia onde se situava a cidade de Estiacutenfalo ndash lugar em que
ocorrera provavelmente a primeira performance22 do epiniacutecio (vv 99-100) e onde o deus
Hermes era cultuado (vv 79-81) Note-se que a referecircncia a essa divindade vincula o
triunfo atleacutetico agrave benevolecircncia divina tendo em vista ter sido Hermes a divindade doadora
da vitoacuteria (v 81) a Hageacutesias Com efeito a relaccedilatildeo entre a vitoacuteria e a vontade dos deuses
constitui um topos23 da poesia pindaacuterica
22 O argumento da maior parte da criacutetica pindaacuterica sobre a ode ter sido executada em Estiacutenfalo fundamenta-
se nos versos 98-105 nos quais o vencedor e seu kocircmos saem de Estiacutenfalo rumo a Siracusa Acresce ainda
que o fato de o laureado ter laccedilos estreitos com as duas cidades motivou uma discussatildeo acerca da localizaccedilatildeo
da premiegravere do canto triunfal (STAMATOPOULOU 2014 p 1)
23 Cf eg Oliacutempicas 9 vv 100-4 13 vv 13-8 Piacutetica 10 vv 10-5
13
De modo anaacutelogo ao proecircmio da Odisseia (vv 1-10) em que natildeo se menciona o
nome do heroacutei Odisseu designado somente no verso 21 tambeacutem em Oliacutempica 6 o nome
do atleta homenageado soacute aparece no verso 12 por meio de uma invocaccedilatildeo muito embora
tenha sido referido indiretamente no verso 4 apenas pela forma verbal em terceira pessoa
e nos versos 4 a 9 por meio da citaccedilatildeo de seus atributos e de sua descendecircncia
Informa tambeacutem o canto agonal ter tido o vencedor dupla funccedilatildeo a de guardiatildeo
do altar profeacutetico de Zeus em Pisa (v 5) ndash tendo em vista ter como ascendente o adivinho
Iacuteamo que recebera de seu pai Apolo o dom da profecia (vv 65-70) ndash e a de cofundador
de Siracusa (v 6)24 Essas referecircncias ao laureado histoacutericas e miacuteticas encontram-se
distribuiacutedas pelos 105 versos que compotildeem as cinco triacuteades de Oliacutempica 6 iniciada com
uma imagem metapoeacutetica ou autorreferencial em que se coteja o fazer poeacutetico com um
monumento e o poeta com um construtor como atesta nos quatro primeiros versos da
ode a presenccedila de termos pertencentes ao campo semacircntico da arquitetura como kiacuteonas
ldquocolunardquo euteikheicirc ldquobem muradordquo prothyacuteroi ldquopoacuterticordquo paacutexomen ldquoconstruamosrdquo e
proacutesōpon ldquofachadardquo entendido este uacuteltimo metaforicamente segundo o leacutexico pindaacuterico
editado por William Slater (1969 p 454) como o proecircmio da ode Logo eacute a
magnificecircncia dessa construccedilatildeo poeacutetico-arquitetocircnica ndash enfatizada pelos adjetivos
khryseacuteas ldquodouradasrdquo e telaugeacutes ldquoque brilha ao longerdquo ndash que torna impereciacuteveis a
efemeridade do evento atleacutetico ndash ideia sumarizada no verso 4 ndash e o proacuteprio destinataacuterio
apresentado ainda na primeira estrofe como vencedor oliacutempico guardiatildeo por heranccedila
paterna do altar divinatoacuterio de Zeus e cofundador de Siracusa ndash atributos que devem
brilhar ao longe
A par dessas metaacuteforas delineia-se na segunda estrofe a imagem do poeta-
condutor quando a persona loquens ao invocar o nome do condutor da quadriga ndash
Fiacutentis25 auriga de Hageacutesias ndash a ele se iguala como assinala o sintagma autorreferencial
baacutesomen oacutekkhon ldquoconduzamos a quadriga de mulasrdquo (v 24) Logo por meio de
linguagem metafoacuterica o fazer poeacutetico e a performance do canto convertem-se assinala
24 Segundo os escolia 8a e 8b Hageacutesias pode ser considerado cofundador de Siracusa porque seus
antepassados participaram da colonizaccedilatildeo desta cidade Entretanto Willamowitz (1922) e Luraghi (1997)
sugeriram que o proacuteprio Hageacutesias teria participada reestruturaccedilatildeo de Siracusa no governo do tirano Gelatildeo
(apud STAMATOPOULOU 2014 p 7 nota 21) Acerca da remodelaccedilatildeo ldquogelonianardquo de Siracusa ver
Hirata (2010 p 28-9)
25 Fiacutentis representa o aristocrata siracusano Hageacutesias patrocinador do treinamento das parelhas do auriga
(CALAME 2005 p 54)
14
Calame (2005 p 53) numa corrida de quadrigas toacutepos na poesia grega arcaica De fato
assim como o atleta conduz a quadriga agrave vitoacuteria tambeacutem o poeta-atleta elabora
harmoniosamente seus versos para glorificar o vencedor e sua linhagem Deste modo
configuram-se nesse percurso metafoacuterico a quadriga e a poesia como vias de acesso agrave
imortalidade a julgar pela presenccedila dos termos sinocircnimos keleuthoacutes (v 23) e hodoacutes (v
25) ldquocaminhordquo o primeiro dos quais representando conotativamente a poesia e o
segundo conservando sua acepccedilatildeo denotativa tem o sentido de rota percorrida pela
carruagem
Aliaacutes essas imagens metafoacutericas natildeo satildeo as uacutenicas empregadas pela persona
loquens para descrever por meio de metalinguagem sua arte poeacutetica comparada ora com
objetos preciosos ndash como na ode em pauta em que a canccedilatildeo eacute relacionada com um poacutertico
de colunas douradas (Ol 6 vv 1-4) ou em outras odes com uma taccedila de ouro (Ol 7
vv 1-4) e com ouro refinado (Nemeia 4 v 82) - ora com o produto resultante do trabalho
das abelhas (Ol 10 v 98 Nemeia 3 v 77) ou com elementos da natureza como a flor
(Ol 6 v 105) soacute para citar algumas Tambeacutem o mister do poeta eacute vinculado a diferentes
atividades profissionais como a de lavrador (Nemeia 6 v 32 Piacutetica 6 v 2) escultor
(Nemeia vv 1-5) arqueiro (Ol 1 v 111 Ol 2 vv 83-6) e tecelatildeo este uacuteltimo labor
evocado em Oliacutempica 6 (v 86) pelo emprego do verbo pleacutekō ldquotecerrdquo metaacutefora frequente
do fazer poeacutetico na poesia meacutelica assinala Calame (2005 p58 n12) Com efeito do
mesmo modo que o tecelatildeo tranccedila com sutileza e habilidade os fios para a confecccedilatildeo do
tecido tambeacutem o poeta elabora seu discurso poeacutetico entrelaccedilando recursos literaacuterios e
linguiacutesticos combinados com o ritmo e a harmonia para a perfeita composiccedilatildeo da ode e
por conseguinte para a glorificaccedilatildeo do atleta vencedor como se infere dos versos 86-7
ldquoteccedilo para os varotildees lanceiros um hino variadordquo
Entre os elementos constitutivos do epiniacutecio pindaacuterico eacute interessante pontuar
ainda a alternacircncia das formas de primeira pessoa26 do singular e do plural (eunoacutes ndash vv
3 21 23 24 82 84 86 e 105) por meio da qual eacute possiacutevel haver um revezamento entre
a voz do poema e a voz do coro dado que torna improdutiva segundo Calame (2005 p
58) a discussatildeo acerca da natureza do sujeito poeacutetico nas odes pindaacutericas ldquonem
unicamente ldquomonoacutedicordquo nem inteiramente coral o eunoacutes do locutor eacute essencialmente
polifocircnicordquo
26 Sobre o emprego da primeira pessoa na poesia pindaacuterica cf LEFKOWITZ Mary op cit 1991 p 1-71
15
Deve-se observar tambeacutem com Claire Muckensturn-Poulle (2009 p 77) que ao
longo da Oliacutempica 6 o sujeito do enunciado confere voz a outros enunciadores ora
empregando o discurso direto como no elogio que Adrasto faz a Anfiarau (vv 16-7) e na
ordem dada por Apolo a Iacuteamo (vv 62-3) no momento em que o deus lhe concede o dom
da profecia ora transferindo por meio de uma ordem sua funccedilatildeo de locutor do canto
agonal a Fiacutentis o auriga de Hageacutesias (v 22) ou a Eneias o khorodidaacuteskalos (vv 88-96)
com os quais se identifica como poeta-condutor e poeta-mestre do coro
Por outro lado haacute dados sugestivos da performance coral da ode e de seu local de
execuccedilatildeo haja vista a invocaccedilatildeo da persona loquens a Eneias possivelmente o
khorodidaacuteskalos - a julgar pelos escoacutelios a essa passagem (148a e 149ordf apud
STAMATOPOULOU 2014 p 11 nota 34 CALAME 2005 p 57 nota 10 p 58 nota
13) - a referecircncia aos hetaicircroi companheiros de Eneias e talvez integrantes do coro e
ainda o voto do sujeito poeacutetico para que o kocircmos ldquocortejo processionalrdquo ao vencedor
apoacutes ter sido apresentado em Estiacutenfalo como julga a maior parte da criacutetica pindaacuterica
acerca da premiegravere do epiniacutecio (apud STAMATOPOULOU 2014 p 2) fosse tambeacutem
recebido pelo tirano Hieratildeo em Siracusa onde seria realizada a reperformance durante a
festa cultual (v 95) dedicada a Demeacuteter e a Perseacutefone deusas tutelares de Siracusa culto
possivelmente organizado pela famiacutelia de Hieratildeo (apud CALAME 2005 p 59)
Evidenciam respectivamente a recepccedilatildeo e a reapresentaccedilatildeo do canto em Siracusa a
forma verbal deacutexaito ldquorecebardquo (v 98) no optativo desiderativo enfatizada pela expressatildeo
sỳn degrave philophrosyacutenas euētaacutetois ldquocom amaacuteveis atos de amizaderdquo e os sintagmas
adverbiais presentes no verso 99 oiacutekothen oiacutekadrsquo ldquode uma casa para outrardquo e apograve
Stymphaliacuteōn ldquode Estiacutenfalordquo e por fim a justaposiccedilatildeo no verso 102 dos pronomes tocircnde
ldquoestesrdquo e keiacutenon ldquoagravequelesrdquo alusivos aos estinfaacutelios e siracusanos respectivamente Assim
como esses elementos apontam para a saiacuteda do vencedor da cidade Estiacutenfalo e Siracusa
eacute ainda um lugar a ser alcanccedilado por via mariacutetima acredita-se que a execuccedilatildeo primeira
do canto tenha ocorrido na cidade da matildee de Hageacutesias Note-se que o atleta e as duas
cidades a de seus antepassados maternos Estiacutenfalo e a sua terra natal Siracusa satildeo ainda
representados respectivamente pelas imagens metafoacutericas do navio e das duas acircncoras
(vv 101-5a) imagens que remetem ao deus do mar Posecircidon invocado pela persona
loquens para conceder uma favoraacutevel travessia ao kocircmos de Hageacutesias do qual
possivelmente fazia parte o chefe do coro responsaacutevel segundo Calame (2005 p 57)
16
pelo treinamento dos coreutashetaicircroi que deveriam transmitir em performance coral a
voz do poeta
Ainda acerca dessa metaacutefora mariacutetima Meacuteautis (1962 p 200) Kirkwood (1982
p 94) a interpretam como uma referecircncia agrave crise poliacutetica instaurada em Siracusa nos
uacuteltimos anos de governo de Hieratildeo crise representada pela imagem da lsquotempestuosa
noitersquo (vv 100-1) Assim na qualidade de cidadatildeo siracusano observa ainda Meacuteautis
(1962 p 200) Hageacutesias prevendo a queda do regime tiracircnico pretendia solicitar uma
nova cidadania em Estiacutenfalo A esse respeito vale mencionar uma vez mais a opiniatildeo
de Stamatopoulou (2014 p 3-4) que compartilhando do ponto de vista de Stehle julga
ter sido a ode executada primeiramente em Estiacutenfalo com o objetivo de estreitarem-se os
laccedilos entre o vencedor e essa cidade da Arcaacutedia
No que concerne ao possiacutevel chefe do coro o sujeito poeacutetico num tom laudatoacuterio
refere-se a Eneias como notou Kirkwood (1982 p 93) acerca do estilo metafoacuterico de
Piacutendaro - como aacutengelos ldquomensageirordquo (v 90) e skytaacutela (v 91)27 traduzido como
ldquointeacuterpreterdquo por ser ele o responsaacutevel pela recepccedilatildeo dos efluacutevios das Musas ndash como
explicita a expressatildeo ldquodoce taccedila de cantos ressoantesrdquo (v 91) - pela transmissatildeo e
reapresentaccedilatildeo da mensagemcanto em Siracusa onde tambeacutem deveria ser objeto de
encocircmio o tirano Hieratildeo do qual se enfatizam o governo justo a piedade religiosa os
triunfos jaacute festejados ldquopelas liras e canccedilotildees de doces palavrasrdquo (vv 96-7) a generosidade
e a amizade (v 98)
Deste modo a referecircncia a Eneias destaca o importante papel do poeta-cantor na
perpetuaccedilatildeo do triunfo agonal Nesse complexo processo de elaboraccedilatildeo poeacutetico-
perfomativa utilizam-se natildeo soacute metaacuteforas como jaacute destacou mas tambeacutem narrativas
miacuteticas relacionadas com a arte divinatoacuteria Assim por meio do elogio ao atleta
homenageado evoca-se primeiramente como modelo miacutetico Anfiarau (vv 12-21) ndash
participante da expediccedilatildeo dos Sete contra Tebas sob o comando de Adrasto rei de
Argos- possuidor das mesmas atribuiccedilotildees do laureado jaacute que ambos satildeo
guerreirogeneral e adivinho Eacute importante enfatizar que a transiccedilatildeo do tempo presente
representado pelo vencedor para o passado miacutetico se estabelece por meio do pronome
relativo hoacuten (v 12) referente ao louvor destinado a Hageacutesias e a Anfiarau e do adveacuterbio
27 Em Esparta espeacutecie de bastatildeo de madeira sobre o qual se enrolavam correias compridas e estreitas com
mensagens secretas lidas e compreendidas por quem possuiacutesse um bastatildeo idecircntico (PINDARE
Olympiques 1971 p 85 nota 4)
17
potrsquo ldquooutrora (v 13) com base no qual se alude ao desaparecimento repentino do
adivinho tebano (v 14) que segundo a versatildeo miacutetica fora arrebatado por Zeus para evitar
a morte do heroacutei como se infere do emprego do verbo katamaacuterptō lsquoengolirrsquo em tmese
que indica ter sido Anfiarau tragado pela terra Observa Barciela (2015 p 53) que esse
corte entre a preposiccedilatildeo kataacute ldquodebaixo derdquo ldquosobrdquo (v 14) e o radical do verbo salienta
natildeo somente o sentido do preveacuterbio mas tambeacutem aponta a razatildeo de natildeo ter Adrasto
encontrado Anfiarau nas sete piras Acredita-se ter sido essa a razatildeo de Adrasto ter
proferido ao adivinho um elogio em discurso direto por meio da imagem metafoacuterica
stratiacircs ophthalmograven emacircs ldquoolho28 do meu exeacutercitordquo metaacutefora que aleacutem de assinalar a
importacircncia de Anfiarau na expediccedilatildeo tebana lhe sintetiza os dois atributos relacionados
respectivamente com a macircntica e com a guerra
Julga-se que a menccedilatildeo ao atributo divinatoacuterio de Anfiarau constitui um meio de
antecipaccedilatildeo do principal mito da ode cujo eixo temaacutetico se centra no nascimento de
Iacuteamo29 (vv 39-47) e em sua iniciaccedilatildeo na arte divinatoacuteria tornando-se o primeiro de uma
famiacutelia de adivinhos ndash os Iacircmidas ndash e o responsaacutevel pelo altar profeacutetico de Zeus em
Oliacutempia (v 70)
Eacute digno de nota ter sido o citado mito introduzido pelas imagens metafoacutericas do
poeta-condutor e da poesia-quadriga por meio das quais anota Calame (2005 p 54)
ocorre um deslocamento geograacutefico-temporal jaacute que a par do movimento de Oliacutempia ndash
lugar onde ocorrera a competiccedilatildeo desportiva ndash para Piacutetana cidade espartana situada junto
ao leito do rio Eurotas na Lacocircnia haacute uma transposiccedilatildeo do tempo da ldquoenunciaccedilatildeo do
cantordquo isto eacute o tempo presente ndash marcado pelo adveacuterbio saacutemeron lsquohojersquo (v 28) ndash para o
passado miacutetico indicado pela referecircncia a Piacutetana- natildeo somente o nome de uma pequena
povoaccedilatildeo de que se compunha Esparta mas tambeacutem o nome de uma ninfa filha do deus-
rio Eurotas e fundadora da linhagem dos Iacircmidas - que unida a Posecircidon gerou em
segredo Evadne matildee de Iacuteamo ancestral miacutetico de uma extensa linhagem de adivinhos
28 Imagem presente em Oliacutempica 2 (v 10) em referecircncia aos ancestrais histoacutericos de Teratildeo de Agrigento
e em Piacutetica 5 (vv 55-7a) em alusatildeo a Bato fundador da estirpe dos reis de Cirene cidade do vencedor
Com relaccedilatildeo agrave imagem do olho em Oliacutempica 6 conveacutem lembrar citando Villarrubia (1995 p 17) Suaacuterez
de la Torre (1989 p 97) e Meacuteautis (1962 p 195) que o escoacutelio pindaacuterico ao citado verso refere a Tebaida
como fonte direta do elogio de Adrasto a Anfiarau 29Como observa Nisetich (1998 p 2) nas odes pindaacutericas eacute conferido destaque maior agrave famiacutelia do vencedor
que ao proacuteprio homenageado jaacute que se busca em fatos preteacuteritos explicaccedilotildees ou justificativas para o
momento presente A esse respeito verifica-se na ode em estudo que a volta ao passado (vv 28-71)
constitui um meio de glorificaccedilatildeo do homenageado
18
cujo representante atual eacute o vencedor oliacutempico Hageacutesias de Siracusa Evadne por sua
vez seduzida por Apolo deu agrave luz Iacuteamo cuja vocaccedilatildeo profeacutetica eacute anunciada na ode pelo
atributo theoacutephrona lsquoinspirado pelos deusesrsquo (v 41) e pelo oraacuteculo de Delfos revelado
ao pai mortal e adotivo de Evadne ndash Eacutepito - a quem satildeo declarados a origem e o dom
divinatoacuterio de Iacuteamo (vv 49b-51) cujo nome de etimologia obscura estaacute associado ao
nome da flor violeta (DUCHEMIN 1955 p 242-3) iacuteon tambeacutem presente no epiacuteteto
atribuiacutedo a Evadne ioacuteplokos ldquocabelo cor de violetardquo (v 30) portanto cor que identifica
Iacuteamo como filho de Evadne Em sintonia com Eleanor Irwin (1996 p 386) acerca de seu
comentaacuterio sobre o ambiente onde Iacuteamo fora abandonado por sua matildee isto eacute khamaiacute ldquono
chatildeordquo (v 45) considera-se que esse lugar eacute tambeacutem ser esse sobrenatural haja vista terem
florescido do chatildeo violetas que forneceram ao receacutem-nascido calor e proteccedilatildeo necessaacuterios
agrave sua sobrevivecircncia Destarte as violetas simbolizam a proacutepria Evadne posto que
exerceram a funccedilatildeo materna
Significativo tambeacutem nessa passagem eacute o fato de ter sido por intervenccedilatildeo divina
(v 46) Iacuteamo alimentado por duas serpentes (45b-47a) com ldquoo veneno irrepreensiacutevel das
abelhasrdquo expressatildeo que se associa anotou Duchemin (1955 p 251) jaacute haacute algum tempo
ao dom da profecia e do fazer poeacutetico Deborah Steiner (1986 p 103) por sua vez refere
acerca dessa passagem que a relaccedilatildeo entre a serpente animal macircntico por excelecircncia
(Meacuteautis 1962 p 196) e o mel anuncia o dom profeacutetico que o receacutem-nascido teria
posteriormente30
Ao chegar agrave adolescecircncia Iacuteamo ciente de sua ascendecircncia divina solicita a seu
avocirc Posecircidon e a seu pai Apolo um atributo que beneficiasse todo o povo uma honra
puacuteblica laoacutethrophos ldquoque alimentasse o povordquo (v 60) Ressalte-se que embora a suacuteplica
tenha sido dirigida a essas duas divindades eacute Apolo nomeado com seu epiacuteteto ldquoarqueiro
guardiatildeo da divina Delosrdquo (v 59) quem concede ao filho o duplo dom da adivinhaccedilatildeo
(vv 65-70) a faculdade de ouvir-lhe a voz profeacutetica pautada sempre na verdade e a
fundaccedilatildeo de oraacuteculo de Zeus em Oliacutempia antes mesmo da instituiccedilatildeo dos Jogos
Oliacutempicos por Heacuteracles Logo com a concessatildeo da daacutediva da adivinhaccedilatildeo encerra-se o
relato miacutetico dos Iacircmidas Faz entatildeo a voz do poema a passagem do tempo miacutetico (vv
71-7) para o passado proacuteximo de Hageacutesias com a alusatildeo laudatoacuteria aos antepassados
30 Acrescente-se que a relaccedilatildeo entre a serpente e a figura de Apolo se justifica pelo fato de a divindade ter
assassinado a serpente Piacuteton para habitar Delfos
19
histoacutericos do vencedor (vv 78-81) e numa referecircncia metapoeacutetica (vv 82-7b) a seus
proacuteprios ancestrais por serem todos procedentes da cidade de Estiacutenfalo dado que
identifica o laureado com a persona loquens
Ediccedilotildees traduccedilotildees e comentaacuterios
HEROacuteDOTO Histoacuteria O relato claacutessico da guerra entre Gregos e Persas 2ordf ed
Traduccedilatildeo de J Brito Broca Satildeo Paulo Ediouro 2001
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20 fazendo um grande juramento disso claramente lhe
darei testemunho e com vozes doces como o mel
as Musas o aprovaratildeo
Estrofe 2
Oacute Fiacutentis pois bem atrela agora
para mim a forccedila das mulas
o mais raacutepido possiacutevel para que em caminho puro
conduzamos a quadriga de mulas e eu chegue ateacute
25 a linhagem destes homens pois essas mulas mais do que
outras sabem abrir
esse caminho jaacute que coroas em Oliacutempia
ganharam eacute preciso entatildeo
abrir-lhes as portas dos hinos
e a Piacutetana junto do curso do Eurotas
eacute preciso chegar hoje em hora oportuna
Antiacutestrofe 2
Diz-se que Piacutetana unida a Posecircidon
filho de Crono
30 deu agrave luz uma filha com cabelo cor de violeta Evadne
Mas nas pregas de sua roupa escondeu a gravidez
e enviando no mecircs determinado
suas servas ordenou-lhes
que entregassem a crianccedila aos cuidados do heroacutei Eacutepito filho de Eacutelato
que reinava sobre os homens da Arcaacutedia em Fesana
e fora designado para habitar o Alfeu
35 Tendo sido criada aiacute sob o domiacutenio de Apolo
(Evadne) experimentou pela primeira vez a doccedilura de Afrodite
8
Epodo 2
E ela natildeo ocultou de Eacutepito durante toda
o tempo o filho do deus
Mas ele (Eacutepito) foi para Delfos reprimindo no coraccedilatildeo
a raiva inenarraacutevel com agudo propoacutesito
para consultar o oraacuteculo sobre
esse sofrimento insuportaacutevel
Ela por sua vez logo que depocircs a cinta purpuacuterea
40 e o cacircntaro de prata debaixo da mata sombria
deu agrave luz um filho inspirado pelos deuses Junto dela o de aacuteureos cabelos (Apolo)
estabeleceu a amaacutevel Iliacutetia
e as Moicircras
Estrofe 3
E de seu ventre no meio das dores
amaacuteveis do parto Iacuteamo
veio logo agrave luz E ela (Evadne) angustiada
45 deixou-o no chatildeo mas duas serpentes de olhos brilhantes
por desiacutegnio dos deuses cuidando dele
o alimentaram com o irrepreensiacutevel
veneno das abelhas Mas quando o rei
conduzindo seu carro chegou da
rochosa Delfos a todos em casa
perguntou sobre a crianccedila que Evadne
dera agrave luz de fato ele (Eacutepito) dizia que a crianccedila era filho de Febo
Antiacutestrofe 3
50 que acima dos mortais seria um adivinho para os homens
e jamais lhe faltaria descendecircncia
9
Assim entatildeo declarou Mas eles confessavam que natildeo o tinham ouvido
nem visto
embora tivesse nascido havia cinco dias Mas
na verdade estava escondido num canteiro de juncos no impenetraacutevel matagal
55 pelos raios dourados e roxos das violetas
banhado em seu delicado
corpo Por isso sua matildee declarou
que ele fosse chamado durante todo o tempo
por esse nome imortal
Mas depois que recebeu o fruto da amaacutevel
Juventude da coroa dourada descendo no meio do Alfeu
invocou o poderoso Posecircidon
seu avocirc e o arqueiro guardiatildeo
da divina Delos
60 pedindo para sua cabeccedila uma honra que alimentasse o povo
no ar livre da noite Clara ressoou a voz paterna e lhe pediu
lsquoLevanta-te filho
vem aqui para a terra paterna
atraacutes da minha vozrsquo
Estrofe 4
Chegaram ao escarpado
rochedo do monte de Crono
65 onde ele lhe outorgou o duplo tesouro
da adivinhaccedilatildeo primeiro ouvir a voz
desconhecedora das mentiras e depois quando
chegasse o de ousados expedientes
10
Heacuteracles majestoso filho dos Alceus19
69 para fundar em honra de seu pai uma festa concorrida
e o maior festival dos jogos
70 na parte mais alta do altar de Zeus
ordenou entatildeo que (Iacuteamo) estabelecesse o oraacuteculo
Antiacutestrofe 4
Desde aquele momento eacute renomada entre
os Helenos a linhagem dos Iacircmidas
A prosperidade os acompanhou ao mesmo tempo E honrando as virtudes
percorrem um caminho visiacutevel daacute provas disso
cada accedilatildeo (deles) Mas a censura da parte
de outros invejosos estaacute suspensa
75 sobre aqueles que foram outrora os primeiros a conduzir o carro na corrida de doze
voltas
e sobre os quais a Graccedila veneranda derrama
gloriosa forma corporal
Se na verdade habitando sob a montanha
de Cilene oacute Hageacutesias teus antepassados maternos
Epodo 4
presentearam
muitas vezes o arauto dos deuses
Hermes com muitos sacrifiacutecios suplicantes de modo piedoso
ele que rege as competiccedilotildees atleacuteticas e a devida parte dos precircmios
80 e honra a Arcaacutedia de nobres varotildees
eacute ele oacute filho de Soacutestrato
com seu pai (Zeus) de barulho retumbante que realiza o teu ecircxito
19 Progenitor de de Anfitriatildeo e este o suposto pai de Heacuteracles
11
Tenho em minha liacutengua a fama de uma liacutempida pedra de afiar20
que quando eu quero se aproxima de mim com sopros de belas correntes
Minha avoacute materna era
de Estiacutenfalo a florescente Metopa
Esfrofe 5
que deu agrave luz Teba condutora de cavalos
de cuja deliciosa aacutegua
86 beberei enquanto teccedilo para os varotildees lanceiros
um hino variado Agora incita teus companheiros
oacute Eneias primeiro a Hera
Virginal celebrar
e depois a saber se evitamos o antigo insulto
90 de suiacuteno Beoacutecio com verdadeiras palavras
De fato eacutes correto mensageiro
inteacuterprete das Musas de belos cabelos
doce taccedila de cantos ressoantes
Antiacutestrofe 5
Diz-lhes que se lembrem
de Siracusa e de Ortiacutegia21
que Hieratildeo ao governaacute-la com imaculado cetro
com justos pensamentos
95 honra Demeacuteter de peacutes vermelhos
a festa de sua filha de brancos corceacuteis
e o poder de Zeus do Etna As liras
e as canccedilotildees de doces palavras o conhecem
20 Metaacutefora do fazer poeacutetico em que a liacutengua do poeta eacute estimulada agrave produccedilatildeo de um canto harmonioso 21Parte mais antiga de Siracusa onde estava situado o palaacutecio de Hieratildeo e talvez o de Hageacutesias (ORTEGA
Alfonso 1984 p 100)
12
Que o tempo em seu curso natildeo lhe destrua a felicidade
mas com amaacuteveis atos de amizade
receba (Hieratildeo) o cortejo processional de Hageacutesias
Epodo 5
(cortejo que) vem de uma casa para outra
das muralhas de Estiacutenfalo
100 e deixa a matildee da Arcaacutedia rica em rebanhos
Boas satildeo na tempestuosa
noite para serem lanccediladas de uma nau veloz
duas acircncoras Que o deus
a estes e agravequeles conceda com amizade glorioso destino
Oacute senhor soberano do mar concede uma direta travessia
isenta de dificuldades oacute esposo
105 de Anfitrite da roca de ouro e faz prosperar
a flor jubilosa de meus hinos
O atleta homenageado da ode eacute filho de Soacutestrato (vv 9 80) pertencente agrave
linhagem dos Iacircmidas e de uma mulher cujos antepassados procediam de Cilene (vv 77-
8) montanha ao norte da Arcaacutedia onde se situava a cidade de Estiacutenfalo ndash lugar em que
ocorrera provavelmente a primeira performance22 do epiniacutecio (vv 99-100) e onde o deus
Hermes era cultuado (vv 79-81) Note-se que a referecircncia a essa divindade vincula o
triunfo atleacutetico agrave benevolecircncia divina tendo em vista ter sido Hermes a divindade doadora
da vitoacuteria (v 81) a Hageacutesias Com efeito a relaccedilatildeo entre a vitoacuteria e a vontade dos deuses
constitui um topos23 da poesia pindaacuterica
22 O argumento da maior parte da criacutetica pindaacuterica sobre a ode ter sido executada em Estiacutenfalo fundamenta-
se nos versos 98-105 nos quais o vencedor e seu kocircmos saem de Estiacutenfalo rumo a Siracusa Acresce ainda
que o fato de o laureado ter laccedilos estreitos com as duas cidades motivou uma discussatildeo acerca da localizaccedilatildeo
da premiegravere do canto triunfal (STAMATOPOULOU 2014 p 1)
23 Cf eg Oliacutempicas 9 vv 100-4 13 vv 13-8 Piacutetica 10 vv 10-5
13
De modo anaacutelogo ao proecircmio da Odisseia (vv 1-10) em que natildeo se menciona o
nome do heroacutei Odisseu designado somente no verso 21 tambeacutem em Oliacutempica 6 o nome
do atleta homenageado soacute aparece no verso 12 por meio de uma invocaccedilatildeo muito embora
tenha sido referido indiretamente no verso 4 apenas pela forma verbal em terceira pessoa
e nos versos 4 a 9 por meio da citaccedilatildeo de seus atributos e de sua descendecircncia
Informa tambeacutem o canto agonal ter tido o vencedor dupla funccedilatildeo a de guardiatildeo
do altar profeacutetico de Zeus em Pisa (v 5) ndash tendo em vista ter como ascendente o adivinho
Iacuteamo que recebera de seu pai Apolo o dom da profecia (vv 65-70) ndash e a de cofundador
de Siracusa (v 6)24 Essas referecircncias ao laureado histoacutericas e miacuteticas encontram-se
distribuiacutedas pelos 105 versos que compotildeem as cinco triacuteades de Oliacutempica 6 iniciada com
uma imagem metapoeacutetica ou autorreferencial em que se coteja o fazer poeacutetico com um
monumento e o poeta com um construtor como atesta nos quatro primeiros versos da
ode a presenccedila de termos pertencentes ao campo semacircntico da arquitetura como kiacuteonas
ldquocolunardquo euteikheicirc ldquobem muradordquo prothyacuteroi ldquopoacuterticordquo paacutexomen ldquoconstruamosrdquo e
proacutesōpon ldquofachadardquo entendido este uacuteltimo metaforicamente segundo o leacutexico pindaacuterico
editado por William Slater (1969 p 454) como o proecircmio da ode Logo eacute a
magnificecircncia dessa construccedilatildeo poeacutetico-arquitetocircnica ndash enfatizada pelos adjetivos
khryseacuteas ldquodouradasrdquo e telaugeacutes ldquoque brilha ao longerdquo ndash que torna impereciacuteveis a
efemeridade do evento atleacutetico ndash ideia sumarizada no verso 4 ndash e o proacuteprio destinataacuterio
apresentado ainda na primeira estrofe como vencedor oliacutempico guardiatildeo por heranccedila
paterna do altar divinatoacuterio de Zeus e cofundador de Siracusa ndash atributos que devem
brilhar ao longe
A par dessas metaacuteforas delineia-se na segunda estrofe a imagem do poeta-
condutor quando a persona loquens ao invocar o nome do condutor da quadriga ndash
Fiacutentis25 auriga de Hageacutesias ndash a ele se iguala como assinala o sintagma autorreferencial
baacutesomen oacutekkhon ldquoconduzamos a quadriga de mulasrdquo (v 24) Logo por meio de
linguagem metafoacuterica o fazer poeacutetico e a performance do canto convertem-se assinala
24 Segundo os escolia 8a e 8b Hageacutesias pode ser considerado cofundador de Siracusa porque seus
antepassados participaram da colonizaccedilatildeo desta cidade Entretanto Willamowitz (1922) e Luraghi (1997)
sugeriram que o proacuteprio Hageacutesias teria participada reestruturaccedilatildeo de Siracusa no governo do tirano Gelatildeo
(apud STAMATOPOULOU 2014 p 7 nota 21) Acerca da remodelaccedilatildeo ldquogelonianardquo de Siracusa ver
Hirata (2010 p 28-9)
25 Fiacutentis representa o aristocrata siracusano Hageacutesias patrocinador do treinamento das parelhas do auriga
(CALAME 2005 p 54)
14
Calame (2005 p 53) numa corrida de quadrigas toacutepos na poesia grega arcaica De fato
assim como o atleta conduz a quadriga agrave vitoacuteria tambeacutem o poeta-atleta elabora
harmoniosamente seus versos para glorificar o vencedor e sua linhagem Deste modo
configuram-se nesse percurso metafoacuterico a quadriga e a poesia como vias de acesso agrave
imortalidade a julgar pela presenccedila dos termos sinocircnimos keleuthoacutes (v 23) e hodoacutes (v
25) ldquocaminhordquo o primeiro dos quais representando conotativamente a poesia e o
segundo conservando sua acepccedilatildeo denotativa tem o sentido de rota percorrida pela
carruagem
Aliaacutes essas imagens metafoacutericas natildeo satildeo as uacutenicas empregadas pela persona
loquens para descrever por meio de metalinguagem sua arte poeacutetica comparada ora com
objetos preciosos ndash como na ode em pauta em que a canccedilatildeo eacute relacionada com um poacutertico
de colunas douradas (Ol 6 vv 1-4) ou em outras odes com uma taccedila de ouro (Ol 7
vv 1-4) e com ouro refinado (Nemeia 4 v 82) - ora com o produto resultante do trabalho
das abelhas (Ol 10 v 98 Nemeia 3 v 77) ou com elementos da natureza como a flor
(Ol 6 v 105) soacute para citar algumas Tambeacutem o mister do poeta eacute vinculado a diferentes
atividades profissionais como a de lavrador (Nemeia 6 v 32 Piacutetica 6 v 2) escultor
(Nemeia vv 1-5) arqueiro (Ol 1 v 111 Ol 2 vv 83-6) e tecelatildeo este uacuteltimo labor
evocado em Oliacutempica 6 (v 86) pelo emprego do verbo pleacutekō ldquotecerrdquo metaacutefora frequente
do fazer poeacutetico na poesia meacutelica assinala Calame (2005 p58 n12) Com efeito do
mesmo modo que o tecelatildeo tranccedila com sutileza e habilidade os fios para a confecccedilatildeo do
tecido tambeacutem o poeta elabora seu discurso poeacutetico entrelaccedilando recursos literaacuterios e
linguiacutesticos combinados com o ritmo e a harmonia para a perfeita composiccedilatildeo da ode e
por conseguinte para a glorificaccedilatildeo do atleta vencedor como se infere dos versos 86-7
ldquoteccedilo para os varotildees lanceiros um hino variadordquo
Entre os elementos constitutivos do epiniacutecio pindaacuterico eacute interessante pontuar
ainda a alternacircncia das formas de primeira pessoa26 do singular e do plural (eunoacutes ndash vv
3 21 23 24 82 84 86 e 105) por meio da qual eacute possiacutevel haver um revezamento entre
a voz do poema e a voz do coro dado que torna improdutiva segundo Calame (2005 p
58) a discussatildeo acerca da natureza do sujeito poeacutetico nas odes pindaacutericas ldquonem
unicamente ldquomonoacutedicordquo nem inteiramente coral o eunoacutes do locutor eacute essencialmente
polifocircnicordquo
26 Sobre o emprego da primeira pessoa na poesia pindaacuterica cf LEFKOWITZ Mary op cit 1991 p 1-71
15
Deve-se observar tambeacutem com Claire Muckensturn-Poulle (2009 p 77) que ao
longo da Oliacutempica 6 o sujeito do enunciado confere voz a outros enunciadores ora
empregando o discurso direto como no elogio que Adrasto faz a Anfiarau (vv 16-7) e na
ordem dada por Apolo a Iacuteamo (vv 62-3) no momento em que o deus lhe concede o dom
da profecia ora transferindo por meio de uma ordem sua funccedilatildeo de locutor do canto
agonal a Fiacutentis o auriga de Hageacutesias (v 22) ou a Eneias o khorodidaacuteskalos (vv 88-96)
com os quais se identifica como poeta-condutor e poeta-mestre do coro
Por outro lado haacute dados sugestivos da performance coral da ode e de seu local de
execuccedilatildeo haja vista a invocaccedilatildeo da persona loquens a Eneias possivelmente o
khorodidaacuteskalos - a julgar pelos escoacutelios a essa passagem (148a e 149ordf apud
STAMATOPOULOU 2014 p 11 nota 34 CALAME 2005 p 57 nota 10 p 58 nota
13) - a referecircncia aos hetaicircroi companheiros de Eneias e talvez integrantes do coro e
ainda o voto do sujeito poeacutetico para que o kocircmos ldquocortejo processionalrdquo ao vencedor
apoacutes ter sido apresentado em Estiacutenfalo como julga a maior parte da criacutetica pindaacuterica
acerca da premiegravere do epiniacutecio (apud STAMATOPOULOU 2014 p 2) fosse tambeacutem
recebido pelo tirano Hieratildeo em Siracusa onde seria realizada a reperformance durante a
festa cultual (v 95) dedicada a Demeacuteter e a Perseacutefone deusas tutelares de Siracusa culto
possivelmente organizado pela famiacutelia de Hieratildeo (apud CALAME 2005 p 59)
Evidenciam respectivamente a recepccedilatildeo e a reapresentaccedilatildeo do canto em Siracusa a
forma verbal deacutexaito ldquorecebardquo (v 98) no optativo desiderativo enfatizada pela expressatildeo
sỳn degrave philophrosyacutenas euētaacutetois ldquocom amaacuteveis atos de amizaderdquo e os sintagmas
adverbiais presentes no verso 99 oiacutekothen oiacutekadrsquo ldquode uma casa para outrardquo e apograve
Stymphaliacuteōn ldquode Estiacutenfalordquo e por fim a justaposiccedilatildeo no verso 102 dos pronomes tocircnde
ldquoestesrdquo e keiacutenon ldquoagravequelesrdquo alusivos aos estinfaacutelios e siracusanos respectivamente Assim
como esses elementos apontam para a saiacuteda do vencedor da cidade Estiacutenfalo e Siracusa
eacute ainda um lugar a ser alcanccedilado por via mariacutetima acredita-se que a execuccedilatildeo primeira
do canto tenha ocorrido na cidade da matildee de Hageacutesias Note-se que o atleta e as duas
cidades a de seus antepassados maternos Estiacutenfalo e a sua terra natal Siracusa satildeo ainda
representados respectivamente pelas imagens metafoacutericas do navio e das duas acircncoras
(vv 101-5a) imagens que remetem ao deus do mar Posecircidon invocado pela persona
loquens para conceder uma favoraacutevel travessia ao kocircmos de Hageacutesias do qual
possivelmente fazia parte o chefe do coro responsaacutevel segundo Calame (2005 p 57)
16
pelo treinamento dos coreutashetaicircroi que deveriam transmitir em performance coral a
voz do poeta
Ainda acerca dessa metaacutefora mariacutetima Meacuteautis (1962 p 200) Kirkwood (1982
p 94) a interpretam como uma referecircncia agrave crise poliacutetica instaurada em Siracusa nos
uacuteltimos anos de governo de Hieratildeo crise representada pela imagem da lsquotempestuosa
noitersquo (vv 100-1) Assim na qualidade de cidadatildeo siracusano observa ainda Meacuteautis
(1962 p 200) Hageacutesias prevendo a queda do regime tiracircnico pretendia solicitar uma
nova cidadania em Estiacutenfalo A esse respeito vale mencionar uma vez mais a opiniatildeo
de Stamatopoulou (2014 p 3-4) que compartilhando do ponto de vista de Stehle julga
ter sido a ode executada primeiramente em Estiacutenfalo com o objetivo de estreitarem-se os
laccedilos entre o vencedor e essa cidade da Arcaacutedia
No que concerne ao possiacutevel chefe do coro o sujeito poeacutetico num tom laudatoacuterio
refere-se a Eneias como notou Kirkwood (1982 p 93) acerca do estilo metafoacuterico de
Piacutendaro - como aacutengelos ldquomensageirordquo (v 90) e skytaacutela (v 91)27 traduzido como
ldquointeacuterpreterdquo por ser ele o responsaacutevel pela recepccedilatildeo dos efluacutevios das Musas ndash como
explicita a expressatildeo ldquodoce taccedila de cantos ressoantesrdquo (v 91) - pela transmissatildeo e
reapresentaccedilatildeo da mensagemcanto em Siracusa onde tambeacutem deveria ser objeto de
encocircmio o tirano Hieratildeo do qual se enfatizam o governo justo a piedade religiosa os
triunfos jaacute festejados ldquopelas liras e canccedilotildees de doces palavrasrdquo (vv 96-7) a generosidade
e a amizade (v 98)
Deste modo a referecircncia a Eneias destaca o importante papel do poeta-cantor na
perpetuaccedilatildeo do triunfo agonal Nesse complexo processo de elaboraccedilatildeo poeacutetico-
perfomativa utilizam-se natildeo soacute metaacuteforas como jaacute destacou mas tambeacutem narrativas
miacuteticas relacionadas com a arte divinatoacuteria Assim por meio do elogio ao atleta
homenageado evoca-se primeiramente como modelo miacutetico Anfiarau (vv 12-21) ndash
participante da expediccedilatildeo dos Sete contra Tebas sob o comando de Adrasto rei de
Argos- possuidor das mesmas atribuiccedilotildees do laureado jaacute que ambos satildeo
guerreirogeneral e adivinho Eacute importante enfatizar que a transiccedilatildeo do tempo presente
representado pelo vencedor para o passado miacutetico se estabelece por meio do pronome
relativo hoacuten (v 12) referente ao louvor destinado a Hageacutesias e a Anfiarau e do adveacuterbio
27 Em Esparta espeacutecie de bastatildeo de madeira sobre o qual se enrolavam correias compridas e estreitas com
mensagens secretas lidas e compreendidas por quem possuiacutesse um bastatildeo idecircntico (PINDARE
Olympiques 1971 p 85 nota 4)
17
potrsquo ldquooutrora (v 13) com base no qual se alude ao desaparecimento repentino do
adivinho tebano (v 14) que segundo a versatildeo miacutetica fora arrebatado por Zeus para evitar
a morte do heroacutei como se infere do emprego do verbo katamaacuterptō lsquoengolirrsquo em tmese
que indica ter sido Anfiarau tragado pela terra Observa Barciela (2015 p 53) que esse
corte entre a preposiccedilatildeo kataacute ldquodebaixo derdquo ldquosobrdquo (v 14) e o radical do verbo salienta
natildeo somente o sentido do preveacuterbio mas tambeacutem aponta a razatildeo de natildeo ter Adrasto
encontrado Anfiarau nas sete piras Acredita-se ter sido essa a razatildeo de Adrasto ter
proferido ao adivinho um elogio em discurso direto por meio da imagem metafoacuterica
stratiacircs ophthalmograven emacircs ldquoolho28 do meu exeacutercitordquo metaacutefora que aleacutem de assinalar a
importacircncia de Anfiarau na expediccedilatildeo tebana lhe sintetiza os dois atributos relacionados
respectivamente com a macircntica e com a guerra
Julga-se que a menccedilatildeo ao atributo divinatoacuterio de Anfiarau constitui um meio de
antecipaccedilatildeo do principal mito da ode cujo eixo temaacutetico se centra no nascimento de
Iacuteamo29 (vv 39-47) e em sua iniciaccedilatildeo na arte divinatoacuteria tornando-se o primeiro de uma
famiacutelia de adivinhos ndash os Iacircmidas ndash e o responsaacutevel pelo altar profeacutetico de Zeus em
Oliacutempia (v 70)
Eacute digno de nota ter sido o citado mito introduzido pelas imagens metafoacutericas do
poeta-condutor e da poesia-quadriga por meio das quais anota Calame (2005 p 54)
ocorre um deslocamento geograacutefico-temporal jaacute que a par do movimento de Oliacutempia ndash
lugar onde ocorrera a competiccedilatildeo desportiva ndash para Piacutetana cidade espartana situada junto
ao leito do rio Eurotas na Lacocircnia haacute uma transposiccedilatildeo do tempo da ldquoenunciaccedilatildeo do
cantordquo isto eacute o tempo presente ndash marcado pelo adveacuterbio saacutemeron lsquohojersquo (v 28) ndash para o
passado miacutetico indicado pela referecircncia a Piacutetana- natildeo somente o nome de uma pequena
povoaccedilatildeo de que se compunha Esparta mas tambeacutem o nome de uma ninfa filha do deus-
rio Eurotas e fundadora da linhagem dos Iacircmidas - que unida a Posecircidon gerou em
segredo Evadne matildee de Iacuteamo ancestral miacutetico de uma extensa linhagem de adivinhos
28 Imagem presente em Oliacutempica 2 (v 10) em referecircncia aos ancestrais histoacutericos de Teratildeo de Agrigento
e em Piacutetica 5 (vv 55-7a) em alusatildeo a Bato fundador da estirpe dos reis de Cirene cidade do vencedor
Com relaccedilatildeo agrave imagem do olho em Oliacutempica 6 conveacutem lembrar citando Villarrubia (1995 p 17) Suaacuterez
de la Torre (1989 p 97) e Meacuteautis (1962 p 195) que o escoacutelio pindaacuterico ao citado verso refere a Tebaida
como fonte direta do elogio de Adrasto a Anfiarau 29Como observa Nisetich (1998 p 2) nas odes pindaacutericas eacute conferido destaque maior agrave famiacutelia do vencedor
que ao proacuteprio homenageado jaacute que se busca em fatos preteacuteritos explicaccedilotildees ou justificativas para o
momento presente A esse respeito verifica-se na ode em estudo que a volta ao passado (vv 28-71)
constitui um meio de glorificaccedilatildeo do homenageado
18
cujo representante atual eacute o vencedor oliacutempico Hageacutesias de Siracusa Evadne por sua
vez seduzida por Apolo deu agrave luz Iacuteamo cuja vocaccedilatildeo profeacutetica eacute anunciada na ode pelo
atributo theoacutephrona lsquoinspirado pelos deusesrsquo (v 41) e pelo oraacuteculo de Delfos revelado
ao pai mortal e adotivo de Evadne ndash Eacutepito - a quem satildeo declarados a origem e o dom
divinatoacuterio de Iacuteamo (vv 49b-51) cujo nome de etimologia obscura estaacute associado ao
nome da flor violeta (DUCHEMIN 1955 p 242-3) iacuteon tambeacutem presente no epiacuteteto
atribuiacutedo a Evadne ioacuteplokos ldquocabelo cor de violetardquo (v 30) portanto cor que identifica
Iacuteamo como filho de Evadne Em sintonia com Eleanor Irwin (1996 p 386) acerca de seu
comentaacuterio sobre o ambiente onde Iacuteamo fora abandonado por sua matildee isto eacute khamaiacute ldquono
chatildeordquo (v 45) considera-se que esse lugar eacute tambeacutem ser esse sobrenatural haja vista terem
florescido do chatildeo violetas que forneceram ao receacutem-nascido calor e proteccedilatildeo necessaacuterios
agrave sua sobrevivecircncia Destarte as violetas simbolizam a proacutepria Evadne posto que
exerceram a funccedilatildeo materna
Significativo tambeacutem nessa passagem eacute o fato de ter sido por intervenccedilatildeo divina
(v 46) Iacuteamo alimentado por duas serpentes (45b-47a) com ldquoo veneno irrepreensiacutevel das
abelhasrdquo expressatildeo que se associa anotou Duchemin (1955 p 251) jaacute haacute algum tempo
ao dom da profecia e do fazer poeacutetico Deborah Steiner (1986 p 103) por sua vez refere
acerca dessa passagem que a relaccedilatildeo entre a serpente animal macircntico por excelecircncia
(Meacuteautis 1962 p 196) e o mel anuncia o dom profeacutetico que o receacutem-nascido teria
posteriormente30
Ao chegar agrave adolescecircncia Iacuteamo ciente de sua ascendecircncia divina solicita a seu
avocirc Posecircidon e a seu pai Apolo um atributo que beneficiasse todo o povo uma honra
puacuteblica laoacutethrophos ldquoque alimentasse o povordquo (v 60) Ressalte-se que embora a suacuteplica
tenha sido dirigida a essas duas divindades eacute Apolo nomeado com seu epiacuteteto ldquoarqueiro
guardiatildeo da divina Delosrdquo (v 59) quem concede ao filho o duplo dom da adivinhaccedilatildeo
(vv 65-70) a faculdade de ouvir-lhe a voz profeacutetica pautada sempre na verdade e a
fundaccedilatildeo de oraacuteculo de Zeus em Oliacutempia antes mesmo da instituiccedilatildeo dos Jogos
Oliacutempicos por Heacuteracles Logo com a concessatildeo da daacutediva da adivinhaccedilatildeo encerra-se o
relato miacutetico dos Iacircmidas Faz entatildeo a voz do poema a passagem do tempo miacutetico (vv
71-7) para o passado proacuteximo de Hageacutesias com a alusatildeo laudatoacuteria aos antepassados
30 Acrescente-se que a relaccedilatildeo entre a serpente e a figura de Apolo se justifica pelo fato de a divindade ter
assassinado a serpente Piacuteton para habitar Delfos
19
histoacutericos do vencedor (vv 78-81) e numa referecircncia metapoeacutetica (vv 82-7b) a seus
proacuteprios ancestrais por serem todos procedentes da cidade de Estiacutenfalo dado que
identifica o laureado com a persona loquens
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8
Epodo 2
E ela natildeo ocultou de Eacutepito durante toda
o tempo o filho do deus
Mas ele (Eacutepito) foi para Delfos reprimindo no coraccedilatildeo
a raiva inenarraacutevel com agudo propoacutesito
para consultar o oraacuteculo sobre
esse sofrimento insuportaacutevel
Ela por sua vez logo que depocircs a cinta purpuacuterea
40 e o cacircntaro de prata debaixo da mata sombria
deu agrave luz um filho inspirado pelos deuses Junto dela o de aacuteureos cabelos (Apolo)
estabeleceu a amaacutevel Iliacutetia
e as Moicircras
Estrofe 3
E de seu ventre no meio das dores
amaacuteveis do parto Iacuteamo
veio logo agrave luz E ela (Evadne) angustiada
45 deixou-o no chatildeo mas duas serpentes de olhos brilhantes
por desiacutegnio dos deuses cuidando dele
o alimentaram com o irrepreensiacutevel
veneno das abelhas Mas quando o rei
conduzindo seu carro chegou da
rochosa Delfos a todos em casa
perguntou sobre a crianccedila que Evadne
dera agrave luz de fato ele (Eacutepito) dizia que a crianccedila era filho de Febo
Antiacutestrofe 3
50 que acima dos mortais seria um adivinho para os homens
e jamais lhe faltaria descendecircncia
9
Assim entatildeo declarou Mas eles confessavam que natildeo o tinham ouvido
nem visto
embora tivesse nascido havia cinco dias Mas
na verdade estava escondido num canteiro de juncos no impenetraacutevel matagal
55 pelos raios dourados e roxos das violetas
banhado em seu delicado
corpo Por isso sua matildee declarou
que ele fosse chamado durante todo o tempo
por esse nome imortal
Mas depois que recebeu o fruto da amaacutevel
Juventude da coroa dourada descendo no meio do Alfeu
invocou o poderoso Posecircidon
seu avocirc e o arqueiro guardiatildeo
da divina Delos
60 pedindo para sua cabeccedila uma honra que alimentasse o povo
no ar livre da noite Clara ressoou a voz paterna e lhe pediu
lsquoLevanta-te filho
vem aqui para a terra paterna
atraacutes da minha vozrsquo
Estrofe 4
Chegaram ao escarpado
rochedo do monte de Crono
65 onde ele lhe outorgou o duplo tesouro
da adivinhaccedilatildeo primeiro ouvir a voz
desconhecedora das mentiras e depois quando
chegasse o de ousados expedientes
10
Heacuteracles majestoso filho dos Alceus19
69 para fundar em honra de seu pai uma festa concorrida
e o maior festival dos jogos
70 na parte mais alta do altar de Zeus
ordenou entatildeo que (Iacuteamo) estabelecesse o oraacuteculo
Antiacutestrofe 4
Desde aquele momento eacute renomada entre
os Helenos a linhagem dos Iacircmidas
A prosperidade os acompanhou ao mesmo tempo E honrando as virtudes
percorrem um caminho visiacutevel daacute provas disso
cada accedilatildeo (deles) Mas a censura da parte
de outros invejosos estaacute suspensa
75 sobre aqueles que foram outrora os primeiros a conduzir o carro na corrida de doze
voltas
e sobre os quais a Graccedila veneranda derrama
gloriosa forma corporal
Se na verdade habitando sob a montanha
de Cilene oacute Hageacutesias teus antepassados maternos
Epodo 4
presentearam
muitas vezes o arauto dos deuses
Hermes com muitos sacrifiacutecios suplicantes de modo piedoso
ele que rege as competiccedilotildees atleacuteticas e a devida parte dos precircmios
80 e honra a Arcaacutedia de nobres varotildees
eacute ele oacute filho de Soacutestrato
com seu pai (Zeus) de barulho retumbante que realiza o teu ecircxito
19 Progenitor de de Anfitriatildeo e este o suposto pai de Heacuteracles
11
Tenho em minha liacutengua a fama de uma liacutempida pedra de afiar20
que quando eu quero se aproxima de mim com sopros de belas correntes
Minha avoacute materna era
de Estiacutenfalo a florescente Metopa
Esfrofe 5
que deu agrave luz Teba condutora de cavalos
de cuja deliciosa aacutegua
86 beberei enquanto teccedilo para os varotildees lanceiros
um hino variado Agora incita teus companheiros
oacute Eneias primeiro a Hera
Virginal celebrar
e depois a saber se evitamos o antigo insulto
90 de suiacuteno Beoacutecio com verdadeiras palavras
De fato eacutes correto mensageiro
inteacuterprete das Musas de belos cabelos
doce taccedila de cantos ressoantes
Antiacutestrofe 5
Diz-lhes que se lembrem
de Siracusa e de Ortiacutegia21
que Hieratildeo ao governaacute-la com imaculado cetro
com justos pensamentos
95 honra Demeacuteter de peacutes vermelhos
a festa de sua filha de brancos corceacuteis
e o poder de Zeus do Etna As liras
e as canccedilotildees de doces palavras o conhecem
20 Metaacutefora do fazer poeacutetico em que a liacutengua do poeta eacute estimulada agrave produccedilatildeo de um canto harmonioso 21Parte mais antiga de Siracusa onde estava situado o palaacutecio de Hieratildeo e talvez o de Hageacutesias (ORTEGA
Alfonso 1984 p 100)
12
Que o tempo em seu curso natildeo lhe destrua a felicidade
mas com amaacuteveis atos de amizade
receba (Hieratildeo) o cortejo processional de Hageacutesias
Epodo 5
(cortejo que) vem de uma casa para outra
das muralhas de Estiacutenfalo
100 e deixa a matildee da Arcaacutedia rica em rebanhos
Boas satildeo na tempestuosa
noite para serem lanccediladas de uma nau veloz
duas acircncoras Que o deus
a estes e agravequeles conceda com amizade glorioso destino
Oacute senhor soberano do mar concede uma direta travessia
isenta de dificuldades oacute esposo
105 de Anfitrite da roca de ouro e faz prosperar
a flor jubilosa de meus hinos
O atleta homenageado da ode eacute filho de Soacutestrato (vv 9 80) pertencente agrave
linhagem dos Iacircmidas e de uma mulher cujos antepassados procediam de Cilene (vv 77-
8) montanha ao norte da Arcaacutedia onde se situava a cidade de Estiacutenfalo ndash lugar em que
ocorrera provavelmente a primeira performance22 do epiniacutecio (vv 99-100) e onde o deus
Hermes era cultuado (vv 79-81) Note-se que a referecircncia a essa divindade vincula o
triunfo atleacutetico agrave benevolecircncia divina tendo em vista ter sido Hermes a divindade doadora
da vitoacuteria (v 81) a Hageacutesias Com efeito a relaccedilatildeo entre a vitoacuteria e a vontade dos deuses
constitui um topos23 da poesia pindaacuterica
22 O argumento da maior parte da criacutetica pindaacuterica sobre a ode ter sido executada em Estiacutenfalo fundamenta-
se nos versos 98-105 nos quais o vencedor e seu kocircmos saem de Estiacutenfalo rumo a Siracusa Acresce ainda
que o fato de o laureado ter laccedilos estreitos com as duas cidades motivou uma discussatildeo acerca da localizaccedilatildeo
da premiegravere do canto triunfal (STAMATOPOULOU 2014 p 1)
23 Cf eg Oliacutempicas 9 vv 100-4 13 vv 13-8 Piacutetica 10 vv 10-5
13
De modo anaacutelogo ao proecircmio da Odisseia (vv 1-10) em que natildeo se menciona o
nome do heroacutei Odisseu designado somente no verso 21 tambeacutem em Oliacutempica 6 o nome
do atleta homenageado soacute aparece no verso 12 por meio de uma invocaccedilatildeo muito embora
tenha sido referido indiretamente no verso 4 apenas pela forma verbal em terceira pessoa
e nos versos 4 a 9 por meio da citaccedilatildeo de seus atributos e de sua descendecircncia
Informa tambeacutem o canto agonal ter tido o vencedor dupla funccedilatildeo a de guardiatildeo
do altar profeacutetico de Zeus em Pisa (v 5) ndash tendo em vista ter como ascendente o adivinho
Iacuteamo que recebera de seu pai Apolo o dom da profecia (vv 65-70) ndash e a de cofundador
de Siracusa (v 6)24 Essas referecircncias ao laureado histoacutericas e miacuteticas encontram-se
distribuiacutedas pelos 105 versos que compotildeem as cinco triacuteades de Oliacutempica 6 iniciada com
uma imagem metapoeacutetica ou autorreferencial em que se coteja o fazer poeacutetico com um
monumento e o poeta com um construtor como atesta nos quatro primeiros versos da
ode a presenccedila de termos pertencentes ao campo semacircntico da arquitetura como kiacuteonas
ldquocolunardquo euteikheicirc ldquobem muradordquo prothyacuteroi ldquopoacuterticordquo paacutexomen ldquoconstruamosrdquo e
proacutesōpon ldquofachadardquo entendido este uacuteltimo metaforicamente segundo o leacutexico pindaacuterico
editado por William Slater (1969 p 454) como o proecircmio da ode Logo eacute a
magnificecircncia dessa construccedilatildeo poeacutetico-arquitetocircnica ndash enfatizada pelos adjetivos
khryseacuteas ldquodouradasrdquo e telaugeacutes ldquoque brilha ao longerdquo ndash que torna impereciacuteveis a
efemeridade do evento atleacutetico ndash ideia sumarizada no verso 4 ndash e o proacuteprio destinataacuterio
apresentado ainda na primeira estrofe como vencedor oliacutempico guardiatildeo por heranccedila
paterna do altar divinatoacuterio de Zeus e cofundador de Siracusa ndash atributos que devem
brilhar ao longe
A par dessas metaacuteforas delineia-se na segunda estrofe a imagem do poeta-
condutor quando a persona loquens ao invocar o nome do condutor da quadriga ndash
Fiacutentis25 auriga de Hageacutesias ndash a ele se iguala como assinala o sintagma autorreferencial
baacutesomen oacutekkhon ldquoconduzamos a quadriga de mulasrdquo (v 24) Logo por meio de
linguagem metafoacuterica o fazer poeacutetico e a performance do canto convertem-se assinala
24 Segundo os escolia 8a e 8b Hageacutesias pode ser considerado cofundador de Siracusa porque seus
antepassados participaram da colonizaccedilatildeo desta cidade Entretanto Willamowitz (1922) e Luraghi (1997)
sugeriram que o proacuteprio Hageacutesias teria participada reestruturaccedilatildeo de Siracusa no governo do tirano Gelatildeo
(apud STAMATOPOULOU 2014 p 7 nota 21) Acerca da remodelaccedilatildeo ldquogelonianardquo de Siracusa ver
Hirata (2010 p 28-9)
25 Fiacutentis representa o aristocrata siracusano Hageacutesias patrocinador do treinamento das parelhas do auriga
(CALAME 2005 p 54)
14
Calame (2005 p 53) numa corrida de quadrigas toacutepos na poesia grega arcaica De fato
assim como o atleta conduz a quadriga agrave vitoacuteria tambeacutem o poeta-atleta elabora
harmoniosamente seus versos para glorificar o vencedor e sua linhagem Deste modo
configuram-se nesse percurso metafoacuterico a quadriga e a poesia como vias de acesso agrave
imortalidade a julgar pela presenccedila dos termos sinocircnimos keleuthoacutes (v 23) e hodoacutes (v
25) ldquocaminhordquo o primeiro dos quais representando conotativamente a poesia e o
segundo conservando sua acepccedilatildeo denotativa tem o sentido de rota percorrida pela
carruagem
Aliaacutes essas imagens metafoacutericas natildeo satildeo as uacutenicas empregadas pela persona
loquens para descrever por meio de metalinguagem sua arte poeacutetica comparada ora com
objetos preciosos ndash como na ode em pauta em que a canccedilatildeo eacute relacionada com um poacutertico
de colunas douradas (Ol 6 vv 1-4) ou em outras odes com uma taccedila de ouro (Ol 7
vv 1-4) e com ouro refinado (Nemeia 4 v 82) - ora com o produto resultante do trabalho
das abelhas (Ol 10 v 98 Nemeia 3 v 77) ou com elementos da natureza como a flor
(Ol 6 v 105) soacute para citar algumas Tambeacutem o mister do poeta eacute vinculado a diferentes
atividades profissionais como a de lavrador (Nemeia 6 v 32 Piacutetica 6 v 2) escultor
(Nemeia vv 1-5) arqueiro (Ol 1 v 111 Ol 2 vv 83-6) e tecelatildeo este uacuteltimo labor
evocado em Oliacutempica 6 (v 86) pelo emprego do verbo pleacutekō ldquotecerrdquo metaacutefora frequente
do fazer poeacutetico na poesia meacutelica assinala Calame (2005 p58 n12) Com efeito do
mesmo modo que o tecelatildeo tranccedila com sutileza e habilidade os fios para a confecccedilatildeo do
tecido tambeacutem o poeta elabora seu discurso poeacutetico entrelaccedilando recursos literaacuterios e
linguiacutesticos combinados com o ritmo e a harmonia para a perfeita composiccedilatildeo da ode e
por conseguinte para a glorificaccedilatildeo do atleta vencedor como se infere dos versos 86-7
ldquoteccedilo para os varotildees lanceiros um hino variadordquo
Entre os elementos constitutivos do epiniacutecio pindaacuterico eacute interessante pontuar
ainda a alternacircncia das formas de primeira pessoa26 do singular e do plural (eunoacutes ndash vv
3 21 23 24 82 84 86 e 105) por meio da qual eacute possiacutevel haver um revezamento entre
a voz do poema e a voz do coro dado que torna improdutiva segundo Calame (2005 p
58) a discussatildeo acerca da natureza do sujeito poeacutetico nas odes pindaacutericas ldquonem
unicamente ldquomonoacutedicordquo nem inteiramente coral o eunoacutes do locutor eacute essencialmente
polifocircnicordquo
26 Sobre o emprego da primeira pessoa na poesia pindaacuterica cf LEFKOWITZ Mary op cit 1991 p 1-71
15
Deve-se observar tambeacutem com Claire Muckensturn-Poulle (2009 p 77) que ao
longo da Oliacutempica 6 o sujeito do enunciado confere voz a outros enunciadores ora
empregando o discurso direto como no elogio que Adrasto faz a Anfiarau (vv 16-7) e na
ordem dada por Apolo a Iacuteamo (vv 62-3) no momento em que o deus lhe concede o dom
da profecia ora transferindo por meio de uma ordem sua funccedilatildeo de locutor do canto
agonal a Fiacutentis o auriga de Hageacutesias (v 22) ou a Eneias o khorodidaacuteskalos (vv 88-96)
com os quais se identifica como poeta-condutor e poeta-mestre do coro
Por outro lado haacute dados sugestivos da performance coral da ode e de seu local de
execuccedilatildeo haja vista a invocaccedilatildeo da persona loquens a Eneias possivelmente o
khorodidaacuteskalos - a julgar pelos escoacutelios a essa passagem (148a e 149ordf apud
STAMATOPOULOU 2014 p 11 nota 34 CALAME 2005 p 57 nota 10 p 58 nota
13) - a referecircncia aos hetaicircroi companheiros de Eneias e talvez integrantes do coro e
ainda o voto do sujeito poeacutetico para que o kocircmos ldquocortejo processionalrdquo ao vencedor
apoacutes ter sido apresentado em Estiacutenfalo como julga a maior parte da criacutetica pindaacuterica
acerca da premiegravere do epiniacutecio (apud STAMATOPOULOU 2014 p 2) fosse tambeacutem
recebido pelo tirano Hieratildeo em Siracusa onde seria realizada a reperformance durante a
festa cultual (v 95) dedicada a Demeacuteter e a Perseacutefone deusas tutelares de Siracusa culto
possivelmente organizado pela famiacutelia de Hieratildeo (apud CALAME 2005 p 59)
Evidenciam respectivamente a recepccedilatildeo e a reapresentaccedilatildeo do canto em Siracusa a
forma verbal deacutexaito ldquorecebardquo (v 98) no optativo desiderativo enfatizada pela expressatildeo
sỳn degrave philophrosyacutenas euētaacutetois ldquocom amaacuteveis atos de amizaderdquo e os sintagmas
adverbiais presentes no verso 99 oiacutekothen oiacutekadrsquo ldquode uma casa para outrardquo e apograve
Stymphaliacuteōn ldquode Estiacutenfalordquo e por fim a justaposiccedilatildeo no verso 102 dos pronomes tocircnde
ldquoestesrdquo e keiacutenon ldquoagravequelesrdquo alusivos aos estinfaacutelios e siracusanos respectivamente Assim
como esses elementos apontam para a saiacuteda do vencedor da cidade Estiacutenfalo e Siracusa
eacute ainda um lugar a ser alcanccedilado por via mariacutetima acredita-se que a execuccedilatildeo primeira
do canto tenha ocorrido na cidade da matildee de Hageacutesias Note-se que o atleta e as duas
cidades a de seus antepassados maternos Estiacutenfalo e a sua terra natal Siracusa satildeo ainda
representados respectivamente pelas imagens metafoacutericas do navio e das duas acircncoras
(vv 101-5a) imagens que remetem ao deus do mar Posecircidon invocado pela persona
loquens para conceder uma favoraacutevel travessia ao kocircmos de Hageacutesias do qual
possivelmente fazia parte o chefe do coro responsaacutevel segundo Calame (2005 p 57)
16
pelo treinamento dos coreutashetaicircroi que deveriam transmitir em performance coral a
voz do poeta
Ainda acerca dessa metaacutefora mariacutetima Meacuteautis (1962 p 200) Kirkwood (1982
p 94) a interpretam como uma referecircncia agrave crise poliacutetica instaurada em Siracusa nos
uacuteltimos anos de governo de Hieratildeo crise representada pela imagem da lsquotempestuosa
noitersquo (vv 100-1) Assim na qualidade de cidadatildeo siracusano observa ainda Meacuteautis
(1962 p 200) Hageacutesias prevendo a queda do regime tiracircnico pretendia solicitar uma
nova cidadania em Estiacutenfalo A esse respeito vale mencionar uma vez mais a opiniatildeo
de Stamatopoulou (2014 p 3-4) que compartilhando do ponto de vista de Stehle julga
ter sido a ode executada primeiramente em Estiacutenfalo com o objetivo de estreitarem-se os
laccedilos entre o vencedor e essa cidade da Arcaacutedia
No que concerne ao possiacutevel chefe do coro o sujeito poeacutetico num tom laudatoacuterio
refere-se a Eneias como notou Kirkwood (1982 p 93) acerca do estilo metafoacuterico de
Piacutendaro - como aacutengelos ldquomensageirordquo (v 90) e skytaacutela (v 91)27 traduzido como
ldquointeacuterpreterdquo por ser ele o responsaacutevel pela recepccedilatildeo dos efluacutevios das Musas ndash como
explicita a expressatildeo ldquodoce taccedila de cantos ressoantesrdquo (v 91) - pela transmissatildeo e
reapresentaccedilatildeo da mensagemcanto em Siracusa onde tambeacutem deveria ser objeto de
encocircmio o tirano Hieratildeo do qual se enfatizam o governo justo a piedade religiosa os
triunfos jaacute festejados ldquopelas liras e canccedilotildees de doces palavrasrdquo (vv 96-7) a generosidade
e a amizade (v 98)
Deste modo a referecircncia a Eneias destaca o importante papel do poeta-cantor na
perpetuaccedilatildeo do triunfo agonal Nesse complexo processo de elaboraccedilatildeo poeacutetico-
perfomativa utilizam-se natildeo soacute metaacuteforas como jaacute destacou mas tambeacutem narrativas
miacuteticas relacionadas com a arte divinatoacuteria Assim por meio do elogio ao atleta
homenageado evoca-se primeiramente como modelo miacutetico Anfiarau (vv 12-21) ndash
participante da expediccedilatildeo dos Sete contra Tebas sob o comando de Adrasto rei de
Argos- possuidor das mesmas atribuiccedilotildees do laureado jaacute que ambos satildeo
guerreirogeneral e adivinho Eacute importante enfatizar que a transiccedilatildeo do tempo presente
representado pelo vencedor para o passado miacutetico se estabelece por meio do pronome
relativo hoacuten (v 12) referente ao louvor destinado a Hageacutesias e a Anfiarau e do adveacuterbio
27 Em Esparta espeacutecie de bastatildeo de madeira sobre o qual se enrolavam correias compridas e estreitas com
mensagens secretas lidas e compreendidas por quem possuiacutesse um bastatildeo idecircntico (PINDARE
Olympiques 1971 p 85 nota 4)
17
potrsquo ldquooutrora (v 13) com base no qual se alude ao desaparecimento repentino do
adivinho tebano (v 14) que segundo a versatildeo miacutetica fora arrebatado por Zeus para evitar
a morte do heroacutei como se infere do emprego do verbo katamaacuterptō lsquoengolirrsquo em tmese
que indica ter sido Anfiarau tragado pela terra Observa Barciela (2015 p 53) que esse
corte entre a preposiccedilatildeo kataacute ldquodebaixo derdquo ldquosobrdquo (v 14) e o radical do verbo salienta
natildeo somente o sentido do preveacuterbio mas tambeacutem aponta a razatildeo de natildeo ter Adrasto
encontrado Anfiarau nas sete piras Acredita-se ter sido essa a razatildeo de Adrasto ter
proferido ao adivinho um elogio em discurso direto por meio da imagem metafoacuterica
stratiacircs ophthalmograven emacircs ldquoolho28 do meu exeacutercitordquo metaacutefora que aleacutem de assinalar a
importacircncia de Anfiarau na expediccedilatildeo tebana lhe sintetiza os dois atributos relacionados
respectivamente com a macircntica e com a guerra
Julga-se que a menccedilatildeo ao atributo divinatoacuterio de Anfiarau constitui um meio de
antecipaccedilatildeo do principal mito da ode cujo eixo temaacutetico se centra no nascimento de
Iacuteamo29 (vv 39-47) e em sua iniciaccedilatildeo na arte divinatoacuteria tornando-se o primeiro de uma
famiacutelia de adivinhos ndash os Iacircmidas ndash e o responsaacutevel pelo altar profeacutetico de Zeus em
Oliacutempia (v 70)
Eacute digno de nota ter sido o citado mito introduzido pelas imagens metafoacutericas do
poeta-condutor e da poesia-quadriga por meio das quais anota Calame (2005 p 54)
ocorre um deslocamento geograacutefico-temporal jaacute que a par do movimento de Oliacutempia ndash
lugar onde ocorrera a competiccedilatildeo desportiva ndash para Piacutetana cidade espartana situada junto
ao leito do rio Eurotas na Lacocircnia haacute uma transposiccedilatildeo do tempo da ldquoenunciaccedilatildeo do
cantordquo isto eacute o tempo presente ndash marcado pelo adveacuterbio saacutemeron lsquohojersquo (v 28) ndash para o
passado miacutetico indicado pela referecircncia a Piacutetana- natildeo somente o nome de uma pequena
povoaccedilatildeo de que se compunha Esparta mas tambeacutem o nome de uma ninfa filha do deus-
rio Eurotas e fundadora da linhagem dos Iacircmidas - que unida a Posecircidon gerou em
segredo Evadne matildee de Iacuteamo ancestral miacutetico de uma extensa linhagem de adivinhos
28 Imagem presente em Oliacutempica 2 (v 10) em referecircncia aos ancestrais histoacutericos de Teratildeo de Agrigento
e em Piacutetica 5 (vv 55-7a) em alusatildeo a Bato fundador da estirpe dos reis de Cirene cidade do vencedor
Com relaccedilatildeo agrave imagem do olho em Oliacutempica 6 conveacutem lembrar citando Villarrubia (1995 p 17) Suaacuterez
de la Torre (1989 p 97) e Meacuteautis (1962 p 195) que o escoacutelio pindaacuterico ao citado verso refere a Tebaida
como fonte direta do elogio de Adrasto a Anfiarau 29Como observa Nisetich (1998 p 2) nas odes pindaacutericas eacute conferido destaque maior agrave famiacutelia do vencedor
que ao proacuteprio homenageado jaacute que se busca em fatos preteacuteritos explicaccedilotildees ou justificativas para o
momento presente A esse respeito verifica-se na ode em estudo que a volta ao passado (vv 28-71)
constitui um meio de glorificaccedilatildeo do homenageado
18
cujo representante atual eacute o vencedor oliacutempico Hageacutesias de Siracusa Evadne por sua
vez seduzida por Apolo deu agrave luz Iacuteamo cuja vocaccedilatildeo profeacutetica eacute anunciada na ode pelo
atributo theoacutephrona lsquoinspirado pelos deusesrsquo (v 41) e pelo oraacuteculo de Delfos revelado
ao pai mortal e adotivo de Evadne ndash Eacutepito - a quem satildeo declarados a origem e o dom
divinatoacuterio de Iacuteamo (vv 49b-51) cujo nome de etimologia obscura estaacute associado ao
nome da flor violeta (DUCHEMIN 1955 p 242-3) iacuteon tambeacutem presente no epiacuteteto
atribuiacutedo a Evadne ioacuteplokos ldquocabelo cor de violetardquo (v 30) portanto cor que identifica
Iacuteamo como filho de Evadne Em sintonia com Eleanor Irwin (1996 p 386) acerca de seu
comentaacuterio sobre o ambiente onde Iacuteamo fora abandonado por sua matildee isto eacute khamaiacute ldquono
chatildeordquo (v 45) considera-se que esse lugar eacute tambeacutem ser esse sobrenatural haja vista terem
florescido do chatildeo violetas que forneceram ao receacutem-nascido calor e proteccedilatildeo necessaacuterios
agrave sua sobrevivecircncia Destarte as violetas simbolizam a proacutepria Evadne posto que
exerceram a funccedilatildeo materna
Significativo tambeacutem nessa passagem eacute o fato de ter sido por intervenccedilatildeo divina
(v 46) Iacuteamo alimentado por duas serpentes (45b-47a) com ldquoo veneno irrepreensiacutevel das
abelhasrdquo expressatildeo que se associa anotou Duchemin (1955 p 251) jaacute haacute algum tempo
ao dom da profecia e do fazer poeacutetico Deborah Steiner (1986 p 103) por sua vez refere
acerca dessa passagem que a relaccedilatildeo entre a serpente animal macircntico por excelecircncia
(Meacuteautis 1962 p 196) e o mel anuncia o dom profeacutetico que o receacutem-nascido teria
posteriormente30
Ao chegar agrave adolescecircncia Iacuteamo ciente de sua ascendecircncia divina solicita a seu
avocirc Posecircidon e a seu pai Apolo um atributo que beneficiasse todo o povo uma honra
puacuteblica laoacutethrophos ldquoque alimentasse o povordquo (v 60) Ressalte-se que embora a suacuteplica
tenha sido dirigida a essas duas divindades eacute Apolo nomeado com seu epiacuteteto ldquoarqueiro
guardiatildeo da divina Delosrdquo (v 59) quem concede ao filho o duplo dom da adivinhaccedilatildeo
(vv 65-70) a faculdade de ouvir-lhe a voz profeacutetica pautada sempre na verdade e a
fundaccedilatildeo de oraacuteculo de Zeus em Oliacutempia antes mesmo da instituiccedilatildeo dos Jogos
Oliacutempicos por Heacuteracles Logo com a concessatildeo da daacutediva da adivinhaccedilatildeo encerra-se o
relato miacutetico dos Iacircmidas Faz entatildeo a voz do poema a passagem do tempo miacutetico (vv
71-7) para o passado proacuteximo de Hageacutesias com a alusatildeo laudatoacuteria aos antepassados
30 Acrescente-se que a relaccedilatildeo entre a serpente e a figura de Apolo se justifica pelo fato de a divindade ter
assassinado a serpente Piacuteton para habitar Delfos
19
histoacutericos do vencedor (vv 78-81) e numa referecircncia metapoeacutetica (vv 82-7b) a seus
proacuteprios ancestrais por serem todos procedentes da cidade de Estiacutenfalo dado que
identifica o laureado com a persona loquens
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Piacutendaro Habis 26 1995 p 13-28
9
Assim entatildeo declarou Mas eles confessavam que natildeo o tinham ouvido
nem visto
embora tivesse nascido havia cinco dias Mas
na verdade estava escondido num canteiro de juncos no impenetraacutevel matagal
55 pelos raios dourados e roxos das violetas
banhado em seu delicado
corpo Por isso sua matildee declarou
que ele fosse chamado durante todo o tempo
por esse nome imortal
Mas depois que recebeu o fruto da amaacutevel
Juventude da coroa dourada descendo no meio do Alfeu
invocou o poderoso Posecircidon
seu avocirc e o arqueiro guardiatildeo
da divina Delos
60 pedindo para sua cabeccedila uma honra que alimentasse o povo
no ar livre da noite Clara ressoou a voz paterna e lhe pediu
lsquoLevanta-te filho
vem aqui para a terra paterna
atraacutes da minha vozrsquo
Estrofe 4
Chegaram ao escarpado
rochedo do monte de Crono
65 onde ele lhe outorgou o duplo tesouro
da adivinhaccedilatildeo primeiro ouvir a voz
desconhecedora das mentiras e depois quando
chegasse o de ousados expedientes
10
Heacuteracles majestoso filho dos Alceus19
69 para fundar em honra de seu pai uma festa concorrida
e o maior festival dos jogos
70 na parte mais alta do altar de Zeus
ordenou entatildeo que (Iacuteamo) estabelecesse o oraacuteculo
Antiacutestrofe 4
Desde aquele momento eacute renomada entre
os Helenos a linhagem dos Iacircmidas
A prosperidade os acompanhou ao mesmo tempo E honrando as virtudes
percorrem um caminho visiacutevel daacute provas disso
cada accedilatildeo (deles) Mas a censura da parte
de outros invejosos estaacute suspensa
75 sobre aqueles que foram outrora os primeiros a conduzir o carro na corrida de doze
voltas
e sobre os quais a Graccedila veneranda derrama
gloriosa forma corporal
Se na verdade habitando sob a montanha
de Cilene oacute Hageacutesias teus antepassados maternos
Epodo 4
presentearam
muitas vezes o arauto dos deuses
Hermes com muitos sacrifiacutecios suplicantes de modo piedoso
ele que rege as competiccedilotildees atleacuteticas e a devida parte dos precircmios
80 e honra a Arcaacutedia de nobres varotildees
eacute ele oacute filho de Soacutestrato
com seu pai (Zeus) de barulho retumbante que realiza o teu ecircxito
19 Progenitor de de Anfitriatildeo e este o suposto pai de Heacuteracles
11
Tenho em minha liacutengua a fama de uma liacutempida pedra de afiar20
que quando eu quero se aproxima de mim com sopros de belas correntes
Minha avoacute materna era
de Estiacutenfalo a florescente Metopa
Esfrofe 5
que deu agrave luz Teba condutora de cavalos
de cuja deliciosa aacutegua
86 beberei enquanto teccedilo para os varotildees lanceiros
um hino variado Agora incita teus companheiros
oacute Eneias primeiro a Hera
Virginal celebrar
e depois a saber se evitamos o antigo insulto
90 de suiacuteno Beoacutecio com verdadeiras palavras
De fato eacutes correto mensageiro
inteacuterprete das Musas de belos cabelos
doce taccedila de cantos ressoantes
Antiacutestrofe 5
Diz-lhes que se lembrem
de Siracusa e de Ortiacutegia21
que Hieratildeo ao governaacute-la com imaculado cetro
com justos pensamentos
95 honra Demeacuteter de peacutes vermelhos
a festa de sua filha de brancos corceacuteis
e o poder de Zeus do Etna As liras
e as canccedilotildees de doces palavras o conhecem
20 Metaacutefora do fazer poeacutetico em que a liacutengua do poeta eacute estimulada agrave produccedilatildeo de um canto harmonioso 21Parte mais antiga de Siracusa onde estava situado o palaacutecio de Hieratildeo e talvez o de Hageacutesias (ORTEGA
Alfonso 1984 p 100)
12
Que o tempo em seu curso natildeo lhe destrua a felicidade
mas com amaacuteveis atos de amizade
receba (Hieratildeo) o cortejo processional de Hageacutesias
Epodo 5
(cortejo que) vem de uma casa para outra
das muralhas de Estiacutenfalo
100 e deixa a matildee da Arcaacutedia rica em rebanhos
Boas satildeo na tempestuosa
noite para serem lanccediladas de uma nau veloz
duas acircncoras Que o deus
a estes e agravequeles conceda com amizade glorioso destino
Oacute senhor soberano do mar concede uma direta travessia
isenta de dificuldades oacute esposo
105 de Anfitrite da roca de ouro e faz prosperar
a flor jubilosa de meus hinos
O atleta homenageado da ode eacute filho de Soacutestrato (vv 9 80) pertencente agrave
linhagem dos Iacircmidas e de uma mulher cujos antepassados procediam de Cilene (vv 77-
8) montanha ao norte da Arcaacutedia onde se situava a cidade de Estiacutenfalo ndash lugar em que
ocorrera provavelmente a primeira performance22 do epiniacutecio (vv 99-100) e onde o deus
Hermes era cultuado (vv 79-81) Note-se que a referecircncia a essa divindade vincula o
triunfo atleacutetico agrave benevolecircncia divina tendo em vista ter sido Hermes a divindade doadora
da vitoacuteria (v 81) a Hageacutesias Com efeito a relaccedilatildeo entre a vitoacuteria e a vontade dos deuses
constitui um topos23 da poesia pindaacuterica
22 O argumento da maior parte da criacutetica pindaacuterica sobre a ode ter sido executada em Estiacutenfalo fundamenta-
se nos versos 98-105 nos quais o vencedor e seu kocircmos saem de Estiacutenfalo rumo a Siracusa Acresce ainda
que o fato de o laureado ter laccedilos estreitos com as duas cidades motivou uma discussatildeo acerca da localizaccedilatildeo
da premiegravere do canto triunfal (STAMATOPOULOU 2014 p 1)
23 Cf eg Oliacutempicas 9 vv 100-4 13 vv 13-8 Piacutetica 10 vv 10-5
13
De modo anaacutelogo ao proecircmio da Odisseia (vv 1-10) em que natildeo se menciona o
nome do heroacutei Odisseu designado somente no verso 21 tambeacutem em Oliacutempica 6 o nome
do atleta homenageado soacute aparece no verso 12 por meio de uma invocaccedilatildeo muito embora
tenha sido referido indiretamente no verso 4 apenas pela forma verbal em terceira pessoa
e nos versos 4 a 9 por meio da citaccedilatildeo de seus atributos e de sua descendecircncia
Informa tambeacutem o canto agonal ter tido o vencedor dupla funccedilatildeo a de guardiatildeo
do altar profeacutetico de Zeus em Pisa (v 5) ndash tendo em vista ter como ascendente o adivinho
Iacuteamo que recebera de seu pai Apolo o dom da profecia (vv 65-70) ndash e a de cofundador
de Siracusa (v 6)24 Essas referecircncias ao laureado histoacutericas e miacuteticas encontram-se
distribuiacutedas pelos 105 versos que compotildeem as cinco triacuteades de Oliacutempica 6 iniciada com
uma imagem metapoeacutetica ou autorreferencial em que se coteja o fazer poeacutetico com um
monumento e o poeta com um construtor como atesta nos quatro primeiros versos da
ode a presenccedila de termos pertencentes ao campo semacircntico da arquitetura como kiacuteonas
ldquocolunardquo euteikheicirc ldquobem muradordquo prothyacuteroi ldquopoacuterticordquo paacutexomen ldquoconstruamosrdquo e
proacutesōpon ldquofachadardquo entendido este uacuteltimo metaforicamente segundo o leacutexico pindaacuterico
editado por William Slater (1969 p 454) como o proecircmio da ode Logo eacute a
magnificecircncia dessa construccedilatildeo poeacutetico-arquitetocircnica ndash enfatizada pelos adjetivos
khryseacuteas ldquodouradasrdquo e telaugeacutes ldquoque brilha ao longerdquo ndash que torna impereciacuteveis a
efemeridade do evento atleacutetico ndash ideia sumarizada no verso 4 ndash e o proacuteprio destinataacuterio
apresentado ainda na primeira estrofe como vencedor oliacutempico guardiatildeo por heranccedila
paterna do altar divinatoacuterio de Zeus e cofundador de Siracusa ndash atributos que devem
brilhar ao longe
A par dessas metaacuteforas delineia-se na segunda estrofe a imagem do poeta-
condutor quando a persona loquens ao invocar o nome do condutor da quadriga ndash
Fiacutentis25 auriga de Hageacutesias ndash a ele se iguala como assinala o sintagma autorreferencial
baacutesomen oacutekkhon ldquoconduzamos a quadriga de mulasrdquo (v 24) Logo por meio de
linguagem metafoacuterica o fazer poeacutetico e a performance do canto convertem-se assinala
24 Segundo os escolia 8a e 8b Hageacutesias pode ser considerado cofundador de Siracusa porque seus
antepassados participaram da colonizaccedilatildeo desta cidade Entretanto Willamowitz (1922) e Luraghi (1997)
sugeriram que o proacuteprio Hageacutesias teria participada reestruturaccedilatildeo de Siracusa no governo do tirano Gelatildeo
(apud STAMATOPOULOU 2014 p 7 nota 21) Acerca da remodelaccedilatildeo ldquogelonianardquo de Siracusa ver
Hirata (2010 p 28-9)
25 Fiacutentis representa o aristocrata siracusano Hageacutesias patrocinador do treinamento das parelhas do auriga
(CALAME 2005 p 54)
14
Calame (2005 p 53) numa corrida de quadrigas toacutepos na poesia grega arcaica De fato
assim como o atleta conduz a quadriga agrave vitoacuteria tambeacutem o poeta-atleta elabora
harmoniosamente seus versos para glorificar o vencedor e sua linhagem Deste modo
configuram-se nesse percurso metafoacuterico a quadriga e a poesia como vias de acesso agrave
imortalidade a julgar pela presenccedila dos termos sinocircnimos keleuthoacutes (v 23) e hodoacutes (v
25) ldquocaminhordquo o primeiro dos quais representando conotativamente a poesia e o
segundo conservando sua acepccedilatildeo denotativa tem o sentido de rota percorrida pela
carruagem
Aliaacutes essas imagens metafoacutericas natildeo satildeo as uacutenicas empregadas pela persona
loquens para descrever por meio de metalinguagem sua arte poeacutetica comparada ora com
objetos preciosos ndash como na ode em pauta em que a canccedilatildeo eacute relacionada com um poacutertico
de colunas douradas (Ol 6 vv 1-4) ou em outras odes com uma taccedila de ouro (Ol 7
vv 1-4) e com ouro refinado (Nemeia 4 v 82) - ora com o produto resultante do trabalho
das abelhas (Ol 10 v 98 Nemeia 3 v 77) ou com elementos da natureza como a flor
(Ol 6 v 105) soacute para citar algumas Tambeacutem o mister do poeta eacute vinculado a diferentes
atividades profissionais como a de lavrador (Nemeia 6 v 32 Piacutetica 6 v 2) escultor
(Nemeia vv 1-5) arqueiro (Ol 1 v 111 Ol 2 vv 83-6) e tecelatildeo este uacuteltimo labor
evocado em Oliacutempica 6 (v 86) pelo emprego do verbo pleacutekō ldquotecerrdquo metaacutefora frequente
do fazer poeacutetico na poesia meacutelica assinala Calame (2005 p58 n12) Com efeito do
mesmo modo que o tecelatildeo tranccedila com sutileza e habilidade os fios para a confecccedilatildeo do
tecido tambeacutem o poeta elabora seu discurso poeacutetico entrelaccedilando recursos literaacuterios e
linguiacutesticos combinados com o ritmo e a harmonia para a perfeita composiccedilatildeo da ode e
por conseguinte para a glorificaccedilatildeo do atleta vencedor como se infere dos versos 86-7
ldquoteccedilo para os varotildees lanceiros um hino variadordquo
Entre os elementos constitutivos do epiniacutecio pindaacuterico eacute interessante pontuar
ainda a alternacircncia das formas de primeira pessoa26 do singular e do plural (eunoacutes ndash vv
3 21 23 24 82 84 86 e 105) por meio da qual eacute possiacutevel haver um revezamento entre
a voz do poema e a voz do coro dado que torna improdutiva segundo Calame (2005 p
58) a discussatildeo acerca da natureza do sujeito poeacutetico nas odes pindaacutericas ldquonem
unicamente ldquomonoacutedicordquo nem inteiramente coral o eunoacutes do locutor eacute essencialmente
polifocircnicordquo
26 Sobre o emprego da primeira pessoa na poesia pindaacuterica cf LEFKOWITZ Mary op cit 1991 p 1-71
15
Deve-se observar tambeacutem com Claire Muckensturn-Poulle (2009 p 77) que ao
longo da Oliacutempica 6 o sujeito do enunciado confere voz a outros enunciadores ora
empregando o discurso direto como no elogio que Adrasto faz a Anfiarau (vv 16-7) e na
ordem dada por Apolo a Iacuteamo (vv 62-3) no momento em que o deus lhe concede o dom
da profecia ora transferindo por meio de uma ordem sua funccedilatildeo de locutor do canto
agonal a Fiacutentis o auriga de Hageacutesias (v 22) ou a Eneias o khorodidaacuteskalos (vv 88-96)
com os quais se identifica como poeta-condutor e poeta-mestre do coro
Por outro lado haacute dados sugestivos da performance coral da ode e de seu local de
execuccedilatildeo haja vista a invocaccedilatildeo da persona loquens a Eneias possivelmente o
khorodidaacuteskalos - a julgar pelos escoacutelios a essa passagem (148a e 149ordf apud
STAMATOPOULOU 2014 p 11 nota 34 CALAME 2005 p 57 nota 10 p 58 nota
13) - a referecircncia aos hetaicircroi companheiros de Eneias e talvez integrantes do coro e
ainda o voto do sujeito poeacutetico para que o kocircmos ldquocortejo processionalrdquo ao vencedor
apoacutes ter sido apresentado em Estiacutenfalo como julga a maior parte da criacutetica pindaacuterica
acerca da premiegravere do epiniacutecio (apud STAMATOPOULOU 2014 p 2) fosse tambeacutem
recebido pelo tirano Hieratildeo em Siracusa onde seria realizada a reperformance durante a
festa cultual (v 95) dedicada a Demeacuteter e a Perseacutefone deusas tutelares de Siracusa culto
possivelmente organizado pela famiacutelia de Hieratildeo (apud CALAME 2005 p 59)
Evidenciam respectivamente a recepccedilatildeo e a reapresentaccedilatildeo do canto em Siracusa a
forma verbal deacutexaito ldquorecebardquo (v 98) no optativo desiderativo enfatizada pela expressatildeo
sỳn degrave philophrosyacutenas euētaacutetois ldquocom amaacuteveis atos de amizaderdquo e os sintagmas
adverbiais presentes no verso 99 oiacutekothen oiacutekadrsquo ldquode uma casa para outrardquo e apograve
Stymphaliacuteōn ldquode Estiacutenfalordquo e por fim a justaposiccedilatildeo no verso 102 dos pronomes tocircnde
ldquoestesrdquo e keiacutenon ldquoagravequelesrdquo alusivos aos estinfaacutelios e siracusanos respectivamente Assim
como esses elementos apontam para a saiacuteda do vencedor da cidade Estiacutenfalo e Siracusa
eacute ainda um lugar a ser alcanccedilado por via mariacutetima acredita-se que a execuccedilatildeo primeira
do canto tenha ocorrido na cidade da matildee de Hageacutesias Note-se que o atleta e as duas
cidades a de seus antepassados maternos Estiacutenfalo e a sua terra natal Siracusa satildeo ainda
representados respectivamente pelas imagens metafoacutericas do navio e das duas acircncoras
(vv 101-5a) imagens que remetem ao deus do mar Posecircidon invocado pela persona
loquens para conceder uma favoraacutevel travessia ao kocircmos de Hageacutesias do qual
possivelmente fazia parte o chefe do coro responsaacutevel segundo Calame (2005 p 57)
16
pelo treinamento dos coreutashetaicircroi que deveriam transmitir em performance coral a
voz do poeta
Ainda acerca dessa metaacutefora mariacutetima Meacuteautis (1962 p 200) Kirkwood (1982
p 94) a interpretam como uma referecircncia agrave crise poliacutetica instaurada em Siracusa nos
uacuteltimos anos de governo de Hieratildeo crise representada pela imagem da lsquotempestuosa
noitersquo (vv 100-1) Assim na qualidade de cidadatildeo siracusano observa ainda Meacuteautis
(1962 p 200) Hageacutesias prevendo a queda do regime tiracircnico pretendia solicitar uma
nova cidadania em Estiacutenfalo A esse respeito vale mencionar uma vez mais a opiniatildeo
de Stamatopoulou (2014 p 3-4) que compartilhando do ponto de vista de Stehle julga
ter sido a ode executada primeiramente em Estiacutenfalo com o objetivo de estreitarem-se os
laccedilos entre o vencedor e essa cidade da Arcaacutedia
No que concerne ao possiacutevel chefe do coro o sujeito poeacutetico num tom laudatoacuterio
refere-se a Eneias como notou Kirkwood (1982 p 93) acerca do estilo metafoacuterico de
Piacutendaro - como aacutengelos ldquomensageirordquo (v 90) e skytaacutela (v 91)27 traduzido como
ldquointeacuterpreterdquo por ser ele o responsaacutevel pela recepccedilatildeo dos efluacutevios das Musas ndash como
explicita a expressatildeo ldquodoce taccedila de cantos ressoantesrdquo (v 91) - pela transmissatildeo e
reapresentaccedilatildeo da mensagemcanto em Siracusa onde tambeacutem deveria ser objeto de
encocircmio o tirano Hieratildeo do qual se enfatizam o governo justo a piedade religiosa os
triunfos jaacute festejados ldquopelas liras e canccedilotildees de doces palavrasrdquo (vv 96-7) a generosidade
e a amizade (v 98)
Deste modo a referecircncia a Eneias destaca o importante papel do poeta-cantor na
perpetuaccedilatildeo do triunfo agonal Nesse complexo processo de elaboraccedilatildeo poeacutetico-
perfomativa utilizam-se natildeo soacute metaacuteforas como jaacute destacou mas tambeacutem narrativas
miacuteticas relacionadas com a arte divinatoacuteria Assim por meio do elogio ao atleta
homenageado evoca-se primeiramente como modelo miacutetico Anfiarau (vv 12-21) ndash
participante da expediccedilatildeo dos Sete contra Tebas sob o comando de Adrasto rei de
Argos- possuidor das mesmas atribuiccedilotildees do laureado jaacute que ambos satildeo
guerreirogeneral e adivinho Eacute importante enfatizar que a transiccedilatildeo do tempo presente
representado pelo vencedor para o passado miacutetico se estabelece por meio do pronome
relativo hoacuten (v 12) referente ao louvor destinado a Hageacutesias e a Anfiarau e do adveacuterbio
27 Em Esparta espeacutecie de bastatildeo de madeira sobre o qual se enrolavam correias compridas e estreitas com
mensagens secretas lidas e compreendidas por quem possuiacutesse um bastatildeo idecircntico (PINDARE
Olympiques 1971 p 85 nota 4)
17
potrsquo ldquooutrora (v 13) com base no qual se alude ao desaparecimento repentino do
adivinho tebano (v 14) que segundo a versatildeo miacutetica fora arrebatado por Zeus para evitar
a morte do heroacutei como se infere do emprego do verbo katamaacuterptō lsquoengolirrsquo em tmese
que indica ter sido Anfiarau tragado pela terra Observa Barciela (2015 p 53) que esse
corte entre a preposiccedilatildeo kataacute ldquodebaixo derdquo ldquosobrdquo (v 14) e o radical do verbo salienta
natildeo somente o sentido do preveacuterbio mas tambeacutem aponta a razatildeo de natildeo ter Adrasto
encontrado Anfiarau nas sete piras Acredita-se ter sido essa a razatildeo de Adrasto ter
proferido ao adivinho um elogio em discurso direto por meio da imagem metafoacuterica
stratiacircs ophthalmograven emacircs ldquoolho28 do meu exeacutercitordquo metaacutefora que aleacutem de assinalar a
importacircncia de Anfiarau na expediccedilatildeo tebana lhe sintetiza os dois atributos relacionados
respectivamente com a macircntica e com a guerra
Julga-se que a menccedilatildeo ao atributo divinatoacuterio de Anfiarau constitui um meio de
antecipaccedilatildeo do principal mito da ode cujo eixo temaacutetico se centra no nascimento de
Iacuteamo29 (vv 39-47) e em sua iniciaccedilatildeo na arte divinatoacuteria tornando-se o primeiro de uma
famiacutelia de adivinhos ndash os Iacircmidas ndash e o responsaacutevel pelo altar profeacutetico de Zeus em
Oliacutempia (v 70)
Eacute digno de nota ter sido o citado mito introduzido pelas imagens metafoacutericas do
poeta-condutor e da poesia-quadriga por meio das quais anota Calame (2005 p 54)
ocorre um deslocamento geograacutefico-temporal jaacute que a par do movimento de Oliacutempia ndash
lugar onde ocorrera a competiccedilatildeo desportiva ndash para Piacutetana cidade espartana situada junto
ao leito do rio Eurotas na Lacocircnia haacute uma transposiccedilatildeo do tempo da ldquoenunciaccedilatildeo do
cantordquo isto eacute o tempo presente ndash marcado pelo adveacuterbio saacutemeron lsquohojersquo (v 28) ndash para o
passado miacutetico indicado pela referecircncia a Piacutetana- natildeo somente o nome de uma pequena
povoaccedilatildeo de que se compunha Esparta mas tambeacutem o nome de uma ninfa filha do deus-
rio Eurotas e fundadora da linhagem dos Iacircmidas - que unida a Posecircidon gerou em
segredo Evadne matildee de Iacuteamo ancestral miacutetico de uma extensa linhagem de adivinhos
28 Imagem presente em Oliacutempica 2 (v 10) em referecircncia aos ancestrais histoacutericos de Teratildeo de Agrigento
e em Piacutetica 5 (vv 55-7a) em alusatildeo a Bato fundador da estirpe dos reis de Cirene cidade do vencedor
Com relaccedilatildeo agrave imagem do olho em Oliacutempica 6 conveacutem lembrar citando Villarrubia (1995 p 17) Suaacuterez
de la Torre (1989 p 97) e Meacuteautis (1962 p 195) que o escoacutelio pindaacuterico ao citado verso refere a Tebaida
como fonte direta do elogio de Adrasto a Anfiarau 29Como observa Nisetich (1998 p 2) nas odes pindaacutericas eacute conferido destaque maior agrave famiacutelia do vencedor
que ao proacuteprio homenageado jaacute que se busca em fatos preteacuteritos explicaccedilotildees ou justificativas para o
momento presente A esse respeito verifica-se na ode em estudo que a volta ao passado (vv 28-71)
constitui um meio de glorificaccedilatildeo do homenageado
18
cujo representante atual eacute o vencedor oliacutempico Hageacutesias de Siracusa Evadne por sua
vez seduzida por Apolo deu agrave luz Iacuteamo cuja vocaccedilatildeo profeacutetica eacute anunciada na ode pelo
atributo theoacutephrona lsquoinspirado pelos deusesrsquo (v 41) e pelo oraacuteculo de Delfos revelado
ao pai mortal e adotivo de Evadne ndash Eacutepito - a quem satildeo declarados a origem e o dom
divinatoacuterio de Iacuteamo (vv 49b-51) cujo nome de etimologia obscura estaacute associado ao
nome da flor violeta (DUCHEMIN 1955 p 242-3) iacuteon tambeacutem presente no epiacuteteto
atribuiacutedo a Evadne ioacuteplokos ldquocabelo cor de violetardquo (v 30) portanto cor que identifica
Iacuteamo como filho de Evadne Em sintonia com Eleanor Irwin (1996 p 386) acerca de seu
comentaacuterio sobre o ambiente onde Iacuteamo fora abandonado por sua matildee isto eacute khamaiacute ldquono
chatildeordquo (v 45) considera-se que esse lugar eacute tambeacutem ser esse sobrenatural haja vista terem
florescido do chatildeo violetas que forneceram ao receacutem-nascido calor e proteccedilatildeo necessaacuterios
agrave sua sobrevivecircncia Destarte as violetas simbolizam a proacutepria Evadne posto que
exerceram a funccedilatildeo materna
Significativo tambeacutem nessa passagem eacute o fato de ter sido por intervenccedilatildeo divina
(v 46) Iacuteamo alimentado por duas serpentes (45b-47a) com ldquoo veneno irrepreensiacutevel das
abelhasrdquo expressatildeo que se associa anotou Duchemin (1955 p 251) jaacute haacute algum tempo
ao dom da profecia e do fazer poeacutetico Deborah Steiner (1986 p 103) por sua vez refere
acerca dessa passagem que a relaccedilatildeo entre a serpente animal macircntico por excelecircncia
(Meacuteautis 1962 p 196) e o mel anuncia o dom profeacutetico que o receacutem-nascido teria
posteriormente30
Ao chegar agrave adolescecircncia Iacuteamo ciente de sua ascendecircncia divina solicita a seu
avocirc Posecircidon e a seu pai Apolo um atributo que beneficiasse todo o povo uma honra
puacuteblica laoacutethrophos ldquoque alimentasse o povordquo (v 60) Ressalte-se que embora a suacuteplica
tenha sido dirigida a essas duas divindades eacute Apolo nomeado com seu epiacuteteto ldquoarqueiro
guardiatildeo da divina Delosrdquo (v 59) quem concede ao filho o duplo dom da adivinhaccedilatildeo
(vv 65-70) a faculdade de ouvir-lhe a voz profeacutetica pautada sempre na verdade e a
fundaccedilatildeo de oraacuteculo de Zeus em Oliacutempia antes mesmo da instituiccedilatildeo dos Jogos
Oliacutempicos por Heacuteracles Logo com a concessatildeo da daacutediva da adivinhaccedilatildeo encerra-se o
relato miacutetico dos Iacircmidas Faz entatildeo a voz do poema a passagem do tempo miacutetico (vv
71-7) para o passado proacuteximo de Hageacutesias com a alusatildeo laudatoacuteria aos antepassados
30 Acrescente-se que a relaccedilatildeo entre a serpente e a figura de Apolo se justifica pelo fato de a divindade ter
assassinado a serpente Piacuteton para habitar Delfos
19
histoacutericos do vencedor (vv 78-81) e numa referecircncia metapoeacutetica (vv 82-7b) a seus
proacuteprios ancestrais por serem todos procedentes da cidade de Estiacutenfalo dado que
identifica o laureado com a persona loquens
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VILLARRUBIA Antonio La victoria de Hagesias de Siracusa y la Oliacutempica 6 de
Piacutendaro Habis 26 1995 p 13-28
10
Heacuteracles majestoso filho dos Alceus19
69 para fundar em honra de seu pai uma festa concorrida
e o maior festival dos jogos
70 na parte mais alta do altar de Zeus
ordenou entatildeo que (Iacuteamo) estabelecesse o oraacuteculo
Antiacutestrofe 4
Desde aquele momento eacute renomada entre
os Helenos a linhagem dos Iacircmidas
A prosperidade os acompanhou ao mesmo tempo E honrando as virtudes
percorrem um caminho visiacutevel daacute provas disso
cada accedilatildeo (deles) Mas a censura da parte
de outros invejosos estaacute suspensa
75 sobre aqueles que foram outrora os primeiros a conduzir o carro na corrida de doze
voltas
e sobre os quais a Graccedila veneranda derrama
gloriosa forma corporal
Se na verdade habitando sob a montanha
de Cilene oacute Hageacutesias teus antepassados maternos
Epodo 4
presentearam
muitas vezes o arauto dos deuses
Hermes com muitos sacrifiacutecios suplicantes de modo piedoso
ele que rege as competiccedilotildees atleacuteticas e a devida parte dos precircmios
80 e honra a Arcaacutedia de nobres varotildees
eacute ele oacute filho de Soacutestrato
com seu pai (Zeus) de barulho retumbante que realiza o teu ecircxito
19 Progenitor de de Anfitriatildeo e este o suposto pai de Heacuteracles
11
Tenho em minha liacutengua a fama de uma liacutempida pedra de afiar20
que quando eu quero se aproxima de mim com sopros de belas correntes
Minha avoacute materna era
de Estiacutenfalo a florescente Metopa
Esfrofe 5
que deu agrave luz Teba condutora de cavalos
de cuja deliciosa aacutegua
86 beberei enquanto teccedilo para os varotildees lanceiros
um hino variado Agora incita teus companheiros
oacute Eneias primeiro a Hera
Virginal celebrar
e depois a saber se evitamos o antigo insulto
90 de suiacuteno Beoacutecio com verdadeiras palavras
De fato eacutes correto mensageiro
inteacuterprete das Musas de belos cabelos
doce taccedila de cantos ressoantes
Antiacutestrofe 5
Diz-lhes que se lembrem
de Siracusa e de Ortiacutegia21
que Hieratildeo ao governaacute-la com imaculado cetro
com justos pensamentos
95 honra Demeacuteter de peacutes vermelhos
a festa de sua filha de brancos corceacuteis
e o poder de Zeus do Etna As liras
e as canccedilotildees de doces palavras o conhecem
20 Metaacutefora do fazer poeacutetico em que a liacutengua do poeta eacute estimulada agrave produccedilatildeo de um canto harmonioso 21Parte mais antiga de Siracusa onde estava situado o palaacutecio de Hieratildeo e talvez o de Hageacutesias (ORTEGA
Alfonso 1984 p 100)
12
Que o tempo em seu curso natildeo lhe destrua a felicidade
mas com amaacuteveis atos de amizade
receba (Hieratildeo) o cortejo processional de Hageacutesias
Epodo 5
(cortejo que) vem de uma casa para outra
das muralhas de Estiacutenfalo
100 e deixa a matildee da Arcaacutedia rica em rebanhos
Boas satildeo na tempestuosa
noite para serem lanccediladas de uma nau veloz
duas acircncoras Que o deus
a estes e agravequeles conceda com amizade glorioso destino
Oacute senhor soberano do mar concede uma direta travessia
isenta de dificuldades oacute esposo
105 de Anfitrite da roca de ouro e faz prosperar
a flor jubilosa de meus hinos
O atleta homenageado da ode eacute filho de Soacutestrato (vv 9 80) pertencente agrave
linhagem dos Iacircmidas e de uma mulher cujos antepassados procediam de Cilene (vv 77-
8) montanha ao norte da Arcaacutedia onde se situava a cidade de Estiacutenfalo ndash lugar em que
ocorrera provavelmente a primeira performance22 do epiniacutecio (vv 99-100) e onde o deus
Hermes era cultuado (vv 79-81) Note-se que a referecircncia a essa divindade vincula o
triunfo atleacutetico agrave benevolecircncia divina tendo em vista ter sido Hermes a divindade doadora
da vitoacuteria (v 81) a Hageacutesias Com efeito a relaccedilatildeo entre a vitoacuteria e a vontade dos deuses
constitui um topos23 da poesia pindaacuterica
22 O argumento da maior parte da criacutetica pindaacuterica sobre a ode ter sido executada em Estiacutenfalo fundamenta-
se nos versos 98-105 nos quais o vencedor e seu kocircmos saem de Estiacutenfalo rumo a Siracusa Acresce ainda
que o fato de o laureado ter laccedilos estreitos com as duas cidades motivou uma discussatildeo acerca da localizaccedilatildeo
da premiegravere do canto triunfal (STAMATOPOULOU 2014 p 1)
23 Cf eg Oliacutempicas 9 vv 100-4 13 vv 13-8 Piacutetica 10 vv 10-5
13
De modo anaacutelogo ao proecircmio da Odisseia (vv 1-10) em que natildeo se menciona o
nome do heroacutei Odisseu designado somente no verso 21 tambeacutem em Oliacutempica 6 o nome
do atleta homenageado soacute aparece no verso 12 por meio de uma invocaccedilatildeo muito embora
tenha sido referido indiretamente no verso 4 apenas pela forma verbal em terceira pessoa
e nos versos 4 a 9 por meio da citaccedilatildeo de seus atributos e de sua descendecircncia
Informa tambeacutem o canto agonal ter tido o vencedor dupla funccedilatildeo a de guardiatildeo
do altar profeacutetico de Zeus em Pisa (v 5) ndash tendo em vista ter como ascendente o adivinho
Iacuteamo que recebera de seu pai Apolo o dom da profecia (vv 65-70) ndash e a de cofundador
de Siracusa (v 6)24 Essas referecircncias ao laureado histoacutericas e miacuteticas encontram-se
distribuiacutedas pelos 105 versos que compotildeem as cinco triacuteades de Oliacutempica 6 iniciada com
uma imagem metapoeacutetica ou autorreferencial em que se coteja o fazer poeacutetico com um
monumento e o poeta com um construtor como atesta nos quatro primeiros versos da
ode a presenccedila de termos pertencentes ao campo semacircntico da arquitetura como kiacuteonas
ldquocolunardquo euteikheicirc ldquobem muradordquo prothyacuteroi ldquopoacuterticordquo paacutexomen ldquoconstruamosrdquo e
proacutesōpon ldquofachadardquo entendido este uacuteltimo metaforicamente segundo o leacutexico pindaacuterico
editado por William Slater (1969 p 454) como o proecircmio da ode Logo eacute a
magnificecircncia dessa construccedilatildeo poeacutetico-arquitetocircnica ndash enfatizada pelos adjetivos
khryseacuteas ldquodouradasrdquo e telaugeacutes ldquoque brilha ao longerdquo ndash que torna impereciacuteveis a
efemeridade do evento atleacutetico ndash ideia sumarizada no verso 4 ndash e o proacuteprio destinataacuterio
apresentado ainda na primeira estrofe como vencedor oliacutempico guardiatildeo por heranccedila
paterna do altar divinatoacuterio de Zeus e cofundador de Siracusa ndash atributos que devem
brilhar ao longe
A par dessas metaacuteforas delineia-se na segunda estrofe a imagem do poeta-
condutor quando a persona loquens ao invocar o nome do condutor da quadriga ndash
Fiacutentis25 auriga de Hageacutesias ndash a ele se iguala como assinala o sintagma autorreferencial
baacutesomen oacutekkhon ldquoconduzamos a quadriga de mulasrdquo (v 24) Logo por meio de
linguagem metafoacuterica o fazer poeacutetico e a performance do canto convertem-se assinala
24 Segundo os escolia 8a e 8b Hageacutesias pode ser considerado cofundador de Siracusa porque seus
antepassados participaram da colonizaccedilatildeo desta cidade Entretanto Willamowitz (1922) e Luraghi (1997)
sugeriram que o proacuteprio Hageacutesias teria participada reestruturaccedilatildeo de Siracusa no governo do tirano Gelatildeo
(apud STAMATOPOULOU 2014 p 7 nota 21) Acerca da remodelaccedilatildeo ldquogelonianardquo de Siracusa ver
Hirata (2010 p 28-9)
25 Fiacutentis representa o aristocrata siracusano Hageacutesias patrocinador do treinamento das parelhas do auriga
(CALAME 2005 p 54)
14
Calame (2005 p 53) numa corrida de quadrigas toacutepos na poesia grega arcaica De fato
assim como o atleta conduz a quadriga agrave vitoacuteria tambeacutem o poeta-atleta elabora
harmoniosamente seus versos para glorificar o vencedor e sua linhagem Deste modo
configuram-se nesse percurso metafoacuterico a quadriga e a poesia como vias de acesso agrave
imortalidade a julgar pela presenccedila dos termos sinocircnimos keleuthoacutes (v 23) e hodoacutes (v
25) ldquocaminhordquo o primeiro dos quais representando conotativamente a poesia e o
segundo conservando sua acepccedilatildeo denotativa tem o sentido de rota percorrida pela
carruagem
Aliaacutes essas imagens metafoacutericas natildeo satildeo as uacutenicas empregadas pela persona
loquens para descrever por meio de metalinguagem sua arte poeacutetica comparada ora com
objetos preciosos ndash como na ode em pauta em que a canccedilatildeo eacute relacionada com um poacutertico
de colunas douradas (Ol 6 vv 1-4) ou em outras odes com uma taccedila de ouro (Ol 7
vv 1-4) e com ouro refinado (Nemeia 4 v 82) - ora com o produto resultante do trabalho
das abelhas (Ol 10 v 98 Nemeia 3 v 77) ou com elementos da natureza como a flor
(Ol 6 v 105) soacute para citar algumas Tambeacutem o mister do poeta eacute vinculado a diferentes
atividades profissionais como a de lavrador (Nemeia 6 v 32 Piacutetica 6 v 2) escultor
(Nemeia vv 1-5) arqueiro (Ol 1 v 111 Ol 2 vv 83-6) e tecelatildeo este uacuteltimo labor
evocado em Oliacutempica 6 (v 86) pelo emprego do verbo pleacutekō ldquotecerrdquo metaacutefora frequente
do fazer poeacutetico na poesia meacutelica assinala Calame (2005 p58 n12) Com efeito do
mesmo modo que o tecelatildeo tranccedila com sutileza e habilidade os fios para a confecccedilatildeo do
tecido tambeacutem o poeta elabora seu discurso poeacutetico entrelaccedilando recursos literaacuterios e
linguiacutesticos combinados com o ritmo e a harmonia para a perfeita composiccedilatildeo da ode e
por conseguinte para a glorificaccedilatildeo do atleta vencedor como se infere dos versos 86-7
ldquoteccedilo para os varotildees lanceiros um hino variadordquo
Entre os elementos constitutivos do epiniacutecio pindaacuterico eacute interessante pontuar
ainda a alternacircncia das formas de primeira pessoa26 do singular e do plural (eunoacutes ndash vv
3 21 23 24 82 84 86 e 105) por meio da qual eacute possiacutevel haver um revezamento entre
a voz do poema e a voz do coro dado que torna improdutiva segundo Calame (2005 p
58) a discussatildeo acerca da natureza do sujeito poeacutetico nas odes pindaacutericas ldquonem
unicamente ldquomonoacutedicordquo nem inteiramente coral o eunoacutes do locutor eacute essencialmente
polifocircnicordquo
26 Sobre o emprego da primeira pessoa na poesia pindaacuterica cf LEFKOWITZ Mary op cit 1991 p 1-71
15
Deve-se observar tambeacutem com Claire Muckensturn-Poulle (2009 p 77) que ao
longo da Oliacutempica 6 o sujeito do enunciado confere voz a outros enunciadores ora
empregando o discurso direto como no elogio que Adrasto faz a Anfiarau (vv 16-7) e na
ordem dada por Apolo a Iacuteamo (vv 62-3) no momento em que o deus lhe concede o dom
da profecia ora transferindo por meio de uma ordem sua funccedilatildeo de locutor do canto
agonal a Fiacutentis o auriga de Hageacutesias (v 22) ou a Eneias o khorodidaacuteskalos (vv 88-96)
com os quais se identifica como poeta-condutor e poeta-mestre do coro
Por outro lado haacute dados sugestivos da performance coral da ode e de seu local de
execuccedilatildeo haja vista a invocaccedilatildeo da persona loquens a Eneias possivelmente o
khorodidaacuteskalos - a julgar pelos escoacutelios a essa passagem (148a e 149ordf apud
STAMATOPOULOU 2014 p 11 nota 34 CALAME 2005 p 57 nota 10 p 58 nota
13) - a referecircncia aos hetaicircroi companheiros de Eneias e talvez integrantes do coro e
ainda o voto do sujeito poeacutetico para que o kocircmos ldquocortejo processionalrdquo ao vencedor
apoacutes ter sido apresentado em Estiacutenfalo como julga a maior parte da criacutetica pindaacuterica
acerca da premiegravere do epiniacutecio (apud STAMATOPOULOU 2014 p 2) fosse tambeacutem
recebido pelo tirano Hieratildeo em Siracusa onde seria realizada a reperformance durante a
festa cultual (v 95) dedicada a Demeacuteter e a Perseacutefone deusas tutelares de Siracusa culto
possivelmente organizado pela famiacutelia de Hieratildeo (apud CALAME 2005 p 59)
Evidenciam respectivamente a recepccedilatildeo e a reapresentaccedilatildeo do canto em Siracusa a
forma verbal deacutexaito ldquorecebardquo (v 98) no optativo desiderativo enfatizada pela expressatildeo
sỳn degrave philophrosyacutenas euētaacutetois ldquocom amaacuteveis atos de amizaderdquo e os sintagmas
adverbiais presentes no verso 99 oiacutekothen oiacutekadrsquo ldquode uma casa para outrardquo e apograve
Stymphaliacuteōn ldquode Estiacutenfalordquo e por fim a justaposiccedilatildeo no verso 102 dos pronomes tocircnde
ldquoestesrdquo e keiacutenon ldquoagravequelesrdquo alusivos aos estinfaacutelios e siracusanos respectivamente Assim
como esses elementos apontam para a saiacuteda do vencedor da cidade Estiacutenfalo e Siracusa
eacute ainda um lugar a ser alcanccedilado por via mariacutetima acredita-se que a execuccedilatildeo primeira
do canto tenha ocorrido na cidade da matildee de Hageacutesias Note-se que o atleta e as duas
cidades a de seus antepassados maternos Estiacutenfalo e a sua terra natal Siracusa satildeo ainda
representados respectivamente pelas imagens metafoacutericas do navio e das duas acircncoras
(vv 101-5a) imagens que remetem ao deus do mar Posecircidon invocado pela persona
loquens para conceder uma favoraacutevel travessia ao kocircmos de Hageacutesias do qual
possivelmente fazia parte o chefe do coro responsaacutevel segundo Calame (2005 p 57)
16
pelo treinamento dos coreutashetaicircroi que deveriam transmitir em performance coral a
voz do poeta
Ainda acerca dessa metaacutefora mariacutetima Meacuteautis (1962 p 200) Kirkwood (1982
p 94) a interpretam como uma referecircncia agrave crise poliacutetica instaurada em Siracusa nos
uacuteltimos anos de governo de Hieratildeo crise representada pela imagem da lsquotempestuosa
noitersquo (vv 100-1) Assim na qualidade de cidadatildeo siracusano observa ainda Meacuteautis
(1962 p 200) Hageacutesias prevendo a queda do regime tiracircnico pretendia solicitar uma
nova cidadania em Estiacutenfalo A esse respeito vale mencionar uma vez mais a opiniatildeo
de Stamatopoulou (2014 p 3-4) que compartilhando do ponto de vista de Stehle julga
ter sido a ode executada primeiramente em Estiacutenfalo com o objetivo de estreitarem-se os
laccedilos entre o vencedor e essa cidade da Arcaacutedia
No que concerne ao possiacutevel chefe do coro o sujeito poeacutetico num tom laudatoacuterio
refere-se a Eneias como notou Kirkwood (1982 p 93) acerca do estilo metafoacuterico de
Piacutendaro - como aacutengelos ldquomensageirordquo (v 90) e skytaacutela (v 91)27 traduzido como
ldquointeacuterpreterdquo por ser ele o responsaacutevel pela recepccedilatildeo dos efluacutevios das Musas ndash como
explicita a expressatildeo ldquodoce taccedila de cantos ressoantesrdquo (v 91) - pela transmissatildeo e
reapresentaccedilatildeo da mensagemcanto em Siracusa onde tambeacutem deveria ser objeto de
encocircmio o tirano Hieratildeo do qual se enfatizam o governo justo a piedade religiosa os
triunfos jaacute festejados ldquopelas liras e canccedilotildees de doces palavrasrdquo (vv 96-7) a generosidade
e a amizade (v 98)
Deste modo a referecircncia a Eneias destaca o importante papel do poeta-cantor na
perpetuaccedilatildeo do triunfo agonal Nesse complexo processo de elaboraccedilatildeo poeacutetico-
perfomativa utilizam-se natildeo soacute metaacuteforas como jaacute destacou mas tambeacutem narrativas
miacuteticas relacionadas com a arte divinatoacuteria Assim por meio do elogio ao atleta
homenageado evoca-se primeiramente como modelo miacutetico Anfiarau (vv 12-21) ndash
participante da expediccedilatildeo dos Sete contra Tebas sob o comando de Adrasto rei de
Argos- possuidor das mesmas atribuiccedilotildees do laureado jaacute que ambos satildeo
guerreirogeneral e adivinho Eacute importante enfatizar que a transiccedilatildeo do tempo presente
representado pelo vencedor para o passado miacutetico se estabelece por meio do pronome
relativo hoacuten (v 12) referente ao louvor destinado a Hageacutesias e a Anfiarau e do adveacuterbio
27 Em Esparta espeacutecie de bastatildeo de madeira sobre o qual se enrolavam correias compridas e estreitas com
mensagens secretas lidas e compreendidas por quem possuiacutesse um bastatildeo idecircntico (PINDARE
Olympiques 1971 p 85 nota 4)
17
potrsquo ldquooutrora (v 13) com base no qual se alude ao desaparecimento repentino do
adivinho tebano (v 14) que segundo a versatildeo miacutetica fora arrebatado por Zeus para evitar
a morte do heroacutei como se infere do emprego do verbo katamaacuterptō lsquoengolirrsquo em tmese
que indica ter sido Anfiarau tragado pela terra Observa Barciela (2015 p 53) que esse
corte entre a preposiccedilatildeo kataacute ldquodebaixo derdquo ldquosobrdquo (v 14) e o radical do verbo salienta
natildeo somente o sentido do preveacuterbio mas tambeacutem aponta a razatildeo de natildeo ter Adrasto
encontrado Anfiarau nas sete piras Acredita-se ter sido essa a razatildeo de Adrasto ter
proferido ao adivinho um elogio em discurso direto por meio da imagem metafoacuterica
stratiacircs ophthalmograven emacircs ldquoolho28 do meu exeacutercitordquo metaacutefora que aleacutem de assinalar a
importacircncia de Anfiarau na expediccedilatildeo tebana lhe sintetiza os dois atributos relacionados
respectivamente com a macircntica e com a guerra
Julga-se que a menccedilatildeo ao atributo divinatoacuterio de Anfiarau constitui um meio de
antecipaccedilatildeo do principal mito da ode cujo eixo temaacutetico se centra no nascimento de
Iacuteamo29 (vv 39-47) e em sua iniciaccedilatildeo na arte divinatoacuteria tornando-se o primeiro de uma
famiacutelia de adivinhos ndash os Iacircmidas ndash e o responsaacutevel pelo altar profeacutetico de Zeus em
Oliacutempia (v 70)
Eacute digno de nota ter sido o citado mito introduzido pelas imagens metafoacutericas do
poeta-condutor e da poesia-quadriga por meio das quais anota Calame (2005 p 54)
ocorre um deslocamento geograacutefico-temporal jaacute que a par do movimento de Oliacutempia ndash
lugar onde ocorrera a competiccedilatildeo desportiva ndash para Piacutetana cidade espartana situada junto
ao leito do rio Eurotas na Lacocircnia haacute uma transposiccedilatildeo do tempo da ldquoenunciaccedilatildeo do
cantordquo isto eacute o tempo presente ndash marcado pelo adveacuterbio saacutemeron lsquohojersquo (v 28) ndash para o
passado miacutetico indicado pela referecircncia a Piacutetana- natildeo somente o nome de uma pequena
povoaccedilatildeo de que se compunha Esparta mas tambeacutem o nome de uma ninfa filha do deus-
rio Eurotas e fundadora da linhagem dos Iacircmidas - que unida a Posecircidon gerou em
segredo Evadne matildee de Iacuteamo ancestral miacutetico de uma extensa linhagem de adivinhos
28 Imagem presente em Oliacutempica 2 (v 10) em referecircncia aos ancestrais histoacutericos de Teratildeo de Agrigento
e em Piacutetica 5 (vv 55-7a) em alusatildeo a Bato fundador da estirpe dos reis de Cirene cidade do vencedor
Com relaccedilatildeo agrave imagem do olho em Oliacutempica 6 conveacutem lembrar citando Villarrubia (1995 p 17) Suaacuterez
de la Torre (1989 p 97) e Meacuteautis (1962 p 195) que o escoacutelio pindaacuterico ao citado verso refere a Tebaida
como fonte direta do elogio de Adrasto a Anfiarau 29Como observa Nisetich (1998 p 2) nas odes pindaacutericas eacute conferido destaque maior agrave famiacutelia do vencedor
que ao proacuteprio homenageado jaacute que se busca em fatos preteacuteritos explicaccedilotildees ou justificativas para o
momento presente A esse respeito verifica-se na ode em estudo que a volta ao passado (vv 28-71)
constitui um meio de glorificaccedilatildeo do homenageado
18
cujo representante atual eacute o vencedor oliacutempico Hageacutesias de Siracusa Evadne por sua
vez seduzida por Apolo deu agrave luz Iacuteamo cuja vocaccedilatildeo profeacutetica eacute anunciada na ode pelo
atributo theoacutephrona lsquoinspirado pelos deusesrsquo (v 41) e pelo oraacuteculo de Delfos revelado
ao pai mortal e adotivo de Evadne ndash Eacutepito - a quem satildeo declarados a origem e o dom
divinatoacuterio de Iacuteamo (vv 49b-51) cujo nome de etimologia obscura estaacute associado ao
nome da flor violeta (DUCHEMIN 1955 p 242-3) iacuteon tambeacutem presente no epiacuteteto
atribuiacutedo a Evadne ioacuteplokos ldquocabelo cor de violetardquo (v 30) portanto cor que identifica
Iacuteamo como filho de Evadne Em sintonia com Eleanor Irwin (1996 p 386) acerca de seu
comentaacuterio sobre o ambiente onde Iacuteamo fora abandonado por sua matildee isto eacute khamaiacute ldquono
chatildeordquo (v 45) considera-se que esse lugar eacute tambeacutem ser esse sobrenatural haja vista terem
florescido do chatildeo violetas que forneceram ao receacutem-nascido calor e proteccedilatildeo necessaacuterios
agrave sua sobrevivecircncia Destarte as violetas simbolizam a proacutepria Evadne posto que
exerceram a funccedilatildeo materna
Significativo tambeacutem nessa passagem eacute o fato de ter sido por intervenccedilatildeo divina
(v 46) Iacuteamo alimentado por duas serpentes (45b-47a) com ldquoo veneno irrepreensiacutevel das
abelhasrdquo expressatildeo que se associa anotou Duchemin (1955 p 251) jaacute haacute algum tempo
ao dom da profecia e do fazer poeacutetico Deborah Steiner (1986 p 103) por sua vez refere
acerca dessa passagem que a relaccedilatildeo entre a serpente animal macircntico por excelecircncia
(Meacuteautis 1962 p 196) e o mel anuncia o dom profeacutetico que o receacutem-nascido teria
posteriormente30
Ao chegar agrave adolescecircncia Iacuteamo ciente de sua ascendecircncia divina solicita a seu
avocirc Posecircidon e a seu pai Apolo um atributo que beneficiasse todo o povo uma honra
puacuteblica laoacutethrophos ldquoque alimentasse o povordquo (v 60) Ressalte-se que embora a suacuteplica
tenha sido dirigida a essas duas divindades eacute Apolo nomeado com seu epiacuteteto ldquoarqueiro
guardiatildeo da divina Delosrdquo (v 59) quem concede ao filho o duplo dom da adivinhaccedilatildeo
(vv 65-70) a faculdade de ouvir-lhe a voz profeacutetica pautada sempre na verdade e a
fundaccedilatildeo de oraacuteculo de Zeus em Oliacutempia antes mesmo da instituiccedilatildeo dos Jogos
Oliacutempicos por Heacuteracles Logo com a concessatildeo da daacutediva da adivinhaccedilatildeo encerra-se o
relato miacutetico dos Iacircmidas Faz entatildeo a voz do poema a passagem do tempo miacutetico (vv
71-7) para o passado proacuteximo de Hageacutesias com a alusatildeo laudatoacuteria aos antepassados
30 Acrescente-se que a relaccedilatildeo entre a serpente e a figura de Apolo se justifica pelo fato de a divindade ter
assassinado a serpente Piacuteton para habitar Delfos
19
histoacutericos do vencedor (vv 78-81) e numa referecircncia metapoeacutetica (vv 82-7b) a seus
proacuteprios ancestrais por serem todos procedentes da cidade de Estiacutenfalo dado que
identifica o laureado com a persona loquens
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11
Tenho em minha liacutengua a fama de uma liacutempida pedra de afiar20
que quando eu quero se aproxima de mim com sopros de belas correntes
Minha avoacute materna era
de Estiacutenfalo a florescente Metopa
Esfrofe 5
que deu agrave luz Teba condutora de cavalos
de cuja deliciosa aacutegua
86 beberei enquanto teccedilo para os varotildees lanceiros
um hino variado Agora incita teus companheiros
oacute Eneias primeiro a Hera
Virginal celebrar
e depois a saber se evitamos o antigo insulto
90 de suiacuteno Beoacutecio com verdadeiras palavras
De fato eacutes correto mensageiro
inteacuterprete das Musas de belos cabelos
doce taccedila de cantos ressoantes
Antiacutestrofe 5
Diz-lhes que se lembrem
de Siracusa e de Ortiacutegia21
que Hieratildeo ao governaacute-la com imaculado cetro
com justos pensamentos
95 honra Demeacuteter de peacutes vermelhos
a festa de sua filha de brancos corceacuteis
e o poder de Zeus do Etna As liras
e as canccedilotildees de doces palavras o conhecem
20 Metaacutefora do fazer poeacutetico em que a liacutengua do poeta eacute estimulada agrave produccedilatildeo de um canto harmonioso 21Parte mais antiga de Siracusa onde estava situado o palaacutecio de Hieratildeo e talvez o de Hageacutesias (ORTEGA
Alfonso 1984 p 100)
12
Que o tempo em seu curso natildeo lhe destrua a felicidade
mas com amaacuteveis atos de amizade
receba (Hieratildeo) o cortejo processional de Hageacutesias
Epodo 5
(cortejo que) vem de uma casa para outra
das muralhas de Estiacutenfalo
100 e deixa a matildee da Arcaacutedia rica em rebanhos
Boas satildeo na tempestuosa
noite para serem lanccediladas de uma nau veloz
duas acircncoras Que o deus
a estes e agravequeles conceda com amizade glorioso destino
Oacute senhor soberano do mar concede uma direta travessia
isenta de dificuldades oacute esposo
105 de Anfitrite da roca de ouro e faz prosperar
a flor jubilosa de meus hinos
O atleta homenageado da ode eacute filho de Soacutestrato (vv 9 80) pertencente agrave
linhagem dos Iacircmidas e de uma mulher cujos antepassados procediam de Cilene (vv 77-
8) montanha ao norte da Arcaacutedia onde se situava a cidade de Estiacutenfalo ndash lugar em que
ocorrera provavelmente a primeira performance22 do epiniacutecio (vv 99-100) e onde o deus
Hermes era cultuado (vv 79-81) Note-se que a referecircncia a essa divindade vincula o
triunfo atleacutetico agrave benevolecircncia divina tendo em vista ter sido Hermes a divindade doadora
da vitoacuteria (v 81) a Hageacutesias Com efeito a relaccedilatildeo entre a vitoacuteria e a vontade dos deuses
constitui um topos23 da poesia pindaacuterica
22 O argumento da maior parte da criacutetica pindaacuterica sobre a ode ter sido executada em Estiacutenfalo fundamenta-
se nos versos 98-105 nos quais o vencedor e seu kocircmos saem de Estiacutenfalo rumo a Siracusa Acresce ainda
que o fato de o laureado ter laccedilos estreitos com as duas cidades motivou uma discussatildeo acerca da localizaccedilatildeo
da premiegravere do canto triunfal (STAMATOPOULOU 2014 p 1)
23 Cf eg Oliacutempicas 9 vv 100-4 13 vv 13-8 Piacutetica 10 vv 10-5
13
De modo anaacutelogo ao proecircmio da Odisseia (vv 1-10) em que natildeo se menciona o
nome do heroacutei Odisseu designado somente no verso 21 tambeacutem em Oliacutempica 6 o nome
do atleta homenageado soacute aparece no verso 12 por meio de uma invocaccedilatildeo muito embora
tenha sido referido indiretamente no verso 4 apenas pela forma verbal em terceira pessoa
e nos versos 4 a 9 por meio da citaccedilatildeo de seus atributos e de sua descendecircncia
Informa tambeacutem o canto agonal ter tido o vencedor dupla funccedilatildeo a de guardiatildeo
do altar profeacutetico de Zeus em Pisa (v 5) ndash tendo em vista ter como ascendente o adivinho
Iacuteamo que recebera de seu pai Apolo o dom da profecia (vv 65-70) ndash e a de cofundador
de Siracusa (v 6)24 Essas referecircncias ao laureado histoacutericas e miacuteticas encontram-se
distribuiacutedas pelos 105 versos que compotildeem as cinco triacuteades de Oliacutempica 6 iniciada com
uma imagem metapoeacutetica ou autorreferencial em que se coteja o fazer poeacutetico com um
monumento e o poeta com um construtor como atesta nos quatro primeiros versos da
ode a presenccedila de termos pertencentes ao campo semacircntico da arquitetura como kiacuteonas
ldquocolunardquo euteikheicirc ldquobem muradordquo prothyacuteroi ldquopoacuterticordquo paacutexomen ldquoconstruamosrdquo e
proacutesōpon ldquofachadardquo entendido este uacuteltimo metaforicamente segundo o leacutexico pindaacuterico
editado por William Slater (1969 p 454) como o proecircmio da ode Logo eacute a
magnificecircncia dessa construccedilatildeo poeacutetico-arquitetocircnica ndash enfatizada pelos adjetivos
khryseacuteas ldquodouradasrdquo e telaugeacutes ldquoque brilha ao longerdquo ndash que torna impereciacuteveis a
efemeridade do evento atleacutetico ndash ideia sumarizada no verso 4 ndash e o proacuteprio destinataacuterio
apresentado ainda na primeira estrofe como vencedor oliacutempico guardiatildeo por heranccedila
paterna do altar divinatoacuterio de Zeus e cofundador de Siracusa ndash atributos que devem
brilhar ao longe
A par dessas metaacuteforas delineia-se na segunda estrofe a imagem do poeta-
condutor quando a persona loquens ao invocar o nome do condutor da quadriga ndash
Fiacutentis25 auriga de Hageacutesias ndash a ele se iguala como assinala o sintagma autorreferencial
baacutesomen oacutekkhon ldquoconduzamos a quadriga de mulasrdquo (v 24) Logo por meio de
linguagem metafoacuterica o fazer poeacutetico e a performance do canto convertem-se assinala
24 Segundo os escolia 8a e 8b Hageacutesias pode ser considerado cofundador de Siracusa porque seus
antepassados participaram da colonizaccedilatildeo desta cidade Entretanto Willamowitz (1922) e Luraghi (1997)
sugeriram que o proacuteprio Hageacutesias teria participada reestruturaccedilatildeo de Siracusa no governo do tirano Gelatildeo
(apud STAMATOPOULOU 2014 p 7 nota 21) Acerca da remodelaccedilatildeo ldquogelonianardquo de Siracusa ver
Hirata (2010 p 28-9)
25 Fiacutentis representa o aristocrata siracusano Hageacutesias patrocinador do treinamento das parelhas do auriga
(CALAME 2005 p 54)
14
Calame (2005 p 53) numa corrida de quadrigas toacutepos na poesia grega arcaica De fato
assim como o atleta conduz a quadriga agrave vitoacuteria tambeacutem o poeta-atleta elabora
harmoniosamente seus versos para glorificar o vencedor e sua linhagem Deste modo
configuram-se nesse percurso metafoacuterico a quadriga e a poesia como vias de acesso agrave
imortalidade a julgar pela presenccedila dos termos sinocircnimos keleuthoacutes (v 23) e hodoacutes (v
25) ldquocaminhordquo o primeiro dos quais representando conotativamente a poesia e o
segundo conservando sua acepccedilatildeo denotativa tem o sentido de rota percorrida pela
carruagem
Aliaacutes essas imagens metafoacutericas natildeo satildeo as uacutenicas empregadas pela persona
loquens para descrever por meio de metalinguagem sua arte poeacutetica comparada ora com
objetos preciosos ndash como na ode em pauta em que a canccedilatildeo eacute relacionada com um poacutertico
de colunas douradas (Ol 6 vv 1-4) ou em outras odes com uma taccedila de ouro (Ol 7
vv 1-4) e com ouro refinado (Nemeia 4 v 82) - ora com o produto resultante do trabalho
das abelhas (Ol 10 v 98 Nemeia 3 v 77) ou com elementos da natureza como a flor
(Ol 6 v 105) soacute para citar algumas Tambeacutem o mister do poeta eacute vinculado a diferentes
atividades profissionais como a de lavrador (Nemeia 6 v 32 Piacutetica 6 v 2) escultor
(Nemeia vv 1-5) arqueiro (Ol 1 v 111 Ol 2 vv 83-6) e tecelatildeo este uacuteltimo labor
evocado em Oliacutempica 6 (v 86) pelo emprego do verbo pleacutekō ldquotecerrdquo metaacutefora frequente
do fazer poeacutetico na poesia meacutelica assinala Calame (2005 p58 n12) Com efeito do
mesmo modo que o tecelatildeo tranccedila com sutileza e habilidade os fios para a confecccedilatildeo do
tecido tambeacutem o poeta elabora seu discurso poeacutetico entrelaccedilando recursos literaacuterios e
linguiacutesticos combinados com o ritmo e a harmonia para a perfeita composiccedilatildeo da ode e
por conseguinte para a glorificaccedilatildeo do atleta vencedor como se infere dos versos 86-7
ldquoteccedilo para os varotildees lanceiros um hino variadordquo
Entre os elementos constitutivos do epiniacutecio pindaacuterico eacute interessante pontuar
ainda a alternacircncia das formas de primeira pessoa26 do singular e do plural (eunoacutes ndash vv
3 21 23 24 82 84 86 e 105) por meio da qual eacute possiacutevel haver um revezamento entre
a voz do poema e a voz do coro dado que torna improdutiva segundo Calame (2005 p
58) a discussatildeo acerca da natureza do sujeito poeacutetico nas odes pindaacutericas ldquonem
unicamente ldquomonoacutedicordquo nem inteiramente coral o eunoacutes do locutor eacute essencialmente
polifocircnicordquo
26 Sobre o emprego da primeira pessoa na poesia pindaacuterica cf LEFKOWITZ Mary op cit 1991 p 1-71
15
Deve-se observar tambeacutem com Claire Muckensturn-Poulle (2009 p 77) que ao
longo da Oliacutempica 6 o sujeito do enunciado confere voz a outros enunciadores ora
empregando o discurso direto como no elogio que Adrasto faz a Anfiarau (vv 16-7) e na
ordem dada por Apolo a Iacuteamo (vv 62-3) no momento em que o deus lhe concede o dom
da profecia ora transferindo por meio de uma ordem sua funccedilatildeo de locutor do canto
agonal a Fiacutentis o auriga de Hageacutesias (v 22) ou a Eneias o khorodidaacuteskalos (vv 88-96)
com os quais se identifica como poeta-condutor e poeta-mestre do coro
Por outro lado haacute dados sugestivos da performance coral da ode e de seu local de
execuccedilatildeo haja vista a invocaccedilatildeo da persona loquens a Eneias possivelmente o
khorodidaacuteskalos - a julgar pelos escoacutelios a essa passagem (148a e 149ordf apud
STAMATOPOULOU 2014 p 11 nota 34 CALAME 2005 p 57 nota 10 p 58 nota
13) - a referecircncia aos hetaicircroi companheiros de Eneias e talvez integrantes do coro e
ainda o voto do sujeito poeacutetico para que o kocircmos ldquocortejo processionalrdquo ao vencedor
apoacutes ter sido apresentado em Estiacutenfalo como julga a maior parte da criacutetica pindaacuterica
acerca da premiegravere do epiniacutecio (apud STAMATOPOULOU 2014 p 2) fosse tambeacutem
recebido pelo tirano Hieratildeo em Siracusa onde seria realizada a reperformance durante a
festa cultual (v 95) dedicada a Demeacuteter e a Perseacutefone deusas tutelares de Siracusa culto
possivelmente organizado pela famiacutelia de Hieratildeo (apud CALAME 2005 p 59)
Evidenciam respectivamente a recepccedilatildeo e a reapresentaccedilatildeo do canto em Siracusa a
forma verbal deacutexaito ldquorecebardquo (v 98) no optativo desiderativo enfatizada pela expressatildeo
sỳn degrave philophrosyacutenas euētaacutetois ldquocom amaacuteveis atos de amizaderdquo e os sintagmas
adverbiais presentes no verso 99 oiacutekothen oiacutekadrsquo ldquode uma casa para outrardquo e apograve
Stymphaliacuteōn ldquode Estiacutenfalordquo e por fim a justaposiccedilatildeo no verso 102 dos pronomes tocircnde
ldquoestesrdquo e keiacutenon ldquoagravequelesrdquo alusivos aos estinfaacutelios e siracusanos respectivamente Assim
como esses elementos apontam para a saiacuteda do vencedor da cidade Estiacutenfalo e Siracusa
eacute ainda um lugar a ser alcanccedilado por via mariacutetima acredita-se que a execuccedilatildeo primeira
do canto tenha ocorrido na cidade da matildee de Hageacutesias Note-se que o atleta e as duas
cidades a de seus antepassados maternos Estiacutenfalo e a sua terra natal Siracusa satildeo ainda
representados respectivamente pelas imagens metafoacutericas do navio e das duas acircncoras
(vv 101-5a) imagens que remetem ao deus do mar Posecircidon invocado pela persona
loquens para conceder uma favoraacutevel travessia ao kocircmos de Hageacutesias do qual
possivelmente fazia parte o chefe do coro responsaacutevel segundo Calame (2005 p 57)
16
pelo treinamento dos coreutashetaicircroi que deveriam transmitir em performance coral a
voz do poeta
Ainda acerca dessa metaacutefora mariacutetima Meacuteautis (1962 p 200) Kirkwood (1982
p 94) a interpretam como uma referecircncia agrave crise poliacutetica instaurada em Siracusa nos
uacuteltimos anos de governo de Hieratildeo crise representada pela imagem da lsquotempestuosa
noitersquo (vv 100-1) Assim na qualidade de cidadatildeo siracusano observa ainda Meacuteautis
(1962 p 200) Hageacutesias prevendo a queda do regime tiracircnico pretendia solicitar uma
nova cidadania em Estiacutenfalo A esse respeito vale mencionar uma vez mais a opiniatildeo
de Stamatopoulou (2014 p 3-4) que compartilhando do ponto de vista de Stehle julga
ter sido a ode executada primeiramente em Estiacutenfalo com o objetivo de estreitarem-se os
laccedilos entre o vencedor e essa cidade da Arcaacutedia
No que concerne ao possiacutevel chefe do coro o sujeito poeacutetico num tom laudatoacuterio
refere-se a Eneias como notou Kirkwood (1982 p 93) acerca do estilo metafoacuterico de
Piacutendaro - como aacutengelos ldquomensageirordquo (v 90) e skytaacutela (v 91)27 traduzido como
ldquointeacuterpreterdquo por ser ele o responsaacutevel pela recepccedilatildeo dos efluacutevios das Musas ndash como
explicita a expressatildeo ldquodoce taccedila de cantos ressoantesrdquo (v 91) - pela transmissatildeo e
reapresentaccedilatildeo da mensagemcanto em Siracusa onde tambeacutem deveria ser objeto de
encocircmio o tirano Hieratildeo do qual se enfatizam o governo justo a piedade religiosa os
triunfos jaacute festejados ldquopelas liras e canccedilotildees de doces palavrasrdquo (vv 96-7) a generosidade
e a amizade (v 98)
Deste modo a referecircncia a Eneias destaca o importante papel do poeta-cantor na
perpetuaccedilatildeo do triunfo agonal Nesse complexo processo de elaboraccedilatildeo poeacutetico-
perfomativa utilizam-se natildeo soacute metaacuteforas como jaacute destacou mas tambeacutem narrativas
miacuteticas relacionadas com a arte divinatoacuteria Assim por meio do elogio ao atleta
homenageado evoca-se primeiramente como modelo miacutetico Anfiarau (vv 12-21) ndash
participante da expediccedilatildeo dos Sete contra Tebas sob o comando de Adrasto rei de
Argos- possuidor das mesmas atribuiccedilotildees do laureado jaacute que ambos satildeo
guerreirogeneral e adivinho Eacute importante enfatizar que a transiccedilatildeo do tempo presente
representado pelo vencedor para o passado miacutetico se estabelece por meio do pronome
relativo hoacuten (v 12) referente ao louvor destinado a Hageacutesias e a Anfiarau e do adveacuterbio
27 Em Esparta espeacutecie de bastatildeo de madeira sobre o qual se enrolavam correias compridas e estreitas com
mensagens secretas lidas e compreendidas por quem possuiacutesse um bastatildeo idecircntico (PINDARE
Olympiques 1971 p 85 nota 4)
17
potrsquo ldquooutrora (v 13) com base no qual se alude ao desaparecimento repentino do
adivinho tebano (v 14) que segundo a versatildeo miacutetica fora arrebatado por Zeus para evitar
a morte do heroacutei como se infere do emprego do verbo katamaacuterptō lsquoengolirrsquo em tmese
que indica ter sido Anfiarau tragado pela terra Observa Barciela (2015 p 53) que esse
corte entre a preposiccedilatildeo kataacute ldquodebaixo derdquo ldquosobrdquo (v 14) e o radical do verbo salienta
natildeo somente o sentido do preveacuterbio mas tambeacutem aponta a razatildeo de natildeo ter Adrasto
encontrado Anfiarau nas sete piras Acredita-se ter sido essa a razatildeo de Adrasto ter
proferido ao adivinho um elogio em discurso direto por meio da imagem metafoacuterica
stratiacircs ophthalmograven emacircs ldquoolho28 do meu exeacutercitordquo metaacutefora que aleacutem de assinalar a
importacircncia de Anfiarau na expediccedilatildeo tebana lhe sintetiza os dois atributos relacionados
respectivamente com a macircntica e com a guerra
Julga-se que a menccedilatildeo ao atributo divinatoacuterio de Anfiarau constitui um meio de
antecipaccedilatildeo do principal mito da ode cujo eixo temaacutetico se centra no nascimento de
Iacuteamo29 (vv 39-47) e em sua iniciaccedilatildeo na arte divinatoacuteria tornando-se o primeiro de uma
famiacutelia de adivinhos ndash os Iacircmidas ndash e o responsaacutevel pelo altar profeacutetico de Zeus em
Oliacutempia (v 70)
Eacute digno de nota ter sido o citado mito introduzido pelas imagens metafoacutericas do
poeta-condutor e da poesia-quadriga por meio das quais anota Calame (2005 p 54)
ocorre um deslocamento geograacutefico-temporal jaacute que a par do movimento de Oliacutempia ndash
lugar onde ocorrera a competiccedilatildeo desportiva ndash para Piacutetana cidade espartana situada junto
ao leito do rio Eurotas na Lacocircnia haacute uma transposiccedilatildeo do tempo da ldquoenunciaccedilatildeo do
cantordquo isto eacute o tempo presente ndash marcado pelo adveacuterbio saacutemeron lsquohojersquo (v 28) ndash para o
passado miacutetico indicado pela referecircncia a Piacutetana- natildeo somente o nome de uma pequena
povoaccedilatildeo de que se compunha Esparta mas tambeacutem o nome de uma ninfa filha do deus-
rio Eurotas e fundadora da linhagem dos Iacircmidas - que unida a Posecircidon gerou em
segredo Evadne matildee de Iacuteamo ancestral miacutetico de uma extensa linhagem de adivinhos
28 Imagem presente em Oliacutempica 2 (v 10) em referecircncia aos ancestrais histoacutericos de Teratildeo de Agrigento
e em Piacutetica 5 (vv 55-7a) em alusatildeo a Bato fundador da estirpe dos reis de Cirene cidade do vencedor
Com relaccedilatildeo agrave imagem do olho em Oliacutempica 6 conveacutem lembrar citando Villarrubia (1995 p 17) Suaacuterez
de la Torre (1989 p 97) e Meacuteautis (1962 p 195) que o escoacutelio pindaacuterico ao citado verso refere a Tebaida
como fonte direta do elogio de Adrasto a Anfiarau 29Como observa Nisetich (1998 p 2) nas odes pindaacutericas eacute conferido destaque maior agrave famiacutelia do vencedor
que ao proacuteprio homenageado jaacute que se busca em fatos preteacuteritos explicaccedilotildees ou justificativas para o
momento presente A esse respeito verifica-se na ode em estudo que a volta ao passado (vv 28-71)
constitui um meio de glorificaccedilatildeo do homenageado
18
cujo representante atual eacute o vencedor oliacutempico Hageacutesias de Siracusa Evadne por sua
vez seduzida por Apolo deu agrave luz Iacuteamo cuja vocaccedilatildeo profeacutetica eacute anunciada na ode pelo
atributo theoacutephrona lsquoinspirado pelos deusesrsquo (v 41) e pelo oraacuteculo de Delfos revelado
ao pai mortal e adotivo de Evadne ndash Eacutepito - a quem satildeo declarados a origem e o dom
divinatoacuterio de Iacuteamo (vv 49b-51) cujo nome de etimologia obscura estaacute associado ao
nome da flor violeta (DUCHEMIN 1955 p 242-3) iacuteon tambeacutem presente no epiacuteteto
atribuiacutedo a Evadne ioacuteplokos ldquocabelo cor de violetardquo (v 30) portanto cor que identifica
Iacuteamo como filho de Evadne Em sintonia com Eleanor Irwin (1996 p 386) acerca de seu
comentaacuterio sobre o ambiente onde Iacuteamo fora abandonado por sua matildee isto eacute khamaiacute ldquono
chatildeordquo (v 45) considera-se que esse lugar eacute tambeacutem ser esse sobrenatural haja vista terem
florescido do chatildeo violetas que forneceram ao receacutem-nascido calor e proteccedilatildeo necessaacuterios
agrave sua sobrevivecircncia Destarte as violetas simbolizam a proacutepria Evadne posto que
exerceram a funccedilatildeo materna
Significativo tambeacutem nessa passagem eacute o fato de ter sido por intervenccedilatildeo divina
(v 46) Iacuteamo alimentado por duas serpentes (45b-47a) com ldquoo veneno irrepreensiacutevel das
abelhasrdquo expressatildeo que se associa anotou Duchemin (1955 p 251) jaacute haacute algum tempo
ao dom da profecia e do fazer poeacutetico Deborah Steiner (1986 p 103) por sua vez refere
acerca dessa passagem que a relaccedilatildeo entre a serpente animal macircntico por excelecircncia
(Meacuteautis 1962 p 196) e o mel anuncia o dom profeacutetico que o receacutem-nascido teria
posteriormente30
Ao chegar agrave adolescecircncia Iacuteamo ciente de sua ascendecircncia divina solicita a seu
avocirc Posecircidon e a seu pai Apolo um atributo que beneficiasse todo o povo uma honra
puacuteblica laoacutethrophos ldquoque alimentasse o povordquo (v 60) Ressalte-se que embora a suacuteplica
tenha sido dirigida a essas duas divindades eacute Apolo nomeado com seu epiacuteteto ldquoarqueiro
guardiatildeo da divina Delosrdquo (v 59) quem concede ao filho o duplo dom da adivinhaccedilatildeo
(vv 65-70) a faculdade de ouvir-lhe a voz profeacutetica pautada sempre na verdade e a
fundaccedilatildeo de oraacuteculo de Zeus em Oliacutempia antes mesmo da instituiccedilatildeo dos Jogos
Oliacutempicos por Heacuteracles Logo com a concessatildeo da daacutediva da adivinhaccedilatildeo encerra-se o
relato miacutetico dos Iacircmidas Faz entatildeo a voz do poema a passagem do tempo miacutetico (vv
71-7) para o passado proacuteximo de Hageacutesias com a alusatildeo laudatoacuteria aos antepassados
30 Acrescente-se que a relaccedilatildeo entre a serpente e a figura de Apolo se justifica pelo fato de a divindade ter
assassinado a serpente Piacuteton para habitar Delfos
19
histoacutericos do vencedor (vv 78-81) e numa referecircncia metapoeacutetica (vv 82-7b) a seus
proacuteprios ancestrais por serem todos procedentes da cidade de Estiacutenfalo dado que
identifica o laureado com a persona loquens
Ediccedilotildees traduccedilotildees e comentaacuterios
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12
Que o tempo em seu curso natildeo lhe destrua a felicidade
mas com amaacuteveis atos de amizade
receba (Hieratildeo) o cortejo processional de Hageacutesias
Epodo 5
(cortejo que) vem de uma casa para outra
das muralhas de Estiacutenfalo
100 e deixa a matildee da Arcaacutedia rica em rebanhos
Boas satildeo na tempestuosa
noite para serem lanccediladas de uma nau veloz
duas acircncoras Que o deus
a estes e agravequeles conceda com amizade glorioso destino
Oacute senhor soberano do mar concede uma direta travessia
isenta de dificuldades oacute esposo
105 de Anfitrite da roca de ouro e faz prosperar
a flor jubilosa de meus hinos
O atleta homenageado da ode eacute filho de Soacutestrato (vv 9 80) pertencente agrave
linhagem dos Iacircmidas e de uma mulher cujos antepassados procediam de Cilene (vv 77-
8) montanha ao norte da Arcaacutedia onde se situava a cidade de Estiacutenfalo ndash lugar em que
ocorrera provavelmente a primeira performance22 do epiniacutecio (vv 99-100) e onde o deus
Hermes era cultuado (vv 79-81) Note-se que a referecircncia a essa divindade vincula o
triunfo atleacutetico agrave benevolecircncia divina tendo em vista ter sido Hermes a divindade doadora
da vitoacuteria (v 81) a Hageacutesias Com efeito a relaccedilatildeo entre a vitoacuteria e a vontade dos deuses
constitui um topos23 da poesia pindaacuterica
22 O argumento da maior parte da criacutetica pindaacuterica sobre a ode ter sido executada em Estiacutenfalo fundamenta-
se nos versos 98-105 nos quais o vencedor e seu kocircmos saem de Estiacutenfalo rumo a Siracusa Acresce ainda
que o fato de o laureado ter laccedilos estreitos com as duas cidades motivou uma discussatildeo acerca da localizaccedilatildeo
da premiegravere do canto triunfal (STAMATOPOULOU 2014 p 1)
23 Cf eg Oliacutempicas 9 vv 100-4 13 vv 13-8 Piacutetica 10 vv 10-5
13
De modo anaacutelogo ao proecircmio da Odisseia (vv 1-10) em que natildeo se menciona o
nome do heroacutei Odisseu designado somente no verso 21 tambeacutem em Oliacutempica 6 o nome
do atleta homenageado soacute aparece no verso 12 por meio de uma invocaccedilatildeo muito embora
tenha sido referido indiretamente no verso 4 apenas pela forma verbal em terceira pessoa
e nos versos 4 a 9 por meio da citaccedilatildeo de seus atributos e de sua descendecircncia
Informa tambeacutem o canto agonal ter tido o vencedor dupla funccedilatildeo a de guardiatildeo
do altar profeacutetico de Zeus em Pisa (v 5) ndash tendo em vista ter como ascendente o adivinho
Iacuteamo que recebera de seu pai Apolo o dom da profecia (vv 65-70) ndash e a de cofundador
de Siracusa (v 6)24 Essas referecircncias ao laureado histoacutericas e miacuteticas encontram-se
distribuiacutedas pelos 105 versos que compotildeem as cinco triacuteades de Oliacutempica 6 iniciada com
uma imagem metapoeacutetica ou autorreferencial em que se coteja o fazer poeacutetico com um
monumento e o poeta com um construtor como atesta nos quatro primeiros versos da
ode a presenccedila de termos pertencentes ao campo semacircntico da arquitetura como kiacuteonas
ldquocolunardquo euteikheicirc ldquobem muradordquo prothyacuteroi ldquopoacuterticordquo paacutexomen ldquoconstruamosrdquo e
proacutesōpon ldquofachadardquo entendido este uacuteltimo metaforicamente segundo o leacutexico pindaacuterico
editado por William Slater (1969 p 454) como o proecircmio da ode Logo eacute a
magnificecircncia dessa construccedilatildeo poeacutetico-arquitetocircnica ndash enfatizada pelos adjetivos
khryseacuteas ldquodouradasrdquo e telaugeacutes ldquoque brilha ao longerdquo ndash que torna impereciacuteveis a
efemeridade do evento atleacutetico ndash ideia sumarizada no verso 4 ndash e o proacuteprio destinataacuterio
apresentado ainda na primeira estrofe como vencedor oliacutempico guardiatildeo por heranccedila
paterna do altar divinatoacuterio de Zeus e cofundador de Siracusa ndash atributos que devem
brilhar ao longe
A par dessas metaacuteforas delineia-se na segunda estrofe a imagem do poeta-
condutor quando a persona loquens ao invocar o nome do condutor da quadriga ndash
Fiacutentis25 auriga de Hageacutesias ndash a ele se iguala como assinala o sintagma autorreferencial
baacutesomen oacutekkhon ldquoconduzamos a quadriga de mulasrdquo (v 24) Logo por meio de
linguagem metafoacuterica o fazer poeacutetico e a performance do canto convertem-se assinala
24 Segundo os escolia 8a e 8b Hageacutesias pode ser considerado cofundador de Siracusa porque seus
antepassados participaram da colonizaccedilatildeo desta cidade Entretanto Willamowitz (1922) e Luraghi (1997)
sugeriram que o proacuteprio Hageacutesias teria participada reestruturaccedilatildeo de Siracusa no governo do tirano Gelatildeo
(apud STAMATOPOULOU 2014 p 7 nota 21) Acerca da remodelaccedilatildeo ldquogelonianardquo de Siracusa ver
Hirata (2010 p 28-9)
25 Fiacutentis representa o aristocrata siracusano Hageacutesias patrocinador do treinamento das parelhas do auriga
(CALAME 2005 p 54)
14
Calame (2005 p 53) numa corrida de quadrigas toacutepos na poesia grega arcaica De fato
assim como o atleta conduz a quadriga agrave vitoacuteria tambeacutem o poeta-atleta elabora
harmoniosamente seus versos para glorificar o vencedor e sua linhagem Deste modo
configuram-se nesse percurso metafoacuterico a quadriga e a poesia como vias de acesso agrave
imortalidade a julgar pela presenccedila dos termos sinocircnimos keleuthoacutes (v 23) e hodoacutes (v
25) ldquocaminhordquo o primeiro dos quais representando conotativamente a poesia e o
segundo conservando sua acepccedilatildeo denotativa tem o sentido de rota percorrida pela
carruagem
Aliaacutes essas imagens metafoacutericas natildeo satildeo as uacutenicas empregadas pela persona
loquens para descrever por meio de metalinguagem sua arte poeacutetica comparada ora com
objetos preciosos ndash como na ode em pauta em que a canccedilatildeo eacute relacionada com um poacutertico
de colunas douradas (Ol 6 vv 1-4) ou em outras odes com uma taccedila de ouro (Ol 7
vv 1-4) e com ouro refinado (Nemeia 4 v 82) - ora com o produto resultante do trabalho
das abelhas (Ol 10 v 98 Nemeia 3 v 77) ou com elementos da natureza como a flor
(Ol 6 v 105) soacute para citar algumas Tambeacutem o mister do poeta eacute vinculado a diferentes
atividades profissionais como a de lavrador (Nemeia 6 v 32 Piacutetica 6 v 2) escultor
(Nemeia vv 1-5) arqueiro (Ol 1 v 111 Ol 2 vv 83-6) e tecelatildeo este uacuteltimo labor
evocado em Oliacutempica 6 (v 86) pelo emprego do verbo pleacutekō ldquotecerrdquo metaacutefora frequente
do fazer poeacutetico na poesia meacutelica assinala Calame (2005 p58 n12) Com efeito do
mesmo modo que o tecelatildeo tranccedila com sutileza e habilidade os fios para a confecccedilatildeo do
tecido tambeacutem o poeta elabora seu discurso poeacutetico entrelaccedilando recursos literaacuterios e
linguiacutesticos combinados com o ritmo e a harmonia para a perfeita composiccedilatildeo da ode e
por conseguinte para a glorificaccedilatildeo do atleta vencedor como se infere dos versos 86-7
ldquoteccedilo para os varotildees lanceiros um hino variadordquo
Entre os elementos constitutivos do epiniacutecio pindaacuterico eacute interessante pontuar
ainda a alternacircncia das formas de primeira pessoa26 do singular e do plural (eunoacutes ndash vv
3 21 23 24 82 84 86 e 105) por meio da qual eacute possiacutevel haver um revezamento entre
a voz do poema e a voz do coro dado que torna improdutiva segundo Calame (2005 p
58) a discussatildeo acerca da natureza do sujeito poeacutetico nas odes pindaacutericas ldquonem
unicamente ldquomonoacutedicordquo nem inteiramente coral o eunoacutes do locutor eacute essencialmente
polifocircnicordquo
26 Sobre o emprego da primeira pessoa na poesia pindaacuterica cf LEFKOWITZ Mary op cit 1991 p 1-71
15
Deve-se observar tambeacutem com Claire Muckensturn-Poulle (2009 p 77) que ao
longo da Oliacutempica 6 o sujeito do enunciado confere voz a outros enunciadores ora
empregando o discurso direto como no elogio que Adrasto faz a Anfiarau (vv 16-7) e na
ordem dada por Apolo a Iacuteamo (vv 62-3) no momento em que o deus lhe concede o dom
da profecia ora transferindo por meio de uma ordem sua funccedilatildeo de locutor do canto
agonal a Fiacutentis o auriga de Hageacutesias (v 22) ou a Eneias o khorodidaacuteskalos (vv 88-96)
com os quais se identifica como poeta-condutor e poeta-mestre do coro
Por outro lado haacute dados sugestivos da performance coral da ode e de seu local de
execuccedilatildeo haja vista a invocaccedilatildeo da persona loquens a Eneias possivelmente o
khorodidaacuteskalos - a julgar pelos escoacutelios a essa passagem (148a e 149ordf apud
STAMATOPOULOU 2014 p 11 nota 34 CALAME 2005 p 57 nota 10 p 58 nota
13) - a referecircncia aos hetaicircroi companheiros de Eneias e talvez integrantes do coro e
ainda o voto do sujeito poeacutetico para que o kocircmos ldquocortejo processionalrdquo ao vencedor
apoacutes ter sido apresentado em Estiacutenfalo como julga a maior parte da criacutetica pindaacuterica
acerca da premiegravere do epiniacutecio (apud STAMATOPOULOU 2014 p 2) fosse tambeacutem
recebido pelo tirano Hieratildeo em Siracusa onde seria realizada a reperformance durante a
festa cultual (v 95) dedicada a Demeacuteter e a Perseacutefone deusas tutelares de Siracusa culto
possivelmente organizado pela famiacutelia de Hieratildeo (apud CALAME 2005 p 59)
Evidenciam respectivamente a recepccedilatildeo e a reapresentaccedilatildeo do canto em Siracusa a
forma verbal deacutexaito ldquorecebardquo (v 98) no optativo desiderativo enfatizada pela expressatildeo
sỳn degrave philophrosyacutenas euētaacutetois ldquocom amaacuteveis atos de amizaderdquo e os sintagmas
adverbiais presentes no verso 99 oiacutekothen oiacutekadrsquo ldquode uma casa para outrardquo e apograve
Stymphaliacuteōn ldquode Estiacutenfalordquo e por fim a justaposiccedilatildeo no verso 102 dos pronomes tocircnde
ldquoestesrdquo e keiacutenon ldquoagravequelesrdquo alusivos aos estinfaacutelios e siracusanos respectivamente Assim
como esses elementos apontam para a saiacuteda do vencedor da cidade Estiacutenfalo e Siracusa
eacute ainda um lugar a ser alcanccedilado por via mariacutetima acredita-se que a execuccedilatildeo primeira
do canto tenha ocorrido na cidade da matildee de Hageacutesias Note-se que o atleta e as duas
cidades a de seus antepassados maternos Estiacutenfalo e a sua terra natal Siracusa satildeo ainda
representados respectivamente pelas imagens metafoacutericas do navio e das duas acircncoras
(vv 101-5a) imagens que remetem ao deus do mar Posecircidon invocado pela persona
loquens para conceder uma favoraacutevel travessia ao kocircmos de Hageacutesias do qual
possivelmente fazia parte o chefe do coro responsaacutevel segundo Calame (2005 p 57)
16
pelo treinamento dos coreutashetaicircroi que deveriam transmitir em performance coral a
voz do poeta
Ainda acerca dessa metaacutefora mariacutetima Meacuteautis (1962 p 200) Kirkwood (1982
p 94) a interpretam como uma referecircncia agrave crise poliacutetica instaurada em Siracusa nos
uacuteltimos anos de governo de Hieratildeo crise representada pela imagem da lsquotempestuosa
noitersquo (vv 100-1) Assim na qualidade de cidadatildeo siracusano observa ainda Meacuteautis
(1962 p 200) Hageacutesias prevendo a queda do regime tiracircnico pretendia solicitar uma
nova cidadania em Estiacutenfalo A esse respeito vale mencionar uma vez mais a opiniatildeo
de Stamatopoulou (2014 p 3-4) que compartilhando do ponto de vista de Stehle julga
ter sido a ode executada primeiramente em Estiacutenfalo com o objetivo de estreitarem-se os
laccedilos entre o vencedor e essa cidade da Arcaacutedia
No que concerne ao possiacutevel chefe do coro o sujeito poeacutetico num tom laudatoacuterio
refere-se a Eneias como notou Kirkwood (1982 p 93) acerca do estilo metafoacuterico de
Piacutendaro - como aacutengelos ldquomensageirordquo (v 90) e skytaacutela (v 91)27 traduzido como
ldquointeacuterpreterdquo por ser ele o responsaacutevel pela recepccedilatildeo dos efluacutevios das Musas ndash como
explicita a expressatildeo ldquodoce taccedila de cantos ressoantesrdquo (v 91) - pela transmissatildeo e
reapresentaccedilatildeo da mensagemcanto em Siracusa onde tambeacutem deveria ser objeto de
encocircmio o tirano Hieratildeo do qual se enfatizam o governo justo a piedade religiosa os
triunfos jaacute festejados ldquopelas liras e canccedilotildees de doces palavrasrdquo (vv 96-7) a generosidade
e a amizade (v 98)
Deste modo a referecircncia a Eneias destaca o importante papel do poeta-cantor na
perpetuaccedilatildeo do triunfo agonal Nesse complexo processo de elaboraccedilatildeo poeacutetico-
perfomativa utilizam-se natildeo soacute metaacuteforas como jaacute destacou mas tambeacutem narrativas
miacuteticas relacionadas com a arte divinatoacuteria Assim por meio do elogio ao atleta
homenageado evoca-se primeiramente como modelo miacutetico Anfiarau (vv 12-21) ndash
participante da expediccedilatildeo dos Sete contra Tebas sob o comando de Adrasto rei de
Argos- possuidor das mesmas atribuiccedilotildees do laureado jaacute que ambos satildeo
guerreirogeneral e adivinho Eacute importante enfatizar que a transiccedilatildeo do tempo presente
representado pelo vencedor para o passado miacutetico se estabelece por meio do pronome
relativo hoacuten (v 12) referente ao louvor destinado a Hageacutesias e a Anfiarau e do adveacuterbio
27 Em Esparta espeacutecie de bastatildeo de madeira sobre o qual se enrolavam correias compridas e estreitas com
mensagens secretas lidas e compreendidas por quem possuiacutesse um bastatildeo idecircntico (PINDARE
Olympiques 1971 p 85 nota 4)
17
potrsquo ldquooutrora (v 13) com base no qual se alude ao desaparecimento repentino do
adivinho tebano (v 14) que segundo a versatildeo miacutetica fora arrebatado por Zeus para evitar
a morte do heroacutei como se infere do emprego do verbo katamaacuterptō lsquoengolirrsquo em tmese
que indica ter sido Anfiarau tragado pela terra Observa Barciela (2015 p 53) que esse
corte entre a preposiccedilatildeo kataacute ldquodebaixo derdquo ldquosobrdquo (v 14) e o radical do verbo salienta
natildeo somente o sentido do preveacuterbio mas tambeacutem aponta a razatildeo de natildeo ter Adrasto
encontrado Anfiarau nas sete piras Acredita-se ter sido essa a razatildeo de Adrasto ter
proferido ao adivinho um elogio em discurso direto por meio da imagem metafoacuterica
stratiacircs ophthalmograven emacircs ldquoolho28 do meu exeacutercitordquo metaacutefora que aleacutem de assinalar a
importacircncia de Anfiarau na expediccedilatildeo tebana lhe sintetiza os dois atributos relacionados
respectivamente com a macircntica e com a guerra
Julga-se que a menccedilatildeo ao atributo divinatoacuterio de Anfiarau constitui um meio de
antecipaccedilatildeo do principal mito da ode cujo eixo temaacutetico se centra no nascimento de
Iacuteamo29 (vv 39-47) e em sua iniciaccedilatildeo na arte divinatoacuteria tornando-se o primeiro de uma
famiacutelia de adivinhos ndash os Iacircmidas ndash e o responsaacutevel pelo altar profeacutetico de Zeus em
Oliacutempia (v 70)
Eacute digno de nota ter sido o citado mito introduzido pelas imagens metafoacutericas do
poeta-condutor e da poesia-quadriga por meio das quais anota Calame (2005 p 54)
ocorre um deslocamento geograacutefico-temporal jaacute que a par do movimento de Oliacutempia ndash
lugar onde ocorrera a competiccedilatildeo desportiva ndash para Piacutetana cidade espartana situada junto
ao leito do rio Eurotas na Lacocircnia haacute uma transposiccedilatildeo do tempo da ldquoenunciaccedilatildeo do
cantordquo isto eacute o tempo presente ndash marcado pelo adveacuterbio saacutemeron lsquohojersquo (v 28) ndash para o
passado miacutetico indicado pela referecircncia a Piacutetana- natildeo somente o nome de uma pequena
povoaccedilatildeo de que se compunha Esparta mas tambeacutem o nome de uma ninfa filha do deus-
rio Eurotas e fundadora da linhagem dos Iacircmidas - que unida a Posecircidon gerou em
segredo Evadne matildee de Iacuteamo ancestral miacutetico de uma extensa linhagem de adivinhos
28 Imagem presente em Oliacutempica 2 (v 10) em referecircncia aos ancestrais histoacutericos de Teratildeo de Agrigento
e em Piacutetica 5 (vv 55-7a) em alusatildeo a Bato fundador da estirpe dos reis de Cirene cidade do vencedor
Com relaccedilatildeo agrave imagem do olho em Oliacutempica 6 conveacutem lembrar citando Villarrubia (1995 p 17) Suaacuterez
de la Torre (1989 p 97) e Meacuteautis (1962 p 195) que o escoacutelio pindaacuterico ao citado verso refere a Tebaida
como fonte direta do elogio de Adrasto a Anfiarau 29Como observa Nisetich (1998 p 2) nas odes pindaacutericas eacute conferido destaque maior agrave famiacutelia do vencedor
que ao proacuteprio homenageado jaacute que se busca em fatos preteacuteritos explicaccedilotildees ou justificativas para o
momento presente A esse respeito verifica-se na ode em estudo que a volta ao passado (vv 28-71)
constitui um meio de glorificaccedilatildeo do homenageado
18
cujo representante atual eacute o vencedor oliacutempico Hageacutesias de Siracusa Evadne por sua
vez seduzida por Apolo deu agrave luz Iacuteamo cuja vocaccedilatildeo profeacutetica eacute anunciada na ode pelo
atributo theoacutephrona lsquoinspirado pelos deusesrsquo (v 41) e pelo oraacuteculo de Delfos revelado
ao pai mortal e adotivo de Evadne ndash Eacutepito - a quem satildeo declarados a origem e o dom
divinatoacuterio de Iacuteamo (vv 49b-51) cujo nome de etimologia obscura estaacute associado ao
nome da flor violeta (DUCHEMIN 1955 p 242-3) iacuteon tambeacutem presente no epiacuteteto
atribuiacutedo a Evadne ioacuteplokos ldquocabelo cor de violetardquo (v 30) portanto cor que identifica
Iacuteamo como filho de Evadne Em sintonia com Eleanor Irwin (1996 p 386) acerca de seu
comentaacuterio sobre o ambiente onde Iacuteamo fora abandonado por sua matildee isto eacute khamaiacute ldquono
chatildeordquo (v 45) considera-se que esse lugar eacute tambeacutem ser esse sobrenatural haja vista terem
florescido do chatildeo violetas que forneceram ao receacutem-nascido calor e proteccedilatildeo necessaacuterios
agrave sua sobrevivecircncia Destarte as violetas simbolizam a proacutepria Evadne posto que
exerceram a funccedilatildeo materna
Significativo tambeacutem nessa passagem eacute o fato de ter sido por intervenccedilatildeo divina
(v 46) Iacuteamo alimentado por duas serpentes (45b-47a) com ldquoo veneno irrepreensiacutevel das
abelhasrdquo expressatildeo que se associa anotou Duchemin (1955 p 251) jaacute haacute algum tempo
ao dom da profecia e do fazer poeacutetico Deborah Steiner (1986 p 103) por sua vez refere
acerca dessa passagem que a relaccedilatildeo entre a serpente animal macircntico por excelecircncia
(Meacuteautis 1962 p 196) e o mel anuncia o dom profeacutetico que o receacutem-nascido teria
posteriormente30
Ao chegar agrave adolescecircncia Iacuteamo ciente de sua ascendecircncia divina solicita a seu
avocirc Posecircidon e a seu pai Apolo um atributo que beneficiasse todo o povo uma honra
puacuteblica laoacutethrophos ldquoque alimentasse o povordquo (v 60) Ressalte-se que embora a suacuteplica
tenha sido dirigida a essas duas divindades eacute Apolo nomeado com seu epiacuteteto ldquoarqueiro
guardiatildeo da divina Delosrdquo (v 59) quem concede ao filho o duplo dom da adivinhaccedilatildeo
(vv 65-70) a faculdade de ouvir-lhe a voz profeacutetica pautada sempre na verdade e a
fundaccedilatildeo de oraacuteculo de Zeus em Oliacutempia antes mesmo da instituiccedilatildeo dos Jogos
Oliacutempicos por Heacuteracles Logo com a concessatildeo da daacutediva da adivinhaccedilatildeo encerra-se o
relato miacutetico dos Iacircmidas Faz entatildeo a voz do poema a passagem do tempo miacutetico (vv
71-7) para o passado proacuteximo de Hageacutesias com a alusatildeo laudatoacuteria aos antepassados
30 Acrescente-se que a relaccedilatildeo entre a serpente e a figura de Apolo se justifica pelo fato de a divindade ter
assassinado a serpente Piacuteton para habitar Delfos
19
histoacutericos do vencedor (vv 78-81) e numa referecircncia metapoeacutetica (vv 82-7b) a seus
proacuteprios ancestrais por serem todos procedentes da cidade de Estiacutenfalo dado que
identifica o laureado com a persona loquens
Ediccedilotildees traduccedilotildees e comentaacuterios
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13
De modo anaacutelogo ao proecircmio da Odisseia (vv 1-10) em que natildeo se menciona o
nome do heroacutei Odisseu designado somente no verso 21 tambeacutem em Oliacutempica 6 o nome
do atleta homenageado soacute aparece no verso 12 por meio de uma invocaccedilatildeo muito embora
tenha sido referido indiretamente no verso 4 apenas pela forma verbal em terceira pessoa
e nos versos 4 a 9 por meio da citaccedilatildeo de seus atributos e de sua descendecircncia
Informa tambeacutem o canto agonal ter tido o vencedor dupla funccedilatildeo a de guardiatildeo
do altar profeacutetico de Zeus em Pisa (v 5) ndash tendo em vista ter como ascendente o adivinho
Iacuteamo que recebera de seu pai Apolo o dom da profecia (vv 65-70) ndash e a de cofundador
de Siracusa (v 6)24 Essas referecircncias ao laureado histoacutericas e miacuteticas encontram-se
distribuiacutedas pelos 105 versos que compotildeem as cinco triacuteades de Oliacutempica 6 iniciada com
uma imagem metapoeacutetica ou autorreferencial em que se coteja o fazer poeacutetico com um
monumento e o poeta com um construtor como atesta nos quatro primeiros versos da
ode a presenccedila de termos pertencentes ao campo semacircntico da arquitetura como kiacuteonas
ldquocolunardquo euteikheicirc ldquobem muradordquo prothyacuteroi ldquopoacuterticordquo paacutexomen ldquoconstruamosrdquo e
proacutesōpon ldquofachadardquo entendido este uacuteltimo metaforicamente segundo o leacutexico pindaacuterico
editado por William Slater (1969 p 454) como o proecircmio da ode Logo eacute a
magnificecircncia dessa construccedilatildeo poeacutetico-arquitetocircnica ndash enfatizada pelos adjetivos
khryseacuteas ldquodouradasrdquo e telaugeacutes ldquoque brilha ao longerdquo ndash que torna impereciacuteveis a
efemeridade do evento atleacutetico ndash ideia sumarizada no verso 4 ndash e o proacuteprio destinataacuterio
apresentado ainda na primeira estrofe como vencedor oliacutempico guardiatildeo por heranccedila
paterna do altar divinatoacuterio de Zeus e cofundador de Siracusa ndash atributos que devem
brilhar ao longe
A par dessas metaacuteforas delineia-se na segunda estrofe a imagem do poeta-
condutor quando a persona loquens ao invocar o nome do condutor da quadriga ndash
Fiacutentis25 auriga de Hageacutesias ndash a ele se iguala como assinala o sintagma autorreferencial
baacutesomen oacutekkhon ldquoconduzamos a quadriga de mulasrdquo (v 24) Logo por meio de
linguagem metafoacuterica o fazer poeacutetico e a performance do canto convertem-se assinala
24 Segundo os escolia 8a e 8b Hageacutesias pode ser considerado cofundador de Siracusa porque seus
antepassados participaram da colonizaccedilatildeo desta cidade Entretanto Willamowitz (1922) e Luraghi (1997)
sugeriram que o proacuteprio Hageacutesias teria participada reestruturaccedilatildeo de Siracusa no governo do tirano Gelatildeo
(apud STAMATOPOULOU 2014 p 7 nota 21) Acerca da remodelaccedilatildeo ldquogelonianardquo de Siracusa ver
Hirata (2010 p 28-9)
25 Fiacutentis representa o aristocrata siracusano Hageacutesias patrocinador do treinamento das parelhas do auriga
(CALAME 2005 p 54)
14
Calame (2005 p 53) numa corrida de quadrigas toacutepos na poesia grega arcaica De fato
assim como o atleta conduz a quadriga agrave vitoacuteria tambeacutem o poeta-atleta elabora
harmoniosamente seus versos para glorificar o vencedor e sua linhagem Deste modo
configuram-se nesse percurso metafoacuterico a quadriga e a poesia como vias de acesso agrave
imortalidade a julgar pela presenccedila dos termos sinocircnimos keleuthoacutes (v 23) e hodoacutes (v
25) ldquocaminhordquo o primeiro dos quais representando conotativamente a poesia e o
segundo conservando sua acepccedilatildeo denotativa tem o sentido de rota percorrida pela
carruagem
Aliaacutes essas imagens metafoacutericas natildeo satildeo as uacutenicas empregadas pela persona
loquens para descrever por meio de metalinguagem sua arte poeacutetica comparada ora com
objetos preciosos ndash como na ode em pauta em que a canccedilatildeo eacute relacionada com um poacutertico
de colunas douradas (Ol 6 vv 1-4) ou em outras odes com uma taccedila de ouro (Ol 7
vv 1-4) e com ouro refinado (Nemeia 4 v 82) - ora com o produto resultante do trabalho
das abelhas (Ol 10 v 98 Nemeia 3 v 77) ou com elementos da natureza como a flor
(Ol 6 v 105) soacute para citar algumas Tambeacutem o mister do poeta eacute vinculado a diferentes
atividades profissionais como a de lavrador (Nemeia 6 v 32 Piacutetica 6 v 2) escultor
(Nemeia vv 1-5) arqueiro (Ol 1 v 111 Ol 2 vv 83-6) e tecelatildeo este uacuteltimo labor
evocado em Oliacutempica 6 (v 86) pelo emprego do verbo pleacutekō ldquotecerrdquo metaacutefora frequente
do fazer poeacutetico na poesia meacutelica assinala Calame (2005 p58 n12) Com efeito do
mesmo modo que o tecelatildeo tranccedila com sutileza e habilidade os fios para a confecccedilatildeo do
tecido tambeacutem o poeta elabora seu discurso poeacutetico entrelaccedilando recursos literaacuterios e
linguiacutesticos combinados com o ritmo e a harmonia para a perfeita composiccedilatildeo da ode e
por conseguinte para a glorificaccedilatildeo do atleta vencedor como se infere dos versos 86-7
ldquoteccedilo para os varotildees lanceiros um hino variadordquo
Entre os elementos constitutivos do epiniacutecio pindaacuterico eacute interessante pontuar
ainda a alternacircncia das formas de primeira pessoa26 do singular e do plural (eunoacutes ndash vv
3 21 23 24 82 84 86 e 105) por meio da qual eacute possiacutevel haver um revezamento entre
a voz do poema e a voz do coro dado que torna improdutiva segundo Calame (2005 p
58) a discussatildeo acerca da natureza do sujeito poeacutetico nas odes pindaacutericas ldquonem
unicamente ldquomonoacutedicordquo nem inteiramente coral o eunoacutes do locutor eacute essencialmente
polifocircnicordquo
26 Sobre o emprego da primeira pessoa na poesia pindaacuterica cf LEFKOWITZ Mary op cit 1991 p 1-71
15
Deve-se observar tambeacutem com Claire Muckensturn-Poulle (2009 p 77) que ao
longo da Oliacutempica 6 o sujeito do enunciado confere voz a outros enunciadores ora
empregando o discurso direto como no elogio que Adrasto faz a Anfiarau (vv 16-7) e na
ordem dada por Apolo a Iacuteamo (vv 62-3) no momento em que o deus lhe concede o dom
da profecia ora transferindo por meio de uma ordem sua funccedilatildeo de locutor do canto
agonal a Fiacutentis o auriga de Hageacutesias (v 22) ou a Eneias o khorodidaacuteskalos (vv 88-96)
com os quais se identifica como poeta-condutor e poeta-mestre do coro
Por outro lado haacute dados sugestivos da performance coral da ode e de seu local de
execuccedilatildeo haja vista a invocaccedilatildeo da persona loquens a Eneias possivelmente o
khorodidaacuteskalos - a julgar pelos escoacutelios a essa passagem (148a e 149ordf apud
STAMATOPOULOU 2014 p 11 nota 34 CALAME 2005 p 57 nota 10 p 58 nota
13) - a referecircncia aos hetaicircroi companheiros de Eneias e talvez integrantes do coro e
ainda o voto do sujeito poeacutetico para que o kocircmos ldquocortejo processionalrdquo ao vencedor
apoacutes ter sido apresentado em Estiacutenfalo como julga a maior parte da criacutetica pindaacuterica
acerca da premiegravere do epiniacutecio (apud STAMATOPOULOU 2014 p 2) fosse tambeacutem
recebido pelo tirano Hieratildeo em Siracusa onde seria realizada a reperformance durante a
festa cultual (v 95) dedicada a Demeacuteter e a Perseacutefone deusas tutelares de Siracusa culto
possivelmente organizado pela famiacutelia de Hieratildeo (apud CALAME 2005 p 59)
Evidenciam respectivamente a recepccedilatildeo e a reapresentaccedilatildeo do canto em Siracusa a
forma verbal deacutexaito ldquorecebardquo (v 98) no optativo desiderativo enfatizada pela expressatildeo
sỳn degrave philophrosyacutenas euētaacutetois ldquocom amaacuteveis atos de amizaderdquo e os sintagmas
adverbiais presentes no verso 99 oiacutekothen oiacutekadrsquo ldquode uma casa para outrardquo e apograve
Stymphaliacuteōn ldquode Estiacutenfalordquo e por fim a justaposiccedilatildeo no verso 102 dos pronomes tocircnde
ldquoestesrdquo e keiacutenon ldquoagravequelesrdquo alusivos aos estinfaacutelios e siracusanos respectivamente Assim
como esses elementos apontam para a saiacuteda do vencedor da cidade Estiacutenfalo e Siracusa
eacute ainda um lugar a ser alcanccedilado por via mariacutetima acredita-se que a execuccedilatildeo primeira
do canto tenha ocorrido na cidade da matildee de Hageacutesias Note-se que o atleta e as duas
cidades a de seus antepassados maternos Estiacutenfalo e a sua terra natal Siracusa satildeo ainda
representados respectivamente pelas imagens metafoacutericas do navio e das duas acircncoras
(vv 101-5a) imagens que remetem ao deus do mar Posecircidon invocado pela persona
loquens para conceder uma favoraacutevel travessia ao kocircmos de Hageacutesias do qual
possivelmente fazia parte o chefe do coro responsaacutevel segundo Calame (2005 p 57)
16
pelo treinamento dos coreutashetaicircroi que deveriam transmitir em performance coral a
voz do poeta
Ainda acerca dessa metaacutefora mariacutetima Meacuteautis (1962 p 200) Kirkwood (1982
p 94) a interpretam como uma referecircncia agrave crise poliacutetica instaurada em Siracusa nos
uacuteltimos anos de governo de Hieratildeo crise representada pela imagem da lsquotempestuosa
noitersquo (vv 100-1) Assim na qualidade de cidadatildeo siracusano observa ainda Meacuteautis
(1962 p 200) Hageacutesias prevendo a queda do regime tiracircnico pretendia solicitar uma
nova cidadania em Estiacutenfalo A esse respeito vale mencionar uma vez mais a opiniatildeo
de Stamatopoulou (2014 p 3-4) que compartilhando do ponto de vista de Stehle julga
ter sido a ode executada primeiramente em Estiacutenfalo com o objetivo de estreitarem-se os
laccedilos entre o vencedor e essa cidade da Arcaacutedia
No que concerne ao possiacutevel chefe do coro o sujeito poeacutetico num tom laudatoacuterio
refere-se a Eneias como notou Kirkwood (1982 p 93) acerca do estilo metafoacuterico de
Piacutendaro - como aacutengelos ldquomensageirordquo (v 90) e skytaacutela (v 91)27 traduzido como
ldquointeacuterpreterdquo por ser ele o responsaacutevel pela recepccedilatildeo dos efluacutevios das Musas ndash como
explicita a expressatildeo ldquodoce taccedila de cantos ressoantesrdquo (v 91) - pela transmissatildeo e
reapresentaccedilatildeo da mensagemcanto em Siracusa onde tambeacutem deveria ser objeto de
encocircmio o tirano Hieratildeo do qual se enfatizam o governo justo a piedade religiosa os
triunfos jaacute festejados ldquopelas liras e canccedilotildees de doces palavrasrdquo (vv 96-7) a generosidade
e a amizade (v 98)
Deste modo a referecircncia a Eneias destaca o importante papel do poeta-cantor na
perpetuaccedilatildeo do triunfo agonal Nesse complexo processo de elaboraccedilatildeo poeacutetico-
perfomativa utilizam-se natildeo soacute metaacuteforas como jaacute destacou mas tambeacutem narrativas
miacuteticas relacionadas com a arte divinatoacuteria Assim por meio do elogio ao atleta
homenageado evoca-se primeiramente como modelo miacutetico Anfiarau (vv 12-21) ndash
participante da expediccedilatildeo dos Sete contra Tebas sob o comando de Adrasto rei de
Argos- possuidor das mesmas atribuiccedilotildees do laureado jaacute que ambos satildeo
guerreirogeneral e adivinho Eacute importante enfatizar que a transiccedilatildeo do tempo presente
representado pelo vencedor para o passado miacutetico se estabelece por meio do pronome
relativo hoacuten (v 12) referente ao louvor destinado a Hageacutesias e a Anfiarau e do adveacuterbio
27 Em Esparta espeacutecie de bastatildeo de madeira sobre o qual se enrolavam correias compridas e estreitas com
mensagens secretas lidas e compreendidas por quem possuiacutesse um bastatildeo idecircntico (PINDARE
Olympiques 1971 p 85 nota 4)
17
potrsquo ldquooutrora (v 13) com base no qual se alude ao desaparecimento repentino do
adivinho tebano (v 14) que segundo a versatildeo miacutetica fora arrebatado por Zeus para evitar
a morte do heroacutei como se infere do emprego do verbo katamaacuterptō lsquoengolirrsquo em tmese
que indica ter sido Anfiarau tragado pela terra Observa Barciela (2015 p 53) que esse
corte entre a preposiccedilatildeo kataacute ldquodebaixo derdquo ldquosobrdquo (v 14) e o radical do verbo salienta
natildeo somente o sentido do preveacuterbio mas tambeacutem aponta a razatildeo de natildeo ter Adrasto
encontrado Anfiarau nas sete piras Acredita-se ter sido essa a razatildeo de Adrasto ter
proferido ao adivinho um elogio em discurso direto por meio da imagem metafoacuterica
stratiacircs ophthalmograven emacircs ldquoolho28 do meu exeacutercitordquo metaacutefora que aleacutem de assinalar a
importacircncia de Anfiarau na expediccedilatildeo tebana lhe sintetiza os dois atributos relacionados
respectivamente com a macircntica e com a guerra
Julga-se que a menccedilatildeo ao atributo divinatoacuterio de Anfiarau constitui um meio de
antecipaccedilatildeo do principal mito da ode cujo eixo temaacutetico se centra no nascimento de
Iacuteamo29 (vv 39-47) e em sua iniciaccedilatildeo na arte divinatoacuteria tornando-se o primeiro de uma
famiacutelia de adivinhos ndash os Iacircmidas ndash e o responsaacutevel pelo altar profeacutetico de Zeus em
Oliacutempia (v 70)
Eacute digno de nota ter sido o citado mito introduzido pelas imagens metafoacutericas do
poeta-condutor e da poesia-quadriga por meio das quais anota Calame (2005 p 54)
ocorre um deslocamento geograacutefico-temporal jaacute que a par do movimento de Oliacutempia ndash
lugar onde ocorrera a competiccedilatildeo desportiva ndash para Piacutetana cidade espartana situada junto
ao leito do rio Eurotas na Lacocircnia haacute uma transposiccedilatildeo do tempo da ldquoenunciaccedilatildeo do
cantordquo isto eacute o tempo presente ndash marcado pelo adveacuterbio saacutemeron lsquohojersquo (v 28) ndash para o
passado miacutetico indicado pela referecircncia a Piacutetana- natildeo somente o nome de uma pequena
povoaccedilatildeo de que se compunha Esparta mas tambeacutem o nome de uma ninfa filha do deus-
rio Eurotas e fundadora da linhagem dos Iacircmidas - que unida a Posecircidon gerou em
segredo Evadne matildee de Iacuteamo ancestral miacutetico de uma extensa linhagem de adivinhos
28 Imagem presente em Oliacutempica 2 (v 10) em referecircncia aos ancestrais histoacutericos de Teratildeo de Agrigento
e em Piacutetica 5 (vv 55-7a) em alusatildeo a Bato fundador da estirpe dos reis de Cirene cidade do vencedor
Com relaccedilatildeo agrave imagem do olho em Oliacutempica 6 conveacutem lembrar citando Villarrubia (1995 p 17) Suaacuterez
de la Torre (1989 p 97) e Meacuteautis (1962 p 195) que o escoacutelio pindaacuterico ao citado verso refere a Tebaida
como fonte direta do elogio de Adrasto a Anfiarau 29Como observa Nisetich (1998 p 2) nas odes pindaacutericas eacute conferido destaque maior agrave famiacutelia do vencedor
que ao proacuteprio homenageado jaacute que se busca em fatos preteacuteritos explicaccedilotildees ou justificativas para o
momento presente A esse respeito verifica-se na ode em estudo que a volta ao passado (vv 28-71)
constitui um meio de glorificaccedilatildeo do homenageado
18
cujo representante atual eacute o vencedor oliacutempico Hageacutesias de Siracusa Evadne por sua
vez seduzida por Apolo deu agrave luz Iacuteamo cuja vocaccedilatildeo profeacutetica eacute anunciada na ode pelo
atributo theoacutephrona lsquoinspirado pelos deusesrsquo (v 41) e pelo oraacuteculo de Delfos revelado
ao pai mortal e adotivo de Evadne ndash Eacutepito - a quem satildeo declarados a origem e o dom
divinatoacuterio de Iacuteamo (vv 49b-51) cujo nome de etimologia obscura estaacute associado ao
nome da flor violeta (DUCHEMIN 1955 p 242-3) iacuteon tambeacutem presente no epiacuteteto
atribuiacutedo a Evadne ioacuteplokos ldquocabelo cor de violetardquo (v 30) portanto cor que identifica
Iacuteamo como filho de Evadne Em sintonia com Eleanor Irwin (1996 p 386) acerca de seu
comentaacuterio sobre o ambiente onde Iacuteamo fora abandonado por sua matildee isto eacute khamaiacute ldquono
chatildeordquo (v 45) considera-se que esse lugar eacute tambeacutem ser esse sobrenatural haja vista terem
florescido do chatildeo violetas que forneceram ao receacutem-nascido calor e proteccedilatildeo necessaacuterios
agrave sua sobrevivecircncia Destarte as violetas simbolizam a proacutepria Evadne posto que
exerceram a funccedilatildeo materna
Significativo tambeacutem nessa passagem eacute o fato de ter sido por intervenccedilatildeo divina
(v 46) Iacuteamo alimentado por duas serpentes (45b-47a) com ldquoo veneno irrepreensiacutevel das
abelhasrdquo expressatildeo que se associa anotou Duchemin (1955 p 251) jaacute haacute algum tempo
ao dom da profecia e do fazer poeacutetico Deborah Steiner (1986 p 103) por sua vez refere
acerca dessa passagem que a relaccedilatildeo entre a serpente animal macircntico por excelecircncia
(Meacuteautis 1962 p 196) e o mel anuncia o dom profeacutetico que o receacutem-nascido teria
posteriormente30
Ao chegar agrave adolescecircncia Iacuteamo ciente de sua ascendecircncia divina solicita a seu
avocirc Posecircidon e a seu pai Apolo um atributo que beneficiasse todo o povo uma honra
puacuteblica laoacutethrophos ldquoque alimentasse o povordquo (v 60) Ressalte-se que embora a suacuteplica
tenha sido dirigida a essas duas divindades eacute Apolo nomeado com seu epiacuteteto ldquoarqueiro
guardiatildeo da divina Delosrdquo (v 59) quem concede ao filho o duplo dom da adivinhaccedilatildeo
(vv 65-70) a faculdade de ouvir-lhe a voz profeacutetica pautada sempre na verdade e a
fundaccedilatildeo de oraacuteculo de Zeus em Oliacutempia antes mesmo da instituiccedilatildeo dos Jogos
Oliacutempicos por Heacuteracles Logo com a concessatildeo da daacutediva da adivinhaccedilatildeo encerra-se o
relato miacutetico dos Iacircmidas Faz entatildeo a voz do poema a passagem do tempo miacutetico (vv
71-7) para o passado proacuteximo de Hageacutesias com a alusatildeo laudatoacuteria aos antepassados
30 Acrescente-se que a relaccedilatildeo entre a serpente e a figura de Apolo se justifica pelo fato de a divindade ter
assassinado a serpente Piacuteton para habitar Delfos
19
histoacutericos do vencedor (vv 78-81) e numa referecircncia metapoeacutetica (vv 82-7b) a seus
proacuteprios ancestrais por serem todos procedentes da cidade de Estiacutenfalo dado que
identifica o laureado com a persona loquens
Ediccedilotildees traduccedilotildees e comentaacuterios
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VILLARRUBIA Antonio La victoria de Hagesias de Siracusa y la Oliacutempica 6 de
Piacutendaro Habis 26 1995 p 13-28
14
Calame (2005 p 53) numa corrida de quadrigas toacutepos na poesia grega arcaica De fato
assim como o atleta conduz a quadriga agrave vitoacuteria tambeacutem o poeta-atleta elabora
harmoniosamente seus versos para glorificar o vencedor e sua linhagem Deste modo
configuram-se nesse percurso metafoacuterico a quadriga e a poesia como vias de acesso agrave
imortalidade a julgar pela presenccedila dos termos sinocircnimos keleuthoacutes (v 23) e hodoacutes (v
25) ldquocaminhordquo o primeiro dos quais representando conotativamente a poesia e o
segundo conservando sua acepccedilatildeo denotativa tem o sentido de rota percorrida pela
carruagem
Aliaacutes essas imagens metafoacutericas natildeo satildeo as uacutenicas empregadas pela persona
loquens para descrever por meio de metalinguagem sua arte poeacutetica comparada ora com
objetos preciosos ndash como na ode em pauta em que a canccedilatildeo eacute relacionada com um poacutertico
de colunas douradas (Ol 6 vv 1-4) ou em outras odes com uma taccedila de ouro (Ol 7
vv 1-4) e com ouro refinado (Nemeia 4 v 82) - ora com o produto resultante do trabalho
das abelhas (Ol 10 v 98 Nemeia 3 v 77) ou com elementos da natureza como a flor
(Ol 6 v 105) soacute para citar algumas Tambeacutem o mister do poeta eacute vinculado a diferentes
atividades profissionais como a de lavrador (Nemeia 6 v 32 Piacutetica 6 v 2) escultor
(Nemeia vv 1-5) arqueiro (Ol 1 v 111 Ol 2 vv 83-6) e tecelatildeo este uacuteltimo labor
evocado em Oliacutempica 6 (v 86) pelo emprego do verbo pleacutekō ldquotecerrdquo metaacutefora frequente
do fazer poeacutetico na poesia meacutelica assinala Calame (2005 p58 n12) Com efeito do
mesmo modo que o tecelatildeo tranccedila com sutileza e habilidade os fios para a confecccedilatildeo do
tecido tambeacutem o poeta elabora seu discurso poeacutetico entrelaccedilando recursos literaacuterios e
linguiacutesticos combinados com o ritmo e a harmonia para a perfeita composiccedilatildeo da ode e
por conseguinte para a glorificaccedilatildeo do atleta vencedor como se infere dos versos 86-7
ldquoteccedilo para os varotildees lanceiros um hino variadordquo
Entre os elementos constitutivos do epiniacutecio pindaacuterico eacute interessante pontuar
ainda a alternacircncia das formas de primeira pessoa26 do singular e do plural (eunoacutes ndash vv
3 21 23 24 82 84 86 e 105) por meio da qual eacute possiacutevel haver um revezamento entre
a voz do poema e a voz do coro dado que torna improdutiva segundo Calame (2005 p
58) a discussatildeo acerca da natureza do sujeito poeacutetico nas odes pindaacutericas ldquonem
unicamente ldquomonoacutedicordquo nem inteiramente coral o eunoacutes do locutor eacute essencialmente
polifocircnicordquo
26 Sobre o emprego da primeira pessoa na poesia pindaacuterica cf LEFKOWITZ Mary op cit 1991 p 1-71
15
Deve-se observar tambeacutem com Claire Muckensturn-Poulle (2009 p 77) que ao
longo da Oliacutempica 6 o sujeito do enunciado confere voz a outros enunciadores ora
empregando o discurso direto como no elogio que Adrasto faz a Anfiarau (vv 16-7) e na
ordem dada por Apolo a Iacuteamo (vv 62-3) no momento em que o deus lhe concede o dom
da profecia ora transferindo por meio de uma ordem sua funccedilatildeo de locutor do canto
agonal a Fiacutentis o auriga de Hageacutesias (v 22) ou a Eneias o khorodidaacuteskalos (vv 88-96)
com os quais se identifica como poeta-condutor e poeta-mestre do coro
Por outro lado haacute dados sugestivos da performance coral da ode e de seu local de
execuccedilatildeo haja vista a invocaccedilatildeo da persona loquens a Eneias possivelmente o
khorodidaacuteskalos - a julgar pelos escoacutelios a essa passagem (148a e 149ordf apud
STAMATOPOULOU 2014 p 11 nota 34 CALAME 2005 p 57 nota 10 p 58 nota
13) - a referecircncia aos hetaicircroi companheiros de Eneias e talvez integrantes do coro e
ainda o voto do sujeito poeacutetico para que o kocircmos ldquocortejo processionalrdquo ao vencedor
apoacutes ter sido apresentado em Estiacutenfalo como julga a maior parte da criacutetica pindaacuterica
acerca da premiegravere do epiniacutecio (apud STAMATOPOULOU 2014 p 2) fosse tambeacutem
recebido pelo tirano Hieratildeo em Siracusa onde seria realizada a reperformance durante a
festa cultual (v 95) dedicada a Demeacuteter e a Perseacutefone deusas tutelares de Siracusa culto
possivelmente organizado pela famiacutelia de Hieratildeo (apud CALAME 2005 p 59)
Evidenciam respectivamente a recepccedilatildeo e a reapresentaccedilatildeo do canto em Siracusa a
forma verbal deacutexaito ldquorecebardquo (v 98) no optativo desiderativo enfatizada pela expressatildeo
sỳn degrave philophrosyacutenas euētaacutetois ldquocom amaacuteveis atos de amizaderdquo e os sintagmas
adverbiais presentes no verso 99 oiacutekothen oiacutekadrsquo ldquode uma casa para outrardquo e apograve
Stymphaliacuteōn ldquode Estiacutenfalordquo e por fim a justaposiccedilatildeo no verso 102 dos pronomes tocircnde
ldquoestesrdquo e keiacutenon ldquoagravequelesrdquo alusivos aos estinfaacutelios e siracusanos respectivamente Assim
como esses elementos apontam para a saiacuteda do vencedor da cidade Estiacutenfalo e Siracusa
eacute ainda um lugar a ser alcanccedilado por via mariacutetima acredita-se que a execuccedilatildeo primeira
do canto tenha ocorrido na cidade da matildee de Hageacutesias Note-se que o atleta e as duas
cidades a de seus antepassados maternos Estiacutenfalo e a sua terra natal Siracusa satildeo ainda
representados respectivamente pelas imagens metafoacutericas do navio e das duas acircncoras
(vv 101-5a) imagens que remetem ao deus do mar Posecircidon invocado pela persona
loquens para conceder uma favoraacutevel travessia ao kocircmos de Hageacutesias do qual
possivelmente fazia parte o chefe do coro responsaacutevel segundo Calame (2005 p 57)
16
pelo treinamento dos coreutashetaicircroi que deveriam transmitir em performance coral a
voz do poeta
Ainda acerca dessa metaacutefora mariacutetima Meacuteautis (1962 p 200) Kirkwood (1982
p 94) a interpretam como uma referecircncia agrave crise poliacutetica instaurada em Siracusa nos
uacuteltimos anos de governo de Hieratildeo crise representada pela imagem da lsquotempestuosa
noitersquo (vv 100-1) Assim na qualidade de cidadatildeo siracusano observa ainda Meacuteautis
(1962 p 200) Hageacutesias prevendo a queda do regime tiracircnico pretendia solicitar uma
nova cidadania em Estiacutenfalo A esse respeito vale mencionar uma vez mais a opiniatildeo
de Stamatopoulou (2014 p 3-4) que compartilhando do ponto de vista de Stehle julga
ter sido a ode executada primeiramente em Estiacutenfalo com o objetivo de estreitarem-se os
laccedilos entre o vencedor e essa cidade da Arcaacutedia
No que concerne ao possiacutevel chefe do coro o sujeito poeacutetico num tom laudatoacuterio
refere-se a Eneias como notou Kirkwood (1982 p 93) acerca do estilo metafoacuterico de
Piacutendaro - como aacutengelos ldquomensageirordquo (v 90) e skytaacutela (v 91)27 traduzido como
ldquointeacuterpreterdquo por ser ele o responsaacutevel pela recepccedilatildeo dos efluacutevios das Musas ndash como
explicita a expressatildeo ldquodoce taccedila de cantos ressoantesrdquo (v 91) - pela transmissatildeo e
reapresentaccedilatildeo da mensagemcanto em Siracusa onde tambeacutem deveria ser objeto de
encocircmio o tirano Hieratildeo do qual se enfatizam o governo justo a piedade religiosa os
triunfos jaacute festejados ldquopelas liras e canccedilotildees de doces palavrasrdquo (vv 96-7) a generosidade
e a amizade (v 98)
Deste modo a referecircncia a Eneias destaca o importante papel do poeta-cantor na
perpetuaccedilatildeo do triunfo agonal Nesse complexo processo de elaboraccedilatildeo poeacutetico-
perfomativa utilizam-se natildeo soacute metaacuteforas como jaacute destacou mas tambeacutem narrativas
miacuteticas relacionadas com a arte divinatoacuteria Assim por meio do elogio ao atleta
homenageado evoca-se primeiramente como modelo miacutetico Anfiarau (vv 12-21) ndash
participante da expediccedilatildeo dos Sete contra Tebas sob o comando de Adrasto rei de
Argos- possuidor das mesmas atribuiccedilotildees do laureado jaacute que ambos satildeo
guerreirogeneral e adivinho Eacute importante enfatizar que a transiccedilatildeo do tempo presente
representado pelo vencedor para o passado miacutetico se estabelece por meio do pronome
relativo hoacuten (v 12) referente ao louvor destinado a Hageacutesias e a Anfiarau e do adveacuterbio
27 Em Esparta espeacutecie de bastatildeo de madeira sobre o qual se enrolavam correias compridas e estreitas com
mensagens secretas lidas e compreendidas por quem possuiacutesse um bastatildeo idecircntico (PINDARE
Olympiques 1971 p 85 nota 4)
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potrsquo ldquooutrora (v 13) com base no qual se alude ao desaparecimento repentino do
adivinho tebano (v 14) que segundo a versatildeo miacutetica fora arrebatado por Zeus para evitar
a morte do heroacutei como se infere do emprego do verbo katamaacuterptō lsquoengolirrsquo em tmese
que indica ter sido Anfiarau tragado pela terra Observa Barciela (2015 p 53) que esse
corte entre a preposiccedilatildeo kataacute ldquodebaixo derdquo ldquosobrdquo (v 14) e o radical do verbo salienta
natildeo somente o sentido do preveacuterbio mas tambeacutem aponta a razatildeo de natildeo ter Adrasto
encontrado Anfiarau nas sete piras Acredita-se ter sido essa a razatildeo de Adrasto ter
proferido ao adivinho um elogio em discurso direto por meio da imagem metafoacuterica
stratiacircs ophthalmograven emacircs ldquoolho28 do meu exeacutercitordquo metaacutefora que aleacutem de assinalar a
importacircncia de Anfiarau na expediccedilatildeo tebana lhe sintetiza os dois atributos relacionados
respectivamente com a macircntica e com a guerra
Julga-se que a menccedilatildeo ao atributo divinatoacuterio de Anfiarau constitui um meio de
antecipaccedilatildeo do principal mito da ode cujo eixo temaacutetico se centra no nascimento de
Iacuteamo29 (vv 39-47) e em sua iniciaccedilatildeo na arte divinatoacuteria tornando-se o primeiro de uma
famiacutelia de adivinhos ndash os Iacircmidas ndash e o responsaacutevel pelo altar profeacutetico de Zeus em
Oliacutempia (v 70)
Eacute digno de nota ter sido o citado mito introduzido pelas imagens metafoacutericas do
poeta-condutor e da poesia-quadriga por meio das quais anota Calame (2005 p 54)
ocorre um deslocamento geograacutefico-temporal jaacute que a par do movimento de Oliacutempia ndash
lugar onde ocorrera a competiccedilatildeo desportiva ndash para Piacutetana cidade espartana situada junto
ao leito do rio Eurotas na Lacocircnia haacute uma transposiccedilatildeo do tempo da ldquoenunciaccedilatildeo do
cantordquo isto eacute o tempo presente ndash marcado pelo adveacuterbio saacutemeron lsquohojersquo (v 28) ndash para o
passado miacutetico indicado pela referecircncia a Piacutetana- natildeo somente o nome de uma pequena
povoaccedilatildeo de que se compunha Esparta mas tambeacutem o nome de uma ninfa filha do deus-
rio Eurotas e fundadora da linhagem dos Iacircmidas - que unida a Posecircidon gerou em
segredo Evadne matildee de Iacuteamo ancestral miacutetico de uma extensa linhagem de adivinhos
28 Imagem presente em Oliacutempica 2 (v 10) em referecircncia aos ancestrais histoacutericos de Teratildeo de Agrigento
e em Piacutetica 5 (vv 55-7a) em alusatildeo a Bato fundador da estirpe dos reis de Cirene cidade do vencedor
Com relaccedilatildeo agrave imagem do olho em Oliacutempica 6 conveacutem lembrar citando Villarrubia (1995 p 17) Suaacuterez
de la Torre (1989 p 97) e Meacuteautis (1962 p 195) que o escoacutelio pindaacuterico ao citado verso refere a Tebaida
como fonte direta do elogio de Adrasto a Anfiarau 29Como observa Nisetich (1998 p 2) nas odes pindaacutericas eacute conferido destaque maior agrave famiacutelia do vencedor
que ao proacuteprio homenageado jaacute que se busca em fatos preteacuteritos explicaccedilotildees ou justificativas para o
momento presente A esse respeito verifica-se na ode em estudo que a volta ao passado (vv 28-71)
constitui um meio de glorificaccedilatildeo do homenageado
18
cujo representante atual eacute o vencedor oliacutempico Hageacutesias de Siracusa Evadne por sua
vez seduzida por Apolo deu agrave luz Iacuteamo cuja vocaccedilatildeo profeacutetica eacute anunciada na ode pelo
atributo theoacutephrona lsquoinspirado pelos deusesrsquo (v 41) e pelo oraacuteculo de Delfos revelado
ao pai mortal e adotivo de Evadne ndash Eacutepito - a quem satildeo declarados a origem e o dom
divinatoacuterio de Iacuteamo (vv 49b-51) cujo nome de etimologia obscura estaacute associado ao
nome da flor violeta (DUCHEMIN 1955 p 242-3) iacuteon tambeacutem presente no epiacuteteto
atribuiacutedo a Evadne ioacuteplokos ldquocabelo cor de violetardquo (v 30) portanto cor que identifica
Iacuteamo como filho de Evadne Em sintonia com Eleanor Irwin (1996 p 386) acerca de seu
comentaacuterio sobre o ambiente onde Iacuteamo fora abandonado por sua matildee isto eacute khamaiacute ldquono
chatildeordquo (v 45) considera-se que esse lugar eacute tambeacutem ser esse sobrenatural haja vista terem
florescido do chatildeo violetas que forneceram ao receacutem-nascido calor e proteccedilatildeo necessaacuterios
agrave sua sobrevivecircncia Destarte as violetas simbolizam a proacutepria Evadne posto que
exerceram a funccedilatildeo materna
Significativo tambeacutem nessa passagem eacute o fato de ter sido por intervenccedilatildeo divina
(v 46) Iacuteamo alimentado por duas serpentes (45b-47a) com ldquoo veneno irrepreensiacutevel das
abelhasrdquo expressatildeo que se associa anotou Duchemin (1955 p 251) jaacute haacute algum tempo
ao dom da profecia e do fazer poeacutetico Deborah Steiner (1986 p 103) por sua vez refere
acerca dessa passagem que a relaccedilatildeo entre a serpente animal macircntico por excelecircncia
(Meacuteautis 1962 p 196) e o mel anuncia o dom profeacutetico que o receacutem-nascido teria
posteriormente30
Ao chegar agrave adolescecircncia Iacuteamo ciente de sua ascendecircncia divina solicita a seu
avocirc Posecircidon e a seu pai Apolo um atributo que beneficiasse todo o povo uma honra
puacuteblica laoacutethrophos ldquoque alimentasse o povordquo (v 60) Ressalte-se que embora a suacuteplica
tenha sido dirigida a essas duas divindades eacute Apolo nomeado com seu epiacuteteto ldquoarqueiro
guardiatildeo da divina Delosrdquo (v 59) quem concede ao filho o duplo dom da adivinhaccedilatildeo
(vv 65-70) a faculdade de ouvir-lhe a voz profeacutetica pautada sempre na verdade e a
fundaccedilatildeo de oraacuteculo de Zeus em Oliacutempia antes mesmo da instituiccedilatildeo dos Jogos
Oliacutempicos por Heacuteracles Logo com a concessatildeo da daacutediva da adivinhaccedilatildeo encerra-se o
relato miacutetico dos Iacircmidas Faz entatildeo a voz do poema a passagem do tempo miacutetico (vv
71-7) para o passado proacuteximo de Hageacutesias com a alusatildeo laudatoacuteria aos antepassados
30 Acrescente-se que a relaccedilatildeo entre a serpente e a figura de Apolo se justifica pelo fato de a divindade ter
assassinado a serpente Piacuteton para habitar Delfos
19
histoacutericos do vencedor (vv 78-81) e numa referecircncia metapoeacutetica (vv 82-7b) a seus
proacuteprios ancestrais por serem todos procedentes da cidade de Estiacutenfalo dado que
identifica o laureado com a persona loquens
Ediccedilotildees traduccedilotildees e comentaacuterios
HEROacuteDOTO Histoacuteria O relato claacutessico da guerra entre Gregos e Persas 2ordf ed
Traduccedilatildeo de J Brito Broca Satildeo Paulo Ediouro 2001
KIRKWOOD Gordon Selections from Pindar Chicago American Philological
Association 1982 p 3-19
LOURENCcedilO Frederico Poesia grega de Aacutelcman a Teoacutecrito Lisboa Livros Cotovia
2006b p 91-6
ORTEGA A Piacutendaro Odas y Fragmentos Madrid Editorial Gredos 1984 reimpr
1995
PINDARE Olympiques Texte eacutetabli et traduit par Aimeacute Puech Paris Les Belles Lettres
1970 Tome I
RACE William H Pindar Boston Twayne Publishers 1986 p 1986 pp 19-35 67-73
SNELL B amp MAEHLER H Pindari Carmina cum Fragmentis Pars I Epinicia 8ordf ed
Leipzig Teubner 1987
SLATER William (ed) Lexicon to Pindar Berlin Walter de Gruyter1969
Estudos
BARCIELA Ainda M La figura del mantis en la sexta oliacutempica de Piacutendaro Aacutegora
Estudos Claacutessicos em Debate 17 2015 p 51-94 Disponiacutevel em httpwww
philpapersorgrecMGULFD-2
CALAME Claude Entre narrativa heroica e poesia ritual o sujeito poeacutetico que canta o
mitoTraduccedilatildeo de Joseacute Marcos Mariani de Macedo Letras Claacutessicas no 9 2005 p 47-
65 Disponiacutevel em httpwwwrevistasfflchuspbrletrasclassicasissueview69
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Cambridge Companion to Greek Lyric Cambridge Cambridge University Press 2009
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DUCHEMIN Jacqueline Pindare poete et prophegravete Paris Les Belles Lettres 1955
20
FRADE Sofia Colunas e violetas Oliacutempica VI In LOURENCcedilO Frederico Ensaios
sobre Piacutendaro Lisboa Ediccedilotildees Cotovia 2006 p 47-55
HIRATA Elaine Farias Veloso Monumentalidade e representaccedilotildees do poder tiracircnico no
Ocidente grego In CORNELLI Gabriele (org) Representaccedilotildees da Cidade Antiga ndash
Categorias histoacutericas e discursos filosoacuteficos Coimbra Centro de Estudos Claacutessicos e
Humaniacutesticos ndash Classica Digitalia Universitatis Conimbrigensis 2010 p 23-37
IRWIN M Eleanor Evadne Iamos and Violets in Pindarrsquos Sixth Olympian Hermes 124
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LEFKOWITZ Mary R First- Person Fictions Pindarrsquos Poetic lsquoIrdquo Oxford Clarendon
Press 1991 p 1-71
LESKY Albin Histoacuteria da Literatura GregaTraduccedilatildeo de Manuel Losa LisboaCalouste
Gulbenkian 1995 p 211-37
LOURENCcedilO Frederico (org) Ensaios sobre Piacutendaro Lisboa Livros Cotovia 2006a
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______ Liacuterica coral e monoacutedica uma problemaacutetica revisitada Humanitas 61 2009 p
19-29
MEacuteAUTIS Georges Pindare le Dorien Paris Editions Albin Michel 1962 p 193-201
MUCKENSTURM_POULE Claire Lrsquoeacutenonciation dans les scholies de la Sixiegraveme
Olympique Dialogues drsquohistoire ancienne 2009 Suppleacutement 2 S2 p 77-91 Disponiacutevel
em httpwwwcairninforevue-dialogues-d-histoire-ancienne-2009-supplement2-page-
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NISETICH Frank J Pindarrdquos Victory Songs London The Johns Hopkins University
Press 1980 p 1-22
ROCHA PEREIRA M H Estudos de Histoacuteria da Cultura Claacutessica 10ordf ed I Vol
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STAMATOPOULOU Zoe Inscribing Perfomances in Pindarrsquos Olympian 6
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httpmusejhuedujournalsapasummaryv1441441 stamatopoulou Html Acesso
UFRJ em 2982014
21
STEINER Deborah The Crown of Song Metaphor in Pindar Oxford Oxford University
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SUAacuteREZ DE LA TORRE Emilio Adivinacioacuten y profecia en Piacutendaro (II) Minerva
Revista de Filologiacutea Claacutesica no 3 1989 p 79-120
______ Parole de poegravete parole de prophegravete les oracles et la mantique chez Pindare
Kernos 3 1990 p 347-58 Disponiacutevel em
httpkernosrevuesorg1006DOI104000kernos1006
SULLIVAN Shirley D Aspects of the ldquofictive Irdquo in Pindar adress to psychic enteties
Emerita Revista de Linguumliacutestica y Filologiacutea Claacutesica LXX 1 2002 p 83-102
VALLET Georges Pindare et la Sicile In Entretiens sur lrsquo Antiquiteacute Classique
Pindare Vandoeuvres ndash Genegraveve Fondation Hardt 1984 p 285-327
VILLARRUBIA Antonio La victoria de Hagesias de Siracusa y la Oliacutempica 6 de
Piacutendaro Habis 26 1995 p 13-28
15
Deve-se observar tambeacutem com Claire Muckensturn-Poulle (2009 p 77) que ao
longo da Oliacutempica 6 o sujeito do enunciado confere voz a outros enunciadores ora
empregando o discurso direto como no elogio que Adrasto faz a Anfiarau (vv 16-7) e na
ordem dada por Apolo a Iacuteamo (vv 62-3) no momento em que o deus lhe concede o dom
da profecia ora transferindo por meio de uma ordem sua funccedilatildeo de locutor do canto
agonal a Fiacutentis o auriga de Hageacutesias (v 22) ou a Eneias o khorodidaacuteskalos (vv 88-96)
com os quais se identifica como poeta-condutor e poeta-mestre do coro
Por outro lado haacute dados sugestivos da performance coral da ode e de seu local de
execuccedilatildeo haja vista a invocaccedilatildeo da persona loquens a Eneias possivelmente o
khorodidaacuteskalos - a julgar pelos escoacutelios a essa passagem (148a e 149ordf apud
STAMATOPOULOU 2014 p 11 nota 34 CALAME 2005 p 57 nota 10 p 58 nota
13) - a referecircncia aos hetaicircroi companheiros de Eneias e talvez integrantes do coro e
ainda o voto do sujeito poeacutetico para que o kocircmos ldquocortejo processionalrdquo ao vencedor
apoacutes ter sido apresentado em Estiacutenfalo como julga a maior parte da criacutetica pindaacuterica
acerca da premiegravere do epiniacutecio (apud STAMATOPOULOU 2014 p 2) fosse tambeacutem
recebido pelo tirano Hieratildeo em Siracusa onde seria realizada a reperformance durante a
festa cultual (v 95) dedicada a Demeacuteter e a Perseacutefone deusas tutelares de Siracusa culto
possivelmente organizado pela famiacutelia de Hieratildeo (apud CALAME 2005 p 59)
Evidenciam respectivamente a recepccedilatildeo e a reapresentaccedilatildeo do canto em Siracusa a
forma verbal deacutexaito ldquorecebardquo (v 98) no optativo desiderativo enfatizada pela expressatildeo
sỳn degrave philophrosyacutenas euētaacutetois ldquocom amaacuteveis atos de amizaderdquo e os sintagmas
adverbiais presentes no verso 99 oiacutekothen oiacutekadrsquo ldquode uma casa para outrardquo e apograve
Stymphaliacuteōn ldquode Estiacutenfalordquo e por fim a justaposiccedilatildeo no verso 102 dos pronomes tocircnde
ldquoestesrdquo e keiacutenon ldquoagravequelesrdquo alusivos aos estinfaacutelios e siracusanos respectivamente Assim
como esses elementos apontam para a saiacuteda do vencedor da cidade Estiacutenfalo e Siracusa
eacute ainda um lugar a ser alcanccedilado por via mariacutetima acredita-se que a execuccedilatildeo primeira
do canto tenha ocorrido na cidade da matildee de Hageacutesias Note-se que o atleta e as duas
cidades a de seus antepassados maternos Estiacutenfalo e a sua terra natal Siracusa satildeo ainda
representados respectivamente pelas imagens metafoacutericas do navio e das duas acircncoras
(vv 101-5a) imagens que remetem ao deus do mar Posecircidon invocado pela persona
loquens para conceder uma favoraacutevel travessia ao kocircmos de Hageacutesias do qual
possivelmente fazia parte o chefe do coro responsaacutevel segundo Calame (2005 p 57)
16
pelo treinamento dos coreutashetaicircroi que deveriam transmitir em performance coral a
voz do poeta
Ainda acerca dessa metaacutefora mariacutetima Meacuteautis (1962 p 200) Kirkwood (1982
p 94) a interpretam como uma referecircncia agrave crise poliacutetica instaurada em Siracusa nos
uacuteltimos anos de governo de Hieratildeo crise representada pela imagem da lsquotempestuosa
noitersquo (vv 100-1) Assim na qualidade de cidadatildeo siracusano observa ainda Meacuteautis
(1962 p 200) Hageacutesias prevendo a queda do regime tiracircnico pretendia solicitar uma
nova cidadania em Estiacutenfalo A esse respeito vale mencionar uma vez mais a opiniatildeo
de Stamatopoulou (2014 p 3-4) que compartilhando do ponto de vista de Stehle julga
ter sido a ode executada primeiramente em Estiacutenfalo com o objetivo de estreitarem-se os
laccedilos entre o vencedor e essa cidade da Arcaacutedia
No que concerne ao possiacutevel chefe do coro o sujeito poeacutetico num tom laudatoacuterio
refere-se a Eneias como notou Kirkwood (1982 p 93) acerca do estilo metafoacuterico de
Piacutendaro - como aacutengelos ldquomensageirordquo (v 90) e skytaacutela (v 91)27 traduzido como
ldquointeacuterpreterdquo por ser ele o responsaacutevel pela recepccedilatildeo dos efluacutevios das Musas ndash como
explicita a expressatildeo ldquodoce taccedila de cantos ressoantesrdquo (v 91) - pela transmissatildeo e
reapresentaccedilatildeo da mensagemcanto em Siracusa onde tambeacutem deveria ser objeto de
encocircmio o tirano Hieratildeo do qual se enfatizam o governo justo a piedade religiosa os
triunfos jaacute festejados ldquopelas liras e canccedilotildees de doces palavrasrdquo (vv 96-7) a generosidade
e a amizade (v 98)
Deste modo a referecircncia a Eneias destaca o importante papel do poeta-cantor na
perpetuaccedilatildeo do triunfo agonal Nesse complexo processo de elaboraccedilatildeo poeacutetico-
perfomativa utilizam-se natildeo soacute metaacuteforas como jaacute destacou mas tambeacutem narrativas
miacuteticas relacionadas com a arte divinatoacuteria Assim por meio do elogio ao atleta
homenageado evoca-se primeiramente como modelo miacutetico Anfiarau (vv 12-21) ndash
participante da expediccedilatildeo dos Sete contra Tebas sob o comando de Adrasto rei de
Argos- possuidor das mesmas atribuiccedilotildees do laureado jaacute que ambos satildeo
guerreirogeneral e adivinho Eacute importante enfatizar que a transiccedilatildeo do tempo presente
representado pelo vencedor para o passado miacutetico se estabelece por meio do pronome
relativo hoacuten (v 12) referente ao louvor destinado a Hageacutesias e a Anfiarau e do adveacuterbio
27 Em Esparta espeacutecie de bastatildeo de madeira sobre o qual se enrolavam correias compridas e estreitas com
mensagens secretas lidas e compreendidas por quem possuiacutesse um bastatildeo idecircntico (PINDARE
Olympiques 1971 p 85 nota 4)
17
potrsquo ldquooutrora (v 13) com base no qual se alude ao desaparecimento repentino do
adivinho tebano (v 14) que segundo a versatildeo miacutetica fora arrebatado por Zeus para evitar
a morte do heroacutei como se infere do emprego do verbo katamaacuterptō lsquoengolirrsquo em tmese
que indica ter sido Anfiarau tragado pela terra Observa Barciela (2015 p 53) que esse
corte entre a preposiccedilatildeo kataacute ldquodebaixo derdquo ldquosobrdquo (v 14) e o radical do verbo salienta
natildeo somente o sentido do preveacuterbio mas tambeacutem aponta a razatildeo de natildeo ter Adrasto
encontrado Anfiarau nas sete piras Acredita-se ter sido essa a razatildeo de Adrasto ter
proferido ao adivinho um elogio em discurso direto por meio da imagem metafoacuterica
stratiacircs ophthalmograven emacircs ldquoolho28 do meu exeacutercitordquo metaacutefora que aleacutem de assinalar a
importacircncia de Anfiarau na expediccedilatildeo tebana lhe sintetiza os dois atributos relacionados
respectivamente com a macircntica e com a guerra
Julga-se que a menccedilatildeo ao atributo divinatoacuterio de Anfiarau constitui um meio de
antecipaccedilatildeo do principal mito da ode cujo eixo temaacutetico se centra no nascimento de
Iacuteamo29 (vv 39-47) e em sua iniciaccedilatildeo na arte divinatoacuteria tornando-se o primeiro de uma
famiacutelia de adivinhos ndash os Iacircmidas ndash e o responsaacutevel pelo altar profeacutetico de Zeus em
Oliacutempia (v 70)
Eacute digno de nota ter sido o citado mito introduzido pelas imagens metafoacutericas do
poeta-condutor e da poesia-quadriga por meio das quais anota Calame (2005 p 54)
ocorre um deslocamento geograacutefico-temporal jaacute que a par do movimento de Oliacutempia ndash
lugar onde ocorrera a competiccedilatildeo desportiva ndash para Piacutetana cidade espartana situada junto
ao leito do rio Eurotas na Lacocircnia haacute uma transposiccedilatildeo do tempo da ldquoenunciaccedilatildeo do
cantordquo isto eacute o tempo presente ndash marcado pelo adveacuterbio saacutemeron lsquohojersquo (v 28) ndash para o
passado miacutetico indicado pela referecircncia a Piacutetana- natildeo somente o nome de uma pequena
povoaccedilatildeo de que se compunha Esparta mas tambeacutem o nome de uma ninfa filha do deus-
rio Eurotas e fundadora da linhagem dos Iacircmidas - que unida a Posecircidon gerou em
segredo Evadne matildee de Iacuteamo ancestral miacutetico de uma extensa linhagem de adivinhos
28 Imagem presente em Oliacutempica 2 (v 10) em referecircncia aos ancestrais histoacutericos de Teratildeo de Agrigento
e em Piacutetica 5 (vv 55-7a) em alusatildeo a Bato fundador da estirpe dos reis de Cirene cidade do vencedor
Com relaccedilatildeo agrave imagem do olho em Oliacutempica 6 conveacutem lembrar citando Villarrubia (1995 p 17) Suaacuterez
de la Torre (1989 p 97) e Meacuteautis (1962 p 195) que o escoacutelio pindaacuterico ao citado verso refere a Tebaida
como fonte direta do elogio de Adrasto a Anfiarau 29Como observa Nisetich (1998 p 2) nas odes pindaacutericas eacute conferido destaque maior agrave famiacutelia do vencedor
que ao proacuteprio homenageado jaacute que se busca em fatos preteacuteritos explicaccedilotildees ou justificativas para o
momento presente A esse respeito verifica-se na ode em estudo que a volta ao passado (vv 28-71)
constitui um meio de glorificaccedilatildeo do homenageado
18
cujo representante atual eacute o vencedor oliacutempico Hageacutesias de Siracusa Evadne por sua
vez seduzida por Apolo deu agrave luz Iacuteamo cuja vocaccedilatildeo profeacutetica eacute anunciada na ode pelo
atributo theoacutephrona lsquoinspirado pelos deusesrsquo (v 41) e pelo oraacuteculo de Delfos revelado
ao pai mortal e adotivo de Evadne ndash Eacutepito - a quem satildeo declarados a origem e o dom
divinatoacuterio de Iacuteamo (vv 49b-51) cujo nome de etimologia obscura estaacute associado ao
nome da flor violeta (DUCHEMIN 1955 p 242-3) iacuteon tambeacutem presente no epiacuteteto
atribuiacutedo a Evadne ioacuteplokos ldquocabelo cor de violetardquo (v 30) portanto cor que identifica
Iacuteamo como filho de Evadne Em sintonia com Eleanor Irwin (1996 p 386) acerca de seu
comentaacuterio sobre o ambiente onde Iacuteamo fora abandonado por sua matildee isto eacute khamaiacute ldquono
chatildeordquo (v 45) considera-se que esse lugar eacute tambeacutem ser esse sobrenatural haja vista terem
florescido do chatildeo violetas que forneceram ao receacutem-nascido calor e proteccedilatildeo necessaacuterios
agrave sua sobrevivecircncia Destarte as violetas simbolizam a proacutepria Evadne posto que
exerceram a funccedilatildeo materna
Significativo tambeacutem nessa passagem eacute o fato de ter sido por intervenccedilatildeo divina
(v 46) Iacuteamo alimentado por duas serpentes (45b-47a) com ldquoo veneno irrepreensiacutevel das
abelhasrdquo expressatildeo que se associa anotou Duchemin (1955 p 251) jaacute haacute algum tempo
ao dom da profecia e do fazer poeacutetico Deborah Steiner (1986 p 103) por sua vez refere
acerca dessa passagem que a relaccedilatildeo entre a serpente animal macircntico por excelecircncia
(Meacuteautis 1962 p 196) e o mel anuncia o dom profeacutetico que o receacutem-nascido teria
posteriormente30
Ao chegar agrave adolescecircncia Iacuteamo ciente de sua ascendecircncia divina solicita a seu
avocirc Posecircidon e a seu pai Apolo um atributo que beneficiasse todo o povo uma honra
puacuteblica laoacutethrophos ldquoque alimentasse o povordquo (v 60) Ressalte-se que embora a suacuteplica
tenha sido dirigida a essas duas divindades eacute Apolo nomeado com seu epiacuteteto ldquoarqueiro
guardiatildeo da divina Delosrdquo (v 59) quem concede ao filho o duplo dom da adivinhaccedilatildeo
(vv 65-70) a faculdade de ouvir-lhe a voz profeacutetica pautada sempre na verdade e a
fundaccedilatildeo de oraacuteculo de Zeus em Oliacutempia antes mesmo da instituiccedilatildeo dos Jogos
Oliacutempicos por Heacuteracles Logo com a concessatildeo da daacutediva da adivinhaccedilatildeo encerra-se o
relato miacutetico dos Iacircmidas Faz entatildeo a voz do poema a passagem do tempo miacutetico (vv
71-7) para o passado proacuteximo de Hageacutesias com a alusatildeo laudatoacuteria aos antepassados
30 Acrescente-se que a relaccedilatildeo entre a serpente e a figura de Apolo se justifica pelo fato de a divindade ter
assassinado a serpente Piacuteton para habitar Delfos
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histoacutericos do vencedor (vv 78-81) e numa referecircncia metapoeacutetica (vv 82-7b) a seus
proacuteprios ancestrais por serem todos procedentes da cidade de Estiacutenfalo dado que
identifica o laureado com a persona loquens
Ediccedilotildees traduccedilotildees e comentaacuterios
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Traduccedilatildeo de J Brito Broca Satildeo Paulo Ediouro 2001
KIRKWOOD Gordon Selections from Pindar Chicago American Philological
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mitoTraduccedilatildeo de Joseacute Marcos Mariani de Macedo Letras Claacutessicas no 9 2005 p 47-
65 Disponiacutevel em httpwwwrevistasfflchuspbrletrasclassicasissueview69
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sobre Piacutendaro Lisboa Ediccedilotildees Cotovia 2006 p 47-55
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Humaniacutesticos ndash Classica Digitalia Universitatis Conimbrigensis 2010 p 23-37
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STEINER Deborah The Crown of Song Metaphor in Pindar Oxford Oxford University
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Pindare Vandoeuvres ndash Genegraveve Fondation Hardt 1984 p 285-327
VILLARRUBIA Antonio La victoria de Hagesias de Siracusa y la Oliacutempica 6 de
Piacutendaro Habis 26 1995 p 13-28
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pelo treinamento dos coreutashetaicircroi que deveriam transmitir em performance coral a
voz do poeta
Ainda acerca dessa metaacutefora mariacutetima Meacuteautis (1962 p 200) Kirkwood (1982
p 94) a interpretam como uma referecircncia agrave crise poliacutetica instaurada em Siracusa nos
uacuteltimos anos de governo de Hieratildeo crise representada pela imagem da lsquotempestuosa
noitersquo (vv 100-1) Assim na qualidade de cidadatildeo siracusano observa ainda Meacuteautis
(1962 p 200) Hageacutesias prevendo a queda do regime tiracircnico pretendia solicitar uma
nova cidadania em Estiacutenfalo A esse respeito vale mencionar uma vez mais a opiniatildeo
de Stamatopoulou (2014 p 3-4) que compartilhando do ponto de vista de Stehle julga
ter sido a ode executada primeiramente em Estiacutenfalo com o objetivo de estreitarem-se os
laccedilos entre o vencedor e essa cidade da Arcaacutedia
No que concerne ao possiacutevel chefe do coro o sujeito poeacutetico num tom laudatoacuterio
refere-se a Eneias como notou Kirkwood (1982 p 93) acerca do estilo metafoacuterico de
Piacutendaro - como aacutengelos ldquomensageirordquo (v 90) e skytaacutela (v 91)27 traduzido como
ldquointeacuterpreterdquo por ser ele o responsaacutevel pela recepccedilatildeo dos efluacutevios das Musas ndash como
explicita a expressatildeo ldquodoce taccedila de cantos ressoantesrdquo (v 91) - pela transmissatildeo e
reapresentaccedilatildeo da mensagemcanto em Siracusa onde tambeacutem deveria ser objeto de
encocircmio o tirano Hieratildeo do qual se enfatizam o governo justo a piedade religiosa os
triunfos jaacute festejados ldquopelas liras e canccedilotildees de doces palavrasrdquo (vv 96-7) a generosidade
e a amizade (v 98)
Deste modo a referecircncia a Eneias destaca o importante papel do poeta-cantor na
perpetuaccedilatildeo do triunfo agonal Nesse complexo processo de elaboraccedilatildeo poeacutetico-
perfomativa utilizam-se natildeo soacute metaacuteforas como jaacute destacou mas tambeacutem narrativas
miacuteticas relacionadas com a arte divinatoacuteria Assim por meio do elogio ao atleta
homenageado evoca-se primeiramente como modelo miacutetico Anfiarau (vv 12-21) ndash
participante da expediccedilatildeo dos Sete contra Tebas sob o comando de Adrasto rei de
Argos- possuidor das mesmas atribuiccedilotildees do laureado jaacute que ambos satildeo
guerreirogeneral e adivinho Eacute importante enfatizar que a transiccedilatildeo do tempo presente
representado pelo vencedor para o passado miacutetico se estabelece por meio do pronome
relativo hoacuten (v 12) referente ao louvor destinado a Hageacutesias e a Anfiarau e do adveacuterbio
27 Em Esparta espeacutecie de bastatildeo de madeira sobre o qual se enrolavam correias compridas e estreitas com
mensagens secretas lidas e compreendidas por quem possuiacutesse um bastatildeo idecircntico (PINDARE
Olympiques 1971 p 85 nota 4)
17
potrsquo ldquooutrora (v 13) com base no qual se alude ao desaparecimento repentino do
adivinho tebano (v 14) que segundo a versatildeo miacutetica fora arrebatado por Zeus para evitar
a morte do heroacutei como se infere do emprego do verbo katamaacuterptō lsquoengolirrsquo em tmese
que indica ter sido Anfiarau tragado pela terra Observa Barciela (2015 p 53) que esse
corte entre a preposiccedilatildeo kataacute ldquodebaixo derdquo ldquosobrdquo (v 14) e o radical do verbo salienta
natildeo somente o sentido do preveacuterbio mas tambeacutem aponta a razatildeo de natildeo ter Adrasto
encontrado Anfiarau nas sete piras Acredita-se ter sido essa a razatildeo de Adrasto ter
proferido ao adivinho um elogio em discurso direto por meio da imagem metafoacuterica
stratiacircs ophthalmograven emacircs ldquoolho28 do meu exeacutercitordquo metaacutefora que aleacutem de assinalar a
importacircncia de Anfiarau na expediccedilatildeo tebana lhe sintetiza os dois atributos relacionados
respectivamente com a macircntica e com a guerra
Julga-se que a menccedilatildeo ao atributo divinatoacuterio de Anfiarau constitui um meio de
antecipaccedilatildeo do principal mito da ode cujo eixo temaacutetico se centra no nascimento de
Iacuteamo29 (vv 39-47) e em sua iniciaccedilatildeo na arte divinatoacuteria tornando-se o primeiro de uma
famiacutelia de adivinhos ndash os Iacircmidas ndash e o responsaacutevel pelo altar profeacutetico de Zeus em
Oliacutempia (v 70)
Eacute digno de nota ter sido o citado mito introduzido pelas imagens metafoacutericas do
poeta-condutor e da poesia-quadriga por meio das quais anota Calame (2005 p 54)
ocorre um deslocamento geograacutefico-temporal jaacute que a par do movimento de Oliacutempia ndash
lugar onde ocorrera a competiccedilatildeo desportiva ndash para Piacutetana cidade espartana situada junto
ao leito do rio Eurotas na Lacocircnia haacute uma transposiccedilatildeo do tempo da ldquoenunciaccedilatildeo do
cantordquo isto eacute o tempo presente ndash marcado pelo adveacuterbio saacutemeron lsquohojersquo (v 28) ndash para o
passado miacutetico indicado pela referecircncia a Piacutetana- natildeo somente o nome de uma pequena
povoaccedilatildeo de que se compunha Esparta mas tambeacutem o nome de uma ninfa filha do deus-
rio Eurotas e fundadora da linhagem dos Iacircmidas - que unida a Posecircidon gerou em
segredo Evadne matildee de Iacuteamo ancestral miacutetico de uma extensa linhagem de adivinhos
28 Imagem presente em Oliacutempica 2 (v 10) em referecircncia aos ancestrais histoacutericos de Teratildeo de Agrigento
e em Piacutetica 5 (vv 55-7a) em alusatildeo a Bato fundador da estirpe dos reis de Cirene cidade do vencedor
Com relaccedilatildeo agrave imagem do olho em Oliacutempica 6 conveacutem lembrar citando Villarrubia (1995 p 17) Suaacuterez
de la Torre (1989 p 97) e Meacuteautis (1962 p 195) que o escoacutelio pindaacuterico ao citado verso refere a Tebaida
como fonte direta do elogio de Adrasto a Anfiarau 29Como observa Nisetich (1998 p 2) nas odes pindaacutericas eacute conferido destaque maior agrave famiacutelia do vencedor
que ao proacuteprio homenageado jaacute que se busca em fatos preteacuteritos explicaccedilotildees ou justificativas para o
momento presente A esse respeito verifica-se na ode em estudo que a volta ao passado (vv 28-71)
constitui um meio de glorificaccedilatildeo do homenageado
18
cujo representante atual eacute o vencedor oliacutempico Hageacutesias de Siracusa Evadne por sua
vez seduzida por Apolo deu agrave luz Iacuteamo cuja vocaccedilatildeo profeacutetica eacute anunciada na ode pelo
atributo theoacutephrona lsquoinspirado pelos deusesrsquo (v 41) e pelo oraacuteculo de Delfos revelado
ao pai mortal e adotivo de Evadne ndash Eacutepito - a quem satildeo declarados a origem e o dom
divinatoacuterio de Iacuteamo (vv 49b-51) cujo nome de etimologia obscura estaacute associado ao
nome da flor violeta (DUCHEMIN 1955 p 242-3) iacuteon tambeacutem presente no epiacuteteto
atribuiacutedo a Evadne ioacuteplokos ldquocabelo cor de violetardquo (v 30) portanto cor que identifica
Iacuteamo como filho de Evadne Em sintonia com Eleanor Irwin (1996 p 386) acerca de seu
comentaacuterio sobre o ambiente onde Iacuteamo fora abandonado por sua matildee isto eacute khamaiacute ldquono
chatildeordquo (v 45) considera-se que esse lugar eacute tambeacutem ser esse sobrenatural haja vista terem
florescido do chatildeo violetas que forneceram ao receacutem-nascido calor e proteccedilatildeo necessaacuterios
agrave sua sobrevivecircncia Destarte as violetas simbolizam a proacutepria Evadne posto que
exerceram a funccedilatildeo materna
Significativo tambeacutem nessa passagem eacute o fato de ter sido por intervenccedilatildeo divina
(v 46) Iacuteamo alimentado por duas serpentes (45b-47a) com ldquoo veneno irrepreensiacutevel das
abelhasrdquo expressatildeo que se associa anotou Duchemin (1955 p 251) jaacute haacute algum tempo
ao dom da profecia e do fazer poeacutetico Deborah Steiner (1986 p 103) por sua vez refere
acerca dessa passagem que a relaccedilatildeo entre a serpente animal macircntico por excelecircncia
(Meacuteautis 1962 p 196) e o mel anuncia o dom profeacutetico que o receacutem-nascido teria
posteriormente30
Ao chegar agrave adolescecircncia Iacuteamo ciente de sua ascendecircncia divina solicita a seu
avocirc Posecircidon e a seu pai Apolo um atributo que beneficiasse todo o povo uma honra
puacuteblica laoacutethrophos ldquoque alimentasse o povordquo (v 60) Ressalte-se que embora a suacuteplica
tenha sido dirigida a essas duas divindades eacute Apolo nomeado com seu epiacuteteto ldquoarqueiro
guardiatildeo da divina Delosrdquo (v 59) quem concede ao filho o duplo dom da adivinhaccedilatildeo
(vv 65-70) a faculdade de ouvir-lhe a voz profeacutetica pautada sempre na verdade e a
fundaccedilatildeo de oraacuteculo de Zeus em Oliacutempia antes mesmo da instituiccedilatildeo dos Jogos
Oliacutempicos por Heacuteracles Logo com a concessatildeo da daacutediva da adivinhaccedilatildeo encerra-se o
relato miacutetico dos Iacircmidas Faz entatildeo a voz do poema a passagem do tempo miacutetico (vv
71-7) para o passado proacuteximo de Hageacutesias com a alusatildeo laudatoacuteria aos antepassados
30 Acrescente-se que a relaccedilatildeo entre a serpente e a figura de Apolo se justifica pelo fato de a divindade ter
assassinado a serpente Piacuteton para habitar Delfos
19
histoacutericos do vencedor (vv 78-81) e numa referecircncia metapoeacutetica (vv 82-7b) a seus
proacuteprios ancestrais por serem todos procedentes da cidade de Estiacutenfalo dado que
identifica o laureado com a persona loquens
Ediccedilotildees traduccedilotildees e comentaacuterios
HEROacuteDOTO Histoacuteria O relato claacutessico da guerra entre Gregos e Persas 2ordf ed
Traduccedilatildeo de J Brito Broca Satildeo Paulo Ediouro 2001
KIRKWOOD Gordon Selections from Pindar Chicago American Philological
Association 1982 p 3-19
LOURENCcedilO Frederico Poesia grega de Aacutelcman a Teoacutecrito Lisboa Livros Cotovia
2006b p 91-6
ORTEGA A Piacutendaro Odas y Fragmentos Madrid Editorial Gredos 1984 reimpr
1995
PINDARE Olympiques Texte eacutetabli et traduit par Aimeacute Puech Paris Les Belles Lettres
1970 Tome I
RACE William H Pindar Boston Twayne Publishers 1986 p 1986 pp 19-35 67-73
SNELL B amp MAEHLER H Pindari Carmina cum Fragmentis Pars I Epinicia 8ordf ed
Leipzig Teubner 1987
SLATER William (ed) Lexicon to Pindar Berlin Walter de Gruyter1969
Estudos
BARCIELA Ainda M La figura del mantis en la sexta oliacutempica de Piacutendaro Aacutegora
Estudos Claacutessicos em Debate 17 2015 p 51-94 Disponiacutevel em httpwww
philpapersorgrecMGULFD-2
CALAME Claude Entre narrativa heroica e poesia ritual o sujeito poeacutetico que canta o
mitoTraduccedilatildeo de Joseacute Marcos Mariani de Macedo Letras Claacutessicas no 9 2005 p 47-
65 Disponiacutevel em httpwwwrevistasfflchuspbrletrasclassicasissueview69
_________ Genre Occasion and performance In BUDELMANN F (org) The
Cambridge Companion to Greek Lyric Cambridge Cambridge University Press 2009
p 21-38
DUCHEMIN Jacqueline Pindare poete et prophegravete Paris Les Belles Lettres 1955
20
FRADE Sofia Colunas e violetas Oliacutempica VI In LOURENCcedilO Frederico Ensaios
sobre Piacutendaro Lisboa Ediccedilotildees Cotovia 2006 p 47-55
HIRATA Elaine Farias Veloso Monumentalidade e representaccedilotildees do poder tiracircnico no
Ocidente grego In CORNELLI Gabriele (org) Representaccedilotildees da Cidade Antiga ndash
Categorias histoacutericas e discursos filosoacuteficos Coimbra Centro de Estudos Claacutessicos e
Humaniacutesticos ndash Classica Digitalia Universitatis Conimbrigensis 2010 p 23-37
IRWIN M Eleanor Evadne Iamos and Violets in Pindarrsquos Sixth Olympian Hermes 124
Bd H 4 1996 p 385-95
LEFKOWITZ Mary R First- Person Fictions Pindarrsquos Poetic lsquoIrdquo Oxford Clarendon
Press 1991 p 1-71
LESKY Albin Histoacuteria da Literatura GregaTraduccedilatildeo de Manuel Losa LisboaCalouste
Gulbenkian 1995 p 211-37
LOURENCcedilO Frederico (org) Ensaios sobre Piacutendaro Lisboa Livros Cotovia 2006a
pp 9-11
______ Liacuterica coral e monoacutedica uma problemaacutetica revisitada Humanitas 61 2009 p
19-29
MEacuteAUTIS Georges Pindare le Dorien Paris Editions Albin Michel 1962 p 193-201
MUCKENSTURM_POULE Claire Lrsquoeacutenonciation dans les scholies de la Sixiegraveme
Olympique Dialogues drsquohistoire ancienne 2009 Suppleacutement 2 S2 p 77-91 Disponiacutevel
em httpwwwcairninforevue-dialogues-d-histoire-ancienne-2009-supplement2-page-
77htm
NISETICH Frank J Pindarrdquos Victory Songs London The Johns Hopkins University
Press 1980 p 1-22
ROCHA PEREIRA M H Estudos de Histoacuteria da Cultura Claacutessica 10ordf ed I Vol
Lisboa Calouste Gulbenkian 2006
STAMATOPOULOU Zoe Inscribing Perfomances in Pindarrsquos Olympian 6
Transactions of American Philological Association 144 2014 p 1-17 Disponiacutevel em
httpmusejhuedujournalsapasummaryv1441441 stamatopoulou Html Acesso
UFRJ em 2982014
21
STEINER Deborah The Crown of Song Metaphor in Pindar Oxford Oxford University
Press 1986
SUAacuteREZ DE LA TORRE Emilio Adivinacioacuten y profecia en Piacutendaro (II) Minerva
Revista de Filologiacutea Claacutesica no 3 1989 p 79-120
______ Parole de poegravete parole de prophegravete les oracles et la mantique chez Pindare
Kernos 3 1990 p 347-58 Disponiacutevel em
httpkernosrevuesorg1006DOI104000kernos1006
SULLIVAN Shirley D Aspects of the ldquofictive Irdquo in Pindar adress to psychic enteties
Emerita Revista de Linguumliacutestica y Filologiacutea Claacutesica LXX 1 2002 p 83-102
VALLET Georges Pindare et la Sicile In Entretiens sur lrsquo Antiquiteacute Classique
Pindare Vandoeuvres ndash Genegraveve Fondation Hardt 1984 p 285-327
VILLARRUBIA Antonio La victoria de Hagesias de Siracusa y la Oliacutempica 6 de
Piacutendaro Habis 26 1995 p 13-28
17
potrsquo ldquooutrora (v 13) com base no qual se alude ao desaparecimento repentino do
adivinho tebano (v 14) que segundo a versatildeo miacutetica fora arrebatado por Zeus para evitar
a morte do heroacutei como se infere do emprego do verbo katamaacuterptō lsquoengolirrsquo em tmese
que indica ter sido Anfiarau tragado pela terra Observa Barciela (2015 p 53) que esse
corte entre a preposiccedilatildeo kataacute ldquodebaixo derdquo ldquosobrdquo (v 14) e o radical do verbo salienta
natildeo somente o sentido do preveacuterbio mas tambeacutem aponta a razatildeo de natildeo ter Adrasto
encontrado Anfiarau nas sete piras Acredita-se ter sido essa a razatildeo de Adrasto ter
proferido ao adivinho um elogio em discurso direto por meio da imagem metafoacuterica
stratiacircs ophthalmograven emacircs ldquoolho28 do meu exeacutercitordquo metaacutefora que aleacutem de assinalar a
importacircncia de Anfiarau na expediccedilatildeo tebana lhe sintetiza os dois atributos relacionados
respectivamente com a macircntica e com a guerra
Julga-se que a menccedilatildeo ao atributo divinatoacuterio de Anfiarau constitui um meio de
antecipaccedilatildeo do principal mito da ode cujo eixo temaacutetico se centra no nascimento de
Iacuteamo29 (vv 39-47) e em sua iniciaccedilatildeo na arte divinatoacuteria tornando-se o primeiro de uma
famiacutelia de adivinhos ndash os Iacircmidas ndash e o responsaacutevel pelo altar profeacutetico de Zeus em
Oliacutempia (v 70)
Eacute digno de nota ter sido o citado mito introduzido pelas imagens metafoacutericas do
poeta-condutor e da poesia-quadriga por meio das quais anota Calame (2005 p 54)
ocorre um deslocamento geograacutefico-temporal jaacute que a par do movimento de Oliacutempia ndash
lugar onde ocorrera a competiccedilatildeo desportiva ndash para Piacutetana cidade espartana situada junto
ao leito do rio Eurotas na Lacocircnia haacute uma transposiccedilatildeo do tempo da ldquoenunciaccedilatildeo do
cantordquo isto eacute o tempo presente ndash marcado pelo adveacuterbio saacutemeron lsquohojersquo (v 28) ndash para o
passado miacutetico indicado pela referecircncia a Piacutetana- natildeo somente o nome de uma pequena
povoaccedilatildeo de que se compunha Esparta mas tambeacutem o nome de uma ninfa filha do deus-
rio Eurotas e fundadora da linhagem dos Iacircmidas - que unida a Posecircidon gerou em
segredo Evadne matildee de Iacuteamo ancestral miacutetico de uma extensa linhagem de adivinhos
28 Imagem presente em Oliacutempica 2 (v 10) em referecircncia aos ancestrais histoacutericos de Teratildeo de Agrigento
e em Piacutetica 5 (vv 55-7a) em alusatildeo a Bato fundador da estirpe dos reis de Cirene cidade do vencedor
Com relaccedilatildeo agrave imagem do olho em Oliacutempica 6 conveacutem lembrar citando Villarrubia (1995 p 17) Suaacuterez
de la Torre (1989 p 97) e Meacuteautis (1962 p 195) que o escoacutelio pindaacuterico ao citado verso refere a Tebaida
como fonte direta do elogio de Adrasto a Anfiarau 29Como observa Nisetich (1998 p 2) nas odes pindaacutericas eacute conferido destaque maior agrave famiacutelia do vencedor
que ao proacuteprio homenageado jaacute que se busca em fatos preteacuteritos explicaccedilotildees ou justificativas para o
momento presente A esse respeito verifica-se na ode em estudo que a volta ao passado (vv 28-71)
constitui um meio de glorificaccedilatildeo do homenageado
18
cujo representante atual eacute o vencedor oliacutempico Hageacutesias de Siracusa Evadne por sua
vez seduzida por Apolo deu agrave luz Iacuteamo cuja vocaccedilatildeo profeacutetica eacute anunciada na ode pelo
atributo theoacutephrona lsquoinspirado pelos deusesrsquo (v 41) e pelo oraacuteculo de Delfos revelado
ao pai mortal e adotivo de Evadne ndash Eacutepito - a quem satildeo declarados a origem e o dom
divinatoacuterio de Iacuteamo (vv 49b-51) cujo nome de etimologia obscura estaacute associado ao
nome da flor violeta (DUCHEMIN 1955 p 242-3) iacuteon tambeacutem presente no epiacuteteto
atribuiacutedo a Evadne ioacuteplokos ldquocabelo cor de violetardquo (v 30) portanto cor que identifica
Iacuteamo como filho de Evadne Em sintonia com Eleanor Irwin (1996 p 386) acerca de seu
comentaacuterio sobre o ambiente onde Iacuteamo fora abandonado por sua matildee isto eacute khamaiacute ldquono
chatildeordquo (v 45) considera-se que esse lugar eacute tambeacutem ser esse sobrenatural haja vista terem
florescido do chatildeo violetas que forneceram ao receacutem-nascido calor e proteccedilatildeo necessaacuterios
agrave sua sobrevivecircncia Destarte as violetas simbolizam a proacutepria Evadne posto que
exerceram a funccedilatildeo materna
Significativo tambeacutem nessa passagem eacute o fato de ter sido por intervenccedilatildeo divina
(v 46) Iacuteamo alimentado por duas serpentes (45b-47a) com ldquoo veneno irrepreensiacutevel das
abelhasrdquo expressatildeo que se associa anotou Duchemin (1955 p 251) jaacute haacute algum tempo
ao dom da profecia e do fazer poeacutetico Deborah Steiner (1986 p 103) por sua vez refere
acerca dessa passagem que a relaccedilatildeo entre a serpente animal macircntico por excelecircncia
(Meacuteautis 1962 p 196) e o mel anuncia o dom profeacutetico que o receacutem-nascido teria
posteriormente30
Ao chegar agrave adolescecircncia Iacuteamo ciente de sua ascendecircncia divina solicita a seu
avocirc Posecircidon e a seu pai Apolo um atributo que beneficiasse todo o povo uma honra
puacuteblica laoacutethrophos ldquoque alimentasse o povordquo (v 60) Ressalte-se que embora a suacuteplica
tenha sido dirigida a essas duas divindades eacute Apolo nomeado com seu epiacuteteto ldquoarqueiro
guardiatildeo da divina Delosrdquo (v 59) quem concede ao filho o duplo dom da adivinhaccedilatildeo
(vv 65-70) a faculdade de ouvir-lhe a voz profeacutetica pautada sempre na verdade e a
fundaccedilatildeo de oraacuteculo de Zeus em Oliacutempia antes mesmo da instituiccedilatildeo dos Jogos
Oliacutempicos por Heacuteracles Logo com a concessatildeo da daacutediva da adivinhaccedilatildeo encerra-se o
relato miacutetico dos Iacircmidas Faz entatildeo a voz do poema a passagem do tempo miacutetico (vv
71-7) para o passado proacuteximo de Hageacutesias com a alusatildeo laudatoacuteria aos antepassados
30 Acrescente-se que a relaccedilatildeo entre a serpente e a figura de Apolo se justifica pelo fato de a divindade ter
assassinado a serpente Piacuteton para habitar Delfos
19
histoacutericos do vencedor (vv 78-81) e numa referecircncia metapoeacutetica (vv 82-7b) a seus
proacuteprios ancestrais por serem todos procedentes da cidade de Estiacutenfalo dado que
identifica o laureado com a persona loquens
Ediccedilotildees traduccedilotildees e comentaacuterios
HEROacuteDOTO Histoacuteria O relato claacutessico da guerra entre Gregos e Persas 2ordf ed
Traduccedilatildeo de J Brito Broca Satildeo Paulo Ediouro 2001
KIRKWOOD Gordon Selections from Pindar Chicago American Philological
Association 1982 p 3-19
LOURENCcedilO Frederico Poesia grega de Aacutelcman a Teoacutecrito Lisboa Livros Cotovia
2006b p 91-6
ORTEGA A Piacutendaro Odas y Fragmentos Madrid Editorial Gredos 1984 reimpr
1995
PINDARE Olympiques Texte eacutetabli et traduit par Aimeacute Puech Paris Les Belles Lettres
1970 Tome I
RACE William H Pindar Boston Twayne Publishers 1986 p 1986 pp 19-35 67-73
SNELL B amp MAEHLER H Pindari Carmina cum Fragmentis Pars I Epinicia 8ordf ed
Leipzig Teubner 1987
SLATER William (ed) Lexicon to Pindar Berlin Walter de Gruyter1969
Estudos
BARCIELA Ainda M La figura del mantis en la sexta oliacutempica de Piacutendaro Aacutegora
Estudos Claacutessicos em Debate 17 2015 p 51-94 Disponiacutevel em httpwww
philpapersorgrecMGULFD-2
CALAME Claude Entre narrativa heroica e poesia ritual o sujeito poeacutetico que canta o
mitoTraduccedilatildeo de Joseacute Marcos Mariani de Macedo Letras Claacutessicas no 9 2005 p 47-
65 Disponiacutevel em httpwwwrevistasfflchuspbrletrasclassicasissueview69
_________ Genre Occasion and performance In BUDELMANN F (org) The
Cambridge Companion to Greek Lyric Cambridge Cambridge University Press 2009
p 21-38
DUCHEMIN Jacqueline Pindare poete et prophegravete Paris Les Belles Lettres 1955
20
FRADE Sofia Colunas e violetas Oliacutempica VI In LOURENCcedilO Frederico Ensaios
sobre Piacutendaro Lisboa Ediccedilotildees Cotovia 2006 p 47-55
HIRATA Elaine Farias Veloso Monumentalidade e representaccedilotildees do poder tiracircnico no
Ocidente grego In CORNELLI Gabriele (org) Representaccedilotildees da Cidade Antiga ndash
Categorias histoacutericas e discursos filosoacuteficos Coimbra Centro de Estudos Claacutessicos e
Humaniacutesticos ndash Classica Digitalia Universitatis Conimbrigensis 2010 p 23-37
IRWIN M Eleanor Evadne Iamos and Violets in Pindarrsquos Sixth Olympian Hermes 124
Bd H 4 1996 p 385-95
LEFKOWITZ Mary R First- Person Fictions Pindarrsquos Poetic lsquoIrdquo Oxford Clarendon
Press 1991 p 1-71
LESKY Albin Histoacuteria da Literatura GregaTraduccedilatildeo de Manuel Losa LisboaCalouste
Gulbenkian 1995 p 211-37
LOURENCcedilO Frederico (org) Ensaios sobre Piacutendaro Lisboa Livros Cotovia 2006a
pp 9-11
______ Liacuterica coral e monoacutedica uma problemaacutetica revisitada Humanitas 61 2009 p
19-29
MEacuteAUTIS Georges Pindare le Dorien Paris Editions Albin Michel 1962 p 193-201
MUCKENSTURM_POULE Claire Lrsquoeacutenonciation dans les scholies de la Sixiegraveme
Olympique Dialogues drsquohistoire ancienne 2009 Suppleacutement 2 S2 p 77-91 Disponiacutevel
em httpwwwcairninforevue-dialogues-d-histoire-ancienne-2009-supplement2-page-
77htm
NISETICH Frank J Pindarrdquos Victory Songs London The Johns Hopkins University
Press 1980 p 1-22
ROCHA PEREIRA M H Estudos de Histoacuteria da Cultura Claacutessica 10ordf ed I Vol
Lisboa Calouste Gulbenkian 2006
STAMATOPOULOU Zoe Inscribing Perfomances in Pindarrsquos Olympian 6
Transactions of American Philological Association 144 2014 p 1-17 Disponiacutevel em
httpmusejhuedujournalsapasummaryv1441441 stamatopoulou Html Acesso
UFRJ em 2982014
21
STEINER Deborah The Crown of Song Metaphor in Pindar Oxford Oxford University
Press 1986
SUAacuteREZ DE LA TORRE Emilio Adivinacioacuten y profecia en Piacutendaro (II) Minerva
Revista de Filologiacutea Claacutesica no 3 1989 p 79-120
______ Parole de poegravete parole de prophegravete les oracles et la mantique chez Pindare
Kernos 3 1990 p 347-58 Disponiacutevel em
httpkernosrevuesorg1006DOI104000kernos1006
SULLIVAN Shirley D Aspects of the ldquofictive Irdquo in Pindar adress to psychic enteties
Emerita Revista de Linguumliacutestica y Filologiacutea Claacutesica LXX 1 2002 p 83-102
VALLET Georges Pindare et la Sicile In Entretiens sur lrsquo Antiquiteacute Classique
Pindare Vandoeuvres ndash Genegraveve Fondation Hardt 1984 p 285-327
VILLARRUBIA Antonio La victoria de Hagesias de Siracusa y la Oliacutempica 6 de
Piacutendaro Habis 26 1995 p 13-28
18
cujo representante atual eacute o vencedor oliacutempico Hageacutesias de Siracusa Evadne por sua
vez seduzida por Apolo deu agrave luz Iacuteamo cuja vocaccedilatildeo profeacutetica eacute anunciada na ode pelo
atributo theoacutephrona lsquoinspirado pelos deusesrsquo (v 41) e pelo oraacuteculo de Delfos revelado
ao pai mortal e adotivo de Evadne ndash Eacutepito - a quem satildeo declarados a origem e o dom
divinatoacuterio de Iacuteamo (vv 49b-51) cujo nome de etimologia obscura estaacute associado ao
nome da flor violeta (DUCHEMIN 1955 p 242-3) iacuteon tambeacutem presente no epiacuteteto
atribuiacutedo a Evadne ioacuteplokos ldquocabelo cor de violetardquo (v 30) portanto cor que identifica
Iacuteamo como filho de Evadne Em sintonia com Eleanor Irwin (1996 p 386) acerca de seu
comentaacuterio sobre o ambiente onde Iacuteamo fora abandonado por sua matildee isto eacute khamaiacute ldquono
chatildeordquo (v 45) considera-se que esse lugar eacute tambeacutem ser esse sobrenatural haja vista terem
florescido do chatildeo violetas que forneceram ao receacutem-nascido calor e proteccedilatildeo necessaacuterios
agrave sua sobrevivecircncia Destarte as violetas simbolizam a proacutepria Evadne posto que
exerceram a funccedilatildeo materna
Significativo tambeacutem nessa passagem eacute o fato de ter sido por intervenccedilatildeo divina
(v 46) Iacuteamo alimentado por duas serpentes (45b-47a) com ldquoo veneno irrepreensiacutevel das
abelhasrdquo expressatildeo que se associa anotou Duchemin (1955 p 251) jaacute haacute algum tempo
ao dom da profecia e do fazer poeacutetico Deborah Steiner (1986 p 103) por sua vez refere
acerca dessa passagem que a relaccedilatildeo entre a serpente animal macircntico por excelecircncia
(Meacuteautis 1962 p 196) e o mel anuncia o dom profeacutetico que o receacutem-nascido teria
posteriormente30
Ao chegar agrave adolescecircncia Iacuteamo ciente de sua ascendecircncia divina solicita a seu
avocirc Posecircidon e a seu pai Apolo um atributo que beneficiasse todo o povo uma honra
puacuteblica laoacutethrophos ldquoque alimentasse o povordquo (v 60) Ressalte-se que embora a suacuteplica
tenha sido dirigida a essas duas divindades eacute Apolo nomeado com seu epiacuteteto ldquoarqueiro
guardiatildeo da divina Delosrdquo (v 59) quem concede ao filho o duplo dom da adivinhaccedilatildeo
(vv 65-70) a faculdade de ouvir-lhe a voz profeacutetica pautada sempre na verdade e a
fundaccedilatildeo de oraacuteculo de Zeus em Oliacutempia antes mesmo da instituiccedilatildeo dos Jogos
Oliacutempicos por Heacuteracles Logo com a concessatildeo da daacutediva da adivinhaccedilatildeo encerra-se o
relato miacutetico dos Iacircmidas Faz entatildeo a voz do poema a passagem do tempo miacutetico (vv
71-7) para o passado proacuteximo de Hageacutesias com a alusatildeo laudatoacuteria aos antepassados
30 Acrescente-se que a relaccedilatildeo entre a serpente e a figura de Apolo se justifica pelo fato de a divindade ter
assassinado a serpente Piacuteton para habitar Delfos
19
histoacutericos do vencedor (vv 78-81) e numa referecircncia metapoeacutetica (vv 82-7b) a seus
proacuteprios ancestrais por serem todos procedentes da cidade de Estiacutenfalo dado que
identifica o laureado com a persona loquens
Ediccedilotildees traduccedilotildees e comentaacuterios
HEROacuteDOTO Histoacuteria O relato claacutessico da guerra entre Gregos e Persas 2ordf ed
Traduccedilatildeo de J Brito Broca Satildeo Paulo Ediouro 2001
KIRKWOOD Gordon Selections from Pindar Chicago American Philological
Association 1982 p 3-19
LOURENCcedilO Frederico Poesia grega de Aacutelcman a Teoacutecrito Lisboa Livros Cotovia
2006b p 91-6
ORTEGA A Piacutendaro Odas y Fragmentos Madrid Editorial Gredos 1984 reimpr
1995
PINDARE Olympiques Texte eacutetabli et traduit par Aimeacute Puech Paris Les Belles Lettres
1970 Tome I
RACE William H Pindar Boston Twayne Publishers 1986 p 1986 pp 19-35 67-73
SNELL B amp MAEHLER H Pindari Carmina cum Fragmentis Pars I Epinicia 8ordf ed
Leipzig Teubner 1987
SLATER William (ed) Lexicon to Pindar Berlin Walter de Gruyter1969
Estudos
BARCIELA Ainda M La figura del mantis en la sexta oliacutempica de Piacutendaro Aacutegora
Estudos Claacutessicos em Debate 17 2015 p 51-94 Disponiacutevel em httpwww
philpapersorgrecMGULFD-2
CALAME Claude Entre narrativa heroica e poesia ritual o sujeito poeacutetico que canta o
mitoTraduccedilatildeo de Joseacute Marcos Mariani de Macedo Letras Claacutessicas no 9 2005 p 47-
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_________ Genre Occasion and performance In BUDELMANN F (org) The
Cambridge Companion to Greek Lyric Cambridge Cambridge University Press 2009
p 21-38
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20
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sobre Piacutendaro Lisboa Ediccedilotildees Cotovia 2006 p 47-55
HIRATA Elaine Farias Veloso Monumentalidade e representaccedilotildees do poder tiracircnico no
Ocidente grego In CORNELLI Gabriele (org) Representaccedilotildees da Cidade Antiga ndash
Categorias histoacutericas e discursos filosoacuteficos Coimbra Centro de Estudos Claacutessicos e
Humaniacutesticos ndash Classica Digitalia Universitatis Conimbrigensis 2010 p 23-37
IRWIN M Eleanor Evadne Iamos and Violets in Pindarrsquos Sixth Olympian Hermes 124
Bd H 4 1996 p 385-95
LEFKOWITZ Mary R First- Person Fictions Pindarrsquos Poetic lsquoIrdquo Oxford Clarendon
Press 1991 p 1-71
LESKY Albin Histoacuteria da Literatura GregaTraduccedilatildeo de Manuel Losa LisboaCalouste
Gulbenkian 1995 p 211-37
LOURENCcedilO Frederico (org) Ensaios sobre Piacutendaro Lisboa Livros Cotovia 2006a
pp 9-11
______ Liacuterica coral e monoacutedica uma problemaacutetica revisitada Humanitas 61 2009 p
19-29
MEacuteAUTIS Georges Pindare le Dorien Paris Editions Albin Michel 1962 p 193-201
MUCKENSTURM_POULE Claire Lrsquoeacutenonciation dans les scholies de la Sixiegraveme
Olympique Dialogues drsquohistoire ancienne 2009 Suppleacutement 2 S2 p 77-91 Disponiacutevel
em httpwwwcairninforevue-dialogues-d-histoire-ancienne-2009-supplement2-page-
77htm
NISETICH Frank J Pindarrdquos Victory Songs London The Johns Hopkins University
Press 1980 p 1-22
ROCHA PEREIRA M H Estudos de Histoacuteria da Cultura Claacutessica 10ordf ed I Vol
Lisboa Calouste Gulbenkian 2006
STAMATOPOULOU Zoe Inscribing Perfomances in Pindarrsquos Olympian 6
Transactions of American Philological Association 144 2014 p 1-17 Disponiacutevel em
httpmusejhuedujournalsapasummaryv1441441 stamatopoulou Html Acesso
UFRJ em 2982014
21
STEINER Deborah The Crown of Song Metaphor in Pindar Oxford Oxford University
Press 1986
SUAacuteREZ DE LA TORRE Emilio Adivinacioacuten y profecia en Piacutendaro (II) Minerva
Revista de Filologiacutea Claacutesica no 3 1989 p 79-120
______ Parole de poegravete parole de prophegravete les oracles et la mantique chez Pindare
Kernos 3 1990 p 347-58 Disponiacutevel em
httpkernosrevuesorg1006DOI104000kernos1006
SULLIVAN Shirley D Aspects of the ldquofictive Irdquo in Pindar adress to psychic enteties
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VALLET Georges Pindare et la Sicile In Entretiens sur lrsquo Antiquiteacute Classique
Pindare Vandoeuvres ndash Genegraveve Fondation Hardt 1984 p 285-327
VILLARRUBIA Antonio La victoria de Hagesias de Siracusa y la Oliacutempica 6 de
Piacutendaro Habis 26 1995 p 13-28
19
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