Imagens metafóricas em Olímpica 6

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1 IMAGENS METAFÓRICAS EM OLÍMPICA 6* Glória Braga Onelley Shirley Fátima Gomes de Almeida Peçanha ______________________________________________________________________ RESUMO Na literatura grega do período tardo-arcaico, notabilizou-se como cultor de epinícios o poeta Píndaro, de cuja produção se destacou, no presente artigo, a ode Olímpica 6, dedicada a Hagésias de Siracusa, vencedor na quadriga de mulas em 472 a. C. ou 468 a. C. Teceremos, inicialmente, comentários acerca do epinício e, a seguir, da estrutura da ode Olímpica 6, privilegiando-lhe as metáforas poéticas, a performance e a relação entre as alusões míticas e o atleta laureado. Palavras-chave: Píndaro; epinício; metáfora; performance; mito ABSTRACT In the Greek literature of the late archaic period, Pindar became notable as an epinician Poet, from whose lyric production the present article focus on Olympian 6, which was dedicated to Hagesias of Syracuse, winner of the chariot-race with mules in 472 B.C. or 468 B.C. We initially develop some commentaries about the epinician, followed by an analysis of the Olympian 6 ode, highlighting the poetic metaphors, the performance, and the relation between the mythic allusions and the laureate athlete. Keywords: Pindar; epinician; metaphor; performance; myth. * Artigo publicado em Calíope: Presença Clássica. Programa de Pós-graduação em Letras Clássicas, Departamento de Letras Clássicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro:7Letras, dezembro de 2012 (publicação agosto de 2015), vol. 24. p.67-85.

Transcript of Imagens metafóricas em Olímpica 6

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IMAGENS METAFOacuteRICAS EM OLIacuteMPICA 6

Gloacuteria Braga Onelley

Shirley Faacutetima Gomes de Almeida Peccedilanha

______________________________________________________________________

RESUMO

Na literatura grega do periacuteodo tardo-arcaico notabilizou-se como cultor de epiniacutecios o

poeta Piacutendaro de cuja produccedilatildeo se destacou no presente artigo a ode Oliacutempica 6

dedicada a Hageacutesias de Siracusa vencedor na quadriga de mulas em 472 a C ou 468 a

C Teceremos inicialmente comentaacuterios acerca do epiniacutecio e a seguir da estrutura da

ode Oliacutempica 6 privilegiando-lhe as metaacuteforas poeacuteticas a performance e a relaccedilatildeo entre

as alusotildees miacuteticas e o atleta laureado

Palavras-chave Piacutendaro epiniacutecio metaacutefora performance mito

ABSTRACT

In the Greek literature of the late archaic period Pindar became notable as an epinician

Poet from whose lyric production the present article focus on Olympian 6 which was

dedicated to Hagesias of Syracuse winner of the chariot-race with mules in 472 BC or

468 BC We initially develop some commentaries about the epinician followed by an

analysis of the Olympian 6 ode highlighting the poetic metaphors the performance

and the relation between the mythic allusions and the laureate athlete

Keywords Pindar epinician metaphor performance myth

Artigo publicado em Caliacuteope Presenccedila Claacutessica Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em

Letras Claacutessicas Departamento de Letras Claacutessicas da Universidade Federal do Rio de

Janeiro Rio de Janeiro7Letras dezembro de 2012 (publicaccedilatildeo agosto de 2015) vol 24

p67-85

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Piacutendaro poeta tebano de fins do seacuteculo VI a C e iniacutecios do seacuteculo V a C (518-

438 a C) - cuja plenitude literaacuteria1 se situa entre 490 a C (LESKY 1995 p 221) e 452

a C portanto no periacuteodo de produccedilatildeo poeacutetica da Greacutecia tardo-arcaica (550-450 a C) -

eacute considerado unanimemente pela criacutetica moderna o principal representante da poesia

liacuterica da Antiguidade pois sua obra contrariamente agrave de outros poetas liacutericos como

Alceu Safo e Anacreonte natildeo nos chegou em estado muito fragmentaacuterio Com efeito na

transmissatildeo da poesia liacuterica grega Piacutendaro eacute uma exceccedilatildeo jaacute que de todos os subgecircneros

da ldquomeacutelicardquo por ele cultivados2 nos foram legadas por meio de manuscritos datados da

Idade Meacutedia - procedentes talvez da compilaccedilatildeo das odes triunfais realizadas pelos

alexandrinos (ORTEGA 1984 p51) - quatro coletacircneas com 45 epiniacutecios3 cantos

triunfais que celebram de modo geral os vencedores das principais competiccedilotildees pan-

helecircnicas e foram ordenados de acordo com a data de instituiccedilatildeo dos jogos primeiro os

Oliacutempicos (iniciados em 776 a C em Oliacutempia em honra de Zeus e celebrados de quatro

em quatro anos) os Piacuteticos (instituiacutedos em 582 a C em Delfos em honra de Apolo e

realizados de quatro em quatro anos alternando de dois em dois anos com os Oliacutempicos)

os Iacutestmicos (realizados em Corinto desde 581 a C em honra de Posecircidon no mecircs de

1 Com a Piacutetica 6 dedicada a Trasiacutebulo filho de Xenoacutecrates irmatildeo de Teratildeo de Agrigento Piacutendaro inicia

informa Lesky (1995 p 222-4) uma importante relaccedilatildeo com a aristocracia da Siciacutelia firmando laccedilos de

amizade com os tiranos Hieratildeo de Siracusa e Teratildeo de Agrigento Sua ode mais antiga datada de 498 a C

eacute a Piacutetica X dedicada ao jovem tessaacutelio Hipoacutecleas vencedor na corrida dupla 2 Como informa Ortega (1984 p 30-1) a produccedilatildeo literaacuteria de Piacutendaro foi catalogada por Aristoacutefanes de

Bizacircncio em 17 livros (cf SUDA Vita Ambrosiana I 3 6) organizados segundo o criteacuterio de ediccedilatildeo por

gecircneros isto eacute divididos inicialmente pelas diferentes modalidades do lirismo coral e assim classificados

um livro de hinos (cantos em honra aos deuses) um de peatildes (cantos em honra de Apolo) dois de ditirambos

(cantos em honra de Dioniso e ainda de outras divindades [apud ROCHA PEREIRA 2006 p 195 nota

6]) dois de prosoacutedios (cantos em procissatildeo) trecircs de partecircnios (cantos entoados por um coro de donzelas)

dois de hiporquemas (cantos acompanhados de danccedila agitada) um livro de encocircmios (cantos de elogio em

honra de cidadatildeos ilustres) um livro de trenos (cantos fuacutenebres em honra de cidadatildeos) e quatro coletacircneas

de epiniacutecios (cantos de celebraccedilatildeo de atletas vencedores nos Jogos Oliacutempicos Piacuteticos Iacutestmicos e Nemeus)

No que diz respeito agrave ordenaccedilatildeo dos epiniacutecios foram eles organizados em quatro coletacircneas de acordo com

a data de instituiccedilatildeo dos jogos primeiro os Oliacutempicos a seguir os Piacuteticos os Istiacutemicos e os Nemeus No

interior de cada livro as odes foram organizadas segundo a competiccedilatildeo celebrada ndash corrida de cavalos

corrida de cavalos montados corrida de mulas pancraacutecio luta pugilato pentatlo corridas e concursos

musicais Por outro lado tambeacutem natildeo se organizavam as odes por ordem cronoloacutegica das competiccedilotildees e

respectivas vitoacuterias mas eram elas ordenadas de acordo com a importacircncia do atleta vencedor ou da

modalidade de competiccedilatildeo Por exemplo as Piacuteticas 1 2 e 3 celebradas em honra de Hieratildeo de Siracusa

satildeo posteriores em dataccedilatildeo (respectivamente 474 a C data desconhecida e 470 a C) agraves Piacuteticas 6 e 7

compostas respectivamente em 490 e 486 aC em honra de Xenoacutecrates de Agrigento e Meacutegacles de

Atenas

3 Race (1986 p 24) afirma que Piacutendaro ao referir-se a seu fazer poeacutetico emprega os termos hyacutemnos aoidaacute

ou epiniacutekios este uacuteltimo para qualificar suas odes (Nemeia 4 v 78) e natildeo para designar um subgecircnero

especiacutefico No periacuteodo heleniacutestico entretanto assinala Carey (2009 p 32) parece natildeo haver uma distinccedilatildeo

precisa entre a ode que celebrava uma vitoacuteria atleacutetica e outros poemas que continham algum tipo de louvor

A esse respeito Carey cita a ode Nemeia 11 que embora esteja inserida na coletacircnea de epiniacutecios natildeo

celebra uma vitoacuteria desportiva mas a investidura de Aristaacutegoras de Tecircnedos no cargo de priacutetane

3

abril de dois em dois anos alternando-se com os Oliacutempicos e os Piacuteticos) e os Nemeus

(celebrados desde 573 a C em honra de Zeus na planiacutecie de Nemeia tambeacutem de dois

em dois anos no mecircs de julho coincidindo a partir deste ano com os Iacutestmicos) No

contexto da Greacutecia arcaica essas competiccedilotildees eram importantes natildeo somente na esfera

desportiva mas tambeacutem no acircmbito das relaccedilotildees religiosas e poliacuteticas Por outro lado no

acircmbito pessoal a vitoacuteria nesses Jogos facultava ao atleta a gloacuteria imorredoura

materializada no canto triunfal

A liacutengua empregada na composiccedilatildeo desses cantos triunfais consiste numa mescla

dialectal em que se articulam elementos do doacuterico e do eoacutelico e ainda da poesia

homeacuterica resultando num dialeto literaacuterio artificial Diversas satildeo tambeacutem as modalidades

riacutetmicas dispostas preferencialmente em estruturas triaacutedicas em que o metro das estrofes

eacute repetido nas antiacutestrofes apoacutes as quais se seguem os epodos que embora iguais entre

si possuem um padratildeo meacutetrico distinto das duas partes anteriores Portanto a triacuteade

compotildee-se de um sistema riacutetmico formado de estrofe antiacutestrofe e epodo Entretanto sete

odes (Oliacutempica 14 Piacuteticas 6 e 12 Nemeias 2 4 9 e Iacutestmica 8) apresentam estrutura

monostroacutefica isto eacute possuem apenas estrofes em que se repete em todas as partes do

poema o mesmo esquema meacutetrico Nas odes pindaacutericas predominam duas modalidades

riacutetmicas a eoacutelica e a daacutectilo-epiacutetrita com base nas quais Piacutendaro criava para cada ode um

ritmo diferente anotou Frederico Lourenccedilo (2006a p 10-1 2006b p 95-6)

Outros aspectos que tecircm suscitado discussotildees vaacuterias entre os estudiosos dizem

respeito agrave performance e agraves circunstacircncias em que foram executados os epiniacutecios apesar

de natildeo haver respostas definitivas acerca dessas questotildeesQuanto agrave performance4 maioria

4 Segundo informa Lourenccedilo (2009 19-25) a divisatildeo entre meacutelica monoacutedica e meacutelica coral natildeo foi

estabelecida pelos eruditos antigos mas pela maioria dos teoacutericos modernos que seguindo a liccedilatildeo de Karl

O Muumlller em seu compecircndio de Histoacuteria da literatura grega publicada pela primeira vez em inglecircs em

1840 ndash History of the literature of ancient Greece ndash a separaram nessas duas modalidades Essa divisatildeo foi

adotada por Cecil M Bowra em Greek Lyric Poetry (1961) muito embora essa discussatildeo tenha sido

iniciada em comeccedilos do seacuteculo XX por Willamowitz ao analisar as odes Oliacutempicas I e II dedicadas

respectivamente aos tiranos Hieratildeo de Siracusa e Teratildeo de Agrigento que segundo ele teriam tido

execuccedilatildeo monoacutedica e natildeo coral Conforme informa Lourenccedilo (2009 p 25) o estudioso alematildeo julgou

terem as referidas odes indiacutecios sugestivos de que a performance original natildeo exigia a presenccedila do coro Essa complexa questatildeo acerca da performance da poesia coral foi reexaminada por Martin West em 1971

ao investigar os novos achados da obra do poeta coral Estesiacutecoro cujos extensos poemas levaram o

helenista inglecircs a questionar a execuccedilatildeo coral (apud Lourenccedilo 2009 p 22-3) dos poemas Por outro lado

West assinala tambeacutem destaca Lourenccedilo (2009 p 24) que a estrutura triaacutedica da poesia de Estesiacutecoro

constitui somente um princiacutepio de composiccedilatildeo e natildeo uma evidecircncia de performance coral Rocha Pereira

(2006 p 194 nota 5) com base em Pfeiffer e Frederico Lourenccedilo (2009 p 20) essa divisatildeo moderna da

4

dos estudiosos5 julga terem sido os epiniacutecios produzidos para o canto coral6 muito

embora admitam natildeo ser esse tipo de execuccedilatildeo comum a todas as odes do corpus

pindaacuterico jaacute que algumas apresentam indiacutecios de ter sido a performance monoacutedica7 Por

sua vez Mary Lefkowitz (1991 p 70-1)8 considerando o emprego de referecircncias pessoais

na poesia de Piacutendaro eacute de opiniatildeo que grande parte dos epiniacutecios foi apresentada por um

cantor solo

Em referecircncia ao local de performance difiacutecil tambeacutem se torna assegurar com

exatidatildeo o cenaacuterio em que as odes foram apresentadas pois as informaccedilotildees nelas contidas

natildeo satildeo agraves vezes muito claras A esse respeito no entanto haacute unanimidade entre os

criacuteticos de terem sido os seguintes os locais de execuccedilatildeo dos epiniacutecios a saber o proacuteprio

local da vitoacuteria9 a cidade ou a casa do homenageado10 ou ainda um templo ou santuaacuterio

situados no local da vitoacuteria ou na cidade11 do vencedor Logo pode-se dizer que os

epiniacutecios estavam circunscritos a um ambiente de festa ou puacuteblico ou privado

Embora a vitoacuteria atleacutetica seja a motivaccedilatildeo primeira do canto agonal nele natildeo se

privilegiam as circunstacircncias do acontecimento desportivo que se dilui em meio a outros

elementos caracteriacutesticos da ode pindaacuterica Assim encontram-se nas odes referecircncias ao

vencedor a seus antepassados ndash histoacutericos ou miacuteticos - aos triunfos obtidos em outros

jogos ao lugar da vitoacuteria agraves circunstacircncias de sua vida dados esses que se podem

relacionar com narrativas miacuteticas de valor paradigmaacutetico natildeo apresentadas na iacutentegra

apenas em parte ou simplesmente aludidas (Kirkwood 1982 p 15) e inseridas em geral

poesia liacuterica em monoacutedica e coral tem levado outros estudiosos modernos a citar uma passagem da obra de

Platatildeo (Leis VI 764 d-e) para justificar erroneamente a antiguidade da separaccedilatildeo entre monodia e canccedilatildeo

coral Na verdade esse passo de Platatildeo se refere observam Rocha Pereira e Frederico Lourenccedilo ao

treinamento de cantores solistas e cantores corais durante uma discussatildeo acerca da educaccedilatildeo musical

Logo para esses helenistas entre outros a distinccedilatildeo liacuterica monoacutedica e coral eacute moderna

5 Cf SULLIVAN S D Aspects of the ldquofictive Irdquo in Pindar adress to psychic enteties Emerita vol

LXX 1 2002 p 83-4 NISETICH F J Pindarrdquos Victory Songs London The Johns Hopkins University

Press 1980 p 2 6Citam-se eg Piacutetica 1 vv 1-4 Piacutetica 10 vv 55-8 Oliacutempica 6 vv 87-92 7 Cf Nemeia 4 vv 13-6 8 A respeito das referecircncias pessoais nos epiniacutecios pindaacutericos cf Lefkowitz Mary R First-Person

Fictions Pindarrsquos Poetic lsquoIrsquo Oxford Clarendon Press 1991 p 1-71 9 A Piacutetica 7 celebrada em honra de Meacutegacles de Atenas foi cantada em uma festividade puacuteblica em Delfos

10 As Oliacutempicas 1 e 2 dedicadas aos tiranos Hieratildeo de Siracusa e a Teratildeo de Agrigento respectivamente

foram celebradas em banquetes nas cortes desses tiranos

11 A Oliacutempica 3 (vv 1-3) em honra do tirano Teratildeo de Agrigento foi executada num templo por ocasiatildeo

das Teoxecircnias festas populares consagradas aos Dioacutescuros Castor e Poacutelux e a Helena

5

- afirma Rocha Pereira (2006 p 223) ndash para ilustrar sentenccedilas gnocircmicas as gnocircmai que

aleacutem de terem uma funccedilatildeo didaacutetica enunciando conselhos de ordem moral ou maacuteximas

de caraacuteter universal e atemporal podem ser empregadas como elementos de transiccedilatildeo

entre as partes da ode e ser expressas antes da narrativa miacutetica esta uacuteltima natildeo presente

em todas as odes12 Por fim Piacutendaro tece comentaacuterios acerca de seu mister destinado a

representantes da aristocracia da Greacutecia do seacuteculo V a C para os quais compocircs por

encomenda cantos triunfais fato que vincula seu fazer poeacutetico ao mecenato13 e ainda

ao contexto histoacuterico de seu tempo Com efeito enaltecem-se em seus versos os princiacutepios

aristocraacuteticos cuja base residia no poder da ancestralidade na riqueza e ainda na

excelecircncia fiacutesica e moral dos nobres seus contemporacircneos e vencedores dos agocircnes

atleacuteticos Portanto sendo os epiniacutecios instrumentos de legitimaccedilatildeo do poder

aristocraacutetico14 constitui entatildeo a ode Oliacutempica 615 um dos importantes testemunhos

histoacuterico-literaacuterios tendo em vista ter sido composta para celebrar a vitoacuteria de Hageacutesias

de Siracusa - chefe militar16 do tirano Hieratildeo de Siracusa (478- 467-6)17 - numa quadriga

de mulas em 472 ou 468 a C

Estrofe 1

Estabelecendo douradas

colunas debaixo de um bem murado poacutertico do santuaacuterio

como se estabelece um belo palaacutecio

construamos Iniciado o trabalho

eacute preciso dar-lhe uma fachada que brilhe ao longe Mas se

ele eacute um vencedor Oliacutempico

5 guardiatildeo no altar profeacutetico de Zeus em Pisa

12 Cf Oliacutempicas 5 11 12 e 14 Piacutetica 7 Nemeias 2 e 11 e Iacutestmicas 2 e 3 13 Na Greacutecia arcaica a poesia de modo anaacutelogo a outras atividades profissionais passou a ter um valor

comercial como se infere por exemplo de Piacutetica 11 vv 41-2 ldquoMusa se concordas em conceder por

salaacuterio tua voz venal eacute preciso que teu ofiacutecio seja divulgado aqui e laacuterdquo (Traduccedilatildeo nossa) 14 Sobre as formas de legitimaccedilatildeo do poder aristocraacutetico em especial dos tiranos siciliotas cf HIRATA

Elaine F V 2010 p 23-41 15 A traduccedilatildeo de Oliacutempica 6 eacute de responsabilidade das autoras deste trabalho e constitui parte da pesquisa

interinstitucional (UFRJUFF) por elas desenvolvida sobre as odes Oliacutempicas A ediccedilatildeo criacutetica eacute a

estabelecida por Snell-Maehler 1987 16 Cf PINDARE Olympiques Paris Les Belles Lettres 1970 p 74-5 17 Para detalhes acerca das tiranias siciliotas cf HIRATA Elaine F V 2010 p 23-41 VALLET Georges

Pindare et la Sicile In Entretiens sur lrsquo Antiquiteacute Classique Pindare Vandoeuvres ndash Genegraveve Fondation

Hardt 1984 p 285-327

6

e cofundador da afamada Siracusa

de que hino fugiria

tal homem ao encontrar

cidadatildeos sem inveja no meio de cantos encantadores

Antiacutestrofe 1

Saiba na verdade que nesta sandaacutelia18

tem seu peacute afortunado

o filho de Soacutestrato Faccedilanhas sem riscos

10 nem junto aos homens nem nas cocircncavas naus

satildeo honradas mas muitos se lembram

quando algo de belo foi realizado com esforccedilo

Oacute Hageacutesias eacute teu o real elogio que com justo

discurso Adrasto outrora proclamara para o vidente

filho de Oicles Anfiarau

quando a terra o

engoliu e tambeacutem os seus brilhantes cavalos

Epodo 1

15 Depois quando tinham queimado as sete piras

de cadaacuteveres o filho de Talau (Adrasto)

proferiu em Tebas o seguinte discurso

lsquoEstou com saudades do olho de meu exeacutercito

bom em duas coisas ser adivinho e

combater com a lanccedilarsquo Isto tambeacutem

eacute verdadeiro para o homem de Siracusa senhor do cortejo processional

Embora natildeo seja ele propenso agrave desavenccedila nem amigo de disputa em excesso

18Com valor metafoacuterico na acepccedilatildeo de ldquonesta posiccedilatildeordquo (SLATER1969 p 401)

7

20 fazendo um grande juramento disso claramente lhe

darei testemunho e com vozes doces como o mel

as Musas o aprovaratildeo

Estrofe 2

Oacute Fiacutentis pois bem atrela agora

para mim a forccedila das mulas

o mais raacutepido possiacutevel para que em caminho puro

conduzamos a quadriga de mulas e eu chegue ateacute

25 a linhagem destes homens pois essas mulas mais do que

outras sabem abrir

esse caminho jaacute que coroas em Oliacutempia

ganharam eacute preciso entatildeo

abrir-lhes as portas dos hinos

e a Piacutetana junto do curso do Eurotas

eacute preciso chegar hoje em hora oportuna

Antiacutestrofe 2

Diz-se que Piacutetana unida a Posecircidon

filho de Crono

30 deu agrave luz uma filha com cabelo cor de violeta Evadne

Mas nas pregas de sua roupa escondeu a gravidez

e enviando no mecircs determinado

suas servas ordenou-lhes

que entregassem a crianccedila aos cuidados do heroacutei Eacutepito filho de Eacutelato

que reinava sobre os homens da Arcaacutedia em Fesana

e fora designado para habitar o Alfeu

35 Tendo sido criada aiacute sob o domiacutenio de Apolo

(Evadne) experimentou pela primeira vez a doccedilura de Afrodite

8

Epodo 2

E ela natildeo ocultou de Eacutepito durante toda

o tempo o filho do deus

Mas ele (Eacutepito) foi para Delfos reprimindo no coraccedilatildeo

a raiva inenarraacutevel com agudo propoacutesito

para consultar o oraacuteculo sobre

esse sofrimento insuportaacutevel

Ela por sua vez logo que depocircs a cinta purpuacuterea

40 e o cacircntaro de prata debaixo da mata sombria

deu agrave luz um filho inspirado pelos deuses Junto dela o de aacuteureos cabelos (Apolo)

estabeleceu a amaacutevel Iliacutetia

e as Moicircras

Estrofe 3

E de seu ventre no meio das dores

amaacuteveis do parto Iacuteamo

veio logo agrave luz E ela (Evadne) angustiada

45 deixou-o no chatildeo mas duas serpentes de olhos brilhantes

por desiacutegnio dos deuses cuidando dele

o alimentaram com o irrepreensiacutevel

veneno das abelhas Mas quando o rei

conduzindo seu carro chegou da

rochosa Delfos a todos em casa

perguntou sobre a crianccedila que Evadne

dera agrave luz de fato ele (Eacutepito) dizia que a crianccedila era filho de Febo

Antiacutestrofe 3

50 que acima dos mortais seria um adivinho para os homens

e jamais lhe faltaria descendecircncia

9

Assim entatildeo declarou Mas eles confessavam que natildeo o tinham ouvido

nem visto

embora tivesse nascido havia cinco dias Mas

na verdade estava escondido num canteiro de juncos no impenetraacutevel matagal

55 pelos raios dourados e roxos das violetas

banhado em seu delicado

corpo Por isso sua matildee declarou

que ele fosse chamado durante todo o tempo

por esse nome imortal

Mas depois que recebeu o fruto da amaacutevel

Juventude da coroa dourada descendo no meio do Alfeu

invocou o poderoso Posecircidon

seu avocirc e o arqueiro guardiatildeo

da divina Delos

60 pedindo para sua cabeccedila uma honra que alimentasse o povo

no ar livre da noite Clara ressoou a voz paterna e lhe pediu

lsquoLevanta-te filho

vem aqui para a terra paterna

atraacutes da minha vozrsquo

Estrofe 4

Chegaram ao escarpado

rochedo do monte de Crono

65 onde ele lhe outorgou o duplo tesouro

da adivinhaccedilatildeo primeiro ouvir a voz

desconhecedora das mentiras e depois quando

chegasse o de ousados expedientes

10

Heacuteracles majestoso filho dos Alceus19

69 para fundar em honra de seu pai uma festa concorrida

e o maior festival dos jogos

70 na parte mais alta do altar de Zeus

ordenou entatildeo que (Iacuteamo) estabelecesse o oraacuteculo

Antiacutestrofe 4

Desde aquele momento eacute renomada entre

os Helenos a linhagem dos Iacircmidas

A prosperidade os acompanhou ao mesmo tempo E honrando as virtudes

percorrem um caminho visiacutevel daacute provas disso

cada accedilatildeo (deles) Mas a censura da parte

de outros invejosos estaacute suspensa

75 sobre aqueles que foram outrora os primeiros a conduzir o carro na corrida de doze

voltas

e sobre os quais a Graccedila veneranda derrama

gloriosa forma corporal

Se na verdade habitando sob a montanha

de Cilene oacute Hageacutesias teus antepassados maternos

Epodo 4

presentearam

muitas vezes o arauto dos deuses

Hermes com muitos sacrifiacutecios suplicantes de modo piedoso

ele que rege as competiccedilotildees atleacuteticas e a devida parte dos precircmios

80 e honra a Arcaacutedia de nobres varotildees

eacute ele oacute filho de Soacutestrato

com seu pai (Zeus) de barulho retumbante que realiza o teu ecircxito

19 Progenitor de de Anfitriatildeo e este o suposto pai de Heacuteracles

11

Tenho em minha liacutengua a fama de uma liacutempida pedra de afiar20

que quando eu quero se aproxima de mim com sopros de belas correntes

Minha avoacute materna era

de Estiacutenfalo a florescente Metopa

Esfrofe 5

que deu agrave luz Teba condutora de cavalos

de cuja deliciosa aacutegua

86 beberei enquanto teccedilo para os varotildees lanceiros

um hino variado Agora incita teus companheiros

oacute Eneias primeiro a Hera

Virginal celebrar

e depois a saber se evitamos o antigo insulto

90 de suiacuteno Beoacutecio com verdadeiras palavras

De fato eacutes correto mensageiro

inteacuterprete das Musas de belos cabelos

doce taccedila de cantos ressoantes

Antiacutestrofe 5

Diz-lhes que se lembrem

de Siracusa e de Ortiacutegia21

que Hieratildeo ao governaacute-la com imaculado cetro

com justos pensamentos

95 honra Demeacuteter de peacutes vermelhos

a festa de sua filha de brancos corceacuteis

e o poder de Zeus do Etna As liras

e as canccedilotildees de doces palavras o conhecem

20 Metaacutefora do fazer poeacutetico em que a liacutengua do poeta eacute estimulada agrave produccedilatildeo de um canto harmonioso 21Parte mais antiga de Siracusa onde estava situado o palaacutecio de Hieratildeo e talvez o de Hageacutesias (ORTEGA

Alfonso 1984 p 100)

12

Que o tempo em seu curso natildeo lhe destrua a felicidade

mas com amaacuteveis atos de amizade

receba (Hieratildeo) o cortejo processional de Hageacutesias

Epodo 5

(cortejo que) vem de uma casa para outra

das muralhas de Estiacutenfalo

100 e deixa a matildee da Arcaacutedia rica em rebanhos

Boas satildeo na tempestuosa

noite para serem lanccediladas de uma nau veloz

duas acircncoras Que o deus

a estes e agravequeles conceda com amizade glorioso destino

Oacute senhor soberano do mar concede uma direta travessia

isenta de dificuldades oacute esposo

105 de Anfitrite da roca de ouro e faz prosperar

a flor jubilosa de meus hinos

O atleta homenageado da ode eacute filho de Soacutestrato (vv 9 80) pertencente agrave

linhagem dos Iacircmidas e de uma mulher cujos antepassados procediam de Cilene (vv 77-

8) montanha ao norte da Arcaacutedia onde se situava a cidade de Estiacutenfalo ndash lugar em que

ocorrera provavelmente a primeira performance22 do epiniacutecio (vv 99-100) e onde o deus

Hermes era cultuado (vv 79-81) Note-se que a referecircncia a essa divindade vincula o

triunfo atleacutetico agrave benevolecircncia divina tendo em vista ter sido Hermes a divindade doadora

da vitoacuteria (v 81) a Hageacutesias Com efeito a relaccedilatildeo entre a vitoacuteria e a vontade dos deuses

constitui um topos23 da poesia pindaacuterica

22 O argumento da maior parte da criacutetica pindaacuterica sobre a ode ter sido executada em Estiacutenfalo fundamenta-

se nos versos 98-105 nos quais o vencedor e seu kocircmos saem de Estiacutenfalo rumo a Siracusa Acresce ainda

que o fato de o laureado ter laccedilos estreitos com as duas cidades motivou uma discussatildeo acerca da localizaccedilatildeo

da premiegravere do canto triunfal (STAMATOPOULOU 2014 p 1)

23 Cf eg Oliacutempicas 9 vv 100-4 13 vv 13-8 Piacutetica 10 vv 10-5

13

De modo anaacutelogo ao proecircmio da Odisseia (vv 1-10) em que natildeo se menciona o

nome do heroacutei Odisseu designado somente no verso 21 tambeacutem em Oliacutempica 6 o nome

do atleta homenageado soacute aparece no verso 12 por meio de uma invocaccedilatildeo muito embora

tenha sido referido indiretamente no verso 4 apenas pela forma verbal em terceira pessoa

e nos versos 4 a 9 por meio da citaccedilatildeo de seus atributos e de sua descendecircncia

Informa tambeacutem o canto agonal ter tido o vencedor dupla funccedilatildeo a de guardiatildeo

do altar profeacutetico de Zeus em Pisa (v 5) ndash tendo em vista ter como ascendente o adivinho

Iacuteamo que recebera de seu pai Apolo o dom da profecia (vv 65-70) ndash e a de cofundador

de Siracusa (v 6)24 Essas referecircncias ao laureado histoacutericas e miacuteticas encontram-se

distribuiacutedas pelos 105 versos que compotildeem as cinco triacuteades de Oliacutempica 6 iniciada com

uma imagem metapoeacutetica ou autorreferencial em que se coteja o fazer poeacutetico com um

monumento e o poeta com um construtor como atesta nos quatro primeiros versos da

ode a presenccedila de termos pertencentes ao campo semacircntico da arquitetura como kiacuteonas

ldquocolunardquo euteikheicirc ldquobem muradordquo prothyacuteroi ldquopoacuterticordquo paacutexomen ldquoconstruamosrdquo e

proacutesōpon ldquofachadardquo entendido este uacuteltimo metaforicamente segundo o leacutexico pindaacuterico

editado por William Slater (1969 p 454) como o proecircmio da ode Logo eacute a

magnificecircncia dessa construccedilatildeo poeacutetico-arquitetocircnica ndash enfatizada pelos adjetivos

khryseacuteas ldquodouradasrdquo e telaugeacutes ldquoque brilha ao longerdquo ndash que torna impereciacuteveis a

efemeridade do evento atleacutetico ndash ideia sumarizada no verso 4 ndash e o proacuteprio destinataacuterio

apresentado ainda na primeira estrofe como vencedor oliacutempico guardiatildeo por heranccedila

paterna do altar divinatoacuterio de Zeus e cofundador de Siracusa ndash atributos que devem

brilhar ao longe

A par dessas metaacuteforas delineia-se na segunda estrofe a imagem do poeta-

condutor quando a persona loquens ao invocar o nome do condutor da quadriga ndash

Fiacutentis25 auriga de Hageacutesias ndash a ele se iguala como assinala o sintagma autorreferencial

baacutesomen oacutekkhon ldquoconduzamos a quadriga de mulasrdquo (v 24) Logo por meio de

linguagem metafoacuterica o fazer poeacutetico e a performance do canto convertem-se assinala

24 Segundo os escolia 8a e 8b Hageacutesias pode ser considerado cofundador de Siracusa porque seus

antepassados participaram da colonizaccedilatildeo desta cidade Entretanto Willamowitz (1922) e Luraghi (1997)

sugeriram que o proacuteprio Hageacutesias teria participada reestruturaccedilatildeo de Siracusa no governo do tirano Gelatildeo

(apud STAMATOPOULOU 2014 p 7 nota 21) Acerca da remodelaccedilatildeo ldquogelonianardquo de Siracusa ver

Hirata (2010 p 28-9)

25 Fiacutentis representa o aristocrata siracusano Hageacutesias patrocinador do treinamento das parelhas do auriga

(CALAME 2005 p 54)

14

Calame (2005 p 53) numa corrida de quadrigas toacutepos na poesia grega arcaica De fato

assim como o atleta conduz a quadriga agrave vitoacuteria tambeacutem o poeta-atleta elabora

harmoniosamente seus versos para glorificar o vencedor e sua linhagem Deste modo

configuram-se nesse percurso metafoacuterico a quadriga e a poesia como vias de acesso agrave

imortalidade a julgar pela presenccedila dos termos sinocircnimos keleuthoacutes (v 23) e hodoacutes (v

25) ldquocaminhordquo o primeiro dos quais representando conotativamente a poesia e o

segundo conservando sua acepccedilatildeo denotativa tem o sentido de rota percorrida pela

carruagem

Aliaacutes essas imagens metafoacutericas natildeo satildeo as uacutenicas empregadas pela persona

loquens para descrever por meio de metalinguagem sua arte poeacutetica comparada ora com

objetos preciosos ndash como na ode em pauta em que a canccedilatildeo eacute relacionada com um poacutertico

de colunas douradas (Ol 6 vv 1-4) ou em outras odes com uma taccedila de ouro (Ol 7

vv 1-4) e com ouro refinado (Nemeia 4 v 82) - ora com o produto resultante do trabalho

das abelhas (Ol 10 v 98 Nemeia 3 v 77) ou com elementos da natureza como a flor

(Ol 6 v 105) soacute para citar algumas Tambeacutem o mister do poeta eacute vinculado a diferentes

atividades profissionais como a de lavrador (Nemeia 6 v 32 Piacutetica 6 v 2) escultor

(Nemeia vv 1-5) arqueiro (Ol 1 v 111 Ol 2 vv 83-6) e tecelatildeo este uacuteltimo labor

evocado em Oliacutempica 6 (v 86) pelo emprego do verbo pleacutekō ldquotecerrdquo metaacutefora frequente

do fazer poeacutetico na poesia meacutelica assinala Calame (2005 p58 n12) Com efeito do

mesmo modo que o tecelatildeo tranccedila com sutileza e habilidade os fios para a confecccedilatildeo do

tecido tambeacutem o poeta elabora seu discurso poeacutetico entrelaccedilando recursos literaacuterios e

linguiacutesticos combinados com o ritmo e a harmonia para a perfeita composiccedilatildeo da ode e

por conseguinte para a glorificaccedilatildeo do atleta vencedor como se infere dos versos 86-7

ldquoteccedilo para os varotildees lanceiros um hino variadordquo

Entre os elementos constitutivos do epiniacutecio pindaacuterico eacute interessante pontuar

ainda a alternacircncia das formas de primeira pessoa26 do singular e do plural (eunoacutes ndash vv

3 21 23 24 82 84 86 e 105) por meio da qual eacute possiacutevel haver um revezamento entre

a voz do poema e a voz do coro dado que torna improdutiva segundo Calame (2005 p

58) a discussatildeo acerca da natureza do sujeito poeacutetico nas odes pindaacutericas ldquonem

unicamente ldquomonoacutedicordquo nem inteiramente coral o eunoacutes do locutor eacute essencialmente

polifocircnicordquo

26 Sobre o emprego da primeira pessoa na poesia pindaacuterica cf LEFKOWITZ Mary op cit 1991 p 1-71

15

Deve-se observar tambeacutem com Claire Muckensturn-Poulle (2009 p 77) que ao

longo da Oliacutempica 6 o sujeito do enunciado confere voz a outros enunciadores ora

empregando o discurso direto como no elogio que Adrasto faz a Anfiarau (vv 16-7) e na

ordem dada por Apolo a Iacuteamo (vv 62-3) no momento em que o deus lhe concede o dom

da profecia ora transferindo por meio de uma ordem sua funccedilatildeo de locutor do canto

agonal a Fiacutentis o auriga de Hageacutesias (v 22) ou a Eneias o khorodidaacuteskalos (vv 88-96)

com os quais se identifica como poeta-condutor e poeta-mestre do coro

Por outro lado haacute dados sugestivos da performance coral da ode e de seu local de

execuccedilatildeo haja vista a invocaccedilatildeo da persona loquens a Eneias possivelmente o

khorodidaacuteskalos - a julgar pelos escoacutelios a essa passagem (148a e 149ordf apud

STAMATOPOULOU 2014 p 11 nota 34 CALAME 2005 p 57 nota 10 p 58 nota

13) - a referecircncia aos hetaicircroi companheiros de Eneias e talvez integrantes do coro e

ainda o voto do sujeito poeacutetico para que o kocircmos ldquocortejo processionalrdquo ao vencedor

apoacutes ter sido apresentado em Estiacutenfalo como julga a maior parte da criacutetica pindaacuterica

acerca da premiegravere do epiniacutecio (apud STAMATOPOULOU 2014 p 2) fosse tambeacutem

recebido pelo tirano Hieratildeo em Siracusa onde seria realizada a reperformance durante a

festa cultual (v 95) dedicada a Demeacuteter e a Perseacutefone deusas tutelares de Siracusa culto

possivelmente organizado pela famiacutelia de Hieratildeo (apud CALAME 2005 p 59)

Evidenciam respectivamente a recepccedilatildeo e a reapresentaccedilatildeo do canto em Siracusa a

forma verbal deacutexaito ldquorecebardquo (v 98) no optativo desiderativo enfatizada pela expressatildeo

sỳn degrave philophrosyacutenas euētaacutetois ldquocom amaacuteveis atos de amizaderdquo e os sintagmas

adverbiais presentes no verso 99 oiacutekothen oiacutekadrsquo ldquode uma casa para outrardquo e apograve

Stymphaliacuteōn ldquode Estiacutenfalordquo e por fim a justaposiccedilatildeo no verso 102 dos pronomes tocircnde

ldquoestesrdquo e keiacutenon ldquoagravequelesrdquo alusivos aos estinfaacutelios e siracusanos respectivamente Assim

como esses elementos apontam para a saiacuteda do vencedor da cidade Estiacutenfalo e Siracusa

eacute ainda um lugar a ser alcanccedilado por via mariacutetima acredita-se que a execuccedilatildeo primeira

do canto tenha ocorrido na cidade da matildee de Hageacutesias Note-se que o atleta e as duas

cidades a de seus antepassados maternos Estiacutenfalo e a sua terra natal Siracusa satildeo ainda

representados respectivamente pelas imagens metafoacutericas do navio e das duas acircncoras

(vv 101-5a) imagens que remetem ao deus do mar Posecircidon invocado pela persona

loquens para conceder uma favoraacutevel travessia ao kocircmos de Hageacutesias do qual

possivelmente fazia parte o chefe do coro responsaacutevel segundo Calame (2005 p 57)

16

pelo treinamento dos coreutashetaicircroi que deveriam transmitir em performance coral a

voz do poeta

Ainda acerca dessa metaacutefora mariacutetima Meacuteautis (1962 p 200) Kirkwood (1982

p 94) a interpretam como uma referecircncia agrave crise poliacutetica instaurada em Siracusa nos

uacuteltimos anos de governo de Hieratildeo crise representada pela imagem da lsquotempestuosa

noitersquo (vv 100-1) Assim na qualidade de cidadatildeo siracusano observa ainda Meacuteautis

(1962 p 200) Hageacutesias prevendo a queda do regime tiracircnico pretendia solicitar uma

nova cidadania em Estiacutenfalo A esse respeito vale mencionar uma vez mais a opiniatildeo

de Stamatopoulou (2014 p 3-4) que compartilhando do ponto de vista de Stehle julga

ter sido a ode executada primeiramente em Estiacutenfalo com o objetivo de estreitarem-se os

laccedilos entre o vencedor e essa cidade da Arcaacutedia

No que concerne ao possiacutevel chefe do coro o sujeito poeacutetico num tom laudatoacuterio

refere-se a Eneias como notou Kirkwood (1982 p 93) acerca do estilo metafoacuterico de

Piacutendaro - como aacutengelos ldquomensageirordquo (v 90) e skytaacutela (v 91)27 traduzido como

ldquointeacuterpreterdquo por ser ele o responsaacutevel pela recepccedilatildeo dos efluacutevios das Musas ndash como

explicita a expressatildeo ldquodoce taccedila de cantos ressoantesrdquo (v 91) - pela transmissatildeo e

reapresentaccedilatildeo da mensagemcanto em Siracusa onde tambeacutem deveria ser objeto de

encocircmio o tirano Hieratildeo do qual se enfatizam o governo justo a piedade religiosa os

triunfos jaacute festejados ldquopelas liras e canccedilotildees de doces palavrasrdquo (vv 96-7) a generosidade

e a amizade (v 98)

Deste modo a referecircncia a Eneias destaca o importante papel do poeta-cantor na

perpetuaccedilatildeo do triunfo agonal Nesse complexo processo de elaboraccedilatildeo poeacutetico-

perfomativa utilizam-se natildeo soacute metaacuteforas como jaacute destacou mas tambeacutem narrativas

miacuteticas relacionadas com a arte divinatoacuteria Assim por meio do elogio ao atleta

homenageado evoca-se primeiramente como modelo miacutetico Anfiarau (vv 12-21) ndash

participante da expediccedilatildeo dos Sete contra Tebas sob o comando de Adrasto rei de

Argos- possuidor das mesmas atribuiccedilotildees do laureado jaacute que ambos satildeo

guerreirogeneral e adivinho Eacute importante enfatizar que a transiccedilatildeo do tempo presente

representado pelo vencedor para o passado miacutetico se estabelece por meio do pronome

relativo hoacuten (v 12) referente ao louvor destinado a Hageacutesias e a Anfiarau e do adveacuterbio

27 Em Esparta espeacutecie de bastatildeo de madeira sobre o qual se enrolavam correias compridas e estreitas com

mensagens secretas lidas e compreendidas por quem possuiacutesse um bastatildeo idecircntico (PINDARE

Olympiques 1971 p 85 nota 4)

17

potrsquo ldquooutrora (v 13) com base no qual se alude ao desaparecimento repentino do

adivinho tebano (v 14) que segundo a versatildeo miacutetica fora arrebatado por Zeus para evitar

a morte do heroacutei como se infere do emprego do verbo katamaacuterptō lsquoengolirrsquo em tmese

que indica ter sido Anfiarau tragado pela terra Observa Barciela (2015 p 53) que esse

corte entre a preposiccedilatildeo kataacute ldquodebaixo derdquo ldquosobrdquo (v 14) e o radical do verbo salienta

natildeo somente o sentido do preveacuterbio mas tambeacutem aponta a razatildeo de natildeo ter Adrasto

encontrado Anfiarau nas sete piras Acredita-se ter sido essa a razatildeo de Adrasto ter

proferido ao adivinho um elogio em discurso direto por meio da imagem metafoacuterica

stratiacircs ophthalmograven emacircs ldquoolho28 do meu exeacutercitordquo metaacutefora que aleacutem de assinalar a

importacircncia de Anfiarau na expediccedilatildeo tebana lhe sintetiza os dois atributos relacionados

respectivamente com a macircntica e com a guerra

Julga-se que a menccedilatildeo ao atributo divinatoacuterio de Anfiarau constitui um meio de

antecipaccedilatildeo do principal mito da ode cujo eixo temaacutetico se centra no nascimento de

Iacuteamo29 (vv 39-47) e em sua iniciaccedilatildeo na arte divinatoacuteria tornando-se o primeiro de uma

famiacutelia de adivinhos ndash os Iacircmidas ndash e o responsaacutevel pelo altar profeacutetico de Zeus em

Oliacutempia (v 70)

Eacute digno de nota ter sido o citado mito introduzido pelas imagens metafoacutericas do

poeta-condutor e da poesia-quadriga por meio das quais anota Calame (2005 p 54)

ocorre um deslocamento geograacutefico-temporal jaacute que a par do movimento de Oliacutempia ndash

lugar onde ocorrera a competiccedilatildeo desportiva ndash para Piacutetana cidade espartana situada junto

ao leito do rio Eurotas na Lacocircnia haacute uma transposiccedilatildeo do tempo da ldquoenunciaccedilatildeo do

cantordquo isto eacute o tempo presente ndash marcado pelo adveacuterbio saacutemeron lsquohojersquo (v 28) ndash para o

passado miacutetico indicado pela referecircncia a Piacutetana- natildeo somente o nome de uma pequena

povoaccedilatildeo de que se compunha Esparta mas tambeacutem o nome de uma ninfa filha do deus-

rio Eurotas e fundadora da linhagem dos Iacircmidas - que unida a Posecircidon gerou em

segredo Evadne matildee de Iacuteamo ancestral miacutetico de uma extensa linhagem de adivinhos

28 Imagem presente em Oliacutempica 2 (v 10) em referecircncia aos ancestrais histoacutericos de Teratildeo de Agrigento

e em Piacutetica 5 (vv 55-7a) em alusatildeo a Bato fundador da estirpe dos reis de Cirene cidade do vencedor

Com relaccedilatildeo agrave imagem do olho em Oliacutempica 6 conveacutem lembrar citando Villarrubia (1995 p 17) Suaacuterez

de la Torre (1989 p 97) e Meacuteautis (1962 p 195) que o escoacutelio pindaacuterico ao citado verso refere a Tebaida

como fonte direta do elogio de Adrasto a Anfiarau 29Como observa Nisetich (1998 p 2) nas odes pindaacutericas eacute conferido destaque maior agrave famiacutelia do vencedor

que ao proacuteprio homenageado jaacute que se busca em fatos preteacuteritos explicaccedilotildees ou justificativas para o

momento presente A esse respeito verifica-se na ode em estudo que a volta ao passado (vv 28-71)

constitui um meio de glorificaccedilatildeo do homenageado

18

cujo representante atual eacute o vencedor oliacutempico Hageacutesias de Siracusa Evadne por sua

vez seduzida por Apolo deu agrave luz Iacuteamo cuja vocaccedilatildeo profeacutetica eacute anunciada na ode pelo

atributo theoacutephrona lsquoinspirado pelos deusesrsquo (v 41) e pelo oraacuteculo de Delfos revelado

ao pai mortal e adotivo de Evadne ndash Eacutepito - a quem satildeo declarados a origem e o dom

divinatoacuterio de Iacuteamo (vv 49b-51) cujo nome de etimologia obscura estaacute associado ao

nome da flor violeta (DUCHEMIN 1955 p 242-3) iacuteon tambeacutem presente no epiacuteteto

atribuiacutedo a Evadne ioacuteplokos ldquocabelo cor de violetardquo (v 30) portanto cor que identifica

Iacuteamo como filho de Evadne Em sintonia com Eleanor Irwin (1996 p 386) acerca de seu

comentaacuterio sobre o ambiente onde Iacuteamo fora abandonado por sua matildee isto eacute khamaiacute ldquono

chatildeordquo (v 45) considera-se que esse lugar eacute tambeacutem ser esse sobrenatural haja vista terem

florescido do chatildeo violetas que forneceram ao receacutem-nascido calor e proteccedilatildeo necessaacuterios

agrave sua sobrevivecircncia Destarte as violetas simbolizam a proacutepria Evadne posto que

exerceram a funccedilatildeo materna

Significativo tambeacutem nessa passagem eacute o fato de ter sido por intervenccedilatildeo divina

(v 46) Iacuteamo alimentado por duas serpentes (45b-47a) com ldquoo veneno irrepreensiacutevel das

abelhasrdquo expressatildeo que se associa anotou Duchemin (1955 p 251) jaacute haacute algum tempo

ao dom da profecia e do fazer poeacutetico Deborah Steiner (1986 p 103) por sua vez refere

acerca dessa passagem que a relaccedilatildeo entre a serpente animal macircntico por excelecircncia

(Meacuteautis 1962 p 196) e o mel anuncia o dom profeacutetico que o receacutem-nascido teria

posteriormente30

Ao chegar agrave adolescecircncia Iacuteamo ciente de sua ascendecircncia divina solicita a seu

avocirc Posecircidon e a seu pai Apolo um atributo que beneficiasse todo o povo uma honra

puacuteblica laoacutethrophos ldquoque alimentasse o povordquo (v 60) Ressalte-se que embora a suacuteplica

tenha sido dirigida a essas duas divindades eacute Apolo nomeado com seu epiacuteteto ldquoarqueiro

guardiatildeo da divina Delosrdquo (v 59) quem concede ao filho o duplo dom da adivinhaccedilatildeo

(vv 65-70) a faculdade de ouvir-lhe a voz profeacutetica pautada sempre na verdade e a

fundaccedilatildeo de oraacuteculo de Zeus em Oliacutempia antes mesmo da instituiccedilatildeo dos Jogos

Oliacutempicos por Heacuteracles Logo com a concessatildeo da daacutediva da adivinhaccedilatildeo encerra-se o

relato miacutetico dos Iacircmidas Faz entatildeo a voz do poema a passagem do tempo miacutetico (vv

71-7) para o passado proacuteximo de Hageacutesias com a alusatildeo laudatoacuteria aos antepassados

30 Acrescente-se que a relaccedilatildeo entre a serpente e a figura de Apolo se justifica pelo fato de a divindade ter

assassinado a serpente Piacuteton para habitar Delfos

19

histoacutericos do vencedor (vv 78-81) e numa referecircncia metapoeacutetica (vv 82-7b) a seus

proacuteprios ancestrais por serem todos procedentes da cidade de Estiacutenfalo dado que

identifica o laureado com a persona loquens

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a C portanto no periacuteodo de produccedilatildeo poeacutetica da Greacutecia tardo-arcaica (550-450 a C) -

eacute considerado unanimemente pela criacutetica moderna o principal representante da poesia

liacuterica da Antiguidade pois sua obra contrariamente agrave de outros poetas liacutericos como

Alceu Safo e Anacreonte natildeo nos chegou em estado muito fragmentaacuterio Com efeito na

transmissatildeo da poesia liacuterica grega Piacutendaro eacute uma exceccedilatildeo jaacute que de todos os subgecircneros

da ldquomeacutelicardquo por ele cultivados2 nos foram legadas por meio de manuscritos datados da

Idade Meacutedia - procedentes talvez da compilaccedilatildeo das odes triunfais realizadas pelos

alexandrinos (ORTEGA 1984 p51) - quatro coletacircneas com 45 epiniacutecios3 cantos

triunfais que celebram de modo geral os vencedores das principais competiccedilotildees pan-

helecircnicas e foram ordenados de acordo com a data de instituiccedilatildeo dos jogos primeiro os

Oliacutempicos (iniciados em 776 a C em Oliacutempia em honra de Zeus e celebrados de quatro

em quatro anos) os Piacuteticos (instituiacutedos em 582 a C em Delfos em honra de Apolo e

realizados de quatro em quatro anos alternando de dois em dois anos com os Oliacutempicos)

os Iacutestmicos (realizados em Corinto desde 581 a C em honra de Posecircidon no mecircs de

1 Com a Piacutetica 6 dedicada a Trasiacutebulo filho de Xenoacutecrates irmatildeo de Teratildeo de Agrigento Piacutendaro inicia

informa Lesky (1995 p 222-4) uma importante relaccedilatildeo com a aristocracia da Siciacutelia firmando laccedilos de

amizade com os tiranos Hieratildeo de Siracusa e Teratildeo de Agrigento Sua ode mais antiga datada de 498 a C

eacute a Piacutetica X dedicada ao jovem tessaacutelio Hipoacutecleas vencedor na corrida dupla 2 Como informa Ortega (1984 p 30-1) a produccedilatildeo literaacuteria de Piacutendaro foi catalogada por Aristoacutefanes de

Bizacircncio em 17 livros (cf SUDA Vita Ambrosiana I 3 6) organizados segundo o criteacuterio de ediccedilatildeo por

gecircneros isto eacute divididos inicialmente pelas diferentes modalidades do lirismo coral e assim classificados

um livro de hinos (cantos em honra aos deuses) um de peatildes (cantos em honra de Apolo) dois de ditirambos

(cantos em honra de Dioniso e ainda de outras divindades [apud ROCHA PEREIRA 2006 p 195 nota

6]) dois de prosoacutedios (cantos em procissatildeo) trecircs de partecircnios (cantos entoados por um coro de donzelas)

dois de hiporquemas (cantos acompanhados de danccedila agitada) um livro de encocircmios (cantos de elogio em

honra de cidadatildeos ilustres) um livro de trenos (cantos fuacutenebres em honra de cidadatildeos) e quatro coletacircneas

de epiniacutecios (cantos de celebraccedilatildeo de atletas vencedores nos Jogos Oliacutempicos Piacuteticos Iacutestmicos e Nemeus)

No que diz respeito agrave ordenaccedilatildeo dos epiniacutecios foram eles organizados em quatro coletacircneas de acordo com

a data de instituiccedilatildeo dos jogos primeiro os Oliacutempicos a seguir os Piacuteticos os Istiacutemicos e os Nemeus No

interior de cada livro as odes foram organizadas segundo a competiccedilatildeo celebrada ndash corrida de cavalos

corrida de cavalos montados corrida de mulas pancraacutecio luta pugilato pentatlo corridas e concursos

musicais Por outro lado tambeacutem natildeo se organizavam as odes por ordem cronoloacutegica das competiccedilotildees e

respectivas vitoacuterias mas eram elas ordenadas de acordo com a importacircncia do atleta vencedor ou da

modalidade de competiccedilatildeo Por exemplo as Piacuteticas 1 2 e 3 celebradas em honra de Hieratildeo de Siracusa

satildeo posteriores em dataccedilatildeo (respectivamente 474 a C data desconhecida e 470 a C) agraves Piacuteticas 6 e 7

compostas respectivamente em 490 e 486 aC em honra de Xenoacutecrates de Agrigento e Meacutegacles de

Atenas

3 Race (1986 p 24) afirma que Piacutendaro ao referir-se a seu fazer poeacutetico emprega os termos hyacutemnos aoidaacute

ou epiniacutekios este uacuteltimo para qualificar suas odes (Nemeia 4 v 78) e natildeo para designar um subgecircnero

especiacutefico No periacuteodo heleniacutestico entretanto assinala Carey (2009 p 32) parece natildeo haver uma distinccedilatildeo

precisa entre a ode que celebrava uma vitoacuteria atleacutetica e outros poemas que continham algum tipo de louvor

A esse respeito Carey cita a ode Nemeia 11 que embora esteja inserida na coletacircnea de epiniacutecios natildeo

celebra uma vitoacuteria desportiva mas a investidura de Aristaacutegoras de Tecircnedos no cargo de priacutetane

3

abril de dois em dois anos alternando-se com os Oliacutempicos e os Piacuteticos) e os Nemeus

(celebrados desde 573 a C em honra de Zeus na planiacutecie de Nemeia tambeacutem de dois

em dois anos no mecircs de julho coincidindo a partir deste ano com os Iacutestmicos) No

contexto da Greacutecia arcaica essas competiccedilotildees eram importantes natildeo somente na esfera

desportiva mas tambeacutem no acircmbito das relaccedilotildees religiosas e poliacuteticas Por outro lado no

acircmbito pessoal a vitoacuteria nesses Jogos facultava ao atleta a gloacuteria imorredoura

materializada no canto triunfal

A liacutengua empregada na composiccedilatildeo desses cantos triunfais consiste numa mescla

dialectal em que se articulam elementos do doacuterico e do eoacutelico e ainda da poesia

homeacuterica resultando num dialeto literaacuterio artificial Diversas satildeo tambeacutem as modalidades

riacutetmicas dispostas preferencialmente em estruturas triaacutedicas em que o metro das estrofes

eacute repetido nas antiacutestrofes apoacutes as quais se seguem os epodos que embora iguais entre

si possuem um padratildeo meacutetrico distinto das duas partes anteriores Portanto a triacuteade

compotildee-se de um sistema riacutetmico formado de estrofe antiacutestrofe e epodo Entretanto sete

odes (Oliacutempica 14 Piacuteticas 6 e 12 Nemeias 2 4 9 e Iacutestmica 8) apresentam estrutura

monostroacutefica isto eacute possuem apenas estrofes em que se repete em todas as partes do

poema o mesmo esquema meacutetrico Nas odes pindaacutericas predominam duas modalidades

riacutetmicas a eoacutelica e a daacutectilo-epiacutetrita com base nas quais Piacutendaro criava para cada ode um

ritmo diferente anotou Frederico Lourenccedilo (2006a p 10-1 2006b p 95-6)

Outros aspectos que tecircm suscitado discussotildees vaacuterias entre os estudiosos dizem

respeito agrave performance e agraves circunstacircncias em que foram executados os epiniacutecios apesar

de natildeo haver respostas definitivas acerca dessas questotildeesQuanto agrave performance4 maioria

4 Segundo informa Lourenccedilo (2009 19-25) a divisatildeo entre meacutelica monoacutedica e meacutelica coral natildeo foi

estabelecida pelos eruditos antigos mas pela maioria dos teoacutericos modernos que seguindo a liccedilatildeo de Karl

O Muumlller em seu compecircndio de Histoacuteria da literatura grega publicada pela primeira vez em inglecircs em

1840 ndash History of the literature of ancient Greece ndash a separaram nessas duas modalidades Essa divisatildeo foi

adotada por Cecil M Bowra em Greek Lyric Poetry (1961) muito embora essa discussatildeo tenha sido

iniciada em comeccedilos do seacuteculo XX por Willamowitz ao analisar as odes Oliacutempicas I e II dedicadas

respectivamente aos tiranos Hieratildeo de Siracusa e Teratildeo de Agrigento que segundo ele teriam tido

execuccedilatildeo monoacutedica e natildeo coral Conforme informa Lourenccedilo (2009 p 25) o estudioso alematildeo julgou

terem as referidas odes indiacutecios sugestivos de que a performance original natildeo exigia a presenccedila do coro Essa complexa questatildeo acerca da performance da poesia coral foi reexaminada por Martin West em 1971

ao investigar os novos achados da obra do poeta coral Estesiacutecoro cujos extensos poemas levaram o

helenista inglecircs a questionar a execuccedilatildeo coral (apud Lourenccedilo 2009 p 22-3) dos poemas Por outro lado

West assinala tambeacutem destaca Lourenccedilo (2009 p 24) que a estrutura triaacutedica da poesia de Estesiacutecoro

constitui somente um princiacutepio de composiccedilatildeo e natildeo uma evidecircncia de performance coral Rocha Pereira

(2006 p 194 nota 5) com base em Pfeiffer e Frederico Lourenccedilo (2009 p 20) essa divisatildeo moderna da

4

dos estudiosos5 julga terem sido os epiniacutecios produzidos para o canto coral6 muito

embora admitam natildeo ser esse tipo de execuccedilatildeo comum a todas as odes do corpus

pindaacuterico jaacute que algumas apresentam indiacutecios de ter sido a performance monoacutedica7 Por

sua vez Mary Lefkowitz (1991 p 70-1)8 considerando o emprego de referecircncias pessoais

na poesia de Piacutendaro eacute de opiniatildeo que grande parte dos epiniacutecios foi apresentada por um

cantor solo

Em referecircncia ao local de performance difiacutecil tambeacutem se torna assegurar com

exatidatildeo o cenaacuterio em que as odes foram apresentadas pois as informaccedilotildees nelas contidas

natildeo satildeo agraves vezes muito claras A esse respeito no entanto haacute unanimidade entre os

criacuteticos de terem sido os seguintes os locais de execuccedilatildeo dos epiniacutecios a saber o proacuteprio

local da vitoacuteria9 a cidade ou a casa do homenageado10 ou ainda um templo ou santuaacuterio

situados no local da vitoacuteria ou na cidade11 do vencedor Logo pode-se dizer que os

epiniacutecios estavam circunscritos a um ambiente de festa ou puacuteblico ou privado

Embora a vitoacuteria atleacutetica seja a motivaccedilatildeo primeira do canto agonal nele natildeo se

privilegiam as circunstacircncias do acontecimento desportivo que se dilui em meio a outros

elementos caracteriacutesticos da ode pindaacuterica Assim encontram-se nas odes referecircncias ao

vencedor a seus antepassados ndash histoacutericos ou miacuteticos - aos triunfos obtidos em outros

jogos ao lugar da vitoacuteria agraves circunstacircncias de sua vida dados esses que se podem

relacionar com narrativas miacuteticas de valor paradigmaacutetico natildeo apresentadas na iacutentegra

apenas em parte ou simplesmente aludidas (Kirkwood 1982 p 15) e inseridas em geral

poesia liacuterica em monoacutedica e coral tem levado outros estudiosos modernos a citar uma passagem da obra de

Platatildeo (Leis VI 764 d-e) para justificar erroneamente a antiguidade da separaccedilatildeo entre monodia e canccedilatildeo

coral Na verdade esse passo de Platatildeo se refere observam Rocha Pereira e Frederico Lourenccedilo ao

treinamento de cantores solistas e cantores corais durante uma discussatildeo acerca da educaccedilatildeo musical

Logo para esses helenistas entre outros a distinccedilatildeo liacuterica monoacutedica e coral eacute moderna

5 Cf SULLIVAN S D Aspects of the ldquofictive Irdquo in Pindar adress to psychic enteties Emerita vol

LXX 1 2002 p 83-4 NISETICH F J Pindarrdquos Victory Songs London The Johns Hopkins University

Press 1980 p 2 6Citam-se eg Piacutetica 1 vv 1-4 Piacutetica 10 vv 55-8 Oliacutempica 6 vv 87-92 7 Cf Nemeia 4 vv 13-6 8 A respeito das referecircncias pessoais nos epiniacutecios pindaacutericos cf Lefkowitz Mary R First-Person

Fictions Pindarrsquos Poetic lsquoIrsquo Oxford Clarendon Press 1991 p 1-71 9 A Piacutetica 7 celebrada em honra de Meacutegacles de Atenas foi cantada em uma festividade puacuteblica em Delfos

10 As Oliacutempicas 1 e 2 dedicadas aos tiranos Hieratildeo de Siracusa e a Teratildeo de Agrigento respectivamente

foram celebradas em banquetes nas cortes desses tiranos

11 A Oliacutempica 3 (vv 1-3) em honra do tirano Teratildeo de Agrigento foi executada num templo por ocasiatildeo

das Teoxecircnias festas populares consagradas aos Dioacutescuros Castor e Poacutelux e a Helena

5

- afirma Rocha Pereira (2006 p 223) ndash para ilustrar sentenccedilas gnocircmicas as gnocircmai que

aleacutem de terem uma funccedilatildeo didaacutetica enunciando conselhos de ordem moral ou maacuteximas

de caraacuteter universal e atemporal podem ser empregadas como elementos de transiccedilatildeo

entre as partes da ode e ser expressas antes da narrativa miacutetica esta uacuteltima natildeo presente

em todas as odes12 Por fim Piacutendaro tece comentaacuterios acerca de seu mister destinado a

representantes da aristocracia da Greacutecia do seacuteculo V a C para os quais compocircs por

encomenda cantos triunfais fato que vincula seu fazer poeacutetico ao mecenato13 e ainda

ao contexto histoacuterico de seu tempo Com efeito enaltecem-se em seus versos os princiacutepios

aristocraacuteticos cuja base residia no poder da ancestralidade na riqueza e ainda na

excelecircncia fiacutesica e moral dos nobres seus contemporacircneos e vencedores dos agocircnes

atleacuteticos Portanto sendo os epiniacutecios instrumentos de legitimaccedilatildeo do poder

aristocraacutetico14 constitui entatildeo a ode Oliacutempica 615 um dos importantes testemunhos

histoacuterico-literaacuterios tendo em vista ter sido composta para celebrar a vitoacuteria de Hageacutesias

de Siracusa - chefe militar16 do tirano Hieratildeo de Siracusa (478- 467-6)17 - numa quadriga

de mulas em 472 ou 468 a C

Estrofe 1

Estabelecendo douradas

colunas debaixo de um bem murado poacutertico do santuaacuterio

como se estabelece um belo palaacutecio

construamos Iniciado o trabalho

eacute preciso dar-lhe uma fachada que brilhe ao longe Mas se

ele eacute um vencedor Oliacutempico

5 guardiatildeo no altar profeacutetico de Zeus em Pisa

12 Cf Oliacutempicas 5 11 12 e 14 Piacutetica 7 Nemeias 2 e 11 e Iacutestmicas 2 e 3 13 Na Greacutecia arcaica a poesia de modo anaacutelogo a outras atividades profissionais passou a ter um valor

comercial como se infere por exemplo de Piacutetica 11 vv 41-2 ldquoMusa se concordas em conceder por

salaacuterio tua voz venal eacute preciso que teu ofiacutecio seja divulgado aqui e laacuterdquo (Traduccedilatildeo nossa) 14 Sobre as formas de legitimaccedilatildeo do poder aristocraacutetico em especial dos tiranos siciliotas cf HIRATA

Elaine F V 2010 p 23-41 15 A traduccedilatildeo de Oliacutempica 6 eacute de responsabilidade das autoras deste trabalho e constitui parte da pesquisa

interinstitucional (UFRJUFF) por elas desenvolvida sobre as odes Oliacutempicas A ediccedilatildeo criacutetica eacute a

estabelecida por Snell-Maehler 1987 16 Cf PINDARE Olympiques Paris Les Belles Lettres 1970 p 74-5 17 Para detalhes acerca das tiranias siciliotas cf HIRATA Elaine F V 2010 p 23-41 VALLET Georges

Pindare et la Sicile In Entretiens sur lrsquo Antiquiteacute Classique Pindare Vandoeuvres ndash Genegraveve Fondation

Hardt 1984 p 285-327

6

e cofundador da afamada Siracusa

de que hino fugiria

tal homem ao encontrar

cidadatildeos sem inveja no meio de cantos encantadores

Antiacutestrofe 1

Saiba na verdade que nesta sandaacutelia18

tem seu peacute afortunado

o filho de Soacutestrato Faccedilanhas sem riscos

10 nem junto aos homens nem nas cocircncavas naus

satildeo honradas mas muitos se lembram

quando algo de belo foi realizado com esforccedilo

Oacute Hageacutesias eacute teu o real elogio que com justo

discurso Adrasto outrora proclamara para o vidente

filho de Oicles Anfiarau

quando a terra o

engoliu e tambeacutem os seus brilhantes cavalos

Epodo 1

15 Depois quando tinham queimado as sete piras

de cadaacuteveres o filho de Talau (Adrasto)

proferiu em Tebas o seguinte discurso

lsquoEstou com saudades do olho de meu exeacutercito

bom em duas coisas ser adivinho e

combater com a lanccedilarsquo Isto tambeacutem

eacute verdadeiro para o homem de Siracusa senhor do cortejo processional

Embora natildeo seja ele propenso agrave desavenccedila nem amigo de disputa em excesso

18Com valor metafoacuterico na acepccedilatildeo de ldquonesta posiccedilatildeordquo (SLATER1969 p 401)

7

20 fazendo um grande juramento disso claramente lhe

darei testemunho e com vozes doces como o mel

as Musas o aprovaratildeo

Estrofe 2

Oacute Fiacutentis pois bem atrela agora

para mim a forccedila das mulas

o mais raacutepido possiacutevel para que em caminho puro

conduzamos a quadriga de mulas e eu chegue ateacute

25 a linhagem destes homens pois essas mulas mais do que

outras sabem abrir

esse caminho jaacute que coroas em Oliacutempia

ganharam eacute preciso entatildeo

abrir-lhes as portas dos hinos

e a Piacutetana junto do curso do Eurotas

eacute preciso chegar hoje em hora oportuna

Antiacutestrofe 2

Diz-se que Piacutetana unida a Posecircidon

filho de Crono

30 deu agrave luz uma filha com cabelo cor de violeta Evadne

Mas nas pregas de sua roupa escondeu a gravidez

e enviando no mecircs determinado

suas servas ordenou-lhes

que entregassem a crianccedila aos cuidados do heroacutei Eacutepito filho de Eacutelato

que reinava sobre os homens da Arcaacutedia em Fesana

e fora designado para habitar o Alfeu

35 Tendo sido criada aiacute sob o domiacutenio de Apolo

(Evadne) experimentou pela primeira vez a doccedilura de Afrodite

8

Epodo 2

E ela natildeo ocultou de Eacutepito durante toda

o tempo o filho do deus

Mas ele (Eacutepito) foi para Delfos reprimindo no coraccedilatildeo

a raiva inenarraacutevel com agudo propoacutesito

para consultar o oraacuteculo sobre

esse sofrimento insuportaacutevel

Ela por sua vez logo que depocircs a cinta purpuacuterea

40 e o cacircntaro de prata debaixo da mata sombria

deu agrave luz um filho inspirado pelos deuses Junto dela o de aacuteureos cabelos (Apolo)

estabeleceu a amaacutevel Iliacutetia

e as Moicircras

Estrofe 3

E de seu ventre no meio das dores

amaacuteveis do parto Iacuteamo

veio logo agrave luz E ela (Evadne) angustiada

45 deixou-o no chatildeo mas duas serpentes de olhos brilhantes

por desiacutegnio dos deuses cuidando dele

o alimentaram com o irrepreensiacutevel

veneno das abelhas Mas quando o rei

conduzindo seu carro chegou da

rochosa Delfos a todos em casa

perguntou sobre a crianccedila que Evadne

dera agrave luz de fato ele (Eacutepito) dizia que a crianccedila era filho de Febo

Antiacutestrofe 3

50 que acima dos mortais seria um adivinho para os homens

e jamais lhe faltaria descendecircncia

9

Assim entatildeo declarou Mas eles confessavam que natildeo o tinham ouvido

nem visto

embora tivesse nascido havia cinco dias Mas

na verdade estava escondido num canteiro de juncos no impenetraacutevel matagal

55 pelos raios dourados e roxos das violetas

banhado em seu delicado

corpo Por isso sua matildee declarou

que ele fosse chamado durante todo o tempo

por esse nome imortal

Mas depois que recebeu o fruto da amaacutevel

Juventude da coroa dourada descendo no meio do Alfeu

invocou o poderoso Posecircidon

seu avocirc e o arqueiro guardiatildeo

da divina Delos

60 pedindo para sua cabeccedila uma honra que alimentasse o povo

no ar livre da noite Clara ressoou a voz paterna e lhe pediu

lsquoLevanta-te filho

vem aqui para a terra paterna

atraacutes da minha vozrsquo

Estrofe 4

Chegaram ao escarpado

rochedo do monte de Crono

65 onde ele lhe outorgou o duplo tesouro

da adivinhaccedilatildeo primeiro ouvir a voz

desconhecedora das mentiras e depois quando

chegasse o de ousados expedientes

10

Heacuteracles majestoso filho dos Alceus19

69 para fundar em honra de seu pai uma festa concorrida

e o maior festival dos jogos

70 na parte mais alta do altar de Zeus

ordenou entatildeo que (Iacuteamo) estabelecesse o oraacuteculo

Antiacutestrofe 4

Desde aquele momento eacute renomada entre

os Helenos a linhagem dos Iacircmidas

A prosperidade os acompanhou ao mesmo tempo E honrando as virtudes

percorrem um caminho visiacutevel daacute provas disso

cada accedilatildeo (deles) Mas a censura da parte

de outros invejosos estaacute suspensa

75 sobre aqueles que foram outrora os primeiros a conduzir o carro na corrida de doze

voltas

e sobre os quais a Graccedila veneranda derrama

gloriosa forma corporal

Se na verdade habitando sob a montanha

de Cilene oacute Hageacutesias teus antepassados maternos

Epodo 4

presentearam

muitas vezes o arauto dos deuses

Hermes com muitos sacrifiacutecios suplicantes de modo piedoso

ele que rege as competiccedilotildees atleacuteticas e a devida parte dos precircmios

80 e honra a Arcaacutedia de nobres varotildees

eacute ele oacute filho de Soacutestrato

com seu pai (Zeus) de barulho retumbante que realiza o teu ecircxito

19 Progenitor de de Anfitriatildeo e este o suposto pai de Heacuteracles

11

Tenho em minha liacutengua a fama de uma liacutempida pedra de afiar20

que quando eu quero se aproxima de mim com sopros de belas correntes

Minha avoacute materna era

de Estiacutenfalo a florescente Metopa

Esfrofe 5

que deu agrave luz Teba condutora de cavalos

de cuja deliciosa aacutegua

86 beberei enquanto teccedilo para os varotildees lanceiros

um hino variado Agora incita teus companheiros

oacute Eneias primeiro a Hera

Virginal celebrar

e depois a saber se evitamos o antigo insulto

90 de suiacuteno Beoacutecio com verdadeiras palavras

De fato eacutes correto mensageiro

inteacuterprete das Musas de belos cabelos

doce taccedila de cantos ressoantes

Antiacutestrofe 5

Diz-lhes que se lembrem

de Siracusa e de Ortiacutegia21

que Hieratildeo ao governaacute-la com imaculado cetro

com justos pensamentos

95 honra Demeacuteter de peacutes vermelhos

a festa de sua filha de brancos corceacuteis

e o poder de Zeus do Etna As liras

e as canccedilotildees de doces palavras o conhecem

20 Metaacutefora do fazer poeacutetico em que a liacutengua do poeta eacute estimulada agrave produccedilatildeo de um canto harmonioso 21Parte mais antiga de Siracusa onde estava situado o palaacutecio de Hieratildeo e talvez o de Hageacutesias (ORTEGA

Alfonso 1984 p 100)

12

Que o tempo em seu curso natildeo lhe destrua a felicidade

mas com amaacuteveis atos de amizade

receba (Hieratildeo) o cortejo processional de Hageacutesias

Epodo 5

(cortejo que) vem de uma casa para outra

das muralhas de Estiacutenfalo

100 e deixa a matildee da Arcaacutedia rica em rebanhos

Boas satildeo na tempestuosa

noite para serem lanccediladas de uma nau veloz

duas acircncoras Que o deus

a estes e agravequeles conceda com amizade glorioso destino

Oacute senhor soberano do mar concede uma direta travessia

isenta de dificuldades oacute esposo

105 de Anfitrite da roca de ouro e faz prosperar

a flor jubilosa de meus hinos

O atleta homenageado da ode eacute filho de Soacutestrato (vv 9 80) pertencente agrave

linhagem dos Iacircmidas e de uma mulher cujos antepassados procediam de Cilene (vv 77-

8) montanha ao norte da Arcaacutedia onde se situava a cidade de Estiacutenfalo ndash lugar em que

ocorrera provavelmente a primeira performance22 do epiniacutecio (vv 99-100) e onde o deus

Hermes era cultuado (vv 79-81) Note-se que a referecircncia a essa divindade vincula o

triunfo atleacutetico agrave benevolecircncia divina tendo em vista ter sido Hermes a divindade doadora

da vitoacuteria (v 81) a Hageacutesias Com efeito a relaccedilatildeo entre a vitoacuteria e a vontade dos deuses

constitui um topos23 da poesia pindaacuterica

22 O argumento da maior parte da criacutetica pindaacuterica sobre a ode ter sido executada em Estiacutenfalo fundamenta-

se nos versos 98-105 nos quais o vencedor e seu kocircmos saem de Estiacutenfalo rumo a Siracusa Acresce ainda

que o fato de o laureado ter laccedilos estreitos com as duas cidades motivou uma discussatildeo acerca da localizaccedilatildeo

da premiegravere do canto triunfal (STAMATOPOULOU 2014 p 1)

23 Cf eg Oliacutempicas 9 vv 100-4 13 vv 13-8 Piacutetica 10 vv 10-5

13

De modo anaacutelogo ao proecircmio da Odisseia (vv 1-10) em que natildeo se menciona o

nome do heroacutei Odisseu designado somente no verso 21 tambeacutem em Oliacutempica 6 o nome

do atleta homenageado soacute aparece no verso 12 por meio de uma invocaccedilatildeo muito embora

tenha sido referido indiretamente no verso 4 apenas pela forma verbal em terceira pessoa

e nos versos 4 a 9 por meio da citaccedilatildeo de seus atributos e de sua descendecircncia

Informa tambeacutem o canto agonal ter tido o vencedor dupla funccedilatildeo a de guardiatildeo

do altar profeacutetico de Zeus em Pisa (v 5) ndash tendo em vista ter como ascendente o adivinho

Iacuteamo que recebera de seu pai Apolo o dom da profecia (vv 65-70) ndash e a de cofundador

de Siracusa (v 6)24 Essas referecircncias ao laureado histoacutericas e miacuteticas encontram-se

distribuiacutedas pelos 105 versos que compotildeem as cinco triacuteades de Oliacutempica 6 iniciada com

uma imagem metapoeacutetica ou autorreferencial em que se coteja o fazer poeacutetico com um

monumento e o poeta com um construtor como atesta nos quatro primeiros versos da

ode a presenccedila de termos pertencentes ao campo semacircntico da arquitetura como kiacuteonas

ldquocolunardquo euteikheicirc ldquobem muradordquo prothyacuteroi ldquopoacuterticordquo paacutexomen ldquoconstruamosrdquo e

proacutesōpon ldquofachadardquo entendido este uacuteltimo metaforicamente segundo o leacutexico pindaacuterico

editado por William Slater (1969 p 454) como o proecircmio da ode Logo eacute a

magnificecircncia dessa construccedilatildeo poeacutetico-arquitetocircnica ndash enfatizada pelos adjetivos

khryseacuteas ldquodouradasrdquo e telaugeacutes ldquoque brilha ao longerdquo ndash que torna impereciacuteveis a

efemeridade do evento atleacutetico ndash ideia sumarizada no verso 4 ndash e o proacuteprio destinataacuterio

apresentado ainda na primeira estrofe como vencedor oliacutempico guardiatildeo por heranccedila

paterna do altar divinatoacuterio de Zeus e cofundador de Siracusa ndash atributos que devem

brilhar ao longe

A par dessas metaacuteforas delineia-se na segunda estrofe a imagem do poeta-

condutor quando a persona loquens ao invocar o nome do condutor da quadriga ndash

Fiacutentis25 auriga de Hageacutesias ndash a ele se iguala como assinala o sintagma autorreferencial

baacutesomen oacutekkhon ldquoconduzamos a quadriga de mulasrdquo (v 24) Logo por meio de

linguagem metafoacuterica o fazer poeacutetico e a performance do canto convertem-se assinala

24 Segundo os escolia 8a e 8b Hageacutesias pode ser considerado cofundador de Siracusa porque seus

antepassados participaram da colonizaccedilatildeo desta cidade Entretanto Willamowitz (1922) e Luraghi (1997)

sugeriram que o proacuteprio Hageacutesias teria participada reestruturaccedilatildeo de Siracusa no governo do tirano Gelatildeo

(apud STAMATOPOULOU 2014 p 7 nota 21) Acerca da remodelaccedilatildeo ldquogelonianardquo de Siracusa ver

Hirata (2010 p 28-9)

25 Fiacutentis representa o aristocrata siracusano Hageacutesias patrocinador do treinamento das parelhas do auriga

(CALAME 2005 p 54)

14

Calame (2005 p 53) numa corrida de quadrigas toacutepos na poesia grega arcaica De fato

assim como o atleta conduz a quadriga agrave vitoacuteria tambeacutem o poeta-atleta elabora

harmoniosamente seus versos para glorificar o vencedor e sua linhagem Deste modo

configuram-se nesse percurso metafoacuterico a quadriga e a poesia como vias de acesso agrave

imortalidade a julgar pela presenccedila dos termos sinocircnimos keleuthoacutes (v 23) e hodoacutes (v

25) ldquocaminhordquo o primeiro dos quais representando conotativamente a poesia e o

segundo conservando sua acepccedilatildeo denotativa tem o sentido de rota percorrida pela

carruagem

Aliaacutes essas imagens metafoacutericas natildeo satildeo as uacutenicas empregadas pela persona

loquens para descrever por meio de metalinguagem sua arte poeacutetica comparada ora com

objetos preciosos ndash como na ode em pauta em que a canccedilatildeo eacute relacionada com um poacutertico

de colunas douradas (Ol 6 vv 1-4) ou em outras odes com uma taccedila de ouro (Ol 7

vv 1-4) e com ouro refinado (Nemeia 4 v 82) - ora com o produto resultante do trabalho

das abelhas (Ol 10 v 98 Nemeia 3 v 77) ou com elementos da natureza como a flor

(Ol 6 v 105) soacute para citar algumas Tambeacutem o mister do poeta eacute vinculado a diferentes

atividades profissionais como a de lavrador (Nemeia 6 v 32 Piacutetica 6 v 2) escultor

(Nemeia vv 1-5) arqueiro (Ol 1 v 111 Ol 2 vv 83-6) e tecelatildeo este uacuteltimo labor

evocado em Oliacutempica 6 (v 86) pelo emprego do verbo pleacutekō ldquotecerrdquo metaacutefora frequente

do fazer poeacutetico na poesia meacutelica assinala Calame (2005 p58 n12) Com efeito do

mesmo modo que o tecelatildeo tranccedila com sutileza e habilidade os fios para a confecccedilatildeo do

tecido tambeacutem o poeta elabora seu discurso poeacutetico entrelaccedilando recursos literaacuterios e

linguiacutesticos combinados com o ritmo e a harmonia para a perfeita composiccedilatildeo da ode e

por conseguinte para a glorificaccedilatildeo do atleta vencedor como se infere dos versos 86-7

ldquoteccedilo para os varotildees lanceiros um hino variadordquo

Entre os elementos constitutivos do epiniacutecio pindaacuterico eacute interessante pontuar

ainda a alternacircncia das formas de primeira pessoa26 do singular e do plural (eunoacutes ndash vv

3 21 23 24 82 84 86 e 105) por meio da qual eacute possiacutevel haver um revezamento entre

a voz do poema e a voz do coro dado que torna improdutiva segundo Calame (2005 p

58) a discussatildeo acerca da natureza do sujeito poeacutetico nas odes pindaacutericas ldquonem

unicamente ldquomonoacutedicordquo nem inteiramente coral o eunoacutes do locutor eacute essencialmente

polifocircnicordquo

26 Sobre o emprego da primeira pessoa na poesia pindaacuterica cf LEFKOWITZ Mary op cit 1991 p 1-71

15

Deve-se observar tambeacutem com Claire Muckensturn-Poulle (2009 p 77) que ao

longo da Oliacutempica 6 o sujeito do enunciado confere voz a outros enunciadores ora

empregando o discurso direto como no elogio que Adrasto faz a Anfiarau (vv 16-7) e na

ordem dada por Apolo a Iacuteamo (vv 62-3) no momento em que o deus lhe concede o dom

da profecia ora transferindo por meio de uma ordem sua funccedilatildeo de locutor do canto

agonal a Fiacutentis o auriga de Hageacutesias (v 22) ou a Eneias o khorodidaacuteskalos (vv 88-96)

com os quais se identifica como poeta-condutor e poeta-mestre do coro

Por outro lado haacute dados sugestivos da performance coral da ode e de seu local de

execuccedilatildeo haja vista a invocaccedilatildeo da persona loquens a Eneias possivelmente o

khorodidaacuteskalos - a julgar pelos escoacutelios a essa passagem (148a e 149ordf apud

STAMATOPOULOU 2014 p 11 nota 34 CALAME 2005 p 57 nota 10 p 58 nota

13) - a referecircncia aos hetaicircroi companheiros de Eneias e talvez integrantes do coro e

ainda o voto do sujeito poeacutetico para que o kocircmos ldquocortejo processionalrdquo ao vencedor

apoacutes ter sido apresentado em Estiacutenfalo como julga a maior parte da criacutetica pindaacuterica

acerca da premiegravere do epiniacutecio (apud STAMATOPOULOU 2014 p 2) fosse tambeacutem

recebido pelo tirano Hieratildeo em Siracusa onde seria realizada a reperformance durante a

festa cultual (v 95) dedicada a Demeacuteter e a Perseacutefone deusas tutelares de Siracusa culto

possivelmente organizado pela famiacutelia de Hieratildeo (apud CALAME 2005 p 59)

Evidenciam respectivamente a recepccedilatildeo e a reapresentaccedilatildeo do canto em Siracusa a

forma verbal deacutexaito ldquorecebardquo (v 98) no optativo desiderativo enfatizada pela expressatildeo

sỳn degrave philophrosyacutenas euētaacutetois ldquocom amaacuteveis atos de amizaderdquo e os sintagmas

adverbiais presentes no verso 99 oiacutekothen oiacutekadrsquo ldquode uma casa para outrardquo e apograve

Stymphaliacuteōn ldquode Estiacutenfalordquo e por fim a justaposiccedilatildeo no verso 102 dos pronomes tocircnde

ldquoestesrdquo e keiacutenon ldquoagravequelesrdquo alusivos aos estinfaacutelios e siracusanos respectivamente Assim

como esses elementos apontam para a saiacuteda do vencedor da cidade Estiacutenfalo e Siracusa

eacute ainda um lugar a ser alcanccedilado por via mariacutetima acredita-se que a execuccedilatildeo primeira

do canto tenha ocorrido na cidade da matildee de Hageacutesias Note-se que o atleta e as duas

cidades a de seus antepassados maternos Estiacutenfalo e a sua terra natal Siracusa satildeo ainda

representados respectivamente pelas imagens metafoacutericas do navio e das duas acircncoras

(vv 101-5a) imagens que remetem ao deus do mar Posecircidon invocado pela persona

loquens para conceder uma favoraacutevel travessia ao kocircmos de Hageacutesias do qual

possivelmente fazia parte o chefe do coro responsaacutevel segundo Calame (2005 p 57)

16

pelo treinamento dos coreutashetaicircroi que deveriam transmitir em performance coral a

voz do poeta

Ainda acerca dessa metaacutefora mariacutetima Meacuteautis (1962 p 200) Kirkwood (1982

p 94) a interpretam como uma referecircncia agrave crise poliacutetica instaurada em Siracusa nos

uacuteltimos anos de governo de Hieratildeo crise representada pela imagem da lsquotempestuosa

noitersquo (vv 100-1) Assim na qualidade de cidadatildeo siracusano observa ainda Meacuteautis

(1962 p 200) Hageacutesias prevendo a queda do regime tiracircnico pretendia solicitar uma

nova cidadania em Estiacutenfalo A esse respeito vale mencionar uma vez mais a opiniatildeo

de Stamatopoulou (2014 p 3-4) que compartilhando do ponto de vista de Stehle julga

ter sido a ode executada primeiramente em Estiacutenfalo com o objetivo de estreitarem-se os

laccedilos entre o vencedor e essa cidade da Arcaacutedia

No que concerne ao possiacutevel chefe do coro o sujeito poeacutetico num tom laudatoacuterio

refere-se a Eneias como notou Kirkwood (1982 p 93) acerca do estilo metafoacuterico de

Piacutendaro - como aacutengelos ldquomensageirordquo (v 90) e skytaacutela (v 91)27 traduzido como

ldquointeacuterpreterdquo por ser ele o responsaacutevel pela recepccedilatildeo dos efluacutevios das Musas ndash como

explicita a expressatildeo ldquodoce taccedila de cantos ressoantesrdquo (v 91) - pela transmissatildeo e

reapresentaccedilatildeo da mensagemcanto em Siracusa onde tambeacutem deveria ser objeto de

encocircmio o tirano Hieratildeo do qual se enfatizam o governo justo a piedade religiosa os

triunfos jaacute festejados ldquopelas liras e canccedilotildees de doces palavrasrdquo (vv 96-7) a generosidade

e a amizade (v 98)

Deste modo a referecircncia a Eneias destaca o importante papel do poeta-cantor na

perpetuaccedilatildeo do triunfo agonal Nesse complexo processo de elaboraccedilatildeo poeacutetico-

perfomativa utilizam-se natildeo soacute metaacuteforas como jaacute destacou mas tambeacutem narrativas

miacuteticas relacionadas com a arte divinatoacuteria Assim por meio do elogio ao atleta

homenageado evoca-se primeiramente como modelo miacutetico Anfiarau (vv 12-21) ndash

participante da expediccedilatildeo dos Sete contra Tebas sob o comando de Adrasto rei de

Argos- possuidor das mesmas atribuiccedilotildees do laureado jaacute que ambos satildeo

guerreirogeneral e adivinho Eacute importante enfatizar que a transiccedilatildeo do tempo presente

representado pelo vencedor para o passado miacutetico se estabelece por meio do pronome

relativo hoacuten (v 12) referente ao louvor destinado a Hageacutesias e a Anfiarau e do adveacuterbio

27 Em Esparta espeacutecie de bastatildeo de madeira sobre o qual se enrolavam correias compridas e estreitas com

mensagens secretas lidas e compreendidas por quem possuiacutesse um bastatildeo idecircntico (PINDARE

Olympiques 1971 p 85 nota 4)

17

potrsquo ldquooutrora (v 13) com base no qual se alude ao desaparecimento repentino do

adivinho tebano (v 14) que segundo a versatildeo miacutetica fora arrebatado por Zeus para evitar

a morte do heroacutei como se infere do emprego do verbo katamaacuterptō lsquoengolirrsquo em tmese

que indica ter sido Anfiarau tragado pela terra Observa Barciela (2015 p 53) que esse

corte entre a preposiccedilatildeo kataacute ldquodebaixo derdquo ldquosobrdquo (v 14) e o radical do verbo salienta

natildeo somente o sentido do preveacuterbio mas tambeacutem aponta a razatildeo de natildeo ter Adrasto

encontrado Anfiarau nas sete piras Acredita-se ter sido essa a razatildeo de Adrasto ter

proferido ao adivinho um elogio em discurso direto por meio da imagem metafoacuterica

stratiacircs ophthalmograven emacircs ldquoolho28 do meu exeacutercitordquo metaacutefora que aleacutem de assinalar a

importacircncia de Anfiarau na expediccedilatildeo tebana lhe sintetiza os dois atributos relacionados

respectivamente com a macircntica e com a guerra

Julga-se que a menccedilatildeo ao atributo divinatoacuterio de Anfiarau constitui um meio de

antecipaccedilatildeo do principal mito da ode cujo eixo temaacutetico se centra no nascimento de

Iacuteamo29 (vv 39-47) e em sua iniciaccedilatildeo na arte divinatoacuteria tornando-se o primeiro de uma

famiacutelia de adivinhos ndash os Iacircmidas ndash e o responsaacutevel pelo altar profeacutetico de Zeus em

Oliacutempia (v 70)

Eacute digno de nota ter sido o citado mito introduzido pelas imagens metafoacutericas do

poeta-condutor e da poesia-quadriga por meio das quais anota Calame (2005 p 54)

ocorre um deslocamento geograacutefico-temporal jaacute que a par do movimento de Oliacutempia ndash

lugar onde ocorrera a competiccedilatildeo desportiva ndash para Piacutetana cidade espartana situada junto

ao leito do rio Eurotas na Lacocircnia haacute uma transposiccedilatildeo do tempo da ldquoenunciaccedilatildeo do

cantordquo isto eacute o tempo presente ndash marcado pelo adveacuterbio saacutemeron lsquohojersquo (v 28) ndash para o

passado miacutetico indicado pela referecircncia a Piacutetana- natildeo somente o nome de uma pequena

povoaccedilatildeo de que se compunha Esparta mas tambeacutem o nome de uma ninfa filha do deus-

rio Eurotas e fundadora da linhagem dos Iacircmidas - que unida a Posecircidon gerou em

segredo Evadne matildee de Iacuteamo ancestral miacutetico de uma extensa linhagem de adivinhos

28 Imagem presente em Oliacutempica 2 (v 10) em referecircncia aos ancestrais histoacutericos de Teratildeo de Agrigento

e em Piacutetica 5 (vv 55-7a) em alusatildeo a Bato fundador da estirpe dos reis de Cirene cidade do vencedor

Com relaccedilatildeo agrave imagem do olho em Oliacutempica 6 conveacutem lembrar citando Villarrubia (1995 p 17) Suaacuterez

de la Torre (1989 p 97) e Meacuteautis (1962 p 195) que o escoacutelio pindaacuterico ao citado verso refere a Tebaida

como fonte direta do elogio de Adrasto a Anfiarau 29Como observa Nisetich (1998 p 2) nas odes pindaacutericas eacute conferido destaque maior agrave famiacutelia do vencedor

que ao proacuteprio homenageado jaacute que se busca em fatos preteacuteritos explicaccedilotildees ou justificativas para o

momento presente A esse respeito verifica-se na ode em estudo que a volta ao passado (vv 28-71)

constitui um meio de glorificaccedilatildeo do homenageado

18

cujo representante atual eacute o vencedor oliacutempico Hageacutesias de Siracusa Evadne por sua

vez seduzida por Apolo deu agrave luz Iacuteamo cuja vocaccedilatildeo profeacutetica eacute anunciada na ode pelo

atributo theoacutephrona lsquoinspirado pelos deusesrsquo (v 41) e pelo oraacuteculo de Delfos revelado

ao pai mortal e adotivo de Evadne ndash Eacutepito - a quem satildeo declarados a origem e o dom

divinatoacuterio de Iacuteamo (vv 49b-51) cujo nome de etimologia obscura estaacute associado ao

nome da flor violeta (DUCHEMIN 1955 p 242-3) iacuteon tambeacutem presente no epiacuteteto

atribuiacutedo a Evadne ioacuteplokos ldquocabelo cor de violetardquo (v 30) portanto cor que identifica

Iacuteamo como filho de Evadne Em sintonia com Eleanor Irwin (1996 p 386) acerca de seu

comentaacuterio sobre o ambiente onde Iacuteamo fora abandonado por sua matildee isto eacute khamaiacute ldquono

chatildeordquo (v 45) considera-se que esse lugar eacute tambeacutem ser esse sobrenatural haja vista terem

florescido do chatildeo violetas que forneceram ao receacutem-nascido calor e proteccedilatildeo necessaacuterios

agrave sua sobrevivecircncia Destarte as violetas simbolizam a proacutepria Evadne posto que

exerceram a funccedilatildeo materna

Significativo tambeacutem nessa passagem eacute o fato de ter sido por intervenccedilatildeo divina

(v 46) Iacuteamo alimentado por duas serpentes (45b-47a) com ldquoo veneno irrepreensiacutevel das

abelhasrdquo expressatildeo que se associa anotou Duchemin (1955 p 251) jaacute haacute algum tempo

ao dom da profecia e do fazer poeacutetico Deborah Steiner (1986 p 103) por sua vez refere

acerca dessa passagem que a relaccedilatildeo entre a serpente animal macircntico por excelecircncia

(Meacuteautis 1962 p 196) e o mel anuncia o dom profeacutetico que o receacutem-nascido teria

posteriormente30

Ao chegar agrave adolescecircncia Iacuteamo ciente de sua ascendecircncia divina solicita a seu

avocirc Posecircidon e a seu pai Apolo um atributo que beneficiasse todo o povo uma honra

puacuteblica laoacutethrophos ldquoque alimentasse o povordquo (v 60) Ressalte-se que embora a suacuteplica

tenha sido dirigida a essas duas divindades eacute Apolo nomeado com seu epiacuteteto ldquoarqueiro

guardiatildeo da divina Delosrdquo (v 59) quem concede ao filho o duplo dom da adivinhaccedilatildeo

(vv 65-70) a faculdade de ouvir-lhe a voz profeacutetica pautada sempre na verdade e a

fundaccedilatildeo de oraacuteculo de Zeus em Oliacutempia antes mesmo da instituiccedilatildeo dos Jogos

Oliacutempicos por Heacuteracles Logo com a concessatildeo da daacutediva da adivinhaccedilatildeo encerra-se o

relato miacutetico dos Iacircmidas Faz entatildeo a voz do poema a passagem do tempo miacutetico (vv

71-7) para o passado proacuteximo de Hageacutesias com a alusatildeo laudatoacuteria aos antepassados

30 Acrescente-se que a relaccedilatildeo entre a serpente e a figura de Apolo se justifica pelo fato de a divindade ter

assassinado a serpente Piacuteton para habitar Delfos

19

histoacutericos do vencedor (vv 78-81) e numa referecircncia metapoeacutetica (vv 82-7b) a seus

proacuteprios ancestrais por serem todos procedentes da cidade de Estiacutenfalo dado que

identifica o laureado com a persona loquens

Ediccedilotildees traduccedilotildees e comentaacuterios

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3

abril de dois em dois anos alternando-se com os Oliacutempicos e os Piacuteticos) e os Nemeus

(celebrados desde 573 a C em honra de Zeus na planiacutecie de Nemeia tambeacutem de dois

em dois anos no mecircs de julho coincidindo a partir deste ano com os Iacutestmicos) No

contexto da Greacutecia arcaica essas competiccedilotildees eram importantes natildeo somente na esfera

desportiva mas tambeacutem no acircmbito das relaccedilotildees religiosas e poliacuteticas Por outro lado no

acircmbito pessoal a vitoacuteria nesses Jogos facultava ao atleta a gloacuteria imorredoura

materializada no canto triunfal

A liacutengua empregada na composiccedilatildeo desses cantos triunfais consiste numa mescla

dialectal em que se articulam elementos do doacuterico e do eoacutelico e ainda da poesia

homeacuterica resultando num dialeto literaacuterio artificial Diversas satildeo tambeacutem as modalidades

riacutetmicas dispostas preferencialmente em estruturas triaacutedicas em que o metro das estrofes

eacute repetido nas antiacutestrofes apoacutes as quais se seguem os epodos que embora iguais entre

si possuem um padratildeo meacutetrico distinto das duas partes anteriores Portanto a triacuteade

compotildee-se de um sistema riacutetmico formado de estrofe antiacutestrofe e epodo Entretanto sete

odes (Oliacutempica 14 Piacuteticas 6 e 12 Nemeias 2 4 9 e Iacutestmica 8) apresentam estrutura

monostroacutefica isto eacute possuem apenas estrofes em que se repete em todas as partes do

poema o mesmo esquema meacutetrico Nas odes pindaacutericas predominam duas modalidades

riacutetmicas a eoacutelica e a daacutectilo-epiacutetrita com base nas quais Piacutendaro criava para cada ode um

ritmo diferente anotou Frederico Lourenccedilo (2006a p 10-1 2006b p 95-6)

Outros aspectos que tecircm suscitado discussotildees vaacuterias entre os estudiosos dizem

respeito agrave performance e agraves circunstacircncias em que foram executados os epiniacutecios apesar

de natildeo haver respostas definitivas acerca dessas questotildeesQuanto agrave performance4 maioria

4 Segundo informa Lourenccedilo (2009 19-25) a divisatildeo entre meacutelica monoacutedica e meacutelica coral natildeo foi

estabelecida pelos eruditos antigos mas pela maioria dos teoacutericos modernos que seguindo a liccedilatildeo de Karl

O Muumlller em seu compecircndio de Histoacuteria da literatura grega publicada pela primeira vez em inglecircs em

1840 ndash History of the literature of ancient Greece ndash a separaram nessas duas modalidades Essa divisatildeo foi

adotada por Cecil M Bowra em Greek Lyric Poetry (1961) muito embora essa discussatildeo tenha sido

iniciada em comeccedilos do seacuteculo XX por Willamowitz ao analisar as odes Oliacutempicas I e II dedicadas

respectivamente aos tiranos Hieratildeo de Siracusa e Teratildeo de Agrigento que segundo ele teriam tido

execuccedilatildeo monoacutedica e natildeo coral Conforme informa Lourenccedilo (2009 p 25) o estudioso alematildeo julgou

terem as referidas odes indiacutecios sugestivos de que a performance original natildeo exigia a presenccedila do coro Essa complexa questatildeo acerca da performance da poesia coral foi reexaminada por Martin West em 1971

ao investigar os novos achados da obra do poeta coral Estesiacutecoro cujos extensos poemas levaram o

helenista inglecircs a questionar a execuccedilatildeo coral (apud Lourenccedilo 2009 p 22-3) dos poemas Por outro lado

West assinala tambeacutem destaca Lourenccedilo (2009 p 24) que a estrutura triaacutedica da poesia de Estesiacutecoro

constitui somente um princiacutepio de composiccedilatildeo e natildeo uma evidecircncia de performance coral Rocha Pereira

(2006 p 194 nota 5) com base em Pfeiffer e Frederico Lourenccedilo (2009 p 20) essa divisatildeo moderna da

4

dos estudiosos5 julga terem sido os epiniacutecios produzidos para o canto coral6 muito

embora admitam natildeo ser esse tipo de execuccedilatildeo comum a todas as odes do corpus

pindaacuterico jaacute que algumas apresentam indiacutecios de ter sido a performance monoacutedica7 Por

sua vez Mary Lefkowitz (1991 p 70-1)8 considerando o emprego de referecircncias pessoais

na poesia de Piacutendaro eacute de opiniatildeo que grande parte dos epiniacutecios foi apresentada por um

cantor solo

Em referecircncia ao local de performance difiacutecil tambeacutem se torna assegurar com

exatidatildeo o cenaacuterio em que as odes foram apresentadas pois as informaccedilotildees nelas contidas

natildeo satildeo agraves vezes muito claras A esse respeito no entanto haacute unanimidade entre os

criacuteticos de terem sido os seguintes os locais de execuccedilatildeo dos epiniacutecios a saber o proacuteprio

local da vitoacuteria9 a cidade ou a casa do homenageado10 ou ainda um templo ou santuaacuterio

situados no local da vitoacuteria ou na cidade11 do vencedor Logo pode-se dizer que os

epiniacutecios estavam circunscritos a um ambiente de festa ou puacuteblico ou privado

Embora a vitoacuteria atleacutetica seja a motivaccedilatildeo primeira do canto agonal nele natildeo se

privilegiam as circunstacircncias do acontecimento desportivo que se dilui em meio a outros

elementos caracteriacutesticos da ode pindaacuterica Assim encontram-se nas odes referecircncias ao

vencedor a seus antepassados ndash histoacutericos ou miacuteticos - aos triunfos obtidos em outros

jogos ao lugar da vitoacuteria agraves circunstacircncias de sua vida dados esses que se podem

relacionar com narrativas miacuteticas de valor paradigmaacutetico natildeo apresentadas na iacutentegra

apenas em parte ou simplesmente aludidas (Kirkwood 1982 p 15) e inseridas em geral

poesia liacuterica em monoacutedica e coral tem levado outros estudiosos modernos a citar uma passagem da obra de

Platatildeo (Leis VI 764 d-e) para justificar erroneamente a antiguidade da separaccedilatildeo entre monodia e canccedilatildeo

coral Na verdade esse passo de Platatildeo se refere observam Rocha Pereira e Frederico Lourenccedilo ao

treinamento de cantores solistas e cantores corais durante uma discussatildeo acerca da educaccedilatildeo musical

Logo para esses helenistas entre outros a distinccedilatildeo liacuterica monoacutedica e coral eacute moderna

5 Cf SULLIVAN S D Aspects of the ldquofictive Irdquo in Pindar adress to psychic enteties Emerita vol

LXX 1 2002 p 83-4 NISETICH F J Pindarrdquos Victory Songs London The Johns Hopkins University

Press 1980 p 2 6Citam-se eg Piacutetica 1 vv 1-4 Piacutetica 10 vv 55-8 Oliacutempica 6 vv 87-92 7 Cf Nemeia 4 vv 13-6 8 A respeito das referecircncias pessoais nos epiniacutecios pindaacutericos cf Lefkowitz Mary R First-Person

Fictions Pindarrsquos Poetic lsquoIrsquo Oxford Clarendon Press 1991 p 1-71 9 A Piacutetica 7 celebrada em honra de Meacutegacles de Atenas foi cantada em uma festividade puacuteblica em Delfos

10 As Oliacutempicas 1 e 2 dedicadas aos tiranos Hieratildeo de Siracusa e a Teratildeo de Agrigento respectivamente

foram celebradas em banquetes nas cortes desses tiranos

11 A Oliacutempica 3 (vv 1-3) em honra do tirano Teratildeo de Agrigento foi executada num templo por ocasiatildeo

das Teoxecircnias festas populares consagradas aos Dioacutescuros Castor e Poacutelux e a Helena

5

- afirma Rocha Pereira (2006 p 223) ndash para ilustrar sentenccedilas gnocircmicas as gnocircmai que

aleacutem de terem uma funccedilatildeo didaacutetica enunciando conselhos de ordem moral ou maacuteximas

de caraacuteter universal e atemporal podem ser empregadas como elementos de transiccedilatildeo

entre as partes da ode e ser expressas antes da narrativa miacutetica esta uacuteltima natildeo presente

em todas as odes12 Por fim Piacutendaro tece comentaacuterios acerca de seu mister destinado a

representantes da aristocracia da Greacutecia do seacuteculo V a C para os quais compocircs por

encomenda cantos triunfais fato que vincula seu fazer poeacutetico ao mecenato13 e ainda

ao contexto histoacuterico de seu tempo Com efeito enaltecem-se em seus versos os princiacutepios

aristocraacuteticos cuja base residia no poder da ancestralidade na riqueza e ainda na

excelecircncia fiacutesica e moral dos nobres seus contemporacircneos e vencedores dos agocircnes

atleacuteticos Portanto sendo os epiniacutecios instrumentos de legitimaccedilatildeo do poder

aristocraacutetico14 constitui entatildeo a ode Oliacutempica 615 um dos importantes testemunhos

histoacuterico-literaacuterios tendo em vista ter sido composta para celebrar a vitoacuteria de Hageacutesias

de Siracusa - chefe militar16 do tirano Hieratildeo de Siracusa (478- 467-6)17 - numa quadriga

de mulas em 472 ou 468 a C

Estrofe 1

Estabelecendo douradas

colunas debaixo de um bem murado poacutertico do santuaacuterio

como se estabelece um belo palaacutecio

construamos Iniciado o trabalho

eacute preciso dar-lhe uma fachada que brilhe ao longe Mas se

ele eacute um vencedor Oliacutempico

5 guardiatildeo no altar profeacutetico de Zeus em Pisa

12 Cf Oliacutempicas 5 11 12 e 14 Piacutetica 7 Nemeias 2 e 11 e Iacutestmicas 2 e 3 13 Na Greacutecia arcaica a poesia de modo anaacutelogo a outras atividades profissionais passou a ter um valor

comercial como se infere por exemplo de Piacutetica 11 vv 41-2 ldquoMusa se concordas em conceder por

salaacuterio tua voz venal eacute preciso que teu ofiacutecio seja divulgado aqui e laacuterdquo (Traduccedilatildeo nossa) 14 Sobre as formas de legitimaccedilatildeo do poder aristocraacutetico em especial dos tiranos siciliotas cf HIRATA

Elaine F V 2010 p 23-41 15 A traduccedilatildeo de Oliacutempica 6 eacute de responsabilidade das autoras deste trabalho e constitui parte da pesquisa

interinstitucional (UFRJUFF) por elas desenvolvida sobre as odes Oliacutempicas A ediccedilatildeo criacutetica eacute a

estabelecida por Snell-Maehler 1987 16 Cf PINDARE Olympiques Paris Les Belles Lettres 1970 p 74-5 17 Para detalhes acerca das tiranias siciliotas cf HIRATA Elaine F V 2010 p 23-41 VALLET Georges

Pindare et la Sicile In Entretiens sur lrsquo Antiquiteacute Classique Pindare Vandoeuvres ndash Genegraveve Fondation

Hardt 1984 p 285-327

6

e cofundador da afamada Siracusa

de que hino fugiria

tal homem ao encontrar

cidadatildeos sem inveja no meio de cantos encantadores

Antiacutestrofe 1

Saiba na verdade que nesta sandaacutelia18

tem seu peacute afortunado

o filho de Soacutestrato Faccedilanhas sem riscos

10 nem junto aos homens nem nas cocircncavas naus

satildeo honradas mas muitos se lembram

quando algo de belo foi realizado com esforccedilo

Oacute Hageacutesias eacute teu o real elogio que com justo

discurso Adrasto outrora proclamara para o vidente

filho de Oicles Anfiarau

quando a terra o

engoliu e tambeacutem os seus brilhantes cavalos

Epodo 1

15 Depois quando tinham queimado as sete piras

de cadaacuteveres o filho de Talau (Adrasto)

proferiu em Tebas o seguinte discurso

lsquoEstou com saudades do olho de meu exeacutercito

bom em duas coisas ser adivinho e

combater com a lanccedilarsquo Isto tambeacutem

eacute verdadeiro para o homem de Siracusa senhor do cortejo processional

Embora natildeo seja ele propenso agrave desavenccedila nem amigo de disputa em excesso

18Com valor metafoacuterico na acepccedilatildeo de ldquonesta posiccedilatildeordquo (SLATER1969 p 401)

7

20 fazendo um grande juramento disso claramente lhe

darei testemunho e com vozes doces como o mel

as Musas o aprovaratildeo

Estrofe 2

Oacute Fiacutentis pois bem atrela agora

para mim a forccedila das mulas

o mais raacutepido possiacutevel para que em caminho puro

conduzamos a quadriga de mulas e eu chegue ateacute

25 a linhagem destes homens pois essas mulas mais do que

outras sabem abrir

esse caminho jaacute que coroas em Oliacutempia

ganharam eacute preciso entatildeo

abrir-lhes as portas dos hinos

e a Piacutetana junto do curso do Eurotas

eacute preciso chegar hoje em hora oportuna

Antiacutestrofe 2

Diz-se que Piacutetana unida a Posecircidon

filho de Crono

30 deu agrave luz uma filha com cabelo cor de violeta Evadne

Mas nas pregas de sua roupa escondeu a gravidez

e enviando no mecircs determinado

suas servas ordenou-lhes

que entregassem a crianccedila aos cuidados do heroacutei Eacutepito filho de Eacutelato

que reinava sobre os homens da Arcaacutedia em Fesana

e fora designado para habitar o Alfeu

35 Tendo sido criada aiacute sob o domiacutenio de Apolo

(Evadne) experimentou pela primeira vez a doccedilura de Afrodite

8

Epodo 2

E ela natildeo ocultou de Eacutepito durante toda

o tempo o filho do deus

Mas ele (Eacutepito) foi para Delfos reprimindo no coraccedilatildeo

a raiva inenarraacutevel com agudo propoacutesito

para consultar o oraacuteculo sobre

esse sofrimento insuportaacutevel

Ela por sua vez logo que depocircs a cinta purpuacuterea

40 e o cacircntaro de prata debaixo da mata sombria

deu agrave luz um filho inspirado pelos deuses Junto dela o de aacuteureos cabelos (Apolo)

estabeleceu a amaacutevel Iliacutetia

e as Moicircras

Estrofe 3

E de seu ventre no meio das dores

amaacuteveis do parto Iacuteamo

veio logo agrave luz E ela (Evadne) angustiada

45 deixou-o no chatildeo mas duas serpentes de olhos brilhantes

por desiacutegnio dos deuses cuidando dele

o alimentaram com o irrepreensiacutevel

veneno das abelhas Mas quando o rei

conduzindo seu carro chegou da

rochosa Delfos a todos em casa

perguntou sobre a crianccedila que Evadne

dera agrave luz de fato ele (Eacutepito) dizia que a crianccedila era filho de Febo

Antiacutestrofe 3

50 que acima dos mortais seria um adivinho para os homens

e jamais lhe faltaria descendecircncia

9

Assim entatildeo declarou Mas eles confessavam que natildeo o tinham ouvido

nem visto

embora tivesse nascido havia cinco dias Mas

na verdade estava escondido num canteiro de juncos no impenetraacutevel matagal

55 pelos raios dourados e roxos das violetas

banhado em seu delicado

corpo Por isso sua matildee declarou

que ele fosse chamado durante todo o tempo

por esse nome imortal

Mas depois que recebeu o fruto da amaacutevel

Juventude da coroa dourada descendo no meio do Alfeu

invocou o poderoso Posecircidon

seu avocirc e o arqueiro guardiatildeo

da divina Delos

60 pedindo para sua cabeccedila uma honra que alimentasse o povo

no ar livre da noite Clara ressoou a voz paterna e lhe pediu

lsquoLevanta-te filho

vem aqui para a terra paterna

atraacutes da minha vozrsquo

Estrofe 4

Chegaram ao escarpado

rochedo do monte de Crono

65 onde ele lhe outorgou o duplo tesouro

da adivinhaccedilatildeo primeiro ouvir a voz

desconhecedora das mentiras e depois quando

chegasse o de ousados expedientes

10

Heacuteracles majestoso filho dos Alceus19

69 para fundar em honra de seu pai uma festa concorrida

e o maior festival dos jogos

70 na parte mais alta do altar de Zeus

ordenou entatildeo que (Iacuteamo) estabelecesse o oraacuteculo

Antiacutestrofe 4

Desde aquele momento eacute renomada entre

os Helenos a linhagem dos Iacircmidas

A prosperidade os acompanhou ao mesmo tempo E honrando as virtudes

percorrem um caminho visiacutevel daacute provas disso

cada accedilatildeo (deles) Mas a censura da parte

de outros invejosos estaacute suspensa

75 sobre aqueles que foram outrora os primeiros a conduzir o carro na corrida de doze

voltas

e sobre os quais a Graccedila veneranda derrama

gloriosa forma corporal

Se na verdade habitando sob a montanha

de Cilene oacute Hageacutesias teus antepassados maternos

Epodo 4

presentearam

muitas vezes o arauto dos deuses

Hermes com muitos sacrifiacutecios suplicantes de modo piedoso

ele que rege as competiccedilotildees atleacuteticas e a devida parte dos precircmios

80 e honra a Arcaacutedia de nobres varotildees

eacute ele oacute filho de Soacutestrato

com seu pai (Zeus) de barulho retumbante que realiza o teu ecircxito

19 Progenitor de de Anfitriatildeo e este o suposto pai de Heacuteracles

11

Tenho em minha liacutengua a fama de uma liacutempida pedra de afiar20

que quando eu quero se aproxima de mim com sopros de belas correntes

Minha avoacute materna era

de Estiacutenfalo a florescente Metopa

Esfrofe 5

que deu agrave luz Teba condutora de cavalos

de cuja deliciosa aacutegua

86 beberei enquanto teccedilo para os varotildees lanceiros

um hino variado Agora incita teus companheiros

oacute Eneias primeiro a Hera

Virginal celebrar

e depois a saber se evitamos o antigo insulto

90 de suiacuteno Beoacutecio com verdadeiras palavras

De fato eacutes correto mensageiro

inteacuterprete das Musas de belos cabelos

doce taccedila de cantos ressoantes

Antiacutestrofe 5

Diz-lhes que se lembrem

de Siracusa e de Ortiacutegia21

que Hieratildeo ao governaacute-la com imaculado cetro

com justos pensamentos

95 honra Demeacuteter de peacutes vermelhos

a festa de sua filha de brancos corceacuteis

e o poder de Zeus do Etna As liras

e as canccedilotildees de doces palavras o conhecem

20 Metaacutefora do fazer poeacutetico em que a liacutengua do poeta eacute estimulada agrave produccedilatildeo de um canto harmonioso 21Parte mais antiga de Siracusa onde estava situado o palaacutecio de Hieratildeo e talvez o de Hageacutesias (ORTEGA

Alfonso 1984 p 100)

12

Que o tempo em seu curso natildeo lhe destrua a felicidade

mas com amaacuteveis atos de amizade

receba (Hieratildeo) o cortejo processional de Hageacutesias

Epodo 5

(cortejo que) vem de uma casa para outra

das muralhas de Estiacutenfalo

100 e deixa a matildee da Arcaacutedia rica em rebanhos

Boas satildeo na tempestuosa

noite para serem lanccediladas de uma nau veloz

duas acircncoras Que o deus

a estes e agravequeles conceda com amizade glorioso destino

Oacute senhor soberano do mar concede uma direta travessia

isenta de dificuldades oacute esposo

105 de Anfitrite da roca de ouro e faz prosperar

a flor jubilosa de meus hinos

O atleta homenageado da ode eacute filho de Soacutestrato (vv 9 80) pertencente agrave

linhagem dos Iacircmidas e de uma mulher cujos antepassados procediam de Cilene (vv 77-

8) montanha ao norte da Arcaacutedia onde se situava a cidade de Estiacutenfalo ndash lugar em que

ocorrera provavelmente a primeira performance22 do epiniacutecio (vv 99-100) e onde o deus

Hermes era cultuado (vv 79-81) Note-se que a referecircncia a essa divindade vincula o

triunfo atleacutetico agrave benevolecircncia divina tendo em vista ter sido Hermes a divindade doadora

da vitoacuteria (v 81) a Hageacutesias Com efeito a relaccedilatildeo entre a vitoacuteria e a vontade dos deuses

constitui um topos23 da poesia pindaacuterica

22 O argumento da maior parte da criacutetica pindaacuterica sobre a ode ter sido executada em Estiacutenfalo fundamenta-

se nos versos 98-105 nos quais o vencedor e seu kocircmos saem de Estiacutenfalo rumo a Siracusa Acresce ainda

que o fato de o laureado ter laccedilos estreitos com as duas cidades motivou uma discussatildeo acerca da localizaccedilatildeo

da premiegravere do canto triunfal (STAMATOPOULOU 2014 p 1)

23 Cf eg Oliacutempicas 9 vv 100-4 13 vv 13-8 Piacutetica 10 vv 10-5

13

De modo anaacutelogo ao proecircmio da Odisseia (vv 1-10) em que natildeo se menciona o

nome do heroacutei Odisseu designado somente no verso 21 tambeacutem em Oliacutempica 6 o nome

do atleta homenageado soacute aparece no verso 12 por meio de uma invocaccedilatildeo muito embora

tenha sido referido indiretamente no verso 4 apenas pela forma verbal em terceira pessoa

e nos versos 4 a 9 por meio da citaccedilatildeo de seus atributos e de sua descendecircncia

Informa tambeacutem o canto agonal ter tido o vencedor dupla funccedilatildeo a de guardiatildeo

do altar profeacutetico de Zeus em Pisa (v 5) ndash tendo em vista ter como ascendente o adivinho

Iacuteamo que recebera de seu pai Apolo o dom da profecia (vv 65-70) ndash e a de cofundador

de Siracusa (v 6)24 Essas referecircncias ao laureado histoacutericas e miacuteticas encontram-se

distribuiacutedas pelos 105 versos que compotildeem as cinco triacuteades de Oliacutempica 6 iniciada com

uma imagem metapoeacutetica ou autorreferencial em que se coteja o fazer poeacutetico com um

monumento e o poeta com um construtor como atesta nos quatro primeiros versos da

ode a presenccedila de termos pertencentes ao campo semacircntico da arquitetura como kiacuteonas

ldquocolunardquo euteikheicirc ldquobem muradordquo prothyacuteroi ldquopoacuterticordquo paacutexomen ldquoconstruamosrdquo e

proacutesōpon ldquofachadardquo entendido este uacuteltimo metaforicamente segundo o leacutexico pindaacuterico

editado por William Slater (1969 p 454) como o proecircmio da ode Logo eacute a

magnificecircncia dessa construccedilatildeo poeacutetico-arquitetocircnica ndash enfatizada pelos adjetivos

khryseacuteas ldquodouradasrdquo e telaugeacutes ldquoque brilha ao longerdquo ndash que torna impereciacuteveis a

efemeridade do evento atleacutetico ndash ideia sumarizada no verso 4 ndash e o proacuteprio destinataacuterio

apresentado ainda na primeira estrofe como vencedor oliacutempico guardiatildeo por heranccedila

paterna do altar divinatoacuterio de Zeus e cofundador de Siracusa ndash atributos que devem

brilhar ao longe

A par dessas metaacuteforas delineia-se na segunda estrofe a imagem do poeta-

condutor quando a persona loquens ao invocar o nome do condutor da quadriga ndash

Fiacutentis25 auriga de Hageacutesias ndash a ele se iguala como assinala o sintagma autorreferencial

baacutesomen oacutekkhon ldquoconduzamos a quadriga de mulasrdquo (v 24) Logo por meio de

linguagem metafoacuterica o fazer poeacutetico e a performance do canto convertem-se assinala

24 Segundo os escolia 8a e 8b Hageacutesias pode ser considerado cofundador de Siracusa porque seus

antepassados participaram da colonizaccedilatildeo desta cidade Entretanto Willamowitz (1922) e Luraghi (1997)

sugeriram que o proacuteprio Hageacutesias teria participada reestruturaccedilatildeo de Siracusa no governo do tirano Gelatildeo

(apud STAMATOPOULOU 2014 p 7 nota 21) Acerca da remodelaccedilatildeo ldquogelonianardquo de Siracusa ver

Hirata (2010 p 28-9)

25 Fiacutentis representa o aristocrata siracusano Hageacutesias patrocinador do treinamento das parelhas do auriga

(CALAME 2005 p 54)

14

Calame (2005 p 53) numa corrida de quadrigas toacutepos na poesia grega arcaica De fato

assim como o atleta conduz a quadriga agrave vitoacuteria tambeacutem o poeta-atleta elabora

harmoniosamente seus versos para glorificar o vencedor e sua linhagem Deste modo

configuram-se nesse percurso metafoacuterico a quadriga e a poesia como vias de acesso agrave

imortalidade a julgar pela presenccedila dos termos sinocircnimos keleuthoacutes (v 23) e hodoacutes (v

25) ldquocaminhordquo o primeiro dos quais representando conotativamente a poesia e o

segundo conservando sua acepccedilatildeo denotativa tem o sentido de rota percorrida pela

carruagem

Aliaacutes essas imagens metafoacutericas natildeo satildeo as uacutenicas empregadas pela persona

loquens para descrever por meio de metalinguagem sua arte poeacutetica comparada ora com

objetos preciosos ndash como na ode em pauta em que a canccedilatildeo eacute relacionada com um poacutertico

de colunas douradas (Ol 6 vv 1-4) ou em outras odes com uma taccedila de ouro (Ol 7

vv 1-4) e com ouro refinado (Nemeia 4 v 82) - ora com o produto resultante do trabalho

das abelhas (Ol 10 v 98 Nemeia 3 v 77) ou com elementos da natureza como a flor

(Ol 6 v 105) soacute para citar algumas Tambeacutem o mister do poeta eacute vinculado a diferentes

atividades profissionais como a de lavrador (Nemeia 6 v 32 Piacutetica 6 v 2) escultor

(Nemeia vv 1-5) arqueiro (Ol 1 v 111 Ol 2 vv 83-6) e tecelatildeo este uacuteltimo labor

evocado em Oliacutempica 6 (v 86) pelo emprego do verbo pleacutekō ldquotecerrdquo metaacutefora frequente

do fazer poeacutetico na poesia meacutelica assinala Calame (2005 p58 n12) Com efeito do

mesmo modo que o tecelatildeo tranccedila com sutileza e habilidade os fios para a confecccedilatildeo do

tecido tambeacutem o poeta elabora seu discurso poeacutetico entrelaccedilando recursos literaacuterios e

linguiacutesticos combinados com o ritmo e a harmonia para a perfeita composiccedilatildeo da ode e

por conseguinte para a glorificaccedilatildeo do atleta vencedor como se infere dos versos 86-7

ldquoteccedilo para os varotildees lanceiros um hino variadordquo

Entre os elementos constitutivos do epiniacutecio pindaacuterico eacute interessante pontuar

ainda a alternacircncia das formas de primeira pessoa26 do singular e do plural (eunoacutes ndash vv

3 21 23 24 82 84 86 e 105) por meio da qual eacute possiacutevel haver um revezamento entre

a voz do poema e a voz do coro dado que torna improdutiva segundo Calame (2005 p

58) a discussatildeo acerca da natureza do sujeito poeacutetico nas odes pindaacutericas ldquonem

unicamente ldquomonoacutedicordquo nem inteiramente coral o eunoacutes do locutor eacute essencialmente

polifocircnicordquo

26 Sobre o emprego da primeira pessoa na poesia pindaacuterica cf LEFKOWITZ Mary op cit 1991 p 1-71

15

Deve-se observar tambeacutem com Claire Muckensturn-Poulle (2009 p 77) que ao

longo da Oliacutempica 6 o sujeito do enunciado confere voz a outros enunciadores ora

empregando o discurso direto como no elogio que Adrasto faz a Anfiarau (vv 16-7) e na

ordem dada por Apolo a Iacuteamo (vv 62-3) no momento em que o deus lhe concede o dom

da profecia ora transferindo por meio de uma ordem sua funccedilatildeo de locutor do canto

agonal a Fiacutentis o auriga de Hageacutesias (v 22) ou a Eneias o khorodidaacuteskalos (vv 88-96)

com os quais se identifica como poeta-condutor e poeta-mestre do coro

Por outro lado haacute dados sugestivos da performance coral da ode e de seu local de

execuccedilatildeo haja vista a invocaccedilatildeo da persona loquens a Eneias possivelmente o

khorodidaacuteskalos - a julgar pelos escoacutelios a essa passagem (148a e 149ordf apud

STAMATOPOULOU 2014 p 11 nota 34 CALAME 2005 p 57 nota 10 p 58 nota

13) - a referecircncia aos hetaicircroi companheiros de Eneias e talvez integrantes do coro e

ainda o voto do sujeito poeacutetico para que o kocircmos ldquocortejo processionalrdquo ao vencedor

apoacutes ter sido apresentado em Estiacutenfalo como julga a maior parte da criacutetica pindaacuterica

acerca da premiegravere do epiniacutecio (apud STAMATOPOULOU 2014 p 2) fosse tambeacutem

recebido pelo tirano Hieratildeo em Siracusa onde seria realizada a reperformance durante a

festa cultual (v 95) dedicada a Demeacuteter e a Perseacutefone deusas tutelares de Siracusa culto

possivelmente organizado pela famiacutelia de Hieratildeo (apud CALAME 2005 p 59)

Evidenciam respectivamente a recepccedilatildeo e a reapresentaccedilatildeo do canto em Siracusa a

forma verbal deacutexaito ldquorecebardquo (v 98) no optativo desiderativo enfatizada pela expressatildeo

sỳn degrave philophrosyacutenas euētaacutetois ldquocom amaacuteveis atos de amizaderdquo e os sintagmas

adverbiais presentes no verso 99 oiacutekothen oiacutekadrsquo ldquode uma casa para outrardquo e apograve

Stymphaliacuteōn ldquode Estiacutenfalordquo e por fim a justaposiccedilatildeo no verso 102 dos pronomes tocircnde

ldquoestesrdquo e keiacutenon ldquoagravequelesrdquo alusivos aos estinfaacutelios e siracusanos respectivamente Assim

como esses elementos apontam para a saiacuteda do vencedor da cidade Estiacutenfalo e Siracusa

eacute ainda um lugar a ser alcanccedilado por via mariacutetima acredita-se que a execuccedilatildeo primeira

do canto tenha ocorrido na cidade da matildee de Hageacutesias Note-se que o atleta e as duas

cidades a de seus antepassados maternos Estiacutenfalo e a sua terra natal Siracusa satildeo ainda

representados respectivamente pelas imagens metafoacutericas do navio e das duas acircncoras

(vv 101-5a) imagens que remetem ao deus do mar Posecircidon invocado pela persona

loquens para conceder uma favoraacutevel travessia ao kocircmos de Hageacutesias do qual

possivelmente fazia parte o chefe do coro responsaacutevel segundo Calame (2005 p 57)

16

pelo treinamento dos coreutashetaicircroi que deveriam transmitir em performance coral a

voz do poeta

Ainda acerca dessa metaacutefora mariacutetima Meacuteautis (1962 p 200) Kirkwood (1982

p 94) a interpretam como uma referecircncia agrave crise poliacutetica instaurada em Siracusa nos

uacuteltimos anos de governo de Hieratildeo crise representada pela imagem da lsquotempestuosa

noitersquo (vv 100-1) Assim na qualidade de cidadatildeo siracusano observa ainda Meacuteautis

(1962 p 200) Hageacutesias prevendo a queda do regime tiracircnico pretendia solicitar uma

nova cidadania em Estiacutenfalo A esse respeito vale mencionar uma vez mais a opiniatildeo

de Stamatopoulou (2014 p 3-4) que compartilhando do ponto de vista de Stehle julga

ter sido a ode executada primeiramente em Estiacutenfalo com o objetivo de estreitarem-se os

laccedilos entre o vencedor e essa cidade da Arcaacutedia

No que concerne ao possiacutevel chefe do coro o sujeito poeacutetico num tom laudatoacuterio

refere-se a Eneias como notou Kirkwood (1982 p 93) acerca do estilo metafoacuterico de

Piacutendaro - como aacutengelos ldquomensageirordquo (v 90) e skytaacutela (v 91)27 traduzido como

ldquointeacuterpreterdquo por ser ele o responsaacutevel pela recepccedilatildeo dos efluacutevios das Musas ndash como

explicita a expressatildeo ldquodoce taccedila de cantos ressoantesrdquo (v 91) - pela transmissatildeo e

reapresentaccedilatildeo da mensagemcanto em Siracusa onde tambeacutem deveria ser objeto de

encocircmio o tirano Hieratildeo do qual se enfatizam o governo justo a piedade religiosa os

triunfos jaacute festejados ldquopelas liras e canccedilotildees de doces palavrasrdquo (vv 96-7) a generosidade

e a amizade (v 98)

Deste modo a referecircncia a Eneias destaca o importante papel do poeta-cantor na

perpetuaccedilatildeo do triunfo agonal Nesse complexo processo de elaboraccedilatildeo poeacutetico-

perfomativa utilizam-se natildeo soacute metaacuteforas como jaacute destacou mas tambeacutem narrativas

miacuteticas relacionadas com a arte divinatoacuteria Assim por meio do elogio ao atleta

homenageado evoca-se primeiramente como modelo miacutetico Anfiarau (vv 12-21) ndash

participante da expediccedilatildeo dos Sete contra Tebas sob o comando de Adrasto rei de

Argos- possuidor das mesmas atribuiccedilotildees do laureado jaacute que ambos satildeo

guerreirogeneral e adivinho Eacute importante enfatizar que a transiccedilatildeo do tempo presente

representado pelo vencedor para o passado miacutetico se estabelece por meio do pronome

relativo hoacuten (v 12) referente ao louvor destinado a Hageacutesias e a Anfiarau e do adveacuterbio

27 Em Esparta espeacutecie de bastatildeo de madeira sobre o qual se enrolavam correias compridas e estreitas com

mensagens secretas lidas e compreendidas por quem possuiacutesse um bastatildeo idecircntico (PINDARE

Olympiques 1971 p 85 nota 4)

17

potrsquo ldquooutrora (v 13) com base no qual se alude ao desaparecimento repentino do

adivinho tebano (v 14) que segundo a versatildeo miacutetica fora arrebatado por Zeus para evitar

a morte do heroacutei como se infere do emprego do verbo katamaacuterptō lsquoengolirrsquo em tmese

que indica ter sido Anfiarau tragado pela terra Observa Barciela (2015 p 53) que esse

corte entre a preposiccedilatildeo kataacute ldquodebaixo derdquo ldquosobrdquo (v 14) e o radical do verbo salienta

natildeo somente o sentido do preveacuterbio mas tambeacutem aponta a razatildeo de natildeo ter Adrasto

encontrado Anfiarau nas sete piras Acredita-se ter sido essa a razatildeo de Adrasto ter

proferido ao adivinho um elogio em discurso direto por meio da imagem metafoacuterica

stratiacircs ophthalmograven emacircs ldquoolho28 do meu exeacutercitordquo metaacutefora que aleacutem de assinalar a

importacircncia de Anfiarau na expediccedilatildeo tebana lhe sintetiza os dois atributos relacionados

respectivamente com a macircntica e com a guerra

Julga-se que a menccedilatildeo ao atributo divinatoacuterio de Anfiarau constitui um meio de

antecipaccedilatildeo do principal mito da ode cujo eixo temaacutetico se centra no nascimento de

Iacuteamo29 (vv 39-47) e em sua iniciaccedilatildeo na arte divinatoacuteria tornando-se o primeiro de uma

famiacutelia de adivinhos ndash os Iacircmidas ndash e o responsaacutevel pelo altar profeacutetico de Zeus em

Oliacutempia (v 70)

Eacute digno de nota ter sido o citado mito introduzido pelas imagens metafoacutericas do

poeta-condutor e da poesia-quadriga por meio das quais anota Calame (2005 p 54)

ocorre um deslocamento geograacutefico-temporal jaacute que a par do movimento de Oliacutempia ndash

lugar onde ocorrera a competiccedilatildeo desportiva ndash para Piacutetana cidade espartana situada junto

ao leito do rio Eurotas na Lacocircnia haacute uma transposiccedilatildeo do tempo da ldquoenunciaccedilatildeo do

cantordquo isto eacute o tempo presente ndash marcado pelo adveacuterbio saacutemeron lsquohojersquo (v 28) ndash para o

passado miacutetico indicado pela referecircncia a Piacutetana- natildeo somente o nome de uma pequena

povoaccedilatildeo de que se compunha Esparta mas tambeacutem o nome de uma ninfa filha do deus-

rio Eurotas e fundadora da linhagem dos Iacircmidas - que unida a Posecircidon gerou em

segredo Evadne matildee de Iacuteamo ancestral miacutetico de uma extensa linhagem de adivinhos

28 Imagem presente em Oliacutempica 2 (v 10) em referecircncia aos ancestrais histoacutericos de Teratildeo de Agrigento

e em Piacutetica 5 (vv 55-7a) em alusatildeo a Bato fundador da estirpe dos reis de Cirene cidade do vencedor

Com relaccedilatildeo agrave imagem do olho em Oliacutempica 6 conveacutem lembrar citando Villarrubia (1995 p 17) Suaacuterez

de la Torre (1989 p 97) e Meacuteautis (1962 p 195) que o escoacutelio pindaacuterico ao citado verso refere a Tebaida

como fonte direta do elogio de Adrasto a Anfiarau 29Como observa Nisetich (1998 p 2) nas odes pindaacutericas eacute conferido destaque maior agrave famiacutelia do vencedor

que ao proacuteprio homenageado jaacute que se busca em fatos preteacuteritos explicaccedilotildees ou justificativas para o

momento presente A esse respeito verifica-se na ode em estudo que a volta ao passado (vv 28-71)

constitui um meio de glorificaccedilatildeo do homenageado

18

cujo representante atual eacute o vencedor oliacutempico Hageacutesias de Siracusa Evadne por sua

vez seduzida por Apolo deu agrave luz Iacuteamo cuja vocaccedilatildeo profeacutetica eacute anunciada na ode pelo

atributo theoacutephrona lsquoinspirado pelos deusesrsquo (v 41) e pelo oraacuteculo de Delfos revelado

ao pai mortal e adotivo de Evadne ndash Eacutepito - a quem satildeo declarados a origem e o dom

divinatoacuterio de Iacuteamo (vv 49b-51) cujo nome de etimologia obscura estaacute associado ao

nome da flor violeta (DUCHEMIN 1955 p 242-3) iacuteon tambeacutem presente no epiacuteteto

atribuiacutedo a Evadne ioacuteplokos ldquocabelo cor de violetardquo (v 30) portanto cor que identifica

Iacuteamo como filho de Evadne Em sintonia com Eleanor Irwin (1996 p 386) acerca de seu

comentaacuterio sobre o ambiente onde Iacuteamo fora abandonado por sua matildee isto eacute khamaiacute ldquono

chatildeordquo (v 45) considera-se que esse lugar eacute tambeacutem ser esse sobrenatural haja vista terem

florescido do chatildeo violetas que forneceram ao receacutem-nascido calor e proteccedilatildeo necessaacuterios

agrave sua sobrevivecircncia Destarte as violetas simbolizam a proacutepria Evadne posto que

exerceram a funccedilatildeo materna

Significativo tambeacutem nessa passagem eacute o fato de ter sido por intervenccedilatildeo divina

(v 46) Iacuteamo alimentado por duas serpentes (45b-47a) com ldquoo veneno irrepreensiacutevel das

abelhasrdquo expressatildeo que se associa anotou Duchemin (1955 p 251) jaacute haacute algum tempo

ao dom da profecia e do fazer poeacutetico Deborah Steiner (1986 p 103) por sua vez refere

acerca dessa passagem que a relaccedilatildeo entre a serpente animal macircntico por excelecircncia

(Meacuteautis 1962 p 196) e o mel anuncia o dom profeacutetico que o receacutem-nascido teria

posteriormente30

Ao chegar agrave adolescecircncia Iacuteamo ciente de sua ascendecircncia divina solicita a seu

avocirc Posecircidon e a seu pai Apolo um atributo que beneficiasse todo o povo uma honra

puacuteblica laoacutethrophos ldquoque alimentasse o povordquo (v 60) Ressalte-se que embora a suacuteplica

tenha sido dirigida a essas duas divindades eacute Apolo nomeado com seu epiacuteteto ldquoarqueiro

guardiatildeo da divina Delosrdquo (v 59) quem concede ao filho o duplo dom da adivinhaccedilatildeo

(vv 65-70) a faculdade de ouvir-lhe a voz profeacutetica pautada sempre na verdade e a

fundaccedilatildeo de oraacuteculo de Zeus em Oliacutempia antes mesmo da instituiccedilatildeo dos Jogos

Oliacutempicos por Heacuteracles Logo com a concessatildeo da daacutediva da adivinhaccedilatildeo encerra-se o

relato miacutetico dos Iacircmidas Faz entatildeo a voz do poema a passagem do tempo miacutetico (vv

71-7) para o passado proacuteximo de Hageacutesias com a alusatildeo laudatoacuteria aos antepassados

30 Acrescente-se que a relaccedilatildeo entre a serpente e a figura de Apolo se justifica pelo fato de a divindade ter

assassinado a serpente Piacuteton para habitar Delfos

19

histoacutericos do vencedor (vv 78-81) e numa referecircncia metapoeacutetica (vv 82-7b) a seus

proacuteprios ancestrais por serem todos procedentes da cidade de Estiacutenfalo dado que

identifica o laureado com a persona loquens

Ediccedilotildees traduccedilotildees e comentaacuterios

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4

dos estudiosos5 julga terem sido os epiniacutecios produzidos para o canto coral6 muito

embora admitam natildeo ser esse tipo de execuccedilatildeo comum a todas as odes do corpus

pindaacuterico jaacute que algumas apresentam indiacutecios de ter sido a performance monoacutedica7 Por

sua vez Mary Lefkowitz (1991 p 70-1)8 considerando o emprego de referecircncias pessoais

na poesia de Piacutendaro eacute de opiniatildeo que grande parte dos epiniacutecios foi apresentada por um

cantor solo

Em referecircncia ao local de performance difiacutecil tambeacutem se torna assegurar com

exatidatildeo o cenaacuterio em que as odes foram apresentadas pois as informaccedilotildees nelas contidas

natildeo satildeo agraves vezes muito claras A esse respeito no entanto haacute unanimidade entre os

criacuteticos de terem sido os seguintes os locais de execuccedilatildeo dos epiniacutecios a saber o proacuteprio

local da vitoacuteria9 a cidade ou a casa do homenageado10 ou ainda um templo ou santuaacuterio

situados no local da vitoacuteria ou na cidade11 do vencedor Logo pode-se dizer que os

epiniacutecios estavam circunscritos a um ambiente de festa ou puacuteblico ou privado

Embora a vitoacuteria atleacutetica seja a motivaccedilatildeo primeira do canto agonal nele natildeo se

privilegiam as circunstacircncias do acontecimento desportivo que se dilui em meio a outros

elementos caracteriacutesticos da ode pindaacuterica Assim encontram-se nas odes referecircncias ao

vencedor a seus antepassados ndash histoacutericos ou miacuteticos - aos triunfos obtidos em outros

jogos ao lugar da vitoacuteria agraves circunstacircncias de sua vida dados esses que se podem

relacionar com narrativas miacuteticas de valor paradigmaacutetico natildeo apresentadas na iacutentegra

apenas em parte ou simplesmente aludidas (Kirkwood 1982 p 15) e inseridas em geral

poesia liacuterica em monoacutedica e coral tem levado outros estudiosos modernos a citar uma passagem da obra de

Platatildeo (Leis VI 764 d-e) para justificar erroneamente a antiguidade da separaccedilatildeo entre monodia e canccedilatildeo

coral Na verdade esse passo de Platatildeo se refere observam Rocha Pereira e Frederico Lourenccedilo ao

treinamento de cantores solistas e cantores corais durante uma discussatildeo acerca da educaccedilatildeo musical

Logo para esses helenistas entre outros a distinccedilatildeo liacuterica monoacutedica e coral eacute moderna

5 Cf SULLIVAN S D Aspects of the ldquofictive Irdquo in Pindar adress to psychic enteties Emerita vol

LXX 1 2002 p 83-4 NISETICH F J Pindarrdquos Victory Songs London The Johns Hopkins University

Press 1980 p 2 6Citam-se eg Piacutetica 1 vv 1-4 Piacutetica 10 vv 55-8 Oliacutempica 6 vv 87-92 7 Cf Nemeia 4 vv 13-6 8 A respeito das referecircncias pessoais nos epiniacutecios pindaacutericos cf Lefkowitz Mary R First-Person

Fictions Pindarrsquos Poetic lsquoIrsquo Oxford Clarendon Press 1991 p 1-71 9 A Piacutetica 7 celebrada em honra de Meacutegacles de Atenas foi cantada em uma festividade puacuteblica em Delfos

10 As Oliacutempicas 1 e 2 dedicadas aos tiranos Hieratildeo de Siracusa e a Teratildeo de Agrigento respectivamente

foram celebradas em banquetes nas cortes desses tiranos

11 A Oliacutempica 3 (vv 1-3) em honra do tirano Teratildeo de Agrigento foi executada num templo por ocasiatildeo

das Teoxecircnias festas populares consagradas aos Dioacutescuros Castor e Poacutelux e a Helena

5

- afirma Rocha Pereira (2006 p 223) ndash para ilustrar sentenccedilas gnocircmicas as gnocircmai que

aleacutem de terem uma funccedilatildeo didaacutetica enunciando conselhos de ordem moral ou maacuteximas

de caraacuteter universal e atemporal podem ser empregadas como elementos de transiccedilatildeo

entre as partes da ode e ser expressas antes da narrativa miacutetica esta uacuteltima natildeo presente

em todas as odes12 Por fim Piacutendaro tece comentaacuterios acerca de seu mister destinado a

representantes da aristocracia da Greacutecia do seacuteculo V a C para os quais compocircs por

encomenda cantos triunfais fato que vincula seu fazer poeacutetico ao mecenato13 e ainda

ao contexto histoacuterico de seu tempo Com efeito enaltecem-se em seus versos os princiacutepios

aristocraacuteticos cuja base residia no poder da ancestralidade na riqueza e ainda na

excelecircncia fiacutesica e moral dos nobres seus contemporacircneos e vencedores dos agocircnes

atleacuteticos Portanto sendo os epiniacutecios instrumentos de legitimaccedilatildeo do poder

aristocraacutetico14 constitui entatildeo a ode Oliacutempica 615 um dos importantes testemunhos

histoacuterico-literaacuterios tendo em vista ter sido composta para celebrar a vitoacuteria de Hageacutesias

de Siracusa - chefe militar16 do tirano Hieratildeo de Siracusa (478- 467-6)17 - numa quadriga

de mulas em 472 ou 468 a C

Estrofe 1

Estabelecendo douradas

colunas debaixo de um bem murado poacutertico do santuaacuterio

como se estabelece um belo palaacutecio

construamos Iniciado o trabalho

eacute preciso dar-lhe uma fachada que brilhe ao longe Mas se

ele eacute um vencedor Oliacutempico

5 guardiatildeo no altar profeacutetico de Zeus em Pisa

12 Cf Oliacutempicas 5 11 12 e 14 Piacutetica 7 Nemeias 2 e 11 e Iacutestmicas 2 e 3 13 Na Greacutecia arcaica a poesia de modo anaacutelogo a outras atividades profissionais passou a ter um valor

comercial como se infere por exemplo de Piacutetica 11 vv 41-2 ldquoMusa se concordas em conceder por

salaacuterio tua voz venal eacute preciso que teu ofiacutecio seja divulgado aqui e laacuterdquo (Traduccedilatildeo nossa) 14 Sobre as formas de legitimaccedilatildeo do poder aristocraacutetico em especial dos tiranos siciliotas cf HIRATA

Elaine F V 2010 p 23-41 15 A traduccedilatildeo de Oliacutempica 6 eacute de responsabilidade das autoras deste trabalho e constitui parte da pesquisa

interinstitucional (UFRJUFF) por elas desenvolvida sobre as odes Oliacutempicas A ediccedilatildeo criacutetica eacute a

estabelecida por Snell-Maehler 1987 16 Cf PINDARE Olympiques Paris Les Belles Lettres 1970 p 74-5 17 Para detalhes acerca das tiranias siciliotas cf HIRATA Elaine F V 2010 p 23-41 VALLET Georges

Pindare et la Sicile In Entretiens sur lrsquo Antiquiteacute Classique Pindare Vandoeuvres ndash Genegraveve Fondation

Hardt 1984 p 285-327

6

e cofundador da afamada Siracusa

de que hino fugiria

tal homem ao encontrar

cidadatildeos sem inveja no meio de cantos encantadores

Antiacutestrofe 1

Saiba na verdade que nesta sandaacutelia18

tem seu peacute afortunado

o filho de Soacutestrato Faccedilanhas sem riscos

10 nem junto aos homens nem nas cocircncavas naus

satildeo honradas mas muitos se lembram

quando algo de belo foi realizado com esforccedilo

Oacute Hageacutesias eacute teu o real elogio que com justo

discurso Adrasto outrora proclamara para o vidente

filho de Oicles Anfiarau

quando a terra o

engoliu e tambeacutem os seus brilhantes cavalos

Epodo 1

15 Depois quando tinham queimado as sete piras

de cadaacuteveres o filho de Talau (Adrasto)

proferiu em Tebas o seguinte discurso

lsquoEstou com saudades do olho de meu exeacutercito

bom em duas coisas ser adivinho e

combater com a lanccedilarsquo Isto tambeacutem

eacute verdadeiro para o homem de Siracusa senhor do cortejo processional

Embora natildeo seja ele propenso agrave desavenccedila nem amigo de disputa em excesso

18Com valor metafoacuterico na acepccedilatildeo de ldquonesta posiccedilatildeordquo (SLATER1969 p 401)

7

20 fazendo um grande juramento disso claramente lhe

darei testemunho e com vozes doces como o mel

as Musas o aprovaratildeo

Estrofe 2

Oacute Fiacutentis pois bem atrela agora

para mim a forccedila das mulas

o mais raacutepido possiacutevel para que em caminho puro

conduzamos a quadriga de mulas e eu chegue ateacute

25 a linhagem destes homens pois essas mulas mais do que

outras sabem abrir

esse caminho jaacute que coroas em Oliacutempia

ganharam eacute preciso entatildeo

abrir-lhes as portas dos hinos

e a Piacutetana junto do curso do Eurotas

eacute preciso chegar hoje em hora oportuna

Antiacutestrofe 2

Diz-se que Piacutetana unida a Posecircidon

filho de Crono

30 deu agrave luz uma filha com cabelo cor de violeta Evadne

Mas nas pregas de sua roupa escondeu a gravidez

e enviando no mecircs determinado

suas servas ordenou-lhes

que entregassem a crianccedila aos cuidados do heroacutei Eacutepito filho de Eacutelato

que reinava sobre os homens da Arcaacutedia em Fesana

e fora designado para habitar o Alfeu

35 Tendo sido criada aiacute sob o domiacutenio de Apolo

(Evadne) experimentou pela primeira vez a doccedilura de Afrodite

8

Epodo 2

E ela natildeo ocultou de Eacutepito durante toda

o tempo o filho do deus

Mas ele (Eacutepito) foi para Delfos reprimindo no coraccedilatildeo

a raiva inenarraacutevel com agudo propoacutesito

para consultar o oraacuteculo sobre

esse sofrimento insuportaacutevel

Ela por sua vez logo que depocircs a cinta purpuacuterea

40 e o cacircntaro de prata debaixo da mata sombria

deu agrave luz um filho inspirado pelos deuses Junto dela o de aacuteureos cabelos (Apolo)

estabeleceu a amaacutevel Iliacutetia

e as Moicircras

Estrofe 3

E de seu ventre no meio das dores

amaacuteveis do parto Iacuteamo

veio logo agrave luz E ela (Evadne) angustiada

45 deixou-o no chatildeo mas duas serpentes de olhos brilhantes

por desiacutegnio dos deuses cuidando dele

o alimentaram com o irrepreensiacutevel

veneno das abelhas Mas quando o rei

conduzindo seu carro chegou da

rochosa Delfos a todos em casa

perguntou sobre a crianccedila que Evadne

dera agrave luz de fato ele (Eacutepito) dizia que a crianccedila era filho de Febo

Antiacutestrofe 3

50 que acima dos mortais seria um adivinho para os homens

e jamais lhe faltaria descendecircncia

9

Assim entatildeo declarou Mas eles confessavam que natildeo o tinham ouvido

nem visto

embora tivesse nascido havia cinco dias Mas

na verdade estava escondido num canteiro de juncos no impenetraacutevel matagal

55 pelos raios dourados e roxos das violetas

banhado em seu delicado

corpo Por isso sua matildee declarou

que ele fosse chamado durante todo o tempo

por esse nome imortal

Mas depois que recebeu o fruto da amaacutevel

Juventude da coroa dourada descendo no meio do Alfeu

invocou o poderoso Posecircidon

seu avocirc e o arqueiro guardiatildeo

da divina Delos

60 pedindo para sua cabeccedila uma honra que alimentasse o povo

no ar livre da noite Clara ressoou a voz paterna e lhe pediu

lsquoLevanta-te filho

vem aqui para a terra paterna

atraacutes da minha vozrsquo

Estrofe 4

Chegaram ao escarpado

rochedo do monte de Crono

65 onde ele lhe outorgou o duplo tesouro

da adivinhaccedilatildeo primeiro ouvir a voz

desconhecedora das mentiras e depois quando

chegasse o de ousados expedientes

10

Heacuteracles majestoso filho dos Alceus19

69 para fundar em honra de seu pai uma festa concorrida

e o maior festival dos jogos

70 na parte mais alta do altar de Zeus

ordenou entatildeo que (Iacuteamo) estabelecesse o oraacuteculo

Antiacutestrofe 4

Desde aquele momento eacute renomada entre

os Helenos a linhagem dos Iacircmidas

A prosperidade os acompanhou ao mesmo tempo E honrando as virtudes

percorrem um caminho visiacutevel daacute provas disso

cada accedilatildeo (deles) Mas a censura da parte

de outros invejosos estaacute suspensa

75 sobre aqueles que foram outrora os primeiros a conduzir o carro na corrida de doze

voltas

e sobre os quais a Graccedila veneranda derrama

gloriosa forma corporal

Se na verdade habitando sob a montanha

de Cilene oacute Hageacutesias teus antepassados maternos

Epodo 4

presentearam

muitas vezes o arauto dos deuses

Hermes com muitos sacrifiacutecios suplicantes de modo piedoso

ele que rege as competiccedilotildees atleacuteticas e a devida parte dos precircmios

80 e honra a Arcaacutedia de nobres varotildees

eacute ele oacute filho de Soacutestrato

com seu pai (Zeus) de barulho retumbante que realiza o teu ecircxito

19 Progenitor de de Anfitriatildeo e este o suposto pai de Heacuteracles

11

Tenho em minha liacutengua a fama de uma liacutempida pedra de afiar20

que quando eu quero se aproxima de mim com sopros de belas correntes

Minha avoacute materna era

de Estiacutenfalo a florescente Metopa

Esfrofe 5

que deu agrave luz Teba condutora de cavalos

de cuja deliciosa aacutegua

86 beberei enquanto teccedilo para os varotildees lanceiros

um hino variado Agora incita teus companheiros

oacute Eneias primeiro a Hera

Virginal celebrar

e depois a saber se evitamos o antigo insulto

90 de suiacuteno Beoacutecio com verdadeiras palavras

De fato eacutes correto mensageiro

inteacuterprete das Musas de belos cabelos

doce taccedila de cantos ressoantes

Antiacutestrofe 5

Diz-lhes que se lembrem

de Siracusa e de Ortiacutegia21

que Hieratildeo ao governaacute-la com imaculado cetro

com justos pensamentos

95 honra Demeacuteter de peacutes vermelhos

a festa de sua filha de brancos corceacuteis

e o poder de Zeus do Etna As liras

e as canccedilotildees de doces palavras o conhecem

20 Metaacutefora do fazer poeacutetico em que a liacutengua do poeta eacute estimulada agrave produccedilatildeo de um canto harmonioso 21Parte mais antiga de Siracusa onde estava situado o palaacutecio de Hieratildeo e talvez o de Hageacutesias (ORTEGA

Alfonso 1984 p 100)

12

Que o tempo em seu curso natildeo lhe destrua a felicidade

mas com amaacuteveis atos de amizade

receba (Hieratildeo) o cortejo processional de Hageacutesias

Epodo 5

(cortejo que) vem de uma casa para outra

das muralhas de Estiacutenfalo

100 e deixa a matildee da Arcaacutedia rica em rebanhos

Boas satildeo na tempestuosa

noite para serem lanccediladas de uma nau veloz

duas acircncoras Que o deus

a estes e agravequeles conceda com amizade glorioso destino

Oacute senhor soberano do mar concede uma direta travessia

isenta de dificuldades oacute esposo

105 de Anfitrite da roca de ouro e faz prosperar

a flor jubilosa de meus hinos

O atleta homenageado da ode eacute filho de Soacutestrato (vv 9 80) pertencente agrave

linhagem dos Iacircmidas e de uma mulher cujos antepassados procediam de Cilene (vv 77-

8) montanha ao norte da Arcaacutedia onde se situava a cidade de Estiacutenfalo ndash lugar em que

ocorrera provavelmente a primeira performance22 do epiniacutecio (vv 99-100) e onde o deus

Hermes era cultuado (vv 79-81) Note-se que a referecircncia a essa divindade vincula o

triunfo atleacutetico agrave benevolecircncia divina tendo em vista ter sido Hermes a divindade doadora

da vitoacuteria (v 81) a Hageacutesias Com efeito a relaccedilatildeo entre a vitoacuteria e a vontade dos deuses

constitui um topos23 da poesia pindaacuterica

22 O argumento da maior parte da criacutetica pindaacuterica sobre a ode ter sido executada em Estiacutenfalo fundamenta-

se nos versos 98-105 nos quais o vencedor e seu kocircmos saem de Estiacutenfalo rumo a Siracusa Acresce ainda

que o fato de o laureado ter laccedilos estreitos com as duas cidades motivou uma discussatildeo acerca da localizaccedilatildeo

da premiegravere do canto triunfal (STAMATOPOULOU 2014 p 1)

23 Cf eg Oliacutempicas 9 vv 100-4 13 vv 13-8 Piacutetica 10 vv 10-5

13

De modo anaacutelogo ao proecircmio da Odisseia (vv 1-10) em que natildeo se menciona o

nome do heroacutei Odisseu designado somente no verso 21 tambeacutem em Oliacutempica 6 o nome

do atleta homenageado soacute aparece no verso 12 por meio de uma invocaccedilatildeo muito embora

tenha sido referido indiretamente no verso 4 apenas pela forma verbal em terceira pessoa

e nos versos 4 a 9 por meio da citaccedilatildeo de seus atributos e de sua descendecircncia

Informa tambeacutem o canto agonal ter tido o vencedor dupla funccedilatildeo a de guardiatildeo

do altar profeacutetico de Zeus em Pisa (v 5) ndash tendo em vista ter como ascendente o adivinho

Iacuteamo que recebera de seu pai Apolo o dom da profecia (vv 65-70) ndash e a de cofundador

de Siracusa (v 6)24 Essas referecircncias ao laureado histoacutericas e miacuteticas encontram-se

distribuiacutedas pelos 105 versos que compotildeem as cinco triacuteades de Oliacutempica 6 iniciada com

uma imagem metapoeacutetica ou autorreferencial em que se coteja o fazer poeacutetico com um

monumento e o poeta com um construtor como atesta nos quatro primeiros versos da

ode a presenccedila de termos pertencentes ao campo semacircntico da arquitetura como kiacuteonas

ldquocolunardquo euteikheicirc ldquobem muradordquo prothyacuteroi ldquopoacuterticordquo paacutexomen ldquoconstruamosrdquo e

proacutesōpon ldquofachadardquo entendido este uacuteltimo metaforicamente segundo o leacutexico pindaacuterico

editado por William Slater (1969 p 454) como o proecircmio da ode Logo eacute a

magnificecircncia dessa construccedilatildeo poeacutetico-arquitetocircnica ndash enfatizada pelos adjetivos

khryseacuteas ldquodouradasrdquo e telaugeacutes ldquoque brilha ao longerdquo ndash que torna impereciacuteveis a

efemeridade do evento atleacutetico ndash ideia sumarizada no verso 4 ndash e o proacuteprio destinataacuterio

apresentado ainda na primeira estrofe como vencedor oliacutempico guardiatildeo por heranccedila

paterna do altar divinatoacuterio de Zeus e cofundador de Siracusa ndash atributos que devem

brilhar ao longe

A par dessas metaacuteforas delineia-se na segunda estrofe a imagem do poeta-

condutor quando a persona loquens ao invocar o nome do condutor da quadriga ndash

Fiacutentis25 auriga de Hageacutesias ndash a ele se iguala como assinala o sintagma autorreferencial

baacutesomen oacutekkhon ldquoconduzamos a quadriga de mulasrdquo (v 24) Logo por meio de

linguagem metafoacuterica o fazer poeacutetico e a performance do canto convertem-se assinala

24 Segundo os escolia 8a e 8b Hageacutesias pode ser considerado cofundador de Siracusa porque seus

antepassados participaram da colonizaccedilatildeo desta cidade Entretanto Willamowitz (1922) e Luraghi (1997)

sugeriram que o proacuteprio Hageacutesias teria participada reestruturaccedilatildeo de Siracusa no governo do tirano Gelatildeo

(apud STAMATOPOULOU 2014 p 7 nota 21) Acerca da remodelaccedilatildeo ldquogelonianardquo de Siracusa ver

Hirata (2010 p 28-9)

25 Fiacutentis representa o aristocrata siracusano Hageacutesias patrocinador do treinamento das parelhas do auriga

(CALAME 2005 p 54)

14

Calame (2005 p 53) numa corrida de quadrigas toacutepos na poesia grega arcaica De fato

assim como o atleta conduz a quadriga agrave vitoacuteria tambeacutem o poeta-atleta elabora

harmoniosamente seus versos para glorificar o vencedor e sua linhagem Deste modo

configuram-se nesse percurso metafoacuterico a quadriga e a poesia como vias de acesso agrave

imortalidade a julgar pela presenccedila dos termos sinocircnimos keleuthoacutes (v 23) e hodoacutes (v

25) ldquocaminhordquo o primeiro dos quais representando conotativamente a poesia e o

segundo conservando sua acepccedilatildeo denotativa tem o sentido de rota percorrida pela

carruagem

Aliaacutes essas imagens metafoacutericas natildeo satildeo as uacutenicas empregadas pela persona

loquens para descrever por meio de metalinguagem sua arte poeacutetica comparada ora com

objetos preciosos ndash como na ode em pauta em que a canccedilatildeo eacute relacionada com um poacutertico

de colunas douradas (Ol 6 vv 1-4) ou em outras odes com uma taccedila de ouro (Ol 7

vv 1-4) e com ouro refinado (Nemeia 4 v 82) - ora com o produto resultante do trabalho

das abelhas (Ol 10 v 98 Nemeia 3 v 77) ou com elementos da natureza como a flor

(Ol 6 v 105) soacute para citar algumas Tambeacutem o mister do poeta eacute vinculado a diferentes

atividades profissionais como a de lavrador (Nemeia 6 v 32 Piacutetica 6 v 2) escultor

(Nemeia vv 1-5) arqueiro (Ol 1 v 111 Ol 2 vv 83-6) e tecelatildeo este uacuteltimo labor

evocado em Oliacutempica 6 (v 86) pelo emprego do verbo pleacutekō ldquotecerrdquo metaacutefora frequente

do fazer poeacutetico na poesia meacutelica assinala Calame (2005 p58 n12) Com efeito do

mesmo modo que o tecelatildeo tranccedila com sutileza e habilidade os fios para a confecccedilatildeo do

tecido tambeacutem o poeta elabora seu discurso poeacutetico entrelaccedilando recursos literaacuterios e

linguiacutesticos combinados com o ritmo e a harmonia para a perfeita composiccedilatildeo da ode e

por conseguinte para a glorificaccedilatildeo do atleta vencedor como se infere dos versos 86-7

ldquoteccedilo para os varotildees lanceiros um hino variadordquo

Entre os elementos constitutivos do epiniacutecio pindaacuterico eacute interessante pontuar

ainda a alternacircncia das formas de primeira pessoa26 do singular e do plural (eunoacutes ndash vv

3 21 23 24 82 84 86 e 105) por meio da qual eacute possiacutevel haver um revezamento entre

a voz do poema e a voz do coro dado que torna improdutiva segundo Calame (2005 p

58) a discussatildeo acerca da natureza do sujeito poeacutetico nas odes pindaacutericas ldquonem

unicamente ldquomonoacutedicordquo nem inteiramente coral o eunoacutes do locutor eacute essencialmente

polifocircnicordquo

26 Sobre o emprego da primeira pessoa na poesia pindaacuterica cf LEFKOWITZ Mary op cit 1991 p 1-71

15

Deve-se observar tambeacutem com Claire Muckensturn-Poulle (2009 p 77) que ao

longo da Oliacutempica 6 o sujeito do enunciado confere voz a outros enunciadores ora

empregando o discurso direto como no elogio que Adrasto faz a Anfiarau (vv 16-7) e na

ordem dada por Apolo a Iacuteamo (vv 62-3) no momento em que o deus lhe concede o dom

da profecia ora transferindo por meio de uma ordem sua funccedilatildeo de locutor do canto

agonal a Fiacutentis o auriga de Hageacutesias (v 22) ou a Eneias o khorodidaacuteskalos (vv 88-96)

com os quais se identifica como poeta-condutor e poeta-mestre do coro

Por outro lado haacute dados sugestivos da performance coral da ode e de seu local de

execuccedilatildeo haja vista a invocaccedilatildeo da persona loquens a Eneias possivelmente o

khorodidaacuteskalos - a julgar pelos escoacutelios a essa passagem (148a e 149ordf apud

STAMATOPOULOU 2014 p 11 nota 34 CALAME 2005 p 57 nota 10 p 58 nota

13) - a referecircncia aos hetaicircroi companheiros de Eneias e talvez integrantes do coro e

ainda o voto do sujeito poeacutetico para que o kocircmos ldquocortejo processionalrdquo ao vencedor

apoacutes ter sido apresentado em Estiacutenfalo como julga a maior parte da criacutetica pindaacuterica

acerca da premiegravere do epiniacutecio (apud STAMATOPOULOU 2014 p 2) fosse tambeacutem

recebido pelo tirano Hieratildeo em Siracusa onde seria realizada a reperformance durante a

festa cultual (v 95) dedicada a Demeacuteter e a Perseacutefone deusas tutelares de Siracusa culto

possivelmente organizado pela famiacutelia de Hieratildeo (apud CALAME 2005 p 59)

Evidenciam respectivamente a recepccedilatildeo e a reapresentaccedilatildeo do canto em Siracusa a

forma verbal deacutexaito ldquorecebardquo (v 98) no optativo desiderativo enfatizada pela expressatildeo

sỳn degrave philophrosyacutenas euētaacutetois ldquocom amaacuteveis atos de amizaderdquo e os sintagmas

adverbiais presentes no verso 99 oiacutekothen oiacutekadrsquo ldquode uma casa para outrardquo e apograve

Stymphaliacuteōn ldquode Estiacutenfalordquo e por fim a justaposiccedilatildeo no verso 102 dos pronomes tocircnde

ldquoestesrdquo e keiacutenon ldquoagravequelesrdquo alusivos aos estinfaacutelios e siracusanos respectivamente Assim

como esses elementos apontam para a saiacuteda do vencedor da cidade Estiacutenfalo e Siracusa

eacute ainda um lugar a ser alcanccedilado por via mariacutetima acredita-se que a execuccedilatildeo primeira

do canto tenha ocorrido na cidade da matildee de Hageacutesias Note-se que o atleta e as duas

cidades a de seus antepassados maternos Estiacutenfalo e a sua terra natal Siracusa satildeo ainda

representados respectivamente pelas imagens metafoacutericas do navio e das duas acircncoras

(vv 101-5a) imagens que remetem ao deus do mar Posecircidon invocado pela persona

loquens para conceder uma favoraacutevel travessia ao kocircmos de Hageacutesias do qual

possivelmente fazia parte o chefe do coro responsaacutevel segundo Calame (2005 p 57)

16

pelo treinamento dos coreutashetaicircroi que deveriam transmitir em performance coral a

voz do poeta

Ainda acerca dessa metaacutefora mariacutetima Meacuteautis (1962 p 200) Kirkwood (1982

p 94) a interpretam como uma referecircncia agrave crise poliacutetica instaurada em Siracusa nos

uacuteltimos anos de governo de Hieratildeo crise representada pela imagem da lsquotempestuosa

noitersquo (vv 100-1) Assim na qualidade de cidadatildeo siracusano observa ainda Meacuteautis

(1962 p 200) Hageacutesias prevendo a queda do regime tiracircnico pretendia solicitar uma

nova cidadania em Estiacutenfalo A esse respeito vale mencionar uma vez mais a opiniatildeo

de Stamatopoulou (2014 p 3-4) que compartilhando do ponto de vista de Stehle julga

ter sido a ode executada primeiramente em Estiacutenfalo com o objetivo de estreitarem-se os

laccedilos entre o vencedor e essa cidade da Arcaacutedia

No que concerne ao possiacutevel chefe do coro o sujeito poeacutetico num tom laudatoacuterio

refere-se a Eneias como notou Kirkwood (1982 p 93) acerca do estilo metafoacuterico de

Piacutendaro - como aacutengelos ldquomensageirordquo (v 90) e skytaacutela (v 91)27 traduzido como

ldquointeacuterpreterdquo por ser ele o responsaacutevel pela recepccedilatildeo dos efluacutevios das Musas ndash como

explicita a expressatildeo ldquodoce taccedila de cantos ressoantesrdquo (v 91) - pela transmissatildeo e

reapresentaccedilatildeo da mensagemcanto em Siracusa onde tambeacutem deveria ser objeto de

encocircmio o tirano Hieratildeo do qual se enfatizam o governo justo a piedade religiosa os

triunfos jaacute festejados ldquopelas liras e canccedilotildees de doces palavrasrdquo (vv 96-7) a generosidade

e a amizade (v 98)

Deste modo a referecircncia a Eneias destaca o importante papel do poeta-cantor na

perpetuaccedilatildeo do triunfo agonal Nesse complexo processo de elaboraccedilatildeo poeacutetico-

perfomativa utilizam-se natildeo soacute metaacuteforas como jaacute destacou mas tambeacutem narrativas

miacuteticas relacionadas com a arte divinatoacuteria Assim por meio do elogio ao atleta

homenageado evoca-se primeiramente como modelo miacutetico Anfiarau (vv 12-21) ndash

participante da expediccedilatildeo dos Sete contra Tebas sob o comando de Adrasto rei de

Argos- possuidor das mesmas atribuiccedilotildees do laureado jaacute que ambos satildeo

guerreirogeneral e adivinho Eacute importante enfatizar que a transiccedilatildeo do tempo presente

representado pelo vencedor para o passado miacutetico se estabelece por meio do pronome

relativo hoacuten (v 12) referente ao louvor destinado a Hageacutesias e a Anfiarau e do adveacuterbio

27 Em Esparta espeacutecie de bastatildeo de madeira sobre o qual se enrolavam correias compridas e estreitas com

mensagens secretas lidas e compreendidas por quem possuiacutesse um bastatildeo idecircntico (PINDARE

Olympiques 1971 p 85 nota 4)

17

potrsquo ldquooutrora (v 13) com base no qual se alude ao desaparecimento repentino do

adivinho tebano (v 14) que segundo a versatildeo miacutetica fora arrebatado por Zeus para evitar

a morte do heroacutei como se infere do emprego do verbo katamaacuterptō lsquoengolirrsquo em tmese

que indica ter sido Anfiarau tragado pela terra Observa Barciela (2015 p 53) que esse

corte entre a preposiccedilatildeo kataacute ldquodebaixo derdquo ldquosobrdquo (v 14) e o radical do verbo salienta

natildeo somente o sentido do preveacuterbio mas tambeacutem aponta a razatildeo de natildeo ter Adrasto

encontrado Anfiarau nas sete piras Acredita-se ter sido essa a razatildeo de Adrasto ter

proferido ao adivinho um elogio em discurso direto por meio da imagem metafoacuterica

stratiacircs ophthalmograven emacircs ldquoolho28 do meu exeacutercitordquo metaacutefora que aleacutem de assinalar a

importacircncia de Anfiarau na expediccedilatildeo tebana lhe sintetiza os dois atributos relacionados

respectivamente com a macircntica e com a guerra

Julga-se que a menccedilatildeo ao atributo divinatoacuterio de Anfiarau constitui um meio de

antecipaccedilatildeo do principal mito da ode cujo eixo temaacutetico se centra no nascimento de

Iacuteamo29 (vv 39-47) e em sua iniciaccedilatildeo na arte divinatoacuteria tornando-se o primeiro de uma

famiacutelia de adivinhos ndash os Iacircmidas ndash e o responsaacutevel pelo altar profeacutetico de Zeus em

Oliacutempia (v 70)

Eacute digno de nota ter sido o citado mito introduzido pelas imagens metafoacutericas do

poeta-condutor e da poesia-quadriga por meio das quais anota Calame (2005 p 54)

ocorre um deslocamento geograacutefico-temporal jaacute que a par do movimento de Oliacutempia ndash

lugar onde ocorrera a competiccedilatildeo desportiva ndash para Piacutetana cidade espartana situada junto

ao leito do rio Eurotas na Lacocircnia haacute uma transposiccedilatildeo do tempo da ldquoenunciaccedilatildeo do

cantordquo isto eacute o tempo presente ndash marcado pelo adveacuterbio saacutemeron lsquohojersquo (v 28) ndash para o

passado miacutetico indicado pela referecircncia a Piacutetana- natildeo somente o nome de uma pequena

povoaccedilatildeo de que se compunha Esparta mas tambeacutem o nome de uma ninfa filha do deus-

rio Eurotas e fundadora da linhagem dos Iacircmidas - que unida a Posecircidon gerou em

segredo Evadne matildee de Iacuteamo ancestral miacutetico de uma extensa linhagem de adivinhos

28 Imagem presente em Oliacutempica 2 (v 10) em referecircncia aos ancestrais histoacutericos de Teratildeo de Agrigento

e em Piacutetica 5 (vv 55-7a) em alusatildeo a Bato fundador da estirpe dos reis de Cirene cidade do vencedor

Com relaccedilatildeo agrave imagem do olho em Oliacutempica 6 conveacutem lembrar citando Villarrubia (1995 p 17) Suaacuterez

de la Torre (1989 p 97) e Meacuteautis (1962 p 195) que o escoacutelio pindaacuterico ao citado verso refere a Tebaida

como fonte direta do elogio de Adrasto a Anfiarau 29Como observa Nisetich (1998 p 2) nas odes pindaacutericas eacute conferido destaque maior agrave famiacutelia do vencedor

que ao proacuteprio homenageado jaacute que se busca em fatos preteacuteritos explicaccedilotildees ou justificativas para o

momento presente A esse respeito verifica-se na ode em estudo que a volta ao passado (vv 28-71)

constitui um meio de glorificaccedilatildeo do homenageado

18

cujo representante atual eacute o vencedor oliacutempico Hageacutesias de Siracusa Evadne por sua

vez seduzida por Apolo deu agrave luz Iacuteamo cuja vocaccedilatildeo profeacutetica eacute anunciada na ode pelo

atributo theoacutephrona lsquoinspirado pelos deusesrsquo (v 41) e pelo oraacuteculo de Delfos revelado

ao pai mortal e adotivo de Evadne ndash Eacutepito - a quem satildeo declarados a origem e o dom

divinatoacuterio de Iacuteamo (vv 49b-51) cujo nome de etimologia obscura estaacute associado ao

nome da flor violeta (DUCHEMIN 1955 p 242-3) iacuteon tambeacutem presente no epiacuteteto

atribuiacutedo a Evadne ioacuteplokos ldquocabelo cor de violetardquo (v 30) portanto cor que identifica

Iacuteamo como filho de Evadne Em sintonia com Eleanor Irwin (1996 p 386) acerca de seu

comentaacuterio sobre o ambiente onde Iacuteamo fora abandonado por sua matildee isto eacute khamaiacute ldquono

chatildeordquo (v 45) considera-se que esse lugar eacute tambeacutem ser esse sobrenatural haja vista terem

florescido do chatildeo violetas que forneceram ao receacutem-nascido calor e proteccedilatildeo necessaacuterios

agrave sua sobrevivecircncia Destarte as violetas simbolizam a proacutepria Evadne posto que

exerceram a funccedilatildeo materna

Significativo tambeacutem nessa passagem eacute o fato de ter sido por intervenccedilatildeo divina

(v 46) Iacuteamo alimentado por duas serpentes (45b-47a) com ldquoo veneno irrepreensiacutevel das

abelhasrdquo expressatildeo que se associa anotou Duchemin (1955 p 251) jaacute haacute algum tempo

ao dom da profecia e do fazer poeacutetico Deborah Steiner (1986 p 103) por sua vez refere

acerca dessa passagem que a relaccedilatildeo entre a serpente animal macircntico por excelecircncia

(Meacuteautis 1962 p 196) e o mel anuncia o dom profeacutetico que o receacutem-nascido teria

posteriormente30

Ao chegar agrave adolescecircncia Iacuteamo ciente de sua ascendecircncia divina solicita a seu

avocirc Posecircidon e a seu pai Apolo um atributo que beneficiasse todo o povo uma honra

puacuteblica laoacutethrophos ldquoque alimentasse o povordquo (v 60) Ressalte-se que embora a suacuteplica

tenha sido dirigida a essas duas divindades eacute Apolo nomeado com seu epiacuteteto ldquoarqueiro

guardiatildeo da divina Delosrdquo (v 59) quem concede ao filho o duplo dom da adivinhaccedilatildeo

(vv 65-70) a faculdade de ouvir-lhe a voz profeacutetica pautada sempre na verdade e a

fundaccedilatildeo de oraacuteculo de Zeus em Oliacutempia antes mesmo da instituiccedilatildeo dos Jogos

Oliacutempicos por Heacuteracles Logo com a concessatildeo da daacutediva da adivinhaccedilatildeo encerra-se o

relato miacutetico dos Iacircmidas Faz entatildeo a voz do poema a passagem do tempo miacutetico (vv

71-7) para o passado proacuteximo de Hageacutesias com a alusatildeo laudatoacuteria aos antepassados

30 Acrescente-se que a relaccedilatildeo entre a serpente e a figura de Apolo se justifica pelo fato de a divindade ter

assassinado a serpente Piacuteton para habitar Delfos

19

histoacutericos do vencedor (vv 78-81) e numa referecircncia metapoeacutetica (vv 82-7b) a seus

proacuteprios ancestrais por serem todos procedentes da cidade de Estiacutenfalo dado que

identifica o laureado com a persona loquens

Ediccedilotildees traduccedilotildees e comentaacuterios

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- afirma Rocha Pereira (2006 p 223) ndash para ilustrar sentenccedilas gnocircmicas as gnocircmai que

aleacutem de terem uma funccedilatildeo didaacutetica enunciando conselhos de ordem moral ou maacuteximas

de caraacuteter universal e atemporal podem ser empregadas como elementos de transiccedilatildeo

entre as partes da ode e ser expressas antes da narrativa miacutetica esta uacuteltima natildeo presente

em todas as odes12 Por fim Piacutendaro tece comentaacuterios acerca de seu mister destinado a

representantes da aristocracia da Greacutecia do seacuteculo V a C para os quais compocircs por

encomenda cantos triunfais fato que vincula seu fazer poeacutetico ao mecenato13 e ainda

ao contexto histoacuterico de seu tempo Com efeito enaltecem-se em seus versos os princiacutepios

aristocraacuteticos cuja base residia no poder da ancestralidade na riqueza e ainda na

excelecircncia fiacutesica e moral dos nobres seus contemporacircneos e vencedores dos agocircnes

atleacuteticos Portanto sendo os epiniacutecios instrumentos de legitimaccedilatildeo do poder

aristocraacutetico14 constitui entatildeo a ode Oliacutempica 615 um dos importantes testemunhos

histoacuterico-literaacuterios tendo em vista ter sido composta para celebrar a vitoacuteria de Hageacutesias

de Siracusa - chefe militar16 do tirano Hieratildeo de Siracusa (478- 467-6)17 - numa quadriga

de mulas em 472 ou 468 a C

Estrofe 1

Estabelecendo douradas

colunas debaixo de um bem murado poacutertico do santuaacuterio

como se estabelece um belo palaacutecio

construamos Iniciado o trabalho

eacute preciso dar-lhe uma fachada que brilhe ao longe Mas se

ele eacute um vencedor Oliacutempico

5 guardiatildeo no altar profeacutetico de Zeus em Pisa

12 Cf Oliacutempicas 5 11 12 e 14 Piacutetica 7 Nemeias 2 e 11 e Iacutestmicas 2 e 3 13 Na Greacutecia arcaica a poesia de modo anaacutelogo a outras atividades profissionais passou a ter um valor

comercial como se infere por exemplo de Piacutetica 11 vv 41-2 ldquoMusa se concordas em conceder por

salaacuterio tua voz venal eacute preciso que teu ofiacutecio seja divulgado aqui e laacuterdquo (Traduccedilatildeo nossa) 14 Sobre as formas de legitimaccedilatildeo do poder aristocraacutetico em especial dos tiranos siciliotas cf HIRATA

Elaine F V 2010 p 23-41 15 A traduccedilatildeo de Oliacutempica 6 eacute de responsabilidade das autoras deste trabalho e constitui parte da pesquisa

interinstitucional (UFRJUFF) por elas desenvolvida sobre as odes Oliacutempicas A ediccedilatildeo criacutetica eacute a

estabelecida por Snell-Maehler 1987 16 Cf PINDARE Olympiques Paris Les Belles Lettres 1970 p 74-5 17 Para detalhes acerca das tiranias siciliotas cf HIRATA Elaine F V 2010 p 23-41 VALLET Georges

Pindare et la Sicile In Entretiens sur lrsquo Antiquiteacute Classique Pindare Vandoeuvres ndash Genegraveve Fondation

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6

e cofundador da afamada Siracusa

de que hino fugiria

tal homem ao encontrar

cidadatildeos sem inveja no meio de cantos encantadores

Antiacutestrofe 1

Saiba na verdade que nesta sandaacutelia18

tem seu peacute afortunado

o filho de Soacutestrato Faccedilanhas sem riscos

10 nem junto aos homens nem nas cocircncavas naus

satildeo honradas mas muitos se lembram

quando algo de belo foi realizado com esforccedilo

Oacute Hageacutesias eacute teu o real elogio que com justo

discurso Adrasto outrora proclamara para o vidente

filho de Oicles Anfiarau

quando a terra o

engoliu e tambeacutem os seus brilhantes cavalos

Epodo 1

15 Depois quando tinham queimado as sete piras

de cadaacuteveres o filho de Talau (Adrasto)

proferiu em Tebas o seguinte discurso

lsquoEstou com saudades do olho de meu exeacutercito

bom em duas coisas ser adivinho e

combater com a lanccedilarsquo Isto tambeacutem

eacute verdadeiro para o homem de Siracusa senhor do cortejo processional

Embora natildeo seja ele propenso agrave desavenccedila nem amigo de disputa em excesso

18Com valor metafoacuterico na acepccedilatildeo de ldquonesta posiccedilatildeordquo (SLATER1969 p 401)

7

20 fazendo um grande juramento disso claramente lhe

darei testemunho e com vozes doces como o mel

as Musas o aprovaratildeo

Estrofe 2

Oacute Fiacutentis pois bem atrela agora

para mim a forccedila das mulas

o mais raacutepido possiacutevel para que em caminho puro

conduzamos a quadriga de mulas e eu chegue ateacute

25 a linhagem destes homens pois essas mulas mais do que

outras sabem abrir

esse caminho jaacute que coroas em Oliacutempia

ganharam eacute preciso entatildeo

abrir-lhes as portas dos hinos

e a Piacutetana junto do curso do Eurotas

eacute preciso chegar hoje em hora oportuna

Antiacutestrofe 2

Diz-se que Piacutetana unida a Posecircidon

filho de Crono

30 deu agrave luz uma filha com cabelo cor de violeta Evadne

Mas nas pregas de sua roupa escondeu a gravidez

e enviando no mecircs determinado

suas servas ordenou-lhes

que entregassem a crianccedila aos cuidados do heroacutei Eacutepito filho de Eacutelato

que reinava sobre os homens da Arcaacutedia em Fesana

e fora designado para habitar o Alfeu

35 Tendo sido criada aiacute sob o domiacutenio de Apolo

(Evadne) experimentou pela primeira vez a doccedilura de Afrodite

8

Epodo 2

E ela natildeo ocultou de Eacutepito durante toda

o tempo o filho do deus

Mas ele (Eacutepito) foi para Delfos reprimindo no coraccedilatildeo

a raiva inenarraacutevel com agudo propoacutesito

para consultar o oraacuteculo sobre

esse sofrimento insuportaacutevel

Ela por sua vez logo que depocircs a cinta purpuacuterea

40 e o cacircntaro de prata debaixo da mata sombria

deu agrave luz um filho inspirado pelos deuses Junto dela o de aacuteureos cabelos (Apolo)

estabeleceu a amaacutevel Iliacutetia

e as Moicircras

Estrofe 3

E de seu ventre no meio das dores

amaacuteveis do parto Iacuteamo

veio logo agrave luz E ela (Evadne) angustiada

45 deixou-o no chatildeo mas duas serpentes de olhos brilhantes

por desiacutegnio dos deuses cuidando dele

o alimentaram com o irrepreensiacutevel

veneno das abelhas Mas quando o rei

conduzindo seu carro chegou da

rochosa Delfos a todos em casa

perguntou sobre a crianccedila que Evadne

dera agrave luz de fato ele (Eacutepito) dizia que a crianccedila era filho de Febo

Antiacutestrofe 3

50 que acima dos mortais seria um adivinho para os homens

e jamais lhe faltaria descendecircncia

9

Assim entatildeo declarou Mas eles confessavam que natildeo o tinham ouvido

nem visto

embora tivesse nascido havia cinco dias Mas

na verdade estava escondido num canteiro de juncos no impenetraacutevel matagal

55 pelos raios dourados e roxos das violetas

banhado em seu delicado

corpo Por isso sua matildee declarou

que ele fosse chamado durante todo o tempo

por esse nome imortal

Mas depois que recebeu o fruto da amaacutevel

Juventude da coroa dourada descendo no meio do Alfeu

invocou o poderoso Posecircidon

seu avocirc e o arqueiro guardiatildeo

da divina Delos

60 pedindo para sua cabeccedila uma honra que alimentasse o povo

no ar livre da noite Clara ressoou a voz paterna e lhe pediu

lsquoLevanta-te filho

vem aqui para a terra paterna

atraacutes da minha vozrsquo

Estrofe 4

Chegaram ao escarpado

rochedo do monte de Crono

65 onde ele lhe outorgou o duplo tesouro

da adivinhaccedilatildeo primeiro ouvir a voz

desconhecedora das mentiras e depois quando

chegasse o de ousados expedientes

10

Heacuteracles majestoso filho dos Alceus19

69 para fundar em honra de seu pai uma festa concorrida

e o maior festival dos jogos

70 na parte mais alta do altar de Zeus

ordenou entatildeo que (Iacuteamo) estabelecesse o oraacuteculo

Antiacutestrofe 4

Desde aquele momento eacute renomada entre

os Helenos a linhagem dos Iacircmidas

A prosperidade os acompanhou ao mesmo tempo E honrando as virtudes

percorrem um caminho visiacutevel daacute provas disso

cada accedilatildeo (deles) Mas a censura da parte

de outros invejosos estaacute suspensa

75 sobre aqueles que foram outrora os primeiros a conduzir o carro na corrida de doze

voltas

e sobre os quais a Graccedila veneranda derrama

gloriosa forma corporal

Se na verdade habitando sob a montanha

de Cilene oacute Hageacutesias teus antepassados maternos

Epodo 4

presentearam

muitas vezes o arauto dos deuses

Hermes com muitos sacrifiacutecios suplicantes de modo piedoso

ele que rege as competiccedilotildees atleacuteticas e a devida parte dos precircmios

80 e honra a Arcaacutedia de nobres varotildees

eacute ele oacute filho de Soacutestrato

com seu pai (Zeus) de barulho retumbante que realiza o teu ecircxito

19 Progenitor de de Anfitriatildeo e este o suposto pai de Heacuteracles

11

Tenho em minha liacutengua a fama de uma liacutempida pedra de afiar20

que quando eu quero se aproxima de mim com sopros de belas correntes

Minha avoacute materna era

de Estiacutenfalo a florescente Metopa

Esfrofe 5

que deu agrave luz Teba condutora de cavalos

de cuja deliciosa aacutegua

86 beberei enquanto teccedilo para os varotildees lanceiros

um hino variado Agora incita teus companheiros

oacute Eneias primeiro a Hera

Virginal celebrar

e depois a saber se evitamos o antigo insulto

90 de suiacuteno Beoacutecio com verdadeiras palavras

De fato eacutes correto mensageiro

inteacuterprete das Musas de belos cabelos

doce taccedila de cantos ressoantes

Antiacutestrofe 5

Diz-lhes que se lembrem

de Siracusa e de Ortiacutegia21

que Hieratildeo ao governaacute-la com imaculado cetro

com justos pensamentos

95 honra Demeacuteter de peacutes vermelhos

a festa de sua filha de brancos corceacuteis

e o poder de Zeus do Etna As liras

e as canccedilotildees de doces palavras o conhecem

20 Metaacutefora do fazer poeacutetico em que a liacutengua do poeta eacute estimulada agrave produccedilatildeo de um canto harmonioso 21Parte mais antiga de Siracusa onde estava situado o palaacutecio de Hieratildeo e talvez o de Hageacutesias (ORTEGA

Alfonso 1984 p 100)

12

Que o tempo em seu curso natildeo lhe destrua a felicidade

mas com amaacuteveis atos de amizade

receba (Hieratildeo) o cortejo processional de Hageacutesias

Epodo 5

(cortejo que) vem de uma casa para outra

das muralhas de Estiacutenfalo

100 e deixa a matildee da Arcaacutedia rica em rebanhos

Boas satildeo na tempestuosa

noite para serem lanccediladas de uma nau veloz

duas acircncoras Que o deus

a estes e agravequeles conceda com amizade glorioso destino

Oacute senhor soberano do mar concede uma direta travessia

isenta de dificuldades oacute esposo

105 de Anfitrite da roca de ouro e faz prosperar

a flor jubilosa de meus hinos

O atleta homenageado da ode eacute filho de Soacutestrato (vv 9 80) pertencente agrave

linhagem dos Iacircmidas e de uma mulher cujos antepassados procediam de Cilene (vv 77-

8) montanha ao norte da Arcaacutedia onde se situava a cidade de Estiacutenfalo ndash lugar em que

ocorrera provavelmente a primeira performance22 do epiniacutecio (vv 99-100) e onde o deus

Hermes era cultuado (vv 79-81) Note-se que a referecircncia a essa divindade vincula o

triunfo atleacutetico agrave benevolecircncia divina tendo em vista ter sido Hermes a divindade doadora

da vitoacuteria (v 81) a Hageacutesias Com efeito a relaccedilatildeo entre a vitoacuteria e a vontade dos deuses

constitui um topos23 da poesia pindaacuterica

22 O argumento da maior parte da criacutetica pindaacuterica sobre a ode ter sido executada em Estiacutenfalo fundamenta-

se nos versos 98-105 nos quais o vencedor e seu kocircmos saem de Estiacutenfalo rumo a Siracusa Acresce ainda

que o fato de o laureado ter laccedilos estreitos com as duas cidades motivou uma discussatildeo acerca da localizaccedilatildeo

da premiegravere do canto triunfal (STAMATOPOULOU 2014 p 1)

23 Cf eg Oliacutempicas 9 vv 100-4 13 vv 13-8 Piacutetica 10 vv 10-5

13

De modo anaacutelogo ao proecircmio da Odisseia (vv 1-10) em que natildeo se menciona o

nome do heroacutei Odisseu designado somente no verso 21 tambeacutem em Oliacutempica 6 o nome

do atleta homenageado soacute aparece no verso 12 por meio de uma invocaccedilatildeo muito embora

tenha sido referido indiretamente no verso 4 apenas pela forma verbal em terceira pessoa

e nos versos 4 a 9 por meio da citaccedilatildeo de seus atributos e de sua descendecircncia

Informa tambeacutem o canto agonal ter tido o vencedor dupla funccedilatildeo a de guardiatildeo

do altar profeacutetico de Zeus em Pisa (v 5) ndash tendo em vista ter como ascendente o adivinho

Iacuteamo que recebera de seu pai Apolo o dom da profecia (vv 65-70) ndash e a de cofundador

de Siracusa (v 6)24 Essas referecircncias ao laureado histoacutericas e miacuteticas encontram-se

distribuiacutedas pelos 105 versos que compotildeem as cinco triacuteades de Oliacutempica 6 iniciada com

uma imagem metapoeacutetica ou autorreferencial em que se coteja o fazer poeacutetico com um

monumento e o poeta com um construtor como atesta nos quatro primeiros versos da

ode a presenccedila de termos pertencentes ao campo semacircntico da arquitetura como kiacuteonas

ldquocolunardquo euteikheicirc ldquobem muradordquo prothyacuteroi ldquopoacuterticordquo paacutexomen ldquoconstruamosrdquo e

proacutesōpon ldquofachadardquo entendido este uacuteltimo metaforicamente segundo o leacutexico pindaacuterico

editado por William Slater (1969 p 454) como o proecircmio da ode Logo eacute a

magnificecircncia dessa construccedilatildeo poeacutetico-arquitetocircnica ndash enfatizada pelos adjetivos

khryseacuteas ldquodouradasrdquo e telaugeacutes ldquoque brilha ao longerdquo ndash que torna impereciacuteveis a

efemeridade do evento atleacutetico ndash ideia sumarizada no verso 4 ndash e o proacuteprio destinataacuterio

apresentado ainda na primeira estrofe como vencedor oliacutempico guardiatildeo por heranccedila

paterna do altar divinatoacuterio de Zeus e cofundador de Siracusa ndash atributos que devem

brilhar ao longe

A par dessas metaacuteforas delineia-se na segunda estrofe a imagem do poeta-

condutor quando a persona loquens ao invocar o nome do condutor da quadriga ndash

Fiacutentis25 auriga de Hageacutesias ndash a ele se iguala como assinala o sintagma autorreferencial

baacutesomen oacutekkhon ldquoconduzamos a quadriga de mulasrdquo (v 24) Logo por meio de

linguagem metafoacuterica o fazer poeacutetico e a performance do canto convertem-se assinala

24 Segundo os escolia 8a e 8b Hageacutesias pode ser considerado cofundador de Siracusa porque seus

antepassados participaram da colonizaccedilatildeo desta cidade Entretanto Willamowitz (1922) e Luraghi (1997)

sugeriram que o proacuteprio Hageacutesias teria participada reestruturaccedilatildeo de Siracusa no governo do tirano Gelatildeo

(apud STAMATOPOULOU 2014 p 7 nota 21) Acerca da remodelaccedilatildeo ldquogelonianardquo de Siracusa ver

Hirata (2010 p 28-9)

25 Fiacutentis representa o aristocrata siracusano Hageacutesias patrocinador do treinamento das parelhas do auriga

(CALAME 2005 p 54)

14

Calame (2005 p 53) numa corrida de quadrigas toacutepos na poesia grega arcaica De fato

assim como o atleta conduz a quadriga agrave vitoacuteria tambeacutem o poeta-atleta elabora

harmoniosamente seus versos para glorificar o vencedor e sua linhagem Deste modo

configuram-se nesse percurso metafoacuterico a quadriga e a poesia como vias de acesso agrave

imortalidade a julgar pela presenccedila dos termos sinocircnimos keleuthoacutes (v 23) e hodoacutes (v

25) ldquocaminhordquo o primeiro dos quais representando conotativamente a poesia e o

segundo conservando sua acepccedilatildeo denotativa tem o sentido de rota percorrida pela

carruagem

Aliaacutes essas imagens metafoacutericas natildeo satildeo as uacutenicas empregadas pela persona

loquens para descrever por meio de metalinguagem sua arte poeacutetica comparada ora com

objetos preciosos ndash como na ode em pauta em que a canccedilatildeo eacute relacionada com um poacutertico

de colunas douradas (Ol 6 vv 1-4) ou em outras odes com uma taccedila de ouro (Ol 7

vv 1-4) e com ouro refinado (Nemeia 4 v 82) - ora com o produto resultante do trabalho

das abelhas (Ol 10 v 98 Nemeia 3 v 77) ou com elementos da natureza como a flor

(Ol 6 v 105) soacute para citar algumas Tambeacutem o mister do poeta eacute vinculado a diferentes

atividades profissionais como a de lavrador (Nemeia 6 v 32 Piacutetica 6 v 2) escultor

(Nemeia vv 1-5) arqueiro (Ol 1 v 111 Ol 2 vv 83-6) e tecelatildeo este uacuteltimo labor

evocado em Oliacutempica 6 (v 86) pelo emprego do verbo pleacutekō ldquotecerrdquo metaacutefora frequente

do fazer poeacutetico na poesia meacutelica assinala Calame (2005 p58 n12) Com efeito do

mesmo modo que o tecelatildeo tranccedila com sutileza e habilidade os fios para a confecccedilatildeo do

tecido tambeacutem o poeta elabora seu discurso poeacutetico entrelaccedilando recursos literaacuterios e

linguiacutesticos combinados com o ritmo e a harmonia para a perfeita composiccedilatildeo da ode e

por conseguinte para a glorificaccedilatildeo do atleta vencedor como se infere dos versos 86-7

ldquoteccedilo para os varotildees lanceiros um hino variadordquo

Entre os elementos constitutivos do epiniacutecio pindaacuterico eacute interessante pontuar

ainda a alternacircncia das formas de primeira pessoa26 do singular e do plural (eunoacutes ndash vv

3 21 23 24 82 84 86 e 105) por meio da qual eacute possiacutevel haver um revezamento entre

a voz do poema e a voz do coro dado que torna improdutiva segundo Calame (2005 p

58) a discussatildeo acerca da natureza do sujeito poeacutetico nas odes pindaacutericas ldquonem

unicamente ldquomonoacutedicordquo nem inteiramente coral o eunoacutes do locutor eacute essencialmente

polifocircnicordquo

26 Sobre o emprego da primeira pessoa na poesia pindaacuterica cf LEFKOWITZ Mary op cit 1991 p 1-71

15

Deve-se observar tambeacutem com Claire Muckensturn-Poulle (2009 p 77) que ao

longo da Oliacutempica 6 o sujeito do enunciado confere voz a outros enunciadores ora

empregando o discurso direto como no elogio que Adrasto faz a Anfiarau (vv 16-7) e na

ordem dada por Apolo a Iacuteamo (vv 62-3) no momento em que o deus lhe concede o dom

da profecia ora transferindo por meio de uma ordem sua funccedilatildeo de locutor do canto

agonal a Fiacutentis o auriga de Hageacutesias (v 22) ou a Eneias o khorodidaacuteskalos (vv 88-96)

com os quais se identifica como poeta-condutor e poeta-mestre do coro

Por outro lado haacute dados sugestivos da performance coral da ode e de seu local de

execuccedilatildeo haja vista a invocaccedilatildeo da persona loquens a Eneias possivelmente o

khorodidaacuteskalos - a julgar pelos escoacutelios a essa passagem (148a e 149ordf apud

STAMATOPOULOU 2014 p 11 nota 34 CALAME 2005 p 57 nota 10 p 58 nota

13) - a referecircncia aos hetaicircroi companheiros de Eneias e talvez integrantes do coro e

ainda o voto do sujeito poeacutetico para que o kocircmos ldquocortejo processionalrdquo ao vencedor

apoacutes ter sido apresentado em Estiacutenfalo como julga a maior parte da criacutetica pindaacuterica

acerca da premiegravere do epiniacutecio (apud STAMATOPOULOU 2014 p 2) fosse tambeacutem

recebido pelo tirano Hieratildeo em Siracusa onde seria realizada a reperformance durante a

festa cultual (v 95) dedicada a Demeacuteter e a Perseacutefone deusas tutelares de Siracusa culto

possivelmente organizado pela famiacutelia de Hieratildeo (apud CALAME 2005 p 59)

Evidenciam respectivamente a recepccedilatildeo e a reapresentaccedilatildeo do canto em Siracusa a

forma verbal deacutexaito ldquorecebardquo (v 98) no optativo desiderativo enfatizada pela expressatildeo

sỳn degrave philophrosyacutenas euētaacutetois ldquocom amaacuteveis atos de amizaderdquo e os sintagmas

adverbiais presentes no verso 99 oiacutekothen oiacutekadrsquo ldquode uma casa para outrardquo e apograve

Stymphaliacuteōn ldquode Estiacutenfalordquo e por fim a justaposiccedilatildeo no verso 102 dos pronomes tocircnde

ldquoestesrdquo e keiacutenon ldquoagravequelesrdquo alusivos aos estinfaacutelios e siracusanos respectivamente Assim

como esses elementos apontam para a saiacuteda do vencedor da cidade Estiacutenfalo e Siracusa

eacute ainda um lugar a ser alcanccedilado por via mariacutetima acredita-se que a execuccedilatildeo primeira

do canto tenha ocorrido na cidade da matildee de Hageacutesias Note-se que o atleta e as duas

cidades a de seus antepassados maternos Estiacutenfalo e a sua terra natal Siracusa satildeo ainda

representados respectivamente pelas imagens metafoacutericas do navio e das duas acircncoras

(vv 101-5a) imagens que remetem ao deus do mar Posecircidon invocado pela persona

loquens para conceder uma favoraacutevel travessia ao kocircmos de Hageacutesias do qual

possivelmente fazia parte o chefe do coro responsaacutevel segundo Calame (2005 p 57)

16

pelo treinamento dos coreutashetaicircroi que deveriam transmitir em performance coral a

voz do poeta

Ainda acerca dessa metaacutefora mariacutetima Meacuteautis (1962 p 200) Kirkwood (1982

p 94) a interpretam como uma referecircncia agrave crise poliacutetica instaurada em Siracusa nos

uacuteltimos anos de governo de Hieratildeo crise representada pela imagem da lsquotempestuosa

noitersquo (vv 100-1) Assim na qualidade de cidadatildeo siracusano observa ainda Meacuteautis

(1962 p 200) Hageacutesias prevendo a queda do regime tiracircnico pretendia solicitar uma

nova cidadania em Estiacutenfalo A esse respeito vale mencionar uma vez mais a opiniatildeo

de Stamatopoulou (2014 p 3-4) que compartilhando do ponto de vista de Stehle julga

ter sido a ode executada primeiramente em Estiacutenfalo com o objetivo de estreitarem-se os

laccedilos entre o vencedor e essa cidade da Arcaacutedia

No que concerne ao possiacutevel chefe do coro o sujeito poeacutetico num tom laudatoacuterio

refere-se a Eneias como notou Kirkwood (1982 p 93) acerca do estilo metafoacuterico de

Piacutendaro - como aacutengelos ldquomensageirordquo (v 90) e skytaacutela (v 91)27 traduzido como

ldquointeacuterpreterdquo por ser ele o responsaacutevel pela recepccedilatildeo dos efluacutevios das Musas ndash como

explicita a expressatildeo ldquodoce taccedila de cantos ressoantesrdquo (v 91) - pela transmissatildeo e

reapresentaccedilatildeo da mensagemcanto em Siracusa onde tambeacutem deveria ser objeto de

encocircmio o tirano Hieratildeo do qual se enfatizam o governo justo a piedade religiosa os

triunfos jaacute festejados ldquopelas liras e canccedilotildees de doces palavrasrdquo (vv 96-7) a generosidade

e a amizade (v 98)

Deste modo a referecircncia a Eneias destaca o importante papel do poeta-cantor na

perpetuaccedilatildeo do triunfo agonal Nesse complexo processo de elaboraccedilatildeo poeacutetico-

perfomativa utilizam-se natildeo soacute metaacuteforas como jaacute destacou mas tambeacutem narrativas

miacuteticas relacionadas com a arte divinatoacuteria Assim por meio do elogio ao atleta

homenageado evoca-se primeiramente como modelo miacutetico Anfiarau (vv 12-21) ndash

participante da expediccedilatildeo dos Sete contra Tebas sob o comando de Adrasto rei de

Argos- possuidor das mesmas atribuiccedilotildees do laureado jaacute que ambos satildeo

guerreirogeneral e adivinho Eacute importante enfatizar que a transiccedilatildeo do tempo presente

representado pelo vencedor para o passado miacutetico se estabelece por meio do pronome

relativo hoacuten (v 12) referente ao louvor destinado a Hageacutesias e a Anfiarau e do adveacuterbio

27 Em Esparta espeacutecie de bastatildeo de madeira sobre o qual se enrolavam correias compridas e estreitas com

mensagens secretas lidas e compreendidas por quem possuiacutesse um bastatildeo idecircntico (PINDARE

Olympiques 1971 p 85 nota 4)

17

potrsquo ldquooutrora (v 13) com base no qual se alude ao desaparecimento repentino do

adivinho tebano (v 14) que segundo a versatildeo miacutetica fora arrebatado por Zeus para evitar

a morte do heroacutei como se infere do emprego do verbo katamaacuterptō lsquoengolirrsquo em tmese

que indica ter sido Anfiarau tragado pela terra Observa Barciela (2015 p 53) que esse

corte entre a preposiccedilatildeo kataacute ldquodebaixo derdquo ldquosobrdquo (v 14) e o radical do verbo salienta

natildeo somente o sentido do preveacuterbio mas tambeacutem aponta a razatildeo de natildeo ter Adrasto

encontrado Anfiarau nas sete piras Acredita-se ter sido essa a razatildeo de Adrasto ter

proferido ao adivinho um elogio em discurso direto por meio da imagem metafoacuterica

stratiacircs ophthalmograven emacircs ldquoolho28 do meu exeacutercitordquo metaacutefora que aleacutem de assinalar a

importacircncia de Anfiarau na expediccedilatildeo tebana lhe sintetiza os dois atributos relacionados

respectivamente com a macircntica e com a guerra

Julga-se que a menccedilatildeo ao atributo divinatoacuterio de Anfiarau constitui um meio de

antecipaccedilatildeo do principal mito da ode cujo eixo temaacutetico se centra no nascimento de

Iacuteamo29 (vv 39-47) e em sua iniciaccedilatildeo na arte divinatoacuteria tornando-se o primeiro de uma

famiacutelia de adivinhos ndash os Iacircmidas ndash e o responsaacutevel pelo altar profeacutetico de Zeus em

Oliacutempia (v 70)

Eacute digno de nota ter sido o citado mito introduzido pelas imagens metafoacutericas do

poeta-condutor e da poesia-quadriga por meio das quais anota Calame (2005 p 54)

ocorre um deslocamento geograacutefico-temporal jaacute que a par do movimento de Oliacutempia ndash

lugar onde ocorrera a competiccedilatildeo desportiva ndash para Piacutetana cidade espartana situada junto

ao leito do rio Eurotas na Lacocircnia haacute uma transposiccedilatildeo do tempo da ldquoenunciaccedilatildeo do

cantordquo isto eacute o tempo presente ndash marcado pelo adveacuterbio saacutemeron lsquohojersquo (v 28) ndash para o

passado miacutetico indicado pela referecircncia a Piacutetana- natildeo somente o nome de uma pequena

povoaccedilatildeo de que se compunha Esparta mas tambeacutem o nome de uma ninfa filha do deus-

rio Eurotas e fundadora da linhagem dos Iacircmidas - que unida a Posecircidon gerou em

segredo Evadne matildee de Iacuteamo ancestral miacutetico de uma extensa linhagem de adivinhos

28 Imagem presente em Oliacutempica 2 (v 10) em referecircncia aos ancestrais histoacutericos de Teratildeo de Agrigento

e em Piacutetica 5 (vv 55-7a) em alusatildeo a Bato fundador da estirpe dos reis de Cirene cidade do vencedor

Com relaccedilatildeo agrave imagem do olho em Oliacutempica 6 conveacutem lembrar citando Villarrubia (1995 p 17) Suaacuterez

de la Torre (1989 p 97) e Meacuteautis (1962 p 195) que o escoacutelio pindaacuterico ao citado verso refere a Tebaida

como fonte direta do elogio de Adrasto a Anfiarau 29Como observa Nisetich (1998 p 2) nas odes pindaacutericas eacute conferido destaque maior agrave famiacutelia do vencedor

que ao proacuteprio homenageado jaacute que se busca em fatos preteacuteritos explicaccedilotildees ou justificativas para o

momento presente A esse respeito verifica-se na ode em estudo que a volta ao passado (vv 28-71)

constitui um meio de glorificaccedilatildeo do homenageado

18

cujo representante atual eacute o vencedor oliacutempico Hageacutesias de Siracusa Evadne por sua

vez seduzida por Apolo deu agrave luz Iacuteamo cuja vocaccedilatildeo profeacutetica eacute anunciada na ode pelo

atributo theoacutephrona lsquoinspirado pelos deusesrsquo (v 41) e pelo oraacuteculo de Delfos revelado

ao pai mortal e adotivo de Evadne ndash Eacutepito - a quem satildeo declarados a origem e o dom

divinatoacuterio de Iacuteamo (vv 49b-51) cujo nome de etimologia obscura estaacute associado ao

nome da flor violeta (DUCHEMIN 1955 p 242-3) iacuteon tambeacutem presente no epiacuteteto

atribuiacutedo a Evadne ioacuteplokos ldquocabelo cor de violetardquo (v 30) portanto cor que identifica

Iacuteamo como filho de Evadne Em sintonia com Eleanor Irwin (1996 p 386) acerca de seu

comentaacuterio sobre o ambiente onde Iacuteamo fora abandonado por sua matildee isto eacute khamaiacute ldquono

chatildeordquo (v 45) considera-se que esse lugar eacute tambeacutem ser esse sobrenatural haja vista terem

florescido do chatildeo violetas que forneceram ao receacutem-nascido calor e proteccedilatildeo necessaacuterios

agrave sua sobrevivecircncia Destarte as violetas simbolizam a proacutepria Evadne posto que

exerceram a funccedilatildeo materna

Significativo tambeacutem nessa passagem eacute o fato de ter sido por intervenccedilatildeo divina

(v 46) Iacuteamo alimentado por duas serpentes (45b-47a) com ldquoo veneno irrepreensiacutevel das

abelhasrdquo expressatildeo que se associa anotou Duchemin (1955 p 251) jaacute haacute algum tempo

ao dom da profecia e do fazer poeacutetico Deborah Steiner (1986 p 103) por sua vez refere

acerca dessa passagem que a relaccedilatildeo entre a serpente animal macircntico por excelecircncia

(Meacuteautis 1962 p 196) e o mel anuncia o dom profeacutetico que o receacutem-nascido teria

posteriormente30

Ao chegar agrave adolescecircncia Iacuteamo ciente de sua ascendecircncia divina solicita a seu

avocirc Posecircidon e a seu pai Apolo um atributo que beneficiasse todo o povo uma honra

puacuteblica laoacutethrophos ldquoque alimentasse o povordquo (v 60) Ressalte-se que embora a suacuteplica

tenha sido dirigida a essas duas divindades eacute Apolo nomeado com seu epiacuteteto ldquoarqueiro

guardiatildeo da divina Delosrdquo (v 59) quem concede ao filho o duplo dom da adivinhaccedilatildeo

(vv 65-70) a faculdade de ouvir-lhe a voz profeacutetica pautada sempre na verdade e a

fundaccedilatildeo de oraacuteculo de Zeus em Oliacutempia antes mesmo da instituiccedilatildeo dos Jogos

Oliacutempicos por Heacuteracles Logo com a concessatildeo da daacutediva da adivinhaccedilatildeo encerra-se o

relato miacutetico dos Iacircmidas Faz entatildeo a voz do poema a passagem do tempo miacutetico (vv

71-7) para o passado proacuteximo de Hageacutesias com a alusatildeo laudatoacuteria aos antepassados

30 Acrescente-se que a relaccedilatildeo entre a serpente e a figura de Apolo se justifica pelo fato de a divindade ter

assassinado a serpente Piacuteton para habitar Delfos

19

histoacutericos do vencedor (vv 78-81) e numa referecircncia metapoeacutetica (vv 82-7b) a seus

proacuteprios ancestrais por serem todos procedentes da cidade de Estiacutenfalo dado que

identifica o laureado com a persona loquens

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Emerita Revista de Linguumliacutestica y Filologiacutea Claacutesica LXX 1 2002 p 83-102

VALLET Georges Pindare et la Sicile In Entretiens sur lrsquo Antiquiteacute Classique

Pindare Vandoeuvres ndash Genegraveve Fondation Hardt 1984 p 285-327

VILLARRUBIA Antonio La victoria de Hagesias de Siracusa y la Oliacutempica 6 de

Piacutendaro Habis 26 1995 p 13-28

6

e cofundador da afamada Siracusa

de que hino fugiria

tal homem ao encontrar

cidadatildeos sem inveja no meio de cantos encantadores

Antiacutestrofe 1

Saiba na verdade que nesta sandaacutelia18

tem seu peacute afortunado

o filho de Soacutestrato Faccedilanhas sem riscos

10 nem junto aos homens nem nas cocircncavas naus

satildeo honradas mas muitos se lembram

quando algo de belo foi realizado com esforccedilo

Oacute Hageacutesias eacute teu o real elogio que com justo

discurso Adrasto outrora proclamara para o vidente

filho de Oicles Anfiarau

quando a terra o

engoliu e tambeacutem os seus brilhantes cavalos

Epodo 1

15 Depois quando tinham queimado as sete piras

de cadaacuteveres o filho de Talau (Adrasto)

proferiu em Tebas o seguinte discurso

lsquoEstou com saudades do olho de meu exeacutercito

bom em duas coisas ser adivinho e

combater com a lanccedilarsquo Isto tambeacutem

eacute verdadeiro para o homem de Siracusa senhor do cortejo processional

Embora natildeo seja ele propenso agrave desavenccedila nem amigo de disputa em excesso

18Com valor metafoacuterico na acepccedilatildeo de ldquonesta posiccedilatildeordquo (SLATER1969 p 401)

7

20 fazendo um grande juramento disso claramente lhe

darei testemunho e com vozes doces como o mel

as Musas o aprovaratildeo

Estrofe 2

Oacute Fiacutentis pois bem atrela agora

para mim a forccedila das mulas

o mais raacutepido possiacutevel para que em caminho puro

conduzamos a quadriga de mulas e eu chegue ateacute

25 a linhagem destes homens pois essas mulas mais do que

outras sabem abrir

esse caminho jaacute que coroas em Oliacutempia

ganharam eacute preciso entatildeo

abrir-lhes as portas dos hinos

e a Piacutetana junto do curso do Eurotas

eacute preciso chegar hoje em hora oportuna

Antiacutestrofe 2

Diz-se que Piacutetana unida a Posecircidon

filho de Crono

30 deu agrave luz uma filha com cabelo cor de violeta Evadne

Mas nas pregas de sua roupa escondeu a gravidez

e enviando no mecircs determinado

suas servas ordenou-lhes

que entregassem a crianccedila aos cuidados do heroacutei Eacutepito filho de Eacutelato

que reinava sobre os homens da Arcaacutedia em Fesana

e fora designado para habitar o Alfeu

35 Tendo sido criada aiacute sob o domiacutenio de Apolo

(Evadne) experimentou pela primeira vez a doccedilura de Afrodite

8

Epodo 2

E ela natildeo ocultou de Eacutepito durante toda

o tempo o filho do deus

Mas ele (Eacutepito) foi para Delfos reprimindo no coraccedilatildeo

a raiva inenarraacutevel com agudo propoacutesito

para consultar o oraacuteculo sobre

esse sofrimento insuportaacutevel

Ela por sua vez logo que depocircs a cinta purpuacuterea

40 e o cacircntaro de prata debaixo da mata sombria

deu agrave luz um filho inspirado pelos deuses Junto dela o de aacuteureos cabelos (Apolo)

estabeleceu a amaacutevel Iliacutetia

e as Moicircras

Estrofe 3

E de seu ventre no meio das dores

amaacuteveis do parto Iacuteamo

veio logo agrave luz E ela (Evadne) angustiada

45 deixou-o no chatildeo mas duas serpentes de olhos brilhantes

por desiacutegnio dos deuses cuidando dele

o alimentaram com o irrepreensiacutevel

veneno das abelhas Mas quando o rei

conduzindo seu carro chegou da

rochosa Delfos a todos em casa

perguntou sobre a crianccedila que Evadne

dera agrave luz de fato ele (Eacutepito) dizia que a crianccedila era filho de Febo

Antiacutestrofe 3

50 que acima dos mortais seria um adivinho para os homens

e jamais lhe faltaria descendecircncia

9

Assim entatildeo declarou Mas eles confessavam que natildeo o tinham ouvido

nem visto

embora tivesse nascido havia cinco dias Mas

na verdade estava escondido num canteiro de juncos no impenetraacutevel matagal

55 pelos raios dourados e roxos das violetas

banhado em seu delicado

corpo Por isso sua matildee declarou

que ele fosse chamado durante todo o tempo

por esse nome imortal

Mas depois que recebeu o fruto da amaacutevel

Juventude da coroa dourada descendo no meio do Alfeu

invocou o poderoso Posecircidon

seu avocirc e o arqueiro guardiatildeo

da divina Delos

60 pedindo para sua cabeccedila uma honra que alimentasse o povo

no ar livre da noite Clara ressoou a voz paterna e lhe pediu

lsquoLevanta-te filho

vem aqui para a terra paterna

atraacutes da minha vozrsquo

Estrofe 4

Chegaram ao escarpado

rochedo do monte de Crono

65 onde ele lhe outorgou o duplo tesouro

da adivinhaccedilatildeo primeiro ouvir a voz

desconhecedora das mentiras e depois quando

chegasse o de ousados expedientes

10

Heacuteracles majestoso filho dos Alceus19

69 para fundar em honra de seu pai uma festa concorrida

e o maior festival dos jogos

70 na parte mais alta do altar de Zeus

ordenou entatildeo que (Iacuteamo) estabelecesse o oraacuteculo

Antiacutestrofe 4

Desde aquele momento eacute renomada entre

os Helenos a linhagem dos Iacircmidas

A prosperidade os acompanhou ao mesmo tempo E honrando as virtudes

percorrem um caminho visiacutevel daacute provas disso

cada accedilatildeo (deles) Mas a censura da parte

de outros invejosos estaacute suspensa

75 sobre aqueles que foram outrora os primeiros a conduzir o carro na corrida de doze

voltas

e sobre os quais a Graccedila veneranda derrama

gloriosa forma corporal

Se na verdade habitando sob a montanha

de Cilene oacute Hageacutesias teus antepassados maternos

Epodo 4

presentearam

muitas vezes o arauto dos deuses

Hermes com muitos sacrifiacutecios suplicantes de modo piedoso

ele que rege as competiccedilotildees atleacuteticas e a devida parte dos precircmios

80 e honra a Arcaacutedia de nobres varotildees

eacute ele oacute filho de Soacutestrato

com seu pai (Zeus) de barulho retumbante que realiza o teu ecircxito

19 Progenitor de de Anfitriatildeo e este o suposto pai de Heacuteracles

11

Tenho em minha liacutengua a fama de uma liacutempida pedra de afiar20

que quando eu quero se aproxima de mim com sopros de belas correntes

Minha avoacute materna era

de Estiacutenfalo a florescente Metopa

Esfrofe 5

que deu agrave luz Teba condutora de cavalos

de cuja deliciosa aacutegua

86 beberei enquanto teccedilo para os varotildees lanceiros

um hino variado Agora incita teus companheiros

oacute Eneias primeiro a Hera

Virginal celebrar

e depois a saber se evitamos o antigo insulto

90 de suiacuteno Beoacutecio com verdadeiras palavras

De fato eacutes correto mensageiro

inteacuterprete das Musas de belos cabelos

doce taccedila de cantos ressoantes

Antiacutestrofe 5

Diz-lhes que se lembrem

de Siracusa e de Ortiacutegia21

que Hieratildeo ao governaacute-la com imaculado cetro

com justos pensamentos

95 honra Demeacuteter de peacutes vermelhos

a festa de sua filha de brancos corceacuteis

e o poder de Zeus do Etna As liras

e as canccedilotildees de doces palavras o conhecem

20 Metaacutefora do fazer poeacutetico em que a liacutengua do poeta eacute estimulada agrave produccedilatildeo de um canto harmonioso 21Parte mais antiga de Siracusa onde estava situado o palaacutecio de Hieratildeo e talvez o de Hageacutesias (ORTEGA

Alfonso 1984 p 100)

12

Que o tempo em seu curso natildeo lhe destrua a felicidade

mas com amaacuteveis atos de amizade

receba (Hieratildeo) o cortejo processional de Hageacutesias

Epodo 5

(cortejo que) vem de uma casa para outra

das muralhas de Estiacutenfalo

100 e deixa a matildee da Arcaacutedia rica em rebanhos

Boas satildeo na tempestuosa

noite para serem lanccediladas de uma nau veloz

duas acircncoras Que o deus

a estes e agravequeles conceda com amizade glorioso destino

Oacute senhor soberano do mar concede uma direta travessia

isenta de dificuldades oacute esposo

105 de Anfitrite da roca de ouro e faz prosperar

a flor jubilosa de meus hinos

O atleta homenageado da ode eacute filho de Soacutestrato (vv 9 80) pertencente agrave

linhagem dos Iacircmidas e de uma mulher cujos antepassados procediam de Cilene (vv 77-

8) montanha ao norte da Arcaacutedia onde se situava a cidade de Estiacutenfalo ndash lugar em que

ocorrera provavelmente a primeira performance22 do epiniacutecio (vv 99-100) e onde o deus

Hermes era cultuado (vv 79-81) Note-se que a referecircncia a essa divindade vincula o

triunfo atleacutetico agrave benevolecircncia divina tendo em vista ter sido Hermes a divindade doadora

da vitoacuteria (v 81) a Hageacutesias Com efeito a relaccedilatildeo entre a vitoacuteria e a vontade dos deuses

constitui um topos23 da poesia pindaacuterica

22 O argumento da maior parte da criacutetica pindaacuterica sobre a ode ter sido executada em Estiacutenfalo fundamenta-

se nos versos 98-105 nos quais o vencedor e seu kocircmos saem de Estiacutenfalo rumo a Siracusa Acresce ainda

que o fato de o laureado ter laccedilos estreitos com as duas cidades motivou uma discussatildeo acerca da localizaccedilatildeo

da premiegravere do canto triunfal (STAMATOPOULOU 2014 p 1)

23 Cf eg Oliacutempicas 9 vv 100-4 13 vv 13-8 Piacutetica 10 vv 10-5

13

De modo anaacutelogo ao proecircmio da Odisseia (vv 1-10) em que natildeo se menciona o

nome do heroacutei Odisseu designado somente no verso 21 tambeacutem em Oliacutempica 6 o nome

do atleta homenageado soacute aparece no verso 12 por meio de uma invocaccedilatildeo muito embora

tenha sido referido indiretamente no verso 4 apenas pela forma verbal em terceira pessoa

e nos versos 4 a 9 por meio da citaccedilatildeo de seus atributos e de sua descendecircncia

Informa tambeacutem o canto agonal ter tido o vencedor dupla funccedilatildeo a de guardiatildeo

do altar profeacutetico de Zeus em Pisa (v 5) ndash tendo em vista ter como ascendente o adivinho

Iacuteamo que recebera de seu pai Apolo o dom da profecia (vv 65-70) ndash e a de cofundador

de Siracusa (v 6)24 Essas referecircncias ao laureado histoacutericas e miacuteticas encontram-se

distribuiacutedas pelos 105 versos que compotildeem as cinco triacuteades de Oliacutempica 6 iniciada com

uma imagem metapoeacutetica ou autorreferencial em que se coteja o fazer poeacutetico com um

monumento e o poeta com um construtor como atesta nos quatro primeiros versos da

ode a presenccedila de termos pertencentes ao campo semacircntico da arquitetura como kiacuteonas

ldquocolunardquo euteikheicirc ldquobem muradordquo prothyacuteroi ldquopoacuterticordquo paacutexomen ldquoconstruamosrdquo e

proacutesōpon ldquofachadardquo entendido este uacuteltimo metaforicamente segundo o leacutexico pindaacuterico

editado por William Slater (1969 p 454) como o proecircmio da ode Logo eacute a

magnificecircncia dessa construccedilatildeo poeacutetico-arquitetocircnica ndash enfatizada pelos adjetivos

khryseacuteas ldquodouradasrdquo e telaugeacutes ldquoque brilha ao longerdquo ndash que torna impereciacuteveis a

efemeridade do evento atleacutetico ndash ideia sumarizada no verso 4 ndash e o proacuteprio destinataacuterio

apresentado ainda na primeira estrofe como vencedor oliacutempico guardiatildeo por heranccedila

paterna do altar divinatoacuterio de Zeus e cofundador de Siracusa ndash atributos que devem

brilhar ao longe

A par dessas metaacuteforas delineia-se na segunda estrofe a imagem do poeta-

condutor quando a persona loquens ao invocar o nome do condutor da quadriga ndash

Fiacutentis25 auriga de Hageacutesias ndash a ele se iguala como assinala o sintagma autorreferencial

baacutesomen oacutekkhon ldquoconduzamos a quadriga de mulasrdquo (v 24) Logo por meio de

linguagem metafoacuterica o fazer poeacutetico e a performance do canto convertem-se assinala

24 Segundo os escolia 8a e 8b Hageacutesias pode ser considerado cofundador de Siracusa porque seus

antepassados participaram da colonizaccedilatildeo desta cidade Entretanto Willamowitz (1922) e Luraghi (1997)

sugeriram que o proacuteprio Hageacutesias teria participada reestruturaccedilatildeo de Siracusa no governo do tirano Gelatildeo

(apud STAMATOPOULOU 2014 p 7 nota 21) Acerca da remodelaccedilatildeo ldquogelonianardquo de Siracusa ver

Hirata (2010 p 28-9)

25 Fiacutentis representa o aristocrata siracusano Hageacutesias patrocinador do treinamento das parelhas do auriga

(CALAME 2005 p 54)

14

Calame (2005 p 53) numa corrida de quadrigas toacutepos na poesia grega arcaica De fato

assim como o atleta conduz a quadriga agrave vitoacuteria tambeacutem o poeta-atleta elabora

harmoniosamente seus versos para glorificar o vencedor e sua linhagem Deste modo

configuram-se nesse percurso metafoacuterico a quadriga e a poesia como vias de acesso agrave

imortalidade a julgar pela presenccedila dos termos sinocircnimos keleuthoacutes (v 23) e hodoacutes (v

25) ldquocaminhordquo o primeiro dos quais representando conotativamente a poesia e o

segundo conservando sua acepccedilatildeo denotativa tem o sentido de rota percorrida pela

carruagem

Aliaacutes essas imagens metafoacutericas natildeo satildeo as uacutenicas empregadas pela persona

loquens para descrever por meio de metalinguagem sua arte poeacutetica comparada ora com

objetos preciosos ndash como na ode em pauta em que a canccedilatildeo eacute relacionada com um poacutertico

de colunas douradas (Ol 6 vv 1-4) ou em outras odes com uma taccedila de ouro (Ol 7

vv 1-4) e com ouro refinado (Nemeia 4 v 82) - ora com o produto resultante do trabalho

das abelhas (Ol 10 v 98 Nemeia 3 v 77) ou com elementos da natureza como a flor

(Ol 6 v 105) soacute para citar algumas Tambeacutem o mister do poeta eacute vinculado a diferentes

atividades profissionais como a de lavrador (Nemeia 6 v 32 Piacutetica 6 v 2) escultor

(Nemeia vv 1-5) arqueiro (Ol 1 v 111 Ol 2 vv 83-6) e tecelatildeo este uacuteltimo labor

evocado em Oliacutempica 6 (v 86) pelo emprego do verbo pleacutekō ldquotecerrdquo metaacutefora frequente

do fazer poeacutetico na poesia meacutelica assinala Calame (2005 p58 n12) Com efeito do

mesmo modo que o tecelatildeo tranccedila com sutileza e habilidade os fios para a confecccedilatildeo do

tecido tambeacutem o poeta elabora seu discurso poeacutetico entrelaccedilando recursos literaacuterios e

linguiacutesticos combinados com o ritmo e a harmonia para a perfeita composiccedilatildeo da ode e

por conseguinte para a glorificaccedilatildeo do atleta vencedor como se infere dos versos 86-7

ldquoteccedilo para os varotildees lanceiros um hino variadordquo

Entre os elementos constitutivos do epiniacutecio pindaacuterico eacute interessante pontuar

ainda a alternacircncia das formas de primeira pessoa26 do singular e do plural (eunoacutes ndash vv

3 21 23 24 82 84 86 e 105) por meio da qual eacute possiacutevel haver um revezamento entre

a voz do poema e a voz do coro dado que torna improdutiva segundo Calame (2005 p

58) a discussatildeo acerca da natureza do sujeito poeacutetico nas odes pindaacutericas ldquonem

unicamente ldquomonoacutedicordquo nem inteiramente coral o eunoacutes do locutor eacute essencialmente

polifocircnicordquo

26 Sobre o emprego da primeira pessoa na poesia pindaacuterica cf LEFKOWITZ Mary op cit 1991 p 1-71

15

Deve-se observar tambeacutem com Claire Muckensturn-Poulle (2009 p 77) que ao

longo da Oliacutempica 6 o sujeito do enunciado confere voz a outros enunciadores ora

empregando o discurso direto como no elogio que Adrasto faz a Anfiarau (vv 16-7) e na

ordem dada por Apolo a Iacuteamo (vv 62-3) no momento em que o deus lhe concede o dom

da profecia ora transferindo por meio de uma ordem sua funccedilatildeo de locutor do canto

agonal a Fiacutentis o auriga de Hageacutesias (v 22) ou a Eneias o khorodidaacuteskalos (vv 88-96)

com os quais se identifica como poeta-condutor e poeta-mestre do coro

Por outro lado haacute dados sugestivos da performance coral da ode e de seu local de

execuccedilatildeo haja vista a invocaccedilatildeo da persona loquens a Eneias possivelmente o

khorodidaacuteskalos - a julgar pelos escoacutelios a essa passagem (148a e 149ordf apud

STAMATOPOULOU 2014 p 11 nota 34 CALAME 2005 p 57 nota 10 p 58 nota

13) - a referecircncia aos hetaicircroi companheiros de Eneias e talvez integrantes do coro e

ainda o voto do sujeito poeacutetico para que o kocircmos ldquocortejo processionalrdquo ao vencedor

apoacutes ter sido apresentado em Estiacutenfalo como julga a maior parte da criacutetica pindaacuterica

acerca da premiegravere do epiniacutecio (apud STAMATOPOULOU 2014 p 2) fosse tambeacutem

recebido pelo tirano Hieratildeo em Siracusa onde seria realizada a reperformance durante a

festa cultual (v 95) dedicada a Demeacuteter e a Perseacutefone deusas tutelares de Siracusa culto

possivelmente organizado pela famiacutelia de Hieratildeo (apud CALAME 2005 p 59)

Evidenciam respectivamente a recepccedilatildeo e a reapresentaccedilatildeo do canto em Siracusa a

forma verbal deacutexaito ldquorecebardquo (v 98) no optativo desiderativo enfatizada pela expressatildeo

sỳn degrave philophrosyacutenas euētaacutetois ldquocom amaacuteveis atos de amizaderdquo e os sintagmas

adverbiais presentes no verso 99 oiacutekothen oiacutekadrsquo ldquode uma casa para outrardquo e apograve

Stymphaliacuteōn ldquode Estiacutenfalordquo e por fim a justaposiccedilatildeo no verso 102 dos pronomes tocircnde

ldquoestesrdquo e keiacutenon ldquoagravequelesrdquo alusivos aos estinfaacutelios e siracusanos respectivamente Assim

como esses elementos apontam para a saiacuteda do vencedor da cidade Estiacutenfalo e Siracusa

eacute ainda um lugar a ser alcanccedilado por via mariacutetima acredita-se que a execuccedilatildeo primeira

do canto tenha ocorrido na cidade da matildee de Hageacutesias Note-se que o atleta e as duas

cidades a de seus antepassados maternos Estiacutenfalo e a sua terra natal Siracusa satildeo ainda

representados respectivamente pelas imagens metafoacutericas do navio e das duas acircncoras

(vv 101-5a) imagens que remetem ao deus do mar Posecircidon invocado pela persona

loquens para conceder uma favoraacutevel travessia ao kocircmos de Hageacutesias do qual

possivelmente fazia parte o chefe do coro responsaacutevel segundo Calame (2005 p 57)

16

pelo treinamento dos coreutashetaicircroi que deveriam transmitir em performance coral a

voz do poeta

Ainda acerca dessa metaacutefora mariacutetima Meacuteautis (1962 p 200) Kirkwood (1982

p 94) a interpretam como uma referecircncia agrave crise poliacutetica instaurada em Siracusa nos

uacuteltimos anos de governo de Hieratildeo crise representada pela imagem da lsquotempestuosa

noitersquo (vv 100-1) Assim na qualidade de cidadatildeo siracusano observa ainda Meacuteautis

(1962 p 200) Hageacutesias prevendo a queda do regime tiracircnico pretendia solicitar uma

nova cidadania em Estiacutenfalo A esse respeito vale mencionar uma vez mais a opiniatildeo

de Stamatopoulou (2014 p 3-4) que compartilhando do ponto de vista de Stehle julga

ter sido a ode executada primeiramente em Estiacutenfalo com o objetivo de estreitarem-se os

laccedilos entre o vencedor e essa cidade da Arcaacutedia

No que concerne ao possiacutevel chefe do coro o sujeito poeacutetico num tom laudatoacuterio

refere-se a Eneias como notou Kirkwood (1982 p 93) acerca do estilo metafoacuterico de

Piacutendaro - como aacutengelos ldquomensageirordquo (v 90) e skytaacutela (v 91)27 traduzido como

ldquointeacuterpreterdquo por ser ele o responsaacutevel pela recepccedilatildeo dos efluacutevios das Musas ndash como

explicita a expressatildeo ldquodoce taccedila de cantos ressoantesrdquo (v 91) - pela transmissatildeo e

reapresentaccedilatildeo da mensagemcanto em Siracusa onde tambeacutem deveria ser objeto de

encocircmio o tirano Hieratildeo do qual se enfatizam o governo justo a piedade religiosa os

triunfos jaacute festejados ldquopelas liras e canccedilotildees de doces palavrasrdquo (vv 96-7) a generosidade

e a amizade (v 98)

Deste modo a referecircncia a Eneias destaca o importante papel do poeta-cantor na

perpetuaccedilatildeo do triunfo agonal Nesse complexo processo de elaboraccedilatildeo poeacutetico-

perfomativa utilizam-se natildeo soacute metaacuteforas como jaacute destacou mas tambeacutem narrativas

miacuteticas relacionadas com a arte divinatoacuteria Assim por meio do elogio ao atleta

homenageado evoca-se primeiramente como modelo miacutetico Anfiarau (vv 12-21) ndash

participante da expediccedilatildeo dos Sete contra Tebas sob o comando de Adrasto rei de

Argos- possuidor das mesmas atribuiccedilotildees do laureado jaacute que ambos satildeo

guerreirogeneral e adivinho Eacute importante enfatizar que a transiccedilatildeo do tempo presente

representado pelo vencedor para o passado miacutetico se estabelece por meio do pronome

relativo hoacuten (v 12) referente ao louvor destinado a Hageacutesias e a Anfiarau e do adveacuterbio

27 Em Esparta espeacutecie de bastatildeo de madeira sobre o qual se enrolavam correias compridas e estreitas com

mensagens secretas lidas e compreendidas por quem possuiacutesse um bastatildeo idecircntico (PINDARE

Olympiques 1971 p 85 nota 4)

17

potrsquo ldquooutrora (v 13) com base no qual se alude ao desaparecimento repentino do

adivinho tebano (v 14) que segundo a versatildeo miacutetica fora arrebatado por Zeus para evitar

a morte do heroacutei como se infere do emprego do verbo katamaacuterptō lsquoengolirrsquo em tmese

que indica ter sido Anfiarau tragado pela terra Observa Barciela (2015 p 53) que esse

corte entre a preposiccedilatildeo kataacute ldquodebaixo derdquo ldquosobrdquo (v 14) e o radical do verbo salienta

natildeo somente o sentido do preveacuterbio mas tambeacutem aponta a razatildeo de natildeo ter Adrasto

encontrado Anfiarau nas sete piras Acredita-se ter sido essa a razatildeo de Adrasto ter

proferido ao adivinho um elogio em discurso direto por meio da imagem metafoacuterica

stratiacircs ophthalmograven emacircs ldquoolho28 do meu exeacutercitordquo metaacutefora que aleacutem de assinalar a

importacircncia de Anfiarau na expediccedilatildeo tebana lhe sintetiza os dois atributos relacionados

respectivamente com a macircntica e com a guerra

Julga-se que a menccedilatildeo ao atributo divinatoacuterio de Anfiarau constitui um meio de

antecipaccedilatildeo do principal mito da ode cujo eixo temaacutetico se centra no nascimento de

Iacuteamo29 (vv 39-47) e em sua iniciaccedilatildeo na arte divinatoacuteria tornando-se o primeiro de uma

famiacutelia de adivinhos ndash os Iacircmidas ndash e o responsaacutevel pelo altar profeacutetico de Zeus em

Oliacutempia (v 70)

Eacute digno de nota ter sido o citado mito introduzido pelas imagens metafoacutericas do

poeta-condutor e da poesia-quadriga por meio das quais anota Calame (2005 p 54)

ocorre um deslocamento geograacutefico-temporal jaacute que a par do movimento de Oliacutempia ndash

lugar onde ocorrera a competiccedilatildeo desportiva ndash para Piacutetana cidade espartana situada junto

ao leito do rio Eurotas na Lacocircnia haacute uma transposiccedilatildeo do tempo da ldquoenunciaccedilatildeo do

cantordquo isto eacute o tempo presente ndash marcado pelo adveacuterbio saacutemeron lsquohojersquo (v 28) ndash para o

passado miacutetico indicado pela referecircncia a Piacutetana- natildeo somente o nome de uma pequena

povoaccedilatildeo de que se compunha Esparta mas tambeacutem o nome de uma ninfa filha do deus-

rio Eurotas e fundadora da linhagem dos Iacircmidas - que unida a Posecircidon gerou em

segredo Evadne matildee de Iacuteamo ancestral miacutetico de uma extensa linhagem de adivinhos

28 Imagem presente em Oliacutempica 2 (v 10) em referecircncia aos ancestrais histoacutericos de Teratildeo de Agrigento

e em Piacutetica 5 (vv 55-7a) em alusatildeo a Bato fundador da estirpe dos reis de Cirene cidade do vencedor

Com relaccedilatildeo agrave imagem do olho em Oliacutempica 6 conveacutem lembrar citando Villarrubia (1995 p 17) Suaacuterez

de la Torre (1989 p 97) e Meacuteautis (1962 p 195) que o escoacutelio pindaacuterico ao citado verso refere a Tebaida

como fonte direta do elogio de Adrasto a Anfiarau 29Como observa Nisetich (1998 p 2) nas odes pindaacutericas eacute conferido destaque maior agrave famiacutelia do vencedor

que ao proacuteprio homenageado jaacute que se busca em fatos preteacuteritos explicaccedilotildees ou justificativas para o

momento presente A esse respeito verifica-se na ode em estudo que a volta ao passado (vv 28-71)

constitui um meio de glorificaccedilatildeo do homenageado

18

cujo representante atual eacute o vencedor oliacutempico Hageacutesias de Siracusa Evadne por sua

vez seduzida por Apolo deu agrave luz Iacuteamo cuja vocaccedilatildeo profeacutetica eacute anunciada na ode pelo

atributo theoacutephrona lsquoinspirado pelos deusesrsquo (v 41) e pelo oraacuteculo de Delfos revelado

ao pai mortal e adotivo de Evadne ndash Eacutepito - a quem satildeo declarados a origem e o dom

divinatoacuterio de Iacuteamo (vv 49b-51) cujo nome de etimologia obscura estaacute associado ao

nome da flor violeta (DUCHEMIN 1955 p 242-3) iacuteon tambeacutem presente no epiacuteteto

atribuiacutedo a Evadne ioacuteplokos ldquocabelo cor de violetardquo (v 30) portanto cor que identifica

Iacuteamo como filho de Evadne Em sintonia com Eleanor Irwin (1996 p 386) acerca de seu

comentaacuterio sobre o ambiente onde Iacuteamo fora abandonado por sua matildee isto eacute khamaiacute ldquono

chatildeordquo (v 45) considera-se que esse lugar eacute tambeacutem ser esse sobrenatural haja vista terem

florescido do chatildeo violetas que forneceram ao receacutem-nascido calor e proteccedilatildeo necessaacuterios

agrave sua sobrevivecircncia Destarte as violetas simbolizam a proacutepria Evadne posto que

exerceram a funccedilatildeo materna

Significativo tambeacutem nessa passagem eacute o fato de ter sido por intervenccedilatildeo divina

(v 46) Iacuteamo alimentado por duas serpentes (45b-47a) com ldquoo veneno irrepreensiacutevel das

abelhasrdquo expressatildeo que se associa anotou Duchemin (1955 p 251) jaacute haacute algum tempo

ao dom da profecia e do fazer poeacutetico Deborah Steiner (1986 p 103) por sua vez refere

acerca dessa passagem que a relaccedilatildeo entre a serpente animal macircntico por excelecircncia

(Meacuteautis 1962 p 196) e o mel anuncia o dom profeacutetico que o receacutem-nascido teria

posteriormente30

Ao chegar agrave adolescecircncia Iacuteamo ciente de sua ascendecircncia divina solicita a seu

avocirc Posecircidon e a seu pai Apolo um atributo que beneficiasse todo o povo uma honra

puacuteblica laoacutethrophos ldquoque alimentasse o povordquo (v 60) Ressalte-se que embora a suacuteplica

tenha sido dirigida a essas duas divindades eacute Apolo nomeado com seu epiacuteteto ldquoarqueiro

guardiatildeo da divina Delosrdquo (v 59) quem concede ao filho o duplo dom da adivinhaccedilatildeo

(vv 65-70) a faculdade de ouvir-lhe a voz profeacutetica pautada sempre na verdade e a

fundaccedilatildeo de oraacuteculo de Zeus em Oliacutempia antes mesmo da instituiccedilatildeo dos Jogos

Oliacutempicos por Heacuteracles Logo com a concessatildeo da daacutediva da adivinhaccedilatildeo encerra-se o

relato miacutetico dos Iacircmidas Faz entatildeo a voz do poema a passagem do tempo miacutetico (vv

71-7) para o passado proacuteximo de Hageacutesias com a alusatildeo laudatoacuteria aos antepassados

30 Acrescente-se que a relaccedilatildeo entre a serpente e a figura de Apolo se justifica pelo fato de a divindade ter

assassinado a serpente Piacuteton para habitar Delfos

19

histoacutericos do vencedor (vv 78-81) e numa referecircncia metapoeacutetica (vv 82-7b) a seus

proacuteprios ancestrais por serem todos procedentes da cidade de Estiacutenfalo dado que

identifica o laureado com a persona loquens

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20 fazendo um grande juramento disso claramente lhe

darei testemunho e com vozes doces como o mel

as Musas o aprovaratildeo

Estrofe 2

Oacute Fiacutentis pois bem atrela agora

para mim a forccedila das mulas

o mais raacutepido possiacutevel para que em caminho puro

conduzamos a quadriga de mulas e eu chegue ateacute

25 a linhagem destes homens pois essas mulas mais do que

outras sabem abrir

esse caminho jaacute que coroas em Oliacutempia

ganharam eacute preciso entatildeo

abrir-lhes as portas dos hinos

e a Piacutetana junto do curso do Eurotas

eacute preciso chegar hoje em hora oportuna

Antiacutestrofe 2

Diz-se que Piacutetana unida a Posecircidon

filho de Crono

30 deu agrave luz uma filha com cabelo cor de violeta Evadne

Mas nas pregas de sua roupa escondeu a gravidez

e enviando no mecircs determinado

suas servas ordenou-lhes

que entregassem a crianccedila aos cuidados do heroacutei Eacutepito filho de Eacutelato

que reinava sobre os homens da Arcaacutedia em Fesana

e fora designado para habitar o Alfeu

35 Tendo sido criada aiacute sob o domiacutenio de Apolo

(Evadne) experimentou pela primeira vez a doccedilura de Afrodite

8

Epodo 2

E ela natildeo ocultou de Eacutepito durante toda

o tempo o filho do deus

Mas ele (Eacutepito) foi para Delfos reprimindo no coraccedilatildeo

a raiva inenarraacutevel com agudo propoacutesito

para consultar o oraacuteculo sobre

esse sofrimento insuportaacutevel

Ela por sua vez logo que depocircs a cinta purpuacuterea

40 e o cacircntaro de prata debaixo da mata sombria

deu agrave luz um filho inspirado pelos deuses Junto dela o de aacuteureos cabelos (Apolo)

estabeleceu a amaacutevel Iliacutetia

e as Moicircras

Estrofe 3

E de seu ventre no meio das dores

amaacuteveis do parto Iacuteamo

veio logo agrave luz E ela (Evadne) angustiada

45 deixou-o no chatildeo mas duas serpentes de olhos brilhantes

por desiacutegnio dos deuses cuidando dele

o alimentaram com o irrepreensiacutevel

veneno das abelhas Mas quando o rei

conduzindo seu carro chegou da

rochosa Delfos a todos em casa

perguntou sobre a crianccedila que Evadne

dera agrave luz de fato ele (Eacutepito) dizia que a crianccedila era filho de Febo

Antiacutestrofe 3

50 que acima dos mortais seria um adivinho para os homens

e jamais lhe faltaria descendecircncia

9

Assim entatildeo declarou Mas eles confessavam que natildeo o tinham ouvido

nem visto

embora tivesse nascido havia cinco dias Mas

na verdade estava escondido num canteiro de juncos no impenetraacutevel matagal

55 pelos raios dourados e roxos das violetas

banhado em seu delicado

corpo Por isso sua matildee declarou

que ele fosse chamado durante todo o tempo

por esse nome imortal

Mas depois que recebeu o fruto da amaacutevel

Juventude da coroa dourada descendo no meio do Alfeu

invocou o poderoso Posecircidon

seu avocirc e o arqueiro guardiatildeo

da divina Delos

60 pedindo para sua cabeccedila uma honra que alimentasse o povo

no ar livre da noite Clara ressoou a voz paterna e lhe pediu

lsquoLevanta-te filho

vem aqui para a terra paterna

atraacutes da minha vozrsquo

Estrofe 4

Chegaram ao escarpado

rochedo do monte de Crono

65 onde ele lhe outorgou o duplo tesouro

da adivinhaccedilatildeo primeiro ouvir a voz

desconhecedora das mentiras e depois quando

chegasse o de ousados expedientes

10

Heacuteracles majestoso filho dos Alceus19

69 para fundar em honra de seu pai uma festa concorrida

e o maior festival dos jogos

70 na parte mais alta do altar de Zeus

ordenou entatildeo que (Iacuteamo) estabelecesse o oraacuteculo

Antiacutestrofe 4

Desde aquele momento eacute renomada entre

os Helenos a linhagem dos Iacircmidas

A prosperidade os acompanhou ao mesmo tempo E honrando as virtudes

percorrem um caminho visiacutevel daacute provas disso

cada accedilatildeo (deles) Mas a censura da parte

de outros invejosos estaacute suspensa

75 sobre aqueles que foram outrora os primeiros a conduzir o carro na corrida de doze

voltas

e sobre os quais a Graccedila veneranda derrama

gloriosa forma corporal

Se na verdade habitando sob a montanha

de Cilene oacute Hageacutesias teus antepassados maternos

Epodo 4

presentearam

muitas vezes o arauto dos deuses

Hermes com muitos sacrifiacutecios suplicantes de modo piedoso

ele que rege as competiccedilotildees atleacuteticas e a devida parte dos precircmios

80 e honra a Arcaacutedia de nobres varotildees

eacute ele oacute filho de Soacutestrato

com seu pai (Zeus) de barulho retumbante que realiza o teu ecircxito

19 Progenitor de de Anfitriatildeo e este o suposto pai de Heacuteracles

11

Tenho em minha liacutengua a fama de uma liacutempida pedra de afiar20

que quando eu quero se aproxima de mim com sopros de belas correntes

Minha avoacute materna era

de Estiacutenfalo a florescente Metopa

Esfrofe 5

que deu agrave luz Teba condutora de cavalos

de cuja deliciosa aacutegua

86 beberei enquanto teccedilo para os varotildees lanceiros

um hino variado Agora incita teus companheiros

oacute Eneias primeiro a Hera

Virginal celebrar

e depois a saber se evitamos o antigo insulto

90 de suiacuteno Beoacutecio com verdadeiras palavras

De fato eacutes correto mensageiro

inteacuterprete das Musas de belos cabelos

doce taccedila de cantos ressoantes

Antiacutestrofe 5

Diz-lhes que se lembrem

de Siracusa e de Ortiacutegia21

que Hieratildeo ao governaacute-la com imaculado cetro

com justos pensamentos

95 honra Demeacuteter de peacutes vermelhos

a festa de sua filha de brancos corceacuteis

e o poder de Zeus do Etna As liras

e as canccedilotildees de doces palavras o conhecem

20 Metaacutefora do fazer poeacutetico em que a liacutengua do poeta eacute estimulada agrave produccedilatildeo de um canto harmonioso 21Parte mais antiga de Siracusa onde estava situado o palaacutecio de Hieratildeo e talvez o de Hageacutesias (ORTEGA

Alfonso 1984 p 100)

12

Que o tempo em seu curso natildeo lhe destrua a felicidade

mas com amaacuteveis atos de amizade

receba (Hieratildeo) o cortejo processional de Hageacutesias

Epodo 5

(cortejo que) vem de uma casa para outra

das muralhas de Estiacutenfalo

100 e deixa a matildee da Arcaacutedia rica em rebanhos

Boas satildeo na tempestuosa

noite para serem lanccediladas de uma nau veloz

duas acircncoras Que o deus

a estes e agravequeles conceda com amizade glorioso destino

Oacute senhor soberano do mar concede uma direta travessia

isenta de dificuldades oacute esposo

105 de Anfitrite da roca de ouro e faz prosperar

a flor jubilosa de meus hinos

O atleta homenageado da ode eacute filho de Soacutestrato (vv 9 80) pertencente agrave

linhagem dos Iacircmidas e de uma mulher cujos antepassados procediam de Cilene (vv 77-

8) montanha ao norte da Arcaacutedia onde se situava a cidade de Estiacutenfalo ndash lugar em que

ocorrera provavelmente a primeira performance22 do epiniacutecio (vv 99-100) e onde o deus

Hermes era cultuado (vv 79-81) Note-se que a referecircncia a essa divindade vincula o

triunfo atleacutetico agrave benevolecircncia divina tendo em vista ter sido Hermes a divindade doadora

da vitoacuteria (v 81) a Hageacutesias Com efeito a relaccedilatildeo entre a vitoacuteria e a vontade dos deuses

constitui um topos23 da poesia pindaacuterica

22 O argumento da maior parte da criacutetica pindaacuterica sobre a ode ter sido executada em Estiacutenfalo fundamenta-

se nos versos 98-105 nos quais o vencedor e seu kocircmos saem de Estiacutenfalo rumo a Siracusa Acresce ainda

que o fato de o laureado ter laccedilos estreitos com as duas cidades motivou uma discussatildeo acerca da localizaccedilatildeo

da premiegravere do canto triunfal (STAMATOPOULOU 2014 p 1)

23 Cf eg Oliacutempicas 9 vv 100-4 13 vv 13-8 Piacutetica 10 vv 10-5

13

De modo anaacutelogo ao proecircmio da Odisseia (vv 1-10) em que natildeo se menciona o

nome do heroacutei Odisseu designado somente no verso 21 tambeacutem em Oliacutempica 6 o nome

do atleta homenageado soacute aparece no verso 12 por meio de uma invocaccedilatildeo muito embora

tenha sido referido indiretamente no verso 4 apenas pela forma verbal em terceira pessoa

e nos versos 4 a 9 por meio da citaccedilatildeo de seus atributos e de sua descendecircncia

Informa tambeacutem o canto agonal ter tido o vencedor dupla funccedilatildeo a de guardiatildeo

do altar profeacutetico de Zeus em Pisa (v 5) ndash tendo em vista ter como ascendente o adivinho

Iacuteamo que recebera de seu pai Apolo o dom da profecia (vv 65-70) ndash e a de cofundador

de Siracusa (v 6)24 Essas referecircncias ao laureado histoacutericas e miacuteticas encontram-se

distribuiacutedas pelos 105 versos que compotildeem as cinco triacuteades de Oliacutempica 6 iniciada com

uma imagem metapoeacutetica ou autorreferencial em que se coteja o fazer poeacutetico com um

monumento e o poeta com um construtor como atesta nos quatro primeiros versos da

ode a presenccedila de termos pertencentes ao campo semacircntico da arquitetura como kiacuteonas

ldquocolunardquo euteikheicirc ldquobem muradordquo prothyacuteroi ldquopoacuterticordquo paacutexomen ldquoconstruamosrdquo e

proacutesōpon ldquofachadardquo entendido este uacuteltimo metaforicamente segundo o leacutexico pindaacuterico

editado por William Slater (1969 p 454) como o proecircmio da ode Logo eacute a

magnificecircncia dessa construccedilatildeo poeacutetico-arquitetocircnica ndash enfatizada pelos adjetivos

khryseacuteas ldquodouradasrdquo e telaugeacutes ldquoque brilha ao longerdquo ndash que torna impereciacuteveis a

efemeridade do evento atleacutetico ndash ideia sumarizada no verso 4 ndash e o proacuteprio destinataacuterio

apresentado ainda na primeira estrofe como vencedor oliacutempico guardiatildeo por heranccedila

paterna do altar divinatoacuterio de Zeus e cofundador de Siracusa ndash atributos que devem

brilhar ao longe

A par dessas metaacuteforas delineia-se na segunda estrofe a imagem do poeta-

condutor quando a persona loquens ao invocar o nome do condutor da quadriga ndash

Fiacutentis25 auriga de Hageacutesias ndash a ele se iguala como assinala o sintagma autorreferencial

baacutesomen oacutekkhon ldquoconduzamos a quadriga de mulasrdquo (v 24) Logo por meio de

linguagem metafoacuterica o fazer poeacutetico e a performance do canto convertem-se assinala

24 Segundo os escolia 8a e 8b Hageacutesias pode ser considerado cofundador de Siracusa porque seus

antepassados participaram da colonizaccedilatildeo desta cidade Entretanto Willamowitz (1922) e Luraghi (1997)

sugeriram que o proacuteprio Hageacutesias teria participada reestruturaccedilatildeo de Siracusa no governo do tirano Gelatildeo

(apud STAMATOPOULOU 2014 p 7 nota 21) Acerca da remodelaccedilatildeo ldquogelonianardquo de Siracusa ver

Hirata (2010 p 28-9)

25 Fiacutentis representa o aristocrata siracusano Hageacutesias patrocinador do treinamento das parelhas do auriga

(CALAME 2005 p 54)

14

Calame (2005 p 53) numa corrida de quadrigas toacutepos na poesia grega arcaica De fato

assim como o atleta conduz a quadriga agrave vitoacuteria tambeacutem o poeta-atleta elabora

harmoniosamente seus versos para glorificar o vencedor e sua linhagem Deste modo

configuram-se nesse percurso metafoacuterico a quadriga e a poesia como vias de acesso agrave

imortalidade a julgar pela presenccedila dos termos sinocircnimos keleuthoacutes (v 23) e hodoacutes (v

25) ldquocaminhordquo o primeiro dos quais representando conotativamente a poesia e o

segundo conservando sua acepccedilatildeo denotativa tem o sentido de rota percorrida pela

carruagem

Aliaacutes essas imagens metafoacutericas natildeo satildeo as uacutenicas empregadas pela persona

loquens para descrever por meio de metalinguagem sua arte poeacutetica comparada ora com

objetos preciosos ndash como na ode em pauta em que a canccedilatildeo eacute relacionada com um poacutertico

de colunas douradas (Ol 6 vv 1-4) ou em outras odes com uma taccedila de ouro (Ol 7

vv 1-4) e com ouro refinado (Nemeia 4 v 82) - ora com o produto resultante do trabalho

das abelhas (Ol 10 v 98 Nemeia 3 v 77) ou com elementos da natureza como a flor

(Ol 6 v 105) soacute para citar algumas Tambeacutem o mister do poeta eacute vinculado a diferentes

atividades profissionais como a de lavrador (Nemeia 6 v 32 Piacutetica 6 v 2) escultor

(Nemeia vv 1-5) arqueiro (Ol 1 v 111 Ol 2 vv 83-6) e tecelatildeo este uacuteltimo labor

evocado em Oliacutempica 6 (v 86) pelo emprego do verbo pleacutekō ldquotecerrdquo metaacutefora frequente

do fazer poeacutetico na poesia meacutelica assinala Calame (2005 p58 n12) Com efeito do

mesmo modo que o tecelatildeo tranccedila com sutileza e habilidade os fios para a confecccedilatildeo do

tecido tambeacutem o poeta elabora seu discurso poeacutetico entrelaccedilando recursos literaacuterios e

linguiacutesticos combinados com o ritmo e a harmonia para a perfeita composiccedilatildeo da ode e

por conseguinte para a glorificaccedilatildeo do atleta vencedor como se infere dos versos 86-7

ldquoteccedilo para os varotildees lanceiros um hino variadordquo

Entre os elementos constitutivos do epiniacutecio pindaacuterico eacute interessante pontuar

ainda a alternacircncia das formas de primeira pessoa26 do singular e do plural (eunoacutes ndash vv

3 21 23 24 82 84 86 e 105) por meio da qual eacute possiacutevel haver um revezamento entre

a voz do poema e a voz do coro dado que torna improdutiva segundo Calame (2005 p

58) a discussatildeo acerca da natureza do sujeito poeacutetico nas odes pindaacutericas ldquonem

unicamente ldquomonoacutedicordquo nem inteiramente coral o eunoacutes do locutor eacute essencialmente

polifocircnicordquo

26 Sobre o emprego da primeira pessoa na poesia pindaacuterica cf LEFKOWITZ Mary op cit 1991 p 1-71

15

Deve-se observar tambeacutem com Claire Muckensturn-Poulle (2009 p 77) que ao

longo da Oliacutempica 6 o sujeito do enunciado confere voz a outros enunciadores ora

empregando o discurso direto como no elogio que Adrasto faz a Anfiarau (vv 16-7) e na

ordem dada por Apolo a Iacuteamo (vv 62-3) no momento em que o deus lhe concede o dom

da profecia ora transferindo por meio de uma ordem sua funccedilatildeo de locutor do canto

agonal a Fiacutentis o auriga de Hageacutesias (v 22) ou a Eneias o khorodidaacuteskalos (vv 88-96)

com os quais se identifica como poeta-condutor e poeta-mestre do coro

Por outro lado haacute dados sugestivos da performance coral da ode e de seu local de

execuccedilatildeo haja vista a invocaccedilatildeo da persona loquens a Eneias possivelmente o

khorodidaacuteskalos - a julgar pelos escoacutelios a essa passagem (148a e 149ordf apud

STAMATOPOULOU 2014 p 11 nota 34 CALAME 2005 p 57 nota 10 p 58 nota

13) - a referecircncia aos hetaicircroi companheiros de Eneias e talvez integrantes do coro e

ainda o voto do sujeito poeacutetico para que o kocircmos ldquocortejo processionalrdquo ao vencedor

apoacutes ter sido apresentado em Estiacutenfalo como julga a maior parte da criacutetica pindaacuterica

acerca da premiegravere do epiniacutecio (apud STAMATOPOULOU 2014 p 2) fosse tambeacutem

recebido pelo tirano Hieratildeo em Siracusa onde seria realizada a reperformance durante a

festa cultual (v 95) dedicada a Demeacuteter e a Perseacutefone deusas tutelares de Siracusa culto

possivelmente organizado pela famiacutelia de Hieratildeo (apud CALAME 2005 p 59)

Evidenciam respectivamente a recepccedilatildeo e a reapresentaccedilatildeo do canto em Siracusa a

forma verbal deacutexaito ldquorecebardquo (v 98) no optativo desiderativo enfatizada pela expressatildeo

sỳn degrave philophrosyacutenas euētaacutetois ldquocom amaacuteveis atos de amizaderdquo e os sintagmas

adverbiais presentes no verso 99 oiacutekothen oiacutekadrsquo ldquode uma casa para outrardquo e apograve

Stymphaliacuteōn ldquode Estiacutenfalordquo e por fim a justaposiccedilatildeo no verso 102 dos pronomes tocircnde

ldquoestesrdquo e keiacutenon ldquoagravequelesrdquo alusivos aos estinfaacutelios e siracusanos respectivamente Assim

como esses elementos apontam para a saiacuteda do vencedor da cidade Estiacutenfalo e Siracusa

eacute ainda um lugar a ser alcanccedilado por via mariacutetima acredita-se que a execuccedilatildeo primeira

do canto tenha ocorrido na cidade da matildee de Hageacutesias Note-se que o atleta e as duas

cidades a de seus antepassados maternos Estiacutenfalo e a sua terra natal Siracusa satildeo ainda

representados respectivamente pelas imagens metafoacutericas do navio e das duas acircncoras

(vv 101-5a) imagens que remetem ao deus do mar Posecircidon invocado pela persona

loquens para conceder uma favoraacutevel travessia ao kocircmos de Hageacutesias do qual

possivelmente fazia parte o chefe do coro responsaacutevel segundo Calame (2005 p 57)

16

pelo treinamento dos coreutashetaicircroi que deveriam transmitir em performance coral a

voz do poeta

Ainda acerca dessa metaacutefora mariacutetima Meacuteautis (1962 p 200) Kirkwood (1982

p 94) a interpretam como uma referecircncia agrave crise poliacutetica instaurada em Siracusa nos

uacuteltimos anos de governo de Hieratildeo crise representada pela imagem da lsquotempestuosa

noitersquo (vv 100-1) Assim na qualidade de cidadatildeo siracusano observa ainda Meacuteautis

(1962 p 200) Hageacutesias prevendo a queda do regime tiracircnico pretendia solicitar uma

nova cidadania em Estiacutenfalo A esse respeito vale mencionar uma vez mais a opiniatildeo

de Stamatopoulou (2014 p 3-4) que compartilhando do ponto de vista de Stehle julga

ter sido a ode executada primeiramente em Estiacutenfalo com o objetivo de estreitarem-se os

laccedilos entre o vencedor e essa cidade da Arcaacutedia

No que concerne ao possiacutevel chefe do coro o sujeito poeacutetico num tom laudatoacuterio

refere-se a Eneias como notou Kirkwood (1982 p 93) acerca do estilo metafoacuterico de

Piacutendaro - como aacutengelos ldquomensageirordquo (v 90) e skytaacutela (v 91)27 traduzido como

ldquointeacuterpreterdquo por ser ele o responsaacutevel pela recepccedilatildeo dos efluacutevios das Musas ndash como

explicita a expressatildeo ldquodoce taccedila de cantos ressoantesrdquo (v 91) - pela transmissatildeo e

reapresentaccedilatildeo da mensagemcanto em Siracusa onde tambeacutem deveria ser objeto de

encocircmio o tirano Hieratildeo do qual se enfatizam o governo justo a piedade religiosa os

triunfos jaacute festejados ldquopelas liras e canccedilotildees de doces palavrasrdquo (vv 96-7) a generosidade

e a amizade (v 98)

Deste modo a referecircncia a Eneias destaca o importante papel do poeta-cantor na

perpetuaccedilatildeo do triunfo agonal Nesse complexo processo de elaboraccedilatildeo poeacutetico-

perfomativa utilizam-se natildeo soacute metaacuteforas como jaacute destacou mas tambeacutem narrativas

miacuteticas relacionadas com a arte divinatoacuteria Assim por meio do elogio ao atleta

homenageado evoca-se primeiramente como modelo miacutetico Anfiarau (vv 12-21) ndash

participante da expediccedilatildeo dos Sete contra Tebas sob o comando de Adrasto rei de

Argos- possuidor das mesmas atribuiccedilotildees do laureado jaacute que ambos satildeo

guerreirogeneral e adivinho Eacute importante enfatizar que a transiccedilatildeo do tempo presente

representado pelo vencedor para o passado miacutetico se estabelece por meio do pronome

relativo hoacuten (v 12) referente ao louvor destinado a Hageacutesias e a Anfiarau e do adveacuterbio

27 Em Esparta espeacutecie de bastatildeo de madeira sobre o qual se enrolavam correias compridas e estreitas com

mensagens secretas lidas e compreendidas por quem possuiacutesse um bastatildeo idecircntico (PINDARE

Olympiques 1971 p 85 nota 4)

17

potrsquo ldquooutrora (v 13) com base no qual se alude ao desaparecimento repentino do

adivinho tebano (v 14) que segundo a versatildeo miacutetica fora arrebatado por Zeus para evitar

a morte do heroacutei como se infere do emprego do verbo katamaacuterptō lsquoengolirrsquo em tmese

que indica ter sido Anfiarau tragado pela terra Observa Barciela (2015 p 53) que esse

corte entre a preposiccedilatildeo kataacute ldquodebaixo derdquo ldquosobrdquo (v 14) e o radical do verbo salienta

natildeo somente o sentido do preveacuterbio mas tambeacutem aponta a razatildeo de natildeo ter Adrasto

encontrado Anfiarau nas sete piras Acredita-se ter sido essa a razatildeo de Adrasto ter

proferido ao adivinho um elogio em discurso direto por meio da imagem metafoacuterica

stratiacircs ophthalmograven emacircs ldquoolho28 do meu exeacutercitordquo metaacutefora que aleacutem de assinalar a

importacircncia de Anfiarau na expediccedilatildeo tebana lhe sintetiza os dois atributos relacionados

respectivamente com a macircntica e com a guerra

Julga-se que a menccedilatildeo ao atributo divinatoacuterio de Anfiarau constitui um meio de

antecipaccedilatildeo do principal mito da ode cujo eixo temaacutetico se centra no nascimento de

Iacuteamo29 (vv 39-47) e em sua iniciaccedilatildeo na arte divinatoacuteria tornando-se o primeiro de uma

famiacutelia de adivinhos ndash os Iacircmidas ndash e o responsaacutevel pelo altar profeacutetico de Zeus em

Oliacutempia (v 70)

Eacute digno de nota ter sido o citado mito introduzido pelas imagens metafoacutericas do

poeta-condutor e da poesia-quadriga por meio das quais anota Calame (2005 p 54)

ocorre um deslocamento geograacutefico-temporal jaacute que a par do movimento de Oliacutempia ndash

lugar onde ocorrera a competiccedilatildeo desportiva ndash para Piacutetana cidade espartana situada junto

ao leito do rio Eurotas na Lacocircnia haacute uma transposiccedilatildeo do tempo da ldquoenunciaccedilatildeo do

cantordquo isto eacute o tempo presente ndash marcado pelo adveacuterbio saacutemeron lsquohojersquo (v 28) ndash para o

passado miacutetico indicado pela referecircncia a Piacutetana- natildeo somente o nome de uma pequena

povoaccedilatildeo de que se compunha Esparta mas tambeacutem o nome de uma ninfa filha do deus-

rio Eurotas e fundadora da linhagem dos Iacircmidas - que unida a Posecircidon gerou em

segredo Evadne matildee de Iacuteamo ancestral miacutetico de uma extensa linhagem de adivinhos

28 Imagem presente em Oliacutempica 2 (v 10) em referecircncia aos ancestrais histoacutericos de Teratildeo de Agrigento

e em Piacutetica 5 (vv 55-7a) em alusatildeo a Bato fundador da estirpe dos reis de Cirene cidade do vencedor

Com relaccedilatildeo agrave imagem do olho em Oliacutempica 6 conveacutem lembrar citando Villarrubia (1995 p 17) Suaacuterez

de la Torre (1989 p 97) e Meacuteautis (1962 p 195) que o escoacutelio pindaacuterico ao citado verso refere a Tebaida

como fonte direta do elogio de Adrasto a Anfiarau 29Como observa Nisetich (1998 p 2) nas odes pindaacutericas eacute conferido destaque maior agrave famiacutelia do vencedor

que ao proacuteprio homenageado jaacute que se busca em fatos preteacuteritos explicaccedilotildees ou justificativas para o

momento presente A esse respeito verifica-se na ode em estudo que a volta ao passado (vv 28-71)

constitui um meio de glorificaccedilatildeo do homenageado

18

cujo representante atual eacute o vencedor oliacutempico Hageacutesias de Siracusa Evadne por sua

vez seduzida por Apolo deu agrave luz Iacuteamo cuja vocaccedilatildeo profeacutetica eacute anunciada na ode pelo

atributo theoacutephrona lsquoinspirado pelos deusesrsquo (v 41) e pelo oraacuteculo de Delfos revelado

ao pai mortal e adotivo de Evadne ndash Eacutepito - a quem satildeo declarados a origem e o dom

divinatoacuterio de Iacuteamo (vv 49b-51) cujo nome de etimologia obscura estaacute associado ao

nome da flor violeta (DUCHEMIN 1955 p 242-3) iacuteon tambeacutem presente no epiacuteteto

atribuiacutedo a Evadne ioacuteplokos ldquocabelo cor de violetardquo (v 30) portanto cor que identifica

Iacuteamo como filho de Evadne Em sintonia com Eleanor Irwin (1996 p 386) acerca de seu

comentaacuterio sobre o ambiente onde Iacuteamo fora abandonado por sua matildee isto eacute khamaiacute ldquono

chatildeordquo (v 45) considera-se que esse lugar eacute tambeacutem ser esse sobrenatural haja vista terem

florescido do chatildeo violetas que forneceram ao receacutem-nascido calor e proteccedilatildeo necessaacuterios

agrave sua sobrevivecircncia Destarte as violetas simbolizam a proacutepria Evadne posto que

exerceram a funccedilatildeo materna

Significativo tambeacutem nessa passagem eacute o fato de ter sido por intervenccedilatildeo divina

(v 46) Iacuteamo alimentado por duas serpentes (45b-47a) com ldquoo veneno irrepreensiacutevel das

abelhasrdquo expressatildeo que se associa anotou Duchemin (1955 p 251) jaacute haacute algum tempo

ao dom da profecia e do fazer poeacutetico Deborah Steiner (1986 p 103) por sua vez refere

acerca dessa passagem que a relaccedilatildeo entre a serpente animal macircntico por excelecircncia

(Meacuteautis 1962 p 196) e o mel anuncia o dom profeacutetico que o receacutem-nascido teria

posteriormente30

Ao chegar agrave adolescecircncia Iacuteamo ciente de sua ascendecircncia divina solicita a seu

avocirc Posecircidon e a seu pai Apolo um atributo que beneficiasse todo o povo uma honra

puacuteblica laoacutethrophos ldquoque alimentasse o povordquo (v 60) Ressalte-se que embora a suacuteplica

tenha sido dirigida a essas duas divindades eacute Apolo nomeado com seu epiacuteteto ldquoarqueiro

guardiatildeo da divina Delosrdquo (v 59) quem concede ao filho o duplo dom da adivinhaccedilatildeo

(vv 65-70) a faculdade de ouvir-lhe a voz profeacutetica pautada sempre na verdade e a

fundaccedilatildeo de oraacuteculo de Zeus em Oliacutempia antes mesmo da instituiccedilatildeo dos Jogos

Oliacutempicos por Heacuteracles Logo com a concessatildeo da daacutediva da adivinhaccedilatildeo encerra-se o

relato miacutetico dos Iacircmidas Faz entatildeo a voz do poema a passagem do tempo miacutetico (vv

71-7) para o passado proacuteximo de Hageacutesias com a alusatildeo laudatoacuteria aos antepassados

30 Acrescente-se que a relaccedilatildeo entre a serpente e a figura de Apolo se justifica pelo fato de a divindade ter

assassinado a serpente Piacuteton para habitar Delfos

19

histoacutericos do vencedor (vv 78-81) e numa referecircncia metapoeacutetica (vv 82-7b) a seus

proacuteprios ancestrais por serem todos procedentes da cidade de Estiacutenfalo dado que

identifica o laureado com a persona loquens

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8

Epodo 2

E ela natildeo ocultou de Eacutepito durante toda

o tempo o filho do deus

Mas ele (Eacutepito) foi para Delfos reprimindo no coraccedilatildeo

a raiva inenarraacutevel com agudo propoacutesito

para consultar o oraacuteculo sobre

esse sofrimento insuportaacutevel

Ela por sua vez logo que depocircs a cinta purpuacuterea

40 e o cacircntaro de prata debaixo da mata sombria

deu agrave luz um filho inspirado pelos deuses Junto dela o de aacuteureos cabelos (Apolo)

estabeleceu a amaacutevel Iliacutetia

e as Moicircras

Estrofe 3

E de seu ventre no meio das dores

amaacuteveis do parto Iacuteamo

veio logo agrave luz E ela (Evadne) angustiada

45 deixou-o no chatildeo mas duas serpentes de olhos brilhantes

por desiacutegnio dos deuses cuidando dele

o alimentaram com o irrepreensiacutevel

veneno das abelhas Mas quando o rei

conduzindo seu carro chegou da

rochosa Delfos a todos em casa

perguntou sobre a crianccedila que Evadne

dera agrave luz de fato ele (Eacutepito) dizia que a crianccedila era filho de Febo

Antiacutestrofe 3

50 que acima dos mortais seria um adivinho para os homens

e jamais lhe faltaria descendecircncia

9

Assim entatildeo declarou Mas eles confessavam que natildeo o tinham ouvido

nem visto

embora tivesse nascido havia cinco dias Mas

na verdade estava escondido num canteiro de juncos no impenetraacutevel matagal

55 pelos raios dourados e roxos das violetas

banhado em seu delicado

corpo Por isso sua matildee declarou

que ele fosse chamado durante todo o tempo

por esse nome imortal

Mas depois que recebeu o fruto da amaacutevel

Juventude da coroa dourada descendo no meio do Alfeu

invocou o poderoso Posecircidon

seu avocirc e o arqueiro guardiatildeo

da divina Delos

60 pedindo para sua cabeccedila uma honra que alimentasse o povo

no ar livre da noite Clara ressoou a voz paterna e lhe pediu

lsquoLevanta-te filho

vem aqui para a terra paterna

atraacutes da minha vozrsquo

Estrofe 4

Chegaram ao escarpado

rochedo do monte de Crono

65 onde ele lhe outorgou o duplo tesouro

da adivinhaccedilatildeo primeiro ouvir a voz

desconhecedora das mentiras e depois quando

chegasse o de ousados expedientes

10

Heacuteracles majestoso filho dos Alceus19

69 para fundar em honra de seu pai uma festa concorrida

e o maior festival dos jogos

70 na parte mais alta do altar de Zeus

ordenou entatildeo que (Iacuteamo) estabelecesse o oraacuteculo

Antiacutestrofe 4

Desde aquele momento eacute renomada entre

os Helenos a linhagem dos Iacircmidas

A prosperidade os acompanhou ao mesmo tempo E honrando as virtudes

percorrem um caminho visiacutevel daacute provas disso

cada accedilatildeo (deles) Mas a censura da parte

de outros invejosos estaacute suspensa

75 sobre aqueles que foram outrora os primeiros a conduzir o carro na corrida de doze

voltas

e sobre os quais a Graccedila veneranda derrama

gloriosa forma corporal

Se na verdade habitando sob a montanha

de Cilene oacute Hageacutesias teus antepassados maternos

Epodo 4

presentearam

muitas vezes o arauto dos deuses

Hermes com muitos sacrifiacutecios suplicantes de modo piedoso

ele que rege as competiccedilotildees atleacuteticas e a devida parte dos precircmios

80 e honra a Arcaacutedia de nobres varotildees

eacute ele oacute filho de Soacutestrato

com seu pai (Zeus) de barulho retumbante que realiza o teu ecircxito

19 Progenitor de de Anfitriatildeo e este o suposto pai de Heacuteracles

11

Tenho em minha liacutengua a fama de uma liacutempida pedra de afiar20

que quando eu quero se aproxima de mim com sopros de belas correntes

Minha avoacute materna era

de Estiacutenfalo a florescente Metopa

Esfrofe 5

que deu agrave luz Teba condutora de cavalos

de cuja deliciosa aacutegua

86 beberei enquanto teccedilo para os varotildees lanceiros

um hino variado Agora incita teus companheiros

oacute Eneias primeiro a Hera

Virginal celebrar

e depois a saber se evitamos o antigo insulto

90 de suiacuteno Beoacutecio com verdadeiras palavras

De fato eacutes correto mensageiro

inteacuterprete das Musas de belos cabelos

doce taccedila de cantos ressoantes

Antiacutestrofe 5

Diz-lhes que se lembrem

de Siracusa e de Ortiacutegia21

que Hieratildeo ao governaacute-la com imaculado cetro

com justos pensamentos

95 honra Demeacuteter de peacutes vermelhos

a festa de sua filha de brancos corceacuteis

e o poder de Zeus do Etna As liras

e as canccedilotildees de doces palavras o conhecem

20 Metaacutefora do fazer poeacutetico em que a liacutengua do poeta eacute estimulada agrave produccedilatildeo de um canto harmonioso 21Parte mais antiga de Siracusa onde estava situado o palaacutecio de Hieratildeo e talvez o de Hageacutesias (ORTEGA

Alfonso 1984 p 100)

12

Que o tempo em seu curso natildeo lhe destrua a felicidade

mas com amaacuteveis atos de amizade

receba (Hieratildeo) o cortejo processional de Hageacutesias

Epodo 5

(cortejo que) vem de uma casa para outra

das muralhas de Estiacutenfalo

100 e deixa a matildee da Arcaacutedia rica em rebanhos

Boas satildeo na tempestuosa

noite para serem lanccediladas de uma nau veloz

duas acircncoras Que o deus

a estes e agravequeles conceda com amizade glorioso destino

Oacute senhor soberano do mar concede uma direta travessia

isenta de dificuldades oacute esposo

105 de Anfitrite da roca de ouro e faz prosperar

a flor jubilosa de meus hinos

O atleta homenageado da ode eacute filho de Soacutestrato (vv 9 80) pertencente agrave

linhagem dos Iacircmidas e de uma mulher cujos antepassados procediam de Cilene (vv 77-

8) montanha ao norte da Arcaacutedia onde se situava a cidade de Estiacutenfalo ndash lugar em que

ocorrera provavelmente a primeira performance22 do epiniacutecio (vv 99-100) e onde o deus

Hermes era cultuado (vv 79-81) Note-se que a referecircncia a essa divindade vincula o

triunfo atleacutetico agrave benevolecircncia divina tendo em vista ter sido Hermes a divindade doadora

da vitoacuteria (v 81) a Hageacutesias Com efeito a relaccedilatildeo entre a vitoacuteria e a vontade dos deuses

constitui um topos23 da poesia pindaacuterica

22 O argumento da maior parte da criacutetica pindaacuterica sobre a ode ter sido executada em Estiacutenfalo fundamenta-

se nos versos 98-105 nos quais o vencedor e seu kocircmos saem de Estiacutenfalo rumo a Siracusa Acresce ainda

que o fato de o laureado ter laccedilos estreitos com as duas cidades motivou uma discussatildeo acerca da localizaccedilatildeo

da premiegravere do canto triunfal (STAMATOPOULOU 2014 p 1)

23 Cf eg Oliacutempicas 9 vv 100-4 13 vv 13-8 Piacutetica 10 vv 10-5

13

De modo anaacutelogo ao proecircmio da Odisseia (vv 1-10) em que natildeo se menciona o

nome do heroacutei Odisseu designado somente no verso 21 tambeacutem em Oliacutempica 6 o nome

do atleta homenageado soacute aparece no verso 12 por meio de uma invocaccedilatildeo muito embora

tenha sido referido indiretamente no verso 4 apenas pela forma verbal em terceira pessoa

e nos versos 4 a 9 por meio da citaccedilatildeo de seus atributos e de sua descendecircncia

Informa tambeacutem o canto agonal ter tido o vencedor dupla funccedilatildeo a de guardiatildeo

do altar profeacutetico de Zeus em Pisa (v 5) ndash tendo em vista ter como ascendente o adivinho

Iacuteamo que recebera de seu pai Apolo o dom da profecia (vv 65-70) ndash e a de cofundador

de Siracusa (v 6)24 Essas referecircncias ao laureado histoacutericas e miacuteticas encontram-se

distribuiacutedas pelos 105 versos que compotildeem as cinco triacuteades de Oliacutempica 6 iniciada com

uma imagem metapoeacutetica ou autorreferencial em que se coteja o fazer poeacutetico com um

monumento e o poeta com um construtor como atesta nos quatro primeiros versos da

ode a presenccedila de termos pertencentes ao campo semacircntico da arquitetura como kiacuteonas

ldquocolunardquo euteikheicirc ldquobem muradordquo prothyacuteroi ldquopoacuterticordquo paacutexomen ldquoconstruamosrdquo e

proacutesōpon ldquofachadardquo entendido este uacuteltimo metaforicamente segundo o leacutexico pindaacuterico

editado por William Slater (1969 p 454) como o proecircmio da ode Logo eacute a

magnificecircncia dessa construccedilatildeo poeacutetico-arquitetocircnica ndash enfatizada pelos adjetivos

khryseacuteas ldquodouradasrdquo e telaugeacutes ldquoque brilha ao longerdquo ndash que torna impereciacuteveis a

efemeridade do evento atleacutetico ndash ideia sumarizada no verso 4 ndash e o proacuteprio destinataacuterio

apresentado ainda na primeira estrofe como vencedor oliacutempico guardiatildeo por heranccedila

paterna do altar divinatoacuterio de Zeus e cofundador de Siracusa ndash atributos que devem

brilhar ao longe

A par dessas metaacuteforas delineia-se na segunda estrofe a imagem do poeta-

condutor quando a persona loquens ao invocar o nome do condutor da quadriga ndash

Fiacutentis25 auriga de Hageacutesias ndash a ele se iguala como assinala o sintagma autorreferencial

baacutesomen oacutekkhon ldquoconduzamos a quadriga de mulasrdquo (v 24) Logo por meio de

linguagem metafoacuterica o fazer poeacutetico e a performance do canto convertem-se assinala

24 Segundo os escolia 8a e 8b Hageacutesias pode ser considerado cofundador de Siracusa porque seus

antepassados participaram da colonizaccedilatildeo desta cidade Entretanto Willamowitz (1922) e Luraghi (1997)

sugeriram que o proacuteprio Hageacutesias teria participada reestruturaccedilatildeo de Siracusa no governo do tirano Gelatildeo

(apud STAMATOPOULOU 2014 p 7 nota 21) Acerca da remodelaccedilatildeo ldquogelonianardquo de Siracusa ver

Hirata (2010 p 28-9)

25 Fiacutentis representa o aristocrata siracusano Hageacutesias patrocinador do treinamento das parelhas do auriga

(CALAME 2005 p 54)

14

Calame (2005 p 53) numa corrida de quadrigas toacutepos na poesia grega arcaica De fato

assim como o atleta conduz a quadriga agrave vitoacuteria tambeacutem o poeta-atleta elabora

harmoniosamente seus versos para glorificar o vencedor e sua linhagem Deste modo

configuram-se nesse percurso metafoacuterico a quadriga e a poesia como vias de acesso agrave

imortalidade a julgar pela presenccedila dos termos sinocircnimos keleuthoacutes (v 23) e hodoacutes (v

25) ldquocaminhordquo o primeiro dos quais representando conotativamente a poesia e o

segundo conservando sua acepccedilatildeo denotativa tem o sentido de rota percorrida pela

carruagem

Aliaacutes essas imagens metafoacutericas natildeo satildeo as uacutenicas empregadas pela persona

loquens para descrever por meio de metalinguagem sua arte poeacutetica comparada ora com

objetos preciosos ndash como na ode em pauta em que a canccedilatildeo eacute relacionada com um poacutertico

de colunas douradas (Ol 6 vv 1-4) ou em outras odes com uma taccedila de ouro (Ol 7

vv 1-4) e com ouro refinado (Nemeia 4 v 82) - ora com o produto resultante do trabalho

das abelhas (Ol 10 v 98 Nemeia 3 v 77) ou com elementos da natureza como a flor

(Ol 6 v 105) soacute para citar algumas Tambeacutem o mister do poeta eacute vinculado a diferentes

atividades profissionais como a de lavrador (Nemeia 6 v 32 Piacutetica 6 v 2) escultor

(Nemeia vv 1-5) arqueiro (Ol 1 v 111 Ol 2 vv 83-6) e tecelatildeo este uacuteltimo labor

evocado em Oliacutempica 6 (v 86) pelo emprego do verbo pleacutekō ldquotecerrdquo metaacutefora frequente

do fazer poeacutetico na poesia meacutelica assinala Calame (2005 p58 n12) Com efeito do

mesmo modo que o tecelatildeo tranccedila com sutileza e habilidade os fios para a confecccedilatildeo do

tecido tambeacutem o poeta elabora seu discurso poeacutetico entrelaccedilando recursos literaacuterios e

linguiacutesticos combinados com o ritmo e a harmonia para a perfeita composiccedilatildeo da ode e

por conseguinte para a glorificaccedilatildeo do atleta vencedor como se infere dos versos 86-7

ldquoteccedilo para os varotildees lanceiros um hino variadordquo

Entre os elementos constitutivos do epiniacutecio pindaacuterico eacute interessante pontuar

ainda a alternacircncia das formas de primeira pessoa26 do singular e do plural (eunoacutes ndash vv

3 21 23 24 82 84 86 e 105) por meio da qual eacute possiacutevel haver um revezamento entre

a voz do poema e a voz do coro dado que torna improdutiva segundo Calame (2005 p

58) a discussatildeo acerca da natureza do sujeito poeacutetico nas odes pindaacutericas ldquonem

unicamente ldquomonoacutedicordquo nem inteiramente coral o eunoacutes do locutor eacute essencialmente

polifocircnicordquo

26 Sobre o emprego da primeira pessoa na poesia pindaacuterica cf LEFKOWITZ Mary op cit 1991 p 1-71

15

Deve-se observar tambeacutem com Claire Muckensturn-Poulle (2009 p 77) que ao

longo da Oliacutempica 6 o sujeito do enunciado confere voz a outros enunciadores ora

empregando o discurso direto como no elogio que Adrasto faz a Anfiarau (vv 16-7) e na

ordem dada por Apolo a Iacuteamo (vv 62-3) no momento em que o deus lhe concede o dom

da profecia ora transferindo por meio de uma ordem sua funccedilatildeo de locutor do canto

agonal a Fiacutentis o auriga de Hageacutesias (v 22) ou a Eneias o khorodidaacuteskalos (vv 88-96)

com os quais se identifica como poeta-condutor e poeta-mestre do coro

Por outro lado haacute dados sugestivos da performance coral da ode e de seu local de

execuccedilatildeo haja vista a invocaccedilatildeo da persona loquens a Eneias possivelmente o

khorodidaacuteskalos - a julgar pelos escoacutelios a essa passagem (148a e 149ordf apud

STAMATOPOULOU 2014 p 11 nota 34 CALAME 2005 p 57 nota 10 p 58 nota

13) - a referecircncia aos hetaicircroi companheiros de Eneias e talvez integrantes do coro e

ainda o voto do sujeito poeacutetico para que o kocircmos ldquocortejo processionalrdquo ao vencedor

apoacutes ter sido apresentado em Estiacutenfalo como julga a maior parte da criacutetica pindaacuterica

acerca da premiegravere do epiniacutecio (apud STAMATOPOULOU 2014 p 2) fosse tambeacutem

recebido pelo tirano Hieratildeo em Siracusa onde seria realizada a reperformance durante a

festa cultual (v 95) dedicada a Demeacuteter e a Perseacutefone deusas tutelares de Siracusa culto

possivelmente organizado pela famiacutelia de Hieratildeo (apud CALAME 2005 p 59)

Evidenciam respectivamente a recepccedilatildeo e a reapresentaccedilatildeo do canto em Siracusa a

forma verbal deacutexaito ldquorecebardquo (v 98) no optativo desiderativo enfatizada pela expressatildeo

sỳn degrave philophrosyacutenas euētaacutetois ldquocom amaacuteveis atos de amizaderdquo e os sintagmas

adverbiais presentes no verso 99 oiacutekothen oiacutekadrsquo ldquode uma casa para outrardquo e apograve

Stymphaliacuteōn ldquode Estiacutenfalordquo e por fim a justaposiccedilatildeo no verso 102 dos pronomes tocircnde

ldquoestesrdquo e keiacutenon ldquoagravequelesrdquo alusivos aos estinfaacutelios e siracusanos respectivamente Assim

como esses elementos apontam para a saiacuteda do vencedor da cidade Estiacutenfalo e Siracusa

eacute ainda um lugar a ser alcanccedilado por via mariacutetima acredita-se que a execuccedilatildeo primeira

do canto tenha ocorrido na cidade da matildee de Hageacutesias Note-se que o atleta e as duas

cidades a de seus antepassados maternos Estiacutenfalo e a sua terra natal Siracusa satildeo ainda

representados respectivamente pelas imagens metafoacutericas do navio e das duas acircncoras

(vv 101-5a) imagens que remetem ao deus do mar Posecircidon invocado pela persona

loquens para conceder uma favoraacutevel travessia ao kocircmos de Hageacutesias do qual

possivelmente fazia parte o chefe do coro responsaacutevel segundo Calame (2005 p 57)

16

pelo treinamento dos coreutashetaicircroi que deveriam transmitir em performance coral a

voz do poeta

Ainda acerca dessa metaacutefora mariacutetima Meacuteautis (1962 p 200) Kirkwood (1982

p 94) a interpretam como uma referecircncia agrave crise poliacutetica instaurada em Siracusa nos

uacuteltimos anos de governo de Hieratildeo crise representada pela imagem da lsquotempestuosa

noitersquo (vv 100-1) Assim na qualidade de cidadatildeo siracusano observa ainda Meacuteautis

(1962 p 200) Hageacutesias prevendo a queda do regime tiracircnico pretendia solicitar uma

nova cidadania em Estiacutenfalo A esse respeito vale mencionar uma vez mais a opiniatildeo

de Stamatopoulou (2014 p 3-4) que compartilhando do ponto de vista de Stehle julga

ter sido a ode executada primeiramente em Estiacutenfalo com o objetivo de estreitarem-se os

laccedilos entre o vencedor e essa cidade da Arcaacutedia

No que concerne ao possiacutevel chefe do coro o sujeito poeacutetico num tom laudatoacuterio

refere-se a Eneias como notou Kirkwood (1982 p 93) acerca do estilo metafoacuterico de

Piacutendaro - como aacutengelos ldquomensageirordquo (v 90) e skytaacutela (v 91)27 traduzido como

ldquointeacuterpreterdquo por ser ele o responsaacutevel pela recepccedilatildeo dos efluacutevios das Musas ndash como

explicita a expressatildeo ldquodoce taccedila de cantos ressoantesrdquo (v 91) - pela transmissatildeo e

reapresentaccedilatildeo da mensagemcanto em Siracusa onde tambeacutem deveria ser objeto de

encocircmio o tirano Hieratildeo do qual se enfatizam o governo justo a piedade religiosa os

triunfos jaacute festejados ldquopelas liras e canccedilotildees de doces palavrasrdquo (vv 96-7) a generosidade

e a amizade (v 98)

Deste modo a referecircncia a Eneias destaca o importante papel do poeta-cantor na

perpetuaccedilatildeo do triunfo agonal Nesse complexo processo de elaboraccedilatildeo poeacutetico-

perfomativa utilizam-se natildeo soacute metaacuteforas como jaacute destacou mas tambeacutem narrativas

miacuteticas relacionadas com a arte divinatoacuteria Assim por meio do elogio ao atleta

homenageado evoca-se primeiramente como modelo miacutetico Anfiarau (vv 12-21) ndash

participante da expediccedilatildeo dos Sete contra Tebas sob o comando de Adrasto rei de

Argos- possuidor das mesmas atribuiccedilotildees do laureado jaacute que ambos satildeo

guerreirogeneral e adivinho Eacute importante enfatizar que a transiccedilatildeo do tempo presente

representado pelo vencedor para o passado miacutetico se estabelece por meio do pronome

relativo hoacuten (v 12) referente ao louvor destinado a Hageacutesias e a Anfiarau e do adveacuterbio

27 Em Esparta espeacutecie de bastatildeo de madeira sobre o qual se enrolavam correias compridas e estreitas com

mensagens secretas lidas e compreendidas por quem possuiacutesse um bastatildeo idecircntico (PINDARE

Olympiques 1971 p 85 nota 4)

17

potrsquo ldquooutrora (v 13) com base no qual se alude ao desaparecimento repentino do

adivinho tebano (v 14) que segundo a versatildeo miacutetica fora arrebatado por Zeus para evitar

a morte do heroacutei como se infere do emprego do verbo katamaacuterptō lsquoengolirrsquo em tmese

que indica ter sido Anfiarau tragado pela terra Observa Barciela (2015 p 53) que esse

corte entre a preposiccedilatildeo kataacute ldquodebaixo derdquo ldquosobrdquo (v 14) e o radical do verbo salienta

natildeo somente o sentido do preveacuterbio mas tambeacutem aponta a razatildeo de natildeo ter Adrasto

encontrado Anfiarau nas sete piras Acredita-se ter sido essa a razatildeo de Adrasto ter

proferido ao adivinho um elogio em discurso direto por meio da imagem metafoacuterica

stratiacircs ophthalmograven emacircs ldquoolho28 do meu exeacutercitordquo metaacutefora que aleacutem de assinalar a

importacircncia de Anfiarau na expediccedilatildeo tebana lhe sintetiza os dois atributos relacionados

respectivamente com a macircntica e com a guerra

Julga-se que a menccedilatildeo ao atributo divinatoacuterio de Anfiarau constitui um meio de

antecipaccedilatildeo do principal mito da ode cujo eixo temaacutetico se centra no nascimento de

Iacuteamo29 (vv 39-47) e em sua iniciaccedilatildeo na arte divinatoacuteria tornando-se o primeiro de uma

famiacutelia de adivinhos ndash os Iacircmidas ndash e o responsaacutevel pelo altar profeacutetico de Zeus em

Oliacutempia (v 70)

Eacute digno de nota ter sido o citado mito introduzido pelas imagens metafoacutericas do

poeta-condutor e da poesia-quadriga por meio das quais anota Calame (2005 p 54)

ocorre um deslocamento geograacutefico-temporal jaacute que a par do movimento de Oliacutempia ndash

lugar onde ocorrera a competiccedilatildeo desportiva ndash para Piacutetana cidade espartana situada junto

ao leito do rio Eurotas na Lacocircnia haacute uma transposiccedilatildeo do tempo da ldquoenunciaccedilatildeo do

cantordquo isto eacute o tempo presente ndash marcado pelo adveacuterbio saacutemeron lsquohojersquo (v 28) ndash para o

passado miacutetico indicado pela referecircncia a Piacutetana- natildeo somente o nome de uma pequena

povoaccedilatildeo de que se compunha Esparta mas tambeacutem o nome de uma ninfa filha do deus-

rio Eurotas e fundadora da linhagem dos Iacircmidas - que unida a Posecircidon gerou em

segredo Evadne matildee de Iacuteamo ancestral miacutetico de uma extensa linhagem de adivinhos

28 Imagem presente em Oliacutempica 2 (v 10) em referecircncia aos ancestrais histoacutericos de Teratildeo de Agrigento

e em Piacutetica 5 (vv 55-7a) em alusatildeo a Bato fundador da estirpe dos reis de Cirene cidade do vencedor

Com relaccedilatildeo agrave imagem do olho em Oliacutempica 6 conveacutem lembrar citando Villarrubia (1995 p 17) Suaacuterez

de la Torre (1989 p 97) e Meacuteautis (1962 p 195) que o escoacutelio pindaacuterico ao citado verso refere a Tebaida

como fonte direta do elogio de Adrasto a Anfiarau 29Como observa Nisetich (1998 p 2) nas odes pindaacutericas eacute conferido destaque maior agrave famiacutelia do vencedor

que ao proacuteprio homenageado jaacute que se busca em fatos preteacuteritos explicaccedilotildees ou justificativas para o

momento presente A esse respeito verifica-se na ode em estudo que a volta ao passado (vv 28-71)

constitui um meio de glorificaccedilatildeo do homenageado

18

cujo representante atual eacute o vencedor oliacutempico Hageacutesias de Siracusa Evadne por sua

vez seduzida por Apolo deu agrave luz Iacuteamo cuja vocaccedilatildeo profeacutetica eacute anunciada na ode pelo

atributo theoacutephrona lsquoinspirado pelos deusesrsquo (v 41) e pelo oraacuteculo de Delfos revelado

ao pai mortal e adotivo de Evadne ndash Eacutepito - a quem satildeo declarados a origem e o dom

divinatoacuterio de Iacuteamo (vv 49b-51) cujo nome de etimologia obscura estaacute associado ao

nome da flor violeta (DUCHEMIN 1955 p 242-3) iacuteon tambeacutem presente no epiacuteteto

atribuiacutedo a Evadne ioacuteplokos ldquocabelo cor de violetardquo (v 30) portanto cor que identifica

Iacuteamo como filho de Evadne Em sintonia com Eleanor Irwin (1996 p 386) acerca de seu

comentaacuterio sobre o ambiente onde Iacuteamo fora abandonado por sua matildee isto eacute khamaiacute ldquono

chatildeordquo (v 45) considera-se que esse lugar eacute tambeacutem ser esse sobrenatural haja vista terem

florescido do chatildeo violetas que forneceram ao receacutem-nascido calor e proteccedilatildeo necessaacuterios

agrave sua sobrevivecircncia Destarte as violetas simbolizam a proacutepria Evadne posto que

exerceram a funccedilatildeo materna

Significativo tambeacutem nessa passagem eacute o fato de ter sido por intervenccedilatildeo divina

(v 46) Iacuteamo alimentado por duas serpentes (45b-47a) com ldquoo veneno irrepreensiacutevel das

abelhasrdquo expressatildeo que se associa anotou Duchemin (1955 p 251) jaacute haacute algum tempo

ao dom da profecia e do fazer poeacutetico Deborah Steiner (1986 p 103) por sua vez refere

acerca dessa passagem que a relaccedilatildeo entre a serpente animal macircntico por excelecircncia

(Meacuteautis 1962 p 196) e o mel anuncia o dom profeacutetico que o receacutem-nascido teria

posteriormente30

Ao chegar agrave adolescecircncia Iacuteamo ciente de sua ascendecircncia divina solicita a seu

avocirc Posecircidon e a seu pai Apolo um atributo que beneficiasse todo o povo uma honra

puacuteblica laoacutethrophos ldquoque alimentasse o povordquo (v 60) Ressalte-se que embora a suacuteplica

tenha sido dirigida a essas duas divindades eacute Apolo nomeado com seu epiacuteteto ldquoarqueiro

guardiatildeo da divina Delosrdquo (v 59) quem concede ao filho o duplo dom da adivinhaccedilatildeo

(vv 65-70) a faculdade de ouvir-lhe a voz profeacutetica pautada sempre na verdade e a

fundaccedilatildeo de oraacuteculo de Zeus em Oliacutempia antes mesmo da instituiccedilatildeo dos Jogos

Oliacutempicos por Heacuteracles Logo com a concessatildeo da daacutediva da adivinhaccedilatildeo encerra-se o

relato miacutetico dos Iacircmidas Faz entatildeo a voz do poema a passagem do tempo miacutetico (vv

71-7) para o passado proacuteximo de Hageacutesias com a alusatildeo laudatoacuteria aos antepassados

30 Acrescente-se que a relaccedilatildeo entre a serpente e a figura de Apolo se justifica pelo fato de a divindade ter

assassinado a serpente Piacuteton para habitar Delfos

19

histoacutericos do vencedor (vv 78-81) e numa referecircncia metapoeacutetica (vv 82-7b) a seus

proacuteprios ancestrais por serem todos procedentes da cidade de Estiacutenfalo dado que

identifica o laureado com a persona loquens

Ediccedilotildees traduccedilotildees e comentaacuterios

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9

Assim entatildeo declarou Mas eles confessavam que natildeo o tinham ouvido

nem visto

embora tivesse nascido havia cinco dias Mas

na verdade estava escondido num canteiro de juncos no impenetraacutevel matagal

55 pelos raios dourados e roxos das violetas

banhado em seu delicado

corpo Por isso sua matildee declarou

que ele fosse chamado durante todo o tempo

por esse nome imortal

Mas depois que recebeu o fruto da amaacutevel

Juventude da coroa dourada descendo no meio do Alfeu

invocou o poderoso Posecircidon

seu avocirc e o arqueiro guardiatildeo

da divina Delos

60 pedindo para sua cabeccedila uma honra que alimentasse o povo

no ar livre da noite Clara ressoou a voz paterna e lhe pediu

lsquoLevanta-te filho

vem aqui para a terra paterna

atraacutes da minha vozrsquo

Estrofe 4

Chegaram ao escarpado

rochedo do monte de Crono

65 onde ele lhe outorgou o duplo tesouro

da adivinhaccedilatildeo primeiro ouvir a voz

desconhecedora das mentiras e depois quando

chegasse o de ousados expedientes

10

Heacuteracles majestoso filho dos Alceus19

69 para fundar em honra de seu pai uma festa concorrida

e o maior festival dos jogos

70 na parte mais alta do altar de Zeus

ordenou entatildeo que (Iacuteamo) estabelecesse o oraacuteculo

Antiacutestrofe 4

Desde aquele momento eacute renomada entre

os Helenos a linhagem dos Iacircmidas

A prosperidade os acompanhou ao mesmo tempo E honrando as virtudes

percorrem um caminho visiacutevel daacute provas disso

cada accedilatildeo (deles) Mas a censura da parte

de outros invejosos estaacute suspensa

75 sobre aqueles que foram outrora os primeiros a conduzir o carro na corrida de doze

voltas

e sobre os quais a Graccedila veneranda derrama

gloriosa forma corporal

Se na verdade habitando sob a montanha

de Cilene oacute Hageacutesias teus antepassados maternos

Epodo 4

presentearam

muitas vezes o arauto dos deuses

Hermes com muitos sacrifiacutecios suplicantes de modo piedoso

ele que rege as competiccedilotildees atleacuteticas e a devida parte dos precircmios

80 e honra a Arcaacutedia de nobres varotildees

eacute ele oacute filho de Soacutestrato

com seu pai (Zeus) de barulho retumbante que realiza o teu ecircxito

19 Progenitor de de Anfitriatildeo e este o suposto pai de Heacuteracles

11

Tenho em minha liacutengua a fama de uma liacutempida pedra de afiar20

que quando eu quero se aproxima de mim com sopros de belas correntes

Minha avoacute materna era

de Estiacutenfalo a florescente Metopa

Esfrofe 5

que deu agrave luz Teba condutora de cavalos

de cuja deliciosa aacutegua

86 beberei enquanto teccedilo para os varotildees lanceiros

um hino variado Agora incita teus companheiros

oacute Eneias primeiro a Hera

Virginal celebrar

e depois a saber se evitamos o antigo insulto

90 de suiacuteno Beoacutecio com verdadeiras palavras

De fato eacutes correto mensageiro

inteacuterprete das Musas de belos cabelos

doce taccedila de cantos ressoantes

Antiacutestrofe 5

Diz-lhes que se lembrem

de Siracusa e de Ortiacutegia21

que Hieratildeo ao governaacute-la com imaculado cetro

com justos pensamentos

95 honra Demeacuteter de peacutes vermelhos

a festa de sua filha de brancos corceacuteis

e o poder de Zeus do Etna As liras

e as canccedilotildees de doces palavras o conhecem

20 Metaacutefora do fazer poeacutetico em que a liacutengua do poeta eacute estimulada agrave produccedilatildeo de um canto harmonioso 21Parte mais antiga de Siracusa onde estava situado o palaacutecio de Hieratildeo e talvez o de Hageacutesias (ORTEGA

Alfonso 1984 p 100)

12

Que o tempo em seu curso natildeo lhe destrua a felicidade

mas com amaacuteveis atos de amizade

receba (Hieratildeo) o cortejo processional de Hageacutesias

Epodo 5

(cortejo que) vem de uma casa para outra

das muralhas de Estiacutenfalo

100 e deixa a matildee da Arcaacutedia rica em rebanhos

Boas satildeo na tempestuosa

noite para serem lanccediladas de uma nau veloz

duas acircncoras Que o deus

a estes e agravequeles conceda com amizade glorioso destino

Oacute senhor soberano do mar concede uma direta travessia

isenta de dificuldades oacute esposo

105 de Anfitrite da roca de ouro e faz prosperar

a flor jubilosa de meus hinos

O atleta homenageado da ode eacute filho de Soacutestrato (vv 9 80) pertencente agrave

linhagem dos Iacircmidas e de uma mulher cujos antepassados procediam de Cilene (vv 77-

8) montanha ao norte da Arcaacutedia onde se situava a cidade de Estiacutenfalo ndash lugar em que

ocorrera provavelmente a primeira performance22 do epiniacutecio (vv 99-100) e onde o deus

Hermes era cultuado (vv 79-81) Note-se que a referecircncia a essa divindade vincula o

triunfo atleacutetico agrave benevolecircncia divina tendo em vista ter sido Hermes a divindade doadora

da vitoacuteria (v 81) a Hageacutesias Com efeito a relaccedilatildeo entre a vitoacuteria e a vontade dos deuses

constitui um topos23 da poesia pindaacuterica

22 O argumento da maior parte da criacutetica pindaacuterica sobre a ode ter sido executada em Estiacutenfalo fundamenta-

se nos versos 98-105 nos quais o vencedor e seu kocircmos saem de Estiacutenfalo rumo a Siracusa Acresce ainda

que o fato de o laureado ter laccedilos estreitos com as duas cidades motivou uma discussatildeo acerca da localizaccedilatildeo

da premiegravere do canto triunfal (STAMATOPOULOU 2014 p 1)

23 Cf eg Oliacutempicas 9 vv 100-4 13 vv 13-8 Piacutetica 10 vv 10-5

13

De modo anaacutelogo ao proecircmio da Odisseia (vv 1-10) em que natildeo se menciona o

nome do heroacutei Odisseu designado somente no verso 21 tambeacutem em Oliacutempica 6 o nome

do atleta homenageado soacute aparece no verso 12 por meio de uma invocaccedilatildeo muito embora

tenha sido referido indiretamente no verso 4 apenas pela forma verbal em terceira pessoa

e nos versos 4 a 9 por meio da citaccedilatildeo de seus atributos e de sua descendecircncia

Informa tambeacutem o canto agonal ter tido o vencedor dupla funccedilatildeo a de guardiatildeo

do altar profeacutetico de Zeus em Pisa (v 5) ndash tendo em vista ter como ascendente o adivinho

Iacuteamo que recebera de seu pai Apolo o dom da profecia (vv 65-70) ndash e a de cofundador

de Siracusa (v 6)24 Essas referecircncias ao laureado histoacutericas e miacuteticas encontram-se

distribuiacutedas pelos 105 versos que compotildeem as cinco triacuteades de Oliacutempica 6 iniciada com

uma imagem metapoeacutetica ou autorreferencial em que se coteja o fazer poeacutetico com um

monumento e o poeta com um construtor como atesta nos quatro primeiros versos da

ode a presenccedila de termos pertencentes ao campo semacircntico da arquitetura como kiacuteonas

ldquocolunardquo euteikheicirc ldquobem muradordquo prothyacuteroi ldquopoacuterticordquo paacutexomen ldquoconstruamosrdquo e

proacutesōpon ldquofachadardquo entendido este uacuteltimo metaforicamente segundo o leacutexico pindaacuterico

editado por William Slater (1969 p 454) como o proecircmio da ode Logo eacute a

magnificecircncia dessa construccedilatildeo poeacutetico-arquitetocircnica ndash enfatizada pelos adjetivos

khryseacuteas ldquodouradasrdquo e telaugeacutes ldquoque brilha ao longerdquo ndash que torna impereciacuteveis a

efemeridade do evento atleacutetico ndash ideia sumarizada no verso 4 ndash e o proacuteprio destinataacuterio

apresentado ainda na primeira estrofe como vencedor oliacutempico guardiatildeo por heranccedila

paterna do altar divinatoacuterio de Zeus e cofundador de Siracusa ndash atributos que devem

brilhar ao longe

A par dessas metaacuteforas delineia-se na segunda estrofe a imagem do poeta-

condutor quando a persona loquens ao invocar o nome do condutor da quadriga ndash

Fiacutentis25 auriga de Hageacutesias ndash a ele se iguala como assinala o sintagma autorreferencial

baacutesomen oacutekkhon ldquoconduzamos a quadriga de mulasrdquo (v 24) Logo por meio de

linguagem metafoacuterica o fazer poeacutetico e a performance do canto convertem-se assinala

24 Segundo os escolia 8a e 8b Hageacutesias pode ser considerado cofundador de Siracusa porque seus

antepassados participaram da colonizaccedilatildeo desta cidade Entretanto Willamowitz (1922) e Luraghi (1997)

sugeriram que o proacuteprio Hageacutesias teria participada reestruturaccedilatildeo de Siracusa no governo do tirano Gelatildeo

(apud STAMATOPOULOU 2014 p 7 nota 21) Acerca da remodelaccedilatildeo ldquogelonianardquo de Siracusa ver

Hirata (2010 p 28-9)

25 Fiacutentis representa o aristocrata siracusano Hageacutesias patrocinador do treinamento das parelhas do auriga

(CALAME 2005 p 54)

14

Calame (2005 p 53) numa corrida de quadrigas toacutepos na poesia grega arcaica De fato

assim como o atleta conduz a quadriga agrave vitoacuteria tambeacutem o poeta-atleta elabora

harmoniosamente seus versos para glorificar o vencedor e sua linhagem Deste modo

configuram-se nesse percurso metafoacuterico a quadriga e a poesia como vias de acesso agrave

imortalidade a julgar pela presenccedila dos termos sinocircnimos keleuthoacutes (v 23) e hodoacutes (v

25) ldquocaminhordquo o primeiro dos quais representando conotativamente a poesia e o

segundo conservando sua acepccedilatildeo denotativa tem o sentido de rota percorrida pela

carruagem

Aliaacutes essas imagens metafoacutericas natildeo satildeo as uacutenicas empregadas pela persona

loquens para descrever por meio de metalinguagem sua arte poeacutetica comparada ora com

objetos preciosos ndash como na ode em pauta em que a canccedilatildeo eacute relacionada com um poacutertico

de colunas douradas (Ol 6 vv 1-4) ou em outras odes com uma taccedila de ouro (Ol 7

vv 1-4) e com ouro refinado (Nemeia 4 v 82) - ora com o produto resultante do trabalho

das abelhas (Ol 10 v 98 Nemeia 3 v 77) ou com elementos da natureza como a flor

(Ol 6 v 105) soacute para citar algumas Tambeacutem o mister do poeta eacute vinculado a diferentes

atividades profissionais como a de lavrador (Nemeia 6 v 32 Piacutetica 6 v 2) escultor

(Nemeia vv 1-5) arqueiro (Ol 1 v 111 Ol 2 vv 83-6) e tecelatildeo este uacuteltimo labor

evocado em Oliacutempica 6 (v 86) pelo emprego do verbo pleacutekō ldquotecerrdquo metaacutefora frequente

do fazer poeacutetico na poesia meacutelica assinala Calame (2005 p58 n12) Com efeito do

mesmo modo que o tecelatildeo tranccedila com sutileza e habilidade os fios para a confecccedilatildeo do

tecido tambeacutem o poeta elabora seu discurso poeacutetico entrelaccedilando recursos literaacuterios e

linguiacutesticos combinados com o ritmo e a harmonia para a perfeita composiccedilatildeo da ode e

por conseguinte para a glorificaccedilatildeo do atleta vencedor como se infere dos versos 86-7

ldquoteccedilo para os varotildees lanceiros um hino variadordquo

Entre os elementos constitutivos do epiniacutecio pindaacuterico eacute interessante pontuar

ainda a alternacircncia das formas de primeira pessoa26 do singular e do plural (eunoacutes ndash vv

3 21 23 24 82 84 86 e 105) por meio da qual eacute possiacutevel haver um revezamento entre

a voz do poema e a voz do coro dado que torna improdutiva segundo Calame (2005 p

58) a discussatildeo acerca da natureza do sujeito poeacutetico nas odes pindaacutericas ldquonem

unicamente ldquomonoacutedicordquo nem inteiramente coral o eunoacutes do locutor eacute essencialmente

polifocircnicordquo

26 Sobre o emprego da primeira pessoa na poesia pindaacuterica cf LEFKOWITZ Mary op cit 1991 p 1-71

15

Deve-se observar tambeacutem com Claire Muckensturn-Poulle (2009 p 77) que ao

longo da Oliacutempica 6 o sujeito do enunciado confere voz a outros enunciadores ora

empregando o discurso direto como no elogio que Adrasto faz a Anfiarau (vv 16-7) e na

ordem dada por Apolo a Iacuteamo (vv 62-3) no momento em que o deus lhe concede o dom

da profecia ora transferindo por meio de uma ordem sua funccedilatildeo de locutor do canto

agonal a Fiacutentis o auriga de Hageacutesias (v 22) ou a Eneias o khorodidaacuteskalos (vv 88-96)

com os quais se identifica como poeta-condutor e poeta-mestre do coro

Por outro lado haacute dados sugestivos da performance coral da ode e de seu local de

execuccedilatildeo haja vista a invocaccedilatildeo da persona loquens a Eneias possivelmente o

khorodidaacuteskalos - a julgar pelos escoacutelios a essa passagem (148a e 149ordf apud

STAMATOPOULOU 2014 p 11 nota 34 CALAME 2005 p 57 nota 10 p 58 nota

13) - a referecircncia aos hetaicircroi companheiros de Eneias e talvez integrantes do coro e

ainda o voto do sujeito poeacutetico para que o kocircmos ldquocortejo processionalrdquo ao vencedor

apoacutes ter sido apresentado em Estiacutenfalo como julga a maior parte da criacutetica pindaacuterica

acerca da premiegravere do epiniacutecio (apud STAMATOPOULOU 2014 p 2) fosse tambeacutem

recebido pelo tirano Hieratildeo em Siracusa onde seria realizada a reperformance durante a

festa cultual (v 95) dedicada a Demeacuteter e a Perseacutefone deusas tutelares de Siracusa culto

possivelmente organizado pela famiacutelia de Hieratildeo (apud CALAME 2005 p 59)

Evidenciam respectivamente a recepccedilatildeo e a reapresentaccedilatildeo do canto em Siracusa a

forma verbal deacutexaito ldquorecebardquo (v 98) no optativo desiderativo enfatizada pela expressatildeo

sỳn degrave philophrosyacutenas euētaacutetois ldquocom amaacuteveis atos de amizaderdquo e os sintagmas

adverbiais presentes no verso 99 oiacutekothen oiacutekadrsquo ldquode uma casa para outrardquo e apograve

Stymphaliacuteōn ldquode Estiacutenfalordquo e por fim a justaposiccedilatildeo no verso 102 dos pronomes tocircnde

ldquoestesrdquo e keiacutenon ldquoagravequelesrdquo alusivos aos estinfaacutelios e siracusanos respectivamente Assim

como esses elementos apontam para a saiacuteda do vencedor da cidade Estiacutenfalo e Siracusa

eacute ainda um lugar a ser alcanccedilado por via mariacutetima acredita-se que a execuccedilatildeo primeira

do canto tenha ocorrido na cidade da matildee de Hageacutesias Note-se que o atleta e as duas

cidades a de seus antepassados maternos Estiacutenfalo e a sua terra natal Siracusa satildeo ainda

representados respectivamente pelas imagens metafoacutericas do navio e das duas acircncoras

(vv 101-5a) imagens que remetem ao deus do mar Posecircidon invocado pela persona

loquens para conceder uma favoraacutevel travessia ao kocircmos de Hageacutesias do qual

possivelmente fazia parte o chefe do coro responsaacutevel segundo Calame (2005 p 57)

16

pelo treinamento dos coreutashetaicircroi que deveriam transmitir em performance coral a

voz do poeta

Ainda acerca dessa metaacutefora mariacutetima Meacuteautis (1962 p 200) Kirkwood (1982

p 94) a interpretam como uma referecircncia agrave crise poliacutetica instaurada em Siracusa nos

uacuteltimos anos de governo de Hieratildeo crise representada pela imagem da lsquotempestuosa

noitersquo (vv 100-1) Assim na qualidade de cidadatildeo siracusano observa ainda Meacuteautis

(1962 p 200) Hageacutesias prevendo a queda do regime tiracircnico pretendia solicitar uma

nova cidadania em Estiacutenfalo A esse respeito vale mencionar uma vez mais a opiniatildeo

de Stamatopoulou (2014 p 3-4) que compartilhando do ponto de vista de Stehle julga

ter sido a ode executada primeiramente em Estiacutenfalo com o objetivo de estreitarem-se os

laccedilos entre o vencedor e essa cidade da Arcaacutedia

No que concerne ao possiacutevel chefe do coro o sujeito poeacutetico num tom laudatoacuterio

refere-se a Eneias como notou Kirkwood (1982 p 93) acerca do estilo metafoacuterico de

Piacutendaro - como aacutengelos ldquomensageirordquo (v 90) e skytaacutela (v 91)27 traduzido como

ldquointeacuterpreterdquo por ser ele o responsaacutevel pela recepccedilatildeo dos efluacutevios das Musas ndash como

explicita a expressatildeo ldquodoce taccedila de cantos ressoantesrdquo (v 91) - pela transmissatildeo e

reapresentaccedilatildeo da mensagemcanto em Siracusa onde tambeacutem deveria ser objeto de

encocircmio o tirano Hieratildeo do qual se enfatizam o governo justo a piedade religiosa os

triunfos jaacute festejados ldquopelas liras e canccedilotildees de doces palavrasrdquo (vv 96-7) a generosidade

e a amizade (v 98)

Deste modo a referecircncia a Eneias destaca o importante papel do poeta-cantor na

perpetuaccedilatildeo do triunfo agonal Nesse complexo processo de elaboraccedilatildeo poeacutetico-

perfomativa utilizam-se natildeo soacute metaacuteforas como jaacute destacou mas tambeacutem narrativas

miacuteticas relacionadas com a arte divinatoacuteria Assim por meio do elogio ao atleta

homenageado evoca-se primeiramente como modelo miacutetico Anfiarau (vv 12-21) ndash

participante da expediccedilatildeo dos Sete contra Tebas sob o comando de Adrasto rei de

Argos- possuidor das mesmas atribuiccedilotildees do laureado jaacute que ambos satildeo

guerreirogeneral e adivinho Eacute importante enfatizar que a transiccedilatildeo do tempo presente

representado pelo vencedor para o passado miacutetico se estabelece por meio do pronome

relativo hoacuten (v 12) referente ao louvor destinado a Hageacutesias e a Anfiarau e do adveacuterbio

27 Em Esparta espeacutecie de bastatildeo de madeira sobre o qual se enrolavam correias compridas e estreitas com

mensagens secretas lidas e compreendidas por quem possuiacutesse um bastatildeo idecircntico (PINDARE

Olympiques 1971 p 85 nota 4)

17

potrsquo ldquooutrora (v 13) com base no qual se alude ao desaparecimento repentino do

adivinho tebano (v 14) que segundo a versatildeo miacutetica fora arrebatado por Zeus para evitar

a morte do heroacutei como se infere do emprego do verbo katamaacuterptō lsquoengolirrsquo em tmese

que indica ter sido Anfiarau tragado pela terra Observa Barciela (2015 p 53) que esse

corte entre a preposiccedilatildeo kataacute ldquodebaixo derdquo ldquosobrdquo (v 14) e o radical do verbo salienta

natildeo somente o sentido do preveacuterbio mas tambeacutem aponta a razatildeo de natildeo ter Adrasto

encontrado Anfiarau nas sete piras Acredita-se ter sido essa a razatildeo de Adrasto ter

proferido ao adivinho um elogio em discurso direto por meio da imagem metafoacuterica

stratiacircs ophthalmograven emacircs ldquoolho28 do meu exeacutercitordquo metaacutefora que aleacutem de assinalar a

importacircncia de Anfiarau na expediccedilatildeo tebana lhe sintetiza os dois atributos relacionados

respectivamente com a macircntica e com a guerra

Julga-se que a menccedilatildeo ao atributo divinatoacuterio de Anfiarau constitui um meio de

antecipaccedilatildeo do principal mito da ode cujo eixo temaacutetico se centra no nascimento de

Iacuteamo29 (vv 39-47) e em sua iniciaccedilatildeo na arte divinatoacuteria tornando-se o primeiro de uma

famiacutelia de adivinhos ndash os Iacircmidas ndash e o responsaacutevel pelo altar profeacutetico de Zeus em

Oliacutempia (v 70)

Eacute digno de nota ter sido o citado mito introduzido pelas imagens metafoacutericas do

poeta-condutor e da poesia-quadriga por meio das quais anota Calame (2005 p 54)

ocorre um deslocamento geograacutefico-temporal jaacute que a par do movimento de Oliacutempia ndash

lugar onde ocorrera a competiccedilatildeo desportiva ndash para Piacutetana cidade espartana situada junto

ao leito do rio Eurotas na Lacocircnia haacute uma transposiccedilatildeo do tempo da ldquoenunciaccedilatildeo do

cantordquo isto eacute o tempo presente ndash marcado pelo adveacuterbio saacutemeron lsquohojersquo (v 28) ndash para o

passado miacutetico indicado pela referecircncia a Piacutetana- natildeo somente o nome de uma pequena

povoaccedilatildeo de que se compunha Esparta mas tambeacutem o nome de uma ninfa filha do deus-

rio Eurotas e fundadora da linhagem dos Iacircmidas - que unida a Posecircidon gerou em

segredo Evadne matildee de Iacuteamo ancestral miacutetico de uma extensa linhagem de adivinhos

28 Imagem presente em Oliacutempica 2 (v 10) em referecircncia aos ancestrais histoacutericos de Teratildeo de Agrigento

e em Piacutetica 5 (vv 55-7a) em alusatildeo a Bato fundador da estirpe dos reis de Cirene cidade do vencedor

Com relaccedilatildeo agrave imagem do olho em Oliacutempica 6 conveacutem lembrar citando Villarrubia (1995 p 17) Suaacuterez

de la Torre (1989 p 97) e Meacuteautis (1962 p 195) que o escoacutelio pindaacuterico ao citado verso refere a Tebaida

como fonte direta do elogio de Adrasto a Anfiarau 29Como observa Nisetich (1998 p 2) nas odes pindaacutericas eacute conferido destaque maior agrave famiacutelia do vencedor

que ao proacuteprio homenageado jaacute que se busca em fatos preteacuteritos explicaccedilotildees ou justificativas para o

momento presente A esse respeito verifica-se na ode em estudo que a volta ao passado (vv 28-71)

constitui um meio de glorificaccedilatildeo do homenageado

18

cujo representante atual eacute o vencedor oliacutempico Hageacutesias de Siracusa Evadne por sua

vez seduzida por Apolo deu agrave luz Iacuteamo cuja vocaccedilatildeo profeacutetica eacute anunciada na ode pelo

atributo theoacutephrona lsquoinspirado pelos deusesrsquo (v 41) e pelo oraacuteculo de Delfos revelado

ao pai mortal e adotivo de Evadne ndash Eacutepito - a quem satildeo declarados a origem e o dom

divinatoacuterio de Iacuteamo (vv 49b-51) cujo nome de etimologia obscura estaacute associado ao

nome da flor violeta (DUCHEMIN 1955 p 242-3) iacuteon tambeacutem presente no epiacuteteto

atribuiacutedo a Evadne ioacuteplokos ldquocabelo cor de violetardquo (v 30) portanto cor que identifica

Iacuteamo como filho de Evadne Em sintonia com Eleanor Irwin (1996 p 386) acerca de seu

comentaacuterio sobre o ambiente onde Iacuteamo fora abandonado por sua matildee isto eacute khamaiacute ldquono

chatildeordquo (v 45) considera-se que esse lugar eacute tambeacutem ser esse sobrenatural haja vista terem

florescido do chatildeo violetas que forneceram ao receacutem-nascido calor e proteccedilatildeo necessaacuterios

agrave sua sobrevivecircncia Destarte as violetas simbolizam a proacutepria Evadne posto que

exerceram a funccedilatildeo materna

Significativo tambeacutem nessa passagem eacute o fato de ter sido por intervenccedilatildeo divina

(v 46) Iacuteamo alimentado por duas serpentes (45b-47a) com ldquoo veneno irrepreensiacutevel das

abelhasrdquo expressatildeo que se associa anotou Duchemin (1955 p 251) jaacute haacute algum tempo

ao dom da profecia e do fazer poeacutetico Deborah Steiner (1986 p 103) por sua vez refere

acerca dessa passagem que a relaccedilatildeo entre a serpente animal macircntico por excelecircncia

(Meacuteautis 1962 p 196) e o mel anuncia o dom profeacutetico que o receacutem-nascido teria

posteriormente30

Ao chegar agrave adolescecircncia Iacuteamo ciente de sua ascendecircncia divina solicita a seu

avocirc Posecircidon e a seu pai Apolo um atributo que beneficiasse todo o povo uma honra

puacuteblica laoacutethrophos ldquoque alimentasse o povordquo (v 60) Ressalte-se que embora a suacuteplica

tenha sido dirigida a essas duas divindades eacute Apolo nomeado com seu epiacuteteto ldquoarqueiro

guardiatildeo da divina Delosrdquo (v 59) quem concede ao filho o duplo dom da adivinhaccedilatildeo

(vv 65-70) a faculdade de ouvir-lhe a voz profeacutetica pautada sempre na verdade e a

fundaccedilatildeo de oraacuteculo de Zeus em Oliacutempia antes mesmo da instituiccedilatildeo dos Jogos

Oliacutempicos por Heacuteracles Logo com a concessatildeo da daacutediva da adivinhaccedilatildeo encerra-se o

relato miacutetico dos Iacircmidas Faz entatildeo a voz do poema a passagem do tempo miacutetico (vv

71-7) para o passado proacuteximo de Hageacutesias com a alusatildeo laudatoacuteria aos antepassados

30 Acrescente-se que a relaccedilatildeo entre a serpente e a figura de Apolo se justifica pelo fato de a divindade ter

assassinado a serpente Piacuteton para habitar Delfos

19

histoacutericos do vencedor (vv 78-81) e numa referecircncia metapoeacutetica (vv 82-7b) a seus

proacuteprios ancestrais por serem todos procedentes da cidade de Estiacutenfalo dado que

identifica o laureado com a persona loquens

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10

Heacuteracles majestoso filho dos Alceus19

69 para fundar em honra de seu pai uma festa concorrida

e o maior festival dos jogos

70 na parte mais alta do altar de Zeus

ordenou entatildeo que (Iacuteamo) estabelecesse o oraacuteculo

Antiacutestrofe 4

Desde aquele momento eacute renomada entre

os Helenos a linhagem dos Iacircmidas

A prosperidade os acompanhou ao mesmo tempo E honrando as virtudes

percorrem um caminho visiacutevel daacute provas disso

cada accedilatildeo (deles) Mas a censura da parte

de outros invejosos estaacute suspensa

75 sobre aqueles que foram outrora os primeiros a conduzir o carro na corrida de doze

voltas

e sobre os quais a Graccedila veneranda derrama

gloriosa forma corporal

Se na verdade habitando sob a montanha

de Cilene oacute Hageacutesias teus antepassados maternos

Epodo 4

presentearam

muitas vezes o arauto dos deuses

Hermes com muitos sacrifiacutecios suplicantes de modo piedoso

ele que rege as competiccedilotildees atleacuteticas e a devida parte dos precircmios

80 e honra a Arcaacutedia de nobres varotildees

eacute ele oacute filho de Soacutestrato

com seu pai (Zeus) de barulho retumbante que realiza o teu ecircxito

19 Progenitor de de Anfitriatildeo e este o suposto pai de Heacuteracles

11

Tenho em minha liacutengua a fama de uma liacutempida pedra de afiar20

que quando eu quero se aproxima de mim com sopros de belas correntes

Minha avoacute materna era

de Estiacutenfalo a florescente Metopa

Esfrofe 5

que deu agrave luz Teba condutora de cavalos

de cuja deliciosa aacutegua

86 beberei enquanto teccedilo para os varotildees lanceiros

um hino variado Agora incita teus companheiros

oacute Eneias primeiro a Hera

Virginal celebrar

e depois a saber se evitamos o antigo insulto

90 de suiacuteno Beoacutecio com verdadeiras palavras

De fato eacutes correto mensageiro

inteacuterprete das Musas de belos cabelos

doce taccedila de cantos ressoantes

Antiacutestrofe 5

Diz-lhes que se lembrem

de Siracusa e de Ortiacutegia21

que Hieratildeo ao governaacute-la com imaculado cetro

com justos pensamentos

95 honra Demeacuteter de peacutes vermelhos

a festa de sua filha de brancos corceacuteis

e o poder de Zeus do Etna As liras

e as canccedilotildees de doces palavras o conhecem

20 Metaacutefora do fazer poeacutetico em que a liacutengua do poeta eacute estimulada agrave produccedilatildeo de um canto harmonioso 21Parte mais antiga de Siracusa onde estava situado o palaacutecio de Hieratildeo e talvez o de Hageacutesias (ORTEGA

Alfonso 1984 p 100)

12

Que o tempo em seu curso natildeo lhe destrua a felicidade

mas com amaacuteveis atos de amizade

receba (Hieratildeo) o cortejo processional de Hageacutesias

Epodo 5

(cortejo que) vem de uma casa para outra

das muralhas de Estiacutenfalo

100 e deixa a matildee da Arcaacutedia rica em rebanhos

Boas satildeo na tempestuosa

noite para serem lanccediladas de uma nau veloz

duas acircncoras Que o deus

a estes e agravequeles conceda com amizade glorioso destino

Oacute senhor soberano do mar concede uma direta travessia

isenta de dificuldades oacute esposo

105 de Anfitrite da roca de ouro e faz prosperar

a flor jubilosa de meus hinos

O atleta homenageado da ode eacute filho de Soacutestrato (vv 9 80) pertencente agrave

linhagem dos Iacircmidas e de uma mulher cujos antepassados procediam de Cilene (vv 77-

8) montanha ao norte da Arcaacutedia onde se situava a cidade de Estiacutenfalo ndash lugar em que

ocorrera provavelmente a primeira performance22 do epiniacutecio (vv 99-100) e onde o deus

Hermes era cultuado (vv 79-81) Note-se que a referecircncia a essa divindade vincula o

triunfo atleacutetico agrave benevolecircncia divina tendo em vista ter sido Hermes a divindade doadora

da vitoacuteria (v 81) a Hageacutesias Com efeito a relaccedilatildeo entre a vitoacuteria e a vontade dos deuses

constitui um topos23 da poesia pindaacuterica

22 O argumento da maior parte da criacutetica pindaacuterica sobre a ode ter sido executada em Estiacutenfalo fundamenta-

se nos versos 98-105 nos quais o vencedor e seu kocircmos saem de Estiacutenfalo rumo a Siracusa Acresce ainda

que o fato de o laureado ter laccedilos estreitos com as duas cidades motivou uma discussatildeo acerca da localizaccedilatildeo

da premiegravere do canto triunfal (STAMATOPOULOU 2014 p 1)

23 Cf eg Oliacutempicas 9 vv 100-4 13 vv 13-8 Piacutetica 10 vv 10-5

13

De modo anaacutelogo ao proecircmio da Odisseia (vv 1-10) em que natildeo se menciona o

nome do heroacutei Odisseu designado somente no verso 21 tambeacutem em Oliacutempica 6 o nome

do atleta homenageado soacute aparece no verso 12 por meio de uma invocaccedilatildeo muito embora

tenha sido referido indiretamente no verso 4 apenas pela forma verbal em terceira pessoa

e nos versos 4 a 9 por meio da citaccedilatildeo de seus atributos e de sua descendecircncia

Informa tambeacutem o canto agonal ter tido o vencedor dupla funccedilatildeo a de guardiatildeo

do altar profeacutetico de Zeus em Pisa (v 5) ndash tendo em vista ter como ascendente o adivinho

Iacuteamo que recebera de seu pai Apolo o dom da profecia (vv 65-70) ndash e a de cofundador

de Siracusa (v 6)24 Essas referecircncias ao laureado histoacutericas e miacuteticas encontram-se

distribuiacutedas pelos 105 versos que compotildeem as cinco triacuteades de Oliacutempica 6 iniciada com

uma imagem metapoeacutetica ou autorreferencial em que se coteja o fazer poeacutetico com um

monumento e o poeta com um construtor como atesta nos quatro primeiros versos da

ode a presenccedila de termos pertencentes ao campo semacircntico da arquitetura como kiacuteonas

ldquocolunardquo euteikheicirc ldquobem muradordquo prothyacuteroi ldquopoacuterticordquo paacutexomen ldquoconstruamosrdquo e

proacutesōpon ldquofachadardquo entendido este uacuteltimo metaforicamente segundo o leacutexico pindaacuterico

editado por William Slater (1969 p 454) como o proecircmio da ode Logo eacute a

magnificecircncia dessa construccedilatildeo poeacutetico-arquitetocircnica ndash enfatizada pelos adjetivos

khryseacuteas ldquodouradasrdquo e telaugeacutes ldquoque brilha ao longerdquo ndash que torna impereciacuteveis a

efemeridade do evento atleacutetico ndash ideia sumarizada no verso 4 ndash e o proacuteprio destinataacuterio

apresentado ainda na primeira estrofe como vencedor oliacutempico guardiatildeo por heranccedila

paterna do altar divinatoacuterio de Zeus e cofundador de Siracusa ndash atributos que devem

brilhar ao longe

A par dessas metaacuteforas delineia-se na segunda estrofe a imagem do poeta-

condutor quando a persona loquens ao invocar o nome do condutor da quadriga ndash

Fiacutentis25 auriga de Hageacutesias ndash a ele se iguala como assinala o sintagma autorreferencial

baacutesomen oacutekkhon ldquoconduzamos a quadriga de mulasrdquo (v 24) Logo por meio de

linguagem metafoacuterica o fazer poeacutetico e a performance do canto convertem-se assinala

24 Segundo os escolia 8a e 8b Hageacutesias pode ser considerado cofundador de Siracusa porque seus

antepassados participaram da colonizaccedilatildeo desta cidade Entretanto Willamowitz (1922) e Luraghi (1997)

sugeriram que o proacuteprio Hageacutesias teria participada reestruturaccedilatildeo de Siracusa no governo do tirano Gelatildeo

(apud STAMATOPOULOU 2014 p 7 nota 21) Acerca da remodelaccedilatildeo ldquogelonianardquo de Siracusa ver

Hirata (2010 p 28-9)

25 Fiacutentis representa o aristocrata siracusano Hageacutesias patrocinador do treinamento das parelhas do auriga

(CALAME 2005 p 54)

14

Calame (2005 p 53) numa corrida de quadrigas toacutepos na poesia grega arcaica De fato

assim como o atleta conduz a quadriga agrave vitoacuteria tambeacutem o poeta-atleta elabora

harmoniosamente seus versos para glorificar o vencedor e sua linhagem Deste modo

configuram-se nesse percurso metafoacuterico a quadriga e a poesia como vias de acesso agrave

imortalidade a julgar pela presenccedila dos termos sinocircnimos keleuthoacutes (v 23) e hodoacutes (v

25) ldquocaminhordquo o primeiro dos quais representando conotativamente a poesia e o

segundo conservando sua acepccedilatildeo denotativa tem o sentido de rota percorrida pela

carruagem

Aliaacutes essas imagens metafoacutericas natildeo satildeo as uacutenicas empregadas pela persona

loquens para descrever por meio de metalinguagem sua arte poeacutetica comparada ora com

objetos preciosos ndash como na ode em pauta em que a canccedilatildeo eacute relacionada com um poacutertico

de colunas douradas (Ol 6 vv 1-4) ou em outras odes com uma taccedila de ouro (Ol 7

vv 1-4) e com ouro refinado (Nemeia 4 v 82) - ora com o produto resultante do trabalho

das abelhas (Ol 10 v 98 Nemeia 3 v 77) ou com elementos da natureza como a flor

(Ol 6 v 105) soacute para citar algumas Tambeacutem o mister do poeta eacute vinculado a diferentes

atividades profissionais como a de lavrador (Nemeia 6 v 32 Piacutetica 6 v 2) escultor

(Nemeia vv 1-5) arqueiro (Ol 1 v 111 Ol 2 vv 83-6) e tecelatildeo este uacuteltimo labor

evocado em Oliacutempica 6 (v 86) pelo emprego do verbo pleacutekō ldquotecerrdquo metaacutefora frequente

do fazer poeacutetico na poesia meacutelica assinala Calame (2005 p58 n12) Com efeito do

mesmo modo que o tecelatildeo tranccedila com sutileza e habilidade os fios para a confecccedilatildeo do

tecido tambeacutem o poeta elabora seu discurso poeacutetico entrelaccedilando recursos literaacuterios e

linguiacutesticos combinados com o ritmo e a harmonia para a perfeita composiccedilatildeo da ode e

por conseguinte para a glorificaccedilatildeo do atleta vencedor como se infere dos versos 86-7

ldquoteccedilo para os varotildees lanceiros um hino variadordquo

Entre os elementos constitutivos do epiniacutecio pindaacuterico eacute interessante pontuar

ainda a alternacircncia das formas de primeira pessoa26 do singular e do plural (eunoacutes ndash vv

3 21 23 24 82 84 86 e 105) por meio da qual eacute possiacutevel haver um revezamento entre

a voz do poema e a voz do coro dado que torna improdutiva segundo Calame (2005 p

58) a discussatildeo acerca da natureza do sujeito poeacutetico nas odes pindaacutericas ldquonem

unicamente ldquomonoacutedicordquo nem inteiramente coral o eunoacutes do locutor eacute essencialmente

polifocircnicordquo

26 Sobre o emprego da primeira pessoa na poesia pindaacuterica cf LEFKOWITZ Mary op cit 1991 p 1-71

15

Deve-se observar tambeacutem com Claire Muckensturn-Poulle (2009 p 77) que ao

longo da Oliacutempica 6 o sujeito do enunciado confere voz a outros enunciadores ora

empregando o discurso direto como no elogio que Adrasto faz a Anfiarau (vv 16-7) e na

ordem dada por Apolo a Iacuteamo (vv 62-3) no momento em que o deus lhe concede o dom

da profecia ora transferindo por meio de uma ordem sua funccedilatildeo de locutor do canto

agonal a Fiacutentis o auriga de Hageacutesias (v 22) ou a Eneias o khorodidaacuteskalos (vv 88-96)

com os quais se identifica como poeta-condutor e poeta-mestre do coro

Por outro lado haacute dados sugestivos da performance coral da ode e de seu local de

execuccedilatildeo haja vista a invocaccedilatildeo da persona loquens a Eneias possivelmente o

khorodidaacuteskalos - a julgar pelos escoacutelios a essa passagem (148a e 149ordf apud

STAMATOPOULOU 2014 p 11 nota 34 CALAME 2005 p 57 nota 10 p 58 nota

13) - a referecircncia aos hetaicircroi companheiros de Eneias e talvez integrantes do coro e

ainda o voto do sujeito poeacutetico para que o kocircmos ldquocortejo processionalrdquo ao vencedor

apoacutes ter sido apresentado em Estiacutenfalo como julga a maior parte da criacutetica pindaacuterica

acerca da premiegravere do epiniacutecio (apud STAMATOPOULOU 2014 p 2) fosse tambeacutem

recebido pelo tirano Hieratildeo em Siracusa onde seria realizada a reperformance durante a

festa cultual (v 95) dedicada a Demeacuteter e a Perseacutefone deusas tutelares de Siracusa culto

possivelmente organizado pela famiacutelia de Hieratildeo (apud CALAME 2005 p 59)

Evidenciam respectivamente a recepccedilatildeo e a reapresentaccedilatildeo do canto em Siracusa a

forma verbal deacutexaito ldquorecebardquo (v 98) no optativo desiderativo enfatizada pela expressatildeo

sỳn degrave philophrosyacutenas euētaacutetois ldquocom amaacuteveis atos de amizaderdquo e os sintagmas

adverbiais presentes no verso 99 oiacutekothen oiacutekadrsquo ldquode uma casa para outrardquo e apograve

Stymphaliacuteōn ldquode Estiacutenfalordquo e por fim a justaposiccedilatildeo no verso 102 dos pronomes tocircnde

ldquoestesrdquo e keiacutenon ldquoagravequelesrdquo alusivos aos estinfaacutelios e siracusanos respectivamente Assim

como esses elementos apontam para a saiacuteda do vencedor da cidade Estiacutenfalo e Siracusa

eacute ainda um lugar a ser alcanccedilado por via mariacutetima acredita-se que a execuccedilatildeo primeira

do canto tenha ocorrido na cidade da matildee de Hageacutesias Note-se que o atleta e as duas

cidades a de seus antepassados maternos Estiacutenfalo e a sua terra natal Siracusa satildeo ainda

representados respectivamente pelas imagens metafoacutericas do navio e das duas acircncoras

(vv 101-5a) imagens que remetem ao deus do mar Posecircidon invocado pela persona

loquens para conceder uma favoraacutevel travessia ao kocircmos de Hageacutesias do qual

possivelmente fazia parte o chefe do coro responsaacutevel segundo Calame (2005 p 57)

16

pelo treinamento dos coreutashetaicircroi que deveriam transmitir em performance coral a

voz do poeta

Ainda acerca dessa metaacutefora mariacutetima Meacuteautis (1962 p 200) Kirkwood (1982

p 94) a interpretam como uma referecircncia agrave crise poliacutetica instaurada em Siracusa nos

uacuteltimos anos de governo de Hieratildeo crise representada pela imagem da lsquotempestuosa

noitersquo (vv 100-1) Assim na qualidade de cidadatildeo siracusano observa ainda Meacuteautis

(1962 p 200) Hageacutesias prevendo a queda do regime tiracircnico pretendia solicitar uma

nova cidadania em Estiacutenfalo A esse respeito vale mencionar uma vez mais a opiniatildeo

de Stamatopoulou (2014 p 3-4) que compartilhando do ponto de vista de Stehle julga

ter sido a ode executada primeiramente em Estiacutenfalo com o objetivo de estreitarem-se os

laccedilos entre o vencedor e essa cidade da Arcaacutedia

No que concerne ao possiacutevel chefe do coro o sujeito poeacutetico num tom laudatoacuterio

refere-se a Eneias como notou Kirkwood (1982 p 93) acerca do estilo metafoacuterico de

Piacutendaro - como aacutengelos ldquomensageirordquo (v 90) e skytaacutela (v 91)27 traduzido como

ldquointeacuterpreterdquo por ser ele o responsaacutevel pela recepccedilatildeo dos efluacutevios das Musas ndash como

explicita a expressatildeo ldquodoce taccedila de cantos ressoantesrdquo (v 91) - pela transmissatildeo e

reapresentaccedilatildeo da mensagemcanto em Siracusa onde tambeacutem deveria ser objeto de

encocircmio o tirano Hieratildeo do qual se enfatizam o governo justo a piedade religiosa os

triunfos jaacute festejados ldquopelas liras e canccedilotildees de doces palavrasrdquo (vv 96-7) a generosidade

e a amizade (v 98)

Deste modo a referecircncia a Eneias destaca o importante papel do poeta-cantor na

perpetuaccedilatildeo do triunfo agonal Nesse complexo processo de elaboraccedilatildeo poeacutetico-

perfomativa utilizam-se natildeo soacute metaacuteforas como jaacute destacou mas tambeacutem narrativas

miacuteticas relacionadas com a arte divinatoacuteria Assim por meio do elogio ao atleta

homenageado evoca-se primeiramente como modelo miacutetico Anfiarau (vv 12-21) ndash

participante da expediccedilatildeo dos Sete contra Tebas sob o comando de Adrasto rei de

Argos- possuidor das mesmas atribuiccedilotildees do laureado jaacute que ambos satildeo

guerreirogeneral e adivinho Eacute importante enfatizar que a transiccedilatildeo do tempo presente

representado pelo vencedor para o passado miacutetico se estabelece por meio do pronome

relativo hoacuten (v 12) referente ao louvor destinado a Hageacutesias e a Anfiarau e do adveacuterbio

27 Em Esparta espeacutecie de bastatildeo de madeira sobre o qual se enrolavam correias compridas e estreitas com

mensagens secretas lidas e compreendidas por quem possuiacutesse um bastatildeo idecircntico (PINDARE

Olympiques 1971 p 85 nota 4)

17

potrsquo ldquooutrora (v 13) com base no qual se alude ao desaparecimento repentino do

adivinho tebano (v 14) que segundo a versatildeo miacutetica fora arrebatado por Zeus para evitar

a morte do heroacutei como se infere do emprego do verbo katamaacuterptō lsquoengolirrsquo em tmese

que indica ter sido Anfiarau tragado pela terra Observa Barciela (2015 p 53) que esse

corte entre a preposiccedilatildeo kataacute ldquodebaixo derdquo ldquosobrdquo (v 14) e o radical do verbo salienta

natildeo somente o sentido do preveacuterbio mas tambeacutem aponta a razatildeo de natildeo ter Adrasto

encontrado Anfiarau nas sete piras Acredita-se ter sido essa a razatildeo de Adrasto ter

proferido ao adivinho um elogio em discurso direto por meio da imagem metafoacuterica

stratiacircs ophthalmograven emacircs ldquoolho28 do meu exeacutercitordquo metaacutefora que aleacutem de assinalar a

importacircncia de Anfiarau na expediccedilatildeo tebana lhe sintetiza os dois atributos relacionados

respectivamente com a macircntica e com a guerra

Julga-se que a menccedilatildeo ao atributo divinatoacuterio de Anfiarau constitui um meio de

antecipaccedilatildeo do principal mito da ode cujo eixo temaacutetico se centra no nascimento de

Iacuteamo29 (vv 39-47) e em sua iniciaccedilatildeo na arte divinatoacuteria tornando-se o primeiro de uma

famiacutelia de adivinhos ndash os Iacircmidas ndash e o responsaacutevel pelo altar profeacutetico de Zeus em

Oliacutempia (v 70)

Eacute digno de nota ter sido o citado mito introduzido pelas imagens metafoacutericas do

poeta-condutor e da poesia-quadriga por meio das quais anota Calame (2005 p 54)

ocorre um deslocamento geograacutefico-temporal jaacute que a par do movimento de Oliacutempia ndash

lugar onde ocorrera a competiccedilatildeo desportiva ndash para Piacutetana cidade espartana situada junto

ao leito do rio Eurotas na Lacocircnia haacute uma transposiccedilatildeo do tempo da ldquoenunciaccedilatildeo do

cantordquo isto eacute o tempo presente ndash marcado pelo adveacuterbio saacutemeron lsquohojersquo (v 28) ndash para o

passado miacutetico indicado pela referecircncia a Piacutetana- natildeo somente o nome de uma pequena

povoaccedilatildeo de que se compunha Esparta mas tambeacutem o nome de uma ninfa filha do deus-

rio Eurotas e fundadora da linhagem dos Iacircmidas - que unida a Posecircidon gerou em

segredo Evadne matildee de Iacuteamo ancestral miacutetico de uma extensa linhagem de adivinhos

28 Imagem presente em Oliacutempica 2 (v 10) em referecircncia aos ancestrais histoacutericos de Teratildeo de Agrigento

e em Piacutetica 5 (vv 55-7a) em alusatildeo a Bato fundador da estirpe dos reis de Cirene cidade do vencedor

Com relaccedilatildeo agrave imagem do olho em Oliacutempica 6 conveacutem lembrar citando Villarrubia (1995 p 17) Suaacuterez

de la Torre (1989 p 97) e Meacuteautis (1962 p 195) que o escoacutelio pindaacuterico ao citado verso refere a Tebaida

como fonte direta do elogio de Adrasto a Anfiarau 29Como observa Nisetich (1998 p 2) nas odes pindaacutericas eacute conferido destaque maior agrave famiacutelia do vencedor

que ao proacuteprio homenageado jaacute que se busca em fatos preteacuteritos explicaccedilotildees ou justificativas para o

momento presente A esse respeito verifica-se na ode em estudo que a volta ao passado (vv 28-71)

constitui um meio de glorificaccedilatildeo do homenageado

18

cujo representante atual eacute o vencedor oliacutempico Hageacutesias de Siracusa Evadne por sua

vez seduzida por Apolo deu agrave luz Iacuteamo cuja vocaccedilatildeo profeacutetica eacute anunciada na ode pelo

atributo theoacutephrona lsquoinspirado pelos deusesrsquo (v 41) e pelo oraacuteculo de Delfos revelado

ao pai mortal e adotivo de Evadne ndash Eacutepito - a quem satildeo declarados a origem e o dom

divinatoacuterio de Iacuteamo (vv 49b-51) cujo nome de etimologia obscura estaacute associado ao

nome da flor violeta (DUCHEMIN 1955 p 242-3) iacuteon tambeacutem presente no epiacuteteto

atribuiacutedo a Evadne ioacuteplokos ldquocabelo cor de violetardquo (v 30) portanto cor que identifica

Iacuteamo como filho de Evadne Em sintonia com Eleanor Irwin (1996 p 386) acerca de seu

comentaacuterio sobre o ambiente onde Iacuteamo fora abandonado por sua matildee isto eacute khamaiacute ldquono

chatildeordquo (v 45) considera-se que esse lugar eacute tambeacutem ser esse sobrenatural haja vista terem

florescido do chatildeo violetas que forneceram ao receacutem-nascido calor e proteccedilatildeo necessaacuterios

agrave sua sobrevivecircncia Destarte as violetas simbolizam a proacutepria Evadne posto que

exerceram a funccedilatildeo materna

Significativo tambeacutem nessa passagem eacute o fato de ter sido por intervenccedilatildeo divina

(v 46) Iacuteamo alimentado por duas serpentes (45b-47a) com ldquoo veneno irrepreensiacutevel das

abelhasrdquo expressatildeo que se associa anotou Duchemin (1955 p 251) jaacute haacute algum tempo

ao dom da profecia e do fazer poeacutetico Deborah Steiner (1986 p 103) por sua vez refere

acerca dessa passagem que a relaccedilatildeo entre a serpente animal macircntico por excelecircncia

(Meacuteautis 1962 p 196) e o mel anuncia o dom profeacutetico que o receacutem-nascido teria

posteriormente30

Ao chegar agrave adolescecircncia Iacuteamo ciente de sua ascendecircncia divina solicita a seu

avocirc Posecircidon e a seu pai Apolo um atributo que beneficiasse todo o povo uma honra

puacuteblica laoacutethrophos ldquoque alimentasse o povordquo (v 60) Ressalte-se que embora a suacuteplica

tenha sido dirigida a essas duas divindades eacute Apolo nomeado com seu epiacuteteto ldquoarqueiro

guardiatildeo da divina Delosrdquo (v 59) quem concede ao filho o duplo dom da adivinhaccedilatildeo

(vv 65-70) a faculdade de ouvir-lhe a voz profeacutetica pautada sempre na verdade e a

fundaccedilatildeo de oraacuteculo de Zeus em Oliacutempia antes mesmo da instituiccedilatildeo dos Jogos

Oliacutempicos por Heacuteracles Logo com a concessatildeo da daacutediva da adivinhaccedilatildeo encerra-se o

relato miacutetico dos Iacircmidas Faz entatildeo a voz do poema a passagem do tempo miacutetico (vv

71-7) para o passado proacuteximo de Hageacutesias com a alusatildeo laudatoacuteria aos antepassados

30 Acrescente-se que a relaccedilatildeo entre a serpente e a figura de Apolo se justifica pelo fato de a divindade ter

assassinado a serpente Piacuteton para habitar Delfos

19

histoacutericos do vencedor (vv 78-81) e numa referecircncia metapoeacutetica (vv 82-7b) a seus

proacuteprios ancestrais por serem todos procedentes da cidade de Estiacutenfalo dado que

identifica o laureado com a persona loquens

Ediccedilotildees traduccedilotildees e comentaacuterios

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11

Tenho em minha liacutengua a fama de uma liacutempida pedra de afiar20

que quando eu quero se aproxima de mim com sopros de belas correntes

Minha avoacute materna era

de Estiacutenfalo a florescente Metopa

Esfrofe 5

que deu agrave luz Teba condutora de cavalos

de cuja deliciosa aacutegua

86 beberei enquanto teccedilo para os varotildees lanceiros

um hino variado Agora incita teus companheiros

oacute Eneias primeiro a Hera

Virginal celebrar

e depois a saber se evitamos o antigo insulto

90 de suiacuteno Beoacutecio com verdadeiras palavras

De fato eacutes correto mensageiro

inteacuterprete das Musas de belos cabelos

doce taccedila de cantos ressoantes

Antiacutestrofe 5

Diz-lhes que se lembrem

de Siracusa e de Ortiacutegia21

que Hieratildeo ao governaacute-la com imaculado cetro

com justos pensamentos

95 honra Demeacuteter de peacutes vermelhos

a festa de sua filha de brancos corceacuteis

e o poder de Zeus do Etna As liras

e as canccedilotildees de doces palavras o conhecem

20 Metaacutefora do fazer poeacutetico em que a liacutengua do poeta eacute estimulada agrave produccedilatildeo de um canto harmonioso 21Parte mais antiga de Siracusa onde estava situado o palaacutecio de Hieratildeo e talvez o de Hageacutesias (ORTEGA

Alfonso 1984 p 100)

12

Que o tempo em seu curso natildeo lhe destrua a felicidade

mas com amaacuteveis atos de amizade

receba (Hieratildeo) o cortejo processional de Hageacutesias

Epodo 5

(cortejo que) vem de uma casa para outra

das muralhas de Estiacutenfalo

100 e deixa a matildee da Arcaacutedia rica em rebanhos

Boas satildeo na tempestuosa

noite para serem lanccediladas de uma nau veloz

duas acircncoras Que o deus

a estes e agravequeles conceda com amizade glorioso destino

Oacute senhor soberano do mar concede uma direta travessia

isenta de dificuldades oacute esposo

105 de Anfitrite da roca de ouro e faz prosperar

a flor jubilosa de meus hinos

O atleta homenageado da ode eacute filho de Soacutestrato (vv 9 80) pertencente agrave

linhagem dos Iacircmidas e de uma mulher cujos antepassados procediam de Cilene (vv 77-

8) montanha ao norte da Arcaacutedia onde se situava a cidade de Estiacutenfalo ndash lugar em que

ocorrera provavelmente a primeira performance22 do epiniacutecio (vv 99-100) e onde o deus

Hermes era cultuado (vv 79-81) Note-se que a referecircncia a essa divindade vincula o

triunfo atleacutetico agrave benevolecircncia divina tendo em vista ter sido Hermes a divindade doadora

da vitoacuteria (v 81) a Hageacutesias Com efeito a relaccedilatildeo entre a vitoacuteria e a vontade dos deuses

constitui um topos23 da poesia pindaacuterica

22 O argumento da maior parte da criacutetica pindaacuterica sobre a ode ter sido executada em Estiacutenfalo fundamenta-

se nos versos 98-105 nos quais o vencedor e seu kocircmos saem de Estiacutenfalo rumo a Siracusa Acresce ainda

que o fato de o laureado ter laccedilos estreitos com as duas cidades motivou uma discussatildeo acerca da localizaccedilatildeo

da premiegravere do canto triunfal (STAMATOPOULOU 2014 p 1)

23 Cf eg Oliacutempicas 9 vv 100-4 13 vv 13-8 Piacutetica 10 vv 10-5

13

De modo anaacutelogo ao proecircmio da Odisseia (vv 1-10) em que natildeo se menciona o

nome do heroacutei Odisseu designado somente no verso 21 tambeacutem em Oliacutempica 6 o nome

do atleta homenageado soacute aparece no verso 12 por meio de uma invocaccedilatildeo muito embora

tenha sido referido indiretamente no verso 4 apenas pela forma verbal em terceira pessoa

e nos versos 4 a 9 por meio da citaccedilatildeo de seus atributos e de sua descendecircncia

Informa tambeacutem o canto agonal ter tido o vencedor dupla funccedilatildeo a de guardiatildeo

do altar profeacutetico de Zeus em Pisa (v 5) ndash tendo em vista ter como ascendente o adivinho

Iacuteamo que recebera de seu pai Apolo o dom da profecia (vv 65-70) ndash e a de cofundador

de Siracusa (v 6)24 Essas referecircncias ao laureado histoacutericas e miacuteticas encontram-se

distribuiacutedas pelos 105 versos que compotildeem as cinco triacuteades de Oliacutempica 6 iniciada com

uma imagem metapoeacutetica ou autorreferencial em que se coteja o fazer poeacutetico com um

monumento e o poeta com um construtor como atesta nos quatro primeiros versos da

ode a presenccedila de termos pertencentes ao campo semacircntico da arquitetura como kiacuteonas

ldquocolunardquo euteikheicirc ldquobem muradordquo prothyacuteroi ldquopoacuterticordquo paacutexomen ldquoconstruamosrdquo e

proacutesōpon ldquofachadardquo entendido este uacuteltimo metaforicamente segundo o leacutexico pindaacuterico

editado por William Slater (1969 p 454) como o proecircmio da ode Logo eacute a

magnificecircncia dessa construccedilatildeo poeacutetico-arquitetocircnica ndash enfatizada pelos adjetivos

khryseacuteas ldquodouradasrdquo e telaugeacutes ldquoque brilha ao longerdquo ndash que torna impereciacuteveis a

efemeridade do evento atleacutetico ndash ideia sumarizada no verso 4 ndash e o proacuteprio destinataacuterio

apresentado ainda na primeira estrofe como vencedor oliacutempico guardiatildeo por heranccedila

paterna do altar divinatoacuterio de Zeus e cofundador de Siracusa ndash atributos que devem

brilhar ao longe

A par dessas metaacuteforas delineia-se na segunda estrofe a imagem do poeta-

condutor quando a persona loquens ao invocar o nome do condutor da quadriga ndash

Fiacutentis25 auriga de Hageacutesias ndash a ele se iguala como assinala o sintagma autorreferencial

baacutesomen oacutekkhon ldquoconduzamos a quadriga de mulasrdquo (v 24) Logo por meio de

linguagem metafoacuterica o fazer poeacutetico e a performance do canto convertem-se assinala

24 Segundo os escolia 8a e 8b Hageacutesias pode ser considerado cofundador de Siracusa porque seus

antepassados participaram da colonizaccedilatildeo desta cidade Entretanto Willamowitz (1922) e Luraghi (1997)

sugeriram que o proacuteprio Hageacutesias teria participada reestruturaccedilatildeo de Siracusa no governo do tirano Gelatildeo

(apud STAMATOPOULOU 2014 p 7 nota 21) Acerca da remodelaccedilatildeo ldquogelonianardquo de Siracusa ver

Hirata (2010 p 28-9)

25 Fiacutentis representa o aristocrata siracusano Hageacutesias patrocinador do treinamento das parelhas do auriga

(CALAME 2005 p 54)

14

Calame (2005 p 53) numa corrida de quadrigas toacutepos na poesia grega arcaica De fato

assim como o atleta conduz a quadriga agrave vitoacuteria tambeacutem o poeta-atleta elabora

harmoniosamente seus versos para glorificar o vencedor e sua linhagem Deste modo

configuram-se nesse percurso metafoacuterico a quadriga e a poesia como vias de acesso agrave

imortalidade a julgar pela presenccedila dos termos sinocircnimos keleuthoacutes (v 23) e hodoacutes (v

25) ldquocaminhordquo o primeiro dos quais representando conotativamente a poesia e o

segundo conservando sua acepccedilatildeo denotativa tem o sentido de rota percorrida pela

carruagem

Aliaacutes essas imagens metafoacutericas natildeo satildeo as uacutenicas empregadas pela persona

loquens para descrever por meio de metalinguagem sua arte poeacutetica comparada ora com

objetos preciosos ndash como na ode em pauta em que a canccedilatildeo eacute relacionada com um poacutertico

de colunas douradas (Ol 6 vv 1-4) ou em outras odes com uma taccedila de ouro (Ol 7

vv 1-4) e com ouro refinado (Nemeia 4 v 82) - ora com o produto resultante do trabalho

das abelhas (Ol 10 v 98 Nemeia 3 v 77) ou com elementos da natureza como a flor

(Ol 6 v 105) soacute para citar algumas Tambeacutem o mister do poeta eacute vinculado a diferentes

atividades profissionais como a de lavrador (Nemeia 6 v 32 Piacutetica 6 v 2) escultor

(Nemeia vv 1-5) arqueiro (Ol 1 v 111 Ol 2 vv 83-6) e tecelatildeo este uacuteltimo labor

evocado em Oliacutempica 6 (v 86) pelo emprego do verbo pleacutekō ldquotecerrdquo metaacutefora frequente

do fazer poeacutetico na poesia meacutelica assinala Calame (2005 p58 n12) Com efeito do

mesmo modo que o tecelatildeo tranccedila com sutileza e habilidade os fios para a confecccedilatildeo do

tecido tambeacutem o poeta elabora seu discurso poeacutetico entrelaccedilando recursos literaacuterios e

linguiacutesticos combinados com o ritmo e a harmonia para a perfeita composiccedilatildeo da ode e

por conseguinte para a glorificaccedilatildeo do atleta vencedor como se infere dos versos 86-7

ldquoteccedilo para os varotildees lanceiros um hino variadordquo

Entre os elementos constitutivos do epiniacutecio pindaacuterico eacute interessante pontuar

ainda a alternacircncia das formas de primeira pessoa26 do singular e do plural (eunoacutes ndash vv

3 21 23 24 82 84 86 e 105) por meio da qual eacute possiacutevel haver um revezamento entre

a voz do poema e a voz do coro dado que torna improdutiva segundo Calame (2005 p

58) a discussatildeo acerca da natureza do sujeito poeacutetico nas odes pindaacutericas ldquonem

unicamente ldquomonoacutedicordquo nem inteiramente coral o eunoacutes do locutor eacute essencialmente

polifocircnicordquo

26 Sobre o emprego da primeira pessoa na poesia pindaacuterica cf LEFKOWITZ Mary op cit 1991 p 1-71

15

Deve-se observar tambeacutem com Claire Muckensturn-Poulle (2009 p 77) que ao

longo da Oliacutempica 6 o sujeito do enunciado confere voz a outros enunciadores ora

empregando o discurso direto como no elogio que Adrasto faz a Anfiarau (vv 16-7) e na

ordem dada por Apolo a Iacuteamo (vv 62-3) no momento em que o deus lhe concede o dom

da profecia ora transferindo por meio de uma ordem sua funccedilatildeo de locutor do canto

agonal a Fiacutentis o auriga de Hageacutesias (v 22) ou a Eneias o khorodidaacuteskalos (vv 88-96)

com os quais se identifica como poeta-condutor e poeta-mestre do coro

Por outro lado haacute dados sugestivos da performance coral da ode e de seu local de

execuccedilatildeo haja vista a invocaccedilatildeo da persona loquens a Eneias possivelmente o

khorodidaacuteskalos - a julgar pelos escoacutelios a essa passagem (148a e 149ordf apud

STAMATOPOULOU 2014 p 11 nota 34 CALAME 2005 p 57 nota 10 p 58 nota

13) - a referecircncia aos hetaicircroi companheiros de Eneias e talvez integrantes do coro e

ainda o voto do sujeito poeacutetico para que o kocircmos ldquocortejo processionalrdquo ao vencedor

apoacutes ter sido apresentado em Estiacutenfalo como julga a maior parte da criacutetica pindaacuterica

acerca da premiegravere do epiniacutecio (apud STAMATOPOULOU 2014 p 2) fosse tambeacutem

recebido pelo tirano Hieratildeo em Siracusa onde seria realizada a reperformance durante a

festa cultual (v 95) dedicada a Demeacuteter e a Perseacutefone deusas tutelares de Siracusa culto

possivelmente organizado pela famiacutelia de Hieratildeo (apud CALAME 2005 p 59)

Evidenciam respectivamente a recepccedilatildeo e a reapresentaccedilatildeo do canto em Siracusa a

forma verbal deacutexaito ldquorecebardquo (v 98) no optativo desiderativo enfatizada pela expressatildeo

sỳn degrave philophrosyacutenas euētaacutetois ldquocom amaacuteveis atos de amizaderdquo e os sintagmas

adverbiais presentes no verso 99 oiacutekothen oiacutekadrsquo ldquode uma casa para outrardquo e apograve

Stymphaliacuteōn ldquode Estiacutenfalordquo e por fim a justaposiccedilatildeo no verso 102 dos pronomes tocircnde

ldquoestesrdquo e keiacutenon ldquoagravequelesrdquo alusivos aos estinfaacutelios e siracusanos respectivamente Assim

como esses elementos apontam para a saiacuteda do vencedor da cidade Estiacutenfalo e Siracusa

eacute ainda um lugar a ser alcanccedilado por via mariacutetima acredita-se que a execuccedilatildeo primeira

do canto tenha ocorrido na cidade da matildee de Hageacutesias Note-se que o atleta e as duas

cidades a de seus antepassados maternos Estiacutenfalo e a sua terra natal Siracusa satildeo ainda

representados respectivamente pelas imagens metafoacutericas do navio e das duas acircncoras

(vv 101-5a) imagens que remetem ao deus do mar Posecircidon invocado pela persona

loquens para conceder uma favoraacutevel travessia ao kocircmos de Hageacutesias do qual

possivelmente fazia parte o chefe do coro responsaacutevel segundo Calame (2005 p 57)

16

pelo treinamento dos coreutashetaicircroi que deveriam transmitir em performance coral a

voz do poeta

Ainda acerca dessa metaacutefora mariacutetima Meacuteautis (1962 p 200) Kirkwood (1982

p 94) a interpretam como uma referecircncia agrave crise poliacutetica instaurada em Siracusa nos

uacuteltimos anos de governo de Hieratildeo crise representada pela imagem da lsquotempestuosa

noitersquo (vv 100-1) Assim na qualidade de cidadatildeo siracusano observa ainda Meacuteautis

(1962 p 200) Hageacutesias prevendo a queda do regime tiracircnico pretendia solicitar uma

nova cidadania em Estiacutenfalo A esse respeito vale mencionar uma vez mais a opiniatildeo

de Stamatopoulou (2014 p 3-4) que compartilhando do ponto de vista de Stehle julga

ter sido a ode executada primeiramente em Estiacutenfalo com o objetivo de estreitarem-se os

laccedilos entre o vencedor e essa cidade da Arcaacutedia

No que concerne ao possiacutevel chefe do coro o sujeito poeacutetico num tom laudatoacuterio

refere-se a Eneias como notou Kirkwood (1982 p 93) acerca do estilo metafoacuterico de

Piacutendaro - como aacutengelos ldquomensageirordquo (v 90) e skytaacutela (v 91)27 traduzido como

ldquointeacuterpreterdquo por ser ele o responsaacutevel pela recepccedilatildeo dos efluacutevios das Musas ndash como

explicita a expressatildeo ldquodoce taccedila de cantos ressoantesrdquo (v 91) - pela transmissatildeo e

reapresentaccedilatildeo da mensagemcanto em Siracusa onde tambeacutem deveria ser objeto de

encocircmio o tirano Hieratildeo do qual se enfatizam o governo justo a piedade religiosa os

triunfos jaacute festejados ldquopelas liras e canccedilotildees de doces palavrasrdquo (vv 96-7) a generosidade

e a amizade (v 98)

Deste modo a referecircncia a Eneias destaca o importante papel do poeta-cantor na

perpetuaccedilatildeo do triunfo agonal Nesse complexo processo de elaboraccedilatildeo poeacutetico-

perfomativa utilizam-se natildeo soacute metaacuteforas como jaacute destacou mas tambeacutem narrativas

miacuteticas relacionadas com a arte divinatoacuteria Assim por meio do elogio ao atleta

homenageado evoca-se primeiramente como modelo miacutetico Anfiarau (vv 12-21) ndash

participante da expediccedilatildeo dos Sete contra Tebas sob o comando de Adrasto rei de

Argos- possuidor das mesmas atribuiccedilotildees do laureado jaacute que ambos satildeo

guerreirogeneral e adivinho Eacute importante enfatizar que a transiccedilatildeo do tempo presente

representado pelo vencedor para o passado miacutetico se estabelece por meio do pronome

relativo hoacuten (v 12) referente ao louvor destinado a Hageacutesias e a Anfiarau e do adveacuterbio

27 Em Esparta espeacutecie de bastatildeo de madeira sobre o qual se enrolavam correias compridas e estreitas com

mensagens secretas lidas e compreendidas por quem possuiacutesse um bastatildeo idecircntico (PINDARE

Olympiques 1971 p 85 nota 4)

17

potrsquo ldquooutrora (v 13) com base no qual se alude ao desaparecimento repentino do

adivinho tebano (v 14) que segundo a versatildeo miacutetica fora arrebatado por Zeus para evitar

a morte do heroacutei como se infere do emprego do verbo katamaacuterptō lsquoengolirrsquo em tmese

que indica ter sido Anfiarau tragado pela terra Observa Barciela (2015 p 53) que esse

corte entre a preposiccedilatildeo kataacute ldquodebaixo derdquo ldquosobrdquo (v 14) e o radical do verbo salienta

natildeo somente o sentido do preveacuterbio mas tambeacutem aponta a razatildeo de natildeo ter Adrasto

encontrado Anfiarau nas sete piras Acredita-se ter sido essa a razatildeo de Adrasto ter

proferido ao adivinho um elogio em discurso direto por meio da imagem metafoacuterica

stratiacircs ophthalmograven emacircs ldquoolho28 do meu exeacutercitordquo metaacutefora que aleacutem de assinalar a

importacircncia de Anfiarau na expediccedilatildeo tebana lhe sintetiza os dois atributos relacionados

respectivamente com a macircntica e com a guerra

Julga-se que a menccedilatildeo ao atributo divinatoacuterio de Anfiarau constitui um meio de

antecipaccedilatildeo do principal mito da ode cujo eixo temaacutetico se centra no nascimento de

Iacuteamo29 (vv 39-47) e em sua iniciaccedilatildeo na arte divinatoacuteria tornando-se o primeiro de uma

famiacutelia de adivinhos ndash os Iacircmidas ndash e o responsaacutevel pelo altar profeacutetico de Zeus em

Oliacutempia (v 70)

Eacute digno de nota ter sido o citado mito introduzido pelas imagens metafoacutericas do

poeta-condutor e da poesia-quadriga por meio das quais anota Calame (2005 p 54)

ocorre um deslocamento geograacutefico-temporal jaacute que a par do movimento de Oliacutempia ndash

lugar onde ocorrera a competiccedilatildeo desportiva ndash para Piacutetana cidade espartana situada junto

ao leito do rio Eurotas na Lacocircnia haacute uma transposiccedilatildeo do tempo da ldquoenunciaccedilatildeo do

cantordquo isto eacute o tempo presente ndash marcado pelo adveacuterbio saacutemeron lsquohojersquo (v 28) ndash para o

passado miacutetico indicado pela referecircncia a Piacutetana- natildeo somente o nome de uma pequena

povoaccedilatildeo de que se compunha Esparta mas tambeacutem o nome de uma ninfa filha do deus-

rio Eurotas e fundadora da linhagem dos Iacircmidas - que unida a Posecircidon gerou em

segredo Evadne matildee de Iacuteamo ancestral miacutetico de uma extensa linhagem de adivinhos

28 Imagem presente em Oliacutempica 2 (v 10) em referecircncia aos ancestrais histoacutericos de Teratildeo de Agrigento

e em Piacutetica 5 (vv 55-7a) em alusatildeo a Bato fundador da estirpe dos reis de Cirene cidade do vencedor

Com relaccedilatildeo agrave imagem do olho em Oliacutempica 6 conveacutem lembrar citando Villarrubia (1995 p 17) Suaacuterez

de la Torre (1989 p 97) e Meacuteautis (1962 p 195) que o escoacutelio pindaacuterico ao citado verso refere a Tebaida

como fonte direta do elogio de Adrasto a Anfiarau 29Como observa Nisetich (1998 p 2) nas odes pindaacutericas eacute conferido destaque maior agrave famiacutelia do vencedor

que ao proacuteprio homenageado jaacute que se busca em fatos preteacuteritos explicaccedilotildees ou justificativas para o

momento presente A esse respeito verifica-se na ode em estudo que a volta ao passado (vv 28-71)

constitui um meio de glorificaccedilatildeo do homenageado

18

cujo representante atual eacute o vencedor oliacutempico Hageacutesias de Siracusa Evadne por sua

vez seduzida por Apolo deu agrave luz Iacuteamo cuja vocaccedilatildeo profeacutetica eacute anunciada na ode pelo

atributo theoacutephrona lsquoinspirado pelos deusesrsquo (v 41) e pelo oraacuteculo de Delfos revelado

ao pai mortal e adotivo de Evadne ndash Eacutepito - a quem satildeo declarados a origem e o dom

divinatoacuterio de Iacuteamo (vv 49b-51) cujo nome de etimologia obscura estaacute associado ao

nome da flor violeta (DUCHEMIN 1955 p 242-3) iacuteon tambeacutem presente no epiacuteteto

atribuiacutedo a Evadne ioacuteplokos ldquocabelo cor de violetardquo (v 30) portanto cor que identifica

Iacuteamo como filho de Evadne Em sintonia com Eleanor Irwin (1996 p 386) acerca de seu

comentaacuterio sobre o ambiente onde Iacuteamo fora abandonado por sua matildee isto eacute khamaiacute ldquono

chatildeordquo (v 45) considera-se que esse lugar eacute tambeacutem ser esse sobrenatural haja vista terem

florescido do chatildeo violetas que forneceram ao receacutem-nascido calor e proteccedilatildeo necessaacuterios

agrave sua sobrevivecircncia Destarte as violetas simbolizam a proacutepria Evadne posto que

exerceram a funccedilatildeo materna

Significativo tambeacutem nessa passagem eacute o fato de ter sido por intervenccedilatildeo divina

(v 46) Iacuteamo alimentado por duas serpentes (45b-47a) com ldquoo veneno irrepreensiacutevel das

abelhasrdquo expressatildeo que se associa anotou Duchemin (1955 p 251) jaacute haacute algum tempo

ao dom da profecia e do fazer poeacutetico Deborah Steiner (1986 p 103) por sua vez refere

acerca dessa passagem que a relaccedilatildeo entre a serpente animal macircntico por excelecircncia

(Meacuteautis 1962 p 196) e o mel anuncia o dom profeacutetico que o receacutem-nascido teria

posteriormente30

Ao chegar agrave adolescecircncia Iacuteamo ciente de sua ascendecircncia divina solicita a seu

avocirc Posecircidon e a seu pai Apolo um atributo que beneficiasse todo o povo uma honra

puacuteblica laoacutethrophos ldquoque alimentasse o povordquo (v 60) Ressalte-se que embora a suacuteplica

tenha sido dirigida a essas duas divindades eacute Apolo nomeado com seu epiacuteteto ldquoarqueiro

guardiatildeo da divina Delosrdquo (v 59) quem concede ao filho o duplo dom da adivinhaccedilatildeo

(vv 65-70) a faculdade de ouvir-lhe a voz profeacutetica pautada sempre na verdade e a

fundaccedilatildeo de oraacuteculo de Zeus em Oliacutempia antes mesmo da instituiccedilatildeo dos Jogos

Oliacutempicos por Heacuteracles Logo com a concessatildeo da daacutediva da adivinhaccedilatildeo encerra-se o

relato miacutetico dos Iacircmidas Faz entatildeo a voz do poema a passagem do tempo miacutetico (vv

71-7) para o passado proacuteximo de Hageacutesias com a alusatildeo laudatoacuteria aos antepassados

30 Acrescente-se que a relaccedilatildeo entre a serpente e a figura de Apolo se justifica pelo fato de a divindade ter

assassinado a serpente Piacuteton para habitar Delfos

19

histoacutericos do vencedor (vv 78-81) e numa referecircncia metapoeacutetica (vv 82-7b) a seus

proacuteprios ancestrais por serem todos procedentes da cidade de Estiacutenfalo dado que

identifica o laureado com a persona loquens

Ediccedilotildees traduccedilotildees e comentaacuterios

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12

Que o tempo em seu curso natildeo lhe destrua a felicidade

mas com amaacuteveis atos de amizade

receba (Hieratildeo) o cortejo processional de Hageacutesias

Epodo 5

(cortejo que) vem de uma casa para outra

das muralhas de Estiacutenfalo

100 e deixa a matildee da Arcaacutedia rica em rebanhos

Boas satildeo na tempestuosa

noite para serem lanccediladas de uma nau veloz

duas acircncoras Que o deus

a estes e agravequeles conceda com amizade glorioso destino

Oacute senhor soberano do mar concede uma direta travessia

isenta de dificuldades oacute esposo

105 de Anfitrite da roca de ouro e faz prosperar

a flor jubilosa de meus hinos

O atleta homenageado da ode eacute filho de Soacutestrato (vv 9 80) pertencente agrave

linhagem dos Iacircmidas e de uma mulher cujos antepassados procediam de Cilene (vv 77-

8) montanha ao norte da Arcaacutedia onde se situava a cidade de Estiacutenfalo ndash lugar em que

ocorrera provavelmente a primeira performance22 do epiniacutecio (vv 99-100) e onde o deus

Hermes era cultuado (vv 79-81) Note-se que a referecircncia a essa divindade vincula o

triunfo atleacutetico agrave benevolecircncia divina tendo em vista ter sido Hermes a divindade doadora

da vitoacuteria (v 81) a Hageacutesias Com efeito a relaccedilatildeo entre a vitoacuteria e a vontade dos deuses

constitui um topos23 da poesia pindaacuterica

22 O argumento da maior parte da criacutetica pindaacuterica sobre a ode ter sido executada em Estiacutenfalo fundamenta-

se nos versos 98-105 nos quais o vencedor e seu kocircmos saem de Estiacutenfalo rumo a Siracusa Acresce ainda

que o fato de o laureado ter laccedilos estreitos com as duas cidades motivou uma discussatildeo acerca da localizaccedilatildeo

da premiegravere do canto triunfal (STAMATOPOULOU 2014 p 1)

23 Cf eg Oliacutempicas 9 vv 100-4 13 vv 13-8 Piacutetica 10 vv 10-5

13

De modo anaacutelogo ao proecircmio da Odisseia (vv 1-10) em que natildeo se menciona o

nome do heroacutei Odisseu designado somente no verso 21 tambeacutem em Oliacutempica 6 o nome

do atleta homenageado soacute aparece no verso 12 por meio de uma invocaccedilatildeo muito embora

tenha sido referido indiretamente no verso 4 apenas pela forma verbal em terceira pessoa

e nos versos 4 a 9 por meio da citaccedilatildeo de seus atributos e de sua descendecircncia

Informa tambeacutem o canto agonal ter tido o vencedor dupla funccedilatildeo a de guardiatildeo

do altar profeacutetico de Zeus em Pisa (v 5) ndash tendo em vista ter como ascendente o adivinho

Iacuteamo que recebera de seu pai Apolo o dom da profecia (vv 65-70) ndash e a de cofundador

de Siracusa (v 6)24 Essas referecircncias ao laureado histoacutericas e miacuteticas encontram-se

distribuiacutedas pelos 105 versos que compotildeem as cinco triacuteades de Oliacutempica 6 iniciada com

uma imagem metapoeacutetica ou autorreferencial em que se coteja o fazer poeacutetico com um

monumento e o poeta com um construtor como atesta nos quatro primeiros versos da

ode a presenccedila de termos pertencentes ao campo semacircntico da arquitetura como kiacuteonas

ldquocolunardquo euteikheicirc ldquobem muradordquo prothyacuteroi ldquopoacuterticordquo paacutexomen ldquoconstruamosrdquo e

proacutesōpon ldquofachadardquo entendido este uacuteltimo metaforicamente segundo o leacutexico pindaacuterico

editado por William Slater (1969 p 454) como o proecircmio da ode Logo eacute a

magnificecircncia dessa construccedilatildeo poeacutetico-arquitetocircnica ndash enfatizada pelos adjetivos

khryseacuteas ldquodouradasrdquo e telaugeacutes ldquoque brilha ao longerdquo ndash que torna impereciacuteveis a

efemeridade do evento atleacutetico ndash ideia sumarizada no verso 4 ndash e o proacuteprio destinataacuterio

apresentado ainda na primeira estrofe como vencedor oliacutempico guardiatildeo por heranccedila

paterna do altar divinatoacuterio de Zeus e cofundador de Siracusa ndash atributos que devem

brilhar ao longe

A par dessas metaacuteforas delineia-se na segunda estrofe a imagem do poeta-

condutor quando a persona loquens ao invocar o nome do condutor da quadriga ndash

Fiacutentis25 auriga de Hageacutesias ndash a ele se iguala como assinala o sintagma autorreferencial

baacutesomen oacutekkhon ldquoconduzamos a quadriga de mulasrdquo (v 24) Logo por meio de

linguagem metafoacuterica o fazer poeacutetico e a performance do canto convertem-se assinala

24 Segundo os escolia 8a e 8b Hageacutesias pode ser considerado cofundador de Siracusa porque seus

antepassados participaram da colonizaccedilatildeo desta cidade Entretanto Willamowitz (1922) e Luraghi (1997)

sugeriram que o proacuteprio Hageacutesias teria participada reestruturaccedilatildeo de Siracusa no governo do tirano Gelatildeo

(apud STAMATOPOULOU 2014 p 7 nota 21) Acerca da remodelaccedilatildeo ldquogelonianardquo de Siracusa ver

Hirata (2010 p 28-9)

25 Fiacutentis representa o aristocrata siracusano Hageacutesias patrocinador do treinamento das parelhas do auriga

(CALAME 2005 p 54)

14

Calame (2005 p 53) numa corrida de quadrigas toacutepos na poesia grega arcaica De fato

assim como o atleta conduz a quadriga agrave vitoacuteria tambeacutem o poeta-atleta elabora

harmoniosamente seus versos para glorificar o vencedor e sua linhagem Deste modo

configuram-se nesse percurso metafoacuterico a quadriga e a poesia como vias de acesso agrave

imortalidade a julgar pela presenccedila dos termos sinocircnimos keleuthoacutes (v 23) e hodoacutes (v

25) ldquocaminhordquo o primeiro dos quais representando conotativamente a poesia e o

segundo conservando sua acepccedilatildeo denotativa tem o sentido de rota percorrida pela

carruagem

Aliaacutes essas imagens metafoacutericas natildeo satildeo as uacutenicas empregadas pela persona

loquens para descrever por meio de metalinguagem sua arte poeacutetica comparada ora com

objetos preciosos ndash como na ode em pauta em que a canccedilatildeo eacute relacionada com um poacutertico

de colunas douradas (Ol 6 vv 1-4) ou em outras odes com uma taccedila de ouro (Ol 7

vv 1-4) e com ouro refinado (Nemeia 4 v 82) - ora com o produto resultante do trabalho

das abelhas (Ol 10 v 98 Nemeia 3 v 77) ou com elementos da natureza como a flor

(Ol 6 v 105) soacute para citar algumas Tambeacutem o mister do poeta eacute vinculado a diferentes

atividades profissionais como a de lavrador (Nemeia 6 v 32 Piacutetica 6 v 2) escultor

(Nemeia vv 1-5) arqueiro (Ol 1 v 111 Ol 2 vv 83-6) e tecelatildeo este uacuteltimo labor

evocado em Oliacutempica 6 (v 86) pelo emprego do verbo pleacutekō ldquotecerrdquo metaacutefora frequente

do fazer poeacutetico na poesia meacutelica assinala Calame (2005 p58 n12) Com efeito do

mesmo modo que o tecelatildeo tranccedila com sutileza e habilidade os fios para a confecccedilatildeo do

tecido tambeacutem o poeta elabora seu discurso poeacutetico entrelaccedilando recursos literaacuterios e

linguiacutesticos combinados com o ritmo e a harmonia para a perfeita composiccedilatildeo da ode e

por conseguinte para a glorificaccedilatildeo do atleta vencedor como se infere dos versos 86-7

ldquoteccedilo para os varotildees lanceiros um hino variadordquo

Entre os elementos constitutivos do epiniacutecio pindaacuterico eacute interessante pontuar

ainda a alternacircncia das formas de primeira pessoa26 do singular e do plural (eunoacutes ndash vv

3 21 23 24 82 84 86 e 105) por meio da qual eacute possiacutevel haver um revezamento entre

a voz do poema e a voz do coro dado que torna improdutiva segundo Calame (2005 p

58) a discussatildeo acerca da natureza do sujeito poeacutetico nas odes pindaacutericas ldquonem

unicamente ldquomonoacutedicordquo nem inteiramente coral o eunoacutes do locutor eacute essencialmente

polifocircnicordquo

26 Sobre o emprego da primeira pessoa na poesia pindaacuterica cf LEFKOWITZ Mary op cit 1991 p 1-71

15

Deve-se observar tambeacutem com Claire Muckensturn-Poulle (2009 p 77) que ao

longo da Oliacutempica 6 o sujeito do enunciado confere voz a outros enunciadores ora

empregando o discurso direto como no elogio que Adrasto faz a Anfiarau (vv 16-7) e na

ordem dada por Apolo a Iacuteamo (vv 62-3) no momento em que o deus lhe concede o dom

da profecia ora transferindo por meio de uma ordem sua funccedilatildeo de locutor do canto

agonal a Fiacutentis o auriga de Hageacutesias (v 22) ou a Eneias o khorodidaacuteskalos (vv 88-96)

com os quais se identifica como poeta-condutor e poeta-mestre do coro

Por outro lado haacute dados sugestivos da performance coral da ode e de seu local de

execuccedilatildeo haja vista a invocaccedilatildeo da persona loquens a Eneias possivelmente o

khorodidaacuteskalos - a julgar pelos escoacutelios a essa passagem (148a e 149ordf apud

STAMATOPOULOU 2014 p 11 nota 34 CALAME 2005 p 57 nota 10 p 58 nota

13) - a referecircncia aos hetaicircroi companheiros de Eneias e talvez integrantes do coro e

ainda o voto do sujeito poeacutetico para que o kocircmos ldquocortejo processionalrdquo ao vencedor

apoacutes ter sido apresentado em Estiacutenfalo como julga a maior parte da criacutetica pindaacuterica

acerca da premiegravere do epiniacutecio (apud STAMATOPOULOU 2014 p 2) fosse tambeacutem

recebido pelo tirano Hieratildeo em Siracusa onde seria realizada a reperformance durante a

festa cultual (v 95) dedicada a Demeacuteter e a Perseacutefone deusas tutelares de Siracusa culto

possivelmente organizado pela famiacutelia de Hieratildeo (apud CALAME 2005 p 59)

Evidenciam respectivamente a recepccedilatildeo e a reapresentaccedilatildeo do canto em Siracusa a

forma verbal deacutexaito ldquorecebardquo (v 98) no optativo desiderativo enfatizada pela expressatildeo

sỳn degrave philophrosyacutenas euētaacutetois ldquocom amaacuteveis atos de amizaderdquo e os sintagmas

adverbiais presentes no verso 99 oiacutekothen oiacutekadrsquo ldquode uma casa para outrardquo e apograve

Stymphaliacuteōn ldquode Estiacutenfalordquo e por fim a justaposiccedilatildeo no verso 102 dos pronomes tocircnde

ldquoestesrdquo e keiacutenon ldquoagravequelesrdquo alusivos aos estinfaacutelios e siracusanos respectivamente Assim

como esses elementos apontam para a saiacuteda do vencedor da cidade Estiacutenfalo e Siracusa

eacute ainda um lugar a ser alcanccedilado por via mariacutetima acredita-se que a execuccedilatildeo primeira

do canto tenha ocorrido na cidade da matildee de Hageacutesias Note-se que o atleta e as duas

cidades a de seus antepassados maternos Estiacutenfalo e a sua terra natal Siracusa satildeo ainda

representados respectivamente pelas imagens metafoacutericas do navio e das duas acircncoras

(vv 101-5a) imagens que remetem ao deus do mar Posecircidon invocado pela persona

loquens para conceder uma favoraacutevel travessia ao kocircmos de Hageacutesias do qual

possivelmente fazia parte o chefe do coro responsaacutevel segundo Calame (2005 p 57)

16

pelo treinamento dos coreutashetaicircroi que deveriam transmitir em performance coral a

voz do poeta

Ainda acerca dessa metaacutefora mariacutetima Meacuteautis (1962 p 200) Kirkwood (1982

p 94) a interpretam como uma referecircncia agrave crise poliacutetica instaurada em Siracusa nos

uacuteltimos anos de governo de Hieratildeo crise representada pela imagem da lsquotempestuosa

noitersquo (vv 100-1) Assim na qualidade de cidadatildeo siracusano observa ainda Meacuteautis

(1962 p 200) Hageacutesias prevendo a queda do regime tiracircnico pretendia solicitar uma

nova cidadania em Estiacutenfalo A esse respeito vale mencionar uma vez mais a opiniatildeo

de Stamatopoulou (2014 p 3-4) que compartilhando do ponto de vista de Stehle julga

ter sido a ode executada primeiramente em Estiacutenfalo com o objetivo de estreitarem-se os

laccedilos entre o vencedor e essa cidade da Arcaacutedia

No que concerne ao possiacutevel chefe do coro o sujeito poeacutetico num tom laudatoacuterio

refere-se a Eneias como notou Kirkwood (1982 p 93) acerca do estilo metafoacuterico de

Piacutendaro - como aacutengelos ldquomensageirordquo (v 90) e skytaacutela (v 91)27 traduzido como

ldquointeacuterpreterdquo por ser ele o responsaacutevel pela recepccedilatildeo dos efluacutevios das Musas ndash como

explicita a expressatildeo ldquodoce taccedila de cantos ressoantesrdquo (v 91) - pela transmissatildeo e

reapresentaccedilatildeo da mensagemcanto em Siracusa onde tambeacutem deveria ser objeto de

encocircmio o tirano Hieratildeo do qual se enfatizam o governo justo a piedade religiosa os

triunfos jaacute festejados ldquopelas liras e canccedilotildees de doces palavrasrdquo (vv 96-7) a generosidade

e a amizade (v 98)

Deste modo a referecircncia a Eneias destaca o importante papel do poeta-cantor na

perpetuaccedilatildeo do triunfo agonal Nesse complexo processo de elaboraccedilatildeo poeacutetico-

perfomativa utilizam-se natildeo soacute metaacuteforas como jaacute destacou mas tambeacutem narrativas

miacuteticas relacionadas com a arte divinatoacuteria Assim por meio do elogio ao atleta

homenageado evoca-se primeiramente como modelo miacutetico Anfiarau (vv 12-21) ndash

participante da expediccedilatildeo dos Sete contra Tebas sob o comando de Adrasto rei de

Argos- possuidor das mesmas atribuiccedilotildees do laureado jaacute que ambos satildeo

guerreirogeneral e adivinho Eacute importante enfatizar que a transiccedilatildeo do tempo presente

representado pelo vencedor para o passado miacutetico se estabelece por meio do pronome

relativo hoacuten (v 12) referente ao louvor destinado a Hageacutesias e a Anfiarau e do adveacuterbio

27 Em Esparta espeacutecie de bastatildeo de madeira sobre o qual se enrolavam correias compridas e estreitas com

mensagens secretas lidas e compreendidas por quem possuiacutesse um bastatildeo idecircntico (PINDARE

Olympiques 1971 p 85 nota 4)

17

potrsquo ldquooutrora (v 13) com base no qual se alude ao desaparecimento repentino do

adivinho tebano (v 14) que segundo a versatildeo miacutetica fora arrebatado por Zeus para evitar

a morte do heroacutei como se infere do emprego do verbo katamaacuterptō lsquoengolirrsquo em tmese

que indica ter sido Anfiarau tragado pela terra Observa Barciela (2015 p 53) que esse

corte entre a preposiccedilatildeo kataacute ldquodebaixo derdquo ldquosobrdquo (v 14) e o radical do verbo salienta

natildeo somente o sentido do preveacuterbio mas tambeacutem aponta a razatildeo de natildeo ter Adrasto

encontrado Anfiarau nas sete piras Acredita-se ter sido essa a razatildeo de Adrasto ter

proferido ao adivinho um elogio em discurso direto por meio da imagem metafoacuterica

stratiacircs ophthalmograven emacircs ldquoolho28 do meu exeacutercitordquo metaacutefora que aleacutem de assinalar a

importacircncia de Anfiarau na expediccedilatildeo tebana lhe sintetiza os dois atributos relacionados

respectivamente com a macircntica e com a guerra

Julga-se que a menccedilatildeo ao atributo divinatoacuterio de Anfiarau constitui um meio de

antecipaccedilatildeo do principal mito da ode cujo eixo temaacutetico se centra no nascimento de

Iacuteamo29 (vv 39-47) e em sua iniciaccedilatildeo na arte divinatoacuteria tornando-se o primeiro de uma

famiacutelia de adivinhos ndash os Iacircmidas ndash e o responsaacutevel pelo altar profeacutetico de Zeus em

Oliacutempia (v 70)

Eacute digno de nota ter sido o citado mito introduzido pelas imagens metafoacutericas do

poeta-condutor e da poesia-quadriga por meio das quais anota Calame (2005 p 54)

ocorre um deslocamento geograacutefico-temporal jaacute que a par do movimento de Oliacutempia ndash

lugar onde ocorrera a competiccedilatildeo desportiva ndash para Piacutetana cidade espartana situada junto

ao leito do rio Eurotas na Lacocircnia haacute uma transposiccedilatildeo do tempo da ldquoenunciaccedilatildeo do

cantordquo isto eacute o tempo presente ndash marcado pelo adveacuterbio saacutemeron lsquohojersquo (v 28) ndash para o

passado miacutetico indicado pela referecircncia a Piacutetana- natildeo somente o nome de uma pequena

povoaccedilatildeo de que se compunha Esparta mas tambeacutem o nome de uma ninfa filha do deus-

rio Eurotas e fundadora da linhagem dos Iacircmidas - que unida a Posecircidon gerou em

segredo Evadne matildee de Iacuteamo ancestral miacutetico de uma extensa linhagem de adivinhos

28 Imagem presente em Oliacutempica 2 (v 10) em referecircncia aos ancestrais histoacutericos de Teratildeo de Agrigento

e em Piacutetica 5 (vv 55-7a) em alusatildeo a Bato fundador da estirpe dos reis de Cirene cidade do vencedor

Com relaccedilatildeo agrave imagem do olho em Oliacutempica 6 conveacutem lembrar citando Villarrubia (1995 p 17) Suaacuterez

de la Torre (1989 p 97) e Meacuteautis (1962 p 195) que o escoacutelio pindaacuterico ao citado verso refere a Tebaida

como fonte direta do elogio de Adrasto a Anfiarau 29Como observa Nisetich (1998 p 2) nas odes pindaacutericas eacute conferido destaque maior agrave famiacutelia do vencedor

que ao proacuteprio homenageado jaacute que se busca em fatos preteacuteritos explicaccedilotildees ou justificativas para o

momento presente A esse respeito verifica-se na ode em estudo que a volta ao passado (vv 28-71)

constitui um meio de glorificaccedilatildeo do homenageado

18

cujo representante atual eacute o vencedor oliacutempico Hageacutesias de Siracusa Evadne por sua

vez seduzida por Apolo deu agrave luz Iacuteamo cuja vocaccedilatildeo profeacutetica eacute anunciada na ode pelo

atributo theoacutephrona lsquoinspirado pelos deusesrsquo (v 41) e pelo oraacuteculo de Delfos revelado

ao pai mortal e adotivo de Evadne ndash Eacutepito - a quem satildeo declarados a origem e o dom

divinatoacuterio de Iacuteamo (vv 49b-51) cujo nome de etimologia obscura estaacute associado ao

nome da flor violeta (DUCHEMIN 1955 p 242-3) iacuteon tambeacutem presente no epiacuteteto

atribuiacutedo a Evadne ioacuteplokos ldquocabelo cor de violetardquo (v 30) portanto cor que identifica

Iacuteamo como filho de Evadne Em sintonia com Eleanor Irwin (1996 p 386) acerca de seu

comentaacuterio sobre o ambiente onde Iacuteamo fora abandonado por sua matildee isto eacute khamaiacute ldquono

chatildeordquo (v 45) considera-se que esse lugar eacute tambeacutem ser esse sobrenatural haja vista terem

florescido do chatildeo violetas que forneceram ao receacutem-nascido calor e proteccedilatildeo necessaacuterios

agrave sua sobrevivecircncia Destarte as violetas simbolizam a proacutepria Evadne posto que

exerceram a funccedilatildeo materna

Significativo tambeacutem nessa passagem eacute o fato de ter sido por intervenccedilatildeo divina

(v 46) Iacuteamo alimentado por duas serpentes (45b-47a) com ldquoo veneno irrepreensiacutevel das

abelhasrdquo expressatildeo que se associa anotou Duchemin (1955 p 251) jaacute haacute algum tempo

ao dom da profecia e do fazer poeacutetico Deborah Steiner (1986 p 103) por sua vez refere

acerca dessa passagem que a relaccedilatildeo entre a serpente animal macircntico por excelecircncia

(Meacuteautis 1962 p 196) e o mel anuncia o dom profeacutetico que o receacutem-nascido teria

posteriormente30

Ao chegar agrave adolescecircncia Iacuteamo ciente de sua ascendecircncia divina solicita a seu

avocirc Posecircidon e a seu pai Apolo um atributo que beneficiasse todo o povo uma honra

puacuteblica laoacutethrophos ldquoque alimentasse o povordquo (v 60) Ressalte-se que embora a suacuteplica

tenha sido dirigida a essas duas divindades eacute Apolo nomeado com seu epiacuteteto ldquoarqueiro

guardiatildeo da divina Delosrdquo (v 59) quem concede ao filho o duplo dom da adivinhaccedilatildeo

(vv 65-70) a faculdade de ouvir-lhe a voz profeacutetica pautada sempre na verdade e a

fundaccedilatildeo de oraacuteculo de Zeus em Oliacutempia antes mesmo da instituiccedilatildeo dos Jogos

Oliacutempicos por Heacuteracles Logo com a concessatildeo da daacutediva da adivinhaccedilatildeo encerra-se o

relato miacutetico dos Iacircmidas Faz entatildeo a voz do poema a passagem do tempo miacutetico (vv

71-7) para o passado proacuteximo de Hageacutesias com a alusatildeo laudatoacuteria aos antepassados

30 Acrescente-se que a relaccedilatildeo entre a serpente e a figura de Apolo se justifica pelo fato de a divindade ter

assassinado a serpente Piacuteton para habitar Delfos

19

histoacutericos do vencedor (vv 78-81) e numa referecircncia metapoeacutetica (vv 82-7b) a seus

proacuteprios ancestrais por serem todos procedentes da cidade de Estiacutenfalo dado que

identifica o laureado com a persona loquens

Ediccedilotildees traduccedilotildees e comentaacuterios

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VILLARRUBIA Antonio La victoria de Hagesias de Siracusa y la Oliacutempica 6 de

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13

De modo anaacutelogo ao proecircmio da Odisseia (vv 1-10) em que natildeo se menciona o

nome do heroacutei Odisseu designado somente no verso 21 tambeacutem em Oliacutempica 6 o nome

do atleta homenageado soacute aparece no verso 12 por meio de uma invocaccedilatildeo muito embora

tenha sido referido indiretamente no verso 4 apenas pela forma verbal em terceira pessoa

e nos versos 4 a 9 por meio da citaccedilatildeo de seus atributos e de sua descendecircncia

Informa tambeacutem o canto agonal ter tido o vencedor dupla funccedilatildeo a de guardiatildeo

do altar profeacutetico de Zeus em Pisa (v 5) ndash tendo em vista ter como ascendente o adivinho

Iacuteamo que recebera de seu pai Apolo o dom da profecia (vv 65-70) ndash e a de cofundador

de Siracusa (v 6)24 Essas referecircncias ao laureado histoacutericas e miacuteticas encontram-se

distribuiacutedas pelos 105 versos que compotildeem as cinco triacuteades de Oliacutempica 6 iniciada com

uma imagem metapoeacutetica ou autorreferencial em que se coteja o fazer poeacutetico com um

monumento e o poeta com um construtor como atesta nos quatro primeiros versos da

ode a presenccedila de termos pertencentes ao campo semacircntico da arquitetura como kiacuteonas

ldquocolunardquo euteikheicirc ldquobem muradordquo prothyacuteroi ldquopoacuterticordquo paacutexomen ldquoconstruamosrdquo e

proacutesōpon ldquofachadardquo entendido este uacuteltimo metaforicamente segundo o leacutexico pindaacuterico

editado por William Slater (1969 p 454) como o proecircmio da ode Logo eacute a

magnificecircncia dessa construccedilatildeo poeacutetico-arquitetocircnica ndash enfatizada pelos adjetivos

khryseacuteas ldquodouradasrdquo e telaugeacutes ldquoque brilha ao longerdquo ndash que torna impereciacuteveis a

efemeridade do evento atleacutetico ndash ideia sumarizada no verso 4 ndash e o proacuteprio destinataacuterio

apresentado ainda na primeira estrofe como vencedor oliacutempico guardiatildeo por heranccedila

paterna do altar divinatoacuterio de Zeus e cofundador de Siracusa ndash atributos que devem

brilhar ao longe

A par dessas metaacuteforas delineia-se na segunda estrofe a imagem do poeta-

condutor quando a persona loquens ao invocar o nome do condutor da quadriga ndash

Fiacutentis25 auriga de Hageacutesias ndash a ele se iguala como assinala o sintagma autorreferencial

baacutesomen oacutekkhon ldquoconduzamos a quadriga de mulasrdquo (v 24) Logo por meio de

linguagem metafoacuterica o fazer poeacutetico e a performance do canto convertem-se assinala

24 Segundo os escolia 8a e 8b Hageacutesias pode ser considerado cofundador de Siracusa porque seus

antepassados participaram da colonizaccedilatildeo desta cidade Entretanto Willamowitz (1922) e Luraghi (1997)

sugeriram que o proacuteprio Hageacutesias teria participada reestruturaccedilatildeo de Siracusa no governo do tirano Gelatildeo

(apud STAMATOPOULOU 2014 p 7 nota 21) Acerca da remodelaccedilatildeo ldquogelonianardquo de Siracusa ver

Hirata (2010 p 28-9)

25 Fiacutentis representa o aristocrata siracusano Hageacutesias patrocinador do treinamento das parelhas do auriga

(CALAME 2005 p 54)

14

Calame (2005 p 53) numa corrida de quadrigas toacutepos na poesia grega arcaica De fato

assim como o atleta conduz a quadriga agrave vitoacuteria tambeacutem o poeta-atleta elabora

harmoniosamente seus versos para glorificar o vencedor e sua linhagem Deste modo

configuram-se nesse percurso metafoacuterico a quadriga e a poesia como vias de acesso agrave

imortalidade a julgar pela presenccedila dos termos sinocircnimos keleuthoacutes (v 23) e hodoacutes (v

25) ldquocaminhordquo o primeiro dos quais representando conotativamente a poesia e o

segundo conservando sua acepccedilatildeo denotativa tem o sentido de rota percorrida pela

carruagem

Aliaacutes essas imagens metafoacutericas natildeo satildeo as uacutenicas empregadas pela persona

loquens para descrever por meio de metalinguagem sua arte poeacutetica comparada ora com

objetos preciosos ndash como na ode em pauta em que a canccedilatildeo eacute relacionada com um poacutertico

de colunas douradas (Ol 6 vv 1-4) ou em outras odes com uma taccedila de ouro (Ol 7

vv 1-4) e com ouro refinado (Nemeia 4 v 82) - ora com o produto resultante do trabalho

das abelhas (Ol 10 v 98 Nemeia 3 v 77) ou com elementos da natureza como a flor

(Ol 6 v 105) soacute para citar algumas Tambeacutem o mister do poeta eacute vinculado a diferentes

atividades profissionais como a de lavrador (Nemeia 6 v 32 Piacutetica 6 v 2) escultor

(Nemeia vv 1-5) arqueiro (Ol 1 v 111 Ol 2 vv 83-6) e tecelatildeo este uacuteltimo labor

evocado em Oliacutempica 6 (v 86) pelo emprego do verbo pleacutekō ldquotecerrdquo metaacutefora frequente

do fazer poeacutetico na poesia meacutelica assinala Calame (2005 p58 n12) Com efeito do

mesmo modo que o tecelatildeo tranccedila com sutileza e habilidade os fios para a confecccedilatildeo do

tecido tambeacutem o poeta elabora seu discurso poeacutetico entrelaccedilando recursos literaacuterios e

linguiacutesticos combinados com o ritmo e a harmonia para a perfeita composiccedilatildeo da ode e

por conseguinte para a glorificaccedilatildeo do atleta vencedor como se infere dos versos 86-7

ldquoteccedilo para os varotildees lanceiros um hino variadordquo

Entre os elementos constitutivos do epiniacutecio pindaacuterico eacute interessante pontuar

ainda a alternacircncia das formas de primeira pessoa26 do singular e do plural (eunoacutes ndash vv

3 21 23 24 82 84 86 e 105) por meio da qual eacute possiacutevel haver um revezamento entre

a voz do poema e a voz do coro dado que torna improdutiva segundo Calame (2005 p

58) a discussatildeo acerca da natureza do sujeito poeacutetico nas odes pindaacutericas ldquonem

unicamente ldquomonoacutedicordquo nem inteiramente coral o eunoacutes do locutor eacute essencialmente

polifocircnicordquo

26 Sobre o emprego da primeira pessoa na poesia pindaacuterica cf LEFKOWITZ Mary op cit 1991 p 1-71

15

Deve-se observar tambeacutem com Claire Muckensturn-Poulle (2009 p 77) que ao

longo da Oliacutempica 6 o sujeito do enunciado confere voz a outros enunciadores ora

empregando o discurso direto como no elogio que Adrasto faz a Anfiarau (vv 16-7) e na

ordem dada por Apolo a Iacuteamo (vv 62-3) no momento em que o deus lhe concede o dom

da profecia ora transferindo por meio de uma ordem sua funccedilatildeo de locutor do canto

agonal a Fiacutentis o auriga de Hageacutesias (v 22) ou a Eneias o khorodidaacuteskalos (vv 88-96)

com os quais se identifica como poeta-condutor e poeta-mestre do coro

Por outro lado haacute dados sugestivos da performance coral da ode e de seu local de

execuccedilatildeo haja vista a invocaccedilatildeo da persona loquens a Eneias possivelmente o

khorodidaacuteskalos - a julgar pelos escoacutelios a essa passagem (148a e 149ordf apud

STAMATOPOULOU 2014 p 11 nota 34 CALAME 2005 p 57 nota 10 p 58 nota

13) - a referecircncia aos hetaicircroi companheiros de Eneias e talvez integrantes do coro e

ainda o voto do sujeito poeacutetico para que o kocircmos ldquocortejo processionalrdquo ao vencedor

apoacutes ter sido apresentado em Estiacutenfalo como julga a maior parte da criacutetica pindaacuterica

acerca da premiegravere do epiniacutecio (apud STAMATOPOULOU 2014 p 2) fosse tambeacutem

recebido pelo tirano Hieratildeo em Siracusa onde seria realizada a reperformance durante a

festa cultual (v 95) dedicada a Demeacuteter e a Perseacutefone deusas tutelares de Siracusa culto

possivelmente organizado pela famiacutelia de Hieratildeo (apud CALAME 2005 p 59)

Evidenciam respectivamente a recepccedilatildeo e a reapresentaccedilatildeo do canto em Siracusa a

forma verbal deacutexaito ldquorecebardquo (v 98) no optativo desiderativo enfatizada pela expressatildeo

sỳn degrave philophrosyacutenas euētaacutetois ldquocom amaacuteveis atos de amizaderdquo e os sintagmas

adverbiais presentes no verso 99 oiacutekothen oiacutekadrsquo ldquode uma casa para outrardquo e apograve

Stymphaliacuteōn ldquode Estiacutenfalordquo e por fim a justaposiccedilatildeo no verso 102 dos pronomes tocircnde

ldquoestesrdquo e keiacutenon ldquoagravequelesrdquo alusivos aos estinfaacutelios e siracusanos respectivamente Assim

como esses elementos apontam para a saiacuteda do vencedor da cidade Estiacutenfalo e Siracusa

eacute ainda um lugar a ser alcanccedilado por via mariacutetima acredita-se que a execuccedilatildeo primeira

do canto tenha ocorrido na cidade da matildee de Hageacutesias Note-se que o atleta e as duas

cidades a de seus antepassados maternos Estiacutenfalo e a sua terra natal Siracusa satildeo ainda

representados respectivamente pelas imagens metafoacutericas do navio e das duas acircncoras

(vv 101-5a) imagens que remetem ao deus do mar Posecircidon invocado pela persona

loquens para conceder uma favoraacutevel travessia ao kocircmos de Hageacutesias do qual

possivelmente fazia parte o chefe do coro responsaacutevel segundo Calame (2005 p 57)

16

pelo treinamento dos coreutashetaicircroi que deveriam transmitir em performance coral a

voz do poeta

Ainda acerca dessa metaacutefora mariacutetima Meacuteautis (1962 p 200) Kirkwood (1982

p 94) a interpretam como uma referecircncia agrave crise poliacutetica instaurada em Siracusa nos

uacuteltimos anos de governo de Hieratildeo crise representada pela imagem da lsquotempestuosa

noitersquo (vv 100-1) Assim na qualidade de cidadatildeo siracusano observa ainda Meacuteautis

(1962 p 200) Hageacutesias prevendo a queda do regime tiracircnico pretendia solicitar uma

nova cidadania em Estiacutenfalo A esse respeito vale mencionar uma vez mais a opiniatildeo

de Stamatopoulou (2014 p 3-4) que compartilhando do ponto de vista de Stehle julga

ter sido a ode executada primeiramente em Estiacutenfalo com o objetivo de estreitarem-se os

laccedilos entre o vencedor e essa cidade da Arcaacutedia

No que concerne ao possiacutevel chefe do coro o sujeito poeacutetico num tom laudatoacuterio

refere-se a Eneias como notou Kirkwood (1982 p 93) acerca do estilo metafoacuterico de

Piacutendaro - como aacutengelos ldquomensageirordquo (v 90) e skytaacutela (v 91)27 traduzido como

ldquointeacuterpreterdquo por ser ele o responsaacutevel pela recepccedilatildeo dos efluacutevios das Musas ndash como

explicita a expressatildeo ldquodoce taccedila de cantos ressoantesrdquo (v 91) - pela transmissatildeo e

reapresentaccedilatildeo da mensagemcanto em Siracusa onde tambeacutem deveria ser objeto de

encocircmio o tirano Hieratildeo do qual se enfatizam o governo justo a piedade religiosa os

triunfos jaacute festejados ldquopelas liras e canccedilotildees de doces palavrasrdquo (vv 96-7) a generosidade

e a amizade (v 98)

Deste modo a referecircncia a Eneias destaca o importante papel do poeta-cantor na

perpetuaccedilatildeo do triunfo agonal Nesse complexo processo de elaboraccedilatildeo poeacutetico-

perfomativa utilizam-se natildeo soacute metaacuteforas como jaacute destacou mas tambeacutem narrativas

miacuteticas relacionadas com a arte divinatoacuteria Assim por meio do elogio ao atleta

homenageado evoca-se primeiramente como modelo miacutetico Anfiarau (vv 12-21) ndash

participante da expediccedilatildeo dos Sete contra Tebas sob o comando de Adrasto rei de

Argos- possuidor das mesmas atribuiccedilotildees do laureado jaacute que ambos satildeo

guerreirogeneral e adivinho Eacute importante enfatizar que a transiccedilatildeo do tempo presente

representado pelo vencedor para o passado miacutetico se estabelece por meio do pronome

relativo hoacuten (v 12) referente ao louvor destinado a Hageacutesias e a Anfiarau e do adveacuterbio

27 Em Esparta espeacutecie de bastatildeo de madeira sobre o qual se enrolavam correias compridas e estreitas com

mensagens secretas lidas e compreendidas por quem possuiacutesse um bastatildeo idecircntico (PINDARE

Olympiques 1971 p 85 nota 4)

17

potrsquo ldquooutrora (v 13) com base no qual se alude ao desaparecimento repentino do

adivinho tebano (v 14) que segundo a versatildeo miacutetica fora arrebatado por Zeus para evitar

a morte do heroacutei como se infere do emprego do verbo katamaacuterptō lsquoengolirrsquo em tmese

que indica ter sido Anfiarau tragado pela terra Observa Barciela (2015 p 53) que esse

corte entre a preposiccedilatildeo kataacute ldquodebaixo derdquo ldquosobrdquo (v 14) e o radical do verbo salienta

natildeo somente o sentido do preveacuterbio mas tambeacutem aponta a razatildeo de natildeo ter Adrasto

encontrado Anfiarau nas sete piras Acredita-se ter sido essa a razatildeo de Adrasto ter

proferido ao adivinho um elogio em discurso direto por meio da imagem metafoacuterica

stratiacircs ophthalmograven emacircs ldquoolho28 do meu exeacutercitordquo metaacutefora que aleacutem de assinalar a

importacircncia de Anfiarau na expediccedilatildeo tebana lhe sintetiza os dois atributos relacionados

respectivamente com a macircntica e com a guerra

Julga-se que a menccedilatildeo ao atributo divinatoacuterio de Anfiarau constitui um meio de

antecipaccedilatildeo do principal mito da ode cujo eixo temaacutetico se centra no nascimento de

Iacuteamo29 (vv 39-47) e em sua iniciaccedilatildeo na arte divinatoacuteria tornando-se o primeiro de uma

famiacutelia de adivinhos ndash os Iacircmidas ndash e o responsaacutevel pelo altar profeacutetico de Zeus em

Oliacutempia (v 70)

Eacute digno de nota ter sido o citado mito introduzido pelas imagens metafoacutericas do

poeta-condutor e da poesia-quadriga por meio das quais anota Calame (2005 p 54)

ocorre um deslocamento geograacutefico-temporal jaacute que a par do movimento de Oliacutempia ndash

lugar onde ocorrera a competiccedilatildeo desportiva ndash para Piacutetana cidade espartana situada junto

ao leito do rio Eurotas na Lacocircnia haacute uma transposiccedilatildeo do tempo da ldquoenunciaccedilatildeo do

cantordquo isto eacute o tempo presente ndash marcado pelo adveacuterbio saacutemeron lsquohojersquo (v 28) ndash para o

passado miacutetico indicado pela referecircncia a Piacutetana- natildeo somente o nome de uma pequena

povoaccedilatildeo de que se compunha Esparta mas tambeacutem o nome de uma ninfa filha do deus-

rio Eurotas e fundadora da linhagem dos Iacircmidas - que unida a Posecircidon gerou em

segredo Evadne matildee de Iacuteamo ancestral miacutetico de uma extensa linhagem de adivinhos

28 Imagem presente em Oliacutempica 2 (v 10) em referecircncia aos ancestrais histoacutericos de Teratildeo de Agrigento

e em Piacutetica 5 (vv 55-7a) em alusatildeo a Bato fundador da estirpe dos reis de Cirene cidade do vencedor

Com relaccedilatildeo agrave imagem do olho em Oliacutempica 6 conveacutem lembrar citando Villarrubia (1995 p 17) Suaacuterez

de la Torre (1989 p 97) e Meacuteautis (1962 p 195) que o escoacutelio pindaacuterico ao citado verso refere a Tebaida

como fonte direta do elogio de Adrasto a Anfiarau 29Como observa Nisetich (1998 p 2) nas odes pindaacutericas eacute conferido destaque maior agrave famiacutelia do vencedor

que ao proacuteprio homenageado jaacute que se busca em fatos preteacuteritos explicaccedilotildees ou justificativas para o

momento presente A esse respeito verifica-se na ode em estudo que a volta ao passado (vv 28-71)

constitui um meio de glorificaccedilatildeo do homenageado

18

cujo representante atual eacute o vencedor oliacutempico Hageacutesias de Siracusa Evadne por sua

vez seduzida por Apolo deu agrave luz Iacuteamo cuja vocaccedilatildeo profeacutetica eacute anunciada na ode pelo

atributo theoacutephrona lsquoinspirado pelos deusesrsquo (v 41) e pelo oraacuteculo de Delfos revelado

ao pai mortal e adotivo de Evadne ndash Eacutepito - a quem satildeo declarados a origem e o dom

divinatoacuterio de Iacuteamo (vv 49b-51) cujo nome de etimologia obscura estaacute associado ao

nome da flor violeta (DUCHEMIN 1955 p 242-3) iacuteon tambeacutem presente no epiacuteteto

atribuiacutedo a Evadne ioacuteplokos ldquocabelo cor de violetardquo (v 30) portanto cor que identifica

Iacuteamo como filho de Evadne Em sintonia com Eleanor Irwin (1996 p 386) acerca de seu

comentaacuterio sobre o ambiente onde Iacuteamo fora abandonado por sua matildee isto eacute khamaiacute ldquono

chatildeordquo (v 45) considera-se que esse lugar eacute tambeacutem ser esse sobrenatural haja vista terem

florescido do chatildeo violetas que forneceram ao receacutem-nascido calor e proteccedilatildeo necessaacuterios

agrave sua sobrevivecircncia Destarte as violetas simbolizam a proacutepria Evadne posto que

exerceram a funccedilatildeo materna

Significativo tambeacutem nessa passagem eacute o fato de ter sido por intervenccedilatildeo divina

(v 46) Iacuteamo alimentado por duas serpentes (45b-47a) com ldquoo veneno irrepreensiacutevel das

abelhasrdquo expressatildeo que se associa anotou Duchemin (1955 p 251) jaacute haacute algum tempo

ao dom da profecia e do fazer poeacutetico Deborah Steiner (1986 p 103) por sua vez refere

acerca dessa passagem que a relaccedilatildeo entre a serpente animal macircntico por excelecircncia

(Meacuteautis 1962 p 196) e o mel anuncia o dom profeacutetico que o receacutem-nascido teria

posteriormente30

Ao chegar agrave adolescecircncia Iacuteamo ciente de sua ascendecircncia divina solicita a seu

avocirc Posecircidon e a seu pai Apolo um atributo que beneficiasse todo o povo uma honra

puacuteblica laoacutethrophos ldquoque alimentasse o povordquo (v 60) Ressalte-se que embora a suacuteplica

tenha sido dirigida a essas duas divindades eacute Apolo nomeado com seu epiacuteteto ldquoarqueiro

guardiatildeo da divina Delosrdquo (v 59) quem concede ao filho o duplo dom da adivinhaccedilatildeo

(vv 65-70) a faculdade de ouvir-lhe a voz profeacutetica pautada sempre na verdade e a

fundaccedilatildeo de oraacuteculo de Zeus em Oliacutempia antes mesmo da instituiccedilatildeo dos Jogos

Oliacutempicos por Heacuteracles Logo com a concessatildeo da daacutediva da adivinhaccedilatildeo encerra-se o

relato miacutetico dos Iacircmidas Faz entatildeo a voz do poema a passagem do tempo miacutetico (vv

71-7) para o passado proacuteximo de Hageacutesias com a alusatildeo laudatoacuteria aos antepassados

30 Acrescente-se que a relaccedilatildeo entre a serpente e a figura de Apolo se justifica pelo fato de a divindade ter

assassinado a serpente Piacuteton para habitar Delfos

19

histoacutericos do vencedor (vv 78-81) e numa referecircncia metapoeacutetica (vv 82-7b) a seus

proacuteprios ancestrais por serem todos procedentes da cidade de Estiacutenfalo dado que

identifica o laureado com a persona loquens

Ediccedilotildees traduccedilotildees e comentaacuterios

HEROacuteDOTO Histoacuteria O relato claacutessico da guerra entre Gregos e Persas 2ordf ed

Traduccedilatildeo de J Brito Broca Satildeo Paulo Ediouro 2001

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1995

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1970 Tome I

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20

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21

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______ Parole de poegravete parole de prophegravete les oracles et la mantique chez Pindare

Kernos 3 1990 p 347-58 Disponiacutevel em

httpkernosrevuesorg1006DOI104000kernos1006

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Emerita Revista de Linguumliacutestica y Filologiacutea Claacutesica LXX 1 2002 p 83-102

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Pindare Vandoeuvres ndash Genegraveve Fondation Hardt 1984 p 285-327

VILLARRUBIA Antonio La victoria de Hagesias de Siracusa y la Oliacutempica 6 de

Piacutendaro Habis 26 1995 p 13-28

14

Calame (2005 p 53) numa corrida de quadrigas toacutepos na poesia grega arcaica De fato

assim como o atleta conduz a quadriga agrave vitoacuteria tambeacutem o poeta-atleta elabora

harmoniosamente seus versos para glorificar o vencedor e sua linhagem Deste modo

configuram-se nesse percurso metafoacuterico a quadriga e a poesia como vias de acesso agrave

imortalidade a julgar pela presenccedila dos termos sinocircnimos keleuthoacutes (v 23) e hodoacutes (v

25) ldquocaminhordquo o primeiro dos quais representando conotativamente a poesia e o

segundo conservando sua acepccedilatildeo denotativa tem o sentido de rota percorrida pela

carruagem

Aliaacutes essas imagens metafoacutericas natildeo satildeo as uacutenicas empregadas pela persona

loquens para descrever por meio de metalinguagem sua arte poeacutetica comparada ora com

objetos preciosos ndash como na ode em pauta em que a canccedilatildeo eacute relacionada com um poacutertico

de colunas douradas (Ol 6 vv 1-4) ou em outras odes com uma taccedila de ouro (Ol 7

vv 1-4) e com ouro refinado (Nemeia 4 v 82) - ora com o produto resultante do trabalho

das abelhas (Ol 10 v 98 Nemeia 3 v 77) ou com elementos da natureza como a flor

(Ol 6 v 105) soacute para citar algumas Tambeacutem o mister do poeta eacute vinculado a diferentes

atividades profissionais como a de lavrador (Nemeia 6 v 32 Piacutetica 6 v 2) escultor

(Nemeia vv 1-5) arqueiro (Ol 1 v 111 Ol 2 vv 83-6) e tecelatildeo este uacuteltimo labor

evocado em Oliacutempica 6 (v 86) pelo emprego do verbo pleacutekō ldquotecerrdquo metaacutefora frequente

do fazer poeacutetico na poesia meacutelica assinala Calame (2005 p58 n12) Com efeito do

mesmo modo que o tecelatildeo tranccedila com sutileza e habilidade os fios para a confecccedilatildeo do

tecido tambeacutem o poeta elabora seu discurso poeacutetico entrelaccedilando recursos literaacuterios e

linguiacutesticos combinados com o ritmo e a harmonia para a perfeita composiccedilatildeo da ode e

por conseguinte para a glorificaccedilatildeo do atleta vencedor como se infere dos versos 86-7

ldquoteccedilo para os varotildees lanceiros um hino variadordquo

Entre os elementos constitutivos do epiniacutecio pindaacuterico eacute interessante pontuar

ainda a alternacircncia das formas de primeira pessoa26 do singular e do plural (eunoacutes ndash vv

3 21 23 24 82 84 86 e 105) por meio da qual eacute possiacutevel haver um revezamento entre

a voz do poema e a voz do coro dado que torna improdutiva segundo Calame (2005 p

58) a discussatildeo acerca da natureza do sujeito poeacutetico nas odes pindaacutericas ldquonem

unicamente ldquomonoacutedicordquo nem inteiramente coral o eunoacutes do locutor eacute essencialmente

polifocircnicordquo

26 Sobre o emprego da primeira pessoa na poesia pindaacuterica cf LEFKOWITZ Mary op cit 1991 p 1-71

15

Deve-se observar tambeacutem com Claire Muckensturn-Poulle (2009 p 77) que ao

longo da Oliacutempica 6 o sujeito do enunciado confere voz a outros enunciadores ora

empregando o discurso direto como no elogio que Adrasto faz a Anfiarau (vv 16-7) e na

ordem dada por Apolo a Iacuteamo (vv 62-3) no momento em que o deus lhe concede o dom

da profecia ora transferindo por meio de uma ordem sua funccedilatildeo de locutor do canto

agonal a Fiacutentis o auriga de Hageacutesias (v 22) ou a Eneias o khorodidaacuteskalos (vv 88-96)

com os quais se identifica como poeta-condutor e poeta-mestre do coro

Por outro lado haacute dados sugestivos da performance coral da ode e de seu local de

execuccedilatildeo haja vista a invocaccedilatildeo da persona loquens a Eneias possivelmente o

khorodidaacuteskalos - a julgar pelos escoacutelios a essa passagem (148a e 149ordf apud

STAMATOPOULOU 2014 p 11 nota 34 CALAME 2005 p 57 nota 10 p 58 nota

13) - a referecircncia aos hetaicircroi companheiros de Eneias e talvez integrantes do coro e

ainda o voto do sujeito poeacutetico para que o kocircmos ldquocortejo processionalrdquo ao vencedor

apoacutes ter sido apresentado em Estiacutenfalo como julga a maior parte da criacutetica pindaacuterica

acerca da premiegravere do epiniacutecio (apud STAMATOPOULOU 2014 p 2) fosse tambeacutem

recebido pelo tirano Hieratildeo em Siracusa onde seria realizada a reperformance durante a

festa cultual (v 95) dedicada a Demeacuteter e a Perseacutefone deusas tutelares de Siracusa culto

possivelmente organizado pela famiacutelia de Hieratildeo (apud CALAME 2005 p 59)

Evidenciam respectivamente a recepccedilatildeo e a reapresentaccedilatildeo do canto em Siracusa a

forma verbal deacutexaito ldquorecebardquo (v 98) no optativo desiderativo enfatizada pela expressatildeo

sỳn degrave philophrosyacutenas euētaacutetois ldquocom amaacuteveis atos de amizaderdquo e os sintagmas

adverbiais presentes no verso 99 oiacutekothen oiacutekadrsquo ldquode uma casa para outrardquo e apograve

Stymphaliacuteōn ldquode Estiacutenfalordquo e por fim a justaposiccedilatildeo no verso 102 dos pronomes tocircnde

ldquoestesrdquo e keiacutenon ldquoagravequelesrdquo alusivos aos estinfaacutelios e siracusanos respectivamente Assim

como esses elementos apontam para a saiacuteda do vencedor da cidade Estiacutenfalo e Siracusa

eacute ainda um lugar a ser alcanccedilado por via mariacutetima acredita-se que a execuccedilatildeo primeira

do canto tenha ocorrido na cidade da matildee de Hageacutesias Note-se que o atleta e as duas

cidades a de seus antepassados maternos Estiacutenfalo e a sua terra natal Siracusa satildeo ainda

representados respectivamente pelas imagens metafoacutericas do navio e das duas acircncoras

(vv 101-5a) imagens que remetem ao deus do mar Posecircidon invocado pela persona

loquens para conceder uma favoraacutevel travessia ao kocircmos de Hageacutesias do qual

possivelmente fazia parte o chefe do coro responsaacutevel segundo Calame (2005 p 57)

16

pelo treinamento dos coreutashetaicircroi que deveriam transmitir em performance coral a

voz do poeta

Ainda acerca dessa metaacutefora mariacutetima Meacuteautis (1962 p 200) Kirkwood (1982

p 94) a interpretam como uma referecircncia agrave crise poliacutetica instaurada em Siracusa nos

uacuteltimos anos de governo de Hieratildeo crise representada pela imagem da lsquotempestuosa

noitersquo (vv 100-1) Assim na qualidade de cidadatildeo siracusano observa ainda Meacuteautis

(1962 p 200) Hageacutesias prevendo a queda do regime tiracircnico pretendia solicitar uma

nova cidadania em Estiacutenfalo A esse respeito vale mencionar uma vez mais a opiniatildeo

de Stamatopoulou (2014 p 3-4) que compartilhando do ponto de vista de Stehle julga

ter sido a ode executada primeiramente em Estiacutenfalo com o objetivo de estreitarem-se os

laccedilos entre o vencedor e essa cidade da Arcaacutedia

No que concerne ao possiacutevel chefe do coro o sujeito poeacutetico num tom laudatoacuterio

refere-se a Eneias como notou Kirkwood (1982 p 93) acerca do estilo metafoacuterico de

Piacutendaro - como aacutengelos ldquomensageirordquo (v 90) e skytaacutela (v 91)27 traduzido como

ldquointeacuterpreterdquo por ser ele o responsaacutevel pela recepccedilatildeo dos efluacutevios das Musas ndash como

explicita a expressatildeo ldquodoce taccedila de cantos ressoantesrdquo (v 91) - pela transmissatildeo e

reapresentaccedilatildeo da mensagemcanto em Siracusa onde tambeacutem deveria ser objeto de

encocircmio o tirano Hieratildeo do qual se enfatizam o governo justo a piedade religiosa os

triunfos jaacute festejados ldquopelas liras e canccedilotildees de doces palavrasrdquo (vv 96-7) a generosidade

e a amizade (v 98)

Deste modo a referecircncia a Eneias destaca o importante papel do poeta-cantor na

perpetuaccedilatildeo do triunfo agonal Nesse complexo processo de elaboraccedilatildeo poeacutetico-

perfomativa utilizam-se natildeo soacute metaacuteforas como jaacute destacou mas tambeacutem narrativas

miacuteticas relacionadas com a arte divinatoacuteria Assim por meio do elogio ao atleta

homenageado evoca-se primeiramente como modelo miacutetico Anfiarau (vv 12-21) ndash

participante da expediccedilatildeo dos Sete contra Tebas sob o comando de Adrasto rei de

Argos- possuidor das mesmas atribuiccedilotildees do laureado jaacute que ambos satildeo

guerreirogeneral e adivinho Eacute importante enfatizar que a transiccedilatildeo do tempo presente

representado pelo vencedor para o passado miacutetico se estabelece por meio do pronome

relativo hoacuten (v 12) referente ao louvor destinado a Hageacutesias e a Anfiarau e do adveacuterbio

27 Em Esparta espeacutecie de bastatildeo de madeira sobre o qual se enrolavam correias compridas e estreitas com

mensagens secretas lidas e compreendidas por quem possuiacutesse um bastatildeo idecircntico (PINDARE

Olympiques 1971 p 85 nota 4)

17

potrsquo ldquooutrora (v 13) com base no qual se alude ao desaparecimento repentino do

adivinho tebano (v 14) que segundo a versatildeo miacutetica fora arrebatado por Zeus para evitar

a morte do heroacutei como se infere do emprego do verbo katamaacuterptō lsquoengolirrsquo em tmese

que indica ter sido Anfiarau tragado pela terra Observa Barciela (2015 p 53) que esse

corte entre a preposiccedilatildeo kataacute ldquodebaixo derdquo ldquosobrdquo (v 14) e o radical do verbo salienta

natildeo somente o sentido do preveacuterbio mas tambeacutem aponta a razatildeo de natildeo ter Adrasto

encontrado Anfiarau nas sete piras Acredita-se ter sido essa a razatildeo de Adrasto ter

proferido ao adivinho um elogio em discurso direto por meio da imagem metafoacuterica

stratiacircs ophthalmograven emacircs ldquoolho28 do meu exeacutercitordquo metaacutefora que aleacutem de assinalar a

importacircncia de Anfiarau na expediccedilatildeo tebana lhe sintetiza os dois atributos relacionados

respectivamente com a macircntica e com a guerra

Julga-se que a menccedilatildeo ao atributo divinatoacuterio de Anfiarau constitui um meio de

antecipaccedilatildeo do principal mito da ode cujo eixo temaacutetico se centra no nascimento de

Iacuteamo29 (vv 39-47) e em sua iniciaccedilatildeo na arte divinatoacuteria tornando-se o primeiro de uma

famiacutelia de adivinhos ndash os Iacircmidas ndash e o responsaacutevel pelo altar profeacutetico de Zeus em

Oliacutempia (v 70)

Eacute digno de nota ter sido o citado mito introduzido pelas imagens metafoacutericas do

poeta-condutor e da poesia-quadriga por meio das quais anota Calame (2005 p 54)

ocorre um deslocamento geograacutefico-temporal jaacute que a par do movimento de Oliacutempia ndash

lugar onde ocorrera a competiccedilatildeo desportiva ndash para Piacutetana cidade espartana situada junto

ao leito do rio Eurotas na Lacocircnia haacute uma transposiccedilatildeo do tempo da ldquoenunciaccedilatildeo do

cantordquo isto eacute o tempo presente ndash marcado pelo adveacuterbio saacutemeron lsquohojersquo (v 28) ndash para o

passado miacutetico indicado pela referecircncia a Piacutetana- natildeo somente o nome de uma pequena

povoaccedilatildeo de que se compunha Esparta mas tambeacutem o nome de uma ninfa filha do deus-

rio Eurotas e fundadora da linhagem dos Iacircmidas - que unida a Posecircidon gerou em

segredo Evadne matildee de Iacuteamo ancestral miacutetico de uma extensa linhagem de adivinhos

28 Imagem presente em Oliacutempica 2 (v 10) em referecircncia aos ancestrais histoacutericos de Teratildeo de Agrigento

e em Piacutetica 5 (vv 55-7a) em alusatildeo a Bato fundador da estirpe dos reis de Cirene cidade do vencedor

Com relaccedilatildeo agrave imagem do olho em Oliacutempica 6 conveacutem lembrar citando Villarrubia (1995 p 17) Suaacuterez

de la Torre (1989 p 97) e Meacuteautis (1962 p 195) que o escoacutelio pindaacuterico ao citado verso refere a Tebaida

como fonte direta do elogio de Adrasto a Anfiarau 29Como observa Nisetich (1998 p 2) nas odes pindaacutericas eacute conferido destaque maior agrave famiacutelia do vencedor

que ao proacuteprio homenageado jaacute que se busca em fatos preteacuteritos explicaccedilotildees ou justificativas para o

momento presente A esse respeito verifica-se na ode em estudo que a volta ao passado (vv 28-71)

constitui um meio de glorificaccedilatildeo do homenageado

18

cujo representante atual eacute o vencedor oliacutempico Hageacutesias de Siracusa Evadne por sua

vez seduzida por Apolo deu agrave luz Iacuteamo cuja vocaccedilatildeo profeacutetica eacute anunciada na ode pelo

atributo theoacutephrona lsquoinspirado pelos deusesrsquo (v 41) e pelo oraacuteculo de Delfos revelado

ao pai mortal e adotivo de Evadne ndash Eacutepito - a quem satildeo declarados a origem e o dom

divinatoacuterio de Iacuteamo (vv 49b-51) cujo nome de etimologia obscura estaacute associado ao

nome da flor violeta (DUCHEMIN 1955 p 242-3) iacuteon tambeacutem presente no epiacuteteto

atribuiacutedo a Evadne ioacuteplokos ldquocabelo cor de violetardquo (v 30) portanto cor que identifica

Iacuteamo como filho de Evadne Em sintonia com Eleanor Irwin (1996 p 386) acerca de seu

comentaacuterio sobre o ambiente onde Iacuteamo fora abandonado por sua matildee isto eacute khamaiacute ldquono

chatildeordquo (v 45) considera-se que esse lugar eacute tambeacutem ser esse sobrenatural haja vista terem

florescido do chatildeo violetas que forneceram ao receacutem-nascido calor e proteccedilatildeo necessaacuterios

agrave sua sobrevivecircncia Destarte as violetas simbolizam a proacutepria Evadne posto que

exerceram a funccedilatildeo materna

Significativo tambeacutem nessa passagem eacute o fato de ter sido por intervenccedilatildeo divina

(v 46) Iacuteamo alimentado por duas serpentes (45b-47a) com ldquoo veneno irrepreensiacutevel das

abelhasrdquo expressatildeo que se associa anotou Duchemin (1955 p 251) jaacute haacute algum tempo

ao dom da profecia e do fazer poeacutetico Deborah Steiner (1986 p 103) por sua vez refere

acerca dessa passagem que a relaccedilatildeo entre a serpente animal macircntico por excelecircncia

(Meacuteautis 1962 p 196) e o mel anuncia o dom profeacutetico que o receacutem-nascido teria

posteriormente30

Ao chegar agrave adolescecircncia Iacuteamo ciente de sua ascendecircncia divina solicita a seu

avocirc Posecircidon e a seu pai Apolo um atributo que beneficiasse todo o povo uma honra

puacuteblica laoacutethrophos ldquoque alimentasse o povordquo (v 60) Ressalte-se que embora a suacuteplica

tenha sido dirigida a essas duas divindades eacute Apolo nomeado com seu epiacuteteto ldquoarqueiro

guardiatildeo da divina Delosrdquo (v 59) quem concede ao filho o duplo dom da adivinhaccedilatildeo

(vv 65-70) a faculdade de ouvir-lhe a voz profeacutetica pautada sempre na verdade e a

fundaccedilatildeo de oraacuteculo de Zeus em Oliacutempia antes mesmo da instituiccedilatildeo dos Jogos

Oliacutempicos por Heacuteracles Logo com a concessatildeo da daacutediva da adivinhaccedilatildeo encerra-se o

relato miacutetico dos Iacircmidas Faz entatildeo a voz do poema a passagem do tempo miacutetico (vv

71-7) para o passado proacuteximo de Hageacutesias com a alusatildeo laudatoacuteria aos antepassados

30 Acrescente-se que a relaccedilatildeo entre a serpente e a figura de Apolo se justifica pelo fato de a divindade ter

assassinado a serpente Piacuteton para habitar Delfos

19

histoacutericos do vencedor (vv 78-81) e numa referecircncia metapoeacutetica (vv 82-7b) a seus

proacuteprios ancestrais por serem todos procedentes da cidade de Estiacutenfalo dado que

identifica o laureado com a persona loquens

Ediccedilotildees traduccedilotildees e comentaacuterios

HEROacuteDOTO Histoacuteria O relato claacutessico da guerra entre Gregos e Persas 2ordf ed

Traduccedilatildeo de J Brito Broca Satildeo Paulo Ediouro 2001

KIRKWOOD Gordon Selections from Pindar Chicago American Philological

Association 1982 p 3-19

LOURENCcedilO Frederico Poesia grega de Aacutelcman a Teoacutecrito Lisboa Livros Cotovia

2006b p 91-6

ORTEGA A Piacutendaro Odas y Fragmentos Madrid Editorial Gredos 1984 reimpr

1995

PINDARE Olympiques Texte eacutetabli et traduit par Aimeacute Puech Paris Les Belles Lettres

1970 Tome I

RACE William H Pindar Boston Twayne Publishers 1986 p 1986 pp 19-35 67-73

SNELL B amp MAEHLER H Pindari Carmina cum Fragmentis Pars I Epinicia 8ordf ed

Leipzig Teubner 1987

SLATER William (ed) Lexicon to Pindar Berlin Walter de Gruyter1969

Estudos

BARCIELA Ainda M La figura del mantis en la sexta oliacutempica de Piacutendaro Aacutegora

Estudos Claacutessicos em Debate 17 2015 p 51-94 Disponiacutevel em httpwww

philpapersorgrecMGULFD-2

CALAME Claude Entre narrativa heroica e poesia ritual o sujeito poeacutetico que canta o

mitoTraduccedilatildeo de Joseacute Marcos Mariani de Macedo Letras Claacutessicas no 9 2005 p 47-

65 Disponiacutevel em httpwwwrevistasfflchuspbrletrasclassicasissueview69

_________ Genre Occasion and performance In BUDELMANN F (org) The

Cambridge Companion to Greek Lyric Cambridge Cambridge University Press 2009

p 21-38

DUCHEMIN Jacqueline Pindare poete et prophegravete Paris Les Belles Lettres 1955

20

FRADE Sofia Colunas e violetas Oliacutempica VI In LOURENCcedilO Frederico Ensaios

sobre Piacutendaro Lisboa Ediccedilotildees Cotovia 2006 p 47-55

HIRATA Elaine Farias Veloso Monumentalidade e representaccedilotildees do poder tiracircnico no

Ocidente grego In CORNELLI Gabriele (org) Representaccedilotildees da Cidade Antiga ndash

Categorias histoacutericas e discursos filosoacuteficos Coimbra Centro de Estudos Claacutessicos e

Humaniacutesticos ndash Classica Digitalia Universitatis Conimbrigensis 2010 p 23-37

IRWIN M Eleanor Evadne Iamos and Violets in Pindarrsquos Sixth Olympian Hermes 124

Bd H 4 1996 p 385-95

LEFKOWITZ Mary R First- Person Fictions Pindarrsquos Poetic lsquoIrdquo Oxford Clarendon

Press 1991 p 1-71

LESKY Albin Histoacuteria da Literatura GregaTraduccedilatildeo de Manuel Losa LisboaCalouste

Gulbenkian 1995 p 211-37

LOURENCcedilO Frederico (org) Ensaios sobre Piacutendaro Lisboa Livros Cotovia 2006a

pp 9-11

______ Liacuterica coral e monoacutedica uma problemaacutetica revisitada Humanitas 61 2009 p

19-29

MEacuteAUTIS Georges Pindare le Dorien Paris Editions Albin Michel 1962 p 193-201

MUCKENSTURM_POULE Claire Lrsquoeacutenonciation dans les scholies de la Sixiegraveme

Olympique Dialogues drsquohistoire ancienne 2009 Suppleacutement 2 S2 p 77-91 Disponiacutevel

em httpwwwcairninforevue-dialogues-d-histoire-ancienne-2009-supplement2-page-

77htm

NISETICH Frank J Pindarrdquos Victory Songs London The Johns Hopkins University

Press 1980 p 1-22

ROCHA PEREIRA M H Estudos de Histoacuteria da Cultura Claacutessica 10ordf ed I Vol

Lisboa Calouste Gulbenkian 2006

STAMATOPOULOU Zoe Inscribing Perfomances in Pindarrsquos Olympian 6

Transactions of American Philological Association 144 2014 p 1-17 Disponiacutevel em

httpmusejhuedujournalsapasummaryv1441441 stamatopoulou Html Acesso

UFRJ em 2982014

21

STEINER Deborah The Crown of Song Metaphor in Pindar Oxford Oxford University

Press 1986

SUAacuteREZ DE LA TORRE Emilio Adivinacioacuten y profecia en Piacutendaro (II) Minerva

Revista de Filologiacutea Claacutesica no 3 1989 p 79-120

______ Parole de poegravete parole de prophegravete les oracles et la mantique chez Pindare

Kernos 3 1990 p 347-58 Disponiacutevel em

httpkernosrevuesorg1006DOI104000kernos1006

SULLIVAN Shirley D Aspects of the ldquofictive Irdquo in Pindar adress to psychic enteties

Emerita Revista de Linguumliacutestica y Filologiacutea Claacutesica LXX 1 2002 p 83-102

VALLET Georges Pindare et la Sicile In Entretiens sur lrsquo Antiquiteacute Classique

Pindare Vandoeuvres ndash Genegraveve Fondation Hardt 1984 p 285-327

VILLARRUBIA Antonio La victoria de Hagesias de Siracusa y la Oliacutempica 6 de

Piacutendaro Habis 26 1995 p 13-28

15

Deve-se observar tambeacutem com Claire Muckensturn-Poulle (2009 p 77) que ao

longo da Oliacutempica 6 o sujeito do enunciado confere voz a outros enunciadores ora

empregando o discurso direto como no elogio que Adrasto faz a Anfiarau (vv 16-7) e na

ordem dada por Apolo a Iacuteamo (vv 62-3) no momento em que o deus lhe concede o dom

da profecia ora transferindo por meio de uma ordem sua funccedilatildeo de locutor do canto

agonal a Fiacutentis o auriga de Hageacutesias (v 22) ou a Eneias o khorodidaacuteskalos (vv 88-96)

com os quais se identifica como poeta-condutor e poeta-mestre do coro

Por outro lado haacute dados sugestivos da performance coral da ode e de seu local de

execuccedilatildeo haja vista a invocaccedilatildeo da persona loquens a Eneias possivelmente o

khorodidaacuteskalos - a julgar pelos escoacutelios a essa passagem (148a e 149ordf apud

STAMATOPOULOU 2014 p 11 nota 34 CALAME 2005 p 57 nota 10 p 58 nota

13) - a referecircncia aos hetaicircroi companheiros de Eneias e talvez integrantes do coro e

ainda o voto do sujeito poeacutetico para que o kocircmos ldquocortejo processionalrdquo ao vencedor

apoacutes ter sido apresentado em Estiacutenfalo como julga a maior parte da criacutetica pindaacuterica

acerca da premiegravere do epiniacutecio (apud STAMATOPOULOU 2014 p 2) fosse tambeacutem

recebido pelo tirano Hieratildeo em Siracusa onde seria realizada a reperformance durante a

festa cultual (v 95) dedicada a Demeacuteter e a Perseacutefone deusas tutelares de Siracusa culto

possivelmente organizado pela famiacutelia de Hieratildeo (apud CALAME 2005 p 59)

Evidenciam respectivamente a recepccedilatildeo e a reapresentaccedilatildeo do canto em Siracusa a

forma verbal deacutexaito ldquorecebardquo (v 98) no optativo desiderativo enfatizada pela expressatildeo

sỳn degrave philophrosyacutenas euētaacutetois ldquocom amaacuteveis atos de amizaderdquo e os sintagmas

adverbiais presentes no verso 99 oiacutekothen oiacutekadrsquo ldquode uma casa para outrardquo e apograve

Stymphaliacuteōn ldquode Estiacutenfalordquo e por fim a justaposiccedilatildeo no verso 102 dos pronomes tocircnde

ldquoestesrdquo e keiacutenon ldquoagravequelesrdquo alusivos aos estinfaacutelios e siracusanos respectivamente Assim

como esses elementos apontam para a saiacuteda do vencedor da cidade Estiacutenfalo e Siracusa

eacute ainda um lugar a ser alcanccedilado por via mariacutetima acredita-se que a execuccedilatildeo primeira

do canto tenha ocorrido na cidade da matildee de Hageacutesias Note-se que o atleta e as duas

cidades a de seus antepassados maternos Estiacutenfalo e a sua terra natal Siracusa satildeo ainda

representados respectivamente pelas imagens metafoacutericas do navio e das duas acircncoras

(vv 101-5a) imagens que remetem ao deus do mar Posecircidon invocado pela persona

loquens para conceder uma favoraacutevel travessia ao kocircmos de Hageacutesias do qual

possivelmente fazia parte o chefe do coro responsaacutevel segundo Calame (2005 p 57)

16

pelo treinamento dos coreutashetaicircroi que deveriam transmitir em performance coral a

voz do poeta

Ainda acerca dessa metaacutefora mariacutetima Meacuteautis (1962 p 200) Kirkwood (1982

p 94) a interpretam como uma referecircncia agrave crise poliacutetica instaurada em Siracusa nos

uacuteltimos anos de governo de Hieratildeo crise representada pela imagem da lsquotempestuosa

noitersquo (vv 100-1) Assim na qualidade de cidadatildeo siracusano observa ainda Meacuteautis

(1962 p 200) Hageacutesias prevendo a queda do regime tiracircnico pretendia solicitar uma

nova cidadania em Estiacutenfalo A esse respeito vale mencionar uma vez mais a opiniatildeo

de Stamatopoulou (2014 p 3-4) que compartilhando do ponto de vista de Stehle julga

ter sido a ode executada primeiramente em Estiacutenfalo com o objetivo de estreitarem-se os

laccedilos entre o vencedor e essa cidade da Arcaacutedia

No que concerne ao possiacutevel chefe do coro o sujeito poeacutetico num tom laudatoacuterio

refere-se a Eneias como notou Kirkwood (1982 p 93) acerca do estilo metafoacuterico de

Piacutendaro - como aacutengelos ldquomensageirordquo (v 90) e skytaacutela (v 91)27 traduzido como

ldquointeacuterpreterdquo por ser ele o responsaacutevel pela recepccedilatildeo dos efluacutevios das Musas ndash como

explicita a expressatildeo ldquodoce taccedila de cantos ressoantesrdquo (v 91) - pela transmissatildeo e

reapresentaccedilatildeo da mensagemcanto em Siracusa onde tambeacutem deveria ser objeto de

encocircmio o tirano Hieratildeo do qual se enfatizam o governo justo a piedade religiosa os

triunfos jaacute festejados ldquopelas liras e canccedilotildees de doces palavrasrdquo (vv 96-7) a generosidade

e a amizade (v 98)

Deste modo a referecircncia a Eneias destaca o importante papel do poeta-cantor na

perpetuaccedilatildeo do triunfo agonal Nesse complexo processo de elaboraccedilatildeo poeacutetico-

perfomativa utilizam-se natildeo soacute metaacuteforas como jaacute destacou mas tambeacutem narrativas

miacuteticas relacionadas com a arte divinatoacuteria Assim por meio do elogio ao atleta

homenageado evoca-se primeiramente como modelo miacutetico Anfiarau (vv 12-21) ndash

participante da expediccedilatildeo dos Sete contra Tebas sob o comando de Adrasto rei de

Argos- possuidor das mesmas atribuiccedilotildees do laureado jaacute que ambos satildeo

guerreirogeneral e adivinho Eacute importante enfatizar que a transiccedilatildeo do tempo presente

representado pelo vencedor para o passado miacutetico se estabelece por meio do pronome

relativo hoacuten (v 12) referente ao louvor destinado a Hageacutesias e a Anfiarau e do adveacuterbio

27 Em Esparta espeacutecie de bastatildeo de madeira sobre o qual se enrolavam correias compridas e estreitas com

mensagens secretas lidas e compreendidas por quem possuiacutesse um bastatildeo idecircntico (PINDARE

Olympiques 1971 p 85 nota 4)

17

potrsquo ldquooutrora (v 13) com base no qual se alude ao desaparecimento repentino do

adivinho tebano (v 14) que segundo a versatildeo miacutetica fora arrebatado por Zeus para evitar

a morte do heroacutei como se infere do emprego do verbo katamaacuterptō lsquoengolirrsquo em tmese

que indica ter sido Anfiarau tragado pela terra Observa Barciela (2015 p 53) que esse

corte entre a preposiccedilatildeo kataacute ldquodebaixo derdquo ldquosobrdquo (v 14) e o radical do verbo salienta

natildeo somente o sentido do preveacuterbio mas tambeacutem aponta a razatildeo de natildeo ter Adrasto

encontrado Anfiarau nas sete piras Acredita-se ter sido essa a razatildeo de Adrasto ter

proferido ao adivinho um elogio em discurso direto por meio da imagem metafoacuterica

stratiacircs ophthalmograven emacircs ldquoolho28 do meu exeacutercitordquo metaacutefora que aleacutem de assinalar a

importacircncia de Anfiarau na expediccedilatildeo tebana lhe sintetiza os dois atributos relacionados

respectivamente com a macircntica e com a guerra

Julga-se que a menccedilatildeo ao atributo divinatoacuterio de Anfiarau constitui um meio de

antecipaccedilatildeo do principal mito da ode cujo eixo temaacutetico se centra no nascimento de

Iacuteamo29 (vv 39-47) e em sua iniciaccedilatildeo na arte divinatoacuteria tornando-se o primeiro de uma

famiacutelia de adivinhos ndash os Iacircmidas ndash e o responsaacutevel pelo altar profeacutetico de Zeus em

Oliacutempia (v 70)

Eacute digno de nota ter sido o citado mito introduzido pelas imagens metafoacutericas do

poeta-condutor e da poesia-quadriga por meio das quais anota Calame (2005 p 54)

ocorre um deslocamento geograacutefico-temporal jaacute que a par do movimento de Oliacutempia ndash

lugar onde ocorrera a competiccedilatildeo desportiva ndash para Piacutetana cidade espartana situada junto

ao leito do rio Eurotas na Lacocircnia haacute uma transposiccedilatildeo do tempo da ldquoenunciaccedilatildeo do

cantordquo isto eacute o tempo presente ndash marcado pelo adveacuterbio saacutemeron lsquohojersquo (v 28) ndash para o

passado miacutetico indicado pela referecircncia a Piacutetana- natildeo somente o nome de uma pequena

povoaccedilatildeo de que se compunha Esparta mas tambeacutem o nome de uma ninfa filha do deus-

rio Eurotas e fundadora da linhagem dos Iacircmidas - que unida a Posecircidon gerou em

segredo Evadne matildee de Iacuteamo ancestral miacutetico de uma extensa linhagem de adivinhos

28 Imagem presente em Oliacutempica 2 (v 10) em referecircncia aos ancestrais histoacutericos de Teratildeo de Agrigento

e em Piacutetica 5 (vv 55-7a) em alusatildeo a Bato fundador da estirpe dos reis de Cirene cidade do vencedor

Com relaccedilatildeo agrave imagem do olho em Oliacutempica 6 conveacutem lembrar citando Villarrubia (1995 p 17) Suaacuterez

de la Torre (1989 p 97) e Meacuteautis (1962 p 195) que o escoacutelio pindaacuterico ao citado verso refere a Tebaida

como fonte direta do elogio de Adrasto a Anfiarau 29Como observa Nisetich (1998 p 2) nas odes pindaacutericas eacute conferido destaque maior agrave famiacutelia do vencedor

que ao proacuteprio homenageado jaacute que se busca em fatos preteacuteritos explicaccedilotildees ou justificativas para o

momento presente A esse respeito verifica-se na ode em estudo que a volta ao passado (vv 28-71)

constitui um meio de glorificaccedilatildeo do homenageado

18

cujo representante atual eacute o vencedor oliacutempico Hageacutesias de Siracusa Evadne por sua

vez seduzida por Apolo deu agrave luz Iacuteamo cuja vocaccedilatildeo profeacutetica eacute anunciada na ode pelo

atributo theoacutephrona lsquoinspirado pelos deusesrsquo (v 41) e pelo oraacuteculo de Delfos revelado

ao pai mortal e adotivo de Evadne ndash Eacutepito - a quem satildeo declarados a origem e o dom

divinatoacuterio de Iacuteamo (vv 49b-51) cujo nome de etimologia obscura estaacute associado ao

nome da flor violeta (DUCHEMIN 1955 p 242-3) iacuteon tambeacutem presente no epiacuteteto

atribuiacutedo a Evadne ioacuteplokos ldquocabelo cor de violetardquo (v 30) portanto cor que identifica

Iacuteamo como filho de Evadne Em sintonia com Eleanor Irwin (1996 p 386) acerca de seu

comentaacuterio sobre o ambiente onde Iacuteamo fora abandonado por sua matildee isto eacute khamaiacute ldquono

chatildeordquo (v 45) considera-se que esse lugar eacute tambeacutem ser esse sobrenatural haja vista terem

florescido do chatildeo violetas que forneceram ao receacutem-nascido calor e proteccedilatildeo necessaacuterios

agrave sua sobrevivecircncia Destarte as violetas simbolizam a proacutepria Evadne posto que

exerceram a funccedilatildeo materna

Significativo tambeacutem nessa passagem eacute o fato de ter sido por intervenccedilatildeo divina

(v 46) Iacuteamo alimentado por duas serpentes (45b-47a) com ldquoo veneno irrepreensiacutevel das

abelhasrdquo expressatildeo que se associa anotou Duchemin (1955 p 251) jaacute haacute algum tempo

ao dom da profecia e do fazer poeacutetico Deborah Steiner (1986 p 103) por sua vez refere

acerca dessa passagem que a relaccedilatildeo entre a serpente animal macircntico por excelecircncia

(Meacuteautis 1962 p 196) e o mel anuncia o dom profeacutetico que o receacutem-nascido teria

posteriormente30

Ao chegar agrave adolescecircncia Iacuteamo ciente de sua ascendecircncia divina solicita a seu

avocirc Posecircidon e a seu pai Apolo um atributo que beneficiasse todo o povo uma honra

puacuteblica laoacutethrophos ldquoque alimentasse o povordquo (v 60) Ressalte-se que embora a suacuteplica

tenha sido dirigida a essas duas divindades eacute Apolo nomeado com seu epiacuteteto ldquoarqueiro

guardiatildeo da divina Delosrdquo (v 59) quem concede ao filho o duplo dom da adivinhaccedilatildeo

(vv 65-70) a faculdade de ouvir-lhe a voz profeacutetica pautada sempre na verdade e a

fundaccedilatildeo de oraacuteculo de Zeus em Oliacutempia antes mesmo da instituiccedilatildeo dos Jogos

Oliacutempicos por Heacuteracles Logo com a concessatildeo da daacutediva da adivinhaccedilatildeo encerra-se o

relato miacutetico dos Iacircmidas Faz entatildeo a voz do poema a passagem do tempo miacutetico (vv

71-7) para o passado proacuteximo de Hageacutesias com a alusatildeo laudatoacuteria aos antepassados

30 Acrescente-se que a relaccedilatildeo entre a serpente e a figura de Apolo se justifica pelo fato de a divindade ter

assassinado a serpente Piacuteton para habitar Delfos

19

histoacutericos do vencedor (vv 78-81) e numa referecircncia metapoeacutetica (vv 82-7b) a seus

proacuteprios ancestrais por serem todos procedentes da cidade de Estiacutenfalo dado que

identifica o laureado com a persona loquens

Ediccedilotildees traduccedilotildees e comentaacuterios

HEROacuteDOTO Histoacuteria O relato claacutessico da guerra entre Gregos e Persas 2ordf ed

Traduccedilatildeo de J Brito Broca Satildeo Paulo Ediouro 2001

KIRKWOOD Gordon Selections from Pindar Chicago American Philological

Association 1982 p 3-19

LOURENCcedilO Frederico Poesia grega de Aacutelcman a Teoacutecrito Lisboa Livros Cotovia

2006b p 91-6

ORTEGA A Piacutendaro Odas y Fragmentos Madrid Editorial Gredos 1984 reimpr

1995

PINDARE Olympiques Texte eacutetabli et traduit par Aimeacute Puech Paris Les Belles Lettres

1970 Tome I

RACE William H Pindar Boston Twayne Publishers 1986 p 1986 pp 19-35 67-73

SNELL B amp MAEHLER H Pindari Carmina cum Fragmentis Pars I Epinicia 8ordf ed

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SLATER William (ed) Lexicon to Pindar Berlin Walter de Gruyter1969

Estudos

BARCIELA Ainda M La figura del mantis en la sexta oliacutempica de Piacutendaro Aacutegora

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CALAME Claude Entre narrativa heroica e poesia ritual o sujeito poeacutetico que canta o

mitoTraduccedilatildeo de Joseacute Marcos Mariani de Macedo Letras Claacutessicas no 9 2005 p 47-

65 Disponiacutevel em httpwwwrevistasfflchuspbrletrasclassicasissueview69

_________ Genre Occasion and performance In BUDELMANN F (org) The

Cambridge Companion to Greek Lyric Cambridge Cambridge University Press 2009

p 21-38

DUCHEMIN Jacqueline Pindare poete et prophegravete Paris Les Belles Lettres 1955

20

FRADE Sofia Colunas e violetas Oliacutempica VI In LOURENCcedilO Frederico Ensaios

sobre Piacutendaro Lisboa Ediccedilotildees Cotovia 2006 p 47-55

HIRATA Elaine Farias Veloso Monumentalidade e representaccedilotildees do poder tiracircnico no

Ocidente grego In CORNELLI Gabriele (org) Representaccedilotildees da Cidade Antiga ndash

Categorias histoacutericas e discursos filosoacuteficos Coimbra Centro de Estudos Claacutessicos e

Humaniacutesticos ndash Classica Digitalia Universitatis Conimbrigensis 2010 p 23-37

IRWIN M Eleanor Evadne Iamos and Violets in Pindarrsquos Sixth Olympian Hermes 124

Bd H 4 1996 p 385-95

LEFKOWITZ Mary R First- Person Fictions Pindarrsquos Poetic lsquoIrdquo Oxford Clarendon

Press 1991 p 1-71

LESKY Albin Histoacuteria da Literatura GregaTraduccedilatildeo de Manuel Losa LisboaCalouste

Gulbenkian 1995 p 211-37

LOURENCcedilO Frederico (org) Ensaios sobre Piacutendaro Lisboa Livros Cotovia 2006a

pp 9-11

______ Liacuterica coral e monoacutedica uma problemaacutetica revisitada Humanitas 61 2009 p

19-29

MEacuteAUTIS Georges Pindare le Dorien Paris Editions Albin Michel 1962 p 193-201

MUCKENSTURM_POULE Claire Lrsquoeacutenonciation dans les scholies de la Sixiegraveme

Olympique Dialogues drsquohistoire ancienne 2009 Suppleacutement 2 S2 p 77-91 Disponiacutevel

em httpwwwcairninforevue-dialogues-d-histoire-ancienne-2009-supplement2-page-

77htm

NISETICH Frank J Pindarrdquos Victory Songs London The Johns Hopkins University

Press 1980 p 1-22

ROCHA PEREIRA M H Estudos de Histoacuteria da Cultura Claacutessica 10ordf ed I Vol

Lisboa Calouste Gulbenkian 2006

STAMATOPOULOU Zoe Inscribing Perfomances in Pindarrsquos Olympian 6

Transactions of American Philological Association 144 2014 p 1-17 Disponiacutevel em

httpmusejhuedujournalsapasummaryv1441441 stamatopoulou Html Acesso

UFRJ em 2982014

21

STEINER Deborah The Crown of Song Metaphor in Pindar Oxford Oxford University

Press 1986

SUAacuteREZ DE LA TORRE Emilio Adivinacioacuten y profecia en Piacutendaro (II) Minerva

Revista de Filologiacutea Claacutesica no 3 1989 p 79-120

______ Parole de poegravete parole de prophegravete les oracles et la mantique chez Pindare

Kernos 3 1990 p 347-58 Disponiacutevel em

httpkernosrevuesorg1006DOI104000kernos1006

SULLIVAN Shirley D Aspects of the ldquofictive Irdquo in Pindar adress to psychic enteties

Emerita Revista de Linguumliacutestica y Filologiacutea Claacutesica LXX 1 2002 p 83-102

VALLET Georges Pindare et la Sicile In Entretiens sur lrsquo Antiquiteacute Classique

Pindare Vandoeuvres ndash Genegraveve Fondation Hardt 1984 p 285-327

VILLARRUBIA Antonio La victoria de Hagesias de Siracusa y la Oliacutempica 6 de

Piacutendaro Habis 26 1995 p 13-28

16

pelo treinamento dos coreutashetaicircroi que deveriam transmitir em performance coral a

voz do poeta

Ainda acerca dessa metaacutefora mariacutetima Meacuteautis (1962 p 200) Kirkwood (1982

p 94) a interpretam como uma referecircncia agrave crise poliacutetica instaurada em Siracusa nos

uacuteltimos anos de governo de Hieratildeo crise representada pela imagem da lsquotempestuosa

noitersquo (vv 100-1) Assim na qualidade de cidadatildeo siracusano observa ainda Meacuteautis

(1962 p 200) Hageacutesias prevendo a queda do regime tiracircnico pretendia solicitar uma

nova cidadania em Estiacutenfalo A esse respeito vale mencionar uma vez mais a opiniatildeo

de Stamatopoulou (2014 p 3-4) que compartilhando do ponto de vista de Stehle julga

ter sido a ode executada primeiramente em Estiacutenfalo com o objetivo de estreitarem-se os

laccedilos entre o vencedor e essa cidade da Arcaacutedia

No que concerne ao possiacutevel chefe do coro o sujeito poeacutetico num tom laudatoacuterio

refere-se a Eneias como notou Kirkwood (1982 p 93) acerca do estilo metafoacuterico de

Piacutendaro - como aacutengelos ldquomensageirordquo (v 90) e skytaacutela (v 91)27 traduzido como

ldquointeacuterpreterdquo por ser ele o responsaacutevel pela recepccedilatildeo dos efluacutevios das Musas ndash como

explicita a expressatildeo ldquodoce taccedila de cantos ressoantesrdquo (v 91) - pela transmissatildeo e

reapresentaccedilatildeo da mensagemcanto em Siracusa onde tambeacutem deveria ser objeto de

encocircmio o tirano Hieratildeo do qual se enfatizam o governo justo a piedade religiosa os

triunfos jaacute festejados ldquopelas liras e canccedilotildees de doces palavrasrdquo (vv 96-7) a generosidade

e a amizade (v 98)

Deste modo a referecircncia a Eneias destaca o importante papel do poeta-cantor na

perpetuaccedilatildeo do triunfo agonal Nesse complexo processo de elaboraccedilatildeo poeacutetico-

perfomativa utilizam-se natildeo soacute metaacuteforas como jaacute destacou mas tambeacutem narrativas

miacuteticas relacionadas com a arte divinatoacuteria Assim por meio do elogio ao atleta

homenageado evoca-se primeiramente como modelo miacutetico Anfiarau (vv 12-21) ndash

participante da expediccedilatildeo dos Sete contra Tebas sob o comando de Adrasto rei de

Argos- possuidor das mesmas atribuiccedilotildees do laureado jaacute que ambos satildeo

guerreirogeneral e adivinho Eacute importante enfatizar que a transiccedilatildeo do tempo presente

representado pelo vencedor para o passado miacutetico se estabelece por meio do pronome

relativo hoacuten (v 12) referente ao louvor destinado a Hageacutesias e a Anfiarau e do adveacuterbio

27 Em Esparta espeacutecie de bastatildeo de madeira sobre o qual se enrolavam correias compridas e estreitas com

mensagens secretas lidas e compreendidas por quem possuiacutesse um bastatildeo idecircntico (PINDARE

Olympiques 1971 p 85 nota 4)

17

potrsquo ldquooutrora (v 13) com base no qual se alude ao desaparecimento repentino do

adivinho tebano (v 14) que segundo a versatildeo miacutetica fora arrebatado por Zeus para evitar

a morte do heroacutei como se infere do emprego do verbo katamaacuterptō lsquoengolirrsquo em tmese

que indica ter sido Anfiarau tragado pela terra Observa Barciela (2015 p 53) que esse

corte entre a preposiccedilatildeo kataacute ldquodebaixo derdquo ldquosobrdquo (v 14) e o radical do verbo salienta

natildeo somente o sentido do preveacuterbio mas tambeacutem aponta a razatildeo de natildeo ter Adrasto

encontrado Anfiarau nas sete piras Acredita-se ter sido essa a razatildeo de Adrasto ter

proferido ao adivinho um elogio em discurso direto por meio da imagem metafoacuterica

stratiacircs ophthalmograven emacircs ldquoolho28 do meu exeacutercitordquo metaacutefora que aleacutem de assinalar a

importacircncia de Anfiarau na expediccedilatildeo tebana lhe sintetiza os dois atributos relacionados

respectivamente com a macircntica e com a guerra

Julga-se que a menccedilatildeo ao atributo divinatoacuterio de Anfiarau constitui um meio de

antecipaccedilatildeo do principal mito da ode cujo eixo temaacutetico se centra no nascimento de

Iacuteamo29 (vv 39-47) e em sua iniciaccedilatildeo na arte divinatoacuteria tornando-se o primeiro de uma

famiacutelia de adivinhos ndash os Iacircmidas ndash e o responsaacutevel pelo altar profeacutetico de Zeus em

Oliacutempia (v 70)

Eacute digno de nota ter sido o citado mito introduzido pelas imagens metafoacutericas do

poeta-condutor e da poesia-quadriga por meio das quais anota Calame (2005 p 54)

ocorre um deslocamento geograacutefico-temporal jaacute que a par do movimento de Oliacutempia ndash

lugar onde ocorrera a competiccedilatildeo desportiva ndash para Piacutetana cidade espartana situada junto

ao leito do rio Eurotas na Lacocircnia haacute uma transposiccedilatildeo do tempo da ldquoenunciaccedilatildeo do

cantordquo isto eacute o tempo presente ndash marcado pelo adveacuterbio saacutemeron lsquohojersquo (v 28) ndash para o

passado miacutetico indicado pela referecircncia a Piacutetana- natildeo somente o nome de uma pequena

povoaccedilatildeo de que se compunha Esparta mas tambeacutem o nome de uma ninfa filha do deus-

rio Eurotas e fundadora da linhagem dos Iacircmidas - que unida a Posecircidon gerou em

segredo Evadne matildee de Iacuteamo ancestral miacutetico de uma extensa linhagem de adivinhos

28 Imagem presente em Oliacutempica 2 (v 10) em referecircncia aos ancestrais histoacutericos de Teratildeo de Agrigento

e em Piacutetica 5 (vv 55-7a) em alusatildeo a Bato fundador da estirpe dos reis de Cirene cidade do vencedor

Com relaccedilatildeo agrave imagem do olho em Oliacutempica 6 conveacutem lembrar citando Villarrubia (1995 p 17) Suaacuterez

de la Torre (1989 p 97) e Meacuteautis (1962 p 195) que o escoacutelio pindaacuterico ao citado verso refere a Tebaida

como fonte direta do elogio de Adrasto a Anfiarau 29Como observa Nisetich (1998 p 2) nas odes pindaacutericas eacute conferido destaque maior agrave famiacutelia do vencedor

que ao proacuteprio homenageado jaacute que se busca em fatos preteacuteritos explicaccedilotildees ou justificativas para o

momento presente A esse respeito verifica-se na ode em estudo que a volta ao passado (vv 28-71)

constitui um meio de glorificaccedilatildeo do homenageado

18

cujo representante atual eacute o vencedor oliacutempico Hageacutesias de Siracusa Evadne por sua

vez seduzida por Apolo deu agrave luz Iacuteamo cuja vocaccedilatildeo profeacutetica eacute anunciada na ode pelo

atributo theoacutephrona lsquoinspirado pelos deusesrsquo (v 41) e pelo oraacuteculo de Delfos revelado

ao pai mortal e adotivo de Evadne ndash Eacutepito - a quem satildeo declarados a origem e o dom

divinatoacuterio de Iacuteamo (vv 49b-51) cujo nome de etimologia obscura estaacute associado ao

nome da flor violeta (DUCHEMIN 1955 p 242-3) iacuteon tambeacutem presente no epiacuteteto

atribuiacutedo a Evadne ioacuteplokos ldquocabelo cor de violetardquo (v 30) portanto cor que identifica

Iacuteamo como filho de Evadne Em sintonia com Eleanor Irwin (1996 p 386) acerca de seu

comentaacuterio sobre o ambiente onde Iacuteamo fora abandonado por sua matildee isto eacute khamaiacute ldquono

chatildeordquo (v 45) considera-se que esse lugar eacute tambeacutem ser esse sobrenatural haja vista terem

florescido do chatildeo violetas que forneceram ao receacutem-nascido calor e proteccedilatildeo necessaacuterios

agrave sua sobrevivecircncia Destarte as violetas simbolizam a proacutepria Evadne posto que

exerceram a funccedilatildeo materna

Significativo tambeacutem nessa passagem eacute o fato de ter sido por intervenccedilatildeo divina

(v 46) Iacuteamo alimentado por duas serpentes (45b-47a) com ldquoo veneno irrepreensiacutevel das

abelhasrdquo expressatildeo que se associa anotou Duchemin (1955 p 251) jaacute haacute algum tempo

ao dom da profecia e do fazer poeacutetico Deborah Steiner (1986 p 103) por sua vez refere

acerca dessa passagem que a relaccedilatildeo entre a serpente animal macircntico por excelecircncia

(Meacuteautis 1962 p 196) e o mel anuncia o dom profeacutetico que o receacutem-nascido teria

posteriormente30

Ao chegar agrave adolescecircncia Iacuteamo ciente de sua ascendecircncia divina solicita a seu

avocirc Posecircidon e a seu pai Apolo um atributo que beneficiasse todo o povo uma honra

puacuteblica laoacutethrophos ldquoque alimentasse o povordquo (v 60) Ressalte-se que embora a suacuteplica

tenha sido dirigida a essas duas divindades eacute Apolo nomeado com seu epiacuteteto ldquoarqueiro

guardiatildeo da divina Delosrdquo (v 59) quem concede ao filho o duplo dom da adivinhaccedilatildeo

(vv 65-70) a faculdade de ouvir-lhe a voz profeacutetica pautada sempre na verdade e a

fundaccedilatildeo de oraacuteculo de Zeus em Oliacutempia antes mesmo da instituiccedilatildeo dos Jogos

Oliacutempicos por Heacuteracles Logo com a concessatildeo da daacutediva da adivinhaccedilatildeo encerra-se o

relato miacutetico dos Iacircmidas Faz entatildeo a voz do poema a passagem do tempo miacutetico (vv

71-7) para o passado proacuteximo de Hageacutesias com a alusatildeo laudatoacuteria aos antepassados

30 Acrescente-se que a relaccedilatildeo entre a serpente e a figura de Apolo se justifica pelo fato de a divindade ter

assassinado a serpente Piacuteton para habitar Delfos

19

histoacutericos do vencedor (vv 78-81) e numa referecircncia metapoeacutetica (vv 82-7b) a seus

proacuteprios ancestrais por serem todos procedentes da cidade de Estiacutenfalo dado que

identifica o laureado com a persona loquens

Ediccedilotildees traduccedilotildees e comentaacuterios

HEROacuteDOTO Histoacuteria O relato claacutessico da guerra entre Gregos e Persas 2ordf ed

Traduccedilatildeo de J Brito Broca Satildeo Paulo Ediouro 2001

KIRKWOOD Gordon Selections from Pindar Chicago American Philological

Association 1982 p 3-19

LOURENCcedilO Frederico Poesia grega de Aacutelcman a Teoacutecrito Lisboa Livros Cotovia

2006b p 91-6

ORTEGA A Piacutendaro Odas y Fragmentos Madrid Editorial Gredos 1984 reimpr

1995

PINDARE Olympiques Texte eacutetabli et traduit par Aimeacute Puech Paris Les Belles Lettres

1970 Tome I

RACE William H Pindar Boston Twayne Publishers 1986 p 1986 pp 19-35 67-73

SNELL B amp MAEHLER H Pindari Carmina cum Fragmentis Pars I Epinicia 8ordf ed

Leipzig Teubner 1987

SLATER William (ed) Lexicon to Pindar Berlin Walter de Gruyter1969

Estudos

BARCIELA Ainda M La figura del mantis en la sexta oliacutempica de Piacutendaro Aacutegora

Estudos Claacutessicos em Debate 17 2015 p 51-94 Disponiacutevel em httpwww

philpapersorgrecMGULFD-2

CALAME Claude Entre narrativa heroica e poesia ritual o sujeito poeacutetico que canta o

mitoTraduccedilatildeo de Joseacute Marcos Mariani de Macedo Letras Claacutessicas no 9 2005 p 47-

65 Disponiacutevel em httpwwwrevistasfflchuspbrletrasclassicasissueview69

_________ Genre Occasion and performance In BUDELMANN F (org) The

Cambridge Companion to Greek Lyric Cambridge Cambridge University Press 2009

p 21-38

DUCHEMIN Jacqueline Pindare poete et prophegravete Paris Les Belles Lettres 1955

20

FRADE Sofia Colunas e violetas Oliacutempica VI In LOURENCcedilO Frederico Ensaios

sobre Piacutendaro Lisboa Ediccedilotildees Cotovia 2006 p 47-55

HIRATA Elaine Farias Veloso Monumentalidade e representaccedilotildees do poder tiracircnico no

Ocidente grego In CORNELLI Gabriele (org) Representaccedilotildees da Cidade Antiga ndash

Categorias histoacutericas e discursos filosoacuteficos Coimbra Centro de Estudos Claacutessicos e

Humaniacutesticos ndash Classica Digitalia Universitatis Conimbrigensis 2010 p 23-37

IRWIN M Eleanor Evadne Iamos and Violets in Pindarrsquos Sixth Olympian Hermes 124

Bd H 4 1996 p 385-95

LEFKOWITZ Mary R First- Person Fictions Pindarrsquos Poetic lsquoIrdquo Oxford Clarendon

Press 1991 p 1-71

LESKY Albin Histoacuteria da Literatura GregaTraduccedilatildeo de Manuel Losa LisboaCalouste

Gulbenkian 1995 p 211-37

LOURENCcedilO Frederico (org) Ensaios sobre Piacutendaro Lisboa Livros Cotovia 2006a

pp 9-11

______ Liacuterica coral e monoacutedica uma problemaacutetica revisitada Humanitas 61 2009 p

19-29

MEacuteAUTIS Georges Pindare le Dorien Paris Editions Albin Michel 1962 p 193-201

MUCKENSTURM_POULE Claire Lrsquoeacutenonciation dans les scholies de la Sixiegraveme

Olympique Dialogues drsquohistoire ancienne 2009 Suppleacutement 2 S2 p 77-91 Disponiacutevel

em httpwwwcairninforevue-dialogues-d-histoire-ancienne-2009-supplement2-page-

77htm

NISETICH Frank J Pindarrdquos Victory Songs London The Johns Hopkins University

Press 1980 p 1-22

ROCHA PEREIRA M H Estudos de Histoacuteria da Cultura Claacutessica 10ordf ed I Vol

Lisboa Calouste Gulbenkian 2006

STAMATOPOULOU Zoe Inscribing Perfomances in Pindarrsquos Olympian 6

Transactions of American Philological Association 144 2014 p 1-17 Disponiacutevel em

httpmusejhuedujournalsapasummaryv1441441 stamatopoulou Html Acesso

UFRJ em 2982014

21

STEINER Deborah The Crown of Song Metaphor in Pindar Oxford Oxford University

Press 1986

SUAacuteREZ DE LA TORRE Emilio Adivinacioacuten y profecia en Piacutendaro (II) Minerva

Revista de Filologiacutea Claacutesica no 3 1989 p 79-120

______ Parole de poegravete parole de prophegravete les oracles et la mantique chez Pindare

Kernos 3 1990 p 347-58 Disponiacutevel em

httpkernosrevuesorg1006DOI104000kernos1006

SULLIVAN Shirley D Aspects of the ldquofictive Irdquo in Pindar adress to psychic enteties

Emerita Revista de Linguumliacutestica y Filologiacutea Claacutesica LXX 1 2002 p 83-102

VALLET Georges Pindare et la Sicile In Entretiens sur lrsquo Antiquiteacute Classique

Pindare Vandoeuvres ndash Genegraveve Fondation Hardt 1984 p 285-327

VILLARRUBIA Antonio La victoria de Hagesias de Siracusa y la Oliacutempica 6 de

Piacutendaro Habis 26 1995 p 13-28

17

potrsquo ldquooutrora (v 13) com base no qual se alude ao desaparecimento repentino do

adivinho tebano (v 14) que segundo a versatildeo miacutetica fora arrebatado por Zeus para evitar

a morte do heroacutei como se infere do emprego do verbo katamaacuterptō lsquoengolirrsquo em tmese

que indica ter sido Anfiarau tragado pela terra Observa Barciela (2015 p 53) que esse

corte entre a preposiccedilatildeo kataacute ldquodebaixo derdquo ldquosobrdquo (v 14) e o radical do verbo salienta

natildeo somente o sentido do preveacuterbio mas tambeacutem aponta a razatildeo de natildeo ter Adrasto

encontrado Anfiarau nas sete piras Acredita-se ter sido essa a razatildeo de Adrasto ter

proferido ao adivinho um elogio em discurso direto por meio da imagem metafoacuterica

stratiacircs ophthalmograven emacircs ldquoolho28 do meu exeacutercitordquo metaacutefora que aleacutem de assinalar a

importacircncia de Anfiarau na expediccedilatildeo tebana lhe sintetiza os dois atributos relacionados

respectivamente com a macircntica e com a guerra

Julga-se que a menccedilatildeo ao atributo divinatoacuterio de Anfiarau constitui um meio de

antecipaccedilatildeo do principal mito da ode cujo eixo temaacutetico se centra no nascimento de

Iacuteamo29 (vv 39-47) e em sua iniciaccedilatildeo na arte divinatoacuteria tornando-se o primeiro de uma

famiacutelia de adivinhos ndash os Iacircmidas ndash e o responsaacutevel pelo altar profeacutetico de Zeus em

Oliacutempia (v 70)

Eacute digno de nota ter sido o citado mito introduzido pelas imagens metafoacutericas do

poeta-condutor e da poesia-quadriga por meio das quais anota Calame (2005 p 54)

ocorre um deslocamento geograacutefico-temporal jaacute que a par do movimento de Oliacutempia ndash

lugar onde ocorrera a competiccedilatildeo desportiva ndash para Piacutetana cidade espartana situada junto

ao leito do rio Eurotas na Lacocircnia haacute uma transposiccedilatildeo do tempo da ldquoenunciaccedilatildeo do

cantordquo isto eacute o tempo presente ndash marcado pelo adveacuterbio saacutemeron lsquohojersquo (v 28) ndash para o

passado miacutetico indicado pela referecircncia a Piacutetana- natildeo somente o nome de uma pequena

povoaccedilatildeo de que se compunha Esparta mas tambeacutem o nome de uma ninfa filha do deus-

rio Eurotas e fundadora da linhagem dos Iacircmidas - que unida a Posecircidon gerou em

segredo Evadne matildee de Iacuteamo ancestral miacutetico de uma extensa linhagem de adivinhos

28 Imagem presente em Oliacutempica 2 (v 10) em referecircncia aos ancestrais histoacutericos de Teratildeo de Agrigento

e em Piacutetica 5 (vv 55-7a) em alusatildeo a Bato fundador da estirpe dos reis de Cirene cidade do vencedor

Com relaccedilatildeo agrave imagem do olho em Oliacutempica 6 conveacutem lembrar citando Villarrubia (1995 p 17) Suaacuterez

de la Torre (1989 p 97) e Meacuteautis (1962 p 195) que o escoacutelio pindaacuterico ao citado verso refere a Tebaida

como fonte direta do elogio de Adrasto a Anfiarau 29Como observa Nisetich (1998 p 2) nas odes pindaacutericas eacute conferido destaque maior agrave famiacutelia do vencedor

que ao proacuteprio homenageado jaacute que se busca em fatos preteacuteritos explicaccedilotildees ou justificativas para o

momento presente A esse respeito verifica-se na ode em estudo que a volta ao passado (vv 28-71)

constitui um meio de glorificaccedilatildeo do homenageado

18

cujo representante atual eacute o vencedor oliacutempico Hageacutesias de Siracusa Evadne por sua

vez seduzida por Apolo deu agrave luz Iacuteamo cuja vocaccedilatildeo profeacutetica eacute anunciada na ode pelo

atributo theoacutephrona lsquoinspirado pelos deusesrsquo (v 41) e pelo oraacuteculo de Delfos revelado

ao pai mortal e adotivo de Evadne ndash Eacutepito - a quem satildeo declarados a origem e o dom

divinatoacuterio de Iacuteamo (vv 49b-51) cujo nome de etimologia obscura estaacute associado ao

nome da flor violeta (DUCHEMIN 1955 p 242-3) iacuteon tambeacutem presente no epiacuteteto

atribuiacutedo a Evadne ioacuteplokos ldquocabelo cor de violetardquo (v 30) portanto cor que identifica

Iacuteamo como filho de Evadne Em sintonia com Eleanor Irwin (1996 p 386) acerca de seu

comentaacuterio sobre o ambiente onde Iacuteamo fora abandonado por sua matildee isto eacute khamaiacute ldquono

chatildeordquo (v 45) considera-se que esse lugar eacute tambeacutem ser esse sobrenatural haja vista terem

florescido do chatildeo violetas que forneceram ao receacutem-nascido calor e proteccedilatildeo necessaacuterios

agrave sua sobrevivecircncia Destarte as violetas simbolizam a proacutepria Evadne posto que

exerceram a funccedilatildeo materna

Significativo tambeacutem nessa passagem eacute o fato de ter sido por intervenccedilatildeo divina

(v 46) Iacuteamo alimentado por duas serpentes (45b-47a) com ldquoo veneno irrepreensiacutevel das

abelhasrdquo expressatildeo que se associa anotou Duchemin (1955 p 251) jaacute haacute algum tempo

ao dom da profecia e do fazer poeacutetico Deborah Steiner (1986 p 103) por sua vez refere

acerca dessa passagem que a relaccedilatildeo entre a serpente animal macircntico por excelecircncia

(Meacuteautis 1962 p 196) e o mel anuncia o dom profeacutetico que o receacutem-nascido teria

posteriormente30

Ao chegar agrave adolescecircncia Iacuteamo ciente de sua ascendecircncia divina solicita a seu

avocirc Posecircidon e a seu pai Apolo um atributo que beneficiasse todo o povo uma honra

puacuteblica laoacutethrophos ldquoque alimentasse o povordquo (v 60) Ressalte-se que embora a suacuteplica

tenha sido dirigida a essas duas divindades eacute Apolo nomeado com seu epiacuteteto ldquoarqueiro

guardiatildeo da divina Delosrdquo (v 59) quem concede ao filho o duplo dom da adivinhaccedilatildeo

(vv 65-70) a faculdade de ouvir-lhe a voz profeacutetica pautada sempre na verdade e a

fundaccedilatildeo de oraacuteculo de Zeus em Oliacutempia antes mesmo da instituiccedilatildeo dos Jogos

Oliacutempicos por Heacuteracles Logo com a concessatildeo da daacutediva da adivinhaccedilatildeo encerra-se o

relato miacutetico dos Iacircmidas Faz entatildeo a voz do poema a passagem do tempo miacutetico (vv

71-7) para o passado proacuteximo de Hageacutesias com a alusatildeo laudatoacuteria aos antepassados

30 Acrescente-se que a relaccedilatildeo entre a serpente e a figura de Apolo se justifica pelo fato de a divindade ter

assassinado a serpente Piacuteton para habitar Delfos

19

histoacutericos do vencedor (vv 78-81) e numa referecircncia metapoeacutetica (vv 82-7b) a seus

proacuteprios ancestrais por serem todos procedentes da cidade de Estiacutenfalo dado que

identifica o laureado com a persona loquens

Ediccedilotildees traduccedilotildees e comentaacuterios

HEROacuteDOTO Histoacuteria O relato claacutessico da guerra entre Gregos e Persas 2ordf ed

Traduccedilatildeo de J Brito Broca Satildeo Paulo Ediouro 2001

KIRKWOOD Gordon Selections from Pindar Chicago American Philological

Association 1982 p 3-19

LOURENCcedilO Frederico Poesia grega de Aacutelcman a Teoacutecrito Lisboa Livros Cotovia

2006b p 91-6

ORTEGA A Piacutendaro Odas y Fragmentos Madrid Editorial Gredos 1984 reimpr

1995

PINDARE Olympiques Texte eacutetabli et traduit par Aimeacute Puech Paris Les Belles Lettres

1970 Tome I

RACE William H Pindar Boston Twayne Publishers 1986 p 1986 pp 19-35 67-73

SNELL B amp MAEHLER H Pindari Carmina cum Fragmentis Pars I Epinicia 8ordf ed

Leipzig Teubner 1987

SLATER William (ed) Lexicon to Pindar Berlin Walter de Gruyter1969

Estudos

BARCIELA Ainda M La figura del mantis en la sexta oliacutempica de Piacutendaro Aacutegora

Estudos Claacutessicos em Debate 17 2015 p 51-94 Disponiacutevel em httpwww

philpapersorgrecMGULFD-2

CALAME Claude Entre narrativa heroica e poesia ritual o sujeito poeacutetico que canta o

mitoTraduccedilatildeo de Joseacute Marcos Mariani de Macedo Letras Claacutessicas no 9 2005 p 47-

65 Disponiacutevel em httpwwwrevistasfflchuspbrletrasclassicasissueview69

_________ Genre Occasion and performance In BUDELMANN F (org) The

Cambridge Companion to Greek Lyric Cambridge Cambridge University Press 2009

p 21-38

DUCHEMIN Jacqueline Pindare poete et prophegravete Paris Les Belles Lettres 1955

20

FRADE Sofia Colunas e violetas Oliacutempica VI In LOURENCcedilO Frederico Ensaios

sobre Piacutendaro Lisboa Ediccedilotildees Cotovia 2006 p 47-55

HIRATA Elaine Farias Veloso Monumentalidade e representaccedilotildees do poder tiracircnico no

Ocidente grego In CORNELLI Gabriele (org) Representaccedilotildees da Cidade Antiga ndash

Categorias histoacutericas e discursos filosoacuteficos Coimbra Centro de Estudos Claacutessicos e

Humaniacutesticos ndash Classica Digitalia Universitatis Conimbrigensis 2010 p 23-37

IRWIN M Eleanor Evadne Iamos and Violets in Pindarrsquos Sixth Olympian Hermes 124

Bd H 4 1996 p 385-95

LEFKOWITZ Mary R First- Person Fictions Pindarrsquos Poetic lsquoIrdquo Oxford Clarendon

Press 1991 p 1-71

LESKY Albin Histoacuteria da Literatura GregaTraduccedilatildeo de Manuel Losa LisboaCalouste

Gulbenkian 1995 p 211-37

LOURENCcedilO Frederico (org) Ensaios sobre Piacutendaro Lisboa Livros Cotovia 2006a

pp 9-11

______ Liacuterica coral e monoacutedica uma problemaacutetica revisitada Humanitas 61 2009 p

19-29

MEacuteAUTIS Georges Pindare le Dorien Paris Editions Albin Michel 1962 p 193-201

MUCKENSTURM_POULE Claire Lrsquoeacutenonciation dans les scholies de la Sixiegraveme

Olympique Dialogues drsquohistoire ancienne 2009 Suppleacutement 2 S2 p 77-91 Disponiacutevel

em httpwwwcairninforevue-dialogues-d-histoire-ancienne-2009-supplement2-page-

77htm

NISETICH Frank J Pindarrdquos Victory Songs London The Johns Hopkins University

Press 1980 p 1-22

ROCHA PEREIRA M H Estudos de Histoacuteria da Cultura Claacutessica 10ordf ed I Vol

Lisboa Calouste Gulbenkian 2006

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Transactions of American Philological Association 144 2014 p 1-17 Disponiacutevel em

httpmusejhuedujournalsapasummaryv1441441 stamatopoulou Html Acesso

UFRJ em 2982014

21

STEINER Deborah The Crown of Song Metaphor in Pindar Oxford Oxford University

Press 1986

SUAacuteREZ DE LA TORRE Emilio Adivinacioacuten y profecia en Piacutendaro (II) Minerva

Revista de Filologiacutea Claacutesica no 3 1989 p 79-120

______ Parole de poegravete parole de prophegravete les oracles et la mantique chez Pindare

Kernos 3 1990 p 347-58 Disponiacutevel em

httpkernosrevuesorg1006DOI104000kernos1006

SULLIVAN Shirley D Aspects of the ldquofictive Irdquo in Pindar adress to psychic enteties

Emerita Revista de Linguumliacutestica y Filologiacutea Claacutesica LXX 1 2002 p 83-102

VALLET Georges Pindare et la Sicile In Entretiens sur lrsquo Antiquiteacute Classique

Pindare Vandoeuvres ndash Genegraveve Fondation Hardt 1984 p 285-327

VILLARRUBIA Antonio La victoria de Hagesias de Siracusa y la Oliacutempica 6 de

Piacutendaro Habis 26 1995 p 13-28

18

cujo representante atual eacute o vencedor oliacutempico Hageacutesias de Siracusa Evadne por sua

vez seduzida por Apolo deu agrave luz Iacuteamo cuja vocaccedilatildeo profeacutetica eacute anunciada na ode pelo

atributo theoacutephrona lsquoinspirado pelos deusesrsquo (v 41) e pelo oraacuteculo de Delfos revelado

ao pai mortal e adotivo de Evadne ndash Eacutepito - a quem satildeo declarados a origem e o dom

divinatoacuterio de Iacuteamo (vv 49b-51) cujo nome de etimologia obscura estaacute associado ao

nome da flor violeta (DUCHEMIN 1955 p 242-3) iacuteon tambeacutem presente no epiacuteteto

atribuiacutedo a Evadne ioacuteplokos ldquocabelo cor de violetardquo (v 30) portanto cor que identifica

Iacuteamo como filho de Evadne Em sintonia com Eleanor Irwin (1996 p 386) acerca de seu

comentaacuterio sobre o ambiente onde Iacuteamo fora abandonado por sua matildee isto eacute khamaiacute ldquono

chatildeordquo (v 45) considera-se que esse lugar eacute tambeacutem ser esse sobrenatural haja vista terem

florescido do chatildeo violetas que forneceram ao receacutem-nascido calor e proteccedilatildeo necessaacuterios

agrave sua sobrevivecircncia Destarte as violetas simbolizam a proacutepria Evadne posto que

exerceram a funccedilatildeo materna

Significativo tambeacutem nessa passagem eacute o fato de ter sido por intervenccedilatildeo divina

(v 46) Iacuteamo alimentado por duas serpentes (45b-47a) com ldquoo veneno irrepreensiacutevel das

abelhasrdquo expressatildeo que se associa anotou Duchemin (1955 p 251) jaacute haacute algum tempo

ao dom da profecia e do fazer poeacutetico Deborah Steiner (1986 p 103) por sua vez refere

acerca dessa passagem que a relaccedilatildeo entre a serpente animal macircntico por excelecircncia

(Meacuteautis 1962 p 196) e o mel anuncia o dom profeacutetico que o receacutem-nascido teria

posteriormente30

Ao chegar agrave adolescecircncia Iacuteamo ciente de sua ascendecircncia divina solicita a seu

avocirc Posecircidon e a seu pai Apolo um atributo que beneficiasse todo o povo uma honra

puacuteblica laoacutethrophos ldquoque alimentasse o povordquo (v 60) Ressalte-se que embora a suacuteplica

tenha sido dirigida a essas duas divindades eacute Apolo nomeado com seu epiacuteteto ldquoarqueiro

guardiatildeo da divina Delosrdquo (v 59) quem concede ao filho o duplo dom da adivinhaccedilatildeo

(vv 65-70) a faculdade de ouvir-lhe a voz profeacutetica pautada sempre na verdade e a

fundaccedilatildeo de oraacuteculo de Zeus em Oliacutempia antes mesmo da instituiccedilatildeo dos Jogos

Oliacutempicos por Heacuteracles Logo com a concessatildeo da daacutediva da adivinhaccedilatildeo encerra-se o

relato miacutetico dos Iacircmidas Faz entatildeo a voz do poema a passagem do tempo miacutetico (vv

71-7) para o passado proacuteximo de Hageacutesias com a alusatildeo laudatoacuteria aos antepassados

30 Acrescente-se que a relaccedilatildeo entre a serpente e a figura de Apolo se justifica pelo fato de a divindade ter

assassinado a serpente Piacuteton para habitar Delfos

19

histoacutericos do vencedor (vv 78-81) e numa referecircncia metapoeacutetica (vv 82-7b) a seus

proacuteprios ancestrais por serem todos procedentes da cidade de Estiacutenfalo dado que

identifica o laureado com a persona loquens

Ediccedilotildees traduccedilotildees e comentaacuterios

HEROacuteDOTO Histoacuteria O relato claacutessico da guerra entre Gregos e Persas 2ordf ed

Traduccedilatildeo de J Brito Broca Satildeo Paulo Ediouro 2001

KIRKWOOD Gordon Selections from Pindar Chicago American Philological

Association 1982 p 3-19

LOURENCcedilO Frederico Poesia grega de Aacutelcman a Teoacutecrito Lisboa Livros Cotovia

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ORTEGA A Piacutendaro Odas y Fragmentos Madrid Editorial Gredos 1984 reimpr

1995

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1970 Tome I

RACE William H Pindar Boston Twayne Publishers 1986 p 1986 pp 19-35 67-73

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Leipzig Teubner 1987

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Estudos

BARCIELA Ainda M La figura del mantis en la sexta oliacutempica de Piacutendaro Aacutegora

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mitoTraduccedilatildeo de Joseacute Marcos Mariani de Macedo Letras Claacutessicas no 9 2005 p 47-

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p 21-38

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HIRATA Elaine Farias Veloso Monumentalidade e representaccedilotildees do poder tiracircnico no

Ocidente grego In CORNELLI Gabriele (org) Representaccedilotildees da Cidade Antiga ndash

Categorias histoacutericas e discursos filosoacuteficos Coimbra Centro de Estudos Claacutessicos e

Humaniacutesticos ndash Classica Digitalia Universitatis Conimbrigensis 2010 p 23-37

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em httpwwwcairninforevue-dialogues-d-histoire-ancienne-2009-supplement2-page-

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Press 1980 p 1-22

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Lisboa Calouste Gulbenkian 2006

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httpmusejhuedujournalsapasummaryv1441441 stamatopoulou Html Acesso

UFRJ em 2982014

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19

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