GRUPO ACRE FEZ 1974–77

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Arte e dinâmicas coletivas em Portugal ISABEL SABINO GRUPO ACRE FEZ 1974–77

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Arte e dinâmicas coletivas em Portugal

ISABEL SABINO

GRUPO ACRE FEZ 1974–77

TÍTULOGRUPO ACRE FEZ1974–77Arte e dinâmicas coletivas em Portugal

AUTORIsabel Sabino

EDIÇÃOCentro de Investigação e de Estudos em Belas-Artes (CIEBA)

GESTÃO FINANCEIRAIsabel Vieira (coord.)Cláudia PauzeiroCarla SoeiroCatarina VicenteLurdes SantosRosa Loures

DESIGNTomás Gouveia

IMPRESSÃO E ACABAMENTOGuide

ISBN978-989-8944-50-4

DEPÓSITO LEGAL492468/21

TIRAGEM150 exemplares

LISBOA, DEZEMBRO 2021

PROPRIEDADECIEBA: Centro de Investigação e de Estudos em Belas-ArtesUniversidade de LisboaLargo da Academia Nacional de Belas-Artes 1249-058 Lisboa, Portugal+351 213 252 116 [email protected]

Este livro é financiado por fundos nacionais através da FCT — Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., no âmbito do projeto UIDB/04042/2020.

AGRADECIMENTOS E DEDICATÓRIA

Ao CIEBA, pelo acolhimento à publicação deste texto, e a Ilídio Salteiro, seu presidente, pelo franco apoio. A Jorge Leitão Ramos, pela atenção cuidada sobre os fil-mes patentes nas cronologias finais.

A Lima Carvalho e a Clara Menéres, a minha imensa gratidão pela partilha de experiências, infor-mações, amizade e, sobretudo, pela confiança que depositaram em mim para contar uma história que é deles em primeira instância. Este trabalho é dedicado a ambos, com profunda pena que a Clara já não o te-nha visto concluído.

RESUMO

O Grupo Acre, ativo entre 1974 e 1977, é um projeto coletivo de três artistas portugueses — Clara Menéres, Joaquim Lima Carvalho e Alfredo Queiroz Ribeiro, que afirmam, individualmente, traje-tos diferenciados, conhecendo os efeitos prolongados da ditadura do Estado Novo em Portugal. As obras do coletivo acontecem no tempo que se segue à revolução democrática de Abril, quando a sociedade portuguesa, a cultura e a arte se repensam profundamente. Este trabalho analisa em pormenor as diferentes ações do Grupo Acre, situando-as no contexto em que elas são realizadas, com atenção particular à história em curso, à génese de cada obra e aos seus efeitos. E dedica-se também a um enquadramento mais amplo, como elo de uma cadeia de casos que, remontando às primeiras vanguardas do século XX e estendendo-se até aos dias de hoje, constituem um possível eixo significativo nos processos de criação artística sob dinâmicas coletivas no nosso país.

LISTA DE ABREVIATURAS

AICA Associação Internacional de Críticos de Arte

Ar.Co Centro de Arte e Comunicação Visual

BAFTA British Academy of Film and Television Arts

BIACS Bienal Internacional de Arte Contemporânea de Sevilha

CAC Centro de Arte Contemporânea CAI Centro de Arte e Investigação CAM Centro de Arte Moderna da FCG CAPC Círculo de Artes Plásticas

de Coimbra CCAP Comissão Consultiva para

as Artes PlásticasCCAT Comissão Consultiva para

as Actividades Teatrais CCB Centro Cultural de BelémCDS Centro Democrático SocialCEE Comunidade Económica Europeia CENTA Centro de Estudos de Novas

Tendências Artísticas CITAC Círculo de Iniciação Teatral

da Academia de CoimbraCML Câmara Municipal de LisboaCMP Câmara Municipal do PortoCODICE Comissão Dinamizadora

Central (do MFA) COPCON Comando Operacional

do ContinenteCP Comboios de Portugal CPC Centro Português de Cinema CR Conselho da RevoluçãoCTT Correios de PortugalDGS Direcção Geral de Segurança (que

tutelava a PIDE e a PVDE)

EGAP Exposição Geral de Artes Plásticas EMGFA Estado-Maior General das

Forças ArmadasEPAL Empresa Pública de Águas

de LisboaESAD Escola Superior de Arte e DesignESBAL Escola Superior de Belas Artes

de Lisboa ESBAP Escola Superior de Belas Artes

do PortoEUA Estados Unidos da AméricaFAPAP Frente de Acção Popular

dos Artistas Plásticos FBAUL Faculdade de Belas-Artes

da Universidade de Lisboa FBAUP Faculdade de Belas Artes

da Universidade do PortoFCG Fundação Calouste GulbenkianFEPU Frente Eleitoral Povo UnidoFFMS Fundação Francisco Manuel

dos Santos FMI Fundo Monetário InternacionalFNLA Frente Nacional de Libertação

de AngolaFRELIMO Frente de Libertação

de MoçambiqueFRETILIN Frente Revolucionária

de Timor-Leste IndependenteGAU Galeria de Arte UrbanaGDUP Grupo Dinamizador de Unidade

PopularGICAPC Grupo de Intervenção do Círculo

de Artes Plásticas de Coimbra IADE Instituto de Arte e DecoraçãoICS-UL Instituto de Ciências Sociais

da Universidade de LisboaIF Grupo Ideia e Forma

INETI Instituto Nacional de Engenharia, Tecnologia e Inovação

INMC Instituto Nacional Casa da MoedaIPL Instituto Politécnico de LisboaKWY Grupo de artistas e revista LNEC Laboratório Nacional

de Engenharia CivilLNETI Laboratório Nacional de

Engenharia e Tecnologia IndustrialMAAT Museu de Arte, Arquitetura

e TecnologiaMAI Ministério da Administração

InternaMDAP Movimento Democrático

de Artistas Plásticos MDP/CDE Movimento Democrático

Português / Comissão Democrática Eleitoral

MESA Ministério dos Equipamentos Sociais e Ambiente

MFA Movimento das Forças ArmadasMIC Movimento de Intervenção

e Cidadania MIT Massachusetts Institute

of TechnologyMLSTP Movimento de Libertação de São

Tomé e Príncipe MNAC Museu Nacional de Arte

Contemporânea (Museu do Chiado)

MPLA Movimento Popular de Libertação de Angola

MPT Movimento Partido da Terra, depois Partido da Terra

MUD Movimento de Unidade Democrática

OECE Organização Europeia para a Cooperação Económica

OFAP Observatório das Famílias e das Políticas de Família (ICS-UL)

OLP Organização de Libertação da Palestina

ONU Organização das Nações Unidas

OPEP Organização dos Países Produtores de Petróleo

OTAN Organização do Tratado do Atlântico Norte

NATO North Atlantic Treaty Organization (o mesmo que OTAN)

NRF Nouvelle Revue Française PAIGC Partido Africano para

a Independência da Guiné e Cabo Verde

PCP Partido Comunista Português PIB Produto Interno BrutoPIDE Polícia Internacional de Defesa

do Estado (antes PVDE)PPD/PSD Partido Popular Democrático

/ Partido Social DemocrataPREC Processo Revolucionário em CursoPRP Partido Revolucionário

do ProletariadoPS Partido SocialistaPVDE Polícia de Vigilância e Defesa

do Estado (depois PIDE)RML Região Militar de LisboaRTP Rádio Televisão PortuguesaSAAL Serviço Ambulatório de Apoio LocalSEC Secretaria do Estado da CulturaSEIT Secretaria de Estado

da Informação e TurismoSNBA Sociedade Nacional de Belas ArtesSNI Secretariado Nacional

de InformaçãoSNT Secretariado Nacional de TurismoSPN Secretariado de Propaganda

NacionalSUV Soldados Unidos VencerãoTAP Transportes Aéreos PortuguesesTEC Teatro Experimental de CascaisTEP Teatro Experimental do PortoUDP União Democrática PopularUNITA União Nacional para

a Independência Total de Angola URSS União das Repúblicas Socialistas

Soviéticas

PRÓLOGOINTRODUÇÃO

1. GRUPO ACRE: GÉNESE 1.1. O contexto próximo

1.1.1. Claustrofobia e brisas de mudança1.1.2. À beira de acontecer1.1.3. A vertigem de abril

1.2. Os três artistas do Grupo Acre1.2.1. Lima Carvalho 1.2.2. Clara Menéres 1.2.3. Queiroz Ribeiro

2. GRUPO ACRE: OS ANOS E AS OBRAS

1974 2.1. Círculos 2.2. Fita

1975 2.3. Gravuras de rua

2.4. Diplomas de artista 2.5. Museu de Arte Moderna

1976 2.6. Arte

1977 2.7. Monumento ao 16 de março de 19742.8. Lápide

E assim se finda?

3. GRUPO ACRE, ARTE E DINÂMICAS COLETIVAS EM PORTUGAL

3.1. Ecos das vanguardas 3.2. Outros, naqueles anos (pós 1974)

3.2.1. Movimento Democrático dos Artistas Plásticos

3.2.2. Grupo Puzzle

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3.2.3. Cooperativa Ara 3.2.4. Grupo 5+1 3.2.5. Grupo Vermelho 3.2.6. Grupo If 3.2.7. Grupo de Intervenção do Círculo

de Artes Plásticas de Coimbra / Grupo Cores

3.2.8. Grupo 8 3.2.9. Dinâmicas coletivas contíguas

3.3. Ressonâncias 3.3.1. Entre cá e lá, por então

(coletivos estrangeiros em Portugal) 3.3.2. E depois, por cá ainda (coletivos

em Portugal, após 1977)

CONSIDERAÇÕES FINAIS EPÍLOGO BIBLIOGRAFIA ÍNDICE DE FIGURAS ANEXOS

1. Quadros cronológicos 1974 1975 1976 1977

2. Grupo Acre. Proposta para a criação de um Museu de Arte Moderna. 1975

3. Elementos curriculares adicionais dos artistas do Grupo Acre Lima Carvalho Clara Menéres Alfredo Queiroz Ribeiro

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99 PRÓLOGO

PRÓLOGO

Imagine-se uma manhã de final do Outono em 1974, numa estrada secun-dária que nos afasta da cidade. São escassas as vias rápidas, o trânsito é pouco abundante e os automóveis têm todas as cores.

Num certo momento, na paisagem desenha-se um olival. O sol, ainda muito baixo, é coado pela neblina e a luz espalha-se, turvamente homogé-nea, pela encosta. A geada assente nas folhas e entranhada nas cavidades do terreno tarda em derreter. Faz frio.

Sons abafados de passos, vozes em interjeições soltas e raras pala-vras percetíveis apenas fazem adivinhar gestos e rostos, a respiração que desenha nuvens, algumas luvas incompletas nos dedos de pontas geladas. Escuta-se ainda o roçagar dos objetos usados no trabalho, o ruído arras-tado de vegetação sacudida por pancadas secas de varapaus e a catadupa dos pequenos baques de tons secos e surdos. Minúsculos volumes escuros estão tombados sobre fundos amarelo ouro: azeitonas e folhas sobre o plás-tico estendido na terra. Um cesto além vai ficando cheio.

Alguém diz algo como “já chega por agora, vamos apanhar, está a le-vantar-se vento”.

Na distância, por entre a névoa a levantar na sucessão de planos de verdes diversos, há mais oliveiras rodeadas de pedaços de chão amarelo. De facto, aquelas manchas coloridas em redor das árvores — parentes possí-veis de obras de Christo e Jeanne-Claude — são parte do que sobra fisica-mente da longa faixa suspensa por horas no alto da Torre dos Clérigos do Porto, agitada pelo vento como um traço ondeante no vazio e ameaçando desprender-se. Nem o antigo sacristão da respetiva igreja, ali na apanha da azeitona com família e amigos, sabe que esse vento caprichoso chegou a ser hipótese de nome para aquele grupo de artistas, os que lhe deram os restos do inusitado evento: relíquia banal de um estranho gesto na cidade, é agora apenas plástico amarelo cortado aos pedaços, prosaicamente bem útil naquele olival.

Não obstante, um amarelo assim, onde a luz se cola, lembra o próprio sol que tenta brilhar entre as árvores, ou mesmo um automóvel desportivo de então, quando a televisão ainda emite a preto e branco e a cor vibra in-tensa na vida, na arte e nos sonhos.

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1111 INTRODUÇÃO

INTRODUÇÃO

É possível que algo assim tenha acontecido: um olival envolto na neblina é cenário plausível no Outono. De facto, há uma longa faixa de plástico ama-relo que, depois de suspensa na Torre dos Clérigos durante uma das ações do Grupo Acre em 1974, acaba por ficar, em parte, na posse do sacristão da igreja. A brisa que, no relato ficcionado, agita as folhas das oliveiras sobre o plástico amarelo, poderia ser uma mensageira cinéfila da história do nome com que o grupo de artistas, autor da referida ação nos Clérigos, chega a apresentar-se no início do seu processo de constituição: Grupo Vento.

A designação provisória é, de facto, a que surge como hipótese do futuro Grupo Acre no seu esboço de programa, intitulado em julho de 1974 Manifesto da Anti-moderação, meses antes da aludida obra realizada na torre portuense.

Esse teria sido, possivelmente, um nome expressivo para um tal pro-jeto de ação artística naquele tempo de mudanças. Mas, após as primeiras tentativas de batismo, o coletivo formado por três artistas — Clara Menéres, Joaquim Lima Carvalho e Alfredo Queiroz Ribeiro — acaba designado como Grupo Acre. E é sob esse nome que produz ações notáveis pela sua origina-lidade, sentido contemporâneo e coerência vanguardista. Obras particular-mente sintomáticas do seu tempo, cuja relevância especificamente artística é impensável sem a inscrição contextual, há em várias delas, apesar disso, uma autonomia e poder expressivo que as torna, também, dotadas de sen-tido universal e pertinentes, capazes de conter esse tempo e representá-lo.

A sua história e as ações em si transportam-nos para uma espécie de quadro confusamente utópico para uns, turbulento ou mesmo caótico para outros, nesse curto e intenso espaço de tempo, pejado de implicações, mais centrado entre dois agostos, os de 1974 e de 1977.

Aliás, a própria génese da atividade do grupo reside não apenas no ambiente político que se vive no período seguinte a abril de 74, mas também na gestação durante a longa claustrofobia que antecede essa data e que vai como que formando de modo latente a identidade e o projeto do coletivo, ainda antes deste possuir “corpo” definido e nome próprio.

Desse modo, compreender o verdadeiro alcance dos propósitos ini-ciais e das intervenções do Grupo Acre, desde a fase em que uma das hipó-teses de designação seria “Vento”, não é possível sem recordar a realidade especial que se vive e os seus antecedentes. Essa contextualização permite enquadrar mais justa e profundamente as decisões tomadas pelo coleti-vo, as obras desenvolvidas e o ímpeto criativo de cada um dos artistas do

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grupo, bem como a dinâmica também patente noutras atividades de criação artística coletiva.

É que, se é indiscutível que a existência e obras do Grupo Acre é devi-da à energia criativa dos três artistas que o constituem, ao modo como tra-balham conjuntamente e ao que, efetivamente, fazem como grupo, a força do contexto histórico é decisiva. Vive-se então um período em que há uma clara dinâmica coletiva de sinal contrário aos tempos imediatamente ante-riores: o que antes está reprimido individual ou comunitariamente irrompe, subitamente, sob uma espécie de vontade ou tendência de massas ou gru-pos, na qual o indivíduo ocupa um lugar muito determinado pelo processo da democracia. Essa força de fundo, essa dinâmica coletiva, que se inicia quase una e que se ramifica no plural, marca também os meios artísticos, surgindo sob a sua influência projetos e ações que resultam de processos criativos em modo coletivo, ou seja, pensados, discutidos e realizados fora da esfera estritamente individual, quer associando grupos de artistas ape-nas, como envolvendo outros interessados.

Há, assim, duas suspeitas ou hipóteses neste estudo, embora se fundem numa liga inseparável. Por um lado, a da originalidade do Grupo Acre, o seu carácter especial entre outros casos. E, por outro, a de haver uma “onda” ou tendência coletivista no contexto nacional, diferenciada e particularmente expressiva na segunda metade dos anos setenta, quiçá resultante também de antecedentes artísticos com algum sentido coleti-vo que, mais ou menos conscientemente, se mantém presentes nos ecos das vanguardas modernistas. A uni-las, está a complexa e rara conjuga-ção de um porventura clima utópico, com as suas ambiguidades, contra-dições e insustentáveis ambições.

Entender o Grupo Acre segundo o perfil que nos parece mais adequa-do — o de um projeto de ação em contexto1, ou seja, integrado e proactivo nas dinâmicas sociais da época, segundo uma vontade de criar em modo coletivo — implica recordar o terreno donde emerge, onde evolui e onde cessa atividade. Aliás, a obra deste grupo de artistas, num país onde a co-laboração criativa autoral parece à primeira vista rarear em artes visuais e plásticas, constitui um elo possível menos evidente numa trama histórica

1 Arte “em contexto” ou “contextual” são designações possíveis para formas artísti-cas que, não se centrando nos objetos, nos processos, na dimensão performativa e nem mesmo em locais concretos, tomam como determinação vital a necessidade de ação (o que não cabe, também, no rótulo de ativismo, porventura mais limita-do politicamente). Sugerem a possibilidade de intervenção no plano conceptual da poética da experiência, ou seja, por dentro do discurso da sua concretização, e me-nos nos objetos.

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que, ainda hoje, se oferece incompleta ou de compreensão dificultada pela impossibilidade de separar então as atividades culturais do contexto polí-tico e social2. E, se isso é pertinente para quem testemunha e vive a época, talvez o seja ainda mais para as gerações mais recentes, para que encarem a transformação da segunda metade dos anos setenta neste país de um modo que ultrapasse o estereótipo óbvio de cenário confuso de revolução, de um algo desastrado “vale-tudo” oscilante entre desejos românticos e in-teresses diversos. Com a passagem do tempo, acontecimentos essenciais parecem soar a inconsequentes ou romanceados, acabando esquecidos ou desvitalizados, perdendo o seu sentido de realidade e afundando-se arqui-vados no “Museu da História”, improdutivos entre o ceticismo, o abstencio-nismo ou o sarcasmo, face ao pragmatismo do presente cheio de urgências e desafios. E esfuma-se a interiorização efetiva da dimensão dos extraor-dinários, profundos e inegáveis resultados da mudança que tal período sig-nifica no devir do país. Por outro lado, na voragem dos acontecimentos, muitas ideias passam sem condições para serem percebidas, pelo que um novo olhar pode trazer descobertas, por mínimas que sejam.

Este texto organiza-se, assim, de modo nem sempre linear e crono-lógico, embora a linha do tempo seja adotada mais vezes para facilitar a fluência das ideias e a arrumação dos factos.

Numa primeira parte, tenta-se facultar um panorama do quadro con-textual mais próximo do qual emerge o Grupo Acre, com referências que, mesmo que de modo não exaustivo, são diversamente expressivas da von-tade de criação de elos comuns entre artistas e que, de certo modo, formam uma base precedente à formação do grupo.

Trata-se de perceber um pouco o ar do tempo — no nosso país e não só — que é, antes de 74, complexo e já mutante. A partir de uma certa al-tura, nem mesmo o sistema político fechado da ditadura consegue travar percursos individuais de artistas, o que acrescenta dimensões nas quais a abertura cultural e o sentido contemporâneo se evidenciam depois de abril.

Em seguida, tomamos contacto de perto, individualmente, com os três artistas que vão constituir o coletivo, antes da concretização inicial desse projeto conjunto e durante este (com alguns dados adicionais curri-culares em anexos finais).

2 A análise histórica, aliás, ainda esbarra não apenas com diferentes pontos de vista mas também com a discrição de muitos dos intervenientes ainda vivos que, por di-versas razões, não contam tudo o que viveram.

INTRODUÇÃO

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Na segunda parte, impõe-se rever, em detalhe, cada uma das obras que o grupo realiza no decurso do tempo dinâmico que se vive. Cada ano, entre abril de 1974 e agosto de 1977, é pretexto para algum enquadramento histórico, facultando-se para cada um deles alguns factos significativos dos contextos políticos, culturais e artísticos, ao nível internacional e nacional. Factos que são notícia, filmes passados nos cinemas, peças de teatro es-treadas, músicas ouvidas, projetos de edifícios e construções, exposições patentes ou eventos culturais, são, certamente, componentes sólidas que o ar do tempo carrega então, o ar que o grupo Acre, ou cada um dos seus membros individualmente, respira, mesmo que possa parecer nem sempre haver relação direta com o que produzem.

Em rigor, são sete as ações do Grupo Acre, bem diferenciadas nos seus objetivos e nos meios usados, postas em prática concretamente em 1974, 1975 e 1977, com um hiato em 1976. Contudo, há neste ano uma outra atividade conjunta levada a cabo pelos membros do grupo — a revista Arte, na SNBA — que, embora não tenha assinatura do coletivo, resulta da sua dinâmica, podendo justificar-se que se considerem sob sua autoria, neste caso alargada, oito ações.

Ainda na segunda parte do texto, no final, efetua-se um curto balanço da obra do Grupo Acre, começando pelo modo aparentemente inconclusi-vo como cessa atividade. Observam-se algumas consequências associadas às ações do Grupo Acre e resumos de vozes críticas sobre as suas obras, apontando o trajeto posterior individual que os artistas seguem. Uma análi-se com maior pendor reflexivo sobre a produção do grupo, contudo, requer ainda uma contextualização mais lata, que anteceda as considerações fi-nais. Assim, surge a terceira parte. Assumida que é a inscrição do trabalho do Grupo Acre numa espécie de efeito coletivo, esse capítulo dedica-se a uma panorâmica sobre dinâmicas artísticas similares em Portugal. Aí, co-meça-se por proceder a algum historial sobre grupos antecedentes mais ou menos assumidos que vêm de longe, entre a monarquia e a primeira repú-blica e depois, isto é, antepassados nacionais (e também extrafronteiras que por cá ecoam), que fazem parte desse efeito prolongado que persiste com qualidades de vanguardas. Note-se, são consideradas também modalidades associativas, cooperativas, bem como alguns movimentos e tendências que, de algum modo, têm expressão em dinâmicas conjuntas. Em seguida, refe-rem-se outros grupos que, no tempo do Acre, também assumem modos co-letivos de criação e produção artística, permitindo um processo não neces-sariamente comparativo, mas que adensa a leitura da rede de vertentes da dinâmica coletiva de então que, como se frisa, não se restringe aos artistas plásticos. Casos posteriores, também certamente não exaustivos, podem, então, contribuir para um mapa mais amplo para uma investigação futura.

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No final, indaga-se a evolução desse possível efeito coletivo, detetável em Portugal de modo muito particular no tempo do Grupo Acre, procuran-do-se alinhar algumas considerações sobre o modo como este logra uma identidade e um projeto abertos, em profunda consonância com o tempo e a hipotética utopia com que se funde a sua existência.

Do ponto de vista metodológico há, no que refere concretamente o grupo Acre, um primeiro bloco de fontes proveniente dos dois autores vi-vos à data do início da pesquisa sobre a história do Grupo Acre, ou seja, da própria Clara Menéres e de Lima Carvalho. De ambos provém inicialmente inúmeros documentos mais ou menos organizados e cópias de artigos pu-blicados na imprensa e, sobretudo, o valor insubstituível de testemunhos orais expressivos que, ao longo de anos de convivência e, na maioria das vezes de modo muito informal, sedimentam informação, dando azo depois ao complemento da investigação em bibliotecas e obras publicadas. Com Clara, o privilégio da sua generosa disponibilização de uma profusa coleção de imagens digitalizadas, já pouco antes de falecer, contribui para uma mais ampla visão de sua obra e das produções do grupo.

Apesar disso, a datação de factos é, por vezes, problemática, sendo o caso mais expressivo o das Gravuras de Rua, que nenhum dos dois autores estabelece com precisão e que a pesquisa de fontes não resolve totalmente.

Na documentação visual das ações, subsiste a ausência de fotogra-fias da “repartição” construída na Galeria Opinião para atribuir diplomas de artista. Uma única foto, pouco distinta, dá ideia da ação idêntica no Porto, mais simplificada. Para visualizarmos a instalação de Lisboa, resta por ago-ra o texto vivamente descritivo de Eduardo Batarda.

Pelo ênfase conferido nesta pesquisa e leitura à perspetiva contex-tual, surgem como necessárias coordenadas do tempo em cronologias de factos, que ganham forma em tabelas para cada ano referentes a dados políticos, culturais e artísticos, no mundo e em Portugal. Há assim quadros cronológicos que, para fluência de leitura e já numa versão adiantada da es-crita, se remete para anexos, trazendo-se para o início de cada subcapítulo referente a cada ano apenas alguns factos expressivos que dão o “tom” e algum detalhe do contexto do clima político, cultural e artístico que integra as ações do grupo Acre.

Não exaustivas decerto, essas cronologias têm referências diversas. No caso dos factos políticos, as fontes são maioritariamente discriminadas na primeira parte da bibliografia, identificada como tal. Quanto aos dados culturais e artísticos, recorre-se a essas mesmas fontes e a outras listadas na segunda parte da bibliografia. São consultadas publicações diversas e essenciais, entre outros casos, as bases de dados oficiais ou institucionais

INTRODUÇÃO

16GRUPO ACRE FEZ 1974–77 16

e universitárias, tais como, por exemplo, do Governo Português, do Centro de Documentação 25 de Abril da Universidade de Coimbra, do Centro de Estudos de Teatro da Universidade de Lisboa, ou ainda a base de dados sobre cinema português Memorabilia. É de frisar a importância da revis-ta Colóquio Artes (pelo rigor, atualidade e elevada atenção e prestígio nos meios artísticos), na qual se fundamenta muita informação relativa não só a exposições em Portugal como fora do país, bem como sobre outros eventos culturais no âmbito do cinema, do teatro, da dança e da arquitetura, infor-mação gradualmente complementada com diversas publicações genéricas e específicas.

No cruzamento das variadas fontes durante a pesquisa, perante inú-meras incongruências em datas nem sempre fáceis de solucionar, opta-se então pelas informações oficiais ou, de algum modo, outras capazes de maior credibilidade. Os critérios mais particulares de organização nos qua-dros são facultados no início destes.

Em tudo, conta naturalmente alguma memória minha dos tempos que aqui se referem, de que sou testemunha e, sobretudo, participante ativa, o que marca certamente a perspetiva aqui patente.

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1.GRUPO ACRE: GÉNESE

GRUPO ACRE FEZ 1974–77 18

1.GRUPO ACRE: GÉNESE

O Grupo Acre surge formalmente em 1974, quando a democracia portugue-sa ainda nem tem bem três meses de vida. Mas o seu aparecimento resulta de uma génese num tempo anterior bastante dilatado.

Escavando fundo as determinações político-sociais e artísticas, o Grupo Acre é também consequência e ator de uma história mais remota, menos material e factual mas não menos acidentada, enraizada no eixo de-sarticulado dos dados artísticos mais concretos que, desde as vanguardas, marcam a relação paradoxal entre a criação de sinal individual e coletivo, enfatizando este último.

Assim, para compreender o seu projeto, há que empreender uma aná-lise retrospetiva no campo da história e, para se definir a sua identidade, há que rever uma genealogia de antepassados (personagens, factos e ações) de algum modo apostados no uso de vozes em comum que, afinal, são reações aos seus tempos e participam na mudança destes. Para já, contudo, ten-tar-se-á analisar a sua experiência começando num tempo mais próximo, identificando motivações contextuais mais presentes na sua eclosão, para se passar em seguida à caracterização do grupo e do que produz, deixando para mais adiante esse enquadramento remoto, conveniente a uma reflexão final mais aprofundada.

1.1. O contexto próximo

Depois de quarenta e oito anos sufocantes impera, no período imediata-mente após a queda da ditadura, uma espécie de estado público de euforia, um desejo generalizado e inebriante de compensar o passado traumático com novas experiências criadoras sentidas como urgentes para a recons-trução do país adiado durante tanto tempo. Aliás, é marcante essa faceta da realidade num certo estereótipo de emocionalidade exacerbada que persis-te hoje sobre esse período, mesmo que, de facto, a intensidade dos aconte-cimentos não exclua dimensões racionais e reflexão profunda, por um lado assentes em conhecimento acumulado ou repentinamente mais acessível e, por outro, potenciadas pelo quase brainstorming quotidiano trazido pelo alastramento participativo em ambiente democrático.

Portanto, há esse lado explosivo de uma ação cujo potencial e ener-gia são longamente abafados, sustidos. E, ao mesmo tempo, há uma forte

1. GRUPO ACRE: GÉNESE19

crença na ideia de uma democracia muito desejada e esperada e no poder coletivo daí resultante, que se traduz na necessidade premente de levar a todos os campos da vida ações que sejam consequência de processos de construção conjuntos e que exprimam vontades comuns.

O trabalho do Grupo Acre, talvez mais do que o de qualquer outro nesse período, surge apostado num misto de afirmação de uma identidade comum em coletivo, na utópica totalidade da cultura e até da nação, no seu caso assumindo uma dimensão cultural articulada com o pensamento artís-tico contemporâneo.

O questionamento crítico e projeto de ação política e artística que caracterizam este grupo de artistas devem, assim, ser compreendidos em função de uma situação bastante paralisada que, repentinamente, ventos novos agitam e refrescam, numa abertura repentina e radical.

1.1.1. Claustrofobia e brisas de mudança

Ora, para quem vive em Portugal entre as suas fronteiras ibéricas, não ibé-ricas e o mundo, o estrangulamento da vida e da cultura portuguesa é, em 1974, tremendamente pesado e muito longo — quase cinquenta anos vividos entre a ação repressiva e censória da ditadura sobre os discursos políti-cos, sociais e de toda a espécie e a mediocridade regionalista que impera, a estreiteza das mentalidades, o atraso a todos os níveis. Para além da sua realidade financeiramente pobre e do nível precário de desenvolvimento, o país apresenta uma taxa de analfabetismo vergonhosamente elevada3 e uma baixíssima formação escolar de base, a que os medos da prepotência política, da prisão, da tortura e de retaliações diversas se somam a todo um clima retrógrado, de injustiça e insegurança, situação difícil que os anos de guerra colonial começada em 1961 em nada melhoram.

A escassez e lentidão dos meios de comunicação de massas, com-parativamente ao que hoje experimentamos, dificultam na altura a dis-seminação de novas ideias. A abertura ao exterior é pontual, limitada. O

3 Os Censos de então usam um conceito de analfabetismo questionável e, mes-mo assim, em 1960 apresentam como dados estatísticos em Portugal um to-tal de 65,6% de analfabetos. Nos Censos de 1970, é dada uma média de 25,7 % de analfabetos (nas mulheres 31%), mas dados não oficiais apontam para cerca de 40%. PORDATA. Base de Dados do Portugal Contemporâneo. Taxa de analfa-betismo segundo os Censos. [em linha]. Disponível em: http://www.pordata.pt/Portugal/Taxa+de+analfabetismo+segundo+os+Censos+total+e+por+sexo-2517 [Consult. 12 fev. 2015].

GRUPO ACRE FEZ 1974–77 20

poder combinado da polícia política e da censura (exercido por funcioná-rios oficiais e agentes infiltrados em todos os meios) inibe toda a comuni-cação de modo mais decisivo nos jornais, nas revistas e na televisão que, pouco a pouco, entra nas casas das famílias. As notícias são abafadas, fala-se em surdina sobre “certos assuntos” (como a política do governo, a tortura dos presos políticos, a guerra no ultramar, a pobreza cá e nas colónias, ideologias que não a oficial, outras religiões, sexualidades) e não há partidos políticos.

O ambiente do país é repressivo e, no mínimo, desencoraja as asso-ciações coletivas cuja atividade possa resvalar para alguma discussão con-tra o regime.

Nesses anos difíceis, a emigração atinge enormes proporções4 e, seja por desejos de evasão à guerra, às políticas e às mentalidades, ou simples-mente por questões de sobrevivência e desejo de maior desafogo econó-mico, as razões para fugir são muitas: Na década entre finais de cinquenta e sessenta, “viver era, cada vez mais, partir” 5 e, ainda nos anos setenta, muitos partem, efetivamente, dando novos contornos à melancolia do mito sebastianista, ao regresso desejado, mas impossível.

Por essa altura, o que se passa à escala mundial é fascinante e indica mudanças profundas, a que a própria imprensa mais ou menos oficial do regime faz alusão discretamente, como acontece, a título de exemplo, num artigo sobre uma exposição do grupo KWY, em 1960, no Diário da Manhã:

Entretanto, a guerra dos detergentes continua. Há a Marylin Monroe com o seu Artur Miller. A B.B. suicida frustrada. Supp-hose Caron, as meias que descansam as pernas, e TV, a camisa do homem que a mu-lher prefere, no Congo um festim como eles não tinham há séculos. O Tod-Ao, Hi-fi, naves espaciais e mísseis teleguiados. Beatniks, angry young men, nouvelle vague; reedições em série da velha história do príncipe e da pastora, com a inversão dos sexos.Está tudo certo ou está tudo errado? Certo ou errado, é 1960. Certo ou errado, é o mundo em que vivemos, o Admirável-Nada-Novo de

4 Perto de 120 mil, num pico em 1967, novamente segundo dados oficiais. PORDA-TA. Base de dados do Portugal Contemporâneo. Emigrantes: total e por tipo. [em linha]. Disponível em: https://www.pordata.pt/Portugal/Emigrantes+total+e+por+-tipo-21-1217 [Consult. 13 fev. 2015].

5 Veja-se a propósito o texto de CABRAL, Manuel Villaverde (2001). “Paris, Portugal. Dos anos 50 aos anos de 1970.” In ACCIAIUOLI, Margarida (Coord.), (2001). KWY. Paris 1958-1968. Lisboa: Centro Cultural de Belém/Assírio & Alvim, p. 56.

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Kerouac. É nele que os artistas habitam, é nele que têm de construir a sua arte.6

De facto, na estabilidade trazida pelo pós-guerra vivem-se evidentes sinais de progresso e de desenvolvimento, mas, ao mesmo tempo, os re-gimes ocidentais sofrem abanões políticos, especialmente de meados dos anos 50 em diante. É certo que, em 57, o Sputnik russo explora os limites da órbita terrestre como primeiro satélite artificial. Dois anos depois, a revolu-ção cubana e Fidel Castro tinham exaltado as consciências mais utopica-mente revolucionárias e adicionado um novo sentido à Guerra Fria. Em 1961, ano em que Cagarin é o primeiro ser humano numa nave espacial, Kennedy é eleito presidente e em 63 é assassinado. A Guerra do Vietname, iniciada em 62, tem no seu reverso social a oposição pelos movimentos pacifistas e pelos hippies. A revolução sexual, as drogas, o rock e os movimentos de cultura underground cruzam-se com a revolução na igreja católica após o Concílio do Vaticano II, e o clima social da década endurece com a luta das mulheres (que em Portugal, como acontece em outras questões, evolui muito lentamente7), dos negros e dos homossexuais, com as guerras em África e os princípios dos processos de descolonização. A polemização das democracias ocidentais tem mais factos e argumentos com a morte de Che Guevara em 1967 e o Maio de 68.

Em Portugal, os anos sessenta também são tempo de agudização do mal-estar geral político e social. Apesar do PIB registar entre 1953 e 1972 uma média acima da europeia e haver desenvolvimento económico em Angola e Moçambique8, a emigração de portugueses para a Europa aumen-ta. A derrota da candidatura do General Humberto Delgado em 1958 implica o seu exílio em 1959; o seu prestígio como opositor e a sua ligação à fracas-sada Revolta de Beja de 1952 vão ter como consequência a sua morte pela PIDE em 1965.

6 GUEDES, Fernando (1960). “KWY nas salas da Sociedade Nacional de Belas Artes”. Jornal Diário da Manhã (Crítica de Artes Plásticas), Lisboa, 14 de dezembro. Também referido na bibliografia geral em Acciaiuoli, obra citada sobre o KWY.

7 Só em 1967 é substituído o «Código Seabra” ou código civil napoleónico de 1867, mantendo, contudo, a autoridade masculina, com o marido como chefe de família, decisor dos atos fundamentais sociais e jurídicos da mesma, incluindo a sua repre-sentação. Um dado expressivo é o facto de o direito de voto das mulheres só existir depois de 1974, e é também depois da revolução, com a revisão da legislação, que nela se consigna a igualdade de direitos.

8 PIMENTEL, Irene Flunser (2017). Júlio Pomar. O Pintor no Tempo. Lisboa: Atelier-Museu Júlio Pomar/Sistema Solar CRL (Documenta), p. 190.

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Em 1967 o Papa Paulo VI visita Portugal e a 13 de maio está em Fátima. Em novembro, chuvas torrenciais provocam inundações dramáticas em Lisboa e arredores, nas quais morrem cerca de 700 pessoas, tratando o regime de abafar os números oficiais da tragédia consequente da falta de infraestruturas e pobreza dos locais mais atingidos.

No ano seguinte, o escândalo sexual dos Ballets Roses, que envolve elementos das elites da ditadura, é denunciado por Mário Soares, Francisco Sousa Tavares e Urbano Tavares Rodrigues, que são presos pela PIDE.

Em 1968 há dissidências inclusive na igreja católica, como a do Padre Felicidade Alves e uma manifestação de católicos contra a guerra colonial na Igreja de S. Domingos em Lisboa.

Também os intelectuais se mantém irredutíveis ao regime, sendo fre-quentemente presos pela polícia política e as atividades culturais alvo de censura e represálias — como no caso da vinda de Maurice Béjart a Lisboa, em junho de 1968, para levar à cena no Coliseu o bailado Romeu e Julieta, por ação da Gulbenkian, em que Béjart é preso pela PIDE.

Mas, nas casas e nalguns cafés, a multiplicação de aparelhos de te-levisão, já a cores nalguns países, permite assistir ao vivo em 69 a um ex-traordinário acontecimento — a viagem da Apollo 11 e a descida do homem na Lua. Em Portugal essa noite também faz história, quer entre os que ficam acordados a acompanhar o grande acontecimento da conquista tecnológica em direto, como que se tratando de uma reedição americana das descober-tas, e os incrédulos, que suspeitam estar perante um gigantesco embuste.

Apesar da repressão, a ditadura deteriora-se e, a par do que sucede internacionalmente, vai-se corroendo a base colonialista em que assenta; o regime não consegue criar uma total impermeabilidade às realidades do mundo e a informação da modernidade vai chegando aos solavancos, em-bora imensamente filtrada, diminuída, frequentemente distorcida e com re-flexos que, a existirem, são atenuados, como acontece com as contestações estudantis no país em 1962 e 69, que não têm a força do Maio 68.

Assim, saindo do país os emigrantes, na maioria por razões econó-micas, fugindo os exilados políticos contra o regime ou os detratores da guerra, expatriando-se outros por razões culturais diversas, a maioria que vai ficando tenta sobreviver num contexto ainda de grande atraso, em que inevitáveis sinais de modernidade são contrariados pelo ambiente soturno e retrógrado. Não é de estranhar que abundem escapes, anedotas, compen-sações inócuas. Por exemplo, quadros e tabuletas de grupos e sociedades recreativas animam paredes de tabernas e cafés, numa variável parafernália kitsch, apelando a raras atividades permitidas, como excursões e patusca-das, na sua maioria a partir de sedes de bairro ou regionais, sob nomes como: Unidos da Rua do Mirador, Os Burros, Os Embirrantes, Grupo Excursionista

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Os Seis Cegonhas, Grupo Excursionista Os Gosmas, Grupo Excursionista Pagas-Tu-E-Bebo-Eu, Vidas Sem Rumo, Não Entra Mais Ninguém, etc.9. Vive-se como se pode, em resumo.

Entretanto, entre os filtros de difícil permeabilidade na comunicação, nas consciências e no poder quotidiano, um conjunto de realidades cruas mais vastas a nível global vai ser determinante na mudança do país:

Numa ação bélica de grande eficácia, a Guerra dos Seis Dias, em 1967, os israelitas atacam diversos territórios aos povos árabes: tomam a Faixa de Gaza e a Península do Sinai ao Egito, conquistam os Montes Golã à Síria e ocupam a Cisjordânia com Jerusalém Oriental, até aí território jordano. Seis anos depois, em 1973, com Anwar al-Sadat já sucessor de Nasser no Egito, os países árabes procuram uma revanche na qual Sadat intervém de modo mais moderado propondo a Israel trocar o Sinai pelo reconhecimento de estado hebraico. Face à ausência de resposta, os países árabes mediante alianças diversas atacam então a 6 de outubro (Dia da Expiação, Yom Kippur, feriado judaico) o estado de Israel visando a recuperação dos territórios an-tes ocupados. É a Guerra do Yom Kippur, que dura 20 dias, quando os israe-litas retaliam e, graças ao apoio americano, vencem.

Em consequência da derrota militar, os países árabes através da OPEP (Organização dos Países Produtores de Petróleo) assumem o petróleo como arma política. Numa altura em que a procura aumenta num contexto eco-nómico ocidental de progresso do consumo, decidem reduzir a produção e subir os preços, decretam um boicote aos EUA e abrem uma crise energéti-ca no Ocidente com nefasto impacto nas economias.

A ponte aérea dos americanos, que apoia a vitória de Israel contra o Egito e a Síria, usa o aeroporto das Lajes no Açores e, com isso, o governo português de Marcelo Caetano coloca-se numa posição bastante equívoca face à Nato e à Europa, que tinham negado aos EUA o direito de passa-gem dos aviões americanos. Logo, Portugal fica sujeito às consequências da aliança com os americanos, nomeadamente sofrendo o embargo do for-necimento de combustível.

Em finais de novembro de 1973, a RTP passa notícias sobre as filas de automóveis para abastecimento nas bombas de gasolina, onde os combus-tíveis escasseiam.

9 Veja-se, por exemplo: ANDRADE, Pedro (1986). “Arte excursionista”. Colóquio Artes. Nº 68, março, p. 4. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

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Mas isso é só uma parte do todo. Com a subida do preço do petróleo para o quádruplo, a inflação galopa de novembro de 1973 até março de 1974. Enquanto isso, no orçamento de estado as rubricas dedicadas à guerra co-lonial são as mais pesadas (40% das despesas) e, apesar disso, revelam-se cada vez mais insuficientes para o país fazer face a um conflito progres-sivamente mais insustentável, não apenas do ponto de vista político, mas também financeiro.

No início de 1974, é mal disfarçada uma crise política que resulta de factos adicionais: em Portugal e o Futuro, livro publicado em fevereiro, o General António de Spínola defende que a guerra colonial requer uma solu-ção política e não militar, no que tem apoio do General Francisco da Costa Gomes, Chefe do Estado Maior das Forças Armadas (EMFA). De posição fragilizada, o Primeiro-Ministro pede demissão ao Presidente da República, que lha recusa. São demitidas altas patentes militares: Spínola e Gomes e ainda o Almirante Tierno Bagulho. E é negado um projeto de promoção de carreiras militares.

Em resumo, por dentro das próprias forças armadas e ecoando sec-tores financeiros desejosos de uma modernização realista, cava-se uma ru-tura no regime.

Apesar do clima de medo, uma ideia comunga-se em silêncio ou sur-dina: é forçoso que algo mude politicamente, urgentemente.

Na cultura e nas artes, debaixo do abafamento do Estado Novo, vai longe o tempo do primeiro modernismo, dos debates escandalosos do Orpheu com Amadeo, Viana, Santa-Rita Pintor e Almada, do diálogo com as vanguardas europeias, bem como do que José-Augusto França coloca sob a égide de humoristas, pioneiros de modernismo, pintores da publi-cidade dos anos 30, surrealistas de humor negro e até artistas do acordo social da década de 35 a 45. A custo, eles “acertam-se com uma mobilida-de social” 10 e instala-se muito filtrada a diversidade cultural dos anos 60.

Após os atrevimentos do neorrealismo e dos debates surrealistas, as-siste-se nos anos 50 a alguma propagação tardia do movimento abstrato; e estendem-se para a década seguinte manifestações de uma figuração pop sob compromissos formais expressionistas, raramente próximas da arte po-vera, do minimalismo ou do conceptualismo que, então, constituem tópicos emergentes da produção artística internacional.

10 FRANÇA, José-Augusto (s/d). A arte e a sociedade portuguesa no séc. XX. Lisboa: Livros Horizonte, p. 97, 98.

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A neo-figuração mais ou menos pop vai permitindo o aprofundamento da desmontagem dos elementos plásticos e valores estruturais das obras e das suas estratégias narrativas, fazendo já parte de uma mudança gra-dual em que os anos sessenta são decisivos. Acentua-se a evolução de uma consciência da abertura dos meios formais e temáticos da produção artísti-ca: a noção de que uma obra de arte não depende de procedimentos canóni-cos, de que a sua existência pode ser assegurada pelo recurso a conceitos e logísticas mistas ou até aí extrínsecas aos foros tipicamente artísticos.

Pouco a pouco, como brisas de mudança, irrompem na claustrofo-bia cultural do país acontecimentos e notícias, frequentemente por ação de artistas expatriados e viajantes, que dão sinal do que acontece “lá fora”, de outros modos de estar, pensar e fazer, fazendo desta década o “princípio do fim do processo de modernidade”11. Quer seja este um tempo de rutura ou de amena continuidade estrutural com alterações graduais, o certo é que os anos 60 são marcados por um certo vento de renovação na arte portuguesa, tanto beneficiando do papel dos artistas “estrangei-rados”, como em consequência da profunda mudança do mundo, mais percetível nuns locais do que noutros, mas intravável, sob efeito de uma comunicação cuja massificação acelera.

Vai havendo, assim, discretos, mas sólidos sinais da modernidade ar-tística, por exemplo até em algumas exposições internacionais do SNI, su-cedendo-se outras decisivas. A exposição de Henri Moore em Lisboa, em 1959, acontece já sob ação da Fundação Calouste Gulbenkian, cuja bené-fica iniciativa atenua a pobreza nacional, prosseguindo em outras mostras, como a de arte inglesa em 1962, a francesa em 65, a italiana, etc., e soman-do-se ainda o novo serviço de bolsas de Belas Artes para estudo no estran-geiro. Na SNBA, a direção de Conceição Silva traz alguma renovação depois de 1964 a um certo marasmo muito marcado pela “prolongada influência de sensibilidades académicas”12. E, tal como a renovação na SNBA faz parte da mutação gradual dos meios artísticos da década e consubstancia uma face-ta expressiva de alguma dinâmica coletiva, também é sintomática a ação do CAPC (Círculo de Artes Plásticas de Coimbra)13.

Nas duas décadas anteriores a 1974, o panorama das galerias é mui-to limitado aos grandes centros urbanos portugueses. Em Lisboa, a SNBA

11 ALMEIDA, Bernardo Pinto de (1999). “Anos sessenta ou o princípio do fim do pro-cesso de modernidade”. In PERNES, Fernando (Coord.), (1999). Panorama da Arte Portuguesa do Século XX. Porto: Fundação de Serralves/Campo das Letras, p. 213.

12 RODRIGUES, António (1994). Anos 60, anos de ruptura: uma perspectiva da arte portuguesa nos anos sessenta. Lisboa: Livros Horizonte, s/n.

13 A tratar um pouco mais detalhadamente no ponto 3.2.

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(Sociedade Nacional de Belas Artes) mantém um papel destacado ao lon-go de quase todo o século XX como uma espécie de casa dos artistas e ali muitas exposições e debates expressivos da modernidade acontecem, inclusive em vésperas de 7414. Há também as Galerias Pórtico e Diário de Notícias, acrescentando-se, nos anos sessenta, a Divulgação em 1963 ( já existente no Porto uns anos antes), a 111 desde 1964, e ainda a Quadrante, a S. Mamede, a Dinastia, a Judite da Cruz, a Interior.

A cidade do Porto tem um papel especial nessa década, remon-tando alguns factos decisivos, no mínimo, às duas gerações anteriores: No Porto dos anos 40 são jovens Júlio Resende, Fernando Lanhas, Nadir Afonso, Arlindo Rocha e outros, artistas ligados à Escola Superior de Belas Artes do Porto e em breve relevantes na cidade. Com esta geração surge a série de exposições dos Independentes de 1943 até 50, marcante na afirmação da liberdade de expressão estética e com particular relevân-cia no campo da abstração, embora não exclusivamente. É no Porto que, em 1946, Júlio Pomar organiza a I Exposição Geral de Artes Plásticas no Ateneu Comercial, dando o mote para a sequência de pendor mais neor-realista. E nos anos 50 a vida cultural e artística da cidade anima-se en-tre locais e instituições com protagonismo então crescente — o Ateneu, os Fenianos, o Cineclube do Porto nascido em 1945, a ESBAP onde o ensino artístico adquire maior abertura com o diretor Carlos Ramos de-pois de 1952, o Teatro Experimental do Porto desde 1951, com grande relevância nessa década e na seguinte, o próprio Museu Soares dos Reis.

Também no Porto, um pouco à semelhança da SNBA do ponto de vis-ta dos propósitos associativos, a Cooperativa Árvore 15 é criada em Abril de 1963 por um grupo de artistas entre os quais está Lima Carvalho, do futuro Grupo Acre, e Ângelo de Sousa e Jorge Pinheiro, d’ Os Quatro Vintes, que irrompe cinco anos depois. A Árvore vai tornar-se rapidamente um polo de grande atividade em encontros, exposições e iniciativas diversas, até hoje sendo uma das instituições culturais mais relevantes da cidade.

Para além disto, também vão surgindo no Porto galerias de arte que propiciam um acréscimo de novas dinâmicas de exposição e mercado, como acontece com a Alvarez de 1954 em diante, a Divulgação portuense desde 1958, muito relevantes no Porto dos anos sessenta.

14 Também a SNBA merece, pelo seu papel importante no meio artístico português e para o Grupo Acre, destaque em 3.1.

15 Idem.

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Figura 1Cooperativa Árvore. Estatutos (na fundação da cooperativa). Capa e página 1, na qual é visível o nome de Lima Carvalho na lista de outorgantes.

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As características da cidade do Porto de então e do seu meio cultu-ral, por outro lado, favorecem as qualidades associativas entre artistas, o que explica também o facto de tantos coletivos portugueses de artistas dos anos 60 e 70 serem provenientes desta cidade ou nela terem permanecido durante algum tempo.

Entre as décadas de 50 até aos primórdios de 70 destacam-se ainda dois grupos exclusivamente constituídos por artistas, o KWY e o já referido Os Quatro Vintes, que se tornam paradigmáticos do seu tempo16, funcio-nando como antecessores e referências para o Grupo Acre.

Entretanto, no mesmo ano de 1963, em que é fundada a Árvore no Porto, termina a edição parisiense da revista do grupo KWY (embora o grupo continue), publicação iniciada em 1958 e simultânea à atividade da segunda fase dos Nouveaux Réalistes.

O ensino artístico avançado sofre uma evolução significativa neste período de tempo. Os cursos públicos de Belas Artes são reformados em 1957 segundo regulamentação, currículos e planos de estudos nacionais, ni-velando a fasquia da exigência específica e teórica e acabando por introdu-zir uma modernização tímida, mas expressiva, embora irregularmente com-preendida e, sobretudo, travada pelas circunstâncias extensivas ao país. No domínio privado, a SNBA inicia em 65 os seus cursos de formação artística, voltados para um público diverso. Em 69 abre o IADE, escola direcionada para a relação entre arte e “decoração”, na prática ali sendo implementados os primeiros cursos de design em Portugal.

O Prémio Soquil, de 68 a 72, é uma das raras iniciativas que apoiam a produção artística.

De resto, no que diz respeito a publicações sobre arte, os “anos de chumbo” traduzem-se num panorama bastante desértico e, para além do que chega às embaixadas e fica disponível para consulta (por exemplo, de modo pouco previsível, na vetusta biblioteca da Academia Nacional de Belas Artes), a informação resume-se a pouco mais do que escassas notícias que, de modo mais ou menos clandestino ou disfarçado ou que a censura lá vai deixando escapar, se vão divulgando em círculos crescen-tes. Nas secções culturais da imprensa diária, nas colunas culturais de revistas generalistas, os artigos sobre a arte que se faz “lá fora” consti-tuem, com alguma frequência e principalmente no período mais recente da “primavera marcelista”, peças preciosas de informação atualizada me-nos obliteradas pelo lápis azul do que outras matérias, talvez porque o seu conteúdo pareça relativamente inócuo.

16 Também em 3.1 se faculta mais informação sobre estes dois grupos de artistas.

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Aos álbuns da Artis a partir de 1958 segue-se a criação da Colóquio/Letras editada pela Fundação Calouste Gulbenkian, que divulga exposições nacionais e internacionais sob ação da FCG entre 1959 e 1970. Em 1967, o primeiro encontro da AICA em Lisboa refunda a secção portuguesa dos crí-ticos de arte, dando início a sete números de uma revista, a Pintura & Não, de 68 em diante.

Dando sequência à revista anterior da Gulbenkian, mas autonomizan-do-se numa perspetiva mais especializada em arte e, desse modo, consti-tuindo o melhor que se fez, a Colóquio Artes aparece de fevereiro de 1971 em diante17. Publica 111 números até 1996, primeiro bimestralmente, depois de três em três meses, com inúmeros textos bilingues de cerca de 400 autores, profusamente ilustrados a cores e preto e branco, dotados de forte compo-nente de informação contemporânea sobre artes, música, teatro, bailado e cinema. Ainda antes da revolução democrática, aí surgem notícias e refle-xões sobre estes temas, de modo bastante mais desenvolvido do que na im-prensa generalista. Por exemplo as Cartas de Londres, de Paris, de S. Paulo, etc., são colunas regulares que, desde o primeiro número da revista, noti-ciam o que de artisticamente mais importante acontece naquelas cidades. Há também textos exemplares sobre questões de grande atualidade artísti-ca, como o tema da desmaterialização e abertura dos suportes convencio-nais18. Vão surgindo exemplos de experiências inovadoras de toda a espécie, como o recurso de meios computorizados (coisa então quase alienígena), páginas sobre a noção de project arte, ações de cariz performativo ainda invulgares, a par de outros artigos sobre recentes encenações de óperas, análise combinatória na base da criação musical, o novo cinema, etc. etc., bem como reflexões teóricas sobre objetos artísticos mais tradicionais, sem esquecer temas e casos do património nacional e mundial.

No geral, esta é a revista que, nos últimos tempos anteriores à revolu-ção, mais marca a divulgação artística em Portugal e à qual, naturalmente, são sensíveis os membros do futuro Grupo Acre.

Mais tarde, vai surgir ainda a Artes Plásticas, revista que se publica de 1973 até 1977 e na qual as produções de arte de coletivos terão alguma expressão relevante depois de 74, o que se relaciona com o facto de serem

17 A direção da revista é de José-Augusto França, que garante uma linha de grande qualidade, abertura e contemporaneidade.

18 Este assunto é tratado logo no nº 2 da revista Colóquio Artes, em abril de 71, con-cretamente no texto Objecto sem Pintura e Pintura sem Objecto, de Eduardo Lourenço, e em O Objecto Operatório, de José-Augusto França, este último ilustra-do com imagens de obras de Arman, Dan Flavin, César, Robert Morris, entre outros.

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colaboradores alguns artistas participantes em grupos, nomeadamente Ângelo de Sousa, dos Quatro Vintes, João Dixo, do futuro Grupo Puzzle e Queiroz Ribeiro, do futuro Grupo Acre.19

Da criação individual dos artistas podem evocar-se, sem qualquer ca-rácter exaustivo, algumas obras que são sintomáticas também dos tempos de mudança, como por exemplo os objetos de Noronha da Costa (1965), as primeiras pinturas-objeto de Helena Almeida (1967), o “canavial” de Alberto Carneiro, os ambientes de Ana Vieira na galeria Quadrante e as telas fotos-sensíveis e citacionais de Cruz Filipe (1968), os textos Crítica e Combate nas Artes Visuais de António Areal e o happening O espírito da Letra de João Vieira na galeria Judite da Cruz (1970). Nessas e muitas obras individuais, mudam-se vontades, formas e, certamente, a história em curso.

Vejamos, pois, mais de perto, a mudança.

1.1.2. À beira de acontecer

Entre o final dos anos sessenta e o início dos setenta verifica-se, pois, um dinamismo crescente na criação artística com contornos contemporâneos e intensificação da dimensão coletiva na produção artística.

Entre 1968 e 1971, o grupo Os Quatro Vintes realiza diversas expo-sições em Portugal e em Paris, destacando-se pelo sentido atual das suas propostas que, depois já a solo, os seus artistas prosseguem.

No Porto, na Galeria Alvarez, também são expressivas nessa altura as exposições Operação — I e Operação — II, com obras do grupo de escrito-res e artistas do movimento da Poesia Experimental Portuguesa, incluindo--se um happening; são autores, entre outros, Melo e Castro, José Alberto Marques e Ana Hatherly, que explica a exposição e faz uma conferência so-bre a sua teoria poética.

O painel Começar, de Almada Negreiros, pintado em 1968/69, é insta-lado na Gulbenkian ainda antes da morte do artista em 1970.

Em Óbidos surge a Ogiva, uma galeria aberta entre novembro de 1970 e janeiro de 1974 por iniciativa do escultor José Aurélio, com colaboração

19 Editada pela Bertrand, a revista Artes Plásticas tem como diretor Egídio Álvaro. Colaboraram  Rocha de Sousa, Lima de Freitas, Fernando Lanhas, Luigi Carlucciu, António Areal, Alfredo Queiroz Ribeiro, Rui Mário Gonçalves, Giovanni Giappolo, Sallete Tavares, Eurico Gonçalves, Mirella Bandini, Oystn Hjort, João Dixo, Rugiero Bianchi, Patrick Le Nouen, Ângelo de Sousa, Jaime Ferreira, Anne Troen Che, Yann Pavie, Jean Luc Parant.

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dos amigos Rogério Ribeiro, Espiga Pinto e Eduardo Nery. Sem apoios fi-nanceiros nem finalidade comercial, é um espaço de artistas e um espaço de encontro, beneficiando do facto do local ser um bom pretexto para via-gem, a meia distância entre Norte e Sul do país. Inúmeros colegas de ofício lá aparecem e expõem20, facilitando algum convívio festivo entre “famílias” e gerações artísticas e, naturalmente, criando preciosas oportunidades de diálogo e debate, frutuosas até mais tarde.

O mercado artístico vive então um período de altos e baixos, contras-tando de modo crítico as dificuldades financeiras com um dinamismo sem precedentes (que paralisa de novo em 74), acompanhando por enquanto a nova fase do Estado Novo, a Primavera Marcelista. Embora esta acabe por constituir uma certa deceção em termos políticos para quem dela espera maior modernidade e democratização, é sintomática de alguma abertura cultural, quer isso se deva ao relaxamento do regime nessa frente ou ao cada vez mais generalizado forçar de limites por parte dos políticos, intelec-tuais, artistas e outros agentes da cultura. Em diversos quadrantes há mui-to a acontecer, com diferentes graus de visibilidade e sentido: Por exemplo, em 1972 é publicado o livro Novas Cartas Portuguesas, importante texto da autoria das escritoras que ficam conhecidas como 3 Marias (Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa) em prol da luta dos direitos das mulheres e contra a guerra colonial, a emigração, o sistema em si; Alberto Seixas Santos filma a primeira parte de Brandos Costumes, uma história fragmentada ao jeito da nouvelle vague, que cruza um pai de família com a imagem de Salazar (na realidade, o filme estreia só em 1975 no cinema Londres de Lisboa); e, no teatro de Campolide, em 1973, Virgílio Martinho encena Filopópulos, uma peça alegórica sobre a queda de um di-tador, que é um êxito no palco e na crítica.

Enquanto isso, abrem em Lisboa exposições internacionais importan-tes, parte das quais na Fundação Gulbenkian — Rodin, Klee, o Grupo Cobra, Alan Davie, Henri Michaux, Serge Poliakoff.

A mudança de paradigma artístico que ocorre internacionalmente

20 Além dos já referidos José Aurélio, Rogério Ribeiro, Espiga Pinto e Eduardo Nery, expuseram na Ogiva: Alberto Carneiro, Costa Pinheiro, Jorge Pinheiro, Ângelo de Sousa, Vespeira, Ana Vieira, António Areal, Artur Rosa, Carlos Calvet, Carlos Natividade Correia, António Charrua, Fátima Vaz, Graça Morais, Helena Almeida, Jaime Silva, João Machado, José Escada, João Cutileiro, João Vieira, Joaquim Rodrigo, Jorge Martins, José Rodrigues, Júlio Bragança, Manuel Baptista, Menez, Nikias Skapinakis, René Bertholo, Sá Nogueira, Sam, etc. — segundo ROSENDO, Catarina (2009). “Ogiva Galeria de Arte, 1970-1974. O risco de sair da norma”. ARQUIVO L+ARTE, 4.10.2009. [em linha]. Disponível em: http://arquivolarte.blogs-pot.com/2009/10/ [Consult. 13 ag. 2019].

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nesta década e na seguinte — quando se questiona a autonomia e essência da obra de arte e se desenvolve uma autorreflexão mais crítica, o que é em parte traduzido pelo minimalismo e pela arte conceptual — esbarra ainda com as resistências típicas do afastamento cultural do país e do regime político fe-chado e é, assim, lenta. Apesar disso, há sinais que revelam alguma absorção progressiva das correntes artísticas mais atuais, da arte pop ao processo de redefinição da obra de arte sob o signo da transversalidade de meios, do fil-me à fotografia e ao texto e modos totalmente informais, usando materiais reciclados, corporais, etc., bem como pela via da valorização conceptual, das relações entre arte e vida, das novas ideias políticas incluindo a consciên-cia da sociedade de consumo, da importância do conceito de vanguarda.

São disso exemplo as Notas para um manifesto de arte ecológica, tex-to curto datado de fevereiro de 1972, da autoria de Alberto Carneiro e em sintonia com o seu trabalho escultórico experimental. Há também os proje-tos de Ernesto de Sousa, sinais de alterações no contexto crítico e curatorial — Nós não estamos algures, de 1969, e Do Vazio à Pró-Vocação, de 1972. Na realidade, as exceções e os sinais de maior vitalidade criativa são, acima de tudo, individuais, justificando-se plenamente o ponto de vista teórico que se revê na impossibilidade de uma abordagem que ultrapasse essa situação traumática, provocada por uma espécie de desvio ao curso da história geral da contemporaneidade21.

A escassez de acontecimentos artísticos e culturais é desmotivadora para muitos e suscita declarações como a de Fernando Pernes, que con-sidera que não acontece “nada de novo na frente da arte portuguesa”22 no início dos anos 70, explicando mais adiante no mesmo texto: “Apenas ex-posições sucedidas num ritmo comandado por interesses de galerias, alas-trando entre as duas primeiras cidades do País e criando equívocos onde o

21 Alexandre Melo aborda a realidade artística portuguesa durante esses anos sob a noção de scarto, termo que toma de empréstimo a Ginzburg e Castelonuovo e que remete para uma ideia de “deslocação lateral repentina relativamente a uma traje-tória dada” evitando assim cair na vulgaridade do lamento periférico, cujo trauma, apesar de tudo, não recusa. De facto, Melo coloca dificuldades à hipótese de uma história da arte em Portugal do século XX, o que, na sua opinião, não pode ser rea-lizado sem forte recurso da sociologia, para um enquadramento global que corrija óticas excessivamente locais e, consequentemente, deformadas. A sua análise res-tringe-se assim, por decisão prévia, à participação de artistas portugueses na histó-ria do século, às determinações sociológicas das condições de exercício das ativida-des artísticas, e à obra dos artistas mais dignos de nota, isto é, menos portugueses do que internacionais. MELO, Alexandre (1998). Artes Plásticas em Portugal, dos anos 70 aos nossos dias. Algés: Difel, p. 12 e seguintes.

22 PERNES, Fernando (1973). “Carta de Lisboa e Porto”. Colóquio/Artes. Nº 11, fevereiro, p. 65. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

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êxito mundano se confunde com a qualidade estética ou a perfeição execu-tiva com a originalidade inventiva”.

No entanto, há efetivamente sinais de algo novo. No Porto, é na Galeria Dois que Egídio Álvaro dinamiza a Perspectiva

74, um ciclo de intervenções artísticas de vanguarda e debates com artis-tas de cinco países (Checoslováquia, França, Inglaterra, Japão e Polónia), durante 13 semanas, de fevereiro até abril de 197423. Esse ciclo é sintomá-tico do clima de mudança que se vive, especialmente na procura de mo-dos artísticos transversais, mas assume também, mais esporadicamente, algum perfil de contestação política, sendo expressiva a obra exposta de Serge III Oldenbourg que alude à repressão, inicialmente de modo estáti-co e que, depois do 25 de abril, o artista altera sob dimensão performati-va. A Perspectiva 74 está também ligada à revista Artes Plásticas, surgida em 1973 no Porto, e faz parte do movimento em que se integra também o que acontece na Casa da Carruagem, de Jaime Isidoro, com forte papel nas dinâmicas artísticas que se seguem, especialmente no norte do país, incluindo de coletivos de artistas.

Por outro lado, entre 1972 e 74, quase repentinamente, os preços das obras de arte disparam nas poucas galerias, vendendo-se exposições intei-ras em inaugurações com festas nunca vistas, de forte dimensão mundana, em que a burguesia e os artistas exibem o seu novo esplendor. Acentuam-se e proliferam sinais de uma corrente de fundo em transformação, pre-sente em inúmeros sintomas, sejam eles esparsamente individuais ou mais generalizados, seja ao nível das próprias instituições. Aliás, no pró-prio ensino artístico também se verifica isso, quer na tensão interna nas Escolas Superiores de Belas Artes, quer pela criação de alternativas, mais liberais. Por exemplo, em 1973, abre o Ar.Co (Centro de Arte e Comunicação Visual), a partir da constituição jurídica da Sociedade Anónima (Searco, S.A.R.L.) que junta artistas como Manuel Costa Cabral (diretor do projeto por 22 anos), Graça Costa Cabral, Eduardo Trigo de Sousa, Eduardo Nery, Waldemar d’Orey e José Nuno Câmara Pereira24. É uma escola indepen-dente, privada, voltada para as práticas artísticas, por onde vão passar inú-meros artistas e amadores desejosos de experimentação e conhecimento extra formatos académicos.

23 Ver mais em FERREIRA, António Quadros (2017). Jaime Isidoro. A Arte Sou Eu. Porto: Edições Afrontamento.

24 São acionistas fundadores Alberto Vaz da Silva, Eduardo Nery, Eduardo Trigo de Sousa, Graça e Manuel Costa Cabral, João Jose Guimarães Assédio, Jose Manuel Galvão Telles, Jose Maria Cantilo de Faria, Lucinda Godinho e Flávia Monsaraz.

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Em 1973 — ano da morte de Picasso, da crise do petróleo e do aumen-to brutal do seu custo, curiosamente o ano mais favorável desse curto boom do mercado artístico português graças a uma fase bem sucedida de espe-culação na Bolsa e dinheiros do “Ultramar” — Portugal é um país no qual as contradições se acentuam veladamente, mergulhado como está numa guerra colonial ruinosa e cada vez com menos sentido, com um prestígio in-ternacional muito abalado e que, internamente, vê aumentar a contestação, também fomentada pela inflação na ordem dos 30%.

1973 é, também, o ano de duas importantes esculturas (figuras 2 e 3): em setembro, João Cutileiro instala em Lagos o seu D. Sebastião e em dezembro, Jaz Morto (...) designa o soldado morto que Clara Menéres expõe na SNBA.

A D. Sebastião, José-Augusto França oferece a capa da Colóquio Artes. Ali elogia no texto a pertinência histórica da peça, que comemora mais de 400 anos da elevação de Lagos a cidade, coincidente de perto com a data da partida dali do rei guerreiro para a sua expedição, alongando-se sobre outras representações do mesmo para enaltecer o imenso mérito da escultura realizada por Cutileiro.

Figura 2João Cutileiro. D. Sebastião. 1973. Fotografia da autora do texto.

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De facto, a obra é surpreendente na altura e continua a sê-lo. No mesmo texto, o historiador frisa ainda a desarticulação dos volumes que “impõe um falso movimento, ou um impossível movimento, um desajeita-mento físico que simboliza a situação psicológica e moral de D. Sebastião”, o “olhar perdido e cego, irreal, vazio, onde tudo cabe”, o seu “fantasma vin-do do fundo do tempo, espantalho da História, caricatura do Mito. Boneco dado à nossa piedade e oferecido à nossa meditação.”25 Trata-se, pois, de uma obra que assinala uma consciência mais contemporânea da escul-tura no espaço público, não só aqui já sem plinto, mas, sobretudo, cons-tituindo um interessante retrato do rei menino do Século XVI no estertor da expansão portuguesa e, também por acréscimo, da própria guerra que decorre em 73.

Quanto a Jaz morto e arrefece o menino da sua mãe, a escultura é apresentada por Clara Menéres na Sociedade Nacional de Belas Artes, na Exposição 73. Poucos meses antes da Revolução dos Cravos e da participa-ção da autora no Grupo Acre, a escultura representa de modo quase hiper--realista um soldado jacente, morto, numa alusão direta à guerra colonial.

Curiosamente, sendo ambas obras em que está implicada a presença da ideia de guerra, o que tanto pode ser uma alusão indireta como uma refe-rência direta ao que se passa nas colónias, também ambas sugerem visões paradigmáticas, numa coincidência premonitória:

25 FRANÇA, José-Augusto (1973). “O ‘D. Sebastião’ de João Cutileiro”. Colóquio Artes. Nº 14, dezembro, p. 44. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

Figura 3Clara Menéres. Jaz morto e arrefece o menino da sua mãe. 1973.Gesso policromado e base de aço rebitado, 90x210x65 cm. Fotografia de Clara Menéres.

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Numa, há um menino perplexo na antevisão de uma glória que se irá desmoronar e de um futuro em que constituirá figura mítica — não por aca-so, o mesmo mito que acompanha simbolicamente o Grupo Acre numa úl-tima obra quando, mais tarde, suspende a sua atividade. E na de Clara, é mais do que um soldado morto: é um potencial amado, filho morto, figura do medo profundo de uma mãe-nação, ameaça da derrota do futuro possível.

Ambas, ainda, sejam mais diretamente referentes ao passado históri-co ou ao presente de então, tanto a escultura de Cutileiro como a de Clara materializam figuras de militares, à beira de 74, precisamente quando ou-tros militares já se mexem clandestinamente para fazer acontecer Abril.

E, de facto, a rutura política desenha-se por dentro das próprias for-ças armadas, mais ou menos cientes da vontade de sectores financeiros para os quais é urgente uma modernização realista no país.

Assim, num substrato profundo indissociável de razões mais pura-mente ideológicas (a existência de uma ditadura, de um sistema antide-mocrático, o cerceamento das liberdades), a revolução portuguesa de 1974 acontece pela confluência dos dois tipos de causas materiais habitualmen-te identificadas em revoluções — a guerra e a crise económica. Só por si, cada uma destas causas é determinante e, no caso português, estão inter-ligadas, sendo decisivo o efeito nefasto do prolongamento desastroso da guerra colonial (com tudo o que está implicado) conjugado com o quadro da recessão económica mais global, que determinam o fim de uma gover-nação antidemocrática e obsoleta sem perspetivas de conseguir a recupe-ração financeira e política.

Os artistas parecem, assim, pressentir os discretos movimentos dos militares nos quartéis, antes dos tanques saírem, em março ou abril. Ou talvez, como atrás se sugere, a necessidade de mudança esteja presente no subconsciente comunitário.

Mais tarde ou mais cedo, de uma maneira ou de outra, vai acontecer.

1.1.3. A vertigem de abril

Na noite de 24 para 25 de Abril de 1974, estavam em cena em Lisboa os seguintes espetáculos, para além de outros que não se apresen-taram, por ser dia de descanso das companhias: Doroteia, de Nelson Rodrigues, na Casa da Comédia; A Menina Alice e o Inspector, de Robert Thomas, no Teatro Capitólio; Zoo Story, de Edward Albee, no Teatro Laura Alves; Morte de um Caixeiro Viajante, de Arthur Miller, no Teatro Maria Matos; Sábado, Domingo e Segunda-feira, de Eduardo de Filippo, no Teatro da Trindade; Uma Rosa ao Pequeno-Almoço, de

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Barillet e Grédy, no Teatro Variedades; A Dama de Copas e o Rei de Cuba, de Timochenko Wehbi, no Teatro Villaret.26

Dessa noite para o dia, tudo muda: no teatro, nas artes plásticas, na política, na vida corrente. Reconstituir por palavras a dimensão da mudança que se opera em Portugal, para que melhor se fundamente o sentido das ações do Grupo Acre, arrisca estender de tal modo o trabalho de contextua-lização que as obras do grupo podem perder o protagonismo que este texto pretende salientar.

Uma síntese de alguns dados cronológicos, ano a ano, apoia com refe-rências factuais a possibilidade de um olhar transversal, mas é preciso frisar que quando, neste país, se vive Abril de 1974, tudo é tão intenso que o resto do mundo parece perder prioridade, apesar dos acontecimentos importan-tes desse ano ao nível global.

O fascismo português arrasta-se por muito tempo e, apesar de não ser talvez dos mais agressivos, o peso da ditadura é efetivo e, quando eclode a democracia, o período seguinte é inevitavelmente de grande efusão emo-tiva e instabilidade. A liberdade recente propaga-se nos amplos terrenos das opções políticas, religiosas, individuais e culturais.

Muito rapidamente, em dias, são libertados os presos políticos, a PIDE é extinta e decretado o fim da guerra colonial quanto antes. Estão de vol-ta ao país não só políticos, mas também intelectuais, pensadores, cientis-tas e artistas exilados noutros países. Ainda soam os ecos de Grândola Vila Morena e logo, pouco depois da madrugada de quinta-feira 2527, regressam a 29 e 30 de abril os líderes expatriados dos maiores partidos da oposição, Mário Soares (Partido Socialista) e Álvaro Cunhal (Partido Comunista). A 1 de maio, a primeira manifestação do Dia do Trabalhador reúne em Lisboa cerca de quinhentas mil pessoas, enquanto outras também muito concor-ridas decorrem pacificamente no resto do país. Dias depois, a extrema--esquerda mobiliza a primeira manifestação de boicote ao embarque de

26 PORTO, Carlos; MENEZES, Salvato Teles (1985). 10 Anos de Teatro em Portugal 1974-1984. Lisboa: Editorial Caminho, p. 15.

27 Em diversos filmes de arquivo da RTP são visíveis: a alegria popular e dos militares; o discurso de Spínola à imprensa no próprio dia 25, no qual hesita ainda nas respostas sobre as medidas decididas pelo MFA (em cuja lista riscara algumas); a libertação dos presos políticos a 26 de abril com inúmeros rostos conhecidos; o discursos de Costa Gomes na ONU em Outubro; o interior da PIDE e da prisão de Caxias; o re-gresso dos exilados políticos, etc. RTP.ARQUIVOS. 25 de abril de 1974. [em linha]. Disponível em: https://arquivos.rtp.pt/colecoes/25-de-abril-de-1974/page/2/#fil-ters [Consult. 25 fev. 2021]. E http://www.rtp.pt/arquivo/index.php?article=272&t-m=34&visual=4 [Consult. 28 jan. 2015].

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soldados para as colónias e inicia um movimento popular de ocupações de casas desabitadas, muitas das quais legalizadas posteriormente pela Junta de Salvação Nacional, que governa o país nessas primeiras semanas e proí-be novas ocupações.

O 1º Governo Provisório toma posse a 16 de maio, presidido por Adelino da Palma Carlos, civil, advogado, democrata moderado; inclui prin-cipalmente civis representantes de quadrantes comunistas, socialistas, sociais-democratas, democratas liberais e monárquicos28. É presidente da República o General António Spínola, que também já preside à Junta de Salvação Nacional.

Quatro dias depois, Américo Tomás e Marcelo Caetano, que já es-tão desde 26 de abril no Funchal, partem para o exílio no Brasil. A 25 de maio, têm início conversações com o PAIGC para terminar a guerra colo-nial na Guiné-Bissau. É fixado por Palma Carlos o primeiro Salário Mínimo Nacional (3300$00) a 29 de maio. Nesse mês e no seguinte surgem e inten-sificam-se conflitos laborais em grandes empresas como os CTT, a Lisnave e a Timex. A 6 de junho decorrem em Lusaka conversações preliminares com a FRELIMO para a independência de Moçambique. Três dias depois, Palma Carlos demite-se e com ele alguns ministros; é formado a 12 de julho o 2º Governo Provisório, predominantemente constituído por militares, com Vasco Gonçalves como Primeiro-Ministro.

A 27 de julho, Spínola reconhece o direito à independência das coló-nias africanas.

Claramente, o país está no palco do mundo e, evidentemente, a revo-lução e a democracia trazem as maiores transformações.29

Há, sobretudo, intensa vivência democrática e intensificação das dis-cussões em grupos, assembleias e plenários de toda a espécie, numa agita-ção permanente. Depressa se sucedem matizes e contrastes na mudança de regime e atores políticos, com a novidade da súbita divisão da anterior unidade da oposição em diferentes partidos com pontos de vista próprios em que as pessoas, ao mesmo tempo, manifestam clara inexperiência e di-ficuldade de transpor as diferenças.

28 Dados recolhidos em ARQUIVO HISTÓRICO. Governos Provisórios. [em linha]. Disponível em: http://www.portugal.gov.pt/pt/o-governo/arquivo-historico/gover-nos-provisorios.aspx [Consult. 2 fev. 2015].

29 COELHO, Eduardo Prado (1999). “Anos 60: as clausuras infinitas”. In AA.VV. (1999). Circa 1968. Catálogo da exposição de 6 junho a 29 agosto. Textos de Vicente Todolí, João Fernandes, Antje von Graevenitz, etc. Porto: Fundação de Serralves, p. 59.

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No que será a última revolução do século XX e uma das suas possí-veis utopias, e apesar das manifestas diferenças das forças políticas, são decididas medidas como as nacionalizações da banca, dos seguros e de serviços públicos fundamentais e a reforma agrária avança com ocupa-ções polémicas, acentuando rapidamente um perfil muito centrado em medidas sociais de esquerda. Ao mesmo tempo, a política internacional preocupa-se com o que se passa neste pequeno país e as redes de in-fluência, quer financeiras, quer diplomáticas, tornam-se mais complexas e infiltram-se em todos os quadrantes. O que, inicialmente, parece cla-ro e compreensível, rapidamente se torna confuso, quer pela ingenuidade geral e inexperiência política, quer pela multiplicidade de interesses em jogo, que multiplicam influências, contrainformação e desestabilização. E embora Portugal seja, afinal, um país longamente obscuro e bastante se-cundário, pouco mais que esquecido, ocupa uma posição geoestratégica decisiva entre o extremo da Europa, a entrada do Mediterrânico e a frente do Atlântico, a caminho das Américas e de África.

Apesar da merecida “festa de Abril” perdurar, tudo é mais complicado do que parece, mas, naquele tecido marcado por tensões contraditórias, a sede de transformação é bastante generalizada, e existe, desde o início, um espaço muito recetivo para as ideias mais contemporâneas.

As mudanças que a instauração do regime democrático permite são profundas e, repentinamente, vive-se intensamente uma abertura abissal à vaga cultural e artística internacional da década de setenta e da anterior. Há transições, é certo, que revelam contrastes naturais: por exemplo, o filme O Mal Amado, de Fernando Matos Silva, que depois de ser realizado em 73 de-baixo da pressão da censura (sendo o último filme dessa realidade e expres-sivo do contexto), é o primeiro filme português a estrear já em plena euforia da liberdade, no início de maio de 1974. Entre continuidades, contrastes e ruturas, o ambiente é de imensa e rápida mutação.

As formas de expressão mais inovadoras e até radicais, oriundas em parte de finais dos anos 60, explodem em Portugal após a revolução de 74, tornando-se muito mais percetíveis nos meios artísticos e culturais, e ma-nifestando-se nestes através de um conjunto de preocupações e interesses comuns — abrir, democratizar, socializar, são metas partilhadas com a so-ciedade a estender à produção das obras de arte, à necessidade de fazer algo de novo fora das parâmetros, dos meios e dos circuitos tradicionais.

Mais do que qualquer autor ou artista que possa constituir exemplo, o espírito do tempo é muito forte e faz-se sentir um pouco por toda a parte; as ideias andam no ar e há espaço para a experiência e para a novidade das ini-ciativas, principalmente se envolverem vontades de sinal coletivo, sinónimo então do espírito democrático que todos desejam viver e afirmar.

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1.2. Os três artistas do Grupo Acre

Sendo certo que o Grupo Acre tem gestação no contexto anterior a 1974 e que a sua atividade ocorre nos anos imediatamente seguintes à revolução, também é óbvio que o eixo fundamental de atuação do grupo resulta do trabalho mediado pelos três artistas que o constituem e, em parte, pelo trajeto que cada um desenvolve antes: Joaquim Lima Carvalho (1940-), Clara Menéres (1943-2018) e Alfredo Queiroz Ribeiro (1939-1974). Cada um deles é peça fundamental na obra do grupo e, na coerência deste, cada um tem o seu papel.

Entre eles, existe uma óbvia proximidade geracional e uma base de vivências comuns em que a cidade do Porto constitui um elo determinan-te, dado ali terem passado parte da sua juventude e da sua formação. De facto, Lima Carvalho e Queiroz Ribeiro são estudantes na mesma altura na ESBAP, que Clara, um pouco mais nova, também frequenta em seguida30.

Depois, a coincidência de Lima Carvalho e Clara Menéres residirem em Lisboa e ambos serem docentes na ESBAL vem facilitar maior apro-ximação e encontros, ali se sediando a ignição do projeto. Por outro lado, também estes dois artistas permanecem em Portugal durante “os anos de chumbo”, não fazendo parte da vaga de expatriados que, no país e também um pouco por toda a parte do mundo ocidental, com ou sem razões polí-ticas, se instalam em Paris, Londres, Nova Iorque, ou noutras cidades de referência na circulação internacional típica das elites culturais europeias e americanas de então31.

São eles dois os motivadores da criação do Grupo Acre, talvez em par-te por essa permanência prolongada no país, em parte também pela sua convivência na escola de Lisboa, cidade que os dois nortenhos consideram carente de dinâmicas de entrosamento interpessoal e comunitário, espe-cialmente na vida artística.

Já Queiroz Ribeiro vive uma experiência diversa, mantendo, contu-do, o Porto como epicentro da sua passagem por diferentes geografias. Nascido numa das antigas colónias portuguesas, Moçambique, mais tarde cumpre dois anos de serviço militar na Guiné e reside em Inglaterra durante cerca de três anos, primeiro para completar estudos e depois a lecionar, só regressando ao Porto definitivamente em 74.

30 Lima Carvalho frequenta a ESBAP entre 1958 e 1963, Queiroz Ribeiro entre 1959 e 1964 e Clara Menéres entre 1963 e 68. Ou seja, o escultor entra para o primeiro ano quando Lima está no segundo e Clara começa quando Lima conclui.

31 CABRAL, Manuel Villaverde (2001). Obra citada, p. 56.

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As características individuais dos três artistas são marcantes, quer nas diferenças da obra que cada um vai construindo, quer no modo como vão colaborar em conjunto no Grupo Acre. Vejam-se, assim, alguns dados biográficos e curriculares32 de cada um deles.

1.2.1. Lima Carvalho (1940-)

Nos ecos da voz de Clara e de amigos e colegas, ele é o Pintor, alcunha devida a Júlio Resende e que lhe ofusca nome próprio e apelido. O epíte-to — “como se vivêssemos em séculos passados, numa estranha renas-cença ainda povoada de mestres, discípulos, grandes obras (...)”33 — indica também uma forma de estar, pois Lima Carvalho é aquele que, haja o que houver, faça o que fizer ou aconteça o que acontecer na sua vida, pinta e de-senha sempre. É que, mesmo em circunstâncias problemáticas ou sobre-carga de tarefas (académicas, por exemplo), quando, para outros, é pouco provável conseguir continuar, ele não abdica da sua prática pictórica. E, ao mesmo tempo, arranja quase sempre maneira de se envolver em tertúlias, grupos de intervenção artística, projetos de ação comunitária. O Grupo Acre é um deles e, quando acontece, Lima Carvalho já tem experiência as-sociativa anterior34.

Depois da sua admissão na Escola Soares dos Reis, em 1953-54, faz parte de um grupo com Justino Alves, Domingos Pinho e outros, frequen-tando o clube Os Fenianos do Porto e expondo com aqueles artistas na Galeria Divulgação em 1958, na mesma cidade. Já então se identifica na sua pintura um eixo fundamental relacionado com temáticas sociais, dando atenção particular às realidades, numa linhagem enraizada na evolução do neorrealismo.

32 A ordem de apresentação dos três membros do Grupo Acre não é aqui alfabéti-ca nem cronológica (por datas de nascimento), obedecendo simplesmente a uma escolha que se afigura, do ponto de vista narrativo, caraterizar melhor a formação do grupo e o papel de cada um dos artistas, em articulação com o seu percurso pessoal.

33 SOUSA, Rocha de (1981). Lima Carvalho. As verdades da pintura. Catálogo de expo-sição. Porto: Galeria E.G. Associados, agosto, s.n. página.

34 A maioria dos dados curriculares de Lima Carvalho provém dos currículos apresen-tados para a agregação na Universidade de Lisboa (2001) e para concurso para pro-fessor catedrático na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa (2003), complementados por informações oriundas de catálogos de exposições em que participa, bem como conversas do artista com a autora deste texto. Há informações curriculares mais detalhadas, bem como alguns comentários à sua obra artística, no Anexo 3.

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No primeiro ano do curso da Escola Superior de Belas Artes do Porto, em 1958-59, trabalha num atelier conjunto com os colegas Carlos Neto, Marina Mesquita e Ellen Jensen e, em breve, empenha-se na criação de uma galeria que possa ser gerida diretamente pelos artistas, sem intermediários nem interesses comerciais.

Nessa altura a pintura que expõe acentua um teor pós-expressio-nista, o que se mantém mais ou menos persistente ao longo do seu per-curso como pintor.

Em 1963, com 23 anos, faz parte do núcleo fundador da Cooperativa Árvore, sendo um dos proponentes que assinam a escritura, entre outros artistas como Jorge Pinheiro, Ângelo de Sousa e Domingos Pinho. Aliás, a própria Árvore surge, inicialmente, como possibilidade de coletivo de artis-tas, mas a figura jurídica de cooperativa parece apresentar vantagens.

Depois, já formado, leciona no ensino secundário em 1965, em Matosinhos e Gondomar, exercendo funções nesse nível até 1973 e, as-sim, experimentando no trabalho pedagógico diversos processos de inte-ração coletiva.

Entre 1971-72, participa no Grupo Raíz, no Porto, com João Athayde e Mello, Ellen Jensen, Elisa Outeiro Braga, António Sottomayor e Helena Ernestina. Trata-se de um grupo de “ação artística” de recentes graduados das Belas Artes, cuja iniciativa parte da constatação de que, depois do fim do curso, muita coisa há ainda para aprender sobre a modernidade, pelo que convém manter uma rotina informal de encontros sujeitos a temas que os membros do grupo se comprometem a tratar.

Figuras 4 e 5Lima Carvalho, pinturas de 1963. À esquerda, óleo s/tela, coleção particular. À direita, fresco no Café de S. Lázaro, Porto (destruído).

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Com a vinda para Lisboa em 1973 para lecionar na Escola Superior de Belas Artes daquela cidade a convite de Lagoa Henriques, Lima Carvalho participa progressivamente nas atividades da Sociedade Nacional de Belas Artes. Integra, desde a primeira hora da sua constituição após abril de 1974, o Movimento Democrático dos Artistas Plásticos, fazendo parte do grupo de 48 artistas que pintam o painel comemorativo no Mercado do Povo, em Belém.

A par da ação do Grupo Acre, Lima Carvalho faz parte da direção e do Conselho Técnico da SNBA de 1975 em diante, com intervenção na orga-nização e montagem de diversas exposições naquela instituição. Em 1976, com Clara Menéres, numa extensão da atividade do Grupo Acre, o artista é central na criação da revista Arte, cujo número zero é editado e impresso na SNBA35. Nessa edição, ele é autor de vários aspetos da conceção, faz a paginação, ilustrações e textos, assinando algumas das suas participações sob o pseudónimo João Alexandrino.

35 No capítulo 2.6. sobre o ano 1976 (Grupo Acre, ano a ano) desenvolve-se mais infor-mação sobre essa revista.

Figuras 6 e 7Lima Carvalho, pinturas dos anos 70.Acentua-se a fragmentação que caracteriza o trabalho dos anos 70. À esquerda: Sociedade de Consumo. 1971/72. Óleo s/tela, 147,5x122,5cm. Coleção da Fundação Calouste Gulbenkian. À direita, pintura de 1971.

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O seu envolvimento no Grupo Acre não é, pois, no seu percurso artís-tico, um sinal isolado de empenhamento comunitário e esse interesse, aliás, continua a manifestar-se mesmo após a cessação de atividades do grupo. No ano em que o Grupo Acre aparece pela última vez, Lima Carvalho par-ticipa com ator em duas curtas-metragens de ficção realizadas por Rocha de Sousa36: Encontro no Século XXI (1977); Por um Cidadão Desconhecido (1977); essa colaboração continua em Peregrinação (1978), Semearam Ventos (1978), O Prisioneiro (1980) e O Corpo Inútil (1981, neste também como assistente de realização).

Na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa fica conhecido o seu pa-pel como professor de desenho e pintura. Enquanto isso e a par da ativi-dade regular como pintor, enceta novas experiências de colaboração com outros artistas para concursos públicos de monumentos. Desenvolve ain-da atividade curatorial e mantém, a par do perfil académico, as qualidades associativas37.

Ao longo de décadas, Lima Carvalho afirma quase permanentemen-te uma produção pictórica intensa, expondo periodicamente em Portugal e no estrangeiro. A sua mostra individual mais importante é realizada na Fundação Calouste Gulbenkian (Pintura e Desenho, 198938), expondo então trabalho de 1984 a 1986, fase criativa intensa.

Revela uma produção artística longa, de assinalável estabilidade dis-cursiva, mas também com diversidade de meios, principalmente em pintu-ra e desenho, mas também projetos integrados em espaços arquitetónicos e públicos, diversas participações relevantes no estrangeiro (Venezuela, Suécia, Brasil, Espanha, Nova Iorque) e uma sólida representação em cole-ções institucionais.

Corredor de fundo, no sentido literal e não só, com grande coerência de percurso, o Pintor vai ainda hoje acumulando quadros nos estúdios onde trabalha, apenas expondo, como já atrás se disse, periodicamente, uma pe-quena parte do que tem feito.

36 Incluídos na bibliografia final. Para mais detalhes, ver: GAMITO, Maria João (2017). “A Hora Zero”. Convocarte, Revista de Ciências da Arte. Nº 4, setembro, p. 337-382. Lisboa: Cieba/Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa. [em linha]. Disponível em: http://convocarte.belasartes.ulisboa.pt/wp-content/uploads/2018/12/Convocarte4_web_final.pdf [Consult. 18 jul. 2019].

37 Ver Anexo 3 — Elementos curriculares adicionais dos artistas do Grupo Acre: Lima Carvalho.

38 RIBEIRO, Sommer (Dir.), (1989). Lima Carvalho: Desenho, Pintura, 1984-1986. Catálogo da exposição na Galeria de Exposições Temporárias da Fundação Calouste Gulbenkian; apresentação de Sommer Ribeiro; prefácio de Fernanda Gil Costa. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

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Excelente conversador e fértil na imaginação, é ele, segundo testemu-nho oral de Clara Menéres, a alma da maioria das ideias do Grupo Acre, no período em que Lima Carvalho, correspondendo a uma missão social com-plementar ao seu permanente diálogo mais individual em pintura, tenta criar plataformas de ação de expressão comunitária.

Figura 8Lima Carvalho. Des-enlace. 1986Óleo s/tela, 190x175cm. Coleção Fundação Calouste Gulbenkian.

1. GRUPO ACRE: GÉNESE47

1.1.2. Clara Menéres (1943-2018)

Se, certamente, o Grupo Acre não teria existido sem a imaginação, a perse-verança e as motivações associativas de Lima Carvalho, sem Clara faltaria no grupo a presença de génio meio rebelde, a grande determinação, inte-ligência e intuição, inseparáveis de uma rara e consciente força feminina, qualidades inseparáveis no percurso marcado pela sua condição como mu-lher oriunda de uma família católica conservadora do norte de Portugal.

A par do talento e sensibilidade, Clara revela uma forte consciência da necessidade de ultrapassagem de algumas resistências habituais que as mulheres encaram então nas carreiras artísticas, especialmente em escul-tura, vivências que consolidam a sua determinação e capacidade de ação, numa terribilita canalizada em várias direções e sob interesses diversos. Como escultora e como mulher, Clara Menéres39 assume precocemente, desde a tese de fim de curso em 196840, uma posição muito afirmativa, mas isso também acontece num plano social e político mais lato. Se Relicário in-tegra uma via erótica algo provocadora, o soldado morto será, de igual modo óbvio, uma obra com forte sentido crítico político.

39 Tal como com Lima Carvalho, a maioria dos dados curriculares de Clara Menéres provém de um currículo académico, no seu caso o apresentado a concurso para professor catedrático na Universidade de Évora, complementado por outras infor-mações oriundas de catálogos de exposições e textos críticos, bem como diversas conversas com a artista.

40 Ver Anexo 3 — Elementos curriculares adicionais dos artistas do Grupo Acre: Clara Menéres.

Figura 9Clara Menéres. Relicário. 1969.Poliéster e caixa de madeira.

GRUPO ACRE FEZ 1974–77 48

Enquanto indaga temáticas amplas no âmbito da filosofia, psicologia, das ciências, da química e das tecnologias, Clara Menéres pratica uma ex-perimentação plurifacetada que já então se percebe como motivação rele-vante na sua pesquisa artística e nas suas soluções escultóricas, a par da dimensão conceptual que também lhe interessa. A despeito de alguma des-confiança face ao poder religioso e à própria religião — pois só depois da es-tadia em Paris, entre 1978 e 1981, para realizar o doutoramento em etnologia e após uma experiência mística, é que abraça conscientemente a fé católica — mantém então, ainda nessa fase inicial da idade adulta e por contacto natural no seu meio social, alguma ligação com as associações de jovens ca-tólicos, que têm um papel importante na formação de uma consciência ecu-ménica progressista e uma ação antifascista meritória no tempo da ditadura.

Já a residir em Lisboa desde 1970 e após a sua entrada como docente para a ESBAL graças a Lagoa Henriques, para ensinar desenho (tal como Lima Carvalho), destaca-se em 1973 a obra já referida atrás, o seu soldado morto intitulado Jaz Morto e Arrefece o Menino de Sua Mãe, que constitui um evidente testemunho contra a guerra colonial portuguesa em África e é exposto na SNBA com grande impacto.

Poucos meses depois, já em 1974, também sob um título narrativo e

Figura 10Clara Menéres. Pelas 24 horas de ontem, na estrada de Sintra. 1974. Ready-made.

1. GRUPO ACRE: GÉNESE49

de novo com a morte sob foco, Clara Menéres expõe no Salão de Março da Sociedade Nacional de Belas Artes, em pleno átrio da entrada, um automó-vel sinistrado com evidências de consequências fatais. Há uma referência evidente ao fotojornalismo que evocamos também na base da série Death and Disaster de Andy Warhol, dos anos 60. Ernesto de Sousa classifica en-tão as obras recentes da escultora na linha de um “made-ready-made” e de uma “shocker pop”, começando por explicar que “Pelas 24 horas de ontem, na estrada de Sintra, despistou-se um automóvel é o título, aparentemente neutro e descritivo, de uma obra também aparentemente neutra, brutal-mente neutra.” 41 Já o mesmo, aliás, acontecia, também na aparência, com o soldado morto. E o autor continua:

O automóvel de Clara Semide (made-ready-made) situa-se, no entan-to, num polo oposto às intenções e propostas de Duchamp. Há neste objecto uma existência estética fascinante que só operatoriamente deixa ao espectador alguma liberdade de participação, mas esta vai exercer-se através de uma fatalidade agónica e uma chamada insis-tente à responsabilização total. Através de uma não-saída moral irre-cusável. Behemo e Leviatã erguem-se em toda a sua monstruosidade diante das lamentações de Job; “eu sou o homem que obscuramente tentava descortinar os teus desígnios com palavras totalmente vazias”. Esta dolorida presença faz-nos lembrar as outras “obras” que conhe-cemos de Clara Semide, e confirma-lhe a profunda coerência poética, “shocker-pop”, permitindo traçar a muito correcta evolução desde um quase epigonismo segaliano às obras mais recentes de um hiperrea-lismo em que se sente o criador perfeitamente à vontade; para lá das influências cultas e epocais, certo consigo e connosco. Clara Semide exemplifica perfeitamente aquilo que eu considero uma vanguarda de agora, de aqui; que não é ir à frente de um qualquer pelotão diacrónico, é constituir-se perante um determinado meio (o nosso) como ruptura estrutural, tensão impossível entre contrários que efectivamente são os nossos... 42

A vertente associativa é importante no seu percurso em diversos mo-mentos, por exemplo quando passa pelos corpos técnicos e diretivos da

41 SOUSA, Ernesto de (1974). “Carta de Lisboa”. Colóquio Artes. Nº 17, abril, p. 61, 62. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. Ernesto de Sousa nomeia-a pelo apelido do marido, Semide.

42 Ibidem.

GRUPO ACRE FEZ 1974–77 50

SNBA entre 1975 e 1979. Não perde oportunidade de colocar em prática outros projetos, como a exposição Artistas Portuguesas, em 1977, que orga-niza com Emília Nadal e Sílvia Chicó e sucede em diversos locais, incluindo Paris (destaque mais adiante). Expõe então a sua Concha de Vénus, obra que continua a linha que já vem de trás, erótica e feminista, e de que fazem parte por exemplo o Relicário, o Berbigão e obras com bordados.

Em obras como estas, tal como noutras posteriores, é visível a diver-sidade formal e técnica associada à fuga a cânones tradicionais e à procura da inovação, o que persiste no seu percurso. A escultura em meios clássicos de barro, gesso, madeira, pedra e bronze convive na sua obra com meios que podem ir da fotografia e do desenho a objetos têxteis (bordados, bonecos de pano), cerâmica, resinas sintéticas moldadas, cortadas ou projetadas se-gundo processos industriais, vidro, laser e holografia, medalhística, incluin-do toda a espécie de meios operativos mistos. Também a escala, sentido e destino do seu trabalho escultórico variam bastante, desde os pequenos objetos de acabamento irrepreensível às experimentações informais, do gráfico ao hi-tech, do espaço íntimo à própria land-art.

Figura 11Clara Menéres. Concha de Vénus. 1977. Gesso policromado, 85x65x50 cm.

1. GRUPO ACRE: GÉNESE51

A faceta académica, muito relevante no percurso desta artista, decor-re no ensino público desde 1965 e, de 1970 em diante, na ESBAL, passando mais tarde pela Universidade de Évora, assumindo diversas responsabilida-des de direção, entre outras iniciativas e projetos em que se envolve, com vertentes associativas, artísticas, pedagógicas e políticas43.

Ao longo das décadas, a obra de Clara Menéres revela-se paradoxal-mente — por vezes sob facetas quase opostas tematicamente, como acon-tece com as de natureza mais radical já mencionadas ou outras, face ao contraste com esculturas religiosas realizadas por encomenda. Mas quase sempre demonstram que, para esta artista, o processo criativo é um pro-cesso global no qual as partes científica e tecnológica são tão importantes

43 Ver mais em Anexo 3 — Elementos curriculares adicionais dos artistas do Grupo Acre: Clara Menéres.

Figuras 12Clara Menéres. Mulher-Terra-Viva. 1977. Em cima, primeira versão na exposição Alternativa Zero, Galeria Nacional de Arte Moderna, Lisboa; acrílico e madeira, terra e relva, 80x270x160cm. Em baixo, versão de exterior em grandes dimensões na Bienal de S. Paulo.

GRUPO ACRE FEZ 1974–77 52

como a conceptual que, por sua vez, deve integrar na matéria as tensões contraditórias da natureza complexa da artista.

Como mulher emancipada e atenta ao mundo, a sua tendencial as-sertividade encontra no projeto do Grupo Acre um espaço potencial para uma dinâmica muito claramente sociopolítica na ação criativa em arte, no fundo uma possibilidade para um trabalho artístico inovador, tal como lhe interessa, aliado à responsabilidade social que os tempos da fase pós Abril parecem solicitar com outra intensidade e sentido.

Artista de uma inteligência rara, muito ativa, ela constitui no Grupo Acre uma faceta simultaneamente pragmática e conceptual, dada a sua consciência do potencial de inovação na dimensão operativa e mesmo tecnológica dos processos criativos e, por outro lado, o seu interesse pe-las ideias de vanguarda, afirmando, por diversas vezes, que mesmo quando os membros do coletivo não conheciam factualmente certas obras de arte contemporânea que se iam fazendo pelo mundo, as ideias andavam no ar.

1.2.3. Alfredo Queiroz Ribeiro (1939-1974)

É, de certo modo, o terceiro membro do grupo, já que, quando da constitui-ção do Grupo Acre, vem a convite dos outros dois artistas. Embora participe durante pouco tempo no coletivo, uma vez que falece prematuramente de modo trágico ainda em 1974, a sua passagem pelo projeto é profundamente marcante. Ele vem acrescentar a dimensão de despojamento formal e a ver-tente crítica que o caracterizam, bem como uma experiência e perspetiva mais internacional, o que contribui para a diversidade das ideias a concre-tizar. Vem, também, desempatar impasses criados nas discussões entre os outros dois membros. E deixa um vazio quando desaparece.

Nascido em Moçambique, fixa-se muito jovem no Porto e estuda es-cultura na Escola Superior de Belas Artes de 1959 a 1964. Expõe trabalho no Porto e em Lisboa, integra a Cooperativa Árvore e depois cumpre serviço militar obrigatório, durante quatro anos.

Após o regresso e de novas exposições, estuda em Londres como bolseiro da Gulbenkian. Disso decorre começar a ensinar escultura na Liverpool Polythecnic, experiência no ensino superior artístico que, à seme-lhança de Clara e Lima, constitui uma das facetas do seu envolvimento em comunidade.

1. GRUPO ACRE: GÉNESE53

Ainda no âmbito da participação coletiva, também o seu anterior ser-viço militar, no contexto da guerra colonial, — primeiro em Portugal entre 1965 e 1967 e depois na Guiné, entre 1967 e 1969 — é, seguramente, muito significativo em termos pessoais.

Note-se que esse contexto temporal se caracteriza, logo depois da morte de Humberto Delgado, pelo maior isolamento de Portugal após o en-durecimento das sanções da ONU em discordância com a guerra colonial (1965), pelo início da cedência forçada de Macau à China por Salazar (1967) e pela substituição de Salazar por Marcelo Caetano (1968), que visita as co-lónias em abril de 1969 e inicia um aparente abrandamento na estrutura po-lítica fundamental da ditadura continental e ultramarina, na prática apenas ainda visível na mudança de nome da PIDE para DGS.

O artista não menciona factos, portanto, quando, num texto de 1973, alude ao seu modo de ser português, deixando suspenso nas entrelinhas o tema proibido da guerra, contudo sem omitir o peso da formação católica, cujo sentido polémico é mais consensual na modernidade agora marcante do misto pós-pop da cultura inglesa: “O que fica por dizer, o que está por trás, a cultura, a aprendizagem da vida, a deformação religiosa, etc., etc., são profundamente Portuguesas. A elas fui vinculado e por elas marcado sem que mas dessem a escolher”.44

44 RIBEIRO, Alfredo Queiroz (1973). Alfredo Queiroz Ribeiro. Dezembro. [em linha]. Disponível em: http://www.galeriaottolini.com/GO_QueirozRibeiro.php [Consult. 11 abr. 2009]

Figura 13Alfredo Queiroz Ribeiro. Pessoas Que Eu Sei. N.d. Coleção Fundação Gulbenkian.

GRUPO ACRE FEZ 1974–77 54

Em 1974, quando regressa a Portugal vindo de Inglaterra, Queiroz Ribeiro assume envolvimento político como militante de esquerda e é tam-bém bastante dinâmico na frente artística.

Além de integrar o Grupo Acre, participa nesse ano nos encontros in-ternacionais da Galeria Alvarez. É também um dos dezassete signatários da Declaração Aberta de um Grupo de Artistas Democráticos que, em maio de 1974, pugna no Porto por uma abertura cultural e artística que traduza o espírito de Abril.

Quanto à sua obra, impera em geral no trabalho de Alfredo Queiroz Ribeiro uma certa expressão pós-minimalista na opção por formas geomé-tricas, quase sempre bastante depuradas, realizadas em materiais escultó-ricos diversos.

Figura 14Alfredo Queiroz Ribeiro. Cartaz da exposição na Bluecoat Gallery, Liverpool, 1973.

Figura 15Alfredo Queiroz Ribeiro. Cartaz da exposição na Cooperativa Árvore. 1974.

1. GRUPO ACRE: GÉNESE55

Fernando Azevedo aponta, além da síntese formal, a “atitude de hu-mor que humaniza o objeto na sua definição urbana”45, demonstrada por exemplos em títulos como O Sr. M e eu éramos grandes amigos e Os chás de quinta-feira à tarde, esculturas geométricas de 1971 expostas postuma-mente no jardim da Fundação Gulbenkian.

Para aquele autor, há uma espécie de compensação que daí advém:

Consente antes um tu e um eu de familiaridade, de desconvenção, de-sarmando o absoluto geométrico e a grandiloquência, com que o escul-tor não se quer confundir. A margem do desconhecido, de inesperado humor, apela para experiências vividas e propõe uma descoberta enca-minhada por percursos sensíveis. Dentro dessa mesma linha de pesqui-sa, Queiroz Ribeiro realizou as suas obras gráficas, exercícios em que se disciplina para provocar livres associações, alterando estados de paisa-gens, e de coisas, detenção de momentos, paragens, prolongamentos.46

Nesse eixo de pensamento justifica-se, então, compreender na pró-pria obra de Queiroz Ribeiro um sentido de aproximação ao outro que, se por um lado é coerente com o espírito da pop no desfazer barreiras entre high e low, por outro lado parece antecipar uma outra vontade de comunhão que,

45 AZEVEDO, Fernando de (1976). Texto citado, p. 74. 46 Ibidem.

Figura 16Alfredo Queiroz Ribeiro. Numa semana só, 1971. (ou Fitas cor de rosa nela, segundo o catálogo da exposição da FCG de 1973) 2,5x2,7 m. Ferro pintado. Coleção do Museu Nacional de Soares dos Reis, em depósito na Fundação de Serralves — Museu de Arte Contemporânea.

GRUPO ACRE FEZ 1974–77 56

mais tarde, o artista assume diversamente, nomeadamente no Grupo Acre.

Diversamente dos outros dois artistas do Grupo Acre que, até 1974, não apresentam obra escrita, Queiroz Ribeiro é autor de diversos textos, desenvolvendo alguma atividade jornalística. Durante a sua estadia em Inglaterra, publica esporadicamente na imprensa artística portuguesa en-saios centrados em acontecimentos da atualidade das artes, revelando uma cultura muito atenta ao seu tempo.

No texto de apresentação da sua exposição em 1973, atrás referido, aponta o facto de o seu trabalho se ressentir do percurso de vida um pouco “ambulante e instável”47 e explica a necessidade de outros modos de expres-são para lá da escultura.

Na revista Artes Plásticas, também está presente em diversos núme-ros com a sua crónica sobre exposições em Londres e outros apontamentos,

47 RIBEIRO, Alfredo Queiroz (1971). “Considerações sem propósitos nem princípios”. 10 dez. 71. AAVV. (1973). Alfredo Queiroz Ribeiro. Exposições de Bolseiros. 7. Lisboa / novembro — dezembro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, s/n página.

Figura 17Alfredo Queiroz Ribeiro. O Sr. M e eu éramos grandes amigos. 1971. Ferro pintado, 80x300 cm. Coleção da Fundação Calouste Gulbenkian.

1. GRUPO ACRE: GÉNESE57

até janeiro de 1975. Num dos textos de 73 (publicado na revista em janeiro de 74) faz um relato sobre a sua visita à 8a Bienal de Paris, debatendo-se contra a ausência de uma representação portuguesa; também aí refere a obra da dupla Anne e Patrick Poirier. Na Artes Plásticas nº 4, de junho de 1974, relata exposições de Londres.

Na Artes Plásticas nº 5, de setembro, já escreve sobre o que aconte-ce no Porto, embora também apareça com textos anteriores, de Londres. Discorre, então, em tom bastante crítico, sobre a responsabilidade de uns e outros, artistas e não só, no engajamento numa arte de oferta para o povo, quando do painel de 10 de junho de 1974, no contexto do MDAP48. A sua posi-ção pouco complacente enquadra-se, por um lado, numa linha de coerência com as suas opções políticas da altura, no âmbito de uma alternativa socia-lista e, por outro, no interesse por um projeto artístico diverso.

Ainda é da sua autoria um texto na Artes Plásticas nº 6, de janeiro de 1975, publicada já após o seu falecimento, de novo com novas do Porto e de Londres, e ainda um outro ensaio curto sobre crítica de arte.

Num artigo seu um pouco anterior é esclarecedor o seu contributo conceptual e formal para o Grupo Acre durante a fase em que este conta com a sua participação, ao afirmar que

é muito mais fácil ler através do esquema abstracto que existe por dentro de qualquer obra de tipo figurativo, esse ir além da forma visí-vel, em que a tentativa de comunicação autor-espectador, não chega a ser tentativa, existe directamente porque se liga a quanto mais não seja a uma relação-identificação de objectos familiares ligado a um viver quotidiano das coisas ainda que muitas vezes mal percebido.49

O seu papel no Grupo Acre vive bastante, pois, do seu interesse em formas depuradas, bem como da sua hábil movimentação entre o terreno da escrita e o da materialidade escultórica. O desaparecimento abrupto de Queiroz Ribeiro50 deixa em Clara Menéres e Lima Carvalho, além do impacto emocional, um vazio difícil de compensar, que se estende ao meio artístico.

48 RIBEIRO, Alfredo Queiroz (1974). “Arte e revolução — Quem colaborou? Quem teve coragem?” Artes Plásticas (Dir. Egídio Álvaro). Nº 5, setembro, p. 10-11, 35. Porto: Editorial Engenharia.

49 RIBEIRO, Alfredo Queiroz (1971). “Considerações sem propósitos nem princípios”. 10 dez. In AAVV. (1973). Alfredo Queiroz Ribeiro. Exposições de Bolseiros. 7. Lisboa / novembro — dezembro / 1973. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, s/n página.

50 Mais em Anexo 3 — Elementos curriculares adicionais dos artistas do Grupo Acre: Alfredo Queiroz Ribeiro.

GRUPO ACRE FEZ 1974–77 58

Um dos traços comuns dos três artistas que constituem o Grupo Acre é a dimensão experimental: a necessidade permanente de experimentação e inovação conceptual, formal e material. Até na relação com o contexto isso se verifica em cada um deles, no diálogo com a realidade mutante, na inserção na paisagem cultural urbana, na possibilidade de identificação. Qualquer um deles, nas suas diferenças pessoais e artísticas, exprime uma parte particular do tecido complexo da cultura do seu tempo, na realidade portuguesa e internacional ao tempo da ditadura e da época revolucionária que se segue logo a seguir à sua queda.

Pode imaginar-se como cenário provável, na fase certamente funda-mental do seu percurso entre os anos 60 e 1974, qualquer um dos três artis-tas a ouvir discos de vinil, por exemplo Mozart ou Stravinsky, José Afonso ou Beatles, escutando também ocasionalmente acordes da música a pedido de “Quando o telefone toca”, programa radiofónico que, em finais de sessentas, simula a democracia possível na rádio, dependendo apenas da frase publi-citária a declinar.

Enquanto, no eco dos passos de Mary Quant e outros estilistas, a moda de Londres dita aparências que muitas jovens portuguesas reprodu-zem, roubando influência à forte atração intelectual que Paris ainda exerce, em Portugal a mudança está no ar nas vésperas de Abril de 74, mesmo que os sinais se camuflem discretamente, testando de várias maneiras os limi-tes do poder e da censura.

Nesse contexto comum e na diversidade da experiência de cada um, quando a ditadura cai, qualquer um dos três artistas, Lima Carvalho, Clara Menéres e Queiroz Ribeiro, entende ser tempo para um forte envol-vimento no que está a acontecer, ser tempo para, também eles, fazerem acontecer História.

A passagem pelo Grupo Acre terá altos e baixos, efeitos diferentes nas suas carreiras individuais e vidas.

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2. GRUPO ACRE: OS ANOS E AS OBRAS

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2. GRUPO ACRE: OS ANOS E AS OBRAS

197451

Portanto, 1974 é o ano em que tudo muda em Portugal onde, repentinamen-te, se recupera a liberdade política para procurar uma voz própria através do que é, certamente, a última revolução significativa do século XX.

Depois daquela madrugada de finais de abril, depois de E Depois do Adeus, a voz de José Afonso ecoa sucessivamente Grândola Vila Morena na rádio, na televisão e nas ruas, sobrepondo-se a grandes êxitos popu-lares como She, de Aznavour, ou Waterloo dos Abba. Nem de propósito, Eric Clapton canta I Shot The Sheriff nesse mesmo ano em que Lucy In The Sky With Diamonds brilha com Elton John e em que Joan Baez entoa Gracias A La Vida.

Mas, entre tantos títulos extraordinários que nesse ano passam nas emissões de rádio portuguesa em diversas vozes, é chegada a altura da lín-gua, da cultura e da vida portuguesa adquirirem finalmente um espaço pró-prio significativo.

Depois do dia 25, os acontecimentos sucedem-se intensos e ver-tiginosos. A 27 de abril, a Junta de Salvação Nacional emite o Programa das Forças Armadas52, que estabelece medidas imediatas e a curto prazo: destituições de governantes a diversos níveis, amnistia dos presos políticos, fim das organizações de suporte à ditadura como a PIDE/DGS, a Legião Portuguesa, a Mocidade Portuguesa, fim da censura; são tomadas decisões também no sentido do controle da estrutura económica e proclamadas eta-pas para a preparação da instalação do regime democrático e do fim da guerra nas colónias.

51 Ver Anexos 1 — Quadros cronológicos de 1974.52 O Programa do Movimento das Forças Armadas é apresentado na televisão e

outros órgãos de informação, como o jornal Diário de Lisboa. MFA. Movimento das Forças Armadas (1974). “Programa do Movimento das Forças Armadas.” Diário de Lisboa, 27 de abril. [em linha]. Disponível em: http://casacomum.org/ cc/visualizador?pasta=04791.009 e http://www1.ci.uc.pt/cd25a/wikka.php?wakka =estrut07 [Consult. 14 out. 2019].

2. GRUPO ACRE: OS ANOS E AS OBRAS61

A 15 de maio, o General António de Spínola é nomeado Presidente da República e, por sua, vez, indica vários conselheiros de Estado (entre os quais está Azeredo Perdigão, da FCG) e o Primeiro-Ministro. Um 1º governo provisório toma posse no dia seguinte e vai estar em funções de 16 de maio a 18 de julho, com Adelino da Palma Carlos como Primeiro-Ministro53.

O período é de urgências diversas e as prioridades definem-se em função do que parece imprescindível. No programa desse governo provisó-rio54 (ou, mais concretamente no texto de Linhas Programáticas) a cultura surge no 8º e último ponto, enquadrada no tópico geral “Política educativa, cultural e de investigação”; das nove alíneas que ali constam, seis são volta-das para a educação, com prioridade para a erradicação do analfabetismo. Nas três últimas alíneas, de modo muito genérico, vêm a política nacional de investigação, o fomento das actividades culturais e artísticas onde se referem também artes plásticas e, finalmente, a difusão da língua e cultura portuguesas no mundo.

Embora a dedicação às questões da cultura e, em especial, das artes, seja reduzida, a verdade é que poucos parecem reparar nisso, pois impera uma espécie de estado de euforia. Tudo exerce um forte chamamento para a participação política, bem como para a iniciativa e atividade criativas. No país (cidades, fábricas e campos), nas ruas das cidades e aglomerações ur-banas, nas instituições, nas universidades, incluindo nas escolas de Belas Artes e no meio cultural e artístico em geral, por toda a parte há vontade de melhorar o que existe e, rapidamente, o que já está em curso sofre altera-ções ou instala-se simplesmente um forte clima de mudanças.

53 Na equipa ministerial entram os principais representantes dos partidos políticos, como Mário Soares, Sá Carneiro, Álvaro Cunhal, Pereira de Moura, Magalhães Mota, bem como Raúl Rego na pasta da Comunicação Social, Vasco Vieira de Almeida na Economia, Eduardo Correia na Educação e Cultura. Nas secretarias de estado Vítor Constâncio tem o Planeamento Económico, Nuno Portas a Habitação e Urbanismo, Gonçalo Ribeiro Telles o Ambiente, Maria de Lourdes Pintasilgo a Segurança Social, Maria de Lurdes Belchior os Assuntos Culturais e Investigação Científica, etc. É, em resumo, um governo de ampla coligação que tenta, de certo modo, contar com todos e agradar a todos. Uma futura “geringonça” será tímida coligação, comparada com este modelo.

54 ARQUIVO HISTÓRICO. Programa do I Governo Provisório. [em linha]. Disponível em: https://www.historico.portugal.gov.pt/pt/o-governo/arquivo-historico/gover nos-provisorios/gp01/programa-do-governo/programa-do-i-governo-provisorio.aspx [Consult. 10 out. 2019].

GRUPO ACRE FEZ 1974–77 62

Terminada a Perspectiva 74, a 20 de maio surge no Porto uma De-claração Aberta de um Grupo de Artistas Democráticos subscrita por dezassete artistas55. Funciona como um manifesto de princípios demo-cráticos que pugna pela recusa do centralismo, da macrocefalia cultural, da instituição museológica e política de monumentos até aí existente no país, defendendo diversas medidas de dinamização artística tais como a autonomia das instituições, a gestão pelos artistas, criação de comis-sões, bolsas, centros de investigação, etc.

55 Abel Mendes, Alberto Carneiro, Ângelo de Sousa, Armando Alves, Dario Alves, Domingos Pinho, Joaquim Vieira, José Rodrigues, Queiroz Ribeiro, Zulmiro de Carvalho, João Dixo, Amândio Silva, Maria João Liz, Manuela Bacelar, Pedro Rocha, Humberto Mesquita e João Machado.

Figura 18Movimento Democrático dos Artistas Plásticos. A arte fascista faz mal à vista. 28 de maio de 1974. Cobertura da estátua de Salazar no exterior do Palácio Foz. São identificáveis na fotografia Sá Nogueira, Júlio Pereira, Lima Carvalho e João Abel Manta.

2. GRUPO ACRE: OS ANOS E AS OBRAS63

Uma semana depois, o slogan a “A arte fascista faz mal à vista” (frase aparentemente da autoria de Vespeira56), acompanha no dia 28 de maio a ação em Lisboa do Movimento Democrático dos Artistas Plásticos, ainda informalmente constituído. Nesse dia, data históri-ca da implementação da ditadura, e ali, no Palácio Foz, lugar simbóli-co da cultura oficial declarada extinta, aquele grupo de artistas57 co-bre de panos negros a estátua de Salazar existente no pátio interior.

Pelo meio do entusiasmo público e declarações quase unânimes de adesão e demonstração de vontade em participar na construção do país renovado, entre revisões, reavaliações e até ajustes de contas, quando alguns artistas mais velhos “exibiam o seu passado neo-realista”58, sur-gem exposições que permitem conhecer obras que, no tempo da ditadu-ra, permanecem invisíveis por razões diversas associadas à censura. Por exemplo, nesse sentido, a Galeria S. Mamede mostra em maio a exposi-ção coletiva Maias para o 25 de Abril, bem como individuais de Cruzeiro Seixas e Lima de Freitas.

Nesse mesmo mês, o Movimento Democráticos dos Artistas Plásticos recentemente criado emite um comunicado no qual formula propostas para o sector das artes plásticas, que incluem a extinção de estruturas remanescentes da ditadura, como o SNI/SPN e outros ór-gãos ou pessoas ligadas à censura, a remodelação da revista Panorama, a verificação dos inventários artísticos do SEIT (Secretaria de Estado da Informação e Turismo), deplora o estado do Museu Nacional de Arte Popular e sugere o uso do Palácio Foz e da Galeria Nacional de Arte Moderna (Belém, ao lado do Museu de Arte Popular).

Nessa sequência, o mesmo MDAP apresenta numa conferência de imprensa a 6 de junho um programa de festas para o dia de Portugal, a de-correr na Galeria Nacional de Arte Moderna de Belém.

Esse feriado de 10 de junho é pretexto para as primeiras atividades festivas públicas dos artistas plásticos.

56 GONÇALVES, Rui Mário; DIAS. Francisco da Silva (1985). 10 Anos de Artes Plásticas e Arquitectura em Portugal 1974-1984. Lisboa: Editorial Caminho, p. 27.

57 Alice Jorge, Ana Vieira, Artur Rosa, José Aurélio, Fernando Conduto, David Evans, Eduardo Nery, José Escada, Eurico Gonçalves, Fernando Azevedo, Helena Almeida, João Abel Manta, João Moniz Pereira, Jorge Vieira, João Vieira, Lima de Carvalho, Nikias Skapinakis, Nuno San Payo, Júlio Pomar, Rogério Ribeiro, Sá Nogueira, Vespeira, Virgílio Domingues. Ver A/A (1974). “Movimento Democrático dos Artistas Plásticos. A arte fascista faz mal à vista”. Revista Flama. Nº 1370, 7 junho, p. 40, 41.

58 GONÇALVES, Rui Mário (1986). História de Arte em Portugal. De 1945 à actualida-de. Lisboa: Publicações Alfa, p. 152.

GRUPO ACRE FEZ 1974–77 64

Em Lisboa, no espaço conhecido por Mercado do Povo (em Belém, ao lado da Galeria Nacional de Arte Moderna), de novo sob a organização do Movimento Democrático dos Artistas Plásticos, o mesmo dia de Portugal é marcado pela pintura de um grande painel coletivo por 48 artistas, a par de outras ações artísticas simultâneas no local. É um grande dia de festa popular, com transmissão nacional pela televisão, filmes de amadores e pro-fissionais, muitas fotografias e inúmeros artigos na imprensa escrita.

Eurico Gonçalves é um dos que escreve sobre o acontecimento59, também com destaque na Colóquio Artes. Rui Mário Gonçalves descreve mais tarde o ambiente de festa indicando os artistas participantes no painel

59 GONÇALVES, Eurico (1974). “Movimento Democrático de Artistas Plásticos. A in-tervenção necessária”. Flama. Nº 1378, 2 agosto, p. 38-41.

Figura 19Vista parcial do painel realizado no Mercado do Povo de Belém, a 10 de junho de 1974. Dividido em quadrados de 1,5m de lado, 3 quadrados na vertical e 16 na horizontal, perfaz as dimensões totais de 4,5x24m. Nesta foto da pintura, já sem andaimes, pode identificar-se o fragmento pintado por Lima Carvalho no centro-esquerda da fila superior (reconhecem-se figuras invertidas bem ao seu estilo de representação fragmentada).

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— pintores e escultores, bem como as intervenções paralelas: as esculturas efémeras de José Aurélio e Clara Menéres, o coro de Fernando Lopes Graça e os “baladeiros”, a participação das crianças e do público em geral em pare-des construídas e pintadas informalmente60. Refere, ainda, o que considera o primeiro ato de censura após o 25 de Abril: a suspensão da transmissão televisiva61, a quinze minutos do final, durante uma atuação satírica sobre os governantes depostos, pelo ator João Mota, do teatro A Comuna. E, nesse texto retrospetivo, não poupa uma constatação crítica:

O painel era testemunho de um momento irrepetível. Por isso, foi indi-gitado para representar Portugal na Bienal de Veneza, onde não havia representação nacional desde 1960. Os organizadores da Bienal to-maram a iniciativa de guardar para Portugal, nesse ano, um lugar no pavilhão central, destinado a esse painel. Mas por incúria da direcção--geral, o painel não foi enviado, como também o não foi, depois, para o Salon de la Jeune Peinture, salão artístico-político de Paris.62

Quer Lima Carvalho quer Clara Menéres estão também presentes nos festejos coletivos do 10 de junho de 1974 em Belém, no Mercado do Povo (também conhecido por Mercado da Primavera). Lima Carvalho é um dos quarenta e oito artistas que ali pintam a liberdade e o fim do fascismo no dia de Portugal, numa escolha que deixa de fora muitos nomes para se manter fiel ao número de anos da ditadura. Clara realiza uma obra tridimensional paralela no mesmo local (tal como o escultor José Aurélio). E, além deles, outros artistas, naquele dia, estão lá, com diferentes graus de participação na festa comum, na qual se evoca também o escultor José Dias Coelho, as-sassinado pela PIDE.

O objeto tridimensional63 ali construído por Clara, intitulado Homena-gem às vítimas, exprime nas frases manuscritas conteúdos muito ao sabor da revolução em curso:

60 O documentário Pintura colectiva. Movimento democrático dos artistas plásticos, realizado por Manuel Costa e Silva em 1974, permite uma perceção de festa e dos intervenientes. [em linha]. Disponível em: https://caminhosdamemoria.wordpress.com/2009/06/29/1974-uma-pintura-colectiva/ [Consult. 10 mar. 2018]

61 Por ordem do delegado na RTP da Junta de Salvação Nacional, major Mariz Fernandes, ratificada pelo ministro Raúl Rego. Isso provoca enorme celeuma.

62 GONÇALVES, Rui Mário (1986). História de Arte em Portugal. De 1945 à actualida-de. Lisboa: Publicações Alfa, p. 134-135.

63 Frases legíveis na fotografia incluída logo no início do artigo de Ernesto de Sousa: SOUSA, Ernesto de (1974). “O mural do 10 de Junho ou a passagem ao acto”. Colóquio Artes. Nº 19, outubro, p. 44-47. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

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O acto de criar é um acto de amor.É um acto gratuito.A arte não é uma bolsa de valores.Abaixo os artistas prostituídos ao capitalismo.Abaixo a arte de elites.Abaixo a arte recreativa.Abaixo aqueles que se promovem a coberto de uma pseudo-democracia.

Figura 20Clara Menéres. 1974. Homenagem às vítimas. Mercado do Povo de Belém, 10 de junho.

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No Porto, uma recente Comissão para uma Cultura Dinâmica promo-ve nesse mesmo dia o Funeral do Museu Soares dos Reis, “funeral com ale-gria” integrado no “Ciclo Necrófilo do Porto”64. Constitui uma ação de con-testação que parte da Cooperativa Árvore para aquele museu e que critica o seu estado de atraso e inoperância. Há folhetos, uma espécie de auto de fé, uma manifestação/desfile com cartazes e uma conferência de imprensa, nela participando muitos artistas da cidade e outros intervenientes do meio artístico. Egito Gonçalves e Correia Alves discursam.

Os jornais diários noticiam o acontecimento e na revista Artes Plásticas o auto simbólico da “comissão” é explicado mais extensamente, incluindo parte do texto do folheto distribuído, no qual se contesta o esta-do do museu, “desactualizado” e “insuficiente”, sem catálogos, sem postais e diapositivos, sem tabelas ou legendas informativas, em prol de um mu-seu vivo, um Museu de Arte Moderna, sendo “necessário que o 25 de Abril chegue aqui também”65. Essa ação, a que se somam outras menos fúne-bres ao longo de meses, terá influência na criação do CAC (Centro de Arte

64 Expressões de um folheto distribuído, segundo LAMBERT, Fátima (2001). “Balanço do século XX — Arte Portuense Aleph”. Texto do catálogo da exposição de 2001 ‘Mais de 120 grupos e episódios no Porto do Século XX’. Porto: Galeria do Palácio. In FERNANDES, Maria Luísa Garcia; RODRIGUES, José Carlos Meneses; TEDIM, José Manuel (Coord.), (2004). II Congresso Internacional de História de Arte. 2001. Portugal: Encruzilhada de Culturas, das Artes e das Sensibilidades — Actas. Coimbra: Livraria Almedina, p. 73.  

65 A/A (1974). “O funeral do Museu Soares dos Reis”. Artes Plásticas (Dir. Egídio Álvaro). Nº 4. Junho, p. 37. Porto: Editorial Engenharia.

Figuras 21O Funeral do Museu Soares dos Reis, Porto.

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Contemporânea) que, sob iniciativa de Fernando Pernes, vai dinamizar um projeto de museu que, mais tarde, faz germinar a necessidade de Serralves.

Ainda em junho, é difundido na imprensa um comunicado subscrito por mais de duas dezenas de escritores e artistas66 de todo o país, mani-festando-se contra a presença de Azeredo Perdigão como Conselheiro de Estado do Presidente da República, numa crítica que envolve a ação da Fundação Gulbenkian durante o regime deposto.

Por essa altura, Lima Carvalho tem estúdio em Lisboa na Rua de Tânger. Após uma fase de intensa produção pictórica entre 1971 e 1973, par-ticipa no Salão de Março da SNBA e acaba de realizar uma exposição indivi-dual na Galeria Ottolini no início de 1974; expõe também em Seis Pintores da ESBAP (Galeria Abel Salazar, Porto) e na coletiva da Cooperativa Árvore. E está agora também bastante ativo em duas organizações fortemente inter-venientes: integra o núcleo inicial do Movimento Democrático dos Artistas Plásticos e, em breve, faz parte do Conselho Técnico da SNBA (Sociedade Nacional de Belas Artes), onde várias atividades estão em gestação.

No Chiado, na escola de Belas Artes de Lisboa, onde ele e Clara Menéres são docentes de desenho, não há aulas desde abril, embora se mantenham em funcionamento ateliers livres (um dos quais é uma sala de desenho livre, por iniciativa do “Pintor”) e, sobretudo, ali decorra amplo tra-balho conjunto de estudantes e professores que discutem e preparam os novos planos de estudos para funcionar depois do Verão.

Quanto a Clara, após obras de forte impacto como as peças de índole erótica em anos anteriores, o problemático soldado morto em 1973 e o auto-móvel sinistrado no Salão de Março da SNBA, procura novos modos de inter-venção plástica e, nos festejos do 10 de junho, produz a Escultura-Manifesto.

66 Gonçalo Couceiro indica os seguintes subscritores do comunicado: Baptista-Bastos, F. da Rosa, Fernando Piteira Santos, Herberto Hélder, Luís Sttau Monteiro, Luísa Neto Jorge, Manuel de Azevedo, Maria Judite de Carvalho, Mário Vieira de Carvalho, Nelson de Matos, Nuno Bragança, Pedro Alvim, Torcato da Luz, Vítor Silva Tavares, Alice Jorge, Álvaro Lapa, António Serra (Nota da autora: provavel-mente António Sena e não Serra), Clara Semide, Costa Pinheiro, Eurico Gonçalves, Euclides Vaz, Fátima Vaz, Fernando Conduto, Flávia de Monsaraz, Francisco Relógio, Gordillo, Helder Batista, Henrique Manuel, João Abel Manta, João Nascimento, João Vieira, Joaquim Rodrigo, Jorge Martins, Jorge Vieira, José Cândido, Júlio Pereira, Justino Alves, Lima Carvalho, Manuel Baptista, Manuel Pires, Moniz Pereira, Maria Barreira, Hogan, Pomar, Querubim Lapa, Quintino Sebastião, René Bertholo, Rocha Correia, Rodrigo de Freitas, Rogério Ribeiro, Rolando Sá Nogueira, Sérgio Martins, Teresa Magalhães, Vasco Conceição, Vespeira, Vítor Belém, Vítor Fortes, Adriano Correia de Oliveira, José Afonso e Rui Mingas. COUCEIRO, Gonçalo (2004). Artes e Revolução, 1974-1979. Lisboa: Livros Horizonte, p. 113.

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Queiroz Ribeiro, por sua vez, ensina no Departamento de Escultura da Liverpool Polytechnic e viaja com frequência entre Portugal e Inglaterra, acabando por regressar ao país; expõe na Cooperativa Árvore (abril 1974, Porto) o trabalho visto na Gulbenkian em novembro e dezembro do ano an-terior e participa em agosto no Encontro Internacional de Arte organizado pela Galeria Alvarez em Valadares.

No catálogo da exposição na Árvore, o escultor publica um texto algo inesperado (principalmente se tivermos em conta a sua redação anterior ao 25 de Abril), intitulado De um discurso que ainda não foi lido em parte nenhuma garantido pelo Orador:

Orador — “Quanto mais vejo, mais ouço, mais participo, mais me convenço duma necessidade premente, sem receios, fugas ou sub-terfúgios, de reconsiderar sobre o que até agora tem sido feito em matéria de arte em Portugal. Interessa descobrir as verdadeiras raí-zes, a explicação até ao âmago para certas manifestações visuais em pintura, em escultura ou de um outro qualquer teor que não se podem chamar nem uma coisa nem outra, surgidas entre nós como que caídas do céu, e que não têm cabimento como manifestação própria, integrada e automatizada no panorama cultural do país.Acredito profundamente que apesar de influenciados por invasões culturais alheias trazidas até nós, buscadas em visitas ou em esta-dias em diversos centros culturais, que há, que tem que haver, ra-zões dentro das que levam à produção de uma manifestação artísti-ca, que se identifiquem com uma cultura própria e característica de um país, com uma determinada situação geográfica, um clima, um povo e os seus costumes.Não procuro tornar-me local ou regional, neste país todos o somos.Procuro tomar consciência através de uma identificação que, no âmbito da facilidade com que nos deixamos influenciar, na presente conjuntura cultural cada vez mais se vai perdendo, por um lado, e cada vez nos é mais necessária, por outro.”Vozes — “Muito bem, apoiado.”67

Desde abril, quando o texto é publicado, a julho, o sentido das pala-vras de Queiroz Ribeiro reatualiza-se sucessivamente.

67 RIBEIRO, Alfredo Queiroz (1974). Alfredo Queiroz Ribeiro. Catálogo da Exposição na Cooperativa Árvore, abril. Porto: Árvore.

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Entretanto toma posse o II Governo Provisório, que está em fun-ções durante três meses (de 18 de julho a 30 de setembro). Indicado pelo Presidente da República António de Spínola, o Primeiro-ministro é agora o General Vasco Gonçalves. Mantém uma solução de governo constante face ao anterior, ou seja, aposta numa junção de sectores diversos, partidários ou independentes68.

O programa69 cola-se ao do Programa do MFA e, no discurso da to-mada de posse, o Primeiro-ministro exorta os partidos a agirem em prol da unidade popular e da correção de erros em curso, resultantes da falta de experiência em democracia, mediante algum sentido pedagógico.

Por essa altura70, ou seja, no mês de julho, a SNBA entrega no Ministério de Educação e Cultura um texto com recomendações para uma política cultural, documento para a elaboração do qual contam alguns só-cios e membros do Movimento Democrático dos Artistas Plásticos.

De um modo ou outro, artistas e outras pessoas envolvidas nas ativi-dades artísticas desejam participar na revolução e ajudar a renovar o país. E difunde-se a crença de que é necessário romper os circuitos habituais e ir ter com as populações.

É, assim, neste contexto excecional que, por essa altura, ou seja, no mês seguinte à grande festa popular do 10 de junho, surge o Manifesto da “Anti-moderação” do Grupo Acre, documento datado de 26 de julho de 1974.

68 São ministros sem pasta Vítor Alves, Melo Antunes, Magalhães Mota e Álvaro Cunhal. Mário Soares continua nos Negócios Estrangeiros, Salgado Zenha na Justiça. Na Economia está agora Rui Emílio Vilar e José da Silva Lopes nas Finanças. Maria de Lourdes Pintasilgo é ministra dos Assuntos Sociais. Sanches Osório está na Comunicação Social e Vitorino Magalhães Godinho na Educação e Cultura, e Maria de Lourdes Belchior, como antes, na Secretaria de Estado dos Assuntos Culturais e da Investigação Científica.

69 ARQUIVO HISTÓRICO. Programa do II Governo Provisório. [em linha]. Disponível em: https://www.historico.portugal.gov.pt/pt/o-governo/arquivo-historico/go-vernos-provisorios/gp02/programa-do-governo/programa-do-ii-governo-provi-sorio.aspx [Consult. 11 out. 2019].

70 Nesta pesquisa não está claro que esse documento coletivo seja entregue antes ou depois de 18 de julho de 1974, ou seja, ainda no 1º ou já no 2º governo provisório. No entanto, a responsável pela sua recepção é, em ambos os casos, a Secretária de Estado dos Assuntos Culturais e Investigação Científica, Maria de Lourdes Belchior.

Figura 22Grupo Acre. Manifesto da Anti-moderação. 1974. (exemplar de Lima Carvalho).

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Declaração ainda com contornos bastante provisórios, é já muito re-veladora de uma vontade peculiar face à realidade cultural e artística do país. De facto, uma espécie de rascunho alvo de sucessivas discussões e correções nunca terminadas, pode ser entendido como algo em cuja auten-ticidade perpassa alguma da emoção e certa ingenuidade típica de época que se vive e, talvez acima de tudo, uma clara vontade de afirmação e ação fora dos parâmetros de contenção habituais ditados pelo ambiente fechado, pelo conservadorismo ou espírito “morno” característicos da cultura portu-guesa durante décadas, a que faz alusão.

Afirma como premente uma tomada de posição ativa dos artistas plásticos perante a sociedade, a qual deve basear-se numa atitude crítica, consciente dos seus direitos profissionais e sociais, nela se formando os princípios artísticos orientadores para as ações do grupo.

São, assim, tópicos “positivos” a “apologia do objecto”, o “impacto vi-sual”, a “remuneração do trabalho”, a humanização da arte, a luta contra os preconceitos e o apelo a uma expressão erótica menos moderada.

Por outro lado, são apresentados como realidades a contrariar “os academismos oficiais”, a “arte sistematizada”, o “mito do artista oficial”, a “anestesia generalizada” da criação e do público sob os interesses comer-ciais dos intervenientes, a arte “que apetece ter ou que fica bem em casa”, a inserção facilitista em “esquemas alheios” trazidos do exterior, a “arte de prestígio”71.

São ideias, no geral, muito discutidas e ansiadas depois do longo es-trangulamento da ditadura, ideias marcadas pelo desejo de uma democra-cia profunda ao nível da própria cultura e arte, confiando genuinamente na capacidade das populações e, em especial, dos artistas, de se autodetermi-narem a todos os níveis. Pretendem assumir e exprimir livremente a moder-nidade, sem rastos de censura (a recentemente extinta incidira não apenas sobre a expressão política e ideológica, mas também bastante sobre os con-teúdos de cariz sexual) e, ao mesmo tempo, há que salvaguardar a identida-de nacional. Por outro lado, coloca-se também a necessidade de, sem deixar de fazer a “apologia do objecto”, fugir às convenções dos objetos artísticos mais formais, demasiado marcados por vícios do mercado das artes que, pouco antes da revolução, tivera a já referida curta fase “alta” reveladora das suas discutíveis e caprichosas assimetrias. Para o grupo Acre, esse é o modelo artístico da burguesia, algo considerado estafado, cuja frequente futilidade impõe a necessidade de práticas artísticas dotadas de outra pro-fundidade e função social.

71 Todas as expressões citadas nesta página são do próprio Manifesto da Anti-moderação.

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Em resumo, o grupo pretende ser agente de um novo programa de ação artística, menos tradicionalmente objetual e mais participante nas grandes mudanças que a sociedade portuguesa está a viver. E afiguram-se como possibilidades programáticas usar a rua e o espaço público como al-ternativas ao cavalete e ao plinto, conceber a prática artística num sentido de projeto, não contra o objeto, mas apostando em tipologias mais abertas, funcionar numa relação contracorrente ou de crítica e negação da cultura instituída, criando testemunhos alternativos.

A designação do grupo, ainda então por fixar, é considerada impor-tante e desejada com reveladora. Uma das anotações manuscritas nes-se primeiro documento sugere então como hipótese chamar-se Grupo “Vento”, como atrás já foi dito, mas não está ainda nada assente em de-finitivo pois, entre outros nomes possíveis, nenhum apresenta a consis-tência desejada. O nome deve ser portador de conotações de mudança, corrosivas e ácidas, deixando antever uma natureza de rutura contra o instituído, classificado como demasiado conciliador, demasiado “portu-guês-suave”; e há que dar a ideia de que a grandiosidade da arte, a mais sublime e consequente visão da arte, não pode nunca deixar-se reger pela contenção dos sentimentos e da expressão. Num comunicado do gru-po que surge já numa fase posterior, em 1975, depois de algumas obras realizadas72, a designação escolhida é pretexto para um jogo de palavras expressivo das intenções que norteiam a sua ação:

ACRE ACRE DITAR

AL ACRE IDADEARTE É ACTO

Acre, de facto, surge inevitavelmente também conotado como uma medida de território, o território real e simbólico que o gera, mas acre é, sobretudo, algo como um sabor (e saber) que a apropriação do espaço pú-blico e do património histórico e cultural, transversal em todas as obras, possibilita: algo que não é nem salgado, nem ácido nem amargo, não é doce, não é ameno ou suave, como dizem ser os portugueses (suaves e tristes), mas que implica uma espécie de usufruto transgressor, de ocupação quase. Acre, pela força dura do olhar crítico, significa uma crença nos ditames de

72 Desdobrável distribuído no Porto para divulgação da intervenção na Galeria Dois em fevereiro de 1975.

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uma visão contemporânea do país e do mundo, uma visão jovem e renasci-da, pronta a agir73. Nisso é também sintoma de um certo tipo de energia da alegria e da festa, não porque a festa fosse intenção do grupo, mas porque a dinâmica festiva estava no ar que se pretendia ocupar e no qual havia que deixar uma marca.

A constituição do grupo, por seu lado, também não surge ainda divul-gada nesse texto inicial, acima de tudo apostado em exprimir as intenções muito ao sabor do tempo dos seus membros, a partir do próprio simples ato de agrupamento, do sentido de encontro, de discussão conjunta e potencial ação coletiva, durante tantos anos inibidos pela ditadura política vigente. É curioso verificar que, de facto, é explícita nesse documento uma clara von-tade em promulgar uma identidade coletiva que ainda não se define senão pelo sentido da ação declarada, menorizando a importância do indivíduo e estando assim ausentes os nomes próprios e as assinaturas comuns nou-tras situações que se procuram constituir como manifesto.

Aliás, são principalmente os testemunhos verbais74 de Clara Menéres e Lima Carvalho que permitem reconstituir a história da formação do grupo que, segundo eles, resulta principalmente da sua determinação numa fase de intenso convívio diário.

Para Clara Menéres, essa ideia de dar existência a um grupo de pro-dução e ação artística já vem de trás, antes do 25 de Abril, acontecendo de facto por iniciativa da escultora com Lima Carvalho, pintor. Amigos de longa data da mesma geração, oriundos do Porto, ambos são, desde há pouco tempo, professores de desenho na ESBAL, a convite de Lagoa Henriques.

Reconhecendo ambos os artistas a vantagem de um terceiro elemen-to no grupo e após acordo mútuo, é Lima Carvalho que, numa das suas deslocações semanais ao Porto, onde reside apesar de trabalhar em Lisboa, convida Alfredo Queiroz Ribeiro. O escultor recentemente regressado da sua estadia em Londres e que, para além da sua prática artística, tem então escrito regularmente crónicas com informações atuais sobre o que se faz recentemente, aceita de imediato integrar o projeto.

73 Para Clara Menéres, o nome definitivo do grupo pretendia não apenas uma cono-tação anti amável, mas também evocações mistas a S. João de Acre, fortaleza dos cavaleiros templários, associadas à ideia de missão dos cruzados e um misto de remissões à fundação de Portugal (conversa com a autora do texto, em 2016).

74 Os diversos encontros com Clara Menéres e Lima Carvalho foram preciosos, em entrevistas informais com cada um e com ambos, realizadas entre 2010 e 2018.

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Na altura da formação do Grupo Acre, os seus membros têm entre 30 e 33 anos e, tal como já referido, comungam a vivência na cidade do Porto, embora a ação do coletivo nasça e seja centrada em Lisboa.

Os motivos da constituição do grupo somam, pois, a força do con-texto excecional às próprias razões mais pessoais. Os projetos são, es-sencialmente, ditados por uma pulsão própria para a ação muito moti-vada pela época, com forte componente sensível e intuitiva depois alvo de trabalho racional, e não deixam de ecoar algumas referências teóricas ou artísticas recentes, marcadas por nomes como os de Umberto Eco, Joseph Beuys, ou Piero Manzoni, embora irregularmente conhecidas pe-los membros do grupo.

Destes, o mais informado sobre o panorama internacional é, possivel-mente, Queiroz Ribeiro, a avaliar pelo que escreve. Por exemplo, num artigo seu publicado em junho de 1974, na revista Artes Plásticas75, faz um relato sobre várias exposições em Londres, entrevista Michael Graig-Martin sobre uma instalação conceptual daquele na Rowan Gallery e debruça-se sobre obras de Yves Klein e Piero Manzoni mostradas na Tate Gallery. Ilustrado por uma foto de um dos cilindros com linhas de Manzoni, o texto apresenta uma panorâmica da produção artística de ambos, salientando as suas “afinida-des com a arte-atitude ou atitudes-que-tomam-forma”76, o que comprova o conhecimento do autor do texto sobre “certos caminhos da arte concep-tual”77, em alusões claras à exposição comissariada por Harald Szeemann em 196978. Refere também, de passagem, os Certificados de Zonas de Sensibilidade Pictórica Imaterial de Yves Klein, de 1960, que este trocara en-tão por folhas de ouro, “estando o certificado somente autenticado quando ele e o ouro estivessem destruídos ou perdidos”79.

Mas os ecos de obras artísticas produzidas no estrangeiro, em contex-tos mais vanguardistas ou ativos do que os do meio cultural português, não são as razões mais determinantes da formação do grupo. Provavelmente o que tem mais influência é mesmo o ambiente revolucionário que se

75 Revista dirigida por Egídio Álvaro, com Conselho de Redação constituído por ele próprio, Lima de Freitas e Rocha de Sousa, publicada no Porto.

76 RIBEIRO, Alfredo Queiroz (1974). “Londres/Galerias”. Artes Plásticas (Dir. Egídio Álvaro). Nº 4, junho, p. 33. Porto: Editorial Engenharia.

77 Ibidem.78 When attitudes become form/ Quand les attitudes deviennent forme. Exposição na

Kunsthalle de Berna, Suiça, Março/Abril1969, curador Harald SZEEMANN, depois montada de novo no ICA de Londres, no Museu Kolkwang de Essen e no Museu Haus Lange de Krefeld.

79 RIBEIRO, Alfredo Queiroz (1974). Texto já referido na Artes Plásticas nº 4, p. 33.

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vive, tal como a amizade e cumplicidade entre Clara e Lima Carvalho, que determinam e unem profundamente a sua vontade de ação.

O modus operandi adotado pelo Grupo Acre em cada obra decorre, naturalmente, da sua natureza específica, mas há características recorren-tes. Joaquim Lima Carvalho, o “Pintor” é, segundo testemunho de Clara, o autor da maioria das ideias iniciais. Ela, também com grande intervenção no domínio conceptual, acrescenta um perfil feminino muito determinado e, sobretudo, dado o espírito mais pragmático associado à formação e ex-periência em escultura, trata quase sempre da parte logística do processo criativo, dos materiais necessários, dos contactos que envolvem meios para a construção dos objetos ou ações. É em sua casa que decorre a maioria dos encontros de trabalho do grupo. E Queiroz Ribeiro, residente no Porto, cons-titui um apoio complementar a vários níveis: tendo vivido e trabalhado em Inglaterra, o que lhe proporciona acesso a uma maior atualização e sentido internacional, tem também alguma prática de escrita e cabe-lhe frequente-mente dactilografar as versões finais dos textos discutidos conjuntamente, copiar muitas das cartas necessárias e comunicados, chegando a funcionar como mediador entre Lima e Clara que, frequentemente, constituem polos de tensões antagónicas.

Partidariamente, o grupo pugna pela independência, embora o senti-do político geral, comum à generalidade dos artistas e membros das elites culturais, seja o de uma certa esquerda atípica. Em consequência disso, o programa bastante aberto do grupo é marcado por preocupações sociais e naturalmente críticas que, como já atrás foi afirmado, pretendem maior ou menor intervenção na realidade, mesmo que indiretamente.

De um modo geral, os trabalhos são realizados sem qualquer apoio, quer financeiro quer outro. Usam-se materiais de baixo custo, pagos pelo bolso dos membros do grupo, sem exigências oficinais de maior. Na época não ocorre, por desnecessário, pedir autorização para usar o espaço público. E não há também preparação mediática ou promocional profissionalizada, tudo se resolvendo de modo bastante casual.

As ações do grupo são, por outro lado, participadas irregularmente por outros artistas, amigos e conhecidos, que colaboram na realização.

Mas as ideias, essas são, sobretudo, discutidas pelos três elementos (mais tarde, dois apenas), de forma articulada com o que vai acontecendo, não de forma lógica ou ilustrativa, mas antes obedecendo a uma espécie de filtro através de antenas sensíveis que captam o mundo e os acontecimen-tos que chegam, pelo meio da turbulência do quotidiano.

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2.1. Círculos 1 de agosto de 1974. Rua do Carmo, Lisboa

O primeiro projeto do Grupo Acre consiste numa ação de rua com forte impacto visual, a realizar um tanto à maneira do que acontece então com certas atividades urbanas dos partidos políticos, como, por exemplo, as pin-turas murais que proliferam pelas cidades portuguesas e as colagens de cartazes, executadas frequentemente de noite por grupos mobilizados para o efeito e com forte componente anónima ou de autoria subvalorizada.

O período revolucionário do momento, em que se multiplicam os cenários de discussão e reconstrução de todas as estruturas do país com o empenho, entusiasmo e otimismo de muitos, alheia-se de formalidades mais tarde indispensáveis e que, nesta altura, se ocorrem a alguém, pare-cem descabidas. Por isso, não é solicitada qualquer autorização oficial à Câmara ou Governo Civil para a imaginada ação de rua. Também não passa pela cabeça de ninguém pedir qualquer apoio financeiro para a concretiza-ção do projeto. Os materiais são adquiridos pelos artistas a expensas pró-prias e, apesar do que é afirmado no texto de manifesto prévio, que defende como requisito positivo a remuneração do trabalho de artistas em geral, o certo é que, ali, ninguém espera ser pago pela participação.

No entanto, no que diz respeito à produção concreta, o projeto é pla-neado cuidadosamente. Tudo é discutido previamente, por vezes com dife-renças de opinião difíceis de sanar: o sentido das ideias da ação, local, for-mas, cores, materiais, organização e distribuição de tarefas, etc.

Lisboa é, para o efeito, o local unanimemente acordado. A escolha da rua onde intervir divide opiniões, mas, entre a Rua do Carmo no Chiado e a Travessa de S. Domingos ao Rossio, acaba por ser eleita a primeira.

São feitos esboços do local, particularmente do pavimento. Consideram-se na rua a zona de trânsito em paralelos de granito e a zona pedonal com os passeios laterais marcados pelo desenho que abstratiza uma malha de rede em calçada à portuguesa no costumeiro claro e escu-ro do calcário e do basalto. Depois de medições da rua e mediante esque-mas gráficos e ensaios sobre fotocópias, acertam-se ritmos de colocação dos elementos geométricos gizados — um padrão em sequências alter-nadas de círculos de duas dimensões diferentes — com preocupações de integração formal mínima, quer de carácter proporcional à largura de rua, quer na relação com o desenho dos motivos da calçada lateral.

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A escolha das cores a usar é bastante ponderada a fim de evitar possí-veis conotações partidárias, optando-se por rosa e amarelo já que estas são, por agora, cores “independentes”. A tinta de água, por outro lado, alia o baixo custo à secagem rápida e ao carácter efémero que convém.

Cordas com nós aritmeticamente espaçados servem de bitola para a marcação, no local, dos pontos-chave. Nestes, moldes dos dois tamanhos de círculos, cortados em contraplacado, facilitam o desenho no pavimento para a imediata aplicação manual da cor, feita com trinchas baratas. E esse mesmo contraplacado é utilizado também para construir um painel sina-lizador, colocado por Lima Carvalho ao fundo da rua do Carmo, que então tem trânsito que convém desviar para a Rua do Ouro de modo a permitir um trabalho menos interrompido até à secagem da tinta.

Figura 23Grupo Acre. Desenho esquemático do projeto para a Rua do Carmo, Lisboa. 1974. Técnica mista s/papel, formato A3. Neste esquema parece pretender-se alguma variação do padrão em duas zonas do espaço, com elementos estrelados adicionais do lado direito (destinados à zona mais alta da rua); na execução, contudo, prevalece apenas a solução mais simples, do lado esquerdo.

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Para além dos membros do grupo propriamente dito, que concebem o projeto, colaboram também na ação vários intervenientes, necessários para uma rápida execução, indispensável ao carácter discreto, quase clandes-tino, da sua produção: Teresa Cabrita, Isabel Gândara, Rodrigo e esposa, Cristina (aluna da ESBAL), Luís Jordão e amigo, Alice Silva.

Tudo tem que acontecer de noite, altura em que há menor perturba-ção de trânsito e peões, de modo que a intervenção esteja pronta logo de manhã, surpreendendo as pessoas como facto consumado. Assim, o encon-tro dos participantes é combinado para a meia-noite do dia 31 de julho80, no Largo da Biblioteca fronteiro às Belas Artes, donde se parte depois para a Rua do Carmo.

Durante a realização dos trabalhos há incidentes paralelos, hoje qua-se anedóticos. Um ladrão rouba do carro de um dos participantes, Teresa Cabrita, uma mala com o salário acabado de receber, e é perseguido rua fora por alguns dos presentes, sem êxito.

E há um momento81 em que, numa das ruas mais acima, soam tiros aparentes, aos quais Queiroz Ribeiro, marcado por experiência militar, res-ponde de imediato com a ordem “Deitem-se todos no chão!”. Fora isso, as coisas correm como previsto e a intervenção é realizada como pretendido. Abdica-se ainda de uma vaga ideia para uma intervenção complementar no pequeno largo no início da rua, entre a 1º de Dezembro e a rua do Ouro, local mais tarde empedrado e estritamente pedonal: essa intervenção seria A Cadeira de Salazar, uma ideia entre inúmeras que chegam a fazer parte de uma lista de possíveis obras do coletivo, mas que, como outras, nunca chega a ser realizada.

Por volta das 4 da madrugada, regressa-se a casa.

80 Na falta de informação exata sobre esta data por Lima Carvalho e Clara Menéres, chega-se a esta dedução através da referência que consta no artigo não assinado do Expresso publicado no fim de semana seguinte, o qual diz ter a pintura surgido na manhã da quinta-feira anterior: A/A (1974). “Artistas plásticos querem intervir na cidade”. Jornal Expresso, 3 de agosto (note-se, contudo, que um raro erro de impres-são publicou o jornal como datado de 5 de agosto, conforme informação obtida no próprio jornal).

81 Relatos de Lima Carvalho e Clara Menéres.

GRUPO ACRE FEZ 1974–77 80

Figuras 24G

rupo Acre. Intervenção na Rua do C

armo.

Lisboa, agosto, 1974. Fotos de Clara M

enéres.

2. GRUPO ACRE: OS ANOS E AS OBRAS81

De manhã, a rua pintada surpreende logo quem passa no dia 1 de agosto, desde cedo, a pé ou de carro, com maior impacto para quem a vê do alto do passadiço do elevador de Santa Justa.

No chão, uma inscrição declara: Grupo Acre Fez. E, na imprensa, os ecos não tardam. Alguém escreve no jornal Expresso pouco depois sobre “actos de intervenção” por artistas, destacando, no Chiado, o “asfalto pin-talgado de amarelos, azuis e rosas brilhantes”82. Na verdade, não há azuis, talvez por ter sido dispensada pelo repórter uma ida ao local, mas o artigo remete corretamente a autoria da obra para “um grupo de intervenção que assina ACRE”, citando como texto justificativo deste:

As formas de uma arte institucionalizada pelo regime anterior — arte oficial, arte elitista — eram demagógicas, importadas e desligadas da realidade nacional. É necessário chamar a atenção das pessoas para o ambiente urbano que habitam. A sensibilização de novas superfícies através do impacto visual anima formas amolecidas pela rotina, para além do acto estético, a importância desta acção foi demonstrar que agora é possível trabalhar em grupo, concretizar ideias colectivas.83

Num outro artigo da imprensa portuense, um autor ironiza sobre a di-ficuldade de compreensão de uma hipotética transeunte, que “não estabe-lece diferença sensível entre os gatafunhos que vê nas paredes e os círculos policromados que vê no chão.”84

Excertos do comunicado do grupo servem também de apresentação no artigo de Viale Moutinho, ilustrado com uma foto tirada do passadiço do elevador de Santa Justa que permite visualizar bem o efeito resultante. No texto, o autor mostra-se muito renitente à intervenção, considerando a ação aceitável pois, enquanto “esboço de gabinete, prova até a paciên-cia e o risco como arte de inutilidade imediata (…)” 85. Refere as formas e as cores como “geometria burguesa, convencionais”, anunciando ainda (isto em pleno agosto) que “pode ser que seja dependurada da Torre dos Clérigos, no Porto, uma faixa amarela” numa ação cujo carácter “actuan-te” compara negativamente ao arvorar de uma bandeira vermelha do PCP antes de Abril, em comemoração da Revolução de Outubro, terminando de modo muito crítico: “Agora, liberdades institucionalizadas, eis que um

82 Excertos entre aspas do mesmo artigo do Expresso, não assinado, já referido, de 3 de agosto.

83 Ibidem.84 G.S. (1974). “Troca-tintas”. Jornal O Primeiro de Janeiro, 8 de agosto.85 MOUTINHO, Viale (1974). “Arte”. Jornal de Notícias, 16 de agosto, p. 5.

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grupo de artistas intervém com certa garridice demagógica…E se repen-sassem a função que têm? (…)”.

Figura 25Grupo Acre. Intervenção na Rua do Carmo. Lisboa, agosto, 1974. Foto de Clara Menéres.

2. GRUPO ACRE: OS ANOS E AS OBRAS83

A obra do grupo é, ainda, referida brevemente num outro artigo que, de modo irónico e assinando-se como Comunicado do Metro, dá o exemplo de “uma das ruas da capital, bem conhecida pela sua impenitência (que) foi cosmetizada com bolinhas de várias cores”, apelando aos responsáveis, ao povo e aos artistas que intervenham no Metro e o “decorem de modo mais conveniente e delicado”86.

Na Vida Mundial, onde Ernesto de Sousa é colaborador para as artes, aparece, já no Outono, uma notícia pequena, mas objetiva, sobre a inter-venção e a sua autoria, agora com a indicação dos componentes do grupo e nova fotografia da rua, cuja pintura, segundo diz, está “ainda visível”87.

Algum tempo mais tarde, Eduardo Batarda, ao escrever sobre uma nova intervenção do grupo no Sempre Fixe, assume um tom bastante críti-co, declarando esperar-se do grupo “coisas diferentes daquela embaraçan-te pintura de rua’, que parecia mergulhar a R. do Carmo nos restos de um plano caritativo de recuperação de jovens delinquentes”.88

Arte urbana no sentido mais contemporâneo do termo e fortemente distintiva face às pinturas murais que surgem então por toda a parte, de fac-to, para a população em geral, a pintura do pavimento da rua com círculos parece vir apenas somar-se a outras pinturas de rua, neste caso um pouco mais abstratamente festiva e vagamente intrigante por não apresentar, apa-rentemente, qualquer slogan manifestamente político.

É, contudo, uma obra exemplar da atitude do Grupo Acre, em conso-nância com propósitos diversamente partilhados por inúmeros artistas de então: trazer a arte para o contacto com as populações. E, para isso, usam formas e cores simples, cujo significado aparentemente neutro num primei-ro momento possa apelar a uma comunicação universal.

Nesse mesmo mês de agosto, decorre o I Encontro Internacional de Arte. É realizado em Valadares, na Casa da Carruagem, por ocasião dos 20 anos da Galeria Alvarez, por iniciativa do Grupo Alvarez, designa-ção atribuída ao “projeto” tutelado por Jaime Isidoro. Artista com gran-de influência no Norte, é proprietário desde 1963 da Casa da Carruagem

86 O METRO (1974). “Comunicado do metro lusitano à população portuguesa”. Expresso, 24 de agosto.

87 SOUSA, Ernesto (1974). “Arte colectiva”. Vida Mundial. Nº 1829, 3 de outubro, p. 3. 88 BATARDA, Eduardo (1975). “O Grupo ‘Acre’ na Galeria ‘Opinião’”. Sempre Fixe, 15

de fevereiro. Também referido em BATARDA, Eduardo; MELO, Alexandre; AVILLEZ, Martim (1998). Eduardo Batarda — Pinturas 1965-1998 (Catálogo da Exposição no Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão, Lisboa, 3 de Março a 10 de Maio de 1998). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, p. 216-217.

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(um curioso projeto de atelier pessoal que se transforma numa espécie de centro artístico89) e dirige a Galeria Alvarez e a Galeria Dois, criada a partir daquela. Sob iniciativa de Isidoro, apoio da revista Artes Plásticas e a participação fundamental de Egídio Álvaro, o encontro conta com inúmeros artistas estrangeiros e nacionais, nortenhos na sua maioria: Miroslav Moucha, Serge III Oldenburg, Pierre Alain Hubert, Ângelo de Sousa, Aureliano Lima, Alfredo Queiroz Ribeiro, Carlos Barreira, Espiga Pinto, José Rodrigues, João Dixo, o CAPC (Círculo de Artes Plásticas de Coimbra), etc. Nesses encontros há esculturas, obras várias de carácter efémero e interventivo, ações de natureza mais conceptual, performan-ces, debates, etc. Ali surge o Manifesto de Vigo, um documento elaborado por diversos artistas participantes90 que, embora formulado nesse Verão de 1974, apenas tem forma impressa em janeiro de 1975. Algumas ideias norteadoras de iniciativas que vão mais tarde ganhar forma com o apoio de Jaime Isidoro ali se definem, a par dos pressupostos revolucionários, subversivos e interventivos que as artes plásticas devem assumir, poden-do usar como suportes “o ar, a água, o fogo, a terra, as massas/energia, as não substâncias (...), a visualização de conceitos (...), o tempo, os traços (as marcas), tudo e não importa o quê, a arqueologia da terra”91.

Desse encontro nasce a sequência de mais quatro encontros in-ternacionais de arte que, nos meses de agosto dos anos seguintes, vai colmatar na 1ª Bienal de Vila Nova de Cerveira, coincidente com o último encontro em 1978.

Em agosto de 74, já é percetível que, se é um facto que muitos artis-tas emigrados regressam a Portugal, também há uma crise generalizada do mercado da arte, com redução drástica de preços de obras e encerramen-to de galerias privadas92 — o que contribui, no entusiasmo da altura, para

89 De facto, no local há então uma carruagem adquirida por Jaime Isidoro à CP a troco de uma pintura sua que representava a estação de Santa Apolónia.

90 Datado em Valadares de 19 de agosto de 1974, é subscrito por Pierre Alain Hubert, João Dixo, Miroslav Moucha, Carlos Barreira, Serge III Oldenburg, Egídio Álvaro, Dan Azoulay, Tomek e Zbigniew Warpechowski.

91 AA.VV. (1974). “Manifesto de Vigo”. In GONÇALVES, Cláudia; RAMOS, Maria (Coord.), (2001). Porto 60/70: os artistas e a cidade. Textos de Vicente Todolí, José Rodrigues, João Fernandes, Fátima Lambert, Fernando Pernes.  Porto: Asa / Árvore-Cooperativa de Actividades Artísticas / Museu de Serralves, p. 257-258. Ver também FERREIRA, António Quadros (2017), obra citada, e ainda SILVA, Caroline (2019). A performance Arte como Intervenção nos Encontros Internacionais de Arte (1974-1977). Dissertação de Mestrado em História de Arte Contemporânea. Universidade Nova de Lisboa. [em linha]. Disponível em: https://run.unl.pt/handle/10362/93700 [Consult. 22 ag. 2020].

92 A Galeria Jornal de Notícias, que vai abrir no Porto, será uma exceção.

2. GRUPO ACRE: OS ANOS E AS OBRAS85

maior empenhamento nos espaços institucionais e públicos, bem como na criação de focos de dinâmica local.

Por outro lado, o Verão tem decorrido, entretanto, com diversas peri-pécias no plano político93.

De setembro em diante há mudanças de novo no poder governativo, provocadas pela tentativa de golpe do 28 de Setembro, depois de aparece-rem cartazes por todo o país e panfletos lançados por avião a apelar para uma manifestação da “maioria silenciosa”, seguindo-se aclamações de sinal contrarrevolucionário num equívoco apoio a Spínola, piquetes da extrema--esquerda nos acessos a Lisboa, fugas e apreensão de armamento. António de Spínola demite-se da Presidência da República e a Junta de Salvação Nacional designa para esse lugar outro General, Francisco da Costa Gomes. Surge no discurso do MFA, a partir daí, a declaração de uma via de tran-sição para o socialismo e Vasco Gonçalves é novamente indicado para Primeiro-ministro.

O III Governo Provisório está em funções de 30 de setembro de 1974 até 23 de março de 197594.

A 6 de outubro, uns dias após entrar em funções e tentando fazer face à grave crise financeira, o 1º ministro propõe “Um dia de trabalho para a Nação”, tendo lugar a conversão de um domingo em dia útil de trabalho ofe-recido gratuitamente pelos trabalhadores ao país. A adesão é significativa e o resultado é mais tarde estimado pelas entidades oficiais em cerca de 13000 contos.

Entretanto, o programa deste governo95 é o primeiro digno des-se nome após o 25 de Abril. Bastante mais extenso e minucioso do que os dos governos anteriores, designa-se como um Programa de Política Económica e Social e centra-se na identificação dos problemas

93 No quadro apresentado no ANEXO 4 facultam-se alguns dados.94 A equipa ministerial é parcialmente a mesma do anterior, mantendo-se Mário

Soares, Salgado Zenha, Melo Antunes, Vítor Alves, Almeida Santos, Magalhães Mota, Pintasilgo, Vilar e Silva Lopes. Também continuam como secretários de es-tado Nuno Portas e Gonçalo Ribeiro Telles e, no ministério da Educação e Cultura, está agora Manuel Rodrigues de Carvalho, com António Avelãs Nunes e João de Freitas Branco nas secretarias de Estado dos Assuntos Culturais e Investigação Científica, e da Cultura e Educação Permanente. Correia Jesuíno é Ministro da Comunicação Social.

95 ARQUIVO HISTÓRICO. Programa do III Governo Provisório. [em linha]. Disponível em: https://www.historico.portugal.gov.pt/pt/o-governo/arquivo-historico/go-vernos-provisorios/gp03/programa-do-governo/programa-do-iii-governo-pro-visorio.aspx [Consult. 11 out. 2019]. Este programa só é aprovado em fevereiro de 1975, portanto diversos meses após a tomada de posse do Governo.

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económicos e em medidas de recuperação centradas no controle do po-der económico pelo estado, nas questões do trabalho e da inflação; inclui praticamente todos os sectores da economia (chega a discriminar medi-das para uma “Política do Ambiente”, no que é pioneiro), empenhando-se em medidas bastante concretas que afirma requerem 3 anos para imple-mentação. Mas o governo não dura tanto.

A cultura surge mencionada no capítulo referente à educação, com 7 pontos em que se estabelece “prioridade para manifestações intelectuais e artísticas não elitárias de que possam beneficiar grandes massas de in-teressados” 96, mencionando ainda museus, bibliotecas e arquivos, teatros nacionais, acordos culturais com os novos países de língua portuguesa, bol-sas, apoio aos emigrantes. Não há ações concretas para áreas como as de artes plásticas, cinema, teatro ou mesmo literatura.

Contudo, apesar da escassa indicação programática de uma política cultural, o país vive nesse ciclo uma novidade significativa: o Programa de Dinamização Cultural do MFA.

Coordenado pela Comissão Dinamizadora Central (CODICE) integra-da na 5ª Divisão do Estado Maior das Forças Armadas e em colaboração com a Direcção Geral da Cultura e Espectáculos, esse programa parte da constatação da dificuldade de penetração do regime democrático em zonas do interior (sobretudo nortenho) do país e, assumindo características trans-versais, define-se no quadro de objetivos simultaneamente pedagógicos, de divulgação da cultura e propagandísticos. Na prática, as razões estratégi-cas mais decisivas das ações de dinamização cultural e ação cívica realiza-das são a divulgação do programa do MFA, a expansão ao âmbito nacional da importância da democracia e do 25 de Abril, do poder do voto, a luta contra discursos e práticas contra revolucionárias. Para alguns, trata-se de esclarecer, descentralizar, levar a cultura ao povo. Para outros, catequizar.

Das mais de 2000 ações desse programa com a 5ª Divisão constam sessões de esclarecimento, programas de rádio diários e de televisão, spots publicitários, um boletim semanário com 25 números e tiragem de 120 mil exemplares, cartazes, desenhos e bandas desenhadas por artistas reconhe-cidos, “apoio literário”97, sessões de poesia, espetáculos de teatro, projeções

96 Ver página 141 do mesmo programa [em linha]. Disponível em: https://www.histori-co.portugal.gov.pt/media/464078/GP03.pdf [Consult. 11 out. 2019].

97 Termo algo equívoco que remete para textos de esclarecimento ou propaganda elaborados por escritores participantes nas campanhas (Modesto Navarro, Virgílio Martinho, Bernardo Santareno, Isabel da Nóbrega, António Torrado, Luso Soares, Maria Carrilho). GONÇALVES, Ricardo Manuel dos Ramos (2018). A cultura ao serviço da revolução: campanhas de dinamização cultural e acção cívica do MFA.

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de filmes, conferências e debates, pinturas murais, etc. No entanto, de uma listagem de atividades por sectores no total dos 14 meses que duram as campanhas do Programa de Dinamização Cultural, rapidamente se conclui que, à exceção dos cartazes concebidos por artistas, há um predomínio da produção de espetáculos de teatro98, inúmeras projeções de filmes. As artes plásticas são, como já vem sendo hábito, pouco lembradas.

Ainda nesse Outono, depois de um interregno de meses com muitas reuniões, voltam a funcionar os cursos de Belas Artes. No caso da escola de Lisboa, onde lecionam Clara Menéres e Lima Carvalho, há novos planos de estudos em Artes Plásticas e Design após criação de um Departamento separado de Arquitetura.

Dissertação de mestrado. Lisboa: ISCTE-IUL, p. 55. [em linha]. Disponível em: http://hdl.handle.net/10071/18503 [Consult. 14 out. 2019].

98 As companhias teatrais convidadas nas Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA são: “Casa da Comédia, Teatro da Cornucópia, Teatro Nosso Tempo, Teatro Experimental de Cascais, Teatro Villaret, Teatro Estúdio de Lisboa, Os Bonecreiros, a Comuna, Grupo 4, Teatro Maria Matos, Teatro Hoje, Feira Ladra, Cómicos, Água, Gás e Electricidade, Bonecos de Santo Aleixo, Graça Lobo e Manuel Crespo.” GONÇALVES, Ricardo Manuel dos Ramos (2018). Obra citada, p. 51.

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2.2. Fita 25 de outubro de 1974, Torre dos Clérigos, Porto

Quase coincidentemente com o lançamento dos programas de dinamização cultural do MFA e, de certo modo, também “descentralizando” a cultura, o Grupo Acre aparece na sua intervenção seguinte a envolver a cidade do Porto, tão importante para os seus três membros.

Para esse segundo projeto o local da ação surge para o grupo como óbvio e indiscutível — tem que ser na Torre do Clérigos. Com os seus 75 metros de altura, localização e história, é um ponto de carácter fortemente emblemático naquela cidade.

A ideia escolhida é suspender ali algo que constitua um acontecimen-to visual surpreendente.

Figura 26Grupo Acre. Desenho de Lima Carvalho do sistema para puxar a fita na Torre dos Clérigos. 1974.Esferográfica sobre papel, formato A4.

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Tudo é preparado meticulosamente, mediante estudo prévio da ação, dos materiais, do local. São realizadas visitas (pagas como habitualmente) à torre, de modo a conhecer-se bem o local e as rotinas dos seus habitantes responsáveis, o padre e o sacristão, resolvendo-se que a ação tem de se feita à hora de almoço destes.

De novo, há esquemas gráficos com dispositivos possivelmente ne-cessários à realização da intervenção (na imagem um dos últimos esquiços, posterior à realização).

Assim, perto do meio-dia, Lima e Clara compram bilhetes como se fossem visitantes normais e sobem a torre, contando com a distração habi-tual do sacristão e sabendo que este, quando fecha a porta para ir almoçar, não verifica se fica alguém no alto. Por dentro da roupa, Lima leva enroladas umas dezenas de metros de corda e uma roldana.

Cá em baixo, Queiroz Ribeiro estaciona, entretanto, o carro, dele re-tirando o pesado rolo de manga de plástico amarelo com dois metros de largura e mais de setenta de comprimento, comprado perto de Lisboa, na Amadora. Depois, é o trabalho de içar a manga, desenrolando-a como uma fita, puxada de baixo para cima, com a ajuda de quatro cordas e uma rolda-na. Contudo, isso exige um grande esforço imprevisto, não só pelo peso do material, mas, sobretudo, pelo vento que se faz sentir e agita esse longo e incómodo objeto, empurrando-o contra as paredes, o que cria a necessida-de de haver participantes a afastarem a “fita” da torre, onde emperra com o risco de rasgar.

Ao mesmo tempo, são distribuídos folhetos previamente redigidos e impressos em papéis de cores diferentes, nos quais são explicados os pro-pósitos da ação.

Num desses comunicados assinados pelo Grupo Acre, esclarece-se o teor público do projeto através da apropriação do espaço urbano — “a ci-dade e os seus monumentos” — bem como o repúdio da arte formalista e elitista que, sob ação do fascismo, anestesiou a população. Ao contrário disso, a intervenção visa agitar a rotina da cidade e conferir nova capaci-dade de comunicação ao monumento apropriado, alertar as pessoas para os “problemas estéticos”, bem como afirmar a necessidade vital da arte e dos artistas para os interesses da coletividade, apostando declaradamente o grupo numa “arte inconformista, pobre, festiva, simples nos processos e anti-comercial”.

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Figura 27Grupo Acre. Versão provisória do comunicado para acompanhar a intervenção na Torre dos Clérigos. Porto. 1974.

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Figura 28Grupo Acre. Comunicado nº1 da intervenção na Torre dos Clérigos. Porto. 1974.

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Mais tarde, os artistas referem também a necessidade de se chamar a atenção para o monumento, que se tornara invisível para a população de-satenta ou anestesiada pelas rotinas e pelos media.

Desta vez, além dos três membros do grupo colaboram também de novo na intervenção familiares e amigos, como Carmo Ulrich e Maria de Lurdes Rodrigues (esposas de Queiroz Ribeiro e Lima Carvalho), António Ferreira Gomes, Dario Alves, Pedro Rocha, filhos de participantes, al-guns curiosos.

Colocada a fita e identificada a ação escrevendo nela “Grupo Acre fez” e distribuídos os comunicados, o projeto cumpre-se, mas com percal-ços. Aliás, quase sempre, nas intervenções do Grupo Acre, há imprevistos. Desta vez, Lima Carvalho bate com a cabeça quando sai apressadamente da

Figuras 29Na base da Torre dos Clérigos, Alfredo Queiroz Ribeiro e Pedro Rocha preparam a fita em rolo. Depois, em cima, na balaustrada, Clara Menéres e dois ajudantes suspendem-na. Mais tarde o escultor (de costas) assina pelo Grupo Acre a fita já suspensa, para ser subida e deixar bem visível de longe a identificação.

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Figuras 30Grupo Acre. Fita. Torre dos Clérigos, Porto, 1974.

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torre. E a fita suspensa apresenta um rasgão parcial no plástico que ameaça não ficar por ali e abrir totalmente sob a força do vento. O grupo abandona o local, contudo pouco seguro do sucesso.

Depois de um curativo e um almoço tardio, de volta aos Clérigos para verificar o resultado ainda por confirmar, seja o desejado impacto visual ou o rasgão temido, espantosamente a fita ainda lá está e inteira, dando azo a muitos comentários! E ali fica, para admiração dos portuenses, durante um mês, até que os próprios elementos do grupo a retiram, depois de algum

Figura 31A imprensa portuense dá espaço significativo à intervenção do Grupo Acre na Torre dos Clérigos — artigo n’O Primeiro de Janeiro.

2. GRUPO ACRE: OS ANOS E AS OBRAS95

lucro da igreja graças ao aumento de entradas na Torre dos Clérigos e do sacristão manifestar o desejo de guardar um bocado da fita, plástico para si útil num certo olival, com azeitonas para apanhar em breve99.

Evidentemente, o impacto da ação provoca comentários.Logo no dia seguinte, 26 de outubro, o jornal O Comércio do Porto

mostra na primeira página uma fotografia da torre com a faixa suspensa e conta que esse insólito acontecimento ocorrera na véspera, por ação de um grupo de artistas, o grupo Acre, “que assim protestavam contra o facto daquele monumento ter sido transformado num maciço de pedra sem signi-ficado, diluído na paisagem envolvente”.100

Também o Primeiro de Janeiro noticia o caso, nesse mesmo dia, da “Torre dos Clérigos Engalanada”, e o mesmo acontece com o Jornal de Notícias, no qual o título “As garridices da velha senhora” acompanha a notícia também fotograficamente documentada, que compara a ação do grupo a um “laçarote desfeito e caído até aos pés”, referindo as intenções do grupo com frases respigadas do seu comunicado e fazendo ainda alu-são aos círculos pintados na Rua de Carmo em Lisboa uns meses atrás, pelos mesmos autores101.

Uma breve notícia na Vida Mundial de 7 de novembro, sob ação de Ernesto de Sousa, relata sucintamente o feito com um pequeno excerto do comunicado do grupo. Pouco mais de um mês depois, o mesmo autor volta a referir as obras já realizadas pelo coletivo a propósito de uma abordagem sobre o trabalho de Daniel Buren no pensamento da vanguarda, regressan-do ao grupo em janeiro, sempre na mesma revista, afirmando não pretender realizar uma análise sobre o mesmo, mas dando a entender o significado da sua existência. Isso serve-lhe de pretexto para refletir sobre a recente vida cultural portuguesa e a evolução dos acontecimentos artísticos, referindo a ação quase nula do Movimento Democrático dos Artistas Plásticos num contexto pejado de contradições e iniciativas de qualidade discutível em que apenas alguns esforços individualistas marcam a real diferença de nível. A coletivização da vanguarda, para si essencial, é finalmente o que defende como razão da importância do Grupo Acre, afirmando para breve um desen-volvimento do tema.

99 Muitos anos depois, outro pedaço é visível na exposição Porto 60/70. Os Artistas e a Cidade, realizada na Fundação de Serralves em colaboração com a Cooperativa Árvore de janeiro a abril de 2001, mantendo-se provavelmente até hoje no espólio dessa instituição.

100 A/A (1974). “Sem título”. O Comércio do Porto, ano CXXI, nº 124, sábado, 24 de outubro, p. 1.

101 A/A (1974). “As garridices da velha senhora”. Jornal de Notícias, 26 de outubro, p. 3.

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Pouco tempo depois, cumpre essa promessa num artigo intitulado O Grupo Acre e a Apropriação, em que refere principalmente a ação nos Clérigos, considerando a atitude consciente e serena do grupo e resumindo os seus objetivos — “Trabalhar colectivamente e descartar o subjectivismo, intervir no espaço urbano e, empiricamente, acertar numa grande razão para estar no mundo.”102

Mais adiante, referindo a época que se vivia em termos de “condições excepcionais e raras, e quase sem tempo (…) sem tempo para esperar”, afir-ma o grupo Acre e a sua obra como aquilo que lhe parece o mais importante numa época de revolução como a que se vive, um “projecto estético”.

“O Grupo Acre é um projecto, e só os projectos têm consistência. Hoje. Como a revolução. Tudo o resto é cozinha passadista.”

“Projectos-ideias”, frisa ele ainda no mesmo texto, “convergência que conduz a resultados imparáveis: convergência com a modernidade, a van-guarda”. Por outro lado, considera a apropriação praticada pelo grupo como uma das estratégias recorrentes da vanguarda, operação estética funda-mental desde as cenas de caça de Altamira aos ready-mades de Duchamp.

Depois de Duchamp e mais recentemente, a ideia tem sido clarifica-da, e têm chovido as assinaturas. A “arte como atitude”, a “arte po-bre” vêm daí. (E mais elaboradamente, a arte conceptual, a arte como arte). Lucidez, por vezes fria, fim das ilusões humanistas. Começo ver-dadeiramente do mundo em que “o homem se fará a si próprio” (e não como nos humanistas oitocentistas em que o homem se iludia como um Centro, isto é, um outro Deus). Enfim, modernamente a apropria-ção deixou de ser uma descoberta um pouco ingénua e maravilhada de Duchamp. Transformou-se em processo. Ferramenta. O que per-deu em novidade (a ideia) ganhou em possibilidade oferta, imaginação aberta (projecto). Costumo repetir uma ideia de Marcel Mauss, que um filósofo viria a resumir assim: “Toda a ferramenta é um prolongamento do corpo”. As ferramentas, as máquinas, mesmo os computadores são o nosso corpo prolongado. É neste sentido que digo: a apropriação es-tética é o nosso corpo prolongado.

102 SOUSA, Ernesto de (1975). “O grupo Acre e a apropriação”. A versão completa des-te texto surge no folheto distribuído na Galeria Opinião, sem data; há uma versão mais curta publicada na Vida Mundial, nº 1845, 23/1/75, pág. 41; e há ainda um excerto em Porto 60/70: os artistas e a cidade (Coord. Cláudia Gonçalves e Maria Ramos). Porto: Asa/ Museu de Serralves, 2001, pág. 267.  

2. GRUPO ACRE: OS ANOS E AS OBRAS97

Quando o Grupo Acre desenrolou a tira de plástico do alto da Torre dos Clérigos era o belo corpo da Clara Semide que se prolongava… O dos outros companheiros. E o nosso afinal, quando compreendemos isto. Prolongados (pela apropriação inventada) à arquitectura de Nasoni, ao Porto, à Cidade, ao País, ao Sonho, à Utopia. E isto vale tanto, ou mais, do que pintar o tecto da Capela Sistina.103

Entretanto, também em 25 de outubro reúne no Ministério da Comunicação Social a primeira Comissão Nacional Consultiva de Artes Plásticas, que integra representantes da SNBA (Nuno Sampaio e Rui Mário Gonçalves), da AICA (Salette Tavares e Manuel Rio de Carvalho), da Escola Superior de Belas Artes de Lisboa (Lagoa Henriques e Rogério Ribeiro), da Escola Superior de Belas Artes do Porto (Alberto Carneiro e Jorge Pinheiro), da Cooperativa Gravura (Eduardo Nery e Artur Rosa), da Cooperativa Árvore (Joaquim Vieira e José Rodrigues), da Fundação Gulbenkian (Fernando Azevedo e Sommer Ribeiro) e ainda representantes dos Ministérios da Educação, dos Negócios Estrangeiros e do Equipamento Social. Na prática, esta comissão não apenas terá poderes muito limitados, quer por não lhe ser dada escuta suficiente, quer pela própria turbulência do processo político, como sofrerá bastante contestação no ano seguinte por parte do meio artís-tico, entretanto dividido (ou talvez nunca unido de facto).

No mês seguinte, Fernando Pernes (representando a Comissão Para Uma Cultura Dinâmica) propõe num encontro-debate na Árvore a imple-mentação de um Centro de Arte Contemporânea do Norte no Porto, parte de uma futura Casa da Cultura do Porto, a funcionar no Museu Nacional Soares dos Reis, dando sequência produtiva aos ecos da manifestação realizada a 10 de junho, o “enterro” daquele museu. Para tal (num grupo de trabalho por si constituído com Ângelo de Sousa, José Rodrigues, Jorge Pinheiro, Etheline Rosas e Joaquim Vieira), propõe uma Exposição-Levantamento da Arte do Século XX no Porto, para arranque do Centro de Arte Contemporânea do Norte. O núcleo fundador desse centro seria constituído por doações dos artistas a integrar aquela exposição. Nessa proposta, Pernes avança logo com um conjunto de normas básicas para o centro e um primeiro programa, num texto com uma dezena de páginas que tem como tópicos ação pedagó-gica, exposições itinerantes, ações artísticas e intervenções com as comu-nidades, conferências e debates, criação de uma biblioteca e do tal acervo artístico já referido. O CAC terá vida curta, mas profícua, quer para a cria-ção de bases de um futuro Museu de Arte Contemporânea no Porto, que

103 No mesmo texto referido, tal como todos os itálicos anteriores.

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a Fundação de Serralves vai instituir mais tarde, quer para a divulgação da fotografia como processo artístico até aí pouco enaltecido e que será alvo de diversas iniciativas expositivas.

Dois outros acontecimentos contribuem também nesse ano para a confiança no futuro e otimismo dos artistas plásticos. Com participação de Salette Tavares, presidente da secção portuguesa da AICA (Associação Internacional de Críticos de Arte), o Congresso desse ano, realizado na República Democrática da Alemanha, decide que o Congresso seguinte, de 1976, se realizará em Portugal. E é publicado o livro Arte em Portugal do Século XX, de José-Augusto França.

1975104

“Sei que estás em festa, pá”, canta em 1975 Chico Buarque de Holanda, em Tanto Mar, canção que olha Portugal do Brasil em ditadura, no outro lado do Atlântico. É também o ano de Bohemian Rhapsody, com os Queen. Nos cinemas portugueses, o desaparecimento da censura abre espaço a filmes como Emmanuelle — A Anti-Virgem, uma película banal mas cujo teor erótico esgota bilheteiras, o mesmo acontecendo por razões diferen-tes com Tubarão, filme que faz disparar a carreira mainstream de Spielberg. Enquanto isso, Tarkovski termina O Espelho, que vai demorar a ser visto em Portugal. O mesmo acontece com O Livro De Areia, de Jorge Luís Borges, texto que nos faz imaginar um livro cujas páginas impossíveis de reler podem servir de evocação da espécie de momentos fugidios e irrepe-tíveis como os que, nesse ano, se vivem neste país da Península Ibérica. Em Espanha, mesmo ao lado, só no fim do ano é que o falecimento de Franco dá início ao processo de substituição da ditadura por uma democracia, em-bora em quadro de monarquia.

De facto, o ano de 1975 é em Portugal tão ou mais intenso do que o anterior, fazendo com que diversos acontecimentos mundiais muito mar-cantes externamente tenham no país menos impacto mediático do que se-ria de esperar.

Depois de uma tentativa de golpe militar a 11 de março, o IV Governo Provisório tem, de 26 de março em diante, novamente a chefia de Vasco Gonçalves por indicação do Presidente Costa Gomes. Desta vez, não é

104 Ver Anexos 1 — Quadros cronológicos de 1975.

2. GRUPO ACRE: OS ANOS E AS OBRAS99

conhecido programa e, apesar de algumas mudanças na composição do go-verno, há continuidade parcial105.

Na sequência da revolução, as dinâmicas de profunda revisão e re-construção estrutural do país instalam forte turbulência política e, a par do entusiasmo que persiste na consolidação e usufruto da democracia, agudizam-se tensões entre as visões das esquerdas, dos moderados e dos conservadores.

Em 25 de abril de 1975, um ano exato depois da revolução, decor-rem as primeiras eleições livres para a Assembleia que vai elaborar a nova Constituição para reger o país; e, nesse dia histórico, os portugueses acor-rem às urnas em massa — a abstenção não chega aos 9%. Os socialistas ganham com quase 38%, seguindo-se o PPD com 26%, o PCP com 12%, o CDS com 7% e o MDP/CDE com 4%.

Enquanto a constituição é elaborada, os efeitos da crise mundial do petróleo de 1973 continuam marcantes e somam-se à turbulência do país em mudança depois de 1974. Entre 1973 e 1975 o PIB (produto interno bruto) de Portugal passa de 11,2% em 73 para 1,1% em 74 e -4,3% em 75, criando o que se chama uma “tempestade perfeita” — quando confluem uma crise económica, uma guerra ou a desestabilização das estruturas de produção, e uma classe popular (proletariado/campesinato etc.) com poder106.

De facto, enquanto cá dentro a “casa” anda em rearrumação, lá fora as coisas também continuam complicadas. Apesar de vitória militar, há cisões em Israel, onde a insegurança está instalada depois daquele Yom Kippur de 1973. Golda Meir, Primeira-ministra trabalhista, uma dos fun-dadores do estado de Israel, demite-se em 1974 e a direita nacionalista

105 Álvaro Cunhal, Magalhães Mota, Pereira de Moura e Mário Soares são mi-nistros sem pasta. Almeida Santos continua na Coordenação Interterritorial, Melo Antunes nos Negócios Estrangeiros. Na Economia está Mário Murteira, nas Finanças José Joaquim Fragoso, João Cravinho na Indústria e Tecnologia e Francisco Salgado Zenha na Justiça. É Ministro da Educação e Cultura José Emílio da Silva e Jorge Correia Jesuíno é Ministro da Comunicação Social. David Mourão Ferreira é Secretário de Estado da Cultura e João de Freitas Branco Secretário de Estado da Cultura e Educação Permanente. O governo está em funções até agosto. ARQUIVO HISTÓRICO. Programa do IV Governo Provisório. [em linha]. Disponível em: https://www.historico.portugal.gov.pt/pt/o-governo/arquivo-his-torico/governos-provisorios/gp04/composicao.aspx [Consult. 15 out. 2019].

106 A revolução e as inseguranças dos patrões e empresários face ao maior poder popular (por vezes desgovernado) contribuem para que fechem fábricas e que os campos rendam menos, mas não é só por causa disso, nem apenas por a autoges-tão ou a subida de salários provocarem baixa de produtividade, de rendimento e falências. Há também as consequências da recessão geral associadas à subida de preços de matérias-primas e serviços, ainda por cima agravadas por fugas de capitais. Muitas fábricas são ocupadas como reação à crise já existente.

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reforça-se, chegando ao governo em 1977 com Menahem Begin107. A crise do petróleo que está na base disto vai determinar grande vaivém do repre-sentante dos interesses americanos Henry Kissinger ao longo destes anos até 1979, quando nos acordos de Camp David o Egipto recupera o Sinai e reconhece Israel.

Pelo caminho, há Lajes no Açores e Portugal, um pequeno país onde a tempestade perfeita decorre e precisa de amainar, depois da mudança imprescindível.

Assim, também no contexto cultural cresce a tensão ao longo deste ano e as pessoas dividem-se. Apesar da importância por muitos atribuída a iniciativas de alfabetização num país que apresenta ainda então dados inaceitáveis, a cultura, embora por todos os quadrantes considerada essen-cial, na prática não tem o caráter prioritário que desejariam os seus agentes mais empenhados.

As imprensas escritas, radiofónicas e televisivas são muito ativas na dedicação aos acontecimentos políticos. Gradualmente o desporto, isto é, o futebol mais concretamente, vai regressando em força e, nas pá-ginas ou tempos dedicados à cultura, o fim da censura dá azo a maior di-vulgação da pornografia que, mais ou menos soft, integra agora a cultura popular de massas.

Nos meios artísticos o entusiasmo continua, mas cada vez mais a par de sinais de alerta, de divisão e de alguma deceção. A democratização acentua uma tendência para agradar maiorias, definir prioridades políticas menos eruditas; e a arte está longe de ser considerada nas necessidades prementes, parecendo ser o mais esquecido dos sectores da cultura.

“Os jornais evitavam publicar artigos de reflexão crítica, e o próprio noticiário era desastroso”108, escreve mais tarde Rui Mário Gonçalves a pro-pósito, considerando ainda que “O estatuto de luxo conferido às obras de arte causou prejuízos na informação”109.

Algumas galerias, como a 111, a Quadrum, a Bucholz, a S. Mamede, a Interior, a Alvarez, mantém-se abertas, mas a sua sustentabilidade finan-ceira, assente nas vendas, é irregular. Excecionalmente, abre no Porto um espaço novo, num projeto que persiste até hoje, a Módulo Difusor de Arte (de 1979, em Lisboa).

107 Na sequência da colonização da Cisjordânia pela extrema-direita religiosa de Israel, o novo conflito com os palestinianos vai culminar na Intifada de 1987.

108 GONÇALVES, Rui Mário (1986). História de Arte em Portugal. De 1945 à actuali-dade. Volume 13. Lisboa: Publicações Alfa, p. 137.

109 Ibidem.

2. GRUPO ACRE: OS ANOS E AS OBRAS101

Por outro lado, o sentido coletivo continua muito presente nas di-nâmicas artísticas e constata-se, por vezes, uma espécie de preconceito contra a criação mais subjetiva. Em Lisboa, a Sociedade Nacional de Belas Artes tem forte protagonismo na procura de ativação de medidas culturais com impacto nos meios artísticos, participando nas comissões consultivas desde o envio ao Ministério da Educação, no ano anterior, de um documento com um conjunto de recomendações.

As diversas exposições coletivas em Lisboa e Porto (ver quadros nos anexos) apontam para apresentações panorâmicas, de amplos propósitos temáticos e sentido de convívio de tendências, parecendo sobretudo rever e confirmar a presença e legitimidade das revelações anteriores já detetadas pela crítica especializada. No Museu Nacional de Arte Antiga, a exposição Artistas Contemporâneos e as Tentações de Santo Antão junta em março inúmeros artistas com obras que evocam a pintura de Hieronymus Bosch ali existente, por iniciativa do conservador do museu, José Luís Porfírio, num esforço para animar aquele espaço num período em que os visitantes tinham diminuído. Por essa altura é proposta ao Ministério da Comunicação Social uma exposição de arte portuguesa destinada ao Museu de Arte Moderna de Paris, que teria uma itinerância em países do Leste, com apoio de Melo Antunes, Ministro dos Negócios Estrangeiros. Apesar de apoiada pela Comissão Consultiva para as Artes Plásticas, a lista dos artistas da exposi-ção, de inauguração prevista para 7 de junho, não é unânime e colhe mesmo oposições, tanto por parte de uma recente FAPAP (Frente de Acção Popular dos Artistas Plásticos) como de artistas excluídos, levando o Ministério a questionar a exposição, que acaba proibida pela 5ª Divisão: ingerência que provoca protestos da SNBA, de membros da Comissão Consultiva, textos na Colóquio Artes110, sem resultado.

110 A Colóquio Artes nº 24, de outubro de 1975, dedica bastante espaço à leitura dos factos por Rui Mário Gonçalves e José-Augusto França. Rui Mário Gonçalves faculta uma panorâmica geral da vida cultural e artística portuguesa no texto 1974-1975. Agitação e desperdício. Lisboa. Paris. New York. London, Madrid. Paris (p. 32-39). Além das responsabilidades e inépcias que imputa à falta de preparação dos governantes, Rui Mário Gonçalves refere o deliberado e faccio-so desvirtuamento pela transmissão televisiva do discurso do 1º Ministro Vasco Gonçalves no Congresso dos Escritores, a que assiste no local, e não poupa a falta de coesão dos artistas e outros agentes da cultura no processo mani-pulativo que bloqueia a ação da Comissão Consultiva para as Artes Plásticas. Em seguida, sob autoria conjunta de Gonçalves e França, é facultada uma se-quência objetiva dos factos associados à falhada exposição de Paris: Elementos para a cronologia do “caso da exposição de Paris” (p. 40-41). E, por fim, França escreve Préface pour l’exposition de Paris (p. 42-43), texto datado de maio que acompanha essa exposição.

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No Porto, a exposição Levantamento da Arte do Século XX no Porto anima o Museu Soares dos Reis em julho, por iniciativa de Fernando Pernes com o Centro de Arte Contemporânea ali recentemente criado. Em agosto, decorrem em Viana do Castelo os II Encontros Internacionais de Arte, à se-melhança do encontro do ano anterior em Valadares sob iniciativa de Jaime Isidoro e Egídio Álvaro, entre outros, ali apresentando o seu primeiro ritual Albuquerque Mendes. E é escolhida uma representação portuguesa à Bienal de S. Paulo, que decorre de 17 de outubro a 15 de dezembro; constituída por Júlio Pomar, Paula Rego, Ângelo de Sousa e Eduardo Batarda, sob organi-zação conjunta da Fundação Gulbenkian (Sommer Ribeiro é o responsável pela escolha), dos Ministérios dos Negócios Estrangeiros e da Comunicação Social, logra-se desta vez levar a cabo a saída, sem polémicas.

Quanto a cada um dos artistas do Grupo Acre, em 1975 todos estão bastante ativos. Lima Carvalho leciona desenho na ESBAL; é membro do Conselho Técnico da SNBA e, como tal, faz parte do júri de seleção da cole-tiva Abstracção Hoje? (SNBA); expõe nas coletivas Figuração Hoje? (SNBA) e Levantamento da Arte no séc. XX no Porto (Museu Soares dos Reis, Porto e Lisboa, SNBA), nesta com 3 obras.

Figura 32Clara Menéres. D(EU)S. 1974.Tríptico em chapa metálica, pergaminho, cabelo e pasta de papel.

2. GRUPO ACRE: OS ANOS E AS OBRAS103

Clara Menéres também ensina na ESBAL, escultura agora no seu caso, e faz parte do Conselho Técnico da SNBA; participa nas coletivas Figuração Hoje? (SNBA), A Nova Imagem Realista Portuguesa (Galeria Gordillo, Lisboa) e, tal como Lima Carvalho, no Levantamento da Arte no séc. XX no Porto no Museu Soares dos Reis, Porto e na SNBA, Lisboa, onde mostra a sua peça de parede D(eu)s.

Essa sua obra é um autorretrato que remete para arquétipos míticos e para a condição feminina, também expressivo do interesse permanente da autora pela experimentação de novas materialidades, e que ela própria apresenta assim:

D(EU)S é uma peça de escultura que exprime simbolicamente a minha relação com o transcendente. (Eu) estou representada pelo pergami-nho, a pele que cobre o corpo, espalmada e pregada sobre a cruz, sig-no de morte, sofrimento e renúncia.Lateralmente, aparecem dois outros símbolos de religiões que figuram a totalidade do território humano, do Oriente ao Ocidente111.

Queiroz Ribeiro ainda participa nesta última exposição com 3 obras, mas o seu falecimento já consta na sinopse curricular do catálogo.

No que diz respeito propriamente ao trabalho conjunto do Grupo Acre, em 1975 as suas aparições concentram-se no início do ano, até à Primavera, o que não é alheio ao ambiente político que se vive.

111 MENÉRES, Clara (2016). “D(EU)S”. MENÉRES, Clara. Ver e dar a ver. Catálogo da exposição no Museu de Etnologia e Arqueologia de Setúbal, de 21 de maio a 24 de setembro de 2016. Setúbal: Associação de Municípios da Região de Setúbal/Museu de Etnologia e Arqueologia do Distrito de Setúbal, p. 23.

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2.3. Gravuras de rua Janeiro de 1975, Lisboa

A terceira intervenção do Grupo Acre é a mais discreta de todas as suas ações. Consta, simplesmente, da impressão de gravuras pouco convencionais.

Há poucos ou nenhuns documentos datados e quase nenhuma men-ção mediática. Para os próprios autores, confunde-se a memória exata quando aos dias de realização da obra, apesar de haver um manuscrito de Lima Carvalho em que aponta, com interrogações, a hipótese de meses do Verão de 1975. Contudo, a avaliar pelas fotos existentes e pelos testemunhos orais de Clara Menéres, a ação em si decorre em mais do que um dia e, pela indumentária de todos, não é no Verão, mas em tempo frio; sendo visível a colaboração de estudantes, pode pressupor-se que seria em período letivo.

Um artigo publicado no Comércio do Porto a propósito da interven-ção seguinte do grupo — a segunda distribuição de diplomas, depois de Lisboa, na Galeria Dois no Porto, que ocorre entre 8 e 13 de Fevereiro de 1975 — refere estarem expostas na parede nessa altura “gravuras impres-sas em folhas de papel branco, que são o produto da tintagem das placas de ferro do saneamento, e das tampas das caixas dos serviços de água, gás e eletricidade, que conseguem ter beleza e expressão plástica”112. Por esta informação depreende-se que uma parte, pelo menos, do projeto Gravuras de Rua, tenha sido realizada antes dos diplomas, ou seja, algures depois da intervenção nos Clérigos em Outubro de 1974 e o princípio de 1975, antes da nova ação e do artigo que a noticia.

Por outro lado, na realização dessas Gravuras Queiroz Ribeiro já não está presente, embora a conceção tenha tido a sua participação; portanto, acontece após o seu falecimento, entre dezembro e princípio de fevereiro.

De facto, quando, após a ação na Torre dos Clérigos, o Grupo Acre prepara as obras seguintes, dá-se a morte brutal de Queiroz Ribeiro num acidente de viação. A 1 de dezembro de 1974, cerca da uma da madrugada, o Citroen “2 cavalos” em que o escultor viaja numa estrada nortenha com a mulher e dois filhos é abalroado por um camião, falecendo o artista e a filha.

112 FERREIRA, Jaime (1975). “Inflacção de diplomas provocada pelo Grupo Acre”. Comércio do Porto, 15 de fevereiro.

2. GRUPO ACRE: OS ANOS E AS OBRAS105

Na sequência da morte de Alfredo Queiroz Ribeiro, devastadora do ponto de vista emocional e com forte impacto na estrutura do pequeno co-letivo, os restantes membros do Grupo Acre hesitam quanto à continuação do projeto. Tal como Ernesto de Sousa refere, esse facto “precipitará pro-blemas de qualquer maneira inevitáveis, de crescimento, de identidade”113.

Assim, as Gravuras de Rua surgem numa dura fase de questionamen-to interno e, de certo modo, como um trabalho possível in progress que me-deia outras apostas mais decisivas do grupo sobrevivente.

113 Texto já referido de Ernesto de Sousa. “O grupo Acre e a apropriação”.

Figura 33Notícia do falecimento de Alfredo Queiroz Ribeiro no Jornal de Notícias de 2 de dezembro de 1974.

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O projeto consta da produção de impressões gráficas, ou gravuras, a partir de tampas de esgotos urbanos, existentes no pavimento de quase todas as ruas da cidade. De novo assente no conceito de apropriação do espaço público, a intervenção encadeia-se de modo lógico com as ações na Rua do Carmo e na Torre dos Clérigos. Por outro lado, o processo gráfi-co escolhido traz latente a presença de uma vertente experimental oriunda da Escola Superior de Belas Artes, envolvida através de Clara e Lima por via das práticas de desenho e, principalmente, de gravura114. Um uso menos convencional dos processos gráficos parece oportuno aos dois artistas do Grupo Acre.

114 Convém referir que, na escola de Lisboa, a tradição do ensino de gravura é de longa data, fazendo parte do currículos, havendo então praticantes premiados e existindo ainda nas instalações do Convento de S. Francisco um Centro Nacional de Calcografia e Gravura, espaço pioneiro dedicado à investigação artística, então encerrado, embora o espaço e equipamentos continuem lá disponíveis para um uso como o referido.

Figura 34Grupo Acre. Fragmento do esquema do primeiro mapa de tampas de esgoto para o projeto Gravuras de Rua, ainda na zona da Baixa lisboeta. 1974.

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A ação é pensada inicialmente para a Baixa lisboeta e o Chiado mas, para imprimir os papéis, acabam por ser escolhidas ruas com menos trânsi-to, no Restelo, um bairro de elite apropriado à escolha do grupo por conjugar o trabalho de rua, ali possível com alguma discrição, com o interesse pela desmistificação da aura burguesa de que o bairro é representativo.

Além da apropriação do espaço urbano, a carga simbólica das gravu-ras, realizadas naquele bairro, parece mais expressiva dos propósitos políti-cos em questão que, possivelmente, cruzam alguns slogans da época com a remota lembrança das latas de Manzoni.

A sua ressonância integra assim a superficialidade de que são revela-dores o objeto em si e a sua própria forma — uma folha gravada com a “pele” do chão — e a trama de significações mais profundas, a remeter para a ab-jeção subterrânea da cidade e também da cultura e da realidade em si, sem esquecer o próprio corpo humano que, enquanto organismo vivo e indepen-dentemente da classe social, coloca em palco o obsceno. Há, obviamente, uma inflexão conceptual relativamente à natureza festiva dos projetos ante-riores. Agora, a obra implica um posicionamento socialmente crítico.

Figura 36Grupo Acre. Uma das gravuras, já impressa, suspensa no interior do automóvel de Clara Menéres, autora da fotografia.

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Figura 37Grupo Acre. Gravura de Rua. Réplica impressa em 2018 para a exposição Pós-Pop. Um lugar Fora do Comum, na Fundação Calouste Gulbenkian. É, como pode verificar-se, ligeiramente diferente da fotografada na figura anterior, que não tem a mesma marca na parte superior.

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Com Clara e Lima colaboram ou estão simplesmente presentes o es-cultor Matos Simões, também professor na ESBAL, Teresa Sarsfield Cabral, amiga dos artistas, e ainda um pequeno grupo de alunos — Rosário Rebello de Andrade, Teresa Ferrand, Luís Jordão.

Os meios necessários são escassos, resumindo-se a folhas de papel, tinta e rolos de impressão, espátulas, aguarrás, escovas, etc., materiais em parte cedidos por Matilde Marçal, professora nos ateliers de gravura das Belas Artes. As tampas de esgotos são escovadas antes da tinta ser aplicada com rolos, sendo em seguida aplicados papéis, produzindo impressões por contacto direto dos relevos tintados.

Apesar das fotos do acontecimento e até das páginas impressas pen-duradas a secar dentro do carro de Clara, os exemplares das gravuras ori-ginais parecem ter sumido definitivamente. Em 2018, a Exposição Pós-Pop Fora do Lugar Comum na Fundação Gulbenkian apresenta uma réplica pro-duzida expressamente para essa exposição, mas, efetivamente, não é uma das gravuras originais do tempo da ação real.

Na altura própria da realização das gravuras pelo Grupo Acre não sur-gem ecos mediáticos, a não ser a breve menção referida atrás e outras, já com carácter retrospetivo, ao fazer-se a história do coletivo.

Contudo, a ação e o que dela resulta não deixam de evocar inúmeros conteúdos cruzados. As tampas de saneamento ou, mais propriamente, de esgoto, sugerem como que moedas grandes ou medalhas no chão, como joias no alcatrão. São, ao mesmo tempo, aberturas para um mundo escon-dido que remete também para a origem romana de muitas cidades portu-guesas, fazendo ainda antever buracos no chão que, se destapados, revelam escadas que se afundam, tubos e galerias como corredores, onde não ape-nas corre a suja matéria dos intestinos da cidade como se podem imaginar animais indesejados e até segredos velados.

Ou seja, as gravuras do Grupo Acre, em si, não significam apenas uma apropriação expedita de uma forma que representa diretamente um objeto, mas acabam por arrastar tudo o que refere o subterrâneo da cidade, o ctóni-co, o próprio obsceno, como já se disse, o que os olhos não veem, segredos e mistérios, o visível e o invisível.

2. GRUPO ACRE: OS ANOS E AS OBRAS111

2.4. Diplomas de artista23 janeiro a 5 fevereiro 1975, Galeria Opinião, Lisboa 8 a 13 fevereiro 1975, Galeria Dois, Porto

Esta dupla ação do Grupo Acre nas cidades de Lisboa e Porto decorre muito pouco tempo após a morte de Alfredo Queiroz Ribeiro que, como já se disse, vem quebrar a energia do coletivo e o coloca à beira da cessação de ativida-de. Apesar de tudo, Clara e Lima acabam por decidir continuar o projeto, de certo modo fazendo homenagem à memória do desaparecido, que partici-para na conceção.

Neste caso, tal como acontecera com as Gravuras de Rua, trata-se de agir fora do quadro geral de festa que caracteriza as duas primeiras inter-venções do grupo, exercendo uma tomada de posição no próprio seio dos meios artísticos, ou seja, reduzindo a esfera de ação e cingindo as implica-ções da obra.

Resumindo, pretende-se desta vez produzir e distribuir diplomas de artista, ou seja, documentos certificadores da sua profissão ou habilitação para trabalhar, independentemente da formação de cada um ou de qualquer trabalho produzido, dando um sentido mais particular aos slogans que de-fendem que a arte é feita por todos, para todos e de todos, que a arte está em tudo.

Neste caso, a ação não é programada para o espaço público mais tí-pico da cidade, a rua, como todas as outras intervenções do Grupo Acre, e sim antes para um lugar acessível ao público, mas característico das artes, o espaço de uma galeria.

O projeto inclui componentes físicos e performativos que passam por reconstituir um contexto específico e criar o que, na altura, ainda não se chama habitualmente “instalação”, mas antes “ambiente” ou environement. Naquele caso, deseja-se um espaço onde os diplomas possam ser atribuí-dos mediante toda uma encenação que, incluindo uma componente perfor-mativa pelos próprios artistas no papel de amanuenses, perfaça um evento logicamente completo, convincente. Note-se, não se trata meramente de satirizar, mas, sobretudo, de criar uma representação que, por breves ins-tantes que seja, se aproxime da realidade a ponto de suscitar dúvidas, como no trompe l’oeil ou no teatro verista.

Assim, para além do diploma propriamente dito, é antes forjado um Decreto-Lei que confere ao Grupo Acre o direito de passar diplomas (o Decreto-Lei 1/75).

Em seguida, o grupo elabora um panfleto com carácter de edital, que é distribuído na galeria e colocado em vários locais de Lisboa:

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AvisoFaz-se saber que, a partir de 23 de Janeiro a 5 de Fevereiro do cor-rente ano, se encontra aberta ao público a Repartição dos Assuntos Artísticos, sita à Rua Nova da Trindade, nº 24 (entrada pela Galeria Opinião), onde poderão ser requisitados, pelos interessados, os di-plomas de Artista. Todas as pessoas poderão candidatar-se a este diploma mediante a apresentação do bilhete de identidade. Por au-torização especial são dispensados o reconhecimento de assinatura e selos fiscais.115

Depois, é afixado um cartaz em Lisboa nos locais potencialmen-te mais propícios para divulgar um acontecimento daquele tipo — SNBA, Gulbenkian, metropolitano, cafés do centro da cidade, etc.

O diploma em si é um objeto cuidadosamente estudado. O projeto ba-seia-se em documentos do género e o modelo definido apresenta um grafis-mo credível, que simula os documentos do estilo, tornando-se um simulacro convincente. Há uma composição com especto de gravura antiga, habitada por sete figuras alegóricas com disposição simétrica, que deixam espaço em baixo para a assinatura do Grupo Acre após o texto típico com referência ao diplomado:

Faz-se saber que ….. tendo satisfeito às prescrições estabelecidas no Estatuto do grupo Acre aprovado pelo art.º 2 do Decreto-Lei N.º 1/75 de 15 de Janeiro, tornou-se artista e obteve este diploma com a classificação de VINTE valores (Muito Bom com Distinção e Louvor). E para constar lhe foi mandado passar o presente diploma, que vai assinado pela autoridade competente.Lisboa, em …de….de 1975.

Entre estas inscrições, existe uma moldura ovoide contornada pela frase em latim em maiúsculas “SI CVPIS VT CELEBRISTET TVA FAMA LOCO PERVIGILES HABEAS OCVLOS ANIMVMO SAGACEM” (Se dese-jares que a tua fama esteja em lugar célebre tem os olhos muito atentos e ânimo sagaz 116).

115 BATARDA, Eduardo (1975). “O Grupo ‘Acre’ na Galeria Opinião”. Sempre Fixe, 15 de fevereiro.

116 Lima Carvalho, numa das entrevistas — 8 de outubro e 10 de dezembro de 2009.

2. GRUPO ACRE: OS ANOS E AS OBRAS113

Figura 38Grupo Acre. Um dos Diplomas de Artista realizados pelo Grupo Acre, na Galeria Opinião, Lisboa. 1975.

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Figura 39Jost Amman. Quibus eo sane Ordine Doctrina. 1572. Xilogravura. 21,7 cm x 16,4 cm.

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Quanto à iconografia, rege-se por padrões bastante clássicos por den-tro de uma teia de elementos gráficos decorativos, de expressão barroca. Ao centro, uma figura feminina alada, a Fama, equilibra-se sobre o mundo, soprando uma dupla trompa, com uma paisagem por detrás, o sol a brilhar baixo. Em redor, seis figuras masculinas empunhando objetos e insígnias como livros, instrumentos geométricos e musicais, armas, etc., aludem a vários domínios do saber.

Embora os artistas não especifiquem a origem da imagem usada, al-guma investigação permite, entretanto, concluir que se trata de uma adap-tação da gravura Quibus eo sane Ordine Doctrina, de 1572, da autoria de Jost Amman (ou Jos, Joss, Ammon, 1539-1591), que faria parte de uma pu-blicação de Sigmund Feierabend (ou Hyeronimus Feierabend), cujas edi-ções oriundas de Frankfurt atravessam diversos países europeus e se en-contram, por exemplo, na Universidade de Barcelona e no British Museum. Como é que isso chega às mãos dos artistas do Grupo Acre não é, contudo, esclarecido.

A impressão é encomendada a uma tipografia (pode até ser daí a ori-gem da imagem apropriada), sendo impressas centenas de exemplares.

Figuras 40Folheto da Galeria Opinião (frente e verso), por ocasião da ação dos diplomas do Grupo Acre, com texto de Ernesto de Sousa.

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Por fim, a ação realizada pode caracterizar-se como acontecimento e instalação/performance. O local escolhido, a Galeria Opinião, dirigida por Ernesto de Sousa, apoiante do grupo, situa-se na Rua Nova da Trindade, umas portas acima da conhecida cervejaria Trindade, com a vantagem de ser em Lisboa numa zona muito central e frequentada por públicos diversos. No rés-do-chão, a Opinião é então livraria; em cima, galeria de arte. O gru-po constrói, assim, no primeiro piso, o simulacro de uma repartição públi-ca, com balcão, postigo, secretária e cadeira onde, a certas horas, durante vários dias da semana, os dois artistas se revezam e emitem diplomas de artista a quem os deseje, a troco da quantia de vinte escudos.

Visitante dessa intervenção na Galeria Opinião de Lisboa numa hora em que os artistas não estão presentes, Eduardo Batarda descreve:

A repartição era de algum modo isso mesmo — uma “repartição” mais ou menos típica, altamente puxada à caricatura por meio de uma mon-tagem burocrático-nostálgica em que o abuso de pormenores, adere-ços “realistas” ou mesmo “reais”, a profusão de “marcas” tipificadoras, conduziam o participante a uma presença que a si próprio se ironi-zava”. (…) O segundo andar da “Opinião” é de reduzidas dimensões, e é, portanto, difícil perceber até que ponto foram essas dimensões que determinaram a apresentação da “reconstituição” burocrática; ela era-nos mostrada “em corte”, dando-nos vista para o espaço exterior e interior do “escritório”, e permitindo-nos a passagem para o “lado de dentro”. Lá estava um balcão de madeira, típico na sua velhusca falta de carácter, encimado pelo anteparo de vidro martelado; no meio des-te, o postigo redondo, encimado por um dístico: “cada diploma 20$00”. Outros avisos colados sobre o vidro. “Lá dentro”, a secretária antiqua-da, as penas, os mata-borrões aproveitados, decorados nos bordos, de antigos, a parafernália habitual do amanuense, a folhinha de expe-rimentar canetas e aparos, a mediocridade dos riscos automáticos no papel ao lado, de passar tempo. A caligrafia primorosa, “antiga” e de talento, sobre os diplomas de artista, complicadamente ornamenta-dos, o casposo calendário na parede, tudo são referências a um “mau gosto” nostalgicamente reaplicado, que formam ainda um comentário “estético”, um inventário “sociológico” (…) em muito transbordando da inicial “frieza” ideológica da atuação descrita no aviso. 117

117 Batarda, obra citada.

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No mês seguinte, de 8 a 13 de fevereiro de 1975, o Grupo Acre vai ao Porto reeditar esta intervenção na Galeria Dois, situada na Avenida da Boavista, mantendo idênticos requisitos processuais: decreto, edital, folhe-tos de divulgação e cartazes, construção do simulacro da “Repartição dos Assuntos Artísticos”, atribuição de diplomas. Como eles próprios descrevem nessa reedição da ação, trata-se de “abrir uma repartição de assuntos ar-tísticos para fornecer diplomas de artista (e jogar com o mito/medo do ca-nudo)”.118 Na imprensa, um pequeno artigo noutro jornal portuense remete a ação na Galeria Dois “Para quem se julgue artista”, referindo a ligação dos artistas a uma certa A.E.U. (Academia de Escrivães Unidos).

118 GRUPO ACRE, texto num dos folhetos de divulgação de idêntica intervenção na Galeria Dois, no Porto.

Figuras 41Grupo Acre. Editais e cartazes de divulgação da ação Diplomas de Artista no Porto. Fevereiro de 1975.

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Segundo Lima Carvalho, são entregues muitos diplomas, talvez qui-nhentos somando as duas intervenções de Lisboa e Porto, anotando-se numa relação manuscrita todos os nomes dos “diplomados”. Rui Mário Gonçalves, Nikias Skapinakis, Joaquim Rodrigo, Sam, João Dixo, Alberto Carneiro, Jaime Isidoro, Dario Alves, Pedro Rocha, Ferreira Gomes, Lagoa Henriques, Albuquerque Mendes, Justino Alves, Matos Simões, Egídio Álvaro, Levi António Malho e Agustina Bessa Luís são apenas alguns dos que, entre muitos outros nomes de diferentes sectores profissionais, sociais e etários, passam pelo guichet das “repartições” de Lisboa e Porto, ali ob-tendo os seus certificados.

Ser artista — doutrinam os elementos dinamizadores do Acre — é uma maneira de estar na vida, não uma profissão. O artista não é um ser privilegiado com capacidades especiais, pertencente à elite da cul-tura detentora do monopólio da criatividade. O artista é uma pessoa como todas as outras que têm, como ele, o direito integral de falar do Mundo, dos homens e das coisas, de fazer Arte e de produzir também o seu discurso cultural119.

119 FERREIRA, Jaime (1975). “Inflação” de diplomas provocada pelo grupo Acre”. O Comércio do Porto, Ano CXXXI, nº 225, sábado 15 de fevereiro, p. 16.

Figura 42Assinatura e entrega de Diplomas de Artista pelo Grupo Acre na Galeria Dois, Porto, numa fotografia no jornal O Comércio do Porto, 15 de fevereiro de 1975. Debruçados sobre a mesa, à esquerda, Clara Menéres e Lima Carvalho.

120

Figuras 43Grupo Acre. Algumas das listas dos diplomados na ação na Galeria Dois, Porto. 1975.

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O facto desta ação não decorrer no espaço público da cidade, mas já no contexto específico das artes, no espaço de uma galeria, no caso da ação em Lisboa, é razão possível para que não haja mais notícias na imprensa corrente lisboeta, extremamente ocupada com a intensidade política da al-tura e com dimensões da cultura mais espetaculares.

Contudo, um artigo saído logo no primeiro dia em que a Repartição abre em Lisboa afirma que o objetivo a atingir pelo grupo é “uma razão para estar no mundo”120 e cita várias afirmações suas, não identificadas indivi-dualmente, na conferência de imprensa realizada. “Trabalhar colectivamen-te, descartar o subjectivismo, intervir no espaço urbano e empiricamente, acertar numa grande razão para estar no mundo”121. A diferença da obra do grupo em relação a outras práticas artísticas mais convencionais é central na notícia e o jornalista não identificado resume as outras obras realizadas pelo grupo Acre, e faz justiça às intenções expressas então, num registo que as testemunha de modo único e que permite enquadrá-las hoje na sua real dimensão expressiva na relação com o contexto do país e do seu tempo.

120 A/A (1975). “Uma grande razão para estar no mundo — objectivo a atingir pelo grupo acre”. Diário Popular, 23 de janeiro, p. 12.

121 Ibidem.

Figura 44Um dos artigos surgidos na imprensa, neste caso no jornal O Comércio do Porto.

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Nesse sentido, os elementos do Grupo Acre consideram que “nós temos que inventar novas ferramentas, experimentar e adaptar al-gumas já inventadas por ínvios caminhos da cultura dita burguesa que nos seus aspectos de vanguarda sempre foi contracultura, an-tiarte, prolegómeno da revolução”.Assim — dizem — “vamos particularmente estudar e gozar as artes da comunicação social, o simultaneísmo, o brutalismo, o elementarismo, a destruição do quadro (e dos quadros), as artes da provocação e, de um modo geral, a alegria, que é a coisa mais séria que há na vida.”122

Depois, surge no mesmo artigo uma das mais particularizadas apre-sentações do programa de ação concreta do grupo, também provavelmente colhida na conferência de imprensa:

posições e exposições, seminários, manifestações e acontecimen-tos, arte pobre, teatro de guerrilhas e outras guerrilhas, música ex-perimental e da outra, envolvimentos, estudos muito sérios e outros muito mais sérios, ofertas, vendas e trocas, sessões de culinária, ex-periências eróticas e quase pornográficas, revisões e recapitulações, fotografia e correspondência como arte, arte-como-arte e, sobretudo, participação, participação, participação, participação123.

Os termos desta listagem de possibilidades permitem situar hoje a multi-operatividade dos projetos do Grupo Acre e o seu carácter participa-tivo na alma da sua época e também em grande sintonia com os objetivos da obra presente.

Contudo, as opiniões sobre o acontecimento divergem. Por um lado, há uma adesão significativa que o número de diplomados

atesta. Há notícias nos jornais, títulos destacados e fotografias dos artistas a assinar certificados à secretária, rodeados de interessados. Mas, por oca-sião da ação no Porto, um grupo de “discordantes reage contra a atitude considerada revolucionária” do Grupo Acre e, tal como conta o jornalista, rasga cartazes afixados nas ruas da Baixa tais como o “aviso e convite, nos quais se lê: Você é artista. Vá buscar o seu diploma à galeria dois, etc., etc.; quer um diploma de artista? Vá à galeria Dois…” (etc., etc.).124

122 Ibidem.123 Ibidem.124 Ferreira, obra citada.

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Nos meios artísticos e académicos há quem aprecie a iniciativa, mas também surgem vozes mais críticas, constando que terá havido mesmo pequenos “puxões de orelhas” no Chiado lisboeta por parte de professores responsáveis da hierarquia escolar, sobre o facto de se “estar a brincar com coisas sérias”125.

Os ecos desta obra do grupo são, pois, mais visíveis na imprensa cul-tural mais especializada, onde a polémica se arrasta por mais tempo.

Ernesto de Sousa, responsável pela direção da Galeria Opinião e apoiante das ações do grupo, defende a intervenção recente e reage num artigo publicado então. Depois de fazer um aviso sobre a mudança da “re-partição” para o Porto para dar continuidade à sua “higiénica distribuição”, esgrime contra argumentos e ações de “alguém, muito docente e outras pessoas”, que acusa de continuar a “não ver nada, a não ler nada fora do casulo”, e a quem sugere as leituras de Ursula Meyer sobre arte política e o ensaio de Marcuse sobre a liberdade, citando deste último a ideia de “dessu-blimação da cultura: A grande rebelião artística…manifesta-se contra todo e qualquer estilo…contra a forma, contra o significado (…) actual da arte”.126 E aconselha ainda uma revisão de Duchamp e do dadaísmo.

Imediatamente no dia seguinte, no Diário de Notícias, Rocha de Sousa como que contra-ataca, acusando Ernesto de Sousa de “afirmação sensacionalista, gratuita, paradoxal” e de praticar “uma forma primária de tratar valores essenciais da cultura em nome de duas ou três graças (legítimas, bem entendido) adiantadas por dois ou três artistas que pro-curam equivocamente construir atitudes interventivas”127. É evidente, logo aqui, a alusão também pouco favorável ao trabalho do Grupo Acre, no que em seguida se torna uma crítica clara , ao afirmar que “os projectos do Grupo Acre não passaram, ainda, de uma tímida fase de provocação”, ou que a “experiência, de resto, é importada”. A contundência do tom no mesmo texto adquire, depois, um matiz pedagógico, quando Rocha de Sousa comenta a obra do grupo:

(...) admitindo-o como projecto legítimo dentro do vasto campo de possibilidades de actuação do artista, tem que se colocar a sua exten-são no lugar ainda limitado que lhe cabe. O Grupo Acre revela-se ambi-guamente contra a classe em que se originou, pactuando, ainda, com

125 Lima Carvalho, em testemunho oral.126 SOUSA, Ernesto de (1975). “O diploma e a dessublimação”. Vida Mundial. Nº 1848,

13 de fevereiro, p. 7. 127 SOUSA, Rocha de (1975). “GRUPO ACRE. O discreto disfarce da burguesia”. Diário

de Notícias, Suplemento Artes e Letras, 13 de fevereiro, Ano XX, Nº 1042.

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salões colectivos e outros compromissos contraditórios: a sua acção envolve projectos de pouca perfuração junto das camadas trabalhado-ras, ajuda sobretudo à confusão dessas classes sobre o objecto de arte e não ao seu esclarecimento, manipula meios e símbolos que só a nível elitista se tornam inteligíveis.128

Concedendo ainda que a “atitude do grupo pode estar certa na sua essência: um novo espírito de humor e de crítica pode surgir dela”, conclui que, contudo, “nos seus meios, tem que ser mais seriamente pensada”129.

Convém frisar que, além do evidente abanão crítico ao trabalho do co-letivo, a acutilância impiedosa de Rocha de Sousa tem como alvo principal o seu diferendo profundo face a Ernesto de Sousa e a sua conceção de van-guarda, que critica por confundir um discurso vanguardista com os meios artísticos de formulação, não só aceitando de modo pouco criterioso obras pelo simples facto de seguirem vias interventivas, como ainda elegendo-as como “a única atitude revolucionária possível”130.

Não parece ter havido, de facto, consequências inibidoras motivadas pela situação académica dos dois membros do grupo, ambos docentes no ensino superior artístico, e até talvez o contrário, isto é, algum espírito de desafio escolar. Nesse sentido, as alusões de Ernesto de Sousa são, acima de tudo, demarcações suas de qualquer sistema institucional e, em espe-cial, do ensino artístico, de modo coerente com a sua postura de crítica radical. Contudo, num outro artigo que publica um mês mais tarde, é curio-samente clara a sua vontade de participar numa nova ordem do sistema artístico (em grande transformação na altura e alvo de interesses diversos), para o que, na sua opinião, há que fazer morrer “a arte elitista e individua-lista que foi necessária e veio desde a renascença, espelho de um homem desesperado e solitário”131, uma morte ritual que compara ao “serrar a ve-lha”132, em que o Grupo Acre, que “anda aí a tentar descobrir um caminho--caminho”133, é um exemplo.

Batarda, desta vez, escreve um extenso comentário com questões muito pertinentes e que, embora deixe algumas reservas aos Acre, acaba no geral por soar favoravelmente. No atrás referido artigo do Sempre Fixe em

128 Ibidem.129 Ibidem.130 Ibidem.131 SOUSA, Ernesto de (1975). “Para ser sincero”. Vida Mundial. Nº 1851, 6 de março,

p. 39, 40.132 Expressão de Ernesto de Sousa no artigo anterior.133 Ibidem.

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que descreve a “repartição”, alonga-se numa análise crítica em que estabe-lece referências possíveis para esta obra do grupo e tece as suas próprias re-flexões, revelando empenho em compreender e contextualizar teoricamen-te, na História e no tempo corrente, a obra e intenções do Grupo Acre. Não só se debruça atentamente sobre as características mais visuais e formais da instalação, descrevendo pormenorizadamente o que, aparentemente, capta a atenção de um visitante, como discorre também sobre os sentidos possíveis da ação, estabelecendo conexões, por semelhança ou contraste, com a tradição simbólica dos objetos na pintura e com obras de outros au-tores, especialmente os futuristas, Duchamp, os dadas e a anti-arte, Robert Morris e Piero Manzoni (estes últimos dois com grande pertinência, uma vez que já antes Queiroz Ribeiro escreve sobre eles).

Considera ainda, por exemplo, que a obra ultrapassa o sentido apa-rentemente estrito e literal da ideia de diploma que o aviso propõe, pois as-socia vários níveis simultaneamente estéticos, sociológicos e visuais, suge-rindo asserções extra-artísticas através de uma via de proposições das artes plásticas que, afinal, invoca as suas especialidades tradicionais: “Pintura e Escultura justamente recuperadas, já que — pelo menos — expressão sen-timental de uma sociedade sentimental, depois cultivada e elitista.”134 Isto acontece, no seu entendimento, pelo cuidado com que os objetos são es-colhidos e colocados na encenação, tudo assumindo uma carga simbólica, abrindo conotações culturais e possíveis acrescentos pelo público, previs-tos ou não pelo grupo.

De um modo naïvizante, em atmosfera algo barcelonesa, certamente com coisas por pensar e contas por fazer (quem as não tem?) esta pre-sença do grupo não ficará como a mais antipática da temporada. (4)Os “Acre” têm, claro, outras coisas a fazer, das quais ficamos à es-pera, e não será esta a sua única “mensagem”, o seu único projecto. Esperamos coisas diferentes daquela embaraçante “pintura de rua”, que parecia mergulhar a R. do Carmo nos restos de um plano ca-ritativo de recuperação de jovens delinquentes. Do que fizeram (os do “Grupo Acre”) na Opinião, uma nota mais, que se quer completa-mente elogiosa: ao nível da montagem, dos avisos e “decretos” (estes últimos aliás dentro da mais pura tradição dadaísta da substituição pelas “autoridades”), foi-nos possível entender alguma coisa mais do que o registo de uma atmosfera ou uma certa vontade polémica: uma

134 BATARDA, Eduardo (1975). “O Grupo ‘Acre’ na Galeria ‘Opinião’”. Sempre Fixe, 15 de fevereiro.

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genuína apropriação de partes de uma (sub)cultura bem lusitana e pequeno-burguesa, parodicamente apresentada/citada, e, claro, “fil-trada” de forma subtil pela “arte” que o processo envolvia: refiro-me à sátira do gesto como gesto, aos seus paralelos com a (e referencias à) extinta (?) “boémia” à maneira coimbrã, ou às “rapaziadas” de “alu-nos das Belas-Artes”. Em frente, por uma arte portuguesa. Trata-se de definir “acção”.135

Mas também esse artigo parece acabar por acrescentar a polémica e ser mal compreendido e, constatando o facto, pouco tempo depois Batarda vem esclarecer a sua posição como afinal desfavorável quanto à “acção, ac-ção colectiva artística, e outras coisas (…) nas quais o Grupo Acre se mete de um modo um pouco infeliz — por mais despretensioso que seja”136.

Em resposta, Ernesto de Sousa que, na Vida Mundial, declara Eduardo Batarda “o único crítico de jeito que anda por aí”137, desabafa também no mesmo texto sobre as “tentações dos críticos” que ajuízam, têm a “mania da originalidade”, usam “critérios de qualidade” que, na verdade, são aca-démicos, abusam do “culturalismo” e do “maniqueísmo crítico”, terminan-do por afirmar que “exemplo espantoso fornece-o E.B. nas suas referências ao Grupo Acre (…) depois de ter escrito uma crítica que era quase exem-plar na justa preocupação de problematizar aquilo que participara e a pró-pria participação; vem, uma semana depois, o mesmo autor explicar-nos, atenção, que aquilo que ele tinha dito não era a dizer bem, era a dizer mal. Verdadeiramente notável!”

Ernesto de Sousa é, provavelmente, o mais fiel defensor dos projetos do Grupo Acre e a sua atenção estende-se especialmente a Clara Menéres que, segundo diz, “com frequência, parece ter uma intuição profunda e rara do seu tempo”138, evocando o seu soldado como exemplo para a “nova imagem que é liberdade, lucidez, responsabilidade, a nova imagem realista portuguesa”139.

135 Batarda, final do texto citado.136 BATARDA, Eduardo (1975). “Soulages na Fundação Gulbenkian”. Sempre Fixe, 22

de fevereiro de 75. 137 SOUSA, Ernesto de (1975). “Os críticos e as tentações”. Vida Mundial. Nº 1853, 23

de março, p. 45, 46. 138 SOUSA, Ernesto de (1975). “A nova imagem”. Vida Mundial. Nº 1855, 3 de abril,

p. 43.139 Ibidem.

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2.5. Museu de Arte Moderna 18 abril 1975, Casa da Rua Marquês da Fronteira, Lisboa

É comum, nesse período intenso pós-revolucionário que se inicia em abril de 74, haver grupos políticos ou indivíduos que levam a cabo ocupações de espaços que estão ou parecem estar abandonados pelos respetivos pro-prietários. Nuns casos são terras, instalações agrícolas ou industriais co-biçadas para a reforma agrária ou recuperação de empresas, noutros são casas devolutas ou desabitadas nas cidades. Logo em maio de 74, a Junta de Salvação Nacional legaliza ocupações efetuadas e proíbe que isso volte a suceder, mas, de facto, as coisas não ficam por ali.

Embora obviamente polémica, vigora uma certa noção de que é ne-cessário utilizar e rentabilizar esses espaços por quem deles necessite, seja para fins pessoais, seja para contribuir para a reconstrução de sectores pro-dutivos em crise, atropelando-se frequentemente o legítimo interesse dos donos. Muitas dessas situações de ocupação são, como se diz na época, “selvagens”, isto é, totalmente informais; muitas acabam por ser sanciona-das legalmente, alvo de contratos em que se apaziguam as partes; e muitas outras vêm a ser revertidas, depois de grandes confusões jurídicas e políti-cas, normalizando-se a situação com o tempo.

Ora a obra que se segue dos Acre, e que é sintomática da radicaliza-ção crítica do projeto do grupo, consiste precisamente numa ação desse tipo: uma ocupação.

Figura 45Fotografia no jornal Sempre Fixe da casa ocupada pelo Grupo Acre para Museu de Arte Moderna.

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A ideia parte da constatação da ausência de um Museu de Arte Moderna ou Contemporânea em Portugal, reivindicação antiga que vem sendo invocada nos meios culturais e artísticos desde o início da Revolução de Abril (até hoje). Apesar das ações dos artistas, dos seus grupos de pres-são e de apoiantes mais ou menos influentes, as políticas culturais man-tém-se impermeáveis e nada de concreto acontece.

A iniciativa de ocupação selvagem do Grupo Acre para criar o Museu tão desejado toma como alvo, entre outras possibilidades descartadas, o Palácio Mendonça, edifício no 18/19 da Rua Marquês da Fronteira em Lisboa, no topo do Parque Eduardo VII e ao lado do Palácio da Justiça, perto da Fundação Gulbenkian. Traçado pelo arquiteto Ventura Terra, as caracte-rísticas e situação do edifício desocupado são vantajosas e tentadoras.

A ação é agendada previamente para sexta-feira 18 de abril e divul-gada, depois de produzido um comunicado para distribuir e uma faixa com um slogan pintado.

Com a presença de muitos assistentes, o grupo parte da Fundação Gulbenkian. Pelo meio-dia, Clara Menéres, Lima Carvalho e um estudante partem um vidro para entrarem na casa e colocarem o dístico de pano numa varanda do 1º piso, com a inscrição: “Museu de Arte Moderna”.

No comunicado distribuído pelo Grupo Acre afirma-se que há

vários anos que os artistas plásticos e pessoas interessadas na arte, têm vindo a desenvolver uma série de ações no sentido de ser criado um Museu de Arte Moderna, mas o regime fascista, com medo das ar-tes e das formas de pensamento de vanguarda, sempre anulou todas as iniciativas. A coleção deste Museu é totalmente constituída por obras cedidas espontaneamente pelos artistas plásticos que assim provam o seu desejo de ver a arte ao serviço do povo. Tentamos por este meio demonstrar que só por via revolucionária se pode quebrar a barreira de burocracias, eruditismos bafientos e compadrios. Queremos um Museu aberto, vivo, atuante, festivo, popular e não elitista140.

Para que a população tenha oportunidade de contactar com as obras mais recentemente produzidas, num tempo em que muitas galerias con-tinuam encerradas, pretende-se uma coleção do novo museu constituída sem custos de aquisição de obras, a serem cedidas pelos artistas, como

140 Grupo Acre. “Comunicado nº 3. 1975”. Também em no A/A (1975). “Uma casa para a arte moderna”. Sempre Fixe, 19 de abril. Ver também A/A (1975). “Arte Moderna em palacete privado”. Sempre Fixe, 25 de abril.

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refere o comunicado, segundo exposição rotativa e gestão assegurada tam-bém pelos artistas. Ainda segundo uma das notícias no Sempre Fixe, vários artistas subscrevem a ação do Grupo Acre.

Como pretendido, há algum efeito mediático, o que também é provo-cado pela resistência de membros da família Mendonça, legítimos proprie-tários que, embora não residentes no local, acorrem em peso e apoiados pela Polícia Militar, tal como acontece com outras ocupações do género, normalmente rodeadas de grande alarde.

Figuras 46Grupo Acre. Croquis do acesso à casa a ocupar para instalar o Museu de Arte Contemporânea e Comunicado nº 3. 1975.

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“Os boatos chiadosos asseveravam no sábado: correu sangue”, es-creve ironicamente Batarda no Sempre Fixe141, aludindo a Lima Carvalho que, à semelhança do que sucede na Torre dos Clérigos, tem novo aciden-te: desta vez é um corte na mão que o obriga a ficar internado no hospital, o que assim o poupa à prisão por algumas horas a que são sujeitas Clara Menéres e uma amiga.

A visão de Batarda sobre a ocupação prossegue na notícia referida:

Dizia o jornal ainda: precisamos todos, o Povo precisa, o fascismo não consentiu um museu para a dita Arte Moderna. Que a Arte é Revolucionária “por definição”. E que foi (ou foi também, ou principal-mente) o ladino Grupo Acre. O actual duo, sempre dinâmico, portanto, ocupando, ou tentando ocupar, alguns acres mais espaçosos que os patamares da notória “Opinião”, onde as superfícies reduzidas, como é do conhecimento público, não significavam vistas curtas. Bom.142

Sem deixar de concordar com alguns dos princípios apontados, Batarda alonga-se também em notas críticas mais contundentes, afirman-do parecer-lhe “vislumbrar uma certa precipitação no modo (…) como são invocadas as mudanças acontecidas ou a efectuar, a revolução que anda na rua, as novas maneiras de mostrar, actuar, fazer, ou, se quisermos, agitar (…)”, considerando ele “curioso” o facto de terem sido os artistas, e não o povo, “a sentir necessidade de um museu”, o que acha poder-se associar a alguma vontade de autopromoção (“autopedestalismo”, como designa), es-tranhando também a escolha da casa apalaçada, “plena de evocações lu-xuosas que remetem para a ideia de que talvez seja de pensar um pouco sobre os reflexos da ideologia dominante sobre os dominados”143, e ainda colocando já algumas reservas sobre o prometido sistema de autogestão pelos artistas. No fim, numa outra alusão aos possíveis representantes de certas vanguardas e, de novo, muito ironicamente, demarca-se: “sou eu se-nhor de um sólido mau gosto, antipatizo com as artes visuais e parece que preciso de lentes correctoras; sou de feitio maldizente e uma tácita inveja pelos meus camaradas de profissão vem-me corroendo as entranhas e ain-da há-de ser a minha desgraça”.144

141 BATARDA, Eduardo (1975). “Arte: Ocupações em Lisboa”. Sempre Fixe, 25 de abril.142 Ibidem.143 Todas as expressões entre aspas constituem excertos do artigo anterior.144 Ibidem.

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Poucos dias depois, Ernesto de Sousa refere a ação de ocupação da casa pelo Grupo Acre de modo bastante mais benigno, considerando, con-tudo, ter sido feita “desastradamente”145. Explica ainda a importância de um museu também sob o ponto de vista da consolidação da cultura democrá-tica e da defesa contra o regresso da barbárie, dando o exemplo recente acontecido no Chile e noticiando a vinda a Lisboa de Mário Pedrosa, um im-portante crítico brasileiro autor da apologia da conceção de um museu em termos parecidos com os que conduziram àquela “tentativa desesperada de Clara Semide e de um grupo de artistas, ao tentar ocupar um palácio que viesse a ser a sede de tal centro cultural146, tentativa só (…) desesperada em termos factuais”147, na opinião do mesmo autor.

145 SOUSA, Ernesto de (1975). “Lutar por um museu”. Vida Mundial. Nº 1859, 1 de maio, p. 8.

146 SOUSA, Ernesto de (1975) “Museus, arte…Barbárie”. Vida Mundial: Nº 1859, 1 de maio, p. 42.

147 Ibidem.

Figura 47Grupo Acre. O Grupo “Acre”. Uma arte para toda a gente. Revista Vida Mundial, 8 de maio de 1975. Na foto, Lima Carvalho e Clara Menéres.

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Um depoimento do Grupo Acre148 é publicado pouco depois num número extra da revista Vida Mundial dedicado inteiramente à ocupação de casas e à necessidade de revisão do enquadramento legal do assun-to. Nesse texto, o duo insiste nos objetivos já divulgados, nomeadamente “dinamizar a classe dos artistas e a própria população no sentido de se fazer uma arte pobre em meios, simples, cativa, festiva, “não elitista” (…)”, uma “arte que não deve ser para um grupo restrito (…) mas para toda a gente”, em que a rua é importante, porque “depois do 25 de Abril se tornou lugar de encontro das pessoas”. Sem deixar de reconhecer a urgência de muitos problemas de grande prioridade, o texto destaca a importância da cultura e, nesta, da arte “de investigação” que não é viável sem locais pró-prios e apoio do Governo. E, desse modo, é explicada a decisão de ocupar a casa da Marquês da Fronteira para instalar o Museu de Arte Moderna (…), reiterando a necessidade de meios não convencionais para tal: “só por via revolucionária se pode quebrar a barreira das burocracias, erudi-tismos bafientos e compadrios”149.

A ação do grupo chega a parecer vir a ter consequências credíveis. Uma pequena notícia no Expresso150 dá mesmo como possível para breve um museu de arte moderna, muito embora o insucesso imediato da ocupação.

Mas, de facto, isso não acontece, nem nesse local nem noutro, e a intervenção do Grupo Acre esvai-se no estardalhaço mediático, frustrada pela vitória do que, entretanto, é um facto: o estado de direito que estabili-za e trava o processo revolucionário. Apesar da divulgação provocada pelo lado mais polémico do acontecimento da ocupação, que consegue, de facto, agitar as consciências e o poder político sobre a necessidade de um grande espaço oficial para a arte contemporânea, o objetivo principal de ali instalar o desejado museu falha, seguindo-se um aborrecido processo de tribunal movido pelos proprietários aos ocupantes (ilibados anos depois, sem jul-gamento, quando um juiz justifica o ato por ter-se verificado em período de “legalidade revolucionária”).

148 GRUPO ACRE (1975). “O Grupo Acre: uma arte para toda a gente”. Vida Mundial: Nº 1860, 8 de maio, p. 32, 33.

149 As expressões entre aspas são respigadas do artigo anterior, e esta última vem também do Comunicado nº 3, já referido, do Grupo Acre.

150 A/A (1975). “Para breve um museu de arte moderna”. Expresso, 3 de maio.

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Na altura, o grupo dirige ainda uma longa carta151 datada de 19 de maio de 1975 ao Secretário de Estado da Cultura, então João de Freitas Branco, em que é proposta a criação de um Museu de Arte Moderna. A necessidade de uma casa para as artes é referida, são explicadas as razões da escolha do edifício recentemente ocupado e é até apresentado um programa para o museu com vários pontos.

Vale a pena analisar esse texto, novamente bastante expressivo do contexto da época e muito elucidativo das intenções do grupo, mais medi-tadas do que alguns supuseram. Por exemplo, justificam a escolha da casa em questão com argumentos que passam pela situação central na cidade e

151 GRUPO ACRE. Proposta para a criação de um museu de Arte Contemporânea (carta ao secretário de Estado da Cultura, Dr. João de Freitas Branco, 19 de maio de 1975) — Em Anexo 2.

Figura 48Artigo no jornal Expresso, 3 de maio de 1975.

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proximidade da Gulbenkian, acessibilidade de transportes, qualidade artís-tica e beleza da arquitetura e do jardim envolvente, adequado a atividades escultóricas e outras, ou até a futuras expansões; e referem ainda razões mais específicas em relação aos proprietários e à casa, justificando com os factos de, segundo afirmam, a casa estar abandonada há mais de cinco anos, o dono ter sido político ao serviço de Salazar e não ter herdeiros dire-tos, e ainda ter já havido uma tentativa de expropriação por parte da Câmara Municipal de Lisboa sem efeito imediato após promessa do proprietário de legar a casa àquela para instalação de um museu, para o qual até já teria havido visitas preliminares por conservadores, etc.

A urgência de um espaço para a arte contemporânea é demonstrada simplesmente pelo facto de não existir nenhum sítio onde estudiosos, ar-tistas e visitantes possam tomar conhecimento do que se faz, discutir pre-missas da atualidade e interagir, depois do encerramento de muitas galerias que constituem, até aí, os únicos locais onde a produção artística atual pode ser vista. Em comparação, já existe a possibilidade de visita a coleções va-riadas de arte antiga, decorativa, ou outras, nos 36 museus existentes em Lisboa, sem contar com o resto do país. Invocam ainda outras razões mais gerais, como o carácter indispensável da arte na revolução e a conveniência de um polo irradiante de cultura revolucionária para a população lisboeta e da província.

No programa sugere-se grande abertura e qualidades atuantes de popularidade e ausência de elitismo, horário alargado, diálogo com organi-zações representativas da população, rotação das peças expostas, coleção estritamente contemporânea através de dádivas de artistas e compartici-pação de galerias privadas, acompanhamento das peças expostas por ex-plicações que contribuam para a sua compreensão. E, num museu dessa natureza, os proponentes não concebem a existência de sistemas de se-gurança, achando que o povo terá que compreender que os objetos valem pelo seu discurso e não pelo seu valor comercial, sendo recusadas técnicas de conservação que prolonguem artificialmente a vida da obra de arte, que “deve ter uma existência e uma morte naturais”152.

Talvez o projeto do Museu tenha estado à beira de ter sucesso, mas o certo é que o período não é favorável para a pretensão do grupo. O clima político está a ficar ao rubro, o Verão quente aproxima-se e, com ele, uma fase política bastante turbulenta, como já atrás se refere, acabando as preo-cupações dos artistas por ser, como habitualmente, secundárias.

152 Idem, p. 6.

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Depois do 25 de novembro, o mote é estabilizar tudo, tanto quanto possível, num amadurecimento do processo revolucionário que permita a re-institucionalização do estado de direito. Para o Grupo Acre, está já em curso uma fase nova do seu projeto.

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1976153

Certamente diverso do extraordinário Trás-os-montes que António Reis e Margarida Martins Cordeiro realizam em 1976, um filme panorâmico sobre esse mesmo ano em Portugal que começasse sem imagens poderia ter na banda sonora a Bohemian Rapsody dos Queen, saída no ano anterior e que, entretanto, é disco de ouro. A estrutura operática dessa canção ficaria bem certamente com as vozes clamando “25 de Abril Sempre”, mas o tom de “O Povo é sereno” e as interjeições transmitidas em direto do Terreiro do Paço, na voz do então chamado Almirante Sem Medo, quando da manifestação da “maioria silenciosa” em novembro de 1975, talvez se coadunem melhor com a gramática trocada e o “Virou-te a fonética” da Banda do Casaco que, em 1976, canta “Morgadinha quem te disse a ti / Que a tua terra era um jardim / Cheirando a erva e alecrim?”154. Arrefecendo pouco a pouco o fervor da defesa do “homem novo” sob a nova liberdade que vulgariza a pornografia estalando o verniz revolucionário, nas festas populares ressoam já refrões da chamada música “pimba” (que nos anos oitenta se divulgará mais inten-samente) e ficam já no ouvido as alusões pícaras d’ O Franguito da Maria, de Quim Barreiros.

De facto, na paisagem histórica do país, em 1976 está claramente em curso uma quebra revolucionária cujos efeitos ultrapassam os espaços mais estritamente políticos. No contexto internacional, a permanência do Brasil e do Chile em regimes de ditadura e o golpe militar na Argentina em março deste ano fazem disparar receios dispersos sobre a possibilidade de haver um retrocesso em Portugal. Após os acontecimentos do 25 de novembro de 1975, após os ataques bombistas dos radicais de extrema-direita (um deles destrói parte das instalações da Cooperativa Árvore, no Porto, em janeiro de 1976), tenta-se viver agora o processo de estabilização democrática, no qual pesa uma maior influência de tendências políticas mais moderadas e conservadoras sob o esforço de conciliação entre os diferentes parceiros políticos e as pressões externas. Ao mesmo tempo, o amplo processo eleito-ral desse ano para os diversos órgãos de Governo constitui forte polarizador das dinâmicas e, naturalmente, da atenção de todos. Assume-se como prio-ritário consolidar a democracia numa via institucional.

Antes dessas eleições, é novamente ultrapassado um marco político importante quando, a 2 de abril, a Constituição da República é aprovada

153 Ver Anexos 1 — Quadros cronológicos de 1976.154 Letra da canção Morgadinha dos Canibais, do grupo Banda do Casaco, 1976.

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pela Assembleia Constituinte. Entre outras decisões imprescindíveis e qua-lidades muito esperadas nessa lei fundamental, consagra-se a igualdade de direitos entre homens e mulheres e determina-se a revisão de diplomas le-gais nesse sentido.

Pouco depois, as eleições para a Assembleia Legislativa, em 25 de abril, dão a vitória ao PS com perto de 35% dos votos. Em junho, o General Ramalho Eanes é eleito Presidente da República. Em julho, toma posse o I Governo Constitucional, no qual Mário Soares é Primeiro-ministro155.

No programa desse governo, texto bastante minucioso e coerente com uma ideologia socializante, as prioridades aprofundam-se nos secto-res financeiro e organizativo para uma política de estabilização institucional da legalidade no pluralismo democrático. Nesse programa, Mário Soares apresenta o projeto de integração de Portugal da CEE, que já tinha iniciado neste ano “com a integração no Conselho da Europa”, “a renegociação do Acordo de Comércio livre Portugal-CEE de 1972” e “a assinatura de alguns protocolos adicionais”156.

É grande o destaque a medidas relativas à Comunicação Social e, pela primeira vez, há atenção à condição feminina num programa de governo. Por sua, vez, a Cultura é autonomizada numa Secretaria de Estado que depende diretamente do Primeiro-ministro e surge no programa em considerações e tarefas explícitas em diversos âmbitos157, que incluem objetivos e critérios gerais, bem como medidas concretas para quase todos os sectores, como teatro, cinema, livro, direitos de autor, estatuto do intelectual, recuperação de património, bibliotecas, instituições de cultura e recreio, “animação cul-tural” e até artes plásticas. Refere-se mesmo a estruturação de um conselho

155 Soares acumula a pasta dos Negócios Estrangeiros. Tem no Plano e Coordenação Económica António Sousa Gomes, Medina Carreira nas Finanças, Almeida Santos na Justiça, Emílio Rui Vilar nos Transportes e Comunicações, Sottomayor Cardia na Educação e Investigação Científica, Joaquim Cruz e Silva é Secretário de Estado do Ensino Superior e José Tiago Oliveira Secretário de Estado da Investigação Científica, David Mourão Ferreira na Secretaria de Estado da Cultura, etc.

ARQUIVO HISTÓRICO. Programa do VI Governo Provisório. [em linha]. Disponível em: https://www.historico.portugal.gov.pt/media/464084/GP06.pdf [Consult. 15 out. 2019].

156 ROLLO, Maria Fernanda (2014). A democracia e a construção europeia. [em linha]. Disponível em: http://www.cvce.eu/content/publication/2008/5/14/0046d3e0-3c8e-4368-9d73-f961cb8aa8a3/publishable_pt.pdf [Consult. 6 fev. 2015].

157 Programa do I Governo Constitucional, páginas 102-107. ARQUIVO HISTÓRICO. Programa do I Governo Constitucional. [em linha]. Disponível em: https://www.historico.portugal.gov.pt/pt/o-governo/arquivo-historico/governos-constitucio-nais/gc01/programa-do-governo/programa-do-i-governo-constitucional.aspx [Consult. 15 out. 2019].

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cultural e, também de modo pioneiro, um ponto dedica-se à “Elaboração de anteprojectos para instalação do futuro Museu de Arte Moderna, prevista para a Quinta do Monteiro-Mor”158.

Apesar de haver aqui, porventura, algum resultado aparente da ação do Grupo Acre no ano anterior e demais movimentação dos meios artísticos, o local previsto para o Museu não é o palacete da ocupação fa-lhada, mas sim um espaço próximo do futuro Museu do Traje (espaço esse que, mais tarde, de facto vem a ser ocupado pelo futuro Museu Nacional do Teatro e da Dança, de novo frustrando todas a expectativas do sector das artes plásticas, menos sonoro nas suas reivindicações do que os das artes do espetáculo).

Portanto, do ponto de vista cultural o país continuar a revelar uma evolução desigual e, apesar dos desejos revolucionários ou mais institu-cionais, já passa tempo suficiente depois de abril para se perceber que a democracia tem tornado mais visíveis desequilíbrios diversos, tanto nos âmbitos económico e social, como entre níveis de preparação, erudição e qualidade patentes em contextos, obras e protagonistas, entre elites e cultura de massas.

Seguindo uma tendência já em contraciclo revolucionário, o desporto e a religião continuam a readquirir cada vez maior protagonismo e a liber-dade da imprensa acentua a difusão de eventos de popularidade fácil, fre-quentemente com mais conteúdos eróticos. Ao mesmo tempo, os valores da sociedade de consumo recrudescem, não sendo por acaso que alguns artistas, como Eduardo Nery e Emília Nadal, se centram nesse problema em exposições e obras que produzem. Nadal, por exemplo, sugere na sua obra Skop Ideológico para Todos os Programas de Lavagem ao Cérebro uma es-pécie de alerta no sentido da consciência dos sinais de retorno dos valores da sociedade de consumo à mistura com uma manifesta “rebeldia contra os slogans de vida política”159. E Nery apresenta a exposição itinerante O Museu Imaginário e a Sociedade de Consumo.

No cinema, passam, entretanto, filmes marcantes como Face To Face de Bergman, 1900 de Bertolucci e Casanova, de Fellini.

No âmbito artístico, o ano começa mal com o ataque bombista já re-ferido à Cooperativa Árvore, tentativa malograda da extrema-direita não só

158 Alínea e) do ponto 3.2. do mesmo Programa de Governo. 159 Gonçalves, Rui Mário (1986). De 1945 à actualidade. História de Arte em Portugal,

obra citada, p. 139.

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de destruir a “velha casa dos Albuquerques”160 como, sobretudo, silenciar ou, no mínimo, desmoralizar os artistas interventivos. Os estragos avulta-dos são depois pouco a pouco reparados, e a iniciativa dos cooperantes da Árvore não esmorece.

Meses depois, em Lisboa, a Festa do Avante decorre na FIL pela primeira vez, trazendo ao país o modelo de festa partidária de grande abertura cultural explorado em França e Itália pelos respetivos partidos comunistas. Ali, os espaços dedicados às artes visuais, de natureza bas-tante informal, dialogam com a popularidade dos espetáculos musicais de programa inovador no país, antecipando o sucesso de futuros concer-tos e festivais culturais de Verão.

A par disso, no meio artístico, mantém-se uma forte diversidade de posições que, por vezes, denotam o retorno de algum conservadorismo ou o simples desejo de impacto ou visibilidade, mas, ao mesmo tempo, imperam a abertura real e a procura de sentidos de vanguarda, o que evidencia a con-vivência de perplexidades, paradoxos e contradições.

Por exemplo, no concurso público para o Monumento ao General Humberto Delgado, em Cela Velha (Alcobaça), é preferida pelo povo e es-colhida pelo júri uma obra de José Aurélio e Artur Rocha de conceção abs-tratizante161, revelando qualidades de aceitação e gosto pouco comuns em situações dessa natureza. Mas, por outro lado, a exposição Contra a Pena de Morte, a Tortura e a Prisão Política, primeiro na SNBA e depois itineran-te, despoleta críticas politicamente preconceituosas sobre a integração de obras de pendor abstrato.

Fernando Calhau e Julião Sarmento juntam-se a João Vieira, que tra-balha na Direcção-Geral da Acção Cultural (o diretor-geral é Eduardo Prado Coelho) e coordena a Área Cultural de Belém, zona de forte atração de pú-blicos que, assim, vai ter durante algum tempo uma programação qualifica-da voltada para as artes visuais.

Curiosamente, 1976 é um ano de mutação das práticas artísticas no espaço urbano que, de um modo geral e na sua maioria, parecem desvincu-lar-se dos tópicos políticos típicos da revolução para propósitos estéticos mais amplos, poéticos ou conceptuais.

160 COOPERATIVA ÁRVORE (1976). “Uma bomba”. Suplemento de Árvore-Boletim Cultural / Coop. Árvore, nº 4, julho. GONÇALVES, Cláudia; RAMOS, Maria (Coord.), (2001). Porto 60/70: os artistas e a cidade. Textos de Vicente Todolí, José Rodrigues, João Fernandes, Fátima Lambert, Fernando Pernes.  Porto: Asa / Árvore-Cooperativa de Actividades Artísticas / Museu de Serralves, p. 271.

161 Gonçalves, Rui Mário (1986). História de Arte em Portugal, De 1945 à actualidade, p. 138.

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Talvez sob o exemplo e efeito das ações anteriores do Grupo Acre e do seu desejo de intervenção num quadro próximo do das vanguardas das utopias artísticas, surgem outros projetos coletivos de artistas162. Há assim o Grupo Puzzle que, de facto, é criado em 1975, mas realiza a sua primeira aparição pública em janeiro deste ano: um Jantar/intervenção na Galeria Dois, no Porto. Este coletivo, constituído por 9 artistas nortenhos (Albuquerque Mendes, Armando Azevedo, Carlos Carreiro, Dario Alves, Graça Morais, Jaime Silva, João Dixo, Pedro Rocha e Fernando Pinto Coelho) realiza diversas obras e ações até 1980. Também do Norte do país, o Grupo If (Ideia e Forma) aparece em 1976, no seu caso centrando em fotografia a atividade dos seus membros António Drummond, Henrique Araújo, João Paulo Sottomayor, José Carlos Príncipe José Maratona, Luís Abrunhosa, Manuel Magalhães, Manuel Sousa, Mário Vilhena. Quanto ao Grupo 5+1, igualmente criado neste ano, é formado por artistas sediados em Lisboa, nomeadamente Guilherme Parente, João Hogan, Júlio Pereira, Sérgio Pombo, Teresa Magalhães e Virgílio Domingues. Há, ainda, o Grupo Vermelho, formado também em 1976 por Abílio, Carlos Ferreira e Dias Santos. E há outros.

Nos III Encontros Internacionais de Arte na Póvoa de Varzim, que acontecem entre 7 e 17 de agosto sob dinâmica de Jaime Isidoro e Egídio Álvaro (e do Grupo Alvarez), o mote principal centra-se na arte de in-tervenção e na arte de rua, com intervenções de coletivos como os gru-pos estrangeiros Textruction(s) (formado em 1971 na proximidade dos Support-Surfaces) e o Grupo de Arte Sociológica (de Fred Forest), e um particular destaque para o Grupo Puzzle. A Revista Artes Plásticas, cuja direção coincide com a dos Encontros, dedica-lhes o seu número duplo 7/8, com informação bastante detalhada de obras e eventos, textos pro-duzidos ali por diferentes artistas e autores, com comentários críticos. Nessa revista também colaboram artistas presentes nesse evento, um dos quais, Pierre-Alain Hubert, republica como referência sua uma versão em francês, sem data, do texto de Fernando Pessoa Notas para uma esté-tica não-aristotélica163.

No Porto, Fernando Pernes vem constituindo no Centro de Arte Contemporânea do Museu Nacional Soares dos Reis o que virá a ser uma importante coleção, com obras de artistas portugueses, brasileiros e de outras nacionalidades (Almada, Sousa Cardoso, Augusto Gomes. Armando

162 No ponto 3.2 apresenta-se mais informação sobre coletivos surgidos nesta fase.163 Essa versão surge publicada na Artes Plásticas. Nº 7/8, dezembro/janeiro 1977.

Porto: Editorial Engenharia, p. 43.

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Alves, Carlos Botelho, Bual, Dordio Gomes, Jorge Pinheiro, José Rodrigues, Júlio Resende, Nadir Afonso, João Hogan, Paula Rego, Vespeira, Vieira da Silva e Arpad Szenes, Di Cavalcanti, Cícero Dias, Djanira, Candido Portinari, Ben Nicholson, Karel Appel, Serge Poliakoff, Zao Wou Ki, etc.).

Ainda em 1976, há a Semana da Arte (da) na Rua, sob iniciativa do Círculo de Artes Plásticas de Coimbra.

Um aspeto positivo deste ano é ainda alguma retoma de atividades nas galerias privadas, bem como o aparecimento de dinâmicas novas. A Galeria Quadrum renasce e a Galeria Leo inaugura em junho no Bairro Alto lisboeta.

Em inúmeras exposições coletivas, efetuam-se panoramas temáticos da arte portuguesa, como os que acontecem na SNBA, bem como no caso da exposição comemorativa 20 Anos de Gravura, na Fundação Gulbenkian, entre maio e junho, que valoriza o papel da Cooperativa de Gravadores Portugueses. A esse respeito, escreve Rocha de Sousa “que 1976, no quadro das catividades criadoras, foi entre nós o ano da gravura”164.

São ainda especialmente importantes as mostras no estrangeiro que, finalmente, decorrem em capitais europeias, em sinal da abertura interna-cional do país: na Galeria Nazionalle D’Arte Moderna e no Instituto di Santo Antonio dei Portoguesi, ambas em Roma, em junho-julho; no Centro Cultural da Fundação Calouste Gulbenkian em Paris, uma exposição com cerca de 30 pintores, a Jeune Peinture Portugaise, em outubro, que despoleta al-guns comentários críticos nos meios artísticos e na imprensa especializada e apresenta texto de Rocha de Sousa no catálogo; e ainda Arte Portuguesa Contemporânea, em Brasília, S. Paulo e Rio de Janeiro, acompanhando a visita do Primeiro-ministro ao Brasil.

Com o Congresso da Associação Internacional de Críticos de Arte (AICA) em Portugal, de 6 a 11 de setembro, há exposições sob um dos te-mas escolhidos, Arte Negro-africana e Arte Moderna, Relações Recíprocas, sendo expressivas as que acontecem no Museu de Etnologia, com objetos etnológicos e obras de Picasso, Modigliani e Emil Nolde, e na SNBA, onde decorrem a exposição Contra a Tortura e a Pena de Morte (com ampla re-presentação de artistas nacionais) e a mostra Os Pioneiros do Modernismo Português (que apresenta Almada Negreiros, Santa-Rita, Amadeo Sousa Cardoso e Eduardo Viana). Um outro projeto também originado pela AICA, de natureza “prospectiva, entregue à orientação do crítico Ernesto de

164 SOUSA, Rocha de (1976). “Sociedade Cooperativa de Gravadores Portugueses. 20 anos de presença”. Colóquio Artes. Nº 29, outubro, p. 45. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

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Sousa, não se realiza ainda então, mas será levado a cabo no ano seguinte, vindo a chamar-se Alternativa Zero”165, logo já em 1977.

Quanto ao Grupo Acre, o ano de 1976 é um período em que não surge nenhuma obra artística propriamente dita assinada pelo coletivo. Os seus dois membros estão, no entanto, bastante ativos.

Lima Carvalho continua a lecionar desenho na ESBAL; é membro do Conselho Técnico da SNBA, onde participa no júri do Salão de Abril de 1976; como pintor desenvolve, como habitualmente, uma rotina diária intensa de produção pictórica, expondo nas coletivas Exposição de Arte Moderna Portuguesa (SNBA e Lund, Suécia), Pintores Contemporâneos de Portugal (Caracas, Venezuela), Arte Portuguesa Contemporânea (Brasília, S. Paulo, Rio de Janeiro, 1976), mantendo a sua linha de expressão pictórica neofigu-rativa, fragmentada.

Clara Menéres ensina desenho e escultura na ESBAL e é igualmente membro do Conselho Técnico da SNBA. No seu trabalho artístico fervilham projetos novos que vão aparecer em exposições no ano seguinte.

Nesse ano, nem Lima Carvalho nem Clara Menéres realizam exposi-ções individuais.

De facto, há um hiato significativo entre a ação anterior do Grupo Acre, de maio de 1975, projeto apologético do pretendido e frustrado Museu de Arte Moderna, e a seguinte, que acontece só em agosto de 1977, já que passam mais de dois anos de intervalo entre ambas, com todo o ano de 1976 pelo meio.

A par do questionamento dos valores culturais da época, talvez a cur-ta prisão de Clara em consequência da ocupação da casa da Marquês da Fronteira e o arrastamento do processo de tribunal daí resultante, que dura anos, bem como alguma descrença na liberdade criativa, tenham contribuí-do para fazer hesitar o projeto artístico em grupo, trazendo reserva cautelo-sa e maior ensimesmamento criativo individual. Há, também, a possibilidade de os dois membros do Grupo Acre manterem alguma expectativa perante as promessas patentes no Programa do I Governo Constitucional, que todos esperam então que venha, finalmente, construir na legalidade uma socieda-de mais justa e certa com o seu tempo, inclusive do ponto de vista cultural e artístico.

Por outro lado, é possível que o efeito coletivo e a sua evolução nesse ano, quando outros grupos artísticos assumem visibilidade no país, susci-tem por parte de dois artistas alguma vontade de diferenciação do que pode

165 Idem, p. 139.

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ter sido visto por eles como uma banalização crescente dessa tendência ou dinâmica, agora menos politizada ou crítica.

Na realidade, ambos estão bastante ocupados em atividades diversas e novos projetos. Não só nos meios artísticos surgem hipóteses de novos rumos, quer do ponto de vista criativo individual quer nas frentes organiza-tivas do meio, como ainda, no contexto académico em que ambos lecionam, devem ser tidas em conta exigências novas com a formalização da gestão democrática e a implementação de novos currículos de estudos.

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2.6. ArteDezembro de 1976, Lisboa

Mesmo assim, nesse ano de 1976, Clara Menéres e Lima Carvalho ainda avançam na SNBA (Sociedade Nacional de Belas Artes) com o projeto de edição de uma revista de arte que chega a ser publicada. A edição surge assinada pelo Conselho Técnico da SNBA, de que fazem parte, embora grande parte se deva ao dinamismo da dupla de artistas e dos colabora-dores que congrega.

Depois de reuniões e trabalhos vários com uma equipa formada por artistas, estudantes da ESBAL e amigos, com participações de Eurico Gonçalves, Fernando Ançã, Helena Almeida, Melo e Castro, Rocha de Sousa, Maria do Carmo Ulrich, Teresa Cabrita e Victor Belém e, finalmente, graças ao apoio e financiamento da SEC, é possível adquirir uma máquina de im-pressão offset para a SNBA que a redação da revista em projeto entende essencial para a sua concretização e que serve também, desejavelmente,

Figura 49Revista Arte. Capa e contracapa. 1976.

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para outros fins. Assim, por lá é concebida, escrita, desenhada, paginada e, por fim, impressa a revista Arte.

O número zero (único) sai em dezembro de 1976, por altura da come-moração dos 75 anos da SNBA, dando a público uma revista de económica impressão a preto e branco, com desenhos e textos ora entusiásticos ora críticos, muito ao sabor dos anos 70 e do período político e social que, en-tretanto, vai acalmando.

A edição pretende ser a voz da SNBA, fazendo eco da sua história e das iniciativas que decorrem e estão projetadas, afirmando-se no editorial a ideia de dar continuidade a uma outra revista já antes existente em 3 séries, agora numa 4ª série de que este número é o ensaio.

De facto, uma outra revista ‘Arte. Boletim da Sociedade Nacional de Belas Artes’ tem publicação inicial em 1951, saindo nesse ano uma primeira série constituída por quatro números com periodicidade trimestral ( janeiro, abril, outubro e dezembro) e um novo número isolado em 1955; entre agosto de 62 até junho de 64 há 14 números de uma segunda série; e, em 1965, a terceira série tem dois números entre janeiro e abril.

Os editores de 1976 conhecem essa existência, e a capa do número zero, tal como dizem também no editorial, sugere a possibilidade de capas para números seguintes, já com temas fundamentais esboçados, como a comemoração do centenário de José Malhoa (hipótese um pouco bizarra, dadas as datas reais de nascimento e morte daquele pintor).

O grafismo irreverente, em grande parte da responsabilidade de Lima Carvalho (que assina algumas páginas sob o pseudónimo João Alexandrino), tem forte componente ilustrada, diferentes tipologias gráficas, páginas de pernas para o ar, etc.

Entre muitas ilustrações e alguns textos, surge no interior uma en-trevista do Conselho Técnico ao Arquiteto Sommer Ribeiro, comissário de algumas exposições recentes de artistas portugueses no estrangeiro, na qual se questionam critérios de exposições desse tipo, propostas da SNBA e decisões da Fundação Gulbenkian.

Nas páginas duplas do meio, é oferecida uma coleção de retratos que identificam alguns dirigentes da SNBA — artistas, arquitetos, críticos de arte, de um modo geral notáveis do país, entre 1946 (ano da 1ª Exposição Geral de Artes Plásticas) e 1976. E, na entrevista atrás mencionada, tam-bém Sommer Ribeiro se manifesta em favor da existência de um Museu de Arte Moderna, afirmando que nele deveria haver obras de artistas portu-gueses e estrangeiros.

146Figuras 50

Revista Arte. Algumas páginas no interior.

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A revista Arte ultrapassa, pois, o âmbito mais habitual das obras do grupo, mas acaba por ser consequência da sua ação num processo mais amplamente participativo, com colaboração de vários artistas, estudantes e amigos também presentes noutras ocasiões, como já referido. De certo modo, é mais uma obra do coletivo e, embora de natureza diversa das ante-riores, também se instaura no espaço público.

Não há, contudo, sequência, pois fica-se pelo número zero.Nesse ano em que, como já se disse, se vive no país o princípio do

regresso à “normalidade” depois do calor revolucionário, os membros do Grupo Acre estão presentes e visíveis, mas, de certo modo, num processo que funciona sobretudo como ponto da situação e incubação, mais do que como exteriorização, como se vai ver depois.

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1977166

“Por debaixo das três garras floridas, virei bailar” 167, escreve Maria Gabriela Llansol no seu O Livro das Comunidades, publicado em 1977. “As avelaneiras foram substituídas por garras, a paisagem é violenta. A dança continua.”168, escreve por sua vez Silvina Rodrigues Lopes para uma edição posterior da-quele livro tão enigmático e expressivo do tempo de passagem em que sur-ge: resistente ou mesmo avesso às convenções, ao império do consciente, à linearidade das narrativas, jogando com o visível para driblar as aparências em prol de uma necessidade de algo que vem dos fundos dos tempos, entre a lenda e o mito, entre o modernismo e algo diverso. A dança de gestos cris-pados que substituem avelaneiras, se trocarmos estas por cravos verme-lhos, pode estender-se, de certo modo, a esse tempo de mutações sociais e culturais que, em Portugal, sucede a Abril.

O mundo continua desigual, é certo, com acontecimentos bons e me-nos bons. Em Paris o Pompidou abre em janeiro e em junho decorrem em Espanha as primeiras eleições democráticas após a queda do franquismo. O Verão americano é marcado por uma violenta onda extremista e racista; durante o apagão de julho em Nova Iorque, sucedem-se assaltos e vanda-lismos na cidade às escuras. Dias depois a guerra instala-se entre o Egito e a Líbia. E, ainda nesse mês, Boris Yeltsin destrói, sob ordens do Politburo, a Casa Ipatiev, onde o Czar Nicolau II e a mulher tinham sido mortos em 1918.

Nesse mesmo ano, depois do mês de agosto em que, em Portugal, nas Caldas da Rainha, se vivem os IV Encontros Internacionais de Arte, aconte-ce no Artists Space de Nova Iorque a exposição Pictures, comissariada por Douglas Crimp. Aí se assume a imagem como palimpsesto de representa-ções com predomínio da subversão da autoria e da ausência do caráter de objeto único original, pelas vias dos regimes de ready-made e apropriação (Foster, Krauss, Bois e Buchloh consideram esta exposição o sinal da intro-dução do pós-modernismo nas artes169).

166 Ver Anexos 1 — Quadros cronológicos de 1977.167 LLANSOL, Maria Gabriela [1977]. O Livro das Comunidades. Lisboa: Relógio

D’Água Editores e Maria Gabriela, Llansol, 1999, p. 76.168 LOPES, Silvina Rodrigues (1999). “Comunidades da Excepção”. Posfácio do livro

anterior de Llansol, p. 120.169 FOSTER, Hal; KRAUSS, Rosalind; BOIS, Yve-Alain; BUCHLOH, Benjamin (2004).

Art Since 1900: Modernism, Antimodernism and Postmodernism. London: Thames and Hudson Ltd, p. 58.

2. GRUPO ACRE: OS ANOS E AS OBRAS149

É também nesse ano que o mundo do pensamento enriquece ainda com a publicação de Fragmentos de um Discurso Amoroso (Roland Barthes), com Delta de Vénus (Anaïs Nin) e ainda com Ce Sexe Qui N’En Est Pas Un (Luce Irigaray), este último ainda hoje por traduzir em Portugal.

No álbum Bicho, Caetano Veloso canta Gente — “Gente viva, brilhan-do estrelas / na noite / Gente quer comer / Gente que ser feliz / Gente quer respirar ar pelo nariz (...) Gente espelho da vida / doce mistério”.

É, pois, certamente, gente que quer ser feliz que vê Travolta dançar em Febre de Sábado à Noite ou que esgota salas de cinema para não perder 007 Agente Irresistível, ou Star Wars, ou ainda Encontros Imediatos do 3º Grau, os grandes sucessos cinematográficos do ano. Por cá também, João César Monteiro regressa à literatura dos contos tradicionais para filmar a lenda de Branca-flor: estreia Veredas.

Em Portugal, se o ano de 1976 é considerado um ano de transição muito marcado pelas lutas eleitorais pelo poder, 1977 surge como o primeiro de uma nova fase da vida portuguesa em consequência da mutação política, social e cultural. A revolução finda, depois de grandes conquistas.

Após as eleições em todos os órgãos de Governo no ano anterior, já com a nova Constituição aprovada, o exercício dos novos mandatos deba-te-se com a crise económica e acentuam-se clivagens político-partidárias, principalmente do Partido Socialista e do Partido Popular Democrático / Partido Social Democrático contra o Partido Comunista e a esquerda mais radical. As questões nacionais centram-se na intervenção do Fundo Monetário Internacional com as suas medidas económicas, no trabalho, na legislação sobre a reforma agrária e sobre a imprensa, no separatismo na Madeira e Açores, a par da continuação das ações bombistas dos extremis-tas de direita e esquerda. Apesar de se manter assente em grandes empre-sas nacionalizadas após a revolução, o sistema ideológico e financeiro evolui sensivelmente em direção ao liberalismo de mercado que tanto as imposi-ções do FMI como a adesão europeia determinam: 1977 é o ano da forma-lização do pedido de adesão de Portugal à CEE, decidida no ano anterior.

Na frente social, os problemas na habitação, na saúde, na educação, no trabalho e relativamente aos direitos das mulheres estão longe de ser resolvidos. O SAAL, serviço de apoio aos problemas de habitação170, está em extinção e, no seu rescaldo, os arquitetos do Porto afirmam-se e consolidam a sua escola de arquitetura “como tendência”171 vindoura.

170 Destaque no ponto 3.2.171 GOMES, Paulo Varela (1995). “Arquitectura, Os Últimos Vinte Cinco Anos”. In

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Um sinal positivo é a revisão do Código Civil, que promulga finalmente medidas de maior justiça: “igualdade de deveres e direitos entre cônjuges, introduzido o dever de respeito e cooperação, anulado o poder marital; reco-nhecimento das uniões de facto (casais heterossexuais) com mais de 2 anos no direito a alimentos da herança do falecido”172.

Nos diversos contextos culturais, parece haver uma espécie de nor-malização do quotidiano na vivência democrática, com menor sentido de urgência participativa e mais espaço para o individualismo, acentuando-se o questionamento de valores já sensível no ano anterior.

Quando no país, finalmente, já se pode beber Coca-Cola, na televisão, então decisiva como meio de informação e comunicação, Gabriela, Cravo e Canela, a primeira telenovela brasileira a ser transmitida diariamente, in-troduzindo um novo hábito quotidiano na cultura de massas e integra mais a cultura e língua brasileiras no nosso país; e a Visita da Cornélia marca um novo estilo de concursos televisivos.

No entanto, ainda não é desta que as emissões são a cores, pois o projeto para isso é chumbado pelo Conselho de Ministros do I Governo Constitucional, em nome da austeridade.

Do ponto de vista da vida artística, sente-se igualmente a mudança de sinal dos tempos.

A partir de 1977, os muros são apagados, os governantes recolhem-se nos seus gabinetes, a intriga de bastidores sobrepõe-se à discussão franca, as comissões consultivas são afastadas. De um lado, a indefi-nição da política cultural dos Governos, do outro lado, a novidade das propostas incessantes dos artistas.173

Mas, na sequência do que já vem acontecendo nos anos anteriores, há sinais de mais concreta permeabilidade das fronteiras geográficas. De facto, depois da liberdade consignada pela revolução democrática que, tal como em todos os campos, é privilégio para as artes plásticas, a abertura internacional é o outro sinal muito marcante da nova fase do país.

PEREIRA, Paulo (Dir.), (1995). História da Arte Portuguesa (Vol. III). Lisboa: Círculo de Leitores, p. 549.

172 OFAP. Observatório das Famílias e das Políticas de Família do ICS-UL. Código Civil 1977. [em linha]. Disponível em: http://www.observatoriofamilias.ics.ul.pt/index.php/legislacao-nacional [Consult. 18 dez. 2015].

173 GONÇALVES, Rui Mário (1980). Pintura e Escultura em Portugal 1940-1980. Lisboa: Ministério da Cultura e da Ciência / Secretaria de Estado da Cultura, p. 117.

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Já existe tendência para progressiva internacionalização entre 1974 1977, embora acentuada na relação aos países europeus. Mas, apesar do contacto com os países socialistas com os quais há recentes relações diplo-máticas, o intercâmbio artístico é escasso. O mesmo acontece com países africanos, incluindo antigas colónias portuguesas, onde a guerra ou feri-das ainda difíceis de sarar levam tempo a possibilitar maior aproximação. Quanto a outras geografias, demoram a surgir sinais nas parcerias artísti-cas, ainda pouco prioritárias. Em todo o caso, de facto, em 76 e 77 há maior circulação, anunciando que melhores tempos virão.

Algumas exposições revelam uma sensível penetração de artistas portugueses em contextos europeus, nuns casos através de exposições in-dividuais (Carlos Carreiro e Justino Alves) ou em conjunto (Grupo 5+1 em Viena de Áustria), noutros por haver galerias portuguesas a começarem a participar em feiras de arte (Módulo em Basel, com Ângelo de Sousa, Helena Almeida, Jorge Pinheiro e António Sena, e na Cologne Art Fair com os mes-mos artistas, Fernando Calhau e Julião Sarmento; Quadrum em junho, em Bolonha, na ArteFiera, com António Sena, Noronha da Costa, Helena Almeida, Graça Pereira Coutinho, João Moniz, Fernando Calhau, Pires Vieira, Jorge Pinheiro, Alberto Carneiro, Ana Vieira, Ângelo de Sousa, Julião Sarmento — e texto de apresentação bilingue de Ernesto de Sousa, no pe-queno catálogo publicado).

De perfil mais institucional, é muito significativa, logo no início do ano, a dupla mostra de mulheres artistas, primeiro em Lisboa, de finais de janei-ro a fevereiro (em três locais em simultâneo: artistas portuguesas de uma geração que atravessa o início do século XX e o modernismo174 no Museu de Arte Contemporânea, artistas portuguesas contemporâneas175 e artistas americanas na SNBA) e depois em Paris, no Centre Culturel Portugais, em março e abril de 1977, já sem as artistas americanas. Artistas portuguesas no primeiro caso, e Artistes portugaises no segundo, conforme o público a que se destinam, merecem versões diferentes do catálogo 176 com a mesma

174 Maria Augusta Bordalo Pinheiro, Aurélia de Sousa, Emília Santos Braga, Sofia de Sousa, Milly Possoz, Eduarda Lapa, Estrela de Faria e Teresa Sousa.

175 Alice Gentil Martins, Alice Jorge, Ana Hatherly, Ana Vieira, Assunção Venâncio, Clara Estrela, Clara Menéres, Clementina Carneiro de Moura, Dorita de Castel-Branco, Emília Nadal, Maria Manuel Calado Estreia, Fernanda Nobre, Graça Morais, Gracinda Candeias, Inês Guerreiro, Isabel Laginhas, Ivone Balette, Kukas, Lourdes Leite, Maria Ângela Brito Pereira, Maria António Magalhães Bastos de Azevedo, Maria Benamor, Maria do Carmo Galvão Teles, Maria Flávia de Monsaraz, Maria Gabriel, Maria Keil, Maria Rolão, Maria Velez, Marília Viegas, Matilde Marçal, Menez, Paula Rego, Pissarro, Rosa Fazenda, Salette Tavares, Sarah Affonso, Teresa Ferrand, Teresa Magalhães, Grupo Puzzle.

176 A versão da exposição na SNBA tem 27 páginas e imagens a preto e branco dos

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linha gráfica e diferentes extensões, ora apenas em português ora com as traduções necessárias.

Com Emília Nadal e Sílvia Chicó, Clara Menéres é uma das organiza-doras de Artistas Portuguesas, acompanhando as atividades e itinerância da exposição.

Por outro lado, nesse ano há em Lisboa diversas outras exposições importantes internacionalmente, algumas das quais fruto de um bom apro-veitamento por parte da Gulbenkian de recentes mostras apresentadas em museus estrangeiros que, oportunamente e a bom ritmo, a Fundação vai trazendo a Lisboa.

Entre elas, a exposição da Equipo Crónica, coletivo artístico espanhol fundado em 1964 (que, em 77, conta ainda com os seus três membros vivos, embora um deles afastado do grupo), mostra no espaço nobre da Gulbenkian obras realizadas em conjunto, na sua maioria pictóricas e gráficas, com sentido político e pop — certamente vista pelos membros do Grupo Acre.

Na SNBA, diversas coletivas amplas, temáticas, como Mitologias Locais ou O Papel Como Suporte da Expressão Plástica, ambas sob se-leção de júris que apreciam as candidaturas, dinamizam a atividade de dezenas de artistas consagrados e jovens. Há ainda A Fotografia na Arte Portuguesa na SNBA e no CAC (Centro de Arte Contemporânea) do Museu Soares dos Reis, e a exposição O Erotismo na Arte Portuguesa, organiza-da por Eurico Gonçalves para a Galeria da Junta de Turismo da Costa do Sol no Estoril, onde suscita protestos, acabando por acontecer (com apoio de David Mourão Ferreira, secretário de Estado da Cultura do 6º Governo Provisório) na SNBA e no Museu Soares dos Reis (aí apoiada por Fernando Pernes e através do CAC). O tema é, na altura, forte, mas não consensual. Cria polémica. Nessa exposição, suscitam protestos obras de Pedro Oom, Rosa Fazenda e Clara Menéres, dando conta da estreiteza de mentalida-des que ainda vigora, apesar de tudo. Aliás, Clara parece estar, esse ano,

trabalhos expostos. Outra versão é uma simples brochura a preto e branco sem imagens (e sem data, nem editora, nem local da exposição) que afirma na capa, depois do nome da exposição: “Et que cette confrontation des diverses manières pour une femme d’être artiste au Portugal nous donne la certitude que les chemins sont multiples et tous valables. Lorsqu’ils sont authentiques.” — um fragmento do texto da Salette Tavares que aparece nas diversas versões; no interior constam, em francês, as sinopses curriculares das artistas. E outra versão ainda é a mais com-pleta; surge prefaciada por Sílvia Chicó e inclui não apenas documentação visual e textos sobre as obras das artistas, como diversas colaborações relacionadas com o amplo programa de atividades associadas à exposição, envolvendo mulheres de diferentes sectores da cultura artística, literária, musical e sociopolítica partici-pantes em conferências e mesas redondas, concertos e improvisos musicais, reci-tais de poesia, projeções de filmes.

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na berlinda, participando também na exposição possivelmente com maior impacto posterior no país, nesse ano: a Alternativa Zero, comissariada por Ernesto de Sousa.

A Alternativa Zero | Tendências Polémicas na Arte Portuguesa Contemporânea decorre em Lisboa entre 28 de fevereiro a 31 de março177 no Mercado do Povo de Belém e, sob o lema “sem plinto nem cavalete”, foca--se em práticas mais vanguardistas centradas no abandono dos meios mais convencionais das linguagens artísticas e numa certa desmaterialização dos objetos. Curiosamente, apesar de ser uma iniciativa de vanguarda, tem algum apoio do Estado que resulta, sobretudo, das pressões concertadas no ano anterior pelo Congresso da AICA e pela SNBA, no sentido de se fazer uma mostra com carácter prospetivo. Segundo a proposta do Congresso da AICA de 1976, a exposição deveria ter acontecido nesse Outono, direcio-nada para “tendências polémicas” da arte, mas atrasos relacionados com a libertação de verbas necessárias relega-a para o ano seguinte. Depois da designação provisória Polémica Zero não se converter no nome decisivo, a exposição vai fazer-se com custos baixos178. Manifesta, no conceito central, a necessidade de partir do zero novamente, mas não só na arte, incluindo um novo Abril. Inclui artistas como Alberto Carneiro, Ângelo de Sousa, Artur Varela, Carlos Barroco, Carlos Calvet, Clara Menéres, Fernando Calhau, Graça Pereira Coutinho, Jorge Peixinho, José Carvalho, José Conduto, Leonel Moura, Noronha da Costa, Vítor Belém, Vítor Pomar e o próprio Ernesto de Sousa, entre outros. E, apesar de alguns comentários de críticos como Egídio Álvaro e José-Augusto França, o sentido mais inusitado e até “alternativo” das propostas e eventos patentes na exposição, associado ao bom local onde decorre, a Galeria de Arte Contemporânea de Belém, con-segue mais de 10 mil visitantes.

177 NOGUEIRA, Isabel (2008). “Alternativa Zero (1977): O reafirmar da possibilidade de criação”. Cadernos do CEIS20. Coimbra: Centro do Estudos Interdisciplinares do Século XX. [em linha]. Disponível em: http://www.uc.pt/iii/ceis20/Publicacoes/cadernos_do_ceis20/cadernos_7 [Consult. 11 fev. 2015].

178 Dados particulares em ALBUQUERQUE, Isabel (2001). “Alternativa Zero”. ArteTeoria nº 2. Lisboa: FBAUL, 2001, p. 72-81.

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Nesta exposição, Clara Menéres destaca-se com a sua nova obra Mulher-Terra-Vida que, como já atrás é referido, refaz na Bienal de S. Paulo meses mais tarde, numa versão de exterior e de maior escala. O perfil femi-nista da autora associa-se neste caso a conotações míticas associadas à terra e, desse modo, assume também um sentido ecológico.

Ao mesmo tempo, sendo a obra, de facto, um organismo vegetal vivo, isso remete-a para associações não apenas à arte efémera, land-art e arte processual, mas também, a limite, para um sentido performativo, tanto pela mutação diária da sua materialidade como até pela manutenção permanen-te requerida e levada a cabo pela artista.

A internacionalização da arte produzida por artistas nacionais con-tinua com a representação portuguesa no IXe Festival de la Peinture, em Cagnes-Sur-Mer, França, em abril. A presença de obras de Jorge Pinheiro,

Figuras 51Alternativa Zero, Tendências Polémicas na Arte Portuguesa Contemporânea. 1977.Imagens da inauguração, da obra de Alberto Carneiro e de uma atuação do Living Theatre. Na imagem a cores, Clara Menéres cuida da sua obra Mulher-Terra-Vida, presente na exposição.

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Ângelo de Sousa e António Palolo é então apresentada por Rui Mário Gonçalves, que escreve:

Ces artistes ont réalisé des expériences que témoignent d’un désir d’investigation systématique di champ pictural lui-même et de l’im-pact provoqué par l’object-peinture sur l’espace réel. Un autre domaine d’expériences que permet un rapprochement entre ces artistes est ce-lui qui coexiste avec les créations et l’analyse des signes179.

Em agosto, decorrem nas Caldas da Rainha os IV Encontros Internacionais de Arte, com presença de inúmeros artistas nacionais e estrangeiros e programa bastante intenso. Uma vez que o Grupo Acre ali reaparece, associado ao enorme impacto na imprensa de episódios vio-lentos que ali decorrem, este evento merece detalhe acrescido um pouco mais adiante.

Também em 1977, entre outubro e dezembro, o Museu de Arte Moderna de Belgrado recebe a Exposition Internationalle des Arts Plastiques, com re-presentação dos artistas portugueses Maria José Aguiar, Eduardo Batarda, Pedro Chorão, Graça Pereira Coutinho e Fátima Vaz.

Muito relevante é ainda a representação portuguesa na XIV Bienal de São Paulo, Brasil, igualmente entre outubro e dezembro. Sob comissariado de Sommer Ribeiro (coadjuvado por Ana Barata pelo MNE, Fernando Calhau pela SEC, Rui Mário Gonçalves pela SNBA, Salette Tavares pela AICA e Fernando de Azevedo pela Gulbenkian) a delegação nacional apresenta--se em torno de três temas coerentes com o novo espírito e regulamento da bienal180: Arqueologia do Urbano, Recuperação da Paisagem e Grandes Confrontos. No primeiro tema surgem duas ideias associadas numa pro-posta para Lisboa de grande coerência, por Gonçalo Ribeiro Teles e Salette Tavares: “A Penetração da Mata de Monsanto até ao coração de Lisboa”, de Ribeiro Teles, ligaria o Monsanto e o vale de Alcântara aos terrenos frontei-ros à Casa Ventura Terra ao cimo do Parque Eduardo VII (o palacete da ação de 1975 do Grupo Acre), na qual Salette Tavares instalaria um Museu de Arte Moderna, conforme explica em texto. O segundo tema refere a experiência de recuperação do bairro do Barredo, no Porto, por Gomes Fernandes. E o terceiro tema apresenta obras de dois escultores, Alberto Carneiro e Clara

179 GONÇALVES, Rui Mário (1977). IXe Festival de la Peinture. Cagnes-Sur-Mer. France. (Catálogo da representação portuguesa). S/n página.

180 AAVV (1977). XIV Bienal Internacional de São Paulo. São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo. [em linha]. Disponível em: http://www.bienal.org.br/publicacoes/2137 [Consult. 8 ag. 2019].

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Menéres, dedicando ainda a representação portuguesa bastante espaço, tal como é visível no catálogo, a poesia e a filmografia experimental de Abílio, Alexandre O’Neill, Ana Hatherly, António Aragão, E. M. De Melo e Castro, Herberto Helder, Jaime Salazar Sampaio, José Alberto Marques, José Luís Luna, Liberto Cruz, Salette Tavares e Silvestre Pestana.

A componente escultórica tem forte presença, com obras recentes de natureza instalativa de Alberto Carneiro, acompanhadas pelas suas Notas para um Manifesto de Arte Ecológica (de alguns anos antes), e a impactante escultura de Clara Menéres no espaço exterior do pavilhão do Ibirapuera181. Esta obra da escultora consiste numa versão nova da peça por ela concebida para a Alternativa Zero, que ela mesma apresenta assim agora:

Um dia passo os olhos à minha volta e descubro o corpo-paisagem da terra-mãe.Regado de neblina, húmido, coberto de uma pelagem leve e verde no ventre feito de outeiro e nos seios de colinas, ondula tranquilo, curva após sulco, repetido em formas, desdobrado em texturas.Foi ver uma realidade que se multiplica na transformação que sofre no tempo e no espaço, alongada na sua irrecusada forma de se dar, repro-duzindo o círculo genético comum às mulheres e à terra.Refazer o que já estava feito, torná-lo só mais evidente, dar em objec-to limitado o que sempre nos foi oferecido em forma plena e extensa, esse corpo vivo, em movimento, gerador e fecundado. De um anterior projecto de jardim, integrado em outras zonas de pas-seio e lazer, executei recentemente uma outra obra de dimensões mais pequenas, como que um bloco de uma paisagem arrancada à nature-za, transportado para uma sala de exposições. Hoje executei a ideia inicial, na dimensão adaptada a um espaço exterior, integrando-a no terreno e tendo em conta todos os condicionamentos do meio em que iria viver.182

Há ainda nesse ano a exposição Cultura Portuguesa em Madrid, que revela naquela cidade, em novembro e dezembro, atividades que incluem uma exposição com trabalhos entre 1961 (ano decisivo para os artistas emi-grados) e 1977.

181 Imagens em 2.1.182 MENÉRES, Clara (1977). “Texto sem título”. In CASTRO, E. M. Melo e (org.), (1977).

Representação portuguesa à XIV Bienal de São Paulo / XIV Bienal de São Paulo. Paulo: XIV Bienal de São Paulo, s/n de página.

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Os dois membros do Grupo Acre continuam, pois, entretanto, presen-tes no meio artístico. Recapitulando, em 1977, Clara Menéres participa nas exposições Artistas Portuguesas (SNBA, Lisboa e Paris), Alternativa Zero (Belém, Lisboa), Cultura Portuguesa em Madrid (Palácio dos Congressos, Madrid), O Erotismo na Arte Moderna Portuguesa (Junta de Turismo da Costa do Sol, SNBA e Museu Soares dos Reis), bem como na XIV Bienal de S. Paulo (Brasil) e, tal como antes, leciona Desenho e Escultura na ESBAL e é membro do Conselho Técnico da SNBA. Também Lima Carvalho é mem-bro desse conselho da SNBA, onde participa no júri do Salão de Abril de 1976 e ensina Desenho na ESBAL; para além disso, expõe nas coletivas O Papel como Suporte (SNBA), Arte Portuguesa Contemporânea (Lund, Suécia), Pintores Contemporâneos de Portugal (Caracas, Venezuela), Arte Portuguesa Contemporânea (Brasília, S. Paulo, Rio de Janeiro).

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2.7. Monumento ao 16 de Março de 1974 1 a 12 de agosto 1977, IV Encontros Internacionais de Arte, Caldas da Rainha

Figuras 52Em cima, ritual de Albuquerque Mendes na Praça da República durante os IV Encontros Internacionais de Arte, Caldas da Rainha, em agosto de 1977. Em baixo: mapa aéreo recente da zona onde decorrem em 1977 os referidos encontros, incluindo a Praça 5 de Outubro, a Praça de República e o Jardim.

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Quando surge o convite para o Grupo Acre participar nos IV Encontros In-ternacionais de Arte183 das Caldas da Rainha, que promete ser um aconteci-mento marcante na realidade artística nacional, o desafio é aceite de ime-diato pelos artistas. Os encontros anteriores detém então forte prestígio como iniciativas de grande abertura e sentido experimental e de vanguarda, com bastante destaque nos meios artísticos e na imprensa, especialmente em revistas como a Colóquio Artes e a Artes Plásticas. O Grupo Puzzle, bem como outros, têm aí grande visibilidade.

À semelhança das três edições anteriores dos Encontros Interna-cionais de Arte, respetivamente em Valadares, Viana do Castelo e Póvoa de Varzim, os IV Encontros, que decorrem nas Caldas da Rainha de 1 a 12 de agosto, são organizados pela revista Artes Plásticas e pelo Grupo Alva-rez, do Porto, com especial ação de Jaime Isidoro (apoiante do grupo Acre desde o início) e do crítico Egídio Álvaro. Intervém naturalmente agora a autarquia caldense, bem como o Museu José Malhoa, a Casa de Cultura e os serviços de Turismo, sob patrocínio da Direção Geral da Cultura. Os encontros visam estabelecer plataformas de diálogo no espaço público entre a população e a produção artística sob diversas formas, incluindo as menos convencionais e mais vanguardistas, fomentando a reflexão, a abertura cultural e a colocação de Portugal nos mapas da arte contem-porânea. São divulgados antecipadamente com bastante empenho. No jornal regional Gazeta das Caldas da Rainha, um título anuncia mesmo: “Caldas da Rainha e Kassel (Alemanha Federal) capitais da Arte Contem-porânea durante o mês de Agosto”184. Nos 12 dias que, após a Alterna-tiva Zero, marcam o que acaba por ser o auge do movimento vanguar-dista artístico dos anos 70, estão presentes artistas como Orlan, Gilliam Ayres, Nadir Afonso, Robert Filliou, Artur Bual, Egídio Álvaro, Serge III Oldenburg, Manoel Barbosa, Albuquerque Mendes, Miguel Yeco e outros, bem como grupos como maior ou menor visibilidade nessa altura e com rastro diverso posterior, tais como o Grupo Puzzle, o CAPC (Círculo de Artes Plásticas de Coimbra) e o seu Grupo Cores, o Grupo Metz, o Grupo Greneta, Les Toulousains, o Grupo Sueco Estrela Polar, o coletivo femini-no Enfermement/Rupture.

183 Há informação e documentação exaustivas sobre estes encontros em GUÉNIOT, David-Alexandre; PINTO, Paula (Ed.), (2019). Caldas 77 / IV Encontros Interna-cionais de Arte em Portugal = 4èmes Rencontres Internacionales d’Art au Por-tugal. Lisboa: Ghost Editions.

184 A/A (1977). “Caldas da Rainha e Kassel (Alemanha Federal) capitais da Arte Contemporânea durante o mês de Agosto”. Gazeta das Caldas, 20 de julho.

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O Grupo Acre participa, pois, nesta edição, entre muitos outros artis-tas nacionais e estrangeiros. O programa para doze dias envolve diversas exposições, pinturas realizadas ao vivo, performances, ações rituais, decla-mações, concertos e, no ambiente de teor festivo muito livre e de forte con-vivialidade, somam-se atividades de perfil tradicional com outras críticas e conceptuais, às vezes mais transgressoras, incluindo algumas com nudez explícita, pouco habituais numa cidade pequena e conservadora.

Para este certame, o Grupo Acre concebe duas intervenções para dois espaços públicos. Uma é realizada ao longo dos encontros em ambien-te de residência artística ao vivo no espaço público, na Praça do Peixe (ou Praça 5 de Outubro). A outra, de concretização mais simples, vem a decorrer na Praça da Fruta (ou Praça da República) e está guardada apenas para o último dia, 12 de agosto que, de resto, é decisivo em ambas as obras.

Assim, ao longo de vários dias quentes de agosto, decorrem nas Caldas das Rainhas atividades variadas no já referido ambiente de festa, em que a presença dos artistas na própria localidade, a trabalharem ao vivo, traz um colorido invulgar e constitui um acontecimento prolongado. No es-paço público, as obras são de qualidade desigual, umas apreciadas, outras

Figura 53IV Encontros Internacionais de Arte. Intervenção de Nadir Afonso em frente da Biblioteca, vendo-se na assistência Lima Carvalho e Clara Menéres.

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incompreendidas ou chocantes, originando alguma polémica nas popula-ções mais conservadoras. E, apesar do apoio da edilidade e de parte da po-pulação se manter aberta às propostas, não é do agrado de todos a invasão da cidade pela arte de vanguarda, com obras marcadamente políticas e de crítica religiosa, happenings, objetos fálicos evocativos de certa tradição popular caldense (“o das Caldas”185, de Carlos Barroco, gera alguma polé-mica) e performances com nudez simulada ou integral (como as de Orlan ou a de Chantal Guyot, que cobre o corpo com mousse de chocolate), por vezes vistas como uma sucessão de acontecimentos “bizarros” de “hippies”. Alguma imprensa local é, então, particularmente reacionária e moralista contra o evento, mas afirmam-se também posições mais tolerantes, inde-pendentemente de serem oriundas de sectores políticos ou culturais.

Nesse contexto, uma das intervenções do Grupo Acre consta de uma peça montada na Praça do Peixe (ou Praça 5 de Outubro). Trata-se de um objeto escultórico ou, mais propriamente, uma escultura/instalação, de teor claramente político, que pretende evocar o 16 de março de 1974, data em que os soldados do Regimento de Infantaria das Caldas partici-pam no levantamento militar que, apesar de falhado, assinala o prelúdio da Revolução de Abril.

Duplamente apelidada Escultura ou Monumento ao 16 de Março de 1974, a obra é constituída por uma espécie de estrutura metálica geométrica que brota do chão, firmada em tijolos que seriam posteriormente cobertos. Leve, preceptivamente transparente, constitui-se por mais de uma centena de varetas verticais, subtilmente ritmadas, numa alusão quase vegetal, que são encimadas por caracteres fixados por solda, cruzando a informação do facto histórico com uma sua desconstrução poética:

cerca de 150 hastes de ferro (de 1,80m a 2,50m), pintadas de verde escuro que simbolizavam as Forças Armadas. Além dessas, havia sete hastes que serviam de suporte a uma placa, também em ferro, com a inscrição da data: “16-3-74”. Toda esta construção estava fixada em ci-mento sobre tijolo. A área total da escultura era de 3x3 metros. (Grupo Acre, 1977).186

185 Expressão de Luiz Pacheco, presente no local, na irónica que publicação sua, dias depois: PACHECO, Luiz (1977). “Caldas revisitada”. Diário Popular, 17 de agosto.

186 GRUPO ACRE (1977). Descerramento de uma lápide. Montagem de uma escultura. (Comunicado sobre as obras nos IV Encontros Internacionais de Arte). Documento policopiado, assinado manualmente Lima Carvalho. Caldas da Rainha, 12 de Agosto. Ver figura 64.

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Figuras 54Grupo Acre. Monumento ao 16 de Março de 1974. 1977. IV Encontros Internacionais de Arte, Caldas da Rainha. É visível a obra em processo, ainda por concluir, com Lima Carvalho em trabalho nas imagens de cima.Fotos de Clara Menéres.

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Longe dali, também a 12 de agosto, é testado nos EUA o Space Shutle Enterprise pela Nasa. Por cá, no último dia dos Encontros nas Caldas, com a maioria das obras já realizadas ou prestes a serem terminadas no even-to, um grupo de caceteiros atravessa os diferentes locais dos Encontros, lançando provocações, vandalizando um armazém de arrumos e destruindo no seu caminho diversas obras sob ameaças, manifestações de violência e agressões contra os artistas, numa fúria iconoclasta inesperada. Na passa-gem, os desordeiros poupam, contudo, uma crucificação pintada por Artur Bual, também no espaço público, mas, entre gritos, insultos e pauladas, o monumento do Grupo Acre é desmantelado deliberadamente, o que impos-sibilita a permanência prevista da obra no local após o evento. Por ser uma homenagem a Abril, ou por, pelo contrário, parecer aos mais desatentos que a obra evoca um tempo anterior, ou ainda por ter uma linguagem plástica menos convencional que atrai a fúria destruidora, o monumento do Grupo Acre está num dos epicentros da violência.

Manoel Barbosa, um dos artistas participantes nesses encontros, diz muitos anos depois:

Alguns artistas estavam já dias antes sob a mira dos agressores: a Orlan, pela sua performance no interior do Museu, na qual vendia bei-jos, literalmente beijos, e pelas suas performances na Praça da Fruta e no Parque, passeando com o seu corpo nu em tamanho natural, es-tampado num vestido...sobre o seu vestido, mais a venda de pedaços desse corpo, que transportava num carro-de-mão; a Clara Menéres e o Grupo Acre, porque fizeram uma escultura homenageadora ao 16 de março de 1974 (tentativa de golpe de Estado surgido do quartel das Caldas), destruída, e por terem colocado uma placa na fachada de um prédio anunciando o suposto nascimento ali, de D. Sebastião; o Giner, pelos seus rebentamentos ( junto do Museu e no último dia na Praça), de pequenas bombas, petardos em cartolinas onde se lia ‘capitalismo’, ‘fascismo’, poder’, etc.; o Roland Miller e a Shirley Cameron pelas diá-rias performances, nada ofensivas; o Serge III Oldenbourg pelos seus happenings, um dos quais convidava o público a erguer, junto aos seus rostos um espelho para se verem, e que se partia ao meio; o Grupo Puzzle, pelos seus trajes, máscaras e ações ‘incompreensíveis’ (che-garam a chamar a polícia porque tratava-se de possíveis assaltantes dum banco...) e por terem enterrado próximo do Museu um ‘sarcófago’ com registos diários das suas performances; outros artistas também foram perseguidos, e eu, porque natural, artista e bastante conhecido em Rio Maior (onde nasci e residia), vila de onde partiram dezenas de tipos arruaceiros com as suas célebres mocas para nos perseguirem e

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espancarem, chamados pela direita parva, imbecil, das Caldas. Foram horas difíceis, desesperantes, com algum pânico187.

De facto, não se trata de um ato único e isolado, pois a confusão dessa tarde também coloca as Caldas da Rainha no mapa das ações ter-roristas da extrema-direita que, em grupos de antigos fascistas e cacetei-ros, reage basicamente contra o rumo político do país. Só entre maio de 75 e 76, esses grupos realizam mais de sessenta ataques a sedes de par-tidos de esquerda e instituições culturais, com agressões, vandalismos, incêndios e explosões apoiadas por uma rede bombista de que é exemplo a destruição parcial das vetustas instalações da Cooperativa Árvore, no Porto, tal como referido atrás.

187 BARBOSA, Manoel (2018). “Entrevista-conversa” por Caroline Silva, em 26 de outubro e 5 de dezembro. Lisboa. In SILVA, Caroline (2019). A performance Arte como Intervenção nos Encontros Internacionais de Arte (1974-1977). Dissertação de Mestrado em História de Arte Contemporânea, Universidade Nova de Lisboa, p. 199-200. [em linha]. Disponível em: https://run.unl.pt/handle/10362/93700 [Consult. 22 ag. 2020].

Figura 55Uma das notícias que exprime o tom geral na imprensa escrita (Diário de Lisboa, 16 de agosto de 1977).

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Neste caso, nos dias de agosto que se seguem, tabloides diários como o Jornal de Notícias, Comércio do Porto, Diário de Notícias, Diário de Lisboa, O Diário, Diário Popular, etc., noticiam abundantemente os incidentes, refe-rindo como possíveis autores arruaceiros estranhos à cidade.

Os diferentes textos referem com maior ou menos rigor: violência, destruição, golpes de picareta, pintores ameaçados de morte e agredidos (Mário Silva e Serge Oldenburg), manifestações inqualificáveis de violência ao longo do dia, o cerco dos artistas num restaurante sob ameaças, o incên-dio da obra do Grupo Puzzle, o desmantelamento da escultura sobre o 16 de Março e remoção da lápide dos Acre. Chegam a falar até em tentativas de linchamento e ameaça de destruição do Museu Malhoa, onde parte dos encontros acontece. As versões oscilam e, se um artigo diz “ser o grupo de caceteiros natural de Rio Maior e (...) o mesmo que durante o Encontro já agredira alguns artistas estrangeiros e turistas com aspeto menos confor-mista”188, noutro caso referem-se “tentativas de agressão a artistas estran-geiros e turistas com aspecto hippie”189, afirmando-se também neste texto que as atividades dos encontro são repudiadas pela maioria da população e atribuindo a Eurico Gonçalves, artista presente no local, a declaração de que aquele tipo encontros artísticos do tipo serve precisamente para a cria-ção de “choques a nível cultural e social”.

Os choques são, pois, evidentes, em dissensões que surgem nas notí-cias e no próprio balanço dos factos.

Dividido quanto ao que pensar, por exemplo Luiz Pacheco descreve com bastante humor e ironia a sua perspetiva como assistente do último dia na companhia de Carlos Barroco, Nadia Baggioli e Teté, artistas convidados. Resume o clima geral, e alguns factos mais expressivos. E conta que Clara Semide “fizera uma construção simbolizando ou recordando o 16 de Março”, que foi “destruída por um grupelho (...), e quando Clara fotografou a des-truição, foi-lhe exigido o rolo da máquina ou que a sovavam com valentia”190.

Ao mesmo tempo, exprime um ponto de vista mais crítico ao sentido geral dos Encontros. Aponta os incómodos da população, que considera jus-tamente chocada pelo que não evita comentar, “à laia de moralidade”, como “esbanjamento, quando, afinal nas Caldas e no nosso rectângulo, há gente desempregada, com fome, há gente que arrisca a cadeia como desesperada

188 A/A (1977). “Nas Caldas da Rainha Arruaceiros perturbaram Encontro de Arte de Vanguarda”. Diário de Lisboa, 16 de agosto, p. 4.

189 A/A (1977). “Arte nas Caldas da Rainha. Encontros Internacionais visam criar cho-ques”. Jornal Novo, 16 de agosto. PACHECO, Luiz (1977). Texto no Diário Popular de 18 de agosto, já indicado.

190 PACHECO, Luiz (1977). Texto no Diário Popular de 18 de agosto, já indicado.

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alternativa de sobrevivência”191. Sobre o lugar da Arte, questiona o seu cabi-mento, concluindo que “O desperdício, num país de fome, é fascista. Ou leva ao fascismo. Mais tarde ou mais cedo”.192

Egídio Álvaro não vai perder a oportunidade de responder a essa po-sição, opondo-se veementemente193. Segundo os jornais ainda, a polícia in-tervém e os artistas e outros participantes acabam por refugiar-se até de madrugada no Colégio Agrícola.

Mais tarde, é o próprio Eurico que relata detalhadamente o clima e produção artística nesses encontros, com destaque final para a obra des-truída do Grupo Acre, representativa da revolução:

No último dia dos Quartos Encontros Internacionais de Arte, o Grupo Acre, constituído pela escultora Clara Menéres e pelo pintor Lima de Carvalho, depois de muitas horas de trabalho não remu-nerado, viu destruída à picareta uma escultura que quis erguer no Mercado de Peixe, em alusão ao 16 de Março de 1974, data em que um movimento militar das Caldas tentou fazer o que só foi possível um mês depois: o derrube do regime fascista em Portugal. Volvidos três anos e meio, a reacção ainda lá está e não só não permitiu tal tipo de evocação, como perseguiu à paulada alguns artistas partici-pantes nestes Encontros e destruiu muitos objectos e símbolos de uma intensa actividade desenvolvida durante 12 dias, evidenciando assim um total desrespeito pelo trabalho não remunerado (o subli-nhado é meu) dos artistas. Desfecho lamentável que não invalida o que houve de positivo nestes encontros. 194

Para muitos, como a vereadora da cultura da autarquia, as obras e a memória que ficam são, apesar de tudo, um espólio gratificante para as ge-rações futuras, núcleo para um possível museu de que, então, se fala. Mas, de facto, o monumento do grupo Acre ao 16 de Março acaba na hora total-mente destruído, tal como os autores registam no comunicado que fazem questão de emitir.

191 Ibidem.192 Ibidem. 193 ÁLVARO, Egídio (1977). “Resposta a Luiz Pacheco. Em nome do povo e da

necessidade se tenta destruir a cultura e a liberdade de expressão”. Diário Popular, 9 de setembro.

194 GONÇALVES, Eurico (1977). “IV Encontros Internacionais das Caldas da Rainha”. Colóquio Artes. Nº 34, outubro, p. 73. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

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Figura 56Os vestígios do Monumento ao 16 de Março, depois da destruição, no próprio dia 12 de agosto de 1977. Fotografia de Clara Menéres.

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Figura 57Grupo Acre. Descerramento de uma lápide. Montagem de uma escultura. (Comunicado sobre as obras nos IV Encontros Internacionais de Arte). 12 de agosto de 1977.

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2.8. Lápide12 de agosto 1977, IV Encontros Internacionais de Arte, Caldas da Rainha

Ainda nesse mesmo dia 12 de agosto, pouco antes dos incidentes da tar-de, há outra intervenção do Grupo Acre que passa mais desapercebida. Depois de Clara e o “Pintor”, da sua perspetiva na calçada portuguesa do tabuleiro central da Praça da República (ou Praça da Fruta), confirma-rem a correção da posição e o efeito desejado, uma lápide de mármore encomendada num canteiro é afixada sob as suas instruções na parede superior à varanda do 1º andar do prédio dos nºs 81-84, com anuência do advogado então proprietário do edifício. A placa fica coberta, para ser destapada apenas na hora combinada.

Conforme o programa, a lápide do Grupo Acre é descerrada nesse 12º e último dia, às 15h30.

“No 1º andar desta casa nasceu, em 20-Janeiro-1554, D. Sebastião — Rei de Portugal”, lê-se nas palavras gravadas na pedra e subscritas pelo grupo.

No topo da praça, a ermida de S. Sebastião parece então estabelecer uma estranha coincidência toponímica com o nome que a placa esconde até aí, como que tornando sólido, naquele lugar, o nevoeiro simbólico que, desde martírios passados, envolve o mito de Alcácer-Quibir. Também mo-tivado pela história e pela sua desconstrução, no ano anterior o realizador José Fonseca e Costa concluíra o seu filme Os Demónios de Alcácer-Kibir, com música de Sérgio Godinho, cuja letra ainda ecoa fresca na memória.

Agora, também parecendo tratar-se de levantar a névoa, segundo o folheto do Grupo Acre195 a intenção da intervenção passa por questionar a validade de uma história com lendas tão ou mais determinantes que factos e, sobretudo, remeter o mito para a responsabilidade individual e coletiva de todos os portugueses, já que, como afirmam nesse texto, o mito “nasce em todas as casas portuguesas”.

No fundo, o que os Acre pretendem é denunciar o sebastianismo e o complexo comportamental por este representado, que consideram perma-necer fincados no subconsciente do povo português ao longo da história e apesar da revolução recente. Com a sua placa alusiva a D. Sebastião, que inscreve o hipotético nascimento do rei perdido (sim, o mesmo da estátua de Cutileiro) em qualquer lado, em qualquer casa, os Acre estão próximos,

195 Grupo Acre (1977). Descerramento de uma lápide. Montagem de uma escultura. Texto atrás referido e incluído na figura 64.

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sem o saberem, do que José Gil virá a publicar quase trinta anos depois, debatendo-se, precisamente, contra aquilo a que este chama “não-inscri-ção”, parte do medo português de existir, “porque as consciências vivem no nevoeiro”196. E, indiretamente, a placa remete, ainda, para o rei menino cujo luto nunca se fez, para o colapso recente do império que o país quis ser, para o destino por cumprir desse mesmo país enrodilhado na saudade, como re-flete Eduardo Lourenço na obra que publica pouco mais de um ano depois197.

196 GIL, José (2005). Portugal Hoje. O Medo de Existir. Lisboa: Relógio D’Água, p. 18.197 LOURENÇO, Eduardo (1978). O Labirinto da Saudade. Psicanálise Mítica do

Pensamento Português. Lisboa: Publicações D. Quixote.

Figura 58Grupo Acre. A lápide a D. Sebastião, na fachada da casa. 12 de agosto de 1977. Fotografia de Clara Menéres.

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Figura 59Grupo Acre. Lápide. 1977.Fotografia da obra recuperada na exposição “Pós-Pop. Um Lugar Fora do Comum”, Fundação Calouste Gulbenkian, 2018.

Contudo, se o desejo expresso é combater a passividade da espera tradicional no sebastianismo, o público, meio indiferente ou alheado da ver-dade histórica, pouco reage ali, não parecendo colocar dúvidas ao que a pla-ca refere, como que sancionando a mistificação numa confirmação tácita, quase honrosa, subserviente ou crente. Afinal, quem sabe ao certo? Talvez D. Sebastião tenha mesmo nascido ali.

E, depois da confusão mais agressiva na Praça do Peixe, o destino da lápide acaba por ficar, também ele, durante anos, quase tão incerto como o mito que motiva a sua criação.

Entre as dúvidas sobre o seu real paradeiro, só recentemente198 são confirmadas as suposições sobre a sua possível retirada discreta por Jaime Isidoro no próprio dia, ao contrário do que chega a ser noticiado nos jornais, ou seja, a sua destruição durante os incidentes. Antes disso, porém, “já de noite (...) um homem que subiu à varanda da asa onde estava a placa a D. Sebastião, destapou-a e fez um discurso nacionalista não se apercebendo da ironia que ela continha”199, conta ainda posteriormente Clara Menéres.

Enquanto isso, também nesse mês de agosto de 1977, Paula Rego es-creve na Ericeira um raro pequeno texto que irá acompanhar a exposição que, em outubro, apresentará na Galeria Módulo — Centro Difusor de Arte, no Porto: “Há sempre uma história, acontecimento ou título que dá início ao

198 Por ocasião da exposição da Gulbenkian “Pós-Pop. Um Lugar Fora do Comum”, confirma-se que a Lápide se encontra na posse de Daniel Isidoro, filho de Jaime Isidoro; e a obra aparece, finalmente, visível de novo nessa exposição.

199 MENÉRES, Clara (2017). “Entrevista com Verónica Metello”. Dezembro. In GUÉNIOT, D. A; PINTO, P. (2019). Obra citada, p. 378.

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quadro”, principia por dizer, continuando mais adiante: “Como não sei aonde as minhas histórias me levarão, pintá-las é sempre uma surpresa e cada quadro me parece ser sempre o último.”200

Na altura, também o Grupo Acre não sabe se a história das suas duas últimas obras realizadas nos IV Encontros Internacionais de Arte das Caldas da Rainha, uma destruída e outra sumida em parte incerta, serão ou não o último quadro da sua produção enquanto coletivo.

E, de facto, é isso que acontece.

E assim se finda?

Depois do choque imediato, a ressaca dos acontecimentos nas Caldas da Rainha, com a destruição de uma obra e o desaparecimento de outra, con-juga-se com a evolução dos tempos e o sentimento geral de mudança de paradigmas políticos, culturais e individuais. Sem dúvida, acumulam-se ra-zões de sobra para os dois membros do Grupo reverem as suas prioridades pessoais face ao contexto.

Não é que faltassem ideias, pois, ao longo da existência do Grupo Acre, surgem muitas hipóteses para ações coletivas para além das que são postas em prática. Eventualmente, muitas poderiam ter sido realizadas, como sugere a leitura de um dos artigos surgidos na imprensa, onde várias ações são enumeradas, quer sob marca estrita da dupla Acre, quer sob a de-clarada égide da participação mais alargada, numa profusão de ideias que o grupo tanto pode efetivamente ter declarado ao jornalista como ter este confundido, o que parece mais plausível, pela referência a outros artistas:

Embora considerando que todo o seu programa é provisório, “porque só há uma solução justa: a revolução”, o Grupo Acre acentua que, sem-pre que for possível, sairá da sua oficina experimental para acções de “agit-prop” (agitação e propaganda). Nesse sentido, fazem já parte: actuação e um colectivo, distribuição de certificados de artista, ac-ções elementares de Da Rocha, envolvimento erótico de João Vieira, várias acções gráficas colectivas, um estudo sobre libertação, envolvi-mento estruturalista por Pires Vieira, exposição de gravatas e camisas, exposição de jornais, actividade antiarte de Artur Varela, “mixed-me-dia” de Jorge Peixinho e Ernesto de Sousa, arte ecológica de Alberto

200 REGO, Paula (1977). Paula Rego (Catálogo de exposição). Porto: Módulo. Centro Difusor de Arte, outubro.

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Carneiro, cadeiras, mesas e “eléctricos” de Sena da Silva, hiperrealis-mo, os conceptuais jugoslavos, o movimento “fluxus”, a escola de Nice, poesia visual, arte do “video-tape”, artesanato, etc.201

Num dos relatos sobre a ação na Rua de Carmo por Lima Carvalho e Clara Menéres à autora deste texto, são referidas hipóteses de outras obras como uma reconstituição da cadeira de Salazar ou a realização de pintu-ras de faixas com motivos a acrescentar nas “zebras” para peões. E há en-tão ainda a ideia de se fazer uma enorme construção com lixo numa praça, constando até da “carteira” de ideias hipotéticas agressões com pedras a montras de galerias como denúncia radical do sistema comercial em que estas se inserem, uma vez que, imediatamente no pós-revolução, muitas delas encerram ao público. Estas são apenas parte de um extenso conjunto de ideias, umas melhores e outras menos felizes, parte de uma lista perdida e que, na realidade, nunca são postas em prática pelo coletivo.

Apesar das obras concretizadas não serem muitas e delas restarem poucos objetos materiais, as reações imediatas de que a imprensa vai fa-zendo eco, através da escrita de jornalistas e comentadores críticos ou ar-tistas, como atrás referido em Ernesto de Sousa, Eduardo Batarda, Rocha de Sousa, Eurico Gonçalves, etc., são significativas da irreverência e sentido de intervenção das ações do grupo Acre e desencadeiam algum efeito de reflexão, embora nem sempre consensual.

Batarda por exemplo, já atrás citado, que, entre novembro de 74 e agosto de 75 mantém no Sempre Fixe uma coluna com alguma regularida-de, revela nos seus artigos sobre o Grupo Acre uma posição criticamente hesitante, mais distanciado no que diz respeito aos círculos pintados na Rua do Carmo e com empenho mais favorável a propósito da ação e instalação da “repartição” de concessão de diplomas.

Contudo, também não é pela falta de impacto crítico ou mediático que o grupo cessa atividade e, se é certo que os incidentes que rodeiam a participação nos IV Encontros Internacionais de Arte das Caldas da Rainha contribuem bastante para o desfalecimento do Grupo Acre, outras razões pesam, em 1977, para um menor ímpeto criativo em grupo.

Para os dois membros do Grupo Acre, a deceção pelos acontecimen-tos decorridos nas Caldas soma-se a uma espécie de “anátema caído sobre

201 A/A (1975). “Uma grande razão para estar no mundo (…)”, artigo do Diário Popular já citado.

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o grupo”202 que tem expressão em vários infortúnios: a morte de Queiroz Ribeiro logo no primeiro ano de atividade do grupo, os ferimentos recor-rentes de Lima Carvalho em diversas ações, a prisão de Clara Menéres na ocupação de 1975, o processo de tribunal daí resultante, ainda em curso, e que dura anos. Os incómodos somam-se, tomando proporções ampliadas como sinais adversos que parecem desaconselhar a continuação, quebran-do o entusiasmo do grupo, apesar deste não se dissolver logo.

Entretanto, no país estabiliza-se o estado de direito e tudo vai acal-mando, numa evolução que não deixa de implicar alguma deceção para muitos, pelos anos inesquecíveis de paixão e empenhamento em mudanças muito temperadas pelo peso do passado recente e pela utopia; para outros, o período revolucionário é menos grato, a mutação dos centros de poder financeiro nefasta, o fim da guerra colonial tem como consequência o retor-no insatisfeito ou mesmo revoltado de muitos habitantes dos novos países africanos resultantes das independências. De tudo isso também vive algu-ma instabilidade resultante de certos abusos e excessos revolucionários e contrarrevolucionários, como a vaga de ataques bombistas, principalmente no norte do país, já referida.

Assim, o contexto político e social vai-se alterando num rumo libe-ral cada vez mais marcado pela retração do sentido coletivo face ao indi-vidualismo, num processo que regulamenta as liberdades e repõe algum conservadorismo203.

A realidade da instituição da legalidade parece apontar, também, para maior distanciamento entre a utopia da arte com o povo e para este, e uma arte sediada nos meios específicos, mais sofisticados e preparados para compreender projetos de qualidade. A tendência é, pois, para uma conjun-tura de maior moderação, bastante ao contrário do sentido do primeiro ma-nifesto do grupo Acre, que defendia precisamente uma “anti-moderação”.

Esse ano de 1977, em que o Centro Pompidou está aberto em Paris e já se planeia o Centro de Arte Moderna da Gulbenkian, traz forte suces-so individual a Clara Menéres depois da sua Mulher-Terra-Viva mostrada na Alternativa Zero, obra cuja imagem aparece em capa na Colóquio Artes no Outono, quase ao mesmo tempo da versão na Bienal de S. Paulo.

202 CARVALHO, Joaquim Lima (s/d). Arte e Actos Públicos do Grupo Acre. [S.l.: s.n.], (manuscrito do autor). A expressão é, também, usada mais de uma vez por Clara Menéres em conversas com a autora deste texto.

203 Não por acaso e sintomaticamente, a peça que o Grupo de Teatro A Barraca estreia em Dezembro de 1977 na SNBA, com o título Ao Qu’ isto Chegou, integra o peque-no drama A Lei é a Lei, de Luiz Francisco Rebello.

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Assim, tal como diz Lima Carvalho, “a iniciativa do grupo esmorece”. Há outras coisas a fazer e adiam-se ações do Acre em favor de outras “mais importantes e urgentes” pois, afinal, “o tempo não parou”.204 Em breve, a partida de Clara para Paris com uma bolsa de estudo acentua a tendência para a separação dos dois membros do grupo. Por outro lado, é também tempo de ambos prepararem provas académicas205 para que os próprios lu-gares de ensino na ESBAL sejam estáveis.

Desse modo, o Grupo Acre como que fica suspenso no tempo, sem, contudo, decretar o fim, ainda mais quando, pouco depois, os sinais do alvor dos anos oitenta nas artes vêm revalorizar a produção artística em suportes e linguagens mais convencionais de novo e exacerbar o indivi-dualismo mítico, trazendo progressivamente menor interesse por ativida-des coletivas.

Para Clara Menéres, o projeto do Grupo Acre nunca se fecha, con-tudo. E, tanto para ela como para Lima Carvalho, a história do grupo não chega a ser bem contada. De modos diversos, ao longo das décadas que se sucedem, mesmo quando ambos seguem vias separadas após a amizade e convívio serem corroídos pelas suas visões entretanto diferenciadas sobre ensino, arte e vida, une-os a afirmação do projeto por encerrar formalmente, na realidade que, afinal, se encarrega de apagar muitos rastros e decretar finais que nunca existiram.

Há, contudo, algumas reaparições do coletivo, embora não com obras novas mas em episódios de evocação das suas intervenções e ação históri-ca. Em diversas ocasiões, Clara Menéres e Lima Carvalho falam, separada-mente, do trabalho realizado pelo Grupo Acre. E pelo menos três exposições apresentam obras suas.

É o caso de Porto 60/70. Os Artistas e a Cidade, exposição na Fundação de Serralves em colaboração com a Cooperativa Árvore de janeiro a abril de 2001, na qual surge documentação sobre obras do grupo e é re-produzida na própria capa do catálogo uma fotografia da fita suspensa na Torre dos Clérigos em 1974.

Em Anos 70: Atravessar fronteiras, exposição realizada em 2009 no CAM (Centro de Arte Moderna da FCG), sob curadoria de Raquel Henriques da Silva e investigação de Ana Filipa Candeias e Ana Ruivo, a primeira ação

204 CARVALHO, Joaquim Lima (s/d). Arte e Actos Públicos do Grupo Acre (manuscri-to do autor já referido).

205 Quando Sá Carneiro falece no acidente de aviação, os dois artistas estão a realizar provas de agregação nas respetivas carreiras docentes na ESBAL.

do grupo Acre, na Rua do Carmo, vem a ser reconstituída na Rua Nicolau de Bettencourt, fronteiriça à entrada do Centro de Arte Moderna.

Essa reconstituição, que conta com o apoio de Clara Menéres e Lima de Carvalho, realiza-se agora em condições muito diferentes. É contratada uma empresa que, com base numa cópia do esquema de 1974 e munida de todas as autorizações agora requeridas pela lei para intervenções no espaço público urbano, pinta a rua rapidamente, com preocupações mínimas quan-to a acertos de escala, limites de formas, etc.

Certamente menos cuidado, o resultado formal é diverso do original. E a ação, desta vez, passa despercebida. A zona da cidade é diferente, a rua pouco central e, sobretudo, os tempos são outros.

Figuras 60Grupo Acre. Reconstituição em 2009 da obra da Rua do Carmo, de 1974, em frente do Centro de Arte Moderna da Fundação Gulbenkian, em Lisboa, por ocasião da exposição Anos 70: Atravessar fronteiras.

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Ainda por cima, desacertos entre as instâncias camarárias e uma em-presa contratada para obras na rua fazem com que escavadoras e martelos pneumáticos, logo no dia seguinte à inauguração, destruam parte do pavi-mento pintado, transformando rapidamente a zona de intervenção num es-taleiro que persiste durante semanas, pouco sobrando da ação e do impacto da rua pintada.

Longe da animação do Chiado de 1974, sem o seu intenso trânsito e fluxo pedonal de turistas e portugueses de todas as idades, sem a vista aé-rea do elevador de Santa Justa e, acima de tudo, mais de trinta anos depois, num contexto social e político muito diverso e com uma experiência mais diversificada de outras formas de intervenção no espaço público, é possível que o ativismo urbano deste tipo se tenha tornado morno, senão mesmo frio e banal, o contrário do que os artistas do grupo Acre defendem nos idos anos setenta.

Contudo, esta história de sabor póstumo é-nos útil para compreender que, sendo a obra do Grupo Acre um projeto (como diz Ernesto de Sousa) e sobretudo sendo, como sabemos melhor hoje, um projeto em contexto, do mesmo modo que seria impossível repetir esse contexto e reativar o am-biente pós-revolucionário em que essa obra é gerada e se torna plenamente viva, fazê-la aparecer noutro enquadramento global é condená-la a um es-vaziamento formalista, uma patética (e ainda por cima azarada), mesmo que bem intencionada, operação de recuperação vintage.

Mais recentemente, obras do Grupo Acre aparecem, agora de modo mais panorâmico da sua produção, na exposição Pós-Pop. Um Lugar Fora do Comum, na Fundação Calouste Gulbenkian, de abril a setembro de 2018. Ali, no espaço amplo da exposição, uma espécie de compartimentos de acesso relativamente mais reservado face à sala ampla albergam obras ou com caráter mais intimista, ou sexualmente explícito, ou até de teor político-ativista.

Num desses espaços semifechados e obscurecidos, parte de uma pa-rede é então dedicada a um conjunto de documentos sobre as intervenções do Grupo Acre. Vocacionadas para espaços públicos e ali fora de contexto, em grande parte limitadas a um registo documental, as obras surgem con-finadas a uma “cenografia” expositiva que não as valoriza, perdendo quali-dades e esvaziando conteúdos206. No entanto, concorde-se que não é tarefa

206 Clara Menéres manifesta à autora deste texto, poucos dias depois da inaugura-ção, algum desconforto face ao possível desvirtuamento de sentido das obras ao serem expostas deste modo.

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fácil expor com eficácia expressiva obras que, como estas, têm um perfil pouco consentâneo com salas de exposição.

Algum tempo antes, em 2016, Clara Menéres ainda mostra em Setúbal207, entre outras obras, um projeto recente seu que, de facto, se ali-nha, no espírito e na letra, com as criações do Grupo Acre do seu segundo ano de atividade. Na senda dos Diplomas de Artista do Grupo Acre, tam-bém aqui a autora cria um objeto concreto, uma medalha de bronze, que é acompanhada por um diploma ou certificado da atribuição, sendo ainda expostos retratos fotográficos (da sua autoria) dos condecorados. Essa sua Condecoração da Ordem O Fazer do Saber é, ao mesmo tempo, uma obra muito coerente com a crença da autora na importância do saber fazer na criação artística, cujo processo conceptual não tem hipóteses de desenvol-vimento e investigação sem a dimensão operativa que o sustenta: crença, aliás, pela qual Clara Menéres muito se bate também ao longo de toda a sua

207 MENÉRES, Clara (2016). Ver e Dar a Ver. Exposição no Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal, de 21 de maio a 24 de setembro, em Setúbal.

Figura 61Grupo Acre. Conjunto de documentos sobre as intervenções do grupo, com a lápide de 1977, na exposição Pós-Pop. Um Lugar Fora do Comum, na Fundação Calouste Gulbenkian, em 2018.

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Figura 62Clara Menéres. Condecoração da Ordem O Fazer do Saber. 2016.

carreira académica, até falecer, dois anos depois desta obra, pouco tempo depois da inauguração de Pós-Pop (...) e com essa exposição ainda a decor-rer na Gulbenkian.

Quanto a Lima Carvalho, continua ainda, sempre que oportuno e com memória incansável, a contar em detalhe a história do Grupo Acre.

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3. GRUPO ACRE, ARTE E DINÂMICAS COLETIVAS EM PORTUGAL

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3. GRUPO ACRE, ARTE E DINÂMICAS COLETIVAS EM PORTUGAL

O Grupo Acre é um caso paradigmático do tempo em que existe, com obras que se diferenciam entre si e que diferenciam o projeto do grupo. Mas não está solitário, nem surge de geração espontânea. Além da enorme impor-tância do contexto mais próximo no seu aparecimento, também outras res-sonâncias anteriores o determinam.

Grupo do Leão, artistas associados na Promotora, na SNBA, mais tarde na Árvore, na Gravura ou no Círculo de Artes Plásticas de Coimbra, Livres e Humoristas, futuristas do Orpheu, Independentes, Mais Além, Dimensionistas, grupos surrealistas e neorrealistas entre os cafés Herminius e Gelo com passagem pela Brasileira acolhedora de retratos de grupos de 1925 ou de 1971 e encontros de batismo e adjetivos variáveis, coletivos no-meados com letras e algarismos como 21G7, KWY, Quatro Vintes, todos es-tes são antecessores plausíveis do Grupo Acre no território nacional. Todos são, também, elos ativos numa dinâmica em que se debatem ações indivi-duais e sucessivas reações comunitárias com sinais diferentes. Talvez haja como que um efeito dominó em que todos participam, envolvendo também contemporâneos e sucessores dos Acre como o Puzzle, o 5+1, o Vermelho, o Phases, o If ou o Grupo Cores do CAPC, entre outros mais.

E, se ampliarmos a nomeação de laços referenciais possíveis do caso do Grupo Acre para espaços fora de fronteiras nacionais, à vizinha Espanha, ao espaço europeu e ao mundo inteiro — quer para uma relação causal da sua eclosão quer dos efeitos que suscita —, o número de casos multiplica--se a tal ponto, que parece haver uma onda geral, uma espécie de tendência coletivista, umas vezes mais visível do que outras.

Essa tem sido a suspeita subjacente à investigação deste texto, a par da noção da originalidade do Grupo Acre e do seu papel. Assim, na tentati-va de esclarecimento dessa suspeita, outra hipótese surge aqui mais perto de constituir um estudo produtivo: a de haver uma “onda” coletivista no contexto nacional, diferenciada e particularmente expressiva na segunda metade do anos setenta, com elos e valores estéticos passíveis de iden-tificação autónoma, no fundo associada ao próprio processo político de abertura que o país vive então, tão único. Ora a possibilidade de existência dessa tendência na época referida não nega, contudo, que, havendo casos anteriores a essa época, exista um eixo comum que ligue tempos diversos, ou, pelo menos, coincidências.

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Aliás, já explicada na introdução, a preferência assumida neste texto pela designação dinâmicas coletivas (em hipótese anterior: “em modo cole-tivo”) permite perspetivar mais corretamente a posição de artistas e outras pessoas que assumem a criação artística estendendo a presença individual do autor-artista a maneiras conjuntas ou comunitárias de atuação, median-te a associação entre artistas e não só. Nem sempre, aliás, se trata de cole-tivos artísticos, mas também de processos de conjugação de ações ou tare-fas, de colaboração, ou de participação, termos que no século XXI têm vindo a banalizar-se e cabem genericamente nas práticas coletivistas. Também nem sempre é a criação artística o propósito, e antes algo que a contém: um ativismo mais amplo que se perspetiva na relação com os meios artísticos, culturais, sociais ou políticos.

Mas, independentemente do questionamento sobre as finalidades ou dos modos de colaboração no trabalho da criação artística ou para ela, in-teressa aqui reter que, frequentemente, o movimento que leva os artistas e outras pessoas a trabalharem sistematicamente em conjunto advém não só de interesses determinados, mas também de uma espécie de voragem que, em certos períodos, se torna como que contaminante e irresistível, sendo natural que haja outros que optem por modus operandi idênticos.

E, evidentemente, o facto de haver exemplos anteriores é estimulante.Ora, tal como acima se alinhava, certamente que o Grupo Acre tem

antecedentes e casos paralelos nas dinâmicas artísticas coletivas, tanto na arte portuguesa como num âmbito mais lato. Por vezes, o coletivismo cor-responde a uma dinâmica social, um movimento que se enraíza numa ten-dência que a própria História motiva e que surge também noutros exemplos de campos diversos, grupos, ações, movimentos e, por vezes até, gerações, já numa perspetiva historicamente mais ampla.

Interessa, pois, recordar alguns casos que permitam, de novo, perce-ber a genealogia do Grupo Acre e a trama de ligações ao seu tempo, inda-gando a possibilidade de existência de uma tendência de fundo persistente ou interrompida, expressiva ou não, em suma, de uma dinâmica coletiva que, de algum modo, acolha e justifique mais inteiramente a irrupção do coletivo.

Embora isso seja, certamente, mais provável no tempo próximo da sua atividade, ou seja, nos anos setenta, são importantes influências anteriores — por vezes até bastante anteriores — antecedentes que, de algum modo, se fazem ecoar no tempo.

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3.1. Ecos das vanguardas

A limite, é possível conceber que na génese do Grupo Acre jazem latentes reminiscências remotas como as dos ateliers dos artistas maneiristas, nos quais, quer no processo criativo quer nos primórdios do ensino artístico ali sediado, a defesa da individualidade do artista se debate com hábitos an-teriores (de tempos medievos) de colaboração em coletivo, “em atelier” ou “escola de” que, frequentemente, diluem ou empalidecem nome e apelidos próprios. Seguramente essa é uma fase expressiva na tensão entre uma tendência mais individualista e outra de sinal coletivo. Mas não vamos tão longe, pois são certamente mais expressivas outras evocações um pouco menos distantes que, se bem que não contemporâneas dos artistas do gru-po, fazem parte da sua formação e interesses entre Porto e Lisboa, sem contudo fechar nessas cidades uma possível geografia de ecos.

Por exemplo, certamente terá sido eloquente para os membros do Grupo Acre um certo genius loci, ancestral habitante das imediações do Chiado lisboeta e da Rua do Carmo, zona que dois deles frequentam em 1974 como professores nas Belas Artes e que, nesse ano, é palco da pri-meira ação do grupo. Ali abundam desde o século XIX ecos de tertúlias, como a do Grupo do Leão, que associa artistas como José Vital Branco Malhoa, Henrique Pinto, João Ribeiro Cristino, João Vaz, Silva Porto, António Ramalho, Moura Girão, Rafael Bordalo Pinheiro, Columbano Bordalo Pinheiro, Cipriano Martins e José Rodrigues Vieira208. Inevitável é recordar a pintura que, com esse nome, Columbano Bordalo Pinheiro retrata o grupo em 1885, presente no Museu do Chiado e, embora este museu esteja fecha-do ou pouco acessível no tempo de vida prévia e ativa do Grupo Acre, a pin-tura é bem sua conhecida. Inevitável é, também, recordar nas proximidades da mesma Rua do Carmo a cervejaria O Leão, que origina o nome do grupo, pois é ali que se encontram em tertúlia aqueles artistas, contribuindo para a sua decoração com pinturas por si cedidas.

208 Embora acabe por fazer parte do grupo menos visivelmente, a pintora Josefa Greno raramente é referida. Trata-se de uma andaluza casada com o pintor Adolfo Greno, aparentemente retratada com o marido por Columbano na assistência do seu Concerto de Amadores de 1868. Ela é biografada por Luís Varela Aldemira em 1951, com relato dos “episódios” da sua dedicação à pintura e qualidades con-quistadas nesse âmbito, a consequente emancipação financeira quando o marido perde prestígio, o que culmina com o assassínio do marido pela artista por maus tratos, e depois a sua prisão e a morte, bem como a polémica psiquiátrica que persiste depois.

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 Quando a cervejaria se transformou em café-restaurante, na Primavera de 1885, todo o «Grupo» colaborou com os seus trabalhos na decoração gratuita das paredes desse célebre café da rua do Príncipe (hoje 1º de Dezembro). Lá estavam o «Paul da Outra Banda», de Malhôa; a «Ponte do Fidalgo», de Ribeiro Cristino; por cima duma das portas, o retrato de Monteiro, o proprietário, sobre  um fundo de casaria branca de  Lisboa, de Columbano; o «Interior do Curral», de Moura Girão; as «Rosas e Begónias», de Rodrigues Vieira; as «Caricaturas do Grupo», por Rafael Bordalo Pinheiro; a «Vista do Tejo», de João Vaz; o «Quinteiro», de Silva Porto; as «Macieiras em Flor», de José Malhoa; e à entrada, do lado direito, o célebre quadro de Columbano que era a consagração para a história do irreverente e valioso «Grupo do Leão».209

A presença simbólica deste grupo permanece relevante nos meios ar-tísticos portugueses pois se, por um lado, a sua ligação como artistas reside

209 QUEIROZ, Amilcar de Barros (1951). Da Promotora de Belas-Artes e do Grémio Artístico à Sociedade Nacional de Belas-Artes, 1860-1951. [em li-nha]. Disponível em: https://www.snba.pt/index.php?article=34&firstrun=false [Consult. 8 out. 2019].

Figura 63Columbano Bordalo Pinheiro. O Grupo do Leão. 1885.Óleo s/tela, 201x376 cm. Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado.

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sobretudo no encontro de afinidades mais do que na criação de obras con-juntas, também não deixam de afirmar princípios comuns que estão subja-centes à vertente de intervenção por via de uma certa pressão institucional. A ideia de uma criação artística inovadora para além dos parâmetros aca-démicos leva a que preconizem que os ateliers se expandam para o ar livre, fazendo da paisagem um motivo com maior liberdade de experimentação e expressão, na distância dos impressionistas que, em Paris, alguns terão observado com reserva. Já em 1880, é da sociabilização destes artistas que nasce o projeto do Salão de Arte Moderna. E, desejosos de maior moder-nização artística, são dissidentes da Sociedade Promotora de Belas Artes, criando o movimento que leva à fundação da SNBA, nela ecoando o seu caso e exemplo no século XX.

A SNBA (Sociedade Nacional de Belas Artes) torna-se assim, en-tretanto, local de encontro dos artistas e câmara de ressonância das suas ações conjuntas. É fundada em 1901 após um processo que vem de meados do século XIX e que passa pela existência em Lisboa de uma Sociedade de Belas Artes, seguida no final do século pela fusão da Sociedade Promotora de Belas Artes e do Grémio Artístico. Desde a sua constituição trata-se, tal como o nome indica, de uma sociedade (que integra artistas e arquitetos, críticos, historiadores ou simplesmente amantes das artes plásticas), logo assente na existência de sócios que pagam uma quota, o que confere alguma autonomia mesmo que haja, pontual e irregularmente, apoios estatais. Com edifício próprio desde 1913, “palco de lutas importantes nos cruzamentos da arte com a política”210, ali decorrem inúmeros acontecimentos artísticos que colocam esta instituição num lugar destacado da cultura artística por-tuguesa, pugnando “ democraticamente pela defesa da arte e dos artistas, promovendo o ensino artístico, realizando exposições e outras iniciativas, e colaborando com outras instituições culturais.”211 No cumprimento dos objetivos definidos nos Estatutos, a SNBA faz por “promover e auxiliar o progresso da arte em todas as suas manifestações, defender os interesses dos artistas e, em especial, dos seus associados (...); cooperar com o Estado e com as demais instituições competentes em tudo o que interesse à arte nacional e ao desenvolvimento da cultura artística”212.

210 TAVARES, Cristina Azevedo (2016). 115 anos da Sociedade Nacional de Belas Artes. [em linha]. Disponível em: https://www.snba.pt/index.php?article=2101&-firstrun=false [Consult. 8 out. 2018].

211 Ibidem.212 SNBA. Sociedade Nacional de Belas Artes (2019). Estatutos. [em linha]. Disponível

em: https://snba.pt/a-snba/estatutos/ [Consult. 28 fev. 2021].

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Nessa atividade destacam-se os salões, logo desde a fundação, inú-meras exposições coletivas, algumas das quais de grande participação e impacto, exposições individuais, encontros de artistas e outros protagonis-tas do pensamento artístico, amadores e amigos, conferências e colóquios, participação em comissões consultivas e debates sobre políticas culturais e artísticas, bem como uma aposta pedagógica marcada pela criação de cursos de formação destinados a públicos variados.

É, assim, uma instituição que opera fundamentalmente na produção de eventos artísticos, por onde muitos grupos de artistas passam, onde acontecem muitos debates que consolidam o campo das ideias e da ação ao longo de todo o século XX e, frequentemente, tem sido portadora da voz dos artistas e dos seus sectores nas políticas culturais. Ali se mostra O Fado de Malhoa, primeiro presidente da SNBA, ali se desenvolvem ações dos paisa-gistas da geração de Silva Porto, dos Cinco Independentes, ali acontecem as Exposições Gerais, a partir da 2ª, em 1947, em que a PIDE irrompe a 13 de maio apreendendo 15 pinturas. Ali têm espaço inúmeras exposições de arte moderna depois dos anos 50, bem como outras atividades culturais e inclusive pedagógicas, debates com artistas, arquitetos e outros, encontros de críticos de arte, etc.

De facto, a Sociedade Nacional de Belas Artes tem uma história tão expressiva na arte portuguesa modernista e contemporânea que a insti-tuição é condecorada em 1983 e em 2004. Artistas como Lima Carvalho e Clara Menéres, membros do Grupo Acre, ali ocupam cargos de direção e expõem individualmente e em coletivas. E ali o próprio Grupo Acre tem um espaço especial.

Neste périplo histórico sobre atividades de artistas que exprimem, de algum modo, uma tendência associativista ou coletivista, formalmente ou não, no nosso país, destaque-se o ano de 1911. A Sociedade Silva Porto, grupo dedicado a um paisagismo naturalista existente entre 1900 e 1912, abre então uma exposição patrocinada por Carlos Reis.

Mas esse é também o ano em que sete pintores oriundos da Escola de Belas Artes de Lisboa e que tinham estudado em Paris — Manuel Bentes, Eduardo Viana, Emmerico Nunes, Alberto Cardoso, Francisco Smith, Domingos Rebelo, F. Álvares Cabral e o brasileiro Roberto Colin — ficam conhecidos como Os Livres numa exposição na capital, na qual mostram as suas influências diversas, um misto do paisagismo de Barbizon com Monet e Puvis de Chavannes.213 Diz Manuel Bentes, o promotor da exposição:

213 FRANÇA, José-Augusto (1999). “Anos 10. O fim de Oitocentos e os Anos 10”. In

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Queremos ser livres! Fugimos aos dogmas do ensino, às imposições dos mestres e, quando possível, às influências das escolas, porque cremos que os artistas têm uma só escola — a Natureza; um dogma único — o Amor.214

O programa é contraditório numa linha que tanto defende a Natureza, como se pretende anti-naturalista, na prática atestando o de-sejo de afastamento dos antigos valores e, por outro lado, não aceitando uma aproximação ao impressionismo. A exposição acaba criticada como medíocre ou pouco expressiva (Amadeo recusa participar e exprime o seu desacordo) e surge como parca alternativa a exposições melhores de ar-tistas tidos como convencionais e até de Viana, que se mostra individual-mente pouco mais tarde. Mas é já um sinal do modernismo nascente que, em breve, surge mais nítido.

Se esta exposição de finalidades reativas acaba em fracasso, já o I Salão dos Humoristas no Grémio Literário é, no ano seguinte, um suces-so com direito a vernissage presidencial e grande afluência e aceitação do público, embora também neste caso dos Humoristas continue a não existir trabalho que possa ser tido como coletivo, e se trate, como antes, de uma conjugação de interesses, neste caso em torno da homenagem a Rafael Bordalo Pinheiro e Celso Hermínio. Expõem Almada, Cristiano Cruz, Jorge Barradas, etc., sob presidência de Manuel Gustavo Bordalo Pinheiro, filho de Rafael e como este caricaturista, revelando a exposição afinidades no despojamento formal e narrativo, sobretudo centrados na tradição do dese-nho de caricatura e no humor.

Em 1915, a par da I Grande Guerra ainda à distância de Portugal nessa altura, surge o “abalo sísmico”215 do Orpheu, artistas e escritores associa-dos ao movimento modernista, ao futurismo e à revista de nome idêntico que, de novo, constituem uma referência que ecoa ao longo de todo o século XX e depois. Luis de Montalvôr, Mário de Sá-Carneiro, Ronald de Carvalho, Fernando Pessoa, Alfredo Pedro Guisado, José de Almada Negreiros,

PERNES, Fernando (Coord.), (1999). Panorama da Arte Portuguesa do Século XX. Porto: Fundação de Serralves/ Campo das Letras, p. 42.

214 SILVA, Raquel Henriques (1995). “Sinais de ruptura: “livres” e “humoristas”. In PEREIRA, Paulo (Dir.), (1995). História da Arte Portuguesa. Terceiro Volume. Do Barroco à Contemporaneidade. Lisboa: Círculo de Leitores, p. 369.

215 LISBOA, Eugénio (1977). O Segundo Modernismo em Portugal. Lisboa: Instituto da Cultura Portuguesa / M.E.I.C. /Secretaria de Estado da Cultura, p. 13.

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Armando Côrtes-Rodrigues, José Pacheco, Santa-Rita Pintor, Eduardo Guimarães, Ângelo de Lima, Raul Leal, Violante de Cysneros e António Ferro colaboram na revista, ficando assente que pretendem subverter a situação social e cultural, “dar uma bofetada no gosto público”, sacudir as águas, es-candalizar, criar uma nova forma de ver o mundo. Almada Negreiros, central nessa luta irreverente e até por vezes quase insultuosa em prol da renovação e do modernismo, alinha no tom geral dos manifestos de que os futuristas lançam mote, fazendo soar em 1915 o seu Manifesto anti-Dantas e, em 1917, o Ultimatum Futurista às Gerações Portuguesas do Século XX (que chega a fazer a apologia da guerra), entre outros textos declamados. Com as Notas para uma Estética Não-Aristotélica de Fernando Pessoa-Álvaro de Campos (publicadas em 1924), fica-se ciente de uma espécie de breve coro nem sem-pre afinado, de uma “vontade de épater”216 que se sobrepõe ao futurismo, este revelado “mais pelos títulos do que pelo sistema formal”217.

Nesse coro força-se, ainda, a integração de Amadeo que, depois de Paris, se isola em Manhufe, frequentando, sem encontros, o círculo simulta-neísta dos Delauney e que, em 1917, realiza duas exposições (Porto e Lisboa). Mas, como afirma França, de “futurista pouco tinha”218. E permanecem ain-da ecos de um Santa-Rita de atmosfera lendária (ou de “fumisterie”219), tal-vez o mais futurista de facto.

Depressa há dissensões, tornando problemático o terceiro número da revista, mas o tom (acre, poderia dizer mais tarde Clara Menéres) está achado e vai manter-se na edição de Portugal Futurista, dois anos depois, claramente associada ao futurismo e com mais nomes internacionais.

Para além da revista, mais do que a criação conjunta de obras, de-vem referir-se afinidades de perspetiva destes autores face ao seu tempo, marcadas não apenas pela vontade de esquecer o passado (não olhar para trás, como Orpheu) e inovar, mas também de construir a modernidade. Esta assume diferentes perfis conforme cada autor do grupo, por vezes recupe-rando as anteriores vias do impressionismo e do simbolismo, mas também apostando, como no caso de Santa-Rita e Amadeo, na procura de novas espacialidades essenciais à renovação dos discursos artísticos.

216 FRANÇA, José-Augusto (s/d.). A Arte e a Sociedade Portuguesa no Século XX. Lisboa, Livros Horizonte, p. 17.

217 Idem, p. 18.218 Idem, p. 22.219 Idem, p. 26.

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Enquanto estes artistas procuram intensamente vias inovadoras, ou-tros, mais tradicionalistas, organizam-se também em grupos de estabilida-de casual. O paisagismo naturalista continua a ter adeptos e o chamado Grupo Ar-Livre II, ativo com Carlos Reis, Falcão Trigoso, António Saúde e Alves Cardoso entre 1919 e 1923, realiza as suas exposições no Salão Bobone, podendo ainda assinalar-se a presença na cena portuguesa do Grupo Silva Porto em 1931, também com Carlos Reis, entre outros, e pro-pósitos idênticos.

A denominação Os Independentes é marcante durante décadas, re-petindo-se como rótulo de grupos diferentes, normalmente sem configura-ção fechada.

Surge em Portugal em 1923, já depois de, nos contextos internacio-nais, ser usada para afirmar vias alternativas ou inovadoras face a poderes instituídos nas artes (veja-se o caso do Salon des Indépendants anual, em Paris, realizado pela associação de artistas homónima desde 1884 que, por

Figura 64Portugal Futurista. Capa da revista. 1917.

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sua vez, está na história de base da criação da Society of Independent Artists em cujo primeiro salão, na Nova Iorque de 1917, certa Fountain é recusada.

Por cá, o nome começa por batizar a aparição conjunta de Dordio Gomes, Henrique Franco, Francisco Franco, Alfredo Miguéis e Diogo de Macedo, com os convidados Almada Negreiros, Eduardo Viana e Milly Possoz. São Os Cinco Independentes. Tal como nos casos anteriores, a designação não envolve qualquer projeto comum, a não ser talvez, nova-mente, uma certa comunidade de ideias enraizadas, neste caso, na esta-dia em Paris dos artistas: é declarada a vontade de demarcação da peque-nez nacional e de aparecer em conjunto, e mostram-se obras individuais. A aparição em grupo é, sobretudo, estratégica. Aliás, é expressivo o Auto-retrato num grupo que Almada pinta para a Brasileira em 1925 e que lá permanece até 1971 (hoje na coleção da Fundação Calouste Gulbenkian), sobre o qual o próprio artista refere mais tarde “a falta de outros, de

Figura 65Almada Negreiros. Auto-retrato num grupo. 1925. (Café A Brasileira do Chiado).Óleo s/ tela, 130x197 cm. Museu Calouste Gulbenkian.

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outros iguais a mim, de outros que venham ter comigo e eu com eles”.220

No entanto, há novidades nos discursos e na linguagem artística que usam, pois quase todos procuram alguma sintonia com as expressões do seu tempo, seja pelas sugestões temáticas, seja pela aproximação à frag-mentação espacial do futurismo e do cubismo, ao colorido simultaneísta, por exemplo. E, ao sabor do tempo, publicam-se manifestos que declaram princípios, por norma, distintivos, ou pretendendo sê-lo.

Diversas exposições acontecem na SNBA, entre 1930 e 1935, sob a égide dos Independentes.

O 1º Salão dos Independentes221 abre em maio de 1930 na SNBA com a participação de 49 artistas de várias gerações e campos artísticos (pintu-ra, escultura, arquitetura, desenho, gravura, ilustração e fotografia), depois de estar previsto para o jardim de Inverno do cinema S. Luís.

A exposição afirma-se voltada para gente nova, europeia, visando uma renovação cultural que o manifesto, redigido por António Pedro, explicita.

Estão presentes na fotografia da inauguração Abel Manta, Menezes Ferreira, Rui Gameiro, Arlindo Vicente, Luís Cristino da Silva, António Pedro, Carlos Botelho, Diogo de Macedo, José Tagarro, Ofélia Marques, Bernardo Marques, Jorge Barradas, António Duarte, Luís Teixeira, Olavo D’Eça leal, Luís Reis Santos, Carlos Queirós. E há também obras de Dordio Gomes, Mário Eloy, Carlos Ramos, Francisco Franco, Lino António, Jorge Segurado, Almada Negreiros, Sara Afonso, Mily Possoz, Júlio, Cottinelli Telmo, Raul Tojal, Mário Novais, etc., ou seja, uma parte muito significativa dos artis-tas vivos (embora estejam ausentes dois arquitetos que então desenvolvem grandes obras: Pardal Monteiro e Cassiano Branco).

O salão é assim, um acontecimento, que o catálogo documenta am-plamente e estende a outros domínios da reflexão. Também são apresenta-dos vários projetos, grande parte nunca realizados, como a fundação de uma Sociedade Portuguesa de Arte Contemporânea, ideia já vinda de trás mas falhada de novo, a revista Manifesto (Diogo de Macedo e António Pedro) e um Cancioneiro, no geral com bastante impacto.

220 LEITE, Sofia (2016). “Auto-retrato num grupo, de Almada Negreiros”. RTP Arte num minuto. Programa da RTP em parceria com a FCG. [em linha]. Disponível em: https://www.rtp.pt/noticias/cultura/auto-retrato-num-grupo-de-almada-negrei-ros_v934746 [Consult. 29 ag. 2017].

221 FRANÇA, José Augusto (1980). “Há cinquenta anos. Os Independentes de 1930”. Colóquio Artes. Nº 46, setembro, p. 24-35. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

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Figura 66António Pedro. Manifesto do 1º Salão dos Independentes. 1930.

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Mas, se existe um espírito do tempo e uma ideia de modernidade pa-tente, as obras não deixam de afirmar discursos individuais.

O mesmo nome surge mais tarde numa exposição de estudantes na ESBAP, no Porto em abril de 1943, a 1ª de uma série de 9 exposições de Independentes até 1950: Júlio Resende, Nadir Afonso, Fernando Lanhas (elemento mais destacado a partir da 2ª exposição), Arlindo Rocha, António Sampaio e outros que constituem a formação inicial. Depois, juntam-se pou-co a pouco Arthur Barbosa da Fonseca, Martins da Costa, Victor Palla, e Rui Pimentel (Arco). Após a 3ª exposição, o grupo perde o carácter estudantil, com a adesão de Joaquim Lopes, Dordio Gomes (Independente já de 1923), Abel Salazar, Carlos Carneiro, Guilherme Camarinha, António Azevedo, Júlio Pomar, Neves e Sousa e António Cruz, fazendo ainda parte Amândio Silva, António Lino, Aníbal Alcino.

Sob dinamismo portuense centrado em Fernando Lanhas, os locais variam, conforme as condições: Porto, Lisboa, Coimbra, Leiria e Braga. No catálogo da exposição de 1944, diz-se: “Este título, Exposição Independente, não é um nome de acaso. Significa porta aberta a todas as correntes, tribu-na acessível às mais variadíssimas tendências plásticas, alheia a compro-missos estéticos.”222

Haverá ainda, em 1959, na SNBA, a exposição 50 Artistas Indepen-dentes, que surge em concorrência com o salão dos Novíssimos, do SNI, assim conotando este com a dependência do regime. Os Independentes de 1959 (são, de facto, 51 artistas oriundos, “muitos deles, das Exposições Gerais, num momento particularmente crítico da vida política nacional”223) têm uma comissão organizadora constituída apenas por artistas: Conceição Silva, João Abel Manta, Fernando de Azevedo, Jorge Vieira, Júlio Pomar e Marcelino Vespeira, com apoio de José-Augusto França.

Também neste caso, a designação não traduz a existência de um gru-po de artistas com programa criativo que tenha como consequência uma obra de autoria comum. Há, sobretudo, elos de afinidades, nuns casos de natureza política, noutros de ordem estética, formal, iconográfica e até mesmo afetiva, que invocam na exposição uma posição mais ou menos con-junta, em que se percebe tanto o desejo de maior sentido de modernidade, por exemplo de tendência abstrata, como as preocupações sociais marca-das pela realidade atravessada pela luta contra a ditadura, pela liberdade.

222 GONÇALVES, Rui Mário (1980). Pintura e Escultura em Portugal 1940-1980. Lisboa: Ministério da Cultura e da Ciência/Secretaria de Estado da Cultura, p. 34.

223 FRANÇA, José-Augusto (1974). Arte em Portugal no Século XX. Lisboa: Bertrand, p. 483.

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Ao contrário dos Independentes, cuja aparição se desdobra duran-te três décadas sob intenções nem sempre idênticas, o fulgor do Orpheu é breve, mas ecoa longamente, apesar de, no campo literário, ser uma geração seguinte, a da Presença, que melhor defende escritores mais velhos como Pessoa. A partir da revista assim designada, publicada em Coimbra a partir de 1927 até 1940 e assumida no cabeçalho como ‘Folha e Arte e Crítica’, pontuam José Régio, João Gaspar Simões e Branquinho da Fonseca, sob uma tendência crítica geral para alguns defensora de esteti-cismo, individualismo e psicologismo, nem sempre justamente. A revista é mais vocacionada para a literatura e surge no esteio da NRF (Nouvelle Revue Française, em que se destaca André Gide), tal como esta assumin-do-se como um agrupamento de amigos sem doutrina fechada e, embora como esta venha a ser acusada de “capelinha”, tem influência no pensamen-to estético que abrange as artes plásticas, criando pontes entre estas e a literatura, com artistas que gravitam nas proximidades. Ali se publicam in-tervenções dos já referidos Régio, Fonseca e Simões, mas também de Raúl Leal, Manuel de Oliveira, Diogo de Macedo, António de Navarro, Fernando Lopes Graça, Delfim Santos, José Marinho, Mário Saa, José Bacelar, Adolfo Casais Monteiro, Albano Nogueira, Guilherme de Casquilho, etc., e até pá-ginas dos futuristas (Pessoa/Álvaro de Campos, Almada Negreiros e Mário de Sá-Carneiro), fazendo ligação ente Coimbra e Lisboa.

Percebe-se nos textos mais influentes de José Régio — aquele que então mais escreve sobre arte (e cinema) e não apenas literatura — o ênfa-se dado às questões artísticas em si e à paixão do artista que, na sua obra, pode fazer transparecer o real mas não deve ser isso que o move, mas sim o jogo existente na expressão artística. “O ideal do Artista nada tem que ver com o do moralista, do patriota, do crente, ou do cidadão”, escreve Régio na Presença de fevereiro de 1928224. Alguns artistas colaboram, sobretudo gra-ficamente: Almada, Júlio, Bernardo Marques, Arlindo Vicente, Mário Eloy, por exemplo. O programa ideológico da Presença herda alguma irreverência do Orpheu, mas é mais moderado, construindo hipóteses de conciliação en-tre a realidade e a expressão artística:

Sem a Torre de Marfim, não chegaria a haver expressão conseguida, obra de arte realizada. Sem a descida à vida, nem essa expressão seria

224 RÉGIO, José (1928). “Literatura Livresca e Literatura Viva”. Presença. Nº 9, 9 de fevereiro, p. 2. [em linha]. Disponível em: https://digitalis-dsp.uc.pt/bg4/UCBG-RP-1-5-s1_3/UCBG-RP-1-5-s1_3_master/UCBG-RP-1-5-s1/UCBG-RP-1-5-s1_item1/P65.html [Consult. 1 ag. 2020].

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expressão artística: pois seria o continente sem conteúdo, a expressão sem o expresso — expressão retórica em seu sentido pejorativo.225

Nos seus 13 anos de existência, a Presença surge com sinal opos-to, mais conservador, relativamente ao Orpheu, a cuja herança acaba por dar continuidade. Sobretudo, “tiraram a primeira geração, e logo Fernando Pessoa, do parêntesis em que a vida nacional os fechara”226, atualizando premissas adquiridas da apologia do futurismo, só que num tom distanciado e crítico:

Depois, entra a fanfarra dos ismos! O Futurismo exige a liberdade das palavras! proclama a pintura simultânea! Magnifica o lirismo da força, da saúde brutal, da alegria animal, da velocidade, do sol! O cubismo desenvolve novas harmonias de cores, novas arquitecturas de linhas, novos jogos de volume — refaz o mundo pela cabeça dos cubistas! O expressionismo desencadeia sobre a natureza todos os sonhos, febres, ânsias e tormentas do homem interior. O Dadaísmo declara desprezar a Arte, reduzindo-a à revelação espontânea do homem primitivo. O ul-tra-realismo afasta toda a realidade realista! Mas teorias sucedem-se, combatem-se, negam-se, aniquilam-se, satirizam-se — nascem num dia, morrem num mês...Todas as construções dogmáticas, todas as afirmações generalizadoras ruem.227

Aberta a diferentes colaboradores, defensora da arte pela arte e da liberdade interior e independência, a revista integra ainda os que serão fu-turos dissidentes da linha mais formalista e individualista, carentes de um outro conceito de enraizamento social do pensamento estético que, entre-tanto, se desenha: João José Cochofel, Mário Dionísio, Fernando Namora, Miguel Torga e outros. Nessa altura O Diabo, semanário de Lisboa, e a revis-ta Sol Nascente, do Porto, vão estar na linha da frente das polémicas, já no contexto dos debates do neorrealismo.

225 RÉGIO, José (1967). Três Ensaios Sobre Arte. Porto: Brasília Editora, p. 43.226 FRANÇA, José-Augusto (1977). “Presença e as artes”. Colóquio Artes. Nº 33, ju-

nho, p. 51-59. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.227 RÉGIO, José (1928). “Literatura Livresca e Literatura Viva”. Presença. Nº 9, 9 de

fevereiro, p. 7. [em linha]. Disponível em: https://digitalis-dsp.uc.pt/bg4/UCBG-RP-1-5-s1_3/UCBG-RP-1-5-s1_3_master/UCBG-RP-1-5-s1/UCBG-RP-1-5-s1_item1/P65.html [Consult. 1 set. 2020].

3. GRUPO ACRE, ARTE E DINÂMICAS COLETIVAS EM PORTUGAL 197

Retrocedendo no tempo e de novo no Porto, também se distingue em 1928-30 o Grupo Mais Além, com arquitetos e pintores: Guilherme Camarinha, Dominguez Alvarez, Adalberto Sampaio, Arménio Losa, Artur Justino Alves, Augusto Gomes, Cruz Lima, Fernando Leão, Fortunato Cabral, Januário Godinho, Laura Costa, Luís dos Reis Teixeira, Mário Cândido Morais Soares, Mendes da Silva, Ventura Porfírio. Num antagonismo imediatamen-te direto à homenagem da cidade ao pintor Marques de Oliveira, paradigma naturalista, o grupo expõe em 1929 no Salão Silva Porto. Pretende uma di-ferenciação do ensino académico e da estética naturalista, afirmando no Manifesto próprio, Em Defesa da Arte, que a arte deve constituir-se como “qualquer coisa que grita, que nos contorce e nos abre a sensibilidade”228. Mas, além dessa obrigação emocional, defende-se “a responsabilidade da arte na transformação da sociedade através do seu poder de interpelar e emocionar cada indivíduo tendo, por isso, a obrigação de ir ‘além’ da pura mestria técnica.”229

Esse “ir além” é, no fundo, a sua palavra de ordem que se refere à bus-ca de uma dimensão expressiva e, sobretudo, de uma relação próxima com o seu tempo, que consideram inexistente ou insuficiente nos outros artistas de então, mesmo que sabedores do seu ofício.

Numa linha de oposição à Presença por diferendos políticos e tam-bém assentes na sua via mística, Cândido Costa Pinto, jovem pintor na-tural da Figueira da Foz, funda em Coimbra o Grupo dos Divergentes em 1931-32 com outros artistas: Manuel Filipe, Chorão Ramalho e Alcindo Madeiro. Não é então ainda visível a expressão surrealista que irá carac-terizá-lo após 1941, quando expõe individualmente no Estúdio do SPN, depois de uma coletiva académica em Coimbra em 33 e de uma parti-cipação no 5º Salão de Arte Moderna do SPN em Lisboa, no ano ante-rior. Desse grupo, não parece haver outros sinais, mas pode evocar-se a conferência daquele artista em 1945, intitulada O Complexo Conceptual,

228 MELO, Ana Vasconcelos e; FERREIRA, Emília (2006). Dominguez Alvarez — 770, Rua da Vigorosa, Porto. Exposição na Fundação Gulbenkian, 18 de Maio a 15 de Outubro de 2006. [em linha]. Disponível em: https://gulbenkian.pt/museu/past--exhibit/dominguez-alvarez-770-rua-da-vigorosa-porto/ [Consult. 30 jul. 2019].

229 SOARES, Maria Leonor Barbosa (2003). “Pensando Sobre o Tema ‘Em Redor do Século XX... Trajectos da Pintura e da Escultura’. Apontamentos para um estudo conjunto, galego e português, sobre a prática artística com origem a norte do Douro”. Revista da Faculdade de Letras Ciências e Técnicas do Património. I Série vol. 2, p. 618. Porto: Universidade do Porto. [em linha]. Disponível em: http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/2934.pdf [Consult. 25 jan. 2010].

GRUPO ACRE FEZ 1974–77 198

que sob influência do Krishnamurti pugna por “desembaraçar a perceção de todos os preconceitos”230.

Com os anos 30, evolui, entretanto, o que será o mais longo e expres-sivo movimento sob sinal não exatamente coletivo, mas acentuadamente totalizante, caracterizando-se por enorme peso institucional em longo das décadas seguintes. É o que, sem nome nem grupos definidos ou fechados, vai estar subjacente à arte do Estado Novo e do salazarismo, de modo bas-tante complexo e contraditório.

Em 1933 António Ferro, jornalista moderno da geração do Orpheu, propõe a Salazar, recente e jovem governante, “a mobilização da arte, da literatura e da ciência para a construção da ‘grande fachada de uma nacio-nalidade’, da nacionalidade que Salazar se propunha refazer.”231

Não se trata de um programa estético, mas, sobretudo, político, visan-do a moldagem de uma imagem de identidade comum, com o exemplo de Mussolini presente, e que se estabelece no acordo que daí resulta, um “con-trato moral e político”232. Bem posicionado e informado, Ferro é colega de liceu de Mário de Sá-Carneiro, dá-se com artistas e escritores desde jovem, assiste à exposição dos Livres de 1911, dos Humoristas, dos Modernistas; sidonista, é editor do jornal República e desenvolve uma carreira jornalís-tica e literária, viajando muito e entrevistando celebridades políticas e cul-turais internacionais. Ele é, assim, a alma do novo SPN (Secretariado da Propaganda Nacional), o ideólogo central na modelação da nova imagem modernista da identidade lusa no Estado Novo. Para ele, a arte deve ter um efeito de coesão histórica e mítica, de integração e unificação dos territó-rios, dos povos do continente e colónias, de harmonização conveniente sob a égide do “portuguesismo”, numa imagem de comunicação eficaz que una os sentidos popular, erudito e moderno.

E, para esse efeito, concorrem iniciativas diversas do seu cunho, tais como, em 1935 a I Exposição de Arte Moderna do SPN, depois levada a Genebra, a II, III e IV Exposições de Arte Moderna nos anos seguintes com os Prémios Columbano e Souza-Cardoso e a Exposição de Arte Popular de 1936, a participação portuguesa em 37 na Exposição Internacional de Paris e em 39 na Exposição Internacional de Nova Iorque e na de S. Francisco, todas com ampla participação de artistas e arquitetos modernos como

230 GONÇALVES, Rui Mário (1980). Pintura e Escultura em Portugal 1940-1980. Lisboa: Ministério da Cultura e da Ciência/Secretaria de Estado da Cultura, p. 22.

231 PORTELA, Artur (1982). Salazarismo e Artes Plásticas. Lisboa: Instituto da Cultura e Língua Portuguesa /Ministério da Educação e Universidades, p. 17.

232 Ibidem.

3. GRUPO ACRE, ARTE E DINÂMICAS COLETIVAS EM PORTUGAL 199

Almada, Eduardo Malta, Guilherme Camarinha, Jorge Segurado, Keil Amaral, Bernardo Marques, Emmérico Nunes, Carlos Botelho, Fred Kradolfer, Abel Manta, Dordio Gomes, Tom, Francisco Franco, António Duarte, etc.

A certo ponto, surge o rótulo Grupo do SPN233 aplicado a Botelho, Bernardo, Tom, Soares e Barradas, Canto da Maya, Brée e Barata Feio, em-bora não corresponda de facto nem a uma associação formal, nem a uma postura ideológica de cada um deles em adesão e coerência total com o Estado Novo. Calhavam-lhes bem as encomendas. Seja como for, acabam por consubstanciar uma estética do Estado Novo.

Por esses anos também, de 35 em diante, Duarte Pacheco está por trás da renovação arquitetónica que dá novo rosto a locais um pouco por todo o país, com destaque para Lisboa e Porto (patente por exemplo nos cinemas Capitólio e Éden, do Instituto Superior Técnico e da Casa da Moeda, de novos bairros lisboetas, do plano do Monsanto, entre inúmeros projetos que diversos arquitetos concebem).

233 Idem, p. 55.

Figuras 67À esquerda: Revista Portugal Colonial. 1931. À direita, capa do catálogo da Exposição de Arte Popular Portuguesa. 1936.

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Ainda na linha da valorização da linhagem católica do país, em 1938 inaugura a Igreja de Nossa Senhora do Rosário de Fátima, em Lisboa, obra de novos compromissos com o modernismo e artistas visíveis: Almada, Lino António, Francisco Franco, Leopoldo de Almeida, António da Costa, Xavier de Almeida e Anjos Teixeira. Pardal Monteiro, o arquiteto, “identifica moder-nidade com ressurgimento nacional”234.

Dois anos depois, a Exposição do Mundo Português em Lisboa cul-mina uma gigantesca ação de propaganda, nela colaborando dezenas de artistas. E o seu secretário-geral é Ferro, homem da confiança de Salazar e diretor do SPN, também presidente da Emissora Nacional e membro da comissão portuguesa para o Acordo Cultural Luso-Brasileiro. Salazar, um homem de horizontes rurais, governa, mas precisa do sentido cosmopolita de Ferro para a “política do espírito”:

A “política do espírito” terá o “Orpheu” na sua génese e Salazar à sua ilharga, mas é uma criação de Ferro. Ferro herda, da sua experiência futurista, o sentido de integração, de articulação, das várias expres-sões culturais, e também o imediatismo, o impacto. O que Ferro pro-põe e aplica é, simultaneamente, como que o reformismo do futurismo (suspendendo a ruptura que ele exigia), a profissionalização política do futurismo (muito mais continuada que as tentativas marinettianas do futuro-fascismo), o esboço da tecnicização do futurismo (mobili-zando e articulando as diversas expressões culturais, já os meios de comunicação de massas). É uma política global, integrada, de propa-ganda, de já acção psico-social, de lição estética, de transformação sócio-cultural: o cinema, o teatro, o jornal, a rádio, a festa, o cartaz, a montra, a exposição, a decoração, o “bom-gosto”, as artes gráficas, a publicidade, o turismo, a invenção do rosto cultural modernos do re-gime, a mobilização de consideráveis sectores culturais e artísticos portugueses.235

A Exposição do Mundo Português, que inaugura em junho na Praça do Império, é a coroa de glória de Ferro e um megaempreendimento nacional, meio absurdo em plena II Guerra, a festejar o duplo centenário da indepen-dência do país e da restauração. No ano anterior, debates prévios são prota-gonizados por Ressano Garcia na SNBA, que acentuam clivagens políticas com acusações feitas por aquele a possíveis opositores como “comunistas”

234 Idem, p. 66.235 Idem, p. 59.

3. GRUPO ACRE, ARTE E DINÂMICAS COLETIVAS EM PORTUGAL 201

e “inimigos da Nação”, embora daí não resulte a exclusão dos modernistas dos projetos do certame, pelo contrário. O estardalhaço provocado pela polémica centrada em Ressano Garcia vai unir posteriormente os artistas numa tendência de oposição ao regime e incentivar a tendência neorrealista.

Mas, não obstante, durante 14 meses sucedem-se construções de pa-vilhões e preparam-se exposições, cortejos, objetos, pinturas e esculturas monumentais, que são realizados por milhares de colaboradores, dezenas de arquitetos, pintores, escultores e ajudantes, na sua maioria escolhidos entre os modernistas. As designações dos diferentes pavilhões e polos de acon-tecimentos — Descobrimentos, Colonização, Vida Popular, Portugueses no Mundo — exprimem bem a aposta na construção de uma imagem geral de grande comunidade portuguesa, balanço “da nacionalidade, apoteose e auto-retrato do regime”236 configurado como “equilibrado”, “harmonioso” e atual”, mas o sentido modernista de Ferro parece sair toldado, ao ancorar-se a exposição sobretudo no passado e numa perspetiva mítica, prevalecendo no fim o nacional-historicismo de Salazar237.

236 FRANÇA, José-Augusto (s/d.). A Arte e a Sociedade Portuguesa no Século XX. Lisboa, Livros Horizonte, p. 55.

237 PORTELA, obra citada, p. 77.

Figura 68Mapa desdobrável da Exposição do Mundo Português. 1940.

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A revista Panorama, de 1941 em diante, e o grupo de bailado Verde Gaio contribuem também para a construção de uma estética em que a his-tória e o folclore se cruzam com vocabulários modernistas, procurando a adesão popular. Ficam ainda obras de impacto como o Estádio Nacional e a Fonte da Alameda, entre outras, bem como profusa escultura monumental, mas o pós-guerra vem agitar os meios artísticos. O SPN dá lugar ao SNI. Em 1945 ainda há uma IX Exposição de Arte Moderna, já a cargo do SNI, na qual participam muitos artistas, mas a partir do ano seguinte as EGAPs (Exposições Gerais de Artes Plásticas) na SNBA catalisam a oposição ao regime, o que também fragiliza a posição de Ferro.

A ideia de uma arte que congregue uma imagem harmónica de uma comunidade portuguesa perde força perante uma comunidade que vai apre-sentar-se mais dividida, fracassando a sua aura de sucesso coletivo. Ao mes-mo tempo que se mantém na arte uma forte tendência conservadora de va-lores novecentistas, o desejo de expressão dos artistas e a crítica às formas e atitudes convencionais que alimentam o modernismo vão consubstanciar um pensamento estrutural de rutura com aspetos já não apenas artísticos e culturais, mas, sobretudo, institucionais e políticos.

Figuras 69Panorama. Revista Portuguesa de Arte e Turismo. Capas dos nºs 1, de Junho de 1941, e do nº15-16, de Julho de 1943, ambas de Bernardo Marques.

3. GRUPO ACRE, ARTE E DINÂMICAS COLETIVAS EM PORTUGAL 203

Se a desejada imagem do Estado na cultura e arte novo ganha alguma realidade, nem é pacífica nem unitária debaixo das aparências adocicadas. A sua correspondência a um movimento de fundo talvez nunca tenha acon-tecido, embora nos possamos interrogar sobre isso.

Mas, como missão de propaganda, os efeitos são fortes e perduram. E o seu apogeu na Exposição do Mundo Português é o iceberg de cujo interior emerge, em grande parte, a sua própria oposição como tendência de fundo, marcada por eixos que se vão distinguir.

Pelo caminho desses anos e já sintomáticos das mudanças em pro-cesso há, ainda, os Dimensionistas238 de 1935, que centram em António Pedro, acabado de regressar de Paris, uma fase pré-surrealista que integra sintomas das primeiras vanguardas (incluindo do abstracionismo e do mo-vimento dada).

O Poème Dimensionnel da série de 1935 já explora a relação entre pintura e poesia e integra-se na tendência dimensionista “que se propõe apagar a fronteira entre as artes através da introdução do espaço-tempo

238 Ver mais em RIBEIRO, Patrícia M. F. Esquível (1996). Teoria e Crítica de Arte em Portugal (1921-1940). Dissertação de Mestrado em História de Arte. FCSH da Universidade Nova de Lisboa. Cópia parcial [em linha]. Disponível em: http://dited.bn.pt/29812/812/1222.pdf [Consult. 26 jan. 2010].

Figuras 70António Pedro. 1935. À esquerda: (Poème dimensionnel) Abstractions géometriques. Guache e cartolina s/papel, 24,5 x 17,5 cm.À direita: Aparelho Metafisico de Meditação. 18x25x25cmMuseu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado.

GRUPO ACRE FEZ 1974–77 204

como quarta dimensão”239. Também desse ano, Anti-Isto: Manifesto-Poema, de 1935 (publicado em 1936 no livro Primeiro Volume) revela a postura van-guardista de Pedro e a sua expressão múltipla, também por palavras e ima-gens. É uma série de páginas, uma das quais contendo um

poema visual satírico, em que o autor se manifesta contra «isto», ou seja, aquilo que ilustra e define por escrito como certas «categorias» sociopopulares que o autor elege, nomeadamente, as domésticas «de parir e fazer meias» ou as «velhas de rezar a vida dos vizinhos», grupos enraizados socialmente que no seu entendimento minam por dentro a sociedade com o espírito mesquinho de pequenez intelec-tual e intriga.240

Os horizontes do artista são, pois mais amplos, e Pedro mantém então encontros com Calder, Huidobro, Joan Miró, Duchamp, Kandinsky, Moholy-Nagy e Picabia, num perfil internacional pouco claro, mas que produz no ano seguinte um manifesto em Paris, redigido por Charles Sirato. Pedro não apenas subscreve esse manifesto em 1936241, juntamente com Duchamp, Kandinsky, Miró, Picabia, Calder e outros, como resume-o por cá na escrita.

O manifesto dimensionista de Paris avança, de resto, com a apologia de uma “Arte Cósmica (Vaporização da Escultura, Teatro Sinestésico, deno-minações provisórias)”242, e Pedro parece situar-se então na preconizada via operática, wagneriana, que apaga limites disciplinares.

Por essa altura, em 1936, António Dacosta já expõe obras surrealistas na Exposição de Artistas Independentes, nas quais explora também alguma iconografia sexual sob desconstrução formal.

Um misto da tendência irreverente coletivista e da tradição das tertú-lias sediadas em cafés e restaurantes, que vem dos anos 10, é, entretanto, visível na pintura Grupo do Café Chiado, de Arlindo Vicente, de 1939, que

239 Excerto do apontamento de Maria Jesús Ávila no site do MNAC, onde consta também a imagem da obra de António Pedro. ÁVILA, Maria Jesús (2020). (Poème dimensionnel) Abstractions géometriques, 1935. António Pedro. [em linha]. Disponível em: http://www.museuartecontemporanea.gov.pt/pt/pecas/ver/336/artist [Consult. 19 jan. 2020].

240 GINGA, Adelaide (s/d). Anti-Isto: Manifesto-Poema, 1936. António Pedro. MNAC. Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado. [em linha]. Disponível em: http://www.museuartecontemporanea.gov.pt/pt/pecas/ver/453 [Consult. 10 set. 2020].

241 SIRATO, Charles (Ed.), (1936). Manifeste Dimensioniste. [em linha]. Disponível em: https://www.artpool.hu/TamkoSirato/manifeste_dimensioniste.pdf [Consult. 2 set. 2019].

242 Sirato, idem.

3. GRUPO ACRE, ARTE E DINÂMICAS COLETIVAS EM PORTUGAL 205

representa António Pedro, Carlos e António Lepierre Tinoco, Adolfo Casais Monteiro e Barradas de Oliveira, grupo mais ou menos casual sem uma dominante estética definida. Nesse mesmo ano, uma edição de O Diabo publica na 1ª página um texto de Keil Amaral contra a polémica conferên-cia de Ressano Garcia (que também António Pedro contra-argumentara) e complementarmente, no interior243, vários artistas e escritores como Adolfo Casais Monteiro, Álvaro Cunhal, António Pedro, Arlindo Vicente, Frederico George, João Gaspar Simões, Mário Dionísio, Almada Negreiros e outros escrevem sobre arte moderna em resposta às mesmas questões coloca-das a todos, enunciando discursos de orientação estética diversificada mas em que surgem já preocupações por uma “arte progressista” enraizada na “produção material” (Cunhal), a “luta” que não pode deixar de existir na arte (Dionísio), sinais do movimento neorrealista.

Na prática, este enraíza-se nos anos 30, cruza-se com o surrealismo e, mais tarde, também com a abstração.

A tendência neorrealista materializa o sentido de necessidade de uma arte que espelhe as realidades sociais, tomando-se por exemplo como referência os muralistas mexicanos nisso apostados (divulgados num artigo em 35); também desse ano há sinais de uma teoria neorrea-lista no texto de Álvaro Salema O antiburguesismo da cultura nova no semanário Gládio, embora a doutrina mais consistente da tendência se desenvolva depois de 40 no campo literário244, já após a publicação de Gaibéus por Alves Redol, em 39.

Certo é que ainda em finais dos anos 30 são inúmeras as decla-rações de apoio a essa nova estética de fundo social no Diabo, no Sol Nascente e na Vértice, bem como na página de A Tarde coordenada por Pomar e em outras publicações. Depois de diversos artigos expressivos em 38, nomeadamente sobre a querela do realismo em França, no ano se-guinte há os debates centrados no Diabo sobre a conferência de Ressano Garcia, onde Mário Ramos escreve também sobre “realismo humanista”; também na Sol Nascente surgem então excertos de La querelle du rea-lisme. No mês seguinte, no Diabo, já um artigo de Rodrigo Soares avança com a designação “neorrealismo” aplicada à produção de artistas, não

243 AA/VV (1939). “Depõem críticos e artistas. Acêrca da Génese e da Universa-lidade da Arte Moderna”. O Diabo, nº 240, Ano V, sábado 29 de abril, p. 4, 5 e 8. [em linha]. Disponível em: http://casacomum.org/cc/visualizador?pas-ta=06665.000.50240#!1 [Consult. 3 set. 2020].

244 Contra o zhdanovismo, segundo TORRES, Alexandre Pinheiro (1977). O movi-mento neo-realista em Portugal na sua 1ª fase. Lisboa: Ministério da Cultura e da Ciência/Secretaria de Estado da Cultura.

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apenas de escritores. Essa fase é aquilo a que Rui Mário Gonçalves irá designar como “fase teórica” do neorrealismo, mais caracterizado então pela polémica nas revistas do que por obras plásticas. Mário Dionísio, muitos anos depois, no seu prefácio aos Poemas Completos de Manuel da Fonseca, em 1969, refere o natural impulso de jovens para encontro e associação em cafés e cidades que está na base do movimento e que não decorre de forças políticas mais ou menos “tenebrosas” mas, sobretudo, de uma tomada de consciência de “jovens, universitários ou não (e muitos não)” de “coração pulsando por todos os humilhados e ofendidos”, surgin-do “da inquietação, da generosidade e da ingenuidade” e de uma sanha contra as torres de marfim e desejo de certames de arte moderna.

Em 1940, da relação de António Pedro com António Dacosta e ain-da com presença da escultora Pamela Boden, surge a exposição na Casa Repe (depois Bar Nina, no Chiado), que fecha nas vésperas da abertura da Exposição do Mundo Português de 1940245 e constitui um dos seus reversos possíveis, revelando também aí que nem tudo se coloca sob a égide dos favores do SPN (embora Dacosta tenha sido premiado em 42). Ainda não constituídos como grupo, os surrealistas são vozes desalinhadas do contex-to geral, um pouco à revelia de tudo. Mas vão ter peso.

Também em 40, acabam a Presença e O Diabo, e são publicados os textos Em torno da expressão artística por José Régio e O que é a arte? por Abel Salazar. Este último aborda vários tópicos “quentes” como a arte pela arte, a arte social, a arte humana, vendo na modernidade “estigmas da de-cadência”246. Artista admirado um pouco por todos, é especialmente exem-plar para os neorrealistas. Em 41, Álvaro Cunhal ilustra Esteiros, de Soeiro Pereira Gomes. Além dos mexicanos, ecoa a influência da pintura Café, de Portinari — vista no Pavilhão do Brasil da exposição de 1940 — que se soma a outros sintomas em textos, ilustrações e debates que cruzam nas mesmas preocupações os campos das artes, de literatura e do cinema.

A partir de 1942, artistas e estudantes da Escola de Artes Decorativas António Arroio encontram-se no café Herminius da Av. Almirante Reis de Lisboa, nascendo o chamado Grupo do Herminius, que junta sem pro-grama claro neorrealistas e surrealistas: Júlio Pomar, Mário Cezariny de Vasconcelos, Vespeira, Cruzeiro Seixas, Fernando de Azevedo, António Domingues, Pedro Oom, António José Francisco e José Leonel Rodrigues.

245 PINHARANDA, João Lima (1999). “Descoberto um artista encoberto”. Público, 23 de abril. [em linha]. Disponível em: https://www.publico.pt/1999/04/23/jornal/descoberto-um-artista-encoberto-132592 [Consult. 3 set. 2018].

246 GONÇALVES, Rui Mário (1980), obra citada, p. 26.

3. GRUPO ACRE, ARTE E DINÂMICAS COLETIVAS EM PORTUGAL 207

“A sua actividade, como grupo, tem por vezes um carácter dadaísta (...)”247. Desse grupo nasce em 43 uma exposição na Rua das Flores e depois as Exposições Gerais, que se vão constituir como alternativa às exposições do SPN/SNI, entre 1946 e 1956. Ainda em 1943, no Porto, organiza-se uma nova Exposição Independente, da série já atrás referida que irá durar até 50, sob propósitos esteticamente pluralistas.

Em 1945 assinala-se uma IX Exposição de Arte Moderna do SPN ain-da expressiva, já organizada pelo SNI, decorre a Exposição de Arte Sacra Moderna e ganha expressão a pintura neorrealista. Na Exposição dos Independentes no Instituto Superior Técnico, organizada por Victor Palla e Júlio Pomar, este afirma numa conferência que “o pintor não fecha mais os olhos diante da realidade”248. Os seus textos e os dos seus convidados no jornal A Tarde são lidos com avidez e comentados.

Um deles, Vespeira, na sua Carta Aberta aos Pintores Portugueses249, defende a necessidade de uma pintura para todos e ataca a procura das be-las formas e o individualismo. Dele, a pintura Apertado Pela Fome, um óleo de 1946 que representa dramaticamente um menino magro e deformado, recorda imagens da extrema pobreza rural ou urbana, ou evoca os campos de concentração, e vai estar na 1ª EGAP. Essa I Exposição Geral de Artes Plásticas (EGAP)250, em 1946, marca uma nova fase de união dos artistas em oposição ao regime, sob iniciativa anónima da subcomissão dos artis-tas plásticos da Comissão dos Jornalistas, Escritores e Artistas do MUD (Movimento de Unidade Popular).

247 Idem, p. 33.248 GONÇALVES, Rui Mário (1980), obra citada, p. 43.249 VESPEIRA, Marcelino (1945). “Carta Aberta aos Pintores Portugueses”. A Tarde, 4

de agosto, p. 6.250 Tem obras de Abel Manta, Abel Salazar, António Pedro, António Saúde, Arco,

Arlindo Vicente, Augusto Gomes, Cândido Costa Pinto, Carlos Botelho, Euclides Vaz, Falcão Trigoso, Fernando de Azevedo, Jorge de Oliveira, Júlio, Luís Dourdil, Manuel Filipe, Manuel Ribeiro de Pavia, Maria Barreira, Maria Keil, Maurício Penha, Moniz Pereira, Pomar, Vasco da Conceição, Vespeira e Victor Palla, en-tre outros.

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Figura 71A primeira página do jornal Diário da Manhã, reveladora dos receios oficiais por detrás da necessidade de esmagar a exposição, acaba por divulgá-la mais, dando a entender a possibilidade de um movimento popular na arte.

3. GRUPO ACRE, ARTE E DINÂMICAS COLETIVAS EM PORTUGAL 209

Uma Exposição da Primavera no Ateneu Comercial do Porto apresenta Abel Salazar, Camarinha, Augusto Gomes, bem como Pomar, Manuel Filipe, Moniz Pereira, Arco e Jorge de Oliveira, com ecos na crítica que salientam o alinhamento na boa tradição de Portinari, Orozco e Siqueiros.

Na 2ª Exposição Geral de Artes Plásticas, no ano seguinte, a maior coe-são em torno de um projeto neorrealista e a direção política que tudo toma fazem azedar o clima. Ali expõem, além dos artistas presentes na 1ª EGAP, Álvaro Perdigão, Avelino Cunhal, Carlos Calvet, Frederico George, João Abel Manta, João Hogan, José Chaves (Mário Dionísio), José Dias Coelho, José Viana, Jorge Vieira, Lima de Freitas, Maria Keil, Nuno Tavares, Sá Nogueira, e arquitetos como Francisco Keil Amaral e Francisco Conceição e Silva, etc.

Na crítica de Fernando de Pamplona sobre a exposição, a 1ª página do jornal oficial Diário da Manhã de 9 de maio de 1947 é sintomática e demoli-dora. A exposição é considerada no artigo como “propaganda reles”, “antina-cional”, e os artistas como “revoltados sociais” que “patenteiam a sua mor-bidez, a sua nevrose, o seu horror a toda e qualquer disciplina ordenadora”251.

251 PAMPLONA, Fernando (1947). “A ‘Frente Popular’ da Arte ou a ‘Unidade’ no Pessi-mismo e na Desordem”. Diário da Manhã, Lisboa, Nº 5744, Ano XVII, sexta-feira, 9 de maio.

Figura 72Aspeto da 2ª Exposição Geral de Artes Plásticas, na SNBA, com marcação de quadros apreendidos pela PIDE. É visível, do lado direito, a obra O Almoço do Trolha, de Júlio Pomar.(Fonte https://www.jornalmapa.pt/2018/01/18/um-grande-comicio-sem-palavras/).

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Dias, depois, a PIDE entra na SNBA e apreende quadros252, e diver-sos artistas são chamados para depor e alvo de ameaças. Perante artistas e nomes da cultura, bem como no seu próprio campo político, a posição de Ferro fragiliza-se.

Pomar, considerado o “farol” do movimento neorrealista253, destaca-se quer pela obra, quer pelo que escreve na imprensa (por exemplo no suple-mento de artes de A Tarde, desde 1945, ou na revista Vértice). Identificam-se também na mesma linha artística Rogério Ribeiro, Cipriano Dourado, António Alfredo e Alves Redol, entre inúmeros outros. O seu empenho surge manifestamente relacionado com a realidade social, a opressão e a pobreza, numa via antifascista por vezes com apoio do MUD (Movimento de Unidade Democrática) e do Partido Comunista Português, então muito ativo contra o salazarismo. Nos textos nas publicações já referidas e ainda na Seara Nova, no Horizonte — Jornal das Artes ou no Mundo Literário, pontuam nomes como Álvaro Cunhal, Júlio Pomar, Mário Dionísio, Abel Salazar e outros, que pugnam por expressões plurais, desde que solidárias com uma via política alternativa. No Mundo Literário, a linha neorrealista é compensada por con-tribuições de António Pedro e Adolfo Casais Monteiro, criando maior diver-sidade. Em muitos casos, afirma-se simplesmente um discurso humanista mais próximo da realidade social, como acontece no caso de Júlio Resende, artista portuense que estagia no estrangeiro e que, numa linha neoexpres-sionista de raiz goyesca, concilia essa vertente ideológica com novos univer-sos formais e expressivos de grande qualidade pictórica.

Entretanto, sintonizado com uma certa ideia de realidade mais pró-xima dos interesses do SPN, e granjeando o apoio deste, Almada pinta pri-meiro entre 43 e 45 e depois entre 46 e 48 os frescos das Gares Marítimas de Lisboa, respetivamente de Alcântara e da Rocha do Conde de Óbidos. São expressivos da sua visão mítica da portugalidade histórica e folclórica e de um forte sentido decorativo que, no segundo caso, integra mais clara-mente tendências do modernismo, como o cubismo.

252 A exposição Um grande comício sem palavras, na Casa da Achada — Centro Mário Dionísio, realizada entre setembro de 2017 e abril de 2018, vem recordar essa ação da censura e da repressão da ditadura portuguesa, mostrando “6 dos 12 quadros apreendidos pela PIDE: O menino da bandeira branca, de Avelino Cunhal, Ordem, de José Viana Dionísio, Guerra, de Lima de Freitas, S/ título, de Arnaldo Louro de Almeida, Asilo, de Manuel Filipe e Pintura, de José Chaves (Mário Dionísio).” In FAGUNDES, Teófilo (2018). “Um Grande Comício sem Palavras”. Mapa, Jornal de Informação Crítica. 18 de janeiro. [em linha]. Disponível em: https://www.jornal-mapa.pt/2018/01/18/um-grande-comicio-sem-palavras/ [Consult. 3 set. 2020].

253 Por Mário Dionísio, Ernesto de Sousa e José-Augusto França, entre outros.

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Também expressivamente, o convívio entre as duas tendências neorrealista e surrealista rompe-se a partir da I Exposição Geral de Artes Plásticas, principalmente com a 2ª geração de surrealistas, mais jovens. A par de O Almoço do Trolha, de Pomar, António Pedro tem destaque na 1ª EGAP com a sua obra Rapto na Paisagem Povoada, narrativa híbrida numa paisagem com sintomas expressionistas e surreais.

Nesse ano, a publicação em Portugal de A Arte e a Sociedade, de Herbert Read, rapidamente esgotada, acicata algum apoio ao surrealis-mo e à abstração relativamente ao neorrealismo, menos apreciado por aquele autor.

Pedro, com Alexandre O’Neill, Vespeira, Mário Cesariny, Moniz Pereira, Fernando de Azevedo e José-Augusto França fazem parte do Grupo Surrealista de Lisboa, que integra membros do já referido Grupo do Herminius. Aliás, na 2ª EGAP desse ano 1947, já Vespeira está com os surrealistas e, depois dos encontros no Café A Mexicana (Lisboa, Praça de Londres) e em casa de António Pedro, formalizam conjuntamente propósi-tos que já antes (pelo menos desde 1936) ligam ao surrealismo a produção individual de vários membros. O grupo é, contudo, instável.

Logo em 48 há uma rutura, quando o governo exige uma censura pré-via à EGAP e os surrealistas recusam essa submissão, mas esta também se deve a previsíveis diferenças: uns, os neorrealistas, mais ortodoxos, em-penhados na relação e documentação da realidade social, na denúncia da pobreza e na representação dos dramas da vida; e outros, os surrealistas, desejosos de imaginação livre, expressão erótica e do inconsciente, interes-sados na psicanálise de Freud e de Jung e, ainda por cima, sem qualquer vín-culo ou apoio de forças políticas. Nesse ano, Pedro publica uma Introdução a Uma História de Arte, há a dissensão de Cesariny e o Grupo Surrealista de Lisboa desfaz-se, em rutura com os neorrealistas.

António Pedro escreve ainda um pequeno texto no qual se percebem sintomas das quebras de unidade, em considerandos sobre a conquista da liberdade inerente à experiência surrealista, afirmando ser “(...) pela total individualização, que se nos torna indispensável uma actividade colectiva. O homem não é bicho solitário nem maquinismo de relojoaria”254.

O diferendo parece ser, sobretudo, artístico e social, pois no plano político há também nos surrealistas uma forte vertente oposicionista ao regime.

254 PEDRO, António (1948). “Postfácio a uma actuação colectiva”. Texto datado de abril de 1948. Colóquio Artes. Nº 80, março 1989, p. 15. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

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As exposições surrealistas de 1949 são reveladoras da energia criativa que liga os artistas da corrente — em janeiro num antigo atelier de Pedro e Dacosta, e em julho na antiga Pathé-Baby. Publicam-se os Cadernos Surrealistas e há um cadavre-exquis bem-sucedido, criação coletiva exem-plar. A primeira exposição assume também, além dos fins artísticos li-bertários, uma faceta claramente antifascista de apoio à candidatura à Presidência da República do General Norton de Matos, sintoma de abertura política, embora ainda muito limitada pelo contexto político repressor do país. A capa do catálogo ostenta uma simples cruz com lápis azul, o que, de modos simples e ácido, alude à censura.

Aliás, o papel dos intelectuais e dos artistas é muito importante nesse processo de contestação e luta pela abertura, e não apenas então. Das primeiras vanguardas à revolução de 1974, os intelectuais mantém-se ambivalentes face ao Estado Novo. As políticas de Ferro e a necessidade de sobrevivência dos artistas trazem alguma adesão a projetos institu-cionais, mas depois o regime tem dificuldade progressiva em conquis-tar intelectuais e artistas, que retomam uma quase tradicional atitude contraditória, manifestando graus de resistência variáveis, com muitos

Figuras 73Capa e folha de rosto do catálogo da exposição surrealista de janeiro de 1949, na Travessa da Trindade, Lisboa.

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assumindo-se em clara oposição política ao regime e alvo de represálias.Apesar da ditadura que, evidentemente, não favorece a formação de

grupos de ação criativa com ou sem propósitos de pressão social ou políti-ca, ainda assim vai havendo sinais de organizações artísticas ou de artistas com perfis bastante diversos, no que a SNBA mantém um importante papel nalgum esforço pela abertura política e estética no pós-guerra.

Pomar mantém-se muito ativo inclusive nas polémicas internas do neorrealismo, de 1949 em diante, nas quais se cruzam argumentações de Mário Dionísio, João José Cochofel e António José Saraiva.

Entre outros textos que exprimem o seu pensamento e a aposta em projetos com efeitos sociais, deparamos com Pomar em 49 a escrever sobre o artista mexicano Leopoldo Méndez e sobre o Taller de Gráfica Popular de que aquele é membro fundador em 1937255. Com base na entrevista reali-zada no aeroporto de Lisboa durante a escala do artista, Pomar desenvol-ve toda uma argumentação em favor da gravura como meio de divulgação popular e participação na “vida pública”, referindo pintores em equipas a usarem os meios gráficos para as “grandes massas”. E, dada a exigência instrumental para isso, faz a apologia da existência de oficinas equipadas para uso coletivo, desafiando: “Tu, fechado no teu buraco: aprende a lição deste homem, que é a do entendimento e da cooperação, a da confiança no esforço colectivo.”256

Em 1952, Pomar escreve sobre Gretchen Wohlwill, artista alemã judia refugiada em Lisboa cujo trabalho conhece através de Maria Keil. Impressiona-o não apenas a história pessoal marcada pelo nazismo, mas também a “profunda maturidade revelada pelas suas gravuras”257. A 7ª Exposição Geral de Artes Plásticas tem nesse ano uma secção de gravura e, no ano seguinte, Pomar volta a insistir no processo, primeiro a propósi-to de uma exposição na Associação Académica da Faculdade de Ciências de Lisboa e depois sobre os Clubes de Gravura de Porto Alegre e de Bagé (Brasil), a propósito da coletânea Gravuras Gaúchas (Editora Estampa, Rio de Janeiro, 1952). Neste caso, o artigo da Vértice vem ilustrado com uma gravura de Danúbio V. Gonçalves, em cuja apresentação Pomar menciona a participação no Grupo Novos de Bagé, depois de deixar a pergunta: “E esta

255 POMAR, Júlio (1949). “Encontro com Méndez”. Vértice. Coimbra, vol. 7, nº 67, mar-ço. In POMAR, Júlio (2014). Notas sobre uma Arte Útil, Parte Escrita 1 (1942-1960). Lisboa: Atelier-Museu Júlio Pomar /Sistema Solar, CRL (Documenta), p. 158-164.

256 Idem, p. 164.257 POMAR, Júlio (1952). “Uma grande artista alemã em Lisboa”. Arquitectura. Lisboa,

nº 45, novembro, s/p. In POMAR, Júlio (2014), obra citada, p. 233-237.

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outra lição dos artistas gaúchos não nos tocará também muito de perto?”258

Há, ainda, em 53, os Ciclos do Arroz, que surgem na sequência das Missões Estéticas de Férias. Contributo curioso para a integração dos ar-tistas na realidade e para alguma dinâmica coletiva inerente a esse proces-so, as Missões Estéticas de Férias são o que hoje poderíamos fazer equi-valer a residências artísticas ou estágios. Decorrem, desde a sua criação por decreto em 1936 e decorrente apoio estatal, sob ação da Academia Nacional de Belas Artes. Visam conferir uma dimensão mais prática aos for-mados em Belas Artes, levando-os a trabalhar durante os meses de agosto e setembro em locais cuja história, monumentos, costumes, devem ser por eles conhecidos e representados. Recebem missões diversos locais, como Tomar, Guimarães, Alcobaça, Viana do Castelo, Coimbra, Leiria, Bragança, Santarém, Évora, Viseu, Sintra, Vila Viçosa, Óbidos, Caldas da Rainha, Mafra, Setúbal, Figueira da Foz, Almada, Peniche e Berlenga, etc. Apesar de algumas pretensões nesse sentido, nunca chegam a acontecer nos territó-rios ultramarinos nem no estrangeiro.

Acessíveis por concurso e pressupondo a direção por um profes-sor responsável (como Raúl Lino, Varela Aldemira, Dordio Gomes, António Duarte, Armando de Lucena, Domingos Rebelo, etc.), bem como a realiza-ção de relatórios e exposições dos trabalhos, as Missões Estéticas259 pros-seguem com resultados variáveis e diferentes consequências no percurso de cada artista estagiário (são muitos os que as frequentam) até 1963.

Ora, a partir da IX Missão Estética de Férias de 1945, em Évora, com participação de Pomar juntamente com António Lino, Nadir Afonso, Vasco Pereira da Conceição, Arlindo Rocha e Júlio Resende entre outros, o clima geral de crescimento dos sinais de oposição faz pesar a desconfiança do regime sobre as Missões Estéticas. Assim, em 53, depois do cancelamento da Missão Estética prevista para Beja, é à semelhança da sua razão de ser que nascem os chamados Ciclos do Arroz, quando Alves Redol desafia um grupo de artistas para conhecerem e trabalharem durante algum tempo nos arrozais da zona de Vila Franca de Xira, nesse caso sem a vertente patrimo-nial das missões. Assim se congregam Alice Jorge, António Alfredo, Cipriano Dourado, Júlio Pomar, Lima de Freitas e Rogério Ribeiro nessa iniciativa,

258 POMAR, Júlio (1953). “Gravuras Gaúchas”. Vértice. Coimbra, vol. 13, nº 117, maio. In POMAR, Júlio (2014), obra citada, p. 259-261.

259 Para mais informação, ver COSTA, Diogo Morais Leitão Freitas (2016). Missões Estéticas de Férias. Estética, Academia e Política numa iniciativa de forma-ção artística do Estado Novo. Dissertação de Mestrado em Crítica, Curadoria e Crítica de Arte, FBAUL. [em linha]. Disponível em: https://repositorio.ul.pt/bits-tream/10451/27968/2/ULFBA_TES_977.pdf [Consult. 6 jun. 2020].

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produzindo obras individuais sob uma perspetiva neorrealista, a partir de uma experiência comum, fazendo história nesse ano.

A dimensão pedagógica das missões estéticas relaciona-se com o questionamento permanente que acompanha o ensino artístico, centrado sobretudo nas Escolas de Belas Artes de Lisboa e do Porto que, herdeiras de um complexo passado associado às Academias e, de certo modo, luga-res protegidos para alguns artistas que enveredam por carreiras docentes, catalisam recorrentemente tensões diversas que envolvem os meios artís-ticos. Vão surgindo, a par disso, iniciativas alternativas de ensino artístico, quase sempre dirigidas a públicos possíveis que, de algum modo, não ca-bem naquelas escolas e que, por vezes, funcionam como agrupamentos de artistas que exercem a pressão possível, com ou sem programa artístico. Em maio de 1954 surge assim no Porto a Academia Livre de Desenho e Pintura Dominguez Alvarez, sob iniciativa de Jaime Isidoro, e decorrente de um contexto cultural cuja dinâmica vem marcada pela criação do Cine-clube do Porto (fundado em 1945) e pelo Teatro Experimental do Porto (desde o início dos anos 50, com António Pedro). A associação a Dominguez Alvarez é

uma escolha feliz, e oportuna, de um nome que transportava uma na-tureza mítica, e até quase lendária, o que possibilitaria um compro-misso entre a memória e a invenção, a tradição e a modernidade, e que tinha a vantagem de dar significado a uma personalidade artística, entretanto desaparecida, mas que urgia reabilitar, dando a conhecer às novas gerações a obra de Alvarez.260

Na altura, discute-se bastante o que, poucos anos depois, resulta em reformas dos cursos de Belas Artes, mas, seja um projeto de alterna-tiva ou um complemento face à ESBAP, essa academia aparece também ligada à fundação da Galeria Alvarez (em outubro de 1954) pelo mesmo Jaime Isidoro, galeria privada precursora em Portugal — ou seja, parte de uma dinâmica cultural que não se esgota nos objetivos pedagógicos que, de resto, pouco tempo duram, nesse caso. O atelier da academia na Rua das Flores, lecionado inicialmente por Isidoro e António Sampaio (que sai para trabalhar no Alentejo quando a galeria abre), implica um progra-ma flexível para estudantes de perfil heterogéneo, produzindo obras que a galeria permite expor, havendo mostras em locais diferentes em 1955, 1956 e 1958. Isidoro vai continuar empenhado naquele espaço expositivo,

260 FERREIRA, António Quadros (2017). Jaime Isidoro. A Arte Sou Eu. Porto: Edições Afrontamento, p. 138.

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que assume dimensão profissional e se torna um sucesso depois estendi-do num segundo espaço, a Galeria Dois, e, já nos anos 70, com um tercei-ro espaço em Lisboa, a Galeria Tempo.

Na capital, na sequência de diversas ações dos neorrealistas e outros, e numa continuação das Exposições Gerais (nas quais expor pressupõe uma certa atitude de oposição) bem como da procura de meios artísticos com maior potencial de divulgação, aparece a Gravura (Sociedade Cooperativa dos Gravadores Portugueses). Fundada em 1956 por Pomar depois dos seus vários textos apologéticos sobre gravura, juntamente com Alice Jorge, Cipriano Dourado, José Júlio e Rogério Ribeiro, perfila-se como uma organi-zação coletiva de pessoas apostadas na divulgação artística, artistas e não só, como a espanhola Estampa Popular, que aparece em 1959.

A finalidade é parecida: usar os processos gráficos que permitem criar múltiplos de arte a valores acessíveis, difundir imagens, democratizar a arte. Assim se imprimem e divulgam obras dos artistas acima referidos, bem como Bartolomeu Cid, Nikias Skapinakis, Espiga Pinto, Charrua, Pavia, Sá Nogueira, muitos outros261. E ao mesmo tempo, trata-se de incentivar algu-ma dinâmica de encontro entre pares, amigos e amadores.

261 Para mais informação, ver SOUSA, Rocha de (1976). “Sociedade Cooperativa de Gravadores Portugueses. 20 anos de presença”. Colóquio Artes. Nº 29, outubro, p. 45-50. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

Figura 74Alice Jorge, Almada Negreiros e Júlio Pomar no atelier da Cooperativa Gravura.

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Também em regime de cooperativa, em 1959/1960 surge no Porto uma iniciativa parecida, o Grupo 21G7 ou Cooperativa 21G7, projeto igual-mente apostado na produção de múltiplos em gravura, produção para a qual a cidade do Porto tem ainda poucos recursos, o que não acontece em Lisboa.262 Na ESBAP, é então da iniciativa recente de António Quadros uma cadeira de gravura, e cabe a este artista estabelecer ligação a outros que tratam de criar um estúdio autónomo da escola.

Com seis artistas — Ângelo de Sousa, António Bronze, António Quadros, Armando Alves, José Rodrigues, Manuel Pinto e um sétimo “por vir”263 — o grupo tem como finalidade a produção de gravuras para um mer-cado potencial (vinte e um colecionadores, hipótese que motiva a própria designação do grupo). Depois de uma primeira edição acompanhada por um catálogo, o projeto acaba por desenvolver alguma atividade na produção de gravuras através de matrizes em chapa metálica, explorando técnicas de ponta seca, água-forte e águas tintas. Pouco durável, o grupo extingue-se em 1963.

Entretanto, sob erosões diversas a que o movimento neorrealista não é alheio, Ferro já não está na direção do SNI desde 1950. Na segunda metade dos anos 40 vivera-se sob as influências dos realismos surreais e sociais, mas rapidamente se instala a querela do realismo, com questiona-mentos enraizados na dicotomia abstrato-figurativo, expressiva do desinte-resse progressivo por vocabulários e temáticas repetidos sem novidade e do

262 Em Lisboa, há uma tentativa de criação de uma oficina de gravura na Academia Real de História Portuguesa, em 1720, onde chegam a ser produzidas gravuras relevantes, antes da existência conjunta da Academia e Escola em 1836 incluir essa valência de modo permanente. Depois o ensino da Gravura é suprimido nas Belas Artes em 1901 e retomado entre este 1911 e 1932, data em que a nova re-forma dele prescinde de novo. O plano de estudos de 1957 confere a Belas Artes o estatuto de ensino superior, aumentando exigências artísticas e teóricas e alar-gando o leque das tecnologias lecionadas, sendo Gravura reintroduzida e surgin-do Cerâmica, Vitral, etc., tudo com sentido teórico e prático. Logo, os ateliers de gravura da Escola Superior de Belas Artes permitem essa formação específica desde os tempos da Academia, com desenvolvimento mais expressivo depois de 1957. Para mais, existe ainda no mesmo edifício, desde 1966, o Centro Nacional de Calcografia e Gravura, sob alçada do Instituto de Alta Cultura, na prática o pri-meiro centro de investigação artística especializada no país. Criado por iniciativa do Escultor Joaquim Correia, diretor desde a sua constituição até 74, esse Centro realiza a extensão dos estudos de Belas Artes em Gravura e o incentivo da gravura portuguesa, quer pela conservação do património existente (que provém dos tem-pos da Academia), quer pela investigação na prática e teoria por investigadores nacionais, com acolhimento de bolseiros estrangeiros.

263 LAMBERT, Fátima; FERNANDES, João (2001). Porto 60/70: Os Artistas e a Cidade. Porto: Museu de Arte Contemporânea de Serralves, p. 21.

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aparecimento de uma nova geração de artistas sensíveis à abstração, for-malmente mais desafiante. Nas exposições dos Independentes, com artis-tas como Lanhas, Nadir e outros, o abstracionismo ganha espaço, embora o neorrealismo domine e o surrealismo esteja muito presente.

Está tudo a mudar, sucedendo-se factos aparentemente contraditó-rios. Os anos 50 são anos de renovação e proliferação de tendências, ante-cedidos em 49 pela apologia da abstração por um Almada Negreiros recém--regressado de Paris:

O abtraccionismo ou não-figurativo não impõe uma visão ao especta-dor, colabora com a visão, o pensar, o sentir, o olhar deste, evitando-lhe a passividade da admiração pelo alheio (...). Amanhã, a humanidade inteira surpreender-se-á de ver tudo nitidamente pelo abstracionismo, como ontem pelo naturalismo. E então, o passado naturalismo será exactamente o que é: documento, já não vive.264

Também logo em 1950 Pomar, na sua Crítica à V Exposição Geral de Artes Plásticas, esclarece a sua posição quando afirma não existirem críti-cos “acima das correntes”, nem atividades desinteressadas, considerando que “a crítica é sempre uma crítica de grupo, ou de corrente”265 — o que, se por um lado é mais um sinal duma noção de pertença comunitária que inúmeros artistas desejam e partilham, por outro também significa a cons-ciência de uma relativização de posições, antevendo mudanças em curso.

Em 1951, a Exposição de Pintura Francesa na Agência Havas (Rua do Ouro, Lisboa) mostra grandes nomes (Renoir, Degas, Bonnard, Cézanne, Seurat, Rouault, Modigliani, Picasso, Dufy, Vlaminck, Chagall, Utrillo, Dérain, Laurencin, Brayer, etc. Mário Dionísio publica Encontros em Paris.

O filme Saltimbancos, de Manuel de Guimarães, antigo aluno de pin-tura nas Belas Artes do Porto e ex-assistente de Manuel de Oliveira em Aniki Bobó, insere-se então na tendência neorrealista. Há movimentação de cineastas em torno da revista Imagem. Mário Dionísio começa a escrever A Paleta e o Mundo (1952-62).

Nesse ano não há EGAP, com a SNBA encerrada depois de um inci-dente com a PIDE.

264 NEGREIROS, Almada (1949). “Entrevista”. Diário de Lisboa, Junho. In GONÇALVES, Rui Mário (1980), obra citada, p. 56.

265 POMAR, Júlio (1950). “Crítica à V Exposição Geral de Artes Plásticas”. Vértice. Coimbra, Vol. IX, nº 82, junho, p. 380-381.

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Mas a 5 de janeiro abre, na Casa Jalco, uma exposição conjunta de Fernando Azevedo, Fernando Lemos e Vespeira.

Estava-se em plena zona do Chiado, perto de onde António Pedro e Dacosta tinham aberto, em 1940, uma outra escandalosa exposição, perto também do local onde exactamente três anos antes se realizara, com estes e mais dois dos expositores de agora, a exposição do Grupo Surrealista de Lisboa, perto ainda dos velhos salões Bobone, onde ti-nham exposto os “modernistas” dos anos 20,e da galeria “UP”, onde exibiram os seus trabalhos os de 30, entre os quais uma Vieira da Silva, antes de o ser...266

Com receção controversa, a exposição é fundamental para José-Augusto França que, não apenas apoiante do grupo, mas também apolo-gista de uma crítica de arte mais séria e profissional, organiza em seguida a Galeria de Março (1952-54), com tendência mais eclética e papel vanguar-dista muito relevante. No entanto, o seu prefácio de uma exposição é segui-do de polémica, com crítica de Pomar e artigo de Lima de Freitas na Vértice.

266 FRANÇA, José-Augusto (1973). “Vinte (e um) anos depois de dez dias de janei-ro de 1952”. Colóquio/Artes. Nº 12, abril, p. 14-25. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

Figura 75Jorge Vieira. Monumento ao Prisioneiro Político Desconhecido (maqueta). Ca 1952.Bronze, 44,5 x 30 x 29 cm. Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado.

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No contexto dessa galeria há um Prémio Jovem Pintura em 53. Alguns surrealistas evoluem para a abstração. Nesse mesmo ano dos Ciclos do Arroz já referidos no contexto do neorrealismo, Jorge Vieira distingue-se in-ternacionalmente com o prémio ao seu Monumento ao Prisioneiro Político Desconhecido, de expressão não figurativa.

53-54 marcam ainda uma fase aguda da crise no neorrealismo com as polémicas na Vértice, a questão Portinari e a discussão em torno do artigo A Ponte Abstracta de António José Saraiva. Em 54 há na SNBA, a partir da Galeria de Março, o referido I Salão de Arte Abstracta com pre-sença de artistas da abstração geométrica como Lanhas e Nadir e ainda Joaquim Rodrigo, Jorge Vieira, Bértholo, Bual, Cargaleiro, etc., salão que merece pouco destaque na imprensa. Pomar escreve contra a arte abs-tracta e os surrealistas; na sua obra, continua numa linha neorrealista, tal como outros.

Na SNBA abre uma II Exposição de Alunos da ESBAL: José Cândido, Lurdes Castro, René Bértholo, Rogério Ribeiro, João Cutileiro, Keil Amaral, Luís Filipe de Abreu, etc. E uma III idêntica surge no ano seguinte com Artur Rosa, Bartolomeu Cid, Keil Amaral, Jorge Pinheiro, José Cândido, José Escada, Leopoldo Batalha, Lurdes Castro, René Bértholo e Rogério Ribeiro.

A revista Ver (1953-55), também de estudantes de Belas Artes, assu-me sentido inconformista e divulga as Notes sur la Peinture d’Aujourd’hui de Jean Bazaine. Parte desse grupo estará uns anos depois em Paris, fundando a KWY (1958-1963).

Em 56, António Areal procura um “realismo divergente”.Nessa altura, já são mal sucedidas as tentativas do SNI para acom-

panhar os tempos e as tendências que se revelam no seu salão bem como noutros, como o Salão dos Artistas de Hoje (1956) e o Salão de Arte Moderna (1958), que, entre diversas mostras, já patenteiam uma 3ª geração modernista.

Por outro lado, desde meados dos anos 50 desmaia o protagonismo da tendência neorrealista, embora ecoe até muito depois, centrada numa espécie de anti-individualismo e ênfase numa função social da arte enraiza-da em aspetos materiais e, obviamente, mais políticos.

As três últimas “Gerais” seriam de presença e síntese. Síntese realiza-da na 10ª em 1956: a exposição de quadros dos anos anteriores permi-tiu avaliar da importância dos últimos passos da nossa pintura. Não só os pintores neo-realistas tinham provocado as mais graves perguntas sobre a universalidade da arte portuguesa depois do futuristas; como tinham dinamizado todos os artistas independentes deste país, dan-do-lhes confiança em si próprios, ajudando a opor a uma “apagada e

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vil tristeza” aquela outra fórmula de Almada: “A alegria é a coisa mais seria que há”.267

Portanto, as EGAPs duram até 56, ano de balanço e fim, depois de, durante 10 anos, alargarem o grupo inicial de neorrealistas e surrealistas a tendências mais amplas, fomentarem experimentações técnicas, divulga-rem a gravura e a tapeçaria, aumentarem os públicos afluentes a exposi-ções, bem como o debate delas decorrente.

“Talvez poucas obras se selecionem, posteriormente, mas o clima deste período deixa a sua marca em toda uma geração”268, dirá Rui Mário Gonçalves.

Em 57, muitos artistas emigram, beneficiando alguns da imple-mentação de bolsas de estudo para o estrangeiro pela recente Fundação Gulbenkian. Há uma reforma expressiva dos cursos de Belas Artes, embora nunca inteiramente posta em prática, o que lhe retira coerência e maior sen-tido de atualidade.

267 SOUSA, Ernesto de (1965). A Pintura Portuguesa Neo-Realista. 1943-1953. Lisboa: Artis, p. 8.

268 GONÇALVES, Rui Mário (1980), obra citada, p. 69.

Figura 76Júlio Pomar. Cegos de Madrid. 1957.Óleo s/tela, 81,5x101,3 cm.Museu Calouste Gulbenkian.

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Na I Exposição Gulbenkian desse ano, Pomar mostra Maria da Fonte, ainda expressiva da sua visão neorrealista, mas dando sinais de abertura formal, sob clima goyesco também patente em Cegos de Madrid, igualmen-te desse ano. O Grupo de Artistas Portugueses organiza na SNBA um sa-lão dos recusados. José-Augusto França inicia a sua atividade crítica com textos publicados no Comércio do Porto, mais tarde reunidos em Situação da Pintura Ocidental (1959), na qual define uma ação vanguardista que en-fatiza o futurismo na 1ª geração e o surrealismo na 2ª, chamando a atenção para as novas responsabilidades da 3ª geração.

Em Lisboa, o Grupo do Café Gelo constitui uma espécie de nova gera-ção surrealista com poetas, artistas, encenadores, que se encontra em ter-túlia no Café Gelo, em Lisboa, até 1962 (sem nunca se desfazer formalmen-te): António Barahona, René Bértholo, Manuel de Castro, Mário Cesariny de novo, Manuel D’Assumpção, Gonçalo Duarte, José Escada, António-José Forte, António Gancho, Herberto Helder, Raúl Leal, Mário-Henrique Leiria, Manuel de Lima, Helder Macedo, Virgílio Martinho, Luiz Pacheco, Ernesto Sampaio, João Vieira.

Alguns dos membros deste agrupamento têm atelier por cima do café, e isso contribui para os encontros rotineiros desde os anos 50, quando evocam as vanguardas do início do século. A peça O Comedor de Fiambre, do poeta Garcia de Medeiros, é uma criação coletiva que junta Helder de Macedo, Herberto Helder e José Sebag com ilustrações de João Vieira. No 1º de maio de 1962 há incidentes entre a PIDE e manifestantes no Rossio, que acabam por implicar um trabalhador do Café Gelo e artistas do grupo, acabando o proprietário por comprometer-se a não continuar a recebê-los ali, pelo que se mudam para o Café Montecarlo, no Saldanha.

Desde 1958, o Círculo de Artes Plásticas de Coimbra269 congrega a intervenção ativa nas dinâmicas culturais daquela cidade universitária de artistas e outros intelectuais ou amigos, como Rui Vilar e Mário Silva. Criado por um grupo de estudantes da Universidade de Coimbra como or-ganismo autónomo voltado para a arte e cultura moderna e contemporânea,

269 “Tem como objectivos nucleares a promoção e difusão das artes visuais, cativando públicos para a arte contemporânea, proporcionar um conhecimento alargado dos panoramas artísticos contemporâneos, suas componentes e narrativas, fomen-tando o gosto pela fruição artística e promover exposições de arte contemporâ-nea e atividades de animação cultural pluridisciplinares.” CAPC, Círculo de Artes Plásticas de Coimbra (2016). História. [em linha]. Disponível em: http://capc.com.pt/site/index.php/pt/sobre-nos/ [Consult. 23 mar. 2018].

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definindo como finalidade “a promoção e difusão das artes visuais”270, o CAPC surge inicialmente como organismo da Associação Académica e visa a divulgação das Artes Plásticas, que assume como complementares à for-mação universitária. Vem a afirmar forte dinamismo e sentido experimental, organizando exposições, encontros, publicações, projeções de filmes, ate-liers, etc. Em 1973, ali se criará o Grupo de Intervenção do Círculo de Artes Plásticas de Coimbra (GICAPC), mais tarde designado Grupo Cores, a que voltaremos mais adiante271.

Será também da sua iniciativa, por exemplo, a programação dos even-tos A Minha Nossa Coimbra Deles, em 1973, a celebração do  1.000.011º Aniversário da Arte, em 1974, dinamizado por Ernesto de Sousa, e a Semana de arte na (da) rua, em 1976. Depois, o CAPC mantém-se um forte interlocu-tor nas dinâmicas culturais e artísticas de Coimbra, e é recentemente um dos principais organizadores da Bienal Ano Zero, que decorre naquela cidade.

Ainda em 1958, são sintomáticos das tendências contraditórias des-sa época os textos dos artistas Nikias Skapinakis e Nadir Afonso. Nikias defende na sua conferência na SNBA Inactualidade da Arte Moderna (depois publicada pela Seara Nova, revista avessa à arte abstrata), que “Cinquenta anos de anti-realismo deixam-nos em pureza, para a aliciante descoberta de um realismo novo”272. Nadir publica La Sensibilité Plastique, texto ilustrado com obras suas e de Herbin, Mondrian, Bloc e Vasarely, apologético da abstração.

Em Paris, tem início a revista KWY, por ação do grupo homónimo, já referido. Ainda nesse ano há o I Salão de Arte Moderna da SNBA (em cujo contexto decorre a conferência de Nikias) e em 59 o dos 50 Artistas Independentes, já atrás referido, com sinais de novos artistas e expressões muito variadas.

Aliás, depois de 58, a SNBA tem exposições regulares de arte moderna. A modernidade vai-se instalando nas artes plásticas de modo assimétrico.

Não existe um padrão único, embora talvez se acentue no final des-sa década a pintura não figurativa e também haja sinais de um regresso à narrativa, especialmente já na década seguinte — por exemplo com o Santa Maria273 de Joaquim Rodrigo (1961) que, a par da integração da oralidade

270 Ibidem.271 Ponto 3.2.272 Nikias Skapinakis. In GONÇALVES (1980), obra citada, p. 76.273 Até 1974 apenas designado como S.M., para evitar perante a censura a cono-

tação imediata com o referente real, o ataque ao Santa Maria por Henrique Galvão, em 61.

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(esta, além da aproximação à cultura popular, configura uma possível resis-tência à censura), bem como noutros casos que afirmam aproximações pela via da neo-figuração e da pop, também patentes no Novo Cinema.

Dois grupos de artistas, já atrás apontados, têm então grande visibili-dade: Os KWY e Os Quatro Vintes.

Pelo meio, é fundada por um grupo de artistas no Porto em 1963 a Cooperativa Árvore, a que voltamos adiante.

O KWY (1958-1968) junta Lurdes Castro, René Bertholo, Gonçalo Duarte, João Vieira, José Escada, Costa Pinheiro, Jan Voss, Christo Javacheff, quando estes artistas residem em Paris e Munique. O nome escolhido refe-re letras inexistentes então no alfabeto português, numa alusão à censura e limitações nacionais, havendo quem leia informalmente as iniciais como “Ká Wamos Yndo”. A principal criação conjunta é a revista KWY que, por ser publicada em França e, assim, isenta da censura existente em Portugal, as-sume qualidades mais abertas e tem inegável afirmação internacional em defesa do informalismo e da abstração lírica, irracionalismo e espontanei-dade, conjugando colaborações de Manolo Millares, Saura, Klein, Arman, Nikki de Saint Phalle, Jacques Villeglé, Daniel Spoerri.

Figura 77Lourdes Castro. Capa da revista KWY nº1, 1958.

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Nessa publicação surge informação sobre a produção artística mais contemporânea com que os membros do grupo se vão familiarizando, como as obras de Yves Klein então mostradas em Paris. O facto de a revista ser pu-blicada nesta cidade, contudo, reduz um pouco o seu impacto em Portugal, apesar da exposição do grupo na SNBA em 1960. Nesta, o KWY reintroduz a ideia de uma ação artística conjunta, embora essa possibilidade, no seu caso, não ultrapasse a exposição simultânea de objetos, nunca chegando a outras obras de autoria coletiva que não a revista e as publicações — o que já é bastante significativo na altura para a evolução do processo das inicia-tivas de criação coletiva.

Não um grupo de artistas para efeitos de criação conjunta, mas sim uma organização voltada para a sua associação, a já referida Cooperativa Árvore 274 é criada em abril de 1963. Lima Carvalho, do futuro Grupo Acre, é um dos fundadores, juntamente com Manuel Pinto, Ângelo de Sousa, Jorge Pinheiro, Carlos Martins, Augusto Carvalho, José Grade, Maria Manuel Delgado dos Santos Nogueira, Laureano Guedes e Domingos Pinho. Localizada provisoriamente no atelier do Arquiteto José Pulido Valente, que é um dinamizador central da fundação da Cooperativa, tem como primeiro diretor Henrique Alves Costa e tem em breve sede própria na antiga casa da família Azevedo de Albuquerque, onde se mantém des-de então, tornando-se de facto muito atuante na vida da cidade do Porto e no espaço nacional até hoje. A Árvore inaugura em janeiro de 1964 a sua 1ª Exposição de Artes Plásticas, que junta mais de duas dezenas de artis-tas, nos quais se incluem os fundadores.

Com propósitos comparáveis à SNBA, a Árvore assume também um modo de organização por sócios; e é voltada para a “produção, divulgação e comercialização de obras artísticas e editoriais”, a “formação e informação dos sócios e do público em geral na área das artes visuais, dos estudos de arte e em outras áreas da criação e do saber”, o “contacto com outras or-ganizações, nacionais ou estrangeiras, com vista ao intercâmbio artístico e cultural”, e pretende “criar, organizar e dirigir ateliers, aulas, exposições ou equipas de trabalho dentro da atividade artística e promover quaisquer ou-tras atividades necessárias à realização do objecto social”275.

274 Imagem dos Estatutos da fundação da Cooperativa Árvore em 1.1.275 Todas as citações entre aspas na apresentação recente da Cooperativa Árvore em:

COOPERATIVA ÁRVORE. Sobre. [em linha]. Disponível em: http://www.arvore-coop.pt/sobre [Consult. 26 mar. 2018].

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À Cooperativa Árvore associa-se, em 1973, a criação de um Grupo de Comunicação Criativa, embora sem grande história, constituído por Alberto Carneiro, Fernanda Flores, Carolina Negreiros, José Adriano Fernandes e Manuela Malpique. Após a instauração de democracia, a Árvore é a orga-nização artística mais ativa no Porto, funcionando não apenas como local de exposições, ateliers, ensino artístico e simples ponto de encontro: é, de facto, um real polo de dinâmicas e debates político-culturais, de tal modo que desperta a atenção dos movimentos de extrema-direita que acossam o Norte do País depois do verão quente, sofrendo o já mencionado ataque bombista em janeiro de 1976.

Talvez, como sugere Bernardo Pinto de Almeida, o KWY marque o iní-cio de uma nova forma de estar num coletivo, desvinculada de uma proposta ideológica ou dependência, tal como acontece com Os Quatro Vintes, que vêm depois (surgem 5 anos após a Árvore).

O grupo Os Quatro Vintes (1968-1972), formado no Porto por Armando Alves, Jorge Pinheiro, José Rodrigues e Ângelo de Sousa, todos então artis-tas naquela cidade, realiza quatro exposições próprias em Lisboa, Porto e Paris e participa em exposições coletivas, durando quatro anos276.

276 1968 — Os Quatros Vintes, Galeria Domingues Alvarez, Porto; Os Quatros Vintes, Cooperativa Árvore, Porto; 1969 — Os Quatros Vintes, SNBA, Lisboa; 1970 — Os Quatros Vintes, Galerie Jacques Desbrière, Paris; 1971 — Os Quatros Vintes, Galeria Zen, Porto; Homenagem a Josefa (Coletiva), Galeria Ogiva, Óbidos.

Figura 78Capa e pormenor do folheto da exposição Os Quatro Vintes, Cooperativa Árvore e Galeria Alvarez, Porto, 1968.

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O nome do grupo alude à marca de cigarros “Três Vintes”, mas não existe propriamente um programa coletivo para os quatro artistas reali-zarem obras fora do seu percurso individual. Como Armando Alves explica posteriormente, são razões do grupo:

O Porto; o ambiente da Escola de Belas-Artes, na altura; a nossa re-lação pessoal, e a troca de experiências nos ateliers que partilháva-mos; um certo marasmo na actividade das galerias que existiam; as tertúlias do ‘Majestic’, do ‘Tijuca’ e do ‘Paladium’; a ideia muito simples de que ‘a união faz a força’ — tudo isto levou ao nosso aparecimento colectivo em 1968.277

De facto, a motivação artística tem contornos mais profundos. Como também diz mais tarde Jorge Pinheiro, “Os Quatro Vintes não eram, de fac-to, um grupo esteticamente coeso”278, embora se possam reconhecer “preo-cupações comuns”, pois “o desejo de criar objetos era também comum ao Armando Alves, ao Ângelo e ao Rodrigues”, do mesmo modo que “o desejo de utilizar materiais inéditos, plásticos, também, como o Noronha da Costa fazia, como os nossos alunos também faziam.”279

Aliás, ainda durante o período ativo do grupo, Fernando Pernes refe-re vocabulários comuns na relação entre a pintura e a tendência objectual: “formas simples, um jogo entre os valores tradicionalmente do foro da pin-tura e que tem aqui muito que ver com a afirmação do objeto e do volume.”280

Assim, seja por uma “questão de sobrevivência profissional”281 ou tal-vez algo mais, grupo de facto na aceção exigente desse termo ou não, estes artistas apostam na exposição conjunta de obras de cada um, potenciando a afirmação do seu trabalho face a uma espécie de sentimento periférico em relação à centralidade da crítica na capital.

277 BARROSO, Eduardo Paz (1985). “Os Quatro Vintes de ontem: à distância vêem-se melhor...”. Jornal de Notícias, Porto, 16 de fevereiro, p. 9.

278 PINHEIRO, Jorge (2002). Jorge Pinheiro: 1961-2001. Catálogo da exposição no Centro de Arte Moderna da FCG. Org, de José de Azeredo Perdigão, textos Jorge Molder, João Pinharanda, Jorge Pinheiro, Nuno Faria. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, p. 77.

279 Expressões entre aspas da mesma proveniência referida na nota anterior.280 PERNES, Fernando (1971). “Os Quatro Vintes: quatro anos, quatro exposições”.

Jornal de Notícias, Porto, 25 de abril, p. 8. 281 PINHEIRO, Sara (2013). As Quatro Exposições dos “Quatro Vintes” e Outras

Atividades. Escritos, Imagens e Testemunhos. Dissertação de Mestrado em Estudos Artísticos — Especialização em Estudos Museológicos e Curadoriais. FBAUP. [em linha]. Disponível em: http://biblioteca.fba.up.pt/docs/Sara_Pinheiro/SaraPinheiro_Tese.pdf [Consult. 26 mar. 2018].

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Em 1968 realizam o que é um dos acontecimentos do ano — as ex-posições simultâneas na Cooperativa Árvore e na Galeria Alvarez, que muito contribuem para a visibilidade e estratégias posteriores do grupo, mostras que repetem depois em Lisboa, em 1969, na SNBA, com bastan-te sucesso. Há ainda os projetos nunca concretizados da revista Quatro Vintes e de criação de um Gabinete de Pesquisa282, muito possivelmente associado às funções pedagógicas dos membros do grupo (e com compo-nente de artes gráficas).

Estiveram associados apenas quatro anos, mas mostraram à cidade trabalhos que emergem do Minimalismo (Armando Alves), da Nova Abstracção (Jorge Pinheiro) das grandes questões sobre os limites da escultura — em estruturas de dimensões variáveis, susceptíveis de in-teracção, cintilantes e titilantes — (Ângelo de Sousa) ou da objectuali-dade da pintura ou do desenho (José Rodrigues).283

Todas as obras constituem testemunho claro da qualidade e do senti-do contemporâneo do trabalho de cada um dos artistas, cuja ação conjun-ta chega, de modo bastante laudatório, a ser comparada à de movimentos espanhóis dos anos 50 como o El Paso, a Estampa Popular ou a Equipo 57, que “derrubam os alicerces da vetusta arte oficial (espanhola) desferindo as primeiras brechas no colete de forças franquista”284. Mas, cumprida a finalidade de algum impacto pretendido, o grupo perde razão de existir e é considerado extinto em 1971285. É ainda desse ano a obra coletiva Bolas para a Josefa, apresentada em novembro na Galeria Ogiva, em Óbidos, numa ex-posição de homenagem a Josefa de Óbidos.

282 Ver Sara Pinheiro, obra citada, p. 216-235. O Gabinete de Pesquisa surge tam-bém referido no artigo sobre Os Quatro Vintes, em: A/A (1970). “No Porto, Grupo Catálise de Artes Plásticas”. Gráfica 70. Revista de Cultura e Técnicas de Comunicação Visual, nº 1. Diretor e editor Vítor Franco Tavares, Lisboa, p. 22-24.

283 SOARES, Maria Leonor Barbosa (2003). “Pensando Sobre o Tema ‘Em Redor do Século XX... Trajectos da Pintura e da Escultura’. Apontamentos para um estudo conjunto, galego e português, sobre a prática artística com origem a norte do Douro”. Revista da Faculdade de Letras Ciências e Técnicas do Património. I Série vol. 2, p. 628. Porto: Universidade do Porto. [em linha]. Disponível em: http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/2934.pdf [Consult. 25 jan. 2010].

284 CERQUEIRA, João (2001). “Arte de vanguarda no Porto dos anos 60 e 70”. Arte Ibérica. Nº 44, Lisboa, março 2001, p. 13-17.

285 PERNES, Fernando (2001). “Memórias Imprecisas”. GONÇALVES, Cláudia; RAMOS, Maria (Coord.), (2001). Porto 60/70: os artistas e a cidade. Textos de Vicente Todolí, José Rodrigues, João Fernandes, Fátima Lambert, Fernando Pernes.  Porto: Asa / Árvore-Cooperativa de Actividades Artísticas / Museu de Serralves, p. 42.

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De facto, ainda há sinais do grupo um ano depois nesse mesmo local, quando é exposta uma fotografia do grupo de 1968 e já várias vezes mos-trada, acompanhada por uma carta com instruções para a sua exposição, a Certidão de Óbidos ou Como Deve Ser Exposta Esta Fotografia 286 — espécie de último depoimento conceptual.

Cada um dos artistas já tem então obra bastante visível, e assim continuam.

Em 1985 ainda surgirá uma exposição na Casa do Infante (Porto), com carácter semi-antológico, deixando uma edição interessante que, em boas reproduções de obras e textos sobre cada artista, frisa novamente o trabalho

286 Ver PINHEIRO, Sara (2013). Obra citada, p. 239-140.

Figura 79Os Quatro Vintes. Bolas para a Josefa. 1971. Objeto instalativo, 250x100x30 cm. Coleção Armazém das Artes, Alcobaça.

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individual de cada um deles. Contudo, para Bernardo Pinto de Almeida287 essa exposição é, apesar da sua validade comemorativa, um tanto dececio-nante, quer pela exiguidade das peças presentes, quer pela falta de um texto de apresentação que realize um trabalho de interpretação e atualização da obra do grupo, bem como de compreensão da evolução da transformação do percurso de cada um dos artistas.

Retomando a procura de sinais de dinâmicas coletivizastes anteces-soras do Grupo Acre, podem ainda evocar-se alguns dados significativos já no contexto dos anos sessenta, para estabelecer a ponte com o tempo de atividade produtiva do coletivo.

O papel da Fundação Gulbenkian, com as suas iniciativas e sistemas de apoio, reforça o sentido de mudança cultural e artística que acompanha a crise política de 1958 (em torno de Humberto Delgado, mas não só) e o seu agravamento pela guerra colonial.

Em 60, a exposição dos KWY na SNBA tem ênfase não figurativo e, em 61, a II Exposição Gulbenkian faz surgir Paula Rego como revelação com obras de expressão híbrida, abstratizante. Ainda nesse ano, Vieira da Silva recebe o grande prémio da Bienal de S. Paulo.

Coletivamente, não há, pois, um tecido homogéneo, mas sobretudo sinais de uma corrente de fundo em transformação, presente em inúmeros sintomas, como atrás se refere288.

Ecoam, por exemplo, os retratos coletivos de Nikias Skapinakis, rea-lizados entre 1955 e 1974, retratos que, nas suas cores lisas brilhantes com ressonâncias pop e imagética atual, carregam a melancólica presença de uma atmosfera de tertúlias discretas, em cafés e residências particulares, lugares possíveis da modernidade e do seu pensamento e debate.

É especialmente expressivo o Retrato dos críticos, de 1971, para a Brasileira do Chiado, em que usa uma composição idêntica ao Auto-retrato num grupo de Almada Negreiros de 1925 (na figura 73), ali exposto e agora em vias de substituição. Na representação de Nikias estão os críticos res-ponsáveis pela seleção de artistas para substituírem as pinturas ali existen-tes desde 1925: da esquerda para a direita, eles são Rui Mário Gonçalves, Francisco Bronze, Fernando Pernes e José-Augusto França289.

287 ALMEIDA, Bernardo Pinto de (1985). “Carta do porto. A exposição Os Quatro Vintes, quinze anos depois”. Colóquio Artes. Nº 65, junho, p. 69-70. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

288 Pontos 1.1.e 1.2.289 GONÇALVES, Rui Mário (1971). “Pinturas modernas num café de Lisboa”. Colóquio

Artes. Nº 35, junho, p. 22-33. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

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Nikias, artista português de origem grega surgido nas Exposições Gerais de Artes Plásticas, é um caso que atravessa as querelas sobre o rea-lismo, manifestando-se não apenas em pintura, mas também na escrita. Chega a ser preso no Aljube, mas, ao contrário de outros, nunca chega a emigrar, afirmando mais tarde:

Creio que eles fizeram bem em partir e eu terei feito bem em ficar. A minha actividade política, legal e subversiva, na época, empresta-va-me uma motivação que influenciou a minha capacidade de resis-tência ao ambiente que defrontava. De resto, não creio que de outra maneira pudesse ter pintado os retratos colectivos dos “Caminhos da Liberdade” e da “Melancolia em Portugal”290.

Os retratos de grupo de Nikias já são subtilmente reveladores da ero-são dos anos sessenta, onde atrás se começa o presente texto291, quando despertam os novos paradigmas coletivos desse tempo patentes na KWY, n’Os Quatros Vintes e outros referidos, antecedendo mais de perto o apare-cimento do Grupo Acre.

290 SKAPINAKIS, Nikias (2009). Entrevista com Anabela Mota Ribeiro (publicada originalmente no Público). [em linha]. Disponível em: https://anabelamotaribeiro.pt/66759.html [Consult. 3 set. 2020].

291 Pontos 1.1 a 1.3.

Figura 80Nikias Skapinakis. Retrato dos críticos. 1971. Coleção do café A Brasileira do Chiado, Lisboa.

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Na maior ou menor continuidade das correntes artísticas, há frequente-mente um fundo causal que se baseia no efeito de reação que cada gera-ção procura, como se cada uma se afirmasse, tendencialmente, contra a anterior.

De algum modo, todos estes casos que se evocam até aqui fazem parte da herança “genética” de que beneficia o Grupo Acre, o que é ainda mais certo quando qualquer um dos artistas daquele coletivo é detentor de uma formação académica que implica conhecimento histórico e artís-tico mais do que suficiente para saber da existência e do papel dos seus antecessores no país.

De certo modo, pois, o Grupo Acre tem genes artísticos do Grupo do Leão, dos Livres, dos Independentes, e dos Mais Além, para mencionar al-guns apenas.

Os casos possivelmente mais exemplares para o Grupo Acre, assu-midamente ou não, terão sido os que revelam maior consciência política e estão mais ligados aos movimentos de vanguarda muito prestigiados, como o Orpheu e os Futuristas; tal como estes — ou, mais adiante, como o Grupo KWY — a publicação de uma revista mais ou menos aberta geracionalmente é, como o Grupo Acre no nº zero da Arte, em 1976, um meio de expressão e afirmação de ideias, conjuntas ou individuais.

Também como os futuristas, o Acre procura um discurso frequente-mente ácido.

No entanto, pode pensar-se que, relativamente ao Orpheu, embora a influência possa ser pertinente, os artistas do Grupo Acre se colocariam numa posição algo antagónica. Se nos basearmos no texto pessoano Para uma Estética Não-Aristotélica292 (publicado em 1924 na Athena, dirigida por Pessoa/Álvaro de Campos) e também na sua justa interpretação por José-Augusto França293, talvez possamos concluir que ao Grupo Acre, certamente conhecedor da posição pessoana294, interessa mais uma força

292 PESSOA, Fernando / CAMPOS, Álvaro de (1924). Apontamentos para uma esté-tica não aristotélica. 1924. [em linha]. Disponível em: http://arquivopessoa.net/textos/672 [Consult. 14 set. 2020].

293 FRANÇA, José-Augusto (1979). O Modernismo na Arte Portuguesa. Lisboa: Ministério da Cultura e da Ciência/Secretaria de Estado da Cultura, p. 25.

294 Quanto mais não seja para Lima Carvalho e Clara Menéres, já que o texto de Pessoa é republicado na muito visível revista Artes Plásticas nº 7/8, em janeiro de 1977, por Pierre-Alain Hubert, artista que o usara como referência nos III Encontros Internacionais de Arte da Póvoa de Varzim, no Verão anterior.

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assente na “captação gregária” e na inteligência do que a beleza sensível.A influência dos Livres e Independentes poderá ter sido mais discreta,

mas não irrelevante, havendo uma possível afinidade na tentativa de afir-mação em grupo de modo alternativo aos meios e poderes instituídos, o que também caracteriza a ação dos Acre. Uns em tempo da 1ª República e outros durante a ditadura do Estado Novo, há neles uma espécie de desejo de oposição mais ou menos consequente como tal, que os Acre veiculam também, em parte do seu discurso e obras, já em tempo de liberdade.

Como o Grupo Mais Além, o Acre procura algo “que grita, que nos contorce e nos abre a sensibilidade”295. Com esse e outros grupos diversos, há também em comum a vontade de diferenciação dos meios académicos, que os Acre exploram na ação em que, apesar de docentes em Belas Artes, emitem diplomas de artistas a pessoas que os desejem — o que cria alguns dissabores no meio académico em que se inserem os membros de então.

Dos antecedentes Dimensionistas pode ter persistido a noção de abertura disciplinar e espacial, embora nesse interesse deva ter tido maior impacto direto a dinâmica internacional já presente no final de sessentas e inícios de setenta, testemunhada por Queiroz Ribeiro nas suas estadias londrinas e pelos outros membros do Grupo Acre em viagens pontuais e no próprio país.

Quanto ao Grupo Surrealista de Lisboa e Grupo do Café Gelo, é mais difícil procurar sintonias, embora Lima Carvalho e Clara Menéres tenham referido que, em inúmeras reuniões do Grupo Acre, o processo criativo era de frequente brainstorming, quase mesmo cadavre exquis, princípios eventualmente presentes do ponto de vista metodológico ou processual. Dos surrealistas terá ficado, também, uma certa atitude libertária, a rele-vância do erotismo e da sexualidade na expressão plástica (mais evidentes nas obras individuais de Clara e Lima Carvalho, uma vez que projetos do grupo nesse sentido acabam por ficar na gaveta), bem como a consciência da importância do inconsciente e da psicanálise (nela confessadamente, de índole junguiana). Ecos da vertente algo dadaísta de António Pedro e da sua influência teatral podem ser efetivos ou distantes na “repartição para os as-suntos artísticos” do Grupo Acre, mas, noutro trabalho seu, as ressonâncias do surrealismo são pouco evidentes, a não ser no sentido de partilha de uma posição anti Estado Novo.

295 MELO, Ana Vasconcelos e; FERREIRA, Emília (2006). Dominguez Alvarez — 770, Rua da Vigorosa, Porto. Exposição na Fundação Gulbenkian, 18 de Maio a 15 de Outubro de 2006. [em linha]. Disponível em: https://gulbenkian.pt/museu/past--exhibit/dominguez-alvarez-770-rua-da-vigorosa-porto/ [Consult. 30 jul. 2019].

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Pensar numa relação com os neorrealistas é mais complexo: qualquer um dos membros do Grupo Acre é ainda criança na fase decisiva do movi-mento neorrealista, logo dificilmente poderiam ter participado nas EGAPs, ano em que o mais velho dos três artistas não tem mais do que dezassete anos. Recorde-se que Queiroz Ribeiro nasce em 39 (ano das polémicas de Ressano Garcia), Lima Carvalho no ano de Exposição do Mundo Português e Clara em 43, ainda durante a II Grande Guerra; expressivas ainda são as da-tas em que frequentam as Belas Artes do Porto, que se evocam pela mesma ordem de idades: Lima de 1958 a 63; Alfredo de 1959 a 64; e Clara de 1963 a 68. Nenhum deles é sequer aluno durante as Exposições Gerais, termina-das em 56, embora nesse ano Lima Carvalho se aproxime da convivência de António Cruz, o pintor no filme de Manoel Oliveira O Pintor e a Cidade, e a sua pintura se revele numa linha próxima de um certo expressionismo neorrealista. Dos três, talvez seja ele o que mais influências integra daquele movimento, embora, em conversa com a autora deste texto, Clara tenha assumido como possível essa aproximação inicial como efeito contextual na sua juventude, depois transformada.

De resto, também é possível pensar eventualmente sobre alguma di-ferenciação geracional do Grupo Acre face a artistas tão próximos como a geração neorrealista. Certamente que pesam ecos, mesmo que contraditó-rios, ao longo dos anos 50 da sua formação, dos debates sobre o realismo e do esteio de neorrealistas que “deixam” de o ser, como Augusto Gomes, Dourdil, Charrua. Mas a experiência central dos três artistas do Acre não é nessa linha que se desenha.

Independentemente de aspetos críticos comuns sobre o contexto po-lítico e do empenho associativo, especialmente de Lima Carvalho — patente na sua experiência, por exemplo, no Grupo Raíz, na frequência dos Fenianos e, nos anos sessenta, quando está ligado ao aparecimento da Árvore, e de-pois — parece ter pesado mais nos três artistas uma certa herança da re-lação da abstração com uma certa neo-figuração que os afasta do neor-realismo, pelo menos na procura de vocabulários formais e processuais inovadores. Recorde-se que Lima Carvalho é discípulo de Júlio Resende, revelando algumas afinidades no lirismo gestual, em determinações de um certo expressionismo e no modo de bem formar, mas na sua preocupação de fundo social, comum aos neorrealistas, aproxima-se em finais de 60 de uma visão por vezes já pop, que se evidencia nos anos 70. Desde a primeira individual em 67, Clara empenha-se no rigor e na diversidade da experimen-tação técnica (das linguagens tradicionais ao ready-made) e oscila entre uma figuração de síntese formal que ecoa o modernismo, a crítica social e o apelo erótico. Ambos afirmam uma perspetiva centradamente humanista,

3. GRUPO ACRE, ARTE E DINÂMICAS COLETIVAS EM PORTUGAL 235

num caso mais existencial, noutro mais crítica e rebelde. Queiroz Ribeiro, por seu turno, alia a curiosidade da experimentação formal também com um certo clima pop ou com a procura da forma certa da abstração geométrica, e ainda com a propensão conceptual, também aí se afastando da geração anterior, empenhado na questão de fundo do realismo de um modo mais politicamente comprometido.

Aliás, o discurso do Grupo Acre é político e certamente que, como os neorrealistas, abraça profundamente uma estética anti Estado Novo. Está sobretudo contra o sabor adocicado da arte produzida por este, mas não se empenha em questões como a desigualdade social, a pobreza ou o trabalho que, para artistas como Pomar e Resende, são centrais a seu tempo.

E, quando os Acre repescam as técnicas de gravura nas tampas de sa-neamento, em plena rua, não deixam de estar presentes memórias — talvez de modo irónico — do papel de democratização da Cooperativa Gravura e do Grupo 21G7 (com ecos dos espanhóis da Estampa Popular e outros), à mis-tura com a investigação gráfica entretanto suspensa no Centro Nacional de Calcografia e Gravura, na ESBAL, que ambos conhecem. Mas não parecem, por outro lado, referências absolutamente determinantes, se bem que late-ralmente presentes.

Quanto ao peso que possa ter tido o caso de Os Quatro Vintes, é já certamente influente o simples facto de se tratar de um grupo de artistas, de novo, de uma geração muito próxima, e todos sediados no Porto, que logram grande visibilidade, credibilidade e sucesso com as aparições conjuntas.

Há, ainda, instituições que não são apenas tutelares ou exemplificati-vas de ações concertadas em conjunto e que acolhem iniciativas, delas ema-nando também um potencial de atuação menos individual, mais coletiva. Não parece haver ligações do Grupo Acre com o Círculo de Artes Plásticas de Coimbra que possam tomar-se como antecedentes diretos, embora te-nha havido contactos e convivência com artistas como João Dixo, uma vez que Lima Carvalho durante anos faz a sua vida entre Porto e Lisboa. Dixo, aliás, publica em junho de 1974 uma série de aforismos296 cujo sentido geral tem grandes afinidades com discursos de outros artistas da época, incluindo do Grupo Acre. Essa ligação evidente existe nos IV Encontros Internacionais de Arte, mas aí depois de 74 e com os Acre em ação. Já a Cooperativa Árvore faz parte indiscutivelmente do passado artístico de qualquer um dos três membros do Grupo Acre, tal como a SNBA que, por vezes, é quase uma se-gunda casa para Clara Menéres e Lima Carvalho.

296 DIXO, João (1974). “O oráculo como artista”. Artes Plásticas (Dir. Egídio Álvaro). Nº 4, junho, p. 16-19. Porto: Editorial Engenharia.

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Certamente que, além dos grupos já aflorados que, no seu tem-po próprio, cumprem propósitos variados, desaparecendo naturalmente quando se esgota a dinâmica que lhes dá origem ou vindo a tornar-se ins-tituições que resistem e perduram, há também instituições propriamente ditas à partida que funcionam como agregadores dos artistas, dos seus projetos e das suas carreiras. Nesse âmbito mais lato, não deve ser es-quecido o papel das escolas de arte de nível avançado ou específico, como as Escolas António Arroio e Soares do Reis, as antigas Escolas Superiores de Belas Artes de Lisboa e do Porto, escolas privadas como o IADE e o ArCo, e, claro, a Fundação Calouste Gulbenkian. No corredor do tempo que medeia até à democracia, todas elas cimentam, ao seu modo, liga-ções entre artistas que contribuem para as dinâmicas coletivas que, após 1974, se tornam muito explícitas.

De facto, todos estes antecedentes determinam direta ou indire-tamente a configuração do Grupo Acre e, acima de tudo, mostram que o seu aparecimento como coletivo artístico não é um caso isolado e deve ser lido por dentro de uma espécie de dinâmica coletiva irregular no tem-po. Nesta pesa, indiscutivelmente, a influência estética do discurso ar-tístico e cultural do Estado Novo e a pressão para uma espécie estereó-tipo construído, sedimentado e contrariado desde o início do século XX, principalmente ao longo de quase meio século de ditadura, uma pretensa identidade nacional, em parte bem sucedida ou, apesar de tudo, falhada, apostada em equilíbrios precários entre a modernidade e o mítico, com muitas cedências à história e ao folclore, e onde o sebastianismo é um dos lugares comuns. Contra esse longo e óbvio espírito “português suave”, aliado do provincianismo, da mediocridade e da ditadura, se alinha, afinal, uma tradição de contestação, irreverência e inovação em que aposta o Grupo Acre, acidamente por vezes.

Certamente também que chegam dos contextos internacionais ecos de atividades artísticas coletivas ou em grupo. Os Cobra existem desde 48, por exemplo. Do grupo Estampa Popular e da Equipo 57 fala-se a propósito da Gravura, e também o El Paso existe desde finais dos anos 50, tal como os artistas da Internacional Situacionista, ou ainda os Gutai ou Christo e Jeanne-Claude que trabalham juntos desde 60 e de 62 em diante. Há o Fluxus. Desde 66, deixam registos os BMTP (Buren, Maisset, Parmentier e Toroni). Os Ant Farm estão ativos nos EUA desde 1968, tal como os BAG (Black Artists Group), no mesmo ano dos Art & Language em Inglaterra. Os Art Workers Coalition existem desde 1969 também nos EUA e em França identificam-se os Support-Surfaces. Os Textruction(s), que vão merecer

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atenção escrita numa Colóquio Artes de 1976, estão ativos desde 1971, anos depois de outra Colóquio Artes se referir em 1973 à Equipe Triângulo, do Brasil. E esta enumeração poderia estender-se.

Basta, por agora, que fique a hipótese razoável de muitos nomes che-garem a Portugal ou aos ouvidos dos artistas do Grupo Acre, além dos sinais concretos que a revista Artes Plásticas oferece na sua edição de Junho de 1974 sobre o Grupo Gevind297, a Equipo Crónica298 e outros299 como o Grupo Cobra, o Grupo Nuclear e o Grupo Zero.

Conta muito, ainda, a sensibilidade e inteligência individuais e pro-gramática dos artistas e do Grupo Acre ao que, de mais ou menos longe, vai chegando: ideias novas, atitudes novas, formas abertas de agir artistica-mente que, principalmente desde os anos sessenta, entram no país e que, em 1974, se somam ao clima de revolução, inventando uma nova vanguarda. Ventos vindos de fora, subtis ou evidentes, nunca tinham deixado de soprar.

Não por acaso, tantas vezes, nas vozes de Clara e Lima, surge em con-versas a frase “As ideias andavam no ar”.

Outros, naqueles anos (pós 1974)

Como já está dito atrás, entre 74 e 77 o processo de transformação política vivido em Portugal é decisivo e de grande profundidade. Basta pensarmos que, quando de uma ditadura longa se passa para um regime democrático progressivamente mais estável, tudo implica mudanças súbitas de interve-nientes, discursos, revisão e reorganização de estruturas diversas sociais e financeiras, meandros legais, etc. Debatem-se desde logo diferentes proje-tos político-económicos para um país que, embora situado numa posição estrategicamente decisiva na Europa, está até aí convenientemente esque-cido internacionalmente. Trata-se, por outro lado, de uma transformação com forte componente não programada, ou seja, efetivamente uma revolu-ção, não apenas imediata, de um dia para o outro, mas também com efeitos a curto, médio e longo prazo, num processo em devir no qual inicialmente, como já foi dito, muita coisa acontece ao mesmo tempo.

297 HJORT, Oysten (1974). “Panorama dinamarquês. O Grupo Gevind de Copenhague”. Artes Plásticas (Dir. Egídio Álvaro). Nº 4, junho, p. 12. Porto: Editorial Engenharia.

298 SOUSA, Rocha de (1974). “Lisboa/Galerias. Equipo Cronica, Canogar, Feito / Galeria S. Francisco”. Artes Plásticas (Dir. Egídio Álvaro). Nº 4, junho, p. 28. Porto: Editorial Engenharia.

299 RIBEIRO, Alfredo Queiroz (1974). “Londres/Galerias”. Artes Plásticas (Dir. Egídio Álvaro). Nº 4, junho, p. 33-36. Porto: Editorial Engenharia.

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O período mais vertiginoso da revolução é, indubitavelmente, mar-cado por uma consciência política confusa que se exprime na vontade de muitos de participar, pensar e agir, colocando em prática a mudança da sociedade a todos os níveis. Tendo em conta os longos anos de repressão individual e coletiva, é compreensível que a liberdade recente tenha ex-pressão nesses mesmos dois níveis individual e coletivo e, nos primeiros tempos, a democracia expluda na sua versão mais espontânea e, de certo modo, libertária, utópica e ingénua.

É certo que, na política “em si”, persiste uma primeira linha transfor-madora que toma então como intervenientes principais os militares, os par-tidos e organizações políticas, mesmo quando, nos bastidores, outros po-deres, que incluem a economia global e geoestratégica e influência e ação exteriores do estrangeiro, vão adquirindo cada vez maior peso no tecido in-terior das decisões.

Mas, enquanto isso, em todos os sectores da realidade, em pequenas e grandes instituições, em lugares de produção, ensino, cultura e arte, a ideia de democracia evolui rapidamente por dentro das típicas e recentes assem-bleias de decisões democráticas, livres ou mais ou menos manipuladas por grupos previamente organizados, que são os que conseguem as maiorias necessárias nas votações. De facto, se as assembleias democráticas são, no início, espontâneas em grande parte, rapidamente se compreende que, mesmo que uma voz isolada faça diferença nelas, o poder coletivo tem mais eficácia e, por isso, há que pensar em modos de organização conjunta para conseguir maior capacidade de escuta, de persuasão e legitimação — ou seja, resultados. É desse modo que, por todo o lado, nascem e organizam-se grupos de pressão. E, na cultura e nas artes, isso é igualmente visível, ape-sar do tradicional individualismo dos intelectuais e artistas. Como escreve José-Augusto França, “Certo é, neste Portugal de hoje, que, na liberdade de a fazer, a arte é o social”.300

O social, ao mesmo tempo o grande assunto e o instrumento, irrompe assim em todas as criações artísticas: no teatro, no cinema, na música, no bailado. É, pois, mais do que natural que, na recente democracia portuguesa e nos contextos das artes plásticas, tal como acontece com o Grupo Acre, também se formem e atuem outros novos grupos de artistas, com tipolo-gias, projetos e características variadas, quer sob uma tendência comum,

300 FRANÇA, José-Augusto (1977). Exposição Arte Portuguesa Contemporânea, Brasília — São Paulo — Rio de Janeiro, 1976/1977. Org. Ministério dos Negócios Estrangeiros, Secretaria de Estado da Cultura, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa: Neogravura.

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quer sob identidades particulares em cada caso. Alguns passam desperce-bidos, já que as dinâmicas políticas e sociais se erguem como prioritárias e, nas artes plásticas, não abundam meios de registo e publicação de muitas atividades301. Aliás, até nas diversas escolas de arte vários grupos emergem com maior ou menor visibilidade e sequência futura, mas, por agora, debru-cemo-nos sobre os mais relevantes.

3.2.1. Movimento Democrático dos Artistas Plásticos

Entre eles, o Movimento Democrático dos Artistas Plásticos não é propria-mente um coletivo de criação artística, mas, como o nome indica, um mo-vimento de pressão e ação político-artística. Existe, desde maio de 1974, sob ação de artistas de diferentes formações302 e na sua maioria ainda sem alinhamento político que, inicialmente, se encontram na Galeria 111 e de-pois na SNBA; formulam de imediato reivindicações no sentido da aboli-ção de estruturas e responsáveis fascistas do SNI e outras comissões do Estado Novo, da remodelação da revista Panorama, da realização de uma inventário artístico da SEIT (Secretaria de Estado da Indústria e Turismo), do cancelamento das exposições previstas no Palácio Foz e na Galeria de Arte Moderna e elaboração de novos programas, etc.

Lima Carvalho participa desde o princípio de modo muito ativo; a sua posição no Conselho Técnico da SNBA e as suas constantes idas e vin-das entre Lisboa e Porto, cidades onde a sua vida se divide, conferem-lhe

301 Por exemplo, Rui Órfão terá estado ligado a um Grupo Fila K. Afirma-se num currículo seu de 1985, ser um grupo de Coimbra para “pesquisas e afirmação de uma nova estética interventiva”, existente em 1970. Dado que o artista teria então 12 anos e não nos foi possível encontrar mais informação relevante, aqui fica apenas a referência: AGUIAR, Fernando; BARBOSA, Manoel (Dir.), (1985). PERFORM’ARTE. I Encontro Nacional de Performance. Catálogo das exposições, performances, conferências, vídeo e concerto entre 13 e 28 de abril de 1985, em Torres Vedras na Galeria Nova, Claustros do Convento da Graça, Galeria Municipal e Salão dos Bombeiros Voluntários. Torres Vedras: Cooperativa de Comunicação e Cultura de Torres Vedras, p 78.

302 Ana Vieira, António Palolo, Alice Jorge, A. Mendes, Armando Alves, Artur Rosa, Clara Menéres, David Evans, Eduardo Nery, Eurico Gonçalves, Espiga Pinto, Fátima Vaz, Fernando Conduto, Guilherme Parente, Helder Baptista, Helena Almeida, Helena Lapas, Henrique Manuel, Henrique Ruivo, João Abel Manta, João Nascimento, João Cutileiro, João Hogan, João Vieira, J. Moniz Pereira, Joaquim Rodrigo, Jorge Martins, Jorge Vieira, José Aurélio, José Rodrigues, José João Brito, Júlio Pomar, Júlio Pereira, Justino Alves, Kukas, Lima de Freitas, Lima Carvalho, Luís Dourdil, Manuel Baptista, M. A. Dias, Menez, Nikias Skapinakis, Quinino Sebastião, René Bértholo, Rogério Ribeiro, Sá Nogueira, Romualdo, Sérgio Pombo, Teresa Magalhães, Virgílio Domingues, Vespeira, etc.

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qualidades convenientes ao movimento para ligação dos artistas e dos meios das duas cidades.

Uma das primeiras iniciativas do MDAP é a realização do painel coletivo comemorativo no 10 de junho, já atrás referido, que concretiza uma ideia ba-seada numa obra coletiva pouco antes realizada em Cuba (Alentejo), naquele caso em estrutura espiral. Agora, o número obviamente simbólico dos 48 anos da ditadura extinta conduz à elaboração de uma lista de 48 artistas, que exclui inúmeros nomes, apesar de consagrados. José de Guimarães, por exemplo, resi-de nessa altura em Angola, donde só regressa em novembro, pelo que não par-ticipa. E nem todos aceitam, como acontece com Abel Manta (pai), para quem o trabalho nos previsíveis andaimes não se adequa aos seus 86 anos de idade.

Além da organização da festa do 10 de junho com a pintura deste painel (que, depois de uma representação falhada por culpas oficiais na Bienal de Veneza acaba nas cinzas de um incêndio já nos anos oitenta), o Movimento Democrático dos Artistas Plásticos tem outras intervenções an-tes de se extinguir, em data incerta.

Podem identificar-se, por exemplo, a já referida intervenção A Arte Fascista Faz Mal à Vista em frente do Palácio Foz303, o cartaz Flor Liberdade, Fogo Imaginação, Força Unidade, de 1974 e a pintura de um outro painel coletivo em Viseu.

Também é da organização do MDAP a comemoração do Dia Mundial da Criança, que um programa de televisão304 transmite como decorrendo nas instalações do próprio movimento, incluindo diversas atividades com crianças como histórias contadas, realização de pinturas, máscaras e tea-tro, sob apoio de estudantes de Belas Artes.

Há ainda, na frente mais concretamente política, a colaboração nas Campanhas de Dinamização Cultural da 5ª Divisão, o diálogo com institui-ções, grupos e artistas sobre necessidades sentidas, a intervenção em co-missões consultivas sobre assuntos artísticos.

No entanto, embora exista no movimento forte potencial associati-vo, goram-se tentativas de organizações formais mais corporativas que vão surgindo, como o Movimento Pró-Associativo dos Artistas Plásticos (no-ticiado na revista Artes Plásticas de junho de 1974), de que decorre a FAPAP (Frente de Acção Popular dos Artistas Plásticos), cuja criação é anuncia-da num pequeno artigo no Diário de Lisboa de outubro de 1974:

303 Ver 2.2.1.304 CINEQUIPA (1974). “Dia Mundial da Criança na sede do Movimento Democrático

dos Artistas Plásticos”. Ver e Pensar, programa de televisão. 1974-10-13. [em linha]. Disponível em: https://arquivos.rtp.pt/conteudos/dia-mundial-da-infancia/#s-thash.8L7rG8ys.dpbs [Consult. 6 abr. 2018].

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(...) de acordo com o estabelecido no programa do movimento Pró-Associativo dos mesmos. A F.A.P.A.P terá como função a participação política, na politização de massas e na regulamentação de trabalho de artistas plásticos e seu emprego efetivo na reconstrução do país, pas-sando a ser o órgão representativo da classe e da Associação juntos dos partidos e do Governo.305

Esse grupo seria, aparentemente, uma derivação da APAP (Associação de Artistas Plásticos) que, como outras tentativas de organização mais cor-porativa de artistas, também não consegue grande sucesso, catalisando tensões diversas e sectarismos partidários. A FAPAP tem propósitos mais radicais em torno da denúncia do “carácter capitalista e burguês” das artes plásticas em Portugal e do “fascismo”306 de intervenientes no meio artístico que então logram mais visibilidade, nomeadamente do MDAP, pouco ativo na sua opinião, e sobretudo visando a CCAP (Comissão Consultiva para as Artes Plásticas), em 1975, quando da organização por esta de uma exposi-ção de pintura portuguesa que se pretende levar a Paris.

Na realidade, a FAPAP pouco mais acaba por fazer do que criar con-testação em torno dessa exposição, acusando a seleção de incidir nos mes-mos artistas de sempre, não ser representativa da “arte revolucionária” cuja existência é duvidosa, questionando Paris em vez de Portugal como destino, etc. Os protestos, também subscritos por professores da ESBAP e por um grupo de 12 artistas independentes (entre os quais dois dos 38 escolhidos para a referida exposição), acabam por desanimar muitos dos envolvidos, com bastante estardalhaço na imprensa normal e na Colóquio Artes. José-Augusto França chega a referir manobras de influência na SNBA por parte da FAPAP, segundo ele com apoio da 5ª divisão do MFA307 (o que, não sendo forçosamente verdadeiro e alinhe em acusações disseminadas sobre o uso de iniciativas artísticas para instrumentalização política, colhe algum eco no facto de haver na FAPAP artistas próximos de partidos de esquerda e extrema esquerda). Mas, na época, o assunto torna-se demasiado polémico, desiste-se da exposição (que acontece apenas mais de um ano depois). E a APAP também não tem vida longa.

305 A/A (1974). “Criada uma Frente de Artistas Plásticos”. Diário de Lisboa, 18 de outu-bro. [em linha]. Disponível em: https://www.arquivopintasilgo.pt/arquivopintasil-go/Documentos/0038.096.pdf [Consult. 19 set. 2020].

306 Expressões no mesmo artigo.307 FRANÇA, José-Augusto (2000). A Arte e a Sociedade Portuguesa no Século XX

1910-2000. Lisboa: Livros Horizonte, p. 63-64.

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Há ainda uma Associação Nacional de Artistas Plásticos mais re-cente, mas também de curta permanência e memória pouco registada.

3.2.2. Grupo Puzzle

Mais plenamente do que a maioria dos grupos de artistas e efetivamente assumindo-se como um coletivo artístico na década de setenta, o Grupo Puzzle forma-se já após o impacto das primeiras ações do Grupo Acre e está bastante presente no cenário artístico da democracia recente, disputando com aquele grupo os primeiros planos de visibilidade.

O Puzzle é o maior coletivo português dessa época, obviamente maior do que o Grupo Acre e mais variado etariamente, com artistas da mesma geração, mas também mais novos do que aquele.

Segundo Egídio Álvaro308, o Puzzle nasce em 1975 em Paris, no bar Rosebud (Montparnasse) no encontro dele próprio com Graça Morais (1948-), Jaime Silva (1947-) e João Dixo (1941-2012), na suposição de se criar assim o primeiro coletivo em Portugal — o que, como sabemos, não correspon-de aos factos, pois há intervenções do Grupo Acre desde agosto de 1974. A esse núcleo juntam-se em seguida, já em Portugal, Albuquerque Mendes (1953-), Armando Azevedo (1947-2020), Carlos Carreiro (1946-), Dario Alves (1940-), e Pedro Rocha (1945-). Em 1976 adere Fernando Pinto Coelho (1951-), tal como os outros artistas oriundo do Norte de Portugal: sumariamente Porto, Guimarães e Coimbra. Nesta cidade, a iniciativa centra-se muito em João Dixo, que arrasta outros artistas presentes no CAPC (Círculo de Artes Plásticas de Coimbra), sendo no Porto que decorrem os encontros entre todos, nos quais discutem os projetos. Ainda em 1976, o Puzzle muda de elenco, quando se afastam Pedro Rocha, Dario Alves e Carlos Carreiro; em 1977 entra Gerardo Burmester (1953-), saindo Jaime Silva e Graça Morais309; e, por vezes, o empenho de Egídio Álvaro (1937-2020), crítico de arte e artis-ta, é tão expressivo que é como se fizesse também parte do coletivo.

308 Em texto não localizado, referido por GUÉNIOT, David-Alexandre; PINTO, Paula (ed.), (2019). Caldas 77 / IV Encontros Internacionais de Arte em Portugal = 4èmes Rencontres Internacionales d’Art au Portugal. Lisboa: Ghost Editions, p. 284.

309 Segundo GONÇALVES, Cláudia; RAMOS, Maria (Coord.), (2001). Porto 60/70: os artistas e a cidade. Textos de Vicente Todolí, José Rodrigues, João Fernandes, Fátima Lambert, Fernando Pernes.  Porto: Asa / Árvore-Cooperativa de Actividades Artísticas / Museu de Serralves, p. 291.

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A primeira obra do coletivo é de carácter performativo: o Jantar-intervenção, em janeiro de 1976, na Galeria Alvarez-Dois310; e a última é, possivelmente, a mala que o grupo apresenta na ARC do Museu de Arte Moderna de Paris, em 1980.

Formado com o intuito de retratar a instabilidade política vivida no rescaldo do Processo revolucionário em Curso (PREC) e como refle-xão de uma geometria variável entre as “convenções colectivas e as consciências individuais”, o nome do Grupo representava tanto uma metáfora formal como uma estratégia performativa. Era simultanea-mente literal e experimental, interessando-se por jogar com os limites da consciência e das suas formas de expressão. A democracia trazia consigo a liberdade individual, representada na forma de um desafio colectivo. O Grupo Puzzle assume a gestão desse equilíbrio instável entre o interesse individual e colectivo.311

No entanto, a intervenção na realidade e utopia políticas não são fo-cos únicos deste grupo, que também trabalha tópicos pessoais ou familia-res, “e quotidianos, da arte, dos mitos correntes, dos tabus (...)”312.

310 A datação exata é contraditória. Na revista Artes Plásticas 7/8 um dos artigos de Egídio Álvaro (a) situa o jantar em dezembro de 1975 e outro (b), também do mesmo autor, em janeiro de 1976, enquanto Fernando de Azevedo (c), no catálogo da exposição Cultura Portuguesa em Madrid em 1977, refere o mês de janeiro de 1975. Parece mais credível, contudo, a data apresentada no texto do catálogo do Salon de la Jeune Peinture em que nos baseamos (d), e que assinala como ativi-dades suas: Jantar, em janeiro de 1976, na Galeria Alvarez Dois; Trois Panneaux, na Galeria Alvarez Dois e depois no Salon de la Jeune peinture de Paris, ambas em março de 1976; Dix-huit+Trois Panneaux, na SNBA, em julho de 1976.

(a) ÁLVARO, Egídio (1977). “Portugal 76. Vanguardas alternativas. Albuquerque / Da Rocha / Dixo / Graça Morais / Grupo Puzzle / Vítor Fortes”. Artes Plásticas. Nº 7/8, Dir. Egídio Álvaro, dezembro/janeiro, p. 28. Porto: Editorial Engenharia.

(b) ÁLVARO, Egídio (1977). “Grupo Puzzle: Albuquerque. Armando Azevedo. Carlos Carreiro. Dario Alves. Graça Morais. Jaime Silva. João Dixo. Pedro Rocha. Pinto Coelho”. Artes Plásticas nº 7/8, Dir. Egídio Álvaro, dezembro/janeiro, p. 18. Porto: Editorial Engenharia.

(c) AZEVEDO, Fernando de (1977). Cultura Portuguesa em Madrid. Madrid: Secretaria de Estado da Cultura.

(d) SOUSA, Rocha de (1976). Jeune peinture portugaise. Catálogo de Exposição.  Paris: Fondation Calouste Gulbenkian/Centre Culturel Portugais.

311 PINTO, Paula (2011). Grupo Puzzle (1976-1981). Pintura colectiva = Pintura in-dividual. Catálogo da exposição Grupo Puzzle (1976-1981). Pintura colectiva = Pintura individual. Curadoria de Paula Pinto. Figueira da Foz: Câmara Municipal da Figueira da Foz/Centro de Artes e Espetáculos.

312 ÁLVARO, Egídio (1977). “Grupo Puzzle: Albuquerque. Armando Azevedo. Carlos Carreiro. Dario Alves. Graça Morais. Jaime Silva. João Dixo. Pedro Rocha. Pinto

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Isso é coerente, aliás, com a evolução do contexto histórico, se tiver-mos em conta que o Puzzle surge já numa fase do clima revolucionário em que, depois do fulgor e intensidade inicial quase unânimes, se toma, entre-tanto, um rumo de maior primado das diferenças de perspetiva que a demo-cracia faz por integrar, com crescente institucionalização desta numa nova legalidade que, agora, vai detendo o poder. Esse facto contextual é, também, expressivo no perfil e projeto deste coletivo que, por um lado, aposta numa gestão das diferenças dos papéis criativos individuais em propostas con-juntas e, do ponto de vista plástico, ora afirma centralmente a via pictórica, ora abre-se a uma dimensão performativa, mais pública e teatral, com forte debate interno.

No catálogo de O Puzzle joga com o Porto, uma das exposições do grupo em 1976, é possível rever, em fotografias que testemunham uma es-pécie de ação ritual, a montagem de uma tela conjunta com pinturas di-versas; descortina-se a estrutura de campo seccionada segundo diversas formas de mosaico ou puzzle, em articulação com uma figuração algo tar-do-pop marcada por ícones da sociedade e cultura portuguesa e internacio-nal, como por exemplo a Ponte de D. Luís e a Torre dos Clérigos do Porto, a onda de Hokusai a servir de fundo à ameaça de tiro a um militar da Marinha, ou ainda a própria bandeira nacional com recortes de logótipos de diversos partidos políticos e até formas de índole abstrata.

Coelho”. Artes Plásticas nº 7/8, dezembro/janeiro, p 19. Porto: Editorial Engenharia.

Figura 81Grupo Puzzle. Bandeira Nacional. 1976.Técnica mista s/tela. 207x296 cm. Coleção Museu Calouste Gulbenkian.

3. GRUPO ACRE, ARTE E DINÂMICAS COLETIVAS EM PORTUGAL 245

Egídio Álvaro, em texto de julho de 76, refere que, na experiência do grupo de 5 exposições nos últimos 8 meses, a 2ª repetida em Paris, há uma qualidade notável:

Polémica é a posição destes nove artistas desde o princípio (...), ao acreditarem e ao projectarem-se num trabalho colectivo para o qual nenhum (ou poucos) estava realmente preparado, que só lhes anun-ciava canseiras e preocupações, que sacudia o conforto do trabalho e individual e indiscutido, que os obrigava a dialogar permanente-mente, e que os lançava numa aventura, num desafio, de resultados imprevisíveis.313

De facto, a produção intensa do grupo revela um dispositivo ou mo-dus operandi recorrente de natureza pictórica na maioria das obras, que alia uma margem de criação individual ao espírito coletivo. Segundo Jaime Silva314, procuram normalmente que haja uma referência inicial, por exemplo um postal, uma foto, um pretexto que sirva de mote conceptual e modelo visual, alvo de troca de ideais e interpretação livre. Uma imagem da Torre dos Clérigos pode ser recortada em nove partes divididas por cada membro do grupo e, mais tarde, unidas de novo após trabalho de cada um, indivi-dualmente315. Assumem assim, uma espécie de processo de cadavre exquis, uma vez que cada um desconhece o trabalho dos outros, associado a uma natureza performativa.

Na coletiva de Verão de 1976 da SNBA, duas pinturas revelam esse processo de composição simultaneamente conjunta e individual, que con-siste na decisão de apostar numa superfície final do quadro fragmentada, já atrás referida como um puzzle, destinando cada um dos fragmentos a cada artista. No entanto, embora seja um pouco aquilo que é feito antes no painel do 10 de junho de 74 (agora com recortes parciais diversos), no caso do Puzzle não parece existir um suporte inicial sujeito a divisões, mas antes um conjunto de realidades individuais que, posteriormente, são compostas, mais como um patchwork — ou seja, há uma imagem sujeita a fragmentação

313 ÁLVARO, Egídio (1977). “Grupo Puzzle: Albuquerque. Armando Azevedo. Carlos Carreiro. Dario Alves. Graça Morais. Jaime Silva. João Dixo. Pedro Rocha. Pinto Coelho”. Artes Plásticas. Nº 7/8, dezembro/janeiro, p 18. Porto: Editorial Engenharia.

314 Conversa informal com a autora, em 18-09-2020.315 Ver texto de Paula Pinto no catálogo do Grupo Puzzle na exposição na Figueira da

Foz, em 2011.

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e uma imagem final resultado de uma construção. Logo, desconstrução e construção estão presentes no processo.

Em A Colecionadora, também nessa exposição da SNBA, o “puzzle” pictórico é igualmente de índole figurativa e tratamento diferenciado por zonas, permitindo ler-se a figura de uma mulher de aparente meia-idade, de pose frontal e atitude vagamente distanciada, que apresenta quadros, num dos quais surge uma espécie de Mona Lisa entre uma desfiguração baco-niana e uma desconstrução picassiana. Nesse catálogo há ainda menção a uma terceira obra do grupo, não reproduzida em imagem, indicada como “Mais 1 pintura para a Exposição de Jovem Pintura Portuguesa em Paris”316.

A pintura referida surge no catálogo dessa outra exposição317: Em Renoir, de novo a construção do espaço como que agrega fragmentos de um puzzle, que determinam o tratamento pictórico por cada artista de um conjunto de imagens com naturezas diversas, mas que perfazem uma cena geral. Curiosamente e talvez à semelhança da Equipo Crónica318, nesta pin-tura é evidente a estratégia de apropriação ou citação de outros artistas, em que é possível reconhecer não apenas Renoir, designado no título, mas também uma freira esculpida por Rosa Fazenda e, porventura, alusões a ar-tistas figurativos como Chagall, Egon Schielle ou Kirchner, intercalados com zonas mais abstratas.

Em resumo, esse método curioso assume como resultado final uma coleção de elementos com certa descontinuidade:

Assim, o todo é a soma das partes. Desta maneira introduz-se a singu-laridade de cada um (de cada parte) na pluralidade do grupo (do todo). Não há propriamente uma atitude de síntese, pelo menos, de um modo deliberado, há antes uma atitude de análise, sistemática, que se esgo-ta, que se dilui, que se sedimenta em acção emprestada a um jogo de incontornável convicção.319

Mas o Puzzle não realiza apenas pinturas na conjugação de sinergias individuais que Quadros Ferreira refere; elabora também outras obras de

316 No catálogo Exposição de arte moderna portuguesa: salão de verão-76.  Lisboa: Sociedade Nacional de Belas Artes, 1976.

317 Catálogo AA.VV. (1976). Jeune peinture portugaise. Texte par Rocha de Sousa.  Paris: Fondation Calouste Gulbenkian. Centre Culturel Portugais.

318 Cuja obra surge divulgada na imprensa especializada portuguesa em 1973, é pa-tente em Lisboa em 1974 na Galeria S. Francisco, e está na FCG em Lisboa e no CAC no Porto em 1977 (ver ponto 3.3).

319 FERREIRA, António Quadros (2017). Jaime Isidoro. O Artista Sou Eu. Porto: Edições Afrontamento, p. 272.

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natureza performativa que assumem propósitos de intervenção, não neces-sariamente política. O Jantar-intervenção já é sinal disso. E há recolhas e apropriação de obras de outros artistas que servem de mote para ações, nem sempre com propósitos tão discretos como alguns desejam assumir.

O melhor exemplo disso ocorre em 1976, quando os Puzzle têm desta-que nos III Encontros Internacionais de Arte da Póvoa de Varzim, sendo-lhes atribuído não só um espaço de exposição para pinturas concluídas, como há declarada recetividade para intervenções menos canónicas. Correspondendo a isso, o grupo não só expõe pintura, como apresenta performances no espaço público, para as quais concebe uma estratégia de comunicação que consiste no uso de roupas brancas com a inscrição em cada artista de uma das letras do nome do grupo. As diversas atuações ali desenvolvidas têm qualidade desigual. Há algum sentido de improviso e de ritual que, frequentemente, implica ações repetitivas, explorando, sobretudo o lado teatral público, a ideia de intervenção em obras e espaços, com pessoas presentes.

Os relatos sobre isso não são inteiramente coincidentes. Eurico Gonçalves, na Colóquio Artes, apenas refere o Jantar-debate final e confes-sa que as “intervenções do Grupo Puzzle pareceram-me pouco significa-tivas”320. Egídio Álvaro, pelo contrário, responsável com Jaime Isidoro pelo convite ao grupo, considera o Puzzle num eixo de “vanguarda alternativa” no Portugal de 1976 e, no número duplo da revista que sai meses depois, confere grande protagonismo à participação do grupo nesses III Encontros Internacionais de Arte. Aí, o Puzzle surge muito expressivo; os seus mem-bros estão, como já referido, vestidos de branco, cor de resto decisiva nos próprios textos que anunciam as intervenções de carácter performativo, ri-tual, objetual ou francamente efémero, em obras próprias e outras em arti-culação com outros artistas participantes (oferta de flores, jogo de palavras, espetáculo de pintura, subversão no debate, etc.).

Na mesma revista Artes Plásticas, o Grupo Puzzle aparece também como colaborador, publicando um manuscrito com dois momentos, Texto 1 e Texto 2, que referem dois tipos de “actuação”, diferentemente caracteriza-das como numa ficha técnica:

em diferido, MATERIAL UTILIZADO Suporte-pigmento, TÉCNICA Óleo-acrílico-colagem, FORMA Puzzles-rectangulares, ACÇÃO Es-tática (individual-colectiva), COR Branco decomposto”; e “ao vivo

320 GONÇALVES, Eurico (1976). “Terceiros Encontros Internacionais de Arte na Póvoa de Varzim”. Colóquio Artes. Nº 34, outubro, p. 72. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

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MATERIAL UTILIZADO III, Encontros Internacionais de Arte — PÓ-VOA DE VARZIM, TÉCNICA Actuação sobre intervenções Rituais-Ex-posições-Debates, FORMA Presença física — gesto, ACÇÃO Teatral (individual-colectivo), COR Branca321.

Nesses resumos, compreende-se a dupla formulação que lhes in-teressa: em objetos mais tradicionalmente pictóricos, bidimensionais; e em sistemas mistos performativos, teatrais. E nas duas páginas seguin-tes há imagens a preto e branco de doze “actuações” nos encontros da Póvoa de Varzim, todas enquadradas no modo previsto e referido no Texto 2: “Inauguração da Inauguração da exposição Textruction(s)”; “Espetáculo de Pintura sobre o espetáculo Miller e Cameron”; “Subversão no deba-te (Arte Subversiva)”; “Oferta de flores ao orador da ‘Saudação à Póvoa’ e aos Artistas”; “Jogo das Palavras na exposição de João Dixo”; “Ritual sobre Ritual de Albuquerque Mendes”; “Espetáculo-igneo sobre piro-espetáculo de Hubert”; “Actuação terrestre sobre Actuação aérea de Tobas”; “Apoio a Construção Destruição de Gerardo Burmester”; “Abertura sobre abertura de Armando Azevedo”; “Apropriação-contradição criativa permanente so-bre textos polémicos”.

321 GRUPO PUZZLE (1977). “Texto 1 e Texto 2”. Artes Plásticas. Nº 7/8, dezembro/janeiro, p. 32. Porto: Editorial Engenharia.

Figura 82Grupo Puzzle. Jogo das palavras na exposição de João Dixo. 1976. III Encontros Internacionais de Arte da Póvoa de Varzim.

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O Grupo Puzzle realiza ainda nesses encontros uma outra perfor-mance também documentada: um novo jantar, na noite da inauguração da sua própria exposição, mas apenas com 6 elementos do grupo (os restantes decidem não participar). Nessa atuação, sempre que alguém se aproxima da mesa para sentar-se, um dos membros do Puzzle levanta-se, sai, e de-pois regressa com outra roupa vestida. O facto de aí não estarem todos é sintomático da ideia comum de respeitar e integrar diferenças. Por outro lado, a experimentação de processos de atuação coletiva consta também do seu programa mais ou menos definido, sendo frequente assumirem um comportamento de atenção e escuta a obras de outros. Assim se apropriam obras, formas ou ações, também ao fazê-lo se oferecem a um certo jogo de apropriação por parte daqueles, numa estratégia de interdependência que, na sua perspetiva, faz parte da experiência sócio política.

Egídio Álvaro frisa:

A prática do Grupo Puzzle — que culminou, nestes Encontros, com a intervenção permanente, sem criação de objectos vendáveis, sem preocupação alguma de rentabilidade económica — situa-se num campo polémico (na escolha dos temas, na recusa da exaltação cega das ideias da moda, na maneira como se auto-critica, na afirmação da actualidade de certos temas banidos pelo discurso das classes domi-nantes, na contestação dos academismos invasores, na subversão de valores) e num plano de acção directa de que são já pontos fortes o Jantar inaugural e todas as intervenções tidas durante os Encontros, desde os Restos até ao Concerto Fluxus.Entre a prática individual não destruída (antes reforçada, num enri-quecimento só limitado pelas capacidades de cada um) e a prática co-lectiva, tão desejada e tão (aparentemente) utópica, o Grupo Puzzle vem propor uma problemática nova, coerente, eficaz, através da qual podemos vislumbrar uma solução ao divórcio existente entre o artista e o artista, entre o artista e a colectividade.322

Apesar de estar longe de ser um grupo feminino (na realidade a única mulher neste coletivo é Graça Morais), em 1977 o Puzzle participa também nas duas exposições de artistas portuguesas organizadas por Clara Menéres,

322 ÁLVARO, Egídio (1977). “Portugal 76. Vanguardas alternativas. Albuquerque / Da Rocha / Dixo / Graça Morais / Grupo Puzzle / Vítor Fortes”. Artes Plásticas. Nº 7/8, dezembro/janeiro, p. 27, 28. Porto: Editorial Engenharia.

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Emília Nadal e Sílvia Chicó, na SNBA e no Centre Culturel Portugais, que centram forte debate sobre a condição feminina.

No catálogo323 é visível a imagem a preto e branco de Sans titre, uma pintura do grupo Puzzle ali sem data e sem referências de técnica ou dimen-sões324. De novo, evidencia-se o processo estruturante habitual: o espaço decomposto em módulos com recorte de peças de puzzle. A figuração, nes-te caso, inclui um homem em plano americano, muito ao sabor dos anos se-tenta, de tronco nu, cabelo longo, bigode, calções ou jeans. Olha para baixo e, com as mãos a segurar o cinto ou a braguilha, toda a sua atitude remete para uma possível representação crítica do machismo, hipótese de associa-ção a contradições latentes na exposição, uma mostra de arte portuguesa de mulheres, que “não é uma exposição feminista”, segundo as palavras de Salette Tavares no prefácio dos catálogos.

Ainda em 1977, nos IV Encontros Internacionais das Caldas da Rainha, o Grupo Puzzle realiza uma intervenção que intitula O Calendário. Com ca-rácter de ritual diário para os 12 dias dos encontros, parte das ações vive da recolha de vestígios e testemunhos das outras intervenções que vão acontecendo (ou seja, põe em campo um espírito apropriativo comum às intervenções realizadas na Póvoa de Varzim). Depois, todas as noites, os ele-mentos do grupo, de máscaras e luvas brancas, apresentam esses materiais na sala grande do Museu Malhoa, depositando-os num cofre-caixa, dando o mesmo destino a tiras de tela resultantes do corte ritual de uma pintu-ra coletiva que realizam também. Depois, a caixa é enterrada325. Armando Azevedo, um dos artistas do coletivo, regista detalhes dessa ação no seu Livro de Actas326, um misto de manuscritos pessoais e desenhos que tam-bém contém outros apontamentos sobre os encontros. Eurico Gonçalves resume assim essa intervenção do Puzzle:

323 AA.VV. (1977). Artistas portugueses. Texto de Salette Tavares.  Lisboa: Sociedade Nacional de Belas Artes; e AA.VV. (1977). Artistes portugaises. Préface par Salette Tavares.  Lisbonne: Fondation Calouste Gulbenkian.

324 Numa outra versão do catálogo a obra, com nº 73, apresenta apenas como medi-das 150x250 cm.

325 Esta ideia recorda o Time Boxes Project, de 1974, da iniciativa de Stephen Antonakos, em que colaboram Richard Artschwager, Daniel Buren, Sol LeWitt e Robert Ryman: A convite de Antonakos em 74, no ano seguinte cada um coloca na respetiva caixa o que entende, concordando que só em 2000 se desvenda o conteúdo, como vem a acontecer.

326 AZEVEDO, Armando (1977). “Livro de actas”. GUÉNIOT, David-Alexandre; PINTO, Paula (ed.) (2019). Caldas 77 / IV Encontros Internacionais de Arte em Portugal = 4èmes Rencontres Internacionales d’Art au Portugal. Lisboa: Ghost Editions, p. 124-127.

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um ritual repetitivo intitulado ‘O Calendário’, que consistiu em recor-tar uma tira de tela, correspondente a 1/12 de uma pintura colectiva, e guardá-la religiosamente num relicário, juntamente com as diver-sas oferendas recolhidas durante o dia por cada um dos componentes do grupo. No final dos Encontros, o relicário foi enterrado no jardim anexo do Museu José Malhoa e, posteriormente, foi desenterrado e destruído327.

De novo se confirma que a natureza das obras do Puzzle não é, pois, exclusivamente pictórica e o dispositivo formal e conceptual difere. E, em-bora as pinturas sejam talvez as mais divulgadas e impliquem maior sentido de conciliação da marca individual com o processo coletivo (como valoriza Egídio Álvaro), são as de natureza performativa que colhem maior impacto vanguardista, de certo modo dando razão aos argumentos que criticam o sentido fechado e até preconceituoso do próprio conceito de vanguarda nalguns dos seus defensores.

Egídio Álvaro, grande apoiante dos Puzzle nas iniciativas em cuja or-ganização colabora e a quem dedica em diversos textos, caracteriza assim a sua prática:

O primado da ideia sobre a técnica (tomada esta como um meio e não como um fim) e sobre a análise da intervenção plástica dos componen-tes materiais da pintura.A elaboração de um trabalho colectivo que não só não destrói a especi-ficidade e as características do trabalho individual como ainda, muitas vezes, o reforça e valoriza.O abordar temas que tinham sido excluídos do vocabulário plástico em curso.A maneira como trata estes temas (uma imagem de base comum, re-cortada por nove rectângulos que serão pintados individualmente), a percepção da imagem global e a tentativa de jogar, no rectângulo in-dividual, com o estilo próprio aos artistas a quem foram atribuídos os rectângulos contíguos.A facilidade como que aproveitam o insólito e o tornam acessível, plau-sível, quase banal.O desejo veemente de instaurar um diálogo aberto com os componen-tes da nossa cultura e com as massas arredadas da arte, e a vontade

327 GONÇALVES, Eurico (1977). “IV Encontros Internacionais das Caldas da Rainha”. Colóquio Artes. Nº 34, outubro, pág. 72. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

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de sair dos quadros estreitos que nos foram impostos pelo isolamento geográfico e pela incapacidade dos burocratas.328

Em 1979, o próprio coletivo define assim o seu projeto: “O Grupo Puzzle tem procurado a livre criação coletiva que considere, respeite e explore as potencialidades da criação individual, criação individual essa que passará a tomar em linha de conta as descobertas do permanente trabalho coletivo”329.

Contudo, o clima de violência em que terminam os IV Encontros Internacionais de Arte é expressivo das mudanças políticas em curso, bem como de algum espírito retrógrado e atraso cultural presentes nas popula-ções, o que não só torna desmotivantes iniciativas interventivas com públi-cos, como deixa um rastro eventualmente traumatizante.

Por outro lado, Pedro Rocha, Carlos Carreiro e Dario Alves afastam-se ainda em 76, dando prioridade ao seu trabalho pictórico individual, pouco interessados na linha performativa que ganha maior ênfase no Grupo Puzzle quando Gerardo Burmester se integra no grupo em 77. E, tal como acontece com o Grupo Acre e outros, também o Puzzle acaba por perder entusiasmo e as presenças em exposições ou eventos artísticos tornam-se menos assí-duas, embora persistam aparições de maior pendor performativo.

Assim, apesar de ser um grupo com um projeto sólido e conseguir uma presença muito visível no seu tempo e até uma dimensão internacional superior à dos outros grupos portugueses, apesar das qualidades presentes nas obras de perfis diversos, também o Puzzle se extingue. A vida política e social do país e a movimentação das tendências artísticas dos anos setenta para os anos oitenta parecem aconselhar dinâmicas criativas de sinal mais individualista, hedonista e pragmático, tornando os modos coletivos algo, em geral, menos pertinente, por agora.

328 ÁLVARO, Egídio (1977). “Grupo Puzzle: Albuquerque. Armando Azevedo. Carlos Carreiro. Dario Alves. Graça Morais. Jaime Silva. João Dixo. Pedro Rocha. Pinto Coelho.” Artes Plásticas. Nº 7/8, dezembro/janeiro, p. 19. Porto: Editorial Engenharia.

329 GRUPO PUZZLE (1979). “Texto para o I Symposium International d’Art Performance de Lyon”. PINTO, Paula (2011). Grupo Puzzle (1976-1981) Pintura Coletiva = Pintura Individual. Catálogo de Exposição. Texto e Curadoria de Paula Pinto. Figueira da Foz: Centro de Artes e Espectáculos, p. 4.

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Dissolve-se no início dos anos 80 com o esgotamento do debate polí-tico no espaço público e a reanimação do mercado da arte. Arte e po-lítica voltam a constituir-se como fóruns autónomos. O Puzzle surge como uma crítica à utopia massificadora da política que a revolução de 1974 encarna, evidenciando o direito à consciência individual, mas, paradoxalmente, a sua dissolução é um sintoma da perda da função social e política da arte e da perda de sentido do trabalho coletivo330.

330 PINTO, Paula (2011). Grupo Puzzle (1976-1981) Pintura Coletiva = Pintura Individual. Catálogo de Exposição. Texto e Curadoria de Paula Pinto. Figueira da Foz: Centro de Artes e Espectáculos, p. 2.

Figura 83Grupo Puzzle. Mala. 1980. Obra apresentada no ARC, Paris. Coleção Grupo Puzzle.

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Entre 1976 e 1981, o grupo está presente em mais de uma dezena de momentos expositivos331, o último dos quais apenas em referência de catá-logo, pois, de facto, já não chega a participar.

3.2.3. Cooperativa Ara

De visibilidade discreta face aos palcos das artes visuais da época, uma vez que apostada na criação têxtil que, embora considerada, não deixa de ser estigmatizada como produção algo menor, a Cooperativa Ara existe a partir de 1975. Centra-se na iniciativa e trabalho das artistas Flávia de Monsaraz e Gisela Santi, que afirmam no grupo apenas obra individual, persistente após a extinção da Ara dois anos depois da sua criação.

331 Segundo Paula Pinto, as seguintes: Janeiro 1976: Jantar/Intervenção, Galeria Alvarez-Dois, Porto; Março 1976:

Nascimento de um Puzzle Fisiológico com Pretensões a Grupo e O Puzzle Joga Com o Porto, Galeria Alvarez-Dois, Porto; Abril 1976: 27e Salon de la Jeune Peinture, Paris; Julho 1976: O Puzzle vai a Lisboa, SNBA, Lisboa; Agosto 1976: III Encontros Internacionais de Arte, Póvoa de Varzim; Setembro 1976: Arte Moderna Portuguesa, SNBA, Lisboa; Outubro 1976: Jeune Peinture Portugaise, Fundação Calouste Gulbenkian, Paris; Novembro 1976: Exposition d’Art Moderne Portugais, Museu de Lund, Suécia; Dezembro 1976: Arte Portuguesa Contemporânea, Brasília, Rio de Janeiro e S. Paulo, Brasil e Pintura e Debate, Galeria Dois, Porto; Janeiro 1977: Artistas Portuguesas, SNBA, Lisboa e Exposition d’Art Moderne Portugais, Museu de Södertälje, Suécia; Abril 1977: 28e Salon de la Jeune Peinture, Paris; Agosto 1977: IV Encontros Internacionais de Arte, Caldas da Rainha; Artistes Portugaises, Centre Culturel Portugais, Paris; Outubro 1977: Identidade Cultural e Massificação, SNBA, Lisboa; Novembro 1977: Cultura Portuguesa em Madrid, Palácio dos Congressos, Madrid: Maio 1978: Tendence figurative, Centre Culturel Communel. Bretigny e 29e Salon de la Jeune Peinture, Paris; Janeiro 1979: Ciclo de 5 individuais e 1 colectiva, Fundação Engenheiro António de Almeida, Porto; Fevereiro 1979: Exposição de Arte Moderna Contemporânea, Universidade de Toulouse, Toulouse; Abril: 1e Symposium International d’Art Performance, Lyon; Junho 1979: O Puzzle convida os ex-Puzzle, Sindicato de Seguros do Norte, Porto; Os pintores e as crianças, Galeria Jornal de Notícias, Porto; Janeiro 1980: Arte Portuguesa Hoje, SNBA, Lisboa e ARC (Art, Recherce, Confrontation), Museu de Arte Moderna, Paris; Maio 1980: Nova Sensibilidade: Figurações / Intervenções, SNBA, Lisboa; Agosto 1980: Semana Internacional de Arte Actual, Vila do Conde; Junho 1981: Paisagem de Gerardo Burmester na Actual Paisagem Portuguesa, Fundação Engenheiro António de Almeida, Porto; Agosto 1981: I Festival Internacional de Arte Viva, Almada (Menção no catálogo, mas já não partici-pam). PINTO, Paula (2011). Grupo Puzzle (1976-1981) Pintura Coletiva = Pintura Individual. Catálogo de Exposição. Texto e Curadoria de Paula Pinto. Figueira da Foz: Centro de Artes e Espectáculos, p. 26-27.

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3.2.4. Grupo 5+1

Com boa dinâmica conjunta, o Grupo 5+1 está ativo em Lisboa a partir de 1976. É formado por João Hogan (1914-1988), Júlio Pereira (1922-1993), Teresa Magalhães (1944-), Guilherme Parente (1940-), Sérgio Pombo (1947-) e Virgílio Domingues (1932-), artistas de diferentes gerações (nascidos en-tre 1914 e 1947) e todos lisboetas. Entre os ateliers do Antigo Convento dos Marianos na rua das Janelas Verdes e a Brasileira do Chiado, é sobretudo a amizade que liga este cinco homens e uma mulher, cinco pintores e um escultor, “cinco comunistas e um independente”, como costumam então (e ainda) dizer, com ironia.

Figura 84Grupo 5+1. Capa do catálogo da exposição na SNBA. 1976. Desdobrada, cria um cartaz.

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Na realidade, as suas aparições revelam sobretudo trabalho individual de cada um dos artistas, ligados por afinidades pessoais e convívio, algum inconformismo e, principalmente, a valorização e respeito da liberdade na vontade de exposição em conjunto.

O que os une, além da amizade, é a pulsão da arte, o serem artistas que dispensam adjectivos, o percepcionarem que o seu trabalho indi-vidual adquiria densidade e singularidade em cada um desses encon-tros. Paradoxalmente enquanto entre eles, nessas exposições colecti-vas, é cada vez menos possível definir uma tendência mais geral que os relacione, tornava-se cada vez mais impressivo que o trabalho de cada um ampliava, e muito, o que se podia fazer com as artes visuais. Esse é o grande impacto dos 5+1 no panorama das artes nacionais.332

Embora, pois, o projeto conjunto não formule linhas programáticas comuns e salvaguarde as saudáveis características individuais, acaba por ser possível descortinar subtis afinidades no trabalho que cada um produz, nomeadamente um tom poético que perpassa em todos naquele tempo tão marcadamente politizado.

Mesmo o caso das esculturas de Virgílio Domingues confirma tal dimensão lírica, nos interstícios da sua expressão satírica, assim como, em todos, o desejo generoso de uma espécie de desdramatização afetiva da obra no seu espaço expositivo. Na mostra realizada no salão da SNBA em março de 1976, a apresentação das obras inclui vinho tinto, joaquinzi-nhos fritos e um estendal com roupa pendurada, conferindo a todo o es-paço um tom menos convencional, mais popular, descontraído, convivial e bem-humorado que dessacraliza uma certa aura erudita da exposição e torna as obras mais acessíveis a qualquer público, ao mesmo tempo que mais próximas da realidade.

No texto de apresentação333 dessa mostra, afirma-se, aliás, não se pretender uma definição estilística conjunta, nem sequer no plano formal:

332 ARAÚJO, Manuel Augusto (2019). 5+1: Uma constelação nas artes visuais. [em linha]. Disponível em: https://www.abrilabril.pt/cultura/51-uma-constelacao-nas--artes-visuais [Consult. 31 dez. 2019].

333 GRUPO 5+1 (1976). 5+1. João Hogan. Júlio Pereira. Teresa Magalhães. Guilherme Parente. Sérgio Pombo. Virgílio Domingues. Texto de apresentação no catálogo da exposição. Lisboa: Sociedade Nacional de Belas Artes, março, p. 1. Não sen-do um texto assinado, a sua autoria é provavelmente conjunta. No catálogo, en-quanto Hogan e Teresa Magalhães recorrem a textos escritos por Júlio Pomar e Sílvia Chicó, os restantes elementos do grupo, ou seja, Pereira, Parente, Pombo e Domingues apresentam textos pessoais sobre o seu trabalho.

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“se existe relação entre as obras expostas, essa relação só pode ser encon-trada nos níveis profundos do trabalho plástico — níveis ideológicos e éticos condicionantes sociais do artista”334. Há, no entanto, uma vontade declara-da de aproximação ao público através de debates a fomentar, uma vez que “os problemas estéticos, o trabalho artístico, o objecto de arte só podem ser entendidos quando inseridos no contexto real e diversificado das várias actividades criadoras concretas.”335

Isso é, de resto, coerente com a forma de estar dos artistas, especial-mente quando os discursos das suas obras se diversificam sob diferentes modos de relação com a figuração da realidade.

Dois deles seguem, nessa altura, vias abstratas.É o caso de Teresa Magalhães, cuja pintura dá conta do interesse

numa relação com a luz e a cor que, depois da linha figurativa de tipologia pop, a artista vem então trabalhando a partir de gestos e pinceladas lar-gas na tela, sugerindo eventuais alusões distantes a paisagens de man-chas líricas. A primeira tela nessa linha abstrata, de 1973, aparece exposta na mostra dos 5+1 na SNBA. No texto da apresentação de Sílvia Chicó ao trabalho de Teresa Magalhães nessa exposição, é destacado o “percurso sereno, alheio a mudanças, a ‘súbitas necessidades figurativas’”, frisando--se a vontade da pintora de explicar ao público “que a pintura abstracta é um valor que se deve receber tal qual, sem o esforço inútil de uma procura identificativa de imagens”336.

Também Júlio Pereira expõe nessa altura pinturas sem sintomas de fi-guração, no seu caso com campos essencialmente geométricos de cor ges-tual. Em texto próprio nesse catálogo, o artista alonga-se em considerações diversas sobre a sua relação com a pintura e a sociedade, afirmando a “ideo-logia paralela” do pintor perante os “demais seres” e o “proletariado”, e dese-jando ver o dia em que “o quadro perderá todo o valor emblemático e ideoló-gico, mesmo mítico, até como objecto de culto de museus, para ser apenas uma parte da parede que se move — e isto por inteira vontade dos futuros homens tornados inteiramente livres de conceitos estéticos caducos”337.

334 Ibidem.335 Ibidem.336 CHICÓ, Sílvia (1976). “Teresa Magalhães”. In GRUPO 5+1 (1976). 5+1. João

Hogan. Júlio Pereira. Teresa Magalhães. Guilherme Parente. Sérgio Pombo. Virgílio Domingues. P. 11.

337 PEREIRA, Júlio (1976). “Júlio Pereira”. In GRUPO 5+1 (1976). 5+1. João Hogan. Júlio Pereira. Teresa Magalhães. Guilherme Parente. Sérgio Pombo. Virgílio Domingues. P. 8.

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Já num registo pictórico que, tal como os anteriores, assume a expressividade do gesto, Sérgio Pombo mantém-se ligado a uma linha neo-figurativa com sinais por vezes ainda pop, mas numa via de tensão e descontinuidade do espaço que antecipa alguma pintura dos anos oiten-ta. Em texto pessoal, ele mesmo traça, então, um mapa do seu próprio sistema em pintura:

a IDEIA — é o desejo — a memória — o sentido...o OBJECTO — são as cores — a imagem — a bandeira, o barco, o rio...— Procuro nos meus quadros a SÍNTESE entre estes dois valores.— (...)— Pintar é o esforço de libertação e de crítica, a descoberta de uma nova realidade. (...)338

Sobre Hogan, cuja pintura dá a ver paisagens desérticas, sem habi-tantes, em tonalidades térreas que implicam uma transcendência da natu-reza ou o presságio da falência desta, diz Júlio Pomar:

Pintura acre, de uma inteligência íntima que é o contrário do brilhan-tismo; subtil, à força de crua; e tão terra-a-terra que exige do especta-dor um despojamento nada fácil. (...) Voz lenta, sem adjectivos, verda-de que não condescende.Fruta madura, mas sem alarde.339

Também no seu caso, emana um sentido lírico e poético da paisagem essencial, que voltamos a encontrar, com uma expressão ainda mais eviden-te, nas obras de Guilherme Parente de então e até hoje, que ecoa distantes narrativas míticas dispersas no espaço e no tempo nas suas paisagens ten-dencialmente mediterrânicas. O seu texto pessoal no catálogo dessa expo-sição340 é muito inventivo e cheio de originalidade. É como um diálogo enig-mático entre o próprio artista e “três seres diferenciados dos da terra”, que se lhe apresentam quando o pintor se prepara “para pintar com aguarelas”,

338 POMBO, Sérgio (1976). “Sérgio Pombo”. In GRUPO 5+1 (1976). 5+1. João Hogan. Júlio Pereira. Teresa Magalhães. Guilherme Parente. Sérgio Pombo. Virgílio Domingues. P. 18.

339 POMAR, Júlio (1967). “João Hogan”. In GRUPO 5+1 (1976). 5+1. João Hogan. Júlio Pereira. Teresa Magalhães. Guilherme Parente. Sérgio Pombo. Virgílio Domingues. P. 4.

340 PARENTE, Guilherme (1976). “Guilherme Parente”. In GRUPO 5+1 (1976). 5+1. João Hogan. Júlio Pereira. Teresa Magalhães. Guilherme Parente. Sérgio Pombo. Virgílio Domingues. P. 14, 15.

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como ele conta. No texto construído por frases curtas e pequenos diagra-mas com círculos e retângulos, esses seres são designados segundo formas circulares, e a sua parte no diálogo com o artista aparece sob a forma de desenhos do mesmo tipo, sem palavras. “No fundo, só as crianças”, escreve laconicamente o artista quase no final, dando a entender que só elas perce-bem o que está em jogo sem necessidade de tradução.

Quanto a Virgílio Domingues, o escultor do grupo, já então são reco-nhecidas facilmente as suas esculturas de médio formato, resultantes de processos de modelação em barro e moldagem em gesso ou poliéster, em que surgem figuras de simplificação distorcida, críticas e sarcásticas, por vezes com algo caricato e frequentemente associadas a jogos de poder ou comportamentos sociais. Também ele apresenta um depoimento próprio, no qual principia por afirmar que “todo o artista está comprometido”, desse modo ampliando o sentido partidário que lhe seria mais diretamente impu-tado na altura. E, de modo mais pessoal, afirma:

Queria ser capaz, na escultura, de abrir caminho para um realismo, sempre difícil de definir, responsável por reflectido e actuante; mas em que o pensamento teórico que determinasse a obra, se pudesse har-monizar com os aspectos mais ocultos e mágicos que a arte sempre apresentou em todas as formas do seu desenvolvimento.341

Ainda nessa exposição, fica memorável o quadro acompanhado por uma nota escrita que Mário Cesariny deixa na entrada da SNBA:

Não vejo partidarite, nem demagogia, nem fraqueza. Vejo LIBERDADE nesta exposição. Por isso gostaria de estar com ela, mesmo extra-catálogo, mesmo pendurado á porta; onde vos deixo este quadro “O Regresso de Ulisses”, da liberdade que nunca deixou de estar nos poe-tas, mesmo quando rodeados de cães por todos os lados. 5+1? 5+1 milhão!Kant ensinou-nos que não há números e que é preciso pensar os nú-meros de cada vez que há que fazê-los (Allain, citado por Almada no grafito da Gulbenkian).342

341 DOMINGUES, Virgílio (1976). “Virgílio Domingues”. In GRUPO 5+1 (1976). 5+1. João Hogan. Júlio Pereira. Teresa Magalhães. Guilherme Parente. Sérgio Pombo. Virgílio Domingues. P. 21.

342 SÃO MARCOS, José Alexandre (2019). “Exposição ‘O Tempo Construído, Grupo 5+1 de 1976 a 2019, Setúbal”). In GRUPO 5+1 (2019). O Tempo Construído. Grupo 5+1 de 1976 a 2019. Catálogo da exposição na Galeria Municipal do 11, curadoria

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De facto, o que é interessante neste grupo é, precisamente, o que parece contrariar a própria noção de coletivo, pois na realidade é, como já se disse, um caso em que da vivência comum não decorre um programa artístico que não seja de formulação individual. Essa será, sempre, a sua linha de atuação. E, contudo, há constantes na sua diversidade das obras que decorrem da forma de estar dos artistas, do contexto e, por vezes, se repararmos bem, há iconografias mais ou menos transversais, com diferen-ciados níveis de abstração.

Em 1977, o Grupo 5+1 desloca-se a Viena de Áustria para expor a con-vite do maestro António Victorino de Almeida343, então adido cultural naque-la cidade. Os próprios artistas (exceto Hogan que, de idade mais avança-da, vai de avião) levam as obras numa carrinha das bibliotecas itinerantes da Gulbenkian, numa viagem cheia de peripécias e numa estadia marcada por improvisos depois da galeria prevista estar fechada, o que se torna uma aventura inesquecível para todos.

José Alexandre de São Marcos, organização Câmara Municipal de Setúbal. Setúbal: Câmara Municipal de Setúbal.

343 Essa posição é ocupada pelo maestro entre 1974 e 1981.

Figura 85Grupo 5+1. 1976. Da esquerda para a direita: Guilherme Parente (e filho), Teresa Magalhães (e filho), Júlio Pereira, João Hogan, Sérgio Pombo e Virgílio Domingues.

3. GRUPO ACRE, ARTE E DINÂMICAS COLETIVAS EM PORTUGAL 261

Entre 1976 e 1979, os 5+1 apresentam os seus trabalhos em várias cidades portuguesas, como por exemplo no Museu de Évora, em 1978. Na prática, o grupo aparece como tal durante esses quatros anos, enfatizando nas suas mostras a componente social que envolve diversos amigos e famí-lias e, tal como outros coletivos, cessando a apresentação conjunta entre o final dos anos setenta e oitenta, embora os artistas continuem em atividade individualmente.

Só volta a haver reaparições em grupo em 2019, primeiro em Setúbal e depois na Amadora, já sem presença de Hogan e Júlio Pereira, falecidos em 1988 e 1993. No texto do catálogo da exposição mais recente, Victorino de Almeida afirma: “A grande aventura do 5+1 está longe de ter terminado.”344

No entanto, se é sobretudo uma exposição de sentido evocativo e, de certo modo, comemorativo da existência do grupo, ou se é de facto um novo projeto dinâmico, só a futuro, para já, pode esclarecer.

3.2.5. Grupo Vermelho

Há nesses anos muitas formações coletivas, com tempo de duração e impac-tos variáveis345. Em 1976 surgem no norte do país sinais do Grupo Vermelho, constituído por Abílio José Santos (1926-1992), catalisador do grupo, tam-bém com Carlos Ferreira e Dias Santos.

De Abílio, já então é conhecida a obra O Bigode no Espelho (1970), alusiva ao papel da crítica de arte e visando alguns críticos de arte.

344 ALMEIDA, António Victorino de (2019). “A Propósito da Exposição do 5+1 na Amadora”. In GRUPO 5+1 (2019). O Tempo Transformado, Grupo 5+1. O tempo e a Cidade de 1976 a 2019. Catálogo da exposição na Galeria Municipal Artur Bual, Casa Aprígio Gomes, Amadora, curadoria José Alexandre de São Marcos, organi-zação Câmara Municipal da Amadora, DEDS/DIC/Galeria Municipal Artur Bual. Amadora: Câmara Municipal de Amadora, p.4.

345 Pode mencionar-se, num brevíssimo apontamento, o Grupo Contastoria, sobre o qual não se acharam elementos concretos quanto à sua constituição, origem e pro-jeto, mas que parece ter estado envolvido numa exposição sobre pintura e política, na sequência dos II Encontros Internacionais de Arte, em 1975, exposição na qual participaram também João Dixo, Ivan Messac e Joan Rabascall. SILVA, Caroline (2019). A performance Arte como Intervenção nos Encontros Internacionais de Arte (1974-1977). Dissertação de Mestrado em História de Arte Contemporânea. Universidade Nova de Lisboa, p. 33. [em linha]. Disponível em: https://run.unl.pt/handle/10362/93700 [Consult. 22 ag. 2020].

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Figuras 86Grupo Vermelho. (Colage) Manifesto Vermelho. 1976. 4 (de 8) colagens de textos manuscritos e dactilografados s/ placas em cartão 35x25cm.

3. GRUPO ACRE, ARTE E DINÂMICAS COLETIVAS EM PORTUGAL 263

No 1º de maio de 74, Abílio é também autor do Manifesto à cidade de um trabalhador fabril-técnico de desenho artista autodidacta amador da-daísta — considerações justas desconsiderações inevitáveis programa346. Ali interpreta o sistema de arte de modo radicalmente crítico, incidindo so-bre o mercado, os estatutos, os comportamentos, a teoria histórica, etc.

Em nome do Grupo Vermelho, são apresentadas obras conjuntas nos III Encontros Internacionais de Arte em Portugal, na Póvoa de Varzim, expon-do-se no Grande Hotel um conjunto de obras baseadas em excertos de leitu-ras de Michael Gold, mostra intitulada AmRiCa COLAGEM AUDIO-VISUAL.

Desse acontecimento subsistem hoje imagens de documentos347 como a (COLAGE) Manifesto Vermelho, obra que consta de 8 placas em cartão com colagens, textos escritos à mão, à máquina, caneta, marca-dor e tinta.

Aí é possível perceber uma estratégia visual que expressa um discurso anti mercado da arte, que defende a subversão deste e dos valores tradicio-nais da arte em prol de uma prática artística democrática e revolucionária; o figurino é assumidamente pós-dadaísta, articulando escassa iconografia com forte profusão de textos em colagem, ora com a aparência de títulos curtos cruzados de carácter panfletário, ora manuscritos, ora ainda com evidentes propósitos mais reflexivos ou associados a uma vertente da poe-sia visual de que Abílio é um representante ativo já antes dessa exposição e até aos anos 90 348.

3.2.6. Grupo If

De novo no Porto, o Grupo If (Ideia e Forma) é detetável entre junho de 1976 até 1984. Distingue-se em trabalho fotográfico que aposta na escolha de temas comuns que são tratados individualmente com grande liberdade de experimentação de géneros e processos fotográficos, assumindo registos

346 LAMBERT, Fátima (2001). “Balanço do século XX — Arte Portuense Aleph”. Texto do catálogo da exposição ‘Mais de 120 grupos e episódios no Porto do Século XX’. In FERNANDES, Maria Luísa Garcia; RODRIGUES, José Carlos Meneses; TEDIM, José Manuel (Coord.), (2004). II Congresso Internacional de História de Arte. 2001. Portugal: Encruzilhada de Culturas, das Artes e das Sensibilidades — Actas. Coimbra: Livraria Almedina, p. 78.

347 Revista Artes Plásticas. Nº 7/8, Dir. Egídio Álvaro, dezembro/janeiro 1977. Porto: Editorial Engenharia, p. 41 e insert s/n página entre a 41 e a 42.

348 Ver também imagens da PO-EX. Arquivo Digital da Po-Ex. Poesia Experimental Portuguesa. [em linha]. Disponível em: https://po-ex.net/taxonomia/materialida-des/planograficas/abilio-jose-santos-colagem-manifesto-vermelho/#more-2745. [Consult. 24 mai. 2018].

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que remetem para diferentes perspetivas do quotidiano e temporalidades. O grupo integra António Drummond (n.1936), Henrique Araújo, João Paulo Sotto Mayor (n.1942), José Carlos Príncipe (n.1952), José Maratona (n.1952), Luís Abrunhosa (n.1938), Manuel Magalhães (n.1945), Manuel Sousa (n.1931) e Mário Vilhena (n.1955).

Sobre as exposições intituladas Vilarinho das Furnas, de 1976, Gustavo Eiffel e as Pontes Ferroviárias em Portugal, de 1977 e Exercício, de 1978, podem evocar-se comentários sobre aspetos plásticos e temáticos contras-tantes observados nas fotos das duas primeiras séries, colocadas na ex-posição lado a lado; destaque-se “a poderosa demonstração da tecnologia humana, um objecto indestrutível de ferro que se sobrepõe aos elementos da Natureza” contra as “desoladoras ruínas à mercê da erosão impiedosa dos ventos e das chuvas denunciando a fragilidade humana no confronto com as forças vitais da Natureza”349.

Além destas exposições do grupo há outras, por vezes com nomes idênticos, frequentemente rodando obras já vistas e integrando outras novas.

3.2.7. Grupo de Intervenção do Círculo de Artes Plásticas de Coimbra / Grupo Cores

O Círculo de Artes Plásticas de Coimbra, instituição coimbrã existente desde 1958 e já atrás referida350, está no início dos anos setenta a fun-cionar como uma espécie do sociedade artística e laboratório criativo de experimentação com atelier, no qual se convive também. Já ali Armando Azevedo, do futuro Grupo Puzzle, é um dos artistas intervenientes em obras coletivas como Prenda para Josefa de Óbidos, enviada para a ex-posição comemorativa do 1º aniversário da Galeria Ogiva, em Óbidos, em novembro de 1971, e em Nossa Coimbra Deles, de 1972. Ainda não há então indicação do Grupo de Intervenção do Círculo de Artes Plásticas de Coimbra, assinalado apenas a partir de 1973351, com ação no evento 1.000.011 Aniversário da Arte, em janeiro de 1974352 e em março na obra

349 CERQUEIRA, João (2001). “Arte de vanguarda no Porto dos anos 60 e 70”. Arte Ibérica. Nº 44. Lisboa, março, p. 16,17.

350 Ver ponto 3.1.351 BRANDÃO, Mariana Viterbo (2016). Passos em volta: dança versus perfor-

mance. Um cenário concetual e artístico para o contexto português. Tese de Doutoramento, Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa. No Anexo, s/n. [em linha]. Disponível em: https://repositorio.ul.pt/handle/10451/35505 [Consult. 1 nov. 2019].

352 Organizado por Ernesto de Sousa a partir de uma ideia de Robert Filliou de 1963.

3. GRUPO ACRE, ARTE E DINÂMICAS COLETIVAS EM PORTUGAL 265

Nossa Coimbra deles, um trabalho instalativo (ambiente) de criação cole-tiva na cave do CAPC.

A designação como Grupo Cores aparece depois de 1976 associada ao Grupo de Intervenção do Círculo de Artes Plásticas de Coimbra, sem aparente distinção que não a do leque aberto de artistas participantes em cada ação. É possível que se identifique como Grupo Cores sobretudo, como sugere António Olaio353, com a atuação do GICAPC na Alternativa Zero, em início de 1977, dadas as características cromáticas que sobressaem viva-mente e ficam na memória.

Entre 30 de maio e 10 de junho de 1976 o GICAPC está presente na Semana de Arte (da) na Rua que se realiza em Coimbra, entre a Praça da República e o Jardim da Sereia, uma iniciativa com forte componente per-formativa sob fins associados à tendência de aproximação ou mesmo fu-são entre arte e vida, na qual o uso do espaço público vem sendo central. Colaboram então Armando Azevedo, Túlia Saldanha, Rui Órfão, Teresa Loff e António Barros354. Nessa “semana” há mais performances, como a de Rocha Pinto; é ainda apresentada a obra Luiz Vaz 73, uma colaboração de Ernesto de Sousa com Jorge Peixinho, um com diapositivos e outro na parte mu-sical, eletrónica355. Ernesto de Sousa louva também o papel do CAPC e o seu espaço aberto não só para o convívio como para a reflexão e realização de propostas artísticas de vanguarda que incluem as raras intervenções da body art. Num outro texto, ainda o mesmo autor caracteriza e elogia assim o Círculo de Artes Plásticas de Coimbra:

Trata-se da única “sociedade artística” deste país que mantém um es-pírito de “work-shop”, o que não foi possível conseguir nem em Lisboa, com, por exemplo, a S. N. B. A.; nem no Porto, com, por exemplo, a Cooperativa “Árvore”. Seria necessário historiar as muitas activida-des passadas deste Círculo, desde a exposição colectiva “Coimbra Nossa Deles” ao “Aniversário da Arte”; os cursos livres, orientados

SOUSA, Ernesto de (1974). Projectos Aniversário da Arte. [em linha]. Disponível em: http://ernestodesousa.com/projectos/aniversario-da-arte [Consult. 19 out. 2020].

353 OLAIO, António (2013). “As Cores do Círculo de Artes Plásticas. A ambiguidade como ideologia”. Biblos, n. s. XI, p. 15-38. [em linha]. Disponível em: https://di-gitalis-dsp.uc.pt/bitstream/10316.2/35453/3/BIBLOS%20XI_cap2.pdf?ln=pt-pt [Consult. 1 nov. 2019].

354 Ibidem.355 Ernesto de Sousa e Jorge Peixinho em colaboração tomam Os Lusíadas de Camões

como referência. Ver SOUSA, Ernesto (1976). Luiz Vaz 73. [em linha]. Disponível em: http://www.ernestodesousa.com/ projectos/luiz-vaz-73. [Consult. 22 jun. 2019].

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principalmente por professores da E.S.B.A. do Porto, Ângelo de Sousa, João Dixo, Alberto Carneiro, etc.356

António Barros, membro muito ativo, define mais tarde os fins desse coletivo no sentido de usar como matéria o “corpo condicionado”, atualizado no espaço urbano enquanto “suporte comunicacional” para “redesenhar o gesto”, “reeditá-lo” e “requalificá-lo”, ou seja, “escultura social”357 obviamen-te na senda de Beuys. Ao mesmo tempo, se é desejado algo como um corpo social, comunitário, há uma noção singular de único que anula a sua realida-de para se assumir, sobretudo, como signo em situação dinâmica, no que se evoca também uma relação com as propostas de Guy Debord e ainda com o movimento Fluxus:

Na moldura do CORES havia, nessa época e navegação, uma anu-lação da visibilidade do corpo sensorial. Teríamos agora um corpo--símbolo. Uma negação de proxémica gregária. Um cortejo icónico da fragmentação. A de um tecido social proliferativo de quereres antagonizantes. Um cenário explosivo e niilista mas timidamente desafiador de novas condições semânticas. E assim, toda essa per-formatividade desafiava um comportamento contido. Espasmódico. “Geometrizante”. Procurando so(l)tura capaz. Uma escrita de cami-nho. Andando. Sempre na solidez do chão-lugar-suporte. Sobre o chão. Na terra.358

Artista que, ao longo dos anos, desenvolve principalmente trabalho no âmbito do uso da palavra num jogo ao jeito da poesia visual, António Barros traz experiência de participação no Movimento Fluxus, com Wolf Wostell, Robert Filliou e Serge III Oldenburg (todos presentes em eventos artísticos em Portugal nos anos 70). Barros subsiste, também, como um dos mem-bros do GICAPC/Grupo Cores mais aptos e produtivos na caracterização da ação do grupo e dos restantes integrantes, e é ele que conta:

356 SOUSA, Ernesto de (1976). “Arte na rua”. Colóquio Artes. Nº 29, outubro, p. 70. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

357 BARROS, António (2010). “Idade”. Arquivo Digital da PO-EX. Poesia Experimental Portuguesa. [em linha]. Disponível em: https://po-ex.net/taxono-mia/ transtextualidades/metatextualidades-autografas/antonio-barros-idade.[Consult. 14 dez. 2018].

358 Ibidem.

3. GRUPO ACRE, ARTE E DINÂMICAS COLETIVAS EM PORTUGAL 267

Azevedo, sem mordomias, foi um singular e empenhado defensor des-ta tipologia de arte laboratorialmente ensaiada no CAPC dos anos setenta. Saldanha era uma alma entusiástica e lúdica da actividade grupal. Hospitaleira. Contaminante. Sonhadora. Uma catarse fun-damental das operações. Loff, interveniente constante e lúcida, for-mulava novos ensaios semânticos. Ganhava para os textos e os ges-tos a sua condição hermenêutica. Nada era gratuito, mas gracioso. Buscando eficácia. Sempre a fazer surgir uma epistemologia para o processo em que o conhecimento era aqui procurado. Cada um trazia o seu saber e experiência pluridisciplinar. Uma arte da vida para uma vida em arte. Partilhada. Fluxista. Toda uma “contaminação” transver-sal. Proliferativa. Sem legenda de propriedade nem referente autoral de quem gerou a ideia ou vontade. O autor era o Círculo. O ente gal-vanizador. O corpo único. Colegial. E disso, dessa assinatura de então, obriga fazer jus.359

359 Ibidem.

Figura 87Grupo Cores / Grupo de Intervenção do Círculo de Artes Plásticas de Coimbra na Alternativa Zero, em 1977.

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No verão de 1976, o CAPC surge presente nos III Encontros Interna-cionais de Arte da Póvoa de Varzim sob a designação Grupo de Intervenção do Círculo de Artes Plásticas de Coimbra. É então representado por Túlia Saldanha, São Cordeiro e José Alfredo360.

Entretanto, outros artistas vão tendo ligações ao CAPC, como João Dixo, Arlindo Vicente, além dos já referidos.

Em 1977, é como Grupo Cores, como já se disse, que o CAPC ganha visibilidade na Alternativa Zero, a convite de Ernesto de Sousa, realizando trabalho performativo que, a partir da cor implicada desde logo no vestuário monocromático de cada artista do coletivo e numa defesa quase ideológica dessa cor, pode ser lido como uma ampliação da noção de pintura.

Depois, nos IV Encontros Internacionais de Arte nas Caldas da Rainha, ambiguamente como Grupo Cores ou GICAPC ou simplesmente CAPC, os artistas aparecem de novo trajados e maquilhados de modo monocromá-tico, cada um com uma cor atribuída, realizando separadamente um itine-rário a pé, de cajado na mão e a carregar objetos também da cor respetiva: Túlia Saldanha de negro, Teresa Loff de amarelo, Armando Azevedo de azul, Rui Órfão de verde, Assunção (São) Pestana de laranja, António Barros de vermelho, Manuela Fortuna de violeta361. No local de encontro, retiram dos sacos os objetos, que ali ficam. António Barros descreve:

Acção-tipo #1: Uma cascata, repetitiva e minimal, formulada para cada uma das mais simbólicas performatividades do grupo, desenhou--se em diferentes situações urbanas e geografias próprias, mas sem-pre cumprindo a sua condição de beuysiana escultura social. Aquilo a que hoje poderíamos referir, sem esforço, de uma atitude fluxista. (...) a cada ente a razão convoca: a rua (-cor), o saco de transporte (-cor), o livro (-cor), a escrita (-cor), “o mundo será de cor” (-cor), o cartaz (-cor), imagens (-cor) e palavras (-cor), os jornais (-cor), recolha de assinatu-ras (-cor). Comida (-cor), bebida (-cor), oração (-cor), a bandeira (-cor), a leitura do papel (-cor), a arte (-cor), fazer um filho (-cor).362

360 ÁLVARO, Egídio (1977). “Presença Exposição Encontro”. Artes Plásticas. Nº 7/8, dezembro/janeiro, p. 24. Porto: Editorial Engenharia.

361 BARROS, António (2010). “Idade”. Arquivo Digital da PO-EX. Poesia Experimental Portuguesa. [em linha]. Disponível em: https://po-ex.net/taxonomia/transtex-tualidades/metatextualidades-autografas/antonio-barros-idade/ [Consult. 15 out. 2020].

362 BARROS, António (2010). “Cores ou o trabalho do conceito”. In GUÉNIOT, David-Alexandre; PINTO, Paula (ed.) (2019). Caldas 77 / IV Encontros Internacionais de Arte em Portugal = 4èmes Rencontres Internacionales d’Art au Portugal. Lisboa: Ghost Editions, p. 185-186.

3. GRUPO ACRE, ARTE E DINÂMICAS COLETIVAS EM PORTUGAL 269

E Eurico Gonçalves comenta:

“Para cada um a sua verdade” poderia ser o título do ritual que o Círculo de Artes Plásticas de Coimbra efectuou em silêncio, na Praça da República, através da linguagem simbólica das cores: para o perso-nagem envolvido em verde, tudo é verde, e o mundo será verde; para o personagem envolvido em vermelho, tudo será vermelho, e o mundo será vermelho; para o amarelo, o mundo será amarelo, e assim, suces-sivamente, para cada uma das cores.363

As alusões políticas ao contexto de maior sectarização então em cur-so são evidentes e a caracterização deste projeto performativo acentua no grupo a designação “Cores”.

Mas é de novo como Grupo de Intervenção do Círculo de Artes Plásticas de Coimbra que é exposta em dezembro, na mostra Mitologias Locais, na SNBA, uma assemblage (que integra uma estante com 6 conjun-tos idênticos de objeto sobre naperons, tais como uma foto da protagonista da recente telenovela Gabriela, Cravo e Canela, um bibelot, uma foto de uma santa, um terço, velas, etc.). Depois de 1978, o Grupo Cores/GICAPC ain-da participa com performances num ciclo de arte moderna organizado pelo IADE em Lisboa, mas depois desaparece do mapa, ficando assinalado como um dos participantes em eventos mais vanguardistas dos anos setenta. Os seus artistas continuam mais ou menos ligados ao CPAC e vão, entretanto, evoluir em projetos diversos, em grupo e individualmente. Muitos envol-vem-se em iniciativas no âmbito da poesia experimental, outros da per-formance, nas décadas seguintes. O CAPC continua como centro criativo e dinamizador, no qual há também um projeto pedagógico que integra Alberto Carneiro em 1979-80, uma Oficina de Interação Criativa, associa-da a uma disciplina de Intercriatividade criada no atelier, e funda-se ainda um Centro de Documentação Artística que tem em vista um centro de Arte Contemporânea, que tem logo obras cedidas por artistas.

A experiência do grupo Cores é revisitada em 2010 na exposição Mono, em torno da ideia de monocromia, comissariada por António Olaio no Círculo Sereia, integrada na iniciativa comum do CAPC e da Bienal Ano Zero, com mais de 60 artistas.

363 GONÇALVES, Eurico (1977). “IV Encontros Internacionais das Caldas da Rainha”. Colóquio Artes. Nº 34, outubro, p. 72. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

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3.2.8. Grupo 8

Ainda nos anos setenta, embora já num certo desmaio da tendência coleti-vista do período pós-revolucionário (ou seja, por pouco contemporâneo do grupo Acre), há ainda em Portugal o Grupo 8, ativo entre 1977 e 1979.

É constituído por António Palolo (1947-2000), Nelson Dimas (1956-2008), Joaquim Carapinha (1949-), Joaquim Tavares (1950-), José Conduto (1951-1908), José Carvalho (1949-1991), Madeira da Rocha (1947-2012) e Nelson Ferreira Alves (1951-).

Todos naturais do Alentejo, exceto Alves, nascido no Porto, o grupo nasce um pouco na sequência da Alternativa Zero, na qual participam a convite de Ernesto de Sousa três artistas já então com afinidades de experiências anteriores, Palolo, Carvalho e Conduto, que ali apresentam a obra AKasha Escolar (que depois dá origem ao filme VTR, 20’, p&b). A fixação do grupo em Evoramonte, num espaço isolado e sem energia elé-trica onde desenvolvem os seus projetos, reforça a influência da origem e escolha alentejana.

Embora não tenha propriamente um programa formal conjunto e viva sobretudo das obras individuais de cada artista, o grupo apresenta algumas características comuns nas suas escolhas, que denunciam uma postura antiacadémica resultante tanto da formação autodidata de todos como do desejo vanguardista que tem defensores muito intervenientes. Há assim um desejo de convívio e partilha de experimentação que toma frequentemente

Figura 88Grupo 8. Cartaz. 1978.

3. GRUPO ACRE, ARTE E DINÂMICAS COLETIVAS EM PORTUGAL 271

como pontos assentes a recusa de convenções e espartilhos técnicos, sen-do possível recorrer a todos os meios: pinturas em suportes atípicos com tintas e meios industriais, fotografia, vídeo e performance.

Anos mais tarde, afirma um dos membros ainda sobreviventes do grupo, Joaquim Tavares, numa exposição posterior que vive muito da sua ex-periência direta e registos:

Não era um grupo artístico ortodoxo nem seria, certamente, um gru-po no sentido modernista do termo. Era um conjunto de artistas que, trabalhando individualmente, se reunia com regularidade em casa de Joaquim Carapinha para falar do trabalho de cada um. Não existiam motivações de ordem política, programas ou teorias comuns que ca-racterizassem os elementos do Grupo 8, para lá da urgência de pro-duzir, discutir e desenvolver o seu trabalho. A estas tertúlias esteve sempre ligado um carácter de experimentação que, não se limitando ao domínio artístico, extravasava para a prática de rituais sociais pró-prios de uma geração que descobria uma nova dimensão de liberdade e dela fazia uso. Esta experimentação pautava não só o trabalho artís-tico, mas também a vida destes artistas que, sem qualquer instrução académica — assumidamente rejeitada —, era na experimentação que

Figura 89Grupo 8. Cartaz. 1978.

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criavam os seus trabalhos, empenhados em fazer uma “arte autêntica, genuína”, promovida pelos seus interesses e impulsos interiores. 364

3.2.9. Dinâmicas coletivas contíguas

A criatividade assumida em grupo é mais abundante em terrenos que não os das artes plásticas. Em música, a importância do compositor reparte-se frequentemente com o grupo, ensemble, banda ou orquestra. Isso também acontece em dança, onde um grupo de bailado articula os papéis criativos do performer e do coreógrafo. Em teatro, a criação coletiva oferece não só nomes de autores conjuntos, como assume a importância do processo cole-tivo como metodologia de trabalho.

No tempo do Grupo Acre, surgem também, em contextos da cultu-ra exteriores e transversais às artes plásticas cada vez mais presentes nos locais expositivos, outros sinais de organização de autores em coletivos criativos ou de produção de obras, frequentemente com componentes das artes. Um breve apontamento sobre alguns dos visíveis permite, também, entender numa dimensão mais lata o contexto das dinâmicas coletivas em que se integra o Grupo Acre e outros do seu tempo, numa genealogia aberta com persistência.

É o caso do Ballet Gulbenkian, que atravessa um espaço que esta-belece pontes entre expressões artísticas, desde a sua criação em 1961. A sua importância não se resume, assim, ao trajeto criativo de bailarinos e coreógrafos que, como Jorge Salavisa, ali exercem e experimentam o que de melhor se faz no país em dança, levando também à fundação da Companhia Nacional de Bailado em 1977. É um forte e expressivo interlocutor na abertu-ra e diálogo dos processos criativos em coletivo, até pela sua presença em inúmeros números da revista Colóquio Artes.

Pode também evocar-se a Anar Band, que é, fundamentalmente, um grupo musical existente entre 1969 e 1982, com diferentes formações ao longo dos anos e desenvolvendo por vezes aproximações entre o jazz, a pop e as artes visuais.

Jorge Lima Barreto (1949-2011) é central na primeira formação quan-do, com Carlos Zíngaro, funda uma Associação para a Música Conceptual,

364 A/A (2018). Grupo 8. Brochura da exposição no Centro de Arte e Cultura, Fundação Eugénio de Almeida, Évora, 13-10-2108 a 31-03-20919. Évora. Fundação Eugénio de Almeida, s/n. [em linha]. Disponível em: https://www.fea.pt/centrodearteecul-tura/6186-grupo-8 [Consult. 10 fev. 2019].

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da qual emergem os Anarband ou, inicialmente, Anarjazz. Estão com ele Paco Linhares, Pedro Proença, Sérgio Ribeiro, David Sá, Delmiro Santos e Fernando Semedo, todos músicos. Em 76, o grupo tem Barreto, Rui Reininho, Jorge Chaminé, Luís Carlos e Jorge Pacheco, e em 78 são três: Barreto, Reininho e Dom Lino. Entre diversas atuações, contam-se a da Galeria Dois, em 71, o Festival Internacional de Cascais de 74 e de 76, a Alternativa Zero em 77, etc. Em diversas aparições, há cruzamentos com obras de perfor-mance e artes visuais de artistas com quem estabelecem colaboração.

Para Lima Barreto, a proposta musical da Anar Band em 1974 pre-tende-se liberta de constrangimentos burgueses, recorrendo a diversas for-mas da música contemporânea como o jazz, a pop e a música etnográfica, e “acompanha os movimentos da contracultura, que as gerações actuais opõem ao tradicionalismo académico, e da revolução que se têm verificado e, todos os ramos da Arte”365. E termina o mesmo texto, dizendo: “A arte não pode ser separada da vida.”

É de 1977 o álbum Anar Band, editado pela Alvorada, cujas pautas são objetos gráficos com qualidade plástica (muito provavelmente da autoria de Silvestre Pestana, que realiza 12 pautas poético-gráficas musicais para Jorge Lima Barreto) a que não é alheio um certo sentido pop. No texto publi-cado no interior desse disco, o Anar Band declara-se como “uma afirmação estética na música de vanguarda”.

Há também o Grupo Zero Cooperativa de Produção (de nome ho-mónimo ao que, na Alemanha, existe desde 1958), entre nós designando uma cooperativa de produção fílmica com existência entre 1974 e 1983, que resulta da fragmentação do CPC (Centro Português de Cinema). Junta ci-neastas como Alberto Seixas Santos, Solveig Nordlund e Jorge Silva Melo, e é sob a sua égide que se produzem e realizam: Luta do Povo: Alfabetização em Santa Catarina (Grupo Zero, 1976); A Lei da Terra — Alentejo 76 (Alberto Seixas Santos, 1977); Nem Pássaro Nem Peixe (Solveig Nordlung, 1978); Passagem — ou A Meio Caminho (Jorge Silva Melo, 1980); etc. Embora no terreno do cinema, constitui um caso pouco comum na altura, que deixa sinais para o futuro.

Os IV Encontros Internacionais de Arte das Caldas da Rainha de 1977 integram também, além do Grupo Acre e de artistas plásticos já referidos, atividades do Grupo Ânima de Poesia Visual ou Teatro Ânima. Cerca de um

365 BARRETO, Jorge Lima (1974). “Manifesto Anarband”. In GONÇALVES, Cláudia; RAMOS, Maria (Coord.), (2001). Porto 60/70: os artistas e a cidade. Textos de Vicente Todolí, José Rodrigues, João Fernandes, Fátima Lambert, Fernando Pernes.   Porto: Asa / Árvore-Cooperativa de Actividades Artísticas / Museu de Serralves, p. 259.

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mês antes disso, em julho, esse grupo apresenta na Sociedade Portuguesa de Autores, em Lisboa, sob direção do encenador brasileiro Seme Lutfi e de Rui Frati, um espetáculo de animação de textos visuais de Alberto Pimenta, António Aragão, Ana Hatherly, E. M. De Melo e Castro, Liberto Cruz, Salette Tavares e Silvestre Pestana. É uma reposição desse espetáculo, organizado segundo moldes teatrais (distribuindo o grupo pela conceção, elenco, dire-ção, figurinos e música) que é levado às Caldas, definindo-se como teatro--ação de textos visuais366. Diversos membros são, desde décadas anteriores, autores da poesia visual ou poesia concreta, e esse movimento mantém-se presente até hoje.

Com uma relevância extraordinária nos anos setenta e igualmente paralelo à obra do Grupo Acre, presente indiretamente nas motivações da sua ação e claramente muito mais visível do que este grupo, há, na história portuguesa dos anos seguintes à Revolução de 74 e muito concretamente da arquitetura em Portugal, o SAAL.

O SAAL é, de facto, um extraordinário indicador dos tempos, uma vez que, tal como o Grupo Acre, atravessa os anos quentes da revolução, no seu caso podendo ser lido como uma charneira na qual se cruza e congrega a relação entre a evolução da política, da sensibilidade social e da criação cul-tural (e artística incluída). O Processo SAAL (Serviço de Apoio Ambulatório Local), oficializado por decreto a 6 de agosto de 1974, junta arquitetos, en-genheiros, juristas, geógrafos e moradores, e vai decorrer até 1977, embora a sindicância de 1976, com publicação do Livro Branco do SAAL, já indique o seu fim.

As questões em torno da propriedade são centrais no processo polí-tico pós 25 de abril, no movimento das esquerdas em torno da ideia do bem e dos bens comuns, movimento esse que tem uma fase de crescendo e de recuo. Por outro lado, a falta de casas para habitar constitui um problema extremamente crítico.

O SAAL vem tentar dar resposta a problemas crónicos na habitação nos meios urbanos (carência de casa, bairros da lata disseminados, etc.) pré-existentes à Revolução e muito agudos então e que, após o 25 de Abril, se tornam ainda mais sensíveis com as ocupações “selvagens” que se suce-dem logo em abril e maio de 74.

Primeiro são ocupadas casas camarárias por atribuir em Lisboa (Monsanto e Boavista) e Porto (Boavista e Valfundão), seguindo-se outras situações idênticas um pouco por todo o país, onde haja casas de renda

366 Ver apontamentos de textos em GUÉNIOT, D. A.; PINTO, P. (2019). Obra citada, p. 308-315.

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económica. Ao mesmo tempo, vão decorrendo consecutivas ações reivin-dicativas por sectores e grupos diferenciados, cuja tónica é coerente com a ideia de assumir responsabilidades públicas na crise da habitação, como o congelamento de rendas, a legalização de ocupações, a construção de casas de rendas baratas, etc. Por exemplo, logo a 1 maio de 1974 morado-res do bairro camarário de S. João de Deus (Porto) entregam no Quartel-General da Região Norte um caderno reivindicativo sobre necessidades e políticas de habitação e, ainda nesse mês, é publicado o regulamento para atribuição das habitações sociais, tema polémico. Segue-se a elaboração por Magalhães Mota (no Ministério da Administração Interna) de um diplo-ma que facilita decisões da Câmara Municipal do Porto na legalização de ocupações nessa cidade (publicado em junho), altura em que Nuno Portas (Secretário de Estado da Habitação e Urbanismo do 1º Governo Provisório) “fala numa entrevista na criação de ‘brigadas de urbanismo activo”367, já preparando o SAAL na sequência dos encontros que, também em junho de 1974, entre 16 a 18, decorrem no Teatro S. Luís, Lisboa, com arquitetos e téc-nicos do Fundo de Fomento de Habitação.

Já no 2º Governo Provisório, Nuno Teotónio Pereira apresenta em julho o plano do SAAL, que é criado oficialmente no fim desse mês num despacho conjunto do MAI (Ministério da Administração Interna) e do MESA (Ministério do Equipamento Social e do Ambiente), publicado em 6 de agosto.

O processo do SAAL arranca em bairros de Lisboa em 3 de setembro de 74. São escolhidos rapidamente os primeiros locais, realizados acordos com associações de moradores, elaborados projetos em tempo recorde. E avançam logo construções. Com a sua existência em curso, faz-se por travar novas ocupações e o próprio primeiro-ministro Vasco Gonçalves (3º Governo Provisório) critica-as em fevereiro de 1975, pouco depois de Melo Antunes omitir o SAAL no Programa de Política Económica e Social. Contudo, até ao “Verão Quente” de 1975, o movimento de ocupação de propriedades continua de modo mais radical (sobretudo sob ação da ex-trema-esquerda), agora já não apenas para efeitos de habitação, mas também de instalação de equipamentos de ação social e de grupos políti-cos, como escolas e comissões de moradores, postos médicos, sedes de partidos, ou ainda para efeitos da criação de espaços verdes comunitários ou para exploração agrícola e industrial.

367 BANDEIRINHA, José António (2011). O Processo SAAL e a arquitectura no 25 de abril de 1974. Coimbra: Imprensa da Universidade, p. 267.

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O SAAL é, então, a “ferramenta” mais ativa na solução de problemas da habitação, embora os problemas de aquisição ou expropriação de terre-nos, bem toda a parte legal associada e a construção em si das obras sejam frequentemente lentas e polémicas, conforme as visões políticas de Norte a Sul, as vontades das autarquias e dos grupos envolvidos, das próprias po-pulações e, certamente, da intervenção dos inúmeros arquitetos que são chamados. Apesar do programa ser tido como necessário, nem sempre há consenso político sobre tudo, desde os pressupostos políticos e legais, às verbas exigidas e aos modos de aplicação, o que emperra o seu andamento.

No Norte do país, especialmente no Porto, o serviço é alvo de ten-sões muito marcadas, bastando recordar como expressivos os incidentes de 1976, envolvidos num misto de ações de extremistas: uma bomba que explo-de nas instalações do SAAL a 14 janeiro, a 4 março outra bomba detonada no automóvel de Alves Costa, arquiteto portuense empenhado no SAAL e, em abril, a busca policial na sede do SAAL.

Com a institucionalização do poder e das regras democráticas numa via de “normalização” dos ímpetos revolucionários, em outubro de 1976, a gestão do SAAL passa para as autarquias, precipitando o fim do serviço. Estão então em curso 169 obras, iniciadas desde 1974 e nenhuma ainda con-cluída. Em novembro, o 6º Conselho Nacional do SAAL faz face ao clima de forte suspeição de que o programa é alvo com a decisão de elaborar o Livro Branco do SAAL 1974-1976, historiando todo o processo desses dois anos de atividade. Segue-se um despacho do MHUC (Ministério da Habitação, Urbanismo e Construção) que determina uma sindicância ao SAAL e a cria-ção por decreto dos Serviços Municipais de Habitação Social.

Muitos dos projetos já não são concluídos, e muitos nem sequer começados.

Apesar das dificuldades, os números do SAAL são expressivos, con-forme regista o Livro Branco: 170 operações iniciadas até outubro de 1976, 41665 famílias envolvidas, 2259 fogos iniciados e mais 3125 até ao final de dezembro, total de fogos em projeto 19359, pessoal envolvido: 406 técnicos, 176 estudantes, 228 desenhadores, 215 assistentes técnicos e dactilógrafos.

Embora muito fique por construir368, subsiste na história como um processo que tem, sobretudo, muito de coletivo e cultural, pelo grau

368 Destaque-se ainda como fonte de referências: BURMESTER, Maria (Coord.), (2014). O Processo Saal: Arquitectura e Participação 1974-1976. Exposição com concepção de Delfim Sardo; textos de Alexandre Alves Costa... [Et Al.]. Porto: Fundação de Serralves.

Ver especialmente os campos referentes a Portugal e à arquitetura, nos qua-dros cronológicos em Anexos.

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altamente participativo da mobilização das populações e diferentes tipos de técnicos, políticos e agentes sociais. São envolvidos mais de 80 arquitetos de todo o país, que concebem, quase sempre em trabalho de equipa, pro-jetos que tentam associar a leitura das necessidades e funções, o custo da construção e, bem entendido, o ensaio de novas experiências na linguagem arquitetónica.

A qualidade do trabalho realizado tem resultados irregulares, mas, de modo geral, cumpre os objetivos. A experiência em si do programa (“servi-ço”, a designação escolhida não por acaso, assim reveladora do seu sentido de prestação pública de trabalho de arquitetura — nas suas componentes técnica, social, humanista, artística e política) vem a ultrapassar frontei-ras, conferindo aos arquitetos maior visibilidade e reconhecimento, como no caso de Siza Vieira, cujo envolvimento no SAAL determina parte do seu prestígio internacional inicial.

O processo SAAL fica assim, na história, como uma das mais rele-vantes ações coletivas do período revolucionário, como um extraordiná-rio exemplo do potencial da criatividade e dos resultados dos esforços em modo participativo.

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A intensidade das dinâmicas sociais, culturais e artísticas do período en-tre 1974 e 1977, a documentação por vezes escassa sobre acontecimentos frequentemente informais ou sem registo, catálogos ou outras publicações formalizadas, têm colocado limitações à historiografia sobre a época, que só ao fim de bastante tempo vai completando um quadro mais exato. A ir-regularidade e a diversidade programática e plástica que se detetam na produção artística dos grupos portugueses na história moderna e contem-porânea também não facilitam que se encontrem eixos comuns de atuação.

Contudo, evidencia-se que a dinâmica coletivista em que se integra o Grupo Acre e que se propaga de modo muito expressivo nos anos 70 depois de Abril apresenta características nas quais o contexto é determinante.

Por um lado, não é certamente por acaso que muitos dos coletivos artísticos portugueses dessa época se centram no Porto ou se relacionam muito intensamente com esta cidade, como o Grupo Acre. Ali, por várias razões relacionadas com a escala e configuração da cidade, com algum proverbial regionalismo bairrista ou até necessidade de afirmação face a Lisboa, talvez perdure maior grau de interação comunitária também rela-cionada com a própria história de factos que testemunham maior ativismo: as exposições do Independentes depois de 1943 com a sua capacidade de congregação de artistas e da comunidade portuense, o movimento em tor-no do Teatro Experimental do Porto que envolve colaboração entre artistas e encenadores, o Cineclube do Porto, o Teatro de Bolso, a constituição da Cooperativa Árvore em 1963 e a centralidade desta nos movimentos artís-ticos da cidade, o próprio papel da ESBAP principalmente sob a ação do di-retor Carlos Ramos, sem esquecer as exposições no Ateneu, os fenianos, os debates em torno da Renascença Portuguesa em 67 e 68369, as tertúlias, os cafés tradicionais como ponto de encontro370. O Porto é, em vários sentidos, uma cidade cheia de vida e energia criativa, com forte sentido de unidade na sua afirmação.

No cenário igualmente ativo de Lisboa pesa obviamente a centralida-de do poder político e de instituições relevantes, mas conta muito também

369 Movimento artístico-literário, com Teixeira de Pascoais, António Carneiro, Cristia-no Cruz, etc.

370 GONÇALVES, Cláudia e RAMOS, Maria (Coord.), (2001). Porto 60/70: os artis-tas e a cidade. Textos de Vicente Todoli, José Rodrigues, João Fernandes, Fátima Lambert, Fernando Pernes. Porto: Asa: Árvore-Cooperativa de Actividades Artísticas: Museu de Serralves.  

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a maior escala da cidade e abertura internacional e crítica, a circulação de agentes, pelo que é também o local onde acontecem inúmeras iniciativas no âmbito artístico e atuam grupos de artistas, já atrás referidos.

Coimbra desempenha ainda um papel importante, principalmente sob ação do CAPC e numa linha de atuação que pretende frequentemente vanguardista, mas nem essa cidade nem outras, como por exemplo Évora (numa zona de forte organização das esquerdas comunitárias), acabam por ter peso no âmbito das dinâmicas coletivas do que, de facto, assumem algumas pessoas, mais do que os lugares. O projeto e trabalho da maioria dos grupos referidos provavelmente nunca teria sido o que foi sem a ação de personalidades como Jaime Isidoro, Egídio Álvaro e Ernesto de Sousa que catalisam muitos outros, tornando a dinâmica da criação coletiva um rastilho que incendeia iniciativas ditadas pelas diferentes perspetivas de alternativa e vanguarda, em diversos locais que, a cada momento, surgem como propícios.

Centros urbanos como Lisboa, Porto, Coimbra, como já se viu, estão na história dessas dinâmicas ao lado de Valadares, Póvoa de Varzim, Caldas da Rainha, por exemplo, ou até do Guincho371, locais onde a influência de pessoas determinadas é mais atuante.

Do ponto de vista temporal, no início as intenções principais dos gru-pos de artistas nos anos 70 centram-se em ideais políticos, utópicos e até românticos, a que se associam por vezes vertentes fortemente pragmáticas relacionadas com a necessidade de obter maior poder de pressão. No en-tanto, tal como já atrás se referiu, em 1976 processa-se uma certa viragem nas práticas artísticas de sentido coletivo no espaço urbano, afastando-se progressivamente dos tópicos ideológicos relacionados diretamente com a revolução, para propósitos estéticos mais amplos, poéticos ou conceptuais.

É possível que o Grupo Acre tenha tido uma certa ação pioneira rela-tivamente a outros projetos, como os do Grupo Puzzle, criado já depois, em

371 Encontro organizado por Ernesto de Sousa, em colaboração com Noronha da Costa e com a Oficina Experimental, na Praia do Guincho e Rinchoa, em 3 de Abril de 1969, em que defende a ideia de encontro como arte, numa perspectiva de am-pliação conceptual do objeto artístico. Conta com participações de Ana Hatherly, António Pedro Vasconcelos, Artur Rosa, Carlos Calvet (registo em filme), Clotilde Rosa, E. M. Melo e Castro, Ernesto de Sousa, Fernando Pernes, Helena Almeida, Jorge Peixinho, Manuel Baptista, Noronha da Costa e Oficina Experimental (Carlos Gentil-Homem, Joaquim Barata, Manuel Torres — registo em filme; João Luís Gomes — destruição do objecto; Isabel Alves, Filomena Fernandes, Francisco Bronze, Lya Freire e Maria Manuel Torres).

SOUSA, Ernesto de (1969). Projectos Encontro do Guincho e Programa do encontro do Guincho. [em linha]. Disponível em: http://ernestodesousa.com/pro-jectos/encontro-do-guincho (2020-10-19). [Consult. 19 out. 2020].

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1975, do Grupo 5+1 ou do Grupo Vermelho, ambos constituídos em 1976. Talvez tanto o Grupo Acre e o impacto que consegue, como a própria dinâmi-ca do tempo que se vive então, marquem nesse ano o facto dos III Encontros Internacionais de Arte na Póvoa de Varzim, organizados por Jaime Isidoro e Egídio Álvaro, terem como mote principal a arte de intervenção, a arte de rua e as práticas mais conceptuais (embora também com presença de pintura, escultura, etc.) através de ações de diversos grupos atrás referidos, com particular destaque para o Puzzle, para além de coletivos estrangeiros.

Talvez ainda a dinâmica vanguardista (na qual se integra a tendência coletivista) em arte tenha vivido nesse ano e provocado um efeito máximo um ano depois, em 1977, primeiro na Alternativa Zero e depois, mais drama-ticamente, nos IV Encontros Internacionais de Arte das Caldas da Rainha. De facto, nesses 12 dias do mês de agosto, o auge do clima vanguardista faz confluir a ação de inúmeros artistas e a expressão de diversas formações e grupos, ali mais presentes do que nunca, embora como maior ou menor vi-sibilidade então e depois, encontrando-se ecos de registos de grupos como o Círculo de Artes Plásticas de Coimbra, o Grupo Metz, Les Toulousains, o Grupo Puzzle, o Grupo Sueco Estrela Polar, o Grupo Ânima, o Grupo 5+1, Grupo Acre, o coletivo feminino Enfermement/Rupture e o Grupo Acre.

Dessa experiência extrema para alguns pode compreender-se que te-nha resultado um paroxismo anticlímax, de efeitos diversos nos artistas e nas populações, acentuando em Clara Menéres e Lima Carvalho a perceção não apenas de cansaço e desinteresse, mas até o que pode ter sido visto por eles como um sentimento de banalização e perda de eficácia das próprias práticas artísticas coletivas, gerando alguma vontade de diferenciação.

Sendo certo, contudo, que esse período é particularmente intenso e peculiar no que se refere a dinâmicas coletivas, não se fecha aí a produção desse tipo, nem a necessidade de os artistas se organizarem conjuntamen-te para potenciarem os seus projetos. As vozes e os seus ecos cruzam-se, em Portugal, através da permeabilidade crescente das suas fronteiras, en-tre essa época e as vindouras.

3.3. Ressonâncias

Portanto, apesar de alguns coletivos de artistas nos anos setenta, tal como o Grupo Acre, irem desaparecendo, alguns por perderem o entusiasmo ou razão de ser para continuarem a trabalhar juntos quando se aproxima o fi-nal da década ou simplesmente quando se esmaece o fulgor revolucionário, nem tudo fica por aí.

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As dinâmicas de criação, produção ou organização coletivas em arte, com diferentes fins e estratégias, não se fecham no espaço português entre 1974 e 1977, já antes aqui caracterizado como período muito intenso. Por um lado, há sempre passagens que envolvem o que se faz em território nacio-nal por artistas portugueses com ideias e exemplos que, de muitos modos, atravessam fronteiras.

E, mesmo por cá, o desafio do coletivismo não se esgota, continuando a exercer o seu apelo dos finais dos anos setenta em diante. As dinâmicas coletivas ressoam, pois, para além do lapso temporal do Grupo Acre e para além das fronteiras estritas do país, integrando os casos portugueses de então numa corrente geral mais ampla, que será interessante mapear.

3.3.1. Entre cá e lá, por então (coletivos estrangeiros em Portugal)

Como tem sido assinalado, a relação com casos estrangeiros vai acontecen-do mesmo ainda antes de 74, apesar das limitações da informação e circu-lação durante a ditadura, não faltando exemplos, termos de comparação ou simplesmente casos curiosos cuja influência é plausível. Convém também recordar que Portugal não é então apenas o continente e, tanto aí como nas ilhas adjacentes ou nas ainda colónias, os territórios envolvem caracterís-ticas diferentes caso a caso, com diferentes tipos de circulação, quer da informação, quer de pessoas e bens. É, pois, possível que, por exemplo em Moçambique, possa ter havido jogos de influência marcados pelos meios artísticos dos países vizinhos, como a África do Sul ou o Zimbabué, sendo pertinente pesquisar em todos os territórios ultramarinos e ilhas casos de comportamento criativo coletivo ou simplesmente associativo de artistas, antes e depois da Revolução democrática.

Ora, como neste estudo a tentativa de assinalar casos de coletivos na diáspora portuguesa, não é, até ao momento, bem-sucedida372, resta como solução, por agora, alinhavar alguns exemplos centrados no território

372 Possivelmente, os meios artísticos nos países que, entretanto, se tornam autóno-mos da soberania portuguesa depois de 75 não logram, antes de 1974, condições para a eclosão de grupos de artistas identificados como tal, em especial nos últi-mos tempos, com a guerra colonial a decorrer e o aparelho repressivo mais atento. E, depois das independências, seguem-se normalmente períodos de reconstrução que permitem caracterizar genericamente os anos imediatos depois de 74 como anos cuja instabilidade acaba por não propiciar ambiente para a eclosão de co-letivos artísticos nesses novos países. Fica, contudo, dúvida sobre esta possível realidade, a aprofundar noutra ocasião.

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continental português, que já são demonstrativos, no lapso temporal deli-mitado e nas suas imediações próximas, de não faltarem nem as notícias nem as interações com casos de outros países ou com participação de artistas de outros países. País periférico certamente face aos centros eu-ropeus e americanos na segunda metade do século XX, a viver uma longa ditadura bastante anquilosante das mentalidades e da cultura, Portugal não deixa, contudo, de ser penetrável por sinais da modernidade e da con-temporaneidade em curso, mesmo que esparsa e discretamente até aos anos setenta.

Sem regressar muito atrás no tempo em busca de sinais desse tipo, talvez seja expressivo recordar que, quando artistas e intelectuais emigra-dos por razões diversas vão desenvolvendo o seu trabalho fora de Portugal principalmente ao longo dos anos sessenta, é inevitável o contacto deles com o que vai surgindo nas cidades que habitam. Aliás, é isso também que procuram. Assim presenciam diretamente acontecimentos como apari-ções do Grupo Cobra ou do Grupo Gutai, da Internacional Situacionista e do Letrismo Internacional, dos Support Surfaces, do movimento Fluxus, do trabalho colaborativo de Joseph Beuys, apenas a título de exemplo. Sobre isso se escreve e publica, e o mesmo clima que leva à notoriedade destes casos expande-se em contextos diversos, numa rede raramente fechada em obras, reflexões e derivações. E, por outro lado, volta não volta, apesar de tudo também há em Portugal exposições que trazem lufadas de ar fresco, como atrás se refere de passagem373.

Talvez até 1974 não seja fortemente decisiva a génese marxista de par-te substancial da proposta estética da Internacional Situacionista, nem ain-da totalmente compreendidas as implicações da sociedade do espetáculo teorizada por Guy Debord como base de alienação do sistema capitalista, embora houvesse artistas e estudiosos já a par. João Vieira, por exemplo, conhece em Paris os letristas mas, na altura, não parece ser a proposta mais evidentemente política o que lhe interessa mais, embora acabe por haver dela ressonâncias poéticas no seu trabalho, integrado ou não no projeto KWY. A crença no poder da arte para desfazer tal alienação só se torna uma palavra de ordem mais generalizada nos artistas depois da instauração da democracia, mas, de facto, muitos já antes, em Coimbra, Porto e Lisboa, por exemplo, se sintonizam com hipóteses de intervenção nessa linha, de modo informado e consciente, com ou sem leitura direta do Manifesto Situacionista de 1960. Egídio Álvaro, também por exemplo, escreve sobre as tendências de vanguarda mais recentes no nº 2 da Colóquio Artes, em

373 Ponto 1.

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1971 e, como sabemos, mantém-se fiel a essa determinação nos anos que se seguem e vai ter papel de relevo nesse sentido.

Quanto mais não seja, já desde o século XVI, pelo menos, que mui-tos artistas viajam sempre que podem em busca de outras experiências e, sobretudo, para visitar polos artísticos, museus e exposições, para conse-guirem estar a par do melhor que se vai fazendo. Primeiro Roma e Florença, depois Paris e Londres, os centros europeus (e outros, mas estes são os mais recorrentes) são, há muito, pontos de atração. Nem durante a ditadura no século XX isso deixa de acontecer, seja a expensas próprias, seja graças a bolsas de viagem, estudo e investigação.

Assim, embora ainda pouco se escreva no país, por exemplo em 1969, sobre a exposição When Attitudes Become Form, na Kunsthalle Bern, ela não passa despercebida, tal como acontece com outras, divulgando-se as suas premissas fundamentais nos diversos meios de contacto social, bem como em textos, por vezes com títulos discretos, nas revistas de arte e cul-tura e também em revistas ilustradas não específicas, escapando à censura.

É desse modo que, sobre as Bienais de Paris, Veneza e S. Paulo, há amiúde notícias nas revistas como a Colóquio-Artes de 1971 em diante, com correspondentes no local que dão sinais do que se vai ali mostrando, quer em artigos de fundo, quer sob a forma de Cartas de cidades como Paris, Londres, Nova Iorque, Barcelona, Madrid, S. Paulo, escritas por relatores nos locais. Assim é referida, em fevereiro de 1973, a Equipe Triângulo374, do Brasil, e outros sinais como esse edificam, pouco a pouco, uma forma de pensar a arte contemporânea cada vez mais ampla, quer nos processos quer nas próprias instâncias autorais.

De 1973 em diante, a nova revista Artes Plásticas passa a contribuir também de modo ativo para a divulgação de propostas artísticas apresen-tadas fora do país. Depois de noticiar a Documenta de Kassel num jornal diário em fevereiro desse ano, Egídio Álvaro375 volta a insistir nessa mostra em outubro, no nº 1 daquela revista, dando relevo às formulações de van-guarda e ao seu sentido revolucionário, que inclui o questionamento da no-ção de artista. No número seguinte da mesma revista, o mesmo autor fala de obras e tendências na Feira de Dusseldorf e na Bienal de Paris, e Alfredo Queiroz Ribeiro, do futuro Grupo Acre, traz também notícias de exposições

374 BARATA, Mário (1973). “Carta do Rio de Janeiro”. Colóquio Artes. Nº 11, fevereiro, p. 62-63. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

375 ÁLVARO, Egídio (1973). “Carta de Kassel. Quinta Documenta (III): o desmoronar das fronteiras”. Diário de Notícias, 1 de fevereiro, Lisboa.

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de escultura em Londres. Em fevereiro de 1974, no nº 3 da Artes Plásticas, Álvaro noticia a Prospect 73 de Dusseldorf, escrevendo sobre artistas con-temporâneos como Baldessari, Broodthaers, Kosuth e a dupla Gilbert & George, noticiando também outras exposições em Paris. Nessa mesma edi-ção, não escapa a Queiroz Ribeiro, que é então ali correspondente habitual para o que acontece em Londres, uma exposição de patchworks/quilts na Felicity Samuels Gallery, obras que envolvem criação coletiva, entre outras patentes em Londres, que relata.

No número seguinte, de junho, são ainda mais concretos os sintomas de teor coletivizante de que a revista Artes Plásticas oferece notícia, já em ambiente de festa e cerca de um mês antes da primeira formulação escrita de princípios do Grupo Acre ( julho). Há uma notícia em forte destaque sobre o Grupo Gevind, dinamarquês376, que revela trabalho algo surrealista apos-tado numa reorganização do espaço pictural e, de novo, Queiroz Ribeiro publica outro texto seu377 sobre exposições em Londres em que, a par de menções centradas em Michael Graig-Martin, Yves Klein e Piero Manzoni, refere coletivos como o Grupo Cobra, o Grupo Nuclear e o Grupo Zero.

Também José-Augusto França, Rui Mário Gonçalves e outros publi-cam em revistas já referidas diversas notícias e reflexões sobre grandes ex-posições e eventos artísticos internacionais nos quais são expressivas ativi-dades de grupos artísticos, que eles comentam e difundem.

Antes e depois de 1974, há inúmeras exposições expressivas de arte estrangeira em Portugal, quer individuais em espaços de galerias privadas, quer coletivas no âmbito da ação do próprio SNI e que, principalmente, sob papel da Gulbenkian, se tornam especialmente persuasivas da importância dos processos de criação coletiva, como por exemplo a do Grupo Cobra em 1973, na Fundação Calouste Gulbenkian.

Em janeiro de 1974, a Equipo Crónica é capa da Artes Plásticas. O grupo está presente depois com outros artistas espanhóis378 na lisboeta Galeria de S. Francisco (Rua Ivens, quase ao lado da ESBAL onde são pro-fessores Clara Menéres e Lima Carvalho), em meados desse ano, e terá uma enorme exposição na Fundação Gulbenkian em 1977.

376 HJORT, Oysten (1974). “Panorama dinamarquês. O Grupo Gevind de Copenhague”. Artes Plásticas (Dir. Egídio Álvaro). Nº 4, junho, p. 12. Porto: Editorial Engenharia.

377 RIBEIRO, Alfredo Queiroz (1974). “Londres/Galerias”. Artes Plásticas (Dir. Egídio Álvaro). Nº 4, junho, p. 33-36. Porto: Editorial Engenharia.

378 SOUSA, Rocha de (1974). “Lisboa/galerias. Equipo Crónica, Canogar, Feito / Galeria S. Francisco”. Artes Plásticas (Dir. Egídio Álvaro). Nº 4, junho, p. 28. Porto: Editorial Engenharia.

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Também ainda em fevereiro de 1974, um conjunto de artigos na Colóquio Artes destaca Fred Forest, artista multimédia e membro do Colectivo de Arte Sociológica, ilustrando com imagens de obras e instala-ções os textos do próprio, de Edgar Morin, Jean Duvignaud, Pierre Restany e René Berger. Com esse coletivo trabalham também os artistas Hervé Fischer e Jean Paul Thenot. Em 1976, Forest está nos III Encontros Internacionais de Arte da Póvoa de Varzim, com “inquéritos-vídeo” aos bombeiros portugue-ses e outras obras em que usa o vídeo como meio de registo e apresentação. Eurico Gonçalves refere, no texto que explica mais detalhadamente essas obras, que o coletivo já em 1973 tem obra de índole conceptual na Bienal de S. Paulo, tendo organizado nessa cidade uma manifestação com cartazes brancos, sem quaisquer dizeres, alvo de repressão policial no contexto da ditadura ali em vigor; refere ainda a sua desistência, por falta de apoio finan-ceiro, da aparição prevista no ano corrente de 1976 na Bienal de Veneza379. Fred Forest colabora também na revista Artes Plásticas 7/8, publicada em janeiro de 77, com textos e imagens alusivos ao esse trabalho nos encon-tros da Póvoa de Varzim380. Mais de uma década depois, Fred Forest (e o Collectif d’Art Sociologique implícito) regressam à Colóquio Artes381, salien-tando a autora do texto o seu papel pioneiro na videoarte e nos sistemas visuais eletrónicos os projetos de intervenção e investigação que cruzam arte e comunicação.

Já depois de abril de 74, multiplicam-se os destaques a artistas cuja produção de enquadra em grupos. Em outubro de 1974, José-Augusto França noticia na Colóquio Artes, com texto e ilustração, o Computer Technique Group, um grupo japonês presente numa exposição de arte computorizada no Instituto Alemão. E, ao longo dos Encontros Internacionais de Arte de Valadares, Póvoa de Varzim e Caldas da Rainha, a hospitalidade ao trabalho de coletivos artísticos é muito visível, podendo recordar-se, além dos gru-pos portugueses já referidos, o Grupo Greneta, o Colectivo de Mulheres e o Textruction(s), entre outros.

O Textruction(s) é um grupo francês formado em 1971 por George Badin, Gérard Duchêne, Jean Mazeaufroid, Gervais Jassaud e Michel Vachey. Em 76 três membros do grupo estão nos III Encontros Internacionais de Arte

379 GONÇALVES, Eurico (1976), texto citado atrás, p. 72.380 FOREST, Fred (1977). “Arte Sociológica”, “Un artiste de la communication”,

“Projecto Proposto por Fred Forest nos III Encontros Internacionais de Arte na Póvoa de Varzim”, “Art Sociologique. Problemes et methodes”. Artes Plásticas (Dir. Egídio Álvaro). Nº 7/8, dezembro/janeiro, p. 50-53. Porto: Editorial Engenharia.

381 PAPENBURG, Liselotte (1989). “Fred Forest nous fait courir”. Colóquio Artes. Nº 82, setembro, p. 22-31. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

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na Póvoa de Varzim a convite de Egídio Álvaro, que destaca a sua participa-ção na revista Artes Plásticas dedicada ao evento, com diversas imagens de obras a preto e branco dos membros do grupo que esclarecem sobre a sua pesquisa cruzada de elementos pictóricos e textuais.

O que importa é que uma nova forma de expressão e de comunicação se tornou “visível” e que, no processo que vai da escrita à leitura, da obliteração à explosão, da letra à cor, o leitor se vê a exigir um papel cativo. “Ler é produzir”, afirma um texto de Textruction.382

Na Colóquio Artes, Eurico Gonçalves descreve as suas obras como textos sobre papel e pano, em bandas e bandeiras, de um modo que afirma a qualidade visual do todo (suporte, forma da letra, da palavra e da frase) sob fragmentação, cruzando noções de texto, textura e têxtil na objetualidade e na leitura383.

O programa do grupo incide, de facto, como o nome sugere, no cru-zamento da noção de texto com a sua desconstrução, pretendendo associar ainda o erotismo da escrita à política.

Também nos encontros na Póvoa de Varzim, em 1976, e nos de 77, nas Caldas, está o Grupo Greneta, fundado em 1976 e cujo nome tem origem na morada onde acontece a sua primeira intervenção (36 Rue de Greneta, Paris). O grupo é constituído por artistas de várias nacionalida-des, nomeadamente os franceses Jean Loup Septier e Jean Roualdès, a turca Nil Yalter, e os portugueses Luiz Da Rocha e Manuel Alvess (e por ve-zes também Paul-Armand Genette e Présence Panchounette). Está em-penhado na “transformação do homem”, para Eurico Gonçalves não muito convincentemente 384, em intervenções e performances que são realiza-das em parte individualmente, frequentemente com vídeo ou elementos de registo complementar. As suas exposições, que acontecem num úni-co dia, durante apenas uma ou duas horas e sem lugar fixo, por vezes coincidentemente com a criação das obras, evocam algumas estratégias dos situacionistas. Nos IV Encontros, Yalter realiza a Mensagem de um

382 ÁLVARO, Egídio (1977). “Textruction(s). Badin. Duchêne. Mazeaufroid”. Artes Plásticas (Dir. Egídio Álvaro). Nº 7/8, dezembro/janeiro, p. 13-16. Porto: Editorial Engenharia.

383 GONÇALVES, Eurico (1976). “Terceiros Encontros Internacionais de Arte na Póvoa do Varzim”. Colóquio Artes. Nº 29, outubro, p. 71. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

384 GONÇALVES, Eurico (1977). “IV Encontros Internacionais das Caldas da Rainha”. Colóquio Artes. Nº 34, outubro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, p. 73.

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emigrante português segundo regras matemáticas do acaso de Alvess.Ainda por cá, aparece o Colectivo Femmes/Art (Enfermement/

Rupture)385, que integra Françoise Janicot, Claudette Brun, Isabelle Le Vigan, Françoise Eliet, Lea Lublin, Tanta Monraud, Gretta Grywacz, Monique Frymann, Elisa Tan e Colette Deblé. Questionam a natureza do trabalho fe-minino nos IV Encontros Internacionais de Arte das Caldas da Rainha, sendo assim responsáveis (com Orlan e Chantal Guyot) por introduzir questões de género e corpo feminino naquele contexto, continuando a trabalhar depois nessa linha social. O grupo mantém-se ativo em Paris até 1980386.

De novo nos III e IV Encontros é possível detetar obras performativas e participativas de duplas de artistas que trabalham juntos, como Marianne e Robert Filliou, ou Roland Miller e Shirley Cameron, ou ainda Alain Peclard e Sarah Wiane387, entre outros, o que revela, sobretudo, a ação de Egídio Álvaro, responsável por quase todos os convites a artistas que conhece, na maioria, da sua estadia em Paris.

Ainda em 1977, há notícia do Grupo Phases que, numa exposição na Junta de Turismo da Costa do Sol em novembro, reúne Cruzeiro Seixas, Mário Cesariny e Raúl Perez a inúmeros artistas estrangeiros. De facto, trata-se de um movimento internacional que já tem atividade nos anos 50 e essa exposição no Estoril é a primeira do movimento em Portugal, com 36 ar-tistas, como Jean-Louis Beaudonet, Eugenio Granell, Isabel Meyrelles, Guy Roussile, Claude Sarthou, Philip West, Yo Yoshime, Ludvig Zeller, etc., além dos portugueses referidos. Com colaborações com o Bureau de Recherche Surréaliste da Holanda em 1971, as exposições do movimento chegam a ter mais de uma centena de participantes.

No catálogo desta exposição388 em Portugal, Edouard Jaguer afirma ter sido mais difícil ao movimento penetrar em território luso durante a di-tadura do que nos países da cortina de ferro, onde alguma abertura terá permitido ao movimento ter a colaboração de artistas polacos, checos, e húngaros depois de 1955. Citando-se em texto de 1973, admite que só nesse ano compreende a importância da pesquisa plástica dos surrealistas portu-gueses, nomeadamente a componente de “jogo” e de “riscos de perdição” em António Maria Lisboa, Mário Henrique Leiria, Alexandre O’Neill e Mário

385 Idem, p. 72. 386 Mais informação em GUÉNIOT, D. A.; PINTO, P. (2019). Obra citada, p. 316-323. 387 GONÇALVES, Eurico (1977). “IV Encontros Internacionais das Caldas da Rainha”.

Colóquio Artes. Nº 34, outubro, p. 72. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.388 A/A (1977). 1ª Exposição “Phases” em Portugal. Catálogo de exposição, novembro.

Estoril: Junta de Turismo da Costa do Sol. Há um outro catálogo da exposição na SNBA, idêntico no conteúdo.

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Cesariny, assinalando ainda o aparecimento de um nome português, o de José-Augusto França, nas revistas Phases de 1967, e reconhecendo tam-bém o trabalho de Cruzeiro Seixas e Pedro Oom. Refere ainda a participação mais intensa dos portugueses na revista 4, de 1974, nas exposições de 1975 em Bruxelas e de 1977 em Portugal.

Inúmeros fragmentos de textos de diferentes autores assinalam a li-gação evidente a ideias do surrealismo e até do dadaísmo que, aliás, as ima-gens das obras evidenciam.

Dá-se, também, alguma circulação no estrangeiro de trabalho de co-letivos portugueses desse tempo, percetível na síntese atrás realizada sobre cada um. Se é certo que essa circulação não acontece com o Grupo Acre (embora sim com o trabalho de cada um dos artistas que o constituem), o Puzzle apresenta-se várias vezes fora do país, o 5+1 tem a épica exposição de Viena e o Grupo Vermelho é visível em certames de poesia visual, pelo que, embora essa faceta não seja muito determinante nas carreiras e pres-tígio destes coletivos, não é ausente.

3.3.2. E depois, por cá ainda (coletivos em Portugal, após 1977)

Já a escapar do lapso temporal deste estudo mais delimitado entre 1974 e 1977, aparecem em Portugal outros coletivos de criação e grupos de pro-dução artística com características diferenciadas. Sem qualquer pretensão de exaustividade, alguns apontamentos sobre cada caso permitem esboçar um breve mapeamento que ajuda a ter uma noção mais adequada do movi-mento coletivista que continua intenso, mesmo que com visibilidade diversa conforme a região do país e o tempo em que surgem e, certamente, colo-cando questões diferentes. De muitos modos, engrossam o eixo de dinâmi-cas coletivas que vem de trás e são, também, consequência da influência da ação e prestígio de coletivos da década de 70, como o grupo Acre.

Há assim os que aparecem ainda nos anos 70. Em 1978, na ESBAL vão ganhando visibilidade formas diferentes da

tendência coletivista, por um lado com a constituição de coletivos de jovens artistas (há diversos que, sem nome, surgem com exposições, por exemplo na SNBA) e com a criação da Revista Arte Opinião, em dezembro de 1978.

Fora desse contexto, surge nesse ano o Grupo 3.4.5. a partir do atelier da artista de origem italiana Gisela Santi. Anteriormente especializada no restauro de têxteis, esta artista dedica-se, entretanto, à tapeçaria contem-porânea, estando ligada de passagem ao IADE, criando em 1975 com Flávia

3. GRUPO ACRE, ARTE E DINÂMICAS COLETIVAS EM PORTUGAL 289

de Monsaraz a Cooperativa Ara, já atrás referida, e ensinando de 78 em dian-te na Escola António Arroio. Neste grupo integram-se várias artistas que trabalham em têxteis. Em 1982 o grupo organiza a 1ª Exposição Minitêxtil, que agrega os membros de grupo de então (Ana Isabel Rodrigues, Colette Vilatte, Gisela Santi, Lena Lobo, Altina Martins, Cândida Marques, Delfina Macedo, Carmo Portela, Maria José Risques Pereira e Régine Teyssonière) e convidados. Haverá várias iniciativas similares, com elenco variável.

Há também em Lisboa a Cooperativa Diferença, criada em 1979. Fundada por Helena Almeida, Irene Buarque, José Carvalho, José Conduto, Monteiro Gil, António Palolo, Fernanda Pissarro, Maria Rolão, Ernesto de Sousa e Marília Viegas, o próprio elenco destes dez artis-tas permite descortinar alguns dos objetivos que conciliam propósitos de vanguarda com a necessidade de abrir um espaço expositivo, de en-contro e debate de novas tendências, jovens artistas incluídos. Não é despropositado evocar o facto de Carvalho e Conduto fazerem parte do Grupo 8, bem como ecos vindos de trás que então se concretizam nes-te projeto, como por exemplo o Encontro do Guincho, de 1969, atrás já mencionado, por iniciativa de Ernesto de Sousa. A Diferença significa, pois, encontro, vontade de encontro e, por isso, assume como central um espaço de galeria, mais tarde ampliado e modernizado (sob projeto dos arquitetos Nuno Teotónio Pereira e Artur Rosa e engenheiro Câncio Martins, em 1987, mediante apoios da Secretaria de Estado da Cultura e da Fundação Calouste Gulbenkian), ateliers de gravura, serigrafia, li-tografia e fotografia onde funcionam também cursos. Ali têm aconteci-do muitas exposições e debates, lançamento de livros, edições gráficas, etc., e ali se têm estreado inúmeros artistas cujas carreiras depois ad-quirem notoriedade389.

Também em 1979 surge em Coimbra o Grupo Artitude:01 a partir do Círculo de Artes Plásticas de Coimbra, fundado por António Barros e in-tegrando Isabel Carlos, Isabel Pinto, João Torres, José Louro e Rui Órfão. O coletivo vai ser decisivo no lançamento de Projectos e Progestos, Novas Tendências nas Linguagens Artísticas Contemporâneas, ciclo muito dedi-cado a formas experimentais de arte ligadas à poesia visual, que dura até 1985. Destaque-se ainda a revista que lançam em 1981 — ARTITUDE: 01, uma revista experimental com características instalativas ou, como se diz na época, ambiente ou “environment”, o que decorre na Galeria Diferença,

389 Mais informação em COOPERATIVA DIFERENÇA. Historial. Blog disponível em: http://diferencagaleria.blogspot.com/p/historial-cooperativa-diferenca.html [Consult. 18 out. 2020].

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em Lisboa, a convite de Ernesto de Sousa. A partir daí o grupo desenvolve esse formato de revista/instalação, podendo resumir-se assim os números resultantes: 1981 — Artitude:0, revista objeto, projeto de difusão; 1982 — Artitude:01, revista ambiente (na G. Diferença, Lisboa); 1983 — Artitude:01, revista operação (Teatro Estúdio CITAC); 1984 — Artitude:01, revista multi-média 8IV Bienal de Vila Nova de Cerveira); 1985 — Artitude:01, interven-ção, revista comportamento390.

Entre 1979 e 1980, um dos coletivos saídos ESBAL (grupo sem nome formado por Adão Contreiras, Ambrósio Ferreira e José Assis) apresenta numa coletiva da SNBA uma obra conjunta, um objeto instalativo alusivo à desertificação, escassez e fome, intitulado Gaibéus, que merece um prémio de revelação.

Sobre o Grupo Pukta, aparece em 1979 uma pequena notícia com uma declaração de princípios, sem indicar nomes de membros do grupo. “Ainda não somos propriamente um grupo de arte/intervenção” é a frase que abre esse depoimento inaugural, que adota um discurso cauteloso, he-sitando entre na necessidade de “reconverter o ‘associativo’ no ‘colectivo’, um “colectivo em permanente metamorfose” que assume a “qualidade de produtores de arte” 391. Na edição seguinte da mesma revista, de julho, o Pukta volta a ter destaque maior, agora num artigo de autoria conjunta, no qual se afirma a génese autodidata da formação dos seus membros e a ne-cessidade de haver maior ligação entre artistas autodidatas e “artistas das Belas-Artes”. Em três imagens a preto e branco de pinturas que oscilam en-tre uma figuração alusiva e a abstração, é possível identificar na formação os nomes de Vítor Marques, António Pacheco e Carlos Magalhães392.

O Pukta expõe ainda na Galeria Alvarez Dois em 1980 e, depois, pa-rece sumir.

Também em 1979, Carlos Barroco e Nádia Baggioli publicam em nome do Grupo-2, constituído por ambos, um texto sobre uma reco-lha de bonecos portugueses, que podemos integrar numa via trabalha-da principalmente por Barroco, entre a pop e o sentido etnográfico, na qual há quase sempre uma ponta de ironia e humor: “Encontrámos em

390 ARTITUDE:01 (1985). “Artitude:01, intervenção (‘revista comportamento’, 1985)”. In AGUIAR, Fernando; BARBOSA, Manoel (Dir.), (1985). PERFORM’ARTE. I Encontro Nacional de Performance. Torres Vedras: Cooperativa de Comunicação e Cultura de Torres Vedras, p. 40, 41.

391 Excertos de A/A (1979). ”Pukta”. Arte Opinião. Revista da Associação de Artes Plásticas e Design. Nº 6, maio, p. 28. Lisboa: ESBAL.

392 GRUPO PUKTA (1979). “O artista autodidacta”. Arte Opinião. Revista da Associação de Artes Plásticas e Design. Nº 7, julho, p. 25-26. Lisboa, ESBAL.

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Portugal Bonecos feitos em PASTA DE PAPEL, BARRO, PANO, CHUMBO, CERÂMICA, MADEIRA, LATA, CERA, SABÃO, VIDRO, CORTIÇA, DOCES, CONCHAS, PLÁSTICO...e alguns de CARNE E OSSO.”393

No ano seguinte, de 1980 em diante, estes mesmos artistas (em breve responsáveis pelo projeto da Galeria Novo Século, em Lisboa), cons-tituem com José Fabião o Grupo Néon, que surge em performances em Lisboa. Estão depois em 1981 no Porto na Galeria Alvarez e na ESBAP, e em 1982 na Galeria Metrópole, Lisboa, bem como na III Bienal Internacional de Vila Nova de Cerveira. Ainda aparecem depois na IV Bienal de Vila Nova de Cerveira (1984) e na quinzena multimédia dos encontros Acarte (nov-dez 1985, CAM-FCG). Neste caso, a obra apresentada, Performática, é um es-petáculo multimédia realizado por Carlos Barroco e José Fabião com cola-borações de Carlos Zíngaro, Rui Reininho, Natércia Rocha, José Casimiro, Bert Hendrick e Nádia Baggioli, de ambiente visual e sonoro muito ao sabor dos anos oitenta, no qual humanos/autómatos reagem a estímulos visuais e sons em ambiente de laboratório.

Também o Grupo Diaspositivos, formado por Adelaide Colher, Gracinda Candeias, João D’Ávila, José Fabião e Michel Roubaix, já tinha rea-lizado performances na Galeria Quadrum (Lisboa) em 1980, aparecendo também na III Bienal em Cerveira.

Aliás, o início dos anos 80 revela sucessivamente diversas formações coletivas, embora nem sempre sejam grupos de artistas estritamente vi-suais e atravessem frequentemente campos da criação artística, estenden-do-se ao longo dessa década e das seguintes de modo irregular, nem sem-pre com estabilidade.

Em 1981, quando estudantes da ESBAP, Alzira Relvas, António Olaio, António Melo, Lúcia Viana, Nuno Santacruz e Pedro Tudela são o Grupo Missionário. “O nome do grupo, explicitando uma pretensa atitude mis-sionária, procurava criar uma imagem despudoradamente moralizante”394, embora nem sempre as performances o fizessem, como no caso da realiza-da em plena ESBAP, quando pintam de branco os modelos de gesso usados nas aulas na intervenção designada Intervenção Zero do Grupo Missionário.

393 GRUPO-2 (1979). “Bonecos portugueses”. Arte Opinião. Revista da Associação de Artes Plásticas e Design. Nº 7, julho, p. 35. Lisboa: ESBAL.

394 LAMBERT, Fátima (2001). “Balanço do século XX — Arte Portuense Aleph”. Texto do catálogo da exposição de 2001 ‘Mais de 120 grupos e episódios no Porto do Século XX’. Porto: Galeria do Palácio. In FERNANDES, Maria Luísa Garcia; RODRIGUES, José Carlos Meneses; TEDIM, José Manuel (Coord.), (2004). II Congresso Internacional de História de Arte. 2001. Portugal: Encruzilhada de Culturas, das Artes e das Sensibilidades — Actas. Coimbra: Livraria Almedina, p. 82.  

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O coletivo existe até 1987.Também na mesma cidade, o Grupo Videoporto é um outro coletivo

ou associação de arte formado em dezembro de 1981 por Silvestre Pestana. Fazem parte dele, além de Pestana, os artistas Henrique Silva, Abel Mendes, Adriano Rangel, António Barros, Jorge Brinquinho, Ção Pestana, Fernando Ribeiro, Jorge Lopes, Rui Órfão e Mineo Aayamaguchi. Toma como meio fun-damental de expressão o vídeo, na maioria das vezes em criações sobretudo individuais395. Em 1985 continuam ativos.

O Telectu é criado em Lisboa em 1982 por Jorge Lima Barreto e Vítor Rua. Apesar da atividade do duo ser fundamentalmente musical eletroacús-tica, misturando o minimalismo repetitivo com elementos do rock, do jazz e do improviso da música contemporânea, frequentemente assume tam-bém dimensões performativas com expressão mista. É o caso das colabo-rações com os artistas António Palolo (por exemplo em 1983, na ESBAL, numa performance audiovisual) e Manoel Barbosa (concerto/performance na Perform’arte, 1985, Torres Vedras), ou com “o cineasta Rui Simões, o ac-tor João Perry, o poeta E. M. Melo e Castro”396.

Em 1982 é criada em Almada a Imargem — Associação de Artistas Plásticos do Concelho de Almada, que continua ativa sob as forma-lidades inerentes a uma associação que apoia a produção artística, ou seja, estipulando objetivos diversos, regulamentando estatutos, quotas, mantendo uma sede, etc. São sócios fundadores Ângela Luzia, Francisco Bronze, Jorge Pé Curto, Pedro de Sousa, Louro Artur, José Zagallo, Carlos Canhão, Lurdes Sério, e Victor Ferreira. Hoje tem mais de 60 membros. Realiza exposições coletivas com bastante frequência em locais diferen-tes do concelho e fora dele, incluindo uma anual muito participada, e tem colaborado com a Câmara Municipal de Almada em decisões relaciona-das com o património artístico e concursos para os espaços públicos. Organiza desde 2016 uma Bienal de Desenho de Almada e, desde 2015, o evento anual Arte em Festa397.

Mais propriamente no campo da criação nas artes plásticas, há tam-bém de 1982 em diante Os Homeostéticos ou a Homeostética (incluindo

395 Ver AGUIAR, Fernando; BARBOSA, Manoel (Dir.), (1985). PERFORM’ARTE. I Encontro Nacional de Performance. Catálogo das exposições, performances, conferencias, vídeo e concerto entre 13 e 28 de abril de 1985 em Torres Vedras, na Galeria Nova, Claustros do Convento da Graça, Galeria Municipal e Salão dos Bombeiros Voluntários. Torres Vedras: Cooperativa de Comunicação e Cultura de Torres Vedras, p. 54.

396 Idem, p. 81.397 IMARGEM. Página web disponível em: https://imargem82.wordpress.com

[Consult. 1 fev. 2021].

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o seu derivado Ases da Paleta), designação que tutela a atividade de um grupo ou movimento de jovens artistas da lisboeta ESBAL num projeto mui-to ao sabor dos anos oitenta que irá perdurar até 1988 com forte visibili-dade conjunta e individual dos seus membros: Fernando Brito, Ivo, Manuel João Vieira, Pedro Portugal, Pedro Proença, Xana. Numa curiosa entrevista a Vanda Madureira398, Pedro Proença explica a sua perceção sobre a génese do grupo na escola desde uma primeira formação a que está ligado, os Neo-Canibal ( já fazendo antever certa postura dadaísta); destaca o ambiente in-formal, a proximidade desde criança com Manuel João Vieira e o modo como foram sendo “confiscados” outros jovens artistas para o grupo, o papel de cada um deles, a evolução ao longo das diversas exposições. A produção ho-meostética assume um perfil de forte diversidade, incluindo principalmente pintura, desenho e objetos, mas não só:

uma impressionante actividade que se desdobrou pela produção de textos e manifestos teóricos, por performances com um grau de visibi-lidade pública muito diferenciado, pela produção de filmes, de registos fotográficos de carácter memorialista, de incursões no universo musi-cal e editorial, ficaram gravados na época em questão eventos estri-tamente plásticos que acabariam por marcar de forma permanente a paisagem criativa da década.399

Ainda de 1982 até 1985 existe no Porto o Espaço Lusitano, uma asso-ciação e galeria de arte dinamizada por Gerardo Burmester e Albuquerque Mendes, membros do Grupo Puzzle na fase final daquele grupo. Funciona como um espaço de encontro e lançamento de dinâmicas, começando com um festival de performance, em novembro, no qual atuam, entre outros, Miguel Yeco, Manoel Barbosa, Daniel Nave, Armando Azevedo, Silvestre Pestana, António Olaio, Burmester e Mendes. Vão dar visibilidade à geração de artistas emergentes no Porto então, expondo também alguns mais ve-lhos, como Dixo e Pedro Rocha, também ex-Puzzle.

Em 1983 detetam-se em Lisboa sinais de A Barca. Trata-se de um projeto em torno de uma fragata comprada em conjunto para recuperar e

398 PROENÇA, Pedro; MADUREIRA, Vanda (200). Conversa de Vanda Madureira com Pedro Proença acerca da Homeostética. 16 de fevereiro. [em linha]. Disponível em: http://colectivosemportugal.blogspot.com/2009/02/conversa-de-vanda-madu-reira-com-pedro.html [Consult. 9 fev. 2021].

399 ALMEIDA, Marta Moreira de (Coord.), (2004). Homeostética 6=0. Porto: Museu de Arte Contemporânea de Serralves. [em linha]. Disponível em: http://homeoste-tica.blogspot.com/ [Consult. 21 jan. 2021].

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destinar a fins diversos, que surge organizado em cooperativa. Inclui vá-rios artistas oriundos da ESBAL, entre os quais Dora Iva Rita, Ilda David, Ilídio Salteiro, Luís França, Manuel Rosa, Manuel Vilarinho, Pedro Saraiva. Chegam a realizar uma exposição no Palácio Anjos, em Algés.

Novamente no Porto, há o Grupo de Acção de Graças, constituí-do por Augusto Canedo, Isabel Cabral, José Paiva, Mavilde Gonçalves, Rodrigo Cabral e Rui Pimentel, com base num atelier comum com oficina de serigrafia. De uma exposição em 1986 nasce a Gesto — Cooperativa Cultural, da iniciativa de José Paiva e com sede no mesmo atelier, que está na origem de diversos projetos de cooperação cultural com a ESBAP/FBAUP e os PALOPs.

A formação em 1984 do duo D. W. Art, constituído em Lisboa por António Duarte, violinista e jornalista e Manuela Duarte, engenheira agró-noma, oferece atividade musical e performativa. Interessa-lhes um processo de colagem numa via pop experimentalista, com ecos assumidos do traba-lho de Laurie Anderson, segundo assumem na sua apresentação biográfica do ano seguinte na Perform’arte em Torres Vedras, 1985400.

Em 1985, os Felizes da Fé fundem ações teatrais e performativas. O grupo é constituído por Rui Zink, Gilberto Gouveia e Ricardo Gouveia (Rigo). Happenings de rua, não autorizados oficialmente, revelam uma faceta algo irreverente ou contestatária, que se prolonga mais tarde a S. Francisco (EUA) com a deslocação de Rigo para aquele país, afirman-do uma via assumidamente devedora do dadaísmo que ecoa ainda em 2008401. “O trabalho dos FF era obviamente circense, mas era também um trabalho político, através de paródia a acontecimentos políticos e às convenções do acto político.”402

É curioso constatar que nos anos 90, a tendência coletivista tem vi-sibilidade em diversos agrupamentos principalmente na cidade do Porto. Durante essa década, os artistas de Lisboa e de outras cidades do país parecem menos interessados em modos coletivos de funcionamento, embora haja exceções. É o caso do Grupo Anverso/Reverso-Medalha Contemporânea, que desde essa década junta escultores que fazem meda-lhística a partir da FBAUL. São os professores Hélder Batista e João Duarte com os então estudantes Vítor Santos, José Simão e Paula Lourenço, a que

400 AGUIAR, Fernando; BARBOSA, Manoel (Dir.), (1985). Obra citada, p. 46.401 FELIZES DA FÉ. Página web do grupo disponível em: http://felizes.planetaclix.pt

[Consult. 23 jan. 2021].402 MADUREIRA, Vanda (s/d). Sinopse e resumo do documentário Geração Feliz de

Leonor Areal. [em linha]. Disponível em: http://felizesdafe.blogspot.com/ [Consult. 21 jan. 2021].

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se juntam depois os escultores Paulo Perre Viana, Maria João Ferreira, José Teixeira, José João Brito e António Canau. Pugnam pela renovação da lin-guagem e meios operativos na medalha e conseguem significativo reconhe-cimento nacional e internacional403.

No Porto, o coletivo Mute Life Dpt surge em 1992 como projeto de Pedro Tudela, Alex Fernandes e Paulo Almeida, (por vezes colaboração de Nuno Tudela). “Mute... Life foi o título da instalação de Pedro Tudela na gale-ria Atlântica no Porto, em dezembro de 1992. Com os amigos Pedro Almeida e Alex Fernandes, gravou e produziu a banda sonora em CD (non-stop de 54 minutos) surgindo assim pela primeira vez o coletivo do projeto multimédia Mute Life Dept.”404 Paulo Almeida refere tratar-se de algo “onde arte, tec-nologia, informação, improvisação e som se misturavam com o trabalho de estúdio, no sentido de criar pelo prazer” 405.

O nome Grupo Artitude aparece novamente em 1993, mas com perfil bastante diferente do grupo anterior (se os coletivos patenteassem nomes, como marcas, isso não aconteceria), neste caso constituído pelos pintores Gustavo Fernandes, Victor Lages e Vieira-Baptista, que somam obras indi-viduais de feição autodidata e surrealizante, com base na zona de Sintra.

De natureza muito híbrida plasticamente, essencialmente instala-tiva e performativa, embora com o teatro como horizonte mais imediato, o Projecto Teatral surge em Lisboa em 1994 com a representação As Troianas, a que se seguem diversas produções em vários locais e, de-pois de 2001, a sua constituição como Associação Cultural — Projecto Teatral406. Em 2015, a sua apresentação na Culturgeste de Nenhuma Entrada Entrem No Way In Go In estabelece um trabalho de síntese de obras anteriores, que são evocadas e repostas parcialmente, aliando nova-mente a dimensão instalativa ao dispositivo cénico que se completa com a componente performativa. Constituem então o grupo Helena Tavares, João Rodrigues, Maria Duarte, André Maranha (que também regista-mos em parceria com Tomás Maia noutros projetos) e Gonçalo Ferreira

403 Mais informação disponível em linha em: AA.VV (s/d). Anverso-Reverso. Catálogo de exposição [em linha]. Disponível em https://www.fidem-medals.org/pdf/exhi-bitions%20int/Obverse%20%20Reverse%20-%20Contemporary%20Medal.pdf [Consult. 9 fev. 2021]. AA.VV (2009). Anverso Reverso. Catálogo da exposição na Casa da Moeda. Texto de José Teixeira. [em linha]. Disponível em https://www.mu-seucasadamoeda.pt/storage/previousExhibit/file/15.pdf [Consult. 9 fev. 2021].

404 VIROSE. Mute Life Dept. [em linha]. Disponível em http://www.virose.pt/mld/indi-ce/indice.html [Consult. 24 jan. 2021].

405 LAMBERT, Fátima (2001). “Balanço do século XX — Arte Portuense Aleph”. Obra citada, p. 88.

406 Associação Cultural — Projecto Teatral. Página web disponível em: http://www.projectoteatral.pt/ [Consult. 10 dez. 2018].

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de Almeida, e na publicação a colaboração em texto de Tomás Maia. Em Lagos, Algarve, existe desde 1995 o LAC — Laboratório de Artes

Criativas407, resultante do agrupamento de pessoas ativas e interessadas em artes plásticas, música, arquitetura, cinema, museologia e defesa do património. Assume como objetivos a dinamização da criação artística na região e especialmente no Sudoeste Algarvio, a partir dos espaços da anti-ga cadeia de Lagos. Tem um Programa de Residências Artísticas, fomenta e aloja exposições, performances, concertos e debates nos seus espaços, mantendo atividade bastante visível com passagem por si de várias dezenas de artistas.

Também nesse ano há sinais de Autores em Movimento (coletivo ou projeto, conforme a apresentação de cada artista, constituinte, identifi-cados como José Quaresma, Paulo Carmona, Pedro Cabral Santo e Tiago Batista. Desenvolvem um diálogo dirigido para a produção de projetos esté-ticos e artísticos, podendo referir-se as exposições coletivas em que parti-cipam e integram outros artistas nacionais e estrangeiros, nomeadamente Greenhouse Display, Jetlag e X.Rated. Extingue-se em 1997.

Virose parte de novo do Porto, no seu caso para o ciberespaço e as-socia desde 1997 Fernando José Pereira a Cristina Mateus e Miguel Leal. É um projeto criado sob desafio do Ministério da Cultura assumido como associação e caracterizado por um quadro de atividades multimédia e forte dimensão digital, articulando uma plataforma online e offline com um site organizado em diferentes sectores que remetem para obras em design, ví-deo, som, etc. Há um certo carácter de arena comum com margem para discussão livre, temas que cruzam o universo dos museus e espaços da rea-lidade, sociológicos e políticos, bem como obras mais pessoais de cada um dos artistas408.

Ainda no Porto, de 1998 em diante, a Fundação Radar junta António Caló, Bernardo Pinto de Almeida, Cláudia Amandi, Irene Gonçalves, Isabel Padrão, Joana Pimentel, Kid, Nazaré Alvares, Paulo Freire de Almeida, Rui Santos, Rute Rosas e Teresa Gil.

A exposição Universos Paralelos, em abril-maio de 1998, na Cooperativa Árvore, toma como pretexto a missão da sonda espacial robó-tica Mars Pathfinder, cruzando diversas referências associadas ao espaço,

407 LAC-Laboratório de Artes Criativas. Página web disponível em: http://www.lac.org.pt [Consult. 12 fev. 2021].

408 Ibidem. O coletivo muda de configuração ao longo dos anos, acolhendo diferentes artistas convidados em participações mais ou menos esporádicas. Ver também VIROSE. Página web: http://www.virose.pt/mld/indice/indice.html ([Consult. 24 jan. 2021].

3. GRUPO ACRE, ARTE E DINÂMICAS COLETIVAS EM PORTUGAL 297

“a tradição pop e as novas tecnologias. Uma visão retrofuturista da arte”409. Também nesse ano surge Kiding, projeto portuense de empresa cultu-

ral que junta Bruno Baldaia, Cristina Pimentel, Edgar Silva, Joana Pimentel, João Coelho, João Sousa Cardoso, Jorge Marques, Kid (João Fernandes) e Rui T. Oliveira. É voltado para projetos de carácter coletivo que envolvam meios como fotografia, vídeo, música e texto, essencialmente de tipologia multidisciplinar e afirmando propósitos no âmbito da exploração dos espa-ços políticos da cultura, com alguma proximidade com a pop410.

E, ainda desde 1998 e também no Porto, a associação Sentidos Grátis não estabelece um elenco fixo de artistas colaboradores; de modo idêntico, sustenta a ideia de um programa totalmente aberto e funções de produ-ção e mediação cultural, chegando a realizar uma apresentação conjunta de cerca de 70 jovens artistas e uma outra ação em jardins da cidade411.

ZOINA, por sua vez, é um grupo feminista de intervenção artística voltado para questões de género, constituído desde 1999 por Ana Madeira, Catarina Carneiro de Sousa, Isabel Carvalho e Carla Cruz412 e ativo até 2004.

AT-C ou @C são Pedro Almeida (mr. A, designer e músico), Pedro Tudela (mr. T, artista plástico, professor, dj e músico) e Miguel Carvalhais (mr. C, designer, professor e músico), com obras mostradas a partir de 2000 em Serralves, Galeria Pedro Oliveira, FBAUP e Aniki-bobó413. O seu trabalho é fundamentalmente musical e multimédia.

Também desse ano em diante e novamente na mesma cidade, a Associação Caldeira 213 é constituída por artistas jovens: Ana Gama, Ana Luísa Madeira, André Amorim, Ângelo Ferreira de Sousa, Carla Cruz, Carlos Barros, Catarina Carneiro de Sousa, Catarina Falcão, Emanuel Matos, Fernando Rocha, Hugo Almeida, Isabel Carvalho, Luís Eustáquio, Ruben Freitas, Grupo Zoina e Grupo Nós414. A partir de um espaço próximo da

409 Fátima Lambert cita o texto de apresentação por Bernardo Pinto de Almeida. LAMBERT, Fátima (2001). “Balanço do século XX — Arte Portuense Aleph”. Obra citada, p. 89.

410 LAMBERT (2001). Obra citada, p. 90.411 Idem, p. 91.412 Ver: CRUZ, Carla. Colectivos. Zoina. [em linha]. Disponível em: http://carlacruz.

net/2011/collective/collective-two#/0 [Consult. 21 jan. 2021]. ZOINA. Página web disponível em: http://zoinac.blogspot.com/ [Consult. 21 jan. 2021]. E tam-bém: MADUREIRA, Vanda. CAP 2ªXX. Colectivos Artísticos em Portugal desde a 2ª metade do Séc. XX. Blog disponível em: http://colectivosemportugal.blogspot.com/ [Consult. 21 jan. 2021].

413 A grafia varia; no site do grupo é a primeira acima apresentada: AT-C. Página web disponível em: http://www.at-c.org/@c-pt.pdf [Consult. 22 jan. 2021]. Ver ainda LAMBERT (2005), obra citada, p. 91.

414 CALDEIRA 213. Página web disponível em: http://www.caldeira213.net/ [Consult. 22 jan. 2021].

GRUPO ACRE FEZ 1974–77 298

Cordoaria portuense, esta associação integra artistas e coletivos, e volta-se principalmente para atividades de produção artística e cultural, assumin-do alguns projetos curatoriais que retomam o sentido de intervenção dos anos 70. São disso exemplo: uma mostra em que procuram o apagamento de sinais de autoria individual; a revisão de um projeto de Ernesto de Sousa em conversas com convidados como Isabel Alves, Alberto Carneiro, Leonel Moura, Eduarda Dionísio e António Barros; a ação participativa sob projeto das Zoina, o envio de objetos por correio que pudessem ser considerados “inviáveis” na “sociedade politicamente correcta dos escritórios de luzes fluorescentes”415.

João Maria Gusmão e Pedro Paiva é uma dupla de artistas que tra-balham juntos desde estudantes de Pintura na FBAUL, a partir de 2001, re-velando, entretanto, um percurso de forte visibilidade com obras em insta-lação, fotografia, filme experimental de 16 e 35mm e textos. A dupla obtém o prémio EDP Novos Artistas em 2004 e representa Portugal na Bienal de S. Paulo em 2006, estando também presente na Bienal de Mercosul (Porto Alegre, Brasil), Manifest7 (Kassel, 2008) e PhtoEspaña (Madrid, também 2008), e ainda na Bienal de Veneza de 2009, entre outras distinções e sinais de reconhecimento. Neste caso, diversamente da maioria dos grupos de ar-tistas até aqui, há efetivamente um corpo de trabalho em que se desfaz a individualidade autoral, não se identificando obras de um ou outro.

O seu trabalho apresenta-se como um vasto laboratório de experiên-cias impossíveis que questionam o conhecimento empírico e toda a metafísica existencial. Com base numa crítica mordaz ao positivismo científico e na superação da antítese entre tecnociência e poesia, in-tegram no seu discurso artístico aspectos como a Patafísica de Alfred Jarry ou a “ciência das soluções imagináveis”, o nonsense e a obsoles-cência tecnológica. A utilização de processos obsoletos de reprodução da imagem, como o filme em 16 mm ou as projeções de slides, ajudam a corroborar um vocabulário estético assente em referências filosófi-cas como Nietzsche ou a literatura fantástica e de ficção científica.416

CRUZ, Carla. Colectivos. Caldeira 213. [em linha]. Disponível em: http://carla-cruz.net/2000/collective/caldeira-213#/0 [Consult. 22 jan. 2021].

415 LAMBERT (2001). Obra citada, p. 93.416 TAVARES, Emília (s/d). “Pedro Paiva. João Maria Gusmão”. MNAC Museu Nacional

de Arte Contemporânea do Chiado. Coleção. [em linha]. Disponível em: http://www.museuartecontemporanea.gov.pt/pt/artistas/ver/112/artists [Consult. 2 fev. 2021].

3. GRUPO ACRE, ARTE E DINÂMICAS COLETIVAS EM PORTUGAL 299

A partir de 2003 na Rua Miguel Bombarda do Porto e até 2005, a designação Salão Olímpico batiza um grupo de artistas estudantes (Carla Filipe, Eduardo Matos, Isabel Ribeiro, Renato Ferrão e Rui Ribeiro) que ocu-pa a sala de bilhar da cave do café com o mesmo nome para apresentar exposições e outros projetos. O dinamismo que revelam constitui-se então como alternativa na movida da rua das galerias e o grupo grangeia visibili-dade para além do local. Da exposição no Centro Cultural Vila Flor e depois em Serralves é editado em 2006 por estas instituições, com a colaboração de José Maia (Manuel Santos Maia), um catálogo sobre a atividade do Salão Olímpico, já após a dissolução do projeto conjunto.417

Também no Porto, Atelier Mentol é um coletivo constituído em se-tembro de 2003 por Carla Cruz, Isabel Carvalho e Pedro Nora: “Atentos ao contexto que nos rodeia deparamo-nos com a crescente desertificação e mutação da baixa portuense. Decidimos não ser apenas observadores deste processo”, declaram.418 

O coletivo Senhorio da mesma cidade tem como foco, de 2004 em diante, a criação e publicação de fanzines com desenho, banda desenhada e ilustração. Fazem parte Ana Torrie, Carlos Pinheiro, Inês Azevedo, Marta Ribeiro, Elizabete Mónica Faria e Nuno de Sousa. Um apartamento amplo, com inúmeras divisões, é o espaço comum onde muitos projetos de ação produtiva parecem ter ficado na gaveta, funcionando mais como espaço de transição e convívio entre a escola e a vida “profissional” depois dela419.

Nas Caldas da Rainha também em 2004, João Alves, Ricardo Pimentel e Vanda Madureira são os Cospe na Cobra. A origem do grupo terá sido numa residência no CENTA (Centro de Estudos de Novas Tendências Artísticas,

417 Ver:JÜRGENS, Sandra Vieira. Salão Olímpico — Estudo de caso. (2006). [em linha].

Disponível em: https://sandravieirajurgens.wordpress.com/category/textos-em-ca-talogos/serralves/ [Consult. 31 jan. 2022].

RIBEIRO, Rui Azevedo (2012). Salão Olímpico... [em linha]. Disponível em: http://edi-coes50kg.blogspot.com/2012/05/salao-olimpico.html, [Consult. 31 jan. 2022]

MENDES, Paulo (2009). José Maia (entrevista, março de 2009). [em linha]. Disponível em: https://www.artecapital.net/entrevista-107-jose-maia [Consult. 31 jan. 2022].

Além do Salão Olímpico, Ricardo Nicolau faz também menção a outros espaços por-tuenses com projetos coletivos nos anos 2000, nomeadamente Pêssegos prá se-mana, Mad Woman in the Attic, A Sala, Projecto Apêndice e Uma Certa Falta de Coerência e ainda, em 2007, Navio Vazio. NICOLAU, Ricardo (2018). Fazer escola. Crónicas de arte / Art chronicles. [em linha]. Disponível em: https://contemporanea.pt/edicoes/02-2018/fazer-escola [Consult. 31 jan. 2022].

418 ATELIER MENTOL. Página web disponível em: http://ateliermentol.blogspot.com/ [Consult. 6 fev. 2021].

419 O SENHORIO. O Senhorio. Ao monte. [em linha]. Disponível em: https://www.maushabitos.com/events/senhorio/ [Consult. 5 fev. 2021].

GRUPO ACRE FEZ 1974–77 300

Vila Velha do Ródão), atravessando os seus propósitos a ideia de banda mu-sical e grupo teatral, parecendo destacar-se as ações performativas420 em “molde de residência aberta, onde serão convidados pelos elementos ‘cus-pianos’, várias pessoas que trabalharão em residência, tendo como foco de trabalho o som e a maquinaria cuspia”421.

Desde 2005, o Colectivo Embankment, novamente com base no Porto, junta Maria Mire, Jonathan Saldanha e Aida Castro e “frequentemen-te desdobra a realidade contextual na qual se insere. Estes desdobramentos são motivados pelas intersecções das adesões individuais de cada um dos elementos deste colectivo.”422 Mais especificamente, “opera sobre situações contextuais específicas, recriando modus operandi baseados em metodo-logias ficcionadas, através da manipulação de arquivos e espólios”423. Tem realizado diversos projetos que pretendem afirmar, cada um deles, os pro-pósitos do grupo num programa conceptual aberto que acumula, depois de alguns anos, textos, imagens, filmes, desenho, objetos. Maria Mire explica numa entrevista em 2012 que “não temos uma prática de atelier, ou seja, não somos um colectivo que existe por si, ele é convocado”424. Portanto, a materialização de obra dependerá do programa conceptual que for estabe-lecido em cada caso. O grupo participa então num projeto em Guimarães Capital da Cultura em colaboração com o arquiteto João Mendes Ribeiro, uma ação performativa a partir de uma estrutura em forma de torre patente na fábrica Asa. Um blog do coletivo425 faculta informação sobre várias ações “Embankments”, desde o início do seu projeto.

Nas Caldas da Rainha, Pizz Buin junta, também em 2005, Rosa Baptista, Irene Loureiro, Vanda Madureira e Sara Santos, a partir da ESAD local. Projeto aberto, as suas ações tomam uma índole paródica, com algu-ma componente cínica em processos de apropriação e descontextualiza-ção que elegem como questão central o próprio mundo da arte e o objeto

420 COSPE NA COBRA. Página web disponível em: http://cospenacobra.blogspot.com/ [Consult. 5 fev. 2021].

421 MADUREIRA, Vanda. Cospe na cobra. [em linha]. Disponível em: http://cospena-cobra.blogspot.com/ [Consult. 5 fev. 2021].

422 EMBANKMENT. No blog disponível em: http://embankmentact.blogspot.com/ [Consult. 3 fev. 2010].

423 EMBANKMENT. Embankment #7. 2010. [No mesmo blog anterior, consult. 8 fev. 2021].

424 NUNES, Luís; TOLENTINO, Valdívia; PINHO, Luís Albuquerque (2012) “Conversa com o coletivo Embankment, 25 julho / 12h01/109’41’’”. In VAZ-PINHEIRO, Gabriela; AFONSO, Lígia; SEIXAS, Luísa. Laboratório de Curadoria. Guimarães: Guimarães 12 Capital Europeia da Cultura, 2013, p. 169.

425 EMBANKMENT. Blog disponível em: http://embankmentarch.blogspot.com/ 2008/07/narrativa-ficcionada.html [Consult. 8 fev. 2021].

3. GRUPO ACRE, ARTE E DINÂMICAS COLETIVAS EM PORTUGAL 301

artístico. “A grande dinâmica Pizz Buin reside no vivo, na comunicação/des-comunicação despoletados pelo combate à arte aborrecida”426, declaram.

Parcerias artísticas sem aparente decisão programática nem nome juntam, a partir de 2005, Tomás Maia e André Maranha ou Rita Roberto. No caso de Tomás Maia, parece definir-se um perfil artístico empenhado numa espécie de diluição autoral que integra num projeto acentuadamente filosófico e poético, cuja forte componente escrita dialoga com meios opera-tivos visuais e espaciais. Assim, Maia e Maranha apresentam nesse ano, na galeria da Escola António Arroio de Lisboa, a instalação Lacrimosa. No ano seguinte Maia realiza com Pedro Tropa os dois filmes Mnemósina. Depois disso volta a surgir com André Maranha em 2008, em Scena (para duas vo-zes), em 2011 em De lá, com Rita Roberto, que reeditam em 2013 (Clamor), ou com Maranha em Éden (o filme desta terra), em 2012, e Parlatório, em 2018. São, habitualmente, projetos que aliam aspetos textuais, visuais e ins-talativos, por vezes com filme, cruzando reflexões existenciais com referên-cias literárias, filosóficas, fílmicas e pictóricas, deixando publicados diver-sos livros de edição muito cuidada. André Maranha surge, também, ligado ao Projecto Teatral, já atrás referido.

Ainda no final de 2005 surge o Zaat (Zona de Autonomia Artística Temporária), sediado em Lisboa. Apresenta-se como coletivo vocacionado para a disseminação da cultura contemporânea, declarando visar aproximar a arte das atividades e percursos quotidianos dos públicos. Funciona como associação sujeita a quotas anuais e, embora apresente iniciativas em espa-ços físicos, comunica-se principalmente pelas redes sociais. Tem no currícu-lo a realização de Mostras de Artes Visuais e Sonoras desde 2006 a 2009 e atividades de índole social diversas.

O MIO (Movimento Independente do Oeste) é um coletivo forma-do em novembro de 2006 também nas Caldas da Rainha e no contex-to da ESAD, de onde provém a maioria dos membros do grupo (Ana Rosa Abreu, Antónia Labaredas, Irene Loureiro, Isabel Ferreira, Liliana Resende, Liliana, Maria Pereira, Nadine Rodrigues, Raquel, Sara Carvalho, Susana e Vanda Madureira). Neste caso, afirma-se uma vocação algo regionalista, uma vez que o grupo incide especialmente sobre temáticas caldenses, da sua história e do presente, com sentido de celebração do local, da arte e da vida, “acolhida por espaços que se mostrem icónicos e ideais para tal

426 PIZZ BUIN. Blog disponível em: http://pizz-buin.blogspot.com/ [Consult. 8 fev. 2021].

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acontecimento”427. No ano de 2007 usam o átrio do quartel dos Bombeiros Voluntários das Caldas da Rainha e, no ano seguinte, o Inferno da Azenha, local emblemático de encontro e debate entre diversas figuras relevantes do panorama artístico nacional nos anos 60 e 70.

Sara & André, casal de artistas com formação na Escola Superior de Teatro e Cinema do IPL (Lisboa) e na ESAD das Caldas, tem intervenções desde 2006 a partir de Lisboa. O seu trabalho consta de um misto de pro-jeto artístico e de curadoria que assume um processo sobretudo citacional, apropriativo e de arquivo de outros objetos e discursos artísticos de autorias alheias. Em 2012, o seu projeto em Guimarães Capital da Cultura428 é uma espécie de arquivo de citações que definem diferentes termos e conceitos artísticos, sobre o qual declaram:

as citações que colecionamos tornam-se, de certa forma, no momen-to em que as transcrevemos, nas nossas próprias palavras. Ou seja, apesar de por vezes utilizarmos matéria menos convencional no nosso trabalho, tal como a obra e escritos de outras pessoas e autores, não acreditamos que o nosso trabalho deixe por isso de ser um trabalho de ‘artista plástico’429.

É uma dupla de artistas que tem obtido bastante visibilidade em expo-sições coletivas institucionais.

Também a partir desse mesmo ano, no Porto, a dupla Von Calhau! junta Marta Ângela Baptista e João Alves. Desenvolvem trabalho de cola-boração em artes visuais e música, concertos e performances, edição de discos, filmes, desenhos e obra gráfica. Apostados no cruzamento de meios e referências, têm criado “um imaginário e uma cosmogonia muito próprios, esotéricos e sincréticos, a partir dos quais interrogam a nossa condição no mundo, ao mesmo tempo que averiguam o sentido da colaboração inerente a tudo aquilo que fazem”430. Numa entrevista de 2018, a dupla de artistas

427 MADUREIRA, Vanda. “MIO (movimento independente do oeste)”. MADUREIRA, Vanda. CAP 2ªXX. Colectivos Artísticos em Portugal desde a 2ª metade do Séc. XX. [em linha]. Disponível em: http://quebacas.blogspot.com/ [Consult. 28 jan. 2021].

428 Sara & André (2012). “Glossário”. In VAZ-PINHEIRO, Gabriela; AFONSO, Lígia; SEIXAS, Luísa. Laboratório de Curadoria. Guimarães: Guimarães 12 Capital Europeia da Cultura, 2013, p. 147-161.

429 NUNES, Luís; PINHO, Luís Albuquerque; TOLENTINO, Valdívia (2012) “Conversa por e-mail com Sara & André”. In VAZ-PINHEIRO, Gabriela; AFONSO, Lígia; SEIXAS, Luísa. Laboratório de Curadoria. Guimarães: Guimarães 12 Capital Europeia da Cultura, 2013, p. 183.

430 BOCA (s/d). Von Calhau! [em linha]. Disponível em: http://www.bocabienal.org/

3. GRUPO ACRE, ARTE E DINÂMICAS COLETIVAS EM PORTUGAL 303

explica a génese do seu projeto e comenta algumas das suas intervenções431.Os Espacialistas (Diogo Castro, João Cerdeira, Luís Baptista, Sérgio

Serol) afirmam-se desde 2008 como coletivo que opera a partir de Lisboa num território híbrido entre arte contemporânea e arquitetura432, centran-do-se “na compreensão das relações espaciais, na transfiguração e na me-tamorfose do espaço corporalmente e simbolicamente habitado”433.

A sua atividade tem cruzado ações performativas de índole algo si-tuacionista com registos fotográficos determinantes no discurso, pen-sando o espaço natural e construído. Tomam como auxílio o seu Diário do Espacialista, Kit Espacialista Por/táctil, 10 Mandamentos Espacialistas, ou seja, conjuntos de orientações da autoria do coletivo. Têm tido bastante visibilidade em espaços do CCB, Gulbenkian, MAAT, Colégio das Artes da Universidade de Coimbra, entre outros locais, e colaboraram com o escritor Gonçalo M. Tavares no seu Atlas do Corpo e da Imaginação.

Também em 2008 surge em Lisboa o Colectivo Tempos de Vista, ini-cialmente apenas ‘O Colectivo’. É um grupo de cinco diplomadas em pintura pela FBAUL — Inês Teles, Joana Gomes, Margarida Mateiro, Maria Sassetti e Xana Sousa — que compreendem a necessidade de assumir a sua própria carreira através de um processo de associação para uso de espaços comuns e para geração de dinâmicas conjuntas.

A premissa global é a confluência de diversas perspectivas de um mesmo Lugar, sob um olhar artístico, consciente da importância histórica e cultural que os espaços tomam na comunidade. Neste sentido, procuramos espaços com um valor histórico que suscite o interesse investigativo e posterior intervenção artística, por vezes, fugindo ao típico espaço museológico e ingressando por um circui-to mais alternativo. No final de diversas edições teremos um leque alargado de manifestações efémeras sobre diversos edifícios da ci-dade de Lisboa, pelo resto do país e experiências internacionais. Pretendemos uma abordagem holística do projecto, que se constrói através da interdisciplinaridade dos médios e transversalidade das

von-calhau/ [Consult. 28 jan. 2021].431 PÉREZ, Miguel von Hafe (2018). “Entrevista a Von Calhau!” Contemporânea. Ed.

02-2018. [em linha]. Disponível em: https://contemporanea.pt/edicoes/02-2018/entrevista-von-calhau [Consult. 9 fev. 2021].

432 OS ESPACIALISTAS. Sobre. [em linha]. Disponível em: https://www.facebook.com/espacialistas/about [Consult. 8 fev. 2021].

433 SARDO, Delfim (s/d). Os espacialistas. Excerto de texto [em linha]. Disponível em: http://cargocollective.com/Lusiada30anosArquitectura/OS-ESPACIALISTAS [Consult. 8 fev. 2021].

GRUPO ACRE FEZ 1974–77 304

referências e conteúdos conceptuais moldando-se às condições do Lugar, aos que habitam a sua periferia e à própria colectividade.O projecto de intervenção artística sugere estabelecer a ponte entre o passado e presente do lugar permitindo a sua revisitação perante um público mais específico — aqueles que habitam e fruem a zona circundante dos edifícios escolhidos e um público mais abrangente — artístico e generalista.434

A partir de 2015, elementos deste grupo derivam para um outro es-paço em Lisboa, clarificando o projeto conjunto sob uma nova designação, Atelier Contencioso, que passa a ser constituído pelas artistas Ana Velez, Joana Gomes, Maria Sassetti e Xana Sousa435.

Em 2009 surgem sinais de existência de um Grupo U, remetendo a prática dos seus membros para projetos de pintura, sem outros sinais caracterizadores436.

Musa Paradisíaca é, novamente, uma dupla de artistas — Eduardo Guerra e Miguel Ferrão. Sediados em Lisboa, colaboram desde 2010, depois de estudos em pintura na FBAUL e em estética na FCSH da Universidade Nova de Lisboa. São nesse ano finalistas no Prémio BES Revelação, e auto-res de ações, objetos e textos que criam ou apropriam e reelaboram outros antecedentes437. No seu percurso, oscilam entre obras de natureza mais conceptual, bastante assentes em proposições textuais, e outras de índole performativa ou objetos gráficos e pictóricos que trabalham quer a lingua-gem quer uma processualidade plástica que ecoa alguma pop. “– Para mim, o que verdadeiramente importa é um certo regime de prospeção e previsão. Isso quer dizer que só vemos aquilo para onde estamos viramos? — Não (...)

434 COLECTIVO TEMPOS DE VISTA. Projecto. [em linha]. Disponível em: https://car-gocollective.com/temposdevista/Projecto [Consult. 9 fev. 2021].

435 ATELIER CONTENCIOSO. Páginas do grupo disponíveis em linha em: https://www.facebook.com/ateliercontencioso/ e https://ateliercontencioso.cargo.site [Consult. 5 fev. 2021].

436 Encontra-se atualmente indisponível a antiga página web do grupo e não foi possível obter quaisquer outros elementos. Era, a 30 de março de 2009: http://www.grupou.com/main/index.php?option=com_contact&view=category&catid= 12&Itemid=55&lang=pt-

437 MUSA PARADISÍACA. Página web disponível em: https://www.musaparadisiaca.net/objects [Consult. 9 fev. 2021].

3. GRUPO ACRE, ARTE E DINÂMICAS COLETIVAS EM PORTUGAL 305

É como a história do burro e do inglês”.438 Esta dupla de artistas detém um currículo com assinalável visibilidade.

Ativo desde 2012, o coletivo Osso é um projeto voltado para diver-sas atividades criativas transdisciplinares e de reflexão, que inclui artistas e investigadores para além das artes visuais, da música e artes sonoras, performance, dança, cinema, design e arquitetura. Mantém um programa de residências nas Caldas da Rainha, sendo artistas e investigadores as-sociados à Osso: Diogo Alvim, Gonçalo Almeida, Matilde Meireles, Nuno Morão, Nono Torres, Pedro Tropa, Ricardo Jacinto, Rita Thomaz, Sara Morais e Suse Ribeiro.439

Com base em Guimarães em 2012-2013, identifica-se o grupo in-formal Rastilho, que deriva do grupo anterior Tecer Outras Coisas, muito protagonizado por Carla Cruz, e tem como membros Adelaide Guimarães, Adriana Prazeres, Alexandre Moreira, Amanda Midori, Carla Costa, Carla Cruz, Eduarda Costa, Fernanda Assunção, Margarida Moreira, Maria Albina Leite, Maria Elisa ferreira, Maria Fernanda Freitas, Maria Goretti Esteves, Maria de Lurdes Oliveira, Maria José Novais, Max Fernandes e Tomás Lemos. De índole declaradamente experimental, não restam mui-tos traços da atividade deste coletivo bastante amplo, embora surjam si-nais de ações individuais. É, aliás, através de Carla Cruz, também ligada a outros coletivos, que o projeto do Rastilho parece ter maior divulgação440.

Ainda fundado em 2013 em Lisboa, o Colectivo Warehouse declara--se um coletivo de arquitetura e arte, embora o seu programa se centre mais em arquitetura. São membros Rúben Teodoro, Sebastião de Botton, Ricardo Morais, Monica di Eugenio, Raquel Santos, Romain Deboulle e Guenièvre Chartier441.

Note-se que este coletivo destaca o trabalho colaborativo como um dos seus princípios, fenómeno que remonta aos ateliers de arquitetu-ra do próprio contexto modernista, mesmo quando sob autoria individual. Evitando descentramento do foco temático deste texto, aqui fica apenas a menção do grupo, dada a sua definição declarada também em artes. Mas,

438 FERRÃO, Miguel. “Visões do mal-entendido. Musa Paradisíaca nº 5. Auto da Emulação. Abril 2013”. In VAZ-PINHEIRO, Gabriela; AFONSO, Lígia; SEIXAS, Luísa (2013). Laboratório de Curadoria. Guimarães: Guimarães 12 Capital Europeia da Cultura, p. 83.

439 OSSO. Página web disponível em https://www.osso.pt/sobre/ [Consult. 23 fev. 2021].

440 RASTILHO. Página web disponível em: http://carlacruz.net/2013/collective/rasti-lho-2#/0 [Consult. 9 fev. 2021].

441 COLECTIVO WAREHOUSE. About. Página web disponível em http://warehouse.pt/about/?lang=pt-pt [Consult. 8 fev. 2021].

GRUPO ACRE FEZ 1974–77 306

tal como este, outros têm surgido no âmbito dos projetos de arquitetura e urbanismo, estendendo também por vezes a sua ação a outros tipos de in-tervenção no espaço público em zonas de interseção com a arte.

Entretanto, em Lisboa, mas não só, parece assistir-se a uma nova ex-pansão dos modos de associação formal e informal de artistas, com dinâ-micas conjuntas voltadas principalmente para a criação de redes de apoio à produção. Obviamente, não é uma situação nova nem sequer é exclusivo lis-boeta, tal como atrás neste texto se tem constatado. Por exemplo, o Atelier Concorde é um espaço de atelier e exposição que funciona desde 2010 na zona entre a Graça e Santa Apolónia. Sob apoios diversos e parcerias, têm por ali passado dezenas de artistas, mas não é um coletivo nem parece ter pretendido sê-lo, embora a iniciativa de artistas seja central442.

Também em Lisboa na zona da Graça, existe o Hangar — Centro de Investigação Artística. Desde 2015, sem elenco formal discriminado de ar-tistas, apresenta-se como projeto da associação cultural Xerem, “que tem por objectivos: conceber, organizar, desenvolver, implementar e difundir pro-jectos culturais, sociais, artísticos e pedagógicos, de âmbito transdisciplinar e intercultural”. Apoiando-se em diversas parcerias nacionais e internacio-nais, o Hangar443 oferece um centro de exposições, residências artísticas e curatoriais, estúdios para artistas e alojamentos, incluindo atividades de formação, conferências e encontros. Há espaços em co-working, labora-tório fotográfico e estúdio de som. Visa-se o desenvolvimento de projetos artísticos transdisciplinares em artes visuais, nos quais a cidade de Lisboa possa funcionar como foco e plataforma para artistas emergentes e estabe-lecidos numa perspetiva de abertura internacional e multicultural.

Desde 2019 e por iniciativa da artista Susana Rocha, a Duplex AIR (Artists In Residence) 444 funciona também por perto, ainda na Graça/Sapadores, como espaço vocacionado para a prática, a investigação e a di-vulgação artística. Tem ateliers partilhados, lojas efémeras (pop-up) e orga-niza exposições, workshops, eventos de diversas naturezas e residências artísticas, congregando mais de uma dezena de artistas todos os anos.

442 VAHIA, Liz (s/d). “Atelier Concorde”. Arte Capital, Magazine de Arte. [em li-nha]. Disponível em: https://www.artecapital.net/snapshot-14-atelier-concorde [Consult. 10 fev. 2021]. ATELIER CONCORDE. Página web disponível em: https://www.atelierconcorde.org [Consult. 10 fev. 2021].

443 HANGAR. Página web disponível em: https://hangar.com.pt [Consult. 11 fev. 2021].444 DUPLEX-AIR. Página web disponível em: https://www.duplexair.com/expposicoes

[Consult. 11 fev. 2021].

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Persistem, ainda assim, sinais de formações com sentido menos pragmático, como por exemplo o Humor Líquido. Com base em Lisboa e existente desde 2017, é constituído pelas artistas Anabela Mota, Ana Mata, Catarina Domingues, Marta Castelo, Nádia Duvall, Sara Belo e Teresa Projecto e define-se como “lugar de encontro de gestos criativos” que “nas-cem de uma conversa fluente e contínua”, frisando a “fluência do diálogo”445. Por outras palavras, cada artista tem a sua própria obra pessoal, mas apro-ximam-nas afinidades sensíveis, nas quais se revelam centrais o olhar e o papel “do interior da visão” e um sentido poético de impermanência.

O Coletivo FACA, formado em 2019 por Andreia Coutinho, Laura Sequeira Falé e Maribel Mendes Sobreira, opera na zona de Lisboa, apre-sentando-se como projeto de cidadania ativa baseado na ideia de corte 446. É dirigido para o ativismo curatorial sobre questões queer, feminismo e co-lonialismo em espaços expositivos e culturais.

Também mais ou menos recentemente, frequentemente com apoios municipais, têm surgido artistas e grupos de artistas motivados para a rea-lização de intervenções no espaço urbano, que se integram sob a égide das chamadas street art, grafitti ou arte urbana. Na prática, realizam prin-cipalmente pinturas murais de escala quase sempre grande. As Câmaras Municipais de diversas cidades, como por exemplo Lisboa, Porto, Amadora, etc., já apresentam inclusive gabinetes de apoio a essas ações, funcionando assim como retaguarda legitimadora do que inicialmente surgia com ca-racterísticas clandestinas, informais, frequentemente transgressoras. Em Lisboa há mesmo uma galeria municipal vocacionada para esta área criati-va, a GAU. Assim, é possível descortinar um número já significativo de artis-tas que funcionam de modo mais ou menos profissional nesse âmbito, quer individualmente quer em grupos.

No que respeita a coletivos, fica a menção a alguns casos apenas, dado parecer um universo em expansão e, ao mesmo tempo, marcado por alguma instabilidade. Por exemplo, desde 2003, ou seja, já com carreira consolidada de quase vinte anos, sinaliza-se o ARMCollective, no qual colaboram Miguel Caeiro (aka RAM) e Gonçalo Ribeiro (aka MAR). São da sua autoria murais de grande escala em Lisboa (por exemplo nas Olaias, realizado a convite do Clube Intercultural Europeu, o Mural dos Lusíadas, comemorativo dos 20

445 Todas as expressões são do coletivo, na apresentação existente no site. HUMOR LÍQUIDO. Página web disponível em: https://humorliquido.com/o-colectivo [Consult. 11 fev. 2021].

446 FACA. Página web disponível em: https://www.facebook.com/colectivofaca/ https://www.instagram.com/colectivofaca/ [Consult. 23 fev. 2021].

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anos da revista Visão), bem como o Tour Paris 13, organizado pela Galerie Itinerrance, e o mural no bairro da Biquinha (Matosinhos), entre outros na-cionais e internacionais. Em 2020 pode registar-se uma exposição sua no espaço do Colectivo 284447.

Sem coordenadas temporais, ativo na zona de Lisboa, há ainda, a tí-tulo de exemplo também, o coletivo Cabidela Ninjas448, grupo que explo-ra noções de absurdo, enigma e humor negro, relacionado com uma certa União Artística do Trancão (rio na zona de Sacavém a Loures). Há no tra-balho conhecido uma forte dimensão formal associada à tatuagem. Neste coletivo parece central o artista The Caver. Já o projeto A Lata Delas449 afirma intervenções de arte urbana no feminino, indicando numa primei-ra fase da sua atuação lisboeta, em Entrecampos, as artistas Margarida Fleming, Maria Imaginário, Tamara Alves e Patrícia Mariano e depois, na Estrada da Luz, Krus, Mariana PTKS e Mariella Marioky Gentile. No Porto, os Arte Sem Dono atuam tendo como lemas “A Arte em Espaços Públicos” e “Democratizar a Arte”, conforme afirmam na sua página do facebook. Têm intervenções plásticas em caixas técnicas da EDP, em ruas do Porto.

A par destes e outros, é ainda possível assinalar obras de coletivos de artistas estrangeiros450 a atuar formalmente nas paredes de Lisboa, tais como Las Medianeras, constituído por artistas argentinas, Licuado, de ori-gem uruguaia, e Pichi&Avo, duo espanhol.

Este fenómeno da “arte urbana” tão em moda, embora tardiamente chegado a Portugal, não é, no entanto, exclusivo das grandes cidades. Tem vindo a espalhar-se um pouco por todo o lado, quer através dos mesmos artistas e grupos, que circulam bastante, quer de criadores locais, com a atenção política oportuna.

Contudo, o que parece mais relevante considerar é o desvio que pare-ce estar a processar-se da centralidade da ação dos artistas em processos

447 RAMOS, Gonçalo. “ARMCollective: Não querem ser os ‘reis da rua’, só querem fa-zer arte”. Jornal Público, 19 fevereiro 2020. [em linha]. Disponível em: https://www.publico.pt/2020/02/19/p3/reportagem/arm-collective-nao-querem-reis-rua-so--querem-arte-1904785 [Consult. 11 fev. 2021].

448 BRANCO, Miguel; SILVA, Raquel Dias (2010). “Roteiro de arte urbana em Marvila”. TimeOut, 24 agosto. [em linha]. Disponível em: https://www.timeout.pt/lisboa/pt/coisas-para-fazer/um-roteiro-de-arte-urbana-em-marvila [Consult. 12 fev. 2021].

449 REAL, Francisca Dias; LOBO, Renata Lima (2020). “Siga este roteiro de arte urba-na em Lisboa”. Timeout, 29 maio. [em linha]. Disponível em: https://www.timeout.pt/lisboa/pt/coisas-para-fazer/roteiro-da-arte-urbana-em-lisboa [Consult. 12 fev. 2021].

450 Ibidem.

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autorais conjuntos. Gradualmente, a par destes há, cada vez mais, grupos organizados sem finalidades diretas de concretização, mas que assumem os projetos, ou a sua curadoria e a gestão. Não são bem os casos já enume-rados do Atelier Concorde, do Hangar ou da Duplex-AIR que, afinal, ainda se afirmam no terreno autoral, embora incluam componentes de organização e apoio à produção. Por exemplo, embora aqui sem muita informação detalha-da, tem havido projetos atribuídos ao coletivo Estúdio Altura451, que é com-posto por arquitetos e designers e que, além de trabalho em interiores, bran-ding e ilustração, aposta também em intervenções urbanas de pintura ao vivo e mural, sendo-lhes atribuída a “autoria” da Ballerina que existe na Amadora, na prática realizada por Pedro Peixe — o que coloca curiosas questões en-quadradas precisamente no conceito de autor. Neste caso, trata-se já de um outro tipo de funcionamento projetual, no qual os artistas são eventualmen-te chamados para cumprirem tarefas mais práticas, de concretização. Ou seja, o artista é, porventura, uma mero executante de um projeto de outrem.

Também já sob um enquadramento bastante diverso, podemos ain-da tomar como exemplo o Colectivo 284. Sediado em Lisboa (Amoreiras) desde 2019, é fundamentalmente um projeto empresarial de Adriana Scartaris e Paulo André que atua numa área mista de arte, arquitetura, design, design de interiores, fotografia, comunicação, moda e gastrono-mia, incluindo atividades de formação e projetos curatoriais para exposi-ções nos próprios espaços, com algum enfoque na relação entre as cultu-ras portuguesa e brasileira452.

É um exemplo de um deslocamento que, gradualmente, se vai obser-vando nos meios artísticos, progressivamente miscigenados com as novas realidades do mercado financeiro das sociedades neoliberais, ávidas do que puder ser economicamente viável e até lucrativo, mas que acaba por criar alternativas de sustentabilidade para os artistas.

Resumindo, desde 1977 muita coisa tem mudado, e estranho seria se assim não fosse. Na década de 70, o Grupo Acre e os outros grupos de ar-tistas agitam exposições, encontros de arte e o espaço público, constituin-do interlocutores muito visíveis das dinâmicas coletivas. Mas, depois disso, é legível uma mudança profunda de sinal nas tendências artísticas, com a estabilização e viragem do contexto político e o ressurgimento do mercado

451 SILVA, Raquel Dias (2010). “Roteiro de arte urbana na Amadora”. TimeOut, 3 junho. [em linha]. Disponível em: https://www.timeout.pt/lisboa/pt/coisas-para-fazer/ro-teiro-de-arte-urbana-na-amadora [Consult. 12 fev. 2021].

452 COLECTIVO 284. Página web disponível em: https://www.coletivo284.com [Consult. 12 fev. 2021].

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das artes. Não é certo que o exemplo concreto do Grupo Acre e de outros tenham consequências diretas na formação e projeto de outros coletivos depois da década de 80, embora a sua memória perdure e, de certo modo, persista algum efeito coletivo no ar do tempo. Analisando casos um a um, detetam-se afinidades, pelo sentido político, em raros projetos emergentes, no tempo mais próximo, mas em geral esvaem-se ou sofrem rapidamen-te mutações adaptadas ao espírito das décadas vindouras. Os que surgem depois assumem discursos mais pessoais, artísticos e meta-artísticos, poé-ticos, ou ainda no quadro de uma relação com a tecnologia que parece tor-nar-se mais vital. Frequentemente, uma razão de aproximação é a pressão do mercado imobiliário, que leva à necessidade de partilhar espaços onde os projetos individuais possam ser realizados. O espaço público, por outro lado, vai sendo assumido em interações mais formais ou, quando com moti-vações de causas sociais, nota-se maior tendência para um certo desvio do mais obviamente político.

Depois, vive-se numa sociedade cada vez mais permeável às tessitu-ras da economia de mercado e às pressões da realidade, quando as carrei-ras criativas artísticas têm, ano após ano, cada vez mais formados pelas escolas e universidades, mais artistas estrangeiros residentes em Portugal e maior número de interessados em desenvolver trabalho profissional. Ao mesmo tempo, perdem-se postos tradicionais de atividades nas áreas de ensino artístico, que albergavam artistas, em prol de formados em ciências da educação. É compreensível que se multipliquem os esforços de organi-zação dos artistas no sentido de viabilizarem carreiras ou, quanto mais não seja, momentos pontuais de atividade artística, sejam tarefas esporádicas ou projetos intermitentes.

Talvez por isso, os motivos de aproximação e encontro dos artistas se revelem hoje menos centrados na ação política ou em tópicos sociais, em-bora os haja ainda assim, seja por crença ou, quanto mais não seja, por essa opção, conforme a sua formulação, poder apresentar alguma justificação plausível em termos de utilidade social com vantagens em financiamentos alternativos nas plataformas culturais institucionais. Também há, por vezes, questões eminentemente artísticas que levam ao trabalho conjunto e à as-sunção, ainda mais difícil, de uma identidade coletiva.

Mas, na maioria dos casos, é de crer que os artistas se aproximam uns dos outros para ação conjunta principalmente pela necessidade de fazerem face de modo mais apoiado às dificuldades de criação de condições, ou seja para, simplesmente, poderem trabalhar.

Ou seja, as dinâmicas coletivas persistem, mas mudam.Anotemos, finalmente, algumas reflexões finais.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Deste mundo quase se podia dizer como o cronista sá-bio e pessimista da Idade Média: mundus senescit. Mas havia os projectos e os jovens, os jovens projectos. O Grupo Acre é um projecto, e só os projectos têm consis-tência. Hoje. Como a Revolução. Tudo o resto é cozinha passadista.453

Em 1974, quase coincidentemente com a primeira ação do Grupo Acre que enche a lisboeta rua do Carmo com círculos festivos pintados pela calada da noite, a cidade de Nova Iorque assiste a 7 de agosto de 1974 a uma inusitada performance de um funambulista francês de 24 anos, Philippe Petit. Numa ação planeada ao longo de 6 meses com uma pequena equipa, o artista es-tende então um cabo entre as Twin Towers e, a uma altura de mais de 400 metros do chão, caminha entre elas sem qualquer proteção da queda possí-vel e à revelia da polícia.

Essa ação performativa, de impacto popular e algum sentido de show bizz, consegue espaço de notícia curiosa em jornais e televisões da altura (sendo até realizado posteriormente um documentário sobre ela454), mas fica mais como performance circense, não penetrando significativamente nos meios propriamente artísticos nem na sua história e teoria mais deter-minantes. Hoje, imaginar alguém a caminhar sobre um cabo a ligar a gran-de altura as duas torres gémeas desaparecidas parece fazer parte de um guião romanceado que a “cozinha passadista”, com o tempo, se encarrega frequentemente de dourar, como uma pílula nem sempre bem-vinda.

Também as ações do Grupo Acre têm acolhimento e impacto irregu-lares e, na sua compreensão, valorização e legitimação, é determinante o papel de Ernesto de Sousa, que lhes dá atenção e espaço. Embora outros críticos e comentadores tenham notado o coletivo desde o início, entre a maior ou menor aceitação ou até declarado incómodo, sem Ernesto de Sousa talvez a história do Grupo Acre não passasse de uma ação mais ou menos funambulista, figuradamente falando e salvaguardando obviamente

453 SOUSA, Ernesto de (1975). “O Grupo Acre e a apropriação”. Vida Mundial. Nº 1845, 23 de janeiro, p. 41.

454 O filme Man on Wire, de 2008, realizado por James Marsh, retoma esse aconteci-mento com registos de arquivo e entrevistas, obtendo um prémio dos BAFTA para melhor documentário.

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as diferenças entre, neste caso, as célebres torres nova-iorquinas e a torre dos Clérigos da obra do Grupo Acre que o crítico português refere no artigo da epígrafe, distanciando-o das moengas passadistas.

Nesse texto, Ernesto de Sousa oferece-nos pistas para o entendimen-to do trabalho do grupo num sentido conceptual. A ideia de projeto, mais do que de criação de objetos, já antes vem sendo por ele desenvolvida como cerne para uma ação de vanguarda. Agora, ele centra-se na importância da noção de apropriação, terminando com uma comparação com o corpo de Clara Menéres que, na altura, provoca alguns comentários irónicos. Mas o certo é que a ideia que nos faculta vai para além desse sentido episódico, pois entende e explica a apropriação (de processo e ferramenta a prolon-gamento do corpo, de corpo individual a corpo coletivo) no seu significado sociológico e cultural, remetendo o seu sentido para o território do pensa-mento e da criação coletiva.

O Grupo Acre é, pois, exemplar na visão de vanguarda de Ernesto de Sousa, que contextualiza e melhor define a identidade e a ação do grupo:

Falemos agora de vanguarda, arte e essas coisas. Falemos de agora, de aqui (“depois do 25 de Abril”, revolução e revolução, as classes traba-lhadoras, e mais de tudo isso), para ser sincero…Em Berlim, 1920. Já tinham assassinado Rosa Luxemburgo, havia ain-da grande esperança e feroz alegria. A prova, esse cartaz que segurava Grosz e Heartfield, na Feira Internacional Dada. No cartaz podia ler-se. “A ARTE MORREU. Viva a Nova arte das máquinas de Tatlin!” (…) A arte morreu, ainda morre (e há mortes lentas), mas alguma coisa nova está a nascer: é a “serração da velha” um rito de passagem, tanto alarde para anunciar a Primavera, e como disse um herói comunista “je meu-rs pour des lendemains qui chantent” (“eu morro por um amanhã que canta”). Sim, uma utopia. Nós (eu) acreditamos na utopia, veemente-mente, ferozmente, com o coração. É assim que deveis ler a nossa (minha) defesa da vanguarda. Uma utopia: a poesia deve ser feita por todos: todo o espectador é um cobarde e um traidor; todos somos ge-niais; caminhamos para um falanstério, onde tudo será harmónico e o amor, a indústria, a arte (a nova) uma criação colectiva. (…)455.

Revendo as obras realizadas pelo Grupo Acre, é hoje possível relacio-ná-las com questões de fundo enraizadas nesse pensamento, atravessando

455 SOUSA, Ernesto de (1975). “Para ser sincero”. Vida Mundial. Nº 1851, 6 de março, p. 39-40.

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a produção artística como essenciais na mutação dos paradigmas da arte contemporânea. Vejamos, caso a caso, alguns tópicos que podem ajudar a caracterizar cada uma dessas obras:

Círculos — o espaço público urbano, a rua; o efeito surpresa e grande espetacularidade; o sentido efémero da ação; o carácter pouco especializa-do do processo operativo e construtivo; o objeto artístico desmaterializado ao máximo; a geometria minimalista; a cor isenta de conotações políticas; a participação aberta na ação; o desejo de poder.

Fita — características espaciais, formais e finalidades idênticas à obra anterior; contudo, neste caso, a participação na ação não é aberta, pois embora o público seja alvo, ele é remetido para o papel de espectador.

Gravuras — também no espaço urbano, ação discreta com colabo-radores limitados; técnica acessível a qualquer pessoa; sentido de crítica social e institucional; provas/objetos resultantes para oferecer.

Diplomas — num espaço característico do meio artístico, concre-tamente uma galeria que, pelas suas características, limita o público par-ticipante aos mais ou menos habitués desse tipo de meio; apropriação, ironia, citação de Manzoni e Beuys; depoimento sobre a democratização e morte do autor/artista (com possibilidades de crítica do ensino artístico e sua nulificação) que pode ter também a leitura oposta: a impossibilidade da democratização, a anti-arte; autoria expandida.

Museu — a ação política, agit-prop; sentido de utilidade pública, ne-cessidade cultural/institucional.

Monumento — a história de Portugal; apologia da democracia. Lápide — sentido de ironia; apropriação de um lugar (e sua desvalori-

zação) e da história e mitos instituídos. À distância de décadas, hoje talvez faça sentido agrupar essas obras,

esses sete projetos (omitindo a revista Arte, por ser um projeto lateral), se-gundo três fases fundamentais com sentidos diversos:

Uma primeira fase pode situar-se em 1974 e envolver duas ações, ambas realizadas pelo grupo na sua formação integral, ou seja, quando Queiroz Ribeiro é vivo. As obras produzidas indiscutivelmente pelo grupo constituído pelos três artistas, ou seja, os círculos pintados na Rua do Carmo e a faixa suspensa na Torre dos Clérigo têm qualidades que se dis-tinguem das seguintes.

A faixa amarela, designada num jornal como a “garridice da velha senhora”, e as bolas coloridas com que é habitado o pavimento da Rua do Carmo, são evidentes sinais de festa, de convite a uma interação lúdica com os locais, para além do seu carácter de aparição intempestiva e imprevista, com algo de provocatório ou, no mínimo, demonstrativo, que um ato fora do contexto habitual e da rotina acarreta. Nestes casos, aparições plásticas

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de grande impacto visual numa torre de uma igreja debruçada no espaço público, ou na própria rua, impõem ao transeunte a percepção da obra e a fruição grátis, mas inevitável do facto artístico. Nesse sentido, estas duas ações são testemunhos claros de uma vontade de poder do grupo e dos seus membros sobre as massas mais ou menos amorfas das populações urbanas, para além do desejo de partilha de uma ideia de festa em que são crentes, de vontade de envolvimento num ato de comunicação, mesmo que sob a égide de uma simples fruição do visível — o que não deixa de funcionar como uma posição política inerente a esta obra e ao grupo.

Assim, ambas inscrevem no espaço público um acontecimento que comemora Abril muito recente, veiculando um sentido festivo, celebratório, apologético.

Nelas é patente a vontade de uma relação de proximidade com a po-pulação em geral, assumindo a grande abertura formal e discursiva propi-ciada pela linguagem visual depurada, de índole abstrata. Aí se revê, pos-sivelmente, se tivermos em conta o trabalho pessoal de cada um dos três artistas, a presença do cunho de Queiroz Ribeiro que, como mais atrás se apresenta, produz obra escultórica de linhagem minimalista e já tinha escri-to sobre o seu interesse na síntese e universalidade das formas.

No entanto se, por um lado, isso poderia significar um alinhamento com a utopia modernista pela via dessa universalidade, já as qualidades de acontecimento parecem deslocar esse eixo para uma nova e hipotética fronteira histórica, ainda tenuemente teorizada então, mas que já instaura-ria a obra do grupo num novo regresso ao real456 (claramente para além da nova figuração, numa revitalização vanguardista), um real distanciado do modernismo pela consciência da teatralização da linguagem que, mesmo no recurso às suas unidades mínimas, exige uma materialidade objetual e um sistema de relações e participantes.

Note-se que os termos événement e happening estão então (entre 1974 e 1977) na ordem do dia dos vocabulários artísticos de vanguarda para classificar ações com sentido performativo. E, apesar de haver essa perce-ção e isso interesse ao grupo, há mais algo ainda: a vontade de uma espécie de obra que nasça como que de “geração espontânea”, que simplesmente “apareça”, como se dispensando uma autoria identificada ou não. Porque, mesmo tendo em conta a adrenalina da transgressão subjacente à clandes-tinidade ou ausência de autorização oficial para a pintura dos círculos na rua durante a noite ou para a suspensão da faixa na torre, que são requisitos

456 FOSTER, Hal (1996). The Return of The Real. The Avant-Garde at The End of the Century. Cambridge / London: The MIT Press.

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do processo, acaba por ser significativa a ideia de obras que, repentinamen-te, aparecem no espaço público.

Essa aparição é, para o grupo, essencial, pelo efeito de surpresa, de quebra de rotinas, de des-alienação da relação com a cidade.

Ora a ideia de aparição, se levada às últimas consequências, implica-ria talvez uma obra que nunca viesse a ser reclamada autoralmente, ou seja, cuja identificação fosse remetida para o anonimato, ou seja, para o “povo”. Contudo, o Grupo Acre assina as obras através de comunicados ou por ou-tros meios: no caso da Rua do Carmo, assina no chão; e, no caso da faixa na Torre dos Clérigos, assina a fita, coloca um cartaz e também emite avisos. Como um grupo terrorista autor de um atentado, o Grupo Acre quer que se saiba quem fez aquilo, assume o acontecimento e a autoria, quer que haja impacto e que ele reverta para o prestígio do grupo.

Mais tarde457, Clara Menéres conta que, nas discussões dos projetos pelo grupo, a hipótese de anonimato chega a ser considerada e, coeren-te com uma sua predileção junguiana, a artista explica então a vontade de dar forma a uma obra reflexo direto de um tempo único, criada num regime extraordinário de autoria, estabelecendo como termo de comparação um acheiropoieta — termo bizantino que refere imagens criadas sem mão hu-mana (quase sempre imagens que representam Jesus ou a Virgem, como os casos do Santo Sudário, o véu da Verónica, etc.).

Essa obra, simplesmente capaz de aparecer como impressão do tem-po, do povo, do contexto ou do mundo, simplesmente consequência da pró-pria realidade, obra do real, pode, assim, também ser vista com uma prova da fusão entre arte e vida.

Mas, se num primeiro instante de surpresa a obra surge na cidade quando ainda não identificada, anónima, como uma imagem sem modelo, como que sem mão de autor ou, no fundo como que feita pela própria cidade — e isso interessa muito ao grupo como conceito muito próprio de aconte-cimento — essa hipótese acaba por ser descartada, optando-se pela iden-tificação. Logo, num segundo instante da leitura sabe-se que há alguém que fez aquilo: não um artista, mas um grupo, um pequeno coletivo que se assume demiurgicamente representante do “povo” ou da “humanidade”.

Uma segunda fase do trabalho do grupo pode abarcar as interven-ções produzidas em 1975 e que, embora possam ainda ter contado com ressonâncias conceptuais de alguma participação anterior do escultor falecido, correspondem já à autoria efetiva da dupla que permanece — Clara Menéres e Lima Carvalho. Nesta fase, as obras perdem a natureza

457 Numa das conversas com a autora deste texto.

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celebrativa anterior e são também, de certo modo, mais radicais no seu sentido de vanguarda, na sua qualidade apropriativa e citacional, as-sumindo agora uma vocação mais crítica do próprio sistema artístico e dimensões mais polémicas social e culturalmente. Se evocarmos as três ações desenvolvidas pelo Grupo Acre nesse ano — ou seja, as gravuras fei-tas a partir das tampas de saneamento, os diplomas de artista e a ocupação do palacete — constata-se que as obras se referem, agora, fundamental-mente ao sistema das artes, dos seus meios de divulgação e legitimação, do seu ensino, do seu mercado, do seu quadro geral. Mas referem-se, tam-bém, num sentido mais geral, à sociedade em si, à sua estrutura institu-cionalizada que a revolução não consegue modificar. Sintomáticas da tur-bulência social e política que ocorre em 1975, elas epitemotizam, também, um sentimento de revolta face ao curso dos acontecimentos, uma espécie de deceção zangada sobre a revolução especialmente na cultura, que requer uma ação mais radical. Se, nas ações de 1974, o Grupo Acre mostra estar a favor do que acontece, em 1975 está contra.

Os diplomas principiam por parecer referir diretamente o próprio con-texto de docência de dois dos membros do grupo e as preocupações rela-cionadas com esse facto, para além de, novamente, uma ânsia aparente de democratização. A intervenção é rodeada de momentos, de etapas proces-suais e objetuais que visam, na altura, conferir-lhe credibilidade e reforçar a autoridade de Grupo, detentor do poder de “passar” diplomas de artista, assim separando quem é artista de quem não o é através de um simples ato de vontade que, na prática, apaga a distinção.

É evidente que a certificação como artista de quem solicite os diplo-mas invoca o princípio de que qualquer pessoa pode ser um artista, como Beuys defende, assim democratizando primariamente o acesso à obra pela simples abolição de limites da própria autoria: se todos somos autores e artistas em potência, para tal bastando uma declaração ou um certificado meramente burocrático, então tudo o que fazemos é suscetível de ser con-siderado arte, logo a obra está totalmente ao nosso alcance, dependendo apenas de cada um determiná-la.

Seguramente, contudo, esta premissa conceptual não rege a qualida-de e o valor da referida obra, sejam estes quais forem, e muito menos regula o nivelamento da velha questão da propriedade, o que sugere novo tropeço numa democratização real, assim apenas acessível se não estiver em causa nenhum sistema crítico, valorativo ou até económico, entre outros, um sis-tema da ordem do estético ou não, mas que ultrapasse o mero “statement” que atribui, simplesmente, uma identidade artística a uma ação comum.

Em última instância, a questão que os diplomas colocam é, mais do que a da própria autoria — a declaração que identifica o artista sem definir

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a sua identidade — uma dúvida decisiva sobre a possibilidade de delimita-ção ontológica da obra de arte, cuja única certeza resultaria do facto de ser consequência da ação de um artista e, mais longe ainda, sobre a própria existência da obra de arte.

Nesse sentido, os diplomas são provavelmente o trabalho do Acre com implicações mais profundas no cerne do próprio conceito de arte, da atividade artística e do seu entendimento, bem como na evolução fu-tura do trajeto dos membros do grupo que sobrevivem. E o dispositivo espacial que implicam, sob a forma de instalação com sentido imersivo e performativo, causticamente nostálgico, antecipa formulações kabako-vianas na linha de uma obra de arte total que critica a sociedade, ainda mergulhada no passado.

As gravuras de rua, de novo sob o signo de uma democratização mais espetacular do que efetiva, têm a qualidade de, eventualmente, se coloca-rem no plano hipotético de um comentário irónico ou até mesmo ambiental. Não por acaso, as superfícies escolhidas como matrizes para as gravuras a realizar no espaço urbano não são nem paredes nem portas de prédios ou casas, portões, caixas de água ou de eletricidade, motivos prosaicos po-tencialmente comuns, mas sim tampas de esgoto, numa altura em que a rede de esgotos, como outras infraestruturas do país, é precária (depois recebe melhoramentos profundos). Logo, isso pode funcionar como vaga alusão ecológica, e evoca tão indiretamente a “merda de artista” celebrada por Manzoni como as matérias que circulam nos subterrâneos das grandes aglomerações urbanas, o próprio contraste entre a superfície e a profundi-dade possível, numa leitura da sociedade urbana pouco edificante na rela-ção consigo própria (ou do bairro burguês em que a ação decorre, lisboeta, português, ou simplesmente urbano).

Por outro lado, o efeito realista da técnica é suscetível de ser conse-guido com um mínimo de meios por qualquer pessoa, independentemente da sua preparação artística, assim ironizando sobre a necessidade de for-mação específica numa aproximação a uma ideia de arte para todos e fei-ta por todos, oportuna tanto ao espírito de democratização revolucionária como numa aproximação ao artista que Beuys preconiza em cada homem comum. E, acrescente-se, as gravuras resultantes destinam-se a ser ofere-cidas posteriormente, possivelmente emolduradas.

Quanto à ocupação do museu, pouco mais parece ser do que um in-cidente com forte componente política e social, mais do que de natureza intrinsecamente artística. É certamente a intervenção do Grupo Acre que mais se limita ao âmbito da agit-prop, pese embora a sua forte determina-ção bem-intencionada sob exaltada exasperação face aos adiamentos das

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decisões dos responsáveis pelas políticas da cultura e, em especial, da ar-tística. Mas, bem vistas as coisas, se recordarmos o projeto de museu apre-sentado na Bienal de S. Paulo, conjugando contribuições de Salette Tavares e de Gonçalo Ribeiro Telles, também acaba também por poder articular-se de modo mais consequente com a realidade possível então, desfazendo-se os seus contornos de falta de razoabilidade.

Se, por um lado, as obras desta fase do Grupo Acre se cingem temati-camente ao universo mais restrito do sistema artístico, apagando o mundo que fervilha ao rubro na revolução, por outro lado também ganham corpo segundo meios operativos transversais que mais dificilmente se enqua-dram em categorias tradicionais de pintura e escultura. No ano mais quente da revolução de Abril, a ação do grupo extrema-se nos meios e no discurso, embora se limite a um contexto histórico-social que, nos media e na vida de todos os dias, anda abafado sob outras urgências e prioridades. É o tempo de um maior “estardalhaço” das ações, por via da sua decisão, da prepa-ração mediática e escolha dos locais públicos, com polémicas, adesões e dissensões, com menos ou mais impacto na crítica e na imprensa. No fim, além da detenção e processo de tribunal de Clara, o impacto resulta essen-cialmente nos meios artísticos e, fora destes, dilui-se entre outros aconte-cimentos mais sonoros e urgentes.

Por outro lado, o carácter crítico contempla ainda uma certa dimensão satírica, mas a teatralidade inerente implica um distanciamento reduzido entre a representação e o público, numa estratégia de maior aproximação entre arte e vida, de tendência (não totalmente efetivada) de apagamento dos limites que distinguem ficção e realidade.

Novamente, no ano de 1976 a ação do coletivo parece acertar-se com as dinâmicas sociais e políticas do país; depois das obras críticas de 75, 1976 é um ano de interregno em que o trabalho do Grupo Acre não aparece, digerindo mudanças em curso e explorando outras possibilidades de atua-ção conjunta e individual. Seguem-se em 1977 as duas ações nas Caldas da Rainha realizadas pelos seus dois membros, ambas em agosto, terminando mal na sua relação com o tecido social e cultural, ditando depois disso o tempo da suspensão sine die.

Desta vez, as obras têm um eixo fundamental histórico, já que am-bas lidam com acontecimentos da História de Portugal, incluindo uma di-mensão mítica.

Aliás, talvez seja, precisamente, nos limites do ficcional e do mito — mais do que na dimensão apropriativa que Ernesto de Sousa enaltece — que a ação do grupo se exerce sempre, nos seus diferentes momentos, a isso não escapando as duas últimas obras de 1977, em que a História de Portugal fundamenta claramente propósitos míticos. Nesse sentido, estas obras

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poderiam corresponder a uma fase de maior maturidade do pequeno coleti-vo, a que poderiam seguir-se outras obras certamente surpreendentes, se o seu desfecho nos Encontros das Caldas não tivesse sido tão desmotivador.

Assim, como que antecipando num curto espaço de tempo a história de Abril ou simplesmente catalisando a sua perceção, a atividade do Grupo Acre pode, pois, resumir-se em etapas: primeiro uma fase comemorativa, esta secundada depois por uma fase que destaca uma operacionalidade muito crítica e, após esta, o trabalho no terreno do mito.

Nas suas motivações e em muitas das suas obras, o Grupo Acre assu-me um certo carácter reativo (além do sentido de afirmação distintiva) face ao meio que o rodeia em diferentes vertentes — artística, cultural, académi-ca, nacional. Revela uma postura firmada na contestação, na oposição, na criação de alternativas.

Convém não esquecer que os seus membros atravessam e vivem a mar-ginalização cultural e isolamento dos criadores que caracterizam os regimes autoritários de Salazar e Caetano, tanto no âmbito nacional com o seu quadro generalizado de tacanhez, repressão e censura, como pelo modo como a cul-tura portuguesa é vista por parte dos países europeus e noutros contextos internacionais, que a votam ao ostracismo. E também é facto que, mesmo após a revolução de 1974 e apesar da paixão, dos diversos entusiasmos e ini-ciativas que já são possíveis e que acontecem, são tomadas poucas medidas concretas e com consequências materiais efetivas por parte dos responsáveis culturais e dos governos. Na turbulenta dinâmica política que vai de 1974 a 1977, a cultura artística nunca é uma prioridade, embora certas áreas, como o teatro, meio tradicionalmente muito ativo e capaz de mobilização e impacto, consigam alguma visibilidade e apoios. Para as artes plásticas, os financia-mentos são mínimos e poucas decisões surgem. Nem o tão desejado museu de arte moderna se realiza então, nem nessa década nem nas seguintes. Por outro lado, por parte de grupos privados pouco interesse há ainda na criação de oportunidades (para além da Fundação Gulbenkian, que vem de trás).

Daí que haja a perceção de que, para acontecer algo, têm que ser os artistas a agir.

Evidentemente, os artistas escolhem diferentes modos de ação e rea-ção. Os próprios coletivos constituem-se com finalidades diversas a partir de personalidades e experiências variadas, afirmando programas diferen-ciados e realizando obras expressivas das suas ideologias plásticas, estéti-cas próprias e idiossincrasias. O modus-operandi de cada grupo, raramente tipificado, também implica, igualmente, aferimento e decisões caso a caso, em contextos pouco previsíveis, a todos se aplicando, no fundo, o comentá-rio de Egídio Álvaro relativo ao Grupo Puzzle:

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Polémica é a posição destes nove artistas desde o início (...) ao acre-ditarem e projectarem-se num trabalho colectivo para o qual nenhum (ou muito poucos) estava realmente preparado, que só lhes anunciava canseiras e preocupações, que sacudia o conforto do trabalho indivi-dual e indiscutido, que os obrigava a dialogar permanentemente, e que os lançava numa aventura, num desafio, de resultados improváveis.458

Por outro lado, rapidamente se criam relações sequenciais entre obras realizadas e perfis de grupos, possibilitando-se leituras em que o antes e o depois, o aqui e o além marcam aproximações possíveis e dife-renças, principalmente entre grupos com maior visibilidade, como o Acre, o Puzzle ou o 5+1.

Por exemplo, para António Quadros Ferreira o Grupo Acre pretende agitar as consciências através de acções-provocações”459, “desmistificar o objecto convencional da arte”, “construir atitudes”, estando ligado ao mo-vimento que integra quer aos Encontros Internacionais de Arte quer a de-sejada criação de um museu de arte moderna. Por sua vez, para o mesmo autor o Puzzle “como que ratifica, noutras condições e noutros contexto, a ruptura suscitada pelo Grupo Acre”.460

Mas, se para o Acre o sentido de grupo é fundamental, tal como é essencial uma formulação objetual transversal, relegando a criação in-dividual para o foro estrito do trabalho de cada artista, para o Puzzle o projeto de grupo integra tanto a criação individual como a prática mais especificamente pictórica que mantém em grupo, paralelamente à obra pessoal maioritariamente pictórica que cada um dos artistas vai produ-zindo. De facto, o Grupo Acre tem, à partida, dois escultores e um pintor, enquanto o Puzzle é constituído fundamentalmente por pintores, embo-ra alguns dos quais também interessados em práticas expandidas e per-formance. E, se em ambos o meio do Porto é determinante na génese e formação dos respetivos grupos, não só pela carga histórico-social que a cidade envolve (com algum bairrismo catalisador de um certo espírito de unidade marcado por uma espécie de permanente e nem sempre salubre sentido de comparação com Lisboa), também em ambos é determinante

458 ÁLVARO, Egídio (1977). “Grupo Puzzle: Albuquerque. Armando Azevedo. Carlos Carreiro. Dario Alves. Graça Morais. Jaime Silva. João Dixo. Pedro Rocha. Pinto Coelho”. Artes Plásticas. Nº 7/8, dezembro/janeiro, p. 17. Porto: Editorial Engenharia.

459 FERREIRA, António Quadros (2017). Jaime Isidoro. A Arte Sou Eu. Porto: Edições Afrontamento, p. 272.

460 Ibidem.

o papel concertado de Egídio Álvaro e Jaime Isidoro, tão marcantes das dinâmicas coletivas artísticas no Porto e na zona norte, nos Encontros Internacionais e na revista Artes Plásticas. Certamente não pela sua lo-calização, o Acre tem atenção privilegiada por parte de Ernesto de Sousa.

Ainda numa perspetiva geográfica, António Quadros Ferreira frisa que “o grupo Acre assumiu um carácter nitidamente nacional, fazendo do Porto um lugar de partida”, enquanto “com o grupo Puzzle aconteceu uma natureza geográfica mais localizada, ou mais regional, e, sem bem que te-nham existido participações em Paris, nomeadamente, o grupo Puzzle fez do Porto o seu lugar de partida e de chegada.” 461

De facto, Lisboa também é marcante para o Acre como base. Todo o Chiado e Baixa lisboeta, onde o Grupo Acre surge com Clara

Menéres e Lima Carvalho ainda recentes como professores na ESBAL, emanam sugestões de encontro e dissensões possíveis, história e hipóteses de projetos que tecem ressonâncias coincidentes nos locais. Estas come-çam no Convento de S. Francisco que se reparte pela escola, a academia, o Museu Nacional de Arte Contemporânea (então na maior parte do tempo fechado e tão pouco associado à arte contemporânea que mais tarde vem acabar por ficar conhecido por Museu do Chiado), mas também a polícia de má memória antes de 74; isso continua mais adiante, na sede da PIDE, logo desmantelada mas durante muito tempo irresolvida; destilam-se ecos por cafés como a Brasileira (geração do Orpheu, pinturas em 1925 e 1971) e o Café Gelo (surrealistas), mas talvez com maior paragem de artistas dos anos 70 na Pastelaria Marques e na Leitaria Garrett, sem ofensa à Bénard ou outras; pontos fortes são obviamente, as Livrarias Sá da Costa, Bertrand, Lello, Portugal e Ferin; e há as ruas atravessadas pelos fantasmas de Pessoa e Eça, como a Rua do Carmo com Chiado e Grandella, e o Elevador de Santa Justa onde António Alfredo, Raúl Hestnes Ferreira e Margarida Tengarrinha suspendem em fevereiro de 1952 cartazes com os dizeres “Fora a Nato” e “Luta pela Paz”, espalhando gravuras de Lima de Freitas, José Dias Coelho e Júlio Pomar durante a Cimeira da Nato no IST, em fevereiro, numa campa-nha do MNDP (Movimento Nacional de Defesa da Paz) associado ao PCP.

Lisboa marca o projeto e ação do grupo, mas não determina estes em exclusivo.

Se no Acre se compreende uma dimensão nacional nos seus proje-tos, o Puzzle é, por um lado, mais regional, por outro lado este grupo con-segue maior internacionalização, o que também acontece com o 5+1. É nisso determinante a constituição de cada coletivo, a experiência individual

461 FERREIRA, António Quadros (2017). Obra citada, p. 273.

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e contactos dos seus diversos elementos, mas pesa também a tendência para maior internacionalização da arte portuguesa a partir de 1976, período bastante ativo dos recentemente surgidos Puzzle e 5+1 mas, pelo contrário, ano de menor atividade dos Acre.

Nestes e noutros manifesta-se, efetivamente, uma vontade pautada por duas constantes: o trabalhar juntos (mesmo que diversamente) e o en-foque no espaço público.

De certo modo, todos eles decidem trabalhar em grupo, ou seja, as-sumir uma prática assente na colaboração, pelas mesmas razões, inde-pendentemente da sua prioridade: porque ganham força e capacidade de afirmação; porque podem fazer coisas fora do perfil artístico individual; por-que acham necessário fazer algo político que possa ser socialmente útil; ou, simplesmente, porque é então tempo disso.

O contexto em Portugal é, efetivamente, poderoso em 1974 e nos anos imediatos. O individualismo cede então lugar ao comunitário, numa tendên-cia geral de fundo de pendor socializante que substitui o regime fechado e ditatorial longamente instalado neste país, enquanto noutros já se vivia a maior abertura (que aqui passara ao lado) da ideologia neoliberal do pós--guerra, assente na liberdade individual, na propriedade privada, no merca-do livre, também consequência do liberalismo acentuado durante a Guerra Fria. Como bem aponta Claire Bishop, tendências que enfatizam a impor-tância da coletividade surgem muitas vezes entre os artistas da década de sessenta como hipóteses de reação e subversão do capitalismo e das suas políticas neoliberais, pelo que as práticas colaborativas são frequentemente vistas como, por si, portadoras de maior sentido de democraticidade e como modelos de unidade social capazes de “canalizar o capital simbólico da arte para uma mudança social construtiva”462. Também aí se pode rever, ainda, com profusos exemplos na criação artística, uma viragem social sobre a qual aquela autora discorre muito lucidamente, adaptando possivelmente de modo longínquo a viragem cultural que, mais atrás, Fredric Jameson analisa463, enraizado no marxismo e na sua atualização.

Possivelmente, dada a experiência única no país em contexto revolu-cionário, a pressão da utilidade social, mais sentida nos anos sessenta nou-tros países, tem em Portugal maior peso depois de 1974, atualizando algum espírito ainda remanescente do movimento neorrealista, mas procurando

462 BISHOP, Claire (2012). Artificial Hells. Participatory Art and The Politics of Spectatorship. London & New York: Verso Books, p. 13.

463 JAMESON, Fredric [1998]. The Cultural Turn. Selected Writings on the Postmodern, 1983-1998. London & New York: Verso Books, 2009.

o sentido de vanguarda sob a forma de modalidades criativas mais trans-versais, instalativas, situacionistas ou performativas, descentrando-se das disciplinas artísticas mais tradicionais.

A turbulência da época não manifesta colisões violentas de ideias ou factos, mas evidentemente que há sinais de tendências diversas e dissen-sões que convivem em espaços paralelos, tolerando democraticamente as respetivas vias de afirmação. Nesse sentido, na paisagem mais ampla das práticas colaborativas e participativas em que, no mundo ocidental, os anos 60 são muito expressivos, merece uma observação particular o contexto português, quanto mais não seja para se compreender melhor o recrudesci-mento geral dessas práticas após os anos 90, marcando um eixo atualmen-te bastante significativo da arte contemporânea464.

“Que significa o aparecimento, na actual situação artística, não só de tendências mas também de grupos organizados de pesquisa (...)?”465 Tal per-gunta, formulada por Giulio Carlo Argan num texto publicado num jornal de Roma em setembro de 1963, é idêntica à que paira entre nós desde o início deste estudo por ser aplicável ao Grupo Acre, aos coletivos portugueses dos anos setenta e até às mais de centenas de grupos artísticos que surgiram pelo mundo inteiro especialmente depois dos anos 90.

É evidente que, tal como Argan recorda, o fenómeno da pesquisa de grupo tem exemplos anteriores. Se o historiador enfatiza “planejadores ur-banos” e arquitetos como Moholy-Nagy, Gropius e Frank Lloyd Wright, bem como escolas americanas de artes visuais, a academia de Ulm ou ainda o que designa como “grupos de Gestalt”, com particular destaque para es-tes últimos, a nós ocorre-nos o exemplo maior da própria natureza anónima de muito trabalho artístico coletivo como o que ergueu catedrais. (Não por acaso, o Manifesto da Bauhaus, de 1919, contém na capa uma litografia pre-cisamente com o ícone de uma catedral, sob desenho de Lyonel Feininger).

Mas, se Argan enaltece os “grupos de pesquisa gestalt”, sem exem-plificar casos, como paradigma da integração do indivíduo no coletivo na concretização de procedimentos operativos pautados pelo rigor metodoló-gico dentro de quadros ideológicos precisos — o que eventualmente pode-mos associar de modo remoto ao trabalho do Grupo Acre nas suas primeiras duas obras, de 1974 — ele não deixa, no entanto, de constatar que a função do indivíduo dentro do grupo é marcada também por uma outra razão.

464 BISHOP, BILLING, FERNIE, GREEN, FRIELING, KESTER, McCABE, STIMSON e SHOLETTE, STILINGER, WRIGHT, serão alguns autores a considerar atentamen-te nessa demanda, a articular com a atual.

465 ARGAN, Giulio Carlo (1963). “As razões do grupo”. In CHIPP, H. B. (Ed.), (1999). Teorias da Arte Moderna. S. Paulo: Martins Fontes, p. 505.

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Tal como diz, a “consciência do grupo exclui a pesquisa e a descoberta individuais pela simples razão de que não nos tornamos parte de um grupo para fazer o que queremos ou gostaríamos de fazer sozinhos” 466.

Logo, a dinâmica do coletivo prende-se com o facto de “num momen-to em que o ritmo do deplorável processo de massificação se acelera de maneira alarmante, é de grande importância saber se a experiência e a acti-vidade estética não-individuais são possíveis.”467

É então aí que, para Argan, na violenta ou delicada negociação dos pe-sos sociais nas exigências estéticas e na produção artística, “o termo grupo toma o lugar do termo indivíduo”, concluindo, na sua coerência marxista, que

a qualidade fundamental do ser humano é a capacidade, a vontade de colocar-se em relação com e associar-se a outros na comunidade, de coordenar os seus atos com os atos dos outros, de tornar-se um grupo, edificar uma sociedade que encontra no seu próprio dinamismo inter-no o impulso para superar-se a avançar.468

Os Acre, os Puzzle, os 5+1, mas também o Grupo Cores/GICAPC e outros já abordados atrás, concretizam em Portugal a revitalização da ten-dência social em arte sob formas colaborativas e participativas. Importa “sobretudo, participação, participação, participação, participação469 — é a indicação dada pelos artistas do Grupo Acre a um jornalista em 1975.

A questão passa, como já se disse, pela apetência por “trabalhar jun-tos”, ou, no mínimo, em relação de proximidade. Mas estabelece-se depois, sobretudo, no desejo de entrosamento com o espaço público, em especial envolvendo o público em si, este com ou sem consciência da sua colaboração criativa mas, por vezes, desfazendo fronteiras autorais — o que, aliás, não se manifesta apenas na ação de coletivos ou duplas de artistas, pois tam-bém artistas “single”, em nome individual, que então realizam obras partici-pativas (novamente abundam casos nos III e IV Encontros, como Armando Azevedo, Fred Forest, Robert Filliou, Serge III Oldenburg, etc.).

E, em 1977, com a institucionalização do estado democrático numa via de maior moderação política, perante a acentuação de sinais do regime de economia liberal mais capitalista, o trabalho de natureza colaborativa e participativa assume uma certa feição de resistência.

466 Idem, p.507.467 Ibidem.468 Ibidem.469 A/A (1975). “Uma grande razão para estar no mundo — objectivo a atingir pelo

grupo acre”. Diário Popular, 23 de janeiro, p. 12.

Relativamente a outros coletivos do seu tempo, que tomam a rua e o espaço público como lugares prioritários das suas ações conjuntas e as-sumem propósitos em que prepondera a dimensão social implicando mo-dalidades de articulação da criação artística individual na ação coletiva, talvez o Grupo Acre se distinga pelo modo como afirma uma identidade artística de grupo.

Não se trata de uma identidade de carácter corporativo ou similar, assente num programa de ação, que é declaradamente aberto à partida, embora a própria designação escolhida no início para o grupo seja, como atrás se diz, expressiva da sua forma de estar. A criação artística, as obras que produzem, o seu rastro, são acres. O discurso assumido nunca é doce, ameno ou contemporizador.

A existência e projeto do Grupo Acre identificam-se num espaço que funciona então no quadro revolucionário e pós-revolucionário como um lu-gar/tempo efémero, ancorado no real rapidamente mutante, sob as ener-gias do desejo e do sonho, de uma propensão mítica: o que, brevemente, pode dizer-se como o lugar da utopia.

Aí, um dos traços caracterizadores consiste, precisamente, na ideia de encontro. Não por acaso, Ernesto de Sousa refere a importância des-sa ideia, ou seja, afirma o papel da confluência do lugar com as pessoas nas operações do processo estético, situando como momento de génese o Encontro do Guincho.

Na prática e de uma maneira deliberada e progressivamente mais consciente procuramos destruir a diferença entre a crítica e a opera-ção estética, pelo menos no sector das “artes”, até aqui mais ou me-nos discretas. A informação-discussão dos novos meios operatórios do processo estético moderno (valência do conceptual sobre o objec-tual, do projecto sobre o objecto) tomam aquela confluência mais ur-gente e útil. Um certo número de operações que vamos identificando com o nosso próprio projecto criativo são exemplo disso e doutras confluências (passado-futuro, o mesmo e o outro, etc.). Nomearei o encontro como arte (meeting as art) e o passado como arte (past as art). A primeira destas operações começou em 1969, num Encontro no Guincho.470

470 SOUSA, Ernesto de (1978). “Imaginar Portugal”. Abril. Nº 4, maio. [em linha]. Disponível em: http://ernestodesousa.com/projectos/encontro-do-guincho [Consult. 12 fev. 2021]

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Ora o encontro como perspetiva utópica é algo mais ainda que, pos-sivelmente, aquele crítico e artista tinha em mente, mas que não desen-volve muito mais ali. Se consideramos a solidão existencial que caracteri-za a vocação criativa, esta surge sempre como modo de aproximação ao “outro”. Mesmo a torre de marfim será, simbolicamente, nesse caso, uma necessidade operativa, uma condenação de danados obrigados ao isola-mento para, nele, encontrarem o seu “outro”. É sempre, pois, de encontro que se trata.

E é, também, de um encontro em que, paradoxalmente, um autor visa prescindir mais ou menos temporariamente dos seus limites ontológicos individuais, para se fundir, ou emergir, numa espécie de solução possível para a perda inicial que, afinal, dita a própria condição da existência huma-na. O encontro como arte, a criação artística em contexto de encontro ou até a criação artística em si, em geral, seriam, assim, sempre tentativas de reencontro.

A participação desejada do outro é, assim, um requisito para o encontro.

É também por isso que o eixo que porventura se pode analisar como mais profundamente determinante no trabalho do Grupo Acre é o da sua dimensão utópica. Esta decorre, sobretudo, do período em que o grupo está ativo, em que o ambiente revolucionário impera, mas no qual existe obviamente um processo complexo de cruzamento de realidades culturais e artísticas.

Por um lado, pode considerar-se que a sua ação não se insere pro-priamente num contexto pós-pop, pois não deriva fundamentalmente da perceção e releitura da iconografia da sociedade de consumo, mas de uma coisa com sentido oposto, por muito que partilhe da ambição profunda da comunicação de massas.

Trata-se também, remotamente, de uma evolução da utopia da abs-tração, na qual o minimalismo participa como etapa radical. De facto, tal-vez se possa considerar que existe alguma residualidade da pop na primei-ra fase das obras do Grupo Acre (os círculos na Rua do Carmo e a fita na Torre dos Clérigos, ambas de 1974), mas pode também ler-se aí a linhagem do pensamento bauhausiano, nomeadamente uma hipotética crença nas potencialidades da gestalt presente em formas básicas, fundamentais na abstração. Círculos, triângulos, quadrados, etc. — desde a Proun Room de El Lissitzky, a ópera Vitória sobre o Sol com Malevich, ou as procuras de uma linguagem elementar de Kandinsky, Klee ou mesmo Miró — são bases de esboços tendentes a uma linguagem visual universal que, na sua for-mulação ideal, permitiria funcionar em comunidade de pensamento, num “esperanto” visual que ultrapassaria as limitações das línguas de cada

povo, a par delas ou mesmo prescindindo delas, num misto de expressão e comunicação que valorizaria a expressão não verbal e articulada ao nível do inconsciente.

Do mesmo modo, as obras seguintes do Grupo Acre, não por acaso após o desaparecimento de Queiroz Ribeiro e a acentuação das tensões po-líticas do contexto em Portugal, abandonam a sua formulação abstracio-nista, festiva e mais indireta politicamente, passando depois disso, na sua maioria, a assumir um discurso mais radical, a exprimir um mais deliberado sentido de crítica institucional e a reger-se pelo dispositivo da apropriação (a única exceção é o Monumento ao 16 de Março, de sentido comemorativo, mas que não deixa de se inscrever num quadro conceptual politicamente muito determinado). Mas mantém, contudo, o ideal performativo da arte urbana no tempo da utopia da cidade participada, muito antes dos clichés da arte pública e urbana do pós-media.

E, nas evidências, nas entrelinhas e nas extrapolações dos diplomas, subjaz certamente a utopia da criação artística, quando o artista é ou pode ser cada um e qualquer homem (ou mulher), mesmo que o slogan “o poder à imaginação” de Beuys não seja uma novidade absoluta do seu tempo e já fosse mais ou menos familiar desde o romantismo novecentista, tal como aponta Thierry de Duve471. O modo como isso se articula com a ideia de fazer (faber), ou seja, com o trabalho e, assim, com a própria noção inerente de proletariado, remete inevitavelmente para Marx. A visão de Beuys como um possível último proletário por aquele crítico explica-se por ele deslocar o sentido do conceito de trabalho, ou melhor, de poder do trabalho, para o de criatividade, ou, mais especificamente, poder da criatividade. “A criatividade é para o campo cultural o que o poder do trabalho é para o campo da economia política”, afirma Duve472.

Tal como o poder do trabalho, mas diversamente do talento — uma noção sobre a qual está assente a estética clássica — a criatividade é o poder de cada um e de todos, e precede a divisão do trabalho: sendo a capacidade de produzir, em geral. Toda a atividade produtiva, seja de bens ou serviços, pode ser chamada arte; a criatividade é verdadeiro capital, e a troca de bens está para o fluxo da criatividade dentro do corpo social como o sistema de circulação está para o fluxo de forças

471 DUVE, Thierry de (1988). “Joseph Beuys, or the last of proletarians”. October. Vol. 45, p. 47–62. [em linha]. Disponível em: www.jstor.org/stable/779043 [Consult. 19 fev. 2021]

472 Idem, p. 57.

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vitais dentro do corpo individual. (...) Para que esta utopia se torne rea-lidade e a criatividade fique “desalienada”, os bens, incluindo o dinhei-ro, não podem ser produtos.473

Duve critica, pois, a ingenuidade de Beuys, não no seu programa artís-tico, mas no seu ideário político-económico, que acaba por fragilizar a pers-petiva da utopia do poder da arte. “Até que chegue a nova ordem, dinheiro é capital, não criatividade. Nem todos se tornaram artistas, e o mercado da arte continua e tratar como produtos a produção exsudada pala criatividade daqueles que reconhece como artistas profissionais.”474

Raros, também, ou nenhuns, seriam já proletários, fossem homens ou até artistas, mesmo assumindo perfis críticos dadaístas, conceptuais ou em especial os situacionistas que, segundo Thomas McEvilley, merecem ata-que por parte dos marxistas. Segundo ele475, o caso da expulsão do Grupo SPUR, um coletivo de pintores de Munique, pelos situacionistas em 1960-61, exemplifica a existência de um forte sentido anti-arte e anti-artista, já que seriam potenciais aliados do espetáculo a evitar para desalienar a sociedade. Tal como os dadaístas em 1919, para quem a classificação como artista é insultuosa, também para Debord a arte é uma atividade pouco ho-norável. Aliás, uma posição extrema nessa linha é a abdicação total de qual-quer atividade artística que chega a ser defendida após o Maio 68476, “greve” criativa que acaba, também por ser considerada um gesto artístico.

Assim, ao concederem uma hipotética certificação como artista a qualquer pessoa que o desejasse, os diplomas do Grupo Acre implicam, pois, não apenas o que pode ser visto inicialmente como uma medida simplista de democratização e uma vontade naïf de proletarização, mas também, de certo modo, uma negação da eficácia do poder assim conseguido. Ou seja, prefiguram um ambíguo statement anti-arte que acaba por turvar o sentido utópico que, à partida, parece caracterizar a ação.

Talvez também por isso tenha sido difícil a Clara Menéres e Lima Carvalho o traçado das ações seguintes a essa. Nesse percurso datam-se confusamente as gravuras de rua, ação discreta e de data incerta e, nesse sentido, de sentido oposto ao impacto público da ocupação do palacete para

473 Ibidem.474 Idem, p. 59.475 McEVILLEY, Thomas (2005). The Triumph of Anti-Art. Conceptual and

Performance Art in the Formation of Post-Modernism. New York: McPherson & Company Publishers, p. 337.

476 Alain Joufroy, segundo McEvilley na obra citada, p. 339 e nota da p. 353.

instalar um museu de arte moderna (não de arte contemporânea, note-se a diferença). E, depois disso, o grupo fica numa espécie de letargia durante mais de um ano, até reaparecer com novidades nas Caldas.

O projeto do museu é paradoxal de intenções louváveis, nomeada-mente no sentido da materialização não da utopia da cidade partilhada, mas, mais particularmente, da utopia de um lugar em comum para os artis-tas (embora talvez não para todos, convenha-se). Mas se, obviamente, não é exemplar do ponto de vista utópico numa altura em que o próprio sentido desse museu, apesar de muito badalado, está insuficientemente amadure-cido e se revela contraditório, em breve surge mais desenvolvido e cumpre possíveis requisitos para tal. No texto de Salette Tavares publicado no desta-cável da representação portuguesa à XIV Bienal de S. Paulo, há aspetos con-vincentes a justificar o projeto, nomeadamente: objetivos; perfil do museu; implementação no espaço com finalidades ecológicas — afirmação de um corredor verde que daria continuidade ao vale de Alcântara, defendido por Gonçalo Ribeiro Telles no mesmo documento, ligando ao Parque Eduardo VII, que deveria recuperar o nome Parque da Liberdade, previsto em 1910-12 quando doado à CML; compromissos patrimoniais — uso da Casa Ventura Terra na rua Marquês da Fronteira, propriedade da família Mendonça e já proposta para classificação pela AICA, e afetação da Penitenciária, cuja planta em estrela poderia adequar-se a uma casa da Liberdade; tópicos programáticos com inclusão de uma zona atenta ao Design; necessidade de criação de uma equipa para um programa de maior pormenor; o modelo possível do Museu Kröller-Müller de Van der Velde477, etc.

Por diversas razões, não da ordem da utopia, mas da realidade, o Grupo Acre acaba por personificar e, de certo modo, assumir o falhanço da consubstanciação de decisões a quente, precipitadas. Também é certo que, em contextos revolucionários, são ações assim que, muitas vezes, marcam a história com avanços e recuos.

Poderia ter resultado? Talvez não, ou talvez sim. Ora se, neste caso de pragmatismo questionável parecia principal o

ideal de um espaço comum para os artistas, as ações seguintes podem im-plicar as utopias da memória e da História.

477 TAVARES, Salette (1977). “Carência de um Museu da Arte Moderna em Portugal”. In CASTRO, E.M. Melo e (org), (1977). Representação portuguesa à XIV Bienal de São Paulo / XIV Bienal de São Paulo. S. Paulo: MNE/SEC/SNBA/AICA/FCG (Ministério do Negócios Estrangeiros/Secretaria de Estado da Cultura/Sociedade Nacional de Belas Artes/Associação Internacional de Críticos de Arte/ Fundação Calouste Gulbenkian), s/n.

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GRUPO ACRE FEZ 1974–77 330

Nos Encontros Internacionais de Arte de 1977, ambas as obras do Grupo ali realizadas aspiram a um carácter permanente, enquanto as ante-riores são assumidamente efémeras.

O Monumento ao 16 de Março implica sobretudo a memória, pois ob-viamente rende homenagem a um dos factos que antecedem a revolução e a preparam, tentando fixá-lo no espaço. A forma de uma espécie de jardim vislumbra-se nas varetas férreas que se repetem, ascendendo do solo como caules a germinarem. Quando sustentam caracteres a dizer apenas “16-03-74”, sugerem a escrita de mais texto possível.

E a peça devolve o presente a um “antes” da revolução propriamente dita, como que afirmando que esta ainda não teria começado. Afinal, ecoam ainda as palavras de Sérgio Godinho na canção de 1974: “a paz, o pão, habi-tação, saúde, educação, só há liberdade a sério quando houver...”.

Por coincidência curiosa, é um jardim que permite no século XII manter a esperança a Joachim de Flore, monge beneditino que desenvolve no cha-mado “joaquinismo” uma representação do tempo que alude ao futuro cujos contornos são antecipadamente desenhados por homens espirituais478. E em quase todas as cosmogonias o jardim associa-se simbolicamente a ideias de paraíso, fecundidade, poder humano, sonho e renascimento real, metafísico e místico479.

A destruição da obra do Grupo Acre pelo grupo de vândalos revela, da parte destes, não apenas a desvalorização daquela, mas também, muito provavelmente, a sua intuição profunda desse significado de promessa, daí a sua necessidade de espezinhar, como num jardim, o potencial futuro.

Também a placa a D. Sebastião assume uma objetualidade que revela desejo de permanência, segundo convenções formais e materiais muito tra-dicionais. Mas, desaparecida mal foi criada em 1977 e só muitos anos depois recuperada (em 2018, como atrás se conta), a lápide como objeto parece destinada a tornar-se, tal como a lenda que representa, igualmente fantas-mática, embora o mito tantas vezes precariamente materializado possa dela e da sua presença interrompida evolar-se a partir da parede da casa das Caldas da Rainha, fazendo a história voltar.

Peça discreta cujo sentido vai além da mera ironia, constitui, de facto, uma inteligente alegoria, também assim tomando contornos de objeto me-diador de uma utopia histórica. É o rei-menino, o guerreiro derrotado que,

478 RIOT-SARCEY, Michèle; BOUCHET, Thomas; PICON, Antoine (2007). Dictionnaire des Utopies. Paris: Larousse, p. 129.

479 CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain (1982). Dictionnaire des Symboles. Paris: Éditions Jupiter, p. 531-534.

afinal, não morre numa batalha longínqua (africana, ultramarina), mas que também não regressa são e salvo para, por sua vez, acudir ao destino de um povo condenado à perda da independência e da grandiosidade imperial. Resta, como hipótese de salvação, a possibilidade de renascer em qualquer casa, em todo o lado que se queira, por exemplo na terra-berço de um futuro “Zé-Povinho”. Uma placa que assinala ali o seu nascimento é quanto basta para que a História se refaça ou se esconjure.

O topos é, de resto, uma questão não pouco essencial nesta obra pois ela, se por um lado pode ser tida como site-specific, por outro implica a con-dição nómada, a indeterminação do lugar que a obra define e caracteriza quando ali colocada, o que não é forçoso que aconteça. Este mito, este nos-so mito, diz-nos essa placa, nasce onde quisermos, como uma utopia invo-cável a qualquer momento.

Ao dizê-lo, não se trata, contudo, apenas de uma reiterada rima nos-tálgica sobre um passado perdido, mas da reafirmação de uma disjunção definitiva do sujeito (aqui individual e coletivo) perante a sua imagem revista num corpo comunitário em que se deixa de acreditar ou que se torna me-nos desejável. Ou seja, esta obra elabora sobre a perda e trabalha o luto tão longamente que o converte em melancolia profunda, mesmo que esta possa ganhar expressão, sem sintomas de depressão convencional, em diversas estratégias de sobrevivência ontológica.

De facto, no quadro do “regresso à normalidade” — ou seja, do anti-clímax utópico — de um país, da sua sociedade civil e, nesta, das frágeis co-munidades artísticas, tudo parece aconselhar contenção dos feitos de sinal revolucionário, das ações vanguardistas e das apostas centradas em hipó-teses comunitárias, cansativas, menos convenientes e menos motivadoras.

Mesmo a sobrevivência do artista parece em risco, a não ser que re-tome posturas mais consolidadas e reassuma a sua vocação individual, so-litária. É isso que fazem, a partir de então, Clara Menéres e Lima Carvalho, mesmo que com recaídas noutras tentativas posteriores de projetos com perfis coletivos.

Por exemplo nessa altura, Ernesto de Sousa explica a má receção pelo público em Lisboa (no Museu Nacional de Arte Antiga) do Living Theatre como retoma do provincianismo baseada na incompreensão ocidental do excesso de proximidade corpo-a-corpo em sociedades “que se esforçam por esquecer o corpo ou, na impossibilidade, por ocultá-lo e reprimi-lo o mais possível”480. De facto, em Portugal tinha havido depois de 74 uma vaga

480 DE SOUSA, Ernesto (1977). “The Living Theatre — sempre inadequado”. Colóquio Artes. Nº 33, junho, p. 33. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

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de libertação (e até algum sentido libertino), mas até isso parece estar a “entrar nos eixos”, pelo menos em alguns aspetos da vida pública. Quando as ações do grupo liderado por Julian Beck são criticadas como ultrapas-sadas, Ernesto de Sousa, responsável pelo seu aparecimento anterior na Alternativa Zero, insurge-se. E refere-se, obviamente, à dimensão corporal valorizada nos anos sessenta na cultura ocidental, com a libertação do cor-po e a revolução sexual, mas extrapola a ideia para a relação com o “outro”, sendo este um hipotético corpo simbólico comum, no qual também a par-ticipação, como estratégia artística, deixa de fazer sentido a não ser que teoricamente, ou seja, melancolicamente.

Há, certamente, muitos outros sintomas expressivos da perda do im-pulso e sentido comunitário nessa fase do processo pós-revolucionário e, nesse sentido, pode falar-se de um processo distópico agora em curso.

E aí, cabe, possivelmente, a última obra do Grupo Acre, sintomatica-mente uma lápide toponímica, vagamente tumular. “Aqui nasceu”, afirma, assim alinhando na inverdade factual uma sucessão de consequências pos-síveis de eminente reverberação contra utópica.

Embora a lápide lá tenha estado por pouco mais do que umas horas a sugerir a fixação de uma história, a conjurar uma presença, o desejado nunca regressa. A placa desaparece e, mesmo que isso não acontecesse, o fantas-ma continua a perder-se ali, na praça das Caldas da Rainha, ou em qualquer outro lugar porventura, incluindo na neblina matinal daquele olival do Norte que se inventa no início deste texto. E devolve-se, pois, a todos os nevoeiros futuros em Portugal, onde continua a permanecer escondido. Permanece enublada a verdade da história, entre a ficção e o desejo. Subsiste confuso o que foi, o que poderia ter sido, o que deveria ser, tornando o corpo do mito associado ao corpo por reaver do rei perdido e, como corpo de uma derrota, irresolvido, velado, como se, afinal, nunca tivesse acontecido.

Outra equação possível dos traços utópicos na identidade do Grupo Acre é o modo como cessa as suas atividades, sem separação dos membros do grupo, suspendendo projetos, sem conclusão.

Depois de 1977, os tempos são, rapidamente, outros, com ou sem Kissinger por ali. Vêm os anos 80, o império da bolsa, os yuppies e o libera-lismo económico. Segue-se Maastricht e a fundação da União Europeia em 1993 e, poucos anos depois, uma nova guerra sangrenta ao lado do Adriático (Kosovo/Bósnia) rasga cicatrizes suspeitas na Europa enquanto a profunda mudança de paradigmas implicados pela informatização e pela internet mo-delam o mundo do século XXI.

O Grupo Acre faz parte da última utopia do século XX, a Revolução dos Cravos em Portugal em 1974. É resultado do tempo de várias utopias

associadas à ideia de liberdade: da participação democrática; da igualdade; da razão do povo; da utopia social; do poder da imaginação.

Certamente que é um grupo que resulta do perfil e papel de cada um dos três artistas, um coletivo cuja identidade não prescinde dos perfis dife-renciados de cada um. A passagem breve de Queiroz Ribeiro marca profun-damente as ações em que participa e a sua presença faz falta quando de-saparece, mas subjaz residualmente na determinação conceptual do grupo e na depuração formal que as obras das Caldas recuperam. O percurso de Clara Menéres, vincado por uma certa tensão entre o desejo de afirmação individual como mulher e artista e o sentido de pertença em comunidade, sob a crença de que o seu papel de intervenção pode ser atuante e distintivo, não pode extirpar a sua participação no grupo que, por sua vez, é impensável sem ela. E, se Lima Carvalho é um dos mais criativos inventores de ideias para ações do Grupo Acre e assume depois uma via pictórica mais erótica e vigorosa, também integra na explosão dos esquemas formais um certo pen-samento desconstrutivo associado à sua passagem pelo grupo, e colabora em filmes de Rocha de Sousa, que declaram vocação performativa.

Mas a identidade profunda do grupo em muito advém, sem qualquer dúvida, do tempo em que está operativo, que o faz nascer e que lhe dá razão de ser. Depois disso, não parece fazer sentido.

O Grupo Acre dura pouco, de facto: pouco mais de um ano na sua constituição inicial, menos de três anos depois da morte de Alfredo Queiroz Ribeiro. Em parte, por essa perda, mas também pela intensa voragem do seu tempo de vida como grupo, subsistem “sem nunca terem partido a cara uns aos outros, sem se dividirem em pequenos grupos de esquerda e direi-ta, sem terem durante esse tempo nomeado entre si um presidente e um secretário perpétuo”, como diz Eça sobre o grupo dos Vencidos da Vida481. De facto, o Grupo Acre talvez não tenha tido destino idêntico àquele, pois se, como eles, não logra salvar o país, apesar disso da sua ação resultam obras conjuntas que ultrapassam de longe o mero prazer do convívio, ques-tionando a possibilidade de uma arte revolucionária com sinal contrário à

481 Eça de Queirós sobre Os Vencidos da Vida (Conde de Ficalho, Conde de Sabugosa, Bernardo Pindela, Eça de Queirós, Ramalho Ortigão, Oliveira Martins, Guerra Junqueiro, Luís Soveral, Carlos Lobo de Ávila, António Cândido, Carlos de Lima Mayer, e honorários como Antero de Quental, D. Carlos, Maria Amália Vaz de Carvalho). O Tempo. 29 de março de 1889, Ano I, nº 84. Apud ORTIGÃO, Maria João (2010). “Eça de Queirós e Ramalho Ortigão entre a Geração de Setenta e os Vencidos da Vida”. In DIAS, Fernando Rosa; QUARESMA, José (Coord.), (2010). Chiado. Efervescência Urbana Artística e Literária de um Lugar. Lisboa: FBAUL/CIEBA, p. 56-61.

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GRUPO ACRE FEZ 1974–77 334

hipótese de uma arte salazarista (indagada por Artur Portela) ou mesmo correspondente ao fascismo português.

E talvez tenham estado mais perto de realizar alguma intervenção so-cial, política e utópica.

No seu caso são, enfim, vencidos pelo tempo que se encarrega de fa-zer e desfazer utopias e distopias.

O tempo e o grupo desmaiam a par, na estabilidade e institucionali-zação do processo revolucionário e, com eles, suspende-se o pensamento utópico e abafa-se a paixão mais arrebatada pela crença num mundo me-lhor. Daqui em diante, é o tempo de todas as mudanças dentro do quadro do realismo, do pragmatismo des/empenhado, do cinismo vindouro.

E se, depois dos anos 90, se constata no mundo um acentuado movi-mento coletivista dos artistas e também em Portugal há recrudescimento dessa tendência, ela afirma-se diversamente da linha utópica dos coletivos do período revolucionário. Na Bienal de Veneza de 1995, uma exposição mostra mesmo retratos de grupos de artistas, com algum enfoque histórico que inclui expressionistas, surrealistas, etc. É uma curiosidade, talvez pouco mais do que isso.

Mas, na II BIACS (II Bienal Internacional de Arte Contemporânea de Sevilha) em 2008, o ênfase conferido à ação de coletivos artísticos já é, sobretudo, de sinal politizado numa linha multiculturalista e de crítica pós--colonial. Mais recentemente, a proliferação dos formados em arte pelas es-colas é acompanhada pelo que parece constituir uma expansão dos modos de associação formal e informal de artistas. Contudo, mais do que coletivos de criação artística (embora existam também com propósitos ativistas), as dinâmicas conjuntas voltam-se agora principalmente para a incubação de redes de apoio à produção, independentes ou institucionalizadas, que in-cluem a gestão de espaços de atelier e exposição comuns ou partilhados, a implementação de residências mais ou menos temporárias que apoiam a fluidez da circulação nacional e internacional dos jovens, a construção de projetos com âncoras mais ou menos locais ou com teor político capaz de obter apoios e financiamentos institucionais. Em resumo, o empreendedo-rismo toma lugar e cresce nos meios artísticos, aproximando-se os ateliers das “incubadoras” criativas voltadas para as mais valias do mundo empre-sarial, cruzando-se diferentes graus de ingenuidade e frieza calculista.

Em 1977, ano da última obra do grupo Acre, pode ter havido nos so-nhos de um antigo sacristão um automóvel amarelo como a faixa da Torre dos Clérigos que, depois, de suspensa, jaz em pedaços num olival algures. Por coincidência, um outro automóvel circula então na nossa memória e imaginário, um anfíbio branco que emerge do mar em plena praia cheia de banhistas, depois de lançar uma cortina de fumo sobre os inimigos; ao lado

da sua bela companheira, 007 Agente Irresistível sacode água e carangue-jos ao afastar-se dali, para exercer mais adiante o seu heroísmo plastificado.

1977 é, também, o ano em que morre Charlie Chaplin, a 25 de de-zembro. Com a morte daquele autor em 1936 de Modern Times, finda-se simbolicamente, porventura, a época moderna em Portugal. Depois do mo-dernismo que, no nosso país, pode ter culminado com a revolução de 1974, fecha-se em 77 o intermezzo utópico (se quisermos pensar com Fredric Jameson482).

Verdadeiramente heroico, é intenso e dura pouco.Mas deixa factos. E ecos.

482 JAMESON, Fredric (2004). “The Utopian Enclave”. In NOBLE, Richard (2004). Utopia. Cambridge/London: MIT/Whitechapel, p. 69-75.

335 CONSIDERAÇÕES FINAIS

337 EPÍLOGO

EPÍLOGO

Portanto, talvez tenha existido o olival ficcionado no início deste texto. E talvez, porventura, ainda exista.

Ou talvez, entretanto, esse olival tenha sido incluído numa área de exploração agrícola mais ampla e modernizada, porventura biológica, como um dos projetos em que, fora do campo artístico, Clara Menéres também se empenha nos últimos anos da sua vida. Longe da alçada do antigo proprie-tário ou rendeiro do olival onde se vislumbra o plástico amarelo restante da fita na Torre dos Clérigos, o sacristão de então provavelmente já falecido, quiçá produz-se agora de modo racional um certo azeite vendido em em-balagens revivalistas numa loja gourmet no centro do Porto, onde laivos de amarelo impressos no rótulo vintage evocam o sol desejável.

Ou então o olival foi-se e, no terreno dele, existe um novo bairro da ci-dade que invade os arredores, ou jaz o asfalto de uma das novas vias rápidas que provocam celeuma porque implicam pagar portagem. Ou talvez tudo tenha ardido nalgum Verão.

A névoa, essa surge certamente, de tempos a tempos, onde quer que seja.

Possivelmente, com as gerações mais novas, o mito de D. Sebastião e os seus fantasmas sucedâneos, de que talvez os militares de abril tenham sido uma encarnação benfazeja, deixarão de se esconder no nevoeiro, po-dendo com um simples clique sair do avesso da lisa translucidez da realida-de digital.

Em tudo isso e, também, na nossa memória, talvez o espírito do Grupo Acre assim persista, no ar do tempo em que as utopias resistem e em que, entretanto, germinam novas mudanças.

No vento que quase lhes deu nome, ou numa ténue brisa, ficou escrito com eles, para todos os efeitos:

Grupo Acre fez.

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357 BIBLIOGRAFIA

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359 ÍNDICE DE FIGURAS

Figura 1 P. 27Cooperativa Árvore. Estatutos (na fundação da cooperativa). Capa e página 1.

Figura 2 P. 35João Cutileiro. D. Sebastião. 1973. Fotografia da autora do texto.

Figura 3 P. 36Clara Menéres. Jaz morto e arrefece o menino da sua mãe. 1973. Gesso policromado e base de aço rebitado, 90x210x65 cm.

Figuras 4 e 5 P. 43Lima Carvalho, pinturas de 1963. À esquerda, óleo s/tela, coleção particular. À direita, fresco no Café de S. Lázaro, Porto (destruído).

Figuras 6 e 7 P. 44Lima Carvalho, pinturas dos anos 70. À esquerda: Sociedade de Consumo. 1971/72. Óleo s/tela, 147,5x122,5cm. Coleção da Fundação Calouste Gulbenkian; à direita: Pintura de 1971.

Figura 8 P. 46Lima Carvalho. Des-enlace. 1986. Óleo s/tela, 190x175cm. Coleção Fundação Calouste Gulbenkian.

Figura 9 P. 47Clara Menéres. Relicário. 1969. Poliéster e caixa de madeira.

Figura 10 P. 48Clara Menéres. Pelas 24 horas de ontem, na estrada de Sintra. 1974. Ready-made.

Figura 11 P. 50Clara Menéres. Concha de Vénus. 1977. Gesso policromado, 85x65x50 cm.

Figuras 12 P. 51Clara Menéres. Mulher-Terra-Viva. 1977. Em cima, primeira versão na exposição Alternativa Zero, Galeria Nacional de Arte Moderna, Lisboa; acrílico e madeira, terra e relva, 80x270x160cm. Em baixo, versão de exterior em grandes dimensões na Bienal de S. Paulo.

Figura 13 P. 53Alfredo Queiroz Ribeiro. Pessoas Que Eu Sei. N.d. Coleção Fundação Gulbenkian.

Figura 14 P. 54Alfredo Queiroz Ribeiro. Cartaz da exposição na Bluecoat Gallery, Liverpool, 1973.

Figura 15 P. 54Alfredo Queiroz Ribeiro. Cartaz da exposição na Cooperativa Árvore. 1974.

Figura 16 P. 55Alfredo Queiroz Ribeiro. Numa semana só, 1971. (ou Fitas cor de rosa nela, segundo o catálogo da exposição da FCG de 1973). 2,5x2,7 m. Ferro. Coleção do Museu Nacional de Soares dos Reis, em depósito na Fundação de Serralves — Museu de Arte Contemporânea.

Figura 17 P. 56Alfredo Queiroz Ribeiro. O Sr. M e eu éramos grandes amigos. 1971. Ferro pintado, 80x300 cm. Coleção da Fundação Calouste Gulbenkian.

Figura 18 P. 62Movimento Democrático dos Artistas Plásticos. A arte fascista faz mal à vista. 28 de maio de 1974.

Figura 19 P. 64Vista parcial do painel realizado por iniciativa do Movimento Democrático dos Artistas Plásticos no Mercado do Povo de Belém, a 10 de junho de 1974.

Figura 20 P. 66Clara Menéres. 1974. Homenagem às vítimas. Mercado do Povo de Belém, 10 de junho.

Figuras 21 P. 67O Funeral do Museu Soares dos Reis, Porto.

Figura 22 P. 71Grupo Acre. Manifesto da Anti- -moderação. 1974.

ÍNDICE DE FIGURAS

GRUPO ACRE FEZ 1974–77 360

Figura 23 P. 78Grupo Acre. Desenho esquemático do projeto para a Rua do Carmo, Lisboa. 1974. Técnica mista s/papel, formato A3.

Figuras 24 P. 80Grupo Acre. Intervenção na Rua do Carmo. Lisboa, agosto, 1974.

Figura 25 P. 82Grupo Acre. Intervenção na Rua do Carmo. Lisboa, agosto, 1974.

Figura 26 P. 88Grupo Acre. Desenho de Lima Carvalho do sistema para puxar a fita na Torre dos Clérigos. 1974. Esferográfica sobre papel, formato A4.

Figura 27 P. 90Grupo Acre. Versão provisória do comunicado para acompanhar a intervenção na Torre dos Clérigos. Porto. 1974.

Figura 28 P. 91Grupo Acre. Comunicado nº1 da intervenção na Torre dos Clérigos. Porto. 1974.

Figuras 29 P. 92Na base da Torre dos Clérigos, Alfredo Queiroz Ribeiro e Pedro Rocha. Na balaustrada, Clara Menéres e dois ajudantes suspendem-na. Mais tarde o escultor (de costas) assina pelo Grupo Acre a fita já suspensa.

Figuras 30 P. 93Grupo Acre. Fita. Torre dos Clérigos, Porto, 1974.

Figura 31 P. 94A intervenção do Grupo Acre na Torre dos Clérigos no artigo n’O Primeiro de Janeiro.

Figura 32 P. 102Clara Menéres. D(EU)S. 1974-75. Tríptico em chapa metálica, pergaminho, cabelo e pasta de papel.

Figura 33 P. 105Notícia do falecimento de Alfredo Queiroz Ribeiro no Jornal de Notícias.

Figura 34 P. 106Grupo Acre. Esquema do primeiro mapa de tampas de esgoto para o projeto Gravuras de Rua. 1974.

Figuras 35 P. 107Grupo Acre. Fotografias da realização das Gravuras de Rua. Lisboa 1974-75.

Figura 36 P. 108Grupo Acre. Uma das gravuras no interior do automóvel de Clara Menéres.

Figura 37 P. 109Grupo Acre. Gravura de Rua. Réplica impressa em 2018.

Figura 38 P. 113Grupo Acre. Um dos Diplomas de Artista realizados pelo Grupo Acre, na Galeria Opinião, Lisboa. 1975.

Figura 39 P. 114Jost Amman. Quibus eo sane Ordine Doctrina. 1572. Xilogravura. 21,7x16,4 cm.

Figuras 40 P. 115Folheto da Galeria Opinião (frente e verso), por ocasião da ação dos diplomas do Grupo Acre, com texto de Ernesto de Sousa.

Figuras 41 P. 118Grupo Acre. Editais e cartazes de divulgação da ação Diplomas de Artista no Porto. Fevereiro de 1975.

Figura 42 P. 119 Assinatura e entrega de Diplomas de Artista pelo Grupo Acre na Galeria Dois, Porto.

Figuras 43 P. 120Grupo Acre. Algumas das listas dos diplomados. 1975.

Figura 44 P. 121Um dos artigos surgidos na imprensa, neste caso no jornal O Comércio do Porto.

Figura 45 P. 127Fotografia no jornal Sempre Fixe da casa ocupada pelo Grupo Acre.

361 ÍNDICE DE FIGURAS

Figuras 46 P. 129Grupo Acre. Croquis do acesso à casa a ocupar e comunicado nº 3. 1975

Figura 47 P. 131Grupo Acre. O Grupo “Acre”. Uma arte para toda a gente.

Figura 48 P. 133Artigo no jornal Expresso, 3 de maio de 1975.

Figura 49 P. 144Revista Arte. Capa e contracapa. 1976.

Figuras 50 P. 146Revista Arte. Algumas páginas no interior.

Figuras 51 P. 154Alternativa Zero, Tendências Polémicas na Arte Portuguesa Contemporânea. 1977. Imagens da inauguração, da obra de Alberto Carneiro, de uma atuação do Living Theatre e Clara Menéres que cuida da sua obra Mulher-Terra-Vida.

Figuras 52 P. 158IV Encontros Internacionais de Arte, Caldas da Rainha: ritual de Albuquerque Mendes e mapa aéreo recente da zona incluindo a Praça 5 de Outubro, a Praça de República e o Jardim.

Figura 53 P. 160IV Encontros Internacionais de Arte. Intervenção de Nadir Afonso em frente da Biblioteca, vendo-se na assistência Lima Carvalho e Clara Menéres.

Figuras 54 P. 162Grupo Acre. Monumento ao 16 de Março de 1974. 1977. A obra em processo, ainda por concluir, com Lima Carvalho em trabalho nas imagens de cima.

Figura 55 P. 164Uma das notícias que exprime o tom geral na imprensa escrita (Diário de Lisboa, 16 de agosto de 1977).

Figura 56 P. 167Os vestígios do Monumento ao 16 de Março, depois da destruição.

Figura 57 P. 168Grupo Acre. Descerramento de uma lápide. Montagem de uma escultura. (Comunicado sobre as obras nos IV Encontros Internacionais de Arte).

Figura 58 P. 170Grupo Acre. A lápide a D. Sebastião, na fachada da casa. 12 de agosto de 1977.

Figura 59 P. 171Grupo Acre. Lápide. 1977.

Figuras 60 P. 176Grupo Acre. Reconstituição em 2009 da obra da Rua do Carmo, de 1974, em frente do Centro de Arte Moderna da Fundação Gulbenkian.

Figura 61 P. 178Grupo Acre. Conjunto de documentos sobre as intervenções do grupo, com a lápide de 1977, na exposição Pós-Pop. Um Lugar Fora do Comum, 2018.

Figura 62 P. 179Clara Menéres. Condecoração da Ordem O Fazer do Saber. 2016.

Figura 63 P. 185Columbano Bordalo Pinheiro. O Grupo do Leão. 1885. Óleo s/tela, 201x376 cm. Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado.

Figura 64 P. 190Portugal Futurista. Capa da revista. 1917.

Figura 65 P. 191Almada Negreiros. Auto-retrato num grupo. 1925. (Café A Brasileira do Chiado). Óleo s/ tela, 130x197 cm. Museu Calouste Gulbenkian.

Figura 66 P. 193António Pedro. Manifesto do 1º Salão dos Independentes. 1930.

Figuras 67 P. 199À esquerda: Revista Portugal Colonial. 1931. À direita, capa do catálogo da Exposição de Arte Popular Portuguesa. 1936.

Figura 68 P. 201Mapa desdobrável da Exposição do Mundo Português. 1940.

GRUPO ACRE FEZ 1974–77 362

Figuras 69 P. 202Panorama. Revista Portuguesa de Arte e Turismo. Capas dos nºs 1, de Junho de 1941, e do nº15-16, de Julho de 1943, ambas de Bernardo Marques.

Figuras 70 P. 203António Pedro. 1935. À esquerda: (Poème dimensionnel) Abstractions géometriques. Guache e cartolina s/papel, 24,5 x 17,5 cm. À direita: Aparelho Metafisico de Meditacao. 18x25x25cm. Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado.

Figura 71 P. 208A primeira página do jornal Diário da Manhã.

Figura 72 P. 209Aspeto da 2ª Exposição Geral de Artes Plásticas, na SNBA, com marcação de quadros apreendidos pela PIDE. É visível, do lado direito, a obra O Almoco do Trolha, de Júlio Pomar.(Fonte https://www.jornalmapa.pt/2018/01/18/um-grande-comicio-sem-palavras/).

Figuras 73 P. 212Capa e folha de rosto do catálogo da exposição surrealista de janeiro de 1949.

Figura 74 P. 216Alice Jorge, Almada Negreiros e Júlio Pomar no atelier da Cooperativa Gravura.

Figura 75 P. 219Jorge Vieira. Monumento ao Prisioneiro Político Desconhecido (maqueta). Ca 1952. Bronze, 44,5 x 30 x 29 cm. Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado.

Figura 76 P. 221Júlio Pomar. Cegos de Madrid. 1957. Óleo s/tela, 81,5x101,3 cm. Museu Calouste Gulbenkian.

Figura 77 P. 224Lourdes Castro. Capa da revista KWY nº1, 1958.

Figura 78 P. 226Capa e pormenor do folheto da exposição Os Quatro Vintes, Cooperativa Árvore e Galeria Alvarez, Porto, 1968.

Figura 79 P. 229Os Quatro Vintes. Bolas para a Josefa. 1971. Objeto instalativo, 250x100x30 cm. Coleção Armazém das Artes, Alcobaça.

Figura 80 P. 231Nikias Skapinakis. Retrato dos críticos. 1971. Coleção do café A Brasileira do Chiado, Lisboa.

Figura 81 P. 244Grupo Puzzle. Bandeira Nacional. Técnica mista s/tela. 207x296 cm. Coleção Museu Calouste Gulbenkian.

Figura 82 P. 248Grupo Puzzle. Jogo das palavras na exposicao de Joao Dixo. 1976. III Encontros Internacionais de Arte da Póvoa de Varzim.

Figura 83 P. 253Grupo Puzzle. Mala. 1980. Obra apresentada no ARC, Paris. Coleção Grupo Puzzle.

Figura 84 P. 255Grupo 5+1. Capa do catálogo da exposição na SNBA. 1976.

Figura 85 P. 260Grupo 5+1. 1976. Foto de grupo.

Figuras 86 P. 262Grupo Vermelho. (Colage) Manifesto Vermelho. 1976. 4 (de 8) colagens de textos manuscritos e dactilografados s/ placas em cartão 35x25cm.

Figura 87 P. 267Grupo Cores / Grupo de Intervenção do Círculo de Artes Plásticas de Coimbra na Alternativa Zero, em 1977.

Figura 88 P. 270Grupo 8. Cartaz. 1978.

Figura 89 P. 271Grupo 8. Cartaz. 1978.

363

1. Quadros cronológicos 1974 1975 1976 1977 2. Grupo Acre. Proposta para a criação

de um Museu de Arte Moderna. 1975 3. Elementos curriculares adicionais

dos artistas do Grupo Acre Lima Carvalho Clara Menéres Alfredo Queiroz Ribeiro

ANEXOS

GRUPO ACRE FEZ 1974–77 364

Pol

ític

a

1974 Janeiro Uma greve dos mineiros obriga o governo inglês a estabelecer a

semana de 3 dias de trabalho.

Fevereiro Granada (Caraíbas) torna-se independente. O Paquistão reco-nhece a independência do Bangladesh. O Partido Trabalhista vence as eleições no Reino Unido.

Março Harold Wilson é 1º Ministro inglês; dias depois é reposta a se-mana de 5 dias de trabalho no Reino Unido. Ernesto Geisel é Presidente do Brasil.

Abril Georges Pompidou morre em França no seu gabinete. Golda Meir demite-se. Golpe de estado na Nigéria. Revolução demo-crática em Portugal põe fim à ditadura.

Maio Willy Brandt demite-se de Chanceler na Alemanha Federal. A Índia faz os primeiros ensaios nucleares bem-sucedidos. São abatidos membros do Exército Simbionês de Libertação, rapto-res de Patricia Hearst, entretanto recrutada pelo grupo. Walter Scheel é Presidente da R. F. Alemã e no dia seguinte Helmut Schmidt é Chanceler. Tito é Presidente vitalício da Jugoslávia. Giscard D’Estaing vence as eleições para Presidente da França, derrotando François Mitterrand. Léo Tindemans é 1º Ministro da Bélgica.

Junho Yitzhak Rabin é 1º Ministro de Israel. Pinochet torna-se Presidente do Chile, depois de ser Presidente da Junta Militar. Isabel Peron é Presidente da Argentina.

Julho Fim da ditadura militar na Grécia.

Agosto Nixon é forçado a demitir-se, na sequência do processo Watergate. Gerald Ford é Presidente dos EUA. A Turquia invade o Chipre depois dos conflitos após o golpe militar que depõe o Arcebispo/Presidente Makarius.

Setembro Somoza é reeleito na Nicarágua. Os EUA estabelecem relações diplomáticas com a Alemanha de Leste. Ford indulta Nixon de todos os crimes que possa ter cometido nos seus mandatos. Haile Selassie, imperador da Etiópia, é deposto.

Outubro Inicia a cimeira árabe em Rabat que reconhece a OLP como úni-ca representante do povo palestino.

Novembro As Nações Unidas reconhecem a independência do Chipre. A África do Sul é suspensa das Nações Unidas em virtude da sua política racista. Os EUA reconhecem o direito da Palestina à so-berania depois de Yasser Arafat discursar na ONU no dia 13.

Dezembro Léo Tindeman, 1º Ministro belga, é designado pela CEE para estudar a unificação política da Europa. Malta torna-se uma república.

NOTAOs dados nestes quadros cronológicos não pretendem ser exaustivos, apenas recordar factos expressivos. Os temas organizam-se por critérios distintos. Assim, os factos políticos e os dados culturais gerais são apresentados por ordem cronológica, no mundo e no país. Em ambos os contextos, dados sobre livros, música, teatro e cinema seguem a ordem alfabética dos autores, adotando-se nos títulos a língua em que foram difundidos no nosso país. Quanto às exposições, também a ordem alfabética por autores ordena os títulos das que decorrem fora de Portugal, mas as do nosso país, apresentadas em maior profusão e detalhe, para evitar redundâncias são agrupadas segundo os locais onde decorrem, ordenando-se estes alfabeticamente e, em cada um, de novo pela ordem alfabética de autores. Já no caso dos dados sobre arquitetura, menos abundantes, a ordenação segue as tipologias e os nomes com que são conhecidas as obras ou os bairros.

No

mun

do

ANEXOS365

Janeiro Abre o aeroporto de Dallas, o maior do mundo.

Março Um DC10 turco cai perto de Paris provocando mais de 300 mor-tos. É inaugurada a ponte que liga o Rio de Janeiro a Niterói. Abre o aeroporto Charles de Gaulle, o maior da Europa.

Maio Sismo na China causa 20 mil mortos. Testes nucleares no deser-to do Nevada por americanos e ingleses. Morre Duke Ellington.

Junho A missão da Soyuz 14, nave espacial russa, é bem-sucedida. É usado nos EUA o primeiro código de barras. A Igreja Episcopal tem, nos EUA, a primeira sacerdotisa. Mikhal Baryschnikov abandona a URSS.

Julho Eddy Merckx vence a Volta à França em bicicleta.

Agosto Inundações no Bangladesh fazem mais de 2000 mortos.

Setembro Furacão arrasa as Honduras com mais de 10 mil mortos.

Outubro Dmitri Shostakovich estreia em Leninegrado o seu 15º Quarteto de cordas.

Novembro John Lennon atua em palco pela última vez. É descoberta Lucy (nome dados aos restos humanos com milhares de anos) na Etiópia por paleontólogos.

Dezembro Os Beatles separam-se legalmente. É comercializado o Altair 8800.

Ainda este ano: São prémio Nobel da Paz Eisako Sato (Japão) e Sean MacBride (Irlanda) e, em literatura, os suecos Eyvind Johnson e Harry Martinson. Stephen Hawking pro-põe a nova teoria dos buracos negros. Testes nucleares, ao longo de vários meses, em vários locais do mundo, pelos EUA, URSS, França, etc. Invenção do Salter Duck, um conversor de energia de ondas marítimas.

Livros: A Honra Perdida De Katarina Blum (Heinrich Böll); A Trilogia De Karla (John Le Carré); A Cortina (Agatha Christie); Octaedro (Julio Cortazar); Olhos De Cão Azul (Gabriel Garcia Márquez); Somos Todos Arlequins (Vladimir Nabokov); Jardim De Inverno (Pablo Neruda); Espèces D’Espaces (Georges Perec).

Cul

tura

e o

utro

s fa

ctos

1974

Música: Waterloo (Abba); Timeless (John Abercrombie); Get Your Wings (Aerosmith); She (Charles Aznavour); Gracias A La Vida (Joan Baez); Diamond Dogs — Rebel / My Radio Sweetheart (David Bowie); I Shot The Sheriff (Eric Clapton); New Skin For The Old Ceremony (Leonard Cohen); Shame Shame Shame (Shirley & Company); Cantar (Gal Costa); Paradise And Lunch (Ry Cooder); Si Tu T’appelles Mélancolie (Joe Dassin); Get Up With It / Big Fun (Miles Davies); Annie’s Song (John Denver); Planet Waves (Bob Dylan); Duke’s Big Four (Duke Ellington); Symbiosis (Bill Evans); L’Espoir (Léon Ferré); Never Can Say Goodbye (Gloria Gaynor); Mr Natural (Bee Gees); The Lamb Lies Down On Broadway  (Genesis); Cidade Do Salvador (Gilberto Gil); Je T’aime, Je T’aime, Je T’aime  (Johnny Hallyday); Sinal Fechado (Chico Buarque De Holanda); The Air That I Breath (The Hollies); Dancing Machine (Jackson Five e Michael Jackson); Belonging / Death And The Flower / Luminessence (Keith Jarrett); Caribou / Don’t Get The Sun Go Down On Me / Lucy In The Sky With Diamonds (Elton John); Hotter Than Hell / Deuce (Kiss); Autobahn (Kraftwerk); Lady Marmalade (Labelle); Atrás Do Porto Tem Uma Cidade (Rita Lee e Os Tutti Frutti); Sometimes A Memory Ain’t Enough (Jerry Lee Lewis); Abre Alas (Ivan Lins); No Woman No Cry (Bob Marley); Rock You Baby (George Mccrace); Court And Spark (Joni Mitchell); Les Amis De Georges (Georges Moustaki); Country Life (Roxy Music); Love Hurts (Nazareth); Good Times / Elvis As Recorded Live On Stage In Memphis (Elvis Presley); Stormbringer  (Deep Purple); Killer Queen / Queen II (Queen); Sally Can’t Dance (Lou Reed); Elis (Elis Regina); Elis E Tom (Elis Regina e Tom Jobim); Mysterious Traveller (Weather Report); Lovin’ You (Minnie Riperton); California Jam (Black Sabbath); Syracuse (Henri Salvador); Illuminations (Santana); It’s Only Rock N Roll But I Like It (Rolling Stones); The Way We Were (Barbra Streisand); Crime Of The Century (Supertramp); Solstice (Ralph Towner); Tales From Topographic Oceans (Yes);

No

mun

do

GRUPO ACRE FEZ 1974–77 366

Cul

tura

e o

utro

s fa

ctos

1974

No

mun

doThe Colours Of Chloë (Eberhard Weber); The Heart Of Saturday Night  (Tom Waits); Can’t Get Enough Of Your Love / You’re The First, The Last, My Everything (Barrry White); You Haven’t Done Nothing (Stevie Wonder); Apostrophe (Frank Zappa).Filmes: Todos Somos Ladrões (Robert Altman); Balbúrdia No Oeste / Frankenstein Junior (Mel Brooks); O Fantasma Da Liberdade (Luis Buñuel); Uma Mulher Sob Influência (John Cassavetes); O Padrinho II / Conversa Secreta (Francis F. Coppola); Garganta Funda II (G. Damiano); O Medo Come A Alma (Rainer Werner Fassbinder); Frankenstein / O Monstro Do Inferno (Terence Fisher); A Torre Do Inferno (J. Guillermin E I. Allen); O Enigma De Kaspar Hauser (Werner Herzog); Emmanuelle (J. Jaeckin); American Graffiti (George Lucas); As Mil E Uma Noites (Piro Paolo Pasolini); O Fantasma Do Paraíso (Brian De Palma); Chinatown (Roman Polanski); Perfume De Mulher (Dino Risi); Alice Já Não Mora Aqui (Martin Scorcese); Herbie, Um Carocha Dos Diabos (R. Stevenson); As Nove Vidas Do Gato Fritz (R. Taylor); Alice Nas Cidades (Wim Wenders); Violência E Paixão (Luchino Visconti).

ANEXOS367

A Bienal de Veneza, sob direção de Carlo Ripa di Meana, não apresenta a habitual Exposição Internacional de Arte, mas abre em outubro de 1974 várias manifestações artísticas, teatro e cinema dedicadas ao Chile, como gesto de solidariedade contra o fascismo do Golpe Militar de setembro do ano anterior.

A arte da performance mais centrada na fisicalidade da body arte (exemplificada em Carolee Schneeman) atinge o auge e inicia-se um processo de abandono de alguns artistas: é o ano de Trans-fixed (Chris Burden), de Solomon R. Guggenheim Museum Board of Trustees (Hans Haacke), de Dinner Party (Judy Chicago, até 1979) e decorre Post-Partum Document (Mary Kelly, 1973-79).

Algumas exposições e obras relevantes: Command Performance (Vito Acconci); Statue Of A Tube Of Titanium White (William Anastasi); Tree Bones (Carl Andre); I Like America And America Likes Me (Joseph Beuys); Kunst Kick e Sculpture In Three Parts (Chris Burden); The Perfect Love Letter (James Lee Byars); Present Continuos Past (S) e Opposing Mirrors And Monitors In Time Delay (Dan Graham); L’Esprit De Notre Temps: Assemblages, Collages, Photo-Montages (Raoul Hausmann); Small Durand Gardens (Howard Hodgkin); Pintura Da Terra Queimada (Anselm Kiefer); A Circle In Iceland (Richard Long); Morris Louis (Hayward Gallery, Londres); Lightning Field (Walter De Maria, 1974-77); Miró: L’Oeuvre Graphique (Musée D’Art Moderne De La Ville De Paris); Eduard Munch 1869-1944 (Hayward Gallery, Londres; Musée National d’Art Moderne, Paris); Buda TV / TV Garden 1974-78 (Nam June Paik); Psyche (Gina Pane); Sem Título (Giuseppe Penone); SOS Starification Object Series (Hannah Wilke, 1974-82).

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25 abril Golpe militar — Revolução “dos Cravos”. O aeroporto e os bancos são encerrados.

26 abril Rendição da PIDE/DGS. Apresentação da Junta de Salvação Nacional ao país através da televisão. Marcelo Caetano, Américo Tomás e outros elementos afetos ao antigo regime são enviados para a Madeira por ordem do MFA. Libertação dos presos políticos de Caxias e Peniche.

27 abril Apresentação do Programa do Movimento das Forças Armadas.

28 a 30 abril Regresso dos líderes do Partido Socialista (Mário Soares) e do Partido Comunista Português (Álvaro Cunhal). Os bancos e o aero-porto reabrem a 29.

Maio Fundação do PPD (Partido Popular Democrático, futuro PSD-Partido Social Democrático).

1 maio Manifestação do 1º de Maio, em Lisboa, com cerca de 500.000 pessoas. Outras grandes manifestações decorrem nas principais cidades do país.

4 maio Manifestação de boicote ao embarque de soldados para as colónias (organizada pelo MRPP), contra a manutenção de militares em terri-tórios africanos até final das negociações com vista à independência dos mesmos.

6 maio Proposta de cessar-fogo por Portugal aos movimentos nacionalistas das colónias africanas.

15 Maio Presidente da República o General António Spínola, eleito pela Junta de Salvação Nacional.1º Governo Provisório: 1º Ministro, Adelino da Palma Carlos.

20 maio Américo Tomás e Marcelo Caetano partem para o exílio no Brasil.

25 maio Início das conversações com o PAIGC para a paz na Guiné-Bissau.

27 maio Primeiro Salário Mínimo Nacional: 3300$00.

Maio-junho Conflitos laborais em grandes empresas portuguesas como Lisnave, Timex, CTT. Início do movimento popular de ocupações de casas desabitadas que dura vários meses. A Junta de Salvação Nacional legaliza, em 19 de Maio, ocupações já verificadas e proíbe novas ocupações.

6 junho Conversações preliminares com a Frelimo, em Lusaka, com vista à independência de Moçambique.

12 e 22 junho Abertura às mulheres das carreiras de magistratura judicial, mi-nistério público e funcionários da Justiça e carreira administrativa local.

7 julho Abertura às mulheres da carreira diplomática.

8 julho Criado o COPCON, dirigido por Otelo Saraiva de Carvalho.

18 julho 2º Governo Provisório: 1º Ministro, Vasco Gonçalves.

19 julho É fundado o CDS.

27 julho Spínola reconhece o direito à independência das colónias africanas.

Julho-agosto Greves da Mabor, Tap, Sogantal e Jornal do Comércio.

8 agosto Motim de ex-agentes da PIDE/DGS presos na Penitenciária de Lisboa.

11 agosto Golpe em Timor-Leste.Pol

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28 agosto Promulgação da Lei da Greve.

7 setembro Acordo de Lusaka para a independência de Moçambique. Tentativa de tomada de poder pelas forças neocolonialistas em Lourenço Marques / Maputo.

10 setembro Reconhecimento por Portugal da independência da Guiné-Bissau, declarada unilateralmente por esta em 24 de setembro de 1973 e já reconhecida por 84 países em maio de 74.

28 setembro Tentativa de golpe “da maioria silenciosa”, de índole conservadora.

30 setembro Em substituição do General António de Spínola, é Presidente da República o General Francisco da Costa Gomes, eleito pela Junta de Salvação Nacional.

30 setembro 3º Governo Provisório: 1º Ministro, Vasco Gonçalves.

6 outubro Perante a grave crise financeira, o 1º Ministro propõe “Um dia de trabalho para a Nação”.

15 novembro Abolidas restrições baseadas no género quanto à capacidade elei-toral dos cidadãos.

7 dezembro O Governo institui o pagamento do 13º mês aos pensionistas do Estado.

9 dezembro Recenseamento eleitoral para as primeiras eleições livres.

13 dezembro Os EUA concedem a Portugal um importante empréstimo financei-ro no âmbito de um plano de ajuda económica a Portugal.

Abril-dez. Aumento generalizado de salários e apoios sociais, direitos no tra-balho e férias, subsídio de férias e de Natal; diminuição das diferen-ças salariais e das discriminações.

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6 maio Reunião na Fundação Gulbenkian organizada pela Sociedade Portuguesa de Autores para debate da situação do teatro português. É constituída uma Comissão que gera a CCAT — Comissão Consultiva para as Actividades Teatrais (existe de set. de 1974 a nov. de 1975 na Direcção-Geral da Cultura Popular e Espectáculos do Ministério da Comunicação Social).

2 julho Fernando Mamede bate o record mundial dos 10 mil metros.

6 agosto É criado o SAAL (Serviço Ambulatório de Apoio Local), campa-nha para a área da habitação social, que congrega inúmeros arquitetos portugueses como Siza Vieira e Alves Costa, vindo a destacar-se as intervenções no Barredo (Porto), Évora e Setúbal.

27 outubro Campanhas de Dinamização Cultural (iniciativa do Governo e ação da 5ª Divisão do EMGFA), visando colocar as Forças Armadas ao serviço de um projeto de desenvolvimento cultural do país.

11 novembro O Serviço Cívico Estudantil é estabelecido pelo Ministério da Educação e Cultura como ano anterior ao ensino superior, vi-sando o apoio a iniciativas de alfabetização e educação sanitária das populações.

Ainda este ano: O Sporting vence o Campeonato Nacional de Futebol e a Taça de Portugal. Héctor Yazalde é o melhor marcador.

Livros: Escrita da Terra e Outros Epitáfios (Eugénio de Andrade); Um Verão Assim (Mário Cláudio); Uma Estátua Para Herodes (Natália Correia); Sonetos do Cativo (David Mourão Ferreira); Ana (Maria Teresa Horta); Estamos no Vento (Fernando Namora); Perdas e Danos (Urbano Tavares Rodrigues); Conheço o Sal... e Outros Poemas (Jorge de Sena).

Música: Coro dos Tribunais (José Afonso); 2 Sonetos de Camões Op 39 e Sonata nº4 — Sonata Buffa Op 40 (António Victorino de Almeida); E Depois do Adeus (Paulo de Carvalho); Pró Que Der e Vier (Fausto); À Queima-Roupa (Sérgio Godinho); Fantasia Sobre Um Canto Religioso da Beira Baixa (Fernando Lopes Graça); Recitativo IV, Recitativo IV 25 De Abril em Portugal, Coral, Sucessões Simétricas III, In-Con-Sub-Sequência (Jorge Peixinho). Reportagem (Filipe Pires); Choral Compositions On Classic Castilian Poems (Joly Braga Santos).

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Teatro/dança484:1A Excepção e a Regra (Academia Almadense); Pides na Grelha (Adoque — Cooperativa de Trabalhadores de Teatro, Teatro Adóque); Homem, Escravo ou Animal? (Bloco — Companhia de Teatro Livre, Teatro Capitólio); Um Barco Para Ítaca (Casa da Comédia); A Ceia II (Comuna — Teatro de Pesquisa, Fábrica de Cervejas Portugália); Cegada (Comuna — Teatro de Pesquisa, Feira de Belém); O Canto do Papão Lusitano (Conjunto Cénico Caldense); A Traição do Padre Martinho (Companhia de Comediantes Rafael de Oliveira, Teatro Maria Matos); Português, Escritor, 45 Anos

484 Segundo Carlos Porto e Salvato Teles de Menezes “ Na noite de 24 para 25 de Abril de 1974, estavam em cena em Lisboa os seguintes espetáculos, para além de outros que não se apresentaram, por ser dia de descanso das companhias: Doroteia, de Nelson Rodrigues, na Casa da Comédia; A Menina Alice e o Inspector, de Robert Thomas, no Teatro Capitólio; Zoo Story, de Edward Albee, no Teatro Laura Alves; Morte de um Caixeiro Viajante, de Arthur Miller, no Teatro Maria Matos; Sábado, Domingo e Segunda-feira, de Eduardo de Filippo, no Teatro da Trindade; Uma Rosa ao Pequeno-Almoço, de Barillet e Grédy, no Teatro Variedades; A Dama de Copas e o Rei de Cuba, de Timochenko Wehbi, no Teatro Villaret.” PORTO, Carlos; MENEZES, Salvato Teles de (1985). 10 anos de teatro em Portugal 1974-1984. Lisboa: Editorial Caminho, p. 15.

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de Idade (Companhia da RTP Radiotelevisão Portuguesa, Teatro Maria Matos); Do Colonialismo ao Fascismo (Grupo de Campolide); Fulgor e Morte de Joaquim Murieta (Grupo de Teatro de Campolide, Campolide Atlético Clube); Queixume (La Quadra De Sevilla); A Boneca (O Bando); Exercícios Ecológicos, Patológicos e Talvez Lógicos (Primeiro Acto — Clube de Teatro); À Pai Adão (Produções Artistas Unidos, Teatro Laura Alves); Liberdade, Liberdade (Prod. Raúl Solnado, Teatro Villaret); Frou-Frou: Esta Noite Às 11 (Produções Sérgio de Azevedo, Frou-Frou); A Pedra no Sapato (Produção Vasco Morgado, Teatro Monumental); A Seiva Conta Catarina na Luta do Povo (Seiva Trupe, Centro Cristão da Mocidade); Lisboa 72-74 (TEL — Teatro Estúdio de Lisboa, Teatro Vasco Santana); Homo-Dramaticus (TEP — Teatro Experimental do Porto, Teatro António Pedro); Uma no Cravo, Outra na Ditadura (Teatro ABC); Terror E Miséria No III Reich (Teatro da Cornucópia, Incrível Almadense); Autos Sacramentais (Teatro Ruth Escobar); Ó Pá, Pega na Vassoura (Tequipa, Teatro Variedades).

Cinema: Falamos de Rio de Onor (António Campos); Cartas na Mesa (Rogério Ceitil); Derrapagem (Constantino Esteves); Júlio de Matos... Hospital? (José Carlos Marques); Eusébio, A Pantera Negra (Juan de Orduña); Jaime (António Reis); Brandos Costumes (Alberto Seixas Santos); Meus Amigos (António da Cunha Telles); Adeus, Até Ao Meu Regresso (António-Pedro de Vasconcelos).

Arquitetura: 1 maio de 1974 — moradores do bairro camarário de S. João de Deus (Porto) entregam no Quartel-General da Região Norte um caderno reivindicativo so-bre necessidades e políticas de habitação, já com casos de ocupações de casas em curso quer no Porto, quer em Lisboa; 16 a 18 de junho de 1974 — reuniões de arquite-tos e técnicos do Fundo de Fomento de Habitação no Teatro S. Luís, Lisboa, que des-poleta a saída de um despacho de Nuno Portas que assinala a preparação do SAAL; o Processo SAAL (Serviço de Apoio Ambulatório Local) é oficializado por decreto a 6 de agosto de 1974, congregando arquitetos, engenheiros, juristas, geógrafos e moradores, e vai decorrer até 1977; o I Governo Provisório estabelece o Programa Cooperativo da Habitação e, nesse sentido, o III Governo Provisório publica em de-zembro o Decreto-Lei nº 737-A/74. Obras: Conclusão da Casa Marques Guedes (Alexandre Alves Costa e Camilo Cortesão); conclusão da Agência do Banco Pinto e Sotto-Mayor, Oliveira de Azeméis, casa em Azeitão e galeria de arte no Porto (Siza Vieira); conclusão da Habitação Weinstein (1969-1974, Manuel Vicente) e da construção parcial do bloco de habitação social em Chelas (1970-74, Manuel Vicente e Vicente Bravo Ferreira); projeto do Bairro da Sé, Porto, SAAL/Norte (Carlos Guimarães, José Manuel Gigante, Carlos Prata e Henrique de Carvalho); projeto do Bairro da Estrada Militar, Sintra, SAAL/Lisboa e Centro Sul (Duarte Nuno Simões); projeto do Bairro do Alto dos Moinhos, Lisboa, SAAL/Lisboa e Centro Sul (Justino de Morais); projeto do Bairro de S. Pedro da Cova, Gondomar, SAAL/Norte (Manuel Correia Fernandes); projeto do Bairro da Bela Vista D. João IV, Porto, SAAL/Norte (Mário Trindade); projeto do Bairro do Condado (Zona J de Chelas), com a Escola Básica do 1º Ciclo nº 54 e Jardim de Infância de Marvila nº 3 (Antónia Pimenta, Madalena Peres, Tomás Taveira, Victor Consiglieri e Ferreira dos Santos); de-correm a reabilitação do Convento/ Pousada de Santa Marinha (1972-85), Guimarães (Fernando Távora), e o projeto da Universidade da Beira Interior (1973-2003), Covilhã (Bartolomeu da Costa Cabral).

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Maio Criação do Movimento Democrático dos Artistas Plásticos.Exposição de Gravura Internacional na SNBA — De Dürer a Picasso e Leal da Câmara na Galeria S. Mamede.

28 Maio Invasão do Palácio Foz por artistas do Movimento Democrático dos Artistas Plásticos e cobertura da estátua de Salazar.

10 Junho Festa popular em Lisboa, no Mercado do Povo, com pintura de painel por 48 artistas e ações paralelas. “Enterro” do Museu Soares dos Reis no Porto.

Julho Entrega pela SNBA no Ministério de Educação e Cultura (do qual de-pende a Secretaria de Estado dos Assuntos Culturais e Investigação Científica a cargo de Maria de Lurdes Belchior) de um texto com re-comendações para a política cultural.

Agosto O Manifesto de Vigo é subscrito por inúmeros artistas nortenhos. I Encontro Internacional de Arte (Valadares) organizado por Jaime Isidoro (Grupo Alvarez) e Egídio Álvaro e a revista Artes Plásticas na Casa da Carruagem.

Outubro Têm início as Campanhas de Dinamização Cultural organizadas pelo MFA, com participação de artistas. Reabertura dos cursos nas Escolas Superiores de Belas Artes com novos planos de estu-dos em Artes Plásticas e Design, no caso de Lisboa após criação de Departamento separado de Arquitetura. Primeira Comissão Nacional Consultiva de Artes Plásticas no Ministério da Comunicação Social.

Novembro Proposta de Fernando Pernes de implementação de um Centro de Arte Contemporânea no Porto.

Ainda este ano: Muitos artistas regressam a Portugal. Crise do mercado da arte, com encerramento de galerias privadas. Salette Tavares é Presidente da AICA Portuguesa. O Congresso da AICA (Associação Internacional dos Críticos de Arte), realizado na República Democrática da Alemanha, decide que o Congresso de 1976 se realizará em Portugal. É publicado o livro Arte em Portugal do Século XX, de José Augusto França.

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Algumas exposições: Alberto Carneiro (Círculo de Artes Plásticas de Coimbra, Coimbra); Abel Salazar, Arte Tradicional Japonesa Na Actualidade, Gabriel Fauré 1845-1924, João Paulo, XIII Prémio Internacional De Desenho Joan Miró (Fundação Calouste Gulbenkian); Jorge Martins, Lindström, Nikias Skapinakis (Galeria 111); João Dixo (Galerie L55, Paris; Galeria Alvarez, Porto); Nadir Afonso: Aesthetic Synthesis, Babou (Galeria Alvarez, Porto); Domingos Pinho (Galeria Alvarez-Dois, Porto); Alberto Carneiro (Galeria ARCO); Henrique Manuel, Jorge Vasconcelos (Galeria Buchholz); Albino Mendes Moura (Galeria Diário de Notícias); 9 Pintores da Escola de Paris, Barros, C. Calvet, Cargaleiro/Lemos/Nikias/Sena: Cinco Pintores Portugueses em Paris/Barcelona/Lisboa/Porto, J. Nascimento (Galeria Dinastia); Álvaro Lapa: O Réseau Teórico e o Castelo de Bragança, Maria José Aguiar (Galeria Espaço, Porto); Patrick Caulfield: Imagens Para 12 Poemas de Jules Laforgue e Outras Serigrafias, Paula Rego (Galeria da Emenda); Equipo Cónica/Canogar/Feito, Isabel Laginhas, Teresa Magalhães: Pinturas (Galeria S. Francisco); Luís Camacho (Galeria Futura); Ana Hatherly: Pintura e Desenho, David Hockney/Peter Blake/Patrick Procktor: Gravuras e Serigrafias, George d’Almeida, José Vaz Vieira (Galeria Judite da Cruz); Carlos Botelho: Óleos Recentes, Charters de Almeida, Cícero Dias, Isabel Meireles, Maias Para o 25 De Abril, Maria Fernanda, Pinturas de Patrick Swift (Galeria S. Mamede); Ana Hatherly (Mini Galeria, Porto); Maria Gabriel (Galeria Opinião); Guilherme Parente, Karel Appel, Vasarely, Vasco Costa: Pintura, Vieira da Silva: Gravuras e Litografias (Galeria Quadrum); Henrique Ruivo, Manuel de Oliveira (Galeria Zen, Porto); D’Assumpção: Obras Desconhecidas, Lima Carvalho, Man: Desestruturas (Galeria Ottolini); Anotações Plásticas do Meu Dia a Dia por Hein Semke (Palácio Foz, Lisboa); Desenho e Serigrafia de Rogério Ribeiro, Nadir Afonso Pintura (Prisma 73); Desenhos de José Cândido, Garizo do Carmo, Gouaches de Albano Portocarrero 1898-1952, Gravura Contemporânea, Pinturas de Inácio Matsinhe, Pinturas de Victor Palla (Secretaria de Estado da Cultura); AICA 74, Desastres e Misérias da Guerra:

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De Dürer a Picasso — Gravura, Desenho e Pintura de Arlindo Vicente, Exposição de Gravura, Exposição de Pintura Ard Janssen, Leal da Câmara: Panfletário Republicano, Manuel Casimiro, Matos Cardoso: Colagem, Salão de Março (SNBA).

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Fevereiro Margaret Thatcher é a primeira mulher eleita líder dos conservadores em Inglaterra. Polémica em Itália sobre o direito ao aborto.

Abril O presidente Lon Nol do Camboja foge dos Khmer Vermelhos, que ocupam Phnom Penh. Início da primeira fase (até 77) da guerra no Líbano após conflitos entre falangistas cristãos e palestinos. Nguyen Van Thieu, último presidente do Vietname do Sul, demite-se ao fim de 10 anos. O Presidente Ford anuncia o fim da intervenção americana na guerra do Vietname.

Maio Israel assina acordo comercial com a CEE. A França denuncia a exis-tência de refugiados em massa no Camboja. Início em Stuttgart do julgamento dos Baader-Meinhof (termina em agosto).

Junho James A. Healy é o primeiro negro eleito Bispo católico. Reabertura pelo Presidente egípcio Anwar Al Sadat do Canal do Suez, encerrado desde 1967. A Inglaterra vota a adesão à CEE. É estabelecido um go-verno provisório no Vietname do Sul. O Partido Comunista vence as eleições em Itália. A 1º Ministra indiana Indira Gandhi declara o estado de emergência.

Julho Ford é o 1º presidente americano a visitar o antigo campo de concen-tração de Auschwitz.

Agosto Acordos de Helsínquia entre 35 países (incluindo a URSS) para a Paz, centrados no direito à soberania e autodeterminação, inviolabilidade das fronteiras, respeito pela liberdade e direitos humanos, culturais e religiosos. Golpes militares no Paquistão e no Bangladesh. Os EUA aliviam o embargo comercial a Cuba.

Setembro A Papua Nova Guiné torna-se independente da Austrália. Diploma legal possibilita o acesso das mulheres às academias militares americanas.

Outubro A Inglaterra reconhece a independência das Seichelles.

Novembro O líder da OLP Yasser Arafat discursa na ONU. A monarquia é restau-rada na Austrália. Espanha, Marrocos e Mauritânia assinam acordo sobre o Saara. Morre o General Franco e Juan Carlos é Rei de Espanha. A Holanda reconhece a independência do Suriname.

Dezembro Fundação da República do Laos. Massacre de centenas de civis em Beirute, designado como Sábado Negro, marca a guerra do Líbano, que dura até 1990. Ataque bombista no aeroporto de La Guardia, Nova Iorque.

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Abril É fundada a Microsoft (Micro Soft) por Bill Gates e Paul Allen. A Índia lança o primeiro satélite com apoio soviético.

Maio É fundada a Agência Espacial Europeia (ESA European Spacial Agency).

Junho O uso de cintos de segurança nos automóveis torna-se obrigató-rio na Holanda.

Julho Descobertas na China 8000 esculturas de guerreiros em terra-cota. Missão Apollo 18 — Soyuz 19, a primeira ação espacial con-junta EUA-URSS.

Setembro A campeã de ténis checa Martina Navratilova solicita asilo políti-co aos EUA. A Ronda da Noite, pintura de Rembrandt, é vandali-zada em Amsterdão.

Novembro 1º concerto dos Sex Pistols. Erupção do vulcão Kilauea no Hawai.

Dezembro Prémio Nobel: da Paz, Andrei D. Sakharov (USSR); da Literatura, Eugenio Montale (poesia).

Ainda este ano: Benoît Mandelbrot cunha o termo “fractal” para designar certas repe-tições geométricas baseadas nas ruturas verificadas nas transformações em estrutu-ras. Descoberta das endorfinas. Importantes descobertas por Cesar Milstein e colabo-radores no campo da genética.

Música popular: Mamma Mia / SOS / I Do, I Do, I Do, I Do (Abba); Sweet Emotion / Walk This Way (Aerosmith); Young Americas / Fame (David Bowie); L’Été Indien (Joe Dassin); This Will Be (Natalie Cole); Please Mr. Postman (The Carpenters); I’m Not In Love (10cc); You Sexy Thing (Hot Chocolate); Hurricane (Bob Dylan); Take It To The Limits (Eagles); Sud (Nino Ferrer); Welcome To The Machine / Wish You Were Here (Pink Floyd); Sing A Song (Earth, Wind & Fire); Refazenda (Gilberto Gil); Jive Talking (Bee Gees); Hey Lovely Lady (Johnny Hallyday); Tanto Mar (Chico Buarque de Holanda); Chico Buarque E Maria Bethânia Ao Vivo (Chico Buarque de Holanda e Maria Bethânia); Rock (Kiss); Stand By Me (John Lennon); Say You Love Me / Over My Head (Fleetwood Mac); Mandy (Barry Manilow); Love Is The Drug (Roxy Music); The Hustle (Van Mccoy); Promised Land (Elvis Presley); Bohemian Rhapsody (Queen); Sweet Thang (Chaka Khan Rufus); Gloria (Patti Smith); Thunder Road / Born To Run (Bruce Springsteen); Love To Love You Baby (Donna Summer); Laughter In The Rain (Neil Sekada); Jóia / Qualquer Coisa (Caetano Veloso); Kashmir (Led Zeppelin).

Filmes: Nem Guerra, Nem Paz (W. Allen); Nashville (R. Altman); Profissão Repórter (M. Antonioni); O Regresso da Pantera Cor de Rosa (B. Edwards); Voando Sobre um Ninho de Cucos (M. Forman); Emmanuelle — A Anti-Virgem (F. Giacobetti); Monty Python e o Cálice Sagrado (T. Gilliam; T. Jones); História de O (J. Jaeckin); Barry Lyndon (S. Kubrick); Um Dia de Cão (S. Lumet); Lua Negra (L. Malle); Salò ou os 120 Dias de Sodoma (P. P. Pasolini); Os Três Dias do Condor (S. Pollack); Funny Lady (H. Ross); Tommy (K. Russell); Tubarão (S. Spielberg); O Espelho (A. Tarkovski); A História de Adèle H. (F Truffaut); A Terra da Grande Promessa (A. Wajda); Movimento em Falso (W. Wenders).

Livros: Without Feathers (Woody Allen); Humboldt’s Gift (Saul Bellow); A Rosa Profunda / O Livro de Areia (Jorge Luís Borges); Notes Sur Le Cinématographe (Robert Bresson); Cai o Pano - O Último Caso de Poirot (Agatha Christie); Kafka. Pour Une Littérature Mineure (Gilles Deleuze); Feliz Ano Novo (Rubem Fonseca); Vigiar e Punir: O Nascimento da Prisão (Michel Foucault); Terra Nostra (Carlos Fuentes); O Tao da Física (Fritjov Kapra); A Hora do Vampiro (Stephen King); Voyages de L’autre Côté (Jean-Marie Gustave Le Clézio); The Fight (Norman Mailer); Mystery Train:  Images of America in Rock ‘N’ Roll Music (Greil Marcus); O Outono do Patriarca (Gabriel García Márquez); W Ou Le Souvenir d’Enfant (Georges Perec); Letters Home. Correspondence 1950-1963 (Sylvia Plath); The Female Man (Joanna Russ); L’Esthétique de la Résistance (Peter Weiss); The Painted Word (Tom Wolfe).

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Laura Mulvey publica Visual Pleasure, Narrative Cinema e Andy Warhol publica The Philosophy of Andy Warhol.

Algumas Exposições e Obras Relevantes: Industrial Façades (Bernd & Hilla Becker, 1975-1995); La Salle Blanche (Marcel Broodthaers); White Light, Black Light (Chris Burden); The Perfect Epitaph (James Lee Byars); Die Collage in Der Kunst Der DDR (Staatliche Museen, Berlin); Hommage à Corot: Peintures et Dessins Des Collections Françaises (Musée de l’Orangerie des Tuileries, Paris); Untitled (For Ellen) (Dan Flavin); Henry Füssli 1741-1825, (Tate Gallery, Londres); Arshile Gorky: Paintings And Drawings (Arts Council, Londres); 11a Mednarodni Bienale Grafike = 11a Biennale Internationale De Gravure = 11a International Biennial Of Graphic Art (Lubliana); Head (Philip Guston); My Parents and Myself (David Hockney); Black Line Volume (Robert Irwin); Post-Partum Document — Documentation V (Mary Kelly); Land Of Lakes (R. B. Kitaj); Untitled (Janis Kounellis); Nu Descendo uma Escada. Duchampiana (Shigeko Kubota, 1975-76); Conical Intersect (Gordon Matta-Clark); Sailor’s Meat (Paul Mccarthy); Sonata For A Red Fish (Nam June Paik); The Screaming Nun (Linda Montano); From Hand to Mouth (Bruce Nauman); Paul Nash: Paintings and Watercolours (Tate Gallery, Londres); Ausée, la Ville Noire (Anne E Patrick Poirier); Dance For A Woman (Ulrike Rosenbach); Interior Scroll (Carolee Schneemann); Richard Smith: Seven Exhibitions 1961-75, (Tate Gallery, Londres); Tàpies: Peintures Gouaches (Galerie Maeght, Paris); 7e Biennale Internationale de la Tapisserie de Lausanne (Musée Cantonal des Beaux-Arts, Palais de Rumine, Lausana); Des Tapisseries Nouvelles (Musée des Arts Decoratifs, Paris); Vostell: Retrospektive 1958-1974 (Neuer Berliner Kunstverein).

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15 janeiro Acordos de Alvor para a independência de Angola, entre o Governo Português e os Movimentos de Libertação Angolanos.

2 fevereiro A ocupação da herdade do Picote marca o início da Reforma Agrária.486

7 fevereiro Grande manifestação em Lisboa contra o desemprego e a NATO.

21 fevereiro Programa de transição para a recuperação económica por Melo Antunes.

11 março Tentativa de golpe militar conservador em consequência de divisões entre oficiais do MFA. Spínola foge para Espanha.

12 março Criação do Conselho da Revolução em substituição da Junta de Salvação Nacional, que é extinta. Início das nacionalizações da banca, seguros, transportes.

26 março 4º Governo Provisório: 1º Ministro Vasco Gonçalves.

11 abril Acordo entre os partidos (PS, PPD, PCP, CDS, MDP/CDE e FSP) e o MFA reconhecendo a intervenção dos militares no poder durante um período de 3 a 5 anos.

16 abril: Decreto-Lei promulga a nacionalização das principais empresas na indústria, transportes e comunicações.

25 abril Eleições para a Assembleia Constituinte (ver resultados no Quadro A)

19 maio Caso República: os trabalhadores insurgem-se contra a direção do jornal por Raúl Rego, que consideram demasiado próxima do PS.

25 maio Ocupação da Rádio Renascença pelos trabalhadores.

6 junho Primeira Manifestação da FLA (Frente de Libertação dos Açores) em Ponta Delgada.

Junho Portugal regressa à UNESCO através da recém-criada Missão Permanente.

25 junho Independência de Moçambique.

29 junho Fuga de 89 agentes da ex-PIDE/DGS da prisão de Alcoentre.

5 julho Independência de Cabo Verde.

8 julho Documento Aliança POVO/MFA. Para a construção da sociedade so-cialista em Portugal.

12 julho Independência de S. Tomé e Príncipe.

13 julho Assalto à sede do PCP em Rio Maior inicia uma série de ataques con-tra partidos de esquerda no que virá a ser chamado Verão Quente.

16 julho Abandono do PS do governo, após manifestações de protesto convo-cadas pelo partido e pelo PPD.

7 agosto Documento Melo Antunes apoiado pelo grupo dos Nove, militares de fação moderada.

486 António Barreto estima que, em consequência dela, passaram para o controle de unidades coletivas de produção cerca de 1 milhão e 200 mil hectares de terras, o correspondente a 14% do país ou 25% da área agrícola útil. In BARRETO, António (1986). Anatomia de uma Revolução — A Reforma Agrária no Alentejo, 1974-76. Lisboa: Publicações Europa América. P

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8 agosto 5º Governo Provisório: 1º Ministro Vasco Gonçalves.

10 agosto Afastamento de Melo Antunes e outros militares moderados do Conselho da Revolução.

12 agosto Documento do COPCON, apologista de uma democracia de base.

20 agosto Assalto à sede do MDP-CDE no Porto487.

Agosto Autodenominado Exército de Libertação do Arquipélago da Madeira reclama a Madeira para os madeirenses. Ataque a Timor pela Indonésia e luta armada pela FRETILIN. Confrontos violentos em Angola (Lobito) entre o MPLA, a FNLA e a UNITA. Chegam a Lisboa mais de 3000 refugiados de Timor e a ponte aérea traz centenas de refugiados de Angola diariamente, onde os conflitos se acentuam. A África do Sul invade o Sudoeste de Angola. Há ataques e destruição de sedes de partidos de esquerda no continente e ilhas.

10 setembro Desvio de mil armas G3 do depósito de Beirolas.

11 setembro Manifestação dos SUV (esquerda radical).

19 setembro 6º Governo Provisório: 1º Ministro Almirante Pinheiro de Azevedo.

21 e 22 set. Nacionalizações da Setenave e dos estaleiros de Viana do Castelo.

Setembro a novembro

Crise política e militar, com inúmeras ocupações, manifestações e novas medidas (SUV de novo, perda de poder do COPCON, assalto à Embaixada de Espanha contra a execução de nacionalista bascos pela ditadura de Franco, explosão do emissor da Rádio Renascença, desocupação desta, confrontos de Rio Maior entre a CAP e represen-tantes das cooperativas agrícolas, etc.)

10 nov. Independência de Angola.

12 nov. Cerco do Palácio de S. Bento e sequestro dos deputados por trabalha-dores da construção civil.

20 nov. Substituição de Otelo Saraiva de Carvalho por Vasco Lourenço no Conselho da Revolução.

487 Artigo da imprensa não especificado em EPHEMERA Biblioteca e Arquivo de José Pacheco Pereira: [em linha]. Disponível em: http://ephemerajpp.com/2015/01/15/assalto-a-sede-do-mdp-cde-no--porto-20-de-agosto-de-1975/ [Consult. 12 fev. 2015]. Vídeo em http://videos.sapo.pt/bKGA59SHJYD9zRglIZ99 [Consult. 12 fev. 2015].P

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25 a 27 novembro

Terminam as Campanhas de Dinamização Cultural, depois da lei que assim determina ter sido assinada em Agosto pelo PR.Há uma crise político-militar com ocupação de bases militares cuja gravidade determina a instauração do estado de sítio pelo Presidente da República, General Costa Gomes. Ocupação de bases militares aéreas e do Monsanto por paraquedistas de Tancos na véspera pas-sados à reserva, o que é considerado indício de preparação de golpe militar da esquerda radical; ação militar mediada pelo Presidente da República, que promulga o estado de sítio; prisão dos revoltosos com algumas vítimas mortais; Carlos Fabião e Otelo Saraiva de Carvalho são destituídos dos postos que ocupam e Ramalho Eanes é Chefe do Estado Maior das forças Armadas. A Rádio Renascença, ainda ocupa-da pelos trabalhadores, é devolvida à Igreja Católica.

28 novembro Fim do estado de sítio e retoma de funções do Governo, que promete o direito de reserva a proprietários de terras ocupadas.

7 dezembro A Indonésia invade e ocupa Timor-Leste.

Primeiras eleições livres: resultados

QUADRO AEleições para a Assembleia Constituinte 25 de abril de 1975

Partidos mais votados

Percentagem Deputados

1 PS 2 162 972 37,87% 116

2 PPD 1 507 282 26,39% 81

3 PCP 711 935 12,46% 30

4 CDS 434 879 7,61% 16

5 MDP/CDE 236 318 4,14% 5

Abstenção 8,34%P

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4 abril Jean Paul Sartre visita Portugal e profere uma conferência na Universidade de Coimbra.

27 maio O divórcio, possível em Portugal desde a implantação da República e interdito desde 1940 para quem tivesse casado pela igreja católica, é alvo de renegociação da Concordata entre Portugal e o Vaticano, sendo publicada a Lei do Divórcio.

30 maio É Instituído o Serviço Cívico Estudantil.

22 dezembro O jornal República é encerrado.

28 dezembro A Rádio Renascença é entregue à Igreja.

O Benfica vence o Campeonato Nacional de Futebol. O Boavista ganha a Taça de Portugal.

Música: In Memoriam Béla Bartók (Fernando Lopes Graça); Que Nunca Mais (Adriano Correia de Oliveira); Epifonia Op 41, 3 Canções de Épiro Op 42 sobre Herberto Hélder, Sonata nº5 Op 43 (António Victorino de Almeida); Diálogos (Filipe Pires); ... E isto é só o início, hein?, Madrigal I, Luís Vaz 73, Mariana Pineda (Jorge Peixinho); 2 Motets (Joly Braga Santos).

Livros: Antologia (Sophia de Mello Breyner Andresen); Poemas A Rebate (Natália Correia); Educação Sentimental (Maria Teresa Horta); As Pessoas Felizes (Agustina Bessa Luís); A Nave De Pedra (Fernando Namora); Diário Da Ausência (Urbano Tavares Rodrigues); O Ano De 1993 (José Saramago).

Teatro/dança: A C.I.A. Dos Cardeais / Pedro E O Lobo (Adóque, Teatro Adóque); Mostra-Me A Tua... Piscina! (Bloco — Companhia de Teatro Livre, Teatro Capitólio); Aventuras E Desventuras Dos Heróis Castrados (Casa da Comédia); As Espingardas Da Mãe Carrar (Casa da Comédia e Grupo de Teatro de Mem Martins); A Noite Do 28 De Setembro / O Soldado Raso / As Duas Caras Do Patrão / Lux In Tenebris / O Sr. Puntilla E O Seu Criado Matti (Centro Cultural de Évora, Teatro Garcia de Resende, Évora); Era Uma Vez... (Comuna, Fábrica de Cervejas Portugália); Como O Sr. Mòkimpòte Se Libertou Dos Seus Tormentos (Grupo 4, Instituto Alemão); A Investigação (Grupo 4, Teatro da Trindade); Galileu Galilei (Grupo Oficina De Samba); Mariana Pineda (Grupo Teatro Hoje, Sociedade Portuguesa De Autores); Seara De Vento / Legenda Do Cidadão Miguel Lino / Schweik Na Segunda Guerra Mundial (Grupo de Teatro da RTP — Radiotelevisão Portuguesa, Teatro Maria Matos); O Ovo (O Bando); História Exemplar De Um Traficante De Armas E Campeão Da Ordem Nova (Os Bonecreiros, Casa da Cultura da Zona Oriental de Lisboa — Moscavide); Da Vida Heróica Da Burguesia: As Cuecas (Os Cómicos, Instituto Alemão); A Noite Dos Assassinos / A Mandrágora / Viva O Circo (Os Cómicos, Teatro do Bairro Alto); Garotas No Espeto (PAU — Produções Artísticas Universais, Teatro Laura Alves); P’ra Trás Mija A Burra / Afinal Como É? (Produções Sérgio de Azevedo, Teatro ABC); Lisboa Acordou (Produções Vasco Morgado, Teatro Monumental); A Brincar Se Vai Ao Longe / Aqui É Que A Porca Torce O Rabo (Seiva Trupe); O Palheiro (Taller de Teatro de Barcelona); A Maratona (TAS — Teatro de Animação de Setúbal); Pequenos Burgueses (Teatro da Cornucópia, Teatro do Bairro Alto); Trapos E Rendas (Teatro Estúdio de Lisboa, T. Vasco Santana); Cerimonial Para Um Combate (Teatro Experimental de Cascais, Teatro S. Luiz); Brecht 2 / O Soldado E O General / Opera Mundi (Teatro Experimental do Porto, Os Modestos); Greve Dos Choferes / O Insecticida (Teatro do Nosso Tempo); Teatro Negro De Praga (Teatro Negro de Praga).

Cinema: Gente Da Praia Da Vieira / A Festa (António Campos); Lerpar (Luís Couto); Índia (António Faria); O Funeral Do Patrão / Lisboa, O Direito À Cidade (Eduardo Geada); Cântico Final (Manuel Guimarães); Fátima Story / O Rico, O Camelo E O Reino Ou O Princípio Da Sabedoria (António de Macedo); Que Farei Eu Com Esta Espada? (João César Monteiro); Benilde Ou A Virgem Mãe (Manoel de Oliveira); Deus, Pátria, Autoridade (Rui Simões); Cooperativa Agrícola Torre Bela / Liberdade Para José Diogo (Luís Galvão Teles); As Armas E O Povo (Trabalhadores da Produção de Cinema e Televisão); Emigr/Antes... E Depois? (António-Pedro Vasconcelos).

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ANEXOS381

Arquitetura: Escola Paula Frassineti (Porto), remodelação da Casa Calém (Porto) e pro-jeto do Restaurante do Pico do Areeiro, Funchal (Álvaro Siza Vieira); ISCTE Instituto Superior Ciências Trabalho e Empresa, Cidade Universitária de Lisboa (Prémio Valmor, Raúl Hestnes Ferreira). Construções iniciadas: Bairro de Alfornelos, Oeiras, SAAL/Lisboa e Centro Sul (José Manuel da Cruz Henriques e Eduardo Osório Gonçalves); Bairro das Antas, Porto, SAAL/Norte (Pedro Ramalho); Bairro do Alvor, Portimão, SAAL/Algarve (José Veloso); Bairro da Boavista, Porto, SAAL/Norte (João Araújo Resende e João Godinho); Bairro de Burgau, Vila do Bispo, SAAL/Algarve (José Veloso); Bairro de Canal Caveira, Grândola, SAAL/Lisboa e Centro Sul (Manuel Taínha); Bairro de Carcavelos, Matosinhos, SAAL/Norte (Joaquim Manuel Bento Lousan); Bairro do Castelo, Ferreira do Alentejo, SAAL/Lisboa e Centro Sul (Jorge Garcia); Bairro do Chão das Donas, Portimão, SAAL/Algarve (José Veloso); Bairro Coca Maravilhas, Portimão, SAAL/Algarve (José Veloso); Bairro Esperança, Beja, SAAL/Lisboa e Centro Sul (Ana Salta); Bairro do Forte Velho, Setúbal, SAAL/Lisboa e Centro Sul (Conceição Redol); Bairro da Liberdade, Setúbal, SAAL/Lisboa e Centro Sul (Luís Casal Ribeiro); Bairro da Meia-Praia — Apeadeiro, Lagos, SAAL/Algarve (José Veloso); Bairro da Praia da Luz, Lagos, SAAL/Algarve (José Veloso); Bairro Maceda Acácio, Porto, SAAL/Norte (Alcino Soutinho); Bairro de Montevil, Alcácer do Sal, SAAL/Lisboa e Centro Sul (Carlos Manuel Pereira e António Martins); Bairro Pelame, Beja, SAAL/Lisboa e Centro Sul (Ana Salta); Bairro dos Pinheirinhos, Setúbal, SAAL/Lisboa e Centro Sul (Helena Krieger); Bairro da Quintinha da Liberdade, Alcácer do Sal, SAAL/Lisboa e Centro Sul (Carlos Manuel Pereira e António Martins); Bairro da Relvinha, Coimbra, SAAL/Lisboa e Centro Sul (Carlos Almeida e Rogério Alvarez); Bairro de S. Vítor, Porto, SAAL/Norte (Álvaro Siza Vieira); Bairro de Santo António — Camarate, Loures, SAAL/Lisboa e Centro Sul (Vítor Manuel Afonso Alberto e José Manuel Reis da Costa). Projeto não construídos: projeto do Bairro da Arrábida, Porto, SAAL/Norte (José Luís Carvalho, Camilo Cortesão e José Manuel Soares); do Bairro Cândido dos Reis, Porto, SAAL/Norte (José Pulido Valente); do Bairro do Casal do Cochicho, Loures, SAAL/Lisboa e Centro Sul (Eduardo Trigo de Sousa); do Bairro da Conchada, Coimbra, SAAL/Lisboa e Centro Sul (Francesco Marconi); do Bairro da Falagueira, Oeiras, SAAL/Lisboa e Centro Sul (José Manuel da Cruz Henriques e Eduardo Osório Gonçalves); do Bairro de Fetais, Loures, SAAL/Lisboa e Centro Sul (Vítor Manuel Afonso Alberto e José Manuel Reis da Costa); do Bairro de Ilhas de Leça, Matosinhos, SAAL/Norte (António R. Gonçalves Dias); do Bairro de Miragaia, Porto, SAAL/Norte (Fernando Távora, Bernardo Ferrão e Jorge Barros); do Bairro da Parceria-Antunes, Porto, SAAL/Norte (Carlos Santos Ferreira); do Bairro do Pátio Vila Fernandes, SAAL/Lisboa e Centro Sul (Manuel Taínha); do Bairro da Prelada, Porto, SAAL/Norte (Fernando Távora); do Bairro da Quinta Grande, Lisboa, SAAL/Lisboa e Centro Sul (António A. Mendonça Gamito); do Bairro da Torre — Camarate, Loures, SAAL/Lisboa e Centro Sul (Vítor Manuel Afonso Alberto).C

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GRUPO ACRE FEZ 1974–77 382

Janeiro Criação do Grupo Puzzle: João Dixo, Carlos Carreiro, Albuquerque Mendes, Dario Alves, Armando Alves, Graça Morais, Jaime Silva, Pedro Rocha, Fernando Pinto Coelho e Gerardo Burmester.

Janeiro-Outubro Ernesto de Sousa dirige o Clube-Encontro na Galeria Opinião em Lisboa, onde organiza várias exposições com programa de teor vanguardista.

Janeiro Salão inquérito na SNBA Figuração-Hoje?

Maio Exposição Novas Pinturas em França: Práticas/Teoria na FCG.

Julho Salão inquérito na SNBA Colagem E Montagem. Exposição Levantamento Da Arte Do Século XX No Porto, Museu Nacional Soares dos Reis.

Agosto Gestão dos museus passa a depender da Direcção-Geral do Património Cultural (SEC), órgão tutelado pelo Ministério da Comunicação Social. II Encontros Internacionais de Arte, Viana do Castelo.

Outubro A III Bienal de São Paulo abre e a representação portuguesa tem Júlio Pomar, Paula Rego, Ângelo de Sousa e Eduardo Batarda Fernandes.

Novembro Exposição Levantamento da Arte Do Século XX No Porto, SNBA.

Ainda este ano: Continuam as Campanhas de Dinamização Cultural com participa-ção de artistas. Suspensão pela 5ª Divisão (EMGFA) da Exposição de Arte Moderna Portuguesa a realizar-se no Musée d’Art Moderne de la Ville de Paris. Renovação do programa do Museu Nacional Soares dos Reis, Porto, a cargo de Fernando Pernes, dan-do depois origem ao CAC (Centro de Arte Contemporânea). A Galeria Módulo abre no Porto (mais tarde, em 1979, em Lisboa). Lima de Freitas publica O Labirinto. Revolução, filme em 16mm de Ana Hatherly.

Algumas exposições mais: 300 Anos Do Cartaz Em Portugal (Biblioteca Nacional); Representação Portuguesa À XIII Bienal De São Paulo Com Júlio Pomar, Paula Rego, Ângelo De Sousa E Eduardo Batarda (Bienal de S. Paulo, Brasil); Gravure Portugaise Contemporaine 1970-1975 (Centre Culturel Portugais, Paris); Nova Pintura Em França: Práticas-Teorias, Exposição De Pintura E Gravura Contemporânea Romena, Anuszkiewicz: Pintura & Gravura, Fernando Calhau, Arte Gráfica Brasileira De Hoje, Litografias De Rainer Oehms, Soulages, Tapeçarias De Douchez-Nicola, Eduardo Batarda Fernandes (Fundação Calouste Gulbenkian); Luís Dourdil (Galeria da ESBAL); José de Guimarães (Galeria Dinastia); António Sena: Pinturas 1972-1975, Alberto Carneiro, Ângelo De Sousa: Pinturas 1971-75 (Galeria Quadrum); António Araújo: Pinturas Recentes, Lima de Freitas: Período Neo-Realista 1945-1958/ Poemas De Alexandre O’Neill (Galeria de S. Mamede); D’Assumpção (Galeria Ottolini); Janos Abkarovits (Galeria Buchholz); António Leite: Pintura (Galeria Gordillo); Pires Vieira (Galeria Opinião); Bosch: Artistas Contemporâneos E As Tentações De S. Antão (Museu Nacional de Arte Antiga); Exposições Retrospectivas de José Dias Coelho, João Baptista Rodrigues e Arlindo Vicente, Pires Vieira, Fernando Fernandes, Guilherme Parente, Exposição De Colagens: Eduardo Nery (SNBA).

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ANEXOS383

Janeiro A Venezuela nacionaliza os campos de petróleo. O Cambodja muda de nome para Kampuchea Democrática. Golpe militar no Equador.

Fevereiro Macau aprova uma constituição, a Lei Orgânica de Macau. Leonid Brezhnev abre o 25º Congresso do Partido Comunista Soviético. Encontro de Nixon e Mao Tse Tung. A Espanha abandona Ceuta e Melilla, Marrocos.

Março Queda acentuada da Libra inglesa. As tropas sul-africanas deixam Angola. O 1º Ministro inglês, Harald Wilson, demite-se. Isabel Perón é destituída por um golpe militar na Argentina, iniciando-se uma ditadu-ra até 1983 na qual há mais de 30 mil presos políticos desaparecidos.

Abril O Presidente chinês Deng Xiaoping é demitido pelo Comité Central do partido. James Callaghan é 1º Ministro inglês.

Maio Ulrike Meinhof é descoberta enforcada na cela.

Junho A Inglaterra e a Irlanda terminam a guerra fria. Revolta de Soweto na África do Sul, contra o decreto que institui o Afrikaans como língua oficial nas escolas. A Indonésia invade Timor-Leste. Enrico Berlinguer, do Partido Comunista, vence as eleições em Itália. Independência das Seichelles face ao Reino Unido.

Julho Reunificação do Vietname do Norte e do Sul. Adolfo Suarez é 1º Ministro de Espanha. A academia militar de Westpoint admite mulhe-res pela 1ª vez e inscrevem-se 119. Os EUA concluem a retirada das bases aéreas na Tailândia, possibilitando relações diplomáticas com o Vietname.

Setembro Morte de Mao Tse-Tung.

Outubro Prisão do Bando dos Quatro em Pequim, incluindo a viúva de Mao. Hua Guofeng sucede a MaoTse Tung no Partido Comunista Chinês. Trinidad e Tobago tornam-se repúblicas.

Novembro O exército sírio conquista Beirute. O Parlamento espanhol estabelece a democracia após 37 anos de ditadura.

Dezembro Fidel Castro é Presidente de Cuba, em substituição de Osvaldo Dorticós Torrado. Yitzhak Rabin, 1º Ministro israelita, demite-se. Winnie Mandela é banida da África do Sul.

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Janeiro Testes nucleares americanos no Deserto do Nevada. Testes nu-cleares chineses em Lop Nor. Testes nucleares russos. Foguete Hermes lançado pela Agência Espacial Europeia. Primeira via-gem do avião Concorde (Air France e British Airways).

Março Voando sobre um Ninho de Cucos (Miloš Forman) ganha o Óscar da Academia Americana para o melhor filme.

Abril Steve Jobs e Steve Woznik fundam a Apple Computer Company. Testes nucleares da França em Mururoa. Acordo EUA-URSS so-bre o uso da energia nuclear para efeitos pacíficos. É comercia-lizado o computador Apple I.

Maio Explosão do petroleiro Urqui Ola ao largo de Espanha. A Nasa lança o veículo espacial S-179.

Junho Bohemian Rapsody (The Queen), é disco de ouro.

Julho A U.S. Naval Academy abre o primeiro curso a mulheres. Separação dos Deep Purple. A sonda especial Americana Viking I aterra em Marte depois de 11 meses de navegação e envia fo-tos para a Terra. Terramoto em Tangshan, China, com grau 8.2 Richter, mata mais de 240 mil pessoas.

Setembro A Igreja Episcopal Americana aprova a ordenação de mulhe-res como sacerdotes e bispos. A África do Sul permite equipas multirraciais.

Set.-outubro Identificado o vírus do Ébola nas epidemias hemorrágicas no Zaire e no Sudão.

Ainda este ano: XXI Jogos Olímpicos em Montréal, Canadá. Criação do primeiro genes artificial. São comercializados os gravadores Betamax e VHS. Prémio Nobel: da Paz, Mairead Corrigan e Betty Williams (ambos da Irlanda do Norte); da Literatura, Saul Bellow; da Economia, Milton Friedman.

Livros: La Cave (Thomas Bernhard); O Livro Dos Sonhos / Obra Poética (Jorge Luís Borges); Rol De Cornudos / Diccionario Del Erotismo (Camilo José Cela); O Crime Adormecido. Miss Marple 13 (Agatha Christie); In The Heart Of The Country (John M, Coetze); The Human Factor (Graham Greene); Topologie D’une Cité Fantôme (Alain Robbe-Grillet); La Valse Aux Adieux (Milan Kundera); Los Funerales De La Mama Grande (Gabriel García Márquez); Boh (Alberto Moravia); India: A Wounded Civilization (V. S Naipul); Je Me Souviens (Georges Perec); Wilt (Tom Sharpe); 1876 (Gore Vidal).

Música: Fernando / Knowing Me, Knowing You / Dancing Queen (Abba); Dirty Deeds Done Dirt Cheap / It’s A Long Way To The Top If You Wanna Rock’n Roll (AC/DC); That’s The Way I Like It / Shake Your Body (KC & The Sunshine Band); Pássaro Proibido (Maria Bethânia); Trompe La Mort (Georges Brassens); I Love To Love (Tina Charles); If You Leave Me Now (Chicago); Gal Canta Caymmi (Gal Costa); J’Attendrai (Dalida); Hotel California (Eagles); La Femme Est L’Avenir De L’Homme (Jean Ferrat); You Should Be Dancing (Bee Gees); Meus Caros Amigos (Chico Buarque de Holanda); Requiem Pour Un Fou (Johnny Hallyday); Urubu (Tom Jobim); Don’t Go Breaking My Heart (Elton John Ft. Kiki Dee); Detroit Rock City / Beth (Kiss); Radio-Activity (Kraftwerk); Daddy Cool (Boney M.); Anarchy In The UK (Sex Pistols); The Sun Sessions / From Elvis Presley Boulevard (Elvis Presley); Somebody To Love (Queen); Blitzkrieg Bop (The Ramones); Falso Brilhante (Elis Regina); I Only Want To Be With You (Bay City Rollers); Europa (Santana); You Make Me Feel Like Dancing (Leo Sayer); Tonight’s The Night, Gonna Be Allright (Rod Stewart); Fool To Cry / Ladies And Gentleman (The Rolling Stones); Petite Demoiselle (Art Sullivan); Disco Lady (Johnny Taylor); Disco Inferno (The Tramps); Qu’Est-Ce Qui Fait Pleurer Les Blondes? (Sylvie Vartan); Silly Love Songs (Paul McCartney & Wings).

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ANEXOS385

Filmes: Buffalo Bill E Os Índios (Robert Altman); Rocky (John G. Avildsen); Face To Face (Ingmar Bergman); 1900 (Bernardo Bertolucci); A Última Loucura De Mel Brooks (Mel Brooks); Assalto À 13ª Esquadra (John Carpenter); A Morte De Um Bookmaker Chinês (John Cassavetes); Loucuras Burguesas (Claude Chabrol); A Pantera Volta A Atacar (Blake Edwards); Casanova (Federico Fellini); Intriga Em Família (Alfred Hitchcock); O Último Magnate (Elia Kazan); A Cicatriz (Krzysztof Kieślowski); A Flecha E A Rosa (Richard Lester); Network — Escândalo Na TV (Sidney Lumet); Paragem No Bairro Boémio (Paul Mazursky); Uma Questão De Tempo (Vincente Minnelli); Carrie (Brian de Palma); O Império Dos Sentidos (Nagisa Oshima); Os Homens Do Presidente (Alan J. Pakula); Bugsy Malone (Alan Parker); A Star Is Born (Frank Pierson); O Inquilino (Roman Polansky); A Marquesa De O (Eric Rohmer); O Homem Da Maratona (John Schlesinger); Taxi Driver (Martin Scorsese); A Idade Da Inocência (François Truffaut); O Inocente (Luchino Visconti); Ao Correr Do Tempo (Wim Wenders).

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GRUPO ACRE FEZ 1974–77 386

Algumas exposições e obras relevantes: Relation In Space / Talking About Similarity (Marina Abramovic e Ulay); XXXVII Bienal Internacional De Arte (Veneza); Today Is The Tomorrow You Were Promised Yesterday (Victor Burgin); André Derain (Grand Palais, Paris); Public Space/Two Audiences (Dan Graham); George Grosz 1893-1958: Teckningar Akvareller Collage (Göteborgs Konstmuseum, Noruega); David Hockney (Henie-Onstad Kunstsenter, Hovikodden, Göteborgs Konstmuseum, Göteborg, Noruega); Outside Kilburn Underground, Spring (Leon Kossof); Untitled, Silueta Series (Ana Mendieta); Unbilly II (Panamarenko); Eduardo Paolozzi: Sculpture Drawings Collages And Graphics (Arts Council, Londres); Stanley Spencer 1891-1959 (Arts Council, Londres); Skulls (Andy Warhol).

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ANEXOS387

3 janeiro A imprensa francesa contabiliza cerca de 60 mil timorenses mor-tos desde a invasão de Timor-Leste pela Indonésia.

19 janeiro Prisão de Otelo Saraiva de Carvalho na sequência do relatório sobre o 25 de novembro (é libertado por falta de provas a 3 de março).

22 janeiro Jornal A República é devolvido à anterior direção.

23 janeiro Lock-out na Timex.

26 janeiro Revisão do pacto entre os partidos e o MFA (PS, PPD, CDS e MDP/CDE).

Janeiro Ataques bombistas reivindicados pela extrema-direita (Exército de Libertação Português e Movimento Democrático de Libertação de Portugal).

7 fevereiro Ampliação do período de licença de maternidade para 90 dias.

16 março Criação das consultas de planeamento familiar nos centros de saúde.

2 abril Constituição da República aprovada pela Assembleia Constituinte.

25 abril Eleições legislativas (ver quadros B, C e D)

16 junho Abolição do direito do marido de abrir a correspondência da mulher.

27 junho Eleições presidenciais — Ramalho Eanes é eleito democratica-mente Presidente da República.

23 julho 1º Governo Constitucional. 1º Ministro: Mário Soares.

Agosto Mário Soares apresenta na Assembleia Nacional, com o pro-grama do 1º governo constitucional, o projeto de integração de Portugal da CEE.

Novembro O PPD (Partido Popular Democrático) muda de nome para PSD (Partido Social Democrático).

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GRUPO ACRE FEZ 1974–77 388

Resultados das eleições

QUADRO BEleições para a Assembleia Legislativa 25 de abril de 1976

Partidos mais votados

Percentagem Deputados

1 PS 1 912 921 34,89% 107

2 PPD 1 335 381 24,35% 73

3 CDS 876 007 15,98% 42

4 PCP 788 830 14,39% 40

5 UDP 91 690 1,67% 1

Abstenção 16,47%

QUADRO CEleições para a Presidência da República 27 de junho de 1976

Candidatos mais votados

Percentagem

1 António Ramalho Eanes 2 967 137 61,59%

2 Otelo Saraiva de Carvalho

792 760 16,46%

3 José Pinheiro de Azevedo

692 147 14,37%

4 Octávio Pato 365 586 7,59%

Abstenção 24,53%

QUADRO DEleições Autárquicas 12 de dezembro de 1976

Partidos mais votados

Percentagem Mandatos

1 PS 1 377 684 33,01% 691

2 PPD/PSD 1 014 092 24,35% 624

3 FEPU 718 006 17,20% 268

4 CDS 693 766 16,62% 317

5 GDUPs 103 784 2,49% 5

Abstenção 35,34%

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ANEXOS389

O Benfica vence o Campeonato Nacional de Futebol. O Boavista ganha a Taça de Portugal.

24-26 setembro — 1ª Festa do Avante, na FIL, com excelente programa musical.

Outubro — É extinto o SAAL (Serviço Ambulatório de Apoio Local), depois de realizados cerca de 170 projetos de arquitetura que envolvem mais de 40 mil famílias nos distritos de Aveiro, Castelo Branco, Coimbra, Évora, Faro, Lisboa, Santarém, Setúbal e Porto.

Música: Com As Minhas Tamanquinhas (José Afonso); A Fábrica dos Sons Op 44, O Gato Barnabé Op 45, 3 Exercícios De Memória Op 46 (António Victorino de Almeida; O Franguito da Maria (Quim Barreiros); No Teu Poema (Carlos do Carmo); Morgadinha Dos Canibais (Banda do Casaco); De Pequenino Se Torce O Destino (Sérgio Godinho); Para Rosalia (Adriano Correia de Oliveira); Estudo III em si bemol maior, Lov, Music Box, Solo 5, A Aurora do Socialismo. Madrigale Capriccioso, Canto da Sibila, Elegia, Voix-en-Jeux, Miss Julie (Jorge Peixinho).

Livros: Limiar Dos Pássaros / História Da Égua Branca / Chuva Sobre O Rosto (Eugénio de Andrade); As Máscaras De Sábado (Mário Cláudio); Epístola Aos Iamitas (Natália Correia); Cravo (Maria Velho da Costa); As Lições Do Fogo (David Mourão Ferreira); As Mulheres De Abril (Maria Teresa Horta); Crónica Do Cruzado Osb (Agustina Bessa Luís); Trabalho Poético (Carlos de Oliveira); Os Grão-Capitães (Jorge de Sena).

Teatro: Histórias De Fidalgotes E Alcoviteiras, Pastores E Judeus, Mareantes E Outros Tratantes Sem Esquecer Suas Mulheres E Amantes… (A Barraca); A Cidade Doirada Ou Nem Tudo O Que Luz É Oiro (A Barraca, Incrível Almadense); Taran-Tan-Tan Não Enche A Barriga! / A Grande Cegada / Os Operários Do Natal (Adóque, Teatro Adóque); Os Encantos De Medeia / Horas De Luta / Lendas Portuguesas (Casa Da Comédia); O Bombo Da Festa (Cena — Espectáculos Teatrais, Teatro Maria Vitória); O Preconceito Vencido / O Eucalipto Feiticeiro, Jerónimo E A Tartaruga / Histórias Do Ruzante (Centro Cultural de Évora, Teatro Garcia De Resende); Fogo, O Muro (Comuna); A Mãe / Histórias Com Grades (Cooperativa de Comediantes Rafael de Oliveira, Teatro da Trindade); A Grande Jogada (Cooperativa de Teatro Popular, Academia Almadense); O Grande Cidadão (Grupo de Campolide, Campolide Atlético Clube); Notícias Do Poder / Histórias... (Grupo Proposta); Os Amantes (Grupo Teatro da Trindade); O Círculo De Giz Caucasiano (Grupo 4, Teatro Aberto); A Máquina / Sem Vintém / Barba Doce / João Triste (O Bando); Apocalipse Segundo Os Santos Barnabés (Oficina de Teatro e Comunicação, Cinema Nimas); A Sombra De Um Franco-Atirador / Farsa De Inês Pereira / Por Estes Santos Latifúndios (Os Bonecreiros, Casa da Cultura da Zona Oriental de Lisboa — Moscavide); Cada Cor Seu Paladar (Prod. Sérgio de Azevedo, Teatro Abc); Equus, Amargura Para Um Cavalo (Prod. Vasco Morgado, Teatro Variedades); Godspell (Prod. Vasco Morgado, Teatro Villaret); Uma Estranha Forma De Amar (Prod. Vasco Morgado, Teatro Monumental); Vamos Trocar De Mulheres! (Prod. Vasco Morgado, Teatro Laura Alves); O Director Da Ópera (Repertório — Cooperativa Portuguesa de Teatro, Teatro Maria Matos); O Santo Inquérito (Seiva Tupe, Os Modestos); O Meu Caso / O Destino Morreu De Repente / O Tartufo / História De Uma Boneca Abandonada (TAS — Teatro de Animação de Setúbal); Alta Áustria (Teatro da Cornucópia, Instituto Alemão); Ah Q / Tambores Na Noite / As Músicas Mágicas (Teatro da Cornucópia, Teatro do Bairro Alto); O Preço Da Vida / Fanshen / O Escritório (Teatro Estúdio de Lisboa, Teatro Vasco Santana); A Ópera Dos Três Vinténs (Teatro Experimental de Cascais, Teatro Gil Vicente); Despedimento Sem Justa Causa (Teatro Experimental de Cascais, Sociedade Penicheiros — Barreiro); As Artimanhas De Scapino, A Fábrica (Teatro Experimental do Porto, Teatro António Pedro).

Cinema: Máscaras (Noémia Delgado); As Ruínas Do Interior (José de Sá Caetano); Os Demónios De Alcácer-Kibir (José Fonseca e Costa); Sertório (António Faria); Ou Outro Teatro Ou As Coisas Pertencem A Quem As Torna Melhores / As Horas De Maria (António de Macedo); Ma Femme Chamada Bicho (José Álvaro Morais); Trás-Os-Montes (António Reis e Margarida Martins Cordeiro); Barronhos "Quem Teve Medo Do Poder Popular?" (Luís Filipe Rocha); Cavalgada Segundo S. João, O Baptista (João Matos Silva); Continuar A Viver Ou Os Índios Da Meia-Praia (António da Cunha Telles); A Luta Do Povo (Colectivo Grupo Zero).

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Arquitetura: 14 janeiro 1976 — Bomba nas instalações do SAAL no Porto; 4 março 1976 — Bomba no automóvel de Alves Costa, arquiteto portuense empenhado no SAAL; abril de 1976 — busca policial na sede do SAAL do Porto; 28 de outubro de 1976 — a gestão do SAAL passa para as autarquias, precipitando o fim do serviço; novembro — Livro Branco do SAAL 1974-76 por decisão do seu 6º Conselho Nacional, despacho do MHUC que determina sindicância ao SAAL e criação por decreto dos Serviços Municipais de Habitação Social. Obras: Loja (SAAL/Porto, Matos Ferreira); Casa de Cultura da Juventude, Beja, e Pousada das Penhas da Saúde (Raúl Hestnes Ferreira); conclusão da Casa Beires, Póvoa do Varzim (Álvaro Siza Vieira); Quiosque no Mercado da Ribeira, reconstrução de Casas do Barredo e Praça da Lada, no Porto, e Casa de Francelos em Vila Nova de Gaia (Álvaro Siza Vieira).Construções iniciadas: Casa António Carlos Siza, Santo Tirso (Álvaro Siza Vieira); Escola Secundária de Benfica, Lisboa (Raúl Hestnes Ferreira); reabilitação do Convento de Santa Marinha da Costa (1976-85), Guimarães (Fernando Távora); Torres da Barra (1976-78/1982-83), Macau (Manuel Vicente); Bairro do Alto do Moinho, Oeiras, SAAL/Lisboa e Centro Sul (Francisco Silva Dias); Bairro de Aljezur, Faro, SAAL/Algarve (José Veloso); Bairro de Alverca, Vila Franca de Xira, SAAL/Lisboa e Centro Sul (Anton Franz Schneider); Bairro de Angeiras, Matosinhos, SAAL/Norte (Adalberto Gonçalves e António R. Gonçalves Dias); Bairro do Batateiro, Seixal, SAAL/Lisboa e Centro Sul (Fernando Bagulho); Bairro de Bensafrim, Lagos, SAAL/Algarve (José Veloso); Bairro de Cabanas, Tavira, SAAL/Algarve (João Moitinho); Bairro do Casal das Figueiras, SAAL/Lisboa e Centro Sul (Gonçalo Byrne); Bairro do Catujal, Loures, SAAL/Lisboa e Centro Sul (Francisco Keil Amaral); Bairro do Cemitério, Olhão, SAAL/Algarve (Manuel Dias); Bairro da Cerca do Cemitério, Lagos, SAAL/Algarve (José Veloso); Bairro Chaves de Oliveira, Porto, SAAL/Norte (Manuel Lessa); Bairro de Cortegaça, Ovar, SAAL/Norte (António Moura); Bairro da Cruz de Pau, Matosinhos, SAAL/Norte (Maria Fernanda Seixas); Bairro da Curraleira — Embrechados, Lisboa, SAAL/Lisboa e Centro Sul (José António Paradela e Luís Gravata Filipe);Bairro do Enxerim, Silves, SAAL/Algarve (José Veloso); Bairro de Espiche, Lagos, SAAL/Algarve (José Veloso); Bairro de Estômbar, Lagoa, SAAL/Algarve (José Veloso); Bairro de Fazendas de Almeirim, Almeirim, SAAL/Lisboa e Centro Sul (Manuel A. Lameira, Carlos A. Ribeiro e Artur S. Costa); Bairro de Ferreiras, Albufeira, SAAL/Algarve (Manuel Dias); Bairro de Francos, Porto, SAAL/Norte (Rolando Tordo); Bairro da Lapa, Porto, SAAL/Norte (Beatriz Madureira); Bairro do Leal, Porto, SAAL/Norte (Sérgio Fernandez); Bairro da Liberdade, Lisboa, SAAL/Lisboa e Centro Sul (José Manuel Norberto e José Luís Zuquete); Bairro de Linda-a-Velha, Oeiras, SAAL/Lisboa e Centro Sul (José Silva Carvalho); Bairro da Manjoeira, Loures, SAAL/Lisboa e Centro Sul (Francisco Keil Amaral); Bairro da Mexiolheira de Carregação, Lagoa, SAAL/Algarve (José Veloso); Bairro da Meia-Praia Duna, Lagos, SAAL/Algarve (José Veloso); Bairro de Monte Gordo, SAAL/Algarve (João Moitinho); Bairro de Marin, Olhão, SAAL/Algarve (José Maria Lopes da Costa); Bairro da Pedra Furada, Vila Franca de Xira, SAAL/Lisboa e Centro Sul (Margarida MF Niedercorn); Bairro D. Leonor, Lisboa, SAAL/Lisboa e Centro Sul (Manuel Pardal Monteiro Magalhães); Bairro do Pinhal das Areias SAAL/Lisboa e Centro Sul (Julio Saint-Maurice); Bairro do Poço de Baixo, Ovar, SAAL/Norte (Domingos Tavares e Francisco Melo); Bairro da Portela-Outurela, Oeiras, SAAL/Lisboa e Centro Sul (José Silva Carvalho); Bairro Progresso, Portimão, SAAL/Algarve (José Veloso); Bairro de Quarteira, Loulé, SAAL/Algarve (Manuel Dias); Bairro da Quinta do Alto, Lisboa, SAAL/ Lisboa e Centro Sul (Manuel Guilherme); Bairro da Quinta da Bela Flor, Lisboa, SAAL/Lisboa e Centro Sul (Artur Rosa); Bairro da Quinta das Fonsecas — Quinta da Calçada, Lisboa, SAAL/Lisboa e Centro Sul (Raúl Hestnes Ferreira); Bairro de Tavira, Tavira, SAAL/Algarve (João Moitinho); Bairro da Terroa de Baixo, Setúbal, SAAL/Lisboa e Centro Sul (Rui F. Pimentel); Bairro do Vale Pereiro, Grândola, SAAL/Lisboa e Centro Sul (Manuel Taínha); Bairro de Vila Real de Santo António, SAAL/Algarve (João Moitinho). Projetos não construídos: do Bairro da Quinta das Penicheiras, Loures, SAAL/Lisboa e Centro Sul (Francisco Keil Amaral); do Bairro do Casal Ventoso, Lisboa, SAAL/Lisboa e Centro Sul (José Daniel Santa-Rita e Maria do Rosário Venade).

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7 janeiro Atentado à bomba à sede da Cooperativa Árvore.

Janeiro Jantar/intervenção do Grupo Puzzle na Galeria Dois, Porto.

Fevereiro Início da atividade do Centro de Arte Contemporânea, dirigido por Fernando Pernes, no Museu Nacional Soares dos Reis.

Junho Criação do Grupo If — Ideia e Forma. Semana de Arte na Rua or-ganizada pelo Círculo de Artes Plásticas de Coimbra.

Julho Monumento ao General Humberto Delgado, em Cela a Velha, de vocabulário abstrato, de José Aurélio e Artur Rocha.

Agosto III Encontros Internacionais de Arte (Póvoa de Varzim).

Setembro Congresso da AICA em Lisboa, dedicado ao tema cruzado da Arte Moderna e Arte Negro-Africana.

Criação do Grupo 5+1. Implementação de um curso de pós-graduação (mais tarde mes-trado) em História de Arte na Universidade Nova de Lisboa, dirigido por José Augusto França.

Algumas exposições: Ana Hatherly (por exemplo a obra Poema d’entro), Rocha De Sousa, José Elyseo e Alberto Carneiro, na Representação Portuguesa (XXXVII Bienal Internacional de Arte de Veneza); Jeune Peinture Portugaise (Centre Culturel Portugais); Zé Povinho Fez 100 Anos: Exposição Comemorativa (Centro de Artes Plásticas dos Coruchéus, Lisboa); Alberto Carneiro: Dezembro 1968/Setembro 1976 / Ângelo De Sousa (Centro de Arte Moderna, Museu Nacional Soares dos Reis, Porto); José De Guimarães (Seis Exposições na Bélgica); 20 Anos De Gravura / Gravura Antiga / Gravura Estrangeira / Exposição Documental De Lisboa Oitocentista / Pintura Polaca Contemporânea / A Terra E O Mar: Bernardo Marques / Visconti / Alberto Burri (Fundação Calouste Gulbenkian); Jorge Martins: Pinturas Recentes Executadas Em New York 1975-76 (Galeria Alvarez, Porto); Isabel Cabral: Exposição De Pintura (Galeria Arte Nova); Pires Vieira: Peintures (Galerie de L’oeil, Paris); Luís Noronha Da Costa Dois Anos De Trabalho / Jorge Pinheiro: Ensaios / Álvaro Lapa: Pintura Desenho 75-76 / Exposição Colectiva De Arte Portuguesa Paralela Ao Congresso Da Aica (Galeria Quadrum); Eduardo Nery: O Museu Imaginário Na Sociedade De Consumo (Museu Carlos Machado, Ponta Delgada); George Grosz: Colecção Akademie Der Kunste Berlim (Instituto Alemão, Lisboa); Helena Almeida / José Guimarães: Fragmentos (Módulo, Centro Difusor de Arte, Porto); O Museu Imaginário Na Sociedade De Consumo De Eduardo Nery / O Retrato Em França De 1610-1789 (Museu Nacional de Arte Antiga); Amadeo, Almada, Santa-Rita E Eduardo Viena — Os Pioneiros Da Arte Moderna Portuguesa / Arte Na Sociedade De Consumo / Contra A Pena De Morte A Tortura E A Prisão Política / Exposição De Arte Moderna Portuguesa / Gravura Contemporânea Portuguesa / 5+1 / Emilia Nadal: Dois Temas De Jerónimo Bosch E Dez Decomposições / Maiakovsky: 20 Anos De Trabalho (SNBA); Exposição de Arte Moderna Portuguesa (SNBA, depois em Lund, Suécia).

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Janeiro A Declaração dos Direitos Humanos é instituída em Praga, Checoslová-quia. Jimmy Carter é Presidente dos EUA. Em Espanha ocorre o massa-cre da Atocha (Madrid) e é estabelecida a transição para a democracia.

Fevereiro Óscar Romero torna-se arcebispo de S. Salvador. Mengistu toma o po-der na Eitópia. Pela 1º vez, a URSS negoceia com a CEE um acordo de pescas. França, URSS e EUA alargam as respetivas águas territoriais para 200 milhas. Roy Jenkins, inglês, preside à Comissão Europeia.

Março Bispos católicos acusam o ditador Somoza (Nicarágua) de tortura, rap-to e execuções sumárias ilegais de guerrilheiros de esquerda. É consti-tuída a República Socialista Síria do Povo Árabe. Os socialistas e os co-munistas coligados vencem as eleições autárquicas em França. Indira Ghandi levanta o estado de emergência que perdura desde fevereiro de 1975 e demite-se de 1ª Ministra da Índia. A FRETILIN aprova a guerra de guerrilha pela independência de Timor-Este contra a ocupação pela Indonésia.

Abril Demissão do 1º Ministro israelita Yitzhak Rabin. Legalização do Partido Comunista em Espanha, depois de 40 anos de clandestinidade. Morte de centenas de estudantes por militares em Adis Abeba. O Comando Ulrike Meinhof do Exército Vermelho assassina um juiz e o motorista em Karlsruhe. O tribunal de Estugarda condena três membros dos Baader-Meinhof a prisão perpétua. O Vietname e o Cambodja entram em guerra.

Maio Dolores Ibarruri,  La Pasionaria, regressa a Espanha. O partido de Menachem Begin ganha as eleições em Israel. Há uma tentativa de gol-pe em Angola.

Junho Primeiras eleições democráticas em Espanha após fim da ditadura franquista; vence o UCD de Adolfo Suarez. Leonid Breznev é Presidente da URSS. Djibuti torna-se independente de França.

Julho Os Baader-Meinhof assassinam o presidente do Banco de Dresden. Zulfikar Ali Butho, 1º Ministro eleito do Paquistão, é deposto por milita-res. A Somália declara guerra à Etiópia. Começa também guerra entre o Egito e a Líbia. Deng Xiaoping é reposto no poder na China 9 meses depois da expulsão do Bando dos Quatro. A Espanha pede a adesão à CEE.

Setembro Tratado entre os EUA e o Panamá sobre a transferência do controle do Canal do Panamá para aquele país no final do século XX. A execução por guilhotina em França termina. Somoza levanta o estado de sítio na Nicarágua sob pressão americana.

Outubro O desvio de um avião da Luftansa pelo grupo terrorista alemão Exército Vermelho (a que pertence o comando dos Baader-Meinhof), visando a libertação do grupo preso, acaba com a morte dos terroristas; o grupo detido suicida-se na prisão. O Presidente da Catalunha Josep Tarradellas regressa do exílio a Barcelona e é restaurado o governo autónomo. Os EUA reconhecem a integração de Timor-Leste pela Indonésia.

Novembro O presidente egípcio Anwar Sadat é o primeiro dirigente árabe a visi-tar oficialmente Israel, onde se encontra com Menachem Begin. Em S. Francisco, Harvey Milk é o primeiro homossexual eleito para a Câmara. A ONU condena a Indonésia pela invasão de Timor-Leste.

Dezembro Jean-Bèdel Bokassa autoproclama-se imperador da República Centro-Africana. A África do Sul dá independência ao Bophuthatswana. O Vietname e Djibuti aderem às Nações Unidas.

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Janeiro Identificada a bactéria da Doença do Legionário. A Lei do Aborto é aprovada em Itália. É registada a Apple Computer. O Vulcão Nyiragongo entra em erupção no Zaire oriental (República Democrática do Congo). Cai neve em Miami pela primeira vez na História.

Fevereiro Os russos lançam a Soyuz 24 e estação orbital Soyuz 4 incen-deia-se. Forte terramoto abala S. Francisco. Os sociais-demo-cratas vencem as eleições para o parlamento dinamarquês. 1º voo do Space Shutle.

Março O Banco da América adota o nome VISA para os cartões de crédito. Bette Davis é a primeira mulher a receber o prémio de carreira da Academia Americana. Descoberta dos Anéis de Saturno. Luciano Pavarotti atua pela primeira vez nos EUA numa megaprodução da Boémia de Puccini. Queda de um avião em Tenerife com mais de 500 mortos.

Abril São estreados cabos de fibra ótica em ligações telefónicas.

Maio Dois aviões colidem nas Canárias com centenas de mortos.

Junho Comercialização do computador Apple II.

Julho Primeira ressonância magnética para mapear o cérebro e ou-tras zonas do corpo. Um apagão de eletricidade em Nova Iorque durante 25 horas provoca saques, violência e caos.

Agosto Morre Elvis Presley. No Japão entra em erupção o monte Usu. O navio soviético Arktika chega ao Polo Norte. Os EUA lançam a Voyager 2.

Setembro A Interpol emite regulamentação sobre o copyright de gravações musicais. A Atari Inc. lança um sistema de vídeo computorizado.

Outubro É identificada a última epidemia de varíola na Somália e declarada extinta a doença.

Novembro 2060, o primeiro asteroide das Centauros, já fora do sistema Solar, é identificado. A British Airways inicia os voos supersóni-cos do Concorde entre Londres e Nova Iorque.

Dezembro Primeiro canal de televisão por cabo dedicado às crianças nos EUA: Pinwheel Network, mais tarde Nickleodeon.

Ainda este ano: Inicia-se o financiamento da bomba de neutrões — uma arma cujas radiações matam pessoas, deixando intactas as construções. É sequenciado o primeiro genoma completo. É comercializada a primeira consola de jogos Atari 2600. A Amnistia Internacional obtém o Prémio Nobel da Paz e o da Literatura cabe ao poeta espanhol Vicente Aleixandre. É coroada a primeira Miss Universo negra. Charlie Chaplin morre no dia de Natal. 1977 considerado o ano do punk, com bandas como os Sex Pistols e os Ramones.

Livros: L’Homme Devant La Mort (Philippe Ariès); Fragmentos De Um Discurso Amoroso (Roland Barthes); Novos Contos De Bustos Domecq (Jorge Luís Borges); Love Is A Dog From Hell (Charles Bukowsky); In Patagonia (Bruce Chatwin); O Cinema Eden (Marguerite Duras); A Nova Desordem Amorosa (Alain Finkielkraut e Pascal Bruckner ); Le Malheur Indifférent (Peter Handke); This Sex Which Is Not One (Luce Irigaray); The Shining (Stephen King); O Ilustre Colegial (John Le Carré); Tia Júlia E O Escrevinhador (Mario Vargas Llosa); The Beggar Maid: Stories Of Flo And Rose (Alice Munro); Delta De Vénus (Anaïs Nin); The Professor Of Desire (Philip Roth); Os Dragões Do Éden (Carl Sagan); A Cama Desfeita (Françoise Sagan); O Silmarillion (J.R.R. Tolkien); Arquivos Do Norte (Marguerite Yourcenar).

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Música: Pássaro da Manhã (Maria Bethânia); Denis (Blondie); Heroes (David Bowie); Watching The Detectives (Elvis Costello); Wonderful Tonight / Cocaine (Eric Clapton); Complete Control (The Clash); Brick House (The Comodores); Caras & Bocas (Gal Costa); Whole Lotta Rosie (AC/DC); Best Of My Love (The Emotions); Solsbury Hill (Peter Gabriel); How Deep Is Your Love / Night Fever / Stayin’Alive (Bee Gees); I Just Want To Be Your Everything (Andy Gibb); Refavela / Refestança (Gilberto Gil); Os Saltimbancos / Gota de Água (Chico Buarque de Holanda); Milton & Chico (Milton Nascimento e Chico Buarque de Holanda); Give A Little Bit (Roger Hodgson); Just The Way You Are (Billy Joel); Dust In The Wind (Kansas); Hard Luck Woman (Kiss); Go Your Own Way / Dreams (Fleetwood Mac); Sunny / Ma Baker (Boney M.); Jamming (Bob Marley); One Love (Bob Marley & The Wailers); Save Your Kisses For Me (Brotherhood Of Man); God Save The Queen (Sex Pistols); Lust For Life (Iggy Pop); Moody Blue / Elvis in Concert (Elvis Presley); We Will Rock You (Queen); Sheena Is A Punk Rock (The Ramones); Blue Bayou (Linda Ronstadt); I Feel Love (Donna Summer); Hot Legs (Rod Stewart); Evergreen A Star Is Born (Barbra Streisand); Sorrow (Mort Shuman); Petite Demoiselle (Art Sullivan); It’s A Heartache (Bonnie Tyler); Bicho (Caetano Veloso); Mull Of Kintery (Paul McCartney & Wings).

Filmes: Annie Hall (Woody Allen); Três Mulheres (Robert Altman); Orca, A Fúria dos Mares (Michael Anderson); Suspiria (Dario Argento); Febre De Sábado À Noite (John Badham); Alta Ansiedade (Mel Brooks); Este Obscuro Objecto Do Desejo (Luis Buñuel); Noite De Estreia (John Cassavetes); Os Olhos Da Montanha (Wes Craven); Coma Profundo (David Cronenberg); Aventuras Em Terras Do Rei Bruno, O Discutível (Terry Gilliam); 007 Agente Irresistível (Lewis Gilbert); Star Wars (George Lucas); Equus (Sidney Lumet); Eraserhead (David Lynch); O Abismo (Peter Yates); A Grande Batalha (Sam Peckinpah); Valentino (Ken Russell); Um Dia Inesquecível (Ettore Scola); New York, New York (Martin Scorsese); O Duelo (Ridley Scott); Encontros Imediatos Do 3º Grau (Steven Spielberg); O Amigo Americano (Wim Wenders); Audrey Rose (Robert Wise); Julia (Fred Zinnemann).

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31 janeiro Inauguração do Centre National d’Art et de Culture Georges Pompidou pelo presidente francês Giscard d’Estaing.

maio Performance Three Weeks in May, de Susanne Lacy, em Los Angeles.

24 set.-29 out. Exposição Pictures, no Artists Space de Nova Iorque.

Algumas exposições e obras relevantes: 12a Bienale Grafike Moderna Galerija Ljubljana (Lubliana); IXe Festival International De La Peinture (Cagnes-Sur-Mer, França); Impoderabilia / Light/Dark / Relation In Movement / Relation In Time (Marina Abramovic e Ulay); The Play Of Death / The Perfect Kiss (James Lee Byars); Combs Of The Wind (Eduardo Chillida); Oeuvres De Raoul Dufy: Peintures Aquarelles Dessins (Musée d’Art Moderne, Paris); Model With Unfinished Self-Portrait / My Parents / Self-Portrait With Blue Guitar / Looking At Pictures On A Screen (David Hockney); Truisms 1997-1979 (Jenny Holzer); Paul Klee (Fondation Maeght, Saint-Paul, França); New Yook Earth Room (Walter De Maria); Splitting / Office Baroque (Gordon Matta-Clarck); Observatory (Robert Morris); Robert Rauschenberg (National Collection of Fine Arts, Washington); Terminal (Richard Serra, 1977-79); Vieira Da Silva 80 Têmperas (Musée D’Art Moderne, Paris); Fonte De Carnaval (Jean Tinguely); Reflecting Pool (Bill Viola, até 1979).

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7 janeiro Medina Carreira, Ministro das Finanças, apresenta na televisão um quadro negro para a economia portuguesa. A divulgação do recenseamento indica mais de 400 mil desalojados das ex-coló-nias em Portugal.

20 janeiro Protestos dos separatistas no Açores.

27 janeiro Congresso da Intersindical aprova programa de ação e muda nome para CGTP.

1 fevereiro As associações de pais e encarregados de educação passam a ter poder no sistema nacional de ensino. São criados o Sistema Público de Educação Pré-escolar e as Escolas Normais de Educadores de Infância.

28 fevereiro Comunicação do 1º ministro Mário Soares ao país, anunciando o primeiro pacote de medidas económicas contra a crise, que in-cluem a desvalorização do escudo em 15%.

1 março O Governo cria o Cabaz de Compras, um conjunto de produtos cujos preços são fixos.

25 março Remodelação do Governo.

28 março Apresentação formal do pedido de adesão de Portugal à CEE ao Presidente das Comunidades Europeias.

22 abril É constituída uma comissão para o Livro Negro sobre o Fascismo.

28 abril No Funchal, decorre o I Congresso da Associação Política da Madeira, com objetivos separatistas. No final a multidão no exte-rior apupa os participantes.

9 maio O Presidente Ramalho Eanes preside em Londres à Assembleia da Nato.

15 maio Comunicado do Presidente Ramalho Eanes critica o Governo Regional dos Açores pela inação face aos incidentes provocados pelos separatistas da FLA.

31 maio O Governo divulga o plano de Médio Prazo, o que é seguido de oposição concertada pelo PSD e CDS.

22 agosto Reunião de Ramalho Eanes, Mário Soares e Sá Carneiro sobre os problemas nas regiões autónomas da Madeira e Açores.

26 agosto Regulamentação do Direito à Greve.

17 setembro Lei das Bases Gerais da Reforma Agrária, Lei do Arrendamento Rural e Lei das Indemnizações (de António Barreto).

10 outubro São iniciadas negociações com o FMI para apoio ao país. Em re-sultado, o FMI vai entrar em Portugal para um resgate económi-co, a pedido de Mário Soares.

12 outubro Após demissão de Medeiros Ferreira, o 1º Ministro Mário Soares assume a pasta dos Negócios Estrangeiros.

17 outubro Visita oficial do Marechal Tito a Portugal.

25 outubro Lei que regulamenta o poder das autarquias e seus órgãos.

26 outubro Aprovadas indemnizações a ex-titulares de direitos de proprieda-de sobre bens nacionalizados ou expropriados.

7 novembro Sá Carneiro demite-se de Presidente do PSD (está em jogo a sua oposição a Ramalho Eanes).

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7 dezembro A moção de confiança apresentada pelo Governo à Assembleia de República é rejeitada e o I Governo Constitucional cai.

28 dezembro O Presidente Ramalho Eanes encarrega Mário Soares de formar um novo Governo.

Ainda este ano: Revisão do Código Civil. Reforma do Abono de Família ampliando direitos da criança.

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4 julho A CocaCola começa a ser vendida em Portugal.

12 fevereiro Última edição e encerramento do Jornal O Século.

16 maio Gabriela, Cravo e Canela é a primeira telenovela brasileira a ser transmitida pela televisão portuguesa.

8 junho O Conselho de Ministros, em nome da austeridade, veta a intro-dução da televisão a cores.

17 junho O Serviço Cívico Estudantil é extinto.

1 agosto Morre o Cardeal Manuel Gonçalves Cerejeira, Patriarca de Lisboa durante 42 anos.

3 setembro É estabelecido o regime do numerus-clausus nas Universidades. 

2 outubro Anabela Chaves recebe o 1º Prémio Internacional de Execução em Genebra e Natália Correia o prémio literário francês La Fleur de Laure.

4 outubro São estabelecidas Normas de Acesso ao Ensino Superior (nu-merus clausus).

18 outubro O filme Trás-os-montes, de António Reis e Margarida Cordeiro, recebe o Grande Prémio da Semana Internacional de Cinema de Hannheim.

19 novembro O voo 425 da TAP despenha-se no aeroporto da Madeira (131 mortos e 33 sobreviventes).

23 novembro O Ano Propedêutico é instituído como uma primeira iniciativa de ensino à distância, através da televisão.

18 dezembro Avião vindo de Zurique cai ao falhar a aterragem no Funchal (36 mortos e 21 sobreviventes).

Ainda este ano: A Visita da Cornélia marca um novo estilo de concursos televisivos. O Primeiro Campeonato Nacional de Surf decorre da Ribeira D’Ilhas, Ericeira. O Benfica vence o Campeonato Nacional de Futebol. O Futebol Clube do Porto ganha a Taça de Portugal. Portugal ganha o Campeonato da Europa de Hóquei em Patins.

Livros: O Nome Das Coisas (Sophia de Mello Breyner Andresen); Directa (Nuno Bragança); A Voz E As Vozes (Mário Cláudio); Português Trabalhador Doente Mental / Casas Pardas (Maria Velho da Costa); Cobra (Herberto Helder); O Livro Das Comunidades (Maria Gabriela Llansol); As Fúrias (Agustina Bessa Luís); Cavalgada Cinzenta (Fernando Namora); Pastoral (Carlos de Oliveira); E Agora José? (José Cardoso Pires); Manual De Pintura E Caligrafia (José Saramago); Oito Meditações À Beira Do Pacífico / O Físico Prodigioso (Jorge de Sena).

Música: 2 Canções De André Heller Op 48, Meditações Inquietas Sobre Um Dia Abril Op 50, Sonata nº6 Op 51, Pornofonia Op 52, Lisboa Em Camisa Op 53 (António Victorino de Almeida); Madrugada Dos Trapeiros (Fausto); Lov, Música em Água e Mármore (Jorge Peixinho); Otofonias (Joly Braga Santos); Chão Nosso (Trovante).

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Teatro/dança: A Paródia / Ó Calinas, Cala A Boca! (Adóque, Teatro Adóque); Barraca Conta Tiradentes (A Barraca, Centro de Cultura Popular de S. Mamede); Ao Qu’Isto Chegou (A Barraca, SNBA); Variações Nostálgicas (Ballet Gulbenkian); A Invenção Do Amor (Casa da Comédia); Medida Por Medida (Centro Cultural de Évora / Teatro Animação de Setúbal, Teatro Garcia de Resende); Mário Ou Eu Próprio — O Outro / O Conde De Novion / O Pó Da Inteligência (Centro Cultural de Évora, Teatro Garcia De Resende); Em Maio... / A Mãe (Comuna); Os Invasores (Cooperativa de Comediantes Rafael de Oliveira, Academia de Santo Amaro); O Segredo Da Faísca / Atira O Barreto Ao Ar (Cooperativa de Teatro Popular, Academia Almadense); 1383 (Grupo de Teatro de Campolide, Teatro da Trindade); D. Quixote Libertado (Grupo de Teatro de Campolide, Teatro Garcia de Resende); O Equívoco (Grupo Teatro Hoje, Casa da Comédia); As Duas Viagens De Job Cardoso / Os Macacões (Grupo 4, Teatro Aberto); Sete Meditações Sobre O Sado-Masoquismo Político (Living Theatre, EUA); O Conde De Novion / Maria Madalena / Os Retratos / A Estratégia Do Cinismo (Os Bonecreiros, Casa da Cultura da Zona Oriental de Lisboa — Moscavide); Magic Afternoon — Matinée Mágica (Os Cómicos, Instituto Alemão); A Guarda (Os Cómicos, Teatro do Bairro Alto); As Troianas (Pequeno Teatro de Waseda, Japão); Em Águas De Bacalhau (Prod. Sérgio de Azevedo, Teatro ABC); Desculpa, Ó Caetano! (Prod. Vasco Morgado, Teatro Variedades); Aqui Quem Manda Sou Eu (Prod. Vasco Morgado, Teatro Monumental); O Pato / O Encoberto (Repertório — Cooperativa Portuguesa de Teatro, Teatro Maria Matos); O Sr. Benquisto E Os Incendiários / Falar Verdade A Mentir / O Noivado Do Dafundo (TAS — Teatro Animação de Setúbal); Casimiro E Carolina / O Treino Do Campeão Antes Da Corrida / Auto De Família (Teatro da Cornucópia, Teatro do Bairro Alto); Replika (Teatro Estúdio de Varsóvia, Polónia); O Vento Das Ramas De Sassafraz (Teatro Experimental de Cascais, Teatro Gil Vicente); Os Preços / Schmurz Ou Os Construtores Do Império /Auto Da Morte, Da Peste E Do Diabo (TEP — Teatro Experimental do Porto, Teatro António Pedro); Frei João Sem Cuidados (TIL — Teatro Infantil de Lisboa).

Cinema: Colonia E Vilões / Gente Do Norte. Ou A História De Vila Rica (Leonel Brito); Antes Do Adeus (Rogério Ceitil); Contra As Multinacionais (Cinequipa); Terra De Abril (Philippe Constantini); Madrugada (Luís Couto); Recompensa (Arthur Duarte); 25 Canções De Abril (Luís Gaspar); A Santa Aliança (Eduardo Geada); Nós Por Cá Todos Bem (Fernando Lopes); Os Bonecos De Santo Aleixo (João e Jorge Loureiro); Areia, Lodo E Mar (Amílcar Lyra); Veredas (João César Monteiro); Terra De Pão, Terra De Luta (José Nascimento); A Fuga (Luís Filipe Rocha); A Lei Da Terra (Alberto Seixas Santos/Grupo Zero); Argozelo (À Procura Dos Restos Das Comunidades Judaicas) (Fernando Matos Silva); A Confederação (Luís Galvão Teles).

Arquitetura: O programa do SAAL está extinto e deslocadas para as autarquias as obras iniciadas, decorrendo parte das construções previstas. Tomás Taveira parte para os EUA e Manuel Vicente para Macau. Obras: Agência Banco Borges & Irmão (projeto), Vila do Conde (Álvaro Siza Vieira); Bairro do Alto do Zambujal, Lisboa/SAAL, Vítor Figueiredo); Bairro da Bouça, Porto, SAAL/Norte (Álvaro Siza Vieira); Bairro de Carnaxide, Oeiras, SAAL/Lisboa e Centro Sul (Manuel Madruga); Bairro de Contumil, Porto, SAAL/Norte (Célio Costa); Bairro da Malagueira, Évora (Álvaro Siza Vieira); Bairro de Massarelos, Porto, SAAL/Norte (Manuel Fernandes de Sá); Bairro do Pego Longo. Sintra, SAAL/Lisboa e Centro Sul (Bartolomeu da Costa Cabral); Bairro da Quinta do Bacalhau — Monte Côxo, Lisboa, SAAL/ Lisboa e Centro Sul (Manuel Vicente); Bar Metro e Meio (Manuel Vicente e Gastão Cunha); Centro Cívico de Telheiras (Manuel Vicente e Vicente Bravo Ferreira); início das Torres da Estrada de Cacilhas (1977-85), Macau (Manuel Vicente); Novo Bairro Fonsecas e Calçada, Lisboa e Unidade Habitacional João Barbeiro, Beja (Raúl Hestnes Ferreira).

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GRUPO ACRE FEZ 1974–77 400

25 janeiro Artistas portuguesas, exposição na SNBA.

Fev.-março Alternativa Zero, comissariada por Ernesto de Sousa, na Galeria de Arte Moderna de Belém, Lisboa.

Março-abril Artistes Portugaises no Centre Culturel Portugais, Paris.

Agosto IV Encontros Internacionais de Arte, Caldas da Rainha.

Out.-dezembro Alberto Carneiro e Clara Menéres são representação portugue-sa na XIV Bienal de São Paulo, Brasil.

Ainda este ano: A 2ª Festa do Avante decorre no Jamor com espaço autónomo para Artes Plásticas, a I Bienal do Avante. Início do projeto do Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian (definição do programa e localização). Carlos Duarte preside à secção portuguesa da AICA. Ernesto de Sousa filma Almada, Um Nome de Guerra. Rotura, de Ana Hatherly.

Algumas exposições mais: De Bonnard A Miró: Homenagem A Tériade / Arte Popular Polaca / Alberto Burri / Robert Rauschenberg / Fayga Ostrower / Otto Dix / 8ª Bienal Internacional De Tapeçaria De Lausana / Equipo Crónica / Gustav Vigeland / Os Shakers: Vida E Produção De Uma Comunidade Nos Tempos Pioneiros Da América / Vieira Da Silva: Pinturas A Têmpera 1929-1977 / Exposição Gráfica Indiana / I Exposição Nacional De Gravura / David Hockney: Gravura E Desenho (Fundação Calouste Gulbenkian); Jorge Martins / Lima De Freitas / Gillian Ayres (Galeria Alvarez); Vieira Da Silva: Gravuras / Rui Palma Carlos (Galeria de Arte do Casino do Estoril); Emília Nadal: Algumas Propostas Para A Embalagem De Conteúdos Naturais E Imaginários Liofilizados (Galeria Dinastia); Justino Alves (Galerie Documenta, Paris); 12 Artistas Do Norte / Francisco Relógio / Grupo Puzzle / Anne Arnold / Lima De Freitas (Galeria Dois); Carlos Carreiro (Galerie Diagonale, Paris); Bernardo Marques / 7 Pintores Do Porto (Galeria Jornal de Notícias); Alberto Carneiro: Trajecto Dum Corpo / Noronha Da Costa 1977 / Menez (Galeria Quadrum); Ribeiro Farinha: Temperas / Isabel Laginhas (Galeria S. Francisco); Jorge Barradas: Desenhos E Cerâmicas / Cargaleiro: Gouaches (Galeria S. Mamede); Pedro Avelar: Óleos Têmperas Aguarelas (Galeria 111); Alice Jorge (Junta de Turismo da Costa Do Sol, Estoril); Helena Almeida / Jorge Pinheiro / António Sena / Ângelo de Sousa (Módulo, Porto na Basel Art Fair, Basileia); Richard Smith / Paula Rego / Guilherme Parente / José de Guimarães / Ângelo de Sousa / Jorge Pinheiro / John Hoyland (Módulo, Porto); Coleção Do Banco Pinto De Magalhães / Gravuras Portuguesas / Arte Moderna Polaca / R.B. Kitaj / Ângelo De Sousa / Alberto Carneiro / Eduardo Nery / Maiakosvsky / Liberation / 14 Artistas Americanas / Robert Rauschenberg (Museu Nacional Soares dos Reis); A Fotografia Na Arte Moderna Portuguesa (SEC Secretaria de Estado da Cultura — CAPC Círculo de Artes Plásticas de Coimbra — SNBA Sociedade Nacional de Belas Artes); O Erotismo Na Arte Portuguesa / Mitologias Locais / O Papel Como Suporte Na Expressão Plástica (SNBA); 5+1 (Viena de Áustria).

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GRUPO ACRE. PROPOSTA PARA A CRIAÇÃO DE UM MUSEU DE ARTE MODERNA1975

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ELEMENTOS CURRICULARES ADICIONAIS DOS ARTISTAS DO GRUPO ACRE

GRUPO ACRE FEZ 1974–77 410

Lima Carvalho: elementos adicionais

Natural de Aldoar, Porto (em 3 de setembro de 1940), Joaquim Manuel Lima Carvalho é filho de um casal de pintores amadores e convive desde cedo com artistas como António Cruz, presenciando o seu protagonismo central na realização de O Pintor e a Cidade (1956), filme de Manoel de Oliveira, então vizinho da casa dos pais. Nessa altura, o realizador ter-lhe-á dito que gostaria de ter sido pintor (segundo Lima Carvalho, em conversa em 18 de julho de 2019 com a autora deste texto).

A alcunha pela qual é conhecido, Pintor, tem uma razão que vem de trás. Questionado no início de um certo ano letivo, aos 11 ou 12 anos, na Escola Gomes Teixeira (Porto), sobre o que queria vir a ser e respondendo ele que queria ser pintor numa altura em que, na turma, ninguém se conhecia pelo nome, aquela identificação acaba por ficar para os colegas e para esse mesmo professor, Júlio Resende que, mais tarde reencontrado nas Belas Artes, continua a usar essa nomeação.

Quando estuda na ESBAP, tem como professores novamente Júlio Resende, e também Lagoa Henriques, Augusto Gomes, Pais da Silva, Heitor Cramez, Guilherme Camarinha, Gustavo Bastos, Luís Demée, Sousa Felgueiras, Flórido Vasconcelos, António Brito, Amândio Silva e Ângelo de Sousa. Conclui o curso em 1964-65, ano em que é bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian, embora apenas realize o exame de saída indispensá-vel ao diploma final em 1973.

Na ESBAL, inicialmente leciona desenho de estátua ao curso de Arquitetura e outras disciplinas de desenho até 1978-79. Após nova bolsa da Gulbenkian em 1979 para uma investigação sobre a relação da lingua-gem da pintura com a linguagem literária, realiza provas de agregação ao 5º grupo de Pintura em 1980 (equiparadas a doutoramento para carreira docente). Mantém então atelier conjunto com Marília Viegas e, em breve, ensina também pintura, com uma passagem breve pelo mestrado de de-senho depois de 2001. Paralelamente, é muito ativo no processo de inte-gração universitária e integra vários órgãos de gestão ao longo dos anos 80 e 90 (Presidente do Conselho Diretivo durante sete anos, Conselho Pedagógico, Assembleia de Representantes e Comissão Científica do Senado da Universidade de Lisboa).

Em matéria de atividades conjuntas diversas, por exemplo, Lima Carvalho obtém em 1979, com o escultor Matos Simões, um 1º prémio no concurso para um Monumento ao 25 de Abril da Câmara Municipal de Oeiras para a avenida marginal em Algés; e, em 1980, também com Matos Simões e Rocha de Sousa, consegue novo 1º prémio no concurso para o Monumento a Gonçalo Mendes da Maia, para a Maia, Porto.

ANEXOS411

Também é diretor artístico de A Galeria, em Cascais, em 1984-85, e da Galeria Pousão, no Porto, dez anos depois. Como artista, integra inúmeros júris de seleção e atribuição de prémios na SNBA e na Cooperativa Árvore, mais tarde na Bienal de Vila Nova de Cerveira, na Academia da Marinha, na Galeria de Arte do Casino Estoril, entre outros. Quando assume a direção da FBAUL, perante desafios nessa gestão que incluem a atribulada integração universitária e obras de construção de uma nova ala com um novo anfitea-tro, só então vive um período de menor produção criativa entre 1987 e 1993, mas não chega a interromper essa faceta criativa.

Membro Correspondente da Academia Nacional de Belas Artes desde 1998, colabora como coautor com António Pedro Marques num Léxico do Desenho, e aposenta-se das funções docentes na Faculdade de Belas Artes de Lisboa em 2010 como professor catedrático, depois de 45 anos de car-reira no ensino.

Lima Carvalho está representado em diversas instituições, como a Secretaria de Estado da Cultura/Ministério da Cultura, a Fundação Calouste Gulbenkian, a Caixa Geral de Depósitos, o Banco de Portugal, a Fundação Cupertino de Miranda, as Universidades de Lisboa e do Porto, a Fundação Orada em Monsaraz, a Câmara Municipal de Almada, os extintos Banco Português do Atlântico e Banco do Fomento, a Companhia de Seguros Cosec, a Intersindical, etc.

A sua produção pictórica insiste, ao longo dos anos, na via de uma fi-guração descomprometida que oscila, conforme as fases, sem se contradi-zer, entre uma maior musculação geométrica dos corpos e um certo lirismo gestual. A emoção nas figuras, a sensualidade das formas orgânicas, o mo-vimento dos corpos, associam a visualidade pictórica a títulos cuja função indicativa apoia a forte intensidade expressiva, com o erotismo frequente após os anos 80 muitas vezes a veicular uma “aura de assombro e alhea-mento” nas “figuras-amantes”, como afirma Fernanda Gil Costa no texto que acompanha a sua individual na Gulbenkian.

GRUPO ACRE FEZ 1974–77 412

Clara Menéres: elementos adicionais

Maria Clara Rebelo de Carvalho Menéres é natural de S. Vítor, Braga, onde nasce a 22 de agosto de 1943. Aos 14 anos já é estudante de Escultura na ESBAP. Frequenta o curso entre 1958 e 1964, mas só o conclui em 1968, depois do nascimento dos dois filhos em 63 e 65. Quando, casada e mãe, regressa aos estudos (onde é aluna de Barata Feyo, Heitor Cramez, Júlio Resende e Lagoa Henriques que, mais tarde, em 1970, a convida para ensi-nar na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa), já Clara expôs trabalho seu (a primeira individual é de 1967), apesar de ser muito jovem.

Assim, Clara assume precocemente uma posição muito afirmati-va como escultora, como mulher e num plano político mais lato. Podemos destacar especialmente duas esculturas de linguagem moderna com sen-tido crítico e erótico, ainda no tempo da ditadura, quando a sexualidade é tema censurado: A Menina Maria Amélia que vive na Rua do Almada, tese de fim de curso de Belas Artes, de 1968, exposta no Museu de Amarante e hoje parte do seu espólio; e Relicário, de 1969, que, apresentada no Museu Soares dos Reis, motiva um abaixo-assinado contra a presença num museu de uma obra “que nem se admitia num bordel”488.

Quanto à sua faceta académica, Clara começa a carreira em 1965/66 na Escola Comercial e Industrial de Aveiro. De 1970 em diante está na ESBAL a ensinar desenho, e a partir de 1974 leciona escultura e outras maté-rias. Entre 1979 e 1981 prepara doutoramento na Universidade Paris VII com orientação de Serge Moscovici, residindo em Paris e obtendo o Diplôme d’Etudes Approfondies de Ethnologie em 1979. Conclui a tese em 1983, já depois de, em 1980, realizar provas de Agregação em Escultura na ESBAL. Mais tarde, continua a revelar a sua inquietação e interesse por novos co-nhecimentos em formações diversas que frequenta: cursos de tecnologias informáticas, desenho assistido por computador e de luminotécnica respe-tivamente na ESBAL e no MIT, na Faculdade de Arquitetura da Universidade Técnica de Lisboa e no INETI, o curso de Teologia da Universidade Católica Portuguesa, são exemplos.

Depois do Grupo Acre cessar a sua atividade, Clara Menéres renova o empenho coletivo a par da sua produção artística individual, sobretudo em projetos artísticos com colaboração pontual de outros artistas. É o caso da criação do CAI (Centro de Arte e Investigação), em 1992, com José Nuno Câmara Pereira, Pedro Morais, Fernandes Dias e João Regueira, que obtém apoios da CML, FCG e LNEC. É também o caso, em 1993, do Centro de

488 Clara Menéres, testemunho oral, 31 de março de 2016.

ANEXOS413

Escultura em Pedra de Pêro Pinheiro, nos anos 80, bem como da sua es-tadia no Center for Advanced Visual Studies do Massachusetts Institute of Technology (MIT), entre 1988 e 1990, que lhe permite aprofundar perspeti-vas cruzadas das tecnologias na investigação artística.

Isso decorre paralelamente e intercalado com a sua carreira acadé-mica e respetivas etapas na Faculdade de Belas Artes de Lisboa, na qual assume também responsabilidades de direção e gestão entre 1993 e 1996. Depois disso é contratada pela Universidade de Évora, onde leciona primei-ro no Curso de Arquitetura Paisagista (de novo desenho), ao mesmo tempo que ensina também na Universidade da Beira Interior (estética). Em bre-ve dinamiza em Évora o lançamento do novo projeto pedagógico do curso de Artes Plásticas, onde progride para Professora Associada e, mais tarde, Catedrática. Como artista, docente e investigadora, realiza inúmeras confe-rências, integra júris e comissões artísticas e académicas, publica mais de duas dezenas textos.

São, ainda, expressivas do seu interesse na ação social, cultural e po-lítica, as participações no MIC (Movimento de Intervenção e Cidadania) em 2006, no Programa Cultural do Congresso Feminista de 2008, a sua can-didatura em 2009 às Eleições Europeias pelo MPT (Partido da Terra) e à Assembleia da República pela coligação Frente Ecologia e Humanismo. Após aposentada na Universidade de Évora desde 2007, é Professora Catedrática Emérita dessa universidade, mantendo ligação académicas, integrando jú-ris e comissões de avaliação no ensino superior, até falecer em 2018, ainda cheia de projetos.

Dela fica uma produção extraordinariamente multifacetada: desenho, escultura de diversas dimensões e materialidades, com figuração ou abs-trata, monumentos públicos em Portugal e no estrangeiro, obras em cola-boração, efémeras ou em pedra, metal, novos materiais, ready-made, néon, medalhística, escultura religiosa e profana.

A obra de Clara Menéres está integrada em diversas coleções de ins-tituições, tais como: Secretaria de Estado da Cultura, Fundação Calouste Gulbenkian, Museu de Amarante, a Caixa Geral de Depósitos, Fundação da Casa de Serralves, Massachussetts Institut of Technology, Câmara Municipal de Vila Nova de Cerveira, Embaixada de Portugal em Washington e Embaixada de Portugal na ONU.

GRUPO ACRE FEZ 1974–77 414

Alfredo Queiroz Ribeiro: elementos adicionais

Nascido na Beira, Moçambique, em 18 de julho de 1939, Alfredo Vaz Pinto de Queiroz Ribeiro fixa-se muito jovem no Porto e estuda ali escultura nas Belas Artes desde 1959. Conquista o Prémio Mestre Manuel Pereira do SNI no ano de 1964, quando termina o curso e realiza a sua primeira individual na Galeria Divulgação (Porto). No ano seguinte participa em novas exposi-ções (Lisboa e Porto) e integra a Cooperativa Árvore antes do serviço militar obrigatório, que o afasta durante quatro anos.

Após o regresso em 1969 e novas exposições promissoras (Galeria Alvarez, Galeria Quadrante), obtém uma bolsa da Gulbenkian e continua estudos de Escultura no Central Saint Martins College of Art de Londres en-tre setembro de 1970 a julho de 1972. Regressa em Portugal em 1973, mas, em breve de novo em Inglaterra, leciona escultura na Liverpool Polythecnic.

Na sua obra, há inicialmente pintura e cerâmica, seguidas de assem-blages com materiais pré-fabricados e objects trouvés, mas, principalmente, podem evocar-se as esculturas abstratas geométricas de formas rigorosas, realizadas frequentemente com recurso a processos industriais. A estadia em Inglaterra e o ensino na Liverpool Polytechnic terão sido determinantes certamente, pois nessa escola (anos antes frequentada por John Lennon) afirma-se então uma aproximação vocacional centrada na ciência e na tec-nologia489. Queiroz Ribeiro realiza ainda desenho, bem como serigrafia e li-tografia, obras nas quais se evidencia uma reflexão sobre o espaço que nem sempre concretiza nos objetos escultóricos, por razões plausíveis. Mas há aspetos comuns, como mais tarde refere Fernando de Azevedo a propósito dessas obras: “As suas serigrafias são, como a sua escultura o é, também, uma atenção sensível à planificação dos tempos de leitura do que o rodeia, do que vê, do que vive”490.

Entre outras mostras de trabalho, Queiroz Ribeiro expõe ainda em Liverpool por duas vezes, em 1973 (Liverpool Academy Gallery e Bluecoat Gallery), na Fundação Calouste Gulbenkian, em finais do mesmo ano, e na Árvore, em 1974.

489 O Liverpool Polytechnic resulta da fusão, em 1970, de quatro escolas:  Regional College of Technology, College of Art (antes a Mechanics’ School of Art, criada em 1825, uma das escolas de arte mais antigas de Inglaterra fora de Londres), College of Building e College of Commerce. Hoje o Liverpool Polytechnic é a Liverpool John Moores University.

490 AZEVEDO, Fernando de (1976). “Queiroz Ribeiro”. Colóquio Artes. Nº 16, fevereiro, p. 74. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

ANEXOS415

Sobre o seu trabalho491, Egídio Álvaro frisa no texto do catálogo da sua exposição na Gulbenkian a ideia de experimentação permanente como uma das características principais do escultor, escrevendo:

A simplicidade das formas não é senão aparente. Se na primeira fase abundam as formas obtidas pelo recorte de uma só peça metálica, a referência ao orgânico, aos seres vivos, recobre-as de uma rede de su-gestões e obriga a um recurso ao imaginário e à memória que exclui a simplicidade. Se o gosto pelos materiais pré-fabricados da segunda fase (secções tubulares, chapas, volumes) e pelos materiais pobres e pouco belos (os plásticos são por si demasiado expressivos, e o bronze está ligado a toda uma tradição estética do imperecível e do eterno) fazem pensar numa recusa de lirismos e de transbordamentos expres-sionistas, logo a necessidade sensual de manipulação física e da emo-ção, tal como a afirmação de uma espontaneidade instintiva apontam para o diálogo com o não-/racional nem racionalizável, indicam a recu-sa do manifesto conceptual em favor da prática informadora.E na terceira fase, que julgo ser uma síntese fecunda e fecundante, ve-rificamos a inserção da obra na paisagem cultural urbana, a apropria-ção da realidade ou supra-realidade confeccionada industrialmente pelo homem, em detrimento dessa outra realidade natural que, lenta mas seguramente, entra no domínio da lenda impossível.492

Alfredo Queiroz Ribeiro tem obra em coleções diversas, destacando--se a Fundação Calouste Gulbenkian e a Fundação de Serralves.

Já num contexto recente, Ricardo Nicolau enquadra a obra do artista na abstração, contudo frisando que lhe interessava que “a experiência visual traduzisse a passagem do tempo, que a totalidade da experiência não fosse dada de imediato, de uma só vez — razão pela qual lhes atribui títulos, às vezes longos, quase sempre crípticos, que também visam dilatar o tempo da receção”493.

491 Cronologia de exposições individuais e coletivas em GONÇALVES, Cláudia; RAMOS, Maria (Coord.), (2001). Porto 60/70: os artistas e a cidade.  Porto: Asa / Árvore-Cooperativa de Actividades Artísticas / Museu de Serralves, p. 295.

492 ÁLVARO, Egídio (1973). “A escultura de Alfredo Queiroz Ribeiro”. AA.VV. (1973) Alfredo Queiroz Ribeiro. Exposições de Bolseiros. 7. Lisboa / novembro — dezem-bro / 1973. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, s/n página.

493 NICOLAU, Ricardo (2009). “Alfredo Queiroz Ribeiro”. In AGUIAR, Maria João (2009). Artistas Portugueses na Colecção da Fundação de Serralves. Porto: Fundação de Serralves, p. 270.

ISBN 978-989-8944-50-4