Giselle Medeiros da Costa One - Cinasama

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Giselle Medeiros da Costa One Giselle Medeiros da Costa One

(Org.)

CIÊNCIAS BIOLÓGICAS: os desafios da pesquisa

na atualidade

IMEA JOÃO PESSOA-PB

2021

Instituto Medeiros de Educação Avançada - IMEA

Editor Chefe Giselle Medeiros da Costa One

Corpo Editorial

Giselle Medeiros da Costa One Bárbara Lima Rocha

Maria Luiza Souto Porto Roseanne da Cunha Uchôa

Iara Medeiros de Araújo Revisão Final

Ednice Fideles Cavalcante Anízio

FICHA CATALOGRÁFICA Dados de Acordo com AACR2, CDU e CUTTER

Laureno Marques Sales, Bibliotecário especialista. CRB -15/121

Direitos desta Edição reservados ao Instituto Medeiros de Educação Avançada – IMEAImpresso no Brasil / Printed in Brazil

One, Giselle Medeiros da Costa. O59c Ciências Biológicas:os desafios da pesquisa na atualidade /

Organizador: Giselle Medeiros da Costa One. Maria Luiza Souto Porto. IMEA. 2021.

669 fls. Prefixo editorial: 53005 ISBN: 978-65-89069-06-5 (on-line) Modelo de acesso: Word Wibe Web <http://www.cinasama.com.br> Instituto Medeiros de Educação Avançada – IMEA – João Pessoa - PB

1.Ciências Biológicas 2. Microbiologia 3. Biologia molecular I. Giselle Medeiros da Costa One II. Ciências Biológicas:os desafios da pesquisa na atualidade

CDU: 570

IMEA Instituto Medeiros de Educação

Avançada

Proibida a reprodução, total ou parcial, por qualquer meio ou processo, seja reprográfico, fotográfico,

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9.610/98 – Lei dos Direitos Autorais - arts. 122, 123, 124 e 126)

Todas as opiniões e textos presentes

neste livro são de inteira responsabilidade de seus autores, ficando o organizador

isento dos crimes de plágios e informações enganosas.

IMEA

Instituto Medeiros de Educação Avançada

Av Senador Ruy Carneiro, 115 ANDAR: 1; CXPST: 072; João Pessoa - PB

58032-100 Impresso no Brasil

2021

Aos participantes do CINASAMA pela

dedicação que executam suas atividades e

pelo amor que escrevem os capítulos que

compõem esse livro.

“Procure a sabedoria e aprenda a escrever os capítulos mais importantes de sua história nos momentos mais difíceis de sua vida”.

Augusto Cury

PREFÁCIO

O CINASAMA é um evento que tem como objetivo

proporcionar subsídios para que os participantes tenham

acesso às novas exigências do mercado e da educação. E ao

mesmo tempo, reiterar o intuito Educacional, Biológico, na

Saúde, Nutricional e Ambiental de direcionar todos que

formam a Comunidade acadêmica para uma Saúde Humana

e Educação socioambiental para a Vida.

Os livros “CIÊNCIAS BIOLÓGICAS: os desafios da

pesquisa na atualidade” tem conteúdo interdisciplinar,

contribuindo para o aprendizado e compreensão de varias

temáticas dentro da área em estudo. Esta obra é uma

coletânea de pesquisas de campo e bibliográfica, fruto dos

trabalhos apresentados no Congresso Internacional de Saúde

e Meio Ambiente realizado entre os dias 28 e 29 de Novembro

de 2020. No ano de 2020 devido a pandemia causada pelo

COVID – 19 o evento foi realizado em sua I Edição On-line.

Os eixos temáticos abordados no Congresso

Internacional de Saúde e Meio Ambiente e nos livros

garantem uma ampla discussão, incentivando, promovendo

e apoiando a pesquisa. Os organizadores objetivaram

incentivar, promover, e apoiar a pesquisa em geral para que

os leitores aproveitem cada capítulo como uma leitura

prazerosa e com a competência, eficiência e profissionalismo

da equipe de autores que muito se dedicaram a escrever

trabalhos de excelente qualidade direcionados a um público

vasto.

O livro CIÊNCIAS BIOLÓGICAS: os desafios da

pesquisa na atualidade” apresenta interdisciplinaridade

entre a as áreas da saúde concentrado em títulos com temas

que relatam experiência profissional e revisões bibliográficas

nas áreas afins e abrange as áreas: biologia geral,

bioquímica, ecologia, fisiologia, imunologia, microbiologia,

parasito, genética de microrganismos e biologia molecular.

Esta publicação pode ser destinada aos diversos

leitores que se interessem pelos temas debatidos.

Espera-se que este trabalho desperte novas ações,

estimule novas percepções e desenvolva novos humanos

cidadãos.

Aproveitem a oportunidade e boa leitura.

SUMÁRIO

CIÊNCIAS BIOLÓGICAS – BIOLOGIA GERAL ________________________ 14

CAPÍTULO 1 ________________________________________________ 15

AVALIAÇÃO DA ATIVIDADE GASTROPROTETORA DO EXTRATO HEXÂNICO

DAS FOLHAS DE AVICENNIA SCHAUERIANA STAPF & LEECHMAN _________ 15

CAPÍTULO 2 ________________________________________________ 35

SORO DE LEITE BOVINO COMO PRODUTO INOVADOR PARA

ALIMENTAÇÃO DOS ESTÁGIOS INICIAIS DA VIDA DO ZEBRAFISH (DANIO

RERIO) _____________________________________________________ 35

CIÊNCIAS BIOLÓGICAS - BIOQUÍMICA ___________________________ 56

CAPÍTULO 3 ________________________________________________ 57

CONTEÚDO DE FENÓIS, ATIVIDADE ANTIOXIDANTE E EFEITO

FOTOPROTETOR DE EXTRATOS ORGÂNICOS DE FOLHAS DE MORINGA

OLEIFERA LAM. _______________________________________________ 57

CAPÍTULO 4 ________________________________________________ 78

O POTENCIAL DE LECTINAS NO DIAGNÓSTICO DO CÂNCER ___________ 78

CAPÍTULO 5 ________________________________________________ 98

ESTUDO COMPARATIVO DE INIBIDORES DE UREASES _______________ 98

CAPÍTULO 6 _______________________________________________ 116

PROPRIEDADES FARMACOLÓGICAS DAS FOLHAS DE MORINGA OLEIFERA

LAM. ____________________________________________________ 116

CIÊNCIAS BIOLÓGICAS - ECOLOGIA ____________________________ 137

CAPÍTULO 7 _______________________________________________ 138

O QUE SABEMOS SOBRE A TOXICIDADE DO HERBICIDA 2,4 ÁCIDO

DICLOROFENOXIACÉTICO (2,4-D) EM PEIXES? ____________________ 138

CIÊNCIAS BIOLÓGICAS - FISIOLOGIA ___________________________ 162

CAPÍTULO 8 _______________________________________________ 163

PROCESSO INFLAMATÓRIO INDUZIDO POR MACRÓFAGOS

PERIVASCULARES E MICROGLIAS E SUA RELAÇÃO COM A HIPERTENSÃO

NEUROGÊNICA ____________________________________________ 163

CAPÍTULO 9 _______________________________________________ 183

PROCESSOS FISIOPATOLÓGICOS, TRATAMENTO E MODELOS

EXPERIMENTAIS DA LESÃO PULMONAR AGUDA __________________ 183

CAPÍTULO 10 ______________________________________________ 202

TECIDO ADIPOSO PERIVASCULAR COMO ALVO PARA O TRATAMENTO DE

DOENÇAS CARDIOVASCULARES: UMA REVISÃO __________________ 202

CAPÍTULO 11 ______________________________________________ 223

TOXINAS DE ANIMAIS COM ALVO EM CANAIS PARA SÓDIO:

FERRAMENTAS FARMACOLÓGICAS VALIOSAS PARA CANALOPATIAS

NEUROLÓGICAS ____________________________________________ 223

CIÊNCIAS BIOLÓGICAS - IMUNOLOGIA _________________________ 247

CAPÍTULO 12 ______________________________________________ 248

ANTICORPOS MONOCLONAIS COMO TERAPIA NA SÍNDROME DA ASMA E

RINITE ALÉRGICAS COMBINADAS ______________________________ 248

CAPÍTULO 13 ______________________________________________ 266

CARACTERÍSTICAS DA COVID-19 E A MODULAÇÃO DA IMUNIDADE INATA

_________________________________________________________ 266

CAPÍTULO 14 ______________________________________________ 287

CORRELAÇÃO DA IMUNIDADE ADAPTATIVA COM A COVID-19 _______ 287

CAPÍTULO 15 ______________________________________________ 309

MACRÓFAGOS M1/M2 NA LEISHMANIOSE ______________________ 309

CAPÍTULO 16 ______________________________________________ 331

MECANISMOS IMUNOLÓGICOS DA INFLAMAÇÃO NA PELE COM ENFOQUE

NA PSORÍASE: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ____________________ 331

CAPÍTULO 17 ______________________________________________ 353

SARS-COV-2: COMORBIDADES E COINFECÇÃO ___________________ 353

CAPÍTULO 18 ______________________________________________ 373

TEMPESTADE DE CITOCINAS, CASCATA DE COAGULAÇÃO E

NEUROINFLAMAÇÃO: PROCESSOS FISIOPATOLÓGICOS NA COVID-19 _ 373

CIÊNCIAS BIOLÓGICAS - MICROBIOLOGIA _______________________ 399

CAPÍTULO 19 ______________________________________________ 400

ANÁLISE FITOQUÍMICA E ATIVIDADE ANTIBACTERIANA DE EMBIRATANHA

(PSEUDOBOMBAX MARGINATUM) ____________________________ 400

CAPÍTULO 20 ______________________________________________ 420

APLICAÇÕES BIOTECNOLÓGICAS E AMEAÇAS À DIVERSIDADE FÚNGICA DO

CERRADO _________________________________________________ 420

CAPÍTULO 21 ______________________________________________ 443

ATIVIDADE ANTIMICROBIANA DE EXTRATOS DE FOLHAS, SEMENTES E

RAÍZES DE MORINGA OLEIFERA LAM. (MORINGACEAE): UMA REVISÃO ____ 443

CAPÍTULO 22 ______________________________________________ 462

BREVE REVISÃO SOBRE O SARS-COV, O MERS-COV E O SARS-COV-2 E O

USO DO PLASMA CONVALESCENTE NA TERAPIA EXPERIMENTAL _____ 462

CAPÍTULO 23 ______________________________________________ 484

ESTUDOS ANTIMICROBIANOS COM ALOE VERA: UMA REVISÃO _______ 484

CAPÍTULO 24 ______________________________________________ 503

FISIOPATOLOGIA DA INFECÇÃO PELO ZIKA VÍRUS EM NEONATOS ____ 503

CAPÍTULO 25 ______________________________________________ 522

PRODUÇÃO DE ENZIMAS EXTRACELULARES POR BACTÉRIAS ISOLADAS DE

UM SOLO TRATADO COM ÓLEO VEGETAL DE FRITURA _____________ 522

CAPÍTULO 26 ______________________________________________ 545

TIPOS DE CORONAVÍRUS: HUMANOS E ANIMAIS _________________ 545

CIÊNCIAS BIOLÓGICAS -PARASITOLOGIA _______________________ 563

CAPÍTULO 27 ______________________________________________ 564

PLANTAS DA CAATINGA COMO UMA ALTERNATIVA PARA O CONTROLE DE

AEDES AEGYPTI: UMA REVISÃO _______________________________ 564

CAPÍTULO 28 ______________________________________________ 585

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA SOBRE A CONTAMINAÇÃO DAS AREIAS DAS

PRAIAS BRASILEIRAS POR PARASITOS INTESTINAIS ________________ 585

GENÉTICA DE MICRORGANISMOS _____________________________ 604

CAPÍTULO 29 ______________________________________________ 605

MICRORGANISMOS ENVOLVIDOS NA BIODEGRADAÇÃO DE PETRÓLEO E

DERIVADOS _______________________________________________ 605

BIOLOGIA MOLECULAR ______________________________________ 624

CAPÍTULO 30 ______________________________________________ 625

AVALIAÇÃO MOLECULAR DA FLUOROSE ESQUELÉTICA NO ESTADO DA

PARAÍBA: UMA REVISÃO INTEGRATIVA _________________________ 625

BIOTECNOLOGIA ___________________________________________ 645

CAPÍTULO 31 ______________________________________________ 646

APLICAÇÕES BIOTECNOLÓGICAS E AMEAÇAS À DIVERSIDADE FÚNGICA DO

CERRADO _________________________________________________ 646

.

14

CIÊNCIAS BIOLÓGICAS – BIOLOGIA GERAL

AVALIAÇÃO DA ATIVIDADE GASTROPROTETORA DO EXTRATO HEXÂNICO DAS FOLHAS DE Avicennia schaueriana STAPF &

LEECHMAN

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CAPÍTULO 1

AVALIAÇÃO DA ATIVIDADE GASTROPROTETORA DO EXTRATO

HEXÂNICO DAS FOLHAS DE Avicennia schaueriana STAPF & LEECHMAN

Leandro de Lima COUTINHO1

Marllon Alex Nascimento SANTANA2 Tonny Cley Campos LEITE3

Amanda Reges de SENA4

Jéssica Andréia Pereira BARBOSA5,6

1Pós-Graduando no Centro de Investigação Translacional em Oncologia, FM/USP;2Pós-Graduando do Departamento de Ciências Biológicas, UFPE;3Técnico do Laboratório de

Bromatologia, IFPE; 4Docente do Curso de Técnico em Alimentos, IFPE; Orientadora-FACOTTUR

[email protected]

RESUMO: Avicennia schaueriana, espécie endêmica da vegetação de manguezal, é bastante utilizada pelas comunidades tradicionais no tratamento de reumatismo, úlceras e cicatrização de feridas. Desta forma, o objetivo deste estudo foi avaliar o potencial gastroprotetor do extrato hexânico das folhas de A. schaueriana. O extrato hexânico (As-Hex) foi preparado por maceração exaustiva, e o perfil fitoquímico analisado através de cromatografia em camada delgada (CCD). A atividade citotóxica foi realizada pelo método do MTT frente às linhagens Raw 264.7 e Vero, assim como o ensaio de toxicidade aguda. A atividade gastroprotetora foi avaliada através do modelo de úlcera induzida por etanol, seguida da

AVALIAÇÃO DA ATIVIDADE GASTROPROTETORA DO EXTRATO HEXÂNICO DAS FOLHAS DE Avicennia schaueriana STAPF &

LEECHMAN

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determinação dos níveis de mieloperoxidase (MPO). A CCD demonstrou a presença de terpenos no extrato As-Hex. Na determinação da toxicidade aguda do extrato orgânico não foi registrada mortes, sinais tóxicos ou alterações nos parâmetros bioquímico e hematológicos avaliados. Referente a atividade gastroprotetora, o extrato hexânico reduziu o índice de lesão ulcerativa, além de diminuir os níveis de MPO. O presente estudo revelou que o extrato hexânico das folhas de A. schaueriana possui propriedade gastroprotetora, sugerindo que esta atividade pode estar associada a presença de metabólitos como terpenos, com a capacidade de síntese de prostaglandina e outros protetores da mucosa gástrica. Portanto, o extrato hexânico deve ser considerado como uma alternativa terapêutica para o tratamento de infecções e úlcera gástrica. Palavras-chave: Avicennia schaueriana. Fitoquímica. Terpenos. Antiulcerogênica. INTRODUÇÃO

A úlcera gástrica (UG) é caracterizada pela lesão na

mucosa gástrica, que pode se estender desde danos

superficiais nos tecidos até lesões mais profundas podendo

atingir a submucosa subjacente ou muscular externa

(ELSHAZLY et al., 2018; MANJEGOWDA et al., 2017). É uma

doença associada a distúrbios gastrointestinais que afeta mais

de 10% da população mundial (SHEN et al., 2017; YOO et al.,

2018). A UG é desenvolvida a partir do desequilíbrio entre

fatores protetores , tais como, barreira de muco, secreção de

bicarbonato, aumento dos níveis de antioxidantes e produção

de prostaglandinas, fluxo sanguíneo mucoso, entre outros, e os

fatores lesivos, por exemplo, pepsina, ácido clorídrico, radicais

AVALIAÇÃO DA ATIVIDADE GASTROPROTETORA DO EXTRATO HEXÂNICO DAS FOLHAS DE Avicennia schaueriana STAPF &

LEECHMAN

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livres reativos e oxidantes (ATHAYDES et al., 2018; LIANG et

al., 2018).

Para o tratamento de úlcera gástrica comumente são

utilizados fármacos como os antagonistas de receptores H2,

como a cimetidina e inibidores da bomba de prótons (IBPs),

como o omeprazol. Entretanto, o uso contínuo desses podem

causar uma série de efeitos colaterais e recorrência de úlcera

ao término do tratamento (ARAÚJO, 2018). Portanto, diante das

dificuldades em relação a cura da úlcera gástrica e presença de

efeitos colaterais a partir do tratamento atual, faz-se necessário

a busca de um novo tratamento anti-úlcera que apresente alta

eficácia, baixa ou nenhuma toxicidade e efeitos adversos

mínimos.

Como alternativa seria o uso de plantas medicinais,

sendo estas bastante utilizada por comunidades tradicionais

para uma variedade de doenças (ABBAS et al., 2018). O Brasil

apresenta uma grande diversidade em relação a sua flora, com

cerca de 60 a 250 mil espécies vegetais no país, sendo destas

40% apresentando atividades biológicas. Dessa forma, muitas

são as pesquisas voltadas para identificar os possíveis

metabólitos secundários com a capacidade de tratar ou prevenir

doenças. Essas pesquisas têm confirmado o potencial de

plantas medicinais para a cura de diversas doenças, tais como

diabetes, câncer, antiulcerogênica, entre outras (CESÁRIO et

al., 2018; YOUS et al., 2018). Na literatura podemos encontrar

uma diversidade de vegetais com efeito gastroprotetor, sendo

importante alternativa para o tratamento úlcera gástrica,

estando muitas vezes seus efeitos associados a ação

antioxidante diminuindo a peroxidação lipídica, proteína e

AVALIAÇÃO DA ATIVIDADE GASTROPROTETORA DO EXTRATO HEXÂNICO DAS FOLHAS DE Avicennia schaueriana STAPF &

LEECHMAN

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danos no DNA, auxiliando na prevenção da inflamação que leva

a úlceras gástricas (ATHAYDES et al., 2018). Dessa forma, com

objetivo de descobrir novos tratamentos eficazes e com menos

efeitos colaterais voltados para doenças gastrointestinais,

muitas plantas veem sendo estudadas, e com isso suas

propriedades farmacológicas confirmadas e sem efeitos

adversos minimizados (ALMEIDA et al., 2019).

Avicennia schaueriana, pertence à família Acanthacea,

conhecida popularmente como mangue preto ou siriúba,

(PROFICE, et al., 2010) e na literatura já foi destacada com

algumas atividades biológicas, tais como, propriedade

cicatrizante (LOPES et al., 2019) e gastroprotetora (BARBOSA

et al., 2019).

Dessa forma, a investigação da caracterização química

e propriedades farmacológicas de Avicennia schaueriana

tornam-se importantes na obtenção de novas substâncias com

potencial terapêutico, e que apresentem efeitos colaterais

reduzidos. Além disso, ao relatar as atividades biológicas de

plantas medicinais na literatura científica, os conhecimentos

construídos pelas comunidades tradicionais são muitas vezes

reconhecidos e validados.

MATERIAL E MÉTODO

MATERIAL BOTÃNICO

As folhas de A. schaueriana foram coletadas no

mangue da ilha de Itamaracá, localizado na costa norte do

estado de Pernambuco (7º 48 '69 "S / 34º 51' 34" W), em

AVALIAÇÃO DA ATIVIDADE GASTROPROTETORA DO EXTRATO HEXÂNICO DAS FOLHAS DE Avicennia schaueriana STAPF &

LEECHMAN

19

novembro de 2014. O material da planta foi identificado no

Herbário do Centro de Biociência da Universidade Federal de

Pernambuco, onde um espécime foi depositado sob número de

77.367.

LINHAGENS CELULARES

As linhagens Vero (fibroblastos de rim de macaco verde

africano) e RAW-264.7 (macrófagos murinos) foram

provenientes do Laboratório de Cultura de Células do

Departamento de Antibióticos/UFPE, mantidas de acordo com

o protocolo estabelecido pelo setor.

ANIMAIS EXPERIMENTAIS

Foram utilizados ratos Wistar machos (250 - 300 g) e

camundongos swiss fêmeas (25-30 g), provenientes do Biotério

do Departamento de Antibióticos da Universidade Federal de

Pernambuco (UFPE). Os animais receberam água e ração

(PRESENCE) “ad libitum” e foram mantidos em condições

normais de temperatura (21 ± 2 °C) e umidade (60 ± 1%), sob

ciclo natural claro e escuro de 12-12 horas. Todos os

tratamentos e procedimentos foram realizados de acordo com

o “Manual Prático sobre Usos e Cuidados Éticos de Animais de

Laboratório” da Sociedade Brasileira de Ciência em Animais de

Laboratório (SBCAL). Os protocolos de experimentação foram

aprovados pela Comissão de Ética em Experimentação Animal

(CEEA) da UFPE, processo nº 23076.018743/2015-42.

AVALIAÇÃO DA ATIVIDADE GASTROPROTETORA DO EXTRATO HEXÂNICO DAS FOLHAS DE Avicennia schaueriana STAPF &

LEECHMAN

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OBTENÇÃO DE EXTRATOS ORGÂNICOS E FRAÇÕES DAS

FOLHAS DE AVICENNIA SCHAUERIANA

As folhas de A. schaueriana foram coletadas e secas por

3 dias (72 h) em estufa com temperatura controlada (50 °C) e

renovação constante de ar. As mesmas foram moídas em

moinho de facas. Os extratos foram obtidos pelo método de

maceração por um período de 7 dias em temperatura ambiente

e protegida da incidência da luz. O solvente utilizado para a

extração foi hexano por um período de 48 h. O solvente foi

evaporado sob pressão reduzida (rotaevaporação) e em

seguida foi seco em umdessecador.

ANÁLISE DO PERFIL FITOQUÍMICO- CROMATOGRAFIA DE

CAMADA DELGADA (CCD)

Para análise do perfil fitoquímico o extrato foi testado na

concentração de 5 mg/mL em CCD, utilizando-se como fase

estacionária sílica gel F254 e fases móveis específicas de acordo

com o metabólito analisado. Para análise da prospecção

fitoquímica foram utilizadas como fases móveis diferentes

sistemas de solventes com polaridade crescente, sendo cada

fase móvel específica para o respectivo metabólito

analisado. Foram utilizados reveladores e padrões

cromatográficos adequados conforme descrito na Tabela 1.

AVALIAÇÃO DA ATIVIDADE GASTROPROTETORA DO EXTRATO HEXÂNICO DAS FOLHAS DE Avicennia schaueriana STAPF &

LEECHMAN

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AVALIAÇÃO CITOTÓXICA FRENTE ÀS LINHAGENS RAW

264.7 E VERO

A atividade citotóxica foi realizada através do método do

MTT brometo de 3-(4,5-dimetiltiazol-2-il)-2,5-difeniltetrazólio.

As linhagens de células normais utilizadas foram Vero (células

epiteliais do rim de macaco) e RAW 264.7 (macrófagos

murinos) mantidas em meio de cultura DMEM. Os meios foram

suplementados com 10 % de soro fetal bovino e 1 % de solução

de antibiótico (penicilina e estreptomicina). As linhagens foram

mantidas em estufa a 37 ºC em atmosfera úmida enriquecida

com 5% de CO2. As células Vero e RAW 264.7 (105 células/mL)

foram plaqueadas em placas de 96 poços e incubadas por 24

h. Em seguida o extrato foi dissolvido em DMSO (1%) e

adicionado aos poços em concentrações finais de 50, 25, 12,5

e 6,25 µg/mL. Após 72 h de reincubação foi adicionado 25 µL

de MTT (5 mg/mL) e depois de 3 h de incubação, o meio de

cultura com o MTT foram aspirados e 100 µL de DMSO foi

adicionado a cada poço. A absorbância foi medida em um leitor

de microplacas no comprimento de onda de 560 nm. O

experimento foi realizado em triplicata e a média da

percentagem de inibição e desvio padrão foram calculados. A

diferença entre os valores das medias da viabilidade celular

foram avaliadas pela Anova one way e pós teste Turkey’s (p <

0,05) no programa GraphPad Prism 6.0. demo

AVALIAÇÃO DA ATIVIDADE GASTROPROTETORA DO EXTRATO HEXÂNICO DAS FOLHAS DE Avicennia schaueriana STAPF &

LEECHMAN

22

TOXICIDADE AGUDA

Grupos de três camundongos albinos swiss fêmeas

receberam via oral o extrato hexânico da A. schaueriana na

dose de 2000 mg/kg e o controle recebeu o veículo (salina com

5% de DMSO). Os parâmetros comportamentais observados

foram: agitação, atividade motora, locomoção, resposta ao

toque, piloereção, ptose, cianose, movimentos estereotipados,

sonolência, frêmito vocal, ataxia, contorções, agressividade,

convulsões, micção, defecação, diarreia). Durante 14 dias

seguintes, foram avaliados o consumo de água, ração, peso

corporal e mortalidade. No último dia de observação, os animais

foram anestesiados com tiopental (5 mg/kg) e posteriormente

submetidos a coleta de sangue por punção cardíaca. O material

biológico (sangue) foi submetido a análise dos parâmetros

bioquímicos e hematológicos. Este experimento foi repetido,

sendo o número final igual a 6 animais por grupo.

PARÂMETROS HEMATOLÓGICOS E BIOQUÍMICOS

Para o teste hematológico, amostras sanguíneas foram

coletadas em tubos contendo EDTA K2 e analisadas em

contador hematológico de células ABX micros 60 (HORIBE

medical). Para o teste bioquímico, as amostras foram coletas

em tubos com ativador de coágulo e centrifugados a 4000 rpm

por 5 minutos. O soro obtido foi analisado em BIOPLUS 2000

utilizando kits bioquímicos Labtest para os seguintes

parâmetros: glicose, triglicerídeos, proteínas, colesterol, ureia,

creatinina, fosfatase alcalina, TGO e TGP.

AVALIAÇÃO DA ATIVIDADE GASTROPROTETORA DO EXTRATO HEXÂNICO DAS FOLHAS DE Avicennia schaueriana STAPF &

LEECHMAN

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ÚLCERA GÁSTRICA INDUZIDA POR ETANOL ABSOLUTO

Os ratos Wistar foram distribuídos em grupos (n=5

animais/grupo) e submetidos a jejum de 24 horas com livre

acesso à água. Após este período, cada grupo recebeu o

tratamento com extratos hexânico das folhas de A. schaueriana

(50, 100 e 200 mg/kg v.o.). Como controle negativo os animais

receberam veículo (salina 0,9% e 5% de DMSO) e pantoprazol

(30 mg/Kg) como controle positivo. Após 30 minutos da

administração dos respectivos tratamentos, os animais

receberam por via oral 1,0 mL de etanol absoluto. Após 1 hora

da administração do etanol, os animais foram sacrificados e

seus estômagos retirados e abertos na sua curvatura maior

para contagem das lesões ulcerativas e cálculos do índice de

lesões ulcerativas (ILU). A contagem das lesões ulcerativas

foi realizada a partir de imagens digitalizadas e analisadas pelo

software ImageJ (1.51 d). As lesões foram classificadas através

dos níveis I <1 mm2; II 1 – 3 mm2; e III > 3 mm2. O índice de

lesão ulcerativa foi calculado pela fórmula: 1 x (número de

lesões nível I) + 2 x (número de lesões nível II) + 3 x (número

de lesões nível III). O % C= 100 – (IU tratado x 100/ IU controle).

DETERMINAÇÃO DOS NÍVEIS DE MIELOPEROXIDASE

(MPO)

Para avaliar os níveis da mieloperoxidase (enzima

presente nos neutrófilos, indicativas de processo inflamatório),

os tecidos dos estômagos dos animais submetidos ao modelo

de úlceras induzidas por etanol (controles e tratados) foram

AVALIAÇÃO DA ATIVIDADE GASTROPROTETORA DO EXTRATO HEXÂNICO DAS FOLHAS DE Avicennia schaueriana STAPF &

LEECHMAN

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colocados em tampão fosfato de potássio 50 mM (pH 6,0)

contendo 0,5% de hexadeciltrimetilamônio (1,5 mL - 100 mg de

tecido) em homogeneizador de Potter. O homogenato foi

agitado em vórtex e centrifugado durante 15 minutos a 2.500

rpm. Dez microlitros do sobrenadante obtido foram adicionados

em microplaca de 96 poços, em duplicata, sendo a seguir,

adicionado 200 µL de solução tampão contendo di-hidrocloreto

de o-dianisidina (16,7 mg), água bidestilada (90 mL), tampão

fosfato de potássio (10 mL) e H2O2 1% (50 µL). O nível da

enzima foi determinado pela medida de absorbância (460 nm)

em leitor de microplaca com comprimento de onda de 610 nm,

sendo expressa em mDO/tecido.

ANÁLISE ESTATÍSTICA

Os resultados foram expressos como valores de média ±

desvio padrão para cada grupo experimental, utilizando o

software GraphPad Prism (versão 6.0). Os dados foram

avaliados por meio da análise de variância (ANOVA) de uma

via, seguido pelo teste de Tukey, *P<0,0001, significativos após

análise de variância (ANOVA) com intervalo de confiança de

95%, quando comparados ao grupo controle. A contagem das

lesões ulcerativas foi realizada a partir de imagens digitalizadas

e analisadas pelo software ImageJ (1.51 d).

AVALIAÇÃO DA ATIVIDADE GASTROPROTETORA DO EXTRATO HEXÂNICO DAS FOLHAS DE Avicennia schaueriana STAPF &

LEECHMAN

25

RESULTADOS E DISCUSSÃO

PROSPECÇÃO FITOQUÍMICA CROMATOGRAFIA EM

CAMADA DELGADA (CCD)

Através dos resultados obtidos verificou-se a presença

de Terpenos no extrato hexânico (Tabela1).

Barbosa et al. (2019) confirmaram a presença de

triterpenos no extrato acetato de etila das folhas de Avicennia

schaueriana corroborando os resultados obtidos neste trabalho.

Tabela 1. Prospecção fitoquímica do extrato orgânico hexânico

(As-Hex) das folhas de Avicennia schaueriana.

Metabólitos

Padrões

Revela

ções

Fase

Móvel/Proporção

Extrat

o As-

Hex

Taninos

Ácido Tâncio

Cloreto

Férrico

(1%)

Clorofórmio:

Metanol:

Água (65:30:05)

-

Alcaloides

Escopolamina

Dragen

dorff

Tolueno: Acetato de

Etila:

Dietilamina (70:20:1

0)

-

Flavanoides

Quercetina

NEU Acetato de Etila: Ác.

Fórmico: Ác. Acético

glacial: Água

(100:11:11:26)

-

Terpenóides

Lupeol

Liberm

an-

Burcha

rd

Tolueno:

Clorofórmio:

Etanol (40:40:10)

+

AVALIAÇÃO DA ATIVIDADE GASTROPROTETORA DO EXTRATO HEXÂNICO DAS FOLHAS DE Avicennia schaueriana STAPF &

LEECHMAN

26

Cumarina

Ácido

Cumárico

KOH-

ETOH

(10%)

Clorofórmio:

Metanol:Água

(01:01)

-

(-) Não detectável; (+) Presente.

AVALIAÇÃO CITOTÓXICA FRENTE ÀS LINHAGENS DE

CÉLULAS VERO E MACRÓFAGOS (RAW 264.7)

O percentual de inibição da viabilidade celular do extrato

hexânico está demonstrado na Tabela 2. Este extrato não

apresentou citotoxicidade frente às linhagens Vero e

macrófagos (RAW-264.7).

Lopes et al. (2019) evidenciaram que o extrato aquoso

das folhas de A schaueriana não foi citotóxico frente a células

Vero, estando de acordo com os resultados encontrados neste

trabalho.

Tabela 2: Avaliação de citotoxicidade do extrato hexânico (As-

Hex) (50 µg/mL) de Avicennia schaueriana frente às células de

macrófagos (RAW-264.7) e vero.

Extrato

Concentração

(µg/ml)

Raw-264.7

% de viabilidade

Vero

% de

viabilidade

AS-HEX 50 85,0 ± 17,2 87,2 ± 3,6

*p < 0.05. Significativos após análise de variância (ANOVA) de uma via

seguida pelo teste Tukey com intervalo de confiança de 95 %, quando

comprados ao grupo controle.

TOXICIDADE AGUDA

AVALIAÇÃO DA ATIVIDADE GASTROPROTETORA DO EXTRATO HEXÂNICO DAS FOLHAS DE Avicennia schaueriana STAPF &

LEECHMAN

27

Durante a avaliação do screening hipocrático o grupo

que recebe o extrato hexânico de A. schaueriana na dose de

2.000 mg/kg não apresentou sinais de toxicidade nas primeiras

duas horas de observação e nos 14 dias seguintes, além disso

nenhum animal veio a óbito. Também não foi observada

variação significativa no peso, consumo de ração e água em

relação aos animais do grupo controle (Tabela 3).

Não foram observadas alterações hematológicas, como

nenhuma diferença estatística destes parâmetros avaliados nos

animais tratados com o extrato hexânico quando comparado ao

grupo controle, como demonstrado na Tabela 4. Os

camundongos tratados com o extrato hexânico (2.000 mg/kg-

v.o.) apresentaram todos os parâmetros bioquímicos dentro da

faixa de referência em relação ao grupo controle (Tabela 5).

Barbosa et al. (2019) realizaram o teste de toxicidade

aguda, onde os animais foram tratados por via oral com extrato

acetato de etila na dose de 2.000 mg/kg e não apresentaram

sinais de toxicidade, como também nenhum registro de morte,

além dos parâmetros bioquímicos e hematológicos inalterados.

Tabela 3: Efeito dos extratos orgânicos hexânico (As-Hex) das

folhas de Avicennia schaueriana sobre parâmetros fisiológicos

de camundongos Swiss (n=6 animais/grupo).

Grupos

Dose/v.

o

mg/Kg

Anima

is

Morte

s

Consum

o Ração

(g/dia)

Consum

o água

(mL/dia)

Peso

corpora

l inicial

Controle - 6 0/6 14,4±1,2 21,0±2,0 33,2±2,5

As-Hex

2000

6

0/6

15,7±1,4

20,9±2,0

32,6±2,7

AVALIAÇÃO DA ATIVIDADE GASTROPROTETORA DO EXTRATO HEXÂNICO DAS FOLHAS DE Avicennia schaueriana STAPF &

LEECHMAN

28

**** p < 0,0001 Os valores foram expressos como média ± desvio padrão e

a diferença entre os grupos foram determinados por meio da Análise de

Variância (ANOVA), seguida pelo teste de Tukey.

Tabela 4: Efeito do extrato hexânico (As-Hex) das folhas de

Avicennia schaueriana sobre parâmetros hematológicos em

camundongos submetidos à toxicidade aguda. Parâmetros Controle As-Hex

2.000 mg/kg

WBC (103/mm3) 8,7 ± 0,3 7,3 ± 0,6

RBC (106/mm3) 9,3 ± 0,5 8,0 ± 0,7

HGB (g/dL) 13,2 ± 1,0 14,5 ± 1,4

HCT (%) 48,7 ± 3,3 36,8 ± 0,9

PLT (103/mm3) 672,4 ± 47,0 661,6 ± 51,5

PCT (H %) 438,8 ± 40,6 412,6 ± 37,3

MCV (L ƒm3) 52,1 ± 1,4 51,3 ± 2,4

MCH (L g//dl) 14,6 ± 0,9 17,3 ± 1,2

RDW (%) 12,6 ± 0,8 12,5 ± 0,7

MPV (L ƒm3) 6,7 ± 0,4 7,8 ± 0,6

PDW (%) 5,9 ± 0,7 3,4 ± 0,3

****p<0,0001 Os valores foram expressos como média ± desvio padrão e a diferença

entre os grupos foram determinados por meio da Análise de Variância (ANOVA),

seguida pelo teste de Tukey.

Tabela 5: Efeito dos extratos orgânicos hexânico (As-Hex) das

folhas de Avicennia schaueriana sobre parâmetros bioquímicos

em camundongos submetidos ao teste de toxicidade aguda. Parâmetros Controle As-Hex 2.000 mg/kg

Glicose 227,6 ± 27,6 204,1 ± 79,6

Triglicerídeos 77,7 ± 14,5 62,5 ± 25,0

Proteínas 5562,4 ± 343,8 4739,0 ± 2034,0

Colesterol 79,0 ± 6,2 142,6 ± 55,9

Ureia 75,5 ± 9,1 48,1 ± 21,2

Creatinina 0,2 ± 0,08 0,19 ± 0,04

Fosfatase 240,8 ± 25,3 239,1 ± 94,8

AVALIAÇÃO DA ATIVIDADE GASTROPROTETORA DO EXTRATO HEXÂNICO DAS FOLHAS DE Avicennia schaueriana STAPF &

LEECHMAN

29

TGO 112,0 ± 10,9 100,1 ± 37,2

TGP 44,8 ± 6,5 44,2 ± 19,8

****p<0,0001 Os valores foram expressos como média ± desvio padrão e a diferença

entre os grupos foram determinados por meio da análise de variância (ANOVA),

seguida pelo teste de Tukey.

ÚLCERAS GÁSTRICAS INDUZIDAS POR ETANOL

ABSOLUTO

Os resultados obtidos no modelo de úlcera gástrica

induzida por etanol absoluto em ratos demonstraram que o

tratamento com o extrato hexânico (50, 100 e 200 mg/kg); e

pantoprazol (30 mg/kg) administrados por via oral diminuíram

de forma significativa as lesões gástricas quando comparados

com o grupo controle (Figura 1).

Barbosa et al. (2019) avaliaram a atividade

gastroprotetora do extrato acetato de etila (50, 100 e 200 mg/kg)

das folhas de Avicennia schaueriana, e observaram que o

tratamento com o extrato orgânico reduziu o índice de lesão

ulcerativa quando comparado ao grupo controle. A atividade

gastroprotetora de terpenos também se destaca em modelos de

indução aguda de úlceras gástricas em animais (CHINEDU;

IBRAHIM, 2017; NESELLO et al., 2017)).

AVALIAÇÃO DA ATIVIDADE GASTROPROTETORA DO EXTRATO HEXÂNICO DAS FOLHAS DE Avicennia schaueriana STAPF &

LEECHMAN

30

Figura 1: Efeito gastroprotetor do extrato hexânico (As-Hex) de

Avicennia schaueriana nas doses de 50, 100 e 200 mg/kg (v.o.)

sobre lesões gástricas induzidas por etanol em ratos Wistar

(n=5 animais/grupo).

Os valores foram expressos como média ± desvio padrão e a diferença entre

os grupos foi determinada por meio da análise de variância (ANOVA),

seguida pelo teste Tukey, ****p<0,0001 v controle e # não significativo vs.

pantoprazol. ILU (índice de lesão ulcerativa).

Os terpenos apresentam atividade anti-inflamatória,

sendo essa propriedade atribuída a vários mecanismos de

ação, tais como síntese de prostaglandina (PGs), que são

responsáveis por controlar o fluxo sanguíneo, produção de

muco/bicarbonato e ácido secreção entre outras vias (SALES

et al., 2019).

AVALIAÇÃO DA ATIVIDADE GASTROPROTETORA DO EXTRATO HEXÂNICO DAS FOLHAS DE Avicennia schaueriana STAPF &

LEECHMAN

31

DETERMINAÇÃO DOS NÍVEIS DE MIELOPEROXIDASE

(MPO)

Em relação aos níveis de mieloperoxidase no tecido da

mucosa gástrica, os grupos tratados com extrato hexânico nas

doses de 50, 100 e 200 mg/kg (maior inibição de lesão

ulcerativa) apresentaram redução nos níveis de MPO quando

comparado ao grupo controle (Figura 2).

A mieloperoxidase participa da liberação de mediadores

pró-inflamatórios, a partir de neutrófilos que ultrapassam a

barreira vascular endotelial, migrando por quimiotaxia para o

local da inflamação permitindo a liberação de elevado nível de

peptídeos, proteases e espécies reativas de oxigênio que

intensificam a resposta inflamatória (EL-BENNA et al., 2016).

Em consequência da inflamação ocorre o aumento de

citocinas pró-inflamatórias possibilitando a ativação de

neutrófilos, assim como também o acúmulo destas células nos

tecidos mucosos no processo de lesão gástrica, por sua vez

isso contribui para regulação do dano da úlcera, e essa

infiltração neutrofílica pode ser investigada a partir da atividade

da meiloperoxidase (LI et al., 2017).

Nos animais tratados com extrato hexãnico esse

aumento dos níveis de mieloperoxidase foi reduzida, o que

indica menor infiltração de neutrófilos para o tecido,

consequentemente, menor liberação de radicais livres e

substâncias lesivas no tecido, o que contribui para a melhora no

perfil gastroprotetor.

AVALIAÇÃO DA ATIVIDADE GASTROPROTETORA DO EXTRATO HEXÂNICO DAS FOLHAS DE Avicennia schaueriana STAPF &

LEECHMAN

32

Figura 2: Efeito do extrato orgânico hexânico (As-Hex) de

Avicennia schaueriana nas doses de 50, 100 e 200 mg/kg em

relação aos níveis de mieloperoxidase no tecido da mucosa

gástrica de ratos submetidos ao modelo de úlcera induzida por

etanol.

Os valores foram expressos como média ± desvio padrão e a diferença entre

os grupos foram determinados por meio da Análise de Variância (ANOVA),

seguida pelo teste de Tukey, ****p<0,0001 vs controle e # não significativo

vs. Pantoprazol.

CONCLUSÃO

O presente estudo revelou que o extrato hexânico das

folhas de A. schaueriana tem efeito gastroprotetor, sugerindo o

envolvimento dos terpenos na síntese de prostaglandinas.

Portanto, o uso de A. schaueriana na medicina popular

brasileira para o tratamento de distúrbios gástricos tem

embasamento científico.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABBAS, M.Y.; EJIOFOR, J. I.; YAKUBU, M. I. Acute and chronic toxicity profiles of the methanol leaf extract of Acacia ataxacantha D.C

AVALIAÇÃO DA ATIVIDADE GASTROPROTETORA DO EXTRATO HEXÂNICO DAS FOLHAS DE Avicennia schaueriana STAPF &

LEECHMAN

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AVALIAÇÃO DA ATIVIDADE GASTROPROTETORA DO EXTRATO HEXÂNICO DAS FOLHAS DE Avicennia schaueriana STAPF &

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SORO DE LEITE BOVINO COMO PRODUTO INOVADOR PARA ALIMENTAÇÃO DOS ESTÁGIOS INICIAIS DA VIDA DO ZEBRAFISH

(Danio rerio)

35

CAPÍTULO 2

SORO DE LEITE BOVINO COMO PRODUTO

INOVADOR PARA ALIMENTAÇÃO DOS

ESTÁGIOS INICIAIS DA VIDA DO

ZEBRAFISH (Danio rerio) Maria Eduarda de Souza MAIA 1

Rafael Xavier MARTINS 2

Iris Flávia de Sousa GONÇALVES 3

Juliana Alves da Costa Ribeiro SOUZA 4

Davi Felipe FARIAS 5

1 Graduandos do curso de Biotecnologia, UFPB; 2 Mestrando em Biologia Celular e Molecular,

UFPB; 3 Mestranda em Bioquímica, UFC; 4 Mestre em Ciência Animal, UFPB; 5Orientador/Professor do DBM, UFPB.

Email: [email protected]

RESUMO: O zebrafish (Danio rerio) vem ganhando posição de destaque em vários campos da ciência. A alimentação dos estágios iniciais da vida dessa espécie tem sido um desafio, e uma alternativa que não havia sido avaliada é o soro do leite bovino, que possui uma excelente composição nutricional. Com isso, o objetivo deste estudo foi avaliar a adequação do soro de leite bovino liofilizado (SLBL) para alimentação de larvas de zebrafish. Inicialmente, a composição proximal e perfil de ácidos graxos da amostra de SLBL utilizada foi determinada. Em seguida, foram realizados dois ensaios de alimentação, com diferentes dietas formuladas a partir da substituição da ração comercial por porcentagens crescentes SLBL. O objetivo desses ensaios foi determinar o valor máximo de inclusão de SLBL na dieta capaz de garantir a melhor taxa de sobrevivência das larvas. Ao final dos experimentos, foram contabilizados o número de mortos por grupo amostral. A inclusão de SLBL na

SORO DE LEITE BOVINO COMO PRODUTO INOVADOR PARA ALIMENTAÇÃO DOS ESTÁGIOS INICIAIS DA VIDA DO ZEBRAFISH

(Danio rerio)

36

dieta não exerceu efeitos negativos na sobrevivência ou no crescimento quando comparado à ração comercial, sendo necessário outros estudos para confirmar a adequação. Palavras-chave: Liofilização. Nutrição de peixes. Taxa de sobrevivência. Larvas de zebrafish.

INTRODUÇÃO

O zebrafish (Danio rerio), também conhecido como

“paulistinha”, é um pequeno teleósteo de 3-4 cm pertencente à

família Cyprinidae que nas últimas décadas vem ganhando

posição de destaque como organismo modelo para estudos de

biologia do desenvolvimento, bioquímica, fisiologia,

farmacologia, genética molecular, neurociência e toxicologia

(KHAN et al., 2018).

Os primeiros trabalhos utilizando o zebrafish foram

relacionados à biologia do desenvolvimento. A produção de

ovos translúcidos, a grande prole e o rápido desenvolvimento

possibilitaram um grande avanço no conhecimento da

embriogênese e do ciclo de vida dos vertebrados (KHAN et al.,

2018). Dentre as principais vantagens do uso do zebrafish

podem ser destacadas o pequeno espaço requerido para

criação e manutenção, o baixo custo e a praticidade para

triagens em larga escala. Dessa forma, pode-se dizer que o

zebrafish é um animal que combina a relevância de ser um

vertebrado na escala de um invertebrado (KHAN et al., 2018).

Esses fatores fazem com que o zebrafish esteja cada vez mais

ganhando um espaço nos laboratórios que outrora era ocupado

apenas pelos modelos tradicionais, como a mosca-dasfrutas

(Drosophila melanogaster), o rato (Rattus norvegicus) e o

camundongo (Mus musculus). Atualmente, uma ampla gama de

SORO DE LEITE BOVINO COMO PRODUTO INOVADOR PARA ALIMENTAÇÃO DOS ESTÁGIOS INICIAIS DA VIDA DO ZEBRAFISH

(Danio rerio)

37

testes com diferentes compostos de interesse tem sido

realizada com embriões de zebrafish dessa espécie. O uso de

embriões apresenta-se como uma alternativa aos testes agudos

com juvenis e adultos, possibilitando, dessa forma, a

redução/substituição do uso desses organismos na

experimentação animal. Como principais vantagens do uso dos

embriões apontam-se o desenvolvimento embrionário rápido, a

grande quantidade de embriões produzida (média de 50

ovos/casal) e seu pequeno tamanho (BAMBINO et al, 2017;

ALESTRÕM et al., 2020). Apesar da praticidade da criação e

manejo do zebrafish, a alimentação dos estágios iniciais da vida

dessa espécie tem sido um desafio para os criadores.

O alimento vivo, especialmente paramécio, é o mais

indicado para alimentação de larvas de zebrafish do 9° ao 21°

dia. Contudo, a cultura desse protozoário é laboriosa, de fácil

contaminação e ainda inviabiliza o processo de automatização

da alimentação. Assim, várias alternativas de alimentação

artificial para larvas têm sido testadas. Dentre elas, extrato de

levedura e de fígado proporcionaram bons resultados

(ALESTRÕM et al., 2020).

Uma alternativa que ainda não havia sido avaliada é o

soro de leite bovino, subproduto da indústria queijeira. Por ter

um baixo custo e excelente composição nutricional, ele tem sido

proposto como complemento para diversos produtos da

indústria alimentícia a fim enriquecê-los do ponto de vista

nutricional (LIU et al., 2020). Além disso, a reutilização do soro

de leite evita o seu descarte errôneo, evitando a poluição do

ambiente uma vez que durante muito tempo esse subproduto

foi descartado em corpos d’água, causando um impacto

SORO DE LEITE BOVINO COMO PRODUTO INOVADOR PARA ALIMENTAÇÃO DOS ESTÁGIOS INICIAIS DA VIDA DO ZEBRAFISH

(Danio rerio)

38

negativo, tanto a animais quanto a plantas (DE OLANDA et al.,

2017).

Tendo em vista a necessidade de busca de insumos

alternativos para a alimentação das fases inicias de vida do

zebrafish, e a excelente composição nutricional do soro de leite

bovino, uma alternativa a ser testada é a adequação desse

insumo como ingrediente para formulações de dietas para

larvas dessa espécie. Isso potencialmente pode contribuir para

o desenvolvimento de um produto inovador para ser usado na

criação desse organismo modelo, bem como para agregar valor

econômico e ambiental a esse resíduo da indústria queijeira e

importante poluente ambiental.

Sendo assim, o objetivo deste trabalho foi avaliar o

potencial do soro de leite bovino como insumo alternativo para

o desenvolvimento de uma dieta para o estágio larval do

zebrafish (D. rerio).

MATERIAIS E MÉTODOS

Obtenção dos embriões e larvas de peixe-zebra

Embriões de zebrafish (D. rerio), de uma linhagem do

tipo selvagem, com 3 h pós-fertilização (hpf) foram obtidos no

Laboratório de Biotecnologia de Organismos Aquáticos

(LaBOrA), do Centro de Biotecnologia da Universidade Federal

da Paraíba, coordenado pelo prof. Dr. Ian Amaral. Para a

obtenção dos embriões dois casais de zebrafish sexualmente

maduros foram transferidos para um dispositivo de

acasalamento na noite anterior ao dia da coleta dos embriões.

SORO DE LEITE BOVINO COMO PRODUTO INOVADOR PARA ALIMENTAÇÃO DOS ESTÁGIOS INICIAIS DA VIDA DO ZEBRAFISH

(Danio rerio)

39

Após a coleta, os embriões foram lavados com água do

sistema de recirculação (onde estavam os parentais) e tiveram

a sua viabilidade analisada em estereomicroscópio. Os

embriões foram mantidos a 26 ±1°C e ciclo claro:escuro de

14:10h. No 9° dia de vida, as larvas viáveis foram submetidas

ao experimento de alimentação e as inviáveis foram

descartadas de acordo com protocolo n° 048/2016. aprovado

pela Comissão de Ética no Uso de Animais da Universidade

Federal da Paraíba (CEUA-UFPB).

Obtenção e liofilização do soro de leite bovino

O soro de leite bovino (SLB) utilizado foi cedido pelo

Laboratório de Inovação de Alimentos do Centro de

Biotecnologia (coordenado pela prof. Dr. Flávia Paulino) e foi

liofilizado no Laboratório de Bioprospecção de Recursos

Regionais (Bioprospec) da Universidade Federal do Ceará

(UFC), Fortaleza-CE (coordenado pela prof. Dr. Ana de Fátima

Fontenelle) e armazenado em tubos falcon, protegidos da luz

até o momento dos ensaios.

Determinação da composição proximal do SLBL

No Bioprospec, foram realizadas análises para

determinar a composição proximal (proteínas totais, lipídeos

totais, material mineral) do SLBL de acordo com as

metodologias utilizadas por Kassegn (2018). Os carboidratos

totais foram calculados por diferença dos demais constituintes.

SORO DE LEITE BOVINO COMO PRODUTO INOVADOR PARA ALIMENTAÇÃO DOS ESTÁGIOS INICIAIS DA VIDA DO ZEBRAFISH

(Danio rerio)

40

Análise da composição de ácidos graxos do SLBL

A análise da composição de ácidos graxos foi realizada

nas instalações do Departamento de Engenharia de Alimentos,

no laboratório coordenado pela prof. Dr. Marta Suely Madruga.

Inicialmente, os ácidos graxos da amostra de SLBL foram

obtidos a partir da metodologia executada por Costa e

colaboradores (2020) e, posteriormente, metilados seguindo a

metodologia executada por Silva e colaboradores (2019). A

identificação e quantificação dos ésteres de ácidos graxos foi

realizada por cromatografia gasosa (Varian 430 - GC,

California, EUA), acoplado com detector de ionização de chama

(DIC), coluna capilar de sílica fundida (SP TM – 2560,

SUPELCO, Bellefonte, EUA) Os ácidos graxos foram

identificados por comparação dos tempos de retenção dos

ésteres metílicos das amostras com padrões Supelco ME19 -

Kit (Fatty Acid Methy Esters C4 - C24).

Determinação de sólidos solúveis totais

O SLBL e a ração comercial foram pesadas e

depositadas em microtubos de 1,5 mL. Em seguida, foi

adicionado 1 mL de água destilada em cada tubo, que

posteriormente foram submetidos a um processo de agitação

por 2 min. Posteriormente, os sobrenadantes foram transferidos

para microtubos com peso conhecido, levados para uma estufa

de secagem (50° C.) por 16 h. Os sólidos solúveis totais foram

obtidos a partir da diferença de peso dos microtubos.

SORO DE LEITE BOVINO COMO PRODUTO INOVADOR PARA ALIMENTAÇÃO DOS ESTÁGIOS INICIAIS DA VIDA DO ZEBRAFISH

(Danio rerio)

41

Determinação de proteínas e carboidratos solúveis

O preparo da amostra foi determinado de acordo com o

item 2.5.1. A dosagem de proteínas solúveis foi feita pelo

método de Bradford (1976), utilizando uma curva padrão com

albumina séria bovina. O teor de carboidratos solúveis foi

determinado pelo método do fenol-sulfúrico executado por

Rego e colaboradores (1956). Os ensaios foram feitos em

triplicata.

Confecção das dietas com base em SLBL e experimentos de

alimentação com larvas de zebrafish

Foram realizados dois experimentos de alimentação

diferentes. Um deles um piloto para ajuste de condições

experimentais e delimitação preliminar dos níveis ideais de

inclusão de SLBL e o outro para determinação do nível máximo

de SLBL em dietas para larvas. Para o ensaio piloto foram

preparadas quatro dietas em quantidades crescentes de SLBL

na composição: 1) Dieta com 25% de SLBL e 75% de ração

comercial (SLBL 25); 2) Dieta com 50% de SLBL e 50% de

ração comercial (SLBL 50); 3) Dieta com 75% de SLBL e 50%

de ração comercial (SLBL 75); 4) Dieta com 100% de SLBL

(SLBL 100). A dieta 0% (contendo 100% de ração comercial) foi

utilizada como controle.

Foram preparados cinco grupos com 41 larvas com nove

dias de vida, mantidos em um aquário de 1 L. Durante o período

experimental, cada grupo foi alimentado duas vezes por dia

com 0,5 mg de dieta durante 12 dias. A taxa de sobrevivência

SORO DE LEITE BOVINO COMO PRODUTO INOVADOR PARA ALIMENTAÇÃO DOS ESTÁGIOS INICIAIS DA VIDA DO ZEBRAFISH

(Danio rerio)

42

foi calculada (%sobrevivência = n° de sobreviventes/n° total x

100).

O delineamento do ensaio piloto não permitiu realizar

comparações entre a taxa de sobrevivência dos diferentes

grupos. Sendo assim, a fim de avaliar a significância estatística

das diferenças encontradas, foi realizado um segundo

experimento de alimentação, baseado nos dados encontrados

do primeiro. Para isso, foram confeccionadas novas dietas com

diferentes quantidades de SLBL: 1) dieta com 0 % de SLBL e

100% de ração comercial (SLBL 0); 2) dieta com 75% de SLBL

e 25 % de ração comercial (SLBL 75); 3) dieta com 85% de

SLBL e 15 % de ração comercial; 4) dieta com 95% de SLBL e

5% de ração comercial (SLBL 95); e 5) dieta com 100% de SLBL

e 0% de ração comercial (SLBL 100). Foram preparados cinco

grupos, onde cada um foi subdividido em três subgrupos

contendo 10 larvas cada, gerando um total de 30 indivíduos por

grupo.

Análise estatística

Foram calculadas média, desvio padrão e coeficiente de

variação dos valores obtidos. Para avaliar o grau de

similaridade entre as variáveis foram realizados testes de

comparações simples (t-Student) e de comparações múltiplas

(ANOVA seguida de Teste de Tukey). O nível de confiança das

inferências foi de 95 % (α =0,05).

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(Danio rerio)

43

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Composição proximal do SLBL

A alimentação é um ponto fundamental e crítico para o

bom desenvolvimento do zebrafish, principalmente nas

primeiras etapas da sua vida. Tendo em vista que a alimentação

influencia na expressão de genes responsáveis pelo

crescimento, uma dieta inadequada pode acarretar um

desenvolvimento anormal de larvas e juvenis. Dessa forma, a

composição nutricional deve suprir as necessidades fisiológicas

do organismo (OPAZO,2017). Neste âmbito, procedeu-se a

determinação da composição proximal do SLBL. O teor de

proteínas quantificado no SLBL foi cerca de 5,5 vezes menor do

que na ração comercial (Tabela 1). Além disso, o teor de

proteínas encontrado no SLBL (9,4%) foi inferior ao

requerimento nutricional de 35-40% de proteína para a carpa

comum (Cyprinus carpio) (SIGNOR et al., 2017). Em

decorrência da escassez de informações sobre os

requerimentos nutricionais específicos de zebrafish,

frequentemente os dados desse outro ciprínideo de importância

comercial são utilizados para fins comparativos. Apesar do

baixo teor proteico apresentado pelo SLBL, é relatado que as

proteínas do soro do leite possuem alto valor biológico, o que

significa que possuem em sua composição quantidades

significativas de aminoácidos essenciais (KILARA e VAGHELA,

2018).

Em relação a quantidade de lipídios, normalmente o

nutriente constitui cerca de 7 a 15% da dieta dos peixes (CRAIG

SORO DE LEITE BOVINO COMO PRODUTO INOVADOR PARA ALIMENTAÇÃO DOS ESTÁGIOS INICIAIS DA VIDA DO ZEBRAFISH

(Danio rerio)

44

et al., 2017), e o teor de lipídeos totais encontrado no SLBL foi

de 14,2%, valor 1,6 vezes superior ao encontrado na ração

comercial. Estudos demonstraram que uma dieta enriquecida

em ácidos graxos tem papel fundamental na maturação sexual

das fêmeas, influenciando na qualidade dos ovos e no melhor

desenvolvimento dos embriões (NOWOSAD et al., 2017). O

macronutriente majoritário detectado no SLBL foram os

carboidratos (69%). O teor de carboidratos totais do SLBL foi

3,4 vezes superior ao requerimento nutricional de 20%, que é o

ideal para a obtenção de uma boa taxa de crescimento,

conversão alimentar e ganho de peso (CRAIG et al., 2017).

Apesar dos peixes possuírem enzimas para a digestão de

carboidratos, esse elemento não é crucial para o bom

desenvolvimento de peixes.

Entretanto, a inserção de carboidrato na dieta pode

trazer algumas vantagens, como a redução do catabolismo

proteico para síntese de glicose, melhorar a eficiência de

retenção proteica e diminuir as perdas metabólicas de

nitrogênio no ambiente. A capacidade de digerir carboidratos

varia entre as espécies, sendo que o zebrafish é uma das que

consegue utilizar esses componentes de forma eficaz

(DAMMSKI et al., 2011). Ainda em relação a composição

proximal do SLBL, o teor de minerais encontrado foi de 7,1%

que foi muito próximo daquele da ração comercial, 7,3%.

SORO DE LEITE BOVINO COMO PRODUTO INOVADOR PARA ALIMENTAÇÃO DOS ESTÁGIOS INICIAIS DA VIDA DO ZEBRAFISH

(Danio rerio)

45

Tabela 1. Composição proximal (%) do Soro de Leite Bovino

Liofilizado (SLBL) e de uma ração comercial para peixes.

Fonte: Autoral. 2017

Os valores são médias ± desvios-padrão. Lipídeos e matéria mineral foram

determinados em duplicata de uma mesma amostra, enquanto o teor de

nitrogênio foi feito em triplicata. Letras sobrescritas distintas na mesma linha

representam diferença significativa (t-Student; p < 0,05). **Tropical Gran

Discus Plus (Sarandi, Brasil). †N x 6,38.

Composição de ácidos graxos do SLBL

Na análise do perfil de ácidos graxos do soro de leite

bovino liofilizado foram encontrados diferentes níveis de ácidos

graxos saturados, monoinsaturados e poliinsaturados (dados

não mostrados). Dentre os poli-insaturados, foram detectados

2,89% de LA e 0,65% de ALA. Esses valores atendem à

demanda desses ácidos graxos na fase larval de zebrafish, uma

vez que, segundo Graig (2017) os requerimentos de EFA para

peixes de água doce, geralmente, podem ser atendidos pela

inclusão ALA em quantidades que variam de 0,5 a 1,5 por cento

da dieta seca para que esses possam ser alongados e

posteriormente convertidos em seus produtos bioativos. O fato

de tanto o LA quanto ALA serem metabolizados pelo mesmo

conjunto das enzimas do tipo alongase e dessaturase faz com

SORO DE LEITE BOVINO COMO PRODUTO INOVADOR PARA ALIMENTAÇÃO DOS ESTÁGIOS INICIAIS DA VIDA DO ZEBRAFISH

(Danio rerio)

46

que o balanço entre n-6 e n-3 na composição lipídica do regime

alimentar de peixes seja um ponto crítico.

Algumas espécies exigem uma maior proporção de n-3,

alguns exigem quantidades iguais de ambos e outros exigem

maiores proporções de n-6. Uma relação desequilibrada dessas

classes de ácidos graxos poliinsaturados pode favorecer a

ocorrência de diversos tipos de doença, além do aparecimento

de diversos sintomas, como baixa eficiência alimentar,

crescimento lento, aumento do índice hepático, fígado pálido e

inchado, necrose nas nadadeiras dorsal, cauda e erosão

mandibular.

O zebrafish está inserido no grupo que possui uma

demanda maior de n-6 do que de n-3, de acordo com

experimentos que avaliaram taxa de crescimento e fertilidade,

sendo assim o perfil da relação n-6: n-3 detectado no SLBL é

adequado para os requerimentos dessa espécie (ADAM et al.,

2017).

Componentes solúveis do SLBL

A solubilidade de nutrientes é um pré-requisito crucial

para dietas processada para alimentação de larvas de

zebrafish. Fatores como tamanho, tempo de suspensão,

estabilidade na água e aceitabilidade têm relação direta com a

solubilidade da dieta, bem como são consideradas

características importantes durante a alimentação de larvas

dessa espécie (DAMMSKI et al., 2011).

De acordo com os resultados mostrados na Tabela 2, os

valores de proteínas solúveis e sólidos solúveis totais da

SORO DE LEITE BOVINO COMO PRODUTO INOVADOR PARA ALIMENTAÇÃO DOS ESTÁGIOS INICIAIS DA VIDA DO ZEBRAFISH

(Danio rerio)

47

amostra de SLBL foram superiores (p < 0,05) àqueles da

amostra de ração comercial. O SLBL apresentou um teor de

sólidos solúveis totais de 0,38 mg/mL, valor 3,2 vezes superior

ao encontrado na ração comercial (0,12 mg/mL). Em relação às

proteínas solúveis, o valor encontrado na amostra de soro de

leite liofilizado foi de 0,11 mg/mL, enquanto o da ração não foi

possível ser quantificado pois encontrava-se abaixo da

sensibilidade mínima da metodologia empregada. Quanto ao

teor de carboidratos solúveis, o SLBL e a ração comercial não

diferiram significativamente (p> 0,05).

Tabela 2. Teores de proteínas e carboidratos solúveis e sólidos

solúveis totais de uma amostra de soro de leite bovino liofilizado

(SLBL)* e de uma ração comercial para peixes.

Fonte: Autoral. 2017

Os valores são representados como média ± desvio-padrão de uma triplicata

da mesma amostra. Letras sobrescritas distintas na mesma linha

representam diferença significativa (t-Student; p < 0,05). *Amostra

desidratada por liofilização obtida de dessora da produção de queijo. **

Tropical Discus Gran D-50 Plus (Sarandi, Brasil). †Não detectado a partir da

metodologia utilizada.

A solubilidade dos nutrientes do SLBL é uma

característica que favorece o processo digestivo das larvas de

zebrafish. Tendo em vista que em sua fase larval o zebrafish

SORO DE LEITE BOVINO COMO PRODUTO INOVADOR PARA ALIMENTAÇÃO DOS ESTÁGIOS INICIAIS DA VIDA DO ZEBRAFISH

(Danio rerio)

48

possui um sistema digestório simples, e consequentemente a

capacidade de absorção de nutrientes limitada, quanto mais

solúvel e digerível for o alimento fornecido, mais rápida será a

absorção de nutrientes (COUTINHO, 2018).

Um ponto negativo, é que alimentos que contêm uma alta

taxa de compostos hidrossolúveis, como o SLBL, requerem um

maior cuidado durante a sua administração, uma vez que em

meio aquoso, esses nutrientes serão diluídos no ambiente

dentro de um curto período de tempo, podendo ocasionar

problemas relacionados a qualidade da água (como a

diminuição do teor de oxigênio dissolvido e o surgimento de

algas), assim como prejudicar a ingestão nutricional das larvas.

Entretanto, esses problemas podem ser contornados

através da adoção de algumas medidas preventivas, como por

exemplo a troca regular da água dos tanques e padronização

da quantidade de alimento ofertado às larvas (DAMMSKI et al.,

2011).

Experimentos de alimentação com larvas de zebrafish

As dietas preparadas apresentaram um aspecto de pó

fino, o que durante os experimentos de alimentação permitiu a

permanência visível da dieta na coluna d’água por tempo

suficiente para que as larvas conseguissem se alimentar. Isso

é um ponto positivo, pois larvas muito jovens de zebrafish não

possuem a bexiga natatória completamente formada, e isso

dificulta a mobilidade para busca de alimento. Dessa forma,

quanto mais tempo a dieta passar em suspensão na água maior

será a chance das larvas se alimentarem.

SORO DE LEITE BOVINO COMO PRODUTO INOVADOR PARA ALIMENTAÇÃO DOS ESTÁGIOS INICIAIS DA VIDA DO ZEBRAFISH

(Danio rerio)

49

Outro aspecto importante no que diz respeito a

granulometria da dieta é que as larvas de peixe-zebra até o

primeiro mês de vida não apresentam o aparelho bucal

completamente desenvolvido. Portanto, isso dificulta o acesso

a alimentos secos ou vivos de granulometria mais elevada

(DAMMSKI et al., 2011).

Quanto ao experimento de alimentação piloto, foi

observado que o aumento da inserção de SLBL nas dietas

aumentou a taxa de sobrevivência das larvas. As dietas SLBL

75 e SLBL 50 apresentaram os resultados mais promissores,

proporcionando taxas de sobrevivência próximas a 50%.

Entretanto, foi possível observar uma diminuição da taxa de

sobrevivência tanto da SLBL 0 quanto da SLBL 100 em relação

as demais dietas. A expressiva diminuição da taxa de

mortalidade observadas na administração dessas dietas pode

ser, em parte, explicada pela excelente composição nutricional

do soro lácteo bovino (KILARA e VAGHELA, 2018). Entretanto,

alimentar as larvas somente com a ração comercial (dieta SLBL

0) ou SLBL (SLBL 100) não foi suficiente para garantir uma taxa

de sobrevivência que se equiparasse aos melhores resultados

encontrados.

Tabela 4. Efeito de dietas contendo níveis crescentes de soro

de leite bovino liofilizado (SLBL) sobre a taxa de sobrevivência

SORO DE LEITE BOVINO COMO PRODUTO INOVADOR PARA ALIMENTAÇÃO DOS ESTÁGIOS INICIAIS DA VIDA DO ZEBRAFISH

(Danio rerio)

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de larvas de peixe-zebra (D. rerio) durante 12 dias (do 9° ao 21°

dia de vida). Fonte: Autoral. 2017

N = número de larvas utilizadas no experimento. M = número de larvas

mortas durante o experimento. S = número de larvas sobreviventes ao final

do experimento. Taxa de sobrevivência (%) = n° de sobreviventes/ n° total x

100.

Tendo em vista que as larvas de zebrafish nas fases

iniciais da vida não são maduras o suficiente para terem um

comportamento de busca de alimento desenvolvido (OPAZO et

al., 2017), é provável que as mortes computadas durante esse

período tenham ocorrido pela não adaptação às dietas

ofertadas, uma vez que os parâmetros da água avaliados não

apresentavam condições estressantes que dificultassem o

desenvolvimento do peixe. Carvalho e colaboradores (2006)

encontraram uma taxa de sobrevivência de 86% de larvas com

21 dias alimentadas com náuplios de Artemia sp., enquanto no

presente estudo o valor mais elevado foi de 54% para as larvas

alimentadas com SLBL 75. Contudo, além de ter usado um

sistema de recirculação de água desde a fase inicial do

experimento, CARVALHO et al. (2006) usaram uma densidade

de 18 larvas/L, valor 2,3 vezes menor do que a utilizada no

presente trabalho (41 larvas/L).

O alimento ofertado para larvas de peixe possui

influência direta no seu crescimento. Fatores como o turnover

proteico (processo de síntese e degradação da proteína

corporal) são mais acentuados nas fases larval e juvenil de

peixes, fazendo com que tenham um crescimento relativamente

rápido (DHILLON et al., 2019).

SORO DE LEITE BOVINO COMO PRODUTO INOVADOR PARA ALIMENTAÇÃO DOS ESTÁGIOS INICIAIS DA VIDA DO ZEBRAFISH

(Danio rerio)

51

Após o ensaio piloto, foi realizado o segundo

experimento para avaliar a quantidade máxima de inserção de

SLBL que garantisse a melhor taxa de sobrevivência das larvas.

Dessa forma, um segundo experimento de alimentação foi

realizado, onde cada grupo foi formado por três subgrupos de

larvas. Além disso, o segundo experimento foi realizado

também no intuito de avaliar o nível máximo de inclusão de

SLBL nas dietas que proporcionasse um aumento da taxa de

sobrevivência ou, pelo menos, não apresentasse valores

inferiores àqueles do grupo alimentado somente com ração

comercial.

Das cinco dietas administradas no segundo experimento

de alimentação, os melhores resultados foram apresentados

pela SLBL 75, onde foi possível observar uma taxa de

sobrevivência média de 43,3% (Figura 1). Esses dados,

aparentemente, estão de acordo com os resultados obtidos no

ensaio piloto, onde a inclusão de 75% de SLBL na dieta

apresentou os resultados mais promissores. Entretanto, não foi

verificada nenhuma diferença estatística (p > 0,05) entre os

dados de sobrevivência dos diferentes grupos. Um fator

importante acerca das informações encontradas nesse

experimento é que não houve diferença entre os dados de

sobrevivência dos grupos alimentados apenas com SLBL e com

ração comercial. O que reforça a possibilidade do uso desse

insumo como ingrediente alternativo na formulação de dietas

para larvas de peixe-zebra.

SORO DE LEITE BOVINO COMO PRODUTO INOVADOR PARA ALIMENTAÇÃO DOS ESTÁGIOS INICIAIS DA VIDA DO ZEBRAFISH

(Danio rerio)

52

Figura 1. Taxa de sobrevivência média (média ± desvio padrão) de grupos

de larvas de zebrafish alimentados com dietas contendo níveis crescentes

de SLBL por 12 dias.

Fonte: Autoral. 2017

Os grupos não diferiram significativamente (ANOVA, seguido de teste de

Tukey; α = 0,05); Taxa de sobrevivência média (%) = média da taxa de

sobrevivência dos três subgrupos alimentados com a mesma dieta

experimental. Taxa de sobrevivência do subgrupo (%) = n° de sobreviventes/

n° total x 100.

CONCLUSÃO

O soro de leite bovino, um resíduo importante da

indústria alimentícia, apresenta características nutricionais e

funcionais que o posicionam como um potencial candidato para

o desenvolvimento de um produto inovador, com alto valor

econômico e ambiental agregado, para alimentação dos

estágios iniciais da vida do peixe-zebra. No entanto, é

necessário que novos experimentos de alimentação com um

maior número de larvas e com outros lotes de soro de leite

SORO DE LEITE BOVINO COMO PRODUTO INOVADOR PARA ALIMENTAÇÃO DOS ESTÁGIOS INICIAIS DA VIDA DO ZEBRAFISH

(Danio rerio)

53

sejam realizados, bem como que se amplie a caracterização

nutricional e físico-química do SLBL para que se confirme sua

adequação como um novo insumo alimentar para a aquicultura.

AGRADECIMENTOS

Ao prof. Dr. Davi Felipe Farias por não ter medido

esforços para nos orientar e apoiar o desenvolvimento desse

trabalho.

À toda a equipe do Laboratório de Avaliação de Riscos

de Novas Tecnologias (LabRisco) e da Unidade de Produção

de Organismos Modelo Não Convencionais (UniPOM) por todo

o apoio fornecido para a elaboração desse trabalho.

Ao prof. Dr. Ian Amaral, coordenador do Laboratório de

Biotecnologia de Organismos Aquáticos (LabORA) e a toda a

sua equipe por disponibilizar os embriões de peixe-zebra, bem

como a sua estrutura física para realização de parte dos

ensaios.

A prof. Dr. Marta Suelly Madruga, por se disponibilizar a

realizar a determinação do perfil de ácidos graxos da amostra

de soro de leite bovino liofilizado.

A prof. Dr. Flávia Paulino, coordenadora do Laboratório

de Inovação de Alimentos, por fornecer a amostra de soro de

leite bovino.

A toda equipe do Laboratório de Bioprospecção de

Recursos Naturais (BioProspec), coordenado pela professora

Ana de Fátima Fontenelle, por se disponibilizarem a ajudar no

processo de liofilização e determinação da composição

proximal nas amostras.

SORO DE LEITE BOVINO COMO PRODUTO INOVADOR PARA ALIMENTAÇÃO DOS ESTÁGIOS INICIAIS DA VIDA DO ZEBRAFISH

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54

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56

CIÊNCIAS BIOLÓGICAS - BIOQUÍMICA

CONTEÚDO DE FENÓIS, ATIVIDADE ANTIOXIDANTE E EFEITO FOTOPROTETOR DE EXTRATOS ORGÂNICOS DE FOLHAS DE Moringa

oleifera Lam.

57

CAPÍTULO 3

CONTEÚDO DE FENÓIS, ATIVIDADE ANTIOXIDANTE E EFEITO FOTOPROTETOR

DE EXTRATOS ORGÂNICOS DE FOLHAS DE Moringa oleifera Lam.

Ana Gabrielle Barros Silva 1

Matheus Cavalcanti de Barros 2

Thiago Henrique Napoleão 3 Patrícia Maria Guedes Paiva 3

1 Graduanda do curso de Bacharelado em Ciências Biológicas, UFPE; 2 Mestrando pelo Programa de Pós-graduação em Ciências Biológicas, UFPE;

3 Professor do Departamento de Bioquímica, UFPE. [email protected]

RESUMO: Moringa oleifera é uma planta nativa da Índia e bastante cultivada no nordeste brasileiro, onde é utilizada na medicina popular e alimentação humana e de outros animais. O presente trabalho avaliou o potencial fotoprotetor de extratos orgânicos de folhas de M. oleífera. Extratos foram obtidos por maceração das folhas com hexano (Mo–Hex), acetato de etila (Mo–AcoEt) e etanol (Mo-EtOH). O conteúdo de fenois totais foi mensurado através do método de Folin-Ciocalteu, a atividade antioxidante foi determinada pelo método do DPPH e o fator de proteção solar (FPS) foi calculado a partir do método espectrofotométrico na região UVB. O conteúdo (mg EAT/g) de fenóis em MO-Hex, Mo–AcoEt e Mo–EtOH foi 0,74 ± 0,01, 0,67 ± 0,38 e 1,99 ± 0,21, respectivamente. Atividade antioxidante foi detectada em todos os extratos (Mo–Hex, 51,38 ± 3,82%; Mo–AcoEt, 27,41 ± 1,00%; Mo–EtOH, 80,22 ± 0,66%). O efeito fotoprotetor foi dose-dependente sendo na concentração de 100 µg/mL, 1,38 ± 0,07 (Mo–Hex), 3,37 ± 0,22 (Mo–AcoEt) e 1,38 ± 0,07 (Mo-EtOH). O estudo revela que o conteúdo de fenóis, a

CONTEÚDO DE FENÓIS, ATIVIDADE ANTIOXIDANTE E EFEITO FOTOPROTETOR DE EXTRATOS ORGÂNICOS DE FOLHAS DE Moringa

oleifera Lam.

58

atividade antioxidante e o efeito fotoprotetor variam de acordo com a polaridade do solvente utilzado na extração dos princípios ativos. Palavras-chave: Fotoproteção. Produtos naturais. Fitoquímica

INTRODUÇÃO

Moringa oleifera Lam. (moringa ou cedro) pertence a

família Moringaceae e é natural do Noroeste da Índia, Paquistão,

Bangladesh e Afeganistão. A planta também é distribuída por

diversos países no mundo, sendo amplamente cultivada na

África (ex. Nigéria e Egito), América do Sul (ex. Nordeste do

Brasil) e Ásia (ex. Paquistão e Malásia) (LEONE et al., 2015). A

ampla faixa de cultivo desta árvore é devido à sua capacidade

de sobreviver em ambientes com baixa disponibilidade de água

e tolerar solos levemente alcalinos e pouco férteis (MANOJ;

RANJITHA, 2020).

A moringa tem relevância econômica pois folhas, frutos,

sementes e raízes são utilizados para diversos fins. Árvores de

M. oleifera são utilizadas como cercas ou para ornamentação, e

a madeira é relativamente macia, sendo bastante usada como

combustível para cozinhar e para a fabricação de papel (SEIFU;

TEKETAY, 2020). As cascas podem ser usadas como cordas ou

para o tratamento de diabetes e hipertensão e a raiz é

empregada para alimentação no leste africano, bem como anti-

helmínticos e para tratar dor de dente (POPOOLA; OBEMBE,

2013). Já as flores popularmente são utilizadas como

antiartríticas, agentes hipocolesterolêmicos e para tratar

resfriados (DABA, 2016). Além disso, O óleo das sementes pode

ser utilizado na culinária geral, na lubrificação de relógios e

CONTEÚDO DE FENÓIS, ATIVIDADE ANTIOXIDANTE E EFEITO FOTOPROTETOR DE EXTRATOS ORGÂNICOS DE FOLHAS DE Moringa

oleifera Lam.

59

outras maquinarias delicadas, na fabricação de perfumes e

como combustível (SANTOS et al., 2015).

As folhas são utilizadas como suplemento dietético para no

tratamento da desnutrição devido seu alto valor nutricional. A

relevância nutricional dessa planta tem sido bastante

documentada, uma vez que apresenta níveis significativos de

proteínas, carboidratos, vitamina C, cálcio (necessário para o

processo de coagulação), fósforo e fibras que auxiliam no

processo de digestão dos alimentos em humanos (COZ-

BOLAÑOS et al., 2018).

A planta também possui uma grande variedade de

metabólitos secundários, tais como taninos, saponinas,

esteroides, alcaloides, flavanoides e outros compostos fenólicos.

Destre esses, os flavanoides e outros fenois se destacam, pois

são os principais fitoquímicos capazes de reduzir a ação de

radicais livres com consequente diminuição do estresse

oxidativo e danos às moléculas biológicas. Os metabólitos

secundários estão relacionados às propriedades farmacológicas

das plantas medicinais e assim, estas representam uma

importante opção terapêutica para a manutenção da saúde das

pessoas, em especial para a população que não tem acesso a

medicamentos (NASCIMENTO, 2016).

Dentre os metabólitos produzidos por plantas, estão aqueles

compostos conhecidos como fotoprotetores, pois são capazes

de absorver a radiação UV, atuando no tecido cutâneo através

de moléculas fotoestáveis que possuem grupos cromóforos que

absorvem a radiação (KORKINA et al., 2018). Desta forma,

esses compostos fotoprotetores são responsáveis por minimizar

CONTEÚDO DE FENÓIS, ATIVIDADE ANTIOXIDANTE E EFEITO FOTOPROTETOR DE EXTRATOS ORGÂNICOS DE FOLHAS DE Moringa

oleifera Lam.

60

e prevenir os efeitos negativos provocados pela radiação solar

(ORLANDA, 2015)

A necessidade do uso de protetor solar é uma realidade

dos dias atuais e assim, a busca por novos compostos

fotoprotetores orgânicos pode disponibilizar alternativas para

evitar os danos causados pela radiação ultravioleta à saúde das

pessoas (SECCO, 2018). Muitos estudos tem sido

desenvolvidos com o objetivo de compreender melhor o efeito

fotoprotetor das plantas. A radiação UV é facilmente absorvida

por moléculas como o DNA e proteínas causando aumento de

espécies reativas de oxigênio, queimaduras com diferentes

graus, fotodermatoses, fotossensibilidade e efeitos mais graves

como fotocarcirnogênese (SCHNEIDER, 2020). De acordo com

Instituto Nacional do Câncer (INCA) são registrados por ano

cerca de 180 mil novos casos de câncer de pele.

A radiação ultravioleta que atinge a superfície da Terra é

apenas uma pequena parte do espectro de radiação emitido pelo

sol. A intensidade da radiação é variável, os raios UVA (315-

400nm) correspondem a cerca de 5%, os raios UVB (320-290

nm) correspondem a cerca de 0,5% e UVC (290-270 nm) que é

altamente nociva mas é absorvida pela camada de ozônio antes

de atingir a superfície terrestre (LOPES, 2015). A radiação UVA

é a radiação menos energética, mas consegue atingir a derme

profunda, e afetar negativamente a elasticidade natural da pele,

sendo responsável pelo envelhecimento cutâneo precoce. Já a

radiação UVB tem a capacidade de penetrar totalmente na

epiderme, fazendo com que haja o espessamento da camada

córnea, e por isso é a grande responsável pelos danos agudos

e crônicos a pele (CARVALHO, 2015).

CONTEÚDO DE FENÓIS, ATIVIDADE ANTIOXIDANTE E EFEITO FOTOPROTETOR DE EXTRATOS ORGÂNICOS DE FOLHAS DE Moringa

oleifera Lam.

61

Ante o exposto, o objetivo deste estudo foi avaliar o

potencial fotoprotetor de extratos orgânicos das folhas de M.

oleifera visando compreender o potencial dessa planta em

previnir danos causados pela radiação ultravioleta. Ademais, o

conteúdo de fenois e a atividade antioxidante dos extratos foram

mensurados a fim de relacioná-los com os valores de

fotoproteção obtidos.

MATERIAIS E MÉTODOS

Obtenção dos extratos

As folhas de M. oleifera foram coletadas no campus

Recife da Universidade Federal de Pernambuco. Após

separação dos folíolos, o material vegetal foi lavado, seco à

temperatura ambiente e pulverizado. Para a obtenção dos

extratos, o pó das folhas (10 g) foi mantido em contato com

diferentes solventes (100 mL) durante 48 h. Ao final do processo,

foram obtidos extratos em hexano (Mo-Hex), acetato de etila

(Mo-Acoet) e metanol (Mo-MeOH). Posteriormente, os extratos

foram concentrados com o auxílio de um rotoevaporador e

mantidos em capela até a secagem total.

Dosagem de fenois totais

O conteúdo de fenois totais foi mensurado através do

método de Folin-Ciocalteu adaptado em microplacas de 96

poços (BOBO-GARCÍA et al., 2015). Inicialmente, um total de 20

μL dos extratos diluídos (0,2 mg/mL) foram distribuídos em cada

poço. Posteriormente, 100 μL do reagente Folin-Ciocalteu

(10%) foram adicionados seguido por agitação durante 60s. Em

CONTEÚDO DE FENÓIS, ATIVIDADE ANTIOXIDANTE E EFEITO FOTOPROTETOR DE EXTRATOS ORGÂNICOS DE FOLHAS DE Moringa

oleifera Lam.

62

seguida, 75 μL de solução de carbonato de sódio (100 g/L) foram

adicionados com posterior agitação. Após 2 h de incubação no

escuro à temperatura ambiente, a absorbância foi medida a 750

nm usando o leitor de microplacas. A absorbância da mesma

reação com água ao invés dos extratos foi subtraída da

absorbância da reação com a amostra. Diluições de ácido tânico

(10–200 mg/mL) foram usadas como padrões para calibração.

Os resultados foram expressos como miligramas equivalentes

de ácido tânico por grama de extrato (mg EAT /g).

Atividade antioxidante (teste do DPPH)

O teste do DPPH (2,2-difenil-1-picril-hidrazil) baseia-se no

mecanismo de transferência de um elétron, processo que

permite detectar a capacidade de um produto em transferir um

elétron e reduzir qualquer substância (VALATINA;

NEELAMEGAM , 2015). O princípio do teste é a conversão do

radical DPPH, o qual possui coloração roxa, para o DPPH-H que

possui coloração amarela.

O teste foi realizado de acordo com os procedimentos

metodológicos descritos por Pires et al. (2017) com algumas

modificações. Para detecção do potencial antioxidante das

amostras, 20 μL dos extratos diluídos em metanol (0,2 mg/mL)

foram adicionados em placas de 96 poços. Após adição de 280

μL de DPPH em cada poço, a placa foi incubada no escuro

durante 30 min. Em seguida, a redução do DPPH foi

determinada por alteração colorimétrica a 517 nm utilizando o

leitor de microplacas. Os resultados foram representados em

porcentagem de atividade antioxidante (AAO%) de acordo com

a fórmula abaixo:

CONTEÚDO DE FENÓIS, ATIVIDADE ANTIOXIDANTE E EFEITO FOTOPROTETOR DE EXTRATOS ORGÂNICOS DE FOLHAS DE Moringa

oleifera Lam.

63

Determinação do comprimento de onda de absorção

máximo e fator de proteção solar (FPS) in vitro

Para determinação do comprimento de onda de

absorção máximo (λmax) e o fator de fotoproteção (FPS), os

extratos foram diluídos em metanol até obter as concentrações

de 12,5 µg/mL, 25 µg/mL, 50 µg/mL e 100 µg/mL.

Posteriormente, foi realizada uma varredura

espectrofotométrica em comprimentos de onda entre 260-400

nm, com intervalos de 5 nm. As leituras foram realizadas com

cubeta de quartzo e metanol foi utilizado como branco.

O cálculo do fator de fotoproteção foi realizado de acordo

com a equação abaixo:

𝑭𝑷𝑺 = 𝑭𝑪 𝒙 ∑ 𝑬𝑬

𝟑𝟐𝟎

𝟐𝟗𝟎

(𝝀) 𝒙 𝒍 (𝝀) 𝒙 𝑨𝒃𝒔 (𝝀)

Onde: EE (λ) - espectro do efeito eritemal; I (λ) -

intensidade solar espectro; Abs (λ) - absorbância do produto;

FC - fator de correção (= 10). Os valores de EE x I são

constantes e estão representados na Tabela 1.

CONTEÚDO DE FENÓIS, ATIVIDADE ANTIOXIDANTE E EFEITO FOTOPROTETOR DE EXTRATOS ORGÂNICOS DE FOLHAS DE Moringa

oleifera Lam.

64

Tabela 1. Valores de - espectro do efeito eritemal e intensidade

solar espectro (EE x I) utilizados para calcular o FPS.

Comprimento

de onda (nm) EE x I

290 0.0150

295 0.0817

300 0.2874

305 0.3278

310 0.1864

315 0.0839

320 0.0180

Total 1.0000

Análise estatística

Todos os resultados foram representados pela média

seguida pelo desvio padrão. As análises estatísticas foram

realizadas no software prism Graphpad v. 5.0. As médias

obtidas foram comparadas utilizando ANOVA de uma via.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O alto interesse pelo cultivo da M. oleifera deve-se aos

potenciais usos que apresenta, pois praticamente todas as suas

partes podem ser utilizadas para diversas finalidades (SANTOS

et al., 2015). Sua relevância popular é tanta que em muitos

locais a planta é comumente referida como árvore milagrosa

devido os usos múltiplos que apresenta (IDRIS et al., 2016).

Apesar de basicamente todas as partes de M. oleifera

serem empregadas para alguma finalidade, a folha geralmente

CONTEÚDO DE FENÓIS, ATIVIDADE ANTIOXIDANTE E EFEITO FOTOPROTETOR DE EXTRATOS ORGÂNICOS DE FOLHAS DE Moringa

oleifera Lam.

65

é a mais utilizada tradicionalmente. As folhas são usadas como

suplemento dietético devido ao seu conteúdo nutricional,

apresentando quantidades consideráveis de minerais

essenciais, vitaminas, aminoácidos e ácidos graxos (KOU et al.,

2018). Por isso, a planta tem sido indicada como uma

alternativa sustentável de suplemento alimentar para aqueles

que sofrem de desnutrição, especialmente nos países em

desenvolvimento (GUPTA et al., 2018). Adicionalmente,

propriedades medicinais importantes, incluindo atividade

antioxidante, anticancerígena e antimicrobiana tem sido

relatadas.

As plantas representam uma importante fonte de

moléculas que absorvem a radiação ultravioleta, em especial de

compostos fenólicos, cuja principal função é proteger as folhas

dos danos causados pela luz, atuando como antioxidantes

(NUNES et al, 2018). Diante das propriedades biológicas de M.

oleifera, este estudo avaliou o potencial fotoprotetor de extratos

orgânicos de folhas a fim de determinar a capacidade deles em

absorver a radiação solar e consequentemente evitar os danos

provocados por ela. O estresse oxidativo e as respostas

inflamatórias induzidas pela radiação ultravioleta podem causar

uma variedade de efeitos prejudiciais na pele, incluindo o

fotoenvelhecimento prematuro e a indução de

imunossupressão e carcinogênese cutânea (BERNARD;

GALLO; KRUTMANN, 2019).

CONTEÚDO DE FENÓIS, ATIVIDADE ANTIOXIDANTE E EFEITO FOTOPROTETOR DE EXTRATOS ORGÂNICOS DE FOLHAS DE Moringa

oleifera Lam.

66

Figura 1. Moringa oleifera, aspectos gerais (A), folha (B), flores

(C), fruto (D) e sementes (E)

Fonte: Rolim (2007)

Na figura 2 estão representados os perfis de absorção

espectrofotométrica dos extratos de acordo com as

concentrações testadas. Os valores de absorbância foram

dose-dependentes para todos os extratos e portanto, os

maiores valores foram detectados na concentração de 100

µg/mL. No que diz respeito ao solvente utilizado, o extrato

acetato de etila (Mo–AcoEt) foi aquele que apresentou a maior

absorção, no entanto foi na região UVA. Mo–EtOH foi o que

provocou maiores valores de absorbância na região equivalente

ao UVA e UVB. Adicionalmente, todos os extratos promoveram

absorção máxima no comprimento de onde de 400 nm, o qual

CONTEÚDO DE FENÓIS, ATIVIDADE ANTIOXIDANTE E EFEITO FOTOPROTETOR DE EXTRATOS ORGÂNICOS DE FOLHAS DE Moringa

oleifera Lam.

67

é caracterizado como radiação UVA. Resultados semelhantes

foram obtidos para os extratos em clorofórmio e acetato de etila

das folhas de Neoglaziovia variegata (Arruda), os quais

apresentaram valores de absorção máxima na região do UVA

(OLIVEIRA-JUNIOR, et al., 2015).

O fator de proteção solar (FPS) é um valor numérico

obtido a partir de cálculos e este pode ser dividido em 2 tipos a

depender dos testes utilizados para a verificação desse fator, in

vivo ou in vitro. O FPS in vitro (Figura 3) foi determinado pelo

método espectrofotométrico desenvolvido usando o região

UVB, considerada a região de maior incidência durante o dia

em que as pessoas ficam expostas por mais tempo. Esse

método é capaz de fornecer informações prévias acerca de

formulações fotoprotetoras em estágios iniciais de

desenvolvimento, além de ser de menor custo, rápido,

reprodutível e não necessitar de voluntários. De acordo com a

RDC Nº 30, de 1º de junho de 2012, da Agência Nacional

de Vigilância Sanitária (ANVISA) atribui-se uma

regulamentação técnica aplicada aos produtos e cosméticos

destinados a proteção solar da pele, que, apresenta o fator

mínimo de proteção solar igual a 6 (seis).

Mo-EtOH foi o que apresentou maior fator de

fotoproteção de maneira dose-dependente sendo obtidos

valores que variaram de 0,54 ± 0,05 a 3,37 ± 0,22. Mo-AcoEt foi

o segundo extrato mais ativo, sendo determinados valores de

FPS na faixa de 0,45 a 3,44 ± 0,12. O FPS máximo detectado

para Mo–Hex foi 1,38 ± 0,07 na concentração de 100 µg/mL.

CONTEÚDO DE FENÓIS, ATIVIDADE ANTIOXIDANTE E EFEITO FOTOPROTETOR DE EXTRATOS ORGÂNICOS DE FOLHAS DE Moringa

oleifera Lam.

68

Figura 2. Perfil de absorção espectrofotométrica dos extratos

secos das folhas de Moringa oleifera (260 – 400 nm).

Fonte: A autora.

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69

Figura 3. Fator de proteção solar (FPS) in vitro dos

extratos de Moringa oleifera.

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oleifera Lam.

70

Fonte: A autora.

Os compostos fenólicos, em especial os flavonoides,

são majoritariamente o grupo de metabólitos secundários

que possuem efeito fotoprotetor mais relevante e maior

atividade antioxidante (ORLANDA; VALE, 2015). O mecanismo

de ação desses compostos consiste na interferência da

radiação incidente pelo mecanismo de absorção, onde quando

há a absorção do fóton de energia há também um aumento do

estado de excitação da molécula que ao retornar ao estado

estável (não excitado) libera a energia em um comprimento de

onda maior (TEIXEIRA, 2016).

O grau de fotoproteção e a atividade antioxidante de

extratos vegetais é relacionado a presença de fenois (SOUSA;

LIMA; LIMA, 2020). Nesse sentido, o teste do DPPH é bastante

utilizado para identificar a presença de compostos antioxidantes

em extratos vegetais a partir da capacidade de um produto em

transferir um elétron e reduzir qualquer substância (VALATINA;

NEELAMEGAM, 2015). Este estudo determinou o conteúdo de

fenóis dos extratos de folhas visando relacionar estes

CONTEÚDO DE FENÓIS, ATIVIDADE ANTIOXIDANTE E EFEITO FOTOPROTETOR DE EXTRATOS ORGÂNICOS DE FOLHAS DE Moringa

oleifera Lam.

71

compostos com os valores de fotoproteção obtidos. Atividade

antioxidante, outra propriedade associada a fenóis, foi também

determinada. Mo-EtOH foi o extrato com maior valor de fenóis

com um conteúdo de fenois totais de 1,99 ± 0,21 mg EAT/g. Já

o conteúdo de fenois de Mo - Acoet e Mo – Hex foi de 0,67 ±

0,38 e 0,74 ± 0,01 mgEAT/g, respectivamente. Embora o

conteúdo de fenóis de Mo – Acoet tenha sido ligeiramente maior

que os obtidos para Mo – Hex, os valores obtidos não foram

diferentes dignificativamente. Todos os extratos apresentaram

atividade antioxidade, sendo Mo-EtOH o que apresentou a

maior capacidade de sequestrar o radical DPPH (80,22 ± 0,66).

A atividade antioxidante de Mo-Hex e Mo-AcoEt foi 1,56 e 2,93

vezes menor que aquela de Mo-EtOH, respectivamente (Tabela

3).

As folhas de M. oleifera tem sido referidas como boas

fontes de polifenóis, com valores que variam de 20,9 e 122 mg

GAE/1g, sendo que os principais compostos são flavonoides e

ácidos fenólicos (LEONE et al., 2015). Os dados relacionados

à quantificação desses compostos são bastante diversificados,

uma vez que podem variar de acordo com fatores como

condições ambientais, genética da planta e métodos de

secagem, extração e análise. Apesar disso, é importante

ressaltar que a maioria dos estudos empregam solventes

polares, em especial a água, para aferição dessses compostos.

Adicionalmente, kaempferol, quercetina, isoramnetina e

apigenina são os flavonoides mais comuns nas folhas de M.

oleifera, existindo em abundância como glicosídeos ligados a

um amplo espectro de açúcares (LIN; ZHANG; CHEN, 2018).

Os flavonoides apresentam efeitos protetores contra muitas

CONTEÚDO DE FENÓIS, ATIVIDADE ANTIOXIDANTE E EFEITO FOTOPROTETOR DE EXTRATOS ORGÂNICOS DE FOLHAS DE Moringa

oleifera Lam.

72

infecções (doenças bacterianas e virais) e doenças

degenerativas, como problemas cardiovasculares e câncer. Já

os ácidos fenólicos, são estudados principalmente por seus

potenciais antioxidante, anti-inflamatório, antimutagênico e

anticâncer (LEONE et al., 2015).

Tabela 3. Conteúdo de fenois totais e atividade antioxidante de

extratos de folhas de M. oleifera.

Extrato Fenois totais

(mg EAT/g)

Atividade

antioxidante

(%AAO)

Mo-EtOH 1,99 ± 0,21 80,22 ± 0,66

Mo-AcoEt 0,67 ± 0,38 27,41 ± 1,00

Mo-Hex 0,74 ± 0,01 51,38 ± 3,82

Conteúdo de fenois: Miligramas equivalentes de ácido tânico por grama

de extrato (mg EAT/g). Curva de calibração: y = 0,0767x + 0,1533 (R² =

0,9947)

O alto potencial antioxidante das folhas de M. oleifera

tem sido amplamente relatado na literatura tanto a partir de

abordagens in vitro como in vivo. Em um estudo recente

realizado in vitro, a atividade antioxidante do extrato

hidroetanólico das folhas de M. oleifera foi investigada. Os

resultados mostraram forte atividade antioxidante da

preparação a partir da utilização do ensaio de eliminação de

óxido nítrico (NO) (IC50 = 120 μg/ml) e ensaio de degradação

de desoxirribose (IC50 = 178 μg/ml). Este estudo mostrou ainda

que o potencial antioxidante das folhas da moringa pode ser

atribuído à presença de conteúdo fenólico total, conteúdo total

de flavonóides, carotenóides, licopeno, ácido ascórbico e

CONTEÚDO DE FENÓIS, ATIVIDADE ANTIOXIDANTE E EFEITO FOTOPROTETOR DE EXTRATOS ORGÂNICOS DE FOLHAS DE Moringa

oleifera Lam.

73

antocianinas nas folhas (VATS; GUPTA, 2017). In vivo, o

extrato metanólico das folhas de M. oleifera (250 mg/kg) foi

administrado por seis semanas em ratos Wistar machos

diabéticos. Os resultados mostraram alta capacidade

antioxidante do extrato e melhora nos marcadores bioquímicos

séricos do estresse oxidatico, tais como os níveis de catalase

(CAT), glutationa peroxidase (GPx), superóxido dismutase

(SOD), glutationa (GSH). Além disso, os níveis de peroxidação

lipídica (MDA) foram reduzidos em ratos não diabéticos e

diabéticos após o tratamento com o extrato das folhas quando

comparados ao controle normal (OMODANISI; ABOUA;

OGUNTIBEJU, 2017). Lin, Zhang e Chen (2018) afirmam que a

capacidade de neutralizar espécies reativas de oxigênio está

diretamente relacionada a prevenção de doenças não

transmissíveis (DNTs), como obesidade e diabetes. Saleem,

Saleem e Akhtar (2018) também avaliaram o potencial

antioxidante das folhas de moringa através do teste do DPPH.

Verificou-se que todos os extratos mostraram atividade

antioxidante em concentrações inferiores a 0,1563 mg/ml. Na

maior concentração (0,1563 mg/ml), o efeito antioxidante

observado para os extratos metanólico (88,50 ± 0,61%) e

aquoso (84,46 ± 0,34%) foi comparado ao ácido ascórbico

(82,55 ± 0,35%).

Ademais, a capacidade de neutralizar espécies reativas

de oxigênio (EROs) está diretamente relacionada a prevenção

de doenças não transmissíveis (DNTs), como obesidade e

diabetes. Nesse sentido, as atividades farmacológicas pelas

quais a moringa é reconhecida mundialmente são atribuídas,

CONTEÚDO DE FENÓIS, ATIVIDADE ANTIOXIDANTE E EFEITO FOTOPROTETOR DE EXTRATOS ORGÂNICOS DE FOLHAS DE Moringa

oleifera Lam.

74

dentre outros fatores, à presença de compostos antioxidantes,

especialmente os compostos fenólicos.

CONCLUSÕES

Extratos orgânicos obtidos a partir das folhas de M.

oleifera com diferentes soventes não apresentaram valores de

fotoproteção satisfatórios em comparação aos critérios

estabelecidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária

(ANVISA). O baixo conteúdo de fenois totais nos extratos pode

ser relacionado a baixa atividade fotoprotetora. A alta

capacidade de sequestro do radical DPPH de Mo-EtOH

estimula a produção de novos extratos através da utilização de

outros solventes e métodos de extração.

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O POTENCIAL DE LECTINAS NO DIAGNÓSTICO DO CÂNCER

78

CAPÍTULO 4

O POTENCIAL DE LECTINAS NO DIAGNÓSTICO DO CÂNCER

Caio César da Silva Guedes 1

Robson Raion de Vasconcelos Alves 1

Matheus Cavalcanti de Barros 2

Juliane Nancy de Oliveira Silva 3

Anderson Felipe Soares de Freitas 4 1 Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas, UFPE; 2

Mestrando no Programa de pós-graduação em Ciências Biológicas, UFPE 3 Mestranda no Programa de pós graduação em Bioquímica e Fisiologia, UFPE;

4Graduando do curso formação pedagógica para graduados não licenciados - Biologia,

Cruzeiro do Sul virtual. [email protected]

RESUMO: O câncer é um conjunto de doenças causadas por mutações genéticas nas células, tais doenças são caracterizadas por alta taxa de divisão celular, onde estas células, podem agrupar-se resultando em tumores com elevada capacidade de invasão tecidual e metastática. As lectinas são proteínas hemaglutinantes de origem não imunológica, que possuem a capacidade de se ligar reversivelmente e especificamente a carboidratos, possuindo assim diversas atividades como, por exemplo, ação antitumoral. O objetivo desse trabalho é ressaltar o potencial das lectinas como aliadas no diagnóstico do câncer através da revisão bibliográfica de artigos científicos previamente selecionados nas plataformas: Google acadêmico, ScienceDirect e PubMed. As lectinas têm obtido resultados satisfatórios em estudos para detecção de biomarcadores do câncer, esse potencial é permitido através da capacidade de reconhecer carboidratos específicos em moléculas que aumentam seus níveis séricos durante a carinogênese ou através de ligação direta a glicanos presentes na superfície de células cancerosas tornando possível o

O POTENCIAL DE LECTINAS NO DIAGNÓSTICO DO CÂNCER

79

reconhecimento das células cancerígenas para diagnóstico, acompanhamento e estratégias terapêuticas. Palavras-chave: Diagnóstico do Câncer. Aglutininas. Biomarcadores. INTRODUÇÃO

Como definição, o câncer compreende um grupo de

mais de 100 doenças que tem como característica comum o

crescimento desordenado de células, tais células são dotadas

de grande capacidade de disseminar-se para outros tecidos e

órgãos adjacentes ao sítio que foi afetado inicialmente no

organismo. O câncer é considerado um problema de saúde

pública, enfrentado tanto pelo sistema de saúde brasileiro

como em outros paises em vista de sua amplitude

epidemiológica, social e econômica. A incidência crescente

de casos de neoplasia tem ocasionado uma transformação no

perfil epidemiológico da população, seja pelo aumento da

exposição aos fatores cancerígenos, pelo envelhecimento

populacional, pelo aprimoramento das tecnologias para o

diagnóstico, como também pela elevação do número de óbitos

por câncer (BATISTA; DE MATTOS; DA SILVA, 2015.)

O câncer é o principal problema de saúde pública no

mundo e está situado entre as quatro principais causas de

morte prematura (antes dos 70 anos de idade) na maioria dos

países. A incidência e a mortalidade por câncer vêm

aumentando no mundo, em parte pelo envelhecimento, pelo

crescimento populacional, como também pela mudança na

distribuição e na prevalência dos fatores de risco de câncer,

especialmente aos associados ao desenvolvimento

socioeconômico. Verifica-se uma transição dos principais tipos

O POTENCIAL DE LECTINAS NO DIAGNÓSTICO DO CÂNCER

80

de câncer observados nos países em desenvolvimento, com um

declínio dos tipos de câncer associados a infecções e o

aumento daqueles associados à melhoria das condições

socioeconômicas com a incorporação de hábitos e atitudes

associados à urbanização sedentarismo, alimentação

inadequada, entre outros (BRAY et al., 2018).

Com o avanço tecnológico novos estudos sempre são

realizados para desenvolver novos métodos para aprimoração

e diferenciação no diagnóstico das mais diversas patologias,

nesse aspecto o uso de biomeléculas apresenta um futuro

promissor.

As lectinas são proteínas ou glicoproteinas pertencentes

a uma diversificada superfamília, onde possuem como principal

característica a capacidade de reconhecer carboidratos de

modo específico e seletivo. Essas proteínas podem ser

encontradas em diversos organismos, desde, vírus, bactérias,

e fungos a vegetais e animais. A sua habilidade de reconhecer

uma grande quantidade de glicanos, as torna mediadoras em

diversos processos biológicos, como migração celular, defesa

imunológica, infecção por bactérias, vírus e protozoários

(OLIVEIRA, 2018).

A disponibilidade de um grande número de lectinas e

seu potencial de reconhecer diferentes carboidratos tem

introduzido essas proteínas como ferramenta de

reconhecimento em diversas pesquisas biotecnológicas.

Graças à especificidade para mono e oligossacarídeos

expressos na superfície celular, as lectinas podem ser utilizadas

para tipagem de células sanguíneas; como inseticida, ao

prejudicar o desenvolvimento e mortalidade de larvas,

bactericida e fungicida, e vêm sendo investigadas como

antivirais, por impedir a invasão e replicação viral do HIV.

O POTENCIAL DE LECTINAS NO DIAGNÓSTICO DO CÂNCER

81

Também têm sido utilizadas em matrizes de afinidade para

reconhecimento e purificação de glicoproteínas e no

desenvolvimento de sistemas de liberação de drogas em

mucosas (SILVA, 2019).

Nesse contexto, o objetivo desse trabalho é demonstrar

o potencial uso das lectinas como possíveis novas abordagens

para o diagnóstico do câncer já que devido à especificidade

com que as lectinas reconhecem os glicanos permite a

identificação de alterações tumor-específicas, levando à

descoberta de novos biomarcadores glicosilados, assim, novos

estudos demonstram a utilização dessas proteínas no

diagnóstico dos mais diversos tipos de câncer, através de

diferentes metodologias que partem desde a incorporação em

matrizes cromatográficas até imunoensaios o que possibilitando

um novo repertório, eficaz e específico para o diagnóstico de

neoplasias.

MATERIAIS E MÉTODO

O objetivo desse trabalho é apresentar uma revisão

bibliográfica sistemática a respeito do potencial anti-câncer das

lectinas. Os artigos, trabalhos de conclusão de curso,

dissertações de mestrado e teses de doutorado foram

selecionados a partir de plataformas digitais como sciencediret,

scielo, pubmed e google acadêmico. Os critérios de inclusão

foram artigos que estivessem nas línguas portuguesa e inglesa,

publicados entre 2015 e 2020. As palavras chaves utilizadas na

busca foram: Anti-tumoral Lectin, lectina anti-tumoral, câncer,

lectina anti-câncer e anti-cancer lectin. Os critérios de exclusão

adotados foram artigos que não se enquadrassem nos anos de

O POTENCIAL DE LECTINAS NO DIAGNÓSTICO DO CÂNCER

82

2015 a 2020 e artigos que não possuíam conteúdo relacionado

com o trabalho proposto.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O Câncer

A crescente mortalidade por neoplasias malignas vem

crescendo consideravelmente ao longo das últimas décadas o

que posiciona o câncer como a segunda principal causa de

óbito no mundo tendo levado a óbito 9,6 milhões de

pessoas no ano de 2018, em muitos países pobres e em

desenvolvimento, incluindo o Brasil as projeções sinalizam que

ocupará o primeiro lugar nas próximas décadas (INCA, 2017;

TEIXEIRA et al., 2018; CARVALHO; PAES, 2019; VERONEZ et

al., 2019). Para os anos de 2020-2022, foi estimada a

ocorrência de mais de 600 mil novos casos de câncer (figura 1),

para cada ano no Brasil (INCA, 2019).

Dentre vários tipos de câncer os mais incidentes são

os cânceres de próstata, pulmão, mama feminina, cólon e reto,

colo de útero, estômago e esôfago. Mesmo diante de avanços

científicos voltados à prevenção e detecção precoce do câncer,

essa doença ainda é um problema global de saúde pública, com

elevado ônus biopsicossocial e econômico (VERONEZ, 2019).

Diariamente as células presentes no nosso organismo

podem sofrer lesões em seu material genético ( >20.000) bem

como erros em seu processo de divisão celular (>10.000)

(MOTA, 2019). Para conter isso existe um complexo e eficiente

sistema capaz de reparar esses danos, sendo capaz de

impedir a propagação desses erros, permitindo com que as

céluas em divisão se mantenham em estado normal. Caso esse

O POTENCIAL DE LECTINAS NO DIAGNÓSTICO DO CÂNCER

83

sistema não seja eficiente no processo de reparação, as células

descendentes transmitirão o erro e antígenos novos passam a

ser expressos na superfície dessas células.

Figura 1. Estimativa de surgimento de novos casos de câncer

para os anos de 2020-2022 pelo INCA.

O POTENCIAL DE LECTINAS NO DIAGNÓSTICO DO CÂNCER

84

Fonte: INCA, 2019

Esses antígenos podem corresponder a proto-

oncogenes mutados, genes supressores de tumores,

glicoproteínas, antígenos produzidos por vírus oncogênicos

dentre tantos outros. O termo “câncer” é utilizado para se referir

ao conjunto de doenças que tem por características

crescimento desordenado e descontrolado de células dotados

de capacidade invasiva em tecidos e órgãos (INCA, 2019).

Essas doenças podem ser multifatoriais podendo surgir em

virtude de alterações no genoma celular ou esse gênese pode

se dar a partir da combinação de fatores genéticos e fatores

externos como agentes cancerígenos de natureza física,

química e biológica.

Exitem dois tipos de genes que estão diretamente

envolvidos na gênese e no desenvolvimento de um carcinoma,

esses genes podem ser agrupados de acordo com sua natureza

funcional em dois grupos que são os proto-oncogenes e os

genes supressores tumorais, onde alterações em genes

distintos podem culminar na progressão tumoral (KLAUNIG,

2020). No decorrer da tumorigênese, células normais, podem

começar a expressar um perfil proteico em níveis anormais ou

estruturalmente diferentes podendo, a partir desse perfil

“anormal” serem distinguidas das células saudáveis e assim

podendo serem eliminadas pelo sistema imunológico

(ERRANTE, 2020).

As células cancerígenas podem escapar da destruição

pelo sistema imune, ou seja, evadir ao reconhecimento imune

por meio de diversos mecanismos. Isso é permitido devido as

células tumorais terem sido originadas a partir das células do

hospedeiro, conferindo certo grau de semelhança com as

células normais, por este motivo, existe uma dificuldade no

O POTENCIAL DE LECTINAS NO DIAGNÓSTICO DO CÂNCER

85

reconhecimento para que a essa eliminação seja efetuada

(ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2015).

Devido à complexidade e à heterogeneidade dos

diversos tipos de tumores malignos, que apresentam várias

mutações genéticas na patogênese do câncer, o tratamento

dessa patologia enfrenta limitações e muitos desafios, uma vez

que esses tumores são altamente adaptáveis, onde as células

tumorais podem criar novas rotas de sinalização para contornar

a cascata de morte celular e criar resistência ao tratamento

(SCHMIDT; EFFERTH, 2016). O tratamento quimioterápico, na

maioria dos casos, é a primeira opção escolhida, porém possui

vários efeitos colaterais indesejados e danosos às células

normais e, consequentemente, ao paciente. Nesse sentido, a

biotecnologia vem auxiliar na busca por biomoléculas de origem

natural que possuam seletividade para as células cancerígenas,

como é o caso de diversas lectinas (OLIVEIRA, 2018).

Lectinas

Lectinas (do latim "lectus", que significa selecionado) são

proteínas hemaglutinantes de origem não imunológica e de

ocorrência natural que tem a capacidade de se ligar

reversivelmente e especificamente a carboidratos sejam eles

mono, oligo ou polissacarídeos. São proteínas amplamente

difundidas na natureza, sendo encontradas desde seres

unicelulares até organismos superiores (DE SCHUTTER; VAN

DAMME, 2015; MANNING et al., 2017). As lectinas são

capazes de discriminar diferentes estruturas de glicanos e são,

portanto, ferramentas muito úteis para glicoanálise, elas estão

envolvidas em eventos fisiológicos cruciais de interações

proteína-carboidrato, como adesão, migração e interação

O POTENCIAL DE LECTINAS NO DIAGNÓSTICO DO CÂNCER

86

celular (BROWN; WILLMENT; WHITEHEAD, 2018;

VILLRINGER et al., 2018).

A origem não imunológica das lectinas distinguem-as de

anticorpos anticarboidratos, que também aglutinam células.

Diferente dos anticorpos, que são estruturalmente similares, as

lectinas diferenciam-se entre si pela composição aminoacídica,

requerimento de metais, peso molecular e estrutura

tridimensional (OBAID et al., 2015; GAUTAM et al., 2018).

A habilidade de ligar carboidratos de lectinas tem sido

atribuída à existência de uma região denominada “sítio de

ligação a carboidrato” ou “domínio de reconhecimento de

carboidratos, a interação entre lectina e carboidrato pode ser

realizada principalmente através de pontes de hidrogênio (onde

os grupos hidroxila constituintes dos açúcares são capazes de

doar e receber moléculas de hidrogênio, coordenação por

grupos metil, forças de Van Der Waals e interações hidrofóbicas

(SILVA, 2017).

As lectinas podem ser divididas em vários grupos de

acordo com a sua estrutura molecular (como ilustrado na figura

2) as merolectinas, hololectinas, quimerolectinas e

superlectinas. As merolectinas possuem apenas um domínio de

renhecimento de carboidrato (DRC) o qual se liga a

carboidratos simples, são proteínas pequenas e sua natureza

monovalente as impede de precipitar glicoconjugados,

aglutinar células ou terem atividade catalítica. As hololectinas,

que compreendem o maior grupo de lectinas, possuem dois

domínios de reconhecimento de carboidratos com elevada

homologia e são capazes de aglutinar células ou precipitar

glicoconjugados; são consideradas as hemaglutininas

clássicas. As quimerolectinas, são proteínas de fusão que

dispõem de pelo menos um DRC e outro domínio com atividade

O POTENCIAL DE LECTINAS NO DIAGNÓSTICO DO CÂNCER

87

catalítica que age de forma totalmente independente do DRC,

dependendo do numero de DRC’s as quimerolectinas podem

ser comportar como uma merolectina ou hololectina (PINEDO

et al, 2015; LAVANYA et al. 2017). As superlectinas são um

grupo de quimerolectinas possuidoras de dois ou mais DRC's

distintos, conferindo a essa proteína a especificidade por

carboidratos diferentes (SAGAR e DHALL, 2018).

Figura 2. Representação dos tipos de lectinas e exemplo de

membro de cada tipo Heveína (merolectina), DWL-3SH3

(hololectina), PPL2-2GSJ (quimerolectina) e Lectina de Musa

acuminata – 3MIT (superlectina).

Fonte: Osterne (2016)

Algumas lectinas apresentam atividade biológica apenas

na presença de íons bivalentes enquanto aquelas que não

O POTENCIAL DE LECTINAS NO DIAGNÓSTICO DO CÂNCER

88

necessitam de íons metálicos já possuem a conformação

estrutural necessária para o reconhecimento aos carboidratos.

Nas lectinas de natureza glicoproteica, a porção glicídica

geralmente aumenta a estabilidade da lectina dificultando a sua

degradação proteolítica e a desnaturação por temperatura e pH

além de influenciar na interação da lectina com outras

moléculas e na solubilidade da proteína quando em solução

aquosa (GAUTAM et al., 2020.; KILPATRICK, 1986).

As lectinas são capazes de formar pontes entre

carboidratos ou glicoproteínas, que se apresentam em solução

ou ligadas a membrana (MARQUES NETO, 2015). A detecção

da presença de lectinas em uma amostra é realizada através do

ensaio de hemaglutinação (figura 3A), onde a preparação que

contém essas proteínas é incubada com uma suspensão de

eritrócitos. Os eritrócitos utilizados de humanos ou de outros

animais podem ser tratados enzimaticamente, por exemplo com

tripsina e papaína, ou quimicamente, por exemplo com

glutaraldeído ou formaldeído, visando o aumento da interação

com a lectina. A formação de uma malha de aglutinação entre

os eritrócitos indica positividade no teste e a atividade

hemaglutinante (título) é dada pelo inverso da titulação do

último poço que apresentou a malha de aglutinação (BRITO et

al., 2017).

Para a confirmação da natureza lectínica da atividade

hemaglutinante, realiza-se o teste de inibição da atividade

hemaglutinante por carboidratos (figura 3B) onde a lectina é

inicialmente incubada com soluções de diferentes carboidratos

previamente à adição da suspensão de eritrócitos. A inibição é

confirmada pela ausência de hemaglutinação, essa inibição é

causada porque os domínios de reconhecimento de

carboidratos das lectinas são ocupados pelos carboidratos

O POTENCIAL DE LECTINAS NO DIAGNÓSTICO DO CÂNCER

89

livres em solução, diminuindo a interação das lectinas com os

carboidratos presentes na membrada dos eritrócitos (LIMA et

al., 2017).

Figura 3. Representação de atividade hemaglutinante de

lectinas (A) e representação de teste de inibição de atividade

hemaglutinante por carboidratos (B)

Fonte: Paiva et al., 2011.

Dentre algumas atividades biológicas das lectinas

vegetais têm-se o armazenamento ou transporte de

carboidratos em sementes, atividade inseticida, atividade

antitumoral, atividade anti-inflamatória e atividade

antimicrobiana (PROCOPIO et al., 2017; REYES-MONTAÑO e

VEGA-CASTRO, 2018; PEREIRA; SILVA, 2019). As lectinas

além de potenciais agentes terapêuticos, são utilizadas como

ferramentas para a detecção, isolamento e caracterização

parcial de glicoproteínas, além de possibilitar a identificação de

alteração no perfil glicídico presente no glicocálice da superfície

celular durante o desenvolvimento, diferenciação e

A B

O POTENCIAL DE LECTINAS NO DIAGNÓSTICO DO CÂNCER

90

transformação tumoral através da sua capacidade de se ligar

aos antígenos associados a tumores específicos com elevada

afinidade (HASHIM; JAYAPALAN; LEE, 2017).

LECTINAS COM POTENCIAL ANTI-CÂNCER

As lectinas podem apresentar dois tipos de atividade

anti-câncer, a primeira está relacionada com a atividade anti-

tumoral e a segunda com o potencial uso dessas proteínas

como biomarcador na detecção dessas células defeituosas

(OLIVEIRA, 2018). Essas proteínas têm sido utilizadas em

glicoanálise para identificar alterações na composição de

glicanos e elucidar os mecanismos fisiopatológicos

relacionados a essas alterações, bem como as modificações

em genes reguladores das enzimas que participam da

glicosilação (MATSUDA et al., 2015; LLOP et al., 2016).

Aumento ou redução na ramificação dos glicanos e na

expressão de monossacarídeos como ácido siálico, fucose e

manose em diferentes estágios de transformação tumoral são

alterações comumente relacionadas à progressão do câncer e

metástase (PIHÍKOVÁ; KASÁK; TKAC, 2015; CHANG et al.,

2019).

A maioria dos biomarcadores glicoproteicos utilizados no

monitoramento clínico da terapia são avaliados em suas

quantidades totais de proteína, desse modo, a descoberta de

novos biomarcadores, que possibilitem diferenciar padrões de

glicosilação, é importante para o aumento da especificidade e

da seletividade no prognóstico da patologia (OLIVEIRA, 2018).

Devido a sua especificidade o emprego das lectinas na

descoberta de biomarcadores pode trazer algumas vantagens

sobre os métodos padrão, uma vez que elas são capazes de

O POTENCIAL DE LECTINAS NO DIAGNÓSTICO DO CÂNCER

91

detectar peptídeos expressos em tumores a níveis baixos em

fluidos corporais (SILVA, 2019). Algumas lectinas já tem sido

utilzadas com a finalidade de detecção de perfil de glicosilação

em células oncogênicas. Os tipos de ensaio baseados em

lectinas, comumente usados para a pesquisa de

biomarcadores, são: (a) a cromatografia de afinidade com

lectina imobilizada, (b) ensaios histoquímicos, (c) eletroforese,

(c) ensaios ELISA e, mais recentemente, (d) o formato de

microarranjos (HAAB; YUE, 2011).

Imunoensaio utilizando a lectina de Sambucus nigra,

SNA, desenvolvido para analisar o risco relacionado ao câncer

de próstata (LLOP et al., 2016) e as lectinas de Maackia

amurensis MAL-I e MAL- foi desenvolvido para comparar a

expressão de ácido siálico no PSA (um marcador para

diagnóstico do câncer de próstata), presente em soros de

câncer de próstata e em soros não cancerosos (BHANUSHALI

et al., 2016). Tais ensaios são capazes de avaliar a expressão

de ácido siálico no PSA os resultados do estudos sugerem que

os padrões de expressão de ácido siálico do PSA são mais

heterogêneos no CaP, podendo discriminar entre amostras

cancerosas e não cancerosas (SILVA 2019).

A lectina vegetal extraída das sementes da Lens culinaris

(LCA), ligante de fucose α 1,6, é um caso de sucesso como

ferramenta em kits de diagnóstico para o carcinoma

hepatocelular esta proteína tem uma afinidade específica à

isoforma glicoproteica da alfa-fetoproteína (AFP-L3), que é

específica para tumores oncogênicos ( (PERVIN et al., 2015;

COULIBALY e YOUAN, 2017).

Um estudo utilizando a aglutinina-I de Ricinus communis

demonstrou que essa lectina tem a capacidade de se ligar a

células de câncer de mama triplo negativo, onde essa ligação

O POTENCIAL DE LECTINAS NO DIAGNÓSTICO DO CÂNCER

92

está diretamente proporcional a capacidade metastática desse

tumor (ZHOU et al., 2015). Também foi desenvolvido um

imunoensaio tipo sanduíche de anticorpo – lectina para analisar

a glicosilação do antígeno CA 15-3 em pacientes com câncer

de mama, utilizando o anticorpo anti- CA 15-3 para capturar o

antígeno no soro, e a lectina concanavalina A (ConA), para

analisar a glicosilação do antígeno capturado. Os resultados

mostraram que o nível de glicosilação de CA 15-3 aumenta com

o grau de agressividade do câncer, mostrando potencial para

distiguir entre os estágios I, IIA, IIB, III, e doença benigna da

mama, além de ser uma abordagem mais sensível que a

detecção apenas dos níveis de CA 15-3 (CHOI et al., 2018).

As lectinas extraídas das sementes da Maackia

amurensis, denominadas leucoaglutinina (MAL) e

hemaglutinina (MAH), destacam-se pela especificidade de

ligação ao ácido siálico. Recentemente, estudos revelaram que

a MAL reconhece os ácidos siálicos α 2,3 ligados, presentes

principalmente em N-glicanos, e é composta por dois

monômeros unidos por pontes dissulfetos. Essa lectina pode

apresentar diversas glicoformas, pois cada monômero possui

quatro sítios de N-glicosilação (KUMAR; SUROLIA, 2017). A

aglutinina-I de Uelx Europaeus (UEA-I) em estudo demonstrou

um potencial uso na detecção de câncer de coloretal por

imagem (TIAN et al., 2018).

Um sistema de ELISA utilizando a lectina de Pholiota

squarrosa demonstrou ter capacidade de detecção de

haptoglobina para diagnóstico de câncer de pâncreas podendo

ser uma ferramenta útil no diagnóstico complementar de CA19-

9 (KUSAMA et a., 2017). Uma lectina ligadora de galactose do

soro de portadores de câncer renal foi isolada, purificada e

caracterizada, sugerindo o surgimento de um novo biomarcador

O POTENCIAL DE LECTINAS NO DIAGNÓSTICO DO CÂNCER

93

que pode auxiliar no diagnóstico dessa condição (JASIM;

HASAN; HUSAIN, 2015). Estudos ainda demonstram o possível

uso dessas proteínas na histoquímica, Lim e colaboradores em

2020 reportaram a possível utilização de lectina de Helix

pomatia como sonda para detecção de doença cervical de alto

grau.

CONCLUSÕES

Através dessa revisão, podemos concluir que as lectinas

representam um grande potencial biotecnológico pois podem

ser grandes aliadas quando se trata de detecção de diversos

tipos de câncer seja através de detecção de biomarcadores

como até mesmo pela interação com carboidratos presentes

diretamente na superfície celular das células tumorais ainda

que esses tumores apresentem grande grau de

heterogenicidade.

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AGRADECIMENTOS

Agradecimentos aos amigos pelo empenho nesse trabalho,

a Universidade Federal de Pernambuco e aos órgãos de

fomento CAPES, CNPq e FACEPE que nos dão subsidos para

seguirmos em frente.

.

ESTUDO COMPARATIVO DE INIBIDORES DE UREASES

98

CAPÍTULO 5

ESTUDO COMPARATIVO DE INIBIDORES DE UREASES

JUCILENE PEREIRA DE SOUSA1

1Doutoranda do curso de Bioquímica, UFC, [email protected]

RESUMO: As ureases fazem parte da classe de amido-hidrolases e fosfotriesterases, apresentando metal em seu sítio ativo, sendo assim denominadas de metaloenzimas níquel-dependentes. São as enzimas mais eficientes conhecidas até o momento, acelerando a taxa de reação de hidrólise da ureia em amônia e carbamato, que então se decompõe em outra molécula de amônia e dióxido de carbono.O principal papel ambiental da urease é permitir que o organismo use ureia como fonte de nitrogênio ressaltando sua importância no ciclo do nitrogênio, gerando assim nitrogênio acessível para o crescimento das plantas. Entretanto, na agricultura a alta atividade da urease causa problemas ambientais e econômicos, uma vez que a hidrólise muito rápida da ureia diminui a eficiência do uso de fertilizantes, além disso, a quantidade anormal de amônia provoca danos à germinação de sementes, mudas e plantas jovens. A abordagem mais sucedida para resolver esses problemas é a partir do uso de inibidores. Dito isto, o objetivo desse trabalho centra-se em buscar as estruturas de ureases depositadas no PDB (Protein Data Bank) tanto nativas quanto complexadas com ligantes, listar os ligantes complexados com as ureases e pesquisar trabalhos referentes à urease de Canavalia ensiformis (JBU) de 2016-2020 com esses ligantes. Para tanto, foi feita uma busca de estruturas de ureases de diferentes organismos depositadas no PDB, foram feitas análises das estruturas para mapear os ligantes complexados, os quais foram listados e utilizados como

ESTUDO COMPARATIVO DE INIBIDORES DE UREASES

99

descritores na busca de inibidores de JBU. Como resultados do presente trabalho de revisão, foram obtidas 57 estruturas de ureases com ou sem inibidores ligados. As estruturas de ureases são de cinco espécies diferentes de bactérias (Klebsiella aerogenes, Sporosarcina pasteurii, Helicobacter pylori, Helicobacter mustelae, e Yersinia enterocolítica) e duas espécies diferentes de plantas (Canavalia ensiformis e Cajanus cajan). Dentre os resultados obtidos foram encontrados trabalhos englobando a atividade inibitória de JBU com ácido bórico, AHA (ácido acetohidroxâmico), catecol, fluoreto, NBPT (N-(n-butil) tiofosfórico triamida) e sulfito de sódio, os quais se apresentaram como bons inibidores. Dentro da busca, outros inibidores também se destacaram e se apresentaram muitas vezes até mais eficiente que o AHA, inibidor padrão da urease, como o alcaloide epiberberina e derivados de quinazolinona. Logo, conclui-se que a escolha do tipo de inibidor a ser utilizado é dependente de seu possível papel, uma vez que se considerarmos como potenciais fármacos poderá ser caro, enquanto que no caso de utilização na inibição da decomposição da ureia no solo tem que ser de estrutura simples e, portanto, substancialmente mais barato. Palavras-chave: Amônia. Protein Data Bank. Canavalia ensiformis. Ácido acetohidroxâmico.

INTRODUÇÃO

As ureases (EC 3.5.1.5) são membros da superfamília de

amido-hidrolases e fosfotriesterases, apresentando metal em

seu sítio ativo, sendo assim denominadas de metaloenzimas

níquel-dependentes. São as enzimas mais eficientes

conhecidas até o momento, acelerando a taxa de reação de

hidrólise da ureia em amônia e carbamato, que então se

decompõe em outra molécula de amônia e dióxido de carbono,

por um fator de pelo ao menos 1014 (KAPPAUN et al., 2018).

ESTUDO COMPARATIVO DE INIBIDORES DE UREASES

100

A urease isolada de sementes de Canavalia ensiformis

foi a primeira enzima a ser cristalizada por James B. Sumner,

em 1926, elucidando a ideia que enzimas são proteínas, uma

descoberta a qual lhe concedeu o prêmio Nobel de Química em

1946, entretanto sua estrutura foi resolvida apenas 83 anos

depois (BALASUBRAMANIAN; PONNURAJ, 2010). Em 1999, a

estrutura proteica da urease de Klebsiella aerogenes (PDB

1EJW) foi a primeira a ser resolvida e desde então estruturas

de ureases de bactérias e plantas, com ou sem inibidores

ligados, foram determinadas como de Sporosarcina pasteurii,

Helicobacter pylori, Helicobacter mustelae, Yersinia

enterocolítica, Canavalia ensiformis e Cajanus cajan.

A urease é uma enzima chave no ciclo global do

nitrogênio pelo fato de converter a ureia gerando dióxido de

carbono e amônia. A ureia, por sua vez, é responsável de forma

significativa pelo consumo total de fertilizantes de nitrogênio em

todo o mundo. Sua aplicação é acompanhada de grandes

perdas de amônia, devido a ação de ureases (KAFARSKI;

TALMA, 2018).

O principal papel ambiental da urease é permitir que o

organismo use ureia como fonte de nitrogênio ressaltando sua

importância no ciclo do nitrogênio, gerando assim nitrogênio

acessível para o crescimento das plantas (CORDERO; SNELL;

BARDGETT, 2019). Entretanto, na agricultura a alta atividade

da urease causa problemas ambientais e econômicos. A

hidrólise muito rápida da ureia diminui a eficiência do uso de

fertilizantes, além disso, a quantidade anormal de amônia

provoca danos à germinação de sementes, mudas e plantas

jovens (GOMES et al., 2018).

A abordagem mais sucedida para resolver esses

problemas é a partir do uso de inibidores. Os inibidores da

ESTUDO COMPARATIVO DE INIBIDORES DE UREASES

101

urease pertencem a diferentes classes químicas e muitos deles

foram investigados nas últimas décadas, dentre eles os ácidos

hidroxâmicos apresentam-se como um dos melhores

candidatos (ARORA; ISSAR; KAKKAR, 2018), os derivados de

quinona são uma outra classe de compostos inibidores

(MAZZEI et al., 2016a), bem como os íons de metais pesados.

Os inibidores de urease, por sua vez, podem ser

amplamente classificados em duas categorias: (i) inibidores do

tipo substrato, como hidroxiureia e ácidos hidroxâmicos e (ii)

inibidores que afetam o mecanismo de reação, como

fosforodiamidatos e imidazóis, como inibidores da bomba de

prótons do rabeprazol, omeprazol e lansoprazol. Esses

inibidores podem ainda ser agrupados em quatro grupos: (i)

constituído por compostos tiólicos, pois os ânions tiolatos

reagem diretamente com o metalocentro da urease; (ii)

inibidores deste grupo competem com a uréia pela ligação com

o sítio ativo da urease, como o ácido hidroxâmico e seus

derivados; (iii) este grupo contém os inibidores mais eficazes,

tais como fosforodiamidatos; e (iv) o quarto grupo consiste em

ligantes e quelantes de níquel (HASSAN; ZEMLICKA, 2016).

Dito isto, o objetivo desse trabalho centra-se em buscar as

estruturas de ureases depositadas no PDB (Protein Data Bank)

tanto nativas quanto complexadas com ligantes, listar os

ligantes complexados com as ureases e pesquisar trabalhos

referentes à urease de Canavalia ensiformis (JBU) de 2016-

2020 com esses ligantes.

METODOLOGIA

Este trabalho constitui-se como uma revisão bibliográfica

a qual se desenvolveu, inicialmente, pela busca de estruturas

ESTUDO COMPARATIVO DE INIBIDORES DE UREASES

102

de ureases de diferentes organismos depositadas no PDB, quer

seja elas nativas ou complexadas com ligantes, desde a

obtenção da primeira estrutura de urease em 1995 até março

de 2020. A partir disso, foram feitas análises das estruturas para

mapear os ligantes complexados com as ureases, os quais

foram listados e utilizados como descritores na busca de

inibidores de JBU. A busca foi feita utilizando o nome do inibidor

e o termo “jbu”, com filtro para publicações dos últimos cinco

anos (2016-2020), nas principais bases de dados “Science

direct” e “Pubmed”.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Caracterização estrutural da Urease de Canavalia

ensiformis

A JBU possui 840 resíduos de aminoácidos com uma

única subunidade α de 90 kDa. A forma mínima dessa enzima

expressando atividade enzimática é de um trímero de 270 kDa

e a conformação mais amplamente aceita na comunidade

científica para sua forma nativa é de um hexâmero de 540 kDa

(ZERNER, 1991) .

O monômero JBU de cadeia única consiste em quatro

domínios: o domínio αβ N-terminal (1-134) que está conectado

ao domínio αβ (135–285). Este por sua vez está conectado a

um domínio β (286–401 e 702–761), o qual está conectado a

um domínio do barril TIM na porção carboxi-terminal (αβ)8 (402–

701 e 762–840). O barril αβ é comumente encontrado em

enzimas e, também, nesse domínio geralmente localiza-se o

sítio ativo. Corroborando com esse achado, o sítio ativo da JBU

encontra-se nesse domínio (αβ)8, como pode ser observado na

ESTUDO COMPARATIVO DE INIBIDORES DE UREASES

103

Figura 1. O sítio é constituído por dois átomos de níquel, uma

lisina carbamilada, quatro histidinas e um resíduo de aspartato.

Destes, os resíduos His519 Nδ1, His545 Nε1 e Lys490 Oδ1 estão

ligadas ao Ni1, e His407 Nε2, His409 Nε2, Asp633 Oδ1, Lys490

Oδ1 estão ligados ao Ni2. Vale ressaltar que a JBU apresenta

dois equivalentes de níquel por monômero

(BALASUBRAMANIAN; PONNURAJ, 2010).

Figura 1. Monômero de JBU e seus domínios estruturais

O monômero da JBU é constituído por quatro domínios estruturais: o

domínio αβ N-terminal (cinza), o domínio αβ (azul), o domínio β (lilás) e o

domínio barril TIM do c-terminal (αβ)8 (rosa). O sítio ativo localiza-se no

domínio barril TIM, em que os resíduos His519 Nδ1e His545 Nε1 estão

ligadas ao Ni1, e His407 Nε2, His409 Nε2e Asp633 Oδ1estão ligados ao Ni2.

A Lys490 Oδ1 liga-se tanto ao Ni1 quanto ao Ni2. Fonte: adaptado de

ESTUDO COMPARATIVO DE INIBIDORES DE UREASES

104

Balasubramanian e Ponnuraj (2010). Figura elaborada pelo próprio autor a

partir do software Pymol.Código do pdb: 3la4.

Estruturas de ureases depositadas no PDB

O projeto racional para busca de inibidores de urease é

fortemente reforçado pelo conhecimento das estruturas

cristalinas dessa enzima complexadas com diferentes

inibidores. Essas estruturas são determinadas por diferentes

técnicas como cristalização, ressonância magnética nuclear e

microscopia crioeletrônica e depositadas no PDB. Nesse

sentido, foi feita uma varredura das estruturas de ureases

depositadas no PDB, Tabela 1, sendo obtida 57 estruturas de

ureases com ou sem inibidores ligados.

Tabela 1. Estruturas de ureases de plantas e bactérias

depositadas no PDB (continua)

Fonte Código

PDB

pH T

(K)

Complexo Resolução Data

Ureases de bactérias

K.aerogenes 2KAU 7,5 298 2Ni 2.2 1995

1KRA 7,5 298 - 2.3 1995

1KRB 7,5 298 2Ni 2.5 1995

1KRC 7,5 298 2Ni 2.5 1995

1FWA 7,5 298 2Ni 2.0 1997

1FWB 6,5 298 2Ni 2.0 1997

1FWC 8,5 298 2Ni 2.0 1997

1FWD 9,4 298 2Ni 2.0 1997

1FWE 7,5 298 2Ni, AHA 2.0 1997

1FWF 7,5 298 2Ni 2.0 1997

1FWG 7,5 298 2Ni 2.0 1997

1FWH 7,5 298 2Ni 2.0 1997

1FWI 7,5 298 2Ni 2.0 1997

1FWJ 7,5 298 2Ni 2.2 1997

1A5K 7,5 298 - 2.2 1998

1A5L 7,5 298 - 2.2 1998

ESTUDO COMPARATIVO DE INIBIDORES DE UREASES

105

1A5M 7,5 298 - 2.0 1998

1A5N 7,2 298 2Ni,

formiato

2.4 1998

Fonte: Tabela elaborada pelo autor com base no banco de dados PDB

As estruturas das ureases complexadas com pequenas

moléculas foram determinadas para elucidar a reatividade

química dos íons de níquel e os resíduos do sítio ativo

circundante, bem como esclarecer seu papel no mecanismo

catalítico e no mecanismo de inibição da enzima. As estruturas

de ureases correspondem a cinco espécies diferentes de

bactérias (Klebsiella aerogenes, Sporosarcina pasteurii,

Helicobacter pylori, Helicobacter mustelae, e Yersinia

enterocolítica) e duas espécies diferentes de plantas (Canavalia

ensiformis e Cajanus cajan).

A superposição dos monômeros revela que são

altamente semelhantes (Figura 2). Os resíduos de aminoácidos

que compõem o sítio catalítico dessas enzimas são altamente

conservados sendo encontrado na subunidade α, uma vez que

normalmente resíduos de aminoácidos essenciais para

atividade biológica de uma proteína são conservados ao longo

do tempo evolutivo. Como pode-se observar o sítio catalítico é

constituído por quatro resíduos de histidina, um aspartato e uma

lisina carbamilada e estão envolvidos na ligação do

metalocentro de níquel.

ESTUDO COMPARATIVO DE INIBIDORES DE UREASES

106

Tabela 1. Estruturas de ureases de plantas e bactérias depositadas

no PDB (continuação)

1A50 7,2 298 2Ni,

formiato

2,5 1998

1EF2 7,5 298 2 Mn 2.5 2000

1EJR 7,5 298 2Ni 2.0 2000

1EJS 7,5 298 2Ni 2.0 2000

1EJT 7,5 298 2Ni 2.0 2000

1EJU 7,5 298 2Ni 2.0 2000

1EJV 7,5 298 2Ni 2.4 2000

1EJX 7,5 100 2Ni 1.6 2003

1EJW 7,5 298 2Ni 1.9 2003

S.pasteurii 1UBP 6.8 100 2Ni, BME 1.65 1999

2UBP 6.8 100 2Ni 2.0 1999

3UBP 6.8 100 2Ni, DAP 2.00 2000

4UBP 6.8 100 2Ni, AHA 1.55 2001

1IE7 6.8 100 2Ni, PHO 1.85 2004

1S3T 6.8 100 2Ni, H3B03 2.10 2013

4AC7 6.8 100 2Ni, citrato 1.50 2013

4CEU 6.5 100 2Ni 1.58 2014

4CEX 6.5 100 2Ni, fluoreto 1.59 2014

5A6T 6.5 100 2Ni, sulfito 1.65 2015

5FSD 6.5 100 2Ni,

2,5BQS03

1.75 2016

5FSE 6.5 100 2Ni, 1,4BQ 2.07 2016

5G4H 6.5 100 2Ni, catecol 1.5 2016

5OL4 6.3 100 2Ni, NBPT 1.28 2018

6G48 6.5 100 2Ni, prata 1.91 2019

6I9Y 6.3 293 Au(I) ions 2.14 2019

6H8J 6.3 293 NBPTO 1.45 2019

6QDY 6.3 293 Urea 1.42 2019

6RKG 7.5 293 NBPTO 1.32 2020

6RP1 6.5 293 NBPTO 1.49 2020

H. pylori 1E9Y 6.5 100 2Ni, AHA 3.00 2001

1E9Z 6.5 100 2Ni 3.00 2001

H. mustelae 3QGA 7.4 100 2Fe 3.00 2011

3QGK 7.4 100 2Fe 3.00 2011

Y.enterocolítica 4Z42 7.5 2Ni 3.01 2016

Fonte: Tabela elaborada pelo autor com base no banco de dados PDB

ESTUDO COMPARATIVO DE INIBIDORES DE UREASES

107

Tabela 1. Estruturas de ureases de plantas e bactérias

depositadas no PDB (conclusão)

Ureases de plantas

C. ensiformis 3LA4 8.8 100 2Ni, PHO 2.05 2010

4H9M - - 2Ni, AHA 1.52 2012

4GY7 - - 2Ni, PHO 1.49 2012

4GOA - - 2Ni,

fluoreto

2.20 2013

C. cajan 4G7E - - 2Ni 2.20 2013

Fonte: Tabela elaborada pelo autor com base no banco de dados PDB

Figura 2. Alinhamento das estruturas de ureases depositadas

no PDB

JBU PPU HPU HMU KAU BPU

1.HIS (H) 407 407 136 135 134 137

2.HIS (H) 409 409 138 137 136 139

3.KCX (K) 490 490 219 218 217 220

4.HIS (H) 519 519 248 247 246 249

5.HIS (H) 545 545 274 273 272 275

6.ASP (D) 633 633 362 361 360 363

ESTUDO COMPARATIVO DE INIBIDORES DE UREASES

108

Tem-se o alinhamento das estruturas de JBU (amarelo claro), PPU (verde

ciano), HPU (salmão), HMU (rosa ), KAU (cinza) e BPU (verde pálido). Seis

resíduos de aminoácidos (quatro histidinas, uma lisina carbamilada e um

aspartato) compõem o sítio catalítico de cada espécie como detalhado na

tabela e dois metais estão coordenados com esses resíduos de

aminoácidos (preto). Normalmente o níquel é o metalocentro comumente

presente na maioria das ureases, dentre as seis abordadas nesse estudo a

HMU apresenta ferro como íon metálico presente no sítio ativo. Figura

elaborada pelo próprio autor a partir do software Pymol.

O número de cadeias polipeptídicas que forma o

“monômero” varia de acordo com a fonte de urease, uma vez

que para ureases vegetais e fúngicas, o monômero é

constituído por apenas uma cadeia polipeptídica (α), enquanto

que a unidade funcional das ureases de bactérias é formada por

duas (α e β) ou três (α, β e γ) cadeias polipeptídicas. A maioria

das ureases bacterianas são trímeros de trímeros ([αβγ]3), uma

exceção para a urease de Helicobacter pylori a qual foi

cristalizada como um tetrâmero de trímeros de dímeros ([αβ]3)4

(KAPPAUN et al., 2018).

Como o foco desse estudo é acerca dos inibidores

reportados para a JBU, o material buscado foi baseado nos

inibidores reportados estruturalmente para ureases de

diferentes fontes depositadas no PDB, conforme descrito na

Tabela 1. Dentre os resultados obtidos foram encontrados

trabalhos englobando o ácido bórico, AHA (ácido

acetohidroxâmico), catecol, fluoreto, NBPT (N-(N-butil)

tiofosfórico triamida) e sulfito de sódio, conforme Tabela 2.

ESTUDO COMPARATIVO DE INIBIDORES DE UREASES

109

Tabela 2. Inibidores de JBU reportados de 2016-2020 com base

em dados estruturais publicados no PDB Inibidor Referências

Ácido bórico TAN et al., 2017

AHA AKYUZ et al., 2018; HASSAN; ŠVAJDLENKA, 2017;

MENTEŞE et al., 2019; TAN et al., 2017; ZHOU et al., 2017

Catecol MAZZEI et al., 2016b

Fluoreto TAN et al., 2017

NBPT MAZZEI et al., 2019

Sulfito de sódio MAZZEI et al., 2016c

Fonte: Próprio autor

O primeiro trabalho refere-se a investigação das

atividades inibitórias da JBU e HPU (urease de Helicobacter

pylori) a partir de cinco alcalóides presentes em Rhizoma

Coptidis: a berberina, palmatina, coptisina, epiberberina e

jateorhizina. Todos eles apresentaram resultados positivos sob

a inibição das enzimas em questão. Dentre eles, a epiberberina

foi considerada o inibidor mais potente contra ambas as

ureases com valores de IC50 de 3,0±0,01 μM para HPU e 2,3 ±

0,01 μM para JBU, sendo mais eficaz do que o inibidor padrão

da urease, o AHA (83±0,01 μM para HPU e 22±0,01 μM para

JBU, respectivamente). Ainda nesse trabalho, o fluoreto de

sódio, inibidor competitivo de urease de ligação lenta, e o ácido

bórico, inibidor competitivo clássico da urease clássico, foram

empregados para determinar se a epiberberina interagiu com o

Ni2+ do sítio ativo da urease. Verificou-se que a atividade

enzimática residual da urease inativada por epiberberina na

presença desses reagentes inorgânicos foi menor do que na

ausência, indicando uma possível sinergia entre os compostos

(TAN et al., 2017).

Zhou e colaboradores (2017) avaliaram a inibição de

HPU e JBU por palmatina com valores de IC50 de 0,53±0,01

mM e 0,03±0,00 mM, respectivamente, em comparação com o

ESTUDO COMPARATIVO DE INIBIDORES DE UREASES

110

AHA (0,07±0,01 mM para HPU e 0,02±0,00 mM para JBU,

respectivamente). A inibição foi do tipo não competitiva e o

ensaio de reativação com DTT (ditiotreitol) indicou que a

inibição nas duas ureases era reversível. Já no estudo de

Hassan e Švajdlenka (2017) avaliaram as propriedades

inibitórias do ácido protocatecuico (PCA), um composto ativo

de Hibiscus sabdariffa L., contra a JBU. O composto

apresentou notável atividade anti-JBU comparado com o AHA,

com valores de IC50 de 1,7 e 3,2 µM, respectivamente. Ensaios

de docking molecular revelaram alta capacidade de ligação

espontânea do inibidor ao sítio ativo da JBU e constatou-se

ainda que a atividade inibitória está relacionada à presença de

frações hidroxila no inibidor.

Nesse estudo desenvolvido por Mentese e

colaboradores (2019), foi sintetizada uma nova série de

derivados de quinazolinona e foi analisado o potencial de

inibição in vitro desses compostos contra JBU. A maioria dos

compostos mostrou excelente atividade inibitória com valores

de IC50 variando entre 1,88±0,17 e 6,42±0,23 µg/mL, em

comparação com tioureia (IC50=15,06±0,68) e AHA (IC50 =

21,03 ± 0,94), inibidores de referência. Entre as moléculas

sintetizadas, os compostos 5c, 5e e 5a apresentaram o melhor

efeito inibitório com valores de IC50 de 1,88±0,17 µg/mL,

1,90±0,10 e 1,96±0,07 µg/mL, respectivamente.

Uma nova série de compostos de quinazolin-4 (3H)-ona

2,3-dissubstituídos incluindo anéis de oxadiazol e furano foi

sintetizada. Suas atividades inibitórias sobre a JBU foram

avaliadas in vitro. Todos os compostos sintetizados exibiram

potente atividade inibidora da urease na faixa de IC50 =

1,55±0,07-2,65±0,08 µg/mL, quando comparados com os

inibidores padrão de urease, como a tiouréia (IC50=15,08±0,71

ESTUDO COMPARATIVO DE INIBIDORES DE UREASES

111

µg/mL) e AHA (IC50=21,05±0,96 µg/mL). Os compostos

contendo anel furano foram considerados os inibidores mais

ativos quando comparados com os compostos contendo anel

oxadiazol. Dentre eles, o composto 3a foi encontrado como o

inibidor mais eficaz de urease com o valor IC50 de 1,55±0,11

µg/mL (AKIUZ et al., 2016).

A Investigação da atividade inibitória de catecol contra

JBU e SPU (Sporosarcina pasteurii) mostrou que esse polifenol

inativa irreversivelmente essas enzimas a partir de um

mecanismo complexo, o qual os autores propuseram uma

hipótese para o mecanismo de inativação da urease pelo

catecol. A estrutura cristalina do complexo SPU-catecol,

determinada na resolução de 1,50 Å, conforme Tabela 1, revela

os detalhes estruturais da inibição da enzima (MAZZEI et al.,

2016b).

O NBPTO (N-(n-butil) fosfórico triamida) é o oxo-derivado

do NBPT, que é amplamente utilizada na agricultura para

aumentar a eficiência de fertilizantes à base de ureia. A

resolução de 1,45 Å da estrutura de SPU com NBPTO mostra

a presença de DAP (ácido diamido fosfórico), gerado na

hidrólise enzimática de NBPTO com a liberação de n-butil

amina. O DAP, por sua vez, é ligado aos dois íons de níquel no

sítio ativo da urease por meio de dois átomos de oxigênio e um

grupo amida NH2. Uma caracterização cinética da inibição

baseada de NBPTO com SPU e JBU, realizada por medidas

calorimétricas, indica a ocorrência de inibição reversível. A

maior capacidade do NBPTO de inibir a urease, em

comparação com o NBPT, se deve ao fato do NBPTO reagir

com enzima sem a necessidade de converter uma das porções

de amida P − NH2 em P − OH, como no caso do NBPT,

reduzindo drasticamente a concentração da forma ativa do

ESTUDO COMPARATIVO DE INIBIDORES DE UREASES

112

inibidor NBPT. Isso indica que os inibidores de urease à base

de fosforamida devem ter pelo menos um átomo de oxigênio

ligado ao átomo de fósforo central para que a molécula se ligue

rápida e eficientemente ao centro de níquel da enzima (MAZZEI

et al., 2019).

Gomes e colaboradores (2018) ressaltam, também, que

a eficiência do NBPT depende da taxa de conversão em seu

análogo contendo oxigênio, o NBPTO. Foram analisados

quinze fertilizantes à base de uréia revestida com NBPT, ácido

húmico e zeólita, os quais foram usados em diferentes

concentrações. Os experimentos confirmaram a eficiência do

NBPT em inibir a ação enzimática mesmo em baixa

concentração (0,02% m/m). A adição de ácido húmico reduziu

a atividade da urease após 36 horas de reação, enquanto que

a zeólita não influenciou a atividade da enzima urease.

O sulfito de sódio tem sido amplamente utilizado como

conservante em soluções de urease para prevenir a oxidação

induzida por oxigênio, mas seu papel como inibidor também foi

sugerido. A estrutura do complexo urease-sulfito, determinada

na resolução de 1,65Å, mostra o inibidor ligado ao centro

dinuclear Ni (II) da urease em um modo tridentado envolvendo

ligações entre os dois íons Ni (II) no sítio ativo e todos os três

átomos de oxigênio do inibidor, apoiando a cinética de inibição

competitiva observada. Este modo de coordenação de sulfito

nunca foi observado, seja em proteínas ou em complexos de

pequenas moléculas, e poderia inspirar químicos de

coordenação sintética, bem como bioquímicos, a desenvolver

inibidores de urease com base nessa porção química (MAZZEI

et al., 2016c).

As estruturas cristalinas publicadas indicam a

necessidade de elementos indispensáveis para um inibidor

ESTUDO COMPARATIVO DE INIBIDORES DE UREASES

113

eficaz: a presença de uma fração complexante de níquel ao

lado de uma rede devidamente posicionada de doadores e

aceitadores de ligações de hidrogênio fixados a estruturas

flexíveis. O processo de concepção de inibidores de urease

também é fortemente dependente de seu possível papel. Se

considerarmos os potenciais fármacos, o arcabouço molecular

pode ser estruturalmente complexo, uma vez que o fármaco

pode ser caro, enquanto no caso de inibição da decomposição

da ureia no inibidor do solo tem que ser de estrutura simples e,

portanto, substancialmente barata (KARFASHI; TALMA, 2018).

Se faz necessária essa busca por inibidores da urease, uma vez

que são necessários para a redução da poluição ambiental,

aumento da eficiência do nitrogênio da ureia, erradicação do H.

pylori, tratamento de úlceras pépticas e outras doenças

relacionadas à urease (TAN et al., 2017).

CONCLUSÕES

Dentre os inibidores co-cristalizados com ureases de

diferentes fontes e depositadas no PDB, as moléculas de ácido

bórico, AHA, catecol, fluoreto, NBPT e sulfito de sódio

apresentaram-se como inibidores extremamente eficientes para

a JBU. Dentre eles destaca-se o AHA como um inibidor padrão

e que já vem sendo estudado a bastante tempo, sendo assim

utilizado como padrão para descoberta de novos inibidores.

Dentro da busca, outros inibidores também se destacaram e se

apresentaram muitas vezes até mais eficientes que o AHA,

como o alcaloide epiberberina e derivados de quinazolinona.

Logo, conclui-se que a escolha do tipo de inibidor a ser utilizado

é dependente de seu possível papel, uma vez que se

considerarmos como potenciais fármacos poderá ser caro,

ESTUDO COMPARATIVO DE INIBIDORES DE UREASES

114

enquanto que no caso de utilização na inibição da

decomposição da ureia no solo tem que ser de estrutura

simples e, portanto, substancialmente mais barato.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AKYÜZ, G. et al. Bioorganic Chemistry Synthesis and molecular docking study of some novel 2 , 3-disubstituted quinazolin-4 ( 3 H ) -one derivatives as potent inhibitors of urease. BioorganicChemistry, v. 80, n. June, p. 121–128, 2018. ARORA, R.; ISSAR, U.; KAKKAR, R. In Silico study of the active site of Helicobacter pylori urease and its inhibition by hydroxamic acids. Journal of Molecular Graphics and Modelling, v. 83, p. 64-73, 2018. BALASUBRAMANIAN, A.; PONNURAJ, K. Crystal Structure of the First Plant Urease from Jack Bean: 83 Years of Journey from Its First Crystal to Molecular Structure. Journal of Molecular Biology, v. 400, n. 3, p. 274-283, 2010. CORDERO, I.; SNELL, H.; BARDGETT, R. D. High throughput method for measuring urease activity in soil. Soil Biology and Biochemistry, v. 134, p. 72-77, 2019. GOMES, M. P. et al. Urease activity according to the different inhibitors. Annals of the Brazilian Academy of Sciences, v. 90, p. 1–8, 2018. HASSAN, S. T. S. Protocatechuic Acid from Hibiscus sabdariffa L . as a Potent Urease Inhibitor by an ESI-MS Based Method. Molecules, v. 22, n. 1696, p. 1-11, 2017. HASSAN, S.T.S.; ZEMLICKA, M. Plant Derived Urease Inhibitors as Alternative Chemotherapeutic. Arch. Pharm. Chem. Life Sci., 349, 1–16, 2016. KAFARSKI, P.; TALMA, M. Recent advances in design of new urease inhibitors : A review. Journal of Advanced Research, v. 13, p. 101–112, 2018. KAPPAUN, K. et al. Ureases: Historical aspects, catalytic, and non-catalytic properties – A review. Journal of Advanced Research, v. 13, p. 3–17, 2018. MAZZEI, L. et al. Inactivation of urease by 1,4-benzoquinone: chemistry at the protein surface. Dalton Trans., v. 45, n. 15, 2016a. MAZZEI, L. et al. Inactivation of urease by catechol: Kinetics and structure. Journal of Inorganic Biochemistry, n. 16, p. 1-30, 2016b. MAZZEI, L. et al. Insights into Urease Inhibition by N-(n-Butyl) Phosphoric Triamide through an Integrated Structural and Kinetic Approach. Journal of Agricultural and Food Chemistry, v. 67, p. 2127–2138, 2019.

ESTUDO COMPARATIVO DE INIBIDORES DE UREASES

115

MAZZEI, L. et al. Kinetic and structural studies reveal a unique binding mode of sul fi te to the nickel center in urease. Journal of Inorganic Biochemistry, v. 154, p. 42–49, 2016c. MENTEŞE, E. et al. Bioorganic Chemistry Synthesis , in vitro urease inhibition and molecular docking studies of some novel quinazolin-4 ( 3 H ) -one derivatives containing triazole , thiadiazole and thiosemicarbazide functionalities. Bioorganic Chemistry, v. 83, n. July 2018, p. 289–296, 2019. TAN, L. et al. European Journal of Pharmaceutical Sciences Epiberberine , a natural protoberberine alkaloid , inhibits urease of Helicobacter pylori and jack bean : Susceptibility and mechanism. European Journal of Pharmaceutical Sciences, v. 110, p. 77–86, 2017. ZERNER, B. Recent Advances in the Chemistry of an Old Enzyme, Urease. Bioorganic Chemistry, v. 19, p. 116-131, 1991. ZHOU, J. et al. Inhibition of Helicobacter pylori and Its Associated Urease by Palmatine : Investigation on the Potential Mechanism. Plos one, p. 1–15, 2017.

PROPRIEDADES FARMACOLÓGICAS DAS FOLHAS DE Moringa oleifera Lam.

116

CAPÍTULO 6

PROPRIEDADES FARMACOLÓGICAS DAS FOLHAS DE MORINGA OLEIFERA LAM.

Matheus Cavalcanti de Barros 1,2

Ana Gabrielle Barros Silva 3 Caio César da Silva Guedes 4

Thiago Henrique Napoleão 5 Patrícia Maria Guedes Paiva 5

1 Mestrando pelo Programa de Pós-graduação em Ciências Biológicas, UFPE; 2 Graduando do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas, UNIP

3 Graduanda do curso de Bacherlado em Ciências Biológicas, UFPE; 4 Doutorando pelo Programa de Pós-graduação em Ciências Biológicas, UFPE

5 Professor do Departamento de Bioquímica, UFPE [email protected]

RESUMO: Moringa oleifera Lam. tem sido amplamente cultivada ao redor do mundo, devido aos usos biotecnológicos e farmacológicos, bem como na alimentação humana. As propriedades farmacológicas das folhas tem sido elucidadas por vários estudos científicos. Preparações obtidas a partir das folhas são tradicionalmente empregadas para o tratamento de várias doenças. O presente trabalho reuniu as principais atividades farmacológicas das folhas de M. oleifera relatadas na literatura científica buscando relacioná-las com os usos das folhas pela população. A busca por artigos relacionados às propriedades farmacológicas das folhas de M. oleifera foi realizada em diferentes bases de dados, como Science Direct, SciELO, Google Scholar e outras. Palavras-chave como Moringa, anticâncer, antimicrobiana, antiúlcera, antioxidante e atividade antiinflamatória foram usadas nas pesquisas. Foram priorizados trabalhos publicados a partir de 2015. As principais atividades farmacológicas relativas as folhas de M. oleífera foram antioxidante, hipolipidêmica, hipoglicemiante,

PROPRIEDADES FARMACOLÓGICAS DAS FOLHAS DE Moringa oleifera Lam.

117

antiinflamatória, anticâncer, antimicrobiana, imunomoduladora e efeitos protetores. Estudos in vitro e in vivo utilizando folhas de M. oleifera certificam propriedades biológicas interessantes, demonstrando ser uma alternativa medicamentosa para o tratamento de diversas doenças. A revisão realizada estimula estudos que ampliem o leque de atividades farmacológicas das folhas de M. oleifera, bem como aqueles que identifiquem princípios ativos, elucidem mecanismos de ação das atividades já conhecidas e determinem efeitos toxicológicos de diferentes doses. Palavras-chave: Propriedades medicinais. Moringa. Fitoquímica.

INTRODUÇÃO

A família Moringaceae é formada por apenas um gênero

que apresenta treze espécies, sendo Moringa oleifera, também

conhecida como moringa, cedro ou quiabo-de-quina, a mais

cultivada e divulgada entre elas (LEONE et al., 2015). Nativa da

Índia, esta planta também é distribuída por diversos países no

mundo, sendo amplamente cultivada na Nigéria, Egito,

Nordeste do Brasil, Bangladesh, Afeganistão, Paquistão e

Malásia. Sua ampla distribuição pode ser atribuída a sua

capacidade de adaptação a ambientes com baixos índices

pluviométricos e a solos alcalinos e pouco férteis (MANOJ;

RANJITHA, 2020).

Apesar de basicamente todas as partes de M. oleifera

serem empregadas para alguma finalidade, a folha é

tradicionalmente a mais utilizada, devido à facilidade de

obtenção, alto conteúdo de metabólitos secundários bioativos e

o não comprometimento da planta durante a coleta. Ademais,

devido ao alto conteúdo nutricional das folhas, a moringa tem

PROPRIEDADES FARMACOLÓGICAS DAS FOLHAS DE Moringa oleifera Lam.

118

sido indicada como uma alternativa sustentável de suplemento

alimentar para aqueles que sofrem de desnutrição,

especialmente nos países em desenvolvimento (VATS;

GUPTA, 2017). Infusões e outras preparações aquosas das

folhas têm sido utilizadas na medicina popular como anti-

inflamatório, hipoglicêmico e para controle de peso (COZ-

BOLAÑOS et al., 2018). Diversas outras propriedades

farmacológicas tem sido referidas para as folhas de M. oleífera.

Devido a presença de compostos bioativos e

características nutricionais, há uma crescente exploração e

compreensão da Moringa com referência à saúde humana.

Ante o exposto, o presente trabalho teve como objetivo abordar

as principais atividades farmacológicas das folhas de M. oleifera

encontradas na literatura científica, buscando evidenciar e

elucidar suas potencias aplicações populares.

MATERIAIS E MÉTODOS

A busca por artigos relacionados às propriedades

farmacológicas das folhas de M. oleifera foi realizada em

diferentes bases de dados, como Science Direct, SciELO,

Google Scholar e outras. Palavras-chave como Moringa,

anticâncer, antimicrobiana, antiúlcera, antioxidante, atividade

antiinflamatória e efeito protetor foram usadas nas pesquisas.

Além disso, foi priorizado artigos com ano de publicação entre

o período de 2015 a 2020. Para melhor organizar os dados

obtidos a partir das analises dos artigos científicos, as

informações contidas nesta revisão foram divididas por tópicos,

a fim de abordar, de maneira clara e objetiva, as diferentes

atividades biológicas..

PROPRIEDADES FARMACOLÓGICAS DAS FOLHAS DE Moringa oleifera Lam.

119

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Moringa oleifera Lam. (figura 1) tem sido amplamente

cultivada ao redor do mundo, devido às aplicações

biotecnológicas e farmacológicas que apresenta. As folhas de

M. oleifera são ricas em nutrientes, tais como proteínas, ácidos

graxos, fibras, carboidrato, vitaminas e aminoácidos essenciais.

Essas folhas são utilizadas popularmente para fins medicinais,

os quais tem sido elucidados por vários estudos científicos,

evidenciando o potencial nutracêutico das folhas dessa planta

(KOU et al., 2018).

Figura 2: A - Aspectos gerais de Moringa oleifera. B – Flores.

C- Sementes. D. Folhas. E – Frutos.

Fonte: Autoria Própria, 2020.

A

B

C

D

E

PROPRIEDADES FARMACOLÓGICAS DAS FOLHAS DE Moringa oleifera Lam.

120

Estudos etnobotânicos envolvendo M. oleifera indicam que

preparações obtidas a partir das folhas dessa planta são

tradicionalmente empregadas para o tratamento de malária,

febre tifoide, pressão arterial, artrite, inchaços, cortes,

hipertensão, bem como para estimular a lactação e melhorar o

sistema imunológico (SIVASANKARI; ANANDHARAJ;

GUNASEKARAN, 2014). Infusões e outras preparações

aquosas têm sido utilizadas na medicina popular como anti-

inflamatório, hipoglicêmico e para controle de peso (COZ-

BOLAÑOS et al., 2018). Nesse sentido, devido aos potenciais

medicinais que apresenta (Figura 2), diversas pesquisas têm

sido desenvolvidas com o objetivo de comprovar as

propriedades farmacológicas das folhas dessa espécie vegetal

e elucidar os mecanismos de ação envolvidos..

PROPRIEDADES FARMACOLÓGICAS DAS FOLHAS DE Moringa oleifera Lam.

121

Figura 2: Potenciais medicinais das folhas de Moringa

oleifera

Fonte: Autoria Própria, 2020.

Atividade antioxidante

Devido à elevada quantidade de polifenois, o alto

potencial antioxidante das folhas de M. oleifera tem sido

amplamente relatado na literatura, tanto a partir de abordagens

in vitro como in vivo. Sultana et al. (2015), avaliaram o potencial

antioxidante de folhas de moringa coletadas em três diferentes

estágios de maturação (4, 6 e 8 semanas) e observaram que o

sequestro do radical DPPH foi maior (60,1%) nas folhas com 4

semanas de maturação do que naquelas com 6 (56,0%) e 8

PROPRIEDADES FARMACOLÓGICAS DAS FOLHAS DE Moringa oleifera Lam.

122

(53,4%) semanas. Preparações aquosas (infusão e decocção)

mostraram níveis de atividade antioxidante (em μmol

equivalente de trolox/mL) da ordem de 5,97 ± 0,08 e 5,75 ± 0,28

no ensaio do ABTS, 0,720 ± 0,01 e 0,655 ± 0,03 no teste do

DPPH e 1,469 ± 0,06 e 1,185 ± 0,08 no teste de poder de

redução do íon ferro (FRAP) (COZ-BOLAÑOS et al., 2018).

A atividade antioxidante in vitro do extrato aquoso das

folhas de M. oleifera também foi determinada por Nair et al.

(2020) através do teste do DPPH e in vivo, em ratos Wistar

machos, através do ensaio de peroxidação lipídica. A atividade

antioxidante da folha de M. oleifera apresentou um valor de IC50

de 10,47 µg/ml, enquanto que para o fármaco padrão, ácido

ascórbico, foi de 19,52 µg/ml. A análise in vivo da peroxidação

lipídica mostrou uma redução significativa da peroxidação

lipídica nos cérebros dos grupos tratados.

Atividade hipolipidêmica e hipoglicemiante

A capacidade de neutralizar espécies reativas de

oxigênio (EROs) está diretamente relacionada a prevenção de

doenças não transmissíveis (DNTs), como obesidade e

diabetes. Nesse sentido, os altos potenciais hipoglicêmico e

hipolipidêmico de preparações obtidas a partir das folhas de M.

oleifera têm sido fortemente relatados na literatura. O extrato

aquoso das folhas de M. oleifera administrado por via oral

durante 3 semanas na concentração de 100 mg/kg para ratos

com diabetes induzida por estreptozotocina e 200 mg/kg para

camundongos com dieta rica em lipídeos, restaurou a glicose

sanguínea, o perfil lipídico e o nível de enzimas hepáticas de

forma significativa em ambos os grupos (KHAN et al., 2017).

Outro estudo mostrou que o extrato das folhas de moringa

PROPRIEDADES FARMACOLÓGICAS DAS FOLHAS DE Moringa oleifera Lam.

123

apresentou efeito hipoglicêmico em ratos diabéticos, os autores

sugeriram que esse efeito pode ser devido à presença de ácido

criptoclorogênico, quercetina 3-β-D-glicosídeo e kaempferol 3-

O- glicosídeo na preparação (IRFAN et al., 2017).

Helmy et al. (2017) revelaram que ratos albinos machos

tratados durante 60 dias com o pó de folhas de M. oleifera

(0,737% ou 1,475% de inclusão na dieta) e seu extrato (200 ou

400 mg/kg), apresentaram menor taxa de colesterol,

triglicerídeos, lipoproteína de baixa densidade e

malondialdeído; bem como menor atividade das enzimas

alanina aminotransferase e aspartato aminotransferase no soro

sanguíneo. O tratamento de ratos hipercolesterolêmicos com

extrato metanólico das folha de moringa, durante 49 dias,

resultou em redução no colesterol total, triglicerídeos, peso

corporal e dos órgãos, nos níveis de biomarcadores hepáticos

e de glicose sanguínea (PARE et al., 2016).

Atividade antiinflamatória

Fard et al. (2015), investigaram as propriedades anti-

inflamatórias do extrato hidroetanólico das folhas de M. oleifera

em macrófagos estimulados por lipopolissacarídeo (LPS). Os

autores observaram que o extrato inibiu significativamente a

secreção de óxido nítrico e outros marcadores inflamatórios,

como prostaglandina E2, fator de necrose tumoral alfa,

interleucina (IL) -6 e IL-1β. Além disso, o extrato induziu a

produção de IL-10 de forma dose-dependente e suprimiu

efetivamente a expressão de marcadores inflamatórios

proteicos, tais como óxido nítrico sintase e ciclooxigenase-2.

Resultados similares foram obtidos em outro estudo

(ARULSELVAN et al., 2016) realizado com quatro frações das

PROPRIEDADES FARMACOLÓGICAS DAS FOLHAS DE Moringa oleifera Lam.

124

folhas de M. oleifera obtidas em diferentes solventes

(clorofórmio, hexano, butanol e acetato de etila). A avaliação do

potencial anti-inflamatório e mecanismo de ação celular foram

mensurados em macrófagos RAW264.7 induzidas por LPS. A

fração de acetato de etila suprimiu a produção de óxido nítrico

e citocinas pró-inflamatórias induzidos por LPS de maneira

dependente da concentração e foi mais eficaz do que as outras

frações. O estudo também mostrou que a fração de acetato de

etila inibiu efetivamente a expressão de mediadores

inflamatórios, incluindo ciclooxigenase-2, óxido nítrico sintase e

a via de sinalização de NF-κB. Além disso, a fração regulou

positivamente a expressão do inibidor de κB (IκBα) e bloqueou

a translocação nuclear de NF-κB.

A atividade antiinflamatória in vivo de três extratos das

folhas de moringa e suas frações mais ativas foram avaliados

em ratos com edema de pata induzido por carragenina. Dos três

extratos, o etanólico 95% (250 mg/kg) inibiu de modo

significativo o edema da pata comparativamente ao controle, no

qual o efeito teve início na primeira hora após a injeção da

carragenina, com atividade máxima em 3 horas após a

aplicação, resultando no aumento de edema de 33,377±

0,377% (MAHDI et al., 2017). Adicionalente, diferentes extratos

das folhas de moringa foram avaliados em ratos Wistar por

modelo de artrite induzida por formaldeído e edema de pata nas

doses de 150, 300 e 600 mg/kg (SALEEM; SALEEM; AKHTAR,

2018). O extrato metanólico da planta foi o que exerceu a

máxima inibição percentual do volume da pata (82,28 ± 0,07%)

na dose de 600 mg/kg. A inibição foi comparativamente maior

que aquela promovida pelo controle positivo piroxicam (77,75 ±

0,37%) e pelos extratos aquoso (80,3 ± 0,47%) e acetato de

PROPRIEDADES FARMACOLÓGICAS DAS FOLHAS DE Moringa oleifera Lam.

125

etila (67,79 ± 0,25%). No modelo de artrite, o tratamento com

todos os extratos ou piroxicam, reduziu o nível de leucócitos

totais e plaquetas com maior atividade para o extrato

metanólico. Além disso, os tratamentos aumentaram a

contagem de hemoglobina e hemácias que havia diminuído

com a indução da artrite.

Atividade anticâncer

O potencial anticâncer das folhas de M. oleifera também

tem sido demonstrado a partir de diferentes abordagens

experimentais. Potestà et al. (2019), observaram que o efeito

citotóxico do extrato aquoso das folhas foi dependente da dose

(a partir de 0,01 mg/mL) e do tipo celular, uma vez que as

células de Jukart (linfoblastos leucêmicos de células T) e

células THP1 (monócitos leucêmicos) foram mais suscetíveis

aos tratamentos que as PBMCs (células mononucleares de

sangue periférico humano). O extrato aquoso das folhas de M.

oleifera também induziu apoptose em células HepG2

(hepatocarcinoma humano) e a administração oral do extrato,

durante quatro dias, reduziu significativamente (44‐52%) a

proliferação das células HepG2 e células A549 (câncer de

pulmão) em camundongos (JUNG; LEE; KANG, 2015).

Sadek et al. (2017), mostraram que o extrato etanólico

das folhas de moringa possui forte atividade anticâncer contra

carcinoma hepatocelular, induzido por dietil nitrosamina em

ratos Wistar, principalmente por induzir apoptose e melhorar a

atividade antioxidante.

Tragulpakseerojn et al. (2017), investigaram o efeito

antiproliferativo in vitro e o mecanismo de ação do extrato

alcoólico das folhas de M. oleifera contra células de carcinoma

PROPRIEDADES FARMACOLÓGICAS DAS FOLHAS DE Moringa oleifera Lam.

126

de cólon humano (HCT116). Observou-se que a proliferação

celular foi significativamente inibida de forma dependente da

concentração. Além disso, a atividade antiproliferativa foi

mediada pela regulação negativa da fosforilação do ERK1/2. O

extrato aquoso das folhas também provocou a diminuição

significativa da sobrevivência de células MDA-MB-231 (câncer

de mama) e HCT-8 (adenocarcioma). Em ambas as linhagens

o percentual de inibição celular foi de 90% no tratamento na

concentração de 500 μg/mL (AL-ASMARI et al., 2015).

Atividade antimicrobiana

Elgamily et al. (2016), avaliaram três extratos de

diferentes partes de M. oleifera contra patógenos orais usando

o método de difusão em disco. Além disso, incorporaram a

preparação etanólica das folhas em formulações de creme

dental e anti-séptico bucal experimentais. Os extratos

produzidos com etanol, acetona e acetato de etila causaram,

respectivamente, zonas de inibição do crescimento de

Staphylococcus aureus (19,25 ± 0,96, 11,25 ± 0,96 e 9,00 ± 0,82

mm) e de Streptococcus mutans (13,00 ±1,15, 8,25 ± 0,50 e

7,25 ± 0,96 mm). Por outro lado, os extratos não foram

eficientes em inibir o crescimento de Candida albicans. O creme

dental experimental inibiu o crescimento de S. aureus, S.

mutans e C. albicans com zonas de inibição de 17,75 ± 0,96,

13,75 ± 0,96 e 13,25 ± 1,5 mm, respectivamente. O anti-séptico

bucal foi um agente bacteriostático menos eficiente que o creme

dental (zonas de inibição de 11,25±1,26 e 9,25±0,96 contra S.

aureus e S. mutans) e não ativo contra C. albicans.

PROPRIEDADES FARMACOLÓGICAS DAS FOLHAS DE Moringa oleifera Lam.

127

A atividade antibacteriana do extrato etanólico das folhas

de M. oleifera (50, 100, 150 e 200 μL/poço), foi examinado

contra bactérias gram positivas (S. aureus) e gram negativas

(Escherichia coli) usando o método de difusão em disco

(MALHOTRA; MANDAL, 2018). Os resultados mostraram que o

extrato teve atividade antibacteriana contra as duas espécies,

sendo as zonas de inibição na concentração 200 μL/poço de 25

mm e 22 mm para S. aureus e E. coli, respectivamente.

Falowo et al. (2016) avaliaram a atividade antibacteriana

do extrato hidroalcoólico das folhas de M. oleifera, através da

determinação da concentração mínima inibitória (CMI) e pela

contagem do número de colônias bacterianas em carne bovina

moída, armazenada durante 6 dias. A amostra de carne fresca

moída foi tratada com o conservante químico hidroxitolueno

butilado (BHT) e extrato de M. oleifera (1g/kg). O ensaio in vitro

revelou atividade antibacteriana contra as espécies testadas,

com CMI variando de 2,5 a 10,0 mg/mL, sendo o maior efeito

detectado contra Bacillus cereus. A contaminação bacteriana e

quantidade de ácido láctico na carne moída tratada com o

extrato foram menores que aquele da carne não tratada

(controle negativo) e tratada com BHT (controle positivo).

Ademais, extratos das folhas de M. oleifera também

foram capazes de inibir a replicação do vírus da

imunodeficiência humana (HIV), do vírus herpes (HSV-1) e do

vírus da febre aftosa (FMDV) (KUROKAWA et al., 2016). Os

mecanismos de inibição da replicação viral dos extratos das

folhas envolve ligação a proteínas e enzimas, bem como

ativação da imunidade celular.

PROPRIEDADES FARMACOLÓGICAS DAS FOLHAS DE Moringa oleifera Lam.

128

Atividade imunomoduladora

El Shanawany et al. (2019) avaliaram o efeito

imunomodulador dos extratos aquoso e hidroalcóolico das

folhas de M. oleifera, os quais aumentaram substancialmente a

resposta imune celular e humoral, o índice de neutrófilos e a

atividade fagocítica. Kurokawa et al. (2016) mostraram que o

extrato aquoso estimulou a imunidade celular, ao aumentar as

proporções de células CD11+/CD49 + entre os esplenócitos de

camundongos tratados em relação ao grupo controle.

Outro estudo avaliou os efeitos imunomoduladores do

extrato hidrometanólico das folhas de M. oleifera em ratos

Wistar machos divididos aleatoriamente em oito grupos de seis

animais. O grupo I serviu como controle positivo. Os grupos II,

III e IV receberam doses orais de 125, 250 e 500 mg/kg do

extrato, respectivamente, por 15 dias. Ciclofosfamida (CTX) na

dose de 30 mg/kg foi administrada por via oral aos Grupos V

(controle negativo), VI, VII e VIII durante os primeiros 3 dias.

Posteriormente, doses de 125, 250 e 500 mg/kg do extrato

foram administradas, respectivamente, por mais 15 dias. Nos

dias 16 e 19, amostras de sangue foram coletadas por punção

cardíaca e analisadas para contagem de glóbulos vermelhos,

concentração de hemoglobina, contagem total de leucócitos,

percentuais diferenciais de leucócitos e enzimas hepáticas ALT,

AST e fosfatase alcalina (ALP). Nos Grupos II, III e IV houve

aumento dependente da dose na contagem total de leucócitos

(TWBC) e porcentagens de neutrófilos, eosinófilos, monócitos e

linfócitos e redução dos níveis de enzimas hepáticas no soro

(ALT, AST e ALP) em comparação com o Grupo I. A

administração de CTX reduziu significativamente a contagem

PROPRIEDADES FARMACOLÓGICAS DAS FOLHAS DE Moringa oleifera Lam.

129

de TWBC e as porcentagens de neutrófilos, eosinófilos,

monócitos, linfócitos e aumentou as enzimas hepáticas séricas

(ALT, AST, ALP) nos Grupos VI, VII e VIII quando comparados

ao Grupo V. Os efeitos do CTX no sangue e nas enzimas

hepáticas foram revertidos com a administração dos extratos de

maneira dose-dependente (OBI et al., 2018).

Polissacarídeos extraídos de M.oleifera tem ganhado

atenção científica devido ao seu excelente potencial

biotecnológico. Por exemplo, o polissacarídeo das folhas MOP-

1 (peso molecular 7,65 × 107 kDa) constituído por ramnose,

arabinose e galactose, exibiu potencial imunorregulador (HE et

al., 2018). Um novo polissacarídeo (MOP-2) também das folhas

(peso molecular 155,35 kDa) foi um agente imunomodulador

em células de macrófagos, aumentando a secreção de ROS,

NO, IL-6, TNF-α e iNOS no grupo tratado em comparação ao

grupo controle (DONG et al., 2018).

Atividade protetora

Estudos in vitro e in vivo tem relatado o potencial protetor

das folhas de M. oleifera. O extrato aquoso foi um agente

citoprotetor in vitro para eritrócitos devido sua atividade

antioxidante. Eritrócitos preparados foram incubados com o

reagente de Fenton na ausência ou presença do extrato.

Observou-se que os eritrócitos pré-tratados com o extrato exibiu

um grau reduzido de hemólise in vitro (SARKAR et al., 2017).

Abd-Elhakim et al. (2018) mostraram que o extrato (800

e 700 mg/kg) administrado por via oral uma vez por dia durante

2 semanas, neutralizou significativamente os impactos

hematoimunotóxicos promovidos pela melamina, um perigoso

contaminante alimentar e adulterante amplamente difundido.

PROPRIEDADES FARMACOLÓGICAS DAS FOLHAS DE Moringa oleifera Lam.

130

A despeito da proteção a nível celular, preparações

obtidas a partir das folhas também apresentaram efeito protetor

para órgãos. O extrato aquoso (100 mg/kg) administrado por via

oral em dose única, restaurou o dano cardíaco promovido pelo

fosforeto de alumínio em ratos. O fosforeto de alumínio causou

alterações histopatológicas cardíacas significativas com

aumento no malondialdeído (MDA), marcador de peroxidação

lipídica, e uma depleção significativa de enzimas antioxidantes

(catalase e glutationa redutase). No entanto, o tratamento com

o extratos das folhas protegeu de forma eficiente o tecido

cardíaco de ratos intoxicados, aumentando os níveis de

antioxidantes com leve diminuição na produção de MDA em

comparação com o grupo não tratado. (GOUDA; EL-

NABARAWY; IBRAHIM, 2018).

Airaodion et al. (2019) avaliaram a eficiência

hepatoprotetora do extrato etanólico das folhas de M. oleifera

contra exposição a hidrocarbonetos (petróleo bruto) pela

determinação de biomarcadores de dano hepático. Os autores

administraram 10 g de extrato por 30 dias em ratos, detectaram

redução das enzimas alanina transaminase (ALT), fosfatase

alcalina (ALP), aspartato aminotransferase (AST) e lactato

desidrogenase. O petróleo bruto aumentou significativamente

os biomarcadores hepáticos, mas este efeito foi neutralizado

pelo extrato das folha de M. oleifera.

Outras atividades relevantes

Almuzafar (2018) avaliou o efeito antiulcerativo e

antioxidante de duas doses (100 e 500 mg/kg) do extrato

etanólico das folhas de M. oleifera em ratos Wistar machos com

PROPRIEDADES FARMACOLÓGICAS DAS FOLHAS DE Moringa oleifera Lam.

131

lesão oxidativa gástrica induzida por indometacina

(medicamento anti-inflamatório) e etanol durante duas

semanas. O grupo tratado apenas com indometacina mostrou

aumentos significativos no índice de lesão (IL), no nível de

malondialdeído (MDA) e diminuição nas atividades de

superóxido dismutase (SOD), glutationa-S-transferase (GST) e

glutationa peroxidase (GPx), quando comparado ao grupo

controle. As duas doses do extrato testadas foram capazes de

reduzir o IL estomacal e o marcador de estresse oxidativo

(MDA), e aumentaram significativamente os biomarcadores

antioxidantes (SOD, GST e GPx) em comparação ao grupo

tratado apenas com indometacina. O autor concluiu que o

extrato tem uma atividade antiúlcera e antioxidante eficaz,

eliminando radicais livres e protegendo o estômago contra a

ulceração, efeito colateral da indometacina.

Preparações obtidas a partir das folhas também tem

apresentado atividade cicatrizante a partir do aumento

significativo da proliferação celular e viabilidade e migração de

fibroblastos dérmicos humanos. Estudo relativo ao potencial de

extrato das folhas em cicatrizar feridas de animais diabéticos,

mostraram aumento de regeneração tecidual, diminuição da

área das feridas, redução nos níveis de mediadores

inflamatórios e aumento do fator de crescimento endotelial

vascular (MUHAMMAD et al., 2016). Outro estudo mostrou que

uma formulação de creme contendo 3% do extrato das folhas

de M. oleifera aumentou o efeito de revitalização da pele em

humanos sobre parâmetros como textura, rugosidade e

suavidade da pele (ALI; A AKHTAR; CHOWDHARY, 2014).

George, Ajayi, Oyemike (2018) demonstraram a

eficiência do extrato aquoso das folhas de M. oleifera no

PROPRIEDADES FARMACOLÓGICAS DAS FOLHAS DE Moringa oleifera Lam.

132

controle da hipertensão arterial sistêmica e ocular em trinta

humanos adultos normotensivos (idade média de 28,93 ± 1,62)

de maneira dose-dependente. O efeito anti-hipertensivo do

extrato aquoso das folhas em ratos pode ser mediado pelo

alívio da disfunção vascular e do estresse oxidativo, bem como

pela promoção do vasorrelaxamento dependente do endotélio.

Adicionalmente, Kaur et al. (2015) avaliaram os efeitos

comportamentais e antidepressivos agudos e crônicos do

extrato alcoólico das folhas de Moringa oleifera (MOE) em

modelos padronizados de depressão em camundongos albinos.

Os animais foram divididos em seis grupos: Grupos 1 e 2

serviram como controle de veículo e controle padrão de

fluoxetina (20 mg /kg), respectivamente. Os grupos 3 e 4

serviram como grupos de tratamento e foram administrados por

via oral com MOE (100 e 200 mg/kg). Os grupos 5 e 6,

respectivamente, receberam doses combinadas de MOE 100

mg/kg + 10 mg de fluoxetina e MOE 200 mg/ kg + 10 mg/kg de

fluoxetina. Após tratamentos agudos e crônicos de 14 dias,

todos os animais foram testados usando modelos

comportamentais de depressão, como teste de natação forçada

(FST), teste de suspensão da cauda (TST) e teste de atividade

locomotora (LAT). Alterações significativas em todas as

atividades testadas (FST, TST, LAT) de camundongos tratados

cronicamente foram observadas, especialmente em animais

que receberam doses combinadas simultaneamente de 200

mg/kg/dia de MOE + 10 mg/kg /dia de fluoxetina por 14 dias.

Ademais, o efeito antidepressivo do MOE pode ter sido

provocado por meio da via de neurotransmissão

noradrenérgica-serotonérgica.

PROPRIEDADES FARMACOLÓGICAS DAS FOLHAS DE Moringa oleifera Lam.

133

CONCLUSÕES

Estudos in vitro e in vivo utilizando folhas de M. oleifera

certificam propriedades biológicas interessantes do ponto de

vista de sáude humana. O uso das folhas pode ser uma

alternativa medicamentosa para o tratamento de diversas

doenças. Adicionalmente, as folhas podem ser usadas no

combate a desnutrição por seu alto valor nutricional.

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137

CIÊNCIAS BIOLÓGICAS - ECOLOGIA

O QUE SABEMOS SOBRE A TOXICIDADE DO HERBICIDA 2,4 ÁCIDO DICLOROFENOXIACÉTICO (2,4-D) EM PEIXES?

138

CAPÍTULO 7

O QUE SABEMOS SOBRE A TOXICIDADE DO HERBICIDA 2,4 ÁCIDO

DICLOROFENOXIACÉTICO (2,4-D) EM PEIXES?

Rafael Xavier MARTINS 1

Iris Flávia de Sousa GONÇALVES 2

Juliana Alves da Costa Ribeiro SOUZA 3 Marília da Guia Flor SILVA 4

Davi Felipe FARIAS 5

1 Mestrando em Biologia Celular e Molecular, UFPB; 2 Mestranda em Bioquímica, UFC; 3

Mestre em Ciência Animal, UFPB; 4 Graduanda em Farmácia, UFPB; 5 Orientador/ Professor DBM/ UFPB.

Email:[email protected]

RESUMO: O ácido 2,4 Diclorofenoxiacético (2,4-D) é um herbicida auxínico utilizado à nível mundial e é ingrediente ativo de mais de 1.500 produtos disponíveis no mercado. Presume-se que somente 0,1% dos agrotóxicos aplicados nas lavouras ao redor do mundo exerçam efeito no alvo desejado, acarretando em um grande acúmulo de resíduos de agrotóxicos e seus metabólitos. Os peixes são organismos sensíveis às alterações de parâmetros ambientais e vêm sendo impactados pela grande quantidade de resíduos da agroindústria. O objetivo desse trabalho foi realizar uma revisão sistemática sobre os efeitos adversos decorrentes da exposição ao 2,4-D em espécies de peixes. Os relatos foram identificados através de buscas na base de dados PubMed, utilizando duas combinações de palavras-chaves: (a)“2,4-D” e “fish” e (b) “2,4-D” e “zebrafish”. Posteriormente, os artigos foram filtrados de acordo com os critérios de elegibilidade. No total, foram encotrados 39 artigos, dos quais 16 se adequaram aos critérios

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estabelecidos. Foram identificadas seis espéceis de peixes utilizadas como modelo, sendo Danio rerio e Cnesterodon decemmaculatus as mais utilizadas. Os efeitos adversos relatados foram: neurotoxicidade, alterações comportamentais, genotoxicidade, estresse oxidativo, cardiotoxicidade e desregulação endócrina. A exposição ao 2,4-D altera parâmetros bioquímicos, fisiológicos e comportamentais que podem colocar em risco a sobrevivência das espécies e desequilibrar os ecossistemas nos quais estão inseridas. Palavras-chave: Ecotoxicidade. Herbicida. Revisão sistemática. Vertebrados Aquáticos.

INTRODUÇÃO

No início da década de 1950, o surgimento de novas

tecnologias e a necessidade de atender à crescente demanda

de alimentos da população mundial impulsionaram a

implantação de um novo modelo de produção agrícola (LOPES

et al., 2018). Uma das principais características desse novo

formato é a utilização em massa de agrotóxicos, substâncias

que visam combater doenças e pragas causadas por insetos,

bactérias, fungos e plantas espontâneas (CARVALHO, 2017).

Dentre as diferentes classes de pesticidas, os produtos com

finalidade herbicida são os mais utilizados, representando cerca

de 47,5% dos agrotóxicos aplicados nas lavouras em todo o

mundo (SHARMA et al., 2019).

O ácido 2,4 diclorofenoxiacético (2,4-D), um químico

pertencente à classe dos ácidos fenoxiacéticos, foi um dos

primeiros herbicidas sintéticos a ser introduzido no mercado, no

ano de 1946, e atualmente é ingrediente principal de mais de

1.500 produtos disponíveis comercialmente (ISLAM et al., 2017;

TIWARI et al., 2019).

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Este composto foi arquitetado para mimetizar o

mecanismo de ação das auxinas, hormônios responsáveis pelo

crescimento das plantas. Usado em baixas concentrações (20-

50 mg/L), é capaz de induzir a divisão celular, acelerando o

desenvolvimento das plantas e melhorando o aspecto visual e

durabilidade de frutos. Contudo, quando usado em altas

concentrações (maiores que 500 mg/L) exerce um efeito

herbicida, matando seletivamente plantas dicotiledôneas (LI et

al., 2017; TIWARI et al., 2019). Devido ao caráter seletivo, esse

composto é utilizado majoritariamente no combate de plantas

espontâneas em culturas monocotiledóneas, tais como trigo,

aveia, cana-de-açúcar, milho e arroz. Também é usado para

matar plantas espontâneas na fase de pré-plantio de algumas

culturas dicotiledóneas, como por exemplo a soja (GAAIED et

al., 2019).

Além do baixo custo, o 2,4-D possui uma fácil

solubilização em água e outros tipos de solventes, facilitando a

sua penetração nas estruturas das plantas o tornando um

herbicida altamente eficaz, o que explica a sua utilização

massiva em diversos tipos de lavouras ao redor do mundo

(ISLAM et al., 2017).

O principal foco mercadológico do 2,4-D são os Estados

Unidos, América do Sul, Europa e Rússia, onde o consumo

aumentou cerca de 40% em um intervalo de 9 anos (ISLAM et

al., 2017). Nos Estados Unidos, de acordo com dados referente

aos anos 1992 a 2000, foram usados mais de 20.000.000 ton.

desse composto nas lavouras do país a cada ano, ocupando

por muito tempo a posição de terceiro agrotóxico mais utilizado

pelo país (LI et al., 2017).

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141

Já no Brasil, dados oficiais disponibilizados pelo Instituto

Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (IBAMA),

mostram que o 2,4-D foi o segundo herbicida mais

comercializado em 2017 (ficando atrás apenas do glifosato)

sendo vendidas cerca de 57.389,35 ton. desse ativo no país

(IBAMA, 2017).

Diversos estudos demonstram que os agrotóxicos não

atingem apenas as culturas em que são aplicados

(GONÇALVES et al., 2020). Presume-se que somente 0,1%

dos agrotóxicos aplicados nas lavouras ao redor do mundo

exerçam efeito no alvo desejado, acarretando em um grande

acúmulo de resíduos de agrotóxicos e seus metabólitos no

ambiente (ISLAM et al., 2017). Além da possibilidade de serem

carreados pelo ar, esses resíduos químicos podem ser

lixiviados através do solo, ter acesso a corpos aquáticos, causar

efeitos deletérios em organismos não alvo e modificar a

dinâmica dos ecossistemas (LI et al., 2017 GONÇALVES et al.,

2020).

Dados atuais mostram que em ambientes de água doce

a concentração estimada de 2,4-D pode variar entre 4 a 24 µg/

L, chegando até 4.000 µg/L em áreas próximas à culturas onde

o herbicida é aplicado. Além disso, esse herbicida possui uma

meia vida de aproximadamente 15 dias, podendo variar até 300

dias devido à parâmetros de qualidade da água e outras

condições ambientais (GAAIED et al., 2019; DEHNERT et al.,

2019).

Os peixes, componentes que integram a biota aquática,

são organismos sensíveis a alterações de parâmetros

ambientais e vêm sendo impactados diretamente pelo modelo

O QUE SABEMOS SOBRE A TOXICIDADE DO HERBICIDA 2,4 ÁCIDO DICLOROFENOXIACÉTICO (2,4-D) EM PEIXES?

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agroindustrial predominante no mundo atualmente (RUIZ DE

ARCAUTE et al., 2016).

Existe uma correlação positiva entre o declínio

significativo da polulação de peixes nos últimos anos em todo o

mundo e o aumento alarmante do uso de produtos pesticidas

pelo setor agrícola. Provavelmente, essa consequência está

relacionada à alta capacidade que esses organismos possuem

de acumular e metabolizar poluentes químicos (RUIZ DE

ARCAUTE et al., 2016).

Mais especificamente, existe uma preocupação a cerca

dos possíveis impactos negativos do 2,4-D sobre diferentes

espécies de peixes. Geralmente, os períodos de aplicação de

herbicidas que tem o 2,4-D como princípio ativo nas lavouras

coincidem com o período de desova desses organismos, e essa

prática os expõem em seus estágios iniciais de vida

(embrionário e larval) que são os mais vulneráveis à efeitos

adversos de xenobióticos (DEHNERT et al., 2019).

Isso pode influenciar parâmetros bioquímicos,

fisiológicos e comportamentais que sejam vitais para a

sobrevivência das espécies afetadas e alterar

significativamente a dinâmica dos ecossistemas nos quais elas

habitam. Sendo assim, essa revisão teve como objetivo analisar

a literatura recente sobre os efeitos adversos resultantes da

exposição de diferentes espécies de peixes ao 2,4-D e a

formulações comerciais contendo este princípio ativo.

O QUE SABEMOS SOBRE A TOXICIDADE DO HERBICIDA 2,4 ÁCIDO DICLOROFENOXIACÉTICO (2,4-D) EM PEIXES?

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MATERIAIS E MÉTODOS

Pesquisa bibliográfica

O intuito da pesquisa bibliográfica foi identificar os

trabalhos que buscaram avaliar os impactos do herbicida 2,4-D

sobre pelo menos uma espécie de peixe. As buscas foram feitas

na base de dados PubMed (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov) e

foram realizadas no período de setembro de 2020 a outubro

desse mesmo ano.

Os artigos publicados nos últimos 5 anos foram reunidos

a partir de buscas usando as seguintes combinações de

palavras-chaves: “2,4-D” e “fish”; “2,4-D” e “zebrafish”. O motivo

da especificidade da segunda combinação de palavras-chave

foi a tentativa de inclusão de trabalhos de relevância que

utilizaram o Danio rerio (modelo de referência em estudos de

toxicologia) e que não foram identificados com a primeira

combinação de palavras-chaves. Inicialmente, o título e o

resumo dos trabalhos foram lidos, as duplicatas foram excluídas

e posteriormente houve a leitura dos artigos completos. Após

as buscas, as duplicatas foram excluídas.

Critérios de elegibilidade

Após a leitura dos artigos completos, os trabalhos

passaram por uma curadoria obedecendo aos seguintes

critérios de inclusão e exclusão: (i) critérios de inclusão: artigos

de pesquisa original; estudos que utilizaram o 2,4-D puro ou

alguma formulação comercial que tenha esse herbicida como

princípio ativo; estudos que utilizaram pelo menos uma espécie

O QUE SABEMOS SOBRE A TOXICIDADE DO HERBICIDA 2,4 ÁCIDO DICLOROFENOXIACÉTICO (2,4-D) EM PEIXES?

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de peixe como modelo; artigos que avaliaram os efeitos de

forma isolada ao 2,4-D bem como associados a outros

agrotóxicos. (ii) critérios de exclusão: artigos de revisão, artigos

que não utilizaram o 2,4-D (puro ou formulação comercial),

artigos que realizaram exposições com amostras coletadas no

ambiente; artigos que não utilizaram pelo menos uma espécie

de peixe como modelo; artigos que avaliaram os efeitos do 2,4-

D associado a outros agrotóxicos, mas não avaliaram seus

efeitos de forma isolada.

Os artigos selecionados para leitura completa foram lidos

e os dados relevantes para esta revisão foram extraídos para

uma tabela contendo as seguintes informações: nome do autor

principal, ano de publicação, espécies utilizadas, estágio de

vida, tipo de exposição (crônica e/ou aguda) e efeitos adversos

observados.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Pesquisa bibliográfica

As combinações de palavras-chave forneceram

diferentes perfis de resultados. Com o uso da combinação “2,4-

D” e “fish” foram encontrados 31 artigos, 16 foram selecionados

pois se adequaram aos critérios de elegibilidade. Já com o uso

da combinação “2,4-D” e “zebrafish” foram encontrados 8

artigos, dos quais 7 foram selecionados.

De forma geral, as buscas com as duas combinações de

palavras-chave resultaram em um total de 39 artigos e, após a

curadoria e exclusão das duplicatas, 16 se enquadraram no

perfil buscado para a realização desse trabalho.

O QUE SABEMOS SOBRE A TOXICIDADE DO HERBICIDA 2,4 ÁCIDO DICLOROFENOXIACÉTICO (2,4-D) EM PEIXES?

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Compostos químicos

Dentre os 16 artigos avaliados, além do 2,4-D em sua

forma pura, foi possível observar uma diversidade de

formulações químicas que tem esse herbicida como princípio

ativo.

Enquanto 43,35% do total de trabalhos analisados

utilizaram esse químico puro em seus experimentos,

aproximadamente 68,75% utilizaram formulação comerciais

que o tem como base. Os herbicidas comerciais utilizados

foram: DMA, DMA4, WAM40, Dedalo elite, Weedar, e Herbextra

e U46 BR.

É importante pontuar que alguns trabalhos usaram mais

de uma formulação comercial do 2,4-D, e/ou o próprio princípio

ativo, a fim de comparar os efeitos adversos provocados no

animal modelo em estudo. Além disso, também foram

identificados estudos que visaram avaliar os efeitos do 2,4-D

tanto isoladamente quanto em conjunto com outros químicos,

com o intuito de observar possíveis efeitos sinergísticos ou

antagônicos entre as substâncias.

Espécies de peixes utilizadas como modelo

Enquanto 15 dos trabalhos selecionados usaram apenas

um único tipo de animal modelo, apenas dois utilizaram uma

abordagem multi-espécie. Ambos os artigos utilizaram duas

espécies de peixes em seus ensaios de exposição ao 2,4-D.

No total, foram identificadas seis espécies de peixes

diferentes. Foram elas: Danio rerio, Cnesterodon

O QUE SABEMOS SOBRE A TOXICIDADE DO HERBICIDA 2,4 ÁCIDO DICLOROFENOXIACÉTICO (2,4-D) EM PEIXES?

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decemmaculatus, Pimephales promelas, Perca flavescens,

Oreochromis niloticus e Hyphessobrycon eques.

Os modelos mais utilizados foram o D. rerio (7 artigos) e

o C. decemmaculatus (5 artigos), como é possível observar na

Tabela 1.

Tabela 1. Relação entre espécie, estágio de vida, tipo de

exposição e efeitos adversos provocados pelo 2,4-D.

Referência Espécie Estágio

de vida

Tipo de

exposição Efeitos adversos

Dehnert et

al., 2019 Danio rerio

Embrião

e larva

Aguda e

crônica

Neurotoxicidade;

Alterações

comportamentais

Li et al.,

2017 Danio rerio

Embrião

e larva Aguda

Cardiotoxicidade;

Estresse oxidativo

Thiel et al.,

2020 Danio rerio Adulto Aguda

Alteração

comportamental;

Estresse oxidativo

Gaaied et

al., 2020 Danio rerio

Embrião

e larva Aguda

Alteração

comportamental;

Neurotoxicidade

Gaaied et

al., 2019 Danio rerio

Embrião

e larva Aguda Estresse oxidativo

O QUE SABEMOS SOBRE A TOXICIDADE DO HERBICIDA 2,4 ÁCIDO DICLOROFENOXIACÉTICO (2,4-D) EM PEIXES?

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Moreira et

al., 2020

Danio rerio

Adulto Aguda ---

Ruiz de

Arcaute et

al., 2016

Cnesterodon

decemmaculatus Adulto Aguda

Genotoxicidade;

Alteração

comportamental

Carvalho et

al., 2019

Cnesterodon

decemmaculatus Adulto Aguda Genotoxicidade

Ruiz de

Arcaute et

al., 2018

Cnesterodon

decemmaculatus Adulto Crônica Genotoxicidade

Ruiz de

Arcaute et

al., 2019

Cnesterodon

decemmaculatus Adulto Aguda

Genotoxicidade;

Estresse oxidativo;

Neurotoxicidade

Ruiz de

Arcaute et

al., 2018

Cnesterodon

decemmaculatus Adulto Crônica ---

DeQuattro e

Karasov,

2016

Pimephales

promelas

Adulto

Crônica

Desregulação

endócrina

O QUE SABEMOS SOBRE A TOXICIDADE DO HERBICIDA 2,4 ÁCIDO DICLOROFENOXIACÉTICO (2,4-D) EM PEIXES?

148

Dehnert et

al., 2018

Pimephales

promelas

Adulto

Larva Crônica ---

Fait et al.,

2015

Oreochromis

niloticus Adulto Aguda ---

Moreira et

al., 2020

Hyphessobrycon

eques

Adulto Aguda Alteração

comportamental

Fonte: Autoral. 2020

Danio rerio

O D. rerio, popularmente conhecido como zebrafish ou

paulistinha, foi a espécie mais utilizada entre os artigos (43,75%

do total). Este é um pequeno teleósteo de 3-4 cm, pertencente

à família Cyprinidae, já estabelecido como modelo em diversas

áreas da ciência (GONÇALVES et al., 2020).

O zebrafish oferece uma gama de vantagens como

modelo animal para pesquisa. Primeiramente, a praticidade de

manejo e baixo custo de manutenção atrelados a alta taxa de

fecundidade faz desse modelo uma ferramenta promissora na

elaboração de estratégias de predição do potencial toxicante de

novos fármacos e químicos (BAMBINO et al., 2017).

Além disso, o processo de maturação do D. rerio

acontece em um período de tempo relativamente curto, no qual,

entre 48 e 72 horas evolui do estágio embrionário para o larval

e se torna sexualmente maduro por volta dos três meses de

vida, o que o torna uma ferramenta prática e viável para a

O QUE SABEMOS SOBRE A TOXICIDADE DO HERBICIDA 2,4 ÁCIDO DICLOROFENOXIACÉTICO (2,4-D) EM PEIXES?

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execução de trabalhos de hereditariedade, avaliação de

toxicidade crônica e triagens em larga escala (MEYERS, 2018).

Mais da metade dos artigos que utilizaram o zebrafish

como modelo fizeram uso dos seus estágios iniciais de vida

(embrionário e larval). Além de motivos como facilidade de

manejo em relação aos animais adultos, uma maior

observância em relação ao princípio dos 3Rs (replacement,

reduction and refinement – traduzidos para substituição,

redução e refinamento) pode ser a causa da preferência dos

cientistas pelo uso das fases inicias de vida. Embriões e larvas

de zebrafish possuem um desenvolvimento externo e são

translúcidos, o que permite a visualização do desenvolvimento

morfológico do animal em tempo real sem a necessidade de

equipamentos robustos e sofisticados. Com isso, em estudos

de toxicologia, é possível identificar alterações morfológicas e

comportamentais no embrião e correlacioná-las com os efeitos

deletérios da substância avaliada (GONÇALVES et al., 2020).

C. decemmaculatus

O C. decemmaculatus é um pequeno peixe ovovivíparo,

não migratório que mede entre 25 e 45 mm e está

freqüentemente presente em alta densidade em cursos d'água.

É uma espécie endêmica da Argentina e possui ampla

destribuição pela América Neotropical, especialmente no rio La

Plata e outras bacias sul-americanas (RUIZ DE ARCAUTE et

al., 2018).

Esta espécie apresenta fácil manuseio e aclimatação às

condições laboratoriais. Ela atende à condições exigidas para

O QUE SABEMOS SOBRE A TOXICIDADE DO HERBICIDA 2,4 ÁCIDO DICLOROFENOXIACÉTICO (2,4-D) EM PEIXES?

150

testes de toxicidade, como uma grande faixa de tolerância a

diversos fatores ambientais (RUIZ DE ARCAUTE et al., 2016).

Diversos estudos utilizaram essa espécie como um

modelo in vivo para analisar a toxicidade provocada por

pesticidas em vertebrados aquáticos. Entre eles estão produtos

com finalidade pesticida, inseticida e herbicida (RUIZ DE

ARCAUTE et al., 2018) Nessa revisão, todos os estudos

encontrados utilizaram o C. decemmaculatus como modelo em

seu estágio de vida adulto.

Efeitos adversos

Na literatura existe uma extensa quantidade de trabalhos

que reportam a sensibilidade de organismos modelo a

diferentes classes de pesticidas. Além disso, é comprovada que

a exposição a esses químicos podem induzir o surgimento de

efeitos adversos, incluindo cardiotoxidiade, neurotoxicidade,

toxicidade reprodutiva, alterações comportamentais, entre

outros. Nessa revisão, foi possível observar que o 2,4-D induz

a aparição de diferentes tipos de efeitos adversos em peixes.

Também foi possível observar que fatores como idade dos

animais e tipo de exposição podem influenciar nos efeitos

induzidos por esse químico. Os dados extraídos dos artigos da

revisão são mostrados na Tabela 1.

Impactos sobre a sobrevivência e alterações morfológicas

Os dados extraídos da revisão demonstraram que o 2,4-

D (princípio ativo ou formulação comercial) foi capaz de

provocar alterações na taxa de sobrevivência de diferentes

O QUE SABEMOS SOBRE A TOXICIDADE DO HERBICIDA 2,4 ÁCIDO DICLOROFENOXIACÉTICO (2,4-D) EM PEIXES?

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espécies de peixes utilizadas como modelo, sendo os estágios

iniciais de vida os mais afetados.

Uma das espécies que demonstrou uma maior

sensibilidade ao herbicida foi o D. rerio. Dehnert e

colaboradores (2019), observaram que a exposição subcrônica

(21 dias) de embriões e larvas de zebrafish, tanto ao 2,4-D puro

quanto ao DAM4 (formulação comercial), foram capazes de

alterar a taxa de sobrevivência, apresentando uma CL50 entre

4 – 6 ppm e 8 – 16 ppm, respectivamente.

Já Gaaied e colaboradores (2020) e Li e colaboradores

(2017) realizaram exposições agudas (≤ 96 h) de embriões e

larvas de zebrafish ao 2,4-D puro, e encontraram diferentes

valores de CL50: 2,86 mg/L e 46,71 mg/L, respectivamente.

A grande diferença de sensibilidade entre as linhagens

utilizadas por esses dois grupos de pesquisa provavelmente

está relacionada com o alto grau de heterogeneidade dessa

espécie, inclusive em ambientes laboratoriais (PARICHY,

2015). Larvas de P. promelas submetidas a uma exposição

crônica (30 dias) também se mostraram sensíveis ao 2,4-D

puro, DMA4 e WAM40 e tiveram sua taxas de sobrevivência

diminuídas (DEHNERT et al., 2018).

Apesar de nenhum dos artigos selecionados terem

analisado o impacto do 2,4-D sobre a sobrevivência do

zebrafish adulto, dados da literatura informam que a CL50 nesse

estágio de vida é de 233,13 mg/L, valor bastante superior

àquele dos estágios embrionário e larval da espécie

(POMPERMAIER et al., 2020).

Além disso, esse valor é próximo a CL50 encontrada para

outra espécie de peixe em sua fase adulta, o O. niloticus,

quando exposto durante 96 h ao herbicida comercial Herbextra

O QUE SABEMOS SOBRE A TOXICIDADE DO HERBICIDA 2,4 ÁCIDO DICLOROFENOXIACÉTICO (2,4-D) EM PEIXES?

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(222,28 mg/L) (FAI et al., 2015). Já o C. decemmaculatus

adulto, apresentou uma CL50 de 1.008 mg/L em uma exposição

aguda ao DMA, se mostrando a espécie menos sensível de

acordo com os trabalhos selecionados (RUIZ DE ARCAUTE et

al., 2016).

Além do impacto sobre a sobrevivência, três dos estudos

analisados buscaram avaliar alterações morfológicas

decorrentes da exposição ao 2,4-D em embriões e larvas de

zebrafish. Dentre as deformidades identificadas, estavam:

edema de saco vitelínico, bexiga natatória sub-inflada,

curvatura na coluna vertebral e, o mais recorrente, edema

pericárdico (GAAIED et al., 2020; DEHNERT et al., 2019; LI et

al., 2017).

Diversos dados disponíveis na literatura apontam o

aparecimento de edemas de pericárdio em embriões de

zebrafish quando expostos a substâncias tóxicas, tais como

poluentes orgânicos e metais pesados. Isso sugere que essa

anomalia pode ser uma resposta geral em ambiente tóxico e

que o coração em desenvolvimento é provavelmente um alvo

para a toxicidade do 2,4-D (LI et al., 2017). O estudo realizado

por Li e colaboradores (2017) reforça essa teoria, uma vez que

avaliou a alteração de genes envolvidos com o

desenvolvimento do coração ao expor larvas de zebrafish ao

2,4-D.

Neurotoxicidade e alterações comportamentais

Alterações comportamentais foram os efeitos adversos

mais observados em decorrência da exposição dos peixes ao

2,4-D (37,5% dos artigos). Larvas de D. rerio e P. flavenscens

O QUE SABEMOS SOBRE A TOXICIDADE DO HERBICIDA 2,4 ÁCIDO DICLOROFENOXIACÉTICO (2,4-D) EM PEIXES?

153

mostraram redução da atividade predatória quando submetidos

à uma exposição subcrônica à herbicidas comerciais a base de

2,4-D (DEHNERT et al., 2019). Esse mesmo efeito foi

observado quando adultos de D. rerio foram submetidos a uma

exposição aguda (30 min) ao 2,4-D puro (POPERMAIER et al.,

2020).

A capacidade predatória, especialmente nos estágios

iniciais de vida de peixes, é estritamente relacionada ao

desenvolvimento dos olhos, uma vez que a visão é um sentido

extremamente necessário para realizar essa atividade. Dehnert

e colaboradores (2019) observaram que larvas de zebrafish

expostas ao DMA4, apresentaram uma redução na atividade

neural no tectum óptico, uma estrutura pertencente ao

mesencéfalo de vertebrados (como peixes, aves e répteis) e

exerce uma função de extrema importância como processador

visual (DEHNERT et al., 2019).

A redução na capacidade de predação apresentada

pelos estágios larvais de peixes pode suprimir diretamente sua

sobrevivência, levar a um impacto na aptidão geral de espécies

e modificar a dinâmica dos ecossistemas em que elas habitam.

A atividade de natação anormal também foi observada

após a exposição ao 2,4-D e químicos derivados. Gaaied e

colaboradores (2020) observaram esse comportamento

anormal em larvas de D. rerio com cinco dias de vida, após

serem expostas a concentrações subletais do 2,4-D puro. Esta

alteração comportamental também foi observada em animais

adultos de outras espécies, como C. decemmaculatus e H.

eques (MOREIRA et al., 2020; RUIZ DE ARCAUTE et al., 2016).

O trabalho desenvolvido por Ruiz de Arcaute e colaboradores

(2016) evidenciou a maior diversidade de alterações

O QUE SABEMOS SOBRE A TOXICIDADE DO HERBICIDA 2,4 ÁCIDO DICLOROFENOXIACÉTICO (2,4-D) EM PEIXES?

154

comportamentais observada. Após uma exposição aguda de

adultos de C. decemmaculatus ao DMA, eles observaram:

permanência dos animais no fundo do aquário, movimentação

lenta, diminuição da capacidade de reação, além da natação

anormal, citada anteriormente.

Geralmente, alterações comportamentais são

consequência da alteração da expressão de moléculas que

desempenham função importante sobre a atividade neural e/ou

locomotora. Uma dessas moléculas é a acetilcolinesterase,

(AChE) uma enzima encontrada principalmente no sistema

nervoso central que exerce o papel de processamento do

neurotransmissor acetilcolina (THAPA et al., 2017). Por exercer

essa função, essa enzima é um biomarcador clássico para

análise de neurotoxicidade de substâncias.

Dos artigos avaliados, dois deles mensuraram a

atividade de AChE. Larvas de D. rerio e C. decemmaculatus

adultos tiveram a atividade de AChE significativamente

diminuída após exposição ao 2,4-D (GAAIED et al., 2020; RUIZ

DE ARCAUTE et al., 2016). Somada às alterações

comportamentais observadas, a diminuição da atividade desse

biomarcador indica que um dos alvos em potencial desse

herbicida em peixes é o sistema nervoso.

Genotoxicidade

A genotoxicidade foi um dos efeitos adversos mais

observados em peixes em decorrência da exposição ao 2,4-D.

A exposição aguda de adultos de C. decemmaculatus ao DMA

foi capaz de provocar um aumento do índice de danos

cromossômicos, quebras primárias no DNA e aumento na

O QUE SABEMOS SOBRE A TOXICIDADE DO HERBICIDA 2,4 ÁCIDO DICLOROFENOXIACÉTICO (2,4-D) EM PEIXES?

155

frequência da formação de micronúcleos (RUIZ DE ARCAUTE

et al., 2016; RUIZ DE ARCAUTE et al., 2019).

Os micronúcleos são fragmentos de cromossomos ou

cromossomos inteiros que foram perdidos durante a mitose

celular em razão de um evento aneugênico (que interfere no

fuso mitótico) ou clastogênico (que provoca quebra

cromossômica) e, por esse motivo, o teste de micronúcleo

avalia genotoxicidade (ANTÔNIO et al., 2017).

Além dos micronúcleos, foram relatados outros tipos de

anormalidades nucleares decorrentes da exposição ao 2,4-D.

Por exemplo, núcleos com bolhas e entalhes, que podem ser

consideradas evidência de instabilidade genética (RUIZ DE

ARCAUTE et al., 2016). Esses dados encontrados estão de

acordo com um estudo de avaliação de risco realizado pela

International Agency for Research on Cancer (IARC) em 2015,

que objetivou avaliar o risco da exposição a alguns agrotóxicos

organoclorados e alguns herbicidas clorofenoxi, entre eles, o

2,4-D. Como resultado, o potencial genotóxico do 2,4-D foi

fortemente abordado e confirmado por diversos ensaios in vivo

e in vitro, incluindo o potencial de induzir danos cromossômicos

e de DNA em diferentes matrizes biológicas.

Estresse oxidativo

O estresse oxidativo pode ser definido como um

desequilíbrio em radicais/espécies reativas de oxigênio (ROS)

em células ou tecidos. O estresse oxidativo pode levar à

toxicidade por meio da alteração de moléculas essenciais, tais

como proteínas, lipídios e DNA. Por exemplo, a expressão

gênica de diferentes enzimas como as enzimas do sistema de

O QUE SABEMOS SOBRE A TOXICIDADE DO HERBICIDA 2,4 ÁCIDO DICLOROFENOXIACÉTICO (2,4-D) EM PEIXES?

156

defesa antioxidante (Glutationa s-transferase, superóxido

dismutase e catalase) funciona como um ótimo biomarcador de

efeitos tóxicos, responsáveis por estresse oxidativo e, portanto,

um parâmetro interessante em ambientes aquáticos

(GONÇALVES et al., 2020).

Nesta revisão, em 4 dos 16 estudos foi possível observar

estresse oxidativo como efeito adverso à exposição do 2,4-D

em duas espécies de peixes diferentes. Li e colaboradores

(2019) utilizaram o D. rerio como modelo para avaliar possíveis

efeitos moleculares decorrentes da exposição a diferentes

concentrações do 2,4-D. Os autores avaliaram a atividade da

superóxido dismutase (SOD), importante enzima antioxidante

para defesa contra a toxicidade de espécies reativas de

oxigênio (ROS) e o conteúdo de Malondialdeído (MDA), produto

da reação entre os radicais livres e os ácidos graxos

insaturados nas membranas celulares. O primeiro biomarcador,

não sofreu alteração, já o conteúdo de MDA foi aumentado.

Além desses biomarcadores, foi encontrada uma regulação

negativa de genes marcadores de estresse oxidativo (cat e

gpx1a).

Thiel e colaboradores (2020) também utilizaram o D.

rerio como modelo. Os autores observaram um aumento nas

atividades das enzimas citocromo c oxidase, que catalisa a

reação final da cadeia de transporte de elétrons, da catalase

(CAT) e uma redução na atividade da SOD.

Gaaied e colaboradores (2019) também utilizaram o

zebrafish como modelo, e observaram uma indução significativa

da atividade da enzima etoxiresorufina-O-desetilase (EROD) e

inibição da atividade da enzima GST, além do aumento na

O QUE SABEMOS SOBRE A TOXICIDADE DO HERBICIDA 2,4 ÁCIDO DICLOROFENOXIACÉTICO (2,4-D) EM PEIXES?

157

atividade de CAT e Glutationa-peroxidase (GPx) e aumento no

conteúdo de MDA.

Ruiz de Arcaute e colaboradores (2019), avaliaram os

efeitos decorrentes da exposição do 2,4-D no modelo

Cnesterodon decemmaculatus. Os autores observaram o

aumento nas atividades de CAT e Glutationa S-transferase

(GST). Além disso, também existem relatos de uma regulação

negativa dos genes gpx1a e cat, responsáveis pela expressão

de enzimas importantes para o processo de desintoxicação e

combate à radicais livres (LI et al., 2019).

O aumento do conteúdo de MDA, o aumento na atividade

EROD, de CAT e de GST podem levar ao acúmulo de ROS em

embriões de zebrafish e podem induzir o estresse oxidativo ou

até mesmo comprometer as defesas antioxidantes (GAAIED et

al., 2019; LI et al., 2019).

Desta forma, alterações desses biormarcadores podem

fazer parte das vias metabólicas que levam ao estresse

oxidativo induzido pelo 2,4D.

Distúrbios endócrinos

Distúrbios endócrinos podem ser desencadeados por

substâncias que ativam ou inibem receptores de hormônios

endógenos e afetam a síntese e o transporte de hormônios,

causando desequilíbrios em seus níveis. Dessa forma,

processos como crescimento, desenvolvimento, maturação

sexual, reprodução, metabolismo energético e doenças como

diabetes podem ser diretamente impactados (GONÇALVES et

al., 2020).

O QUE SABEMOS SOBRE A TOXICIDADE DO HERBICIDA 2,4 ÁCIDO DICLOROFENOXIACÉTICO (2,4-D) EM PEIXES?

158

Há uma limitação na literatura sobre os efeitos da

exposição de animais aquáticos ao 2,4-D e suas formulações e

o potencial que estes apresentam como desreguladores

endócrinos. No entanto, DeQuattro e Karasov (2016), avaliaram

o efeito de concentrações ambientalmente relevantes deste

composto e duas formulações herbicidas sobre reprodução,

desenvolvimento embrionário e sobrevivência de larvas de P.

promelas. Após a exposição às formulações do 2,4-D, houve

diminuição significativa na presença de tubérculos masculinos

e aumento no índice gonadossomático feminino, demonstrando

que estas formulações têm potencial para desregulação

endócrina e podem exercer algum grau de toxicidade crônica.

No entanto, mais estudos com o 2,4-D puro e suas

formulações devem ser realizados.

CONCLUSÃO

Nessa revisão, apresentamos os impactos negativos do

herbicida 2,4-D sobre espécies de peixe, abordando pontos

como o composto utilizado, tipo de exposição, espécies

estudadas e estágio de vida dos animais. Foi observado que o

2,4-D diminuiu a taxa de sobrevivência e foi capaz de provocar

a aparição de diferentes tipos de efeitos adversos, como

alterações comportamentais, neurotoxicidade e genotoxicidade

e que os estágios iniciais de vida se mostraram mais sensíveis

aos efeitos desse químico. Considerando que o 2,4-D é um

herbicida amplamente utilizado, os seus efeitos tóxicos podem

comprometer a sobrevivência de peixes e outros organismos

sensíveis, podendo gerar um desequilíbrio ecológico.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

O QUE SABEMOS SOBRE A TOXICIDADE DO HERBICIDA 2,4 ÁCIDO DICLOROFENOXIACÉTICO (2,4-D) EM PEIXES?

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162

CIÊNCIAS BIOLÓGICAS - FISIOLOGIA

PROCESSO INFLAMATÓRIO INDUZIDO POR MACRÓFAGOS PERIVASCULARES E MICROGLIAS E SUA RELAÇÃO COM A

HIPERTENSÃO NEUROGÊNICA

163

CAPÍTULO 8

PROCESSO INFLAMATÓRIO INDUZIDO POR MACRÓFAGOS PERIVASCULARES E

MICROGLIAS E SUA RELAÇÃO COM A HIPERTENSÃO NEUROGÊNICA

Ericka Garcia LEITE 1

Leonardo Lima CARDOSO2

Joálisson da Silva CALADO3

Tatjana Souza Lima KEESEN 4

Bárbara Guimarães CSORDAS5

1Doutoranda do Programa de Pós-Graduação Multicêntrico em Ciências Fisiológicas; 2Graduando do curso de Biotecnologia, CBiotec/UFPB.3 Graduando do curso de Fármacia do

CCS-UFPB; 4Professora do Departamento de Biologia Molecular e Celular, CBiotec/UFPB; 5Orientadora/Pós Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Produtos Naturais e

Sintéticos Bioativos - pgPNBS - UFPB [email protected]

RESUMO: A hipertensão é considerada um dos principais problemas de saúde pública a nível mundial, apresentando alta prevalência e baixas taxas de controle. É uma condição clínica multifatorial caracterizada por elevação sustentada dos níveis pressóricos. O presente trabalho tem como objetivo fornecer uma atualização sobre a relação de células imunes com a disfunção de núcleos cerebrais e a hipertensão neurogênica. Trata-se de uma revisão de literatura de caráter exploratório e descritivo fundamentado na coleta de artigos indexados em plataformas digitais como NCBI, Elsevier e Scielo. Demonstrou-se que a Angiotensina II (Ang-II), produzida pelo sistema renina angiotensina (SRA), se liga a receptores AT1 (AT1R) que são os responsáveis pelas ações hipertensinogênicas tanto na periferia como no sistema nervoso central. A nível central, promove disfunção da barreira hematoencefálica através da

PROCESSO INFLAMATÓRIO INDUZIDO POR MACRÓFAGOS PERIVASCULARES E MICROGLIAS E SUA RELAÇÃO COM A

HIPERTENSÃO NEUROGÊNICA

164

interação com AT1R, resultando em infiltração de Ang-II circulante em núcleos antes protegidos pela barreira. O sistema nervoso central possui um sistema angiotensinérgico independente e é sugerido que este sistema possa ser potencializado pelo aumento da Ang II circulante, resultando na superativação de neurônios responsáveis por determinar o fluxo simpático. Nessas regiões, células microgliais e macrófagos perivasculares residentes são ativados liberando uma variedade de substâncias pró-inflamatórias e neuroativas, incluindo citocinas, quimiocinas e espécies reativas de oxigênio (EROs), causando neuroinflamação, aumento da atividade simpática e aumento da pressão arterial. O acúmulo de ânions superóxido induzidos por Ang-II e pelas células do sistema imune são fundamentais para a patogênese da hipertensão neurogênica. Palavras-chave: Angiotensina II. Hipertensão. Macrófago perivascular. Microglia.

INTRODUÇÃO

Hipertensão arterial (HA) é uma condição clínica

multifatorial caracterizada por elevação sustentada dos níveis

pressóricos. Segundo estimativas, um terço da população

mundial será hipertensa em 2025, fato que inexoravelmente

trará sérias consequências à saúde pública global,

principalmente por danos a órgãos-alvo (ABREU et al., 2018;

RAHIMI; EMDIN; MACMAHON, 2015; WHO, 2019).

É considerada como principal fator de risco evitável para

doenças cardiovasculares (DCV) e mortes no mundo. Em 2010,

um total de 1,38 bilhão de pessoas (31,1% da população adulta

global) tinham HA, definida como pressão arterial sistólica (PA)

≥140 mmHg e/ou PA diastólica ≥90 mmHg (MILLS;

PROCESSO INFLAMATÓRIO INDUZIDO POR MACRÓFAGOS PERIVASCULARES E MICROGLIAS E SUA RELAÇÃO COM A

HIPERTENSÃO NEUROGÊNICA

165

STEFANESCU; HE, 2020). As mortes relacionadas à

hipertensão ocorrem mais comumente como resultado de

doença isquêmica do coração, acidente vascular cerebral

hemorrágico e acidente vascular cerebral isquêmico, que são

estimados respectivamente em 4,9, 2,0 e 1,5 milhões de mortes

mundialmente (FOROUZANFAR et al., 2017). A prevalência da

HA está aumentando globalmente devido ao envelhecimento da

população e ao aumento da exposição a fatores de risco como:

consumo de dietas com alto teor de sódio, obesidade,

tabagismo, alcoolismo, fatores genéticos, idade, sedentarismo,

entre outos (YOUNG; DAVISSON, 2015).

Normalmente os pacientes não apresentam

sintomatologia por anos, até que um órgão vital seja afetado,

provocando diminuição da expectativa de vida entre homens e

mulheres em todo o mundo (BILAL et al., 2015).

Na maioria dos casos, cerca de 90%, a HA é de causa

indefinida, sendo classificada como hipertensão primária ou

essencial. A hipertensão essencial é atualmente entendida

como uma doença multifatorial decorrente da ação combinada

de diversos fatores genéticos (mutações), ambientais e

comportamentais. Têm seu início ainda na infância, porém,

o diagnóstico é feito apenas na idade adulta e danos

consideráveis podem já ter ocorrido no sistema arterial, coração

e em outros órgãos (GUPTA-MALHOTRA et al., 2015).

Quando a etiologia da HA é definida, classifica-se como

hipertensão secundária, tornando um importante fator para

direcionar o tratamento de acordo com a etiologia. Entre os

portadores de HA, apenas 3 a 5% são de origem secundária. A

Hipertensão renovascular é uma das causas mais comuns de

PROCESSO INFLAMATÓRIO INDUZIDO POR MACRÓFAGOS PERIVASCULARES E MICROGLIAS E SUA RELAÇÃO COM A

HIPERTENSÃO NEUROGÊNICA

166

hipertensão secundária levando, muitas vezes, à hipertensão

resistente. É responsável por 1% a 5% de todos os casos de

HA na população em geral e 5,4% dos casos de hipertensão

secundária em jovens adultos. É definida como hipertensão

sistêmica que se manifesta secundariamente ao

comprometimento do suprimento sanguíneo para os rins,

geralmente devido a uma lesão oclusiva de uma ou das duas

artérias renais (HERRMANN; TEXTOR, 2019).

Muitos dos medicamentos anti-hipertensivos, incluindo

os bloqueadores do sistema renina angiotensina, nem sempre

são eficazes. Cerca de 60% dos pacientes são refratários ao

tratamento (YOUNG; DAVISSON, 2015).

Além dos processos patológicos em órgãos

cardiovasculares periféricos, o sistema nervoso central (SNC)

surgiu como o principal responsável, estando envolvido no

desenvolvimento e manutenção de diferentes formas de

hipertensão (HIROOKA, 2020; YOUNG; DAVISSON, 2015). O

sistema renina-angiotensina (SRA) desempenha um papel

crucial no controle cardiovascular, e tanto as ações da

angiotensina-II (Ang-II) sistêmica quanto o sinal gerado

centralmente através de redes neurais complexas contribuem

para o desenvolvimento da HA (YOUNG; DAVISSON, 2015). A

contribuição de células do sistema imunológico, como

microglias e macrófagos, têm sido foco de muitos estudos para

avaliar a participação dessas células na patogênese da HA

(FOULQUIER, 2020).

Desta forma, o objetivo dessa revisão é fornecer uma

breve atualização sobre os trabalhos recentes relacionados a

participação de células microgliais e macrófagos perivasculares

PROCESSO INFLAMATÓRIO INDUZIDO POR MACRÓFAGOS PERIVASCULARES E MICROGLIAS E SUA RELAÇÃO COM A

HIPERTENSÃO NEUROGÊNICA

167

em núcleo hipotalâmico e bulbares envolvidos na manutenção

da pressão arterial e sua relação com a patogênese da

hipertensão neurogênica.

MATERIAIS E MÉTODOS

Este estudo trata-se de uma revisão de literatura e

apresenta caráter exploratório e descritivo, tendo como

finalidade compreender a relação do sistema imune com a

patogênese da HA. Para obtenção dos dados, utilizou-se o

levantamento bibliográfico através de artigos indexados em

plataformas digitais como NCBI, Elsevier e Scielo, através dos

descritores: “hipertensão”, “angiotensina II”, “macrófagos

perivasculares” e “microglias”. A seleção dos artigos foi

realizada por meio da leitura de títulos e resumos que se

adequavam aos critérios de inclusão, que foram: artigos que

abordassem a temática hipertensão neurogênica, disfunção de

núcleos cerebrais, macrófagos perivasculares e micróglias, nos

últimos 5 anos (2015 à 2020). Todos os estudos incluídos nas

etapas anteriores foram lidos na íntegra. Foram excluídos os

estudos que não de adequavam aos critérios de inclusão.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Controle da pressão arterial e hipertensão;

A pressão arterial (PA) é caracteriazada pela pressão

que o sangue exerce sobre as paredes das artérias. É

determinada pelo produto do débito cardíaco pela resistência

PROCESSO INFLAMATÓRIO INDUZIDO POR MACRÓFAGOS PERIVASCULARES E MICROGLIAS E SUA RELAÇÃO COM A

HIPERTENSÃO NEUROGÊNICA

168

vascular periférica total. O débito cardíaco consiste na

quantidade de sangue que cada ventrículo ejeta na circulação

(pulmonar ou sistêmica) por minuto, sendo expresso como

produto do volume sistólico (em mL) pela frequência cardíaca

(bpm). A resistência vascular periférica é caracterizada pela

pressão que o sangue exerce na parede dos vasos (LEÃO;

SILVA, 2018).

O controle da PA é realizado por mecanismos diversos,

através de sistemas de retroalimentação que operam a curto e

longo prazo. A curto prazo, a regulação é desempenhada por

reflexos originados de pressorreceptores como

barorreceptores, quimiorreceptores e receptores

cardiopulmonares, resultando em uma resposta rápida obtida

através de um sistema de retroalimentação pelo sistema

nervoso autônomo. A longo prazo, a regulação é

desempenhada através de mecanismos renais e humorais

(JOHNSON; XUE, 2018).

Como um regulador a longo prazo, o SRA periférico e

central desempenha importantes função na manutenção da PA

através de uma diversidade de processos hemodinâmicos

renais e de transporte, contribuindo para o balanço

hidroeletrolítico do sangue (SILVA et al., 2017).

Quando ocorre uma redução da PA, as células

justaglomerulares localizadas nas artérias aferentes renais são

estimuladas a secretar renina. A secreção de renina pelos rins

é estimulada por três vias principais: 1) barorreceptores renais

que detectam diminuição da perfusão renal, 2) baixos níveis de

cloreto de sódio detectados pela mácula densa e 3) estimulação

beta-adrenérgica (SERIKI A, 2018).

PROCESSO INFLAMATÓRIO INDUZIDO POR MACRÓFAGOS PERIVASCULARES E MICROGLIAS E SUA RELAÇÃO COM A

HIPERTENSÃO NEUROGÊNICA

169

A renina é uma protease que promove a clivagem do

angiotensinogênio (sintetizado no fígado) em angiotensina I

(Ang-I). A Ang-I sofre a ação da enzima conversora de

angiotensina (ECA) e é convertida em Ang-II, principal peptídeo

formado pelo SRA. A Ang-II tem um papel importante no

reestabelecimento da pressão arterial por meio de uma

variedade de mecanismos, incluindo vasoconstrição,

remodelamento cardíaco e vascular, ações diretas e indiretas

para aumentar a reabsorção renal de sódio e, principalmente, a

ativação do sistema nervoso simpático. Esses efeitos são

mediados por sua interação com receptores responsivos a Ang-

II. Embora existam duas isoformas principais de receptores

(AT1R e AT2R) o AT1R é o responsável pelas ações

hipertensinogênicas do SRA tanto na periferia como no sistema

SNC (ROSSI et al., 2019; SERIKI A, 2018).

Por ser uma molécula grande, a Ang-II circulante não

consegue atravessar a barreira hematoencefálica (BHE),

porém, consegue atuar em regiões do SNC conhecidas como

órgão circunventriculares (OCVs), que apresentam maior

permeabilidade da BHE com altas densidades de AT1R. Os

OCVs estão envolvidos em importantes mecanismos de

controle hidroeletrolítico e da função cardiovascular (BAINS;

FERGUSON, 1995; GUYENET, 2017). As ações da Ang-II

ocorrem majoritariamente no órgão subfornical (SFO) pela

sensibilidade dos neurônios dessa região a Ang-II exceder a

dos outros OCVs (BAINS; FERGUSON, 1995).

Ao se ligar aos AT1R no SFO, a Ang-II ativa projeções

angiotensinérgicas enviando sinais aos neurônios do núcleo

paraventricular (PVN), no hipotálamo. Neurônios pré-

PROCESSO INFLAMATÓRIO INDUZIDO POR MACRÓFAGOS PERIVASCULARES E MICROGLIAS E SUA RELAÇÃO COM A

HIPERTENSÃO NEUROGÊNICA

170

simpáticos parvocelulares no PVN projetam-se para a medula

intermédiolateral (MIL) onde estão localizados os neurônios

motores pré-ganglionares simpáticos, influenciando

diretamente a atividade simpática (SIGMUND; GROBE, 2020).

Alguns neurônios parvocelulares do PVN também se

projetam para regiões do núcleo do trato solitário (NTS) e/ou

medula rostral ventrolateral (RVLM) responsáveis por

determinar o fluxo simpático central basal e integrar as entradas

dos barorreceptores, quimiorreceptores e receptores viscerais

através NTS. Além disso, cabe ressaltar que a ativação dos

neurônios do SFO pela Ang-II circulante, desencadeia a

produção central de Ang-II no eixo SFO-PVN-RVLM (BAINS;

FERGUSON, 1995; CRUZ et al., 2015; MISELIS, 1981).

A ligação da Ang-II ao AT1R, estimula a fosfolipase C,

que uma vez ativada, induz a formação de trifosfato de inositol,

assim como de diacilglicerol, o que provoca a liberação e

aumento da concentração citoplasmática de Ca2+, levando à

ativação da proteína quinase C (PKC). A ativação da isoforma

β da PKC fosforila domínios autoinibitórios da subunidade

regulatória da NADPH oxidase, (CRUZ et al., 2015; SERIKI A,

2018). A ativação da NADPH pela Ang-II no PVN e RVLM

produz ânion superóxido (O2●-) que reage rapidamente com o

óxido nítrico (NO), formando peroxinitrito, diminuindo a

biodisponibilidade de NO nessas regiões, levando a um

aumento no disparo neuronal (GUIMARÃES et al., 2019).

Apesar do SNC possuir um sistema angiotensinérgico

independente, é sugerido que este sistema possa ser

potencializado pelo aumento da Ang-II circulante, resultando na

superativação dos neurônios do SFO, PVN, NTS e RVLM. Um

PROCESSO INFLAMATÓRIO INDUZIDO POR MACRÓFAGOS PERIVASCULARES E MICROGLIAS E SUA RELAÇÃO COM A

HIPERTENSÃO NEUROGÊNICA

171

grande conjunto de evidências sugerem um desbalanço na

sinalização de Ang-II e consequente aumento de EROs e

diminuição da biodisponibilidade de NO (BIANCARDI et al.,

2016; DE KLOET et al., 2015).

Estudos demonstraram um aumento na expressão de

AT1R e aumento na expressão de subunidades da NADPH

oxidase em áreas chaves envolvidas com a modulação

cardiovascular, como PVN e RVLM (BIANCARDI; STERN,

2016).

Posteriormente, foi demonstrado que a Ang-II promove a

disfunção da BHE através da interação com AT1R, resultando

em infiltração da Ang-II circulante no parênquima neural do PVN

e RVLM, podendo contribuir diretamente para o fluxo simpático

e a elevação da PA (BIANCARDI; STERN, 2016).

Outro estudo observou que Ang-II é capaz de ativar

células residentes do sistema imune no SNC como microgliais

e macrófagos perivasculares, responsáveis liberação de uma

variedade de substâncias ocasionando uma neuroinflamação

(BIANCARDI et al., 2016; FOULQUIER, 2020).

Relação da microglia com o desenvolvimento da

hipertensão neurogênica;

Microglias são células imunes residentes no cérebro que

funcionam em estreita associação a BHE (SHEN et al., 2015).

São um tipo celular, pertencente à neuroglia, que se diferem

das outras células gliais pela sua origem hematopoiética e pela

sua função de combater possíveis patógenos. Compreendem a

aproximadamente 10-15% de todas as células que residem no

PROCESSO INFLAMATÓRIO INDUZIDO POR MACRÓFAGOS PERIVASCULARES E MICROGLIAS E SUA RELAÇÃO COM A

HIPERTENSÃO NEUROGÊNICA

172

SNC. Em um cérebro hígido as microglias geralmente se

apresentam na sua forma ramificada, ou inativa, e realizam

contínuo monitoramento do SNC. Após estímulo, essas células

sofrem uma série de alterações morfológicas e fenotípicas,

liberando mediadores que podem modular diretamente a

atividade neuronal (BIANCARDI et al., 2016; SHEN et al.,

2015).

As microglias são divididas morfológicamente e

funcionalmente em 3 fenótipos: M0, M1 e M2. Quando células

do tipo M0 (estado de repouso) são estimuladas, ocorrem

diferenciações morfológicas nas células, principalmente na

expressão de diferentes receptores. Essas modificações irão

promover reparos teciduais através da microglia anti-

inflamatória M2, com liberação de IL-10, ou efeito degenerativo,

onde ocorre aumento da citotoxicidade, causada pela transição

do estado M2 para o M1 pró-inflamatório, havendo liberação de

citocinas como: IL-6, TNF-α e IL-1β. Assim, a ativação

microglial desempenha uma atividade bifásica no SNC

(KAPOOR et al., 2016; KOIZUMI et al., 2019b).

Estudos recentes abordam sobre a relação de células

microgliais e seus processos inflamatórios com o

desenvolvimento da hipertensão neurogênica. Um dos

mecanismos atualmente estudados é a via de ativação

microglial induzida por Ang-II em AT1R (BIANCARDI et al.,

2016; FOULQUIER, 2020).

A ativação microglial, com consequente neuroinflamação

e aumento dos níveis de EROs no RVLM, pode ser um fator que

está associado ao desenvolvimento da hipertensão

neurogênica (KAPOOR et al., 2016). Além disso, sabe-se

PROCESSO INFLAMATÓRIO INDUZIDO POR MACRÓFAGOS PERIVASCULARES E MICROGLIAS E SUA RELAÇÃO COM A

HIPERTENSÃO NEUROGÊNICA

173

também que a HA já desenvolvida pode induzir a ativação de

células microgliais, em regiões encefálicas que atuam como

reguladores da pressão cardiovascular, tais como PVN e NTS

(BHAT et al., 2017).

Biancardi e colaboradores (2016), ao observar em

modelo animal a ativação de células microgliais mediada por

Ang-II, foi possível afirmar que receptores do tipo TLR4,

expressos em células da microglia, são alvos moleculares que

podem associar a ativação microglial mediada por Ang-II ao

estresse oxidativo no PVN. A ativação dessas células via AT1R

é outro fator que induz a produção de EROs no PVN. Em

contrapartida, a inibição de AT1R pode levar a um processo anti-

inflamatório, indicando que antagonistas dos AT1R, além de

reduzirem a pressão arterial, podem ser benéficos no

melhoramento funcional dos vasos cerebrais (FOULQUIER,

2020).

Uma importante via pela qual a inflamação pode levar a

consequências neuronais é por meio da comunicação através

da BHE entre as moléculas inflamatórias e elementos neuronais

envolvidos na manutenção dos circuitos neurais (HARUWAKA

et al., 2019).

A BHE é um sincício fortemente regulado de células

endoteliais com baixas propriedades de transporte transcelular

e paracelular que circundam os vasos cerebrais e protegem o

delicado microambiente neuronal de substâncias neurotóxicas

(HARUWAKA et al., 2019). Uma variedade de fatores

patológicos são capazes de causar danos a BHE, incluindo

estresse oxidativo, neuroinflamação, células imunes e vários

patógenos. Esses fatores patológicos reduzem as junções de

PROCESSO INFLAMATÓRIO INDUZIDO POR MACRÓFAGOS PERIVASCULARES E MICROGLIAS E SUA RELAÇÃO COM A

HIPERTENSÃO NEUROGÊNICA

174

oclusão entre as células endoteliais cerebrovasculares e

degradam as membranas basais, tudo culminando em um

aumento na permeabilidade BBB, abrindo caminho para que

moléculas grandes e substâncias prejudiciais atinjam o tecido

cerebral causando danos (SONG et al., 2020).

A inibição de células microgliais com Minociclina, é capaz

de atenuar a hipertensão em modelos de hipertensão

experimental, diminuir a atividade simpática, inflamação e

reduzir a disfunção da BHE, demonstrando a relação dessas

células com hipertensão neurogênica (HARUWAKA et al., 2019;

SANTISTEBAN et al., 2015).

Outro estudo avaliou os efeitos anti-inflamatórios do

heptapeptídeo angiotensina 1-7 [Ang-(1-7)] em células

microgliais que apresentam receptores Mas. A aplicação de

Ang-(1-7) em cultura levou a uma significativa diminuição na

transcrição de mRNA para IL-1β e TNF-α. Além disso, houve

aumento na produção da citocina imunorreguladora IL-10 (LIU;

SHI; SUMNERS, 2016). Os dados obtidos são de grande valia

para posteriores estudos da ação da ANG-(1-7) em células da

microglia e como esse peptídeo pode ser utilizado na regulação

de processos neuroinflamatórios, diminuindo efeitos

neurodegenerativos atribuídos a superativação do estado M1.

Além das investigações de células microgliais no

desenvolvimento da hipertensão, também já foram reportados

estudos abordando o potencial dessas células no surgimento

de danos cerebrovasculares (KOIZUMI et al., 2019b; ZARRUK;

GREENHALGH; DAVID, 2018).

Um estudo realizado por pesquisadores da Universidade

de Medicina de Kyoto (Japão), buscou esclarecer o processo

PROCESSO INFLAMATÓRIO INDUZIDO POR MACRÓFAGOS PERIVASCULARES E MICROGLIAS E SUA RELAÇÃO COM A

HIPERTENSÃO NEUROGÊNICA

175

de danificação cerebrovascular causado por microglia pró-

inflamatória M1 em um modelo animal de hipertensão crônica.

Os ratos utilizados no processo foram submetidos a injeção de

desoxicorticosterona (DOCA) e ingestão de NaCl 1%. Os

animais foram avaliados após 2, 3 e 4 semanas de tratamento,

através de análises imuno-histoquímicas e bioquímicas.

Durante o período foi observado o aumento significativo de

células microgliais ao redor dos vasos sanguíneos e expressão

de um estado transitório caracterizado pelo marcador de

proliferação celular Ki-67, com transformação direta para o

estado M1 (pró-inflamatório), não sendo observado o estado M2

(anti-inflamatório) durante o experimento (KOIZUMI et al.,

2019b).

Porém, não foi observado no estudo se ocorreu

destruição cerebrovascular. Ademais, foram identificadas

morfologias anormais na vasculatura cerebral, ocorrendo

aumento do espaço perivascular após 3 semanas de tratamento

com DOCA-NaCl e encolhimento dos prolongamentos

citoplasmáticos de astrócitos após 4 semanas, tendo aparente

aumento da permeabilidade da BHE. A conclusões deste

trabalho apontam para uma correlação entre a ativação

microglial perivascular induzida por hipertensão crônica, com o

surgimento posterior de doenças cerebrovasculares (KOIZUMI

et al., 2019b).

Deste modo, torna-se visível a importância da microglia

na manutenção dos processos fisiológicos no SNC, sendo

válida a sua associação com o desenvolvimento da hipertensão

neurogênica através de modificações perivasculares, induzidas

por estados neuroinflamatórios e pró-oxidativos

PROCESSO INFLAMATÓRIO INDUZIDO POR MACRÓFAGOS PERIVASCULARES E MICROGLIAS E SUA RELAÇÃO COM A

HIPERTENSÃO NEUROGÊNICA

176

Relação dos Macrófagos Perivasculares - PVMs com o

desenvolvimento da hipertensão neurogênica;

Os macrófagos estão presentes em todos os órgãos

desempenhando funções distintas dependendo de sua

localização e fenotipo. Durante o desenvolvimento vascular

normal, os macrófagos interagem diretamente e modulam a

vasculatura em desenvolvimento. Em alguns órgãos, como no

cérebro, esses macrófagos podem ser distinguidos de outros

macrófagos de tecido com base em sua proximidade aos vasos

sanguíneos e na expressão de certos marcadores (LAPENNA;

DE PALMA; LEWIS, 2018).

Residindo no espaço perivascular intracerebral não

parenquimatoso, são denominados de macrófagos

perivasculares (PVMs), sendo delimitadas pelas células da glia

limitantes e a membrana basal vascular (espaço de Virchow-

Robin) (FARACO et al., 2016). Diferem das microglias

associadas a vasos, que são justapostos a todos os vasos

cerebrais, mas localizados além da glia limitante. Persistem ao

longo da vida do organismo devido à sua longevidade e

capacidade de autoproliferação, ao invés da infiltração de

células mieloides periféricas (KOIZUMI et al., 2019a).

Consistente com seu envolvimento na permeabilidade

vascular em vasos sistêmicos os PVMs também desempenham

um papel no movimento de solutos, agentes infecciosos e

células imunológicas do sangue para o cérebro.Por exemplo,

na área postrema, um OCV desprovido de BHE, os PVMs

restringe a entrada de moléculas maiores que 10 kDa (FARACO

et al., 2016).

PROCESSO INFLAMATÓRIO INDUZIDO POR MACRÓFAGOS PERIVASCULARES E MICROGLIAS E SUA RELAÇÃO COM A

HIPERTENSÃO NEUROGÊNICA

177

Estudos experimentais e clínicos tem demonstrado a

contribuição do sistema imunológico para a fisiopatologia da

hipertensão, evidenciando os PVMs, os quais estão envolvidas

na inflamação com relação a natriurese de pressão,

relaxamento vascular disfuncional e hiperatividade do sistema

nervoso simpático (RODRIGUEZ-ITURBE; PONS; JOHNSON,

2017).

Em um estudo com camundongos BPH/2J (modelo

neurogênico de hipertensão) foi observado que os PVMs

desempenham um papel fundamental na disfunção

cerebrovascular. Nesse modelo de estudo o aumento na

permeabilidade da BHE permitiu que a Ang-II penetrasse no

espaço perivascular tornando os PVMs alvos da Ang-II. Os

PVMs expressam AT1Rs, desta forma, a Ang-II foi capaz de se

ligar e ativar essas células, levando à produção de EROs

resultando em disfunção neurovascular e cognitiva (FARACO

et al., 2016).

Em resposta às citocinas circulantes, os PVMs cerebrais

produzem prostaglandina E2 (PGE2) por meio da enzima

biossintética ciclooxigenase-2 (COX-2). A PGE2 pode penetrar

no parênquima cerebral e ativar núcleos que expressam os

receptores de PGE2 como o PVN e RVLM, levando à uma

simpatoexcitação e elevação da pressão arterial por meio da

ativação neuronal nesses núcleos (REZQ; ABDEL-RAHMAN,

2016).

Além de secretar fatores pró-inflamatórios diretamente e

atuar como células pró-inflamatórias, os PVMs também podem

facilitar a neuroinflamação indiretamente por permeabilizar os

leucócitos circulantes que passam pela BHE

PROCESSO INFLAMATÓRIO INDUZIDO POR MACRÓFAGOS PERIVASCULARES E MICROGLIAS E SUA RELAÇÃO COM A

HIPERTENSÃO NEUROGÊNICA

178

Em outro estudo, com o intuito de avaliar a contribuição

dos PVMs cerebrais para a elevação da pressão arterial, os

pesquisadores realizaram um tratamento com clodronato

encapsulado em lipossoma (que elimina macrófagos por

indução de apoptose), de forma intracerebroventricular em

modelo animal espontaneamente hipertensos propensos a

derrame (SHRSP). Foi observado que o tratamento reduziu a

atividade neuronal em núcleos reguladores simpáticos, como

PVN e RVLM e reduziu a expressão de COX-2 e PGE-E2,

demonstrando que os PVMs cerebrais contribuem para o

desenvolvimento de hipertensão por meio da ativação simpática

(IYONAGA et al., 2020).

Embora os PVMs exerçam efeitos protetores que

contribuem para a homeostasia, a ativação repetida dessas

células pela Ang-II, fazem com que sejam um componente

celular de importância para a patogênese da hipertensão

neurogênica.

5. CONCLUSÕES

A superativação do SRA e o aumento na permeabilidade

da BHE permitem que a ANG-II circulante tenha acesso a

neurônios, microglias e macrófagos perivasculares em regiões

cerebrais antes protegidas por essa barreira, como é o caso dos

neurônios pré-simpáticos do PVN e RVLM. A ativação de

células microgliais e macrófagos perivasculares pela Ang-II

induz ao acúmulo de ânions superóxido e uma processo

inflamatório aumentando a atividade simpática e

consquentemente, elevando a PA.

PROCESSO INFLAMATÓRIO INDUZIDO POR MACRÓFAGOS PERIVASCULARES E MICROGLIAS E SUA RELAÇÃO COM A

HIPERTENSÃO NEUROGÊNICA

179

O estresse oxidativo é um mecanismo chave na

hipertensão neurogênica dependente de Ang-II. Desta forma,

este trabalho destaca a importância de obter informações sobre

os papéis desempenhados pelas microglias e macrófagos e sua

interação com a vasculatura do SNC, posicionando-os como

atores-chave no desenvolvimento da hipertensão e suas

consequências subseqüentes.

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AGRADECIMENTOS

Agradecemos à Coordenação de Aperfeiçoamento de

Pessoal de Nível Superior- CAPES pelo suporte financeiro, a Universidade Federal da Paraíba pela infraestrutura necessária para a realização deste trabalho, ao Centro de Biotecnologia (Cbiotec) e ao laboratório de imunologia de doenças infecciosas (LABIDIC).

.

PROCESSOS FISIOPATOLÓGICOS, TRATAMENTO E MODELOS EXPERIMENTAIS DA LESÃO PULMONAR AGUDA

183

CAPÍTULO 9

PROCESSOS FISIOPATOLÓGICOS, TRATAMENTO E MODELOS

EXPERIMENTAIS DA LESÃO PULMONAR AGUDA

Francisco de Assis Silveira de OLIVEIRA 1

João Batista de OLIVEIRA 2

Dayanne Tomaz Casimiro da SILVA 3 1 Mestrando do Programa de Pós-graduação em Ciências Farmacêuticas, UFPE; 2 Graduando

do curso de Farmácia, UFPB; 3 Orientadora/Professora da faculdade Rebouças de Campina Grande.

[email protected]

RESUMO: A Lesão Pulmonar Aguda (LPA) é uma condição presente no início da Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (SDRA), uma doença de condição inflamatória, que danifica a microestrutura pulmonar e permite com que esse fique cheio de fluidos, dificultando diretamente a respiração do indivíduo. Mesmo com a alta taxa de acometidos, o tratamento para LPA/SDRA ainda se mostra limitado. Logo, o objetivo desse trabalho foi realizar uma revisão exploratória dos aspectos fisiopatológicos e imunológicos da LPA, abordando também o tratamento empregado para seu manejo. Para tanto, foram utilizadas as bases de dados Pubmed, Sciente direct e Web of Science. Os resultados apresentados nesse trabalho, mostram os desafios iniciais para o desenvolvimento de diagnóstico e descrição da LPA. Em adição, aborda as manifestações fisiopatológicas da doença, e os principais alvos imunológicos envolvidos no agravamento da mesma. O tratamento farmacológico empregado também foi descrito, observando as principais problemáticas para sua utilização efetiva na prática clínica. Além disso, buscou-se elencar os

PROCESSOS FISIOPATOLÓGICOS, TRATAMENTO E MODELOS EXPERIMENTAIS DA LESÃO PULMONAR AGUDA

184

principais modelos experimentais murinos utilizados para mimetizar a manifestação da doença em humanos, a fim de entender melhor sua condição, bem como identificar moléculas alvos para o tratamento da LPA. Diante desses achados, é possível observar que a LPA/SRDA é uma condição patológica complexa, com inúmeros alvos e problemáticas terapêuticas. Palavras-chave: SDRA. Modelos murinos. Fisiopatologia. Inflamação pulmonar aguda. Revisão bibliográfica.

INTRODUÇÃO

Inúmeras são as doenças que podem acometer o trato

respiratório e, dentre elas, muitas possuem um tratamento que

desfavorecem a qualidade de vida dos acometidos, levando a

uma taxa de mortalidade de 7,5 milhões de indivíduos por ano,

em decorrência de complicações (SORIANO et al., 2017).

Dentre essas doenças, podemos citar a Lesão Pulmonar Aguda

(LPA), que é uma condição presente no início da Síndrome do

Desconforto Respiratório Agudo (SDRA), uma doença de

condição inflamatória, que danifica a microestrutura pulmonar,

permitindo aumento de fluidos nesse tecido, o que dificulta

diretamente a respiração do indivíduo (HARRINGTON et al.,

2018).

A LPA entrou em maior evidência em 2020, dada a sua

manifestação na COVID-19, que entrou em situação

pandêmica, caracterizada principalmente por danos no sistema

respiratório e cardiovascular (GALLELLI et al., 2020). Porém, a

LPA/SDRA é uma condição heterogênea no que tange a sua

variabilidade etiológica, onde pode ser desencadeada por

diversos fatores pré-definidos, como: doenças vasculares de

colágeno, sepse, drogas e álcool, choque, hemorragia

PROCESSOS FISIOPATOLÓGICOS, TRATAMENTO E MODELOS EXPERIMENTAIS DA LESÃO PULMONAR AGUDA

185

pulmonar, vasculite por irradiação, pneumonia, e, mais

recentemente, as transfusões sanguíneas e o uso de cigarros

eletrônicos (VLAAR et al., 2019; SCHUPP; PRASSE;

ERYTHROPEL, 2020). Vale salientar, entretanto, que a LPA já

foi encontrada em pacientes sem fatores pré-definidos, o que

dificulta o direcionamento de uma via terapêutica para o

tratamento das manifestações existentes (HARRINGTON et al.,

2018).

A taxa de mortalidade varia de 29% a 49,5% em

decorrência do agravamento da LPA/SDRA (CASER et al.,

2014; MOWERY; TERZIAN; NELSON, 2020). Estudos

mostraram que, em Berlin, a pneumonia de origem diversa foi

responsável por 79,4% das lesões diretas e sepse por 75,4%

das lesões indiretas na LPA/SDRA (FUJISHIMA et al., 2019),

colocando a investigação inflamatória por origem bacteriana,

um fator importante para o sucesso terapêutico de uma ampla

gama de indivíduos. No Brasil, estudos prospectivos mostram

que a incidência nacional é em torno de 6,3/100.000 hab/ano

para SDRA e cerca de 3,8/100.000 hab/ano para LPA, onde a

mortalidade para esses pacientes foi de 38,5%, em torno de 28

dias, e a mortalidade intra-hospitalar foi de 49,2%, não diferindo

entre os pacientes com LPA sem SDRA e SDRA (CASER et al.,

2014).

Mesmo com a alta taxa de acometidos, o tratamento

para LPA/SDRA ainda se mostra limitado, sendo utilizado

primariamente a ventilação mecânica, acompanhada do uso de

medicamentos como corticosteroides e broncodilatadores.

Contudo a utilização desses medicamentos pode levar a uma

série de efeitos indesejáveis que não podem ser tolerados em

pacientes de alto risco. Logo, terapias inovadoras são

PROCESSOS FISIOPATOLÓGICOS, TRATAMENTO E MODELOS EXPERIMENTAIS DA LESÃO PULMONAR AGUDA

186

investigadas a fim de garantir um melhor prognóstico aos

acometidos (MOKRA et al., 2019).

Diante disso, o objetivo desse trabalho foi realizar uma

revisão exploratória dos aspectos fisiopatológicos e

imunológicos da LPA, abordando, também, o tratamento

empregado para seu manejo. Além disso, buscou-se elencar

modelos experimentais que foram desenvolvidos, para

compreender melhor a manifestação da doença, bem como

investigar o potencial terapêuticos de novas moléculas, a fim

de garantir um melhor tratamento com o surgimento de menos

efeitos colaterais.

MATERIAIS E MÉTODO

Trata-se de uma revisão bibliográfica exploratória não

exaustiva. Para tanto, foram utilizadas as bases de dados

Pubmed, Sciente direct e Web of Science, utilizando os

seguintes descritores: ALI; acute lung injury; pathophysiology;

cytokines; therapy. Foram considerados artigos escritos em

língua portuguesa ou inglesa, publicados de 2016 à 2020.

Foram excluídos artigos que não tratavam de LPA; que não

estavam disponíveis para leitura na íntegra; que não estavam

em português ou inglês. Foram considerados artigos clássicos,

com alto impacto de citações e importantes para embasamento

do tema, publicados antes de 2016.

PROCESSOS FISIOPATOLÓGICOS, TRATAMENTO E MODELOS EXPERIMENTAIS DA LESÃO PULMONAR AGUDA

187

RESULTADOS E DISCUSSÃO

• Resgate histórico

A Acute Respiratory Distress in Adults foi um termo

cunhado em 1967 para classificar cerca de 272 pacientes com

uma forma particular de insuficiência respiratória, onde ambos

estavam sendo tratados com ventilação mecânica, e 12 desses

pacientes manifestaram sinais de dispneia grave, taquipneia,

cianose, baixa complacência pulmonar, como também

apresentaram infiltrados difusos no exame radiológico do tórax.

Entre esses 12 pacientes, sete foram à óbito e a análise

microscópica mostrou que ao menos cinco morreram em

decorrência do curso da doença, mostrando condições

histológicas de microatelectasias, congestão vascular,

hemorragia, edema pulmonar e formação de membranas

hialinas que revestem a superfície alveolar (BERNARD et al.,

1994).

A classificação dessa doença não foi nada simples e

diversas frentes de pesquisadores debateram sobre o melhor

termo para nomenclatura de tal enfermidade. Foi em 1992,

quase vinte e cinco anos após a sua primeira classificação, na

Espanha, em um evento chamado American-European

Consensus Conference on Acute Respiratory Distress

Syndrome (AECC) que o termo e os critérios para diagnóstico

clínico foram, então, estabelecidos. Nesse sentido, para

atender as exigências do acometimento epidemiológico da

doença, o termo “adulto” foi substituído para “agudo”, visto que

essa patologia acometia também crianças e jovens, ficando

então Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (SDRA)

PROCESSOS FISIOPATOLÓGICOS, TRATAMENTO E MODELOS EXPERIMENTAIS DA LESÃO PULMONAR AGUDA

188

(BERNARD et al., 1994; THOMPSON; CHAMBERS; LIU, 2017;

MOWERY; TERZIAN; NELSON, 2020).

Em 1994, a AECC publicou as condições clínicas para

definição e diferenciação da Lesão Pulmonar Aguda (LPA) e da

SDRA, onde ambas apresentam início agudo, hipoxemia

refratária à oxigenoterapia e são caracterizadas pelo achado de

infiltrados pulmonares bilaterais no exame radiológico de tórax.

A diferença entre elas está centrada na relação da pressão

parcial de oxigênio – PaO2/FiO2 ≤ 300 mmHg na LPA e

PaO2/FiO2 ≤ 200 mmHg para a SDRA. Ainda, as condições

clínicas dos pacientes acometidos com essa síndrome levaram

especialistas a subdividi-la de acordo com sua gravidade,

baseando-se também nas condições dos sinais vitais,

classificando-a em leve, grave e moderada. Aos poucos o termo

LPA foi descontinuado na prática médica, visto a dificuldade dos

atendentes em diferenciar a SDRA leve da LPA, considerando

a última como uma condição mais leve da síndrome. Logo “LPA”

é usada quando a intenção é avaliar as alterações

morfopatológicas presentes na enfermidade (BERNARD et al.,

1994; MOWERY; TERZIAN; NELSON, 2020).

• Aspectos fisiopatológicos

A disfunção epitélio-endotelial se mostra como um ponto

importante no desenvolvimento da LPA. Quando submetido a

exposição de agentes lesivos, as células teciduais são capazes

de liberar diversos mediadores inflamatórios importantes para o

processo inflamatório e desenvolvimento da doença, como: IL-

1β, IL-6, IL-8 e fator de necrose tumoral alfa (TNF-α)

(OLIVEIRA; PIUVEZAM, 2019).

PROCESSOS FISIOPATOLÓGICOS, TRATAMENTO E MODELOS EXPERIMENTAIS DA LESÃO PULMONAR AGUDA

189

A IL-1β e o TNF-α já possuem suas atividades bem

definidas no desenvolvimento da patologia (OLIVEIRA;

PIUVEZAM, 2019). São liberadas por células residentes

teciduais, os macrófagos alveolares, os quais são membros

importantes da imunidade inata e destacam-se por serem uma

das primeiras linhas de defesa contra microrganismos,

reconhecendo agentes indutores como padrões moleculares

associados a patógenos (PAMPs), através de receptores de

reconhecimento padrão (PRRs), a exemplo dos receptores do

tipo toll (TLR) (OLIVEIRA; PIUVEZAM, 2019). Os macrófagos

são capazes de liberar, também, exossomos, os quais podem

contribuir para o desenvolvimento da LPA, devido a sua

capacidade de interromper a expressão de proteínas de junção

das células, favorecendo a resposta inflamatória e o

rompimento da barreira estrutural (YUAN; BEDI; SADIKOT,

2018).

A liberação de citocinas pelos macrófagos é capaz,

ainda, de ativar o endotélio dos vasos sanguíneos, aumentando

a expressão de moléculas de adesão, recrutando e ativando

neutrófilos (DO NASCIMENTO XAVIER et al., 2019). Os

neutrófilos ativados são recrutados e se acumulam no espaço

aéreo e, em seguida, liberam diversos mediadores como

proteinases, espécies reativas de oxigênio, fatores de

crescimentos e citocinas. Somado a isto, a liberação de MIF

(macrophage migration inhibitory fator) dentro do ambiente local

favorece ainda mais a resposta pró-inflamatória, causando mais

lesão endotelial e epitelial alveolar. Esses eventos constituem o

centro patológico da LPA (LU et al., 2018).

A disseminação do excesso de líquido nos espaços

aéreos dos alvéolos, decorrente do aumento da permeabilidade

PROCESSOS FISIOPATOLÓGICOS, TRATAMENTO E MODELOS EXPERIMENTAIS DA LESÃO PULMONAR AGUDA

190

vascular e do dano alveolar difuso, juntamente com o declínio

na produção do surfactante, resultam no colapso alveolar,

aumento do espaço morto e dificulta as trocas gasosas

(SIEGEL; PARSONS, 2018).

O dano alveolar difuso (DAD), figura 1, é um evento

dividido em três fases: fase aguda/precoce ou exsudativa,

organizadora ou proliferativa e tardia ou fibrótica. Na fase

exsudativa, o DAD faz com que as células epiteliais e

endoteliais produzam fatores que reagem à lesão e à morte. É

possível verificar a presença de membranas hialinas distintivas

que alinham espaços alveolares, além de edema, que também

é frequentemente identificado, podendo haver ainda

hemorragia alveolar aguda (MOWERY; TERZIAN; NELSON,

2020). Devido à perda da integridade celular, os alvéolos são

preenchidos com fluido de edema proteico, o que resulta em

comprometimento das trocas gasosas (BUTT; KURDOWSKA;

ALLEN, 2016).

As membranas hialinas começam a se organizar à

medida que o DAD continua, na fase de organização, e o tecido

de granulação se desenvolve nos espaços alveolares. A

diluição e a disfunção do surfactante pulmonar levam ao

colapso dos alvéolos e à diminuição da complacência pulmonar

(MOWERY; TERZIAN; NELSON, 2020).

PROCESSOS FISIOPATOLÓGICOS, TRATAMENTO E MODELOS EXPERIMENTAIS DA LESÃO PULMONAR AGUDA

191

Figura 1: Fisiopatologia da LPA.

Fonte: (OLIVEIRA; PIUVEZAM, 2019)

Dentro de alguns dias, o fluido do edema é gradualmente

eliminado e a fase proliferativa segue-se, com proliferação de

células alveolares tipo II e fibroblastos, podendo ser encontrado

metaplasia escamosa (ARTIGAS et al., 2017). A LPA contínua

pode ocorrer mostrando fases agudas e de organização,

simultaneamente. Na ausência de recuperação, alguns

pacientes podem evoluir para um estágio fibrótico caracterizado

por fibrose difusa e outras alterações na estrutura pulmonar,

densa do colágeno e hialinização das paredes alveolares

(ARTIGAS et al., 2017).

PROCESSOS FISIOPATOLÓGICOS, TRATAMENTO E MODELOS EXPERIMENTAIS DA LESÃO PULMONAR AGUDA

192

• Aspectos imunológicos

Embora a inflamação seja um processo fisiológico que

visa a restauração da homeostase, sua estimulação prolongada

pode levar a exarcebação da resposta inflamatória e causar

danos à tecidos e órgãos. Na LPA, não é diferente, havendo

complicações nos pulmões e órgãos vitais, que comprometem

a oxigenação e pode rapidamente levar os indivíduos

acometidos ao óbito (BUTT; KURDOWSKA; ALLEN, 2016).

A diminuição do processo inflamatório local, em

detrimento da migração de neutrófilos, se apresenta como um

resultado inicial importante para o manejo da LPA. Isso porque

tais células são cruciais no agravamento das manifestações

observadas em doenças pulmonares (POLVERINO et al.,

2017).

Em protocolos experimentais de LPA, a exacerbação da

resposta neutrofílica já é bem esclarecida, e tornou-se alvo

importante. O excesso de atividade da elastase de neutrófilos e

proteases semelhantes causam danos aos tecidos e alteram o

processo de remodelação em muitas outras condições clínicas

(POLVERINO et al., 2017). Em adição, os neutrófilos são fontes

importantes de espécies reativas de oxigênio (EROs), as quais

causam disfunção endotelial e lesão tecidual, e, sob as

condições inflamatórias, levam à abertura de junções

endoteliais, favorecendo a migração de células inflamatórias

(KELLNER et al., 2017). Ainda, as armadilhas extracelulares de

neutrófilos (NETs), propostas como um mecanismo de defesa

inato para depuração de patógenos, podem induzir danos

colaterais aos tecidos do hospedeiro, favorecendo a

sobrevivência e permanência de neutrófilos no tecido pulmonar

(LEFRANÇAIS et al., 2018).

PROCESSOS FISIOPATOLÓGICOS, TRATAMENTO E MODELOS EXPERIMENTAIS DA LESÃO PULMONAR AGUDA

193

Os macrófagos, por sua vez, também desempenham

papel importante na LPA (XIAOFANG et al., 2018). Os

macrófagos M1, quando ativados, liberam citocinas pró-

inflamatórias que favorecem o recrutamento de células, o

aumento da permeabilidade capilar e a expressão de moléculas

de adesão do endotélio (LU et al., 2018). Porém, os macrófagos

desempenham duplo papel dentro do processo fisiopatológico

dessa doença, pois os de perfil M2 foram relatados como

importantes para eliminar células apoptóticas e participar da

fibrose. Além disso, esse perfil é capaz de suprimir a produção

de TNF-α, IL-1β e IL-6, e aumentar a produção de IL-10,

favorecendo o reparo tecidual. Considerando isso, a

manutenção desse perfil celular é importante a depender da

fase de desenvolvimento da LPA, do grau de severidade e da

resposta ao tratamento diante de outras células principais

(SHEN et al., 2019).

O papel dos linfócitos no desenvolvimento da LPA ainda

não é bem esclarecido, mas sabe-se que alguns perfis celulares

desempenham atividades importantes (LIN et al., 2018). Os

linfócitos T auxiliares do perfil TH17, apresentam-se como

potentes auxiliares no recrutamento de macrófagos e

polimorfonucleares. Modelos experimentais já mostraram que

sua modulação negativa é importante para melhora do quadro

de LPA, onde linfócitos T regulatórios foram considerados uma

peça fundamental no balanceamento da resposta induzida

pelos linfócitos TH17 (WANG et al., 2018).

O receptor solúvel para produtos finais de glicação

avançada (sRAGE) há muito foi identificado como um

biomarcador de diagnóstico e prognóstico de SDRA. RAGE é

um receptor de membrana mais altamente expresso nas células

PROCESSOS FISIOPATOLÓGICOS, TRATAMENTO E MODELOS EXPERIMENTAIS DA LESÃO PULMONAR AGUDA

194

epiteliais alveolares do tipo I, mas também expresso em outros

tecidos. RAGE é um receptor de reconhecimento de padrões

ativado por AGEs (YEHYA, 2019).

A forma solúvel (sRAGE), resultante de splicing

alternativo ou por clivagem ativa, foi sugerida como um

marcador epitelial específico da gravidade da SDRA. A

expressão de sRAGE elevada está, consistentemente,

associada a resultados ruins na SDRA. A fonte e a função de

sRAGE não são totalmente claras e é possível que seja um

marcador de dano epitelial. Alternativamente, no cenário de

inflamação, sRAGE elevado pode atuar como um receptor

chamariz para amortecer a inflamação ao se ligar a AGEs e

outros agonistas do RAGE ligado à membrana (YEHYA, 2019).

• Tratamento

Embora a mortalidade seja elevada, os avanços na

terapêutica e intervenções ainda não se mostram tão eficazes

à curto prazo, sendo a principal intervenção o manejo do

paciente. No que tange às medidas não farmacológicas, o uso

de ventilação mecânica (VM) é comumente utilizado, porém a

sua configuração inadequada pode induzir uma lesão pulmonar

secundária. Esta, quando combinada com uma síndrome da

resposta inflamatória sistêmica (FAZZA et al., 2020), pode atuar

no agravamento da lesão pulmonar evoluindo para SDRA

(YEHYA, 2019).

A administração de terapêuticas farmacológicas, como

broncodilatadores e corticosteroides, também é realizada na

busca da melhoria das condições patológicas. São utilizados

broncodilatadores β2-agonistas, capazes de melhorar a

depuração de fluidos e favorecer a folga mucociliar (ARTIGAS

PROCESSOS FISIOPATOLÓGICOS, TRATAMENTO E MODELOS EXPERIMENTAIS DA LESÃO PULMONAR AGUDA

195

et al., 2017), e os corticosteroides, devido aos seus efeitos anti-

inflamatórios, especialmente durante a fase exsudativa inicial e

no dano hemorrágico alveolar difuso (ARTIGAS et al., 2017),

além de promover efeitos antifibróticos do cortisol. Entretanto,

o uso de corticosteroides não se mostra eficaz para pacientes

de alto risco (MOKRA et al., 2019).

A farmacoterapia da SDRA, embora ocorra por inalação,

está associada a uma série de efeitos colaterais, como tremor

muscular e desequilíbrio ventilação-perfusão. Além disso, a

SDRA enfrenta três desafios farmacológicos relativamente

únicos (MOKRA et al., 2019). Primeiramente, os pacientes com

SDRA são vulneráveis devido à disfunção de múltiplos órgãos

concomitantemente, portanto, eles podem não tolerar os efeitos

indesejados das drogas. Segundo, a administração de

medicamentos inalatórios é impedida pelo fluido proteico nos

alvéolos lesados e pela distribuição não homogênea da

ventilação, onde a área do pulmão lesada não é ventilada. Por

último, a SDRA é heterogênea em sua fisiopatologia

subjacente, portanto é improvável que o direcionamento a uma

via melhore os resultados da maioria dos pacientes (ARTIGAS

et al., 2017).

As limitações na terapia farmacológica da SDRA têm

estimulado uma busca crescente por novas alternativas mais

eficazes e seguras para tratar essa síndrome, incluindo o

reposicionamento de fármacos já utilizados na clínica. É o caso

das estatinas, uma classe de fármacos utilizada no tratamento

das dislipidemias. As mesmas foram capazes de reduzir a

inflamação e a progressão da lesão pulmonar em modelos

experimentais e melhoraram o quadro de pacientes com SDRA,

em termos de falência de órgãos e redução da necessidade de

PROCESSOS FISIOPATOLÓGICOS, TRATAMENTO E MODELOS EXPERIMENTAIS DA LESÃO PULMONAR AGUDA

196

ventilação. Porém, o tamanho da amostra utilizada nos estudos

é pequeno para avaliar, com precisão, os efeitos sobre a

mortalidade e a sepse, e investigações adicionais são

necessárias (THOMPSON; CHAMBERS; LIU, 2017; FENG,

2018).

Ainda, tem se avaliado a aplicação do fator de

crescimento de queratinócitos (KGF) no tratamento da SDRA.

O KGF está envolvido no reparo do epitélio alveolar e, portanto,

poderia ser útil para resolução dos edema e lesão pulmonar.

Trabalhos com modelos experimentais e ensaios clínicos

iniciais apontam efeito benéfico do KGF na SDRA, porém mais

estudos são necessários para conclusões mais consistentes

(THOMPSON; CHAMBERS; LIU, 2017).

• Modelos experimentais

Desde a descrição da SDRA, em 1967, os pesquisadores

têm lutado para reproduzi-la em animais de laboratório. Apenas

recentemente, houve a padronização dos critérios para que um

modelo de ALI de laboratório seja comparável ao SDRA

humano. Embora vários modelos diferentes de lesão pulmonar

aguda tenham sido desenvolvidos, nenhum captura

completamente as etiologias incitadoras, inflamação inicial,

heterogeneidade e resolução da SDRA humana. Isso tem

contribuído potencialmente para a má tradução de potenciais

terapêuticos entre modelos animais de ALI e ARDS humano

(YEHYA, 2019). No entanto, apesar da heterogeneidade dos

modelos, estes contribuíram substancialmente para a nossa

compreensão dessa síndrome respiratória (YEHYA, 2019).

Visto que a SDRA é uma doença com consideráveis

alterações patológicas, somado a uma heterogênese em sua

PROCESSOS FISIOPATOLÓGICOS, TRATAMENTO E MODELOS EXPERIMENTAIS DA LESÃO PULMONAR AGUDA

197

etiologia, é importante buscar modelos experimentais em que

seja possível avaliar tanto suas alterações morfológicas, como

a manutenção dessas. Assim, mesmo com suas limitações, os

animais de laboratório se mostram eficazes na avaliação das

alterações patológicas, bem como na experimentação de novas

moléculas para avaliação terapêutica.

Modelos de roedores, por exemplo, têm uma resposta

exagerada para produzir óxido nítrico e reconhecem diferentes

padrões moleculares associados a patógenos em diferentes

afinidades devido a diferenças em seus receptores Toll-like

(YEHYA, 2019). Ovelhas, em contrapartida, possuem

macrófagos pulmonares intravasculares que as predispõem a

pior lesão pulmonar, após o desafio de endotoxina (YEHYA,

2019). No entanto, os ratos têm a vantagem de nocautes,

relativamente, fáceis de criar, além da possibilidade de outras

manipulações genéticas para interrogar as vias de sinalização,

enquanto animais maiores permitem maior monitoramento

fisiológico e comprimentos mais longos de ventilação,

congruentes com a SDRA humana (YEHYA, 2019).

Um dos achados mais traduzíveis de modelos animais

da LPA/SDRA humana foi o dano associado à ventilação

mecânica (VM), uma entidade multifatorial conhecida como VILI

(LIU et al., 2019). A VM em VT ou pressões excessivas, leva a

alterações fisiopatológicas que lembram a SDRA do homem

(FAZZA et al., 2020). O dano depende da magnitude e da

duração, com alongamento excessivo e atelectasia (FAZZA et

al., 2020). Ainda, a LPIVM é influenciada pelo tamanho do

animal, se o tórax estava aberto ou fechado e se a pressão

expiratória final positiva extrínseca foi usada (YEHYA, 2019).

PROCESSOS FISIOPATOLÓGICOS, TRATAMENTO E MODELOS EXPERIMENTAIS DA LESÃO PULMONAR AGUDA

198

Os modelos experimentais induzidos com

lipopolissacarídeos (LPS) constituem o segundo protocolo

experimental mais utilizado na prática não clínica, perdendo

apenas para indução por ventilação mecânica (LOPES

GIACOMINI et al., 2020). Por se tratar de um componente

presente na membrana de bactérias gram-negativas, o LPS é

capaz de agir como endotoxinas e serem reconhecidos como

PAMPs pelos macrófagos teciduais, desencadeando a reposta

inflamatória (LOPES GIACOMINI et al., 2020).

Há evidências, ainda, de que a exposição à fumaça do

cigarro (CS) aumenta o risco de desenvolver a

SDRA. Streptococcus pneumoniae é a causa mais comum de

pneumonia bacteriana, a qual se relaciona com a

SDRA. Fumantes crônicos têm taxas aumentadas de

colonização pneumocócica e desenvolvem pneumonia mais

grave do que os não fumantes. As conexões entre a exposição

à SC, pneumonia e a SDRA permanecem inexploradas. Sabe-

se que a exposição aguda a CS aumenta o recrutamento de

células imunes para o pulmão durante a pneumonia bacteriana,

causando lesões pulmonares inflamatórias mais graves em

camundongos (GOTTS et al., 2018).

CONCLUSÕES

A Lesão Pulmonar Aguda (LPA) e a Síndrome do

Desconforto Respiratório Agudo (SDRA) são bastante

difundidas em todo o mundo, com altas taxas de mortalidade.

Essa revisão fornece um compilado importante sobre inúmeros

processos envolvidos na LPA. Diante desses achados, é

possível observar que a LPA/SRDA é uma condição patológica

PROCESSOS FISIOPATOLÓGICOS, TRATAMENTO E MODELOS EXPERIMENTAIS DA LESÃO PULMONAR AGUDA

199

complexa, com inúmeros alvos e problemáticas terapêuticas.

Essa revisão fornece, ainda, modelos experimentais que podem

ser aplicados no sentido de compreender melhor as

manifestações da doença, bem como pode servir como base

para investigação de moléculas com potenciais terapêuticos.

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TECIDO ADIPOSO PERIVASCULAR COMO ALVO PARA O TRATAMENTO DE DOENÇAS CARDIOVASCULARES: UMA REVISÃO

202

CAPÍTULO 10

TECIDO ADIPOSO PERIVASCULAR COMO ALVO PARA O TRATAMENTO DE

DOENÇAS CARDIOVASCULARES: UMA REVISÃO

Júlio César Pinheiro Lúcio de OLIVEIRA 1

Rubens da Silva ARAÚJO 1 Herlanny Santana BEZERRA 1

Alline Villar de ARRUDA 2 Tays Amanda FELISBERTO 2,3

1 Graduando do curso de farmácia, UFPB; 2 Doutoranda do programa de produtos naturais e sintéticos bioativos; 3 Orientadora;

[email protected]

RESUMO: O tecido adiposo perivascular vem se consolidando como um órgão com atividades diversas. Várias substâncias vêm sendo relatadas como agentes que melhoram a função vascular por mediação do perivascular adipose tissue (PVAT) em modelos de doenças em animais. Assim, o objetivo desse estudo foi fazer um levantamento das substâncias-teste utilizadas em modelos animais de doenças os quadros patológicos por intermédio do PVAT. Para isso, os termos Perivascular adipose tissue + treatment foram pesquisados em bases de dados. Os artigos publicados entre 2016 e 2020, que tinham no título ou resumo os termos gordura periarterial, tecido adiposo perivascular e PVAT (termos em inglês), em inglês e que estudaram a ação de substâncias em modelos de doenças metabólicas e vasculares foram selecionados. Os 14 artigos selecionados trouxeram substâncias que atuaram na melhoria do quadro nos modelos de doenças em animais pela mediação do PVAT. Isto é, as substâncias mudaram o fenótipo ou o tipo

TECIDO ADIPOSO PERIVASCULAR COMO ALVO PARA O TRATAMENTO DE DOENÇAS CARDIOVASCULARES: UMA REVISÃO

203

de substâncias que esse tecido secreta para atuar de forma parácrina nos vasos sanguíneos ou endócrina. Assim, concluímos que o PVAT é um ponto-chave no desenvolvimento de novas terapias que visem tratar as doenças que afetam o sistema cardiovascular e, principalmente, a síndrome metabólica. Palavras-chave: Síndrome metabólica. Obesidade. Tecido adiposo. Artérias.

INTRODUÇÃO

O tecido adiposo perivascular ou perivascular adipose

tissue (PVAT) é composto basicamente por tecido conjuntivo e

por células adiposas que podem ser do tipo branca, marrom ou

ambas. Antes dos anos 90 acreditava-se que a única função

para o sistema cardiovascular desse tecido era proporcionar

sustentação aos órgãos do referido sistema, porém, Soltis e

Cassis demonstraram em 1991 que o PVAT tinha capacidade

de influenciar, in vitro, a contractilidade de anéis da aorta

torácica de ratos (SOLTIS; CASSIS, 1991).

Apenas em 2002 o PVAT voltou à tona novamente,

sendo demonstrado, nesse ano, a capacidade dele de diminuir

a resposta contrátil de anéis de aorta à angiotensina II, a

fenilefrina e a serotonina. Também, foi demonstrado que esse

efeito não era causado apenas pela barreira mecânica que ele

gerava, mas sim por compostos vasoativos que causavam a

vasodilatação e exerciam ação anticontraturante nos anéis

arteriais. Ademais, ficou demonstrado que o PVAT tinha a

capacidade de liberar para o meio fatores que causavam

vasorrelaxamento de anéis da aorta torácica pré-contraídos

com fenilefrina ou noradrenalina (LOHN et al., 2001). Tais

achados fundamentaram os estudos que prosseguiram para a

TECIDO ADIPOSO PERIVASCULAR COMO ALVO PARA O TRATAMENTO DE DOENÇAS CARDIOVASCULARES: UMA REVISÃO

204

elucidação da função fisiológica do PVAT sobre os vasos

sanguíneos e sobre a gênese de algumas doenças como a

hipertensão arterial sistêmica, a hipertrofia arterial, a

arteriosclerose e as doenças cardiovasculares decorrentes da

obesidade (SAXTON et al., 2019).

Os vasos sanguíneos são constituídos por três camadas:

As túnicas íntima, média e adventícia. Mas há alguns anos

diversos autores vem considerando o PVAT como uma quarta

camada que compõe os vasos – a túnica adiposa. Para tal, na

última década foi (e continua sendo) crescente o relato de

funções do PVAT sobre a regulação da fisiologia cardiovascular

e de sua importância na gênese de algumas doenças

(ZEMANČÍKOVÁ; TÖRÖK, 2019).

Hoje, o PVAT já é reconhecido devido as suas funções

parácrinas e endócrinas, secretando os fatores relaxantes

derivados do PVAT (PVAT-deriveted relaxing factors – PVRFs),

citocinas e adipocinas para a realização das suas funções sobre

o sistema cardiovascular. Os únicos vasos sanguíneos que

esse tecido não recobre são os da microcirculação e os

cerebrais (SAMUEL, 2020).

Esse tecido adiposo especial pode ser composto por

tecido adiposo branco ou marrom. O tecido adiposo branco é

composto por adipócitos com uma única gota de lipídeo, com

poucas mitocôndrias e baixa taxa de oxidação lipídica, sendo

responsável pelo armazenamento de gordura para ser utilizada

como fonte energética para o corpo. Já os adipócitos que

compões o tecido adiposo marrom são de tamanhos menores

e com gotículas lipídicas menores e têm como função principal

a produção de calor participando, assim, da regulação da

temperatura do corpo (QUEIROZ; SENA, 2020).

TECIDO ADIPOSO PERIVASCULAR COMO ALVO PARA O TRATAMENTO DE DOENÇAS CARDIOVASCULARES: UMA REVISÃO

205

Hoje em dia, diversos grupos de estudos buscam meios

de tratar a obesidade (e como consequência os problemas

vasculares associados à ela) por meio de medidas não-

farmacológicas e farmacológicas.

Dentre as medidas não-farmacológicas a mais utilizada

e estudada é a realização de exercícios físicos. Tal medida é

comprovadamente eficaz para o tratamento de comorbidades

como a obesidade, a hipertensão e o diabetes (PICHÉ; MORIN;

POIRIER, 2020).

Partindo disso, o objetivo dessa revisão foi fazer um

levantamento da participação do PVAT como alvo

farmacológico de substâncias para o tratamento de doenças em

modelos de animais, buscando pontuar os achados mais

importantes por trabalho e revisar a fisiologia e fisiopatologia

desse tecido como agente ativo na gênese e manutenção de

doenças vasculares.

MATERIAIS E MÉTODO

Para a realização da presente revisão foram feitas

consultas nas seguintes bases de dados científicos eletrônicos

indexadas aos periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento

de Pessoal de Nível Superior (CAPES): Web of Science e

PubMed. O levantamento foi realizado durante julho a agosto

de 2020.

Para tal, utilizou-se as seguintes palavras-chave:

Perivascular adipose tissue + treatment.

Delineou-se que seriam selecionados artigos escritos

apenas em inglês e publicados entre janeiro de 2016 até julho

de 2020 e que visassem elucidar a intermediação do PVAT na

ação de substâncias em modelos de doenças em ratos.

TECIDO ADIPOSO PERIVASCULAR COMO ALVO PARA O TRATAMENTO DE DOENÇAS CARDIOVASCULARES: UMA REVISÃO

206

Os artigos encontrados nas bases de dados foram

adicionados ao site Ryyan QCRI para facilitar o gerenciamento

dos artigos que seriam adicionados a revisão.

Os critérios de inclusão dos artigos para a leitura

completa foram: publicados entre 2016 e 2020, que se

caracterizam como estudos pré-clínicos em animais, que

traziam no título ou resumo os termos perivascular adipose

tissue ou PVAT.

Os artigos foram adicionados e discutidos na presente

revisão se visassem elucidar a ação de substâncias sobre o

PVAT.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Tecido adiposo perivascular: na saúde e na doença.

O PVAT corresponde a aproximadamente 3% de todo o

tecido adiposo corporal, revestindo quase todos os vasos

sanguíneos, com excessão dos vasos cerebrais, as vênulas e

arteríolas (SIEGEL-AXEL; HARING., 2016). Antes dos

trabalhos realizados entre os anos 1990 a 2000, acreditávasse

que o PVAT exercia função estrutural e de sustenção às veias

e artérias. Contudo, já foi confirmado que o PVAT exerce função

reguladora sobre a fisiologia vascular, dependendo do tipo de

PVAT e seu estado (LOHN et al., 2001).

Os fatores relaxantes derivados dos adipócitos (Em inglês:

adipocyte-derived relaxing factor, ADRF) compreendem um

grupo de moléculas que demonstraram atuar sobre o leito

arterial, alterando seu tônus e, ainda, de natureza não

identificada (NOSALSKI; GUZIK, 2017).

TECIDO ADIPOSO PERIVASCULAR COMO ALVO PARA O TRATAMENTO DE DOENÇAS CARDIOVASCULARES: UMA REVISÃO

207

Apesar disso, algumas substâncias são candidatas a

atuarem como ADRF, tais como o sulfeto de hidrogênio

(CACANYIOVA et al., 2019), a adiponectina (ALMABROUK et

al., 2018) , a prostaciclina (AWATA et al., 2019) e a angiotensina

1-7 (AGABITI-ROSEI et al., 2018).

Há certo tempo o tecido adiposo já vem sendo

reconhecido como um órgão endócrino que secreta adipocinas

que promemovem ou reduzem a inflamação no PVAT e nos

vasos sanguíneos (NOSALSKI; GUZIK, 2017).

Dentre as adipocinas já relatadas na literatura até hoje,

duas se destacam pelos efeitos mais proeminentes: a leptina e

a adiponectina.

A leptina é uma proteína bem conservada no processo

evolutivo e que seu mecanismo de ação envolve a ativação do

receptor Ob-R, o qual atua como pivô da ativação de diversas

vias de sinalização, principalmente ada janus cinase

(JAK/STAT), a da proteína ativada por mitógeno (MAPK), a da

fosfatidilinositol-3-cinase/serina-treonina cinase (PI3K/AKT) e

da cinase ativada pelo AMP (AMPK). A ativação de tais

mecanismos irá desencadear efeitos como a proliferação

celular e a regulação imunológica. Vale salientar que como

citona a leptina exerce forte efeito inflamatório, o que pode estar

associado a disfunção vascular e a síndrome metabólica

(PHAM; PARK., 2020). Além disso, já foi demonstrado que essa

adipocina está superexpressa em pacientes que apresentam

problemas cardiovasculares associados ao diabetes

(SPYCHALSKA-ZWOLIŃSKA et al., 2020).

Também, a adiponectina constitui outra adipocinina que é

encontrada no plasma humano e de forma mais abundante que

as outras, sendo majoritariamente produzida pelos adipócitos e

tendo a produção inibida na presença de citocinas pro-

TECIDO ADIPOSO PERIVASCULAR COMO ALVO PARA O TRATAMENTO DE DOENÇAS CARDIOVASCULARES: UMA REVISÃO

208

inflamatórias como o fator de necrose tumoral alfa (TNF-α) e a

interleucina 6 (IL-6) (LIM; KIM, 2020).

Essa proteína pode ser encontrada na forma oligomérica

(trímeros, pentâmeros, etc) ou pode ser clivada em

adiponectina globular, a qual exerce maior efeito biológico do

que a não-clivada e está presente em menor concentrações na

circulação sanguínea humana (PHAM; PARK., 2020).

De certo, a adiponectina é um dos principais fatores que

causam vasorrelaxamento e que está associada a melhora da

função vascular em alguns modelos de doenças (como a

obesidade e a hipertensão) em animais, sendo sugerido que

tais ações e decorrente da ativação dos receptores beta-3

adrenérgicos no PVAT que, ativados, irão desencadear a

liberação de adiponectina por esse tecido e a ativação do

receptor adipoR1 (receptor da adiponectina tipo 1) no músculo

liso vascular, o qual desencadeará a ativação da AMPK e de

canais de potássio de longa condutância ativados por cálcio

(BKCa) (BAYLIE et al., 2017).

Alguns estudos sugerem que a disfunção na expressão de

tais adipocinas podem desencadear e/ou ampliar a inflamação

e mudança de fenótipo do PVAT e, assim, o aumento da

resistência vascular, pois já foi amplamente observado que a

perda de PVAT sadio desencadeia o aumento da pressão

arterial sistêmica em modelos de obesidade em ratos (SAXTON

et al., 2019). Tal ligação torna-se um ponto de estudo animador

que liga a obesidade à gênese da hipertensão.

Na obesidade, o efeito anticontrátil do PVAT é totalmente

perdido, sendo atribuido a isso a alteração do perfil de

adipocinas e de autacoides liberados por esse tecido para o

ambiente da musculatura lisa e endotelial dos vasos

sanguíneos. A disfunção do PVAT desencadeia o aumento do

TECIDO ADIPOSO PERIVASCULAR COMO ALVO PARA O TRATAMENTO DE DOENÇAS CARDIOVASCULARES: UMA REVISÃO

209

tônus vascular, o aumento da espessura da túnica média

(devido a hipertrofia e hiperplasia da musculatura lisa vascular),

o aumento do estresse oxidativo e aumento da expressão e

atividade do sistema renina-angiotensina aldosterona. Tais

alterações irão contribuir para o aparecimento da hipertensão

arterial (AGABITI-ROSEI et al., 2018).

Além disso, essa alteração nas adipocinas e do PVAT

desencadeará a diminuição da perfusão sanguínea muscular,

da sensibilidade dos tecidos à insulina, o metabolismo e,

também, a indução da inflamação no fígado. Tais fatores irão

tornar o organismo em um fenótipo favorável ao

desenvolvimento do diabetes do tipo 2 (AZUL et al., 2020).

Há uma ligação íntima entre o processo inflamatório

crônico que se estabelece no PVAT de modelos animais de

obesidade e o aparecimento de doenças cardiovasculares

(SAXTON; WITHERS; HEAGERTY, 2019). Sendo assim, a

modulação desse processo torna-se um potencial meio

terapêutico para o tratamento das doenças cardiovasculares

relacionadas à obesidade. Diversos estudos apontam os

benefícios das atividades físicas como forma de tratamento da

obesidade e de melhoria das funções cardiovasculares

comprometidas, sendo os exercícios físicos adotados como

medida complementar do tratamento farmacológico para a

hipertensão e diabetes por diversas diretrizes pelo mundo.

Todavia, a realização de tais atividades depende do grau de

empenho dos pacientes.

Interessantemente, alguns estudos apontam que a

infecção por helmintos pode ser, no futuro, uma ferramenta para

o tratamento da obesidade. Já foi demonstrado que a infecção

por Strongyloides venezuelensis em ratos obesos promoveu a

redução do peso dos animais e aumento da sensibilidade à

TECIDO ADIPOSO PERIVASCULAR COMO ALVO PARA O TRATAMENTO DE DOENÇAS CARDIOVASCULARES: UMA REVISÃO

210

insulina por meio da modulação da microbiota intestinal e

diminuição, também, de algumas citocinas pró-inflamatórias

(PACE et al., 2018).

Saxton e colaboradores (2019) hipotetizam que o uso de

helmintos pode ser explorado para a restauração das funções

benéficas ao sistema vascular do PVAT. Eles se baseiam que

a infecção por helminto aumenta a concentração sérica de

eosinófilos, ao passo que a diminuição de eosinófilos no PVAT

está relacionado a sua perda de função protetora ao sistema

cardiovascular. Tais hipóteses são reforçadas pelos diversos

trabalhos que podem ser encontrados nas bases de dados e

que apontam esses efeitos.

Diante disso, o PVAT torna-se um alvo promissor para o

tratamento de doenças relacionadas à obesidade. Os achados

desde 1990 até hoje sobre o envolvimento desse tecido nos

processos vasculares e na participação da gênese de doenças

cardiovasculares abriram uma gama de possibilidades para que

a comunidade científica explore a atuação de substância e

tratamentos que revertam o estado patológico do PVAT e

restaure seu efeito anticontrátil e anti-inflamatório.

Intermédio do PVAT na ação vascular de substâncias:

achados bibliográficos dos últimos 5 anos.

Seguindo os critérios de levantamento de artigos para

serem inclusos no presente trabalho, da pesquisa com as

palavras-chave nas bases Web of Science e Pubmed entre

julho e agosto de 2020, um total de 263 artigos foram

encontrados e adicionados à plataforma Ryyan. Após a seleção

de artigos pelo critério de termos-chave no título e no resumo,

exclusão de artigos repetidos e de anos anterior a 2016, um

TECIDO ADIPOSO PERIVASCULAR COMO ALVO PARA O TRATAMENTO DE DOENÇAS CARDIOVASCULARES: UMA REVISÃO

211

total de 41 artigos foram selecionados para serem lidos

integralmente. Por fim, após a realização da leitura, um total de

14 artigos foram incluidos (figura 1), os quais abordavam a

participação do PVAT na ação de substâncias bioativas e

extratos como agentes vasoprotetores em modelos de doenças

cardiovasculares em animais.

Os artigos selecionados para serem integrados a esse trabalho

foram listados na tabela 1 a qual detalha a referência, modelo

animal usado, substâcia testada e principais achados.

Em sua totalidade, os roedores, ratos e camudongos, são

os animais mais utilizados. Além disso, modelo de obesidade

foram os mais corriqueiros, tendo em vista que esse parâmetro,

em humanos, está associado a diversas alterações metabólicas

e clínica.

TECIDO ADIPOSO PERIVASCULAR COMO ALVO PARA O TRATAMENTO DE DOENÇAS CARDIOVASCULARES: UMA REVISÃO

212

Figura 1. Método de busca nas bases de dados e inclusão dos

artigos pertinentes à esse capítulo de forma sistemática.

Fonte: Autor, 2020.

Os trabalhos corroboram com uma das teses para a gênese

das alterações e doenças que afetam os vasos sanguíneos,

sendo ela a de que as alteraçõs fisiológicas da região

perivascular e adventícia (como a inflamação no PVAT,

aumento do estresse oxidativo, alteração do tipo de adipócitos

e de mediadores parácrinos que esses liberam) desencadeiam

as alterações fisiológicas danosas no músculo liso e endotélio

vascular.

TECIDO ADIPOSO PERIVASCULAR COMO ALVO PARA O TRATAMENTO DE DOENÇAS CARDIOVASCULARES: UMA REVISÃO

213

TABELA 1. Estudos selecionados para o presente trabalho com

o modelo animal utilizado pelos autores, substância testada e

principais achados que relaciona o PVAT e a fisiologia vascular.

Referência Modelo

animal

Substância

testada

Achados

principais

SENA et al.,

2017

Rato Wistar de

12 meses

alimentado com

dieta

hipercalórica

Adiponectina

A adiponectina

melhorou a

disfunção endotelial

(↑eNOS fosforilada;

↓estresse oxidativo)

e reduziu a

inflamação do

PVAT em artéria

mesentérica dos

animais obesos.

ZHU et al., 2019

Camundongos

C57BL/6J

alimentados com

dieta

hipercalórica

Alogliptina

adicionada à dieta

A suplementação

desencadeou o

retorno do efeito

vasorrelaxante do

PVAT e ↓mTOR

↑autofagia no

PVAT, o que gerou

a melhora da

função vascular nos

ratos obesos. Além

disso, aumentou a

biodisponibilidade

de NO.

TECIDO ADIPOSO PERIVASCULAR COMO ALVO PARA O TRATAMENTO DE DOENÇAS CARDIOVASCULARES: UMA REVISÃO

214

KAGOTA et al.,

2019

Ratos

Espontaneament

e hipertensos

com síndrome

metabólica

Alzilsartana

A maior dose de

Alzilsartana foi hábil

em diminuir a

pressão sistólica e

o estresse

oxidativos no

modelo animal, ao

passo que a

disfunção do PVAT

não foi restaurada

com o tratamento

HAN et al.,

2018

Camundongos

C57BL/6 obesos Calicosina

Restaurou o efeito

anticontraturante do

PVAT de aorta dos

camundongos

obesos pelo

↑Adiponectina

↑AMPK e

consequentemente

a fosforilação da

eNOS.

CHEN et al.,

2016

Ratos Sprague-

Dawley tratados

com dieta

hipercalórica

Diosgenina

Aumenta a

atividade da AMPK,

diminuindo a

inflamação no

PVAT (↓TNF, ↓IL-6,

↓MCP-1) e a

expressão de

adiponectina, ao

passo que melhora

a função

vasorrelaxante do

endotélio na

presença do PVAT.

TECIDO ADIPOSO PERIVASCULAR COMO ALVO PARA O TRATAMENTO DE DOENÇAS CARDIOVASCULARES: UMA REVISÃO

215

AGABITI-

ROSEI et al.,

2017

Camundongos

envelhecidos Melatonina

Reduziu

marcadores de

envelhecimento, de

estresse oxidativo e

hipertrofia arterial,

enquanto

melhorava a ação

anticontrátil do

PVAT em artéria

mesentérica dos

camundongos.

NACCI et al.,

2016

Camundongos

com diabetes

tipo II induzida

por

estreptozotocina

Infliximabe

O tratamento

reduziu a

expressão de TNF-

alfa e de proteínas

pró-inflamatórias do

PVAT, aumentando

a expressão de

adiponectina no

PVAT e a

expressão do

receptor AdipoR1

no leito arterial.

HOU et al.,

2016

HOU et al.,

2017

Camundongos

obesos por dieta

hipercalórica

Irisina

A Irisina restaurou

a função

anticontraturante do

PVAT da aorta

abdominal dos

camundongos pelo

aumento da

expressão de

adiponectina e

AMPK no PVAT.

TECIDO ADIPOSO PERIVASCULAR COMO ALVO PARA O TRATAMENTO DE DOENÇAS CARDIOVASCULARES: UMA REVISÃO

216

HAN et al.,

2019

Camundongos

obesos por dieta

hipercalórica

Liraglutida

Desencadeia a

melhora da função

anticontraturante do

PVAT e melhora da

função endotelial

de camundongos

obesos por meio da

ativação da via

AMPK/eNOS por

intermédio da PKA.

MORI et al.,

2019

Camundongos

obesos e com

lesão na artéria

femoral

Luseoglifosina

Reduziu a

hiperplasia de

adipócitos do PVAT

e infiltração

inflamatória nesse

tecido dos animais

e inibindo, também,

o remodelamento

vascular.

XU et al., 2018

Camundongos

com obesidade

induzida por

dieta

hipercalórica

Mangiferina

Inibiu a inflamação

e a liberação de

citocinas pró-

inflamatórias e

melhorou aumentou

a sensibilidade a

insulina no PVAT, o

que desencadeou a

melhora da função

endotelial e

diminuição da

hipercontratilidade

arterial.

TECIDO ADIPOSO PERIVASCULAR COMO ALVO PARA O TRATAMENTO DE DOENÇAS CARDIOVASCULARES: UMA REVISÃO

217

VICTORIO et

al., 2016

Rato Wistar

tratado com

isoproterenol

para indução da

hipertrofia

cardíaca

Espironolactona

A espironolactona

diminuiu a

inflamação no

PVAT aórtico dos

ratos,

desencadeando a

liberação de

corticosterona pelo

PVAT por uma via

dependente das

arrestinas. Isso

gerou a ↓HSP90 e

↓ da eNOS

desacoplada no

endotélio vascular.

SALIM et al.,

2017

Camundongos

nockout para

Apoliproteina E

Teneligliptina

A administração da

substância nos

modelos animais

reduziu a

inflamação no

PVAT e preveniu a

aterosclerose na

aorta dos

camundongos.

CHONG;

OTHMAN;

HUSSAN, 2018

Ratos da

linhagem Zucker

com obesidade

induzida por

dieta

hipercalórica

Mirtilo selvagem

suplementado à

dieta

↓ mediadores pró-

inflamatórios e pró-

trombóticos no

PVAT dos ratos

obesos, ao passo

que ↓ a

hipercontralidade

aórtica desses

animais frente à

fenilefrina.

FONTE: Autor, 2020.

TECIDO ADIPOSO PERIVASCULAR COMO ALVO PARA O TRATAMENTO DE DOENÇAS CARDIOVASCULARES: UMA REVISÃO

218

Foi observado que em todos os estudos utilizou-se

roedores para as substâncias serem testadas, sendo induzido

nesses ratos e camudongos com modelos de obesidade,

síndrome metabólica, hipertensão e diabetes. Essas doenças

estão intimamente relacionadas com a disfunção endotelial,

com alterações danosas no músculo liso vascular e também

com a perda da função vasculoprotetor do PVAT (SAXTON et

al., 2019).

Além disso, as mudanças nos hábitos da população –

principalmente a ocidental – tem desencadeado uma verdadeira

pandemia de tais doenças (PETRACCI; GABBIANELLI;

BORDONI, 2020).

Assim, nos artigos encontrados nas base de dados foi

observado que tanto substâncias candidatas a fármacos,

fármacos já usados na clínica, adipocinas e extratos vegetais

atuaram na melhoria da função vascular e melhoramento do

quadro patológico dos modelos animais por meio da mudança

de fenótipo e do tipo de adipocininas, citocinas e autacoides

secretados pelo PVAT, bem como na diminuição do quadro

inflamatório e do estresse oxidativo desse tecido.

Algumas substâncias usadas nos estudos relatados na

tabela 1 já são usados corriqueiramente na prática clínica no

dia a dia e isso aponta, de certa forma, efeitos pleiotrópicos

desses fármacos, os quais são intermediados pelo PVAT.

Outrossim, é importante salientar que alguns mecanismos

de ação desses fármacos e substâncias encontrados possuem

alguns pontos em comum, como a calicosina e adiosgenina que

possuem como ponto em comum de ação o aumento da

expressão e atividade da AMPK, o que está relacionado com o

aumento da biodisponibilidade de NO para o músculo liso

TECIDO ADIPOSO PERIVASCULAR COMO ALVO PARA O TRATAMENTO DE DOENÇAS CARDIOVASCULARES: UMA REVISÃO

219

vascular e, assim, relaxamento do leito arterial. Também, foi

visto que a maioria das substâncias aumentaram a expressão

de adiponectina.

A adiponectina está diretamente relacionada, conforme

relatos da literatura, com a melhoria e manutenção da boa

função cardiovascular. Foi observado que na maioria dos

estudos, as substâncias testadas melhoravam a

biodisponibilidade ou a expressão no PVAT de adiponectina, o

que pode está relacionado, também, com a melhora da função

vascular, da obesidade, hipertensão, diabetes e síndome

metabólica nos animais dos estudos suprarrelatados.

CONCLUSÕES

Dessa maneira, pode-se concluir que o tecido adiposo

perivascular pode atuar como um mediador nas ações

benéficas de algumas substâncias testadas e que a reversão

do dano no PVAT e o resgate do seu estado fisiológico antes

da instalação das comorbidades é um importante ponto de

estudo para o desenvolvimento de novos medicamentos para o

tratamento da síndrome metabólica.

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TECIDO ADIPOSO PERIVASCULAR COMO ALVO PARA O TRATAMENTO DE DOENÇAS CARDIOVASCULARES: UMA REVISÃO

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AGRADECIMENTOS Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Universidade Federal da Paraíba (UFPB) pelo fomento e apoio.

TOXINAS DE ANIMAIS COM ALVO EM CANAIS PARA SÓDIO: FERRAMENTAS FARMACOLÓGICAS VALIOSAS PARA CANALOPATIAS

NEUROLÓGICAS

223

CAPÍTULO 11

TOXINAS DE ANIMAIS COM ALVO EM CANAIS PARA SÓDIO: FERRAMENTAS FARMACOLÓGICAS VALIOSAS PARA

CANALOPATIAS NEUROLÓGICAS

Micheline Freire DONATO 1,2

Pedro Henrique Cardoso de CASTRO 3

Samuel José DORNELAS 4

Alessandra MATAVEL5

1 Professora Visitante da PGPNSB- DCF/UFPB; 2 Orientadora/Professora da PGPNSB-

DCF/UFPB; 3 Mestrando em Farmacologia/UFMG; 4 Graduando em Ciências

Biológicas/UFMG; 5 Pesquisadora, Fundação Ezequiel Dias/MG.

[email protected] ; [email protected]

RESUMO: Os canais iônicos operados por voltagem (VOCs) são glicoproteínas transmembrana responsáveis por inúmeros processos fisiológicos, incluindo transmissão do impulso nervoso, contração muscular e liberação de neurotransmissores e hormônios. Canais para sódio dependentes de voltagem (Nav) participam na manutenção da homeostase do sistema nervoso central e periférico, e são os responsáveis pelo impulso elétrico rápido. Doenças monogenéticas, frequentemente causadas por mutações nestes canais, causam disfunções, chamadas canalopatias, como a síndrome do QT-longo, Dravet, dor, epilepsia, enxaqueca, dentre outras. Desta forma, os Navs são alvos terapêuticos para o tratamento de várias destas doenças. A busca por substâncias com ação moduladora nestes canais é uma alternativa promissora no desenvolvimento de terapias mais eficientes e específicas. Dentre os moduladores dos Navs,

TOXINAS DE ANIMAIS COM ALVO EM CANAIS PARA SÓDIO: FERRAMENTAS FARMACOLÓGICAS VALIOSAS PARA CANALOPATIAS

NEUROLÓGICAS

224

as neurotoxinas foram selecionadas ao longo da evolução para serem específicas contra regiões dos VOCs importantes para sua função, e que, portanto, não podem ser alteradas. Nesse sentido, essas toxinas têm mostrado grande potencial biotecnológico, direcionando novas abordagens farmacológicas que podem melhorar a qualidade de vida e prognóstico de pacientes portadores destas canalopatias. O objetivo desse capítulo foi revisar os dados da literatura em relação à contribuição dos Navs para fenótipos de epilepsia e dor, e apresentar os sítios de ligação das neurotoxinas sobre os Navs. Palavras-chave: Neurotoxinas de animais. Canais iônicos. Canais Nav. Epilepsia. Dor.

INTRODUÇÃO

Os canais iônicos operados por voltagem (VOCs)

pertencem à superfamília das glicoproteínas da membrana

celular e participam da homeostase iônica em diferentes tipos

celulares. Eles possuem papel fundamental na propagação do

potencial de ação neuronal, contração muscular, promovem a

secreção de neurotransmissor nas sinapses, dentre outras

funções. Os VOCs foram encontrados em todos os táxons:

vírus, procariotas e eucariotas; sugerindo um ancestral quase

tão antigo quanto à própria Terra (MORAN et al., 2015). Eles

respondem às variações rápidas na voltagem através da

membrana, permitindo a passagem seletiva de íons, o que

diferencia os canais para potássio (Kv), cálcio (Cav) e sódio

(Nav) (VAN THEEMSCHE et al., 2020).

Os Kvs estão presentes em todas as células e participam

do potencial de repouso e da repolarização. Os Cavs, além de

participarem da contração muscular, são importantes segundos

TOXINAS DE ANIMAIS COM ALVO EM CANAIS PARA SÓDIO: FERRAMENTAS FARMACOLÓGICAS VALIOSAS PARA CANALOPATIAS

NEUROLÓGICAS

225

mensageiros, acionando muitas cascatas de sinalização

intracelular. Já os Navs exercem papel essencial na geração e

propagação do potencial de ação (PA) rápido em neurônios e

em outras células eletricamente excitáveis, como miócitos e

células endócrinas.

Os canais iônicos possuem pelo menos dois estados

conformacionais, aberto e fechado, sendo que o estado fechado

pode ser ainda distinto em inativado e desativado, mas

geralmente há diferentes subestados destes (AHERN et al.,

2016). As propriedades destes estados são chamadas de

propriedades de gating e são dependentes de voltagem em

maior ou menor grau, de acordo com o canal. O estado condutor

é o “aberto”, que geralmente é um estado transitório. Nos Navs,

esse estado permanece somente alguns milissegundos,

transitando muito rapidamente para o estado “inativado”.

Estruturalmente, os VOCs são constituídos por uma

subunidade principal α, que forma o canal. Esta subunidade

pode ser modulada pelas subunidades acessórias 𝛃, 𝛄 e/ou 𝛅,

que regulam as propriedades de gating, tráfico e expressão na

superfície da célula (O’LEARY & CHAHINE, 2018). A

subunidade 𝛂 do Kv é constituído por 6 segmentos

transmembrana (S1-S6) em forma de 𝛂 -hélice, separados por

alças intra e extracelulares, sendo os segmentos N- e C-

terminal voltados para o interior da célula (fig. 1).

Para formar um canal funcional os Kv necessitam de 4

subunidades, que podem ser iguais (formando um

homotetrâmero) ou diferentes (formando um heterotetrâmero)

(KIM & NIMIGEAN, 2016). Acredita-se que os Kvs foram os

primeiros VOCs que aparecerem no curso da evolução, que por

TOXINAS DE ANIMAIS COM ALVO EM CANAIS PARA SÓDIO: FERRAMENTAS FARMACOLÓGICAS VALIOSAS PARA CANALOPATIAS

NEUROLÓGICAS

226

meio de dois ciclos de duplicação gênica e divergência originou

os Cav e Nav (Moran et al., 2015). Desta forma, os Cavs e Navs

possuem 4 domínios (D1-D4), homólogos às 4 subunidades dos

Kvs, no entanto, uma subunidade 𝛂 sozinha é capaz de formar

o canal funcional (VAN THEEMSCHE et al., 2020).

Figura 1. Estrutura geral da subunidade 𝛂 dos VOCs. Os Kvs

são constituídos por 6 segmentos transmembrana (ST) em 𝛂 -

hélice (S1-S6). São necessárias 4 subunidades para formar um

canal funcional. Os Navs e Cavs possuem 4 domínios (D1-D4),

possuindo 6 ST cada um.

Fonte: Autores, 2020.

O segmento S4 de cada subunidade ou domínio possui

uma carga positiva a cada 3-4 aminoácidos, sendo denominado

sensor de voltagem (KIM & NIMIGEAN, 2016; AHERN et al.,

2016). Por estar no campo elétrico da membrana, essas cargas

se movem de acordo com as mudanças na voltagem, e esse

movimento está acoplado à ativação do canal (VAN

THEEMSCHE et al., 2020). Estudos estruturais de cristalografia

por raio-X de alguns desses canais demonstraram que alças

ascendente e descendente (M1 e M2) entre os segmentos S5-

S6 de cada subunidade ou domínio, se invaginam na

TOXINAS DE ANIMAIS COM ALVO EM CANAIS PARA SÓDIO: FERRAMENTAS FARMACOLÓGICAS VALIOSAS PARA CANALOPATIAS

NEUROLÓGICAS

227

membrana formando as paredes do poro, enquanto a extensão

do poro é inclinada, com arranjo de uma “tenda indígena”

invertida. Essa estrutura sugere que o poro é estreito na região

intracelular e funciona como um filtro de seletividade iônica

específica para cada íon (CLAIRFEUILLE et al., 2019). Para o

Cav a assinatura do filtro de seletividade são os aminoácidos

EEEE (4 glutamatos) presentes um em cada alça do poro de

cada domínio (ABDEREMANE-Ali et al., 2019). Da mesma

forma, os resíduos DEKA (aspartato, glutamato, lisina e alanina)

formam o filtro de seletividade dos Navs (AHERN et al., 2016).

Para o diverso grupo dos Kvs, a assinatura varia um pouco

sendo conservado o motivo GYG (glicina, tirosina, glicina) (KIM

& NIMIGEAN, 2016) que, nesse canal se encontra em

sequência na cadeia primária, se repetindo em cada

subunidade.

O estado inativado dos Navs, um estado não condutor e

não responsivo (refratário) do qual ele se recupera somente

após a repolarização, ocorre graças ao motivo IFM, constituído

por 3 aminoácidos (isoleucina, fenilalanina e metionina) na alça

intracelular entre os segmentos D3-S6 e D4-S1, e que se

movem após o movimento do sensor de voltagem D4-S4,

acoplando processo de ativação e inativação do canal (AHERN

et al., 2016).

Foram identificadas nove isoformas para a subunidade α para

os Navs em mamíferos (Nav1.1-Nav1.9) distribuídos em

diferentes tecidos, com propriedades biofísicas e sensibilidade

distinta à neurotoxina tetrodotoxina (TTX), que foi a primeira

toxina utilizada para distinguir esses canais e suas isoformas

(tabela 1) (DEUIS et al., 2017).

TOXINAS DE ANIMAIS COM ALVO EM CANAIS PARA SÓDIO: FERRAMENTAS FARMACOLÓGICAS VALIOSAS PARA CANALOPATIAS

NEUROLÓGICAS

228

Devido a sua importância em muitos aspectos da

regulação celular e transdução de sinais, mutações nos VOCs

podem levar às disfunções fisiológicas envolvidas em

patologias, denominadas canalopatias (NATARAJAN &

KRISHNA, 2019). Além disso, eles são alvos moleculares de

uma extensa gama de neurotoxinas animais (NTX). As NTX que

modificam os VOCs estão divididas em duas categorias:

bloqueadoras do poro e modificadoras de gating (SHEN et al.,

2018).

Tabela 1. Subunidades α dos Navs de mamíferos.

Tipo

Gene Tecidos primários de

expressão

Nav1.1 SCN1A SNC

SNP

Nav1.2 SCN2A SNC

Nav1.3 SCN3A SNC

Nav1.4 SCN4A Músculo esquelético

Nav1.5 SCN5A Músculo cardíaco

Nav1.6 SCN8A SNC

SNP

Nav1.7 SCN9A SNP

Células de Schwann

Nav1.8 SCN10 Gânglio da raiz dorsal (DRG)

Nav1.9 SCN11 SNP

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NEUROLÓGICAS

229

SNC: Sistema Nervoso Central; SNP: Sistema Nervoso Periférico.

Fonte: Adaptado de DEUIS et al., 2017.

Enquanto as NTX bloqueadoras ocluem fisicamente o

poro por onde os íons atravessam; as modificadoras de gating

podem alterar a cinética e/ou a dependência de voltagem da

ativação e da inativação desses canais. Por serem específicas,

NTX têm sido utilizadas para compreender a estrutura-função

das diferentes partes dos VOCs, identificar as isoformas dos

canais e auxiliar na terapia e desenvolvimento de novos

fármacos.

Neste trabalho, revisamos duas canalopatias dos Navs

no sistema nervoso central (SNC): epilepsia e dor. Além disso,

discorremos sobre os sítios de ligação das NTX nos Navs e seu

potencial biotecnológico.

MATERIAIS E MÉTODO

Trata-se de uma revisão da literatura científica

preferencialmente dos últimos cinco anos (2015 a 2020) uma

vez que revisões recentes são escassas sobre o tema em

questão.

Foram realizadas buscas em plataformas acadêmicas e

banco de dados de artigos científicos, tais como o Scielo,

Pubmed, Science Direct, Google Acadêmico através de

descritores ou palavras-chave em português e inglês, como

canais iônicos, canal para sódio dependente de voltagem, Nav,

epilepsia, dor, toxinas animais, neurotoxinas; ion channels,

voltage gated sodium channel, toxin, epilepsy, pain,

respectivamente.

TOXINAS DE ANIMAIS COM ALVO EM CANAIS PARA SÓDIO: FERRAMENTAS FARMACOLÓGICAS VALIOSAS PARA CANALOPATIAS

NEUROLÓGICAS

230

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Canalopatias associadas aos Navs

Epilepsia

A epilepsia é marcada por crises de ocorrência

transitória, focais ou generalizadas, devido atividade neuronal

anormal e excessiva no cérebro. Dependendo de quais áreas

do cérebro estão envolvidas, as crises epilépticas podem

consistir em perda de consciência com tremores, confusão

mental, movimento incontrolável dos membros e sintomas

sensoriais diversos (JOHNSON, 2019).

Compreender e investigar a etiologia da epilepsia

permite maior abrangência na conduta clínica e direcionamento

de novas terapias capazes de melhorar o prognóstico de

pacientes portadores desta doença. Embora em três quartos

dos pacientes as crises sejam idiopáticas (causas

desconhecidas), os estudos de sequenciamentos genéticos

têm evidenciado diversas mutações responsáveis pelo quadro

epiléptico, dentre elas, mutações na subunidade α do Nav1.1

(MENEZES et al., 2020). Além deste, outros Navs estão

relacionados à epilepsia (MENEZES et al., 2020), como se

segue.

Nav1.1

Mais de 1.800 mutações já foram identificadas no gene

SCN1A que codifica a proteína do canal Nav1.1 (The Human

Gene Mutation Database, 2020), sendo esse alvo o mais

TOXINAS DE ANIMAIS COM ALVO EM CANAIS PARA SÓDIO: FERRAMENTAS FARMACOLÓGICAS VALIOSAS PARA CANALOPATIAS

NEUROLÓGICAS

231

comum dentre as mutações que causam epilepsia. Os Nav1.1

são expressos em neurônios inibitórios gabaérgicos, assim, a

perda de função deste canal nessas células reduz os impulsos

inibitórios, predispondo o SNC às descargas excessivas,

características da condição epileptogênica. Mutações neste

canal podem predispor o surgimento de manifestações que vão

de epilepsia generalizada com convulsão febril plus (EGCF+),

que podem persistir até a vida adulta, à síndrome de Dravet

(SD), uma encefalopatia epiléptica grave e farmacorresistente,

também caracterizada por convulsões gatilhadas por

hipertermia na infância, mas que não persistem na vida adulta,

com déficits cognitivos, comportamentais e ataxia. No caso da

EGCF+, a mutação é sítio dirigida, com consequências

funcionais imprevisíveis, dependendo do aminoácido mutado.

Em estudo feito por Mantegazza e colaboradores (2019), o

gene SCN1A foi sequenciamento em pacientes com SD e

revelou sete diferentes mutações, seis nonsense, que

acarretaram em um canal não-funcional, e uma missense

(L986F) (HUFF et al., 2020; MANTEGAZZA, et al., 2019). Em

alguns casos é possível rastrear a hereditariedade da mutação,

revelando histórico familiar em pacientes com SD e/ou EGCF+.

Mutações no SCN1A são encontradas em cerca de 80% dos

pacientes portadores de SD e em apenas 10% dos pacientes

portadores de EGCF+ (MEI et al., 2019).

TOXINAS DE ANIMAIS COM ALVO EM CANAIS PARA SÓDIO: FERRAMENTAS FARMACOLÓGICAS VALIOSAS PARA CANALOPATIAS

NEUROLÓGICAS

232

Nav1.2

Codificado pelo gene SCN2A, o canal Nav1.2 é expresso

no SNC em neurônios excitatórios glutamatérgicos (SANDERS

et al., 2018). Durante o desenvolvimento inicial, Nav1.2 é

abundantemente expresso nos nódulos de Ranvier e no

segmento inicial do axônio (SIA), participando diretamente da

excitabilidade neuronal e início do potencial de ação (PA).

Nav1.2 é substituído por Nav1.6, e a expressão de Nav1.2 fica

restrita a região distal do SIA, participando do prolongamento

do PA em vez de iniciá-lo em neurônios maduros. São

conhecidas mais de 100 mutações neste gene, que causam

sintomas diversos como encefalopatias epilépticas e de

desenvolvimento, convulsões familiares neonatais benignas,

ataxia episódica, transtornos de espectro autista e deficiência

intelectual com e sem convulsões (REYNOLDS et al., 2020). As

mutações de ganho de função estão relacionadas à epilepsia,

uma vez que causam hiperexcitabilidade neuronal, e as

mutações de perda de função estão relacionadas ao autismo e

ao fenótipo de deficiência intelectual (BEN-SHALOM et al.,

2017).

Nav1.3

O Nav1.3, codificado pelo gene SCN3A, é expresso no

SNC apenas durante o desenvolvimento embrionário e

neonatal, sendo quase indetectável em indivíduos após este

período. Durante a infância estes canais são trocados pelos

Nav1.1 para manter as funções fisiológicas do corpo (ZAMAN et

TOXINAS DE ANIMAIS COM ALVO EM CANAIS PARA SÓDIO: FERRAMENTAS FARMACOLÓGICAS VALIOSAS PARA CANALOPATIAS

NEUROLÓGICAS

233

al., 2018). No entanto, estudos têm demonstrado que em

tecidos que sofreram algum tipo de lesão causando dor

neuropática, há um aumento da expressão dos Nav1.3,

demonstrando sua importância nas neuropatias (MENEZES et

al., 2020). Variantes de SCN3A foram associadas à

encefalopatia epiléptica infantil precoce, que confere ganho de

função ao canal, e geralmente é responsivo ao tratamento com

fármacos bloqueadores de canal para sódio como o topiramato

de sódio (BRUNKLAUS et al., 2020).

Nav1.6

O Nav1.6 é codificado pelo gene SCN8A e expresso no

SNC e SNP. Mutações neste canal conferem fenótipos de

epilepsia que vão desde convulsões infantis benignas e

discinesias paroxísticas à encefalopatía epiléptica grave.

Geralmente essas crises epilépticas se iniciam no primeiro dia

de vida culminando entre o 4o e 5o mês com crises focais,

tônicas, clônicas, mioclônicas, crises de ausência e/ou

espasmos epilépticos. Mutações nesse gene podem gerar

problemas relacionados ao desenvolvimento cognitivo

(LARSEN et al., 2015). Em pacientes epilépticos estas

mutações conferem ganho de função para o canal, às vezes

responsivo a altas doses de bloqueadores (BRUNKLAUS et al.,

2020). Mutações no SCN8A são descritas como a causa mais

comum de morte repentina e inesperada em pacientes com

epilepsia. Uma possível correlação entre morte súbita de

pacientes epilépticos e mutações no SCN8A é a presença, em

baixos níveis, de Nav1.6 nos túbulos transversos dos miócitos

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NEUROLÓGICAS

234

ventriculares, regulando o acoplamento excitação-contração.

Disfunções nos Nav1.6 no tecido cardíaco podem causar

alterações na função cardíaca levando à parada

cardiorrespiratória (JOHANNESEN et al., 2018).

Nav1.7

SCN9A é o gene que codifica a proteína Nav1.7,

preferencialmente expresso no SNP, mas também presente no

SNC. Yang e colaboradores (2018) observaram duas mutações

em SCN9A com manifestações epilépticas, demonstrando sua

associação às manifestações clínicas com um grande espectro

de fenótipos de convulsão, incluindo crises febris e não febris.

Pacientes com mutações de deleção (nonsense) tendem a

estar associados a tipos de crises mais graves do que mutações

missense. Sua relação com epilepsia, embora embasada por

estudos recentes ainda não foi completamente confirmada

(BRUNKLAUS et al., 2020; MENEZES et al., 2020).

Dor

A capacidade de um organismo de sentir dor se

desenvolveu ao longo da evolução das espécies como uma

forma de alerta, que tem como objetivo minimizar danos aos

tecidos e células, na tentativa de prolongar a sobrevivência

(COX et al., 2006).

Cox e colaboradores (2006) descreveram famílias

paquistanesas incapazes que sentir dor. Análise genômica

identificou mutações do gene SCN9A, que codifica o canal

Nav1.7 comumente encontrado no DRG e em neurônios

TOXINAS DE ANIMAIS COM ALVO EM CANAIS PARA SÓDIO: FERRAMENTAS FARMACOLÓGICAS VALIOSAS PARA CANALOPATIAS

NEUROLÓGICAS

235

ganglionares simpáticos, como responsável pela condição.

Esta canalopatia congênita acarreta perda de função do canal.

De forma inversa, a hiperativação dos canais Nav1.7

pode levar aos distúrbios de hiperalgesia. A dor neuropática

causada por doenças como eritromelalgia hereditária,

distúrbios de dor extrema paroxística, e neuropatia fibrótica são

consequências de uma mutação de ganho de função dos canais

Nav1.7 (ZHANG et al., 2019), que diminui o limiar de ativação

destes canais tornando-os mais susceptíveis à despolarização.

Os indivíduos acometidos por essa mutação genética sentem

dores desproporcionais às lesões teciduais. Nesse caso, a dor

não desempenha uma função fisiológica de proteção e passa

ser uma condição patológica.

O Nav1.8 é codificado pelo gene SCN10A e expresso,

preferencialmente no DRG, em neurônios do nervo trigêmio e

em terminais nervosos livres na pele. Suas propriedades

biofísicas, e sua presença nas terminações nervosas sensitivas

sugerem uma importante relação com a percepção da dor

neuropática e inflamatória. Estudos recentes demonstram

associação desse canal aos efeitos na condução cardíaca.

Suas mutações de ganho de função são raras e pouco

relatadas na literatura (DUAN, 2018).

Por sua vez, o Nav1.9 é codificado pelo gene SCN11A e

expresso exclusivamente em neurônios nociceptivos, no DRG

e seus axônios. Embora o papel deste canal não esteja

completamente elucidado, Ginanneschi e colaboradores (2019)

mostraram que algumas mutações causam hipersensibilidade à

dor inflamatória periférica e neuropática.

TOXINAS DE ANIMAIS COM ALVO EM CANAIS PARA SÓDIO: FERRAMENTAS FARMACOLÓGICAS VALIOSAS PARA CANALOPATIAS

NEUROLÓGICAS

236

Levando em consideração que a dor crônica é um

problema que afeta cerca de 20% da população mundial

(BAKER; NASSAR, 2020), torna-se importante realizar estudos

relacionados à prospecção de novos fármacos que atuem de

forma analgésica, inibindo ou reduzindo a função das isoformas

Nav1.7, Nav1.8. e Nav1.9.

Nesse enfoque, a toxina ProTx-II isolada da aranha

tarântula apresentou alta seletividade 100 vezes maior aos

canais Nav1.7 do que para outras isoformas, e que poderá ser

utilizada como perspectiva no tratamento de diferentes

neuropatias (LAWRENCE et al., 2019).

Neurotoxinas e seus sítios receptores nos Navs

Seis diferentes sítios receptores que se ligam NTXs

foram identificados na superfície dos Navs (ISRAEL et al., 2017)

(tabela 2). Outros sítios foram identificados, portanto eles não

se ligam NTXs e não será tratado aqui.

Farmacologicamente pode-se classificar as NTXs em

três grupos baseados em seus efeitos funcionais e pela

localização dos seus sítios receptores: (i) toxinas bloqueadoras

do poro; (ii) toxinas modificadoras do gating por se ligar à sítios

receptores intramembrana; (iii) toxinas modificadoras do gating

por se ligar à sítios receptores extracelulares (ISRAEL et al.,

2017).

TOXINAS DE ANIMAIS COM ALVO EM CANAIS PARA SÓDIO: FERRAMENTAS FARMACOLÓGICAS VALIOSAS PARA CANALOPATIAS

NEUROLÓGICAS

237

Tabela 2. Identificação dos sítios receptores para as NTX nos

Nav ao domínio e o efeito sobre o canal.

Sítio Toxina Domínio Aminoácidos

Sítio 1 Tetrodotoxina

Saxitoxina

µ-conotoxina

D1-M2-S6

D2-M2-S6

D3-M2-S6

D4-M2-S6

D1-M2-S6

D2-S5-S6

D3-M2-S6

D4-M2-S6

D384, E387, Y385,

D400, Y401, E403

E758, E942, E945

K1422, D1426

A1714, D1717, D1532

D400, Y401, W402,

E403

A728, A730, E758

W1239, D1241

W1531, D1532

Sítio 2 Veratridina

Batracotoxina

Grayanotoxina

D1-S6

D4-S6

I433, N434, L437

F1579, N1584, I1760,

F1764 Y1586

Sítio 3 𝛂 -escorpiotoxina

toxina de

anêmona

toxina de aranha

D1-S5-S6

D4-S5-S6

D4-S3-S4

E1613

E1616, V1620, L1624

Sítio 4 𝛃 -escorpiotoxina D1-S5-M1

D2-S1-S2

D2-S3-S4

D3-M2-S6

G845

Sítio 5 Brevetoxinas

Ciguatoxina

D1-S6

D4-S5

Sítio 6 𝛅 -conotoxina D4-S4

Fonte: Adaptado de STEVENS et al., 2011.

TOXINAS DE ANIMAIS COM ALVO EM CANAIS PARA SÓDIO: FERRAMENTAS FARMACOLÓGICAS VALIOSAS PARA CANALOPATIAS

NEUROLÓGICAS

238

Neurotoxinas Bloqueadoras do Poro do Canal

Neurotoxinas que se ligam ao sítio 1

Neurotoxinas que bloqueiam os Navs interagem com o

sítio 1, localizado na região do poro do canal. Estas toxinas se

ligam no lado extracelular do Nav bloqueando o fluxo de íons

sódio e, consequentemente, o potencial de ação em nervo e

músculo causando paralisia (ISRAEL et al., 2017).

São constituídos por dois diferentes grupos de NTXs. No

primeiro estão as toxinas guanidinas heterocíclicas

hidrossolúveis: a tetrodotoxina (TTX), inicialmente isolada do

baiacu japonês (Fugu rubripes), posteriormente encontrada em

mais de 40 espécies de peixes, moluscos, caranguejos,

cefalópodes e anfíbios da América Central; e a saxitoxina

(STX), isolada do dinoflagelado Gonyaulax catenella, podendo

ser encontrada também em mexilhões e moluscos bivalves que

deles se alimentam. No segundo grupo estão os peptídeos

tóxicos µ-conotoxina (µ-CTX), isolada do Conus geographus.

Foi mostrado que 2 toxinas de aranha também se ligam ao sítio

1 bloqueando o poro: a hainantoxin-I (HNTX-I) da Ornithoctonus

hainana; e a PnTx1 da aranha sulamericana Phoneutria

nigriventer (STEVENS et al., 2011).

A localização do sítio receptor da TTX e STX envolve

resíduos de aminoácidos de todos os domínios, aparentemente

formando anéis dentro do poro: um mais externo formado por

aminoácidos ácidos (E387, E945, D1426 e D1717) e outro mais

interno, formado pelo filtro de seletividade (D384, E942, K1422

e A1714) (ISRAEL et al, 2017). Foram identificados também

outros resíduos que reduzem a ligação da TTX, como D400,

TOXINAS DE ANIMAIS COM ALVO EM CANAIS PARA SÓDIO: FERRAMENTAS FARMACOLÓGICAS VALIOSAS PARA CANALOPATIAS

NEUROLÓGICAS

239

Y401 e E403D em D1, T759 e E758 em D2 e D1532 em D4

(ISRAEL et al, 2017). A clonagem da isoforma cardíaca mostrou

que a baixa afinidade da TTX pelo canal era a substituição de

um resíduo aromático (Fen ou Tyr) na posição 385 por uma

cisteína. Desta forma, este resíduo também foi identificado

como sendo importante para a ligação da toxina guanídica

(ISRAEL et al., 2017). Porém, mutações que afetam

significativamente a ligação da TTX e STX apenas reduzem

fracamente a afinidade da µ-CTX ou PnTx1, indicando que

embora a ligação destas duas classes de toxinas seja

competitiva sobre o canal de sódio, devam haver interações

distintas (STEVENS et al., 2011), como pode ser visto na tabela

2.

Toxinas Modificadoras do Gating: Receptores

Intramembrana

As NTX lipossolúveis agem nos sítios 2 e 5 dos Navs.

Elas se ligam a sítios que são distintos ao poro ou ao sensor de

voltagem favorecendo o estado aberto do canal por meio de

interação alostérica indireta (VAN THEEMSCHE et al., 2020).

Neurotoxinas que se ligam ao sítio 2

Compostos policíclicos apolares, como a veratridina,

aconitina, batracotoxina e grayanotoxina, se ligam ao sítio 2 do

canal Nav. As toxinas antillatoxina e hoiamide isoladas de

algumas cianobactérias (Lyngbya majuscula) também se ligam

a esse sítio (STEVENS et al., 2011). Estas NTXs se ligam de

TOXINAS DE ANIMAIS COM ALVO EM CANAIS PARA SÓDIO: FERRAMENTAS FARMACOLÓGICAS VALIOSAS PARA CANALOPATIAS

NEUROLÓGICAS

240

forma alostérica, preferencialmente no estado ativado,

mantendo uma ativação persistente mesmo no potencial de

repouso da membrana, que pode ser explicada pelo

deslocamento do potencial de ativação para valores negativos

pelo bloqueio da inativação e pela redução da seletividade

(VAN THEEMSCHE et al., 2020).

As regiões transmembrana da região do poro D1-S6

(I439, N440 e L443) e D4-S6 (F1586 e N1591) foram

inicialmente identificadas como sendo importantes para a

ligação da batracotoxina ao sítio 2 (VAN THEEMSCHE et al.,

2020). A ligação de toxinas ao segmento D4-S6 provavelmente

é responsável pelo bloqueio da inativação, já que este

segmento está intimamente relacionado à inativação do canal

(NIITSU et al., 2018). Posteriormente, os resíduos S1283 e

LD3-S6 do D3-S6 e N790 e L794 do D2-S6 foram incluídos

como parte do sítio receptor no poro do canal. Mutações de

outros 2 resíduos (G1282 e F1284) na dobradiça entre alça e o

segmento D3-S6, reduziu o efeito da batracotoxina no canal de

barata (VAN THEEMSCHE et al., 2020).

Neurotoxinas que se ligam ao sítio 5 do receptor

As toxinas solúveis em lipídios brevetoxina e ciguatoxina

extraídas dos dinoflagelados marinhos Karenia brevis e

Gambierdicus toxicus, respectivamente aumentam a atividade

nos Navs se ligando aos segmentos transmembranares D1-S6,

D4-S5 e D4-S6, que formam o sítio 5, resultando na inibição da

inativação e no deslocamento da dependência de potencial da

ativação para valores mais negativos. A região da ligação se

TOXINAS DE ANIMAIS COM ALVO EM CANAIS PARA SÓDIO: FERRAMENTAS FARMACOLÓGICAS VALIOSAS PARA CANALOPATIAS

NEUROLÓGICAS

241

estende dentro de DI-S6 de A/T422 à K465/K477 e dentro de

DIV-S5 de E1510 à K1557 com possível extensão para K1565

(VAN THEEMSCHE et al., 2020).

Toxinas Modificadoras do Gating: Receptores

Extracelulares

Neurotoxinas que se ligam ao sítio 3

Ao sítio 3 se ligam NTXs de escorpião do tipo α, toxinas

de anêmonas e algumas toxinas de aranhas. De acordo com

suas diferentes propriedades farmacológicas, as α-toxinas

podem ser divididas em 3 subgrupos: α-clássica (tóxicas para

mamíferos), inseto α-toxina (tóxicas para insetos) e α-like

(tóxicas para ambos) (STEVENS et al., 2011).

As α-toxinas são famílias distintas de polipeptídeos que

possuem baixa homologia de sequência, mas que lentificam ou

inibem a inativação dos Navs, estabilizando o canal no estado

aberto (CLAIRFEUILLE et al., 2019).

A comparação da estrutura das NTXs de anêmonas e de

escorpião mostrou que dos cinco resíduos de aminoácidos que

estão localizados em posições similares nas duas toxinas,

quatro são básicos, constituindo dois distintos pólos carregados

positivamente sobre a superfície destas NTX. Foi identificado

um resíduo ácido na alça entre os segmentos transmembrana

D4-S3-S4 como importante na ligação eletrostática das α-

toxinas (CLAIRFEUILLE et al., 2019). Análise estrutural

identificou uma superfície hidrofóbica conservada entre as α-

toxinas que parece ser parte do sítio de ligação destas toxinas

TOXINAS DE ANIMAIS COM ALVO EM CANAIS PARA SÓDIO: FERRAMENTAS FARMACOLÓGICAS VALIOSAS PARA CANALOPATIAS

NEUROLÓGICAS

242

(STEVENS et al., 2011). Modificações químicas e análise de

mutagênese em resíduos aromáticos da superfície hidrofóbica

conservada indicam que estes resíduos aromáticos

conservados estão especificamente envolvidos tanto no efeito

farmacológico quanto na estabilidade estrutural da toxina.

Embora os sítios das α-toxinas se sobreponham, estas toxinas

apresentam interação distintas com o canal (STEVENS et al.,

2011).

Neurotoxinas que se ligam ao sítio 4

As NTXs que se ligam ao sítio 4 do Nav são

representadas pelas β-toxinas de escorpião. Estas toxinas

deslocam fortemente a dependência de voltagem da ativação

para valores mais negativos (ISRAEL et al., 2017).

Por meio de quimeras de Navs de músculo esquelético e

cardíaco (que apresentam sensibilidades diferentes às toxinas

do tipo β), o domínio II foi identificado como responsável pela

ligação e efeito de uma β-toxina do escorpião Tityus serrulatus

(MARTIN-EAUCLAIRE et al., 2018). Evidências indicam que a

potente toxina do tipo do escorpião Centruroides suffusus

suffusus (Css-IV) se liga a resíduos de aminoácidos que são

exteriorizados quando o segmento D2-S4 se move em direção

ao exterior no momento da despolarização, imobilizando esse

sensor de voltagem em um estado parcialmente ativo (ISRAEL

et al., 2017). Uma vez que esse sensor de voltagem já está na

posição ativada, voltagens que normalmente não seriam

suficientes para abrir o canal, passam a abrí-lo, o que explica o

deslocamento do potencial de ativação do canal para valores

TOXINAS DE ANIMAIS COM ALVO EM CANAIS PARA SÓDIO: FERRAMENTAS FARMACOLÓGICAS VALIOSAS PARA CANALOPATIAS

NEUROLÓGICAS

243

hiperpolarizados. No entanto, neste estado a inativação é

favorecida, o que pode reduzir o número de canais disponíveis

e, conseqüentemente, o pico da corrente de sódio (MARTIN-

EAUCLAIRE et al., 2018). Isto explica porque a toxina requer

um pré-pulso despolarizante para a sua ligação. Identificaram

também a mutação G845N, na alça próxima ao segmento D2-

S4, como responsável pela ligação da toxina. Outras regiões

como D2-S1-S1 e D3-S5-S6 também foram implicadas no

macro-sítio 4 (ISRAEL et al., 2017).

Neurotoxinas que se ligam ao sítio 6

A δ-toxina que se liga ao sítio 6. δ-conotoxina, é uma

toxina hidrofóbica isolada do caracol marinho do gênero Conus,

assim como as toxinas que se ligam ao sítio 3, ela lentifica a

inativação dos Navs. Estudos envolvendo estrutura e função

indicaram que a δ-conotoxina interage com um grupo de

resíduos de aminoácidos no segmento D4-S4, e compete com

a δ-hexatoxina Hv1 próximo ao sítio 3 do canal. Sua ação e

ligação são sinérgicas às α-toxinas, provavelmente porque

ambas se ligam ao sensor de voltagem D4-S4 numa

conformação similar (ISRAEL et al., 2017).

CONCLUSÕES

As manifestações clínicas entre os diferentes tipos de

mutações são, de maneira geral, muito próximas, dificultando o

diagnóstico e a escolha farmacológica ideal. Os estudos

genéticos que evidenciam as mutações presentes em pacientes

TOXINAS DE ANIMAIS COM ALVO EM CANAIS PARA SÓDIO: FERRAMENTAS FARMACOLÓGICAS VALIOSAS PARA CANALOPATIAS

NEUROLÓGICAS

244

que sofrem de epilepsia se tornou ao longo dos últimos anos

uma ferramenta auxiliadora na conduta clínica, melhorando a

escolha farmacológica e a qualidade de vida dos pacientes.

As toxinas de animais com suas seletividades e alta

afinidade aos receptores e canais iônicos vêm se tornando

protótipos de fármacos indispensáveis para a melhor

compreensão farmacológica dessas canalopatias e/ou alvo

terapêutico para a melhoria do prognóstico e qualidade de vida

dos indivíduos portadores.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AHERN, C. A., et al. The hitchhiker's guide to the voltage-gated sodium channel galaxy. J Gen Physiol. 2016 Jan;147(1):1-24. doi: 10.1085/jgp.201511492. PMID: 26712848; PMCID: PMC4692491. BAKER, M. D.; NASSAR, M. A. Painful and painless mutations of SCN9A and SCN11A voltage-gated sodium channels. European Journal of Physiology, 2020, pg.865-880. BEN-SHALOM, R., et al. Opposing Effects on NaV1.2 Function Underlie Differences Between SCN2A Variants Observed in Individuals With Autism Spectrum Disorder or Infantile Seizures. Biol Psychiatry. 2017 Aug 1;82(3):224-232. doi: 10.1016/j.biopsych.2017.01.009. Epub 2017 Jan 27. PMID: 28256214; PMCID: PMC5796785. BRUNKLAUS, A., LAL, D. Sodium channel epilepsies and neurodevelopmental disorders: from disease mechanisms to clinical application. Dev Med Child Neurol. 2020 Jul;62(7):784-792. doi: 10.1111/dmcn.14519. Epub 2020 Mar 30. PMID: 32227486. CLAIRFEUILLE, T., et al,. Seizures and Epilepsy. Med Clin North Am. 2019 Mar;103(2):309-324. doi: 10.1016/j.mcna.2018.10.002. Epub 2018 Dec 3. PMID: 30704683. COX, J. J.; et al. An SCN9A channelopathy causes congenital inability to experience pain. Nature, 2006, V. 444, p.894-898. DEUIS, J. R., et al. The pharmacology of voltage-gated sodium channel activators. Neuropharmacology. 2017 Dec;127:87-108. doi: 10.1016/j.neuropharm.2017.04.014. Epub 2017 Apr 14. PMID: 28416444.

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NEUROLÓGICAS

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AGRADECIMENTOS

Agradecemos à Fundação Ezequiel Dias (FUNED) - MG pelo suporte à pesquisa, apoio financeiro e colaborações acadêmico-científicas institucionais; à Universidade Federal da Paraíba - UFPB, pelo ensino gratuito e de excelência; ao Instituto de Pesquisa em Fármacos e Medicamentos; ao Programa de Pós-graduação em Produtos Naturais e Sintéticos Bioativos e ao Laboratório de Ensaios Toxicológicos, pela infraestrutura e suporte à pesquisa; à CAPES, FAPEMIG e ao CNPq pelo fomento aos projetos e bolsas de estudo.

247

CIÊNCIAS BIOLÓGICAS - IMUNOLOGIA

ANTICORPOS MONOCLONAIS COMO TERAPIA NA SÍNDROME DA ASMA E RINITE ALÉRGICAS COMBINADAS

248

CAPÍTULO 12

ANTICORPOS MONOCLONAIS COMO TERAPIA NA SÍNDROME DA ASMA E RINITE ALÉRGICAS COMBINADAS

Rita de Cássia de Sena dos SANTOS 1

Louise Mangueira de LIMA 2

João Bastista OLIVEIRA 2 Cosmo Isaías Duvirgens VIEIRA 2

Márcia Regina PIUVEZAM 3

1 Graduanda do curso de Biotecnologia, UFPB; 2 Graduandos do curso de Farmácia, UFPB; 3 Orientadora / Professora do Programa de Pós Graduação em Produtos Naturais e Sintéticos

Bioativos/UFPB. [email protected]

RESUMO: A rinite alérgica e asma coexistem com alta frequência em seres humanos, e suas manifestações clínicas em conjunto, levam o nome de Síndrome da Asma e Rinite Alérgicas Combinadas (CARAS - Combined allergic rhinitis and asthma syndrome) ocorrendo a polarização para o perfil de resposta imune do tipo 2 (TH2). A farmacoterapia atual promove inúmeros efeitos indesejáveis, interferindo na qualidade de vida dos acometidos. Dessa maneira, a investigação de terapias com alvos específicos, a fim de diminuir o surgimento de efeitos adversos vem sendo realizada. Diante disso, terapias alvo baseadas no uso de anticorpos monoclonais surgem como uma proposta promissora. Assim, o objetivo desse trabalho foi realizar uma revisão bibliográfica exploratória, a fim de averiguar o potencial terapêutico de anticorpos monoclonais sobre o processo fisiopatológico na CARAS. Para tanto, realizou-se um levantamento bibliográfico nas bases de dados Pubmed, Google acadêmico, Science Direct e Medline, utilizando palavras-chaces pré definidas. Os resultados

ANTICORPOS MONOCLONAIS COMO TERAPIA NA SÍNDROME DA ASMA E RINITE ALÉRGICAS COMBINADAS

249

mostram que os anticorpos monoclonais específicos para citocinas do perfil 2 amenizam o agravamento da CARAS, com melhoria da função pulmona e diminuição da exarcebação do sintomas nasais e pulmonares. Portanto, os anticorpos monoclonais específicos podem atuar de maneira eficaz no tratamento da CARAS, no entanto, ánalises para avaliar a sua efetividade como monoterapia em tratamentos personalizados devem ser realizados. Palavras-chave: CARAS. Citocinas. Anticorpos Monoclonais. Terapias biológicas.

INTRODUÇÃO

As doenças respiratórias têm levado a quase 7,5 milhões

de mortes anuais no mundo, podendo afetar diretamente a

qualidade de vida dos acometidos, contribuindo diretamente

para o desgaste emocional e social desses indivíduos

(NAGHAVI e colab., 2015). Dentre as doenças respiratórias

podemos citar as doenças pulmonares obstrutivas, pneumonia,

e doenças crônicas, como rinite alérgica (RA) e asma.

A rinite alérgica (RA) é uma das afecções mais comuns

encontradas pelos otorrinolaringologistas e foi o diagnóstico

mais comumente relatado por esses profissionais nos anos

2000. A asma, por sua vez, foi também um dos distúrbios

respiratórios crônicos relatados frequentemente, com uma

prevalência estimada de 358 milhões de casos; além disso, a

Organização Mundial da Saúde prevê um aumento em mais de

100 milhões de novos casos de asma até 2025 (GBD 2015

CHRONIC RESPIRATORY DISEASE COLLABORATORS e

colab., 2017; KURUVILLA e colab., 2019). A asma e a RA

coexistem com muita frequência, podendo a RA ser um fator de

risco para o desenvolvimento de asma em adultos e crianças

ANTICORPOS MONOCLONAIS COMO TERAPIA NA SÍNDROME DA ASMA E RINITE ALÉRGICAS COMBINADAS

250

(PAIVA FERREIRA e colab., 2019). Tem sido relatado que até

80% dos pacientes com asma são afetados pela RA, e até 40%

dos pacientes com RA são acometidos por asma (PAIVA

FERREIRA e colab., 2019).

A asma e a RA possuem a mesma base etiológica,

imunopatológica e terapêutica. Ambas as doencas são

caracterizadas pela polarização da resposta imune do tipo 2

(TH2), com o aumento dos níveis séricos de imunoglobulinas E

alérgeno específica (IgE), secreção de citocinas, como IL-4, IL-

5 e IL-13, o que leva ao aumento da infiltração de eosinófilos e

basófilos, além da hiperplasia das células caliciformes e

hipersecreção de muco, resultando na inflamação do tecido

nasal e pulmonar com consequente remodelamento tecidual

(BROŻEK e colab., 2017; CHAUHAN e colab., 2017)

Diversos mecanismos imunológicos têm sido

demonstrados com o objetivo de explicar a interdependência

das vias aéreas superiores e inferiores no que diz respeito ao

desenvolvimento da CARAS. E os processos inflamatórios vêm

sendo considerados o elo de correlação entre essas vias, sendo

amplamente reconhecidas como uma única via aérea. Nesse

contexto, a CARAS é considerada uma associação entre a

inflamação das vias aéreas superiores e inferiores, que causam

uma única doença das vias aéreas (PAIVA FERREIRA e colab.,

2019).

A farmacoterapia comumente usada para manejo da

CARAS baseia-se no uso de corticoides inalatórios, visando a

diminuição do processo inflamatório, além do uso de agonistas

β2-adrenérgicos, a fim de gerar alívio dos sintomas clínicos

respiratórios decorrentes da broncoconstrição (CAZZOLA et al.,

2019). Todavia, são inúmeros os efeitos adversos que essas

ANTICORPOS MONOCLONAIS COMO TERAPIA NA SÍNDROME DA ASMA E RINITE ALÉRGICAS COMBINADAS

251

classes de medicamentos apresentam, entre eles observa-se

tremores, aumento de peso e taquicardia. Isso desfavorece a

qualidade de vida dos pacientes e pode interferir na adesão

terapêutica dos mesmos. Em adição, o uso prolongado de

glicocorticoides por mais de 60 dias mostrou-se propenso ao

desenvolvimento de distúrbios de natureza endócrina,

neuropsiquiátrica, gastrointestinal, muscuesquelética,

cardiovascular, dermatológica, ocular ou imunológica em até

90% dos pacientes (ORAY e colab., 2016).

Diante do exposto acima, diversos grupos de pesquisa

buscam terapias com alvos mais específicos, que venham a

diminuir o surgimento desses efeitos adversos e favorecer um

melhor prognóstico aos acometidos, permitindo um controle da

sintomatologia e proporcionando uma melhoria na qualidade de

vida dos pacientes.

Nesse contexto, a pesquisa com imunobiológicos vem

crescendo nos últimos anos, pois possuem a capacidade de

melhorar significamente diversas manifestações crônicas ou

não crônicas, podendo alterar o curso da doença (BIELORY e

colab., 2016). Imunobiológicos, como são conhecidos, são

medicamentos feitos a partir de uma variedade de moléculas,

como anticorpos monoclonais, antagonistas de receptores ou

bloqueadores de sinalização intracelular, tendo como alvos

específicos receptores de superfície, citocinas ou moléculas de

sinalização intracelular envolvidas nas respostas inflamatórias,

sendo considerados alvos terapêuticos cruciais para o

tratamento de várias doenças (BIELORY e colab., 2016).

Várias estratégias terapêuticas têm tido o foco na

intervenção das atividades das citocinas relacionadas ao perfil

de resposta imune do tipo 2 envolvidas na CARAS, tais como

ANTICORPOS MONOCLONAIS COMO TERAPIA NA SÍNDROME DA ASMA E RINITE ALÉRGICAS COMBINADAS

252

IL-4, IL-5 e IL-13 que promovem a progressão da doença. O uso

de anticorpos monoclonais específicos para as citocinas,

oferece algumas vantagens em comparação às drogas

convencionais. Uma vez que, possuem alta afinidade e

especificidade ao alvo, são relativamente estáveis, com uma

meia-vida de eliminação longa, de semanas a meses, e ainda,

ao serem degradados não originam metabólitos tóxicos

(MOULD e MEIBOHM, 2016).

Nesse sentido, o objetivo dessa revisão bibliográfica foi

avaliar os mecanismos inflamatórios da CARAS e destacar as

terapias com anticorpos monoclonais específicos, direcionados

as moléculas da resposta imune do tipo 2, como potenciais

terapêuticos para a modulação e tratamento da doença.

MATERIAIS E MÉTODO

O presente trabalho trata-se de uma revisão bibliográfica

com o intuito de esclarecer o possível potêncial terapêutico de

anticorpos monoclonais sobre o processo fisiopatológico da

Síndrome da Asma e Rinite Alérgicas Combinadas (CARAS).

Para tanto, foram utilizadas as base de dados Pubmed, Google

Acadêmico, Sciente direct e Medline, utilizando os seguintes

descritores: Combined allergic rhinitis and asthma syndrome;

CARAS; allergic rhinitis; asthma; cytokines; therapy;

monoclonal antibodies. Foram considerados artigos escritos em

língua portuguesa ou inglesa, publicados de 2015 à 2019 que

tratavam do assunto investigado. Foram excluídos aqueles

trabalhos que não eram relevantes ao tema da pesquisa e que

não estavam de acordo aos objetivos propostos, tendo sido

selecionados 31 artigos relevantes para o estudo. A análise dos

ANTICORPOS MONOCLONAIS COMO TERAPIA NA SÍNDROME DA ASMA E RINITE ALÉRGICAS COMBINADAS

253

dados iniciou-se em julho de 2020 e concluiu-se no mês de

outubro de 2020.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O perfil fisiopatológico da CARAS está diretamente

ligado a indivíduos atópicos que são predisponentes

geneticamente a estímulos (alérgenos), e desenvolvem uma

hipersensibilidade imediata. Esses alérgenos, como proteínas

presentes nos ácaros, fungos, baratas e outros, estão dispersos

no ar e, ao entrar em contato com a mucosa do trato

respiratório, podem promover um desequilíbrio entre as

respostas imunes inatas e adaptativas do indivíduo atópico, e

consequentemente desencadear a CARAS (PAIVA FERREIRA

e colab., 2019).

O processo fisiopatológico da CARAS divide-se em três

fases distintas durante processo inflamatório. O nariz e os

brônquios compartilham o mesmo tipo de epitélio,

pseudoestratificado com células cilíndricas, colunares,

apoiados sobre uma membrana basal, onde inicia-se a primeira

fase denominada de fase de sensibilização. Essa fase ocorre

quando o antígeno entra em um contato inicial com o epitélio

das vias aéreas e esse libera alarminas, como linfopoietina

estromal tímica (TSLP), que ativam células fagocitárias e

apresentadoras de antígenos (APC), como macrófagos e

células dendríticas, além de recrutar células imunes circulantes

como os basófilos (LI e colab., 2016). As APCs fagocitam,

processam e apresentam os peptídeos desse antígeno para

células TH0 através do Complexo Maior de Histocompatibilidade

de classe II (MHC-II), processo que ocorre em órgãos linfoides

ANTICORPOS MONOCLONAIS COMO TERAPIA NA SÍNDROME DA ASMA E RINITE ALÉRGICAS COMBINADAS

254

secundários, os linfonodos de drenagem. Em adição, o epitélio

libera citocinas como IL-25 e IL-33, que ativam células linfoides

inatas do tipo 2 (ILC-2) que secretam IL-5 e IL-13, aumentando

assim o recrutamento local de eosinófilos e também acabam

estimulando inicialmente a produção de mucinas pelas células

caliciformes presentes no epitélio (YU e colab., 2014).

O recrutamento e ativação de basófilos e eosinófilos,

leva ao aumento da expressão local de IL-4, que favorece o

microambiente para diferenciação das células TH0 em células

TH2. As células TH2 secretam citocinas clássicas desse perfil,

como IL-4, IL-5 e IL-13, favorecendo assim a quimiotaxia de

eosinófilos, hiperplasia e aumento da produção de muco pelas

células caliciformes do epitélio, além da diferenciação de

Linfócitos B em plasmócitos secretores de IgE alérgeno

especifica (WYNN, 2015). Essas IgE agregam-se a parede de

células imunes teciduais como mastócitos, e circulantes, como

eosinófilos e basófilos (LAMBRECHT e HAMMAD, 2015)

caracterizando a fase de sensibilização (primeira fase).

A segunda fase é denominada de fase de desafio, com

exposição posterior do indivíduo ao alérgeno. Nessa fase, o

alérgeno liga-se diretamente a IgE presente na parede de

mastócitos, eosinófilos e basófilos, levando a um processo de

degranulação dessas células, com liberação de diversos

mediadores inflamatórios, tais como histamina, prostaglandinas

e leucotrienos. Nas vias aéreas superiores, esta fase está

associada aos sintomas nasais agudos (espirros, fricção nasal

e rinorreia) e à emergência de sintomas oculares (comichão,

vermelhidão e lacrimejamento), além de aumentar a

permeabilidade vascular, levando à formação de edema, sinais

clássicos da rinite alérgica (BJERMER et al., 2019). Nas vias

ANTICORPOS MONOCLONAIS COMO TERAPIA NA SÍNDROME DA ASMA E RINITE ALÉRGICAS COMBINADAS

255

aéreas inferiores, os mediadores liberados geram

broncoconsctrição e hiperresponsividade brônquica, gerando

os sinais e sintomas característicos da asma, como falta de ar,

sibilos e dor no peito (FAHY, 2015).

A terceira fase, a fase tardia ou crônica, está associada

ao remodelamento tecidual das vias aéreas, aumento do

edema, além de desenvolvimento e perpetuação da congestão

nasal, considerada pelos pacientes como um dos sintomas

mais problemáticos na RA. Como resultado da inflamação da

mucosa, os tecidos tornam-se estimulados e reagem mais

vigorosamente à exposição ao alérgeno. Estas reações de fase

tardia, e as modificações na responsividade dos tecidos

contribuem para a hiperresponsividade brônquica, e

consequente remodelamento das vias aéreas inferiores,

gerando também uma densa deposição de fibras colágenas que

diminuem a capacidade de elasticidade dos pulmões,

dificultando assim o processo respiratório (BJERMER e colab.,

2019).

A co-incidência de RA e asma demonstra que as duas

doenças podem compartilhar uma mesma base genética

molecular, onde estudos já mostram uma relação importante

nos genes que transcedem a RA-asma (MAO e colab., 2018).

Outros fatores também são compartilhados em ambas as

doenças, desde influxo celular de eosinófilos, basófilos e

células TH2, como também o aumento da liberação de

mediadores inflamatórios como IL-4, IL-5, IL-13, IgE, moléculas

de adesão, histamina e leucrotrienos, processos já descritos

anteriormente (PAIVA FERREIRA e colab., 2019). Apesar do

notável progresso no diagnóstico e manejo da CARAS, a asma

alérgica grave continua a ser uma doença potencialmente fatal

ANTICORPOS MONOCLONAIS COMO TERAPIA NA SÍNDROME DA ASMA E RINITE ALÉRGICAS COMBINADAS

256

com estratégias terapêuticas limitadas e com efeitos adversos

importantes (WANG, Xu e colab., 2016).

Esses fatores em potencial estão relacionados à

complexa imunopatologia que envolve a CARAS, onde células

TH2 medeiam o início da resposta alérgica e, em seguida, os

eosinófilos são atraídos com maior intensidade para o local da

inflamação pela circulação, sendo essas células identificadas

como tendo um papel crítico nos sintomas de asma e alergias,

incluindo a participação no remodelamento e regulação da

resposta inflamatória das vias aéreas (MCBRIEN e MENZIES-

GOW, 2017). Portanto, a modulação negativa desses fatores se

apresenta como importante alvo para o manejo da CARAS.

Nesse contexto, o conhecimento de que tanto a asma,

quanto a RA são frequentes distúrbios mediados por células

TH2, juntamente com o fato dessas doenças serem grandes

problemas de saúde pública, levaram a um grande investimento

de empresas farmacêuticas e de biotecnologia em programas

de desenvolvimento de drogas dirigidas a citocinas associadas

a células TH2 (LAMBRECHT e colab., 2019; PAIVA FERREIRA

e colab., 2019).

Dada as circunstâncias, o desenvolvimento de

anticorpos monoclonais específicos para moléculas e/ou

receptores envolvidos na resposta imune, sua alta afinidade e

eficiência, e a sua capacidade de aumentar ou suprimir a

resposta imune, demostram que os imunobiológicos podem ser

uma alternativa para o tratamento de pacientes com doenças

inflamatórias crônicas e de difícil regulação. Até o presente

momento foram desenvolvidos vários anticorpos monoclonais

para o tratamento da asma moderada a grave, melhorando a

eficácia dos tratamentos, chegando a reduzir os efeitos

ANTICORPOS MONOCLONAIS COMO TERAPIA NA SÍNDROME DA ASMA E RINITE ALÉRGICAS COMBINADAS

257

adversos causados pela ação dos medicamentos tradicionais,

inferindo que esses imunobiológicos podem ser usados como

uma estratégia terapêutica para pacientes afetados com a

CARAS (MOULD e MEIBOHM, 2016; REGATEIRO e colab.,

2017).

O Omalizumab®, anticorpo monoclonal anti IgE alérgeno

específica, quando utilizado em pacientes demonstrou que

esses obtiveram melhora no escore dos sintomas alérgicos e

não alérgenos tanto na asma quanto nos pólipos nasais (WANG

et al., 2015). Esse anticorpo monoclonal é eficaz em minimizar

a exacerbação da asma, naqueles pacientes com o perfil de

resposta imune do tipo 2 (TH2). Acredita-se que os mecanismos

de ação além de inibir a IgE alergeno específica possa também

estar relacionado ao aumento na secreção de interferon-alfa

(IFNα) pelas células dendríticas plasmocitoides (pDCs) (FAHY,

2015). Estudos mostraram que o Omalizumab® diminuiu na

asma as doses de manutenção dos corticosteroides orais.

Estes efeitos são aparentes em crianças e adultos e foram

confirmados em vários estudos pós-registro. No mais, o

Omalizumab® mostrou-se bem tolerado e, além das reações no

local da injeção e um risco de anafilaxia em alguns indivíduos,

é geralmente considerado seguro (CAMPO e colab., 2019).

O Quilizumab® é um anticorpo monoclonal IgG1

humanizado, e tem como alvo o segmento M1 da IgE, que leva

à depleção de células B de memória convertida por IgE.

Estudos randomizados mostraram redução significativa de IgE

total e específica para alérgenos em pacientes com asma,

apresentando um perfil de segurança aceitável (HARRIS e

colab., 2016).

ANTICORPOS MONOCLONAIS COMO TERAPIA NA SÍNDROME DA ASMA E RINITE ALÉRGICAS COMBINADAS

258

O Dupilumab® é um anti-receptor α para a IL-4 (IL-4Rα)

que inibe a sinalização de IL-4 e IL-13. Por estudos

randomizados, analisou-se o tratamento com Dupilumab® e

observou-se que é relativamente bem tolerado e melhorou

significativamente os sintomas clínicos da asma e a qualidade

de vida, além de reduzir o risco de exacerbação grave em

pacientes com asma não controlada (XIONG e colab., 2019).

Em um estudo de fase III, o Dupilumab® melhorou o volume

expiratório forçado pré-broncodilatador em 1 segundo

(CORREN e colab., 2018).

O Mepolizumab® é um imunobiológico humanizado anti-

IL-5, bloqueador de IgG1-k humanizado. Esse anticorpo está

sendo comercializado desde o final de 2016 como indicação

para o tratamento adjuvante da asma eosinofílica refratária

grave em adultos (REGATEIRO e colab., 2017). Ensaios

direcionados demonstraram consistentemente que o

Mepolizumab® diminuiu significativamente as taxas de

exacerbação da asma e é poupador de corticosteroides orais

(ALBERS e colab., 2019).

O Reslizumab® é um anticorpo monoclonal humanizado

anti-IL-5. Possui alta afinidade pela IL-5 humana, responsável

pela diferenciação, maturação, recrutamento e ativação de

eosinófilos humanos. Liga-se à IL-5 circulante especificamente,

impedindo-a de se ligar ao seu receptor, alterando a

sobrevivência e atividade dos eosinófilos. Obteve autorização

para comercialização em 2016, com indicação para o

tratamento adjuvante da asma eosinofílica refratária grave em

adultos. Ensaios clínicos de fase II demonstram que o

Reslizumab® é eficaz no controle da asma ou na redução das

exacerbações dos quadros asmáticos quando usados no

ANTICORPOS MONOCLONAIS COMO TERAPIA NA SÍNDROME DA ASMA E RINITE ALÉRGICAS COMBINADAS

259

tratamento de pacientes com asma que apresentam eosinofilia

persistente (REGATEIRO e colab., 2017).

O Benralizumab® é um anticorpo monoclonal IgG1

recombinante humanizado que se liga ao IL-5Rα (receptor)

(CD125) (FAHY, 2015). Ele exerce a sua função por

citotoxicidade celular induzida por anticorpos (ADCC) das

células que expressam o IL-5Rα. Depleta diretamente os

eosinófilos de forma quase completa e mais duradoura (PHAM

e colab., 2016) embora, em termos teóricos, a sua

administração poderia levar a depleção de outras células além

dos eosinófilos, por exemplo, os linfócitos B e os basófilos que

expressam baixas quantidades de IL-5Rα na sua superfície.

Esses fatores poderão ter implicações no seu uso terapêutico,

tanto em termos de eficácia como de efeitos adversos. Dados

recentemente apresentados de ensaios clínicos de fase II de

Benralizumab® mostraram que ele também se mostrou eficaz

na melhora do controle da asma ou na redução das

exacerbações da asma quando usados no tratamento de

pacientes com asma que apresentam eosinofilia persistente,

resistentes ao tratamento com corticosteroides (PARK e colab.,

2018).

O Lebrikizumab® interfere diretamente com a ligação da

IL-13 ao IL-4Rα impedindo a formação de complexos

sinalizadores de IL-13 - IL-4 - IL-4Rα, e GSK679586

(GlaxoSmithKline) (FAHY, 2015). Estudos randomizados,

duplo-cegos e controlados por placebo, avaliaram doses

múltiplas de Lebrikizumab® em pacientes com asma não

controlada, resistentes á corticosteroide inalado de dose média

a alta e os resultados demonstraram a eficácia do

Lebrikizumab® na melhora das crises de asma e na função

ANTICORPOS MONOCLONAIS COMO TERAPIA NA SÍNDROME DA ASMA E RINITE ALÉRGICAS COMBINADAS

260

pulmonar em pacientes com asma moderada a grave

(HANANIA e colab., 2015).

O Tralokinumab® é um anticorpo monoclonal que

bloqueia a ligação de IL -13 para o IL-13Rα1 e para o IL-13Rα2

(receptores) (FAHY, 2015). É uma IgG4k humanizada

bloqueador da IL-13. Num ensaio de fase II b em doentes com

asma grave e não controlada, o Tralokinumab® melhorou a

função pulmonar e, em doentes com aumento da periostina e

DPP-4, reduziu as exacerbações da asma. Tralokinumab®

pode fornecer uma melhoria na qualidade de vida de pacientes

com asma grave e não controlada que visam atingir um estado

de asma controlado (BRIGHTLING e colab., 2017).

Tabela 1. Anticorpos monoclonais disponíveis para o

tratamento direcionado da síndrome da asma e rinite alérgica

combinadas (CARAS - Combined allergic rhinitis and asthma

syndrome).

Anticorpo

Monoclonal

Isotipo Epítopo

alvo

Principais

efeitos na

asma

Omalizumab®

(Genentech/Roch

e and Novartis)

IgG1

humanizad

o

IgE

(domínio

CH2 e

CH3)

Diminui as

crises de

asma e reduz

as doses de

manutenção

dos

corticosteroide

s orais.

Quilizumab®

Reduz IgE

total e IgE

específica

ANTICORPOS MONOCLONAIS COMO TERAPIA NA SÍNDROME DA ASMA E RINITE ALÉRGICAS COMBINADAS

261

IgG1

humanizad

o

Segment

o M1 da

IgE

para

alérgenos.

Dupilumab®

(Regeneron

Pharmaceuticals)

IgG4

humanizad

o

IL-4Rα

Melhora os

sintomas e

reduz o risco

de

exacerbação

da asma.

Mepolizumab®

(GlaxoSmithKline)

IgG1

humanizad

o

IL-5

Diminui as

crises de

asma e reduz

a utilização de

corticosteroide

s orais.

Reslizumab®

(Teva

Pharmaceutical

Industries)

Humanized

IgG4

IL-5

Melhora as

funções das

vias aéreas e

controla os

sintomas de

alergia em

pacientes com

eosinofilia

persistente.

Benralizumab®

(MedImmune /

AstraZeneca)

IgG1

humanizad

o

IL-5Rα

Controla a

exacerbação

da asma

eosinofilica

persistente.

ANTICORPOS MONOCLONAIS COMO TERAPIA NA SÍNDROME DA ASMA E RINITE ALÉRGICAS COMBINADAS

262

Lebrikizumab®

(Genentech /

Roche)

IgG4

humanizad

o

IL-13

(epítopo

de

ligação

IL-4Rα)

Diminui as

crises de

asma e

melhora a

função

pulmonar.

Tralokinumab®

(MedImmune /

AstraZeneca)

IgG1

humanizad

o

IL-13Rα1

e

IL-13Rα2

Melhora a

função

pulmonar

reduz a

exacerbação

da asma.

Fonte: autoria própria.

CONCLUSÕES

Os imunobiológicos, anticorpos monoclonais dirigidos

para citocinas do perfil de resposta imune tipo 2 (IL-4, IL-5 e IL-

13) e IgE-alergeno especifica desempenham um papel

fundamental no controle dos sintomas clínicos das alergias das

vias aéreas. Diminuindo a exarcerbação da rinite / asma,

culminando na modulação da fisiopatologia da sindrome da

asma e rinite alergica combinadas (CARAS). Os estudos

realizados com os anticorpos monoclonais aqui descritos

mostram-se eficazes na redução do risco de exarcebação de

alergias das vias aéreas e melhoria da função pulmonar, sendo

capazes de diminuir o perfil de resposta TH2; portanto, são

promissores na melhora do quadro clínico da CARAS.

ANTICORPOS MONOCLONAIS COMO TERAPIA NA SÍNDROME DA ASMA E RINITE ALÉRGICAS COMBINADAS

263

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ANTICORPOS MONOCLONAIS COMO TERAPIA NA SÍNDROME DA ASMA E RINITE ALÉRGICAS COMBINADAS

264

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AGRADECIMENTOS Agradeço à primordial orientação da minha orientadora

Márcia Piuvezam, bem como aos colaboradores na construção desse trabalho.

CARACTERÍSTICAS DA COVID-19 E A MODULAÇÃO DA IMUNIDADE INATA

266

CAPÍTULO 13

CARACTERÍSTICAS DA COVID-19 E A MODULAÇÃO DA IMUNIDADE INATA

Pedro Henrique de Sousa PALMEIRA 1

Fernanda Silva ALMEIDA 2

Fernando Cézar Comberlang Queiroz Davis dos SANTOS 3

Bárbara Guimarães CSORDAS 4 Tatjana Souza Lima KEESEN 5

1 Mestrando do Programa Multicêntrico de Pós-Graduação em Ciências Fisiológicas, UFPB; 2 Doutoranda do Programa Renorbio de Biotecnologia, UFPB; 3 Graduando do curso de Biotecnologia, UFPB; 4 Pós Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Produtos

Naturais e Sintéticos Bioativos - PgPNBS - UFPB; 5 Orientadora/Professora do CBIOTEC/UFPB.

[email protected]

RESUMO: A atual pandemia desencadeada pelo SARS-CoV-2 vem gerando diversos transtornos em todo o mundo. Batizada de COVID-19, a infecção provocada pelo novo coronavírus, mobilizou diversos pesquisadores na busca pela sua compreensão e por um tratamento adequado. Com elevada capacidade de disseminação, o vírus afetou um grande número de pessoas conduzindo, até o momento, a mais de um milhão óbitos. Com um amplo espectro sintomatológico, uma densa maioria de infectados apresentam sintomas leves enquanto que uma pequena parcela é acometida por sinais clínicos mais graves necessitando, muitas vezes, de hospitalização. O sistema imune inato caracteriza-se como primeira linha de defesa sendo de extrema importância no combate a diversos patógenos. No entanto, embora desempenhe papel protetivo, células inatas parecem contribuir de modo significativo com sintomas mais graves associadas a doença. Nesse contexto, o presente trabalho compilou informações associadas as

CARACTERÍSTICAS DA COVID-19 E A MODULAÇÃO DA IMUNIDADE INATA

267

principais características da patologia incluindo epidemiologia e estrutura viral apresentando como foco, no entanto, a participação de leucócitos componentes da imunidade inata em aspectos leve, moderado e grave. São observadas a mobilização de diferentes subpopulações celulares no sangue periférico e em alguns órgãos como o pulmão. Além disso, alterações na frequência de determinadas populações celulares bem como a síntese de mediadores inflamatórios parecem se correlacionar com a forma mais grave da doença. Palavras-chave: COVID-19. Leucócitos. Infecção. Coronavírus. Imunopatologia.

INTRODUÇÃO

No final de dezembro de 2019, uma série de casos de

pneumonia de etiologia até então desconhecida, em Whuan, na

China, passaram a ser notificados. Análises posteriores

identificaram a presença de um novo coronavírus como o

responsável pelas ocorrências. Devido a sua homologia de 80%

com o SARS-CoV, responsável por surtos respiratórios entre

2002-2003, o “novo vírus” foi nomeado em fevereiro de 2020 de

Coronavírus da Síndrome Respiratória Aguda Grave-2 (SARS-

CoV-2) (YUKI; FUJIOGI; KOUTSOGIANNAKI, 2020).

A patologia foi nomeada posteriormente de Doença do

Coronavírus 2019 (COVID-19). Tendo início mediante

transmissão zoonótica, a rápida disseminação viral ocorreu

através do contato indivíduo-indivíduo. Como consequência, a

Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou situação de

pandemia em 11 de março de 2020, por conta da presença do

vírus em mais de 200 países e territórios (ZHENG, et. al. 2020).

Com a rápida progressão da doença, medidas

preventivas passaram a ser adotadas conferindo proteção

CARACTERÍSTICAS DA COVID-19 E A MODULAÇÃO DA IMUNIDADE INATA

268

social, principalmente aos indivíduos enquadrados nos grupos

de risco. Assim o isolamento e distanciamento social somado à

abertura somente de serviços essenciais como supermercados,

farmácias e hospitais e o uso da máscara facial para a

contenção de partículas infectantes passaram a compor a rotina

populacional (OMS, 2020; ZHOU et al., 2020).

Desenvolvendo uma resposta primária e “inespecífica"

frente a diversos patógenos, a imunidade inata compreende um

sistema de moléculas e células presentes no sangue e em

tecidos que podem agir e se adaptar a diferentes condições

fisiológicas. Embora desempenhe papel protetivo e fucionando

como ponte para a ação da resposta adaptativa, componentes

da imunidade inata podem contribuir com o desenvolvimento de

quadros mais graves no organismo (MELLA et al., 2013;

ABBAS; LITCHMAN; PILLAI, 2019).

OBJETIVOS

Diante do exposto, o presente trabalho objetivou avaliar

e compilar informações acerca da infecção desencadeada pelo

SARS-CoV-2 no qual aspectos clínicos e epidemiológicos foram

inseridos no capítulo. Ademais, compreendendo seu papel

como primeira linha de defesa no organismo, a revisão trouxe

como foco a ação da imunidade inata na COVID-19 em

questões associadas não apenas ao seu papel protetivo mas

também sua relação com o agravamento do quadro clínico

observado em alguns pacientes.

CARACTERÍSTICAS DA COVID-19 E A MODULAÇÃO DA IMUNIDADE INATA

269

MATERIAIS E MÉTODOS

O estudo está caracterizado como uma revisão de

literatura cuja metodologia empregada baseou-se em dados

provenientes de fontes relacionadas aos aspectos clínicos,

epidemiológicos e imunológicos associados, principalmente, à

COVID-19. O critério de inclusão para a escolha dos 38 artigos

científicos aqui inseridos foram a escrita em língua inglesa com

período de publicação de até 5 anos. Todos os artigos utilizados

no capítulo foram coletados dos bancos de dados online

Elsevier, Pubmed e Google Scholar, mediante aplicação de

palavras-chave associadas aos assuntos de interesse como,

“epidemiologia, imunologia, SARS-CoV-2, imunidade inata e

imunopatologia”. Objetivando a aquisição de dados atualizados

acerca de número de infectados e mortos durante a pandemia,

foram consultados apenas páginas confiáveis associadas aos

governos Federal e Estadual como o Ministério da Saúde e

Secretaria da Saúde, respectivamente bem como de entidades

internacionais como Organização Mundial da Saúde (WHO).

Por fim, para a obtenção de informações básicas associadas ao

campo imunológico, fez-se uso de livro referência na área da

imunologia, Imunologia Celular e Molecular, 9° edição.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

EPIDEMIOLOGIA

Com o início da pandemia, uma grande reportação de

casos de COVID-19 ocorreu nos EUA, França, Alemanha,

Espanha e Itália, sendo esta a mais afetada após do surto na

China (YUKI et. al. 2020). Até a presente data, já foram

CARACTERÍSTICAS DA COVID-19 E A MODULAÇÃO DA IMUNIDADE INATA

270

notificados mais de 54 milhões de casos com um número de

óbitos ultrapassando a marca de um milhão em todo o mundo

(WHO, 2020).

No Brasil, o primeiro registro de COVID-19 ocorreu em

26 de fevereiro havendo, posteriormente, uma rápida

disseminação do vírus no país no qual, em meados de

novembro, quase 6 milhões de indivíduos já foram infectados.

Igualmente preocupante, o número de óbitos, por sua vez,

ultrapassou a marca de 160.000 (WHO, 2020). Analisando as

regiões brasileiras, Sudeste e Nordeste são as mais afetadas

pela COVID-19. De acordo com o Ministério da Saúde, no dia

14 de agosto de 2020, a região Nordeste alcançou a marca de

mais de um milhão de infectados com um saldo de 32 mil

mortes. Até 17 de novembro, foram notificados 1.547.926 casos

enquanto que 43.450 pessoas já perderam a vida frente a

infecção pelo SARS-CoV-2.

ESTRUTURA E INTERAÇÃO VÍRUS-CÉLULA

O SARS-CoV-2 pertence a família Coronaviridae e ao

gênero Betacoronavirus no qual também estão inseridos o

SARS-CoV e MERS-CoV (ICTV, 2020). Seu genoma é

caracterizado por ser um RNA de fita simples com sentido

positivo codificador de proteínas não estruturais e estrurais no

qual, dentres estas, destaca-se a proteína do envelope (E),

proteína de membrana (M) e a do nucleocapsídeo (N) e a

proteína Spike (S) (LI et. al. 2020). Esta, por sua vez, é de

fundamental importância no processo de infecção celular

mediante sua interação com o receptor da enzima conversora

de angiotensina 2 (ECA2) (LAN et. al. 2020). O fusionamento

do vírus na célula é reforçado pela serina protease

CARACTERÍSTICAS DA COVID-19 E A MODULAÇÃO DA IMUNIDADE INATA

271

transmembranar 2 (TMPRSS2), uma estrutura altamente

expressa nos pulmões e ramos bronquiais, na qual atua como

um cofator de entrada do SARS-CoV-2 ao clivar e ativar a

proteína S facilitando, assim, a interação desta com a ECA2 (LI

et. al. 2020).

Uma vez na célula, o RNA viral dará origem aos

principais componentes do SARS-CoV-2 no qual a estrutura S

determina a infectividade do vírus e sua transmissibilidade para

o hospedeiro. Estruturalmente, essa proteína é composta pelas

subunidades S1 e S2 na qual a primeira apresenta é formada por

domínios N-terminal (NTD) e C-terminal (CTD) sendo este, no

caso dos coronavírus (CoV), utilizado como região de interação

com o ECA2, A associação do S1 com a ECA2 faz com que haja

uma dissociação da S2 e esse passe de uma forma pré-fusão

para uma forma pró-fusão, uma mudança conformacional

essencial para a fusão de membrana. Além disso, sendo alvo

dos anticorpos neutralizantes além de ser um dos principais

promotores das respostas imunes protetoras, a proteína S

tornou-se alvo da maioria das vacinas em desenvolvimento

(LAN et. al. 2020; LI et. al. 2020; OU et al., 2020; YUKI et. al.

2020).

FORMAS DE TRANSMISSÃO E SINAIS E SINTOMAS

Uma das principais formas de propagação da COVID-19

ocorre mediante perdigotos expelidos durante a fala, espirro ou

tosse de indivíduos infectados. Em aspectos comparativos, a

exposição prolongada a grupos sintomáticos parece apresentar

maior risco de contaminação comparado aos indivíduos

assintomáticos. Além disso, devido a ausência temporária de

sinais clínicos, indivíduos pré-sintomáticos também

CARACTERÍSTICAS DA COVID-19 E A MODULAÇÃO DA IMUNIDADE INATA

272

compreendem um importante fator de transmissibilidade viral.

Com relação a transmissão vertical (que ocorre da mãe para o

filho durante a gestação) relatos de mulheres infectadas cujos

filhos nasceram saudáveis sugerem um menor risco para essa

forma de propagação. Não menos importante, a contaminação

pode ocorrer também pela presença de aerossóis suspensos

bem como o contato com superfícies contaminadas no qual

nestas, a duração das partículas virais parece variar

dependendo da composição da superfície. (WIERSINGA et. al.

2020).

Uma vez no organismo, o vírus passa por um período de

incubação de aproximadamente 5 dias (2-7) no qual, logo após,

os indivíduos podem apresentar sinais clínicos bastante

variados com duração de cerca de 14 dias (WIERSINGA et. al.

2020). Os sintomas mais comuns incluem febre, tosse seca,

falta de ar, fadiga, nauséa, diarreia e mialgia. Ademais, alguns

sintomas isolados como manifestações gastrointestinais e falta

de paladar e olfato podem ser observados sendo, os dois

últimos, bem característicos remetendo a infecção pelo SARS-

CoV-2. Felizmente, uma grande parcela dos acometidos

desenvolvem sintomas leves, enquanto uma minoria apresenta

um quadro mais crítico. Tais complicações podem acometer

órgãos como o coração, pulmão, cérebro, pâncreas, rim além

do sistema de coagulação (CHINA-CDC, 2020; WHO, 2020;

WIERSINGA et. al. 2020).

DIAGNÓSTICO

Atualmente há algumas formas de detecção da infecção

pelo SARS-CoV-2. No entanto, o RT-qPCR (Reação em Cadeia

de Polimerase - Transcrição Reversa quantitativa) se enquadra

CARACTERÍSTICAS DA COVID-19 E A MODULAÇÃO DA IMUNIDADE INATA

273

como o diagnóstico padrão pela sua alta sensibilidade.

Importante destacar que este teste é indicado a ser realizado

até 7 dias após o inicio dos sintomas em virtude da diminuição

da carga viral. Assim, alguns fatores influenciam nos falsos

resultados como a técnica empregada na coleta, tempo de

exposição e a fonte da amostra sendo, o fluido broncoalveolar,

de extrema relevância.(WIERSINGA et. al. 2020).

Além do RT-qPCR, testes sorológicos também são

utilizados para detectar infecções pelo novo coronavírus. O

período para a coleta da amostra biológica é de extrema

importância para um resultado confiável. Nesse contexto,

anticorpos IgM são detectáveis dentro de 5 dias apresentando,

no entanto, altos níveis entre 2 a 3 semanas da doença. O

anticorpo IgG, por sua vez, é detectável após 14 dias após o

início dos sintomas. (WIERSINGA et. al. 2020).

Por fim, a elevação na proteína C-reativa, lactato

desidrogenase, alanino aminotransferase e aspartato

aminotransferase são marcadores prognósticos clínicos que

também podem indicar a infecção pelo COVID-19. Indivíduos

acometidos pela SARS-CoV-2 geralmente apresentam quadro

de linfopenia, trombocitopenia e valores elevados do D-dímero.

No entanto, todos esses achados laboratoriais se assemelham

a um quadro de pneumonia, sendo necessária a conjugação

com outras metodologias de diagnóstico (WIERSINGA et. al.

2020).

SISTEMA IMUNE INATO E COVID-19

Células Mielóides

Compondo cerca de 10% de células nucleadas

presentes no sangue humano, monócitos são uma população

CARACTERÍSTICAS DA COVID-19 E A MODULAÇÃO DA IMUNIDADE INATA

274

heterogênia de fagócitos circulantes que, ao migrarem para os

tecidos se diferenciam em macrófagos (GINHOUX; JUNG,

2014; ABBAS; LITCHMAN; PILLAI, 2019). Ambas

desempenham importante ação moduladora de respostas

inflamatórias podendo, no entanto, apresentar participação no

desenvolvimento de imunopatologias (GINHOUX; JUNG, 2014;

MA et al., 2019).

Acerca da COVID-19, embora uma parcela significativa

de indivíduos apresentarem manifestações clínicas leves,

alguns pacientes desenvolvem complicações no qual sistema

imune desregulado pode contribuir com o quadro. Nesse

contexto, monócitos e macrófagos parecem desempenhar um

importante papel na gravidade da doença mediante alterações

na frequência celular além da síntese de mediadores

inflamatórios (MERAD; MARTIN, 2020).

A análise do líquido de lavagem broncoalveolar (LLB) de

indivíduos acometidos pela doença mostrou um aumento

significativo de quimiocinas envolvidas com o recrutamento de

monócitos, como CCL2 e CCL7, no qual macrófagos parecem

ser uma importante fonte em indivíduos com agravamento do

quadro clínico (LIAO et al., 2020; ZHOU et al., 2020). Tais

observações corroboram com o expressivo aumento de

monócitos derivados de macrófagos pro-inflamatórios em

indivíduos com a forma grave da infecção (LIAO et al., 2020).

No entanto, embora o número de monócitos totais pareça

não ser alterado, a modulação em subpopulações destas

células são observadas em sangue periférico de indivíduos

infectados pelo SARS-CoV-2. Nesse contexto, Zhang e

colaboradores (2020) observaram um aumento expressivo de

monócitos com fenótipo intermediário (CD14++CD16+) e não

CARACTERÍSTICAS DA COVID-19 E A MODULAÇÃO DA IMUNIDADE INATA

275

clássico (CD14++CD16++) em detrimento a redução do perfil

clássico (CD14++CD16-). De modo semelhante, um estudo

desenvolvido por Zhou e colegas (2020) revelou aumento no

número de monócitos CD14+CD16+, principalmente naqueles

que apresentaram a forma grave.

Não menos importante, pesquisas mostram que,

principalmente, indivíduos com um quadro clínico mais grave da

COVID-19 podem desenvolver a síndrome da tempestade de

citocinas. Esta é caracterizada por uma produção exacerbada

de citocinas mediante um processo de desbalanço da resposta

imune frente a diferentes estímulos e, no âmbito da infecção

pelo SARS-CoV-2, monócitos parecem contribuir com esse

quadro (TANG et al., 2020; ZHANG et al., 2020). Zhou e

colaboradores (2020) revelaram um crescimento de monócitos

produtores de IL-6 nas formas moderada e grave da doença, de

modo mais expressivo para este último. Ademais, monócitos

produtores de GM-CSF também aumentaram em ambas as

formas sugerindo uma importante contribuição dessas células

no processo mencionado.

Células Linfóides Inatas (ILC)

Células linfóides inatas são componentes de

fundamental papel na homeostase tecidual bem como nas

respostas imunes. Esse grupo celular é formado por

subpopulações leucocitárias distinguidas mediante expressão

de receptores, síntese de citocinas e fatores de transcrição.

Curiosamente, algumas carcaterísticas fenotípicas inerentes as

ILCs assemelham-se a grupos celulares componentes da

imunidade adaptativa, os linfócitos T, demonstrando algum grau

CARACTERÍSTICAS DA COVID-19 E A MODULAÇÃO DA IMUNIDADE INATA

276

de equivalência entre os grupos supracitados (BAL,

GOLEBSKI, SPITS, 2020).

Dentre as ILCs, as células Natural Killers (NKs), ou

assassinas naturais correspondem a cerca de 5%-15% dos

leucócitos nucleados presentes no sangue e no baço. Seu

nome remete ao papel citotóxico desempenhado por elas

sendo, portanto, importantes na eliminação de fontes de

infecções virais e bacterianas. Além da atividade citotóxica, as

NKs são fonte de citocinas pró-inflamatórias, como IFN-γ, que

aumentam a capacidade microbicida desempenhada por

macrófagos (ABBAS; LITCHMAN; PILLAI, 2019).

De modo semelhante aos monócitos, infecções pelo

SARS-CoV-2 podem alterar alguns aspectos inerentes as NKs.

Com relação à frequência populacional, estudos mostram

resultados variados acerca de alterações no número dessas

células na infecção pelo novo coronavírus (SOKOLOWSKA et

al., 2020). No entando, a redução na frequência de NKs no

sangue periférico de indivíduos acometidos pela COVID-19

parece estar relacionada com as formas mais graves (VABRET

et al., 2020).

Além da frequência celular, a análise fenotípica na

doença revela alterações significativas na proporção de

subpopulações de NKs bem como na funcionalidade das

mesmas. Alguns estudos observaram não apenas uma

acentuada redução no número destas células no sangue

periférico de pacientes graves como houve uma considerável

atenuação nas subpopulações CD56dimCD16+ e

CD56brightCD16- (KURI-CERVANTES et al., 2020; WILK et al.,

2020). Com fundamental ação citotóxica as primeiras estão

presentes em elevadas proporções no sangue periférico em

CARACTERÍSTICAS DA COVID-19 E A MODULAÇÃO DA IMUNIDADE INATA

277

detrimento das CD56brightCD16-. Estas, por sua vez, modulam

as respostas imunes principalmente mediante a síntese de

citocinas como IFN-γ e IL-10 (ORTEGA-RODRÍGUEZ et al.,

2020).

Em conjunto com os dados anteriormente mencionados,

marcadores relacionados com a atividade citotóxica além da

expressão de citocinas IFN-γ e TNFα encontraram-se reduzidas

em sangue periférico de pacientes infectados (ZHENG et al.,

2020). No entando, tanto as células NKs totais quanto as

subpopulações CD56dim e CD56bright apresentaram

característica fenotípica de células ativadas não havendo,

porém, diferenças significativas entre as formas moderada e

grave da doença (MAUCOURANT et al., 2020).

Como observado, alguns dados demonstram que as

células NKs podem ter suas funções efetoras atenuadas

durante a fase aguda da COVID-19. Esse processo pode estar

relacionado ao crescimento na expressão de proteínas

envolvidas com a modulação de suas atividades. Nesse

contexto, o aumento na síntese de receptores inibitórios a

exemplo do LAG-3, TIM-3 e NKG2A possivelmente contribuem

com os resultados já explicitados (VABRET et al., 2020).

Portanto, analisando as células NKs frente a infecção pelo

SARS-CoV-2, observa-se que esta pode desencadear

modulação celular favorável para a evasão do vírus no

organismo.

Em consonância com o supracitado, é observado que

durante a infecção pelo novo coronavírus, pode ocorrer um

processo de infiltração celular pulmonar, observado também em

monócitos/macrófagos, o qual pode estar relacionado com o

agravamento do quadro clínico do paciente. Ao contrário do

CARACTERÍSTICAS DA COVID-19 E A MODULAÇÃO DA IMUNIDADE INATA

278

observado em alguns dados do sangue periférico, um aumento

na frequêcia de células NKs no LLB foi demonstrado.

Curiosamente, pacientes mais graves apresentaram menor

frequência comparado a indivíduos com a forma moderada

(LIAO et al., 2020).

Em conjunto com as NKs, o grupo das ILCs é integrado

por três subpopulações celulares diferenciadas mediante

presença de fatores de transcrição e síntese de citocinas. As

ILC1 são caracterizadas pela síntese de INF-γ e do fator de

transcrição Tbet. As ILC2 apresentam o GATA-3 como fator de

transcrição e produzem as citocinas IL-4, IL-5 e IL-13. Por fim,

as ILC17 são produtoras de IL-22 e IL-17 sendo o RORγt,

produzido pelas mesmas (Th1, Th2 e Th17) (ABBAS;

LITCHMAN; PILLAI, 2019; BAL, GOLEBSKI, SPITS, 2020).

No contexto de infecções desencadeadas pelo SARS-

CoV-2, embora ainda não se tenha dados robustos envolvendo

as ILCs logo acima mencionadas, estudos mostram que

indivíduos com forma grave da COVID-19 apresentaram

redução na frequência destas células em sangue periférico. No

entanto, de modo semelhante as NKs, o processo de

recuperação parece conduzir a um retorno dos níveis basais

das ILCs como observado em comparações realizadas entre os

grupos infectado, recuperado e controle (KURI-CERVANTES et

al., 2020). Contudo, mais estudos são necessários para melhor

compreender o papel dessas células em infecções pelo SARS-

CoV-2.

Granulócitos

Granulócitos são células do sistema imune inato, de

origem mielóide, que apresentam como característica

CARACTERÍSTICAS DA COVID-19 E A MODULAÇÃO DA IMUNIDADE INATA

279

morfológica a presença de grânulos em seu citoplasma e

desenvolvem funções vitais para a resposta imune. Se

enquadram dentro deste grupo os neutrófilos, eosinófilos e

basófilos presentes nos tecidos e corrente sanguínea. Os

mastócitos, por sua vez, estão concentrados no pulmão, vias

aéreas/trato respiratório, trato gastrointestinal, pele, passagem

nasal e meninges (ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2019;

KEMPURAJ et al., 2020).

Os mastócitos são células imunes inatas que também

participam de respostas adaptativas. Esses leucócitos estão

envolvidos em infecções virais, doenças inflamatórias

sistêmicas, asma, doenças neuroinflamatórias, traumatismo

cranioencefálico (TCE), acidente vascular cerebral e vários

transtornos de estresse. Essas células participam da resposta

protetora, bem como de uma resposta deletéria e

desempenham um papel significativo na primeira linha de

defesa contra vírus e bactérias (KEMPURAJ et al., 2020).

Durante a infecção, o SARS-CoV-2 pode ativar os

mastócitos presentes no trato respiratório na fase inicial da

doença. Como consequência, essas células liberam várias

moléculas pró-inflamatórias, incluindo histamina, triptase, IL-1β,

CCL2, IL-6, GM-CSF e TNF-α, que estão implicadas na doença

COVID-19, levando ao estado mais grave. (KEMPURAJ et al.,

2020).

Em um estudo realizado em pacientes com COVID-19

leve/moderado e grave, a imunofenotipagem de leucócitos de

sangue total foi realizada em indivíduos na admissão em

enfermaria ou unidade de terapia intensiva e em controles

saudáveis. Marcadores granulocíticos (neutrófilos, eosinófilos e

basófilos) foram analisados. Houve contagens aumentadas de

CARACTERÍSTICAS DA COVID-19 E A MODULAÇÃO DA IMUNIDADE INATA

280

neutrófilos CD15 + CD16 +, expressão granulocítica diminuída

de integrina CD11b e regulação negativa de CRTH2

relacionada a Th2 em eosinófilos e basófilos. A gravidade foi

associada ao surgimento da expressão do ponto de verificação

PDL1 em basófilos e eosinófilos (VITTE et al., 2020).

Os eosinófilos, por sua vez, são leucócitos circulantes e

residentes em tecidos que têm efeitos pró-inflamatórios

potentes em várias doenças. Essas células mostraram ter

várias outras funções, incluindo imunorregulação e atividade

antiviral sendo os níveis celulares variáveis em diversos

cenários clínicos (LINDSLEY et al., 2020). No contexto da

COVID-19, dados da literatura demonstram a presença de

leucocitose, com contagens totais de neutrófilos aumentadas,

associada a apresentações mais graves de COVID-19 (LI et al.,

2020; LIU et al., 2020; MO et al ., 2020; QIN et al., 2020). Porém,

Liu Fang et al (2020) relataram que mais da metade dos

pacientes admitidos com COVID-19 tinham eosinopenia, onde

os níveis de eosinófilos melhoraram em todos os pacientes

antes da alta, sugerindo que a resolução da eosinopenia pode

ser um indicador de melhora do estado clínico (LINDSLEY et

al., 2020).

Por fim, os neutrófilos, também chamados de leucócitos

polimorfonucleares, constituem a população mais abundante de

células brancas sanguíneas circulantes e medeiam as fases

iniciais das reações inflamatórias (ABBAS; LITCHMAN; PILLAI,

2019). Evidências indicam que a resposta desregulada ao

SARS-CoV-2 se estende aos neutrófilos na manifestação grave

da COVID-19. Uma contagem absoluta elevada de neutrófilos

e a razão neutrófilos/linfócitos são prognósticos para SRAG

(Síndrome Respiratória Aguda Grave) e morte em COVID-19.

CARACTERÍSTICAS DA COVID-19 E A MODULAÇÃO DA IMUNIDADE INATA

281

(RUAN et al., 2020; DEL VALLE et al., 2020). Além disso,

pacientes com COVID-19 grave também têm níveis

aumentados de armadilhas extracelulares (NETs) de

neutrófilos, que são compostas de material de DNA com

antimicrobianos e enzimas oxidantes expelidas por essas

células para controlar infecções. É importante ressaltar que as

NETs podem contribuir para o desenvolvimento de lesão

pulmonar e microtrombos na COVID-19 (GUSTINE; JONES et

al., 2020)

Em conjunto com os dados acima mencionados, a

proporção de neutrófilos-linfócitos (NLR) mostrou servir como

um indicador confiável de COVID-19 grave. A alta proporção da

relação NLR leva a complicações graves nos pacientes

infectados, como fadiga, tosse seca, febre, pneumonia,

infecção respiratória aguda, insuficiência de órgãos e baixa

qualidade de vida. Por outro lado, a manutenção das

concentrações sanguíneas de NLR pode melhorar a resposta

ao comprometimento do sistema imunológico. Portanto, o NLR

é um marcador útil na rotina clínica para rastrear o prognóstico

em pacientes infectados com COVID-19 (PIMENTEL; VEGA;

LAVIANO, 2020).

Finalmente, um estudo feito por Barnes e colaboradores

(2020) em uma amostra de autópsia dos pulmões de um

paciente que foi a óbito por COVID-19, foi observado infiltração

neutrofílica extensa nos capilares pulmonares, com capilarite

aguda, deposição de fibrina e extravasamento para o espaço

alveolar. Uma imagem foi escolhida para enfatizar as lesões

dos capilares e mucosite neutrofílica da traqueia. Todas as vias

aéreas foram afetadas. A neutrofilia prediz, portanto, resultados

CARACTERÍSTICAS DA COVID-19 E A MODULAÇÃO DA IMUNIDADE INATA

282

ruins em pacientes com COVID-19 e a proporção de neutrófilos

para linfócitos é um fator de risco para doença grave.

Sistema Complemento

Componentes da imunidade inata, o sistema

complemento consiste um conjunto de proteínas plasmáticas

cujas funções assemelham-se, em alguns aspectos, aos

desenvolvidos pelos anticorpos. O processo de ativação ocorre

através de três vias (clássica, alternativa e da lectina) no qual,

em todas, uma cascata proteolíca é requerida. Uma vez

ativada, moléculas do complemento passam a desempenhar

seu papel na resposta imune no qual inclui opsonização e

eliminação de algumas estruturas além do recrutamento celular

aos sítios de infecção (ABBAS; LITCHMAN; PILLAI, 2019).

O papel desse sistema na COVID-19 vem sendo

estudada e algumas pesquisas sugerem a participação de

proteínas do complemento na doença. Biópsia de tecido

pulmonar ou da pele de 5 pacientes com a forma grave da

patologia apresentando falha respiratória e erupções cutâneas

purpúricas (3 pacientes) revelou um acúmulo de (MASP)2, C5b-

9 e C4d sendo, os dois últimos, também acumulados em análise

epitelial (SOKOLOWSKA et al., 2020). Além disso, um estudo

comparativo conduzido por Magro et al (2020) revelaram um

aumento considerável dos níveis séricos da proteína C5a em

pacientes graves da doença. A melhora no quadro clínico de

dois pacientes graves tratados com anticorpos monoclonais

anti-C5a sugerem um importante papel de proteínas do

complemento na COVID-19 (MAGRO et al., 2020).

CARACTERÍSTICAS DA COVID-19 E A MODULAÇÃO DA IMUNIDADE INATA

283

CONCLUSÕES

Por fim observa-se que, embora de fundamental

importância no combate a microorganismos patogênicos, a

resposta desencadeada pela imunidade inata, quando

desregulada, pode se associar ao agravamento do quadro

clínico de uma doença. Como observado nos estudos aqui

explicitados, tais alterações, sejam em células circulantes ou

presentes em órgãos, somados a análises fenotípicas, podem

auxiliar no prognóstico de gravidade da COVID-19. Assim, tais

pesquisas podem contribuir na escolha de medidas mais

eficazes para o tratamento da patologia além de auxiliar no

desenvolvimento de terapêuticas ideiais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABBAS, Abul K.; LICHTMAN, Andrew H.; PILLAI, Shiv. Imunologia celular e molecular. Elsevier Brasil, 2019. BAL, Suzanne. M.; GOLEBSKI, Korneliusz; SPITS, Hergen. Plasticity of innate lymphoid cell subsets. Nature Reviews Immunology, v. 20, p. 1-14, 2020. BARNES, Betsy J. et al. Targeting potential drivers of COVID-19: Neutrophil extracellular traps. Journal of Experimental Medicine, v. 217, n. 6, p. 1-8, 2020. CHINA-CDC. China Centers for Disease Control and Prevention. Global Health-China. Disponível em: https://www.cdc.gov/globalhealth/countries/china/default.htm. Acesso em: 15.10.2020. DEL VALLE, Diane Marie et al. An inflammatory cytokine signature helps predict COVID-19 severity and death. medRxiv, 2020. DOI: https://doi.org/10.1101/2020.05.28.20115758 GINHOUX, Florent; JUNG, Steffen. Monocytes and macrophages: developmental pathways and tissue homeostasis. Nature Reviews Immunology, v. 14, n. 6, p. 392-404, 2014.

CARACTERÍSTICAS DA COVID-19 E A MODULAÇÃO DA IMUNIDADE INATA

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AGRADECIMENTOS

Agradecemos aos órgãos de fomento CAPES e Fapesq-

PB, pelo apoio. Agradecemos também a todos os que ajudaram com a pesquisa de artigos científicos bem como na revisão do conteúdo aqui explicitado.

CORRELAÇÃO DA IMUNIDADE ADAPTATIVA COM A COVID-19

287

CAPÍTULO 14

CORRELAÇÃO DA IMUNIDADE ADAPTATIVA COM A COVID-19

Fernando Cézar Comberlang Queiroz Davis dos SANTOS1

Pedro Henrique de Sousa PALMEIRA2

Leonardo Lima CARDOSO3

Bárbara Guimarães CSORDAS4 Tatjana Souza Lima KEESEN5

1 Graduando do curso de Biotecnologia, UFPB; 2Mestrando do Programa Multicêntrico de Pós-Graduação em Ciências Fisiológicas, UFPB; 3 Graduando do curso de Biotecnologia,

UFPB;4Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Produtos Naturais e Sintéticos Bioativos-PgPNBS-UFPB 5Orientadora/Professora do CBIOTEC/UFPB.

[email protected]

RESUMO: O surgimento do novo coronavírus denominado de SARS-CoV-2, agente causador da COVID-19, instaurou uma pandemia mundial. Descoberto no final de dezembro de 2019 a partir de supostos casos de pneumonia em Wuhan, China, até o presente momento já infectou mais de 35 milhões de pessoas no mundo. Pela sua recém-descoberta, os mecanismos fisiopatológicos envolvidos da doença e sua correlação com a imunidade adaptativa ainda são obscuros. No entanto, com o avançar das pesquisas se observou que essa desempenha importante papel frente à infecção, diante disso o trabalho objetivou compilar informações e estudos associados ao papel da imunidade adaptativa na COVID-19, por meio da revisão da literatura encontrada até o presente momento acerca do SARS-CoV-2. A imunidade adquirida é caracterizada por ser a linha de defesa específica (do corpo), abarcando ambas respostas humorais e celulares. A imunidade celular é o principal mecanismo de combate aos microrganismos intracelulares, como os vírus a exemplo do SARS-CoV-2. No entanto, diante à infecção causadora da COVID-19, diversos aspectos associados aos habituais mecanismos de ação dos linfócitos T

CORRELAÇÃO DA IMUNIDADE ADAPTATIVA COM A COVID-19

288

CD4, T CD8 e B sofrem alterações fenotípicas e populacionais, podendo contribuir com o amplo espectro de casos clínicos. A elucidação acerca da participação do sistema imune adaptativo na doença bem como na compreensão de uma memória protetiva após a resolução da patologia ainda não está totalmente elucidada. Palavras-chave: SARS-CoV-2. Imunidade adaptativa. Linfócitos T. Infecção. COVID-19.

INTRODUÇÃO

O sistema imune adaptativo (ou adquirido) é constituído

essencialmente por células de origem linfoide denominadas

linfócitos. Ativados mediante estímulos antigênicos e outros

mecanismos de feedback positivo, a imunidade adquirida pode

ser dividida em humoral, em que se tem a ação de células B

secretando anticorpos que neutralizarão o patógeno, e

imunidade mediada por células, sendo esta realizada por

linfócitos T auxiliares e citotóxicos, que promovem a modulação

de outros leucócitos e morte de células infectadas,

respectivamente (ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2015).

Assim, a imunidade adquirida se adapta a infecção que

está sendo combatida, para que os agentes invasores sejam

neutralizados da melhor forma possível. Ademais, reinfecções

pelo mesmo patógeno gerarão respostas imunológicas mais

robustas e eficazes, devido à memória celular e especificidade

obtidas durante a primeira infecção (ABBAS; LICHTMAN;

PILLAI, 2015). Com isso, a manutenção da imunidade

adaptativa, tal como o bom funcionamento dos linfócitos T, é um

fator de extrema importância no combate a doenças

infecciosas.

CORRELAÇÃO DA IMUNIDADE ADAPTATIVA COM A COVID-19

289

O Coronavírus da Síndrome Respiratória Aguda Grave 2

(SARS-CoV-2), pertencente ao gênero betacoronavírus, é o

agente causador da Doença do Coronavírus 2019 (COVID-19),

que prejudica principalmente o trato respiratório, trazendo

sintomas como dispneia, tosse seca e em casos mais graves,

dificuldade respiratória (BOURGONJE et al., 2020).

Estudos relatam que infecções virais graves e

sustentadas podem ocorrer devido ao esgotamento funcional

de linfócitos T citotóxicos (ZHANG et al., 2019). Consoante a

isso, é verificado que a evolução da COVID-19 para estágios

mais graves da doença, pode estar associada à exaustão de

células T CD8+ e CD4+ (CHEN; WHERRY, 2020; ZHENG et

al., 2020).

Além disso, linfopenia também demonstrou ser uma

característica recorrente em pessoas com agravamento da

doença, sendo observada uma redução nas populações de

células T CD4+, CD8+ e subconjuntos de células B (KURI-

CERVANTES et al., 2020; TAN et al., 2020; YU et al., 2020).

Segundo Carsetti e colaboradores (2020) outra

observação importante no espectro de casos de COVID-19 é o

aumento passageiro, em indivíduos assintomáticos, das

Imunoglobulinas IgA, IgM e IgG, este, porém, em menor grau.

Em pacientes acometidos por COVID-19 grave, no entanto,

níveis altos e sustentados de IgA e IgG foram observados.

Ademais, marcadores inflamatórios se apresentam como

bons auxiliadores na previsão de quadros clínicos mais graves.

Dessa forma, estudos a respeito dos mesmos são essenciais

para o desenvolvimento de tratamentos precoces que garantam

uma maior chance de remissão da doença. (LUCAS et al.,

2020). Do mesmo modo, casos de pessoas em estágios de

convalescença e recuperação total também são investigados a

CORRELAÇÃO DA IMUNIDADE ADAPTATIVA COM A COVID-19

290

fim de se obter novas descobertas sobre os efeitos de longo

prazo que a doença pode trazer para o corpo.

Em suma, estudos que visem compreender o papel da

imunidade adaptativa na COVID-19, são essenciais para o

desenvolvimento de prognósticos e novas formas de manejo

clínico que possuam maior eficácia no tratamento da doença.

OBJETIVOS

Diante do exposto, o trabalho visa reunir algumas

informações já presentes na literatura acerca da correlação da

imunidade adaptativa com a infecção causada pelo SARS-CoV-

2. O trabalho tem como foco principal o papel da imunidade

adaptativa no combate da COVID-19, trazendo à tona os

mecanismos imunológicos envolvidos nos diferentes espectros

clínicos da doença.

MATERIAIS E MÉTODOS

Este trabalho se refere a uma revisão da literatura acerca

da COVID-19. A partir disso, foi realizada uma busca

documental em quatro bancos de dados eletrônicos: PubMed,

Nature, Cell, MedRxiv. Foram selecionados 42 artigos de língua

inglesa referente ao tema SARS-CoV-2, do período de

novembro de 2015 até outubro de 2020, no qual palavras-chave

associadas a aspectos imunológicos inerentes a resposta

adaptativa foram aplicadas. Dados epidemiológicos atualizados

foram adquiridos mediante buscas em sites do governo federal

e estadual bem como de instituições não governamentais como

a Organização Mundial de Saúde.

CORRELAÇÃO DA IMUNIDADE ADAPTATIVA COM A COVID-19

291

RESULTADOS E DISCUSSÃO

SISTEMA IMUNE ADAPTATIVO NA COVID-19

A infecção pelo SARS-CoV-2 provoca alterações

responsivas em células componentes do sistema imunológico.

No âmbito da imunidade adaptativa, compreende-se que

diversos aspectos associados aos mecanismos de ação dos

linfócitos T e B como frequência populacional, produção de

citocinas e expressão de receptores são modulados. Com isso,

as alterações no sistema imune ocasionadas pelo novo

Coronavírus podem levar a um amplo espectro clínico durante

seu processo infeccioso.

Células T e COVID-19

Os linfócitos T, são componentes do sistema imune

adaptativo que ao serem ativados mediante estímulo antigênico

proporcionado pelas células apresentadoras de antígeno

(APC), atuam através de vários mecanismos de sinalização.

Estes, por sua vez, são fundamentais no combate a patógenos,

na modulação da resposta imune além de conferir ao organismo

especificidade e memória imunológica após a resolução de uma

patologia (ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2015).

Dentre as subpopulações de linfócitos, estão as células

T CD4+. Também denominadas auxiliares ou “T helper”, estas

células auxiliam na proliferação e diferenciação de outros tipos

de células T, além de ativarem células B, macrófagos e outros

leucócitos, promovendo estímulos. Por outro lado, células T

CD8+ são conhecidas pela sua função citotóxica, na qual

induzem a morte celular mediante o reconhecimento de células

alvo e posterior liberação de grânulos citolíticos. Além disso,

estes tipos específicos de linfócitos ativam a proteína FAS, que

CORRELAÇÃO DA IMUNIDADE ADAPTATIVA COM A COVID-19

292

induz apoptose nas células infectadas com vírus. (ABBAS;

LICHTMAN; PILLAI, 2015).

No contexto da COVID-19, pode-se observar a partir de

diversos estudos que os números de linfócitos T CD4+ e CD8+

de forma geral diminuem drasticamente (VABRET et. al., 2020;

SUN et. al., 2020; GANJI et. al., 2020; ODAK et. al., 2020). A

ocorrência de linfopenia, embora presente em todos os

espectros da doença, são mais proeminentes em pacientes

moderados e graves como observado por Fan Wang et. al.

(2020). Em sua pesquisa, a comparação do grupo controle com

pacientes acometidos pela COVID-19 demonstrou uma

diminuição de células T CD4+ e T CD8+, sendo tal perfil mais

acentuado no grupo de pacientes leves e graves.

Uma pesquisa realizada em pacientes acometidos pela

COVID-19 para observação da porcentagem de linfócitos no

sangue durante os dias de progressão da doença, observou

que indivíduos acometidos pelas formas leve e moderada

tiveram queda na porcentagem de linfócitos sanguíneos

seguida de posterior aumento. Já em pacientes que vieram a

óbito devido ao agravamento das complicações da doença,

houve diminuição progressiva da frequência de linfócitos, em

um tempo médio de 20 dias. A partir disso, sugere-se que a

linfopenia esteja estritamente relacionada com casos mais

graves de COVID-19 (TAN et al., 2020).

O quadro de linfopenia parece ter uma estreita relação

com os níveis das citocinas IL-6, IL-10, TNF-α e INF-I, sendo

estas capazes de inibir a recirculação de linfócitos T e promover

a retenção desses em tecidos linfoides e ligação ao endotélio

(VABRET et. al., 2020). Já em pacientes convalescentes o

número de linfócitos T retorna aos níveis basais enquanto que

CORRELAÇÃO DA IMUNIDADE ADAPTATIVA COM A COVID-19

293

o nível de citocinas pró-inflamantórias diminui, como observado

em um estudo desenvolvido por Fan Wang et. al. (2020).

O recrutamento de células T CD8+ nos sítios de infecção

propicia também a linfopenia, diminuindo a presença desses no

compartimento do sangue periférico. Em um estudo feito com o

lavado broncoalveolar (LBA) de um paciente que foi a óbito pela

COVID-19, foi revelado a presença aumentada de infiltrados

celulares como linfócitos T CD8+ em expansão clonal (VABRET

et. al., 2020).

É notório em pacientes acometidos pelo SARS-CoV-2

que as células T CD8+ são mais ativadas que as T CD4+

(VABRET et. al., 2020). Muitos estudos demonstram a alta

expressão de moléculas inibitórias nas CTLs (linfócitos T

citotóxicos), como o PD-1, TIM-3 e NKG2A, no qual esta é

diminuída após administração de terapia antiviral (PACES et.

Al., 2020). Zheng e colaboradores (2020) observaram a

redução na expressão de NKG2A em pacientes que se

encontravam em estágio de convalescença, levando a

recuperação funcional dos CLTs. Além disso, um úmero

reduzido de linfócitos T CD8+ CD28+, além de altas frequências

de células T CD8 PD-1/TIM-3 em pacientes em unidades de

tratamento intensivo também foi observado em um estudo feito

por Vabret e colaboradores (2020).

Apesar do esgotamento funcional das células CD8+ na

COVID-19, outros estudos apontam de forma alternativa para

uma hiperativação desses linfócitos, tal como os linfócitos T

CD8+ invariantes de mucosa (MAIT CD8+), sendo identificados

altos níveis de expressão de CD38, CD69 e HLA-DR nessas

células. Esses fatores podem implicar em respostas mais

agressivas de CLTs na COVID-19 (KURI-CERVANTES et al.,

2020; CHEN; WHERRY, 2020).

CORRELAÇÃO DA IMUNIDADE ADAPTATIVA COM A COVID-19

294

As células T CD8+ em pacientes acometidos pelo SARS-

CoV-2 apresentaram uma menor degranulação (diminuição da

externalização do CD107, marcador de citotoxidade) e também

diminuição na produção de IL-2, INF-γ e Granzima B quando

comparados com os pacientes controle. Em outro trabalho, foi

observado a alta produção de granzima B e perforina pelas

células T CD8+ em pacientes graves. Uma pesquisa feita por

Liao et. al. (2020) demonstrou que células T CD8+ retiradas do

LBA de pacientes graves expressaram genes citotóxicos como

GZMA, GZMB e GZMK em altos níveis, enquanto KLRC1 e

XCL1, genes também citotóxicos, têm destaque em pacientes

com quadros leves (VABRET et. al., 2020). Com isso, os dados

aqui explicitados sugerem que essas células são um excelente

fator de prognóstico da severidade da doença, como também

de uma eficácia clínica na COVID-19.

Em relação à funcionalidade de células T CD4+ na

COVID-19, há evidências de exaustão da função dos linfócitos

T auxiliares através de receptores inibitórios, tal como nas

CLTs, com concomitante hiper expressão de receptores de

ativação (CHEN; WHERRY, 2020).

Sobre os aspectos de reatividade cruzada entre

diferentes tipos de Coronavírus, foram encontradas células T

CD4+ reativas a glicoproteína Spike do SARS-CoV-2, usando a

expressão de marcadores de ativação 4-1BB e CD40-L, tanto

em pacientes acometidos pela COVID-19 quanto em pessoas

saudáveis. A presença de células CD4+ reativas em pessoas

não infectadas pelo SARS-CoV-2 pode indicar essa reatividade

cruzada, adquirida através do contato com outros tipos de

coronavírus que também infectam humanos (BRAUN et al.,

2020). Ademais, um estudo realizado para investigar as ações

de células T CD4+ na imunidade contra o vírus da SARS,

CORRELAÇÃO DA IMUNIDADE ADAPTATIVA COM A COVID-19

295

estabeleceu o direcionamento de células T em relação a 3

peptídeos derivados da proteína Spike do SARS-CoV-1, sendo:

S729-745,S358-374 e S 427-444 (LIBRATY et al., 2007). Os dados

dessas pesquisas podem ser de grande valia para futuros

estudos de reatividade cruzada entre linfócitos de memória

gerados pela infecção com SARS-CoV-1 e outros tipos de

Coronavírus, contra epítopos da proteína Spike de SARS-CoV-

2, a partir das suas semelhanças estruturais.

Por fim, mais estudos precisam ser realizados para

elucidar cada vez mais o papel das células T na imunidade

contra o SARS-CoV-2. Análises de exaustão funcional de

linfócitos T, superativação, diferenciação fenotípica, quadros de

linfopenia e reatividade cruzada com outros tipos de

coronavírus humanos, devem continuar sendo investigados

para o melhor entendimento das alterações fisiológicas que o

SARS-CoV-2 pode trazer ao organismo. Com isso, tais

pesquisas poderiam contribuir com o desenvolvimento de

alternativas mais eficazes no tratamento da doença.

Células B e anticorpos neutralizantes em pacientes

convalescentes na COVID-19

As células B estão no centro do sistema imune humoral

adaptativo e são responsáveis por mediar a produção de

imunoglobulina (Ig) específica para estruturas da superfície

(antígeno), dirigida contra patógenos invasivos (normalmente

conhecidos como anticorpos). As respostas de células B aos

antígenos (Ag), ocorrem quando as células FO B maduras

voltam a circular entre órgãos linfoides secundários em busca

de antígeno. Após esse encontro, as células B que recebem

ajuda de células T podem entrar em algumas possibilidades de

CORRELAÇÃO DA IMUNIDADE ADAPTATIVA COM A COVID-19

296

desenvolvimento diferenciado (COOPER, 2015; CROTTY,

2015).

As células B podem sofrer diferenciação plasmocítica,

formar plasmablastos extrafoliculares e formar células

plasmáticas secretoras de IgM. Essas células não têm genes Ig

mutados somaticamente e têm vida curta, mas fornecem uma

resposta inicial rápida ao antígeno. A segunda possibilidade de

desenvolvimento é o estabelecimento de um centro

germinativo, uma estrutura especializada dentro da qual as

células B sofrem rodadas de proliferação acompanhadas por

maturação de afinidade: um processo iterativo de mutação e

seleção do gene Ig resultando em um pool de células B que

podem se ligar a Ag com maior afinidade. Os anticorpos

também sofrem recombinação de troca de classe (COOPER,

2015; CROTTY, 2015).

Os anticorpos neutralizantes fazem parte da resposta

humoral do sistema imune adaptativo contra COVID-19, além

de outros vírus, bactérias intracelulares e toxinas microbianas.

Ao se ligarem especificamente aos Ag. Anticorpos

neutralizantes defendem a célula de um patógeno ou partícula

infecciosa, neutralizando qualquer efeito que tenha

biologicamente. A neutralização torna uma partícula não-

infecciosa ou o microrganismo perde a capacidade patogênica

(BROUWER et al., 2020; PAYNE, 2017).

Na população convalescente, a análise do repertório de

seis pacientes representativos do estudo de coorte (n=149),

revelou a presença de células B IgG+ e em expansão clonal.

Anticorpos neutralizantes potentes foram encontrados em

indivíduos, independentemente de sua capacidade geral de

neutralização do soro. Além disso, os anticorpos têm como alvo

epítopos neutralizantes para regiões antigênicas de SARS-

CORRELAÇÃO DA IMUNIDADE ADAPTATIVA COM A COVID-19

297

CoV-2. Esses achados indicam que, apesar da baixa

capacidade de neutralização do plasma, a maioria dos

indivíduos podem gerar anticorpos neutralizantes de IgG

robustos, independentemente da gravidade de seus sintomas

(UHL; CHAUVEAU, 2020).

Estudos em 17 pacientes, em que 14 amostras de

sangue (6-7 meses após a infecção), apresentaram atividades

neutralizantes significativas em um ensaio utilizando

pseudovírus (TAN et al., 2020). Foi possível detectar imunidade

humoral e celular específica para SARS-CoV-2 em oito

pacientes recém-dispensados. A análise de acompanhamento

em outra coorte de seis pacientes, 2 semanas após a alta

também revelou altos títulos de anticorpos IgG. Em todos os 14

pacientes testados, 13 apresentaram atividades de

neutralização do soro em um ensaio utilizando pseudovírus (NI

et al., 2020). Todos estes trabalhos puderam observar uma forte

correlação entre os títulos de anticorpos de neutralização e o

número de células T específicas para o vírus.

TRATAMENTO E VACINAS NA COVID-19: potenciais

estratégias contra ADE

O potencial terapêutico dos anticorpos monoclonais tem

sido bem reconhecido no tratamento de muitas doenças. Os

anticorpos monoclonais representam a principal classe de

bioterapêuticos para imunoterapia passiva no combate à

infecção viral (SHANMUGARAJ et al., 2020).

IL-6 é uma citocina que desempenha um papel

importante na reação inflamatória e resposta imunológica. As

experiências clínicas na China sugeriram que a IL-6 é uma das

citocinas mais importantes envolvidas nas tempestades de

citocinas induzidas pela COVID-19. Por esta razão,

CORRELAÇÃO DA IMUNIDADE ADAPTATIVA COM A COVID-19

298

tocilizumabe (TCZ), um anticorpo monoclonal humanizado

contra o receptor de interleucina-6 (IL-6R), foi recomendado em

pacientes graves e com IL-6 elevada. No entanto, existem

dados limitados sobre o efeito do TCZ sobre a atividade

inflamatória em pacientes com COVID-19.

Outras implicações tanto no tratamento quanto na

produção de vacinas contra COVID-19, devem ser ressaltadas.

Drogas baseadas em anticorpos e vacinas contra SARS-CoV-2

estão sendo aceleradas através do desenvolvimento pré-clínico

e clínico. Estudos anteriores sobre o vírus sincicial respiratório

e a vacina contra o vírus da dengue revelaram riscos de

segurança clínica em humanos relacionados a infecção

dependente de anticorpos (Antibody-dependent enhancement–

ADE), resultando em testes de vacinas fracassados. Os

mecanismos não manifestados à proteção dos anticorpos

contra qualquer vírus têm um potencial teórico para amplificar a

infecção ou desencadear imunopatologia prejudicial, tornando-

se a ADE uma preocupação geral para o desenvolvimento de

vacinas e terapias de anticorpos (ARVIN et al., 2020). Essa

possibilidade requer consideração cuidadosa, principalmente

no ponto crítico na pandemia da COVID-19. Estudos que

avaliem a probabilidade de revelar a ADE na patologia da

doença COVID-19 e que examinem como os dados podem

influenciar as intervenções clínicas são de extrema relevância.

As vacinas com um alto risco teórico de induzir ADE ou

ERD patológico incluem vacinas virais inativadas, que podem

conter alvos de antígeno não neutralizantes e/ou a proteína da

espícula viral de SARS-CoV-2 em conformações não

neutralizantes, fornecendo uma infinidade de alvos não

protetores para anticorpos que podem conduzir ao fracasso

vacinal (LEE et al., 2020).

CORRELAÇÃO DA IMUNIDADE ADAPTATIVA COM A COVID-19

299

As estratégias de imunização em humanos para SARS-

CoV-2 que induzem altos títulos de anticorpos neutralizantes

podem ter grande chance de sucesso e com risco mínimo de

ADE. Vacinas de subunidade que podem induzir anticorpos

neutralizantes específicos da proteína da espícula

(especialmente na conformação de pré-fusão, para reduzir a

apresentação de epítopos não neutralizantes) devem

apresentar riscos de ADE mais baixos (WRAPP et al., 2020).

Essas abordagens modernas de projeto de imunógenos devem

reduzir a imunopatologia potencial associada a anticorpos não

neutralizantes, aumentando a segurança das vacinas.

Biomarcadores na COVID-19

Os biomarcadores imunológicos têm sido fundamentais

no prognóstico do curso da COVID-19. Lucas et. al. (2020) fez

uma investigação acerca do aparecimento inicial de respostas

de citocinas e sua correlação com a severidade da doença.

Inicialmente foram obtidos três grupos distintos ao quadro da

patologia, sendo caracterizados por quatro assinaturas

imunológicas.

Pôde ser observado um exame abrangente da dinâmica

inflamatória diversificada durante COVID-19 e possíveis

contribuições de conjuntos distintos de mediadores

inflamatórios para a progressão da doença, com possibilidade

de que as intervenções imunológicas precoces os quais visam

marcadores inflamatórios são preditivos de pior evolução da

doença. Essas análises fornecem bases para um tratamento

mais direcionado de pacientes com COVID-19 com base em

marcadores precoces de citocinas, bem como terapias

destinadas a melhorar a reparação do tecido e promover a

tolerância à doença (LUCAS et. al., 2020).

CORRELAÇÃO DA IMUNIDADE ADAPTATIVA COM A COVID-19

300

Ademais, houve a percepção de altos níveis de IL-6 em

pacientes críticos, geralmente hospitalizados, sendo

associados à admissão na UTI e falha respiratória. Foi visto

também o aumento de IL-2R, IL-8, IL-10, e GM-CSF em

pacientes com quadros severos, porém estudos posteriores

serão necessários para elucidar os potenciais prognósticos

desses indicadores (VABRET et. al., 2020).

Geração de resposta da imunidade adaptativa em pacientes

convalescentes e recuperados

Como previamente mencionado, o processo de infecção

pelo SARS-CoV-2 fornece alterações fenotípicas e

populacionais podendo, em alguns aspectos, apresentar

durabilidade durante e após a fase de recuperação. Nesse

contexto, a compreensão acerca destas mudanças

imunológicas torna-se de fundamental importância na busca por

terapêuticas eficazes como o desenvolvimento de vacinas.

Em um estudo desenvolvido por Juno e colaboradores

(2020), foi demonstrado similaridade entre células T foliculares

circulantes (cTfh) entre indivíduos convalescentes e o grupo

controle. Embora um leve aumento de linfócitos T totais em

sangue periférico de indivíduos recuperados tenham sido

encontrados, alterações estatísticas significativas em células T

CD4 e T CD8 não foram observadas em amostras não

estimuladas com estruturas do SARS-CoV-2 (GRIFONI et al.,

2020). Esses resultados sugerem um possível retorno da

frequência celular de linfócitos aos níveis basais.

Uma pesquisa comparativa entre as fases inicial (FI) e

tardia (FT) de recuperação da COVID-19 sugeriram que os

últimos apresentavam maior frequência de células B e células

T comparado às primeiras. Ademais, subpopulações celulares

CORRELAÇÃO DA IMUNIDADE ADAPTATIVA COM A COVID-19

301

de células T auxiliares mostraram um aumento expressivo de

linfócitos T CD4 de memória central e atenuação das

subpopulações de memória efetora, células T reguladoras e

células T CD4 naive sendo, tais modificações, mais expressivas

em indivíduos FI (WEN et al., 2020).

A observância da presença de células específicas para

porções de um patógeno após a resolução da doença são

relevantes para a compreensão acerca do curso da mesma.

Amostras de células mononucleares do sangue periférico

(PBMC) de indivíduos recuperados da COVID-19 mostraram

uma frequência de 100% na presença de células T CD4

específicas para a proteína Spike (GRIFONI et al., 2020).

A proteína S demonstra ser umas das principais

estruturas proteícas do SARS-CoV-2 indutoras de respostas

adaptativas. Corroborando com os dados acima mencionados,

subpopulações de linfócitos T CD4 parecem ser moduladas

frente ao estímulo. Nesse contexto, as células cTfh bem como

o subtipo cTfh17 (CCR6+CXCR3-) apresentaram um aumento

considerável após exposição à estrutura Spike. Este resultado,

porém, não foi observado para a porção RBD (JUNO et al.,

2020). Em conjunto com os resultados supracitados, a proteína

Spike parece direcionar à presença as células T CD4 a um

padrão Th1 (GRIFONI et al., 2020).

O estímulo com proteínas não-Spike de PBMC de

pacientes convalescentes para COVID-19 induziram ao

aumento responsivo de células T CD4 com tendência ao perfil

Th1 (GRIFONI et al., 2020). De modo semelhante, Sekine e

colaboradores (2020) mostraram maior expressão de citocinas

características dessa subpopulação (IFN-γ, IL-2 e TNF) quando

estimuladas com peptídeos Spike, de membrana e do

nucleocapsídeo.

CORRELAÇÃO DA IMUNIDADE ADAPTATIVA COM A COVID-19

302

De fato, diferentes estruturas virais parecem conduzir a

distintas subpopulações celulares inseridas no grupo das

células T auxiliadoras. Enquanto as proteínas de membrana e

do nuclecapsídeo pareçam direcionar a um perfil Th1/Th17, a

sobreposição de peptídeos Spike inclinam ao subtipo cTfh em

pacientes convalescentes. A indução de células cTfh por

estrutura Spike sugere envolvimento chave na síntese de

anticorpos de alta afinidade (JUNO et al., 2020; SEKINE et al.,

2020). Corroborando com os estudos anteriormente expostos,

Sekine e colaboradores (2020) indicaram um aumento na

expressão de marcadores de ativação em células T CD4.

Não apenas os linfócitos T auxiliares apresentaram

resposta protetora mediante uma possível reexposição ao

SARS-CoV-2. O estímulo peptídico inserido em PBMC de

pacientes recuperados pela COVID-19 induziu os linfócitos T

CD8 (CLT) a alterações fenotípicas e populacionais. Um estudo

comparativo desenvolvido por Peng et al. (2020) demonstraram

que tanto a proteína Spike quanto as estruturas de membrana

(M) e do nucleocapsídeo (N) conduziram a uma maior

reatividade de linfócitos citotóxicos em indivíduos que

apresentaram a forma leve comparado com a forma grave.

A pesquisa acima mencionada também sugere uma

maior capacidade das estruturas M e N de conduzirem os

linfócitos T citotóxicos a apresentarem maior funcionalidade

(mediante expressão de múltiplas citocinas) quando comparado

a proteína Spike, em indivíduos recuperados que apresentaram

a forma leve. No entanto, não foram observadas alterações

estatísticas significativas na citotoxicidade nas formas leve e

grave dos voluntários (PENG et al., 2020).

A reatividade dos linfócitos CLT em indivíduos

recuperados também foi explicitada pela presença elevada de

CORRELAÇÃO DA IMUNIDADE ADAPTATIVA COM A COVID-19

303

células T CD8+ expressando CD69+ e CD137+, estes, usados

como marcadores de ativação celular, além da maior expressão

de IFN-γ. Uma expressiva quantidade de células T CD8

produtoras de IFN-γ também expressaram granzima e TNF

mostrando, assim, que as células de uma parcela considerável

de indivíduos geraram resposta contra o vírus após o desafio

com pools de peptídeos relacionados ao SARS-CoV-2

(GRIFONI et al., 2020). Em outro estudo foi possível observar

que células T CD4 desencadearam um aumento na produção

de INF-γ, ao serem estimuladas com proteínas S, M e N de

SARS-CoV-2. Além disso, foi revelado nos linfócitos T CD8 um

aumento na mobilização do marcador de degranulação CD107a

(SEKINE et al., 2020), sugerindo aumento na atividade

citotóxica dessas células.

Uma análise detalhada acerca das estruturas virais

responsáveis pela resposta de células T CD8 revelaram uma

distribuição variável. Embora a proteína S ainda se mostrasse

dominante com 26% da reatividade celular, as estruturas M

(com 22%), nsp6 (com 15%) e N (com 12%) também auxiliaram

na resposta. Por outro lado, 59% da reatividade de células T

CD4 se concentrou nas estruturas S, M e N sendo, a Spike,

mais prevalente com 27% (GRIFONI et al., 2020).

Por fim, compreender a dinâmica de ação desenvolvida

pelas células B durante e após o processo de recuperação de

doenças torna-se de fundamental importância. Assim como

observado para as células T os linfócitos B também parecem

ser modulados durante a fase de recuperação da COVID-19

como observado por Wen e colegas (2020). Nesse estudo,

células B plasmáticas estavam aumentadas enquanto que

linfócitos B naive sofreram atenuação.

CORRELAÇÃO DA IMUNIDADE ADAPTATIVA COM A COVID-19

304

Por outro lado, a análise sorológica de pacientes em fase

aguda bem como indivíduos recuperados mostram que nestes

os níveis de anticorpos IgM, IgG e IgA reduz significativamente

quando comparado com os primeiros. Além disso, a presença

de anticorpos anti-RBD parece decair em pacientes

recuperados como observado em 6 indivíduos, 2-3 meses após

a primeira coleta sanguínea (VAISMAN-MENTESH et al.,

2020).

Em contrapartida, a presença de células B de memória

específicas para a porção RBD parece se manter estável por

pelo menos 6 meses como observado em amostras de 5

indivíduos recuperados da infecção desencadeada pela SARS-

CoV-2 (VAISMAN-MENTESH et al., 2020)8. Esse estudo

sugere uma persistência de resposta humoral após a COVID-

19. No entanto, e não menos importante, o autor destaca a

necessidade de estudos futuros para compreender o papel

protetivo desses achados.

CONCLUSÕES

Semelhante a diversas patogenias, a infecção pelo

SARS-CoV-2 desencadeia alterações imunológicas

importantes que podem contribuir com o quadro clínico da

doença. Nesse contexto, diversos estudos sugerem uma

correlação entre alterações fenotípicas e populacionais de

componentes da imunidade adaptativa com as formas mais

graves da infecção. Porém, como demonstrado por estudos

aqui explicitados, observa-se que após a resolução da doença

uma possível reinfecção pode mobilizar linfócitos a uma

resposta mais rápida, na qual determinadas estruturas do

SARS-CoV-2 apresentam notável imunogeinicidade.

CORRELAÇÃO DA IMUNIDADE ADAPTATIVA COM A COVID-19

305

Por fim, mesmo com o direcionamento de uma parcela

expressiva das pesquisas científicas voltadas para o estudo da

COVID-19, diversas questões ainda precisam ser elucidadas.

Dentres estas, o entendimento acerca do desenvolvimento de

uma memória imunológica protetiva de longa duração será

esclarecida com o tempo. Assim, a compreensão dos aspectos

imunopatológicos inerentes à COVID-19 podem, de fato,

auxiliar no desenvolvimento de terapêuticas mais eficazes à

serem aplicadas no tratamento de pessoas acometidas pela

infecção.

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AGRADECIMENTOS

Gostaríamos de agradecer às agências de

fomento CAPES e Fapesq-PB, as quais estão financiando nossos estudos acerca do SARS-CoV-2 e todos que contribuíram com este trabalho.

MACRÓFAGOS M1/M2 NA LEISHMANIOSE

309

CAPÍTULO 15

MACRÓFAGOS M1/M2 NA LEISHMANIOSE

Edson dos Santos SILVA 1

Júlia Ondrusch de Moraes COSTA 2

Raquel Rocha VENANCIO 3

Fernanda Silva ALMEIDA 4 1 Mestrando do Programa de Pós Graduação Multicêntrico em Ciências Fisiológicas/UFPB; 2

Graduanda do Curso de Medicina, Faculdade de Ciências Médicas da Paraíba (FCM-PB) ; 3

Graduanda do Curso de Biotecnologia/UFPB; 4 Orientadora/ Doutoranda do Programa de

Pós-Graduação em Biotecnologia- RENORBIO/ UFPB;

[email protected]

RESUMO: A leishmaniose se caracteriza como um complexo de doenças infecto-parasitárias causadas por protozoários pertencentes ao gênero Leishmania, e estão inseridas no grupo das doenças tropicais negligenciadas. Esta patologia é considerada um agravante de saúde pública, presente em diversos países, em especial o Brasil, como um dos países com maior prevalência da doença. Os macrófagos são células fagocíticas que são encontradas em vários tecidos. Sendo assim, o presente trabalho objetivou revisar a bibliografia existente acerca da ação do parasita na plasticidade dos macrófagos e os papéis da polarização M1 e M2 na parasitose em questão, utilizando um total de 28 referências entre os anos de 2016 a 2020. Na Leishmaniose, em especial, os macrofágos tornam-se células hospedeiras finais para a proliferação de parasitas de Leishmania, sendo uma chave para a resposta controlada ou exacerbada que culmina em manifestações clínicas. M1 e M2 são os dois principais fenótipos de macrófagos nos quais M1 é um subtipo clássico com perfil pró-inflamatório e M2, ou alternativamente ativado, é um subtipo anti-inflamatório / regulatório. A compreensão dos principais

MACRÓFAGOS M1/M2 NA LEISHMANIOSE

310

mecanismos imunomodulatórios presentes na leishmaniose, possibilitam o desenvolvimento de novas abordagens terapêuticas que garantam melhor qualidade no tratamento dos pacientes. Palavras-chave: Leishmaniose. Imunidade Inata. Macrófagos M1 e M2. INTRODUÇÃO

Leishmaniose é uma doença infecciosa causada por

espécies de protozoários do gênero Leishmania. A transmissão

ocorre pelo repasto sanguíneo realizado pela fêmea de

flebotomíneos e as principais formas de manifestações clínicas

das leishmanioses são: tegumentar (LT) e visceral (LV). A LV,

possui como agentes etiológicos a Leishmania donovani e a

Leishmania infantum e é considerada a forma mais grave da

doença. A LT por sua vez, possui, dentre seus agentes

etiológicos no Brasil, a Leishmania amazonensis e Leishmania

braziliensis (STEVERDING, 2017; WHO, 2016).

Os parasitas da Leishmaniose apresentam um ciclo de

vida do tipo heteroxênico e com morfologia variável, que se

alterna entre dois estágios de desenvolvimento distintos: a

forma promastigota, a qual se apresenta de maneira flagelada

de vida livre, e a forma amastigota, caracterizada por serem

desprovidas de flagelo e serem intracelulares obrigatórias,

sendo encontradas nas vesículas fagolisossômicas dos

vertebrados, principalmente em macrófagos (SERAFIM, 2018).

Os macrófagos desempenham um duplo papel na

infecção por Leishmania. Os macrófagos são responsáveis pela

destruição de parasitas internalizados, mas também fornecem

um local seguro para replicação da Leishmania. Dessa forma,

os macrófagos são importantes para a progressão da doença,

MACRÓFAGOS M1/M2 NA LEISHMANIOSE

311

e o sucesso ou falha da infecção depende da interação do

imunometabolismo do patógeno com a resposta imunológica do

hospedeiro. Esses fatores estão relacionados com às formas

clínicas da doença (SCOTT, NOVAIS, 2016; SRIVASTAVA et

al., 2016). Os macrófagos normalmente estão em repouso com

o fenótipo M0, e através de sinais diferentes e necessários

fornecidos pelo microambiente, há ativação de vias de

sinalização que levam ao desenvolvimento de fenótipos de

macrófagos funcionalmente distintos: os macrófagos ativados

de modo clássico, chamados macrófagos M1 ou macrófagos

ativados de forma alternativa, os M2 (TOMIOTTO-PELLISSIER

et al., 2018)

Macrófagos M0 são diferenciados em M1 pela ação de

citocinas secretadas por linfócitos Th1, como interferon (IFN-y)

e fator de necrose tumoral (TNF-α). Os macrófagos ativados

classicamente são cruciais para eliminação do patógeno

intracelular pela produção de espécies reativas de oxigênio

(ERO) e óxido nítrico (NO), que exibem um potencial

microbicida (TOMIOTTO-PELLISSIER et al., 2018).

Por outro lado, a ativação de linfócitos Th2 levam a

produção de citocinas como IL-4 IL-13 que induzem o perfil M2

de macrófagos, que são caracterizados pela biossíntese de

poliamina pela ativação da enzima arginase, produção de uréia

e L-ornitina, que são benéficos para o crescimento da

Leishmania no macrófago, favorecendo a sobrevivência do

parasita em macrófagos infectados e a progressão da doença

(MAXUEL et al., 2017; TOMIOTTO-PELLISSIER et al., 2018).

MACRÓFAGOS M1/M2 NA LEISHMANIOSE

312

OBJETIVOS

Revisar as informações existentes na literatura sobre a

polarização de macrófagos no amplo aspecto da Leishmaniose.

MATERIAIS E MÉTODO

Este estudo trata-se de uma revisão sistemática da

literatura de caráter descritivo fundamentado na coleta de

dados por meio de uma revisão bibliográfica. Sendo assim,

refere-se a uma pesquisa documental com base em dados

secundários obtidos a partir de cinco bancos de dados online:

Elsevier, Google acadêmico, PubMed, Nature, com um

somatório de 19 artigos no total, 4 dissertações e 2 teses.

Com base nos critérios de exclusão e inclusão, os artigos

incluídos nesta pesquisa foram todos originais de língua

portuguesa ou inglesa, que abordaram a temática, Imunologia

da Leishmaniose, Diferenciação de Macrófagos, Terapêutica

com foco na imunologia, além disso, foram utilizados

referências no período de tempo entre 2016 e 2020.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

IMUNIDADE INATA

Classicamente a resposta imune é dividida em dois tipos,

imunidade inata e imunidade adaptativa. A imunidade inata é

composta por algumas moléculas e células que promovem

mecanismos que compõem a resposta inata, sendo essas

moléculas mediadoras de reações inflamatórias (sistema

complemento) além de estimular algumas células com

MACRÓFAGOS M1/M2 NA LEISHMANIOSE

313

propriedades fagocíticas (neutrófilos e macrófagos), células

Natural Killer (NK) (NETEA et. al, 2019).

O sistema complemento também faz parte da barreira

inata a infecções primárias. Na leishmaniose o componente C3

apresenta uma função crucial no controle e morte do parasita.

Imediatamente após a inoculação do parasita pelo vetor, são

formados os primeiros produtos de clivagem, os componentes

C3a e C5a, agentes quimiotáticos que desempenham um papel

preponderante na promoção da atração de neutrófilos e

macrófagos (AMBROSIO et. al. 2020).

A relação de morte da Leishmania pela ativação do

sistema complemento é obtida através de alguns componentes

pertencentes ao mesmo. A destruição do parasita ocorre via

ativação do componente C3b do sistema complemento, por sua

vez, o C3b recruta a formação do complexo de ataque à

membrana (MAQ), constituído pelos componentes C5b-C9

(VERMA et. al. 2018).

Em contrapartida, o parasita apresenta em sua estrutura

superficial uma metaloproteinase, a gp63 (glicoprotease de 63

kDa), na qual apresenta função primordial na sobrevivência da

Leishmania. Essa glicoproteina transforma o componente C3b

em C3bi (inativo), esse agente inativo promove a fagocitose

mediada por macrófagos sem ativá-los, essa relação

macrófago-Leishmania está diretamente ligada ao

estabelecimento da infecção parasitária (VERMA et. al. 2018).

Os neutrófilos são uma das primeiras células a serem

recrutados pós evento de infecção, são elas as responsáveis

por combaterem inicialmente o processo infeccioso, sendo

estes eventos moleculares a promoção de morte por NETosis

(armadilha extracelular de neutrófilos), os

monócitos/macrófagos a posteriori são recrutados, estas

MACRÓFAGOS M1/M2 NA LEISHMANIOSE

314

células possuem fundamentalmente dotadas a capacidade de

fagocitose (GARDINASSI et. al. 2017). Adicionalmente, os

mecanismos pelo qual nosso sistema imune inato responde à

infecção pela Leishmania sp. consiste na produção de ROS

(espécies reativas de oxigênio), NO (óxido nítrico) e ativação do

sistema complemento (SCOTT & NOVAIS, 2016).

Na infecção por Leishmania, os neutrófilos são

estimulados por padrões derivados do patógeno, e isso

promove a descondensação da proteína, fazendo com que haja

a junção de eucromatina e heterocromatina. Esse DNA é

exteriorizado formando redes que aprisionam o patógeno e

promovem a sua destruição mediada por proteases liberadas

por gránulos citoplasmáticos. Os neutrófilos também eliminam

a Leishamnia através do metabolismo mitocondrial, a citar a

produção de espécies reativas de oxigênio (ERO/ROS) e

explosão respiratória atuando em sinergia com oxido nítrico na

depuração parasitária (Figura 1) (SCOTT & NOVAIS, 2016).

Figura 1. Mecanismo de morte de parasita via NETosis

Fonte: adaptado de Scott & Novais, 2016.

MACRÓFAGOS M1/M2 NA LEISHMANIOSE

315

DIFERENCIAÇÃO DE MACRÓFAGOS M1/M2

Os macrófagos são células altamente plásticas

responsivas a uma variedade de sinais ambientais que têm o

poder de alterar seu fenótipo e função (Shapouri-Moghaddam

et. al. 2018). Os monócitos, que segundo Chistiakov et al.

(2018) “...neutralizam patógenos e moléculas tóxicas, envolvem

células mortas, danificadas e exógenas, secretam citocinas...”

são os precursores dos macrófagos. Estes amadurecem em

tecidos periféricos passando primeiramente pelo endotélio

vascular. O amadurecimento destes macrófagos se dará

dependendo de estímulos específicos e fatores endógenos e

exógenos (SHAPOURI-MOGHADDAM et. al. 2018).

Doenças inflamatórias possuem a habilidade de ativar ou

desativar funções importantes para a regulação celular, e com

isso modificam processos intracelulares e extracelulares. Neste

contexto, estão inseridos os macrófagos como alvos destas

doenças inflamatórias, e estes estão intimamente associados à

capacidade do hospedeiro de reagir imunologicamente, e

reagem a Leishmania bem como à moléculas danificadas do

próprio hospedeiro, de modo que haja a remoção do tecido

danificado (ATRI, et. al. 2018).

Atualmente está em vigência o conceito de polarização

de macrófagos, que consiste na sua diferenciação fenotípica

entre macrófagos classicamente ativados ou M1, e macrófagos

alternativamente ativados ou M2. A diferenciação fenotípica

dessas células é dependente de estímulos microambientais, de

citocinas produzidas e duração da exposição a estas, e cada

subtipo possuirá então uma resposta específica baseada no

ambiente no qual está inserido, podendo resultar na resolução

da inflamação ou em sua progressão (ATRI, et. al. 2018;

TOMIOTTO-PELLISSIER et. al. 2018).

MACRÓFAGOS M1/M2 NA LEISHMANIOSE

316

Segundo Ferrari (2016), os macrófagos são células de

característica plástica, sendo assim passíveis de serem

estimulados a polarizar-se principalmente pelo fator estimulador

de colônias de macrófagos (FCM), sendo a diferenciação em

M1 induzida por citocinas liberadas por meio de linfócitos TH1,

como por exemplo IFN-y e TNF-α e M2 induzida por citocinas

liberadas por linfócitos TH2 como a IL-4, IL-10 e IL-13 (ATRI, et.

al. 2018).

De acordo com Vogel et. al., (2014) a ativação de

macrófagos varia em diferentes tipos de lesões, por exemplo,

em lesões ativas eles contém mielina e expressam marcadores

para o fenótipo M1 e M2, enquanto na ativação crônica é

evidenciado apenas marcadores para o fenótipo M1.

Marcadores normalmente utilizados para as populações de

macrófagos do tipo M1 e M2 em humanos são CD40, CD64,

CXCL11, CCR7 e MR, estabilina-1, CD180, CD163 e TREM2

respectivamente, entretanto não são específicos para cada um

dos fenótipos, M1 ou M2. (VOGEL et al., 2014).

Os macrófagos classicamente ativados, M1, possuem

uma alta capacidade de apresentação antigênica e alta

produção de fatores promotores da proliferação celular e

ativação de células T, além da produção de substâncias tóxicas

como espécies reativas de oxigênio e intermediários do óxido

nítrico, e aumento da expressão do complexo maior de

histocompatibilidade do tipo 2 (MHC II). Desse modo, a

produção de citocinas pró-inflamatórias e a apresentação de

antígenos configura macrófagos M1 como bons mediadores no

combate a microrganismos e células tumorais. Macrófagos do

tipo M1 orientam nas respostas inflamatórias agudas, e podem

produzir IL-1β, IL-6, IL-12, IL-18 e IL-23, TNF-α e IFN tipo I; e

várias quimiocinas como CXCL1, CXCL3, CXCL5, CXCL8,

MACRÓFAGOS M1/M2 NA LEISHMANIOSE

317

CXCL9, CXCL10, CXCL11, CXCL13 e CXCL16; CCL2, CCL3,

CCL4, CCL5, CCL8, CCL15, CCL11, CCL19 e CCL20;

induzindo assim a resposta de linfócitos Th1 (ATRI, et. al. 2018).

Macrófagos do tipo M2 possuem como característica a

expressão de CD64 e CD209, e sua diferenciação pode se dar

através da presença de IL-4, IL-10, IL-13, e fator estimulador de

colônias de macrófagos (M-CSF). Eles possuem atividade

moduladora, regulam negativamente citocinas pró-inflamatórias

e induzem a produção de mediadores anti-inflamatórios (ATRI,

et. al. 2018). De acordo com Paião (2016) macrófagos M2 são

fenotipicamente caracterizados por expressarem em sua

superfície CD206 , CD301, CD163 e baixa expressão de MHC

de classe II, CD80 e CD86.

Macrófagos alternativamente ativados, M2, possuem

ainda subdivisões denominadas M2a, M2b e M2c. A ativação

do M2a se dá por meio da presença de IL-4 e IL-13 (como

mostra figura 2) e são expressos altos níveis de CD86 e

CD200R enquanto é observada uma baixa expressão de CD14

e TLR4. Este subtipo é responsável por induzir a produção de

IL-10, CCL13, CCL17 e CCL22. O subtipo M2b por sua vez tem

sua resposta estimulada por lipopolissacarídeo (LPS), IL-1β

(como mostra figura 2), agonistas de TLR e complexos imunes,

sendo observada a maior expressão de CD80, CD14, CCL1, IL-

10 e a produção de citocinas pró-inflamatórias, e baixa na

secreção de IL-12 e expressão de antígeno leucocitário humano

(HLA-DR) (ATRI, et. al. 2018). Por outro lado, os macrófagos do

tipo M2c são estimulados por glucocorticóides e IL-10, sendo

considerado por alguns autores também a estimulação via fator

de transformação do crescimento beta (TGF-β) (como mostra

figura 2). A caracterização deste subtipo envolve alta expressão

MACRÓFAGOS M1/M2 NA LEISHMANIOSE

318

de CD163 e diminuição na expressão de CD86 e HLA-DR, além

da produção de CCL16 e CCL18 (ATRI, et. al. 2018).

Existem ainda os macrófagos associados ao tumor

(TAMs) que configuram um novo subtipo de M2, tido como M2d.

Estes macrófagos são estimulados por IL-6, ligantes do

receptor toll-like (TLR) e agonistas do receptor da adenosina

A2A e são caracterizados por uma alta produção de IL-10,

VEGF (como mostra figura 2) e baixa produção de IL-12, TGF-

β, iNOS TNF-α e secreta quimiocinas como CXCL10, CXCL16

e CCL5. Os M2d contribuem para a inflamação do tecido

tumoral, consequente metástase do tumor e colaboram com a

inibição da resposta imune (ATRI, et. al. 2018; TOMIOTTO-

PELLISSIER et. al. 2018).

Figura 2. Polarização de macrófagos não ativados (M0) para

classicamente ativados (M1) e macrófagos alternativamente

ativados (M2).

Fonte: adaptado de Chistiakov et al., 2018.

MACRÓFAGOS M1/M2 NA LEISHMANIOSE

319

IMUNOMETABOLISMO DOS MACRÓFAGOS NA

LEISHMANIOSE

Todas as células do sistema imune são caracterizadas

por sua capacidade de responder a sinais através de receptores

de reconhecimento de padrões, receptores de antígenos,

receptores de citocinas, fator de crescimento, e esses sinais

podem induzir uma mudança dos estados de repouso para

ativado (VAN TEIJLINGEN BAKKER; PEARCE, 2020).

Sabe-se que os macrófagos alteram seu metabolismo

em resposta ao microambiente. Por sua vez, essas alterações

metabólicas direcionam funções efetoras específicas em

macrófagos. Alguns dos eventos mais comuns que

desencadeiam a reprogramação metabólica de macrófagos

incluem a ativação de receptores de reconhecimento de

patógenos, como receptores toll-like (TLRs) ou sinais baseados

em nutrientes que envolvem receptores nucleares lipídicos

[nutrient based signals that engage lipid nuclear receptors

(PPAR, ERR)] e / ou cinases (mTOR ou AMP quinase)

(ARTYOMOV; SERGUSHICHEV; SCHILLING, 2016).

A estimulação de lipopolissacarídeo (LPS) leva à

regulação negativa da expressão da enzima isocitrato

desidrogenase (IDH), que leva à produção de excesso de citrato

para apoiar a síntese de ácidos graxos e a geração de

intermediários lipídicos pró-inflamatórios. A regulação negativa

do IDH também promove o acúmulo de precursores à base de

citrato para alimentar a produção de itaconato, que inibe o

complexo succinato desidrogenase (complexo SDH) nas

mitocôndrias. Para compensar a expressão reduzida de IDH, as

MACRÓFAGOS M1/M2 NA LEISHMANIOSE

320

células hospedeiras ativadas por LPS aumentam o

metabolismo da glutamina para a produção dos principais

intermediários metabólicos α-cetoglutarato e succinato

(RUSSELL; HUANG; VANDERVEN, 2019).

Além disso, essas células também apresentam atividade

aumentada da via de pentose fosfato necessária para converter

glicose-6-fosfato em nucleotídeos e proteínas enquanto gera

NADPH, que suporta a biossíntese lipídica, bem como a

produção de espécies reativas de oxigênio (ROS) e

intermediários reativos de nitrogênio (RUSSELL; HUANG;

VANDERVEN, 2019).

As infecções causadas por patógenos causam

mudanças na fisiologia e metabolismo da célula hospedeira, as

quais são mediadas pelo sistema imune inato e por fatores

derivados de patógenos. Durante a invasão pela leishmania, os

macrófagos ativam vias citotóxicas na tentativa de erradicar o

patógeno. Essas vias incluem a indução da biossintese de óxido

nítrico (NO) e a liberação de espécies reativas de oxigênio

(ERO). Para combater os mecanismos citotóxicos do

macrófago, a leishmania desenvolve diversas estratégias para

suprimir a resposta do hospedeiro. A infecção por leishmania

regula positivamente a atividade da arginase I em macrófagos

hospedeiros, limitando a arginina disponível para NO sintase,

que são enzimas que catalisam a produção de óxido nítrico a

partir da arginina. Ademais, a forma amastigota da leishmania

aumenta a produção de antioxidante como a tripanotiona, que

neutraliza as espécies reativas de oxigênio permitindo o

desenvolvimento de amastigotas nos fagolisossomos de

macrófagos (GOLDMAN-PINKOVICH, 2016).

Os macrófagos pró-inflamatórios são caracterizados por

uma diminuição da fosforilação oxidativa mitocondrial

MACRÓFAGOS M1/M2 NA LEISHMANIOSE

321

(OXPHOS), contudo produz uma maior quantidade de ATP

através da cadeia de transporte de elétrons. Mesmo com o

aumento da taxa glicolítica, o OXPHOS nos macrófagos M1 é

bastante prejudicado. O óxido nítrico (NO) não é apenas um

agente antimicrobiano, mas também desempenha um papel na

modulação metabólica dos macrófagos M1. O NO modifica a

cadeia de transporte de elétrons e inibe a respiração

mitocondrial. Uma mudança metabólica em direção à glicólise

e OXPHOS instrui a diferenciação de macrófagos em diferentes

subconjuntos funcionais. Embora a oxidação mitocondrial de

ácidos graxos (FAO) e OXPHOS sejam essenciais para a

manutenção de células quiescentes "em repouso", como

células T naive, a biossíntese lipídica é um pré-requisito para

respostas pró-inflamatórias de macrófagos (ARTYOMOV;

SERGUSHICHEV; SCHILLING, 2016; THAPA; LEE, 2019).

Nos macrófagos M2, a principal assinatura metabólica é

o consumo de ácido graxo e o aumento da capacidade

respiratória mitocondrial. Os macrófagos M2 também são

freqüentemente associados a um metabolismo distinto da

arginina. A indução da óxido nítrico sintase 2 (NOS2) nos

macrófagos M1 metaboliza a arginina para produzir NO, porém

nos macrófagos alternativamente ativados, a regulação positiva

da atividade da arginase nos macrófagos M2 processa

alternativamente a arginina em ornitina, que é usada para

produzir poliaminas (THAPA; LEE, 2019).

Macrófagos alternativamente ativados (M2) utilizam

ácidos graxos, glicose e glutamina para alimentar o ciclo TCA e

produzir ATP por fosforilação oxidativa. Sabe-se que essas

células possuem mitocôndrias alongadas e,

consequentemente, produção de energia mais eficiente. (VAN

MACRÓFAGOS M1/M2 NA LEISHMANIOSE

322

TEIJLINGEN BAKKER; PEARCE, 2020; DE SOUZA BREDA et

al, 2019). Os ácidos graxos exógenos e triacilgliceróis são

absorvidos pelo CD36 e a lipólise é usada para gerar ácidos

graxos para a oxidação de ácidos graxos (FAO). Os ácidos

graxos ativados entram na mitocôndria, que gera acetil-CoA,

para contribuir para o ciclo do TCA. O carbono da glicose

também é crítico para a síntese de citrato. Diferentemente dos

macrófagos inflamatórios, o isocitrato desidrogenase é

expresso em macrófagos alternativamente ativados e, além de

ser usado na produção de acetil-CoA, usado na acetilação de

histonas, o citrato é convertido em α-KG, que também é gerado

a partir de glutamina pela glutaminólise. (VAN TEIJLINGEN

BAKKER; PEARCE, 2020).

Em um estudo realizado por Ty, Maureen e

colaboradores (2019), foi investigado o status metabólico e

imunológico dos macrófagos humanos após a infecção por

Leishmania donovani e L. amazonensis e sua capacidade de

responder a um estímulo polarizador clássico (LPS e IFN-γ). A

infecção dos macrófagos Leishmania resultou na ativação da

fosforilação oxidativa, um padrão também encontrado em

macrófagos polarizados em M2. Ademais, a adição de

estímulos de ativação (LPS + IFN-γ) aos macrófagos infectados

por L. donovani resultou em um aumento significativo na

glicólise, indicando que as células infectadas ainda respondem

à ativação, uma característica muito importante durante a

infecção. Houve uma secreção ainda mais alta de citocinas

inflamatórias em comparação aos macrófagos não infectados,

indicando que os macrófagos infectados aumentaram a

capacidade metabólica, correspondendo ao aumento da

produção de citocinas em resposta aos estímulos.

MACRÓFAGOS M1/M2 NA LEISHMANIOSE

323

MACRÓFAGOS M1/M2 NA LEISHMANIOSE TEGUMENTAR

O papel dos subconjuntos de macrófagos na

Leishmaniose ainda não foi investigado completamente. No

entanto, é necessário entender o papel dessas células no

desenvolvimento da lesão pela infecção por Leishmania a fim

de compreender os perfis M1 e M2 como uma ferramenta

importante na patogênese da leishmaniose.

A Leishmaniose Tegumentar (LT) é a forma mais comum

da leishmaniose. A LT causa lesões cutâneas que deixam

cicatrizes ao longo da vida e sérias deficiências, tornando-se

um grave problema de saúde pública. Os agentes etiológicos

primários incluem as espécies Leishmania tropica e L. major, L.

amazonensis e L. (v.) braziliensis (WHO, 2020).

Pacientes com LT possuem níveis plasmáticos mais

altos de arg-1 (arginase 1), TGF-β (fator de transformação do

crescimento beta) e PGE2 (prostaglandina E2), além de um

número aumentado de arginina nas lesões, sugerindo que os

macrófagos M2 podem desempenhar um papel na patogênese

da doença. Nesse sentido, um estudo in vitro demonstrou que

apenas os macrófagos M2 permitem o crescimento de L. major

e L. amazonensis, uma vez que o lipofosfoglicano (GLP) e a

glicoproteína GP63 dos parasitas agem em macrófagos M2 e

suprimem os RNAs não codificadores, o que deixa essas

células permissivas à infecção (TOMIOTTO-PELLISSIER ET

AL., 2018). A infecção preferencial das células M2 tem papel

crucial na gravidade da doença cutânea.

De acordo com Tomiotto e colaboradores (2018) que

realizaram um estudo de revisão, estudos investigaram o papel

dos receptores ativados por proliferadores de peroxissoma

(PPARs) em macrófagos infectados por Leishmania em

MACRÓFAGOS M1/M2 NA LEISHMANIOSE

324

camundongos resistentes e suscetíveis à essa infecção. Os

PPARs são fatores de transcrição dependentes de ligantes que

são expressos em macrófagos e regulam a expressão de genes

relacionados com a resposta inflamatória. Assim,

pesquisadores demonstraram que camundongos deficientes de

PPARγ, tiveram um progresso retardado da doença, com

menos edema na pata e carga parasitária reduzida. É

importante ressaltar que os genes expressos preferencialmente

em macrófagos M2, como arg-1, Mrc1 e Clec7a, também foram

diminuídos no tecido de camundongos deficientes para PPARγ

Esses dados sugerem que os receptores PPARγ são

necessários para aquisição e manutenção dos macrófagos M2

no modelo L. major. Em contraste, a expressão de PPARs

induziu a ativação da linhagem celular de macrófagos murinos

J774A.1 para polarização em direção ao perfil M1, com alta

produção de mediadores pró-inflamatórios (TNF-α, IL-1β, IL-6,

TLR4 e ROS) e aumento da atividade microbicida contra L.

mexicana. Sendo assim, os receptores ativados por

proliferadores de peroxissoma favorecem o fenótipo M1 dos

macrófagos.

MACRÓFAGOS M1/M2 NA LEISHMANIOSE VISCERAL

A leishmaniose visceral é uma doença sistêmica crônica

que é causada por protozoários intracelulares do gênero

Leishmania, e seus agentes infecciosos são as espécies

Leishmania donovani, Leishmania infantum e Leishmania

infantum / chagasi (OPAS, 2019).

De acordo com o Ministério da Saúde (2019) a

Leishmaniose Visceral é uma zoonose de evolução crônica e

caso não tratada possui 90% de chance de evolução dos casos

MACRÓFAGOS M1/M2 NA LEISHMANIOSE

325

para óbito. O Brasil, é uma região endêmica para a doença e

possui como vetor responsável pela transmissão dos

protozoários a espécie Lutzomyia longipalpis, também

conhecido como mosquito-palha, e a disseminação ocorre

através da picada da fêmea deste flebotomíneo ao realizar o

repasto sanguíneo.

Devido a Leishmania ser um parasito intracelular a forma

de defesa contra este patógeno é observada majoritariamente

como uma resposta imune mediada por células (GONÇALVES,

2015). É sabido que o reconhecimento inicial destes parasitas

possui a participação de receptores encontrados em células

NK, células dendríticas (CDs), monócitos, macrófagos e células

polimorfonucleares, entretanto ainda há muitos aspectos da

resposta que necessitam ser estudados mais profundamente

(GATTO, 2018). Os macrófagos que se encontram presentes

no sítio de infecção são estimulados a ativação por meio do

reconhecimento de PAMPs (Padrões moleculares ligados a

patógenos) via receptores TLRs (Toll Like Receptors)

(GONÇALVES, 2015).

Macrófagos são as células hospedeiras da Leishmania

no hospedeiro vertebrado, e aqueles infectados pelas espécies

viscerotrópicas se localizam essencialmente no fígado, baço e

medula óssea, além disso, atuam também como importante

forma de controle da infecção. (MAGALHÃES, 2016). Espécies

de Leishmania são capazes de induzir a polarização de ambos

os fenótipos de macrófagos, sendo eles do tipo M1 relacionados

a resposta Th1/IFN-γ, ou do tipo M2, relacionados a resposta

Th2/IL-4 e reparação tecidual (MAGALHÃES, 2016).

Estudos têm demonstrado que macrófagos M2 são

permissivos a proliferação de Leishmania, sendo relacionado

ao agravamento da infecção, enquanto o fenótipo M1 é

MACRÓFAGOS M1/M2 NA LEISHMANIOSE

326

relacionado a resistência e a expressão do radical

leishmanicida, óxido nítrico (SILVA, 2017; MAGALHÃES, 2016).

Entretanto, as formas promastigotas induzem a apoptose por

meio do aumento da síntese de TGF-β e supressão da síntese

de óxido nítrico (NO), o que torna a atividade inflamatória das

células M1 menor e possibilita a sobrevivência dos parasitas

(SILVA, 2017).

O controle da infecção da maioria das espécies de

Leishmania é mediada por células Th1, estas produzem IL-12 e

IFN-γ conjuntamente com a produção de citocinas pró

inflamatórias e a ativação de macrófagos infectados,

promovendo produção de NO e oxigênio intermediário reativo

(ROI). A resposta por meio de células Th2 não é ainda bem

esclarecida, mas sabe-se que há produção de IL-4 e

estimulação de plasmócitos para que haja a produção de

anticorpos anti-Leishmania. Durante a infecção por LV observa-

se o aumento de IL-10, e juntamente com a IL-4 aparenta ser

responsável pelo agravamento da doença, devido a capacidade

de inibição da ação de macrófagos por estas citocinas,

participando também deste processo o TGF-β e prostaglandina

E2 e devido a isto possa se dar a incapacidade dos macrófagos

de eliminar formas amastigotas do protozoário (ARAÚJO,

2019).

A IL-10 produzida por células Treg, caracterizadas por

serem CD4+, CD25+, Foxp3+, também está atrelada a

suscetibilidade de desenvolvimento da doença, a leishmaniose

visceral. Participam ainda desta resposta imune células do

perfil TH17, que são linfócitos do tipo CD4+ e produzem

citocinas pró-inflamatórias como a IL-17. As células com este

perfil se diferenciam em microambiente contendo TGF-β, IL-6,

IL-1β e IL-23, que em conjunto colaboram para a manutenção

MACRÓFAGOS M1/M2 NA LEISHMANIOSE

327

e expressão dos receptores de quimiocinas nestas células

(GATTO, 2018).

Segundo Dos Santos (2016) pacientes clássicos com LV

apresentam comprometimento da produção de IL-2, IFN-γ e IL-

12 a partir de células T específicas para antígenos da

leishmania in vitro, mas é passível de restauração após o

tratamento caso este seja bem-sucedido. Contudo, foi

observado que pacientes com LV ativa apresentam altos níveis

de IFN-γ e IL-12 no soro, isto poderia ajudar no controle da

infecção, todavia, foi relatado também uma elevação de

mediadores anti-inflamatórios, por exemplo, IL-10, que podem

interferir negativamente no combate ao parasita e possibilitar a

sua multiplicação induzindo assim o agravo da infecção.

Citocinas como a IL-6, IL-21 e IL-27 são referenciadas

como moduladoras da resposta imune no hospedeiro, além do

parasita induzir a resposta inflamatória essa resposta também

pode se dar através de co-infecções, geralmente por bactérias

que provocam a ativação do sistema imune (DOS SANTOS,

2016).

CONCLUSÕES

Vimos que os macrófagos desempenham um papel

duplo na infecção por Leishmania. Essas células são

responsáveis pela destruição de parasitas internalizados,

porém também podem fornecer um local seguro para a

replicação da Leishmania. Portanto, os macrófagos são

fundamentais para a progressão da doença e o sucesso ou

retrocesso dela, e esses processos dependem da interação

entre o parasito e o microambiente na resposta imune do

MACRÓFAGOS M1/M2 NA LEISHMANIOSE

328

hospedeiro. Esses dois fatores estão intimamente relacionados

às formas clínicas da leishmaniose.

Diferentes espécies de Leishmania exibem fatores de

virulência que podem subverter os mecanismos microbicidas do

hospedeiro, favorecendo sua proliferação devido à polarização

M2. No entanto, os macrófagos M1 agem durante períodos

posteriores da infecção e desencadeiam uma resposta imune

exacerbada que leva a um agravamento das lesões, apesar do

papel dessas células como poderosos agentes microbióticos.

Mais estudos são necessários para elucidar completamente o equilíbrio entre essas duas principais populações de macrófagos no controle da infecção por Leishmania. A compreensão aprimorada das vias de interação essenciais na infecção por macrófagos por Leishmania auxiliam do desenho de novos fármacos que possam interromper as interações que favorecem o parasita, aumentar as funções microbicidas e imunológicas dos macrófagos que apoiam a eliminação do parasita. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Ambrosio AR, Bavia L, Borges BS, Hiraiwa PM, Pietsch JLM, Ribeiro MCVDC, Figueiredo FB, Messias-Reason IJ. Novel findings on the role of ficolins and colectins in the innate response against Leishmania braziliensis. Acta Trop. v. 19, n. 212:105673, p. 1-5. 2020. ARTYOMOV, Maxim N.; SERGUSHICHEV, Alexey; SCHILLING, Joel D. Integrating immunometabolism and macrophage diversity. In: Seminars in immunology. Academic Press, 2016. p. 417-424. ATRI, Chiraz; GUERFALI, Fatma Z.; LAOUINI, Dhafer. Role of human macrophage polarization in inflammation during infectious diseases. International journal of molecular sciences, v. 19, n. 6, p. 1801, 2018. CHISTIAKOV, Dimitry A. et al. The impact of interferon-regulatory factors to macrophage differentiation and polarization into M1 and M2. Immunobiology, v. 223, n. 1, p. 101-111, 2018. DOS SANTOS, Priscila L. et al. The severity of visceral leishmaniasis correlates with elevated levels of serum IL-6, IL-27 and sCD14. PLoS neglected tropical diseases, v. 10, n. 1, p. e0004375, 2016.

MACRÓFAGOS M1/M2 NA LEISHMANIOSE

329

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Os autores agradecem aos órgãos de fomento: Fundação de apoio a Pesquisa na Paraíba - UFPB, à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior- CAPES e ao Conselho Nacional de Pesquisa - CNPq pelo suporte financeiro.

MECANISMOS IMUNOLÓGICOS DA INFLAMAÇÃO NA PELE COM ENFOQUE NA PSORÍASE: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

331

CAPÍTULO 16

MECANISMOS IMUNOLÓGICOS DA INFLAMAÇÃO NA PELE COM ENFOQUE NA

PSORÍASE: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

Letícia de Oliveira SOUZA1

Claudio Roberto Bezerra dos SANTOS2 1 Graduanda do curso de Ciências Biológicas, UFPB; 2 Orientador/Professor do DPF/UFPB.

[email protected]

RESUMO: A inflamação é um mecanismo de defesa orquestrado pelo sistema imunológico para combater infecções através do recrutamento de leucócitos. Este processo é mediado pela liberação de citocinas por células residentes de tecidos como macrófagos, mastócitos e células dendríticas (CDs), ativação do endotélio vascular por proteínas de adesão e quimiocinas, transmigração endotelial, fagocitose e eliminação do patógeno. A resposta inflamatória é um componente marcante das doenças crônicas, a exemplo das doenças cutâneas com manifestações predominante ou exclusivamente na pele. Objetivou-se fazer uma revisão acerca dos mecanismos celulares envolvidos na inflamação de pele, com foco na psoríase (PsO). Ao todo foram selecionadas 54 referências, utilizando-se palavras-chave e artigos entre 2015 e 2020, encontradas nas bases de dados PubMed e ScienceDirect. A PsO é definida como uma doença inflamatória sistêmica, crônica e com manifestações cutâneas, caracterizada por um infiltrado inflamatório, hiperproliferação epidérmica e alta diferenciação dos queratinócitos. Esta patologia é multifatoral, sendo afetada por fatores genéticos, imunológicos e ambientais. As lesões são identificadas pela

MECANISMOS IMUNOLÓGICOS DA INFLAMAÇÃO NA PELE COM ENFOQUE NA PSORÍASE: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

332

presença de macrófagos, CDs e populações de linfócitos Th1 e Th17, e suas citocinas secretadas como interferon-γ, fator de necrose tumoral-α e interleucinas 17 e 23. Logo, entender a imunopatogênese da psoríase é essencial para melhor compreensão da função e atividade dos alvos terapêuticos, para elaboração de tratamentos eficazes para todas as variantes dentro do espectro da PsO. Palavras-chave: Inflamação na pele. Imunopatogênese. Psoríase.

INTRODUÇÃO

O epitélio é a primeira linha de defesa do organismo

contra infecções (GRAVITZ, 2018), com uma área de superfície

que está exposta a patógenos ambientais de diferentes

naturezas. É composto por queratinócitos, importantes para

regular as respostas imunes na pele e formar uma barreira

mecânica, células de Merkel, melanócitos, células de

Langerhans, linfócitos T gama/delta, e outros leucócitos

(KUMARI & PASPARAKIS, 2015), que são tipos celulares

especializados em ativar a barreira imunológica para impedir a

entrada de patógenos, e juntamente com o sistema imune

adaptativo, criar uma memória imunológica (O’MALLEY;

CLARK; WIDLUND, 2019).

As células imunes são ativadas por um contato

permanente com um estímulo antigênico, como microrganismos

quando há ruptura da barreira, ou antígenos não microbianos,

como agentes físico-químicos (também capazes de

desenvolver uma resposta de hipersensibilidade), ou estímulos

endógenos. Quando há persistência dos estímulos e

predisposição genética, ou os mecanismos regulatórios não

atuam corretamente, o local é infiltrado por células do sistema

MECANISMOS IMUNOLÓGICOS DA INFLAMAÇÃO NA PELE COM ENFOQUE NA PSORÍASE: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

333

imunológico que promovem uma ativação crônica envolvendo o

tecido infiltrado (SABAT et al., 2019).

A resposta inflamatória é o mecanismo utilizado pelo

sistema imunológico na defesa contra infecções (ISAILOVIC et

al., 2015), que envolve o recrutamento, marginalização e

migração dos leucócitos para o local da infecção, mediados por

quimiocinas, proteínas de adesão, como selectinas e integrinas

(ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2019; KORNILUK et al., 2016),

além de mediadores pró-inflamatórios lipídicos, como

prostaglandinas e leucotrienos (BASIL & LEVY, 2016). Esse

processo inato é geralmente autolimitado, com liberação de

substâncias anti-inflamatórias que promovem uma resolução

ativa da inflamação, com apoptose e liberação de resíduos

celulares (CRUSZ & BALKWILL, 2015). Entretanto, essa

resolução comumente requer uma resposta adicional do

sistema imune adaptativo, que é mediado por linfócitos T e B

(TODD; SPICKETT; FAIRCLOUGH, 2015).

Sendo assim, a inflamação pode ser desencadeada por

uma ruptura no tecido e entrada de microrganismos

patogênicos, como é o caso das bactérias do gênero

Streptococcus, as quais residem no epitélio, e no rompimento

da barreira epitelial, entram nos tecidos ou caem na corrente

sanguínea, dando início a uma série de respostas imunológicas

ativadas para combater a infecção. Os estímulos exógenos

primeiramente são reconhecidos por células residentes de

tecido ou do sangue, como mastócitos, macrófagos (M1) e

células dendríticas (GERHARDT & LEY, 2015), através de

padrões moleculares associados ao patógeno (PAMPs),

secretando citocinas, como TNF, IL-1 e outros mediadores

inflamatórios, estimulando a ativação do endotélio por proteínas

MECANISMOS IMUNOLÓGICOS DA INFLAMAÇÃO NA PELE COM ENFOQUE NA PSORÍASE: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

334

de adesão, e permitindo o rolamento de leucócitos através do

endotélio. Proteínas do sistema complemento tanto se ligam

aos organismos antigênicos no processo de opsonização

facilitando a fagocitose ou destruição por apoptose dos

patógenos, quanto seus fragmentos induzem o recrutamento de

fagócitos no sangue (PASTWINSKA et al., 2017; TODD;

SPICKETT; FAIRCLOUGH, 2015).

Assim, o presente trabalho objetiva fazer um

levantamento bibliográfico acerca dos princípios e mecanismos

celulares envolvidos na inflamação de pele, elucidar a atividade

desses processos nas doenças inflamatórias com

manifestações cutâneas, com foco na Psoríase (Pso), bem

como discutir suas características celulares e patológicas.

MATERIAIS E MÉTODO

Trata-se de uma revisão bibliográfica com o objetivo de

integrar as informações disponíveis sobre os mecanismos

imunológicos da inflamação de pele e seu envolvimento na

imunopatogênes de doenças inflamatórias com manifestações

cutâneas, como a PsO.

As bases de dados utilizadas para pesquisa foram

PubMed e ScienceDirect. Ao todo foram utilizadas 54

referências. A seleção de artigos e demais fontes bibliográficas

foi feita a partir de dois critérios: (1) Os trabalhos que foram

publicados entre 2015 e 2020 foram selecionados, com

exceção de um trabalho de 2014 considerado essencial para

esta revisão; (2) Os trabalhos foram selecionados perante a

leitura dos resumos e busca por palavras-chave (pele,

inflamação, citocinas, mediadores inflamatórios, genes,

MECANISMOS IMUNOLÓGICOS DA INFLAMAÇÃO NA PELE COM ENFOQUE NA PSORÍASE: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

335

psoríase), e escolhidos quando a abordagem e metodologia

coincidiam com a temática do presente trabalho, para que

houvesse precisão no tema tratado nesta revisão.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Rolamento e transmigração dos leucócitos

O rolamento e transmigração dos leucócitos são eventos

cruciais na inflamação aguda, ocorrem em diferentes etapas

desde o recrutamento das células no sangue até a passagem

das moléculas através do endotélio, processo nomeado de

diapedese (GERHARDT & LEY, 2015). Os eventos são básicos

e semelhantes para todos os tipos de leucócitos, porém,

moléculas e vias de sinalização variam dependendo do tipo

celular, do leito vascular e do estímulo inflamatório (MULLER,

2016).

A liberação de TNF e IL-1 pelos macrófagos e células

dendríticas estimula a expressão da E-selectina, enquanto que

a histamina secretada pelos mastócitos induz a expressão de

P-selectina pelas células endoteliais (BORSING, 2018). A baixa

afinidade das selectinas com seus ligantes, aliada ao conjunto

de alterações nos vasos sanguíneos, como a dilatação e o

cisalhamento do fluxo sanguíneo, permitem o rolamento dos

leucócitos ao longo da superfície endotelial. Após a interação

de alta afinidade das integrinas leucocitárias com seus ligantes

nas células endoteliais, e a forte ligação dos leucócitos ao

endotélio, o complexo VE-caderina que une as células

endoteliais é fosforilado por cinases, e assim a ligação entre as

células é rompida, permitindo a passagem dos leucócitos

MECANISMOS IMUNOLÓGICOS DA INFLAMAÇÃO NA PELE COM ENFOQUE NA PSORÍASE: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

336

através do endotélio vascular (ABBAS; LICHTMAN; PILLAI,

2019).

Figura 1. Processo de diapedese. Proteínas de adesão e

quimiocinas mediando o recrutamento leucocitário e

transmigração endotelial.

Fonte: ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2019

Tipos celulares, mediadores inflamatórios e fatores de

transcrição envolvidos na resposta inflamatória

As células do sistema imune residentes da pele

reconhecem tanto antígenos não-microbianos, quanto

antígenos derivados de microrganismos estranhos por meio de

receptores de reconhecimento padrão (PRRs), como

receptores semelhantes a Toll (TLRs), receptores semelhantes

a RIG-I (RLRs) e receptores semelhantes a NOD (NLRs) (CAO,

2016). O reconhecimento desses padrões desencadeia uma

série de cascatas de sinalização que levam à ativação do fator

de transcrição nuclear (NF-κβ), o fator regulador de interferon

MECANISMOS IMUNOLÓGICOS DA INFLAMAÇÃO NA PELE COM ENFOQUE NA PSORÍASE: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

337

(IRF) e a proteína ativadora-1 (AP-1) (LIU & CAO, 2016),

resultando na expressão de diversas moléculas inflamatórias, e

dando início a resposta inflamatória inata e adaptativa em

paralelo.

Os macrófagos são as principais células produtoras de

mediadores inflamatórios nas doenças autoinflamatórias e

autoimunes. Possuem uma complexa via de sinalização

dependente de cinases que está ligada aos PRRs da célula, e

ativam fatores de transcrição NF-κβ, CREB, AP-1, e IRFs, os

quais iniciam a transcrição de genes codificadores de citocinas

como IL-12/13 e interferon tipo I e interleucina-6 (IL-6)

(HAMIDZADEH et al., 2017). O aumento da produção destas

citocinas está associado com os mecanismos intracelulares

para eliminação do patógeno, como a produção de espécies

reativas de oxigênio (ROS) e óxido nítrico (NO), e formação da

imunidade celular de longa duração (HAMIDZADEH et al.,

2017; CHEN; LIU; CAO, 2017).

As células dendríticas (cCDs) são as principais células

apresentadoras de antígeno (APCs) (ABBAS; LICHTMAN;

PILLAI, 2019). Quando imaturas, as CDs são sentinelas para

patógenos e expressam IL-12, IL-1β, IL-6, e ao reconhecerem

organismos patogênicos por meio dos receptores diversificados

TRLs, iniciam vias de processamento e apresentação do

antígeno às células T naive nos linfonodos, no processo de

ativação da resposta adaptativa (QIAN & CAO, 2018). Várias

moléculas de sinalização intracelular estão envolvidas na

regulação de DCs, como ubiquitinas, cinases (CaMKII), e outras

vias que sinalizam para ativação dos fatores de transcrição

STAT3, BLIMP1 e NFκβ que é ubiquitinado via K27 para

MECANISMOS IMUNOLÓGICOS DA INFLAMAÇÃO NA PELE COM ENFOQUE NA PSORÍASE: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

338

produção de IL-6, TNF e IL-1, principais citocinas liberadas na

resposta inflamatória, além de IL-23 (DMITRIEVA et al., 2016).

Os mastócitos estão entre as principais células

envolvidas na defesa contra infecções parasitárias, nas reações

de hipersensibilidades e tanto na inflamação aguda quanto na

inflamação crônica. São ativados pelo reconhecimento de

PAMPs e DAMPs através dos receptores TRLs, pela ligação de

anticorpos através dos receptores de alta afinidade FcεRI, para

IgE; FcγRI, para IgG; FcγRIIA e FcγRIII, além de receptores de

hormônios e múltiplos receptores associados à proteína G

(GPCRs). Os mastócitos possuem grânulos citoplasmáticos

contendo aminas vasoativas, como a histamina e enzimas

proteolíticas liberadas em diferentes respostas inflamatórias,

que afetam o início, a manutenção e a resolução da inflamação

(PASTWINSKA et al, 2017; LICHTMAN; PILLAI, 2019).

Os fatores de transcrição GATA1, GATA2, STAT5, NFκβ

e MITF foram descritos como essenciais no desenvolvimento e

função dos mastócitos, bem como o fator de transcrição

C/EBPy da família C/EBP, que é altamente expresso e

importante nas funções dos mastócitos (KARDOSOVA et al.,

2017; SASAKI et al., 2016). Martín-Ávila et al. (2016) também

comprovaram o papel da cinase Fyn como importante fator na

via de sinalização de TRL4 para produção de TNF por

mastócitos. Até o momento era conhecido o papel da cinase Src

nessa via. Nesse sentido, a ativação dos mastócitos via

receptores e ativação dos fatores de transcrição por diferentes

vias levam à produção de mediadores lipídicos, como

prostaglandinas (PGD2, PGE2) e LTC4, além de outras

moléculas envolvidas nas diferentes funções da célula, como

TNF, TGF-β, VEGF, CXCL8 e NO (PASTWINSKA et al, 2017).

MECANISMOS IMUNOLÓGICOS DA INFLAMAÇÃO NA PELE COM ENFOQUE NA PSORÍASE: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

339

Além das células mieloides envolvidas na inflamação

aguda, diferentes subpopulações de células linfoides inatas

(ILCs) que são residentes nos tecidos, participam na linha de

frente para eliminar patógenos nas barreiras epiteliais. ILC1,

ILC2 e ILC3 são caracterizados pela ausência de receptores

antigênicos específicos (TRABANELLI et al., 2018), por esse

motivo, são ativados por citocinas e produzem diferentes

moléculas semelhantes as produzidas por subpopulações de

linfócitos T (Th1, Th2 e Th17) (ABBAS; LICHTMAN; PILLAI,

2019). As células Natural Killer (NK) e as células indutoras de

tecido linfoide (LTi) também fazem parte das subpopulações de

ILCs, sendo elas dos grupos ILC1 e ILC3, respectivamente

(TRABANELLI et al., 2018).

As ILCs são ativadas pela ligação de diferentes citocinas

liberadas nas respostas inatas, e sua classificação e função

dependem dos fatores de transcrição ativados e das citocinas

produzidas. O grupo ILC1 é caracterizado pela ativação de Tbet

e do gene EOMES para produzir IFN-γ. ILC 2 tem ativação do

fator de transcrição GATA-3, levando à produção de IL-4, IL-5

e IL-13, enquanto que ILC-3 tem ativação de RORγt e NF-Κβ e

produção de IL-17, IL-22 e IL-12. Todos os grupos sofrem

ativação do fator de transcrição NF-κβ, ativando os membros da

família de IL-1, como IL-1β, IL-18 ou IL-33, e em conjunto com

as vias de sinalização de STAT através das vias de IL-23, IL-

12, IFN-α/β e TSLP, desencadeiam a produção de citocinas

auxiliares de ILCs (GASTEIGER et al., 2016).

Os neutrófilos são os primeiros leucócitos a serem

recrutados para o local da inflamação. Quando as células

residentes de tecido são ativadas por DAMPs, são liberados

mediadores inflamatórios (TNF e IL-1) que estimulam a

MECANISMOS IMUNOLÓGICOS DA INFLAMAÇÃO NA PELE COM ENFOQUE NA PSORÍASE: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

340

produção das quimiocinas CXCL1, CXCL2 e CXL8, as quais se

ligam aos GPCRs nos neutrófilos e em monócitos. Os PRRs,

TLRs e NLRs e receptores Fc, os quais são capazes de

reconhecer mediadores solúveis do sistema complemento e

imunoglobulinas que opsonizam patógenos, também estão

presentes na superfície dos neutrófilos (CASTANHEIRA &

KUBES, 2019; ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2019).

A liberação das citocinas estimula a expressão das

proteínas de adesão para transmigração dos leucócitos

recrutados. Os neutrófilos utilizam diferentes mecanismos para

eliminar os patógenos, entre eles, a fagocitose e produção de

ROS, proteases (CASTANHEIRA & KUBES, 2019; ABBAS;

LICHTMAN; PILLAI, 2019), e produção intracelular de AMPs no

processo de NETosis. Este processo consiste em armadilhas

extracelulares de neutrófilos (NETs), que são redes

extracelulares de estruturas compostas de proteínas citosólicas

e grânulos, em forma de cromatina descondensada, que

eliminam os patógenos e também estão presentes na patologia

de doenças inflamatórias (PAPAYANNOPOULOS, 2017), tendo

sido identificados na PsO (LOWES; SUÁREZ-FARIÑAS;

KRUEGER, 2014). Em lesões psoríaticas, os neutrófilos são

encontrados predominantemente na epiderme junto com as

quimiocinas CXCL1, CXCL2 e CXCL8/IL-8 (KIM & KRUEGER,

2015).

Psoríase como doença inflamatória com manifestações

cutâneas

O conceito de autoinflamação tem ganhado atenção na

área de dermatologia já que a maioria das doenças com essas

MECANISMOS IMUNOLÓGICOS DA INFLAMAÇÃO NA PELE COM ENFOQUE NA PSORÍASE: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

341

características apresentam manifestações cutâneas.

Autoinflamação se caracteriza por respostas imunes inatas

mediadas por vias de interleucina-1 (IL-1). Nesse sentido,

evidências comprovam a autoinflamação na patogênese dos

tipos mais clássicos de PsO (MURTHY & LESLIE, 2016).

Lowes, Suárez-Fariña e Krueger (2014), caracterizaram

a patologia da PsO pela presença de queratinócitos que se

movem através da epiderme dez vezes mais rápido que o

normal no processo de diferenciação, com um aumento na

síntese de queratina 16, e presença de neutrófilos na epiderme

e no estrato córneo, formando os microabscessos de Munro. Na

derme, estão presentes células mononucleares e populações

de células T. Logo, o aparecimento de eritemas nas lesões

psoríaticas é resultado da sucessão de mecanismos

imunológicos que levam à dilatação dos vasos sanguíneos

dérmicos. Apesar de alguns mecanismos já serem conhecidos,

ainda não se sabe se a desregulação na biologia de células

imunes e alta produção de citocinas, ou a acelerada

diferenciação de queratinócitos e produção exagerada de

quimiocinas são a raiz desencadeadora da patologia

(MOUNSEY & KULAKOV, 2018). No entanto, por não se

conhecer a origem da imunopatogênese da doença, ainda é

discutido se PsO é uma doença autoimune ou é desencadeada

por estímulos externos (FRY et al., 2015).

A PsO entra no leque de doenças inflamatórias que

afetam a população mundial, e caracteriza-se como uma

doença inflamatória, sistêmica e crônica com manifestações na

pele, ou manifestações não dermatológicas, na forma de

inflamação articular, no caso da Artrite Psoríatica (PsA).

Mesmo afetando cerca de 5% da população mundial

MECANISMOS IMUNOLÓGICOS DA INFLAMAÇÃO NA PELE COM ENFOQUE NA PSORÍASE: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

342

(MOUNSEY & KULAKOV, 2018), e no Brasil 4,4% (MIOT et al.,

2018), é considerada uma condição comum, onde cerca de 70-

80% dos pacientes apresentam lesões leves e são tratados

apenas com terapias tópicas (BOEHNCKE & SCHON, 2015).

A PsO é uma doença multifatorial, capaz de ser

desencadeada por fatores intrínsecos e extrínsecos, como

injúrias teciduais, traumas ocasionando o fenômeno de

Koebner, infecções por vírus (HIV), ou bactérias do gênero

Streptococcus, fármacos, fatores ambientais (exposição solar e

clima), além de fatores genéticos (BOEHNCKE, 2015), e

epigenéticos. Assim, sua patogênese é resultado dos efeitos

combinados de múltiplos loci de susceptibilidade gênica

associado com fatores ambientais (ZENG et al., 2017).

As lesões psoríaticas se apresentam em cinco tipos de

manifestações clínicas: PsO de placas (vulgaris), forma mais

comum da doença que afeta cerca de 90% dos casos; gutata,

caracterizada por pequenas pápulas eritematosas espalhadas

pelo corpo; invertida, que envolve áreas de dobras, como axilas

e pregas inguinais; postular, associada com comprometimento

das funções cutâneas e geralmente generalizada;

eritrodérmica, caracterizada por eritemas cutâneos distribuídos

pelo corpo. As duas últimas, contudo, são formas raras e mais

severas da doença (BOEHNCKE & SCHON, 2015; LEBWOHL,

2018; SCHLEICHER, 2016). Entretanto, outra manifestação

clínica é citada por Mounsey & Kulakov (2018), a PsO

palmoplantar, que prevalece em 1,5% da população, é uma

variante clínica da PsO de placas e compromete a qualidade de

vida dos pacientes por afetar as mãos e pés (RAPOSO &

TORRES, 2016).

MECANISMOS IMUNOLÓGICOS DA INFLAMAÇÃO NA PELE COM ENFOQUE NA PSORÍASE: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

343

A manifestação da PsO está associada com o aumento

de risco de diversas comorbidades que impactam física e

emocionalmente a qualidade de vida dos acometidos da

doença. Embora Takeshita et al. (2017) tenham apontado a

disfunção sexual, apneia obstrutiva do sono e doença pulmonar

obstrutiva crônica como comorbidades emergentes na

epidemiologia da doença, condições como diabetes,

hipertensão, síndrome metabólica, infecções, PsA, desordens

cardiovasculares, doença de Crohn, depressão e ansiedade já

são conhecidas e mais comuns nos estudos de relação com a

PsO (SCHLEICHER, 2016; BOEHNCKE & SCHON, 2015).

Imunopatogênese: Células T na Psoríase

As células T têm mostrado desempenhar um papel

principal na imunopatogênese da doença. Além da participação

de células T CD4+ (auxiliares - Th), são encontrados linfócitos

T CD8+ (citotóxicos) nas lesões psoríaticas, capazes de

produzir IL-2, IFN-γ, TNF-α, IL-22 e IL-17 (VOLARIC et al.,

2019). Os linfócitos T reguladores (Tregs) atuam suprimindo e

regulando respostas inflamatórias por meio da liberação de

citocinas anti-inflamatórias como IL-10 e TGF-B (KIM &

KRUEGER, 2015). Karczewski et al. (2016) discutem que

mesmo havendo a presença de células Tregs nas lesões de

PsO, estas não são capazes de controlar a inflamação,

sugerindo um defeito qualitativo na regulação de outras células

imunes. Dessa forma, acredita-se que a ativação das

subpopulações Th1 e Th17 medeia o processo inflamatório na

psoríase (ZEICHNER & ARMSTRONG, 2016).

MECANISMOS IMUNOLÓGICOS DA INFLAMAÇÃO NA PELE COM ENFOQUE NA PSORÍASE: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

344

As citocinas IL-12 e INF-γ estimulam a diferenciação de

células T CD4+ em Th1, as quais produzem IFN-γ e TNF-α. A

diferenciação de TCD4+ em Th17 é estimulada por IL-6, IL-1 e

IL-23. Assim, a subpopulação produz IL-22, IL-6, IL-20 e TNF-

α. (KARCZEWSKI et al., 2016; ABBAS; LICHTMAN; PILLAI,

2019). A liberação destas citocinas promove a proliferação de

queratinócitos, que produzem citocinas pró-inflamatórias.

Queratinócitos na Psoríase

Os queratinócitos são a principal fonte de citocinas

inibitórias, as quais mantém o potencial inflamatório da pele em

equilíbrio. Produzem peptídeos antimicrobianos, como

catelicidina LL-37, defensinas, proteínas S100 (KIM &

KRUEGER, 2015), e controlam respostas imunes pela liberação

de CXCL8, a qual é relacionada com o recrutamento de

neutrófilos; CCL2, CCL5, CXCL10, responsáveis por atrair

monócitos e células Th1; CCL20 e IL-8, que recrutam CDs e

células de Langerhans (BENHADOU; MINTOFF; DEL

MARMOL, 2019).

A IL-17R é expressa principalmente por queratinócitos na

PsO. Os genes IL-17, IFN-α, IL-22, IL-1, TNF, e IFN-γ foram

observados sendo expressos em queratinócitos em resposta a

citocinas presentes nas lesões psoríaticas, enquanto que

destes, IL-17, IL-22, TNF e IFN-γ mostraram causar a

proliferação dos queratinócitos, e induzir expressão de

citocinas, quimiocinas e AMPs (LOWES; SUÁREZ-FARIÑAS;

KRUEGER, 2014).

MECANISMOS IMUNOLÓGICOS DA INFLAMAÇÃO NA PELE COM ENFOQUE NA PSORÍASE: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

345

Células Dendríticas na Psoríase

As principais populações de células dendríticas na pele

são as células de Langerhans na epiderme (LC), células

dendríticas mieloides (mCD) e células dendríticas

plasmocitoides (pCD) na derme. Estudos recentes têm

apontado que as CDs exercem um papel no início da psoríase,

pois são encontrados múltiplos subtipos celulares nas lesões

(WANG & BAI, 2019). Tendo em vista que a citocina IL-23 é

necessária para sobrevivência de células Th17, pesquisadores

mostraram que injeções de IL-23 em camundongos aumentam

a população de CD103+ cCDs, monócitos e moCDs (CDs

dérmicas derivadas de monócitos) na derme. Dessa forma,

estas atuam diretamente produzindo citocinas como IL-23, IL-

22 e TNF que ativam células T αβ e γδ para produzirem IL-22 e

IL-17A/F, as quais estimulam a proliferação de queratinócitos e

liberação de fatores de crescimento, proteínas S100 e β-

defensinas, amplificando a cascata da doença (SINGH et al.,

2016).

MECANISMOS IMUNOLÓGICOS DA INFLAMAÇÃO NA PELE COM ENFOQUE NA PSORÍASE: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

346

Figura 2. Células e moléculas na psoríase. (A) Macrógafos,

células dendríticas, células T e outros tipos celulares produzem

mediadores que induzem reações nas células endoteliais e nos

queratinócitos no epitélio pré-psoríase. (B) Hiperproliferação de

queratinócitos, retenção dos núcleos no estrato córneo e nas

camadas superiores do epitélio (paraqueratose) e formação dos

microabscessos de Munro. Os queratinócitos produzem IL-1, IL-

6, CXCL1, CXCL8, CCL20 e TNF-α que amplificam a cascata

de inflamação.

Fonte: BOEHNCKE & SCHON, 2015

Células NK na Psoríase

As NKs estão envolvidas na resposta inflamatória da

psoríase através da secreção das citocinas IFN-γ, IL-22 e TNF-

α. Apesar da função da NK na psoríase ainda ser incerta e

pouco elucidada, outras citocinas presentes nos sítios de

inflamação da psoríase são relacionadas com a ativação de

NKs, tais como IL-12, IL-23, IL-15 e IL-18 (KIM & KRUEGER,

2015). O grupo variante de células T, que expressa marcadores

MECANISMOS IMUNOLÓGICOS DA INFLAMAÇÃO NA PELE COM ENFOQUE NA PSORÍASE: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

347

(CD56) presentes em células NK (ABBAS; LICHTMAN; PILLAI,

2019), chamado NKT, possivelmente desempenha algum papel

no processo inflamatório liberando IFN-γ (KIM & KRUEGER,

2015).

Loci de susceptibilidade gênica

O alelo HLA-cw6 está associado com as características

fenotípicas da psoríase e está presente em cerca de 40 a 80%

dos casos. O alelo apresenta resposta positiva ao anticorpo

monoclonal Ustecinumab, utilizado para neutralizar IL-17A,

tratando dos casos mais moderados aos mais severos da PsO

(COSTANZO et al., 2018). De Keyser et al. (2019), ao

verificarem o papel do Ustecinumab, genotiparam HLA-cw6 em

seus experimentos e obtiveram o status de atividade do HLA-

cw6 em 61 pacientes dentro de uma população de 137. Dos

41% da população, os HLA-cw6-positivo desenvolveram

psoríase cedo, enquanto que a prevalência de Artrite Psoríatica

em pacientes HLA-cw6-negativo foi maior, mas não

significativo.

Chen & Tsai (2018) também apontaram a relação do

HLA-cw6 com dois autoantígenos recém identificados na

psoríase, catelicidina LL-37, peptídeo derivado de

queratinócitos, com um papel antimicrobiano, e capacidade de

formar um complexo com o DNA/RNA próprio ou não próprio e

ativar células dentríticas; e ADAMTSL5, uma proteína

importante para função das microfibrilas, que é apresentada por

HLA-cw6 resultando na expansão clonal de células T CD8+ nas

lesões psoríaticas. (FUENTES-DUCULAN et al., 2017).

MECANISMOS IMUNOLÓGICOS DA INFLAMAÇÃO NA PELE COM ENFOQUE NA PSORÍASE: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

348

Outros loci de susceptibilidade gênica da PsO (PSORS)

têm sido estudados, sendo 12 já identificados. Um locus

localizado no cromossomo 6p, PSORS1, é fortemente

associado com HLA-cw6, se tornando o alelo mais evidenciado

na PsO até o momento (CHEN & TSAI, 2018; LOWES;

SUÁREZ-FARIÑAS; KRUEGER, 2014; BOEHNCKE & SCHON,

2015). Genes que são encontrados nestes loci, contudo, estão

envolvidos com a síntese de citocinas presentes na psoríase

(BOEHNCKE & SCHON, 2015). O gene CARD14 é altamente

expresso em quaratinócitos e foi identificado como gene no

locus de susceptibilidade gênica da psoríase 2 (PSORS2).

Variantes e mutações desse gene estão associados com as

variações no espectro da psoríase (ISRAEL & MELLETT,

2018).

CONCLUSÕES

Os recentes estudos do funcionamento do sistema

imunológico, do background genético, bem como dos princípios

e mecanismos dos mediadores celulares no processo

inflamatório, têm sido fundamentais para elucidação da

imunopatologia de diversas doenças inflamatórias, cutâneas e

autoimunes. A psoríase entra nesse leque de doenças

inflamatórias com manifestações cutâneas, com a presença de

células e moléculas imunes envolvidas na imunidade inata e

adaptativa. Embora algumas vias de mediadores inflamatórios

já tenham sido identificadas na doença, não se sabe ao certo

qual o mecanismo desencadeador, mas sim que pode ser

afetada por fatores intrínsecos e extrínsecos. Nesse sentido,

entender a imunopatogênese da psoríase, assim como

MECANISMOS IMUNOLÓGICOS DA INFLAMAÇÃO NA PELE COM ENFOQUE NA PSORÍASE: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

349

entender como se dá a relação da condição com outras

comorbidades no paciente, é essencial para melhor

compreensão da função e atividade dos alvos terapêuticos,

para elaboração de tratamentos eficazes para todas as

variantes dentro do espectro da psoríase.

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SARS-COV-2: COMORBIDADES E COINFECÇÃO

353

CAPÍTULO 17

SARS-COV-2: COMORBIDADES E COINFECÇÃO

Fernanda Silva ALMEIDA1

Bárbara Guimarães CSORDAS2 Ericka Garcia LEITE3

Daniele Idalino JANEBRO4 Tatjana Souza Lima KEESEN5

1 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia- RENORBIO/ UFPB; 2Pós Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Produtos Naturais e Sintéticos Bioativos - pgPNBS - UFPB; 2 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação Multicêntrico em Ciências

Fisiológicas 3Doutora em produtos naturais e sintéticos bioativos Professora de hematologia e citologia clínica DCF/ CCS/ UFPB 4Orientadora/Professora do

Departamento de Biologia Molecular e Celular, CBiotec/UFPB [email protected]

RESUMO: Em março de 2020 foi declarado pela Organização mundial de Saúde a COVID-19, causada pelo novo coronavírus da síndrome respiratória aguda grave 2 (SARS-CoV-2) como pandemia global. O impacto causado pelo COVID-19 tem sido devastador, sendo contabilizado mais de 38 milhões de casos confirmados e mais de 1 milhão de mortos, onde o Brasil está entre os países com maior número de casos. Uma base de evidências emergentes identificou vários fatores associados a resultados adversos para pessoas com COVID-19. O presente trabalho tem como objetivo uma revisão acerca da infeção por SARS-Cov-2 e sua relação com comorbidades e coinfecção com a tuberculose que são responsáveis pelo agravamento da doença. Trata-se de uma revisão sistemática de caráter descritivo fundamentado na coleta de dados por meio de uma revisão bibliográfica. Observou-se que a idade avançada é o fator de risco mais consistente para a gravidade da doença. Indivíduos idosos estão mais propensos a desenvolverem a forma grave da doença por apresentarem comorbidades crônicas associadas, sendo a hipertensão a doença de base

SARS-COV-2: COMORBIDADES E COINFECÇÃO

354

mais comum, seguida do diabetes mellitus. A obesidade está entre uma das comorbidades que influenciam na gravidade da doença por afetar a maioria dos processos fisiológicos e modificar as funções do sistema imunológico. Ademais, manifestações graves podem também estar associadas a coinfecções com outros patógenos pulmonares como Mycobacterium tuberculosis. Palavras-chave: SARS-CoV-2. Hipertensão. Diabetes. Obesidade. Tuberculose.

INTRODUÇÃO

Coronavírus são vírus que possuem partículas

envelopadas com genomas de RNA de fita simples que

pertencem a uma grande família de vírus respiratórios, podem

causar doenças que variam desde sintomas de resfriado

comum à forma mais grave, a Síndrome Respiratória do Oriente

Médio (MERS) e à Síndrome Respiratória Aguda Grave

(SARS). O coronavírus SARS (SARS-CoV-1) surgiu em

novembro de 2002 no sudeste da China, e causou síndrome

respiratória aguda grave (SARS), desaparecendo em 2004. Já

a síndrome respiratória do Oriente Médio (MERS) é causada

pelo coronavírus MERS (MERS-CoV), ambos pertencentes a

família beta-coronavirus. O MERS foi identificado em setembro

de 2012, possui uma taxa de mortalidade de 35% e continua a

causar surtos esporádicos e localizados. O SARS-CoV-2 é um

novo membro do gênero betacoronavírus distinto do SARS-CoV

e do MERS-CoV (CHEN et al., 2020).

A COVID-19, nome dado a doença causada pelo SARS-

CoV-2 colocou as autoridades de saúde em alerta máximo na

China (CHEN et al., 2020). Já foram confirmados até o dia 25

de outubro do ano corrente, mais de 42 milhões de casos para

COVID-19 sendo mais de 1 milhão de mortes, onde o Brasil está

SARS-COV-2: COMORBIDADES E COINFECÇÃO

355

entre os países com maior número de casos, aproximadamente

5 milhões de casos e 156 mil mortes até a presente data (WHO,

2020). Como uma emergência de saúde pública de interesse

internacional, a COVID-19 foi declarada uma pandemia pela

Organização Mundial da Saúde.

Quanto a sintomatologia, a COVID-19 apresenta

manifestações clínicas presentes: febre, tosse seca, mialgia e

fadiga mais comumente observadas no início da doença;

menos comumente observados são a produção de escarro,

hemoptise, cefaleia, tontura, dor abdominal, diarreia, náuseas e

vômitos. Semelhante à SARS e MERS, alguns pacientes

desenvolvem a síndrome respiratória aguda grave (SRAG).

Cerca de 81% dos pacientes infectados desenvolvem apenas

sintomas leves, com pneumonia leve ou ausência de

pneumonia; os que apresentam estado grave e crítico são 14 e

5%, respectivamente (CHEN et al., 2020; HARAPAN et al,

2020).

Embora os fatores de risco de COVID-19 permaneçam

obscuros, estudos relataram que uma proporção significativa de

pacientes possuía doenças subjacentes. Estudos mostram que

pacientes com pneumonia causada por SARS-CoV

apresentavam comorbidades crônicas, sendo a hipertensão a

doença de base mais comum, seguida do diabetes mellitus. A

maioria dos pacientes com COVID-19 são adultos entre 34 e 59

anos. Os pacientes que requerem cuidados em UTI tendem a

ser idosos. Ademais, há uma prevalência maior de homens com

COVID-19 do que de mulheres. A presença de comorbidades e

mortalidade da doença, portanto, têm sido associadas as

doenças crônicas não transmissíveis e são importantes fatores

de risco para a gravidade e prognóstico da doença (CHEN et

al., 2020; LAI et al., 2020).

SARS-COV-2: COMORBIDADES E COINFECÇÃO

356

Além disso, manifestações graves podem também estar

associadas a coinfecções de bactérias e fungos (LAI et al.,

2020). A coinfecção com outros patógenos pulmonares já foi

observada em pacientes com SARS. Além disso, casos de

coinfecção entre tuberculose e MERS também foram descritos,

demonstrando que ocorrem coinfeções em vírus semelhantes a

SARS-CoV-2, causadores de problemas respiratórios e/ou

pulmonares (ALFARAJ et., 2017).

OBJETIVOS

Este trabalho tem como objetivo, trazer uma revisão

sistemática da literatura da relação entre pacientes com

COVID-19, comorbidades e coinfecção.

MATERIAIS E MÉTODO

Este estudo trata-se de uma revisão sistemática da

literatura de caráter descritivo fundamentado na coleta de

dados por meio de uma revisão bibliográfica. Sendo assim,

refere-se a uma pesquisa documental com base em dados

secundários obtidos a partir de cinco bancos de dados online:

Elsevier, Google Scholar, PubMed, Nature.

Os artigos incluídos nesta pesquisa foram todos originais

de língua inglesa, que abordaram a temática COVID-19,

comorbidades, diabetes, hipertensão, obesidade e coinfecção

entre SARS-Cov-2 e Mycobacterium tuberculosis.

SARS-COV-2: COMORBIDADES E COINFECÇÃO

357

RESULTADOS E DISCUSSÃO

HIPERTENSÃO

A hipertensão arterial (HA) é o principal fator de risco

modificável para doenças cardiovasculares e morte prematura

em todo o mundo. É uma condição clínica multifatorial

caracterizada por elevação sustentada dos níveis pressóricos

(PA) ≥ 140 e/ou 90 mm Hg (MALACHIAS et al., 2016). De

acordo com a Organização Mundial de Saúde cerca de 1,13

bilhão de pessoas têm HA no mundo, onde menos de 1 a cada

5 pessoas têm o problema sob controle (WHO, 2019).

A HA pode ser dividida em dois tipos: primária e

secundária. A hipertensão secundária é provocada

secundariamente por uma causa identificável. Porém na grande

maioria dos pacientes a etiologia não é reconhecida. Esses

pacientes são agrupados coletivamente no que é conhecido

como hipertensão primária ou essencial que, apesar das

melhores opções terapêuticas, não é controlada em 8–12% dos

pacientes (HERRMANN; TEXTOR, 2019).

A incidência de HA aumenta significativamente com o

aumento da idade (afetando aproximadamente 70% dos adultos

mais velhos). Portanto, é mais prevalente entre adultos mais

velhos do que na população jovem e de meia-idade. Numerosos

inquéritos de base populacional em várias regiões do mundo

estimam que 7 em cada 10 adultos, com 65 anos ou mais, foram

diagnosticados com pressão arterial elevada (KARIO et al.,

2020; MULI et al., 2020).

A HA é uma comorbidade mais frequentemente

observadas em pacientes com COVID-19 levantando muitas

SARS-COV-2: COMORBIDADES E COINFECÇÃO

358

questões sobre a maior suscetibilidade desses pacientes ao

novo coronavírus (CHAN et al., 2020).

Os dados provenientes predominantemente da China

mostram um percentual significativo de hipertensão arterial e

doenças cardiovasculares (DCV) entre os pacientes com

COVID-19. Em Wuhan na China onde o primeiro surto de

COVID-19 ocorreu, em dezembro de 2019, um estudo

envolvendo 548 pacientes internados, a prevalência de

hipertensão foi significativamente maior em pacientes com

COVID-19 grave do que em casos não graves (38,7% vs.

22,2%) (SHIBATA et al., 2020). Em outro estudo realizado por

Wang e colaboradores, analisaram 344 pacientes na UTI com

COVID-19. Dos 344 indivíduos, 133 pacientes morreram no 28º

dia com uma sobrevida média de 25 dias. Desses 344

pacientes, haviam 141 pacientes com HA, significativamente

distribuída entre não sobreviventes (69 [52,3%]) e

sobreviventes (72 [34,1%]) (WANG et al., 2020).

A Itália foi o primeiro, e por muito tempo, o país europeu

mais gravemente afetado pela COVID-19. Em 20 de março de

2020, o Instituto Italiano de Saúde anunciou que haviam 3.200

mortos por COVID‐19. Os pacientes que morreram tinham

idade média de 78,5 anos e 98,7% tinham pelo menos uma

comorbidade, sendo a HAuma comorbidade comum nos casos

italianos, afetando 73,8% dos pacientes (KARIO et al., 2020).

Nos Estados Unidos, em um estudo de uma série de

casos de COVID-19, onde foram avaliados 5700 pacientes

hospitalizados sequencialmente com idade média de 63 anos,

3.026 (56,6%) tinham hipertensão (RICHARDSON et al., 2020).

A prevalência de hipertensão é clinicamente relevante

em pacientes com COVID-19 e, particularmente, em idosos. O

impacto da hipertensão e no resultado ainda é incerto. Não está

SARS-COV-2: COMORBIDADES E COINFECÇÃO

359

claro se a HA está relacionada com a gravidade da doença ou

se a pressão arterial controlada é ou não um fator de risco

menor. No entanto, várias organizações já enfatizaram o fato de

que o controle da pressão arterial continua sendo uma

consideração importante para reduzir a carga da doença,

mesmo que não tenha efeito sobre a suscetibilidade à infecção

viral SARS-CoV-2 (SCHIFFRIN et al., 2020).

DIABETES

Risco, gravidade, presença de comorbidades e

mortalidade da doença têm sido associados a doenças crônicas

não transmissíveis, como diabetes mellitus (DM), a qual tem

uma elevada morbidade no Brasil, o que tem causado grande

preocupação. Muitos estudos permitirão esclarecer os perfis

clínicos da infecção por SARS-CoV-2, sendo verificado que a

presença de morbidades crônicas como o DM e suas doenças

associadas (obesidade, hipertensão, doenças cardiovasculares

e doença renal crônica) são importantes fatores de risco para a

gravidade e prognóstico da doença (PITITT; FERREIRA, 2020).

O Brasil é o quarto país com o maior número de pessoas

diabéticas e no ano de 2019 foi estimado que 16,8 milhões de

indivíduos, com idade entre 20 e 79 anos, tinham DM no Brasil,

com projeção de aumento de 55% até 2045 (ATLAS, 2019).

Outro aspecto do DM no Brasil é que metade dos

brasileiros diabéticos não tem diagnóstico, as frequências

existentes são subestimadas e as mesmas variam de acordo

com a faixa etária e escolaridade, sendo 23,1% para maiores

de 65 anos e 15,2% para aqueles com menos de 8 anos de

escolaridade total (BRASIL, 2019).

SARS-COV-2: COMORBIDADES E COINFECÇÃO

360

Também a falta do controle glicêmico dos pacientes com

DM no Brasil é preocupante. A Sociedade Brasileira de

Diabetes recomenda como meta a dosagem da hemoglobina

glicada (HbA1c) <7%, no entanto, este valor é alcançado por

uma minoria de pacientes prejudicando vários aspectos da

resposta imune inata e adaptativa às infecções virais e ao

potencial de infecção bacteriana secundária nos pulmões

(CAREY et al., 2018; FERLITA et al., 2019). Ou seja, a ação

inadequada das células T, o comprometimento da atividade das

células natural killer e defeitos na ação do complemento, podem

reduzir a depuração viral (NYAMBUYA et al., 2020). Além disso,

o DM representa um importante fator de risco para as doenças

cardiovasculares (DCV), responsáveis por 31,3% das mortes no

Brasil (SCHMIDT et al., 2011).

Este cenário de alta prevalência de DM associado ao

diagnóstico tardio e controle metabólico alterado tem um efeito

importante nas complicações a longo prazo da doença

(macroangiopatia, retinopatia, nefropatia e neuropatia) e desta

forma, considerando a pandemia da COVID-19, estes fatores,

pioram o prognóstico dos diabéticos afetados pela infecção por

SARS-Cov-2 (PITITT; FERREIRA, 2020).

Desde os primeiros relatos da COVID-19 em Wuhan,

China, foram verificadas altas frequências de indivíduos

diabéticos entre os pacientes internados e com desfecho para

óbito, mostrando o DM como fator de risco importante, seguido

também por outros fatores, como idade avançada, obesidade,

hipertensão e DCV. Vários estudos relatam estes achados:

estudo chinês mostra que de 1.099 indivíduos com COVID-19,

dos 173 pacientes com doença severa, 23,7% tinha

hipertensão, 16,2% DM, 5,8% doença cardíaca coronária e

2,3% doença cerebrovascular (GUAN et al., 2020). Outra

SARS-COV-2: COMORBIDADES E COINFECÇÃO

361

pesquisa com 140 pacientes internados relata taxas

semelhantes, 30% de hipertensão e 12% de DM (ZHANG et al.,

2020). Wu; Mcgoogan (2020) avaliaram um total de 44.672

casos de COVID-19, no qual a letalidade ocorreu em 14,8% dos

pacientes com mais de 80 anos, 8,0% entre 70 e 79 anos e em

49,0% dos casos graves. Entre aqueles que morreram e tinha

doenças crônicas, 10,5% tinha DCV, 7,3% DM, 6,3% doença

respiratória crônica, 6,0% hipertensão e 5,6% câncer.

Com o avanço da pandemia nos outros continentes, a

mesma situação foi confirmada em relação ao fator de risco DM

e mau prognóstico para COVID-19. Na Itália, entre 1.591

pacientes em UTI, 68% apresentavam pelo menos uma

comorbidade, 49% hipertensão sistêmica, 21% DCV, 17% DM

tipo 2, 8% câncer e 4% DPOC (GRASSELLI et al., 2020).

Nos EUA, foi observado que 89,3% de 178 adultos

apresentaram uma ou mais comorbidades; a mais comum foi

hipertensão (49,7%), seguida de obesidade (48,3%), doença

pulmonar crônica (34,6%), DM (28,3%) e DCV (27,8%) (GARG

et al., 2020). O mesmo cenário foi visto no Brasil, dados do

Ministério da Saúde identificaram DM e DCV prévia como

comorbidades associadas à morte em indivíduos infectados

pelo SARS-Cov-2 (BRASIL, 2020).

A relação entre COVID-19 e doenças cardiometabólicas

é baseado em estudos anteriores que mostraram a associação

de DM e CVD em epidemias de influenza, H1N1 ou MERS

(MADIID et al., 2020), e este conhecimento esclarece os

mecanismos subjacentes da doença associados aos fatores de

risco, permitindo assim o desenvolvimento de estratégias de

prevenção mais eficazes para enfrentar epidemias virais, dentre

elas, o controle da pandemia do coronavírus.

SARS-COV-2: COMORBIDADES E COINFECÇÃO

362

É visto relação direta da alteração do metabolismo da

glicose com a gravidade da COVID-19, sendo assim, o controle

glicêmico adequado reduz a predisposição e melhora o

prognóstico das infecções em pessoas com DM, diminuindo os

resultados ruins e morte nestes pacientes pela COVID-19, uma

vez que DM causa um estado pró-inflamatório podendo

acentuar a tempestade de citocinas, bem como disfunção de

múltiplos órgãos (MADDALONI; BUZZETTI, 2020),

Assim, como um alto grau de inflamação sistêmica pode

ocorrer na COVID-19, visto por elevações em importantes

marcadores inflamatórios, como proteína C-reativa, dímero-D e

ferritina (YANG et al., 2020), além de níveis aumentados de

plasminogênio (JI et al., 2020). Desta forma, o DM e suas

doenças associadas intensificam o processo inflamatório,

contribuindo para a progressão da COVID-19 em indivíduos

diabéticos.

No mesmo contexto, a infecção por SARS-CoV-2 e o

mecanismo de ação de alguns medicamentos foram baseados

nas vias fisiopatológicas do DM e das comorbidades

associadas, como, por exemplo, a hipertensão. Os coronavírus

são capazes de se ligar às células-alvo por meio da enzima

conversora de angiotensina 2 (ECA 2) que é expresso em

vários tecidos. Estudos mostram que a ECA 2 está aumentada

em indivíduos com DM tipo 1 e tipo 2 e que alguns

medicamentos podem aumentar a expressão de ECA 2, como

inibidores de ECA, bloqueadores do receptor de angiotensina

2, tiazolidinedionas e ibuprofeno (FANG; KARAKIULAKIS;

ROTH, 2020). No entanto, nenhuma evidência indica potenciais

efeitos adversos desses agentes no prognóstico de indivíduos

diabéticos e hipertensos com COVID-19, e desta forma, a

SARS-COV-2: COMORBIDADES E COINFECÇÃO

363

comunidade científica não recomendam a retirada dessas

drogas devido à infecção por SARS-CoV-2 (SBD, 2020).

O processo fisiopatológico do DM e COVID-19 precisa ser

bem entendido para que medidas preventivas e estratégias

terapêuticas eficazes possam ser estabelecidas, incluindo as as

variações individuais, regionais e étnicas na prevalência e no

curso natural da doença. A gravidade da infecção por DM e

SARS-CoV-2 foi demonstrado por diversos estudos e a

susceptibilidade e o prognóstico variam de acordo a presença

do DM e outras comorbidades associadas, além de fatores

associados a idade, duração da doença, controle glicêmico,

presença de complicações e medicamentos em uso. O estudo

destas associações é um desafio que precisa ainda de melhor

investigação para que tenhamos uma prevenção eficaz por

meio da vacinação ou tratamento com agentes farmacológicos.

OBESIDADE

Um crescente corpo de dados sugere que os resultados

graves pela Doença do Coronavírus 2019 (COVID-19) são

piores naqueles que sofrem de obesidade. Isso ocorre devido a

uma proporção significativa daqueles que precisam de cuidados

intensivos sofrem de sobrepeso ou obesidade. A obesidade

está afetando a maioria dos processos fisiológicos e

modificando as funções do sistema imunológico (MUSCOGIURI

et al., 2020)

Uma explicação sugerida é que pacientes com

obesidade são conhecidos por terem um sistema imunológico

defeituoso que os torna vulneráveis a um tipo de infecção que

requer especificamente uma resposta imediata da imunidade

celular. A obesidade prejudica a imunidade ao alterar a resposta

das citocinas, resultando em uma diminuição na resposta das

SARS-COV-2: COMORBIDADES E COINFECÇÃO

364

células citotóxicas que têm um papel antiviral fundamental,

além de perturbar o equilíbrio dos hormônios endócrinos, como

a leptina, que afetam a interação entre as células metabólicas

e sistemas imunológicos (ROJAS-OSORNIO et al., 2019).

Esta comorbidade leva ao envolvimento de moléculas

específicas do tecido adiposo (adipocinas) na geração de um

ambiente favorável para doenças com causa imune. As células

dendríticas (CDs) tem o papel de ligação essencial entre a

imunidade inata e adaptativa, produziram duas vezes mais

citocina interleucina imunossupressora do que em controles e,

estimularam quatro vezes mais a produção de IL-4 a partir de

células T alogênicas. Existem também impactos negativos da

capacidade das CDs de amadurecer e induzir respostas de

células T adequadas a um estímulo geral como a infecção viral

(O'SHEA et al., 2013).

Um estudo de coorte com 3.615 indivíduos que

apresentaram resultado positivo para Covid-19, 775 (21%)

apresentaram índice de massa corporal (IMC) 30-34 e 595

(16% da coorte total) tinham IMC> 35. Pacientes com idade

inferior a 60 anos, com IMC de 30 a 34 apresentaram 2,0 vezes

mais chances de serem admitidos na emergência e 1,8 vezes

mais chances de admissão em terapia intensiva, em

comparação com indivíduos com IMC abaixo de 30. Para

pacientes na mesma faixa etária com IMC acima de 35, o risco

foi 2,2 e 3,6 vezes maior, respectivamente (LIGHTER et al.,

2020).

Embora pacientes com idade menor que 60 anos sejam

geralmente considerados um grupo de risco mais baixo para

COVID-19, com base nos dados do estudo, a obesidade parece

ser uma doença que aumenta o fator de risco para internação e

necessidade de cuidados intensivos (LIGHTER et al., 2020).

SARS-COV-2: COMORBIDADES E COINFECÇÃO

365

Existe a hipótese de que a mortalidade de indivíduos com

COVID-19 é alta entre pacientes com esta comorbidade em

específico, devido à grande massa de tecido adiposo com alta

expressão de receptores ACE2. A enzima conversora de

angiotensina humana 2 (ACE2) é o receptor putativo de SARS-

CoV-2 que possui alta afinidade com esse receptor e o utiliza

para a entrada nas células-alvo (KASSIR, 2020).

O nível de expressão de ACE2 no tecido adiposo é

relatado como maior do que no tecido pulmonar. Apesar da

expressão dos receptores ACE2 serem a mesma para o tecido

adiposo em pacientes obesos e não obesos, a diferença está

na massa do tecido adiposo que faz com que os pacientes com

obesidade expressem alto número de receptores ACE2. Isso

poderia explicar porque os pacientes com obesidade estão

apresentando a forma grave da COVID-19 (LI et al., 2020).

Outros fatores podem contribuem de forma significativa

para o aumento do risco de COVID‐19 em pacientes com

obesidade. O tecido adiposo pode servir como reservatório para

outros patógenos como o adenovírus humano (Ad-36), vírus da

influenza A, HIV, citomegalovírus, Trypanosoma gondii e

Mycobacterium tuberculosis anteriormente mencionado

BOURGEOIS et al., 2019).

Em resumo, a obesidade pode levar a condições graves

da COVID-19, como: i) A obesidade e a síndrome metabólica

podem causar danos aos órgãos causando falha de função; ii)

A obesidade foi acompanhada por expressão aumentada de

ACE2, onde a porção da proteína S do vírus se liga firmemente

e tornaria o tecido adiposo uma porta de entrada para a invasão

do vírus, tornado vulneráveis ao ataque do vírus tanto órgãos

como pulmão e coração; iii) A obesidade foi acompanhada por

um estado de inflamação superativada e resposta imune

SARS-COV-2: COMORBIDADES E COINFECÇÃO

366

desregulada, que pode induzir a resposta inflamatória

excessiva e exaustão de células imune em COVID-19; iv)

Pacientes obesos apresentam aumento da pressão abdominal,

expansão e movimento torácico limitados e função

compensatória respiratória insuficiente. No caso de infecção

pulmonar, é mais provável que evoluam para insuficiência

respiratória (CAUSSY et al., 2020; GHEBLAWI et al., 2020;

KASSIR, 2020).

Um ponto a ser observado é a cautela ao analisar

estudos nos casos de obesidade ao observar se foram incluídos

as comorbidades detalhadas de pacientes obesos, como

diabetes e hipertensão. Isso pode confundir o papel da

obesidade como um fator de risco independente em COVID-19.

Entretanto, mesmo estes trabalhos apresentando algum tipo de

viés, puderam concluir que a obesidade pode agravar os casos

de infecções por COVID-19 (HUSSAIN et al., 2020).

TUBERCULOSE

A tuberculose (TB) é uma doença infecciosa causada

pelo bacilo de Koch, Mycobacterium tuberculosis, de fácil

transmissão, afetando principalmente os pulmões. Quanto às

formas clínicas da doença, os pacientes com TB são

classificados como portadores de infecção latente por TB, que

é um estado assintomático e não transmissível; e a forma clínica

ativa da tuberculose, transmissível (na TB pulmonar ativa) onde

o diagnóstico molecular ou baseado em cultura celular pode ser

usado. Pacientes com doença ativa da TB apresentam

sintomas gerais, como febre, fadiga, falta de apetite e perda de

peso, e aqueles com doença pulmonar podem ter tosse

persistente e hemoptise (tosse com sangue) na sua forma

SARS-COV-2: COMORBIDADES E COINFECÇÃO

367

avançada. No entanto, alguns pacientes na sua forma ativa da

doença e de diagnóstico positivo podem ser assintomáticos e

são mais bem descritos como portadores de tuberculose

subclínica (PAI et al., 2016).

Pacientes acometidos por TB, devido ao

comprometimento pulmonar, fazem parte do grupo de risco

para o COVID -19 (LIU et al., 2020), e podem apresentar

sintomas comuns entre as duas doenças, como febre e tosse,

por esse motivo, precisam ser vistas com uma atenção especial

voltada ao diagnóstico diferencial e direcionamentos

adequados sem causar prejuízos ao paciente. Manter as ações

de vigilância e controle da TB durante a Pandemia faz parte da

estratégia de saúde orientada pelo Ministério da Saúde

(BRASIL, 2020).

Foi relatado ainda uma queda de mais de 50 % na

detecção de casos novos de tuberculose no mês de abril de

2020, seguindo decrescente até o último mês de avaliação. O

isolamento social pode, em determinadas situações, contribuir

com a transmissão da tuberculose em domicílios que têm a

presença de pessoas bacilíferas não diagnosticadas, ou ainda,

por aqueles que não usam os medicamentos de forma

adequada ou abandonaram o tratamento e continuam

transmitindo o bacilo de Koch, sobre tudo, em locais com difícil

acesso à água limpa e aglomerados urbanos, e se não forem

identificados oportunamente os desfechos podem ser

desfavoráveis devido a complicações severas, principalmente

se houver coinfecção por HIV/aids e/ou COVID-19 (BELL;

NOURSADEGHI, 2018).

Já foi demonstrado anteriormente coinfecção de SARS-

CoV-1 durante a epidemia em 2002 com tuberculose (TB), os

pacientes com TB hospitalizados e infectados com SARS-COV-

SARS-COV-2: COMORBIDADES E COINFECÇÃO

368

1 foram considerados com maior risco de morte. As respostas

imunes do hospedeiro para eliminar patógenos são estimuladas

na infecção por TB, e a infecção pelo SARS-CoV pode

aumentar a carga imunológica, levando a um sistema

imunológico em desequilíbrio ocasionando as tempestades de

citocinas, induzindo, em última instância, disfunção tanto

pulmonar como em outros órgãos. A infecção por M.

tuberculosis, em pacientes com a COVID-19, já foi relatado. Ao

se comparar os pacientes com TB e COVID-19 com pneumonia,

22% dos pacientes com TB avaliados apresentaram formas

clínicas leve/moderada da doença, sendo que os demais 78%

desenvolveram formas mais graves da COVID-19 (LIU et al.,

2020). Isso nos mostra a grande necessidade de avaliar a TB

como fator de risco para a COVID-19.

O fornecimento de tratamento adequado para pessoas

com diagnóstico de tuberculose também pode ser afetado,

especialmente para pessoas com tuberculose resistente a

medicamentos, devido a interrupções na produção e transporte

de medicamentos e suprimentos, suporte nutricional e de saúde

mental reduzido, acesso limitado a instalações de saúde e

redução do atendimento clínico para o controle de reações

adversas a medicamentos e comorbidades, como HIV, diabetes

e câncer. Além disso, o manejo prejudicado dessas

comorbidades também pode aumentar significativamente o

risco de progressão da fase latente para a forma ativada TB na

população em geral (SAUNDERS; EVANS, 2020).

CONCLUSÕES

A presença de comorbidades e mortalidade da doença

têm sido associados a doenças crônicas não transmissíveis,

como hipertensão, diabetes mellitus, os quais são causa de

SARS-COV-2: COMORBIDADES E COINFECÇÃO

369

uma elevada morbidade no Brasil, o que tem causado grande

preocupação. Muitos estudos verificaram que a presença

dessas morbidades crônicas e suas doenças associadas

(obesidade, hipertensão, doenças cardiovasculares e doença

renal crônica) são importantes fatores de risco para a gravidade

e prognóstico da doença.

Indivíduos com tuberculose são considerados grupo com

risco de morte devido a própria evolução clínica da doença e

por coinfecção com o SARS-CoV-2, devido ao histórico anterior

de coinfecção de SARS-CoV-1. É necessário a continuação de

políticas públicas de saúde assistencial com a realização da

testagem dos pacientes devido à semelhança já mencionada da

sintomatologia clínica por COVID, e a necessidade de

acompanhamento clínico durante o tratamento nos casos

positivos de TB.

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AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem aos órgãos de fomento: Fundação de apoio a Pesquisa na Paraíba - UFPB, à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior- CAPES e ao Conselho Nacional de Pesquisa - CNPq pelo suporte financeiro.

TEMPESTADE DE CITOCINAS, CASCATA DE COAGULAÇÃO E NEUROINFLAMAÇÃO: PROCESSOS FISIOPATOLÓGICOS NA COVID-19

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CAPÍTULO 18

TEMPESTADE DE CITOCINAS, CASCATA DE COAGULAÇÃO E NEUROINFLAMAÇÃO:

PROCESSOS FISIOPATOLÓGICOS NA COVID-19

Bárbara Guimarães CSORDAS1

Fernanda Silva ALMEIDA2

Edson dos Santos SILVA3

Tatjana de Souza Lima KEESEN4

Daniele Idalino JANEBRO5

1Pós Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Produtos Naturais e Sintéticos Bioativos - PgPNBS - UFPB; 2 Doutoranda da Rede Nordeste de Biotecnologia (RENORBIO)-

UFPB; 3 Mestrando do Programa de Pós Graduação em Ciências Fisiológicas da UFPB - UFPB ; 4Professora do Centro de Biotecnologia no Laboratório de Imunologia das doenças

Infecciosas - UFPB; 5Orientadora/Professora do Centro de Ciências da Saúde no Departamento de Ciências Farmacêuticas- UFPB.

[email protected]

RESUMO: A Doença por coronavírus 2019 (COVID-19) é uma doença infecciosa que desencadeou a pandemia no ano de 2020 e que causa a síndrome respiratória aguda grave (SRAG). Este trabalho teve como objetivo revisar os principais achados sobre tempestades de citocinas, cascata de coagulação e neuroinflamação, ressaltando os aspectos fisiopatológicos na doença COVID-19. Para isso, foi realizado um estudo de revisão bibliográfica de caráter descritivo com o total de 41 artigos examinados nas

TEMPESTADE DE CITOCINAS, CASCATA DE COAGULAÇÃO E NEUROINFLAMAÇÃO: PROCESSOS FISIOPATOLÓGICOS NA COVID-19

374

plataformas digitais PubMed, Google Scholar, MedRxiv, BioRxiv. Um dos fatores de mortalidade tem sido associado à tempestade de citocinas induzida pelo vírus. A produção excessiva de citocinas pró-inflamatórias leva ao agravamento da SRAG e dano generalizado aos tecidos, resultando em falência múltipla de órgãos e morte. Processos de distúrbios de coagulação que geram problemas vasculares e cardíacos podem ser resultantes da infecção cardiotrópica que estão presentes na maioria dos pacientes que foram a óbito pela COVID-19. A capacidade que alguns vírus possuem de apresentar tropismo pelo córtex cerebral e ativar células imunes reativas nesse ambiente, promovem uma situação conhecida como neuroinflamação, acarretando muitas das vezes em uma disfunção do sistema nervoso. A necessidade de obter maior compreensão sobre tempestade de citocinas, doenças cardíacas e vasculares ou de neuroinflamação em pacientes com COVID-19 para um manejo clínico adequado, é um fator crítico no tratamento dos casos graves da doença. Palavras-chave: Síndrome da Liberação de Citocina. Cardiomiopatia dilatada. Neurofisiologia. Coronavírus da Síndrome Respiratória Aguda Grave 2.

TEMPESTADE DE CITOCINAS, CASCATA DE COAGULAÇÃO E NEUROINFLAMAÇÃO: PROCESSOS FISIOPATOLÓGICOS NA COVID-19

375

1. INTRODUÇÃO

A doença infecciosa coronavírus 2019

(COVID-19), que está se espalhando em escala global

é causada por um vírus denominado de síndrome

respiratória aguda grave coronavírus 2 (SARS-CoV-2),

este vírus de RNA de fita simples positiva de tamanho

30Kb e envelopado, pertence à família Coronaviridae,

gênero beta-coronavírus. As proteínas não estruturais

deste vírus desempenham um papel crucial na

replicação do vírus, enquanto as proteínas estruturais

e auxiliares estão envolvidas na morfogênese e

interferem na resposta imunológica do hospedeiro

(CHEN et al., 2020; GIOVANETTI et al., 2020).

As reações imunológicas em COVID-19

grave, podem caracterizar a tempestade de citocinas

que está associada a consequências clínico-

patológicas desfavoráveis. A tempestade de citocinas

é uma liberação fora de controle de citocinas que tem

sido observada em algumas doenças infecciosas e

não infecciosas, levando a uma condição de

hiperinflamação no hospedeiro. Esta resposta

descontrolada de citocinas pode ser acompanhada por

mais ativação de células imunes, incluindo a

diferenciação de células T helper 17 (Th17) de

linfócitos CD4+, as respostas Th17 com nível

TEMPESTADE DE CITOCINAS, CASCATA DE COAGULAÇÃO E NEUROINFLAMAÇÃO: PROCESSOS FISIOPATOLÓGICOS NA COVID-19

376

aumentado foram relatadas em MERS-CoV, SARS-

CoV e SARS-CoV-2 (XU et al., 2020; WU; YANG,

2020).

Outro fator relacionado as complicações no

agravamento da doença, podem levar à ativação da

coagulação sistêmica e complicações trombóticas.

Desde a propagação da pandemia de SARS‐CoV‐2,

aconteceram diversos relatos sobre uma alta

incidência de complicações trombóticas, incluindo

trombose de circuitos extracorpóreos para

hemofiltração venosa contínua, trombose associada à

cateter venoso central, trombose venosa profunda e

embolia pulmonar. A maioria dessas complicações,

mas não todas, ocorreram em pacientes internados na

unidade de terapia intensiva (UTI), com a maioria dos

pacientes recebendo profilaxia de trombose de rotina

(GUAN et al., 2019; MIDDELDORP et al., 2020;

WANG et al., 2020; ZHOU et al., 2020)

O papel fisiopatológico fundamental dessas

complicações no progresso clínico da COVID-19 é

ainda apoiado pela presença de trombos fibrinosos,

tumefação endotelial, megacariócitos em pequenas

artérias pulmonares e capilares pulmonares em

autópsias de pacientes que foram a óbito causados

pela COVID-19 grave (DOLHNIKOFF et al., 2020). A

miocardite é uma causa frequente de cardiomiopatia

TEMPESTADE DE CITOCINAS, CASCATA DE COAGULAÇÃO E NEUROINFLAMAÇÃO: PROCESSOS FISIOPATOLÓGICOS NA COVID-19

377

dilatada com apresentações clínicas heterogêneas e

uma ampla gama de desfechos clínicos. Após a

infecção por um vírus cardiotrópico, ocorre uma

resposta pós-viral desadaptada, que pode causar

disfunção das células miocárdicas e comprometimento

da contratilidade (POLLACK et al., 2015).

O córtex cerebral é um ambiente estéril protegido por

diversas camadas celulares, dentre elas a barreira

hematoencefálica. Algumas populações celulares são

residentes característicos desse tecido, como a

micróglia e os astrócitos, ambos desempenhando

atividades protetivas e reparadoras no Sistema

Nervoso Central (SNC). Entretanto alguns agentes

infecciosos virais são capazes de invadir esse

ambiente utilizando diversas estratégias como porta

de entrada ao SNC. Outros coronavírus apresentaram

esse perfil neuro invasivo, produzindo um ambiente

infeccioso crônico e uma inflamação acima do nível

basal (MCGAVERN; KANG, 2011; KOYUNCU;

HOGUE; ENQUIST, 2013).

Nesse contexto, existe a necessidade de ampliar

o conhecimento dos fatores responsáveis pelo

desenvolvimento de complicações clínicas

significativas em um subgrupo de pacientes com

COVID-19, desvendando a alta gravidade da doença,

podendo levar à identificação de melhores terapias.

TEMPESTADE DE CITOCINAS, CASCATA DE COAGULAÇÃO E NEUROINFLAMAÇÃO: PROCESSOS FISIOPATOLÓGICOS NA COVID-19

378

Isso melhoraria os resultados clínicos dos pacientes e

reduziria a carga atual sobre os sistemas de saúde,

enquanto se aguarda o desenvolvimento de vacinas

eficazes.

2. OBJETIVOS

Revisar os principais achados sobre

tempestades de citocinas, cascata de coagulação e

neuroinflamação, ressaltando os aspectos

fisiopatológicos na doença COVID-19.

3. MÉTODOS

Foi realizado um estudo de revisão bibliográfica

de caráter descritivo. O critério de exclusão utilizado

para esta revisão foram trabalhos que não

apresentassem o diagnóstico adequado para SARS-

CoV-2; idioma que não fosse inglês; ausência de

dados a serem extraídos, comentários ou cartas;

estudos caso controle; resultados redundantes e

casuísticas repetidas. Para isso, o total de 41 artigos

foram examinados nas plataformas digitais PubMed,

Google Scholar, MedRxiv, BioRxiv e publicações que

incluíram dados sobre a temática aqui abordada, tanto

para COVID‐19 ou doença similar SARS.

TEMPESTADE DE CITOCINAS, CASCATA DE COAGULAÇÃO E NEUROINFLAMAÇÃO: PROCESSOS FISIOPATOLÓGICOS NA COVID-19

379

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

4.1. Tempestade de Citocinas

As citocinas desempenham um papel importante

na imunopatologia contra infecções. No entanto,

respostas imunológicas desreguladas e/ou excessivas

podem causar danos tanto em células teciduais como

as próprias células do sistema imune. Por serem parte

essencial do processo inflamatório são produzidas por

diversas células imunológicas, incluindo os

macrófagos, células dendríticas, células assassinas

naturais (Natural Killer-NK) e os linfócitos T e B

(RAGAB et al., 2020; YE; WANG; MAO, 2020).

Três das citocinas pró-inflamatórias mais

importantes da resposta imune inata são IL-1, TNF-α

e IL-6. Macrófagos teciduais, mastócitos, células

endoteliais e epiteliais são a principal fonte dessas

citocinas durante a resposta imune inata. A

“tempestade de citocinas” resulta então de um

aumento agudo súbito nos níveis circulantes de

diferentes citocinas pró-inflamatórias, incluindo IL-1,

IL-6, IL-18, IFN-γ e TNF-α. Este aumento nas citocinas

resulta no influxo de várias células imunes, como

macrófagos, neutrófilos e células T da circulação para

o local da infecção com efeitos destrutivos no tecido

humano resultante da desestabilização da célula

TEMPESTADE DE CITOCINAS, CASCATA DE COAGULAÇÃO E NEUROINFLAMAÇÃO: PROCESSOS FISIOPATOLÓGICOS NA COVID-19

380

endotelial para as interações celulares, dano da

barreira vascular, capilar dano, dano alveolar difuso,

falha multiorgânica e, finalmente, morte (HUANG et al.,

2020; MAHMUDPOUR et al., 2020; YE; WANG; MAO,

2020; RAGAB et al.,2020)

A síndrome respiratória aguda grave (SRAG)

que leva a baixos níveis de saturação de oxigênio é

uma das principais causas de mortalidade na COVID-

19. Embora o mecanismo exato da SRAG em

pacientes com COVID-19 não seja totalmente

compreendido, a produção excessiva de citocinas pró-

inflamatórias é considerada um dos principais fatores

contribuintes (RAGAB et al., 2020).

Os estudos de que pacientes que agravaram da

COVID-19, sugerem que as respostas pró-

inflamatórias desempenham um papel na patogênese

desses vírus. Devido a regulação negativa na resposta

de células Th2, resposta imune Th1 (parcialmente)

inadequada e níveis elevados de expressão de

citocinas inflamatórias IL-1α, IL-1β, IL-8 e quimiocina

quimioatraente de neutrófilos (CXCL8) no trato

respiratório inferior de pacientes infectados por MERS-

CoV (ALOSAIMI et al., 2020).

Assim com SARS, MERS-CoV infecta células

epiteliais das vias aéreas, macrófagos derivados de

monócitos de sangue periférico humano e induz níveis

TEMPESTADE DE CITOCINAS, CASCATA DE COAGULAÇÃO E NEUROINFLAMAÇÃO: PROCESSOS FISIOPATOLÓGICOS NA COVID-19

381

elevados de citocinas pró-inflamatórias e quimiocinas

e são induzidos a produzir altas concentrações de

IFNs (SCHEUPLEIN et al., 2015; YE; WANG; MAO,

2020).

A produção de IFN é a resposta imune natural

chave contra infecções virais, e IFN-I é a molécula

chave que desempenha um papel antiviral nas fases

iniciais da infecção viral. A liberação tardia de IFNs nos

estágios iniciais da infecção por coronavírus dificulta a

resposta antiviral do corpo. Posteriormente, o rápido

aumento de citocinas e quimiocinas atraem muitas

células inflamatórias, como neutrófilos e monócitos,

resultando em infiltração excessiva das células

inflamatórias no tecido pulmonar e, portanto, lesão

pulmonar. Respostas desreguladas e/ou exageradas

de citocinas e quimiocinas por células infectadas com

SARS-CoV ou MERS-CoV podem desempenhar um

papel importante na patogênese dessas viroses (YE;

WANG; MAO, 2020).

O agravamento da doença por fatores

associados a tempestade de citocinas pode levar ao

risco de vida e requer internação em Unidade de

Terapia Intensiva (UTI). Caracterizada por uma

apresentação clínica de inflamação sistêmica

predominante, hiperferritinemia, instabilidade

hemodinâmica e falência de múltiplos órgãos, deve ser

TEMPESTADE DE CITOCINAS, CASCATA DE COAGULAÇÃO E NEUROINFLAMAÇÃO: PROCESSOS FISIOPATOLÓGICOS NA COVID-19

382

tratada imediatamente. O tratamento pode ser

realizado por terapias antivirais que podem ter como

alvo direto o vírus, as terapias anti-inflamatórias que

diminuem as respostas das citocinas são sugeridas

para diminuir a morbidade e a mortalidade em

pacientes com COVID-19 (RAGAB et al., 2020).

4.2 TRATAMENTO

Tocilizumabe (TCZ) é um anticorpo monoclonal

antagonista do receptor de IL-6 humano recombinante,

que impede a ligação da IL-6 ao seu receptor para

exercer a imunossupressão promovida pela IL-6.

Atualmente, o tocilizumabe é aplicado principalmente

em doenças autoimunes, como a artrite reumatoide e

tem um efeito terapêutico na tempestade de citocinas

induzida por infecção (SAHA et al., 2020; TANG et al.,

2020a; YE; WANG; MAO, 2020).

Relatos de caso mostraram que o TCZ é uma

abordagem de eficácia e segurança na COVID-19,

mesmo em pacientes com outras doenças, como

mieloma múltiplo, doença renal em estágio terminal ou

anemia falciforme (TANG et al., 2020a). Estudos

clínicos demonstraram que o tocilizumabe é eficaz no

tratamento de pacientes graves com lesões

pulmonares bilaterais extensas, que apresentam

níveis elevados de IL-6 (YE; WANG; MAO, 2020).

TEMPESTADE DE CITOCINAS, CASCATA DE COAGULAÇÃO E NEUROINFLAMAÇÃO: PROCESSOS FISIOPATOLÓGICOS NA COVID-19

383

A terapia com glicocorticoides é amplamente

utilizada entre pacientes em estado grave com outras

infecções por coronavírus (por exemplo, SARS,

MERS). Os corticosteroides são anti-inflamatórios

esteroidais comumente usados para suprimir a

inflamação. Durante a epidemia de SARS de 2003, os

corticosteroides foram o principal meio de

imunomodulação e levaram a melhorias precoces,

como redução da febre, alívio da infiltração de

radiação no pulmão e melhora da oxigenação (TANG

et al., 2020a; YE; WANG; MAO, 2020).

No entanto, ainda é controverso se os

corticosteroides são benéficos no tratamento de

pacientes graves com COVID-19 (SOY et al., 2020;

TANG et al., 2020a). Deve-se notar que altas doses

podem atrasar a eliminação do coronavírus devido à

imunossupressão (YE; WANG; MAO, 2020).

No entanto, as intervenções relatadas são ainda

experimentais para o uso em média ou grande escala

da população em geral, sendo necessários mais

estudos em relação ao manejo da tempestade de

citocinas e suas complicações em pacientes graves,

este tipo de tratamento na COVID-19, com o uso de

anticorpos monoclonais é de alto custo, o que

inviabiliza muitas vezes esta forma de tratamento.

TEMPESTADE DE CITOCINAS, CASCATA DE COAGULAÇÃO E NEUROINFLAMAÇÃO: PROCESSOS FISIOPATOLÓGICOS NA COVID-19

384

4.2 Cascata de coagulação: é possível que COVID-

19 seja principalmente uma doença cardíaca e

vascular.

A miocardite, uma doença inflamatória do

músculo cardíaco, é uma causa importante de

cardiomiopatia dilatada em todo o mundo. A infecção

viral também é uma causa importante de miocardite, e

o espectro de vírus conhecidos por causar miocardite

mudou nas últimas 2 décadas. Vários novos métodos

de diagnóstico, como a ressonância magnética

cardíaca, são úteis para o diagnóstico de miocardite

(ROSE, 2016).

A biópsia endomiocárdica pode ser usada para

pacientes com cardiomiopatia dilatada aguda

associada a comprometimento hemodinâmico,

aqueles com arritmia com risco de vida e aqueles cuja

condição não responde à terapia de suporte

convencional. Variáveis prognósticas importantes

incluem o grau de disfunção ventricular esquerdo e

direito, bloqueio cardíaco e formas histopatológicas

específicas de miocardite (ROSE, 2016).

Uma hipótese crescente de que SARS-CoV-2 seja

principalmente um vírus cardiovascular, e não

pulmonar está aumentando com diversos estudos. O

contexto em que as pessoas afetadas geralmente são

assintomáticas e têm doença muito leve ou nenhuma

TEMPESTADE DE CITOCINAS, CASCATA DE COAGULAÇÃO E NEUROINFLAMAÇÃO: PROCESSOS FISIOPATOLÓGICOS NA COVID-19

385

doença podem ser considerado na verdade uma

doença resultante que leva a miocardite, mas que

pode levar muitos anos para se manifestar (POLLACK

et al., 2015; REYNOLDS et al., 2020; PÉREZ-

BERMEJO et al., 2020).

A relação de complicações cardiovasculares com o

vírus SARS-CoV-2 estão presentes desde o início da

pandemia. Na China, 20% dos pacientes

hospitalizados pela COVID-19 desenvolveram

doenças cardíacas e tromboembolismo ocorreram em

31% dos pacientes na UTI (SHI et al., 2020). Na

Alemanha, em um estudo ainda em andamento, foi

relatado inflamação do miocárdio em 60% de 100

pacientes recentemente recuperados da COVID-19.

No entanto, a doença cardiovascular foi considerada

por muitos como uma manifestação de COVID-19

grave e não por infecção direta do vírus, mas sim por

doença de pequenos vasos causada pela

hipercoagulação do sangue (PUNTMANN et al., 2020).

Cardiomiócitos expressam a enzima conversora de

angiotensina 2 (ECA2), necessária para a entrada viral

nas células. Cardiomiócitos cultivados em células,

desenvolveram alterações específicas que

correspondiam às alterações observadas em

autópsias de pacientes com COVID-19. Sugerindo que

o vírus também pode atacar e destruir o coração

TEMPESTADE DE CITOCINAS, CASCATA DE COAGULAÇÃO E NEUROINFLAMAÇÃO: PROCESSOS FISIOPATOLÓGICOS NA COVID-19

386

diretamente, não apenas indiretamente com estresse

hemodinâmico, hipoxemia e trombose de pequenos

vasos (PÉREZ-BERMEJO et al., 2020).

Outro estudo realizado por Reynolds et al. (2020),

ofereceram uma explicação para o achado clínico de

que pacientes assintomáticos pela COVID-19 que não

apresentam sintomas pulmonares, mas ainda estão

com hipóxia, indicam que algo importante pode estar

ocorrendo. Foi observado que há uma desconexão

entre a troca gasosa e a mecânica pulmonar na

COVID-19. Ou seja, a oxigenação diminuída do

paciente não corresponde à capacidade do paciente

em respirar.

Em pacientes assintomáticos, foi traçado

semelhanças com o que é observado na síndrome

hepatopulmonar e, ao usar doppler com contraste, foi

observado a dilatação vascular pulmonar com

aumento do fluxo sanguíneo resultante, sugerindo que

a dilatação vascular pulmonar pode ser uma causa

significativa de hipoxemia em pacientes com

insuficiência respiratória causada pela COVID-19

(PÉREZ-BERMEJO et al., 2020).

Ou seja, pacientes considerados assintomáticos,

podem de fato estar realmente doentes. Uma porção

significativa deles pode desenvolver miocardite junto

com vasodilatação vascular com hipoxemia resultante.

TEMPESTADE DE CITOCINAS, CASCATA DE COAGULAÇÃO E NEUROINFLAMAÇÃO: PROCESSOS FISIOPATOLÓGICOS NA COVID-19

387

Este processo patológico pode ser mais significativo

do que os efeitos pulmonares do vírus, uma vez que

está presente tanto em pacientes sintomáticos quanto

assintomáticos. Podendo explicar os sintomas

observados de fadiga e confusão mental que

determinados grupos de pacientes tiveram na doença

que inicialmente foi leve (PÉREZ-BERMEJO et al.,

2020).

4.2.1 Mecanismos patogênicos em SARS: O que

aprendemos?

Evidências de surtos epidêmicos anteriores

documentaram que em pacientes com SARS-CoV-1,

diversos genes com efeito pró-coagulante altamente

expresso nas células mononucleares infectadas como

receptor Toll-like 9 (TLR9). Expresso em plaquetas, o

TLR9 mediante ligação ao ligante, promove a ativação,

desgranulação e agregação plaquetária (GIANNIS;

ZIOGAS; GIANNI, 2020).

Estudos em modelo animal para SARS-CoV,

demonstraram que a expressão de genes pró-

coagulantes (trombina, VII, XI, XII), expressão de

ativadores do plasminogênio e desregulação da via da

uroquinase foram associadas à infecção fatal por

SARS-CoV. O SARS-CoV e o SARS-CoV-2

compartilham até 85% da identidade genômica e

TEMPESTADE DE CITOCINAS, CASCATA DE COAGULAÇÃO E NEUROINFLAMAÇÃO: PROCESSOS FISIOPATOLÓGICOS NA COVID-19

388

ambos utilizam o mesmo receptor, a enzima ECA2,

para entrar nas células-alvo (GRALINSKI, BARIC,

2015; PERROTTA et al., 2020). Devido porcentagem

altamente homóloga, é esperado que ocorram

aspectos clínicos e imunopatológicos semelhantes.

Contudo, pode existir diferenças e é necessário

cautela ao extrapolar dados de SARS para COVID-19

Tanto nos casos de SARS como COVID-19, um

desarranjo do sistema renina angiotensina-

aldosterona é observado, que está intrinsecamente

ligado à cascata de coagulação e pode exacerbar o

processo de trombose imunológica, conduzindo ao

aumento da formação de microtrombos na COVID-19.

A angiotensina II (AngII) induz a expressão do inibidor

de ativação do plasminogênio tipo 1 (PAI-1) pelas

células endoteliais via receptor AT1, contribuindo para

um desequilíbrio PAI-1/tPA e um estado

hipercoagulativo (GOYAL et al., 2020).

E da mesma forma, é observado que a AngII estimula

a liberação de PAI-1 em adipócitos por meio dos

receptores AT1 e pode em parte, ser responsável pelo

aumento da gravidade observada nos casos com o

índice IMC alto. Além disso, a ECA metaboliza a

bradicinina, que finalmente estimula a vasodilatação e

liberação de PAI-1 das células endoteliais (GOYAL et

al., 2020). No entanto, mais estudos são necessários

TEMPESTADE DE CITOCINAS, CASCATA DE COAGULAÇÃO E NEUROINFLAMAÇÃO: PROCESSOS FISIOPATOLÓGICOS NA COVID-19

389

para elucidar o papel da fisiopatologia da coagulação

podendo auxiliar no tratamento e melhora no

prognóstico da COVID-19.

4.2.2 Implicações para o manejo clínico e terapêutico

As melhores práticas para o tratamento de miocardites

atualmente precisam ser extrapoladas de experiências

anteriores não-COVID-19 e dos dados atuais de

COVID-19. Terapias experimentais que tentam limitar

a replicação do SARS-CoV-2 ou a resposta imune

estão em ensaios clínicos em andamento. Entretanto,

ainda não há terapias com eficácia clinicamente

comprovada para COVID-19 ou para tratamento de

miocardites causada por vírus especificamente

(HENDREN et al., 2020).

Estratégias terapêuticas como terapia

imunomoduladora, no caso de imunoadsorção de

anticorpos, tem sido utilizado. Alguns estudos já

relataram que a imunoadsorção em pacientes com

cardiomiopatia dilatada demonstrou melhorar a função

sistólica do ventrículo esquerdo e os níveis de

biomarcadores de insuficiência cardíaca, reduzir a

inflamação miocárdica e melhorar parâmetros

hemodinâmicos importantes, incluindo resistência

vascular sistêmica e índices de débito cardíaco

(POLLACK et al., 2015).

TEMPESTADE DE CITOCINAS, CASCATA DE COAGULAÇÃO E NEUROINFLAMAÇÃO: PROCESSOS FISIOPATOLÓGICOS NA COVID-19

390

Já nos distúrbios de coagulação encontrados em

pacientes com COVID-19 um estudo retrospectivo de

Tang et al.(2020b), analisaram 449 pacientes

classificados com COVID-19 grave, comparando a

mortalidade em 28 dias entre usuários de heparina, 99

dos quais 94 receberam heparina de baixo peso

molecular, HBPM (40-60 mg enoxaparina/dia) e 5

receberam heparina não fracionada, HNF (10.000-

15.000 U/dia), por 7 dias ou mais e controles não

usuários. A mortalidade em 28 dias também foi

avaliada de acordo com o risco de coagulopatia.

Quando os pacientes foram estratificados de acordo

com os níveis de dímero-D, a mortalidade em usuários

de heparina basicamente permaneceu no mesmo

nível, mas em não usuários a mortalidade aumentou

proporcionalmente com os níveis de dímero-D.

Quando o dímero-D excedeu 3μg/ml (6 vezes do limite

superior normal), foi encontrada redução de

aproximadamente 20% na mortalidade com o

tratamento com heparina (32,8%; 52,4%, p = 0,017).

A heparina inibe a ativação e função dos neutrófilos

além de neutralizar a expressão de mediadores

inflamatórios que iniciam e conduzem a ativação do

sistema imune inato por meio da redução da

translocação do fator de transcrição nuclear kappa-

beta (NF-κß) do citoplasma para o núcleo; da mesma

TEMPESTADE DE CITOCINAS, CASCATA DE COAGULAÇÃO E NEUROINFLAMAÇÃO: PROCESSOS FISIOPATOLÓGICOS NA COVID-19

391

forma, níveis reduzidos de TNF-α, IL-6, IL-8 e IL-1ß

são observados (POTERUCHA et al., 2017).

Uma vez que a ativação da coagulação também

contribui para a compartimentação de patógenos e

reduz sua invasão, o tratamento com anticoagulantes

em pacientes sem coagulopatia significativa tem um

risco potencial. Portanto, os anticoagulantes não

devem ser estendidos a todos os pacientes com

COVID-19, mas apenas àqueles que atendem aos

critérios dos perfis de risco trombótico e hemorrágico

e de dímero-D elevado.

4.3 Neuroinflamação nas doenças infecciosas

As pontes que formam o Sistema Nervoso e o Sistema Imune

são amplamente estudadas, tanto em condições de homeostase,

quanto em desordens homeostáticas, tais como em infecções virais

e doenças autoimunes. Neste contexto, o acionamento de uma

resposta protetiva com característica inflamatória tem a finalidade de

promover o papel defensivo contra diversos estímulos como

patógenos e toxinas (LI et al. 2019).

As respostas imunológicas periféricas frente a um desafio são

previamente não específicas, desenvolvida pelo reconhecimento por

células da imunidade inata, as quais podemos citar, macrófagos,

células NK, neutrófilos, mastócitos entre outras, estimulando uma

resposta de caráter inflamatório que em paralelo ativa células da

imunidade adaptativa possuidoras de especificidade contra o

estímulo, como os linfócitos T e B, a fim de promover a depuração do

evento patológico. A recíproca interação do sistema imune com o

TEMPESTADE DE CITOCINAS, CASCATA DE COAGULAÇÃO E NEUROINFLAMAÇÃO: PROCESSOS FISIOPATOLÓGICOS NA COVID-19

392

microambiente neuronal estabelece uma relação harmônica

favorecendo a defesa imunológica (TOHIDPOUR et. al 2017).

No Sistema Nervoso Central (SNC) as células imunes

residentes predominantemente são as micróglias e os astrócitos,

ambas as populações contribuem sinergicamente para a homeostase

tecidual do SNC e funcionamento ideal do cérebro. A micróglia exerce

funções biológicas como imunovigilância neuronal, rápidas respostas

ao dano tecidual além do desenvolvimento de progenitores

neuronais. Os astrócitos são células imunocompetentes que

apresentam duas vias distintas de resposta a depender do ambiente

e contexto, a via caracterizada por um perfil regulador, e uma via

caracterizada por um perfil pró-inflamatório. É evidente o papel crucial

destas populações celulares no protagonismo da atividade protetiva

do CNS, entretanto a depender do microambiente neuronal sua

atividade pode ser agravada, tendenciado a uma resposta aberrante

(COLOMBO; FARINA, 2016; NORRIS; KIPNIS, 2019).

O Sistema Nervoso Central pode ser susceptível a entrada de

alguns agentes infecciosos de origem viral, denominados de vírus

neurotróficos, em adição, a ruptura da homeostase acarretada por um

processo infeccioso pode promover um ambiente capaz de induzir

uma resposta imune descontrolada. Os vírus podem utilizam de

algumas estratégias evasivas para adentrar ao tecido do SNC, uma

dessas estratégias é o rompimento da camada que protege o tecido

nervoso do SNC, a barreira hematoencefálica, uma estrutura formada

por multicamadas de células endoteliais justapostas e células

imunológicas como os astrócitos. A capacidade de alteração das

características das células endoteliais é efetuada através da

modulação infecciosa que promove o aumento de citocinas e

quimocinas, e de proteínas acessórias, como proteínas de junção e

de adesão, que de modo direto aumenta a permeabilidade da célula

(MCGAVERN; KANG, 2011; KOYUNCU; HOGUE; ENQUIST, 2013.)

TEMPESTADE DE CITOCINAS, CASCATA DE COAGULAÇÃO E NEUROINFLAMAÇÃO: PROCESSOS FISIOPATOLÓGICOS NA COVID-19

393

Uma vez que o potencial vírus consegue invadir o córtex

cerebral, promove a liberação de padrões moleculares, como DNA ou

RNA viral, que são reconhecidos por receptores toll-like expresso nas

células micróglias. Nessa situação patológica aguda, a micróglia

reativa libera citocinas características pró-inflamatórias levando a

depuração do agente infeccioso viral, desempenhando um papel

substancial no processo de neuroinflamação. Em uma condição

infecciosa crônica, essa ativação prolongada e persistente decorrente

da infecção, ativa de modo contínuo a liberação de fatores pró-

inflamatórios, acarretando um processo inflamatório acima do basal

no SNC e disfunção neuronal (LI, et. al. 2019).

A utilização de rotas virais intracelulares também pode

acometer os neurônios dos sistemas sensitivos, de modo que o vírus

possa ser propagado no tecido nervoso. Os vírus utilizam as células

epiteliais do sistema olfatório periférico para chegar aos terminais

nervosos axonais dos neurônios do bulbo olfatório e assim invadir o

córtex cerebral. Como diversas células periféricas do sistema imune

podem migrar para o SNC, os vírus também usufruem dessas

habilidades celulares com a finalidade de ultrapassar a barreira

hematoencefálica e produzir efeitos no córtex cerebral (MCGAVERN;

KANG, 2011; MANGLANI; MCGAVERN, 2018).

O atual conhecimento sobre o potencial neurotrófico do

SARS-CoV-2 ainda permanece insuficiente, entretanto, em um

estudo MAO et al. (2020), identificaram sintomas como dor de

cabeça, anosmia, ageusia, consciência prejudicada, convulsão e

encefalopatia em 36,4% dos pacientes infectados pelos novo

coronavírus emergente. Os significativos danos cerebrais associados

a alterações no paladar e olfato na COVID-19 pode sugerir um

potencial neuro mecanismo de invasão, baseados em estudos

anteriores com MERS-CoV e SARS-CoV e outros coronavírus, foi

relatado a presença de partículas virais em neurônios cerebrais (LI et

al., 2016).

TEMPESTADE DE CITOCINAS, CASCATA DE COAGULAÇÃO E NEUROINFLAMAÇÃO: PROCESSOS FISIOPATOLÓGICOS NA COVID-19

394

A via neuroimune tem funcionalidade bidirecional,

respondendo tanto aos estímulos decorrentes da região periférica,

quanto estimulando esta área por meio de moléculas liberadas. Uma

vez que esses mediadores inflamatórios são produzidos e

reconhecidos, as células podem adotar uma característica hiper-

responsiva com efeitos inflamatórios sistêmicos (DOSSANTOS et. al.

2020).

5. CONCLUSÕES

Em resumo, a infecção pelo novo tipo de coronavírus

causa uma tempestade inflamatória de citocinas nos

pacientes. A tempestade de citocinas leva à SRAG ou

insuficiência extrapulmonar de múltiplos órgãos e é um

fator importante que causa a exacerbação da COVID-

19 ou mesmo a morte. O gatilho para a tempestade de

citocinas é uma resposta imune descontrolada que

resulta em ativação e expansão contínuas de células

imunes, linfócitos e macrófagos, que produzem

quantidades imensas de citocinas. Os achados

clínicos da tempestade de citocinas são atribuídos à

ação de citocinas pró-inflamatórias como IL-1, IL-6, IL-

18, IFN-γ e TNF-α.

Os estudos que ressaltam a extrema importância

de testagens preventivas da infecção e identificação

de portadores assintomáticos da COVID-19 devem

continuar incluindo a população jovem. As

TEMPESTADE DE CITOCINAS, CASCATA DE COAGULAÇÃO E NEUROINFLAMAÇÃO: PROCESSOS FISIOPATOLÓGICOS NA COVID-19

395

preocupações em relação às consequências desse

vírus a longo prazo são crescentes, como no caso de

complicações vasculares e miocardites. O mecanismo

fisiopatológico exato do tromboembolismo induzido

pela SARS-CoV-2 precisa ser mais estudado para

fornecer bases biológicas para melhorar a terapia

clínica com anticoagulantes.

Atualmente o conhecimento acerca do perfil

neuroinvasivo do SARS-CoV-2 permanece incerto,

haja vista as lacunas existentes por se tratar de uma

infecção viral emergente. Em comparação com outros

coronavírus, o SARS-CoV-2 pode ter capacidade

neurotrófica e neuro inflamatória por desencadear

imunidade reativa através da micróglia e astrócitos no

córtex cerebral e estimular a produção de fatores com

características pró-inflamatória. Contudo, são

necessários mais estudos para a real compreensão

desse processo.

TEMPESTADE DE CITOCINAS, CASCATA DE COAGULAÇÃO E NEUROINFLAMAÇÃO: PROCESSOS FISIOPATOLÓGICOS NA COVID-19

396

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AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem aos órgãos de fomento: Fundação de apoio

a Pesquisa da Paraíba-Fapesq/PB, à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior- CAPES pelo suporte financeiro e a Universidade Federal da Paraíba pela infraestrutura necessária para a realização deste trabalho.

TEMPESTADE DE CITOCINAS, CASCATA DE COAGULAÇÃO E NEUROINFLAMAÇÃO: PROCESSOS FISIOPATOLÓGICOS NA COVID-19

399

CIÊNCIAS BIOLÓGICAS - MICROBIOLOGIA

ANÁLISE FITOQUÍMICA E ATIVIDADE ANTIBACTERIANA DE EMBIRATANHA (PSEUDOBOMBAX MARGINATUM)

400

CAPÍTULO 19

ANÁLISE FITOQUÍMICA E ATIVIDADE ANTIBACTERIANA DE EMBIRATANHA

(PSEUDOBOMBAX MARGINATUM)

Maria Isabela Ferreira de Araújo 1

Izaqueu Rodrigues da Silva 2

Raquel Bezerra da Silva 3

Amanda Regis de Sena 4

Tonny Cley Campos leite 5 1 Doutoranda em Ciências Biológicas, UFPE; 2 Graduando em Licencitura em Química/ IFPE;

3 Graduanda em Licenciatura em Ciências Biológicas, UFPB; 4 Professora do Instituto Federal de Educação, Ciências e Tecnologia de Pernambuco (IFPE); Professor/Orientador do Instituto

Federal de Educação, Ciências e Tecnologia de Pernambuco (IFPE) 4. [email protected]

RESUMO: A multirresistência desencadeada pelos microrganismos possibilitou o surgimento de novas perspectivas no campo de pesquisa de produtos naturais, entre essas está a Pseudobombax marginatum, cuja prospecção fitoquímica e atividade microbiana foram avaliadas nesse estudo. Foi determinado o perfil fitoquímico de extrato hexânico (Hex), acetato de etila (AcOEt), metanólico (MeOH) e aquoso das folhas de Embiratanha por cromatografia em camada delgada (CCD), e análises espectrofotometrica. A concentração inibitória mínima (MIC) foi avaliada por microdiluição. A concentração microbicina mínima (CMM) dos extratos foi determinada pela técnica de esgotamento a partir de alíquotas dos extratos que apresentaram MIC. A análise do perfil fitoquímico identificou esteroides, flavonoides, taninos e triterpenos nos extratos hexânico (Hex), acetato de etila (AcOEt), metanólico (MeOH) e aquoso, com exceção verificada com o triterpeno na triagem fitoquimica, na qual não foi detectado nos extratos mencionados. O MIC e MBC para

ANÁLISE FITOQUÍMICA E ATIVIDADE ANTIBACTERIANA DE EMBIRATANHA (PSEUDOBOMBAX MARGINATUM)

401

Micrococcus luteus (ATCC 06), Enterococcus faecalis (ATCC 138) submetido ao extrato de Hex foram de 1 mg/mL, 0.5 mg/mL, respectivamente, as cepas de Staphylococcus aureus padrão (ATCC 01) e clínica (NCCLS 700) a CIM foi 1 mg/mL e a CBM 2 mg/mL, M. luteus (ATCC 06) e E. faecalis (ATCC138) submetidos ao extrato adquirido com o solvente AcoEt foram sensíveis na concentração 1 mg/mL. Portanto, a Embiratanha é composta por classes diversas de metabólitos secundários, além apresentar-se bactericida para as cepas utilizadas neste estudo. Palavras-chave: Pseudobombax marginatum. Métabolitos secundários. Fitoquímica. Antibacterianos.

INTRODUÇÃO

A introdução de diversas classes de antibióticos durante

processos infecciosos contribui para o surgimento de

microrganismos com elevados parâmetros de seletividade

(WESTHOFF et al., 2017). A resistência a múltiplas drogas

(MDR) está relacionada a fatores como alterações na absorção,

eliminação e inativação enzimática dos fármacos (VELÁSQUEZ

et al, 2020).

Tais parâmetros reforçam a necessidade de estudos

voltados a esses patógenos e introduzem a ascensão de novas

perspectivas farmacológicas, dentre as quais o uso de plantas

medicinais, capazes de promover reorganização molecular e

ação contra microrganismos (KUPPUSAMY et al., 2016).

Nesse âmbito, se encontra os vegetais inseridos na

família Malvaceae, subdividida em 30 gêneros e 290 espécies

distribuídas pelo mundo. Dentre as quais destaca-se a

Pseudobombax marginatum conhecida popularmente como

Embiratanha (DIÓRGENES, et al. 2019), Paineira-imbiriçu,

ANÁLISE FITOQUÍMICA E ATIVIDADE ANTIBACTERIANA DE EMBIRATANHA (PSEUDOBOMBAX MARGINATUM)

402

Sumaúma, Imbiruçu (PAIVA, 2013). Explorada para fins

farmacológicos no tratamento de problemas intestinais,

infecciosos, inflamatórios e alergias (ALMEIDA; OLIVEIRA;

FALCÃO, 2015).

Os metabólitos secundários, como os flavonoídes,

alcaloides, terpenos dentre outros, produzidos pela

Embiratanha impulsionam benefícios fisiológicos, efeito

antioxidante, manutenção celular, atividade anti-inflamatória,

além de auxiliar na prevenção do câncer (TIWARI; RANA,

2015), quando introduzidos no organismo (MENEZES et al.,

2015). Tais compostos bioativos interagem sinergicamente,

apresentando potencial anticâncer e antioxidante, além de,

permitir a inibição de cepas bacterianas de interesse clínico

(VASUDEVAN; ARULMOORTHY; SURESH, 2020).

Neste contexto, sabendo-se da importância da

descoberta de produtos naturais com efeitos terapêuticos, o

objetivo do trabalho é determinar o perfil fotoquímico das

folhas de P.marginatum, bem como verificar a suscetibilidade

de diferentes cepas bacterianas frente a extratos obtidos da

referida matéria prima.

MATERIAIS E MÉTODO

MATERIAL VEGETAL

As folhas de Pseudobombax marginatum foram

coletadas na Zona Rural do município de São José do Egito –

Pernambuco, Brasil, entre os meses de abril e maio de 2018.

Coletou-se 2 Kg do material fresco, em seguida, essa amostra

foi seca em estufa de 40 °C durante quadro dias e moída em

moinho elétrico do tipo Willey, obtendo-se uma farinha fina que

ANÁLISE FITOQUÍMICA E ATIVIDADE ANTIBACTERIANA DE EMBIRATANHA (PSEUDOBOMBAX MARGINATUM)

403

foi estocada em recipientes hermeticamente fechados

vedados e utilizada para análises posteriores.

PREPARAÇÃO DOS EXTRATOS

Para extração dos metabólitos secundários presentes

nas folhas de Embiratanha, foram utilizadas diferentes

soluções extratoras: hexano (Hex), acetato de etila (AcOEt) e

metanol (MeOH). Produziram os extratos: hexânico (Hex, 2g),

acetato de etila (AcOEt, 3g) e metanólico (MeOH, 10g).

PERFIL FITOQUÍMICO

O perfil fotoquímico foi realizado segundo Wagner e

Bladt (2001). Os extratos foram aplicados em da placa de sílica

e, posteriormente colocados em cuba cromatográfica com os

eluentes. Posteriormente as placas foram aspergidas com os

reveladores específicos para cada classe de composto (Tabela

1). Os aspectos visíveis foram observados, usando os

comprimentos de onda de 254 nm e 365 nm. A mudança de cor

visível e da radiação ultravioleta (UV) é indicativo da

positividade da reação.

Tabela 1. Classe de compostos químicos e reveladores

CLASSES REVELADOR COLORAÇÃO UV/VIS

Alcaloides Dragendorff Laranja VIS

Mayer Branco VIS

Wagner Marrom VIS

Antraquinonas KOH 5% Laranja-avermelhadas UV/VIS

Cumarinas KOH 5% Verde-azuladas UV/VIS

Flavonoides AlCl3 Amarelo-esverdeado UV

Anisaldeído-

sulfúrico

Amarelo VIS

Sulfato cérico Amarelo VIS

ANÁLISE FITOQUÍMICA E ATIVIDADE ANTIBACTERIANA DE EMBIRATANHA (PSEUDOBOMBAX MARGINATUM)

404

AlCl3: cloreto de alumínio, FeCl3: cloreto férrico, KOH: hidróxido de

potássio.

TRIAGEM FITOQUÍMICA

Seguindo a metodologia de Silva et al. (2019), o extrato foi

submetido à análise fotoquímica qualitativa para detecção das

principais classes de metabólitos secundários.

ATIVIDADE ANTICROBIANA

MICRORGANISMOS

As linhagens de bactérias e fungos leveduriformes

utilizados foi obtida a partir da coleção de Microrganismos do

Departamento de Antibióticos da Universidade Federal de

Pernambuco (UFPEDA). Para este ensaio foram utilizadas

quatro bactérias gram-positivas: Staphylococcus aureus

(UFPEDA 01), Micrococcus luteus (UFPEDA 06), Bacillus

subtilis (UFPEDA 16), e Enterococcus faecalis (UFPEDA 138);

três bactérias gram-negativas: Escherichia coli (UFPEDA 224),

uma álcool-ácido-resistente: Mycobcterium smegmatis

(UFPEDA 71) e uma cepa clínica Staphylococcus aureus

(NCCLS 700).

Óleos

essenciais

Anisaldeído

sulfúrico

Vermelho-

amarronzadas

VIS

Terpenoides Liebermann-

Burchad

Rosa/roxo: triterpenos,

Azul/verde: esteroides

VIS

Vanilina-sulfúrica Roxo: terpenos VIS

Taninos FeCl3 Preto VIS

ANÁLISE FITOQUÍMICA E ATIVIDADE ANTIBACTERIANA DE EMBIRATANHA (PSEUDOBOMBAX MARGINATUM)

405

INÓCULO

As suspensões foram preparadas a partir de culturas

bacterianas recentes semeadas em Ágar Nutriente (NA) e

incubadas a 35±2°C durante 24-48h. Após a incubação, foi

transferida cerca de 4-5 colônias de bactérias (com uma alça

microbiológica estéril) para tubos de ensaios contendo 5.0 mL

de solução salina estéril (NaCl 0.85%). As suspensões

resultantes foram agitadas durante 15 segundos com o auxílio

de um aparelho Vortex (Fanem Ltd., Guarulhos, SP, Brasil). A

turbidez do inoculo final foi normalizada utilizando uma

suspensão de sulfato de bário (tubo 0.5 na escala de

McFarland). A concentração final obtida foi de 1-5 × 108

unidades formadoras de colônias por mililitros (UFC/mL)

(ARAUJO et al., 2017).

CONCENTRAÇÃO INIBITÓRIA MÍNIMA (CIM) E

CONCENTRAÇÃO BACTERICIDA MÍNIMA (CBM)

A determinação da Concentração Inibitória Mínima

(CIM) e Concentração Bactericida Mínima (CBM) seguiram a

metodologia de (INGROFF et al., 2002). Estas medidas foram

determinadas utilizando placas com 96 poços estéreis,

próprias para microdiluição.

Inicialmente adicionou-se em cada poço 90 µL do meio

Caldo Muller Hinton (CMH) e posteriormente a partir da terceira

coluna (A3) 90 µL do extrato na concentração de 16 mg/mL

esta alíquota foi homogeneizada e transferida para a quarta

coluna (A4) e assim por diante até a décima segunda coluna

(A12) que recebe o extrato na concentração de 0,03 mg/mL,

neste último a alíquota (90 µL) depois de homogeneizada é

ANÁLISE FITOQUÍMICA E ATIVIDADE ANTIBACTERIANA DE EMBIRATANHA (PSEUDOBOMBAX MARGINATUM)

406

descartada. Por último foi adicionada uma alíquota de 10 µL

da suspensão do microrganismo.

As placas com o meio, extrato e microrganismo foram

incubadas por 24 horas (37º C) para bactérias e 48 horas (28º

C) para leveduras. Posteriormente foi adicionada 30 µL de

Rezasurina para análise quantitativa do crescimento

microbiano nos poços de ensaio e determinação da atividade

antimicrobiana relativa de cada diluição das amostras. Para a

determinação da Concentração Mínima Bactericida (CBM) foi

repicada uma alíquota de 5 µL, das concentrações que

apresentaram atividade na placa do CIM, em placas de Petri

contendo Ágar Mueller Hinton (AMH). Ao mesmo tempo, os

controles foram feitos para a viabilidade bacteriana e para a

suscetibilidade ao antibiótico padrão cloranfenicol (100UI /

mL). As placas foram incubadas a 35 ± 2° C durante 24 horas.

Após o tempo de incubação apropriado, a presença (ou

ausência) de crescimento foi observada visualmente, por meio

da formação de aglomerados celulares ou “botões” nos poços,

sugestivo de positividade. A CBM foi considerada a menor

concentração do extrato onde não houve crescimento celular

sobre a superfície do AMH.

RESULTADOS

ANÁLISE FITOQUÍMICA

PERFIL FOTOQUÍMICO

O perfil e triagem fitoquímica das folhas do vegetal foram

realizados, permitindo a detecção dos principais metabolitos

secundários (Tabela 2 e 3).

ANÁLISE FITOQUÍMICA E ATIVIDADE ANTIBACTERIANA DE EMBIRATANHA (PSEUDOBOMBAX MARGINATUM)

407

Tabela 2. Perfil fitoquímico das folhas de P. margjnatim

Hex AcOEt MeOH Aquoso

Alcaloides - - - -

Esteroides + - - -

Flavonoides - + + +

Taninos - - + +

Triterpenos + + - -

(-): Não detectado; (+): Detectado.

Tabela 3. Triagem fitoquímico das folhas de P. margjnatim

Hex AcOEt MeOH Aquoso

Alcaloides - - - -

Esteroides + - - -

Flavonoides - + + +

Taninos - - + +

Triterpenos - - - -

(-): Não detectado; (+): Detectado;

ATIVIDADE BIOLÓGICA

ATIVIDADE BACTERIANA

As concentrações da CIM e CBM para M. luteus (ATCC

06), E. faecalis (ATCC 138) e E. coli (ATCC 224) para o extrato

de Hex foram de 1 mg/mL, 0.5 mg/mL e 2 mg/mL,

respectivamente, para as cepas de S. aureus padrão (ATCC 01)

e clínica (NCCLS 700) a CIM foi 1 mg/mL e a CBM 2 mg/mL

(Tabela 4 e 5).

ANÁLISE FITOQUÍMICA E ATIVIDADE ANTIBACTERIANA DE EMBIRATANHA (PSEUDOBOMBAX MARGINATUM)

408

Tabela 4. Valores da CIM (mg/mL) do extrato hexânico contra

as cepas bacterianas

Cepa/

Tratamento

ATCC

01

ATCC

06

ATCC

138

ATCC

224

ATCC

71

NCCLS

700

16mg/mL + + + + + +

8mg/mL + + + + + +

4mg/mL + + + + + +

2mg/mL + + + + - +

1mg/mL + + + - - +

0.5mg/mL - - + - - -

0.25mg/mL - - - - - -

Controle

negativo

- - - - - -

Controle

Positivo

+ + + + + +

ATCC01: S. aureus; ATCC06: M. luteus; ATCC138: E. faecalis; ATCC224: E. coli; ATCC71: M. smegmatis; NCCLS700: S. aureus. (+) inibição (-) não

inibição.

Tabela 5. Valores da CBM (mg/mL) do extrato hexânico contra

as cepas bacterianas

Cepa/

Tratamento

ATCC

01

ATCC

06

ATCC

138

ATCC

224

ATCC

71

NCCLS

700

16mg/mL + + + + + +

8mg/mL + + + + + +

4mg/mL + + + + - +

2mg/mL + + + + - +

1mg/mL - + + - - -

0.5mg/mL - - + - - -

0.25mg/mL - - - - - -

Controle

negativo

- - - - - -

Controle

Positivo

+ + + + + +

ANÁLISE FITOQUÍMICA E ATIVIDADE ANTIBACTERIANA DE EMBIRATANHA (PSEUDOBOMBAX MARGINATUM)

409

ATCC01: S. aureus; ATCC06: M. luteus; ATCC138: E. faecalis; ATCC224: E. coli; ATCC71: M. smegmatis; NCCLS700: S. aureus. (+) inibição (-) não

inibição.

Os microorganismos M. luteus (ATCC 06) e E. faecalis

(ATCC 138) incubados ao extrato adquirido com o solvente

AcoEt, apresentaram CIM e CBM de 1 mg/mL, em contrapartida

S. aureus (ATCC 01) e E. coli (ATCC 224) obtiveram CIM 1

mg/mL e CBM 2 mg/mL, para M. smegmatis (ATCC 71) e S.

aureus (NCCLS 700) tais concentrações foram 2 mg/mL e 4

mg/mL, respectivamente (Tabela 6 e 7).

Tabela 6. Valores da CIM (mg/mL) do extrato de acetato de etila

contra as cepas bacterianas

Cepa/

Tratamento

ATCC

01

ATCC

06

ATCC

138

ATCC

224

ATCC

71

NCCLS

700

16mg/mL + + + + + +

8mg/mL + + + + + +

4mg/mL + + + + + +

2mg/mL + + + + + +

1mg/mL + + + + - -

0.5mg/mL - - - - - -

0.25mg/mL - - - - - -

Controle

negativo

- - - - - -

Controle

Positivo

+ + + + + +

ATCC01: S. aureus; ATCC06: M. luteus; ATCC138: E. faecalis; ATCC224: E. coli; ATCC71: M. smegmatis; NCCLS700: S. aureus. (+) inibição (-) não

inibição.

ANÁLISE FITOQUÍMICA E ATIVIDADE ANTIBACTERIANA DE EMBIRATANHA (PSEUDOBOMBAX MARGINATUM)

410

Tabela 7. Valores da CBM (mg/mL) do extrato de acetato de

etila contra as cepas bacterianas

Cepa/

Tratamento

ATCC

01

ATCC

06

ATCC

138

ATCC

224

ATCC

71

NCCLS

700

16mg/mL + + + + + +

8mg/mL + + + + + +

4mg/mL + + + + + +

2mg/mL + + + + - -

1mg/mL - + + - - -

0.5mg/mL - - - - - -

0.25mg/mL - - - - - -

Controle

negativo

- - - - - -

Controle

Positivo

+ + + + + +

ATCC01: S. aureus; ATCC06: M. luteus; ATCC138: E. faecalis; ATCC224: E. coli; ATCC71: M. smegmatis; NCCLS700: S. aureus. (+) inibição (-) não

inibição.

Os testes realizados com o extrato metanólico

apresentaram discrepância nos valores obtidos, S. aureus

(ATCC 01) e M. smegmatis (ATCC 71) expressaram CIM e

CBM de 4mg/mL e 8mg/mL, de modo respectivo, para E.

faecalis (ATCC138) a CIM foi 1 mg/mL e CBM 2 mg/mL, tanto

M. luteus (ATCC 06) como S. aureus (NCCLS 700) obtiveram

CIM de 2 mg/mL, e a CBM 4 mg/mL e 2 mg/mL,

respectivamente, a E. coli (ATCC 224) mostrou CIM e CBM de

4 mg/mL (Tabela 8 e 9).

ANÁLISE FITOQUÍMICA E ATIVIDADE ANTIBACTERIANA DE EMBIRATANHA (PSEUDOBOMBAX MARGINATUM)

411

Tabela 8. Valores da CIM (mg/mL) do extrato metanólico contra

as cepas bacterianas

Cepa/

Tratamento

ATCC

01

ATCC

06

ATCC

138

ATCC

224

ATCC

71

NCCLS

700

16mg/mL + + + + + +

8mg/mL + + + + + +

4mg/mL + + + + + +

2mg/mL - + + - - +

1mg/mL - - + - - -

0.5mg/mL - - - - - -

0.25mg/mL - - - - - -

Controle

negativo

- - - - - -

Controle

Positivo

+ + + + + +

ATCC01: S. aureus; ATCC06: M. luteus; ATCC138: E. faecalis; ATCC224: E. coli; ATCC71: M. smegmatis; NCCLS700: S. aureus. (+) inibição (-) não

inibição.

Tabela 9. Valores da CBM (mg/mL) do extrato metanólico

contra as cepas bacterianas

Cepa/

Tratamento

ATCC

01

ATCC

06

ATCC

138

ATCC

224

ATCC

71

NCCLS

700

16mg/mL + + + + + +

8mg/mL + + + + + +

4mg/mL - + + + - +

2mg/mL - - + - - +

1mg/mL - - - - - -

0.5mg/mL - - - - - -

0.25mg/mL - - - - - -

Controle

negativo

- - - - - -

ANÁLISE FITOQUÍMICA E ATIVIDADE ANTIBACTERIANA DE EMBIRATANHA (PSEUDOBOMBAX MARGINATUM)

412

Controle

Positivo

+ + + + + +

ATCC01: S. aureus; ATCC06: M. luteus; ATCC138: E. faecalis; ATCC224: E. coli; ATCC71: M. smegmatis; NCCLS700: S. aureus. (+) inibição (-) não

inibição.

DISCUSSÃO

A resistência desenvolvida pelos patógenos a múltiplas

drogas ocorre de forma progressiva como resultado da meia-

vida dos medicamentos ou devido à distribuição espacial das

drogas, permitindo que, apenas em determinadas regiões do

organismo um subconjunto de fármacos alcance o nível

terapêutico (MORENO-GAMEZ et al., 2015; BAYM; STONE;

KISHONY, 2016).

Esses fatores reforçam a necessidade de estudos

voltados a agentes multirresistentes, além de contribuir para a

ascensão de novas perspectivas farmacológicas (AHMED et al.,

2017), dentre as quais o uso de plantas medicinais, que possuem

compostos bioativos, capazes de promover alterações

fisiológicas no organismo (NAIK; AL–KHAYRI, 2016; YUE et al.,

2016).

A presunção dos biocompostos é realizada por

cromatografia em camada delgada (CCD) com o emprego de

reveladores específicos e sistemas de eluição sob diferentes

proporções, tornando o método mais eficiente (WAGNER;

BLADT, 2001). O revelador de Liebermann-Burchard

(ADAMOVICS, 2017) induz a formação de bandas em tons

característicos, remetendo a existência de triterpenos ou

esteroides no extrato (ELBERRY et al., 2015).

ANÁLISE FITOQUÍMICA E ATIVIDADE ANTIBACTERIANA DE EMBIRATANHA (PSEUDOBOMBAX MARGINATUM)

413

Notoriedade identificada na eluição com hexano, essa

exibiu coloração violeta sugestiva da ação de esteroides e

triterpenos (Tabela 2). A falta de polaridade dos esteroides ou

compostos derivados de terpenos, permite que ambos fiquem

evidenciados em solventes polares como o hexano, ou, em

menor quantidade, em solventes com polaridade intermediaria

como o acetato de etila (AcOEt) (SIMÕES et al., 2016).

Segundo Das et al. (2016), a análise de flavonoides em

extratos eluidos com AcOEt levam a formação da cor violeta ao

reagirem com o revelador de Liebermann, em contrapartida em

meio a sulfato cérico e anisaldeído formam uma tonalidade

amarelada. Desse modo, é evidente que a revelação sob

diferentes comprimentos de ondas promove a diversificação da

coloração no gel, tais características também estão relacionadas

ao tipo de estrutura presente na solução (ISHIHARA et al., 2015).

Similaridade observada neste estudo, na qual houve alterações

na coloração, sugestivas da presença de triterpenos e

flavonoides nos extratos de AcOEt (Tabela 2).

Os dados inferidos na triagem fitoquímica das folhas de

Embiratanha, mostrou resultados positivos para esteroides,

flavonoides e taninos extratos de hexano, AcOEt, MeOH e água

(Tabela 3). Similaridade analisada por Paiva (2013), em estudos

com a entrecasca do vegetal, na qual foi detectado a presença

de compostos através de reações químicas que induziam o

aparecimento de colocaração e/ou precipitado característicos

para cada substância.

Almeida, Oliveira e Falcão (2015), traçaram o perfil

fitoquímico das folhas e entrecasca da Pseudobombax

marginatum, utilizaram extratos hidroalcoólicos, na qual se

ANÁLISE FITOQUÍMICA E ATIVIDADE ANTIBACTERIANA DE EMBIRATANHA (PSEUDOBOMBAX MARGINATUM)

414

destacou além dos achados propostos por Paiva (2013), a

presença de alcaloides nas amostras.

No entanto, os testes realizados nesta pesquisa

remeteram a negatividade de alcaloides nas folhas de

Embiratanha, tanto no teste do perfil (Tabela 2), como na triagem

fitoquímica (Tabela3). Segundo Zhang et al. (2018), esse

resultado apresentado pode estar relacionado a metodologia

usada na identificação, capazes de gerar interferências na

quantificação do componente, visto que o percentual encontrado

nos vegetais é limitado.

Os compostos biologicamente ativos encontrados nas

plantas, conseguem promover modificações em

microrganismos, induzem lesões na membrana citoplasmática

do mesmo, desde modo, permitem a degradação da parede

celular, danos as proteínas de membrana, liberação de

conteúdo celulares e consequentemente perda de força protón-

motriz (DHOLVITAYAKHUN, et al. 2017).

Chaves et al. (2013), relacionou a variação sazonal de

metabolitos secundários produzidos por P. marginatum quanto

aos efeitos antibacterianos, inferindo que as concentrações

testadas dos extratos conduziram a completa inibição no

crescimento das cepas testadas, exceto para Pseudomonas

aeroginosa, no entanto, os valores da CIM contra K.

pneumoniae mostraram-se significativos com valores de 12,5

mg.mL-1.

Similaridade observada nesta pesquisa, na qual diluição

de 0,5 µg/mL apresentada no teste com hexano mostrou

bactericida contra cepas de Enterococcus faecalis (ATCC 138)

(Tabela 5), sugerindo que, concentrações relativamente baixas

do extrato possuem atividade antimicrobiana. Os valores para

ANÁLISE FITOQUÍMICA E ATIVIDADE ANTIBACTERIANA DE EMBIRATANHA (PSEUDOBOMBAX MARGINATUM)

415

CIM e CBM para extratos de AcOEt foram de 1,0 mg/mL (Tabela

6 e 7), respectivamente, entretanto para as soluções que

continham MeOH as concentrações de CIM foi de 1,0 µg/mL e

CBM de 2,0 µg/mL, para essa mesma espécie (Tabela 8 e 9).

A técnica utilizada no ensaio, meio de crescimento,

microrganismos e os meios extrativos são fatores relacionados

a efetividade da atividade antimicrobiana (AMPARO, et al.

2018), permitindo, portanto, possíveis discrepâncias nos valores

de CIM e CBM para diferentes espécies analisadas.

Segundo Bölgen et al. (2020), a CIM sofre variações de

acordo com a sensibilidade e as espécies de microrganismos.

Notoriedade analisada entre as cepas padrões Micrococcus

luteus (ATCC 06), Escherichia coli (ATCC 224) e Mycobacterium

smegmatis (ATCC 71), na qual valores em torno de 2,0 µg/mL

foram suficientes para inibir o crescimento do patógeno teste. A

CBM do extrato seguiu a metodologia proposta por Hafidh et al.

(2011), considerando-se que fitocompostos apresentam

propriedades bactericida quando o coeficiente entre CBM/CIM

está entre 1 e 2, efeito capaz de provocar eventual morte do

microrganismo. Desta forma os extratos provenientes das folhas

de P. marginatum apresentam efeito bactericida, mostrando ser

efetivo contra todas as cepas nesse estudo.

CONCLUSÕES

Através desse estudo é possível inferir que o extrato de

P. marginatum comportam como uma nova alternativa

farmacológica, visto que é constituído flavonoídes, alcaloides,

taninos e triterpenos. Os métodos extrativos utilizados para as

análises fitoquímicas auxiliaram na prospecção desses

ANÁLISE FITOQUÍMICA E ATIVIDADE ANTIBACTERIANA DE EMBIRATANHA (PSEUDOBOMBAX MARGINATUM)

416

constituintes. Além disso, os extratos obtidos induziram

resposta antimicrobiana contra as cepas bacterianas testadas.

Dessa forma, o extrato proveniente da P. marginatum é um

promissor agente antibacteriano, sendo necessárias

investigações mais minuciosas acerca dessa espécie.

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ANÁLISE FITOQUÍMICA E ATIVIDADE ANTIBACTERIANA DE EMBIRATANHA (PSEUDOBOMBAX MARGINATUM)

417

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ANÁLISE FITOQUÍMICA E ATIVIDADE ANTIBACTERIANA DE EMBIRATANHA (PSEUDOBOMBAX MARGINATUM)

418

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ANÁLISE FITOQUÍMICA E ATIVIDADE ANTIBACTERIANA DE EMBIRATANHA (PSEUDOBOMBAX MARGINATUM)

419

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APLICAÇÕES BIOTECNOLÓGICAS E AMEAÇAS À DIVERSIDADE FÚNGICA DO CERRADO

420

CAPÍTULO 20

APLICAÇÕES BIOTECNOLÓGICAS E AMEAÇAS À DIVERSIDADE FÚNGICA DO

CERRADO

Héberly Fernandes BRAGA 1

Heloiza Ferreira Alves do PRADO 2

1 Doutorando em Microbiologia, UNESP; 2 Orientadora/Professora Doutora, UNESP.

[email protected]

RESUMO: A biodiversidade e potenciais aplicações dos fungos do Cerrado ainda são pouco conhecidas e positivamente exploradas. Assim, a presente revisão objetivou elucidar e apontar a importância de se conservar, conhecer e se utilizar do potencial biotecnológico oferecido pela micobiota desse bioma, de modo a dar um caráter ainda mais valorativo à região, e mostrar os importantes recursos que podem e estão sendo perdidos por meio seu do manejo inadequado. Por meio de pesquisa exploratória nas bases de dados Google Acadêmico, Scielo, Portal Capes e DOAJ, foram selecionados diferentes trabalhos em inglês e português publicados entre 2015 e 2019, empregando-se os seguintes descritores de busca: fungos do cerrado, (bio)prospecção de fungos do cerrado, propriedades de fungos do cerrado, manejo de fungos do cerrado. As diferentes pesquisas encontradas demonstram uma variedade de possibilidades de uso dos fungos do bioma seja no setor agropecuário, industrial, medicinal, alimentício, químico entre outros e apotam para a necessidade de ações e investimentos que visem não somente à conservação da região, e por consequência da sua micobiota, que vêm ao longo de décadas sendo alterada, devido principalmente ao manejo inadequado

APLICAÇÕES BIOTECNOLÓGICAS E AMEAÇAS À DIVERSIDADE FÚNGICA DO CERRADO

421

do solo; como também do estímulo à novas pesquisas sistematizadas que possam gerar mais conhecimento e descobertas. Palavras-chave: Biodiversidade fúngica. Bioprospecção. Biotecnologia. Savana brasileira.

INTRODUÇÃO

O Cerrado é um bioma que apresenta uma enorme

riqueza e abundância de vegetais, animais e micro-organismos.

A alta biodiversidade associada às ameças de destruição dessa

região tem colocado a mesma no grupo dos habitats naturais

considerados como hotspots ecológicos (SAWYER et al.,

2016).

Mesmo apresentando e ofertando distintos serviços

ecossitêmicos, como por exemplo: abastecimento hídrico;

alimentos e matérias-primas de valor econômico; recursos

genéticos; sequestro e armazenamento de gás carbônico (CO2)

atmosférico; turismo e lazer; substâncias farmacológicas e

bioprodutos derivados de plantas e outros organismos,

observa-se que sua área vem sofrendo constantes alterações,

consequentes principalmente da urbanização, agricultura e

pecuária desenfreadas.

Os desequilíbrios e desordens vêm historicamente

propiciando a redução e/ou mesmo a perda das riquezas

genéticas e de biodiversidade, especialmente aquelas com

potencial farmacológico e tecnológico destinados ao tratamento

de doenças e/ou aplicações biotecnológicas, como por exemplo

micro-organismos e seus biocompostos derivados (RESENDE

et al. 2019).

APLICAÇÕES BIOTECNOLÓGICAS E AMEAÇAS À DIVERSIDADE FÚNGICA DO CERRADO

422

Nesse contexto a presente revisão têm por objetivo

elucidar e apontar a importância de se conservar, conhecer e

se utilizar das distintas pontencialidades biotecnológicas dos

fungos existentes no Cerrado, de modo a dar a essa região um

caráter ainda mais valorativo, e mostrar os importantes recursos

que podem e estão sendo perdidos com o manejo inadequado

desse bioma.

MATERIAIS E MÉTODO

O material bibliográfico empregado na pesquisa foi

selecionado nas bases de dados Google Acadêmico, Scielo,

Portal Capes e DOAJ, e em sítios eletrônicos de órgãos

governamentais, por meio de pesquisa qualitativa exploratória

realizada em trabalhos publicados entre 2015 a 2019.

Como critérios de inclusão foram considerados artigos

em inglês e português que indicassem possíveis aplicações

biotecnológicas de fungos do Cerrado e/ou pesquisas que

elucidassem as perdas da micobiota nesse determinado bioma,

por manejos inadequados.

Os seguintes descritores foram empregados na busca:

fungos do cerrado, (bio)prospecção de fungos do cerrado,

propriedades de fungos do cerrado, manejo de fungos do

cerrado.

Trabalhos não enquadrados nos critérios de inclusão,

assim como aqueles que somente relatassem quantificação da

micobiota local; ou descobertas de novas espécies sem elucidar

as possíveis aplicações biotecnológicas foram excluídos da

busca.

APLICAÇÕES BIOTECNOLÓGICAS E AMEAÇAS À DIVERSIDADE FÚNGICA DO CERRADO

423

POTENCIAIS APLICAÇÕES BIOTECNOLÓGICAS E

AMEAÇAS À MICODIVERSIDADE DO CERRADO

As alterações fitofisionômicas derivadas do

desmatamento, que historicamente vêm assolando o bioma

Cerrado, podem promover mudanças na composição do solo e

sua maior exposição aos raios solares, procipando por

exemplo, alterações físico-químicas na acidez e umidade,

fatores esses essenciais a permanência e desenvolvimento da

microbiota residente.

Dessa forma, estudar e entender a dinamicidade,

funcionamento e interação dos micro-organismos existentes no

Cerrado, e em especial no solos dessa região, não só propicia

um maior entendimento dos impactos ambientais e formas

inadequadas de manejo que o bioma vem sofrendo

(VALADARES-PEREIRA, et al.; 2017), como também viabiliza

a possibilidade se prospectar espécies com ponteciais

aplicações de interesse biotecnológico, por exemplo (NORILER

et al., 2018).

Estudo realizado por Jacinto, Moura e Uto (2018), em

diferentes áreas de cerrado (nativo; de cultivo agrícola; e de

reserva ambiental urbana/reflorestamento), visando determinar

o grau da antropicidade do solo frente à biomassa de bactérias

e fungos, evidencia os impactos que o bioma têm sofrido. Eles

verificaram contagens significativamente distintas (p < 0,05) de

bactérias em unidades formadoras de colônia por grama

(UFC.g-1) de solo, em valores de 4,2 x 105; 1,1 x 105 e 1,8 x 105,

respectivamente, nos solos das áreas de cerrado nativo, cultivo

agrícola e reflorestamento. As contagens fúgincas (UFC.g-1)

também foram significativamente distintas, 9 x 104 (áera nativa),

APLICAÇÕES BIOTECNOLÓGICAS E AMEAÇAS À DIVERSIDADE FÚNGICA DO CERRADO

424

3 x 104 (cultivo agrícola) e 6,6 x 103 (reflorestamento), mas com

valores inferiores à da população bacteriana, indicando

segundo os autores, a maior sensibilidade dos fungos à

atividade antrópica.

Valadares-Pereira et al. (2017), também evidenciaram

mudanças na comunidade fúngica em solo do cerrado

tocantinense, ao comparar uma área nativa com outra

destinada ao plantio de soja. Analisando o ácido

desoxirribonucleico (DNA) do solo, por meio de Análise

Espacial Intergênica Ribossomal Automatizada (ARISA), e

comparando os resultados aos teores de cobre, cálcio, ferro,

capacidade de troca de cátions, saturação por bases e relação

cálcio/magnésio, de ambas as regiões, os pesquisadores

observaram mudanças na estrutura da comunidade fúgica

como efeito do manejo agrícola.

Araujo et al. (2017), avaliaram a diversidade fúngica de

uma área de cerrado preservado, na região nordeste do estado

do Piauí, dentro do Parque Nacional das Sete Cidades, ao

longo de distintos gradientes fitofisionômicos: formação

campestre, cerrado stricto sensu, cerradão e floresta decidual.

Os pesquisadores identificaram a maior riqueza de espécies na

floresta decidual, sendo a maior porcentagem dos isolados

pertencentes ao filo Ascomycota (45%), seguido do

Basidiomycota (32%). Conforme os autores, as classes mais

abundantes encontradas incluindo espécies com potencial

biotecnológico foram: Agaricomycetes, Eurotiomycetes,

Lecanoromycetes, Basidiobolus, Dothideomycetes e

Taphrinomycetes.

Conforme Bononi et al. (2017), a diversidade de micro-

organismos, e especialmente dos fungos presentes em regiões

APLICAÇÕES BIOTECNOLÓGICAS E AMEAÇAS À DIVERSIDADE FÚNGICA DO CERRADO

425

do Cerrado, ainda não é totalmente conhecida. Em coletas

realizadas pelos pesquisadores, na região central do estado de

Mato Grosso do Sul (MS), centro-oeste do Brasil, foram

identificadas 18 espécies de fungos (Conocybe crispa,

Gymnopus dryophilus, Marasmius androsaceus, Marasmius

oreades, Mycena pura, Rhodocollybia butyraceae, Pleurotus

eryngii, Coprinellus micaceus, Panaeolus rickenii, Hypholoma

fasciculare, Clitocybe infundibuliformis, Tricholoma

argyraceum, Fomitiporia robusta, Cymatoderma elegans,

Athelopsis galzinii, Trametes ellipsospora, Guepinia

helvelloides, Tremella mesentérica) ainda não citadas e listadas

nacionalmente, e 36 espécies com primeira citação para o

estado. Do total de 62 espécies de basidiomicetos coletados, os

autores identificaram 15 comestíveis, quatro tóxicas, 10 com

propriedades medicinais, duas com potencialidade de aplicação

em processos de biorremediação, e uma com propriedade

bioluminescente, conforme comparações à literatura disponível.

Plantas medicinais têm sido muito estudadas como

reservatório de cepas de micro-organismos endofíticos com

potencial biotecnológico. Nesse sentido, Noriler et al. (2018),

estudaram comunidades fúngicas endofíticas associadas a

folhas e pecíolos da planta medicinal Stryphnodendron

adstringens, de ocorrência no Cerrado. Dentre os 117

morfotipos fúngicos (95,6% deles pertencentes ao filo

Ascomycota) isolados pelos pesquisadores, cinco (Diaporthe

sp. LGMF1530, Diaporthe cf. heveae LGMF1631,

Colletotrichum siamense LGMF1604, Fusarium sp. LGMF1630

e Epicoccum sp. LGMF1641) apresentaram atividade inibitória

(maior que 60%) sobre o crescimento micelial de Phyllosticta

APLICAÇÕES BIOTECNOLÓGICAS E AMEAÇAS À DIVERSIDADE FÚNGICA DO CERRADO

426

citricarpa (LGMF06) e Colletotrichum abscissum (CA142),

patógenos estes de grande importância na citricultura.

Isolados endofíticos também apresentaram efeito

inibitório frente a patógenos de interesse clínico (NORILER et

al., 2018), demonstrando as potencialidades biotecnológicas

dos fungos encontrados, não só como alternativa ao controle

biológico de fitopatógenos, como também de micro-organismos

associados a saúde humana. Phaeophleospora sp.2

LGMF1513, Epicoccum sp.1 LGMF1598 e Epicoccum sp.2

LGMF1600 tiveram alta atividade de ação (+++) contra

Staphylococcus aures (American Type Culture Collection -

ATCC 33591) meticilino-resistentes (MRSA). Alguns isolados

fúngicos (Diaporthe sp. LGMF1548 e LGMF1614, Diaporthe cf.

heveae LGMF1631, Fusarium sp. LGMF1630 e Hypoxylon sp.1

LGMF1613) se mostraram também ativos contra S. aures

(MRSA), Pseudomonas aeruginosa (ATCC 27853),

Acinetobacter baumannii (BACHAC-ABA) e Klebsiella

pneumoniae (BACHC-KPC) produtora de carbapenemase

(KPC).

Em um estudo realizado com Miconia albicans (Sw.)

Triana (Melastomataceae), planta fanerógama edêmica do

Cerrado, conhecida popularmente como “quaresmeira-branca”,

Piza, Hokka e Sousa (2015) também isolaram e verificaram alta

atividade antagonista do fungo actinomiceto Amycolotopsis

orientalis frente a S. aureus, Enterococcus faecalis, Candida

albicans, Shigella sonnei.

Alternativas de controle biológico de artrópodes-praga

frente a culturas agrícolas, também vêm sendo muito aplicadas.

Por exemplo, em sistemas agroflorestais da região neotropical,

alguns organismos destacam-se como as principais pragas que

APLICAÇÕES BIOTECNOLÓGICAS E AMEAÇAS À DIVERSIDADE FÚNGICA DO CERRADO

427

assolam as culturas agrosilvícolas, sendo as formigas

cortadeiras dos gêneros Atta e Acromyrmex, muito citadas. Tais

formigas, conhecidas popularmente como saúvas e quenquéns

atacam as partes frescas das plantas e as carregam para o

interior dos seus ninhos, onde servirão de substrato ao fungo

simbionte Leucoagaricus gongylophorus (Möller) Singer

(Basidiomycota: Agaricales: Lepiotaceae) do qual elas se

alimentam (NYGAARD et al., 2016).

A forma mais usual de controle desses insetos é pelo

método químico, entretanto a busca por alternativas

ambientalmente corretas tem sido estimulada. Nesse sentido,

Dornelas et al. (2016) realizaram estudo prospectivo de fungos

filamentosos, associados a operárias de Atta sexdens e A.

laevigata da região do cerrado tocantinense, com propriedades

patogênicas. Os autores isolaram de A. sexdens os fungos

Metarhizium anisopliae (Metchnikoff) Sorokin, Aspergillus flavus

Link, Acremonium sp.1, Aspergillus sp.1, Colletotrichum sp. e

Acremonium sp. 2, e de A. laevigata, Mucor sp., A. flavus,

Fusarium solani (Martius) Saccardo, A. niger van Tieghem;

entretanto o teste de patogenicidade contra a formiga A.

sexdens foi realizada somente com os fungos A. flavus, A. niger

e M. anisopliae, pois esses apresentaram alta produção de

conídios e elevada prevalência no estudo. Foi verificada uma

taxa de letalidade de 50% das operárias em apenas cinco dias,

nos testes com A. niger e M. anisopliae, sendo essa duração

significativamente inferior ao tratamento controle.

Estudo realizado por Zanardo (2015) em solos dos cinco

biomas do Brasil corrobora a importância que o Cerrado tem em

abrigar uma das maiores quantidades de fungos

entomopatogênicos. A autora determinou a abundância de

APLICAÇÕES BIOTECNOLÓGICAS E AMEAÇAS À DIVERSIDADE FÚNGICA DO CERRADO

428

fungos ao longo de dois anos em amostras de solos de cultivos

anuais, perenes e vegetação nativa, durante estação climática

seca e úmida, de cinco áreas representativas dos biomas

brasileiros, e verificou no geral, maiores densidades de

entomopatogênicos no Cerrado (2,27 ± 1,58 x 103 a 3,46 ± 1,51

x 104 UFC.g-1 de solo), sendo o gênero Metarhizium spp. o de

maior predominância.

Conforme mencionado anteriormente, além do emprego

dos fungos no controle biológico e como bioindicadores da

qualidade do solo em manejos diversos, esses micro-

organismos tem importância preponderante no setor agrícola

atuando na melhoria da produtividade das culturas, não só

porque realizam a ciclagem de nutrientes, ao decompor e

transformar materiais orgânicos em minerais, que serão assim

aproveitados pelas plantas, mas também pela associação

simbionte (micorrizas) com raízes de muitas espécies vegetais,

proporcionando a essas aumento da superfície de contato com

o solo, para absorção de água e sais minerais.

Dentre os grupos de micorrizas destacam-se os fungos

micorrízicos arbusculares (FMA), também denominados

endomicorrizas, que tem como característica diferencial

desenvolver um micélio que penetra internamente no córtex da

raiz, invadindo tanto o espaço intra quanto intercelular. Berude

et al. (2015), em pesquisa bibliográfica, compilaram outros

distintos benefícios às plantas quando de sua associação aos

FMA: redução ao estresse hídrico e salino; diminuição de sítios

de infecção por patógenos; aumento na absorção de fósforo e

nitrogênio do solo e maior tolerância a metais pesados.

Experimento realizado por Salgado et al. (2016), ilustra a

potencialidade de fungos do Cerrado em propiciar o

APLICAÇÕES BIOTECNOLÓGICAS E AMEAÇAS À DIVERSIDADE FÚNGICA DO CERRADO

429

crescimento inicial de plantas de feijoeiro e soja. Os

pesquisadores coletaram, isolaram e idetificaram FMA

(Acaulospora scrobiculata, Claroideoglomus etunicatum,

Dentiscutata heterogama, Gigaspora margarita e Rhizophagus

clarus) provenientes de solo do Cerrado (região sudoeste de

Goiás), os quais foram associados ao estimulante de

colonização (7-hidroxi,4’-metoxi-isoflavona) e inoculados sobre

ambas culturas. Eles observaram aumento da biomassa nas

plantas, mais de 200% para o feijoeiro e mais de 80% para a

soja, partindo-se dos seguintes parâmetros de avaliação:

massa seca da parte aérea, massa seca da raiz, colonização

micorrízica, massa de nódulos e acúmulo de cálcio, zinco e

fósforo na massa seca da parte aérea.

Em outro experimento, partindo das mesmas

condicionantes, Salgado et al. (2017), determinaram os efeitos

de tal combinação frente ao crescimento inicial de plantas de

algodão e milho, e verificaram que baixa densidade de

propágulos de FMA inoculados e associados a estimulante de

colonização foram também benéficos ao desenvolvimento de

ambas culturas.

Santos et al. (2018), avaliaram os efeitos da inoculação

de FMA, provenientes de solo de Cerrado conservado, sobre

uma região degradada pela construção de uma usina

hidrelétrica, no município de Selvíria-MS. Eles verificaram que

a combinação de resíduos orgânicos/minerais com a aplicação

dos fungos influenciou positivamente o solo degradado, pois o

teor de carbono da massa microbiana (CBM), carbono de gás

cabônico liberado (C-CO2) e quociente microbiano (qMic)

elevaram-se. Todos esses parâmetros são indicadores de

qualidade do solo.

APLICAÇÕES BIOTECNOLÓGICAS E AMEAÇAS À DIVERSIDADE FÚNGICA DO CERRADO

430

Outro aspecto a se considerar são os estudos sobre

emprego da atividade fúngica para a melhoramento de

processos de produção, extração, solubilização e

transformação no setor industrial. Os mesmos vêm crescendo

e propiciando vantagens em termos ambientais e de obtenção

de produtos com maior valor econômico agregado. A produção

de biossurfactantes por micro-organismos, por exemplo, é uma

opção promissora em termos de obtenção de produtos

biotecnológicos, haja visto a baixa toxicidade, alta

biodegrabilidade e melhor compatibilidade ambiental quando

comparados aos surfactantes sintetizados quimicamente.

Partindo disso, Passone et al. (2015) avaliaram o

potencial biossurfactante de três fungos isolados de ambientes

do Cerrado na região do Triângulo Mineiro, codificados como

C18, C35 e C40, frente a diferentes concentrações de glicerol,

empregando fermentação submersa. Os autores observaram

índices de emulsificação variando de 28,6% a 71,4%. Foi

notado também aumento nesse parâmetro (em média 10%),

com o aumento do tempo de fermentação (48 h para 72 h), nos

cultivos contendo concentrações de glicerol 2,5; 5,0 e 10% (v/v)

inoculados com o fungo C35, além um dos menores valores de

tensão supercial (40 mN/m-1) na condição de 1,5% (v/v) de

glicerol a 48 h. Altos íncides de emulsificação e baixos valores

de tensão superficial são bons indicativos de atividade

surfactante.

A produção e oferta interna de fertilizantes fosfatados no

Brasil ainda tem sido um gargalo no setor agrícola,

especialmente porque a rocha fosfática, principal insumo da

indústria de fertilizantes, é um mineral pouco disponível no país

e ainda apresenta baixo teor de pentóxido de fósforo (P2O5).

APLICAÇÕES BIOTECNOLÓGICAS E AMEAÇAS À DIVERSIDADE FÚNGICA DO CERRADO

431

Solos aráveis, como os do Cerrado, demandam fósforo que é

pouco disponibilizado e muitas vezes insolúvel para ser

utilizado pelas culturas agrícolas, necessitando assim serem

suplementados com fertilizantes. Associado a isso, a extração

dos fosfatos é realizada empregando-se ácido fosfórico (H3PO4)

ou sulfúrico (H2SO4), o que gera resíduos. Tais condições

tornam o custo da produção nacional elevado e ambientalmente

pouco sustentável, suscitando pesquisas que se utilizem de

métodos naturais renováveis e que agridam menos o ambiente,

tal como a biossolubilização realizada por micro-organismos

(EMBRAPA, 2015).

Nesse sentido, Cabral et al. (2017) isolaram Trichoderma

harizianum, um fungo filamentoso do filo Ascomycota, de um

complexo minerador do município de Araxá-MG, e testaram sua

capacidade de biossolubilizar fósforo a partir de concentrado de

rocha fosfática (teor de P2O5 igual a 37,5%) originária do

complexo de mineração do município de Tapira-MG.

Empregando-se fermentação submersa em biorreator air-lift

com reciclo do meio reacional, e variando o fluxo volumétrico de

ar ascendente e a concentração de rocha fosfática, os

pesquisadores obtiveram uma concentração de fósforo solúvel

em meio líquido igual a 244,9 partes por milhão (ppm) ou

33,78% de solubilização, num período de três dias a 28 ± 0,5°C.

Gomes et al. (2017), obtiveram 11,95% (94,8 ppm) de

solubilização de fósforo em 14 dias, e 6,81% (52 ppm) em 9

dias, empregando o mesmo concentrado de rocha fosfática, na

fermentação sólida e líquida, respectivamente, com o fungo T.

ressei, coletado no Cerrado.

Estudo realizado por Rocha (2017), com a levedura

Torulaspora globosa, isolada da rizosfera de milho, no

APLICAÇÕES BIOTECNOLÓGICAS E AMEAÇAS À DIVERSIDADE FÚNGICA DO CERRADO

432

município de Araras-SP, evidenciou também a rápida

solubilização de fosfato tricálcio (Ca3(PO4)2) em fermentação

submersa. A autora obteve quantidade máxima de fósforo

solúvel (42%) em apenas 48 h, demonstrando a potencialidade

do fungo em aplicações industriais e agrícolas.

Propiciar o aumento e variedade da quimiodiversidade,

isto é, da obtenção de novas substâncias derivadas da ação

metabólica de micro-organismos e/ou enzimas isoladas, sobre

compostos orgânicos ou sintéticos, têm sido uma nova

estratégia biotecnológica alternativa de síntese química, dentro

da área de química verde. Para Hegazy et al. (2015), o uso

desse processo apresenta vantagens quando comparado a

síntese tradicional: baixo custo; quimio, estereo e

regioseletividade; manutenção das cepas; redução no número

de animais experimentais; maior quantidade e variedade de

compostos produzidos; consumo mínimo de energia e menor

geração de resíduos, especialmente compostos tóxicos e

danosos ao ambiente.

Silva (2015), testaram cepas de Beauveria sp. isoladas

de solo do Cerrado da região de Goiás, frente a ácido gálico

(AG) e elágico (AE), utilizando cultivo submerso em meio

glicose e Corn Steep, durante 96 h a 27ºC e 200 rotações por

minuto (rpm). Empregando-se Cromatografia em Camada

Delgada (CCD) e Cromatografia Líquida de Alta Eficiência

(CLAE), foi notado que todas as cepas foram eficientes na

biotransformação dos compostos, sendo que o meio contendo

Corn Steep proporcionou maior variedade e quantidade de

compostos formados para ambos substratos. Os derivados do

AG obtidos e caracterizados estruturalmente por métodos

espectroscópicos foram: ácido benzoico, 3-O-metil-β-

APLICAÇÕES BIOTECNOLÓGICAS E AMEAÇAS À DIVERSIDADE FÚNGICA DO CERRADO

433

glucopiranosil-galatoester (Labiocon 465); ácido benzoico,4-[[6-

O-(3,4-diidroxi-5-metoxibenzoico)-α-D-glucopiranosideo]oxi]-3-

hidroxi-5metoxi (Labiocon 484); ácido gálico 3-O-β-

glucopiranoside (Labiocon 510) e ácido 3,4-Diidroxi-5-metoxi-

benzoico-2-hidroxi-5-metoxicarbonil-fenilester (Labiocon 530).

E os do AE: 3,8-Dimetoxi-dibenzo[b,d]piran-6-one (Labiocon

511) e o ácido elágico 4-O,3’-O-metil-β-D-glicose (Labiocon

534).

Na indústria de alimentos, algo que tem se tornado

corriqueiro é o emprego de insumos e/ou ingredientes com

caráter mais natural para a elaboração de produtos

alimentícios, dada a mudança de atitudes do consumidor e sua

maior preocupação com a saúde. Para isso, tem-se por

exemplo substituído o emprego de aditivos químicos artificiais,

por compostos naturais derivados de animais, plantas ou

mesmo micro-organismos.

Conforme Rao, Xiao e Li (2017), a demanda por corantes

alimentícios naturais derivados de micro-organismos, por

exemplo, tem aumentado dia a dia, não somente pelos efeitos

nocivos cientificamente relatados da ingestão de alguns

corantes sintéticos, mas também porque pigmentos de origem

microbiana apresentam vantagens quando comparados a

outros produtos naturais: rapidez na produção; fácil

processamento; independência das condições climáticas; e

propriedades antioxidantes, antimicrobianas e

anticancerígenas.

Entre os distintos pigmentos microbianos, aqueles

derivados de fungos ambientais e especialmente do solo, tem

sido pesquisados e vem apresentando-se como alternativa

favorável não só na medicina, como também na indústria

APLICAÇÕES BIOTECNOLÓGICAS E AMEAÇAS À DIVERSIDADE FÚNGICA DO CERRADO

434

cosmética, têxtil e principalmente alimentícia. Nesse sentido,

Machado (2018) isolou leveduras com potencial carotenogênico

do ambiente (folhas, solo, flores, frutos silvestres e insetos) do

Cerrado e verificou que as espécies Rhodotorula glutinis, R.

graminis, R. aurantiaca, R. lactosa e R. mucilagionosa se

destacaram na produção de carotenoides. Realizando testes de

otimização em condições de cultivo experimental submerso

com variação de agitação (130 a 230 rpm), temperatura (25 a

35ºC), pH (4,5 a 6,5) e componentes do meio de cultivo, o autor

observou que a levedura R. mucilaginosa foi a mais efetiva na

bioprodução do pigmento (4164,45 µg.L-1).

Em outro estudo bioprospectivo de fungos endofítifos de

folhas de Hymenaeae coubaril (jatobá), árvore típica do

cerrado, Romano (2015) identificou pontencial produção de

pigmento vermelho pelo fungo Talaromyces minioluteus,

empregando-se diferentes meios de cultivo a 28ºC, por 72 h e

a 200 rpm, ao se comparar a mensuração da biomassa após os

cultivos, com índices de absorbâncias obtidos a 510 nm.

Conforme o autor, a intensa coloração vermelha obtida em

todos os cultivos realizados evidencia o possível emprego

biotecnológico da espécie, entretanto sugere-se a continuidade

das pesquisas visando-se não somente identificar

quimicamente o pigmento, como verificar a micotoxidade,

empregar substratos alternativos de menor custo, e também

otimizar o processo de produção.

No setor industrial, especialmente alimentício, a

produção biotecnológica de frutooligossacarídeos (FOS) e

exopolissacarídeos (EPS) empregando-se micro-organismos

têm sido muito demandada, não somente por serem

considerados naturais; como também pela praticididade e

APLICAÇÕES BIOTECNOLÓGICAS E AMEAÇAS À DIVERSIDADE FÚNGICA DO CERRADO

435

facilidade de obtenção quando comparado a extração realizada

de fontes vegetais; além desses polissacarídeos apresentarem

benefícios à saúde, bem como propriedades tecnológicas que

melhoram as características físico-químicas, reológicas e

sensoriais dos produtos destinados ao consumidor

(BARCELOS et al., 2019).

Diante dos benefícios e aplicações dos FOS, Zaninette

et al. (2019) observaram atividade hidrolítica e capacidade de

transfrutosilação de solução de sacarose (150 g.L-1), com

produção de 8 g.L-1 de 1-cestose (FOS do tipo inulina) e 7,3 g.L-

1 de neocestose (FOS do tipo neolevana, comumente não

produzido por fungos filamentosos), pelo fungo Penicillium

janczewskii Zaleski CCIBt 3352, isolado da rizosfera de uma

planta do Cerrado (Chrysolaena obovata), evidenciando a

promissora capacidade sintetizadora de FOS por uma cepa

selvagem. Outra pesquisa realizada com diferentes frutos do

Cerrado (SILVEIRA, 2018), corrobora a necessidade de

estudos prospectivos com viés biotecnológico mais

sistematizados sobre o bioma. A autora isolou 17% de micro-

organismos (de um total de 59), com potencialialidades de

produção de EPS, sendo que uma das linhagens alcançou uma

produção máxima desses bioprodutos de 1,2 g.L-1 após 2 h de

processo a 30ºC e 150 rpm.

No setor de energias renováveis, em especial na

produção e melhoria de processos para obtenção

biocombustíveis e/ou biodiesel, os fungos também vêm

apresentando suas potenciais aplicações.

Nos últimos anos o crescimento incessante da população

tem demandado o consumo de recursos energéticos para suprir

o bem-estar individual, desempenho industrial ou mesmo

APLICAÇÕES BIOTECNOLÓGICAS E AMEAÇAS À DIVERSIDADE FÚNGICA DO CERRADO

436

serviços de manutenção; promovendo a escassez de fontes de

energia não renováveis como o petróleo, por exemplo, e a

intensa emissão de gases poluentes para a atmosfera. Assim,

o uso da bionconversão de diferentes resíduos empregando-se

fermentação microbiana veêm sendo adotado como alternativa

para se otimizar a aquisição de combustíveis mais sustentáveis,

e ao mesmo tempo minimizar alterações ambientais

decorrentes da disposição de subprodutos e rejeitos com

características poluentes (ZANONI et al., 2015).

Um dos gargalos da produção de biocombustíveis,

especialmente os de segunda geração, deve-se às dificuldades

em se despolimerizar as longas cadeias carbônicas que

constituem a parede celular vegetal, para se disponibilizar os

açúcares fermentescíveis que serão convertidos em álcool.

Assim, diferentes estudos e esforços públicos e privados têm

sido realizados, visando selecionar micro-organismos que

apresentem tal capacidade bioconversora, de forma a se

reduzir o custo atual do refinamento da biomassa vegetal.

Diante disso, Dabaja et al. (2019), testaram 43 culturas

de fungos endofíticos isolados de Annona crassiflora (araticum),

uma planta nativa e exclusiva do Cerrado, e verificaram que 8%

apresentaram atividade esterásica; 34,43% atividade

celulolítica; 73,91% atividade fosfatásica; 78,26% atividade

lipolítica; e 91,3% atividade β-frutocfuranosidásica. Os autores

ainda realizaram a fermentação submersa para determinação

da atividade lipolítica, visto serem as lipases enzimas muito

aplicadas em biocombustíveis (principalmente na produção de

biodiesel), e constataram uma atividade expressiva de 27,34

U.g-1 em 60 h de fermentação a 28ºC.

APLICAÇÕES BIOTECNOLÓGICAS E AMEAÇAS À DIVERSIDADE FÚNGICA DO CERRADO

437

Bessa (2018) isolou fungos do solo do Cerrado e

verificou atividades lipolíticas promissoras de 9,268 U.mg-1 e

7,032 U.mg-1 para duas cepas Paecilomyces formosus (isolado

I e II); e 6,447 U.mg-1 para Aspergillus tubingensis. A autora

ainda observou que o extrato enzimático bruto proveniente do

isolado II de P. formosus conseguiu atingir 41,60% de

conversão de óleo:metanol em ésteres metílicos. Tal

capacidade de transesterificação demonstra o potencial das

enzimas para emprego na produção de biodiesel,

principalmente porque esse processo é considerado mais limpo

quando comparado ao uso de catalizadores químicos.

Dentre os distintos micro-organismos presentes no solo

do Cerrado, bactérias e fungos que apresentam capacidade de

excretar enzimas para o meio, tem sido alvo de interesse nos

estudos relacionados à bioprospecção e biotecnologia. Isso

porque, a secreção extracelular enzimática, realizada

naturalmente pelo micro-organismo com objetivo de promover

a degradação de compostos complexos para sua posterior

absorção e nutrição, reduz custos nos sistemas de isolamento

de tais bioprodutos quando comparado aos processos onde é

necessário o rompimento celular (ANDRADE-LINHARES;

VERESOGLOU; RILLIG, 2015). Além disso, biocompostos

excretados tendem, de forma geral, a ser mais estáveis aos

distintos fatores ambientais, quando comparados àqueles que

se mantêm no interior da célula, em condições fisiológicas

favoráreis.

Silva et al. (2015), por exemplo, estudando a capacidade

de 66 estirpes de Trichoderma spp. isoladas do solo e madeira

em decomposição da região do cerrado tocantinense,

verificaram que dois dos isolados (UFTJCO85 e UFTMG15)

APLICAÇÕES BIOTECNOLÓGICAS E AMEAÇAS À DIVERSIDADE FÚNGICA DO CERRADO

438

apresentaram atividades enzimáticas celulásicas satisfatórias

para FPase (1,34 UI.mL-1) e CMCase (0,81 UI.mL-1), haja visto

que não foram empregados tratamentos prévios do sabugo de

milho testado.

Oliveira et al. (2015) testaram a atividade amilolítica de

enzimas produzidas por leveduras isoladas de ambientais

naturais (frutas e serrapilheira) e industriais (mosto de usina de

cana-de-açúcar) da região de Dourados (MS), e identificaram

três cepas de um total de 54, com boas capacidades de produzir

amilases, a partir de farelo de trigo a 70% de umidade. Entre as

cepas destacaram-se Candida parapsilosis com atividade

máxima 14,68 U.mL-1; Rhodotorula mucilaginosa com 25,0

U.mL-1 e Candida glabrata com 25,39 U.mL-1, empregando

cultivo em estado sólido por 120 h a 28ºC. A amilases

produzidas por tais cepas exibiram atividade máxima em pH 7,0

e temperatura de 60ºC; apresentaram atividade mesmo após 1

h de incubação a 50°C; mativeram atividade catalítica residual

maior que 70% após exposição a solução de 15% de etanol; e

ainda apresentaram maiores atividades enzimáticas frente ao

amido de milho, quando comparado aos amidos de batata, trigo

e mandioca.

Santos et al. (2016) destacaram o potencial

biotecnológico de outro fungo também isolado do solo da região

de Dourados (MS), com capacidade de produção de β-

glicosidades, enzimas empregadas na produção de

biocombustíveis; vinificação e desenvolvimento de alimentos

funcionais. A cepa de G. butleri isolada apresentou a máxima

produção de β-glicosidades (21,5 U.mL-1), em cultivo em estado

sólido a 30°C por 96 h, sobre farelo de trigo a 55% de umidade.

Os autores verificaram ainda uma atividade catalítica máxima

APLICAÇÕES BIOTECNOLÓGICAS E AMEAÇAS À DIVERSIDADE FÚNGICA DO CERRADO

439

em pH 4,5 e temperatura de 65°C, com retenção de 80% da

atividade mesmo após manutenção a 50ºC por 1 h.

Em pesquisa realizada por Melo et al. (2018), em

amostras de solo e serrapilheira coletados no Parque Estadual

do Cerrado em Jagariúna (PR), 89,3% dos isolados fúngicos

pertencentes ao filo Ascomycota e Basiodiomycota,

apresentaram atividade celulásica em meio de cultura contendo

carboximetilcelulose (CMC), tendo se destacado Colletotrichum

boninense e Trichoderma sp. Os autores observaram ainda que

todas as cepas apresentaram alguma atividade lipolítica,

demonstrando potencialidades para serem empregadas em

processos biotecnológicos que envolvam degradação de

biomassa vegetal e produção de biocombustíveis.

CONCLUSÕES

As diferentes pesquisas relatadas apontam a

importância e potencialidades do emprego dos fungos do

Cerrado em diferentes produtos, processos, e atividades, sejam

elas agropecuárias, industriais, alimentícias, medicinais,

químicas, entre outras; e elucidam a necessidade de pesquisas

e ações de maior conservação desse bioma, que ainda possui

uma enorme e variada biodiversidade fúngica ainda pouca

conhecida e inexplorada.

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ATIVIDADE ANTIMICROBIANA DE EXTRATOS DE FOLHAS, SEMENTES E RAÍZES DE Moringa oleifera LAM. (Moringaceae): UMA REVISÃO

443

CAPÍTULO 21

ATIVIDADE ANTIMICROBIANA DE EXTRATOS DE FOLHAS, SEMENTES E

RAÍZES DE Moringa oleifera LAM. (Moringaceae): UMA REVISÃO

Maria Helena do NASCIMENTO 1

Fernanda Pereira SANTOS 2

Maria Vanessa Pontes da Costa ESPÍNOLA 3

Rádamis Barbosa CASTOR 1 Krystyna Gorlach LIRA 4

1 Mestrandos do Programa de Pós Graduação em Biologia Celular e Molecular, UFPB; ² Graduanda em Biotecnologia, UFPB; 3 Graduanda em Ciências biológicas, UFPB;

4Orientadora/Professora do DBM/ UFPB. [email protected]

RESUMO: Diante do surgimento de microrganismos resistentes aos compostos antimicrobianos, as plantas tornaram-se uma alternativa viável para o desenvolvimento de novos compostos biologicamente ativos, pois apresentam baixos ou nulos efeitos colaterais, além de possuírem um custo benefício melhor quando comparado aos medicamentos sintéticos. Nos últimos anos, todas as partes da Moringa oleifera (Moringaceae) têm sido amplamente exploradas para fins nutricionais, medicinais e industriais. O foco desta revisão integrativa foi a atividade antimicrobiana das folhas, sementes e raízes da M. oleifera realizada na base de dados de PubMed, Scielo, ScienceDirect, Google Scholar e Lilacs. Foi feito o levantamento de artigos científicos publicados entre 2016-2020. As pesquisas científicas apontam que extratos de folhas de M. oleifera possuem atividade antibacteriana e antifúngica frente a diversos patógenos como, Escherichia coli, Klebsiella pneumoniae, Candida albicans e Aspergillus fumigatus. Quanto aos extratos de sementes foi verificada a atividade

ATIVIDADE ANTIMICROBIANA DE EXTRATOS DE FOLHAS, SEMENTES E RAÍZES DE Moringa oleifera LAM. (Moringaceae): UMA REVISÃO

444

antimicrobiana frente as bactérias E. coli, K. pneumoniae, Pseudomonas aeruginosa, Staphylococcus aureus e Salmonella typhii. Existem poucos dados sobre a atividade antimicrobiana de raízes de moringa, as quais relataram ação de extratos de raízes contra P. aeruginosa e Erwinia carotovora e de óleo essencial contra Enterococcus faecalis e K. pneumoniae. Deste modo, os dados mencionados nesta revisão indicam grande potencial antimicrobiano de extratos e óleos essenciais da M. oleifera, constituindo novas perspectivas nas pesquisas de síntese de compostos antimicrobianos. Palavras-chave: Resistência. Produtos naturais. Compostos ativos. Fitoquímicos. Plantas medicinais.

INTRODUÇÃO

A resistência microbiana tem sido um dos maiores e mais

consideráveis obstáculos para a saúde pública a nível mundial

(SILVA; AQUINO, 2018). Fatores como o uso indiscriminado e

excessivo desses compostos, desde a utilização por indivíduos

à, principalmente, sua utilização em maior escala nos âmbitos

de saúde, agricultura e agropecuária, intensificaram ao longo

dos anos a resistência aos antimicrobianos existentes no

mercado, favorecendo o surgimento de linhagens microbianas

multirresistentes (MDR - “Multidrug-resistant”) (MARSTON et

al., 2016; KALEO et al., 2019).

Ainda que a resistência microbiana seja natural aos

microrganismos, a utilização em massa de antimicrobianos têm

direcionado o desenvolvimento de linhagens dispostas de

mecanismos de resistência contra as principais classes desses

fármacos. Nesse cenário, a rapidez e diversidade com que

microrganismos se multiplicam torna-se preocupante

(MARSTON et al., 2016; REMPEL et al., 2019).

ATIVIDADE ANTIMICROBIANA DE EXTRATOS DE FOLHAS, SEMENTES E RAÍZES DE Moringa oleifera LAM. (Moringaceae): UMA REVISÃO

445

Diante disso, a busca por novos fármacos com atividade

antimicrobiana tornou-se indispensável, e as plantas medicinais

são consideradas fontes promissoras para o desenvolvimento

dessas novas terapias (BRÍGIDO et al., 2020). Uma vez que

estudos científicos demonstram que fármacos provenientes de

plantas são farmacologicamente eficazes, possuem efeitos

colaterais baixos ou nulos, além de ampla margem de

segurança para consumo humano e animal e um custo-

benefício melhor em comparação aos medicamentos ditos

alopáticos. De forma geral, os fitoterápicos encontram-se

facilmente disponíveis, o que os tornam candidatos valiosos

para o desenvolvimento de diversos tipos de medicamentos

efetivos e seguros no tratamento de doenças (SALEEM;

SALEEM; AKHTAR, 2020).

Atualmente, estima-se que existem cerca de meio milhão

de espécies de plantas ainda não estudadas quanto aos seus

efeitos medicinais. Dentre uma das mais importantes

propriedades medicinais das plantas está a atividade

antimicrobiana (MORENO et al., 2018; KALEO et al., 2019), a

qual pode ser uma importante alternativa terapêutica quando

comparada aos medicamentos tradicionais, uma vez que a

maioria dos microrganismos patogênicos aos humanos já

desenvolveram inúmeros mecanismos de resistência (REMPEL

et al., 2019).

A Moringa é um dos gêneros de plantas mais importantes

devidos ao seu valor econômico e sua multiplicidade de usos

de folhas, flores e sementes para fins terapêuticos e outros. O

gênero compreende 13 espécies, a M. concanensis, M.

arborea, M. ovalifolia, M. borziana, M. pygmaea, M. ruspoliana,

M. rivae, M. hildebrandtii, M. drouhardii, M. stenopetala, M.

ATIVIDADE ANTIMICROBIANA DE EXTRATOS DE FOLHAS, SEMENTES E RAÍZES DE Moringa oleifera LAM. (Moringaceae): UMA REVISÃO

446

longituba, M. peregrine e a Moringa oleifera (SINGH et al.,

2019).

Também conhecida como “árvore milagrosa”,

“Nebedave”, “árvore de baqueta”, “raiz-forte” ou “árvore da

vida”, a Moringa oleifera pertence à família Moringaceae,

oriunda do sub-Himalaia, no noroeste da Índia, Afeganistão,

Bangladesh e Paquistão, porém atualmente está distribuída em

diversas regiões tropicais e subtropicais (MATIC et al., 2018;

SINGH et al., 2019). No Brasil, a moringa foi introduzida em

meados de 1950 sendo cultivada para fins medicinais e

ornamentais. Encontrada principalmente no Nordeste do Brasil,

em estados como Maranhão, Ceará e Piauí, a moringa é

conhecida como “quiabo de quina” ou “lírio-branco” (SARAIVA

et al., 2018).

A M. oleifera possui diversas características como

capacidade de adaptar-se a diferentes climas, crescendo em

ambientes quentes, úmidos ou até mesmo secos, com

precipitação anual entre 1.000 - 2.000 mm. A temperatura para

o crescimento da árvore varia entre 25 - 35 °C e pH 5,0 - 9,0,

sob luz solar e uma altitude de aproximadamente 550 metros

(RAJENDRAN; SUDESHRAJ; SURESHKUMAR, 2019; SU;

CHEN, 2020). Portanto, a moringa consegue adaptar-se a

diferentes tipos de solos, no entanto, apresenta melhor

tendência de crescimento em solos franco-arenosos levemente

alcalinos (SU; CHEN, 2020).

Caracterizada por ser uma árvore delgada, perene

com altura de aproximadamente 5 a 12 metros, com as folhas

compostas tripinadas nas pontas dos galhos, possui flores com

pétalas branco-amareladas e fragrância suave, o seu fruto é

uma cápsula trilobada possuindo morfologia delgada e longa de

vagem. As sementes secas da moringa possuem o formato

ATIVIDADE ANTIMICROBIANA DE EXTRATOS DE FOLHAS, SEMENTES E RAÍZES DE Moringa oleifera LAM. (Moringaceae): UMA REVISÃO

447

redondo ou triangulares, e cada grão é rodeado por uma casca

ligeiramente arborizada (SU; CHEN, 2020).

Cada parte da M. oleifera possui fitoquímicos específicos

que lhes oferecem variadas ações medicinais (TSHABALALA

et al., 2020). Além do uso medicinal, a moringa é muito

valorizada por possuir diversas aplicações industriais, por

exemplo na produção de cosméticos e na nutrição alimentar,

pois as folhas apresentam altas taxas proteicas, as sementes

são ricas em lipídios (especialmente ácido palmítico, ácido

esteárico e ácido oleico), e assim como as sementes, as vagens

possuem altos níveis de ferro, cálcio, potássio e sódio (MITIC

et al., 2018; YAMAGUCHI et al., 2020).

Diversos estudos foram feitos sobre a moringa, no qual

foram verificadas suas propriedades antidiabética (UMAR et

al., 2018); antiartrítica e antioxidante (SALEEM; SALEEM;

AKHTAR, 2020); diurética (TAHKUR et al., 2016); anti-

inflamatória e antitumoral (BARHOI et al., 2020).

Adicionalmente, a moringa é uma das plantas mais bem

estudadas devido a sua propriedade antimicrobiana, sendo que

extratos de todas as partes da M. oleifera, principalmente

extratos metanólicos, apresentaram forte atividade

antimicrobiana contra bactérias patogênicas como, Bacillus

cereus, Escherichia coli, Staphylococcus aureus (MILLER et

al., 2017), Streptococcus mutans, Serratia marcescens,

Staphylococcus resistente à Meticilina (MRSA), e fungos

patogênicos, Fusarium oxysporum, Aspergillus flavus,

Polysphondylium pallidum, Alternaria alternata (REHMAN et al.,

2020).

A M. oleifera tornou-se objeto de diversas pesquisas

devido à presença de substâncias biologicamente ativas com

efeitos antibacterianos e antifúngicos, os quais possuem

ATIVIDADE ANTIMICROBIANA DE EXTRATOS DE FOLHAS, SEMENTES E RAÍZES DE Moringa oleifera LAM. (Moringaceae): UMA REVISÃO

448

potencial para serem utilizados na formulação de produtos

aplicados na área de saúde. Portanto, esse trabalho busca

enfatizar a atividade antimicrobiana de M. oleifera, a partir de

um levantamento bibliográfico sobre seus compostos bioativos,

ressaltando avaliações de diferentes extratos de folhas,

sementes e raízes da planta.

MATERIAIS E MÉTODO

O presente estudo trata-se de uma revisão de literatura

realizada por meio de levantamento bibliográfico no período

entre 2016 e 2020, buscando publicações em plataformas como

PubMed, Scielo, ScienceDirect, Google Scholar e Lilacs.

Utilizou-se palavras chaves como: Moringa oleifera, compostos

bioativos, tratamento de água, seeds, leaves, compostos

químicos, antimicrobianos, antimicrobial activity, entre outros.

Para selecionar os artigos utilizados nesta revisão, inicialmente,

foram avaliados os respectivos resumos, em seguida,

considerado o fator de impacto, relevância na área e o ano de

publicação.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Várias partes da moringa como folhas (Figura 1A),

sementes (Figura 1B) e raízes (Figura 1C) possuem atividade

antimicrobiana frente a bactérias e fungos, pois cada parte da

planta possui fitoquímicos que lhes oferecem um amplo

espectro para atividades farmacológicas (PAIKRA et al., 2017;

TSHABALALA et al., 2020).

ATIVIDADE ANTIMICROBIANA DE EXTRATOS DE FOLHAS, SEMENTES E RAÍZES DE Moringa oleifera LAM. (Moringaceae): UMA REVISÃO

449

Figura 1: Folhas, flores, vagens (A), sementes (B) e raízes (C)

da M. oleifera.

Fonte: ANDRADE; GORLACH-LIRA, 2018 (A); PAIKRA;

DHONGADE; GIDWAHI, 2017 (B); <https://amarnatureza.org.br/raiz-da-

moringa/> (C).

As folhas de moringa possuem compostos fenólicos,

flavonoides e taninos, e acredita-se que devido a sua

composição fitoquímica apresenta uma relevante atividade

antimicrobiana frente a bactérias patogênicas, quando

comparada a outras partes da planta (IDOWU; OSENI, 2015).

As folhas apresentam também compostos como as saponinas,

que agem interferindo na permeabilidade da parede celular

bacteriana (SOPANDANI et al., 2020), carotenoides,

terpenoides, alcaloides e glucosinolatos (MITIC et al., 2018).

Entre os flavonoides encontrados na M. oleifera, os flavonoides

glicosídeos (glicosídeos, malonil glicosídeos e rutinídeos) de

quercetina > caempferol > isorhamnetina são os mais

encontrados nas folhas. Enquanto que o maior teor de

ATIVIDADE ANTIMICROBIANA DE EXTRATOS DE FOLHAS, SEMENTES E RAÍZES DE Moringa oleifera LAM. (Moringaceae): UMA REVISÃO

450

glucosinolato é encontrado em sementes e folhas (SAINI;

SIVANESAN; KEUM, 2016).

Quanto às sementes da moringa, sua atividade

antimicrobiana, geralmente está associada a presença dos

compostos moringina, piterigosperma e isotiocianato de benzila

(FAROOQ; KOUL, 2019).

Por fim, estudos sobre raízes ainda são poucos, no entanto,

extratos de raízes de moringa possuem em sua composição os

fitoquímicos: carboidratos, glicosídeos, alcaloides, saponinas,

terpenoides, esteroides, taninos e flavonoides, principal

constituinte responsável pela atividade antimicrobiana

(RAMAKRISHNA et al., 2018; TSHABALALA et al., 2019).

Os flavonoides podem formar complexos com proteínas

por meio de ligações de hidrogênio, de maneira que, a estrutura

terciária da proteína seja alterada. Isto pode ocasionar danos

ou desnaturação de ácidos nucleicos e proteínas.

Consequentemente, essa desnaturação interfere nas funções

biológicas e no metabolismo das bactérias. Ademais, os

flavonoides podem impedir a síntese da membrana celular e os

efeitos agregados em todas as células bacterianas

(SOPANDANI et al., 2020).

Os taninos são compostos que podem inibir a síntese

proteica para a formação da parede celular e encolher as

paredes celulares, cessando a permeabilidade celular e,

consequentemente, causando a morte do microrganismo

(SOPANDANI et al., 2020).

Quanto aos alcaloides, estes possuem um mecanismo

inibitório antibacteriano que age nos constituintes do

peptidoglicano nas células bacterianas, de maneira que as

camadas intactas da parede celular não são construídas,

causando a morte celular (SOPANDANI et al., 2020).

ATIVIDADE ANTIMICROBIANA DE EXTRATOS DE FOLHAS, SEMENTES E RAÍZES DE Moringa oleifera LAM. (Moringaceae): UMA REVISÃO

451

Já os compostos terpenoides podem agir em contato

com as porinas presentes na membrana externa da parede

celular bacteriana e, portanto, formar fortes ligações poliméricas

que causam danos a pilha. Isto resulta na entrada de

compostos que podem reduzir a permeabilidade da parede

celular bacteriana, de maneira que a célula bacteriana

necessite de nutrientes e o crescimento bacteriano é inibido ou

interrompido, causando a morte (SOPANDANI et al., 2020).

Extratos de folhas de M. oleifera: atividade antimicrobiana.

Dzotam e colaboradores (2016) realizaram triagem

fitoquímica em extrato metanólico de folhas de M. oleifera,

evidenciando a presença metabólitos secundários advindos da

planta, como alcaloides, esteróis, cumarinas, entre outros.

Esses metabólitos foram indicados como responsáveis pela

eficácia desse extrato contra linhagens de bactérias Gram-

negativas multirresistentes de E. coli, Enterobacter aerogenes,

K. pneumoniae, Pseudomonas aeruginosa e Providencia

stuartli. A ação sinérgica entre antibióticos existentes e o extrato

produzido contra as linhagens patogênicas também esteve em

evidência nesse estudo.

Reforçando esses resultados, Matic e colaboradores (2018),

relataram que extratos de folhas de M. oleifera contém diversos

compostos bioativos, principalmente taninos, flavonoides e

saponinas, indicando uma atividade antimicrobiana frente a

microrganismos patogênicos.

Botero et al. (2019) indicaram as folhas de M. oleifera

como valiosa fonte de peptídeos antimicrobianos. Extratos

etanólicos de folhas de M. oleifera apresentaram, em diferentes

concentrações, eficácia antimicrobiana frente a bactérias

ATIVIDADE ANTIMICROBIANA DE EXTRATOS DE FOLHAS, SEMENTES E RAÍZES DE Moringa oleifera LAM. (Moringaceae): UMA REVISÃO

452

patógenas transmitidas através de alimentos como P.

aeruginosa, S. aureus e Candida albicans.

Dalukdeniya e colaboradores (2016) avaliaram a

atividade de folhas de M. oleifera frente a patógenos

microbianos de origem alimentar, S. enteritica, V.

parahaemolyticus, E. coli e L. monocytogenes, no qual os

resíduos obtidos após a extração aquosa foram utilizados para

a extração com o clorofórmio. Como resultado, foi demonstrada

a maior atividade antibacteriana contra a S.enteritica (superior

a 20 mm), no entanto a L. monocytogenes demonstrou a maior

resistência ao extrato (halo entre 10-15 mm).

Elgamily e colaboradores (2016), reforçaram a

propriedade antimicrobiana da folha da moringa empregando

como método a fissão em disco, utilizando extratos obtidos a

partir da extração com etanol, acetona e acetato de etila. Como

resultado, os autores observaram inibição do crescimento de S.

aureus, S. mutans e C. albicans. Ressalta-se que os extratos

etanólicos apresentaram maior halo de inibição contra os três

microrganismos patogênicos.

Corroborando com os resultados, o estudo de Yee (2019)

demonstrou que diferentes extratos de folhas de M. oleifera

extraídas com acetato de etila (EtOAc), etanol (EtOH), e

metanol (MeOH) foram eficazes contra linhagens bacterianas

de Bacillus subtilis, S. aureus, B. pumilus; e fúngicas de

Candida albicans. No entanto, não foi observado nenhuma

atividade dos extratos acima citados, frente a P. aeruginosa.

Adicionalmente, extratos aquosos não demonstraram nenhuma

atividade antimicrobiana frente aos microrganismos

patogênicos.

Os experimentos realizados por Chakraborty e

colaboradores (2019) indicaram a eficácia de extratos de folhas

ATIVIDADE ANTIMICROBIANA DE EXTRATOS DE FOLHAS, SEMENTES E RAÍZES DE Moringa oleifera LAM. (Moringaceae): UMA REVISÃO

453

de M. oleifera contra E. coli (19,6 mm), S. typhimurium (18,55

mm), S. aureus (13,80 mm) e Aeromonas hydrophila (8,35 mm),

apontando o potencial dessa planta como agente

antimicrobiano a ser utilizado pela indústria alimentícia, uma

vez que a partir deste estudo a moringa provou ser um

conservante natural promissor devido a inibição contra

bactérias Gram-positivas e Gram-negativas.

Em linha de pesquisa semelhante, Tirado-Torres et al.

(2019) demonstraram a eficácia de extratos aquosos e

etanólicos de folhas de M. oleifera frente a vinte isolados de S.

aureus multirresistentes a 12 antibióticos. Todas as cepas

foram sensíveis aos extratos, sendo que os extratos etanólicos

exibiram uma maior atividade antimicrobiana em relação aos

extratos aquosos e ao antibiótico controle, penicilina.

Extratos de folhas de M. oleifera preparados com auxílio

dos solventes metanol, hexano, acetato de etila e água,

demonstraram eficácia contra linhagens patogênicas de

bactérias, E. coli, S. aureus, P. aeruginosa, S. typhi e B. subtillis

e fúngicas, Saccharomyces cerevisiae e A. fusarium, as quais

frequentemente são associadas a infecções transmitidas por

alimentos, ou identificadas como contaminantes de ambientes

industriais e hospitalares (JANVIER et al., 2018).

Em um estudo recente, Adadallah e Muhammad (2019)

avaliaram a atividade antibacteriana do extrato aquoso das

folhas de M. oleifera, em diferentes concentrações, frente a

cinco microrganismos, E. coli, S. typhi, Shigella spp., S. aureus

e E. faecalis. Os resultados demonstraram que todos os

isolados foram inibidos pelo extrato aquoso, ressalta-se que a

zona média de inibição foi de 8,20 mm, com maior halo de

inibição obtido frente a Shigella spp. (11,09 ± 0,26 mm).

ATIVIDADE ANTIMICROBIANA DE EXTRATOS DE FOLHAS, SEMENTES E RAÍZES DE Moringa oleifera LAM. (Moringaceae): UMA REVISÃO

454

Oladeji, Odelade e Oloke (2019) investigaram a atividade

antimicrobiana de extratos etanólicos, clorofórmico e acetato de

etila de folhas de M. oleifera frente as bactérias P. aeruginosa,

Klebsiella sp., E. coli, S. pneumoniae e B. cereus e os fungos

A. ninger, A. flavus, Trichoderma sp. e Candida sp.

Todos os extratos demonstraram atividade contra as cepas

testadas e foi observado que o extrato etanólico apresentou

maior inibição do crescimento dos microrganismos quando

comparado aos extratos clorofórmico e acetato de etila. Os

autores sugerem que atividade antimicrobiana dos extratos

analisados ocorrem devido aos metabólitos secundários

presentes nas folhas da moringa, como as saponinas, taninos,

alcaloides, terpenoides, flavonoides, entre outros.

Extratos de sementes de M. oleifera: atividade

antimicrobiana.

Sharma, Wichaphon e Klangpetch (2020) investigaram os

efeitos antimicrobianos do extrato etanólico de farinha de

sementes de M. oleifera, obtido por extração assistida por

ultrassom, contra as bactérias E. coli, B. cereus, S. typhimurium

e S. aureus a partir dos testes de difusão em placa de ágar e de

microdiluição. Nos testes de difusão, os maiores valores das

zonas de inibição foram observadas no caso de B. cereus

(19,75 ± 0,3 mm) e S. aureus (19,25 ± 0,9 mm), enquanto que

nos testes de microdiluição as melhores concentrações

inibitórias mínimas (MIC) foram de 3,13 mg/ml contra E. coli e

B. cereus, respectivamente.

Os estudos de Andrade e Gorlach-Lira (2018) mostraram

que o extrato aquoso das sementes apresentou capacidade

inibitória do crescimento de S. aureus, enquanto o extrato

ATIVIDADE ANTIMICROBIANA DE EXTRATOS DE FOLHAS, SEMENTES E RAÍZES DE Moringa oleifera LAM. (Moringaceae): UMA REVISÃO

455

hidroalcoólico inibiu S. aureus, S. typhimurium e V. cholerae,

utilizando o teste de difusão no meio sólido. Entretanto, as

cepas de P. aeruginosa, E. coli e E. faecalis foram resistentes

aos dois extratos.

Fernandes e colaboradores (2020) investigaram os perfis

fitoquímicos, nutricionais e as atividades antimicrobianas dos

extratos aquosos e hidroetanólicos das sementes de M. oleifera

contra as bactérias Gram-negativas E. coli, S. typhimurium e E.

cloacae, Gram-positivas S. aureus, B. cereus e L.

monocytogenes e dos fungos A. fumigatus, A. ochraceus, A.

niger, Penicillium funiculosum, P. ochrochloron e P.

aurantiogriseum. Os valores de MIC e de concentração

bactericida mínima (MBC) ou de concentração fungicida mínima

(MFC) foram estabelecidos a partir do método de microdiluição

e, no geral, o melhor valor de MIC e de MBC/MFC encontrados

contra todas as espécies foi de 0,037 mg/mL e de 0,075 mg/mL,

respectivamente, mostrando o potencial antimicrobiano deste

extrato (FERNANDES et al., 2020).

Brilhante e colaboradores (2015) estudaram a eficácia dos

extratos de sementes de M. oleifera contra espécies de Vibrio

patogênicas provenientes do camarão Macrobrachium

amazonicum. Os extratos etanólicos apresentaram baixa

eficácia, aferida a partir do método de microdiluição, na inibição

do crescimento de V. cholerae, V. vulnificus e V. mimicus.

O estudo de Patel e Mohan (2018) demonstrou a

atividade antimicrobiana de extratos de acetato de etila de

sementes da M. oleifera, frente as bactérias Gram-positivas e

Gram-negativas Bacillus cereus, B. subtilis, E. coli, E. faecalis,

K. pneumoniae, Micrococcus luteus, P. aeruginosa, S. aureus,

S. epidermidis, S. marcescens, Salmonella paratyphi e S. typhi,

e o fungo Trichoderma harzanium. Os autores sugerem que os

ATIVIDADE ANTIMICROBIANA DE EXTRATOS DE FOLHAS, SEMENTES E RAÍZES DE Moringa oleifera LAM. (Moringaceae): UMA REVISÃO

456

flavonoides presentes nas sementes foram responsáveis pela

ação antimicrobiana.

Além dos diferentes extratos de sementes da moringa

possuírem atividade antimicrobiana, o óleo obtido de sementes

também apresenta atividade antagonista frente a

microrganismos patogênicos. Bichi e Shehu (2018) avaliaram

que o óleo de sementes em quatro concentrações (100%, 75%,

50% e 25%) apresentou potencial de inibição contra E. coli.

Extratos de raízes de M. oleifera: atividade antimicrobiana.

Abdulkadir e colaboradores (2015), avaliaram a atividade

antimicrobiana de extrato etanólico de raízes de moringa pelo

método de difusão em ágar e de microdiluição, e observaram

ação antimicrobiana contra os patógenos E. coli, S. aureus e C.

albicans.

Extratos das raízes de M. oleifera obtidos com diversos

solventes (acetona, metanol, etanol, acetato de etila, água)

apresentaram significativa ação antimicrobiana contra P.

aeruginosa e Erwinia carotovora. Os extratos de metanol e

acetato, na concentração de 100 mg/mL, apresentaram maior

inibição contra ambas as cepas (PRABAKARAN et al., 2018).

Os experimentos de Tshabalala e colaboradores (2020)

indicaram a atividade antimicrobiana dos extratos aquosos,

etanólicos e acetônicos de raízes da M. oleifera contra B.

subtilis, E. coli e S. aureus e C. albicans.

Dalukdeniya e colaboradores (2016) indicaram atividade

de extratos aquosos, alcoólicos e clorofórmicos das raízes de

moringa contra S. enteritica, V. parahaemolyticus, E. coli e L.

monocytogenes, as quais são frequentemente relacionados a

doenças adquiridas a partir de alimentos.

ATIVIDADE ANTIMICROBIANA DE EXTRATOS DE FOLHAS, SEMENTES E RAÍZES DE Moringa oleifera LAM. (Moringaceae): UMA REVISÃO

457

Estudo realizado por Ramakrishna e colaboradores

(2018) corrobora com os resultados já descritos, em que

extratos etanólicos de raízes de moringa demonstraram

atividade antimicrobiana frente aos patógenos E. coli (halo de

35 mm) e S. aureus (halo de 15 mm), demonstrando ser um

potencial fitoterápico contra bactérias.

Adeleye e colaboradores (2018), estudaram a atividade

antifúngica de extratos metanólicos, etanólicos e extratos com

água quente e fria de raízes de M. oleifera, frente ao fungo

patogênico C. albicans. Os autores observaram que os extratos

metanólicos apresentaram maior atividade antimicrobiana,

enquanto os extratos obtidos com água fria foram menos

eficazes.

A atividade antimicrobiana dos extratos metanólicos e

aquosos de cascas de raízes da moringa também foi testada

frente E. coli e S. aureus. No entanto, os melhores resultados

foram obtidos a partir da atividade dos extratos aquosos

empregando diferentes concentrações (AMANZE et al., 2020).

Óleos essenciais extraídos a partir de raízes de M. oleifera

demonstraram atividade antimicrobiana contra linhagens Gram-

positivas (Enterococcus faecalis) e Gram-negativas (K.

pneumoniae, Proteus vulgaris e Shigella flexineri),

demonstrando que a presença de compostos bioativos são

evidências de seus potenciais efeitos farmacológicos

(OTUNOLA; AFOLAYAN, 2018).

CONCLUSÃO

A partir desta revisão integrativa é possível concluir que

os extratos de folhas, sementes e raízes da M. oleifera

revelaram-se promissores para aplicação na área de saúde

ATIVIDADE ANTIMICROBIANA DE EXTRATOS DE FOLHAS, SEMENTES E RAÍZES DE Moringa oleifera LAM. (Moringaceae): UMA REVISÃO

458

como fontes de compostos biologicamente ativos contra

microrganismos resistentes aos antimicrobianos. M. oleifera

apresenta uma significativa atividade antagonista frente a

diversos patógenos, tanto bactérias como fungos, destacando

S. aureus resistente à meticilina (MRSA).

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BREVE REVISÃO SOBRE O SARS-COV, O MERS-COV E O SARS-COV-2 E O USO DO PLASMA CONVALESCENTE NA TERAPIA EXPERIMENTAL

462

CAPÍTULO 22

BREVE REVISÃO SOBRE O SARS-COV, O MERS-COV E O SARS-COV-2 E O USO DO PLASMA CONVALESCENTE NA TERAPIA

EXPERIMENTAL

Raquel Bezerra da SILVA 1

Maria Isabela Ferreira ARAÚJO 2

Paula Perazzo de Souza BARBOSA 3

1 Graduanda do curso de Ciências Biológicas, UFPB; 2 Doutoranda em Ciências Biológicas, UFPE; 3 Doutora em Ciência e Tecnologia de Alimentos, UFPB.

[email protected]

RESUMO: O presente trabalho trata-se de uma breve revisão comparativa sobre o SARS-CoV, o MERS-CoV e o SARS-CoV-2 e algumas pesquisas com plasma convalescente, que tem sido usado no tratamento das doenças provocadas por esses vírus. Para tanto, foi feita uma busca de trabalhos científicos nas bases de dados eletrônicas utilizando palavras-chave específicas para o tema, e selecionadas publicações sobre o estudo com esses coronavírus entre 2015 a 2020. Os SARS-CoV, o MERS-CoV e, possivelmente, o SARS-CoV-2 originaram-se de morcegos, mas possuem hospedeiros intermediários diferentes, estando o deste último ainda sob investigação. Os coronavírus possuem genoma de RNA de fita simples, com comprimento entre 25 e 32 kb; e contêm pelo menos quatro proteínas estruturais: Spike (S), a de membrana (M), a do envelope (E); e a do nucleocapsídeo (N), que participam dos processos de infecção, montagem e liberação das partículas virais da célula hospedeira, mas cujas sequências primárias variam entre eles. O plasma convalescente é uma das primeiras opções de tratamento para

BREVE REVISÃO SOBRE O SARS-COV, O MERS-COV E O SARS-COV-2 E O USO DO PLASMA CONVALESCENTE NA TERAPIA EXPERIMENTAL

463

doenças infecciosas emergentes na ausência de uma terapia otimizada. Porém, não há evidências clínicas bem fundamentadas para que seu uso possa ser amplamente recomendado. As experiências com esses três coronavírus devem assistir as projeções de experimentos futuros e orientar os esforços de prevenção para reduzir a transmissão e para conter surtos futuros de doenças zoonóticas. Palavras-chaves: Betacoronavírus. Pandemia. COVID-19.

INTRODUÇÃO

Em dezembro de 2019 foi notificada em Wuhan, na

China, uma nova infecção respiratória viral, semelhante às

provocadas pelos agentes causadores da síndrome respiratória

aguda grave (Severe Acute Respiratory Syndrome – SARS) e

da síndrome respiratória do Oriente Médio (Middle East

Respiratory Syndrome – MERS) (SANDERS et al, 2020).

O novo patógeno, nomeado de Severe Acute Respiratory

Syndrome Coronavirus 2 (SARS-CoV-2), rapidamente se

disseminou, tornando-se o terceiro tipo de coronavírus que

causa manifestações clínicas mais graves em humanos a surgir

na população; e a doença por ele provocada,

Coronavirus Disease 2019 (COVID-19), teve seu caráter de

pandemia declarado em 11 de março de 2020 (WHO, 2020).

Outros coronavírus como os Human Coronavirus 229E,

NL63, OC43 e HKU1 (HCOV-229E, HCOV-NL63, HCOV-OC43

e HCOV-HKU1, respectivamente) provocam infecções

respiratórias autolimitadas, mas podem tornar-se graves em

bebês, pacientes imunossuprimidos e idosos (LIU et al., 2020).

O surgimento dos surtos e/ou reinfecções provocados

por coronavírus está relacionado a sua capacidade de mutação

BREVE REVISÃO SOBRE O SARS-COV, O MERS-COV E O SARS-COV-2 E O USO DO PLASMA CONVALESCENTE NA TERAPIA EXPERIMENTAL

464

e/ou recombinação, característica que os auxilia a se tornarem

patogênicos para humanos. Assim, uma vez que essas

mudanças no perfil genético são comuns por fazerem parte do

processo evolutivo viral, torna-se essencial a busca por

terapêuticas eficazes para o combate dos próprios (RABAAN et

al., 2020).

Embora as pessoas tenham como medidas preventivas

a higienização, a quarentena, o isolamento e o distanciamento

social para evitar a propagação da COVID-19, ainda em curso,

um antiviral específico para uma intervenção otimizada ainda

não foi encontrado, o que coloca a virose em estado de

urgência, exigindo investigações mais aprofundadas (BADEN;

RUBIN, 2020).

Para o SARS-CoV-2, têm sido consideradas terapias que

tiveram atividade confirmada contra o Severe Acute Respiratory

Syndrome Coronavirus (SARS-CoV) e o Middle East

Respiratory Syndrome Coronavirus (MERS-CoV), por serem

seus parentes próximos (KO et al., 2020), como é o caso do

plasma convalescente, normalmente usado como opção

terapêutica na ausência de um tratamento específico quando

do surgimento de uma doença infecciosa.

Nesse contexto, o presente trabalho objetivou fazer uma

breve revisão comparativa sobre o SARS-CoV, o MERS-CoV e

o SARS-CoV-2, e alguns dos avanços das pesquisas com

plasma convalescente, que vem sendo usado na terapia

experimental da COVID-19. Dessa forma, pretende-se auxiliar

na troca de informações sobre o tema, conduzindo o

desenvolvimento de novas perspectivas de aprendizado e

impulsionar futuras investigações clínicas.

BREVE REVISÃO SOBRE O SARS-COV, O MERS-COV E O SARS-COV-2 E O USO DO PLASMA CONVALESCENTE NA TERAPIA EXPERIMENTAL

465

MATERIAIS E MÉTODO

Para realizar a presente revisão bibliográfica, foi feita

uma busca de trabalhos científicos nos bancos de dados

Google Scholar, Medline (PubMed), ScienceDirect, Scopus e

Scielo através dos descritores, isolados ou em combinação:

“terapia medicamentosa”, “plasma convalescente”,

“coronavírus”, “pandemia”, “síndrome respitatória aguda grave”,

“síndrome respitatória do Oriente Médio”, “doença do novo

coronavírus”, “relações evolutivas entre os vírus”, e seus

correspondentes na língua inglesa, além das siglas quando se

aplicavam.

Para o refinamento do material foram considerados os

trabalhos na forma de artigo científico e capítulos de livro que

atendessem aos critérios: (i) ano de publicação – de 2015 a

2020; (ii) abordagem experimental do plasma convalescente

para o tratamento da MERS ou SARS ou COVID-19; e (iii)

características gerais e filogenia dos três coronavírus em

questão. Os resultados compreenderam uma narrativa

compendiada das informações fornecidas pelos trabalhos

selecionados segundo os parâmetros mencionados.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

MERS-CoV, SARS-CoV e SARS-CoV-2: CONSIDERAÇÕES

GERAIS

Apesar de alguns coronavírus já serem conhecidos como

as principais causas de morbidade e mortalidade em animais,

sua importância obteve destaque apenas após o surgimento da

BREVE REVISÃO SOBRE O SARS-COV, O MERS-COV E O SARS-COV-2 E O USO DO PLASMA CONVALESCENTE NA TERAPIA EXPERIMENTAL

466

SARS, no ano de 2002, em Hong Kong, provocada pelo SARS-

CoV (FANI; TEIMOOR; GHAFARI, 2020). Em 2012, na Arábia

Saudita, Oriente Médio, foi identificado o MERS-CoV (de WIT

et al., 2016). Ambos infectam o trato respiratório inferior,

podendo causar síndrome respiratória aguda frequentemente

fatal, assim como o SARS-CoV-2 (KHAILANY; SAFDAR;

OZASLAN, 2020). Os três vírus levantaram grande

preocupação global e tornaram-se problemas de saúde

emergentes em todo o mundo em seus respectivos períodos

(MEO et al., 2020), como mostrado na tabela 1.

Tabela 1. Comparação entre SARS-CoV, MERS-CoV e SARS-

CoV-2 com relação ao ano de identificação, local da primeira

notificação, número de países atingidos e situação atual.

Vírus Ano de

notificação

Local da

primeira

notificação

Número

de

países

atingidos

Situação atual

SARS-CoV 2002 Hong Kong

(China) 26

Sem casos

relatados

desde 2004

MERS-CoV 2012 Arábia Saudita

(Oriente médio) 27

Redução de

casos desde

2016, mas

com riscos

significantes

no Oriente

Médio

SARS-CoV-2 2019 Wuhan

(China) 214 Em curso

Fontes: FANI; TEIMOOR; GHAFARI, 2020; de WIT et al., 2020; NHI, 2020.

BREVE REVISÃO SOBRE O SARS-COV, O MERS-COV E O SARS-COV-2 E O USO DO PLASMA CONVALESCENTE NA TERAPIA EXPERIMENTAL

467

O SARS-CoV, o MERS-CoV e o SARS-CoV-2 pertencem

ao gênero Betacoronavirus, da família Coronaviridae, ordem

Nidovirales (PAYNE 2017). Os primeiros dados sequenciados

de genoma mostraram que o SARS-CoV-2 é membro do gênero

em questão e se enquadra no subgênero Sarbecovírus,

juntamente com o SARS-CoV. O MERS-CoV pertence ao

subgênero Merbecovírus (ZHANG; HOLMES, 2020).

A família Coronaviridae é constituída por grandes vírus

envelopados e com genoma de RNA de fita simples, cujo

comprimento varia de 25 a 32 kb e possui estrutura de cap 5′ e

cauda poli-A 3′. Os vírions desse grupo são aproximadamente

esféricos e possuem diâmetro de 118 a 136 nm (PAYNE 2017).

O motivo de a família ser assim denominada é a presença das

moléculas de proteína Spike (S) na superfície viral, o que dão

aos vírions um formato de coroa (ABDELRAHMAN; LI; WANG,

2020).

Coronavírus que usam animais como reservatórios

naturais são conhecidos desde o final de 1930. Por milhares de

anos, esses agentes vêm cruzando as barreiras das espécies e

alguns emergiram como importantes patógenos humanos.

Evidências filogenéticas mostraram que morcegos e roedores

servem como fonte de genes da maioria dos betacoronavírus

(YE et al., 2020), no entanto, outros animais também podem

servir de reservatório.

Estudos revelaram que tanto o SARS-CoV quanto o

MERS-CoV têm origem zoonótica. Outros relataram a

possibilidade de o SARS-CoV-2 também ter procedência

animal, proposta baseada na semelhança de sua sequência

genética com a de outros coronavírus conhecidos. Assim como

o SARS-CoV e o MERS-CoV, o SARS-CoV-2 pode ter sido

BREVE REVISÃO SOBRE O SARS-COV, O MERS-COV E O SARS-COV-2 E O USO DO PLASMA CONVALESCENTE NA TERAPIA EXPERIMENTAL

468

transmitido a humanos por um hospedeiro animal intermediário

(LI et al., 2020).

Comparações genéticas entre os vírus humanos e os

que infectam outros animais fundamenta os estudos sobre a

origem desses patógenos. As sequências genômicas de

coronavírus de pangolins (pangolin-CoV) de Guangdong, na

China, foram mais estreitamente relacionadas ao SARS-CoV-2,

mas as evidências também apontam ratos e algália de bambu,

da família Rhizomyidae, como seus prováveis hospedeiros

intermediários, mas nenhuma prova absoluta foi encontrada

(VINODHKUMAR et al., 2020).

Outro estudo analisou a dinâmica de transmissão e

história evolutiva do SARS-CoV-2 comparando os genomas de

cepas de diferentes países com o pangolin-CoV de duas

amostras de metagenoma de pangolin e com vírus do tipo

SARS de morcego, focando as sequências de aminoácidos das

respectivas proteínas S. Os autores verificaram que o vírus das

duas amostras de pangolins eram filogeneticamente

relacionados o SARS-CoV-2, mas este foi mais semelhante ao

vírus do tipo SARS de morcego (LI et al., 2020).

Outra análise mostrou que o SARS-CoV-2 pertence,

juntamente com o SARS-CoV e o vírus do tipo SARS de

morcego, a um clado diferente do MERS-CoV, sendo

filogeneticamente mais relacionado àqueles isolados de

morcegos ferradura, na China, entre 2015 e 2018, do que ao

SARS-CoV, o que apóia a hipótese de que a cadeia de

transmissão começou a partir do morcego e atingiu o ser

humano (BENVENUTO et al., 2020).

Uma comparação da origem zoonótica, dos hospedeiros

intermediários, do tamanho dos genomas juntamente com o

BREVE REVISÃO SOBRE O SARS-COV, O MERS-COV E O SARS-COV-2 E O USO DO PLASMA CONVALESCENTE NA TERAPIA EXPERIMENTAL

469

receptor celular em humanos de cada coronavírus aqui

discutido é apresentada na tabela 2.

Tabela 2. Origem zoonótica, hospedeiro intermediário, tamanho

do genoma e receptor celular humano de SARS-CoV, MERS-

CoV e SARS-CoV-2. ECA-2: Enzima Conversora de

Angiotensina 2; CD26: Enzima Dipeptidil peptidase 4.

*Provavelmente.

Vírus Hospedeiro

primário

Hospedeiro

intermediário

Tamanho do

Genoma (kb)

Receptor

principal em

humanos

SARS-CoV Morcego

Civeta de

palma

mascarada

29,75 kb ECA-2

MERS-CoV Morcego Dromedário 30,11 kb CD26

SARS-CoV-2 Morcego* Desconhecido 29,8 – 29,9 kb ECA-2

Fontes: Zhu et al., 2020; Yuan et al., 2015; Khailany; Safdar; Ozaslan, 2020;

Wang et al., 2020.

O SARS-CoV, o MERS-CoV e, possivelmente, o SARS-

CoV-2 originaram-se de morcegos, sendo que para o primeiro,

a civeta de palma mascarada constitui o hospedeiro

intermediário que desencadeou o transbordamento para os

humanos, e os camelos dromedários, a ponte para o MERS-

CoV (LAUXMANN; SANTUCCI; AUTRAN-GÓMEZ, 2020). O

interventor do SARS-CoV-2 ainda permanece desconhecido.

O SARS-CoV-2 compartilha aproximadamente 79,5% de

homologia genômica com o SARS-CoV, enquanto apenas

cerca de 50% de similaridade com o MERS-CoV, indicando

proximidade maior com o primeiro (ZHU et al., 2020).

Sanders et al. (2020) encontraram 98 áreas de

sobreposição de regiões altamente estruturadas ao comparar

BREVE REVISÃO SOBRE O SARS-COV, O MERS-COV E O SARS-COV-2 E O USO DO PLASMA CONVALESCENTE NA TERAPIA EXPERIMENTAL

470

os genomas de SARS-CoV e SARS-CoV-2. Dentro dessas

regiões conservadas na região de codificação do genoma de

SARS-CoV-2, foram identificadas 65 com estruturas

secundárias semelhantes, estando a maioria, 26, dentro da

Open Reading Frames 1b (Fase de leitura aberta – ORF1b).

Todos os coronavírus contêm pelo menos quatro

proteínas estruturais, que são essenciais para desencadear a

infecção viral e promover a montagem do vírion (CHEN; LIU;

GUO, 2020), sendo três delas associadas à membrana: Spike

(S), necessária à ligação na células-alvo e à fusão da

membrana celular do vírus durante a infecção; as proteínas de

membrana (M) e do envelope (E); e uma do nucleocapsídeo (N)

(WU et al., 2020).

A proteína M tem três domínios transmembrana, dá

forma aos vírions, promove a curvatura da membrana e se liga

ao nucleocapsídeo. A proteína E desempenha um papel na

montagem, na liberação do vírus da célula e na patogênese

viral. A proteína N contém dois domínios, os quais podem ligar-

se ao RNA genômico do vírus (CHEN; LIU; GUO, 2020).

A ligação do RNA a N estabiliza o nucleocapsídeo e o

núcleo interno dos vírions, promovendo a conclusão da

montagem e o brotamento viral (PAYNE et al., 2017). Uma

comparação entre as massas moleculares das proteínas

estruturais de MERS-CoV, SARS-CoV e SARS-CoV-2 é

apresentada na tabela 3.

BREVE REVISÃO SOBRE O SARS-COV, O MERS-COV E O SARS-COV-2 E O USO DO PLASMA CONVALESCENTE NA TERAPIA EXPERIMENTAL

471

Tabela 3. Comparação do tamanho em Dálton (Da) das

proteínas Spike, de Membrana, de Nucleocapsídeo e de

Envelope de SARS-CoV, MERS-CoV e SARS-CoV-2 e seus

respectivos códigos de entrada na base de dados UniProtKB.

Vírus

Tamanho da

proteína S

(Da)

Tamanho da

proteína M

(Da)

Tamanho da

proteína N

(Da)

Tamanho da

proteína E

(Da)

SARS-CoV 139,125 Da

(P59594)

25,061 Da

(P59596)

45,626 Da

(P59595)

8,361 Da

(P59637)

SARS-CoV-2

141,178 Da

(P0DTC2)

25,147 Da

(P0DTC5)

46,025 Da

(P0DTC9)

8,365 Da

(P0DTC4)

MERS-CoV 149,384 Da

(K9N5Q8)

24,551 Da

(T2BB40 )

45,048 Da

(R9UM87)

9,354Da

(K9N5R3)

Fonte: UniProt Knowledgebase (UniProtKB).

A proteína S dos coronavírus compreende duas

subunidades: S1, que contém o domínio de ligação ao receptor

(RBD), e S2, que auxilia na fusão da membrana viral com a da

célula-alvo (WU et al., 2020), sendo ambas unidas de forma não

covalente. A ligação com o receptor induz mudanças

conformacionais na proteína S, expondo os locais de clivagem

das duas subunidades (TRIGUEIRO-LOURO et al., 2020),

processo este que ativa a proteína de fusão. O resultado é uma

entrada complexa nas células suscetíveis, que requer ação

combinada de ligação ao receptor e proteólise da proteína S

para promover a fusão vírus-célula (WALL et al., 2020).

Em MERS-CoV, SARS-CoV e SARS-CoV-2, a clivagem

proteolítica de iniciação é realizado pela Protease Serina

Transmembrana humana 2 (TMPRSS2), embora que para o

MERS-CoVs uma pré-clivagem é necessária para a ativação

BREVE REVISÃO SOBRE O SARS-COV, O MERS-COV E O SARS-COV-2 E O USO DO PLASMA CONVALESCENTE NA TERAPIA EXPERIMENTAL

472

subsequente da proteína S pela TMPRSS2, o que é realizada

por furina nas células infectadas (PARK et al., 2016).

A sequência de aminoácidos da proteína S em SARS-

CoV-2 é 76,47% idêntica à do SARS-CoV, com a mesma

confirmação estrutural e propriedades eletrostáticas na

interface de interação (XU et al., 2020). Esse valor é promovido

por cerca de 380 subsitituições de aminoácidos entre as duas,

que se traduz em diferenças em cinco dos seis aminoácidos

vitais do RBD com o ECA-2 humano expresso na superfície

(GHEBLAWI et al., 2020).

A afinidade de ligação da proteína S à ECA-2 é

comparável ou ainda mais forte do que no SARS-CoV. Isso

pode explicar o rápido desenvolvimento e forte capacidade de

transmissão humano-humano em COVID-19 (XIE; CHEN,

2020).

As alterações em vários resíduos de aminoácidos

permitem aumento das interações hidrofóbicas e formações de

pontes salinas, o que pode explicar a influência global

consideravelmente maior do COVID-19 do que o SARS

(GHEBLAWI et al., 2020).

A proteína S é o principal alvo de anticorpos

neutralizantes durante a infecção viral, bem como o foco da

projeção de vacinas (WANG et al., 2020). Porém, nenhum

medicamento ou vacina específica ainda foram aprovados para

o tratamento desses coronavírus humanos (WU et al., 2020),

mas a sobreposição genética entre eles (LI et al., 2020) fez com

que as pesquisas estejam reaproveitando para COVID-19

terapias antivirais usadas no cenário das infecções por SARS-

CoV e MERS-CoV, como é o caso do plasma convalescente.

BREVE REVISÃO SOBRE O SARS-COV, O MERS-COV E O SARS-COV-2 E O USO DO PLASMA CONVALESCENTE NA TERAPIA EXPERIMENTAL

473

A TERAPIA DE PLASMA CONVALESCENTE E O SEU USO

PARA O TRATAMENTO DA SARS

Plasma convalescente é um tipo de imunoterapia passiva

baseada em plasma ou derivados obtidos de doadores

recuperados de infecções graves (GARRAUD, 2017), que são

transfundidos em pacientes recém-infectados como a primeira

opção terapêutica na ausência de um tratamento específico

disponível para a doença em questão (KO et al., 2018).

O princípio da infusão de plasma convalescente foi

estabelecido em 1880, ao ser demonstrada a presença de

anticorpos contra difteria no sangue de animais imunizados com

doses não letais de toxinas, e que poderiam ser transferidos

para animais que sofriam de infecções ativas (ROJAS et al.,

2020).

Os produtos do plasma fornecem imunidade passiva,

neutralizando o patógeno (MARANO et al., 2016) ou ativando o

sistema complemento, a citotoxicidade celular dependente de

anticorpo e/ou fagocitose, erradicando eventualmente o

patógeno da circulação sanguínea do paciente (BLOCH et al.,

2020).

Dessa forma, a administração de plasma convalescente

no período de janela imunológica, antes que um paciente

desenvolva seu próprio anticorpo, pode fornecer esses

produtos prontos para medeiar a atividade antiviral e aumentar

o desenvolvimento da resposta imune (CASADEVALL;

JOYNER; PIROFSKI, 2020).

A imunoterapia passiva foi aprimorada e a tecnologia

molecular desenvolveu e estabeleceu o uso de anticorpos

monoclonais direcionados contra fatores envolvidos na

BREVE REVISÃO SOBRE O SARS-COV, O MERS-COV E O SARS-COV-2 E O USO DO PLASMA CONVALESCENTE NA TERAPIA EXPERIMENTAL

474

patogênese de doenças (WALKER; BURTON, 2018),

anticorpos policlonais, imunoglobulinas intravenosas, entre

outros, para tratar condições infecciosas. Porém, em situações

emergenciais, a obtenção desses produtos é mais difícil,

principalmente por conta dos custos, o que faz com que o

plasma convalescente seja a opção imediata (ROJAS et al.,

2020).

O plasma convalescente foi usado pela primeira para

tratar a gripe espanhola, em 1918, tendo sido aproveitado em

surtos de SARS (BROWN, McCULLOUGH, 2020; CAO, SHI,

2020). O procedimento era aplicado como último recurso para

melhorar a taxa de sobrevivência de pacientes com SARS cuja

condição continuava a piorar apesar de outros tratamentos

administrados. Além disso, os estudos admitem abreviação do

tempo de internação e redução da mortalidade em pacientes

tratados com plasma convalescente em comparação com os

que não foram (CHEN et al., 2020).

No entanto, a eficácia em relação à SARS é motivo de

controvérsias. A maioria das pesquisa que testaram a terapia

admite limitações como: falta de grupos-controle (AL-TAWFIQ;

ARABI, 2020), número pequeno de pacientes na amostra e falta

de padronização dos títulos de anticorpos no plasma

convalescente dos doadores (SULLIVAN; ROBACK, 2020).

PLASMA CONVALESCENTE NA TERAPIA DA MERS

A literatura também relata o uso de plasma

convalescente no tratamento de MERS, mas assim como para

SARS, os trabalhos relacionados são escassos e

inconcludentes com relação a sua eficácia e segurança.

BREVE REVISÃO SOBRE O SARS-COV, O MERS-COV E O SARS-COV-2 E O USO DO PLASMA CONVALESCENTE NA TERAPIA EXPERIMENTAL

475

Arabi et al (2016) fizeram um estudo sobre a viabilidade

de se conduzir um ensaio clínico randomizado de terapia de

plasma convalescente obtido de pacientes previamente

recuperados de MERS. Os autores estabeleceram um protocolo

para o seu uso nessa situação e que consistia de duas fases: a

primeira para coleta do plasma convalescente e análise dos

títulos de anticorpos anti-MERS-CoV; e a segunda, o

tratamento dos pacientes.

No entanto, ao executarem a primeira fase planejada,

Alrashid et al (2017) relataram baixa soroprevalência de

anticorpos MERS-CoV entre coortes de pacientes com infecção

suspeita ou confirmada. Foram testados para anticorpos anti-

MERS 170 doadores na Arábia Saudita com idades entre 18-32

anos e nenhum foi positivo.

Os autores acham que os níveis de anticorpos têm uma

rápida redução durante a recuperação dos pacientes, chegando

a desaparecer após cerca de 8 meses. Dessa forma, neste

estudo, através dos resultados foi verificado que, para infecção

por MERS-CoV, o plasma obtido dos doadores saudáveis não

tem anticorpos suficientes que permitam o seu uso como

tratamento.

Em contrapartida, Ko et al (2018) testaram o efeito do

plasma convalescente de quatro doadores recuperados de

MERS em três pacientes coreanos e foi constatada atividade

neutralizante no soro, apesar de ter sido em apenas dois. Um

deles teve piora na oxigenação 2 h depois de receber a terapia

e desenvolveu lesão pulmonar aguda relacionada à transfusão

(transfusion-related acute lung injury – TRALI), mas cinco dias

depois seu soro apresentou atividade neutralizante e teve alta

com 102 dias após o início da doença. O outro paciente recebeu

BREVE REVISÃO SOBRE O SARS-COV, O MERS-COV E O SARS-COV-2 E O USO DO PLASMA CONVALESCENTE NA TERAPIA EXPERIMENTAL

476

infusão de plasma convalescente no 14º dia da doença, quando

teve piora na oxigeniação, e no dia seguinte seu soro

apresentou atividade neutralizante, recebendo alta no 39º dia

da MERS.

Os dois indivíduos receberam infusão de plasma

convalescente com atividade de neutralização de um título

PRNT de 1:80 (verificada através do plaque reduction

neutralization test – PRNT, teste de neutralização por redução

de placas de lise). O que não teve atividade recebeu um plasma

convalescente com título PRNT de 1:20. Os autores concluíram

que, para uma infusão eficaz na infecção por MERS-CoV, o

plasma do doador deve ser testado quanto à atividade de

anticorpos e a atividade de neutralização de título PRNT ≥ 1:80

pode ser necessária.

PLASMA CONVALESCENTE NA TERAPIA PARA COVID-19

A terapia de plasma convalescente direcionada a

pacientes da COVID-19, pandemia ainda em curso, é de amplo

interesse, pois, teoricamente, imunoglobulinas anti-SARS-CoV-

2 neutralizantes existem no plasma dos pacientes recuperados

(SEGHATCHIANA; LANZA, 2020).

YE et al., 2020 usaram plasma convalescente em seis

pacientes com COVID-19 em curso tardio. Os resultados

apontaram que eles tiveram os sintomas aliviados, alterações

nas anormalidades radiológicas e nos exames laboratoriais, e

não houve efeito adverso óbvio durante o tratamento. O vírus

foi eliminado em cinco pacientes que apresentaram SARS-CoV-

2 no swab da garganta, e houve aumento imediato nos títulos

de anticorpos anti-SARS-CoV-2 em dois dos pacientes. Os

BREVE REVISÃO SOBRE O SARS-COV, O MERS-COV E O SARS-COV-2 E O USO DO PLASMA CONVALESCENTE NA TERAPIA EXPERIMENTAL

477

autores atribuem ao plasma os benefícios clínicos em todos os

seis casos, provavelmente devido aos anticorpos anti-SARS-

CoV-2 IgM e IgG que neutralizam diretamente o vírus, além do

conteúdo anti-inflamatório que pode ter prevenido a liberação

de citocinas.

SHEN et al., 2020 descreveram a melhora do estado

clínico de cinco pacientes (duas mulheres e três homens, de 36

a 76 anos) com COVID-19 grave após a transfusão de plasma

convalescente de cinco doadores entre 18 e 60 anos que

haviam se recuperado da infecção por SARS-CoV-2. Os

pacientes transfundidos tiveram a temperatura corporal

normalizada e redução da carga viral, além de desmame da

ventilação mecânica.

Em outro estudo, com 189 pacientes de COVID-19,

Alboghasemi et al. (2020) administraram em 115 deles,

tratamento com plasma convalescente, e em 74, terapia

antiviral de rotina semelhante, incluindo lopinavir/ritonavir,

hidroxicloroquina e agente anti-inflamatório. Os autores

concluíram que o plasma convalescente deve ser considerada

como uma terapia segura e eficaz para pacientes com COVID-

19, pois melhorou a sobrevida dos pacientes e reduziu

significativamente o período de hospitalização e as

necessidades de intubação em comparação com o grupo de

controle.

Os dois primeiros estudos aqui descritos com plasma

convalescente direcionado ao tratamento de COVID-19 têm

limitações: (i) o número da amostra, que é pequeno; (ii) a falta

de controles; (iii) a administração de antivirais nos pacientes

durante a transfusão, não sendo possível determinar se a

melhora observada poderia estar relacionada a outras terapias

BREVE REVISÃO SOBRE O SARS-COV, O MERS-COV E O SARS-COV-2 E O USO DO PLASMA CONVALESCENTE NA TERAPIA EXPERIMENTAL

478

do que plasma convalescente ou se ele potencializou a ação

dos antivirais; (iv) o período em que a transfusão de plasma foi

realizada: 10 a 22 dias após a admissão dos pacientes nos dois

casos, não podendo ser conclusivo se a melhora pode ser

resultante também do curso natural do organismo.

No terceiro estudo, embora tenha sido executado com

uma amostra maior e com grupo-controle, o plasma

convalescente foi administrado em menos de três dias da

admissão hospitalar, o que não deixa claro se seria o momento

ideal. Os pacientes que receberam a terapia experimental

também receberam terapia antiviral de rotina, incluindo

lopinavir/ritonavir, hidroxicloroquina e agente anti-inflamatório,

também sendo inconclusivo se o plasma potencializou a ação

dos antivirais.

Questões éticas também impõem limitações às

pesquisas relacionadas à terapêutica experimental em qualquer

situação. Segundo Alboghasemi et al. (2020), em seu trabalho,

houve relutância em privar os pacientes da terapia, o que fez o

grupo-controle ser formado de pacientes com apresentação

clínica leve e não compatíveis de plasma convalescente do

grupo sanguíneo, estando em menor número que no grupo de

tratamento; além de ser invitável neste a administração dos

medicamentos antivirais

Para eficácia da terapia, a administração do plasma

convalescente em pacientes, seja de COVID-19 ou de

quaisquer outras enfermidades, os estudos devem ser bem

projetados e considerar possíveis reações adversas como

TRALI, sobrecarga circulatória associada à transfusão

(Transfusion Associated Circulatory Overload – TACO),

reações alérgicas à transfusão, transmissão de doenças

BREVE REVISÃO SOBRE O SARS-COV, O MERS-COV E O SARS-COV-2 E O USO DO PLASMA CONVALESCENTE NA TERAPIA EXPERIMENTAL

479

infecciosas e riscos associados a leucócitos e aloimunização de

glóbulos vermelhos (PANDEY; VYAS, 2020).

O suporte laboratorial para a realização de testes

sorológicos e moleculares, que incluem medição da

neutralização viral e resposta imune devem ser considerados,

assim como o alinhamento governamental e institucional que

permitam as instituições de saúde e a indústria de plasma

seguirem estratégias perfeitas (LANGHI-JÚNIOR; DE SANTIS;

BORDIN, 2020).

Como se pode perceber, embora seu conceito esteja

bem estabelecido enquanto terapia, os ensaios clínicos com

plasma convalescente em larga escala, randomizados e bem

projetados são escassos, o que faz com que o próprio ainda

seja considerado empírico (CAO, SHI, 2020), estando as

questões éticas envolvidas com essas restirções.

CONCLUSÕES

O SARS-CoV-2 resultou em uma pandemia de maior

proporção do que as provocadas pelo SARS-CoV e pelo MERS-

CoV, atingido mais regiões do mundo. Apesar da origem dos

dois primeiros estarem estabelecidas, a do SARS-CoV-2 ainda

permanece obscura. Conhecer sua procedência é um passo

importante para prevenir possíveis surtos futuros semelhantes,

bem como a transmissão de doenças zoonóticas aos humanos,

tema este que também deve ser prioridade em pesquisa.

O combate com plasma convalescente aos coronavírus

que ainda configuram ameaça para humanidade ainda é algo

desafiador, pois existem consideráveis obstáculos, entre eles

as questões éticas em relação aos cuidados fornecidos para os

BREVE REVISÃO SOBRE O SARS-COV, O MERS-COV E O SARS-COV-2 E O USO DO PLASMA CONVALESCENTE NA TERAPIA EXPERIMENTAL

480

pacientes, a serem superados para que o procedimento possa

ser recomendado como opção terapêutica.

A capacidade de mutação subsidia o surgimento de

novas linhagens de coronavírus, e a falta de evidências clínicas

para fundamentar as intervenções medicativas, tendo em vista

que nenhum antiviral está disponível para tratar as viroses

ainda em andamento, caso da MERS e da COVID-19, torna

clara a necessidade de desenvolvimento de protocolos a serem

usados em ensaios clínicos randomizados.

As experiências com a SARS, a MERS e, agora, com a

COVID-19 devem assistir as projeções de experimentos futuros

e orientar os esforços de prevenção para reduzir a transmissão

e conter surtos posteriores de doenças zoonóticas.

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ESTUDOS ANTIMICROBIANOS COM Aloe vera: UMA REVISÃO

484

CAPÍTULO 23

ESTUDOS ANTIMICROBIANOS COM Aloe vera: UMA REVISÃO

Juliane Nancy de Oliveira SILVA 1

Caio César da Silva GUEDES 2

Suellen Pedrosa da SILVA 3 Anderson Felipe Soares de FREITAS 4

Robson Raion de Vasconcelos ALVES 5

1 Mestranda em Bioquímica e Fisiologia, UFPE; 2 Doutorando em Ciências Biológicas, UFPE; 3 Doutoranda em Ciências Biológicas, UFPE; 4 Mestrando em Ciências Biológicas, UFPE; 5

Doutorando em Ciências Biológicas, UFPE [email protected]

RESUMO: A Aloe vera é uma planta conhecida pelo seu grande uso na medicina popular e apresenta diversas atividades biológicas que podem estar relacionadas com os compostos biologicamente ativos encontrados nas folhas, raiz e gel. Com o aumento na busca por compostos capazes de diminuir o crescimento de microrganismos e inibir a formação de cepas resistentes é de suma importância estudos que demostrem diferentes mecanismos e aplicações na indústria farmacêutica e alimentícia. Com isso, o objetivo deste trabalho foi analisar estudos dos últimos cinco anos sobre a atividade antimicrobiana com a utilização da A. vera em suas preparações/formulações. A partir das bases de dados do Science Direct e Google Acadêmico, foram identificados trabalhos que abordaram o tema proposto visando a elaboração desse capítulo de livro. Preparações dos diferentes tecidos vegetais de A. vera apresentaram atividade contra várias espécies bacterianas, a exemplo de Escherichia coli, Pseudomonas aeruginosa e Staphylococcus aureus. Também foi visto que essas preparações também apresentaram ação contra fungos, como Penicillium digitatum, Candida glabrata e Aspergillus niger. Além disso, o gel da A. vera foi bastante

ESTUDOS ANTIMICROBIANOS COM Aloe vera: UMA REVISÃO

485

utilizado na formação de um filme comestível, que pode ser empregado para o melhoramento dos alimentos e eliminação dos microrganismos, aumentando a vida de prateleira dos alimentos. Sendo assim, a A. vera pode ser utilizada como um agente com grande potencial antimicrobiano. Palavras-chave: Antibacteriano. Antifúngico. Sinergismo.

INTRODUÇÃO

O gênero Aloe possui mais de 400 espécies. De acordo

com as regras internacionais de nomenclatura botânica, o nome

científico da “Aloe vera” é Aloe barbadensis Mill. e Aloe vera (L.)

Burm. F., sendo esses dois nomes sinônimos. Ela é uma planta

pertencente à família das Aloeaceae, sendo uma planta perene,

possuindo resistência à seca. As suas folhas são suculentas e

formam uma roseta em sua haste. Esta planta sobrevive a uma

variedade de climas, principalmente em regiões temperadas e

subtropicais, porém em temperaturas baixas ela não consegue

sobreviver. A denominação “aloe” deriva do grego alóe, do

árabe alloeh e do hebraico halal, apresentando o mesmo

significado nos três casos, que corresponde à “substância

amarga e brilhante”, enquanto “vera” significa verdadeira. São

nativas do norte da África, habitam os desertos e estepes

africanas e adotam a forma de cacto (SÁNCHEZ-MACHADO et

al., 2017).

A A. vera foi bastante utilizada pelos povos do Antigo

Egito, principalmente pela rainha Cleópatra que a utilizava para

fins estéticos, tais como massagear a pele e na forma de

máscara de beleza. Apesar de ter um nome de origem arábica,

a A. vera, por intermédio dos indígenas, foi disseminada para

outras localidades como os Estados Unidos e o Brasil

(SANTOS, 2019).

ESTUDOS ANTIMICROBIANOS COM Aloe vera: UMA REVISÃO

486

As folhas da A. vera são constituídas principalmente por

água, e o restante dos compostos incluem carboidratos,

antraquinonas, compostos fenólicos, proteínas, lipídios, ácidos

orgânicos e outros. Muitos dos compostos isolados já foram

reportados como possuindo atividades anticâncer, antioxidante,

antimicrobiana e anti-inflamatória (BARUAH et al., 2016).

Devido ao aumento da resistência microbiana aos

antibióticos existentes, há uma busca por novos fármacos que

possam aumentar a gama de drogas destinadas aos

microrganismos ou que possam diminuir essa resistência

(MORRISON; ZEMBOWER, 2020).

As limitações desses medicamentos estabelecem a

necessidade de desenvolver novos agentes antimicrobianos,

particularmente, com mecanismos de ação inovadores. Um dos

artifícios que está se destacando com o propósito de contornar

essas limitações é o uso de inibidores de fatores de virulência

do patógeno, uma vez que estes fatores causam vários danos

ao hospedeiro, aumentando o poder de infecção destes

microrganismos (SANTOS, 2019).

Devido a sua grande quantidade de compostos com

atividades biológicas, a A. vera é utilizada em diversas áreas da

pesquisa, como por exemplo, na indústria alimentícia, onde a

planta fornece um revestimento comestível nos alimentos,

livrando-os de microrganismos e aumentando a vida útil do

alimento. Além disso, ela também é utilizada na área da

medicina, onde é aplicada de diferentes formas em cada órgão

ou sistema, como na pele, na cavidade oral, no sistema

gastrointestinal, entre outras aplicações (AKABERI et al., 2016;

GIANNAKOUDAKIS et al., 2018).

ESTUDOS ANTIMICROBIANOS COM Aloe vera: UMA REVISÃO

487

Com isso, o objetivo deste trabalho foi analisar estudos

dos últimos cinco anos sobre a atividade antimicrobiana com a

utilização da A. vera em suas preparações/formulações.

MATERIAIS E MÉTODO

Para a realização deste trabalho, foi utilizada abordagem

qualitativa com enfoque bibliográfico e cunho descritivo, que

tem uma função integradora e facilitadora possibilitando

agregar conhecimentos aos leitores, dando uma maior

compreensão sobre o assunto identificado por autores

presentes no arcabouço da literatura científica.

A busca eletrônica da literatura foi realizada em bases de

dados de referência, nas seguintes fontes de pesquisa: Science

Direct e Google Acadêmico onde foram incluídos manuais e

cadernos de Órgãos de Referência. Os descritores utilizados

para levantamento da pesquisa foram: Atividade

antimicrobiana, atividade antibacteriana, atividade antifúngica,

indústria de alimentos, sinergismo, estudo in vivo e Aloe vera

com o indicador booleano AND.

Os critérios de seleção dos artigos e periódicos foram:

estudos realizados entre o ano de 2015 a 2020, nos idiomas

português, inglês ou espanhol, pesquisas on-line disponíveis na

íntegra, por atender a margem de período de publicação. Foram

excluídos da pesquisa: artigos que não abordassem a temática

relevante para o alcance do objetivo, estudos incompletos, que

não estivessem disponíveis eletronicamente e escritos fora do

período delimitado. A busca dos artigos se deu entre os meses

de junho a outubro de 2020.

ESTUDOS ANTIMICROBIANOS COM Aloe vera: UMA REVISÃO

488

Figura 1. Fluxograma da seleção dos artigos.

Foi utilizado também como recurso para o

desenvolvimento da pesquisa, o uso de quadro, cuja sua

principal vantagem foi permitir a visualização da estrutura e da

técnica abordada pelos autores em seus respectivos textos. O

total de produções que tiveram sua leitura realizada na integra

foram de 78 trabalhos, dos quais um total de 26 foram

selecionados e compõem as referências desse trabalho (Figura

1). Foi seguida uma leitura analítica que possibilitou a

construção de categorias e, posteriormente, realizada uma

leitura interpretativa aprofundada, para identificação das

IDE

NT

IFIC

ÃO

T

RIA

GE

M

EL

EG

EB

ILID

AD

E

INC

LU

IDO

S

Artigos identificados no

Science Direct

(n= 65)

Artigos analisados na

integra

(n= 78)

Artigos identificados no

Google Acadêmico (n=

114)

Não atendem aos critérios

e duplicados

(n= 101)

Artigos incluídos na

revisão

(n= 26)

Artigos excluídos

(n= 52)

ESTUDOS ANTIMICROBIANOS COM Aloe vera: UMA REVISÃO

489

respostas para o alcance dos objetivos propostos para a

pesquisa.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Devido a seu grande número de componentes biológicos

com propriedades diversas, a A. vera tem demonstrado um

grande potencial antimicrobiano como podemos visualizar

através dos dados da tabela 1.

Quadro 1. Estudos com atividades antibacterianas,

antifúngicas, aplicações em alimentos, sinergismo e modelo in

vivo da Aloe vera.

Atividade antibacteriana

Parte

vegetal

Princípio Ativo

e/ou Extrato Cepas testadas Autor

Raízes

Aloesaponarina-I,

Desoxeritrolaccina,

Éster D-metílico do

ácido lacácico,

Aloesaponarina-II

e Aloesaponol-I

Xanthomonas

campestri

Canche-

Escamilla et al.

(2019)

Gel Acemanana

desacetilado

Escherichia coli e

Enterococcus

faecalis

Salah et al.

(2017)

Fibra

Pilivinilpirrolidona

e Acetato

Polivinilpirrolidona

Pseudomonas

aeruginosa e

Staphylococcus

aureus

Aghamohamadi

et al. (2019)

Folhas

Extrato aquoso

como agente P. aeruginosa

Rajkumari et al.

(2019)

ESTUDOS ANTIMICROBIANOS COM Aloe vera: UMA REVISÃO

490

redutor e

estabilizante de

nanopartículas de

TiO2

Extratos em

hexano, acetato

de etila, metanol e

água destilada

Serratia

marcescens e

Bacillus cereus

Dharajiya et al.

(2017)

Extratos em

acetato de etila,

água, etanol,

metanol, DMSO e

acetona

E. coli, Bacillus

subtilis e S.

aureus

Sahoo e Dixit

(2016)

Gel e

folhas Extrato metanólico

P. aeruginosa, B.

subtilis e S.

aureus

Abakar et al.

(2017)

Atividade Antifúngica

Parte

vegetal

Princípio Ativo

e/ou Extrato Cepas testadas Autor

Folhas

Nanopartículas de

selênio do extrato

aquoso

Penicillium

digitatum e

Colletotrichum

coccodes

Fardsadegh e

Jafarizadeh-

malmiri (2019)

Extrato metanólico Candida glabrata São-Pedro et

al. (2020)

Gel Gel comercial

P. digitatum,

Penicillium

expansum,

Botrytis cinérea,

Alternaria

Rodríguez et

al. (2005);

Sitara, Hassan

e Naseem

(2011).

ESTUDOS ANTIMICROBIANOS COM Aloe vera: UMA REVISÃO

491

alternata,

Aspergillus niger,

Aspergillus flavus

e Drechslera

hawaiensis

Suco comercial Aspergillus

nidulan

Berti et al.

(2016)

Proteína Candida albicans Santos (2019)

Aplicação em Alimentos

Parte

vegetal Aplicação Resultados Autor

Gel

Combinação com

ácido salicílico em

Citrus sinensis

Menor índice de

decomposição,

redução dos

danos

microbianos

Rasouli et al.

(2019)

Revestimento

comestível

otimizado com

nanopartículas de

TiO2

Excelente

atividade

antimicrobiana,

contra S. aureus,

E. coli e

Aspergillus

fumigatus

Salama e Aziz

(2020)

ESTUDOS ANTIMICROBIANOS COM Aloe vera: UMA REVISÃO

492

Gel

fresco

e caule

Carica papaya L.

Prevenção da

infecção de

feridas em frutos

de mamão

inoculados

com Fusarium sp.,

A. niger,

Colletotrichum

gloeosporioides e

Lasiodiplodia

theobromae

Mendy et al.

(2019)

Sinergismo

Parte

vegetal Associação Resultado Autor

Gel

Antibiótico beta-

lactâmico

Retardo do

aparecimento dos

cromossomos de

resistência em

cepas de S.

aureus

Chacón et al.

(2019)

Nanopartículas de

ZnO

Sensibilidade a E.

coli

Chandran et al.

(2018)

Casca

Nanopartículas de

sintetizadas do

extrato aquoso

associado com

Penicilina e

Ampicilina

E. coli e A. niger Chaudhary et

al. (2019)

In vivo

ESTUDOS ANTIMICROBIANOS COM Aloe vera: UMA REVISÃO

493

Parte

vegetal

Via de

administração Modelo animal Autor

Gel Via Oral

Camundongos

infectados com

Shingella

dysenteride

Hussain et al.

(2017)

Fonte: Dados da pesquisa

Atividade antibacteriana da Aloe vera

As raízes de A. vera oriundas de uma plantação pós-

colheita foram utilizadas para a obtenção de cinco metabólitos

(aloesaponarina-I, desoxeritrolaccina, éster D-metílico do ácido

lacácico, aloesaponarina-II e aloesaponol-I), sendo testados

contra cepas bacterianas fitopatogênicas. Desses metabólicos

dois deles apresentaram ação contra X. campestri, o

desoxeritrolaccina e o éster D-metílico do ácido lacácico, com

CMI (concentração Mínima inibitória) de 46,86 e 93,75 µg/mL,

respectivamente. Demonstrando que, esses componentes

podem atuar como agentes antimicrobianos (CANCHE-

ESCAMILLA et al., 2019).

Um polissacarídeo extraído do gel da A. vera, chamado

de acemanana, possui algumas funcionalidades, com isso foi

feito um estudo em que esse polissacarídeo foi levemente

desacetilado, gerando alguns polímeros. Através do ensaio de

contagem, o polímero que recebeu uma menor desacetilação

apresentou inibição no crescimento bacteriano e inibiu a

formação de biofilmes de duas cepas, E. coli e E. faecalis,

apresentando uma CIB50 (Concentração inibição de biofilme) ≤

7,6 ± 0,7 e CIB90 ≤ 68,2 ± 4,5. Com isso, conclui-se que a

ESTUDOS ANTIMICROBIANOS COM Aloe vera: UMA REVISÃO

494

desacetilação do acemanana pode diminuir o seu potencial

antibacteriano e antibiofilme (SALAH et al., 2017).

Existem fibras derivadas da A. vera que foram isoladas

através do método de eletrofiação, sendo elas o

Pilivinilpirrolidona e Acetato-Polivinilpirrolidona. Com essas

fibras foi feito o teste para saber sua capacidade antibacteriana

em cepas que podem gerar inflamações em cicatrizações de

feridas. Como resultado, observou-se que não houve

crescimento bacteriano nas placas inoculadas com P.

aeruginosa e S. aureus, em diferentes concentrações das

fibras, sendo um candidato promissor para ajudar na

cicatrização de feridas (AGHAMOHAMADI et al., 2019).

Outra molécula extraída do extrato aquoso de Aloe vera

foram as nanopartículas de dióxido de titânio (TiO2-NPs). Elas

foram testadas em cepas de P. aeruginosa, para saber a

possível capacidade antibiofilme. Sendo assim, foi obtido como

resultado uma redução na formação de biofilme da cepa, que

foi incubada junto com o TiO2-NPs na concentração de CMI de

31,25 µg/mL, demonstrando uma grande capacidade de

inibição na formação do biofilme (RAJKUMARI et al., 2019).

Utilizando diferentes métodos de extração, extratos da

seiva e folhas de A. vera foram avaliados quanto a sua ação

antimicrobiana. De acordo com esse estudo, ambos os extratos

apresentaram atividade antimicrobiana, sendo o extrato da

seiva mais eficaz do que o das folhas. A CMI se mostrou ≤ 6,25

µg/mL para a maioria dos microrganismos (P. aeruginosa, B.

subtilis e S. aureus) e os diferentes extratos, concluindo assim

que os extratos de seiva e folhas de A. vera podem ser

utilizados como agentes antimicrobianos (ABAKAR et al.,

2017).

ESTUDOS ANTIMICROBIANOS COM Aloe vera: UMA REVISÃO

495

Diferentes tipos de extrato da folha de A. vera (hexano,

acetato de etila, metanol e água destilada) na concentração de

100 mg/mL foram testados contra algumas espécies de

bactérias, utilizando o método de difusão em poços de ágar.

Todos os extratos, com exceção do acetato de etila,

apresentaram atividade. O maior efeito foi contra S.

marcescens com uma zona de inibição de 13,67 ± 0,57 mm pelo

extrato de hexano e contra B. cereus com 12,33 ± 0,57 mm pelo

extrato de metanol (DHARAJIYA et al., 2017).

Outro estudo utilizando diferentes tipos de extratos da

folha de A. vera, também observou sua ação contra três

espécies de bactérias (E. coli, B. subtilis e S. aureus). Diferente

do trabalho anterior o extrato que possuiu uma maior área de

inibição do crescimento foi o de acetato de etila sendo 6 mm

para E. coli, 4,8 mm para B. subtilis e 2 mm para S. aureus

(SAHOO; DIXIT, 2016).

Atividade antifúngica da A. vera

Através do extrato aquoso de folhas de A. vera são

obtidas nanopartículas de selênio (Se-NPs) utilizando o método

de síntese hidrotermal. As Se-NPs inibiram o crescimento de

micélios de P. digitatum, porém apresentaram baixo efeito

fungicida em C. coccodes. Os autores associaram tal achado

ao mecanismo dos efeitos fungicidas dos íons selênio que inclui

a absorção e o acúmulo dos mesmos pela célula do fungo o que

provocava o encolhimento da membrana citoplasmática e

inibição das atividades vitais da célula (FARDSADEGH;

JAFARIZADEH-MALMIRI, 2019).

A atividade antifúngica do gel de A. vera na

concentração de 10-1 µg/L contra quatro patógenos comumente

ESTUDOS ANTIMICROBIANOS COM Aloe vera: UMA REVISÃO

496

encontrados em frutas pós-colheita: P. digitatum, P. expansum,

B. cinerea e A. alternata foi determinada. As espécies P.

digitatum e A. alternata foram as mais sensíveis. O efeito

inibitório foi baseado na supressão da germinação e

crescimento micelial. A sobrevivência dos esporos de P.

digitatum, A. alternata e B. cinerea foi reduzida em 15-20%. No

entanto, o gel também foi similarmente eficaz contra P.

expansum apenas em concentração mais elevada. O efeito

supressor do gel para P. digitatum e P. expansum, foi mais

elevado conforme o aumento da concentração, com uma

redução de 95% na sobrevivência dos esporos (RODRÍGUEZ

et al., 2005).

Sitara, Hassan e Naseem (2011), também testaram o gel

de A. vera nas concentrações de 0,15%, 0,25% e 0,35% frente

aos fitopatógenos A. niger, A. flavus, A. alternata, D. hawaiensis

e P. digitatum. Houve redução significativa no crescimento dos

fungos proporcionalmente à concentração testada. O gel na

concentração de 0,15% apresentou notável atividade

antifúngica para todos os fungos em comparação ao controle.

São-Pedro et al. (2020) averiguaram os extratos

metabólicos das folhas verde (FV), folhas secas ao sol (FSS) e

secas na estufa (FSE) frente a espécie de C. glabrata. FSS e

FSE não apresentaram inibição do crescimento frente ao

microrganismo testado. O extrato FV foi fungistata para C.

glabrata apresentando o valor de CMI de 250μg/mL. Os autores

do trabalho atribuíram essa atividade às propriedades químicas

das substâncias presentes na planta, acreditando assim que

elas possam ter atuado de forma sinérgica. Algumas destas

substâncias foram identificadas como o pirocatecol, ácido

cinâmico, ácido ascórbico e ácido p-cumárico.

ESTUDOS ANTIMICROBIANOS COM Aloe vera: UMA REVISÃO

497

Berti et al. (2016) avaliaram o efeito do suco comercial

da A. vera, nas concentrações de 4% e 8% (v/v), frente a

germinação e antimutagênese em A. nidulan. A maior

concentração do suco se mostrou a mais eficiente, estimulando

a germinação em todas as linhagens de A. nidulans. Entretanto,

em relação à diminuição de esporos mortos e malformados,

ambas as concentrações se mostraram benéficas, porém, de

forma aleatória. A antimutagenicidade foi demonstrada

somente pelo extrato a 8%.

Santos (2019), relatou a presença de uma proteína

obtida do gel das folhas de A. vera com massa molecular de

14,9 kDa, presença de açúcares detectáveis por RMN

(ressonância magnética nuclear) e potente ação antifúngica

frente à C. albicans. A partir do método de diluição em

microplacas, realizou-se a avaliação da formação de biofilme.

Estas frações nas concentrações de 250; 125; 31,2 e 7,8 g/mL,

apresentaram atividade antifúngica no que concerne à inibição

da formação de biofilme de C. albicans, inibindo cerca de 70%

do mesmo.

Atividade antimicrobiana da A. vera nos alimentos

O gel de A. vera tem sido bastante utilizado nos estudos

recentes, o qual é constituído por polissacarídeos, minerais,

açúcares, vitaminas e compostos fenólicos, e têm demonstrado

diferentes propriedades biológicas. Um exemplo disso é sua

utilização no tratamento de frutos que podem ser

comercializados com a qualidade maior. Um estudo feito com o

gel de A. vera a 30 % junto com ácido salicílico a 2,0 mM em

Citrus sinensis L. Osbeck, demonstrou resultados significativos,

onde a fruta tratada apresentou menor índice de decomposição,

ESTUDOS ANTIMICROBIANOS COM Aloe vera: UMA REVISÃO

498

redução da carga microbiana e dos danos causados pelo frio,

em comparação com o controle. Concluindo assim que a

combinação desses dois compostos pode aumentar a

qualidade e o tempo de vida de prateleira das laranjas

(RASOULI et al., 2019).

Outro estudo feito com a A. vera no tratamento de frutos,

foi a utilização de dois extratos da planta, que foram submetidos

para investigar o efeito sobre fungos encontrados em mamão

(Carica papaya L.) pós-colheita. Os procedimentos foram

utilizados em concentrações diferentes dos extratos (0, 15, 25

e 50% v/v), tendo como resultado a diminuição da infecção

fúngica (Fusarium sp., L. theobromae, A. niger e C.

gloeosporioides) inoculados no mamão (MENDY et al., 2019).

Um revestimento comestível foi preparado com a A. vera

(AV), utilizando 1,94 g, junto com Alginato (1,014 g), além desse

gel, foi feito também a incorporação de nanopartículas de óxido

de titânio (TiO2-NPs) nas concentrações de 1, 3 e 5 %. Esses

filmes foram testados contra três espécies microbiológicas, S.

aureus, E. coli e A. fumigatus, utilizando o método de zona de

inibição. Percebeu-se que os filmes demonstraram uma

excelente atividade antimicrobiana, comparada com o controle

(apenas o alginato), sendo maior nos filmes contendo o TiO2-

NPs (SALAMA; AZIZ, 2020).

Sinergismo

A A. vera também possui estudos em que foram

avaliados sua ação antimicrobiana junto com outra substância.

Um exemplo disso foi um estudo em que seu objetivo foi avaliar

o aparecimento de resistência cromossômica em bactérias

gram-positivas causadoras de mastite em gado, quando são

ESTUDOS ANTIMICROBIANOS COM Aloe vera: UMA REVISÃO

499

expostas a A. vera (AV), junto com o antibiótico beta-lactâmico.

Como resultado a combinação de A. vera e ceftiofur ou

cloxacilina (20 mg/mL AV + 0,06 µg/mL antibiótico) retardou o

aparecimento dos cromossomos de resistência em cepas de S.

aureus, reduzindo a dose de antibióticos que são utilizados no

tratamento de gado leiteiro que possuem Mastite (CHACÓN et

al., 2019).

Para avaliar a eficiência do gel de A. vera foi realizado a

combinação do gel junto com nanopartículas de óxido de zinco

(ZnO-NPs) e avaliação in vitro dessa combinação contra

patógenos humanos utilizando em concentrações de 20 e 40

µg/mL. Resultados mostraram que a mistura dos dois

componentes aumentou a ação antibacteriana e antifúngica,

comparado com o padrão de Cloranfenicol e Estreptociclina,

sendo a E. coli o patógeno mais sensível a mistura

(CHANDRAN et al., 2018).

Nanopartículas de óxido de zinco (ZnO-NPs) também

foram sintetizadas a partir do extrato aquoso da casca de A.

vera e foi feito sua avaliação antimicrobiana contra alguns

patógenos e junto com dois antibióticos (Penicilina e Ampicilina)

obtendo uma concentração de 1 mg/mL. De acordo com os

resultados as nanopartículas apresentaram atividade contra

cepas de E. coli (MTCC-41), tendo uma zona de inibição de 14

± 0,58 mm e para o fungo A. niger com 15 ± 1,53. Porém a

junção do ZnO-NPs com os antibióticos apresentaram uma

zona de inibição menor do que apenas o antibiótico sozinho

(CHAUDHARY et al., 2019).

ESTUDOS ANTIMICROBIANOS COM Aloe vera: UMA REVISÃO

500

Estudos in vivo

Existem também estudos in vivo utilizando a A. vera

como a utilização do prebiótico Lassi suplementado com Aloe

vera (APL) que foi testado na prevenção de infecção por S.

dysenteride em camundongos administrados por via oral. Como

resultado, este trabalho apresentou que houve uma redução na

contagem de S. dysenteride em todos os órgãos comparados

com outros grupos de tratamento e aumentou também os níveis

de anticorpos IgA, demonstrando assim que o APL apresentou

efeito imunoprotetor contra a bactéria nos camundongos

(HUSSAIN et al., 2017).

CONCLUSÕES

Dessa forma concluímos que a A. vera é uma planta com

grande potencial antimicrobiano, podendo ser utilizada em

diversos procedimentos voltados as indústrias alimentícias e

farmacêuticas.

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ESTUDOS ANTIMICROBIANOS COM Aloe vera: UMA REVISÃO

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FISIOPATOLOGIA DA INFECÇÃO PELO ZIKA VÍRUS EM NEONATOS

503

CAPÍTULO 24

FISIOPATOLOGIA DA INFECÇÃO PELO ZIKA VÍRUS EM NEONATOS

Suelen Cristina Gomes Dos SANTOS1

Lara Nardi BARONI1

Carolina Maria Da SILVA2

1Graduação em Biomedicina pelo Centro Universitário UniFBV Wyden, Brasil; 2Orientadora/Professora da UniFBV e Doutorado em Biologia de Fungos pela Universidade

Federal de Pernambuco, UFPE, Brasil. [email protected]

RESUMO: Arboviroses são doenças transmitidas por arbovírus, a exemplo do vírus denominado Zika, que foi isolado pela primeira vez no macaco rhesus em 1947 na Uganda. A doença causada por esse vírus é transmitida a partir da picada de fêmeas infectadas do gênero Aedes, sendo o Aedes aegypti o principal vetor no Brasil. Recentemente a infecção pelo Zika tem sido associada ao nascimento de bebês com microcefalia, que se caracteriza pela observação do crânio e cérebro pequenos, com calcificações e atrofia cerebral e má formação ventricular. De acordo com a Organização Mundial de Saúde é uma malformação congênita e multifatorial, pode envolver fatores genéticos e ambientais. Estudos têm demonstrado que o vírus pode estar relacionado com a doença, pois é encontrado no líquido amniótico de gestantes infectadas por ele. Diante dos exposto, o objetivo deste trabalho foi verificar o mecanismo fisiopatológico do vírus Zika frente ao sistema nervoso central correlacionando ao desenvolvimento da microcefalia. Tratou-se de trabalho de revisão de literatura, onde foram utilizadas as plataformas Google Acadêmico, Pubmed, Scielo e Periódicos Capes para se pesquisar artigos publicados entre os anos de 2015 e 2020. A intensa urbanização intensifica o aumento da incidência de doenças como arboviroses. Podendo afetar a

FISIOPATOLOGIA DA INFECÇÃO PELO ZIKA VÍRUS EM NEONATOS

504

saúde, bem estar, segurança da população afetando também o meio ambiente ao seu redor. Ao longo dos últimos anos, tem se observado a ocorrência de diversos surtos de doenças virais transmitidas por vetores como o A. aegypty. Dentre as arboviroses transmitidas por fêmeas do A. aegypty destaca-se o Zika vírus, que foi isolado pela primeira vez no macaco Rhesus em 1947 em Uganda. O vírus é novo nas Américas, porém não há imunidade frente a ele dentro da população. Uma correlação do Zika vírus com sequelas neurológicas como a microcefalia começou a ser destacada recentemente. Os casos de microcefalia aumentou em outubro de 2015 com início no estado de Pernambuco e posteriormente se espalhando pelos outros estados região Nordeste. A microcefalia se caracteriza pela observação do crânio e cérebro pequenos, com calcificações, atrofia cerebral e má formação ventricular. De acordo com a Organização Mundial de Saúde é uma malformação congênita e multifatorial, pode envolver fatores genéticos e ambientais. Palavras-chave: Arbovirose. Zika. Microcefalia. Fisiopatologia. Infecção.

INTRODUÇÃO

O Vírus Zika é um flavivírus da família Flaviviridae e foi o

responsável pelo surto de infecção que ocorreu em 2015 no

Nordeste do Brasil. Junto com esse surto se observou o

aumento dos casos de microcefalia, principalmente No Estado

de Pernambuco. A Comprovação da correlação existente entre

os recém-nascidos com microcefalia e suas mães infectadas

pelo vírus, ocorreu através da detecção do vírus no líquido

amniótico em gestantes pela Fiocruz na Paraíba (NUNES, et al,

2016).

A microcefalia segundo a Organização Mundial de

Saúde (OMS) é caracterizada por uma redução na

FISIOPATOLOGIA DA INFECÇÃO PELO ZIKA VÍRUS EM NEONATOS

505

circunferência da cabeça, com a medida occipitofrontal

(circunferência do crânio) de um recém-nascido com 37

semanas de gestação igual ou menor que 31,9 cm para

meninos e 31,5 para meninas. Pode ser diagnosticada através

de exames de imagens, como a ultrassonografia, durante a

gestação e teste inicial para neonatos (RUSSO, JUNGMANN e

BELTRÃO, 2017; GOODFELLOW et al, 2018).

O vírus Zika tem a capacidade de ser transmitido pela

forma vertical (da mãe para o feto) através da passagem pela

placenta. Além disso, dependendo do período gestacional em

que a mulher adquiriu o vírus, aumenta a chance de o feto

apresentar microcefalia e outros problemas principalmente

neurológicos (NUNES, et al., 2016; PRATA, et al., 2019).

Adicionalmente, essa infecção pode causar outros

problemas que atrapalham no desenvolvimento da criança,

como por exemplo, o baixo peso e a baixa estatura para a idade,

e o retardo no desenvolvimento neurológico. Essas

consequências pós-infecção atrapalham no desenvolvimento

da criança (PRATA, et al., 2019).

Desta forma, o objetivo do trabalho é verificar o

mecanismo fisiopatológico do Zika vírus frente ao sistema

nervoso central correlacionado ao desenvolvimento da

microcefalia em neonatos.

MATERIAIS E MÉTODO

Esse trabalho tratou-se de uma revisão de literatura

sobre a fisiopatologia da infecção pelo Zika vírus no sistema

nervoso central de neonatos.

Para a coleta de dados foram utilizadas as plataformas

Google Acadêmico, Pubmed, Scielo e Periódicos Capes. Os

FISIOPATOLOGIA DA INFECÇÃO PELO ZIKA VÍRUS EM NEONATOS

506

descritores para busca foram: “Arbovirose”, “Zika”,

“Microcefalia”, “Fisiopatologia” e “Infecção”. Foram incluídos no

estudo artigos publicados entre os anos de 2015 e 2020, na

língua inglesa ou portuguesa.

Foram excluídos os trabalhos que não estavam

disponíveis na íntegra e cujo tema central divergia do objetivo

deste trabalho. seno utilizados 30 atigos nas línguas portuguesa

e inglesa.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A intensa urbanização em conjunto com o uso do solo de

forma inadequada intensificam ameaças como enchentes,

tempestades e deslizamentos, ou até mesmo o aumento da

incidência de doenças como arboviroses. No Brasil, a ocupação

de áreas de risco e condições socioeconômicas deficientes

auxiliam no aparecimento de grupos sociais sob essas

ameaças devido a vulnerabilidade presente no local.Os

impactos ambientais podem ser observados nas cidades, assim

como, a degradação ambiental que é uma consequência da

formação de uma urbanização descomprometida com os

aspectos físico-ambientais (ALMEIDA, 2020).

A legislação brasileira caracteriza o impacto ambiental

como qualquer tipo de alteração, de caráter físico, químico ou

biológico do meio ambiente. Essas alterações podem afetar a

saúde, bem estar, segurança da população afetando também o

meio ambiente ao seu redor. Os diversos impactos ambientais

oferecem riscos à saúde humana, um exemplo disso é o

saneamento ineficaz que pode vir acarretar doenças

transmitidas pela água como esquistossomose, hepatite e

diarreias. Além de, propiciar a reprodução de vetores de outras

FISIOPATOLOGIA DA INFECÇÃO PELO ZIKA VÍRUS EM NEONATOS

507

doenças como no caso do Aedes aegypti, principal responsável

pela transmissão das arboviroses (ALMEIDA, 2020).

As doenças infecciosas são consideradas de grande

importância para a saúde pública, além de, estarem associadas

à pobreza e a condições de vida inadequadas. No Brasil, é

possível observar que essas doenças persistem, devido a

transição epidemiológica e demográfica. Tendo como

predominantes as doenças transmissíveis, podendos ser

observadas em diferentes regiões do país (DE SOUZA, 2020).

Dentro de um contexto social diverso, se torna complexo

o trabalho da vigilância em saúde em avaliar e disseminar

informações para obter a tomada de decisão. Portanto, a

identificação de áreas susceptíveis para doenças infecciosas e

o entendimento da relação com indicadores socioeconômicos é

muito importante para determinar as ações da vigilância.

Ajudando também, no planejamento de medidas de controle e

intervenção da doença, bem como articular ações intersetoriais

de mitigação das causas que determinam o aparecimento

dessas patologias (DE SOUZA, 2020).

Ao longo dos últimos anos tem se observado a

ocorrência de diversos surtos de doenças virais transmitidas por

mosquitos, como a Chikungunya, a dengue e o Zika. Esta

ocorrência tem sido principalmente associada ao

desmatamento ambiental e ao acumulo de água que favorecem

a proliferação de vetores como o A. aegypty no ambiente

domiciliar. A trajetória desse vetor é caracterizada como um

comportamento sinantrópico e antropófilico, acompanhando o

homem de acordo com seu deslocamento (LIMA, 2016).

A distribuição geográfica do A. aegypty, pode ser

associada ao clima, sendo os climas tropical e subtropical os

mais favoráveis para o seu desenvolvimento. Porém existem

FISIOPATOLOGIA DA INFECÇÃO PELO ZIKA VÍRUS EM NEONATOS

508

outros aspectos que influenciam no aparecimento do mosquito

como o aumento do fluxo populacional, acumulo de lixo,

moradias inapropriadas e abastecimento de água inadequado

(LIMA, 2016).

Dentre as arboviroses transmitidas por fêmeas do A.

aegypty destaca-se o Zika vírus, que foi isolado pela primeira

vez no macaco rhesus em 1947 em Uganda. Já os primeiros

casos do isolamento deste vírus em humanos foram relatados

na Nigéria, e os primeiros relatos no Brasil surgiram por volta

do ano de 2015 (DONALISIO et al., 2017).

Da mesma forma que as outras arboviroses, o Zika vírus

se espalha de acordo com as condições favoráveis à

proliferação do mosquito, que deposita ovos em recipientes de

água e as fêmeas são hematófagas. Por isso a eliminação dos

criadouros é tarefa complexa nas cidades brasileiras,

especialmente em lugares com condições precárias e falta de

saneamento além da coleta de lixo irregular (HENRIQUES et

al., 2016).

Além da transmissão vetorial a partir da picada de

fêmeas infectadas pelo gênero Aedes, principalmente o A.

aegypti, a patologia pode ser transmitida por outras formas

como por via transfusional, perinatal, e há relatos que podem

ocorrer transmissão ocupacional em laboratórios e por relação

sexual (DONALISIO et al., 2017; TRINDADE et al., 2019).

Em relação a morfologia e classificação taxonômica

Wang e colaboradores (2017) destacam que o vírus Zika é um

arbovírus que pertence ao Gênero Flavivirus e família

Flaviviridae. O genoma da cepa africana ZIKV (MR766) é

composto por uma molécula simples de RNA de sentido

positivo, possuinte de um tamanho de ~10.9-kb. A região de

leitura codifica uma poliproteína que é posteriormente

FISIOPATOLOGIA DA INFECÇÃO PELO ZIKA VÍRUS EM NEONATOS

509

transformada em proteínas da membrana, do capsídeo,

envelope viral, e sete proteínas não estruturais: NS1, NS2A,

NS2B, NS3, NS4A, NS4B e NS5.

O vírus Zika é caracterizado por ser um vírus envelopado

de RNA de fita simples e apresenta uma poliproteína que é

clivada em dez proteínas, sendo três delas responsáveis por

formar a cápsula, o envelope e a membrana precursora, e as

outras sete são proteínas não estruturais. E ele consegue entrar

na célula graças a interação das glicoproteínas da sua cápsula

com os receptores celulares. Além de fatores que facilitam sua

entrada como os TAM que são receptores da família da

tirosinoquinase como o TYRO3, AXL e MER (LI, et al., 2016).

O capsídeo viral possui um formato icosaedro envolto de

uma bicamada lipídica derivada da célula hospedeira. As

proteínas M e E são localizadas na parte superior do vírus e

possuem hélices transmembranares, responsáveis pela

ancoragem na parte externa da membrana. À medida que as

partículas virais são liberadas, a proteína prM é clivada por uma

protease presente na região trans do complexo de Golgi,

formando peptídeos pr e a proteína M (WANG et al., 2017).

Já as proteínas não estruturais (NS1-NS5) são

responsáveis por formar um complexo replicativo, além de

desempenharem um importante papel de antagonista do

sistema imune inato do hospedeiro. Sendo que a estrutura da

proteína NS1 é altamente semelhante ao de outros flavovírus e

apresenta um potencial eletrostático notavelmente divergente

na superfície de seu loop. E esta região divergente está

intimamente ligada aos fatores de ligação à célula hospedeira e

a proteção contra os anticorpos. Ela ainda participa da evasão

imune e juntamente com a NS4A parece que desempenha um

papel na replicação viral. Além disso a NS4A junto com as

FISIOPATOLOGIA DA INFECÇÃO PELO ZIKA VÍRUS EM NEONATOS

510

proteínas NS2A, NS2B, NS4B formam um grupo de proteínas

hidrofóbicas que parecem estar associadas a membrana

plasmática embora não parecem ter função de atividade

enzimática, mas suas funções precisam ser melhor elucidadas

(ZHU et al., 2016).

Enquanto que a proteína NS3 é responsável e

necessária para a replicação e o processamento da poliproteina

por causa do sua porção N-terminal da cadeia polipeptídica que

apresenta a protease e na sua região C-terminal que apresenta

a helicase. Já a proteína NS5 é uma RNA polimerase

dependente de RNA que é realizada pela sua região C-terminal,

além de apresentar um domínio de atividade metiltrasferase

que se localiza na região N-terminal que tem a função de fazer

o capeamento do RNA viral (MANDACARU,2019).

A proteína E é considerada a principal proteína presente

na superfície do vírus e possui a função de ligação molecular

entre receptores da célula hospedeira e fusão de suas

membranas. Esta proteína no Zika possui uma diferença

quando comprado Ao vírus da dengue (DENV), pois no vírus

DENV a proteína E é glicosilada na asparagina 67

apresentando uma interação importante com o receptor DC-

SIGN da célula hospedeira. Já no Zika a glicosilação no

aminoácido asparagina 67 parece ser ausente (MANDACARU,

2019).

Adicionalmente, Mandacaru (2019) destaca que quando

se observa a evolução do vírus Zika e dos outros membros do

seu gênero, se percebe que o mesmo apresenta uma alta

similaridade genômica com o vírus da dengue (DENVs) em um

alto nível hierárquico. Mesmo sendo afirmado por Wang et al.

(2017) que o Zika é mais próximo filogeneticamente do

Spondweni vírus.

FISIOPATOLOGIA DA INFECÇÃO PELO ZIKA VÍRUS EM NEONATOS

511

Além disso, o Zika vírus apresenta um cluster (grupo

genético) único e essa separação de seu cluster dos cluster

similares em seu nível hierárquico sugeriu que o Zika

desenvolveu mecanismos distintos de outras viroses. Outra

característica deste vírus é a sua elevada atividade de

recombinação homóloga que é incomum nos demais flavovirus.

Por isso essa sua característica é atribuída a sua necessidade

de se adaptar aos hospedeiros (MANDACARU, 2019).

O vírus é considerado novo nas Américas, porém não

há imunidade frente a ele dentro da população, além disso o

número total de casos não é totalmente comprovado devido à

falta de procura por assistência em saúde, por isso os casos de

ocorrência da patologia são baseados em casos suspeitos

(TRINDADE et al., 2019).

Nos últimos ano tem se dado uma importante atenção às

medidas de controle contra o Zika vírus, sobretudo em

gestantes. O Ministério da Saúde recomenda especialmente à

esta população que se mantenha portas e janelas fechadas,

uso de roupas compridas ou de mangas e utilizar repelentes.

Pois, a melhor forma de proteção contra o vírus é se proteger

do vetor que o transmite (HENRIQUES et al., 2016).

A sintomatologia da doença aparece em poucos dias em

relação a picada do mosquito, durando de 3 a 12 dias e incluem

febre baixa, artralgia, mialgia, dor de cabeça, conjuntivite e

exantema maculopapular (DONALISIO et al., 2017).

Além disso, alguns autores relatam que a infecção pelo

Zika vírus pode resultar em graves falhas neurológicas que

causam paralisia cerebral, retardo mental e convulsões

(ASHWAL et al., 2009; RUSSO et al., 2017). Porém, o

percentual dessa doença em relação a hospitalização é baixo,

FISIOPATOLOGIA DA INFECÇÃO PELO ZIKA VÍRUS EM NEONATOS

512

e mais de 80% dos infectados são assintomáticos (TRINDADE

et al., 2019).

Uma importante correlação do Zika vírus com sequelas

neurológicas começou a ser destacada recentemente. O

aumento do número de casos de microcefalia aumentou em

outubro de 2015 com início no estado de Pernambuco e

posteriormente se espalhando pelos outros estados região

Nordeste, coincidentemente meses depois da confirmação da

ocorrência de surtos de transmissão pelo vírus Zika nessas

áreas (HENRIQUES et al., 2016).

No mesmo ano, foi criado o comitê Internacional de

Regulação de Emergências em Saúde que se reuniu dia 1° de

fevereiro e declarou que os casos de microcefalia estavam

inteiramente relacionados a febre pelo vírus Zika, essa

declaração foi feita a partir de casos similares na polinésia

Francesa no ano de 2014, considerados emergência de saúde

pública (HENRIQUES et al., 2016).

A microcefalia se caracteriza pela observação do crânio

e cérebro pequenos, com calcificações e atrofia cerebral e má

formação ventricular. De acordo com a Organização Mundial de

Saúde é uma malformação congênita e multifatorial, pode

envolver fatores genéticos e ambientais. A microcefalia pode

observada através da medição do perímetro cefálico do

neonato, sendo estabelecida quando a medição é igual ou

inferior a 31,9 cm para o sexo masculino e igual ou inferior a

31,5 cm para o sexo feminino (BRASIL et al., 2016; de FÁTIMA

et al., 2016; RASMUSSEN et al., 2016; RUSSO et al., 2017;

TRINDADE et al., 2019).

A partir de 2015 diversos estudos passaram a ser

conduzidos para tentar explicar a correlação da infecção pelo

vírus Zika em gestante e o nascimento de bebês com

FISIOPATOLOGIA DA INFECÇÃO PELO ZIKA VÍRUS EM NEONATOS

513

microcefalia. Onorati e colaboradores (2016) e Russo et al.

(2017) destacam que cérebro é menor porque o vírus transloca

a proteína quinase de ligante TANK fosforilada (pTBK1) do

centrossoma para a mitocôndria causando a morte celular pela

mudança do ciclo celular. Além disso, Herling et al. (2016)

afirmam que o vírus infecta as células progenitoras corticais do

feto causando a redução da zona de proliferação,

interrompendo a zona cortical.

Outras infecções virais como por citomegalovírus, vírus

do oeste do Nilo, rubéola, Chikungunya e HIV também estão

associadas a má formação neural durante o desenvolvimento

do feto. Dentro deste contexto tem sido observado que más

formações neurológicas na infecção por Zika, apresentam

semelhanças com as causadas pelo citomegalovírus

(MANDACARU, 2019).

O primeiro trimestre da gravidez é considerado bastante

crucial no desenvolvimento neurológico do feto. A infecção pelo

Zika na mãe nesse período é mais susceptível para que ocorra

danos ao sistema nervoso central do feto (BLAZQUEZ; SAIZ,

2016).

O vírus já foi isolado do sangue e líquido amniótico

(LUSTIG et al., 2016; CALVET et al., 2016), assim como do leite

materno (BESNARD et al., 2014), cérebro de feto (MLAKAR et

al., 2016), e tecido placentário (TABATA et al., 2016).

Os fibroblastos dérmicos e os queratinócitos epidérmicos

são os alvos da infecção pelo vírus Zika. As células dendríticas

dérmicas estão em segundo lugar na preferência pelo vírus,

fazendo com que facilite a disseminação do vírus por diferentes

órgãos através do sistema circulatório. A transmissão do ZIKV

de mãe para feto ocorre devido à infecção de macrófagos

FISIOPATOLOGIA DA INFECÇÃO PELO ZIKA VÍRUS EM NEONATOS

514

placentários células Hofbauer e citotrofoblastos (HAMEL et al.,

2015; MANDACARU, 2019).

Na placenta, os macrófagos são as principais células

atingidas pelo zika. A infecção nesses macrófagos ativa a

produção de interferon I e citosinas pró-inflamatórias, levando a

uma expressão de genes e proteínas antivirais (OLAGNIER et

al., 2016).

Estudos conduzidos por Tang e colaboradores (2016)

demonstraram que o Zika pode ser replicar principalmente nas

células progenitoras neurais (NPCs) de ratos. Assim como,

podem também infectar NPCs humana (hNPCs). A infecção

causa uma desregulação do ciclo celular, provocando uma

ativação de vias apoptóticas em hNPCs, tendo como resultado

o crescimento reduzido dessas células.

O vírus entra mediante receptores celulares como

proteínas de choque térmico, DC-SIGN, TYRO3, AXL e TIM-1.

Dentre estes, AXL é uma fosfatidilserina e é super expressa

durante o desenvolvimento de células cerebrais humanas,

incluindo células glia radial, micróglias e astrócitos

(NOWAKOWSKI et al., 2016).

Células que possuem AXL altamente expressa são

vulneráveis ao ZIKV. A entrada do vírus na célula através da

formação de endossomos é facilitada quando ocorre a ligação

das partículas virais com o receptor AXL. O envelope viral é

degradado devido ao baixo pH dos endossomos e o material

genético do vírus é liberado no citoplasma da célula infectada.

Alguns RNAs virais podem ser replicados logo após sua

liberação no citoplasma, formando assim, novos vírus a partir

da utilização da própria maquinaria da célula infectada. Os

novos RNAs e proteínas produzidos, formarão novas partículas

virais que serão liberadas da célula (FAIZAN et al., 2016).

FISIOPATOLOGIA DA INFECÇÃO PELO ZIKA VÍRUS EM NEONATOS

515

O vírus foi encontrado a partir de exames de ultrassom e

a presença do ácido ribonucléico (RNA) do vírus no líquido

amniótico. Um potencial indicador da relação entre o vírus e a

microcefalia é o relato do aparecimento de erupções cutâneas

na mãe durante a gestação (TRINDADE et al., 2019).

Estudos sugerem que a placenta seria o principal

mediador da transmissão vertical do zika, por causa das

propriedades estruturais, celulares e imunológicas únicas que

possui. A placenta atua como barreira de proteção contra

infecções, mas há sugestões de que este vírus ultrapasse a

barreira placentária infectando e destruindo células, alcançando

assim, o feto (BAYER et al., 2016; QUICKE et al., 2016).

Um passo importante para entender os mecanismos de

infecção do Zika no desenvolvimento do cérebro e a ligação do

vírus com a microcefalia é encontrar as células que são

afetadas ou são vulneráveis à infecção depois que o ZIKV

rompe a barreira placentária. (ZHEXING WEN; HONGJUN

SONG; GUO-LI MING, 2017.). Há algumas evidências de que

o vírus atinge as células do complexo do poro nuclear (NPC)

cortical, mas não atingem tanto os neurônios (TANG et al.,

2016).

Além das NPCs, alguns estudos de Zika vírus em

culturas que reunem tipos diferentes de células do tecido

cerebral de necropsia de fetos, descobriram que astrócitos,

microglia e células precursoras de oligodendrócitos ao longo do

córtex, podem ser infectados pelo vírus. Algumas dessas são

consideradas essenciais no desenvolvimento do cérebro e suas

funções (NORONHA et al., 2016; RETALLACK et al., 2016).

Além do Zika causar microcefalia em fetos, ele pode

causar outros problemas associados ao sistema nervoso, a

exemplo da Síndrome da Zika congênita que é uma

FISIOPATOLOGIA DA INFECÇÃO PELO ZIKA VÍRUS EM NEONATOS

516

encefalopatia crônica não progressiva. Além disso outros danos

têm sido relatados como retardo do crescimento intrauterino,

malformações cerebrais como a calcificação subcorticais e

defeito de migração cortical, desproporção craniofacial, entre

outros problemas neurológicos (PRATA et al., 2019).

As crianças que apresentam a microcefalia ou a

síndrome da Zika congênita, em geral apresentam estatura e

peso menor que as crianças saudáveis na mesma idade. Isso

pode ocorrer por fatores nutricionais e pela ingestão inferior de

carboidratos que o necessário ou fatores não nutricionais. Mas,

não se pode definir qual deles causou o menor crescimento da

criança por sua causa ser multifatorial. Além disso esse baixo

crescimento pode ser uma causa secundária da má formação

cerebral. (PRATA et al., 2019).

Além do que exposto anteriormente as crianças que

apresentam a síndrome da Zika congênita, apresentam outras

anomalias neurológicas além da microcefalia, dentre elas a

hipertonia grave com hiper-reflexia, irritabilidade,

hiperexcitabilidade, choro excessivo, distúrbio de deglutição e

respostas auditivas e visuais comprometidas. Adicionalmente,

algumas bebês apresentam crises de convulsão que vão

aumentando sua frequência com o tempo, além de após o

terceiro mês começarem a apresentar crises epilépticas

principalmente do tipo espasmos epiléticos (EICKMANN et al,

2016).

Santana (2018) ainda destacam que as crianças

acometidas apresentam espasticidade em diferentes grupos

musculares que dificulta o desenvolvimento motor, e

deformidades musculoesqueléticas que levam a postura e

padrões de movimentos anormais e o atraso na aquisição das

habilidades motoras (sentar, engolir, ficar em pé e caminhas).

FISIOPATOLOGIA DA INFECÇÃO PELO ZIKA VÍRUS EM NEONATOS

517

Mesmo a microcefalia sendo a principal descoberta nos

recém-nascidos acometidos com a infecção congênita por zika,

também outras má-formações tem sido associadas como

perdas auditivas e achados de anomalias oculares (MIURA; DA

SILVA; DE ALMEIDA, 2020).

Observando todos esses agravantes, o Ministério da

Saúde produziu protocolos de vigilância e de atenção à saúde

devido às ocorrências de microcefalia relacionada à infecção

pelo vírus Zika, lançou também um protocolo de estimulação de

crianças com microcefalia e tem atuado como ajudante no

empenho de esforços e recursos para esta finalidade

(HENRIQUES et al., 2016).

O Governo Federal Brasileiro proporcionou algumas

estratégias para o enfrentamento à microcefalia: (1) combate ao

mosquito; (2) atendimento às pessoas; e (3) desenvolvimento

tecnológico, educação e pesquisa. Para que sejam realizadas

as referidas funções, foi implantada a Sala Nacional de

Coordenação e Controle para o Enfrentamento à Microcefalia.

O Governo anunciou que as mães de crianças com microcefalia

com renda familiar inferior a R$ 220,00 podem realizar a

inscrição para o Benefício de Prestação Continuada (BPC), com

o valor de um salário mínimo (HENRIQUES et al., 2016).

Em relação ao diagnóstico uma importante questão é

utilizar um método que permita diferenciar o Zika das demais

arboviroses. Na literatura são demonstrados alguns estudos

relacionados ao diagnóstico do vírus, a exemplo de um kit

desenvolvido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) que

permite realizar a identificação e diferenciação do vírus da

dengue, Zika e Chikungunya (HENRIQUES et al., 2016).

Além do desenvolvimento de estudos a cerca da

fisiopatologia, consequências neurológicas e meios

FISIOPATOLOGIA DA INFECÇÃO PELO ZIKA VÍRUS EM NEONATOS

518

diagnósticos, a população precisa ser informada de como se

prevenir contra o vírus, por isso foi criada a revista

Epidemiologia e Serviços de Saúde: revista do Sistema Único

de Saúde do Brasil (RESS) que possui o objetivo de publicar

artigos e informações relacionados ao tema. Ajudando assim

nas ações de vigilância na saúde, como controlar o vetor Aedes

além de informações sobre microcefalia (HENRIQUES et al.,

2016).

CONCLUSÕES

O Zika vírus se expandiu de forma rápida pelo mundo,

porém como apresenta sintomas da infeção semelhantes a

outros arbovírus sua prevalência foi subestimada. A partir de

dados presentes na literatura é possível observar que o vírus

Zika possui proteínas em seu arcabouço viral que promovem

reações com proteínas do hospedeiros, essas envolvidas com

a proliferação celular e resposta Imune.

Em relação a associação do vírus com o

desenvolvimento de microcefalia, já é observado que o vírus

pode estar envolvido como a diminuição da produção e

maturação de células progenitoras neurais, além de possuir a

habilidade de acessar barreiras imunes como a barreira

hematoencefálica e placentária.

A microcefalia causada pelo vírus é caracterizada por um

malformação cerebral, no qual, o neonato afetado não possui

um cérebro desenvolvido de maneira adequada. Nesta

condição, os neonatos nascem com perímetro cefálico (PC)

menor que o normal, porém não existe um tratamento

específico para microcefalia. Mas ações de suporte podem

ajudar no desenvolvimento do bebê e da criança.

FISIOPATOLOGIA DA INFECÇÃO PELO ZIKA VÍRUS EM NEONATOS

519

Esse auxilio é disponibilizado pelo Sistema Único da

Saúde (SUS). E devido a aparição de complicações diferentes

entre as crianças (motoras, neurológicas e respiratórias), o

acompanhamento multidisciplinar vai depender das funções

que ficarem comprometidas na criança.

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AGRADECIMENTOS

Agradecemos a nossa orientadora Carolina Silva, pela ajuda e pela paciência com as correções que nos permitiram alcançar um melhor desempenho na nossa formação profissional. Agradecemos também, a nossa instituição Centro Universitário Unifbv por auxiliar no nosso processo de formação e por ter cedido as instalações que contribuíram para o desenvolvimento da pesquisa.

PRODUÇÃO DE ENZIMAS EXTRACELULARES POR BACTÉRIAS ISOLADAS DE UM SOLO TRATADO COM ÓLEO VEGETAL DE FRITURA

522

CAPÍTULO 25

PRODUÇÃO DE ENZIMAS EXTRACELULARES POR BACTÉRIAS

ISOLADAS DE UM SOLO TRATADO COM ÓLEO VEGETAL DE FRITURA

Rádamis Barbosa CASTOR 1

Maria Helena do NASCIMENTO 1

Krystyna Gorlach LIRA 2 1 Mestrandos do Programa de Pós-graduação em Biologia Celular e Molecular, UFPB;

2 Orientadora/Professora do DBM/UFPB. [email protected]

RESUMO: As bactérias do solo são conhecidas por produzir substâncias biologicamente ativas de apelo industrial, a exemplo das enzimas hidrolíticas extracelulares. Elas são as principais catalisadoras de processos industriais e aquelas de origem microbiana oferecem uma série de vantagens frente às produzidas por plantas e animais. Em virtude da demanda crescente, a procura por novos microrganismos produtores de enzimas hidrolíticas apresenta um elevado interesse biotecnológico. Desse modo, o objetivo do trabalho foi avaliar a produção de enzimas extracelulares (proteases, celulases, amilases e lipases) por 20 isolados de bactérias provenientes de um solo tratado com óleo vegetal residual. Para tal, utilizou-se meios sólidos contendo gelatina, carboximetilcelulose, amido e óleo vegetal residual para verificação da produção de proteases, celulases, amilases e lipases, respectivamente, pelos isolados. Pôde-se constatar que 85% dos isolados produziram, pelo menos, duas classes de enzimas extracelulares. A maioria das bactérias testadas foi capaz de

PRODUÇÃO DE ENZIMAS EXTRACELULARES POR BACTÉRIAS ISOLADAS DE UM SOLO TRATADO COM ÓLEO VEGETAL DE FRITURA

523

produzir lipases (17 isolados), proteases (14 isolados) e celulases (13 isolados). Amilases foram produzidas por apenas cinco isolados. As bactérias Gram-positivas formadores de endósporos foram as mais ativas na produção de todas as enzimas analisadas, com destaque para o isolado O27. Os resultados obtidos indicam que alguns isolados de bactérias analisados apresentam um potencial a ser explorado na produção de enzimas extracelulares. Palavras-chave: Biotecnologia. Bactérias. Enzimas extracelulares. INTRODUÇÃO

O solo enquanto habitat é o ambiente mais complexo da

Terra e estima-se conter um terço de toda a vida do planeta. É

definido como a totalidade de seres vivos que o habitam

(plantas, animais e microrganismos) e seu ambiente abiótico

(rochas e minerais, água e ar). Um grama de solo pode conter

quilômetros de hifas fúngicas e mais de 109 células de bactérias

e arqueias, além de protozoários e vírus em menor proporção

(VORONEY; HECK, 2015; FIERER, 2017). Baseado na

literatura científica, Fierer (2017) aproximou o conteúdo de

biomassa microbiana do solo em torno de uma tonelada por

hectare, com predominância de fungos e bactérias,

corroborando o fato de que a pedosfera mantém uma rica

biodiversidade de microrganismos.

Estes são considerados os principais agentes

decompositores da matéria orgânica do solo, participando de

processos essenciais como a ciclagem de nutrientes, dentre os

quais, carbono, nitrogênio e fósforo (PLANTE et al., 2015;

LLADÓ et al., 2017). Isso se deve ao fato de microrganismos

secretarem enzimas extracelulares capazes de converter

PRODUÇÃO DE ENZIMAS EXTRACELULARES POR BACTÉRIAS ISOLADAS DE UM SOLO TRATADO COM ÓLEO VEGETAL DE FRITURA

524

biopolímeros complexos do meio em nutrientes assimiláveis

para manutenção do seu metabolismo e crescimento celular

(LUO et al., 2017). Allison et al. (2010) propôs que a seleção

natural tende a promover mecanismos que minimizem os

custos empregados e maximizem os benefícios associados à

produção enzimática, de modo que, a síntese de enzimas

extracelulares requeira apenas uma parcela muito pequena do

carbono e nitrogênio assimilados do meio (1-5%). Desta forma,

a produção de enzimas extracelulares se mostra um

mecanismo valioso à sobrevivência dos microrganismos que

habitam o solo por aumentar a disponibilidade de nutrientes

minerais e orgânicos de baixo peso molecular a um custo

pequeno para a célula (BURNS et al., 2013).

Enzimas extracelulares, como relatado, são produzidas

por uma ampla variedade de microrganismos do solo.

Pertencentes às classes das hidrolases e oxirredutases

(PLANTE et al., 2015), elas garantem a sobrevivência dos

microrganismos e desempenham papéis ecológicos vitais.

Hidrolases catalisam reações de clivagem pela adição de água

a ligações covalentes específicas, como C-O, C-N, O-P e C-C

e são consideradas as enzimas de maior importância industrial

(BANERJEE; RAY, 2017; LIU; KOKARE, 2017; SINGH et al.,

2019). Segundo Li et al. (2012), 75% das enzimas utilizadas na

indústria são hidrolíticas e aproximadamente 90% delas são de

origem microbiana (GUERRAND, 2018).

Desse total, aproximadamente 64% são produzidas por

fungos, 26% por bactérias, 6% por animais e 4% por plantas

(KAUR; GIL, 2019). A preferência por enzimas hidrolíticas

microbianas decorre de uma série de vantagens: elas são mais

ativas e estáveis que suas análogas animais e vegetais,

PRODUÇÃO DE ENZIMAS EXTRACELULARES POR BACTÉRIAS ISOLADAS DE UM SOLO TRATADO COM ÓLEO VEGETAL DE FRITURA

525

podendo ser produzidas em larga escala, dependendo do

microrganismo escolhido; são secretadas extracelularmente, o

que facilita o processo de purificação; apresentam elevada

especificidade pelos substratos, sejam eles orgânicos ou

sintéticos; possuem baixo custo de produção; não apresentam

toxicidade; podem ser reutilizadas e são ecologicamente

sustentáveis. Por último, microrganismos dispõem de facilidade

no manejo, multiplicam-se rapidamente sob condições

controladas e são suscetíveis à manipulação genética, além de

serem naturalmente uma rica fonte de enzimas hidrolíticas (LIU;

KOKARE, 2017; KAUR; GIL, 2019; SINGH et al., 2019; SINGH;

KUMAR, 2019).

Segundo previsão do relatório “Industrial Enzymes – A

Global Market Overview” (2018) publicado pela empresa

Research and Markets, o mercado mundial de enzimas deve

movimentar cerca de 7,7 bilhões de dólares até 2024. Ademais,

foi apontado que a indústria de alimentos e bebidas foi o setor

que mais utilizou enzimas no ano de 2017, movimentando 1,4

bilhões de dólares, seguido pela indústria de biocombustíveis

(969,3 milhões) e de sabões e detergentes (754,4 milhões).

Proteases, celulases, amilases e lipases estão entre as

enzimas hidrolíticas mais utilizadas na indústria (LIU; KOKARE,

2017; GUERRAND, 2018).

Proteases são enzimas que catalisam a hidrólise de

proteínas pela quebra de suas ligações peptídicas. Classificam-

se quanto ao mecanismo de ação em endopeptidases (EC

3.4.21 – 3.4.24, 3.4.99) e exopeptidases (EC 3.4.11 – 3.4.19).

Endopeptidases clivam ligações peptídicas de aminoácidos

localizados no interior das cadeias polipeptídicas, enquanto

exopeptidases possuem afinidade pelas regiões aminoterminal

PRODUÇÃO DE ENZIMAS EXTRACELULARES POR BACTÉRIAS ISOLADAS DE UM SOLO TRATADO COM ÓLEO VEGETAL DE FRITURA

526

e carboxiterminal de aminoácidos localizados nas extremidades

de tais cadeias (CONTESINI et al., 2017; SHARMA et al., 2017;

GURUMALLESH et al., 2019).

Proteases contribuem com aproximadamente 60% do

mercado mundial de enzimas hidrolíticas, sendo usadas em sua

maioria na indústria de detergentes (GLOBAL MARKET

INSIGHTS, 2017). Algumas bactérias do gênero Bacillus

secretam uma grande quantidade de proteases alcalinas (mais

de 20 g/L), sendo as maiores produtoras destas enzimas em

nível comercial (CONTESINI et al., 2017). Algumas de suas

aplicações envolvem a formulação de detergentes para

remoção de manchas em roupas; remoção de pelos em

carcaças de couro de animais, melhorando sua resistência e

qualidade, além de permitir o reaproveitamento dos pelos para

confecção de fibras sintéticas, aminoácidos para a indústria

farmacêutica e de cosméticos, biogás e biofertilizantes.

Também são muito utilizadas pela indústria de alimentos para

o amaciamento de carnes, hidrólise do glúten, produção e

maturação de queijos. Na indústria farmacêutica, proteases são

empregadas na produção de peptídeos bioativos com ação

antioxidante, antimicrobiana, anti-hipertensiva e antitumoral,

por exemplo (BANERJEE; RAY, 2017; CONTESINI et al., 2017;

GURUMALLESH et al., 2019).

Celulases são enzimas que catalisam a hidrólise da

celulose, o biopolímero mais abundante na superfície da Terra.

Ela é formada pela união de moléculas de glicose através de

ligações glicosídicas do tipo β-1,4, criando cadeias com 15.000

- 25.000 unidades de glicose, cada. Estas, se alinham

paralelamente umas às outras, por meio de ligações de

hidrogênio e interações de van der Waals, formando uma

PRODUÇÃO DE ENZIMAS EXTRACELULARES POR BACTÉRIAS ISOLADAS DE UM SOLO TRATADO COM ÓLEO VEGETAL DE FRITURA

527

estrutura paracristalina, com regiões amorfas e cristalinas

alternadas (MOHITE; PATIL, 2016; BEHERA et al., 2017).

Em virtude dessa complexidade, a hidrólise completa da

celulose é feita por meio da ação conjunta de três classes de

enzimas, nomeadas de acordo com seu mecanismo de ação e

região do substrato que catalisam: endoglucanases (EC

3.2.1.4), exoglucanases (EC 3.2.1.74) e celobiohidrolases (EC

3.2.1.91) e β-glicosidases (EC 3.2.1.21) (MOHITE; PATIL,

2016; SHARMA; YAZDANI, 2016). Endoglucanases catalisam

a hidrólise de ligações glicosídicas das regiões amorfas da

molécula de celulose, enquanto exoglucanases possuem

afinidade pelas ligações glicosídicas das regiões cristalinas,

clivando-as. A ação conjunta dessas duas enzimas leva à

formação de moléculas de celobiose, que quebradas pelas β-

glicosidases, liberam glicose (MOHITE; PATIL, 2016).

Celulases são produzidas por uma ampla variedade de

microrganismos e apresentam elevado potencial biotecnológico

para uso em uma série de processos industriais. Na indústria

de alimentos, podem ser utilizadas para extração e clarificação

de sucos de frutas e vegetais, reduzindo a viscosidade e

aumentando a estabilidade dos mesmos. Na indústria têxtil, são

comumente empregadas no tratamento da lã e amaciamento do

algodão, além da fabricação de jeans com aparência desbotada

ou envelhecida. Nas biorrefinarias, enzimas celulolíticas são

usadas na conversão de biomassa celulósica em açúcares

fermentescíveis para produção de bioetanol. Além disso,

celulases são amplamente utilizadas na fabricação de papel,

detergentes e ração animal (BEHERA et al., 2016; MOHITE;

PATIL, 2016; LIU; KOKARE, 2017).

PRODUÇÃO DE ENZIMAS EXTRACELULARES POR BACTÉRIAS ISOLADAS DE UM SOLO TRATADO COM ÓLEO VEGETAL DE FRITURA

528

Amido é o segundo polissacarídeo mais abundante na natureza

depois da celulose. Produzido pelas plantas, é armazenado em

frutas, sementes, rizomas e tubérculos na forma de grânulos

semicristalinos compostos por dois tipos de molécula: amilose

e amilopectina. Amilose é um polímero linear, insolúvel em

água, formado por 100-10.000 unidades de glicose unidas por

ligações glicosídicas do tipo α-1,4 e compõe cerca de 20-27%

do amido. Amilopectina é um polímero ramificado, solúvel em

água, formado por cadeias lineares de 10-60 unidades de

glicose unidas por ligações do tipo α-1,4, ligadas à cadeias de

15-45 unidades de glicose unidas por ligações do tipo α-1,6 e

compõe aproximadamente 75-85% do amido (SINDHU et al.,

2016; MOHANAN; SATYANARAYANA, 2018).

As enzimas que catalisam a hidrólise do amido são

chamadas de amilases e são classificadas de acordo com seu

mecanismo de ação em α-amilases (EC 3.2.1.1), β-amilases

(EC 3.2.1.2) e glicoamilases (EC 3.2.1.3). As α-amilases clivam

ligações glicosídicas do tipo α-1,4 de forma aleatória no interior

das moléculas de amido, sendo, portanto, endoamilases. As β-

amilases também hidrolisam as ligações glicosídicas do tipo α-

1,4, mas o fazem nas extremidades das moléculas de amido,

sendo, deste modo, exoamilases. Por fim, as glicoamilases são

as únicas enzimas capazes de quebrar ligações glicosídicas do

tipo α-1,4 e α-1,6 e também são do tipo exoamilases (ABD-

ELHALEM et al., 2015; MOHANAN; SATYANARAYANA, 2018).

Amilases são produzidas por uma grande variedade de

organismos, vista a importância nutritiva do amido na natureza

(SINDHU et al., 2016). Dentre as bactérias produtoras, aquelas

pertencentes ao gênero Bacillus são as mais importantes (LIU;

KOKARE, 2017; SINGH et al., 2019). Amilases representam 15-

PRODUÇÃO DE ENZIMAS EXTRACELULARES POR BACTÉRIAS ISOLADAS DE UM SOLO TRATADO COM ÓLEO VEGETAL DE FRITURA

529

25% do mercado mundial de enzimas hidrolíticas (MOHANAN;

SATYANARAYANA, 2018; SINGH et al., 2019), apresentando

inúmeras aplicações industriais, tais qual seu uso na

formulação de detergentes junto com outras hidrolases. Na

indústria têxtil, o amido é usado para proteção dos fios durante

o processamento dos tecidos, sendo posteriormente removido

com auxílio de enzimas amilolíticas. O amido também é

utilizado para revestimento do papel nas indústrias de papel e

celulose, melhorando sua qualidade e capacidade de

apagamento. Para isso, α-amilases são empregadas na

diminuição de sua viscosidade antes de vir a revesti-lo. Por fim,

a indústria de alimentos e bebidas emprega α-amilases e

glicoamilases para produção de glicose, frutose e

oligossacarídeos, utilizados na grande maioria dos alimentos e

bebidas industrializados (SINDHU et al., 2016; MOHANAN;

SATYANARAYANA, 2018).

Lipases (EC 3.1.1.3) são enzimas que catalisam a

hidrólise das ligações éster de triacilgliceróis em meio aquoso

(interface óleo-água) liberando moléculas de diacilglicerol,

monoacilglicerol, ácidos graxos livres e glicerol (FERRAZ et al.,

2018; JAVED et al., 2018). A atividade enzimática das lipases

depende de três fatores principais: posição do ácido graxo no

esqueleto de glicerol, comprimento da cadeia do ácido graxo e

presença de insaturações. Desta forma, lipases apresentam

regiosseletividade, quimiosseletividade e enantiosseletividade

(BORRELLI; TRONO, 2015; FERRAZ et al., 2018).

Lipases são as enzimas hidrolíticas mais utilizadas

industrialmente depois de proteases e amilases, ocupando a

terceira colocação em vendas no mercado mundial de enzimas

(HASSAN et al., 2006; ÜLKER et al., 2011). Fungos dos

PRODUÇÃO DE ENZIMAS EXTRACELULARES POR BACTÉRIAS ISOLADAS DE UM SOLO TRATADO COM ÓLEO VEGETAL DE FRITURA

530

gêneros Rhizopus, Aspergillus, Penicillium, Geotrichum, Mucor,

Rhizomucor e bactérias dos gêneros Bacillus, Pseudomonas e

Burkholderia são os principais produtores de lipases

comerciais. A indústria de detergentes é o setor que mais

emprega enzimas lipolíticas, consumindo aproximadamente

1000 toneladas de lipases todos os anos (HASSAN et al.,

2006). Isso decorre de sua capacidade de hidrolisar moléculas

de gordura, favorecendo a solubilização das mesmas em água,

e desta forma, facilitar o processo de limpeza. Na indústria de

alimentos, são utilizadas para obtenção de álcoois e ácidos

graxos de cadeia curta, a partir da hidrólise de óleos e gorduras

presentes em diversos alimentos, conferindo aroma e sabor

característicos. Outras aplicações envolvem a produção de

cosméticos, síntese de medicamentos, tratamento do couro e

produção de biodiesel (HASAN et al., 2006; LIU; KOKARE,

2017; JAVED et al., 2018).

Em virtude dos fatos mencionados, a busca por novos

microrganismos produtores de enzimas hidrolíticas

extracelulares apresenta elevado potencial biotecnológico.

Assim sendo, o objetivo deste trabalho foi avaliar a produção de

enzimas extracelulares (proteases, celulases, amilases e

lipases) por bactérias isoladas de um solo utilizado para o

descarte experimental de óleo vegetal residual com o intuito de

selecionar os isolados mais promissores para produção de

enzimas em larga escala.

PRODUÇÃO DE ENZIMAS EXTRACELULARES POR BACTÉRIAS ISOLADAS DE UM SOLO TRATADO COM ÓLEO VEGETAL DE FRITURA

531

MATERIAL E MÉTODOS

Microrganismos

Analisou-se vinte isolados bacterianos da coleção de

microrganismos do Laboratório de Biologia de Microrganismos

(BIOMICRO) no Departamento de Biologia Molecular (DBM) da

Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Os isolados foram

provenientes do solo de uma área experimental tratada com

óleo vegetal de fritura e caracterizados na base de coloração de

Gram e formação de endósporos (GONÇALVES; GORLACH

LIRA, 2018).

Atividade Enzimática de Bactérias

Os isolados foram testados quanto às atividades

proteolítica, celulolítica, amilolítica e lipolítica utilizando meios

de cultura sólidos contendo os respectivos substratos para cada

enzima: gelatina, carboximetilcelulose (CMC), amido e óleo de

cozinha residual. Os experimentos descritos nos itens 3.2.1 -

3.2.4 foram realizados em triplicata e os isolados foram

previamente incubados, para crescimento, em meio sólido ágar

nutriente por 48h a 30ºC. Ao final dos testes, os halos de

degradação dos substratos foram medidos em mm e os

resultados expressos em média aritmética.

Atividade Proteolítica

Para detecção de proteases, foi usado o meio descrito

por Smibert e Krieg (1994) contendo 20,0 g/L de gelatina; 0,1

PRODUÇÃO DE ENZIMAS EXTRACELULARES POR BACTÉRIAS ISOLADAS DE UM SOLO TRATADO COM ÓLEO VEGETAL DE FRITURA

532

g/L de NaCl; 0,5 g/L de K2HPO4; 0,2 g/L de MgSO4.7H2O; 0,19

g/L de CaCl2.6H2O; um traço de FeSO4 e 15 g/L de ágar

bacteriológico (Kasvi); pH 7,0. Os isolados foram incubados por

48h a 30ºC e em seguida, foi adicionada uma alíquota da

solução de Frazier (12,0 g de HgCl2; 16 ml de HCl concentrado

e 80 ml de água destilada). Esta, desnatura as proteínas da

gelatina, que precipitam, dando ao meio uma coloração

esbranquiçada e revelando os halos resultantes de sua

hidrólise.

Atividade Celulolítica

A produção de celulases foi verificada através do meio

desenvolvido por Teather e Wood (1982) contendo 1,0 g/L de

CMC; 0,5 g/L de NaNO3; 1,0 g/L de K2HPO4; 0,5 g/L de

MgSO4.7H2O; 0,01g/L de FeSO4.7H2O; 1,0 g/L de extrato de

levedura (Kasvi) e 15,0 g/L de ágar bacteriológico; pH 7,0. Após

96h de incubação a 30ºC, os halos resultantes da hidrólise do

substrato foram revelados pela adição da solução de Lugol (1,0

g de I2; 2,0 g de KI e 300 ml de água destilada).

Atividade Amilolítica

Para detecção de amilases, utilizou-se o meio proposto

por Smibert e Krieg (1994) contendo 2,0 g/L de amido; 0,5 g/L

de NaNO3; 1,0 g/L de K2HPO4; 0,01 g/L de MgSO4.7H2O e 15

g/L de ágar bacteriológico; pH 7,0. Os isolados foram incubados

por 96h a 30ºC e a formação de halos, decorrente da hidrólise

do amido, foi verificada pela adição da solução de Lugol (ver

item 3.2.2) diluída cinco vezes.

PRODUÇÃO DE ENZIMAS EXTRACELULARES POR BACTÉRIAS ISOLADAS DE UM SOLO TRATADO COM ÓLEO VEGETAL DE FRITURA

533

Atividade Lipolítica

Utilizou-se, para produção de lipases, uma adaptação do

meio descrito por Kouker e Jaeger (1987), composto pelo

corante Rodamina B (0,050 g de Rodamina B; 50 ml de água

destilada), emulsão de óleo (30 ml de óleo de cozinha residual;

50 ml de água destilada e 250 µL de Tween 80) e meio básico

[6,0 g de caldo nutriente (HiMedia); 1,25 g de extrato de

levedura (HiMedia); 10,0 g de ágar bacteriológico e 450 ml de

água destilada)]; pH 7,0. Após 96 h de incubação a 30ºC, a

atividade lipolítica foi verificada pela formação de halos

alaranjados e fluorescentes através da irradiação das placas

por luz ultravioleta (UV) com comprimento de onda de 350

nanômetros (nm).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Análises de atividade enzimática dos 20 isolados

bacterianos indicaram que 85% dos isolados produziram, pelo

menos, duas classes de enzimas hidrolíticas (Tabelas 1 e 2).

Os isolados O16, O27 e O65 (bastonetes Gram positivos

formadores de endósporos) se destacaram por degradar todos

os substratos utilizados, ou seja, gelatina, carboximetilcelulose,

amido e óleo de cozinha residual (Tabela 1). Apenas dois

isolados, O10 e O20 (bastonetes Gram negativos), não foram

capazes de produzir as enzimas analisadas.

PRODUÇÃO DE ENZIMAS EXTRACELULARES POR BACTÉRIAS ISOLADAS DE UM SOLO TRATADO COM ÓLEO VEGETAL DE FRITURA

534

Tabela 1. Atividade proteolítica, celulolítica, amilolítica e

lipolítica das bactérias Gram-positivas.

Isolados

Proteases

(mm)

Celulases

(mm)

Amilases

(mm)

Lipases

(+/-)

O16*

25,3

15,0

13,6

+

O18*

30,7

16,7

-

+

O27*

27,0

48,3

40,33

+

O37*

10,0

14,3

-

+

O59*

-

29,7

25,0

+

O65*

13,3 38,7 21,3 +

O30**

-

5,0

-

-

Fonte: Autoria própria, 2019.

Notas: (1) Usou-se hífen para indicar ausência de atividade enzimática. (2)Usou-se o sinal de (+) como indicativo de atividade lipolítica.

* bastonetes formadores de endósporos.

** bastonetes não-formadores de endósporos.

Dentre os isolados testados, 17 foram positivos para a produção

de lipases, 14 foram capazes de produzir proteases, 13

produziram celulases e 5 produziram amilases. O predomínio

da atividade lipolítica frente às demais pode ser atribuído ao

tratamento do solo de origem das bactérias isoladas, o qual foi

PRODUÇÃO DE ENZIMAS EXTRACELULARES POR BACTÉRIAS ISOLADAS DE UM SOLO TRATADO COM ÓLEO VEGETAL DE FRITURA

535

utilizado para o descarte experimental de óleo vegetal residual

durante três anos, com o objetivo de enriquecimento do mesmo

para seleção de microrganismos produtores de lipases

(GONÇALVES; GORLACH LIRA, 2018).

O óleo vegetal residual se mostrou um bom indutor da

atividade lipolítica das bactérias testadas e um dos isolados de

bactérias Gram-positivas (O27) apresentou alta atividade

lipolítica evidenciada pela presença de halos alaranjados de

forte intensidade (Figura 1). Bharathi et al. (2018) afirma que

óleos vegetais e derivados do petróleo são bons estimulantes

da atividade lipolítica de microrganismos, corroborando os

resultados apresentados. Microrganismos produtores de

lipases têm sido encontrados em lixos de resíduos

agroindustriais, esgotos de indústrias alimentícias, cursos

d’água e solos contaminados por óleos vegetais e derivados do

petróleo.

No que diz respeito à atividade proteolítica, segunda

mais frequente entre os isolados testados, destacaram-se

aqueles cuja média dos halos de degradação da gelatina

ultrapassou 20 mm de diâmetro: O2, O5, O6 (bastonetes Gram-

negativos), O16, O18 e O27 (bastonetes Gram-positivos

formadores de endósporos), como elencado nas Tabelas 1 e 2

e apresentado na Figura 2. Além da gelatina, outros substratos

proteicos têm sido utilizados para triagem de microrganismos

produtores de proteases, tais como: caseína, albumina,

elastina, queratina, extrato de levedura, peptona, leite

desnatado, extratos de soja, carne e peixe (SHARMA et al.,

2017). A exemplo disso, os ensaios realizados por Pant et al.

(2015) apontaram a gelatina como substrato de escolha para a

PRODUÇÃO DE ENZIMAS EXTRACELULARES POR BACTÉRIAS ISOLADAS DE UM SOLO TRATADO COM ÓLEO VEGETAL DE FRITURA

536

máxima produção de proteases por Bacillus subtilis em

comparação à caseína e ao leite desnatado. Tabela 2. Atividade proteolítica, celulolítica, amilolítica e lipolítica das

bactérias Gram-negativas.

Isolados

Proteases

(mm)

Celulases

(mm)

Amilases

(mm)

Lipases

(+/-)

O2

23,0

-

-

+

O5

27,0

-

-

+

O6

21,0

-

-

+

O10

-

-

-

-

O15

-

5,6

-

+

O20

-

-

-

-

O36

12,0

-

-

+

O41

13,3

14,7

-

+

O47

13,7

14,7

-

+

O54

-

31,7

20,0

+

O55

6,0

12,0

-

+

O61

13,0

5,7

-

+

O66

19,7

16,7

-

+

Fonte: Autoria própria, 2019.

Notas: (1) Usou-se hífen para indicar ausência de atividade enzimática. (2)Usou-se o sinal de (+) como indicativo de atividade lipolítica. (3)Todos isolados apresentaram forma de bastonetes.

PRODUÇÃO DE ENZIMAS EXTRACELULARES POR BACTÉRIAS ISOLADAS DE UM SOLO TRATADO COM ÓLEO VEGETAL DE FRITURA

537

Observou-se que 65% dos isolados foram capazes de

degradar a carboximetilcelulose e que as linhagens O27 e O65

(bastonetes Gram-positivos) apresentaram elevado potencial

de hidrolise desse substrato, indicado pelas zonas de

degradação de 48,3 e 38,6 mm de diâmetro, respectivamente

(Tabela 1). Em virtude do alto grau de polimerização e da baixa

cristalinidade, a CMC é o substrato preferencial para triagem de

microrganismos secretores de endoglucanases, enzimas que

iniciam o processo de hidrólise da celulose (FLORENCIO,

2011). Por sua vez, exoglucanases e ß-glicosidases não

possuem especificidade pela CMC, e desta forma, faz-se

necessária a realização de ensaios complementares utilizando

substratos específicos para as mesmas, como a celulose

cristalina (Avicel) e a celobiose (BEHERA et al., 2016).

Fungos filamentosos são os principais produtores das

enzimas celulolíticas de importância industrial, mas apesar

disso, bactérias também são uma importante fonte de celulases

e embora menos estudadas, exibem uma série de vantagens

como rápido crescimento, estabilidade celular e secreção de

enzimas celulolíticas estáveis, altamente específicas e que

atuam de modo sinérgico para despolimerização da celulose

(SHARMA; YAZDANI, 2016; PATEL et al., 2019).

O amido foi a fonte de carbono menos utilizada pelas

bactérias, como observado nas Tabelas 1 e 2. Entretanto,

dentre os cinco isolados com atividade amilolítica, quatro

exibiram halos de degradação superiores a 20 mm de diâmetro,

todos pertencentes ao biotipo bastonetes Gram-positivos

formadores de endósporos, com destaque para O27, que

apresentou o maior halo de hidrólise do amido - 40,3 mm de

diâmetro (Figura 4). Amido, amilopectina, maltose, galactose,

PRODUÇÃO DE ENZIMAS EXTRACELULARES POR BACTÉRIAS ISOLADAS DE UM SOLO TRATADO COM ÓLEO VEGETAL DE FRITURA

538

inulina e glicogênio são referidos pela literatura como indutores

da atividade amilolítica de microrganismos e além destes,

resíduos agroindustriais de caráter amiláceo têm sido

amplamente utilizados (ABD-ELHALEM et al., 2015; SINDHU;

BINOD; PANDEY, 2016). Ademais, Simair et al. (2017) apontou

o amido como uma das fontes de carbono preferenciais para

otimização da atividade amilolítica de uma linhagem do gênero

Bacillus sp.

Figura 1. Visualização da atividade lipolítica de isolados de

bactérias Gram-positivas (O27, O37, O59) e Gram-negativas

(O36, O47, O54, O55) sob irradiação com luz ultravioleta (350

nm).

Fonte: Autoria própria, 2019.

A sobrevivência dos microrganismos está diretamente

atrelada a sua capacidade de alocar parte do carbono e

nitrogênio assimilados do meio para a síntese e secreção de

enzimas extracelulares, com um custo energético

significativamente menor que o de enzimas intracelulares

PRODUÇÃO DE ENZIMAS EXTRACELULARES POR BACTÉRIAS ISOLADAS DE UM SOLO TRATADO COM ÓLEO VEGETAL DE FRITURA

539

(BURNS et al., 2013). Desta forma, a habilidade de utilizar mais

de um substrato, como observado, pode ser vista como uma

forma de prevenir a desnutrição e consequente morte celular e

se deve ao fato de bactérias poderem detectar a presença de

moléculas-sinal do ambiente, que podem indicar, entre outras

coisas, o tipo, localização, qualidade e quantidade dos

substratos disponíveis, num fenômeno conhecido como quorum

sensing (GOO et al., 2015).

Figura 2. Atividade proteolítica dos isolados de bactérias Gram-

positivas (O16, O18, O27) e Gram-negativas (O36).

Fonte: Autoria própria, 2019.

Nota: As setas indicam as zonas de hidrólise da gelatina.

Figura 3. Atividade celulolítica dos isolados de bactérias Gram-

positivas (O27, O30, O37, O59) e Gram-negativas (O41, O47,

O54, O55.

PRODUÇÃO DE ENZIMAS EXTRACELULARES POR BACTÉRIAS ISOLADAS DE UM SOLO TRATADO COM ÓLEO VEGETAL DE FRITURA

540

Fonte: Autoria própria, 2019.

Nota: As setas indicam as zonas de hidrólise da carboximetilcelulose.

Figura 4. Atividade amilolítica dos isolados de bactérias Gram-

positivas O27 e O65.

Fonte: Autoria própria, 2019.

Nota: As setas indicam as zonas de hidrólise do amido.

PRODUÇÃO DE ENZIMAS EXTRACELULARES POR BACTÉRIAS ISOLADAS DE UM SOLO TRATADO COM ÓLEO VEGETAL DE FRITURA

541

CONCLUSÃO

A maioria dos isolados bacterianos testados apresentou

produção de enzimas extracelulares. As atividades lipolítica,

proteolítica e celulolítica foram as mais comuns. Os bastonetes

Gram-positivos formadores de endósporos foram mais

expressivos na produção das hidrolases testadas com destaque

para o isolado O27, capaz de produzir proteases, amilases,

celulases e lipases.

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TIPOS DE CORONAVÍRUS: HUMANOS E ANIMAIS

545

CAPÍTULO 26

TIPOS DE CORONAVÍRUS: HUMANOS E ANIMAIS

Shayenne Eduarda Ramos VANDERLEY 1,2

Wilias Silva Santos GREISON 1,2

Anne Beatriz Cunha BARROS 1,2

Matheus Soares da Silva MELO 1,2

Sildivane Valcácia SILVA 1,3

1 Laboratório de Biotecnologia em Reprodução Animal, CBIOTEC/ UFPB; 2 Graduandos do curso de Biotecnologia, UFPB; 3 Orientadora/Professora do Departamento de

Biotecnologia/UFPB. [email protected]

RESUMO: Vírus respiratórios são os agentes causadores de doenças mais frequentes em humanos e animais, com impacto significativo na morbidade e mortalidade em todo o mundo. Os agentes respiratórios comuns de várias famílias de vírus estão bem adaptados à transmissão eficiente de indivíduo para indivíduo e circulam em escala global. Dentre esses vírus, o Coronavírus, membro da família Coronaviridae, se destaca por possuir o maior número de espécies catalogadas e causar a mortalidade do seu hospedeiro. O enfoque dessa família ainda se deu no final de 2019, quando diversos casos de infecção por esse vírus foram relatados na China. Com isso, o objetivo deste trabalho foi fazer uma revisão de literatura, sobre as principais espécie de Coronavírus que afetam tanto a saúde humana quanto a animal. A revisão foi baseada em artigos nacionais e internacionais, utilizando-se das bases de dados como MEDLINE/PUBMED, Scientific Electronic Library Online (SCIELO), Science Direct e Google Scholar, dentre outros. Apesar da evolução das pesquisas acerca desses vírus, pouco se sabe da atuação dos mesmo em animais não domésticos,

TIPOS DE CORONAVÍRUS: HUMANOS E ANIMAIS

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sendo necessário pesquisas mais aprofundadas para melhor entendê-lo. Palavras-chave: Coronaviridae. HCoVs. Doenças infecciosas. INTRODUÇÃO

Coronavírus são um grupo de vírus membro da família

Coronaviridae e da ordem Nidovirales, que apresentam RNA de

fita simples positiva no seu genoma, utilizado para síntese

proteica. Essa família de vírus possui grandes RNAs

envelopados sendo todos de fita simples, e são considerados

os maiores vírus de RNA conhecidos. Seus genomas podem

variar de 25 a 32 kb e viriões de 118 a 140 nm de diâmetro Eles

podem ser classificados em duas subfamílias: (1) Coronaviridae

compreendendo os gêneros Alphacoronavirus,

Betacoronavirus, Gammacoronavirus e Deltacoronavirus e (2)

Torovirinae compreendendo os gêneros Torovirus, Bafinivirus e

um gênero não atribuído (SAIF et al., 2019).

Os membros da subfamília Coronaviridae são comuns

entre os mamíferos, geralmente causando apenas infecções

respiratórias ou infecções entéricas leves. Dentre os quatro

gêneros, apenas seis espécies causam infecção em humanos

(BRASIL, 2020). No gênero Alphacoronavirus as espécies mais

conhecidas são coronavírus canino (Ccov) e o coronavírus

felino (FcoV), ambos causadores da gastrenterite, isto é,

inflamação do revestimento do estômago e dos intestinos

grosso e delgado - transmissible gastroenteritis virus (TGEV).

Os coronavírus humanos (HcoV) mais comuns são os das

espécies HCoV-229E e HCoV-NL63, que causam infecções

leves a moderadas comumente (JAIMES et al., 2020).

O gênero Betacoronavírus faz parte da linhagem mais

antiga presente na literatura, por apresentar a maior quantidade

TIPOS DE CORONAVÍRUS: HUMANOS E ANIMAIS

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de espécies que infectam homens e animais de interesse

zootécnico. O primeiro caso registrado em animais foi em 1930

em galinhas e posteriormente identificada em bovinos, equinos

e lagomorfos (coelhos e lebres). Os principais sintomas são

febres e sintomas respiratórios, podendo incluir pneumonia

aguda. As espécies que infectam humanos são HCoV-HKU1,

HCoV-OC43, SARS-CoV e MERS-CoV (LIM et al., 2016).

O HCoV-HKU1 e o HCoV-OC43 são capazes de causar

infecções leves a moderadas. O HCoV-HKU1 é originário de

ratos infectados e foi identificado pela primeira vez em um

paciente idoso na cidade de Hong Kong, China, no ano de 2005.

O HCov-OC43 é capaz de infectar tanto humanos quanto

bovinos, e foi isolado pela primeira vez de um voluntário doente

em 1967 na cidade de Salisbúria, Inglaterra (KIN et al., 2016).

Outra subespécie conhecida é o MERS-CoV.

Encontrado em dromedários, esse vírus é o causador da

Síndrome Respiratória do Oriente Médio, do inglês Middle East

respiratory syndrome coronavirus (MERS), e foi identificado no

ano de 2012, após a obtenção de escarros de pacientes

doentes, após um surto no Oriente Médio. No ano de 2014,

casos de MERS-CoV foram relatados em vários países, como

Arábia Saudita, Malásia, Jordânia, Qatar, Emirados Árabes

Unidos, Tunísia e Filipinas (KHUDHAIR et al., 2019).

O SARS-CoV é considerado o vírus mais prejudicial a

saúde humana e é o agente responsável pela Síndrome

Respiratória Aguda Grave (SARS, do inglês Severe Acute

Respiratory Syndrome, ou SRAG, em português. Foi

identificado pela primeira vez no fim de 2002 na China. Entre

2002 e 2003, um surto da doença resultou em mais de 8000

casos e cerca de 800 mortes em todo o mundo (RU et al., 2020).

No ano de 2019, um novo vírus foi identificado na cidade de

TIPOS DE CORONAVÍRUS: HUMANOS E ANIMAIS

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Wuhan, China. Os pacientes por ele afetado apresentavam

febre, tosse, falta de ar e dificuldade para respirar, indicativo do

quadro clínico de pneumonia (CDC, 2020).

Este coronavírus foi inicialmente nomeado como o novo

coronavírus de 2019 (2019-nCoV), pela Organização Mundial

da Saúde (OMS)(GUO et al., 2020). Rapidamente, instalou-se

uma epidemia de infecção aguda do trato respiratório, tendo a

OMS nomeado oficialmente a doença como doença pelo

coronavírus 2019 (Coronavírus disease 2019 - Covid-19), e o

novo coronavírus como o vírus da síndrome respiratória aguda

grave do coronavírus 2 (severe acute respiratory syndrome

coronavirus 2 – Sars-CoV-2). Até março de 2020, um total de

79.968 casos de Covid-19 foram confirmados na China, com

2.873 mortes. Ao redor do globo SARS-CoV-2 foi responsável

por mais de 110.000 infecções e 4000 mortes até aquele mês,

afetando diretamente a economia de diversos países (LU et al.,

2020).

Outro coronavírus responsável por grandes perdas

econômicas é o do genêro Gamacoronavírus. Esse grupo

possui apenas um subgênero conhecido, o Igacovirus,

causador da bronquite infecciosa aviária (do inglês Avian

Infectious bronchitis - BIG). Esse vírus não afeta humanos

(SANTOS et al., 2018), porém, a infecção é responsável por

provocar grandes perdas econômicas no mercado aviário.

Apesar da existência da sua vacina, a mutação viral, formação

de novos sorotipos e variações antigênicas dificultam seu

controle da BIG. O mesmo acontece com o gênero

Deltacoronavírus, que apesar de causar grande perdas

econômicas devido a sua infecção em aves (avian

coronaviruses - CoVs) e suínos (porcine deltacoronavirus -

PDCoV) , não possui relato de infecção em humanos. Esse

TIPOS DE CORONAVÍRUS: HUMANOS E ANIMAIS

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gênero viral também foi identificado em leopardos, furões e

texugos (LIANG et al., 2019) .

Dado o exposto, o objetivo deste trabalho é reunir

informações acerca das diferentes espécies de coronavírus,

descrevendo as particularidades de cada gênero, com o intuito

de facilitar o entendimento acerca das diferentes espécies e

fisiopatologias acometidas por esta família de vírus.

MATERIAL E MÉTODOS

Este estudo constitui-se de uma revisão bibliográfica

descritiva, limitada às obras e estudos publicados entre 2016 e

2020, em inglês e português. As bases de dados do

MEDLINE/PUBMED, Scientific Electronic Library Online

(SCIELO), Science Direct e Google Scholar foram consultadas

para o levantamento de artigos científicos publicados em

periódicos indexados. Na estratégia de busca, foram utilizados

os descritores: Coronaviridae; Alphacoronavirus;

Betacoronavirus; Gammacoronavirus; Deltacoronavirus.

A partir dos descritores, diversas fontes foram

selecionadas com base na leitura dos títulos e resumos, e,

posteriormente, com base no texto e qualidade dos trabalhos

na íntegra. Para a construção de tal revisão bibliográfica foi

utilizado como critério de inclusão trabalhos em português e

inglês intrínsecos ao tema, com ênfase na problemática

proposta.

TIPOS DE CORONAVÍRUS: HUMANOS E ANIMAIS

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RESULTADOS E DISCUSSÃO

Alfacoronavírus

Os alfacoronavírus (antigo grupo CoV 1) são vírus

encontrados exclusivamente em mamíferos, causando

geralmente gastroenterite em animais e doenças respiratórias

em humanos, estes, em sua maioria, interagem e entram nas

células hospedeiras usando CD13 (aminopeptidase N). Dentre

os componentes desse gênero estão o FIPV (vírus da peritonite

infecciosa felina), o NL63, que acomete humanos e o CCoV, o

coronavírus canino (CUI; LI; SHI et al., 2019).

A peritonite infecciosa felina (FIP), é uma doença

sistêmica letal causada pelo vírus FIP (FIPV), um mutante

virulento do coronavírus entérico apatogênico felino (FECV).

Os achados patológicos característicos da FIP em gatos

evidenciam fluído seroso nas cavidades peritoneal e pleural e

lesões piogranulomatosas nos órgãos internos e no cérebro

(TAKANO et al., 2020).

O vírus se espalha de forma eficiente pela via fecal-oral

e, como as infecções podem persistir subclinicamente por um

período de um ano ou mais, a prevalência de FECV é alta,

podendo chegar até 90% de soropositividade em ambientes

multi-gatos. O progresso na pesquisa da FIP tem sido limitado,

não apenas por causa das dificuldades em isolar e propagar o

sorotipo I FCoV, mas ainda devido às mutações ocorridas in

vitro para estudos mecanísticos de patogênese em nível

molecular, que são urgentemente necessários para o

desenvolvimento de vacinas e terapêuticas (YANG et al., 2020).

O HCoV-NL63 (Coronavírus humano NL63) é um dos

coronavírus humanos mais comuns e um dos principais HCoVs

circulantes no outono e inverno em todo o mundo, sendo

TIPOS DE CORONAVÍRUS: HUMANOS E ANIMAIS

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isolado pela primeira vez em Amsterdã, no ano de 2004 (WENG

et al., 2019). O vírus ancora-se nas células ciliadas por meio de

proteoglicanos de sulfato de heparana, na sequência, interage

com o receptor de entrada ACE2 (ação compartilhada com o

SARS-CoV), esta interação desencadeia o recrutamento de

clatrina, seguido por endocitose mediada por clatrina,

dependente de dinamina, que requer remodelação do córtex de

actina. Sua infecção acomete principalmente em crianças e

imunocomprometidos, podendo causar sintomas respiratórios

superiores leves (tosse, febre e rinorreia) ou envolvimento mais

grave do trato respiratório inferior, como bronquiolite e crupe

(CHOUDHERY; KHATIB; 2020).

O último vírus desse gênero é o CCov (Coronavírus

canino). Responsável pela coronavirose canina entérica, uma

doença infecciosa endêmica com distribuição mundial e alta

morbidade em filhotes (DESAI et al., 2020). A doença intestinal

pode estar relacionada à apoptose induzida por vírus de células

da mucosa epitelial do intestino delgado, pois, sabe-se que o

vírus invade e se replica nas vilosidades do intestino delgado,

resultando em ruptura da área de superfície absortiva, o que

ocasiona má absorção dos nutrientes e consequente

debilidade. Ainda de acordo com o autor, os sinais clínicos

geralmente incluem anorexia, vômito e diarreia, e, a maioria dos

cães adultos infectados se recuperam em uma semana por

meio de tratamento regular intenso junto com a fluidoterapia e

raramente resultam em mortalidade.

Betacoronavírus

O gênero Betacoronavirus é responsável por abrigar pelo

menos três espécies com reconhecida patogenicidade em

humanos. Neste gênero estão inclusos o vírus responsável pela

síndrome respiratória aguda do Oriente Médio (MERS-CoV), e

TIPOS DE CORONAVÍRUS: HUMANOS E ANIMAIS

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os dois tipos de vírus causadores da síndrome respiratória

aguda grave, o SARS-CoV-1 e o SARS-CoV-2, cujo contágio

envolve hospedeiro animal intermediário e se dissemina entre

humanos por intermédio de contato com a pessoa infectada

(MORAES; CASTIEL, 2020).

Figura 1. Mecanismo de infecção e replicação do coronavírus

da síndrome respiratória do Oriente Médio (MERS-CoV)

Fonte: Adaptado de Lu et al. (2013).

O coronavírus da síndrome respiratória do Oriente Médio

(MERS-CoV) é um vírus de RNA de fita simples de sentido

positivo, membro do gênero Betacoronavírus, linhagem C que

infecta as células do hospedeiro através da dipeptidil peptidase

4 (Figura 2), e, pode causar uma variedade de manifestações

clínicas em humanos, desde infecções assintomáticas à

doenças fatais (WONG et al., 2017).

TIPOS DE CORONAVÍRUS: HUMANOS E ANIMAIS

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Figura 2. Mecanismo de infecção e replicação do SARS-CoV-

2 em células humanas

Fonte: Adaptado de Ciência e Vida (2020).

A infecção por esse vírus causa doença respiratória

aguda com alta taxa de letalidade (reportado pela OMS em

2015), e, foi intimamente relacionado aos coronavírus de

morcegos, assim como Camelos (Camelus dromedarius),

sendo estes animais identificados como hospedeiros

intermediários. Nestes animais infectados, se manifesta a

doença leve do trato respiratório superior tem sido observada

em camelos jovens e adultos (estes apresentam secreção nasal

TIPOS DE CORONAVÍRUS: HUMANOS E ANIMAIS

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purulenta), naturalmente infectados com MERS-CoV ou sem

doença aparente (MOSTAFA et al., 2020).

Em 2003, a população chinesa foi infectada com um

vírus que causa a Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS),

na província de Guangdong. Os pacientes infectados exibiam

sintomas de pneumonia com lesão alveolar difusa que levou à

síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA).

Inicialmente o SARS-CoV infectou cães-guaxinins (Nyctereutes

procyonoides) e civetas-palmeira (Paradoxurus

hermaphroditus), e estes animais tornaram reservatório-chave

de infecção e hospedeira secundária, respectivamente. O

SARS-CoV-2 é o mais novo membro da família, identificado em

dezembro de 2019. Trata-se de um vírus de RNA envelopado

esférico, com genoma de fita simples positiva com cerca de

30.000 nucleotídeos bem adaptado à infecção de seres

humanos e de propagação rápida, o que culminou em expansão

global e início da doença do coronavírus de 2019 (Coronavírus

Disease 2019: COVID-19) (SHEREEN et al., 2020).

Além das proteínas não estruturais envolvidas no

processo de sua replicação, o coronavírus possui outras de

natureza estrutural, como a glicoproteína de membrana na

forma de espícula (“Spike”), que se mostra necessária para

infecção da célula hospedeira. Neste sentido, o acesso

intracelular do SARS-CoV-2 ocorre através da interação desta

proteína “Spike” com o receptor da enzima conversora de

angiotensina 2 (ECA2) (Figura 2) (BOOPATHI; POMA;

KOLANDAIVEL, 2020). O SARS-CoV-2 tem período de

incubação variável, que pode alcançar cinco dias antes da

manifestação dos sintomas, e o fato de que nem todos os

infectados apresentam sintomatologia incapacitante ou bem

TIPOS DE CORONAVÍRUS: HUMANOS E ANIMAIS

555

definidos, o que eleva a sua taxa de transmissibilidade em

vários grupos populacionais (MORAES; CASTIEL, 2020).

Gamacoronavírus

Os gamacoronavírus são geralmente detectados em

espécies galináceas e não galináceas saudáveis, e, são

relacionados à bronquite aviária infecciosa (BAGHERI;

PEIGHAMBARI; LANGEROUDI, 2019). A espécie mais

conhecida é o vírus da bronquite aviária infecciosa (IBV). Esse

é um vírus envelopado com cerca de 120 nm de diâmetro e o

seu genoma consiste em um RNA de sentido positivo de fita

simples de aproximadamente 27,6 kb. O vírus apresenta em

seu material genético o gene 1, que é indispensável para

replicação e transcrição de RNA, cujos produtos fornecem

funções de RNA polimerase dependentes de RNA (MOHARAM

et al., 2020; FERNANDES, 2016).

Além do gene 1, o IBV compreende quatro genes que

codificam proteínas não estruturais (3, 4, 5 e 6b) e quatro genes

que codificam proteínas estruturais, ou seja, a proteína spike

(S), que é proteoliticamente clivada em duas subunidades: S1

e S2, que são responsáveis pela formação da porção bulbar do

ectodomínio amino-terminal da proteína S, formação de

sincícios e pela fusão de membranas celulares; a glicoproteína

de membrana integral (M); a proteína do envelope associada à

membrana (E) e a nucleoproteína (N) (FERNANDES, 2016;

MOHARAM et al., 2020).

O IBV invade o hospedeiro aviário pelo trato respiratório,

por apresentar tropismo pelas superfícies epiteliais; em seguida

causa a destruição do epitélio, levando ao desconforto

respiratório e ao início de infecções bacterianas secundárias. A

infecção é caracterizada pelo aumento da secreção oculonasal

TIPOS DE CORONAVÍRUS: HUMANOS E ANIMAIS

556

e excesso de muco na traqueia das aves, juntamente com a

redução do ganho de peso e da eficiência alimentar. Porém as

mutações e recombinações no genoma do IBV resultaram em

vírus com diferentes tropismos de tecidos, aumento da

virulência, aumento da persistência da infecção, além da

possibilidade de transmissão assintomática. O IBV, também

pode se disseminar para os ovidutos, rins e trato

gastrointestinal, características que afetam negativamente a

indústria avícola (BAGHERI; PEIGHAMBARI; LANGEROUDI,

2019).

Deltacoronavírus

Deltacoronavírus é um gênero que abrange cerca de três

espécies oficialmente reconhecidas que são capazes de

infectar diferentes mamíferos e aves. A principal espécie desse

gênero é deltacoronavírus porcino, CoV HKU 15, agora

conhecido como PDCoV, e, foi encontrado em amostras fecais

de porcos em Hong Kong (WOO et al., 2017). O vírus

apresenta, em seu material genético, os genes característicos

da família Coronaviridae (ORF1A; ORF1B; S, spike; E,

envelope; M, membrana; N, nucleocapsídeo), todavia, contém

alguns genes acessórios como o NS6 e o NS7, que originam

proteínas não estruturais do vírus. De acordo com análises

moleculares realizadas, foi constatado que o PDCoV se

originou relativamente de um evento de troca de hospedeiro

entre espécies de aves e mamíferos (WANG et al., 2019).

A via de infecção do patógeno dá-se pelas vias nasais, e

no tecido epitelial nasal há a replicação do PDCoV e, então, são

transportados por células dendríticas e transmitidos para

células T CD3+, que transportam o vírus para o intestino,

infectando assim, os enterócitos. A lesão dessas células

TIPOS DE CORONAVÍRUS: HUMANOS E ANIMAIS

557

causam vacuolização do citoplasma, necrose, condensação

estromal, além de morfologia escamosa cuboidal a achatada

dos enterócitos das vilosidades afetadas e presença de detritos

nucleares(WANG et al., 2019).

Os sintomas apresentados pelos suínos após infecção

são diarreia e vômito, que podem levar à desidratação; perda

de peso corporal, letargia e morte. A doença é geralmente mais

grave e letal em animais neonatos. Em alguns suínos, já foram

relatadas a presença do PDCoV no sangue, fígado, pulmão,

rins, saliva ou fluido oral, e nos linfonodos mesentéricos, o que

implica que o vírus pode causar infecções sistêmicas

ocasionais (WOO et al., 2017). Desde 2014 este vírus é

considerado um dos principais patógenos entéricos que

acomete diarreia em porcos, com taxa de mortalidade que varia

de 30% a 50%, sendo associado entre os anos de 2014 e 2017

a surtos fatais em porcos no Leste/Sudeste Asiático e na

América do Norte (WOO et al., 2017).

Outros vírus

Ainda há outros vírus que compõem a subfamília

Coronaviridae, como por exemplo os Alfacoronavírus FCoV e

229E. De acordo com Santana-Clavijo et al. (2020), destes, o

FCov causa infecção em felinos, principalmente gatos,

ocasionado enterite leve nos animais. O vírus também é

conhecido como “coronavírus entérico leve felino” ou “vírus da

peritonite felina altamente virulenta - FIPV“ e é altamente

virulento, dois genótipos de FCoV são conhecidos: FCoV-I e

FCoV-II. Foi proposto que o FCoV tipo I evolua de um vírus

ancestral comum, enquanto as cepas de FCoV tipo II surgiram

de vários eventos de recombinação (SANTANA-CLAVIJO et

al., 2020). O HCoV-229E, por outro lado, circula na população

TIPOS DE CORONAVÍRUS: HUMANOS E ANIMAIS

558

humana e seus sintomas são relacionados ao resfriado comum,

porém, devido a mudanças na sequência genética e sorologia,

sugere-se que o vírus esteja em mutação ao longo de sua

interação com o sistema imunológico humano (WONG et al.,

2017).

No gênero Betacoronavírus, os vírus CRCoV, HKU1 e

OC43 também são responsáveis por infecções relacionadas ao

trato respiratório de diferentes espécies animais. O CRCoV, ou

coronavírus respiratório canino, está associado a sinais

respiratórios leves a graves em cães e é o agente etiológico da

doença respiratória infecciosa canina (do inglês canine

infectious respiratory disease - CIRD). As linhagens HKU1 e

OC43 são comumente associadas ao resfriado comum em

humanos, porém já foi relatado que estes vírus podem causar

infecções pulmonares graves e/ou fatais em pessoas que

apresentam alguma comorbidade, e que, em casos raros, o

vírus OC43 que usa ácido 9-O-acetil siálico como seu receptor,

pode ocasionar encefalite letal(WONG et al., 2017).

O vírus SW1 (do gênero gamacoronavírus) e o HKU11

(do gênero deltacoronavírus) também acarreta infecções do

trato respiratório. O SW1 ou Beluga Whale CoV, é responsável

por doenças pulmonares e insuficiência hepática aguda

terminal em baleias brancas e é o primeiro coronavírus a ser

relatado em animais marinhos (WANG et al., 2019). A linhagem

HK11 é responsável por causar infecções relacionadas à família

Pycnonotidae, que compreende pássaros canoros

passeriformes, levando a doenças pulmonares nestas aves

(CHEN; LIU; GUO, 2020).

TIPOS DE CORONAVÍRUS: HUMANOS E ANIMAIS

559

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os vírus respiratórios geralmente têm dois modos

principais de transmissão, grandes partículas de aerossóis de

gotículas respiratórias transmitidas diretamente por contato,

através de tosse ou espirro, ou através de fômites, que são

materiais contaminados por secreções que contenham o vírus.

Esta característica de transmissão eleva potencialmente a

propagação da doença, permite a interação do vírus com

diferentes espécies e pode apresentar comportamento

zoonótico.

Assim, este trabalho objetivou elencar as principais

espécies de vírus da família Coronaviridae devido a sua

capacidade de infectar diferentes espécies, causar grandes

impactos econômicos e também devido ao seu ressurgimento

no final do ano de 2019, sendo responsável por uma das

maiores pandemias mundiais. Como percebido na revisão, o

coronavírus permeia o meio e existem profilaxias para o seu

combate em espécies animais, como as de animais de

companhia, o que gerou no início da pandemia uma busca pela

vacina já utilizada em animais para que fossem aplicados em

humanos. Ao constatar que temos diferentes classes deste

vírus, esta prática não surte efeito.

Apesar de muitos materiais encontrados voltados para

vírus que infectam humanos, quando se depara com vírus que

infectam apenas animais que não são de interesse

zootecnológico e/ou domésticos, as pesquisas são bem

escassas. Com isso, ainda é preciso mais pesquisas em

diferentes espécies para entender o mecanismo completo de

infecção desse vírus para futuramente criar meios para

combatê-los.

TIPOS DE CORONAVÍRUS: HUMANOS E ANIMAIS

560

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563

CIÊNCIAS BIOLÓGICAS -PARASITOLOGIA

PLANTAS DA CAATINGA COMO UMA ALTERNATIVA PARA O CONTROLE DE AEDES AEGYPTI: UMA REVISÃO

564

CAPÍTULO 27

PLANTAS DA CAATINGA COMO UMA ALTERNATIVA PARA O CONTROLE DE

AEDES AEGYPTI: UMA REVISÃO

Karine da Silva CARVALHO1

Romulo Carlos Dantas da CRUZ2

Lais da Silva CARVALHO3 Laiane da Silva CARVALHO3

Ivone Antonia de SOUZA4

1Departamento de Antibióticos, UFPE; 2Pós-doutorando no Departamento de Antibióticos, UFPE; 3Graduanda em medicina, UFS, 4Orientadora/professora do Departamento de Antibióticos, UFPE. [email protected]

RESUMO: O Brasil possui uma grande biodiversidade difundida em diferentes biomas, dentre eles a Caatinga. A singularidade climática desse bioma permite a sobrevivência de plantas que produzem diversos metabólitos secundários, algunss dos quais podem ser tóxicos para os insetos. A busca por plantas ativas sobre mosquitos, como Aedes aegypti, principal transmissor do dengue, chikungunya e Zika, torna-se essencial. Assim, o objetivo desse trabalho foi realizar uma revisão integrativa sobre o potencial inseticida de plantas da Caatinga sobre o mosquito Ae. aegypti. Para tal, realizou-se um levantamento de artigos indexados, nos últimos cinco anos, às plataformas do Pubmed, Science Direct e Scielo utilizando os descritores “Caatinga”, “Insecticides” “Plants” e “Aedes aegypti”. Diversos estudos demonstram a eficácia inseticida de plantas da Caatinga sobre as fases de ovo, larva, pupa e adulta do mosquito Ae. aegypti, com predominância da atividade de plantas na fase larval. A maioria dos estudos utilizam como órgão vegetal as folhas. Além da atividade inseticida, alguns

PLANTAS DA CAATINGA COMO UMA ALTERNATIVA PARA O CONTROLE DE AEDES AEGYPTI: UMA REVISÃO

565

estudos também demonstram a toxicidade destas plantas sobre mamíferos visando estabelecer o uso seguro dessas. Assim, a Caatinga é um bioma promissor quanto à presença de plantas detentoras de compostos bioativos, úteis ao controle de insetos vetores, o que poderá contribuir para a caracterização e valorização desse bioma, bem como a produção de inseticidas de origem natural. Palavras-chave: Biodiversidade. Dengue. Inseticida.

INTRODUÇÃO

O Brasil é um país de grande extensão territorial com

diversas zonas climáticas que produzem variações ecológicas,

formando distintos biomas. A Caatinga possui uma vegetação

típica denominada Floresta e Arbustais Tropicais Sazonalmente

Secos, FATSS, sendo a maior em extensão e mais contínua

área do bioma do Novo Mundo (FERNANDES; QUEIROZ,

2018). Esse bioma dispõe de elevado índice de endemismo, o

que favorece a sua grande biodiversidade, e localiza-se na

região semiárida nordestina, caracterizado pelo clima tropical

semiárido (QUEIROZ et al., 2017). Apesar da importância

biológica desse bioma, diante da diversidade de fisionomias

que possui, esta é uma das regiões fitogeográficas menos

protegidas por unidades de conservação no país, e

consequentemente um dos mais devastados.

Diante da marcante sazonalidade da Caatinga, muitas

espécies vegetais desenvolvem mecanismos de adaptação,

como a deciduidade, alterações morfológicas nas folhas como

a presença de espinhos, espessamento foliar e alteração na

síntese dos metabólitos secundários. Tais metabólitos podem

ser úteis na produção de inseticidas, visto que constituem a

PLANTAS DA CAATINGA COMO UMA ALTERNATIVA PARA O CONTROLE DE AEDES AEGYPTI: UMA REVISÃO

566

defesa química das plantas contra as intempéries, como a

herbivoria (SOUZA et al., 2018; CRUZ et al., 2020).

A descoberta de inseticidas originados das plantas tem

como vantagens um menor impacto sobre a biodiversidade e

uma maior seletividade, ao apresentarem um baixo espectro de

ação (CRUZ et al., 2020; PAVELA 2016). Pesquisas sobre

inseticidas botânicos, torna-se essencial tendo em vista a

relevância epidemiológica, entre esses, destaca-se Aedes

aegypti, o principal transmissor do vírus da dengue, doença que

acomete milhares de pessoas no mundo. A transmissão do

vírus Zika (ZIKV) no Brasil, também por esse vetor, representou

um grave problema de saúde pública internacional, o qual foi o

epicentro da Síndrome Congênita do ZIKV (WHO, 2018;

MESSINA et al., 2019). O Ae. aegypti poderá transmitir o vírus

chikungunya e febre amarela urbana (MESSINA et al., 2019).

Diante da ausência de vacinas eficazes e disponíveis

para a maioria dessas arboviroses, é imperativo a busca por

formas de controle alternativas a serem implementadas no

controle integrado de insetos vetores. Dentre as práticas, se

destaca a aplicação de larvicidas, importantes ferramentas no

controle de mosquitos (ACHEE et al., 2019). Assim, é

indispensável a busca por formas alternativas de controle de

mosquitos, a exemplo daqueles de origem botânica por serem

ambientalmente seguros e podem retardar mecanismos de

resistências. Nesse contexto, esse estudo tem por objetivo

realizar uma revisão sobre o potencial de plantas do bioma

Caatinga quanto à propriedade inseticida sobre o mosquito Ae.

aegypti.

PLANTAS DA CAATINGA COMO UMA ALTERNATIVA PARA O CONTROLE DE AEDES AEGYPTI: UMA REVISÃO

567

MATERIAIS E MÉTODO

A presente revisão integrativa ocorreu mediante a busca

eletrônica de artigos científicos indexados nas bases de dados

Science Direct, National Library of Medicine (PubMed) e

ScientificElectronic Library Online (Scielo). Utilizou-se o

operador booleano “AND” e os descritores em inglês e

português: “Caatinga”, “Inseticidas”-“Insecticides, “plantas”-

“plants” “Aedes aegypti”. Os artigos publicados nos últimos

cinco anos foram selecionados relacionados a pesquisa

científica de plantas do bioma Caatinga e seu potencial

inseticida sobre o mosquito Aedes aegypti.

Os critérios de inclusão dos estudos primários

delimitados para a presente revisão foram artigos científicos

completos e comunicações (short communication) publicados

no período de 2015 a 2020. Foram excluídas as publicações

que não foram realizadas com plantas da Caatinga e

necessariamente coletadas desse bioma, ou o tema do estudo

não fosse relacionado à atividade inseticida.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A Caatinga e a síntese de metabólitos secundários

A Caatinga ocupa uma área de aproximadamente

912.529 km2, distribuído nos estados do Nordeste brasileiro

(Paraíba (PB), Piauí (PI), Maranhão (MA), Sergipe (SE),

Pernambuco (PE), Bahia (BA) e Rio Grande do Norte (RN) e

também no norte de Minas Gerais (MG), na região sudeste.

Esse bioma dispõe de uma grande variedade de ambientes,

PLANTAS DA CAATINGA COMO UMA ALTERNATIVA PARA O CONTROLE DE AEDES AEGYPTI: UMA REVISÃO

568

apresentando um clima com longa estação seca, irregularidade

pluviométrica, luminosidade e temperaturas intensas (GARCEZ

et al., 2016). O termo “caatinga” de origem Tupi significa

“floresta branca”, que corresponde ao aspecto da vegetação

durante a estação seca, onde a maioria das árvores perdem

suas folhas e expõem seus troncos esbranquiçados (SILVA et

al., 2017). Todavia, tal aspecto contrasta com o período das

chuvas, onde o verde predomina e as flores exibem um colorido

diversificado. Esse contraste do aspecto vegetacional em

diferentes períodos pode ser visualizado na Figura 1.

Figura 1. Diferença da vegetação na Floresta Nacional do Açu

(RN) na época da seca (a) e no período chuvoso (b).

Fonte: Coe; Souza, 2014.

As mudanças abruptas ao longo do ano na Caatinga

condicionam nos seus grupos biológicos padrões de

distribuição, singularidade e de diversidade. Apesar de nas

últimas décadas, ter sido descrito como pobre em espécies e

baixo grau de endemismo, o que reflete no pouco conhecimento

da região, e estudos recentes demonstram a sua vasta

biodiversidade, e elevado número de endemismo

(FERNANDES; QUEIROZ, 2018; SOUZA et al., 2018).

A vegetação da Caatinga inclui árvores de pequeno

porte, com cobertura descontínua de copas e as herbáceas são

anuais com destaque para euforbiáceas, bromeliáceas e

a b

PLANTAS DA CAATINGA COMO UMA ALTERNATIVA PARA O CONTROLE DE AEDES AEGYPTI: UMA REVISÃO

569

cactáceas (CAVALCANTE; DUARTE; OMETTO, 2020). Entre

os mecanismos fisiológicos das plantas da Caatinga, mediante

a anatomia, morfologia e os mecanismos fisiológicos

adequados às condições locais, destaca-se a produção de

metabólitos secundários, os quais representam uma interface

química entre os vegetais e o meio que as abrangem, sendo a

sua síntese, portanto, consideravelmente afetada por

condições ambientais (SHITAN et al., 2016).

A propriedade inseticida dos compostos secundários das

plantas deve-se principalmente a estratégia de defesa, contra o

ataque de insetos e/ou patógenos (ISMAN, 2020). Tais

compostos são representados pelas classes dos compostos

fenólicos, tais como os taninos e flavonoides, classe dos

terpenos, já bem estabelecidos, quanto a atividade inseticida, e

aos alcaloides, sobretudo os alcaloides esteroidais

(CARVALHO et al., 2016; SOUZA et al., 2015). Nesse contexto,

os metabólitos secundários sintetizados pelas plantas da

Caatinga, constituem fontes de substâncias bioativas, que

podem ser utilizadas como inseticida, podendo dessa forma,

atuar no controle populacional de muitos insetos a exemplo de

Ae. aegypti que transmitem arbovírus causadores de doenças

de grande impacto na saúde pública mundial.

Aedes aegypti: importância médica e métodos de controle

Aedes aegypti é um mosquito holometábolo, ou seja,

apresenta ciclo de vida completo incluindo as fases de ovo,

larva e pupa, as quais desenvolvem-se no meio aquático, e a

fase adulta, que se desenvolve no meio aéreo. A diversificação

de nicho ecológico possibilita a esse inseto adaptação e

PLANTAS DA CAATINGA COMO UMA ALTERNATIVA PARA O CONTROLE DE AEDES AEGYPTI: UMA REVISÃO

570

ocupação de diferentes ambientes, o que auxilia

consideravelmente na sua dispersão e resistência em

diferentes habitats (CARVALHO; MOREIRA, 2017). Os ovos ao

entrarem em contato com a água dará origem às larvas, as

quais possuem quatro ínstares (L1-L4). A fase larval constitui o

período de alimentação. Em seguida, a larva se transformará

em pupa, a qual não se alimenta e há modificações internas e

externas que possibilitará o desenvolvimento do adulto. O

adulto é o estágio reprodutivo da espécie. Machos e fêmeas se

alimentam de solução açucarada e apenas as fêmeas

necessitam realizar repasto sanguíneo para a maturação de

seus ovos, e nessa condição, caso estejam infectadas com

arbovírus, poderão ser capazes de transmiti-los através da sua

picada (CONSOLI; OLIVEIRA 1994).

Nas Américas, os arbovírus são transmitidos

principalmente pelo Ae. aegypti e estes são o vírus da dengue,

doença que acomete milhares de pessoas no mundo, além do

vírus Zika (ZIKV), vírus chikungunya e vírus amarílico, que

causam arboviroses de grande impacto na saúde pública. A

dengue caracteriza-se como doença febril e pode até ser letal,

através da febre hemorrágica da dengue. No Brasil, a dengue é

uma doença endêmica, responsável por um elevado número de

óbitos, anualmente. No Brasil, a Síndrome Congênita do ZIKV,

enfermidade que acomete neonatais incluindo a microcefalia,

no ano de 2016, representou um sério problema de saúde

pública nacional e internacional, segundo a Organização

Mundial da Saúde (WHO, 2018; MESSINA et al., 2019). O vírus

chikungunya causa infecção caracterizada por uma intensa

artralgia, ou seja, dor articular (MESSINA et al., 2019). Dentre

os arbovírus transmitidos pelo Ae. aegypti somente para o vírus

PLANTAS DA CAATINGA COMO UMA ALTERNATIVA PARA O CONTROLE DE AEDES AEGYPTI: UMA REVISÃO

571

amarílico (causador da febre amarela) há vacina disponível no

país. Diante da ausência de vacinas disponíveis para a maioria

das doenças causadas por vírus transmitidos pelo mosquito Ae.

aegypti e de tratamentos específicos para tais arboviroses,

torna-se fundamental a implementação do controle integrado de

insetos vetores, onde diferentes práticas são adotadas visando

reduzir a população de mosquitos. Diferentes métodos de

controle incluem o controle mecânico, controle químico,

controle genético e controle biológico, os quais são os principais

métodos de controle para esse vetor. É importante destacar que

em cada um destes é muito importante haver inclusão e

mobilização social, sendo a comunidade componente essencial

no controle para este vetor. Entre essas práticas, se destaca a

aplicação de larvicidas, importante ferramenta no controle de

mosquitos (ACHEE et al., 2019).

No Brasil, o Programa Nacional de Controle da Dengue

(PNCD) recomenda, nos dias atuais, a utilização de inseticidas

químicos para o controle de mosquitos vetores. Todavia, o uso

excessivo e constante destes compostos seleciona resistência

nas populações de insetos. Além de promover a seleção da

resistência aos insetos, os inseticidas químicos causam danos

ecológicos.

Plantas da Caatinga: investigação da atividade inseticida

No que diz respeito aos inseticidas botânicos, várias

pesquisas voltadas para o potencial das espécies nativas da

Caatinga têm sido realizadas, apresentando resultados

promissores em relação a um método de controle alternativo

para o Ae. aegypti e, ao mesmo tempo, menos impactante para

PLANTAS DA CAATINGA COMO UMA ALTERNATIVA PARA O CONTROLE DE AEDES AEGYPTI: UMA REVISÃO

572

o ambiente. A Tabela 1 demonstra o potencial de plantas da

Caatinga quanto sua atividade inseticida sobre o mosquito Ae.

aegypti, entre os anos 2015 e 2020.

Os vegetais do bioma Caatinga que possuem atividade

inseticida sobre o mosquito Ae. aegypti incluem espécies das

famílias Euphorbiaceae, Apocynaceae, Anacardiaceae,

Myrtaceae, Agavaceae, Verbenacea e Fabaceae (Tabela 1).

Das partes vegetais usadas para a avaliação da atividade

inseticida há uma predominância da utilização das folhas,

sendo possível também usar sementes, caules e raiz, sendo

essa última com uma menor frequência. É importante notar que

na utilização das folhas não há destruição completa das

plantas, sendo uma prática, portanto altamente sustentável.

PLANTAS DA CAATINGA COMO UMA ALTERNATIVA PARA O CONTROLE DE AEDES AEGYPTI: UMA REVISÃO

573

Tabela 1. Plantas do bioma Caatinga com atividade inseticida

sobre diferentes fases do mosquito Aedes aegypti. Planta Parte vegetal Fase de vida Referências

Euphorbiaceae

Croton piauhiensis Folhas Larva Silva et al., 2019

Croton tetradenius Folhas Larva, adulto Carvalho et al., 2016

Croton argyrophyllus Caule Larva Oliveira et al., 2019

Croton argyrophyllus Folhas Larva, adulto Cruz et al., 2017

Bauhinia cheilantha Folhas Larva Silva et al., 2020

Jatropha mollissima Folhas Larva Araújo et al., 2018

Arecaceae

Syagrus coronata Sementes Larva Santos et al., 2017

Anacardiaceae

Myracrodruon urundeuva Sementes Larva Souza et al., 2015

Myracrodruon urundeuva Casca Ovo Alves et al., 2020

Apocynaceae

Aspidosperma pyrifolium Folhas Larva Viana et al., 2016

Myrtaceae

Eugenia brejoensis Folhas Larva Silva et al., 2015

Verbenaceae

Lippia sidoides Folhas Pupa, larva Simões et al., 2015

Fabaceae

Poincianella bracteosa Folhas Larva Santos et al., 2015

Poincianella bracteosa Raiz Larva Cruz et al., 2015

Fonte: os autores.

As plantas da Caatinga apresentam potencial inseticida

sobre diferentes fases do ciclo de vida de Ae. aegypti, incluindo

ovo, larva, pupa e adulto. Uma predominância da atividade

larvicida das plantas da Caatinga foi observada (Tabela 1). A

ação de inseticidas sobre a fase larval do mosquito Ae. aegypti

constitui o controle focal desse vetor sendo o produto aplicado

pontualmente em recipientes contendo água que atuam como

criadouros para essa espécie (WHO, 2018). É importante notar

que em alguns estudos além da atividade inseticida de plantas

da Caatinga, investigaram também a toxicidade desses

vegetais em mamíferos, como será descrito adiante visando

PLANTAS DA CAATINGA COMO UMA ALTERNATIVA PARA O CONTROLE DE AEDES AEGYPTI: UMA REVISÃO

574

estabelecer o seu uso seguro (CARVALHO et al., 2016; CRUZ

et al., 2020).

Dessa maneira, estudos realizados nos últimos cinco

anos com plantas coletadas no bioma Caatinga, inserido em

diferentes estados do nordeste brasileiro, demonstram

propriedade inseticida (Tabela 1), o que é de grande relevância

na caracterização e valorização desse bioma, muitas vezes

desconhecido e desprezado. O desconhecimento prejudica a

conservação da biodiversidade desse bioma (LESSA et al.,

2019). A flora da Caatinga constitui uma rica fonte de pesquisa,

contendo exemplares botânicos promissores quanto ao seu

efeito tóxico sobre Ae. aegypti.

Diversas plantas da Caatinga têm apresentado

propriedade inseticida sobre Ae. aegypti, e essa atividade se

deve à presença de metabólitos secundários presentes em

diferentes partes dos vegetais. Esses metabólitos podem ser

obtidos de diferentes partes anatômicas dos vegetais da

Caatinga, e a seguir será feita uma descrição detalhada por

agrupamento de cada parte anatômica, iniciando pelas folhas,

seguida de semente, caules e raízes. Em relação às folhas Silva

et al. (2019), após analisarem a composição química do óleo

essencial de folhas de Croton piauhiensis identificaram β-

cariofileno, D-limoneno, γ-terpineno e germacreno D como os

componentes químicos majoritários. Os autores sugerem que o

ativo β-cariofileno, o principal dentre estes, provavelmente seja

o responsável pelo potencial inseticida da planta C. piauhiensis

sobre larvas de Ae. aegypti (CL50=0,34 mg/mL) (SILVA et al.,

2019).

Silva et al (2015) também demonstraram que o óleo

essencial obtido das folhas de E. brejoensis foi ativo sobre

PLANTAS DA CAATINGA COMO UMA ALTERNATIVA PARA O CONTROLE DE AEDES AEGYPTI: UMA REVISÃO

575

larvas de Ae. aegypti (CL50= 0,21 mg/mL) e a avaliação

fitoquímica desse óleo essencial revelou a presença de 41

compostos químicos diferentes. Entre estes, cadineno, beta-

cariofileno, alfa-murolol e biciclogermacreno foram os

principais. Essa planta foi coletada no estado de Pernambuco,

em uma região de brejo, e seus frutos e folhas são

popularmente conhecidos como “cutia”. Essa planta tem sido

usada na medicina tradicional pela população como

antidiarreica e antifebril (SILVA et al., 2015).

O óleo essencial da planta da Caatinga Bauhinia

cheilantha conhecida popularmente como “mororó” também foi

avaliada quanto ao seu potencial larvicida sobre Ae. aegypti

(SILVA et al., 2020). Esse vegetal é popularmente utilizado

como hipoglicemiante. O óleo essencial obtido das folhas de

Bauhinia cheilantha, coletadas no estado do Ceará, apresentou

atividade larvicida sobre Ae. aegypti CL50= 0,04 mg/mL. A

avaliação da química desse óleo essencial identificou 44

compostos, com dominância de sesquiterpenos (78,6%) os

quais têm relato sobre atividade inseticida. E-cariofileno, alfa-

pineno, espatulenol e óxido de cariofileno, foram os principais

compostos químicos identificados (SILVA et al., 2020).

As folhas da planta Jatropha mollissima popularmente

conhecida como “pinhão bravo” também foram avaliadas

quanto ao seu potencial larvicida sobre Ae. aegypti (ARAÚJO

et al., 2018). As folhas da planta foram coletadas no estado do

Piauí, e a partir dessa foi obtido o extrato aquoso, o qual

ocasionou nas concentrações de 0,08 e 0,1 mg/mL taxas

superiores a 75% de mortalidade larval. Os autores, na

discussão, sugerem que esta atividade inseticida possa estar

relacionada à presença dos compostos taninos, saponinas,

PLANTAS DA CAATINGA COMO UMA ALTERNATIVA PARA O CONTROLE DE AEDES AEGYPTI: UMA REVISÃO

576

alcaloides e cumarinas. Além disso ensaio de genotoxicidade

utilizando o tecido meristemático de Allium cepa foi realizado e

o extrato aquoso das folhas de Jatropha mollissima foi

considerado atóxico (ARAÚJO et al., 2018).

Da parte aérea da planta A. pyrifolium, popularmente

conhecida como “pereiro”, avaliou-se o extrato etanólico e suas

respectivas frações (diclorometânica e hidroalcoólica), assim

como as misturas das compostas pelas frações diclorometânica

mais acetato de etila (D/AE) e diclorometânica mais hexânica

(D/H) quanto ao seu potencial larvicida sobre Ae. aegypti

(VIANA et al., 2016). Como resultado a fração diclorometânica

(CL50= 3,09 mg/mL e CL90= e 6,74 mg/mL), seguida da mistura

D/H, (CL50 = 5,35 mg/mL e CL90= 7,31 mg/mL) foram mais

tóxicas comparadas ao extrato etanólico e as demais frações.

Paralelamente, os autores mostraram que o extrato etanólico foi

submetido à prospecção fitoquímica e as frações à análise de

Ressonância Magnética Nuclear 1H, e a presença majoritária

de heterosídeos cianogênicos e taninos condensados na fração

diclorometânica, os quais podem estar envolvidos na

propriedade inseticida desse vegetal (VIANA et al., 2016).

Além dos metabólitos secundários estarem presentes

em folhas de vegetais, também poderão ser encontrados nas

sementes. Souza et al. (2015), demonstraram que extrato

etanólico de sementes de M. urundeuva possui potente

atividade sobre Ae. aegypti. Essa planta foi coletada na região

da Caatinga do estado do Ceará, e é popularmente conhecida

como “aroeira do sertão”. M. urundeuva é tradicionalmente

utilizada pela população no tratamento de dores em geral e no

combate a infecções do trato urinário e digestivo. Diante do

potencial da atividade inseticida foi realizado o processo de

PLANTAS DA CAATINGA COMO UMA ALTERNATIVA PARA O CONTROLE DE AEDES AEGYPTI: UMA REVISÃO

577

separação bioguiada a fim de isolar o(s) composto(s) ativo(s).

O processo de isolamento resultou em apenas uma substância

ativa, identificada como m‐pentadecadienil‐fenol. Esse

composto fenólico apresentou uma potente atividade larvicida e

pupicida (CL50=0,01 e 0,10 mg/mL, respectivamente) e

atividade inibitória na eclosão de ovos (CL50=0,49 mg/mL). Em

um trabalho anterior os autores investigaram o modo de ação

de m‐pentadecadienil‐fenol em larvas tratadas e algumas

alterações morfológicas em órgãos relacionados ao trato

respiratório foram observadas, tais como inundação do sistema

traqueal, alterações nas válvulas sifonais e nas brânquias

anais, além de letargia. Nesse estudo foi possível observar uma

diferença na expressão de 12 proteínas, entre elas a enzima

detoxificadora glutationa S-transferase, além de proteínas

envolvidas na proteção da membrana peritrófica e no

metabolismo de lipídeo, o que indicou um possível efeito tóxico

sistêmico após as larvas serem expostas ao m‐pentadecadienil‐

fenol (SOUZA et al., 2015).

O óleo essencial obtidos das sementes da planta da

Caatinga Syagrus coronata conhecida pela população como

“ouricuri” ou “licuri” foi investigada quanto ao seu potencial

inseticida sobre o mosquito Ae. aegypti (SANTOS et al., 2017).

Essa planta possui valor comercial e social, de importância na

alimentação, construção, arte popular e combustível. Sementes

da Syagrus coronata, coletadas no estado de Pernambuco,

apresentaram atividade larvicida (CL50= 0,02 mg/mL, após 48h)

e deterrente-oviposição de fêmeas grávidas. A análise

fitoquímica desse óleo essencial demonstrou a presença

predominante de ácidos graxos, e os compostos ácidos

decanóico e dodecanóico são os responsáveis pela atividade

PLANTAS DA CAATINGA COMO UMA ALTERNATIVA PARA O CONTROLE DE AEDES AEGYPTI: UMA REVISÃO

578

larvicida. Enquanto, o ácido octanóico é o responsável pela

ação deterrente-oviposição (SANTOS et al., 2017).

Em relação a estudos realizados com plantas do bioma

Caatinga, utilizando os caules como a parte anatômica,

diferentes extratos vegetais foram obtidos e investigado sua

propriedade inseticida. Paralelamente nesses estudos foram

identificados uma grande diversidade de princípios ativos. Por

exemplo, Oliveira et al. (2019), ao realizarem a prospecção

fitoquímica dos extratos etanólicos de caules de C.

argyrophyllus coletados em períodos chuvoso e seco,

identificaram substâncias químicas majoritárias diferentes entre

os extratos de diferentes períodos. No extrato obtido a partir de

caules do período chuvoso, as flavonas, flavonois, flavanonas

e xantonas, foram as principais substâncias encontradas,

enquanto no extrato oriundo de caules do período seco os

ácidos fixos fortes, esteróides livres e triterpenóides foram

identificados como majoritários. O extrato do período chuvoso,

mostrou-se mais tóxico sobre larvas de Ae. aegypti (CL50=6,16

mg/mL) quando comparado ao extrato seco (CL50=7,34

mg/mL), o que poderá está relacionado aos metabólitos

secundários da estação chuvosa, e consequentemente no seu

efeito tóxico sobre as larvas de Ae. aegypti. Ainda em relação

ao extrato obtido no período chuvoso os autores chamam a

atenção, que o período de chuva levaria a uma maior

disponibilidade de alimentos para os insetos herbívoros e o

ataque destes poderia estimular a produção de componentes

químicos de defesa do vegetal, com destaque para os

flavonoides que apenas foram detectados no extrato do período

chuvoso (OLIVEIRA et al., 2019).

PLANTAS DA CAATINGA COMO UMA ALTERNATIVA PARA O CONTROLE DE AEDES AEGYPTI: UMA REVISÃO

579

O composto lectina obtido da casca de M. urundeuva, o

qual já tinha demonstrado atividade larvicida sobre Ae. aegypti,

apresentou também atividade ovicida sobre esse inseto. As

lectinas obtidas da casca e cerne de M. urundeuva exibiram

CL50 = 0,28 mg/mL e de CL50 = 0,80 mg/mL, repectivamente.

Através da análise ultraestrutural por microscopia eletrônica,

após os ovos de Ae. aegypti manterem contato com as lectinas

da casca e cerne de M. urundeuva por um período de 24 horas

a 72 horas, foi possível observar alterações morfológicas na

superfície de ovos de Ae. aegypti. Essas alterações incluíram o

surgimento de protuberâncias nos ovos, desaparecimento do

exocórion e redução dos tubérculos, o que indica, portanto, que

a lectina obtida dessa planta da Caatinga, conseguiu atingir o

trato digestivo do embrião (ALVES et al., 2020). A

caracterização desse efeito na fase de ovo do mosquito é de

grande importância, uma vez que esse representa o estágio de

maior resistência. Nesse estudo, os autores chamam a atenção

para o potencial dessa lectina em Programa Nacional de

Controle da Dengue, o qual não possui, no momento, nenhuma

substância com ação ovicida (ALVES et al., 2020).

Embora, não seja muito comum, há estudos que

utilizaram a raiz de planta da Caatinga para avaliar o potencial

larvicida sobre Ae. aegypti (CRUZ et al., 2015). Da raiz de

Poincianella bracteosa se obteve o extrato etanólico e a partir

desse foram obtidas as frações acetato de etila, hexânica e

diclorometânica. Dentre estas, a fração diclorometânica foi a

mais tóxica sobre as larvas desse mosquito. Através da análise

fitoquímica da raiz dessa planta os constituintes químicos

encontrados foram alcaloides, bases quaternárias, flavonoides,

xantonas, triterpenoides e taninos. Os autores sugerem que a

PLANTAS DA CAATINGA COMO UMA ALTERNATIVA PARA O CONTROLE DE AEDES AEGYPTI: UMA REVISÃO

580

atividade larvicida seja devido a presença de triterpenoides,

flavonoides e alcaloides (CRUZ et al., 2015).

Algumas plantas além de possuir determinada atividade

biológica poderá apresentar também efeitos nocivos ao

Homem, e por isso torna-se imperativo conhecer também sobre

sua toxicidade em mamíferos, para assim promover o seu uso

como inseticida de forma segura à população. O óleo essencial

obtido de folhas de C. tetradenius foram muito eficazes contra

larvas e adultos de Ae. aegypti sendo necessária uma

concentração letal média de 0,15 mg/mL e de 1,85 mg/mL,

respectivamente. O principal componente identificado nesse

óleo essencial foi a cânfora, de um total de 26 compostos

encontrados. Os autores também investigaram a toxicidade

desse óleo essencial sobre mamíferos, o qual foi encontrada

uma Dose Letal média (DL50) de 500 mg/kg em camundongos

(CARVALHO et al., 2016). O óleo essencial obtido das folhas

de C. argyrophyllus também foi eficaz sobre o mosquito Ae.

aegypti, ao apresentar atividade sobre larvas e adultos com

uma concentração letal média de 0,3 mg/mL e 5,92 mg/mL,

respectivamente. Também nesse estudo foi avaliado a

toxicidade em camundongos, o que demonstrou sua segurança

frente a mamíferos (DL50= 2500 mg/kg). A análise fitoquímica

do óleo de C. argyrophyllus identificou um total de 45

compostos sendo o espatulenol, E-cariofileno alfa-pineno e

biciclogermacreno os componentes majoritários (CRUZ et al.,

2017). Em seguida, Cruz et al. (2020) ao avaliarem a atividade

conjunta destes dois óleos essenciais em forma de blend, com

vistas na obtenção de um produto inseticida mais ativo e mais

seguro, verificaram que quanto à atividade inseticida houve um

efeito sinérgico e aditivo sobre adultos e larvas de Ae. aegypti,

PLANTAS DA CAATINGA COMO UMA ALTERNATIVA PARA O CONTROLE DE AEDES AEGYPTI: UMA REVISÃO

581

respectivamente. Em relação à toxicidade sobre mamíferos a

união desses óleos essenciais foi cinco vezes mais segura

quando comparada ao óleo individual de C. tetradenius (DL50=

2500 mg/kg), demonstrando assim que o blend se apresentou

mais seguro comparado ao óleo individual. Os autores

relacionaram essa menor toxicidade a uma redução quantitativa

de alguns componentes que podem ser neurotóxicos presentes

em maior proporção no óleo individual de C. tetradenius. A

análise fitoquímica do blend demonstrou que a cânfora,

isofenocampeol, E-cariofileno e espatulenol foram os principais

componentes, de um total de 36 compostos detectados.

Interessantemente este valor (36) é justamente o valor médio

do número de compostos somados das plantas individuais

(CRUZ et al., 2020). C. tetradenius e C. argyrophyllus foram

coletadas na região de Caatinga do estado da Bahia e são

popularmente conhecidas como “velame do campo” ou

“velandinho” para C. tetradenius e “velame falso” para C.

argyrophyllus (CRUZ et al., 2017, CARVALHO et al., 2016).

Nesse contexto, o bioma Caatinga constitui uma flora

diversificada e revela-se como fonte de espécies botânicas

detentoras de compostos bioativos, os quais podem ser úteis

para a formulação de inseticidas naturais, que podem vir atuar

no controle de insetos vetores, especialmente de Ae. aegypti

(OLIVEIRA et al., 2019). Além disso, a descoberta de novos

inseticidas de origem botânica poderá simultaneamente,

agregar valor e expandir conhecimentos sobre a biodiversidade

da Caatinga, e através da utilização sustentável dessa flora,

contribuir com o uso e a conservação da biodiversidade desse

bioma, bem como com o desenvolvimento socioeconômico da

região. A região nordeste do país, local que está inserida a

PLANTAS DA CAATINGA COMO UMA ALTERNATIVA PARA O CONTROLE DE AEDES AEGYPTI: UMA REVISÃO

582

Caatinga, é uma das regiões mais pobres do Brasil e apresenta

os menores valores de Índice de Desenvolvimento Humano

(FERNANDES; QUEIROZ, 2018).

CONCLUSÕES

A diversidade vegetal encontrada na Caatinga estimula

a busca por compostos naturais detentores de atividade

biológicas. Nos últimos cinco anos diversos estudos têm

demonstrado o potencial inseticida de plantas da Caatinga

sobre Ae. aegypti, sendo a maioria deles verificado o potencial

sobre larvas desse mosquito. Além disso, alguns estudos

secundários recentes demonstram o mecanismo de ação

desses subprodutos em Ae. aegypti. Dentre as plantas

avaliadas observa-se que a maioria dos estudos utiliza as folhas

desses vegetais. A partir especialmente das folhas de plantas

da Caatinga, é detectada atividade inseticida principalmente

sobre larvas de Ae. aegypti, o que poderá simultaneamente,

agregar valor e expandir conhecimentos sobre a Caatinga.

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PLANTAS DA CAATINGA COMO UMA ALTERNATIVA PARA O CONTROLE DE AEDES AEGYPTI: UMA REVISÃO

583

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PLANTAS DA CAATINGA COMO UMA ALTERNATIVA PARA O CONTROLE DE AEDES AEGYPTI: UMA REVISÃO

584

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REVISÃO BIBLIOGRÁFICA SOBRE A CONTAMINAÇÃO DAS AREIAS DAS PRAIAS BRASILEIRAS POR PARASITOS INTESTINAIS

585

CAPÍTULO 28

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA SOBRE A CONTAMINAÇÃO DAS AREIAS DAS

PRAIAS BRASILEIRAS POR PARASITOS INTESTINAIS

Dayane Maximiano da SILVA1

Ronaldo Rodrigues SARMENTO2

Ana Carolina Bernardes DULGHEROFF3

1Aluna do curso técnico de Análises Clínicas, UFPB; 2Professor da ETS/UFPB; 3Orientadora/Professora da ETS/UFPB.

[email protected]

RESUMO: As enteroparasitoses são infecções causadas por helmintos e protozoários, que podem ser transmitidas por via fecal-oral ou por meio de penetração ativa da larva na pele. A areia das praias é uma potencial fonte de infecção em humanos, pois são comumente contaminadas por fezes de animais e humanos. No entanto, na maioria dos estados brasileiros, não é exigido o controle e divulgação da qualidade da areia das praias. Este estudo teve como objetivo, fazer uma revisão bibliográfica narrativa acerca da frequência de contaminação das areias das praias brasileiras por parasitos, descrevendo os principais enteroparasitos encontrados e metodologias utilizadas para detecção. Foi realizado um levantamento bibliográfico nas bases de dados SciELO, Google Acadêmico, Biblioteca Virtual da Saúde e MedLine de estudos publicados nos últimos 5 anos sobre a temática. Os estudos descrevem altos índices de contaminação das areias por parasitos, variando de cerca de 30% no Rio de Janeiro a 100% em Luís Correia. Os métodos mais comumente utilizados para detecção dos parasitos foram Lutz, Rugai e Baermann-Moraes. Os ancilostomídeos e ascarídeos, foram os parasitos mais

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA SOBRE A CONTAMINAÇÃO DAS AREIAS DAS PRAIAS BRASILEIRAS POR PARASITOS INTESTINAIS

586

frequentemente encontrados. Diante dos resultados, se faz necessário a implementação de políticas eficazes e contínuas para controle da qualidade da areia das praias, como, assegurar um destino adequado as fezes, impedir a circulação de animais na areia das praias e tratar animais e humanos doentes. Palavras-chave: Contaminação Ambiental. Doenças Parasitárias. Educação Ambiental. Helmintos.

INTRODUÇÃO

As parasitoses intestinais são doenças cujos agentes

etiológicos são helmintos ou protozoários, os quais, em pelo

menos uma das fases do ciclo evolutivo, localizam-se no

aparelho digestivo do homem, e pode afetar todas as faixas

etárias, sendo mais predominante em crianças. Os danos que

os enteroparasitos podem causar em pessoas acometidas

incluem: diarreia, dores abdominais, inapetência, perda de

peso, e até processos obstrutivos, o que pode levar, em casos

extremos, ao óbito (CORRÊA et al., 2018).

As infecções parasitárias constituem um sério problema

de saúde pública no mundo, afetando cerca de 3,5 bilhões de

pessoas, e sendo responsáveis por 2 a 3 milhões de óbitos

anualmente (NETO; FARIA; MATOS-ROCHA, 2017).

No Brasil, este problema encontra-se presente em todas

as regiões, com destaque para as zonas rurais e periféricas

devido à ausência de saneamento básico. A prevalência

absoluta real dos casos de parasitoses no Brasil é

desconhecida, uma vez que essas infecções não são de

notificação compulsória, assim os dados de frequência são

decorrentes de estudos pontuais e de um inquérito nacional

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA SOBRE A CONTAMINAÇÃO DAS AREIAS DAS PRAIAS BRASILEIRAS POR PARASITOS INTESTINAIS

587

sobre a prevalência dos geo-helmintos e de Schistosoma

mansoni. No último inquérito nacional publicado em 2018,

realizado de 2011 a 2015 em escolares de 7 a 17 anos, de

ambos os sexos, avaliou-se a presença de ovos de

ancilostomídeos nas fezes de 197.564 escolares (KATZ, 2018).

O parasito foi detectado nas fezes de 5.192 estudantes (2,73%),

sendo que as prevalências foram maiores nas regiões Norte e

Nordeste. As maiores frequências foram observadas no

Maranhão (15,79%), Pará (7,21%), Tocantins (6,06%), Sergipe

(6,62%), Paraíba (5,09%) e Bahia (4,23%).

A transmissão das enteroparasitoses, como amebíase,

giardíase e ascaridíase, ocorre através da ingestão de água ou

alimentos contaminados com suas respectivas formas

parasitárias e de estrongiloidíase e ancilostomose,

principalmente, pela penetração ativa das larvas infectantes

(presentes no solo) na pele. Assim condições higiênico-

sanitárias precárias, associadas à falta de tratamento adequado

de água e esgoto favorecem sua disseminação (CORRÊA et

al., 2018).

As praias são importantes focos de infecção humana por

parasitas intestinais, tanto através da água, quanto da areia,

pelo fato de poderem estar contaminadas com formas

infectantes dos parasitos. A contaminação desses locais pode

ocorrer pela má educação ambiental dos banhistas, por fezes

de animais, como pombos, cães, gatos e ratos, como também

pelo lixo e despejos de esgoto (NETO; FARIA; MATOS-

ROCHA, 2017).

A areia e a água são fortes indicadores da balneabilidade

das praias, no Brasil o Conselho Nacional do Meio Ambiente

(CONAMA) através da Resolução nº 274, de 29 de novembro

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA SOBRE A CONTAMINAÇÃO DAS AREIAS DAS PRAIAS BRASILEIRAS POR PARASITOS INTESTINAIS

588

de 2000, no artigo 8°, recomenda que órgãos ambientais

avaliem as condições parasitológicas e microbiológicas da areia

e da água. Porém, como a legislação não exige o

monitoramento da areia, na grande maioria dos municípios

brasileiros, somente a qualidade da água é monitorada,

aumentando o risco de contaminação da população.

Altos índices de contaminação das areias das praias

brasileiras com parasitos de importância clínica têm sido

descritos (NETO; FARIA; MATOS-ROCHA, 2017; CORRÊA et

al., 2018). Na praia de Maceió foi observada uma frequência de

parasitos de 83,8% entre 2012 e 2015. O enteroparasito mais

frequentemente encontrado foi o Ancylostoma sp. (NETO;

FARIA; MATOS-ROCHA, 2017).

Dado o exposto, o objetivo deste trabalho foi realizar um

levantamento bibliográfico acerca do índice de contaminação

das areias das praias brasileiras por parasitos, relatando

também os principais enteroparasitos encontrados, podendo

dessa forma, servir de base para a implementação de uma

política nacional de controle da qualidade das areias das praias

brasileiras.

MATERIAIS E MÉTODO

Tratou-se de uma revisão bibliográfica narrativa com o

intuito de se fazer um levantamento de dados acerca do índice

de contaminação das areias do litoral brasileiro por parasitos.

As seguintes etapas foram seguidas para a elaboração

desta revisão: (1) definiu-se o tema a ser pesquisado; (2)

estabeleceu-se os descritores que seriam utilizados para

pesquisa e critérios de inclusão e exclusão de estudos; (3)

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA SOBRE A CONTAMINAÇÃO DAS AREIAS DAS PRAIAS BRASILEIRAS POR PARASITOS INTESTINAIS

589

realizou-se a busca na literatura; (4) definiu-se quais as

informações que seriam extraídas dos trabalhos; (5) avaliou-se

quais estudos seriam incluídos na revisão; (6) realizou-se a

análise, síntese, comparação e exibição dos resultados; (7)

apresentou-se os resultados da pesquisa.

O levantamento bibliográfico foi realizado nas bibliotecas

virtuais: Scientific Eletronic Library Online (SciELO), Google

Acadêmico; Biblioteca Virtual da Saúde (BVS) e na National

Library of Medicine (MedLine).

Foram utilizados os seguintes descritores e suas

combinações na língua portuguesa e inglesa: “Parasitos”,

“Helmintos”, “Protozoários”, “Enteroparasitoses’’, “Praias” e

“Areias”. Como critérios de inclusão determinaram-se: trabalhos

de acesso livre na íntegra, em formato de artigo científico ou

trabalho de conclusão de curso, dissertações e teses,

publicados no idioma português e inglês. Foi escolhido como

recorte temporal o período de 2015 a 2020.

Tanto à análise quanto à síntese dos dados extraídos

dos artigos foram realizadas de forma descritiva, permitindo

notar, contar, descrever e classificar os dados, com o objetivo

de agrupar o conhecimento sobre o tema abordado nesta

revisão.

Foram extraídos dos trabalhos a cidade de realização do

estudo, o número de praias analisadas, o ano e método de

análise, a frequência absoluta de detecção de parasitos e os

parasitos intestinais mais frequentes em cada estudo.

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA SOBRE A CONTAMINAÇÃO DAS AREIAS DAS PRAIAS BRASILEIRAS POR PARASITOS INTESTINAIS

590

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Após a busca nas bases de dados e leitura dos trabalhos,

5 estudos foram incluídos nesta revisão, 1 descrevendo dados

da região Sudeste, 1 da região Norte e 3 da região Nordeste

(Tabela 1). Esses estudos descreveram a análise da areia de 2

praias do sudeste, uma praia do Norte e 9 praias do litoral

nordestino.

Todos os estudos descreveram um alto índice de

contaminação das areias das praias variando de cerca de 30%

(dependendo da estação do ano) nas praias do Rio de Janeiro,

RJ (AMARAL et al., 2015), a 100% nas praias de Luís Correia,

PI (CORRÊA et al., 2018).Apesar de não haver muitos estudos

disponíveis analisando a frequência de parasitos nas areias das

praias brasileiras e a grande maioria deles descrever uma

análise pontual da areia, altos índices de contaminação foram

descritos, dessa forma, servindo de alerta para o risco de

transmissão não só de doenças parasitárias, mas também de

outros agentes de transmissão fecal-oral, como os vírus de

gastroenterite (rotavírus, norovírus e enterovírus), o vírus da

hepatite A e bactérias relacionadas à diarreia (AN et al., 2020).

Em alguns estados e municípios do Brasil, foram criadas

leis que obrigam a divulgação da qualidade da areia das praias,

como por exemplo, a Lei nº 3.210 de 05 de abril de 2001, do

município do Rio de Janeiro e a Lei nº 14.366, de 15 de março

de 2011, do Estado de São Paulo. No entanto, na grande

maioria dos municípios brasileiros, a qualidade da areia não é

monitorada, somente da água.

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA SOBRE A CONTAMINAÇÃO DAS AREIAS DAS PRAIAS BRASILEIRAS POR PARASITOS INTESTINAIS

591

Tabela 1: Descrição da localização, número de praias

analisadas, ano e método de análise, frequência geral de

detecção de parasitos e quais parasitos foram mais comumente

relatados em cada estudo.

Cidade/EstadoAno de

análise

N° de

praias

analisadas

Método(s)

utilizado(s)

Frequência

geral

parasitos

(%)

Parasitos mais

frequentes Referência

Rio de

Janeiro/RJ2011 2

Lutz e

Baermann

Moraes

*

Ovos de Ascaris

sp. e de

ancilostomídeos

AMARAL et

al., 2015.

Outeiro/Pará 2018 1Lutz e

Rugai 33,3% **

SILVA et al.,

2020.

João Pessoa/PB 2015 2Lutz e

Rugai 44,4%

Larvas de

ancilostomídeos

e Strongyloides

stercoralis

LEITE et al.,

2015.

Maceió/AL2012 a

20154

Lutz e

Baermann-

Moraes

83,8%

Larvas de

Strongyloides

sp. e ovos de

ancilostomídeos

NETO;

FARIA;

MATOS-

ROCHA,

2017.

Luís Correia/PI 2018 3Lutz e Willis-

Mollay100%

Larvas de

ancilostomídeos

e ovos de

Ascaris

lumbricoides

CORRÊA et

al., 2018.

*Frequência absoluta de detecção variou dependendo da estação do ano.

**De um total de nove amostras, três foram positivas, em uma foi encontrado

larva de Strongyloides sp., na outra ovo de Enterobius sp. e em outra cisto

de Giardia sp.

Fonte: Elaborada pela autora, 2020.

Neto, Faria e Matos-Rocha (2017) relataram uma

frequência e variedade maior de parasitos quando analisaram

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA SOBRE A CONTAMINAÇÃO DAS AREIAS DAS PRAIAS BRASILEIRAS POR PARASITOS INTESTINAIS

592

a areia de dentro das barracas de praia, isto provavelmente se

deve ao maior fluxo de pessoas e animais neste local, o que

acaba favorecendo a contaminação do ambiente.

Leite et al. (2015) relataram uma frequência maior de

detecção de parasitos na profundidade de 10 cm (39,3%) e 20

cm (51,8%), quando comparada a análise da areia da superfície

(8,9%). O que provavelmente pode ser explicado, pelo fato de

as larvas migrarem para partes mais profundas da areia

buscando condições de umidade e temperatura mais favoráveis

para seu desenvolvimento. Em contraste com esse resultado,

Neto, Faria e Matos-Rocha (2017) também analisaram

amostras de areias de diferentes profundidades e não

observaram diferenças significativas de detecção dos parasitos.

No entanto, eles não fizeram uma análise separada da

frequência de protozoários e helmintos na areia de diferentes

profundidades, o que pode explicar essa discrepância entre os

resultados, já que são as larvas que migram para a parte mais

profunda da areia em busca de abrigo. Portanto, mais estudos

precisam ser realizados para avaliar se essa condição,

realmente se correlaciona com a variação de frequência de

larvas de parasitos.

Os métodos mais comumente utilizados para pesquisa

das formas parasitárias na areia foram: Lutz, Rugai e

Baermann-Moraes. Segundo Neto, Faria e Matos-Rocha (2017)

é de suma importância a utilização de vários métodos

parasitológicos ao analisar uma amostra, uma vez que as

formas parasitárias variam quanto ao seu peso e sobrevida no

meio exterior.

O método de Lutz ou Hoffman, Pons & Janer (HPJ) tem

como fundamento a sedimentação espontânea das formas

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA SOBRE A CONTAMINAÇÃO DAS AREIAS DAS PRAIAS BRASILEIRAS POR PARASITOS INTESTINAIS

593

parasitárias (larvas, ovos, cistos e oocistos) por meio da

homogeneização em água destilada. Após coloração com lugol

é possível verificar a presença de cistos e alguns oocistos de

protozoários e também de larvas e ovos de helmintos, tendo

uma maior sensibilidade na detecção de ovos e cistos mais

pesados (NETO; FARIA; MATOS-ROCHA, 2017). A figura 1

mostra formas parasitárias detectadas nas fezes após a

realização da técnica de HPJ.

Figura 1: Formas parasitárias coradas com Lugol, observadas

no microscópio óptico no aumento de 400X. A. Larva de

Strongyloides stercoralis; B. Ovos de Ascaris lumbricoides.

Fonte: Arquivo pessoal, 2018.

Para análise de areia é necessário realizar umas

pequenas adaptações da técnica de HPJ originalmente

descrita. A técnica pode ser realizada da seguinte forma: cada

amostra é homogeneizada e cerca de 100g de areia é

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA SOBRE A CONTAMINAÇÃO DAS AREIAS DAS PRAIAS BRASILEIRAS POR PARASITOS INTESTINAIS

594

transferida para um recipiente contendo 100mL de detergente

neutro comercial a 0,5%. A solução é homogeneizada e deixada

em repouso por 5 minutos. O sobrenadante é filtrado com o uso

de gazes dobradas em quatro para um cálice de sedimentação

tendo seu volume completado até 250mL com água destilada.

Após 2 horas de sedimentação espontânea é feita a análise do

sedimento com lugol utilizando os aumentos de 100X e 400X.

De cada amostra devem ser realizadas no mínimo 2 lâminas

(AMARAL et al., 2015).

O método de Baermann-Moraes baseia-se no

hidrotropismo e termotropismo positivo das larvas vivas, sendo

usado para encontrar larvas vivas (NETO; FARIA; MATOS-

ROCHA, 2017). Amaral et al. (2015) observaram em seu

trabalho que a técnica de Baermann-Moraes foi mais sensível

para detecção de larvas, quando comparada com o método de

Lutz, identificando a presença de 31 larvas, enquanto no

método de Lutz o número de larvas encontradas foram 18.

A técnica de Rugai também é uma técnica utilizada para

detecção de larvas, que tem como princípio o hidrotropismo e

termotropismo das mesmas, porém de execução mais fácil que

a técnica de Baermann-Moraes (LEITE et al., 2015).

Os helmintos, especialmente os ancilostomídeos e

ascarídeos, foram os parasitos mais frequentemente

detectados. No entanto, cistos de protozoários também foram

detectados nas praias do Rio de Janeiro, Outeiro, Maceió e Luís

Correia (AMARAL et al., 2015; NETO; FARIA; MATOS-ROCHA,

2017; CORRÊA et al., 2018; SILVA et al., 2020). No caso do

estudo realizado por Leite et al. (2015) nas praias de João

Pessoa, somente foram detectadas larvas de helmintos. Na

grande maioria dos estudos, a frequência de detecção de

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA SOBRE A CONTAMINAÇÃO DAS AREIAS DAS PRAIAS BRASILEIRAS POR PARASITOS INTESTINAIS

595

helmintos, é superior à de protozoários. Esses achados

reforçam a contaminação por diferentes formas parasitárias da

areia das praias brasileiras por fezes de humanos e animais.

Amaral et al. (2015) utilizando as técnicas de Lutz e

Baermann-Moraes, não conseguiram detectar protozoários na

areia das praias do Rio de Janeiro. No entanto, descrevam

elevadas frequências de oocistos de Cryptosporidium sp.

(82,9%) e de cistos de Giardia sp. (3,1%), quando analisaram

as mesmas amostras utilizando o ensaio imunoenzimático

(ELISA). A técnica de ELISA tem como princípio a detecção de

antígenos dos parasitos, portanto, não é necessário que os

parasitos estejam íntegros. No entanto, no caso dos métodos

de microscopia tradicionais é necessário que as formas

parasitárias estejam íntegras para que sejam identificadas.

Dessa forma, a técnica de ELISA é mais sensível para detecção

dos parasitos e, portanto, recomenda-se sua utilização para

monitoramento das areias das praias (AMARAL et al., 2015).

Os ancilostomídeos e ascarídeos são geo-helmintos, ou

seja, necessitam, obrigatoriamente, do solo para completar o

seu ciclo evolutivo. A Organização Panamericana da Saúde,

estima que no mundo 820 milhões de pessoas estão infectadas

por Ascaris lumbricoides, 460 milhões por Trichuris trichiura e

440 milhões por ancilostomídeos. Ancilostomose, conhecida

popularmente como Amarelão, a Ascaridíase e a Tricuríase são

algumas doenças causadas por esses parasitos, além da Larva

migrans cutânea (LMC) que é uma manifestação na pele de

infestação por ancilóstomo que causa intenso prurido, e os

sinais são pápulas e eritema no local da penetração, seguida

de um trajeto sinuoso por um túnel filiforme subcutâneo de cor

vermelho-amarronzada. Entre as complicações que podem

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA SOBRE A CONTAMINAÇÃO DAS AREIAS DAS PRAIAS BRASILEIRAS POR PARASITOS INTESTINAIS

596

causar em humanos estão: o retardo do crescimento e a

redução do desenvolvimento mental em crianças e anemia,

especialmente entre mulheres em idade fértil (OPAS, 2018).

A infecção humana ocorre por meio da ingestão de água

ou alimentos contaminados com ovos embrionados ou pela

penetração, através da pele ou mucosas, de larvas infectantes

que se encontram no solo (OPAS, 2018). A alta frequência de

detecção desses parasitos nas praias reflete a contaminação

da areia com fezes humanas e/ou de animais. Ferraz et al.,

(2018) analisaram as fezes de cães presentes na orla das

praias do município de Pelotas/RS e dentre as 420 amostras

analisadas, detectaram parasitas em 266 (63,3%), sendo o

Ancylostoma o gênero mais frequentemente encontrado. Os

ovos de Ancylostoma sp. presentes no solo eclodem após

alguns dias, liberando a larva rabditóide em seu primeiro

estágio (L1), que diante de condições favoráveis de solo,

temperatura e umidade evolui para estágio L2 e posteriormente

L3, estágio em que a larva se encontra em sua forma infectante

e portanto são capazes de penetrar pela pele e causar doença.

Nesse estágio a larva recebe o nome de larva filarióide. Essa

forma pode sobreviver por longos períodos no solo em

condições ambientais favoráveis (PETENUSSE, 2018).

Entre os ascarídeos e ancilostomídeos relatados nos

artigos revisados, é possível destacar o isolamento de Toxocara

e Ancylostoma, respectivamente. Algumas espécies, como, T.

cati, T. canis, A. braziliense e A. caninum são parasitos comuns

de cães e gatos e podem acabar infectando humanos que

entram em contato. Apesar desses parasitos não serem

capazes de completar seu ciclo de desenvolvimento em seres

humanos, eles podem causar uma reação inflamatório no local

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA SOBRE A CONTAMINAÇÃO DAS AREIAS DAS PRAIAS BRASILEIRAS POR PARASITOS INTESTINAIS

597

de penetração (A. braziliense e A. caninum), desencadeando a

síndrome da larva migrans cutânea; ou na superfície dos órgãos

ou olhos (T. cati e T. canis), desenvolvendo as síndromes da

larva migrans visceral ou larva migrans ocular, respectivamente

(ROCHA; WEBER; COSTA, 2019).

Os ancilostomídeos são pequenos vermes da família

Ancylostomatidae (classe Nematoda) e parasitos obrigatórios

de mamíferos, possuem aproximadamente 1 cm de tamanho,

tem uma ampla cavidade bucal, provida de lâminas (N.

americanus) e dentes (A. duodenale) que lhes permitem aderir

à parede do intestino do hospedeiro em busca de alimento,

tecido e/ou sangue (BRASIL, 2018; OPAS, 2018).

Enquanto os ascarídeos pertencem à família Ascarididae

do gênero Ascaris. É o geo-helminto que apresenta o maior

tamanho corporal, podendo atingir 30 cm. Conhecido

popularmente como “lombriga” ou “bicha”, é responsável pela

contaminação de 1,3 bilhões de pessoas no mundo. Tendo a

maior prevalência em países tropicais, onde o clima contribui

para o seu desenvolvimento. O ser humano é o único

hospedeiro do A. lumbricoides. A transmissão ocorre

geralmente ao se ingerir os ovos embrionados presentes em

água e/ou alimentos crus contaminados, como frutas, verduras

e legumes. As larvas passam por vários órgãos, como fígado e

pulmões e quando presentes em grandes quantidades no

intestino podem formar um bolo de parasitas que obstruindo a

passagem dos alimentos. Da mesma forma, pode haver

obstrução da faringe, com consequente crise de asfixia

(BRASIL, 2018; OPAS, 2018).

As larvas de Strongyloides sp. também foram

frequentemente relatadas nas areias das praias brasileiras. A

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA SOBRE A CONTAMINAÇÃO DAS AREIAS DAS PRAIAS BRASILEIRAS POR PARASITOS INTESTINAIS

598

estrongiloidíase afeta cerca de 30 a 100 milhões de pessoas em

todo o mundo, principalmente de regiões tropicais e

subtropicais e de locais onde há exposição da pele ao solo

contaminado e condições higiênicas precárias. A infecção se

adquire quando as larvas filariformes, presentes na areia ou em

material contaminado com fezes humanas, penetram na pele e

migram até os pulmões, invadindo os alvéolos e seguem até o

intestino delgado, onde se transformam em parasitas adultos.

Do ponto de vista clínico o indivíduo pode apresentar sintomas

leves, diarreia moderada até hiperinfecção com choque séptico

em indivíduos com imunocomprometimento celular, podendo

ocasionar óbito (SANTANA; LOUREIRO, 2017).

Nesse contexto, faz-se necessário a adoção de medidas

de controle das parasitoses, começando pela conscientização

da população acerca da educação sanitária e ambiental através

de ações educativas, a fim de reduzir a contaminação do meio

(BRASIL, 2018; TEIXEIRA et al., 2020). Essas medidas incluem

por exemplo, não permitir que os animais domésticos defequem

nas areias das praias, que são áreas públicas destinadas à

recreação humana. Ao passear com os animais, é

recomendado utilizar as calçadas e levar sacos plásticos para

coletar as fezes do animal que devem ser descartadas no vaso

sanitário ao retornar para casa. Uma iniciativa interessante que

tem sido adotada em algumas cidades, é a criação de espaços

próprios para recreação dos animais. Ações de controle de

animais abandonados também precisam ser desenvolvidas. É

importante também, adotar as medidas de higiene pessoal,

como lavar as mãos com frequência e os alimentos antes

consumi-los. Além de, não descartar lixo em locais

inadequados. A contaminação do ambiente também pode ser

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA SOBRE A CONTAMINAÇÃO DAS AREIAS DAS PRAIAS BRASILEIRAS POR PARASITOS INTESTINAIS

599

evitada, através do tratamento de humanos e animais doentes

com antiparasitário (BRASIL, 2018; OPAS, 2018).

O saneamento básico adequado, também é essencial

para impedir a contaminação da superfície da água e do solo

com ovos e larvas dos parasitos provenientes de fezes

humanas. O acesso a saneamento básico é um direito de todos

previsto na constituição federal, no entanto, precisa ser

efetivado. É necessário também, que seja realizada não só a

coleta, mas o tratamento do esgoto, antes do despejo nas

águas dos rios e do mar (TEIXEIRA et al., 2020).

As conhecidas línguas negras, que são o

extravasamento na praia de efluentes de galerias pluviais,

misturados ou não com esgotos, ou de esgoto bruto, de

qualquer origem, representam também uma importante fonte de

contaminação das praias (NETO; FARIA; MATOS-ROCHA,

2017). A Lei nº 11.445/2007, conhecida como Lei do

Saneamento, estabelece que a drenagem e o transporte da

água da chuva são realizados por meio das galerias pluviais,

que transportam essa água até os mananciais, evitando, assim,

alagamentos nas áreas urbanas. Porém, a falta de manutenção

e o acúmulo de lixo dos bueiros pode atrapalhar o manejo da

água da chuva, entupindo as galerias pluviais, impedindo que a

água da chuva seja transportada de forma adequada e poluindo

os rios e até as areia e água das praias. Nas principais praias

de João Pessoa por exemplo, é possível observar 8 galerias

pluviais, 3 na praia de Cabo Branco, uma em Tambaú, 3 em

Manaíra e duas na praia do Bessa (Figura 2).

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA SOBRE A CONTAMINAÇÃO DAS AREIAS DAS PRAIAS BRASILEIRAS POR PARASITOS INTESTINAIS

600

Figura 2: Locais onde se encontram as galerias pluviais das

praias do Cabo Branco, Tambaú, Manaíra e Bessa de João

Pessoa, PB.

Fonte: Google Earth, 2020. Imagem gentilmente cedida por Glória Cristina

Cornélio do Nascimento.

Dessa forma, é indispensável uma atenção maior por

partes dos gestores no que diz respeito ao saneamento básico,

principalmente pela dificuldade de limpar a areia das praias

depois de contaminada, visto que, nos parques e lugares de

recreação é possível trocar a areia, mas em relação as praias a

única forma é a coleta de lixo, o saneamento adequado e a

educação ambiental da população.

CONCLUSÕES

Apesar de não haver muitos estudos disponíveis

analisando a frequência de parasitos nas praias brasileiras nos

últimos anos, foi possível observar altos índices de

contaminação das praias brasileiras por parasitos, tanto

protozoários, quanto helmintos. Foi descrita também, uma

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA SOBRE A CONTAMINAÇÃO DAS AREIAS DAS PRAIAS BRASILEIRAS POR PARASITOS INTESTINAIS

601

frequência maior de parasitos nos locais com maior fluxo de

pessoas.

A maioria dos estudos utilizou a técnica de Lutz para

detecção das formas parasitárias em geral, mas também uma

técnica mais sensível para detecção de larvas, como Rugai ou

Baermann-Moraes. Portanto, recomenda-se a utilização de

mais de uma técnica para monitoramento das areias das praias,

além da utilização da técnica de ELISA, que é mais sensível

que as técnicas tradicionais de microscopia.

As formas parasitárias mais frequentemente

encontradas foram os ovos e larvas de ascarídeos e

ancilostomídeos, servindo dessa forma, como um importante

marcador de contaminação das praias por fezes de humanos e

animais.

Este trabalho aponta para a necessidade de: melhorias

das condições de saneamento básico, proibição de animais nas

praias, se trabalhar a educação ambiental e sanitária com às

pessoas que frequentam as praias do Brasil e implantação de

políticas de controle e divulgação da qualidade da areia das

praias do litoral brasileiro, que até o momento é facultativa, visto

que uma infecção por parasitas além de ocasionar prejuízo à

saúde da população em geral, especialmente crianças, trazem

problemas ao estado, em virtude dos gastos com o tratamento

da população afetada.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMARAL, L. S et al. Parasitological Indicators of Contamination at Sand of Beaches and Monitoring by Traditional Methods and Immunoenzymatic Assay. Brazilian Journal of Biosystems Engineering, v.9, n.4, p. 304-311, 2015.

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA SOBRE A CONTAMINAÇÃO DAS AREIAS DAS PRAIAS BRASILEIRAS POR PARASITOS INTESTINAIS

602

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REVISÃO BIBLIOGRÁFICA SOBRE A CONTAMINAÇÃO DAS AREIAS DAS PRAIAS BRASILEIRAS POR PARASITOS INTESTINAIS

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ROCHA, M. J.; WEBER, D. M.; COSTA, J. P. Prevalência de larvas migrans em solos de parques públicos da cidade de Redenção, estado do Pará, Brasil. Rev Pan-Amaz Saude, Ananindeua, v. 10, e201901607, 2019. SANTANA, A. T. T.; LOUREIRO, M. B. Síndrome de hiperinfecção e/ou disseminação por Strongyloides stercoralis em pacientes imunodeprimidos. RBAC, v. 49, n. 4, p.351-8, 2017. TEIXEIRA, P. A. et al. Parasitoses intestinais e saneamento básico no Brasil: estudo de revisão integrativa. Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n. 5, p.22867-22890, 2020.

.

604

GENÉTICA DE MICRORGANISMOS

MICRORGANISMOS ENVOLVIDOS NA BIODEGRADAÇÃO DE PETRÓLEO E DERIVADOS

605

CAPÍTULO 29

MICRORGANISMOS ENVOLVIDOS NA BIODEGRADAÇÃO DE PETRÓLEO E

DERIVADOS

Aline Cardoso CARLOS1

1 Doutora em Bioquímica, UFRN;

[email protected]

RESUMO: Os resíduos gerados de atividades industriais relacionadas a exploração do petróleo representam um passivo ambiental de grandes proporções, os quais carecem de tratamento adequado. Desta forma, tem sido crescente nos últimos anos o desenvolvimento de estratégias voltadas para a biorremediação ambiental. Nesse contexto, o presente trabalho teve com objetivo isolar microrganismos associados à biodegradação de hidrocarbonetos e síntese de biossurfactantes, a partir de consórcios microbianos provenientes do resíduo de fluido de perfuração de poço de petróleo. Os microrganismos isolados foram analisados quanto as atividades de degradação de hidrocarbonetos e síntese de biossurfactantes, por meio do crescimento em petróleo, índice de emulsificação e hidrofobicidade. Todos os testes utilizados mostraram atividades positivas para degradação do petróleo. Portanto, a abordagem metagenômica utilizada no presente trabalho, mostrou-se uma boa estratégia para a prospecção de microrganismos atuantes na degradação de hidrocarbonetos do petróleo.

Palavras-chave: Biorremediação. Degradação de

hidrocarbonetos. Síntese de biossurfactantes.

MICRORGANISMOS ENVOLVIDOS NA BIODEGRADAÇÃO DE PETRÓLEO E DERIVADOS

606

INTRODUÇÃO

O petróleo é uma das principais fontes de energia e

matéria-prima nos dias atuais, com grande importância em

diversos setores, presente tanto em combustíveis, como em

fertilizantes, plásticos, tintas, borracha, entre outros materiais.

Entretanto, sua produção em larga escala, uso, transporte e

disposição no mundo inteiro tornaram-no um importante

contaminante no meio ambiente (WANG et al., 2010).

Vazamentos acidentais com navios petroleiros ou

plataformas de petróleo, descarte, estocagem inadequados e

uso incorreto de seus derivados, provocam uma série de

problemas ambientais como a contaminação do solo e da água

por hidrocarbonetos. Dessa forma, o

tratamento/descontaminação de ambientes contaminados com

esses compostos é um grande desafio na atualidade (RAHMAN

et al., 2002).

Dentre os resíduos que são gerados pela exploração de

petróleo está a lama do fluído de perfuração, que tem como

função o fornecimento da pressão hidrostática para impedir que

os fluídos do reservatório entrem na abertura do poço durante

a perfuração, manter a broca de perfuração resfriada e limpa

durante esse processo, e suspender o cascalho gerado quando

a perfuração for interrompida (HERZHAFTet al., 2006).

Anualmente, milhões de toneladas desses resíduos são

gerados em todo mundo. Em 2010, a Shell Brasil Petróleo Ltda.

gerou cerca de 2.960,870 toneladas de resíduo de fluido de

perfuração. Embora não exista uma lei para gerenciamento e

descarte desse resíduo, este é classificado como perigoso

(classe I), de acordo com a norma NBR: 10004:2004 da

Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). O descarte

MICRORGANISMOS ENVOLVIDOS NA BIODEGRADAÇÃO DE PETRÓLEO E DERIVADOS

607

inadequado desses resíduos no meio ambiente, pode causar

sérios problemas ambientais, como contaminação do solo e da

água (GUIMARÃES, 2007), uma vez que podem conter

hidrocarbonetos alifáticos e policíclicos, bifenispoliclorinados e

metais pesados, tais como bário, chumbo, zinco, mercúrio,

cromo, arsênico e níquel (WOJTANOWICZ, 1997; NEFF, 2005),

dependendo dos compostos químicos do fluido utilizado e da

composição das rochas que serão perfuradas.

O manejo do cascalho gerado durante a perfuração

representa um problema para a indústria de óleo e gás devido

à quantidade gerada e seu conteúdo de contaminantes

orgânicos e inorgânicos. A cada ano, milhões de toneladas

desses resíduos são geradas em todo mundo, e a atenuação

do dano ambiental vem sendo realizada com a utilização de

diferentes metodologias como: a solidificação e estabilização

(LEONARD E STEGEMANN, 2010), tratamentos térmicos

(ZUPAN e KAPILA, 2000) e com microondas (ROBINSON et al.,

2010), fitodegradação (JI et al., 2004) e bioremediação

(OKPARANMA et al., 2009). As opções de manejo utilizadas

são dispendiosas, como a reinjeção do fluído (MINTON, 2004),

tratamento térmico (STEPHENSON et al., 2004) e incineração

(VEIL, 2002), requerendo uso intensivo de energia, ou

ambientalmente insustentável, como a disposição em aterros

(VEIL et al.,1996) e a reutilização na construção sem um

tratamento prévio (CORDAH, 1999).

Nesse contexto, os processos biológicos são

interessantes alternativas, principalmente devido à simplicidade

e eficiência de custo quando comparados a outros métodos

tradicionais (MARIANO, 2005). A biorremediação microbiana

vem sendo pesquisada como processo biológico promissor

para degradação de componentes do petróleo e derivados bem

MICRORGANISMOS ENVOLVIDOS NA BIODEGRADAÇÃO DE PETRÓLEO E DERIVADOS

608

como para a recuperação ambiental (IWAMOTO; NASU, 2001).

Ela consiste na utilização de microrganismos com potencial

metabólico para transformar ou mineralizar diversos

contaminantes ambientais, como os hidrocarbonetos do

petróleo. A biotransformação consiste na degradação parcial do

contaminante com formação de outros compostos que podem

ser ou não menos tóxicos que o composto original. A

mineralização, representa a degradação completa do composto

em substâncias inertes, como CO2 e H2O (SILVA, 2002). Esta

estratégia tem sido utilizada em escala comercial no tratamento

de diversos ambientes contaminados (BAMFORTH;

SINGLETON, 2005) e pode ser realizada in situ ou ex situ. Na

biorremediação in situ não há remoção do material a ser

remediado, sendo o processo realizado no próprio local

contaminado. Esta técnica tem sido comumente utilizada por

apresentar maior custo benefício, podendo ser aplicada nos

mais diversos ambientes, mesmo naqueles onde a

biorremediação ex situ seria inacessível (PANDEY; CHAUHAN;

JAIN, 2009). Na técnica de biorremediação ex situ, ocorre com

a remoção do solo, sendo realizada em outro local, como em

um biorreator, por exemplo (NANO et al., 2003). Nesta técnica

há a independência de fatores ambientais que poderiam afetar

a eficácia da degradação. Sendo assim, esse é o processo mais

utilizado para remediação em ambientes que não apresentam

condições favoráveis á degradação por processos biológicos

(PANDEY; CHAUHAN; JAIN, 2009).

Espécies microbianas que atuam na biorremediação dos

hidrocarbonetos são largamente distribuídas na natureza e não

são restritas a apenas alguns gêneros (MORAIS e TAUK-

TORNISIELO, 2009). Uma ampla variedade de

microrganismos, genes e enzimas têm sido descritos como

MICRORGANISMOS ENVOLVIDOS NA BIODEGRADAÇÃO DE PETRÓLEO E DERIVADOS

609

envolvidos em degradação de hidrocarbonetos, incluindo

bactérias aeróbias, anaeróbias facultativos, redutoras de sulfato

e metanogênicas (SETTE et al., 2007; TAKAI et al., 2002;

FUCHS et al., 2011).

O processo de biorremediação pode ocorrer por: a)

atenuação natural: processo no qual a própria microbiota nativa

dos ambientes contaminados, possui capacidade de degradar

e transformar os contaminantes em substâncias inertes

(JACQUES et al., 2007); b) bioestimulação: usada com o intuito

de acelerar e favorecer o processo de degradação. Na

bioestimulação podem ser adicionados nutrientes e corrigidos

os parâmetros físico-químicos como, umidade, temperatura, pH

(SILVA, 2002; JOHNSEN et al., 2005); c) bioaumentação:

processo que acelera o processo de degradação por meio da

introdução de microrganismos autóctones (próprios do

ambiente) ou alóctones (advindos de outros locais) com

reconhecido potencial metabólico de degradação ou de

produção de biossurfactantes (IWAMOTO; NASU, 2001;

ŁAWNICZAK et al., 2013). Alguns autores tem sugerido a

utilização da bioaumentação autóctone, através da adição de

microrganismos exclusivamente nativos ao local a ser

remediado (HOSOKAWA et al., 2009).

Dessa forma, conhecer a biodiversidade microbiana

autóctone e sua capacidade de degradação de hidrocarboneto

e outros contaminantes ambientais têm sido considerados

essenciais para o desenvolvimento de estratégias de

biorremediação mais eficientes e seguras.

Apesar de a maioria dos componentes do petróleo serem

biodegradáveis, cerca de 10% a 40% em estado bruto ou

refinado é recalcitrante, o que representa toneladas de

poluentes impactando ecossistemas e sendo bioacumulados e

MICRORGANISMOS ENVOLVIDOS NA BIODEGRADAÇÃO DE PETRÓLEO E DERIVADOS

610

biomagnificados na cadeia trófica (CRAPEZ et al., 2002).

Ademais a biodegradação do petróleo pelos microrganismos no

solo é muitas vezes prejudicada devido à baixa solubilidade de

alguns dos hidrocarbonetos do petróleo, ocasionando menor

taxa de biodegradabilidade. Assim, a utilização de

biossurfactantes auxilia na biodisponibilidade dos

hidrocarbonetos, aumentando, dessa forma, a eficiência de

biodegradação. Os biossurfactantes são moléculas anfifílicas

que consistem em subprodutos metabólicos de bactérias,

fungos e leveduras (NITSCHKE; PASTORE, 2002). Essas

moléculas possuem como principais vantagens em relação aos

surfactantes sintéticos, baixa toxicidade, alta degradabilidade,

alta capacidade emulsificante e excelente atividade interfacial e

superficial (DA SILVA et al., 2014; NITSCHKE; PASTORE,

2002). A utilização de biossurfactantes têm se mostrado

bastante promissora na indústria do petróleo, seja como

coadjuvante em processos de biorremediação ou mesmo em

processos de recuperação avançada em reservatórios de

petróleo (DA SILVA et al., 2014). A principal função dos

biossurfactantes nos processos de biorremediação é a redução

da tensão superficial e interfacial, aumentando a disponibilidade

do substrato, permitindo que os microrganismos cresçam

através da absorção e metabolismo desses substratos. Além

disso, possuem capacidade de emulsionar a fonte de carbono

e estão envolvidos na adesão de células microbianas a

hidrocarbonetos (SANTOS et al., 2016).

Muitos são os estudos que têm relatado a eficiência dos

biossurfactantes em processos de biorremediação (SOBRINHO

et al., 2008; BATISTA et al., 2010; YU et al., 2014; LUNA et al.,

2015). Zhang e colaboradores (2012) mostraram que a

suplementação com ramnolipídeos em solo contaminado com

MICRORGANISMOS ENVOLVIDOS NA BIODEGRADAÇÃO DE PETRÓLEO E DERIVADOS

611

petróleo, reduziu em 86,97% a presença de hidrocarbonetos no

solo. Outro estudo utilizando suplementação com

ramnolipídeos foi realizado por Sponza e Gök (2010), que

observaram redução de 90% de hidrocarbonetos

poliaromáticos. Remoção de óleo motor do solo e da água do

mar por biossurfactante produzido por Candida sphaericapara,

mostrou redução de 75% e 92% respectivamente. Na água do

mar o biossurfactante mostrou eficiência de 75% de

espalhamento do óleo, apresentando potencial de aplicação em

processos de descontaminação ambiental (LUNA et al., 2015).

A biodegradação é uma técnica viável e econômica para

a remediação de ambientes contaminados com

hidrocarbonetos do petróleo. Entretanto, fatores como

temperatura, nutrientes, salinidade e tipo de solo, influenciam

as taxas de biodegradação (VARJANI et al., 2017). A

temperatura exerce uma função primordial, ao provocar

alterações no estado físico dos hidrocarbonetos e na taxa de

crescimento dos microrganismos. Além de aumentar a

solubilidade dos poluentes e diminuir a viscosidade. Em baixas

temperaturas a viscosidade do poluente aumenta, a

volatilização de alcanos tóxicos de cadeia curta e a solubilidade

na água diminuem (VARJANI; UPASANI, 2017). Concentrações

dos nutrientes fósforo, nitrogênio e carbono devem ser

significativas para o crescimento microbiano adequado e

consequente sucesso do processo de degradação. A proporção

C:N:P de 100:10:1 tem sido comumente utilizada afim de

garantir um meio equilibrado para o crescimento microbiano

(DIAS et al., 2012). Elevadas concentrações salinas diminuem

a disponibilidade dos hidrocarbonetos, em razão dos sais

solúveis reduzirem a solubilidade dos compostos orgânicos

hidrofóbicos na água. Apesar disso, ambientes hipersalinos não

MICRORGANISMOS ENVOLVIDOS NA BIODEGRADAÇÃO DE PETRÓLEO E DERIVADOS

612

são um impedimento ao processo de degradação, uma vez que

a atividade microbiana só é afetada por flutuações de sal em

concentrações abaixo ou acima do crescimento ótimo dos

microrganismos em estudo (MARTINS; PEIXOTO, 2012). Os

tipos de solos são de grande importância para o sucesso da

biodegradação. Solos argilosos possuem baixa

permeabilidade, o que dificulta a distribuição e transporte de

nutrientes, oxigênio e água, ocasionando baixa taxa de

degradação. Já os solos arenosos, possibilitam melhor

transferência de oxigênio e consequentemente maior taxa de

degradação.

Dentro deste contexto, o objetivo do nosso trabalho foi

isolar microrganismos que tenham atividade de degradação dos

principais constituintes do petróleo (hidrocarbonetos) e

produção de biossurfactantes. Uma vez que microrganismos

com essas propriedades são de fundamental importância no

estabelecimento das condições ótimas para a degradação

destes compostos, podendo contribuir com o desenvolvimento

de estratégias em processos de biorremediação e

consequentemente redução dos impactos ambientais.

MATERIAIS E MÉTODO

A amostra utilizada consiste no resíduo de fluido de

perfuração de poço de petróleo, que foi gentilmente cedido pela

empresa Brasil Química e Mineração Industrial Ltda (BQMIL),

localizada no município de Mossoró-RN (05°11′16″S de latitude

e 37°20′38″W de longitude). A amostra foi coletada pela

empresa durante a perfuração da fase de um poço terrestre. A

coleta foi realizada do início até o fim da perfuração do poço.

MICRORGANISMOS ENVOLVIDOS NA BIODEGRADAÇÃO DE PETRÓLEO E DERIVADOS

613

Após a coleta, esse resíduo foi transferido para embalagens

plásticas e transportado até o laboratório obtenção dos isolados

microbianos.

Obtenção de bactérias isoladas

As bactérias isoladas foram obtidas a partir dos consórcios

L e Y provenientes do resíduo de fluido de perfuração de poço

de petróleo (GUERRA et al., 2018). Para tanto, foram

adicionados em frascos Erlenmeyers 50 mL de meio Bushnell-

Haas (BH), 1% da cultura dos consórcios e 1% de petróleo bruto

estéril. Em seguida, foram levados ao shaker a 180 rpm e 37 °C

durante 24 horas. Após esse período, 100 µL da cultura foi

utilizada no plaqueamento pelo método spread plate em placas

com BH ágar, 1% de petróleo e cloreto de trifeniltetrazólio (TTC)

(10 mL de solução a 1% / L), reagente indicador da atividade de

degradação do petróleo (OLGA et al., 2008). As placas foram

transferidas para a estufa a 37°C durante 7 dias. Após esse

período, as colônias com coloração rósea (indicativo de

degradação) foram selecionadas e transferidas para tubos

cônicos contendo 2 mL de meio LB ou YPD e levadas ao shaker

a 37 °C e 180 rpm. Após 48 horas (período com maior

crescimento), os isolados foram novamente plaqueados em

meio rico ao qual foram inicialmente selecionados (LB ou YPD)

contendo ágar, visando à confirmação do isolamento mediante

a observação das colônias. Após a confirmação do isolamento

das culturas, estoques em glicerol (50%) foram preparados e,

em seguida, foram armazenados a -20 °C até a utilização.

Crescimento das bactérias isoladas em petróleo

MICRORGANISMOS ENVOLVIDOS NA BIODEGRADAÇÃO DE PETRÓLEO E DERIVADOS

614

O crescimento das bactérias isoladas na presença de

petróleo foi determinado em meio Bushnell Haas (BH). Para

tanto, as bactérias foram inicialmente ativadas (pré-inóculo) em

frascos Erlenmeyers de 250 mL, contendo 50 mL de meio

mineral Bushnell Haas (BH), 1% da bactéria isolada (estoque)

e 1% de petróleo bruto estéril (v/v) como única fonte de carbono.

Os frascos foram levados ao shaker à 180 rpm e 37 ºC. A cada

24 horas a densidade óptica a 600 nm era medida em

espectrofotômetro. Como controles, foram preparados

Erlenmeyers nas mesmas condições acima, entretanto, sem a

presença de petróleo ou nenhuma outra fonte de carbono

adicional.

Índice de emulsificação (IE24)

A bactérias isoladas foram avaliadas quanto à capacidade

de produção de biossurfactantes por meio do teste de

emulsificação seguindo o protocolo de Iqbal et al. (1995) com

modificações. Inicialmente, 2 mL de querosene foram

adicionados em 2 mL de cultura crescida em diferentes fontes

de hidrocarbonetos (hexano, hexadecano, diesel, querosene,

petróleo, tolueno, xileno) e, em seguida agitados em vortex a

alta velocidade durante 2 min deixando-se repousar durante 24

horas. O índice de emulsificação (IE24%) foi calculado pela

razão entre a altura da camada de emulsão e a altura total do

sistema (medidas com paquímetro) multiplicada por 100.

E24% = altura da camada emulsificada x 100

altura total do sistema

MICRORGANISMOS ENVOLVIDOS NA BIODEGRADAÇÃO DE PETRÓLEO E DERIVADOS

615

Hidrofobicidade

A hidrofobicidade celular dos microrganismos isolados foi

determinada através da medida de adesão a hidrocarbonetos

(MATH), seguindo o protocolo descrito por Rosenberg (1984)

com modificações, conforme descrito a seguir. Para tanto,

inicialmente os isolados foram crescidos e as células lavadas

em tampão fosfato/ureia/magnésio (composição: 22,2 g/L de

K2HPO4.H2O; 7,26g/L de KH2PO4; 0,2 g/L de MgSO4.7H2O e

1,8g/L de ureia). Esse mesmo tampão foi utilizado para

ressuspensão das células dos isolados após lavagem para

correção da densidade óptica inicial (DO600) entre 0,6 a 0,8.

Foram adicionados 2,4 mL de suspensão celular em tubos de

vidro contendo 0,4 mL de cada hidrocarboneto testado

(hexadecano, diesel, querosene, xileno, tolueno). Em seguida,

os tubos foram agitados em vortex por 2 minutos e repousaram

durante 20 minutos. Após esse tempo, a densidade óptica foi

novamente medida e os valores de hidrofobicidade calculados

através da seguinte equação:

100 x {1- (DO da fase aquosa/DO da suspensão celular

inicial)}

Análise estatística

Todos os ensaios realizados foram feitos em triplicatas.

A significância estatística dos resultados, foram determinadas

utilizando a análise de variância (ANOVA) e aplicação de teste

para comparação de médias (de triplicatas) pelo teste de Tukey

MICRORGANISMOS ENVOLVIDOS NA BIODEGRADAÇÃO DE PETRÓLEO E DERIVADOS

616

(p<0,05). As análises estatísticas e gráficos, foram gerados

utilizando o programa GraphPad Prism5 e 7.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Ambientes contaminados com petróleo têm se revelado

como grandes bancos genéticos, contendo uma vasta

diversidade de microrganismos, que possibilita a descoberta de

novos microrganismos de interesse biotecnológico. Dessa

forma, a proposta do presente estudo foi identificar

microrganismos que possam contribuir com estratégias de

biorremediação de ambientes contaminados com petróleo.

Para isso, foram isolados microrganismos a partir de consórcios

provenientes do resíduo de perfuração de petróleo,

caracterizado por possuir espécies e vias metabólicas

relacionadas com a degradação de petróleo e síntese de

biossurfactantes (GUERRA et al., 2018).

Dois dos isolados obtidos (isolados R4 e R7) foram

submetidos a testes preliminares de degradação de

hidrocarbonetos e produção de biossurfactantes, os resultados

são apresentados a seguir. O sequenciamento e análise

taxonômica é apresentado na sequência.

Avaliação do crescimento na presença de petróleo

A presença de petróleo parece ser essencial para o

crescimento dos isolados, uma vez que maiores crescimentos

foram alcançados ou mantiveram-se na presença deste.

Ambos os isolados (R4 e R7) revelaram aumento do

crescimento na presença de petróleo e diminuição na sua

MICRORGANISMOS ENVOLVIDOS NA BIODEGRADAÇÃO DE PETRÓLEO E DERIVADOS

617

ausência, sugerindo provável utilização deste como fonte

carbono e energia (Figura 1). Durante a curva de crescimento

foi possível observar um aumento de turbidez nos dois isolados

quando na presença de petróleo, onde fica claro maior

crescimento quando o petróleo é utilizado. Os isolados após 48

horas de crescimento na presença de petróleo, parecem ter

atingido fase estacionária, o mesmo pode ser observado

quando na ausência de petróleo, para esse mesmo período.

Produção de biossurfactantes

Um dos fatores que mais afeta a biorremediação dos

hidrocarbonetos é a baixa biodisponibilidade desses compostos

Figura 1: Crescimento dos isolados R4 e R7 (DO600) em meio BH + 0,1% de extrato de levedura com e sem petróleo. Controle positivo (meio BH + 0,1% de extrato de levedura, sem petróleo), controle negativo (meio BH + 0,1% de extrato de levedura, com petróleo e sem cultura). A confiabilidade dos resultados foi verificada pela análise estatística de variância (ANOVA, p<0,05).

MICRORGANISMOS ENVOLVIDOS NA BIODEGRADAÇÃO DE PETRÓLEO E DERIVADOS

618

aos microrganismos. Os hidrocarbonetos, principalmente os

HPAs possuem baixa solubilidade aquosa e forte tendência a

sorção no solo, que reduzem sua biodisponibilidade (GHOSAL

et al., 2016). A utilização de biossurfactantes produzidos por

alguns microrganismos, promove redução das tensões super e

interfacial, aumentando a solubilidade e biodisponibilidade dos

hidrocarbonetos (PACWA-PŁOCINICZAK et al., 2011) e

consequentemente, contribuindo para o processo de

biorremediação. Bosch et al (1988) consideram cepas como

boas produtoras de biossurfactantes com propriedade

emulsificante aquelas que formam emulsões superiores a 40%.

Neste estudo, foram observados índices de emulsificação

superiores à 40%, sugerindo produção de

biossurfactantes/bioemulsificantes. Os isolados R4 e R7

apresentaram emulsificação de 45% e 55%, respectivamente.

O SDS (10%), utilizado como controle, apresentou valor médio

de 70% (Figura 2).

MICRORGANISMOS ENVOLVIDOS NA BIODEGRADAÇÃO DE PETRÓLEO E DERIVADOS

619

Figura 2: Índice de emulsificação dos isolados R4 e R7 (DO600) em relação ao querosene, após 48 h de crescimento. Meio YPD (controle negativo) e SDS (10%) controle positivo. A confiabilidade dos resultados foi verificada pela análise estatística de variância (ANOVA, p<0,05).

Muitos são os estudos que têm relatado a eficiência dos

biossurfactantes em processos de biorremediação (YU et al.,

2014; SOBRINHO et al., 2008; BATISTA et al., 2010; LUNA et

al., 2011). Zhang e colaboradores (2012) mostraram que a

suplementação com ramnolipídeos em solo contaminado com

petróleo, reduziu em 86,97% a presença de hidrocarbonetos no

solo. Outro estudo utilizando suplementação com

ramnolipídeos foi realizado por Sponza e Gök (2010), que

observaram redução de 90% de hidrocarbonetos

poliaromáticos. Remoção de óleo motor do solo e da água do

mar por biossurfactante produzido por Candida sphaericapara,

mostrou redução de 75% e 92% respectivamente. Na água do

mar o biossurfactante mostrou eficiência de 75% de

espalhamento do óleo, apresentando potencial de aplicação em

processos de descontaminação ambiental.

MICRORGANISMOS ENVOLVIDOS NA BIODEGRADAÇÃO DE PETRÓLEO E DERIVADOS

620

Medida de adesão a hidrocarbonetos (BATH)

Células dos isolados R4 e R7 foram avaliadas quanto a

aderência a hexadecano, diesel, querosene, xileno e tolueno.

Conforme pode ser visto na figura 3, os isolados apresentaram

diferenças na aderência em função de cada substrato testado.

Tendo o isolado R4 apresentado os melhores resultados, com

percentuais de hidrofobicidade ≥ 40% para os substratos

hexadecano, xileno e tolueno e 20% para querosene e diesel.

No isolado R7 foi observado percentual de hidrofobicidade

apenas para o hexadecano (50%).

Figura 3: Hidrofobicidade celular dos isolados R4 e R7 em relação ao hexadecano, querosene, diesel, xileno e tolueno através do método da aderência microbiana a hidrocarbonetos (BATH), após 48 h de crescimento em meio BH com 0,1% de extrato de levedura e 1% de petróleo. A confiabilidade dos resultados foi verificada pela análise estatística de variância (ANOVA, p<0,05).

MICRORGANISMOS ENVOLVIDOS NA BIODEGRADAÇÃO DE PETRÓLEO E DERIVADOS

621

CONCLUSÕES

Os isolados obtidos visando a degradação de

hidrocarbonetos e síntese de biossurfactantes, mostraram-se

bastante promissores nos testes, sendo, portanto, de grande

interesse em processos de biorremediação.

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624

BIOLOGIA MOLECULAR

AVALIAÇÃO MOLECULAR DA FLUOROSE ESQUELÉTICA NO ESTADO DA PARAÍBA: UMA REVISÃO INTEGRATIVA

625

CAPÍTULO 30

AVALIAÇÃO MOLECULAR DA FLUOROSE ESQUELÉTICA NO ESTADO DA PARAÍBA:

UMA REVISÃO INTEGRATIVA

Felipe Gonçalves BEZERRA1

Karolyne de Melo SOARES2

Maryanne Pereira Franco ADRIANO3

Maria Soraya Pereira Franco ADRIANO4

1 Mestrando em Biologia Celular e Molecular, UFPB; 2 Graduanda do Curso Técnico em Prótese Dentária, UFPB e Odontologia, UNIESP; 3 Graduanda do Curso de Medicina, UNIPÊ;

4 Orientadora/Professora do PGBCM/UFPB. [email protected]

RESUMO: O flúor é um halogênio que forma compostos inorgânicos e orgânicos chamados fluoretos. A deficiência de flúor pode resulta em retardo do crescimento e desenvolvimento, enquanto a exposição excessiva pode levar a distúrbios no osso que chamamos de fluorose esquelética. Nesse contexto, é importante frisar que são diversos os fatores que podem influenciar o tipo de alteração provocada pela intoxicação com o flúor nos ossos, dentre eles a dose e duração da exposição, herança genética, influência da natureza, idade, sexo e hábitos nutricionais. Essa pesquisa teve como objetivo realizar uma avaliação molecular da fluorose esquelética no estado da Paraíba, através de uma revisão integrativa de literatura. As informações foram obtidas numa seleção de 37 artigos. O instrumento utilizado para coleta de dados incluiu-se a utilização de consulta na base de dados do Google acadêmico, Scielo, Bireme e Biblioteca Virtual em Saúde de forma gratuita. Através dos dados obtidos, observou-se que os efeitos do flúor sobre as células depende da concentração, duração da exposição, e do tipo de célula envolvida. Além

AVALIAÇÃO MOLECULAR DA FLUOROSE ESQUELÉTICA NO ESTADO DA PARAÍBA: UMA REVISÃO INTEGRATIVA

626

disso, os estudos mostram que a fluorose esquelética envolve efeitos combinados de vários fatores, como fatores genéticos, ambientais e comportamentais. Palavras-chave: Análise molecular. Fluoreto. Fluorose.

INTRODUÇÃO

Durante décadas, a fluretação tem sido uma medida de

saúde pública adotada em países de todo o mundo, sendo

aceita como um importante fator para a diminuição da

prevalência da cárie dentária (LEAL; CARVALHO; CARVALHO,

2015; MOURA, et al., 2016; CURY, et al., 2019; QIN, et al.,

2017).

Nos Estados Unidos, país precursor na utilização do

fluoreto para prevenir cárie dentária, sua tecnologia se

desenvolveu e se firmou como sendo apropriada e segura no

uso em Saúde Pública, a medida foi considerada pelas

autoridades sanitárias e investigadores como uma das dez

maiores conquistas do país, nesse campo, no século

XX. Alguns centros de pesquisa que acompanhavam na época,

por meio de criteriosas revisões sistemáticas, aprovam a sua

evidência científica e segurança para a saúde humana

(FERREIRA; NARVAI, 2015).

No Brasil, a fluoretação só foi utilizada pela primeira vez

em 1953. Duas décadas depois, no auge do período histórico,

onde não existia democracia no País, foi aprovada a lei (Lei nº

6.050/1974) tornando o uso do fluoreto como uma medida

obrigatória nos locais onde exista Estação de Tratamento de

Água (GARBIN, et al., 2014; FERREIRA; NARVAI, 2015).

As primeiras investigações relacionando à utilização do

flúor estavam direcionadas na água, por ser um recurso de fácil

AVALIAÇÃO MOLECULAR DA FLUOROSE ESQUELÉTICA NO ESTADO DA PARAÍBA: UMA REVISÃO INTEGRATIVA

627

acesso à população, porém, com o avanço da tecnologia e a

melhoria das condições de higiene bucal, essa prática tem sido

diminuída em vários países (DEATH, et al., 2015; LI, et al.,

2017). Em contra partida, os EUA e o Brasil mantiveram a

prática de adicionar flúor na água destinada ao abastecimento

público, que é aconselhada devido a sua segurança, facilidade

de administração e baixo custo populacional, sendo esse um

dos recursos mais seguros para manter a regularização

continua da presença de flúor na cavidade bucal (GARBIN, et

al., 2014; SCALIZE, et al., 2018).

Segundo Scalize (2018) o uso da fluoretação na água,

considera-se justificado pelo índice de redução de cárie

dentária citado em mais de 160 trabalhos distribuídos em mais

de 10 países. A utilização de água fluoretada na concentração

0,70 ppm de F é um método seguro, pois é capaz de produzir o

máximo de benefícios com o mínimo efeito colateral (PEI, et al.,

2017; LEAL; CARVALHO; CARVALHO, 2015; LIMA, et al.,

2019). Entretanto, a Organização Mundial da Saúde (OMS)

alerta para o risco de concentrações superiores a 1,5 mg F/L

que podem acarretar a saúde humana, como o aparecimento

de fluorose (BACHANEK, et al., 2019; PRAMANIK; SAHA,

2017).

A água que é destinada ao consumo humano deve

atender a certos requisitos de qualidade, para não colocar em

risco a saúde da população que a utiliza. Mesmo sendo límpida,

ela contém misturado a sua composição impurezas que podem

ser de natureza química, física ou biológica. No Brasil, o padrão

de qualidade da água para consumo humano é determinado

pela Portaria 518 do Ministério da Saúde, que com base nos

valores encontrados de impurezas aconselha ou não a sua

AVALIAÇÃO MOLECULAR DA FLUOROSE ESQUELÉTICA NO ESTADO DA PARAÍBA: UMA REVISÃO INTEGRATIVA

628

utilização para o consumo humano (CURY, et al., 2015;

PRIETTO, et al., 2015; SCHARDONG, et al., 2018; SILVA, et

al., 2018).

Estudos mais recentes mostraram que, em países

desenvolvidos, a contribuição do flúor na água potável poderia

ser 2 a 3,5 vezes mais elevado do que o recomendado

(ZABALA, et al., 2018; QIN, et al., 2017). A Agência de Proteção

Ambiental (EPA) recomendou reduzir o valor alvo de flúor para

0,7 mg/l em água, como objetivo de minimizar os efeitos

indesejável causado pelo produto. Por esse motivo, entre

outros, fluoretação da água potável representa uma das

intervenções de saúde pública com mais controvérsias. Além

disso, alguns municípios não dispõem de meios para adição do

flúor ou de métodos de vigilância para o controle de sua

concentração nos sistemas de abastecimento público

(SCALIZE, et al., 2018).

No Brasil, existem relatos de fluorose endêmica devido à

presença de altos níveis de fluoreto nas águas, nos Estados de

São Paulo (Marília e Bauru), Paraná (Ponta Grossa), Minas

Gerais (Belo Horizonte), Santa Catarina, Paraíba (Catolé do

Rocha e São João do Rio do Peixe) e Rio Grande do Sul (Santa

Tereza) (RIGO; LOD; GARBIN, 2015; ADRIANO, et al., 2017;

SCHARDONG, et al., 2018).

Outras fontes de exposição ao flúor são pelos

suplementos alimentares, enxaguatórios bucais e cremes

dentais, chamados de dentifrícios fluoretados (PRIETTO, et al.,

2015; MOURA, et al., 2016; ZABALA, et al., 2018). Estudos

mostram que desde 1989 no Brasil, o flúor também tem sido

adicionado em mais de 90% dos dentifrícios (LEAL, S. D;

CARVALHO, F. C; CARVALHO, 2015). Com isso, a ingestão

AVALIAÇÃO MOLECULAR DA FLUOROSE ESQUELÉTICA NO ESTADO DA PARAÍBA: UMA REVISÃO INTEGRATIVA

629

acidental de dentifrícios, também podem contribuir para o

aumento do risco de fluorose (SCALIZE, et al., 2018).

Entretanto, em populações expostas ao flúor, através do

consumo de dentifrícios, a ocorrência de fluorose está

restringida aos graus leves e muito leves (OLIVEIRA, et al.,

2016; SILVA, et al., 2018; LIMA, et al., 2019).

Como já mencionado, o flúor possui características

benéficas como tóxicas, isso vai variar de acordo com dose. A

terapia com flúor é complexa, pois pode apresentar uma

resposta bifásica dependente da dose, isto é, em doses altas

estimulando a formação óssea, além de preventiva no combate

a cárie e tóxico em dose alta (maior que 1,5 mg /L) levando a

deformidades esqueléticas e dentárias chamadas fluorose

(MOURA, et al., 2017; AMARAL, et al., 2018; LIU, et al., 2018).

De fato, quando se ingere fluoreto é esperado o

desenvolvimento de algum grau de fluorose. O grau de

intolerância da fluorose está diretamente relacionado à dose de

ingestão e ao tempo de uso, podendo variar de graus leves até

graus mais severos (JORDÃO, et al., 2015). Isto implica dizer

que todo flúor ingerido poderá causar algum grau de fluorose,

entretanto, o conceito clínico dependerá da dose e do seu

tempo de duração (LIMA, et al., 2019).

Os efeitos adversos mais estudados pelo flúor são

fluorose dentária e esquelética. A diferença entre a fluorose

dentária e a esquelética e mostrada através do processo pelo

qual o esmalte e o esqueleto sofrem mineralização totalmente

distintos (DEATH, et al., 2015; LV; KANG; WU, 2016; AMARAL,

et al., 2018). Tanto o esmalte dentário como o esqueleto

humano, em sua formação são mediados por células,

ameloblasto (esmalte) e osteoblasto (esqueleto),

AVALIAÇÃO MOLECULAR DA FLUOROSE ESQUELÉTICA NO ESTADO DA PARAÍBA: UMA REVISÃO INTEGRATIVA

630

respectivamente. Ambos iniciam o processo de esmalte e osso

através da formação de uma sintese e secreção de uma matriz

de proteína que é depositado no espaço extracelular (WEI, et

al., 2018). A adição do composto protéico na matriz de ambos

os composto também apresentam-se totalmente diferente.

Enquanto o esmalte é mineralizado e é precendida pela

reabsorção da matriz de proteínas, a matriz de colágeno do

osso é mineralizada sem reabsorção. No esmalte, o flúor

circulante no corpo e presente nos fluidos da matriz extracelular

inibe a reabsorção de proteínas, produzindo um mineral

hipomineralizado de tecido, e no osso, o tecido fica

hipermineralizado devido a diferentes mecanismos. Portanto,

enquanto o esmalte em desenvolvimento é sensível em baixas

concentrações de fluoreto em exposição à água (menor que 1,0

ppm F) em curto periodo de tempo, as alterações ósseas são

causadas apenas por 5 a 10 vezes maior concentração de

exposição prolongada de flúor. Contudo, sabe-se que a

concentração 1,0 ppm F flúor na água não acomete a

resistência e densidade óssea (RIGO; LOD; GARBIN, 2015;

JORDÃO, et al., 2015).

Os estudos sobre fluorose dentária são normalmente

mais frequentes do que a fluorose esquelética (PEI, et al., 2017;

LI, et al., 2017). O motivo para a existência de poucos estudos

com a fluorose esquelética, se explica pelo fato dessa tipo

somente ocorrer em situações onde a concentração de flúor na

água de consumo atinge níveis acima de 3,5 ppm (MOURA, et

al., 2017; SCARPETTA, et al., 2014).

Embora a fluorose esquelética seja típica em alguns

países, o Brasil tem sido considerado um país poucos relatos

da doença. Em contra partida, no semiárido nordestino, as altas

AVALIAÇÃO MOLECULAR DA FLUOROSE ESQUELÉTICA NO ESTADO DA PARAÍBA: UMA REVISÃO INTEGRATIVA

631

temperaturas e escassez dos recursos hídricos, a população

rural recorre às águas subterrâneas para satisfazer suas

necessidades básicas, onde muitas das vezes, as águas

subterrâneas podem apresentar concentrações de flúor acima

dos níveis recomendados para consumo humano,

representando um risco para o desenvolvimento da doença

(AMARAL, et al., 2018; ADRIANO, et al., 2017; LIU, et al.,

2018).

Nesse sentido, o estado da Paraíba destaca-se na

epidemiologia da fluorose, por apresentar áreas endêmica de

fluorose devido aos elevados níveis de flúor nas águas de

consumo para população rural. No momento atual, estima-se

que cerca de 30 mil pessoas estão sendo sujeitas a níveis

elevados de flúor no interior da Paraíba, sendo 20% destes,

com risco de fluorose esquelética (SOUZA, 2012).

Mediante a proposta escolhida, essa pesquisa teve como

objetivo de realizar uma avaliação molecular da fluorose

esquelética no estado da Paraíba, através de uma revisão

integrativa de literatura.

MATERIAIS E MÉTODO

A metodologia de uma pesquisa é um dos primeiros passos a

ser decidido, através da escolha de ferramentas e estratégias

adequadas para que seja estabelecida a sistemática de

trabalho, respondendo os quesitos iniciais, como mostrar

(ANTUNES, et al., 2018). Desta forma, o trabalho proposto

trata-se de uma pesquisa de revisão integrativa de literatura. As

informações foram obtidas numa seleção de 46 artigos,

referindo-se ao respectivo tema, mas apenas 37 dos 46 artigos

AVALIAÇÃO MOLECULAR DA FLUOROSE ESQUELÉTICA NO ESTADO DA PARAÍBA: UMA REVISÃO INTEGRATIVA

632

que foram selecionados, estavam dentro dos critérios de

inclusão para serem utilizados na construção do estudo. O

instrumento utilizado para coleta de dados incluiu-se a

utilização de consulta na base de dados do Google acadêmico,

Scielo, Bireme e Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) de forma

gratuita por meio das palavras-chave: análise molecular,

fluoreto e fluorose. O Critério de elegibilidade incluiu artigos

registrados entre 2012 a 2020 no idioma Português, Inglês e

Espanhol. Dentre os critérios observados foram considerados

os seguintes aspectos: disponibilidade do texto integral do

estudo e clareza no detalhamento metodológico utilizado.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Após leitura criteriosa dos artigos nas bases de dados

nos referidos bancos de dados, realizou-se o fichamento

catalográfico do material bibliográfico com o intuito de dinamizar

a leitura e compreensão dessa revisão, optouse por dividí-la em

três tópicos principais: Flúor; Fluorose óssea e Considerações

moleculares acerca da fluorose óssea.

FLUOR

O flúor é um gás amarelo claro, considerado o 13°

elemento mais abundante na natureza e está presente no ar, no

solo, nas rochas e nas águas. Apresenta-se sob a forma de

moléculas covalentes apolares F2, nas quais cada átomo de

flúor atinge uma configuração eletrônica de oito elétrons na

camada mais externa este elemento químico descoberto no ano

de 1886 por Henri Mossan, está incluído como componente

AVALIAÇÃO MOLECULAR DA FLUOROSE ESQUELÉTICA NO ESTADO DA PARAÍBA: UMA REVISÃO INTEGRATIVA

633

natural da biosfera (BACHANEK, et al., 2019; AMARAL, et al.,

2018). É o elemento mais eletronegativo dos halogênios, reativo

à temperatura ambiente e possui a capacidade de reagir

consideravelmente com a maioria dos compostos que contêm

hidrogênio, como água e todas as substâncias orgânicas, sejam

líquidos, sólidos ou gases, formado compostos orgânicos e

inorgânicos, sendo frequentemente encontrado na forma de

fluoreto (QIN, et al., 2017; PRAMANIK; SAHA, 2017; DEATH,

et al., 2015).

Nos seres humanos, o flúor é instantaneamente

absorvido pelo estômago e intestino delgado, seguido de sua

deposição em tecidos calcificados (aproximadamente 50% é

incorporado nos ossos na forma de hidroxifluoroapatita) e por

fim, excretado pela urinária. É o principal agente anticárie e tem

sido indicado como o maior responsável pela redução dos

índices de cárie ao redor do mundo (OLIVEIRA, et al., 2016;

LIMA, et al., 2019; LV; KANG; WU, 2016; SILVA, et al., 2018).

É um elemento importante para a manutenção da integralidade

de ossos e dentes, sendo que, aproximadamente 99% do flúor

presente no corpo está nos tecidos mineralizados. O flúor não

é um componente essencial para o crescimento e

desenvolvimento humano, mas devido aos seus benefícios

recebe uma atenção semelhante, enquanto a sua ingestão

recomendada for estabelecida (GARBIN, et al., 2014; WANG;

XU, 2017; VÁSQUEZ; AZAÑEDO, 2019).

No entanto, quando as concentrações de F ultrapassam

os valores recomendáveis, o flúor pode ocasionar reações

indesejáveis. Tais efeitos se referem aos níveis de exposição a

essa substância, e não a substância propriamente dita. Seus

efeitos preventivos ou mesmo terapêutico, tornam-se ineficazes

AVALIAÇÃO MOLECULAR DA FLUOROSE ESQUELÉTICA NO ESTADO DA PARAÍBA: UMA REVISÃO INTEGRATIVA

634

causando reações indesejáveis. Nesse sentido, os efeitos

colaterais do flúor, ocorrem pela administração de doses

pequenas e constantes, atingindo principalmente os tecidos

mineralizados (PEI, et al., 2017; PRIYANKA; VANDANA, 2019;

QIN, et al., 2017).

Portanto, o flúor é uma substância química que é capaz

de prevenir uma doença e provocar outra, isso a depender da

concentração na qual é utilizado. Com isso, o flúor é o único

elemento químico capaz de promover a prevenção da cárie

dentária e, simultaneamente, provocar o aparecimento da

fluorose (MOURA, et al., 2017; WEI, et al., 2018; LV; KANG;

WU, 2016).

Uma vez que o flúor intervém nas principais vias

metabólicas do sistema biológico, ele pode ocasionar

alterações bioquímicas e/ou moleculares e algumas fatóres

influenciando nos efeitos tóxicos na via metabólica, como idade,

deficiência de minerais (cálcio, magnésio) e/ou vitamina C,

distúrbios ácido-básico, presença de problemas

cardiovasculares ou renais, alterações genéticas, temperatura

ambiente, entre outros, fazendo com que algumas pessoas

sejam mais vulneráveis à utilização desse elemento e seus

compostos, uma vez que são condições que podem agravar ou

reduzir os efeitos no organismo humano (AMARAL, et al.,

2018).

FLUOROSE ESQUELÉTICA

A fluorose esquelética é definida como sendo uma

doença óssea metabólica crônica causada pela inalação ou

ingestão duradoura de quantidades elevadas de fluoreto

AVALIAÇÃO MOLECULAR DA FLUOROSE ESQUELÉTICA NO ESTADO DA PARAÍBA: UMA REVISÃO INTEGRATIVA

635

(ingestão de mais de 10mg por dia, por pelo menos 10 anos),

em que as células ósseas (osteoblastos e osteoclastos) são

sensibilizadas pelos níveis elevados de flúor, desencadeando o

desenvolvimento de lesões ósseas incluindo osteosclerose,

osteoporose, osteomalácia e alterações articulares

degenerativas (WU, J. et al., 2015; YANG et al., 2017). Outros

efeitos como osteossarcoma, hipotireoidismo e

neurotoxicidade, também foram descritos (ZABALA, et al.,

2018; PEI, et al., 2017).

A sua gravidade está relacionada com qualidade de vida

e condições de trabalho do indivíduo, sendo responsável por

diversos tipos de problemas, incluindo a posturais e a limitações

de movimentos (LIU, et al., 2018). A doença provoca nos seres

humanos desconforto, dor, rigidez do pescoço, costas, joelho,

ombro, ossos e articulações, levando a várias deformidades

ósseas, aumenta o risco de fraturas e outros problemas

associados, afetando jovens e idosos (TEIXEIRA, et al., 2015;

PURANIK, et al., 2015). É considerada um problema de saúde

mais agravante do que a fluorose dentária, porque tem

capacidade de causar incapacidade permanente nos indivíduos

(WU, J. et al., 2015).

A severidade da fluorose esquelética e definida em três

graus: grau I (leve), os exames de imagens indicam sinais de

fluorose esquelética sem apresentar sintomatologia clínica,

como limitação de movimentos e deformação de juntas. O grau

II (moderada), os exames de imagens indicam alterações como

enfraquecimento e desmineralização de ossos maduros

(osteomalacia), apresentando sintomatologia (dor nas

articulações e malformações ósseas), sendo que as limitações

dos movimentos não impede o trabalho e Grau III (severo), os

AVALIAÇÃO MOLECULAR DA FLUOROSE ESQUELÉTICA NO ESTADO DA PARAÍBA: UMA REVISÃO INTEGRATIVA

636

exames de imagans indicam diminuições severas na matriz

óssea (osteomalacia e osteopenia) e sinais de curva de

lateralidade na postura, dor renal crônica e perda de habilidade

para o trabalho (QIN, et al., 2017; LI, et al., 2017; PRAMANIK;

SAHA, 2017).

A sintomatologia das pessoas com fluorose esquelética

é incerto, dependendo assim, do grau de alteração. Em alguns

casos pode ser assintomático, onde as mudanças são visíveis

apenas em exames de imagens. No início do doença, os

pacientes queixam-se repetidamente de um desconforto nos

membros e no tronco. A maioria dos casos mais graves,

desenvolve dores ósseas constante e inflexbilidade de todo o

corpo. Cifose constante e limitação de movimentos tornam-se

aparentes, piorando gradualmente para o estado mais grave

(MOURA, et al., 2017; LV; KANG; WU, 2016; DEATH, et al.,

2015).

O comprometimento neurológico é observado no estágio

mais grave da doença, devido à compressão das raízes da

medula espinhal e nervos, separadamente ou por combinação,

e frequentemente se desenvolve depois da exposição elevada

ao fluoreto durante mais de 10 anos (WEI, et al., 2018).

CONSIDERAÇÕES MOLECULARES ACERCA DA

FLUOROSE ÓSSEA

Até o presente momento, poucos estudos tem explorado

os mecanismos moleculares responsáveis pela patogenicidade

da fluorose esquelética, embora seja aceitável que o flúor tenha

alta afinidade com tecidos mineralizados (AMARAL, et al., 2018;

PRAMANIK; SAHA, 2017).

AVALIAÇÃO MOLECULAR DA FLUOROSE ESQUELÉTICA NO ESTADO DA PARAÍBA: UMA REVISÃO INTEGRATIVA

637

Estudos moleculares utilizando variações de espécies de

camundongos têm apresentado resposta significativamente

aceitável do efeito do flúor no desenvolvimento e na

homeostase do tecido ósseo (PURANIK, et al., 2015; QIN, et

al., 2017).

Em um estudo realizado por Scarpetta et al (2014) e Wei

et al (2018) com duas espécies de camundongos (A/J e

129P3/J) apresentaram diferenças intrínsecos em osso cortical

e trabecular que não são afetados pelo tratamento com F. As

diferenças estão relacionadas à densidade mineral óssea

(DMO), relação a superfície óssea e o volume do tecido, relação

volume de osso para volume de tecido, número trabecular,

espessura e separação. O estudo revelou que os camundongos

A/J apresentaram menos, mais finos, menos conectados e mais

trabéculas amplamente espaçadas em relação aos

camundongos 129P3/J. Além disso, a ALP (enzima envolvida

no processo de mineralização), foi aumentada no tipo 129P3/J.

Os mecanismos são baseados em proteínas desencadeados

por F em osteoblastos e osteoclastos. Em 129P3/J, as

proteínas são identificadas com maior abundância em relação

a A/J.

A sensibilidade do osso é influenciado pela genética. Isso

explicar por que os tratamentos com F para reduzir a massa

óssea não é universalmente eficaz (AMARAL, et al., 2018;

PRIYANKA; VANDANA, 2019; WEI, et al., 2018; MOURA, et

al., 2017).

O flúor interage com uma imensa quantidade de

processos celulares, como os genes que estão relacionados

com a formação e desenvolvimento do osso (BGLAP, ESR,

COL1A2), genes que codificam receptores envolvidos na

AVALIAÇÃO MOLECULAR DA FLUOROSE ESQUELÉTICA NO ESTADO DA PARAÍBA: UMA REVISÃO INTEGRATIVA

638

formação óssea e metabolismo (VDR, CTR), genes que

codificam hormônios (PTH, PRL), genes que codificam enzimas

desintoxicantes (GSTP1), genes que codificam proteínas da

matriz extracelular (MMP), genes com funções cognitivas

funciona (COMT) e genes que têm papéis em funções imunes

(MPO). Alguns outros estudos revelaram associação

significante entre polimorfismos em (GSTP1, MMP-2,

PRL,VDR), genes (MPO) (PRAMANIK; SAHA, 2017; LV;

KANG; WU, 2016).

Os polimorfismos podem estar possivelmente ligado a

fluorose esquelética. Estudos mostram que a fluorose

esquelética envolve efeitos combinados de vários fatores, como

fatores genéticos, ambientais e comportamentais (PEI, et al.,

2017; LI, et al., 2017).

Os estudos realizados por Yang et al (2016) e Wu et al

(2015) mostraram que o polimorfismo do gene da

mieloperoxidase está relacionado com a fluorose do tipo carvão

queima, o que propõe que o gene o polimorfismo pode

desempenhar um papel importante na patogênese da fluorose

esquelética. No mesmo estudo, foi observado que entre os

genes potenciais relevantes para o metabolismo ósseo, o gene

do receptor de vitamina D (VDR) é considerado ser um

candidato importante. Além disso, o gene VDR, localizado no

cromossomo 12 (12q12-14), desempenha um papel importante

no metabolismo ósseo, incluindo a absorção intestinal de cálcio.

O gene superóxido dismutase 2 (SOD2) codifica uma

enzima eliminadora de radicais livres, que retira o superoxidase

e catalisa a produção de peróxido de hidrogênio (LI, et al.,

2017). Em um estudo realizado por Liu et al (2018), os

indicativos mostraram que fluorose por queima de carvão foi

AVALIAÇÃO MOLECULAR DA FLUOROSE ESQUELÉTICA NO ESTADO DA PARAÍBA: UMA REVISÃO INTEGRATIVA

639

relacionada com a redução da atividade em enzimas

superóxido dismutase e gene expressão.

O flúor apresenta diversas propriedades relevantes no

seu mecanismo molecular de ação: in vitro, apresenta ação

mitogênica que é específica das células ósseas e resulta em

mudanças na expressão gênica, estresse e morte celular, in

vivo, apresenta ação anabólico que é específico de tecidos

mineralizados (PRAMANIK; SAHA, 2017).

Segundo Liu et al (2018) o consumo excessivo de

fluoreto causa estresse oxidativo, que é um estado de

desequilíbrio entre o pró-oxidantes e antioxidantes que levam à

lesão química dos lipídios, proteínas e DNA. A formação

demasiada de espécies reativas de oxigênio resulta em

oxidação de macromoléculas, quebra de fosfolipídios da

membrana, peroxidação lipídica, despolarização da membrana

mitocondrial e apoptose.

Alguns pesquisadores, ao estudar os mecanismos

moleculares da toxicidade causada pelo fluoreto, demostraram

que os genes associado à transdução de sinal (proteína G, JNK,

ERK, MEK1, MEK2), imunidade (IL6, IL8), apoptose (c-fos, c-

jun, bax, p53, bcl2), câncer e fatores de transcrição (CREB, NF-

kappaβ) poderiam estar fortemente ligados a ocorrência e

desenvolvimento de fluorose. Além disso, a intoxicação pode

afetar eventos intracelulares como a expressão gênica, síntese

proteica, secreção, tráfico, reabsorção e degradação de

produtos e também eventos extracelulares como a interação

entre matriz proteica, cristais e componentes fluidos (PEI, et al.,

2017; PRAMANIK; SAHA, 2017).

Os estudos apontam que o flúor interferir na síntese de

DNA, RNA e proteínas, causando danos ao DNA. Ao realizar

AVALIAÇÃO MOLECULAR DA FLUOROSE ESQUELÉTICA NO ESTADO DA PARAÍBA: UMA REVISÃO INTEGRATIVA

640

análise in vitro com células HaLa, os achados mostraram que o

NaF afeta a síntese de proteínas, impedindo o início de cadeia

peptídica. A exposição das células HeLa com NaF resultou na

inibição da síntese protéica, desagregação dos

polirribossomos, acúmulo dos rinossomos 80 S e diminuição

das subunidades ribossômicas livres. Logo após ao retirar NaF,

os níveis normais das subunidades ribossômicas livres foram

restaurados (QIN, et al., 2017; AMARAL, et al., 2018; LV;

KANG; WU, 2016).

Glutationa S-transferases (GST) são enzimas

metabolizadoras da fase II que desempenham funções

importantes na proteção celular, pela liberação de substâncias

nocivas, incluindo radicais redox. a atividade da classe pi GST

(GSTP1), codificada pelo gene GSTP1, está diretamente

associado com as características clínica da fluorose. Foi

observado que a expressão e atividade de GSTP1 esta

relacionado com polimorfismos de nucleotídeo único, incluindo

GSTP1 rs1695 (p.105 Ile> Val), resultando em atividade

catalítica reduzida e capacidade de desintoxicação da enzima

(WU, J. et al., 2015; YANG; WANG; XU, 2017).

CONCLUSÕES

Considerando que a fluorose esquelética seja definida como uma doença óssea metabólica crônica causada pela inalação ou ingestão prolongada de quantidades elevadas de fluoreto, a sua sintomatologia pode simular outras patologias. Nesse sentido, muitos indivíduos encontram-se em risco de desenvolver a doença, e em outros casos, a doença ainda não fora diagnosticada corretamente.

AVALIAÇÃO MOLECULAR DA FLUOROSE ESQUELÉTICA NO ESTADO DA PARAÍBA: UMA REVISÃO INTEGRATIVA

641

O efeito deletério do flúor sobre as células depende da concentração, duração da exposição, e do tipo de célula envolvida. Como visto, o fluoreto inibe a secreção e/ou síntese de proteínas e influencia distintas vias de sinalização envolvidas no processo celular, a utilização da análise proteômica poderá mostrar como os processos metabólicos, regulatórios e de sinalização ocorrrem nessa morbidade, permitindo uma maior compreensão dessa patologia.

Embora a concentração de flúor seja um critério importante que pode influenciar a sua toxicidade, pressupõe que os níveis das doses não é o único fator. Fatores genéticos, sexo, idade, e origem da população podem contribuir com a suscetibilidade ou resistência a exposição ao flúor Assim, esses achados sugerem que os determinantes podem influenciar a suscetibilidade ou resistência aos efeitos do fluoreto.

Dessa forma, a compreensão da doença somado a utilização dessa metodologia, viabilizará a detecção precoce, constituindo um ponto chave no tratamento em pacientes com fluorose esquelética. Este trabalho caracteriza-se como um passo inicial nos estudo molecular com a possibilidade de introduzir uma análise sistemática em indivíduos portadores de fluorose esquelética. Espera-se que com a identificação de proteínas envolvidas nos processos metabólicos do flúor, possamos esclarecer melhor patogenicidade desse doença, bem como identificar indivíduos mais vulneráveis à fluorose esquelética.

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645

BIOTECNOLOGIA

APLICAÇÕES BIOTECNOLÓGICAS E AMEAÇAS À DIVERSIDADE FÚNGICA DO

CERRADO

646

CAPÍTULO 31

APLICAÇÕES BIOTECNOLÓGICAS E AMEAÇAS À DIVERSIDADE FÚNGICA DO

CERRADO

Héberly Fernandes BRAGA 1 1 Doutorando em Microbiologia, UNESP;

[email protected]

RESUMO: A biodiversidade e potenciais aplicações dos fungos do Cerrado ainda são pouco conhecidas e positivamente exploradas. Assim, a presente revisão objetivou elucidar e apontar a importância de se conservar, conhecer e se utilizar do potencial biotecnológico oferecido pela micobiota desse bioma, de modo a dar um caráter ainda mais valorativo à região, e mostrar os importantes recursos que podem e estão sendo perdidos por meio seu do manejo inadequado. Por meio de pesquisa exploratória nas bases de dados Google Acadêmico, Scielo, Portal Capes e DOAJ, foram selecionados diferentes trabalhos em inglês e português publicados entre 2015 e 2019, empregando-se os seguintes descritores de busca: fungos do cerrado, (bio)prospecção de fungos do cerrado, propriedades de fungos do cerrado, manejo de fungos do cerrado. As diferentes pesquisas encontradas demonstram uma variedade de possibilidades de uso dos fungos do bioma seja no setor agropecuário, industrial, medicinal, alimentício, químico entre outros e apotam para a necessidade de ações e investimentos que visem não somente à conservação da região, e por consequência da sua micobiota, que vêm ao longo de décadas sendo alterada, devido principalmente ao manejo inadequado do solo; como também do estímulo à novas pesquisas sistematizadas que possam gerar mais conhecimento e descobertas.

APLICAÇÕES BIOTECNOLÓGICAS E AMEAÇAS À DIVERSIDADE FÚNGICA DO

CERRADO

647

Palavras-chave: Biodiversidade fúngica. Bioprospecção. Biotecnologia. Savana brasileira.

INTRODUÇÃO

O Cerrado é um bioma que apresenta uma enorme

riqueza e abundância de vegetais, animais e micro-organismos.

A alta biodiversidade associada às ameças de destruição dessa

região tem colocado a mesma no grupo dos habitats naturais

considerados como hotspots ecológicos (SAWYER et al.,

2016).

Mesmo apresentando e ofertando distintos serviços

ecossitêmicos, como por exemplo: abastecimento hídrico;

alimentos e matérias-primas de valor econômico; recursos

genéticos; sequestro e armazenamento de gás carbônico (CO2)

atmosférico; turismo e lazer; substâncias farmacológicas e

bioprodutos derivados de plantas e outros organismos,

observa-se que sua área vem sofrendo constantes alterações,

consequentes principalmente da urbanização, agricultura e

pecuária desenfreadas.

Os desequilíbrios e desordens vêm historicamente

propiciando a redução e/ou mesmo a perda das riquezas

genéticas e de biodiversidade, especialmente aquelas com

potencial farmacológico e tecnológico destinados ao tratamento

de doenças e/ou aplicações biotecnológicas, como por exemplo

micro-organismos e seus biocompostos derivados (RESENDE

et al. 2019).

Nesse contexto a presente revisão têm por objetivo

elucidar e apontar a importância de se conservar, conhecer e

se utilizar das distintas pontencialidades biotecnológicas dos

fungos existentes no Cerrado, de modo a dar a essa região um

APLICAÇÕES BIOTECNOLÓGICAS E AMEAÇAS À DIVERSIDADE FÚNGICA DO

CERRADO

648

caráter ainda mais valorativo, e mostrar os importantes recursos

que podem e estão sendo perdidos com o manejo inadequado

desse bioma.

MATERIAIS E MÉTODO

O material bibliográfico empregado na pesquisa foi

selecionado nas bases de dados Google Acadêmico, Scielo,

Portal Capes e DOAJ, e em sítios eletrônicos de órgãos

governamentais, por meio de pesquisa qualitativa exploratória

realizada em trabalhos publicados entre 2015 a 2019.

Como critérios de inclusão foram considerados artigos

em inglês e português que indicassem possíveis aplicações

biotecnológicas de fungos do Cerrado e/ou pesquisas que

elucidassem as perdas da micobiota nesse determinado bioma,

por manejos inadequados.

Os seguintes descritores foram empregados na busca:

fungos do cerrado, (bio)prospecção de fungos do cerrado,

propriedades de fungos do cerrado, manejo de fungos do

cerrado.

Trabalhos não enquadrados nos critérios de inclusão,

assim como aqueles que somente relatassem quantificação da

micobiota local; ou descobertas de novas espécies sem elucidar

as possíveis aplicações biotecnológicas foram excluídos da

busca.

POTENCIAIS APLICAÇÕES BIOTECNOLÓGICAS E

AMEAÇAS À MICODIVERSIDADE DO CERRADO

As alterações fitofisionômicas derivadas do

desmatamento, que historicamente vêm assolando o bioma

APLICAÇÕES BIOTECNOLÓGICAS E AMEAÇAS À DIVERSIDADE FÚNGICA DO

CERRADO

649

Cerrado, podem promover mudanças na composição do solo e

sua maior exposição aos raios solares, procipando por

exemplo, alterações físico-químicas na acidez e umidade,

fatores esses essenciais a permanência e desenvolvimento da

microbiota residente.

Dessa forma, estudar e entender a dinamicidade,

funcionamento e interação dos micro-organismos existentes no

Cerrado, e em especial no solos dessa região, não só propicia

um maior entendimento dos impactos ambientais e formas

inadequadas de manejo que o bioma vem sofrendo

(VALADARES-PEREIRA, et al.; 2017), como também viabiliza

a possibilidade se prospectar espécies com ponteciais

aplicações de interesse biotecnológico, por exemplo (NORILER

et al., 2018).

Estudo realizado por Jacinto, Moura e Uto (2018), em

diferentes áreas de cerrado (nativo; de cultivo agrícola; e de

reserva ambiental urbana/reflorestamento), visando determinar

o grau da antropicidade do solo frente à biomassa de bactérias

e fungos, evidencia os impactos que o bioma têm sofrido. Eles

verificaram contagens significativamente distintas (p < 0,05) de

bactérias em unidades formadoras de colônia por grama

(UFC.g-1) de solo, em valores de 4,2 x 105; 1,1 x 105 e 1,8 x 105,

respectivamente, nos solos das áreas de cerrado nativo, cultivo

agrícola e reflorestamento. As contagens fúgincas (UFC.g-1)

também foram significativamente distintas, 9 x 104 (áera nativa),

3 x 104 (cultivo agrícola) e 6,6 x 103 (reflorestamento), mas com

valores inferiores à da população bacteriana, indicando

segundo os autores, a maior sensibilidade dos fungos à

atividade antrópica.

Valadares-Pereira et al. (2017), também evidenciaram

mudanças na comunidade fúngica em solo do cerrado

APLICAÇÕES BIOTECNOLÓGICAS E AMEAÇAS À DIVERSIDADE FÚNGICA DO

CERRADO

650

tocantinense, ao comparar uma área nativa com outra

destinada ao plantio de soja. Analisando o ácido

desoxirribonucleico (DNA) do solo, por meio de Análise

Espacial Intergênica Ribossomal Automatizada (ARISA), e

comparando os resultados aos teores de cobre, cálcio, ferro,

capacidade de troca de cátions, saturação por bases e relação

cálcio/magnésio, de ambas as regiões, os pesquisadores

observaram mudanças na estrutura da comunidade fúgica

como efeito do manejo agrícola.

Araujo et al. (2017), avaliaram a diversidade fúngica de

uma área de cerrado preservado, na região nordeste do estado

do Piauí, dentro do Parque Nacional das Sete Cidades, ao

longo de distintos gradientes fitofisionômicos: formação

campestre, cerrado stricto sensu, cerradão e floresta decidual.

Os pesquisadores identificaram a maior riqueza de espécies na

floresta decidual, sendo a maior porcentagem dos isolados

pertencentes ao filo Ascomycota (45%), seguido do

Basidiomycota (32%). Conforme os autores, as classes mais

abundantes encontradas incluindo espécies com potencial

biotecnológico foram: Agaricomycetes, Eurotiomycetes,

Lecanoromycetes, Basidiobolus, Dothideomycetes e

Taphrinomycetes.

Conforme Bononi et al. (2017), a diversidade de micro-

organismos, e especialmente dos fungos presentes em regiões

do Cerrado, ainda não é totalmente conhecida. Em coletas

realizadas pelos pesquisadores, na região central do estado de

Mato Grosso do Sul (MS), centro-oeste do Brasil, foram

identificadas 18 espécies de fungos (Conocybe crispa,

Gymnopus dryophilus, Marasmius androsaceus, Marasmius

oreades, Mycena pura, Rhodocollybia butyraceae, Pleurotus

eryngii, Coprinellus micaceus, Panaeolus rickenii, Hypholoma

APLICAÇÕES BIOTECNOLÓGICAS E AMEAÇAS À DIVERSIDADE FÚNGICA DO

CERRADO

651

fasciculare, Clitocybe infundibuliformis, Tricholoma

argyraceum, Fomitiporia robusta, Cymatoderma elegans,

Athelopsis galzinii, Trametes ellipsospora, Guepinia

helvelloides, Tremella mesentérica) ainda não citadas e listadas

nacionalmente, e 36 espécies com primeira citação para o

estado. Do total de 62 espécies de basidiomicetos coletados, os

autores identificaram 15 comestíveis, quatro tóxicas, 10 com

propriedades medicinais, duas com potencialidade de aplicação

em processos de biorremediação, e uma com propriedade

bioluminescente, conforme comparações à literatura disponível.

Plantas medicinais têm sido muito estudadas como

reservatório de cepas de micro-organismos endofíticos com

potencial biotecnológico. Nesse sentido, Noriler et al. (2018),

estudaram comunidades fúngicas endofíticas associadas a

folhas e pecíolos da planta medicinal Stryphnodendron

adstringens, de ocorrência no Cerrado. Dentre os 117

morfotipos fúngicos (95,6% deles pertencentes ao filo

Ascomycota) isolados pelos pesquisadores, cinco (Diaporthe

sp. LGMF1530, Diaporthe cf. heveae LGMF1631,

Colletotrichum siamense LGMF1604, Fusarium sp. LGMF1630

e Epicoccum sp. LGMF1641) apresentaram atividade inibitória

(maior que 60%) sobre o crescimento micelial de Phyllosticta

citricarpa (LGMF06) e Colletotrichum abscissum (CA142),

patógenos estes de grande importância na citricultura.

Isolados endofíticos também apresentaram efeito

inibitório frente a patógenos de interesse clínico (NORILER et

al., 2018), demonstrando as potencialidades biotecnológicas

dos fungos encontrados, não só como alternativa ao controle

biológico de fitopatógenos, como também de micro-organismos

associados a saúde humana. Phaeophleospora sp.2

LGMF1513, Epicoccum sp.1 LGMF1598 e Epicoccum sp.2

APLICAÇÕES BIOTECNOLÓGICAS E AMEAÇAS À DIVERSIDADE FÚNGICA DO

CERRADO

652

LGMF1600 tiveram alta atividade de ação (+++) contra

Staphylococcus aures (American Type Culture Collection -

ATCC 33591) meticilino-resistentes (MRSA). Alguns isolados

fúngicos (Diaporthe sp. LGMF1548 e LGMF1614, Diaporthe cf.

heveae LGMF1631, Fusarium sp. LGMF1630 e Hypoxylon sp.1

LGMF1613) se mostraram também ativos contra S. aures

(MRSA), Pseudomonas aeruginosa (ATCC 27853),

Acinetobacter baumannii (BACHAC-ABA) e Klebsiella

pneumoniae (BACHC-KPC) produtora de carbapenemase

(KPC).

Em um estudo realizado com Miconia albicans (Sw.)

Triana (Melastomataceae), planta fanerógama edêmica do

Cerrado, conhecida popularmente como “quaresmeira-branca”,

Piza, Hokka e Sousa (2015) também isolaram e verificaram alta

atividade antagonista do fungo actinomiceto Amycolotopsis

orientalis frente a S. aureus, Enterococcus faecalis, Candida

albicans, Shigella sonnei.

Alternativas de controle biológico de artrópodes-praga

frente a culturas agrícolas, também vêm sendo muito aplicadas.

Por exemplo, em sistemas agroflorestais da região neotropical,

alguns organismos destacam-se como as principais pragas que

assolam as culturas agrosilvícolas, sendo as formigas

cortadeiras dos gêneros Atta e Acromyrmex, muito citadas. Tais

formigas, conhecidas popularmente como saúvas e quenquéns

atacam as partes frescas das plantas e as carregam para o

interior dos seus ninhos, onde servirão de substrato ao fungo

simbionte Leucoagaricus gongylophorus (Möller) Singer

(Basidiomycota: Agaricales: Lepiotaceae) do qual elas se

alimentam (NYGAARD et al., 2016).

A forma mais usual de controle desses insetos é pelo

método químico, entretanto a busca por alternativas

APLICAÇÕES BIOTECNOLÓGICAS E AMEAÇAS À DIVERSIDADE FÚNGICA DO

CERRADO

653

ambientalmente corretas tem sido estimulada. Nesse sentido,

Dornelas et al. (2016) realizaram estudo prospectivo de fungos

filamentosos, associados a operárias de Atta sexdens e A.

laevigata da região do cerrado tocantinense, com propriedades

patogênicas. Os autores isolaram de A. sexdens os fungos

Metarhizium anisopliae (Metchnikoff) Sorokin, Aspergillus flavus

Link, Acremonium sp.1, Aspergillus sp.1, Colletotrichum sp. e

Acremonium sp. 2, e de A. laevigata, Mucor sp., A. flavus,

Fusarium solani (Martius) Saccardo, A. niger van Tieghem;

entretanto o teste de patogenicidade contra a formiga A.

sexdens foi realizada somente com os fungos A. flavus, A. niger

e M. anisopliae, pois esses apresentaram alta produção de

conídios e elevada prevalência no estudo. Foi verificada uma

taxa de letalidade de 50% das operárias em apenas cinco dias,

nos testes com A. niger e M. anisopliae, sendo essa duração

significativamente inferior ao tratamento controle.

Estudo realizado por Zanardo (2015) em solos dos cinco

biomas do Brasil corrobora a importância que o Cerrado tem em

abrigar uma das maiores quantidades de fungos

entomopatogênicos. A autora determinou a abundância de

fungos ao longo de dois anos em amostras de solos de cultivos

anuais, perenes e vegetação nativa, durante estação climática

seca e úmida, de cinco áreas representativas dos biomas

brasileiros, e verificou no geral, maiores densidades de

entomopatogênicos no Cerrado (2,27 ± 1,58 x 103 a 3,46 ± 1,51

x 104 UFC.g-1 de solo), sendo o gênero Metarhizium spp. o de

maior predominância.

Conforme mencionado anteriormente, além do emprego

dos fungos no controle biológico e como bioindicadores da

qualidade do solo em manejos diversos, esses micro-

organismos tem importância preponderante no setor agrícola

APLICAÇÕES BIOTECNOLÓGICAS E AMEAÇAS À DIVERSIDADE FÚNGICA DO

CERRADO

654

atuando na melhoria da produtividade das culturas, não só

porque realizam a ciclagem de nutrientes, ao decompor e

transformar materiais orgânicos em minerais, que serão assim

aproveitados pelas plantas, mas também pela associação

simbionte (micorrizas) com raízes de muitas espécies vegetais,

proporcionando a essas aumento da superfície de contato com

o solo, para absorção de água e sais minerais.

Dentre os grupos de micorrizas destacam-se os fungos

micorrízicos arbusculares (FMA), também denominados

endomicorrizas, que tem como característica diferencial

desenvolver um micélio que penetra internamente no córtex da

raiz, invadindo tanto o espaço intra quanto intercelular. Berude

et al. (2015), em pesquisa bibliográfica, compilaram outros

distintos benefícios às plantas quando de sua associação aos

FMA: redução ao estresse hídrico e salino; diminuição de sítios

de infecção por patógenos; aumento na absorção de fósforo e

nitrogênio do solo e maior tolerância a metais pesados.

Experimento realizado por Salgado et al. (2016), ilustra a

potencialidade de fungos do Cerrado em propiciar o

crescimento inicial de plantas de feijoeiro e soja. Os

pesquisadores coletaram, isolaram e idetificaram FMA

(Acaulospora scrobiculata, Claroideoglomus etunicatum,

Dentiscutata heterogama, Gigaspora margarita e Rhizophagus

clarus) provenientes de solo do Cerrado (região sudoeste de

Goiás), os quais foram associados ao estimulante de

colonização (7-hidroxi,4’-metoxi-isoflavona) e inoculados sobre

ambas culturas. Eles observaram aumento da biomassa nas

plantas, mais de 200% para o feijoeiro e mais de 80% para a

soja, partindo-se dos seguintes parâmetros de avaliação:

massa seca da parte aérea, massa seca da raiz, colonização

APLICAÇÕES BIOTECNOLÓGICAS E AMEAÇAS À DIVERSIDADE FÚNGICA DO

CERRADO

655

micorrízica, massa de nódulos e acúmulo de cálcio, zinco e

fósforo na massa seca da parte aérea.

Em outro experimento, partindo das mesmas

condicionantes, Salgado et al. (2017), determinaram os efeitos

de tal combinação frente ao crescimento inicial de plantas de

algodão e milho, e verificaram que baixa densidade de

propágulos de FMA inoculados e associados a estimulante de

colonização foram também benéficos ao desenvolvimento de

ambas culturas.

Santos et al. (2018), avaliaram os efeitos da inoculação

de FMA, provenientes de solo de Cerrado conservado, sobre

uma região degradada pela construção de uma usina

hidrelétrica, no município de Selvíria-MS. Eles verificaram que

a combinação de resíduos orgânicos/minerais com a aplicação

dos fungos influenciou positivamente o solo degradado, pois o

teor de carbono da massa microbiana (CBM), carbono de gás

cabônico liberado (C-CO2) e quociente microbiano (qMic)

elevaram-se. Todos esses parâmetros são indicadores de

qualidade do solo.

Outro aspecto a se considerar são os estudos sobre

emprego da atividade fúngica para a melhoramento de

processos de produção, extração, solubilização e

transformação no setor industrial. Os mesmos vêm crescendo

e propiciando vantagens em termos ambientais e de obtenção

de produtos com maior valor econômico agregado. A produção

de biossurfactantes por micro-organismos, por exemplo, é uma

opção promissora em termos de obtenção de produtos

biotecnológicos, haja visto a baixa toxicidade, alta

biodegrabilidade e melhor compatibilidade ambiental quando

comparados aos surfactantes sintetizados quimicamente.

APLICAÇÕES BIOTECNOLÓGICAS E AMEAÇAS À DIVERSIDADE FÚNGICA DO

CERRADO

656

Partindo disso, Passone et al. (2015) avaliaram o

potencial biossurfactante de três fungos isolados de ambientes

do Cerrado na região do Triângulo Mineiro, codificados como

C18, C35 e C40, frente a diferentes concentrações de glicerol,

empregando fermentação submersa. Os autores observaram

índices de emulsificação variando de 28,6% a 71,4%. Foi

notado também aumento nesse parâmetro (em média 10%),

com o aumento do tempo de fermentação (48 h para 72 h), nos

cultivos contendo concentrações de glicerol 2,5; 5,0 e 10% (v/v)

inoculados com o fungo C35, além um dos menores valores de

tensão supercial (40 mN/m-1) na condição de 1,5% (v/v) de

glicerol a 48 h. Altos íncides de emulsificação e baixos valores

de tensão superficial são bons indicativos de atividade

surfactante.

A produção e oferta interna de fertilizantes fosfatados no

Brasil ainda tem sido um gargalo no setor agrícola,

especialmente porque a rocha fosfática, principal insumo da

indústria de fertilizantes, é um mineral pouco disponível no país

e ainda apresenta baixo teor de pentóxido de fósforo (P2O5).

Solos aráveis, como os do Cerrado, demandam fósforo que é

pouco disponibilizado e muitas vezes insolúvel para ser

utilizado pelas culturas agrícolas, necessitando assim serem

suplementados com fertilizantes. Associado a isso, a extração

dos fosfatos é realizada empregando-se ácido fosfórico (H3PO4)

ou sulfúrico (H2SO4), o que gera resíduos. Tais condições

tornam o custo da produção nacional elevado e ambientalmente

pouco sustentável, suscitando pesquisas que se utilizem de

métodos naturais renováveis e que agridam menos o ambiente,

tal como a biossolubilização realizada por micro-organismos

(EMBRAPA, 2015).

APLICAÇÕES BIOTECNOLÓGICAS E AMEAÇAS À DIVERSIDADE FÚNGICA DO

CERRADO

657

Nesse sentido, Cabral et al. (2017) isolaram Trichoderma

harizianum, um fungo filamentoso do filo Ascomycota, de um

complexo minerador do município de Araxá-MG, e testaram sua

capacidade de biossolubilizar fósforo a partir de concentrado de

rocha fosfática (teor de P2O5 igual a 37,5%) originária do

complexo de mineração do município de Tapira-MG.

Empregando-se fermentação submersa em biorreator air-lift

com reciclo do meio reacional, e variando o fluxo volumétrico de

ar ascendente e a concentração de rocha fosfática, os

pesquisadores obtiveram uma concentração de fósforo solúvel

em meio líquido igual a 244,9 partes por milhão (ppm) ou

33,78% de solubilização, num período de três dias a 28 ± 0,5°C.

Gomes et al. (2017), obtiveram 11,95% (94,8 ppm) de

solubilização de fósforo em 14 dias, e 6,81% (52 ppm) em 9

dias, empregando o mesmo concentrado de rocha fosfática, na

fermentação sólida e líquida, respectivamente, com o fungo T.

ressei, coletado no Cerrado.

Estudo realizado por Rocha (2017), com a levedura

Torulaspora globosa, isolada da rizosfera de milho, no

município de Araras-SP, evidenciou também a rápida

solubilização de fosfato tricálcio (Ca3(PO4)2) em fermentação

submersa. A autora obteve quantidade máxima de fósforo

solúvel (42%) em apenas 48 h, demonstrando a potencialidade

do fungo em aplicações industriais e agrícolas.

Propiciar o aumento e variedade da quimiodiversidade,

isto é, da obtenção de novas substâncias derivadas da ação

metabólica de micro-organismos e/ou enzimas isoladas, sobre

compostos orgânicos ou sintéticos, têm sido uma nova

estratégia biotecnológica alternativa de síntese química, dentro

da área de química verde. Para Hegazy et al. (2015), o uso

desse processo apresenta vantagens quando comparado a

APLICAÇÕES BIOTECNOLÓGICAS E AMEAÇAS À DIVERSIDADE FÚNGICA DO

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658

síntese tradicional: baixo custo; quimio, estereo e

regioseletividade; manutenção das cepas; redução no número

de animais experimentais; maior quantidade e variedade de

compostos produzidos; consumo mínimo de energia e menor

geração de resíduos, especialmente compostos tóxicos e

danosos ao ambiente.

Silva (2015), testaram cepas de Beauveria sp. isoladas

de solo do Cerrado da região de Goiás, frente a ácido gálico

(AG) e elágico (AE), utilizando cultivo submerso em meio

glicose e Corn Steep, durante 96 h a 27ºC e 200 rotações por

minuto (rpm). Empregando-se Cromatografia em Camada

Delgada (CCD) e Cromatografia Líquida de Alta Eficiência

(CLAE), foi notado que todas as cepas foram eficientes na

biotransformação dos compostos, sendo que o meio contendo

Corn Steep proporcionou maior variedade e quantidade de

compostos formados para ambos substratos. Os derivados do

AG obtidos e caracterizados estruturalmente por métodos

espectroscópicos foram: ácido benzoico, 3-O-metil-β-

glucopiranosil-galatoester (Labiocon 465); ácido benzoico,4-[[6-

O-(3,4-diidroxi-5-metoxibenzoico)-α-D-glucopiranosideo]oxi]-3-

hidroxi-5metoxi (Labiocon 484); ácido gálico 3-O-β-

glucopiranoside (Labiocon 510) e ácido 3,4-Diidroxi-5-metoxi-

benzoico-2-hidroxi-5-metoxicarbonil-fenilester (Labiocon 530).

E os do AE: 3,8-Dimetoxi-dibenzo[b,d]piran-6-one (Labiocon

511) e o ácido elágico 4-O,3’-O-metil-β-D-glicose (Labiocon

534).

Na indústria de alimentos, algo que tem se tornado

corriqueiro é o emprego de insumos e/ou ingredientes com

caráter mais natural para a elaboração de produtos

alimentícios, dada a mudança de atitudes do consumidor e sua

maior preocupação com a saúde. Para isso, tem-se por

APLICAÇÕES BIOTECNOLÓGICAS E AMEAÇAS À DIVERSIDADE FÚNGICA DO

CERRADO

659

exemplo substituído o emprego de aditivos químicos artificiais,

por compostos naturais derivados de animais, plantas ou

mesmo micro-organismos.

Conforme Rao, Xiao e Li (2017), a demanda por corantes

alimentícios naturais derivados de micro-organismos, por

exemplo, tem aumentado dia a dia, não somente pelos efeitos

nocivos cientificamente relatados da ingestão de alguns

corantes sintéticos, mas também porque pigmentos de origem

microbiana apresentam vantagens quando comparados a

outros produtos naturais: rapidez na produção; fácil

processamento; independência das condições climáticas; e

propriedades antioxidantes, antimicrobianas e

anticancerígenas.

Entre os distintos pigmentos microbianos, aqueles

derivados de fungos ambientais e especialmente do solo, tem

sido pesquisados e vem apresentando-se como alternativa

favorável não só na medicina, como também na indústria

cosmética, têxtil e principalmente alimentícia. Nesse sentido,

Machado (2018) isolou leveduras com potencial carotenogênico

do ambiente (folhas, solo, flores, frutos silvestres e insetos) do

Cerrado e verificou que as espécies Rhodotorula glutinis, R.

graminis, R. aurantiaca, R. lactosa e R. mucilagionosa se

destacaram na produção de carotenoides. Realizando testes de

otimização em condições de cultivo experimental submerso

com variação de agitação (130 a 230 rpm), temperatura (25 a

35ºC), pH (4,5 a 6,5) e componentes do meio de cultivo, o autor

observou que a levedura R. mucilaginosa foi a mais efetiva na

bioprodução do pigmento (4164,45 µg.L-1).

Em outro estudo bioprospectivo de fungos endofítifos de

folhas de Hymenaeae coubaril (jatobá), árvore típica do

cerrado, Romano (2015) identificou pontencial produção de

APLICAÇÕES BIOTECNOLÓGICAS E AMEAÇAS À DIVERSIDADE FÚNGICA DO

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660

pigmento vermelho pelo fungo Talaromyces minioluteus,

empregando-se diferentes meios de cultivo a 28ºC, por 72 h e

a 200 rpm, ao se comparar a mensuração da biomassa após os

cultivos, com índices de absorbâncias obtidos a 510 nm.

Conforme o autor, a intensa coloração vermelha obtida em

todos os cultivos realizados evidencia o possível emprego

biotecnológico da espécie, entretanto sugere-se a continuidade

das pesquisas visando-se não somente identificar

quimicamente o pigmento, como verificar a micotoxidade,

empregar substratos alternativos de menor custo, e também

otimizar o processo de produção.

No setor industrial, especialmente alimentício, a

produção biotecnológica de frutooligossacarídeos (FOS) e

exopolissacarídeos (EPS) empregando-se micro-organismos

têm sido muito demandada, não somente por serem

considerados naturais; como também pela praticididade e

facilidade de obtenção quando comparado a extração realizada

de fontes vegetais; além desses polissacarídeos apresentarem

benefícios à saúde, bem como propriedades tecnológicas que

melhoram as características físico-químicas, reológicas e

sensoriais dos produtos destinados ao consumidor

(BARCELOS et al., 2019).

Diante dos benefícios e aplicações dos FOS, Zaninette

et al. (2019) observaram atividade hidrolítica e capacidade de

transfrutosilação de solução de sacarose (150 g.L-1), com

produção de 8 g.L-1 de 1-cestose (FOS do tipo inulina) e 7,3 g.L-

1 de neocestose (FOS do tipo neolevana, comumente não

produzido por fungos filamentosos), pelo fungo Penicillium

janczewskii Zaleski CCIBt 3352, isolado da rizosfera de uma

planta do Cerrado (Chrysolaena obovata), evidenciando a

promissora capacidade sintetizadora de FOS por uma cepa

APLICAÇÕES BIOTECNOLÓGICAS E AMEAÇAS À DIVERSIDADE FÚNGICA DO

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661

selvagem. Outra pesquisa realizada com diferentes frutos do

Cerrado (SILVEIRA, 2018), corrobora a necessidade de

estudos prospectivos com viés biotecnológico mais

sistematizados sobre o bioma. A autora isolou 17% de micro-

organismos (de um total de 59), com potencialialidades de

produção de EPS, sendo que uma das linhagens alcançou uma

produção máxima desses bioprodutos de 1,2 g.L-1 após 2 h de

processo a 30ºC e 150 rpm.

No setor de energias renováveis, em especial na

produção e melhoria de processos para obtenção

biocombustíveis e/ou biodiesel, os fungos também vêm

apresentando suas potenciais aplicações.

Nos últimos anos o crescimento incessante da população

tem demandado o consumo de recursos energéticos para suprir

o bem-estar individual, desempenho industrial ou mesmo

serviços de manutenção; promovendo a escassez de fontes de

energia não renováveis como o petróleo, por exemplo, e a

intensa emissão de gases poluentes para a atmosfera. Assim,

o uso da bionconversão de diferentes resíduos empregando-se

fermentação microbiana veêm sendo adotado como alternativa

para se otimizar a aquisição de combustíveis mais sustentáveis,

e ao mesmo tempo minimizar alterações ambientais

decorrentes da disposição de subprodutos e rejeitos com

características poluentes (ZANONI et al., 2015).

Um dos gargalos da produção de biocombustíveis,

especialmente os de segunda geração, deve-se às dificuldades

em se despolimerizar as longas cadeias carbônicas que

constituem a parede celular vegetal, para se disponibilizar os

açúcares fermentescíveis que serão convertidos em álcool.

Assim, diferentes estudos e esforços públicos e privados têm

sido realizados, visando selecionar micro-organismos que

APLICAÇÕES BIOTECNOLÓGICAS E AMEAÇAS À DIVERSIDADE FÚNGICA DO

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662

apresentem tal capacidade bioconversora, de forma a se

reduzir o custo atual do refinamento da biomassa vegetal.

Diante disso, Dabaja et al. (2019), testaram 43 culturas

de fungos endofíticos isolados de Annona crassiflora (araticum),

uma planta nativa e exclusiva do Cerrado, e verificaram que 8%

apresentaram atividade esterásica; 34,43% atividade

celulolítica; 73,91% atividade fosfatásica; 78,26% atividade

lipolítica; e 91,3% atividade β-frutocfuranosidásica. Os autores

ainda realizaram a fermentação submersa para determinação

da atividade lipolítica, visto serem as lipases enzimas muito

aplicadas em biocombustíveis (principalmente na produção de

biodiesel), e constataram uma atividade expressiva de 27,34

U.g-1 em 60 h de fermentação a 28ºC.

Bessa (2018) isolou fungos do solo do Cerrado e

verificou atividades lipolíticas promissoras de 9,268 U.mg-1 e

7,032 U.mg-1 para duas cepas Paecilomyces formosus (isolado

I e II); e 6,447 U.mg-1 para Aspergillus tubingensis. A autora

ainda observou que o extrato enzimático bruto proveniente do

isolado II de P. formosus conseguiu atingir 41,60% de

conversão de óleo:metanol em ésteres metílicos. Tal

capacidade de transesterificação demonstra o potencial das

enzimas para emprego na produção de biodiesel,

principalmente porque esse processo é considerado mais limpo

quando comparado ao uso de catalizadores químicos.

Dentre os distintos micro-organismos presentes no solo

do Cerrado, bactérias e fungos que apresentam capacidade de

excretar enzimas para o meio, tem sido alvo de interesse nos

estudos relacionados à bioprospecção e biotecnologia. Isso

porque, a secreção extracelular enzimática, realizada

naturalmente pelo micro-organismo com objetivo de promover

a degradação de compostos complexos para sua posterior

APLICAÇÕES BIOTECNOLÓGICAS E AMEAÇAS À DIVERSIDADE FÚNGICA DO

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663

absorção e nutrição, reduz custos nos sistemas de isolamento

de tais bioprodutos quando comparado aos processos onde é

necessário o rompimento celular (ANDRADE-LINHARES;

VERESOGLOU; RILLIG, 2015). Além disso, biocompostos

excretados tendem, de forma geral, a ser mais estáveis aos

distintos fatores ambientais, quando comparados àqueles que

se mantêm no interior da célula, em condições fisiológicas

favoráreis.

Silva et al. (2015), por exemplo, estudando a capacidade

de 66 estirpes de Trichoderma spp. isoladas do solo e madeira

em decomposição da região do cerrado tocantinense,

verificaram que dois dos isolados (UFTJCO85 e UFTMG15)

apresentaram atividades enzimáticas celulásicas satisfatórias

para FPase (1,34 UI.mL-1) e CMCase (0,81 UI.mL-1), haja visto

que não foram empregados tratamentos prévios do sabugo de

milho testado.

Oliveira et al. (2015) testaram a atividade amilolítica de

enzimas produzidas por leveduras isoladas de ambientais

naturais (frutas e serrapilheira) e industriais (mosto de usina de

cana-de-açúcar) da região de Dourados (MS), e identificaram

três cepas de um total de 54, com boas capacidades de produzir

amilases, a partir de farelo de trigo a 70% de umidade. Entre as

cepas destacaram-se Candida parapsilosis com atividade

máxima 14,68 U.mL-1; Rhodotorula mucilaginosa com 25,0

U.mL-1 e Candida glabrata com 25,39 U.mL-1, empregando

cultivo em estado sólido por 120 h a 28ºC. A amilases

produzidas por tais cepas exibiram atividade máxima em pH 7,0

e temperatura de 60ºC; apresentaram atividade mesmo após 1

h de incubação a 50°C; mativeram atividade catalítica residual

maior que 70% após exposição a solução de 15% de etanol; e

ainda apresentaram maiores atividades enzimáticas frente ao

APLICAÇÕES BIOTECNOLÓGICAS E AMEAÇAS À DIVERSIDADE FÚNGICA DO

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664

amido de milho, quando comparado aos amidos de batata, trigo

e mandioca.

Santos et al. (2016) destacaram o potencial

biotecnológico de outro fungo também isolado do solo da região

de Dourados (MS), com capacidade de produção de β-

glicosidades, enzimas empregadas na produção de

biocombustíveis; vinificação e desenvolvimento de alimentos

funcionais. A cepa de G. butleri isolada apresentou a máxima

produção de β-glicosidades (21,5 U.mL-1), em cultivo em estado

sólido a 30°C por 96 h, sobre farelo de trigo a 55% de umidade.

Os autores verificaram ainda uma atividade catalítica máxima

em pH 4,5 e temperatura de 65°C, com retenção de 80% da

atividade mesmo após manutenção a 50ºC por 1 h.

Em pesquisa realizada por Melo et al. (2018), em

amostras de solo e serrapilheira coletados no Parque Estadual

do Cerrado em Jagariúna (PR), 89,3% dos isolados fúngicos

pertencentes ao filo Ascomycota e Basiodiomycota,

apresentaram atividade celulásica em meio de cultura contendo

carboximetilcelulose (CMC), tendo se destacado Colletotrichum

boninense e Trichoderma sp. Os autores observaram ainda que

todas as cepas apresentaram alguma atividade lipolítica,

demonstrando potencialidades para serem empregadas em

processos biotecnológicos que envolvam degradação de

biomassa vegetal e produção de biocombustíveis.

CONCLUSÕES

As diferentes pesquisas relatadas apontam a

importância e potencialidades do emprego dos fungos do

Cerrado em diferentes produtos, processos, e atividades, sejam

elas agropecuárias, industriais, alimentícias, medicinais,

APLICAÇÕES BIOTECNOLÓGICAS E AMEAÇAS À DIVERSIDADE FÚNGICA DO

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665

químicas, entre outras; e elucidam a necessidade de pesquisas

e ações de maior conservação desse bioma, que ainda possui

uma enorme e variada biodiversidade fúngica ainda pouca

conhecida e inexplorada.

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