FREIOS E CONTRAPESOS: AS ADINS DE GOVERNADORES CONTRA ASSEMBLEIAS LEGISLATIVAS E SEU EFEITO SOBRE AS...
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FREIOS E CONTRAPESOS: AS ADINS DE GOVERNADORES CONTRA ASSEMBLEIAS LEGISLATIVAS E SEU EFEITO SOBRE
AS RELAÇÕES EXECUTIVO-LEGISLATIVOTÍTULO
Décio Vieira da Rocha1
RESUMO: O presente trabalho visa analisar o processo de Controle de
Constitucionalidade de Governadores contra Assembleias Legislativas. A partir da
redemocratização, com a distribuição formal de competências, União, Estados e
Municípios adquiriram considerável autonomia para atuar sobre suas localidades. Porém,
essa distribuição de competências é objeto de disputas entre agentes e instituições
políticas. Dessa forma, tentamos analisar aqui, como as ADINs (Ações de Direta
Inconstitucionalidade) interferem nas relações Executivo-Legislativo, ou mais claramente,
em um jogo efetivo situação e oposição e quais são os efeitos dessa disputa sobre a
dinâmica legislativa das Assembleias.
PALAVRAS-CHAVE: Controle de constitucionalidade, dinâmica legislativa, Executivo-
Legislativo.
BREVE DELIMITAÇÃO DA PESQUISA
As democracias modernas tem visto cada vez mais uma crescente atuação do
Judiciário nos mais diversos estratos, tanto da vida social quanto no âmbito da política.
Isso tem gerado um aumento nos estudos sobre esse fenômeno, conhecido como
judicialização da política (conceito que é objeto de grandes discussões, MACIEL &
1 Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, [email protected],
mestrando em Sociologia Política.
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KOERNER, 2002). Quanto mais democráticas vão se tornando as instituições e quanto
mais complexas as sociedades, mais o judiciário passa a intervir como um ator
necessário nesse processo. Porém, o lugar do Judiciário, a atuação deste e o grau de
sua independência são questionamentos que permeiam esse processo e fazem dele uma
área de estudos cada vez mais necessária
Por outro lado, a atuação do poder Legislativo no presidencialismo de coalizão,
sua organização e a produção legal por parte deste tem sido objeto de muita pesquisa.
Compreender como esse ator age e como ele lida com os outros, é de importância
fundamental para que se construa um aparato teórico e conceitual sobre essa atuação.
Quais são os fatores endógenos e exógenos (eleições, organização legislativa e
partidária, etc) que influenciam sua movimentação?, como se organiza a agenda? quem
tem mais poder de veto?; quais são as relações que se constroem entre a base aliada ( a
coalizão mais ampla em geral) e a oposição. Compreender o poder de agenda e veto
tanto do Executivo quanto do Legislativo é fundamental para se ter um quadro do
funcionamento dessas instituições.
Muitos trabalhos atualmente partem de um estudo sobre o Congresso Nacional.
Ainda há relativamente poucos trabalhos que olhem as Relações entre Executivo-
Legislativo no âmbito subnacional. (ABRUCIO, 1998; SANTOS, 2001; TOMIO & RICCI,
2012, NUNES, 2013). Visto que os Legislativos Estaduais produzem uma dinâmica
diferente do Congresso Nacional e também divergências entre si, torna-se importante que
sejam produzidas mais pesquisas relacionadas ao âmbito subnacional visando uma
maior compreensão de como se dá a dinâmica desses legislativos e a relação que
estabelecem com seus respectivos Executivos. Desta forma, pode-se traçar caminhos e
proposições de compreensão sobre a formulação de suas agendas, políticas públicas e
também da formação de seus processos decisórios.
O novo desenho constitucional e institucional dado ao Brasil com a Constituição
de 1988 passou a discutir o papel dos entes federados com a necessidade de se produzir
formas de poder e controle entre estes. O momento pós-constituinte na década de 90,
veio atribuído de grandes discussões sobre a formatação do desenho institucional sobre
a dinâmica das relações entre os diversos atores, seu papel e suas formas de atuação.
Com a “crise fiscal” da década de 80, como referido anteriormente, e com grandes
transformações no cenário político e econômico mundial, o Estado brasileiro se abordou
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uma série de reformas, de cunho economicista, principalmente com privatização de
empresas estatais e a formulação do “Plano Real” como medida contra a inflação. Isso foi
possível em grande parte pelo poder de edição de medidas provisórias, dadas em caráter
urgente, fazendo com que o Poder Executivo pudesse através de ampla base de coalizão
no Congresso, produzir legislação que o favorecesse em prol das reformas defendidas.
Esse fenômeno é identificado como um “déficit democrático” por Vianna (2003), porque a
falta de participação do povo nas decisões criou uma forma de cooptação do Legislativo
pelo Executivo. As críticas a uma impossibilidade de legislar, dos deputados sobre
assuntos importantes e referentes a vida nacional se deu por uma falta de identidade
democrática da sociedade com a instituições representativas. As ações de controle do
Legislativo sobre o Executivo Nacional são bastante reduzidas e mesmo dificultadas,
visto que em nosso sistema presidencialista baseado em coalizões, os Executivos
governam com amplas bases de apoio a suas políticas. Porém esse cenário em nível
federal difere em certo grau dos Legislativos estaduais por questões de diferenças entre
seus dispositivos (muitos Governos Estaduais não tem a possibilidade de editar medidas
provisórias com força de lei como o Governo Federal) utilizados no processo decisório e
pela alta diversidade com que se formam as Assembleias Legislativas. A grande
diversidade que se apresenta entre as Assembleias Legislativas, desde os dispositivos
institucionais que cada uma possui até seu orçamento, possibilita uma dinâmica
legislativa bastante instigante a ser analisada.
As instituições representativas brasileiras tem sido objeto de discussão ampla
para a sociedade civil que em geral tem questionado veemente o que se considera como
uma baixa representação política existente no Brasil. A ideia de que os setores
legislativos em geral pouco trabalham é generalizada e faz com que uma massa da
população, tenha uma baixa identificação com o processo político. Fato é que o
Legislativo é uma instituição bastante diversificada e tem uma taxa de renovação muito
grande (maior em nível federal que estadual), por grande parte dos eleitores entenderem
que a renovação é sempre necessária, tendo em vista que os que entram no jogo do
poder logo se corrompem e por outro lado fruto de uma alta competição política.
Certamente, os problemas relativos ao processo decisório na produção legislativa é uma
parte do processo político. Instituições legislativas que não conseguem cumprir de forma
efetiva sua atuação existem e merecem atenção. Porém, tem-se a instituição do
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Judiciário, que atua de forma regular e a abrir espaços de atuação e negociação dos
diversos setores. É sobre essas atuações que o presente estudo pretende se debruçar,
isto é, como se dá a dinâmica interna das Assembleias Legislativas e como estas
formulam seu campo de atuação frente aos demais atores políticos e principalmente
sobre sua relação direta com o poder Executivo.
Com a possibilidade de contestação de normas, Ministérios públicos, partidos
políticos, associações de trabalhadores, Governadores, tem se utilizado bastante do
Controle de Constitucionalidade para demarcar seus campos de atuação. Como
possibilidade de variadas compreensões sobre um mesmo processo em uma sociedade
tão complexa e tão desigual como a brasileira, todos podem se utilizar desses
dispositivos para contestar ações. Porém, é notório que esses atores, em grande parte,
ingressam com ações para poder determinar as correções de determinado campo que
sua classe imagina que esteja mais correta e que deve ser seguida. Governadores
ingressam com ações contra normatividades legislativas que detenham alguma parte de
seus cofres. O Procurador Geral da República ingressa com ações contra questões que
se compreendem estar sendo deslegitimadas pelo poder Executivo.
Toda essa dinâmica institucional nos leva a diversos questionamentos que
buscamos compreender na presente proposta de trabalho. Pode-se analisar na teoria e
em dados empíricos , as disposições federativas e políticas com que estão colocados os
diversos atores, Executivo, Legislativo e Judiciário, que vão constituindo campos de
disputa pela legitimação de suas ações.
Trabalhamos aqui então com a hipótese de que a partir de todo escopo
constitucional constituído a partir de 1988 que distribui as atribuições entre os entes
federativos deixando em aberto, porém questões concorrentes aos vários poderes há
brechas que levem a produção de dispositivos que favoreçam a partidos ou líderes de
oposição nas Assembleias. Isso leva a uma alta disputa entre os agentes políticos pela
legitimação de suas ações, visto que conquistar mais espaços de ação pode
consequentemente ser traduzido em voto. Todo esse sistema federativo de atribuições de
funções correlacionado a um sistema político presidencialista, de lista aberta e voto
proporcional que leva a um sistema político altamente competitivo, contribui para a alta
discussão em torno da constitucionalidade das ações dos agentes. Dessa forma, a
hipótese central deste trabalho é de que as altas taxas de ações propostas de Controle
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de Constitucionalidade por Executivos Estaduais contra Assembleias Legislativas estão
diretamente correlacionado com a competição política e a governabilidade. Quando se
criam freios que são construídos por legislação que reduza os possíveis recursos a
serem distribuídos entre os aliados, Governadores se utilizam das possibilidades jurídicas
que tem a seu favor. Dessa forma, sistema federativo e sistema político/eleitoral vão se
contrapondo. Assim, quanto maior a competitividade nos Estados, maior a disposição de
disputas legais entre os agentes políticos.
AÇOES DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE, DINAMICA
LEGISLATIVA E PRODUÇÃO LEGAL EM CONTEXTOS SUBNACIONAIS
Neste sentido, o desenho de pesquisa aqui montado visa analisar a
características as ADINS (Ações de Direta Inconstitucionalidade) impetradas pelo
Executivo estadual contra as Assembleias Legislativas no período de 1988 a 2014. Num
primeiro momento, será feita uma análise mais descritiva sobre o perfil das ADINs
buscando trabalhar em cima de algumas variáveis que contribuam no desenho dessas
ações. Sendo assim, analisa-se o total de ações, quais assuntos e temas são tratados
(administrativo, tributário, orçamentário, etc.), o ano de aprovação do dispositivo que está
sendo contestado e total de processos que são julgados procedentes ou não. Mapeando
essas informações, busca-se em segundo momento dar um enfoque explicativo sobre o
papel dos Governos e a relação que estes tem com os demais poderes, em especial com
o legislativo para compreender a dinâmica interna dos legislativos estaduais. Qual o
partido do Governador, como se movimenta com a base e possíveis variações partidárias
que possam acontecer de um governo para outro.
Nesse segundo momento, tem-se como objetivo, a seleção de 5 Estados de
grande porte, para que se possa fazer uma análise sobre a dinâmica interna destes,
dentro de um ou dois períodos de Governo (de 2006 a 2014 ou apenas o período 2010 a
2014, de acordo com a possibilidade de se ter os dados completos sobre esses
períodos). A seleção dos Estados se dá por uma impossibilidade de pesquisa sobre todos
os Estados da Federação. Pretende-se selecionar Assembleias que tenham mais
disponibilidade de dados e Estados onde há bastante ADINs. Dessa forma, Rio de
Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Pernambuco, são os Estados
selecionados pelo fato de serem bastante significativos em matéria de informatização de
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seus sites que dão a possibilidade de busca de dados e também por se saber que
possuem um número significativo de ADINs.
Portanto, busca-se fazer uma análise de como as variáveis distribuídas na
primeira parte, interferem nessa segunda parte visando compreender quais são os efeitos
produzidos pela interferência judicial em campos de competição política cada vez mais
complexos.
Nas últimas décadas no Brasil, as Ações de Direta Inconstitucionalidade tem sido
utilizadas com frequência pelos agentes políticos como instrumento para resolução de
impasses que se dão entre os poderes, visto que as atribuições formais dos agentes é
objeto de constante disputa. Tal dispositivo estabelece um número de legitimados2 que
podem acessar o Judiciário contra dispositivos legais que se considerem contrários a
Constituição Federal. Esse processo é um fruto claro das renovações institucionais e
constitucionais de 1988, que tinham como objetivo principal espalhar as formas de
produção do processo decisório, tão centralizadas no período da ditadura militar no
Brasil. Isso levou consequentemente a uma maior atuação do Poder Judiciário nas
esferas de disputa políticas e sociais, sendo essa atuação também, um fruto bastante
claro de um processo institucional das democracias modernas em que o Judiciário passa
a assumir áreas que ficaram em aberto no processo de representação (TATE &
VALLINDER,1995). Desta forma, conjunturas que desfavorecem setores políticos,
contribuem, em certa medida, para um aumento da intervenção do Poder Judiciário. No
processo de redemocratização brasileiro, houve graves problemas macroeconômicos na
década de 80, considerada como a “década perdida”, com redução do PIB e altas taxas
inflacionárias. Logo em seguida a esse período, veio o processo da redemocratização
com as eleições diretas e posteriormente o impeachment do presidente Collor em 1992.
Isso provavelmente causou uma fragilização das instituições políticas, ou uma decepção
das expectativas pós-redemocratização, fazendo com que a confiança dos diversos
setores sociais em partidos e demais agentes políticos sofresse um forte impacto. A partir
desses acontecimentos se registra um aumento nos processos judiciais, com objetivos de
2 Pelo artigo 103 da Constituição Federal de 1998, podem propor a ação de inconstitucionalidade:
o Presidente da República, a Mesa do senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa da Assembléia Legislativa, o Governador de Estado, o Procurador- Geral da República, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, partido político com representação no Congresso Nacional, confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
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controle tanto difuso (que é operado no caso concreto, visando a revisão de alguma
norma que prejudicou a um indivíduo) quanto concentrado (que não é limitado a um caso
concreto visando a revisão total ou parcial de um determinado dispositivo) das ações
políticas.
Nesse contexto de aumento das ações do Judiciário, podemos incluir como fator
correlacionado, o sistema político presidencialista adotado a partir de 1988. O Brasil tem
seu sistema político baseado no presidencialismo de coalizão onde para o Executivo
atuar com governabilidade, é necessário um amplo apoio dos partidos para que possa
aprovar seus projetos e principalmente seu orçamento. Dessa forma, o executivo passa a
ter uma forte predominância sobre o legislativo, nos diferentes níveis administrativos
(Abranches, 1988). Os executivos em geral aprovam seus projetos sem muitas
dificuldades e com rapidez. O apoio dado pelos legisladores ao Executivo tem explicação
basicamente calcada no processo eleitoral, uma vez que estar na oposição tem como
consequência a exclusão na divisão dos recursos que são divididos pelos partidos da
base aliada. Sendo assim, estar na situação governista e votar projetos oriundos do
Executivo, que beneficiem a implantação de políticas do mesmo, traz consigo benefícios
diretos como obtenção de cargos públicos e mais acesso na distribuição dos recursos,
que poderão investir nos seus redutos eleitorais e assim serem reeleitos ou aspirar a
novos cargos eletivos.
Toda essa dinâmica política tem variações nos âmbitos federais e estaduais, tanto
no que tange a produção legal, quanto ao processo de governabilidade em que atuam os
agentes políticos. A produção legislativa, um fator importante nessa pesquisa, quando
comparada no âmbito federal e estadual, mostra-se com uma dinâmica maior em nível
estadual. Embora haja grande atuação do Poder Executivo com relação à produção legal
em nível estadual, assim como no âmbito Federal, tem-se uma taxa alta de sucesso de
aprovação das leis estaduais, maior que no nível federal. Dessa forma, deputados
estaduais conseguem, em termos relativos, maior aprovação na criação de leis que os
deputados federais, como pode ser visto na tabela 1 (FIGUEIREDO& LIMONGI, 2007;
TOMIO, RICCI, 2012). Com isso, infere-se que a dominância do Poder Executivo Federal
incide mais sobre os deputados federais do que o Poder Executivo dos estados sobre os
deputados estaduais. Tais diferenças nos dois níveis de governo se dão basicamente
pelas atribuições dadas aos respectivos executivos. O Executivo Federal tem mais meios
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de editar projetos a partir das medidas provisórias e tem também mais recursos para
conseguir o apoio necessário. Em nível estadual, há mais delimitações as atribuições dos
Governadores, limitando suas possibilidades legislativas.
Considerando que nos estados haja um jogo bastante efetivo entre governo e
oposição, há uma necessidade de compreensão de como essa dinâmica legislativa
interfere nas relações entre os poderes Executivo-Legislativo, ou mais diretamente entre
situação e oposição. Assim, as disputas entre os agentes políticos e as formas que
tomam através da produção legal, vão delineando a dinâmica interna das Assembleias.
Um primeiro ponto abordado pela literatura é que há uma tranquila aprovação dos
projetos do Executivo frente aos do Legislativo em geral (Figueiredo, Limongi, 1999). De
fato, o desenho institucional formado a partir da Constituição de 1988 deu força para essa
forma dos executivos, principalmente no instrumento proativo das medidas provisórias
que podem se transformar em dispositivos legais. Isso faz com que grande parte das leis
sejam oriunda de propostas do Executivo. Sendo assim, infere-se que os Executivos
produzem em grande parte, a maioria de dispositivos legais de cunho mais geral e amplo,
deixando aos legislativos a proposição de leis mais voltadas as suas localidades (Amorim
Neto, Santos, 2003). Porém, o número de propostas de leis dos legislativos estaduais e
suas taxas de aprovação são bastante consideráveis. (TOMIO & RICCI,2012).
TABELA1- COMPARAÇÃO DAS TAXAS DE DOMINÂNCIA E SUCESSO DAS
PROPOSTAS ORIUNDAS DO EXCUTIVO E DO LEGISLATIVO
Instituição Representativa
Dominância do Executivo na Produção Legal
Sucesso do Executivo
Sucesso do Legislativo
Assembleias Legislativas (1999-2006) 27,3 87,6 43,3
Câmara dos deputados (1947-1964) 38,5 29,5 11,6
Câmara dos Deputados (1988-2007) 83,3 75,1 <1¹
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Fonte: TOMIO, RICCI, 2012 p.195
NOTAS:
1. O dado é uma estimativa feita a partir das informações fornecidas pelo portal da
Câmara de Deputados.
2. A taxa de sucesso do poder Legislativo para o período 1947-1964 é calculada a
partir de Braga (2008, p. 161, Tabela 3).
3- O cálculo para Assembleias Legislativas foi feito a partir de 12 AL a saber: SP,
MG, RJ, PR, PB, ES, AP, CE, SE, SC, RS, AL.
Há um significativo número de propostas dos deputados que vão além das
municipalidades, referindo-se a questões mais gerais do Estado, embora haja
predominância da produção em relação a municípios. No nível estadual, as propostas
referem-se, fundamentalmente, com respeito a determinadas categorias ocupacionais,
como policiais, professores e funcionalismo público. A produção legislativa que perpassa
ao nível estadual tenta se traduzir na busca pela possibilidade de ampliação de votos,
fazendo com que o deputado vá além da produção que beneficia o município onde
agrega mais votos, levando-o a produzir para categorias que possam maximizar votos.
Partindo dessas premissas, nesse trabalho tenta-se dar um enfoque analítico as
relações Executivo-Legislativo e a toda dinâmica legislativa a partir de uma análise com
enfoque sobre as questões constitucionais, em primeiro lugar relativo as questões “de
quem governa, como se governa e quem deveria governar” (Souza,2005). Esse enfoque
é bastante importante, visto que o escopo constitucional criado a partir de 1988
ocasionou que “dessa tendência à constitucionalização resultou uma Constituição que
regula não apenas princípios, regras e direitos – individuais, coletivos e sociais –, mas
também um amplo leque de políticas públicas (Idem,p.109). Esse mote é um claro
dispositivo de defesa contra possíveis tentativas de volta a um período ditatorial com
quebras constitucionais sobre as demandas políticas. Isso leva a criação de diversas
fronteiras sobre a formação do processo decisório nos diversos níveis políticos. Quais
projetos devem ser objetos de votação por maioria? quais são os essenciais a vida
política e social? e também sobre a capacidade de os agentes políticos implementarem
os dispositivos constitucionais de forma a garantir os preceitos fundamentais. Todos
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esses questionamentos dizem respeito a possibilidade de cumprimento das funções
dadas aos atores políticos, visto que se deve ter sempre em consideração as possíveis
mudanças no cenário político, econômico e social. Consequência direta disso foi o
aumento dos controles institucionais, uma vez que os dispositivos que regulamentam as
competências de cada poder foram exaustivamente detalhadas na carta Constitucional,
possibilitando que Estados e Municípios possuíssem autonomia considerável.
Essa definição sobre as atribuições, tanto das instituições quanto dos atores
políticos é considerável objeto de disputa entre os diferentes atores políticos. Com tais
atribuições pode dividir-se formalmente o poder e também vai se dando entornos
informais a distribuição do poder.
Sendo assim, a pesquisa proposta é, a partir da formulação do desenho
institucional sobre as atribuições dos agentes políticos, analisar as disputas sobre como
se distribui o poder. Os entes federados estão em constante concorrência de atribuições,
o que leva a uma discussão de quem pode propor legislação, sobre o que podem legislar
os agentes políticos e sobre quais áreas cada um é responsável. Isso é parte de um
grande debate, visto que isso se traduz nos possíveis gastos orçamentários e políticos
que cada ator pode ter.
Nessa disputa de atribuições, é bastante visível o alto índice de proposições de
controle de constitucionalidade de Governadores contra Assembleias Legislativas. Em
uma análise mais ampla sobre os processos, vê-se uma alta contestação de dispositivos
legais que dizem, fundamentalmente, respeito à administração pública (regime dos
servidores, salários, piso, pensão, aposentadoria), políticas sociais (saúde e educação) e
tributação (principalmente referente a impostos sobre a circulação de mercadorias,)
(VIANNA, BURGOS, SALLES, 2007). Há também contestação de determinados
processos sobre regulamentação da sociedade civil, competição política, meio ambiente,
atribuições de poderes, entre outros. A compreensão sobre tais dados deve ser feita a
partir do olhar sobre a dinâmica legislativa dos estados e seu jogo efetivo de competição
entre situação e oposição, visto que a contestação de tais temas leva a trabalhar com a
hipótese de que por um lado, o legislador estadual tenta trabalhar em áreas que vão além
do município ou localidade na que possui mais votos, com o fim de traduzir boas
produções de regulação em maximização de votos. Isso se mostra como parte de um
princípio ideal e que seria desejável, visto que legisladores tenham a intenção de
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trabalhar sobre questões mais gerais que vão além de seu grupo de interesse. Por outro
lado, o Executivo, que tem mais acesso a proposição de dispositivos legais sobre
orçamento, administração pública e políticas públicas, pede um controle de
constitucionalidade sobre tais questões, com vistas a se defender de uma possível
“normatividade orçamentária” que poderia deixa-lo com menos capacidade de
distribuição de recursos.
Seguimos então um caminho que parte de uma dinâmica legislativa bastante
diversificada nos estados (SANTOS, 2001; TOMIO & RICCI, 2012) e que tem altas taxas
de aprovação de seus dispositivos legais. A partir dessa dinâmica, entende-se que a
disposição dos legislativos estaduais de produzir legislação é vetada em grande parte
pelo arranjo institucional que proporciona aos Governadores tal possibilidade. Com isso,
o Governador consegue manter seu orçamento e até mesmo aumenta-lo, uma vez que
pode anular proposições legislativas anteriores ao seu Governo. Um exemplo disso é a
ADIN 47823, que ainda aguarda julgamento, impetrada pelo Governador do Estado do RJ
contra a ALERJ, que declararia inconstitucional o pagamento do triênio a várias
categorias de servidores tendo como consequência direta o retorno desse dinheiro para
os cofres do Executivo até que se criassem outros benefícios para as categorias.
Tem-se aqui como objetivo geral, a intenção de analisar se o crescimento das
Ações de Controle de Constitucionalidade estão correlacionados a 1) uma baixa
governabilidade em determinados estados e/ou 2) a uma alta competição política que
faça com que deputados estaduais tenham de produzir dispositivos legais de níveis de
abrangência maiores, na intenção de que possa traduzir isso em votos.
Para mensurar os problemas de governabilidade, trabalhar-se-á com os dados
referentes ao ano de aprovação do dispositivo questionado, visando analisar se este foi
aprovado no período de atuação do Governo que está contestando, estando atento
também a análise de governos que podem ter sido reeleitos e as possíveis causas dessa
contestação que podem ser buscadas analisando quais temas que estão sendo
contestados.
Quanto a competição política, tem-se como objetivo, analisar dados relativos a
competição eleitoral. Um indicador disso seria o número médio de candidatos por cadeira
3 Link- http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4247736
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em cada Estado, que nos dá uma panorama mais geral sobre a competição em cada
Estado analisado.
ALGUNS APONTAMENTOS SOBRE A PESQUISA
A utilização do Judiciário pelos diversos agentes políticos tem sido constante e é
parte integrante do processo de competição política cada vez mais diversificado com
diversos interesses tendo que ser considerado na arena política. Intervenções jurídicas
que partem por um lado, de um processo de racionalização da administração pública,
dando as instituições políticas, modos de operar de acordo com preceitos jurídicos e por
outros reformulações que são frutos diretos das disputas entre os agentes políticos.
Sendo assim, algumas análises parciais das Ações de Direta Inconstitucionalidade
nos levam a algumas inferências nesse sentido.
Em um primeiro momento, podemos classificar determinadas ações como sendo
frutos da necessidade de regulamentação de determinadas práticas (ou
desregulamentação) que deveriam estar envoltas em determinados preceitos jurídicos.
Questões relativas ao meio ambiente, a sociedade civil, entre outros pontos, tem em
geral a necessidade de serem regulamentados juridicamente para tornar práticas as
ações governamentais, visto que os Governadores podem ser culpados por omissão a
determinadas ações que estejam causando problema concretos . Dessa forma, as ADINS
são utilizadas como forma de resolução normativa das questões sociais.
Por outro lado, a possibilidade de discutir e contestar legislações conduz a uma
utilização do Judiciário como um dispositivo político na disputa de interesses. Para se
defenderem de normatizações legislativas que reduzam o orçamento, tributação ou
possibilidades de ação na arena administrativa, Executivos estaduais podem acessar o
judiciário para garantir a distribuição de recursos entre aliados. Podemos citar como
exemplos disso, quando o Legislativo aprova um dispositivo que regulamenta por
exemplo, a concessão de um determinado benefício aos servidores estaduais. Isso pode
gerar custos inesperados ao Executivo, fazendo com que ele entre logo com uma ação
para defender seus interesses. Isso tudo sempre pensado por uma dinâmica dentro das
Assembleias onde não apenas aprovar a agenda é necessário, mas também calcular
quais são os custos e benefícios que se tem em um processo de aprovação da agenda,
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muitas vezes sendo melhor apelar para o Judiciário do que discutir diretamente com os
deputados.
Tendo em vista que muitas vezes pode ser menos custoso ao Executivo apelar
para o Judiciário ao invés de discutir com seus parlamentares, podemos inferir que a
dinâmica da relação entre esses atores é bastante complexa e ainda necessita de uma
maior aparato explicativo sobre as suas mais diversas vertentes.
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