FREIOS E CONTRAPESOS: AS ADINS DE GOVERNADORES CONTRA ASSEMBLEIAS LEGISLATIVAS E SEU EFEITO SOBRE AS...

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1 FREIOS E CONTRAPESOS: AS ADINS DE GOVERNADORES CONTRA ASSEMBLEIAS LEGISLATIVAS E SEU EFEITO SOBRE AS RELAÇÕES EXECUTIVO-LEGISLATIVOTÍTULO Décio Vieira da Rocha 1 RESUMO: O presente trabalho visa analisar o processo de Controle de Constitucionalidade de Governadores contra Assembleias Legislativas. A partir da redemocratização, com a distribuição formal de competências, União, Estados e Municípios adquiriram considerável autonomia para atuar sobre suas localidades. Porém, essa distribuição de competências é objeto de disputas entre agentes e instituições políticas. Dessa forma, tentamos analisar aqui, como as ADINs (Ações de Direta Inconstitucionalidade) interferem nas relações Executivo-Legislativo, ou mais claramente, em um jogo efetivo situação e oposição e quais são os efeitos dessa disputa sobre a dinâmica legislativa das Assembleias. PALAVRAS-CHAVE: Controle de constitucionalidade, dinâmica legislativa, Executivo- Legislativo. BREVE DELIMITAÇÃO DA PESQUISA As democracias modernas tem visto cada vez mais uma crescente atuação do Judiciário nos mais diversos estratos, tanto da vida social quanto no âmbito da política. Isso tem gerado um aumento nos estudos sobre esse fenômeno, conhecido como judicialização da política (conceito que é objeto de grandes discussões, MACIEL & 1 Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, [email protected], mestrando em Sociologia Política.

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FREIOS E CONTRAPESOS: AS ADINS DE GOVERNADORES CONTRA ASSEMBLEIAS LEGISLATIVAS E SEU EFEITO SOBRE

AS RELAÇÕES EXECUTIVO-LEGISLATIVOTÍTULO

Décio Vieira da Rocha1

RESUMO: O presente trabalho visa analisar o processo de Controle de

Constitucionalidade de Governadores contra Assembleias Legislativas. A partir da

redemocratização, com a distribuição formal de competências, União, Estados e

Municípios adquiriram considerável autonomia para atuar sobre suas localidades. Porém,

essa distribuição de competências é objeto de disputas entre agentes e instituições

políticas. Dessa forma, tentamos analisar aqui, como as ADINs (Ações de Direta

Inconstitucionalidade) interferem nas relações Executivo-Legislativo, ou mais claramente,

em um jogo efetivo situação e oposição e quais são os efeitos dessa disputa sobre a

dinâmica legislativa das Assembleias.

PALAVRAS-CHAVE: Controle de constitucionalidade, dinâmica legislativa, Executivo-

Legislativo.

BREVE DELIMITAÇÃO DA PESQUISA

As democracias modernas tem visto cada vez mais uma crescente atuação do

Judiciário nos mais diversos estratos, tanto da vida social quanto no âmbito da política.

Isso tem gerado um aumento nos estudos sobre esse fenômeno, conhecido como

judicialização da política (conceito que é objeto de grandes discussões, MACIEL &

1 Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, [email protected],

mestrando em Sociologia Política.

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KOERNER, 2002). Quanto mais democráticas vão se tornando as instituições e quanto

mais complexas as sociedades, mais o judiciário passa a intervir como um ator

necessário nesse processo. Porém, o lugar do Judiciário, a atuação deste e o grau de

sua independência são questionamentos que permeiam esse processo e fazem dele uma

área de estudos cada vez mais necessária

Por outro lado, a atuação do poder Legislativo no presidencialismo de coalizão,

sua organização e a produção legal por parte deste tem sido objeto de muita pesquisa.

Compreender como esse ator age e como ele lida com os outros, é de importância

fundamental para que se construa um aparato teórico e conceitual sobre essa atuação.

Quais são os fatores endógenos e exógenos (eleições, organização legislativa e

partidária, etc) que influenciam sua movimentação?, como se organiza a agenda? quem

tem mais poder de veto?; quais são as relações que se constroem entre a base aliada ( a

coalizão mais ampla em geral) e a oposição. Compreender o poder de agenda e veto

tanto do Executivo quanto do Legislativo é fundamental para se ter um quadro do

funcionamento dessas instituições.

Muitos trabalhos atualmente partem de um estudo sobre o Congresso Nacional.

Ainda há relativamente poucos trabalhos que olhem as Relações entre Executivo-

Legislativo no âmbito subnacional. (ABRUCIO, 1998; SANTOS, 2001; TOMIO & RICCI,

2012, NUNES, 2013). Visto que os Legislativos Estaduais produzem uma dinâmica

diferente do Congresso Nacional e também divergências entre si, torna-se importante que

sejam produzidas mais pesquisas relacionadas ao âmbito subnacional visando uma

maior compreensão de como se dá a dinâmica desses legislativos e a relação que

estabelecem com seus respectivos Executivos. Desta forma, pode-se traçar caminhos e

proposições de compreensão sobre a formulação de suas agendas, políticas públicas e

também da formação de seus processos decisórios.

O novo desenho constitucional e institucional dado ao Brasil com a Constituição

de 1988 passou a discutir o papel dos entes federados com a necessidade de se produzir

formas de poder e controle entre estes. O momento pós-constituinte na década de 90,

veio atribuído de grandes discussões sobre a formatação do desenho institucional sobre

a dinâmica das relações entre os diversos atores, seu papel e suas formas de atuação.

Com a “crise fiscal” da década de 80, como referido anteriormente, e com grandes

transformações no cenário político e econômico mundial, o Estado brasileiro se abordou

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uma série de reformas, de cunho economicista, principalmente com privatização de

empresas estatais e a formulação do “Plano Real” como medida contra a inflação. Isso foi

possível em grande parte pelo poder de edição de medidas provisórias, dadas em caráter

urgente, fazendo com que o Poder Executivo pudesse através de ampla base de coalizão

no Congresso, produzir legislação que o favorecesse em prol das reformas defendidas.

Esse fenômeno é identificado como um “déficit democrático” por Vianna (2003), porque a

falta de participação do povo nas decisões criou uma forma de cooptação do Legislativo

pelo Executivo. As críticas a uma impossibilidade de legislar, dos deputados sobre

assuntos importantes e referentes a vida nacional se deu por uma falta de identidade

democrática da sociedade com a instituições representativas. As ações de controle do

Legislativo sobre o Executivo Nacional são bastante reduzidas e mesmo dificultadas,

visto que em nosso sistema presidencialista baseado em coalizões, os Executivos

governam com amplas bases de apoio a suas políticas. Porém esse cenário em nível

federal difere em certo grau dos Legislativos estaduais por questões de diferenças entre

seus dispositivos (muitos Governos Estaduais não tem a possibilidade de editar medidas

provisórias com força de lei como o Governo Federal) utilizados no processo decisório e

pela alta diversidade com que se formam as Assembleias Legislativas. A grande

diversidade que se apresenta entre as Assembleias Legislativas, desde os dispositivos

institucionais que cada uma possui até seu orçamento, possibilita uma dinâmica

legislativa bastante instigante a ser analisada.

As instituições representativas brasileiras tem sido objeto de discussão ampla

para a sociedade civil que em geral tem questionado veemente o que se considera como

uma baixa representação política existente no Brasil. A ideia de que os setores

legislativos em geral pouco trabalham é generalizada e faz com que uma massa da

população, tenha uma baixa identificação com o processo político. Fato é que o

Legislativo é uma instituição bastante diversificada e tem uma taxa de renovação muito

grande (maior em nível federal que estadual), por grande parte dos eleitores entenderem

que a renovação é sempre necessária, tendo em vista que os que entram no jogo do

poder logo se corrompem e por outro lado fruto de uma alta competição política.

Certamente, os problemas relativos ao processo decisório na produção legislativa é uma

parte do processo político. Instituições legislativas que não conseguem cumprir de forma

efetiva sua atuação existem e merecem atenção. Porém, tem-se a instituição do

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Judiciário, que atua de forma regular e a abrir espaços de atuação e negociação dos

diversos setores. É sobre essas atuações que o presente estudo pretende se debruçar,

isto é, como se dá a dinâmica interna das Assembleias Legislativas e como estas

formulam seu campo de atuação frente aos demais atores políticos e principalmente

sobre sua relação direta com o poder Executivo.

Com a possibilidade de contestação de normas, Ministérios públicos, partidos

políticos, associações de trabalhadores, Governadores, tem se utilizado bastante do

Controle de Constitucionalidade para demarcar seus campos de atuação. Como

possibilidade de variadas compreensões sobre um mesmo processo em uma sociedade

tão complexa e tão desigual como a brasileira, todos podem se utilizar desses

dispositivos para contestar ações. Porém, é notório que esses atores, em grande parte,

ingressam com ações para poder determinar as correções de determinado campo que

sua classe imagina que esteja mais correta e que deve ser seguida. Governadores

ingressam com ações contra normatividades legislativas que detenham alguma parte de

seus cofres. O Procurador Geral da República ingressa com ações contra questões que

se compreendem estar sendo deslegitimadas pelo poder Executivo.

Toda essa dinâmica institucional nos leva a diversos questionamentos que

buscamos compreender na presente proposta de trabalho. Pode-se analisar na teoria e

em dados empíricos , as disposições federativas e políticas com que estão colocados os

diversos atores, Executivo, Legislativo e Judiciário, que vão constituindo campos de

disputa pela legitimação de suas ações.

Trabalhamos aqui então com a hipótese de que a partir de todo escopo

constitucional constituído a partir de 1988 que distribui as atribuições entre os entes

federativos deixando em aberto, porém questões concorrentes aos vários poderes há

brechas que levem a produção de dispositivos que favoreçam a partidos ou líderes de

oposição nas Assembleias. Isso leva a uma alta disputa entre os agentes políticos pela

legitimação de suas ações, visto que conquistar mais espaços de ação pode

consequentemente ser traduzido em voto. Todo esse sistema federativo de atribuições de

funções correlacionado a um sistema político presidencialista, de lista aberta e voto

proporcional que leva a um sistema político altamente competitivo, contribui para a alta

discussão em torno da constitucionalidade das ações dos agentes. Dessa forma, a

hipótese central deste trabalho é de que as altas taxas de ações propostas de Controle

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de Constitucionalidade por Executivos Estaduais contra Assembleias Legislativas estão

diretamente correlacionado com a competição política e a governabilidade. Quando se

criam freios que são construídos por legislação que reduza os possíveis recursos a

serem distribuídos entre os aliados, Governadores se utilizam das possibilidades jurídicas

que tem a seu favor. Dessa forma, sistema federativo e sistema político/eleitoral vão se

contrapondo. Assim, quanto maior a competitividade nos Estados, maior a disposição de

disputas legais entre os agentes políticos.

AÇOES DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE, DINAMICA

LEGISLATIVA E PRODUÇÃO LEGAL EM CONTEXTOS SUBNACIONAIS

Neste sentido, o desenho de pesquisa aqui montado visa analisar a

características as ADINS (Ações de Direta Inconstitucionalidade) impetradas pelo

Executivo estadual contra as Assembleias Legislativas no período de 1988 a 2014. Num

primeiro momento, será feita uma análise mais descritiva sobre o perfil das ADINs

buscando trabalhar em cima de algumas variáveis que contribuam no desenho dessas

ações. Sendo assim, analisa-se o total de ações, quais assuntos e temas são tratados

(administrativo, tributário, orçamentário, etc.), o ano de aprovação do dispositivo que está

sendo contestado e total de processos que são julgados procedentes ou não. Mapeando

essas informações, busca-se em segundo momento dar um enfoque explicativo sobre o

papel dos Governos e a relação que estes tem com os demais poderes, em especial com

o legislativo para compreender a dinâmica interna dos legislativos estaduais. Qual o

partido do Governador, como se movimenta com a base e possíveis variações partidárias

que possam acontecer de um governo para outro.

Nesse segundo momento, tem-se como objetivo, a seleção de 5 Estados de

grande porte, para que se possa fazer uma análise sobre a dinâmica interna destes,

dentro de um ou dois períodos de Governo (de 2006 a 2014 ou apenas o período 2010 a

2014, de acordo com a possibilidade de se ter os dados completos sobre esses

períodos). A seleção dos Estados se dá por uma impossibilidade de pesquisa sobre todos

os Estados da Federação. Pretende-se selecionar Assembleias que tenham mais

disponibilidade de dados e Estados onde há bastante ADINs. Dessa forma, Rio de

Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Pernambuco, são os Estados

selecionados pelo fato de serem bastante significativos em matéria de informatização de

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seus sites que dão a possibilidade de busca de dados e também por se saber que

possuem um número significativo de ADINs.

Portanto, busca-se fazer uma análise de como as variáveis distribuídas na

primeira parte, interferem nessa segunda parte visando compreender quais são os efeitos

produzidos pela interferência judicial em campos de competição política cada vez mais

complexos.

Nas últimas décadas no Brasil, as Ações de Direta Inconstitucionalidade tem sido

utilizadas com frequência pelos agentes políticos como instrumento para resolução de

impasses que se dão entre os poderes, visto que as atribuições formais dos agentes é

objeto de constante disputa. Tal dispositivo estabelece um número de legitimados2 que

podem acessar o Judiciário contra dispositivos legais que se considerem contrários a

Constituição Federal. Esse processo é um fruto claro das renovações institucionais e

constitucionais de 1988, que tinham como objetivo principal espalhar as formas de

produção do processo decisório, tão centralizadas no período da ditadura militar no

Brasil. Isso levou consequentemente a uma maior atuação do Poder Judiciário nas

esferas de disputa políticas e sociais, sendo essa atuação também, um fruto bastante

claro de um processo institucional das democracias modernas em que o Judiciário passa

a assumir áreas que ficaram em aberto no processo de representação (TATE &

VALLINDER,1995). Desta forma, conjunturas que desfavorecem setores políticos,

contribuem, em certa medida, para um aumento da intervenção do Poder Judiciário. No

processo de redemocratização brasileiro, houve graves problemas macroeconômicos na

década de 80, considerada como a “década perdida”, com redução do PIB e altas taxas

inflacionárias. Logo em seguida a esse período, veio o processo da redemocratização

com as eleições diretas e posteriormente o impeachment do presidente Collor em 1992.

Isso provavelmente causou uma fragilização das instituições políticas, ou uma decepção

das expectativas pós-redemocratização, fazendo com que a confiança dos diversos

setores sociais em partidos e demais agentes políticos sofresse um forte impacto. A partir

desses acontecimentos se registra um aumento nos processos judiciais, com objetivos de

2 Pelo artigo 103 da Constituição Federal de 1998, podem propor a ação de inconstitucionalidade:

o Presidente da República, a Mesa do senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa da Assembléia Legislativa, o Governador de Estado, o Procurador- Geral da República, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, partido político com representação no Congresso Nacional, confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

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controle tanto difuso (que é operado no caso concreto, visando a revisão de alguma

norma que prejudicou a um indivíduo) quanto concentrado (que não é limitado a um caso

concreto visando a revisão total ou parcial de um determinado dispositivo) das ações

políticas.

Nesse contexto de aumento das ações do Judiciário, podemos incluir como fator

correlacionado, o sistema político presidencialista adotado a partir de 1988. O Brasil tem

seu sistema político baseado no presidencialismo de coalizão onde para o Executivo

atuar com governabilidade, é necessário um amplo apoio dos partidos para que possa

aprovar seus projetos e principalmente seu orçamento. Dessa forma, o executivo passa a

ter uma forte predominância sobre o legislativo, nos diferentes níveis administrativos

(Abranches, 1988). Os executivos em geral aprovam seus projetos sem muitas

dificuldades e com rapidez. O apoio dado pelos legisladores ao Executivo tem explicação

basicamente calcada no processo eleitoral, uma vez que estar na oposição tem como

consequência a exclusão na divisão dos recursos que são divididos pelos partidos da

base aliada. Sendo assim, estar na situação governista e votar projetos oriundos do

Executivo, que beneficiem a implantação de políticas do mesmo, traz consigo benefícios

diretos como obtenção de cargos públicos e mais acesso na distribuição dos recursos,

que poderão investir nos seus redutos eleitorais e assim serem reeleitos ou aspirar a

novos cargos eletivos.

Toda essa dinâmica política tem variações nos âmbitos federais e estaduais, tanto

no que tange a produção legal, quanto ao processo de governabilidade em que atuam os

agentes políticos. A produção legislativa, um fator importante nessa pesquisa, quando

comparada no âmbito federal e estadual, mostra-se com uma dinâmica maior em nível

estadual. Embora haja grande atuação do Poder Executivo com relação à produção legal

em nível estadual, assim como no âmbito Federal, tem-se uma taxa alta de sucesso de

aprovação das leis estaduais, maior que no nível federal. Dessa forma, deputados

estaduais conseguem, em termos relativos, maior aprovação na criação de leis que os

deputados federais, como pode ser visto na tabela 1 (FIGUEIREDO& LIMONGI, 2007;

TOMIO, RICCI, 2012). Com isso, infere-se que a dominância do Poder Executivo Federal

incide mais sobre os deputados federais do que o Poder Executivo dos estados sobre os

deputados estaduais. Tais diferenças nos dois níveis de governo se dão basicamente

pelas atribuições dadas aos respectivos executivos. O Executivo Federal tem mais meios

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de editar projetos a partir das medidas provisórias e tem também mais recursos para

conseguir o apoio necessário. Em nível estadual, há mais delimitações as atribuições dos

Governadores, limitando suas possibilidades legislativas.

Considerando que nos estados haja um jogo bastante efetivo entre governo e

oposição, há uma necessidade de compreensão de como essa dinâmica legislativa

interfere nas relações entre os poderes Executivo-Legislativo, ou mais diretamente entre

situação e oposição. Assim, as disputas entre os agentes políticos e as formas que

tomam através da produção legal, vão delineando a dinâmica interna das Assembleias.

Um primeiro ponto abordado pela literatura é que há uma tranquila aprovação dos

projetos do Executivo frente aos do Legislativo em geral (Figueiredo, Limongi, 1999). De

fato, o desenho institucional formado a partir da Constituição de 1988 deu força para essa

forma dos executivos, principalmente no instrumento proativo das medidas provisórias

que podem se transformar em dispositivos legais. Isso faz com que grande parte das leis

sejam oriunda de propostas do Executivo. Sendo assim, infere-se que os Executivos

produzem em grande parte, a maioria de dispositivos legais de cunho mais geral e amplo,

deixando aos legislativos a proposição de leis mais voltadas as suas localidades (Amorim

Neto, Santos, 2003). Porém, o número de propostas de leis dos legislativos estaduais e

suas taxas de aprovação são bastante consideráveis. (TOMIO & RICCI,2012).

TABELA1- COMPARAÇÃO DAS TAXAS DE DOMINÂNCIA E SUCESSO DAS

PROPOSTAS ORIUNDAS DO EXCUTIVO E DO LEGISLATIVO

Instituição Representativa

Dominância do Executivo na Produção Legal

Sucesso do Executivo

Sucesso do Legislativo

Assembleias Legislativas (1999-2006) 27,3 87,6 43,3

Câmara dos deputados (1947-1964) 38,5 29,5 11,6

Câmara dos Deputados (1988-2007) 83,3 75,1 <1¹

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Fonte: TOMIO, RICCI, 2012 p.195

NOTAS:

1. O dado é uma estimativa feita a partir das informações fornecidas pelo portal da

Câmara de Deputados.

2. A taxa de sucesso do poder Legislativo para o período 1947-1964 é calculada a

partir de Braga (2008, p. 161, Tabela 3).

3- O cálculo para Assembleias Legislativas foi feito a partir de 12 AL a saber: SP,

MG, RJ, PR, PB, ES, AP, CE, SE, SC, RS, AL.

Há um significativo número de propostas dos deputados que vão além das

municipalidades, referindo-se a questões mais gerais do Estado, embora haja

predominância da produção em relação a municípios. No nível estadual, as propostas

referem-se, fundamentalmente, com respeito a determinadas categorias ocupacionais,

como policiais, professores e funcionalismo público. A produção legislativa que perpassa

ao nível estadual tenta se traduzir na busca pela possibilidade de ampliação de votos,

fazendo com que o deputado vá além da produção que beneficia o município onde

agrega mais votos, levando-o a produzir para categorias que possam maximizar votos.

Partindo dessas premissas, nesse trabalho tenta-se dar um enfoque analítico as

relações Executivo-Legislativo e a toda dinâmica legislativa a partir de uma análise com

enfoque sobre as questões constitucionais, em primeiro lugar relativo as questões “de

quem governa, como se governa e quem deveria governar” (Souza,2005). Esse enfoque

é bastante importante, visto que o escopo constitucional criado a partir de 1988

ocasionou que “dessa tendência à constitucionalização resultou uma Constituição que

regula não apenas princípios, regras e direitos – individuais, coletivos e sociais –, mas

também um amplo leque de políticas públicas (Idem,p.109). Esse mote é um claro

dispositivo de defesa contra possíveis tentativas de volta a um período ditatorial com

quebras constitucionais sobre as demandas políticas. Isso leva a criação de diversas

fronteiras sobre a formação do processo decisório nos diversos níveis políticos. Quais

projetos devem ser objetos de votação por maioria? quais são os essenciais a vida

política e social? e também sobre a capacidade de os agentes políticos implementarem

os dispositivos constitucionais de forma a garantir os preceitos fundamentais. Todos

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esses questionamentos dizem respeito a possibilidade de cumprimento das funções

dadas aos atores políticos, visto que se deve ter sempre em consideração as possíveis

mudanças no cenário político, econômico e social. Consequência direta disso foi o

aumento dos controles institucionais, uma vez que os dispositivos que regulamentam as

competências de cada poder foram exaustivamente detalhadas na carta Constitucional,

possibilitando que Estados e Municípios possuíssem autonomia considerável.

Essa definição sobre as atribuições, tanto das instituições quanto dos atores

políticos é considerável objeto de disputa entre os diferentes atores políticos. Com tais

atribuições pode dividir-se formalmente o poder e também vai se dando entornos

informais a distribuição do poder.

Sendo assim, a pesquisa proposta é, a partir da formulação do desenho

institucional sobre as atribuições dos agentes políticos, analisar as disputas sobre como

se distribui o poder. Os entes federados estão em constante concorrência de atribuições,

o que leva a uma discussão de quem pode propor legislação, sobre o que podem legislar

os agentes políticos e sobre quais áreas cada um é responsável. Isso é parte de um

grande debate, visto que isso se traduz nos possíveis gastos orçamentários e políticos

que cada ator pode ter.

Nessa disputa de atribuições, é bastante visível o alto índice de proposições de

controle de constitucionalidade de Governadores contra Assembleias Legislativas. Em

uma análise mais ampla sobre os processos, vê-se uma alta contestação de dispositivos

legais que dizem, fundamentalmente, respeito à administração pública (regime dos

servidores, salários, piso, pensão, aposentadoria), políticas sociais (saúde e educação) e

tributação (principalmente referente a impostos sobre a circulação de mercadorias,)

(VIANNA, BURGOS, SALLES, 2007). Há também contestação de determinados

processos sobre regulamentação da sociedade civil, competição política, meio ambiente,

atribuições de poderes, entre outros. A compreensão sobre tais dados deve ser feita a

partir do olhar sobre a dinâmica legislativa dos estados e seu jogo efetivo de competição

entre situação e oposição, visto que a contestação de tais temas leva a trabalhar com a

hipótese de que por um lado, o legislador estadual tenta trabalhar em áreas que vão além

do município ou localidade na que possui mais votos, com o fim de traduzir boas

produções de regulação em maximização de votos. Isso se mostra como parte de um

princípio ideal e que seria desejável, visto que legisladores tenham a intenção de

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trabalhar sobre questões mais gerais que vão além de seu grupo de interesse. Por outro

lado, o Executivo, que tem mais acesso a proposição de dispositivos legais sobre

orçamento, administração pública e políticas públicas, pede um controle de

constitucionalidade sobre tais questões, com vistas a se defender de uma possível

“normatividade orçamentária” que poderia deixa-lo com menos capacidade de

distribuição de recursos.

Seguimos então um caminho que parte de uma dinâmica legislativa bastante

diversificada nos estados (SANTOS, 2001; TOMIO & RICCI, 2012) e que tem altas taxas

de aprovação de seus dispositivos legais. A partir dessa dinâmica, entende-se que a

disposição dos legislativos estaduais de produzir legislação é vetada em grande parte

pelo arranjo institucional que proporciona aos Governadores tal possibilidade. Com isso,

o Governador consegue manter seu orçamento e até mesmo aumenta-lo, uma vez que

pode anular proposições legislativas anteriores ao seu Governo. Um exemplo disso é a

ADIN 47823, que ainda aguarda julgamento, impetrada pelo Governador do Estado do RJ

contra a ALERJ, que declararia inconstitucional o pagamento do triênio a várias

categorias de servidores tendo como consequência direta o retorno desse dinheiro para

os cofres do Executivo até que se criassem outros benefícios para as categorias.

Tem-se aqui como objetivo geral, a intenção de analisar se o crescimento das

Ações de Controle de Constitucionalidade estão correlacionados a 1) uma baixa

governabilidade em determinados estados e/ou 2) a uma alta competição política que

faça com que deputados estaduais tenham de produzir dispositivos legais de níveis de

abrangência maiores, na intenção de que possa traduzir isso em votos.

Para mensurar os problemas de governabilidade, trabalhar-se-á com os dados

referentes ao ano de aprovação do dispositivo questionado, visando analisar se este foi

aprovado no período de atuação do Governo que está contestando, estando atento

também a análise de governos que podem ter sido reeleitos e as possíveis causas dessa

contestação que podem ser buscadas analisando quais temas que estão sendo

contestados.

Quanto a competição política, tem-se como objetivo, analisar dados relativos a

competição eleitoral. Um indicador disso seria o número médio de candidatos por cadeira

3 Link- http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4247736

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em cada Estado, que nos dá uma panorama mais geral sobre a competição em cada

Estado analisado.

ALGUNS APONTAMENTOS SOBRE A PESQUISA

A utilização do Judiciário pelos diversos agentes políticos tem sido constante e é

parte integrante do processo de competição política cada vez mais diversificado com

diversos interesses tendo que ser considerado na arena política. Intervenções jurídicas

que partem por um lado, de um processo de racionalização da administração pública,

dando as instituições políticas, modos de operar de acordo com preceitos jurídicos e por

outros reformulações que são frutos diretos das disputas entre os agentes políticos.

Sendo assim, algumas análises parciais das Ações de Direta Inconstitucionalidade

nos levam a algumas inferências nesse sentido.

Em um primeiro momento, podemos classificar determinadas ações como sendo

frutos da necessidade de regulamentação de determinadas práticas (ou

desregulamentação) que deveriam estar envoltas em determinados preceitos jurídicos.

Questões relativas ao meio ambiente, a sociedade civil, entre outros pontos, tem em

geral a necessidade de serem regulamentados juridicamente para tornar práticas as

ações governamentais, visto que os Governadores podem ser culpados por omissão a

determinadas ações que estejam causando problema concretos . Dessa forma, as ADINS

são utilizadas como forma de resolução normativa das questões sociais.

Por outro lado, a possibilidade de discutir e contestar legislações conduz a uma

utilização do Judiciário como um dispositivo político na disputa de interesses. Para se

defenderem de normatizações legislativas que reduzam o orçamento, tributação ou

possibilidades de ação na arena administrativa, Executivos estaduais podem acessar o

judiciário para garantir a distribuição de recursos entre aliados. Podemos citar como

exemplos disso, quando o Legislativo aprova um dispositivo que regulamenta por

exemplo, a concessão de um determinado benefício aos servidores estaduais. Isso pode

gerar custos inesperados ao Executivo, fazendo com que ele entre logo com uma ação

para defender seus interesses. Isso tudo sempre pensado por uma dinâmica dentro das

Assembleias onde não apenas aprovar a agenda é necessário, mas também calcular

quais são os custos e benefícios que se tem em um processo de aprovação da agenda,

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muitas vezes sendo melhor apelar para o Judiciário do que discutir diretamente com os

deputados.

Tendo em vista que muitas vezes pode ser menos custoso ao Executivo apelar

para o Judiciário ao invés de discutir com seus parlamentares, podemos inferir que a

dinâmica da relação entre esses atores é bastante complexa e ainda necessita de uma

maior aparato explicativo sobre as suas mais diversas vertentes.

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