FOTOGRAFIA, ARQUITETURA E RESTAURO

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11 UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ARQUITETURA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO ELOANE DE JESUS RAMOS CANTUÁRIA FOTOGRAFIA, ARQUITETURA E RESTAURO SALVADOR - BAHIA 2003

Transcript of FOTOGRAFIA, ARQUITETURA E RESTAURO

11

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE ARQUITETURA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO

ELOANE DE JESUS RAMOS CANTUÁRIA

FOTOGRAFIA, ARQUITETURA E RESTAURO

SALVADOR - BAHIA

2003

ELOANE DE JESUS RAMOS CANTUÁRIA

FOTOGRAFIA, ARQUITETURA E RESTAURO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Arquitetura e Urbanismo, da

Faculdade de Arquitetura, da Universidade Federal

da Bahia, em cumprimento às exigências para

obtenção do título de Mestre.

Orientadora: Profa. Dra. Maria Helena Ochi Flexor

SALVADOR - BAHIA

2003

Cantuária, Eloane de Jesus Ramos Fotografia, Arquitetura e Restauro / Eloane de Jesus Ramos Cantuária. – Salvador, 2003. 123f. ; il Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura – Universidade Federal da Bahia. 1. Fotografia. 2. Conservação e Restauro. 3. Patrimônio Histórico. 4. Arquitetura. I. Título.

ELOANE DE JESUS RAMOS CANTUÁRIA

FOTOGRAFIA, ARQUITETURA E RESTAURO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Arquitetura e Urbanismo, da

Faculdade de Arquitetura, da Universidade Federal

da Bahia, em cumprimento às exigências para

obtenção do título de Mestre.

Área de concentração: Conservação e restauro

Aprovada em 6 de Maio de 2003.

BANCA EXAMINADORA:

Prof.ª Dr.ª Maria Helena Ochi Flexor – Orientadora Professora do PPGAU-FAU/UFBA

Prof. Dr. Mário Mendonça de Oliveira Professor do PPGAU-FAU/UFBA

Prof. Dr. Luiz Alberto Ribeiro Freire Professor convidado

Para José de Vasconcelos, meu

melhor professor de fotografia.

Agradeço

A Deus, sem Ele nada tem sentido.

Aos meus pais, pelo infinito amor.

Às minhas irmãs, as melhores companheiras que poderia ter.

A profª. Drª. Maria Helena Ochi Flexor, orientadora deste trabalho, pela

disponibilidade, atenção e compreensão dispensada.

Ao prof. Mário Mendonça de Oliveira, mestre e inspirador, que me faz orgulhar da

maravilhosa profissão que escolhi.

Ao prof. Dr. Luiz Alberto Ribeiro Freire, pela generosa contribuição.

Aos amigos que conquistei em Salvador, em especial, a Eliana, Ana Paula e Lina.

A Eliane Cantuária, pela brilhante contribuição nesta dissertação.

A querida amiga Jandira Assis Borges, pela ilimitável colaboração.

E finalmente a José de Vasconcelos, sempre presente nos momentos difíceis e

fiel companheiro nas noites insones, tão necessárias para a realização deste

trabalho.

“...a fotografia tem a vantagem de produzir memórias

irrefutáveis, e documentos que podem ser

consultados sempre, inclusive quando os restauros

mascaram os vestígios deixados pelas ruínas. A

fotografia conduziu naturalmente os arquitetos a

serem ainda mais escrupulosos no respeito aos

mínimos vestígios de uma antiga disposição, a

aperceberem-se melhor da estrutura, além de

fornecer um instrumento permanente para justificar

as suas ações. Nos restauros jamais será excessivo

o uso da fotografia... ”.

Violllet-Le-Duc (1996, p. 28).

SUMÁRIO

LISTA DE FIGURAS

RESUMO

ABSTRACT

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................. 11

2 ARQUITETURA E FOTOGRAFIA .................................................................... 14

2.1 As Transformações Urbanas e o Olhar da Arquitetura ......................... 14

2.2 O Invento fotográfico ............................................................................... 19

2.3 Origens da Fotografia de Arquitetura..................................................... 25

2.4 Fotografia de Arquitetura no Brasil ........................................................ 30

2.4.1 Fotografia no Império ............................................................... 31

2.4.2 Os Primeiros Anos da República e a Consolidação da

Fotografia ................................................................................ 39

2.5 Os Cartões Postais .................................................................................. 44

2.6 Os Álbuns Fotográficos ........................................................................... 49

2.7 A Moderna Fotografia de Arquitetura ..................................................... 53

3 A FOTOGRAFIA COMO TÉCNICA DE PESQUISA ......................................... 59

3.1 A Fotografia como Documento Histórico .............................................. 61

3.1.1 A Utilização da Documentação Fotográfica Histórica ........... 63

3.1.2 Acervo e Conservação ............................................................. 65

3.2 Metodologias de Análise e Leitura de Imagens ..................................... 69

3.3 Fotografia e Documento .......................................................................... 73

3.4 A Fotografia como Fonte ou Objeto de Pesquisa ................................. 75

4 FOTOGRAFIA E RESTAURO .......................................................................... 78

4.1 A Fotografia no Levantamento de Edifícios .......................................... 90

4.2 Fotogrametria ........................................................................................... 92

4.2.1 O Surgimento da Técnica ........................................................ 94

4.2.2 Utilização no Levantamento do Patrimônio Histórico ........... 95

4.3 Fotografias Especiais ............................................................................ 100

4.3.1 Raio-X, Ultravioleta e Infravermelho ..................................... 100

4.3.2 Fotografia com Raios Ultravioletas ...................................... 102

4.3.3 Fotografia com Raios-X ......................................................... 105

4.3.4 Fotografia com Raios Infravermelhos .................................. 109

4.3.5 Microfotografia ....................................................................... 110

5 CONCLUSÕES ............................................................................................... 113

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................... 116

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Interior do Palácio de Cristal – 1851 18 Figura 2 - Esquema de uma câmara escura 20 Figura 3 - Grande Câmara Escura em forma de liteira de 1646, construída em Roma por

Athanasius Kircher

21 Figura 4 - Câmara escura em forma de mesa, 1769 21 Figura 5 - Câmara escura tipo caixão com lente e espelho 21 Figura 6 - Primeira fotografia de Niépce em 1826, França 22 Figura 7 - Biblioteca Imperial do Louvre, em Paris 29 Figura 8 - Pátio da École des Beaux Arts, Paris 29 Figura 9 - O Paço da cidade do Rio de Janeiro, 1840 – tirado pelo Abade Compte 31 Figura 10 - Paço Municipal de Salvador – 1870 34 Figura 11 - Aqueduto de Santa Teresa e Casario da Lapa – 1859 35 Figura 12 - Palácio da Associação Comercial na Bahia – 1860 36 Figura 13 - Cais e Mercado da Glória no Rio de Janeiro – 1867 36 Figura 14 -Escola Militar de Botafogo - RJ – 1890 38 Figura 15 - Avenida Central no Rio de Janeiro – 1910 40 Figura 16 - Arsenal da Marinha e Zona Portuária do Recife – 1875 40 Figura 17 - Projetos arquitetônicos de edifícios na Avenida Central no Rio de Janeiro – 1903 41 Figura 18 - Edifícios concluídos na Avenida Central no Rio de Janeiro – 1906 42 Figura 19 - Correspondez-Karte, o primeiro cartão postal – 1869 45 Figura 20 - Frente e verso do cartão postal da Enseada de Botafogo - 1911 46 Figura 21 - Bilhete postal pré-selado, um dos primeiros postais do Brasil – postado a 24/07/1893 47 Figura 22 - Cartão postal da Ilha Fiscal no Rio de Janeiro – postado a 15/11/1898 48 Figura 23 - Cartão postal do Ver-o-Peso em Belém – postado a 18/03/1908 48 Figura 24 - Cartão postal da construção do Cristo Redentor no Rio de Janeiro – 1930 49 Figura 25 - Álbum Obras do novo abastecimento de água no Rio de Janeiro - 1879/1882 50 Figura 26 - Álbum Estrada de ferro do Paraná - 1884 50 Figura 27 - Rua Direita – 1862 51 Figura 28 - Exposição Nacional no Rio de janeiro 1 – 1908 52 Figura 29 - Exposição Nacional no Rio de janeiro 2 – 1908 52 Figura 30 - Exposição Nacional no Rio de janeiro – 1922 53 Figura 31 - Arranha-céus – 1935 56 Figura 32 - “ balconies” - 1935 56 Figura 33 - Sem título 58 Figura 34 - Um que passa - 1953 58 Figura 35 - Apartamentos – 1974 58 Figura 36 - Telhados – 1969 58 Figura 37 - Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro 67 Figura 38 - Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro 67 Figura 39 - Monte Paladino em Roma – 1899 74 Figura 40 - Partenon na Grécia – 1869 74 Figura 41 - Escultura situada no portal do Castelo Herten, na Alemanha, em diferentes épocas 82 Figura 42 - Ficha catalográfica do acervo cultural do litoral baiano - frente 83 Figura 43 - Ficha catalográfica do acervo cultural do litoral baiano - verso 84 Figura 44 - Três momentos da Igreja: Em 1928, sendo restaurada e após a restauração 85 Figura 45 - Vão original encontrado após prospecção arquitetônica 85 Figura 46 - Capa do livro publicado após a restauração da Igreja 85 Figura 47 - Fachada do Teatro no começo da restauração 86

Figura 48 - Fachada do Teatro após a restauração 86 Figura 49 - Pórtico encontrado na prospecção do prédio 86 Figura 50 - Pórtico de entrada restaurado 86 Figura 51 - Forro antigo encontrado após o início da obra 87 Figura 52 - Forro restaurado 87 Figura 53 - Antigo galpão da estação de gás de Belém, em seu local original 87 Figura 54 - Desmontagem do galpão 87 Figura 55 - Galpão restaurado e adaptado para ser uma sala de espetáculos no Parque da

Residência, em Belém-PA

88

Figura 56 - Antiga residência dos Governadores do Pará antes do restauro 88 Figura 57 - Antiga residência dos Governadores do Pará após o restauro 88 Figura 58 - Capa do livro “Arquitetura Escolar Paulista – Restauro” 89 Figura 59 - Capa do livro “Patrimônio Cultural Paulista” 89 Figura 60 - Escala métrica incorporada ao levantamento arqueológico fotográfico 90 Figura 61 - Escala métrica incorporada ao levantamento arquitetônico fotográfico 91 Figura 62 - Representação esquemática da fotogrametria 92 Figura 63 - Igreja de São Miguel Arcanjo no Rio Grande do Sul 97 Figura 64 - Restituição fotogramétrica da fachada da Igreja de São Miguel Arcanjo no Rio Grande do

Sul

97

Figura 65 - Museu Paranaense em Curitiba 98 Figura 66 - Ortofoto da fachada do Museu Paranaense em Curitiba 98 Figura 67 - Restituição fotogramétrica do Museu Paranaense em Curitiba 98 Figura 68 - Castelo Garcia D’Ávila na Bahia 99 Figura 69 - Restituição fotogramétrica do Castelo Garcia D’Ávila 99 Figura 70 - Espectro Eletromagnético 101 Figura 71 - Kouros Getty, atestado pela fotografia ultravioleta como autêntico. 104 Figura 72 - Kouros falso que ao ser submetido a radiação ultravioleta revelou possuir uma cabeça

feita de gesso.

104 Figura 73 - Adoração dos Pastores 107 Figura 74 - Radiografia da pintura representada na Fig. 73, em que é visível uma pintura subjacente

representando o Pentecostes

107

Figura 75 - Adoração dos Magos 107 Figura 76 - Radiografia da pintura representada na Fig. 75, que mostra uma pintura subjacente

tendo como temática a Nossa Senhora do Rosário

107

Figura 77 Nossa Senhora do Rosário, pintura atribuída ao século XVIII. A metade da esquerda apresenta o estado em que a obra encontrava-se em 1975; no lado direito a pintura apresenta-se parcialmente limpa, após o início da restauração

108

Figura 78 - Radiografia da pintura representada na Fig. 77, em que são observáveis duas pinturas subjacentes.

108

Figura 79 - Nossa Senhora do Rosário, pintura atribuída ao século XVII, visível após o levantamento da pintura do século XVIII ilustrada na Fig. 77.

108

Figura 80 - Nossa Senhora do Rosário, pintura atribuída ao século XVI, visível após o levantamento das pinturas dos séculos XVIII e XVII representadas, respectivamente, nas figuras 77 e 79.

108 Figura 81 - Etiqueta que não era possível ler à luz visível. 110 Figura 82 - Fotografia com auxílio do infravermelho, que identificou o rótulo da tinta como Rouge de

Venise preparado por Paul Denis

110

Figura 83 - Microfotografia de uma amostra de calcário tratada com Paraloid B72 e Dri film 104 111 Figura 84 - Amostra analisada 112 Figura 85 - Microfotografia da seção polida da amostra do azulejo 112 Figura 86 - Esquema em CAD da microfotografia apresentada na Fig. 85 112

RESUMO

O trabalho aborda a contribuição da documentação fotográfica histórica e cientifica de arquitetura para a preservação do patrimônio histórico. Traz considerações acerca da história da fotografia na Europa e no Brasil, focando em especial a fotografia de arquitetura, e sua importância como fonte documental para o estudo das transformações urbanas e arquitetônicas das cidades modernas. Enfoca também a aplicabilidade técnica da fotografia como auxiliar em levantamentos arquitetônico-topográficos e no acompanhamento de obras de restauro, bem como, no diagnóstico de degradações do patrimônio, a partir da combinação da técnica fotográfica com instrumentos especiais para obtenção de imagens, como o equipamento de raio-X, de radiação ultravioleta, de radiação infra-vermelha, de microscopia e de fotogrametria. E finalmente, trata da utilização da fotografia como uma importante fonte de pesquisa, enquanto suporte de memória e detentora de múltiplas informações visuais.

PALAVRAS-CHAVES: Fotografia, Conservação e Restauro, Patrimônio Histórico, Arquitetura

ABSTRACT

The work refers to the contribution of scientific and historical photographic documentation of architecture for the preservation of historical patrimony. It brings considerations about the history of photography in Europe and Brazil, focusing in particular on the photograph of architecture, and its importance as a source document for the study of urban and architectural transformations of modern cities. Also focuses on technical applicability of photography as an aid in architectural-topographical surveys and monitoring of works of restoration and, in the diagnosis of degradation of the patrimony from the combination of photographic technique with special instruments to obtain images, as the equipment X-ray, ultraviolet, infrared radiation, microscopy and photogrammetry. And finally, this use of photography as an important source of research, while support for memory and holder of multiple visual information. KEYWORDS: Photo, Conservation And Restoration, Patrimony History, Architecture

11

O Trampolim da Paria de Icaraí – RJ

Fonte: Vasquez, 2202b.

1 INTRODUÇÃO

Antes do surgimento da fotografia, as imagens do mundo nos

chegavam através da subjetividade de pinturas e desenhos. Essa representação

do real estava vinculada a capacidade artística de alguns poucos privilegiados. O

advento da fotografia veio conturbar esse quadro, apresentando-se como “a

imitação mais perfeita da realidade” (DUBOIS, 1993, p. 27). A pretensa

objetividade fotográfica causou, na sociedade do século XIX, entusiasmo, repulsa,

medo e admiração.

Desde o início, muitos viam a fotografia como uma imagem técnica,

um simples instrumento de registro, resultado da ação de um artefato mecânico,

que reservava um papel secundário ao fotógrafo, relegado ao papel de simples

manipulador do equipamento. Por outro lado, outros a viam como a mais perfeita

forma de representação artística, que libertou a pintura de sua busca obsessiva

pela reprodução perfeita do real. O fato é que a fotografia, considerada ou não

como arte, já nasceu com um caráter de reprodutibilidade, símbolo da era

industrial, um período efervescente de descobertas científicas e técnicas que,

décadas mais tarde, transformariam completamente o modo de viver do homem

ocidental.

12

A rapidez do registro, e a facilidade de reprodutibilidade da

fotografia, proporcionaram a sociedade moderna “conhecer” realidades que, até

então, eram desconhecidas. A fotografia se popularizou em retratos e

especialmente nos cartões postais de vistas de cidades e de monumentos. Isto

transformou a arquitetura em um dos temas preferidos dos fotógrafos, inicialmente

pela sua imobilidade, em um tempo em que a técnica exigia longos períodos de

exposição e, posteriormente, pelo seu poder expressivo e documental.

Fotografia e arquitetura passaram então a possuir estreitas relações,

sendo a fotografia um dos principais meios de registrar as mudanças e

permanências da arquitetura. Entretanto, a fotografia não se presta somente a ser

testemunha visual da história de um determinado edifício ou cena urbana, isto

ocorria antigamente, quando não se havia despertado para os benefícios da

técnica na elaboração de levantamentos arquitetônicos e diagnósticos precisos de

edificações.

O presente estudo apresenta as aplicações da técnica fotográfica

tanto na documentação de intervenções restaurativas em edificações de caráter

histórico-cultural como no diagnóstico de lesões ou alterações em bens móveis e

imóveis, assim como no levantamento e cadastramento de monumentos e bens

culturais.

Dividido em três capítulos, inicialmente, o estudo mostra como surgiu

a produção da fotografia histórica de arquitetura. Em seguida, aborda a utilização

da imagem fotográfica em pesquisas de cunho cientifico e, finalmente, discorre

sobre a aplicabilidade da técnica fotográfica nas atividades de conservação e

restauro do patrimônio histórico.

No primeiro capítulo, percorre-se a formação do acervo documental

fotográfico de arquitetura, surgido a partir dos primeiros registros em que as

paisagens naturais dividiam lugar com as edificações. Posteriormente, mostra-se

como a arquitetura passa a ter o papel destacado nas lentes dos fotógrafos,

promovido pelo rápido crescimento e transformações das cidades. Descreve

também a evolução da técnica e do repertório dos fotógrafos, especialmente

relacionado a fotografia de arquitetura, esta entendida como o registro do edifício

isolado, de conjuntos ou de vistas urbanas.

13

No segundo capítulo, discorre-se sobre a importância da utilização

da fotografia como fonte documental, enfocando a possibilidade do emprego

dessa técnica em pesquisas de cunho científico. Mostra a partir de que momento

a iconografia fotográfica passou a ter relevância para a história, assim como, as

ciências sociais e a arte tem utilizado as imagens fotográficas em suas pesquisas

científicas.

No terceiro capítulo, aborda-se a utilização da fotografia como

importante instrumento técnico e científico no diagnóstico, inventário e registro de

intervenções em monumentos históricos. Evidencia como a fotografia tem sido

vista por restauradores e técnicos que exercem atividades relacionadas à

proteção do patrimônio cultural. Demonstra a utilização de fotografia aliada a

tecnologias especiais como o raio-X, o infravermelho, o ultravioleta, a

microfotografia e a fotogrametria na conservação, proteção e restauro de bens

culturais.

Para tanto, o estudo reuniu uma ampla bibliografia relacionada a

história da fotografia, da fotografia de arquitetura e de sua utilização em pesquisas

de cunho científico. Buscou diversos exemplos de procedimentos restaurativos

que utilizassem a fotografia como base documental histórica, como registro dos

processos restaurativos, auxiliar no levantamento arquitetônico ou no diagnóstico

de danos ou intervenções desconhecidas para demonstrar.

14

Cartão postal do Teatro da Paz em Belém-PA

Fonte: Vasquez, 2002

2 ARQUITETURA E FOTOGRAFIA

O século XIX foi berço de transformações nunca vistas que

alteraram completamente o modo de viver e de pensar do homem oitocentista.

Esse clima de inquietação propiciou avanços técnicos em praticamente todos os

ramos do conhecimento humano. A Revolução Industrial desencadeou uma série

de descobertas que modificaram o modo de produção, afetando diretamente a

estrutura da sociedade e das cidades. As máquinas a vapor substituíram a força

humana nas fábricas, tornando-as mais produtivas. A aristocracia assistia, assim,

o surgimento de uma nova classe que enriquecia vertiginosamente, buscando o

status e o poder dos aristocratas: a burguesia.

A fotografia nascida no século XIX, e testemunha de todo essa

efervescência cultural, artística, estética, social, política, econômica e tecnológica

foi um dos meios de divulgação desse período, acompanhando as transformações

urbanas desencadeadas pela chegada da modernidade e pela utilização dos

novos materiais.

2.1 As Transformações Urbanas e o Olhar da Arquitetura

A arquitetura do século XIX refletiu a confusão que a sociedade

vivia:

15

“Esta arquitetura do século XIX afigura-se como um campo privilegiado para a compreensão de uma sociedade que, dividida entre o peso da tradição e a velocidade das transformações rumo ao futuro, buscava sua própria identidade e imagem. Esta arquitetura não ficou estranha ao impasse, nem à margem do processo através do qual a sociedade burguesa buscou afirmar-se; processo em que o passado aparece como uma referência permanentemente investigada. Ao contrário, pode-se até dizer que a arquitetura desempenhou um importante papel na definição de valores e de plásticas que moldariam a sensibilidade estética desta sociedade” (CARVALHO e WOLFF, 1998, p.133-134).

Dessa forma, a arquitetura precisou se ajustar aos novos conceitos

de morar, estudar, divertir-se, deslocar-se, enfim, às novas hierarquias sociais,

aos novos hábitos e aos novos conceitos de educação, justiça e saúde pública.

Esta nova ordem gerou novos espaços e formas de morar: os palácios em

versões reduzidas foram ocupados pela burguesia e surgiram novas edificações

como hotéis, cassinos e passeios públicos:

“Para cada um desses edifícios foi necessário criar uma imagem, e o passado funcionou como um manancial de referências. Mais que isso, propiciava a busca de expressões arquitetônicas que, de alguma maneira, integrassem o presente com o passado; que possibilitassem, através de formas já conhecidas, a aceitação do novo. O principal impasse artístico deste momento resulta da questão da conciliação entre passado e presente, arte e técnica, e artesanato e reprodutibilidade industrial”. (CARVALHO e WOLFF, 1998, p.134)

Assim, esse cenário de transição, originado pelo processo de

mudança e renovação da sociedade, propicia na arquitetura uma reflexão sobre

sua prática e teoria, que produz o surgimento de duas correntes distintas, uma

voltada para o resgate de escolas do passado, insistindo na produção artística

artesanal e, outra utilizando formas concebidas nos limites técnicos e estruturais

dos novos materiais.

A primeira corrente acreditava que a produção mecanizada e em

série, destruía a arte, que só seria salva utilizando-se formas artesanais. Na

prática, esse pensamento desencadeou uma série de procedimentos que se

reportariam à estética e a técnica de diferentes períodos da Idade Média e da

tradição clássica. O conceito de clássico nessa perspectiva engloba tanto a arte

greco-romana, quanto a arquitetura produzida a partir do Renascimento.

16

Um dos grandes representantes desse movimento foi o francês

Eugène E. Viollet-le-Duc, o arquiteto via no estilo gótico a síntese entre arte e

técnica. Acreditava que as obras que estavam sendo produzidas não estavam

em consonância com as reais necessidades de seu tempo, sendo muito mais uma

mistura de vários estilos, com identidade perdida. Sonhava com uma arquitetura

que seguisse o movimento intelectual e material de sua época. Para ele,

compreender os princípios das construções góticas e sua lógica estrutural, seria

essencial para a produção dessa nova arquitetura. Viollet-le-Duc (1996, p. 4)

criticava duramente os pastiches que reviviam estilos e formas do passado sem

se preocupar com as causas que os determinavam, por isso, condenava essas

arquiteturas que eram repetidas apenas por seus efeitos plásticos.

Com base neste mesmo pensamento, outro arquiteto que combateu

veementemente a industrialização foi John Ruskin. Afirmava que ela era

opressiva, alienante, desumanizante e, portanto, contrária à arte. Sua crítica à

arte foi também a crítica à sociedade. Acreditava que a questão central do

desenraizamento e desnaturação do homem moderno estava na divisão de

trabalho, gerado pela industrialização. Alegava que os homens não eram feitos

para trabalhar com a precisão dos instrumentos, porque para serem precisos e

perfeitos estariam se desumanizando.

Segundo ele, a verdadeira escravidão era aquela originada pelo

desejo de perfeição, isto sufocava o espírito humano, reduzia sua inteligência e

amarrava a uma máquina um corpo vivo. Afirmava que só o trabalho feito pelas

mãos humanas era capaz de dignificar e exprimir “livremente tanto a sua força

quanto sua fraqueza, o que resultará necessariamente na imperfeição típica do

gótico” (Ruskin, 1996, p. 4), imperfeição essa tão admirada por ele.

John Ruskin acabou por lançar as sementes do movimento Arts and

Crafts, influenciando Willian Morris e uma geração que pretendia reviver a

produção artesanal, por entender que a produção mecanizada gerava produtos

feios e decadentes (COLIN, 2000, p. 170).

17

Embasados em teorias distintas, John Ruskin, na Inglaterra, e

Viollet-le-Duc, na França, acreditavam que, através do resgate do passado,

especialmente do estilo gótico, surgiria uma nova arquitetura.

A École des Beaux-Arts de Paris, fundada em 1806, também

acreditava no resgate do passado para a elaboração de uma nova arquitetura,

contudo, tinha, em sua base de formulação teórica, os preceitos encontrados na

arquitetura clássica (MOURA FILHA, 2000, p. 51). Esse ícone da formação

acadêmica de significativa parcela de arquitetos europeus e americanos no século

XIX, também era contrária à industrialização.

Contudo, nem todos os arquitetos do período concordavam com a

premissa de que o passado deveria ser a fonte de inspiração para a criação de

uma nova ordem arquitetônica. Nesse bojo, surgiu então uma segunda corrente

arquitetônica que acreditava que apenas uma arquitetura limpa e despojada, cuja

forma estivesse ligada à função e às necessidades da era industrial que emergia,

e que utilizava os novos materiais e os avanços tecnológicos, podia representar

seu tempo. Surgiram fábricas, mercados, galpões, pontes, viadutos e estações

ferroviários, construídos com materiais como o ferro e o vidro, que criavam

desenhos e formas jamais imaginadas anteriormente.

O ferro tornou-se um dos símbolos dessa arquitetura que permitia a

reprodução em larga escala e, por causa de sua grande resistência a

compressão, as dimensões das peças foram reduzidas, tornando-se muito mais

esbeltas do que aquelas erguidas em tijolos ou pedras. Os edifícios construídos

em ferro foram largamente utilizados para curtas ocasiões, por isso possuíam

certo caráter de provisoriedade. Os maiores exemplos de edifícios construídos

para durações específicas foram os pavilhões de exposição, que facilmente eram

montados e desmontados. Essas edificações poderiam ser remontadas em

qualquer lugar, quantas vezes fossem necessárias. O Palácio de Cristal (Fig. 1),

projetado por Paxton para a Grande Exposição Internacional de Londres em

1851, foi o grande exemplo dessa arquitetura pré-fabricada e desmontável:

18

“O projeto de Paxton, todo ele em vigas de ferro e vidros transparentes, era seis vezes maior que a Catedral de Saint Paul e pretendia ser erguido no Hyde Park em apenas vinte e duas semanas, como de fato foi, para que a exposição fosse inaugurada na data prevista”. (TURAZZI, 1995, p.44)

Figura 1 – Interior do Palácio de Cristal, em Londres – 1851

Fotografia: John Mayall Fonte: Turazzi, 1995, p.167

Essa arquitetura, no entanto, foi vista com restrições por muito

tempo, especialmente por sua característica de efemeridade, aliada à alta

reprodutibilidade e à aversão de seus construtores em seguir as escolas

correntes, preferindo muito mais utilizar a forma ligada à função do que a padrões

estéticos. Esses edifícios foram duramente criticados pela burguesia que não os

considerava fruto do gênio arquitetônico, nem tampouco monumentos passíveis

de expressar os desejos de ostentação da classe e de sua época.

Apesar dos embates, Silva (1987, p. 26) acredita que uma das

causas da coexistência dessas duas correntes arquitetônicas deu-se por razões

de cunho econômico, pois uma parcela dessa nova classe enriquecida, que

emergiu, esforçou-se “por convencer a todos sobre o paraíso que seria o mundo

servido pelos produtos industriais de baixo custo”. No entanto, esse tipo de

arquitetura foi muito mais tolerado por ser uma inovação técnica do que por sua

pretensão estética.

19

Não é de se estranhar que o estudo da relação entre fotografia e

arquitetura seja recente, visto que, até bem pouco tempo a arquitetura executada

no século XIX não era reconhecida como arte e tampouco a fotografia possuía o

crédito de fonte documental consistente.

2.2 O Invento fotográfico

Desde os remotos tempos da origem do homem, enquanto ser

simbólico e único produtor intencional de imagens, foi conferido ao artista à

capacidade de reproduzir a natureza tal como esta lhe aparecia, ou alterá-la

segundo seu desejo. Essa capacidade adquirida pelo artista foi denominada por

muitos de dom e, concedeu ao pintor, como também ao escultor, deter uma

aptidão que os outros seres normais não possuíam: imitar a realidade e, ao

mesmo tempo, poder modificá-la.

Assim, o mundo era um espelho, visto através da ótica do artista.

Contudo, segundo Dondis (1991, p. 12), com o aparecimento da câmera

fotográfica no século XIX, tudo isso em todas as suas formas acabou-se. A

câmera vai constituir-se no último elo de ligação entre a capacidade inata de ver e

a capacidade de relatar, interpretar e expressar o que vemos.

A fotografia, diferente das outras manifestações artísticas até aquele

momento, surgiu dentro do sistema industrial, revolucionando o contexto da

produção artística. Essa nova concepção da realidade conturbou o mundo cultural

e artístico europeu, para uns a fotografia era a imitação mais perfeita da

realidade. Para outros, a fotografia matou o desenho e a pintura, porque se opôs

à obra de arte, produto do trabalho, do gênio e do talento natural do artista

(DUBOIS, 1993).

20

Embora as primeiras tentativas de fixar uma imagem num suporte

duradouro remetam ao início de século XIX, na Europa, e a invenção da fotografia

esteja creditada ao francês Louis Mande Daguerre, em 1839, a técnica nasceu de

dois princípios básicos, já conhecidos pelo homem há muito tempo: a câmara

escura e a existência de materiais fotossensíveis, substâncias a base de sais de

prata, que se sensibilizam ao contato com a luz.

Por essa razão, diversos pesquisadores defendem a idéia de que a

fotografia não foi descoberta por um único inventor, ela foi a síntese de diversos

experimentos e inventos, que manifestarem em conjunto no início do século XIX.

A câmara escura foi a primeira descoberta importante para a

fotografia. Ela seria um espécie de quarto estanque à luz, que possuía um orifício

de um lado e a parede à sua frente pintada de branco. Quando um objeto era

posto diante do orifício, do lado de fora, sua imagem era projetada invertida sobre

a parede branca (Fig. 2). O conhecimento dos seus princípios óticos é atribuído,

por alguns historiadores, ao filósofo grego Aristóteles (ABRIL CULTURAL, 1978,

p. 10).

Figura 2 - Esquema de uma câmara escura Fonte: http://www.eba.ufmg.br/cfalieri/index.html

Durante a Renascença, a câmara escura recebeu o acréscimo de

uma lente no orifício, a fim de melhorar a qualidade da imagem, assim ela passou

a ser utilizada pelos artistas para captar imagens para pintá-las depois. Em 1573,

o astrônomo e matemático florentino Egnatio Danti, em “La perspecttiva di

Euclide”, aperfeiçoa a câmara escura utilizando um espelho para reinverter a

imagem.

21

A figura 3 mostra a ilustração de uma câmara escura sendo usada

por um pintor, que dentro dela, vê e desenha com facilidade as imagens de fora

que são projetadas nelas. A figura 4 demonstra o aperfeiçoamento do invento,

com a inserção de um jogo de lentes e espelho, transformando-a em um

mobiliário, e facilitando o desenho de observação de modelos.

Deste modo, munida desses avanços tecnológicos, a câmara

escura, começou a se tornar cada vez menor, até se transformar em algo portátil

(Fig. 5). No século XVII, reduzida ao tamanho de uma caixa, podia ser facilmente

carregada e foi muito utilizada por artistas como auxiliar de pintura (ABRIL

CULTURAL, 1978, p. 10).

Contudo, mesmo que a câmara escura possuísse a capacidade de

formar uma imagem satisfatoriamente controlável, não conseguia estabilizar a

imagem obtida. Assim, muitos de seus usuários buscaram um modo de fixar as

imagens de maneira permanente. Meta que só seria alcançada mais tarde com o

desenvolvimento da química.

Figura 3 - Grande Câmara Escura em forma de liteira de 1646, construída em Roma por Athanasius Kircher

Fonte: Oka & Roperto, 2002.

Figura 4 - Câmara escura em forma de mesa, 1769 Fonte: Oka & Roperto, 2002.

Figura 5 - Câmara escura tipo caixão com lente e espelho Fonte: Oka & Roperto, 2002.

22

Em 1604, o cientista italiano Ângelo Sala, observou que o composto

de prata escurecia quando exposto ao sol. Ele acreditava que o calor era o

responsável por este fenômeno. Mais de cem anos se passaram até que em

1727, o professor de anatomia Johann Schulze, da Universidade Alemã de Adolrf,

demonstrou que os cristais de prata halógena se transformavam em prata

metálica negra, ao receberem a luz, e não o calor como se acreditava (OKA e

ROPERTO, 2002).

Quem conseguiu pela primeira vez fixar uma imagem em um

substrato satisfatoriamente, foi o francês Joseph Nicéphore Niépce. A imagem foi

obtida da janela de sua casa, em 1826, a partir da exposição à luz de uma placa

de estanho com betume branco da Judéia, por aproximadamente oito horas. Esta

imagem é considerada a primeira fotografia da história (Fig. 6).

Figura 6 - Primeira fotografia de Niépce em 1826, França

Fonte: Oka & Roperto, 2002.

Niépce batizou esse processo de Heliografia, ou Escrita do Sol.

(ABRIL CULTURAL, 1978, p. 11). Nesse mesmo ano, associa-se a outro cientista,

Louis Jacques Daguerre, que também pesquisava maneiras de registrar e fixar

imagens na câmara escura. Em 1835, Daguerre descobriu que uma imagem

podia se revelar com o vapor de mercúrio, reduzindo a minutos o que levava

horas na exposição das placas.

“Conta a história que uma noite Daguerre guardou uma placa sub-exposta dentro de um armário, abrindo o armário, Daguerre constatou que a placa havia adquirido uma imagem de densidade bastante satisfatória, tornara-se visível. Em todas as áreas atingidas pela luz o mercúrio criava um amálgama de grande brilho, formando as áreas claras da imagem. Após a revelação, agora controlada,

23

Daguerre submetia a placa com a imagem a um banho fixador, para dissolver os halogenetos de prata não revelados, formando as áreas escuras da imagem. Inicialmente foi usado o sal de cozinha, o cloreto de sódio, como elemento fixador, sendo substituído posteriormente por Tiosulfato de sódio (hypo) que garantia maior durabilidade à imagem. Este processo foi batizado com o nome de Daguerreotipia (OKA e ROPERTO, 2002, p.9).

Contudo, Daguerre só divulgou o invento em 1839, na Academia

Francesa de Ciências, em Paris. Tornou-se reconhecido pela invenção e, por

causa disso, foi agraciado com uma pensão vitalícia do governo francês

(BUSSELLE, 1999, p.31).

Na Inglaterra, em 1841, Willian Henry Fox Talbot patenteou uma

nova forma de trabalhar com o registro fotossensível, o negativo.

“No ano de 1835, Talbot construiu uma pequena câmara de madeira, com somente 6,30 cm², que sua esposa chamava de ‘ratoeira’. A câmara foi carregada com papel de cloreto de prata e, de acordo com a objetiva utilizada, era necessário de meia a uma hora de exposição. A imagem negativa era fixada em sal de cozinha e submetida a um contato com outro papel sensível. Desse modo, a cópia apresentava-se positiva sem a inversão lateral. A mais conhecida nos mostra a janela da biblioteca de abadia de Locock Abbey, considerada a primeira fotografia obtida pelo processo negativo/positivo” (OKA e ROPERTO, 2002, p.13).

Talbot foi o responsável pelo primeiro processo fotográfico que

permitia a reprodutibilidade de um mesmo original, chamado de Calotipia. Em

1844, publicou o primeiro livro ilustrado com fotografias do mundo, “The pencil of

Nature”, com um total de 24 talbolitos originais.

O processo que veio a seguir foi chamado de Colódio Úmido,

inventado pelo inglês Frederick Scott Archer, em 1851. O inconveniente dos

processos por colódio era a utilização obrigatória de placas úmidas, que gerava a

necessidade de sensibilizar, expor e revelar a chapa de vidro no menor espaço de

tempo possível.

24

Em 1871, o médico inglês Richard Leach Maddox, usou nitrato de

prata em gelatina de secagem rápida. A placa seca de gelatina conservava a

emulsão fotográfica para uso após a secagem e aumentava a sensibilidade dos

haletos de prata, tornando a fotografia, finalmente instantânea. Rapidamente

surgiram várias indústrias para fabricar as placas secas de gelatina. (BUSSELLE,

1999, p. 32-33).

Os aperfeiçoamentos do processo fotográfico permitiram que o inglês

George Eastman, em 1888, emulsionasse o primeiro filme em rolo da história,

usando a sua câmera KODAK nº 1. O novo tipo de câmera projetada por Eastman

era leve e pequena, que carregava um rolo de papel para 100 exposições (OKA e

ROPERTO, 2002).

Esta técnica que possibilitou ao fotógrafo receber seus negativos,

cópias positivas em papel e a câmera com um novo rolo de 100 poses, tornaram

todos os processos anteriores obsoletos. Utilizando o slogan "Você aperta o

botão, nós fazemos o resto", a Kodak, tornou-se uma gigantesca empresa,

pioneira no avanço técnico da fotografia.

No contexto brasileiro, é importante destacar o trabalho

desenvolvido pelo francês Hercules Romuald Florence, em São Paulo. O francês

chegou ao Brasil em 1824. No período de 1825 a 1829, participou, como

desenhista, da expedição científica “Langsdorff”, que percorreu o Rio de Janeiro,

Mato Grosso, Grão Pará e São Paulo, para registrar a fauna e a flora brasileira.

(MONTEIRO, 2001, p.10).

Florence pesquisava fórmulas alternativas de impressão gráfica, por

meio da luz solar, em razão da falta de recursos na época. Queria reproduzir

graficamente as notas musicais que transcrevera de sons dos pássaros

brasileiros, estudados durante a expedição Langsdorff. Motivado por suas

experiências, chegou ao que chamou de “photographie”, palavra derivada do

grego photos que significa luz e grafhos que quer dizer escrita. Segundo Oka e

Roperto (2002) a descoberta da “photographie” aconteceu em 1832, anos antes

da descoberta de Daguerre.

25

2.3 Origens da Fotografia de Arquitetura

Ao iniciar esse sub-tema, é importante salientar, que ao utilizar-se o

termo fotografia de arquitetura, estar-se-á remetendo aos vários elementos

arquitetônicos e urbanos presentes na iconografia da cidade, tais como

edificações isoladas, conjunto de edifícios, elementos e equipamentos urbanos, a

relação entre eles e destes com o entorno e, inclusive, as vistas urbanas.

“ A arquitetura é arte, certamente; mas também é muito mais do que arte. É obra de um artista, mas ao mesmo tempo, é obra e testemunho de uma sociedade. É criação intemporal, mas só inteligível num tempo concreto e, em grande parte, como desafio às leis. É, em cada caso, uma obra singular porém, ao mesmo tempo, resume séculos e séculos de conquistas”. (EDICIONES DEL PRADO, 1996, p. 10)

Turazzi (1995, p. 15-16) em seus estudos descreve que no início da

fotografia, por volta dos anos de 1840, o tempo de exposição necessário para

realização de um daguerreótipo era de quinze minutos ao sol. O próprio Daguerre

considerava esta característica, como a principal barreira para a difusão de seu

invento, na arte de retratar pessoas. A imobilidade era um imperativo técnico tão

fundamental para o fotógrafo, que David Octavius Hill chegou a retratar seus

clientes em um cemitério, para que nada perturbasse o longo tempo de exposição

necessária para a nitidez e exatidão da imagem.

A arquitetura como criação do homem, traduz um sentimento de

permanência, de fixação, diferente da essência humana que é efêmera,

passageira. Talvez, por isso, a fotografia tenha utilizado desde sua gênese o

registro de edificações. Carvalho e Wolff (1998, p. 131) comungam dessa idéia,

acrescentando que essa imobilidade da arquitetura facilitava a fixação da

imagem, em um momento em que a técnica fotográfica exigia tempos de

exposição prolongados. Em contrapartida, a arquitetura utilizou-se do meio

fotográfico para divulgar e reproduzir com maior fidelidade sua nova imagem. As

autoras ressalvam que “a arquitetura é hoje conhecida, divulgada e interpretada

através de imagens fotográficas, assim como sua concepção é, em grande

medida, condicionada por uma percepção, também fotográfica.” (CARVALHO e

WOLFF, 1998, p. 133).

26

Assim, os registros de arquitetura, que tradicionalmente eram

realizados através do desenho, passam a contar com o novo recurso da

fotografia. Contudo, é importante destacar que a expressão do projeto de

arquitetura, da idéia, da proposta de realização, continuaria tendo no desenho seu

meio essencial de representação.

Robinson e Hershman citado por Carvalho e Wolff (1998, p. 138)

afirmam que quando os fotógrafos se interessaram pela arquitetura, o desenho

arquitetônico estava num de seus momentos mais dinâmicos. Na época,

pesquisas apontavam para um afastamento da linearidade e severidade que lhe

eram característicos, para um desenho que criasse uma ilusão de

tridimensionalidade e de uma atmosfera real, explorando recursos como o uso de

luz e sombras.

Dentro dessa intenção de captar melhor as estruturas

arquitetônicas, podemos afirmar que houve uma complementação entre as

fotografias e desenhos, em que ambos se beneficiaram. Nas imagens

fotográficas, havia a inspiração nas composições cujo enquadramento, distância

do objeto e ponto de vista do observador, remontavam a desenhos de fachadas e

perspectivas. Enquanto que os desenhos de arquitetura tentavam com o auxílio

da fotografia, aprimorar a expressividade e fidelidade de seus detalhes.

(CARVALHO e WOLFF, 1998).

Viollet-le-Duc (sd) citado por Carvalho e Wolff (1998, p. 139), por

exemplo, enalteceu as possibilidades da fotografia em revelar detalhes das

estruturas e de fornecer documentos de estados sucessivos de obras em

andamento. “(...) Nas restaurações nunca será demais, pois frequentemente

descobre-se no exame de uma prova fotográfica aquilo que não se havia notado

sobre o próprio monumento.” Para ele, na atividade de estudo e documentação, o

desenho foi superado pelo realismo e fidedignidade da fotografia.

27

John Ruskin, no princípio de sua carreira enaltece e se manifesta

positivamente quanto às potencialidades da fotografia para o registro fiel dos

monumentos existentes. Contudo, mais tarde, baseado em sua visão irredutível

em oposição à indústria, enquanto prejudicial à arte, é que situam suas críticas a

fotografia. Além de entender que em algumas imagens, havia a perda de precisão

informativa em zonas sombreadas.

“Com o século XX, as técnicas de reprodução atingiram um tal nível que estão agora em condições não só de se aplicar a todas as obras de arte do passado e de modificar profundamente seu modos de influência, como também de que elas mesmas se imponham como formas originais de arte.” (BENJAMIN, 2000, p.224)

Além disso, em primeiro lugar, com relação ao original, a reprodução

técnica surge como mais autônoma. Na fotografia, por exemplo, ela pode

ressaltar aspectos do original que escapam ao olho e só podem ser apreendidos

por uma câmera que se mova livremente para obter diversos ângulos de visão.

Em segundo lugar, a técnica pode transportar a reprodução para

situações nas quais o próprio original jamais poderia se encontrar. Ou seja, sobre

a forma de fotografia, ela permite aproximar a obra do espectador: assim a

catedral pode abandonar o seu espaço real para ir ao encontro de qualquer

pessoa.

No tocante as imagens fotográficas do século XIX, onde a

arquitetura comparece como tema central, complementar ou acessório, apesar de

toda a dedicação dos fotógrafos, que precisavam compensar a limitação técnica

do invento com imaginação, sensibilidade e audácia, pois:

“Para alcançar a reprodução fiel de seu objeto, o fotógrafo do século XIX precisou escolher criteriosamente o ponto a partir do qual a tomada seria realizada, a iluminação e os efeitos decorrentes de Iuz e sombras. Essas condições eram consideradas associadamente àquelas impostas pela pouca mobilidade dos equipamentos e às limitações das emulsões químicas que fixavam o tempo de exposição. Uma única chapa demandava um esforço considerável e um conhecimento bastante amplo dos recursos técnicos à mão e, ainda, de seus efeitos no resultado final da imagem. A fotografação do espaço interno da arquitetura, por exemplo, foi um passo duramente conquistado” (CARVALHO e WOLFF, 1998, p. 143).

28

Nas décadas seguintes ao invento, os fotógrafos buscaram recursos

dos desenhos arquitetônicos para expressar realismo nas imagens arquitetônicas,

utilizaram tomadas em perspectivas que possuíam a característica de conceder

massa e volume às estruturas. A tendência da fotografia de arquitetura desse

período sugeria muito mais uma influencia herdada do desenho técnico que das

artes plásticas.

Se o desenho nesse momento buscava expressar a arquitetura com

realismo, a fotografia detinha este recurso técnico, pois estava associada ao mito

da objetividade da representação, acreditando que ela teria o poder de reproduzir

automaticamente a aparência visual do mundo. A fotografia de arquitetura,

inspirada nos desenhos arquitetônicos, trouxe para perto, imagens de um mundo

longínquo, permitindo que se pudesse observar diversos edifícios que seriam

impossíveis naquela época.

O registro da paisagem urbana, entendida como intervenções

humanas no meio físico, resultando em uma ação coletiva, em contrapartida, foi

realizado, basicamente, de duas formas: um fragmentário e o outro panorâmico.

O primeiro registrava pequenas parcelas do espaço, como o edifício

isolado ou detalhes dele. As fotografias privilegiavam a espacialidade

tridimensional dos edifícios, o enquadramento frontal a altura do pedestre, os

planos de uma face, evitando-se assim distorções nas fachadas dos edifícios (Fig.

7). Vistas que intencionavam proporcionar a leitura exata e cuidadosa do que era

retratado, propiciando o reconhecimento do caráter fidedigno e até científico da

reprodução.

O segundo retratava a relação entre os edifícios, seus entornos e o

espaço público. A cena urbana é retratada muitas vezes de locais onde se

permite visualizá-las de uma ótica externa, afastada. O posicionamento da

câmera no nível dos olhos de um pedestre, por exemplo, propiciou uma

experiência de induzir o observador da imagem a sensação de penetrá-la, como

se estivessem no espaço retratado (Fig. 8)

29

Figura 7 – Biblioteca Imperial do Louvre, em Paris

Fotografia: Edouard-Denis Baldus Fonte: Carvalho e Wolff, 1998

Figura 8 – Pátio da École des Beaux Arts, Paris Fotografia: Charles Marville

Fonte: Carvalho e Wolff, 1998

30

Assim, conforme Carvalho e Wolff (1998, p. 151) a escolha dos

elementos a serem incluídos ou omitidos das fotografias de arquitetura, fossem

elas do edifício isolado, do detalhe arquitetônico ou dos conjuntos, estava

relacionado diretamente com as intenções do fotógrafo. Ressaltando sua

capacidade de síntese e de criação.

Como as principais fontes do imaginário do arquiteto da época, as

revistas e manuais especializados, se dedicavam a publicar apenas os desenhos

de projetos. Para o arquiteto, a fotografia tornou-se um arcabouço de

conhecimento e utilidade. Servia para fazê-lo conhecer monumentos em

diferentes partes do mundo, construídos em períodos e com técnicas diversas,

colaborando para diversificar sua visão de mundo. Isto fez do arquiteto um dos

mais ávidos colecionadores de fotografia.

O surgimento dos Álbuns Fotográficos e do cartão postal serão

quem realmente vai revolucionar o imaginário dos arquitetos, enquanto fonte de

inspiração, interesse particular por conhecimento de seu universo referencial,

importante aliado para o desenvolvimento de sua profissão. Tanto os álbuns,

quanto o cartão postal abordados mais adiante.

2.4 Fotografia de Arquitetura no Brasil

A história da fotografia de arquitetura brasileira ainda caminha para

ter suas páginas escritas:

“muitas pesquisas, que buscam reconstituir passos significativos da história da fotografia no contexto da cultura brasileira, têm sido realizadas. São estudos que recuperam acervos, identificam profissionais e que traçam panoramas gerais sobre a participação da fotografia na história do Brasil. As fotografias, assim resgatadas, são analisadas em primorosos estudos por seu caráter pioneiro, por suas características técnicas e para a recomposição da imagem de um país que, muito transformado, não existe mais. As fotografias antigas, que enfocam as estruturas urbanas especificamente, têm sido fonte documental extremamente cara a arquitetos e preservacionistas; têm servido de fonte segura para a recuperação parcial dos destroços da ação predatória e demolidora do século XX e permitido,

31

ainda, a compreensão de como se compunham determinados locais das cidades em alguns períodos. São interpretadas, assim, como um acervo de documentos úteis para a história social e da arquitetura, mas não propriamente da história da fotografia de arquitetura no Brasil.” (CARVALHO e WOLFF, 1998, p. 160)

2.4.1 Fotografia no Império

O Brasil conhece o daguerreótipo em 17 de janeiro de 1840, apenas

cinco meses após o anúncio oficial da “invenção”, pelo francês Louis-Jacques

Monde Daguerre feito em Paris. Ele chegou a nosso território através do abade

Frances Louis Compte, capelão do L’Orientale, navio-escola franco-belga que

dava a volta ao mundo e desembarcou na cidade do Rio de Janeiro. Assim,

Compte tirou os primeiros daguerriótipos em território brasileiro, que consistiu em

três vistas da região central da cidade do Rio de Janeiro, o Paço Imperial (Fig. 9);

o chafariz de Mestre Valentim; e o antigo Mercado da Candelária. (VASQUEZ,

2002a, p. 8).

Figura 9 – O Paço da cidade do Rio de Janeiro, 1840 – tirado pelo Abade Compte.

Fonte: Ferrez, 1997

Dom Pedro II, com apenas 14 anos na época, se interessou pelo

processo e, tornou-se o primeiro brasileiro a adquirir e utilizar um equipamento de

daguerreotipia, em março de 1840. O Imperador foi um dos grandes

incentivadores da fotografia no Brasil e, até hoje é considerado como a figura

central da fotografia brasileira no século XIX. Para Turazzi (1995, p. 18), “Ele foi,

na verdade, mais do que um admirador. Foi também adepto, mecenas,

colecionador e, sobretudo, responsável por grande parte do acervo relacionado

ao assunto existente em nosso país”.

32

D. Pedro II, por curiosidade e admiração pela fotografia, foi quem

reuniu a primeira coleção nacional de fotografia do Brasil. Por ocasião de seu

exílio, logo após a instauração da República em 1889, consciente da importância

de sua coleção de fotografias para a nação, ele doou o seu acervo pessoal à

Biblioteca Nacional, no qual reunia mais de 20 mil imagens registradas por

grandes mestres nacionais e estrangeiros.

“Essa coleção resume, melhor do que jamais poderia fazer este humilde escriba, a história da fotografias brasileiras oitocentista. Uma história admiravelmente escrita em imagens pelo próprio imperador Pedro II, o primeiro brasileiro a perceber, ainda infante, que o advento da fotografia era o marco inaugural de uma nova fase na história da humanidade” (VASQUEZ, 2002a, p.42).

Segundo os estudos Vasquez (2002a, p. 12) nos primeiros anos do

século XIX praticamente não existiam vistas do Brasil. Uma das causas era a

proibição mantida por Portugal da divulgação das terras colonizadas para seus

adversários europeus. No entanto, isso não impediu que alguns viajantes e

pintores locais retratassem a colônia e seus encantos. A pintura de paisagens, e

vistas de cidades, intensificaram-se com a chegada da Família Real Portuguesa,

na primeira década do século XIX, e com a Missão Artística Francesa que

desembarcou no Rio de Janeiro em 1816. Até a metade daquele século a

produção pictórica ainda era bastante incipiente. O alto custo e a demora na

elaboração das telas e a pequena produção de gravuras ou estampas, facilitou a

introdução e o estabelecimento da fotografia como uma nova técnica de registro

da realidade.

Turazzi (1995, p. 101) comenta que houve um incipiente

crescimento do mercado fotográfico, no Brasil, por volta de 1844, no Rio de

Janeiro, a cidade mais importante do Império. E o mercado dos retratos de família

ou de personalidades era o mais lucrativo no século XIX.

33

Kossoy (2002, p. 79-81) comunga com a mesma idéia, que no

século XIX no Brasil, o retrato foi a atividade comercial mais representativa para

os fotógrafos. Contudo, ele destaca que existiram outras temáticas que

contribuíram para a “construção” da imagem do Brasil. Dentre esse universo

temático podemos destacar as cenas de obras de implantação de estradas de

ferro (levantamentos topográficos, vistas de estações já terminadas,

assentamento de trilhos, etc.); as transformações urbanas (aberturas de vias

públicas, etc.); industrialização (edifícios industriais, detalhes da produção,

escritórios, etc.) e as obras de engenharia civil (edifícios, pontes, estradas,

remodelações portuárias, etc.).

Turazzi (1995, p. 103) relata que essa fotografia de paisagem, vistas

urbanas e de construções geralmente era realizada sob encomenda de

instituições públicas ou privadas. De qualquer modo, a autora destaca que foi

significativo o numero de fotógrafos que por iniciativa própria atuaram na

realização de registro da paisagem natural ou urbana, constituindo um dos mais

preciosos acervos iconográfico do Império brasileiro.

Inicialmente as fotografias de edificações no Brasil, via de regra, não

registravam a arquitetura isoladamente, essa era sempre acompanhada da

paisagem natural. Com exceção dos edifícios religiosos que, nesse período, já

possuíam importância e magnitude, a composição da arquitetura com a

exuberante natureza sempre era registrada conjuntamente.

Nos anos de 1860, iniciou-se o que se pode considerar um segundo

momento da fotografia de arquitetura nacional. Nessa época, os edifícios

começaram a ser fotografados isoladamente, não importando se eram antigos ou

recém construídos. O espírito renovador começava a ser registrado nas cidades,

especialmente através das novas construções urbanas. Para compor esse

quadro, além das edificações, fotografaram-se demolições, aberturas de vias,

construções de ferrovias, linhas de bondes, praças, entre outras obras realizadas

nos últimos anos do Império.

34

As primeiras cidades brasileiras a serem fotografadas foram

Salvador (Fig. 10), Recife e Rio de Janeiro, por serem os núcleos mais

desenvolvidos na época. Vasquez (2002a, p. 43), destaca ainda a cidade de

Belém como um dos núcleos onde a fotografia teve um crescimento expressivo.

Entretanto, foi sem dúvida no Rio de Janeiro que a produção fotográfica e a

concentração de profissionais encontraram um vasto campo para se

desenvolverem, especialmente por ser essa a sede da Corte, o centro político,

administrativo, econômico e cultural brasileiro.

Figura 10 – Paço Municipal de Salvador – 1870

Fotografia: J. Schleier Fonte: Fernandes Junior, sd.

Segundo Vasquez (2002a, p.14) na segunda metade do século XIX,

que iniciou uma ampla documentação da cidade do Rio de Janeiro de forma

sistemática foi o alemão Revert Henrique Klumb e o francês Victor Frond.

Henrique Klumb foi o pioneiro da fotografia estereoscópica ou

tridimensional, responsável por mais de 300 vistas dos principais monumentos e

logradouros públicos entre 1855 a 1862, sendo também o primeiro a se aventurar

a registrar a imagem do Alto da Boa Vista e da Floresta da Tijuca.

35

O francês Victor Frond fotografou a cidade do Rio de Janeiro (Fig.

11) a partir de 1858, fazendo dela um dos principais temas do primeiro livro de

fotografia realizado na América Latina o Brazil Pittoresco, editado em 1861.

Pontos como a zona portuária, o Mosteiro de São Bento, o Outeiro da Glória, o

Mercado da Cidade, os Arcos da Carioca, a Santa Casa de Misericórdia, a antiga

residência do Imperador a Quinta da Boa Vista, a sede do governo imperial o

Largo do Paço e o Pão de Açúcar. (VASQUEZ, 2002a, p.15).

Na Bahia, sobressai-se a obra do inglês Benjamin Mulock que

fotografou paisagens, igrejas e edifícios públicos entre os anos de 1858 a 1861,

retratando a antiga capital da colônia de maneira inusitada (Fig. 12). Ferrez (1988,

p. 13) relata que:

“Ao fotografar ruas, Mulock tinha o hábito de se colocar bem em frente e no meio do início delas. Não se importava se havia pessoas atravessando o campo da foto, que acabavam por parecer fantasmas: é que ainda não existia o instantâneo”.

Figura 11 – Aqueduto de Santa Teresa e Casario da Lapa – 1859 Fotografia: Victor Frond

Fonte: Fernandes Júnior e Lago, sd

36

Figura 12 – Palácio da Associação Comercial na Bahia – 1860 Fotografia: Benjamin Mulock

Fonte: Ferrez, 1988

Na década de 1860 sobressaiu-se o suíço George Leuzinger que

editou um catálogo contendo cerca de 330 vistas do Rio de Janeiro, Petrópolis,

Teresópolis e Friburgo, que eram comercializadas em diversos formatos (Fig. 13).

Com essa iniciativa, Leuzinger sistematizou a venda desse tipo de fotografia no

Brasil, e inauguram fotos que Vasquez (2002a, p. 18) acredita ter sido as

antecessoras dos cartões postais brasileiros.

Figura 13 – Cais e Mercado da Glória no Rio de Janeiro – 1867

Fotografia: George Leuzinger Fonte: Fernandes Junior e Lago, sd.

37

O alemão Augusto Stahl foi um dos mais criativos fotógrafos

paisagistas do período imperial que “não se curvava às regras clássicas de

composição impostas pela tradição instaurada com a pintura, procurando

representar o mundo com uma nova visão, essencialmente fotográfica”

(VASQUEZ, 2002a, p.16).

Na Província de Pernambuco, Stahl documentou a construção da

segunda ferrovia brasileira, que ligava as cidades do Recife e do Cabo. Registrou

os manguezais, as fazendas do interior e as belezas arquitetônicas e urbanísticas

da cidade do Recife. Deixou imagens do centro do Rio e das regiões de Botafogo,

Jardim Botânico e Catumbi.

O italiano Camillo Vedani é outro destaque entre os profissionais da

época com trabalhos que mostram diversas vistas do Rio de Janeiro como a

Fortaleza de São José na Ilha das Cobras, a Igreja da Candelária com a cúpula

ainda em construção e a vista do Largo do Paço, este último é considerado o seu

melhor trabalho.

“(...) Nessa única imagem ele soube demonstrar todo o seu talento, afiado em anos de prática do desenho, elaborando uma composição irretocável, na qual as linhas diagonais das canaletas embutidas no calçamento dialogam admiravelmente com aquelas formadas pelo prédio do Paço e por outros elementos secundários do enquadramento- uma fotografia que é uma verdadeira aula de perspectiva e composição.” (VASQUEZ, 2002a, p.18 ).

No entanto, um dos mais importantes fotógrafos do Império foi, sem

dúvida, o carioca Marc Ferrez, cuja vasta produção rendeu-lhe a reputação de

fotógrafo especialista em vistas do Brasil. Membro da Comissão Geológica do

Império entre os anos de 1875 e 1877 viajou de norte a sul retratando o Brasil e

fazendo parte do maior projeto de produção de documentação fotográfica de

cunho científico do período imperial. Essa Comissão Geológica era formada por

diversos cientistas sob o comando do professor da Universidade Americana da

Cornell Charles Frederick Hartt e tinha como objetivo a formulação das “bases

para o estudo geológico do Império” (TURAZZI, 2000, p. 19).

38

Fotografou todos os aspectos paisagísticos, urbanísticos e humanos do Rio de Janeiro (Fig. 14). Registrou todas as embarcações que viriam a tomar parte na Revolta da Armada, por ser o único profissional a merecer o título de Photografo da Marinha Imperial. Foi sem dúvida o profissional que mais circulou pelo Brasil durante o século XIX.

Figura 14 – Escola Militar de Botafogo - RJ – 1890

Fotografia: Marc Ferrez Fonte: Turazzi, 2000.

Na província de Minas Gerais documentou em profundidade os trabalhos de mineração. Foi o primeiro fotógrafo a registrar os trabalhos da siderurgia na usina de Boa Esperança, bem como a extração do ouro em mina fechada. No Recife registrou os imponentes navios de dois ou três mastros ali atracados e ainda detalhes dos recifes para a expedição científica Charles Frederick Hartt, que visam subsidiar os trabalhos da Comissão Geológica do Império, em 1875. Em São Paulo registrou o porto de Santos e do Paraná, onde acompanhou a conclusão da estrada-de-ferro Paranaguá-Curitiba em 1879.

Em Belém, na Província do Grão Pará, capturou as imagens das

docas do Reduto, - maior construção local, uma poderosa e esguia estrutura metálica de 53 metros acima do solo - e o recém-construído Teatro da Paz, cuja beleza neoclássica é incontestável e é um dos marcos históricos da riqueza trazida pela exploração da borracha na Região Norte. Também na capital do Pará destaca-se a figura de Felipe Augusto Fidanza, que iniciou suas atividades em 1867 e fotografou importantes monumentos como o Palácio do Governo e a Igreja da Sé. (VASQUEZ, 2002a p.19-20 ).

39

O maior destaque de São Paulo foi o fotógrafo Militão Augusto de

Azevedo, que por cerca de 25 anos de profissão fotografou quase 13 mil pessoas.

Militão encerrou sua carreira em grande estilo com a publicação do “Álbum

comparativo da cidade de São Paulo: 1862-1887”, em 1887, a obra mostra a

evolução urbana sofrida nesse decurso de tempo por São Paulo, que no início

não passava de uma cidadezinha de casas baixas e com poucas dezenas de

ruas.

Os trabalhos desses primeiros profissionais serviram para registrar

todo o lapso de tempo entre o Brasil Império e o Brasil Moderno, sem dúvida,

devem-se a eles os méritos de captar o instante e elevá-los à eternidade.

2.4.2 Os Primeiros Anos da República e a Consolidação da

Fotografia

Foi nos primeiros anos da República que a fotografia de arquitetura,

definitivamente, se consolidou no País. A produção nacional do início do século

XX caracterizou-se por espelhar-se, como anteriormente, nos desenhos

arquitetônicos, registrando imagens em que os edifícios eram fotografados de

modo a destacar as fachadas, seja em vistas frontais ou em perspectivas,

imitando o repertório utilizado na Europa, a partir da segunda metade do século

XIX (CARVALHO e LIMA, 1997, p. 99).

O começo do século XX no Brasil foi marcado pelas grandes

realizações urbanas, baseadas no discurso republicano que queria imprimir nas

velhas e insalubres cidades coloniais a marca do novo regime: uma cidade

renovada, moderna, civilizada (FLEXOR, 1998, p. 113). Para isso, diversas

cidades, como o Rio de Janeiro, Salvador e Belém passaram por drásticas

renovações urbanas que destruíram o antigo tecido das cidades, motivadas pelo

progresso e pela higienização, requeridos pelos ideais positivistas do novo regime

(Fig.15).

40

Figura 15 – Avenida Central no Rio de Janeiro – 1910

Fotografia: Marc Ferrez Fonte: Turazzi, 2000.

Um dos ícones desse período foi o fotografo suíço, Guilherme

Gaensly, cujas fotografias, reproduziam fachadas sem distorções e que eram

obtidas pelo seu posicionamento em torres ou sacadas de edificações. Augusto

Malta também se sobressaiu na produção de vistas cariocas no início do século

XX, e por muito tempo foi o fotógrafo oficial da Prefeitura do Rio de Janeiro.

Figura 16 – Arsenal da Marinha e Zona Portuária do Recife – 1875

Fotografia: Guilherme Gaensly

Fonte: Fernandes Junior e Lago, sd.

41

O carioca Marc Ferrez também teve uma significativa produção nas

primeiras décadas do século XX. Foi ele quem realizou um dos mais admiráveis

serviços de acompanhamento fotográfico de obras no País: entre os anos de

1903 a 1906 foi contratado pela Comissão Construtora da Avenida Central, no Rio

de Janeiro para registrar a implantação do projeto. Nessa incursão foram

fotografados, do projeto á obra pronta, destacando-se as tomadas fotográficas

das fachadas, que reproduziram, com perfeição, os ângulos dos desenhos

arquitetônicos (Figs. 17 e 18)

Figura 17 – Projetos arquitetônicos de edifícios na Avenida Central no Rio de Janeiro – 1903

Fotografia: Marc Ferrez Fonte: Carvalho e Wolff, 1998.

42

Marc Ferrez foi um dos mais importantes nomes da fotografia

brasileira, ao longo de cinco décadas, um dos únicos fotógrafos que se

sobressaiu, tanto no tempo do Império, quanto nos primeiros anos da República.

Quase todas as inovações por que passou a fotografia ao longo dos anos em que

atuou como fotógrafo (1867 a 1923) puderam ser visualizados em sua produção.

Ferrez experimentou os negativos do colódio úmido, as provas albuminadas, as

placas secas e a autocromia.

Figura 18 – Edifícios concluídos na Avenida Central no Rio de Janeiro – 1906 Fotografia: Marc Ferrez

Fonte: Carvalho e Wolff, 1998.

43

Essas transformações das cidades brasileiras, em nenhum

momento preocuparam-se com a manutenção de monumentos importantes, já

que no Brasil até aquele momento, não havia a noção de patrimônio histórico. As

primeiras décadas do século XX vêem a valorização da arquitetura vernacular,

quando o movimento neo-colonial quis instituir um estilo ligado à tradição

arquitetônica local.

Nesse movimento, Mário de Andrade, Wasth Rodrigues e Rodrigo

Melo Franco de Andrade contribuíram, sobremaneira, para o desenvolvimento de

um inventário da arquitetura brasileira, lançando as primeiras sementes para a

criação do órgão responsável pela preservação do patrimônio brasileiro, hoje

Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN. Criado em 13 de

janeiro de 1937, com o nome de Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico

Nacional – SPHAN, o órgão surgiu para inventariar, fiscalizar, orientar e garantir a

preservação de monumentos e sítios históricos, manifestações culturais, além de

possuir o poder de tombamento desse patrimônio do Brasil.

Malhano (2002, p.139) diz que a fotografia sempre esteve presente

nas ações do Instituto para a catalogação e salvagarda do patrimônio brasileiro.

Em 1939, ao realizar a primeira viagem de inspeção aos monumentos históricos

pelo SPHAN, Rodrigo Melo Franco de Andrade levou consigo o fotógrafo Erich

Hess. Nas viagens seguintes, realizadas por Rodrigo de Melo Franco e pelos

seus funcionários, para a realização do inventário do acervo cultural brasileiro, a

fotografia era uma das importantes formas de registro e documentação do

patrimônio.

44

2.5 Os Cartões Postais

Com a popularização da fotografia, logo se difundiu a prática de se

colecionar reproduções que variavam de retratos feitos por encomenda, a retratos

de personalidades, vistas de cidades ou lembranças de viagens. O cartão postal

adotou a fotografia e, em seguida, apareceram os colecionadores que

impulsionaram a produção dos ateliês fotográficos e das editoras que

aproveitaram a novidade para lançar diversas coleções especialmente ligadas à

vistas urbanas, reproduções de obras de arte ou a “pessoas importantes” ou

datas comemorativas.

Enquanto fonte de inspiração e referência, as origens do cartão

postal remontam aos cartões de voto, na China no século X e aos billets de visite,

utilizados no Renascimento, onde ambos se prestavam a inscrição de pequenas

mensagens. (ZEYONS apud MIRANDA, 1998, p. 13).

No entanto, a criação do cartão postal ocorreu em Viena, no dia 26

de janeiro 1869, graças ao austríaco Emannuel Hermann que lançou um novo tipo

de correspondência (Fig. 19), mais barata e simples, através de um artigo

intitulado “Acerca de um novo meio de correspondência postal” publicado no

“Neuen Freien Presse”.

“Era um cartão castanho claro, em cartolina dura sem ilustração, trazendo impressas no anverso, em arco, a inscrição “Correspondenz Karte” e o selo de 2 Neukreuger, além do tracejamento para o endereçamento. No reverso, apenas o espaço para a mensagem e a advertência do correio de que não se responsabilizaria pelo teor da correspondência”. (MIRANDA, 1998, p. 13)

Utilizado, em sua gênese, como uma forma simplificada de

comunicação, o cartão postal representou uma revolução no sistema postal

mundial. Na maioria dos países, as correspondências eram pagas pelo

destinatário no recebimento da encomenda. Por vezes, o recebedor recusava-se

a aceitar a correspondência por não poder pagar por ela, já que o preço variava

de acordo com a distância percorrida e, em geral, era alto demais.

45

Figura 19 – Correspondez-Karte, o primeiro cartão postal – 1869

Fonte: Vasquez, 2002b, p. 27

Apesar de ser uma correspondência aberta sua aceitação foi

imediata e, rapidamente se disseminou pelo mundo. Em apenas três meses de

criação, quase 3.000.000 de unidades de postais foram vendidas na Áustria

(VASQUEZ, 2002b, p. 25).

As ilustrações apareceram nos cartões postais no ano seguinte de

sua criação, em 1870, com os cartões de Besnardeau, sobre a guerra franco-

prussiana (MIRANDA, 1998, p.14). No entanto, na Inglaterra as impressões

ilustradas e particulares foram autorizadas apenas em 1894. Até essa data, toda a

produção estava ligada às Instituições Postais Oficiais.

A revolução postal encontrou na expansão dos meios de transporte

um dos maiores aliados na difusão de informações e no deslocamento de

pessoas. As viagens tornaram-se, cada vez mais comuns, deixando de ser

prerrogativa exclusiva da aristocracia.

46

O hábito de viajar consolidou a prática de se enviar cartões, no

entanto, diversos usos contribuíram para a difusão desse tipo de correspondência

no mundo: em períodos de guerra, o postal foi intensamente utilizado como um

instrumento seguro para o envio de noticias a parentes, visto que esse tipo de

correspondência praticamente não ficava retido pela censura. Usava-se para

enviar felicitações por datas festivas, condolências por falecimentos ou

simplesmente para enviar mensagens a amigos, contudo, foram os enamorados

que se destacaram na utilização dos postais em seus primeiros anos de criação.

Inicialmente, a frente do postal era destinada ao endereçamento e o

verso à mensagem. Com o surgimento dos cartões ilustrados, convencionou-se

considerar como parte frontal a face ilustrada e a mensagem passou a dividir,

com o endereçamento, o verso do cartão. A configuração conhecida atualmente,

foi criada por Frederick Hartmann, em 1902, que dividiu o verso do cartão em

duas partes (Fig. 20), deixando a área esquerda em branco para a mensagem e a

direita com um retângulo, no canto superior direito e três linhas horizontais para o

endereçamento (VASQUEZ, 2002b, p. 33).

Figura 20 – Frente e verso do cartão postal da Enseada de Botafogo - 1911 Fonte: Vasquez, 2002b

47

Segundo Vasquez (2002b, p. 56) o postal chegou através do

Decreto n.º 7695, de 28 de abril de 1880, autorizado pelo ministro da Agricultura,

Comércio e Obras Públicas Manuel Buarque de Macedo, responsável pela

circulação dessa nova forma de correspondência para o Império (Fig. 21). O

cartão-postal ilustrado contendo vistas do Brasil, só é introduzido cerca de 20

anos depois, na série Sud-Amérika, de Albert Aust, de Hamburgo. Impressa no

exterior, essa série chega ao País e é lançada em Recife, Salvador, Paraná, Pará

e Rio de Janeiro.

Nas primeiras décadas do século XX, os postais acompanharam as

transformações urbanas das cidades brasileiras, a reforma de Pereira Passos no

Rio de Janeiro, J. J. Seabra, em Salvador, e Antônio Lemos, em Belém, foram

retratadas pelos fotógrafos e estampadas nos postais. Os governantes

aproveitavam a publicidade para divulgar suas realizações.

A beleza do cartão-postal tornou-o um objeto de colecionismo, que

propiciou logo depois o surgimento dos primeiros álbuns especializados para

armazenar postais, derivados dos álbuns de retratos fotográficos que em décadas

anteriores tinham sido uma coqueluche na Europa.

Figura 21 – Bilhete postal pré-selado, um dos primeiros postais do Brasil – postado a 24/07/1893

Fonte: Vasquez, 2002

48

Figura 22 – Cartão postal da Ilha Fiscal no Rio de Janeiro – postado a 15/11/1898

Fonte: Vasquez, 2002

Figura 23 – Cartão postal do Ver-o-Peso em Belém – postado a 18/03/1908 Fonte: Vasquez, 2002

49

Figura 24 – Cartão postal da construção do Cristo Redentor no Rio de Janeiro – 1930 Fonte: Vasquez, 2002

2.6 Os Álbuns Fotográficos

Nesse mesmo contexto, surgiram os cadernos criados

especialmente para organizar e guardar as coleções pessoais que eram

chamados de cadernos-álbum. Para Carvalho e Lima (1997, p. 19) as origens do

álbum datam do século XIX. Eles eram ilustrados, inicialmente com ornamentos

apenas nas capas, mas, aos poucos, a decoração foi migrando para o interior de

suas páginas. O álbum, enquanto publicação surgiu com o propósito de reunir

reproduções sobre temas específicos, sobrepondo a imagem visual ao texto (Figs.

25, 26 e 27).

50

Neste trabalho, interessa-nos, sobretudo, os álbuns destinados a

apresentar aspectos de cidade, suas paisagens, construções e transformações.

A idéia de álbum de cidade tem como pressuposto a tentativa de apresentar uma síntese, ou seja, um conjunto articulado daquilo que foi selecionado como representativo dos grupos e lugares urbanos. (CARVALHO e LIMA, 1997, p. 19)

Figura 25 – Álbum Obras do novo abastecimento Figura 26 – Álbum Estrada de ferro do Paraná - 1884 de água no Rio de Janeiro - 1879/1882 Fonte: Turazzi, 2000 Fonte: Turazzi, 2000

O potencial promocional que a fotografia arquitetônica detinha,

também foi explorado por arquitetos, construtores e contratantes. Os álbuns de

Francisco de Paula Ramos de Azevedo são um exemplo de como a fotografia

podia divulgar trabalhos, profissionais e técnicas construtivas (CARVALHO &

WOLFF, 1998, p. 165). A administração pública, por sua vez, encontrou neles um

meio de divulgar suas obras e ações, em prol da promoção pessoal ou para

prestar contas a população de seus atos.

51

Na cidade de São Paulo, o primeiro álbum que retratou as

transformações urbanas ocorridas, a partir da segunda metade do século XIX, foi

o Álbum Comparativo da Cidade de São Paulo, 1862-1887, de Militão Augusto de

Azevedo, datado de 1887 (Fig. 27). Ele utiliza fotografias produzidas em 1862

como contraponto as novas imagens, registradas em 1887, tendo como referencia

os mesmos locais. (CARVALHO e LIMA, 1997, p. 20).

Figura 27 – Rua Direita – 1862

Fotografia: Militão Augusto de Azevedo Fonte: Fernandes Júnior, sd.

Exemplos como o de Militão Augusto de Azevedo podem ser

encontrados em diversas cidades o país. No Rio de Janeiro, como relatado

anteriormente, Marc Ferrez foi contratado para acompanhar fotograficamente a

obra de construção da célebre Avenida Central. Entre os anos 1903 e 1906, o

fotógrafo fez um dos mais completos trabalhos documentais realizados em obras

no Brasil do início do século XX. (CARVALHO e WOLFF, 1998, p. 166).

52

Segundo Vasquez (2002b, p. 67), as exposições nacionais,

ocorridas no Rio de Janeiro em 1908 e 1922, para comemorarem o centenário da

Abertura dos Portos às Nações Amigas e o Centenário da Independência do

Brasil, respectivamente, também foram marcos significativos na história do cartão

postal e álbuns brasileiros, especialmente pelo número e diversidade de postais

editados (Figs. 28, 29 e 30).

Figura 28 – Exposição Nacional no Rio de Janeiro 1 – 1908

Fonte: Vasquez, 2002b

Figura 29 – Exposição Nacional no Rio de Janeiro 2 – 1908 Fonte: Vasquez, 2002b

Um dos últimos trabalhos, realizados na fase áurea dos postais

nacionais, foi o álbum contendo vistas monumentais de escolas paulistas, lançado

pelo governo de São Paulo, em 1929, para promover a imagem de alta qualidade

na educação pública do Estado e de suas instalações.

53

Figura 30 – Exposição Nacional no Rio de janeiro – 1922

Fonte: Vasquez, 2002b

2.7 A Moderna Fotografia de Arquitetura

O estabelecimento da estética moderna na fotografia ocorreu nas

primeiras décadas do século XX. Na Europa, a fotografia aliou-se aos diferentes

movimentos de vanguarda, em especial ao construtivismo, para questionar o

estatuto da arte na sociedade moderna. Nos Estados Unidos, a fotografia

moderna surgiu a partir de um questionamento interno ao pictorialismo,

inaugurando a discussão sobre a fotografia como linguagem autônoma. O que

parecia ser simples experiências de alguns profissionais resultou numa intensa

atividade questionadora praticada por toda uma geração de fotógrafos.

O olhar modernista abandonou definitivamente os temas ligados à

paisagem natural e bucólica para ir em busca da cidade e da arquitetura

modernas. A nova aproximação da fotografia ao campo artístico dá-se na

exploração dos efeitos de luz e no enquadramento inusitado.

54

Carvalho e Lima (1997, p. 101-104) relatam que a formação dessa

estética surgiu por meio de vários motivos distintos. O primeiro estaria relacionado

à contribuição, nos Estados Unidos, em 1907, do fotógrafo Alfred Stieglitz que

abandonou o pictorialismo, um movimento do final do século XIX contrário a

objetividade da fotografia, que na tentativa de aproximar-se da arte, davam as

fotos aparências de pintura, por meio da manipulação de imagem com materiais

de pintura.

Alfred Stieglitz buscou um tratamento inovador para a fotografia,

procurando produzir imagens cujos aspectos formais e materiais derivavam dos

efeitos produzidos pela luz nas obras. Um dos principais temas que Stieglitz

utilizou foram os arranha-céus de Nova York.

O segundo motivo diz respeito à aproximação da fotografia com o

construtivismo, na Alemanha e na Rússia, um dos principais movimentos de

vanguarda artístico da arte moderna, que eram motivados com a idéia que o

artista podia suprir as necessidades físicas e intelectuais da sociedade como um

todo, relacionando-se diretamente com a produção de máquinas, a engenharia

arquitetônica e com os meios gráficos e fotográficos de comunicação (SHARF,

1991, p.116).

Na Alemanha, na década de 1920, esse contato é feito, através da

adoção da temática dos arranha-céus e da arquitetura moderna, por fotógrafos

amadores e profissionais vinculados à Bauhaus. Pode-se destacar os nomes de

Gerd Balzer e T. Lux Feininger, que trabalham o tema do edifício utilizando a

rotação de eixo, o recorte radicalmente fragmentado, a exploração de luz e

sombras e a tensão produzida pelas linhas obliquas para criarem imagens quase

abstratas.

55

Em Moscou, os fotógrafos da Wchutema, ou Vkhutemas, escola

fundada em 1918, no qual participaram ministrando oficinas de trabalho El

Lissitsky e Alexander Rodchenko, dentre eles, Laszlo Moholy-Nagy abordaram os

edifícios e panorâmicas urbanas através de direções acentuadamente obliquas,

feitas por tomadas de vistas de cima para baixo, rotações de eixo e aproximações

exageradas. Rodchenko classificou esse novo dinamismo composicional de

“nova fotografia”, porque quebrava com o velho ponto de vista clássico da

fotografia, que captava a paisagem a partir do solo e olhando para frente, numa

direção reta (Fig. 32).

Essa nova forma de representação fotográfica, no construtivismo

soviético tinha como base a influência da fotografia aérea. Dubois (1993, p. 265),

diz que a obra fotográfica construída por Moholy-Nagy baseava-se na

“contracomposição”, em que os edifícios eram fotografados de um ângulo superior

que permitia diminuir a cena.

E, finalmente, a terceira causa relaciona-se ao avanço tecnológico

das câmeras portáteis, a partir da metade da década 1930. O surgimento das

câmeras de mão, que não necessitavam do uso de tripé, permitiu maior

versatilidade do fotógrafo na obtenção de novos ângulos e na produção de

fotografias inovadoras. Outras inovações, também, contribuíram para facilitar o

manuseio da máquina como, o aparecimento do filme em rolo, a regulagem na

abertura do diafragma e na velocidade do obturador.

56

Figura 31 – Arranha-céus – 1935 Figura 32 – “balconies” - 1935 Fotografia: Alfred Stieglitz Fotografia: Alexander Rodchenko Fonte: www.masters-of-photography.com/ Fonte: www.masters-of-photography.com/

Para Carvalho e Lima (1997, p.101) os recursos formais,

empregados na linguagem da moderna da fotografia de arquitetura, já eram

encontrados na produção nacional das décadas de 1920 e 1930, assim como, nos

álbuns da década de 1950 da cidade de São Paulo, nos quais é possível

identificar as influências surgidas no início do século XX, na Europa e nos

Estados Unidos, bem como, dos repertórios de fotógrafos do século XIX. As

autoras destacam que, uma das características da estética moderna da fotografia

de arquitetura, que era o de evidenciar o registro do edifício por meio de um

enquadramento inovador, era encontrada nessa produção.

“A subtração do ambiente urbano, a ênfase na plasticidade do edifício em detrimento da percepção do conjunto estrutural, o uso quase abusivo das tomadas fragmentadas, a valorização da altura, o emprego da justaposição, a consciência das possibilidades oferecidas pela composição visual para organização do espaço urbano representado e para a produção de sentido e, finalmente, a tendência ao abstracionismo são procedimentos largamente utilizados neste século, especialmente nas décadas de 1920 e 1930” (CARVALHO e LIMA, 1997, p.101).

57

No Brasil, o movimento fotoclubismo, foi um dos pioneiros na

inovação da linguagem fotográfica brasileira, ocasionando uma profunda

renovação das bases conceituais da fotografia. Os primeiros fotoclubes surgiram

no início do século XX, mas somente, a partir da década de 1930, e que eles

passaram a ter um destacado papel no desenvolvimento e no aprimoramento

técnico dos fotógrafos nacionais. Os principais fotoclubes brasileiros foram o

Photo Club Brasileiro, fundado no Rio de Janeiro em 1923, e o Foto Cine Clube

Bandeirante, fundado em 1939, em São Paulo.

Foi no interior do Foto Cine Clube Bandeirante que a moderna

fotografia de arquitetura brasileira desenvolveu-se com maior intensidade. Em

1950, a crítica de revistas especializadas chamou as produções oriundas do Foto

Cine Clube Bandeirante de Escola Paulista, a partir daí, surgia uma fotografia

urbana em busca da autonomia formal, que chegava aos limites do

abstracionismo, utilizando motivos fragmentados, aproximações exageradas do

objeto, direções oblíquas e imagens com forte contraste de luz e sombra.

Segundo Lima (1997, p.104) os seus representantes foram Eduardo Salvatore,

Gaspar Gasparian, José Reis Filho, Marcelo Giró, Geraldo Barros, German Lorca,

Thomas Farkas, José Oiticica Filho (Figs. 33, 34, 35 e 36), entre outros.

Essa nova visão da fotografia de arquitetura, baseada na estética

moderna, aproximou-se da arte e distanciou-se da objetividade encontrada nas

fotografias históricas, que buscavam o realismo na representação das formas.

Dessa maneira, a fotografia moderna, assim, subverteu a visão

perspectiva do edifício, e estabeleceu uma forte ambigüidade entre figuração e

abstração por meio da geometrização, da ênfase dos ritmos repetitivos de certos

elementos, dos jogos de luz e sombra contrastantes. Estabeleceu-se assim, uma

nova forma da fotografia arquitetônica, que explorava as linhas, os planos, os

detalhes dos modernos edifícios.

58

Figura 33 – Sem titulo Figura 34 – Um que passa - 1953 Fotografia: Gaspar Gasparian Fotografia: Jose Oiticica Filho Fonte: www.itaucultural.org.br Fonte: Acervo Galeria Fotoptica

Figura 35 – Apartamentos – 1974 Figura 36 – Telhados – 1969 Fotografia: German Lorca Fotografia: German Lorca Fonte: www.itaucultural.org.br Fonte: www.itaucultural.org.br

59

Rua Direita, 1862 - SP Fonte: CARVALHO e LIMA, 1998

3 A FOTOGRAFIA COMO TÉCNICA DE PESQUISA

O advento da fotografia produziu uma enorme variedade de

imagens, captadas em diferentes contextos sócio-geográficos, que preservaram a

memória visual de incontáveis fragmentos do mundo, dos seus cenários, de suas

constantes transformações. Essas imagens constituem documentos para a

história da arquitetura, das cidades, da fotografia, bem como, para a história das

sociedades, pois, uma vez desaparecidos os cenários, personagens e

monumentos, sobrevivem os documentos escritos e também os fotográficos.

Contudo, esse amplo acervo de informações visuais, que tem nos

auxiliado para uma melhor compreensão do passado em seus múltiplos aspectos,

ainda encontra-se espalhado nas mãos de particulares, arquivos de empresas

públicas ou privadas, antiquários e em diversas instituições no exterior. Apenas

uma parcela encontra-se em museus, arquivos históricos e bibliotecas, porque

somente a pouco tempo a fotografia alcançou o status de peça de acervo, de

documento.

“Paradoxalmente, os documentos fotográficos, apesar de sua legendária superioridade em relação aos registros verbais, ainda hoje freqüentemente escapam da malha fina da erudição. Os bibliotecários diligentemente preservam minúsculos fragmentos das notas de um escritor, curadores de arte guardam como tesouro até o mais inacabado esboço de um artista; no entanto muitos repositórios culturais contêm preciosas fotografias que jamais foram registradas nos inventários” (GAVIN apud KOSSOY, 2001, p. 29).

60

Somente nas últimas décadas intensificou-se a utilização da

documentação fotográfica nas pesquisas históricas, no entanto, a função das

imagens era a de sintetizar ou ampliar o texto escrito. O significado das imagens

quase não era buscado, em especial, pela dificuldade em se estabelecer

parâmetros para a análise dessa documentação.

Kossoy (2001, p. 30) acredita que ainda há um certo preconceito no

uso da fotografia como fonte histórica ou instrumento de pesquisa. Primeiro de

ordem cultural, porque, apesar de vivermos na “sociedade da imagem”, e sermos

alvos voluntários e involuntários de informações visuais de várias fontes de

comunicação, existe um “aprisionamento multissecular” à tradição escrita como

forma de transmissão do saber. Dada essa tradição institucionalizada, a

fotografia, como documento, ainda é vista com desconfiança e restrições, pois a

primazia da escrita causa receio e insegurança naqueles que estão se adaptando

a esta nova realidade de consumo cultural.

A segunda razão estaria relacionada diretamente com a expressão.

Torna-se difícil se trabalhar uma informação registrada visualmente, porque ela

não é transmitida segundo um sistema codificado de signos, ou cânones

tradicionais, como a comunicação escrita. O autor reforça que um dos agravantes,

nesse caso, é que tanto o pesquisador que trabalha em museus ou arquivos,

como aqueles que os freqüentam ainda resistem em aceitar, analisar e interpretar

esse tipo de informação documental.

Com o alargamento do conceito de documento, a partir do século

XX, a imagem fotográfica foi reconhecida como um novo meio de conhecimento

do mundo. A característica própria da linguagem fotográfica levou esse registro a

ser utilizado em pesquisas como um documento de comprovação de um fato ou

acontecimento. Por outro lado, metodologias para a interpretação da imagem têm

sido desenvolvidas na busca de significações e sentidos para o conteúdo da

imagem tecnicamente reproduzida.

61

A sociologia e a antropologia têm utilizado a fotografia como recurso

de pesquisa, buscando aspectos visíveis, através da descrição ou da narrativa.

Historiadores e profissionais ligados à conservação e o restauro utilizam os

registros fotográficos antigos, especialmente os de arquitetura ou aqueles em que

a edificação e seu entorno subsistem em conjunto, as vistas urbanas, para

explicar transformações ou permanências nos edifícios e nas cidades. Para Leite

(2001, p. 28), esse tipo de estudo favorece uma leitura direta do conteúdo da

fotografia e destaca o ideal realista da imagem, sendo perfeitamente aplicado aos

estudos das transformações urbanas em que as mudanças e as ausências são

identificadas imediatamente.

3.1 A Fotografia como Documento Histórico

Foi a partir da Escola dos Annales, que a História ampliou o campo

do documento histórico, resultando naquilo que Le Goff (2001, p. 29) chamou de

“revolução documental”. Foi essa nova maneira de abordar o conhecimento

histórico, surgido desse movimento que propiciou às gerações subseqüentes de

historiadores rever as antigas concepções e metodologias da disciplina, fazendo

da Escola dos Annales o berço da Nova História (CARBONELL, 1981, p. 153).

Nova História foi a expressão cunhada a partir das influências que

as ciências sociais trouxeram à história, no inicio do século XX, a partir das

discussões entre sociólogos, filósofos e historiadores, dando origem a revista

Annales d’Histoire Economique et Sociale, fundada por Lucien Febvre e Marc

Bloch em 1929 (REIS, 2000, p. 65).

Ao se reportar aos fundadores da Escola dos Annales, Reis (2000,

p. 77), diz que um dos maiores defensores da ampliação do arquivo do historiador

foi Lucien Febvre, que acreditava que a história deveria contar com todos os

“vestígios da passagem do homem”. Defendia que o historiador não poderia se

resignar ao encontrar lacunas, pelo contrário, deveria procurar preenchê-las, não

só com os documentos escritos, mas com qualquer elemento que evidenciasse o

passado e que seu dever era antes de tudo, o de “vencer o esquecimento,

preencher os silêncios, recuperar as palavras, a expressão vencida pelo tempo”.

62

Febvre não concordava com a divisão da disciplina histórica em

História e Pré-História, baseada unicamente na invenção da escrita, porque para

ele, não havia diferença entre o trabalho de um pesquisador, que estudava a

difusão da cerâmica neolítica e aquele que trabalhava com uma fonte estatística,

pois acreditava que as manifestações humanas apenas se diferenciavam na

forma e ambos realizavam estudos históricos semelhantes.

Febvre também era contrário a explicação da História Moderna e

Medieval, baseada somente em documentos escritos, admitindo-se o auxílio da

arqueologia apenas na História Antiga. Não concordava com a ignorância do

historiador, que desconhecia a realidade econômica das sociedades, limitando-se

a conhecer apenas as datas, lugares e nomes de indivíduos, uma história de

grandes homens e grandes feitos.

A Nova História fez com que o campo histórico se alargasse não

havendo mais restrições ao trabalho do historiador. A idéia de “passado histórico”,

que delimitava o que seria passível de pesquisa histórica, era recusada.

“A História Política não seria mais a dimensão privilegiada e a história deve tratar de todas as dimensões do social e do humano: o econômico, o social, o cultural, o religioso, o técnico, o imaginário, o artístico.” (REIS, 2000, p. 79).

Assim, não se admitia mais a simples narração dos eventos

políticos, em uma ordem cronológica e uma evolução linear. A pesquisa histórica

deveria responder a problemas e, a partir deles, o historiador distribuiria suas

fontes, construindo e organizando as séries de dados. Era formulando problemas

e construindo hipóteses que se realizaria uma história verdadeiramente científica.

A tendência de se utilizar os novos documentos como a pintura, a

fotografia e o cinema, auxiliou a aproximação da história a outras disciplinas das

ciências humanas, especialmente, para busca de metodologias adequadas à

análise dessa nova base documental (CARDOSO e MAUAD, 1997, p. 402).

63

3.1.1 A Utilização da Documentação Fotográfica Histórica

Carbonell (1981, p.164) afirma que cada década do século XX

acumulou mais informação do que aquelas reunidas e transmitidas da época da

invenção da escrita até os dias atuais. Documentos são produzidos aos milhares,

quando se pensa que cada criação humana ou da natureza tem seu valor

documental: papéis, louças, músicas, tecidos, fotografias; basta que sirvam como

fonte para a construção do conhecimento científico para o historiador. Para o

autor é a problemática que faz nascer as fontes, por isso, são “praticamente

inesgotáveis”.

Segundo Leite (2001, p. 15), a fotografia histórica caracteriza-se por

ter sido produzida “há algum tempo, com relação ao momento em que é analisada

pelo observador”, essa dificuldade em delimitar a condição histórica de uma

fotografia, nos permitiu considerar o registro fotográfico produzido ao longo do

século XIX e nas primeiras décadas do século XX como fotografias históricas.

Apesar de não ter sido tratada como fotografia histórica, a produção originada a

partir do movimento moderno até os dias atuais também é uma importante fonte

documental pela inovação técnica e estética.

A produção fotográfica brasileira resultante de mais de um século e

meio de registros é significativa, especialmente aquela relacionada com a

arquitetura e a paisagem urbana e suas transformações, no entanto, o número de

trabalhos científicos sobre o tema ainda é muito restrito.

No que se refere aos estudos da fotografia histórica brasileira, uma

grande quantidade relaciona-se com a biografia e a produção dos fotógrafos,

destacando-se diversos títulos sobre o fotógrafo carioca Marc Ferrez, alguns

deles escritos por Gilberto Ferrez como “O Rio antigo do fotógrafo Marc Ferrez;

paisagens e tipos humanos do rio de Janeiro”, em 1984 e “A fotografia no Brasil e

um dos mais dedicados servidores: Marc Ferrez (1843-1923)”, em 1997.

64

Pedro Karp Vasquez publicou algumas obras relacionadas aos

fotógrafos pioneiros no Brasil. Maria Inez Turazzi em 1995, realizou um

importante estudo sobre a participação da fotografia nas exposições nacionais e

internacionais entre os anos de 1839 a 1889. Algumas publicações surgiram de

exposições, como o livro de Rubens Fernando Júnior e Pedro Corrêa do Lago, “O

século XIX na fotografia brasileira” originado da exposição de 200 fotografias da

coleção de Pedro Corrêa do Lago, ocorrida em Brasília no ano de 2000.

O registro fotográfico também é estudado nos cartões postais.

Entres os autores que abordam esse tema no Brasil destacam-se a obra de Pedro

Karp Vasquez em 2002, que escreveu “Postaes brasileiros entre os anos de 1893

a 1930”; Paulo Berger que referiu-se aos cartões cariocas nas primeiras três

décadas do século XX; Victorino C. Chermont de Miranda que escreveu sobre os

postais paraenses do início do século XX. Os postais paulistas foram retratados

nas obras de João Emílio Geodetti e Carlos Cornejo. Destacam-se também textos

de Boris Kossoy, Nelson Schaponik e Rubens Fernandes Júnior sobre os postais.

Sobre a fotografia de arquitetura destacam-se dois trabalhos, o

primeiro trata das imagens contidas nos álbuns fotográficos produzidos entre os

anos de 1887 e 1954 relativos a cidade de São Paulo, estudadas por Solange de

Lima e Vânia Carvalho, em 1997. Nessa obra as autoras buscaram as relações

existentes entre os registros fotográficos da cidade e a sociedade, acreditando

que as imagens assumiam “funções legitimadoras, reguladoras, compensatórias,

propulsoras e pedagógicas, entendidas como indispensáveis na organização e

reprodução da vida social” (CARVALHO e LIMA, 1997, p.15).

Uma das fontes utilizadas nesse estudo foi a produção fotográfica de

Militão Augusto de Azevedo, em seu “Álbum Comparativo da Cidade de São

Paulo, 1862-1887. Militão ao explicitar as alterações ocorridas no espaço urbano

através de imagens comparativas, inaugurou uma prática extensivamente

utilizada nas duas primeiras décadas do século XX que permaneceu a influenciar

produções sobre o tema até os dias atuais. No recurso comparativo por meio da

fotografia pode-se perceber com maior nitidez a reconstituição do passado,

realizado segundo Carvalho e Lima (1998, p.117) através da materialização visual

do evento, que cria sentidos de continuidade por meio de uma seqüencialidade.

65

O segundo estudo, realizado em 1998 por Maria Cristina Carvalho e

Silvia Wolff, abordou as relações existentes entre fotografia e arquitetura no

século XIX, em um momento em que o mundo vivia o impacto de grandes

transformações advindas da revolução industrial. O texto retrata os embates entre

as formas de representações tradicionais e a nova maneira de registrar a

realidade, surgida com a fotografia. No Brasil, a história da fotografia e da

arquitetura caminharam paralelas, pois a arquitetura sempre foi um dos principais

temas do registro fotográfico. Poucas são as cidades que não tiveram suas

transformações captadas pelas lentes dos fotógrafos. Desse modo, ao se estudar

os pioneiros da fotografia fatalmente deparar-se-á com uma extensa produção em

que a arquitetura, cidade e a natureza são assuntos principais.

3.1.2 Acervo e Conservação

Uma breve reflexão faz-se necessário sobre a sistematização e a

conservação que vem sendo dada a vasta base documental produzida no país

desde o surgimento da fotografia até os dias atuais. Se pensarmos nos vestígios

produzidos pela humanidade ao longo da história, perceber-se-á que a

documentação fotográfica é um artefato recente, no entanto, pela importância que

vem adquirindo como fonte documental, a preocupação com a criação de acervos

sistematizados e com a conservação da integridade dos documentos vem

aumentando.

A busca pela estabilização das imagens e minimização da

degeneração do material não é nova, desde o surgimento da fotografia que

pesquisadores e fotógrafos vêm desenvolvendo técnicas que garantam a

durabilidade do material. Foi graças a essa preocupação que os mecanismos que

permitem o registro fotográfico foram sendo aperfeiçoados ao longo do tempo. A

procura de materiais que facilitassem a fixação da imagem e resistissem ainda

mais ao tempo, motivou, por exemplo, a substituição do papel albuminado pelos

papéis com aglutinante de gelatina e colódio.

66

Michelon (1999, p. 24-25) afirma que o objetivo da conservação é o

de prolongar a existência de cada exemplar sem comprometer a sua originalidade

e que ela decorre diretamente do sistema de guarda, recuperação e manuseio

dos originais fotográficos. O conhecimento dos processos fotográficos utilizados

na produção da imagem e suas especificidades são essenciais, para a elaboração

de procedimentos ideais para a guarda do acervo.

Alambert (sd, p. 57) orienta que o arquivamento e a exposição em

locais sem controle de temperatura e umidade relativa do ar podem causar

inúmeras deteriorações ao acervo fotográfico, por isso, os procedimentos

utilizados para o acondicionamento e armazenamento do material devem sempre

levar em consideração as condições ambientais e a natureza física de cada

exemplar. Graças aos cuidados no armazenamento, ainda hoje é possível

encontrar fotografias com mais de cento e vinte anos, em papel albuminado, em

razoável estado de conservação.

No Brasil, destacam-se alguns acervos importantes, como aqueles

presentes na Biblioteca Nacional (Fig. 37) e no Museu da Imagem e do Som (Fig.

38), ambos no Rio de Janeiro. Entretanto, uma grande quantidade de fotografias

antigas, especialmente aquelas produzidas no século XIX e início do século XX,

ainda estão espalhadas nas mãos de colecionadores ou na posse de instituições

que não favorecem o acesso a pesquisadores ou a simples apreciadores da

fotografia.

Para que essa realidade seja modificada, e parte desse acervo

possa ser disponibilizado à pesquisa é necessário que sejam criados locais em

que essa documentação fique adequadamente acondicionada e conte com mão

de obra especializada para seu manuseio e sistematização. O Centro de

Conservação e Preservação Fotográfica da FUNARTE é um exemplo desse local,

sendo um dos únicos que possui uma câmara de refrigeração específica para

guarda de materiais fotográficos.

67

Figura 37 – Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro Fonte: www.geocities.com/rio_cidade

Figura 38 – Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro Fonte: www.acphoto.hpg.ig.com.br

No que tange a sistematização do acervo, a complexidade no trato

desse material não é menor, pois a criação de uma identificação que não restrinja

as potencialidades do documento dentro de um conjunto e o tornem viáveis para

a pesquisa não é tarefa das mais simplificadas. Michelon (1999, p. 25) orienta que

a classificação do acervo deve ser feita por conjunto ou coleção, e que se deve

elaborar fichas catalográficas que dêem conta da singularidade do documento e

da variedade de suas relações no conjunto. Sabe-se, no entanto, que esta não é

uma tarefa das mais fáceis, visto que a classificação do acervo dependerá da

leitura e interpretação da informação visual contida na fotografia.

68

Apesar do objetivo de arquivos e bibliotecas ser o de permitir o

acesso do público as coleções fotográficas, faz-se necessário a consulta racional

dos originais, visto que a integridade dos materiais também está relacionada ao

manuseio deles, isso vem gerando inúmeras discussões acerca da manipulação

dos originais. Zuñiga (1998, p. 331) acredita que certos materiais fragilizados

necessitam de cuidados especiais e manuseio restrito, para isso faz-se

necessário a criação de políticas de acesso restritivo que estabeleça quem

poderá consultá-los. A autora tem noção da polêmica que tais ações podem

gerar, contudo, a preocupação com a preservação do material justificaria essa

restrição do manuseio.

Uma das opções de acesso apontado pela autora seria a criação de

cópias digitais, no entanto, sugere cautela nessa utilização, apontando

ponderações que devem ser levadas em consideração. Uma delas diz respeito à

reprodução, visto que, a reprodução de uma fotografia a partir de um negativo,

por mais semelhante que possa ser de um original, possuirá sempre sutis

diferenças possíveis de identificar. Entretanto, a reprodução por meio digital não

permite essa fácil identificação gerando produtos de qualidades semelhantes.

Outra questão refere-se à facilidade de manipulação das imagens

pelo computador, levando a dúvidas sobre a autenticidade das cópias. A pesar

disso, Zuñiga (1998, p. 334-335) acredita que a facilitação poderá valorizar ainda

mais os originais, e que o acesso às cópias digitais diminuirá a procura por eles,

visto que, segundo a autora a razão da maioria das consultas refere-se à imagem

e não a fotografia como “objeto”.

Leite (2001, p. 39), acredita que a adulteração de uma fotografia por

retoques ou fungos, seu uso indevido ou a degeneração e envelhecimento não

reduzem o seu valor documental, pelo contrário, ampliam “a necessidade de

verificar as maneiras de selecionar, curar, recuperar e decodificar as informações

que séries compostas de imagens podem fornecer ou sugerir”.

69

3.2 Metodologias de Análise e Leitura de Imagens

Na utilização da fotografia, como instrumento de pesquisa, Kossoy (2001, p.

63-76) sugere alguns procedimentos para a recuperação das informações

históricas. Inicialmente deve-se localizar e selecionar as diversas fontes que

serão consultadas, que permitam o conhecimento e a reconstrução do

momento histórico da produção da imagem. Em seguida, investiga-se a

procedência e trajetória da imagem fotográfica que fornecerá subsídios para a

recuperação da história do documento. Posteriormente, realiza-se o estudo

técnico-iconográfico do material, que deverá buscar, tanto a natureza técnico-

material do documento, revelando o contexto e a tecnologia de produção da

imagem, quanto à instância iconográfica que deverá determinar os elementos

icônicos que formam o registro visual.

Leite (2001) em seu livro Retratos de família: leitura da fotografia

histórica, apresenta diferentes abordagens metodológicas para trabalhar com o

registro fotográfico. A primeira se insere entre as pesquisas em que

metodologicamente a fotografia serve como instrumento complementar do texto

escrito, ampliando ou sintetizando conteúdo textual, sendo essa a mais antiga e

mais freqüente forma de utilização da iconografia. Na segunda abordagem, o

significado próprio da imagem fotográfica torna-se o objeto da pesquisa,

buscando-se desvendar o texto visual presente na fotografia.

A autora descreve algumas tentativas de análise da representação

fotográfica, realizadas por Margaret Mead, Gregory Bateson e John Collier. Nos

estudos, os pesquisadores partiram das características externas do material em

busca do contexto de produção da fotografia, tentando identificar quem tinha sido

o fotógrafo, qual era o local, a data, o tipo de material utilizado, o assunto. Em

seguida, procuraram-se as características internas do material, passando-se a

analisar as intenções do produtor ou do colecionador. Posteriormente,

construíram-se séries de fotos de acordo com o objeto do estudo, os locais ou

datas. A autora relata que ocorreram “variações marcantes” na organização inicial

das séries influenciadas, sobretudo, pela formação cultural e profissional dos

pesquisadores e pelos objetos de estudo (LEITE, 2001, p. 31-34).

70

Portanto, de acordo com o procedimento metodológico adotado, as

fotografias podem ser observadas, analisadas e interpretadas isoladamente ou em

seqüências, agrupadas por afinidades em termos temáticos ou por compartilharem

do mesmo contexto espaço-temporal. Isso não excluirá que se obtenham leituras

múltiplas, porque cada espectador interpretará a imagem segundo sua condição

sócio-econômica, cultural e ideológica.

Na antropologia, Collier (1973, p. 104), afirma que a abundância de

fatos em fotografias é tão grande, que para se trabalhar inteligentemente com

elas, é preciso uma seleção das variáveis mais expressivas e um acervo

suficiente de provas para se criar instrumentos para a pesquisa antropológica.

Assim, pode-se interpretar as fotografias medindo, avaliando e comparando todos

os elementos materiais, como artefatos, instrumentos, mobílias, apetrechos e

trabalhos de artes. Para isso, o autor sugere:

1. Elaboração de um inventário para que se ofereça a

oportunidade de se observar e avaliar a qualidade de

informação encontrada nas fotografias. Esse procedimento

permite a observação da fotografia como se ela fosse uma

verificação da memória, e a câmera fotográfica um dispositivo

de controle, que fornece uma estabilização posterior da

experiência real;

2. Construção de estruturas categóricas a partir do material

classificado;

3. Condensação de evidências ou transformação das variáveis

em quadros estáticos, tabelas e diagramas, para a

transformação da imagem em conclusão científica.

71

No campo da arte, no final década de 1980, surgiram no Brasil,

idéias que influenciaram e deram corpo ao entendimento de que a arte não era só

expressão, mas também conhecimento, um comportamento inteligente e também

sensível, eliminando a dicotomia entre cognição e emoção. Essas idéias foram

responsáveis por fundamentar a circulação de novas propostas de ensino de arte

baseadas na própria arte, em sua história, em sua apreciação e na sua produção.

Dentre as novas propostas metodológicas podemos destacar a Abordagem

Triangular de Ana Mae Barbosa, que enfatizava a necessidade de organizar o

ensino de arte visuais através do inter-relacionamento de três eixos norteadores:

a leitura da imagem, a contextualização histórica e o fazer artístico.

A partir do surgimento da Abordagem Triangular, o termo leitura

começou a ser incorporado nos vocabulários dos educadores, bem como

métodos específicos para a apreciação de uma imagem, seja ela, pintura,

desenho, fotografia, propaganda, etc. Segundo Kehrwald (1999, p. 22) o conceito

de leitura seria “um processo de decodificação e compreensão de expressões

formais e simbólicos que envolvem tanto componentes sensoriais, emocionais,

intelectuais, neurológicos, quanto culturais e econômicos”.

Pillar (1992, p. 9) afirma que ao contrário de um texto, uma imagem

possibilita uma infinidade de leituras devido às relações que seus elementos

sugerem. Trata-se de uma construção metalingüística da imagem.

“Não é falar sobre uma pintura, mas falar da pintura num outro discurso, às vezes silencioso, algumas vezes gráfico, e verbal somente na sua visibilidade primária”. (BARBOSA, 1991. p. 19)

Dessa forma, Pillar (1992, p. 9) afirma que comparar imagens

destacando semelhanças e diferenças é um estudo muito enriquecedor acerca da

gramática visual, dos significados que as obras permitem, de sua sintaxe e do

vocabulário próprio de cada linguagem. Essa diversidade de leituras não é

excludente, permitindo que na leitura uma imagem fazendo com que várias

abordagens se interpenetrem, tornando a apreciação mais rica. É importante

então, ressaltar que podemos ler a mesma imagem entre outros modos, a partir

de uma análise gestáltica, iconográfica, iconológica, semiótica, estética, entre

outras.

72

Na leitura gestáltica de uma imagem considera-se os elementos da

linguagem visual, como linha, plano, relevo, textura, cor, volume. Além, do modo

como tais elementos estão estruturados no espaço, ou seja, os aspectos

compositivos da obra.

Na leitura iconográfica, se procura estudar o conteúdo temático ou

significado das imagens como algo distinto de sua forma. Segundo Panofsky

(1982, p. 24) na análise iconográfica tratam-se das imagens, histórias e alegorias

em vez de motivos, pressupõem familiaridade com temas específicos, tal como

são transmitidos por meio de fontes literárias ou obtidos por leitura ou tradição

oral.

A leitura iconológica é um plano mais profundo que a iconografia,

visa ler a atitude que um homem de outra época adota espontaneamente perante

a realidade, não só quando pretende representá-la artisticamente, mas sempre

que atua sobre ela ou sobre ela reflete. Então, a iconologia é um ramo da história

da arte que se ocupa com a representação alegórica ou emblemática de entidades

morais, bem como, da explicação de imagens ou monumentos antigos, de figuras

alegóricas e seus atributos, além de estudar o tratamento dos assuntos em

diversos artistas e épocas.

Na leitura semiótica, se analisaria os signos, símbolos e sinais

presentes na imagem. Esta análise abordaria os sistemas de símbolos e de signos

construídos pelo homem como um texto visual em remissão a outros textos

visuais, uma imagem em relação à diferente autores e épocas. Segundo Ferrara

(1999, p. 227) a semiótica é um instrumento de identificação e de leitura do mundo

moderno nos seus desdobramentos de linguagens e símbolos. São os sinais, as

marcas que os processos de transformação social deixam no espaço e no tempo

contando uma história não verbal que se nutre de imagens, máscaras, fetiches,

dentre outros, que designa uma expectativa, um cotidiano, valores, usos, hábitos e

crenças do homem.

73

Na leitura estética, por fim, seria considerada a expressividade, o

que há de eterno e de transitório, de circunstancial de uma época na imagem a

ser analisada. Essa leitura procura saborear a imagem de modo cognitivo e

sensível, através da cor, luz, formas, destacando-se a disposição destas formas

no espaço e o modo como os elementos se relacionam.

3.3 Fotografia e Documento

A partir da segunda metade do século XIX, o aperfeiçoamento da

técnica de fotografar e da indústria gráfica, possibilitou a multiplicação da imagem

fotográfica. O mundo passou a ser mais “familiar”, podendo o homem conhecer

outras realidades que outrora lhes eram apresentadas unicamente através da

tradição oral, pictórica e, especialmente a escrita. Assim, a fotografia ficou

conhecida como uma espécie de prova, atestando indubitavelmente a existência

daquilo que mostrara.

Os monumentos, habitações, religiões, ou qualquer manifestação humana ou

da natureza poderia ser conhecida em diferentes partes do mundo (Figs. 39 e

40). A câmara fotográfica, gradativamente, foi documentando a transformação

da paisagem urbana e da arquitetura, assim como os hábitos e costumes dos

povos. Esse novo modo de reconhecer o mundo, apesar de fragmentário em

termos visuais, possibilitou uma nova visão do real:

“Microaspectos do mundo passaram a ser cada vez mais conhecidos através de sua cópia ou representação. O mundo, a partir da alvorada do século XX, se viu, aos poucos, substituído por sua imagem fotográfica. O mundo tornou-se, assim, portátil e ilustrado” (KOSSOY, 2001, p. 27) [grifos do autor].

Assim, a popularização da fotografia, no final do século XIX, graças

aos postais e ao desenvolvimento das câmeras portáteis, produziu um grande

número de imagens, captadas em diferentes lugares e tempo. Essas fotografias

são testemunhas de um fragmento do cotidiano de um determinado momento,

portanto, são as memórias de paisagens, pessoas e de suas transformações.

74

“O papel da fotografia é conservar o traço do passado ou auxiliar as ciências em seu esforço para uma melhor apreensão da realidade do mundo... ela é um auxiliar (um ‘servidor’) da memória, uma simples testemunha do que foi” (DUBOIS, 1993, p. 30).

Figura 39 – Monte Paladino em Roma – 1899 Fonte: Abril Coleções, 1998

Figura 40 – Partenon na Grécia – 1869 Fonte: Abril Coleções, 1998

75

A arquitetura, absorvida por este contexto, sempre foi um grande

veio para os fotógrafos, que não se limitaram ao registro de monumentos já

construídos, queriam retratar as fases de execução de novas obras, as

restaurações de edifícios, os detalhes construtivos, a singularidade dos

ornamentos, assim como, retratar a feição da cidade em contraste com as obras

da natureza.

Apesar das constantes discussões, acerca da objetividade na

representação do real, a fotografia deteve o caráter de atestar e autenticar a

existência do objeto que mostrara, o que lhe conferiu um poder de credibilidade,

ausente em qualquer outra obra pictural, tornando a fotografia um testemunho

praticamente irrefutável de registro da realidade.

A documentação fotográfica transformou-se, portanto, num suporte

de memórias, permitindo também uma análise mais detalhada dos elementos não

verbais. Ela possibilitou a abertura de novos meios para compreensão e absorção

de um fato, viabilizando o desenvolvimento de uma análise meramente ilustrativa,

empenhando-se na capacidade de criar por si própria uma narrativa. Assim, dada

à capacidade de “congelar” o tempo, e de renovar-se a cada nova imagem obtida,

a fotografia vem cumprindo com eficiência sua função como um instrumento de

documentação e pesquisa.

3.4 A Fotografia como Fonte ou Objeto de Pesquisa

Apesar de atualmente os registros fotográficos servirem como fontes

e objetos de pesquisas científicas, sendo utilizados por diferentes áreas do

conhecimento, ainda é muito reduzida a bibliografia que possibilite a interpretação

ou leitura da imagem fotográfica. Essa carência se dá, segundo Leite (2001, p.

25) e Barthes (1984, p.16-17), porque a maioria dos autores não escreve sobre o

fenômeno da linguagem fotográfica em si ou da fotografia como imagem, mas

sim, sobre a história da fotografia, da técnica, da biografia de fotógrafos, etc.

76

O registro fotográfico traz consigo informações a respeito de sua produção

material, que evidencia uma técnica específica empregada e de um assunto

escolhido, que seleciona um fragmento específico do espaço-tempo, por isso,

a análise de uma fotografia devia abarcar simultaneamente a instância técnica

e iconográfica. A análise técnica diz respeito às informações acerca do

artefato, ou seja, a investigação das características materiais do documento. A

análise iconográfica relaciona-se com “o aspecto literal e descritivo da imagem

em que o assunto registrado é perfeitamente situado no espaço e no tempo,

além de corretamente identificado” (KOSSOY, 2001, p. 77).

Como qualquer outro recurso de investigação, a fotografia se

caracteriza por ser um recorte da realidade, assim, tanto a documentação verbal,

como a escrita e quanto a fotográfica apresentam limitações que podem ser

minimizadas ao se articular as informações obtidas entre esses diferentes

recursos. Portanto, a análise das fontes fotográficas não terá sentido se não

houver a colaboração de informações contidas nas fontes escritas e em outros

documentos iconográficos. São esses elementos que irão auxiliar na identificação

dos assuntos representados.

Leite (2001, p. 38) trata da reiteração do texto escrito por meio da

iconografia afirmando que eles podem complementar-se ou, ao contrário, ser

completamente diverso um do outro, por essa razão, recomenda cautela nessa

nesse procedimento, porque apesar das imagens necessitarem das palavras para

serem transmitidas, freqüentemente as palavras não conseguem evocar com

exatidão o que as imagens que representam.

77

Para Kossoy (2001, p. 107), o assunto fotografado é apenas um

fragmento da realidade, um aspecto específico, resultado da decisão do fotógrafo

entre diversas outras possibilidades. Para ele uma única fotografia ou um

conjunto delas não teria a capacidade de reconstituir fatos passados, elas apenas

“congelariam” fragmentos de um instante, cabendo ao leitor a capacidade de

procurar entender esse fato. Dessa maneira, a compreensão do conteúdo da

fotografia demandaria um conhecimento prévio da realidade representada na

imagem, uma apurada percepção visual, imaginação, dedução, além da

comparação entre várias imagens.

No entanto, Leite (1993, p. 41) que também estuda a interpretação

da imagem, acredita que as mudanças do mundo visível podem ser alcançadas

por meio da investigação de um conjunto de imagens de um mesmo assunto,

registradas em diferentes momentos. Isso porque apesar da imagem fotográfica

não registrar a passagem do tempo e apenas fixar o recorte da realidade num

instante, ao articular-se diversos fragmentos de um mesmo assunto ao longo do

tempo, poder-se-ia reconstituir sua trajetória.

78

Restituição fotogramétrica da fachada da Igreja de São Miguel Arcanjo - RS

Fonte: Brasil, 1994

4 FOTOGRAFIA E RESTAURO

Intervenções restaurativas são sempre acompanhadas de

discussões acerca de sua validade ou necessidade. Diversas teorias versão sobre

o tema, contudo, um ponto parece ser unânime entre os pensadores: a

restauração é sempre uma prática radical que deve ser evitada, portanto, a

conservação e a manutenção preventiva devem ser as ações corriqueiras nas

práticas de preservação do patrimônio. Notas a este respeito podem ser

observadas na teoria de John Ruskin, publicada inicialmente em 1849, que

adverte

“Tomai atentamente cuidado, com vossos monumentos, e não tereis nenhuma necessidade de restaurá-los (...), a nossa decisão de conservar ou não os edifícios das épocas passadas não é questão de oportunidade ou de sentimento. Nós não temos direito de tocá-los. Não são nossos. Eles pertencem, em parte, àqueles que os construíram, e em parte a todas as gerações de homens que deverão vir depois de nós.” (RUSKIN, 1996, p. 27)

Outro importante teórico de restauro, Camilo Boito (2002) retoma o

assunto indicando que a conservação é uma obrigação de todos, tanto da

sociedade como do governo. Passados quase cem anos da advertência feita por

Ruskin de que a conservação seria a melhor opção para a preservação e

permanência do monumento, a Carta de Atenas, publicada em Outubro de 1931,

comprovou:

79

“Qualquer que seja a diversidade dos casos específicos – e cada caso pode comportar uma solução própria – a conferência constatou que nos diversos Estados representados predomina uma tendência geral para abandonar as reconstituições integrais, evitando assim seus riscos, pela adoção de uma manutenção regular e permanente, apropriada para assegurar a conservação dos edifícios. (CURY, 2000, p. 13)

Foi a partir da publicação da 1ª Carta de Atenas, que a sociedade

moderna definitivamente reconheceu a importância das teorias de restauração

nascidas no século XIX. O documento também agregou à noção de manutenção

preventiva a idéia de que as ações de conservação eram favorecidas pela

utilização do Bem pela sociedade, deste que essa não fosse danosa ao

monumento.

“(...) A conferência recomenda que se mantenha uma utilização dos monumentos, que assegure a continuidade de sua vida, destinando-os sempre finalidades que respeitem o seu caráter histórico ou artístico.” (CURY, 2000, p. 13)

A idéia de utilização como aliada da preservação de um edifício

também sempre foi uma das questões bastante defendida pelos restauradores.

Exemplo disto pode ser observado na obra de Aloïs Riegl (1987) O culto moderno

aos monumentos, publicada em 1903. Nela o restaurador afirmava que abdicar da

utilização potencial instrumental do edifício poderia ser mais degradante ao

monumento do que sua utilização física. Acreditava que a degradação humana

seria menos nociva do que a ação gerada pelo abandono e degradações do

tempo, entretanto, dever-se-ia garantir utilizações compatíveis aos monumentos,

para que a intervenção humana fosse a menos destrutiva possível.

A Carta de Veneza, no 4º e 5º artigo também faz referência à

manutenção contínua e ao uso responsável do Bem,

80

“ Art. 4º A conservação dos monumentos exige, antes de tudo, manutenção permanente. Art. 5º A conservação dos monumentos é sempre favorecida por sua destinação útil à sociedade; tal destinação é, portanto, desejável, mas não pode nem deve alterar a disposição ou a decoração do edifício. É somente dentro destes limites que se devem conceber e se podem autorizar as modificações exigidas pela evolução dos usos e costumes”. (CURY, 2000, p. 92)

Apesar da preocupação com a manutenção permanente e o uso

responsável do monumento ser universal, nem sempre a realidade do patrimônio

cultural, especialmente nas cidades brasileiras, consegue manter-se tal que evite

procedimentos restaurativos. Existem momentos em que o estado de conservação

do edifício demanda ações enérgicas, sendo necessário o restauro do Bem.

Decorre daí um dos assuntos mais comentados nas teorias de restauro: a

necessidade de um projeto que concilie o reparo aos danos da edificação e a

manutenção da essência da obra. De John Ruskin a Cesare Brandi, a matéria tem

sido discutida sempre acompanhada de uma apaixonada argüição. De modo

prático ou originando discussões filosóficas, a retórica da restauração tem gerado

uma diversidade de pensamentos e ações ao longo do tempo.

Modernamente duas linhas de pensamento tem reinado nas obras

de restauro: uma que trata predominantemente da tecnologia do restauro e outra

das discussões filosóficas. A primeira linha preocupa-se com a pesquisa de novas

tecnologias para a recuperação dos monumentos e a segunda busca a adaptação

de técnicas antigas para intervir o mínimo possível no edifício. Apesar das

diferenças de procedimentos, em ambas as teses torna-se essencial a pesquisa

histórica e o cuidadoso registro da intervenção.

Sobre esta ótica, a fotografia sempre foi vista como aliada pelos

restauradores e teóricos da conservação e do restauro. Viollet-le-Duc,

contemporâneo do invento fotográfico, já falava da importância da fotografia. Dizia

que mesmo o desenho mais perfeito poderia induzir a erros, pois ele era passível

de omissão,

81

“Com efeito, quando os arquitetos tinham à sua disposição somente os meios comuns do desenho, inclusive os mais exatos, como a câmara clara, por exemplo, era difícil para eles não cometer qualquer esquecimento, não descuidar de certos vestígios poucos evidentes.” (VIOLLET-LE-DUC, 1996, p. 28)

Acreditava que a fotografia produzia “memórias irrefutáveis”, que

poderiam ser consultadas a todo o momento. Afirmava que a fotografia tornava os

arquitetos mais escrupulosos e cuidadosos com os pequenos detalhes dos

monumentos. Para ele, o uso da fotografia jamais seria excessivo, sendo ela

também um instrumento para justificar ações e decisões.

Para os restauradores e arqueólogos a fotografia uniu-se à

iconografia e aos documentos antigos para colaborar na identificação,

comprovação ou contestação de hipóteses levantadas em prospecções, por isso,

tornam-se essenciais nos projetos de restauro, antes como testemunhas do

passado e, depois, como testemunhas da intervenção.

As Cartas patrimoniais, documentos usualmente oriundos de congressos ou

fóruns de discussões em que a preservação era o foco do encontro ou um dos

assuntos relevantes, sempre orientaram à ampla utilização da fotografia nos

projetos de restauração. Exemplo pode ser encontrado no Art. 16 da Carta de

Veneza (CURY, 2000, p. 95) que recomenda o acompanhamento de trabalhos de

conservação, restauração e de escavações ilustrados com desenhos e fotografias

de todas as fases do trabalho, para elaboração de relatórios analíticos e críticos.

A Carta também orienta para que esta documentação seja colocada a disposição

de pesquisadores e se possível publicada.

A Carta do Restauro do Governo da Itália, de abril de 1972, em seu

Art. 8º, recomenda o desenvolvimento de um diário onde todas as fases da

intervenção devem ser registradas e fotografadas. No Anexo B desse mesmo

documento, que discorre sobre restaurações arquitetônicas, recomenda-se que o

projeto de restauro baseie-se ainda “em uma completa observação gráfica e

fotográfica, interpretada também sob o aspecto metrológico, dos traçados

reguladores e dos sistemas proporcionais” (CURY, 2000, p. 157). No Anexo C,

que trata de restaurações pictóricas e escultóricas, novamente recomenda-se que

a obra seja registrada fotograficamente para documentar seu estado antes da

intervenção restaurativa.

82

O registro fotográfico do estado de conservação de uma escultura

localizada no portal do castelo Herten, na Alemanha, em três momentos

diferentes (Fig. 41), é um exemplo de como a fotografia constitui em uma

importante ferramenta para a base documental de edificações históricas.

Na imagem registrada em 1908 percebe-se que a escultura começa

a sofrer danos por estar expostas às intempéries, além de ter perdido parte de um

dos braços. Na fotografia de 1969, é possível visualizar a extensão dos danos na

escultura originados pela exposição ao tempo e à poluição e falta de

conservação. Na imagem, é quase impossível ver o rosto, membros e entalhes da

estatuária pela incrustação de partículas oriundas de microorganismos e

poluentes (KRÄTZIG, 1998). Na foto do ano seguinte, realizada após a

restauração da escultura, percebe-se a riqueza de detalhes da imagem que há

muito tempo não era visualizada pela falta de manutenção da figura.

Figura 41 – Escultura situada no portal do Castelo Herten, na Alemanha, em diferentes épocas Fonte: Krätzig, 1998

83

A fotografia sempre foi um dos principais documentos de registro do

acervo das cidades, tanto que sempre esteve presente no cadastramento e

inventário cultural de cidades e estados brasileiros. O Estado da Bahia foi um dos

pioneiros no inventário de seu patrimônio cultural, assim como na publicação

desse material. Os primeiros volumes foram lançados ainda na década de 1970,

compreendendo os monumentos da capital Salvador e do Recôncavo Baiano. O

restante do estado também teve seu patrimônio catalogado ao longo da década

seguinte. O V volume da série, lançado em 1988 (BAHIA, 1988), referia-se aos

monumentos e sítios do Litoral Sul do Estado. Em meio às informações técnicas e

históricas, a fotografia é um dos importantes elementos de identificação visual do

monumento, além do registro do estado de conservação do Bem no momento da

tomada da foto (Figs. 42 e 43).

Figura 42 – Ficha catalográfica do acervo cultural do litoral baiano - frente Fonte: Bahia, 1988

84

Em projetos de restauração, o levantamento fotográfico é uma das

fases do cadastramento do Monumento ou sítio, assim como, parte da pesquisa

histórico-bibliográfica. A pesquisa permite a análise e compreensão do edifício e

de sua evolução, assim como, permite o estudo comparativo de edificações

congêneres. A análise das fotos e desenhos antigos, assim como, de

documentos, plantas, cortes e demais documentações do edifício original ou das

modificações realizadas ao longo da história do monumento são úteis

especialmente na definição de soluções de caráter técnico.

A restauração da Igreja de Nossa Senhora da Assunção, na cidade

de Anchieta, no Espírito Santo, é um bom exemplo da utilização da

documentação fotográfica como importante ferramenta em obras de restauro no

Brasil. O registro fotográfico das várias etapas da obra fornece um panorama da

intervenção restaurativa. É possível conhecer o estado do monumento antes da

restauração, visualizar as prospecções que embasaram modificações no projeto

Figura 43 – Ficha catalográfica do acervo cultural do litoral baiano - verso Fonte: Bahia, 1988

85

(Fig. 45), a edificação durante as obras de restauração e ainda perceber a feição

final do edifício após a conclusão das obras (Fig. 44).

A utilização da fotografia também fez parte do levantamento

histórico e iconográfico do Bem (Abreu, 1998). A partir da documentação

resultante da obra, técnicos e pesquisadores lançaram uma publicação do

restauro da Igreja (Fig. 46).

Figura 44 – Três momentos da Igreja: Em 1928, sendo restaurada e após a restauração Fonte: Abreu, 1998.

Figura 45 – Vão original encontrado após prospecção arquitetônica Fonte: Abreu, 1998.

Figura 46 – Capa do livro publicado após a restauração da Igreja Fonte: Abreu, 1998.

86

No Pará, a Secretaria de Cultura, para divulgar o trabalho realizado

pelo Governo do Estado, lançou uma série de publicações intitulada de Restauro,

originada do acompanhamento fotográfico das obras de restauração do Teatro

Waldemar Henrique e do antigo Palacete dos Governadores, resultando em dois

luxuosos volumes. O primeiro deles foi lançado em 1997, após a conclusão da

obra de restauração do Teatro Waldemar Henrique. O livro possui um extenso

capítulo intitulado “Documentação fotográfica comentada da restauração” (PARÁ,

1997), contendo as diversas fases da obra. No livro é possível visualizar as

surpresas descobertas com as prospecções arquitetônicas, como o antigo pórtico

de entrada e o forro trabalhado encobertos por obras no local (Figs. 49 e 50).

Figuras 47 – Fachada do Teatro no começo da restauração

Fonte: Pará, 1997.

Figuras 49 – Pórtico encontrado na prospecção do prédio. Fonte: Pará, 1997.

Figuras 50 – Pórtico de entrada restaurado. Fonte: Pará, 1997.

Figuras 48 – Fachada do Teatro após a restauração Fonte: Pará, 1997.

87

O segundo volume, publicado em 2000, retratou a restauração e

revitalização do antigo Palacete dos Governadores, transformado atualmente em

sede da Secretaria de Cultura do Estado do Pará e Parque da Residência. No

livro, o maior capítulo também é destinado a documentação fotográfica da

intervenção. No volume é possível acompanhar a complexa intervenção no local,

como a remontagem de um centenário galpão de ferro fundido, que funcionou

como estação de gás, no século XIX, em Belém (PARÁ, 2000), que deixou seu

local original para se transformar em sala de espetáculos (Figs. 53 a 55).

Figuras 51 – Forro antigo encontrado após o início da obra.

Fonte: Pará, 1997.

Figuras 53 – Antigo galpão da estação de gás de Belém, em seu local original.

Fonte: Pará, 2000.

Figuras 54 – Desmontagem do galpão. Fonte: Pará, 2000.

Figuras 52 – Forro restaurado. Fonte: Pará, 1997.

88

O local além de contar com o Palacete do Governador (Figs. 56 e

57), possuía um coreto e um gazebo. Havia também no local um antigo vagão do

trem Belém-Bragança. Todas essas estruturas foram restauradas e integradas ao

Parque urbano de Belém e podem ser visualizadas no livro publicado pela

Secretaria de Cultura do Estado (PARÁ, 2000).

Trabalho semelhante foi realizado pelo Governo do Estado de São

Paulo, através da Fundação para o Desenvolvimento da Educação – FDE que

transformou em livro ilustrado a ação de preservação e restauro de várias escolas

paulistas intitulado de Arquitetura Escolar Paulista – Restauro (Fig. 58). Na

introdução da publicação destaca-se que:

Figura 56 – Antiga residência dos Governadores do Pará antes do restauro Fonte: Pará, 2000

Figura 57 – Antiga residência dos Governadores do Pará após o restauro Fonte: Pará, 2000

Figuras 55 – Galpão restaurado e adaptado para ser uma sala de espetáculos no Parque da Residência, em Belém-PA.

Fonte: Pará, 2000.

89

“Além das peças gráficas que normalmente compõem os projetos constam dos mesmos os elementos que subsidiaram a proposta apresentada: o histórico do edifício original; o inventário, isto é, levantamento, identificação, documentação gráfica e fotográfica de todos os elementos construtivos do prédio e as especificações técnicas pra recuperá-los.” (SÃO PAULO, 1998a)

Outro relevante trabalho publicado sobre o patrimônio histórico

paulista, foi o livro contendo o inventário de bens tombados pelo Estado de 1968

a 1998, sob a coordenação do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico,

Arqueológico, Artístico e Turístico – CONDEPHAAT (SÃO PAULO, 1998b). O livro

contém um breve relato sobre cada monumento, o número da documentação

oficial de tombamento e a ilustração fotográfica do monumento. Independente da

simplicidade das informações, na apresentação do livro, o então presidente da

Instituição, Carlos Heck justifica:

“A publicação, que ora oferecemos à sociedade paulista, informa sobre os bens protegidos, fruto destes trinta anos de existência. Esta obra vem, portanto, ampliar o universo dos documentos arquivados no Condephaat, composto de livros de tombo, textos, fotos, desenhos, plantas arquitetônicas, entre outros, que constituem um conjunto importante de informações sobre a memória histórica e a formação da sociedade paulista.” (SÃO PAULO, 1998b)

Tal preocupação, em publicar volumes contendo obras de

intervenções restaurativas ou o inventário ilustrado do patrimônio cultural das

cidades, garante a fotografia um lugar de destaque na preservação de bens

culturais no país.

Figura 58 – Capa do livro “Arquitetura Escolar Paulista –

Restauro” Fonte: São Paulo a, 1998

Figura 59 – Capa do livro “Patrimônio Cultural Paulista” Fonte: São Paulo b, 1998

90

4.1 A Fotografia no Levantamento de Edifícios

A fotografia tem ganhado importância na documentação

arquitetônica de monumentos históricos, no entanto, deve-se utilizá-la

corretamente, com intenção rigorosamente científica, para que não se torne

inoportuna. Em ocasiões em que não se dispõem de tempo para a elaboração

de documentação gráfica, como em edificações em risco de desabamento,

que deverão ser alvo de reparos emergenciais, a fotografia pode ser o único

meio de registro possível.

Segundo Cramer (1986, p. 97), a vantagem da fotografia sobre

outros levantamentos, é que ela registra de maneira rápida e completa todos

os detalhes da edificação, como o material, a cor, etc., por isso, sua utilização

é de extraordinária importância no levantamento arquitetônico e como registro

documental de edificações. A imagem fotográfica complementa a

documentação gráfica, revelando aspectos do material utilizado, técnica

construtiva e outras especificidades, não identificáveis na representação

gráfica.

A arqueologia, a exemplo da arquitetura, há tempos utiliza-se de

fotografias em suas pesquisas científicas. Além de seu emprego como

registro também a utiliza para se ter noção da escala do objeto, para tanto, faz

a incorporação de elementos métricos á imagem, que podem ser desde

trenas, fitas métricas ou escalímetros (Fig. 60).

Figura 60 – Escala métrica incorporada ao levantamento arqueológico fotográfico

Fonte: Albuquerque, 1999

91

Na falta a objetos métricos é possível a utilização de elementos conhecidos como lápis ou canetas esferográficas, para se ter uma idéia do tamanho do objeto, contudo, neste tipo de utilização, não haverá precisão. Cramer (1986, p. 99) orienta para a utilização de um “metro de topógrafo”, que possui diferenciação de cores na régua, facilitando a identificação posterior das dimensões dos elementos (Fig. 61), especialmente no registro de estruturas ou de elementos arqueológicos.

Apesar de sua reconhecida importância em trabalhos de levantamentos arquitetônicos, alguns pontos de vista fotográficos poderão conter distorções que podem dificultar sua leitura, portanto, Docci (1987, p. 256-258), aconselha que nos levantamentos realizados através de fotografia, o eixo óptico da câmera mantenha-se horizontal, para que o objeto fotografado apresente um paralelismo. Na documentação de detalhes de edifícios, texturas e materiais constituintes recomenda a utilização de filme colorido, já a linha geral do edifício aconselha a utilização de filme em preto e branco.

Outra importante utilização da fotografia em levantamentos

arquitetônicos é no acompanhamento de lesões em edifícios. Recomenda-se a

aferição de uma medida inicial nas bordas das lesões com auxílio de elementos

de referência. O acompanhamento do andamento geral da lesão deverá ser

precedido de registros fotográficos regulares.

Figura 61 – Escala métrica incorporada ao levantamento arquitetônico fotográfico

Fonte: Docci, 1987

92

4.2 Fotogrametria

A fotogrametria é a ciência e a tecnologia de se reconstruir o espaço

tridimensional, ou parte do mesmo, a partir de imagens bidimensionais advindas

de sensores que gravam padrões de ondas eletromagnéticas, sem contato físico

direto com o objeto (COELHO, 2002, p. 07). Portanto, trata-se de uma

transformação entre sistemas. Para que ocorra essa transformação, faz-se

necessário a utilização de um conjunto de pontos de controle, expressos no

objeto (Fig. 62). A qualidade dos resultados obtidos está diretamente relacionada

ao número de pontos de controle, portanto, quanto maior for o número de pontos

utilizados maior deverá ser a precisão do levantamento.

Figura 62 – Representação esquemática da fotogrametria

Fonte: Coelho, 2002

Em função da plataforma utilizada, a fotogrametria pode ser

terrestre, aérea ou orbital. Para a arquitetura, interessam os levantamentos

realizados por meio da fotogrametria terrestre, também chamada de fotogrametria

a curta distância, por essa razão, esse estudo restringir-se-á a esse tipo de

plataforma.

93

A fotogrametria digital terrestre é utilizada para a criação de

imagens tridimensionais, com alta precisão, de edificações e monumentos. Seu

emprego vem sendo difundido na documentação de edificações históricas, por

apresentar diversas vantagens sobre os levantamentos tradicionais,

especialmente no que compete ao tempo de realização do serviço, à precisão dos

resultados obtidos e à possibilidade de se medir as deformações de elementos,

favorecendo entre outras coisas, o conhecimento das características geométricas,

a avaliação do real estado de conservação do edifício e barateando o custo

relativo do serviço.

Para Cramer (1986, p. 105), esse tipo de avaliação espacial também

possui a vantagem de não estar limitada a um determinado plano de seção,

previamente definido, e sim a qualquer plano, que poderá ser definido inclusive

posteriormente ao levantamento de campo. Aubin (1992, p. 92) vê diversos

benefícios no levantamento fotogramétrico, afirmando que, através dele, é

possível definir-se a descrição precisa do objeto, de sua estrutura e de suas

deformações, conhecer as linhas que definem a forma dos objetos, além de

demonstrar a especificidade de cada detalhe dos ornamentos.

Apesar das propaladas vantagens que possui em relação aos

levantamentos tradicionais, a utilização da fotogrametria digital ainda é

inexpressiva na documentação e cadastramento dos monumentos de interesse

histórico brasileiros, sendo raros os projetos de restauro que utilizam a tecnologia

ou os profissionais ligados a área que já tiveram contato com essa técnica.

Enquanto nos países europeus, a fotogrametria tem sido largamente

utilizada em levantamentos arquitetônicos, desde de 1970, no Brasil, até a década

de 1980 a utilização da fotogrametria no levantamento e cadastramento do

Patrimônio Histórico era praticamente inexistente, em especial, porque naquele

momento, possuía um alto custo, a produção dos desenhos era demorada e raros

eram os técnicos especializados na área. Atualmente, essa realidade começa a

modificar-se, sendo possível encontrar diversas empresas brasileiras que

trabalham com essa tecnologia, viabilizando tecnicamente e financeiramente a

execução desse tipo de levantamento.

94

Alguns destacados trabalhos têm sido desenvolvidos no país,

contudo, a produção ainda é incipiente se pensarmos no Patrimônio Arquitetônico

existente em cidades como Ouro Preto, Olinda, Recife, Belém e São Luis que

esperam por ser inventariados e cadastrados.

4.2.1 O Surgimento da Técnica

Desde que a fotografia foi inventada, logo se pensou em utilizá-la

para auxiliar nos dispendiosos e exaustivos levantamentos arquitetônicos e

topográficos. O fotógrafo francês Gaspard Félix Tournachon, o Nadar, em 1858,

ao sobrevoar Paris em um balão e tirar as primeiras fotografias aéreas da história,

inaugurou o que mais tarde viria a ser aperfeiçoado e chamado de fotogrametria.

No entanto, foi apenas em 1889 que o alemão C. Koppe lançou o primeiro manual

sobre o tema (COELHO, 2002, p. 10) .

A invenção do aparelho estereocomparador, pelo alemão Pultrich,

em 1901, que permitia a medição das coordenadas de um objeto registrado

através do plano de fotografias (AUBIN, 1992, p. 88), revolucionou a

fotogrametria. Dez anos depois, o austríaco Theodore Scheimpflug criou um

método de retificação de fotografias aéreas, que permitia sua utilização no

mapeamento de superfícies de grande extensão. Posteriormente, esses

dispositivos de retificação foram substituídos por restituidores analógicos, que

permitiam a visão estereoscópica.

Com o surgimento das câmeras métricas pôde-se inserir nas

fotografias informações relativas ao sistema de coordenadas da imagem,

aumentando a acurácia das medições. Na década de 1950, alguns anos após a

invenção do computador, surgiram os primeiros estudos que estabeleceriam as

bases da fotogrametria analítica, que desejava aperfeiçoar o método e substituir

os aparelhos mecânicos pela informatização na realização de cálculos. Contudo,

somente em 1976, no congresso da International Society for Photogrammetry,

foram lançados os primeiros restituidores analíticos.

95

Nos anos de 1980, com o avanço da informática, iniciou-se a

utilização de imagens digitais como fonte primária de dados, entretanto, somente

na década seguinte a fotogrametria tornar-se-ia digital, a partir do

desenvolvimento da informática que criou processadores de dados de maior

capacidade. Os aparelhos fotogramétricos, utilizados atualmente, possuem tal

complexidade que são verdadeiras estações de trabalho, voltadas exclusivamente

para a técnica, sendo chamados de estações fotogramétricas digitais. O

desenvolvimento de novos programas de computador que retificam as imagens e

calculam as distâncias, dispensando a utilização de câmera métrica, simplificou e

barateou a técnica.

Uma das fases mais importantes do levantamento fotogramétrico é a

aquisição de dados, momento que deve ser minuciosamente planejado, para se

evitar erros no processo. A interpretação das fotografias é outra fase que

demanda cuidados, pois, a alta qualidade do produto gerado, é fruto de um

trabalho bem realizado.

É necessário salientar que existe uma ligeira diferença entre a

fotogrametria digital e aquela que utiliza o computador como recurso. A primeira

utiliza-se da informática durante todo o processo de obtenção e processamento

da imagem, a segunda usa o computador na elaboração da saída de dados

digitais, por meio de arquivos de imagem, no entanto, a entrada de dados se dá

de maneira analógica, ou seja, através de fotografias impressas.

4.2.2 Utilização no Levantamento do Patrimônio Histórico

Utilizada para a elaboração de desenhos em escala de paisagens,

edifícios ou qualquer elemento tridimensional com precisão, a fotografia

estereométrica, ou fotogrametria, retrata o objeto através de dois pontos de vista

diferentes. Apesar de ser uma técnica complexa, Gullini (1973, p. 63) acredita

que a fotogrametria oferece um salto qualitativo na documentação de edifícios,

especialmente no que se refere à diminuição de tempo investido, no aumento de

precisão do produto final e na avaliação do estado do monumento. Por isso, em

edificações singulares, a utilização do levantamento fotogramétrico é de suma

importância.

96

Em projetos de restauração ou revitalização de edificações

históricas, uma das maiores dificuldades é a existência de uma documentação

arquitetônica histórica precisa. Por vezes, os edifícios não possuem cadastro das

reformas e acréscimos sofridos ou o projeto original não confere com a situação

atual. Em outros casos, pode-se encontrar desenhos variados de uma mesma

construção e, mesmo a realização de novas verificações na tentativa de

compatibilização do material, pode não produzir informações confiáveis. Em todos

os casos, no entanto, o real estado da edificação não se encontra representado,

fazendo-se necessário a realização de novos levantamentos que forneçam tais

informações.

Cramer (1986, p. 106) acredita que a combinação da realização de

levantamentos tradicionais das plantas arquitetônicas e medições fotogramétricas

das fachadas, trazem vantagens econômicas, especialmente nos casos em as

fachadas apresentam uma multiplicidade de pequenos elementos.

Nos Estados Unidos, a fotogrametria é comumente utilizada em

projetos de restauro, por sua precisão e pela economia de tempo no levantamento

e elaboração de dados. Para o projeto de revitalização do Forney Transportation

Museum, no Colorado, contratou-se uma equipe para executar o levantamento

fotogramétrico que resultou em 23 desenhos, produzidos em 45 dias, com apenas

uma semana de trabalho de campo. Em levantamentos tradicionais,

provavelmente, se precisaria de alguns meses para a execução dos

levantamentos de campo e a elaboração dos desenhos, sendo que os resultados

obtidos possivelmente não teriam a mesma precisão dos levantamentos

fotogramétricos.

No Brasil, alguns projetos-pilotos têm sido desenvolvidos por

instituições ligadas à pesquisa, como na Universidades Federal de Santa

Catarina e no Instituto Militar de Engenharia, para avaliar a eficiência de

equipamentos e softwares, verificar a aplicabilidade no registro de edificações

históricas e aperfeiçoar a técnica. Destacamos, a seguir, exemplos da utilização

da fotogrametria no levantamento de alguns dos mais importantes monumentos

históricos brasileiros.

97

Uma das primeiras utilizações da fotogrametria terrestre em

edificações históricas no País, foi o levantamento realizado na Igreja de São

Miguel Arcanjo, no Rio Grande do Sul, no início da década de 1980 (Figs. 63 e

64). O trabalho teve como objetivo a análise, documentação e a representação

gráfica das características físicas do monumento, dos processos de degradação e

das diversas intervenções que a edificação havia sofrido (BRASIL, 1994, p. 14).

Figura 63 – Igreja de São Miguel Arcanjo no Rio Grande do Sul

Fonte: www. terra-australis.com.br

Figura 64 – Restituição fotogramétrica da fachada da Igreja de São Miguel Arcanjo no Rio Grande do Sul

Fonte: Brasil, 1994

98

Em Curitiba, o Museu Paranaense teve suas fachadas, e alguns

detalhes internos, levantados pela técnica fotogramétrica, resultando em

restituições fotogramétricas das fachadas e ortofotos do edifício (Figs. 65 a 67). A

Igreja da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência, no Rio de Janeiro, em

1998, foi alvo de um levantamento fotogramétrico que registrou as fachadas e

algumas dependências internas.

Figura 67 – Restituição fotogramétrica do Museu Paranaense em Curitiba

Fonte: www.esteio.com.br/

FigurFigurFigurFigura 65a 65a 65a 65 – Museu Paranaense em Curitiba Fonte: www.esteio.com.br/

Figura 66Figura 66Figura 66Figura 66 – Ortofoto da fachada do Museu Paranaense em Curitiba

Fonte: www.esteio.com.br/

99

Na Bahia, o Castelo Garcia D’Ávila foi submetido a um dos mais

completos registros fotogramétricos do Brasil, tornando-se referência na utilização

da técnica para a preservação patrimônio histórico e artístico nacional (Figs. 68 e

69). Esse levantamento foi desenvolvido pelo projeto Documentação Precisa de

Sítios Brasileiros, promovido pelo Ministério da Cultura, em parceria com o

Instituto Militar de Engenharia. Segundo o jornal Correio da Bahia, de 17 de

janeiro de 2001, o serviço de fotogrametria digital custou cerca de US$ 5 mil.

Caso fosse realizado nos moldes tradicionais o custo seria cerca de vinte vezes

maior e necessitaria de 6 meses para se efetuar a conclusão dos serviços.

Figura 68 – Castelo Garcia D’Ávila na Bahia

Fonte: www.esteio.com.br/

Figura 69 – Restituição fotogramétrica do Castelo Garcia D’Ávila

Fonte: www.esteio.com.br/

100

4.3 Fotografias especiais

O reconhecimento da contribuição da fotografia para a produção do

conhecimento vem aumentando, especialmente quando utilizada como auxiliar

nas ciências médicas e biológicas e nas ciências exatas e naturais,

destacando-se sua utilização no campo da arquitetura e do restauro, por meio

além da fotogrametria, de fotografias especiais.

“As imagens podem ser gráficas, óticas, perceptivas, mentais ou verbais, sendo que cada uma delas passou a ser estudada independente por uma ciência ou por uma das artes. Assim como na história da arte e a crítica literária procuram estudar as imagens gráficas e verbais, a física, a filosofia, a neurologia, a psicologia e a epistemologia continuam buscando maneiras de estudar as imagens óticas, perceptivas e mentais” (FELDMAN-BIANCO e LEITE, 1998, p. 41-42)

Na análise das obras de arte, especialmente, da pintura, além dos

métodos tradicionais de observações à luz visível, empregados de preferência sob

condições controladas e recorrendo a instrumentos especiais de ampliações como

a lupa binocular, são utilizados também diversos meios de visualização mais

sofisticados como a microscopia, a radiação infravermelha, a radiação ultravioleta,

os raios-X. Todos esses métodos de análise podem ser registrados

fotograficamente, contudo, a técnica fotográfica necessitará do auxílio de

instrumentos especiais para obtenção dessas imagens.

4.3.1 Raio-X, Ultravioleta e Infravermelho

Por conseguir registrar radiações de comprimento de onda

invisíveis ao olho humano, a fotografia tornou-se uma das melhores fontes para

a aquisição de dados experimentais, sendo utilizada para o exame técnico de

obras de arte.

101

As radiações eletromagnéticas possuem um intervalo bem amplo

de comprimentos de onda (Fig. 70). Dependendo de suas fontes, são

representadas graficamente no espectro eletromagnético, como ondas de rádio,

microondas, infravermelha, luz visível, raios ultravioleta, raios-x e raios gama, no

entanto, não existem limites precisos entre as radiações, havendo

sobreposições em certas faixas.

A região das ondas eletromagnéticas que podem ser percebidas

pelo olho humano, ocupa um pequeno segmento das radiações

eletromagnéticas, que ficam limitadas entre 4.000 e 7.000 Å (BARRIO, 1998, p.

287). A zona do espectro, que comumente se utiliza nos exames técnicos de

obras de arte, situa-se próximo do segmento da “luz visível”, onde localizam-se

os raios-X, raios ultravioleta e raios infravermelho.

Figura 70 – Espectro Eletromagnético

Fonte: Barrio,1998

Assim, estudos de fotografias utilizando os raios-X, ultravioleta,

infravermelho, se tornaram verdadeiros documentos que registram o estado de

conservação de obras de arte, revelam a técnica executada pelo artista, o

material utilizado, a presença de microorganismos, alterações de pigmentações,

possíveis alterações ou retoques ou, até mesmo, a detecção da autoria da obra

no caso de suspeitas de falsificações.

102

Contudo, para a manipulação e aproveitamento das radiações faz-

se necessário à utilização de filtros especiais. Para registrar aspectos da luz

visível, utilizam-se diversos filtros coloridos. Os raios ultravioletas são

selecionados com o uso da lâmpada de Wood, os raios-X são modificados com

anteparos metálicos e os raios infravermelhos necessitam de filtros especiais

para serem captados.

4.3.2 Fotografia com Raios Ultravioletas

Os comprimentos de onda, situados em 4.000 e 180-140 Å,

compreendem a região dos raios ultravioletas. Nesta faixa o olho humano não

percebe mais nenhuma sensação de cor. Os raios ultravioletas podem ser :

• Ultravioletas próximos (3.200 a 4.000 Å);

• Ultravioletas médios (2.900 a 3.200 Å);

• Ultravioletas distantes (menos que 2.900 Å).

As radiações que favorecem a degradação dos materiais orgânicos,

como a oxidação de tecidos, a descoloração de pigmentos e o enfraquecimento

do papel estão contidas nas faixas azuis, violetas e nos raio ultravioletas próximos

e parte dos ultravioletas médios. Essa degradação ocorre de forma gradual e

acumulativa, por isso, deve-se ter especial cuidado com a exposição das obras de

artes aos raios ultravioletas. Segundo Barrio (1998, p. 292) a realização de

exames técnicos ou registros fotográficos pela radiação ultravioleta não pode ser

considerada prejudicial às obras, porque o período de exposição à radiação é

curto, no entanto, não se descarta a possibilidade de alterações nos objetos caso

as “operações se prolonguem além do limite recomendado pela prudência”.

Os registros fotográficos, que utilizam os raios ultravioleta, podem

ser de dois tipos: fotografia de ultravioleta e de fluorescência. O primeiro registra

as radiações refletidas pelos objetos que não são visíveis ao olho humano. Nesse

caso, utiliza-se como fonte de radiação ultravioleta lâmpadas de vapor de

mercúrio, com ou sem filtro.

103

Para captar comprimentos de onda na faixa de 3.200 a 4.000 Å,

deve-se utilizar uma objetiva de vidro comum. Lentes especiais, feitas de quartzo,

podem registrar comprimentos de onda num intervalo maior, entre 2.500 a 4.000

Å. Em ambos os casos, deve-se utilizar na objetiva da câmera um filtro especial

que detenha a radiação visível e transmita apenas os raios ultravioletas refletidos.

Esse tipo de registro requer a utilização de filmes de alto contraste.

O segundo caso refere-se à fotografia de fluorescência que registra

as radiações visíveis emitidas pelos objetos. O fenômeno da fluorescência visível

de raios ultravioletas ocorre devido à propriedade que determinadas substâncias

têm de absorver uma parte da radiação ultravioleta, que é invisível e, após uma

rápida transformação física, emitir radiações visíveis ao olho humano.

Para o registro fotográfico, utilizando esta técnica, deve-se fazer uso

de filmes pancromáticos e filtros de cor, para que absorvam a radiação ultravioleta

refletida e transmitam a luz visível da fluorescência. Pode-se, também, utilizar

filmes monocromáticos que registram com maior acuidade certos fenômenos,

dificilmente percebidos pelo olho humano, no entanto, podem ocorrer situações

em que as diferenças entre cores, matizes e tonalidades sejam tão tênues que

não apareçam satisfatoriamente registrados na película.

Pinturas cuja superfície emite fluorescências de cor púrpura, violeta

ou azul claro, aparecem como branco ou cinza muito luminoso na fotografia. As

fluorescências verdes e amarelas são menos ativas, tornando-se mais escuras

nos positivos. A utilização de filtros pode ser de grande valia quando se deseja

destacar uma determinada cor nos registros, entretanto, deve-se ter a noção

exata das interferências que este elemento provoca nas imagens.

As fotografias a cores são bastante eficazes no registro da

fluorescência, especialmente ao se utilizar filmes de alta sensibilidade. Barrio

(1998, p. 317) preocupa-se, no entanto, com a durabilidade, estabilidade e o

arquivamento das fotografias coloridas, que devem ser realizadas com bastante

cuidado para que o acervo torne-se documentação confiável.

104

Para a análise técnica de seis obras do Museu Mineiro, de autoria

atribuída a Manoel Costa de Athayde, sob a coordenação da prof. Marylka

Mendes, utilizou-se o registro fotográfico em infravermelho, raios-X e ultravioleta.

Mendes e Baptista (1998, p. 375) utilizando uma maquina monoreflex (Cânon AE

n), e filtro especial para as fotografias com luz UV, constatou desenhos

subjacentes a pintura e a inexistência de retoques antigos nas obras.

Outro exemplo importante registrado da utilização da fotografia de

ultravioleta foi à autenticação do Kouros (Fig. 71) chamado de “Getty”, comprado

em 1985, pelo Museu J. Paul Getty, nos Estados Unidos. A origem dele foi posto

em dúvida em 1986, quando foi descoberto que o documento que provava que ele

havia pertencido a um colecionador suíço era falso. Submetido então, a uma

intensiva análise com a radiação ultravioleta, nada foi provado quanto à utilização

de utensílios modernos ou de envelhecimento artificial da matéria. Ao contrário de

uma reconhecida falsificação (Fig. 72) também pertencente ao Museu.

Figura 71 – Kouros Getty, atestado pela fotografia ultravioleta como autêntico.

Fonte: Abril Coleções, 1998

Figura 72 – Kouros falso que ao ser submetido a radiação ultravioleta revelou possuir uma

cabeça feita de gesso. Fonte: Abril Coleções, 1998

105

Contudo, a polêmica quanto a autenticidade da peça ainda não se

encerrou, porque para os cientistas a estátua é autentica, graças aos estudos

com ultravioletas, raios-X e infravermelhos, mas para os historiadores de arte a

obra é uma farsa, porque o estilo empregado nos cabelos, nas mãos e pés da

estátua não corresponde ao utilizado no período.

4.3.3 Fotografia com Raios-X

Os raios-X possuem a capacidade de atravessar os corpos opacos a

luz visível e, ao atravessarem a estrutura pictórica podem ser absorvidos por

pigmentos ou materiais, ou alcançar, sem maiores interferências, a placa

radiográfica, resultando em áreas de contrates diferenciadas. A opacidade da

placa relaciona-se diretamente com o peso atômico do objeto, sendo mais opaca

nos elementos que apresentam maior peso atômico.

As radiografias favorecem a observação da estrutura interna das

obras de arte, por isso são essenciais na avaliação do estado de conservação dos

objetos históricos. Na indústria metalúrgica o raio-X é utilizado na detecção de

minúsculos defeitos, fissuras ou inclusões de materiais nas soldaduras metálicas.

A análise das radiografias requer um trabalho especializado para que se evite

erros de interpretação.

Couto (1948, p. 161-167) relata que as fotografias, auxiliadas pelos

raios-X no laboratório do Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa, permitiram

que em muitas pinturas portuguesas, e estrangeiras fossem, descobertos danos

causados pela ação do tempo ou dos homens. Com auxílio da técnica, pode-se

verificar diversos aspectos técnicos de execução, como a sobreposição de

pinturas anteriores desprezadas pelos artistas em detrimento de uma nova,

identificar características estilísticas de artistas, como também ajudar na

descoberta de falsificações.

106

Os estudos com os raios-X no laboratório surgiram em 1936, por

iniciativas do próprio autor e do físico Manuel Valadares. Adotando o esquema da

National Gallery, de Londres, o laboratório, pouco tempo depois de sua criação já

contava com aparelhos de raios infravermelhos e ultravioletas, além de

microscópios, jogo de lentes, suportes especiais, etc., para a obtenção de

microfotografias.

Segundo Couto (1948, p. 161-167), o trabalho do laboratório não se

limitou apenas à pintura, a modalidade da arte que tem maiores benefícios com a

técnica. A fotografia de raios-X também foi utilizada nas cerâmicas, vidraçarias,

pedra, tecidos, ourivesaria, dentre outros materiais que necessitavam de

pareceres dos especialistas.

Outra experiência na utilização da fotografia de raios-X, para análise

dos materiais artísticos é apresentada por Cruz (1996, p. 83-103), no Instituto

José de Figueiredo, em Lisboa. Dentre os casos mencionados no artigo, ele

destaca a pintura de duas tábuas, provenientes da Capela do Espírito Santo dos

Mareantes, em Sesimbra, e de uma terceira, vinda do Convento da Madre de

Deus, em Vinho, ambas as cidades em Portugal.

Das pinturas da Capela dos Mareantes, uma apresentava a imagem

da Adoração dos Pastores (Fig. 73) e a outra a Adoração dos Magos (Fig. 74),

ambas datadas do século XVI. Após fotografias realizadas em 1985, as duas

revelaram serem pintadas sobre um outro assunto, respectivamente, O

Pentecostes (Fig. 75) e a Nossa Senhora do Rosário (Fig. 76) no qual um

documento, datado de 1553, escrito por D. Jorge Preto quando visitou a Capela,

relatou que ambas ficavam ao altar da capela, ladeando uma escultura da

Santíssima Trindade, confirmando a autenticidade dos achados. A fotografia com

os raios-X, permitiu aos pesquisadores encontrar duas obras que até então eram

consideradas perdidas.

107

����

Figura 73 – Adoração dos Pastores Fonte: Cruz,1996

Figura 74 – Radiografia da pintura representada na Fig. 73, em que é visível uma pintura subjacente

representando o Pentecostes Fonte: Cruz,1996

����

Figura 75 – Adoração dos Magos Fonte: Cruz,1996

Figura 76 – Radiografia da pintura representada na Fig. 75, que mostra uma pintura subjacente tendo

como temática a Nossa Senhora do Rosário. Fonte: Cruz,1996

A terceira tábua, vinda do Convento da Madre de Deus, que

apresentava uma pintura de Nossa Senhora do Rosário (Fig. 77) do século XVIII,

após as análises com fotografias de raios-X em 1977, foram descobertas não

108

uma, mas duas pinturas subjacentes (Fig. 78), contendo o mesmo tema,

atribuídas, respectivamente, aos séculos XVII (Fig. 79) e XVI (Fig. 80).

���� Figura 77 – Nossa Senhora do Rosário, pintura do século

XVIII. O lado esquerdo mostra o estado em que a obra encontrava-se em 1975; no lado direito a pintura apresenta-

se parcialmente limpa, após o início da restauração. Fonte: Cruz,1996

Figura 78 – Radiografia da pintura representada na Fig. 77, em que são observáveis duas pinturas

subjacentes. Fonte: Cruz,1996

Figura 79 – Nossa Senhora do Rosário, pintura atribuída ao século XVII, visível após o levantamento da pintura do

século XVIII ilustrada na Fig. 77. Fonte: Cruz,1996

Figura 70 – Nossa Senhora do Rosário, pintura atribuída ao século XVI, visível após o levantamento das pinturas

dos séculos XVIII e XVII representadas, respectivamente, nas figuras 77 e 79. Fonte: Cruz,1996

109

4.3.4 Fotografia com Raios Infravermelhos

Também chamados de radiações caloríficas, os raios infravermelhos

localizam-se na faixa do espectro eletromagnético em que o comprimento da

onda é maior que 7.000 Å. Os raios infravermelhos são registrados

fotograficamente com a utilização de filtros especiais e filmes sensíveis a este tipo

de radiação. Há várias décadas a radiação infravermelha tem sido de utilizada no

exame de obras de arte por poder penetrar nas camadas superficiais da pintura e

atravessar os vernizes e esbatimentos.

Na análise de pintura podem revelar retoques, antigas restaurações,

desgaste, assinaturas ocultas ou desgastadas, além de detectar esboços ou

desenhos subjacentes à pintura (BARRIO, 1998, p.294). O infravermelho é

utilizado também para elucidar dúvidas em obras que não puderam ser

investigados com o auxílio de raios-X e de ultravioletas.

No campo da história da arte, Cruz (1997, p. 04) afirma que

especialmente em obras dos séculos XV e XVI, as fotografias infravermelhas

permitem visualizar recursos estilísticos, bem característicos de cada artista,

especificamente no desenho preparatório subjacente que, de outro modo, ficaria

ignorado. Em geral, faz-se a confrontação dos resultados dos registros obtidos

com a radiação infravermelha e aqueles obtidos com os raios-X, fluorescência

ultravioleta e com a luz visível.

O autor também relata uma experiência da aplicação da fotografia

infravermelha para o exame de objetos no Instituto José de Figueiredo, em

Lisboa. Essa se resumiu no auxílio através da fotografia de infravermelho para a

identificação de etiquetas de tubos de tinta, utilizados pelo artista Columbano

Bordalo Pinheiro (1857-1929). As leituras das etiquetas estavam impossíveis de

serem vistas a olho nu, devido a sujeiras criadas pelos acúmulos de tintas que

escorreram pelo próprio tubo (Figs. 81 e 82).

110

Figura 81 – Etiqueta que não era possível ler à luz

visível. Fonte: Cruz, 1997

Figura 82 – Fotografia com auxílio do infravermelho, que identificou o rótulo da tinta como Rouge de

Venise preparado por Paul Denis Fonte: Cruz, 1997

4.3.5 Microfotografia

É um tipo de técnica fotográfica que, auxiliado por um microscópio

eletrônico, registra pequenos elementos que não são perceptíveis ao olho

humano. Sua atuação é intensamente empregada na medicina, na biologia, na

química. No restauro, a microscopia e a microfotografia são intensamente

utilizados na análise de materiais porosos como pedras, cerâmicas, concreto,etc.

Em seu livro Il restauro della pietra, Lazzarini e Tabasso apresentam

algumas microfotografias, realizadas em diferentes amostras de pedras, para a

avaliação da profundidade de penetração de substâncias para a consolidação

desses materiais (Fig. 83). Mendonça (2002, p. 41-43), também apresenta duas

microfotografias, oriundas de análise microscópica. A primeira refere-se à

presença de sais solúveis no Museu de Arqueologia da Bahia e a segunda refere-

se à análise biológica do mural de Genaro de Carvalho, existente no Tropical

Hotel, em Salvador. Os dois exemplos apresentados demonstram a utilização

dessa técnica como auxiliar no diagnóstico da degradação de materiais no

restauro.

111

Figura 83 – Microfotografia de uma amostra de calcário tratada com Paraloid B72 e Dri film 104

Fonte: Lazzarini e Tabasso, 1986

Sanjad (2002, p. 117) em sua dissertação de Mestrado, realizou uma

série de análise microscópica de azulejos dos séculos XVI, XVII e XIX, das quais

obteve microfotografias da constituição do azulejo. Por meio da microfotografia se

pode dimensionar a espessura das camadas, conhecer a constituição dos

azulejos, como também, evidenciar as irregularidades das peças (Figs. 84 e 85).

Essas imagens serviram de base para a realização do desenho em

escala, realizado com auxílio do aplicativo AUTOCAD (Fig. 86), permitindo o

dimensionamento das peculiaridades encontradas na fotografia como diâmetro de

bolhas de ar e espessura do craquelê na amostra.

112

Figura 84 – Amostra analisada

Fonte: Sanjad, 2002 Figura 85 – Microfotografia da seção polida da amostra do

azulejo Fonte: Sanjad, 2002

Figura 86 – Esquema em CAD da microfotografia apresentada na Fig. 85

Fonte: Sanjad, 2002

113

Convento do Carmo, 1862 – SP Fonte: Carvalho e Lima, 1998

5 CONCLUSÕES

Possuindo pouco mais de um século e meio de existência, a

fotografia revolucionou a representação do mundo visível, gerando um incontável

número de registros que preservaram a memória visual de cenários, personagens

e monumentos.

A arquitetura sempre foi tema recorrente na fotografia, desde o

tempo em que a fixação de uma imagem era demorada e cansativa. No Brasil, a

partir da segunda metade do século XIX, intensificou-se o registro de imagens de

cidades e paisagens naturais. Cidades como Salvador, Recife e Belém foram

fotografadas por diversos profissionais, no entanto, foi no Rio de Janeiro que a

produção fotográfica brasileira desenvolveu-se com maior intensidade.

A República exigiu a construção de uma nova identidade nas

cidades, motivando a renovação urbana. O velho e conturbado centro aos poucos

viu surgir boulevares, grandes monumentos, linhas de bondes, praças

arborizadas, dentre outras realizações. As cidades cresceram e se transformaram,

114

ficando nas fotografias as feições das cidades antigas. Esse rico acervo de

imagens encontra-se espalhado nas mãos de colecionadores, arquivos de

empresas públicas ou privadas, antiquários e em diversas instituições no exterior.

Somente uma parte encontra-se disponibilizada em museus, arquivos históricos e

bibliotecas.

Apesar da reconhecida importância das fotografias como fontes

documentais, ainda existem certas restrições ao seu uso em pesquisas

científicas. Entretanto, essa realidade vem se modificando, pois diversas áreas do

conhecimento vêm utilizando a fotografia como fonte ou instrumento de

pesquisas.

Para os restauradores e arqueólogos a fotografia sempre foi vista

com bons olhos e logo ela integrou-se às fontes tradicionais de estudo. Por

registrar de maneira rápida e completa todos os detalhes da edificação, sua

utilização tornou-se de extraordinária importância no levantamento arquitetônico e

no registro de edificações, complementando a documentação gráfica e tornando-

se uma importante fonte de informações. Tanto que, a partir da documentação

resultante de intervenções restaurativas, muitas instituições transformaram em

livros ilustrados seus projetos e obras de restauração. Nestas publicações, a

fotografia e as imagens gráficas ocupam um lugar de destaque, como na série

restauro, lançada pela Secretaria de Cultura do Estado do Pará, que transformou

em belos exemplares, as intervenções restaurativas realizadas nos últimos anos

na cidade.

Além do uso tradicional da fotografia no restauro, a inovação

tecnológica criou instrumentos que integraram a fotografia ao levantamento de

edificações, originando técnicas como a fotogrametria digital terrestre, que vem

sendo empregada na documentação de edificações históricas. Esse tipo de

levantamento apresenta diversas vantagens sobre os levantamentos tradicionais,

especialmente no que se refere ao tempo de realização do serviço, a precisão dos

resultados obtidos e o custo relativo do serviço.

115

Nos países da Europa, essa tecnologia vem sendo aplicada nos

levantamentos arquitetônicos desde de 1970, porém no Brasil, apenas

recentemente tem-se utilizado da fotogrametria no levantamento e cadastramento

do Patrimônio Histórico. Um das primeiras utilizações da fotogrametria terrestre

na conservação e no restauro do patrimônio nacional foi o levantamento da Igreja

de São Miguel Arcanjo, no Rio Grande do Sul, no início da década de 1980,

comprovando que no País essa técnica ainda não se popularizou.

Outras tecnologias de análise de materiais e de obras de arte se

uniram à fotografia como a microscopia, a radiação infravermelha, a radiação

ultravioleta, os raios-X permitindo desde o conhecimento da técnica aplicada pelo

autor, os tipos de materiais empregados, a detecção de microorganismos, as

alterações de pigmentações, retoques nas obras, etc.

Historiadores, arquitetos e profissionais ligados à conservação e ao

restauro também têm utilizado as fotografias antigas, especialmente as de

arquitetura e de vistas urbanas, para demonstrar as transformações nas

edificações e nas cidades. Além do uso tradicional, novas possibilidades vêm

ampliando a utilização da fotografia na arquitetura. Portanto, a utilização de

registros fotográficos, seja como base documental ou como parte de inventários e

levantamentos arquitetônicos é sempre uma importante ferramenta no

desenvolvimento de ações e projetos que busquem a conservação e a

preservação de nossos bens culturais.

116

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