FLORES E LITURGIA A ARTE FLORAL NAS CELEBRAÇÕES

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FLORES E LITURGIA A ARTE FLORAL NAS CELEBRAÇÕES Tradução e adaptação do original: EMARD, Jeanne ; Fleurs et Liturgie – l’art floral dans les célébrations ; Les Éditions du Cerf ; Paris ; 2002

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FLORES E LITURGIA

A ARTE FLORAL NAS CELEBRAÇÕES

Tradução e adaptação do original: EMARD, Jeanne ; Fleurs et Liturgie – l’art floral dans les célébrations ; Les Éditions du Cerf ; Paris ; 2002

Flores e Liturgia – A Arte floral nas celebrações

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FLORES E LITURGIA

A ARTE FLORAL NAS CELEBRAÇÕES

Prefácio

uma flor tem uma beleza efémera. Ela passa e morre, sinal do aflitivo perecimento de

tudo.

Ela afirma, também, uma vitória sobre o impossível: enraíza a semente, veste a corola

e eis que, por um instante, algumas horas ou alguns dias, por um breve instante,

surge um esplendor gratuito neste excesso de cor, necessário para o fruto que se faz

esperar.

Uma simples flor exprime, simultaneamente, a vitória da vida e a sua efemeridade, a

frágil incerteza do amanhã e a fecundidade do tempo.

É este sentido do espiritual que toca o homem, nas suas festas e orações, nas suas

lágrimas e sorrisos, que o leva a colher flores para, através delas, recolher os

sentimentos que traz consigo e nem sempre sabe exprimir, falho de palavras

adequadas…

Flor-espelho, através da qual o homem se diz; flor-abertura, através da qual ele se

oferta…

A beleza de um arranjo de flores só existe no tempo, o tempo de uma rosa ou de um

gladíolo, mas inscreve-se no eterno, porque a beleza é o abrir sobre a eternidade.

Eis porque a Liturgia necessita do “discurso” das flores. Não para entrar num vago

sentimentalismo religioso, num colorido mais ou menos naturista (o ciclo das quatro

estações), mas porque a flores introduzem no imobilismo da arquitectura, o decurso do

tempo litúrgico e a diversidade das festas.

Porque a Liturgia é um todo: iluminação, música, cores, ornamentos… Diversas

expressões, através das quais o crente se deixa penetrar pela infinita riqueza da

Palavra.

Albert Rouet

Bispo Auxiliar de Paris

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Introdução

Jesus está junto dos seus discípulos. Fala-lhes do Mistério de Deus. Mas a estes

homens simples, fala-lhes em parábolas. Dirige-se-lhes invocando aquilo que lhes toca.

E os discípulos compreendem o valor dos símbolos, sempre que Cristo se debruça

sobre as flores dos campos, evoca a boa e a má semente, admira o lírio no seu

esplendor.

Neste universo pleno de sentido, o cristão pode encontrar a leitura maravilhosa

da presença de Deus. Paulo VI, sensível à beleza, precisava-o aos artistas: «Este

mundo em que vivemos precisa da beleza para não sucumbir ao desespero. A beleza,

como a verdade, é o que leva a alegria ao coração dos homens… é o que une as

gerações e as faz comungar o admirável. E tudo isto, pelas vossas mãos…» (Paulo VI,

mensagem do Concílio Vaticano II aos artistas – 8 Dezembro 1965).

O arranjo floral ao serviço da liturgia contribui para a beleza das celebrações e

introduz-nos na comunhão com o Deus do Amor que é “a beleza de todas as belezas”

(Santo Agostinho).

Nós temos por missão exprimir a beleza, a alegria e a acção de graças: o

Domingo não é mais que a celebração semanal do mistério pascal, dia da assembleia

litúrgica em que se proclama a Palavra de Deus, em que se celebra a Eucaristia, dia

festivo por excelência. As flores podem ter aí um espaço privilegiado e fazer-nos entrar

no “concerto da harmonia perfeita”.

As flores têm, frequentemente, o seu lugar nas celebrações que pontuam a vida

do cristão e, no curso das quais, a comunidade se reúne na fraternidade. Elas podem

traduzir as circunstâncias de formas diferentes, quer se trate de um Baptismo, de um

casamento ou de um funeral, mas são sempre um sinal de esperança.

O “bouquet” ao serviço da liturgia, não procura fazer passar uma mensagem;

ele convida a uma experiência espiritual, aquela dos cristãos que aceitam partir de

uma realidade visível para se juntarem a uma realidade invisível. São Paulo di-lo

claramente aos Romanos: «Desde a criação do mundo, as Suas perfeições invisíveis …

tornam-se visíveis quando as Suas obras são consideradas pela inteligência.» (Rom. 1,

20)

Neste mundo espiritual onde entramos, devemos estar vigilantes para não

fazermos dos arranjos florais alegorias, representações: a sua materialização deve ser

convite à oração, que deve ser diálogo com o Todo-Outro.

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A criatividade é esta capacidade de se ultrapassar, que Deus põe no coração do

homem, modo de propor sem impor, comunicação para além das palavras.

Esta obra corresponde ao desejo das pessoas que participam do fervor da

oração litúrgica e daquelas que buscam a beleza das celebrações. Ela não é exaustiva:

apresenta algumas imagens adaptadas ao ciclo litúrgico ou a determinadas etapas que

marcam a vida do cristão. São caminhos abertos à criatividade sempre renovada.

Cada um dos arranjos florais propostos, apresenta textos e elementos de

meditação, que podem alimentar a oração.

Algumas noções do simbolismo fazem referência à tradição, na linha directa dos

cristãos que nos legaram os seus tesouros de fé, inscrevendo-os nos frescos ou

cinzelando-os nas esculturas.

Este livro fornece, igualmente, explicações didácticas: toda a arte possui

normas de base, que é necessário adquirir para conseguir uma criação harmoniosa.

Alguns pretendem que a técnica é constrangedora; ora, ela liberta o espírito. É quando

adquirimos uma certa segurança que ficamos disponíveis para comunicar, pela

criatividade, uma experiência espiritual. As linhas, os volumes e os grafismos ganham

significados.

Assim, as linhas direitas propõem vigor e força; num movimento ascendente

elas exprimem o ardor, o dinamismo e a acção de graças. Evocadoras de doçura, as

linhas arredondadas são sinónimo de graça e elegância. As linhas oblíquas ou

horizontais suscitam o apaziguamento, a fraternidade, a reconciliação. Os simples

traços fazem realizações geométricas abstractas que poderão facilmente exprimir

sentimentos de crise ou angústia.

Uma criação equilibrada deve ter em conta a personalidade das plantas, do seu

grafismo e do seu volume, e a sua expressão será então obtida pelas linhas de força:

são elas que dão vida ao “bouquet”.

Tudo deve ser ordenado em função da unidade do conjunto. As cores frias e

serenas, ou vibrantes e calorosas, o jogo de sombras e de luz são factores de

comunicação e convidam à meditação.

O contentor (vaso ou jarra) têm igualmente um lugar importante; o espaço que

iremos florir ditar-nos-á o seu estilo. Moderno, convirá a um lugar de oração

contemporâneo; clássico, integrar-se-á no quadro de uma igreja romana ou de um

santuário gótico.

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Nos arranjos florais ao serviço da liturgia, evitemos a sobrecarga de flores,

deixando a cada uma delas a possibilidade de respirar. Devemos decorar um espaço

vazio, um espaço que convide ao silêncio. O silêncio, a luz e a água são outros tantos

elementos de uma expressão que se quer de comunicação.

O silêncio traz em si uma força que é dinâmica: ele introduz-nos na oração. A

nossa criação floral, construída com o suporte do equilíbrio, estará em harmonia com o

desenrolar da liturgia que é louvor e aclamação, recolhimento e silêncio. No decurso

das celebrações nós poderemos assim perceber “a respiração do Espírito, o seu

murmúrio e o seu gemido” uma vez que, se o silêncio é solicitude, ele é também

comunicação.

Sejamos exigentes naquilo que fazemos ao serviço da Igreja, para que os

nossos actos sejam portadores de fé e de esperança.

Inscrevemo-nos no seguimento dos cristãos que procuraram transmitir a sua fé

através de realidades visíveis. Deus deixa-se encontrar através das obras das nossas

mãos: saibamos dar-lhe graças, humildemente.

O ardor espiritual e artístico que nos leva à elaboração dos nossos “bouquets”

não nos deve fazer esquecer a atenção à comunidade eclesial. Também os

responsáveis pela arte floral ao serviço da liturgia devem trabalhar em coordenação

com as comissões de pastoral sacramental e litúrgica. Nas paróquias, é necessário que

se faça uma reflexão com a equipe litúrgica, e a realização floral deve ser feita em

acordo entre elas.

Façamos nossos, a este respeito, alguns pontos de atenção sublinhados pelo

Centro Nacional de Pastoral Litúrgica:

- Estar sempre em contacto com o responsável diocesano de Pastoral Litúrgica e de

Arte Sacra;

- Fazer uma formação litúrgica em paralelo com a formação em estética floral,

sobretudo e de forma mais sistemática, se se é animador de grupo;

- Trabalhar a exegese do texto bíblico, para evitar uma leitura fundamentalista;

- defender-se de dar explicações alegóricas a propósito das composições florais: as

melhores serão aquelas às quais não há nada a acrescentar. Jean Bazaine, um artista

conhecido, dizia: «Tenho uma inspiração, faço uma obra, deixo-a descobrir»;

- Evitar estabelecer uma doutrina das formas, das cores ou das espécies vegetais, a

partir das descobertas de uma só pessoa, ou em função de uma “simbólica” estranha à

nossa cultura;

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- Distinguir cuidadosamente o que resulta da oração pessoal, da meditação, da oração

comunitária, e o que é litúrgico;

- Visar a condução em direcção a uma celebração mais viva, traçar um caminho de fé

em direcção à presença, a desaparecer ante Aquele que vem.

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AS CORES

No livro do Génesis, Deus diz a Noé:

«Coloquei Um arco nas nuvens para que seja o sinal da aliança entre Mim e a terra.»

(Gen. 9, 13)

De acordo com o simbolismo, dois princípios dão origem a todas as cores, a luz

e as trevas.

A luz é manifestada pelo branco, que é a soma das radiações do espectro solar,

e as trevas são representadas pelo negro.

A luz simboliza constantemente a vida, a saudação, a felicidade vinda de Deus:

«A Vossa palavra é qual farol para os meus passos, e uma luz para os meus

caminhos.» (Sl 119, 105)

A luz que atravessa o espaço, que brinca sobre as águas, que irradia sobre os

vidros, os metais, tem o poder fascinante de compor sinfonias.

Desde que o cristianismo começou a exprimir a sua fé através de imagens, os

artistas procuraram traduzir, pela magia dos vidros coloridos, a beleza imaterial da vida

em Deus. «O vitral é a introdução da luz de acordo com a liturgia.» (A. Manessier)

Não serão os vitrais da Catedral de Chartres capazes de sublimar a meditação?

As cores são sinais de porte universal; todavia é preciso considerar que o seu

valor simbólico não pode ser compreendido senão numa determinada cultura. O

branco, que é a cor da alegria na nossa cultura ocidental, é a cor do luto no Japão e o

negro, que evoca a tristeza na Europa, é a cor privilegiada em África. Ainda que os

ritos orientais geralmente não atribuam importância à cor das vestes litúrgicas, o rito

romano distingue cinco cores: branco, vermelho, verde, violeta e negro.

O simbolismo das cores varia igualmente de acordo com as épocas: na Idade

Média pintava-se os véus de vermelho e o manto da Virgem Maria era frequentemente

de cor violeta.

Nesta matéria, faz-se alusão unicamente às cores cujo simbolismo traduz uma

experiência religiosa da leitura das Escrituras e através da tradição cristã.

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O Branco

O espectro solar, composto das cores do arco-íris, resulta da decomposição da

luz branca que atravessa um prisma de vidro.

Seis cores do espectro reunidas são sempre complementares da sétima, com a

qual elas dão origem à luz branca.

No mundo da Bíblia, o branco evoca a inocência, a alegria, a pureza; ela suscita

o “maravilhamento”. Põe em relevo os seres que estão na Glória de Deus e o próprio

Deus:

«Continuava eu a olhar até que foram colocados tronos e um ancião se sentou. Branco

como a neve era o vestuário dele, e os cabelos da cabeça eram como de lã pura; o

trono era feito de chamas, com rodas de fogo chamejante.» (Dan. 7, 9) O ancião

representa aqui a figura de Deus.

O branco é a cor dos seres associados a Deus: é a Revelação feita a João, que

o comunica à Igreja de Sardes:

«Todavia, tens alguns em Sardes que não contaminaram os seus vestidos, andarão

comigo de branco, porque são dignos disso. O que vencer será revestido de vestes

brancas; jamais riscarei o seu nome do livro da vida e confessarei o seu nome diante

de Meu Pai e diante dos Seus anjos.» (Ap. 3, 4 – 5)

É a cor das teofanias (manifestações divinas), a das vestes de Jesus

transfigurado: «E transfigurou-se diante deles. As Suas vestes tornaram-se

resplandecentes, de tal brancura que lavadeira alguma sobre a terra as poderia

branquear assim.» (Mc. 9, 2 – 3)

Antes do século XII, a única cor litúrgica era o branco, sugerido pelo

simbolismo bíblico, o branco das aparições angelicais e das “aquisições” do Apocalipse.

No tempo dos Baptismos por imersão, o neófito, que tinha deixado a sua roupa antes

de descer à piscina, punha vestes brancas quando dela saía. Através deste rito a Igreja

significava que ele estava, de agora em diante, revestido da glória de Jesus

ressuscitado. Actualmente ainda, durante a noite da Páscoa, a liturgia baptismal pede

aos novos baptizados adultos que adoptem simbolicamente a veste branca.

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O Amarelo

«A luz é doce e um deleite para os olhos ver o sol.», podemos ler no Eclesiastes

(11, 7).

A tradição, sobretudo a tradição oriental dos ícones, reconheceu o amarelo e o

dourado como o reflexo da luz divina.

«Deus disse: “Faça-se Luz”. E a luz foi feita. Deus viu que era boa e separou a luz das

trevas. Deus chamou dia à luz e às trevas noite. Assim, surgiu a tarde e, em seguida, a

manhã: foi o primeiro dia.» (Gen. 1, 3 – 5)

Assim, o tema da luz atravessa a revelação bíblica: «Formo a luz e crio as

trevas, dou a felicidade e suscito a infelicidade. Eu sou o Senhor, que faço todas estas

coisas.» (Is. 45, 7)

O amarelo é certamente a cor que melhor traduz os raios de luz. Ele é o reflexo

da Glória de Deus e é revelação da Sabedoria e do amor pelo Verbo incarnado.

No Novo Testamento, a luz escatológica, prometida pelos profetas, tornou-se

realidade; o oráculo de Isaías (9, 1) cumpriu-se: «No princípio já existia o Verbo, e o

Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. N’Ele estava a Vida e a Vida era a Luz

dos homens.» (Jo. 1, 1 e 4)

Os Padres da Igreja chamam a Jesus: a Luz, o Sol, o Oriente. O amarelo torna-

se, então, o ouro que encontramos nos altares, nas vestes sacerdotais, nos ícone e

pinturas da Idade Média.

O Vermelho

Na tradição, a cor vermelha evoca o amor, o fogo divino e o sangue do

martírio.

Um dos nomes da divindade em hebraico é o do fogo: o Senhor aparece a

Moisés no meio da sarça ardente; uma coluna de fogo guia os israelitas no deserto.

«O trono de Deus era feito de chamas, com rodas de fogo chamejante.» (Dan. 7, 9)

Somos, desde logo, levados a considerar o vermelho como o fogo do amor

divino.

A realeza era reconhecida de direito divino, o manto púrpura dos reis foi

símbolo do poder de Deus. Os Cardeais usam vestes vermelhas, como símbolo do

martírio. Esta palavra, que vem do grego “martus”, significa testemunho. Na tradição

cristã, ela tomou o significado preciso de testemunho pelo sangue.

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Os seguidores de Jesus aceitam o mesmo testemunho que Ele: o de uma fidelidade ao

amor, que vai até ao dar a vida.

O vermelho pertence ao mundo da luz. No cristianismo ele recebeu a sua

consagração pelo Sangue de Cristo. Símbolo do amor divino, ele representa nalguns

casos o Espírito Santo, sob a forma de fogo.

As representações do Pentecostes, sobretudo no século XI, materializam o

Espírito Santo através de raios vermelhos lançados sobre os Apóstolos.

No Domingo de Ramos e em Sexta-feira Santa, os paramentos são vermelhos,

sinal do martírio de Cristo (1 Tim. 6, 13).

O Verde

«E um arco-íris rodeava o trono, semelhante à esmeralda.» (Ap. 4, 3)

Logo que cria o universo, «Deus disse: “que a terra produza verdura, erva com

semente, árvores frutíferas que dêem fruto sobre a terra, segundo as suas espécies, e

contendo semente”. E assim aconteceu. A terra produziu verdura, erva com semente,

segundo a sua espécie, e árvores de fruto, segundo as suas espécies, com a respectiva

semente. Deus viu que isto era bom.» (Gen. 1, 11-12)

Esta passagem do Génesis mostra-nos que a vegetação é promessa de criação

e sinal de fertilidade, tal como aparece noutros textos das Escrituras:

«Diz Moisés: “Que o meu ensinamento se espalhe como a chuva, e o meu discurso se

derrame como o orvalho, como o aguaceiro sobre a relva, e como as gotas espremidas

sobre a erva!”» (Dt. 32, 2)

No caminho do Calvário, Jesus diz àqueles que O seguem: «Porque se tratam

assim a madeira verde, o que acontecerá à seca?» (Lc. 23, 31). A madeira verde

designa o homem regenerado e a madeira seca é a imagem daquele que está morto

para a vida espiritual.

Os pintores da Idade Média representavam, muitas vezes, a cruz com a cor

verde: queriam assim significar que a Cruz era fonte de Vida. A cruz do grande Cristo

de Cimabue (século XIII) e a da Crucificação, de Giotto, na igreja de Santa-Maria-

Novella (início do século XIV), obras que podemos admirar em Florença, estão pintadas

de verde.

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No ano litúrgico, o verde é a cor do Tempo Comum: onde “o Espírito prossegue

a sua obra no mundo.” Em Bizâncio, o verde era um “branco doce”, sinal de uma

alegria contínua.

O Azul

O azul é a cor da abóbada celeste, do ar que nos dá a vida; o sopro de Deus

Criador e o Espírito Santo foram muitas vezes representados em azul.

Jesus, em conversa com Nicodemos diz-lhe: «O vento sopra onde quer; ouves a

sua voz, mas não sabes de onde vem, nem para onde vai. Assim é todo aquele que

nasceu do Espírito.» (Jo. 3, 8)

Na iconografia, o azul é a cor da Sabedoria. Nicolaï Greschny, um pintor de

ícones – descendente de uma longa linha de iconógrafos, antes de ter afirmado o

simbolismo das cores em todas as religiões, e mesmo em todas as civilizações – fala

do azul para evocar a Sabedoria divina, a “Sophia”. Maria não é somente Mãe, mas

noiva, símbolo da Igreja, esposa de Cristo; e o manto azul com o qual é muitas vezes

revestida, sublinha o conceito de Sabedoria Divina nela própria.

Nos ícones, o “olho que não dorme” inspirado no Salmo 120, o anjo e a Virgem

ao redor do “Logus”, o Verbo, são banhados por uma luz azul, reflexo da Sabedoria

Divina.

O azul é a cor dominante nos vitrais medievais. É igualmente a cor do mar, das

águas primordiais de onde jorrou a vida. Profundeza infinita! O azul do mar confunde-

se com o do céu, na linha do horizonte.

Os azuis e os verdes dos Mosaicos de Ravena, que datam dos séculos V e VI, atingem

um tal grau de perfeição que fazem penetrar na beatitude pacífica do jardim

paradisíaco, lá onde o céu e a terra são apenas um, a terra banhada pelo azul do céu.

O Rosa

A cor rosa vai buscar o seu significado às cores branca e vermelha; o vermelho

é a expressão do amor divino; o branco, da sabedoria divina. O rosa, que representa a

união da sabedoria e do amor, exprime alegria.

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No século VII o túmulo de Jesus Cristo era, segundo a tradição, pintado de uma

cor mesclada de branco e vermelho.

A Igreja propõe a cor rosa para celebrar a liturgia do terceiro Domingo do

Advento, que nos faz já entrar na alegria do Natal, e do Domingo de Laetare (da

Alegria) que canta a esperança no meio da Quaresma, manifestando assim uma alegria

discreta e “não brilhante”.

O Violeta

O violeta é composto pelo vermelho e pelo azul. O vermelho representa o calor

vital e o azul, o infinito imaterial.

No Antigo Testamento, o violeta é citado como a cor das vestes do Sumo Sacerdote:

«Farás o manto do efod, inteiramente de púrpura violácea.» (Ex. 28, 31)

«Em volta da orla inferior, colocarás romãs de púrpura violácea.» (Ex. 28, 33)

Segundo o que o Senhor ordenou a Moisés, o altar de ouro foi coberto dum

estofo de púrpura violeta os objectos litúrgicos que serviam no Santuário foram

cobertos de um pano de púrpura violeta (Nm. 4, 6 – 12).

Em certos quadros e alguns monumentos simbólicos da Idade Média, Jesus

Cristo usa a veste violeta, tal como se pode encontrar nos vitrais da Igreja de São

João, em Troyes.

É a cor litúrgica do Advento e da Quaresma, tempos de espera, de penitência e de

conversão.

Nos funerais, o sacerdote usa uma estola violeta.

O violeta evoca, também, a cor da cinza, sinal de penitência e de luto. O

pecador é chamado à humildade: «Porque se ensoberbece o que é terra e cinza?»

(Ecli. 10, 9).

Os Juízes suplicam a Deus que os socorra, cobrindo a cabeça de cinzas (Jdt. 4,

11 – 9, 1 / Ez. 27, 30).

Este símbolo de penitência serve, também, para exprimir a tristeza do homem

quebrado pelo luto: «Ó filha do meu povo, veste-te de saco, revolve-te nas cinzas.

Cobre-te de luto como por um filho único.» (Jer. 6, 26)

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OS NÚMEROS

Todas as civilizações – a dos Sumérios, dos Caldeus, dos Egípcios – eram

sensíveis ao valor dos números no pensamento filosófico e religioso. Há, na concepção

dos números, uma procura de valores absolutos, desde os tempos mais recuados.

Dois séculos antes de Jesus Cristo, está escrito no Livro da Sabedoria: «Porém,

dispusestes tudo com medida, número e peso.» (Sab. 11, 20)

Os números exprimem não somente quantidades, mas ideias e forças. Os

números, diz S. Martinho, são o invólucro visível dos seres.

Para Santo Agostinho, “a Sabedoria divina reconhece-se nos números

impressos em todas as coisas”.

Na sua visão apocalíptica, João faz numerosas referências ao simbolismo dos

números. No primeiro capítulo do Apocalipse, podemos ler: «Eu sou o Alfa e o Ómega,

diz o Senhor Deus. O que é, que era e que há-de vir, o Todo-poderoso.» (Ap.1, 8)

Um

Deus é Absoluto, o Único.

UM é o símbolo do Deus eterno e todo-poderoso. Ele é Único e Universal.

No cosmos, cada coisa participa, à sua maneira, no todo, porque no início tudo

era UM.

A fé num Deus único, Pai, Filho e Espírito Santo, faz abrir o homem ao amor

que une o Pai e o Filho e que lhe comunica o Espírito. Este amor faz do homem

testemunha de Deus único, no seu desígnio de unir todos os homens.

Dois

Aquele que manifesta o UM, é Jesus, a segunda pessoa da Trindade.

O dois é um símbolo de oposição, de dualismo, de divisão, mas trata-se de uma

oposição aparente e, frequentemente, complementar.

Dois é Deus revelado por Seu Filho.

Dois é Cristo prefigurado por Abel, o segundo filho, imolado.

Dois é Deus que se manifesta na sua infinita Sabedoria.

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Três

Três é um número universalmente fundamental. Toda a comunicação supõe

três termos: dois pólos e a sua relação.

É a perfeição da Unidade divina: Deus é UM em três pessoas.

É um número simbólico na Escritura:

Cristo é tentado três vezes por Satanás,

Cristo tem três testemunhas da sua transfiguração,

Cristo ressuscita ao terceiro dia.

Os catecúmenos que recebem o Baptismo por imersão, eram mergulhados três

vezes na piscina. O oriente mantém-se fiel a este Baptismo por tripla imersão.

Quatro

O número quatro é o da estabilidade.

Na Bíblia, este número sugere a universalidade. O capítulo 4 do Apocalipse é o

do Trono de Deus. No meio do trono, encontram-se os quatro viventes que

representam o conjunto dos eleitos no mundo da luz.

As quatro cores dos cabelos correspondem às cores dos pontos cardeais, para

mostrar a universalidade no espaço e no tempo, e as quatro muralhas da Jerusalém

celeste fazem face aos quatro orientes.

Quatro é, também, o número que caracteriza o universo na sua totalidade

(mais frequentemente, trata-se do mundo material sensível). Os quatro rios que saíam

do Éden (segundo o Génesis 2, 10) rodeiam e delimitam o universo habitável. O

Apocalipse (7, 1; 20, 8) fala das quatro extremidades da terra, de onde sopram os

quatro ventos (Jer. 49, 36 ; Ez. 37, 9; Dan. 2 e 7) e distingue quatro grandes períodos

que atravessam toda a história do mundo.

Quatro lados, é a forma do Templo que serve de base à forma circular da

Cúpula Celeste.

As quatro iniciais JNRJ são as das palavras hebraicas: mar, luz, sopro e sal que,

junto com os quatro elementos (água, fogo, ar e terra) que eles representam,

testemunham a realeza universal do Crucificado.

Santo Ireneu escreveu: «Já que o mundo tem quatro regiões e que a Igreja se

expande por toda a terra … é natural que a Igreja tenha quatro colunas, os quatro

Evangelistas».

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Cinco

O número cinco é símbolo do homem: braços estendidos, ele parece disposto

em cinco partes sob a forma de cruz – os dois braços, o tronco (centro), a cabeça e as

duas pernas. É a imagem da criação (4+1) continuada pelo homem.

No Antigo Testamento, encontramos cinco livros de Moisés (Pentateuco), as

cinco pedras de David para abater Golias. No Novo Testamento, os cinco pães para

alimentar a multidão, as cinco chagas de Cristo, as cinco virgens prudentes e as cinco

virgens insensatas.

A Virgem Maria foi simbolizada pela estrela de cinco pontas (Stella Maris). O

Rosário é composto por três vezes cinco dezenas de saudações angelicais. Ele foi

chamado o “Saltério dos pobres”, já que substitui a recitação dos 150 Salmos por estas

150 Avé-Marias.

A harmonia do pentágono inspirou os arquitectos das catedrais góticas. As

rosáceas dos vitrais foram inspiradas por este mesmo símbolo.

Depois do quatro, considerado como o número da estabilidade, o cinco é

aquele que põe em movimento.

Seis

O número seis é expresso pelo hexágono, ou melhor, pelo hexágono estrelado,

que é a conjunção de dois triângulos invertidos.

Santo Agostinho escreve: «O seis é o número perfeito em si mesmo». É o

número da criação. Deus cria o mundo em seis dias e no sétimo descansa.

Sete

O sete é o símbolo de uma totalidade material e espiritual. Associando o

número quatro, que simboliza a terra (com os seus quatro pontos cardeais) e o

número três, que simboliza o céu, sete representa a totalidade do universo em

movimento.

As sete cores do arco-íris constituem uma harmonia perfeita.

No sétimo capítulo do Génesis, versículo 7, Noé entra na arca com sete pares

de animais puros; sete dias passam antes que caiam as águas do dilúvio.

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Salomão construiu o Templo em sete anos (I Reis 6, 38).

O sete é empregue 77 vezes no Antigo Testamento.

Fora das muralhas de Jericó, sete sacerdotes com sete trombetas devem, no

sétimo dia, dar sete voltas em torno da cidade. Um leproso mergulha sete vezes no

Jordão e sai curado (II Reis 5, 14).

O número sete tem um papel muito importante no Apocalipse de São João

(sete Igrejas, sete estrelas, sete castiçais, sete trombetas, sete espadas, sete reis, …).

Sete é constantemente referido no Novo Testamento: São João cita sete

milagres feitos por Jesus antes da Sua ressurreição e sete vezes Cristo diz “Eu Sou”. A

Igreja reconhece sete Sacramentos, sete Dons do Espírito Santo.

Alguns meses depois do Pentecostes, os Apóstolos apelam a sete fiéis para os

ajudar na sua tarefa. Serão estes os primeiros diáconos.

O Salmo 118 canta o amor, na fidelidade – o número sete significa “sempre”:

«Sete vezes por dia eu te oro».

Assim, Jesus recomenda a Pedro que perdoe indefinidamente: «Então Pedro,

aproximando-se, disse-Lhe: “Senhor, se o meu irmão me ofender, quantas vezes lhe

deverei perdoar? Até sete vezes?” Jesus respondeu: “Não te digo sete vezes, mas

setenta vezes sete”.». (Mt. 18, 21 – 22)

Oito

O oitavo dia, que sucede os seis dias da criação e o de decanso, é símbolo de

ressurreição, de realização.

Se o número sete é, sobretudo, o número do Antigo Testamento, o oito

corresponde ao Novo Testamento.

Não é, porventura, por acaso que Cristo descenda de David, ele mesmo oitavo

filho de Jessé.

Oito Bem-aventuranças fazem-nos entrar no Reino da Glória (Mt. 5, 3-11).

Cristo ressuscita no oitavo dia da semana. Ele é por vezes representado numa

moldura em forma de oito, como nos frescos de Saint-Gilles de Montaire (século XI).

O octógono é a forma geométrica que faz passar do quadrado ao círculo. Em

algumas igrejas românicas, a passagem da planta quadrada para a cúpula realiza-se

através de uma planta intermédia octogonal.

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Os primeiros baptistérios têm a forma octogonal. Do quadrado da terra ao

círculo do céu, passando pelo octógono, elevaram-se santuários. É este o caso de duas

igrejas edificadas sobre a casa de São Pedro, em Cafarnaum. Algumas edificações em

pedra, de forma octogonal, subsistem ainda em abadias e igrejas.

Nove

Nove, ou 3 vezes 3, é um número místico, já que o três é considerado símbolo

de perfeição.

Depois do oito, que evoca uma certa ideia de realização (Cristo na Glória), o

número nove evoca o caminho do homem para aceder a essa plenitude.

No pórtico de Notre-Dame em Paris, sob a estátua de Cristo, a escada da

alquimia conta nove degraus. Segundo a tradição talmúdica, é também o número de

degraus da escada de Jacob.

Dez

O número dez aparece na apresentação do decálogo e faz descobrir que os dez

mandamentos não são senão um único: Tu Amarás.

Doze

No simbolismo cristão, este número é de uma grande riqueza. Jesus escolheu

doze Apóstolos que o acompanharam durante a sua vida pública.

Para os autores bíblicos, é o número de eleição: «Os filhos de Israel foram

doze.» (Gen. 35, 23) e estão na origem das doze tribos de Israel. Há doze mil eleitos

por tribo e o seu número total é de 144 mil: «E ninguém podia aprender esse cântico,

a não ser os cento e quarenta e quatro mil, que foram resgatados da terra.» (Ap. 14,

3).

A Jerusalém Celeste do Apocalipse (21, 12) tem doze portas, e nas portas doze

anjos, e i8nscrições de nomes: os nomes das doze tribos dos filhos de Israel…

«A muralha da Cidade tinha doze fundamentos e sobre eles os nomes dos doze

apóstolos do Cordeiro.» (Ap. 21, 14)

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A mulher do Apocalipse traz uma coroa de doze estrelas sobre a cabeça:

«Depois apareceu um grande sinal no Céu: uma mulher revestida de Sol, tendo a Lua

debaixo dos seus pés e uma coroa de doze estrelas sobre a cabeça.» (Ap. 12, 1)

Quarenta

É o número bíblico da provação. Muito particularmente, ele evoca os 40 anos

do Êxodo de Israel no deserto. É, sem dúvida, a razão pela qual o encontramos em

numerosos textos que traduzem, também, um tão longo período: os quarenta anos do

reinado de David (II Sam. 5, 4), os quarenta dias do dilúvio (Gen. 7, 4), a estadia de

Moisés no Sinai (Ex.24, 18).

«Então, o Espírito conduziu Jesus ao deserto a fim de ser tentado pelo demónio.

Jejuou durante quarenta dias e quarenta noites e, por fim, teve fome.» (Mt. 4, 1-2).

Depois da ressurreição, Ele aparece ao longo de quarenta dias aos seus

discípulos (Act. 1, 3).

Dez Mil

Este número simboliza a abundância e a fertilidade.

Santo Ireneu, falando do tempo messiânico (antes do final dos tempos) diz que

as vinhas terão, cada uma, dez mil videiras; cada videira, dez mil ramos; cada ramo,

dez mil cachos; cada cacho, dez mil bagos de uva; e cada bago de uva dará vinte cinco

medidas de vinho.

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AS FORMAS

As linhas determinam os volumes. Enquanto o movimento amplo é circular e

redondo, a paragem e a estabilidade associam-se às figuras angulosas, às linhas hirtas

e descontínuas.

A simbologia das formas não é a geometria, ainda que tenha alguns pontos em

comum com esta disciplina matemática.

O simbolismo dos volumes é o mesmo que o simbolismo das superfícies, as

quais partilham o simbolismo com o número correspondente; assim, a esfera partilha o

simbolismo com o círculo e o cubo partilha-o com o quadrado.

De uma forma geral, podemos inscrever as composições florais num volume

geométrico: esfera, cilindro, cone ou pirâmide, que lhe dá uma estrutura arredondada,

rectangular ou triangular.

Num determinado volume, o arranjo floral pode ser simétrico ou asimétrico. No

entanto, ele deve ser executado com o cuidado do equilíbrio, com um rigor que não

exclua a originalidade.

Círculo

«Deus é temível na assembleia dos santos, grande e terrível sob quantos O

rodeiam. Senhor, Deus dos exércitos, quem é como Vós? Sois poderoso, ó Deus, e a

Vossa fidelidade nos circunda!» (Sl. 88, 8 – 9)

« Num movimento eternamente imutável em torno do nosso Deus, os anjos

cantam e bendizem, por triplas bênçãos, a tripla face do Deus único.» (Máximo,

confessor).

O círculo é, desde logo, um ponto alargado. Não tem começo nem fim; é

considerado na sua totalidade indivisa.

No centro do circulo, todos os raios convergem. O círculo é o sinal da unidade

principal, bem como do céu. Na iconografia cristã, o círculo simboliza a eternidade.

A esfera possui, na ordem dos volumes, o mesmo simbolismo que o círculo na

ordem das superfícies. Imagem por excelência da simetria, a esfera é a imagem da

perfeição.

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Isaías emprega a comparação da esfera para fazer compreender o lugar onde

habita o Criador: «Não chegou ao vosso conhecimento como se fundou a terra? Ele

está sentado sobre a orbe terrestre.» (Is. 62, 2 – 3).

As igrejas românicas que reproduzem o Santo Sepulcro de Jerusalém, tomam a

forma redonda, tentando reproduzir a grande cúpula do universo.

É também o céu que é simbolizado pelas cúpulas dos nossos santuários. Assim

é a abadia de Sovillac, no Lot, conhecida pelas suas cúpulas do século XII. A sucessão

de cúpulas que cobrem, segundo o costume bizantino, a igreja de São Pedro de

Angoulême, são disso exemplo perfeito. Com o mesmo espírito foram erigidos os

cimbórios que cobrem os altares.

Desde o século IV é usada a auréola circular que envolve a cabeça de

personagens importantes. Na iconografia cristã e para manifestar a santidade de

acordo com o simbolismo celeste do círculo, este halo envolve a cabeça daqueles que

atingiram a amizade de Deus.

O centro é, antes de tudo, o princípio, o ponto a partir do qual tudo foi feito, o

ponto indiviso; estado limite de abstracção de volume, ele é imagem absoluta da

origem e do fim de tudo o que existe. Ele designa o poder criador e o fim de todas as

coisas.

Santo Ireneu, referindo-se a Platão, diz: «Deus, seguindo uma antiga tradição,

é o começo e o fim e o meio de todas as coisas que são. Ele age em linha recta, ainda

que, por natureza, ele seja circunferência.»

Coroa

O simbolismo desta figura geométrica assemelha-se ao do círculo.

O primeiro atributo da santidade é a coroa, mas o sinal que a exprime

habitualmente é a auréola, cuja evolução acompanha a da arte.

Coroar tinha, primitivamente, um sentido de consagração. Mais tarde, a coroa

foi, sobretudo, símbolo de realeza, de glória, mas também de vitória, de virtude. Uma

coroa sobre o túmulo dos mártires exprimia a honra que a Igreja lhes reservava e a

gloriosa recompensa que lhes seria dada no além.

Coroa, é o nome de predilecção que Isaías atribui a Israel: Jerusalém «As

nações verão a tua justiça, e todos os reis a tua glória. Dar-te-ão um nome novo,

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designado pela boca do Senhor. Serás uma coroa fúlgida na mão do Senhor, um

diadema real na mão do teu Deus.» (Is. 62, 2 – 3).

O Apocalipse de São João atribui a coroa real e sacerdotal ao próprio Deus:

«Olhei ainda e vi: uma nuvem branca sobre a qual estava sentado Alguém parecido a

um filho de homem. Tinha uma coroa de ouro na cabeça.» (Ap. 14, 14) e àqueles que

partilham a Sua Glória: «Ao redor do trono havia outros vinte e quatro, sobre os quais

estavam sentados vinte e quatro anciãos, vestidos com vestes brancas e com coroas

de ouro na cabeça.» (Ap. 4, 4).

Nos mosaicos de Saint-Apollinaire-le-Neuf, em Ravenne (século VI), as virgens

santas e os mártires têm nas mãos uma coroa. O costume de usar uma coroa foi

retomado nos ritos cristãos do baptismo. No século XIX e na primeira metade do

século XX, os que faziam a primeira comunhão, eram dispostos desta forma, em

função do carácter escatológico da coroa, designando a beatitude eterna.

O colocar das coroas nupciais é, ainda hoje, usado nas celebrações do

matrimónio católico oriental e ortodoxo: «Saí, ó filhas de Sião, e vede o rei Salomão,

com o diadema com que o coroou sua mãe no dia das suas núpcias, no dia do júbilo

do seu coração.» (Cant. 3, 11).

É ainda costume, em algumas famílias, caminhar para o Natal com uma coroa

de Advento, na qual se acende uma vela cada Domingo.

Oval

É uma figura geométrica em forma de amêndoa. Nas pinturas e esculturas, era

numa forma oval que se inscreviam as personagens sagradas, Cristo, a Virgem e, mais

raramente, os Santos.

A forma oval, em torno de Cristo, nas cúpulas das igrejas da época românica e

no início do gótico, evocam a Glória.

Espiral

A espiral manifesta a aparição do movimento circular, saindo de um ponto de

origem.

A sua formação natural é frequente em algumas plantas, como a vinha: evoca a

evolução de uma forma ascendente a partir de um dado ponto de origem.

Flores e Liturgia – A Arte floral nas celebrações

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Na época românica, as imagens de Cristo são, muitas vezes, concebidas com

uma espiral em seu torno. Nos edifícios religiosos, esta é a figura que dita a expressão

da escultura.

Natal e Páscoa inscrevem-se numa espiral: qual escada em caracol que nos faz

voltar a passar, sem cessar, por um mesmo ponto, mas que nos aproxima,

incessantemente, do topo.

Quadrado

O quadrado simboliza os quatro elementos: terra, água, ar e fogo. Diz-se que

ele é o símbolo do universo, de tudo o que foi criado.

O círculo e o quadrado unem-se frequentemente para formar um conjunto:

juntos eles simbolizam o cosmos, ou seja, o céu e a terra.

As igrejas são quadriláteros, no interior dos quais os raios de luz giram ao longo

de todo o dia, ainda que, no exterior, a sombra trace o círculo do tempo celeste.

Na arquitectura cristã, desde o século IX, os concílios estabeleceram uma

simbologia: as igrejas são construídas em forma de cubo – símbolo da terra, encimada

por uma cúpula – símbolo do céu.

Assim são as igrejas bizantinas da Idade Média, que são edifícios cúbicos

encimados por uma cúpula central, espécie de microcosmos que reproduzia a forma do

universo. As pinturas que recobriam as paredes e colunas, eram escolhidas por forma

a evocar os Santos do céu invisível, e os acontecimentos da vida terrestre de Cristo.

«Eis o que diz o Senhor: o Céu é o meu trono, e a terra escabelo dos Meus

pés.» (Is. 66, 1)

O quadrado é uma figura anti-dinÂmica, ancorada sobre quatro lados; implica a

ideia de estabilidade.

Assim também a Jerusalém quadrada do Apocalipse é estabilizada na prefeição:

«A cidade formava um quadrado e o seu comprimento era igual à sua largura. Mediu

pois, a cidade com a cana; tinha doze mil estádios. O seu comprimento, largura e

altura eram iguais.» (Ap. 21, 16).

O quadrado, como a cruz, é caracterizado pelo número quatro, símbolo do

espaço universal.

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Cruz

A cruz é o terceiro dos quatro símbolos fundamentais, com o centro, o círculo e

o quadrado.

Em diferentes regiões, muito antes da era cristã, encontramos motivos

cruciformes, provavelmente ligados ao culto do sol.

É a cruz que recorta, ordena e mede, tanto os espaços sagrados, como as

praça das localidades. A planta da igreja de Sainte Geneviéve, em Paris, é uma cruz

grega, a da igreja de Notre-Dame é uma cruz latina.

A cruz suástica sria um desses símbolos solares; presente nos séculos IV e V

em diversas esculturas, encontramo-la ainda nos dias de hoje em determinados

edifícios, por exemplo na igreja de Saint-Romain Le Puy (no Loire) e num dos capitéis

da igreja de Saint-Nectaire, que data do século XI.

A cruz é um símbolo fundamental na Bíblia. Ela é Árvore de Vida. O mosaico da

absida da igreja superior de São Clemente e a de Latrão, em Roma, ilustram a

assimilação da cruz à árvore da vida.

Na época carolíngia, os artistas juntaram sobre a auréola que envolve a cabeça

de Cristo uma cruz; esta auréola crucificial permitia distinguir o Messias.

O Palium, faixa de lã marcada de cruzes negras, é uma das insignías que

distinguem o Papa e os seus Arcebispos.

Coluna

O tronco de uma árvore está na origem da coluna: todas as construções de

templos em pedra foram precedidas de templos em madeira.

Através da ua linha vertical, a coluna parece unir o céu e a terra. Na visão de

Jacob (Génesis 28, 12), a escada substitui esta função.

A coluna toma, por vezes, o aspecto de uma teofania, coluna de fogo em pleno

deserto: «A coluna de nuvem nunca se retirou da frente do povo durante o dia, nem a

coluna de fogo durante a noite.» (Ex. 13, 22).

A coluna simboliza a presença de Deus, uma presença activa, que guia o povo

eleito através das emboscadas do caminho.

Na tradição, Paulo e Pedro são as duas “colunas” da Igreja romana.

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Triângulo

O simbolismo to triângulo assemelha-se ao do número três.Equilátero, ele é

equilíbrio e harmonia.

Na arte floral, uma composição inscrita num triângulo poderá ser um bouquet

de acolhimento. Ela põe em evidência duas orientações: a verticalidade, que

simbolicamente nos liga a Deus, e a horizontalidade, que é símbolo de atenção

fraternal.

Octógono

O octógono, que permite que, geometricamente, se passe do quadraro ao

círculo, tem um simbolismo de eternidade.

Se a forma octogonal dos Baptistérios se expandiu tanto, foi porque a Criação,

tendo acontecido em sete dias, o número oito exprime a “nova criação”, resultante do

Baptismo. Ela simboliza o retorno do criado ao não-criado (da criatura ao Criador), da

terra ao céu, à plenitude, à perfeição do ciclo completado.

Em Cafarnaum, sob as ruínas de uma igreja octogonal do século V, foram

encontrados vestígios de um santuário mais antigo, no centro do qual foram decifradas

inscrições em diversas línguas, que mencionam os nomes de Jesus e de Pedro. Tratar-

se-ía da casa de Pedro, da qual os textos dos séculos IV e V referem que se tornou

uma igreja.

As basílicas foram construídas sobre o plano octogonal; é o caso da basílica de

Saint-Vidal, em Ravenne, que data do século VI.