Finding Sustainability in Ecosystem Restoration (Portuguese Translation)

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Encontrar a Sustentabilidade na Reabilitação de Ecossistemas © 2011, John D. Liu Imagens © Kosima Weber Liu Tradução: Tiago Simões Uma descoberta de importância mundial Em 1995, enquanto o governo e o povo da China começavam um esforço ambicioso para reabilitar o berço da civilização Chinesa, fui abordado pelo Banco Mundial para documentar o “Projeto de Reabilitação da Bacia Hidrográfica do Planalto de Loess”. Originalmente o Planalto de Loess tinha estado totalmente coberto por vegetação, com enormes florestas e pradarias. Os recursos extraídos das grandes florestas, dos rios turbulentos e da abundância da terra nesta zona deram origem à magnificência das dinastias Han, Qin e Tang. Os feitos das primeiras dinastias Chinesas, que tiveram as suas bases neste planalto, encontram-se entre os maiores sucessos humanos, científicos e artísticos de qualquer era. O Planalto de Loess foi o local de origem da raça Han, o maior grupo étnico do planeta, e esta zona é considerada por historiadores e geógrafos como o segundo local na Terra onde seres humanos começaram a praticar a agricultura sedentária. Apesar de um início brilhante, ao longo do tempo esta área sofreu, e por fim tornou-se quase completamente despida de vegetação. Há cerca de 1000 anos atrás o Planalto de Loess já tinha sido abandonado pelos ricos e poderosos, e em meados da década de 1990 era principalmente famoso por um ciclo contínuo de cheias, secas e fome conhecido como a “mágoa da China”. Ao longo dos anos, desde que iniciei a minha pesquisa em 1995, testemunhei uma transformação extraordinária no Planalto de Loess. As mudanças ocorreram através da diferenciação e tratamento separado entre terras ecológicas e terras económicas, infiltração da água das chuvas, construção de socalcos e aumento consciente da biomassa e material orgânico, plantando árvores em enormes quantidades nas terras ecológicas e utilizando melhores métodos agrícolas nas terras económicas. Devolveu-se à região alguma funcionalidade ecológica, e a direção de desenvolvimento é agora positiva e acumulativa, com a funcionalidade em melhoramento constante. As mudanças no Planalto de Loess foram transformadoras, e estão a contribuir para um movimento crescente no sentido de reabilitar todas as zonas degradadas da Terra. À medida que a minha compreensão cresceu, divulguei os esforços de reabilitação do Planalto de Loess e os seus resultados por todo o mundo, através de palestras públicas e em vários documentários, incluindo: “As Lições do Planalto de Loess” (The Lessons of the Loess Plateau), “Esperança num Clima em Mudança” (Hope in a Changing Climate) e “Ouro Verde” (Green Gold) (ligações digitais para assistir a estes documentários podem ser encontrados no final deste artigo). Tenho estado numa longa viagem de investigação desde que comecei a estudar o Planalto de Loess na China. Este artigo contém muito dessa viagem, da maravilha e beleza que vi ao longo do caminho, e as conclusões a que cheguei. As minhas experiências fizeram-me compreender que apesar de vivermos em tempos interessantes, não estamos impotentes perante os muitos desafios com que nos debatemos. Perda de biodiversidade, alterações climáticas induzidas pela ação humana, aumento da incidência de fenómenos meteorológicos extremos, poluição, insegurança alimentar, desertificação, crescimento da população humana, crise financeira, racismo, guerra, violência e migração são apenas algumas das nossas preocupações. O que é que está a acontecer exatamente? Porque é que parecemos estar numa espiral de degradação, aparentemente levando a um eventual colapso catastrófico? Serão todos estes desenvolvimentos negativos algo de inevitável? Será que a “fúria divina” se abate sobre nós por termos pecado, e por esse motivo fomos expulsos do Paraíso? Devemos levar esta frase à letra ou podemos vê-la como uma metáfora poética que nos aponta para uma compreensão mais profunda? A investigação, que começou com um pequeno trabalho para documentar um projeto na China, levou-me a todos os continentes da Terra e a estender o meu pensamento através de tempos históricos, evolutivos e geológicos. O meu foco inicial estava em ganhar uma melhor compreensão dos aspetos biofísicos dos sistemas terrestres, mas mais recentemente esse foco deslocou-se para a relação entre estes sistemas e a atividade, trabalho e economia humanas. Implicações surpreendentes emergem desta relação. Aquilo que no início parecia distante dos acontecimentos da atualidade sugere agora um novo paradigma de desenvolvimento que poderia lidar com os mais sérios problemas que enfrentamos, com profundas implicações para o presente e o futuro. O estudo do Planalto de Loess provou ser largamente análogo ao estudo de outros berços da civilização por todo o planeta. Reduzindo a biodiversidade, a biomassa e a matéria orgânica acumulada, o povo do Planalto de Loess destruiu a capacidade de infiltrar e reter as chuvas nessa biomassa e nos solos orgânicos, fazendo com que uma área do tamanho de França secasse. Sem a constante reciclagem de nutrientes resultante da decomposição de matéria orgânica, a fertilidade foi levada pelo vento e a água, e o local foi deixado estéril e sujeito a grandes inundações, secas e fome. Há vestígios deste fenómeno por todo o mundo. Esta ocorrência é semelhante na Mesopotâmia, no Mediterrâneo, na Ásia Central, na região do Sahel no Norte de África, e em vários outros locais. O que diferencia o Planalto de Loess é que houve uma decisão consciente para tentar reverter a degradação numa escala total, e para tentar reabilitar a funcionalidade ecológica de uma área vasta. O trabalho no Planalto de Loess ajuda a provar que é possível reabilitar ecossistemas danificados em grande escala, e que esta é a melhor forma que temos de mitigar e nos adaptar às alterações climáticas induzidas pela humanidade, bem como de lidar com numerosos outros problemas. 1

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Encontrar a Sustentabilidade na Reabilitação de Ecossistemas

© 2011, John D. LiuImagens © Kosima Weber Liu Tradução: Tiago Simões

Uma descoberta de importância mundialEm 1995, enquanto o governo e o povo da China começavam um esforço ambicioso para reabilitar o berço da civilização Chinesa, fui abordado pelo Banco Mundial para documentar o “Projeto de Reabilitação da Bacia Hidrográfica do Planalto de Loess”. Originalmente o Planalto de Loess tinha estado totalmente coberto por vegetação, com enormes florestas e pradarias. Os recursos extraídos das grandes florestas, dos rios turbulentos e da abundância da terra nesta zona deram origem à magnificência das dinastias Han, Qin e Tang. Os feitos das primeiras dinastias Chinesas, que tiveram as suas bases neste planalto, encontram-se entre os maiores sucessos humanos, científicos e artísticos de qualquer era. O Planalto de Loess foi o local de origem da raça Han, o maior grupo étnico do planeta, e esta zona é considerada por historiadores e geógrafos como o segundo local na Terra onde seres humanos começaram a praticar a agricultura sedentária.

Apesar de um início brilhante, ao longo do tempo esta área sofreu, e por fim tornou-se quase completamente despida de vegetação. Há cerca de 1000 anos atrás o Planalto de Loess já tinha sido abandonado pelos ricos e poderosos, e em meados da década de 1990 era principalmente famoso por um ciclo contínuo de cheias, secas e fome conhecido como a “mágoa da China”. Ao longo dos anos, desde que iniciei a minha pesquisa em 1995, testemunhei uma transformação extraordinária no Planalto de Loess. As mudanças ocorreram através da diferenciação e tratamento separado entre terras ecológicas e terras económicas, infiltração da água das chuvas, construção de socalcos e aumento consciente da biomassa e material orgânico, plantando árvores em enormes quantidades nas terras ecológicas e utilizando melhores métodos agrícolas nas terras económicas. Devolveu-se à região alguma funcionalidade ecológica, e a direção de desenvolvimento é agora positiva e acumulativa, com a funcionalidade em melhoramento constante. As mudanças no Planalto de Loess foram transformadoras, e estão a contribuir para um movimento crescente no sentido de reabilitar todas as zonas degradadas da Terra. À medida que a minha compreensão cresceu, divulguei os esforços de reabilitação do Planalto de Loess e os seus resultados por todo o mundo, através de palestras públicas e em vários documentários, incluindo: “As Lições do Planalto de Loess” (The Lessons of the Loess Plateau), “Esperança num Clima em Mudança” (Hope in a Changing Climate) e “Ouro Verde” (Green Gold) (ligações digitais para assistir a estes documentários podem ser encontrados no final deste artigo).

Tenho estado numa longa viagem de investigação desde que comecei a estudar o Planalto de Loess na China. Este artigo contém muito dessa viagem, da maravilha e beleza que vi ao longo do caminho, e as conclusões a que cheguei. As minhas experiências fizeram-me compreender

que apesar de vivermos em tempos interessantes, não estamos impotentes perante os muitos desafios com que nos debatemos. Perda de biodiversidade, alterações climáticas induzidas pela ação humana, aumento da incidência de fenómenos meteorológicos extremos, poluição, insegurança alimentar, desertificação, crescimento da população humana, crise financeira, racismo, guerra, violência e migração são apenas algumas das nossas preocupações. O que é que está a acontecer exatamente? Porque é que parecemos estar numa espiral de degradação, aparentemente levando a um eventual colapso catastrófico? Serão todos estes desenvolvimentos negativos algo de inevitável? Será que a “fúria divina” se abate sobre nós por termos pecado, e por esse motivo fomos expulsos do Paraíso? Devemos levar esta frase à letra ou podemos vê-la como uma metáfora poética que nos aponta para uma compreensão mais profunda? A investigação, que começou com um pequeno trabalho para documentar um projeto na China, levou-me a todos os continentes da Terra e a estender o meu pensamento através de tempos históricos, evolutivos e geológicos. O meu foco inicial estava em ganhar uma melhor compreensão dos aspetos biofísicos dos sistemas terrestres, mas mais recentemente esse foco deslocou-se para a relação entre estes sistemas e a atividade, trabalho e economia humanas. Implicações surpreendentes emergem desta relação. Aquilo que no início parecia distante dos acontecimentos da atualidade sugere agora um novo paradigma de desenvolvimento que poderia lidar com os mais sérios problemas que enfrentamos, com profundas implicações para o presente e o futuro.

O estudo do Planalto de Loess provou ser largamente análogo ao estudo de outros berços da civilização por todo o planeta. Reduzindo a biodiversidade, a biomassa e a matéria orgânica acumulada, o povo do Planalto de Loess destruiu a capacidade de infiltrar e reter as chuvas nessa biomassa e nos solos orgânicos, fazendo com que uma área do tamanho de França secasse. Sem a constante reciclagem de nutrientes resultante da decomposição de matéria orgânica, a fertilidade foi levada pelo vento e a água, e o local foi deixado estéril e sujeito a grandes inundações, secas e fome. Há vestígios deste fenómeno por todo o mundo. Esta ocorrência é semelhante na Mesopotâmia, no Mediterrâneo, na Ásia Central, na região do Sahel no Norte de África, e em vários outros locais. O que diferencia o Planalto de Loess é que houve uma decisão consciente para tentar reverter a degradação numa escala total, e para tentar reabilitar a funcionalidade ecológica de uma área vasta. O trabalho no Planalto de Loess ajuda a provar que é possível reabilitar ecossistemas danificados em grande escala, e que esta é a melhor forma que temos de mitigar e nos adaptar às alterações climáticas induzidas pela humanidade, bem como de lidar com numerosos outros problemas.

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Contexto: Pesquisa Global sobre Sistemas NaturaisA degradação histórica e reabilitação contemporânea do Planalto de Loess na China é uma história complexa, mas pode ser analisada e compreendida. Para realmente a entendermos, é necessária alguma informação contextual. Para mim isto significou viajar para terras degradadas de todo o mundo, mas também para os ecossistemas intactos que restam na África, Ásia e Américas para ver como são os sistemas que não foram alterados pelos seres humanos, e o que foi perdido quando alterámos esses sistemas.

Isto tornou-me bastante filosófico. Com uma boa imaginação é possível pensar num tempo antes de os humanos terem alterado enormemente os sistemas naturais da Terra. Quando deixamos para trás o ambiente que nós humanos construímos, ainda hoje vemos grandes florestas ricas em oxigénio, humidade, cheiros de orquídeas e muitas outras flores. Estas relíquias dos sistemas naturais da Terra podem ser encontradas em todos os continentes. Nestas grandes florestas primárias há epífitas presas a todas as superfícies, fazendo com que as árvores pareçam ter barbas penduradas nos seus ramos

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Antes (em baixo) e depois (em cima); Projecto de Reabilitação da Bacia Hidrográfica do Planalto de Loess

e pelo nos seus troncos. Até as pedras estão cobertas de musgo ou manchadas de líquenes. O chão da floresta está coberto de matéria orgânica em decomposição, restos de anteriores gerações de plantas, de onde emergem fetos gigantes e fungos coloridos. Fezes de animais nos caminhos, pegadas, cantos de aves e gritos de animais dão provas de que a floresta não é só para as plantas.

Dentro destas florestas há árvores antiquíssimas que vivem milhares de anos – árvores gigantes que ancoram ecossistemas vastos e diversos, coexistindo com os seus descendentes e formando simbioses com miríades de formas de vida. Quando chove, as gotas de chuva atingem a antiga e imensa copa e depois pingam para baixo, nutrindo cada nível deste ambiente de muitos andares. A água acumula-se nas pontas das folhas, formando gotas que crescem lentamente, e quando estão gordas e pesadas caem para o próximo nível, iniciando de novo o processo. O ar está denso com uma humidade que banha tudo na floresta. Nascentes brotam espontaneamente de formações rochosas e fluem alegremente em correntes claras, que crescem cada vez mais fortes até formarem grandes rios.

Os rios fluem das florestas nas terras altas, para inundar as zonas húmidas nas terras baixas, a caminho do mar. Durante as estações chuvosas, estas zonas húmidas absorvem enormes quantidades de água, e durante as estações secas libertam-na lentamente, e assim a terra nunca seca. Em várias alturas do ano, o céu é escurecido por enormes bandos de pássaros migratórios. Várias espécies competem por locais de nidificação numa cacofonia de canto e bater de asas. Nas zonas costeiras onde a terra e o mar se encontram há vastos mangais, a interface entre terra e água e um local de procriação para muita da vida marinha. Onde a chuva é pouca encontram-se pradarias intermináveis intercaladas por árvores e plantas especialmente adaptadas aos padrões exatos de precipitação de cada habitat ecológico. Nas regiões de pradaria e savana, vastas manadas de animais migratórios abundam.

Tendências Evolutivas: Da Decomposição à FertilidadeAo visitar estes locais e estudar como funcionam, descobri que três tendências evolutivas estiveram continuamente a trabalhar. A primeira tendência é no sentido da total colonização da Terra pela vida biológica. A segunda tendência é no sentido da constante acumulação de material orgânico à medida que cada geração de vida deixa o seu corpo na morte. A terceira tendência é no sentido da diferenciação contínua através da especiação, levando a um potencial infinito de variedade genética ou biodiversidade. Estas tendências ao longo do tempo evolutivo transformaram uma rocha sem vida e rodeada de gases venenosos, num maravilhoso jardim. O motor básico para esta mudança é a fotossíntese, que converte a luz do sol, água e minerais geológicos em biomassa viva. A biomassa fotossintetizante, através de trocas gasosas ao longo de um período de tempo prodigioso, criou e manteve

a atmosfera oxigenada que agora respiramos. As enormes quantidades de biomassa e material orgânico acumulado também infiltram e retêm as chuvas, libertando a humidade na sua respiração, criando, constantemente filtrando e continuamente renovando o ciclo hidrológico que providencia a água que bebemos e usamos de tantas formas. A decomposição de matéria orgânica ao longo do tempo evolutivo construiu e renovou a fertilidade dos solos de onde a nossa comida emerge. Até a energia fóssil que tão despreocupadamente usamos deriva de fotossíntese antiga e matéria orgânica que se decompôs em condições específicas de pressurização. Estes processos e funções da Natureza são a base física da vida.

O Colapso Ecológico das CivilizaçõesFoi neste mundo natural que os nossos antepassados nasceram e, como muitas das grandes cosmologias culturais afirmam, emergimos no Paraíso. Através da nossa engenhosidade e coragem, nós humanos tornámo-nos na mais recente espécie animal dominante. A nossa subida a esta posição elevada ocorreu no relativamente curto espaço de tempo desde que a última era glaciar regrediu, há cerca de 10.000 anos atrás. No entanto, nós não existimos separadamente de outras partes da terra viva, somos uma parte deste sistema. À medida que o poder humano cresceu, abatemos vastas florestas, convertemos sistemas naturais em agricultura,

pastoreámos o nosso gado impiedosamente, e construímos grandes cidades e zonas industriais. Ao longo dos últimos 10.000 anos várias civilizações se ergueram, mas elas também caíram. A

história humana mostra numerosos exemplos de civilizações que não conseguiram conservar e proteger a diversidade natural da vida, a fertilidade dos solos e o ciclo hidrológico, e que colapsaram. Agora, ao enfrentarmos a perda de biodiversidade, eventos climáticos extremos, desertificação, insegurança alimentar, alterações climáticas induzidas por humanos, crise financeira, pobreza, disparidade, guerras, e todos os nossos outros problemas, enfrentamos o mesmo destino das civilizações que vieram antes de nós. Mas o nosso dilema é algo mais perigoso, uma vez que no passado apenas houve uma relocalização dos centros de poder e riqueza, enquanto que agora estamos a alterar ecossistemas à escala planetária. Precisamos urgentemente de compreender o que está a acontecer e o que temos de fazer para que a história não se repita.

Os nossos antepassados orgulharam-se dos seus feitos, pois fizeram crescer magníficas estruturas e complexas instituições, da mesma forma que nós estamos agora seguros de que os nossos próprios feitos são significativos e duradouros. Mas isto também pode ser visto como um excesso de orgulho que foca a nossa atenção no transitório e nos cega àquilo que é realmente duradouro e profundo. Ver como os antigos Chineses destruíram os próprios sistemas necessários à vida ajudou-me a compreender o processo de degradação e a relação entre a

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“Testemunhar o incrível potencial da reabilitação ajudou-me a compreender que a degradação não é inevitável e que existe um caminho em frente para a Humanidade que leva a um futuro sustentável.”

atividade humana e a degradação. Testemunhar o incrível potencial da reabilitação ajudou-me a compreender que a degradação não é inevitável e que existe um caminho em frente para a humanidade que leva a um futuro sustentável.

O que sabemos acerca das antigas civilizações dos nossos antepassados humanos é o que conseguimos achar nas ruínas que desenterramos de palácios e templos outrora magníficos. As estátuas quebradas que nos olham através do tempo dão-nos uma ideia da seriedade com que cada geração encara a sua própria existência. Mas por fim as pessoas que construíram aqueles palácios morrem, e se não arrancarmos constantemente as ervas daninhas pela raiz, a vida biológica engolirá a infraestrutura por inteiro, e caberá mais uma vez às gerações do futuro distante “descobrir” as ruínas e tentar achar um sentido para tudo aquilo. Mas enquanto que as movimentações e vidas dos nossos antepassados nos podem parecer vagas, recebemos um registo daquilo que as suas vidas fizeram aos sistemas naturais. Somos deixados com as consequências dos seus entendimentos e decisões relativamente à infiltração, retenção e regulação da água, o respeito ou falta dele pela biodiversidade, e a sua compreensão da fertilidade nos solos. Os registos geográficos que documentam estas questões são muito claros. Quase todas as civilizações passadas degradaram os seus ecossistemas e muitas delas foram levadas ao colapso quando o sistema não podia

suportar mais as suas necessidades de comida ou água. O facto de tantas civilizações diferentes em diversas partes do mundo terem sofrido o mesmo destino leva-me a considerar a humanidade como uma espécie, e não uma coleção de várias raças. Podemos ter diferenças culturais, mas as nossas semelhanças são demasiado grandes para serem ignoradas, para não falar nas evidências genéticas de que todos somos aparentados.

Todas as grandes civilizações incluem um grande respeito pela sabedoria e contribuições daqueles que viveram e morreram nas muitas gerações anteriores. No interior da ascensão e queda das grandes civilizações da Terra estão profundas lições que os nossos antepassados partilham connosco. As lições do Planalto de Loess mostram-nos que o solo não é simplesmente um material para manter de pé as nossas culturas agrícolas, e que a fertilidade não é simplesmente azoto, fósforo e potássio para estimular o crescimento. A matéria orgânica é um requisito não só para ajudar na reciclagem de nutrientes mas também para a sua libertação a partir de materiais geológicos, e para infiltrar e reter humidade. Compreender que estes mesmos solos orgânicos são o segundo maior sumidouro de carbono na Terra, depois dos oceanos, é reconhecer o seu papel na mitigação e adaptação às alterações climáticas induzidas pelos seres humanos, e a sua importância vital para a nossa sobrevivência e sustentabilidade.

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No Ruanda, onde a degradação ecológica relativamente recente provocada pela agricultura excessiva nas áreas protegidas das terras altas levou a um quase colapso da produção hidroeléctrica do país, o governo levou a cabo um projecto de reabilitação semelhante ao da China e obteve melhorias quase imediatas. As cabras em pastoreio aberto, no entanto, ainda são um problema.

Floresta de Gishwati, Ruanda

O povo do Planalto de Loess interrompeu as três grandes tendências evolutivas que criaram o sistema vivo e regulavam as funções ecológicas do planalto. Os longos padrões de comportamento destrutivo no planalto deixaram um sistema quase totalmente disfuncional. O ciclo de pobreza e destruição ecológica manifestou-se no ciclo de inundações, secas e fome. A erosão dos solos sedimentares soltos fez com que enormes cargas de sedimentos fossem depositadas no Rio Amarelo, aumentando o risco de inundação nas suas margens. Sem cobertura vegetal nem humidade no solo, a velocidade de evaporação e a temperatura naturais foram elevadas artificialmente, tornando o planalto mais quente e seco do que o necessário.

Tudo isto pode ser resumido como uma redução de biodiversidade, levando a uma redução de biomassa, que necessariamente causa uma redução na acumulação de matéria orgânica, sendo que tudo isto causa uma redução na troca de gases através de uma redução na fotossíntese, uma enorme redução na reciclagem de nutrientes através da perda de matéria orgânica em decomposição e uma redução da infiltração e retenção da água das chuvas, levando no final à perda da regulação natural do ciclo hidrológico, do tempo e do clima. Esta é uma descrição muito concisa da trajetória de desenvolvimento que levou ao colapso e falha de numerosas civilizações humanas.

As Causas da DegradaçãoNo Planalto de Loess um estudo multianual foi implementado no início da década de 1990 para determinar as causas da degradação constante. Os fatores negativos que causavam a perda da vegetação foram identificados como: abate de árvores, agricultura em encostas íngremes e pastoreio extensivo de cabras e ovelhas. Todos estes comportamentos negativos foram eventualmente banidos. Embora a compreensão de como um ecossistema se torna disfuncional seja extremamente importante e até gratificante, para chegar a um resultado diferente no Planalto de Loess seria necessário haver uma mudança radical no comportamento das pessoas. Embora muitos partam do princípio de que na China, governada pelo Partido Comunista Chinês, o governo podia simplesmente ordenar às pessoas que abandonassem os seus comportamentos tradicionais, não foi este o caso. Foi lançada uma campanha maciça de educação pública,

utilizando o processo bem testado da Avaliação Rural Participativa (PRA) para incentivar o envolvimento da população na investigação. Isto quer dizer que as pessoas podiam entender não só o que é que o governo lhes pedia para fazer, mas também porquê. Sistemas de Informação Geográfica (GIS) foram também empregues, bem como imagens de satélite para mapear cada bacia hidrográfica no planalto. Assim, uma “morada” identificativa pôde ser atribuída mesmo ao mais pequeno curso de água. Também foi utilizado um programa informático empresarial que refletia cada investimento e cada intervenção, para monitorizar quaisquer alterações ao longo de toda a cadeia de comando.

O Problema: Produtividade Valorizada Acima da Funcionalidade dos EcossistemasQuando se identificaram os erros históricos básicos que teriam de ser abordados, desenvolveu-se um plano e imaginaram-se as várias intervenções físicas. Isto começou quando se fez uma avaliação econométrica de importância profunda. Os Chineses reconheceram que a função ecológica que estava a ser perdida era muitíssimo mais valiosa do que a produtividade que estava a ser extraída do planalto. Isto permitiu-lhes dar um enorme salto em frente, que continua a ter diversas consequências não lineares e algo contraintuitivas. Uma vez que determinaram que o valor do ecossistema era mais alto do que o valor da produção, fazia sentido designar uma grande porção da terra como área ecológica, e não económica. Esta medida por si só é um enorme passo em frente para assegurar que a biodiversidade sobreviverá até às próximas gerações. Este passo também concentrou o desenvolvimento agrícola em áreas mais pequenas, onde os investimentos e melhoramentos podiam ser focados. Apesar de ser basicamente um exercício de mapeamento, isto mostrou ser uma ferramenta forte para mostrar a todos os envolvidos o que estava a ser contemplado e o que estava em jogo. Uma vez que a área abrangida era de 35.000 quilómetros quadrados, o trabalho atingiu uma escala muito para lá da produção e rendimento de qualquer indivíduo ou mesmo qualquer comunidade, e chegou à escala ecológica da paisagem.

A Dinâmica da ChuvaUma das coisas mais fascinantes que aprendi nesta viagem é acerca da dinâmica da chuva e do papel das

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Catarata de Isumo, na Floresta Húmida Nyungwe de Kamiranzovu, parte do Sistema Funcional da Torre de Água

das Terras Altas da Bacia Hidrográfica dos rios Congo e Nilo Branco, Ruanda

Anteriormente uma floresta húmida intacta, recentemente convertida em agricultura de encostas e topos de montanha, causando grandes impactos; Floresta de Gishwati, Ruanda.

copas das árvores, do mato por debaixo delas e da matéria orgânica na regulação do ciclo natural da água. Para a reabilitação do Planalto de Loess, o próximo passo era um feito de engenharia. Devido ao impacto maciço dos séculos e milénios de más práticas agrícolas, era necessário em primeiro lugar assegurar que toda a água da chuva se infiltrasse e ficasse retida no local onde cai. No planalto, como em muitas outras partes do mundo, a água chega em alturas do ano específicas. As estações chuvosas nesta parte do mundo têm a natureza das monções, e dependem da chuva que vem dos Himalaias. Estes padrões de chuva têm sido relativamente consistentes e deveriam ter dado uma pista aos povos antigos acerca do que lhes estava a acontecer. Mas devido à lentidão da mudança, que terá acontecido ao longo de várias gerações, eles não viram que, apesar da quantidade de chuva não se ter alterado em grande medida, a infiltração, retenção e evaporação alteraram-se muito significativamente. A solução tomou a forma de uma série de trabalhos de engenharia, como bacias de sedimentação e pequenos açudes, todos desenhados para abrandar o fluxo da água, para infiltrar e reter a água dentro do sistema. No início foi uma intervenção física, mas tornou-se rapidamente numa intervenção biofísica à medida que vegetação permanente foi crescendo, tanto nas terras ecológicas como nas económicas.

Diferenciar Terras Ecológicas de Terras EconómicasOs Chineses determinaram que apesar de o valor da funcionalidade ecológica ser superior ao valor da produção, as pessoas ainda tinham de comer, alimentar o seu gado, e ganhar algum dinheiro com a venda de produtos na economia local, regional e global. Visto a agricultura em encostas inclinadas ter sido proibida, tinham uma limitação na quantidade de terra que podia ser utilizada para agricultura. Para maximizar a área disponível decidiram criar socalcos nas vertentes dos montes. Se pudessem tornar os seus campos planos, então podiam cultivá-los sem a enorme erosão que ocorre em encostas inclinadas. Se alguma encosta não suportasse socalcos, essa terra seria necessariamente considerada ecológica e não seria permitido cultivá-la. Esta foi uma segunda tarefa gigantesca de engenharia, e foi conseguida contratando as pessoas para as envolver na atividade. Isto

fez com que as pessoas ganhassem de três formas: estavam a receber dinheiro, estavam a aprender novos métodos de agricultura sustentável, e seriam donos daquilo que viessem a cultivar naqueles campos.

Reconhecimento Mundial da Reabilitação de TerrasAo longo dos anos que se seguiram à reabilitação do Planalto de Loess testemunhei como a terra passou de um sistema fundamentalmente degradado para um sistema que estimula o crescimento de enormes quantidades de biomassa, acumula matéria orgânica no solo, protege e cria novos habitats para a biodiversidade, e infiltra e retém a água das chuvas naturalmente. Estes resultados excederam as expectativas dos próprios projetistas e mostraram que é possível reabilitar ecossistemas degradados em grande escala. Ao levar cientistas, técnicos e gestores às comunidades locais, os Chineses ajudaram essencialmente agricultores pobres e muitas vezes iletrados a transitar para um novo paradigma em apenas uma geração. Ver e documentar a reabilitação do Planalto de Loess tem sido uma fonte de inspiração e ânimo, mas também uma imensa responsabilidade. Quando me

comecei a aperceber da importância dos desenvolvimentos da reabilitação que testemunhei, comecei a falar dela publicamente. Isto levou a centenas de oportunidades para me

dirigir a vários públicos de todas as espécies, desde a Real Sociedade Britânica a crianças de escola primária, muitas universidades e presidentes de vários países. Da mesma forma, os meus filmes têm ajudado a informar muitas pessoas acerca do potencial da reabilitação. Gradualmente está a emergir uma mudança de perceção a nível mundial; os princípios descritos neste texto estão a ser adotados por várias instituições, organizações e indivíduos. A Convenção Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas (UNFCCC) começou a ver a importância da reabilitação, bem como a Convenção das Nações Unidas para a Diversidade Biológica (UNCBD) e a Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação (UNCCD). O Fórum das Nações Unidas para as Florestas (UNFF) adotou a ideia de reabilitação, tal como a Parceria Global para Reabilitação de Florestas e Paisagens.

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Populações deslocadas e em crescimento pressionam as anteriormente imperturbadas florestas das terras altas; Floresta de Gishwati, Ruanda.

Monitorizando chimpanzés selvagens Floresta de Nyungwe, Ruanda.

“Ao levar cientistas, técnicos e gestores às comunidades locais os Chineses ajudaram essencialmente agricultores pobres e muitas vezes iletrados a transitar para um novo paradigma em apenas uma geração.”

No início de fevereiro de 2011, na Assembleia Geral das Nações Unidas em Nova York, a Iniciativa para a Reabilitação Florestal do Ruanda foi formalmente lançada. Em agosto de 2011, a Sociedade para a Reabilitação Ecológica teve o seu encontro global em Mérida, no México, onde quase mil académicos e engenheiros de reabilitação se reuniram para discutir o potencial mundial. No início de setembro de 2011 a Iniciativa de Bona, liderada pelo Governo Alemão, fixou o alvo de reabilitar 150 milhões de hectares, ou cerca de 7% dos 2.000 milhões de hectares de terras degradadas que se estima existirem em todo o mundo. À medida que tenho estudado, documentado e comunicado sobre o potencial da reabilitação, ela passou de virtualmente ignorada a ser considerada por muitos como a mais viável opção para a humanidade no sentido de combater as alterações climáticas induzidas por humanos, a perda de biodiversidade, a desertificação e muito mais.

Economia Humana e Ecologia TerrestreGradualmente, ao tomar consciência das enormes implicações do que tenho vindo a estudar, comecei a perguntar-me por que razão tantas civilizações separadas por grandes distâncias e nos mais variados momentos da história acabaram por destruir os seus ecossistemas. As conclusões que tiro da observação de sistemas naturais em todos os continentes sugerem que não é de todo inevitável que os ecossistemas tenham de se degradar. Eles degradam-se quando os seres humanos não compreendem nem dão valor às suas funções. Estes pensamentos levaram-me a examinar a economia humana em relação à ecologia da Terra, e o que encontrei é talvez tão importante como as descobertas biofísicas e o potencial de reabilitação que detalhei neste texto.

O que os Chineses descobriram no Planalto de Loess, que lhes permitiu dar o passo crucial para a reabilitação, foi o entendimento teórico de que “a funcionalidade dos ecossistemas é muitíssimo mais valiosa do que a produção e consumo de bens e serviços”. Esta afirmação muda tudo. Ao longo de toda a história, os seres humanos deram um valor mais alto à produção e consumo de bens e serviços do que à funcionalidade dos ecossistemas. Na verdade é ainda pior, porque a funcionalidade dos ecossistemas nem tinha qualquer valor, era considerada um bem gratuito. Isto está claramente errado e criou um incentivo perverso para a degradação dos ecossistemas. Enquanto a nossa economia global continuar a dar um valor maior à produção e consumo do que à funcionalidade dos ecossistemas, os resultados continuarão a ser os mesmos e as perspetivas futuras para a humanidade e o planeta são negras. Parece que a humanidade cometeu um erro gigantesco pela sua ignorância, e aumentou este erro ao longo da história. Frases feitas como “o dinheiro é a raiz de todos os males” talvez não devessem ser rejeitadas sem alguma reflexão.

O dinheiro é atualmente derivado a partir da produção e consumo de bens e serviços. A isto chama-se Produto Interno Bruto ou PIB. Esta maneira de pensar diz que o total da economia é aquilo que produzimos e consumimos. Mas é aí que está o erro. Todos os produtos e serviços que produzimos e consumimos vêm de ecossistemas funcionais. Se os ecossistemas colapsarem, então não teremos produtividade de todo. Isto sugere a mesma descoberta que os Chineses fizeram, de que “a funcionalidade dos ecossistemas é muitíssimo mais valiosa do que a produção e consumo de bens e serviços”. Recentemente houveram várias tentativas de criar uma “economia verde”, mas o problema de muitos destes esforços é que mantêm inalterado o erro fundamental. Continuam a partir do princípio de que a base do dinheiro é a produção e consumo.

Esta linha de raciocínio levou-me a perguntar: o que aconteceria se o dinheiro não derivasse da produção e consumo, mas a base do dinheiro fosse a funcionalidade

dos ecossistemas? A resposta: tudo mudaria. A sociedade seria completamente alterada por esta compreensão; em vez de trabalhar para produzir e consumir mais, a humanidade trabalharia para se assegurar de que os

ecossistemas funcionariam bem. Se a funcionalidade dos ecossistemas fosse a base do dinheiro, a trajetória de desenvolvimento seria acumulativa e a funcionalidade dos ecossistemas seria protegida e melhorada. Isto substitui escassez por abundância, e mostra-nos onde e como a economia pode crescer para uma dimensão maior que a atual, mas sem requerer um crescimento infinito e cego para obter riqueza.

Quando estudamos as consequências do impacto humano na biodiversidade, desertificação e alterações climáticas, compreendemos que estamos a enfrentar problemas enormes e que as soluções têm de ser igualmente grandes e difíceis. Redefinir a base do dinheiro e da riqueza satisfaz certamente estes critérios. Muitos dos problemas que enfrentamos foram criados há muito tempo atrás e tornaram-se institucionalizados e legalizados ao longo das gerações. Isto torna qualquer ação difícil, porque temos de voltar atrás e abordar os erros fundamentais do passado. Estes erros não são culpa nossa e temos tendência a simplesmente aceitá-los porque foram criados muito antes de termos entrado em cena. No entanto, para assegurarmos um futuro sustentável, temos de abordar estas questões antigas.

Pobreza: Dar um Valor Mais Alto à Produção que aos EcossistemasO estudo e documentação que levei a cabo em mais de 70 países de todo o mundo, permitiu-me ver muitas áreas degradadas de grandes dimensões, e um denominador comum parece ser a pobreza. Grandes números de pessoas pobres degradam os seus ecossistemas para poderem sobreviver. No entanto, quando olhamos mais

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“Enquanto a nossa economia global continuar a dar um valor maior à produção e consumo do que à funcionalidade dos ecossistemas, os resultados continuarão a ser os mesmos e as perspetivas futuras para a humanidade e o planeta são negras.”

atentamente para a situação, descobrimos que a pobreza foi imposta à região porque foi dito às pessoas que os ecossistemas naturais não têm valor e só os produtos extraídos e vendidos à economia global de produção e consumo têm valor. Se a funcionalidade dos ecossistemas fosse de facto valorizada, as pessoas muitas vezes não seriam pobres de todo. Não é apenas irónico, mas terrivelmente cruel que o mundo desenvolvido preste “assistência ao desenvolvimento” de muitos países, dizendo-lhes que têm de reabilitar os seus ecossistemas, enquanto que simultaneamente os valores que o mundo desenvolvido impõe a estas sociedades são eles mesmos a causa da degradação.

O Mali é um bom exemplo disto. Catorze milhões de pessoas vivem em terras com mais de um milhão de quilómetros quadrados. Isto é como se a população de Los Angeles vivesse numa área com quase o dobro do tamanho da França. No Mali, todos os anos o Delta do rio Níger enche até quase 6 metros de altura. Esta imensa quantidade de água, ao longo do tempo evolutivo, era absorvida por gigantescas árvores e ervas especializadas. Oitenta e cinco por cento de qualquer planta é composto por água, e reter uma quantidade tão grande de água ajuda a regular o ciclo hidrológico, o tempo meteorológico e o clima. Mas historicamente e hoje em dia, a cobertura de vegetação tem sido consistentemente diminuída. Ao mesmo tempo preocupa-nos a perda de biodiversidade, a desertificação, os riscos de eventos climáticos extremos como inundações

e secas, e a atividade humana que está potencialmente a causar alterações climáticas maciças, incluindo aumentos de temperatura. Não encontrei nenhum motivo biofísico pelo qual a vegetação no Mali tenha que diminuir. Não parece haver nada que impeça a vegetação de voltar, exceto que nós não a valorizamos e forçamos as populações locais a cortá-la para obter algum dinheiro com o qual participar na economia global. Dar um valor mais alto à produção do que ao funcionamento dos ecossistemas no Mali lança virtualmente toda a população na pobreza e destrói as funções regulativas de que o mundo tanto precisa para reduzir as ameaças de desertificação, perda de biodiversidade, eventos climáticos extremos e alterações climáticas. Imaginem o que aconteceria no Mali se se desse um valor mais alto à funcionalidade dos ecossistemas do que à produção e consumo. A vegetação cobriria de novo a terra porque seria reconhecida como a base da riqueza.

O exemplo do Mali é apenas um de numerosos países onde o potencial para reabilitação é enorme. No entanto, para reabilitar estes sistemas, têm de se levar em conta os motivos pelos quais eles se degradaram. E não é apenas nos países em desenvolvimento que a valorização das funcionalidades ecológicas acima da produção teria impacto. No mundo desenvolvido, milhões de pessoas esforçam-se por produzir e consumir o máximo que podem porque são recompensadas para o fazer. Dizem-nos que temos de fazer crescer a economia e que para isso

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À esquerda: Ovelhas e cabras alimentadas em recinto fechado são uma regra cada vez mais cumprida por toda a China.

Em cima: Mongólia, impacto elevado provocado por números excessivos de animais nas pastagens.

Em baixo: Mongólia, vasta paisagem seca de estepe.

temos de produzir mais. O problema é que há limites para o crescimento. Não podemos produzir e consumir mais e mais ilimitadamente sem incorrer em resultados catastróficos. Para aqueles que têm emprego significa trabalhar mais horas e mais duro. Para os que não têm emprego significa ficar cada vez mais longe da aceitação, do respeito dos outros e por vezes até perder o respeito próprio. Este é o sistema, o aperto diário, a correria do dia a dia, e parte-se sempre do princípio de que é necessário servir este modelo. Mas é ilógico, imoral e impossível de sustentar. É ilógico porque todos os bens e serviços que produzimos e consumimos provêm de ecossistemas funcionais, aos quais atribuímos um valor de zero, criando um incentivo perverso para degradar o ecossistema. É imoral porque este sistema foi imposto a milhares de milhões de pessoas sem que elas o compreendessem ou aceitassem, e muitas delas saíram empobrecidas desse processo. É impossível porque não podemos extrair ilimitadamente recursos limitados para fazer a economia crescer. É como tentar encher um poço sem fundo. Se continuarmos por este rumo estamos acabados. É por isto que Sir Nicolas Stern disse que o “cenário do costume não é mais possível”. Assim, para aqueles de nós aprisionados neste mundo de sobreprodução e sobreconsumo, o que poderia virar este colosso numa direção mais sustentável?

O caminho para um futuro sustentável e estabilidade climáticaTanto para os pobres do mundo, que vivem maioritariamente em ecossistemas degradados, como para os ditos ricos no mundo desenvolvido, mudanças transformativas parecem agora ser imprescindíveis. A humanidade não pode sobreviver sem ecossistemas funcionais, e as ações de todas as pessoas são necessárias para agir em conjunto, como espécie, à escala planetária. Pelo que vi, os fatores determinantes para a sobrevivência e sustentabilidade na Terra são biodiversidade, biomassa, e acumulação de matéria orgânica, quanto mais melhor. As lições do Planalto de Loess mostram que é possível reabilitar ecossistemas degradados em larga escala, e que isto ameniza os impactos climáticos, torna a terra mais resistente a esses impactos e aumenta a produtividade. O Planalto de Loess mostra também que dar um maior valor à funcionalidade dos ecossistemas do que à produção e consumo permite-nos tomar as decisões necessárias para fazer investimentos de longo prazo e ver os resultados de um pensamento multigeracional.

Pode ser assustador encarar os problemas que enfrentamos atualmente. Há muito para nos distrair de uma tarefa que imaginamos terrível de cumprir. Mas as decisões que tomarmos agora vão determinar o futuro daqueles que vierem depois de nós. Ao longo dos anos que tenho estudado e documentado ecossistemas funcionais e disfuncionais cheguei a algumas conclusões. Uma delas é que raramente existem motivos biofísicos para um ecossistema se tornar disfuncional. Os ecossistemas geralmente são danificados quando os seres humanos não valorizam a sua função, e em vez disso valorizam os bens e serviços que podem ser extraídos dos ecossistemas funcionais.

Atribuindo um valor mais elevado à funcionalidade dos ecossistemas do que à produção e consumo, e fazendo disto a base do sistema monetário global, torna-se possível reabilitar todas as terras degradadas de qualquer local no planeta. Já temos o conhecimento necessário para fazer isto e certamente temos essa necessidade, dada a enorme ameaça das alterações climáticas. Esta parece ser a forma de mudar o paradigma de produção e consumo dos mais ricos, e também de acabar com a pobreza degradante que foi imposta a milhares de milhões de pessoas no mundo em desenvolvimento. Esta é também a forma de assegurar que as grandes florestas, zonas húmidas e pradarias voltem à Terra no seu esplendor e funcionalidade para o benefício, admiração e apreço das gerações futuras. Esta é a trajetória de desenvolvimento que leva a um futuro sustentável.

Nota: podem ser vistos filmes em www.eempc.org e www.kosmosjournal.org.

John D. Liu é um Americano que vive na China há mais de 30 anos. O Sr. Liu ajudou a abrir o escritório da CBS News em Pequim na altura da normalização das relações entre os EUA e a China. Trabalhou para esta organização durante 10 anos, saindo em 1990. Também trabalhou como repórter de imagem para a Radiotelevisione Italiana (Televisão Italiana) e a Zweites Deutsches Fernsehen (Televisão Alemã).

O Sr. Liu tem-se concentrado na realização de filmes ecológicos desde meados dos anos 90, e escreveu, produziu e realizou filmes acerca de Pradarias, Desertos, Terras Húmidas, Oceanos, Rios, Desenvolvimento Urbano, Atmosfera, Florestas, Animais Ameaçados, e Redução de Pobreza. O seu trabalho levou-o a mais de 70 países. Muitos dos seus filmes foram emitidos pela BBC World e outros canais televisivos. Em 2003, o Sr. Liu escreveu, produziu e realizou "Jane Goodall—China Diary" (Diário da China de Jane Goodall) para a National Geographic.

Em 1997, o Sr. Liu fundou o Projeto de Media para Educação Ambiental (EEMP), que utiliza a televisão para fornecer mensagens ecológicas, de desenvolvimento sustentável e de saúde pública na China e outros países e continua a dirigir este esforço (mais informações em www.eempc.org). O Sr. Liu foi também a força motriz para a criação e desenvolvimento do Centro de Referência e Investigação para o Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da China (China Environment and Sustainable Development Reference and Research Centre, CESDRRC), a Rede de Informação do HIV/SIDA da China (China HIV/AIDS Information Network, CHAIN) e o Projeto de Media para a Educação Ambiental da Mongólia. Durante muitos anos o Sr. Liu estudou e trabalhou para promover o potencial da reabilitação ecológica, incluindo a apresentação dos filmes recentes “Esperança num Clima em Mudança” (Hope in a Changing Climate), “Ruanda – Florestas de Esperança (Rwanda – Forests of Hope) e “Ouro Verde” (Green Gold).

De 2003 a 2006 o Sr. Liu foi “visiting fellow” na Faculdade de Ciências Aplicadas e Faculdade do Ambiente Construído na Universidade da Inglaterra Ocidental (UWE). Em 2006, o Sr. Liu foi nomeado “Fellow” Internacional de Rothamsted para a Comunicação da Ciência. Em 2009-2010 o Sr. Liu foi nomeado Professor Assistente de Investigação na Universidade George Mason. Atualmente o Sr. Liu é “Senior Research Fellow” na União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais.

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