Fichamento: FOUCAULT, Michel. Arqueologia do Saber. Tradução de Luíz Felipe Baeta Neves. Terceira...
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Fichamento: FOUCAULT, Michel. Arqueologia do Saber.
Tradução de Luíz Felipe Baeta Neves. Terceira edição
brasileira, 1987.
Rafael Borges Martins
I. Introdução
No capítulo referente à introdução do livro “A Arqueologia
do Saber”, Foucault faz uma crítica à história tradicional,
ou seja, a história das continuidades, “história
propriamente dita, a história pura e simplesmente”, pelo
surgimento de uma história nova.
“(...) a história do pensamento, dos conhecimentos, da
filosofia, da literatura, parece multiplicar as rupturas e
buscar todas as perturbações da continuidade, enquanto a
história propriamente dita, a história pura e simplesmente,
parece apagar, em benefício das estruturas fixas, a
irrupção dos acontecimentos. (...)” (Pag. 6-7).
O documento passa então a ter outro significado para a
história, deixa de ser apenas um rastro, passando a
constituir unidades, conjuntos, séries e relações.
“O documento, pois, não é mais, para a história, essa
matéria inerte através da qual ela tenta reconstituir o que
os homens fizeram ou disseram, o que é passado e o que
deixa apenas rastros: ela procura definir, no próprio
tecido documental, unidades, conjuntos, séries, relações.”
(Pag. 7).
“A história é, para uma sociedade, uma certa maneira de dar
status e elaboração à massa documental de que ela não se
separa. (...) a história, em sua forma tradicional, se
dispunha a "memorizar" os monumentos do passado,
transformá-los em documentos e fazer falarem estes rastros
que, por si mesmos, raramente são verbais, ou que dizem em
silêncio coisa diversa do que dizem (...)”. Para Foucault,
história “transforma os documentos em monumentos”, ou seja,
ela tenta decifrar através de marcos deixados pelos homens
o que tais realmente foram. (...) história, em nossos dias,
se volta para a arqueologia - para a descrição intrínseca
do monumento. Assim, para o sociólogo em questão, o
problema passa a ser a constituição de séries, definindo
para cada qual seus elementos fixando-lhes limites e
descobrindo as relações que são específicas. Deste fato é
que devemos descrever estas relações entre diversas séries,
para constituir o tempo específico e cronológico correto
(Pag. 8-9).
Foucault defende que os fatos históricos são descontínuos
quebrando então o estigma de dispersão temporal que os
historiadores comuns suprimem da história. É então que para
ele o “tema e a possibilidade de uma história global
começam a se apagar.” (pag. 11).
“Última consequência: a história nova encontra um certo
número de problemas metodológicos, muitos dos quais, sem
dúvida, a antecediam há muito, mas cujo feixe agora a
caracteriza.” Os problemas metodológicos históricos, vem da
libertação de onde até então a história era colocada
filosoficamente, tais problemas se deparam também com
domínios linguísticos, etnológicos, econômicos ou mesmo da
análise literária. Portanto muitos historiadores deixar
escapar o fluxo vivo e real da história (Pag. 12-13).
“É como se a partir desses conceitos de limiares, mutações,
sistemas independentes, séries limitadas (...) tivéssemos
dificuldade em fazer a teoria, em deduzir as consequências
gerais e mesmo em derivar todas as implicações possíveis.
(...) Fazer da análise histórica o discurso do contínuo e
fazer da consciência humana o sujeito originário de todo o
devir e de toda prática são as duas faces de um mesmo
sistema de pensamento. O tempo é aí concebido em termos de
totalização, onde as revoluções jamais passam de tomadas de
consciência. (...)” (Pag. 14).
O ideologismo na hora de remontar a história acaba por
determinar certas inconsistências reais que terminam por se
esvair de todas as possibilidades de fatos ocorridos que
formariam o pensamento do homem.
“(...) As séries descritas, os limites fixados, as
comparações e as correlações estabelecidas não se apoiam
nas antigas filosofias da história, mas têm por finalidade
colocar novamente em questão as teleologias e as
totalizações.” (Pag. 18).
A obra de Foucault em si, não se trata então, de uma
narração histórica estrutural, mas sim, de uma nova
história baseada nas relações humanas de consciência,
entrelaçamento de relacionamentos, da origem e do sujeito.
(Pag. 19)
II. As regularidades discursivas
“O emprego dos conceitos de descontinuidade, de ruptura,
de limiar, de limite, de série, de transformação, coloca, a
qualquer análise histórica, não somente questões de
procedimento, mas também problemas teóricos.” A ideia de
Foucault então baseia na construção de uma teoria
histórica, onde fenômenos iguais e sucessivos têm
importância ímpar. (Pag. 23)
Foucault reafirma que a história vem do relacionamento
humano, das comunidades de sentido e das ligações
simbólicas, o que por consequência faz surgir uma
consciência coletiva. (Pag. 24)
“De qualquer maneira, esses recortes - quer se trate dos
que admitimos ou dos que são contemporâneos dos discursos
estudados - são sempre, eles próprios, categorias
reflexivas, princípios de classificação, regras normativas,
tipos institucionalizados: são, por sua vez, fatos de
discurso que merecem ser analisados ao lado dos outros, que
com eles mantêm, certamente, relações complexas, mas que
não constituem seus caracteres intrínsecos, autóctones e
universalmente reconhecíveis.” (Pag. 25).
Levar em consideração que um determinado autor é possuidor
da verdade plena é incorrer em um erro quando tratamos da
história. Não há uma verdade homogênea. (Pag. 27)
“A esse tema se liga um outro, segundo o qual todo discurso
manifesto repousaria secretamente sobre um já-dito; e que
este já-dito não seria simplesmente uma frase já
pronunciada, um texto já escrito, mas um "jamais-dito"
(...) Não é preciso remeter o discurso à longínqua presença
da origem; é preciso tratá-lo no jogo de sua instância.”
(Pag. 28)
Foucault assimila que conhecer determinada posição
histórica em forma de obra, deve servir para questionar-se
e remontar um outro pensamento. (Pag. 30)
Os acontecimentos discursivos são sempre finitos e
limitados pelas sequências linguísticas. Podem ser
enumeráveis, mas sempre serão um conjunto finito. (...)
segundo que regras um enunciado foi construído e,
consequentemente, segundo que regras outros enunciados
semelhantes poderiam ser construídos? A descrição de
acontecimentos do discurso coloca uma outra questão bem
diferente: como apareceu um determinado enunciado, e não
outro em seu lugar?” (pag. 30 e 31)
“Por menos entendido ou mal decifrado que o suponhamos, um
enunciado é sempre um acontecimento que nem a língua nem o
sentido podem esgotar inteiramente. Trata-se de um
acontecimento estranho, por certo” (pag. 32)
Os acontecimentos discursivos não devem ser vedados, devem
ser utilizados livremente, formando jogos de relações. “É
preciso, numa primeira aproximação, aceitar um recorte
provisório: uma região inicial que a análise revolucionará
ereorganizará se houver necessidade.” (pag. 33-34)
Foucault não se limita a negligenciar nenhum limite
existente, no entanto sabe que os discursos são suscetíveis
as relações. (pag. 35)
O autor enumera 4 hipóteses:
“os enunciados, diferentes em sua forma, dispersos no
tempo, formam um conjunto quando se referem a um único
e mesmo objeto.” (Pag. 36)
“a medicina não se constituía mais de um conjunto de
tradições, de observações, de receitas heterogêneas,
mas sim de um corpus de conhecimentos que supunha uma
mesma visão das coisas.” (Pag. 37-38)
“a análise da linguagem e dos fatos gramaticais não
repousaria, com os clássicos (desde Lancelot até o fim
do século XVIII), em um número definido de conceitos
cujo conteúdo e uso eram estabelecidos de forma
definitiva (...) Seria possível, assim, reconstituir a
arquitetura conceitual da gramática clássica.” (Pag.
40)
“A quarta hipótese para reagrupar os enunciados,
descrever seu encadeamento e explicar as formas
unitárias sob as quais eles se apresentam: a
identidade e a persistência dos temas.” (Pag. 40)
Levando em consideração a ideia evolucionista, podem ser
feitas constatações inversas e complementares, onde a
partir de uma mesma análise podem surgir diferentes
conceitos. No caso da formação de valor, o mesmo poderia
ser feito por trocas ou remuneração pelo trabalho. (Pag.
41)
“No caso em que se puder descrever, entre um certo número
de enunciados, semelhante sistema de dispersão, e no caso
em que entre os objetos, os tipos de enunciação, os
conceitos, as escolhas temáticas, se puder definir uma
regularidade (uma ordem, correlações, posições e
funcionamentos, transformações), diremos, por convenção,
que se trata de uma formação discursiva.” (Pag. 43)
Uma das maneiras de se definir um discurso, pelo menos no
que se refere a seus objetos é quando se pode estabelecer
uma semelhança no conjunto. Portanto, podemos pontuar
algumas observações e consequências. (Pag. 49-50)
“Isto significa que não se pode falar de qualquer
coisa em qualquer época; não é fácil dizer alguma
coisa nova; não basta abrir os olhos, prestar atenção,
ou tomar consciência, para que novos objetos logo se
iluminem e, na superfície do solo, lancem sua primeira
claridade.” (Pag. 51)
“Essas relações são estabelecidas entre instituições,
processos econômicos e sociais, formas de
comportamentos, sistemas de normas, técnicas, tipos de
classificação, modos de caracterização.” (Pag. 51)
“Afinal, sabe-se que entre a família burguesa e o
funcionamento das instâncias e das categorias
judiciárias do século XIX há relações analisáveis em
si mesmas.” No século XIX especialistas em psiquiatria
dissertaram sobre a não existência entre relações
familiares e criminalidade. Nós no entanto, sabemos
bem que tais relações possibilitam objetos do discurso
psiquiátrico. A consistência do problema está em
relacionar todas as situações citadas. (Pag. 52)
“As relações discursivas, como se vê, não são internas
ao discurso: não ligam entre si os conceitos ou as
palavras; não estabelecem entre as frases ou as
proposições uma dedutiva ou retórica. (...) Essas
relações caracterizam (...) o próprio discurso
enquanto pratica.” (Pag. 52-53)
Quando analisamos os argumentos de um discurso tentamos
entender os elementos capazes de provocar os
relacionamentos na prática discursiva. “Certamente os
discursos são feitos de signos; mas o que fazem é mais que
utilizar esses signos para designar coisas.” (Pag. 55-56)
1. A formação das modalidades enunciativas
“O status do médico compreende critérios de
competência e de saber; instituições, sistemas, normas
pedagógicas; condições legais que dão direito - não
sem antes lhe fixar limites - à prática e à
experimentação do saber.” (Pag. 57).
O autor precisa “descrever também os lugares
institucionais de onde o médico obtém seu discurso
(...) Esses lugares são, para nossa sociedade, o
hospital, local de uma observação constante,
codificada, sistemática, assegurada por pessoal médico
diferenciado e hierarquizado, e que pode, assim,
constituir um campo quantificável de frequências;
(...) o laboratório, local autônomo, por muito tempo
distinto do hospital. (...) finalmente, o que se
poderia chamar a "biblioteca" ou o campo
documentário.” (Pag. 58)
“As diversas situações que podem ser ocupadas pelo
sujeito do discurso médico foram redefinidas, no
início do século XIX, com a organização de um campo
perceptivo totalmente diferente (disposto em
profundidade, expresso por inovações instrumentais,
desenvolvido pelas técnicas cirúrgicas ou pelos
métodos da autópsia, centrado nos focos de lesão).”
(Pag. 59)
O discurso elaborado, portanto, é uma conjuração da
dispersão do ser e sua descontinuidade relacionada. (Pag.
61 e 62)
Na obra de Lineu, talvez possamos organizar uma família de
conceitos coerentes, mas antes de repor tais conceitos em
uma maior amplitude, até mesmo virtual, existe a
necessidade imediata de organizar o campo de enunciados
onde os conceitos aparecem e se entrelaçam. (Pag. 63)
A) “Inicialmente, formas de sucessão e, entre elas, as
diversas disposições das séries enunciativas (...) o caso
da história natural na época clássica: ela não se serve dos
mesmos conceitos do século XVI (...) no século XVII e vai
reger o aparecimento e a recorrência dos conceitos, para
toda a história natural, é a disposição geral dos
enunciados e sua seriação em conjuntos determinados (...) A
história natural, nos séculos XVII e XVIII, não é
simplesmente uma forma de conhecimento que deu uma nova
definição aos conceitos do "gênero" ou de "caráter" e que
introduziu conceitos novos como o de "classificação
natural" ou de "mamífero". (Pag.63-64)
B) “O campo de presença da história natural na época
clássica não obedece às mesmas formas, nem aos mesmos
critérios de escolha, nem aos mesmos princípios de exclusão
da época em que Aldrovandi recolhia, em um único e mesmo
texto, tudo que sobre os monstros podia ser visto,
observado, contado, mil vezes relatado ao pé do ouvido, até
imaginado pelos poetas. (...) o campo enunciativo
compreende o que se poderia chamar um domínio de memória
(trata-se dos enunciados que não são mais nem admitidos nem
discutidos, que não definem mais, consequentemente, nem um
corpo de verdades nem um domínio de validade, mas em
relação aos quais se estabelecem laços de filiação, gênese,
transformação, continuidade e descontinuidade histórica).”
(Pag. 64- 65)
C) Há então a possibilidade em definir processos e intervir
de forma que tais estejam aplicados aos enunciados. O que
permite delimitar um conjunto de conceitos, e o que faz
parte da formação do discurso, mesmo que discordantes, são
maneiras as quais os elementos do discurso estão ligados
aos outros. (Pag. 65-66)
Na construção dos conceitos podemos observar dispersões que
caracterizam discursos e definem entre os conceitos uma
maneira de se entender o pré-conceitual. Para compreender
este tema precisamos retomar 4 esquemas teóricos que
formaram a gramática geral. “1. Como se podem ordenar e
desenrolar as diferentes análises gramaticais. (...) 2.
Como a gramática geral define um domínio de validade
(segundo que critérios se pode discutir a verdade ou a
falsidade de uma proposição). (...) 3. Que relações a
gramática geral mantém com a Mathesis (com a álgebra
cartesiana e pós-cartesiana, com o projeto de uma ciência
geral da ordem).4. Como foram simultânea ou sucessivamente
possíveis (sob a forma da escolha alternativa, da
modificação ou da substituição), as diversas concepções do
verbo ser. da ligação, do radical verbal e da desinência.”
(Pag 67-68)
No campo pré-conceitual existem regularidades e maneiras de
coagir o discurso para que haja heterogeneidade de
conceitos e além, abundância de temas e crenças quando
falamos sobre a história das ideias. (Pag. 70)
- A Formação das Estratégias
Direções da pesquisa:
Estabelecer possíveis pontos de difração do discurso.
Estes pontos são caracterizados como uma ligação de um
sistema:” a partir de cada um desses elementos, ao
mesmo tempo equivalentes e incompatíveis, uma série
coerente de objetos, formas enunciativas, conceitos”
(Pag.73)
“este discurso pode desempenhar, na verdade, o papel
de um sistema formal de que outros discursos seriam as
aplicações em campos semânticos diversos.” (Pag. 73)
As escolhas teóricas dependem de outras instâncias.
Estas tem com característica executar um discurso
estudado em um campo não discursivo. (Pag 74 e 75)
Não existe um espécie de discurso que possa ser considerado
ideal.
- Observações e Consequências
“Vimos que (...) quando se fala de um sistema de
formação, não se compreende somente a justaposição, a
coexistência ou a interação de elementos heterogêneos,
mas seu relacionamento - sob uma forma bem determinada
- estabelecido pela prática discursiva “. Durante o
discurso existe uma hierarquia de relações, onde essas
não se desenvolvem em uma autonomia ilimitada, mas
algo interessante é que as relações também podem ser
estabelecidas em uma direção inversa. A formação de
conceitos ou coexistência entre enunciados implicam em
escolhas teóricas específicas. (Pag. 81)
“Esses sistemas residem no próprio discurso. (...)
Definir em sua individualidade singular um sistema de
formação é, assim, caracterizar um discurso ou um
grupo de enunciados pela regularidade de uma prática.”
Um discurso não pode ser considerado estacionado no
tempo, pois séries de acontecimentos e novas
articulações são capazes de mutá-lo fazendo com que se
modifiquem. (Pag. 82)
“O que se descreve como "sistemas de formação" não
constitui a etapa final dos discursos, se por este
termo entendemos os textos (ou as falas) tais como se
apresentam com seu vocabulário, sintaxe, estrutura
lógica ou organização retórica. A análise permanece
aquém desse nível manifesto, que é o da construção
acabada: definindo o princípio de distribuição dos
objetos em um discurso, ela não dá conta de todas as
suas conexões, de sua estrutura delicada, nem de suas
subdivisões internas; buscando a lei de dispersão dos
conceitos, não dá conta de todos os processos de
elaboração, nem de todas as cadeias dedutivas nas
quais eles podem figurar; se ela estuda as modalidades
de enunciação, não põe em questão nem o estilo, nem o
encadeamento das frases(...).” A análise dos discursos
é oposta a muitas descrições habituais, sendo que
algumas podem ser qualificadas como pré-discursivas. O
que não devemos em um discurso, portanto, é: “passar
do texto ao pensamento, da conversa ao silêncio”. O
ideal é que sempre permaneçamos na dimensão do
discurso. (Pag. 83-84)
III. O enunciado e o arquivo
- Defenir enunciados
“Ainda não é hora de responder à questão geral do
enunciado, mas podemos, de agora em diante, delimitar o
problema: o enunciado não é uma unidade do mesmo gênero da
frase, proposição ou ato de linguagem; não se apoia nos
mesmos critérios; mas não é tampouco uma unidade como um
objeto material poderia ser, tendo seus limites e sua
independência.” (Pag. 98)
Não podemos considerar o enunciado como uma estrutura, pois
nele existem muitas variáveis, principalmente signos. A
partir do enunciado podemos decidir por uma análise ou
intuição, se ele faz, ou não, sentido. O enunciado não é em
si uma unidade, e sim um esquema onde dominam estruturas e
unidades possíveis capazes de fazer com que apareçam
conteúdos concretos. (Pag. 99)
- A função enunciativa
“O enunciado (...) não é nem sintagma, nem regra de
construção, nem forma canônica de sucessão e permutação,
mas sim o que faz com que existam tais conjuntos de signos
e permite que essas regras e essas formas se atualizem.
(Pag. 100)
a)Devemos considerar como exemplo signos moldados de
maneira material, mas agrupados aleatoriamente ou não. De
qualquer maneira, tais símbolos não devem ser considerados
gramaticais, como por exemplo o teclado de uma máquina de
escrever. ( Pag. 100)
“Uma série de signos se tornará enunciado com a condição de
que tenha com "outra coisa" (que lhe pode ser estranhamente
semelhante, e quase idêntica como no exemplo escolhido) uma
relação específica que se refira a ela mesma - e não à sua
causa, nem a seus elementos.” Uma relação enunciativa bem
estabilizada, o significado da frase com seu sentido é
claro. Por mais que a frase não seja relevante, se está
relacionada a alguma coisa, é um enunciado. (Pag. 101, 102
e 103)
b) “Não é preciso, na verdade, reduzir o sujeito do
enunciado aos elementos gramaticais de primeira pessoa que
estão presentes no interior da frase: inicialmente, porque
o sujeito do enunciado não está dentro do sintagma
linguístico; em seguida, porque um enunciado que não
comporta primeira pessoa tem, ainda assim, um sujeito.”
(Pag. 104)
Signos só existem se há alguém para emiti-los. O sujeito do
enunciado é justamente aqueles que produziu símbolos com
uma intenção significativa. (Pag. 105)
Um sujeito enunciativo só pode ser o autor da formulação.
Assim, apenas um sujeito é necessário para que haja
enunciado. (Pag. 107)
Examinar os elementos e sua distribuição em relação ao
sistema natural ou artificial da língua permite que se
estabeleça a diferença entre o que é uma frase e um mero
acúmulo de palavras. (Pag. 108)
c) “Terceira característica da função enunciativa: ela não
pode se exercer sem a existência de um domínio associado.
Isso faz do enunciado algo diferente e mais que um simples
agregado de signos que precisaria, para existir, apenas de
um suporte material - superfície de inscrição, substância
sonora, matéria moldável, incisão vazia de um traço. Mas
isso o distingue, também e sobretudo, da frase e da
proposição.” (Pag. 109)
Um enunciado é sempre uma consequência de outros
enunciados. (Pag 109 e 110)
Elementos linguísticos em sequência só são enunciados se
estiverem em um sistema enunciativo onde surjam de maneira
singular. (Pag. 111)
Falando sobre este cenário de coexistência enunciativa
devemos destacar as relações gramaticais, metalinguísticas
e retóricas. (Pag. 113)
d) “(...) para que uma sequência de elementos linguísticos
possa ser considerada e analisada como um enunciado, é
preciso que ela preencha uma quarta condição: deve ter
existência material.” (Pag. 113)
A materialidade constitui o próprio enunciado, ou seja,
todo enunciado precisa ter uma substância suporte local.
Mas, o enunciado não é apenas um fragmento da matéria, na
realidade sua identidade é variável de acordo com o regime
complexo de instituições materiais. (Pag. 115 e 116)
“Consideremos um discurso e sua tradução simultânea; um
texto científico em inglês e sua versão francesa; uma
informação em três colunas em três línguas diferentes: não
há tantos enunciados quantas são as línguas em jogo, mas um
único conjunto de enunciados em formas linguísticas
diferentes.” (Pag.117)
“A constância do enunciado, a manutenção de sua identidade
através dos acontecimentos singulares das enunciações, seus
desdobramentos através da identidade das formas, tudo isso
é função do campo de utilização no qual ele se encontra
inserido.” (Pag.118)
Um enunciado é capaz de circular, se esquivar, servir,
permitir ou impedir a realização de um desejo. Ele pode ser
dócil ou rebelde e tornar-se também tema de apropriação ou
rivalidade. (Pag. 119)
- A descrição dos enunciados
“Primeiro cuidado: fixar o vocabulário. Se aceitamos chamar
performance verbal , ou talvez melhor performance
linguística, todo o conjunto de signos efetivamente
produzidos a partir de uma língua natural (ou artificial),
poderemos chamar formulação o ato individual (ou, a rigor,
coletivo) que faz surgir, em um material qualquer e segundo
uma forma determinada, esse grupo de signos: a formulação é
um acontecimento que pelo menos de direito, é sempre
demarcável segundo coordenadas espaço-temporais, que pode
ser sempre relacionada a um autor , e que eventualmente
pode constituir, por si mesma, um ato específico ( um ato
“performativo”, dizem os “analistas” ingleses; chamaremos
de frase ou proposição , as questões de origem de tempo ou
de lugar, e de contextos [...] chamaremos de enunciado a
modalidade de existência própria desse conjunto de signos:
modalidade que lhe permite ser algo diferente de uma série
de traços [...] modalidade que lhe permite estar em relação
com um domínio de objetos, prescreve uma posição definida a
qualquer sujeito possível, estar situado entre outras
performances verbais, estar dotado, enfim, de uma
materialidade repetível.” (Pag.130)
Um enunciado não é somente algo a se somar à gramática ou a
lógica, pois ele não pode ser isolado. Escrever um
enunciado é definir condições realizadas por uma série de
signos, em uma existência específica. Assim, ele não é
simplesmente um traço, mas um domínio de objetos. (Pag.
132)
“Nem oculto, nem visível, o nível enunciativo está no
limite da linguagem”. (Pag. 137)
A formação discursiva constitui grupos de enunciados, ou
seja, performances verbais não ligadas entre si, mas
relacionadas por laços lógicos. (Pag. 141)
Podemos dizer que as formações discursivas, mesmo a parte
de outros princípios de unificação, mostram o nível
específico do enunciado. Mas da mesma forma, podemos
considerar a descrição dos enunciados e de como se organiza
o nível enunciativo que existe uma individualização nas
formações discursivas. Todos os dois procedimentos possuem
justificativas e podem ser reversíveis. (Pag. 142)
- Raridade, Exterioridade, Acúmulo
“Cada elemento considerado é recebido como a expressão de
uma totalidade à qual pertence e que o ultrapassa”. (Pag.
138)
“Em relação a esse “sentido” implícito, soberano e
comunitário, os enunciados, em sua proliferação, aparecem
em superabundância, já que é apenas a ele que, todos
remetem e só ele constitui sua verdade (...).” (Pag.139)
Devemos estudar os enunciados, não como se estivessem no
lugar de outros enunciados, mas como estando em seu próprio
lugar. (Pag. 139)
(...) analisar uma formação discursiva é procurar a lei de
sua pobreza, é medi-la e determinar-lhe a forma específica.
É, pois, em um sentido, pesar o “valor” dos enunciados.
Esse valor não é definido por sua verdade, não é avaliado
pela presença de um conteúdo secreto: mas caracteriza o
lugar deles, sua capacidade de circulação e de troca, sua
possibilidade de circulação, não apenas na economia dos
discursos, mas na administração, em geral, dos recursos
raros.” (Pag. 142)
Observar uma formação discursiva é tratar assim de um
sistema de nuances verbais em nível dos enunciados e da
maneira de positividade que as caracteriza, ou mais
especificamente, definir a positividade ou efeito de um
discurso bem sucedido.
- O A priori histórico e o arquivo
O efeito positivo de um discurso caracteriza-lhe a unidade
sobre o tempo e além de obras individuais como livros e
textos. Esta unidade não nos permite saber quem dizia a
verdade ou quem raciocinava, e nem mesmo qual obra seria
capaz de formular o projeto geral de uma ciência. No
entanto, ela define um espaço comunicativo
significativamente restrito por estar longe de toda
amplitude de uma ciência e seu devir histórico. (Pag. 145)
“O domínio dos enunciados assim articulado segundo apriori
históricos, assim caracterizado por diferentes tipos de
positividade e escandido por formações discursivas
distintas, não tem mais o aspecto de planície monótona e
indefinidamente prolongada que eu lhe dava no início,
quando falava de "superfície do discurso"; deixa igualmente
de aparecer como o elemento inerte, liso e neutro em que
vêm aflorar, cada um segundo seu próprio movimento, ou
estimulados por algum dinamismo obscuro, temas, ideias,
conceitos, conhecimentos. Temos de tratar, agora, de um
volume complexo, em que se diferenciam regiões
heterogêneas, e em que se desenrolam, segundo regras
específicas, práticas que não se podem superpor. Ao invés
de vermos alinharem-se, no grande livro mítico da história,
palavras que traduzem, em caracteres visíveis, pensamentos
constituídos antes e em outro lugar, temos na densidade das
práticas discursivas sistemas que instauram os enunciados
como acontecimentos (tendo suas condições e seu domínio de
aparecimento) e coisas (compreendendo sua possibilidade e
seu campo de utilização). São todos esses sistemas de
enunciados(acontecimentos de um lado, coisas de outro) que
proponho chamar de arquivo.” (Pag. 146)