Espaço-tempo. O apriorismo de Kant ou a realidade quadridimensional de Einstein

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Espaço-tempo. O apriorismo de Kant ou a realidade quadridimensional de Einstein? FERNANDO CÉSAR GREGORIO Resumo: Afinal, é o espaço-tempo atributo do sujeito e não do mundo (da coisa-em-si), como quer Kant na Crítica da Razão Pura, ou o que há é o paradoxo de Einstein, defendido e comprovado na Teoria da Relatividade Geral, de que o espaço e tempo são realidades ontológicas e, portanto, estrutura dos objetos? É a orientação psicológica kantiana insoluvelmente contrária à realidade proposta pela física einsteiniana, ou poderiam designar uma busca conceitualmente compatível? Palavras-Chaves : espaço, tempo, Kant, estética transcendental, Einstein, relatividade. Abstract: After all, is the space-time attributed to the subject and not to the world (the thing itself), as Kant wants in the Critique of Pure Reason, or what there is is the paradox of Einstein, defended and verified in the General Theory of Relativity, that space and time are ontological realities and therefore structure of objects? Is Kant’s psychological orientation inextricably against the reality proposed by Einstein’s physics or could lead to a conceptually compatible research? Key-words: space, time, Kant, esthetic transcendental, Einstein, relativity

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Espaço-tempo. O apriorismo de Kant ou a realidade quadridimensional de Einstein?

FERNANDO CÉSAR GREGORIO

Resumo: Afinal, é o espaço-tempo atributo do sujeito e não do mundo (da coisa-em-si), como quer Kant na Crítica da Razão Pura, ou o que há é o paradoxo de Einstein, defendido e comprovado na Teoria da Relatividade Geral, de que o espaço e tempo são realidades ontológicas e, portanto, estrutura dos objetos? É a orientação psicológica kantiana insoluvelmente contrária à realidade proposta pela física einsteiniana, ou poderiam designar uma busca conceitualmente compatível?

Palavras-Chaves : espaço, tempo, Kant, estética transcendental, Einstein, relatividade.

Abstract: After all, is the space-time attributed to the subject and not to the world (the thing itself), as Kant wants in the Critique of Pure Reason, or what there is is the paradox of Einstein, defended and verified in the General Theory of Relativity, that space and time are ontological realities and therefore structure of objects? Is Kant’s psychological orientation inextricably against the reality proposed by Einstein’s physics or could lead to a conceptually compatible research?

Key-words: space, time, Kant, esthetic transcendental, Einstein, relativity

1. O espaço e o tempo.

Nosso objetivo neste artigo é confrontar o conceito de espaço e tempo trazido pela

doutrina de Immanuel Kant, com aquele adotado pelo paradigma científico expresso na Teoria

da Relatividade de Albert Einstein. Os temas espaço e tempo foram, e são amplamente

discutidos pela filosofia e pelas ciências. Platão, Aristóteles, Descartes, Malembranche,

Newton, Leibniz, Kant, Fiche, Hegel, e Einstein, só para citar os mais conhecidos gênios da

história do ocidente que discutiram e formularam questões sobre a matéria.

Encontramos as primeiras determinações sobre o espaço em Platão, onde o espaço era

um gênero de ser, real, eterno, não destrutível, que constitui habitáculo das coisas criadas.

Para o influente pensamento de Aristóteles, conforme descreve Murilo Cardoso de

Castro (Castro, 2010), “o espaço enquanto receptáculo puro é um contínuo sem qualidades, é

um habitáculo e nada mais; não se encontra nem na terra nem no céu (inteligível)

de modo que não se pode dizer dele que existe”. Em Aristóteles, em seu livro IV da Física, o

espaço é concebido como “lugar”, podendo-se dizer que as coisas estão tanto no espaço como

no lugar. Aristóteles usa, para definição de lugar, portanto para espaço, o método dialético,

negando e afirmando ao mesmo tempo a substância ontológica de espaço.

As doutrinas modernas de espaço são demasiadamente abundantes e qualquer tentativa

de plena descrição seria insuficiente, porém as teorias Aristotélicas prevalecem em vários

autores.

Fig.1 - Espaço profundo Fonte: meupapeldeparedegratis.ne

S. Sambursky (The Physical World of Late Antiquity [1962], pp. 2ss, apud Mora, 2001)

lembra que as principais concepções sobre o espaço depois de Aristóteles foram descritas por

Simplício (In phys. Comm.). Entre as concepções destacam-se duas. Uma é a de Teofrásto, que

propõe considerar o espaço não como uma realidade em si mesmo, mas como “algo” definido

mediante a posição e a ordem dos corpos. Essa concepção de espaço, comenta Sambursky, é

similar, se não idêntica à ideia relacional do espaço proposta por Leibniz. A outra é a de

Estratão de Lâmpsaco, que propõe considerar o espaço como realidade equivalente à

totalidade do corpo cósmico. O espaço é “algo” completamente vazio, mas sempre preenchido

com corpos (a ideia de Estratão de Lâmpsaco é a mesma que muitos platônicos). Essa

concepção de espaço é similar, se não idêntica, à ideia do espaço como um “absoluto”

proposta por Clark e, segundo a maior parte dos intérpretes, por Newton.

Para Isaac Newton (1642), o “espaço absoluto, por sua natureza, sem nenhuma relação

com algo externo, permanece sempre semelhante e imóvel.” (Newton, 1996, fl. 24)

Na Enciclopédia Larousse, temos:

Meio homogêneo e indefinido no qual estão situados os objetos sensíveis. —

Rigorosamente, distinguem-se as noções de espaço e de extensão:

o espaço tem três dimensões, a extensão tem duas; é uma superfície,

enquanto que o espaço é um volume. Leibniz e Kant consideraram o

espaço como uma "intuição" indivisível, enquanto que a extensão

corresponde a uma superfície material indefinidamente divisível. A noção de

espaço é então qualitativa, impossível de se compreender intelectualmente,

ao contrário da extensão, que é mensurável e se define exatamente pelas

relações dos objetos entre eles. (Larousse, apud Castro, 2010)

Filósofos e homens de ciência tendem cada vez mais a conceber o espaço como uma

espécie de “continente universal” dos corpos físicos. Segundo J. Ferrater Mora:

Este espaço tem várias propriedades, entre as quais se destacam as seguintes:

o fato de ser homogêneo (isto é, o fato de suas “partes” serem indiscerníveis

uma das outras do ponto de vista qualitativo); ser contínuo; ser ilimitado; ser

tridimensional; e ser homoloidal (propriedade segundo a qual uma figura

dada seja matriz de um número infinito de figuras em diferentes escalas, mas

assemelhando-se umas às outras). Essa ideia de espaço corresponde por um

lado ao modo como são concebidas as propriedades espaciais na geometria

euclidiana e por outro à concepção do espaço como infinito. (Mora, 2001, fl.

873).

Analisadas estas propostas sobre o espaço, e aqui não se tem nenhuma pretensão em

esgotar o assunto, vamos agora nos ater um pouco sobre o tempo, que continua sendo um

verdadeiro mistério para a humanidade e um tema muito debatido pelos teólogos, filósofos e

cientistas.

Mas, afinal, o que é o tempo? Esta definitivamente não é uma demanda tão simples. E

a mesma questão foi feita a Santo Agostinho, ao que ele respondeu: “se ninguém mo

perguntar, eu sei; se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta, já não sei”.

Além das concepções dos pontos de vista metafísico, ontológico, histórico,

epistemológico, psicológico, físico e, às vezes chamados, pontos de vista “comum” ou

“intuitivo”, há ainda uma série de outras considerações investigadas.

Segundo J. Ferrater Mora (2001) os hebreus e os gregos criaram conceitos até certo

ponto diferentes. Os hebreus eram fundamentalmente temporais, destacavam o “passar”, já os

gregos cultuavam um significado mais atemporal, de “estar” (presença, agora). Os gregos

reconheceram o tempo através das revoluções dos corpos celestes, dia-noite, as diversas horas

do dia, concebendo um tempo como uma série linear e repetível em ciclos, e tal série linear

como um conjunto de presentes.

O aspecto do tempo cíclico é encontrado já na Antiguidade e esta característica é

encontrada também nas origens das ciências ocidentais. Este aspecto se deve à observação dos

inúmeros fenômenos naturais, com características cíclicas: marés, os dias sucedendo às noites,

as estações do ano, as revoluções dos astros, e assim sucessivamente. Os antigos inferiram

destas observações que a natureza evoluiria de forma cíclica, ou seja, a se repetir e, portanto,

o tempo também seria circular.

Fig.2 - Tempo Fonte: stcsociedade.blogspot.com

Aristóteles falava que o tempo e o movimento se percebem juntos, por conseguinte, o

tempo tem de ser o movimento ou algo relacionado com o movimento, parecendo adiantar

séculos a visão espaço-tempo da Teoria da Relatividade, da qual trataremos mais adiante. Para

o estagirista, o tempo pode ser definido do seguinte modo: “O tempo é o número [a medida]

do movimento segundo o antes e o depois [o anterior e o posterior].” (Mora, 2001, p. 2835)

Em resumo, os antigos se dividiam em duas grandes correntes: os “absolutistas” que

entendiam o tempo como uma realidade em si mesma, ontológica, e os “relacionistas”, que

consideravam que o tempo não era uma realidade em si mesma, mas uma relação, embora em

ambas as correntes tendessem a considerar o tempo: contínuo, ilimitado, não isotrópico (isto

é, tem uma única direção e uma única dimensão), homogêneo e fluindo sempre do mesmo

modo sem que haja outros;” (Mora, 2001, p. 2837)

Para Newton, o tempo é absoluto e uniforme, existe independentemente da matéria e

do espaço, é uniforme, pois transcorre uniforme e de forma independente de qualquer

situação. Segundo os escritos do filho ilustre de Woolsthorpe: “o tempo absoluto, verdadeiro

e matemático flui sempre igual por si mesmo e por sua natureza, sem relação com nenhuma

coisa externa, chamando-se com outro nome ´duração`.” (Newton, 1996, p. 24)

A teoria clássica newtoniana deve seu grande sucesso por ser determinista, o que

significa afirmar que, conhecidas as condições físicas do sistema por ela descrito em um dado

instante, é possível conhecer exatamente o seu comportamento no futuro. (CEPA, 2012)

O filósofo da ciência Hans Reichenbach (1891) desenvolveu uma axiomática segundo

a qual o tempo e o espaço são particularidades de estrutura da ação causal dos fenômenos e,

entre outros autores, desenvolveu a tese de que o espaço-tempo é a matriz de toda realidade. É

o caso de Samuel Alexander, para quem não só o tempo e o espaço não são coisas indiferentes

aos processos reais, como também são o fundamento de tais processos, o que os engendra

realmente. (Mora, 2001)

2. Espaço e tempo em Kant

Immanuel Kant, nascido em Konisgberg (1724-1804), foi um filósofo prussiano,

muito envolvido com o pensamento da Física de sua época, geralmente considerado como o

último grande filósofo dos princípios da era moderna, indiscutivelmente um dos pensadores

mais influentes e pretendeu fazer o que chamou de “revolução copernicana” na filosofia,

através do deslocamento do objeto do epicentro da pesquisa para a órbita do sujeito, e que a

razão encontra na natureza aquilo que ela mesma coloca. Até então, tentava-se explicar o

conhecimento supondo que o sujeito deveria percorrer a órbita do objeto; invertendo os

papéis, Kant propõe que a partir de agora o objeto é que deveria orbitar o sujeito, em alusão à

revolução heliocentrista de Nicolau Copérnico (1473).

Segundo Silvio Dahmen(2005), Kant viveu em um século fortemente marcado pelo

progresso das ciências, em particular a mecânica de Newton. E são justamente a física de

Newton junto à matemática (mais precisamente a geometria de Euclides) que Kant

enfaticamente assevera terem já trilhado “o seguro caminho da ciência".

Fig.3 – Immanuel Kant Fonte: analisefilosoficatextos.blogspot.com

A questão que envolvia Kant era a seguinte: se a Física e a Matemática são possíveis

enquanto ciência, porque não a metafísica?

Buscando esta formulação, Kant propôs que o nosso conhecimento se divide em dois

ramos, a saber: o conhecimento através dos sentidos e o conhecimento através do intelecto.

Em a Estética Transcendental, de sua grandiosa obra A Crítica da Razão Pura (1781), a

sensibilidade é chamada de estética (aísthesis = sensação), sendo a faculdade que temos de

receber as sensações e de intuição, como o conhecimento imediato dos objetos dado pela

sensibilidade. Assim, as “intuições puras” e a priori, ou “formas da sensibilidade” são

somente duas: o espaço e o tempo.

Da mesma forma que Aristóteles, Kant também utiliza o termo “lugar” (Ort), no

sentido de introduzir o conceito de lugar transcendental (transzendentaler Ort).

Este lugar transcendental é aquele ocupado por um conceito interior da sensibilidade

ou do entendimento puro. A determinação deste lugar compete à tópica transcendental. Diz

Kant:

“Geometria é uma ciência que determina sinteticamente e mesmo assim a

priori as propriedades do espaço. Que deve ser, pois, a representação do

espaço para que seja possível um tal conhecimento dele? O espaço tem que

ser originariamente intuição, já que de um simples conceito não se podem

extrair proposições que ultrapassem o conceito, coisa que acontece na

Geometria (Introdução, V). Mas esta intuição tem que ser encontrada em nós

a priori, isto é, antes de toda percepção de um objeto, portanto, tem que ser

intuição pura e não empírica.” (Kant, 1996, fl. 74)

Em seguida, o gênio de Konigsberg, conclui que o espaço de modo algum representa

uma propriedade de coisa em si, nem tampouco estes em suas relações recíprocas. O espaço,

acrescenta Kant, “não é senão a forma de todos os fenômenos dos sentidos externos, isto é, a

condição subjetiva da sensibilidade unicamente sob a qual nos é possível a intuição externa.”

(Kant, 1996, p.75).

Sem essa condição subjetiva humana, portanto, o espaço não significa nada.

Quanto ao tempo, Kant segue na mesma direção:

“O tempo não é senão um conceito empírico abstraído de qualquer

experiência. Com efeito, a simultaneidade ou a sucessão nem sequer se

apresentaria à percepção se a representação do tempo não estivesse a priori.

O tempo é uma representação necessária subjacente a todas as intuições.

Com respeito aos fenômenos em geral, não se pode suprimir o próprio

tempo, não obstante se possa do tempo muito bem subtrair os fenômenos. O

tempo é, portanto, dado a priori. Ele possui uma única dimensão: diversos

tempos não são simultâneos, mas sucessivos (assim como diversos espaços

não são sucessivos, mas simultâneos).” (Kant, 1996, p.77)

Em seguida, o filho ilustre de um humilde artesão prussiano conclui que o tempo não é

algo que subsista por si mesmo ou que adere às coisas como determinação objetiva. O tempo

seria nada mais que uma condição subjetiva, a forma do sentido interno, isto é, do intuir a nós

mesmos e a nosso estado interno. É condição formal a priori de todos os fenômenos em geral,

assim como o espaço é forma pura de intuição interna, estando limitado apenas a fenômenos

externos. (Kant, 1996)

Em sua obra Compreender Kant, Oliver Dekens afirma que o espaço e o tempo, como

formas puras da intuição a priori, vão permitir construir ciências puras como a matemática, e

a parte pura de ciência empírica como o a física. Não concernem em nada às coisas em si e,

por sua dimensão subjetiva, são elementos bem reais da construção do conhecimento.

(Dekens, 2008)

Em síntese, como diz José Renato Salatiel (1996), em primeiro lugar, em Kant o

conhecimento só é possível se os objetos da experiência forem dados no espaço e no tempo; e,

segundo, espaço e tempo são propriedades subjetivas, isto é, atributos do sujeito e não do

mundo (da coisa-em-si). E complementa que espaço e tempo preexistem como faculdades do

sujeito - e, portanto, são a priori e universais - quando eliminamos os objetos da experiência.

Por isso, segundo Kant, espaço e tempo são atributos do sujeito e condições de possibilidade

de qualquer experiência.

3. Espaço e tempo em Einstein

Vemo-nos agora, caro leitor, seguindo em outra direção.

É sabido que Albert Einstein teve um longo e intenso envolvimento com a filosofia e

com os filósofos da ciência de seu tempo, como Ernst Mach, Moritz Schlick, Hans

Reichenbach e Ernst Cassirer, o que marcou seu modo de fazer e suas descobertas em Física.

A Teoria da Relatividade é a denominação dada ao conjunto de duas teorias

científicas: a Relatividade Restrita (ou Especial) e a Relatividade Geral. A Relatividade veio

substituir os conceitos autônomos de espaço e tempo da Teoria de Newton pela ideia de

espaço-tempo como uma entidade geométrica unificada. O espaço-tempo na Relatividade

Especial consiste de uma variedade de quatro dimensões, três espaciais e uma temporal

(a quarta dimensão). É nessa teoria, também, que surge a ideia de velocidade da

luz invariante, independente da velocidade da fonte ou do observador e da relatividade do

tempo em função da referência do observador.

Pensando que o espaço não passa de uma “coisa”, torna-se plausível que esta coisa

seja distorcida e curvada de alguma maneira. Nesta teoria, Einstein propôs que, próximo a

corpos gravitacionais, como por exemplo, a Terra, a Lua ou uma estrela, o próprio espaço-

tempo torna-se distorcido pela força gravitacional gerada por este corpo. Ele é curvado de tal

forma que o trajeto natural seguido por todos os objetos é qualquer trajeto que observamos.

(Stannard, 2011)

Conforme nos explica o escritor e cientista George Matsas, na Teoria da Relatividade

Geral de 1915, proposta por Albert Einstein, o espaço-tempo nada mais é do que um conjunto

de pontos que obedecem a certas relações. Os pontos do espaço-tempo são

denominados eventos. Precisamos de quatro números para localizar um ponto no espaço-

tempo, o que significa uma estrutura matricial. Não é por acaso que quando marcamos um

encontro precisamos fixar, em geral, um conjunto com quatro informações: o logradouro, o

número, o andar, e o horário. Matematicamente isso é codificado dizendo-se que o espaço-

tempo possui quatro dimensões. A evolução de uma partícula pontual, por exemplo, será

representada por uma linha no espaço-tempo. Se a Relatividade Restrita de 1905 nos ensinou

que o espaço e o tempo estão interligados, a Relatividade Geral nos ensina que o espaço e o

tempo estão entrelaçados de maneira distinta em diferentes lugares (variação nas inclinações

dos cones de luz ponto a ponto) dependendo do campo gravitacional. (Matsas, 2005)

Fig.4 - Espaço-tempo Curvo Fonte: cincoanosluz.blogspot.com

Segundo a Teoria Geral da Relatividade, os campos gravitacionais curvam a trajetória

da luz, e quanto mais intenso este campo gravitacional (ou seja, quanto maior a massa do

corpo), maior será a curvatura da luz, assim como acusado por um observador estático no

campo gravitacional. Igualmente, podemos entender a curvatura da luz como a curvatura do

espaço-tempo, entendendo o espaço-tempo como uma entidade física única.

Em síntese, completa Matsas:

“A regra básica é ‘muita energia nos arredores, curva muito o espaço-tempo e vice versa’. Devemos pensar, a partir de agora, no espaço-tempo como um tecido. E o entrelaçamento do espaço e tempo como a trama do tecido. Se a trama do tecido, ou seja, o entrelaçamento do espaço-tempo fosse idêntico em todos os eventos, não haveria gravitação. É o fato de a trama ir variando ao longo do tecido que chamamos de gravitação." (Matsas, 2005)

Deste modo, para a Relatividade Restrita e o Princípio de Equivalência a gravidade,

assim como o movimento, afeta intervalos de tempo e de espaço. Quanto maior a gravidade

em uma determinada região, maior será esse efeito, resultando em uma distorção do tempo e

do espaço nas proximidades de corpos massivos, como é o caso dos corpos celestes.

Conforme registra Renato Las Casas, o eclipse de 1919 ofereceria as condições ideais

para essa verificação da veracidade da curvatura do espaço-tempo submetido à gravidade,

quando o Sol eclipsado ficaria, visto da Terra, bem próximo a estrelas relativamente

brilhantes e poder-se-ia constatar a curvatura do espaço-tempo através do desvio da luz de

uma estrela ao passar próxima ao Sol, que deveria ser desviada, segundo Einstein, por 1,75

segundos de arco, desvio esse duas vezes maior que o previsto pela teoria de Newton.

Fig.5 - Curvatura da luz Fonte: ciencia.hsw.uol.com.br

Foram organizadas duas expedições científicas, uma veio para Sobral (CE) e outra se

dirigiu para a Ilha do Príncipe, na África. Estes dois lugares foram indicados pelos

astrônomos como os melhores pontos de observação do fenômeno. Em Sobral as condições

meteorológicas foram muito melhores. Aqui foram obtidas sete boas imagens do fenômeno.

No início de novembro a Royal Astronomical Society anunciou que os resultados obtidos

confirmavam a teoria de Einstein. (Las Casas, 1999)

Seguidos experimentos e pesquisas científicas durante todo o século XX comprovaram

os termos da Teoria da Relatividade.

4. Conclusão

Estamos aqui e ao fim, diante de uma antinomia. São o espaço e o tempo, como quer

Kant, preexistentes como faculdades do sujeito - e, portanto, são a priori e universais -

quando eliminamos os objetos da experiência, ou o que ele denomina de uma forma de

intuição interna? Ou, conforme a Teoria da Relatividade Geral nos ensina, o espaço-tempo é

algo entrelaçado de maneira distinta em diferentes lugares, dependendo do campo

gravitacional e, portanto, é uma realidade quadridimensional subsistindo em si mesma? O

apriorismo de Kant ou a realidade quadridimensional de Einstein?

Na Estética Transcendental (§7. Esclarecimento), Kant antecipa as críticas à sua doutrina

já ocorridas em seu tempo. Uma das primeiras objeções dos seus opositores era a de que há

mudanças nos fenômenos externos e, portanto, o tempo é algo real. A isto Kant responde que,

em síntese, o tempo é algo real, a saber, a forma real da intuição interna, que requer a

experiência. A Física e a Matemática só são conhecimentos possíveis porque têm em suas

bases, duas formas a priori do conhecimento, o tempo e o espaço, garantindo assim não

apenas sua universalidade como sua necessidade.

Outra crítica que Kant direciona àqueles que afirmam a realidade absoluta e subsistente do

espaço e do tempo, aqui se incluindo os cientistas, é que estes “precisariam admitir dois não-

entes eternos infinitos subsistentes por si (espaço e tempo) que existem (mesmo sem serem

algo real) somente para abarcarem em si todo o real.” (Kant, 1996, p. 80)

Kant procurou superar as duas correntes filosóficas de seu tempo: de um lado o

racionalismo de Descartes e Leibniz, para quem a razão é a fonte de todo o conhecimento e o

conhecimento sensível (obtido pelos nossos sentidos através da experiência) é enganador; de

outro lado, o empirismo de Locke e Hume, para quem todo o conhecimento tem origem na

experiência.

Ao pretender transformar a metafísica em ciência, que achava ser possível aos moldes da

Física e da Matemática de sua época, Kant parece ter cometido um erro ao se apropriar dos

conceitos físicos newtonianos de espaço e tempo absolutos e transformá-los em estruturas da

sensibilidade do sujeito “conhecedor”.

No começo do séc. XX, dois filósofos e físicos, muito próximos a Einstein, já tomaram

parte desta discussão: Moritz Schlick (1882-1936) e Hans Reichenbach (1891-1953).

Teorias são livres invenções do pensamento, são livres construtos, mas devem se adaptar à

realidade à medida que nossa capacidade de experimentação for derrocando aquilo que era

tido como verdadeiro. A comprovação em 1919 da Teoria da Relatividade de Einstein e

inúmeras observações científicas comprobatórias póstumas, vêm trazer sérios problemas à

doutrina kantiana, trincando o alicerce da Estética Transcendental, primeiro mudando o

conceito de tempo para relativo e, depois, provando empiricamente que o espaço e o tempo,

ou melhor dizendo, o espaço-tempo é afetado pelo efeito gravitacional dos corpos massivos e,

portanto, entes externos ao sujeito.

O que diria Kant ao se deparar com a curvatura matricial do espaço-tempo? Poderia

continuar afirmando que são intuições a priori, agora curvadas pela energia gravitacional de

um corpo massivo externo ao sujeito? Se assim insistíssemos, estaríamos a incorrer no risco

de afirmar que a gravidade é a característica dos corpos massivos (Terra, Lua, planetas) em

poder curvar a intuição a priori do sujeito kantiano! E o que dizer da comprovação de 1962,

de que o tempo relativo corre mais lentamente quanto mais próximo ao centro da terra?

Outra questão que poderia ainda ser levantada é: o efeito gravitacional dos corpos sobre o

espaço-tempo não existiria no universo antes da existência do sujeito e sua “estrutura pura de

sensibilidade”?

Antes de 1915, o espaço e o tempo eram considerados como um palco fixo e imutável,

hoje, com a teoria geral da relatividade, espaço-tempo são quantidades dinâmicas, afetando a

forma como os corpos se movem e as forças atuam e, portanto, algo real e externo ao sujeito.

(Hawking, 1988)

Einstein é um realista e acredita na existência do mundo externo independentemente do

observador e afirmou que filosofias, como a de Kant, poderiam representar um perigo ao

avanço da ciência, ao retirar conceitos do campo empírico (como o espaço e o tempo) e

transformá-los em conceitos necessários, e registrou:

“Esta hipostatização de conceitos não é necessariamente desvantajosa

para a Ciência, mas pelo esquecimento da origem dos mesmos cria-se

facilmente a ilusão que eles devem ser vistos como necessários e, com isto,

imutáveis, o que pode vir a representar um sério perigo para o progresso da

Ciência.” (Einstein, apud Dahmem, 2006)

No domínio das ciências naturais, a investigação científica se vale da observação empírica

e experimental para compreender os fenômenos a partir do estudo de suas causas e efeitos.

Assim, 1919 parece ter abalado os alicerces da doutrina do conhecimento sensível e suas

formas a priori - a Estética Transcendental - e lançar nuvens de desconfiança sobre as demais

teorias kantianas, e talvez não fosse temerário dizer, também sobre a forma moral da

“essência do imperativo categórico” – deves porque deves - de mesmas bases proféticas.

Mas 1919 quem sabe tenha feito ainda mais pela filosofia, ao expor que os filósofos

também podem se comportar como simples devotos ao seguir e idolatrar um pregador

metafísico, e que talvez... talvez, seguimentos da filosofia aparentemente com retóricas bem

estruturadas, nada mais signifiquem que uma seita.

REFERÊNCIAS

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