eBook do VI Colóquio do NEER (Fortaleza-CE), realizado de ...

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ORGANIZADORES:CHRISTIANDENNYSMONTEIRODEOLIVEIRA

LUCASBEZERRAGONDIMLUIZRAPHAELTEIXEIRASILVA

IVNACAROLINNEBEZERRAMACHADOTIAGOVIEIRACAVALCANTE

eBookdoVIColóquiodoNEER(Fortaleza-CE),realizadode26a29denovembrode2016

FORTALEZA

2017

Copyright © 2017 Organizadores: Christian Dennys Monteiro de Oliveira, Lucas Bezerra Gondim, LuizRaphaelTeixeiraSilva,IvnaCarolineBezerraMachado,TiagoVieiraCavalcante

A Cia do eBook apoia os direitos autorais. Eles incentivam a criatividade, promovem a liberdade deexpressãoecriamumaculturavibrante.Obrigadoporcomprarumaediçãoautorizadadestaobraeporcumprira lei de direitos autorais não reproduzindo ou distribuindo nenhuma parte dela sem autorização. Você estáapoiandoosautoreseaCiadoeBookparaquecontinuemapublicarnovasobras.

CAPA,REVISÃOEDIAGRAMAÇÃOEquipeCiadoeBook

ISBN978-85-5585-100-1

EditorProf.AntônioClaúdioLimaGuimarães

ConselhoEditorialPresidenteProf.AntônioClaúdioLimaGuimarães

ConselheirosProfª.AdelaideMariaGonçalvesPereiraProf ª.AngelaMariaR.MotadeGutiérrezProf.GildeAquinoFariasProf.ÍtaloGurgelProf.JoséEdmardaSilvaRibeiro

COLEÇÃOESTUDOSGEOGRÁFICOS

ConselhoEditorial

Presidente

Prof.EustógioWanderleyCorreiaDantas

ConselheirosProf.AnaFaniAlessandriCarlosProf.AntônioJeovahdeAndradeMeirelesProf.ChristianDennysOliveiraProf.EdsonVicentedaSilvaProf.FranciscoMendonçaProf.HérvéThéryProf.JordiSerraiRaventosProf.JoséBorzacchiellodaSilvaProf.Jean-PierrePeulvastProfª.MariaElisaZanella

TODOSOSDIREITOSRESERVADOS

EditoraUniversidadeFederaldoCeará–UFC

SUMÁRIO

Capa

Espelho

Páginadecréditos

Introdução

Rememorandoatrajetória...

Abertura:Conferência,TextoComemorativo

OIMAGINÁRIOUTÓPICOBRASILEIRONASPRÁTICASFESTIVASEUROPEIAS

EixoLeste:Educacionalidades&Festividades

EDUCACIONALIDADESODESENVOLVIMENTOCOGNITIVOEAREPRESENTAÇÃODOAMBIENTENASSÉRIESINICIAIS

PERCEPÇÃODEPESSOASCEGASNAORIENTAÇÃOEMOBILIDADEEOUSODOSSENTIDOS:UMAABORDAGEMFENOMENOLÓGICA

PERCEPÇÕESSOBREGEOGRAFIAESCOLAREOSSISTEMASDEAVALIAÇÃONOENSINOBÁSICO:ESTUDODECASOSOBREAESCOLAMUNICIPALULISSESGUIMARÃES(FORTALEZA/CE)

ENSINODEGEOGRAFIAECONSTRUÇÃOEPISTEMOLÓGICADOCONHECIMENTO:DOENSINOÀPESQUISAEDAPESQUISAAOENSINO

AEDUCAÇÃODEJOVENSEADULTOSEOENSINODEGEOGRAFIANAESCOLACENTRODOSRETALHISTAS

OCUPAÇÕES:CELEIROSDAFORMAÇÃODISCENTE

FESTIVIDADES

RITMOSEREPRESENTAÇÕES:OSSENTIDOSDOLUGARDAFESTADOBOI-À-SERRAEMSANTOANTÔNIODELEVERGER/MT

APOÉTICADOSABOR:OLUGARRIBEIRINHONACULINÁRIADACOMUNIDADESÃOGONÇALOBEIRARIO-MT

ONEGRONOCARNAVALDABAHIA:UMAANÁLISESOBAPERSPECTIVADAGEOGRAFIACULTURAL

IMAGEMEFESTA:APROXIMAÇÕESPARAUMAGEOGRAFIADASREPRESENTAÇÕES

REFLEXÕESSOBRETEMPOSIMBÓLICOELUGARRITUALDOSCORTEJOSDEMARACATUSDEFORTALEZA–CE

(RE)ORGANIZAÇÃOESPACIALDAFESTIVIDADEJUNINADECAMPINAGRANDENAPARAÍBAEARELAÇÃODOMORADORCOMACOMEMORAÇÃO

MAPAMENTAL:APORTECOMUNICACIONALDEENTENDIMENTODASLINGUAGENSEPERCEPÇÕESAMBIENTAISEMPORTOVELHO

GEOGRAFIA,REPRESENTAÇÃOEARTE:ASPAISAGENSPÓS-IMPRESSIONISTASDEVINCENTVANGOGH

EixoOeste:Religiosidades&Corporeidades

RELIGIOSIDADESARTICULAÇÃOVETORIALSIMBÓLICA:ARELAÇÃOENTREAIGREJAUNIVERSALDOREINODEDEUSEOCENTROCULTURALDRAGÃODOMAR

OSORIONITASEAINTERFACECOMOTERRITÓRIOEOESPAÇODEREPRESENTAÇÃODOSAGRADONAREGIÃODOANTIGONORTEGOIANO

ESPACIALIDADESDAUMBANDAEMFORTALEZA(CE):PERFORMANCESDEAPROPRIAÇÃODACIDADE

OIR,OVIREORECOMEÇAR:PEREGRINOSSERGIPANOSNAJORNADAMUNDIALDAJUVENTUDE2013

OISLÃEAISLAMOFOBIA:UMESTUDOSOBREAREPRESENTAÇÃODEMAOMÉEMANIMAÇÕESESTADUNIDENSESDESUPER-HERÓIS

ATERRITORIALIDADEDAPARÓQUIANOSSASENHORADAGLÓRIANOMUNICÍPIODEGLÓRIADOGOITÁ-PE

EMOÇÃOCOMOFORMASIMBÓLICAEMERNSTCASSIRER

CARAVANASDEPEREGRINOSNOSANTUÁRIODECANINDÉ-CE:REFLEXÕESSOBREOSCENÁRIOSDEPROIBIÇÃOAOFLUXODE“PAUDEARARA”

REPRESENTAÇÕESDOCENTENÁRIODADEVOÇÃOÀN.SR.ªDEFÁTIMA(1917-2017)DOSADOLESCENTESEMFORTALEZA-CE

ESPÍRITOHIPORELIGIOSODOCONHECIMENTONAHIPERMODERNIDADEGEOGRÁFICA:ALEITURADOESPAÇONATURALCOMOIMAGINAÇÃOAUTOCRIADORA

TER(RITO)RIALIDADESRELIGIOSAS:PLURALISMOEINTOLERÂNCIARELIGIOSANOSCENTROSDEVOCIONAISDOCATOLICISMOCEARENSE

OSFOLGUEDOSLARANJEIRENSESESUARELAÇÃOTOPOFÍLICACOMOSSANTOSPRETOS

COSMOLOGIASRELIGIOSASESUASREPRESENTAÇÕESESPACIAIS:ASCOSMOLOCALIDADESSAGRADASPORMEIODASNARRATIVASORAISELITERÁRIAS

CORPOREIDADESGEOGRAFIADASSEXUALIDADES:INTERFACEENTREGÊNERO,PROSTITUIÇÃOEIDENTIDADE

TERRITORIALIDADESEESPACIALIDADESDOTROTTOIRDEMULHERESNOZERO

AHETEROTOPIADAPROSTITUIÇÃOTRANSNACIDADEDEFEIRADESANTANA-BA

GÊNEROEENVELHECIMENTO:ADIVISÃOSEXUALDOTRABALHOEMUMALAVANDERIAHOSPITALARNACIDADEDEPORTOVELHO/RO

EixoNorte:Identidades&Alteridades

IDENTIDADESGEOGRAFIADOSABOR:UMENSAIONACOMUNIDADEALTODOSBOIS,ANGELÂNDIA/MG

IDENTIDADEFESTIVADACOMUNIDADEDEBOCAINAEMSANTOANTÔNIODELEVERGER/MT

ADINÂMICASOCIOESPACIALDEUMLUGARCHAMADOCRASTO/SANTALUZIADOITANHY-SE

APAISAGEMCULTURALDAESTRADAREAL

IDENTIDADETERRITORIAL:RELAÇÕESSIMBÓLICAS,MATERIAISEDEGÊNERONOSASSENTAMENTOSRURAISDOMUNICÍPIODEMAMBAÍ(GO)

OSCABOCLOSEAIDENTIDADETERRITORIAL,MAJORSALES/RN

TRAMASDOBORDADOMANUALEMPASSIRA-PE:ANALISANDOAGEOGRAFICIDADEEAPAISAGEMCULTURAL

OMUNDOÉOMAR:PESCADORESTRADICIONAISESEUSMAPASMENTAIS,ARMAÇÃODOPÂNTANODOSUL,FLORIANÓPOLIS-SC

NEGRASCONGADEIRASNASTEIASDAECONOMIASOLSOLIDÁRIA-URUAÇU-GO

IDENTIFICACIÓNDEUNAPROPUESTADETRANSICIÓNCULTURALENELJARDÍNURBANO

IDENTIDADEENARRATIVASORAISNOTERRITÓRIOQUILOMBOLAKALUNGADOMIMOSO,EMTOCANTINS

TERRITÓRIOQUILOMBOLAMELDAPEDREIRA:EMBUSCADAAFIRMAÇÃOPELATERRITORIALIDADE-MACAPÁ/AP

ASCONTRADIÇÕESDABAIANIDADECOMOPROCESSODEGERAÇÃODEAMBIÊNCIASATRAVÉSDESUOR,DEJORGEAMADO

ALTERIDADESONORDESTEPELOOLHARFÍLMICO-GEOGRÁFICODOCINEMADECLÁUDIODEASSIS:ALGUMASNOTASINTRODUTÓRIAS

IRREVERÊNCIASETENSÕESDOLUGARNALAVOURAARCAICADERADUANNASSAR:ENTREAPARTIDAEORETORNO

ASSENTADOSRESILIENTESDORENASCER:PRÁTICASDEUSODOESPAÇOEMUMTERRITÓRIOIMPREGNADODETENSÕES

RESILIÊNCIACAMPONESA:AMUTUALIDADENOSMODOSDEVIDAPLURAISNACOMUNIDADESÃOJERÔNIMO

SERDOTEMEROSO,ESTARNOGURINHATÃ(MG):IDENTIDADEEMEMÓRIANO/DOLUGAR

UMADISCUSSÃOSOBREGEOGRAFIAHUMANISTA,LUGAREFENOMENOLOGIA

MÚSICOSDERUAEACOMPOSIÇÃODAPAISAGEMSONORAEMCURITIBA:CONTRIBUIÇÕESDAGEOGRAFIACULTURALHUMANISTAEMERNSTCASSIRER

PAISAGEMDOSDEJETOSEMDESPERDÍCIO:LIMITESEQUIVOCADOSDAPOLÍTICADERESÍDUOSSÓLIDOSEMBOAVISTA-RR.

URBANIZAÇÃOEVULNERABILIDADESOCIOAMBIENTALEMBOAVISTA-RR

ASTRANSFORMAÇÕESSOCIOESPACIAISEAVULNERABILIDADESOCIALEMCAUCAIA-CE(2000-2010)

EixoSul:Globalidades&Urbanidades

GLOBALIDADESASREPRESENTAÇÕESEMJOGONACONSTRUÇÃODAREGIÃOTURÍSTICADOVALEDOCAFÉ-RJ

NOVOSARRANJOSESPACIAISNOPROCESSODEEXPANSÃOHORIZONTALDACIDADEDEVÁRZEAGRANDE(MT)

ADES-RE-PATRIMONIALIZAÇÃODOSÍTIOHISTÓRICOTOMBADODEPENEDO-AL

ARESISTÊNCIADOLUGAR:CAMINHOSENTREPLANEJAMENTOURBANOEAFENOMENOLOGIA

DEFICIÊNCIAVISUALEACESSIBILIDADE:OPLANEJAMENTOURBANONOCENTROHISTÓRICODOPORTO–PORTUGAL

URBANIDADESCOMPREENSÃODOCALÇADÃODELONDRINA,PARANÁ,APARTIRDEEXPERIÊNCIASSONORAS

ACONTRIBUIÇÃODAFESTANAREPRODUÇÃODOLUGAR

GEOGRAFIA,LUGAREPERCEPÇÃO:OCASODOPARQUEFARROUPILHAEMPORTOALEGRE-RS.

GEOGRAFIASJUVENISDOMOVIMENTOHIP-HOPNOESPAÇOPÚBLICODEPONTAGROSSA-PR

RETRATOSDAMEMÓRIA:ANÁLISEDOPATRIMÔNIOHISTÓRICODARUADR.JOÃOMOREIRAPARAACONSTRUÇÃODOLUGARNOCENTRODEFORTALEZA,CE

ACONFECÇÃODOBORDADONODISTRITODESAPUPARA,EMMARANGUAPE-CE:ENTREOTRADICIONALEOMODERNO

PLANEJAMENTO,MEDOEINSEGURANÇANOSESPAÇOSURBANOS:APRODUÇÃODECONDOMÍNIOSFECHADOSNACIDADEDEFORTALEZA-CEARÁ

ESPAÇOEMEMÓRIA:OPAPELDASPOLÍTICASPÚBLICASRELACIONADASÀPROTEÇÃODEBENSTOMBADOSNOCENTROHISTÓRICODEMARANGUAPE-CE

AORGANIZAÇÃOESPAÇOTEMPORALDOBAIRROVILAINDUSTRIAL,CAMPINAS-SP:UMAANÁLISEAPARTIRDASFERROVIAS

ASPOLÍTICASDEREQUALIFICAÇÃOEAAPROPRIAÇÃODOPASSEIOPÚBLICO,EMFORTALEZA-CE

INTRODUÇÃO

O Departamento de Geografia junto ao Programa de Pós-graduação emGeografia daUniversidadeFederal doCeará,Campus doPici – Fortaleza-CE,sediou oVI Colóquio do Núcleo de Estudos em Espaço e Representações(NEER), de 26 a 29 de novembro de 2016. Consultarhttp://www.6neerce.com.br

O evento teve como tema central uma visita temática, interativa emetodológica sobre os estudos das Representações Culturais, entre 2006 e2016. O foco das análises, nos 8 setores e 4 eixos de estudo, revisou asdiscussões sobre representações e projetou novas abordagens socioculturais naGeografiaSocialeCulturalentrelaçandodiversosprojetosdaredeNEER.

AsatividadesdoVIColóquiocompreenderam:mesas redondas,gruposdetrabalho, exposição de painéis e de banners institucionais, oportunizando aparticipação de professores, pesquisadores, técnicos, representantes dosmovimentossociais,estudantesdedoutorado,mestrado,graduação,entreoutros.Alémdoscercade100 trabalhosapresentados,oeventocontoucomatividadesculturais,lançamentodelivrosetrabalhodecampo.

OBJETIVOS• Estimular o intercâmbio e a articulação com pesquisadores das ciências

ambientais,sociaisegeográficasemgeralemrelaçãoaosestudossobreespaço,cultura,representaçãoepercepção;

•Avançareaprofundarodebateteóricoemetodológicosobreaabordagemcultural na Geografia, enfocando as diversidades de expressões, percepções erepresentaçõessobreoespaço;

•Estimularaspráticasemeducação,extensãoegestãosobreaabordagem

socioculturaldaGeografia,estimulandoousoeodebatesobremetodologiasquetratem as questões pertinentes às diversidades culturais na atualidade regional,rural,urbanaedosterritóriostradicionais.

• Refletir a respeito dos 10 anos da trajetória do Núcleo, de forma aproporcionar a qualificação das pesquisas em andamento na Rede e aconsolidaçãodenovasarticulaçõeseparcerias.

CARACTERIZAÇÃORESUMIDADONÚCLEOESEUSCOLÓQUIOSNasúltimasdécadas,aciênciageográficareavaliaseuspropósitos,teorias,

métodos e práticas de pesquisa e ensino. Assim, emergem novos estudosgeográficos pautados na criticidade da própria ciência e de seus fundamentosrelacionadosàrealidadesocialdiversa,desigualecontraditória.Duastendênciasdestacam-se neste contexto: uma relacionada à inserção do debatemarxista naGeografia e outra pautada na recuperação dos estudos sobre cultura efenomenologia.

NoBrasil,osestudossobrecultura,percepçõeserepresentaçõesdoespaço,estão sedesenvolvendocontinuamente,ganhandocorpo teóricoemetodológico.Observa-se a constituição de eventos importantes e a formação de grupos depesquisa que se ocupamdestas temáticas.Umdosmais considerados entre taisgruposéoNEER,NúcleodeEstudosePesquisassobreEspaçoeRepresentações(www.neer.com.br).

O NEER procura aprofundar as discussões e estudos sobre GeografiaCultural,SocialeHumanista.Hojeestegruposetransformounumaredequecontacom25membrosquearticulampesquisa,extensãoeatividadesdeensino.Paraconsolidar as parcerias e contribuir ainda mais com os estudos culturais naGeografia, o núcleo projeta colóquios bianuais, que já são considerados comomarcosimportantesdaGeografiabrasileira.

RealizadosdesdeaconsolidaçãodoNúcleo(emCuritiba–2006,Salvador–2007,PortoVelho–2009,SantaMaria/RS–2011,Cuiabá–2013,Fortaleza,

2016),osColóquiosseapresentamcomooportunidadeímpardedivulgaçãodosestudos em Geografia Cultural e Social; e articulação de pesquisadoresprofissionais e estudantes de pós-graduação e graduação de todo o país. TaiseventosfortalecemodebatedaGeografiaesuasabordagensculturaisnoensinoena gestão, fazendo-se necessários como oportunidade de atualização teórico-metodológicaaosprofessoresegestoreslocais,alémdacomunidadeacadêmicaregional.

Por tais razões, uma reunião extraordinária dos membros da ComissãoCientífica,emCuritiba(2015),delineouaestruturaçãoda6ªVersãodoColóquio.

ESTRUTURADOEVENTO•Oeventofoiestruturadoemquatroeixostemáticoseoitosetoresdeestudo.

Compreendendo também: Uma Reunião Técnica com os Membros do NEER,Roteiros de Campo (contextualização regional), 3 mesas temáticas, umaConferênciadeEncerramento,conformedatas:

• Dia 26/11 (sábado): Reunião Técnica/ Credenciamento/ Mesa 1 -Abertura:10AnosdeNEER/InstruçõesparaRoteirodeCampo

•Dia27/11(domingo):RealizaçãodosRoteirosdeCampo•Dia 28/11 (segunda-feira):Mesa 2:Perspectivas Externas, Exposições

Orais dos 4 Eixos- Setores ímpares/ Apresentação dos Painéis/ MomentoCultural/MesaTemática1

• Dia 29/11 (terça-feira): Exposição Apresentações em Painel dos 8Setores/SíntesesdosEixos/MesaTemática2/ConferênciadeEncerramento

PROGRAMAÇÃODOSSETORESEEIXOS

REMEMORANDOATRAJETÓRIA...

10ANOSDENEERSALETEKOZEL

SYLVIOFAUSTOGILFILHOUniversidadeFederaldoParaná(UFPR)

Pensar a trajetória vivida pelo Núcleo de Estudos em Espaço eRepresentação (NEER) nos remete, inexoravelmente, ao dilema vivido poraqueles pesquisadores da ciência geográfica que não encontravam um eixodefinidoparaexporsuaspesquisasquenãofosseodacategoriaoutros.Ofixoeoimutávelenquantotermosqueexpressamainterrupçãodocrescimento,daquiloquesevoltasobresiparaproduzirnovaspossibilidades,cedemlugar,emalgummomento, para as inevitáveis alterações. Esse momento aconteceu em 2002,duranteoVEncontrodaANPEGE–AssociaçãoNacionaldePós-GraduaçãoemGeografia,realizadoemFlorianópolis,centradonotema:Gestãodoterritórioedo ambiente noBrasil: desafios à formação e à pesquisa emGeografia noensinosuperior.Nesseeventonósfizemosumaimpressionanteconstatação:60%dos trabalhos apresentados se encaixavam na categoria outros. Algo estranhoestava acontecendo! Fomos atrás e verificamos qual era a proposição detrabalhos da maioria dos pesquisadores e que compunha esse que era tomadocomo umgrupo inclassificável.Basicamente, “nosotros”, osoutros, estávamoslidando com abordagens marginais no âmbito da Geografia, quais sejam, asabordagens sociais, culturais e ambientais respaldadas na teoria dacomplexidade.

Diantedessarealidade,nóspensamosemconvidarcolegasquecompunhamesse grupo para criar um novo espaço onde fosse possível amplificar eaprofundarodiálogoacercadenossaspesquisas,destacadamentemarcadaspelosfundamentos teóricos e metodológicos ligados à Geografia Social e Geografia

Cultural,etendocomofiocondutorasrepresentações.O embrião desse grupo, com ampla vivência nas chamadas geografias

marginais,foiformadopelosprofessoresOswaldoBuenoAmorimFilho(PUC-MG),comexperiêncianaáreadeGeografia,comênfaseemGeografiaUrbana,eatuando principalmente com Geografia Urbana, cidades médias, Geopolítica,epistemologia da Geografia e Geografia humanista cultural; Sylvio Fausto GilFilho(UFPR),comatuação emGeografiaCultural, epistemologiadaGeografiaHumana,GeografiadaReligiãoeFilosofiadaReligiãoeSaleteKozel(UFPR),com desempenho em Geografia, ensino e representação, Educação ambiental,EstudosdepercepçãoemGeografia,MapasMentais,linguagemerepresentação,Geografia emanifestações culturais.ApósoEventodaANPEGEanteriormentecitado surgiu a ideia de criar um núcleo de estudos abarcando colegas cujaspesquisastivessemcomofiocondutorasrepresentações.

Aproveitando-nos da presença do Prof. Paul Claval, pesquisador daUniversidade de Paris IV Sorbonne – Paris, que se encontrava na UFPRparticipandodeatividadesacadêmicas,apresentamos,parasuaapreciação,nossaproposta de criação do núcleo de estudos. Em decorrência de seu aval, nosreunimosparao“lançamentodapedrafundamental”em19deoutubrode2004,nas dependências doDepartamento deGeografia daUFPR.O encontro contou,alémdaparticipaçãodoProf.Dr.PaulClaval,comapresençadoProf.Dr.JoãoCarlosNucci (Departamento deGeografia daUFPR), convidados do grupo depesquisa Planejamento da Paisagem, além do Prof. Dr. Dario de Araújo Lima(InstitutodeCiênciasHumanasedaInformaçãoFURG),Prof.ªDr.ªSaleteKozel(Departamento deGeografia daUFPR) e do Prof.Dr. Sylvio FaustoGil Filho(Departamento de Geografia da UFPR). Era criado oficialmente o NEER –NúcleodeEstudosemEspaçoeRepresentação.

O incentivoeoavaldoProf.PaulClavalcomoeminentepesquisadornosencorajaram a dar prosseguimento à proposta, o que nos levou a estender oconvite para alguns colegas comporem o grupo e realizarmos um primeiroColóquio do NEER, o que de fato aconteceu em 2006, em Curitiba, nas

instalaçõesdaUFPR,conformeestaremosexpondomaisadiante.Asprimeirasparceriasocorreramem2004e2005,envolveramdeimediato

oProf.DariodeAraújoLima(FURG),cominserçãoemGeografiaCulturaleCuradoria,destacandoproduçãocientíficadecuradoriaepescaartesanal;JosuédaCosta Silva (UNIR), com atuação emGeografia Cultural, desenvolvimentolocal, organização social e comunitária, Geografia das Emoções e TerritóriosEmocionais, Cultura, Espaço e Representações, ReligiosidadePopular, populações tradicionais, a dádiva no mundo agrário, Humanismo ecomplexidades;MariaGeraldaAlmeida(UFG),comdestacadaatuaçãonaáreade Geografia Cultural, particularmente temas como: manifestações culturais,turismo,territorialidadeesertão;ÁlvaroLuizHeidrich(UFRGS),cominserçãoemGeografiaHumana,atuandoprincipalmentecomostemas:geraçãoeperdadevínculosterritoriais,territorialidadeshumanas,identidadeeglobalização;NelsonRego (UFRGS), proveniente da Educação, com atuação em ensino erepresentação,comênfaseemgeraçãodeambiênciaseinstrumentalizaçãoparaoensinodeGeografia; IcléiaAlbuquerquedeVargas(UFMS),atuantenasáreasdaGeografia e daEducação, com ênfase emGeografia Escolar e formação deprofessores, principalmente com os temas: educação ambiental, GeografiaCultural,Pantanal,meioambiente,turismoepercepçãoambiental.

IndicadopeloProf.PaulClavalparacomporogrupo,opesquisadorÂngeloSerpa(UFBA),seuorientandonaUniversidadeParisIV,foiconvidadoem2005a integraroNEERparticipandodoprimeiroColóquioemCuritiba.Atuantenasáreas de Geografia Urbana, Geografia Regional, Geografia Cultural,Planejamento Urbano, Planejamento Regional e Planejamento Paisagístico,principalmente nos seguintes temas de pesquisa: espaço público, periferiasurbanasemetropolitanas,manifestaçõesdaculturapopular,identidadedebairro,cognição e percepção ambiental, apropriação sócio espacial dos meios decomunicação,estratégiasderegionalizaçãoinstitucional.

Em2005foramconvidadosparaintegraronúcleoosprofessoresdaUFPRWolf Dietrich Sahr, que já atuava na Universidade Federal do Paraná com

GeografiaSocialeGeografiaCultural,eRobertoFilizola,voltadoparaoensinoe representação de Geografia e formação de professores, além de lidar compesquisasacercadefronteiracultural,fronteiraemocionalemespaçosescolares,metodologia do ensino e interculturalidade, na perspectiva das geografiasemocionais.

Foramconvidadospor intermédiodoProf.OswaldoBuenoAmorimFilho,os professores da PUC/MG:Afrânio J. Fonseca Nardy, com experiência emTeoria da Geografia, com destaque para os temas: espaço vivido, paisagensculturais, direito ambiental, políticas públicas domeio ambiente, avaliação deimpactoambiental;eAlexandreM.Diniz,comexperiêncianaáreadeGeografiaHumana, atuando principalmente com Geografia do Crime e da Violência,GeografiaUrbanaeGeografiaRegional.

Como se pode observar, esse grupo de pesquisadores embora tenha umaformaçãodiversaeatuaçãodistinta,tememcomumainserçãonasáreascultural,social e ambiental, com presença também em planejamento e educação. Nessaperspectiva,oNEERsepropôsaampliareaprofundaraabordagemculturalnaGeografia,focandonasquestõesrelacionadasaosestudossobreoespaçoesuasrepresentações, entendendo as representações como uma ampla mediação, quepermitemintegrarosocialeocultural,alémdecontemplaratemáticadoensinodeGeografia,sobretudonoBrasil.

Isso exposto, emnovembrode2006 foi realizadoo IColóquiodoNEER(NúcleodeEstudosemEspaçoeRepresentação)naUFPRemCuritiba.

AorganizaçãodoEventofoiaseguinte:

16denovembro:08h00-09h00–Credenciamento(CentroPolitécnico)9h00às12h00 -ConferênciadeAberturaproferidapeloProf.Dr.Paul

ClavalTema:“Espaçoerepresentação:reconstruçõesteóricasdogeográfico”14h00 às 16h00 - Mesa Redonda I - Epistemologias da Geografia

Cultural/SocialProf.Dr.ÂngeloSerpa(UFBA)Prof.Dr.OswaldoBuenoAmorimFilho(PUC-MG)Prof.Dr.WolfDietrich-Sahr(PPGEO-UFPR)Prof.Dr.AfrânioJoséFonsecaNardy(PUC-MG)

16h30às18h30-MesaRedondaII-Geografia:RepresentaçãoeEnsinoProfa.Dra.SaleteKozel(UFPR)Prof.MSc.RobertoFilizola(UFPR)Prof.Dr.NelsonRego(UFRGS)Profa.Dra.LucyP.MarionUNESP-RioClaro19h00às22h00:Confraternização17denovembro:08h00as12h00-Comunicaçõeslivres(4eixos)09h00às12h00:ReuniãodospesquisadoresintegrantesdoNEER,realizada

nasalaPH05.

14h00-16h00MesaRedondaIII-GeografiadaReligião:RepresentaçãodoSagrado

Prof.Dr.SylvioFaustoGilFilho-UFPRProf.Dr.AlexandreM.Diniz-PUC-MGProfa.Dra.ZenyRosendahlUERJ/NEPECProf.Dr.DariodeAraújoLima-FUERG

17h00-19h00 Mesa Redonda IV - Novas territorialidades, Novas

RepresentaçõesProf.Dr.ÁlvaroLuizHeidrich-UFRSProf.Dra.IcléiaAlbuquerquedeVargas-UFMSProf.Dr.JosuédeCastroSilva-UNIRProfa.Dra.MariaGeraldadeAlmeida-UFG

19h00-ConferênciadeEncerramento,proferidapeloProf.Dr.OswaldoBuenoAmorimFilho

Oeventotevecomoconvidadosospesquisadores:Prof.Dr.PaulClavaldaParisIV-Sorbonne,Profa.Dra.LucyP.Marion,UNESP-RioClaro,eProfa.Dra.ZenyRosendahl,UERJ/NEPEC.

OsTemaspriorizadosforam:1-EpistemologiasdaGeografiaCulturaleSocial.Temáticasatinentesà

teoriadoconhecimentoproduzidoemGeografiaCulturaleSocial2 - Geografia: Representações e Ensino. Temáticas da Geografia

EscolaredoEnsinodeGeografia3 -GeografiadaReligião:RepresentaçõesdoSagradoeTemáticas da

GeografiadaReligião4 - Novas Territorialidades, Novas Representações e Temáticas

relacionadasàGeografiaeRepresentações.Com a realização do I Colóquio, o NEER se consolidou como núcleo de

estudos e, de acordo com a composição dos quatro eixos temáticos(Epistemologia daGeografia,Representação e ensino,Geografia daReligião eTerritorialidadesesuasrepresentações)previamentedefinidoficouestabelecidoaparticipaçãodospesquisadoresnosgrupos,tendoemvistaaapresentaçãodaspesquisaseasparceriasfirmadas.

Éimportanteressaltarqueumaparceriajávinhasedelineandodesde2007,atravésdoprojetoCulturadassociedadesamazônicas:espaçoerepresentação,a representação do boi-bumbá na cultura das sociedades amazônicas. Nestemesmo ano consolidou-se a parceria PROCAD/Amazônia, entre a UFPR e a

UNIR, através da qual o projeto anterior foi revisto e ampliado, passando adenominar-seCultura, espaços e representações das sociedades amazônicas:saber popular e memória das populações ribeirinhas, um estudo para asustentabilidade da vida. Não podemos deixar de mencionar que o projetocontemplouummagníficotrabalhodecampo,organizadopeloProf.Josuéequefoiempreendidonoperíodode10dejunhoa07dejulhode2007.Estamosnosreferindo àExpedição Amazônica que, partindo de Porto Velho com destino aParintins, numa embarcação regional (recreio) através dos rios Madeira eAmazonas, possibilitou que fossem visitadas algumas áreas urbanas ecomunidadesribeirinhasdaregião.Oprojetotevecomoobjetivogeralinvestigaras representações culturais (em ensino, religiosidades, esporte, saúde,comunidades indígenas e o papel do boi nas festividades), integrando váriosatores sociais, sobretudo moradores das comunidades e cidades ribeirinhasvisitadas, muito embora o Festival Folclórico de Parintins, onde se desenrolaanualmente um duelo de bois-bumbá, tenha consumido mais tempo nasinvestigações. A equipe foi composta por graduandos, pós-graduandos eprofessorespesquisadoresdeambasasinstituições.

OsrepresentantesdaUNIRforamospesquisadoresJosuédaCostaSilvaeMaria das Graças Nascimento Silva, os pós-graduandos Adnilson de AlmeidaSilva,GustavoAbreu eWendel Teles deLima e os graduandos emGeografia:LindinalvaAzevedodeOliveirae JosimoneBatistaMartins.OgrupodaUFPRfoi composto pelos pesquisadores Sylvio Fausto Gil Filho, Salete Kozel eRobertoFilizola,pós-graduandosFernandoRossetoGalego,AnaHelenaFreitasGileosgraduandosLeandroBamberg,CamilaJorgeeMayaraMorokawa.Alémdessesintegrantes,otrabalhoinvestigativocontoucomainestimávelcolaboraçãodoProf. PaulClaval e a presençadoProf.BenhurPinós daCosta, à épocanaUFAM. Os resultados das pesquisas foram documentados na publicaçãoExpediçãoAmazônica: desvendando espaços e representações dos festejosemcomunidadesamazônicas.Afestadoboi-bumbá:umatodefé,queveioalumeem2009.AparceriaUFPR/UNIRiniciadacomoPROCADAmazônia foi

ampliadaem2011comaaprovaçãodoDINTERentreasduasinstituições.Em 2007 foi lançada uma publicação que sintetizou as apresentações dos

pesquisadores realizadas no IColóquioNacional doNEER, ocorrido em2006em Curitiba. Trata-se do livro Da percepção e cognição à representação:reconstruçõesteóricasdaGeografiaCulturaleHumanista-SILVA,JosuédaCosta, GIL FILHO Sylvio Fausto e KOZEL Salete. (org.) São Paulo: Ed.Terceira Margem, 2007. Vale recordar que, na reunião dos pesquisadoresocorridaduranteesseevento,ficouacordadoqueoNEER(NúcleodeEstudosemEspaço e Representação) seria uma rede não formal e não hierarquizada,interinstitucional.Umarede temáticaque,defato,possibilitassea integraçãodeProgramas de Pós-graduação e pesquisadores isolados, assim como núcleos,grupos, e projetos de pesquisa. Ficou definida a realização do II Colóquio em2007emSalvador,naUFBA,sobacoordenaçãodoProf.Dr.ÂngeloSerpa,oquedefatoseconsumou.

Assim,o IIColóquioNacionaldoNEER ocorreunoperíodode5a8dedezembro de 2007 em terras soteropolitanas e teve como tema EspaçosCulturais:Vivências,ImaginaçõeseRepresentações.

Conformesesegue,oeventoapresentouaseguinteprogramação:

Dia5/12/2007–Quarta-feiraManhã8h30-9h30–CredenciamentoereuniãodosintegrantesdoNEER9h30-10h30–SessãodeAbertura10h30–Conferência deAbertura proferida pelo Prof.Dr. PaulClaval

(UniversidadeParisIV-Sorbonne)14h-16h -MesaRedondaEixo1:GeografiaCulturaleSocial:Teoriae

Método•Prof.Dr.Wolf-DietrichSahr(UFPR)•Prof.Dr.OswaldoBuenoAmorimFilho(PUC-MG)•Prof.Dr.AngeloSerpa(UFBA)

•ProfDr.MarcioOliveiraPinõn(UFF)16h30-18h30-EspaçodeDiálogo1–comapresentaçãodetrabalhosDia6/12/2007–Quinta-feiraManhã9h30-12h-MesaRedondaEixo2:GeografiaEscolar:Representaçõese

Ensino•Profa.Dra.SaleteKozel(UFPR)•Prof.Dr.NelsonRego(UFRGS)•Profa.Dra.IcléiaVargas(UFMS)•Profa.MSc.LucianaTeixeiradeSouza(UNEB)

14h00-16h00 horas -Mesa Redonda Eixo 3: Geografia da Religião:EspacialidadesdoSagrado

•Prof.Dr.SylvioFaustoGilFilho(UFPR)•Profa.Dra.AureanicedeMelloCorreia(UERJ)•Prof.MSc.JânioRoquedeBarrosCastro(UNB)

16h30-18h30-EspaçodeDiálogo2-comapresentaçãodetrabalhosDia7/12/2007–Sexta-FeiraManhã9h30-12h - Mesa Redonda Eixo 4: Imaginários e Territórios:

RepresentaçõesdaNatureza,NaturezadasRepresentações•Prof.Dr.JosuédaCostaSilva(UNIR)•Prof.Dr.WendelHenrique(UFBA)•Prof.Dr.DariodeAraújoLima(UFRG)•Profa.Dra.MariadeFátimaRodriguesFerreira(UFPB)14h00-16h00 - Mesa Redonda Eixo 5: Semiótica e Semiologia na

Geografia•Prof.Dr.ÁlvaroLuizHeidrich(UFRGS)•Profa.Dra.MariaGeraldadeAlmeida(UFG)

•Profa.Dra.FrancineDeloisy-Barthe(Univ.JulesVerne–Picardie)•Prof.MSc.BenhurPinosdaCosta(UFAM)16h30-18h30-EspaçodeDiálogo3-comapresentaçãodetrabalhos18h30-20h - Conferência de Encerramento proferida pelo Prof. Dr.

RogérioHaesbaertdaCosta(UFF)Dia8/12/2007–SábadoTrabalhodecampo-AspectosculturaisdeSalvador

OIIColóquioNacionaldoNEER teve220 inscritos e84 trabalhos foramselecionados pela comissão científica do Colóquio para apresentação nosEspaçosdeDiálogo,realizadosaolongodostrêsdiasdoevento.

Oevento seguiuumaestruturaque seassemelhouadoPrimeiroColóquio,com cinco mesas redondas temáticas, devidamente articuladas aos trabalhosapresentadosnosespaçosdediálogo.Opúblicopresentefoiagraciadocomduasconferências, a de abertura, proferida pelo Prof. Dr. Paul Claval, e a deencerramento,comunicadapeloProf.Dr.RogérioHaesbaertdaCosta.

Nas palavras do Prof.Dr.Ângelo Serpa, coordenador do colóquio, “...foium evento importante para o início da consolidação do núcleo/da rede, comdiscussões que foram publicadas nos Anais e no livro Espaços CulturaispublicadopelaEDUFBAem2008.Creioqueum focomaiornasmesas comoespinha dorsal da estrutura do Colóquio foi a principal característica doevento,algoqueameuvermudoubastantenoscolóquiosatuais,maisfocadosnos Grupos de Trabalho” (2016). Nesse evento os pesquisadores externosconvidadosforam:Prof.Dr.PaulClaval(ParisIV-Sorbonne-França);Profa.Dra.Francine Deloisy-Barthe (Univ. Jules Verne – Picardie- França); Profa. Dra.Aureanice de Mello Correia (UERJ); Prof. Dr. Rogério Haesbaert da Costa(UFF).

Após a realização do II Colóquio foram convidados mais quatropesquisadores para integrar a rede: Marcio Oliveira Pinõn (UniversidadeFederal Fluminense) atuando na área de Geografia Urbana, políticas urbanas,

evolução urbana, espaço e território; Jânio Roque de Barros Castro(UniversidadedoEstadodaBahia),comatuaçãonasáreasdeGeografiaCulturale Geografia Urbana, mais especificamente com os seguintes temas: dimensõesespaciais de festas populares, manifestações culturais materiais e imateriaisno/do espaço urbano, ensino deGeografia, dinâmica e planejamento urbano depequenas cidades, diálogos e interfaces entreGeografia eLiteratura;Maria deFatimaRodriguesFerreira (Universidade Federal da Paraíba), com interesse,sobretudo, em projetos extensionistas em: movimentos sociais do campo,território e territorialidades camponesas, comunidades quilombolas e educaçãonocampo;eBenhurPinósdaCosta(UniversidadeFederaldeSantaMaria),comexperiência na área de Geografia, com ênfase em Análise Territorial, atuandoprincipalmente com os temas: cultura, território, espaço urbano, identidade,homoerotismoehomossexualidade.

Assim, o NEER passou a contar com 18 pesquisadores, envolvendo 12programasdePós-GraduaçãoemGeografia.

Em reunião durante o evento de Salvador, os pesquisadores deliberaramsobreosseguintesaspectos:

• Incentivar a formação de uma rede de parcerias para atuar em bancas,palestras,cursosnapós-graduação,projetosdepesquisaegruposdetrabalho;

•OrganizarositedoNEERcominteratividadeeBlogs;•AtuaremumaculturadeREDE,emcontraposiçãoaotrabalhoindividual;• Criar linhas de pesquisa sobre cultura e representação nos cursos de

graduaçãoepós-graduação;• Proceder ao levantamento sobre as pesquisas e linhas de pesquisa

desenvolvidasnosprogramasdepós-graduação;•FortaleceraredeeaGeografiaatravésdeumamaiorarticulaçãoentreos

pesquisadoresepeloincentivoapublicações.Asmemórias do IIColóquio doNEER estão documentadas na publicação

Espaços Culturais: vivências, imaginações e representações – SERPA, A.(org.)Salvador:EDUFBA,2008.

Como de praxe, foi definida em reunião dos integrantes da rede que arealizaçãodoIIINEERaconteceriaemPortoVelho(RO),em2009,destavezsobacoordenaçãodoProf.Dr.JosuédaCostaSilva.

AcomissãoorganizadoradoIIIColóquiodoNEERdefiniuoseguintetemapara o evento: Espaço e Representações: Cultura e Transformações deMundos.

OColóquioocorreunoperíodode01a06denovembrode2009e,emboraseguindoaestruturadoseventosanteriores,ampliouonúmerodemesasredondasdecincoparaoito.Forammantidasasconferênciasdeaberturaeencerramento,bemcomoaapresentaçãodetrabalhoseasatividadesculturais.

AprogramaçãodoIIIColóquiodoNEERfoiaseguinte:

Dia2denovembro,domingo:credenciamento19h00-Palestradeabertura-Geografiaecultura:umolharhumanistasob

asociedade,proferidapelaProfa.Dra.GiulianaAndreotti-UniversitádeglistudidiTrento-Itália

21:00–Showcultural

Dia3denovembro–segunda-feira

8h00 -MesaRedonda -1AbordagensculturaisnaGeografia: teoria emétodo

MariaGeraldaAlmeida(UFG)Wolf-DietrichSahr(UFPR)

ÁlvaroLuizHeidrich(UFRSG)SylvioFaustoGilFilho(UFPR)

10h00-MesaRedonda2-RepresentaçõessocioculturaiseensinoNelsonRego(UFRGS)AméliaBatistaNogueira(UFAM)IcléiaAlbuquerquedeVargas(UFMS)LucileydeFeitosaSousa(PROCAD-UNIR/UFPR)RobertoFilizola(UFPR)

14h00-MesaRedonda3–TerritorialidadesreligiosaserepresentaçãoSylvioFaustoGilFilho(UFPR)HeraldoMaués(UFPA)JeanCarlosRodrigues(UFTO)ChristianDennysM.deOliveira(UFC)

16h00 - Mesa Redonda 4 – A poética cultural da Amazônia: nossasrepresentações

JosuédaCostaSilva(UNIR)EliakimRufino(UFRR)SilvioSantos(RO);RosselveltJoséSantos(UFU)

Dia4denovembro-terça-feira8h00-MesaRedonda5–Naturezaecultura:espaçoerepresentaçãoDariodeAraújoLima(FURG)

SaleteKozel(UFPR)

AvacirSantos(UFG)EdvâniaTorres(UFPE)

10h00-MesaRedonda6–Modosdevida: imaginárioerepresentaçãodolugar

MariadeFátimaF.Rodrigues(UFPB)SôniaR.Romancini(UFMT)ClaudiaLuizaZeferinoPires(ULBRA-RS)AdnilsondeAlmeidaSilva(PROCAD-UNIR/UFPR)

14h00às18h00trabalhosdirigidos

Dia5denovembro-quarta-feira8h00às12h00Trabalhosdirigidos

14h00 - Mesa Redonda 7 – Sexualidade, Gênero e representação doespaço

BenhurPinosCosta(UFAM)MariadasGraçasSilvaNascimentoSilva(UNIR)RosaEsterRossini(USP)JoselidaSilva(UEPG)

16h00-MesaRedonda8–Geografiacultural,planejamentoegestãodoterritório.

WendelHenriqueUFBA)MárcioOliveiraPinõn(UFF)GilmarMascarenhas(UERJ)CarlosWalterPortoGonçalves(UFF)

Dia6denovembro–quinta-feira8h00às18h00–trabalhosdirigidos

20h30 Conferência de encerramento: Cultura, espaço e representação:Umapoéticadoimaginário-JoãodeJesusPaesLoureiro

Dia7denovembro–sexta-feira8h00 às 18h00 – Trabalho de campo com os integrantes do NEER e

convidados, que constituiu em um percurso de barco pelo Rio Madeira. Naocasião,foirealizadaareuniãodosmembrosdaredeNEER.

OEventotevecomocaracterísticaaampliaçãodostemasabordadospelospesquisadores nas mesas redondas incluindo Sexualidade, gênero erepresentação do espaço; Modos de vida: imaginário e representação dolugar eA poética cultural daAmazônia: nossas representações. Nota-se que aênfasefoidada,sobretudo,àquestãoregionaldaAmazônia,suaculturaemodosdevida,oquefoiaprofundadopelosconvidadosquepesquisamarealidadelocalcomoJoãodeJesusPaesLoureiro,EliakimRufino(UFRR)SilvioSantos(RO)eHeraldoMaués(UFPA).

Com a ampliação dos temas e das mesas aumentou também o número depesquisadores convidados externos à redeNEER, casos deGiullianaAndreotti(Universitá degli studi di Trento, Itália); Heraldo Maués (UFPA), EliakimRufino(UFRR), Silvio Santos (UFRO), Avacir Santos (UFG), Edvânia Torres(UFPE), Amélia Batista Nogueira (UFAM), Adnilson de Almeida Silva(PROCAD-UNIR/UFPR), Lucileyde Feitosa Sousa (PROCAD-UNIR/UFPR),Rosa Ester Rossini (USP), Joseli da Silva (UEPG), Rooselvelt José Santos(UFU),Gilmar Mascarenhas (UERJ), Wendel Henrique (UFBA); Carlos WalterPortoGonçalves(UFF)eJoãodeJesusPaesLoureiro.

É importante destacar que dois dos pesquisadores convidados queparticiparamdoevento,AdnilsondeAlmeidaSilvaeLucileydeFeitosaSousa,integravam o PROCAD-UNIR/UFPR envolvendo UFPR e UNIR numaparceriadecapacitaçãodocenteparaoCursodeGeografia,equeteveinícioem 2008 e término em 2011. Adnilson de Almeida Silva defendeu a tese

intituladaTerritorialidadeseidentidadedocoletivoKawahibdaterraindígenaUru-Wau-wau em Rondônia: Orevaki até (reencontro) dos marcadoresterritoriais, defendidaem31/03/2010, sobaorientaçãodoProf.SylvioFaustoGil Filho (UFPR) e tendo como coorientador o Prof. Josué da Costa Silva(UNIR). Lucileyde Feitosa Souza defendeu a tese: Espaços dialógicos dosbarqueiros na Amazônia: uma relação humanística com o rio, defendida em2012, orientada pela Profa. SaleteKozel (UFPR) e tendo como coorientador oProf.JoãoCarlosSarmentodaUniversidadedoMinho(Portugal),onderealizoubolsasanduícheentre20/01/2011a20/07/2011.

ApósarealizaçãodoIIIColóquiodoNEERforamconvidadososseguintescolegas para integrar a rede NEER:Christian DennysMonteiro de Oliveira(UFC),pesquisadoremGeografiaCulturalcomênfasenastemáticas:ImaginárioGeográfico (Representações), Patrimônio Religioso (Festividades) e LugaresSimbólicos(Santuários);ClaudiaZeferinoPires(UFRGS)queatuaemlinhasdepesquisas e extensão com ênfase em espacialidades urbanas, educação ecidadania e análise territorial com ênfase em ensino de geografia e educaçãopopular;GilmarMascarenhas (UERJ), que desenvolve pesquisas envolvendoterritório, cidade, cultura, cotidiano, espaços públicos e planejamento urbano,inserindonestecampodereflexõesosesportes;JeanCarlosRodrigues(UFTO),atuantenaáreadeGeografia,comênfaseemGeografiaHumana,principalmentecomos temas: cultura, religião, política e espaço de representação;Maria dasGraçasSilvaNascimentoSilva (UNIR), pesquisadora na área deGeografia eGênero,comênfaseemPolíticasPúblicasparamulheresdocampo,daflorestaedas águas; Rooselvelt José Santos (UFU), que atua nas áreas de GeografiaCultural,GeografiaAgráriaeEnsinodeGeografia.EnfatizaemseustrabalhosaagriculturacamponesaeousodaáguaenvolvendodisputasterritoriaisnobiomaCerrado; e Sonia Regina Romancini (UFMT), com experiência nas áreas deGeografiaUrbanaeGeografiaCultural,comasquaisdesenvolveabordagensnosseguintes temas: dinâmicas territoriais das cidades mato-grossenses, paisagensculturais,espaçoerepresentação;

Destarte, a rede NEER agregou mais sete pesquisadores, totalizando 25integranteseenvolvendo17programasdepós-graduaçãoemGeografia.

Na reuniãodospesquisadores foi solicitada a intensificaçãodasparceriasentre os membros da rede e estabeleceu-se que o IV Colóquio do NEERocorreriaem2011emSantaMaria–RS,sobacoordenaçãodoProf.Dr.BenhurPinósdaCosta.

O IV Colóquio Nacional do NEER ocorreu no período de 22 a 25 denovembrode2011, emSantaMaria–RS, tendocomo tema:ASMÚLTIPLASESPACIALIDADESCULTURAIS:INTERFACESREGIONAIS,URBANASERURAIS.

Aproposiçãoestabelecidapelosorganizadoresdoeventofoiaseguinte:

Dia22/11/20118h30-ReuniãodosintegrantesdaredeNEERecredenciamento13h30-AberturadoEvento

MesasRedondas-Todasascincomesasversaramsobre“Teorias,métodosepráticasdepesquisaeensinoemGeografiaCultural,HumanísticaeSocial”

14h00-Mesaredonda1Componentes:GiullianaAndreotti(UniversitádeglistudidiTrento-Itália)

“Geografiaemocionalecultural,emcomparaçãocomaracionalista”.Sylvio Fausto Gil Filho (UFPR/PR) “Geografia da Religião em Ernst

Cassirer”.

Salete Kozel (UFPR/PR) “Um panorama sobre a abordagemhumanista/cultural/socialdaGeografiabrasileiranaatualidade”.

Oswaldo Bueno Amorim Filho (PUC/MG) “As Literaturas de Viagens,exploraçõeseaventuras:JúlioVerneeKarlMay”.

Maria Geralda Almeida (UFG/GO) “Paisagem cultural e patrimôniocultural”.

18h00-MesaRedonda2Mesa2:ÂngeloSerpa(UFBA)ErberhardRothfuss(UniversidadedePassau)AméliaNogueira(UFAM)MarcioOliveiraPinõn(UFF)CoordenaçãodeÁlvaroLuisHeidrich(UFRGS);

Dia23/11/20118h30–Mesa3ClaudiaZeferinoPires(UFRGS)ChristianDennysM.deOliveira(UFC)JeanCarlosRodrigues(UFTO)SoniaReginaRomancini(UFMT)CoordenaçãodeRosemereSantosMaia(UFRJ)

13h30GRUPOSDETRABALHO:GTs1,2,3e41)GTRepresentaçõesdaCidadeedoUrbano.Ementa:Interfacesentrea

GeografiaUrbana e aGeografiaCultural.Teoriadas representações aplicada aestudos de caso em contextos urbanos. Representações e espaços derepresentação na cidade contemporânea. Práticas socioculturais e suasrepresentações. Representações e modos de comunicação na cidadecontemporânea. Representações do urbano e estilos/modos de vida na cidadecontemporânea. Escalas de abordagem e espaços de representação na cidadecontemporânea.Coordenadores:ÂngeloSerpa(UFBA),JânioRoqueBarrosde

Castro(UNEB),MarcioOliveiraPiñon(UFF);

2) GT Tensão fabricação/autenticidade. Ementa: Geografias queexpressam as práticas cotidianas e intencionalidades vivem como numa tensão.Mesmotendo-seemcontaqueomundo,equalquerlugar,semanifestapormeiodeformulações,deideiasedesentidos,partedeleévontadeediscursoe,outraparte,umvividoimpregnadodefortessignificações.Fazemosespaçoaomesmotempoemqueovivemos.Istoépertinenteamuitasregiões,paisagenseculturasserevelaramconstruídasporetniasemarcadoresidentitáriosquesustentamasuaimagem.E,emmuitoscasos,sãoregiõesprofundamentetransformadas.Oqueépróprio de tais espaços? O que lhe deu origem, ou o que parece negá-lo,metamorfoseá-lo ou redefini-lo? Não seria a própria tensão? Como nesteprocessoseresolvem,ounão,osestranhamentoseasnovascarênciashumanas?NesteGT,busca-serefletirsobreosreferenciaisancoradosnasexperiênciasdasimigrações, regionalismos e tantas outras identidades com vínculos territoriais,em especial as representações e as práticas em torno disso.Coordenadores:ÁlvaroL.Heidrich(UFRGS);GilmarMascarenhas(UERJ);RosselveltJ.Santos(UFU)eMarcosA.Saquet(Debatedor-Unioeste);

3)GTMundos daReligião eReligiões noMundo. Ementa:Este grupoobjetiva apresentações e debates sobre os mundos conformados pela religião,espacialidadese territorialidades religiosase teoria emétodoemGeografiadaReligião. Mais que um tema no âmbito da Geografia Cultural os desafios dasabordagenscompreensivasemGeografiadaReligiãoapontamparaumcrescentequestionamentorelativoaostatusdessasubdisciplinaesuacapacidadecríticaeexplicativa. Coordenadores: Dario A.Lima (FURG), Rosemberg Ferracini(UNESP)eSylvioFaustoGilFilho(UFPR);

4)GTLinguagens,imagenseritmos.Ementa:Representaçõesdoespaçocomo sistemas de comunicação; articulações locais (comunitárias), meios deintercâmbio e formas de mundialização das linguagens não verbais; imagens

internaseexternasdocotidianodosgrupossociais;ritmosdaculturanosrituais(cívicosereligiosos),nasfestaspopularesenosespetáculoscontemporâneos;ainteraçãourbanaepolíticacomopráticasdoturismo,daconservaçãopatrimonialedosprocessoseducativos;opesomidiáticodasrepresentaçõescontemporâneas(jornalismo, publicidade, práticas ambientalistas); experiências geográficasdiferenciadasnotratamentodaslinguagens.Coordenadores:ChristianDennysM.deOliveira(UFC),SaleteKozel(UFPR),MariaAugustaMundin(UFS)eMariaGeraldadeAlmeida(UFG).

18h00-Lançamentodelivroseconfraternização

Dia24/11/2011-8:30-Mesaredonda4PauloJorgeVieira(UniversidadedeLisboa)JoseliSilva(UEPG)AlecssandroRatts(UFG)MariadasGraçasdaSilvaN.Silva(UNIR)CoordenaçãodeNelsonRego(UFRGS)

13h30às18h00–GruposdeTrabalho:GTs5,6,7e85)GTCorpo,GêneroeSexualidades.Ementa:Estegrupodetrabalhotem

porobjetivopromoverodebateeaapresentaçãode investigaçõesrelacionadascom questões onde a corporalidade e a espacialidade sejam elementosagregadores. O conceito de interseccionalidade como elemento constitutivo dainvestigação critica nas geografias culturais envolvendo gênero, raça esexualidade,possibilitaesteGrupodeTrabalhopensarmultiplicidadesdeformasdeidentificaçãonassociedadescontemporâneaseaproduçãoderepresentaçõessingularesdeespaçossociais/culturais.Trabalhosdediferentesorigens teóricascomoestudosdegênero, feministas, raciais,pós-coloniais,queers, entreoutras,serão bem-vindas ao grupo que, por meio do debate científico, redefinirá acompreensão sobre territórios e lugares na ciência geográfica, assim como aemergênciadeoutrascategoriasnecessáriasataisestudos.Coordenadores:Alex

Ratts (UFG), JoseliM. da Silva (UEPG),Maria dasGraças SilvaNascimentoSilva (UNIR) e Paulo Jorge Vieira (Instituto de Geografia e Ordenamento doTerritório,UniversidadedeLisboa);

6)GTGestãoEspacial:Horizontalidadese/ouVerticalidades?Ementaepossibilidadesdialógicas:Asnormativasqueregulamoprocessodegestãoestãopautadas, principalmente, em necessidades evocadas pela compreensãoacadêmica, técnica e política do planejamento a partir de funções previamenteestabelecidas no espaço como, por exemplo, da habitação, da produçãoeconômica,dolazer,dapreservaçãoambiental,etc.Assoluçõesparaosconflitosadvindos dessas funcionalidades emergem exclusivamente dessas necessidades.Este olhar tornou-se ineficiente na atualidade porque reduz a complexidadegeográfica à forma, estrutura e função. Portanto, essas estratégias impõem umaordemdeorganizaçãoespacial(verticalizada)quenãocoincide,necessariamente,com a forma que sujeitos moradores e/ou frequentadores realizam comdeterminadoespaço(horizontalizada).Emqueespaçosedequeformapodemserdiscutidososprojetosdeorganizaçãoespacialprotagonizadospelopoderpúblicoeprivado,pelosmovimentosidentitáriosreferenciadospelossujeitosenvolvidosnestesprojetoseseusdiferentesconflitosterritoriais?Estegrupodetrabalhotemcomopremissadiscutiragestãoespacialesuaspossibilidadesdialógicas.Nessesentido, o grande desafio é como fazer convergir a discussão do espaçojuntamente com os sujeitos que o protagonizam para uma gestão maisparticipativa. Coordenadores: Claudia Luiza Zeferino Pires (UFRGS), SoniaReginaRomancini (UFMT), JeanCarlosRodrigues (UFTO)eRosemereSantosMaia(UFRJ);

7)GT Representações do espaço e ensino. Ementa:O grupo tem porfinalidadedebatercriticamenteasapresentaçõesrelativasamétodosepráticasdeensinodeGeografianaperspectivacultural,noâmbitodaeducaçãoformalenãoformal, abarcando as esferas dopúblico e doprivado.Situa ainda, as relações

complexaseconflituosasentreaEscolaeaUniversidade,ouseja,propõe-seaavaliar os encontros e desencontros decorrentes das trocas estabelecidashistoricamenteentreGeografiaEscolareGeografiaUniversitária,contemplandoaum só tempo teoria e prática em pesquisa educacional, saber escolar e saberacadêmico, e as espacialidades e territorialidades delas advindas.Coordenadores: Roberto Filizola (UFPR), Amélia Regina Batista Nogueira(UFAM)eDarianeRossi(ColégiodeAplicaçãoUFRGS);

8) GT Populações Tradicionais. Ementa: O objetivo deste grupo detrabalhoécompartilharestudoseprojetosquedetenhamcomotemaidentidadesterritoriais em sua diversidade cultural. Partiremos de narrativas obtidas emcampo, através de registros orais, observações e pesquisas documentaisdesenvolvidas juntoacomunidadesrurais,quilombolas, indígenas,ribeirinhoseassentamentosdareformaagrária,dentreoutrosgrupossociais,visandoàanáliseemapeamentodosmovimentosedasestratégiasdeapropriaçãoterritorialdessaspopulações.Propõe-seestimularosdiálogos interdisciplinares, fundamentaisnaabordagem cultural da Geografia, buscando contribuir para recolocar emdiscussão pressupostos teóricos claramente demarcados no corpo conceitual daCiênciaGeográfica,aexemplode lugar,paisageme território.Coordenadores:IcléiaAlbuquerque deVargas (UFMS), Josué da Costa Silva (UNIR), CicilianLuizaLowenSahr(UEPG)eAlexandreM.Diniz(PUC-MG).

18h00-Mesa5MarcosSaquet(UNIOESTE)RosembergFerracini(UNESP)MariaAugustaMundin(UFS)CicilianSahr(UEPG)CoordenaçãoMeriBezzi(UFSM)

Dia25/11/20118h00às17h00–TrabalhodeCampo–IdaàQuintaColônia,deimigração

italiana18h-RelatodosGT´s,avaliaçãoeencerramento

Este evento, com um grupo maior e mais diverso, teve uma organizaçãodiferenciada dos demais, com maior visibilidade nas linhas de pesquisa dosintegrantes da rede NEER e o seu fortalecimento com os Grupos de Trabalhocoordenadospelospesquisadoresdaárea,oquefoicorroboradopeloProf.Dr.Benhur Pinós da Costa coordenador do evento: “...conseguimos visualizarmelhor as linhas de estudos e pesquisas dos professores da rede e constituiroitograndestemáticasqueseinstituíramcomoGruposdeTrabalhonoevento...tivemosumprofundodebatesobreasidentidadesqueformamaredevisandofuturamente maiores aproximações entre os pesquisadores. Enfim...conseguimos avançar para entender as diferentes identidades contidas narede.”.

Ofocodoscolóquiosanteriores,centradonasmesasredondas,deulugaraosGruposdeTrabalhocomoitoeixoscontemplandoadiversidadeimplícitaentreospesquisadoresdaredeNEER,permeadapelaGeografiaSocialepelaGeografiaCultural em várias nuances. Em 2010, foi desenvolvida a pesquisa sobre aGeografiaCulturaleSocialnoBrasilduranteopós-doutoradodesenvolvidonoLaboter – IESA/UFG, que resultou no capítulo de livro: KOZEL, S. UmpanoramasobreasgeografiasmarginaisnoBrasil. In:ÁlvaroLuizHeidrich,Claudia Luiza Zeferino Pires, Benhur Pinós da Costa. (orgs.).Maneiras de lergeografiaecultura.PortoAlegre:ImprensaLivre:Compasso,lugarcultura,2013,v.1,p.12-27,oqualfoiapresentadoanteriormentenamesaredondadeaberturadeste evento subsidiando o debate e a organização dos oito grupos quecompuseramosGTs.Destaforma,oseixossintetizadosdaslinhasdepesquisadoNEER são: Espaço e Cultura (urbano, agrário e regional), com onzepesquisadores; Ensino e representação, com nove pesquisadores; Festas efestividades populares e turismo, com oito pesquisadores; Populaçõestradicionais, território/identidade e cidadania – sertão, Amazônia, com sete

pesquisadores; Cultura e comunicação, com quatro pesquisadores; Memória epatrimônio,comquatropesquisadores;Espaçoereligião/santuários,comquatropesquisadores; Espaço político, social e cultural, com dois pesquisadores, eTeoriadaGeografiaCultura,comdoispesquisadores.

Os convidados externos do IV Colóquio do NEER foram: GiullianaAndreotti (Universitá degli studi di Trento - Itália); Paulo Jorge Vieira(Universidade de Lisboa); Erberhard Rothfuss (Universidade de Passau -Alemanha);MariaAugustaMundin(UFS);JoseliM.Silva(UEPG);AlecssandroRatts (UFG); Rosemere Santos Maia (UFRJ); Marcos Saquet (UNIOESTE);RosembergFerracini(UNESP-PP);CicilianSahr(UEPG);MeriBezzi(UFSM)eAméliaReginaBatistaNogueira(UFAM).

Apósa realizaçãodoeventoforamconvidadospara integrara redeNEERcom aval deBenhur Pinós daCosta, coordenador do evento as pesquisadoras:AméliaReginaBatistaNogueira(UFAM),comexperiêncianaáreadeGeografiaCultural e ensino, atuando principalmente compercepção, lugar,mundo vivido,geograficidade e mapa mental; Joseli Maria Silva (UEPG), que trabalha comGeografia, gênero e sexualidade. Foram agregadas, assim, mais duaspesquisadoraseduasinstituiçõesàRede.

Na reunião dos pesquisadores foi ressaltada a importância dodesenvolvimento de projetos comuns de acordo com as abordagens e eixos deinteresses comuns, visando o fortalecimento do grupo a alcançar os objetivospropostos.FoidestacadaanecessidadedereorganizarositedoNEER,tendoemvistaabrigarumpaineldaproduçãoedivulgaçãodaspesquisasdesenvolvidas,proporcionandomaiorvisibilidadeàRede.Quantoaosconvitespara integrar arede ficou ressaltado que antes de se pensar em convidar mais alguém paraintegrararedeéimportantesaberqualéaidentidadecomogrupo,detalmodoaassegurarcertoequilíbrionarelaçãoentreoqualitativoeoquantitativo.Comosesabe, para ummaior diálogo e integração, é de fundamental importância que ogrupo se conservedentrode certoparâmetronumérico.Nãocusta recordarquequandoogruposurgiunãohaviapreocupaçãoquantoàdiretrizoumarcoteórico-

metodológico. Àquela época, o que nos motivava era, sobretudo, o fato deestarmosvislumbrandoaconsolidaçãodeumespaçocapazdeacolheranós,osoutros.Sendoassim,énecessárioalimentarumprojetocoletivoqueviabilizequeogruposemantenhaagregado,e tenhafortalecidaasuaidentidade,aoinvésdesimplesmentebuscaraampliaçãodaRede.Apluralidadedogrupoemergeesesustenta a partir do próprio conceito de Espaço e Representação, o qualreivindica,paranãodizerexige,práticasinterdisciplinaresetransdisciplinares.

Ficou acordado que no atualmomento doNEER, omais importante é ummaior intercâmbiono interiordogrupo,pormeiodeumprojetocoletivo.Alémdisso, que os pesquisadores que se incorporam ao grupo possam, igualmente,integrar os eixos temáticos de estudos cadastrados no site daRede.Aomesmotempo,acoordenaçãodoNEERdeverásercíclica,alternandodeacordocomarealizaçãodoscolóquios.

Foi realizadoumtrabalhopreliminarsobrea identidadedogrupoparaserdisponibilizadonositeequepossaserampliadoporcadamembrodogrupo;seráumadiretrizimportanteparaformarGruposdepesquisa,demodoapossibilitardiálogoeagregarpessoas.

Foram apontadas questões para serem refletidas: 1) Por que se encontrarapenas a cada dois anos e somente durante os eventos? Propõe-se criar outrosmomentosdeencontroscomoarealizaçãodeseminários,colóquiosondesejamdiscutidos temas relevantes ou desenvolvidas dinâmicas de grupo. 2) Existepotencialparaacriaçãodeumarevistaquepermitadebateredarvisibilidadeàidentidadedogrupo,quepossacaracterizaro“pensar/fazer”decadamembrodogrupo?Querparecerqueumdossiêsejacapazdeviabilizartalpropósito.3)Eamemóriadogrupo?Recuperarepreservá-laconstantemente,alémderegistrarsuaconstruçãonoprópriosite,devemserfinalidadesaseperseguir.

Quanto à página do NEER: criar um espaço para sugestões, revelar apluralidade interinstitucional, indicar a produção e as pesquisas dos membrosdentro de cada eixo, referenciando-se as pessoas e não as instituições. Foirealizadoumtrabalhopreliminarsobreaidentidadedogrupoqueserápostadono

site e possa ser ampliado por cada membro do grupo. Será uma diretrizimportante para formarGrupos de pesquisa, tendo em vista dialogar e agregarpessoas.

Alémdisso,foipropostaarealizaçãodeconferênciaseencontrosdegruposapartirdaredeàdistância.

Foisugerido,ainda,quepaperssejamdesenvolvidos,demodoaapontaroque se entende acerca deEspaço e representação. Nessa perspectiva, cumpresalientarqueoÂngelofechouareuniãodizendo:...nadaédefinitivo–utopiaquevaleapenaperseguir...momentodeaprofundamentodeveexistir.

Os trabalhosapresentados, reflexõesdosGTsemesasdo IVNEERforamdocumentadosnapublicaçãoeletrônica:ManeirasdelerGeografiaeCultura-EditoraImprensaLivre-PortoAlegre,RS–2013.

Como de praxe, ficou definido que oVColóquio Nacional do NEER serealizariade26a30denovembrode2013, emCuiabá, soba coordenaçãodaProfa.Dra.SoniaReginaRomancini,daUFMT.

O V Colóquio Nacional do NEER- Núcleo de Estudos em Espaço eRepresentaçãoocorreunoperíodode26a30denovembrode2013,emCuiabá-MT, tendo como tema: AS REPRESENTAÇÕES CULTURAIS NO ESPAÇO:PERSPECTIVASCONTEMPORÂNEASEMGEOGRAFIA.

Aestruturadoeventofoiaseguinte:Dia26/11-14:00-Credenciamento

-ReuniãodospesquisadoresdoNEER19:00-Solenidadedeabertura19:30 - Mesa redonda 1: AS REPRESENTAÇÕES CULTURAIS NO

ESPAÇOAngeloSerpa(UFBA)SylvioFaustoGilFilho(UFPR)JornSeemann(URCA)Coord.SaleteKozel(UFPR)

Dia27/11e28/11–8h00às11h30e14h00às17h30APRESENTAÇÃODOSGRUPOSDETRABALHO(GTs)1.ANÁLISEECRIAÇÂODELINGUAGENS-Integrandooseixos:“Linguagens, imagenseritmos”Coordenadores:ChristianDennysM.de

Oliveira(UFC),SaleteKozel(UFPR),MariaGeraldadeAlmeida(UFG).“Representações do espaço e ensino” Coordenadores: Amélia Regina

Batista Nogueira (UFAM), Roberto Filizola (UFPR), Nelson Rego (UFRGS),MarciaAjalaAlmeida(UFMT).

2.ESCOLHASEXISTENCIAIS-Integrandooseixos:“Mundos da Religião e Religiões no Mundo” Coordenadores: Dario

A.Lima(FURG),SylvioFaustoGilFilho(UFPR).“Corpo,Gênero e Sexualidades” Coordenadores: Benhur Pinós daCosta

(UFSM),MariadasGraçasS.NascimentoSilva(UNIR),MoisésLopes(UFMT)eJoseliM.daSilva(UEPG).

3.IDENTIDADESTERRITORIAIS-Integrandooseixos:“PopulaçõesTradicionais”Coordenadores: IcléiaAlbuquerquedeVargas

(UFMS),JosuédaCostaSilva(UNIR),AlexandreM.Diniz (PUC-MG),OnéliaCarmemRossetto(UFMT).

“A tensão fabricação-autenticidade” Coordenadores: Álvaro LuizHeidrich(UFRGS);GilmarMascarenhas(UERJ);RosselveltJ.Santos(UFU).

4. TERRITORIALIDADES, REPRESENTAÇÔES, GESTÕES -Integrandooseixos:

“GestãoEspacial:Horizontalidadese/ouVerticalidades?”COORDENADORES:ClaudiaLuizaZeferinoPires (UFRGS), JeanCarlos

Rodrigues(UFTO),SôniaReginaRomancini(UFMT).“Representações daCidade e doUrbano”Coordenadores:ÂngeloSerpa

(UFBA),Jânio Roque Barros de Castro (UNEB), Marcio Oliveira Piñon (UFF),

OswaldoBuenoAmorimFilho(PUC-MG).

Dia27/11-14h00às17h30Exposiçãodepainéisebannersinstitucionais19h00às22h00Atividadesculturais

Dia28/11–19h00Mesa redonda 2: AS REPRESENTAÇÕES NA LEITURA DE

PESQUISADORESMATO-GROSSENSESAloirPaciniUFMT/EliasRenatoJanuárioUNEMAT/ElizabethMadureiraSiqueiraUFMT/IHGMTRepresentantedaSecretariadeEstadodeCulturaRepresentantedaSecretariadeEstadodeTurismoCoordenador:BenhurPinósdaCosta(UFSM)

Dia29/11-8h00às11h00Lançamentodelivros14h00às17h30PlenáriaSistematizaçãodosGTs

Dia30/11–8h00às18h00Trabalhodecampo:ChapadadosGuimarães

Esteevento foiorganizadoseguindoadiretrizdoanteriorcomduasmesasredondas: uma teórica inicial, e outra enfatizando a pesquisa regional, que seapresentou no final. O foco principal esteve voltado aos GTs – grupos detrabalho, integrando os oito eixos anteriormente expostos. Houve umasistematização interdisciplinar, buscando manter as oito linhas diferenciadas equefossecapazdeproduzirumambientedediálogoentreparesintensificandoodiálogo.SegundoBenhurPinósdaCosta,coordenadordoIVNEER...“apartirdeCuiabáasidentidadesafirmadasanteriormentesedefrontamcomodesafiodesereagruparcomoutrasposiçõesteóricasemetodológicasdentrodarede,estando comprometidas com o conjunto NEER. É como se estivéssemospensando emuma trajetóriadeorganizaçãodeum“sistemaNEER”,noqualdiferençasseconsolidam,mas,emtermosdegrupo,umatotalidadecomplexasearticula”. Isso ficou reforçadonumavisãomaisamplaemque: “...de SantaMariaparaCuiabáeFortalezaestamosconscientesdenossasdiferençasmasalmejamos a construção de uma totalidade complexa (privilegiando asalteridades mas também atentando as promoções dialógicas entre subgruposplurais)”.

NesteEventoospesquisadoresexternosconvidadosforam:AloirPaciniUFMT;EliasRenatoJanuárioUNEMAT;ElizabethMadureira

Siqueira (UFMT/IHGMT); Marcia Ajala Almeida (UFMT); Moisés Lopes(UFMT);OnéliaCarmemRossetto(UFMT)eJörnSeemann(URCA).

ApósarealizaçãodoEvento,JörnSeemann(URCA,FacultyLouisianaStateUniversity Geograpghy & anthropology – USA) que desenvolve pesquisas emperspectivas culturais com Cartografia, mapas e sociedade, em GeografiaCultural, educação cartográfica, mapas mentais, percepção ambiental epensamentogeográfico/cartográfico,foiconvidadoaintegrararedeNEER.

Assim a rede NEER atualmente é composta por 25 pesquisadores

relacionadosa19instituiçõesnacionaiseumaamericana.Asdiretrizes apontadasna reuniãodospesquisadores emCuiabá foramas

seguintes:• Amanutenção e organização do site doNEER devem ficar a cargo dos

coordenadoresdosColóquios;• O site abrigará um painel da produção e divulgação das pesquisas

desenvolvidaspelosmembrosdoNEER,propiciandomaiorvisibilidadeàrede;•NapáginadoNEERdevehaverumespaçoparasugestões;• A coordenação do NEER deverá se manter cíclica, de acordo com a

organizaçãodoscolóquios;•Estimularamobilidadeeintercâmbioentrepesquisadoreseorientandos,à

maneiradeumsandwichnacional;•Porqueseencontrarapenasacada2anosesónoseventos?Criaroutros

momentosdeencontroscomoarealizaçãodeseminários,colóquiosparadiscutirtemasrelevantesoudinâmicasdegrupo;

• Criação de uma revista eletrônica para debater e dar visibilidade àidentidadedogrupo,ondepossacaracterizaro“pensar/fazer”decadamembrodogrupo,pormeiodaorganizaçãodedossiês;

•ReverintegrantesdaredeNEERedesligaraquelesquenãotêminteresseemagregareintegrarapropostadogrupo;

•Os integrantesdoNEERserãoosgruposdepesquisacoordenadospelosatuaisintegrantesdaredeenãomaispessoasindividualmente;

•ExpansãodaredeparaaAméricaLatina;•Manterapluralidadeinterinstitucional.FoidefinidoqueoVIColóquiodoNEERaconteceráemFortaleza(CE),em

novembro de 2016, sob a coordenação do Prof. ChristianDennysMonteiro deOliveira,quandooNEERcompleta10anosdeexistência,implícitonotema“Osoutrossomosnós–10anosdeNEER”.

Ostrabalhosapresentados,reflexõesdosGTsemesasforamdocumentadosnapublicaçãoeletrônica:Asrepresentaçõesculturaisnoespaço:Perspectivas

contemporâneas em Geografia. Romancini, Sonia Regina; Rosseto, OnéliaCarmem;Nora,GiseliDalla(orgs.).EditoraImprensaLivre-PortoAlegre,RS-2015-(eletrônico).

APÓS 10 ANOS DE EXISTÊNCIA, NÃOHÁ COMONOS FURTAR DASEGUINTEQUESTÃO:QUEMSOMOS?

Umgrupopluralexpressonadiversidadedeabordagens,nichosdepesquisaeinstituiçõesdeensinosuperiornointuitodegalvanizaroamplomovimentodaGeografiaCulturaleSocialbrasileira.Nadialéticadafragmentaçãotemáticaedaaproximação teórica na pesquisa cultural e social, o NEER tem exercido seupapel de rede onde os nós da reflexão conectam os fios conduzidos pelospesquisadores.

Sob o ponto de vista da conformação de sentido, espaço e representaçõesformalizavam várias tendências da pesquisa do início do século XXI naGeografiabrasileiraenasCiênciasHumanasemgeral.Aomesmotempoemquepermitiaconexõesteóricasemetodológicas,reuniaapossibilidadedevislumbrarvários caminhos epistemológicos, tanto estruturais como fenomenológicos,assegurando guarida para temas ainda considerados marginais no debate dosgeógrafos, como a questão de gênero ou mesmo religião. Também mantinha odebate de abordagens, muitas vezes epistemologicamente antagônicas, como asoriundas da teoria crítica marxiana em contraponto às fenomenologias,aproximações lefebvrerianas, foucaultianas, deleuzianas, cassirerianas, pós-coloniais,existencialistasoumesmonãorepresentacionais,asquaisconvivemnotorvelinhodaviradaculturaldaGeografia.

Contudo,representaçãoéumconceitoaberto,quepermitepensarmoscomoasváriasrefraçõesmediáticasentreomundodosfatoseomundosimbóliconamedidaemqueconstituímosumâmbitodesentidosesignificadosquepermitemconstituirmoscultura.Arepresentaçãopodeservistacomoestemédiumqueinduzaaçãonouniversoculturalesocial.Nospermiteuma“hermenêuticaespacial”do

real. Quando evocamos o categorial espacial na Geografia como território,paisagem,lugareregiãoverificamosqueaprojeçãodavidaindelevelmentepodeserinterpretadasobestamediação.Tantosoboaspectoestruturalnoqualsomossubmetidos oumesmo sob o aspecto da conformação simbólica domundo quecomosujeitos realizamos.Constituímosmundosassimcomosomosconstituídospor eles. A espacialidade representacional é própria da linguagem em seuprocessodenominaçãodomundo.AssimaGeografia, comociênciaparticular,poderealizarestaduplahermenêutica:uma,quenosdesvelaasestruturassociais,políticas e econômicas às quais somos submetidos, e outra, que nos revela asprojeções de sentido e significado que, como sujeitos livres, conformamos aprópriarealidade.

UMASÍNTESEDONEERNOSSEUSPRIMEIROS10ANOS

TECENDOPARCERIAS,REALIZAMOS:•SeisColóquiosemdiferentes realidadesbrasileiras, semprealternandoa

coordenação (Curitiba-PR, Salvador-BA, Porto Velho-RO, Santa Maria-RS,Cuiabá-MTeFortaleza-CE).

•Realizamos umPROCADe umDINTER, integrando aUFPR e aUNIR,titulandovintedoutores.

•Foramrealizadascincopublicações,sendoduasdigitais,contendoo teordasconferências,mesasredondaseartigosapresentadosnoseventos.

•Doispós-doutorados,SaleteKozel(UFPR),sobatutoriadeMariaGeralda

Almeida (UFG) e Sylvio FaustoGil Filho (UFPR), sob tutoria deÁlvaroLuizHeidrich(UFRGS).

•Inúmerasbancasdedefesadeteseededissertação,bemcomodeconcursonaUFPR,UFRS,UFMT,UFU,UFG,PUC-MG,UFC.

•Parceriaentrecolegasnarealizaçãodecursosnapós-graduação.•Trabalhodecampoemparceria:ExpediçãoAmazônica -UFPR/UNIR,e

Festança de Vila Bela da Santíssima Trindade - UFPR/UFMT, ambos gerandopublicaçõescomoproduto.

• Foi proposto ao CNPq (2009) um projeto de intercâmbio para odesenvolvimentodapesquisaemGeografiaCultural,integrando:UFRGS,UFPR,UNIReUFF,masque,infelizmentenãofoiaceitonaocasião.

OBS:AsparceriasrealizadaspassarãoaserexplicitadasdetalhadamenteapartirdaplanilhaapresentadaANEXAnofinaldesselivro.

ApresentaçãodoEixoLeste

Educacionalidades&FestividadesMovimentoseocupaçõesdosgruposhumanosnoplanetaseconstituemcomo

fatores imprescindíveis à compreensão da realidade geográfica. Suas relaçõessocioespaciais, consequentemente, tornam-se indispensáveis à dinâmica culturalemergentedestecenário.Comaevoluçãodosabergeográfico,taldinâmicaganhacomplexidade. Por este processo, “povos” e “populações” precisam seridentificadosemmovimentosinternoseexternos;geraiseseletivos.

A dinâmica cultural, na perspectiva educacional e na (re)produção defestejos, se expressa de diversas formas no espaço. Neste eixo, observa-se acomplexidade da subjetividade presente no espaço escolar e na dinâmicainterativa entre os educadores e educandos, atores bem destacados nos artigospresentes neste grupamento de textos. Artigos sobre as ocupações dos

secundaristas, que ocorreram em escala nacional, desmistificam a ideia dainstituiçãodeensinoenquantoumespaçodeaprendizagemformal,mostrandoossentimentoseopertencimentoqueosalunostêmpelaescola.

Naperspectivaeducacional,percebemosnovasmetodologiasdeensinoeoreinventar de aportes metodológicos já utilizados, priorizando as experiênciassobreoespaçovividodoseducandos,tornandooaprendizadonãosóvinculadoao livro didático, mas (também) entendendo os alunos enquanto personagensprincipaisdoprocessodeensino-aprendizagem.

Osartigosdosetordefestividadesabordamasmanifestaçõesdaculturanoespaço. Apontamentos quanto às festas e seus desdobramentos no lugar,articulando conceitos geográficos e de outras ciências humanas como CiênciasSociais,História,Filosofia,Psicologia,evidenciamoquantooestreitamentodaGeografiacomoutrasciênciasenriqueceodebatedaGeografiaacadêmica.

Os autores organizaram os sujeitos e objetos das pesquisas comresponsabilidade e clareza para que o leitor possa interpretar asmanifestaçõesrepresentadasnosartigos,fazendocomque,mesmosemterexperienciadoafesta,ao lerodocumento,possa imaginar traçosda realidadesocioespacialdiscutidanostrabalhos.

Abertura

Conferência,TextoComemorativo

CONFERÊNCIA

OIMAGINÁRIOUTÓPICOBRASILEIRONASPRÁTICASFESTIVASEUROPEIAS

AlessandroDozenaUniversidadeFederaldoRioGrandedoNorte,Natal(Brasil)

ProfessorAdjuntoIVdoDepartamentodeGeografiaPesquisadorVisitanteUniversitéPaulValéry,Montpellier(França)1

[email protected]

INTRODUÇÃOLonge de ser considerado um tema de fácil abordagem, as festas se

apresentamem todaa suacomplexidade,despertando instigantesdiscussões emrelaçãoaosseuspossíveissignificados,antes,duranteeapósassuasrealizações,assim como às consequências para as diferentes pessoas que delas partilham;sejamcomoespectadores,atoresouorganizadores.

PodemosconsiderarqueoiníciodosestudossobreofenômenosocialfestasedeunoprópriomomentodeconstituiçãodasCiênciasHumanas,emparticularnasobrasdeMarcelMausseÉmileDurkheim,sendoqueareferênciateóricadafestafoisistematizadaporCaillois(1950)eDuvignaud(1974),aosemostrarempreocupadoscomaquestãodeumasupostaessencialidadefestivadoserhumanoenquantouniversaleúnico,inseridoemumahistóriapensadacomoutopia.

Para Caillois e Duvignaud, a festa irrompe como um experimento socialtransitórioesempadrões,econtribuiparaconsolidarautopiadeumasociedadeideal e renovada, no qual a alegria e a interação total com a essência humanaestruturamummodelodevivênciacompletoeventuroso.

Empublicaçãoanterior(Dozena,2012),evidenciamosatemáticadasfestascomouma interessante reflexãoacercadaspráticasde resistência territorial,namedida em que tais práticas trazem à tona uma trama de objetos geográficosinseridosemprocessossociaiscontra-hegemônicos.

Atualizandoessasreflexões,constatamosqueemalgumascidadeseuropeiasocorreareivindicaçãopelodireitoaumademocraciafestivaecomunitáriaqueaciona as prerrogativas da visibilidade e expressão de alguns elementos daculturabrasileira,quemesmosendodivulgadosdemodoestereotipadonamaiorparte das vezes, referem-se a modos de viver de agrupamentos sociais,brasileirosounão,inseridosemumprocessodereinvençãoculturaleidentitária.

Oobjetivodesseartigoéanalisaro imaginárioculturalbrasileiropresentenas práticas festivas em algumas cidades europeias, manifestando-se enquantotáticascotidianasquerevelamacapacidadeutópicaeinventivadosseussujeitosparticipantes.

Para atingir esse objetivo refletimos especificamente sobre as seguintespráticasculturaisfestivas:oSamba-Festival(Coburg–Alemanha),aLavagedeMadeleine(Paris–França)eoCarnavaldeLaGrandeMotte(LaGrandeMotte–França).

A operacionalização da proposta se deu por entrevistas semiestruturadascom os sujeitos envolvidos (produtores culturais, diretores de Batucadas eescolasde samba,participantesdeBatucadas,músicosbrasileirose franceses).Nelas,exploramosalgumasquestõessemapretensãodegeneralizarasasserçõespara todos os países europeus,mas a de filtrar a realidade escolhida desde onossopontodevistadeobservador,comumanaturezainterpretativa.

Tais recursos metodológicos de entrevistas e mapeamento foramacompanhados pela observação participante, para que as informaçõesinteressantes à pesquisa, opiniões e o próprio cotidiano se revelassemespontaneamente; e para que pudéssemos adentrar na cotidianidade dosindivíduos,gruposepráticasfestivasestudadas.

APRESENÇADOBRASILNASPRÁTICASFESTIVASEUROPEIASMinhagenteeratriste,amargurada

InventouabatucadaPradeixardepadecer

Salveoprazer!

Canção:Alegria,1937.Autoria:DurvalMaiaeAssisValente.

Aalegoriadocontentamentodapopulaçãobrasileirapodeserverificadaemseucancioneiro,aexemplodeAlegriadeDurvalMaiaeAssisValente(gravadaem1937),fatoquecontrastacomomomentoemqueessetextofoiescrito,quandouma parcela da população brasileira se encontrava imersa em uma psicoesferadepressiva resultante da suposta bancarrota domodelo de governoprogressistafederal no país, posto em xeque pelas sucessivas denúncias e escândalos decorrupção.

Esse fato veio acompanhado de certa desilusão demilhões de brasileirosquanto à convicção concernente aos valores éticos na política, apregoados hádécadaspeloPartidodosTrabalhadores–PT;oque tambémcolocouemxequeumadasgrandesutopias aindavigente relacionada àsposturasprogressistasdaesquerdanopaís.

Diante das imprevisibilidades do cenário político e econômico atual, umquestionamento torna-se premente: seria ainda válida a afirmação utopista deStephanZweigdequeoBrasiléoPaísdoFuturo,eigualmenteoseuargumentode que o país“tinha e tem os olhos voltados para o futuro”? (Zweig, 1971, p.182).

Nesse “carnaval de desilusões” pautado por discursos em torno da crisesistêmicaincitadapelodesmancheeconômicoepolítico,pôdesernotadoduranteo período carnavalesco de 2016 o argumento acerca da alienação dos foliõesbrasileirosqueperseveramnaalegria,mesmodiantedacriseeconômicaquelhesacomete2.

Apartirdenossainserçãoevisualizaçãodocontentamentodaspessoasqueparticipamdasfestascarnavalescas,umaideianosinvade:adequeaindaexisteumapsicoesferamotivadorapautadaemimagináriosutópicosfestivos,quepairaacimadetodaanegatividadeprevalecente.Enessesentido,semdúvidaalguma,operíodocarnavalescosetornaumdosprincipaismomentosemqueessaalegriasetornaevidente,demarcandoaespontaneidadediantedaseriedadedasrealidades

tristeseenfadadas.Emsetratandodepráticasfestivascarnavalescas,acreditamosquehánelas

uma constante procura por certa utopia festiva, que é ao mesmo tempo umaconcepçãodemundoeumabuscadesmedidapeloprazercapazdeatuarcomoumvigorosoálibi.Assim,as festascarnavalescasmanifestamnão sóumdesviodarazão,masabuscaporummodelodecivilizaçãonãocivilizado,eumafelicidadeancestralaindaconcebível.

OBrasilfoidenominadoporBlaiseCendrarscomoaUtopialand,conformeobservaFreitas(1998),fomentandooidealdeclaradodeconquistadesuasterraspelos portugueses, sustentado pela representação fictícia do país expressa nascartasdePeroVazdeCaminhaaoreiD.ManueldePortugal.

SegundoÉmery(2007)aalusãoàsviagensdeAméricoVespúcionaobradeThomasMorus(1985)aponta“semamenordúvidaparaalocalizaçãomental,aúnicarelevante,dailhadaUtopiaemsuperposiçãocomocontinentebrasileiro”(Émery,p.74).

As panaméricas de áfricas utópicas terras brasileiras – em referência àmúsicaSampadeCaetanoVeloso,aindahojecontribuemparaacriaçãodeumaimagem de país que propaga uma alegria contagiante permeada pelo ritmo dosamba,apontodeodiretorfrancêsMarcelCamusutilizá-lonofilmeOrfeuNegrode 1959 (Oscar de filme estrangeiro e Palma deOuro), como o estilomusicalreforçadordavisãoexóticadoBrasilcomoparaísotropical.

A partir da experiência de residir por um ano naFrança, deparei-me combrasileiros que atuam na organização de festas em centros culturais, escolas,universidades, espaços públicos ou privados, damesma forma encontrando umsignificativointeressepelaculturabrasileiraalémdecertainternacionalizaçãodeseuselementos,sobretudoosrelacionadosàspráticasfestivas.

Ésabidoqueoiníciodadisseminaçãodaculturabrasileiraparaoexteriorocorreu a partir do fenômeno musical Carmem Miranda na década de 1940,quandoalgunsaspectosdaidentidadebrasileiraforamlançadoseassociadosàscaracterísticas nacionais (Ortiz, 2006). O aspecto carnavalizante do Brasil

tornou-se disseminado em canções como Brasil Pandeiro de Assis Valente efilmes como Esse mundo é um pandeiro de Watson Macedo, revelando umnacionalismoexaltadorsintetizadoporumdenossosentrevistados:

Amundializaçãovaigradativamenteenglobandomuitascoisaseosambaentrabemnesseprocesso.Osambaépromovidodesdeosanos1940comoZéCarioca.Tudoaquiloeraocomeçodeumamundialização,amúsicaTico-TiconoFubácantadaporCarmemMirandaemumperíododeamericanização, tudorelacionadoàumamaiorexpansãodanoçãodeuniversal.Autilizaçãoda imagembrasileirautópicacomeçamaisoumenosaí,comumapositivaçãoeumacertamundialização.Noqueserefereaosaspectosmusicais,háumacomplexificação em seu nível de qualidade, embora continue guardando os elementosbásicosrelacionadosaosamba.Emmuitospaíseseuropeusatemáticabrasileirapassouatrazer uma resposta aos elementos mais negativos, e isso é o que levou e ainda levaalgumaspessoasa investiremnamúsicae terem interessepelaculturabrasileira (Dudu,diretor da Escola de Samba Aquarela, entrevista realizada por Alessandro Dozena em06/10/2015nacidadedeParis-França).

AabordagemdaalegriaedoprazernamúsicapopularecomaatençãomaisdestacadaàsimagensdeBrasilsolicitaadefiniçãodautopiaquevaireferendá-laimageticamente.Essapré-sensibilizaçãoacercadoviéspositivodopaísenvolveelementos relacionados ao carnaval, ao futebol, à música, à capoeira, entreoutros.Nota-sedentroeforadoBrasilumacrençanoideáriodequeaidentidadecultural brasileira é atravessada pelas práticas festivas e, como sãorepresentações caricaturais vigorosas, expandem-se abrangendo populações deoutrospaíses,queprocuraminteriorizarcertosaspectosdaculturabrasileira.

Dessemodo, a produção de um sentimento de afinidade ou de amor peloBrasilécomumenteencontradoemalgumasfestasemterritórioeuropeu,juntoasímboloserepresentaçõesespecíficasqueevidenciamalgoconstituídocomoumproduto destinado à promoção de certa representação de país, que constrói ereforçaumaidentidadebrasileirainternacionalizada.

NaFoto1,chama-nosaatençãooestandarteutilizado–abandeiranacionalbrasileira, além da visualização de um dos elementos usuais nos desfilescarnavalescosde ruanoBrasil: apresençadomestre salaedaporta-bandeira3

como seu traje característico, que nesse caso denota alterações em relação aoqueseverificanosdesfilesbrasileiros.Alémdadimensãodavestimentatambém

asdimensõesdagestualidade, dos efeitos sonoros edos carros alegóricos, porexemplo, demonstram as renovações constantes que atingem as festascarnavalescas em território europeu, a exemplo do que constatamos na cidadelitorâneafrancesadeLaGrandeMotte.

Foto1:CarnavaldeLaGrandeMotte–França.

CréditodaFoto:AlessandroDozena,agostode2015.

Não apenas nesse evento, mas também em outras festas carnavalescaseuropeias, a representação da cultura brasileira se efetiva pela divulgação deaspectos culturais fantasiosos, a partir da propagação de uma ideologiainterculturaldivididaentreoBrasileosdemaispaíses4.Algumasdessasalusõessão alimentadas por representações e metáforas adaptadas ao novo contextoespacial do país forâneo, e projetam nos indivíduos a possibilidade de umaescolha identitária que se torna múltipla. Nesse tema em específico, e com oenfoquepautadonainfluênciamusical,ponderaCrozat:

Emabordagenscontemporâneas,as identidadessãonecessariamentemúltiplase istofazcomquenosconfrontemoscomoprimeirohiato.Naverdade,amúsicase revelacomoum dos principais vetores dessas fórmulas essencialistas; relacionamos tipos demúsicaaos territórios, nos quais imaginamos impossível que seus habitantes tenham gostosdiferentes: no discurso comum, um tenor congolês é inimaginável, bem como um punkbrasileiro.Poroutro lado,umsamba interpretadopor japonesesouumrockmongol nosfazem sorrir [...] As abordagens contemporâneas enfatizam uma identidade múltipla econsidera essa multiplicidade como um processo de coerência de uma capacidade deprojeção do indivíduo em uma identidade que ele escolheu para si; é então preferível emaisprecisofalardeidentidadeflexível[...]Essaidentidadeconcernetantoaindivíduos,quantoagruposealugares(Crozat,2016,p.50,traduçãonossa)5.

Sabe-se que no Brasil as suas regiões reproduzem umamultiplicidade demanifestaçõesculturaisquesereverberamemidentificaçõesheterogêneascomoslugares e os agrupamentos sociais, e que essa diversidade é uma importantecaracterística identitária que, embora seja por vezes desconsiderada edesconhecidanoprópriopaís, atraio interesseealimentao imaginárioutópicoforâneo.

IssoéoqueocorrenoSamba-FestivalnacidadedeCoburg(Foto2),ondese reúnemasBatucadasprovenientesdediversospaíseseuropeus,eacontecemapresentações de capoeira, dança e música brasileira. Percebe-se que asdimensõesidentitáriassãocapazesdeservircomoinstrumentosdelegitimaçãoouafirmação de territórios políticos, ao mesmo tempo em que se integram a umimaginário geográfico transnacional que tem, nesse caso, a cultura brasileiracomo impulsionadora.Taispráticascontribuemparaadifusãode imagináriosesímbolosterritoriais,acionandoeprojetandoumarealidadequeéreforçadaporimagenseimaginários;emrepresentaçõespré-concebidas6.

Foto2:Samba-FestivalemCoburg-Alemanha.

Fonte:http://www.samba-festival.de/festival-2016-en-gb/programm-en-gb/.Acessoemmarçode2016.

OSamba-FestivaléamaiorfestadesambanaEuropa,eacontecetodososanosnosmesesdejulho,comoexplicaonossoentrevistado:

Essa festa reúne uma boa parcela dos sambistas europeus, quando foi criada reuniapraticamente todas as escolas de samba e Batucadas que existiam na Europa,mas háatualmente uma triagem em decorrência da enorme quantidade de grupos europeusinteressados.OeventoreúneBatucadaseescolasdesambaqueseinspiramnasescolasde samba cariocas e nos ritmos brasileiros. É algo formidável, a organização alemãconseguereuniraproximadamenteduasmilpessoaseacidadeficatodaencampadapelosamba, conformando uma verdadeira Cidade do Samba. É a maior festa de samba nomundo, fora do Brasil é claro (Dudu, diretor da Escola de Samba Aquarela, entrevista

realizadaporAlessandroDozenaem06/10/2015nacidadedeParis-França).

Verifica-se a tendência atual de organização de festivais europeus emcontextosurbanos,capazesdegerarofortalecimentodaidentidadedascidadeseconvertertaiseventospúblicose/ouprivadosemumatrativoturístico.Aprópriapolítica de cátedras instituída pela Unesco atua nessa direção, reconhecendoexpressões culturais em países distintos e valorizando o patrimôniomaterial eimaterial. Desse modo, a estratégia de promoção e divulgação do festival deCoburgatuanosmesmosparâmetrosabordadosporCapel:

Muitas cidades têm se dedicado com grande força a reconstruir a imagem da cidade,tratandodeconverterumaimagemnegativaemoutrapositiva,atravésdapropaganda,dodesenhoedapromoção.Umaspectoessencialdessaestratégiaéodeacentuara ideiadoscentrosterciários,comequipamentosculturaiselúdicosdediversostipos:centrosdecongressos, capitais culturais, festivais de arte, competições desportivas de alto nível,museus de ciência e tecnologia, parques e jardins. Através de tudo isso se busca nãoapenas oferecer melhores serviços aos seus residentes, como também, principalmente,atrair viajantes estrangeiros que introduzam dinheiro na cidade (Capel, 1996, p. 33,traduçãonossa)7.

No Samba-Festival, o encontro das Batucadas oriundas de vários paíseseuropeus certamente provoca uma influência recíproca a partir da confluênciaentre matrizes culturais distintas. As Batucadas são grupos de percussionistasformadosentre10e50pessoasemmédia,queocupamepercorremasruasdascidadesduranteoseventosfestivoseuropeus.Talfenômenomusical“acompanhaadifusãodapráticadepercussõesbrasileiraspelomundo”(Vailant,2009,p.179)enocasofrancês,foisemeadoporumabrasileira:

ComrelaçãoàorigemdasBatucadasnaFrança,umapessoafoifundamental:NiciaRibasD’Ávila.EladefendeusuatesededoutoradonaSourbonneem1987,sobresemióticadamúsica. Ela havia feito a tese no Brasil sobre a escola de samba Padre Miguel,especificamentesobreaparadinhadomestreAndré.AtesedelaeraadequetodomundopodiaaprenderatocarsambaemumaBatucada.Elafezmuitosworkshopsdesamba,notempoemqueesteveaquinaFrançaelacriouasuaprópriaescoladesamba,tantoparaganharavidaquantopara ilustrara tesedela,defendendoofatodequequalquergringopodetocarsamba,apartirdasubdivisãodoritmodosambaemcélulasbásicaseemseusdiferentesinstrumentos.NessesworkshopselafoiplantandosementesportodaaFrança,pela Alemanha, pela Finlândia, pela Inglaterra, pela Itália, pela Espanha, entre outrospaíses.Elaeraumamulhercarismáticaecontagiante,tornando-seumagurudosambanaEuropa, algo impressionante.Eu a conheci emumworkshop de Batucada naCasa do

Brasil,elamedeuumagogôparatocar,eugostei,nuncatinhapensandoemtocaremumaBatucada.Nasequênciaeuentreinaescoladesambadela (Dudu,diretordaEscoladeSambaAquarela,entrevistarealizadaporAlessandroDozenaem06/10/2015nacidadedeParis-França).

Aestudiosamencionadapeloentrevistado,NiciaRibasD’Ávila,recebeuotítulo de doutora em Ciências da Linguagem – Semiótica pela UniversidadeSorbonneNouvelle,comatesededoutoradointitulada“AbordagemSemióticadoFatoMusicalBrasileiroBatucada”.Segundoosrelatosdosentrevistados,elafoia pioneira na inserção do samba tocado pelas Batucadas, utilizando-se dosmesmosinstrumentosmusicaisdasbateriasdeescolasdesambadoBrasil,comopropósitodemotivarodesenvolvimentodacoordenaçãomotoranosparticipantesdasBatucadas8.

OutroeventonoqualasimagensdeBrasilsãovigorosamentedifundidaséafestaqueaconteceemPariserecebeonomedeLavagedeMadeleine(Foto3).Trata-seclaramentedeumafestaquetevecomofonteinspiradoraaslavagensdasigrejasdoNossoSenhordoBonfim9edeSantoAmarodaPurificaçãonoestadoda Bahia. Segundo a Fundação Cultural Palmares o ritual da lavagem dasescadarias da igreja do Bonfim10 advém do período em que os escravos eramobrigadosalavarotemploparaafestacelebradanosegundodomingoapósoDiadeReis(6dejaneiro).

Foto3:FestaLavagedeMadeleineemParis–França.

Fonte:http://www.bahia-salvador.com/c/bahia/culture-musique-cinema/page/2/.Acessoemmarçode2016.

ALavagedeMadeleineocorrenosarredoresdaigrejadeMadeleine,tendosetransformadoemumafestadaculturabrasileiraemParisesidoinserida,em2011,noprograma“Arotadoescravo”daOrganizaçãodasNaçõesUnidasparaaEducação,aCiênciaeaCultura(Unesco)11.Adivulgaçãodaculturabrasileiraérealizadaprincipalmente apartir das apresentaçõesmusicais, cursos e estandesdedivulgaçãodaculináriabrasileira.Teveinícionoanode2001,poriniciativadoartistabaianoRobertoChaves,recebendoatualmenteoapoiodaPrefeituradeParis,daSecretariadeTurismodoestadodaBahiaedaFundaçãoNacionaldeArtes(Funarte);umaentidadevinculadaaoMinistériodaCultura(Minc).Éoseuprópriocriadoreorganizadorquenosexplica:

Essa festa aconteceu como algo que ninguém acreditava, primeiro por se tratar de umevento brasileiro que envolve não só a cultura como também a religião católica e ocandomblé.AfestahojesechamaFestivalCulturalLavagedeMadeleine,tendonoritualreligiosodalavagemdasescadariasdaigrejadeMadeleineoseupontoalto.ÉumafestadaculturadoBrasil,nóstemosamissadeNossaSenhoradoRosáriodosHomensPretos,umamissaafro-religiosacantadaporbrasileirosquemoramaqui.NóstemostrêsdiasdeMercado Cultural com um palco armado com 16 estandes que atraem empresas deturismoparavenderviagens, temapartegastronômicaenopalcoacontecemshowsdemúsicabrasileira.Afestaexistehá18anos,comoelaacontecenomêsdevoltaàsaulasemplenoverão,setembro,todosestãoporaquieconseguimosreunirporvoltade40milpessoas. A festa está inclusive inserida no calendário cultural oficial francês (Roberto,criador da festa Lavage deMadeleine, entrevista realizada porAlessandroDozena em06/10/2015nacidadedeParis-França).

Na Lavage de Madeleine, em todos os anos, há a presença da BatucadaBatalá.ValedestacarqueexistemváriostiposdeBatucadas,quesediversificamconforme os ritmos tocados e o grau de apropriação dos elementos da culturabrasileira. No caso da Batalá revela-se uma especialização no ritmo samba-reggaedaBahia12, jáqueelafoi instituídapelomúsicobrasileiroebaianoJoséGilbertoGonçalves(Giba),originalmentenacidadedeParis.

AsmotivaçõesparaaformaçãodeBatucadasocorremespontaneamenteemváriospaíseseuropeus,bemcomoa tentativadareproduçãorítmicasemelhanteaoqueocorrenoBrasil,comomencionaVaillant:

Nãose tratasomentede tocar:osparticipantes trabalhamcoletivamentepara reproduzirasmúsicasaoidêntico,omaisfielmentepossívelatémesmonocantoemportuguês,nas

fantasias, nasdançarinas, atémesmonaorganização social das escolasde samba.Estareprodução não exclui a composição, o canto em francês, e todas as inovações queconservamoscódigosmusicais“tradicionais”,emboraacriaçãomusicalpermaneçacomoum fenômeno secundário. Os grupos se especializam então em uma família musical(samba,samba-reggaeoumaracatu)apósescolheremumoumaisgruposbrasileiroscomomodelos da prática musical. Esta forma de apropriação ortodoxa, ou brasilianista, éminoritárianaFrança,masmaisdifundidaemoutrospaísescomoInglaterra,FinlândiaouJapão(Vaillant,2009,p.190,traduçãonossa)13.

Partindo-se do caso da Batucada Batalá, visualizamos na Figura 1 a suasignificativa expansão em países europeus (França, Alemanha, Países Baixos,Espanha, Inglaterra, Grécia, Áustria) além de Angola, África do Sul, EstadosUnidos,México,Guadalupe,Argentinaeobviamente,oBrasil.

Figura1:DistribuiçãogeográficadaBatucadaBatalá.

Fonte:http://www.batalaparis.fr/.Consultarealizadaem09demarçode2016.

EssasignificativadifusãodasBatucadasnoexteriorpodesercompreendidano âmbito do processo de expansão dos ritmos brasileiros. Essa difusãopossibilitou que, tendo como fundamento a base rítmica do samba, fossemmultiplicadososgrupospercussivosemdiversospaíses,comoelucidaocriadordaBatucadaD’ArteCablocaemMontpellier:

O Brasil é um país que vende, é um país de festa, de samba, de futebol, de pessoasamáveis,sorridentes.ExistempovosdiscriminadosnaEuropa,masbrasileironormalmenteé bem visto, sofre pouca discriminação. De modo geral a Batucada consiste em vocêpegarosinstrumentosdasescolasdesamba:surdo,agogô,tamborim,pandeiroetocá-loscomo instrumentospercussivos.Utilizando-sedosmesmos instrumentos tocam-se ritmosdeescolasdesambadoRiodeJaneiroporexemplo.Essesinstrumentostambémpodemserutilizadospara se tocaroutros ritmosbrasileiros, comoo samba-reggae,o afoxéeomaracatu. Batucada é isso, o uso de instrumentos de percussão brasileira para tocarritmosbrasileiros.NaminhaopiniãoaBatucadaindicaaapropriaçãoevolutivadosritmostradicionais brasileiros (César, criador da Batucada D’Arte Cabloca - Montpellier,entrevista realizada por Alessandro Dozena em 06/10/2015 na cidade de Montpellier -

França).

Foto4:BatucadaD’ArteCabloca,Montpellier–França.

Fonte:http://www.artecabocla.sitew.fr/.Consultarealizadaem09/03/2016.

Na Foto 4 podemos constatar a apropriação de elementos da culturabrasileiraeasualegitimaçãosustentadapelautilizaçãodacamisetaesportivadasseleçõesnacionais.PercebemosclaramentenasBatucadasumacertaapropriaçãoantropofágica de aspectos culturais brasileiros, o que também tem alterado aspráticas carnavalescas europeias, na medida em que é muito comum ocomparecimentodasBatucadasnasmanifestaçõesmomescas:

AomesmotempoaBatucadafazenãofazpartedaculturabrasileira,euprefiropensarqueobatuqueéumpatrimôniodahumanidade.Euachoqueessaalegria,essapotênciaque a Batucada gera é algo sensacional, e que todo mundo deveria praticá-la. Osfrancesesadmiramacapacidadedereinvençãodosbrasileiroseasuaadaptabilidade.Porisso eles buscamaprender e se apropriar damaneira deles (Roberto,músico, entrevistarealizadaporAlessandroDozenaem06/10/2015nacidadedeMontpellier-França).

Os entrecruzamentos culturais fazem parte da história do Brasil e docontinente europeu, sendo marcados por incorporações, uniões, confluências,contraposições e desacertos. Se ao longo dessa história houve absorções porpartedoBrasil,issotambémafetoumuitospaíseseuropeusquereceberamessesinfluxos, a ponto de inseri-los em práticas sociais contra-hegemônicas em seusprópriospaíses:

Boapartedosmúsicosencaramosinvestimentosemmúsicabrasileiracomoalgoquevaicontraosvaloresmaisretrógrados,reacionários,racistas,maisconservadores.Elesveemisso como uma abertura positiva e politicamente engajada. Normalmente as BatucadasestãopresentesemmanifestaçõescontrareacionáriascomoaGayPrideeo1ºdeMaio,

tudo o que envolve movimentos progressistas e por direitos sociais. É comum asBatucadas serem convidadas, mas mesmo sem chamar, nós vamos risos... Essasmanifestaçõesmusicais aparecemcomouma forçacontrária aosvalores retrógradosdedireita (Dudu,diretordaEscoladeSambaAquarela,entrevista realizadaporAlessandroDozenaem06/10/2015nacidadedeParis-França).

Esse aspecto da subversão somado ao da atração que as Batucadasdespertam em muitos europeus, a partir da execução de ritmos que provocamsentimentosdealegria e entusiasmo, reforçao interessedemuitosparticipantespelaapropriaçãodosritmosbrasileiros.Particularmentenocasofrancês,GuillotconsideraqueasBatucadassãoumfenômenodedifusãoeapropriaçãomusicalbaseadoouemempréstimosmaislivres,ouemtransmissõesmaisortodoxas:

Na França, duas tendências marcaram a evolução dos grupos de música brasileiracarnavalesca.Aquelaquefoimajoritáriadurantemuito tempoeconsistiunoempréstimode alguns elementos característicos (como o instrumental) associado a uma grandeliberdade na adaptação do repertóriomusical. E a outra,minoritária (embora com fortecrescimento nos últimos anos), que é fruto de um comportamento mais ortodoxo e serefere ao conjunto de recursos disponíveis sobre a cultura carnavalesca brasileira,transmititidoseensinadosporassociaçõesestruturadas(Guillot,2009,p.2002)14.

AexperiênciadosmembrosdasBatucadasemvisitaroBrasilparaconhecerdepertoeestudarosritmosdasescolasdesambadoRiodeJaneiro,osamba-reggaedegruposcomooOlodumemSalvador,oumesmoomaracatudegruposcomoNaçãoEstrelaBrilhanteemRecife;éalgoquecadavezmaisganhaimpulsopelaperspectivaadvindadoricomanancialculturalbrasileiro:

OBrasil,comassuasmúsicaspercussivas,tornou-separaumgrandenúmerodegruposde Batucadas um reservatório de músicas, um modelo de sociabilidade, de festa e detradições viventes. Essa representação de uma cultura brasileira idealizada nutre nosparticipantesumacríticalatentedaspráticasculturaisnoterritóriofrancêsoueuropeu,osquais guardam uma lacuna de tradições musicais e festivas (Vaillant, 2009, p. 192,traduçãonossa).FaceàmultiplicaçãodasBatucadaseàconcorrência local,osgrupos tendemaacionarjogos de distinção (com relação aos planos musicais ou extramusicais) e a pesquisarmarcasde legitimidade.Umdosrecursosde legitimidademaiseficienteséaviagememdireçãoaomanancialfeitaporumnúmerocrescentedeBatucadasnoperíododocarnavalbrasileiro.Váriosparâmetrosdeterminamaescolhadadestinaçãodogrupo,entreoutros:os antecedentes dos formadores, os encontros commúsicos brasileiros na França e, omais frequente, a pesquisa de um repertório particular. De fato, a paisagem sonora daBatucada é composta por três grandes famílias musicais que correspondem a regiõesprecisas:osamba,osamba-reggaeeomaracatu, respectivamenteassociadosaoRiode

Janeiro,aSalvadoreaRecife(Vaillant,2009,p.181,traduçãonossa)15.

EssasviagensaoBrasilseconvertememimportantesmomentosdeencontrocomaculturaecomosmúsicosbrasileiros,alémdeseconstituírememviagensformativas. Sem desconsiderar as fecundas e seculares tradições musicais efestivasexistentesnoterritórioeuropeu,asmarcasdelegitimidadeadquiridasempráticas festivas nas cidades mencionadas (destacadamente Rio de Janeiro,SalvadoreRecife)atuamcomoumelementomotivadordacapacidadeutópicaeinventivadosmembrosparticipantesdasBatucadaseuropeias.

CONSIDERAÇÕESFINAISA noção de utopia nos possibilitou o entendimento do imaginário cultural

brasileiroapresentandoumpotencialdeaçãoeparaaação,umacondiçãoparaaprodução de novas consciências com um caráter lúdico e transgressor,consciências que nem sempre pertencem à lógica produtivista, mas à daimaginaçãoesensibilidade.

A cultura popular evidenciamaneiras de se operar simbolicamente com avida, e não representa somente algo que já existiu, pautada por um cotidianoesquemáticoerepetitivo(Lefebvre,1991),emborasejausualmentecooptadaporalgumasaçõescomerciais,aexemplodasquecaracterizamosanteriormenteequeintencionam divulgar uma representação reinventada de cultura brasileira naEuropa.Tendocomofundamentoarepetiçãodoimaginárioutópicobrasileironaspráticasfestivaseuropeias,reforça-seonossoconvencimentodequeo“cotidianoémuitomaisqueoinconscientefluirdediassempreiguais;énocotidianoqueocidadão se encontra diante de coações e vigilância; mas na repetição tambémpodesurgiraessênciadoimaginário(Carlos,2007,p.58).

Aoconsiderarmosavitalidadedesseimaginário,constatamosaconfiguraçãode contraespaços dentro das organizações sociais majoritárias, tanto na escaladas relações cotidianas quanto nas escalas mais amplas, e ao mesmo temporegistramosum“jogodecontraposiçõesquepodeserdivisadoeincentivadopor

umnovoarranjoespacial,capitaneadoporumabasedemocráticaquepermiteoconfronto de identidades, com o florescimento permanente de uma diversidadelibertadora”(Haesbaert,2006,p.15).

Nesta dinâmica de contraposições e confrontos identitários as festas,enquantopráticassociaisediscursivas,podemsurgircomoumacontrafinalidade,evidência da efetividade de “outras formas de racionalidade, racionalidadesparalelas,divergenteseconvergentesaomesmotempo”(Santos,2002,p.309).

Por isso acreditamos que algumas práticas festivas são férteis para ascriações artísticas inovadoras, a exemplo do Samba-Festival em Coburg, daLavage de Madeleine em Paris e do Carnaval de La Grande Motte. Emboradevamosconsiderarquenemsempreaspráticasediscursossociaissemantenhamirredutíveis à racionalidade econômica (sobretudo se considerarmos, porexemplo,adinâmicadosespetáculosdemúsicabrasileiranaEuropaeosdesfilescarnavalescos dominados pelos interesses lucrativos de produtores culturais),estamos convencidos que as práticas e discursos sociais que acionam oimaginário cultural brasileiro têm o potencial de apontar caminhos novos aopensamento e à açãodos europeus apartir de certapaisagem festivabrasileirainstrumentalizadaporumadimensãoperformativaediscursiva,possibilitadoradenovosencontrosetrocasculturaisnocontinenteeuropeu.

As Batucadas aqui referidas podem consistir em locais de sociabilidadeonde se expressam experiências não-remuneradas, fundamentadas em umaexperiênciacomumatodos,conformando-seaomesmotempoumapossibilidadedeaprendizagemmusicaledesenvolvimentodesociabilidades.AsBatucadassãoalgoconcebidoparticularmenteforadoBrasil(noformatoqueexistenaEuropa),arregimentando pessoas interessadas em tocar instrumentos de percussão, semnecessariamente terem tido uma formação profissional ou mesmo experiênciasmusicaisanteriores.

Comovimos,asBatucadassefazempresentesemfestaspopularesebuscamoperar seus intercâmbios sociais de modo a subverter a modelização dasubjetividadedominante,produzindoespaçosepráticasfestivasespontâneas.Um

dos componentes dessa espontaneidade se expressa nos ritmos brasileirostocados:samba-reggae,maracatueritmosdeescolasdesambacariocas.

Por fim, ainda que seja um fenômeno novo e complexo, a influência doimaginárioutópicobrasileironaspráticasfestivaseuropeiastemgeradomodelosalternativos de festas, distinguidas por práticas culturais reterritorializadas quesão operadas por utopias democráticas que toleram o jogo identitário, e sãomotivadas pela expansão duradoura e irreversível de uma diversidade culturaltransnacional.

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ZWEIG,S.BrasilPaísdoFuturo.7aed.Porto:LivrariaCivilização,1971.

1 Bolsista CAPES Processo BEX 0663/15-8, Colaborador: Dominique Crozat. As reflexões aquidesenvolvidas e expostas na Conferência de Encerramento doVI Colóquio do Núcleo de Estudos emEspaço e Representações (NEER), são parte da pesquisa realizada no Estágio Pós-Doutoral junto aoDepartamento de Geografia da Université Paul Valéry – Montpellier/França, laboratório ART-Dev, entreagostode2015ejunhode2016.AgradeçoàCAPES(CoordenaçãodeAperfeiçoamentodePessoaldeNívelSuperior)pelaconcessãodabolsadeestudoeàDominiqueCrozatpelainterlocução.AversãooriginaldesseartigofoiinicialmenteenviadacomocomunicaçãoaoXIVColoquioInternacionaldeGeocrítica«Lasutopíasylaconstruccióndelasociedaddelfuturo»,ocorridoemBarcelonaentre21e25demaiode2016,epublicadanarevistaGEOUSP,volume20,número3,2016.

2 Um exemplo é a reportagem realizada por Daniel Gallas para a BBC Brasil, intitulada “Festa nacrise? As cidades que cancelaram o carnaval pelo Brasil”:http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/02/160129_cabofrio_carnaval_pai_dg <Acesso em março de2016>.OutroexemploéareportagemrealizadaporRobertoMentha,intitulada“Prefeiturasde46cidadesjácancelaramocarnavalpara socorrer setoresemcrise”:http://br.blastingnews.com/brasil/2016/01/prefeituras-

de-46-cidades-ja-cancelaram-o-carnaval-para-socorrer-setores-em-crise-00749685.html <Acesso em marçode2016>.Realizamosumcontrapontoaesseargumentonaentrevista:http://culturafm.cmais.com.br/de-volta-pra-casa/carnaval-transnacional<Acessoemmarçode2016>.

3Apresençadomestre-salaedaporta-bandeiranosdesfilescarnavalescosbrasileirostemorigemnoperíodo colonial, quando os negros escravizados buscavam reproduzir a aristocracia com a utilização devestimentas semelhantes às utilizadas pelos nobres, por vezes para escarnecê-los (DOZENA, 2009). Nosdesfilescarnavalescosespetacularizadosatuais,ocasaléavaliadosobretudopelasuasintoniaeentrosamento,epelaguarda e cortejodomestre-sala àporta-bandeira; alémdozelode ambospelo estandarte símbolodaescoladesamba.

4 Apenas a título de exemplificação, tais influências domodelo carnavalesco brasileiro puderam serconstatadas presencialmente nas festas carnavalescas em território francês (Paris, Toulouse,Montpellier eLimoux),emterritórioitaliano(naocasiãoemqueatuamoscomojuradodocarnaval2016emViareggio)eemterritórioalemão(nocarnavaldeColônia).

5Dans les approches contemporaines, les identités sont nécessairement multiples et cela nousconfronteaupremierhiatus.Eneffet,lamusiqueserévèleêtreundesgrandsvecteursdecesformulesessentialistes; onattachedes typesdemusiqueàdes territoires dans lesquels il est inimaginablequeleurs habitants puissent avoir des goûts différents: dans le discours commun, un ténor congolais estinimaginable,demêmequ’unpunkbrésilien.Al’inverse,unesambajouéepardesjaponaisoudurockmongol prêtent à sourire [...] Les approches contemporaines insistent sur une identité multiple etj’envisagecettemultiplicitécommeunprocessusdemiseencohérenced’unecapacitédeprojectiondel’individudansuneidentitéqu’ils’estchoisie; ilestdoncplusprécisdeparlerd’identité flexible[...]Cetteidentitéconcernelesindividus,lesgroupescommeleslieux(Crozat,2016,p.50).

6 Para maiores informações acessar: http://www.samba-festival.de/ <Consulta realizada em11/03/2016>.

7Muchas ciudades se han dedicado con gran fuerza a reconstruir la imagen de la ciudad,tratandodeconvertirunaimagennegativaenotrapositiva,atravésdelapropaganda,eldiseñoylapromoción. Un aspecto esencial de esa estrategia es acentuar la idea de centros terciarios, conequipamientosculturalesylúdicosdetipodiverso:centrosdecongresos,capitalesculturales,festivalesdearte,competicionesdeportivasdealtonivel,museosdecienciaytecnologia,parquesyjardines.Atravésdetodoelloseintentanosóloofrecermejoresserviciosasusresidentes,sino,sobretodo,atraeraviajerosexterioresqueintroduzcandineroenlaciudad(Capel,1996,p.33).

8Paramaioresinformaçõesconsultar:http://www.niciadavila.com.br/

9Paramaiores informações consultar: http://lavagedelamadeleine.fr/ e ver odocumentário “LavagemdoBonfimdaBahiaaNovaYork”disponívelem:http://curtadoc.tv/curta/povosidentidade/lavagem-do-bonfim-da-bahia-a-nova-york/

10 A Festa do Senhor do Bonfim foi considerada Patrimônio Cultural Brasileiro pelo Instituto doPatrimônioHistóricoeArtísticoNacional(IPHAN)noanode2013.

11Paramaioresinformaçõesconsultar:http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/

12Paramaioresinformaçõesconsultar:http://www.batalaparis.fr/

13Ilnes’agitplusseulementdejouer:lesparticipantstravaillentcollectivementàreproduirelesmusiquesà l’identique, le plus fidèlement possible jusqu’aux chants enportugais, aux costumes, auxdanseusesvoirejusqu’àl’organisationsocialedesécolesdesamba.Cettereproductionn’exclutpaslacomposition, les chants en français, voire des innovations tout en conservant les codes musicaux

« traditionnels»,mais la créationmusicale resteunépiphénomène.Lesgroupes se spécialisentalorsdansune famillemusicale (samba,samba-reggae,maracatu)puischoisissentunouplusieursgroupesbrésiliens comme modèles de la pratique musicale. Cette forme d’appropriation orthodoxe, oubrésilianiste, est minoritaire en France, mais plus répandue dans d’autres pays comme par exemplel’Angleterre,laFinlandeouleJapon(Vaillant,2009,p.190).

14 En France, deux tendances ont marqué l’évolution des groupes de musique brésiliennecarnavalesque. Celle qui fut majoritaire pendant longtemps a consisté en un emprunt de certainsélémentscaractéristiques(commel’instrumentarium)associéàunegrandelibertédansl’adaptationdurépertoiremusical.L’autre,minoritaire(maisencroissancefortecesdernièresannées),estlefruitd’uncomportement plus orthodoxe et se réfère à l’ensemble des sources disponibles sur la culturecarnavalesque brésilienne, transmises et enseignées par des associations structurées (Guillot, 2009, p.202).

15LeBrésil,avecsesmusiquesdepercussions,estdevenupourungrandnombredegroupesdebatucada un réservoir de musiques, un modèle de sociabilité, de fête et de traditions vivantes. Cesreprésentationsd’uneculturebrésilienne idéaliséenourrissentalorschez lesparticipantsunecritiquelatente des pratiques culturelles sur le territoire français ou européen, selon eux vide de traditionsmusicalesetfestives(Vaillant,2009,p.192).

Faceàlamultiplicationdesbatucadasetàlaconcurrencelocale,lesgroupestendentàopérerdes jeux de distinction (sur les plans musicaux ou extra-musicaux) et à rechercher des signes delégitimité.Unedessourcesdelégitimitémusicalelesplusefficientesestlevoyaged’«allerauxsources» qu’un nombre croissant de batucadas effectuent en période de carnaval brésilien. Plusieursparamètres déterminent le choix de la destination du groupe: entre autres, les antécédents desformateurs,lesrencontresavecdesmusiciensbrésiliensenFranceet,leplussouvent,larecherched’unrépertoireparticulier.Eneffet,lepaysagesonoredelabatucadaestcomposédetroisgrandesfamillesmusicales auxquelles correspondent des régions précises: le samba, le samba-reggae et le maracatusontrespectivementassociésàRiodeJaneiro,SalvadordeBahiaetRecife(Vaillant,2009,p.181).

EixoLeste

Educacionalidades&Festividades

EDUCACIONALIDADES

ODESENVOLVIMENTOCOGNITIVOEAREPRESENTAÇÃODOAMBIENTENASSÉRIESINICIAIS

HAIANEPESSOADASILVAGrupodePesquisaTerritório,CulturaeRepresentações–DGE/UFS.

[email protected]ÉNASCIMENTOSOARES

DepartamentodeEducaçãodaUniversidadeFederaldeSergipe–DED/[email protected]

FLAVIAREGINASOBRALFEITOSA.GrupodePesquisaTerritório,CulturaeRepresentações–DGE/UFS.

[email protected]

DepartamentodeGeografiadaUniversidadeFederaldeSergipe–DGE/[email protected]

INTRODUÇÃOA Educação Ambiental (EA) surgiu como resposta à preocupação da

sociedade com a qualidade de vida do planeta, tendo como principal premissauma sociedade igualitária e ecologicamente equilibrada (MEDEIROS et al,2011).Eaindaque,aEAbusquemanteroequilíbrioentreohomemeosrecursosnaturais, existem diferentes percepções sobre o ambiente, podendo este serentendidocomonatureza (CiênciasBiológicas), espaço físico (ciênciasexatas),ou ainda como palco da relação homem-natureza (ciências humanas) (LIMA;KOZEL,2011).

Neste estudo, adota-se a terceira percepção de ambiente, o concebendocomo uma construção histórica do homem, surgindo daí a necessidade dadiscussãoconceitualedeumanovaconstruçãodosaberambiental(LEFF,2001).Assim, o conhecimento sobre o ambiente é uma construção interativa entre osujeitoeoobjeto.E,paraqueeleseconsolidenaeducaçãoformal,atribui-seaoprofessor a função de identificar o conhecimento construído pelo aluno e criarcircunstâncias para que o mesmo utilize as ferramentas disponibilizadas para

aguçar a sua inteligência, transformando o conhecimento empírico em umaprodução sistematizada e científica. Desta forma, o que importa é a interaçãoentreo conteúdoabordadoemsalade aula e a sua aplicabilidadena realidadedosalunos(MALYSZ,2007).

No que refere à aprendizagem sobre o ambiente existe uma desvinculaçãoentre a teoria e a prática, haja vista que é comumodesenvolvimento de açõesfragmentadas voltadas à promoção de uma Educação Ambiental pontual, aexemplododiadaárvore,diainternacionaldomeioambiente,entreoutras.Essasações fragilizam a construção de uma educação ambiental contextualizada etransformadora(SORRENTINO,2005).Assim,otemaMeioAmbientepassouaser incorporado nos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs – como tematransversal, a fim de que os professores trabalhem, junto com os alunos, asatitudesevaloressobreasquestõesambientais,embasadasemfatosconcretosecontextualizados(BRASIL,1997).

Destaforma,surgeanecessidadedeanalisarasconcepçõesdascriançasnassériesiniciaissobreoambiente,umavezqueénestafaseemqueelasconseguemformular e projetar as imagens do lugar vivenciado (casa, escola, rua, bairro);formandoaptidõesconceituaisehabilidadessociaisqueasfarãofuturosadultostransmissoresdeconhecimentos(PERETTI;DIAS,2011).

Diantedaperspectivadageografia cultural as representaçõesmentais e asreaçõessubjetivassãoelementosbasilaresparacompreenderasexperiênciasdohomemnoambientenaturalesocial,identificandoassim,asignificaçãoqueesteimpõeaoespaçoeosignificadodassuasvidas(CLAVAL,2002).

As imagensprojetadaspelascriançassobreoambientevividofazempartede um arcabouço mental que está associado às atividades cotidianasdesenvolvidasporelascomo:cuidardeanimais, iràescola,brincar,cuidardacasa,entreoutras(GOIS,2014).Portanto,objetiva-secomesteestudoanalisaraspercepçõesdascriançassobreoambientenassériesiniciais.

MAPASMENTAISEASREPRESENTAÇÕESDOAMBIENTENOSANOSINICIAIS

Mapamentaléumalinguagemvisualqueretrataoespaçovividocomouma“cartografiacultural”,cujoselementosretratadossãoconstruçõessociais.Asuaconstituiçãosedáporintermédiodediferentesinformaçõescomoimagens,sons,formas,odores e sabores.Esta ferramentapossibilita aopesquisador apreenderoscomportamentosdossujeitospormeiodosmapeamentoscognitivos(KOZEL,2007).

Neste sentido, os sujeitos simulam o ambiente vivido por meio dasrepresentaçõesdolugar,tambémconhecidascomoimagenssubjetivas.Aimagemé algo que vemos quando existe um estímulo de determinada temática, sendoalimentadaporumaestruturamentalqueconstróiumaprojeçãovisual,comoseoindivíduoestivesseaolharumateladepintura(TUAN,1975).

No que se refere a analisar as percepções das crianças sobre o meioambiente por meio da metodologia visual, percebe-se que os alunos dos anosiniciais, com faixa etária de 2 a 9 anos, apresentam atitudes e comportamentosutilitaristas sobre as questões ambientais, haja vista que elas assumem umaposiçãoecocêntricadomeioambiente.Diantedisto,asatitudesecomportamentospró-ambientais (em favor do ambiente) vão sendo valorados como passar dosanos(OLIVEIRA,2011).

SegundoPiaget(1969)osindivíduospossuemapercepçãoambientalinata,umavezqueapresentamosaspectoscognitivos,motivacionais,avaliativosedeconduta,quesãoprocessospsicológicosbásicosdoserhumano,osquaisestãointimamente acoplados aos aspectos perceptivos do espaço. Desta forma, apercepçãoambientaléaparteintegrantedavidahumana,sendoessencialaoseudesenvolvimento.

Alémdisso,odesenvolvimentocognitivonainfânciasofreinfluênciadiretadaqualidadedaestimulaçãoambientaldisponívelparaacriança,demodoqueashabilidadesadquiridasnessafaseestãodiretamenterelacionadasaomeioemquea mesma vive, ao grau de escolaridade dos pais e ao acompanhamento

pedagógicoefamiliar(ANDRADEetal.,2005).

Figura1:LocalizaçãodaEscola

Fonte:AdaptaçãodosAutores,2016

METODOLOGIAAEscolaEstadualSenador JoséAlvesdosSantos, localiza-senaAvenida

GeneralEuclídesFigueiredo–BairroCoqueiral,Aracaju-SE(Figura1).Apesquisaocorreunosdias18e25demaiode2016,comaparticipaçãode

55(cinquentaecinco)alunosdoensinofundamentalmenor(vinteeumdo2ºB;vinte e cinco do 3º A e nove do 3º B), do turnomatutino da Escola EstadualSenadorJoséAlvesdosSantos,emAracaju-Sergipe(Figura2).

Figura2:FaixadaprincipaldaEscolaEstadualSenadorJoséAlvesdosSantosAracaju-SE

Fonte:Adaptaçãodosautores,2016.

Essesalunos foramselecionadosporseencontraremna faixaetária inicialdo desenvolvimento cognitivo, o que corresponde à fase em que o pensamentoorigina a ação, ou seja, a fase operatória concreta na qual a criança conseguefazer classificação, ordenamento e correspondência do pensamento concreto

(PIAGET,1971).Foiaplicadoumquestionáriocomduasquestõesderepresentaçãovisualaos

alunosdo2°e3°anosdoensinofundamentalmenor,utilizando-sedametodologiada análise de imagens, conhecida como mapa mental. A primeira e a segundapergunta tiveramcomo finalidadeavaliar apercepçãodos alunos sobreomeioambiente. Desta forma, foi solicitado que os alunos desenhassem na primeirafolha,olugaremqueelesviviam,enasegundaolocalemqueelesgostariamdeviver.

Tambémforamaplicadosquestionáriosjuntoaosprofessoresdastrêsturmasconsultadas,a fimde identificara importânciadese trabalharo temaambiente.Destaforma,aanálisedosdadosocorreuatravésdacategorizaçãodasfalasdosentrevistados e por meio da interpretação dos mapas mentais, conformemetodologia proposta por Lima e Kozel (2011). Momento que consistiu emavaliarasrelaçõesexistentesentreosindivíduoseomeioambiente.Paratanto,utilizou-se das etapas de interpretação proposta por Lima eKozel (2011), taiscomo:interpretaçãoedistribuiçãodoselementosnaimagem;especificidadedosícones: elementos naturais e paisagem construída; elementosmóveis e imóveis;elementoshumanos;eoutrosaspectosouparticularidades.

E as representações obtidas foram agrupadas em categorias de respostas,quevariaramdeacordocomonúmerodasrepetiçõesapresentadaspelosalunos.TodososresultadosapóstabuladosforamorganizadosemumaplanilhadoExcel,oqueoriginaramgráficosequadros,sendoaseguirapresentadosnodecorrerdotexto.

AS REPRESENTAÇÕES DOS ALUNOS SOBRE O MEIO AMBIENTEVIVIDO/SONHADO

Visando apresentar as diferentes representações das crianças sobre oambiente,destacamosaexperiênciavivenciadacomosalunosdosanos iniciaisdaEscolaEstadualSenadorJoséAlvesdosSantos.Osalunosqueparticiparam

do estudo apresentam faixa etária que varia entre sete e doze anos de idade(Gráfico1).Naturmado2ºB,71%dosalunosencontram-senafaixaetáriadeseteanosde idade;24%possuemoitoanoseapenas5%estãocomdozeanos.Destetotal76%sãodosexomasculinoe24%dofeminino.Jáno3ºA,dototalde alunos, 60% apresenta oito anos; 32% nove anos; 4% dez e os demais 4%estão com onze anos. No que se refere ao gênero 60% são meninas e 40%meninos.Ainda,no3ºC,45%encontra-secomnoveanos;45%comdezanose10%comdozeanos.Quantoaogênero89%édosexomasculinoe11%feminino.

Gráfico1:Perfildosalunosqueparticiparamdapesquisa.

Fonte:Elaboradapelosautores,maio/2016.

Deacordocomosresultadosobtidos,osalunosdo3ºAe2ºBapresentaramumambientevividocomoacasaemquemoram,aqualcontémobjetosquefazempartedolarcomotelhado,porta,ejanela,alémdosmóveisquedecoramolugar(cama, mesa com cadeiras, jarros de plantas) e o carro. Este ambiente, aindacontém recursos naturais como animais de estimação, lua, sol, estrela, nuvens,borboletas,peixeeplantas,comobservadonasfiguras3e4.

Propor atividades dessa natureza auxilia a criança a explorar o ambiente,fazendo-asemovimentarnoespaço,observaromeioexterior,paraqueapartirdas associações e esquemas cognitivos elaborados o processo dedesenvolvimentoafetivo,socialepsicomotorseconcretize(FREITAS,2011).

Demaneiraque,devesecapacitaroseducadoresparatrabalharnoambienteescolaressetipodepropostapedagógica,pois:

A representação social evolui e depende do contexto social, logo, é uma

importanteferramentaparacompreendermelhorasinterrelaçõesentreacriançaeoambiente,suasexpectativaseinsatisfações,julgamentosecondutasquepoderãotereagirsobreomeio.Noimagináriodacriançaexisteoambientequeelavivenodiaadia,aescolacomoambientedeprazeroudedesconforto,ossonhos,aimaginação, portanto, investir na educação ambiental requer sensibilidade doprofessor, poder de outridade (colocar-se no lugar do outro), de voltar aoimaginárioinfantil(FREITAS,2011,p.14).

Figura3:Representaçãodoambientevivido-2ºB;Figura4:Representaçãodoambientevivido-3ºA.

Fonte:Pesquisa,2016.

Para os 78% dos alunos do 3º C, o lugar em que vivem émais simples,formadoporumacasacomtelhado,janelaeporta.Emapenasumarepresentaçãoapareceuumaflorcomoobjetodecorativo(Figura5).Observa-sepelosdesenhoselaboradosqueapercepçãodoambienteocorreuapenasnadimensãoconcretaepredominantemente composta por microcompartimentos artificiais (casa, vasodecorativo, etc). Essa representação “simplória” sem muitos elementosdecorativos ou significativas abstrações projetadas nas imagens enfatiza ainsuficienteinserçãodoselementosnaturais,e,odistanciamentoexistenteentreohomemeanatureza,tambémobservadanasimagensdesenvolvidaspor25%dosalunosdo2ºB.

Figura5:Representaçãodoambientevivido3ºC

Fonte:Pesquisa,2016.

Ressalta-seque,arepresentação“simplória”doambientepelascriançasnãoquerdizerque sãodesenhos semsignificados, e simqueelucidama adesãodeumapequenacargadeexperiênciasabsorvidas,poisoprocessodecogniçãodascrianças vai evoluindo na medida em que elas adquirem maior conhecimentosobre o ambiente vivenciado. Assim, as figuras abordadas nos mapas mentaispossuemmaiornúmerodeelementosrepresentativosquandoascaracterísticasdoseucotidiano sãovaloradaspelo sujeito, reafirmandoapremissaquea criançadesenhaoqueémaispreeminentenoseudiaadia(PEREIRA,2012).

De acordo com Pedrini; Costa; Ghilard (2010, p. 164) essesmacrocompartimentos podem ser recontextualizados para outras situaçõessocioambientais, quando se compreender que: “o conhecimento prévio dasrepresentaçõessociaissobreomeioambienteécondiçãofundamentalparaqueserealizematividadesdeeducaçãoambientalparasociedadessustentáveis”.

Alémdisso,a representaçãodeumobjeto, sujeitooucenárioémoldadoapartir domodo como seu sistema cognitivo ressignifica os valores, a história,contextosocialeideológicoadquiridosaolongodavida(FREITAS,2009).

Os alunos ainda apresentaram imagens do lugar vivido como a escola(Figura6),umambienteabertocomigreja,carro,osol,aárvoreeoserhumano(Figura7),pessoasjogandolixonarua(Figura8),comoobservadonasfigurasaseguir.

Figuras6,7e8:Lugarvividosegundoosalunosparticipantesdapesquisa.

Fonte:Pesquisa,2016.

Issomostra, em proporções distintas, que as crianças têm a percepção deque o ambiente é lugar que faz parte do seu cotidiano. Dito isto, a casa é arepresentação mais comum entre as crianças das três séries, e, nem sempre ohomemfazpartedesseambiente.

Figura9–Gráficos2,3,4

Fonte:Elaboraçãodosautores,2016

Oselementosqueaparecemnasrepresentaçõesdosgráficos2,3e4sãoascaricaturasmaiscomunsnasilustraçõesdascrianças(chuva,sol,casas,árvores,postes,rodovias,animais,pessoas),hajavistaqueretratamacompreensãofísicaenaturaldolocalonderesidem.Destaforma,ohomeméumelementodiminutonaconstituiçãodoespaço(GOIS,2014).

Éimportantedestacarquetodososalunosapresentaramumambientelimpoe com elementos naturais como objetos decorativos. No que se refere àrepresentação dos animais, constatou-se poucas reproduções, pois apareceram,apenas,osdesenhosdeumcachorroeumboi.Assim,oselementosvisualizadoscorroboramcomosestudosdeBaseggio;Vargas;Danon (2015)aodiscorreremque a maioria dos alunos apresenta elementos naturais conservados, sendofrequenteapresençadeárvores, rioesol, jáosanimais racionaise irracionaisqueestãoassociadosàvida,quasenuncasãoesboçados.

Reforça-se que, o ambiente familiar (residência) é o mapa mental maiscomum, o que indica a expressão da identidade dos sujeitos com o lugar. As

imagensrefletemtambémoambienteemqueascriançasgostariamdeviver,umavez que a casa ou apartamento é o diagrama visual prepoderante nas suasrepresentações.Noentanto,aconfiguraçãodesteambienteganhanovoselementosquesãotípicosdavidaurbana,confortavéisouemcontatocomanatureza.Para31%das crianças do segundo ano, uma “casa simples” comporta e janela é olugar adequado para se viver, já para 21% um ambiente aberto com pessoasvivendo felizes e demãos dadas, se configura comoo lugar dos sonhos, comoilustradonoGráfico5.

Figura10-Gráfico5

Fonte:Pesquisa,2016.

Aindadeacordocomográfico5,acasanocampocomárvores,boieosolsão elementos que representam o desejo de 16% dos alunos. Essa mesmaporcentagem dos alunos desenharam uma casa com elementos da natureza (sol,estrela, lua eborboletas) como subsídiosparao lugardevivência, e, foi nestemomentoemqueohomemapareceucomoparteintegrantedoambiente.Acasanapraiaéodesejode11%dascriançasdosegundoano,e,umacasacompiscinafoirepresentadapor5%deles.

Nesteprocesso,aspreferênciassobreoslugaresparasevivertêmnaturezasmíltiplas,aopassoqueenvolvediferentesaspectos,entreelesasesferasdavidados sujeitos (condição socioeconômica e faixa etária) e a sua relação com oambiente(DEPAULA,2010).ParaKozel(2012)osmapasmentaissãoprodutosderelaçõesdialógicasestabelecidasentreoeueooutro,oqueproporcionaumaanálisemaisampladoindivíduonocontextosocialecultural.

Aoanalisarosmapascognitivosdosestudantesda3ºA,percebe-sedistintasrepresentações do lugar (Gráfico 6). Desta forma, morar na cidade epreferencialmenteemprédioséoambienteoutravezpredominantenosdesenhos,bemcomoparaosalunosdaturmaCdamesmasérie(Gráfico7):

Figura11–Gráficos6e7

Fonte:PESQUISA,maio/2016.

Segundo Marczwski (2006), ao avaliar as percepções de estudantes doensinofundamentalsobreomeioambiente,foiconstatadoqueapercepçãosobreo ambiente natural tem sido abalada progressivamente, em função do crescenteprocessodeurbanização,oquetemfeitocomqueaspessoasnãocriemvínculoscom o meio natural, desprezando a sua valoração mental. Desta forma, osdesenhosdaFigura12elucidamessaafirmação:

Figura12:Representaçõesdolugarparaviver,respectivamente3ºAe3ºC

Fonte:PESQUISA,maio/2016.

As análises de um mapa mental nunca devem se prender apenas à suadimensãográfica,todaviadevemseracompanhadasdosdiferenteselementosqueoindivíduoapresentasobreoambiente(LIMA,KOZEL,2009).Nestesentido,asrepresentaçõescomo:oambientelimpo,casanocampo,casacompiscinaounapraia,sinalizamodesejodosalunosemmanterumambientepropícioàrelação

mais proximal entre a sociedade e os recursos naturais, como observado nasimagensaseguir(Figura13).

Figura13–OutrasRepresentações

Fonte:AcervodoAutor(0216)

Aofazerumcomparativoentreolugarvividoeolugarsonhado,percebeu-se que os alunos apresentam uma visão ampla dos espaços. De modo que, ascrianças conseguiram expressar que o lar é o primeiro ambiente ao qual noshabituamos, desta forma, as suas atitudes parecem ser pró-ambientais, ou seja,têmaintençãodemanteroequilíbrioambiental,umavezqueosrecursosnaturaisdisponíveis são destacados nos desenhos. Como enfatizado por Freitas eMaia(2009), a percepção ambiental pode ser definida como sendo uma tomada deconsciênciadohomemsobreoambiente,ouseja,oatodeperceberoambientequeseestáinserido.

Posto isto, de acordo comosprofessoresdessas turmas, os alunosgostamquandoo temameio ambiente é abordado em salade aula, umavezque éumatemáticapróximadasua realidade.Paraeles,este temaéumcontentoque fogedos conteúdos programáticos como relatado pelos docentes sobre o nível deaceitabilidadedosalunossobreotemameioambiente:“Sãobeminteressados,namedida em que conseguem nosmostrar a realidades deles” (PROFESSORA 1,2016). “É bem aceitado, pois eles gostam de trabalhar assuntos que fogem darotina” (PROFESSORA 2, 2016). “Aceitam bem, pois é um tema de seu

cotidiano”(PROFESSOR3,2016).Assim,osprofessoresdiscorremsobreaimportânciadesetrabalharomeio

ambiente,umavezque:“Édefundamentalimportância,levandosempreemcontaa condição de vida dos alunos que crescem em ambiente sem infraestruturaadequada”(PROFESSORA1,2016).“Conscientizarascrianças,transformando-asemagentesdecidadania,poissóassimpoderãotransformaroambienteemquevivemos” (PROFESSORA 2, 2016). “O meio ambiente é o local ondeconvivemosunscomosoutros”(PROFESSOR3,2016).

Emgeral,quandofalamosemambientedesejado,éomesmoquepensaremum ambiente equilibrado (limpo, com recursos naturais disponíveis, paisagensnaturaisconservadas).E,paraqueissotambémsejaodesejodosalunos,sefaznecessárioqueelessejam“ecologicamentealfabetizados”dentrodosambientesquefazempartedasuarealidade(MEDEIROSetal,2011).

CONSIDERAÇÕESFINAISReferente às percepções sobre o meio ambiente, pode-se inferir que as

crianças têm uma visão “simplória” do ambiente vivido e sonhado, eis que osmapas mentais retratam imagens associadas ao seu dia a dia, geralmente suascasas. E, apesar das singelezas dos desenhos, o meio ambiente se apresentoucomoespaçoderelaçãosocioambiental,jáqueomeiofísicoéumaextensãodohomem,eporestemotivoomesmoésempreorganizado,trazendoàtonaaideiadeharmoniaespacial.

Diante deste contexto, pode-se asseverar também que aulas maiscontextualizadas com o ambiente vivido podem auxiliar na sensibilização doseducandosparaaconservaçãodomeioambiente (escolar, residencial,de lazer,entre outros). Neste sentido, sugerimos aulas mais contextualizadas eparticipativas a fim de propiciar o envolvimento dos alunos no processo deensino-aprendizagem,garantindoassimodesenvolvimentocognitivodascriançassobreasquestõesambientais.

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PERCEPÇÃODEPESSOASCEGASNAORIENTAÇÃOEMOBILIDADEEOUSODOSSENTIDOS:UMAABORDAGEMFENOMENOLÓGICA

BIANCABEATRIZROQUÉUniversidadeFederaldoParaná[email protected]

MARCIAALVESSOARESDASILVAUniversidadeFederaldoParaná[email protected]

INTRODUÇÃOAs pessoas cegas, para caminharem sozinhas nas ruas com liberdade e

autonomia, passam por aulas de orientação emobilidade em escolas especiaispara pessoas cegas. Segundo Weishin (1990) apud Mazarro (2003, p. 17)“orientaçãoéoprocessodeutilizarossentidosremanescentesparaestabeleceraprópria posição e o relacionamento com outros objetos significativos no meioambiente”. O autor também define mobilidade como: “a habilidade delocomover-secomsegurança,eficiênciaeconfortonomeioambiente,atravésdautilização dos sentidos remanescentes”. Os sentidosmais citados e conhecidossão: visão, audição, tato, olfato e paladar. Entretanto, o arquiteto Pallasmaa(2006, p. 43) aponta que James J. Gibson “classifica os sentidos em cincosistemas perceptivos: sistema visual, sistema auditivo, sistema gusto-olfativo,sistemadeorientaçãoesistemaháptico”.Portanto,estesistemadeorientaçãoéessencialparaqueaspessoascegaspossamcriarmapasmentais,eaprimorarseudeslocamento, onde decoram os nomes das ruas e pontos de referência dostrajetosquerealizamcomfrequência.

Nota-se tambémqueo sentidoconhecidopopularmentecomo tato, tambémpode ser denominado sistema háptico. Podemos aprimorar um sentido, ou umsistemaseoexercitamos.Aspessoasquepossuemafaltadeumsentido,passam

aexercitarosoutros,comoumaformadesuprirafaltadeumdossentidos.As experiências vivenciadas a cada vez que uma pessoa cega caminha

sozinhapeloespaçopúblicosãoretidasnamemória,e influenciamapercepçãode experiências posteriores. Quando uma pessoa desprovida da visão, porexemplo,sedeparacomalgumtipodeobstáculonumtrajeto,dapróximavezquedesenvolveopercursoprevêencontraromesmoobstáculo.

Em algumas escolas o professor que ministra aulas de orientação emobilidadeécego,emoutrasescolas,oprofessorévidente.Nestesegundocaso,hánecessidadedeumesforçoparabuscarcompreendercomoéapercepçãodemundodapessoacega, jáqueestetipodepercepçãoécompletamentediferentedeumapessoavidentequevendaosolhose tentecaminharpelasruas.Pessoascegascongênitas,desdenascença,desenvolvemdiferentesmodosdepercepçãoapartirdosoutrossentidos.

A abordagem fenomenológica propõe justamente a compreensão daalteridade,ouoacessoàconsciênciadooutro:aexperiênciaentreduaspessoasoumaiséproporcionadapelalinguagem.Portanto,oesforçodecompreenderasexperiênciasvivenciadasporpessoascegaspermiteumapartilhaeaprendizadomútuopelaintersubjetividade,ouasubjetividadecomum.

Há um sentido no qual os fatos fenomenológicos [phenomenological facts] sãoperfeitamente objetivos: uma pessoa pode conhecer ou falar sobre a qualidade dasexperiências do outro. Elas são subjetivas, no entanto, no sentido em que mesmo essaatribuição objetiva de experiência só é possível para alguém suficientemente similar aoobjeto da atribuição para estar apto a adotar o seu ponto de vista, para compreender aatribuiçãonaprimeirapessoatãobemquantonaterceira,porassimdizer.(NAGEL,2005,p.253).

Experiências de outros mundos vividos passam a incorporar o mundovivencial do pesquisador e do pesquisado, tornando possível uma abertura dediálogoparaaspráticas.

Oprocessodeensino-aprendizagemrequerumaabordagemfenomenológicaquebusqueumaanterioridadedoconhecimento,ouseja,antesdaelaboraçãodeatividadeseducativasvoltadasapessoascegas,realizaroquestionamento:como

ocorreapercepçãoporpessoascegas?Pararesponderaestequestionamento,énecessáriaumainvestigaçãoteórica,mastambémessencialapesquisaempírica.A fenomenologia não é um determinado fazer, é primeiro epistemologia, e nãométodo,éumareflexãosobreaposiçãodosaber.Nestesentido,éválidoqueseelaborem atividades e recursos didáticos, mas a diferença de uma pesquisafenomenológicaéaposturadopesquisador:oconstantequestionamentosobreapercepção do outro. Isto implica em despir-se das pré-concepções formuladassobre o mundo vivido e percebido pelas pessoas cegas, para a imersão nestemesmomundo.O cientista deve se conscientizar de que sua verdade é sempreprovisória.

Opresentetrabalhotemcomoobjetivoinvestigarapercepçãocognitivadoespaçoparapessoascegascongênitas,buscandocompreendercomoosujeitolidacomoespaço,formulasuasrepresentaçõesmentaisdeobjetosnoespaço,atravésdodesenho, deminiaturas, demapas formados namente e de imagensmentais.Para isto, são elaboradas atividades educativas que auxiliem na orientação,mobilidade de pessoas cegas através da percepção corporal e sensorialdemonstrando como o processo de ensino-aprendizagem pode auxiliar pessoascomdeficiênciavisual,ematividadescotidianas,comoalocomoçãoemespaçospúblicos. Discutindo, assim, metodologias possíveis de se abordar afenomenologianoâmbitodaeducação,atravésdaaplicaçãodestasatividades,adescrição,interpretaçãoereflexão.Foipesquisadoemreferênciasbibliográficas,práticas educacionais para pessoas cegas. Após a reflexão sobre as práticaseducacionais, foi articulada a intencionalidade pedagógica com o referencialteóricofenomenológico.

Ametodologia da pesquisa fenomenológica na educação busca sentidos esignificadosapontadospelossujeitos.Oprimeiropassoéadescrição.SegundoBicudo(2000,p.77)“éumprotocoloqueselimitaadescreverovisto,osentido,aexperiênciacomovividapelosujeito.Elanãoadmitejulgamentoseavaliações.Apenasdescreve.Paratanto,expõe-sepormeiodalinguagem”.

Como resultados, podemos citar cinco atividades que permitem refletir

acerca da percepção de pessoas cegas, e podem ser aplicadas no âmbito daeducação.Posicionaremosestasatividadesemtópicosaseguir.

CONSTITUIÇÃODOSOBJETOSNOFLUXODAEXPERIÊNCIAQuandoobservamosumcubo,podemosvernomáximo3ladosdocuboao

mesmo tempo. Entretanto, quando imaginamos um cubo, a imagem que vem àconsciêncianãoédeumadeterminadaperspectiva,massimumaimagemdocubocomosseislados(Figura1-Imagemdeumcubo).

Figura1-Imagemdeumcubo

Fonte:Autores,2016

Husserl apresenta o conceito de fluxo da experiência, que consiste naretomada da imagem da experiência presente. Os fenômenos anterioresinfluenciam a percepção do fenômeno atual. Esta perspectiva de Husserl temorigem no conceito de intencionalidade de Franz Brentano. Para Husserl, asexperiênciaspassadassãoretidasnaconsciênciae influenciamapercepçãodasexperiências atuais. A Noese se refere ao movimento ativo e o Noema, aomovimentoestático.

Cerbone (2014,p.53) explicaqueaanálisenoético-noemáticadeHusserlculminananoçãode“constituição”dosobjetosnofluxodaexperiência.Assim,

“os objetos são constituídos como ‘sistemas de apresentações adumbrativas’”.Paraexemplificarestetipodeexperiência,oautorcita:“Sevejo,nestemomento,um lado da pedra, ao virá-la, lentamente, os outros lados se revelarão, de ummodo ordenado e suavemente contínuo (desde que eu não pisque)” (idem).Portanto, cabe questionar se as apresentações adumbrativas são experienciadasdamesmaformaporpessoascegas,sobretudo,porpessoascegascongênitas.

Merleau-Ponty(2011,p.504)citaque“énecessárioqueacoisa,sedeveserumacoisa,tenhaparamimladosescondidos,eéporissoqueadistinçãoentreaaparência e a realidade imediatamente tem seu lugar na “síntese” perceptiva”.(idem,p.546)cita“(...)quandogiroemtornodeumobjetonãoobtenhodeleumasérie de visões perspectivas que em seguida eu coordenaria pela ideia de umúnicogeometral,sóháumpoucode“mover-se”nacoisaque,porsi,transpõeotempo(...)”.

Nestesentido,Cassirer(2011,p.323-324)tambémcolocaqueapercepçãoamplia as funções de sentido da consciência, onde os grupos de sentido sãoconectados formando a experiência. Cada conjunto da experiência forma umaestrutura,ondeépossívela transiçãoparaotodo,poisaconstituiçãodotodoérepresentada em cada momento. Assim, para definir a função representativa,Cassirer compara cada fenômeno a uma letra e a experiência a um texto, ondepodem ser “lidas” pelas pessoas.Esta leitura dos fenômenos possui uma cargacultural,ouseja,estãopermeadospelasubjetividadedecadapessoaqueporsuavezinfluenciamnaobservaçãodosobjetos.

Apartirdestasreflexõesnocampodaeducação,podemosinferirquenãosóasexperiênciasvivenciadasnocampodaeducação formal,masa totalidadedeexperiênciasvivenciadaspelosindivíduosteminfluêncianesseprocesso.

Aexperiênciavisualpropiciaumfluxointensoeconstantedeinformações,jáqueépossívelvisualizaruma infinidadedeelementosemumsó instante.Osrecursos visuais são osmais valorizados no processo de ensino-aprendizagem.Podemos tomarosmapascomoexemplo.Osmapasestãoemoutdoors, jornais,revistas, televisão, livros didáticos, materiais de divulgação turística, entre

outros.Naescola,quandooprofessoriniciaoconteúdodemapas,provavelmenteo aluno já viu mapas fora do contexto escolar, ou seja, já vivenciou estaexperiênciaumaoumaisvezes.Assim,quantomaisexperiênciassãovivenciadasacercadeumfenômeno,maisoalunoretéminformaçõesacercadasexperiênciasanterioreseaprende.

Por isto, a criança cega vivencia um fluxo menor de experiência, já quetemos uma cultura predominantemente visual.Ao iniciar o estudo demapas nocontexto escolar, é comum que a criança nunca tenha tateado um mapa. Nestesentido,oprocessodeensino-aprendizagemvoltadoaalunoscegos,devepensaremmeiosdepropiciarexperiênciasaosalunos.Masantesdeelaborar recursosdidáticostáteis,énecessárioseperguntar:comoseformamasimagensnamentede pessoas cegas? Conhecer outros modos de percepções permite às pessoasoutrasvisõesdemundo,oconhecimentodeoutrosmodosdeexistência.

Apessoa cega enxerga atravésdo tato.Entretanto, a imagemque apessoaformadosobjetosemsuamentenãoocorredamesmaformaquedeumapessoavidente.Porexemplo,temosanoçãodequequantomaisnosdistanciamosdeumaimagem,háumailusãodeópticaqueaimagemficamenor.Épossíveltirarumafotografia simulandoqueestamos segurandoo soloualgumprédio.Aspessoascegas não possuem esta noção, mas é possível compreender se explicadoteoricamente.Paraisto,épossívelqueaspessoastiremfotografiasdeobjetosemdiversasdistâncias,equeseimprimaestasfotografiasemumpapeledestaqueosobjetosemaltorelevo,paraqueapessoapossuaanoçãodecomooobjetopodeser representado em imagens bidimensionais e tridimensionais de diversasmaneirasdiferentes.

Apessoacega,aotocarcomasduasmãos,podesentirduaspartesdoobjetosimultaneamentecomasduasmãos.Aoselembrardoobjeto,nãoiráformarumaimagemvisual,masumaimagemtátil,ouseja,a texturadosobjetos.Tantopelavisãoquantopelotato,nãoépossívelobservarosobjetosemsuatotalidade,masa perspectiva de observação apresenta aspectos parciais, ou seja, enquantofenômeno.Acada experiêncianovos aspectos serãopercebidos, quenão foram

notados nas experiências anteriores, portanto, toda observação do mundo élimitada.

Paraseconstruirobjetosemaltorelevo,comoporexemplomapas,onívelde detalhamento deve ser menor que um objeto visual, já que são tipos deinformações diferentes e não é possível absorver a mesma quantidade deinformaçõesqueumainformaçãovisual.

Atualmente,impressoras3Djápodemreproduzirfotografiasemaltorelevo.Isabel Ferrari (2016) em uma reportagem doG1mostra que foi produzido umálbumsensorialdeumbebêparaseuspaiscegos,quecontavacomimagensemaltorelevoetexturas,ondeépossível“ver”atravésdotato.

Objetos pequenos, que podem ser explorados através do tato e que sãoutilizadoscotidianamente, comoporexemplo,pratos, talheres, escovadedente,chave, entre outros, são facilmente reconhecidos quando tocados. Objetosgrandes, como por exemplo casa, carro, prédio, mesmo que utilizados porpessoas cegas cotidianamente, não podem ser tateados por completo. Assim, aprimeiraatividadeeducativapropostaébuscarobjetosemminiatura,mostraraosalunos e deixar que eles explorem os objetos, sem pressa, para que possamperceber os detalhes, e compará-los aos objetos reais. Isto pode ser feito combrinquedos: carro, casa, trem, avião, utensílios domésticos como fogão, mesa,entreoutros.Estesbrinquedospodemserapresentadosemdiversasescalas,paraque o aluno desenvolva a noção do que é a representação de um objeto emminiaturaenquantoarepresentaçãodeumobjetoreal.

REPRESENTAÇÃOPELODESENHOOdesenhoéumaformadelinguagem,deexpressão,umaformaprimitivade

comunicaçãoquepodeserconsideradauniversal.Acriança,antesdeaprenderaescrever, desenha para se expressar, demonstrando sua subjetividade esingularidadeepartilhandoseumundovividocomooutro.Desenhasuacasa,suafamíliaeosobjetosquemaisestimaemostraseudesenhoaooutro,relatandoos

objetos.Representaemformadesimbologiaseussentimentos,comoporexemplo,desenhando corações. A criança, ao desenhar, desenvolve noções deespacialidade,temporalidadeemundaneidade,ouseja,arelaçãodacriançacomomundo,ondecriançadesenhaasimesmaeaooutro,aalteridade.

Acriançaaprendeaindasobresuaprópriahumanidade,namedidaemque,aodesenhar,acriançaestárealizando–reafirmandoeatualizando–algoancestraldesuahumanidade:acapacidade e a necessidade dos seres humanos de se deixarem em marcas.(JUNQUEIRAFILHO,2005,p.54)

A criança cega, geralmente é privada de desenhar e, portanto, de seexpressaratravésdodesenhoesereafirmar.Existemdiversasformasdacriançacega desenhar, mas muitas vezes as crianças não são incentivadas ao desenhodesdeainfância.

Atravésda imagemque representa, a criança imaginaomundo.Apesardenuncatervistocores,acriançapodesaberascoresdascoisasatravésderelatosdeoutraspessoas,eassim,viveratravésdesuaimaginação.

Uma das técnicas é colocar uma folha de papel sob uma textura áspera edesenhar utilizando giz de cera. Assim, o desenho ficará em alto relevo. Adesvantagem,équeorelevonãoficamuitoperceptívelaotato.

Outra técnicaépegarumafolhadepapelalumíniocomgramaturagrossaecolocarsobumasuperfíciemacia.Assim,podeserdesenhadocomumacanetaeodesenhoficaráemaltorelevodoladooposto.Adesvantageméqueodesenhodeveráserespelhado,ouseja,apessoadesenhadeumladoeoaltorelevoficarádooutroladodafolha.

Sá,CamposeSilva(2007)apresentamatécnicadecolarvelcrosobreumaprancheta,passarumfiode lãpordentrodeumtubodecanetaedesenharcomestamesmacaneta,ondealãficarápresaaovelcro,portanto,alãficarápresanovelcro em alto relevo, e pode ser tocada aomesmo tempo em que se desenha(Anexofigura2-pranchetadevelcroparadesenho).

Figura2-pranchetadevelcroparadesenho

Fonte:Roqué,2014.

Concorda-se com que Duarte (2004) “esquemas gráficos desenhados emrelevo realizados com materiais e métodos adequados, podem permitir àscrianças cegas ummeio de comunicação que (...) é plural e inclusivo, alémdepossibilitarapercepçãopossíveletotalizadoradosobjetos”.Ouseja,acriançaque desenha, passa a imaginar e refletir sobre as diversas possibilidades derepresentação de um objeto, e assim, aumentar as possibilidades de fluxos daexperiência.

Parademonstraràpessoacegacomoumobjetopodeser representadoporváriasperspectivas,podemosapresentaraelaumobjetoeasrepresentaçõesemalto relevo nas perspectivas vertical, horizontal e oblíqua, bem como asinformaçõesembraille.Noexemplodafigura,foiapresentadaumaxícara,objetoconhecido e familiar, utilizado no cotidiano (ROQUÉ, 2014) (Anexo figura 3 -representaçãodeumaxícaraemaltorelevo).

Figura3-representaçãodeumaxícaraemaltorelevo

Fonte:Autores,2014

Este exemplo de representação em diversas perspectivas pode serdemonstradocomvariadosobjetosqueapessoatenhaacessoemseucotidianoesejamsignificativosparaela.Apartirdestacompreensão,podeserpropostoaoalunoqueescolhaumobjetoe representeemdiferentesperspectivas,utilizandoalgumas das técnicas de desenho citadas acima. Assim, no exemplo abaixo asfigurasapresentamumacadeiraconfeccionadacompapelesuarepresentaçãonodesenhodapranchetadevelcro(Figura4-representaçãodeumacadeira).

Figura4-representaçãodeumacadeira

Fonte:Autores,2014

Asperspectivasescolhidaspara representaracadeira foramaverticaleahorizontal.Aperspectivaoblíquaéarepresentaçãodatridimensionalidade,ondeseapresentamtrêsladosdafigura,comooexemplodocubodafigura1.Estetipode representação se tornamais complexo para a distinção de uma pessoa cega

congênita, mas não significa que a pessoa seja incapaz de ler figurastridimensionais,comoapontaSilva(2000),

Quandooscegoscongênitos,aoexaminarhapticamenteumdesenho,nãoalcançamumaconcordância nominal, isso não implica, necessariamente, que o sistema tátil não sejacapazdereconhecerfigurasbidimensionaistangíveis,ouqueocegocongênitonãoestejaapto a entender essas figuras, pornão ter experiênciavisualprévia. Isso apenas sugereque os cegos congênitos, por não estarem acostumados a observar padrõesbidimensionais,teriamummenorbancodememóriapictográficaqueosvidentesvendadose os cegos adventícios, os quais detêm um maior registro dessas configurações namemória(SILVA,2000,p.7).

REPRESENTAÇÕESPORMAQUETESEMINIATURASParacompreenderoqueéumarepresentaçãodeobjetosnoespaço,podeser

propostaaseguinteatividade:emumacaixadesapatos,érepresentadaasaladeaula,recortandooespaçodajanelaedaporta.Sãocolocadascadeirasnasaladeaula,epedidoparaqueosalunosidentifiquemaposiçãodascadeirasecoloquemnamesma posição a representação (anexo figura 5 - representação da sala deaula).

Figura5-representaçãodasaladeaula

Fonte:Autores,2014

Umapessoacegapodetocareprontamentereconhecerpequenosobjetosqueestão no cotidiano, como roupas, utensílios de cozinha, material escolar, entreoutros.Entretanto,grandesobjetos,comoprédios,montanhas,rios,apessoacega

nãoconsegueteranoçãodatotalidadesemquehajaarepresentaçãodoobjeto.Porexemplo,aspessoasvidentespodemconhecerosistemasolaratravésdeumdesenho,umamaquete,mesmoquenuncatenhavistoacoisarepresentada,podeafirmarqueconhece,pelarepresentação.Umapessoacegapodetocarnaparededeumprédio,tocarnochão,subirnotelhado.Masnuncateráanoçãodotodo,senãohouverumarepresentaçãoemminiatura.Portanto,maquetesdeminiaturassãoformas de acessar o mundo, fazer novas descobertas, construir e desconstruirrepresentaçõesmentaisdosobjetos.

Quemtocaeapalpanãoéaconsciência,éamão,eamãoé,comodizKant,um“cérebroexteriordohomem”.Na experiênciavisual, que leva aobjetivaçãomais longedoque aexperiência tátil, podemos, à primeira vista, gabar-nos de construir omundo, porque elanos apresenta um espetáculo exposto à distância diante de nós, nos dá a ilusão deestarmos imediatamente presentes a todas as partes e não estarmos situados em partealguma.(Merleau-Ponty,2011,p.424)

Figura6-representaçãodociclodaágua

Fonte:Autores,2014

Oexemplodeumprocessoquenecessitadeumarepresentaçãopormaqueteparaquepossasercompreendido,éociclodaágua.Amaqueteabaixoapresentaaevaporaçãodaáguanosoceanosematas,aformaçãodenuvenseaprecipitaçãonamontanha, onde a altitude faz com que se formem geleiras que se derretem,originandocursosdaáguaemdireçãoalagoasemareseoretornodociclo.Alémdisto,amaqueteapresentaaformaçãodedunasedeltas(Figura6-representaçãodociclodaágua).Assim,arepresentaçãoauxiliaacompreensãodeumsistema

queenglobamontanhas,riosemares.

REPRESENTAÇÃOPORMAPASKozel (2006)partedeumenfoquehistórico-culturalnodesenvolvimentoe

interpretaçãodemapasmentais.Osmapaspodemserdefinidoscomoumaformade linguagem que possibilita expressar elementos que estão no imaginário doindivíduo.

A partir disto, é possível analisar a representação do mundo vivido dosindivíduosconformeocontextosocialecultural.SegundoKozel(2006,p.121),“ovividosimbólicoserevelanasimagenselaboradaspelosindivíduosemsuasrepresentaçõesoumapasmentais”.Kozel desenvolveu ametodologiademapasmentais voltado ao desenho de pessoas videntes, mas como já apresentado noiníciodoartigo,tambémépossívelquepessoascegasdesenhem.Assimcomooprocesso de leitura e escrita de uma língua acontece simultaneamente, aaprendizagemdaleituraeproduçãodemapasdeveocorrer.Parasecompreenderummapa,deve-setambémsaberproduzir.

Após compreender a representação de objetos em diferentes ângulos deperspectivas,utilizaratécnicadapranchetadevelcroparadesenho,compreendera sala de aula e sua representação em uma caixa de papel, outra atividadepropostaé recortar retânguloscomapartemaciadovelcro,pintarepedirparaque o aluno cole na prancheta de velcro, utilizada para o desenho, na mesmaposiçãoemqueseencontramasmesasdasala,comonafiguraabaixo(Figura7-representaçãodasaladeaulacomvelcro).

Ao realizar as atividades anteriores, o aluno passa a conseguir simbolizarelementosnomapaquecorrelacionecomoselementosreais,ouseja,estabelecerarelaçãoentrerepresentante-representado.

Omapapodeserdesenvolvidoemdiversasescalas:mapadasaladeaula,da escola, das quadras ao redor da escola, do bairro em que a escola estáinserida,eassimpordiante.Oalunopodetocaromapaàmedidaquecaminha,

identificando sua localização. Na figura 8, o professor demonstra a uma alunacegaomapatátildaescola,ondeelaidentificaassalasdeaulaenquantocaminhapelaescola.

Figuras7e8-RepresentaçãodasaladeaulacomvelcroePlantabaixadaescola

Fonte:autoras,2014

As diferentes escalas domapa possibilitam ao aluno que experiencie umarelaçãodiferente como espaço.SegundoMerleau-Ponty (2004, p. 341) “[...] aorientaçãonoespaçonãoéumcarátercontingentedoobjeto,éomeiopeloqualeu o reconheço e tenho consciência dele como de um objeto”.Namudança deescala, os objetos são percebidos de diferentes perspectivas, o indivíduo seprojeta no mundo de diferentes formas. “Quando eu me movo, as coisaspercebidaspossuemumdeslocamentoaparentequeéinversamenteproporcionalàsuadistância”(MERLEAU-PONTY,2000,p.211).

Omapada figura9mostra aquadrada escola identificadacoma legendaBraille,easquadrasaoredordaescola.

Figura9-mapaemaltorelevodasquadrasaoredordaescola

Fonte:autoras,2014

Assim, a pessoapassa a ter a noçãodasdiferentes escalas, ondeparte dasaladeaula,paraaescolaeasquadrasao redordaescola. Istopermitequeapessoacompreendaasnoçõesdoespaço,dosobjetos,domundoemrelaçãoaoseucorpo.

Golin et al (2009) aplicaram a metodologia de mapas mentais a pessoascegas, onde uma pessoa cega utilizou giz de cera para desenhar um trajetoenquanto ia narrando os elementos de referência (Figura 10 - mapamental dotrajetodeumapessoacega).

Ao caminhar em ambientes, as pessoas cegas formulam mapas na mente,desenvolvemumanoçãoespacialdeorientação.Estapercepçãoocorreapartirdoprópriocorpoenquantoponto-zero,ouseja,apartirdocorpoquepartemtodasasperspectivasdeobservação,queMerleau-Pontydenominaesquemacorporal,“umamaneiradeexprimirquemeucorpoestánomundo”(Merleau-Ponty,2011,p. 147). Depraz (2011, p. 65), “ponto-zero significa que minha carne está naorigemde todoespaçosemserelamesmaespacial,umavezqueelaé, emseunúcleopulsionalúltimo,ainobjetividademesma.”.

Figura10-mapamentaldotrajetodeumapessoacega

Fonte:Golin,et.al,2009

Nãoépossívelgostardealgosemconhecer.Oconhecimento,épropiciadopormeio dos sentidos e das experiências empíricas com omundo, ou seja, nainteração sujeito-objeto.SegundoTuan (2012,p.19) “Topofilia éo elo afetivoentre a pessoa e o lugar ou ambiente físico”. As pessoas passam a ter um

sentimentodeafetividadepeloslugaresondesesentemmaisconfortáveis.

Entendemos ser o lugar, categoria própria do conhecimento geográfico. Merleau-Pontynãofaladelugar,masdemundovivido,porémdeixaclaroqueestemundovividoéolugarondehabitamoshomens.Éprecisoreaprenderaveromundo.[...]éprecisoreaprenderavero lugar; esta aprendizagemsedá apartir dashistóriasnarradaspelosquevivemoslugares.(NOGUEIRA,2001,p.38)

Portanto,avivêncianoslugaresfazcomqueapessoatenhaumaapropriaçãointerior,ouseja,passeaatribuirsignificadossimbólicosaolugar.Avivênciadapessoa cega que percebe omundo através dos sentidos remanescentes passa aatribuirsentidoesignificadoaoselementosdesuapercepção.

Entretanto, há elementos na cidade que podem ser explorados, sentidos,tocados,mas a pessoa cega não sabe de sua existência, como por exemplo, asestátuas localizadas nas praças. A figura 11 (Anexo) mostra uma pessoa cegatocandoemumaestátualocalizadanapraça.

Elali(2009)apontaqueotermoparadesignaroapegoaolugaréconhecidocomoPlaceAttachment.Existem trêsdimensõesda relaçãopessoa-ambiente: afuncional,asimbólicaearelacional.

ParaCavalcante eElali (2011, p. 63), o primeiro grau de apropriação doespaçopúblicoéoolhar.Comoaspessoascegasseapropriam,então?Umadasalternativas seria através da participação política. Pessoas cegas deveriamcompor a equipe de planejamento urbano para opinar sobre suas questões demobilidade.

Figura11-pessoacegatateandoestátuaempraça

Fonte:Autores,2016

Épossívelacrescentaro“olhar”apartirdeoutrossentidos,quenãosejaavisão propriamente dita. SegundoLynch (1999, p. 2), “a cidade existemais doqueavistaalcança,maisdoqueoouvidopodeouvir”.Assim,aexperiênciadoconvíviocomaalteridade,apartilhadepercepções sobrediferentes formasdevereexperienciaromundo,permiteareflexãosobreoutrosmodosdeser.

CONSIDERAÇÕESFINAISDas cinco atividades demonstradas, a serem aplicadas no âmbito da

educação,seguemumasequênciadidática,ondeasexperiênciasdetocarobjetosparaaconstituiçãodeimagensmentais,odesenho,arepresentaçãopormaqueteseminiaturas,osmapaseaapropriaçãodelugares,constituemetapasnoprocessodeensino-aprendizagemdeformagradativa,ouseja,acompreensãodeatividades

anteriorespossibilitaacompreensãodeatividadesseguintes.Conclui-se que a partir de uma pesquisa fenomenológica em Educação, é

possíveldarvozaosujeito,colocá-lonaposiçãodeprodutordeconhecimento,ondenãoéumaviademãoúnica,ondeapenasoalunoaprendecomoprofessor,mas uma construção do conhecimento em conjunto, onde o professor primeirocompreende as representações mentais dos alunos e busca construir oconhecimentomutuamente.

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PERCEPÇÕESSOBREGEOGRAFIAESCOLAREOSSISTEMASDEAVALIAÇÃONOENSINOBÁSICO:ESTUDODECASOSOBREAESCOLAMUNICIPALULISSESGUIMARÃES(FORTALEZA/CE)

JULIANAOLIVEIRAANDRADEDepartamentodeGeografia,UniversidadeFederaldoCeará.

[email protected]

DepartamentodeGeografia.UniversidadeFederaldoCeará[email protected]

KELLYDOSSANTOSTAVARESDepartamentodeGeografia,UniversidadeFederaldoCeará.

[email protected]

INTRODUÇÃOOensinodeGeografiaserelacionacomanecessidadedese(re)conhecero

espaçogeográfico.AgeografiaintercalaadinâmicasuperficialdaTerra,espaçoproduzido e continuamente transformado pelo ser humano e as representaçõessocioculturais encetadas por esses processos. A premissa acima aborda opropósito das ações educativas nos domínios da Geografia escolar, que seriapropiciaraodiscenteumaanáliseinquiridoradarealidadesocialsobrediversasabordagens, inferindo uma forma propositiva de se situar diante dasproblemáticas contemporâneas (PONTUSCHKA, 1995). Logo, a formação dosprofessoresseconstróiemtornodessaideiacentral.Dessaforma,aabordagemdascontinuidadeserupturasnaproblemáticadoespaçoparaGeografiaescolar,adiscussãosobreadicotomiaentreateoriaeapráticaemsaladeaula,aestruturacurricular, metodologias, operacionalização didática dos saberes geográficosatravés dos recursos didáticos (não) diretamente associados à linguagemgeográficasão,apriori,inquietaçõesnoarcabouçodeformaçãodaslicenciaturasdeGeografia.

No entanto, nos espaços de diálogo da escola observa-se a ambiguidadeentre o discurso apresentado nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs)sobreoensinogeográfico,ProjetoPolíticoPedagógico(PPP)eregimentointernodasescolas,amarradasaumaconceituaçãoacadêmicadoidealemcontrapontoapossível subalternização da disciplina na estruturação do currículo escolarconectadas a uma realidade político-metodológica do âmbito escolar. Um dosaspectos queparecempermitir a visualizaçãodessa subalternizaçãodelineia-seatravésdossistemasdeavaliaçõeseducacionaisgovernamentaisqueanalisamascompetências e habilidades dos alunos da educação básica através demétodosquantitativos-valorativosdeproficiênciaemLínguaPortuguesaeMatemática.

Faz-se necessário questionar como se constrói a percepção dessa práticaenquanto esquema de significação da Geografia escolar pelos sujeitosenvolvidos. Seja o conhecimento geográfico operacionalizado como “saberdisciplinar”,ouainda,doreconhecimentodasgeografiasvivenciadas,ageografiamundana (OLIVEIRA, 2009). Utilizaremos as (não) implicações do SPAECE(SistemaPermanente deAvaliaçãoBásica doCeará) implantado em1992 pelaSecretaria de Educação do Estado do Ceará (SEDUC), atualmentecompreendendoaavaliaçãodosalunosdo2°ano(SPAECE–Alfa),5°e9°anodoensinofundamentaleoEnsinoMédiomensurandoodomíniodascompetênciasedashabilidadesesperadasnasdisciplinasdeLínguaPortuguesaeMatemáticanaconstruçãodocurrículodaEscolaMunicipalUlissesGuimarãesnacidadedeFortaleza–Ceará.

Atéondeaproblemáticaapresentadatemefeitosreaiseregulampráticasnasdiferentesinstâncias–produção,consumo,regulação,representação,identidade–dosprocessoseducativos,hierarquizaçãovalorativadasdisciplinas,entreelasaGeografia no planejamento curricular e uso do espaço escolar? Qual odesdobramento dessa perspectiva no ambiente escolar enquanto espaço demediação cultural e sua vinculação com o próprio projeto educacional que secolocaparaasociedade?

CONSTRUÇÃODOCURRÍCULOEAGEOGRAFIAESCOLARPara a compreensão da elaboração do currículo de Geografia e suas

características se faz necessário salientar o contexto das suas formulações eestruturas. Embora não se negue que as discussões e legislações acerca dascompetências do Estado sobre a educação compreendam toda a construção earticulações da formação do cenário político-social brasileiro circunscrita ademandasexteriores.Aapresentaçãodoideárioeprojetoeducacionaldoqualseconstruirá as análises presentes neste artigo partirá das políticas educacionaisimplementadasnadécadade1990.

ALei 9.394/96que estabelece a última formulaçãodaLei deDiretrizes eBasesdaeducaçãonacionalapontaanecessidadedovínculodaeducaçãoescolarcomomundodotrabalhoeapráticasocialasseguradaporumabaseeducacionalcomum (BRASIL, 1998). Elaborada e sancionada pós-Constituição de 1988, aLDBapresentadaem1996dialogacomopanoramaderedemocratizaçãoe(não)alterações políticas brasileiras iniciadas na década de 1980, paradoxalmente éreformulada através da centralização do poder público federal nas políticaseducacionais desdobrando-se em políticas de orientações curriculares queconvergem para os vínculos estabelecidos. Logo, (vide artigo 22) a educaçãobásica tem por finalidade assegurar a formação comum necessária para oexercíciodacidadaniadoeducandofornecendo-lhesubsídiosparaaentradanalógicadomundodotrabalho(BRASIL,1998).

Omodelodeeducaçãoqueseapresentaparaasociedadebrasileiradialogacom as necessidades de competitividade do mercado mundial. O contextopolítico-econômico das reformas educacionais da década de 90 perpassa odiscursododesenvolvimentoeconômico,asfrágeispolíticassociaisdoperíodoeasregrasdeconcessãodeempréstimosdosorganismosinternacionaissegundoalógica neoliberal (ARELARO, 2000). Dessa forma, o Estado assume a funçãoregulamentadora para a inserção da lógica proposta e a necessidade de umaeducação que ofereça equidade a todos os segmentos sociais legitima aargumentação para a inserção também isonômica no mercado mundial e,

ambiguamente, também constrói a fala da transformação social para além dalógicademercado.

Nessa perspectiva, os Parâmetros Curriculares Nacionais alinhavam àconstruçãodocurrículoescolarasestratégiasparaaefetivaçãodosapontamentosdaLDB.A querela sobre os PCNs, documento apresentado peloMinistério daEducação e Cultura em 1997, se polarizam sobre a caracterização deste maiscomoumaimposiçãodeumametodologiacurricularsustentandoumaconcepçãode educação do que um parâmetro democrático visto que na elaboração há aausênciadasfalasdosprofessoresdoensinobásico.

A discussão sobre as teorias do currículo apontadas porMoreira e Silva(1994, p. 7) se faz em torno da ideia do currículo como um “artefato social ecultural” ratificando relações de poder associadas a concepções de sociedade.Dessaforma,aideiadocurrículosetornacomplexonamedidaemquetodososelementos constitutivos deste passam a sustentar uma luta velada entreconcepçõessociaisqueselegitimamatravésdassalasdeaula.Ocurrículorefleteas perspectivas sobre o papel da educação num momento social. A discussãosobre as múltiplas estratégias curriculares encerra a problemática do estudoproposto.Ora,seocurrículoprescritoapresentaumaconcepçãoeumapropostaparaalcançá-la,parasuaefetivaçãosedefiniráummododeavaliaçãobaseadonosresultadosesperados.

As políticas educacionais de avaliações se encontram fundamentadas notexto da LDB (Art. 9º) assegurando processo nacional de avaliação derendimento.Arelaro(2000)observaqueapráticadeavaliaçõessubsidiadaspeloEstadoconfrontadiretamentea autonomiadoplanejamentoescolar,postoqueaavaliaçãotestaodesempenhodaescolacondicionadoaocurrículoestipuladonosPCNs independendo dos desdobramentos permitidos para a organizaçãoindividualdocurrículonasescolas(temas,conteúdos,estratégiasdeensino,etc.).Outro aspecto a ser considerado é omecanismo de premiação que se constróiatravésdasavaliaçõesinstitucionaisnasescolasequeserádemonstradoaseguir.

EAGEOGRAFIANOCURRÍCULO?ONDESEENCONTRA?OensinodeGeografiaserelacionacomanecessidadedese(re)conhecero

espaçogeográfico.AgeografiaintercalaadinâmicasuperficialdaTerra,espaçoproduzido e continuamente transformado pelo ser humano e as representaçõessocioculturais encetadas por esses processos. A premissa acima aborda opropósito das ações educativas nos domínios da Geografia escolar, que seriapropiciaraodiscenteumaanáliseinquiridoradarealidadesocialsobrediversasabordagens, inferindo uma forma propositiva de se situar diante dasproblemáticas contemporâneas (PONTUSCHKA, 1995). Logo, a formação dosprofessoresseconstróiemtornodessaideiacentral.

AabordagemdascontinuidadeserupturasnaproblemáticadoespaçoparaGeografia escolar, a discussão sobre a dicotomia entre a teoria e a prática emsaladeaula,aestruturacurricular,metodologias,operacionalizaçãodidáticadossaberesgeográficosatravésdosrecursosdidáticos(não)diretamenteassociadosàlinguagemgeográficasão,apriori,inquietaçõesnoarcabouçodeformaçãodaslicenciaturasdeGeografia.

Percebe-seapropensãodearticularoensinodeGeografiaauma‘fala’detransformação social visualizada na reprodução do debate acadêmico naspropostas educacionais de ensino das escolas e sistemas de referência para oensinodeGeografia.Odebatepretende“demonstrarcomoaGeografiarespondeàs exigências de um ensino que mais procura formar a mente do que entulharcérebros”(MONBEIG,1956,p.16apudOLIVEIRA,2009,p.25).

Desse modo, o olhar sobre um saber geográfico operacional, catalogadordosrios,montanhasepaísesparecesuperadonoâmbitodoensino.AconcepçãodosconteúdosprogramáticosapresentadanosParâmetrosCurricularesNacionaispelo Ministério da Educação no início da década de 90 reforça a ideia daformaçãodeumacidadaniaresponsável, fomentandoumaconsciênciacríticadesereestarnomundo(BRASIL,1998).

AcontroversaconstruçãodosPCNs,comopolíticacurricularalegitimaras(não) tradições escolares e orientações metodológicas, apresenta em sua

elaboração a dicotomia que continuadamente se reproduz na formulação dosProjetos Políticos Pedagógicos nas escolas da rede básica de ensino(fundamental).SegundoSpósito(1999)essadicotomiasecaracterizou,nadécadade90,naparticipaçãodepesquisadores e especialistasdeuniversidades edassecretarias de educação e ausência da fala dos professores do ensino básico,agentes,apriori,doprocessoeducacional.

Consequentemente, o debate do gene da elaboração do currículo e gestãoescolar em implementação nas escolas políticas perpassa nas tensões entre osprofessores, dialeticamente sujeito-obstáculo e sujeito-facilitador da efetivaçãodocurrículoemsaladeaula,eosidealizadoresdaspolíticascurriculares.

Naconstruçãodeumcurrículodetransformaçãosocial,háumacisãoentreocurrículoacadêmico,ocurrículooperacional eapráticadocente,osagentes secontrapõem.Lopes(2004,p.111)afirmaque,

porvezesomeioeducacionalsemostrarefémdessaarmadilhaeseenvolvenoseguintedebate: os dirigentes questionam as escolas por não seguirem devidamente as políticasoficiais, e os educadores criticam o governo por produzir políticas que as escolas nãoconseguemimplantar.

NaGeografiaescolarodebatesedesdobranafunçãotransformadoracríticadequeseapropriaadisciplinaeageografiaoperacional,superadanodiscurso,mas observada nas salas de aula. Esse debate apresenta, em conjunto com asconcepçõespedagógicasdocontextobrasileiro,asdistintasconcepçõessobreopapeldasgeografiasnasaladeaula,logoserefletemnaspolíticascurricularesenaspráticasdeensino.

No textode introduçãodosParâmetrosCurriculares, nodocumentoque serefere à disciplina Geográfica observamos a proposta de recuperação dosconceitosgeográficosenfatizadosnaretomadadoconceitodelugar.Aênfasenacategoria de lugar pelos PCNs propõe a articulação da subjetividade àcompreensão da complexidade do espaço geográfico definindo a abordagem eescolha dos conteúdos didáticos propostos. Essa tendência corrobora com osobjetivos gerais da área no ensino fundamental, objeto desta pesquisa. Os

objetivosdialogamcomapercepçãodeautonomiasocial,ouaindanumafaladetransformaçãosocialatravésdacompreensãodosprocessossócio-históricosquetransformamoespaçogeográfico.

AabordagemeobjetivosqueconsolidamopapeldaGeografiaescolarnosParâmetros Curriculares apresentam orientações para moldar uma proposta decidadania. A compreensão do espaço observando aspectos da realidade localinteragindo com a realidade global aparece como condição necessária para aconquista da cidadania, a construção do cidadão crítico e autônomo (MEC,1998). Em paradoxo, se observa mesmo com toda a leitura desenvolvida nosPCNs,que a institucionalizaçãodos sistemasde avaliação educacionais parecepromoverasubalternizaçãodadisciplinanocurrículoescolar.

O trabalho pretende identificar se a problemática apresentada tem efeitosreais,enquantoreguladoresdosprocessoseducativosnoâmbitoescolareopapeldaGeografiacomoespaçodemediaçãosocialdossujeitosenvolvidos.

DASAVALIAÇÕESEDUCACIONAISNo texto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL,

1998), o artigo 9 garante ao estado a manutenção de processos de avaliaçãonacional de rendimento escolar (ensino fundamental, médio e superior)objetivando, em colaboração com os sistemas de ensino, a definição deprioridades e a melhoria dos quadros de ensino. Dessa forma, desencadeandouma variedade de políticas educacionais governamentais e pontuais, posto sedirecionarem, em teoria, as especificidades e variedade dos contextoseducacionaisbrasileirosemregimedecolaboração.Logo,observa-seumfirmeposicionamento do papel da avaliação na efetivação político-metodológica daLDB,ouainda,

Trata-se de um poder inaudito posto nas mãos da União, através de uma avaliaçãosistêmica,sistemáticaeexterna:dorendimentoescolar,dasinstituiçõesdeensinosuperiore do desempenho do docente [...] Trata-se, pois de algo sistemático que faz parte daorganizaçãodaeducaçãonacional(CURY,2001,p.17).

O lugar das avaliações nas políticas educacionais para educação básicacentra-se no diagnóstico da quantificação dos conhecimentos e aptidõesadquiridos pelo indivíduo de acordo com o estipulado nos parâmetroscurriculares.Acredita-seque,emboraotextodaLDB(BRASIL,1998)susciteaautonomia e colaboração das demais esferas administrativas da União, aavaliação é condicionada às finalidades e objetivos do plano de educaçãoapresentadoà sociedade.Numahierarquia as avaliações, sejamelas estaduais,municipais, indicadoras demédias para questões particulares e urgentes, estãosubordinadas ao contexto das avaliações nacionais. Acredita-se que essascaracterísticas apresentam desdobramentos visíveis na prática das escolas. Areflexão sobre a avaliação realizada por Demo (1999, p. 1) nos aproxima docernedaconstruçãodasavaliaçõeseducacionaisdoestado,

Refletiré tambémavaliar,eavaliaré tambémplanejar,estabelecerobjetivosetc.Daíoscritérios de avaliação, que condicionam seus resultados estejam sempre subordinados afinalidadeseobjetivospreviamenteestabelecidosparaqualquerprática,sejaelaeducativa,social,políticaououtra.

A avaliação, nessa perspectiva, baseia-se nas abordagens propostas. Aavaliação do desempenho do aluno em conjunto ao planejamento das políticascurricularesapresentaumconjuntodemédiasindividuais,coletivas,quantitativase valorativas dos objetivos de ensino estabelecido (WACHOWICZ eRAMANOWSKI, 2003). As avaliações educacionais tendem a se articular aavaliação da prática do professor, sujeito-facilitador e sujeito-obstáculo noalcancedasmetasplanejadas.Osatoresdoprocessodeensinoeaprendizagemsão remanejados de acordo a atribuição classificatória das provas equestionários.

Consequentemente, o debate do gene da elaboração do currículo e gestãoescolar em implementação nas escolas políticas perpassa nas tensões entre osprofessores, dialeticamente sujeito-obstáculo e sujeito-facilitador da efetivaçãodo currículo em sala de aula, e os idealizadores das políticas curriculares. Aprática dos sistemas de avaliação educacional (seja nas esferas federais,

estaduaisoumunicipais)apresentaemlargaescalaredesamplasecomplexasdeensino, dessa forma, se configuram e se institucionalizam como principalferramentaparaaconstruçãodaspolíticaseducacionaisnaeducaçãobásica.

Acredita-sequeosprocessosavaliativosparaobtençãodedadosatendemauma proposta metodológica, ou ainda, contemplam uma perspectiva político-metodológicaentremeadanaconstruçãodoscurrículos.Dessa forma,quandoasavaliações que fornecem subsídios para a visualização do desempenho escolardos alunos, portanto, fornecem dados para a fomentação de políticasdirecionadas, analisam somente as competências e habilidades dos alunos daeducaçãobásicaatravésdemétodosquantitativo-valorativosdeproficiênciaemLínguaPortuguesaeMatemática,subalternizamasdemaisdisciplinasnocurrículoescolar.

Conectadas à realidade institucional do âmbito escolar, as avaliaçõesparecemsearticularaoPPPe regimento internodasescolas.Faz-senecessárioquestionar como se constrói a percepção dessa prática enquanto esquema designificação no espaço escolar e da Geografia escolar como disciplinasubalternizada(?)pelossujeitosenvolvidos.Orecortemetodológicoassinalaas(não) implicações do SPAECE (Sistema Permanente de Avaliação Básica doCeará) na construção do currículo da EscolaMunicipal Ulisses Guimarães nacidadedeFortaleza–Ceará.

OSPAECEAcontextualização realizadano trabalho refere-seà avaliaçãodeensinoe

sistema de ensino realizado pelo Governo Estadual do Ceará. O SPAECE,instauradoem1992pelaSecretariadeEducaçãodoEstado(SEDUC)nasceemrespostaaos indicadoresde repetênciaebaixas taxasdematrículanaeducaçãobásicacearenseapontadaem1990no1ºciclodoSistemaNacionaldeAvaliaçãodaEducaçãoBásica(SAEB)desenvolvidopeloMECnofinaldosanos80paraatender à demanda de avaliação da qualidade de ensino no Brasil (SPAECE,

2015). Segundo Santos (2010, p. 24), diante os resultados apresentados epercebendo a fragilidade dos discentes nas escolas públicas, alguns estados,dentre eles o estado do Ceará, implementam um sistema de avaliação própriootimizandoumtempomenorentreasavaliaçõesdoSAEB(realizadoacadadoisanos) sistematizando“umapolíticademonitoria e acompanhamentomais eficazaoensinoeaprendizagemdosdiscentes”.

Inicialmente, asMatrizes de Referências1 utilizadas pelo SPAECE tinhamcomoreferência-baseasmatrizescurricularesdoSAEBadaptadaspelaSEDUC.Em seguida, a avaliação de proficiência se articula com os descritoresalcançáveis e definições das disciplinas específicas nos PCNs agregado aoplanejamentocurricularestadual(SANTOS,2010).

Atualmente,compreendeaavaliaçãodosalunosdo2°anooEF(SPAECE–Alfa)eodomíniodascompetênciasedashabilidadesesperadasparaasetapasde escolaridade, nas disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática para osalunosdo5ºe9ºdoEFeturmasde1ª,2ªe3ªsériesdoEnsinoMédio(EM).Asinformações coletadas e questionários contextuais2 identificam a cada edição onível de proficiência, evolução do desempenho dos alunos e dimensões doambienteescolar(SPAECE,2015).

Segundo as informações institucionais, o conjunto demédias individuais ecoletivasdefinidasapartirdecortesnuméricosqueagrupamosníveisdaEscaladeProficiênciadefinidaspeloSPAECEecoletadasatravésdaavaliaçãoestadualpermite o diagnóstico da qualidade da educação pública no estado do Ceará(SPAECE, 2015). A Escala de Proficiência é caracterizada por padrões dedesempenho:muito crítico, crítico, intermediário e adequado – apresentando operfilindividualdecadaalunoavaliado,anotaçãoédadade0a500pontos:

•Muitocrítico:0a100pontos;•Crítico:125a150pontos;•Intermediário:175a200pontos;•Adequado:225a500pontos.Cadapadrãoapresentaoníveldehabilidadesdesenvolvidas,autonomiade

leitura e atividadescognitivas exigidas e/ouesperadas.Avaliando anualmente aredepúblicadeensinocearense,osistemaapresentaumdiagnósticopontualdosprocessosdeaprendizagemdasescolasatravésdeprovaspadronizadasnasáreasbásicasdeconhecimento–PortuguêseMatemática–oferecendo“subsídiosparaformulação emonitoramento de políticas educacionais” e práticas pedagógicasinovadoras nas escolas estaduais emunicipais de forma direcionada (SEDUC,2016).

A formulação do SPAECE apresenta três vertentes: a avaliação dedesempenho acadêmico, onde os testes são direcionados à quantificação daproficiênciaemLínguaPortuguesaeMatemática(aaplicaçãoanualdaavaliaçãopermite um acompanhamento da evolução do rendimento escolar nas áreasapontadas); avaliação institucional, ou seja, reflexões sobre o desempenho donúcleo gestor da escola, e professores (das áreas apontadas) e estudos epesquisas educacionais que apontam as problemáticas diagnosticadas nasavaliações quantitativas do sistema (SANTOS, 2010). Observa-se então que aapreensão dos conteúdos e objetivos de ensino das demais disciplinas édesapropriada na formulação das políticas educacionais que objetivam omelhoramentodaqualidadedoensinopúblico.

COMPREENDENDO A EMEF DEPUTADO FEDERAL ULISSESGUIMARÃES

A pesquisa se realizou na Escola Municipal de Ensino FundamentalDeputadoFederalUlissesGuimarães,localizadanaRuaTenenteFranciscoPaiva,1350,nobairroBomJardimsituadonaregiãosudoestedacidadedeFortaleza,Ceará.O bairro possui 37.758moradores, distribuídos numa área de 2,53 km²(dados de 20133). Na mensuração do Índice de Desenvolvimento Humano porbairro(IDH-B)realizadopelaPrefeituradeFortaleza,apartirdocruzamentodedados (Renda, educação e longevidade) do Censo Demográfico 2010disponibilizadopelo InstitutoBrasileirodeGeografia eEstatística (IBGE),dos

119bairrosfortalezenses,obairroBomJardimocupaaposição104,ouseja,o16°piorIDH4.

Essa instituição educacional foi criada em 1980 por meio de iniciativacomunitária para atender à demanda escolar do bairro periférico. Em 2001, aprefeitura, atendendo à solicitação da associação de moradores do bairro,adquireoprédioeseiniciaatramitaçãodoatodenomeaçãodaescola.Atravésdo decreto nº 11396, de 08 de maio de 2003, da Prefeitura Municipal deFortaleza, entra funcionamento pleno da Escola Deputado Federal UlissesGuimarães.

A escola se reporta à Secretária Regional V (Divisão de coordenaçãoregional por bairros na cidade de Fortaleza-CE) com turnos de funcionamentomanhãe tarde.Osníveis/modalidadesquefuncionamnaEMEFsãoaEducaçãoInfantil – Infantil IV eV;EnsinoFundamental I – 1ª a 5ª série, totalizando715alunos5.

Tabela1-Númerodealunosporníveis/ModalidadesdeEnsino

Fonte:RegimentoInternodaEMEFUlissesGuimarãescedidaspelaCoordenadoriaPedagógicadaescola

Tabela2–Númeromédiodealunosporturma,nosdiversosníveis/ModalidadesdeEnsino.

Fonte:RegimentoInternodaEMEFUlissesGuimarãescedidaspelaCoordenadoriaPedagógicadaescola

AESTRUTURAPEDAGÓGICAA elaboração do Projeto Político Pedagógico (instrumento que reflete a

proposta educacional da escola) da EMEF Ulisses Guimarães propõe umareflexãoamplasobreosprincipaisaspectosdavidaescolarapontandoanatureza,finalidade, estrutura e funcionamento no andamento da escola. Outro eixo

observadonaconstruçãodoPPPdaescolaéadefiniçãodosobjetivos,metasecompromissosemfunçãodaparticipaçãodacomunidadecomoumtodo.Aescolaem sua proposta de ensino se responsabiliza em desenvolver um trabalhoeducativo que vá além da adaptação dos educandos à realidade a que estãoinseridos, utilizando-se de uma pedagogia voltada para a transformação social,colocandooalunocomosujeitodesuaaprendizagemdespolarizandoosaber.

AsdisposiçõessobreoplanejamentoescolarencontradasnodocumentodeRegimento InternoEscolar daEMEFUlissesGuimarães sãodivididas emduaslinhas: Plano Educação Infantil (PEI); Plano Ensino Fundamental I (PEF)definindoasformasdeplanejamentoaseremrealizadoseexecutados.ParaoEF(Recorte proposto no trabalho) o planejamento, através dos conteúdos,metodologias, formas de acompanhamento e avaliação visa que o discente, aofinaldecadaanosejacapazde,principalmente:

•Compreenderacidadaniacomoparticipaçãosocialepolítica,assimcomoexercíciodedireitosedeverespolíticos,civilesocial,adotando,nodia-a-dia,atitudesdesolidariedade,cooperaçãoerespeito;• Conhecer características fundamentais do Brasil nas dimensões sociais, materiais eculturaiscomomeioparaconstruiranoçãodeidentidadenacionalepessoal;• Utilizar as diferentes linguagens – verbais, musical, matemática, gráfica, plástica ecorporal – como meio para produzir, expressar e comunicar suas ideias, interpretar eusufruir das produções culturais atendendo as diferentes intenções e situações decomunicação;• Saber utilizar diferentes fontes de informação e recursos tecnológicos para adquirir econstruirconhecimento;

Questionara realidadeformulando-seproblemase tratandoderesolvê-los,utilizandoparaissoopensamentológico,acriatividade,aintuição,acapacidadede análise crítica, selecionando procedimentos e verificando sua adequação.Diante do exposto, observa-se a sintonia entre as considerações da LDB eParâmetros Curriculares Nacionais e a construção do currículo da EF UlissesGuimarães.

Logo, o PEF dialoga com as abordagens apontadas pelos PCNs sobre opapel da Geografia Escolar. Um rápido olhar sobre a estrutura curricularapontada comobasedeplanejamentodoEFpara o ensinodeGeografia indica

uma valorização da geografia física desapropriada das correntes críticas e/ouhumanistas. A compreensão crítica articulada a um enfrentamento da realidadeproposta se encontra em segundoplano na construçãodo currículo.Até onde aproblemática apresentada tem efeitos reais e regulam práticas nas diferentesinstâncias – produção, consumo, regulação, representação, identidade – dosprocessos educativos, hierarquização valorativa das disciplinas, entre elas aGeografianoplanejamentocurriculareousodoespaçoescolar?

DOSPERCURSOSMETODOLÓGICOSERESULTADOSDEPESQUISAA pesquisa teve suas etapas metodológicas desenvolvidas no primeiro

semestrede2016.Elaborou-seinicialmenteumdiagnósticodaescolaEMUlissesGuimarães,situandoaescolaespacialmente,caracterizandoaestruturaurbanadoseu entorno, características socioeconômicas, a estrutura político pedagógicaatravésderegistros,circulares,documentosoficiais,análisedosplanosdeaulados professores de Geografia objetivando a obtenção de dados descritivosmediante a caracterização do método escolhido para o desenvolvimento dapesquisa,oslugaresdapesquisaqualitativa(MARTINS;BICUDO,2005).Logo,aestruturaçãodasetapasseconstróidaseguinteforma:

• É constituída a pesquisa documental, observando o processo de operacionalização doambienteescolaratravésdoProjetoPolíticoePedagógico(PPP)daescolaeRegimentoInternoEscolar;• Revisão bibliográfica sobre sistemas de avaliação educacionais nas esferas estaduais,PCNseopapeldaGeografiaescolar;•Análise dos resultados individuais daEMUlissesGuimarães noSPAECE, nos últimostrêsanos2013-2015eseusdesdobramentosnagestãoeespaçoescolar.

A investigação também conta com registros fotográficos e entrevistassemiestruturadas com professores e alunos, segundo o recorte da pesquisa. Aescolhaporentrevistassemiestruturadassedápelaflexibilidadeapresentadanaformulaçãodasquestões,possibilidadesdearguiçãodenovosquestionamentos,orientações e hipóteses a partir das questões que norteiam o objeto de estudo(MATTOS,2005).

Algunsapontamentos...O trabalho pretendeu identificar se a prática dos sistemas avaliativos

educacionaistemefeitosreais,enquantoreguladoresdosprocessoseducativosnoâmbitoescolareopapeldaGeografiaescolarcomoespaçodemediaçãosocialdossujeitosenvolvidosnaproblemáticaapresentada.Asobservaçõesreferem-seao acompanhamento do 5º ano B em sala de aula (abril a junho de 2016) emparaleloàpreparaçãodaescolaparaaavaliaçãoanualdoSistemaPermanentedeAvaliaçãoBásicadoCeará.

Os desdobramentos da pesquisa se referem a dois eixos específicos ecomplementares:oesquemadesignificaçãodaGeografiaescolarpelosalunosdeumasérieavaliadapeloSPAECE;easimplicaçõesdoSistemadeAvaliaçãonoplanejamentocurriculareusodoespaçoescolar.

NosbastidoresdaGeografiaescolarAfaixaetáriadosalunoso5ºanoB tardecompreendede10a14anos,a

turma possui crianças mais velhas, que são alunos repetentes e consideradosproblemáticos.AsaulasdeGeografiasãorealizadasdeacordocomaconstruçãodoplanodiário (divisão de tempo/conteúdo/atividade/procedimento), os alunosficam em constante processo de aprendizagem nas 4 horas/aula de Geografiarealizadanasquintas-feiras.Noentanto,aprimeirahoradasaulasdeGeografiaédedicada ao momento tempo para gostar de ler, iniciativa para aprofundar aleituraeinterpretaçãodetextosdosalunos,apontadacomoáreadedeficiêncianaescolanosquesitosavaliativos.Oprofessorlêlivrosdefábulas,leiturasinfanto-juvenisemvozaltaeosalunosdevemnodiaseguintetrazerumaresenhasobreashistórias. Em seguida é realizada a introdução da matéria de Geografia, oucontinuaçãodamatériadodiaanterior.

Indagadossobreoqueachavamdadisciplina,ousobreaimportânciadeseestudar Geografia, as respostas foram ambíguas, os alunos não realizavamcorrelações entre a Geografia escolar e suas vivências, apontam um

distanciamento da construção teórica do papel da Geografia no EnsinoFundamental apontada nas políticas curriculares.As respostas giraram entre “élegal,mostra todosos planetas domundo”6;“temmapas e tem ummonte decoisaneles”;“gostomaisquandofaladaFlorestaAmazônica,orestoémuitodifícil” e partiam para outros assuntos. Observa-se que os alunos têm noçõesbásicas dos contextos geográficos articulados ao senso comum e às sequênciasdidáticas apresentadas durante as observações. No entanto, a mediação dessasideiasestáarticuladaprincipalmenteaosgostospessoaiseessaéaformaqueseconstrói a assimilação do conteúdo apresentado, o que dificulta um panoramageraldaparticipaçãodasciênciasgeográficasnaperspectivadeensinoapontadasnos planos pedagógicos assim como ferramenta de reflexão crítica domeio emqueestãoinseridos.

OutrofatoranalisadoéousodaGeografiaapenascomofatordescritivodaterra, dos elementos físicos sem a análise da participação do homem natransformação do homem e os desdobramentos equivalentes. O que de certaforma,atendeàestruturadocurrículoparaoensinodeGeografiaparao5ºanodoEF apontada nos documentos de regimento escolar da escola, mas não éinteressanteparaoprotagonismoatravésdareflexãodoalunotambémapontadanosdocumentos.Ofatorhumano,culturaldoensinodeGeografiaéapontadoemsala de aula, mas nos textos complementares do livro didático, de formasupérflua.

OSPAECEnoâmbitoescolarAanáliserealizadaapontaosdesdobramentosearelaçãoentreossistemas

deavaliaçõesdoensinofundamentaleapráticaescolaremdiversasesferas.Deformasutilouobjetivaobserva-seodiálogoentreosprocessosdeaprendizagemeosindicadoresderesultadosdesejadosnasavaliações.

Numprimeiromomento,nointuitodeoportunizardeformamaisabrangenteo planejamento escolar, atendendo à determinação do MEC (CNE/CBE, nº18

/2012)7,ondeoprofessorpassariaoficialmente1/3desuacargahoráriavoltadaparaplanejamentoeformaçãocontinuadaforadasaladeaula,osprofessoresnaEMEFUlissesGuimarães foramdivididosemProfessoresRegentesA (PRA)eProfessoresRegentesB(PRB).OProfessorRegenteAministraasdisciplinasdePortuguês, Matemática, Ciências e Artes; e o Professor Regente B ministraHistória, Geografia, Recreação e Religião, assim os PRAs assumem na escolaumasalaúnicacomasdisciplinasrespectivasasuanominaçãoeespecialização,enquanto os PRBs, durante o planejamento obrigatório semanal dos PRAsassumem as demais disciplinas (sem especialização definida) a que foramdesignadosatendendomaisdeumaturmadiariamente.

Percebeu-se durante o períodode observaçãonoplanejamento semanal asfalasrotineirassobreaquedanosresultadosdeproficiêncianoSPAECEentreosanosde2014/2015easarticulaçõesestratégicaspararecuperaçãodosresultadosobtidosanteriormente.

(Tabela3)ResultadodeproficiênciamédiadaEMEFUlissesGuimarãesemLínguaPortuguesa–SPAECE8.LínguaPortuguesa

(Tabela4)ResultadodeproficiênciamédiadaEMEFUlissesGuimarãesemMatemática–SPAECE9.Matemática

Observa-seentãoumrankeamentoprodutivistadasescolas,ondeasescolascom maiores níveis de proficiência, mensuradas através de testes de múltiplaescolha em disciplinas específicas constituem o lócus das metas educacionaisestabelecidas pela SEDUC. Os resultados também influem em uma maioralocaçãodeincentivoserecursosfinanceiros,desenvolvimentodeprojetos,além

de visibilidade à gestão escolar, o que influi nos planos de carreira da equipepedagógica.DuranteaentrevistacomoProfessordocentedeGeografianaturmaanalisada,omesmoafirmounão reconheceravaliaçõesexternascomoSPAECEe/ouPROVABRASILcomoinstrumentosvalidadoresdeaprendizagem.Segundoomesmo,

[...]sãoavaliaçõesquevisamúnicaeexclusivamenteoranqueamentoeapromoçãodegestõespúblicas.Vejoqueasavaliaçõesnãosãopensadasdeformaaadequar-se ao contexto sócio educacional em que o aluno se insere. Para nós professoresregentes do 5° ano então, gera sobrecarga e stress imensos em decorrência dascobrançasporêxitoacadaperíododeaplicaçãodessestestes.Semcontarquepormaisquea lógicadoplanejamentosejaadequeoplanodeaulaéantesde tudoflexível, a esquematização do planejamento a ser executado no ano letivo vigenteficacomprometidoporcontadamonopolizaçãodasatividadesescolaresnaocasiãodoanúnciodoperíododeaplicaçãodoSPAECE(ProfessordeGeografia).

Nessa perspectiva, existe uma articulação dos esforços gerais para asatribuiçõesdasdisciplinasdeLínguaPortuguesaeMatemáticanesseperíodoemdetrimentodasdemais,porexemplo,noanode2016emfunçãodaavaliaçãonãoseranunciadacomantecedência,aescolaficoudesobreavisoenãosearticulouem relação às datas para realização de outros projetos estipulados noplanejamentoescolar.Dessaforma,nesseanonãohouveaFeiradeCiênciasdaescola, por exemplo. O decréscimo da escola no ranking no último SPAECE(realizadoem2015)emrelaçãoàsnotaçõesanterioresfoiumdosmotivosparaanãorealizaçãodaFeira.Naconstruçãododiagnósticodaescola–estruturafísicaepedagógica–osdadosapresentadosdemonstramqueapenasduassalasdeaulana escola como um todo são climatizadas, as salas do 2º e 5º anos, sériesavaliadaspeloSPAECEeProvaBrasil(5ºano).Aclimatizaçãodassalas,nessaperspectiva,éumdesdobramentodaboanotaçãogeralnoanode2014,ficandoacimadamédiadasescolasdomunicípiodeFortaleza,assimcomoumincentivoaosalunoseprofessoresnapromoçãodoconfortotérmico,jáqueaventilaçãoeiluminação das salas são apontadas como dificuldades estruturais da escola,interferindonoensino-aprendizagemadequado.

CONSIDERAÇÕESFINAISDe acordo com os resultados obtidos, observam-se as mediações na

formação docente nas instituições educacionais em contraponto às negociaçõesdaspolíticaseducacionais.Percebeu-seopapelsecundáriodasciênciashumanas,dentre elas a Geografia, no currículo da EMEF Deputado Federal UlissesGuimarãesemboratodoodiscursopolíticodaescolasejapautadonaconstruçãode um corpo discente reflexivo. Acredita-se que as ciências humanas possuempapelpreponderantenessedesenvolvimento,masemcerne,apreocupaçãoparecese concentrar somente a fazer com que o aluno consiga realizar interpretaçõestextuaisesaibarealizarasquatrooperaçõesmatemáticasbásicas.

A interpretação dessas características se dá através da observação daarticulação do currículo escolar para inserção das avaliações educacionaisestaduais–aexemplodoSPAECE–eodesmembramentodasdemaisdisciplinasofertadasnoensinofundamental.Nodiagnósticoproduzidosalienta-sequeatéaestruturafísicaescolaréinfluenciadapelaformulaçãopreparadaparaoSPAECE.Leva-se em consideração que a notação da avaliação resulta num maioralocamento de incentivos e recursos financeiros, desenvolvimento de projetos,alémdevisibilidadeparaagestãoescolardaescola.

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1Definiçãodoqueseráavaliadoapartirdoqueseesperadosalunosemcadaetapadaaprendizagem.

2OSPAECEutilizatrêstiposdequestionários:oprimeiroédirigidoaosalunos,permitindoaelaboraçãode indicadores relacionados ao perfil socioeconômico e hábitos de estudo, abrangendo também algumasdimensões do ambiente de aprendizagem; o segundo destina-se aos professores da Língua Portuguesa eMatemática;eoterceiro,aosdiretores.

3 JORNAL O POVO (2015). Disponível em:<<http://www.opovo.com.br/app/colunas/opovonosbairros/2013/05/16/noticiasopovoonline>>.Acessoem:4deabr.2016.

4DESENVOLVIMENTOHUMANO,PORBAIRRO,EMFORTALEZA(2016).Disponívelem:<<http://www.fortaleza.ce.gov.br/sites/default/files/u2015/25.02.2014_-_pesquisa_finalizada.pdf>>.Acessoem:4abr.2016.

5InformaçõescedidaspelaCoordenadoriaPedagógicadaescola.

6Rodadeconversa realizadacomosalunos (momentocedidopeloprofessor)nodia16de junhode2016.

7MEC,2016.Disponívelem:<<http://portal.mec.gov.br/seed/arquivos/pdf/tvescola/leis/lein9394.pdf>>.Acessoem:10jul.2016.

8 CAED, 2016. Disponível em:<<http://resultados.caedufjf.net/resultados/publicacao/publico/escola.jsf>>.Acessoem:22jul.2016.

9 CAED, 2016. Disponível em:<<http://resultados.caedufjf.net/resultados/publicacao/publico/escola.jsf>>.Acessoem:22jul.2016.

ENSINODEGEOGRAFIAECONSTRUÇÃOEPISTEMOLÓGICADOCONHECIMENTO:DOENSINOÀPESQUISAEDAPESQUISAAOENSINO

FRANCISCORINGOSTARPINTOPPGE/UERN/CAMEAM

[email protected]

PPGE/UERN/[email protected]

INTRODUÇÃOSomostodososdiasdesafiadosa(re)pensarasnossaspráticasdeensinoem

saladeaula,todavia,quandosetratadasatuaisexigênciasimpostasnaspráticaseducativas, que são inovação e renovação dessas práticas subjacentes àrealidade. “A prática escolar consiste na concretização das condições queasseguram a realização do trabalho docente” (LIBÂNEO, 1985, p. 19, grifonosso). Atuar com disciplinas como Português,Matemática, Ciências, Históriaexigecadavezmaisrefletiracercadaimportânciadessasáreasdoconhecimentonoensinobásico.

EquantoaGeografia?Seráqueumadisciplinatãosequiosadeautonomiaelegitimidade, não exige de nós enquanto professores refletir em torno dela, apartirdasuaimportânciaedoseupapelemsaladeaula?Umadisciplinaquetemcomo objeto de construção epistemológica do conhecimento, estudar oEspaçoGeográfico,apartirdoenfoqueuniversalaoenfoqueparticularouvice-versa?

ParaCavalcanti(1998,p.11),umpontodepartidarelevanteparaserefletirsobreaconstruçãodeconhecimentosgeográficos,naescola,pareceseropapeleaimportânciadaGeografiaparaavidadosalunos.Aautorareflete,aimportânciadesediscutirageografiaemtornodosentidodevidadoalunonoseucotidiano,a

partirdesuavivência,doseulugaredasuacultura.Porém,asaladeaula,comoparte integrantedoespaçoescolar, torna-seextremamente relevantecomopontodepartidaparaoensinoeapesquisa.

Oconteúdodo livrodidáticoporsi sónaGeografia,nãoésuficienteparadaraessadisciplina,a sua legitimidadeepistemológica.O livrodidáticoeraaúnicaeexclusivamenteaferramentametodológicausadanasaulasdeGeografia,isso só servia comomera descrição e depósitos de conceitos fragmentados noaprendizado do aluno, que eram e/ou ainda são transmitidos pelo professoratravésdachamadaaulaexpositivaeenfadonha,noqualpodemosdefinircomométodo bancário, tão denominado por Paulo Freire (2005), que são “aulasverbalistas, nos métodos de avaliação dos “conhecimentos”, no chamado“controledeleitura”,nadistânciaentreoeducadoreoseducandos,noscritériosde promoção, na indicação bibliográfica, em tudo, há, sempre a conotação“digestiva”eaproibiçãoaopensarverdadeiro”.

EssarealidadelamentáveldeumaGeografiatecnicistaelongedarealidade,aindapersiste, quandoexaminamoscomdetalheodepoimentodeprofessores eautores da Geografia retratando a precarização no ensino de Geografia. ParaCastrogiovanni (2007, p. 42) “muitos ainda acreditam que a Geografia é umadisciplinadesinteressanteedesinteressada,elementodeumaculturaquenecessitadememóriaparareternomesderios,regiões,paísesealtitudes,[…]”.Namesmavisão, Pires e Pinheiro (2009, p. 02) argumentam que “a importância de seaprenderGeografiapassadespercebidopelosalunos,namaioriadasvezes,poiseles acreditamqueprecisamapenasalcançarobjetivospropostospormeiodosexercíciosedasavaliaçõesrealizadasemsaladeaula”.

SegundoOliveira(1994)citadoporPiresePinheiro(2009,p.02)“osaberque vem sendo ensinado nas escolas, sobretudo de primeiro e segundo graus,aindaestámuito longedepermitiraos jovensacompreensãodomundoemquevivem e muito menos ainda permitido abrir-lhes horizontes para suatransformação[…]”.MasissoéculpadadisciplinaepropriamentedoprofessordeGeografia?AsafirmaçõesdeStraforini(2001,p.21),sãobastantepertinentes

aodizerque“[…]odesinteressedosalunospeladisciplinaepelasdemaiséoresultado do completo sucateamento da Educação, onde há ausência de tudo:materiaiserecursosdidáticos,infra-estruturafísica,baixossaláriosedeficiêncianaformaçãodosprofessoresedemaisprofissionaisdaEducação”.

Estetrabalho,giraemtornodeumateóricaeexploratóriateóricaembuscadequestionamentos e, sobretudo, respostas quanto às nossas dificuldadesde setrabalharalgumasdisciplinasquenoatualcontexto,aindasetornamenfadonhas,cansativaserotineiras,todavia,pelafaltademateriaiserecursostécnicos.

O objetivo deste trabalho, é retratar numa visão epistemológica acontribuição da Geografia para o ensino básico, não só do ponto de vista doensinopropriamenteditoemsaladeaula,masdapesquisaassumidatambémforada sala de aula, na troca pela via dialética do conhecimento entre professor ealuno,ouvice-versa.

Paraissoforamdeextremarelevânciaadiscussãoteóricadeprofessoresegeógrafos que discutem o ensino e a geografia em formação, como Libâneo(1985), Cavalcanti (1998), Pontuschka (1999), Castrogiovanni (2007), Santos(2012),entreoutrosteóricos,quediscutemoensinodegeografiaeaquestãodoespaço.

AESCOLAEAGEOGRAFIACOMO“LUGARES”DEDISCUSSÃODOSACONTECIMENTOSDOSÉCULOXXI

Dentreinúmerasdiscussões,nãopodemosdeixardediscutirsobreaescolacomo o espaço ideal e coletivo desse encontro participativo entre aluno eprofessor,paraqueoconhecimentopormeiodatrocadialógicadoconhecimentoentre estes indivíduos se desenvolva, sem levar em consideração que a escolaseja apenas o espaço de preparação ao mercado de trabalho e reprodutoradaquilo que o sistema capitalismo produz,mas, utilizando a visão deVesentini(1999),

Aescolanãoéapenasumainstituiçãoindispensávelparaareproduçãodosistema.Elaé

também um instrumento de libertação. Ela contribui – em maior ou menor escala,dependendo de suas especificidades – para aprimorar ou expandir a cidadania, paradesenvolveroraciocínio,acriatividadeeopensamentocríticodaspessoas,semosquaisnãoseconstróiqualquerprojetodelibertação,individualoucoletivo.(p.16).

É preciso crer na importância e no valor da escola como instituiçãolibertadora,dodesenvolvimentodoensinoedaaprendizagem,eondeasrelaçõessociais sãohistoricamenteconstruídase,culturalmente,valorizados, todavia,“aescolaridadeéumalongamarcha.Pode-sesemprefazermelhor”(PERRENOUD,1994,p.17,grifonosso).ComotambémassinalaCavalcanti(1998,p.129,grifodaautora),“aescolatemafunçãode“trazer”ocotidianoparaseuinteriorcomointuito de fazer uma reflexão sobre ele por meio de uma confrontação com oconhecimentocientífico”.

Ageografiaeaescolaestão intimamente relacionadas,pois,asdiscussõesda geografia no espaço escolar, estão associadas ora com a vida cotidiana doaluno,oracomosacontecimentosglobaisocorridosnodiaadia,jáqueaescolaé o lugar da sociabilidade, das trocas de experiências, da coletividade e dasdiversasmanifestaçõesexpressasculturalmenteporcada indivíduo.Aofalardaescolaedageografia,Cavalcanti(2012)afirmacombastantepropriedade,que:

Aescolaéumespaçodeencontroedeconfrontodesaberesproduzidoseconstruídosaolongodahistóriapelahumanidade.Elalidacomacultura,sejanointeriordasaladeaula,sejanosdemaisespaçosescolares.Ageografiaescolaréumadasmediaçõespelasquaisesseencontroeesseconfrontosedão.Ageografiaescolartambémé,noespaçoescolar,umlugardecultura(deculturas).(p.176).1

Contudo,Santiago,SantoseFilho(2015,p.24),noslembramque“aescolaéumespaçodeinterpretaçãoeproduçãodesaberes,bemcomodesistematizaçãodo conhecimento pela mediação e orientação do trabalho docente”. O lugarpropriamenteditodoencontroedoconfronto,dossaberesedodiálogoeda(re)produçãohistoricamenteconstituídaeculturalmentedosalunosedosprofessoresaolongodotempo,eaGeografiaéadisciplinaessencialparaestasdiscussões,namedidaemqueosacontecimentoscotidianos,osfatoscontidosnesteiníciodeséculo, as cenas da vida cotidiana, desde o local ao global ou vice-versa, são

partes integrantesdavidadosnossosalunosedenósprofessores, independentequetenhamumarelaçãodiretaounãocomanossaidentidade.

Numerosostemasquecostumamestaridentificadoscomageografia,sãooutendem a se tornar cruciais na educação básica, sobretudo no ensino médio.Conhecer omundo emque vivemos, isto é, o espaço geográfico, passando portodas as escalas intermediárias, identificar e analisar as relações entre asociedade e natureza, refletir sobre os problemas urbanos (que vão desde aviolência,aotráficodedrogas,afomeeamiséria),rurais,culturais,étnicos,etc.,todasessastemáticassãodeextremarelevânciacomoabordagenstemáticasentreprofessorealuno.

ACONSTRUÇÃODOSABERGEOGRÁFICOAPARTIRDOENSINOEDAPESQUISA

Ensinar é muito mais do que uma tarefa do dia a dia, é uma tarefadesafiadora,quenosfaz refletiremtornodenossapráticapedagógicaenquantoeducadores, pois, “[…]o professor precisa recriar todos os dias, a partir doconhecimento, a sua prática, tendo em vista a complexidade de saberes e dasdemandasexistentes”(OLIVEIRA,2015,p.373).NaspalavrasdeFreire(2011),

Nãoháensinosempesquisaepesquisasemensino.Essesquefazeresseencontramumno corpo do outro. Enquanto ensino continuo buscando, re-procurando. Ensino porquebusco,porqueindaguei,porqueindagoemeindago.Pesquisoparaconstatar,constatando,intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda nãoconheçoecomunicarouanunciaranovidade.(p.30).

Com a Geografia não é diferente, enquanto professores dessa disciplina,somos movidos pela missão reflexiva e formadora na busca apetitiva pelapesquisa,apensar juntocomoaluno,omundoanossavolta,apartirdonossocotidiano,dasrelaçõessociais,dasmanifestaçõesedanossahistóriadevida,eisso só ocorre a partir de nossas inquietações em torno daquilo que queremosconhecer,noentanto,oprocessodoconheceresaber,sósetransformamapartirdapesquisa.

Paratanto,pesquisaraquiloqueestáemnossaspossibilidadesdedocentesediscentes é de suma importância, para que se possa entender realmente osconteúdosgeográficoseparaqueelesentremnaformaçãopessoaleprofissionaldoaluno.ParaCavalcanti(1998,p.16),“AGeografiadefronta-se,assim,comatarefa de entender o espaço geográfico num contexto bastante complexo”. Navisãodaautora,“Oavançodastécnicas,amaioremaisaceleradacirculaçãodemercadorias, homens e ideias distanciam os homens do tempo da natureza eprovocamumcerto“encolhimento”doespaçoderelaçãoentreeles”(Ibidem,p.16,grifodaautora).

Defrontamo-nos todos os dias comummundoque vive constantemente emprocessodemudançaespacial,equeasmudançasocorridas,apartirdoavançodas técnicas, sobretudo da informação, faz com que o espaço geográfico, queparece tão imenso em seu contexto global, torne-se tão pequeno. Entender estemundo, é tarefa denósprofessores deGeografia, e contextualizá-lo navidadoaluno,éfunçãoprofissionalereflexivaquedevepartirdenossapráticadocente.

Diante da complexidade de mudanças significativas em torno do EspaçoGeográfico, no qual estamos discutindo, refletir sobre a pesquisa em torno daGeografiaenquantociêncianaacademiaedisciplinanaeducaçãobásica,aindanosvaledemuitosesforçosenquantoprofessoresepesquisadores.DiscutindoaspesquisasnoEnsinodeGeografia,(PONTUSCHKA,1999),afirmaque:

Até os anos 60, muito pouco sabemos sobre a produção de pesquisas voltadas para oensino e a aprendizagem da Geografia, a não ser pelas críticas aos livros didáticosrealizadossobretudoporhistoriadoresoupelosautoresque,nadécadade30,produziramlivrossobremetodologiadageografia,comdestaqueparaDelgadodeCarvalho.(p.113).

A autora ainda destaca a extrema contribuição dada por Delgado deCarvalho na Geografia, que por sinal foi muito importante na concepção e nopensamentoemtornodaGeografiadaépoca.

AMetodologia do ensino de geografia, publicado em 1925, constitui o trabalhomaisimportantedaGeografiadoBrasil,naprimeirametadedoséculoXX,escritoporDelgadode Carvalho, professor e diretor do tradicional Colégio D. Pedro II e o primeiro a sepreocuparcomoensinodegeografia,fundamentadopelométododepesquisaeensinoda

época e propondoumadistribuiçãomais precisa e lógica dos conteúdos.Esse estudiosointerferiu inclusivenasconcepçõesdessadisciplinanas reformasdeensinoocorridasnoiníciodoséculoemnossopaís(Ibidem,p.113).

A contribuição de vários teóricos ao longo da história do pensamentogeográfico, tem trazido inúmeras contribuições significativas à Geografia,principalmentequandosetrataemestudaroEspaçoGeográfico.Valedestacaragrande contribuiçãodeMiltonSantos, queno final da décadade 1970, em suamajestosaobraPorumaGeografiaNova,deuumaimportantevisãoautônomaàGeografia,elaborandooconceitodeespaçocomouma“instânciadasociedade”(SANTOS,2012,p.156).

AcontribuiçãodeMiltonSantosàGeografia,cominúmerasdesuasobras,deu a esta disciplina, uma visão mais ampla do mundo, a partir do progressotécnico,quejáseaceleravanofinaldoséculoXX,parainíciodoséculoXXI,noqual, o Meio técnico-científico-informacional (SANTOS, 2012), foisignificativoparaaevolução,rapidezeinstantaneidadedainformação.

Diantedetantasjádiscutidas,umadaspreocupaçõesemtornodaGeografiaenquantoCiênciaedisciplinapropriamentenaeducaçãobásica,émuitasvezesafaltadecontato interdisciplinarcomoutrasáreasdoconhecimento,equandosetem feito essa junção, o que há de mais percebido é o seu isolamento e suasubvalorização.

EM BUSCA DA INTERDISCIPLINARIDADE E NÃO DE UMADISCIPLINAISOLADA

Umoutropontoquenosobrigaaquestionaréatalfamosadiscussãosobreainterdisciplinaridade, e que é tão cara a ser trabalhada na educação básica,inclusive no ensino de geografia. Pois se na academia, a discussãointerdisciplinar, já é quiçá desafiadora, na educação básica, fazer uma ponteinterdisciplinar entre as disciplinas, não é apenas um desafio, todavia, umadificuldade.

A interdisciplinaridade é imprescindível na formaçãoprática-educativa do

professor,namedidaquenaconcepçãodeFazenda(2001,2010)apudFerreira(2010,p.16)“aformaçãoà interdisciplinaridadeéenunciadoradeprincípiosedeve ser apoiada por trabalhos desenvolvidos na área de formação”. A autoraaindacomplementaque:

A formação de professores para a interdisciplinaridade, indicadora de práticas naintervençãoeducativa,liga-seaodesenvolvimentodecompetênciaspara‘construirpontes’entreos conteúdosdasdisciplinasque lecionam, comosdeoutrasdisciplinasdoprojetocurriculardaescola,emvistadosujeitodaaprendizagem(Ibid,p.16).

A interdisciplinaridade consiste na junção de conteúdo das mais diversasáreas do conhecimento, e permite que o pesquisador enxergue num contextoheterogêneo os mais diversos problemas que podem ser compartilhados nadiscussãodeconteúdosquecadadisciplinaaborda.Comissoageografia,ciênciacomplexaporprincípio2 enquanto disciplina escolar, pode e/ou deve trazer noseu ideáriocientíficoe investigativopesquisasqueestãovoltadosaocampodasociologia,dahistória, comodeoutrasdisciplinas,queenfatizamosproblemassociais,porém,éimportantedeixarclaroquefazerumapontedeconteúdosentreasdemaisdisciplinas,éessencialparafortalecerocaráterinterdisciplinar,mas,ageografianãodevefugirdoseucaráterespecíficodeciênciaedisciplina,istoé,dosconteúdospropriamenteespecíficosvoltadosparaoseucampodeestudo.

Ao abordar a questão da Geografia em 1978, em seu livro Por umaGeografia Nova, Milton Santos (2012), retoma uma outra discussão, onde jádemonstravaumacertapreocupação,alertandoque:

Comageografia,alémdomais,estamosdiantedeumparadoxoque,aomesmotempo,éuma ironia. Na verdade essa ciência de síntese é, seguramente, aquela que, na suarealização cotidiana, mantémmenos relação com outras disciplinas. Tal isolacionismo émesmoresponsávelpelasdificuldadesqueelaencontraparaevoluir(p.126).

A preocupação de D. Harvey (1972) citado por Santos (2012, p. 126),também era notório ao dizer que “Sem dúvida a geografia, como disciplina desíntese, sempre teve grandes pretensões de grandeza. O ruim é que ela nuncadesenvolveu realmente os instrumentos necessários para chegar a um tal

resultado”.A interdisciplinaridade da Geografia com outras áreas de conhecimentos,

torna-se bastante positiva, para a contribuição destas. Diante disso, podemosperceberacontribuiçãoqueaGeografiapodeofereceràSociologia,quandoestapassaarefletirsobreosfatoseasrelaçõessociaishistoricamenteeculturalmenteconstruídasemtornodoterritório.AGeografiaaindaprecedemuitodestecontatointerdisciplinar com outras disciplinas, mas primeiro, ela tem diante de si, odesafio de superar o próprio dualismo de uma mera disciplina, que ésimplesmente capaz de fazer a descrição dos fenômenos naturais e ser atransmissorademeroconhecimentoentreoalunoeprofessor.

Diantedeumageografiaamplamentediscutida,desdeosseuspressupostoseaspretensõesteóricas,temosdiantedenós,geógrafoseprofessoresdeGeografia,a árdua tarefa, de fazerdessadisciplinade interesse equepossa aproximarosalunosàrealidadedomundoemqueestãoinseridos.

NavisãodePiresePinheiro(2009),

Paraosalunosgostaremeseinteressarempelamatériaensinada,éprecisoque,deumamaneiraoudeoutra,elessereconheçamnela”.Considera-seumtruísmoaafirmaçãodequeoensinodeGeografia,emparticular,apresenta-sedescontextualizadoemqueoalunoé,muitasvezes,ummeroexpectadorenãoumsujeitoparticípe(p.3)

Namesma direção,Cavalcanti (2003) citado por Pires e Pinheiro, (2009)salientaque:

[…]asrazõesprincipaisparanãosegostardeGeografiapodemseranalisadasapartirdedoispontos.Emprimeiro lugar,háumdescontentamentoquantoaomodode trabalharaGeografia na escola em segundo, percebem-se dificuldades de compreender a utilidadedos conteúdos trabalhados. Esses dois pontos, embora estejam intimamente ligados aoEnsino de Geografia, não focalizam propriamente o conteúdo da matéria ou oconhecimento geográfico enquanto tal. Ou seja, parece-me que “resolvidos” esses doispontosépossíveltornaroconteúdogeográficotrabalhadonaescolamaissignificanteparaoaluno(p.3)

Temos diante de nós professores, um trabalho amplo com a disciplina deGeografia no ensino básico de uma forma geral, tanto no que diz respeito aoEnsino Fundamental, quanto ao Ensino Médio e a nossa condição enquanto

docentesécuidarcombastanterigoreseriedade,amaneiracomoessaGeografiairásertrabalhada.NaopiniãodePontuscka(1999):

Otrabalhodoprofessordoensinofundamentalemédioécomplexo,pois,alémderealizara leitura do espaço geográfico, ou dos espaços geográficos, precisa fazer a leitura darealidade específica de seus alunos e daquilo que eles conhecem sobre o espaçogeográfico; compreender de onde se originaram seus conhecimentos e suasrepresentações, frutos da vivência, do senso comum. Que conhecimentos podem setraduzir em “não-conhecer” ou falso conhecimento. Só então o professor estará apto aproporproblemasdesafiadoresdecarátergeográficoparaaânsiadeconhecimentoqueacriança e o adolescente possuem; mas que, muitas vezes, não têm a oportunidade deexternarnaescola,emdecorrênciadosmétodospassivosutilizadospelodocente.

AGeografiaporsisóisolada,foradarealidade,nãohaveriaenãohaverácondições de ser trabalhada num contexto amplo do aluno, todavia, acomplexidade que condiciona a ciência geográfica, leva a crer uma ciênciainterdisciplinar, tantodosproblemassociais, comodessamesmasociedadequeproduzoespaço,oterritório,oslugareseasregiões.

Como a própria autora salienta, é necessário termos o conhecimento doaluno, para que partindo de suas experiências de vida e do seu cotidiano, elepossa entender e compreender, a maneira como os saberes geográficos sãotrabalhadosnocontextodarealidade,aopontodeseaproximardoseucotidianoesuahistóriadevida,emfunçãodesuaexistênciaerelaçãosocial,todavia,nãoéfácil ou não entende-se os contextos globais, se não partirmos dos contextoslocais, a partir da nossa realidade, da nossa relação de vida historicamente eculturalmenteconstituída.

O PROFESSOR DE GEOGRAFIA ENQUANTO SUJEITO ECONSTRUTORDECONHECIMENTO

Oprofessor deGeografia, enquanto detentor do conhecimento e construtordesse conhecimento, não deve apenas informar conceitos geográficos, e simajudaroalunoaaprender.EmsuaexcelenteobraSaberesDocenteseFormaçãoProfissional,Tardif(2002)defendecommuitapropriedade,duastesesatribuídas

àpráticaecompetênciadoatodeensinardoprofessor.

Primeiratese:osprofessoressãosujeitosdoconhecimentoepossuemsaberesespecíficosaoseuofício.Segundatese:apráticadeles,ouseja,seutrabalhocotidiano,nãoésomenteum lugar de aplicação de saberes produzidos por outros, mas também um espaço deprodução,detransformaçãoedemobilizaçãodesaberesquelhesãopróprios(p.237).

Aproduçãode saberesmanifesta-se apartir da interaçãododiálogoentredocente e discente no jogo interativo da discussão entre ambos, assim, para oprofessor de Geografia é essencial que ele faça dos conteúdos conceituais eprocedimentaisdaGeografiaumasaborosadegustaçãopelaaventuradoaprender.Todavia,“oprofessor,portanto,nãodeveapenasinformarconceitosgeográficos,esimajudaroalunoaaprender”(SELBACH,2010,p.21,grifodaautora).

A Formação do Professor deGeografia torna-se um ponto relevante nestadiscussão, na medida em que uma boa formação ao mesmo tempo continuada,permitequeesteprofissionalcontribuapositivamenteparaqueaGeografiatorne-se uma disciplina de extrema importância na vida dos alunos, estudando erefletindoacercadosacontecimentosemudançasocorridasnoterritório,semprecommuito cuidado e rigormetodológico, para que a relação entre professor ealuno, o tipo de condução dos trabalhos não sejam tratados como pontos dememorização, o que acaba por caracterizar como pontos de descontentamentoscomo ensino da disciplina e deixando de ser conteúdos originais, referentes epropriamenteditos.

Nopapelpreponderante exercido(a)pelo(a)Professor(a)deGeografia emsaladeaula,éextremamentepertinenteadiscussãocoletivaemsaladeaula,quenodizerdeCavalcanti(1998,p.163),

[…]pode tersemprecomoumadasfinalidadesareflexãosobreas funções intelectuaisqueastarefasvãoexigiresobreosresultadosdastarefas,paralevarosalunosaentenderasoperaçõesmentaisrequeridasparaaatividadeproposta;acompreenderosargumentosintelectuaisutilizadosnarealizaçãodatarefaeporqueoforam;aentenderasrazõesdesuasprópriasdificuldades.

Amesmaautoraaindasalientaque“umensinopreocupadocomaconstrução

de conceitos pelos alunos tem como importante caminho metodológico amanutenção de uma relação dialógica entre os agentes do processo: professor,alunos e matéria de ensino (que devem ser considerados interlocutores)”. OprocessodeconstruçãodeconceitosnaGeografia,istoé,lugar,paisagem,regiãoeterritório,categoriasanalíticasdoespaçogeográficosãoumdadoapriori,queirãopermitiraoalunoconhecer todososelementosqueestãobempróximosdasua realidade. A posteriori, ele irá compreender de maneira pertinente que aGeografia é uma disciplina de extrema importância para conhecermos osignificadodosfatoseacontecimentosdocotidiano,desdeumaescalalocal,atéumaescalaglobal.

ParaAlarcão (2011, p. 44), “Anoção de professor reflexivo baseia-se naconsciênciadepensamentoereflexãoquecaracterizaoserhumanocomocriativoe não como mero reprodutor de ideias e práticas que lhe são exteriores”.Cavalcanti (1998, p. 158), ainda ressalta que “no processo de construção deconhecimento,é fundamentala interaçãosocial,a referênciadooutro,pormeiodo qual se podem conhecer os diferentes significados dados aos objetos deconhecimento”. No que concerne ao processo de reflexão e no processo deconstruçãodeconhecimento,nãosomenteoprofessor,sobretudoodeGeografia,éagenteúnicoeparticipativodesteprocesso,masoalunotambémépeça-chavenessejogodeinteraçãoeproduçãodeconhecimentos.

Noentanto,paraqueoensinodeGeografiaaflorenoprocessodeconstruçãode conhecimentos, devemos ter em mente a verdadeira finalidade do ato deensinar,quenaspalavrasdeCavalcanti(1998):

Afinalidadedoatodeensinarparacriançasejovensdeveserjustamenteadeosajudaraformar raciocínios e concepçõesmais articulados e aprofundados a respeito do espaço.Trata-sedepossibilitaraosalunosapráticadepensarosfatoseacontecimentosenquantoconstituídos de múltiplos determinantes; de pensar os fatos e acontecimentos mediantevariaçõesdependendodaconjugaçãodessesdeterminantes,entreosquaisseencontraoespacial(p.24).

O professor deGeografia, vê diante de seu ofício, de suamissão, de suafunçãoenquantoeducador,osatributosnecessários,capazesdefazercomqueo

alunopossaconstruirapartirdoensinodeGeografia,oseuconhecimentoesuasconcepções diante de conteúdos que aguçam a sua curiosidade e lhe venhaquestionamentosparagerirumdebate,umadiscussãocomoprofessor,umavezque este profissional é um agente interativo e atuante no processo de ensino eaprendizagemeformaçãodoaluno.

Para tanto, este(a) profissional precisará agir coletivamente com outroscolegas profissionais da escola em que ele(a), para que juntos possam agir demaneirareflexivaecoerentenojogodialéticodoprocessodeformação.Todavia,Alarcão (2011) destaca a importância do trabalho coletivo do professor numainstituiçãoescolar,quandodestacaque:

O professor não pode agir isoladamente na sua escola. É neste local, o seu local detrabalho,queele,comosoutros,seuscolegas,constróiaprofissionalidadedocente.Masseavidadosprofessorestemoseucontextopróprio,aescola,estatemdeserorganizadademodoacriarcondiçõesdereflexividadeindividuaisecoletivas.Vouaindamaislonge.Aescolatemdesepensarasiprópria,nasuamissãoenomodocomoseorganizaparacumprir.Tem,tambémeladeserreflexiva(p.47).

Mas a escola realmente é um espaço de reflexão? Esse questionamento,inúmeras vezes, tornou-se e tem se tornado pauta de discussão, em artigos, emlivros,semináriosenopróprioambienteacadêmico,quandosefaladaformaçãodoprofessoredoseuatodeensinar.AindanaspalavrasdeAlarcão(2011,p.48)“aideiadoprofessorreflexivo,querefleteemsituaçãoeconstróiconhecimentoapartir do pensamento sobre a sua prática, é perfeitamente transponível para acomunidadeeducativaqueéaescola”.

NocasodoProfessoratuantenoensinodeGeografia,esteéomediadordotrabalho em sala de aula, entre o conhecimento científico e a aprendizagem doaluno,umavezque:

O professor como profissional do humano (como insisto em chamar-lhe), tem umaespecialresponsabilidadesobreasuaatuaçãopeloconhecimentodesimesmonoqueé,noque faz,noquepensaenoquedizouoautoconhecimento,queabrangeadimensãometacognitiva e metaprática, é mola impulsionadora do seu desenvolvimento pessoal eprofissional(ALARCÃO,2011,p.69).

OprocessodeformaçãodeprofessoresdeGeografia,quesedeuaolongodosanos,foiexatamenteosresultadosdosótimosprofissionaiseducadores,quevêm se destacando no ensino de Geografia na educação básica, porém, énecessárioqueacadadia,essadisciplinasejacadavezmaistrabalhadadeformasucinta,didáticaedinâmica,motivandooalunocadavezmaisnabuscaconstanteporconhecimentodentrodageografia.

CONCLUSÃOEstas sejam as considerações finais apenas deste trabalho, que por sinal

gerou uma riquíssima discussão teórica, a partir do Ensino, da construçãoepistemológicadoconhecimentoedapesquisa,queédesumaimportânciaparaaGeografia na sala de aula e o seu papel frente a um mundo que estáconstantementeemmudanças.

Aeducaçãoviveemconstanteprocessodemutação, sobretudoapartir dofinal do século XX para início do século XXI, com a chamada aceleraçãocontemporânea,pelaqual,priorizamosaestadiscussão.

QuandocolocamosaGeografianessecontextodaeducação,anossatarefaépensarnumaciência,oranauniversidade,quesejacapazdeformarprofessores,quepossamdar conta de explicar as transformações socioespaciais, culturais eeconômicas, ora, professores, sobretudo pesquisadores, atuantes na educaçãobásica, que possam quebrar o preconceito daquela velha fama que a geografiacarregouemseucampodeatuaçãoprofissional,queéaciência“enciclopédicaedecorativa”, e que sejam capaz de propor uma geografia escolar da reflexãocrítica,dialogandocomoaluno,conceitosetemas,quesejamcapazesdefazeroaluno pensar, criticar e aprender o seu cotidiano e a sociedade de uma formageral.

Portanto,discutiraeducaçãoeoensinodegeografianomundoatual,peloqual chamamos de aceleração contemporânea, é ao mesmo tempo discutirmudanças, desafios, a missão da geografia e do geógrafo enquanto professor.

Como bem escreveu Milton Santos (2012, p. 261), “uma ciência digna dessenome deve preocupar-se com o futuro.Uma ciência do homem deve cuidar dofuturonãocomoummeroexercícioacadêmico,masparadominá-lo”.

Porfim,estetrabalhonãoéafinalidadedeumadiscussãoteóricaemtornoda educação,mas baseia-se também em uma realidade empírica, quemotiva aconstrução de um trabalho que busque apresentar um norteamento de ideiascapazes de dar continuidade ao nosso projeto acerca do papel do ensino degeografia e do professor, como tambémpresentear o aluno na busca incessantepeloconhecimentoapartirdacuriosidadedoquestionaredoduvidar,levando-oaumavisãocríticadomundoemquevivemos.

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1Paraaautora,Culturaéumtermopolissêmico.Considera-seculturaumateiadesignificadosmaisoumenoscompartilhadosporgrupos,nãocomoalgoexternoaossujeitosqueaconstroem,mascomoumconjuntodinâmicodesignificaçõesconstruídashistoricamenteequeatuamnosprocessosdeidentificaçãodosdiversossujeitossociais.

2VerEdgarMorin,Acabeçabem-feita,2004,p.28.

AEDUCAÇÃODEJOVENSEADULTOSEOENSINODEGEOGRAFIANAESCOLACENTRODOSRETALHISTAS

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(BOLSISTASDOPIBIDDAGEOGRAFIA–UFC)

INTRODUÇÃOEste trabalho busca relatar uma experiência realizada em um dos estágios

curriculares, mais especificamente no Estagio Curricular Supervisionado emGeografiaII,comênfasenaeducaçãodiferenciada.Noqual,atravésdageografiacultural visamos trabalhar a cartografia partindo do conceito de lugar, com osalunosdaEJA–VnaEscolaEstadualCentrodosRetalhistas.

Analisamos as metodologias e quais seriam os conceitos geográficos quemais contribuiriampara uma aprendizagem efetiva, surgiu ideia do conceito delugar, metodologicamente explicamos os demais conceitos e aprofundamos emapenasum.

Oobjetivoeraconstruircomaturmaumconhecimentosignificativo,atravésde exemplos do dia a dia. E o conceito de “lugar” traz consigo granderepresentatividade,poressemotivofoioselecionadoparasertrabalhadocomaturma. Através desse conceito, procuramos perceber o sentimento depertencimentoqueosalunospossuemparacomoseubairro,quaissãooslocais

mais apropriados por eles, onde possuemmais afeto e quais lhe chamammaisatenção.

Cientedageografiacomoumaciênciadeentendimentodarealidadevivida,quepossuiemsuabaseossaberesdanatureza,mas tambémoshumanos,équepercebemosa importânciade se trabalharosconceitos-chavesemsaladeaula.Atravésdaabordagemdessesconceitosoalunopodereconhecererefletirsobreossujeitoseobjetosquepermeiamomeioemquevivem, transpondoaciênciageográfica,alémdosmurosdaescola.

A EJA busca diferentes metodologias que prioritariamente fuja do ensinotradicional,opúblicodessamodalidadedeensinoéumpúblicodiferenciado.Sãoalunos que buscam conhecimentos que não foram adquiridos ou encontram-sefragmentados. Geralmente são pessoas que estão inseridas no mercado detrabalho,quefazemgrandesesforçosparaestarnaescolaparaaprender.

Baseada nisso, surge a necessidade de dar aos alunos significado aoconteúdoestudadoemsaladeaula.Levando-osaconfrontara realidadevividaporelesearealidadevistanoslivros.Atravésdeindagaçõescomoquais:paraque issovai servir nomeudia a dia?Qual a relaçãodedeterminado conteúdocomomeucotidiano?Earespostaparaessaperguntaseriarespondidaatravésdoconceito de lugar que é dotado de peculiaridades, relações humanas, afeto epercepção.

OsentimentodepertencimentoéimportanteparaseentenderoLugardeumamaneirahumanística,queleveemcontaasubjetividadeeasdiferentesrelaçõesquesãoestabelecidasdentrodeummesmoespaço.Sabendoqueesselocaléfrutodeumadinâmicasocial,econômica,políticaenatural,ondesegundoTuan(1983,p.6),oespaçoémovimento,eolugar,umapausa.

HISTÓRICODEEDUCAÇÃODEJOVENSEADULTOS–EJAAEducaçãodeJovenseAdultos(EJA)éumprogramadogovernofederal

que tem como ponto principal fazer com que pessoas que não conseguiram

concluiroensinofundamentalemédio,concluamatravésdoprograma.OProgramaEJApossuicertificaçãodoCentroIntegradodeEducaçãopara

JovenseAdultos (CEJA)queesteúltimo,por suavez,possui autorizaçãopeloConselho Estadual de Educação do Ceará para ministrar ensino fundamental emédio.

AEJAfuncionacomoumestímuloaoregressodessaspessoasàsaladeaula.ServeajovenseaadultostrabalhadoresqueporalgummotivonãoconseguiramconcluirosestudosporNmotivosequeatualmenteprecisamconcluir,deformaque,possamaindatrabalharecuidardafamília.

Oobjetivo daEJA é transmitir uma educaçãode qualidade a pessoas quenãoestudaramnainfânciaouabandonaramosestudos,eassim,nãoconseguindoconcluir os estudos na idade apropriada. A EJA vem como um meio dessaspessoas estudarem e concluírem o ensino básico através da flexibilização dehorário.Proporcionandoassimainclusãodigitalearedemocratizaçãodoensino.

AtrajetóriadaEducaçãodeJovenseAdultosnopaís,iniciou-senoBrasilcolônia,aalfabetizaçãoficavaacargodosjesuítas,aeducaçãoeravoltadaparaassuntosreligiosos.

Tempos depois, especificamente na década de 1930 é dado importância àeducaçãodeadultos.Foradadoinícioaomovimentocontraoanalfabetismoparaassimaumentarocontingenteeleitoral.

Nesteperíodo,asociedadebrasileirapassavaporgrandestransformações,associadasaoprocessodeindustrializaçãoeconcentraçãopopulacionalemcentrosurbanos.Aofertadeensinobásicogratuitoestendia-seconsideravelmente,acolhendosetoressociaiscadavezmaisdiversos.Aampliaçãodaeducaçãoelementarfoiimpulsionadapelogovernofederal,que traçava diretrizes educacionais para todo o país, determinando as responsabilidadesdosestadosemunicípios.(RIBEIRO,2001,p.19.).

Na década de 40 a educação de adultos se instaura como políticaeducacional,períodonoqualédetectadoaltoíndicedeanalfabetismo.OBrasilvivia um período de pós-guerra e a Organização das Nações Unidas (ONU)exigiaqueospaísespregassemapazeaigualdadededireitosentreseuspovos.

Comisso,essefoiumperíodomarcadofortementeporcampanhasnacionais

de alfabetização. A população precisava ser educada para também seremreestruturadas as bases eleitorais. O aumento da produção e a qualificaçãotambémseriambenefíciostrazidosporessascampanhaseducacionais.

Em 1947 surgiu a campanha de educação de adultos que previa aalfabetizaçãoem3meses,depoisacontinuaçãocomumcursoprimárioemdoisperíodos,umdeapenas7meseseoutrojáseriaacapacitaçãoprofissional.

Essetipodeensinopassouasercriticadonofinaldosanos50devidoaseucarátersuperficial.Grandesdiscussõessurgemarespeitodesseassunto,destaca-se Paulo freire com a sua proposta de “educação conscientizadora” que seráinspiraçãoparamuitaspráticasquesereferemàeducaçãodejovenseadultos.

Paulo Freire vem a criticar a educação bancária, aquela onde o aluno éapenasoreceptordosconteúdosqueoprofessorapenasdepositaoconteúdoemsuasmentes,comosefossemgavetas.“Freirepropunhaumaaçãoeducativaquenão negasse sua cultura, mas que a fosse transformando através do diálogo”.(Ribeiro,2001).

Adécadade1960veioacompanhadadeumgolpemilitarfazendocomquehouvesseumretrocessonaeducação,poisnaépocaacreditava-sequeaeducaçãode adultos era uma ameaça à ordem o país e o consequente ocorreu exílio dePauloFreire.

No ano de 1967 é lacando o MOBRAL – Movimento Brasileiro deAlfabetização –, que manteve algumas das propostas anteriores, mas extinguiutoda a criticidade que as aulas pudessem ter. Assim, durante a década de 70,atingiutodooterritóriobrasileiro,tendosuaextinçãonoanode1985.

Em 1988 a constituição passa a garantir o ensino básico para jovens eadultos.Oanode1990émarcadocomooano internacionaldaalfabetizaçãoedeclaraçãomundialsobreaeducaçãoparatodos.

A década de 1990 é marcada pela extinção da fundação EDUCAR e acriaçãodoPNAC,épromulgadaanovaLeideDiretrizeseBasesdaEducaçãoNacional,Lein°9394/96,tornandoaEJAumamodalidadedeensino.

Atualmente, fóruns proporcionam discussões e aprofundamento no que diz

respeitoàEJAnoBrasil.AEJAbuscanãosomenteaalfabetizaçãoecapacitaçãodo aluno, mas que este desenvolva no aluno suas capacidades, e que cadaconhecimentoaprendidotenhasignificado.

O DESENROLAR DA PESQUISA NA ESCOLA CENTRO DOSRETALHISTAS

A pesquisa aqui apresentada se baseia em uma metodologia/análisequalitativa,buscandoomaiordetalhamentosobreosaspectosaseremestudadose não a generalização dos resultados que se alcança no estudo. Para o seudesenvolvimentoforamobedecidososseguintesprocedimentos.

Em um primeiro momento fizemos levantamentos bibliográficos para ummelhor embasamento, a fim de consolidar os conhecimentos a respeito dosassuntosabordados.FizemosusodetextosdeFreire(1989),Tuan(2009),Lima(2012).Queforamosprincipaisautoresqueembasaramanossapesquisa.

Emumsegundomomentopartimosparaavivênciaemsaladeaula,noqualnos primeiros dias ficamos com eles não como professores,mas como alunos,com o intuito de conhecer cada aluno de forma mais aproximada. Assimficávamosjuntosantesdeentrarnasalaecomeçaraaula,nointervaloenofimquandoíamosparaaparadadeônibus.

Eoterceiromomentofoiquandosaímosdopapeldealunoparaopapeldeprofessor e trabalhamos a cartografia usando as informações coletadas nomomento anterior, relacionando o conteúdo com as respectivas atividades,trabalhosemoradasdecadaestudantedaEJA.

CONHECENDOOSALUNOSAturmaassistidafoiaEJA-V,umaturmaquetinhasidoiniciadanocomeço

do ano de 2016 com30 alunos, no entanto foi observado a difícil presença detodos. Inicialmente nos apresentamos e explicamos o que faríamos, elesreceberam bem as informações e as propostas de intervenção e passamos a

convivercomcadaaluno.Peloquefoianalisadonosperfis,pudemosconstatarqueasalaeracomposta

poralunoscomidadeentre18e28anos,esseaspectorevelou-seumasurpresapoiseraesperadouma turmacompessoasde terceira idade.Todospossuíamomesmoobjetivo,queeraconseguirocertificadodeconclusãodoensinomédio.

OsalunosfalavamsobrefazeroExameNacionaldoEnsinoMédio–ENEM–econsequentementecursarumcursodeensinosuperior.Foiobservadoduranteas aulas constantes saídas dos alunos para sala de informática, para elesrealizaremsuasinscriçõesnoENEM.

Muitas informações aqui presentes resultaram de conversas e de umaentrevista (Figura 01) realizada com os alunos. Através dessas entrevistas econversas foram constatados que os principais motivos para as mulheresdeixarem de estudar foram por doenças, gravidez, trabalho, mudanças deendereços,pordificuldadesdeaprendizagemeoutrasapenasescolheramaEJApelaflexibilidadedehorários.

E o que as motivou a voltarem a estudar foi a influência dos pais e dosfilhos,poisnãoconseguiamensinarsuastarefasdecasa;outrasrelatavamquepornecessidadedeencontrarumamelhorprofissão;porterosonhodeentraremumafaculdade; e outra simplesmente por querer concluir o ensino médio. Algumasdizemqueaindaestãoemdúvidasquantoaocursoquequeremcursar,outras jásabem que curso superior gostariam, como por exemplo enfermagem, direito econtabilidade.

Jáoshomensemsuatotalidadeapontamcomomotivosparateremparadodeestudarotrabalho,muitoscomeçaramaajudaremcasacedoeatéosdiasatuaiscontinuam trabalhando. Apenas 2 alunos de 18 anos dizem estarem na EJAsimplesmenteporescolha.Osmotivosque induziramestesavoltaremaestudarforamconseguirconcluiroensinomédio,eumempregomelhor.

Figura01:Respostasdosalunos,deacordocomoquestionárioaplicado.

Fonte:Elaboraçãodosautores(2016)

Infelizmente não conseguimos entrevistar todos, pois a turma raramenteestavacompletaeosalunosnãogostavammuitodefalarsobreosmotivosqueoslevaramaestudarpelaEJA.Optamospelorespeitoparacomosalunosquenãoestavaminteressadosemparticipardapesquisa.

Osqueparticiparamgeralmentederamrespostasbemcurtas,oquedificultouumpouco a análise.Mas de forma geral percebemos que os alunos possuem anoção de que estudar é fundamental para conseguir crescer tanto pessoalmente,comoprofissionalmente.TambémacreditamqueaGeografiaémuitoimportante.Apesardenãosaberemexplicarparaqueamesmaserve,gostammuitodasaulasdeGeografiaeatribuemissoaoprofessorqueensinamuitobem,que“semprequepodetrazmatériasdiferentesparasetrabalharosconteúdosgeográficos”.

EXECUÇÃODAATIVIDADEApós esse primeiro exercício fizemosvisitas à escola, a priori a intenção

eraconheceresteespaçoetodasuapolítica.Nestemomentoutilizamoscâmerasfotográficas na qual tínhamos como objetivo registrar todos os aspectos daescola, inclusive a sua estrutura física. Além de fotos houve registro dasobservações no caderno de campo, como a descrição dos espaços internos eexternosdaescola.

A Escola Estadual Centro dos Retalhistas é relativamente pequena

comparada com outras escolas estaduais, a mesma possui: sete salas de aulapossuemestruturareduzidasecomparadascomoutrasescolasestaduais,umasalaparaosprofessores;secretaria;coordenaçãoedireção;umasalademultimeios,umaquadraeumacantinaondesãoservidososlanchesparaosalunos.

OlanchequeéservidoànoiteparaaturmadaEJA,éfeitoantesdaaula,assalas de aula para essas turmas são as maiores, possuem ar-condicionado eventiladores.

Planejamos nossa intervenção de acordo com o conteúdo que os alunosestavam estudando durante o período que passamos na escola, no caso estavasendoestudadaacartografia.Primeiramentepensamosqualseriaamelhorformadetrabalharmostaistemáticas,planejamosefizemosumplanodeaula.

Aaulafoidivididaemquatromomentos.Deiníciofizemosuma“chuva”deideiascomosalunosparaseperceberanoçãoqueelestêmdolugar,almejandoaconstrução do conceito geográfico. Em seguida, foram rememoradosconhecimentos Cartográficos prévios, como o conceito de mapa e os tipos demapa,estabelecendorelaçõesentreacartografiaeolugar.

Ao trabalhar o conceito de lugar buscávamos saber quais centros tinhamsignificados e importância para os alunos para assim trabalhar a cartografia.Baseado nas ideias de Tuan (1983), esse exercício implicaria em aprender apartirdaprópriavivência.

Posteriormente,osalunosconstruíramummapamental,representandoacasaque moravam e os principais pontos de referência nas adjacências desta, eapontando a localização de suas residências emFortaleza, utilizandoos pontoscardeais e colaterais. Além disso, os discentes apontaram os problemassocioespaciais em seus receptivos bairros.Assim, a legenda foi construída emconjuntoportodososqueparticiparamepudemosmontarummapademográficodaturmadeEJAAdaEscolaEstadualCentrodosRetalhistas.

Os bairros foram perguntados a cada aluno e assim foi construída umalegenda,pintandonomapaosbairroscomcoresdiferentesapartirdoquantitativodealunosporbairro.Assim,a legenda foiconstruídaemconjuntopor todosos

queparticiparamemontandoassim,ummapademográficoda turmadeEJAdaEscolaEstadualCentrodosRetalhistas.

A ideia é que o mapa demográfico da turma ficasse permanentementeexpostonasaladeaula,proporcionandoummaiorvínculoentreoprofessoreosalunos, e entre os discentes, facilitando trabalhos posteriores e trocas deexperiências, analisando e relacionando os principais problemas sociais ouambientais em diversos pontos de Fortaleza, haja vista o conhecimento dosbairrosderesidênciadecadadiscentepelosprofessores.

Foto01:Professorealunacomomaterialproduzidopelaturma.

Fonte:Acervodosautores(2016)

Foto02:Omomentodaintervenção.

Fonte:AcervodosAutores(2016)

No início da atividade a turma mostrou-se um pouco tímida, pois muitospossuíamcertoreceiodeexporsuasideias,masnodecorrertodoscomeçaramaparticipar; era perceptível o “sucesso” da intervenção; estavam todos muitoempolgados.

RESULTADOSPercebemos,atravésdaatividade,significativainteraçãoentreosalunosda

EJA,atravésdaconstrução,emconjunto,domapamental.O trabalhoemgrupofavoreceua socializaçãoentreosalunos,adiversidadede ideiaseaaplicaçãodosconhecimentosindividuais,emrelaçãoaosconteúdosgeográficosestudadosemaulasanterioreseapercepçãoacercadesuacidade.

Omapaficoupermanentementeexpostonasaladeaula,proporcionandoummaiorvínculo entreoprofessor e os alunos, facilitando trabalhosposteriores etrocas de experiências, quanto aos lugares de vivência dos discentes, emFortaleza. A relação entre o conceito de lugar e a representação cartográficatambémproporcionouaosdiscentes seposicionaremde formaautônoma,diantedesuarealidade.

NodecorrerdoprocessodedesenvolvimentodapesquisanaEscolaCentrodosRetalhistas,queocorreunumperíododequatromeses,buscou-seentenderacomplexidadeexistentenosistemaescolardiferenciado,emespacialaEJA.Foide imensurável valor poder adentrar as dependências desta Escola, conversarcom os sujeitos que a compõem. Isso tem um valor tanto acadêmico, quantopessoal.

Emrelaçãoaotrabalhodocente,percebeu-sequeoprofessordeGeografiaéconsciente do real sentido da Educação para Jovens e Adultos, pois a suametodologiadeensinocorrespondeàsnecessidadesdosalunosqueestãonessamodalidadedeensino.Arelaçãodoprofessorcomosalunoséamistosa,fazendocom que a aula torne-se proveitosa. Vale ressaltar a liberdade de ação, aautonomia do professor, no que se refere ao uso de metodologias que elecompreendecomorelevantesparaoensinodaEJA.

Foi de inestimável valor poder dialogar com alguns alunos desta Escola.Configurou-se um momento de compreensão do contexto social em que estãoinseridos. Eles muito contribuíram com a pesquisa, através de sua visão daEscola, do professor e da aprendizagem.É importante que se dê voz ao aluno,independentemente damodalidade de ensino. O discente, muitas vezes, é mais

inteiradoasituaçõesqueoprofessorouadireçãodaescoladesconhecem;poisocontatoentreosprópriosalunoséintenso.

Oquesepodeconcluir,aofinaldoEstágioCurricularII,équeaescolaéumespaço plural, de visões diversas, e que se deve buscar o diálogo entre osmúltiplos sujeitos, respeitando suas convicções e considerando suas opiniões.Alémdisso,aescoladeveservistacomumlugardepossibilidades.

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OCUPAÇÕES:CELEIROSDAFORMAÇÃODISCENTE

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(BOLSISTADOPIBIDDAGEOGRAFIA–UFC)

INTRODUÇÃOAolongodahistóriabrasileira,nosdiversossetoresdasociedade,conforme

nos conta Gohn (1995), houveram muitas lutas que foram empreendidas porgruposouclassessociaisobjetivandoaconquistadedireitosoubensnecessáriosaelas.Algumasdessaslutasforamrotuladascomoacontecimentosmarginaisoudisfunções na ordem social vigente, se transformando em lutas prolongadas oumovimentos que foram duramente reprimidos pelas forças oficiais do estado.Outras dessas lutas foram institucionalizadas, até suas conquistas seremincorporadasà sociedadecivil epolíticabrasileira.Dessamaneira, essas lutasconfiguram-se como elementos constituintes da democracia e cidadaniabrasileira,umavezquemuitosdosavançosverificadosnopresentesedevemaessasaçõesnopassado.

Na educação não é diferente. Conforme Libâneo “As propostas ereivindicaçõesemfavordaescolapúblicademocráticafazempartedoprocessomaisamplodas lutassociaisnasquaisaclasse trabalhadoraestáenvolvida”(LIBÂNEO, 2013, p. 37). Dessa maneira, entendemos que a educação, assim

comonosdemaissetoresdasociedade,épermeadapormuitaslutas,nasquaisapopulação desfavorecida vê a escola como lócus privilegiado para obter ainstruçãonecessáriapara lutarporseusdireitos, sendomeio insubstituívelparaabastecerapopulaçãonaslutaspelaeducação.

Noentanto,aslutasnaeducação,comonoscontaGohn(2009),dificilmentesãonotadaspela população, o que as torna invisíveis, tantoque somente agoraelas têm ganhado destaque na mídia, que na maioria das vezes manipula asinformaçõesaseucritério.

Dessamaneira,oconvidamosaobservarmaisdepertoeconhecerumpoucomais sobremais uma dessas lutas, as ocupações das escolas públicas da redeestadual de ensino, que começaram no fim de abril de 2016 e findaram emmeadosdeagostodomesmoano.

Nesse sentido, ao abordar essa temática elegemos uma escola da redepública estadual no Ceará para exemplificar como ocorreram as ocupações,localizada no bairroMessejana, na periferia da capital cearense, localizado naporçãosudestedeFortaleza.Éválidoressaltarqueaescolanãoseráidentificada,bemcomoosnomesdosocupantesnãoserãorevelados.

Se faz necessário lembrar ainda que as informações inseridas neste artigoretratam a realidade de apenas uma das escolas ocupadas no período emevidência. Portanto, outras escolas ocupadas vivenciaram realidades distintas,comsuasparticularidades.

Dessemodo ao longo deste artigo, procuraremosmostrar como ocorreu omovimento de ocupação na escola investigada, evidenciando os motivos queconduziramaosurgimentodasocupações,retratandoocotidianodomovimentoefinalizando com seu término. Dentro da argumentação do artigo também seráobservadoopapeldoprofessornessecontexto.

PROFESSORES NA RUA: A GREVE DOS DOCENTES DAS ESCOLASPÚBLICAS

No presente tópico, será explanado em linhas gerais sobre a greve dosprofessores,asmotivaçõesquelevaramàsuadeflagraçãoecomoelafoiumfatorquedesencadeouasocupaçõesnasescolaspúblicasdaredeestadualdeensinonoCeará.

Olhando para o passado, podemos compreender a gênese da greve dosprofessoresda redede escolaspúblicas estaduaisdoCeará.Desdeo iníciode2016, a direção do Sindicato APEOC1 vinha negociando com o Governo doEstadodoCearáoreajustede12,67%nosaláriodosprofessores.Masnapautadenegociaçõesconstavammuitomaisreivindicaçõesdoquesomenteoreajustesalarial. A categoria também criticava as condições de trabalho, com salasinadequadas, e laboratórios desequipados; criticavam a situação vivenciada nopresente em relação à educação em todo Brasil, como os cortes nas verbasdestinadasaelaetambémcriticavamocustodamerendaescolarparaosalunos.Haviaumdesejocompartilhadopelacategoriapormelhoriasnaeducaçãocomoum todo, não somente obras e medidas que resolvessem alguns dessesprovisoriamente.

Noentanto,oSindicatopassouaacumularinsucessosemsuasnegociações,o que culminou no fim de abril de 2016 na deflagração da greve geral dosprofessores da rede de escolas públicas estaduais no Ceará. Uma notíciasintomática deste momento foi veiculada no portal de notícias da AssembleiaLegislativa do Estado do Ceará no dia 29 de abril, quando ela comunicou:“Professores pedem reajustes de 12,67% no CE”2. Esta notícia retrata amobilização ocorrida no dia anterior (28), quando a categoria levou suasreivindicações ao Palácio da Abolição, sede do Governo do Estado,simbolizando assim sua insatisfação com este. Aquele seria um dos primeirosmomentosdagrevegeraldeprofessoresdaredeestadualdeensino.

Com o advento da greve da categoria de professores estaduais do Ceará,houveatéentãodesconhecidaparaocenárioeducacionalcearenseumarevoluçãodo corpo dos discentes, no qual os mesmos reivindicando seus direitos comocidadãosdecidirampreencherosespaçosqueficariam“vazios”dentrodaescola.

Essemovimentofoirevolucionárioparaogrupodosestudantes,umavezque,osmesmostornaram-seprotagonistasnalutapormelhoriasnaeducaçãoestadual.Notópico a seguir, esse movimento será abordado, dando ênfase à rotina dosocupantes e também à atuação dos professores neste momento que foge dasituaçãoregulardoensino.

PORDENTRODAOCUPAÇÃO:AROTINADOMOVIMENTODiante do contexto de greve anunciado no tópico anterior, as ocupações

nasceram como movimento em apoio aos professores. Esse apoio pode sercompreendidodeumamaneiramaisclaraaointerpretarodepoimentodeumdosalunospresentesnaocupação:

“Antes disso tudo começar (as ocupações), os professores aqui do Liceu noschamaramnoauditórioe fizeramumarodadeconversacomagente.Lembroqueeles falavam como lutar pela educação era necessário, e que isso não era umaresponsabilidade só deles. Foi aí que a gente viu que a gente tinha que em cenatambém, ocupando a escola, e logo de cara os professores apoiaram a gente,trazendocomidaetambémpapelhigiênico,sabão,essascoisas”(C.B.)3.

Libâneo(2013)eFreire(2009)qualificamaeducaçãocomoumatopolítico,queserealizanocontextodasrelaçõessociaisondesemanifestamosinteressesdasdiversasclassessociais.Assim,aeducaçãoirádemandardoprofessoredoalunoumposicionamento,oquepodemosverificarnasocupaçõesaointerpretaressedepoimento,quandoobservamosqueessesdoispersonagens–professorealuno–seapoiarammutuamente.Essaformadepensardosalunos,deocuparemapoio à causa dos docentes, se difundiu rapidamente entre os estudantes dasescolaspúblicasdaredeestadualdeensino,atingindoumaparcelasignificativadessas.ConformeoportaldenotíciasG1–Ceará,namatéria“Mesmocomfimdagreve,4escolasseguemocupadasemFortaleza”4,de11deagostode2016,onúmerodeescolasocupadasnoaugedagrevechegoua67noCeará.

Ao interpretar esse depoimento também entendemos que as ocupaçõescomeçaramapartirdaaçãodosprofessores,quelembraramosalunosquealuta

pelaeducaçãonãoépapelsomentedaclassedosdocentes;oalunotambémtemsuaparcelade contribuiçãonas lutasda educação.Para reforçar essa ideia, osprofessores continuaram apoiando os alunos, levando alimentos e materiais delimpezaparaqueosmesmosnãotenhamnecessidadesnoperíodoemqueficaramnaescola,oquedemonstraauniãoentreessesdoissujeitos.

Assim, entende-se que o professor teve participação fundamental noprocessodeocupação.TardiffeLessard(2011)comentamqueesteprofissionaltem seu trabalho centrado em coletividades humanas (de alunos), e assim lidadiretamentecomopúblicodiscente.Portanto,oprofessorsequalificacomoumagente transformador da realidade, que molda o aluno mediante sua prática, edessa maneira no caso das ocupações, atuou como “chave de ignição” domovimento.Libâneo(2013),aofalardopapeldesteprofissional,argumentaqueeste tem a responsabilidade de preparar os alunos para se tornarem cidadãosativos e participativos nos diversos espaços que frequentam e também na vidaculturalepolítica.Suapráticaéumaatividadefundamentalmentesocial,porquecontribui para formação cultural e científica do povo, uma tarefa indispensávelparaasconquistasdemocráticas.

Com apoio dos professores, foram iniciadas as ocupações nas escolaspúblicasda redeestadualdeensino.Conformeodepoimentodeumdosalunospresentesnaocupação,essemovimento:

Constróio indivíduomoral,socialeresponsável.Aquinós temosumaorganizaçãoemequipes, e cadaumadessas equipes fica responsável porumaatividade, comolimpeza,segurançaoualimentação,eagentetemaquinopátioumaequipecomoscomputadoresprafazeramatrículadagaleranoENEM.Todasemanatambémtemreuniãoaqui,pragentedebatersobreissotudoetambémdevezemquandoalguémvemaqui fazer umapalestraouoficina.Agente não tá aqui só badernandonão.Aquiéumpequenoato,quevaivirarumatogrande,quevaiterrespaldonamídia,equevaiterumcrescimentonaeducaçãodosbrasileiros(C.B.)

Dessemodo,entende-sequeasocupaçõesforamorganizadas,comformaçãode comissões para execução das atividades internas do movimento. Andandopelas escolas, foi observado o mesmo padrão de divisão das comissões, que

foram discriminadas por suas funções: cozinha, limpeza, segurança ecomunicação.Acomissãoresponsávelpelacozinhapreparavaaalimentaçãodosocupantes;acomissãodelimpezamantinhaosespaçosescolareshigienizados;acomissão de segurança zelava pela proteção dos demais ocupantes,principalmente à noite e a comissão de comunicação elaborava o material dedivulgação do movimento e alimentavam as páginas das ocupações nas redessociais. Ainda sobre o depoimento, também observamos que os ocupantesrecebiamvisitasparapreencherasmanhãsetardes,queconformeodepoimento,geralmente eram oficinas ou palestras oferecidas por professores da escola ouporuniversitáriosquevinhamcolaborar.Jáparadebatersobreaspautasrelativasaomovimento,osalunostambémrealizavamreuniõesperiódicas.

Nãocomentadonestetrecho,maspresenciadonaescolaocupadainvestigadaneste artigo, também foi verificada uma organização dos alunos no que dizrespeito ao pernoite: geralmente um grupo de aproximadamente 20 alunosdormiam, e durante o dia os alunos que não tinham a permissão dos pais paradormirnaescolavisitavamosamigosqueláestavam,ficandogeralmenteatéas18horas.

Se faz necessário também observar que nas escolas investigadas osfuncionáriosdagestãoescolarcontinuaramtrabalhandonormalmente.Apenasasaulas não ocorriam; mas secretários, coordenadores, diretor continuaramexercendo o ofício. A maioria dos professores também estava presente nasescolas,auxiliandomuitasvezesosalunosocupantes.

Noentanto,comopassardotempo,asocupaçõespassaramaperderforças,mesmo sendo um movimento necessário para as conquistas no campoeducacional. Dessa maneira, no próximo tópico revelaremos as razões doenfraquecimentodestemovimento,atéelasfindarememmeadosdeagosto.

DESDOBRAMENTOSDAOCUPAÇÃOPararetratarodeclíniodasocupações,antesénecessárioobservarcomoera

oconvíviodentrodomovimento.Comojáfoiabordadonotópicoanterior,gestãoescolar e ocupantes dividiam o espaço escolar, o que pouco a pouco geroutensõesentreessasduaspartes.Issoficoumaisevidentenoepisódioda“tomadadaschavesdaescola”.Osalunos,insatisfeitosporteremacessoapoucosespaçosdela,resolvemtomaraschaves,momentoquepodesercompreendidocommaisclarezanaspalavrasdeumdosocupantes:

“Nós pegamos as chaves porque o diretor aí não deixa a gente nem usar oscomputadoresdaescola.Tambémporquealinofreezerdacantinatemunsfrangosquedavapragentecozinhar, sóque lá tá trancado.Agentepegouaschavespratermais liberdade, porqueopovo ládadiretoria fica só inventando regrinhapraatrapalharagente.(J.S.)

Se faz necessário destacar que as tensões, na escola, nasceram dodescompasso entre as vontades dos ocupantes e da gestão. Dessa maneira, agestãoseretiradaescola,eassim,àmedidaqueosocupantesobtêmmaispodersobreela,aentradadepessoasquenãoeramalunosnaescolaéfacilitada,oqueprejudicou a imagem dos ocupantes perante os professores, poismuitas dessaspessoas foram qualificadas pelos professores como “oportunistas”, que naopiniãodestes,estavampresentesnaescolaapenasparafurtarseusobjetos.

Dessamaneira, sem apoio dos professores e gestão escolar, os ocupantesforam pouco a pouco perdendo as forças. Muitos dos alunos abandonaram omovimento e assim, emmeados de agosto de 2016, as ocupações das escolaspúblicasestaduaisdoCearáacabaram.

No entanto,mesmo após o fim das ocupações, omovimento continuou emevidência, pois aSecretaria daEducaçãodoEstadodoCeará (SEDUC–CE),denunciou os alunos que participaram do movimento através de uma notícia-crime5, sob acusação de danos ao patrimônio público. Um dos veículos decomunicaçãoquecobriuestemomentofoiojornalOPovo.Nodia23deagostode2016,o jornaldetalhaosdesdobramentosdasocupações6,ocasiãoemqueaSEDUCdeclarasuaopiniãoapósrealizarvisitasdeavaliaçãonasescolasapósas ocupações. De acordo com a SEDUC, as escolas apresentavam avarias na

estrutura física e também foi constatado o sumiço de equipamentos comoprojetores,computadoreseoutrosbensdaescola.

Dessemodo,observamosquemuitosdosalunosqueocuparameestiverampresentesnomovimentoforam,porforçadalógica,perseguidosnasescolasemque estudavam, sendo cobrados principalmente pela direção da escola, mastambémpor outros alunos e professores, em função do desaparecimento dessesbens.

Entretanto, em 5 de outubro de 2016, omesmo jornal veiculou a seguintenotícia: “Processos para investigar danos em escolas ocupadas sãoarquivados”7, que representava o fim das acusações, pelo menos em âmbitojurídico.

Contudo, é necessário destacar que muitas das acusações como a depichaçãodasparedesdaescola,foramfeitasprecipitadamentenosentidodequemuitas dessas “pichações” eram desenhos que os alunos fizeram para deixar aescola mais lúdica e foram mal interpretados. Além disso como também écolocadonanotícia-crimerealizadapelojornalOPovojácitadaanteriormente,em alguns casos as direções das escolas não sabem dizer se os danos foramcausadosporestudantesoupessoasexternas.

UMACONCLUSÃO?Todo movimento que busca melhorias na sociedade, principalmente na

educação,aqualconsideramosachaveparaatransformaçãodoindivíduoecomissodaprópriasociedadecomoumtodo,surgeapartirdoamoredacoragem.Quemluta,lutaporquealgoquelhetemamorestáameaçado,ebuscanacoragemasaídaparaenfrentaromedodeperderoquejálhefoiconquistadopordireito.

Observamos esses sentimentos expressos nas vozes dos personagens queformavamomovimentodeocupaçãodestacadonesteartigo.Aocupaçãoparaosparticipantes desse movimento, significava mais do que acampar na escola ouinvadirumlocalpúblicoefazerbadernacomoaimagemespalhadaportodosos

meiosdecomunicação,paraelesasocupaçõeseramaformamaisfortedechamaratençãodosgovernantes,dechamaratençãodasociedadeedemostrarparatodosassuaspreocupaçõescomaescola,comaeducaçãoecomseusprópriosfuturos.

E nesse sentido, compreendemos que as ocupações foram sobretudo ummomento de formação cidadã dos personagens envolvidos, pois apesar dosdesdobramentosqueculminaramnofimdomovimento,operíodoemquealunoseprofessores se uniram para debater os problemas da educação e da conjunturapolíticadopaístrouxeramparaestesmomentosdegrandeaprendizado,momentosestes que em outras situações no cotidiano escolar provavelmente não serealizariam.

Eéporessemotivoqueesteartigopretendeucontribuirparaacompreensãodoque foi omovimento de ocupaçãodas escolas públicas estaduais doCeará,saindo do ponto de vista da mídia e mostrando a realidade do cotidiano domovimento.Portanto,aocolocarempautamaisumalutapelaaeducaçãoestamostambémcolaborandoparaaproduçãocientíficadeste temaqueaindasemostraescassa,edessaformanãopodemosdarumaconclusãoaestapesquisa,massimapenasdarlimiteaopassodado.

REFERÊNCIASBRASIL.Estatutodacriançaedoadolescente(1990).Estatutodacriançaedoadolescente [recurso eletrônico] : Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990, elegislação correlata. – 15 ed. – Brasília: Câmara dos Deputados, EdiçõesCâmara,2016.–(Sérielegislação;n.260PDF).

FREIRE, Paulo. Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. SãoPaulo:EditoraOlhod’Água,2009.

GOHN,MariadaGlóriaMarcondes.Históriadosmovimentoselutassociais:aconstruçãodacidadaniadosbrasileiros.SãoPaulo:EdiçõesLoyola,1995.

GOHN,MariadaGlóriaMarcondes.LutasemovimentospelaeducaçãonoBrasil

apartirde1970. In:RevistaEccoS, SãoPaulo, v. 11, n. 1, p. 23-38, jan./jun.2009.

JUSBRASIL. Notitia Criminis. Disponível em:<https://www.jusbrasil.com.br/topicos/297301/notitia-criminis>. Acesso em 21jan.2017.

LIBÂNEO,JoséCarlos.Didática.2ed.SãoPaulo:Cortez,2013.

TARDIF, Maurice; LESSARD, Claude.O trabalho docente: elementos parauma teoria da docência como profissão de interações humanas. 6. ed.Petropólis,RJ:Vozes,2011.

1ARepresentaçãosindicaldosprofessoresnoestadodoCearáéoSindicatoAPEOC–AssociaçãodeProfessoresdeestabelecimentosoficiaisdoestadodoCeará.

2 Professores pedem reajuste de 12,6% no CE. Assembleia Legislativa do Estado do Ceará.Fortaleza, 29 Abril 2016. Disponível em: &lt;http://www.al.ce.gov.br/index.php/ultimas-noticias/item/52233-professores-pedem-reajuste-de-12-6-no-ce&gt;.Acessoem24agosto2016.

3Asidentidadesdosocupantesserãopreservadas,edessemodoaautoriadosdepoimentospresentesnesteartigoseráindicadasomentepelasiniciaisdeseusnomes.Estadecisãoestáamparadapeloartigo17doEstatutodaCriançaedoAdolescente(ECA),quedizrespeitoaosigilodemenoresde18anos:Odireitoaorespeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente,abrangendoapreservaçãodaimagem,daidentidade,daautonomia,dosvalores,ideiasecrenças,dosespaçoseobjetospessoais.(BRASIL,2016,p.13)

4Mesmo com fim da greve, 4 escolas seguem ocupadas em Fortaleza.G1 –Ceará. Fortaleza, 11agosto 2016. Disponível em:<http://g1.globo.com/ceara/noticia/2016/08/mesmo-com-fim-da-greve-4-escolas-seguem-ocupadas-em-fortaleza.html>.Acessoem24agosto2016.

5DeacordocomoportalJusBrasil,umanotícia-crimeounotitiacriminiséo instrumentoprocessualutilizadoparacomunicarumainfraçãopenalàautoridadecompetente.Nãoseconfundeanotíciacriminalcomadenúncia,queéo instrumento inicialdaaçãopenal.Anotícianão instauraumaaçãopenal,masapenasoinquéritopolicial.

6DefensoriaPúblicapedehabeascorpuspreventivoparaestudantesdasescolasocupadasnoCeará.Fortaleza, O Povo. 23 Ago. 2016. Disponível em:<http://www.opovo.com.br/noticias/fortaleza/2016/08/defensoria-publica-pede-habeas-corpus-preventivo-para-estudantes-das-e.html>.Acessoem17jan.2017.

7 Processos para investigar danos em escolas ocupadas são arquivados. O Povo. 05 Out. 2016.Disponível em: <http://www.opovo.com.br/noticias/fortaleza/2016/10/processos-para-investigar-danos-em-escolas-ocupadas-sao-arquivados.html>.Acessoem19jan.2017.

FESTIVIDADES

RITMOSEREPRESENTAÇÕES:OSSENTIDOSDOLUGARDAFESTADOBOI-À-SERRAEMSANTOANTÔNIODELEVERGER/MT

MAISAFRANÇATEIXEIRAUniversidadeEstadualdeGoiás(UEG)

[email protected]

INTRODUÇÃOOlugareasrepresentaçõessimbólicassãoasbasesquenortearãoasformas

espaciais para o entendimento do sentido do lugar da festa doBoi-à-Serra emSantoAntôniodeLeverger/MTnesseestudo.

Assim,oobjetivoprincipaldesseartigoéabrangeraconstituiçãodolugardas/nasfestasdoBoi-à-Serra,umavezqueeledetémcaracterísticasassociadasaosaspectosdaexperiênciaindividualecoletiva(grupossociais)edavivência,medianteaconcepçãoexpressivadasrepresentaçõessimbólicasdasfestas.

O pertencimento em relação ao espaço em que se vive, a idealização doespaçoparaaspráticassociaiseculturais,bemcomosuasignificação,conferema esse espaço o caráter de lugar, onde se criam lugares festivos simbólicos: oBoi-à-Serra.Essaéadiscussãocentraldocapítulo.

Para tanto, recorrem-se às contribuições de Merleau-Ponty e Tuan. Ospostuladosconceituaisquesubsidiamacategorialugarparaaciênciageográfica,correlacionando-a aos sentidos festivos, direcionam o entendimento dela comoumaformaçãosimbólicaerepresentativa.ParaYi-FuTuan,olugaréumespaçoquefoiapropriadoafetivamente.“Olugaréummundodesignificadoorganizado”(2013,p.198).

O lugar torna-se a dimensão do espaço que se apresenta a partir daimpossibilidadede arrazoá-lo como algo estático, descontínuo e isolado, comouma interface entre o passado e o futuro: ele é apresentado por um sentido de

mundo simbolicamente cultural. Assim, intenta-se decodificarem os espaços-símbolos da Festa do Boi-à-Serra e do lugar. Como hipótese, ressalta-se aformação dos sentidos de lugar da/na Festa do Boi-à-Serra associados àsrepresentaçõesespaciaisesimbólicas.

A significativa contribuição de Merleau-Ponty versa, primordialmente, nocampo fenomenológico, sobre os atos e anseios dos sujeitos que compõem oslugares da festa e o corpo festivo do boi. É na experiência da vida e nadecodificaçãodalinguagemdolugaredocorpofestivodoboiquedespontaessecorpo-sujeito,resultantedoamálgamadaexpressão,daalmaedaprodutividadedesentidoedehistória,segundoMerleau-Ponty(2011).

PERCEPÇÕES,RITMOS,REPRESENTAÇÕESESENTIDODAFESTAOmundofestivoépraticadoeexperienciadoporumsistemacomunicacional

de símbolos e significados, contendo umamultiplicidade de sentidos e formasevidenciadas em expressões produzidas emmovimentos do corpo e da fala.Apartir desse entendimento, as contribuições deMerleau-Ponty eTuan tornam-sefundamentaisparaocampoteóricopercorridoparaentender-seaFestadoBoi-à-Serra.

AFesta doBoi-à-Serra é um texto corpóreo composto pela cultura, pelossímbolos, pelos códigos e pelos simbolismos, além de ser uma manifestaçãomarcada por uma linguagem corporal refletida nos gestos das tradições dopassadoedopresente.

SituaroBoi-à-Serranacondiçãodelugardocorpofestivoéestabelecerarelaçãoentreoserhumanoeoimagináriodoobjeto,dacontemplação,dosritos,das formas e dos ritmos. É na experiência da vida e na decodificação dalinguagemexpressadolugaredoscorposfestivosdoboiqueserevelaocorpo-sujeito, o qual é resultado do amálgama da expressão, do espírito e daprodutividadedesentidoedehistória,segundoMerleau-Ponty(2011).

O campo fenomenológico de Merleau-Ponty é valioso para a presente

pesquisaafimdeseinterpretaremasaçõeseemoçõesdossujeitosquecompõemesseslugares,oumelhor,olugardafestaeocorpofestivodoboi.Assimsendo,afesta é ummundo representado pelo corpo. De qual corpo fala-se?Do que setorna o “lugar do fenômeno de expressão” conforme assevera Merleau-Ponty(2011,p.271).

Igualmente,éapartirdessecorporepresentadoporumaestruturadeumboiqueocorreatécnicadofestejo.Épelocorpoqueseconseguelerosmovimentoseentenderatransmissãodeinformaçõesdolugarfestivo.OcorpoéosujeitodapercepçãoedaexperiênciaepossibilitaagarantiadosentidodaFestadoBoi-à-Serra.

Por meio da constatação de que o homem está corporalmente notado nomundoequeas relaçõescomosoutrossãomediadasprimordialmentepelasuasubjetividadeepeloseucorpo.

Merleau-Ponty(2005,p.236)estabelecearelaçãoentreocorpoeomundo,ou seja, a carne como o quiasma: “a liga como avesso e direito, conjuntosantecipadamenteunificadosemviasdediferenciação”.Éessacarnepresentenocorpoquedásentidoaolugare,assim,àfesta.

Apartirdocorpopresenteemumlugar,ocorreainteraçãocomomundo.ÉpormeiodonossocorpoquenosrelacionamoscomasfestividadeseépormeiodocorporepresentadopeloboiquesecompreendeaessênciadaFestadoBoi-à-Serra.O corpo deve ser considerado o ponto de partida para o ser-no-mundo.Seguindo-sealinhadepensamentodeMerleau-Ponty(2005),osparticipantesdoBoi-à-Serra têm consciência do lugar da festa por via do seu corpo emmovimentonasapresentações.

Dessa maneira, nota-se que o corpo se coloca na mudança do eu para omundo,oqueénecessárioparaaexistênciahumana.Assim,ocorpoéosujeitodapercepção,daexperiência.Portanto,noBoi-à-Serra,obrincanteépossuidordocorpofenomenal1.

Ocorpofenomenaléocorpointencional,significante.NoBoi-à-Serra,aose“fantasiar”comoboi,oindivíduoexpressaarelaçãoexistentecomolugar,com

a região Centro-Oeste, em especial com a cidade de Santo Antônio deLeverger/MT e sua associação com as áreas agropecuárias, simbolizando-se,assim,aexistênciadorural.

O sentido da vivência do corpo do Boi-à-Serra retoma o significado docorpo simbólico e festivo numa atividade perceptiva da brincadeira. Para osbrincantesdoBoi, “exatamentenamedidaemque se temumsaber adquiridoereciprocamente,ocorpoécomoumsujeitonatural,comoumesboçoprovisóriodosertotal”(Merleau-Ponty,2011,p.269).Éumcorpovivo,queage,representa,sente e simboliza. Ele tem identidade, existência, intencionalidade eperceptividade.

O corpo expressa sentidos de acordo comomovimento de percepçãoquerealiza.Ele situa-senomundo sensível, que lhe faz sentido e, àmedidaque secomunicacomosoutros,expressaessapercepção,aqualécomunicada,antesdaspalavras,peloprópriocorpo.Osernomundoeocorpoestãointerligados.Eaexpressão procede disso. A expressão do Boi-à-Serra é a do ser no mundofestivo.

Assim,ocorpoéosujeito,oserhumanoquesemanifestaanteàvidaeàscondiçõesqueproporcionamaexpressãocorporal.Portanto,éosujeitodafesta,éosujeitodabrincadeira,emsuma,ocorpo-sujeitodoBoi-à-Serra.

No Boi-à-Serra, o corpo-sujeito do brincante é o espetáculo do sistemasimbólicotestemunhadoporeleaofestejar.EleéumadasformassimbólicasquepromovemaexistênciadesselugarfestivoemSantoAntôniodeLeverger/MT.Oser brincante do boi define-se por via do corpo, ou seja, a sua subjetividadeacontecepormeiodasaçõescorporaisdessecorpo-sujeito.

Aofestejar-seemLeverger,ocorpo-sujeitorepresenta,alémdaimagemdoboi,ossímbolosadvindosdastradições,asnarrativaspantaneiras,amemória,oimaginárioeoespetáculoculturalquedãosentidoaolugar.

Arelaçãodocorpocomolugarpromoveocampoinvestigativodoambientefestivo,numaimbricaçãomútua,umavezque,paraoindivíduo,nãohálugarnafesta sem a presença do corpo, ou seja, ele é o próprio lugar da festa,

consequentemente, a tríade corpo-lugar-festa justapõe-se. Carmo (2011) citaMerleau-Ponty ao dizer que, para o autor, “o corpo é também cultura, pois ohomem ultrapassa a fronteira do animal, institui níveis da ordem simbólica,transformaomundo,criaerecriaculturas”.

Ocorponafestanãoémecânico,masabstrato,ligadoaosujeitoquecriaummundosimbólicodesignificaçõesequedásentidoaolugar.Ocorpoécompostopor linguagens. Essas são as principais representações simbólicas que seproduzemnaFestadoBoi-à-Serracomopluralidadedemomentosexpressivos.

ParaTuan(2013,p.39-40),

Apalavra “corpo” sugere, de imediato, antesumobjetoqueum ser vivo e espiritual.Ocorpoéuma“coisa”eestánoespaçoouocupaoespaço.Aocontrário,quandousamosos termos “homem” e “mundo”, não pensamos apenas no homem como um objeto nomundo,ocupandoumapequenapartedeseuespaço.Ocorpoéo“corpovivo”eoespaçoéumconstructodoserhumano.

Para além de nossas necessidades básicas à existência, o corpo e seusórgãossensitivosestabelecemtodooconhecimentohumano,desdeossentidosatéa significação, associados à cultura e, consequentemente, criam-se os lugares apartir dos símbolos, que são compostos por paisagens e imagens existentes namemória.NoBoi-à-Serra,o corpoé considerado sujeitovivido.Ele éo corpoquepercebeemove-see,necessariamente,expressa-se.

O corpo é um elemento essencial para a análise da sociedade,principalmentedasmanifestaçõesculturais,emespecialdasfestas.AbrincadeiradoBoi-à-Serraéreflexodesignificaçõespormeiodosmovimentosefenômenosenvolvidospeloestético,peloculturalepelosimbólico.Bollnow(2008)afirmaqueocorpoassumeacondiçãodeespaçoquandoelecaracterizadeterminadoslugares,ganhandosignificadosparaacompreensãodaespacialidadehumana.

Nessecaso,ocorpo festivodaquelesquebrincamcomoboiéumespaçoquevalorizaacomunicaçãopormeiodabrincadeira,significandoumalinguagemdeanimações,símboloseexpressões,ouseja,aprópriaconstituiçãodosentidodo lugar. O corpo expressa ações voltadas aos gestos, línguas, movimentos,

signos,significados,dissociando-sedealgotécnicoeestático.ParaDantas(1999,p.28),

[...] o movimento no corpo dançante designa um deslocamento, uma transformação eidentifica-secomimpulsocorporal,comacapacidadedeprojeçãodocorponotempoenoespaço.Umcorpo,aodançar,entrega-seaoímpetodomovimento,deixandosedeslocaretransformar.

O movimento exprime o deslocamento e configura-se em um aspectoespacial. No caso do Boi-à-Serra, a trajetória é percorrida por ritmos que serepetem nos tempos atuais. O corpo limita-se aos gestos necessários àconservação da vida, tais como os balanceados e gingados existentes desde aorigemdabrincadeiraatéhoje.Combasenasexperiênciassociaiseculturaisdecada indivíduo, o corpo e a corporeidade adquirem leituras passíveis deconstruçãodeumsentidodolugarmodeladopelasmanifestaçõesculturais.

De acordo com Merleau-Ponty (2006, p. 203) o corpo é uma forma deexpressão,postoqueele

[...]brincacomseusprimeirosgestosepassadeseusentidopróprioaumsentidofigurado,elemanifestaporviadelesumnovonúcleodesignificação:éocasodoshábitosmotores,como a dança. Ora, enfim, a significação visada não pode ser alcançada pelos meiosnaturais do corpo; é preciso, então, que ele construa um instrumento, e ele projeta emtornodesiummundocultural.

Naótica deMerleau-Ponty (2006, p. 251), essemundo cultural festivodoBoi-à-Serraécompreendidopelossentidosdosgestos,que“nãosãodados,mascompreendidos”.Oautorexplanaaindaquearelaçãoentresujeitoeobjeto“nãoéarelaçãodeconhecimentodequefalavaoidealismoclássico,noqualoobjetoaparece sempre como constituído pelo sujeito”, mas uma relação em que “osujeitoéseucorpo,seumundoesuasituação”.

Esse ser-no-mundo interessa a Merleau-Ponty quando ele compreende arealidade corpórea em si, haja vista que, para ele, o corpo é visto comoexperiência, como obra existencial, ou seja, o corpo é a sede do encontro dosujeitocomomundoe,consequentemente,comoseulugar.Merleau-Ponty(1994,

p.205)retrataque“sercorpoéestaratadoacertomundo”.Paraoautorsupracitado,“serésinônimodesersituado”(p.339),assim,o

corpoestabeleceumarelaçãocontínuacomolugar.MarandolaJr.(2013)destacaTuancomoresponsávelpordifundirumaGeografiaHumanista,entendidaapartirdaexperiênciageográficadosujeito.Paraele,Tuan(2013)recolocaolugarafimdeentenderarelaçãodohomemcomomeioperanteumsentidofenomenológicodoser-no-mundo,portanto,omundo-lugar.

Merleau-Ponty (2004, p.2) examina o mundo-lugar desvendado pelapercepçãocomo

[...]omundoquenosé reveladopornossos sentimentos epela experiênciadevida,quenos parece, à primeira vista, o que melhor conhecemos, já que não são necessáriosinstrumentosnemcálculospara ter-seacessoaelee,aparentemente,basta-nosabrirosolhosenosdeixamosviverparanelepenetrar.

Os corpos integrantes do Boi-à-Serra unem-se, construindo as históriascontadas e recontadas por seus participantes. Eles são corpos-sujeitos dapercepção, do sentimento, da sensibilidade, da sensação, do pensamento e datransmissão. Vale assinalá-lo como algo em que a transformação eaperfeiçoamento por meio das danças, cujos desiguais e precisos movimentosdefinemoucaracterizamumlugar,umdeterminadopovoouumasociedade.

AmanifestaçãodoBoi-à-Serraéinfluenciadapeladeterminaçãodosvaloresculturais,originandoalteraçõessignificativas,demodoqueasponderaçõeseatosdaspessoassãocoesoscomarealidadedolugaredecadagrupo.Essesgrupossãocorposquepossuemsuasespecificidades.Conjuntamentecomocorpoecomabrincadeira,acomunicaçãoexprimeorelatodevida,comodiscuteGonçalves(1994,p.14):“cadacorpoexpressaahistóriaacumuladadeumasociedadequenelemarcaseusvalores,suasleis,suascrençaseseussentimentos,queestãonabase da vida social”. No corpo, está promulgada a memória, descrita pelalinguagem de inscrições e criações culturais assinaladas por dessemelhantestemporalidades — como, por exemplo, a expressão do trabalhador —, pelasfigurasdesantoseporsuavestimentaexposta.

Nesse estudo, a dança do Boi-à-Serra é entendida como uma atividadehumanaemqueoscorpossãocarregadosdesentidos,intençõeseexpressõesdevida,emespecialatradiçãoquesetransformaaolongodoespaço.Abrincadeiraéintegrada,jáqueasmanifestaçõesassociam-seàcorporeidade,oqueremetendoaocorpoemmovimento,existencial,àexpressão,istoé,eleésempreumespaçoexpressivoMerleau-Ponty(2006).

O autor ressalta a importância do corpo como a mensagem, ou seja, é ocorpoque“mostra,quefala”.NocasodoBoi-à-Serra,éocorpoquedemonstraefala, visto que o aspecto principal é o bailado do boi. Essa expressão é oreconhecimento da mensagem dos dançadores e cantores. No Boi-à-Serra, taissimbolismossãodelimitadosporpulos,giros,voltas,entreoutrasbrincadeiras.

A visão do corpo como uma expressão de significados, intenções esimbolismosfazcomqueseentendaacorporeidadeemrelaçãoàbrincadeira,àsmanifestaçõesculturais e aoBoi-à-Serra,porqueénelaqueocorpo se tornaoveículoderepresentaçãodoselementosjáexistentesou(re)descobertos.

Asdesconstruçõesereconstruçõesdepassoseritmosdocorposãoaspectosnecessáriosparaoseuentendimentoaoservisto,pensadoemodificadoaolongodavida.Ocorpoesuacorporeidadesãomostradosnaformadasbrincadeirasdoboi cotidianamente, oriundas não só do trabalho no campo, do meio rural, daroça, mas também das festas em casa, nas ruas, nas praças, nos palcos e noscarnavais.CombasenoBoi-à-Serra,ocorpopodeserconsiderado,umcanaldelinguagem,associandoorealeoimagináriopormeiodasbrincadeirasdançadasantigamente.

Nóbrega (1999, p. 136) relaciona linguagem ao corpo, pois ela éconfigurada pelo movimento, “criando um vocabulário próprio de gestossignificativos”.Oestudovoltadoparaoentendimentodocorpododançadorleva-nos a pensar que esse corpo também assume o lugar de identidade e práticacultural, sendo que ele demarca os atos que estabelecem as relações entre aorganizaçãosocialdosgruposdoBoi-à-Serraeoslugaresondeapráticaexistecomo tradição e renovação da cultura, como ocorre em Santo Antônio de

Leverger.OcorpoobservadonoBoi-à-Serraéovivido,ohumano,odotrabalhador

quetemprazeremrealizarasapresentações,diantedesuasdecepçõesamorosas,que transformam, habituam-se e estabelecem-se em face do mundo atual.Retomando as contribuições deMerleau-Ponty (2011), o corpo expõe-se comocausadordeinformaçõese,quandoseorganizaindividualmenteoucoletivamente,institui significações apreendidas pela composição natural dos corpos, pelaapresentação e construção de um instrumento perceptivo e sensitivo e pelaharmoniadosmovimentos.

Aborda-se,consequentemente,aorganizaçãodaFestadoBoi-à-Serra,comoos ensaios, os figurinos, as apresentações, os desfiles, as brincadeiras e,especialmente,omovimentorepresentadopelocorpodoboi,emqueseverificaaconstituiçãoepermanênciados saberesdessa tradição, aqual é estudadapelaslinguagensepelahibridizaçãodasperformancesdoscorpos.

Diante do exposto, respalda-se na caracterização do corpo, que segundoChaveiro(2012,p.250),

éapropriedadepelaqualosujeitopodefundarasuaextremasingularidade,registrarnacarneasuahistóriana linhadecontatoede intersecçãocomahistóriadomundoedoslugares,moteparaexperimentar a simesmo,peçade sentidoparacolher apropriedadedascoisaseparaafetá-lascomapercepçãoecomaação,recursodeentranhamentonotempoederealizaçãotemporalnoencontrocomooutro,figuradeinterferência,degozo—ededescoberta.

OcorpodosujeitobrincantedoBoi-à-Serraéessesistemacomunicativodesignificados, os quais integram a composição coreográfica da brincadeira,integrando a dança do boi em fusão com amúsica, sobretudo na produção dossons, interpretando-a como representação da vida. É o corpo que registra ahistóriadamanifestaçãoedolugardarealização.Elecompreendeossentidosepercepçõesdofestejar.

Para Chaveiro (2012), “o corpo é, de fato, um guardador de lugares” (p.253), ele ocupa os lugares que se tornam referências para as experiências, ouseja,ocorpo“torna-secorporeidadequesofrerepresentações”(p.277).

A emoção de participar da brincadeira do boi é observada por meio doconjunto de ritos presentes no balanceio, nas músicas e nas brincadeirasrealizadas, quando evidenciam simultaneamente os significados do ritual docorpo representado pelo boi. A vivência estabelece uma associação desensibilidadeseharmoniasafetivasquesefundemeoriginamasfestas.

De acordo comMerleau-Ponty (2006) percebemos omundo com o nossocorpo.Assim,retomarmosaanálisedocorpocomomundoétambémumaformadenosreencontrar, tendo-seemcontaqueocorpoéalgonatural,umsujeitodapercepção,doconhecimentoedaexperiência.

Buttimer (1982, p.182) observa que a experiência do sujeito “sugere asituação herdada que circunda a vida diária. Pode também ser compreendidacomoumprocessoemmovimento,peloqualosindivíduoscontinuamacriarseusmundos sociais”. Tais experiências devem ser adquiridas pormeio do diálogoentreapessoaeomundosubjetivo,esteconstituídodesignificados,experiências,valores,essências.Easexperiênciasnãosãofixas,mas,comavivência,elassãoalteradaseremodeladaspelosnovosexperimentos.

As festas são assim, semelhantes a lugares criados por meio do ser-no-mundo,associadosaocorpoeàsperspectivasfestivasaprendidasporpercepçõesdomundo.

Ao se produzir níveis simbólicos, transformando o mundo vivido emrepresentaçõesdecultura,oindivíduopassaademarcaromundoporpercepçõesde espaços simbolicamente geografizados. Tuan frisa que se devem pensar asgeograficidades por via de um mundo com suas multiplicidades, em que hajalugares para as diversas formas e sentidos da experiência do lugar, hoje eamanhã.

DeacordocomoentendimentodelugarbaseadoemTuan,asfestaspodemserconsideradaslocaisdeexistência,desingularidades, logo,adquiremsentidoflexívelemúltiplo,aprendidoporníveisdepercepção.

Segundooautoracimacitadoépossívelrelacionarespaçoelugar,nafesta,associandodistânciaeproximidade,bemcomoà relaçãoqueestabelececomo

espaço,tendoosujeitocomocentro.AGeografiadosLugaresdeTuanécentradano sujeito. O sujeito centro, é o festivo, responsável pelos sentidosrepresentativosdasmanifestaçõesculturaisnoslugares,comonaFestadoBoi-à-Serra.

Assim, é preciso entender-se “um sentido de lugar” (p. 11) criado eespacializado pela festividade, uma vez que as manifestações culturaisinfluenciam intensamente os comportamentos humanos propiciando sentido aolugarfestivo.

Tuan(2013)complementa,

Olugaréumaclasseespecialdeobjeto.Eumaconcreçãodevalor,emboranãosejaumacoisavaliosa,quepossaserfacilmentemanipuladaoulevadadeumladoparaooutro;éumobjetonoqualsepodemorar.Oespaço[...]édadopelacapacidadedemover-se.Osmovimentos frequentemente são dirigidos para, ou repelidos por, objetos e lugares. Porissooespaçopodeserexperienciadodeváriasmaneiras:comoa localizaçãorelativadeobjetosoulugares,comoasdistânciaseextensõesqueseparamouligamoslugares,e—maisabstratamente—comoaáreadefinidaporumarededelugares.

Os lugares definem o espaço, pois oferecem a ele um sentido singular.Assim,olugaréconsideradoumnúcleodevalor,portanto,preocupar-secomeleéreconhecerarealidadeeasrelaçõesdeemoçãoqueodefinem.

Merleau-Ponty (2005) rompe com a ideia de um espaço único e absoluto,observandoaocorrênciadeumespaçodeexistência,consequentemente,umlugarquepresenciaaexperiênciaperceptível,nessecaso,afesta.

As festas são fenômenos que simbolizam momentos de intimidade, depertencimentos,defamiliaridade,deconstruçãodelaçosdesolidariedade.Elas,ainda,assumem,dialeticamente,ossentidosdetransitoriedadeedepermanência.Logo,olugaréconstituídoporaçõesquedesignamossentidosdapermanência.

Os sentidos de tradição da festa configuram-se como tempo e espaço depausa, o que rompe com a dinâmica cotidiana da vida.A festa é o lugar e, aomesmotempo,torna-secentronavidadepartedossujeitosqueaexperienciam.

Segundo Marandola Jr (2013, p. 10) o lugar é o campo primordial daexistência,éoespaçodasexperiênciashumanas.Yi-FuTuan“buscadistinguiro

espaçoindiferenciadodolugarsignificado”.Esselugar“éconstruídoapartirdaexperiência dos sentidos, envolvendo sentimento e entendimento, num processode envolvimento geográfico do corpo amalgamado coma cultura, a história, asrelaçõessociaiseapaisagem”.

Aoassociar-seafestaaolugar,nota-sequeambosimbricamemumníveldecompreensão, de forma a criar-se um espaço representado pelas experiências,concedendo-lheossentidosde lugardoencontro,daessência,dapercepçãodoser, do estar e do existencial. Apesar de não falar em lugar, mas em mundovivido, entende-se que o mundo vivido, paraMerleau-Ponty (2005), é o lugarhabitávelpelosujeito,olugardevivênciae,consequentemente,olugardafesta.

SegundoMarandolaJr(2013,p.7-8)olugaréentendidoporTuancomo:

oprópriomicrocosmoquedásentidoàexistência,émaisqueolugarantropológico,maisque o habitus social ou casulo protetor psicológico: ele é tudo isso ao mesmo tempo,sendosignificadogeograficamentenarelaçãocorpóreaesimbólicadosujeito.

Esselugarsecaracterizacomoaextensãodaexistênciahumana,enfatizadoporDardel(1990)frisaque

antes de mais nada, há esse “lugar” que não escolhemos, onde as bases de nossaexperiênciamundanaedanossacondiçãohumanaestabelecem-se.Nóspodemos trocardelugares,mudar,masissoéaindaaprocuradeumlugar,precisamosdeumabaseparaestabelecer nossa existência e realizar nossas possibilidades: um aqui a partir do qualdescobriromundo,umacoláparaoqualir.

Destarte, a reflexão ancora-se no entendimento de que o lugar do Boi-à-Serra é produzido simbolicamente e demarcado pela experiência do corpo-sujeito.Ossujeitosdoboiapegam-seaolugardafestividade,pois“olugaréumcentrocalmodevaloresestabelecidos.Ossereshumanosnecessitamdo lugar”,(TUAN,2013,p.72).

OLUGARCOMOCONDIÇÃOEXISTENCIALNOESPAÇOFESTIVONatrajetóriadaciênciageográfica,reflete-sesobreoconceitodelugar,que

éproduzidosimbolicamenteedemarcadopelaexperiênciadocorpo-sujeito.

NoâmbitodaGeografiaHumanista,asdiscussõesacercadotemaembasam-se,sobretudonosaportesdeYi-FuTuan(1983,p.158).

O autor propõe umaGeografia calcada no estudo do apego do homem aolugar,oqueeledefinecomo“topofilia”.Paraele,otermoinclui“todososlaçosafetivos dos seres humanos com o meio ambiente material. Estes diferemprofundamente em intensidade, sutileza e modo de expressão”. Na GeografiaHumanista,acategorialugar

“[...] está assentada na subjetividade, na intuição, nos sentimentos, na experiência, nosimbolismoenacontingência,privilegiandoosingularenãooparticularououniversale,ao invés da explicação, tem na compreensão a base de inteligibilidade do mundo real”(CORRÊA,2001,p.30).

ComocategoriadaGeografia,oconceitode lugarexcedeo significadodelocalização,

[...]olugar,noentanto,temmaissubstânciadoquenossugereapalavralocalização:eleéuma entidade única, um conjunto ‘especial’, que tem história e significado. O lugarencarna as experiências e aspirações das pessoas. O lugar não é só um fato a serexplicado na ampla estrutura do espaço, ele é a realidade a ser esclarecida ecompreendida sob a perspectiva das pessoas que lhe dão significado (TUAN apudHOLZER,1999,p.70).

O conceito torna-se, pois, polissêmico, propiciando a compreensão eanalogiaentreohomemeoespaço.Tuanapresentaoconceitodelugarpormeioda relação espacial, haja vista que, para ele, os conceitos não devem serdefinidosseparadamente,poistêmconhecimentosafins.ParaTuan(1979,p.388),

Os estudos humanistas contribuem, ademais, para a autoconsciência, para o crescenteconhecimento que o homem tem das fontes do seu saber. Em cada grande disciplina,existeumsubcampohumanistaqueéafilosofiaeahistóriadaqueladisciplina.Porviadosubcampo,porexemplo,aGeografiaouaFísicaconhecemasipróprias,istoé,asorigensde seus conceitos, pressuposições e vieses nas experiências de seus sábios e cientistaspioneiros.

Oautorrelacionaosestudoshumanistasqueprocuramcompreenderomundodeformaholística,pormeiodaorigem,dospressupostosedasexperiênciasqueconstituemoespaçomítico-conceitual.

Elucida ainda que o lugar é fruto do conhecimento humano constituído deexperiências, encantos e emoções. Para a compreensão do conceito, Moreira(2007,p.51)destacaoautoraofirmarqueolugarémarcadoportrêspalavras-chave: percepção, experiência e valores.Os lugares guardam e são núcleos devalor,daípoderemsertotalmenteaprendidoscombaseemumaexperiênciatotal,englobandorelaçõesíntimas,próprias(insider)erelaçõesexternas(outsider).Oautorexplicitaque,paraoentendimentodolugar,intersubjetividadeseria

uma pausa nomovimento. Essa é uma relação entre tempo e lugar. [...] Omovimentoexige tempoe ocorreno espaço: eles exigemumcampoespaço-temporal. [...]Lugar éumaparadaoupausanomovimento—apausaquepermitea localizaçãopara tornarolugarocentrodesignificadosqueorganizaoespaçodoentorno(TUAN,2011,p.15).

Ante o exposto, os lugares são dessemelhantes. Para Pereira; Teixeira(2015) o “lugar íntimo-afetivo” pode ser dirigido ao lar, onde as afinidadespessoais têm uma conotação de afeição e reconhecimento. Para os autores, o“lugarideal-indireto”refere-seaolugarmental,designadopelamente,eo“lugarvisual-virtual”deve ser remetido ao lugar instituídopormeioda representaçãocomunicadaoupronunciadapelalinguagem.

Os autores ainda tratamdo sentimento de lugar pela apropriação sensitivacoletivaeindividual.Paratanto,verifica-sequeaacepçãodelugarseacoplaaovivenciadoeaoexistencial.Pereira;Teixeira(2015,p.8)notamqueoanseiopelolugar“sedápelovelaredesvelardasexperiências intrincadasnoexercíciodoviver, emqueos fatos e os acontecimentos aprovamou reprovamavidadesselugar. Assim, o lugar dura tanto quanto perdurar o sentido que outrora oconstituiu”.

Nos estudos da epistemologia humanista da Geografia, Holzer (2008)destacaaabordagemfenomenológicarelacionadaàculturaeaoespaço.

O lugar comocondição sinequanon da experiência, das sensibilidades e,ainda, como dimensionalidade do corpo-simbólico é enfocado somente nostratadosdaGeografiaModernadosanosde1970.Assim,

olugartemumaimportânciaímparparaaGeografiaHumanista,pois,separaastécnicas

de análise espacial o lugar se comporta como um nó funcional, para o humanista elesignificaumconjuntocomplexoesimbólico,quepodeseranalisadoapartirdaexperiênciapessoaldecadaum—apartirdaorientaçãoeestruturaçãodoespaço,oudaexperiênciagrupal (intersubjetiva) de espaço — como estruturação do espaço mítico-conceitual(HOLZER,1999,p.71).

NaperspectivadaGeografiaHumanista,AmorimFilho(1999)mencionaosestudos de E. Dardel e E.G. Hoskins como contribuição fenomenológica àsanálisesdoinvisível,relacionadoaoconhecimentodoserhumano.

Refletindo sobre a fenomenologia na Geografia, Holzer (2008) destacaEdward Relph (1970) como importante estudioso ligado aos estudos desubjetividadehumana.Holzer (1997,p.11) frisaque“ométodo fenomenológicoseria utilizado para se fazer uma descrição rigorosa do mundo vivido daexperiência humana e, com isso, por via da intencionalidade, reconhecer as“essências”daestruturaperceptiva”.

E nesse aspecto, a teoria fenomenológica na ciência geográfica seriafundamental ao proporcionar relacionar os lugares, as representações,significadoseasvivênciaspormeiodeumaconcepçãodemundoqueevidenciaohomem,esuasubjetividade,Kozel(2001).

Assim, a Geografia avança no modo de interpretar as intencionalidadeshumanas,valorizandoabordagensqueanalisamomododeexistirnomundopormeiodaproduçãodesímboloselinguagens.Nessecontexto,olugaréaprendidopelas perspectivas existenciais do sujeito e das ligações afetivas com o lugar.TaisreflexõesdemarcamaGeografiadaexperiênciadefendidaporTuan(2013).Odesafio,nessecampoteórico,seriaaprenderoespaçogeográficonadimensãoda tríade lugar-corpo-experiência, experimento analítico que concorre para oentendimento da relação do homem com o meio perante um sentidofenomenológicodoser-no-mundo.

Nessa perspectiva, a abordagem humanista congrega a percepção e oscomportamentos sentimentais na Geografia. Notam-se, ainda, as feiçõescognitivas, que evidenciam os símbolos, pautados nas ações humanas,redirecionandooconceitodelugar(KOZEL,2001).

Relph (1979, p.3) relata que o “lugar significa muito mais que o sentidogeográficode localização.Nãose refereaobjetoseatributosdas localizações,masatiposdeexperiênciaeenvolvimentocomomundo,anecessidadederaízesesegurança”.

DeacordocomSauer,oconhecimentogeográficoestariaenvolvidocomumarealidade perceptível, em que estudos da paisagem seriam constituídos pelosfatosdolugar(SAUER,1998).

DardelbaseadoemSauercorroboraaligaçãoentreadistância,ocorpoeolugarcomomododeexistência,quandoapontaque

Oespaçogeográficoapareceessencialmentequalificadoemumasituaçãoconcretaqueafete o homem, é o que prova a espacialização cotidiana que o espacializa comoafastamento e direção. As distâncias geográficas não provêm de umamedida objetiva,auxiliadaporunidadesdedistânciapreviamentedesenvolvidas.Aocontrário,ocuidadodemedir exatamente resulta desse cuidado primordial que o homem carrega com ele, decolocaraseualcanceascoisasqueocercam.Adistânciaexperimentadanãocomoumaquantidade,mas como uma qualidade exprimida pelos termos perto e longe (DARDEL,1990,p.10).

Diantedoexposto,oespaçoé“[...]constituídocomoummosaicodelugaresespeciais, cada qual estampado pela vontade, valor e memória humana”(BUTTIMER, 1982, p. 177). Consoante a autora, o lugar é o “somatório dasdimensões simbólicas, emocionais, culturais, políticas e biológicas” (1985, p.228),emque“apessoa(corpo,mente,emoção,vontade)emundoestãoengajadosnosprocessosepadrõesobserváveisnocomportamentoevidente”(BUTTIMER,1982,p.176-177).

Os lugares são aportes da experiência definidos pelo comportamento derelações existentes. Para Buttimer (1982, p.176), isso seria o “estudo dapercepção,quetemlugarnummundojápadronizadoouqueestáemprocessodetornar-se”.Apercepçãohumanadoslugaresécompostapelosvaloresculturaiseexperiênciasvinculadasaossímbolosrepresentativos.

Para Mello (2003, p. 167) “os lugares são repletos de símbolos”. Eadquirem,aolongodosanos,significadoselaçosemocionaiscaracterísticosde

uma nova relação existente: os lugares-símbolos. Tais lugares devem serretratados pelos significados simbólicos demarcados no espaço.Nesse aspectoTuan(1980),consideraosímbolocomoapartesignificativadotodo.Oconceitodelugaréobservadonarelaçãocomossímboloseseussignificados,destituindo-se da característica ligada à localidade, uma vez que ele adquire outrassignificaçõesrelacionadasàsubjetividadehumana.

Porconseguinte,oautor(1983,p.83)sinalizaque,“quandooespaçonoséinteiramente familiar, torna-se lugar” e “transforma-se em lugar à medida queadquiredefiniçãoesignificado”(p.151).Depreende-se,pois,oentendimentodaconstrução da vivência em um determinado local, baseando-se nos sentidosprimáriosenaspercepçõesdomundoqueseconfiguramemsimbolismos.

Olugaradquiresignificadoedefiniçãopormeiodeapreensõessimbólicasecorporais, sobretudo ao se tratar demanifestações culturais que se apoiam emconstruçõesmíticas,comoéocasodoBoi-à-Serra.Nesseslugares,emespecialnos festivos, encontramos intimidade, a qual nos permite instituir a pausa nomovimento, dando novos sentidos de valor ao lugar. Tuan (2013, p.172) citaSantoAgostinho, para quem “o valor do lugar dependia da intimidade de umarelaçãohumanaparticular,porqueolugaremsipoucoofereciaalémdarelaçãohumana”.

AsrelaçõeshumanasexpressasduranteaFestadoBoi-à-Serrarecuperamosentido da intimidade, quando os sujeitos envolvidos na manifestação sãoprodutoresdeumlugardemarcadoporsímbolos,corposesimbolismosúnicos.

ErefletindoapartirdasideiasdeTuan(2013,p.189)reitera-sequeolugaréum“arquivode lembrançasafetivase realizaçõesesplêndidasque inspiramopresente;olugarépermanentee,porisso,tranquilizaohomem,quevêfranquezaem si mesmo e chance e movimento em toda parte”. Entretanto o lugar nãopoderiasersignificativosemapresençadocorpo,emespecialdomovimento,dapresençaedaexistência,ouseja,dosernolugar,essencialparaoapegoaolugar.

Para o referido autor o “lugar é um mundo de significado organizado. Éessencialmente um conceito estático. Se víssemos omundo como processo, em

constante mudança, não seríamos capazes de desenvolver nenhum sentido delugar” (2013,p.219).O lugar, compostoporvalores e intençõese sua relaçãocomomundo-vivido,deveseranalisadoconsoantesepercebeomundo.Merleau-Ponty(2011)ponderaqueoconhecimentoresultanessemundo,odaexperiência,consequentemente, o mundo vivido por ele analisado é o lugar vivido eexperienciado,retratadoporTuan,ouseja,olugardavida,dasexperiências,dossignificadosedasexistências.

EpensandosobreolugarexistencialNogueira(2007)acrescentaque,

Dessaforma,compreendemoscomofilósofoMerleau-Ponty,queseréestar,os lugaressãoasimagensdoshomensqueosvivem,osrepresentam.Oslugaresestãoencarnadosnos homens e estes traduzem no cotidiano o que é o lugar, revelando uma relaçãoexistencial entre eles e o lugar. Nossa preocupação é compreender o ser-no-mundo,entenderasmúltiplasmaneirasqueoserhumanoviveepodeviver.

Se retirarmos o ser humano do lugar, ele sentir-se-á deslocado oudesorientado, logo, retornar ao seu lugar significa voltar à vida. Em SantoAntôniodeLeverger,umantigomoradordissequetentounãoirmaisàFestadoBoi-à-Serraporcausadasmodificaçõesocorridasnamanifestação,mas,mesmosemudandoparaCuiabá,todososanoselevoltaàcidadeparaofestejo.Paraele,aliéoseulugar,asuarelaçãosimbólicacomoculturalecomavivência,bemcomoalembrançadainfânciaedoseuser-no-mundo.

A Festividade do Boi-à-Serra ocorre em um lugar festivo, o qualproporciona,emumaformasimbólica,sentimentoseenvolvimentocomolocal,onde entre os sujeitos que passam a se reconhecer como corpo-sujeito, aquirepresentado pelo Boi-à-Serra. A festa torna-se o centro de significados demuitossímbolosreferendandoo“lugarfestivodoBoi-à-Serra”.

CONSIDERAÇÕSFINAISOestudodaFestadoBoi-à-Serra,apartirdasteoriasfenomenológicasque

explicamossentidosdosistemasimbólicodalinguagemfestiva—centradonasfalasenoscorposrepresentadospeloboi—éosentidodolugar,efetivadopelas

dimensõessimbólicas,míticas,imagináriasecorporaisdoBoi-à-Serra.Afestaéconsideradapeculiar,docotidianoeassociadaàstradições.

A Festa do Boi-à-Serra é considerada uma prática cultural coletiva,vivenciada em uma dimensão mítico-simbólico-subjetiva e praticada com apresença da figura do boi, que é representado pelo corpo-sujeito do brincante,segundoMerleau-Ponty.Abrincadeiradoboi éuma forma festivaqueconstituiseupróprioespaço:olugarfestivo.

Ésobreessaperspectivaqueseretomaaideiadequeaexperiênciahumanarevelaumasimbólicaligaçãoentreocorpoeolugar,oumelhor,demarcaqueossentidos do lugar são aqueles expressos nas vivências da festa. Para tanto, aanálisegeográficadocorpo-sujeito(Merleau-Ponty)eolugarexistencial(Tuan)garantemacompreensãodos sentidosedos significadoshumanosatribuídosaolugar.

Oserhumanosepercebecomosernomundocombaseemcomoeleé,ondeeleviveeemsuasatitudesnatrajetóriacultural.AmanifestaçãoculturaldoBoi-à-Serra constitui, portanto, um lugar emque omovimento do corpo demarcadopelos bois presentes no ritual pode ser um dos modos de ser no tempo e noespaço e, consequentemente, no lugar. O movimento é diferenciado e plural,fazendoadistribuiçãodosboisoudoscorposnolugardafesta,articuladopelajunçãodoscorpos-sujeitos.

AFestadoBoi-à-Serraéolugaremqueseestruturaarelaçãodooutrocomo eu, é a dimensão espacial dos encontros, onde se localizam os símbolos, ascoisas,osbrincantes,osoutrosenósmesmos.

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1Ocorpofenomenaloucorpopróprio,segundoMerleau-Ponty(2011),éum“corpo-sujeito”,nosentidode um sujeito natural ou de um eu natural, provido de uma “estrutura metafísica”, mediante a qual ele équalificávelcomopoderdeexpressão,espírito,produtividadecriadoradesentidoedehistória.

APOÉTICADOSABOR:OLUGARRIBEIRINHONACULINÁRIADACOMUNIDADESÃOGONÇALOBEIRARIO-MT

INGRIDREGINADASILVASANTOSUniversidadeFederaldeGoiás.

[email protected]

UniversidadeFederaldeGoiá[email protected]

TodaexistênciahumanadecorredobinômioEstomagoeSexo.Afomeeoamorgovernamomundo.Shiller.

INTRODUÇÃOÉ preciso comer para ser organicamente saudável. É preciso se servir de

todasasexperiênciasparasereestaremcontatocomomundo.Acomidaéisso,oreflexodovivido.Destemodo,nãohánahistóriadahumanidadeumaatividademais reveladora da complexidade humana do que o ato de se alimentar, seja ocorpoouaalma.

A comida fala à suamaneira, isto é, pormeio dos ingredientes,modo defazer, e contexto de consumo. Nesta fusão repousam histórias, memórias,afetividades e contratos sociais. Seguindo esse pressuposto, no presente artigotemcomoobjetivodiscorreracercadapeixadacuiabanacomoumaexpressãodolugar ribeirinho. De tal maneira, fundamentar-se-á esse ensaio na Geografiahumanistacultural.

Concebemos a elaboração de uma comunicação científica como umaalquimia similar à da preparação dos alimentos. Ambas, a escrita e a cocção,decorrem da arte de metamorfosear ingredientes distintos. As cores, sabores,texturas, referências, contextos, saberes, histórias ememórias se fundem e dãoorigem,magicamente,apratos,interpretaçõesetextos.

Destarte,utilizar-se-ácomoperspectivaaGeografiadosSabores,combaseemGratão (2008);Marandola Jr (2012);Oliveira (2012); eHolzer (2014), osquaistêmsededicadoaanalisaraalimentaçãocomoummeiodecompreensãodaexperiência espacial, na Geografia Humanista Cultural. Conforme Almeida(2009)eHolzer(1997),estanãoéumanovavertentedopensamentogeográfico,masumenfoqueparaosestudosespaciais.Kozel (2013)define inseridosnessearcabouço teórico como componentes de uma “Geografia Marginal”, que seempenhaemabordar tudoaquiloqueéespacialmente invisibilizado, istoé,nãopode ser aprendidoporumolhar tradicional, comoos territóriosdodesejo, ossentidosdaprostituição,ossignificadosdosodoresesabores.

Os dados que serviram para esta reflexão derivam de entrevistas eobservações de campo que ocorreram no segundo semestre de 2016. Essastiveramcomobasemetodológica a etnogeografia, que, na concepção deClaval(1985),dáageografiaapossibilidadedeinterrogar-sesobreomodocomoqualos grupos sociais se relacionam com o meio, seus valores, suas percepções,critériosdeespacialização,cartografia,formasdelocalização,representaçõesdoespaçoterrestre.

O artigo está estruturado em três seções. Na primeira abordamos como aGeografia é uma via interessante para a análise de alimento e comida. Opropósitoéindicaralgumascontribuiçõesteóricasemetodológicasdegeógrafosacercada temática.Nasegundaseçãoapresentamosaculinária localcomoumaalternativa à expressão do lugar.Na ocasião tratamos de elucidar definição delugar que fundamentou as análises.Na terceira seção são expostos os aspectosquefiguramapeixadacuiabanacomoumaexpressãodolugarribeirinho.

ALIMENTOECOMIDA:LEITURASNAGEOGRAFIAAté chegar aos status gourmet dos dias atuais, a comida passou por

diferentes processos que repercutiram em alterações nos comportamentos emodosde vida humano.A imprescindibilidade de alimentar-se para sobreviver

forjouosnossosprimeirosancestrais,homensemulherescaçadores-coletores.Aânsiadeaproveitaro tempogerouanação fast-food.Milhõesdeanos separamumgrupodooutro.Nessepercurso,umadiversidadedegeraçõesseuniuemtornodeumamesaparadesfrutarrefeições.

A alimentação é, depois da respiração e do consumo de água, o processomais importanteparao funcionamentodasatividadesvitaisdegrandepartedosseres vivos. Além de sua função biológica, para os humanos, a alimentação étambémummodelodeestruturaçãosimbólicacomsignificadossociais,sexuais,políticosreligiosos,éticoseestéticos(CARNEIRO,2003).

OprimeiropesquisadorautilizaraalimentaçãocomoumsistemaprofícuoainterpretaçõesdasparticularidadesdosgruposculturaisfoioantropólogoClaudeLévis-Strauss.Tomandocomobaseosmitosindígenasquelheinteressavam,deuindicativosdequeapossibilidadedeprepararosalimentospormeiodofogofoiaprimeiraformadedominaçãodanaturezapelohomem.

Em sua memorável publicação “O triângulo culinário”, ele afirma que atransformaçãodenaturezaemculturasedánapreparaçãodoalimento,istoé,nasuacocção.Defato,háumadimensãointerpretativapossívelquandopensamosapartirdaoposiçãocruedocozido.Naconcepçãodoautor,épossívelaferirnosistemadeumgrupooqueestáparanaturezaeoqueestánacultura.

Emborananaturezaexistaumaextensadiversidadedeitensquepodemserconsumidos pelos homens, só serão selecionados como parte do sistema dealimentação aquelas iguarias aceitas culturalmente pelo grupo. O critérioutilizado para essa seleção está diretamente ligado às dimensões nutritivas,econômicasesimbólicas(MONTANARI,2008).

Ocomplexoprocessodeseleçãodoquepodeserconsumidoounãonoslevaacompreenderqueexisteanecessidadedeesclarecermossobreoentendimentodoque é comida edoque é alimento.ParaDaMatta (1986), adiferença entrecomida e alimento está, a princípio, em sua dimensão. O alimento estárelacionado à necessidade de sanar um instinto biológico. Tudo que está nanaturezapodeserconsideradoalimento.Oalimentoéplural.Acomidaésingular.

Aelaéatribuídoovalor,aescolha, significados,uma identidade.Opeixe,porexemplo,éalimentoparagrandepartedosbrasileiros,entretanto,écomidaparaosindígenas,ribeirinhosentreoutrossujeitos.

Noqueconcerneaosestudosgeográficos,tantoacomidaquantooalimentopodem ser aprendidos como uma alternativa de entendimento do espaço.Nestecontexto,hádeseafirmarqueexisteumlequedepossibilidades.Castro(1984),Claval(2007),Oliveira(2012),Gratão(2011;2014),Marandola(2012;2011)eHolzer (2012; 2014) são alguns dos geógrafos que se dedicam/dedicaram apensaroespaçotendocomomeioaalimentação.

EmsuaobraGeografiadaFome,Castro(1984)elaboraoprimeiromapadafome no Brasil, tomando como ponto de partida os regimes alimentares, bemcomoosseuspontoscríticos.Comosresultadosdesuainvestigaçãofoipossívelreconhecer as discrepâncias econômicas, sociais e culturais presentes noterritório brasileiro.Colaborou tambémpara a dissolução do estigma de que afome e a improdutividade estavamdiretamente ligadas às diferenças climáticasexistentes nas cinco regiões político-econômicas do país. Por meio de suainvestigação ele concluiu que diante da extensão territorial do pais é possívelproduzir alimento necessário para nutrir toda a sua população. Entretanto, aestrutura econômica-social do país age sempre no sentido contrário àspossibilidadesgeográficas.Combasenosdadosanalisados,oautor foiumdosprecursoresemafirmarqueafomeéumfenômenoconstruídonoâmbitopolítico.

Claval(2007),emseulivroAgeografiaCultural,convidaoleitorarefletirsobre a alimentação comouma formademediação entreohomemeomeio.Oautor enfatiza a importância dos geógrafos se envolverem nos sistemasalimentares a fim de compreender como o homem se realiza socialmente, bemcomoimprimesuasmarcasnoespaço.

Todasasinvestigaçõescitadasdeformadiretaouindiretatrazemaocentrodas discussões caminhos para a utilização da comida ou do alimento comoalternativa para as análises da relação homem e espaço. O que difere umaabordagem da outra é o aporte teórico-metodológico, que dá suporte às

discussões,atémesmoanoçãodadaaosconceitos.ApropostadeCastro(1984,p.34)abordaoalimentoeacomidanoâmbito

danutrição.Paraoautoressessãoosrecursosdequeosgrupos“poderãodisporparasatisfazersuasnecessidadesdenutrição”.Poroutrolado,mesmopossuindouma concepção biológica da alimentação e da comida o autor não suprime aimportânciadaculturanavalorizaçãodoquevaiàmesa.NasuaconcepçãonãoépossíveldefiniroBrasilcomoportadordeumaúnicaáreageográficaalimentar.Como argumento o geógrafo afirma que “as variadas categorias de recursosnaturais e a predominância cultural de determinados grupos que entraram naformação de nossa etnia nas diferentes zonas tinham que condicionarforçosamenteumadiferenciaçãoregionaldostiposdedieta”(idemp.57).

SeguindoamesmalinhadeconsideraçãodeCastro(1984),paraogeógrafoculturalaalimentaçãoestá relacionadaa tudoquepossasuprirasnecessidadesfisiológicas do homem. “Alimentamo-nos para sobreviver,mas as razões pelasquaisoshomensdão tanta importânciaaoquecomemebebeme lheconsagramumaparteimportantedoseutempodesuaenergiaedesuasrendasnãosãotodosresultadosdafisiologia”(CLAVAL,2007,p.256).Paraesteautor,acomidatemavercomgosto,eesteestárelacionadoàconvivialidade,hierarquiaseestruturassociais.

Na geografia dos sabores tanto a alimentação quanto a comida sãoconstituídosnaexperiênciapossibilitadapelosabor,nogosto.ConformeHolzer(2014)oalimentoémuitomaissignificativodoquepressupõeaideiadequeesteéumanecessidadebásicaparaasobrevivência.Elerevelaasespecificidadesdosterritórios,doslugares,daspaisagens.

Nas palavras deHolzer (2014, p.2), a geografia dos sabores “é ummodohumanista,culturalista,efenomenológicodesefazergeografia”.Oautordestacaque,apartirdareportadaorientação,épossívelconferiras raízesdasculturas,atémesmoas implicaçõesdesses encontros, pois esses refletemdiretamentenogosto.

Conjecturar o sabor como um itinerário possível às pesquisas espaciais é

ousado,oquedecertomodovemocasionandofurorentreaquelesquepraticamageografiasoborespaldotradicional.ComodestacaHolzer(2012,p.69),“oquemotivaascríticas,semfundamento,sãoreferenciaistãoarraigadosao“real”,quenão sepermitemsaborear comprazeroqueé estudado.Aprendemosnaescolaqueaciênciadeveserneutra,ouseja,ascética,insossa”.

Destemodo,competeesclareceralgunsaspectosdoviésselecionado,comoocontextoemquesurgeesuasimplicaçõesemtermosdehistóriadopensamentogeográfico.

A geografia foi por muito tempo considerada uma ciência de precisãomatemática.Aaptidão, aexatidão,oquea impediadeaproximar-sedohomemenquanto ser complexo. Até então, os aspectos subjetivos da existência eramdesconsiderados.

O distanciamento entre geografia e a objetividade positivista se deu commaior ênfase a partir do humanismo.Os princípios difundidos pelomovimentointelectualeuropeuforamumimportanteaportenareelaboraçãodonovoprojetoteórico-metodológicogeográfico.Elespermitiramàspesquisasgeográficasiremalémdosestudosquequantificavamorelacionamentodohomemcomanatureza.

O novo prisma científico oportunizado pelo humanismo na geografia éresultadodaaproximaçãodessaciênciacomdiferentesgêneroseformasdearte.Aliteratura,música,gênero,alimentaçãoeodoressãoapenasalgunsdosdesafiosinterpretativos para o geógrafo (CHAVEIRO, 2014). Na mesma linha deconsideração,Almeida(2009,p.258)afirmaque[...]“ogeógrafoéconvidadoavalorizar as diferenças e a diversidade, procurando explicar, interpretar asrealidades concretas, as atividades mentais e as representações que são daimaginação”.

Em termos teórico-metodológicos, na esteira deAlmeida (2009) eGomes(2011), afirmamos que a Geografia de inspiração humanista é composta dereferências variadas; isto é, não há um aporte que possa ser designado comouniversal a todos os estudos. Deste modo, é possível aferir pesquisas comenfoquesquetransitamdoestruturalismoaoexistencialismo.

Namiscelânea de direcionamentos possíveis na supracitada abordagem, épossível identificarpontosdevistaquepodemdialogaresecontrapor.Oúnicoelemento inaceitável é o empobrecimento oriundo de modelos matemáticos,preestabelecidos,que,pormuitotempo,encaixotouohomem(GOMES,2011).

Na essência, a proposta da geografia humanista cultural partilha oentendimentodequeohomeméumsermúltiplo, impossíveldeserdefinidodemodoestanque,comoumseracabado,e,destemodo,deveser“consideradoemtodasuacomplexidadeculturaleantropológica”(ALMEIDA,2008,p.35).

OSABORCOMOEXPRESSÃODOLUGARNo intentode investigarasgeografias ribeirinhas,optamospor fazê-lapor

intermédio do sabor da peixada cuiabana. Essa será compreendida como umaexpressão do lugar ribeirinho. Para isso, congregamos autores da geografiahumanista cultural, mais precisamente as suas contribuições à Geografia dosSabores,comoOliveira(2012),Gratão(2011;2014),Marandola(2012;2011)eHolzer(2012;2014).

Nãonosateremosao“saborsensação”propostoporGratão(2014),masnopropostoporHolzer(2014)quedefineogostoalimentar,quecontaahistóriadeumgrupo,edoespaçoqueesteocupa.

Sobreadefiniçãodelugar,emnossaperspectiva,éumelementofundantedoser.Poiseleexpressaoenvolvimentomaisprofundodohomemcomomundo,assuasraízes.Elenosdirecionaacompreenderomodoeoporquêdosgrupossepermaneceremounãoaumaparceladoespaço,apesardasdificuldadespresentesnomeio.

O lugar não se apresenta em uma escala específica, “ele é uma classeespecial de objeto” (TUAN, 1983, p.14). O diferencial desse objeto é a suacapacidadedeserconcreto,depossibilitaramorada,contudo,nemsemprepodesermanipulado.Nopontodevistadomencionadoautor,omorarpossuiosentidodepertencimentoquelevaoindivíduoasesentiremestabilidade.

Arespeitodomodocomoosindivíduosadquiremasexperiênciasespaciais,temosreferênciaemTuan(1983),comoqualaferimosoquãosignificativosãoossentidos para estas experiências. Em concordância com o referido autor,afirmamos que são os receptores sensoriais os agentes mediadores da relaçãohomemeespaço.

O revelar do lugar da peixada cuiabana é possível graças aos órgãossensoriais,maisespecificamenteaopaladar.Esse,porsuavez,“[...]nospermiteterumapercepçãoespecífica(agustativa)eoferecepossibilidadesdeleituradecircunstânciaseformas”(MARANDOLAJR,2012,p.40).Essascircunstâncias,emnossaconcepção, éoqueDardel (2015)apontacomo realidadegeográfica,istoé,osespaçosdainfância,dosofrimento,docotidiano,daslembranças,dosodores,dosestadosafetivos.

OLUGARNACULINÁRIAEMSÃOGONÇALOBEIRARIOAcomunidaderibeirinhaSãoGonçaloBeiraRio(Figura01)estálocalizada

namargemesquerdadorioCuiabá.Esserioéumdosprincipaisformadoresdoecossistemapantaneiro.Tributáriocarregadodehistória, foipormuito tempooúnico meio de comunicação da província com outras regiões, tornando-se umimportantecorredorcomercial.Pelaságuasdoafluentequehojenomeiaacapital,transitavam embarcações repletas de produtos de subsistências, a fim deabastecer o comércio local. Ligando Cuiabá a São Paulo, juntamente com osvendilhões, adentrava os forasteiros, que construíram inúmeras currutelas degarimpo,aolongodasmargensdoscórregoserios,nahoje,então,ViladeBomJesusdeCuiabá(VILARINHONETO,2009).

SãoGonçaloBeiraRio temsuaorigemnoséculoXVIII, comoumarraial.DeacordocomRomancini(2005)osprocessoshistóricoseespaciaisdelaestãodiretamente ligados à constituição urbana do Estado deMatoGrosso. Isto é, abuscapeloouro,acapturadeindígenaseanecessidadedeasseguraroterritório,são acontecimentosquepermeiama ataque lavrou a fundaçãodeSãoGonçalo

Velho.

Figura1:MapadelocalizaçãodaComunidadeSãoGonçaloBeiraRio

Fonte:Elaboraçãodosautores,2016

Os sujeitos de São Gonçalo Beira Rio são pescadores tradicionais eceramistas,quehojevivemdosrestaurantes.Ospescadores,atéofinaldoséculoXIX, eram pequenos agricultores, portadores de relativa autonomia, que,entretanto,tambémestavamligadospormeiodevínculostrabalhistasàsfazendas,às usinas e aos engenhos. Muitos eram oleiros, costureiros, caçadores,pescadores,agricultores.Essesnãoseencontravamdesvinculadosdoartifíciodacirculaçãode bens.Oprocesso se dava na troca ouvenda de queijos, doces epequenosanimais(BORGES,2010).

Diferente das características citadas por Borges (2010), o ribeirinho doséculoXXIéforjadopelofimdasusinasdeaçúcaredadiminuiçãodofluxodocomércio fluvial e a divisão das propriedades em regime de sesmaria. Esseperíodoémarcadopelagrandedificuldadedeadquirirbensdeconsumo,alémdeprecáriascondiçõesdevida.

Nadécadade1960,comogolpecívico-militar,ocorreutambémoprocessodeapropriaçãodasterraspeloslatifúndios,inviabilizando,assim,queogrupoemquestãopudessesubsistir.Osribeirinhos,afimdesobreviver,voltaram-separaapescacomercialcomoprincipalalternativaeconômica,juntamentecomaroçaeafabricaçãodecerâmica,redeserapadura(DASILVAeSILVA,1995).

Nasdécadasseguintes,comoapontamDaSilvaeSilva(1995),ogovernodaépoca, com o interesse de inserir Mato Grosso na dinâmica capitalista,implementou políticas estaduais que viabilizaram a introdução da atividadepesqueira nos moldes empresariais. Para isso, foram oferecidos incentivos aquemquisesse trabalhar na indústria de peixes em conserva.Nestemomento, épossívelavaliarqueaatividadepesqueiracomeçaaseespecializar,adquirindoostraçosmaissofisticadosdaatualidade.

Apesar da expectativa, a especialização da pesca não atingiu o nível dedesenvolvimentoesperado.Semaptidão,grandepartedoinvestimentoperdeu-se,sendonecessáriaa formulaçãodenovasestratégiasdesobrevivência.Nosanosseguintes, é possível observar que o ribeirinho, em diferentes locais do rioCuiabá, em ritmosdiferenciados, tempassadoporumprocessode transiçãodeum modo de vida tradicional autônomo para um altamente dependente, regidopelocapital.

A degradação do ambiente natural dos rios e a expansão dos espaçosurbanos,comojámencionado,direcionaramogrupoabuscarnovasestratégiasdevida. Popularmente conhecido como ferramenta de desenvolvimento local, oturismoeseussegmentos,comoodepesca,ecológicoeogastronômico,têmseapresentadocommaiorexpressãoeeficáciaparaascomunidadesribeirinhasdorio Cuiabá. Só em São Gonçalo Beira Rio foram abertos 22 restaurantes queatendemdiariamenteturistaseàpopulaçãodabaixada,oferecendocomoiguariaapeixadacuiabana(Figura02).

Figura2–PeixecomercializadonosrestaurantesdeSãoGonçaloBeiraRio

Fonte:Santos,2016.

Apeixadacuiabanaéumadenominaçãodadaparaospratoscomercializados

emgrandepartedaspeixariasdacapital.Elageralmenteécompostapormojicade pintado (uma espécie de guisadode peixe commandioca), pacu frito, peixeensopado (peixe frito com caldo, banana da terra madura e mandioca), pacuassadoacompanhadodefarofadebananamadura,arrozbrancoevinagrete.

A peixada é o principal atrativo de visitantes na comunidade. Nelacompreendemos estar consagrada o que Gratão (2014) designa como “forterelaçãoentreaculturaeoambiente, seresaber”,queemnossaconcepçãoéoprincipal atributo do vínculo entre ribeirinhos e o lugar. Esse vínculo éreafirmado diariamente no cotidiano dos restaurantes, quando as receitas sãorepassadas no processo de seleção dos pratos, na cocção dos alimentos, nosingredientesutilizados.

Em grande parte dos restaurantes, os peixes são cozidos conformeassimiladoemsituação familiar,nacozinhadamãe,daavó.Deacordocomosinformantes,todoconhecimentoacercadapreparaçãodopescadofoiapreendidona vivência por meio da observação. Para Tuan (1893), a experiência é umaforma de constituição do saber. “A experiência implica na capacidade deaprenderapartirdavivência” (TUAN,1983,p.10).Acolocaçãodoautornosremete a uma importante afirmação deGratão (2014, p. 12), que considera “aculináriacomoumaexpressãomaiordossaberestradicionais”.

Osingredientesremetemàshistóriasememóriasdafamília,ouatémesmoaumtempodeabundância,quandoerapossívelviverapenasdapesca.Tempoemque o Rio Cuiabá oferecia o alimento e o lazer. Atualmente, diante da grandeprocurapelopescado,éimpossívelatenderàdemandaapenaspormeiodapescatradicional.Destemodo, são utilizados nas receitas também peixes criados emcativeiro.

Foi do encontro de sujeitos distintos, em situações improvisadas da vida,que, deliciosamente, foi sendo constituído o sabor da peixada cuiabana. Amiscigenaçãoentre índios,negrosebandeirantes, a faltadeopçõesde fontederendacondicionadapeladecadênciadas fazendasdecana,na indisponibilidadede acesso a alimentos, e a perda de território para a expansão urbana,

especulação imobiliária e o agronegócio foram apenas alguns fatos queconfluíramnacriaçãodesseproduto.

Holzer (2012; 2014) nos lembra de que na cozinha o processo demiscigenação é um fenômeno saudável, sendo, deste modo, fundamental nosdedicar a observar o quão rápido os hábitos culturais antigos se adaptam aosnovos.Destaca-se que essaponderaçãodo autor vale tantopara as técnicas deplantio,abateecriação,quantoparaossignificadosexistenciaisdaalimentação.

CONSIDERAÇÕESApósoperceptívelprocessode turistificaçãodaculináriadacomunidade,

tantopelopoderpúblico,quantopelasinstituiçõesprivadas,oqueeraumhábitoalimentartornou-seumatrativodeturistasemoradoresdabaixadacuiabana.

Éevidentequeodeslocamentodopeixedopratodoribeirinhoparaalouçados restaurantes trouxe implicações em diferentes aspectos do modo de vidalocal;entretanto,napercepçãodossujeitosasvantagenseconômicassãomuitosmaioresqueosproblemas.

Os pratos servidos, de modo geral, podem ser compreendidos como umaforma de representações materiais dos processos pelos quais os sujeitosestiveram envolvidos ao longo da história da comunidade. Estes carregam oapegopelo seu espaçooriginário, a lutadiáriapela sobrevivênciadomododevida, as lembranças individuais e coletivas, elementos esses que qualificam osentidodolugar.

Sobre a Geografia dos Sabores, mais precisamente a caracterizada porHolzer(2012;2014),pode-sedizerqueelatempelafrenteimportantesdesafiosteóricoseconceituais.Entretanto,elatemsemostrado,aolongodotempo,comoum profícuo caminho na compreensão das culturas, na contextualização dosprocessosafetivos,noresguardodebensimateriaiseigualmentedaidentidade.

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ONEGRONOCARNAVALDABAHIA:UMAANÁLISESOBAPERSPECTIVADAGEOGRAFIACULTURAL

CLÁUDIANOVAESDEINAProgramadePós-GraduaçãoemGeografiadaUFPR

[email protected]

INTRODUÇÃOOcarnaval é amaiormanifestaçãoculturaldoBrasil.Caracterizadocomo

umafestapluralecomplexadesenvolveu-sedeformapeculiaraolongodenossahistóriaemcadacantodoterritóriobrasileiro.Porissopodemosfalardevárioscarnavais,comoporexemplo:ocarnavalcarioca,ocarnavalbaiano,ocarnavalpernambucano, o carnaval paulista, o carnaval paranaense e outros. Por todo opaísafoliacarnavalescareúneatoressociaisantagônicos,produzindoumespaçoplural,ondesematerializamprocessosdesiguaisdepoder,oferecendoàpesquisamúltiplasleiturasesignificados.NaBahiaocarnavalpossuiumaduraçãooficialde seis dias, começando na quinta-feira à noite e encerrando-se na manhã daQuarta-feiradeCinzas.Ocupaemmédia25kmderuasparaosdesfilesnostrêsprincipais circuitos1 em que ocorre a festa (Figura 1), a qual ocorre entre osmesesdefevereiroemarçodecadaano.

Figura1–CircuitosdoCarnavaldeSalvador(BA)

Fonte:ElaboraçãodosAutores(2017)

Segundo Agier (2000) em sua obra “Anthropologiedu Carnaval” amagnitudedocarnavalbaiano,queatraicercadeummilhãodepessoasparaasruas, durante os dias da festa, está diretamente relacionado ao seuprocessodeafricanização.Emborahaja segundooautoruma“competição”entreocarnavaldaBahiaeocarnavaldoRio,aBahia“ganha”emtermosdeparticipaçãopopularnocarnaval.Assim,MichelAgier(2000)comparaSalvadorauma“RomaNegra”em termos populacionais, no entanto observa que a população soteropolitanaenfrenta sérios problemas no seu cotidiano, como a desigualdade social, oracismoeoutros.

Nesse contexto, observa-se que a cultura africana permeia o carnaval daBahia desde a sua origem, no entanto a institucionalização da africanização dafoliacarnavalescaocorreuapartirdacriaçãodosblocosdeafoxé(Figura1).Aconsolidação veio com a instituição dos blocos afros na década de 1970,especialmentedoIlêAiyê(Figura2).EssesblocossurgiramdentrodosterreirosdecandomblélocalizadosembairrosdacidadedeSalvador,ondeamaioriadoshabitantes são negros, como por exemplo, o bairro daLiberdade.É importanteressaltarqueSalvadoréacidadedomundoquepossuiamaiorpopulaçãonegra2

foradocontinenteafricano.Percebe-se que apesar de todas as formas de preconceito e repressão que

ocorreramaolongodosséculosemrelaçãoàparticipaçãodonegronocarnavalna Bahia, a mesma sobreviveu e ganhou espaço, passando da repressão aoglamour.Deumextremoaooutro,deve-sequestionarquais foramos interessesque nortearam essamudança de perspectiva em relação à atuação do negro nocarnavalbaiano?Diantedessaquestão,considera-sequenoperíodomaisrecenteosgestorespúblicoslocaiseosempresáriostransformaramocarnavaldaBahianumaindústrialucrativa,aqualatrai,acadaano,milharesdeturistasnacionaiseinternacionais.

Figuras1e2:OtapetebrancoformadopeloblocoFilhosdeGandhynocircuitoOsmar&BlocoIlê

Aiyênocarnaval–circuitoOsmar(CampoGrande)

Fonte:Flickr–Bahiatursa,2016.

Nessa conjuntura, pode-se inferir que o turismo e os espetáculos públicospassaram a ter primazia no planejamento governamental, os quais forammetamorfoseados conforme Dias (2002, p.10), como “forças econômicas esimbólicas de uma conjuntura denominada pós-moderna”, além disso, “foramtambém decisivos para que o carnaval de Salvador se transformasse num dosmaioresespetáculosdomundo”.

REFLEXÕESSOBREOCARNAVALNaatualidadeaanálisebakhtinianaébastanteapropriadapararefletirsobre

ocarnavaldaBahia,considerandoqueafoliacarnavalescabaianaéamaiorfestapopular e pública do Brasil, onde as tensões da vida cotidiana soteropolitanaforampercebidasevividasaolongodasuahistória,servindocomopalcoparaaspráticaseaafirmaçãodaidentidadeterritorialdosnegrosemSalvador.

Bakhtin, filósofo russo analisou a obra do filósofo francês FrançoisRabelais,GargântuaePantagruelescritanoséculoXVI,aqualfoicensuradapelaUniversidade de Sorbonne, tratada como obscena e classificada como heréticapeloPapaPio IV, em1564.No entanto essa obra representa umadas relíquiasmais preciosas para a compreensão da cultura popular na Europa ocidental naIdadeMédia e noRenascimento, considerando que “o livro deRabelais é, emtoda literaturamundial,oqueoferecemais amplo lugar à festa.Ele encarnouaprópriaessênciada festapopular (BAKHTIN,1987,p.240)”,por issoofereceum contraponto à “literatura séria, cotidiana, oficial e solene dos séculosseguintes, especialmente do XIX (Idem, p. 240)”. Assim, para compreender a

concepçãodemundodescritaporRabelais,sefaznecessárioacompreensãodosfolguedospopulares,emespecialdocarnavalquenelesexistiam.

Por conseguinte, Bakhtin (1997) esclarece que durante o regime feudalmedieval as festas que tinham como objetivo celebrar “os fins superiores daexistência humana, a ressurreição e a renovação, só podia alcançar a suaplenitude [...] no carnaval e em outras festas populares e públicas”. Nessaconjunturaocarnavalsematerializavacomoasegundavidadopovo,queduranteosdiasdafestaingressavatransitoriamente“noreinoutópicodauniversalidade,liberdade, igualdade e abundância” (BAKHTIN, 1987, p. 8). Por outro lado,observa-sequenas festaspromovidaspela IgrejaepeloEstadonãohaviaessapossibilidade de inversão da ordem existente como ocorria no carnaval, assimessasfestascolaboravamparaamanutençãoefortalecimentodopróprioregimevigente. Nessa circunstância, as outras festas perderam o brilho diante docarnaval. Reduziram a sua relevância popular, favorecendo desse modo aconsolidaçãodocarnavalcomoosímbolodaautênticafestapopularepública,aqualpossuíaautonomiaemrelaçãoàIgrejaeaoEstado(BAKHTIN,1987).

Assim,Bakhtin (1987) dispõe que o carnaval com todos seus atos e ritoscômicosocupavaumespaçomuito relevantenavidadohomemmedieval.Essafestapopularcaracterizava-sepor serum fenômenocomplexoque reunia sobomesmo termo numerosos folguedos de diferentes origens, os quais caíam emdiversas datas, no entanto possuíam peculiaridades comuns. Ao longo dosséculos,váriosdesses folguedosdesapareceramoudegeneraram.Contudo, seuselementos – ritos, atributos, efígies e máscaras – levados para o carnaval,permaneceramcomolegadodeformasalteradasdousooriginal.Nessesentido,Cassirer(1997)dispõeque“nãohánenhumfenômenonatural,enenhumfenômenoda vida humana, que não seja passível de uma interpretaçãomítica, e que nãopeça tal interpretação” (CASSIRER,1997,p.123).Portanto, segundooautorébastantecomum,antropólogoseetnólogosencontrarempensamentoselementaresda cultura humana espalhados pelo mundo, em condições culturais e sociaisdiversas.

ParaGilFilho,ouniversodasmanifestaçõesepercepçõesépermeadopelomito“queseexpressanaprópriaexperiênciasimbólicadomundo”(2012,p.58).Assim, omito participa dos primeiros estágios da cultura humana, por isso sedestaca como forma simbólica, “se distingue da explicação de um sistemametafísico ou teológico” (Idem, p. 58). Desse modo, o mito evidencia amanifestaçãodosfenômenosdavidasubjetiva.

ONEGRONOCARNAVALDABAHIAO carnaval da Bahia tem história social que precisa ser resgatada e

fortalecida, história de luta e resistência da participação dos negros quecontribuíram de modo decisivo para a magnitude da festa, através do seupatrimônio simbólico consubstanciado na linguagem, na música, no ritmo, nadança enos emblemasdeorigemafricanaque forampreservados ao longodosséculosnosdiversosterreirosdecandomblédeSalvador.

Paul Claval (2012, p.17), em sua análise sobre a riqueza do campo dageografiaculturalbrasileira,dispõeque“[...]osaportesdaculturaafricanasãotambém consideráveis, com o surgimento e a consolidação de sincretismosreligiosos no Candomblé ou na Umbanda [...]”. Portanto, a herança da culturaafricana no Brasil representa um campo fértil para os pesquisadores que seinteressam por investigar a diversidade da sociedade brasileira. Assim, esseestudoencontrarespaldonaobradocitadoautor,umavezqueomesmobuscaráresgatar valores alusivos da cultura africana, no carnaval da Bahia, os quaisforamperpassadosaos seusdescendentes e sobreviveramao longodos séculosassociadosaosincretismoreligioso.

O afoxé representa uma emblemática raiz da cultura africana no carnavalsoteropolitano, considerandoqueos foliõesquederamorigemaosblocoseramnegrospobresqueestavamligadosadiversosterreirosdecandomblédacidade(SPINOLA,2012).TemoscomoexemplomaiscontundentedeafoxéosFilhosdeGandhy3.Ressalta-se que o primeiro grupo de afoxé saiu às ruas da capital da

Bahia em1895.Noentanto, na atualidade, intelectuais, acadêmicos, políticos epersonalidades famosas se agregaram ao bloco de afoxé, o que denota umprocesso de descaracterização em relação às raízes africanas que serviram dealicerceparaacriaçãodobloco.

Emmeadosdosanos70foiinstituídooprimeiroblocoafronocarnavaldeSalvador, com o objetivo de resgate e valorização da cultura africana. Assimsurgiu o Ilê Aiyê no bairro remanescente de um quilombo urbano, o Curuzu.ConformedispõeMoura(2013),“aiconografiadoIlê,sejaemtermosdemúsica,sejaemtermosdeartesplásticas,vaiseplasmarcomoumaveementeafirmaçãodaÁfricacomomãenegradaBahiaedoBrasil”.Dessemodo,oblocoafrodoIlêlevouparaaavenidaabelezadaculturaafricanacomosseus ritmos,dançasesímbolos que evidenciam, fortalecem e valorizam a origem africana. Nestecontexto, a coreografia que acontece no carnaval associa movimentos doCandomblé com emblemas de origem africana e, em cada cortejo o blocoapresentaumdeterminadopaísafricano,“tomadocomounidadederepresentaçãodaNegritude livre” (MOURA,2013,p.3).Paraalémdacelebração,osblocosintroduziramumaperspectivaderesistênciaàhegemoniacultural“branca”.

Nasaídado Ilêocorreum tradicional ritual religioso,opadê, oqual teveinício comuma das fundadoras do bloco,MãeHilda de Jitolu (mãe de santo),mãe deVovô, falecida em2009.MãeHilda espalhava “pipocas e umpó santopreparadoritualmenteemseuterreiroparaalcançarharmonia,aopédaladeira,pedindo paz e proteção para os seus filhos” (GUERREIRO, 2000, p. 30). Emseguida, pombos brancos são soltos, que simbolizam a paz, e todos fazem umminuto de silêncio antes do toque dos tambores. Além disso, o cortejo do Ilêpassa pela Liberdade e finaliza a apresentação do bloco no CampoGrande/CircuitoOsmar(Figura3),emanexo.Durantetodoocortejosãoentoadascançõesquevalorizamouniversonegro.

Figuras3e4–RitualdoPadênasaídadoBlocoIlêAiyêdoCuruzunocarnavaldeSalvadoreCoreografiadoBlocoMalêDebalênocircuitoDodô(Barra/Ondina)

Fonte:Flickr–Bahiatursa,2016

Posteriormente surgiram vários blocos afros comoMalêDebalê, Olodum,Timbalada, Ara Ketu,Muzenza, entre outros (Figura 4), anexa. Cabe ressaltar,porém,queaparticipaçãodosnegrosnocarnavaldeSalvadoréfundamentalparaaafirmaçãodasuaidentidade,aindaquenãofossereconhecidapelostatusquocomotal:desdeoséculoXIX,eraopontodeconvergênciadediversasetniasdeorigem africana, o que pode ser constatado em diversos documentos da época,comoapublicaçãodeumacartadoprofessorNinaRodriguesem12defevereirode1901,noJornaldeNotícias,quecriticaaparticipaçãodonegronocarnavalsoteropolitano:

Refiro-me à grande festa do Carnaval e ao abuso que nela se tem introduzido com aapresentaçãodemáscarasmalprontos,porcosemesmomaltrapilhosetambémaomodoporquesetemafricanizado,entrenós,essagrandefestadacivilização.Eunãotratoaquideclubesuniformizadoseobedecendoaumpontodevistadecostumesafricanos,comoaEmbaixadaAfricana,osPândegosdaÁfrica,etc.;porémachoqueaautoridadedeveriaproibiressesbatuquesecandomblésque,emgrandequantidade,alastramasruasnessesdias, produzindo essa enorme barulhada, sem tom nem som, como se estivéssemos naQuintadasBeatasounoEngenhoVelho,assimcomoessamascaradavestidadesaiaetorço,entoandootradicionalsamba,poisquetudoissoéincompatívelcomonossoestadodecivilização(RODRIGUES,1988,p.167).

Observa-se na carta do professor da faculdade de medicina uma visãoracista e etnocêntrica em relação à africanização do Carnaval soteropolitano,mostrandopreocupaçãoemrelaçãoàdimensãoqueessafestatomoupelasruasdacidade, a qual estaria comprometendo a “civilização” da Bahia. Por isso, oprofessorsolicitouquehouvesseproibiçãodaafricanizaçãodafestacarnavalescapelas autoridades locais. Percebe-se que apesar de todas as formas depreconceitoerepressãoqueocorreramao longodosséculosemrelaçãoàfestanegranaBahia,amesmasobreviveueganhouespaço,passandodarepressãoao

glamour, devido ao processo de valorização que vem ocorrendo com osespetáculosurbanos,desdeasúltimasdécadasdoséculoXX.

Naatualidadevemocorrendoumavassaladorprocessodeelitizaçãodafestabaiana, o que poderá promover a redução dos foliões “pipocas”, devido àexclusãosocialdapopulaçãolocaleopossívelafastamentodasraízesafricanas.Nessesentido,Spinola(2012)colocaque“oCarnavalbaianoécadavezmaisummegaempreendimento capitalista, programado para uma elite de novos ricos,‘famosos’ da televisão, socialites e deslumbrados que curtem tudo noscamarotes”.Destemodo,umapequenaparceladapopulação,queérepresentadapelos artistas-empresários do carnaval, lucra milhões de reais com os blocos,trios e camarotes. Assim, o carnaval baiano merece preocupação de todos ossegmentos envolvidos, bem como pelos estudiosos do fenômeno no sentido defortalecer os valores que serviram de referência para a sua constituição econsolidação, os quais poderão contribuir para a elaboração de estratégias deresistênciaàlógicadaindústriaculturalvigente.

SobreaparticipaçãodosnegrosnocarnavaldeSalvador,Miguez(1996,p.97), afirma que os afrodescendentes sempre estiveram presentes de váriasmaneiras na festa “nos cucumbis, nos préstitos dos clubes negros da virada doséculo, nos afoxés, batucadas, blocos, cordões, ou, simplesmente, como folião‘pipoca’ ‘pulando’ ao som Trio Elétrico [...]”. O autor também destaca aproduçãosimbólicadocarnavalbaianoeacrescentaquea foliacarnavalescaépermeada de vários conflitos “negro x branco”, “pobre x rico”, “casa x rua”,“tradiçãoxinovação”,“públicoxprivado”(Idem,p.10),decorrentesdochoquedeinteressesdosatoressociaisantagônicosquefazemafesta.Assim,ocarnavalda Bahia materializa-se como uma festa plural e complexa que vai além datemporalidadedafolia,considerandoquearealidadedocotidianoéobnubilada,contudoessasdiferençasculturais,sociaiseeconômicasqueocorremnodiaadiadacidadeganhamvisibilidadeduranteafesta,porissonessesentidoocarnavalpodesignificarumaformaderupturacomopoderinstituído.

SegundoHaesbaert(2004),oterritório,enquantorelaçãodepodervaialém

dopoderpolíticotradicional,poisperpassapelaapropriaçãosendoumprocessomuito mais simbólico carregado das marcas do espaço vivido. Nesse mesmosentido,Sodré(1988,p.50)salienta,sobreoprocessodere-territorializaçãodosnegros no Brasil, o autor dispõe que “perdida a antiga dimensão do poderguerreiro, ficou para os membros de uma civilização desprovida de territóriofísico a possibilidade de se ‘re-territorializar’ na diáspora através de umpatrimônio simbólico”, ao qual o autor remete a importância da ancestralidadeafricana, embasada “no saber vinculado ao culto dos muitos deuses, àinstitucionalização das festas, das dramatizações dançadas e das formasmusicais”(Idem,p.50).

DeacordocomDias(2002),osblocosdetrio4,declassemédia“branca”,no carnaval da Bahia são pautados no consumo. No entanto, esses blocosincorporaramemmeadosdosanosoitentaamúsicapercussivaproduzidapelosblocos afros, o samba-reggae e o ritmo ijexá dos terreiros de candomblé aorepertóriodasdesuasbandas,atravésdeletrasquecelebramouniversonegro.Apesardisso,ocorreumasegregaçãoétnicaemrelaçãoaosblocosdetrio,vistoque também existem blocos constituídos pelos negros pobres, o que denota umconflitosocioeconômicopresentenasociedade,refletindonaterritorializaçãodocarnaval. Além disso, os blocos de trio, independente da caracterizaçãosocioeconômica, transformam o espaço público em privado, sendo, portantonecessáriorepensaressaformadeapropriaçãodoespaçopúblicopeloprivado,considerandoqueacadaanoquepassavemocorrendoa reduçãodeespaçonafesta para o folião pipoca. Nos blocos mais elitizados, animados pelascelebridadesdamúsicabaiana,onegroépercebido,principalmentecomoaqueleque segura a corda, os “cordeiros”, impedindo a entrada daqueles que nãopossuemo“abadá”,originalmenteumaroupadeorigemafricana,quenocarnavalmercantilizado,separapobresdericos,negros,debrancos.

Dias(2002),aindainferequeocarnavaldaBahiapodeservistocomoumaforma de protesto social, coabitado por controle social, permeado de conflitosdesdeos tempos remotos.Citandocomoexemplodeprotestomaisprofícuoem

2002aMudançadoGarcia,aqual,porsuacríticairreverente,entrouemchoquecomopoderpúblicoinstituídonomunicípio.Comoo“bloco”desfilanasegunda-feira de carnaval, utilizando carroças no circuito do Campo Grande, territórioondedesfilamosblocosde trioelétrico,afoxéseafros,adisputaporespaçoetempotorna-secontundente,vistoquenamaioriadasvezesocorrematrasosnassaídasdosblocosemvirtudedotempoqueaMudançadoGarciautilizaduranteopercurso do carnaval.Nesse bloco, não existe umpadrão de indumentária e aspessoas se fantasiam de forma livre, levando para a avenida asmais diversascríticassociais.Ébastantecomumencontrarnomeiodobloco,queexistehámaisdeoitentaanos,faixasecartazesmanifestandopautasdegruposorganizados,taiscomosindicatoseaassociaçõesdebairros,oumesmo,deindivíduosquelevampara avenida seus descontentamentos, principalmente em relação ao poderpúblico. Ressalta-se ainda, que ocorre uma acentuada presença deafrodescendentesnessebloco.

Diantedoexposto,observa-sequetodaatividadehumanaéaomesmotempomaterialesimbólica,assimsendoouniversosimbólicodocarnavaldaBahiaépermeado de sentidos e significados, evidenciando desse modo o tecido darealidade habitual dos soteropolitanos no cotidiano da cidade com a maiorpopulaçãonegraforadocontinenteafricano–Salvador.Noentanto,Serpa(2011,p. 34) ressalta que vem ocorrendo na cidade de Salvador “a alteração dosreferenciais culturais das áreas de urbanização popular, a partir damercantilização de suas manifestações artísticas” aos quais foramredimensionadaspelalógicadeproduçãoeconsumodocapitalismoatual.

CONSIDERAÇÕESFINAISDiantedoexposto,percebe-sequeodesenvolvimentodocarnavalaolongo

da história da humanidade como forma de subterfúgio da realidade cotidiana,quebrando tabus e marcando um momento de ruptura com a ordem existente,portantopossibilitandodessemodouma“utopia”da realidade, transformando-a

emmais humana.Nesse sentidoo carnaval é revolucionário, por isso ao longodos séculos ele vai ganhando cada vez mais adesão popular e, na Bahia esseresplendorfoirespaldadopelaparticipaçãodosnegrosdesdeocomeço,osquaistransportaramelementosdaculturaafricanaquecontribuíramdemaneiradecisivaparaagrandiosidadedafesta.

Pode-seconcluirqueocarnavaldaBahiatemhistóriasocialqueprecisaserresgatadaefortalecida,históriadelutaeresistênciadaparticipaçãodosnegrosque contribuíram de modo decisivo para a magnitude da festa, através do seupatrimônio simbólico consubstanciado na linguagem, na música, no ritmo, nadança enos emblemasdeorigemafricanaque forampreservados ao longodosséculos nos diversos terreiros de candomblé de Salvador. No entanto, naatualidade vem ocorrendo um avassalador processo de apropriação da festabaianapelaelite,oquepoderácomprometeraparticipaçãopopularnafesta.

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1 O espaço onde acontece o carnaval de Salvador está organizado e articulado em três circuitosprincipais:CampoGrande(Osmar),BarraOndina(Dodô)eBatatinha(Pelourinho).

2 Segundo estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE, em 2015, Salvador

possuía 2.921.087 habitantes, sendo que 80,9% declararam-se como negros ou pardos no último censorealizadopeloIBGE.

3OsFilhosdeGandhyéomaisfamosoblococarnavalescodeafoxédaBahia.OfoliãodoGandhyseapresentaduranteocarnavalcomsua roupabranca, seu turbante felpudo,colareseaguadecheiro levandoparaasruasdeSalvadoramúsica,adança,oritmoealinguagemoriundosdocandomblé.

4Blocosdetrio:sãoconstituídosporfoliõesquesaematrásdotrioelétricoduranteocarnavaldaBahiausando o abadá do bloco.Neste contexto, são produzidos e comercializados pelos blocos abadás diferentesparacadadiadedesfilenaavenida.

IMAGEMEFESTA:APROXIMAÇÕESPARAUMAGEOGRAFIADASREPRESENTAÇÕES

LUCASBEZERRAGONDIMUniversidadeFederaldoCeará-UFC

[email protected]

UniversidadeFederaldoCeará[email protected]

INTRODUÇÃOPARAUMAEPISTEMOLOGIADAIMAGEMEste trabalho pretende sinalizar como os regimes imagéticos da imagem

propostoporDurand(2002)influenciamnaconstruçãodaspaisagensfestivasdasmanifestações culturais. Para tanto utilizamos como exemplo, e objeto destapesquisa,afestadeNossaSenhoradaSaúde,queocorreanualmentenacidadedeFortaleza, com o intuito de fazê-la representativa de outrasmanifestações paraestarelaçãoimagem-festa.

Destamaneira,sefaznecessárioentendermosafestareligiosacomoumatodedevoçãoaalguma(s)divindade(s).Aesserespeito,Claval(2014,p.7)sugereque“a festaquebraacontinuidadequotidianadaexistência.Aatmosferamuda.Decorações efêmeras mascaram aquela habitualmente grisalha”. No entanto, amanifestaçãodeféfazpartedacidadeedaculturapopulardosmoradoresqueasconstituem, ocorrendo esta mudança de ritmo durante o período destinado àdevoçãoemformaderitual,masaféenquantotraçoculturalestápresentenodiaadia,comprovadopelacontinuidadedosfestejoscomopassardosanos.

Os santos no catolicismo são divindades fundamentais na história dessareligião, Oliveira e Araújo (2011, p. 81) afirmam que a “igreja primitiva jáveneravaaMãeeosApóstolosdeJesuscomosantos”.Adevoçãoeossímbolosiconográficosrefletemestemovimentodefé,econstituemoarcabouçoidentitário

presente na manifestação. A Geografia, com ênfase na abordagem cultural,despertou, após a virada cultural, para a investigação das manifestaçõespopularesedocarátersubjetivodosfestejos,oqualpodeserobservadoatravésdasimagensproduzidasduranteoritual,vistoqueasimbologiacontidanosritostemrepresentaçãosignificativaparaacelebração.

É nesta perspectiva que observamos os traços identitários de um grupo,enquanto representação, e num movimento inconsciente (ou não) que osparticipantes, ao festejar, potencializam os elementos simbólicos do festejo,atribuindo-lhessignificadosesentimentos.DeacordocomBezerra(2008,p.9):“Paraperduraresereproduzir,aidentidadenecessitaorecursoàmemóriasocial,ao jogo simbólico, às cerimônias memorativas e às festas, aos discursoshistóricosemitológicos”.Nesteaspecto,asmanifestaçõesculturaissãocamposde estudo atraentes para a ciência geográfica, através da espacialização dessasfestas.Aoseidentificaremcomestasimagens-símbolonofestejo,osparticipantesreconstroemereinventamoimaginárioreligiosodacomunidade.

Osestudosantropológicossobreafestaeostraçossubjetivosnelacontidosforam fundamentais para que a Geografia cultural, num movimentointerdisciplinar,reconhecesseasmanifestaçõesculturaiscomoumricoobjetodeestudoapartirdosurgimentodaNewGeographieCulturalqueinovouaciênciaaodialogarcomossímbolosesuasrepresentações.Claval(2008,p.21),numareflexão sobre a relação que se estreitou entre a ciência geográfica e asubjetividadecontidanosagrado,principalmente,apontaque:

Osgeógrafossempretinhamtidoumagrandedificuldadeparatratardosfatosreligiosos:elesdescreveramasigrejas,ostemplos,asmesquitas,asgrandescerimônias,asromarias;eles falaram do calendário religioso, das festas, da quaresma, mas ignoravam a fé, ascrenças.Asuaperspectivaerasomenteexterior.Aabordagemculturalbaseadasobreasrepresentaçõesassinalavaaexistênciadumacategoriaespecialdoespaço:osagrado.

Quando Claval indica o surgimento desta nova categoria do espaço,necessitamos acrescentar que os geógrafos despertaram não apenas para atentativade investigaro sagrado,mas tambémpara a subjetividadecontidanos

rituaisemanifestaçõesculturais.

DEFINIÇÕESDEIMAGEMPARAUMAIMAGÉTICADAGEOGRAFIAA imagem enquanto símbolo, presente nos arquétipos de Jung e Durand,

constitui-secomoumcomponentefundamentalnaconstruçãodapaisagemfestiva.Mas precisamos observar que a palavra imagem abrange muitos significadosdistintos, enquanto substantivo e adjetivo. Vislumbrando as interpretações dapalavra imagem, vejamos o que nos diz um antigo dicionário da línguaportuguesa, observando os múltiplos significados desta palavra no início doséculoXXcomFigueiredo(1913,p.1080):

s.f.Aquiloqueimitapessoaoucoisa.Representaçãopordesenho,gravuraouesculptura.Semelhança. Representação. Reflexo de um objeto na água, num espelho, etc.Reprodução namemória. Sýmbolo. Impressão de um objecto no espírito. Estampa, querepresentaassuntoreligioso.Estampaouesculptura,querepresentadivindadefabulosa,oupersonagem santificada entre os Christãos. Descipção. Reprodução, por meio dephenómenosluminosos.

Dentreasdiversasinterpretaçõesdapalavraimagem,éperceptívela ideiada imagemenquanto algo imaterial.Tambémé notória a presença das palavrasrepresentação e reprodução emmuitos dos significados apresentados. Partindodos verbetes acima, podemos observar a imagem como um símbolomaterial ecomoumfenômenoespiritual.Contudo,é lógicoqueestaespiritualidadecitadanãoenvolve,diretamente,umamaterialidade.

A imagem, com seu potencial de interpretações, pode ser agrupada nestesdois grupos, de acordo com os estudos iconográficos/iconológicos efilosóficos/antropológicos,respectivamente.Durand(2002,p.21)enfatizaque“opensamento ocidental e especialmente a filosofia francesa tem por constantetradiçãodesvalorizarontologicamenteaimagemepsicologicamenteafunçãodaimaginação, ‘fomentadora de erros e falsidades’”.Esta negligência doocidentenas pesquisas sobre a imagem é severamente criticada por Sartre (1973) numareflexãosobreoqueelechamade“psicologiaclássica”.

Quando Durand afirma que o pensamento ocidental deprecia os estudosvoltados à imagem e à imaginação, voltamos no tópico anterior, quandomostramoscomooimagináriofoidemonizadoporalgunsfilósofoseaformaquea psicologia tradicional herdou algumas concepções destes estudiosos. Ora,quandosetratadaimagem,oqueseobservaéummovimentobemsemelhanteaoqueocorreucomoimaginário.

Sartredialogaumaperspectivanãoarticuladapelospsicólogostradicionais.Para o autor a apreensão da imagem como uma imagem e formar pensamentossobreanaturezadasimagens,demaneirageral,eramdoisprocessosdiferentes,mas que não se excluíam. Enquanto isso, a psicologia tradicional observa esteobjetodeformasemelhanteàcópiadoobjetivo,comoomimetismoapontadoporPlatão. Sartre denomina essa coisificação da imagem, como uma metafísicaingênuadaimagem.

Ao tratar deste problema da materialização da imagem, Sartre utiliza umexemploemqueexplicitaum(dos)problema(s)nessaperspectivatradicionaldosfilósofosepsicólogos.Numaprovocaçãoumpoucoextremista,questiona:

Afolhaemimagemeafolhaemrealidadesãoumaúnicaemesmafolhaemdoisplanosdiferentes de existência. (...) Ele [o homem sem cultura psicológica] não se dá conta,precisamente,dequesevissesuas imagens,seaspercebessecomocoisas,nãopoderiamaisdistingui-lasdosobjetos.A teoriapuraeapriori fezda imagemumacoisa.Masaintuiçãointernanosensinaqueaimagemnãoéumacoisa.(SARTRE,1973,p.42)

Pensandonestaimagememdoisplanosdiferentes,assimcomonosverbetesdo dicionário, observamos uma imagem numa perspectiva material e a mesmanum plano de fomentar os processos imaginativos, em outras palavras,percebemos uma imagem significante e significado (LACAN, 1985). Em Jung,observamos um movimento do psicólogo para destrinchar o exercício daexperiência, ou melhor, da vivência do indivíduo. O autor indica quatro tiposfuncionaisemqueaconsciênciaseorientaemrelaçãoaovivido:asensação,opensamento,osentimentoeaintuição.ParaJung(2008,p.74),

Osentimento,deacordocomessadefinição,nãoéumaemoção(queé involuntária).O

sentir, na significação que dou à palavra (como pensar), é uma função racional (isto é,organizadora), enquanto a intuição uma função irracional (isto é, perceptiva). (...) Asensação (isto é, a percepção sensorial) nosdiz que algumacoisa existe; o pensamentomostra-nosoqueéestacoisa;osentimentorevelaseelaéagradávelounão;eaintuiçãonosdirádeondevemeparaondevai.

Vislumbramos,emJung,queadinâmicaentrevivido,imaginárioeimageméumprocessoracionaleirracional.Éconfuso,apriori,pensarestaperspectiva,eJung foi criticado por alguns pensadores. Cassirer criticou deliberadamente asconsideraçõesdapsicanálisesobreaimagemenquantosímbolo.Durand(1988,p.58),mediandoacríticadeCassirer,afirmaque:“Nãosetrataabsolutamentedeinterpretarummitoouumsímbolo,procurandoumaexplicaçãocosmológicapré-científica, ou ainda, reduzir o mito e o símbolo a forças afetivas, como faz apsicanálise”.A crítica deCassirer é intrigante,masmuitos estudiosos afirmamque a contribuição da psicanálise, principalmente de Freud, Jung e Lancan,provocouumamudançadefatonomododepensaraimagemeosímbolo.Eliade(1952,p.17)apontaque

Nãoé,aliás,necessáriofazer intervirasdescobertasdapsicologiadeprofundidadeouatécnica surrealista da escrita automática, para provar a sobrevivência subconsciente, nohomemmoderno,deumamitologiaabundantee,quantoanós,deumaqualidadesuperioràsuavida<<consciente>>.Podepassar-sesemospoetasousemospsiquismosemcriseparaconfirmaraatualidadeeaforçadasimagensedossímbolos.

A provocação de Sartre sobre a imagem em dois planos diferentesinfluencioualgunsantropólogosarepensarosconceitosdebatidospelapsicologiatradicional.Ofilósofo indicaalgunsproblemasdopensamentoclássicosobreaimagem,dentreeles,oproblemadas“característicasdaimagemverdadeira”eoproblemadasrelaçõesdaimagemcomopensamento.Estaimagemdefendidapela psicologia clássica é denominada por Durand (2002) como “imagens dequatrovinténs”.

Sartre nos alerta para um “perigo eminente” quando se estuda apotencialidade da imagem, o associacionismo. Para explicar este conceitoelaborado pela psicologia tradicional, o filósofo critica os psicólogoscronologicamente, enfatizando a herança de Descartes nos trabalhos dos

psicólogosclássicos.Sobreoassociacionismo.Durand (2002, p. 22) aponta que, sob a ótica de um imaginário

desvalorizado, “floresce o associacionismo, esforço certamente louvável paraexplicar as conexões imaginativas, mas que comete o erro de reduzir aimaginaçãoaumpuzzleestáticoe semespessuraea imagemaummisto, aummisto, muito equívoco”. Não pretendemos demonizar o associacionismo, atéporque a psicologia clássica trouxe à tona, mesmo que a negligenciando, adiscussão sobre imaginário e imagem.Leibniz, umde seus representantes, tentamodificaromododeentenderadinâmicadaimagem,buscandoalgodiferentedoassociacionismo.Porém,não temsucesso,poiscontinuaaseparara imagemdopensamento.ParaSartre(1973,p.46),

OassociacionismodeLeibniz, aliás, nãoémais fisiológico; éna almaque,deummodoinconsciente,asimagensseconservamesãoligadasentresi.Somenteasverdadespostaspelarazãotêmentresiligaçõesnecessárias,somenteelassãoclarasedistintas.Há,pois,distinçãoaindaaquientreomundodasimagensouidéiasconfusaseomundodarazão.

Apesar da crítica de Sartre à psicologia tradicional, o filósofo deixa umalacunaenormequandotratadoconceitodeimagem.Durand(2002,p.29)afirmaque a imagem em Sartre “nem sequer é, como para Husserl, um enchimentonecessáriodosignoarbitrário,elanãopassadeumsignodegradado”.OerrodeSartre,nanossaperspectiva,édeconsiderá-laexatamenteumsignoarbitrário,umsenso comum. O filósofo não percebe as motivações que impulsionam osignificadodaimagem,paraele,curiosamente,aimagemseapresentacomo“umquase-objeto”.Durand (2002, p. 24), ao expor o pensamento de Sartre, afirmaque:

O mérito incontestável de Sartre foi o de fazer um esforço para descrever ofuncionamentoespecíficodaimaginaçãoeparadistingui-lodocomportamentoperceptivooumnésico.Mas,àmedidaqueoscapítulosavançam,aimagemeopapeldaimaginaçãoparecemvolatilizar-seechegardefinitivamenteaumatotaldesvalorizaçãodoimaginário,desvalorização que não corresponde, demodo nenhum, ao papel efetivo que a imagemdesempenhanocampodasmotivaçõespsicológicaseculturais.

Entender a imagem como um signo, com as funções do signo, é limitar o

potencial do imaginário e da imaginação. Este efeito dominó tornaria nossapesquisa,pensandonaóticadeSartre,enquantoumaanálisebastantesuperficialda paisagem, tendo em vista a imagem como um signo arbitrário. Neste caso,entendera imagemparaalémdasutilizaçõesdosigno,comoOliveira (2010,p.56),viabilizanossaanálise,buscandoasmotivaçõesdareproduçãodossignos:“Oprocessodesignaçãopercorreumacompreensãointerpretativa,mastambémindica para este momento a possibilidade de uma compreensão interativa. Emoutraspalavras,podemosafirmarqueasignaçãobuscaumasignificação”.

AGEOGRAFIA ENQUANTOUMACIÊNCIAQUEDIALOGACOMASMANIFESTAÇÕESCULTURAIS

Até metade do século XX, o compromisso da abordagem cultural daGeografiaconsistianumaanálisedaespacialidadedaculturae suapresençanadescrição e diferenciação das paisagens. Essa perspectiva possuía uma forteligação com a materialidade, descrevendo as paisagens e os bens culturaisexaltandoseumodeloarquitetônicoouasalteraçõesnomeioambienteeculturasrurais,comodiferencialentreaspaisagens.

As críticas feitas sobre a conjuntura dessa Geografia cultural do passadoconduzirama reflexões necessárias para o enriquecimento da profundidadedostemasdebatidospelaciência.Claval (2001,p.41)enumeraosquestionamentosrealizados sobre a estrutura da abordagem cultural na Geografia na segundametadedoséculoXX:

1) ela [a Geografia cultural] preocupava-semuitomais em descrever omundo do quecompreendê-loe(ou)explicá-lo.;2)aênfasequesecolocavanapaisagemconduziaàumcertoesteticismo,suscetíveldejustificarderivaçõesperigosas;3)opesoqueseatribuíaaomundoruraleramuitogrande;4)ocorriaomesmocomopesoconferidoaopassado;5)nãoseimportavaosproblemas,muitasvezesdramáticos,queafetavamosgrupossociais;6) atinha-se ao permanente e não percebia o significado dos acontecimentos espaciais,festas,revoluçõesecomemorações.

Essesquestionamentosecríticasaomoldedasinvestigaçõesdosgeógrafosculturais, somados ao avanço dos estudos sobre significado e significante na

psicologia, principalmente, deram início a um movimento de renovação daGeografia cultural, numa reflexão sobre que abordagem cultural a Geografiaestava discutindo. Dessa maneira, o indivíduo e a subjetividade contida nasrelaçõeshumanas tornaram-sefundamentaisparaoexercíciodapesquisadestesgeógrafos, enriquecendo também aGeografia humanística. Assim, os geógrafospassamaentenderarelaçãoentrehomem,espaçoemeioambientenãosomentenuma perspectiva material, mas também numa dimensão psicológica esociopsicológica(CLAVAL,2001).

A festa constitui-se, geograficamente, como uma oportunidade decompreender a natureza dos vínculos territoriais, auxiliando na interpretação eorientaçãodossignosesímbolosquesãoespacializadosnofestejopelosgrupossociais, que se identificame fortificamsua singularidade.Eénesta simbologiafestiva que os lugares, sítios, paisagens, monumentos e bens culturais sãoqualificadoseressignificadospelosparticipantesdafesta.

A ligação entre festa e espaço, então, é fundamental para a espacializaçãodas imagens-símbolos que exaltam os traços identitários dos atores da festa.Pensemosagoranaespacialidadedasmanifestaçõesculturais:acomplexidadedofestejopermitequepossamos identificarapresençadedoisespaçosduranteosritosquefomentamoatodefestejar:oespaçomaterialeoespaçoquetranscendea realidade, no casodas festas religiosas, o espaço sacro-profano (OLIVEIRA,2004).Sobreaestreitarelaçãoentreofestejoeamemóriacoletivadeumgrupo,Hobsbawn(1984,p.17)indica:

Afestanãoseconstitui,unicamente,porumasociedadeouporumadada localidade.Afestaétambémumamaneiradeconstruirrelaçõescomassociedadesecomosterritóriosvizinhos,decriarsuaprópriasingularidadena inevitável relaçãocomaalteridade.Nesteprocessode identificaçãosocialpordiferenciação,a festaapelaao reforçodoespaçoedoslugares.

Asimagens-símbolosquecompõemoritualfestivolegitimamopropósitodafesta.Nocasodafestareligiosaemhomenagemaos(às)santos(as),ossímbolosexprimema fédodevotonadivindade.Nessaperspectiva,os atoresdo festejo

são fundamentaisparaareproduçãoeressignificaçãoda simbologiamítica queenvolve ato de festejar. Dessa forma, participantes da manifestação e imagensproduzemosrituaisqueconduzemasfestividades.

Essa simbologia, aponta Corrêa (2007, p. 12), “são representações darealidade, resultantes do complexo processo pelo qual os significados sãoproduzidosecomunicadosentrepessoasdeummesmogrupocultural”.Podemosperceber comessa afirmação a transcendência explícita domomento festivo.Acidade possui formas simbólicas religiosas no seu território. Os templos seconfiguram como um símbolo de religiosidade, assim como eventos festivos,crucifixosqueprotegemesãoinstrumentosdafédosindivíduos,alémdetantosoutrosquemarcamacidade.

A festa religiosa também se mostra como um desses símbolos, com aespecificidade (que caracteriza o potencial mítico das manifestações) de secaracterizar como uma ação. Assim, os rituais das manifestações religiosas,especialmenteasdedevoçãoaos(às)santos(as),simultaneamente,constituemoimaginárioreligiosodacidade(juntamentecomoutrasmanifestaçõesdediversasreligiões) e dos participantes do festejo, onde o vetor mítico-religioso, “quefunda e controla nossas crenças na pré-modernidade dos cotidianos íntimos”(OLIVEIRA,2012,p.35),potencializaosaspectosidentitáriosdoeventoculturalporcontadosparticipantesdofestejoproduziremasubjetividadedasfestas.

Estasimbologiadosagradoproduzidapelosatoresdafestaressignificamafédosparticipantes.Apalavradevoto,etimologicamente,remeteaindivíduoqueassociadoàdivindade,enafestacristã,atranscendênciapermiteacomunicaçãoatravés dos rituais parte do festejo. É neste momento que o cristão produz apaisagem festiva, as emoções entre os próprios atores da festa, a relação entresímboloesignificadoqueoparticipanteatribuiereproduznafesta.Triás(2000,p.17)traduzonossopensamentosobreaimagemsimbólicadafestareligiosa:

O que é? Em que consiste, o que pode ser chamado de símbolo? Entendo-o como arevelaçãosensívelemanifestadosagrado.Areligiãoé,ameuver,re-ligaçãorelativaaosagrado (entendendo, evidentemente, a ambivalência radical que essa palavra expressa:

sacer/sanctus,osagradoeosanto).

Nesta perspectiva, os regimes diurno e noturno da imagem abordados porDurand (2002), juntamente com a vivência do festejo, tornam-se fundamentaisparaentendermosarelaçãoentreas imagensproduzidasnafestaeaspaisagensfestivasrecriadasduranteamanifestação.

Acreditamos na tríade mito, ritual e emoção — reproduzidos pelosindivíduos durante o festejo— para a configuração das paisagens festivas dasmanifestações, uma vez que a mitologia se mostra como subsídio para ainterpretaçãoeressignificaçãodasimagens-símbolostraçosdafesta.Quandosetrata, para o ser humano, de encontrar na linguagem a emoção nativa que lhesuscita a experiência do lugar, a palavra mítica imediatamente se impõe,prolongandoaemoçãoempalavraseimagens(DARDEL,2011,p.135).

Observando a relação entre a fé dos participantes da festa e as imagens-símbolosproduzidasnoritualdofestejo,verificamosaexistênciadeumalacunapara entendermos as manifestações enquanto um fenômeno subjetivo parte dacidade: o porquê de aquela manifestação ocorrer. Os devotos sentem-sepertencentes/participantesdareproduçãodofestejo.Porquê?Osimplesfatoda“protomemória—imanenteatodavidasocialeatodoprocessodeaculturação.Ela se constitui por dispositivos e disposições inscritas no corpo” (CANDAU,2012, p. 119)— não preenche a lacuna histórica que procuramos.Omito é ovetorquemotivaosparticipantesdofestejoeadevoçãopelasantaressignificadapelos símbolos. A crença dos devotos em Nossa Senhora da Saúde estáestreitamenteligadacomosabermítico,vistoqueeste,segundoEliade(1992,p.9):

Contaumahistóriasagrada;elerelataumacontecimentoocorridonotempoprimordial,otempofabulosodo“princípio”.Emoutrostermos,omitonarracomo,graçasàsfaçanhasdos Entes Sobrenaturais, uma realidade passou a existir, seja uma realidade total, oCosmo,ou apenas um fragmento: uma ilha, uma espécie vegetal, um comportamentohumano,umainstituição.Ésempre,portanto,anarrativadeuma“criação”:elerelatadeque modo algo foi produzido e começou a ser. O mito fala apenas do que realmenteocorreu,doquesemanifestouplenamente.

O saber mítico sobre as duas divindades, juntamente com a história dolitoralfortalezense,fazcomqueosindivíduosseidentifiquemcomasdivindades.No caso das festas abordadas nesta pesquisa. Nossa Senhora da Saúde foiescolhidacomosantapadroeiradobairroapartirdeacontecimentosnopassadodobairro,aindanoiníciodesuaocupação.

NOSSASENHORADASAÚDEEAIMAGÉTICANOTURNAMATERNAOs devotos se constituem, também, como símbolos do festejo. Nesta

perspectiva,osparticipantes,aofestejar,enfermoseosquebuscamproteger-sede possíveis enfermidades, são as principais simbólicas deste festejo. A festaconsiste no milagre transcendental da cura — representando os símbolos deintimidade e inversão. Este apelo devocional à divindade marca a paisagemfestivadofestejodeNossaSenhoradaSaúde.

Oregimenoturnodefine-sepeladescida introspectivadoindivíduo,comanegação da negativa e a inquietude das inversões simbólicas. Os símboloscíclicosconstituemarepetiçãodotempo,daestabilidadeestruturaldoindivíduo.Assim,osindivíduosquealmejamaproteçãodadivindadeparanãoadoeceremou se acidentarem, de certa forma, pretendem dar continuidade ao seu estadopresente,afastando-sedaenfermidadeatravésdagraçadivina.Aduplanegação,contidanossímboloscíclicos,afloranaprevençãodequaisquermalefíciosquepossam oferecer risco à vida do devoto. A negatividade está estruturada naenfermidade,quesignificaopotencialriscodefalecimento.Aproteçãodasantadasaúde—deformasemelhanteaSãoPedrodosPescadores,masrealizadademaneira distinta — nega a representatividade da doença enquanto ameaça demorte,amenizaestemedoatravésdafénaintervençãodasanta,tornandooperigodofimdaexistênciaminimizadoatravésdomilagredacura.

Somos a favor da vida, especialmente como se manifesta na saúde de nosso própriocorpo.Aintegridadedocorpoéoalicercedanossasensaçãodeordemecompletude.(...)O corpo é nosso cosmos mais íntimo, um sistema cuja harmonia é sentida em vez depercebida simplesmente pelamente. Ameacem o corpo e todo o nosso ser se revolta?(TUAN,2005,p.140).

Quando o indivíduo apela para a divindade salvá-lo de algo ou algumacontecimento que coloque sua vida em perigo, ele realiza a descidaintrospectiva, e permite a interferência da santa em sua vida, configurando ocaráter transcendental desta estrutura simbólica. As entrevistas e conversasrealizadasnofestejoafirmamestareflexãoacima.Umdosentrevistados,devotodasantadesde2000,indicouquesuapresençanofestejosignificavasalvaçãoepaz de estado de espírito, resposta semelhante à de outros participantes queconversamosnofestejo.

Sobreacontinuidadetemporal,ouatentativadeconservarotempocomoeleénopresentecomoauxíliodivino,observamos,emMirceaEliade,opotencialdestessímboloscíclicosdeformageral,evimosqueestaconservaçãotemporalésensível aos indivíduos que temem amorte.O autor chama estemovimento deprojeçãoparaotempomítico.Nestaperspectiva,Eliade(1952,p.37)afirma:

Naturalmente,aaboliçãodotempoprofanoeaprojeçãodoindivíduoparaotempomíticosóacontecemnosperíodosessenciais—istoé,naquelesemqueoindivíduodefatoéelepróprio: por ocasião de rituais ou atos importantes (alimentação, geração, cerimônias,caça,pesca,guerra, trabalho).Orestantedesuavidaépassadoemtempoprofano,quecarecedetodosignificado:nacondiçãode“transformar-se”.

Achegadadaimagemdasantacausaagitaçãoentreosdevotos,commuitosdestes tentando tocá-la. Tocar o manto da santa da saúde, estar próximo àdivindadepor intermédiodaesculturadasanta,sinalizandoa transcendênciadafesta,emqueosparticipantessesentempróximosdacurandeiradivina.

Ossímbolosdeintimidadeeinversãosãoevidenciadosnoapeloàcuradeum indivíduo enfermo através da intervenção divina. Estes não buscam aprevençãodivina,ouacontinuidade temporalobservadanos símboloscíclicos.Eles necessitam que a santa da saúde interceda em sua condição humana. Estarelação transcendental é potencializada no ato de festejar a devoção à NossaSenhoradaSaúde,massóépossívelcomacuidadosadescida introspectivadoindivíduo numa experiência de transcendência. Para ilustrar o apelo à santa dasaúde,cabeaobservaçãodeTuan(2005,p.139)arespeitodomedodamorte:

Emnenhumaparte domundo as pessoas aceitama doença e amorte comouma coisaperfeitamentenatural,e,porconseguinte,nãohánecessidadedeumaobservaçãoespecialouexplicação.Anoite segueodia,o inverno segueoverão.Aspessoasaceitamessesgrandesritmosdanaturezacomocertos,masnãoasalternânciasdedoençaesaúde,nemamortecomoumfiminevitáveldavida.

A simbólica íntima consiste no retorno à casa da santa da saúde. Estesímboloconfiguraoretornoàterranatal,aolardoindivíduo,paraque,emcasoinevitáveldemorte,estepossadescansarnoseusolonatalouviverorestantedesua vida na sua terra natal. Pensando no santuário cristão, percebemos que oindivíduonão“vai”àigreja,elerealizaummovimentode“retorno”àcasadopaicriador, que nesta condição, sua casa também é a dos seus filhos. Apósentrevistar/conversar com vários participantes do festejo deNossa Senhora daSaúde,percebemosquemuitosconsideramaparóquiada saúdecomosuacasa.Quando pedimos para caracterizarem a Paróquia de Nossa Senhora da Saúde,entre os cinquenta entrevistados, dez responderam “minha casa” ou “a casa damãe”,“meular”.Istonosfezrefletirsobreestahipótese,váriosdevotosestãoalipara retornar à casa da santa, pois o sentimento de fazer parte daquelamanifestação/ritualpermitequeosparticipantespossamficarpróximosdasantadasaúde.

Osímbolodeintimidadedespertanoretornoaosantuáriodamãe,buscandoacuradesuaenfermidade.Istoéobservado, também,naquantidadededevotosquenãoresidememFortalezaeperegrinamparaaParóquiadeNossaSenhoradaSaúdenoperíododafesta,emqueossentimentosdepertencimentosefortalecemdevido aos rituais da festa. Note-se que a simbólica da intimidade consisteapenas na ida — retorno — à casa da mãe da saúde. A necessidade dainterferência divina em garantir a fuga da morte configura outro conjuntosimbólico,osdeinversão,ouseja,oacontecimentodoretornoàparóquiaparaasúplicadaintervençãodivinanaenfermidadetransfiguradoissímbolos.

CONSIDERAÇÕESFINAIS

Observamos, através da verificação epistemológica da imagem e doimaginário,comênfasenaobradeDurand,asestreitasrelaçõesinterdependentesentreaGeografiaCultural—principalmentecomascontribuiçõesdarenovaçãoda psicologia, apoiadas em Freud, Jung e Lacan — e as ciências sociais noprocessodereleituradosconceitosgeográficos,potencializandoasinvestigaçõesatravés da subjetividade impregnada no espaço. Essa interdisciplinaridade noaporteteóricoforneceu-nossubsídioparainvestigarosfestejosdeSãoPedrodosPescadores e de Nossa Senhora da Saúde através das imagens-símbolosproduzidasnaspaisagensfestivas.

A relação entre os regimes imagéticos das manifestações estudadas e oimaginárioreligiosodolitoralfortalezenseevidenciouamotivaçãosimbólicaqueimpulsiona a reprodução dos festejos. Essas imagens, partes integrantes daspaisagensfestivas,contribuemparaaressignificaçãoelegitimaçãodasfestasnacultura dos indivíduos. Sob esta perspectiva, nota-se a importância de aGeografiadialogarcomoutrasciênciasvislumbrandoenriqueceroaporteteóricoe,consequentemente,osresultadosdapesquisa.

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REFLEXÕESSOBRETEMPOSIMBÓLICOELUGARRITUALDOSCORTEJOSDEMARACATUSDEFORTALEZA–CE

JACQUICILANEHONORIODEAGUIARUniversidadeFederaldoCeará

[email protected]

UniversidadeFederaldoCeará[email protected]

INTRODUÇÃOOs estudos culturais constituem uma importante abordagem para

entendimentodossistemassimbólicospresentesnageografiadasrepresentações.Para compreendermos as nuances desses sistemas simbólicos, é necessário oentendimento da dinâmica de articulação dessa representação, bem como seuentrelaçonaintersecçãoentrecultura,práticaspopularesevivênciasdossujeitos.

As manifestações culturais, enquanto representações simbólicas, possuemdinâmicas próprias na intermediação entre sua espacialidade e temporalidade.Tal intermediação tem na dimensão da experiência pessoal e coletiva ademarcaçãodostraçosemarcasdeixadosnoespaço/tempoapartirdomovimentoquesetornainteligíveldentrodesuatemporalidadesimbólica.Oespaço,oqualcontém intenso fluxo de relações, vivências, atividades religiosas, festejos etantos outros elementos do cotidiano, está carregado de significados definidospelos indivíduos.Asvivências,bemcomoacargasimbólicadasmanifestaçõesque ocorrem no espaço, atribuem novos sentidos próprios constitutivos delugares, os quais se encontram interconectados e inter-relacionados, visto queespaçoelugarsãocomplementareseinterdependentes.

Dentre as manifestações culturais que realizam tais remodelaçõesespaço/temporais, estão os cortejos de Maracatus que ocorrem na cidade de

Fortaleza.Eles rememoramacoroaçãode reise rainhasnegras,manifestaçãoaqual possui diferentes pontos e relatos de origem e proliferação, tendo comopontomaisantigoascoroaçõesqueocorriamnasirmandadesdeNossaSenhoradosHomens Pretos e autos de congos, no séc. XIX. Tais cortejos desenham ocarnavaldeFortalezaapartirde1930,comdiferentesinfluências.

Noanode2015oMaracatuCearenseadquiriu,anívelmunicipal,statusdepatrimônio cultural imaterial da cidade, no “Livro de Registro dos Saberes”,“Livro de Registro das Celebrações” e no “Livro de Registro de Formas eExpressão”,pelodecreton°13.769,de14demarçode2016,compropostasdevalorização, irradiação e perpetuação na capital cearense, os quais constamnorelatóriotécnicoeanalíticodepatrimonialização.Noentanto,existempropostasdevalorizaçãoe incentivoanterioresasuapatrimonialização,comomecanismoinclusive de promoção dos mesmos tendo como auge dessa visibilidade aoficializaçãoenquantopatrimônio.Dessaforma,énecessáriolembrarqueexisteumapatrimonializaçãotemporalsimbólicaligadaaodiavinteecincodemarço,dataquerememoraalibertaçãodosescravosnoCeará,emespecialnomunicípiodeRedenção,porseroficializadatambémcomoDiadoMaracatu,sendoomesmolevantadoàmarcamaiordacomemoraçãodaredençãodosescravos.

Dessaforma,existemmúltiplasespacialidadesetemporalidadesligadasaoscortejos,frenteasuademarcaçãotemporalsimbólica,epelaprópriadinâmicadeirradiaçãodosgrupos,queseconcretizamdediferentesformas.Talconcretizaçãonãoocorrerumoaumprocessodeterritorializaçãodoespaço,poisaocorrênciadoscortejossedápordeterminaçãodoEstadoviaSecretariadeCultura,aqualéprincipalresponsávelpelasapresentaçõesqueocorrem.OcorrepelodesenhodomovimentoformadodentrodatemporalidadeprópriadoMaracatu,oqualcriaumfluxo de relações emarcas simbólicas que constroem lugaridades, as quais seinterconectamnoespaçoexperienciado,dentrodadinâmicadoMaracatu.

Assim,opresenteartigobuscarefletirsobreatemporalidadesimbólicadosMaracatusnacidadedeFortaleza,umavezqueacirculaçãodomaracatupelosdiferenteslugaresdacidadeligadaaoseutempopatrimonialrecriaimagenspelos

cortejos,emitidaspelairradiaçãosimbólicaespaço-temporal.Nãoapenascomoformadevisibilizaramanifestação,masparadimensioná-lacomoumpatrimônioconstituídoporsieparasi.Talreflexãotemcomobase,alémdavinculaçãodaslugaridades que se remodelam e interconectam no espaço, o conceito decronotopia, o qual realiza a fusão dos elementos espaciais e temporais em umtodointeligíveleconcreto.

ESPAÇO,TEMPOEEXPERIÊNCIAAespacialidadedasfestaséconstituídaeremodeladaapartirdadimensão

da experiência, a qual demarca uma temporalidade característica dos eventosfestivos.Aexperiênciadosujeitoenquantoserqueconstróievivea festa,bemcomo atribui sentidos ao espaço através do simbólico, constitui singularidadesaos espaços, dando-lhes sentidos e especificidades, marcando-os comolugaridades.

Para a compreensão da dimensão espacial simbólica, é necessárioesclarecer o conceito de espaço dentro da concepção humanista, o qual é,segundoCorrêa(1995),assentadonasubjetividade,naintuição,nossentimentos,experiência, simbolismos e contingência. Dessa forma, o espaço adquire osignificado de “espaço vivido,marcado pela afetividade” (CORRÊA, 1995, p.30), revelados na movimentação e apropriação espacial. Corrêa (1995), aodiscutir o espaço vivido baseado emHolzer (1995), mostra-nos que o espaçovivido é uma experiência contínua e social, com movimentações espaço-temporaisligadasaoimaginário.Dessaforma,atribui-seàanáliseespacialmaioramplitudeparadesvendaraspiraçõesevalorespertinentesaosgruposhumanos,refletindo-senaorganizaçãoespacial.

O espaço vivido pode ser definido também como um campo derepresentaçõessimbólicas.Entretanto,

“[...]asrelaçõesentreformassimbólicaseespaçosãocomplexas,caracterizando-seporserem de mão dupla. As formas simbólicas espaciais se realizam, enquanto tais, emgrandeparte,emrazãodalocalizaçãoeitinerárioquecadaumaapresenta.Localizaçõese

itinerários, por sua vez, são marcados pela presença de formas simbólicas. Assim, asformas simbólicas podem incorporar os atributos já conferidos aos lugares e itinerários,como estes podem, por outro lado, beneficiar-se ou não da presença de formassimbólicas”.(CORREIA,2007,p.8).

Acargasimbólicaemitidanomomentoaugedasfestasdemarcamovimentos,fluxos, performances e práticas que atribuemà localidade da festa simbologiaspróprias da manifestação. Entretanto, apesar do peso simbólico que cadamanifestação pode atribuir ao espaço, é necessário considerar que cadalocalidadeguardaumsimbolismopróprio,quepodemsejustapor,mesmoquandoafestapossuirespaçosintermitentes,comoveremosnassessõesseguintes.

Tuan (2013), ao descrever os movimentos que podem ocorrer no espaço,afirma que “o movimento pode ser em uma direção ou circular, implicandorepetição,[...]ondeasimagensdeespaçoetemposemisturam”(2013,p.219).Assim,marcassimbólicasseriamempregadasaoespaçoàmedidaqueafesta,apartir davivência, semovimentasseno espaço, com temporalidades igualmentedemarcadas.Portanto,oespaço“seriadadopelacapacidadedemover-se,tendoumsignificadotemporalaoníveldasexperiênciaspessoaisdodiaadia”(2013,p. 156), visto que tal socialização se dará no nível das relações individuais ecoletivas.

É nessa disposição de sentidos, vivências e sujeitos envolvidos, que asfestasadquiremmúltiplasrelaçõeseinterpretações,econseguemestabelecerumfluxo comunicativo, presente em todas as manifestações. A apreensão dasrelações simbólicas existentes na construção do espaço vivido perpassa acompreensão das motivações que levam os sujeitos a valorizarem as práticas,vivênciaseexperiênciasnosdiferentesgrupossociais.

Para Di Méo (2012), o conceito de espaço vivido exprime a “ligaçãoexistencial,muitosubjetiva,queoindivíduosocializadoestabelececomaterra.Eleseimpregnadevaloresculturaisrefletindo,paracadaum,opertencimentoaumgrupo localizado” (2012,p.215).Dessa forma, adimensão temporal se fazindispensável na triangulação com o espaço e a experiência, pois “espaço e

tempo coexistem, entremesclam-se e cada um deles é definido de acordo comexperiênciapessoal”(TUAN,2013,p.161).

Paraoobjetoabordadonestareflexão,éimportantedialogarcomoconceitodecronotopia,dolinguistaefilósofoMikhailBakhtin,definidocomo“categoriadaformaedoconteúdoquerealizaafusãodosíndicesespaciaisetemporaisemum todo inteligível e concreto”.O espaço seria a “dimensãoquepermite fixar,inscreveromovimentoouditodeoutraforma,adimensãoemqueomovimentopode se inscrever e deixar suasmarcas” (Amorim, 2007, p. 102). Já o temposeria a “dimensão do movimento e da transformação, sendo este, nesse caso,elementoprivilegiado”(2007,p.102).

A obra deBakhtin (2008) dedicada a FrançoisRabelais e a influência daculturapopularnaidademédiaenorenascimento,nostrazelementosqueajudamacompreenderosrituaiseasfestaspopulares:

As festividades (qualquer que seja o seu tipo) são uma forma primordial marcante dacivilização humana. Não é preciso considerá-las como um produto das condições efinalidades práticas do trabalho coletivo nem, interpretação mais vulgar ainda, danecessidadebiológica(fisiológica)dedescansoperiódico.Asfestividadestiveramsempreum conteúdo essencial, um sentido profundo, exprimiram sempre uma concepção demundo.(BAKHTIN,2008,p.07).

Bakhtin(2008)enfatizaotempocomotriunfodocarnaval,tempoestequeécoletivo e permite que as experiências, as vivências e as próprias festaspopulares se aconteçam, se movimentem em uma espacialidade, que nãonecessariamenteéfixa,eestabeleçamsua temporalidade.Taisconsideraçõessefazem pertinentes frente ao movimento realizado pelo objeto de reflexão aquipretendido, os grupos de Maracatus, pois como veremos adiante, os mesmospossuemsuaespacialidadediretamentedependentedesuatemporalidade,quesefixa no carnaval, mas que se estende pelo resto do ano no seu dia decomemoração–25demarço–oqualserepetemensalmentecomcomemoraçõesemespaçosdiferenciados.

LUGARESRITUAISEPATRIMONIAISQuando atribuímos personalidade ao espaço por meio da vivência dos

sujeitos, práticas, simbolismos, e experiências, o transformamos em lugar,segundoTuan(2013).Dessaforma,oespaçopodeser“experienciadodeváriasmaneiras:comoalocalizaçãorelativadeobjetosoulugares,comoasdistanciaseextensõesqueseparamouligamoslugares,e–maisabstratamente–comoaáreadefinidaporumarededelugares”(2013,p.22).

Assim, a constituição dos lugares estaria diretamente relacionada com amovimentação realizada no espaço, diretamente associado com as formassimbólicas dispostas no espaço. Cada forma simbólica se constitui tambémenquanto lugarnão apenas singularizado, pois o evento festivopode ter caráterintermitente e não locacional, tecendo uma rede de lugaridades dispostas noespaço.Dessaforma,deve-seconsiderarqueoespaço:

“[...]nãoéoambiente(realoulógico)emqueascoisassedispõem,masomeiopeloqualaposiçãodascoisassetornapossível.[...]devemospensá-locomoapotênciauniversaldesuasconexões”(MERLEAUPONTY,1999,p.328).

Portanto,se“pensarmosnoespaçocomoalgoquepermitemovimento,entãolugar é pausa; cada pausa no movimento torna possível que localização setransforme em lugar” (TUAN, 2013, p. 14). Assim, “espaço e lugar,corporificados a partir das experiências e valores humanos, manifestam níveisdistintos de especificidades” (Mello, 2001, p. 91). Tais especificidades seconcretizamnadimensãodaexperiência,masnãoestão,necessariamente,ligadasapenasaos lugaresconcretos,ou santuários,quepossuem forte carga simbólicairradiadoradoselementosidentitáriosedepertencimentoàquelelugarespecifico.

Olugartambémpodeestarligadoàsexperiênciascorpóreasdosindivíduos,pois podemos vivenciar as lugaridades de diferentes espaços, sem que estepossua necessariamente um valor simbólico expressivo, sendo a lugaridadeexploradaapartirdamanifestaçãoculturalea representaçãoartística,comonocasoestudado.Olugar,nadefiniçãodeRelph(2012):

[...]nãoémeramenteaquiloquepossuiraízes,conhecereserconhecidonobairro:nãoéapenasadistinçãoeapreciaçãodefragmentosdageografia.Onúcleodesignificadodelugarseestende,pensoeu,emsuasligaçõesinextricáveiscomoser,comanossaprópriaexistência.Lugaréummicrocosmo.Éondecadaumdenósserelacionacomomundoeondeomundoserelacionaconosco(RELPH,2012,p.29).

Segundo o autor o lugar seria mais bem definido – devido a sua difícilconceituação–“emseucontexto,comoumobjeto,umeventoouumaexperiência”(RELPH,2012, p.22).Nesse sentido, as festas representariam“umaconsistenteconcentraçãonoespaçoenotempo,doselementosdolugar”(FERREIRA,2003,p.24),poisindependentedesuafrequênciaamesmapossuiumpoderdialógicoestabelecido entre lugar, brincantes e público, os quais estão diretamenteenvolvidosnasmanifestações,emantémumfluxocomunicativointensointerioreexterior,frenteàirradiaçãosimbólicadafesta.

O lugar se faz pertinente na reflexão pela sua complexidade de relações,pois mesmo tendo inicialmente o suporte do espaço e do tempo dados peladimensãodomovimentorealizadopelasfestaspopulares,olugaresualugaridadeé elemento indispensável frente à experiência corpórea, representativa edialógica.Assim,aperiodicidadedosdias25compõenãoapenasumsentimentoligado às espacialidades demarcadas pelomaracatu,mas também “o tempo domaracatu”,oqualécorporificadonaaçãoritual.Portanto,oMaracatutemnoseutempo simbólico a determinação de lugares rituais/festivos, os quais serãoformadosapartirdacircularidadenodecorrerdoano.Assim,olugarpatrimonialvai requerer necessariamente um reconhecimento do tempo sacroprofano daapresentaçãodoMaracatucomoTempo-Espaço-Memória.

OSMARACATUSDEFORTALEZAOsmaracatusseinseremnocarnavaldeFortaleza,segundoCosta(2009),a

partirde1937,quandooMaracatuAzdeOuro(oqualéhojeconsideradoomaisantigoematividade)éconvidadopeloreimomoPoncedeLeonparadesfilar.OAzdeOuro teriasidocriadoumanoantes,em1936,“quandoRaimundoAlvesFeitosa vislumbrou a concepção de um maracatu em Fortaleza, inspirado nos

maracatusobservadosemPernambuco”(CRUZeRODRIGUES,2010,p.5).Paraalgunsautoresebrincantes,esseteriasidoopontodesurgimentodosmaracatusnacidadedeFortaleza,enãoapenasnocarnaval.

Alguns autores, como Marques (2008), apontam que já no século XIXexistiam coroações de reis negros na Irmandade deNossa Senhora doRosáriodoshomenspretosenosautosdecongos.Oautorafirmaaindaque

[...]atravésdocortejodosreiscongos,épossívelperceberherançasafricanas,bemcomoumasériedeinovações,mudanças,movimentos,(re)criaçõesdeelementosdacortenegraenoseucortejo,masque também, (re)apresentamsempreahistóriaeoscostumesdosnegrosnoCeará.(MARQUES,2008,p.201).

Essaherançaafricanaépercebidanocortejonãoapenaspelacoroaçãodeumarainhanegra,mastambémpeloscordões(oualas)quetrazemelementosdeforte carga simbólica, comoasbaianas,osorixás, as africanas, abonecanegracalunga(tambémchamadadebonecapretadomaracatu),edemaiscordões.

É possível verificar que a inserção dos grupos demaracatus fortalezensesnoseditaismunicipaisocorreapartirdoanode2007e2008.Emtaiseditais,adefinição expressa sobre a composição dos grupos para pleitear o apoio é aseguinte:

Maracatu de Fortaleza: Brincantes que desfilam ao ritmo do batuque, entoando loas,divididos nas seguintes alas: índios, negros escravizados, batuqueiros, baianas, balaieiro,calunga, preto e preta velha, corte real, representada por princesas, príncipes, serviçaisportando sombrinhas, Incenso (opcional), e abanadores, rainha e rei. O cortejo traz afrenteumbaliza,eumportaestandarte.Aapresentação temcomoápiceacoroaçãodarainha e mantem a tradição do negrume (máscara de tisna de lamparina e óleo) nospersonagensprincipaisdocortejo.(FORTALEZA.2015,p.2).

ÉnecessáriodestacarcomomarcasprópriasdosMaracatusdeFortalezaatintura da face com negrume e a batida do ferro de Maracatu (instrumentoutilizado no batuque). Entretanto, alguns grupos não utilizam a tintura da face,sendo inclusive utilizadas normas diferenciadas no Edital da Secretaria daCultura do Estado do Ceará (Secultce) de fomento ao carnaval, por deixaropcionalapinturadafacecomnegrume1,emcontrapartidaaoeditaldaSecultfor.

NOVASARTICULAÇÕESETEMPORALIDADESDOSMARACATUSOsmaracatusdeFortalezapossuemmaiorvisibilidadeeespaçodemarcado

noperíodocarnavalesco,ocorridosnaAvenidaDomingosOlímpio,comcarátercompetitivo, tendo início no domingo2 e término na terça de carnaval, comdesfilesdemaracatus,blocos,afoxéseescolasdesamba,sobaorganizaçãodaSecretaria Municipal da Cultura de Fortaleza – Secultfor –, a qual lançaanualmente os editais de fomento, e execução da Associação Cultural dasEntidadesCarnavalescasdoCeará(ACECCE).

A partir de novas articulações entre políticas públicas e diálogo com osgrupos,tem-sepercebidoumasaídadasapresentaçõesexclusivamentedoperíodocarnavalesco, ocupando espaço no calendário nos demais meses do ano, emespaços diversos. O principal projeto que estimula de forma contínua essapopularização para outros espaços tem sido o projeto “Dia 25 é dia deMaracatu3”, formulado pela Secultfor, lançado no dia 25 de março de 2013.Dessaforma,nãosóoespaçodaAvenidaDomingosOlímpio,comotambémdosdemais espaços da cidade, são explorados como exteriorização da cultura queanteseraaprendidoapenasnocarnaval,poisomomentodafestapermite:

[...] que as ações e os objetos (incluindo-se o espaço) se apresentem com uma cargamáximadesignificadosdestacandocadagesto,cadapalavra,cadapeçadeindumentária,cada ato ritual com uma intensa carga simbólica que, de resto, é percebida de formadiversa pelos diferentes atores. A festa representa deste modo, uma consistenteconcentraçãonoespaçoenotempo,doselementosdolugar.(FERREIRA,2003,p.24).

Osespaçosutilizadosparaocorrênciadafestanodecorrerdoano,tantonocarnavalcomonosdemaismeses,mesmosendonãofixos,comportamumsentido,apesardestenãoserpercebidodeimediato.Taisespaçoseperíodosespecíficossão conceituados por Oliveira (2012) como santuários festivos, que“desaparecem” fora do acontecer festivo. Esses sentidos atribuídos sãoconstitutivos de lugares patrimoniais, ou lugar simbólico, pois a manifestação,enquanto bem patrimonial, tem no seumomento ritual ummomento que atribuinovossignosesímbolosaoeventofestivo.Atribui-seaolugarsimbólico,apartir

de cadamomento ritual, uma identificação, pois os cenários são construídos ejustapostos para concretização do evento festivo, irradiando sua intensa cargasimbólica. Dessa forma, como exposto nos estudos deDiMéo (2012), a festarepresenta um evento que dá contorno humano ao lugar, sendo esse espaço dafesta representado, nomeado e vivido, frequentemente apropriado por seususuários,habitantesevisitantes.Sendoassim,elanãosereduziriaaolugarondeocorreaelamesma,elasejustapõe,exaltandoocontatodiretoentreaspessoas.Além disso, é importante considerar que a festa, mesmo que possua umatemporalidadedemarcada,extrapolaomomentodasuaocorrênciaporadquiriremsignificadossimbólicoseeconômicos,poisépossívelperceberasváriasfunçõesqueafestaadquire,inclusivesocial,assimcomoenfatizaCarlosMaia(1999).

Os cortejos passam a ocupar novas temporalidades, numa conquista dosespaços públicos, constituindo novos cenários, demarcando no espaço omovimentorealizadonatemporalidadeinstituídapeladata,pelo25demarço,oqual é replicado nos demais meses do ano. O 25 de março, dia oficial doMaracatu,édemarcadoinicialmentecomodatamagna,períodoquerememoraalibertação dos escravos no Ceará, especificamente nomunicípio de Redenção.TaldiafoiconferidocomodiaoficialquesecomemoraosMaracatus,atribuindoaos grupos a carga simbólica de bandeira da libertação dos escravos, comomarcaderesistência.Dessaforma,oMaracatunãopossuiumespaço,esimumatemporalidade,aqualestádemarcadapeladatamagna,reverberandonorestantedosmeses.Éjustamenteessecontextoquefazevocaroconceitodecronotopia,oqual privilegia o tempo, um tempo que também é histórico, e que possui suadelimitaçãonostrêsanosqueocorremoprojetodia25édiadeMaracatu.

O incentivo à movimentação dos grupos tem por objetivo dar maior“visibilidade e democratizar o acesso a essamanifestação, alémde envolver acidade de Fortaleza no contexto da celebração, visando à difusão e ofortalecimento dosMaracatus locais” (jornalOPovo, 24 ago. 2015).Assim, opercursonacidadenãoestánabuscadeumaterritorialização,atémesmoporqueos lugares estão dados previamente pela Secultfor aos Maracatus que estão

disponíveis, respeitando uma sequência preestabelecida. Além disso, comoafirmaFerreira (2003), “mais do que uma luta pelo território, o evento festivomarca uma disputa pelo domínio do espaço simbólico, pelo lugar que se quercomo o local da festa” (FERREIRA, 2003, p. 7), pois àmedida que ocorre acirculaçãodoMaracatupelosdiferentes lugaresdacidade,as imagensemitidaspelos cortejos passam a ser irradiadas pelo entrelaçamento espaço-temporal,construindomúltiplosespaçossimbólicospróprios.

Esse reforço do simbolismo do Maracatu à Data Magna emerge tambémmedianteopacotedevisibilidadecolocadopelaprefeitura,mesmoqueosgruposafirmem não estarem ligados ao movimento negro, pois inevitavelmente ossimbolismosdosgrupos representamumaferramentade resistência,conscientesou não. Dessa forma, o Maracatu serve a um simbolismo da liberdade, doempoderamento,masnãoexisteumespaçodoMaracatu,nemmesmoaDomingosOlímpio ou praças onde se apresentam seria esse espaço de referência. Seudemarcadorétemporal,enãoespacial.

Figura1–AvenidaDomingosOlímpio,Fortaleza/Ce.

Fonte:<http://jgdprodus.s3.amazonaws.com/wpcontent/uploads/sites/2/2016/03/av.domingos-ol%C3%ADmpio.jpg,2016>;fotos2e3–Autores,2016.

CONSIDERAÇÕESFINAISOs grupos de Maracatus constituem patrimônio cultural imaterial,

expressivosdelugarespatrimoniaiserituais,frenteasuairradiaçãosimbólicadeseussentidosesignificados,osquaisdãonovasdinâmicasaosespaçosporelesocupados,emummovimentode lugarização.Talmovimentoépromotordeumadinâmica de relação comunicacional interior e exterior, estabelecida nosmomentosrituaisentrebrincantesepúblico.

OmovimentodedeslocamentorealizadopelosMaracatusbuscaadifusãodamanifestação enquanto patrimônio. É importante lembrar que a noção depatrimônio está correntemente associada à concepçãode “recursoherdado”, debem comum, de transmissão, de regulação entre os atores políticos e sociais(RAUTENBERG, 2014, P. 44).Nesse estudo, o lugar patrimonial vai requerernecessariamenteumreconhecimentodotemposacro-profanodaapresentaçãodoMaracatucomoTempo-Espaço-Memória;daíaformulaçãofilosófico-literáriadeMikhailBakhtin:cronotopia.

O reconhecimento alavancado pela triangulação Tempo-Espaço-Memóriaatribui àmanifestação uma dinâmica interessante tanto para o bem patrimonialcomo para a cidade, à medida que promove visibilidade e reconhecimento àmanifestação, bem como descentraliza os espaços culturais, proporcionando airradiação do evento festivo, ocupando outros espaços públicos das áreasperiféricas da cidade. Além disso, o evento festivo possui uma potencialidadequantoaosdiscursoseinteraçõesaseremformuladasnoacontecerfestivo,poispossibilita maior diálogo com o público, dando seguimento à educaçãopatrimonial.

Aomesmotempo,éinteressantequestionarporqueessaspolíticasculturaisbuscamdifundiramanifestaçãocomomarcaculturalnabuscadereconhecimento,vistoqueamesmajáestápatrimonializadanaesferamunicipal.Aapropriaçãodamanifestação pelo público deveria ser anterior ao tombamento, pois apatrimonialização dos bens culturais imateriais, principalmente as festas, deveocorrerpeloreconhecimentodosvaloresculturaisatribuídosàmanifestaçãotantoporbrincantescomopelopúblico.

Dessaforma,essairradiaçãoteriacomoprincipalcontribuiçãoaocupaçãodeoutrosespaçosdacidade,dotando-osdenovosarranjosesimbolismos,poisainvisibilidade dos grupos não está ligada simplesmente à ausência de público,mas à veiculação dos eventos, a qual não se manifesta na mídia de maneiraexpressiva, como é possível verificar nos jornais da cidade, limitando avisibilidadeatribuídaapenasaoperíodocarnavalesco.“Amídia,naqualidadede

agentevoltadopara adivulgação, interferenaproduçãodo espaçodas festas àmedidaquelevaaoconhecimentopúblicoaocorrênciadoevento”(MAIA,1999,p. 210). Dessa forma, vale destacar que independente da temporalidade e doespaçoassociado,oslugaresocupadospelosgruposdificilmentesãoveiculados,ousãodemaneirasuperficial,dificultandosuapopularizaçãonasmídiassociais.

Outro ponto interessante que deve ser considerado é a relação que existeentreessesespaçosocupadoseosbairrosqueosMaracatusseencontram,poisde certa maneira forjam-se espaços simbólicos a partir da relação com acomunidade. Entretanto, ao observarmos os bairros onde as sedes estãodistribuídas,percebemosqueexisteaindaumaaglomeraçãodosgruposemumapartedacidade.UmdosmotivospodeseraproximidadecomobairrocentrodeFortaleza, onde ocorrem historicamente os desfiles dosMaracatus, justificandoemparteessasetorização.

Figura2–LocalizaçãodasSedesdosMaracatusemFortaleza

Fonte:LEGES/UFC,2016.

Éjustamentenessadisposiçãodesentidos,vivênciasesujeitosenvolvidos,que as festas populares adquirem múltiplas relações e interpretações, econseguem estabelecer um fluxo comunicativo, presente em todas asrepresentações culturais. As apreensões das relações simbólicas existentes naconstrução do lugar patrimonial e ritual perpassam a compreensão dasmotivações que levam os sujeitos a valorizarem as práticas, vivências eexperiências nos diferentes grupos sociais, constitutivos, portanto, de espaços

culturais, visto que exprimem os valores, crenças e práticas do cotidiano. Éjustamentenaconstruçãodessaspráticas evivênciasdasmanifestaçõescomooMaracatu que reside seu valor enquanto bem patrimonial, pois ainstitucionalização enquanto patrimônio imaterial não garante equidade entre osgrupos,muitomenos reconhecimentocasoosdetentoresdamanifestaçãonãoseapropriemdamesma.

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FERREIRA, L. F.O lugar festivo: a festa como essência espaço-temporal dolugar.EspaçoeCultura,UERJ,RiodeJaneiro,v.15,p.7-21,jan./jun.2003.

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MELLO, João Baptista Ferreira de. Descortinando e (Re)pensando CategoriasEspaciais com Base na Obra de Yi-Fu Tuan. In: CORRÊA, Roberto Lobato;ROSENDAHL, Zeny (Org.).Matrizes da geografia cultural. Rio de Janeiro:EdUERJ,2001.p.87-101.

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RELPH,Edward.Reflexõessobreaemergência,aspectoseessênciadelugar.In:HOLZER,W.;MARANDOLAJR.E.;OLIVEIRA,L.de. (Org.)QualoEspaçodo Lugar?: Geografia, epistemologia, fenomenologia. São Paulo: Perspectiva,2012.p.17–32

TUAN, Yi-Fu.Espaço e Lugar: a perspectiva da experiência. (Tradução deLíviadeOLIVEIRA)Londrina:Eduel,2013.248p.

1Existemdivergênciasquantoaousodonegrumeporalgunsafirmaremqueousodatintaremeteaopensamento de que no Ceará não existiriam negros, sendo necessário pintar para representar; já outrosafirmam que teria origem na impossibilidade das mulheres participarem dos velhos carnavais, participandoapenas homens, os quais pintavam o rosto de preto para não serem reconhecidos; e alguns brincantes jáafirmaramqueéapenasumamáscarasemsentidosimbólico,sendoapenasumamaneiradeesconderorosto.

2Noanode2016osmaracatus,que tradicionalmentedesfilavamapenasnodomingo,ganharammaisumdiadedesfile,acrescentandoosábadoaocronogramadedesfiles.

3Odia25foiescolhidopararealizaçãomensaldasapresentaçõesdoprojetodevidoàreferênciaqueomesmofazaodiadomaracatu,demarcadonocalendáriomunicipalnodia25demarço.

(RE)ORGANIZAÇÃOESPACIALDAFESTIVIDADEJUNINADECAMPINAGRANDENAPARAÍBAEARELAÇÃODOMORADORCOMACOMEMORAÇÃO

JORDANIAALYNESANTOSMARQUESUniversidadeFederaldoRioGrandedoNorte

[email protected]

[email protected]

INTRODUÇÃOA festa é uma manifestação cultural que se materializa no espaço, sendo

diversificada, aberta, polissêmica e articulada pelos sujeitos que a vivenciam(FERREIRA,2003).Assimsendo,osciclosagrícolasforamimpulsionadoresdoadventodasfestas,asquaisobjetivavamrendergraçasàsdivindadesprotetorasdasplantações, todavia, comosurgimentodocristianismoascomemorações semodificaram,aigrejacatólicapassaaestabelecerosdiassolenes,aexemplodociclo junino que celebra: os SantosAntônio, João e Pedro.Mesmo assim, noslugares festivos se intercruzam o sagrado e profano, diferenças culturais,múltiplosatores,ritmosedanças(DELPRIORE,2000).

Localizada na mesorregião do agreste paraibano, Campina Grande é umaimportantecidadedentrodaredeurbananordestina,alémdeencontrar-seentreas31 cidades na faixa de 100 e 500 mil habitantes que desempenham umacentralidadehistóricaemrelaçãoaointeriordeseuestado(MAIA,2010).

Detalmodo,aodesenvolverpesquisasdeiniciaçãocientíficaentreosanosde 2012 e 2013, tendo como aporte as discussões e reuniões do Grupo dePesquisasIntegradasemDesenvolvimentoSocioterritorial(GIDS),observou-searelevância do “Maior São João do Mundo” para a dinâmica econômica e

reestruturação da área central de Campina Grande-PB. Por conseguinte,verificamos a construção de uma imagem de cidade festeira e cultural,projetando-anocenárioturísticoestadual,nacionaleinternacional.

Destarte, ao utilizar-se da festa como estratégia de geração de renda eprojeçãodacidadenadinâmicaturística,omunicípiorecebeumgrandenúmerode visitantes, os quais frequentam os lugares festivos que compõem aprogramaçãooficialdaprefeituramunicipal,cooperandoparaoconsumodebenseserviços.

A esse respeito, Bezerra (2006) corrobora que no decorrer do tempo, osadministradorespúblicoseempresariais,visandoolucroeconômicoecomercial,apropriaram-sedasfestaspopularesetransformaram-nasemespetáculosurbanos,oquehojesedáonomedeMegaeventos.

Nãohámaiscomoimaginaracidadesemasuafestamaior,elasetransformanaprópriapersonificaçãodagrandevocaçãodacidadequeéadeserfesteiraehospitaleira;aideiadeconstruirumlugar,umaterritorialidadeparaafesta,éumadasmaneirasdeconstruiruma identidade citadina, uma alteridade frente às outras cidades. Portanto, uma vezinstituído o evento e alcançado pleno êxito, o turista passa a ser idealizado como umaespéciedemoedademuitovalor(LIMA,2008,p.74-75).

Assimsendo,durantetrintadias,entreosmesesdejunhoejulho,CampinaGrande tem sua dinâmica urbana alterada em função da festividade junina. Opoder público municipal e a iniciativa privada são os principais agentes dadispersão espacial da comemoração pelo município, todavia, ainda existemgrupos familiares e amigos que permanecem organizando as comemoraçõesjuninasemsuasresidênciaseruas.

Alémdas festividades concentradas na cidade deCampinaGrande, ainda,existemasqueacontecemnosdistritosdeSãoJosédaMataeGalante,osquaisdesempenhamafunçãodeanimarosfesteirosnosfinaisdesemanaenasvésperasediasdeSantoAntônioeSãoJoão.

Localizadonaáreacentraldacidade,oParquedoPovoseconstituicomoonúcleo da festividade, pois, são 30 noites de comemorações, ocorrendoapresentações de quadrilhas e shows (profanos e religiosos: Católicos e

Protestantes), dispondo de serviços gastronômicos diversos (pizzarias,pastelarias, comida chinesa, comida regional, etc.), bares, palhoças de forró,cidadecenográficaecamarotes.

Emsuasintermediaçõesencontramososseguinteslocaisfestivos:SítioSãoJoão, Salões deArtesanato, Vila dos Tropeiros, Parque da Criança,Museu doAlgodão, Teatro Municipal Severino Cabral, Catedral Nossa Senhora daImaculada Conceição, e as Casas de shows Vila forró, Campestre e Spazzio,sendopartedesseslocaisequipamentosconstruídoseembelezadosemfunçãodacomemoração.

Dessamaneira,descortinam-sealgumasinquietações:quaispráticassociaisfazem de Campina Grande uma cidade festiva? Periodizar a festa juninaproporcionaumamaiorcompreensãosobreamesma?Qualarelaçãodomoradorcomafestividade?Peranteisso,éimprescindívelatentarmosparaohomemesuacultura, posto que, cabe a Geografia considerar as experiências vividas e aintersubjetividade dos grupos sociais,mediante as sensações e percepções dossujeitos,pormeiodossentidossensoriaishumanos(visão,audição,olfatoetato)(CLAVAL,2001).

Nesse sentido, realizou-se uma revisão bibliográfica e pesquisa de campoqueocorreuduranteasfestividadesdomêsdejunhode2016.Assim,operíododa pesquisa foi oportuno para se fazer observações, registros fotográficos,identificação dos locais onde ocorre a festa, bem como a obtenção dedepoimentos de cinco turistas nos seguintes locais: Parque do Povo, Vila dosTropeiros, Distrito deGalante, Sítio São João eMuseu dos Três pandeiros. Éválido enfatizar que esses foram os locais, nos quais os sujeitos sedisponibilizaramaconversarsobreatemática.

PERIODIZANDOAFESTAJUNINADECAMPINAGRANDEEntenderadimensãotemporaldasdinâmicasespaciaiséumgrandedesafio

paraogeógrafo,detalmaneira,devemosrecorreraosacontecimentoshistóricos,

nãodemodo cronológico,mas, visandoumaperiodização, umavez que, “cadaperíodopodeserconsideradocomoumsegmentohomogêneodetempohistórico,em que as variáveis se mantêm em equilíbrio no interior de uma mesmacombinação”(SANTOS,1979,p.26).

Emvistadisso,paraapreendero(re)ordenamentoespacialdaFestaJunina,do ponto de vista das rupturas e das sucessões que ocorreram na história deCampinaGrande,optamosporlançarmãodorecursodaperiodização,buscandoreconhecerasmúltiplas leituras tecidassobrea festividade junina(Figura1).Éimportante ressaltar que essa periodização é uma simplificação de inúmerosacontecimentoshistóricosqueperpassamaconstruçãodessafesta.

Figura1–PeriodizaçãodaFestaJuninadeCampinaGrande

1ºPeríodo:De1864aofinaldadécadade1930-Asfestividadesjuninasocorriamnocampocomointuitodecelebrarossantosjuninos(Antônio,JoãoePedro)eacolheitadomilhoedofeijão,sendoocasiãopropíciapara o encontro de parentes e amigos, os quais dançavam forró* e quadrilhas, construíam fogueiras,saboreavamcomidastípicasdaépocaerealizavamadivinhações.2º Período:De 1940 até 1975 -Apopulação do campo inicia o processo de êxodo rural, por conseguinte,essaspessoasseestabeleciamnasáreasperiféricasdeCampinaGrande,levandoconsigoohábitodasfestasjuninasedoforró.3ºPeríodo:De1976atéhoje-Afestafoiapropriadapelosadministradorespúblicosepelainiciativaprivada,objetivandocontrolá-laetecerganhoseconômicossobreamesma,paraisso,foipreponderanteaseleçãodaáreacentraldacidadeparaarealizaçãodacomemoraçãoeposteriormenteadesapropriaçãodeumterrenoparaaconstruçãodoParquedoPovo,oqualpassariaasero“coração”doeventoconhecidopormeiodohiperbólico“MaiorSãoJoãodoMundo”.

Fonte:ElaboradoporMARQUES(2016)combaseemEulálio,2014;Lima,2008;MORIGI,2007.

Direcionando nosso olhar para o segundo período da festividade, faz-serelevanteapontarquenojáfinaldoséculoXIXeiníciodoséculoXX,CampinaGrande era considerada como um espaço socioeconômico importante para aParaíba, “a partir da redefinição do eixo dos transportes e a consolidação damatrizcomercial–algodoeira”(OLIVEIRA,2009,p.12),dirigindo-seaosportosda Paraíba e do Pernambuco com destino ao mercado Europeu e Americano(LACERDAJÚNIORetal,2012).

Todavia,comoenfraquecimentodaeconomiadoalgodãoecrescimentodos

setores industriais a partir da década de 1940, a população do campo inicia oprocesso de êxodo-rural, por conseguinte, essas pessoas se estabeleciam nasáreas periféricas de Campina Grande. Eulálio (2014) considera que além dodeclíniodo“ourobranco”(algodão)edaestiagemde1942,oenvolvimentodoBrasilnaSegundaGuerraMundialrefletiudiretamentenomercadodetrabalhoenaproduçãodealimentosnopaís,atingindo,sobretudo,apopulaçãopobreeoshabitantes do campo. Além da população advinda do campo do própriomunicípio,naestiagemde1942,51-53e58,CampinaGranderecebeuumgrandenúmero de emigrantes dasmesorregiões do Brejo, Cariri e Agreste paraibano,assimcomodoSertão,sóqueemmenorproporção,atraídospelasoportunidadesde emprego que o centro urbano proporcionava nos setores industriais(EULÁLIO,2014).

OforrópassaatersuaascendêncianaáreaurbanadeCampinaGrande,umavez que, “(...) dos bairrosmais populares aosmais luxuosos podiam encontrarforrós, estes, sem restrição quanto à entrada dos forrozeiros, apenas regrasnecessáriasparao funcionamentodoestabelecimento” (EULÁLIO,2014,p.88).Tais locais não eram bem vistos pelas autoridades locais, contudo, o ritmomusical proporcionava a apropriação e consumo de diversos espaços que acidadelheoferecia.

De tal modo, ao se estabelecerem inicialmente nas áreas periféricas dacidade, as comemorações erampromovidaspor seus festeiros, demodoque seespraiavamporlares,ruas,botecos,cabarésefeiras,destarte,oforróeracapazdepromoverumaviajemnoimagináriodossujeitosfrequentadoresdos“bailes”,em razão de reavivar lembranças do campo e das festas vivenciadas.Posteriormente, associações e clubes a exemplo do Campinense, Clube dosCaçadores e oCampestre, passaram a promover festejos nas noites dos santosjuninos, ocorrendodisputas entre esses na contratação dosmelhores artistas daregião(EULÁLIO,2014;LIMA,2008;MORIGI,2007),omapeamentoapontaosdiferentespontosdacidadeondeocorriamasfestividadesatéosprimeirosanosdadécadade1970(Figura2).

Compreendemos que os forrós em sua maioria ocorriam nas áreasperiféricasdacidade,enquanto,osclubeseassociaçõeslocalizavam-seemáreasprivilegiadas. Eulálio (2014) assegura que o forró, enquanto música popularbrasileira,foiinstitucionalizadonoespaçourbano,sendoimportanteparaissoomercadofonográficoeorádio,porém,suasorigensremetemaumatradiçãorural.

Nessecontexto,surgemalgumas indagações,como:quandooforrópassaaser enquadrado como música popular brasileira? Quais acontecimentoscontribuíramparaisso?

Em“Umahistóriadamúsicapopularbrasileira:Dasorigensàmodernidade”Severiano(2008),esclarecequeamúsicanordestinaatravésda“EradoBaião1”caracterizou-secomoummomentodetransiçãonoprocessodemodernizaçãodamúsicapopularbrasileira,tendocomoumdeseusíconesoLuizGonzagaentreosanos1946a1957.

A esse respeito,Albuquerque Júnior (2001) declara que asmúsicas feitaspelas camadas populares passam a ser relevantes, em razão de uma apreensãoquantoàredefiniçãodonacionaleopopularnaproduçãoartísticaecultural.

O sertão é o lugar da pureza, do verdadeiramente brasileiro, onde os meninos aindabrincamde roda,oshomens soltambalões, ondeainda existemas festas tradicionaisdeSãoJoão.Lugarondereinaasanfona.Acidadeéolugardaperdadevalorestradicionais,davidalongedanatureza,daperdadafamília,dasalmasmaculadas(ALBUQUERQUEJÚNIOR,2001,p.161).

Figura2–MapadasFestividadeJuninaatéoiníciode1970

Assim, por meio das músicas, de sua fala e a maneira de vestir-se, LuizGonzagaajudanaconstruçãodeumNordestedasecaedoinverno,dastristezasealegrias, do migrante e da saudade, dos amores, da família, dos animais deestimação.Emlinhasgerais,deumaregiãocristalizadanotempoesemveículosdecomunicação(ALBUQUERQUEJÚNIOR,2001).

Por conseguinte, entre1970e1980grandeparcelados forrós foi fechada,tendocomo justificativa serem locaisondeocorriamviolência,dando inícioao“movimento de centralização das manifestações socioculturais, restringindo aoperíododosfestejosjuninos,marcadapelaculturademassa”(EULÁLIO,2014,p.137).Quantoaosclubes,muitosdessesforamdesativados,permanecendocomsuasatividadesapenasoclubeCampestre, todavia,algunsdelestransformaram-seemcasasdeshows,aexemplodoSpazzioeVilaForró(MORIGI,2007).

Emseuterceiroperíodoapartirdofinaldadécadade1970,afestajuninapassa a estar associada à lógica do espetáculo, transformando-se em ummegaevento, amanifestaçãocultural passa a ter tambémuma lógica econômica,comercial e política. Nesse sentido, Bessa e Álvares (2014) apontam que ascidadesqueoptampelomarketingturísticourbano2tendemaincorporarcrenças,

fatos históricos, culturais, etc., para promover o turismo em suas cidades.ParaHarvey (2011) a cidade passa a ser mercadoria para os indivíduos deteremdinheiroatravésdoturismo,consumismo,marketing, indústriasculturais,dentreoutros, tendocomoplanodefundoumapolíticadedesenvolvimentourbanoquevisaàeconomiadoespetáculo.

Em 1976 o governo municipal centraliza as festividades, levando emconsideraçãoalocalizaçãodosítiourbanodeCampinaGrande,conformeindicaotrechoaseguir:

Assim,aPrefeitura,atravésdaARC-AssessoriadeRecreaçãoeCulturadoMunicípioeda EMDEB- Empresa de Desenvolvimento cultural da Borborema, constrói um novoespaçopara a festa juninana cidade;montaum ‘arraial junino’, comcincobarracasdecomidastípicasepalcoparaapresentaçãodeshowsmusicaisequadrilhasjuninasnoPátiodaEstaçãoVelha,localizadonoCentroTurísticoCristianoLauritzem,nocentrodacidadeeoutro,noParquedoAçudeNovo, tambémnocentrodacidade.[...]A ideiabásicadosórgãos ligados a Prefeitura Municipal, como a ARC e a EMDEB é a de utilizar ospróprios recursos de que a cidade já dispunha para festejar a festa junina, até entãodispersaemdiversossetoresdacidadeeunificá-losemdoisnovosespaços(LIMA,2008,p.41-42).

Osórgãose secretariasmunicipais tomarampara si a responsabilidadedecoordenareplanejara festa,objetivandocontrolá-lanãoapenasespacialmente,mas tambémexigindodasquadrilhas juninas ebarraqueirosumcredenciamentoprévio para participaçãono evento.Foucault (2008) considera esses elementoscomomecanismodesegurança,pois,saberquemsãoindivíduosrepresentaumatécnica de vigilância, sendo um meio para o controle e disciplinarização dossujeitos.

É válido evidenciar que na década de 1970, Campina Grande passa pormodificaçõesemseupaisagismourbanopormeiodoProjetoComunidadeUrbanaparaRecuperaçãoAcelerada–CURA–noperíododogovernomilitar,oqual,propunha-seainvestireminfraestruturaurbana.Aoseefetivarasobrasnocentrodacidade, emespecial ondehoje se localizaoParquedoAçudeNovo,muitasfamíliasforamexpulsasparaasáreasperiféricas.

[...] a mudança na geografia neste setor ganha novo cenário, desta feita, com a

construçãodoCentroCulturalnoespaçoanexoaoAçudeNovoecujoterrenoserviadeescoadouroparaaságuasdoantigoaçude.Éexatamentenoespaço restantedagrandeáreaquemargeavaoaçudequeRonaldoCunhaLimainiciaotrabalhodeterraplanagemeconstróiapirâmide-‘Forródromo’doatualParquedoPovo(LIMA,2008).

Dessemodo, no início da década de 80, a gestãomunicipal realizou umaantecipação espacial, visto que ao desapropriar uma grande área próxima aoAçudeNovo (Foto1), essapassou a ser uma reservadevalor, apontandoparaumanovaurbanizaçãoevaloragregadoaosimóveispróximosaolocal(Foto2).

Nosanosde1987e1988aáreadoParquedoPovoéampliadacomadesapropriaçãodealguns imóveis circunvizinhos ao espaçoda festa, passandode27milmetrosquadradospara42mil.Anovaáreaéocupadacomacolocaçãodebarracaselocalizadaportrásdapirâmide-‘Forródromo’,espaçoondenoanode1995,éerguidaa“CidadeCenográfica”,noespaçodoravantede‘ArraialHiltonMotta’(LIMA,2008,p.32).

Foto1–Áreadesapropriadanadécadade80

Fonte:cgretalhos.blogspot.com.br

Foto2–Construçãodapirâmide-Forródromo

Fonte:www.revistafashionnews

A autora supramencionada assegura que com a construção do Parque doPovoem1986,afestajuninaganhaumamaiorpopularidadeepassaacomporo

calendário turístico da Paraíba, tornando-se um evento para os campinenses eturistascom30diasdeduração.Incluem-senaprogramaçãovariadasatividadesparalelasaoespaçocentraldoeventoqueremetemàtradiçãojunina.

Omapeamentoabaixoevidenciaos lugares festivosquesãoestruturadoseorganizados pela iniciativa pública e pela empresarial, ou seja, a programaçãooficialdo“MaiorSãoJoãodoMundo”(Figura3).

Figura3–MapadaEspacializaçãodaFestaJuninaemCampinaGrande

Os distritos de São José da Mata e Galante ficam a cargo de animar osfesteirosnosfinaisdesemanaenasvésperasediasdeSantoAntônioeSãoJoão.Contudo, Galante apresenta um maior destaque devido ao fato de receber aLocomotiva Forrozeira – Trem do Forró (foto 4). Todavia, no ano de 2016 aAgênciaNacionaldeTransportesTerrestres(ANTT)recomendouocancelamentodacirculaçãodo tremporquestõesde incapacidade técnicaoperacionaldos25quilômetrosdetrecho.

Talrecomendaçãocausouapreensãonagestãomunicipal,nosempresáriosenaprópriapopulaçãosobrea realizaçãodafestanodistritodeGalante,“aindabemqueaprefeituraseesforçouparaajeitaro trajeto,eumeperguntocomoseriaafestasemalocomotiva?Aspessoasdodistritoedacidadetambémvêmpra cá,Galante é a animação durante o dia” (entrevista concedida em 18 dejunhode2016).

Pormeiodofragmentoacimaénotórioqueesseritualfestivo,paraalémdapaisagem sonora, por meio das apresentações das bandas de forró, no palco

principal,eforrópé-de-serradispersoporruaseilhasdeforró,possuioTremdoForrócomoelementorelevante,vistoquealémdeatrairturistas,achegadadeleproduztodaumaimagética,umavezque,otremqueantestraziaoalgodão,agoratrazemseusvagõesforróeanimação(foto3).Dopontodevistaeconômico“otrem do forró representamuito paraGalante, já que, ele é amaior fonte derenda do distrito” (depoimento concedido em 18 de junho de 2016). Diantedisso,grandes empresasdo ramodebebidas, a exemplodaSkol edaCachaçaCaranguejoacabamporpatrocinaremonopolizaravendadeseusprodutostantoemGalante,quantonoParquedoPovo(foto4).

Foto3–PartidadotremdoforrócomdestinoacidadedeCampinaGrande

Fonte:MARQUES,2016.

Foto4–Toldesdospatrocinadores(SkoleCachaçaCaranguejo)

Fonte:MARQUES,2016.

Nascasasdeshows:VilaForróeSpazzio,nasnoitesdosdias23,24e25seconcentram apresentações de bandas de forró estilizadas e duplas sertanejas,sendovoltadasparaumpúblicomaisjovem.

Figura4–MapadaespacializaçãodafestajuninanaáreacentraldeCampinaGrande

Adentrandoapartecentraldacidade(Figura4)temos:oSalãoMunicipaldeArtesanato, Salão de Artesanato da Paraíba e Vila do Artesão. São locaisdirecionadosparaacomercializaçãodepeçasfeitasdefibra,debarroedemetal,brinquedospopularesdemadeira,produtosdecouro,arte indígena,vestimentasdealgodãocolorido,crochês,bordados,pinturas,dentreoutros.Aindadispõedeáreasparasaborearcomidasregionaisedançarforrópé-de-serra.

OParquedoPovo se constitui comoonúcleoda festividade, pois são30noites de comemorações, ocorrendo apresentações de quadrilhas na pirâmideJackson do Pandeiro e shows (profanos e religiosos –Católico e Protestante),dispondodeserviçosgastronômicos,bares,palhoçasdeforró,cidadecenográfica(Foto5)ecamarotes.Assimsendo,poderíamosdizerque,nonúcleocentraldafesta temos variados rituais, por exemplo, lá encontramos diversas paisagenssonoras,aexemplodemúsicaeletrônica(Foto6),religiosa,sertanejoeforró.

Quando tratamos dos shows católicos e evangélicos, podemos evidenciarque as performances dos “artistas” têm o intuito de envolver os indivíduos, oslevandoaumaexperiênciacentralizadanavidareligiosa.

Apaisagemsonorareligiosaé,portanto,portadoradeelementosquedefinemareligião,eespecificamas diferenças existentes entre umas e outras. [...] dessemodo, a paisagem

sonora religiosa participa da manutenção e da expansão do fenômeno religioso. Oelementoessencialdapaisagemsonorareligiosaéodiscursoreligioso,queseconstróiapartirdeumabase,queestãonashistóriasenosvaloresexistentesemcadareligião.Elessãopropagados,principalmente,peloproselitismoreligioso,emqueocrenteprocuranãosomente comunicar sua crença, mas também infundir em outros indivíduos as suasconcepçõesreligiosas(TORRES,2016,p.189-190).

Foto5–CidadeCenográfica

Fonte:Acervodosautores,2016

Foto6–Espaçodeexecuçãodemúsicaeletrônica

Fonte:Acervodosautores,2016

NoParquedaCriançaocorreumaprogramaçãoorganizadapelasSecretariasdeEsporte, JuventudeeLazer (SEJEL)eDesenvolvimentoeconômico (SEDE),envolvendo:Trilhaeacorridadosnamorados,corridadafogueiraepaudesebo.

O Museu do Algodão tem a função de apresentar a história do cicloalgodoeirodeCampinaGrandeerecepcionarosfoliõesqueembarcamnoTremdoForróemdireçãoaodistritodeGalante.Alémdisso,emseuentornoocorreaCorrida de Jegue e desfile das carroças ornamentadas com temas regionais,

conhecidapopularmentecomoa“Carroceata”,quepassapelasprincipaisruasdocentrodeCampinaGrande.Essesrituaiscriadospelagestãomunicipalcomvistaprincipalmentenaatividadeturísticaemcertamedida,buscam“fazercomqueosrituais relativamente novos e as tradições pareçam antigos e estáveis”(SCHECHNER,2012,p.84).

No sítio São João, materializa-se imagens estereotipadas dos valoresculturais da região nordeste, sendo uma maneira de formação do imagináriosocial quanto à “tradição”. Portanto, evocam-se elementos constituintes de umpassadopormeiodoshábitoseobjetosdocampo,aexemplodecomidasfeitascommilho e da casa de farinha (Foto 7), assim como se ativa a religiosidadevinculada à igreja católica trazendo para a festa reprodução de capelas comimagensdossantoscomemoradosnomêsdejunho(Foto8).

Foto7–Representaçãodeumaantigacasadefarinha

Fonte:Acervodosautores,2016

Foto8–RéplicadeumaCapelaCatólica

Fonte:Acervodosautores,2016

Aviladostropeirosfoiincluídanoespaçofestivosóem2016,sendoessa

idealizada pelo Serviço Social da Indústria (SESI), funcionando durante os 30diascomlivreacesso,tendoointuitoderesgataraimportânciadostropeirosparaa construção da história de Campina Grande. O ritual é composto pelo forró,comidas típicas nordestinas e por uma vila cenográfica que fazmenção a uma“vilinha”pacata de um interior tranquilo, na qual, exaltam-se os santos juninosdirecionando uma capela para a prática devocional. No depoimento a seguir,nota-se o quão importante se faz a musicalidade enquanto elemento dacomemoração.

Lembro-me com saudades das músicas de Jackson do Bandeiro, Zico Borborema,GenivalLacerda,AntônioBarrose lógicooLuizGonzaga.Quantas saudadesdasantigas festas aqui deCampinaGrande, das fogueiras, das quadrilhas, era tantaanimação,agentecomiamilhoassado,egritando:vivaSãoJoão!!Tudoissosómetrazboasrecordações,issojamaisnegarei,alegriaseutinha,tínhamospoucosparausar, pouco calçado, roupas, mesmo assim íamos com nossos chapéus de palhasparaaspalhoçasetodomundosedivertia(depoimentoconcedidoem14dejunhode2016).

OTeatroMunicipalSeverinoCabral sediaexposiçõesdeobrasdeartesemusicais contando a história do forró. No transcorrer do musical “O FoleRoncou!”,existeaindaumavisibilidadedeumnordestepautadonamisériaenaseca, apresentam-se íconesdamúsicadoNordestecomo: JacksondoPandeiro,Marines, Luiz Gonzaga e Genival Lacerda (foto 9), ao mesmo tempo, a peçabusca fazer com que os presentes sintam-se impactados com sua performance,trazendo uma mensagem regionalista, ao mesmo tempo em que mostram-secartazespedindorespeitoàmulher(foto10).

Foto9–Apresentando-senomesimportantesdoforró

Fonte:Acervodosautores,2016

Foto10–Cartazescomfrasespedindorespeitoàmulher

Fonte:Acervodosautores,2016

Já a Catedral Nossa Senhora da Imaculada Conceição é onde fica maisevidenciada a dimensão sagrada da festa, visto que nos dias dedicados a cadasanto,acontecemascelebraçõeseucarísticaseprocissões.Outropontorelevanteéque,nessesdias,asanfonaéoprincipalinstrumentosonoroutilizadonoritualeucarístico.

OS SIGNIFICADOS ATRIBUÍDOS À FESTIVIDADE PELOSCAMPINENSES

Sendoacultura“reprodutoradarealidadepercebidaeconcebidaporcadaum” (MORIM, 1999, p. 24), a paisagem traz consigo experiências e bagagensculturais(MELO,2008).

CampinaGrandesignificatudo,aquiestáaminhavida,minhainfância,todoomeucotidiano,euvivoCampinaGrande,eusintoocheirodeCampina.OSãoJoãoestánosangue,elaéumafestividadenaqualocampinensevivemesmosabe,eleexaltaa nossa cultura regional. Inicialmente o Parque do Povo, já que ele concentragrande parte da programação dessa festa, além disso, eu vou para as festasfechadasnoClubeCampestre,SpazzioenaVilaForró.[...]hoje,queévésperadeSão João têm festas em ruas de alguns bairros, embora tenha a festa feita pelopoder público, mesmo assim as pessoas mesmo fazem festa com seus amigos,

familiares e vizinhos, com comidas típicas, forró pé-de-serra, fogueira é muitaalegria.(entrevistaconcedidaem23dejunhode2016).

Os aspectos elencados na entrevista acima remetem ao conceito de lugar,considerando sua dimensão cultural-simbólica, conglomerando questões deidentidades,trocassimbólicas,construçõesdeimagensesentidosatribuídosaoslocais,enquantoespacialidadesvividasepercebidasempregadasdesignificados(SOUZA,2013).

Sob esse ponto de vista, a festa materializa imagens representativas dosvaloresculturaisdaregião,sendoumamaneiradeformaçãodoimagináriosocial(SILVA,2013).Portanto,evocam-seelementosconstituintesdeumpassadooudeuma“tradição”pormeiodoshábitoseobjetosdocampo,aexemplodecomidasfeitas com milho e da casa de farinha, assim como se ativa a religiosidadevinculada à igreja católica, trazendo para a festa reprodução de capelas comimagensdossantoscomemoradosnomêsdejunho.

Aoentrarmosemcontatocomoespaçofestivo,especificamentenaViladoArtesãoencontramosafixadosobreumaréplicadeumacapelaotrechoaseguir:

E assim como a flor demandacaru que no sertão floresceu foi criada a vila dostropeiros,queapedidosdopovo,oSesiatendeueolugarparaafestança,setemmelhornãoviigual,aprefeituradeprontonoscedeu.Navilatemigrejinha,budegae casinha, até corete e pavilhão combarracas de comidas típicas, tudo aqui é deprimeira,epraesquentarabrincadeiravai termuitoxaxado,xoteebaião.Atéaságuas do Açude Velho estão num novo compasso a balançar do outro lado doaçude.EstãoseuLuizeJackson,aoarrastapédavilaespiar.Jáosomdostrêsdopandeiro está tocando o tempo inteiro pro forró não acabar (CoronéSesiano- SãoJoãode2016).

O fragmento acima vem reforçar as heterotopias do local, para além deevidenciar práticas de um tempo passado, ainda se dá vida a monumentospróximosdalocalidade(MuseudeArtesdaParaíba–TrêsPandeiros–eaFarradeBodega que são duas estátuas deLuizGonzaga e Jackson doPandeiro) quepossuemrelaçãocomoforró,oqualéoprincipalritmodascomemorações.

Pormeiodarelaçãoentreculturaeespaçosurgemoslugaresqueosujeitoconstrói, jáque,“éouso seletivodamemóriaque redefineoqueépatrimônio

dentro do que o passado deixou como testemunha de outros tempos”(BERDOULAY,2012,p.123).Logo,podemosratificaressasafirmaçõespormeiodofragmentodaentrevistarelato:

OSãoJoãorepresentaparamim lembranças,alegrias, festas, interação,contatos,as lembranças vêm desde minha infância quando dançava quadrilha na escola,assim,desdecedoeuaproveitooSãoJoão,quandocriançaeugostavamuitodemevestircomroupasdequadrilhanaépocadoSãoJoão,alémdisso,merecordomuitodas fogueiras na minha rua, lembro também da questão dos fogos de artifícios.Hoje fico muito feliz ao reencontrar pessoas queridas no Parque do Povo(depoimentoconcedidoem25dejunhode2016).

Dessa maneira, a paisagem para além de uma materialidade é tambémlinguagem,suportedemensagensesímbolos(CLAVAL,2001).Porintermédiododepoente a seguir, nota-se o quão importante se faz a musicalidade, enquantoelementodapaisagemcultural.

Assimsendo,apaisagemsonoraenquantoumdoselementosquecompõeapaisagem cultural, estabelecida por subjetividades e sentimentos humanos, trazconsigosentidoesignificado,logo,amúsicatemsignificadosepapelsimbóliconavidasocial(FURLANETTO,2016).Porconseguinte,aotratardarelaçãodoCampinensecomafestajuninaevidenciam-seelementosmateriaiseimateriaisdapaisagemculturalquetêmvaloressentimentaisatribuídosadadoslugares.

PARANÃOCONCLUIRDiantedopanoramaapresentado,consideramosqueoevento festivopassa

pordinâmicasespaciaiseressignificaçõesnotranscorrerdotempo.Assim,pode-seafirmarqueasfestasdeSãoJoãoseconstituemcomotradicionaisemCampinaGrande, originárias do campo,mostra-se uma distribuição espacial pontual empequenossítiosefazendas,deslocando-separadançarforróequadrilha,degustarcomidas típicas, realizar adivinhaçõesdentreoutros elementos constituintesdasfestividades.

Logo, ao transferir-se para as áreas periféricas da cidade, aos poucos ascomemorações e os costumes passam a ser reinventados, coexistindo antigos

hábitos e inclusão de novos.A partir domomento emque o evento passa a seconcentraráreacentraldacidade,opoderpúblicobuscacontrolarafestacomointuito de gerar lucros econômicos e interesses políticos. Atualmente, tanto opoderpúblicocomoainiciativaprivadasãoagentesrelevantesparaadispersãoespacialdafestapelomunicípiodeCampinaGrande,muitoemborafamiliareseamigos continuem a realizar suas comemorações em suas residências, ruas ebairros.

Portanto, a festa junina, enquanto uma manifestação cultural que sematerializa no espaço geográfico, encontra-se relacionada na tríade econômica,política e cultural.Assim sendo, o “MaiorSão JoãodoMundo” é ummeiodegerar lucros econômicos para Campina Grande, por consequência a classepolítica vem utilizando dessa imagem de cidade festiva em seu benefício nosâmbitos estadual, regional e nacional. Contudo, não podemos desprezar que oâmbito cultural da festividade junina não é usado apenas para os fins acimacitados,consideramosqueapopulaçãolocalseapropria,representaevivenciaafestividade junina, trazendo em seus discursos elementos constituintes dapaisagem da festa que tem significação, lhes despertando o imaginário,recordaçõeselembranças.

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*Adança de forró varia de acordo comos gênerosmusicais que o compõe.Obaião e o coco, porexemplo,possuisemelhançaaolunduafricanodançadoemroda,umparticipanteintimavaosoutrospresentesadançarpormeiodeumbigadas.Diferenciando-asnarapidezdasbatidaseconsequentementedasumbigadas.Oxote,porsuavez,édançadosemelhanteàsdançasdossalõesaristocráticosdoperíodoregencial.Oxaxadoprovémdosomfeitodossapatosnochãoaosedançar.Dançasurgidanosertãodonordestedifundidapelomovimentopopulardoscangaceiros.Epor fim,asquadrilhas juninas influenciadaspela tradiçãoeuropeiadoculto ao fogo, no Brasil, a Igreja Católica adaptou as quadrilhas juninas como dança de natureza rural emhomenagemaosantoSãoJoãoepelacolheitadomilhoedofeijão.Arrastandoopénumritmomaisacelerado,compunhamadançadasquadrilhasjuninas(EULÁLIO,2014).

1 No transcorrer do século XIX no interior da Bahia surge uma variação do Lundu, espalhando-seposteriormente para outros estados doNordeste, popularizou-se sobre o nome de “Baião”, assim sendo, osartistasacimacitadosescolheramoBaiãocomoomodelodeseuprojeto(SEVERIANO,2008).

2Marketing turístico urbano está relacionado como empregode ações, estratégias e planejamentosparamelhoraracompetitividadedalocalidadefrenteàsdemaisconcorrentes.

MAPAMENTAL:APORTECOMUNICACIONALDEENTENDIMENTODASLINGUAGENSEPERCEPÇÕESAMBIENTAISEMPORTOVELHO

LUCILEYDEFEITOSASOUSACentroUniversitárioSã[email protected]

CLARIDESHENRICHDEBARBAUniversidadeFederaldeRondônia

[email protected]

INTRODUÇÃOEste artigo pautou-se numa pesquisa de abordagem fenomenológica que

procurou compreender a percepção dos alunos doMestrado em Geografia, daUniversidade Federal de Rondônia, sobre a problemática vivida na cidade dePortoVelhoedecorrentedaenchentehistóricadorioMadeiraem2014.

Os impactos dessa enchente são percebidos até hoje na área urbana eribeirinha da cidade, estando famílias em situações desfavoráveis em razão doremanejamento para áreas periféricas e convivência com o desemprego,criminalidade e violência.A lógica do poder público diante desses transtornoscontinua sendo a omissão e a desvalorização dessas populações desabrigadaspelaságuas.

Nessa conjuntura discursiva, tornou-se importante compreender ossignificadosatribuídosaesseespaçoalteradopelasUsinasHidrelétricas(JiraueSantoAntônio)norioMadeira,asquaiscontrolamasubidaedescidadaságuas,afetandoomododevidadosribeirinhos,sobretudo,anavegaçãonaqualobarcoéoprincipalmeiodetransportequegaranteamobilidadedessaspopulaçõesnointeriordaAmazônia.Alémdisso,houvemortandadedepeixe,afetouaplantaçãodesubsistênciaeomedodeumanovaenchenteouintensasecageraminsegurançanestapopulação,umavezqueosreservatóriosdasusinasprecisamgarantiracota

d’águaparaofuncionamentodesuasturbinas.Muitos desses problemas são de difícil superação pela dificuldade de o

poderpúbliconãoterrealizadoumplanejamentoeficienteeconstamnosmapasmentais, dentre os quais: o remanejamento de famílias, águas contaminadas,perdas simbólicas com rio, o que refletem na manutenção da vida dessaspopulaçõesdaAmazônia.

Neste sentido, a pesquisa priorizou olhares e significados dos alunos emrelação ao espaço ribeirinho afetado diretamente pela enchente histórica eevidenciadosnosmapasmentais.Háumasingularidadenoespaçoribeirinhoquefoi desconsiderada pelo poder público local, a exemplo da cultura e práticassimbólicasmantidaspelascomunidadesamazônicaspertencentesaorioMadeira.

De modo especial, o geógrafo francês Paul Claval (2009) ressalta que adimensão cultural desse povo deve ser preservada, o que na prática não foiconcretizada,oquenoslevouafundamentarnossapesquisadentrodageografiahumanistacultural,comênfasenoviésfenomenológico,paramelhorreflexãodaproblemáticaambientalaquiencontrada.

Aaplicaçãodosmapasmentaiseassuassocializaçõesocorreramemsalade aula, durante a realização da disciplina Cultura, Representação e Espaçodialógico(TópicoEspecial)paraacompreensãodapercepçãodosalunossobreoespaçodePortoVelho,atendo-seaorecortedofenômenodaenchentehistóricade2014queatingiu,nomêsdemarço,amarcade19,74metrosnorioMadeira.

A estrutura do artigo segue dividida em quatro partes: a) aporte teórico-metodológicoescolhido;b)contextualizaçãodoespaçoamazônico;c)análisedosmapasmentaise,porúltimo,consideraçõesfinais.

ACONTRIBUIÇÃODAGEOGRAFIACULTURALNAAMAZÔNIAComo referencial teórico, a corrente da geografia humanista-cultural, com

viés fenomenológico, tem se difundidomuito naAmazônia devido ao interessepor estudar as representaçõesdaspessoas sobreoespaço.O lugar é entendido

como produtor de experiências humanas, e a linguagem é fundamental nesseprocesso de transmissão de saberes culturais e ambientais. Essa pesquisafundamenta-seteoricamentenasanálisesdomundovivido,nasrelaçõesespaciaisconstruídaspelaspessoassobreolugare,nesseenfoque,trouxemosautoresquecolaboramnadiscussãodenossoobjetodeestudo.

OlinguistaBakhtin(1999)trazanoçãodedialogismo,mostrandoqueoeueo outro estão intimamente ligados, tendo como elemento articulador a próprialinguagem.Destaca-seaqui,afunçãodosignosocialcomovivoemúltiplocujacontribuição foidadaporBakhtin àGeografia, pois enfatizaumaconcepçãodelinguagem e de sujeito que ajuda a pensar os espaços de representação daspessoas.

Claval (2010)mostraa importânciadaculturanoprocessode transmissãodasexperiências,porissofazpartedadinâmicadessageografiamaishumanistacompreender os valores, intersubjetividades, sentimentos e comportamentos.Nesta ótica, privilegiam-se as experiências vividas, haja vista que a cultura éfeita de processos interlocutivos, articula-se no discurso e realiza-se narepresentação.

Tuan (1983) adota o enfoque humanista ao atribuir o sentido ao lugar emostraque apercepção sedá atravésdos sentidos,mas a cultura influencianaformadeperceber,deformaravisãodemundoede teratitudesemrelaçãoaoambienteencontrado.

Porsuavez,Kozel(2009)trabalhaarepresentação,fazendousodosmapasmentais como produtos da enunciação, por meio de textos dialógicosevidenciadores do conhecimento da diversidade humana no espaço. Atravésdessesmapas,podem-seperceberossignificadosdosespaçoselugaresvividospelas pessoas, acessar a dimensão simbólica dos signos e das linguagens,conheceromundodaspessoasatravésdesuasexperiênciasespaciais.

Bachelard(2008) trabalhacomafenomenologiadas imagensqueemergemna consciência como produto direto do coração, da alma do ser humano epropiciadoradeumaatitudecontemplativadiantedanatureza,dolugar,davidae

das relações construídas no espaço. Todos esses elementos contribuem paramostrarasexperiênciasfundamentaisnoentendimentodaapreensãodoespaço.

De forma sintetizada, Bakhtin (1999) o signo social e o dialogismo nosprocessosinterlocutivos;Claval(2010)mostraaimportânciadaculturaenquantoprocessodetransmissãodasexperiências;Tuan(1983)osespaçostopofílicosetopofóbicos;Kozel(2007)arepresentaçãoeosmapasmentaiscomoprodutosdaenunciação;Bachelard(2008)osmodospoéticosdeconstruiranatureza,olugare o tempo, os quais se inter-relacionam e permitem pensar o homem no seuespaçovivido.

A partir dessa pesquisa, dá-se ênfase ao mapa mental como aportecomunicacional para identificação de problemática ambiental e contribuições àabordagemfenomenológicanageografiacultural.

DeacordocomBuzan(1996),atécnicaconhecidacomomindmap śquesãoconsideradas ferramentas do pensamento que refletem exteriormente o que sepassa pela mente. Neste caso, o mapa mental é uma forma de organizar ospensamentos e utilizar ao máximo as capacidades mentais. Sua utilização naGeografia pode ser entendida com o propósito de desenhar o espaço vivido eanalisartemáticasdeinteressedaGeografia.

Richert (2011, p. 40) considera que aGeografia deve dar “[...] base peloensinodossabereseconteúdosespecíficosquepermitamaarticulaçãoentreosfenômenos presentes nas representações cartográficas com os processos queocorremnasociedade”.

O mapa mental pode ser visto como uma atitude criadora nodesenvolvimento social,oquecorrespondeàprópria linguagemnaestruturadoconhecimento.Assim,compreendemosqueaeducaçãopassaporumprocessodaspráticassociaiseindividuais.Nestecaso,éimportanteconsiderarqueaculturarefleteasaçõeshumanas.Assim,apráticadedescreveroespaçogeográficodevevalorizar “não só a descrição, mas a interpretação integrada dos fatos queinfluenciamaproduçãodoespaço”(RICHTER,2001,p.101).

Deste modo, os mapas mentais constituem-se em um valor democrático e

justovoltadoàleituradomundodoindivíduo,domapamentalequesurgecomoum aporte comunicacional que assume um caráter avaliativo e lúdico com afinalidade de tornar o ensino da Geografia muito mais significativo para osalunos.

O mapa mental pode ser analisado como uma importante função para adiscussãodosconhecimentosemsaladeaulaquesecaracterizapelosconceitos,signoseconteúdos.Assim,ummapamentalpassaaseraprendidopelosconceitose imagens relacionados à construção do conhecimento através de um processodialógico. Nesse caso, o mapa mental é usado para visualizar, estruturar,classificar ideiase comoumaajudanapesquisaeorganizaçãode informações;planejamento de projetos e outras tarefas; solução de problemas e tomada dedecisões.

Semdúvida,muitassãoasvantagensarespeitodossignificadosdasimagensrepresentadas nosmapasmentais, as quais devem ser consideradas commaiorclareza e evidenciadas pelas representações e saberes que alicerçam acompreensãodosmapasmentais.

ÁREADEESTUDOEMETODOLOGIADESENVOLVIDAEMSALADEAULA

AAmazôniaapresentaumextensocomplexohidrográficoesegundoNunes(2004) 28.000 km de rios navegáveis, cerca de 6.900.000 km2, eaproximadamente 3.800.000 km2 estão noBrasil.A área de estudo situa-se noEstado de Rondônia (Figura 1), cujo território, segundo IBGE é 237.590,864Kmª,divididoem52municípiosecompopulaçãode1.560,501(IBGE,2010).Ahistória de povoamento de Rondônia configura por transformações sociais ehistóricasadvindasdeprojetosdecolonizaçãodogovernofederal,daaberturadaBR 364, o que atraiu grande fluxo migratório em busca de terra e melhorescondiçõesdevidaepermeneceaténosdiasatuais.

Figura1–Mapadaáreadeestudo

Porto Velho apresenta uma área de 34.096,388 kmª, totalizando 428.527habitantessegundodadosdoIBGE,2010eorioMadeiraétidocomoprincipaldoEstadodeRondôniaepossui1.700kmdeextensão.

Considerando estes elementos, optou-se por uma metodologia escolhidabaseada na análise qualitativa, dentro da abordagem humanista e cultural,privilegiandoainterfacecomosestudoslinguísticos.Aopçãoporessecaminharmetodológico permitiu a aproximação com o mundo vivido dos alunos, sendoconsideradassuasvozes,experiênciasespaciaiseculturais.

Ouniverso amostral dapesquisa contou comaparticipaçãodedez alunosque participaram da disciplina Cultura, Representação e Espaço dialógico(Tópico Especial), realizada no mês de setembro de 2014, no Mestrado emGeografiadaUniversidadeFederaldeRondônia.Aaplicaçãodosmapasmentaisemsaladeaulafezpartedasatividadesdadisciplina,nãotendotidoquaisquerproblemas em sua aplicabilidade, o que reitera a aceitabilidade dessametodologianacomunidadeacadêmica.

A metodologia adotada nessa análise priorizou mapas mentais, sendoescolhida ametodologia elaborada porKozel (2001) cujosmapasmentais são

tidos como textos, formas de linguagemque compreendemomundo vivido daspessoas e colaboram com o entendimento das relações entre linguagem esociedade.

Essa abordagem metodológica tem sido amplamente divulgada no Brasil,sobretudonaAmazônia,principalmentenosespaçosdainterdisciplinaridadecoma interface geográfica. Esta metodologia prevê a análise dos signos sociaisembasados na contribuição do linguista Mikhail Bakhtin (1999) e foidesenvolvidapelageógrafaSaleteKozel,pesquisadoradoNúcleodeEstudosemEspaçoeRepresentações–NEER–,porocasiãodesuapesquisadedoutoradono ano de 2001, quando pesquisou as representações dos moradores para oentendimentodeCuritibacomocapitalecológica(KOZEL,2001).

A utilização da Metodologia Kozel (2007) possibilita refletir sobre osespaços das práticas dialógicas, com signos socialmente construídos ereveladoresdomododeagireviverdaspessoasnoespaço.

O aporte teórico escolhido leva emconta a abordagem sociointeracionistadelinguagem,osignificadodossignosdecadaimagem,ouniversosocioculturaldas pessoas, contribuindo nas análises culturais e espaciais, ambasevidenciadorasdevaloresesignificadosdosgrupossociais.

Para Sousa (2014) os mapas mentais trazem a representação do mundovividodaspessoas,principalmentedasrelaçõessociaisestabelecidasnoespaço,e podem colaborar para o entendimento dos processos subjetivos, das práticasespaciais,dosvalores,dosdiálogosculturaisesociaismantidosnoespaço.

Na geografia, a Metodologia Kozel (2007) é evidenciada como aportecomunicacionalqueajudanodesvendardossignificadosatribuídospelaspessoasao espaço. Os textos presentes nesses mapas são dialógicos, evidenciam adiversidade de vozes dos sujeitos estudados e as representações das pessoassobreseusespaços,atitudes,valoreseexperiênciasdosgruposhumanos.

Kozel(2007)sugerequeosconteúdosdosmapasmentaissejamanalisadoscom base nos aspectos: 1) interpretação quanto à forma de representação doselementos na imagem; 2) interpretação quanto à distribuição dos elementos na

imagem;3)interpretaçãoquantoàespecificidadedosícones;4)apresentaçãodeoutrosaspectosouparticularidades.

Neste primeiro momento, os parâmetros para a observação são íconesdiversos,letras,mapas,linhas,figurasgeométricas,etc.

Em segundo momento, observa-se como essas formas estão dispostas nafolha formando a imagem, se aparecem em formato perspectiva, horizontal,disperso,circular,isolada,etc.E,oterceiromomento,aprofunda-sealeituradosíconespropriamente,sendoobservadososaspectosabaixo:

A-Representaçãodoselementosdapaisagemnatural;B-Representaçãodoselementosdapaisagemconstruída;C-Representaçãodoselementosmóveis;D-Representaçãodoselementoshumanos(KOZEL,2007).Observa-secada íconeecomoseapresentamas imagens,partindo-separa

interpretação/decodificaçãodasimagensedossignossociais.Evidenciam-se, no quarto momento, as particularidades encontradas nos

mapas,estandoemabertaessapropostaparaasreflexõesdosparticipantes,umavez que se trabalha com a subjetividade do sujeito. Os mapas mentais são“textos”porsetratardeenunciados,apresentamadiversidadedevozeseajudamnainterpretaçãodomundoculturaleespacialdaspessoas.

Depoisdaconfecçãodomapamental,opesquisadortemaoportunidadedeassociarosmapasàsentrevistasparacompreendereinterpretaromundovividodo entrevistado, garantindo em sua análise o significado atribuído às imagensrepresentadaseàsvozesdossujeitospesquisados.

O trabalho com os mapas mentais proporciona entender a dimensão dasubjetividadehumana,asformasdecomunicação,asredesderelaçõessociais,asobservações captadas no espaço, produzindo leitura de mundo que interessa àciênciageográfica.

A aplicação dosmapasmentais possibilitou o encontro dos pesquisadorescom os sujeitos pesquisados, permitindo a interação verbal entre ambos. Oselementos identificados nos mapas mentais foram analisados a partir da

contribuição da Teoria Enunciativa de Bakhtin (1999). Significa perceber adimensão dialógica da linguagem, o mundo vivido dos sujeitos e aintencionalidadedossignificadospresentesnostextosimagéticos.

Na aplicação dosmapasmentais, após o consentimento dos entrevistados,foramentreguesumafolhaembrancoparaquerepresentassemasituaçãovividanacidadedePortoVelho,ocasionadapelaenchentede2014norioMadeira,cujaproblemáticapersisteatéhoje.

ANÁLISEDOSMAPASMENTAISForam escolhidos para compor a análise desse artigo trêsmapasmentais,

cuja interpretação está pautada na contribuição da teoria linguística deBakhtin(1999),essencialnoentendimentodossignificadosdasimagens.

Noprimeiromapamental,observa-seapercepçãoambientaldaautorasobreo cenário da enchente no rio Madeira, Estado de Rondônia, representado pormeiodesignossociais,linhas,objetosefigurasgeométricas:

Figura2–RondôniaeAcre:isolamentoterrestre(Mapamental1)

Fonte:ConfeccionadoporRachel,2014.

Os ícones evidenciam a situação dos caminhoneiros que percorreram aprincipal rodovia de Rondônia (BR 364) em direção ao Estado do Acre paralevarem mantimentos para a população afetada, como a autora cita: “O povoacreanoficouisolado,sópassavacaminhõeseasituaçãodoscaminhoneirosfoidesafiadoranoenfrentamentodessagrandeenchente”.

Outros aspectos são destacados, tais como a atuação da Força AéreaBrasileiranotransportedemercadoriaseoimpactodaenchentenocotidianodaspopulações tradicionais da Amazônia; assim como os meios de transporteutilizadosduranteesse isolamentoparagarantiremamobilidadedaspessoasnaregiãoamazônica.

A aluna expressa o espaço vivido das pessoas que foram forçadas a esteisolamento em decorrência da enchente e que tiveram drasticamente alterado oseuprocessodeorganização,colocandoemriscoàvidaporcontadosimpactosambientais, doenças e situação de isolamento. As principais dificuldadesrelatadas pela aluna foram o racionamento de alimento, gás e gasolina, sendogeradosgrandestranstornosàpopulaçãoacreana,poisaprincipalviadeacessoterrestresóerapossíveltransporparaoscaminhoneiros,maschegouumaépocaquenemcaminhãopassavamaisemdireçãoàcidadedeRioBranco,noEstadodoAcre:

Figura3–Impactosnomododevidaribeirinho(Mapamental2)

Fonte:ConfeccionadoporKelyany,2014.

No segundomapamental, a autora retrata a dinâmica do viver amazônicodiantedaenchentedorioMadeira,bemcomoosimpactos,afarturadepeixes,ascasasdosribeirinhoscobertaspelaságuas,asituaçãodasfamíliasqueresistiramà saída de suas casas, enfim, todo um conjunto de problemática que afetou osmoradoresdasáreasribeirinhaspertencentesaomunicípiodePortoVelho.

Neste mapa, constam os elementos da paisagem natural (diversidade de

peixes,volumed´água,árvores)eoelementohumanotentandoresistiràsaídadecasa, sendo representado o espaço de grande biodiversidade e os impactospresentes nesse espaço amazônico ribeirinho, o que prejudicou a qualidade emanutençãodavidadessaspopulaçõesamazônicas.

Aautoradestaca:“[...]AfarturadepeixesexistentesnorioMadeira”.Essarepresentaçãomostraum rio comabundânciade alimentos, nesse caso, opeixeque faz parte da culinária amazônica e o seu contato com os resíduos sólidoslançadosnorio,mostrandoaimportânciadapreservaçãoambientaleocuidadocomorioemsituaçõesdeenchentenaAmazônia.

Neste terceiro mapa mental, a autora enfatiza a situação dos abrigos nacidade dePortoVelho que receberam as populações atingidas pela enchente, oremanejamentoforçadoparapermaneceremembaixodelonas,numintensocalorde 40 graus e longe do convívio como rio.Não foi fácil para essa populaçãomorar, provisoriamente, embaixo de lonas, o que ocasionou uma situaçãovexatória,desagradávelemuitodesconfortável.

Comoaautoradiz:“[...]Muitaspessoasficaramalojadasembaixodelonasnum intenso calor eos recursos financeirosnadade chegarempara ajudar essapopulaçãoatingida,enquantoqueparaaCopadoMundohaviarecursosuficiente,mostrandoagrandecontradição”.

A representação da autora associou os grandes investimentos do governobrasileironaCopadoMundocontradizendocomademoranoatendimentoaessapopulaçãoatingidapelaságuas,principalmenteemrelaçãoaosuportefinanceiro.

Neste mapa mental, constam os elementos da paisagem natural (árvores,volumed´água,chuvatorrencial),paisagemconstruída(prédios,casas,abrigos),assimcomooelementohumanotentandosobrevivernosabrigosimprovisadosnoParquedosTanquesemPortoVelhoecomtemperaturade40graus,evidenciandoaproblemáticadaenchentenavidadaspopulaçõesribeirinhaseprincipalmenteafaltadeplanejamentodopoderpúblico localemestarpreparadoparaesse tipodedemanda.

Figura4–Ascontradiçõeseperdas(Mapamental3)

Fonte:Elaboraçãodosautores(2014).

Os três mapas mentais trazem representações do vivido na Amazônia, adimensãodaexperiênciadossujeitos,osdiscursosproduzidoseoconvíviodaspessoascomoespaçodaenchentedorioMadeira.Nestaanálise,ficaevidenteaarquitetura socioespacial do espaço vivido das pessoas, suas problemáticasambientaisesociais.

OrioMadeiratemsofridomudançasdrásticas,tendosuapaisagemalteradae suasmargensdesbarrancando cadavezmais.Essesprocessosnãopodemservistosapenasna lógicaempíricadequeseja“normal”,éprecisodiscutirquaissãoaspolíticasdearborizaçãodesuasmargens,osplanosdecontingênciaparaapopulaçãodiantedosdesastresambientaisqueforçamapopulaçãoasedeslocarparaaperiferiaesemgarantiadeinfraestruturaadequadaparamanutençãodoseuviver.

Essas percepções são evidenciadas nos mapas mentais que possibilitaminterpretaressaAmazôniaribeirinha,considerandoasvozespresentesnostextosimagéticoseinterpretaçõesdeumviverameaçadoporfaltadeatençãodopoderpúblico.

CONSIDERAÇÕESFINAISA pesquisa destacou a Amazônia ribeirinha atingida por uma enchente

histórica em 2014 e até hoje a população sofre ainda as consequências dessa

enchente na cidade de Porto Velho. Os resultados apontam que é importantecompreender a percepção dos alunos e alternativas de valorização cultural,respeitoàculturaamazônica, sobretudo, ribeirinhosque tiveramseusmodosdevidaalteradosdeformaavassaladora.

Os significados atribuídos ao rio Madeira foram alterados. Hoje, se temoutrorioeissoimplicaapercepçãodamudançanamoradia,trabalhoelazerdaspopulaçõesamazônicas.Nestaanálise,ficouevidenteaespacialidadedovividodaspessoasesuasproblemáticasambientaisesociais,asquaisseapresentaramnos mapas mentais através da paisagem alterada, dos animais ameaçados eremanejamentoforçadodeseushabitantes.Taispercepçõessãoevidenciadasnosmapas mentais que possibilitam interpretar essa Amazônia ribeirinha, estandoesseviverameaçado.AutilizaçãodaMetodologiadosMapasMentaispropiciouoentendimentodessarealidadevividanaAmazônia,aidentificaçãoeoregistrodaproblemáticaambiental,sendoafetadosossaberestradicionais.

Apesardisso,aspessoasbuscamorecomeçodiantedessesimpactosquesãojustificados apenas pela enchente ocorrida em 2014. Dessamaneira, osmapasmentais possibilitam compreender o externar das emoções, das representaçõesdas pessoas sobre os lugares e espaços vividos, sendo textos altamentesignificativosnoconjuntodaproduçãodageografiaculturalnaAmazônia.

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GEOGRAFIA,REPRESENTAÇÃOEARTE:ASPAISAGENSPÓS-IMPRESSIONISTASDEVINCENTVANGOGH

JEANCARLOSRODRIGUESCursodeGeografia–CampusAraguaína

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INTRODUÇÃOOobjetivodesteartigoédeestabelecerumarelaçãoentreGeografiaeArte

demodoquepossamosrefletirsobreoquehádeartenageografiaeoquehádegeografianaarte1.

Estainterfaceénointuitodecontribuircomumareflexãogeográficadaarte,a qual pensada enquanto representação, seja vista como expressão espacialpresente nos “(...) significados que a cultura atribui à sua existência e às suasrelações com o mundo natural” (COSGROVE, 2000, p. 34). Para tanto,estabelecemosnestedebatealgunsrecortesparaquetaldiscussãosejaelaboradacomreferenciaistantonaArtequantonaGeografia.

Na Arte, abordamos os movimentos impressionista e pós-impressionista,tendocomoreferênciaprincipalmenteVincentvanGogh.Asartesimpressionistase pós-impressionistas foram adotadas como pilar desta discussão por teremprovocadoomododefazerrepresentações;mastambémporseremasexpressõesartísticas de um século (XIX) no qual diversas outras revoluções entraram emcursonaEuropa.Alémdisto,foinesteperíodoqueaclasseburguesaaspiravapormotivos para a pintura na qual o impressionismo e pós-impressionismo serebelarameenfrentaramostatusquo,sobretudoaquele impostopeloSalãodasBelas-Artes,deParis.

NaGeografia,ospilarespara taldiscussãoestãoestabelecidosnarelação

entre a paisagem e a sua representação nas pinturas. A arte, como formasimbólica, é um modo de produção de representações na qual técnica, cor eimaginário se articulam no processo criativo da pintura. Desta forma, aopropormos tal artigo, ensejamos elaborar um estudo no qual a contextualizaçãotemporaleespacialdomodode fazerartepermitaqueelaboremosumaanálisedaspaisagensrepresentadasepossamosexplorarasgeografiasimpressionistasepós-impressionistasexpostasnastelasporartistascomoVincentVanGogh.

ARTEEREPRESENTAÇÃOA arte é conhecimento, entretanto, como alertou Cassirer (2005, p. 277),

“(...)umconhecimentodeumtipopeculiareespecifico”,quesemoveemcampodiferente do fazer cientifico. SegundoCassirer (2005, p. 277), “a interpretaçãoconceitualdaciêncianãoexcluiainterpretaçãointuitivadaarte.Cadaumadelastemsuaprópriaperspectivae,porassimdizer,seupróprioânguloderefração”.

Nesse sentido, “a arte (...) ensina-nos avisualizar as coisas, enão apenasconceitualizá-lasouutilizá-las.Aartenospropiciaumaimagemmaisrica,maisviva e mais colorida da realidade, e uma compreensão mais profunda de suaestrutura formal” (CASSIRER, 2005, p. 277-278). Esse caminho se dá pelarepresentação.ParaHeidrich(2010,p,01),“muitoembora,poucacoisaescapeaocampodasrepresentações,porqueenvolveoconhecimento,[este]éocampoda reflexão inexoravelmente [ligado] ao significado das coisas, à produção daideia,àproduçãodesentido”.

A arte, assim como a representação, são produções humanas: se (a) “arepresentação se refere ao mundo, ao mesmo tempo em que inventa mundos”(HEIDRICH,2010,p.03);(b)igualmenteaarte,enquantolinguagemsimbólica2,fazreferênciaaomundo,aomesmotempoemqueécapazdecriá-lo,modificá-lo,reinventá-lo3.ParaCassirer (2005,p.274),“nema linguagemnemaarte fazemumameraimitaçãodecoisasouações,ambassãorepresentações”.

Fischer(2007,p.17)afirmouque“todaarteécondicionadapeloseutempo

e representa a humanidade em consonância com as ideias e aspirações, asnecessidadeseasesperançasdeumasituaçãohistóricaparticular”.Assimsendo,emsetratandodeartesvisuais,osprodutoresdemundos(artistas)estãosituadosem um dado contexto em que “a vida cotidiana é, ao mesmo tempo, umamanifestação privada (individual, subjetiva) e uma manifestação pública(institucionalizaçãodesistemasdepoder)”(COSTA,2016,p.131).

Istosignificaqueaproduçãoartísticapodederivardasexperiênciasqueossujeitos possuem do mundo que os cerca, do cotidiano vivenciado eexperimentado.SegundoFischer(2007,p.14)“(...)aartenãosóprecisaderivarde uma intensa experiência da realidade como precisa ser construída, precisatomar forma através da objetividade”. A arte produzida, como espaço derepresentação, aprende os objetos e significa o espaço no processo de suacriação.

Entretanto, ela não fica restrita apenas à materialidade uma vez que aespacialidade tambémcontémopercebido,oconcebidoeovividopeloartista.Segundo Gil Filho (2003), “a espacialidade seria construída a partir doimbricamento domovimento tríade do espaço percebido, concebido e vivido”,embora este cruzamento, segundo o autor, não seja simples nem estável. Destaforma, para além da materialidade objetiva das coisas, a perspectiva espacialtambém contempla o existencial naquilo que é percebido, concebido e vivido.Assim,segundoCassirer(2005,p.274),“aartenosdáaordemnaapreensãodasaparênciasvisíveis,tangíveiseaudíveis”.

Isto implica em um processo de clareza, objetividade e sensibilidade doartistanoprocessodecriação,ouseja,eleprecisaexercerdomíniotantotécnicoquanto emocional nomomento da produção. SegundoFischer (2007, p. 14), “otrabalho para um artista é um processo altamente consciente e racional, umprocessoaofimdoqualresultaaobradeartecomorealidadedominada,enão–demodoalgum–umestadode inspiraçãoembriagante”.Assim,opercebido,oconcebido e o vivido objetivam-se em telas dando formas, cores e traços àsexperiênciasespaciaisdoartistaeàssuasrepresentações.

Este“tomarforma”noqualserefereFischer(2007)envolveumcomplexoprocesso de criação no qual imaginário, memória, sensibilidade e técnica searticulam no processo da construção da arte, revelando a complexidade destesistemasimbólico.SegundoFischer(2007,p.14),“paraconseguirserumartista,é necessário dominar, controlar e transformar a experiência em memória, amemóriaemexpressão,amatériaemforma”.

A referência à experiência neste processo confirma o que afirmamosanteriormente: a arte não está fora do mundo, ela representa o mundo e acriatividade do artista. Segundo Cassirer (2005, p. 228), esse era um dosaspectos que deveriam ser considerados nas teorias de imitação, haja vista aimpossibilidadederetratararealidadeunicamentedeformamecânica.

Mas quemundo? O mundo percebido, concebido e vivido do artista? Omundodascoisasobjetivasdispostassobreassuperfícies?Quemundoéestequeoartistaexpõena telaenos indagaapensar?Queexperiênciaenigmáticacadasujeitocarregaconsigoeatransformaemformas,coresetraçosenosconvidaadecifrar?ParaCassirer(2005,p.234),“aartenãoéumasimplesreproduçãodeumarealidadedada,pronta.Éumdosmeiosquelevamaumavisãoobjetivadascoisasedavidahumana.Nãoéumaimitação,masumadescobertadarealidade”.

Desta forma, se tratarmosaartecomoespaçode representação, elaéumarepresentação provocativa, reflexiva e emotiva, que aguça o desejo decompreender as coisas para além de parâmetros convencionais. As obrasabstratasdeVasilyKandinsky(1866-1944),éumexemplodetamanhaindagação.DeacordocomoMET4,“Kandinskytheorizedanewformofartisticexpressionthatwouldrejectthematerialistworldinfavorofemotionalandspiritualideals,usingabstractformsandcolorsymbolismtoevokeaninner,preconsciousworld”.

Improvisation 27 (Garden of Love II), deV.Kandinsky, impressiona pelamanipulação de cores intensivas, mas inquieta pela dificuldade de identificarqualquerobjetofamiliaraoobservador.Setomarmoscomopremissaqueaobradearteésemprecontemporâneadequemobserva,ointervalodetempoentresuaprodução(1912)esuaobservação(2017),nãofoicapazdesanartalinquietação

porcoisas reconhecíveisna tela,mesmocom toda revolução técnica-cientifica-informacionaldesenvolvidanesteperíodo.

Improvisation27(GardenofLoveII)(1912).VasilyKandinsky.

Fonte:http://www.metmuseum.org/art/collection/search/488319(Acessoem12fev.2017).PublicDomain.

Ou seja, o representar o mundo implica em considerar diferentestemporalidades no processo artístico: a temporalidade do artista e atemporalidade da obra artística.Ambas coincidempor um curtomomento, hajavistaqueotempodevidadoartistaédiferentedotempodevidadesuaobra.Aprodução artística extrapola temporalidades e, por consequência, diferentesinterpretaçõesaolongodesuaexposição.Esãoestasdistintasinterpretaçõesquenosrevelamquearepresentaçãonãoéfixa,aocontrário:asrepresentaçõessãoplurais,frutodeummundoemconstantemovimento.

Nestesentido,podemosinferirqueoolhardoespectadoraosedepararcomumaobraartísticacriadaemoutrosperíodosésempreoolhardequemobservaenão de quem produziu. Ou seja, os significados atribuídos à obra artística sãoaquelesdadospeloobservador,muitasvezesmunidodeumconhecimentotécnicoprévio adquirido.Nesse sentido, “a existência [da obra] depende do indivíduoque a apreende” (GOMES,2001, p. 70).ParaArgan (1998, p. 25), “aobradeartenãotemparanósomesmovalorquetinhaparaoartistaqueafezeparaoshomensdasuaépoca.Aobraésempreamesma,masasconsciênciasmudam”.

Desta forma, a obra se coloca sempre como contemporânea de quemobserva, significa e interpreta a representação, tomando esta como “(...) umaforma de conhecimento (...) mesmo que tempo e espaço gerem determinadasformasderepresentação,énadualidadesujeito-objetoqueresideodenominadorcomumquepodeconceber toda formade representação” (GILFILHO,2005,p.51).

ParaPanofsky(2014),

[...] numa obra de arte, não se pode divorciar ‘forma’ de ‘conteúdo’: a distribuição decoreselinhas,luzesesombras,volumeseplanos,poraprazívelquesejacomoespetáculovisual, precisa também ser compreendida como carregada de um significado mais quevisual.(PANOFSKY,2014,p.225).

Aarteconstituiumainstânciaqueatribuisentidoaomundo.ParaCosgrove(2000,p.35),oqueomundosignificagiraemtorno“(...)dosignificadorelativoqueatribuímosàexistênciamaterialquedáformaeconteúdoàcultura(...)ouàconsciênciae à culturaquemodelame transformamomundonatural”,oqual érepresentadodeformanão-materialnapintura.Arepresentaçãoespacialemumatela vai da materialidade dos objetos presentes e identificáveis até o espaçoimaginadoeabstrato,demonstrandoqueocompromissodoartistapodeserdesdeaimitaçãodeseumundo(ideologia)atéasuaplenainvenção(utopia).

AARTEIMPRESSIONISTAEPÓS-IMPRESSIONISTA:OSESPAÇOSDECOR

DeacordocomGombrich(2012,p.504),ahistóriadaartedoséculoXIXévistacomoahistória“deumpunhadodehomenssolitáriosquetiveramacoragemeapersistênciadepensarporsimesmos,deexaminarconvençõessemtemoreem termos críticos, criando assim novas possibilidades e perspectivas para aarte”.SegundoWalthereMetzger(2015,p.10),

[...] no século XIX havia (...) um novo tipo de artista sofredor: o solitário, perdido edesesperado à beira da loucura (...) os artistas do séc. XIX, de grandes e profundasmentes,têmmuitasvezesocaráterdevítimassacrificiais,devítimasquesacrificamasi

próprias.

O séculoXIX foimarcado, também, por ter uma nova capital artística naEuropa,qualseja,Paris(França).DeacordocomGombrich(2012,p.505),“(...)Paris tornara-se a capital artística da Europa no século XIX, tal como foraFlorença no século XV e Roma no século XVII”. E o local escolhido parainfindáveisdebatessobreanaturezadaarteeramoscafésdaRuaMontmartre,amesmaemqueTheovanGoghgerenciavaaCasaGoupil.

Tambémnestarua,VincentvanGogh,após1886,encontrouinspiraçãoparapintar: “Montmartre o seduzmuito, suas ladeiras tortuosas, suas tavernas, seusmoinhos – tudo o encanta. Ele pinta todos os aspectos dessa imensa ‘aldeia’”(MACHADO, 2015, p. 21). Neste sentido, o contexto era adequado para aprodução de uma nova representação artística no século XIX: jovens artistasentusiasmados reunidos em uma cidade que se tornara referência para muitostemas,inclusiveparaaarte.SegundoGomes(2008,p.193),“asrepresentaçõescriamseussistemas,quadrospróprios,carregadosdastintasdecadamomentoeembebidosnoscontextosdecadalugarougruposocial”.

Aoconsiderarmosaarteimpressionistaepós-impressionistacomocontextoartísticodesteartigo,nosreferimosaumaproduçãoartísticademeadosde1860equefoiassimdesignadaemfunçãodotítuloqueClaudeMonetdeuaumdeseusquadros: Impressão – Nascer do Sol5, apresentado na primeira exposiçãoconjunta dos artistas depois denominados de “impressionistas”, em 1874. Opróprio Claude Monet afirmou, em 1927, que estava “‘(...) profundamentedesgostosoportersidoacausadonomequefoiaplicadoaumgrupo,emqueamaioria de seus membros não era impressionista’” (MONET apudGRIMME,2009,p.06).

Impressão–NascerdoSol(1872),deClaudeMonet,representaonascerdosol no Porto de Havre (França) e continha, para Gompertz (2013), todos oselementosquetornariamoImpressionismofamoso:

[...]aspinceladasstaccato,otemamoderno(umportoemfuncionamento),apriorização

dosefeitosdeluzsobrequalquerdetalhepictóricoeanoçãopredominantedequeestaéumapinturaparaserexperimentada,nãosomenteolhada(GOMPERTZ,2013,p.53).

Consideramos que tanto o Impressionismo quanto o Pós-Impressionismoeram uma arte de enfrentamento, de contestação, aomodelo estabelecido como“arte”pelaemergentesociedadeburguesadoséculoXIX,detalformaqueentreseus representantes, muitos deles, passaram por sérias dificuldades financeiraspor não terem suas obras comercializadas. Isto ocorreu comVincent vanGogh(1853-1890), por exemplo, que em vida vendeu um único quadro e sobreviviacomapoiofinanceirodeseuirmão,TheovanGogh(1857-1891).

Estaperspectivatorna-sevalorizadaquandoanalisamosadefiniçãodadaànoção de cultura por RaymondWilliams, reproduzida porMelo (2001, p. 37).Segundo Williams “‘cultura é o sistema significante através do qual (...) umaordem social é comunicada, reproduzida, experimentada e explorada’”(WILLIAMS apudMELO, 2001, p. 37). A esta definição deWilliams (2001),acrescentamos que a cultura, além de comunicar, reproduzir, experimentar eexplorar a ordem social, também pode contestá-la, subvertê-la e confrontá-la,papelesteexercidopelosartistas impressionistas,sobretudonasegundametadedoséculoXIX.

EstaperspectivaexpõeaquiloqueCosgrove(2000)definiucomo“paisagemdaculturadominante”e“paisagensalternativas”.SegundoMelo(2001,p.40),“acultura dominante procura produzir paisagens de acordo com sua imagem demundo e ter essa imagem como aceita por todos, enquanto as paisagensalternativasseriamproduzidasporgruposnão-dominantes,portantoteriammenosvisibilidade”.Aarteimpressionistadetinhaessepapeldeserumaartealternativaaoqueerarepresentadocomoartedominante.

De acordo com Grimme (2009, p. 06) os pintores impressionistas “(...)foram vistos como revolucionários e foram em grande medida excluídos datradicionalcomunidadeartísticadasacademias.[Eles]constituíamumaoposição[ao] mundo artístico conservador”. Segundo Grimme (2009), para superar odesinteressedomercadoeacríticadearte,asolidariedadeeraumacaracterística

entre estes artistas que “(...) juntaram forças para organizar suas própriasexposições e assim combater a sua constante exclusão das exposições anuaisrealizadaspelaAcademiadeArteFrancesa”(GRIMME,2009,p.07).Anosmaistarde, em 1873, formaram a “Sociétéanonymedesartistes, peintres, sculpteurs,graveurs,etc”.

A arte Impressionista incomodava em função dosmotivos escolhidos paraserem representados nas telas. Corroborando a afirmação que fizemosanteriormente de que a arte é, antes de tudo, uma representação domundo, osartistas inovaramao representar em seus trabalhos “trabalhadores e prostitutas,transeuntesnaruaouclientesnumcafé–osimpressionistasforamosprimeirosaverestetipodepessoascomomerecedorasdeseremrepresentadasemobrasdearte”(GRIMME,2009,p.09).NaspalavrasdeFrédéricBazille,“‘escolhiumacoisa da nossa época, porque compreendo-a melhor e porque me parece maisvivaparaosvivos’”(BAZILLEapudGRIMME,2009,p.09).

EstaconcepçãodemundopresentenaspalavrasdeBazille(apudGRIMME,2009) vai ao encontro da concepção de representação defendida por Gomes(2008,p.194):“quandodiscutimosapartirdeobrasdearte(...)devemosindagarouniversomesmodessasrepresentaçõesenãonosvoltarmosparaumapretensarealidadedaqualessasrepresentaçõesseaproximariamouseafastariam”.

Ou seja, ao invés de tratarmosda realidadeque essas obras supostamenteespelham, a preocupação deve estar na análise das significações que elasexprimem.Eexplorarossignificadosdosmotivospintadospelosimpressionistasnospermite refletir, inclusive, sobreopapelpolíticodestemodode fazer arte,qualseja:aconfrontaçãocomostatusquoartísticodaépoca.

Alémdosmotivosescolhidosparaaproduçãodasrepresentaçõesartísticas,um outro elemento que contribuía com a ruptura com o modelo anterior deproduçãoartísticaestavanatécnicautilizadapeloimpressionismo:eranecessáriocapturar o instante e o imediato já que o cotidiano era acelerado. Osimpressionistasdeixamos ateliês comseusmodelos eganhamas ruas comsuavivacidade.SegundoGrimme(2009),

violando as regras existentes na pintura tradicional, os trabalhos dos impressionistasparecemesboçados,espontâneose‘inacabados’,comosetivessemsidofeitosempoucosminutosenão tivessempassadoda fasepreliminar.Aspinceladas rápidaseoabandonodapinturaperfeita sãometáforasdeliberadasdabrevidadedomomentoeda rapidezdavidacotidiana.(GRIMME,2009,p.10).

Nointuítodeabandonarosateliêseganharoslugarespúblicos,osartistasimpressionistas atribuíam um valor especial às pinturas de paisagens, umcontrapontoàquiloqueerapraticadoatéentãoemtermosdetécnicasdepinturas.SegundoGrimme (2009, p. 17), “Monet e Pissarro estavam ligados pelo idealcomumdapinturaaoarlivre,eambosdesejavamacimadetudopintarpaisagens.Queriamcaptarartisticamente tudooqueviam,quercoincidisseounãocomasnormasdebelezadasociedade”.

O PÓS-IMPRESSIONISMO DE VINCENT VAN GOGH: ARTE EPAISAGEM

Foi Roger Fry (1866-1934) quem criou a nomenclatura “Pós-Impressionismo”, em 1910, para se referir a artistas que fariam parte de umaexposição organizada por ele na Grafton Galleries, em Londres (Inglaterra).DentreosprincipaisartistasPós-Impressionistas,destacam-seVincentvanGogh(1857-1891), Paul Gauguin (1848-1903), Georges Seurat (1859-1891) e PaulCézanne (1839-1906) (GOMPERTZ, 2013), todos já falecidos quando foicunhadaaexpressão“pós-impressionismo”.DeacordocomGompertz(2013),

a ideia acadêmica de [Roger] Fry ao designar [Vincent] Van Gogh, [Paul] Gauguin,[Georges]Seurate[Paul]Cézannecomopós-impressionistasfoiquetodoseleshaviamsedesenvolvidoapartirdoimpressionismo,omovimentoartísticoqueManethaviainspiradoe apoiado. Todos quatro tinham começado suas trajetórias individuais aderindo aosprincípios impressionistas, sendo, portanto, absolutamente preciso qualifica-los de ´pós-impressionistas’(GOMPERTZ,2013,p.72).

Vincent vanGoghpersonificou a transiçãodo ImpressionismoparaoPós-Impressionismo:eleesteveemParisem1886atempodeveraúltimaexposiçãoimpressionistainauguradaem15demaiode1886,naqualeleconsiderouque“‘o

queosimpressionistasalcançarampormeiodacorseráaindamaisdesenvolvido(...)’”(GOGHapudGRIMME,2009,p.21).

VincentvanGogh tinhanousodacoruma formade seexpressar:omodocomoas tratavaeasutilizavaconcediaaosseusquadrosumamisturadearteeexpressão, com pouca atenção à imitação. Segundo Van Gogh “em vez derepresentar exactamente aquilo quevejo diante demim, uso a cor de ummodomais particular de forma a expressar-me muito intensamente” (GOGH apudGRIMME,2009,p.21).

Gompertz(2013)consideraqueaspinturasdeVincentvanGoghseparecemmaiscomesculturasemfunçãodatécnicadoempastamento,jáutilizadatantoporRembrandt Harmenszoon van Rijn (1606-1669) quanto por Diego Velázquez(1599-1660). Segundo o autor, “ele [Van Gogh] empastou a tinta e depois amoldou,nãousandoumpincel,masafacadapaletaeosdedos(...)elenãoqueriaquea tintasimplesmentecolorissepartedapintura,masque fizessepartedela”(GOMPERTZ,2013,p.78).

ParaVanGoghoquadropossuíaumsignificadoespecial:alémdodomíniotécnico, o artista também expressava por meio de suas obras um subjetivismomuitoparticularqueretratavaseumododeperceber,concebereviverascoisas,construindoseuespaçoderepresentaçãodomundo.SegundoGompertz(2009,p.78),“VanGoghqueriairalémeexporverdadesmaisprofundassobreacondiçãohumana.Assim,adotouumaabordagemsubjetiva,pintandonãoapenasoquevia,masomodocomosesentiaemrelaçãoaoquevia”.

IstocorroboraCassirer(2005)quandooautorafirmaque“avisãoobjetivanão existe, e que a forma e a cor são sempre apreendidas de acordo com otemperamento individual” (CASSIRER,2005, p. 238).E a beleza retratadanastelas precisa ser sentida através de uma cooperação como artista. SegundoCassirer(2005,p.264)“parasenti-la[abeleza]éprecisocooperarcomoartista.Éprecisonãosósolidarizar-secomossentimentosdoartista,mastambémentraremsuaatividadecriativa”.

As considerações de Gompertz (2009) vão ao encontro do que Cassirer

(2005)expôssobreasintencionalidadesdoartista.ParaCassirer(2005,p.237),“o artistanãocopiaou retrata certoobjeto empírico–umapaisagemcomsuascolinasemontanhas,seusriachoserios.Oqueelenosapresentaéafisionomiaindividual e momentânea da paisagem. Ele deseja expressar a atmosfera dascoisas, a interação de luz e sombra”.Ou seja, o universo da representação daobra artística está diretamente relacionado com as intencionalidades do artistaentreoquerepresentarecomorepresentar.

Estemodomuitoparticulardeproduzirsuasrepresentaçõesdavacontornosdistorcidos dos motivos retratados em tela, principalmente de elementos danatureza. Van Gogh não tinha preocupação nem compromisso em elaborar umretrato fiel dos elementos naturais, uma espécie de imitação do real. ParaGompertz(2009,p.78),VincentvanGogh

[...] começou a distorcer as imagens para transmitir suas emoções, exagerando paracausarefeito,comoumcaricaturista.Pintavaumaoliveiramaduraeenfatizavasuaidaderetorcendo-lheotroncosempiedadeedesfigurandoosgalhosatéqueelaparecesseumavelhanodosa;sábia,mascruelmentedeformadapelotempo.

QuandoessasdistorçõesganhamastelasdeVincentvanGoghemformaderepresentações de paisagens que lhe eram familiares (lugares por onde viveu),estas revelamomodocomooartistaconcebiaepercebiaoespaçoque lheerapróximo. Segundo Gomes (2001, p. 57), “a paisagem tem sua existênciacondicionada pela capacidade do indivíduo em reter, reproduzir e distinguirelementossignificativos(...)apaisagemevocasignificadosapartirdossignosevaloresatribuídos”.

Nãoédifícil identificaroselementossignificativosparaVincentvanGoghemsuastelas,eanaturezaeraumdesteselementos.OstrabalhosdeVanGogh,decerta forma, constituíam sua interpretação da realidade, “não através deconceitos, mas de intuições; por meio não do pensamento, mas das formassensuais”(CASSIRER,2005,p.240).

AnaturezanuncaesteveausentedasrepresentaçõesartísticasdeVincentvanGogh. As paisagens, tanto naturais6 quanto urbanas7, sempre alimentaram o

imagináriodoartista.Porém,comojádestacamos,oartistanãotinhaointuitodeimitar os elementos naturais perfeitamente, numa espécie de reprodução ipsislitteris do que via, mas de provocar mudanças na realidade a partir de seusdesviosecontorções.

Outra característica das representações de Vincent van Gogh era a vidacamponesa, tantoematividadeslaborais8;quantoemseuespaçoprivadoaofimdostrabalhos9.Essaobsessãopelouniversocamponêsfoi relatadaaseu irmão,Theo van Gogh, em uma correspondência: “‘preciso desenhar cavadores,semeadores, homens emulheresdo arado, semcessar (...) examinar e desenhartudo o que faz parte da vida rural’” (GOGHapudNAIFEH; SMITH, 2012, p.282).Eestapercepçãooacompanhouportodavida.

IssodemonstraopoderdecriaçãodaspaisagensexercidoporVincentvanGogh,ouseja,suarepresentaçãopaisagísticaextrapolavaareproduçãodetalhadadoqueseviaparaaproduçãoimaginadadoquesepercebia,concebiaevivia.Ouseja,constituíaaquiloqueCassirer(2005,p.249)denominoudeum“universode discurso” independente. Para Gomes (2001, p. 56), “a paisagem comorepresentação resulta da apreensão do olhar do indivíduo, que, por sua vez, écondicionadoporfiltrosfisiológicos,psicológicos,socioculturaiseeconômicos,edaesferadarememoraçãoedalembrançarecorrente”.

Alémdisto,aoobservamosaspaisagensrepresentadasporVincentvanGoghreconhecemosoolhardoartistaparacomomundo;emoutraspalavras,oartistaprojetou na tela suas espacialidades subjetivas da forma como as concebia:retorcidas,coloridasedesfiguradas.ParaGomes(2001,p.59),asrepresentaçõesdapaisagem

(...) sobdiversas linguagens, relatos,poesias, iconografias, etc. éuma fontede registrosdos ‘olhares’ sobre as práticas e culturas que subvertem a racionalidade cientifica pelovalorintrínsecodasubjetividade quecomportam,semdeixardeserimprescindívelparaalegibilidadedomundo,emqualquerrecortehistóricoprivilegiado(grifonosso)(GOMES,2001,p.59).

AtelaPasseioaoCrepúsculo(tambémdenominadadePaisagemcomCasal

aPasseareLuaemQuartoCrescente)foielaboradaentreosanos1889-1890,quandoVincentVanGoghestavainternadonoAsiloSaint-Paul,emSaint-Rémy-de-Provence,eencontra-seatualmentenoMASP/SãoPaulo(SP/BR).Napintura,destaca-se a presença dos ciprestes, para os quais Vincent van Gogh tinhaparticularapreço.

Nas palavras do artista, “os ciprestes sempre me preocupam, gostaria defazercomelesalgocomoastelasdosgirassóis,poismeespantaqueaindanãoostenhamfeitocomoeuosvejo”(GOGH,2015,p.330).Paraopintor,a“essênciadapaisagem” tinhaaver“(...)comoeloqueune todasascoisas:osentidodainterdependênciaeraaverdadeirabasedavida”(WALTHER;METZGER,2015,p.622).

Estesentidodeinterdependênciaentreascoisasdavidaaplica-senarelaçãoque se estabelece entre o homem e omeio, sobretudo o natural. EVincent vanGogh expressa isto em suas telas quando busca uma integração entre esteselementos: o mundo humano não estava dissociado do mundo natural em suaconcepção, pelo contrário, estesdois universos encontravam-se integrados.Eoartista demonstra este elo de ligação entre estas duas dimensões na forma derepresentarapaisagem.

Ou seja, a representação da paisagem foi o instrumento que Vincent vanGogh utilizou para integrar o homem e omeio em ummomento em que a vidaurbanaseampliaeadistânciaentreestasdimensõesseintensifica.AtelaPasseioaoCrepúsculodemonstraestaintençãodopintor.

PasseioaoCrepúsculo(1889-1890).VincentvanGogh.

Fonte:ReproduçãoeAutorizaçãodeusoconcedidopeloMuseudeArtedeSãoPaulo“AssisChateaubriand”(MASP/SP/Brasil).

Na tela Passeio ao Crespúsculo (1889-1890) há uma conexão entre oselementosquecompõeapaisagemerevelaaintegraçãohomem-meiomanifestadano uso das cores: o amarelo do céu e do vestido da mulher; e o azul dasmontanhasedaroupadohomem.Estacorrespondênciaentreascoresextrapolaasimplesnoçãodecoindidênciaealimentamaperspectivadaintegraçãoentreoselementos humanos e naturais representados nesta tela, reforçando a pespectivade que para Vincent van Gogh a harmonia entre estes elementos persiste emcontraposiçãoàoposiçãohomem-meio.

SegundoVanGogh, “para pintar a natureza aqui, como em qualquer outrolugar, é preciso estar nela por muito tempo” (GOGH, 2015, p. 330-331). DeacordocomoMASP,“oconteudoprincipaldapaisagem(asoliveiras),aformade aplicação da tinta, e o animo do casal estão em unissono nesta telapropriamente expressionista (...)” (MASP, 2008, p. 60). Tais característicasapontadaspeloMASP(2008),revelamumaintegraçãohomem-meioharmoniosa,característicasdasobrasdeVanGoghdesde1885nasquais avida camponesaeraretratadapeloartistaemcontatodiretocomomeionatural,sejanolabordaterra,sejanopasseioaocrespúsculo.

CONSIDERAÇÕESFINAISNo início deste artigo anunciamos a pretensão de estabelecer uma relação

entreGeografiaeArtedemodoquepudéssemosrefletirsobreoquehádeartena geografia eo que há de geografia na arte. Esta interface foi proposta nointuitodecontribuircomumaepistemologiadaGeografianaqualaarte,pensadaenquanto representação, fosse vista como expressão do espacial presente nosignificadoqueaculturaatribuiàexistência,tantodequemasrepresentaquantodequemasobserva.

Nodecorrerdomesmo,apartirdasreferênciasartísticastomadasapartirdoImpressionismo e do Pós-Impressionismo, tivemos condições, apoiados pelasnoçõesderepresentaçãoepaisagem,deestabelecertalinterfaceproposta.Nestainterface demonstramos, a partir dos trabalhos de Vincent van Gogh, que apaisagem pode ser representada, não apenas no intuito de ser imitada, mastambém de ser significada e modificada a partir das percepções de que asmanipulam.

Estemododerepresentarapaisagemnosrevelaalgunsaspectosinerentesàformaderefletirsobreela,sobretudoàsproduzidasporVicentvanGoghquandooartistaaspintavaaoarlivre,emcontatodiretocomanatureza:

(i)arepresentaçãodapaisagemestárelacionadanãoapenasàscondiçõesdeexistênciadeseuartista,mastambémàformacomoelepercebeomundoeascoisasàsuavolta;(ii)arepresentaçãodapaisagemnãoprecisa,necessariamente,exprimirumaimitaçãodavida (ideologia), mas pode criá-la (utopia) e lhe atribuir aspectos não existentesnecessariamente,masqueoartistadesejassequeexistissem;(iii) a representação da paisagem é sempre contemporânea de quem a observa, o queimplicaquecadaobservadoratribuiuma interpretaçãosimbólica subjetiva sobrea telaeidentifica“paisagens”diferentes;(iv) a representação da paisagem revela uma preocupação do artista ao compor a telacom aquilo que ele considera essencial e sublime, como homens emulheres lavrando aterraedelatirandoseusustentoedesuafamilia;(v) a representação da paisagem tem no uso do amarelo (apósmudança paraArles) osentido das “explosões” criativas do artista que, em contraste com o azul, constituem oespaçoderepresentaçãodavidacotidianaemsuastelas.

Considerandoosaspectosapontadosacima,verifica-sequearelaçãoentreGeografiaeArtemediadapelarepresentaçãoécapazdeestabelecerumadiálogo

profundo e profícuo entre estas duas dimensões da existência, decifrando osespaços percebidos, concebidos e vividos retratados nas paisagens dos artistastantoImpressionistasquantoPós-ImpressionistasdoséculoXIX.

A intensidade desta relação geografia-arte torna-se ainda mais latente esensível nas paisagens de Vincent van Gogh cujas telas, caracterizadas porexplosõesdecores, retratademodoaindamais intensoacapacidadede imitar,inventar e imaginar do artista holandês que foram capazes de impactar seuscontemporâneos,impressionarseusobservadoreseimortalizarsuasobras.

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1AgradecimentoaoMuseudeArtedeSãoPaulo“AssisChateaubriand” (MASP)pelaconcessãoeautorizaçãodeusodeimagemdoquadro“PasseioaoCrepúsculo”,deVincentVanGogh,depropriedadedesteMuseu.

2ParaCassirer(2005,p.274),“aartepodeserdefinidacomoumalinguagemsimbólica”.

3ParaGomes(2008,p.193),“representaçõesnãoespelhamomundo,elasocriam”.

4TheMetropolitanMuseumofArt,NewYork,NY,EUA.

5 Impressão – Nascer do Sol (1872). Claude Monet. Disponível em:http://www.marmottan.fr/fr/Claude_Monet-musee-2517.MuséeMarmottanMonet,Paris,França.

6Exemplos:ACharnecacomumCarrinhodeMão,1883;CampodeBolbos,1883;AldeiaaoPôrdoSol,1884;PaisagemdeFimdeTardecomLuaNascente,1889;CampodeTrigocomCorvos,1890.

7Exemplos:Vista de Paris doQuarto deVincent, naRueLepic, 1887; Ponte aoLongo do Sena emAsnières,1887;ArredoresdeParispertodeMontmartre,1887;FábricasemAsnièresvistasdoCaisdeClichy,1887;APonteTrinquelaille,1888.

8 Exemplos: Duas Camponesas no Campo de Turva, 1883; Camponês Queimando Ervas Daninhas,1883;OSemeador,1888.

9Exemplos:CamponesaaDescascarBatatas,1885;CamponêsSentadoàMesa,1885;OsComedoresdeBatatas,1885.

EixoOeste

Religiosidades&Corporeidades

ESCOLHASEXISTENCIAIS–EIXOOESTE

Acreditando que a ciência é feita de escolhas e são nossas escolhas quedefinem a ciência que fazemos, ressaltamos aqui que cada autor doravantecontemplado pela nossa leitura, sabatinado por nossas reflexões e encarceradopornossasconclusõesestãoaquiregistradospor livreescolhadefazerciência.Não qualquer ciência, mas a ciência da existência da transcendência e dacorporeidade,refletindosobremuitasdesuasimbricaçõeseinterseções.

Assim como você está a ler estas linhas e refletir nessas entrelinhasimpulsionadoporumaescolha,quenãocabeamimdefiniresimlhegarantirquesua escolha lhe dará souvenires de variadas expressões da Religiosidadebrasileira e a visualização de Corporeidades que expressam formas epossibilidades,querindividuais,quercoletivas.

No setor de religiosidades encontramos pesquisas que subsidiam debatessobre os mundos conformados pela religião, espacialidades e territorialidadesreligiosas,alémdepossibilitarumavançonasdiscussõesdeteoriaemétodoemGeografiadaReligião.

Jáosetordecorporeidadespromovedebatesrelacionadosaquestõesondeacorporalidade e a espacialidade semanifestamcomoelementos agregadores.Oconceito de interseccionalidade aparece como elemento constitutivo dainvestigação crítica nas geografias culturais envolvendo gênero, raça esexualidade,possibilitandopensarmultiplicidadesdeformasdeidentificaçãonas

sociedades contemporâneas e a produção de representações singulares deespaçossociais/culturais.

Os trabalhos encontrados aqui evidenciam uma grande diversidade deorigensteóricasesefundamentamsobrevariadasabordagensmetodológicas.Talfatosóenriquecealeituradestestextos,poisnosrelembraereafirmaoquantoageografiaéricaemconceitos,emmeiosdeabordagem,emtolerânciaeparceiradoconhecimentoedodebate.

RELIGIOSIDADES

ARTICULAÇÃOVETORIALSIMBÓLICA:ARELAÇÃOENTREAIGREJAUNIVERSALDOREINODEDEUSEOCENTROCULTURALDRAGÃODOMAR

CHRISTOVAMREISDOSSANTOSFILHOUniversidadeEstadualdoCeará-UECE

[email protected]

INTRODUÇÃOO texto conjectura algumas discussões acerca das dinâmicas dos lugares

simbólicos que culmina neste trabalho escrito referente à complexidadecomunicacionalcomolugar,nestecaso,aSedeEstadualdaIgrejaUniversaldoReino de Deus em Fortaleza, Ceará, foco da nossa pesquisa para titulação deMestrado.Assim,nossoobjetivoécompreenderacomplexidadecomunicacionaldoTemploCentraldaIgrejaUniversaldoReinodeDeus(IURD)emFortaleza,por meio de vetores simbólicos. Em seguida, aponta-se outra realidade querefletenossoobjeto,um“espelho”,oCentroCulturalDragãodoMardeArteeCultura(CCDM),noqualaspontessimbólicasdirecionamparaumaponderaçãoentre elementos semelhantes ou não. Estes lugares se dialogam por um vetorsimbólico que conecta essas realidades, fazendo uma triangulação reflexiva emumaperspectivadoslugaressimbólicos.

PROBLEMATIZAÇÃOA religião e a Geografia são elementos que se articulam por meio de

espacialidadesenvolvidasentreasformassimbólicaseaexperiênciaperceptivadossujeitos.Poristodestacamosumlugarsimbólicomaterializadopelacatedralfortalezense da IURD, no qual a prática religiosa e trocas simbólicas (termousado por Bourdieu, 2007) são resultantes relacionais de elementos espaciais

com as crenças dos fiéis. Assim, geograficamente este templo é um espaçosagrado, no qual a religião e aGeografia se relacionam emuma espacialidademítica.

Contudo, observa-se que o templo central da IURD é uma das formassimbólicas espaciais existentes na escalametropolitana de Fortaleza.O templo“representa o marco do espaço construído e de significação simbólica dapresençadosagrado”(GILFILHO,2008,p.119),mas tambémtransmiteoutrosvalorespormeiodeatividadesinseridasritualisticamentenolocal.Sãoeventosque traduzem uma liturgia neopentecostal por um processo de secularização(BERGER,2013),nosquaisaféperpassaaescolhapessoaldosfiéisemmeioao‘coquetelreligioso’existentenapós-modernidade(MELCHIOR,2009).Assim,otemplocomunicasignificadosàspessoasqueofrequentampormeiodesímbolosquesearticulamdemodocomplexo.

OCCDMéum santuário cultural, onde asmanifestações são associadas ausos diversificados por aqueles que o frequentam. Apontado como um pontoturístico, este lugar apresenta múltiplas espacialidades, que ultrapassam adimensãodoTurismoeabarcamtambémasdimensõesculturaise,porquenão,religiosas, uma vez que as formas simbólicas do centro cultural transmitemespacialmente um ponto fixo, no sentido usado por Eliade (1979) como umareferênciadeorientaçãodaculturafortalezense.Dessemodo,podemostraçarumparaleloentreCCDMcomocentroreligiosorepresentadopelaIURD-TCF.

Mediante a este contexto, questiona-se como ocorre a complexidadecomunicacional do Templo Central da Igreja Universal do Reino de Deus emFortaleza, Ceará?Como a vetorizaçãoMediático-Ecossistêmica contribui parauma aproximação comunicacional entre os fiéis e o lugar sagrado? Quecaracterísticas o Centro Cultural Dragão do Mar de Arte e Cultura refletesimbolicamente no templo central da Igreja Universal do Reino de Deus emFortaleza?Comooespaçoarticulaarelaçãosagrado/profanonumcontextopós-moderno?

METODOLOGIAOtrabalhosefundamentanumaconcepçãofenomenológicadaGeografia,na

qual“oconhecimentogeográficotemporobjetoesclarecer[...]signos,issoqueaTerra revela ao homem sobre sua condição humana e seu destino” (DARDEL,2015,p.2).Logo,oestudoseencaminhaporumametodologiaquevalorizeossignificadosvindosdaexperiênciadohomemcomaterra,cujarelaçãoéoriundadesensações,percepções,desejoseimaginações.Tuan(2013,p.18)afirmaque“aexperiência implicaacapacidadedeaprenderapartirdaprópriavivência.”Assim,oentendimentosimbólicoénecessárioparaacompreensãodoobjetodeestudo,pormeiodesignosquesearticulamàexperiênciadogrupo.

Apesquisaseestruturaemfundamentaçãoteóricaeinformaçõesextraídasapartirdevisitasaosespaçosanalisados.Abibliografiautilizadanosaportaparacompreensãodarelaçãoentresagradoeprofanoesuasespacialidadesresultantesem espaço sagrado. Também nos respalda a definição de espaço que perpassapelo viés fenomenológico, que resulta da relação entre o homem e a terra pormeioda experiência.Oque complementa os autores utilizados na pesquisa sãoinformaçõesexpositivasobtidasemcampoqueremetemaumamelhordescriçãodoobjetoanalisado.

Para interpretação dos dados e conceitos abordados, o estudo avança poruma vetorização simbólica, proposta por Oliveira (2011), que trabalha com oDiagrama de Articulação dos Vetores aos Santuários, dos quais um delesdireciona nossa análise. Escolhemos o vetor mediático-ecossistêmico paraestabelecerumaarticulaçãosimbólicaentreobjetoeespelho.

Os passos metodológicos aqui propostos apresentam uma descrição doobjeto,representado,comoemumaequação,pelavariável“x”(IgrejaUniversaldoReinodeDeus–TemploCentraldeFortaleza);edesuareflexãosimbólica,o“espelho”, reproduzido pela variável “y” (Centro Cultural Dragão do Mar deArte e Cultura – CCDM), como proposta racional e diagramado. O resultadodessarelação“xy”,representadapelavariável“z”,consideraosapontamentosea interpretação comunicacional equivalente ao espaço sagrado na vetorização

comoCCDM.

CONHECENDOOSCOMPONENTESANALÍTICOSNosso objeto de análise é a representação de um espaço sagrado

materializado pela Igreja Universal do Reino de Deus – Templo Central deFortaleza (IURD-TCF)1, que na presente cena se expõe como nosso “x”.UtilizamosadefiniçãodeespaçosagradopautadonosestudosdeEliade(1979),que mostra ser um espaço onde a hierofania se manifesta, um ponto fixo queirradia o sagrado. Este templo está localizado na Avenida Tristão Gonçalves,613,nocentrodacapitalcearense.ÉasedeestadualdainstituiçãonoestadodoCeará,ouseja,atuacomopontoadministrativode todasas igrejasda IURDnoestadodoCeará.

Figura1–FachadaprincipaldaIURD-TCF.

Fonte:SANTOSFILHO,25/02/2016.

O templo é uma das maiores construções de finalidade religiosa deFortaleza, tratando-se de capacidade. Segundo a empresa responsável pelaconstrução2, acomodam-se cerca de três mil pessoas sentadas, com ambienteclimatizado, iluminação de qualidade e ambiente acusticamente preparado paraisolardosruídosdaruaeamplificarosomdosequipamentosinternos,banheirosebebedourosparausogratuito,fraldárioparabebês,salasparacrianças,livraria,recepçãoeestacionamentopróprio,alémdeestarlocalizadoemumdospontosdemaior fluxo da cidade, uma vez que a Avenida Tristão Gonçalves é um dos

acessosqueligamaocentrodaurbee,portanto,rotadeváriaslinhasdeônibus,cujaparadafinalénasimediaçõesdotemplo.

Asualocalizaçãoéestratégicanacidade,poisestápróximodedoislugaresconhecidos da cidade: a Praça e o Teatro José de Alencar. A Praça José deAlencar é um dos locais históricos centrais da cidade e onde atualmente sereúnemmuitoscomerciantesambulanteseartistaspopulares.Umapartedapraçaseencontraemobras.Poroutrolado,TeatroJosédeAlencar,pontoturísticodocentrodacidade,destaca-senapaisagemdoCentro,umavezqueapresentapeçasteatraisepromoveestamodalidadecultural.

Suaposição tambéméprivilegiadadopontodevistacomercialporqueaoladodaIURD-TCFestãopontosdevendaspopulares.Umdeleséopopularmentechamado“BecodaPoeira”,áreaocupadaporcomerciantesdevestuário.Olocalondeseconcentravaméhojeaestaçãodemetrôcujonomeéomesmodapraça.Esse local é de grande fluxo de pessoas. Os comerciantes do Beco da Poeiraforamdeslocadosparaumgalpãocedidopelaprefeitura localizadonaAvenidadoImperador,paralelaàAvenidaTristãoGonçalves,ouseja,aindapróximodolocaloriginaleconsequentementepertodacatedral.

O temploda IURDnãoé somenteumagrandeedificação,mas tambémumgrande potencial simbólico para a cidade, pois representa uma das maioresigrejasneopentecostaisdoBrasil, sugeridaporProença(2006),comomarconareligiosidade brasileira. Segundo o IBGE (2010), somente em Fortaleza são44.384 pessoas que se denominam seguidoras da IURD, o que é um númeroconsiderável,mas talveznão representeonúmerodevisitantes ao templo, hajavista que a rotatividade de pessoas é elevada. Sua potencialidade simbólicatambémabarcapessoasnão fiéis à instituição,ou seja,pessoasquepassamemfrenteejáviramagrandiosidadedaconstrução.

O que focamos aqui é a dimensão simbólica do lugar. Defendemos que aIURD-TCFéumaformasimbólicaespacial,pois“asformassimbólicastornam-seespaciaisquandoestãodiretamentevinculadasaoespaço,constituindo-seemfixos e fluxos, isto é, localizações e itinerários, que são atributos primários da

espacialidade” (CORRÊA, 2012, p. 137). O templo é um fixo, no qual aespacialidadeporeleapresentadoécaptadopelapercepçãodequemovêouofrequenta como um local diferente dos demais, assim como também ocorre noCentro Dragão do Mar, uma vez que “a escala monumental e a arquiteturaarrojadadonovoedifícioatenderiamànecessidadedeprovermarcosidentitáriosparaapaisagemurbanadacidade”(GONDIM,2009,p.17).

No caso da IURD-TCF, a representatividade é presente para osfrequentadores sejam fiéis ou não. Para isto, reportamo-nos ao pensamento deMerleau-Ponty,aoentenderoespaçoapartirdeseucontatocomolugar,mediadopelocorpo,pois“ocorpoéumeunaturalecomoqueo sujeitodapercepção”(MERLEAU-PONTY,2006,p.278).Destemodo,éapercepçãodossujeitosquedimensiona o lugar como simbólico e, por conseguinte, no caso da IURD, umespaçosagrado.

Este contatoentre apessoaeo lugar,nocasoentreovisitante eo templotraduzumgraudeproximidadeexistenteentreeles.Ouentão,podemosafirmar,como Eric Dardel, que “entre o Homem e a Terra permanece e continua umaespéciedecumplicidadenoser”(DARDEL,2015,p.06). Istoé,o lugarsemainteraçãohumanaéapenasoespaçogeométrico,comodisseoautorcitado.Logo,ofocodopesquisadorquesedebruçapelavertentefenomenológicanaGeografiaé entender as interaçõesqueohomempercebedosobjetos e seus significados,configurandooespaçogeográfico.

Portanto,aIURD-TCFéumlugarondesímbolossãoelaboradosaquemnelafrequentaouentãoobserva,formandoumarelaçãosimbólica.Nestatramavemosqueali“oespaço,naperspectivadoespaçovivido,comojádito,é,basicamente,o conjunto de representações simbólicas” (OLIVEIRA, 2012, p. 144).Alémdeserumfatosocial,conformeDurkheim(2008)argumentaarespeitodareligião,otemplocentraldaIURDemFortalezaproporcionaumapossibilidadedeusoqueremeteaumvalorpatrimonialsimbólicoparaquemoutilizaeovivencia.

Sobre isto, podemos dizer que o espaço sagrado é também estrutural. Istoporque “podemos considerar um possível Espaço Sagrado como lócus da

manifestação (experiência) do sagrado ou como palco das práticas religiosas”(PEREIRA, 2014, p. 105). Seguindo esta alternativa, o “espaço sagrado éestrutural, pois o homem religioso define suas hierarquias qualitativasreveladoras de suas práticas religiosas, ao passo que o profano é apenasfuncional”(GILFILHO,2008,p.72).AspráticasadotadaspelogruporeligiosodaIURD-TCF,acrescentaàespacializaçãodotemploumareferênciaaosagrado.

Emcontraponto,paraumaampliaçãodacompreensãodoTemploCentraldaIURDdeFortaleza,elencamosumespaçoondeosusosremetemaumavivênciasimbólica,umavezquearelaçãodeidentidadecomolugarsedápormeiodasrepresentações que o lugar transparece aos visitantes. Este lugar é o CentroCulturalDragãodoMardeArteeCultura(CCDM)3, localizadonaRuaDragãodoMar, 81, Praia de Iracema, Fortaleza - CE. Localizado a 2.100 metros doTemplodaIURD,estelocaltambémarmazenaumagrandeconstruçãoquechamaatençãodosvisitantes, sejamda cidade, sejam turistas.Nele sãoorganizados eapresentadosvárioseventosculturais4.

OCCDMéum santuário cultural, onde asmanifestaçõesprogramadas sãoassociadasàsmanifestaçõeseusosdiversificadosporaquelesqueafrequentamcomoprojetodeumlugarparapráticasculturais.

No caso particular doDragão doMar amodernidade institucional proposta pelo projetopolítico em curso, o das “mudanças”, assumiria uma forma prática a partir damaterialização do objetivo de dotar Fortaleza de condições de desenvolvimento deprodutosculturaisede serviços,destinadosàcirculaçãoemníveldasexigênciasglobaisdequalidade.(SOUSA,2000,p.124).

As formas do centro cultural demonstram simbolismos que sãoexperienciadospordiferentestiposdepessoasquebuscamnaculturaelementosdeidentidade.

Figura2–JardimepartenortedoCentroCulturalDragãodoMar

Fonte:ORQUIDOFILOS.COM.Disponívelem:<http://www.orquidofilos.com/durante-tres-dias-o-dragao-do-mar-e-o-templo-das-orquideas-no-ceara>.Acessoem:27/09/2015.

Este espaço é compostopor salasdemuseus, de temáticas locais, comoosertãonordestino,ouabertoaexposiçõesdevariadosestilos.Alémdestassalas,hásalasdecinema,deteatroeaindaumplanetário,queporsuasformas,marcamocenáriocomoumlocaldemodernidade.Aindapossuiumjardim(Figura2)eáreas livres para comércio itinerante. Possui também uma parte com prédioshistóricos que funcionam como um parque de alimentação, compostos porrestaurantes e bares.As curvas arquitetônicasdo local são tambémumatrativopara os visitantes ao ponto de ser escolhido até como fundo de fotografias deformatura.

Destemodo, podemos traçar um paralelo entre este centro cultural com ocentro religioso representado pelo Templo Central da IURD em Fortaleza. Anossa pretensão é aplicar o esquema de vetorização estabelecida por Oliveira(2011,p.100-101)utilizandooobjetoeseuespelho,ounalinguagemmatemática,o domínio e sua imagem, numa relação de cumplicidade com os sujeitos. Eleelenca três vetores: Mítico-religioso, no qual corresponde “como a força querespondepela tradiçãocultural, do lugar eda festa.Neste sentidoéovetordebase, o primordial.”; Político-administrativo: “pode ser considerado como oprincipal demandante do planejamento territorial dos lugares simbólicos.”; eMediático-ecossistêmico,que“exploraosavançosdossistemastécnicosdeumaautomaçãopós-industrial”.

Osvetoressãoforçasquetencionamumaordemdesarticuladoradeumbem

patrimonial simbólico (OLIVEIRA, 2012), como é o caso da IURD-TCF e doCCDM. Os vetores articulam os contrapontos em pares para compreensãosimbólica(Figura3).

Figura3–DiagramadaArticulaçãodosVetoresaosSantuários

Fonte:OLIVEIRA,2011.

PartindododiscernimentoqueoTemploCentraldaIURDdeFortalezaéumlugarsimbólico,entendemosqueestesvetorespodemserarticuladosdemaneiraque o espelho aqui eleito, o CCDM, exerce claramente as peculiaridadesexistentesnosantuáriorepresentadopelaIgrejaUniversal.

Dentreosvetores,escolhemosovetormediático-ecossistêmico.Essevetor“estabilizaosvaloresna idealizaçãopós-modernadeummundounificadopelavisão holística das imagens; responde pela imagética da sustentabilidade umatotalidade mediadora que dispensa (virtualmente) os demais vetores”(OLIVEIRA, 2012, p. 34). Isto é, neste par vetorial os lugares simbólicosentendidosaquicomopatrimoniaisexercemnãosomenteuma força jurídica,noqualforamcriadosarealizarporseusidealizadores,mastambémumapropulsãodoimagináriodequemofrequenta,trazendoparaolugarnovaspráticaseusos.

Por este vetor, a imaginação dos sujeitos é promovida pela experiência,cujos símbolos se revelam nas relações entre sujeitos e lugar simbólico. NaspalavrasdeOliveira(2011):

O“patrimônio”dovetormediáticoécrialegítimadaimaginação;eleprecisasimabsorveraspráticas institucionaisdoplanejamento,advindasdeumacidadania (tãoestatalquantoeclesial),masnãopodeignorara inversãodosprocessosdevalorização.Estescadavez

menosdependentesdamaterialidadeorgânicadosmonumentos(naturaisouculturais)sãocadavezmaisassociadosaocultomediáticodosespetáculos(p.101).

Assim,procuramosrelacionaresteslugaresatravésdestadinâmicaeassimidentificarelementosquenosajudemacompreendercomooespaçosagradodaIURD-TCFpossuiumaarticulaçãovetorialcomumespelhocujoespaçoremetetambémaformassimbólicas.

RESULTADOSOelementoessencialqueafloraaimaginaçãoéafesta,oencontroquesedá

no espaço. Destarte, facultamos alguns elementos essenciais articulados pelovetor Mediático-Ecossistêmico relevante para nosso objeto, nos quaisestabelecemos pontes simbólicas de comunicação entre IURD-TCF e CCDM,comunicandooentendimentodoespaçosagradodaIgrejaUniversalpormeiodeumespelho simbólico, oCentroDragãodoMar, cuja demonstraçãoocorre porelementosdesimilaridadesentreobjetoeespelhoemmomentosdeencontro.

Primeiro temos a diversidade de usos. Nem todos que frequentam estesespaços, a IURD-TCF ou o CCDM, visam às práticas orquestradas pelosdirigentes.Algunsasutilizamapenasparaumpassatempoduranteodia, outrosusamparadescanso,umavezqueosespaçossãoconfortáveise receptivos.NocasodotemplocentraldaIURD,olocaléclimatizado,contrastandocomocalordas ruas doCentro.No caso doCCDM, a arquitetura aproveita a dinâmica deventos da área praiana para propiciar espaços ventilados e sombreados. Estefator chama a atenção e até convida à utilização destes espaços mesmo semassociá-losasuafunçãooriginal.

Em segundo lugar temos a centralidade. Os dois espaços ocupam locaisprivilegiadosdacidade,naprincipalzonacomercialdeFortaleza,oquefavoreceofluxodepessoaseseucontatocomosequipamentosemdestaque.Emambos,acentralidadeurbanaérevertidatambémparacentralidadereligiosaecultural.AIURD-TCF é uma centralidade simbólica para osmembros da instituição, pois

nela há serviços diferenciados e prontidão de atendimento. De igual modo, oCCDMforneceatividadeslúdicaseculturaisquepromovemumcentrodeatraçãode pessoas devido a serviços culturais, ineficazes ou inexistentes em outrospontosdacidade.

Terceiro,arelaçãoorganizadoresefrequentadores.Háumplanejamentodeuso destes espaços com fins especificamente delimitados, mas a vetorizaçãomediático-ecossistêmicaseapresentapormeiodainovaçãoimagináriaporpartedequemo frequenta.Senocasoda IURDháuma intenção religiosa,poroutrolado, os jovens o usam como “point”, lugar de encontro para, inclusive,atividadeslúdicas,ouaindaseutilizadolugarpara“terapias”contraalcoolismoeusosdeentorpecentes.OmesmovaleparaoCCDM,poisapesardolocalserdestinado à manifestação cultural, existe o uso da resistência, onde pessoasprocuram reivindicar novos usos, relaxar ou até mesmo flertar e enamorar, ouainda,comomencionadohápouco,comoplanodefundopaisagísticode turmasdeformatura.

Porúltimo,masnãoconclusivo,asacralidadeexistentenestesdoisespaços.A materialidade exercida pelo templo e pelo centro cultural, respectivamente,provocaumsentimentomísticonosfrequentadores,ondeseuscomportamentosseamoldam pela simbologia interpretada destes lugares simbólicos. Há umamanifestação mediada pela conformação simbólica (CASSIRER, 2001;PEREIRA, 2014) adotada pelos frequentadores destes espaços. Rituais sãopraticadosevalorizadosporestaremnestesespaços.Aencenaçãoserealizapormeiodepráticasespecíficaseoutrasinovadoras,masambasserevalorizamporaliseapresentarem.

Aindasobreesteponto,cabemencionaramonumentalidadedosdoislocais.Utilizamos aqui o termo como “tudo aquilo que o monumento transmite, nãoapenas como objeto material, mas também pelos valores e mensagens quecomunica”(SOARES,2013,p.78).Logo,amonumentalidadedaIURD-TCFnãoéestática,porissopodemosinclui-lanumaatividademidiática.Deigualmodo,oCCDM também exerce a monumentalidade, pois as formas modernas do local

remetemasignificadosdosmaisvariadoscaptadospelapercepçãodosusuários,ou como diz Gondim (2009, p. 17), “a ideia era criar marcos não somentemateriais,comosimbólicos”.Ainteraçãoentresujeitoseestesobjetosémaisdoqueum ritual socialmente construído,masuma relaçãodeconstante atuaçãodoimaginário, proporcionando uma sacralidade renovada por aqueles que usamestesespaços.

CONSIDERAÇÕESFINAISPortanto, compreende-se que a complexidade comunicacional do Templo

Central da Igreja Universal do Reino de Deus em Fortaleza, é inserida numcontexto de festividade simbólica articulada pelas formas simbólicas espaciaismaterializadas pelo templo. Entende-se que “a construção do espaço sagrado,empiricamente,acontecediantedaposseetransformaçãodeumespaçoprofano,eéumaproduçãointelectualquebuscasatisfazernecessidadespsicológicas,eemalgumas vezes mercadológicas” (OLIVEIRA e SOUZA, 2010, p. 8). Essatransformação ocorre simbolicamente pela comunicação articulada de símbolosintelectualmenteelaboradoseapresentadosemumespaçoritualmenteconstruído.

Esta comunicação se efetiva por meio da vetorização mediático-ecossistêmicaquecontribuiparaumaaproximaçãocomunicacionalentreosfiéise o lugar sagrado através de uma imaginação postulada por aqueles quefrequentamesteslugares,dandoaelesnovosusoseposturasdiantedoritualmenteapresentadopelosadministradores.

O CCDM reflete a contemporaneidade da sua conformação simbólica namonumentalidadedasformas.Estelocaléumespelhosimbólicoaonossoobjetoprimário (x) porque é um espaçomonumental criado para funções específicas,mas que a resistência imaginária dos frequentadores atribui novos usos esignificadosaosespaços,comotambémocorrecomaIURD-TCF.

Destemodo,oespaçoéumarticuladordarelaçãosagrado/profanoapartirdas vivências que as formas simbólicas transmitem e são captadas pela

percepção. O sagrado é vivido no contexto pós-moderno como serviços queatribuem prazer e bem-estar aos indivíduos, modelando-se ao gosto de seusfrequentadores, cujos espaços adquirem novos significados além do lócus dahierofania. O sagrado se apresenta como sinônimo de conforto, aconchego,atenção,vivênciadiferentedocotidiano.

Nesteínterim,oespaçosagrado,éolocaldestasarticulaçõespormeiodasformassimbólicasespaciais,mastambémfonteirradiadoradenovossignificadosao se viver este espaço. A IURD-TCF e o CCDM são espaços sagrados nomomentoemquealiseviveodiferentedocotidiano,nestecaso,oprofano,queorientaparaosagradoàmedidaqueasparticularidadesdasformascotidianasseacentuamna paisagempercebida pelos sujeitos que vivenciamos espaços aquicitados.

Apartirde seu“espelho simbólico”,oCentroCulturalDragãodoMardeArteeCultura,podemosinferirqueoespaçosagradodotemplocentraldaIgrejaUniversaldoReinodeDeusemFortalezaépermeadodesímbolosquearticulamcom o profano, de modo que essa articulação remete a uma comunicaçãosimbólicageradoradesignificadosligadosàidentidadedogrupo.

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1Siglaaserutilizadaporadiante.

2 Segundo a construtora responsável Fugita Engenharia. Disponível em:<http://novo.fujita.com.br/projetos/obras-institucionais/>.Acessoem:05/11/2015.

3Siglaaserutilizadaporadiante.

4“OCentroDragãodoMaréumespaçodestinadoaoencontrodaspessoas,aofomentoeàdifusãodaarte e da cultura” (INSTITUTO DRAGÃO DO MAR). Disponível em: <http://www.dragaodomar.org.br/espacos.php?pg=instituicao>.Acessoem05/11/2015.

OSORIONITASEAINTERFACECOMOTERRITÓRIOEOESPAÇODEREPRESENTAÇÃODOSAGRADONAREGIÃODOANTIGONORTEGOIANO

MIRIAMMENDESCOSTAUniversidadeFederaldoTocantins–UFT

[email protected]

INTRODUÇÃOPara entender como se deu a relação entre território e o espaço de

representaçãodosagradonoantigonortegoiano,sefaznecessáriotrazerà tonaelementosteóricosdessesconceitosparadarpistasparaoleitorsobreasbaseseconcepções que se pretende nortear o texto. Por isso, pode-se dizer que ascaracterísticas observadas nos lugares e presentes nos seres humanos, possuemmarcas constitutivas desse espaço e território, que no caso em questão passampeloâmbitodosagrado.

A partir dessa perspectiva, e tentando notar como esses elementos seentrecruzam,foramdelineadascaracterísticasquesepretendemdestacar,tomandocomobaseaconcepçãodequeoterritóriopossuidiferentescombinaçõesqueseencontram entre o material e o simbólico, além de entender que a partir dasrelações instituídas no território, desembocam suas territorialidades que seentrelaçam nas experiências vividas pelos grupos humanos em sua tentativa deperceberossentidosdascoisasedoslugaresnomundoqueocupam.

Alémdomais,pensaroespaçodosagradoapartirdestasdiscussõesé terem mente que essas interações constituem os sentidos necessários para acompreensãodequeosindivíduospossuemcaracterísticasparticularesmediadaspelarealidadesocialeporsuaspercepçõesmultifacetadas.Enaperspectivadeentendercomosedáesseprocessoforamutilizadasinvestigaçõesdocumentaise

entrevistascomumdosrepresentantesdosreligiososorionitas,alémdepessoasqueconviveramcomessesindivíduosdesdesuachegada.

A partir destes elementos teóricos e metodológicos se pensará sobre apresençadaCongregaçãoPequenaObradaDivinaProvidência,compostapelospadresorionitas,quecriaramesseespaçoderepresentaçãodosagradononortegoiano a partir de1950, congregandomecanismosde ação social que, alémdeofertar açõesde saúdee educaçãoauma regiãodoestadodesprovida, tambémestabeleceudomínioecontrolepeloviésreligioso.

UM OLHAR PARA O TERRITÓRIO, A TERRITORIALIDADE E OESPAÇODOSAGRADO

Para traçara relaçãoentre território, religiãoeoespaçode representaçãodo sagrado se faz necessário discorrer um pouco sobre o que se compreendedesses conceitos, pois é pertinente ter emmente um fio condutor no intuito deperceber esses elementosdentrodessadiscussão.Sendoassim, é indispensávelobservarquenasconcepçõessobreterritório,religiãoeespaçoderepresentaçãoas propriedades que configuram essas concepções estão além das produçõesconcretas,poispertencemtantoaocampomaterialquantoaocamposimbólico.

Refletirsobreasconcepçõesdeterritórionãoépropriamenteditaumatarefasimples de ser exercida, pelo fato de que vários pensadores da Geografia,destacando-se aqueles do campo cultural, ou de outras e diversas áreas doconhecimentodiscorreremsobreessa temática,queéparticularmentecomplexa,pois traz elementos que fazem parte da constituição humana e social. Ascaracterísticasquesepretendedestacar, tomamcomobaseemprimeiroplanoaideia de que não há território sem uma trama de relações sociais, onde seacontecemasinteraçõesdosindivíduosquedelefazemparte,poisoterritórioéum lugar substantivado por essas relações ou territorialidades e é constituídohistóricaegeograficamente(SAQUET,2007).

Doterritórioobserva-seentãoadiscussãosobreterritorialidadequeprocura

entenderosmovimentoseelementosdesseprocesso,alémdaarticulaçãodosdoisconceitos que estão relacionados também ao espaço da representação, onde seprocessamasinterlocuçõesentreorealeosimbólico.

Os territórios se configuram em processos de territorialização que definem um terrenodelimitado, mas precisam também de processos de espacialização, que na experiênciavivida ilimitada, configuramas características da formaçãodo território, e nãoo próprioterritório.(SERPA,2008,p.49).

Pensar o espaço a partir destas discussões é uma maneira de procurarinteragiratravésdosaspectosquepercebemosnomundoeaquelesquenãosãoperceptíveis no âmbito concreto da relação social, projetando para além dessacategoriaaquiloqueestáintrínseconessarelação,jáquesepodemencionarquenaformaçãosocialnãosetemapenasoconcreto.Alémdomais,oselementosquerepresentamossereshumanosequesãopertencentesasuaespacializaçãonessemeioondeacontecemasinterações,fazempartedasconstituiçõessimbólicasdosindivíduos.

Esse processo simbólico nasce das experiências vividas pelos gruposhumanosemsuatentativadeentendercomosedãoossentidosdascoisasedoslugares no mundo que ocupam, criando elementos que possam servir derepresentaçãono tempo e no espaço, e quegeramos sentidosnecessários paraque se dê a compreensão de que os indivíduos por mais que possuamperspectivas particulares, estão mediados pela realidade social e por suaspercepçõesecaracterísticasmultifacetadas.

Distinguir esses elementos enunciadores, se mostra relevante para pensarqueelesexistemecongregamaconcepçãodeespaçocomomeioparaentenderolugardemanifestaçãodossujeitoseamaneiracomoelesseachamrepresentados,pois“oespaçofrequentadopeloshomensjamaisselimitaaoespaçodesnudadopela observação” (CLAVAL, 2014, p. 148), pois nele congregam ascaracterísticas do grupo social, a forma como interagem com o local onde seestabelecem,alémdasrepresentaçõessimbólicasqueseencontramdinamizadasnesseprocessodeinteraçãocomomeioecomosoutrossereshumanos.

Assim,comoasrepresentações,oespaçoeotempotambémsãoconstruçõesque sedãoapartirdas interações sociais,por isso, se torna interessante trazerpara a discussão uma concepção de espaço que esteja relacionada a umacategoria conceitual e uma noção de símbolos de poder que permitam essainteração,naqualoprocessodesignificaçãoseestabeleceatravésdaproduçãomaterialou imaterialdos indivíduosemconexãounscomosoutrosatravésdasexperiênciassociais.ComonosfazcompreenderapartirdaanálisedeSchimid(2012):

Por conseguinte, espaço e tempo não existem de forma universal. Como eles sãoproduzidos socialmente, só podem ser compreendidos no contexto de uma sociedadeespecífica. Dessa forma, espaço e tempo não são apenas relacionais, masfundamentalmente históricos. Isso demanda uma análise capaz de considerar asconstelaçõessociais,relaçõesdepodereconflitosrelevantesemcadasituação(p.91).

Pensandooespaçocomoelementopertencenteaestacategoria,eestendendoessapercepçãoparaocampodosagrado,pode-sedizerqueeleéconstituintedosespaçosconcebidospelossereshumanosnosquaissemanifestaeseconcebeomundo, partindo das elaborações discutidas emGil Filho (2002) quemencionaque:

O espaço de representação refere-se a uma instância da experiência da espacialidadeoriginária na contextualização do sujeito [...] trata-se de um espaço simbólico queperpassaoespaçovisívelenosprojetanomundo.Destamaneira,articula-seaoespaçodapráticasocialedesuamaterialidadeimediata(p.55).

Amaterialidadenãoseesgotaemsimesma,porquedelafazemparteoutroselementos que constituem o espaço e os sujeitos, podendo então ser nomeadacomo simbólica. As características ou representações simbólicas estãoentremeadas no processo de construção material, mostrando que tanto umelemento quanto outro não existe por si ou em si mesmo, existe a partir dasrelações que os seres humanos estabelecem, requerendo assim uma cuidadosaobservaçãojáquenãopodesernomeadaapenascomoparteconstitutivaconcreta,por isso discutir a materialidade como elemento não concreto, faz parte da

concepçãodequeasconfiguraçõesqueseapresentamnoespaçosãoresultantesde elementos simbólicos, melhor dizendo, tanto um aspecto como o outro sãointerdependentes.Nãoexisteoespaçosemarepresentaçãoconcretaenemmesmosemarepresentaçãosimbólica.

Umadasmaneirasparasediscutiresseprocessopartedoespaçosagrado,quetemsuasvertentesnascidasnaGeografiadaReligião,aqualprocuraentendercomo o “[...] espaço não é um objeto em si, mas sim uma modalidade, umesquematismo da própria representação” (KOZEL; SILVA; GIL FILHO, 2007,p.214)equeestáinseridanasrepresentaçõessociais.

Tentar entender essa manifestação dos seres humanos através do espaçosagrado constituído nas diversas relações requer um olhar voltado para aconstituiçãodosespaçosnarepresentaçãosimbólica,poisnãosepodeperderdevista que estas concepções podem tornar-se claras para os indivíduos que sedebruçamemseusquestionamentos,masnãoestãodissociadasparaamaioriadossujeitos sociais, para os quais não se estabelece divisão entre o material esimbólico,jáquesepercebemrepresentadosatravésdoâmbitoreligiosodessascategorias:

Pensando-o como um lugar de manifestação ou como uma configuração espacial, oespaçosagradopodeserumconceitopolivalentenasabordagensdageografiadareligião;alcançando, muitas vezes, status de categoria de análise. Para uma aproximação maisnítidadestaferramentaconceitual,bemcomoumpréviovislumbredosviesesdistintosdageografia da religião brasileira, propomos abordar mais detidamente duas diferentesdefinições do referido conceito/categoria: como lócus material e como conformaçãosimbólica.(PEREIRA;GILFILHO,2012,p.38).

A religião nesse contexto poderá ser utilizada para se pensar o sagrado apartir da materialidade observada no meio, já que os locais são reflexos dosgrupos humanos e de suas concepções e perspectivas, dentre elas o espaço noqual esses seres atuam e articulam suas formas de vida e suas concepçõessimbólicas, permeando essas localidades de significados que representam omundoquesesustentaaomesmotempocomoelementodeconcretização,pois“oespaçosagradotambémpodesersituadoentreoespaçosensíveldeexpressõese

oespaçoderepresentações”(KOZEL;SILVA;GILFILHO,2007,p.215).Dentro dessa concepção passa a se pensar o aspecto do sagrado como

elemento chave que permeia a relação dos seres humanos com as dimensõesconcretasesimbólicasqueemergemdesuarelaçãocomlugares,comoespaço,com as experiências vividas, ou mesmo com os conhecimentos obtidos naconstruçãodesentidodessesconceitoscomomundoondeeleexisteemostrasuamaterialidade.

No espaço do sagrado que se dá a partir do aspecto religioso, busca-seentender as representações acerca da existência humana, configurada nasexpressõesreligiosasenapercepçãodossímbolosquefiguramaconstruçãodomundo, conformemencionaGil Filho (2007, p. 219apud KOZEL; SILVA;GILFILHO,2007):“[...]própriodomundodapercepção,oespaçosagradoapresentamarcas distintivas da religião conferindo-lhe as singularidades peculiares aosmundosreligiosos”.

Sendoassim,énecessáriodiscutirasestruturasdopensamentoreligiosonomesmoâmbitoemquesepensaasestruturasdosoutrosaspectosdavidahumana,nosentidodequeelassãopermeáveisàsmudançascomoquaisqueroutrasáreas,poissãoconstituídasapartirdoqueosgruposhumanosse revelameentendemcomo sendo resultado de suas concepções simbólicas, muda-se o serconsequentementesuasformasdeperceberomundoeoseuentorno.

Os tempos são construídos pelos discursos que se apresentam na realidade cotidiana,provocando as rupturas qualitativas nas quais discernimos o sagrado. Desse modo, otemposagradoestáligadoaocontextodasaçõessimbólicasarticuladasàsdimensõesdeimanênciaetranscendência.Sãotambémmetáforasestruturadasquereúnemaspessoasnaspráticasrituaisreligiosos.(GILFILHO,2008,p.70).

Entender essa característica dinâmica sobre a espacialidade do sagrado éumaformadeestaratentoaestapercepçãodomundo,poisosagradosecomunicademaneiramaispróximacomosconceitosdecaráter intelectualouconceitual,ondesedáoprocessodeconexãoentreosujeitoeseuespaçoderealização,noqualensejaelementosatravésdasrepresentaçõesconcretasousimbólicas.

Esse processo pode ser demonstrado através da territorialidade,característica espaço-temporal que se dá a partir das relações observadas nasdiversas instâncias da vida humana, nas quais os aspectos da representação dosagrado se fazem presentes nas várias estruturas que compõem o seu sistemasimbólico, e este relaciona-se comas concepções de poder onde se comungamaspectos de pensamento que são exercidos na prática, mas nem semprereconhecidospelogrupoqueexerceouporaquelequefazpartedesteexercíciodepoder.

Dessaforma,arelaçãodepoderseinserecomoelementoexistentedentroefora do âmbito religioso, pois através desse sentido se procura entender comouma parcela do grupo social incorpora os elementos simbólicos a partir darelaçãoqueseestabelece,onde“areligiãoéaautoridadeconsagradae,porisso,legítima [...] essa transferência da práxis religiosa para a norma consagradapossibilita à religião ser legitimadora de um estilo de vida específico” (GILFILHO,2008,p.53).

OSORIONITASEAINTERFACETERRITORIALTomando como base os aspectos mencionados sobre território,

territorialidadeeespaçoderepresentaçãodosagrado,trazemosparaadiscussãoapresençadospadresorionitasnoantigonortegoiano,atualestadodoTocantins,apartirdadécadade1950,poisaaçãodestessujeitosprovocaumanecessidadede entender se a partir da vinda desse grupo e da atuação que exerceram econtinuamadesempenhar,seestabeleceuumterritórioorionitanaregião.Nessesentido busca-se discutir também o processo de territorialidade do sagradoatravésdascaracterísticasquefizerampartedaapropriaçãomaterialesimbólicadessegrupofeitaatravésdoviésreligiosoedasaçõesexercidasnaáreadasaúdeeeducação.

Os padres conhecidos como orionitas, foram os principais religiososcatólicosquevieramem1950paraonortegoiano.Talregião,em1988,adquiriu

autonomia política-administrativa com a criação do estado doTocantins. Essesrepresentantes da IgrejaCatólica se deslocaramda Itália no anode 1913, paradiversaspartes,notadamenteparaaregiãonortedoBrasil,oprocessosedeuapartir da metade do século XX, depois da criação do governo provincial daCongregaçãoOrionitanoBrasil.

Eles são pertencentes à chamada “PequenaObra da Divina Providência”,fundadaem1893,naregiãonortedaItáliapelopadreLuísOrioneeavindaparaestalocalidade,foiparaatenderàsolicitaçãodaSantaSé,conformemencionadono relatodeumdosprimeirosorionitas,PadreCorazza (2016),quemencionouemseuscomentáriosqueaIgrejapercebeuanecessidadedeocuparosespaçosterritoriais, “terras muito férteis, bosques sem fim, regiões desabitadas”(TONINI,1989,p.19)esimbólicosnaregiãonortedoBrasil,jáquenestaregiãoaindaeratímidaapresença,defato,católica.

Refletirsobreessegrupode indivíduoselencandocomoumadasbasesdotrabalhoas reminiscências tomadasdamemóriadeumdospadresorionitas, foium exercício interessante, pois através do uso dos elementos daHistóriaOral,abriu-se um leque de possibilidades para a descoberta de dados que não estãopresentes em outras fontes de pesquisa. Além do mais, trouxe outrasparticularidades, pois exigiu um exercício interdisciplinar próprio desta área,pois “[...] é um método que sempre foi essencialmente interdisciplinar, umcaminho cruzado entre sociólogos, antropólogos, historiadores, estudantes deliteraturaecultura,eassimpordiante”(THOMPSON,2000,p.10).

As escritas deixadas do período da chegada do orionitas na região nortegoiana, juntamente comas entrevistas utilizadaspara este artigomostraramqueesse conjunto de elementos se tornam vivos a cada nova busca e investigação,poismesmoquesurjamnovasdúvidasequestionamentos,éinteressanteobservarcomo todo esse processo é vivo e dinâmico, e como suscita novas reflexões apartir dos elementos da narrativa e da ligação comos conhecimentos ao longodesseprocessonumatentativadeexercitaresseconhecimentoqueéreconstruídoacadanovomaterialproduzido,poisque“aevidênciaoralpodeconseguiralgo

mais penetrante e mais fundamental para a história. [...] transformando os‘objetos’deestudoem‘sujeitos’”(THOMPSON,1992,p.137).

Além desse exercício estabelecido com asmemórias dos indivíduos e noprocessodeseentenderaconcepçãodiscutidaapartirdasconcepçõeseescritosdeixados pelos orionitas, se fez necessário voltar um pouco no tempo, pois aideia de “ocupar” essas localidades nasceu ao longo do século XIX, e esteveatrelada à preocupação, cada vez mais presente dos católicos com asecularização brasileira e com o pluralismo religioso que enxergavam como“ameaças”aopoderconstituídodaIgrejaCatólica.

Estas“ameaças”ganhamsentido,sobretudoseconsiderarmosofatodequenoiníciodoséculoXX,sobretudonoanode1911,sedeuainstalaçãodaIgrejaAssembleiadeDeusemBelém(PA)porGunnarVingreneDanielBerg,vindosdosEstadosUnidos.Noinício,os jovenssuecoscongregaramnaIgrejaBatista,mas logo se separaram e fundaram a Igreja “Missão de Fé Apostólica” quesomente em 1917 teria seu nome alterado para Igreja Assembleia de Deus(FRESTON,1996apudRODRIGUESeCOSTA,2016,p.47).

SegundoRodrigues(2003,p.82),“aigrejaAssembleiadeDeusseinstalouemBelém,noPará,seexpandindorapidamentepelosestadosdaregiãonortedopaís. Nesses, o protestantismo chegou a se reduzir a essa denominação”. Istoporque,aolongode40anos,asigrejasAssembleiadeDeus(PA)eCongregaçãoCristã no Brasil (SP) atuaram como que exclusivas no campo protestante emvirtudedofatodequeoutrasigrejasvindasdoexterior(IgrejadeDeus)ououtrascomo a Igreja de Cristo (cisma daAssembleia deDeus) não possuíam grandeexpressãonasociedade(RODRIGUES,2003,p.82).

Tendocomopanodefundoopanoramaderecatolizarapopulação,ocuparou se fazer presente nos estados do norte do país tornou-se uma estratégia daIgreja Católica como forma de predominar seu domínio territorial e religiososobrea região.Nessecontextoospadresorionitas sedeslocaramparaoantigonortegoianodoBrasil, imbuídosemcombateroutrasconcepçõesreligiosasnoslocais onde se instalassem, utilizandopara isso recursos como a construçãode

escolas, unidadesde saúde e igrejas, no intuitode atender àsnecessidadesquejulgavambásicasparapopulaçãoqueestavadesassistidapelopoderpúblico.

NaconcepçãodaNovaCristandade a IgrejaCatólica considera-se uma força espiritualque está acima do Estado. Os prelados por sua vez, consideram-se representantes dopapa e, portanto, de Jesus Cristo. Sentem-se assim, responsáveis na transformação doBrasilemumpaís tipicamente (sic)católico.Tomaforçanesseperíodoo ‘combate’aosprotestanteseaosespíritasprincipalmente,sendoesteosalvosprincipaisdaspastoraisdosbisposedeoutrosescritoscatólicos.(PEQUENAOBRADADIVINAPROVIDÊNCIA,2001,p.33).

As missões foram pensadas para regiões do Brasil como forma de seadentrar e sanearas localidadesqueviviamdistantesdasáreaspensadascomocentrais, onde se observavam “[...] condições ‘primitivas’ de existência: semescolas, sem estradas, sem polícia, sem cuidados médicos, nem higiênicos”(CAIXETA,2014,p.27)enasquaisosmissionáriostinhamointuitodesalvarasalmas e os corpos dos indivíduos, vistos como desguarnecidos das condiçõesprimáriasdevida.

Os orionitas, grupo que se adentra ao norte goiano, trazem um olhar“europeizante” para transformar a região com o trabalho que exerceram nesseterritório, deixando de levar em consideração, as características e crençaspopularesencontradas,massubmetendoaspopulaçõesàsconcepçõesqueemseuolhar,eramnecessáriasparaatenderàpopulaçãoemsuascarências.

ORIONITASEOPODERSIMBÓLICONOESPAÇODOSAGRADOComaperspectivadeatividadesdiferenciadasdasqueexerciamnaregião

italianadeorigeme“cheiosdeentusiasmochegaramosprimeirosmissionáriosorioninosaoNortedeGoiás,pelametadedejaneirode1952”(TONINI,1959)ecomo parte das estratégias pensadas em relação ao Brasil. Além disso, estachegadasignificavaumarespostaaoconvitefeitopeloPapaPioXIIparaqueaPequenaObradaDivinaProvidênciapudesseconstruirsuasunidadesemlocaisinterioranosefazerfrenteàcrescenteinfluênciadegruposprotestantes,espíritas,entre outros cultos religiosos, pois “[...] continuava ainda vivo o empenho da

Igreja em catequisar os fiéis procurando superar as formas de religiosidadepopulartãoaoagradodoestilotradicionallusitanoeeliminarasinfluênciasdoscultos de origem africana e indígena” (PEQUENA OBRA DA DIVINAPROVIDÊNCIA,2003,p.58).

No período que se seguiu à chegada dos primeiros padres orionitas, aCongregação empenhou em estimular outros religiosos para virem trabalhar namissãodonortedoBrasil,utilizandocomoelementomotivadoro fatodequeofundadorsepreocupavacomapopulaçãomaiscarente,enessecasoespecífico,demonstravaagrandecarênciaqueseapresentavaparaessapopulaçãotantodeordemeconômica,educacionaloureligiosa.

Asprimeirasprovidências tomadaspelospadresquevieramparaoantigonortegoiano, foi conheceras localidadesquepertenciamaos limitesdamissãoorionita, uma maneira de mostrar que estavam presentes naquelas regiões etambémumaformadeentenderamaneirapelaqualpoderiamdarmaterialidadeàpresença destes religiosos nos locais que estavam sob a responsabilidade e amaneiraencontradaporestescomoporoutrosgruposfoiatravésdasdesobrigas1.

Asdesobrigaseramvisitasfeitasporestesreligiososempontosestratégicosdamissãoutilizandoanimaisdecarga.Estetrabalhodemandavagrandesperíodosde viagem, podendo durar meses para que pudessem atingir o maior númeropossível de pessoas e locais, nos quais eram realizados missas, confissões,casamentos,batizadosecatequese.Contavamcomoapoiodeproprietáriosruraisda região que sediavam em suas fazendas ou sítios essas atividades, além decolaborarcomaanteriordivulgaçãodoperíodoqueaconteceriaadesobrigaemsuapropriedade.

Os primeiros contatos estabelecidos na região contribuíram para que osorionitas pudessem entender de que forma os espaços materiais e simbólicospoderiamserconstituídos,poissetinhaemmenteanecessidadededarsentidoàvinda desse grupo para a região e este sentido também deveria ser percebidopelosgrupossociaisqueali estavamestabelecidos, jáque“[...]oshomensnãopodem,entretanto,viversemdarsentidoàquiloqueoscerca”(CLAVAL,2014,p.

299).Avindadosorionitasalémdeserumfatorestratégicocomofoimencionado,

tambémmostrou como o poder simbólico da Igreja Católica se fazia presentenesta localidade tãodistantedosconsideradoscentrosdopaís comoas regiõesSuleSudeste.Portanto,mesmocomumapresençafísicapoucosignificativaatéavindadessegrupodereligiosos,achegadanaregiãodemonstrouumamudançanaperspectivadosmoradores,principalmentedoscatólicos.

Um dos exemplos que se pode citar está relacionado a um diálogoreproduzido oralmente nas entrevistas obtidas com o padreCORAZZA (2016),alémdeserumtrechomencionadono livrodesuaautorianoqualdescreveumdosembatesocorridosentreestepadreeumpastordaIgrejaBatista,sediadanaregiãoequesegundosuadescriçãoiniciaumconflitoaorealizaremfrenteàcasaparoquialdacidadedeFiladélfiaumcultocomoformadeprovocaçãoàchegadadesserepresentantecatólico.

Derepente,numatardededomingo,osBatistascomeçaramumclamorosoculto(sic)nafrente do casebre do padre. Terminando o culto o pároco (sic) aproximou-se do pastor(sic) propondo respeito recíproco. Este começou a berrar “O Brasil é nosso”. Estousabendo – respondi-lhe.” O Brasil é representado por sessenta milhões dehabitantes. Em termos religiosos, noventa por cento deles são católicos”.(CORAZZA,2000,p.36).

A partir desse exemplo pode-se refletir como as relações de podersimbólicoestão imbuídasecomo foramo“panode fundo”paraentenderessasconcepçõeseasorganizaçõesdo territórioedarepresentaçãodosagradonumalocalidadetãodispersaterritorialmente,masquemostracomoesseelementoestátão próximo e presente no cotidiano, nas relações humanas, na concepçãoreligiosa, entendendo que “o poder simbólico é um poder de construção darealidadequetendeaestabelecerumaordemgnosiológica:osentidoimediatodomundo [...]” (BOURDIEU,1989, p.9). Essas relações de poder podem serexpressas das mais variadas formas como resultado do poder econômico, dopoderestatal,dopoderreligioso,enfim,podemserfrutoderelaçõesadvindasdaprática de alguma forma de dominação exercida e que é notável quando se

exprimenavidaprática.Essasrelaçõesestatais,religiosaseeconômicasfizerampartedarealidade

dosorionitas,poisdesdeavindadessegrupoparaaregião,jáestavaimbuídaaideia de se atender às expectativas de grupos dominantes, um deles o próprioEstado brasileiro que se mostrava interessado em conhecer com detalhes aslocalidades do Brasil por onde ainda não se tinha conseguido adentrar com amesmacapacidadedasregiõescentraisdopaís.

Os orionitas fizeram o trabalho missionário para o qual haviam sidodesignadoseseexpandiramporoutraslocalidadesdaregiãoqueconstituíamatéentão o norte do Estado de Goiás, no intuito de dar corpo e presença dessesreligiosos católicos, utilizando para isso as atividades que irão delinear amaneira como planejavam o apoderamento dessa região com a construção deescolas, capelas, igrejas, espaços de recreação e saúde em várias cidades porondepassaram.

Alémdosexemploscitadosedeoutras interferênciasquecolaboraramnasproduções espaciais, pode-se tambémmencionar aquelas ocorridas nas cidadesde:a)Tocantinópolis,ondefoiabertaumaescolaprimária,umpostodesaúdeelocaisparaatividadesesportivas;b)emItaguatins,naconstruçãodeumaescolaparoquial; c) em Babaçulândia, na organização de cursos para socorristas quepudessem ter conhecimentos nos cuidados com doentes da região; d) emFiladélfia,napreocupaçãovoltadaparaaescola,paraoambulatórioeoscursosdecorteecostura.

Outra forma utilizada par darmaterialidade ao que estava sendo propostoparaa região tomoucorpoapartirda instituiçãodaPrelaziadeTocantinópolisem1954,e tambémapósadivisãodamissãoorionitaemduas regiões:norteesul.

Na parte norte damissão estavam congregadas como principais locais ascidadesdeTocantinópolis,Araguatinse Itaguatinsenaparte sulas localidadesconhecidas hoje como Babaçulândia, Araguaína e Filadélfia. O intuito dessamudança estava atrelado à preocupação em facilitar os trabalhos que estavam

sendo realizados, se preparar para o crescimento das atividades, entender ainserção desse grupo na região norte do estado de Goiás e dar celeridade aoprocessodeconstruçãodarepresentaçãodosagrado.

Mapa1–Divisãodamissãoorionitanadécadade1950

Fonte:IBGE,2010.

Nãoédeseestranharqueapartirdesseperíodo,oqueseobservoufoiquenum curto espaço de tempo, de pouco mais de uma década, uma crescenteinserçãodosreligiososorionitasemváriasfrentesdeatuaçãocolaborandocomaconstruçãode temploscatólicos,passandopela instituiçãode seminários, casasdesaúde,escolasparoquiais,ginásio,colégio,quadrasesportivas,umleprosárioeumpequenohospitalemFiladélfia.

Nessa regiãoacontecerammuitosembates religiososentreosorionitas e apopulaçãonotocanteàspráticaspopularesdosagrado,poisosaneamentonãoeraapenas na área da saúde, mas também mostrar como o sagrado deveria serconstituído e assim passam a ter maior importância no cenário, pois ganhammaiordestaquereligioso,consequentemente,político,econômicoesocial.

Aparticipaçãodospadresorionitasnavidadessalocalidadecontribuiuparaquecadavezmaiselessetornassemfigurasrepresentativasdepoderlocal,poisatuaramemfrentesqueestavamdesguarnecidasdapresençadoEstado,comonasáreasdasaúdeeeducação,primordialmente.Noentanto,paraleloaestaatuaçãotambém se percebe o exercício do poder simbólico através das atividadesparoquiais e de catequese desenvolvidas a partir das orientações próprias da

Igreja Católica, já que não se pode perder de vista que, um dos elementosprimordiais para que as ordens religiosas ocupassem essas regiões eram aspreocupaçõesemreconquistarosfiéiscatólicos.

Quandosequestionasobreapresençadessesreligiososumadasprincipaisrelaçõesque foramfeitasestá ligadaàatuaçãonaáreadaeducaçãoedasaúdecomomencionou o Senhor Teodorico,morador da cidade deAnanás2, com 67anos,aoserentrevistadoemoutubrode2006,numavisitaquefoifeitaaalgumascidadesporondeosreligiososatuaramnavindaparaamissãononortegoiano,queestásendonomeadonessetrabalhocomoáreadeterritorialização.SegundooSenhorTeodorico,“primeiroaeducação,oatendimentonaquestãodasaúde,poistinhaumpronto-socorroaqui,ondetinhaumairmãenfermeira.TraziamreligiososdaItáliapradaratendimentoàspessoas(COSTA,2006)”.

Essasatividadesforamessenciaisparaqueosreligiosospudessemseinserirnaregião,poismesmotrazendoconsigoumaconcepçãodominantedopensamentocristão católico, tiveram a necessidade de se aproximar das pessoas quecompunham a região através do entendimento de como se estabeleceram suasconcepções do sagrado, atuando de forma bem próxima através da ocupaçãoterritorialesimbólicaestabelecidaemsuaconcepçãoinicial.

Nesse sentido, foi necessário pensar nas áreas e nas formas de atuaçãoatravésderecursosquepudessemfazercomqueapopulaçãoospercebessemaispróximos e atuantes, propriamente dito, por isso tomam como lema que emqualquerdaslocalidadesporondepudessempassardeveriamconstruirumpostode saúde, uma escola e uma igreja para fazer frente tanto no aspecto materialcomo simbólico da população que estava sendo atendida pelos religiososorionitas.

CONSIDERAÇÕESFINAISO intuito desse artigo foi construir uma análise sobre a representação do

sagradoapartirdaocupaçãoterritorialexercidapelospadresorionitasnaregião

doantigonortegoiano,noperíodoentre1950e1970,utilizandoelementossobreadiscussãodeterritórioe territorialidadeparacomporessadiscussão,alémdefragmentos da História Oral para embasar as análises das entrevistas e dosescritosorionitasutilizadosparaentenderesseprocesso.

A concepção de territorialidade e do espaço de representação do sagradopode serobservadaaoanalisaras tomadasdedecisãodospadresorionitasemrelaçãoàsatividadesqueforamdesenvolvidasnessaregiãonoaspectoreligioso,educacional e da saúde, já que desde sua chegada e nos lugares onde seestabeleceram foram sendo construídas capelas, postos de saúde e escolas,formandootripénoqualestabeleceramasuainserçãonessaregião.

Avindadosorionitasalémdeserumfatorestratégicocomofoimencionado,tambémmostrou como o poder simbólico da Igreja Católica se fazia presentenesta localidade tãodistantedosconsideradoscentrosdopaís comoas regiõesSuleSudeste.Portanto,mesmocomumapresençafísicapoucosignificativaatéavindadessegrupodereligiosos,achegadanaregiãodemonstrouumamudançanaperspectivadosmoradores,principalmentedosqueseacreditavamcatólicos.

Aparticipaçãodospadresorionitasnavidadessalocalidadecontribuiuparaquecadavezmaiselessetornassemfigurasrepresentativasdepoderlocal,poisatuaramemfrentesqueestavamdesguarnecidasdapresençadoEstado,comonasáreasdasaúdeeeducação,primordialmente.Noentanto,paraleloaestaatuaçãotambém se percebe o exercício do poder simbólico através das atividadesparoquiais e de catequese desenvolvidas a partir das orientações próprias daIgreja Católica, já que não se pode perder de vista que, um dos elementosprimordiaisparaqueasordensreligiosasocupassemasregiõesmaisdistantesdocentro-suldoBrasil,eramaspreocupaçõesemreconquistarosfiéisqueestavamnessaregião.

A partir desse intenso desenvolvimento e tendo como base a análise daregião do antigo norte goiano, pode-se dizer que na atualidade se observaelementos da paisagem e das características simbólicas e sociais comoresultantes da influência e da presença dos padres orionitas, pois além do

destaque em diversas áreas de atuação como a educação na qual atuam emcreches, escolas e faculdades, verifica-se também atuação na saúde através daconstrução e gestão do principal hospital da região; e na área da assistênciasocialcomacasadealbergadosecasadeidosos;enasdezenasdecomunidadesreligiosasgerenciadasporestegrupo.

As construções e atividades nas quais se observa a atuação dos orionitas,sãoresultantesdetodoumprocessohistóricoquecontribuiuparaqueessegrupose tornasse conhecido na região. O nome “Orione” estampa ambientes,logradouros, capelas, bairros, praças, além de estar relacionado a váriasconstruções que podem ser observadas em várias localidades do antigo nortegoiano,hojeTocantins,mostrandodessaformacomoumgrupoexpressaasaçõesnumdeterminadoespaço,numuniversoqueconstituiopresente,masquetambémseconstituidopassado.

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1A“desobriga”éumaviagemmissionáriaqueosacerdotefazumaoumaisvezesaoano,nointeriordesuaparóquia,paradaraopovopobreequehabitamuitodistantedaigrejaapossibilidadederecebertodosossacramentos.(TONINI,1959,p.32)

2 Durante os trabalhos realizados em 2006 para um levantamento de informações, documentações,fotografias e entrevistas sobre os orionitas foram visitadas várias cidades por onde os padres orionitastrabalharamnaregiãodoantigonortegoiano,hojeTocantins,noiníciodadécadade1950.AcidadedeAnanásfazpartedeumoutromomento,figurandopelofinaldadécadade1960,porisso,nãoconstanomapeamentoinicial.(Informaçãodaautoraeparticipantedapesquisanoperíodocitado)

ESPACIALIDADESDAUMBANDAEMFORTALEZA(CE):PERFORMANCESDEAPROPRIAÇÃODACIDADE

ILAINADAMASCENOUniversidadedoEstadodoRiodejaneiro

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INTRODUÇÃOEm Fortaleza-CE, um dos grupos que reivindica direito à cidade são as

comunidades de terreiros de umbanda. Estas de maneira individualizada ouorganizadasemassociaçõeslutampelaapropriaçãoepermanêncianacidade.Apresença no espaço urbano, caracterizada pela possibilidade de ser visto ereconhecidocomosujeitodedireito,efetiva-sepelafalaepelaaçãopúblicasnasquaisoritualreligiosoeaperformancepolíticaserelacionam(PEREIRA,2015).

Historicamente,asacusaçõesde“charlatanismoemagianegra”expulsavamasreligiõesafro-brasileirasparaasperiferias,impossibilitandosuapresençanasáreas centrais da cidade.Atualmente, disputas entre empresários e umbandistaspelo uso de espaços litorâneos – anteriormente ignorados pelo mercadoimobiliário– se fazemcadavezmaispresentes.Este trabalho,portanto, colocaem evidência as performances políticas da umbanda, em especial a Festa deIemanjá, como experiência de transgressão de normas e ordens urbanashegemônicas.

Para obter descrições da Festa de Iemanjá em Fortaleza foram coletadasinformações em jornais de circulação diária para observar como a homenagemera representada – Gazeta de Notícias, Unitário, Correio do Ceará, O Povo eDiário do Nordeste (1950-2016). Para complementar estas informaçõesentrevistamos quatro representantes de associações de terreiros sediadas emFortaleza.Asinformaçõesforamtratadaspelaanálisedoproblema(FOUCAULT,

2006)propostocomoquestãocentraldestapesquisa.Porisso,nãopretendemosdizertudosobreaumbandanoperíododelimitado.Focalizamoselementossobreasespacialidadesdaumbandaemperformancesdeapropriaçãodacidade.

Otextoorganiza-seemtrêsseções.Primeiro,analisamosaFestadeIemanjáesuainstitucionalizaçãocomomarcosimbólicodasdisputaspelaapropriaçãodacidade. Segundo, destacamos as múltiplas espacialidades da homenagem paraJanaína, em Fortaleza, como conflitos entre diferentes políticas da diferença.Terceiro, apresentamos as disputas atuais em torno da festa para a orixá, aomesmo tempo que situamos as invenções da existência protagonizadas pelossujeitosexpressasnaproposiçãodaexecuçãodoritualnaPraiadeIracema.

FESTADEIEMANJÁNAPRAIADOFUTUROConsideramosapráticareligiosaummododefazerpolíticanacidadeque,

sem recorrer a movimentos organizados sob crivo partidário ou sindical, criaespaçosondeadiferençateimaemservistaeouvida.Políticaligadaàvidadossujeitos, no confronto entre os modelos normativos do viver e as invençõescotidianasqueafirmamoespaçodaaparêncianecessárioparaaconstituiçãodacidadecomoespaçodapolítica(ARENDT,2000).AcenapúblicadeFortaleza,observada por meio das notícias de periódicos locais, apresenta o outroaprisionando-o sob o discurso do perigo para higiene emoralidade na cidade.Nega-seaosumbandistasodireitodefalarefazerporsimesmos,noentanto,esteapresamento não captura a criatividade sempre capaz de realizar o novo parapermanecerereinventaraexistência.

Para a umbanda cearense a capacidade inventiva expressa-se, entre outrasproposições, na execução da Festa de Iemanjá cuja primeira localização foi aPraiadoFuturo.MãeJúlia,aonarraroiníciodahomenagemreligiosa1,descreveeste trecho da orla marítima de Fortaleza como local de acesso difícil, o querestringia a audiência aos praticantes da umbanda e evitava conflitos com asociedade.Alémdisso,refere-seaduasdatasdistintasparaahomenagem,31de

dezembro, que nos permite uma correlação com a comemoração no Rio deJaneiro,e15deagosto2,momentoemqueseestabeleceumadataoficialparaoritualcearense.

DeacordocominformaçõescedidasporMãeJúlia,ementrevistaaojornalOPovo3,afestadeIemanjáteveinícioem1950.Noentanto,sóseriaoficializadacomo atividade permanente em 1954, depois do registro do terreiro por elachefiado na chefatura de polícia. A partir destas informações e do registro dafesta na Praia do Futuro em 19644, podemos concluir que a homenagem paraIemanjáéanteriora1968,consideradopelaUniãoEspíritaCearensedeUmbanda(UECUM)edivulgadonamídia televisa e impressa cearenseo ano inicial dascomemoraçõesparaaOrixáemFortaleza.

Odesencontronasdatassalientaahomenagemesualocalizaçãocomofatosque deveriam permanecer secretos. Acredita-se para evitar intervenção dosaparelhosmantenedoresdaordem,pois,apesardeoterreiropossuirregistronadelegacia de polícia, as informações nos periódicos na década de 1950evidenciampreconceitocontraaumbanda5.EspecialmenteemreportagenssobreahomenagemparaJanaínanoRiodeJaneirodescritacomomanifestaçãobárbaradenegroseindivíduoscominsanidademental6.

Ao eleger agosto o mês comemorativo para a Orixá, Mãe Júlia definesimbolicamenteumafestacearense,enãomaisareproduçãodapráticacarioca,epoliticamente direciona a umbanda para a constituição de um espaço deaparências(ARENDT,2000)jáqueoregistrooficialpeloqualsecontabilizaafestapareceseromomentonoqualeladecidiuconduziraimagemdeIemanjádasede da Federação Espírita Cearense deUmbanda para a praia e, em seguida,entregaroferendasaomar7.

AescolhadaPraiadoFuturoobedeceainúmerosfatoresdosquaispodemosdestacar:primeiro,azonadepraiaentreIracemaeMucuripe8eraáreadelazerdaelitedeFortalezabemcomonaquelaestavaminstaladososcasarõesdefamíliasimportantes,atéadécadade1950.Nasproximidadesdoportoestavamcolôniasdepescadores.Segundo,oprecáriosistemadeesgotosdeFortalezainstaladoem

1927, apenas na área central, era diretamente canalizado para o mar semtratamentonaPraiaFormosa9,ocasionandoapoluiçãodaárea.Eazonadepraiano Arraial Moura Brasil, Pirambu e adjacências era ocupada por casebresimpossibilitando a execução dos rituais10. Terceiro, a Praia do Futuroproporcionavadiscriçãoaosumbandistas,poisapopulaçãopobrequeaocupouconcentrou-se nas imediações do porto do Mucuripe e não existiam vias deacesso ligando a orlamarítima ao centro.Além do porto (na direção oeste), apraiaestavalivredeobservadoresepossíveiscuriosos,permitindoarealizaçãodosrituaissemmaiorestemores(apesardeaáreaentreofaroldoMucuripeeamargemesquerdadorioCocó11jáconhecerumfrancoprocessodeloteamentoem1950).

SegundoAbreuJúnior(2005),esperava-seaexpansãodacidadeparaolestequandooportodoMucuripeestivesseemplenofuncionamento,nofinaldosanosquarenta,edepoisdaconstruçãodoHospitalGeraldeFortalezaedacervejariaAstra(Brahma),no iníciodosanossessenta.Nessemomento,apraiadoFuturodeixa de “ser um local distante para ser uma fronteira a ser alcançada pelaespeculação imobiliária” (p. 39). Em 1968, era procurada para lazer, sendodivulgadanamídiacearensecomolocalcujapotênciaeratransformar-seemumaCopacabana. A matéria intitulada “A Avenida do Futuro” enfatizava anecessidade de dotar a paria de infraestrutura, alargando avenidas e instalandoiluminação pública12. Para Falcão da Silva (2006), o ordenamento urbanoreivindicadonão se fundava apenasna constituiçãodeumanova áreade lazer,mas no provável crescimento imobiliário da área leste de Fortaleza devido aoaumentodonúmerodefrequentadoresdapraia.

Aofinaldadécadade1960,afestadeIemanjápodiaocorrersemgrandesintervençõesouconflitosporqueaumbandahaviasidoreconhecidapeloEstadobrasileiro.E, embora aPraiadoFuturodespontasse enquantopalcode lazer, afrequência era reduzida. Se namaior parte do ano os pais de santo e terreirosfiguravamnaspáginaspoliciaisdosperiódicos,emdenúnciasdecharlatanismoetráfico,ahomenagemparaJanaínaeraoespaço-tempodeadmissãodaumbanda

emFortaleza.QuandotornouafestadeIemanjánaPariadoFuturopartedeseucalendário

religiosoaumbandaconstituiuumespaço/tempoondesujeitosnegroseindígenas,oucomessasascendências,podiamseexpressare seremvistos.Paraalémdasestratégiasdepermanêncianacidadeutilizadaspordiversos terreiros13.AfestaparaJanaínaéumamaneiradeperpetuarareligião,aocriarespacialidadesparaa realização do culto capazes de elucidar a constituição da vida política desujeitosque,mesmosobperseguição,inventarammaneirasdeestarnacidade.

FESTADEIEMANJÁ:FOLCLORIZAÇÃOEDISPERSÃONACIDADENas décadas de 1960 e 1970, a Praia do Futuro era um complemento do

lazeràbeiramaremFortaleza.Buscava-seumapraiasemsinaisdepoluiçãoelonge dos pobres que frequentavam a orla entre praia de Iracema eMucuripe.ParaCosta(1988),oloteamentodestazonadepraiasurgecomopossibilidadedesuprir a necessidade da elite de Fortaleza por outro local para lazer eentretenimento longedapopulaçãopobrequecomeçavaa frequentaraPraiadeIracema,cujoacessoforafacilitadopelaimplantaçãodelinhasdeônibus.Previa-seobrasdeinfraestruturanaPraiadoFuturodesde1972,asaber:construçãodapraça31demarçoeavenidaZezéDiogo.

Em1976,oprolongamentodaavenidaSantosDumontatéapraiafacilitouoacesso da população pobre por meio de linhas de ônibus e mesmo da classemédia, pela aquisição de automóveis. Nesse período, aumenta o número departicipantesdaFestade Iemanjácujapresença relacionava-seaousodapraiacomo espaço de lazer. Embora não fosse mais perseguida cotidianamente,vigiava-se a umbanda através dos frequentadores e das atividades executadasduranteahomenagemparaJanaina,questionandoocaráterreligiosodoevento.

Destacava-se o número cada vez menor de indivíduos que se dirigiam àpraia para efetuar suas oferendas para aRainha doMar, apontandoo prováveldeclíniodaprática religiosa relacionadaà instabilidadeda fédospraticantes14;

emcontraposiçãoaocrescimentodaquelesembuscade lazeraosalientarcomoprincipaisatrativosdafestaaembriaguezeadiversão,emumaclaracomparaçãocomamaneiracatólicadehomenagearepostarocorpoduranteprocissões15.

Osdadosnãoconsideravamoacessofacilitadopeloprolongamentodasviaseimplantaçãodelinhasdeônibusenquantofatordediversificaçãodaaudiênciadafesta.Concomitantemente,nãoinformamsobreadificuldadedosumbandistasemsedeslocarematéapraiaseconsiderarmososbaixosrecursosparaalugueldeveículoparticularnecessárioparatransportaromaterialexigidonaexecuçãodoritual: roupas, tambores, imagens, altares, cestos com frutos, flores, alimentos,fantasiasderainhasesereias,etc.Alémdisso,perde-sedevistaquebebidassãooferendas,paraasentidadesa“trabalharnaareia”(PORDEUS,2001),edançarumaformaderelaçãoereverênciaaosespíritos,cadaumpossuiponto,ritmoegestual.Adiversãoéilusória,poisomovimentocorpóreoéessencialparaumacerimôniabem-sucedida.

A dificuldade de acesso à praia é um fator relevante a ser analisado nasnotícias coletadas, uma vez que a década de 1980 apresenta outros locais dacidade, distantes da orla marítima, onde houve reverências a Iemanjá16.Observaremos que o número de terreiros na praia é bastante inferior à realquantidadedeestabelecimentosdecultoemFortaleza.Torna-seinviávelutilizaro transporte público para ir à praia, mesmo quando as empresas responsáveisdisponibilizavamônibusespeciaisparaconduzirosumbandistas17e,destaforma,quemnãopossui recursos para aluguel de veículos vê-se obrigado a realizar acerimônianasdependênciasdoterreiro.

A década de 1980 é marcada pela inserção do ritual para Iemanjá nocalendário festivo de Fortaleza18. A entrada neste não correu sem resistências,“muitospraticantesdessesfestejosnãoconcordamcomocaráterespetaculardapromoção”19.Nãohá indicaçõessobreosargumentosdosPaiseMãesdesantocontrários, mas imaginamos que convergissem para a destituição do caráterreligiosooudaoposiçãoàassimilaçãodoritualcomofolclore.

Após a declaração conjunta da Empresa Cearense de Turismo e do

DepartamentodeCulturadoMunicípioqueinseriuahomenagemaRainhadoMarnocalendáriofestivodacidade20,asdescriçõesnosjornaisenfatizam,apartirdeentão, a riqueza das indumentárias com destaque para o colorido e o uso demateriaisluxuosos,comparandoofardamentodoritualcomfantasiasdecarnaval.“As vestimentas dos Pais, Mães e Filhos de santo, de um modo geral, erampobres”21.

Havia comparações entre os terreiros de candomblé e umbanda, aquelesdescritoscomoum“festivaldecoreseluxo”quandocomparadoscomamodéstiada farda umbandista22. Destaque-se um concurso realizado durante o ritualreligioso na Praia do Futuro no qual foram eleitos os três terreiros maisorganizados, cujos critérios de julgamento foram a cadência, a evolução e aindumentária dogrupodurante a gira; seguindo a regra dedirecionar a atençãopara o traje como ocorre em festivais juninos nos quais o traje é item a serpontuado. A Associação Cearense Beneficente de Umbanda Senhor do Bonfim(ACEBUSB)foiaresponsávelpeloconcurso,designandosetebabalorixásparacomporacomissãoavaliadoradosterreiros23.

As mudanças realizadas para inserir a festa no calendário cultural efolclórico de Fortaleza devem ser analisadas como performances paraapropriaçãodacidade.Implicapartirdapremissadequeasregrasconstitutivasdoritualreligiososerãoalteradaspelaconjuntura.Porisso,arepetiçãodemodosde fazer consigo e em relação à cidade é uma reinvenção criadora adaptada anovos contextos24. A articulação entre ritual e performance, baseada na díadeeficácia-entretenimento,propostaporSchechner (2012)ajudaacompreenderasconservaçõesemodificações.Paraesteautor,seopropósitoérealizarmudança,então, trata-se de ritual, se ela é executada para dar prazer e ser vista éentretenimento,masoautoradverteque“nenhumaapresentaçãoéeficáciapuraouentretenimentopuro”(p.81),ambassãointercambiáveis.

Para Turner (1987), a situação performática permite liberdade e traz oimpuroeocontaminadocomoelementosdeanáliseporrevelareminconstânciastemporais e reordenamentos espaciais realizados pelos sujeitos.Aperformance

compõe-se de comunicação verbal e não verbal por meio da qual símbolosancestres e sentidos inovadores são emitidos e significados no instante emquesãoperformadospelossujeitos,poiselatemcomocaracterísticaacapacidadederearticular informações a fim de construir novas lógicas de sentido dadas pelocontextoemqueocorrem.

Odissensoentreasassociaçõesumbandistasseexpressatantonodesacordodos novosmoldes do ritual para Iemanjá quanto na viabilidade de organizar afestacomrecursospróprios.Em1984,aACEBUSBemnotaàimprensainformouqueasfederaçõesdeumbandanoCearápassavamporumacrisefinanceira,porisso a festa seria acanhada. Em contraposição o chefe do terreiro Senhor doBonfiminformouqueafestaseriaumadasmaioresjárealizadas,questionandoaidoneidadedaquelainstituiçãoemrealizardeclaraçõesemnomedosumbandistascearenses. “Não existe qualquer outra entidade ligada ao candomblé ou aumbandaquenãosejamaAssociaçãoEstadualdoscentrosEspíritasdeUmbandaeCandomblé,UniãoEspíritaCearensedeUmbandaeaFederaçãoCearensedeUmbanda”25. Além de afirmar que os recursos da festa se originam das taxaspagaspelosassociados.

À primeira vista a festa parece perder seu caráter religioso e ganharcaracterísticas folclóricasque adestitui dequalquer forçapolítica.Noentanto,nãopodemosignorarasacomodaçõescomdiscursosdominantescomoformasdemanutenção das religiões afro-brasileiras. Nesse momento, tal aproximaçãogarantiria a permanência na cidade por meio de uma opinião pública menospreconceituosaeoapoiologísticoeestruturaltãoreclamadoparaarealizaçãodahomenagem.Acomodaréestabeleceroconflitopelaviadasconcessõesenãodosconfrontos.Consentimentonecessárioparaamanutençãodafestacomosituaçãoímpar de aparecimento na cidade. Desta forma, consideramos a construção doespaço da aparência (ARENDT, 2000) um complexo de relações de conflito,confronto e acomodação entre os anseios dos umbandistas de serem vistos eouvidos e as pressões sociais para descaracterizar as atividades por elesrealizadas.

Osconflitosentreumbandistasacercadosmodosdaexecuçãodafestapormeiodaaproximaçãocomofolclóricoevidenciamqueparaconstituiroespaçodeaparênciasodissensoénecessário,porimpulsionaramanifestaçãodaopiniãoe de ações pelas quais os sujeitos se singularizam. Ao serem livres paraconcordaroudiscordardasaliançascominstituiçõesedasformasdeinserçãonacenapública,osumbandistasevidenciamodissensocomofatorcriativodesiedas formas de apropriação da cidade (MOUFFE, 1996). O desentendimentoevidenciaaaproximaçãocomaculturapopularenquantomaneiradeconstituiroespaçodeaparências,assimcomonegaressajustaposiçãooé.

A apropriação da cidade proporcionada pela ênfase no caráter cultural dahomenagemnão pode ser dissociada das relações políticas estabelecidas pelosterreiros e associações. Concomitante a inserção da Festa de Iemanjá nocalendário festivo, há discussões entre as associações referentes à hegemoniadestassobreosterreirosdeFortalezaedointeriordoEstado.Estasdisputassãoobservadasapartirdasdescriçõesdasatividadesrealizadasporcadaumadelasedapresençafísicaoudiscursivadeintegrantesdolegislativoedoexecutivonodia da comemoração.Desta forma, o confronto entre diferentes associações26 esuas expectativas não está isento das disputas políticas mais amplas dasociedade.Estassãodebatidasnasentidadeseentreelas,comopossibilidadesdetransformaçãodascondiçõesdecultoedascondiçõesmateriaisdeexistênciadosumbandistas.

AidentificaçãocomofolclóricopermitiuàumbandaocuparoutroslocaisdeFortaleza,alémdaPraiadoFuturo,sobretudonasáreasperiféricas,comoLagoadoOpaiaeBarradoCeará.Ospalcosdispersospelacidadeindicavamdisputasentrediferentesassociaçõespelahegemoniapolíticaentreosterreiros;enquantoaUnião Espírita Cearense de Umbanda organizava a Festa na Paia do Futuro, aConfederação Cearense de Umbanda se dedicava a cerimônias na Praia dasGoiabeiras (Barra doCeará)27.Há também a dificuldade dos organizadores daFesta na Praia doFuturo de garantirem a segurança durante o ritual, gerando adispersão dos terreiros em outros pontos da orla marítima. Um grupo ao se

apropriardaPraiadeIracemapara realizarsuaoferendaafirmaquererevitaramultidãoquedificultariaostrabalhosespirituais28.

Apesardeocuparpontosdiferentesdaorlamarítima,nãopodemosconcluirqueasapropriaçõesdapraiaocorriamsemresistênciaporpartedeoutrosgruposreligiososoudasociedadeemgeral,sobretudoquandoanalisamosapresençadosterreirosnaPraiadeIracema29,cartãopostalezonademaiorvalorimobiliáriodacapital cearense. Os chefes de terreiros ao se dirigirem para essa área nãorealizavama“performanceritual”(TURNER,1974)aosomdeatabaques,apenasentregavamasoferendas,demonstrandooimpedimentoveladoqueamanifestaçãoreligiosasofriaaoserrealizadaforadalocalizaçãotradicionalaelareservada.

Aampliaçãodoslocaisdefestarelaciona-seaindaàconstruçãodepolosdelazer em Fortaleza, entre 1979 e 1982, na administração do prefeito LúcioAlcântara.BarradoCeará;LagoadoOpaia,noVilaUnião;AlagadiçoePraça31deMarço, naPraia doFuturo foramos bairros contemplados.A construção deáreasdelazercoletivodistantesdaorlamarítimavalorizadaconteriaapopulaçãopobre,impedindo-adeocuparespaçosàbeiramaregarantindooisolamentodaelite urbana.A localização daPraça 31 deMarço, em frente à praia, participadesta lógica, pois estava situada no limite de ocupação da orla da Praia doFuturo, depois das barracas instaladas até a década de 1980. Segundo Costa(1988,p.97),“ospolosdelazertiverammenospapelnacriaçãodealternativasde diversão para o proletariado do que em evitar que os espaços burguesesfosseminvadidospelaperiferia”.

A multiplicação dos locais onde se realiza reverências públicas paraIemanjáiluminaastáticasespaciaisdosumbandistas,deaproveitarapermissãoeoapoiodopoderpúblicoparaconstituíremseuespaçodeaparência(ARENDT,2000).SeospolosdelazerondeforamrealizadashomenagensparaIemanjáeramplanejados para afastar a presença indesejada dos pobres, os umbandistassouberamaproveitá-loscomoespaçosdeaparência semabdicarda localizaçãotradicional.AssociadasaessaestratégiaestãoaspasseatasdosumbandistasnodiadahomenagemparaIemanjá,realizadasdesdeadécadade1960.Apesardo

cortejomaisconhecidoserorealizadopelaUECUM,porconduziraimagemdeIemanjá em carro aberto, diversas associações e terreiros o realizaram e oexecutam nos dias atuais com organizaçãomais tímida. Esses préstitos têm emcomum serem passeatas de reivindicação de direito, pois tornam visíveis ossujeitosdadiferençapelas imagensconduzidas,pelossonsemitidosdosônibusqueconduzemosumbandistasepelascoresdasvestimentas.

As disputas entre diferentes associações, que agregavam terreiros,evidenciavam conflitos políticos e ideológicos relativos à religião30. Quando aACEBUSB instalou uma barraca com imagens na Praça José de Alencar paradivulgar informações sobre a umbanda, teve o material exposto destruído poranônimos. A expectativa dessa entidade era conquistar respeito e diminuir opreconceito por meio da difusão de informações para a população, o quepermitiria reduzir os estereótipos dos quais os umbandistas eram vítimas.Umaformadeconstituiroespaçodaaparênciaforadotempo/espaçodeterminado.Aresposta daUECUM ao episódio foi considerar o fato uma reação natural dosseguidoresdeoutrasreligiõesquehaviamsidoafrontados,orepresentantedestaentidadedeclarou“nósumbandistasreconhecemosonossolugardenãoperturbaraordem,nemagrediroutrasreligiões”31.

Asposturasdistintasdosgruposdemonstramqueafestanãoécompreendidadamesmaformapelossujeitosquedelaparticipam.Deumlado,umabrechanocalendárionaqual a religiãodeve ser tolerada, aindaqueno restantedoanoarepressãoocorra;deoutroaconstituiçãodeespacialidadesnasquaisalteridadeesteja presente e seja respeitada como fundamental para a cidade.As recentesobservaçõesnaFestade Iemanjá,2011-2016,apontamqueestaúltimapropostatempredominadonosúltimosanos,tendoemvistaacompreensãodequeservistoeouvidoéessencialparaapermanênciadascomunidadesdeterreiro.

O conflito observado entre os integrantes das associações umbandistas, asquaisagregamdiversascomunidadesdeterreiro,evidenciaqueaposturapolíticade pais e mães de santo é plural e multiplica as táticas de enfrentamento dasrelaçõesdedominação.Osposicionamentos contrários entre entidadesocorrem

pelas formas como a religião deveria ser inserida na cidade, aproveitar asbrechasabertaspelasinstituiçõesestataisaoinserir-senocalendáriofestivoparamultiplicarlocaisdeapresentaçãopúblicaoucriarsituaçõesdedebateaoforçarapresençaemlocaisnãoconsentidos.

ConsideramosasduasposturasválidasparaaapropriaçãodoespaçopelaumbandaemFortaleza.Elas indicamoantagonismocomoalgoessencialparaaconstrução na cidade como espaço da política por salientarem que mesmopartilhando um cenário comum, que os destitui de participação igualitária, osumbandistas assumem posturas distintas quanto às formas pelas quais se devemudarasituação.Ocaráterpolíticodareligiosidaderevela-seexatamentenessedesacordo,poiseleindicaquenãosebuscatolerânciaouumlocalexclusivoparaas religiões afro-brasileiras se manifestarem, mas uma disputa pelareconfiguraçãodoslocaisaseremapropriadospelaumbandanacidade.

Reconfigurarasapropriaçõeséquestionaraconformaçãodateiaderelaçõesestabelecidaentreoshomens,expondo-apelasestratégiasdedominaçãoetáticasde existência e permanência na cidade. Esta disputa pela experiência sensívelrevela-se agonista; pois redefini-la requer amanutenção das idiossincrasias dadiferença,reconhecendoasdivergênciasquevenhamaexporenquantoadinâmicaprópria do espaço da aparência. O consenso produziria apenas a norma e anormatividade por seu caráter hegemônico excluir diferenças e posiçõescontrárias. Segundo Mouffe (1996), o político compõe-se do pluralismo e doantagonismo nos impondo o reconhecimento de que sempre haverá conflitosirreconciliáveis eque adefiniçãodevaloresuniversaispode ser anegaçãodooutro.

Oconflitodeveserreconhecidocomoopropulsordoespaçodaaparênciaaser constituído pelos umbandistas, já que ao buscar a inserção na cena públicanão vislumbram um modo de ser uno e coerente que elimine a multiplicidadeprópriadareligiãoedossujeitosqueapraticam.

FESTA DE IEMANJÁ NA PRAIA DO FUTURO E NA PRAIA DEIRACEMA

Hámúltiplosconflitosnacidadeparaaautoapresentação(AREDNT,1993)dos umbandistas e criação de um espaço da aparência no qual a diferençaconquistelugar.Osconflitosenvolvemmúltiplossujeitos,atualmente,destaca-seo confronto entre proprietários de empreendimentos de lazer à beira mar eterreiros.SegundoÂngelaFalcãoSilva(2006),inicialmente,asbarracasdaPraiado Futuro eram construídas demadeira, palha e carnaúba.Buscando ordenar aocupação e dotar de melhor infraestrutura a praia, diferentes gestões daadministração municipal investiram em planos para a área que não lograramêxito.Aintervençãomaiscomplexateveinícioem1999,quandoaAssociaçãodeEmpresários da Praia do Futuro (AEPF) e a Secretaria deTurismo doEstado,SETUR, lançaramoprojeto“EssaPraiaTemFuturo”.AcargodestaSecretariaficaria a avaliação do potencial econômico e ações demarketing com vistas atornar a praia ponto de atração de fluxos turísticos, a AEPF ampliaria emodernizariaasbarracasparaampliarosnegócios.

Segundo Wellington Maciel (2011), a modernização da infraestruturaoriginou as “barracas-complexo”. Estas são caracterizadas, além da oferta desegurançaprivadaedoconfortoparaolazernapraia,poroferecerinfraestruturadiferenciada com parques aquáticos, piscinas, áreas para shows, lojas e atésalões de beleza. Esse investimento nos prédios e nos serviços oferecidos nasbarracasestabeleceuumadivisão recenteemPraiadoFuturo“velha”e“nova”que, ao invés de designar momentos distintos de ocupação da orla marítima,revelaelementosdeordemsimbólicaqueclassificamtrechosdapraia.

A organização dessas barracas ao impedir a circulação de vendedoresambulantes,acusando-osdeperturbarolazerdosbanhistaserealizarfurtos,eaorestringiroacessoàpraiaaosseusconsumidores,deflagrouconflitoscotidianosentreempresários,Uniãoecamelôs.Disputanaqualparticipamosumbandistaspor terem sua circulação e apropriação da praia limitada, durante a Festa deIemanjá.

Em2005,oMinistérioPúblicoFederal e aUniãoentraramcomumaaçãocivil pública contra omunicípio de Fortaleza e 153 proprietários de barracas,proibindonovasconstruçõeseembargandoconstruçõesemandamento.Oembateenvolveosobstáculos,impostosnapraiapelasbarracas,querestringemoacessoaomaraosfrequentadoresdessesempreendimentos.Aaçãocivilpúblicaexigearetiradadetodaaestruturaarquitetônica,alegandoqueasbarracasestãoforadasnormasestabelecidasnalegislaçãodegerenciamentocosteironacional.

AdisputaentreUniãoeempresáriosiluminaaapropriaçãoprivadadobempúblico, como destaca Maria Encarnação Sposito (1999, p.25), “o público,compreendidocomooquepode serde todos, émuitasvezesvistocomooquepode ser privatizado, porque está liberto da condição de ser propriedade dealguém”.Estaquestãoencaminhaoutramaiscomplexa,odebatesobreopúblicocomo algo que vá além de sua definição formal, ou seja, como espaços quepermitemapropriaçõesmúltiplaspordiferentessujeitossociaisondeoencontroeoconflitoentreesteségeradordapolíticanacidade.

Ao observarmos a Festa de Iemanjá somos levados a afirmar serem acoabitaçãoeoreconhecimentodapluralidadeporelapermitida,osconstituintesdoespaçodaaparência.Estesóseefetivaquandomúltiplosoutrosconvivemeseenfrentamporumaaçãodiretanaqualaautoapresentaçãodossujeitos,emaçõesediscursosqueosdistinguem,marcamsuasaparências.

O conflito entre empresários e a sociedade em relação à apropriaçãoprivada do espaço de uso comum ao invés de ser fator limitante da festa paraIemanjá,capazdeconduzi-laàextinção,impulsionouacriaçãodeumprojetodeocupação da cidademais audacioso. Revigorou o debate entre os umbandistassobre as conquistas alcançadas e as perspectivas futuras para a umbanda emFortaleza. Nesse sentido, foi produtiva por levantar duas questões: a Praia doFuturo, como espacialidade inicial, expressa a resiliência dos umbandistas empermanecernacidadeecriarpara siespaçosdeaparência;eoquestionamentodestalocalizaçãoatualmentenãogerarasconquistaspolíticasdesejadas.

A decisão de realizar a festa de Iemanjá na Praia de Iracema não é uma

recusaasualocalizaçãooriginal,masumareivindicaçãoparatornaresteeventoreligioso tão relevanteparaacidadequantooutros, cuja localizaçãoeraaáreamaispróximado centro.De acordo comas informações coletadas, a segurançanesselocalfavoreciaaexecuçãodeumritualporterumpoliciamentoostensivo,por ser área de concentração da rede hoteleira de Fortaleza, e possuir maiornúmerodelinhasdeônibus,quepermitemacessoaoutrasáreasdametrópole32.Além disso, a ocupação do aterro da Praia de Iracema garante uma efetivaapropriação da cidade, por ser a área de maior visibilidade onde ocorremeventosreligiosos,políticosedeentretenimento.

Em2013,aFestadeIemanjáconquistouduas localizaçõesoficiaisnaorlamarítimadeFortaleza:PraiadoFuturoePraiadeIracema.Estereconhecimento,noticiadonamídialocal,articula-seàaprovaçãodoPlanoMunicipaldePolíticade Promoção da Igualdade Racial, em 2012, no qual se previa apoio a festasreligiosas,especialmentea“FestadeIemanjánaPraiadoFuturo”.Agarantiaderecursos e o apoio previsto em lei é um compromisso importante para arealização da festa porque legitima a apropriação da praia e reconhece,historicamente,asdisputasentreosumbandistaseasociedade.

Noentanto,aocriarumordenamentoparaaexpressãopúblicajáexistenteedefini-la como prioritária, outros locais na cidade são destituídos dapotencialidade de serem espaços de expressão da diferença. Aomesmo tempoevidencia que as políticas não estão sintonizadas com as expectativas dosumbandistasdemultiplicarsuapresençanacidade.ArealizaçãodafestanaPraiadeIracemaconcomitanteaosfestejosnaPraiadoFuturoressaltaapluralidadedeperspectivas quanto à apropriaçãoda cidade, pois se este local é tradicional anovalocalizaçãorefere-seàutopiadadiferençanacidade.

APraiadoFuturo,aoserolocalprivilegiadodahomenagemparaIemanjádecertomodo,criaconstrangimentosparaaocupaçãodeoutrospontosdaorlamarítima.Apesardessespontosnãopoderemserobservadosnotocanteàcessãode infraestrutura pelos órgãos públicos, as justificativas dos organizadores dafesta no aterro evidenciam a necessidade de ratificar sua eficiência ritual.

Enfatizandoqueanova localizaçãonão invalida ritualmenteacomemoração.Aproximidadecomomarédestacadacomoelementoessencialparaaexecuçãodorito, não uma área específica na orlamarítima. Esse argumento parece ser útiltanto para pleitear o patrocínio da festa quanto nos embates com outrasinstituiçõescujapreferênciapelalocalizaçãoorigináriaédefendidacombasenatradição33.

Osumbandistas considerama realizaçãodaFestade Iemanjáno aterrodaPraiadeIracemauma“vitória”porretirá-losdaperiferiaecolocá-losnocentroda cidade.A realização neste local também é uma forma de aproveitar o atualcontexto social, a partir do qual novas perspectivas abrem-se para osumbandistas.O fatodenão seremmaisperseguidospossibilita a construçãodenovosdiscursossobreaumbandaeaminimizaçãodosestigmas.Masparaessaconquistasãonecessáriasperformancespúblicas.Autoapresentaçõesnasquaisossujeitos agem e constituem a si mesmos ao estilizarem sua existência. Comoressalta Lúcia Oliveira (2011, p. 117), a performance funde arte e vida e aoeliminar o espectador e torná-lo sujeito de ação, abolindo o imobilismo epermitindoque“algonovoentreemcenaoupelomenosqueapossibilidadedeprovocar, estimular, correr riscos, convocar a potência da vida, abra-se comoalternativa”.

As performances daFesta de Iemanjá exibem a pluralidade da umbanda econstituem formas de fazer com o corpo, elaborando durante as execuçõesespaçosdeaparêncianosquaisosumbandistasveemasimesmoscomosujeitosdeaçãocapazesdetransformaracidade.AperformancenapraiamesclaoritualparaJanaína,peloqualossujeitossepreparamparacontatarenergiascósmicas,eainventividadeaoexibirformasdehomenagearaorixádistintasumasdasoutrasque não se invalidam entre si, ao contrário, afirmam a religião e osmodos defazercomomaneirasdeconstruirasimesmoscomosujeitosnareligião.

Aperformance naFesta de Iemanjá emFortaleza é umamaterialização daexperiência sensível, aomesmo tempo, executada e expandida pelo corpo. Elasinalizaa tensãoentreacriaçãodeestilosdesiconstitutivosda liberdadeeas

condiçõesreaisdereconhecimentoeexistênciadadiferençanacidade.Obaileevidencia um deslocamento no espaço não só dos corpos ao se projetarem emdiferentesdireções,masdopróprioespaçodeslocadoaomostrarsuapluralidadequandoseretiraossujeitosdeseulugardeordem.

Osmovimentosdocorpopotencializamascriaçõesdossujeitos,sobretudoao enfatizarem processos de invenção da liberdade diante de coerções e deentraves para a realização do ritual em homenagem a Iemanjá.Os períodos desilêncio dos tambores e de suspensão dos movimentos do corpo compõemsituações de organização e de enfrentamento por outrosmeios.Confrontos comprogramas de rádio e de televisão que difundem informações preconceituosassobre a umbanda e seus praticantes. Contestações a favor de outras formas depresençanacenapúblicadacidade,quenãoestejamvinculadasdiretamentecoma Festa de Iemanjá. A suspensão do movimento visível da festa aponta areivindicação de outras situações nas quais a diferença umbandista possa seautoapresentar.

AFestanaPraiadeIracemaéumalutapelosdireitosdeser,deestaredeviver na cidade; porque questiona os discursos de ausência afrodescendente econfrontaosmodosconvencionaisde relaçãocomo sagrado.Ahomenagemaoapresentarapluralidade religiosaconstituiumaapropriaçãodoespaço,naqualos umbandistas aparecem e se pode vislumbrar a pluralidade de outros cujasexistências são negadas e as experiências de cidade desprezadas. A novalocalizaçãoépartedalutaparaocumprimentodaquiloqueégarantidoemleiaosindivíduos, a igualdade na diferença, já que apesar de ser previstoconstitucionalmentenãoserealizanocotidianodossujeitos.Aautoapresentaçãopública é apenas uma das frentes de batalha para a efetivação de melhorescondiçõesdevidaemFortaleza.Porisso,odireitoàliberdadereligiosanãosedesvinculadoacessoàhabitação,àsegurança,àmobilidade,etc.

Desta forma, a realização da Festa na Praia de Iracema não é defendidaapenas por meio do argumento de que a homenagem pode ser realizada emqualquer ponto da orla, pois o essencial seria a proximidade com omar e as

energiasdeleemanadas.Mastambémdoquestionamentodatradição.Algunspaisdesanto34 têm afirmado que o local originário da homenagem seria a Praia doFarol, trechode100metros localizadoatrásdoportodoMucuripee separado,atualmente,daPraiadoFuturoporummolhe.AproposiçãonãoéabsurdaquandoobservamosqueoFaroldoMucuripeeraoextremolestedeFortaleza,nadécadade1950.

Segundo Massey (2012), um dos elementos para a conceitualização doespaçoéconsiderá-loa esferadaexistênciadamultiplicidade,onde trajetóriasdistintascoexistemeseinter-relacionam.Estaesferapressupõeoreconhecimentoda espacialidade como lugar da diferença onde múltiplos pontos de vista seelaboram,porissooespaçoélócusdeumapolíticamutávelnaqualadiferençaseconstitui.

Por não ser a localização originária, a Praia do Futuro não guarda osignificadodo ritoe todaaorlamarítimaseabreparaa realizaçãoda festa.Atradição imputada a essa área da costa seria artificial.Esta invenção ocorreriapelanecessidadededemarcarumterritórioaserocupadopelosumbandistassemquestionamentodeoutrosgrupossociais,compreensívelnocontextopolíticodastrêsprimeirasdécadasde execuçãodahomenagempara Iemanjá.Noentanto, ademarcação da festa neste local inviabiliza a apropriação de outros locais quepornãoseremlugaresdatradiçãonãopodemmanifestaradiferença.

AexecuçãodaFestadeIemanjánaPraiadeIracemanãosignificaaextinçãodas atividades da umbanda na Praia do Futuro. Sem ignorar os problemasenfrentadosnestalocalizaçãoadmite-seapossibilidadedacoexistênciadefestasnãosónesseslocaiscitadosanteriormente,masemoutrasáreasdaorlamarítimadeFortalezaeemmunícipiosvizinhos.EstapossibilidadeédebatidaentrePaiseMãesdeSantocomoumprojetopolítico.APraiadoFuturoéumlocaldedisputahistórica pela presença na cena pública, também não se pode ignorar suaimportância na identificação e diferenciação da umbanda cearense. A atualinfraestrutura para a realização da festa dificulta a permanência, mas nãoinviabilizasuaexecução.

Atualmente, a dispersão espacial das festas para Iemanjá é um projeto demúltiplas espacialidades para novas apropriações ou pelo reconhecimento delocaisjáusadospelosumbandistas35.Esseprojetopolíticoereligiosopressupõeumespaçoaberto,compostoderelações,ondesereconheçaosmúltiplosoutroseas várias formas de fazer política (MASSEY, 2012).Essas proposições podemservislumbradasnos anseiosdosorganizadoresdaFestade Iemanjá, tendo emvistaqueadeclaraçãodavalidadedefestasrealizadasemoutrasespacialidadesser, também, o reconhecimento dos sujeitos que as realizam e das motivaçõespelasquaiselegemesseslocaisparaseusrituaisdeagradecimento.

A performance na Festa de Iemanjá é uma ritualização de sons e gestospermeada pela experiência do imponderável vivida na apropriação da cidade.Cada história e evento de apresentação pública reflete o conhecimento datradição,afirmaaautoapresentaçãocomocampodedisputasetemocorpocomoagentecriadordeestilosdeexistência(PEREIRA,2015).

CONSIDERAÇÕESFINAISAsFestasparaIemanjásãoaçõesdiretasnasquaisosumbandistasregistram

a si mesmos, abolindo representações e apresentando suas apropriações dacidade criadas na performance política.Essas narrativas e trajetóriasmúltiplasdos umbandistas afirmam as diversas situações de enfrentamento para aapropriaçãodacidade.

Asperformancespúblicasdaumbandaapresentamadiferençanacidadee,porisso,provocam,sensibilizametransformamosparticipantes.Mesmoquandopossuiumafinalidade,háindeterminaçõeseheterogeneidadesnãoprevistasqueaampliam e transformam fazendo-a imprevisível. Ocupar ruas e praias visa aautoapresentação,masnãoépossívelcontrolarseusresultadosedesdobramentos,nemnossujeitosnemparaaprópriacidade.

Na Festa de Iemanjá expressam-se conflitos, negociações e acomodaçõesconfiguradaspelosusospolíticosdocorpo.Performancespúblicasdaumbanda

para apropriação do espaço.As possibilidades de transgredir as estratégias dedominaçãoaoocultar,dialogareconfrontá-lasabertamentesãoobservadaspelasreinvenções e pelas transformações constantes de si, formas flexíveis dequestionaranormaereivindicaroviverjuntosnacidade.

Os umbandistas são “outros coetâneos” (MASSEY, 2008) que mostrammultiplicidadeseheterogeneidadesdoespaço.Osconflitosdescritosiluminamaexistência de um mundo comum no qual múltiplos outros convivem e anecessidadedaqueleparaaconstituiçãopolíticadossujeitos.Nessesencontroseconflitosrealiza-seumduploprocesso:aafirmaçãodapluralidadehumanapelaautoapresentação de singularidades que, interagindo, fortificam o mundo emcomum e são capazes de criar espacialidades para sua manifestação; e atransformação que o próprio sujeito alcança ao estilizar sua existência naperformance,umaexperiênciadesimediadapelapresençadosoutrosqueresultanarelaçãocomomundo.

As performances da umbanda reivindicam igualdade, direitos e respeito,afirmando a diferença como elemento essencial para viver em uma cidadeefetivamentepolítica.Elassãooreconhecimentodamultiplicidadedeoutroseavalorizaçãodas estóriasparticularesdecadaumqueexpressamespacialidadesconflitivasedinâmicasdaFestadeIemanjáemFortaleza.

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modernaseaconstruçãodoespaçodapraiadofuturo(Fortaleza-CE-Brasil).DissertaçãodemestradoemGeografia.UniversidadeFederaldoCeará,2006.

SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão. Espaços urbanos: territorialidades erepresentações.In:SPOSITO,EliseuSavério(org.).Dinâmicaeconômica,poderenovasterritorialidades.PresidentePrudente:UNESP,1999.

TURNER,Victor.OProcessoRitual.Petrópolis:Vozes,1974.

________. The Anthropology of performance. New York: PAJ Publications,1987.

1MãeJúlia,1979apudPordeusJr.,2011,p.113-114-118.

2OperíododeorganizaçãoerealizaçãodafestadeIemanjáemFortalezacompreendetodoomêsdeagosto, em especial o dia 15 de agosto quando a festa é executada na praia. No calendário marianocorresponde com a dedicação da basílica de Santa Maria Maior e a assunção de Maria ao céu. Estareferência é por nós interpretada como a manutenção de um sincretismo religioso capaz de minimizar osconflitoscomasociedade.

3OPovo,15/08/1981,p.5.

4FotografiadoUnitário,11/08/1965,p.8.

5Asreferênciassãoamacumbaeaocatimbó.

6GazetadeNotícias07/01/1955,p.1.

7EstecortejoéatéhojepraticadopelaUniãoEspíritaCearensedeUmbanda.

8DeoesteparalesteaorlamarítimadeFortalezaéformadapelaspraias:BarradoCeará(incluiPraiadasGoiabeiras),Pirambu,ArraialMouraBrasil,Centro,Iracema,Meireles,VoltadaJurema,Mucuripe,Farol,VicentePinzón,PraiadoFuturo,CaçaePescaeSabiaguaba.

9TrechodeorlanocentrodeFortaleza.

10 Jucá (2003) salienta nos anos de 1940 e 1950 o sofrimento da população residente neste recorteespacialdacidadequandoastaperaseraminvadidasoumesmoderrubadaspelaaçãodasmarés.

11Amargemesquerdarefere-seaatualPraiaCaçaePesca.

12ReportagemutilizadaporAbreuJúnior(2005),OPovo,22/04/1968.

13Deslocar-sedeum lugarparaoutronocentro a fimde fugirdaperseguição.Transferir o terreiroparaaperiferiaondeavizinhançararefeitaproporcionariamaiorliberdadeaoculto.Buscarcomparaçõescompráticas religiosas socialmente aceitas no nível ritual ou discursivo. Negar as contribuições indígenas ouafricanas,pelaconstituiçãodeoutroperigosodoqualaumbandaenquantopráticadobemsedistinguia.

14OPovo16/08/1978,p.10.

15OPovo16/08/1979,p.13.

16OPovo16/08/1980,p.4.

17OPovo15/08/1981,p.5.

18Atáticadevisibilizarpráticasreligiosasafro-brasileirasrevestindo-asdofolclóriconãoéexclusivadadécadadesetenta.Nosanos1950,omesmoocorreucomoCandombléquerealizoudançasemFortalezanoClubeNáutico e noTeatro José deAlencar noticiado pelos jornais comogrande evento cultural, aomesmotempoosperiódicosinformavamofechamentodeterreiroseprisõesdepaisemãesdesantonacapitalenointerior.

19OPovo,15/08/1980,p.5.

20OPovo,15/08/1980,p.5.

21OPovo,16/08/1982,p.1.

22OPovo,16/08/1985,p.7.

23OPovo,16/08/1987,p.22.

24PararealizarafestanaPraiadeIracemaosterreirosprecisaramadaptaroshoráriosdeexecuçãodoritualafimdeestaremacordocomaLeidosilêncio.

25OPovo15/08/1984,p.15.

26 Na década de 1980, os jornais fazem referência a cinco entidades: Associação CearenseBeneficente de Umbanda Senhor do Bomfim, Federação Espírita Cearense de Umbanda, União CearenseEspíritadeUmbanda,ConfederaçãoCearensedeUmbandaeAssociaçãoEstadualdosCentrosEspíritasdeUmbandaeCandomblé.

27OPovo15/08/1985,p.9.

28OPovo15/08/1989,p.11A.

29Ibidem.

30Entre as décadas de 1990 e 2000, os jornais citam outras associações emFortaleza, além das jámencionadas:AssociaçãoCearenseBeneficentedeUmbanda,FederaçãoEstadualdoCultoAfro-brasileiro.

31DiáriodoNordeste08/04/1994,p.15.

32ObairroPraiadeIracemapossuiomelhorserviçodetransporteurbanodeFortaleza,deacordocomdadosdaETUFOR(EmpresadeTransporteUrbanodeFortalezaS/A).Apartirdeleépossíveldeslocar-separaqualquerumdosseteterminaisdeônibusquecompõemosistemaintegradodacidade.

33AUECUM,associaçãoumbandistamaisantigadeFortaleza,serecusouatéomomentoaparticipardascomemoraçõesnaPraiadeIracema,alegandoresguardaratradiçãodafestanaPraiadoFuturo.

34InformaçãocedidaporPaisdeSantoematividadedecampodurantefestanosanosde2011-2016.

35HáreferêncianosperiódicosdeFortalezasobrefestasrealizadasempraiasdaRegiãoMetropolitanadeFortalezaeemmunicípios litorâneosdoestado.PaiseMãesdesanto tambémfazemreferênciaa locaisondeafestadeIemanjáérealizadasemreconhecimentooficiale,portanto,semasegurançanecessária.

OIR,OVIREORECOMEÇAR:PEREGRINOSSERGIPANOSNAJORNADAMUNDIALDAJUVENTUDE2013

ELIÉTEFURTADOCECÍLIOESILVANúcleodeTurismoUFS

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MARIAAUGUSTAMUNDIMVARGASProgramadePós-GraduaçãoemGeografia

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INTRODUÇÃONosso estudo buscou a análise das relações vividas e percebidas pelos

peregrinos sergipanos, relações essas que na Geografia tomamos comoterritorialidades. A territorialidade exposta por Sack (1986), que deve serreconhecida como uma ação, uma estratégia de controle, bem como aterritorialidade religiosa, como “o conjunto de práticas desenvolvidas porinstituiçõesougruposnosentidodecontrolarumdadoterritório,ondeoefeitodopoder do sagrado reflete uma identidadede fé e um sentimentodepropriedademútuo”,comocolocadapor(ROSENDAHL,2005,p.07).

Todavia, foi no território encarnado de relações simbólicas da JornadaMundialda Juventude (JMJ)queobservamoso fortalecimentodas experiênciasreligiosas.Ocaminhofoiextenso,comaocupaçãodediferentes locais,atravésderoteirosturísticoseatravésdevivênciasedeinfluênciasdosvalorescristãoscom pessoas de outros estados doBrasil e de outros países.Nesse contexto acentralidade de nossa pesquisa situa-se no entendimento da vivência, daspráticas, da construção dos relacionamentos, das territorialidades presentes,balizadas pelos seguintes questionamentos: i) como se deu aconstrução/preparação dosmovimentos leigos sergipanos para a JMJ; ii) quais

territóriosforamcriadosparaepelosperegrinosnaJMJ;iii)comosederamasrelaçõeseasvivênciasdosperegrinossergipanoscomosdemaisparticipantes.

Procuramosapresentarasrelaçõesvividasepercebidasnastrêspartesquecompõemo presente artigo.Na primeira sintetizamos “no ir” osmomentos queantecederam a JMJ, com a experiência de peregrinos franceses na Diocese dePropriá, no sertão sergipano; “o vir” ilustra a participação dos peregrinossergipanos na JMJ, o congraçamento, o turismo e o consumo, as experiênciastrocadas durante o evento no Rio de Janeiro nos diversos territórios“construídos” e, “o recomeçar” traz os feitos e as vivências após a JMJ, acontinuidadepormeiodoseventosrealizadosnascomunidadescomocongressoseorganizaçãodoDiaNacionaldaJuventude.

Na segunda parte é apresentada a metodologia, com destaque para osesforços em oferecer ferramentas que relacionem o teórico e o empírico, osaportes teóricos-metodológicos construídos e que deram sustentação a nossasanálises.E,naterceirapartetecemosasconsideraçõesprocurandoapresentarasreflexõesquevieramàtonanaconclusãodenossadissertaçãodemestrado.

AJORNADAMUNDIALDAJUVENTUDEEMTRÊSTEMPOSAsatividadesdescritasdoIr,VireRecomeçarvãoalémdostemplosedo

soar dos sinos, pois foram atividades que aconteceram em diversos tempos eespaços,emqueasacralidadesematerializoupormeiodossímbolos,dasaçõescoletivasedosernavidadooutro.Nessaconjunturaderelações,oterritórioemSergipe,duranteaSemanaMissionáriadepreparativosparaaJMJ,seconstituiuenquantoinstituiçãoeidentidadesocial,comoexplicaGilFilho(2005):

Aigrejaétantolugarsagradoquantoidentidadesocial.Enquantolugaréamaterialidadedosagrado,e,comoidentidadesocialéseuconteúdopersi.Tantoamaterialidadecomoconteúdo são amalgamados pelas relações de poder. A igreja como ser institucional,apropria-se tanto do lugar quanto dos seus atores sociais. Em uma primeira instância,altera o lugar em território, e em uma segunda instância submete os atores sociais àhierarquiadecleroeleigos,compertençareligiosadefinida(p.04).

Asrelaçõesdepodercitadaspeloautorperpassaramnossasanálisesdurantea Semana Missionária sergipana e foi primordial para o nosso estudo sobreterritórioe territorialidade.TodososconteúdosapontadosporGilFilho(2005)foramidentificadosnestafase,asaber:amaterialidadepelomeiodossímbolos,os itineráriospercorridospor eles, a configuraçãodeum território sagradoe apresençadosatoressociais,aquichamadospornósdeperegrinos,bemcomoahierarquiadocleroeleigosnaorganizaçãodaJMJ.

OutropontodedestaquenaSemanaMissionáriaforamasrelaçõescoletivase individuais construídas durante esse período. Este fenômeno coletivo foitecendofiosparaumainteraçãodobemcomum,especificamentenomêsdejulhode2013.TantoaprogramaçãoorganizadapelosMinistériosjovensepelaIgrejaquanto a captação dos recursos, foram momentos importantes para nossasreflexõessobreaspráticasevivências,construídasduranteoeventodaJornada.Neste sentido, umdos acontecimentos que antecedeu a Jornada foi o “Bote fé”comacruzperegrinaeíconedeNossaSenhoraquesaiudeRoma,sedecatólica,e viajou por todo o Brasil visitando as principaisDioceses, uma tradição quecomeçouem22deabrilde1984poriniciativaJoãoPauloII.

Entreosanosde2011e2013estessímbolosfizeramumatrajetóriaportodooBrasil,sendoestaumadasprimeirasprogramaçõesocorridacommobilizaçãocoletiva envolvendoo local.Opercurso da cruz envolveugrandes distâncias ealcançousignificativoscontingentesdemográficosalcançandoosobjetivosqueaIgrejapretendeuabranger.SaqueteSposito(2009.p.59)apontamque“[...]oque“define” territórioéemprimeiríssimo lugar,opoder [...]”, issonãoquerdizer,porém,queacultura(osimbolismo,asteiasdesignificados,asidentidades)nãoestejam comtemplados. São esses os elementos e aspectos visivelmenteidentificadosnopercursodacruz.

Aperegrinaçãoda cruz edo íconedeNossaSenhora selouoficialmente aabertura da JMJ nas Dioceses de todo o país e conseguiu mobilizar nascomunidades muitos jovens que se dispuseram a participar das celebraçõesreligiosas,comoasmissas,procissões,passeataseshows.Observamosqueessas

manifestações têmumarepresentatividadeparaaspessoas,poishomenagearumsímbolo que remete a significados coletivos é uma das maneiras de se fazerpresenteecultuaroqueelerepresenta,nessecaso,aforça,avidaeasalvação.

Estava previsto na programação da Semana Missionária em Sergipe oacolhimentodeestrangeiros,oqueefetivamenteocorreu.Osjovensmissionáriosfranceses que chegaram ao Estado tiveram oportunidade de acompanhar comovivemosirmãosnosertãopeloconvívioemsuascasase tambémcomtrabalhomissionárioquesedispuseramparticipar.

Aparticipaçãodosfrancesesfoiimportanteparaaintegraçãodosperegrinossergipanos, que tiveram a oportunidade de conhecer outra cultura através detrocas e informações sobre comidas, danças e serviços missionários, dentreoutros. Os sergipanos foram guias de novas experiências (como o passeio noLago Xingó) para pessoas que não conheciam a realidade do semiáridovivenciada nomunicípio de PoçoRedondo, situado no sertão sergipano, o quefavoreceua solidariedadeeestreitamentode laçosde fraternidadepormeiodetroca de presentes, de conhecimentos e da disposição em vivenciar momentosdistintos.

Os relatos dos moradores de Poço Redondo bem como das famílias queacolheramosfrancesesdemostramtersidoumaexperiênciapositivapeloslaçosdeamizadecriados,pelaslembrançasdasbrincadeiras,quecomefeito,foitecidaumaredecomamigosqueconstruíramlaçosefortaleceramseusterritóriosesuasterritorialidades.

Figura01–DiaDeLazerComOsPeregrinosFranceses–LagodeXingó,CanindéDeSãoFrancisco,Sergipe,2013

Fonte:acervodosautores,2016.

Ocongraçamentosedeudeformamuitoespontânea.Nasatividadesextras,os franceses foram para Canindé de São Francisco, conheceram a comunidadePortelinha, uma comunidade muito pobre, como nos explica Gilmar, oresponsávelpeloacolhimento:“Depoisdeenxergartantosofrimento,mostramosas belezas do Rio São Francisco, que são os ‘Canyons’1, saíram felizes eadmiradoscomasbelezassergipanas”.Éissoqueexpressaafigura01,aalegriaabordodeumcatamarãquefazarotanaRepresadeXingó.

O evento da JMJ nos proporcionou uma análise da escala local à global.Aprendemosaescalalocalpormeiodasterritorialidadessergipanas;oentrelaçardas vivências e lutas embusca do objetivomaior, a ida aoRio de Janeiro; asnovasamizades;opreocupar-secomooutroeotrabalharjunto.Aescalaglobalseapresentapelasexperiênciascomosfranceses,quenosenriqueceramcomsuapresençaeporestaremabertosaconheceraculturasergipana.NoRiodeJaneiro,do local ao global, a JMJ reuniu pessoas de diversos lugares do Brasil e domundo,conformandonovosterritórioseterritorialidades.

O que muda esta fisionomia é a aglomeração dos peregrinos, que vão sesomandonosentidodereunirem-seaosdemais.Sãoosfrancesesquesesomamaos sergipanos, que somam aos outros brasileiros, que se somam a todos osparticipantes da JMJ. Os sergipanos na JMJ, objeto do nosso estudo, foramacompanhadosduranteoseventospreparatóriosdaJMJ,nasdiversaslocalidadesde Sergipe, se instalaram em diferentes locais no Rio de Janeiro, abertos ao

convíviocomasdiversasnacionalidades.Emnossapesquisadestacam-se tambémas atividades religiosasque estão

ganhandoexpressãoerecebendomaioratençãodoturismoreligioso,qualseja,aperegrinação. Segundo dados da Organização Mundial do Turismo (OMT), aperegrinaçãoocupao quinto lugar nasmotivações para viagens.Ela provocaodeslocamento de pessoas de seus locais de moradia por motivações diversas,aconteceempequenosoulongose,comodestaca,Lopes(2006):

Aperegrinaçãoa lugares sagradoséumadasmaisantigas formasdeviajar.NaGréciaAntiga já ocorriammanifestações do que podemos denominar de turismo religioso, comperegrinações para regiões como Delfos[...]. Durante a Idade Média cresceram asviagenspormotivaçõesreligiosa,peregrinaçõesalugaressantoscomoRoma,JerusalémeSantiago deCompostela. Em outras partes domundo ocorriam peregrinações a lugaressantospromovidosporhindus,budistas,mulçumanoseoutrascrenças (LOPES,2006,p.18.).

Essaprática antiga semantémcomo instrumento de fé de várias religiões,arrastando multidões para lugares sagrados, que se transformam nas datasespeciais. Com relação à religião católica, Aragão (2011, p. 44) elaborou umquadrocomparativodealgumasfestasecidades-santuáriosnoBrasil,como:i)afestadeNossaSenhoradeNazaré,comemoradanomêsdeoutubroemBelém/PA,commédiadevisitantesdedoismilhõesetrezentasmilpessoasnoanode2011;ii) a romaria a Padre Cícero, nos períodos de fevereiro, julho, setembro enovembro,moveparaJuazeirodoNorte/CEdoismilhõesdepessoasemregistrofeitonoanode2010;iii)NossaSenhoraAparecida,nomêsdeoutubro,nacidadedeAparecida/SP,recebeemtornodedezmilhõesanualmente,segundoregistrosde 2010. Ainda conforme Aragão (2011, p. 44.), outro santuário de muitodestaque é o do Divino Pai Eterno (GO), recebendo milhões de devotos ecrescendoacadaano.

Percebemosqueessefenômenoreligiosoestápresentenosváriosperíodosdahistóriaeacreditamosqueasperegrinaçõesmaisdivulgadasaindahojesãodecatólicos e muçulmanos, que continuam incentivando essa prática religiosadevocionalparaosprimeiros,eobrigatóriaparaosmulçumanos.QuantoaRoma

e Jerusalém, continuam sendo os polos religiosos mais visitados do mundo, asegundapor resguardarahistóriaeoscaminhosdeCristoeaprimeirapor sersede do Vaticano e possuir muitos atrativos que agregam outros tipos desegmentosturísticos.

AcomunidadeObradeMaria,quetemcomoslogan“ObradeMaria–maisque viagens – Encontro com Deus”, ofereceu um roteiro para os peregrinossergipanosdeumlongopercurso,saindodeSergipeparaSãoPauloedeláparaoRio de Janeiro, oferecendo atrativos religiosos como: passagem pela FazendaEsperança2;visitaaGuaratinguetáparaconhecerahistóriadeFreiGalvão,visitaaosantuáriodeNossaSenhoraAparecidaeàsinstalaçõesdacomunidadeCançãoNova. No Rio de Janeiro, o percurso estendeu-se até a cidade de Petrópolis.Participaram desse percurso longo peregrinos das três Dioceses existentes emSergipe – Aracaju, Própria e Estância –, que desfrutaram, ainda, de visitas apontosturísticoscomomuseuseparques.Essediferencialderoteirofoiumdos“atrativos motivacionais” que justificou o interesse de muitos sergipanosaderirem,sobretudo,compreçosmódicosepartirememcomboiode10ônibus.

Emnossasentrevistas,verificamostrêsgruposdeperegrinos:aquelesqueseencaixam nas duas categorias de turista e de peregrino da JMJ; aqueles queassumiramseuposicionamentodeturistaseaquelesquedisseramnãoteremfeitoturismoesim,sededicaramapenasaoeventocomoperegrinos.Nessesentido,asperegrinaçõesinteragiramcomoturismoreligioso,quetemnoperegrinomodernonãosomentepeloritualdecumprirsuaspromessasevisitar lugaressantos,masporque agregaram em suas visitas oportunidades de conhecer e consumir osprodutosoferecidosnaslocalidadesvisitadas.

Oslugares-símbolo,enquantoportadoresdeidentidadesocial,podemseraprópria base dos territórios; nesta base simbólica foi construída umaperegrinação com semelhanças e diferenças, que, com suas territorialidades,prosperouecontribuiunaspráticasevivênciasdoperegrino,comomostradonaFigura02,algunsflashesdaperegrinaçãodosjovensnoRiodeJaneiroquando,porsegurança,todooeventofoidirecionadoparaapraiadeCopacabana,devido

àsforteschuvas.

Figura02–PeregrinaçãodosjovensparaapraiadeCopacabanaRiodeJaneiro,2013.

Fonte:TrabalhodeCamponaJMJ,2013-RG:SILVA,E.F.C.

Um território exemplar construído pela CNBB (ConferênciaNacional dosBisposdoBrasil),comautorizaçãodoPontifícioConselhoparaosLeigos,órgãodoVaticano,correspondeuàsinstalaçõesdaExpoCatólica.Tratadacomoevento,ela aconteceu no Centro de Exposições Riocentro, ocupou 200 mil metrosquadrados e foi visitada peloPapaFrancisco.O local também foi chamadodeCidadedaFéeaconteceunoperíodode20a26dejulhode2013.OsexponentesentrevistadosrelataramaimportânciadesuacomunidadeapresentarseutrabalhoeseusprodutoscomoCDs,livros,artesanatos,dentreoutrosprodutos,bemcomoangariarfundosparaacomunidadeaqualpertencem.Estaobservaçãotambémfoifeita por missionários e visitantes que expuseram a forma com que suacomunidadeescolheuviverdependendodedoaçõeseaquisiçãodeseusprodutos.Todavia, um peregrino sergipano observou a forma comercial, referindo-se aExpoCatólicacomoumaempresa.

Éumdosmodosdenossasobrevivência.Nósvivemosdaprovidência;nãotemossalários,vivemos da doação e na livraria colocamos nosso trabalho, nossos livros, camisetas,terços, e pormeiodosCDsdivulgamos amúsicadenossaComunidadeObradeMaria(M.A.,35anos,MissionáriadaObradeMaria).Existiam várias empresas de produtos religiosos, comunidades fraternas,congregaçõesreligiosas,aCançãoNovacomsuamissãooShalom,TocadeAssiseoutras(W.J.S.,34anos,FuncionárioPúblico).

Esseterritóriotemporariamenteconstruídomostrouoperegrino,consumidorde bens e serviços religiosos. Os peregrinos sergipanos destacaram que anecessidade da compra não é o simples ato de comprar para adquirir, mas ocomprarpararepresentarsuafé.

Aseconomiasreligiosassãocomoeconomiascomerciais,nosentidodequeconsistememum mercado de consumidores potenciais e concorrentes, em um conjunto de “firmasreligiosas”queprocuramserviraquelemercadoeemlinhasdeprodutosoferecidospelasdiversasfirmas(STARKBAINBRIDGE,2008.p.215-216).

Analisamos que na JMJ essas firmas estavam presentes em todas asexposições,desdeaorganizaçãodaprópriafeiraatéosorganizadoresdosstands,quesãoascomunidadesquevenderamseusprodutos.

SegundoodiretordaPromocat,FábioCastro,a“CidadedaFé”foiumgrandeencontrodeatividadespertinentesàfécatólica,somando-seàJMJ.“Porumaquestãoestratégicaelogística, todas as atividades anexas foram projetadas com o objetivo de otimizar essagrande ação católicamundial”, <http://www.cidadedafe.com.br/riocentro> disponível em2013acessadoem14/07/2014.

Fábio Castro destacou o potencial domercado religioso ressaltando cadavezmaissuaorganizaçãoforadasigrejas.Oqueanteserafeitodeformasimples,hoje já está tomando novas formas de economia e geração de renda, conformeocorridonaExpoCatólica.A figura03 evidencia esse consumo, demostrandoopoderdessemercadoedoconsumonessaeconomia religiosaqueestápresentenos eventos, em peregrinações e em suas próprias lojas fixas de artigosreligiosos.

Figura03–ProdutoscomercializadosnaExpoCatólicaRiodeJaneiro,2013.

FONTE:TrabalhodeCamponaJMJ,2013.

OpotencialdomercadoreligiosofoianalisadoporRaffestin(1993)quandoafirmou que a capacidade da igreja de gerenciar, como organização, nãodiferenciadasestrátegiasdeoutrosmercadosqueinvestememseusprodutosenomercadoconsumidor.OutracaracteristicadefinidoradesteperfildoqualoautorrelatanasmanifestaçõesdavidapodeserobservadonoFestivaldoTurismo,queaconteceuconcomitatementecomaExpoCatólica.

Três atos culturais estiveram neste espaço: as trilhas ecológicas, osItineráriosdaFéeavisitaapontosturísticos.OsItineráriosdaFéconstaramdevisitas guiadas em 34 igrejas da cidade. Nas trilhas ecológicas, os peregrinospuderam fazer caminhadas sob a coordenação dos escoteiros. E, os pontosturísticosacolheramosperegrinoscomumaprogramaçãoespecial,comvisitaçãoaoCorcovadoeaoPãodeAçúcar.

OsstandsnoFestivaldeturismodaExpoCatólicaforamorganizadoscomoobjetivodedivulgaros roteirosde todooBrasil.Foi,portanto,umarealizaçãoimportantenocontextodo turismoreligioso.Nessesentido,destacamosopapeldedeterminadas comunidades comoObra deMaria emparceria comaCançãoNova.

Vale destacar que a Obra de Maria, assim como a Canção Nova e aComunidade Shalom foram fundamentais para a garantia de deslocamento dosperegrinos sergipanos e de outros Estados do Nordeste. A Obra deMaria foiresponsávelpelaparticipaçãodecincomilperegrinosnordestinosedezmilemtodoopaís.

Observamosque todososEstadosparticiparamdoFestivaldeTurismodaExpoCatólica expondo seus roteiros religiosos. Descrevemos esses roteirosapresentadosemstands (Figura04),comênfase,nesseartigo,paraoEstadodeSergipeque trouxecomo“SergipeEncantador”.Ospainéisdestacaram imagensdas festas religiosas mais populares tais como a festa de Divina Pastora nomunicípiodeDivinaPastora;aprocissãodoSenhordosPassosnomunicípiodeSãoCristóvão;adeBomJesusdosNavegantesemPropriáe,adeNossaSenhoraAparecidanomunicípiodeNossaSenhoraAparecida.

Figura04–StanddoEstadodeSergipenaExpoCatólica–RiodeJaneiro,2013.

Fonte:<www.google.com.br>/expocatolicapublicadaem2013Disponívelem:30jul.2013.

A cidade de São Cristóvão, tombada como patrimônio da Unesco, foimostradaatravésdesuaarquitetura religiosacomdestaqueparaoMemorialdeIrmãDulce,queiniciousuavocaçãonaCongregaçãodasIrmãsMissionáriasdaImaculadaConceiçãodaMãedeDeus,noConventodaNossaSenhoradoCarmo.ValeressaltartambémqueoprocessodebeatificaçãodeIrmãDulcesedeuporcontadomilagreocorridoemterrassergipanas,ondeumasenhorasobreviveuaopartoapósumafortehemorragia.OutropaineldestacouacidadedeLaranjeiras,comoteatrodaSemanaSanta,aprocissãodofogaréuesuasigrejasseiscentistas.

Omunicípio deCarmópolis foi destaque pelo seu complexo turístico religiosocomMosteirodosFradeseMonjasCarmelitas.

Retomando a visitação a pontos turísticos destacamos os depoimentos dosperegrinossergipanosquedesfrutaramoPãodeAçúcar,afeiradoSaara,feiradeSão Cristóvão, Madureira, museus, exposições, Maracanã, Lapa, restaurantes,praiasdeIpanema,Copacabana,RecreiodosBandeirantes,masqueaprenderamessesmomentos demaneira diferente.Alguns assumiram o “turismo religioso”,outrosresistiramaessetermoporacreditaremqueestavamapenas“conhecendo”acidadeeoqueelaproporcionademelhor.

Assim,nospontos turísticos tinhammuitaspessoasdaJornadaque tomaramoRiotodo. Então para mim, não sendo locais religiosos eles se tornaram, porque aspessoas que foram para a Jornada se encontraram lá. Acho que muitas pessoasparticiparam como turistas, mas vi também pessoas que foram com a intenção deviverrealmenteessagraçadaJornada(A.P.A.S.,18anosestudantedenutrição).Algumaspessoas,mastenhocertezaqueamaioriafoiparaoeventoreligioso.Umevento que evangelizoumuita gente que era ateu. Evangélicos se converteram aocatolicismo.Não foram só pelo turismo, acho que 90% foi por causa da jornadaporquesãocatólicosedemostramsuafé(A.M.,27anos,missionáriodoShalom).A gente fez um passeio turístico, mas ao mesmo tempo conhecemos um pouco dahistória.EstávamosemumEstadodiferente.Eraaprimeiravezqueestávamosindoe também, o RJ faz parte da História do Brasil. Tínhamos esse interesse. Porexemplo, o Jardim Botânico que é tão importante para o RJ e para o Brasil.Procuramosconhecerpraçasmonumentosatépelovalorhistórico.Euacreditoqueparticipamos como turistas porque onde passamos tinha gente com a mochila esempre quando a gente passava o pessoal sempre perguntava: você foi lá? e oCristoRedentor“fechou”exclusivamenteparaaJornada15diasantes(F.C.M.,21anos,estudantedeletras).

Assimaprendemosasdiversasopiniõesdosperegrinossergipanos.Algunsacreditaramqueoturismofoiapenasumitemquechamouaatenção,nestecaso,agregandoumavisitaaoCristoRedentor,quefoivistocomoumarepresentaçãodaféenãocomopontoturístico,ouquepormeiodapresençadosperegrinos,olocalsetransformouemumaextensãodaJMJ.

Foi aquela folia junto com os Venezuelanos, 90% das pessoas que estavam noCristo eram da Jornada.Na descida, a gente encontrou os dinamarqueses.OlharparaoCristofoiumaexperiênciadaprópriaJornadaqueeraDeusqueabraçavaomundo(G.N.S.,19anos,estudanteuniversitário).

Da mesma forma, no Maracanã, parte dos peregrinos se posicionaramdemonstrandoasatisfaçãodeestarnolocalvalorizadonacionalmentecomoumadas paixões do brasileiro que é o futebol. Visitar o estádio gerou satisfação,principalmente por ser um dia de jogo do Flamengo contra o Botafogo,contagiandoprincipalmenteoshomens.

EufuiassistiraojogodoBotafogoeFlamengo.Eusouflamenguista,massótinhavaga na torcida do Botafogo. Nunca sofri tanto de não poder torcer. Foi umaemoçãoestarnomaracanã,tenhoosingressosatéhoje(G.N.S.,19anos.estudanteuniversitário).NãotenhopalavrasparadizeraemoçãoquedávocêirparaoMaracanãassistiraum jogo do Flamengo, minha filha! Muito massa! Muito massa mesmo! Cheio degentefoimuitobommesmo(H.J.B.,18anos,estudantedeGeografia).

Um entrevistado se posicionou novamente com o simbolismo religioso edisse que o estádio foi extensão da Jornada. Quando questionado o porquê, omesmorespondeuqueocomportamentoeradiferente,aquantidadedeperegrinosnoestádioera tão forteque soltaramumgrito“estaéa JuventudePapa”,“Rei,Rei,ReiJesusénossoRei”.Nãotinhaviolência,estavamtodosempazeessesfatos transformaram o local em uma apropriação da Jornada conforme relatoabaixo.

AssistiaojogodoFlamengo.Naverdade,agenteestavaenvolvido,emtodoolugarqueagenteiatinhagentedaJornada,nãotinhacomodesvincular,apesardenãoestar no espaço religioso, estávamos envolvidos por essa religiosidade, não tinhajeito.(L.G.,26anos,professoremEnsinoFundamental).Fui ao Maracanã no domingo à tarde, minha filha! Eu acho que todo mundoresolveuirnessejogo.JátinhaacabadoaJornadaefoimuitointeressanteporquea jornada continuou lá no Flamengo e Botafogo no maracanã (M. A., 35 anos,missionáriadaObradeMaria).

Apósas“obrigações”cumpridas,operegrinosepropôsadesfrutaroqueoRiode Janeiroproporcionava.Notamosnessepontoumdiferencialdosdemaisperegrinos comuns nas festas devocionais. Peregrinos que outrora viajavamapenasporobrigações religiosas agora sepermitiamaproveitaroquea cidadeproporcionacomoparques,feiras,restaurantes,praias.

[...] ressalvadoso turismode fériaseo turismodenegócios,o tipode turismoquemais

cresce é o religioso, porque – além dos aspectos místicos e dogmáticos – as religiõesassumem o papel de agentes culturais importantes, em todas as suasmanifestações deproteçãoavaloresantigos,deintervençãonasociedadeatualedeprevençãonoquedizrespeitoaofuturodosindivíduosedassociedades(ANDRADE,2002,p.79).

Conformereferência,aIgreja,atravésdesuascomunidades,setransformouem agente cultural, promovendo destinos e proporcionando deslocamentos.Possibilitoutambémnovasexperiências.

Após viver duas semanas intensas de pré-missão e na JMJ, chegou omomentodo retornopara suas casas epara as comunidadesqueestão à esperadosfrutosgerados.Essemomentoéimportanteparaosperegrinosqueassumiramocompromissode“Ideeevangelizai”,principalmenteparaascomunidadesquefomentaramamissão.AcomunidadeShalompromoveueventoscomoobjetivodedar continuidade às “missões” de evangelização pregadas durante a JMJ e, deformaespecial,solicitadaspeloPapa.Acompanhamosacomemoraçãodeumanoapós a JMJ celebrada pela comunidade Shalom, bem como em todo o Brasilhouvecomemoraçõescommissaseshows.

EmAracaju,acomemoraçãofoifeitacomosirmãosderuaquemoramnosarredores da Catedral. Acompanhamos também o Dia Nacional da JuventudeorganizadopelaArquidiocesepormeiodosetorjovem.Oeventoofereceuváriosespaços de forma que o jovem pudesse ter um dia de lazer, confraternização,brincadeiras, showsculturais comoaAlowvadeiraeMarcosPaulo (CN), alémdaatraçãonacional,LancianoLima (SP)–Músico,compositordaFraternidadeTocadeAssis.Ademais,durantetodoodiaosjovenstiveramaoportunidadedeconheceroutrosjovens,departiciparouassistiràsatividadesculturais.

Figura05–ComemoraçãodaArquidiocesenaFeiraVocacionalnoDiaNacionaldaJuventude,AracajuSergipe,2015.

Fonte:TrabalhodeCamponoDNJdeAracaju2014.

Nas tendas montadas dentro e fora do pátio da Igreja (Figura 05)observamosaexposiçãodaFeiraVocacionalquemostrouseumovimentopastorale de outras comunidades. Foi uma oportunidade que os jovens tiveram deconhecermelhoroqueaIgrejatemdeserviço,eparaquepudessemescolher.Édessa forma que a Igrejamotiva o pertencimento da religiosidade e a vivênciadoslaicatos.

Foi importante observar e participar do Dia Nacional da Juventude paraperceberosterritórioseasredesconstituídasentreossergipanos,eavaliarsuasparticipações nos eventos locais. Apesar da quantidade de participantes sermenor, os ritmos são parecidos com os ocorridos na JMJ, com religiosidade,teatroseshowsquevalorizamaspessoasdacomunidade.Missaseadoraçãoemmenor número, mas com o mesmo embasamento, fé, cultura e partilha.Participamos de 02 DNJ no ano de 2014 e 2015 de congresso da RenovaçãoCarismática, reuniões de grupos de oração para acompanhar como seriamaplicadasasrecomendaçõesmissionáriastrabalhadasnaJMJ.

METODOLOGIADAPESQUISAApesquisa configurou-se como qualitativa. Identificamos os grupos leigos

daComunidade Shalom, Jovem doDiscípuloAmado,CançãoNova eObra deMaria como sujeitos e objeto de nossa análise e acompanhamos a visita deperegrinosfrancesesquetomaramSergipecomoaprimeiraetapadaperegrinação

paraaJMJe,asatividadesdesenvolvidascommoradoresderuanoDiaNacionalda juventude como extensão da JMJ. Foram realizadas 57 entrevistassemiestruturadas e participei como integrante do grupo Shalom na comitiva deperegrinossergipanos,sujeitoeobjetodaanálise.Nessecontexto,utilizamosdediário de campo e de registro fotográfico como instrumento de captação dosterritóriosedasterritorialidadesconstruídaspelaIgrejaepelosperegrinos.

Com o enfoque da análise nos conteúdos posta pelos textos, fotos edepoimentosnosorientamosdeacordocomosbalizamentosdadosBardin(1977p. 95) e, elaboramos um quadro com a relação dos conteúdos do roteiro deentrevista, mas também, observamos em nossa análise, as entrelinhas,manifestaçõescorporais,sensações,sentidoseolhares,oentrelaçardosfatos,ashistóriasrelatadascomdetalhes.Estesforaminstrumentosdealcanceparanossosconteúdosanalisados.

Quadro01–AnálisedosConteúdos

Fonte:Trabalhodecampo,2013.

Para caracterizar o perfil do peregrino foram levantadas e registradasinformações gerais tais como: nome, e-mail, dia da entrevista, idade, sexo,ocupação, escolaridade, e se participou de outras Jornadas.Todos esses dadosforamtrabalhadosemumaplanilhadoExcel.Essasinformaçõesnosofereceramaportesparaidentificaroperegrinosergipanonouniversodepesquisa.

Nossos entrevistados representaram todas asDioceses de Sergipe. Com aparticipação nos eventos, conseguimos reunir em nosso universo pesquisadoperegrinos de quatorze municípios: Aracaju, Porto da Folha, São Cristóvão,Moita Bonita, Itabaianinha, Santo Amaro das Brotas, Umbaúba, Lagarto,Laranjeiras, Cedro de São João, Pirambu, Salgado, Estância, Poço Redondo,

Laranjeiras,SalgadoeLagarto.EssavariedadedemunícipiosfoiimportanteparaperceberasdiferentesrealidadesvividaspeloperegrinonoEstadodeSergipeepara aprender como se deu o desenvolvimento dos peregrinos nas diferentesDioceses.

Dosperegrinosqueentrevistamos32sãodosexofemininocomidadeentre16 anos e 42 anos, apenas duas casadas; 25 são do sexomasculino com idadeentre18e34anos, apenasumcasado.Quanto àocupação, analisamosque sãoprofissionais de nível superior das mais diversas áreas, como farmácia,bibliotecária, oficial de justiça, fisioterapeuta, funcionário público, fiscal detransporte,autônomoemissionário.

Registrou-se que seis entrevistados já haviam participado da Jornada queaconteceuemMadri,naEspanha(2011),eforammotivadosaparticipardaJMJdo Rio de Janeiro assumindo a responsabilidade de divulgação, formação decaravanas e promoção para recursos. Percebemos também que os 06 queparticiparam em Madri e no Rio de Janeiro estavam decididos a estar emCrácovia (sede da próxima JMJ em 2016), dois deles já tinham assumido oparcelamento das despesas. Mas o que prevaleceu foi a participação dossergipanosnaprimeiraJMJtotalizando49pessoas.

Quanto ao deslocamento, houve uma diversidade de grupos que sesubdividiramem:

•Caravanasdeperegrinosdascomunidades;•PeregrinossergipanosqueforaminseridosnascaravanasdeRecifeeFortalezaporqueemAracajunãotinhamaisvaga;•Gruposaéreoscomascomunidades;•Individuaisqueorganizaramsozinhosacomprapelainternet.

Os motivos foram diversos: os que se organizaram com antecedênciaconseguiram vagas e uma forma melhor de pagamento, fazendo com que operegrino tivesse mais prazo para quitar a dívida; outros que, por opção eidentificação,resolveramviajarcomoutrosgruposouaindaporqueonamoradoeradeFortaleza.

Observou-se que no deslocamento e estadia da JMJ, alguns participantesassumiramfunçõesquesedividiramentregrupos,quaissejam:i)guiadeturismoeresponsávelpeloalojamento,geralmenteosmissionáriosqueacompanhavamacaravana e não puderam participar de todas as atividades desenvolvidas; ii)cuidadores que ficaram responsáveis pelos adolescentes; iii) voluntários quedoaramseutempoparatrabalharnaJornada.

Com essa análise percebemos as distintas formas de participantes eperegrinossergipanosenvolvidosnaJMJde2013.

CONSIDERAÇÕESFINAISNo Brasil, é inegável a influência do Catolicismo desde seus primeiros

registros. A Igreja tem influenciado o povo brasileiro na constituição de seusvalores,naformaçãodafamília,naatuaçãopolíticaeemtodasasdimensõesdavidasocial,econômica,culturaleambiental.

Analisamos que a IgrejaCatólica diferencia das outras Instituições por sefazer presente em vários setores, como público, privado, jurídico pormeio desuas celebrações, presença e influência. Os territórios ocupados e gerenciadospela Igreja se diferenciam devido a sua atuação na sociedade e pela forma degerenciarseusterritórios.

Diferentesterritorialidadesforamconstruídaspelaspráticasdosperegrinosvisto que não pudemos negligenciar a significativa participação do peregrinoenquanto consumidor dos espaços oferecidos pela JMJ assim como dos pontosturísticosdacidadedoRiodeJaneiro,mundialmentereconhecidos.

ObservamosqueaféeaforçadocatolicismosematerializaramemváriosterritóriossagradoscomoopalcocentralnapraiadeCopacabana,nascatequesesrealizadasenosmúltiplosmicroterritóriosdaFeiraVocacionaleaténoespaçodeconsumodaExpoCatólica.

Noque concerne ao turismo religioso, confirmamos este segmento na JMJlevando emconsideração três fatos: i) as definiçõesdaOMTeEmbratur; ii) a

aceitaçãodoperegrinocomotermo“turismoreligioso”;iii)oenvolvimentodascomunidadescatólicas/Igrejacomopromotora.

No que se refere ao fenômeno “turismo religioso” acreditamos ser umaatividade secular, mas quando inserida no contexto da JMJ em que a Igrejapromoveu o evento e as comunidades católicas assumiram o compromisso dodeslocamento dos peregrinos promovendo roteiros. “O turismo religioso” foipercebidopelosperegrinoscomouminstrumentodeevangelização,“umjeitoderezar”, fazendo com que muitos peregrinos nomeassem pontos turísticos comoumaextensãodaJMJ.

Os peregrinos sergipanos participaram de várias atividades sociais eculturais como intercâmbios, trocas de souvenires e também como turistasreligiosos, sem,contudo, seafastaremdacondiçãodeperegrino.OsperegrinossergipanossemantiverammotivadosecomprometidoscomasaçõesmissionáriastantoqueapósaJMJ,pudemosacompanharasatividadesporelesdesenvolvidasem 2014 e 2015, no Dia Nacional da Juventude. Nesse sentido afirmamos aimportância religiosa, social e econômica das práticas e vivências ocorridasdurante a JMJ, não somente para os peregrinos sergipanos, mas também nasescalasregionalemundial.

REFERÊNCIASANDRADE,J.V.FundamentoseDimensões.8ªEd.EditoraÁtica.SãoPaulo.2002.

ARAGÃO, I. R. “Vinde, Todas as Pessoas, e Vede a Minha Dor”: AFesta/ProcissãoaoNossoSenhordosPassoscomoAtrativoPotencialTurísticoem São Cristóvão- Sergipe-Brasil. Dissertação apresentada a UniversidadeEstadual de Santa Cruz (UESC). Área de concentração: Ciências SociaisAplicadas.Ilhéus–Bahia,2012

BARDIN,L.Análisedeconteúdo.1ªed.Brasil,1977

GIL FILHO, S. F. Geografia da Religião: O Sagrado como Representação.TerraLivre,Goiânia,v.24,2005.

LOPES, D. S. X. de. Trindade: “A capital da fé” Turismo Religioso emTrindade - GO. 2006, Monografia em Turismo - Centro de Excelência emTurismo,UniversidadedeBrasília,Brasília,2006

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ROSENDAHL,Z.TerritórioeTerritorialidade:UmaperspectivaGeográficapara o Estudo da Religião. In: ROSENDAHL, Z. ; CORRÊA, R. L. (Org.)Geografia:TemassobreCulturaeEspaço.RiodeJaneiro:EdUERJ,2005.p.191-226.

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SAQUET, M.; SPOSITO, E. (Org.). Territórios e Territorialidades: teorias,processoseconflitos.SãoPaulo:Ed.ExpressãoPopular,2009.

STARK,R;BAINBRIDGE,W.S.UmateoriadaReligião.SãoPaulo:Paulinas,2008.

1CânyondoXingó,localizadonosertãodoEstadodeSergipeficaa213kmdacapital.Alémdeseroquinto maior do mundo, é o maior navegável, formado por belas rochas areníticas.http://viagem.uol.com.br/noticias/2011/10/20/sertao-de-sergipe

2 A Fazenda da Esperança é uma comunidade terapêutica commais de 30 anos de experiência narecuperaçãodejovensdependentesquímicos.AvaliadacomoamaiorobradaAméricaLatinadesenvolvendoessaatividadeeajudandomilharesdefamílias,atualmenteseencontraem15paísesdoOcidenteaoOriente.Seutrabalhobaseia-senotripé:convivênciaemfamília, trabalhocomoprocessopedagógicoeespiritualidadeparaencontrarumsentidodevida.Disponívelem:<http://www.fazenda.org.br/institucional/quem_somos.php>.Publicadoem2009.Acessoem15fev.2016

OISLÃEAISLAMOFOBIA:UMESTUDOSOBREAREPRESENTAÇÃODEMAOMÉEMANIMAÇÕESESTADUNIDENSESDESUPER-HERÓIS

MARIOMARCELLONETODoutorandoemHistória(UFRGS)[email protected]

Osterroristassãotraidoresdesuaprópriafé,tentando,comefeito,desequestraropróprioIslã.OinimigodaAméricanãosãoosnossosmuitosamigosmuçulmanos.Nãoénossosmuitosamigos

árabes.Nossoinimigoéumarederadicaldeterroristasecadagovernoqueossuporta.GeorgeW.Bush

PERORAÇÃOA relação entre a religião, a representação midiática da mesma e os

interessespolíticoseeconômicosnamesmasãoumtoposdiscursivoconstantenasociedade atual. Não obstante, os discursos produzidos acerca das instituiçõesreligiosas, e por vezes das suas práticas, são constantemente atrelados a umaformarepresentativadoespaçosocialqueévistocomodeterminanteouindutordedeterminadasações.Nãoéporacaso,comoapontaJanAssman(1998)queo“paraíso” cristão remonte a um jardim belo e florido, e que a peregrinaçãopenosatenhasedadonodeserto,nocasodeMoisés.

De antemão, é preciso destacar que neste artigo não tentarei, de formaalguma,contraporasnarrativasfundacionaisdasreligiõescomassuaspossíveiscontrapartesverdadeiras,meuintuitoaquiépercebercomoosusosdosdiscursosfundacionaissedãoemumcontextoconturbadode“ameaçaterrorista”ecomoosmesmos podem ser facilmente realocados ao patamar de uma perseguição epreconceitos com determinados signos associados a alguma religião e/ou atoviolento.

Este trabalho busca discutir aspectos envolvidos na representação1 deMaomé2emumareleiturafeitapelaanimaçãoestadunidense“LigadaJustiça”.Aanimação em questão é uma parceria entre a Time Warner (multinacional do

entretenimento)eaDCComics(multinacionaldoentretenimento–principalmentedehistóriaemquadrinhoseanimações–detentoradosdireitoslegaisdediversossuper-heróisfamososnosuniversosdaficção),produzidaentreosanosde2001e2004.

Logoapósoatentadode“11desetembro”aocomplexocomercialdoWorldTradeCenter,nosEstadosUnidosdaAmérica,eduranteainvasãoestadunidenseaoAfeganistão (2001)e Iraque (2003),aanimação foiproduzida.Duranteesseperíododediversosconflitosmundiais,dareorganizaçãodomundoemquestõesgeopolíticas e a paranoia constituída pelo medo do terrorismo, a associação,simplóriaeignorante(nosentidopurodotermo),entre“islâmico”e“terrorista”passouaserumaconstante,comoafirmaBarber(2005).

Levados por essa onda conservadora e preconceituosa, na qual o medocomandouossentidoseosdireitosindividuais,foramclaramentedilaceradosporpolíticaspúblicasqueprometiamgarantir a segurançanacional3, a animaçãodesuper-heróisacabouporconstituirmaisumarcabouçoimagéticodarepresentaçãodeumadada“realidade”.Essapercepçãoda realidade,ou seja,doqueestariaacontecendonomundo,porpartedaanimação,atravésdereleituraseadaptaçõeséoobjetivocentraldestetrabalho.

A“LigadaJustiça”éumaanimaçãoque temmaisde52episódios,deemtorno de 20minutos cada um. A narrativa central deste desenho animado é osconfrontostravadosentreossuper-heróisconsideradososguardiõesdajustiçaeaquelesqueaelesseopõem.Fazempartedogrupodesuper-heróisosrenomadosBatman,Superman,Mulher-maravilha,LanternaVerde,Flash,MarcianoeMulherGavião.Cadapersonagempossuiumapersonalidadeeumacaracterística, todoscomumahistóriadevidadelimitada,nasquaissãocruciaisparaaformaçãodeseucaráterenaproposiçãodesuasatitudes.

HISTÓRIAEGEOGRAFIADASRELIGIÕES:ENTRECRUZAMENTOSConceber uma análise das representações de Maomé em uma animação

estadunidensedemandaumacapacidadeanalíticaapartirdereferenciaisquenãose prendam a rótulos disciplinares e/ou a questões dogmáticas com relação àproduçãodeconhecimento.Nestesentido,lidarcomoconceitodeespaçoesuarelação com as diferentes temporalidades (DIMÉO, 2007), a compreensão dofuncionamento e organização das religiões na sociedade (ELIADE, 2001), asdiscussõesacercadasdisputasdepoderelutasterritoriais(RAFFESTIN,1993),a compreensão do campodaGeografia dasReligiões (GILFILHO, 2008) e daHistória das Religiões (MATA, 2010), bem como o entendimento do Islã emrelação às interpretações sobre o fundamentalismo (BOFF, 2009) sãosustentáculosdestetexto,principalmentepormanteremumdiálogoconstanteentrediversas matrizes do conhecimento, permitindo, dessa forma, que eu enquantohistoriador realize uma análise da representação do espaço social do Islã emanimaçõesestadunidenses.

O ESPAÇO SOCIAL E A PAISAGEM COMO DEFINIDORES DEESTEREÓTIPOSEIDENTIDADES

Oepisódioqueescolhi como focodeanáliseneste textoénomeadocomo“CoraçõeseMentes”,divididoemduaspartesde20minutoscada.Onome,porsisó,jápermiteumareflexãoacercadoqueestáportrásdotítulodoepisódioequais demandas que o mesmo evoca ao proclamar um jargão tão comum àgeopolítica estadunidense no orientemédio no final do século XX e início dosubsequente, como argumenta Fred Halliday (2006). Na tentativa de tentarcompreender o arcabouço intelectual e político quepermitirama representaçãode Maomé da forma como veremos a seguir, faz-se importante termos oconhecimentodoquepensaumdosprincipaisprodutoresdaanimaçãoemquestãoa respeito justamente do episódio a ser analisado. Bruce Timm4 admite terutilizadoesteepisódioparafalardequestõespolíticas,elediz5que:

‘Corações ementes’ é, na verdade, fortemente influenciado por eventos reais, eventosespecificamenterecentesnoOrienteMédio.Porexemplo,háumecoevidentedoTalibãnacenaemqueosseguidoresdeDésperoestãoprontosparaassassinarumcidadãopor

posse de livros.Mas,mesmo lá, nós tivemosmuito cuidado para se certificar de que acena não iria sair comoumaofensa contra osmuçulmanos. Islã, como eu o entendo, érealmente uma religião muito tolerante, como religiões organizadas são. No entanto,extremistas religiosos, de qualquer denominação ou fé, que usam sua fé como umadesculpaparaodiaredemonizaraquelesquenãoconcordamcomeles,ousãodiferentesdeles, pode ser muito assustador. Então, novamente, as mensagens (existem duas) dahistóriasãomuitobásicas,edifíceisdeargumentar:1)‘cuidadocomosfalsosprofetas’e2)‘oódioéruim,oamorébom’6(grifodoautoretraduçãominha).

ApreocupaçãoqueBruceTimmalegaterpara“secertificardequeacenanão iria sair comouma ofensa contra osmuçulmanos” será o alvomaior destainvestigação.Arealocaçãododiscursodetolerânciaareligiõesedeintolerânciaao fundamentalismo leva, como argumenta Leonardo Boff (2009) a umaargumentação perigosa que tende a execrar uma religião em prol de leiturasdogmáticasdetextossagradosporpartedegruposradicais.O“cuidadocomosfalsos profetas” e “tolerância com o Islã, ele é bom” são discursos moraisestabelecidas pelos produtores da animação que reverberam em discursospolíticosemantêm-senumimagináriopopularatéosdiasatuais.A tentativadedesvencilharoIslãdoterrorismoéumaretóricacrescente,comosepodevernaepígrafe inicial deste texto, onde políticos, filmes e diversas outras narrativassociais secontrapõemediversificamno intuitodeencontrarumdistanciamentoentre sujeito e instituição religiosa. No entanto, as práticas a partir destaspremissas escambam, normalmente, para uma generalização do Islã, umestereotipoeumdiscursoexcludenteeautoritário,comtraçosdeidentidadeenãodealteridade,comoargumentoMicheldeCerteau(1995).

O episódio em questão inicia-se em um cenário diferenciado.A aridez, oterreno acidentado, montanhoso, desértico, com ausência de vida (no sentidoamplo) e com uma paleta de cores em tons amarelos.O lugar era chamado de“Kalanor”, nome ao qual não identificamos alguma influência externa,mas queprovavelmenteexista.Noentanto,nestacidadedesértica,ondeaáguapareceserum bem de luxo, era palco de uma missão especial da Tropa dos LanternasVerdes7,lideradosporKatmaTui.OobjetivodosLanternasVerdeseraaniquilarumgovernoautoritárioeteocráticoexistentenestelugar.Umaregiãocomandada

porumditadorchamado“Déspero”.Depoisdeumintensocombate,Katmasolicitaqueajudafossebuscadapara

evitarumaderrotaparauminimigotãopoderoso.ÉapartirdesteprelúdioqueaLigadaJustiçachegaaKalanoreodesenrolardoenredoacontece.Pormotivospessoais,LanternaVerde(JohnStewart)saiemsocorrodeseusamigosdaTropasemaomenosesperarumapoiomaiordaLigadaJustiçae,muitomenos,pensarem táticas e estratégias de derrotar Déspero. Minha análise focará nasrepresentações do espaço do sagrado e do profano, bem como na criação deestereótipos atrelados a determinadas visualidades do espaço e/ou práticassociais.

Para que esse exercício cognitivo funcione de maneira correta, é precisocompreender,antesdodesenrolardoepisódio,oqueosprodutoresdaanimaçãoestavampensandocomrelaçãoaoambienteondeoepisódiosepassa:oOrienteMédio.ParaBruceTimm8:

Esseéomundo,édoespetáculodeDéspero,éoplanetanataldeDéspero.Seumundodeveriarepresentarcomo,quasecomoumtipodemundodoOrienteMédioeentãonósdefinitivamente tivemos uma estética um poucoÁrabe, sabe, algumas das fachadas dacidade9 (LIGADA JUSTIÇA–EXTRA:Making JusticeLeague: Season 2, 00:06:52 –traduçãominha).

Essapreocupaçãoemexplicitaruma“estéticaárabe”,apartirdefachadasenoambiente,comodescrevianteriormente–desértico,montanhosoesemvida–temmotivos claros: aproximar ummundo ficcional de uma realidade existente,sem que para isso precise remeter diretamente a essa realidade. Com isso,quebra-se uma lógica estabelecida pela animação, nas quais os jogos deverossimilhança são sempre mais complexos e difíceis de saber se aquilo setratava de uma referência ao mundo real, ou não. Fica claro a tentativa doepisódioemdemarcaroespaçosocialaqueserefere:oOrienteMédioislâmico,dominado por terroristas fundamentalistas, fundadores de Estados teocráticos apartirdeprofeciasdedéspotas.

Valeressaltarqueonome“Déspero”(Despero,eminglês)nãofoiescolhido

ao acaso. A similitude sonora entre o nome do governando hipnotizador e dapalavra “déspota” (em inglês “despot”) é intencional, fazendo associar a ideiadaquele líder como alguém que mente e que precisa de subterfúgios desuperpoderesparagovernar.EmboraopersonagemDésperoremonteashistóriasemquadrinhosdaDCComicsdadécadade1960,asuaorigem,aambientaçãodeKalanor, antes uma cidade (semi)futurística, com diversos inventores e muitatecnologia, deu espaço para um lugar onde possivelmente o Talibã estivesseatuando.

Figura1–RepresentaçãodaarquiteturadoOrienteMédio

Fonte:LigadaJustiça:CoraçõeseMentesParte1,00:08:15min©2002DCComics,inc.

Nafigura1,destaqueium“frame”de“CoraçõeseMentes–Parte1”naqualépossívelperceberarepresentaçãodaarquiteturalocaldentrodaquiloqueBruceTimm chamou de “estética árabe”, marcada por casas simples, feitas de umaespécie de barro, sem muita adornação ou cores, com os tradicionais arcosarredondadosnasconstruçõesdeprédiosmaiores.

DesdeomomentoemqueLaternaVerdeaterrissaemKalanor,emumoutroplaneta10, a ambientação narrativa e especial do episódio se dá não só pelasformações imagéticas, mas pelo comportamento dos personagens. No final daprimeira parte do episódio é possível ver um jovem correndo de formadesesperada,sendoperseguidoporguardas.Asvestimentasdospersonagenssãomuitoassemelhadasathrobe11,construindoaespacialidadedovisívelnosentidodenominaraquiloqueédo“Outro”eaquiloquenãooé.Essejovemquecorre,em determinado momento é capturado pelos guardas. O motivo era o mais

impactantepossível:ojovem“contrabandeava”umartigoproibido:livros.A breve associação entre um cenário no OrienteMédio, num contexto de

“Guerra ao Terror”, com a proibição à leitura de livros permite inferir que aanalogiaentrepaísesdaquelaregião,regimesautoritárioseacensura,dominaçãoecontroledosmeiosdeacessoaoconhecimentosejamconstantes.Ospoliciaisaoapreenderemojovemdizem:“Oqueéisso?Contrabando.SabequeasleisdeDéspero proíbe a leitura” (Liga da Justiça – Corações e Mentes Parte 1,00:08:54).Proibiraleitura,nestecontexto,significariaproibirolivrepensar,aautonomia,oconhecimento.Umpreconceitoquesedesprendedaideiaderegimesautoritáriosevaiseassociaraoislamismocomoumtodo.

Figura2–Soldadosapreendendoumcontrabandistadelivros

Fonte:LigadaJustiça:CoraçõeseMentesParte1,00:21:34min©2002DCComics,inc.

Déspero é Alá na Terra. É um governante, um ser físico, mas ao mesmotempoumaentidadeespiritual.Érespeitadonãopeloconsensoouadesãoàssuasideias, mas sim por seu superpoder de hipnotização das pessoas. Esse sermisteriosoepoderoso,um“Outro”–numsentidoantropológicodotermo,apartirdas postulações de Certeau (1995) –, só poderia ser confrontado por umocidental:oLanternaVerde.Aoverasituaçãoqueestavaocorrendocomojovem“contrabandista de livros”, o super-herói estadunidense intervém atacando ospoliciaisepermitindoqueojovemfugisse.Tentouobterinformaçãocomorapaz,mas não obteve sucesso. O mesmo saiu em disparada gritando o nome de“Déspero”. Omedo e incredutibilidade na hipótese de alguém ter desafiado ostatuquodeDésperoficounítidonaexpressãodojovem.

Conforme Bruce Timm já havia sinalizado anteriormente, o jovemperseguidoestavafazendoalusãoalocalidadesondeoTalibãmantinhaocontrolepolíticoemilitar.EstavisãodoTalibã,deumgrupoautoritário,despótico,queproíbeleituras,quesótemocontrolesocialpoisdominaatodosatravésdeuma“lavagem cerebral” é uma representação imposta pelos produtores da Liga daJustiça. Este estereótipo reforça a ideia de terroristas cruéis e sem nenhumamotivaçãoracionalcontraacivilização,representadapelosEUAesuasforçasdecombate.A associação doTalibã como islamismo é evidente.A relação entreDésperoeseupovotorna-senotóriaocarátercósmicoesagradoexistenteali.Osritos, a devoção e omedo do profano.Essa vulgar associação e representaçãofeitapelaLigadaJustiça,emboratenterealocarodiscurso,direcionando-osparaos extremistas, resolveu usar um discurso religioso para tal, gerando umageneralizaçãoaindamaior.

Nestesentido,entenderqueoTalibã,segundoBarfield(2012),fazpartedeumgrupo insurgente fundamentalista islâmico,quese formouemtornode1994,tem grande influência no público universitário, contando com diversosintelectuais divulgando seus ideais. Suas bases da atuação centram-seprincipalmentenoAfeganistão,localondeconseguiramgovernarde1996a2001.O período em que esteve à frente do governo doAfeganistão foimarcado pormuitosconflitos,oprincipalsedeucomaGuerradoAfeganistão,em2001,logoapósoatentadode“11desetembro”comointuitodecapturarOsamaBinLadene os considerados responsáveis pelo ataque em solo estadunidense, de acordocomGeorgeW.Bush12.

OentãogovernoteocráticoinstauradopeloTalibãnaregião,erepresentadode maneira preconceituosa pela Liga da Justiça, foi deposto pelo exércitoestadunidenseecolocadonailegalidade.Emseulugarfoiinstauradoumgovernofrágil e semapoiopopular, segundoBarber (2005).Oepisódio,que tevea suaprimeiradivulgaçãoem2003,encontraterrenofértilparacomporasuanarrativa,afinal, a “caça ao terrorismo” estava em voga, o imaginário do que era“terrorismo”, “terrorista” e o “perigo que os islâmicos representavam” eram

coisasdifundidasapartirdo“11desetembro”edaspolíticas intervencionistasadotadaspelogovernoGeorgeW.Bush.

UmdiálogoentreJohnStewarteaMulherGaviãodeixaclaroaideiadequeo Oriente Médio (no caso Kalanor) é um lugar inóspito e passível dedesconfiança. Ele comenta que: “Não me surpreende, Kalanor é no limite daGaláxia.ÉumlugarhorrívelparaKatmaseperder”(LigadaJustiça–Coraçõese Mentes Parte 1, 00:09:43). Um lugar tão perigoso, mas que precisava serdesbravadoparaencontrarKatma,desaparecidadesdequeaTropadosLanternasVerdessaiuparabuscarajuda.

Figura3–PaláciodeDéspero

Fonte:LigadaJustiça:CoraçõeseMentesParte1,00:10:21min©2002DCComics,inc.

Figura4–CasascomunsemKalanor

Fonte:LigadaJustiça:CoraçõeseMentesParte1,00:10:24min©2002DCComics,inc.

Umadasquestõesquemaischamaaatençãonanarrativaéarepresentaçãodoespaçosocialedovivido,bemcomodapaisagemdoOrienteMédio.Issonãosó pela sua forma integral, mas pela sua diferenciação entre a paisagem dos

“líderes islâmicos”, no caso de Déspero, e da população, no caso os seusadoradores.Vejaabaixoosframesdestaspaisagens.

Enquantoopalácioégigantesco,moderno,comaparênciametálica,portadodetecnologia,ovilarejopopularésimples,comtendasprotegendodachuva,comcavalos circulando e casas amontoadas. O contraste entre a paisagem dosdéspotasedopovoégrande,enquantoumpassaa ideiade limpo,deestáveleconcreto, o outro – do povo –, transmite a sensação de sujo, de incompleto,instável,inseguroeescuro.

Agrandeviradanarrativaencontra-senarevelaçãodaorigemdeDéspero.Asua origem remonta exatamente aos escritos sagrados e à saga de Maomé. AcomparaçãoentreumdéspotaeomaiorlíderreligiosodoIslãodesmascara,porvez, qualquer intenção de não generalizar ou ser preconceituoso para com areligião islâmica.Esta representação ficaevidenteapartirdomomentoemqueDéspero revela ter sido expulso de sua cidade natal, pois possuía umadeformidade,nesteperíodoficavagandodesertoafora,aterumdiálogocomumser divino (Alá), que revelou que ele seria o escolhido e que havia dereconquistarseuterritório,suaterraprometida.AofazerestanarrativanafrentedoLanternaVerde,omesmo reagedizendo,de forma irônica: “Eu jáouvi essahistória em algum lugar” (LIGA DA JUSTIÇA – Corações e Mentes Parte 1,00:16:11), deixando ainda mais evidente que esta narrativa se tratava de umaalusãoàtrajetóriadolíderespiritualislâmicoMaomé.

Figura5–Désperoperegrinandopelodeserto

Fonte:LigadaJustiça:CoraçõeseMentesParte1,00:21:34min©2002DCComics,inc.

Este contato que Déspero realizou com este ente divino, que estavacorporizado em forma de fogo, fez com que surgisse nele um terceiro olho13,centralizadoemsuatesta.Ossímbolosesignosdesteepisódiosãoaschavesparaainterpretação,umavezqueofogocomorepresentaçãodeAlápermiteinferiroseu caráter de perigo, inflamável, ondeumapessoa despreparadausandoo seunomeemvãopodefazerumgrupodepessoassetornarseussúditoseapartirdeentão conquistar um poder sem limites. Posteriormente, a questão do terceiroolho,oelementoquedápoderesaDéspero,podefazeralusãoatantascoisas,quenão consigodefinir exatamente.Porém, a ideia deumolho amais, umolhodojuízo, da sabedoria e do controle dementes fica evidente, porém, utilizado deformanegativaeruimporDéspero.

Figura6–Désperoeseuterceiroolho

Fonte:LigadaJustiça:CoraçõeseMentesParte1,00:16:08min©2002DCComics,inc.

Oincontrolávelpoder,queapósmuitoardorDésperoconseguiucontrolareutilizá-lodeformaadominarecontrolarasmentesdaspessoasfoiconcedidoporeste fogo sagrado, provavelmente a materialização de Alá. A analogia entre ofogoeoIslãoéalgoincrível,umavezquedesdeosurgimentodofogoaDéspero,ele nunca mais desapareceu, tornou-se sempre presente, em constante chama,alimentadapela crença cadavezmaior de adeptos.Neste sentido, a chama é oIslã,elaquepermitequesefaçamatrocidadesoufestividadesemseunome,éumfogoquepodequeimar,mas quepodeproteger.Este contraste, entre o fogodobemefogocrueléalgointeressante,poisofogosendooIslã,transpareceaideiadequeoódio,oterrorismoeaspráticasautoritáriasenefastasdeDésperonãose

dão por nenhuma causa outra a não ser pelo fato de ser um Islâmico. A“revelação” deAlá aMaomé é o problema do terrorismo, nesta visão. Não énenhumaoutraquestão.Éaexistênciadareligião,quesegundoestainterpretaçãofoicalcadaemmentiras,distorçõeselavagenscerebrais.

Após todo um desenrolar narrativo, Lanterna Verde é atingido por umprojétilemsuascostas,sobreviveeécondenadoàmorte,sendosuapenaaindamaisespecífica:serjogadonofogosagrado.Noentanto,oepisódiorevelamaisum fator na construçãodeste espaço social islâmico: a resistência.A animaçãorevelaqueexisteumgrupo,nãoislâmico,certamente,queresisteaosdesmandosdeDésperoequeconseguemsalvaroLanternaVerde.Arepresentaçãodolugardo social, a composição da paisagem dos personagens da resistência é algointeressante:trajandovestesdespojadas,utilizandobrincoseoutrosadornos,suasfalas são compostas por gírias e sotaques, completamente contrários àrepresentação de Déspero e seus súditos, que trajam roupas simples, típicas,possuem um linguajar formal e aparência de normalidade, totalmente avesso ànoçãodetransgressão.

Figura7–MembrodaResistênciacomfaixaebrinco

Fonte:LigadaJustiça:CoraçõeseMentesParte1,00:18:44min©2002DCComics,inc.

Ao saber da existência de um grupo resistente, fortemente engajado eorganizado,oLanternaVerdecomenta:“deviaterprevistoisso,sempretemumaresistência”, e recebecomo respostadeumdosmembrosda resistência: “ondehouveropressão semprehaverá resistência” (LIGADAJUSTIÇA–CoraçõeseMentesParte1, 00:18:35).Aexistênciada resistênciademonstraqueopovoé

enganado,dominado,controladoporDéspero,masopovoéinocente.Essainocentaçãodopovoremeteaofatodequeseopovoárabeselibertar

doIslã,eleseráumpovolivre.Estaéumadaspremissasbásicasdaanimação,naminha interpretação. Enquanto estava refugiado na sede clandestina daresistência,JohnStewartdescobrequeKatmaestáviva,poréminfiltrada,fazendoopapeldeacompanhantedeDéspero.Noentanto,oespaçosocialocupadoporelaérepresentadodemaneiraasubjugarospreceitosislâmicos.Umavezqueamulherislâmicanãopodemostrarváriaspartesdocorpoempúblico(variandodeacordocomareligiãoecomaleituraqueéfeitadostextossagrados),Katmaérepresentada como uma acompanhante que anda seminua, vulgar e sexy. Umatentativa de demonstrar a depravação moral dos homens islâmicos, o seumachismo e a sua hipocrisia. Este torna-se mais um elemento de explícitaislamofobia14.

Figura8–Katmacomroupasensual

Fonte:LigadaJustiça:CoraçõeseMentesParte1,00:18:58min©2002DCComics,inc.

Por ver tanta perversidade e crueldade em seu líder, Lanterna VerdequestionaKatma,indagando:“MasoqueéqueDésperoquer?”,eelaresponde:“Elepreparaumaguerradeconquistamaciça”(LIGADAJUSTIÇA–CoraçõeseMentesParte1,00:19:52).Agora,aúltimareferênciafaltanteparasereferiraoIslãestavafeita.Acontraditória“jihad”,ou“guerrasanta”foienfimmencionada.A ideia que Déspero, o líder maior do Islã estava preparando uma “guerramaciça”deixaclaroseuintuitodedominaromundo,demataresercruel.Semumpropósito claro além de ser cruel. Essa ideia de atribuir a maldade não às

pessoas,masàreligiãoéumaconstantenaanimação.Nestesentido,aideiade“guerrasanta”,quepode,eélidadeváriasformas

ganha uma conotação física, de guerra física e não apenas no campo dadoutrinação e conquista de “corações e mentes”. Leonardo Boff (2009),argumentaqueofundamentalismoécentralnesteprocesso.UmavezqueelenãodissociaEstadoereligião,acabafazendocomqueumaleituraliteraldosescritossagrados se torne a única lei a ser seguida e a ser difundida pelomundo. Noentanto, considerar que a “guerra santa” significa uma “guerra física” e que aculpadisto tudoestánafécegadeMaoméédizerqueoIslãéoculpadopelasatrocidades cometidas por todos seus fiéis. Culpar uma fé, mais do que ainstituição, pelos crimes cometidos em nome dela é desconsiderar não só osfatores sagrados e profanos (GIL FILHO, 2008) envolvidos, mas tratar compreconceitoefobiaumareligião,nocasooIslã.

ParaderrotarDéspero, ficaevidente,quesópoderiaseraoatacaropontoque lhe fortalece: o fogo, sua fé. Enquanto osmembros da resistência lutavamcontrasoldadosdeDéspero,orestantedaLigadaJustiçachegaaKalanorparaajudar.Comobjetivosmodestos:apenasretirarKatmaeLanternaVerdedaqueleplaneta,aLigadaJustiçasevêobrigadaaentrarnadisputacontraDésperopoisse tratavadederrotarumgovernodespótico, autoritário, terrorista e teocrático.Em um momento à parte, Marciano decifra inscrições antigas, que lembram oAntigo Egito. Nelas estavam contidas informações de que o espaço social doOrienteMédio(nocasoKalanor)eracheiodevida,arborizado,florido,fértilefrutífero, completamente contrário àversãoarenosa edesérticaque se encontradurante o governo deDéspero. Essa contraposição entre o deserto e o floridorevela, ao contrário do que prega Bruce Timm, o nível de islamofobia15 doepisódio.Reforçando estereótipos, nos quais a vida sem o Islã eramais fértil,propíciaàvidaecomasuachegada,oOrienteMédiotornou-seumaregiãodadaadesgraçaseguerras,desérticaedespótica.

Figura9–Marcianolendoescriturasantigas

Fonte:LigadaJustiça:CoraçõeseMentesParte1,00:21:34min©2002DCComics,inc.

AdeclaraçãodeBruceTimmdequeoepisódiotevecuidadoaorepresentaroIslãéumafalácia,algocompletamentemalsucedido.Nãohouveumesforçoemfalar dos “terroristas”, nem de colocar o fundamentalismo como um fator deinterpretação,masrealocouoproblemanafé,noseulídersagrado.PorDésperoserMaomé,chegandoaopontodeLanternaVerdedebochardesuanarrativapelasimilitudequetemcomadeMaomé.

Com isso, era evidente que o fogo (a fé, Alá, o sustentáculo do Islã) eraquem devia ser destruído. Um fogo místico, que quando a Liga da Justiça foidestrui-lofoialertadoporMarciano,queavisou:“Achamaéumserconsciente,elaestávivaesentedor.Querfazercontato”(LIGADAJUSTIÇA–CoraçõeseMentesParte2,00:18:16).Logoapósopersonagememquestãofoipossuídopelachama, e ela revelou que só queria propagar paz e amor, mas que Déspero(Maomé)queinterpretoutudoerradoequeriaespalharódioerancor.OfiltrodeMaomé aos ditames sagrados é que foi o problema. O Islã só é ruim pois ainterpretaçãodeDeusqueelefazédanosa.EsteéoproblemadeDésperoedeMaomé, a destruiçãodessa fé é a soluçãopara os problemas emKalanor e noOriente Médio. O recado de que são líderes que corrompem o pensamentoreligiosofoipassado,noentanto,omesmonãoapagaaislamofobiadoepisódio,por todo as questões já traçadas e, principalmente, por utilizar Maomé comoanalogiaaoIslã.ComadestruiçãodeDésperopelaLigadaJustiça,aspessoashipnotizadas e dominadas por ele voltam a seu estado são de mentalidade, apaisagemdesérticadáespaçoaomundofloridoecolorido.Aluzvoltaabrilhar.

OIslã,aescuridão,jánãoincomodamais.

Figura10–Valeoutroradesértico,agoraarborizado

Fonte:LigadaJustiça:CoraçõeseMentesParte2,00:21:34min©2002DCComics,inc.

EPÍLOGOAopartindodaideiadequeaGeografiadasReligiõespermitecompreender

asconstruçõesedisputasterritoriais,osjogosdepoderenvolvidosnaslutasentreoespaçosagradoeprofano,segundoGilFilho(2008),foipossívelperceberquea animação produziu uma representação de um território desértico quando esteestavasobdomíniodeDéspero,ouseja,doIslã,emumperíododetrevas.Elogoapósaderrotadeseulíderodesertoviroufloresta,comcamposfloridos,floresepássaros. A vida veio à tona quando o Islã foi derrotado. Neste sentido, oproblema do terrorismo, em nítida analogia, estava não nos grupos quepraticavam tais atos, nemna desenfreada luta contra um inimigo invisível,massimnospraticantesdeumareligião.

Essa forma de pensar e lidar com a religião produziu relações que sãoveiculadas nos mais diversos segmentos sociais e constituem um corpusdiscursivo que impossibilita uma vida de alteridade, de convivência ecompreensão do “Outro”. Perceber as disputas territoriais e os jogos de podernelasenvolvidas(RAFFESTIN,1993),bemcomoperceberquenãosóadisputapelo território simbólico é importante, mas aquele espaço circunscrito,sacralizadopelaféserrepresentadadeformadesérticadevidoàprópriafégeracontradições e questões que somente às luzes da compreensão dos contextos

envolvidos podem ser percebidas. A tentativa deste texto é desmascarar edesvelar essas contradições na Liga da Justiça e contribuir para que o mundopossasermenospreconceituoso,maistoleranteereceptivoao“Outro”.

REFERÊNCIASASSMAN, Jan. Moses the Egyptian: The Memory of Egypt in WesternMonotheism.Cambridge:HarvardUniversityPress,1998.

BARBER,Benjamin.O Império doMedo: Guerra, Terrorismo e Democracia.RiodeJaneiro:Record,2005.

BOFF,Leonardo.Fundamentalismo,terrorismo,religiãoepaz:desafioparaoséculoXXI.Petrópolis:Vozes,2009.

CERTEAU,Michelde.ACulturanoPlural.SãoPaulo:Papirus,1995.

CHARTIER,Roger.AHistóriaCultural:entrepráticaserepresentações.Lisboa:DIFEL,2002.

DIMÉO,Guy;BULÉON,Pascal. L’espace social. Lecture géographique dessociétés.Paris:ArmandColin,2007.

ELIADE,Mircea.Osagradoeoprofano–aessênciadasreligiões.SãoPaulo:MartinsFontes,2001.

GILFILHO,SylvioFausto.EspaçoSagrado:EstudosemGeografiadaReligião.Curitiba:IBPEX,2008.

HALLIDAY,Fred.TheMiddleEastinInternationalRelations:Power,PoliticsandIdeology.NewYork:CambridgeUniversityPress,2006.

MATA,Sérgioda.HistóriaeReligião.BeloHorizonte:AutênticaEditora.2010.

RAFFESTIN,Claude.PorumaGeografiadopoder.SãoPaulo:Ática,1993.

1Vale ressaltar que o conceito de representação que utilizo neste texto advém daquilo queChartier(2002)denominacomorepresentaçãosocial,ouseja,oatodetornarpresenteumobjetoausente,produzindoumapresençaparaalgoquenãoestáalimaterializado.

2 É preciso ressaltar que o termo “Maomé” apresenta, para os muçulmanos, um caráterpreconceituoso.Noentanto,utilizoeste termoneste textopara sermais fiel ecompreensivoparaos termosapresentadospelaanimaçãoanalisada.

3Como é o caso do “PatriotAct” emitido porGeorgeW.Bush, e aprovado por grandemaioria nocongresso estadunidense em outubro de 2001, no qual, entre outras coisas, permitia prisões preventivas portempoindeterminado,investigaçõesemdadossigilosos(telefonemas,mensagens,internetentreoutros)eumamovimentaçãonacionalentornodoqueficouconhecido(epraticadoatéhoje)como“GuerraaoTerror”.

4 Sobre isso ver a entrevista de Bruce Timm. Disponível em:<http://worldsfinestonline.com/WF/sections/backstage/interview/bt/2004/>Acessoem:01/10/2014.

5Vejam,comoseria fácil fazerumahistóriaantiéticaemproldeumainovaçãode ideiase/ougrandedescoberta.Eupoderiateromitidoaexistênciadessaentrevista,poisinvésdetrabalharcomelaexplicitamentepoderia irà fontediretamentenoselementosqueelaexplicitouecolocaraquicomose fosseumargumentoempíricomeu.Não o fiz não só por questões de ética,mas também por concordar que o fato de produtordeclararqueestápreocupadoemrepresentaroseupresente,issosignificamuito.

6“‘HeartsAndMinds’is,admittedly,fairlyheavilyinfluencedbyreal-worldevents,specificallyrecentevents in theMiddleEast.Forexample, there isanovertechoof theTaliban in thescenewhereDespero’sacolytesare ready tomurderacitizen forpossessingbooks.Buteven there,wewereverycareful tomakesurethattheshowwouldn’tcomeoffasaslamagainstMuslims.Islam,asIunderstandit,isactuallyaverytolerantreligion,asorganizedreligionsgo.However,religiousEXTREMISTS,ofANYdenominationorfaith,whouse their faithasanexcuse tohateanddemonize thosewhodisagreewith them,oraredifferent fromthem,canbeveryscary.So,again,themessages(therearetwo)ofthestoryareverybasic,andhardtoarguewith:one,‘bewareoffalseprophets’andtwo,‘hateisbad,loveisgood’(textooriginal).

7ATropadosLanternasVerdestemcomoobjetivoomesmoqueaLJ:protegerapopulação.AúnicadiferençaqueaprimeiranãoserestringeaTerra,ajudadoemdiversasgaláxias,aocontráriodaLJ.ATropaécomandadapelosGuardiõesdaGaláxia,queéformadaporumconjuntodeanciõesquejulgamepunemcrimescometidosnasgaláxias.ÉaONUdaanimação,orasatuacomrespaldo,oranemtanto,seucaráterpunitivopodeserfalhoeineficiente.IssoficaclaronoepisódiodaLJ:NaNoiteMaisDensa,noqualLanternaVerdeéjulgadoporterdizimadoumplaneta.

8Sobre isso ver: (LIGA DA JUSTIÇA – EXTRA – Making Justice League: Season 2) ou onlinedisponívelem:<https://www.youtube.com/watch?v=N1wKLlRwqag>Acessoem:10/10/2014.

9 “You know this is theworld, is from theDespero’s show, it’s,Despero homeworld.Hisworld it’ssupposedtorepresentlikea,almostlikeaMiddleEasternkindofworldandsowedefinitelyhadlikealittlebitofanArabicfeelto,youknow,someofthecityscapes”(textooriginal).

10ÉimportantedestacarqueaLJrealizaváriasmissõesemoutrosPlanetas,massuaimensamaioriaacontecenaTerra.InteressantepensarquenoepisódioquesepropõearepresentarumalocalidadedaTerra,oOrienteMédio,eleétranspostonaficçãoparaoutroplaneta.Naminhainterpretaçãoissosóconfirmaofatodeservistocomoo“Outro”,algoqueestálongeecompletamentediferente.

11RoupatípicaislâmicautilizadasporhomensnaregiãodoOrienteMédio

12 Vale ressaltar que só neste ano, em 2014, que os EUA iniciaram a retirada total das tropasestadunidensesdoAfeganistão,provandooquanto,exaustivaedura,foialutacontraaAlQaeda,seumaior

alvo, e o grupoque contribuía para o desenvolvimentodo terrorismo, e por vezes agiamcomo terroristas, oTalibã. Sobre isso ver a nota oficial do governo Obama sobre a situação. Disponível em:<http://www.whitehouse.gov/the-press-office/2014/05/27/statement-president-afghanistan> Acesso em11/10/2014.

13 Pensei em realizar uma discussão mais extensa sobre o significado desse terceiro olho, porémencontreidiversoselementosligadosaoocultismoentreoutrasquestõesquelevavamapautaparaoutroladoquenãoodemeuinteresse,fazendocomqueabandonasseaideia.

14Valeressaltarqueotermo“islamofobia”nãoébemaceitoporpartedacomunidademuçulmanapelofatodeassociaroislãaumadoença,umapatologia.Noentanto,utilizoestetermopoistantoparaaanimaçãoquantoporboapartedodiscursooficialdosEUA,bemcomodagrandemídiaglobalizadaemgeralotermoéadequado,poisrealmenteveemoislãcomoumadoença,algoquedevesercuradocomapenasumremédio:aextinção, o extermínio. Esse pensamento pode ser velado ou explícito (maior parte das vezes – vide osdiscursos do então presidente dos EUA,Donald Trump, acerca dosmuçulmanos em solo estadunidense) ecorroboracomointuitodotermodeassociaroislãcomumadoença,porissoéutilizadoaolongodestetexto.

15Éimportantequesefaçaumadigressãocomrelaçãoautilizaçãodeseresexóticosvisualmentepararepresentar o(s) inimigo(s) da nação. Anteriormente, principalmente após a Primeira Guerra Mundial, oprincipal inimigo dos EUA era o comunismo ou comunista. Sendo assim, a cultura da mídia representavaeste(s)indivíduo(s)deformaicônica,visualmentedesfavorecidaedecaráterduvidoso.Hoje,comaquedadaURSSeofimdaGuerraFriaoinimigodeclaradoéoIslã/OrienteMédio(que,normalmente,éconfundidoporgrandepartedamídiaestadunidenseemundial).SobreissoverValim(2010).

ATERRITORIALIDADEDAPARÓQUIANOSSASENHORADAGLÓRIANOMUNICÍPIODEGLÓRIADOGOITÁ-PE

ANACAROLINEDEOLIVEIRAPEDROSOLicenciaturaemGeografia,IFPE–campusRecife.

[email protected]

LicenciaturaemGeografiadoIFPE–[email protected]

INTRODUÇÃOGeografia e religião são termos aparentemente desconexos, não exibindo

ligações explícitas.No entanto, existe uma estreita ligação entre eles tendo emvista que o homem se apropria de determinados espaços e transforma-os,impulsionado,também,pelasuamotivaçãoreligiosa,deformaaatenderàssuasnecessidades. São estas ações humanas relacionadas à religião sobre o seuambientequeconstituemoobjetodeestudodaGeografiadaReligião.

Respaldando-se em diversos autores, Rosendahl (2012) ressalta anecessidade de, através dos estudos de Geografia da Religião, “mostrar ainfluênciadareligiãosobreohomem,reconheceraaçãoreligiosanoshábitosecostumesetambémasestratégiascontidasemsuasterritorialidadesnagestãodeseusterritórios”(Ibidem:25,grifosnossos).

DeacordocomRaffestin(1993),asrelaçõesreligiosasnãosãopuras,poisestão subentendidas por relações políticas e é a partir dessas que algumasreligiõesconseguemcontrolarporçõesimportantesdoinvólucroespaço-temporaldascoletividades,adquirindo,pois,maiordimensãoqueasdemais.

Compreendendo território como espaços apropriados efetiva ouafetivamenteeterritorialidadecomosendooconjuntodepráticasdesenvolvidopor instituições ou grupos visando controlar um determinado território

(ROSENDAHL, 1996; 2010), a Igreja Católica Romana dispõe de estratégiaspolítico-espaciaisprópriasparacontrolarseusespaçosemanterasrelaçõesentrereligiãoepolítica.Essasestratégiasvisamatenderàsdemandasdacomunidadecatólicaeaaquisiçãodenovosfiéis.Atravésdesseprocesso,aIgrejaCatólicaseestrutura enquanto instituição e apropria-se efetivamente do território, semprebuscandopreservarasuaterritorialidadenosespaçosquecontrola,dopontodevistareligioso.

SegundoHaesbaert(2007)existemdiversasformasparasetrabalharcomarelação entre território e territorialidade, sendo que uma delas vê aterritorialidade numa dimensãomais ampla que o território, o que consiste emdizer que todo território corresponde a uma territorialidade. Assim, nessetrabalho, entende-se que a territorialidade condiciona a existência do territórioque, por sua vez, tem caráter simbólico e material em qualquer que seja suadimensãosocialeescalasespaciais.

“A análise da dinâmica do poder e de sua ação em diferentes escalasassinalaamultiplicidadedeestratégiasimaginadasparafazercomqueosgruposreligiosos sobrevivam e para estabelecer seu domínio no espaço”(ROSENDAHL, 2012:30). Os estudos de Geografia da Religião podem serrealizados em diversas escalas geográficas, sedo que cada escala apresentaráprocessos, ações, estratégias de poder e formas de organização espacialespecíficas.

O recorte espacial selecionado para a realização do presente estudo é aparóquia, a qual representa umaunidade político-religiosa da IgrejaCatólica econsiste em um território religioso onde se efetiva a ação político-espacial decontrole, favorecendo o exercício da fé e a vivência religiosa do sagrado(ROSENDAHL,2001).

Abordando – dentro da dimensão política de análise – a relação entrereligião, território e territorialidade, este estudo tem por objetivo analisar adistribuição das igrejas e capelas pertencentes à Paróquia Nossa Senhora daGlórianomunicípiodeGlóriadoGoitá-PE,bemcomoasaçõesquerealizapara

manter, controlar e adquirir fiéis, visando identificar as estratégias político-religiosasutilizadaspela IgrejaCatólicanadelimitaçãoecontroledo territórioreligioso-municipalemquestão.

Comfinsaatenderaosobjetivosdopresenteestudo,realizaram-serevisãobibliográfica, pesquisa documental – onde foram consultados o CensoDemográfico2010doInstitutoBrasileirodeGeografiaeEstatísticaeoAnuárioCatólicodoBrasil do ano2015– e entrevistas semiestruturadas comovigáriocolaboradordaparóquiaemquestão,aquidenominadoVC(vigáriocolaborador),ecoordenadoresemembrosdepastorais.

APARÓQUIANOSSASENHORADAGLÓRIA1

O presente estudo foi realizado no município de Glória do Goitá, o qualsitua-senazonadaMataNortedoestadodePernambuco,a61kmdeRecife,acapital pernambucana, e apresenta uma população pouco superior a 29 milpessoas(IBGE–Censo2010).Oestudofoivoltadoespecificamenteàparóquiaque compreende todo o município: a Paróquia de Nossa Senhora da Glória,integrantedaDiocesedeNazarédaMata(Figura01).

Figura01–MunicípiosquecompõemaDiocesedeNazaré(2014).

Fonte:http://paroqssitaquitinga2.blogspot.com.br/2014/09/diocese-de-nazare-da-mata-confra-o.html?m=1(Adaptado)

A Paróquia Nossa Senhora da Glória teve sua história iniciada em 1760,quando um morador do povoamento de Glória do Goitá, um escravo livre,chamado David Pereira do Rosário – católico e devoto de Nossa Senhora –

recebeudeumanetadeDuarteCoelho,otítulodedoaçãodeumapartedasterrasnalocalidadedeLagoaGrande.Nestelugarfoiconstruídaumamodestacasadeoração dedicada àNossa Senhora daGlória. Devido a esta casa e ao rio quepassanasproximidadesdenomeGoitá,olocalganhouadenominaçãoquedetématéosdiasatuais:GlóriadoGoitá.2

Emmeadosde1775, chegaramaLagoaGrandeosmongesbeneditinosdoMosteirodeSãoBentodeOlinda,afimdecatequizaroscolonoseestabeleceraIgreja local. O povoado foi crescendo e sua importância e desenvolvimentojustificou a denominação de distrito pela lei provincial nº 38, de 06/05/1837,subordinadoaomunicípiodePaud’Alho.3

Em 24 de setembro de 1837, foi instalada oficialmente a ParóquiaNossaSenhoradaGlória,sendoseuvigáriointerinooPe.AntôniodaSilvaCavalcantieoprimeiroPárococoladooPe.JoaquimInácioGonçalvesdaLuz,quesótomouposse no ano seguinte, 1838. 4 Glória do Goitá foi elevada à categoria demunicípio e desmembrada do município de Pau d’Alho pela lei provincial nº1297,de09/07/1877,eàcondiçãodecidadeesedemunicipalpelaleiprovincialnº1811,de27/06/1884.

Aprimeira IgrejaMatriz foi erguida em1843, tendo sido reconstruída em1863.Umanoapós, faleciaoprimeiropárococolado,oPe. JoaquimInácio.Aatual matriz foi construída na década de 1950 pelo Pe. Pedro de Sousa LeãoFilho.Teveo lançamentodapedrafundamentalnodiaprimeirodesetembrode1952.Aconstruçãodurouseisanosefoiinauguradanodia10demaiode1958(Figura02).5

Figura02–AtualIgrejaMatrizdaParóquiadeNossaSenhoradaGlória–2016

Foto:PEDROSO,A.C.deO.

Noanode1963,aParóquiaNossaSenhoradaGlóriafoidesmembradadaArquidiocesedeOlindaeRecifeepassouaintegraracircuncisãoeclesiásticadaDiocesedeNazaré-PE,aqualfoicriadaem02/08/1918pelaBulaArchidioecesisOlindensis-RecifensisdoPapaBentoXV.

Do território eclesiástico domunicípio deGlória doGoitá foram criadasduas novas paróquias: Paróquia de Nossa Senhora do Rosário (1937), nomunicípiodeChãdeAlegria, eParóquiadeSão José (1997), nomunicípiodeFeira Nova, ambas pertencentes à Diocese de Nazaré (Anuário Católico doBrasil,2015,p.712).

RESULTADOSEDISCUSSÃOAIgrejaCatólicaRomanaapresentaumaorganizaçãohierárquicacomplexa,

constituídaporparóquias,diocesesearquidioceses,chefiadasporprofissionaisreligiososespecializados–padres,bisposearcebispos,respectivamente–equese ligam aoVaticano, emRoma, onde o papa – autoridademáximada Igreja –administra o território religioso nas diferentes escalas direta e indiretamente.Trata-se de uma relação vertical, onde ordens são emanadas do topo dahierarquiadainstituiçãoedisseminadasparaosdemaisníveis.

Apesar das hierarquias territoriais serem espacialmente delimitadas epermanentes, “a reorganização espacial de seu território [a Igreja] ocorre demaneiradiferenteemcadapaíseemcadaregião,poisaaçãopolíticaeclesiásticanão ignora a evolução demográfica nem os modos de vida de seus fiéis”(ROSENDAHL,2001:16).

Dessamaneira,aParóquiaNossaSenhoradaGlóriatambémapresentaumaorganização interna particular. Esta paróquia é subdividida em comunidadesurbanaserurais–zonasdeatuaçãodaIgrejaquepossuemliderançasindividuaisegeralmenteapresentamamesmadelimitaçãodebairrosesítios–sendoqueumadelascorrespondeaumdistritodomunicípio, totalizando33comunidades.Esta

divisãoterritorialconsistenumaestratégiapolíticaparafacilitaraorganizaçãoeocontroledoterritórioreligioso.

Raffestin (1993) defende que, a religião é a administração do sagrado econstitui um instrumento de comunicação e de comunhão manipulado pelasorganizações,ouseja,pelasigrejas.Assimcomoqualqueroutraorganização,elasprocuramseexpandir,reunir,controlaregerenciar.Édestaformaqueexercemasuaterritorialidade.

De acordo com Jesus (2007:51), a territorialidade da Igreja CatólicaApostólicaRomanaéexpressapormeiodotripé:objetivos,meioseestratégias.“Osobjetivossereferemàdifusãodafé;osmeiosaocorpoprofissional,templose outras formas e funções; e as estratégias são aquelas ações mutáveis queocorrem no espaço/tempo.” Em relação a este terceiro elemento, a paróquiaestudada possui um conjunto composto por 40movimentos religiosos, grupos epastoraisatuandonosserviçosmissionáriosereligiososdiversos.OVC(2016)distingueestasaçõesdaseguinteforma:

Osmovimentosreligiosossãovoltadosparaatenderumpúblicomaisaberto,asdemandasreligiosas e sociais da comunidade. Ai nós temos Movimento Mãe Rainha, que é ummovimento que abrangemuitas famílias, desenvolve projetos sociais junto às famílias etemaquelaperseverançadeatendimento.Sãomovimentosque têmgrandeexpansãonolugare trabalhamuito ligadoaosocial.Enóstemososgruposdeevangelizaçãoquesãomaisparasededicaràpregaçãodoevangelho,ouseja,evangelizar,istoé,anunciar,dizer,se reunir para rezar, então ficam voltados para a conversão das pessoas, então temosgruposdiversos...sãovoltadosparaoanúncio,paradizerdoevangelho,dizerdaboanovadeDeus.Aspastoraissão instrumentosparaagir religiosamentenasociedadeefocalizaumpúblicomaisespecífico,comoasfamílias,osdizimistas,osjovens...

AspastoraisconstituemumelementodegrandedestaquenaParóquiaNossaSenhora da Glória, pois desenvolvem ações de forma organizada e planejada,estabelecendoumaestreitarelaçãocomasociedade,oquepermiteadifusãodaféeapermanênciadosfiéisengajados,atingindoumsignificativoquantitativodepessoas do município de Glória do Goitá. Faz-se interessante, portanto, citaralgunsexemplosdaatuaçãodessaspastorais.

De acordo com a entrevista concedida pela Coordenadora da Pastoral

Familiarnestaparóquiaeo folheto intitulado“Família, formadoradosvaloreshumanosecristãos”6,aPastoralFamiliarémuitoabrangente,umavezqueincluiocasal,os filhos,osparentes, acomunidadeea sociedade, tendoporobjetivoapoiarafamíliaapartirdarealidadeemqueseencontra,independentementedesuasituaçãofamiliar.

Suasaçõessãoorganizadasemtrêssetores:osetorpré-matrimonial,quetemcomofocoaevangelizaçãoeapreparaçãoparaomatrimôniodosnamoradosenoivos; o setor pós-matrimonial, que oferece ajuda e formação contínua para avidaconjugal;eosetordoscasosespeciais,ondesãoacolhidos,acompanhadoseincentivados, conforme a sua situação, as famílias de migrantes, mães e paissolteiros, famílias com filhos deficientes e viciados em drogas, famíliasdistanciadasdaigreja,matrimôniosmistos,viúvos,casaisemsegundaunião,etc.São realizadosvisitas e encontros onde a realidadedas famílias é partilhada edebatida,pregaçãodoevangelhoelouvores.

AlémdaPastoralFamiliar,pode-semencionaraPastoraldaCriançacomopastoralbastanteativanaParóquiaNossaSenhoradaGlória.Ementrevistacomumdos integrantes, foipossíveladquirir importantes informaçõesacercadasuaatuação.Cadamembroéresponsávelporumaoumaiscomunidadeserecebeumcaderno7 para o cadastro e acompanhamento das crianças e gestantes aliresidentes.APastoraldaCriançatambémrealizapalestraseeventoseducativos,evangelizadoresefestivosparacriançasegestantes.

AParóquiapossuitambémumConselhoPastoralParoquial(CPP),ondeosrepresentantes das comunidades, pastorais, movimentos e grupos se reúnemmensalmente para partilhar juntamente com o pároco as experiências do mêsantecedente e planejar as ações que serão desenvolvidas a partir daquelemomento.SegundoVC(2015):

[Neste CPP] é onde traçamos as linhas da evangelização, o que vai ser feito nascapelas... então a gente propõem sugestões e dá as diretrizes para que aqueles líderespossamlevarparaassuascomunidadeseassimvãovivendoaquiloquefoideterminado.

Fica então evidente a importância do controle e da organização dasestratégias empreendidas pela Igreja Católica na circunscrição territorial daParóquia Nossa Senhora da Glória, a qual promove ações que aproximam eacolhem os devotos, bem como preserva a territorialidade da Igreja, pois oterritório religioso “favorece o exercício da fé e da identidade religiosa dodevoto”(ROSENDAHL,2010:195).

Nessecontexto,pode-seafirmarquedentrodasestruturasdaterritorialidadeda Igreja Católica, a paróquia se constitui em um dos principais elementos dainteração social entre a população e a Instituição Católica, pois essa unidadeterritorial é a estruturaprincipaldaorganizaçãopastoral edamaterialidadedaaçãoevangelizadoradaIgreja(GILFILHO,2002).

De acordo com a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (2014), aterritorialidadeéconsiderada,háséculos,oprincipalcritérioparaconcretizaraexperiência eclesial e esta concepção remete a uma realidade fixa e estável.Entretanto, a paróquia apresenta-se nos tempos hodiernos como um territóriofluído,nãodelimitadogeograficamente,tendoemvistaaimportânciadasrelaçõessociaisemsuperposiçãoaoterritóriofísico.

Nessesentido,destacaaconsiderávelinfluênciadosmeiosdecomunicaçãonareligiãoeidentificaqueavivênciareligiosaestácadavezmaismidiática.Sãomuitos os que expressam sua religiosidade através das redes sociais virtuais,rádioe/ou televisão. Isso,porém,vemacarretandonumacrisedosentimentodepertençaàcomunidadeedoengajamentonaparóquia.

Surge então a necessidade de uma “inculturação” no processo deevangelização,inserindo-onocontextodacomunicaçãovirtualparaquehajaumarenovação paroquial. Desta forma, a Paróquia Nossa Senhora da Glória vemincorporandoousodasredessociaisvirtuaisnassuasestratégiasdeaproximaçãoe acolhida dos devotos, exercendo uma territorialidade virtual. Existem hojeperfisegruposemredessociaiscomooFacebook, Instagrameaplicativosdemensagem instantânea que promovem uma significativa interação entre osmembrosdacomunidadereligiosa,evangelizaçãoedivulgaçãodasmaisdiversas

atividades religiosas não só desta paróquia, mas também das paróquias dosmunicípioscircunvizinhos.

Alémdisso, aRádioComunitáriaGoitacazFM98,5MHz tambématua nadivulgação de eventos promovidos pela Paróquia e na transmissão ao vivo demissas e programas religiosos – leiam-se “Caminhando com Jesus”, “Jesus emminhavida”e“PreparandoodiadoSenhor”.Esta rádioéumaassociaçãosemfins lucrativos e está no ar desde2003, contando como apoioda comunidade,poderpúblico,empresários,comerciantes,entidades,instituições,entreoutros.8

OdistanciamentodasáreasperiféricasurbanasemrelaçãoàIgrejaMatriz,aqualconsisteemsededaparóquiaecircunscriçãoreligiosadeaçãoplena,bemcomo a criação de novas comunidades rurais e o crescimento daquelas jáexistentesdificultamoacessodosfiéisaoslocaisdestinadosaocultoreligiosoeconstituemumentraveaodesenvolvimentopolítico-religiosodaIgreja.

Haesbaert(2007)nosalertaparaaimportânciadeperceberahistoricidadedoterritório,ouseja,asuavariaçãoconformeocontextohistóricoegeográfico.Por isto,a Igrejaestá sempreatentaaessadinâmicapois,diantedasmudançasque ocorrem no território, esta instituição cria estratégias que viabilizam amanutenção de seu controle sobre ele, ou seja, “o território é modificado,aparecendo como o que melhor corresponde à afirmação do poder”(ROSENDAHL,2001:10).

Nessaperspectiva,Rosendahl(2010)defendequeaparóquia,considerandoa evolução demográfica juntamente com as mudanças espaciais que acarreta,muda,morre ou renasce, ou seja, ela busca formas de atender às demandas dacomunidadeatravés,porexemplo,daampliaçãononúmerodeigrejasecapelas,asquaisconstituemmeiosqueauxiliamoplenoexercíciodaterritorialidadedestainstituição.

NaParóquiaNossaSenhoradaGlóriapodemos identificar este fenômeno,vistoquedas22comunidadesreligiosasrurais,12delaspossuemcapelaeoutrasduas estão sendo construídas.Enquantona zonaurbanahá10 comunidades: emuma delas, a capela encontra-se em construção; outra comunidade acolhe a

Capela do Santíssimo Sacramento, a qual faz parte do SantuárioDiocesano daMãeRainha; na comunidadeCentro, localiza-se a IgrejaMatriz da paróquia; eoutras três comunidades possuem capela. Além dessas comunidades, existe umdistritoquepertenceaomunicípioequetambémpossuiumacapela, totalizando16capelasconstruídasatéopresentemomento.

Nascapelassãorealizadasmissasmensalmente.DeacordocomVC(2015),“ascapelastêmatividadefixas,porexemplo,apresençadopadre,todacapelatem que ter a presença do padre, a presença do padre é garantida com acelebração daquele lugar ali.”Ademais, as capelas possuem uma importânciaímparparaacomunidade,porqueénelaonde

[...]opovosereúnepara,nãosópararezareparaostrabalhoseserviçosreligiososdoculto e também os missionários, né, de sair, de ir ao encontro do outro para prestarserviçosmissionários,masé importanteporqueali acomunidadecolocaempartilha,emdiscussão, em atualidade, toda a vida das pessoas dali da comunidade, o bem daquelacomunidadepassageralmentepelasreuniõesquesetem,pelasoraçõesquesefaz,entãoaliavidadopovovaiseorganizandoemtornodacapela.Geralmente,umacapelarural,principalmente,elanãoservesóparaoserviçoreligioso,elaservepratodaademandadevivencia, de convivência da comunidade, os problemas da comunidade, as soluções dacomunidade, geralmente as associações da comunidade... então tudo se desenvolve ouacontece dentro da capela, dentro da comunidade que, a princípio, é religiosa, se reúneparaostrabalhosreligiosos,masquenãoseresumeaisso,masalisedesenvolvetodaavidadopovo,osproblemasdali,aprocuradesoluções...entãoservetantoparaatividadesreligiosascomoparaatividadessociaisdaquelelugar,pormenorquesejaoupormaiorquesejaaquelelugar.

Apartirdafalasupracitada,épossívelaprenderosignificativopapelqueascapelasexercemnacomunidadeemqueseencontraminseridas;diversassãoasfunções atribuídas a estes espaços, as quais perpassam o âmbito religioso eadentramemquestõesreferentesaoutrasesferasdarealidadelocal.

Além disso, nas capelas também são realizadas festas anualmente emhomenagemaosseusrespectivossantospadroeiros,oquepromoveamobilizaçãode toda a comunidade na preparação das festividades, as quais constituem omomento mais importante da comunidade, o seu ápice, sobretudo nascomunidades rurais, onde as festas em homenagem aos santos padroeiros sãoesperadas,preparadasevivenciadascommuitofervor.Estasfestividadesnãose

restringem ao cunho religioso, mas constituem parte significativa da culturapopular daquela localidade, pois “ali as pessoas rezam, mas ali as pessoastambémtêmoseumomentodealegria,oseumomentosocialdefestejo”(VC,2016).

As principais festas religiosas da Paróquia são a festa da padroeira domunicípioNossaSr.ªdaGlória,queocorrenomêsdeagosto;a festadeNossaSr.ªdaConceição,nomêsdedezembro(aqualapresentadimensãomaiorqueadafestadapadroeira);eafestadeSantoAntônioqueacontecenomêsdejunhonacomunidadedeApoti,distritodomunicípiodeGlóriadoGoitá.

Grandemobilizaçãodascomunidadestambéméverificadanomêsdemaio,quando hámissas diariamente na IgrejaMatriz, as chamadasNoitesMarianas.Neste período observa-se um significativo aumento da participação dacomunidade católica do município e o número de pessoas nas celebrações éampliado. Comunidades, famílias, escolas e outras instituições de Glória doGoitácolocam-senasintençõesdasmissasesãodenominadosNoiteiros.

A proliferação das capelas pertencentes à paróquia estudada ganhoudestaqueapartirdo iníciodoséculovigenteemvirtude,dentreoutrosmotivos,do aumento populacional e da criação de novas comunidades. Antes disso, onúmeroerabastanteincipiente.AscapelasmaisantigasdaparóquiasãoadosítioAraçá (1898) e a do distrito de Apoty (1906), as quais têm como santospadroeirosNossaSr.ªdaConceiçãoeSt.ºAntônio,respectivamente.

Entretanto,essasaçõesnãoconstituemmerasestratégiasdaIgrejaCatólicaparaampliarasuaáreadeatuaçãoedifusãodafé.SegundooVC(2015),sãoaspróprias comunidades que pedema construção das capelas “pois, para eles [acapela]éumsímboloreligioso,entãomesmoemumlugarondenãoprecisariater,aspessoasqueremter,entãoagente[aIgreja]faz”.

Estanecessidadeexpressapelacomunidadereligiosadepossuirumtemploparaarealizaçãodeseuscultoserituaispróximoaolugaronderesidepodeserjustificadapelofatodeque“aigrejarepresentaolugardecultoerecolhimento,sendo verdadeiramente o símbolo do sagrado e de sua permanência”

(ROSENDAHL,2001:13).Alémdisso,

Todapessoaoufamíliasonhatersuacasa.Ascomunidadeseclesiais,igualmente,sonhamemterumespaçoadequadoemquepossamencontrar-seeelevaraDeussuaspreces.Arealizaçãodessesonhodemandaprojetose investimentos,sensibilidadeearte, féeaçãoconjuntadosinteressantes.(ConferênciaNacionaldosBisposdoBrasil,2013,p.11)

OutrofenômenoperceptívelquevemocorrendonomunicípiodeGlóriadoGoitá é a proliferação de Igrejas Cristãs não-católicas, sobretudo nas áreasurbanasperiféricas,ondeoprocessodesecularizaçãoémaisevidente.DeacordocomGilFilho(2002),

O número de pessoas de origem católica que mudam a sua relação de pertença temcrescido principalmente nas realidades urbanas. Entretanto, a mobilidade religiosapermanece significativa no âmbito do Cristianismo, na direção da Igreja Católica paraIgrejasCristãsnão-católicas.NoespectrodasIgrejasCristãsnão-católicas,amobilidadeésignificativadevidoàintensafragmentaçãodedenominaçõescristãs.(p.139)

Entretanto, segundooautor, estamigraçãodecatólicosparadenominaçõesnão-católicas não caracteriza uma ruptura significativa na territorialidadecatólica,hajavistoqueaIgrejaCatólicaconstituiabasedesustentaçãosimbólicadas Igrejas Cristãs não-católicas, em acordo ou desacordo, havendo, portanto,umarelaçãodialéticaentreasterritorialidadesdeambas.

Um fato bastante curioso relatadoporVC (2015) é a ausência de templospertencentesadenominaçõesnão-católicasnascomunidadesruraisdomunicípiodeGlóriadoGoitá,fazendocomqueosseguidoresquealiresidemtenhamqueselocomoverparaazonaurbanapara teremacessoaos locaisonde realizamseuscultos. Isto mostra a grande abrangência da territorialidade da Igreja Católicanestemunicípio,sobrepondo-seàsdemais.

IndagamosoVCduranteaentrevistaconcedidaarespeitodapossibilidadede a Igreja Católica perder fiéis devido às ações promovidas por essasinstituições. Ele não demonstrou qualquer tipo de preocupação quanto a isto,justificando que a maioria da população gloriense segue a religião católica eessasigrejassóconseguiriamadquirirumquantitativodedevotossuperioraela

emmuitosanosdeatuação.AtravésdedadosfornecidospeloInstitutoBrasileirode Geografia e Estatística (IBGE), podemos confirmar esta afirmação do VC(Figura04).

Figura04–ReligiõesnomunicípiodeGlóriadoGoitá.

Fonte:IBGE–Censo2010(dadosdaamostra)

Esses dados demonstram que as estratégias utilizadas por esta instituiçãoreligiosatêmsidobastanteeficientesatéopresentemomento,vistoquemaisde80%dapopulaçãogloriensedeclara-seseguidoradaIgrejaCatólicaApostólicaRomana, porcentagemmaior que a estimadapara o estadodePernambucoque,tambémsegundooCenso2010do IBGE,édeaproximadamente66%,eparaoBrasil como um todo, que apresenta aproximadamente 65% da sua populaçãodeclarada católica romana.Quanto à segurança doVC em relação à fidelidadedosdevotosgloriensesàIgrejaCatólicaRomana,ficaclaroqueesteseencontraconvictodopoderdestainstituiçãonomunicípiodeGlóriadoGoitá,bemcomoda eficácia das ações que ela vem promovendo para o pleno exercício da suaterritorialidade.

CONSIDERAÇÕESFINAISAtravés deste estudo foi possível verificar que a Igreja Católica Romana

estáatentaàsnecessidadesdosseusdevotosgloriensesvistoqueaParóquiadeNossaSenhoradaGlóriadispõedediversasestratégiaspolítico-espaciaisparaocontroleeamanutençãodeseusseguidores.Quantoaisso,podemserelencados:a divisão interna da paróquia em áreas de atuação da Igreja denominadas

comunidades,oquetornaagestãodoterritórioreligiosomaiseficiente;asaçõesde evangelização que são promovidas objetivando aproximar e acolher osdevotos; o uso das redes sociais virtuais na divulgação dos diversos eventosorganizadosporestainstituição;eaconstruçãodeváriascapelasdispersastantonasáreasruraisquantourbanasdeformaaatenderàsdemandasdacomunidadecatólicadomunicípio.

Constatou-se também a competência destas ações até o presentemomento,tendoemvistaquemaisde80%dapopulaçãogloriensesegueareligiãocatólicaapostólica romana, porcentagem superior à estimada para o estado dePernambuco, que é de aproximadamente 66%, e também para o Brasil, cujopercentualédeacercade65%.

REFERÊNCIASCERIS.AnuárioCatólicodoBrasil2015.14ªed.RiodeJaneiro:CERIS,2015.

Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Orientações para projeto econstruçãodeIgrejasedisposiçãodoEspaçoCelebrativo.EstudosdaCNBB106.EdiçõesCNBB.2013.

______. Comunidade de comunidades: uma nova paróquia – A conversãopastoral da paróquia. 2ª ed. Documentos da CNBB 100. Edições CNBB:Aparecida–SP,2014.

CronologiadospadresdaParóquiadeNossaSenhoradaGlória.Acessadonodia 08/12/2015 em: http://goitaense.blogspot.com.br/2008/12/cronologia-dos-padres-da-parquia-da.html

GIL FILHO, Sylvio Fausto. IgrejaCatólicaRomana: fronteiras do discurso eterritorialidade do sagrado. 2002. 232 f. Tese (Doutorado em História) –UFPR/SetordeCiênciasHumanas,LetraseArtes,Curitiba,2002.

HAESBAERT, Rogério. Território e multiterritorialidade: um debate.GEOgraphia, Niterói, ano 9, n. 17, 2007. Disponível em:

<http://www.uff.br/geographia/ojs/index.php/geographia/article/viewArticle/213>.Acessoem:30jul.2016.

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – Censo 2010.Disponível em: <http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/temas.php?lang=&codmun=260610&idtema=16&search=pernambuco|gloria-do-goita|sintese-das-informacoes>.Acessoem:08jul.2016.

JESUS, Sandy R. C. B. de. A territorialidade da Igreja Católica ApostólicaRomana no Nordeste brasileiro – 2000. In:Espaço e Cultura. UERJ: Rio dejaneiro,2007,n.21,p.50-67.

RAFFESTIN, Claude. Religião e Poder. In: RAFFESTIN, Claude. Por umaGeografiadopoder.SãoPaulo:Ática,1993.pp.119-129.

ROSENDAHL, Zeny. Espaço, política e religião. In: ROSENDAHL, Zeny;CORRÊA, Roberto Lobato (orgs.). Religião, identidade e território. Rio deJaneiro:EdUERJ,2001.

______. Espaço, Cultura e Religião: Dimensões de análise. In: CORRÊA,RobertoLobato;ROSENDAHL,Zeny(orgs.).IntroduçãoàGeografiaCultural.3ªed.RiodeJaneiro:BertrandBrasil,2010.p.187-224.

______.História, teoria emétodo emgeografia da religião.RevistaEspaço eCultura,UERJ,RJ,N.31,p.24-39,jan./jun.de2012,E-ISSN2317-4161.

______.EspaçoeReligião:umaabordagemgeográfica.RiodeJaneiro:UERJ,NEPEC,1996.

VC.Vigário Colaborador da Paróquia deNossa Senhora daGlória. EntrevistaconcedidaaAnaCarolinedeOliveiraPedroso.GlóriadoGoitá-PE,ago.2016.

______. Vigário Colaborador da Paróquia de Nossa Senhora da Glória.EntrevistaconcedidaaAnaCarolinedeOliveiraPedroso.GlóriadoGoitá-PE,dez.2015.

1 Para a construção deste item, foram utilizadas como fontes o Instituto Brasileiro de Geografia eEstatística(IBGE),oAnuárioCatólicodoBrasil–2015easinformaçõesfornecidaspelovigáriocolaboradordaParóquiaNossaSenhoradaGlória.

2 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – Cidades. Disponível em:http://cidades.ibge.gov.br/painel/historico.php?lang=&codmun=260610&search=pernambuco|gloria-do-goita|infograficos:-historico.Acessoem:08jul.2016.

3Idem

4InformaçõesfornecidaspelovigáriocolaboradordaParóquia.

5Idem

6 Folheto distribuído pela Comissão Nacional da Pastoral Familiar – CNPF, vinculada à ComissãoEpiscopalPastoralparaaVidaeaFamília–CNBB.

7 Pastoral da Criança. Caderno do Líder da Pastoral da Criança: acompanhamento das gestantes ecrianças.4ªed.Curitiba,2007.

8 Rádio Goitacaz FM - Alegria de quem faz!!. Disponível em:http://radiogoitacazfm.blogspot.com.br/2010/12/grade-de-programacao-da-radio-goitacaz.html. Acesso em:09/09/16.

EMOÇÃOCOMOFORMASIMBÓLICAEMERNSTCASSIRER

MARCIAALVESSOARESDASILVAProgramadePós-GraduaçãoemGeografiadaUFPR

LaboratórioTerritório,CulturaeRepresentação(LATECRE/NEER)[email protected]É

ProgramadePós-Graduaçã[email protected]

LaboratórioTerritório,CulturaeRepresentação(LATECRE/NEER)SYLVIOFAUSTOGILFILHO

ProgramadePós-GraduaçãoemGeografiadaUFPRLaboratórioTerritório,CulturaeRepresentação(LATECRE/NEER)

[email protected]

INTRODUÇÃOOestudosobreasemoções temdespertado interesseemdiversasáreasde

conhecimento como a Neurociência, Psicologia, Antropologia, Sociologia eFilosofia.Noentanto,naGeografia,taldebateérecenteequestionaasdiscussõestradicionais dessa ciência, pois coloca a centralidade na subjetividade eintersubjetividadehumana,apartirdarelaçãodasexperiênciasemocionaisedosespaços.Assim,discutirasemoçõesnaGeografiaécompreendê-laapartirdeumviés relacional, isto é, comomediadora da relação das pessoas com o espaçogeográfico.

Nos últimos 15 anos é possível afirmar que houve ummaior interesse degeógrafas e geógrafos em discutir as emoções a partir de uma perspectivageográfica.AchamadaGeografiadasEmoçõesouGeografiaemocional“éumageografia humanística inspirada, mais ou menos explicitamente, em diferentesdoutrinas filosóficas, em especial a fenomenologia, o existencialismo, oespiritualismoeopós-modernismo”(ANDREOTTI,2013,p.99).

Esta tendência favorece atenção às emoções, aos sentimentos e às sensações comofontesdeconhecimentoserepresentaçõesdasuperfíciedaTerra,seposicionando,assim,

alémdaracionalidadecientíficacomonúcleodaculturaocidental. [...]Avisãoemocionalacentua tonalidades,espaçose tempos. Investigaaescondidaconfiguraçãode lugaresede paisagens, bem como experimenta a realidade valorizando a diversidade dossentimentos e sentidos, modulados em relação a uma a extraordinária polifonia deles.Compreende-se, assim, que estes animam a vida e dão formas e cores às emoções(ANDREOTTI,2013,p.99).

A Geografia Feminista, a Geografia Não-Representacional e a GeografiaHumanistasãoalgunsdoscaminhosemqueaemoçãofoi trabalhadaapartirdeuma perspectiva geográfica. Nosso interesse de análise é a partir dascontribuiçõesdaGeografiaHumanista, com foconas experiências, percepção emundovividodaspessoas.

Como uma crítica às concepções clássicas da Geografia, pautadas naracionalidadeda relaçãocomoespaço,osgeógrafoshumanistasapontamoutrohorizontedeanálise,problematizandoarelaçãocomoespaçoeotempo,apartirda percepção e da experiência das pessoas. Implicitamente, as emoções sãoincorporadas nessas problematizações, atribuída ao mundo interior e subjetivodaspessoas,emrespostaaestímulosexternos(BONDI,2005).

De acordo com a autora, o interesse recente em discutir as emoções naGeografiapossibilitaquestionaros limitesdaGeografiaTradicional, sendoquenosúltimosanos,otermoemoçãotemsurgidocommaisfrequênciaemtrabalhosdentrodaGeografiaHumana.

As emoções foramdiscutidas pelos geógrafos humanistas, especialmente apartir do conceito de topofilia1 proposto por Yi-Fu Tuan. Conforme Bondi(2005),olegadodaGeografiaHumanistateminspiradoasdiscussõesgeográficasatuais sobre as emoções, especialmente porque muitos trabalhos dessa linhaestavam interessados nos sentimentos como amor, ódio, prazer, culpa, tristeza,raiva evocados por lugares. No entanto, o foco não foi o de problematizar ouconceitualizarasemoções,oqueabreumlequedepossibilidadesparasepensarumaGeografiadasEmoções.

Conforme Andreotti (2013), o problema das emoções atravessa toda ahistóriadopensamentoocidental,desdeaantiguidadeatéhojeeinúmerassãoas

contribuições para a Geografia Emocional. A autora aponta, por exemplo, asdiscussõesdapsicogeografiaougeopsiche(comos trabalhosdeAlexandervonHumboldt,Willy Hellpach) e a psicologia da paisagem (com contribuições deHerbertLehmann).Afirma ainda que antes deHerbertLehmann,ErnstCassirer“pesquisou o conteúdo da realidade espiritual e do sentido que anima osdocumentos e monumentos do passado, além de sua existência física”(ANDREOTTI,2013,p.102).Numapropostadecompreenderaculturahumana,Cassirer é um filósofo da cultura, sendo sua principal contribuição aFilosofiadas Formas Simbólicas, que “segundo ele, as várias realizações humanas sãotodasfundadasnaatividadesimbólicaparaasquaisoobjetodeconhecimentoéconjuntodascriaçõesdoespíritodoindivíduo”(ANDREOTTI,2013,p.102).

Nessesentido,nospropomosapensarumaGeografiadasEmoçõesapartirdascontribuiçõesdafilosofiadasformassimbólicasdeErnstCassirer,quepensaa arte, a ciência, a linguagem, o mito e religião como formas simbólicas queconformam mundos e, portanto, geram espacialidades. A partir de Cassirer(2012), é possível apontar as experiências emocionais como conformadorasdeespaços,gerandoespacialidades,quesãosimbólicas.Assim,oespaçodeixade ser concebido enquanto físico ematerial, e passa a ser concebido enquantoespacialidades dos sujeitos, colocando as pessoas enquanto conformadoras doespaço.

Apartirdessaideia,ointuitoinicialédiscutiraemoçãoapartirdapropostadeRichardWollheim, que possui influências deCassirer, em especial em seusestudos sobre a mente e as emoções, com contribuições para as artes visuais(pintura). Num segundo momento será discutida a emoção em Cassirer,relacionando-a com as formas simbólicas mito e linguagem, em que o autorapontaalgumaspossibilidadesdeaproximação.Porfim,nospropomosapensaraemoçãoemsimesmacomoformasimbólica,pensandosuarelaçãocomoespaço,como por exemplo, os espaços sagrados, em que ela conforma mundos e dásignificados a determinados lugares, possibilitando a construção de umaGeografiadasEmoções.

EMOÇÕESCOMOESTADOSMENTAISEDISPOSIÇÕESMENTAISNumlivrointitulado“Ontheemotions”,resultadodediscussõesapartirdas

conferências“ErnstCassirer”,emYale(2001),Wollheim(2004)dissertasobreas emoções. Sua proposta é a de uma filosofia aplicada, em que recorre àexperimentaçãoeàobservação.Nessesentido,nossapropostaédiscutirateoriadas emoções de Wollheim, articulando com a discussão de Cassirer sobre asformassimbólicas.

Wolllheim (2004) afirmaque as emoções são fenômenosmentais e queháuma linguagemdasemoções (medo,ódio,amor,ciúme,culpa,gratidão).Paraoautor,asemoçõessãoaquilodequenossaanáliseéverdade.

A discussão sobre as emoções em Wollheim (2004) é dividida em duasideias: emoções como estados mentais e emoções como disposições mentais.Para o autor, a diferença entre estados mentais e disposições mentais éintencionalidade (conteúdopensadodeumfenômenomentaleoqueasseguraadirecionalidade tanto dos estados mentais como das disposições mentais),subjetividade (é propriedade exclusiva dos estados mentais, já que asdisposições mentais não podem apresentar subjetividade porque não podemosexperimentá-las diretamente) e grau de consciência, sendo que a fusão entreintencionalidadeesubjetividadeoautorchamadefenomenologia.Asdisposiçõesmentais e os estados mentais possuem uma realidade psicológica e essasentidades psicológicas podem explicar casualmente as manifestações dasdisposiçõesmentais.

Os estados mentais seriam acontecimentos transitórios que conformam apartevividadavidadamente.Algunsexemplossãoaspercepções(comoouvirumcoroouverumaconstelaçãodeestrelas),assensações(ador,fome,asede),ossonhoseinsônias,osmomentosdedesesperoeinspiração,ospensamentos,asevocações,asimagensfantasiadaseasmelodiasouvidasnacabeça.

Já as disposições mentais são as modificações mentais, mais ou menos

constantes, que subjazem nesta série de estados mentais; tem histórias e quepodem variar muito em duração e complexidade. As crenças e desejos,conhecimento, as recordações, as habilidades, capacidades e destrezas, oscostumes, as inibições, as obsessões e fobias, as virtudes e vícios seriamdisposiçõesmentaisparaWollheim(2004).

Se ajustan al esquema general de los fenómenos mentales exactamente de la mismaformaquehepropuestopara lasdisposicionesmentales.Losestadosmentalesprovocanemociones y pueden extinguirlas; los estados mentales puden reforzar las emociones ytambién las pueden atenuar; normalmente, las emociones se manifiestan en estadosmentales;y,enmuchasocaciones,sepuedenesperarquelasemocionestenganinfluenciasobrequéestadosmentaltienelugar,dadoelimpactodelmundoexteriorsobrelapersona.Lasemocionesposeen intencionalidad,peroal contrarioque losestadosmentalesen losquemanifiestan,noposeensubjetividad.Ylasemocionespuedensercalificadasportodoslosgradosdeconciencia(WOLLHEIM,2004,p.37).

Para compreender as emoções, não basta identificá-las, é necessárioconsiderarseupapel,suahistória,omodocomoasemoçõesindividuaistendemase formar na vida das pessoas. Entender as emoções, portanto, é centrar-se nahistória de uma emoção dentro da história vital de um indivíduo, em que asemoçõestendemaseexpressarnocomportamento.

Wollheim(2004)acreditaqueaemoçãotemopapeldeforneceràspessoasuma orientação ou uma atitude ante o mundo e tem relação com a crença e odesejo,que seriamos fenômenosmaisprimitivosqueasemoções.Opapeldascrençasé forneceràspessoasuma imagemdomundoquehabita (representaçãodomundomaisoumenoscomoé).Jáopapeldosdesejoséforneceràspessoasobjetivos,coisasaqueaspirar.Nessesentido,ascrençaspressupõemcertograudeexperiênciaeosdesejospressupõemumamobilidademínima.

Há coisas que podem desencadear (que não é sinônimo de causar) asatisfaçãooufrustraçãodosdesejos.Ocrucialparaaformaçãodeumaemoçãoéaformanaqualsepercebeoobjeto.Quandoseformaaemoção,nosencontramospassivoseelanosdeixaativoseaofazerisso,satisfazumaprofundanecessidadedenossanaturezahumana.

Conforme o teórico, as emoções têm uma finalidade e sua essência se

encontra na atitude, porque são essencialmente interativas. No entanto não sãoforças motivadoras, porque a motivação é patrimônio do desejo e qualquerconexãoentreaaçãoeaemoçãoésempreindireta.Normalmenteasemoçõesnoslevam a formar desejos e esses desejos, junto com as crenças instrumentaisapropriadaspodemnoslevaraatuarsobreomundo.Assim,seformaumdesejo,sendoatravésdelequenossensibilizamoscomomundo,eomundosatisfazoufrustranossodesejo.

Wollheim (2004) afirma que as emoções são inerentemente complexas e aidentidade das emoções reside em uma narração, na história de sua vida. Asnarrações são provavelmente mais profundas que qualquer coisa que sabemossobre nós mesmos. Além disso, afirma que a emoção não é um fenômeno damemória,noentantoésimilaremalgunsaspectos.

Oautor tambémfazumarelaçãocomaspalavrasea identificaçãocomasemoções, em que não há uma forma melhor de entender uma emoção, nem deentenderasdiferençasentreasemoções,queatravésdalinguagemqueutilizamosparasinalizá-lasindividualmenteouparadistingui-las.Nessesentido,épossívelarticularsuateoriacomapropostadafilosofiadasformassimbólicas,emquealinguagem seria umadas principais formas simbólicas emCassirer, que iremosabordaraseguir.

EMOÇÕESEMERNSTCASSIRERConformeCassirer (2012) omundo não é regido apenas por uma questão

quantitativa,mastambémqualitativa.“Afilosofiadasformassimbólicaspartedopressuposto de que, se houver qualquer definição da natureza ou ‘essência’ dohomem, tal definição só poderá ser entendida como sendo funcional, e nãosubstancial”(CASSIRER,2012,p.115).

Esse mundo qualitativo é o sistema ou universo simbólico, em que mito,ciência, linguagem, religião, arte fazem parte desse universo, sendo “variadosfiosque tecema rede simbólicadaexperiênciahumana” (CASSIRER,2012,p.

48).As reações orgânicas às quais não podemos fugir por sermos seres

biológicos,sãoumarespostadiretaeimediatadadaaumestímuloexterno.Jáasrespostashumanas, istoé,assimbólicas,sãointerrompidaseretardadasporumlentoecomplicadoprocessodepensamento.Assim,“ohomemnãoviveemummundo de fatos nus e crus, ou segundo suas necessidades e desejos imediatos.Viveantesemmeioaemoções imaginárias,emesperançase temores, ilusõesedesilusões,emsuasfantasiasesonhos”(CASSIRER,2012,p.49).

Para o filósofo, o homem é animal symbolicum, em que pensamentosimbólicoeocomportamentosimbólicoestãoentreostraçosmaiscaracterísticosdavidahumanaeque todoo seuprogressoestábaseadonessascondições.Aoanalisar o homem como animal symbolicum, o filósofo propõe uma teoria daculturahumana.

Asformassimbólicassãoenergiasdoespírito,queconformammundos,istoé,dãosentidoesignificadoàsnossasexistênciasenossaapreensãodomundosedáapartirdoâmbitosimbólico.Nesseviés,nossarelaçãocomomundoéumaconstruçãosimbólica,sendocondiçãonecessáriaparaacaptaçãodosensível.Talcaptação do sensível, em nossa análise, se dá também a partir das relações eexperiênciasemocionaisquetecemoscomomundo.

É possível compreender na filosofia das formas simbólicas de Cassirer apresençadasemoçõesapartirdeduasprincipaisquestões:omitoealinguagem.Cassirerafirmaqueessasduasformassimbólicaspodemserconsideradascomo“irmãs gêmeas” e se baseiam numa experiência muito geral e primitiva dahumanidade.

Quando designamos a língua, o mito e arte como “formas simbólicas”, parece estarimplícitonessaexpressãoopressupostodeque todosesseselementos, enquanto formasdefinidasdeformaçõesintelectuais,remontamaumúltimoestratoprimordialdoreal,queé perceptível nelas somente através de um meio estranho. Parece que não podemosapreender a realidade senão por meio de peculiaridade dessas formas, mas ao mesmotempo parece que, nessas formas, a realidade tanto se oculta quanto se revela(CASSIRER,2011,p.9).

Sobre a relação linguagem e emoção, Cassirer aponta que as teoriasfilosóficasdaAntiguidadejá“sabiamquealinguagemderivadasemoções,[...]do sentimento, doprazer e dodesprazer”, emque “Demócrito foi oprimeiro apropor que a fala humana tem origem em certos sons de caráter meramenteemocional”. A trajetória da linguagem “não constitui apenas um signorepresentativodeideias,mastambémumsignoemocionaldossentimentosedosinstintossexuais”(CASSIRER,2001,p.127).

Os nomes não servem para expressar a natureza das coisas. Não têm quaisquercorrelatos objetivos. Sua verdadeira tarefa não é descrever as coisas, mas despertaremoçõeshumanas;nãotransmitirmerasideiasoupensamentos,masincitaroshomensacertasações(CASSIRER,2012,p.189).

Afalanãoéumfenômenosimpleseuniforme,mascompostapordiversascamadas, sendo a primeira delas a linguagem das emoções. Cassirer (2012)afirmaquegrandepartedaexpressãohumanapertenceaindaaessacamadae“adiferença entre a linguagem proposicional e a linguagem emocional é averdadeira fronteira entre o mundo humano e o mundo animal” (2012, p. 55),porque enquanto os animais possuem uma imaginação e inteligências práticas,apenasohomempossuiumaimaginaçãoeumainteligênciasimbólicas.

Cassirer (2012) afirma que as expressões humanas são uma expressãoinvoluntáriadesentimentos,interjeiçõeseexclamaçõesequeaumapalavranãopoderiasignificarumacoisasenãohouvessepelomenosumaidentidadeparcialentreasexpressõeshumanaselinguagem.Assim,alinguagemnãoéalgopronto,pois nós a construímos e a imbuímos de significado, em que ela possibilita aexpressãodosnossospensamentos.Alinguagemvincula-seàdinâmicadafalaeesta,porsuavez,àdinâmicadossentimentosedaemoção.

Alinguagemfoicomfrequênciaidentificadaàrazão,ouàprópriafontedarazão.Maséfácil perceber que essa definição não consegue cobrir todo o campo. É uma pars prototo; oferece-nos uma parte pelo todo. Isso porque, lado a lado com a linguagemconceitual, existe uma linguagem emocional; lado a lado com a linguagem científica oulógica, existe uma linguagem da imaginação poética. Primariamente, a linguagem nãoexprimepensamentosouideias,massentimentoseafetos(CASSIRER,2012,p.49).

Aspalavrassãosignosdasideiasequasetodasaspalavrasforamderivadasdas propriedades naturais das coisas ou de impressões sensoriais e desentimentos. A linguagem é tão necessária e natural quanto a própria sensaçãoimediata,e“assimcomovereouvir,os sentimentosdeprazeroudedor fazempartedohomemdesdeas suasorigens,omesmoocorrecomasexteriorizaçõesdasnossassensaçõesedosnossossentimentos”(CASSIRER,2001,p.128).

Todasaspalavrasprimitivaspossuíamraízesdeumaúnicasílaba,queoureproduziam,sobforma de onomatopéia, um som objetivo da natureza, ou, como puros sons emocionais,constituíamaexpressãoimediatadeumaemoção,umaexclamaçãodedoroudeprazer,dealegriaoutristeza,deespantooudepavor(CASSIRER,2001,p.130).

Para Cassirer (2004, p. 4) a questão da “origem da linguagem” estáindissoluvelmente entrelaçada à da “origem do mito” – as duas só podem serformuladasseunidaseemreaçãorecíprocaumacomaoutra”.

Naessênciadomito,podemosdizerqueháumemaranhadodeemoçõesedeacordo comCassirer (2004, p. 5), na fenomenologia do espírito deHegel, “omito está numa relação íntima e necessária com a tarefa universal dafenomenologiadoespírito”.

Comumenteomitopodeparecerapenasumcaos,algosem“pénemcabeça”,fútil e em vão.No entanto, Cassirer (2012) aponta que omito é uma estruturaconceitualeperceptualenãosãoideiasdesorganizadas,maspressupõeummododefinido de percepção2. O conhecimento mítico, assim como o conhecimentocientífico,estánabuscapelaverdade.Noentanto,omitoemsuaessência,nãoéteórico,mascombinaelementosteóricoseartísticos,enãopodesermedidopelascategoriascientíficaseempíricasquegeralmentesãoanalisados.

Oquese temporhábitochamardeconsciênciasensível,aexistênciadeum‘mundodapercepção’quesedivideemesferasdepercepçãonitidamenteseparadas,nos‘elementos’sensíveis da cor, do som, etc., isso mesmo já é o produto de uma abstração, umaelaboraçãoteóricado‘dado’.Antesqueaconsciência-de-siseeleveatéessaabstração,elaestáevivenascriaçõesdaconsciênciamítica-emummundonãotantode‘coisas’esuas ‘propriedades’, mas sim, de potências e forças míticas, de figuras demoníacas edivina(CASSIRER,2004,p.7).

O mito, enquanto forma simbólica, é visto primeiramente em suacaracterísticafisionômicaenãoobjetiva.Essaquestãofisionômicarelaciona-secomomundodramático̶ummundodeações,deforças,depoderesconflitantes̶eestemundo,porsuavez,éummundopermeadopelasemoções.

Apercepçãomíticaestásempreimpregnadodessasqualidadesemocionais.Tudooqueévistoousentidoestárodeadoporumaatmosferaespecial-umaatmosferadealegriaoupesar,deangústia,deexcitação,deexultaçãooudepressão. [...]Quandoestamossobatensão de uma emoção violenta, temos ainda essa concepção dramática de todas ascoisas.Elasnãotêmmaisorostodesempre;mudamabruptamentedefisionomia,ficamtingidas da cor específica de nossas paixões, de amor ou ódio, de medo ou esperança(CASSIRER,p.129).

Oautorcolocaqueoverdadeirosubstratodomitoéosentimento,expressodemaneiraconcretaeimediata,nãoédesprovidoderazãoousentidoedependemais da unidade do pensamento, o sentimento geral da vida, do que de regraslógicas.Porfim,“omitoéumprodutodaemoção,eseufundamentoemocionalimbuitodasassuasproduçõesdesuaprópriacorespecífica”(CASSIRER,2012,p.137).

Sobreisso,GilFilho(2012)apontaque:

A fenomenologia da consciência mítica e religiosa proporciona também possibilidadesespecíficas de determinação do sensível. Considerando esta premissa como válida, aprimeiradeterminaçãodaconsciênciamíticaereligiosaéeminentementeespacial,poisomito estabelece uma conexão direta como a vida através de uma expressividade plena.Portanto os fenômenos são, nesta base, expressões do vivido. De certomodo a lógicamíticaapresentaomundofenomênicotalcomoeleé,comoumreflexo.Masestaconexãosofreumafissuraradicalquandoconsideramosalinguagem,poisestageraummundoderepresentaçõescomoumamediaçãonecessáriaquetranscendeasdeterminaçõesmíticasconformandoummundopropriamentesimbólico(p.85).

Na proposta deCassirer, a religião se posiciona entre o sentirmítico e orepresentardalinguagem.Nessesentido,umapossibilidadedepensaraemoçãonaGeografia,écompreenderumaGeografiadasEmoçõesnosespaçossagrados,que nesse contexto, este sentimento, apesar de subjetivo, é partilhado por umgrupodeindivíduos.DeacordocomSilvaeGilFilho(2009),opensarreligiosoassemelha-se ao mítico, porém o transcende. Para os autores, o pensamento

religioso, impregnado por elementos míticos, também atribui qualificativosmágicos aos espaços.Por conseguinte, as formas religiosas são também formasespaciais.

É nesse mundo onde encontramos as coisas que possuem sentido, que carregamsignificado para nossa vida. Esses mundos, criados através da cultura pela linguagem(formas simbólicas), são espaciais, possuem uma espacialidade que é expressa nosdiscursos,nos sentimentos,naspráticas sociaisdos sujeitos.Nesseviésacreditamos serpossívelgeografizaromundodossentidos,inclusivedossentimentosreligiosos,partindodeuma geografia do conhecimento aplicada à geografia da religião (FERNANDES eGILFILHO,2011,p.213).

Nessaperspectiva,aGeografia,aoincorporaràdiscussãodasemoçõesnosespaçossagrados,possibilitacompreenderaexperiênciareligiosaparaalémdomundo físico e material, mas que é envolvido por uma dimensão sensível,apreendido a partir da dimensão simbólica da religião.Diversasmanifestaçõesdecunhoreligioso,comoprocissões,festas,peregrinações,sãomotivadaspelafédaspessoasepeloenvolvimentoemocionaldosdevotos,queporvezesenfrentama razão científica e só podem ser explicadas e compreendidas a partir dadimensãoemocional.

Na teoria de Cassirer, se as formas simbólicas conformam o mundo,compreendemosqueessemundoépermeadopelasemoções.Assim,asemoçõesfazempartedessaconformaçãodomundo,istoé,tambémsãoformassimbólicas,quedãosentidoesignificadoparaomundodosobjetoseomundodaspessoas.

Emsuma,afilosofiadasformassimbólicasdeCassirerapontaqueomundovivido só existe porque o imbuímos de uma significação simbólica.As formassimbólicas possibilitam esse “acesso” ao mundo, sendo nossas vivências eexperiênciasfundamentaisparacompreenderosimbólico.

EMOÇÕES COMO FORMA SIMBÓLICA: EXPERIÊNCIASEMOCIONAISEESPACIALIDADES

Cassirerafirmaque“asemoçõesexpressassãotransformadasemimagenseessasimagenssãoainterpretaçãodomundoexterioreinterior”.

Nãoéanatureza,comoasíntesedosobjetosnoespaçoenotempo,massimsomenteomundo de nossa existência, de nossa realidade vivencial que parece ser capaz de nosconduziraolimiardesseimediato.Dessaforma,sequisermosenxergararealidadeemsi,livredetodososmeiosderefração,temosdenosdeixarguiarpelaexperiência‘interna’,em vez da experiência externa. Jamais encontraremos nas coisas o verdadeiramentesimples, o último elemento de toda realidade, mas somente o encontraremos em nossaconsciência(CASSIRER,2012,p.45).

Se, na teoria de Cassirer, as formas simbólicas conformam o mundo,compreendemosqueessemundoépermeadopelasemoções.Assim,asemoçõesfazempartedessaconformaçãodomundo,istoé,tambémsãoformassimbólicas,quedãosentidoesignificadoparaomundodosobjetoseomundodaspessoas.

Apartirdeumolhargeográfico,podemoscompreenderasemoçõesapartirde suas relações com os lugares. Assim, nossa tese é de que a emoção éconformadoradelugareseasexperiênciasespaciaisquenós,enquantoindivíduosvivenciamos,vãocriarespacialidades.

Aemoçãofazpartedacondiçãohumana,todosnóssentimosemoções,sejamelaspositivasounegativas.Nossasrelaçõescomomundodascoisaseomundodaspessoassãovivenciadaseexperienciadasapartirdasemoções.Noentanto,por vezes as desconsideramos e colocamos apenas no plano da subjetividade.Numolhar geográfico, as nossas relações espaciais, todas elas, são envolvidaspelasemoções3.

Especialmente na Geografia, com suas bases em uma tradição positivista,pensar em questões subjetivas é um desafio. É um desafio acadêmico, porquerompe com essa Geografia tradicional, indo na contramão dos estudosconsolidados,alémdesernecessáriobeberdeoutrasáreasdeconhecimentoparapensaressaquestãoapartirdeumviésgeográfico.

Entendemos a emoção como forma simbólica, independente do mito e dalinguagem proposto por Cassirer, porque permeia todas as outras formassimbólicas,possibilitaoarranjodarealidade,umaaçãonomundo,e,emtermosgeográficos, gera espacialidades. Assim, a emoção é subjetividade que seexpressanaação,eporação,pressupõe-seumviésespacial.

Compreendemosqueaexistênciaéespacial.Asexperiênciassãoamaneira

comoaspessoasconhecemeconstroemarealidadedaexistência,istoé,implicaaprenderapartirdaprópriavivência,aventurar-se,experimentaro ilusórioeoincerto.Éconstituídadesentimentoepensamentoegeramespacialidades.

Aemoção,portanto,podeseraprendidacomopontoconformadordemundo,poispossuiumafunçãoeumaintencionalidade.Talintencionalidaderelaciona-secom a ação, em que a emoção nos faz agir nomundo e é nomovimento no/domundoquecriamosnossasespacialidades.Aconcepçãodosersedáapartirdomundo circundante, este criado a partir do sistema receptor (recepção) e dossistemasefetuador(ação)(TORRES,2014).

ArealidadeparaCassirerestácontidano tempoenoespaço,que fazemodiálogoentreoeueomundo.As forçassimbólicasgeramespacialidades.Taisespacialidades se conformariam a partir do espaço da ação (espaço dosinteressespráticoseimediatos),ligadoaouniversodosfatos;eespaçoperceptuale espaço simbólico (espaço abstrato; da imaginação e inteligência simbólica),relacionadosàsrepresentações(relaçãosimbólica).Éapartirdoespaçoquesetemaconstruçãodossignificadosedasformasculturais(tantoimateriaisquantomateriais)(TORRES,2014).

Emsuma,construirumaGeografiadasEmoçõespressupõeumaanáliseparaalém damaterialidade, inclusive, para além da análise visual à qual a ciênciageográficacomumenteécompreendida.UmaGeografiadasEmoçõeséconstruídaapartir dequestões simbólicas e quepossuem significadospara as pessoas.Àmedida que estabelecemos uma relação emocional com o espaço geográfico,estamosatribuindoaelealgumsignificado.Portanto,construímosespacialidadesemocionaistodososdias.

Figura1–Emoçãocomoformasimbólica,nostermosdeErnstCassirer

Fonte:Org.:SILVA(2016)

CONSIDERAÇÕESFINAISApartirdeumolhargeográfico,podemoscompreenderasemoçõesapartir

de suas relações com os lugares. Assim, nossa tese é de que a emoção éconformadoradelugareseasexperiênciasespaciaisquenós,enquantoindivíduosvivenciamos,emergemenquantoespacialidades.

Propomos pensar uma Geografia das Emoções nos lugares, no intuito depossibilitaraosgeógrafosareflexãocríticasobreaquestãoespacial,indoalémdasconcepçõesclássicasquedizemrespeitosomenteaospropósitosmateriaisefuncionais do espaço geográfico, desconsiderando por vezes questões maissubjetivasdohabitar,docotidianoedomundovividodaspessoas.

AGeografia dasEmoções temganhado destaque naEuropa eAmérica doNorte. No Brasil, há poucas abordagens específicas sobre o tema, o quepossibilitadiscutireavançarnacompreensãodotema.Mostra-seaindapertinenteodiálogocomoutrasáreasdoconhecimento,emqueoestudosobreasemoçõesjá está avançado. A partir das leituras realizadas, foi possível perceber que aGeografia das Emoções se apropria demuitos desses discursos, mas coloca aquestãoespacialcomoessencialparacompreenderasemoçõessoboutroviés.

Asemoções,nopensamentocientíficoemgeral,comumenteforamexcluídasoureprimidas,emqueopensamentoracionalfoicolocadocomooúnicoacessoàverdade.Muitosdiscursosgeográficostambémdesprezamessetipodediscussão,especialmente aqueles que compreendem a Geografia como uma tentativa defornecer informações objetivas. A aparente ausência de atenção geográfica àemoção,portanto,precisadeexplicação,afinal,seasemoçõespermeiamnossas

vidas,entãohávestígiosquedevemserreveladosnoslugaresemquevivemos.Emalgunstextos,emoçõesestãoprofundamenteescondidas,sobtabelasdedadose números, mapas, observações individuais, terceira pessoa ou narrativasimpessoais, e assim por diante. E, assim, uma geografia emocional, que levaemoções como seu tema, aindaprecisa refletir e interpretar essa irregularidade(SMITHetal,2009).

É notável que há muito o que se discutir sobre o assunto e a agenda daGeografiadasEmoçõeséampla.Dentreosassuntospertinentesaseremtratados,a partir da perspectiva daGeografia das Emoções, podemos citar: a dimensãoemocional das representações espaciais; a relação entre emoção e os espaçossagrados;arelaçãoemoção,espaçoefobias;asexperiênciasemocionaisvividaspor grupos marginalizados; diferentes emoções em crianças, jovens e idosos;experiênciaemocionaleespacialempessoascomdeficiênciasoudeterminadasdoenças; mapeamento das emoções; emoções a partir de narrativas; a relaçãoentremobilidadeeasemoções.Assim,aGeografiadasEmoçõespodedespertaraimportânciadadimensãosensívelexistenteemnossaspráticas,experiênciasevivênciasespaciais.

Pensar as emoções a partir de um olhar geográfico, pressupõe um olharsensível sobre a realidade, privilegiando as pessoas, isto é, a construção darealidadesedáapartirdossujeitosecadaumpossuiummundovivido.

Este trabalho mostra-se como um ensaio à discussão, pois dada acomplexidadedotema,aindahámuitooquedesbravarapartirdaperspectivadaGeografiadasEmoções.Talpropostapodedespertara importânciados lugaresnão só como pano de fundo das relações sociais, mas fundamentais paracompreender as pessoas, possibilitando uma compreensão “mágica” do nossoser-no-mundo.

Em suma, nossa proposta versa sobre pensar o sensível no espaçogeográfico e dequemaneira o geógrafopode se apropriar dessadiscussãonasanálisesgeográficas,emespecial,apartirdafilosofiadasformassimbólicasdeCassirer,emqueaquestãosimbólicafazpartedanossaconformaçãodomundo.

Éprecisoavançaremoutrasquestõespertinentesàspessoas,suasexperiênciasdevidanoespaçogeográfico,poiso“essencialéinvisívelaosolhos”.

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TUAN,Yi-Fu.Espaçoelugar.Aperspectivadaexperiência.Londrina:Eduel,2012.

WOLLHEIM, Richard. Sobre las emociones.Madri: La balsa de la medusa,2006.

1Topofiliaéoelodaspessoascomooslugaresoucomoambientefísico,éum“neologismo,útilquandopodeserdefinidaemsentidoamplo,incluindotodososlaçosafetivosdossereshumanoscomomeioambientematerial. [...]Maispermanentesemaisdifíceisdeexpressarsãosentimentosquetemosparacomumlugar,porserolar,olocusdereminiscênciaseomeiodeseganharavida.Atopofilianãoéaemoçãohumanamaisforte. Quando é irresistível, podemos estar certos de que o lugar ou o meio ambiente é o veículo deacontecimentosemocionalmentefortesouépercebidocomumsímbolo”(TUAN,2012,p.135-136).

2“DesdeErnstCassirerquesabemosqueaimageméumsignosensívelcujamaterialidadelhepermiteserobjectoculturale,nessaexactamedida,símbolo.EErwinPanofsky,seguindoasreflexõespropostasporCassirer,vaidesignara‘perspectiva’comoformasimbólica,abandonando,comisso,aideiadeumolharneutroedeumapercepçãopuradesprovidosdearticulaçãocultural.Anossapercepção,sendoarticulada–e,comisso,sujeitaàvariabilidadecultural–,nãoapreendeosfenómenoscomomatériapura,maséjámarcadaporestruturas de compreensão colectivas, por formas culturais que tecem a sua «pregnância simbólica»(symbolischePrägnanz),comodiriaCassirer”(BRAGA,2010,p.157).

3“Asemoçõesdãocoloridoatodaexperiênciahumana,incluindoosníveismaisaltosdopensamento.Osmatemáticos,porexemplo,afirmamqueaexpressãodeseusteoremaséorientadaporcritériosestéticos-noçõesdeelegânciaesimplicidadequerespondemaumanecessidadehumana.Opensamentodacoloridoatoda experiência humana, incluindo as sensações primárias de valor e frio, prazer e dor. A sensação érapidamentequalificadadecalorefrio,prazeredor.Asensaçãoérapidamentequalificadapelopensamentoemumtipoespecial.Ocalorésufocanteouardente;ador,agudaoufraca;umaprovocaçãoirritante,ouuma

forçabrutal”(TUAN,2013,p.17).

CARAVANASDEPEREGRINOSNOSANTUÁRIODECANINDÉ-CE:REFLEXÕESSOBREOSCENÁRIOSDEPROIBIÇÃOAOFLUXODE“PAUDEARARA”

IvoLuísOliveiraSilvaInstitutoFederaldeEducação,CiênciaeTecnologia–IFCE.

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INTRODUÇÃOAinvestigaçãopropostadesseartigoéavistarastransformaçõesvinculadas

nas Caravanas de Peregrinos no Santuário de São Francisco das Chagas deCanindé-CE,entreosanosde2015-2016,eassimencontrarressonânciaentreosfluxoshumanoseamobilidadesocialnoespaçogeográfico,principalmente,nosSantuáriosCatólicosBrasileiros,lugaressimbólicosdenaturezaexcepcionais,equenocontextodapós-modernidade,nãosereduziramaumLugar“Ingênuo”ouaum Espaço Sagrado existente em si mesmo, mas sim em espaços, igualmente,“planejáveis”e“consumíveis”.

EssetrabalhoéumfragmentodoesforçoempregadonaelaboraçãodaTesede Doutorado (2015/2019) desenvolvido na Universidade Federal do Ceará -UFC,nodepartamentodeGeografia,cujodesafioédesvelarosfenômenosentreoTransporteeoRomeironoSantuárioFranciscanodeCanindé.Partimosdeleiturasobreoslugaressimbólicos,assuasrepresentações,formasdecomunicação,seusfluxos/fixoseosterritóriosvisíveiseinvisíveis.

Orecortetemporaldainvestigaçãoéentreagostode2015adezembro2016.E a espacialidade a cidade de Canindé-CE, localizada no semiárido cearense,figurandonosdiscursosinstitucionaisdemonumentalidadeturísticacomosendoa8ª maior imagem sacra (católica) do mundo e o palco da maior romariafranciscana das Américas, seguido da Basílica de São Francisco de Assis, a

Igreja-mãe da Ordem Franciscana e manjedoura do carisma do pequenino deAssis.EmCanindé,historicamente,aprimeiraedificação religiosacatólica temregistros com Francisco Xavier de Medeiros, no ano de 1796, contudo, aconstrução primitiva apresentou imperfeições estruturais durante os anosseguintes e a reconstrução do templo inevitável, foi por iniciativa de FreiMatias de Ponterância (Bergamo) em 1910. No ano de 1925 é elevada àdignidade de BasílicaMenor, quando completava 150 anos, desde a fundaçãoprimitiva.Todososanos,milharesderomeirosreproduzemacaminhadadafé.

Apresençadosperegrinos,emgestosvotivos,reatualizaadevoçãoemnomede São Francisco das Chagas de Canindé. Famílias inteiras reproduzem adevoçãoporgerações,atravésdopagamentodaspromessasperpétuas,devoçõesmigratórias reproduzidas igualmente em Juazeiro do Norte-CE, em forma degrupos, com excursões turísticas, comunidades católicas, representações debairros e cidades, e em todas essas formas de organização, o peregrino jamaischega demãos vazias. Trazem consigo a esperança, fé, as joias (nome dado àoferta material do romeiro), sacrifícios, ex-votos representados em roupas,fotografias,peçasemmadeiraemechasdecabelo.Todosesperamaintervençãodosagradoemnossotempo.

Os lugares de atração religiosa, especialmente, os templos sagradosprojetam no peregrino o desejo de viver a experiência da transcendência,produzindoumafugadotempovaziotãocaracterísticodocotidiano.Nãoéqueosdeuses(ouoDeus)desapareceram,équenósdesaprendemosavê-los.OconvitedeJoãoBatistadeDeus(2002,p.34)éparaqueultrapassemoso“fenômenoafimdeatingiraessênciadoobjeto,dareflexão,noprocessodoconhecimento”.Nessamobilidade no encontro com o sagrado,Debray (٢٠٠٤) se posiciona narepresentaçãodeumDeusquenão se encurta apenas aodomíniodosmeiosdecomunicação,masseampliadomesmomodonasrelações.

Auxilia-nos, o refletir, as construções teóricas deOliveira (2008) quandonos oferta osModelos de Santuários Contemporâneos, e o mesmo Oliveira(2011)noDigramadaArticulaçãodosVetoresaosSantuários.Outrasobrasde

Oliveira (2004, 2007 e 2012) direciona-nos à interiorização geográfica dessesvetores através da religiosidade (o mítico); da turistificação(migratório/mundano) e na carnavalização (o midiático). Os Santuários sãoespaçosdemúltiplossentidos(entresignificantesesignificados)eultrapassadadimensão da sacralidade. É latente nesses lugares a configuração dainteriorização territorial, e no caso em estudo, a macrorregião semiárida donordeste brasileiro. Canindé está longe da reprodução sistêmica dos grandescentrosdeperegrinaçõesturísticasmundiais.

As experiências com este Santuário nos remetem ao encontro do lugar emplenomovimentodotemposagradodeperegrinação,comoaquelequeseirradia,leva-nos a refletir sobre as rodovias, os modais, os transportes, formas deorganização e relações. Em Tuan (1975) o compartilhamento da noção do“EspaçoVivido”;eemSantos(1991)eCarlos(1996)apropagaçãodaideiadeLugar como parte de uma totalidade. ParaMello (2001) a admissão do Lugarcomomorada, eDartigues (1973) a referênciade “mundo”quantoàsvivênciasindividuaiseintersubjetivasdossujeitos.

O fato é que osLugares apresentaram seus acessos alterados ao longo dotempo,bemcomosuaformadeconsumi-los,suavelocidadedesecomunicareatémesmodesedeslocar.Oslugares,agora,sãoconsumidosmaisvelozmente,quenosdigamoslugaresturísticos.

AIMERSÃONAPROBLEMATIZAÇÃOA tendência geral de se articular dois sistemas de veiculação de acesso

automotivo: a dimensão doSantuário como o “CarroAlegórico”, efusivo e emmovimento,amparadonamidiatização(principalmentenousodasnovasmídias),na espetacularização e na estetização (com surgimento de novasmarcas) comoelemento de atração. No outro aspecto, está a dimensão do “Carro-Controle”procedente de sua interdição (pau de arara), levando a novas formas deorganização,oumesmoemquestõesderesistência,porpartedaIgrejaCatólica

Local,quantoaosmodelosdeturismoreligiosodocapitalismocontemporâneo.Aresistênciadodiscursoturísticogiraemtornodotemordatransformação

dodevotoemturista,edessamaneira,apossibilidadederetirada(atéaperda)dadireçãoespiritualdaperegrinação.Nãohácomonegarlinguagemempregadapeloturismoeodiscursodoparaísodoslugaresreligiososcomoelemento“folclóricopublicitário”. Com esses diálogos entre o campo e a teoria vão brotandoquestionamentos tais como: até que ponto as peregrinações turísticas oureligiosidadeturísticainteragemcomlugarsimbólico?Porqueclassificamososlugares turísticos como espaços de recepção e atração? O que é ir a SãoFrancisco das Chagas de Canindé? E quais as devoções/relações ocorridasduranteotrajeto?Quaisasprojeçõescomunicativasdoparaísoedoparadisíacoimpregnadasnoromeiro?

Questionamentos revisitados estão em torno do quanto as caravanasestariam, ao mesmo tempo, sofrendo a aceleração dos processos estético-espetaculares do Vetor Midiático-Ecossistêmico, e quais os efeitos daconsolidaçãodasnovasformasdesegurançaecontrole,comonocasoaadoçãodenovasrotaseveículosdeacompanhamentopelovetorPolítico-Turístico.

Aseleições,emtodoanopar,alteramocalendáriodafestanomunicípiodeCanindé,transferidoacelebraçãoparaosdias6a16deoutubro,posterioràdatado Santo.Adicionamos nesse fenômeno religioso a crise dos recursos hídricosenfrentadapelaestiagemnaregião.

PonderandosobreaPolíticadeSegurançanoTrânsito,em2012entrouemvigordaLeinº12587/12daPolíticaNacionaldeMobilidadeUrbana–PNMU–,que estabelece estruturas, preços acessíveis no transporte coletivo, viasexclusivas para uso dos ônibus e de bicicletas, uma reserva de circulação deveículosprivadosemdeterminadoshorárioseacobrançade tarifaparausodainfraestruturaurbanacomonocasodosestacionamentospúblicos.Adeterminaçãoéqueosmunicípios,commaisde20milhabitantes,sejamapresentadosoPlanode Mobilidade Urbana Municipal integrada ao Plano Diretor previsto peloEstatuto da Cidade. No caso de Canindé, falta-nos o primeiro e o segundo

encontra-sedefasado.Amodernidadeéumexercíciopermanenteemdesenvolvimentoemutações.

Fatalmente,oqueantesestavaregulamentadosemvínculoscomasleisdetrânsitopassaráasercobrado.Em2014,aresoluçãonº82/98,doConselhoNacionaldeTrânsito-CONTRAN,queautorizava,emcaráterexcepcional,ousodecaminhõesadaptados para o transporte de passageiros foi revogada por uma norma domesmoórgão,denº508/2014,quecoibiaacirculaçãodosveículose,apartirdeentão,intensificou-seafiscalização,assimcomooocorridonasrodoviasfederaisde acesso BR-020 e 222, principais rotas de romarias procedentes de outrosestados.

ALei nº 9.503/97 que instituiu oCódigo deTrânsitoBrasileiro –CTB –asseguravaqueaotrânsito,deveriaserofertadoemcondiçõesseguras,comoumdireitodetodosedeverdosórgãoseentidadescomponentes,nareferidalei,noArt.230,aproibiçãodotransportedepessoasemveículosdecarga,inclusive,aapreensãoearemoçãodosveículosqueestivessemnessacondição.

Os controles dos órgãos de trânsito intensificaram em 2015 com afiscalização da Polícia Rodoviária Federal – PRF/CE – e em 2016 com acampanha educativa da Agência Nacional dos Transportes Terrestres –ANTT/CE.

Os paus de arara, conhecidos como carros de horários, de tamanhosvariados,itineráriosepreços,amontoam-senocentrodeCanindéeinterligamazonaruraleasedemunicipal.Osobeedescenascarroceriaséprotagonizadoporpassageiros de todas as faixas etárias. A resolução n° 82, do CONTRAN de1998, regulariza o serviço do pau de arara e institui que os veículos possamcircular entre as localidades de origem e destino situados em um mesmomunicípio,municípioslimítrofesoumunicípiosdeummesmoestado,quandonãohouverlinharegulardeônibus,ouaslinhasexistentesnãoforemsuficientesparasupriràsnecessidadesdaquelascomunidades.

Esses carros de horários trazem consigo uma carga simbólica detransgressãodasnormasde trânsito (CTB);umaassociaçãocoletiva imaginária

do êxodo de nordestinos para o sul do país; a dimensão penitencial daperegrinação (quantomaior sofrimentomaiorégraça); canalde ligaçãoentreoruraleourbano;aumaconstruçãofolclóricadaidentidadedonordestesertanejo.Poroutrolado,essatransgressãodousodessetransporte,aindaprecária,paraousuário é um mal necessário, para aqueles que permanecem desassistidos dacoberturadeumtransportepúblico.

Novasmobilidades são adquiridas, inclusive pormeio da internet,mídiassociais,rádio,televisãoerevista.Novosdeslocamentossãotecidosapartirdasrodoviasconstruídasem1960.Umamobilidadepresentenocarro,na festa,nasdisputasdosespaçosdepoder,nasnovasformasdecomunicação.Oautomóvel,ocaminhão e o ônibus, aqui, é o instrumento “metodológico do trajeto”, que secamuflaemcasa, lojadedepartamento, transporte escolar, conduçãodecargas,no agenciamento de viagens, em carro de som, altares, carros alegóricos emdesfiles cívicos e carnavalesco, em veículo de apoio e reboque, ambulância,carrosoficiaiseemtantasoutrasrepresentações.Eemtodasasfeiçõesastrocassimbólicas permanentes entre o veículo, usuário e a cidade, o exercíciometodológicodapesquisa trazopensar,oespaço tãomutáveldascaravanasdeperegrinos.

OEXERCÍCIOMETODOLÓGICOFRENTEAOSOBJETIVOS

Porém,aopressionaroolhoecapturaraimagemésinaldequeparte,paranãodizergrandepartedoobjetoemsi,perdeu-senomovimentodacaptura.

(AutoriaPrópria)

Oobjetivogeraldo trabalhoédescortinaras intercessõesviventesentreotransporte (resquícios do pau de arara), das regulamentações e passageiros,reconfigurandosuasrelaçõescomoespaçoecomooutro,pormeiodeumestudogeográficoemCanindé.Dentreosobjetivosespecíficosestariamapossibilidadedecompreenderarelaçãoentreocentro(Canindé)eperiferia(cidadedeorigem)

equais as projeções de paraíso e paradisíacopresentes no entendimentodesseromeiro, assim como o desvelar das formas de organização, comunicação,mobilidade, deslocamentos e sua relação na construção do espaço geográfico(essafaseiniciada).

Esse artigo é um fragmento de um estudo em andamento. Um exercíciometodológico proposto pela pesquisa qualitativa, para exercitar esse diálogocotidiano com os sujeitos e atores socioculturais da peregrinação, de um lado,uma leitura intersubjetivaedescritivado fenômenonavertente fenomenológica,conforme Creuza Capalbo (2008) e sua subjetividade social em reconhecer ohomemcomoocentrodoprocesso.Aomesmotempoemqueabsorvedafontedamultiplicidade de linguagens interpretativas, a aventura hermenêutica de PaulRicouer(2009).Soma-se,atudoisso,oolhardaperspectivamultirreferencialeaproposiçãoemabordarumnovo“olhar”sobreo“humano”,maisplural,apartirdaconjugaçãodeváriascorrentesteóricas,assimosconceitosdeMartins(1998)na crítica da supervalorização do método e do erro ao desprezar a teoria einterpretação.

Ossantuáriosqueseremodelaramporinfluênciadapós-modernidadeeporprocessosdehibridaçõesculturais.SegundoAnuárioCatólicodoBrasil(2012)otermobasílica é um título dado pela SéApostólica, pormeio daCongregaçãopara o culto divino e a disciplina dos sacramentos, ou a Igreja que possuaimportânciahistóricaouquepossuaumgrandeafluxodefiéis.

Olevantamentodasinformaçõesencontraumconfortonousodaobservaçãoe na descrição das entrevistas informais. Para Kaufmann (2013) a orientaçãoquantoaoaproveitamentodequeopesquisadoréum“artesãointelectual”(p.33),porissonessapesquisafaremosusodasanotaçõesedosregistrosdamemóriadopesquisadoredosentrevistados.JáBosi(1997)nospreparaparaaaplicaçãodasentrevistas como “localização” das memórias e dos sujeitos que narram umdeterminado fato. Em Barbier (1985, p.38) a atenção aos fatos sociais como“procedimentosteóricosemetodológicos”.DeZaluar(1985)advertênciaparaastensõessociaiscomofrutosdaaproximaçãocomo(s)sujeito(s).EporfimCosta

(2016)revelaocuidadonanarraçãodosdiscursosenareproduçãouníssonadegrupos, entidades, instituições, repartições. Separar o discurso de mediaçãodiscursododiscursoecontradiscurso.

Aconstruçãodascenaséumatentativadenarraçãomarcadapelasmudançasde ambiente, comportamentos e falas dos sujeitos. Primeiro recorte foi aCapacitaçãode200VoluntáriosdaFestadesãoFranciscodasChagas–2016,comotemadafestaintituladode“Louvadosejas,meusenhor,comtodasastuascriaturas!”.A responsabilidadeda Igreja e dosPoderesPúblicos, por causadadimensão da festa (regional e até nacional) com a afluência de milhares deromeiros que necessitam de acolhimento, espaço para manifestação de fé,proteção à vida, orientados quanto a seus deveres e motivados a continuaremvindoaCanindé.

A segunda cena foi a captura da visão institucional (Igreja) através dodiálogocomFreiMarconiLinsdeAraújo,párocoe reitordoSantuáriodeSãoFranciscodasChagasdeCanindé,daOrdemdosFradesMenores(OFM)ecomos Organizadores das Caravanas. Da terceira à quinta cena a edificação dascaravanas de peregrinos na representação da 30ªMotoRomaria deFortaleza aCanindé;35ªRomariadeCodódoMaranhãoe81ªRomariaMariaSalgado.Eporfim, as experiências vividas nos Festejos de São Francisco das Chagas deCanindé,comoformadeaproximardossujeitosinvestigadoseassimrompercomos arquétipos e estereótipos na construçãodosProcessos de Identificação dosgrupos.

ODIÁLOGOCOMOCAMPOEm campo, deparamo-nos com a triangulação entre o romeiro (partida),

caravana (translado) e o Santuário (chegada). Pôr-se literalmente a caminhorequer uma jornada venturosamente nova, onde o caminhante e os caminhos.Aseguir,trazemoscapturasdasfalascomoretratosinstantâneosereflexõesfeitasapartirdeles.

CENA1 –Capacitação dosVoluntários daFesta de SãoFrancisco dasChagasde2016.Às8horasdamanhã,17desetembro,noEspaçoCulturalFreiVenâncio Willeke, próximo da Igreja de Nossa Senhora das Dores, ConventoSantoAntônioeIgrejadoMonte(Cristo-Rei).Duranteaaberturadostrabalhos,Frei Marconi Lins, OFM, fez o convite aos participantes para a prática doVoluntariadoAnualaexemplodoMédicoSemfronteira.Paraopárocoereitordo Santuário, o turismo implica em comprometimento, desafios humanos eecológicospermanentes.Posicionamentosemdefesadospressupostosreligiososdoencontroforam:a)importânciadoSantuáriocomolugardeencontrocomDeusecomSãoFrancisco;b)Santuário:lugardereconciliação;c)Santuário:lugardaescutadapalavra; d)Santuário: lugar onde se aprende e se compreende comaespiritualidade de São Francisco (amor a Deus, ao próximo e reverência àCriação).

Faz alusão à importância do acolhimento aos romeiros e assim apresentaversículosbíblicosdehospitalidade(aquenominadehospitalidadebíblica).Omesmodizque“opróprioDeuséograndehóspede”.Paraoreligiosooaliadoaoacolhimento é a gratidão anunciada no significado da palavra “obrigado,traduzida do latim, quer dizer voltar para o outro, estar vinculado”. E assimencerraseuanúncioaos200voluntáriosparaquedesçamaoencontrodoromeiro(outro).Aolharooutroemsuatotalidadeeassimadverteos“romeirosnãovêmde mãos vazias, sempre chegam com esperança e fé”. Ruptura da divisãodualísticadedarereceber.OSantuáriodeCanindéeacargasimbólicapresentenesse lugar é a mais perfeita representação da realização geográfica da pós-modernidade.

CENA2–DiálogoscomFreiMarconiLinsdeAraújo,OFM,oencontroocorrido entre 14 e 22 de julho de 2016. A captura da fala institucionalpromovida pela construção de uma verdadeira cultura do encontro. SomosrecebidoscomasaudaçãoPazeBem,aevocaçãoremeteaoenviodosdiscípuloseàinspiraçãoemanunciarapaz.DadosapresentadosdãocontaqueoSantuáriode São Francisco das Chagas de Canindé dá assistência religiosa a 50

comunidadesrurais,12cidades,econtaapenascomduasparóquiaseumaÁreaPastoral em formação na localidade deCaiçara, tudo isso com um corpo de 9fradese250anosdeperegrinação.

OSantuárioéolugardeencontro.Assimnosfalaopárocoereitor,“olugardaconfiguraçãodoencontroéaBasílica.Éondeoconcretodohomemsenteanecessidade do espiritual”. Para os festejos de 2016 a escolha do tema“Louvadossejas,meuSenhor,comtodasasTuasCriaturas”éfrutodainspiraçãonoCantodoIrmãoSoleestáemsintoniacomaEncíclicaLaudatoSi,doPapaFrancisco,lançandoocompromissocomnossaCasaComum.

O Ministério do Turismo (MTur) desenvolveu um novo sistema declassificaçãodemeiosdehospedagem:Hotel,Resort,HotelFazenda,Camacafé,HotelHistórico,PousadaeFlat/Apart.EmCanindé,oSantuáriodáassistênciaadois Abrigos (Santo Antônio e São Francisco), são lugares de acolhida aosdesabrigados e desprotegidos personificados na pessoa do romeiro, uma outranomenclatura dada à hospedagem é de Rancho, uma denominação híbrida quehistoricamente tinha por intenção a acolhida de peregrinos, soldados, lugares àbeiradaestradaemesmofazenda.

Em defesa de que a religiosidade popular, o pároco e reitor do SantuáriofalamdeCarlosMesters,naobraSabedoriadoPovo:AprenderdaVida, ondedizqueopovotemcatolicismoerrado,masaféécerta.Dessadualidadeentreopopulareoeruditobusquemosaraizdapalavraqueajustificativa,assimnosfalao entrevistado “a palavra Erudita, erus dito, que dizer aquilo que já foirudimentar”. Outra exposição é sobre a palavra “esposo significa respostas,aquiloque lheéatribuídonosentidode responsabilidade,vinculadoà respostaexistencialàvidadooutro”.Aumsentidoprofundonoentendimentodaspalavraso“verbospondeo quedizerprometer formalmente, nogrego spendo quer dizerfazerlibação,oferendas,augúriosporocasiãodealianças,compromissos”.

Para o Santuário-Paróquia de Canindé o desafio é: a) Acolhimento aosromeiros; b) Segurança; c) Saúde (água); d) Preservação doEspaçoReligioso,particularmente do entorno do Santuário e deslocamento para a Praça do

Romeiro, quanto ao uso dos espaços públicos pelo comércio informal. Em suafalaposiciona-senaquestãodorespeitodoSantuáriocomoutrasdenominaçõesreligiosaseesperaqueessediálogosejaumdemãodupla.Noanode2015,nascamisas dos voluntários da Festa foi impressa uma frase na manga que dizia“respeiteafédoRomeiro”,umarespostaaoproselitismoprotestante.Noanode2016,osvoluntáriosdistribuírampanfletoscominformaçõessobreoCulto dosSantos pela Igreja Católica Romana e um trecho do artigo da Constituição daRepúblicaFederativadoBrasil/88queressaltaodireitoàmanifestaçãoreligiosae, assim, prescreve a liberdade, enaltecendo também a liberdade de cultoreligioso,eproteçãoàsorganizaçõesreligiosas.

Dando passagem às peregrinações, a CENA 3 – 30ª Moto Romaria deFortalezaaCanindé - 2016 contou comaproximadamente25milmotoqueirosqueseaglomeraramnodiade18desetembro(arepresentaçãododomingocomoodiadoSenhor).Aprimeiramovimentaçãodeu-seporvoltasdas05h50mincomachegadadosorganizadoresdoevento.Pequenosgrupossesomavamàmassaatéqueàs08h00min,defronteaoColégiodaPolíciaMilitar,naAvenidaMisterHull,emFortaleza,umaprocissãodemotoqueiros(comacenosebuzinas)despedia-sedacidadedeFortalezaemdireçãoaMecaNordestinapelarodoviaBR-020.Aolongodaformaçãodocortejoademarcaçãodosespaçosdepoder,osespaçosderepresentaçãosocialedemicroterritórios.

Paragarantirasegurança,aintegridadedosmotoqueiroseimpediracidentesfataisetranstornosduranteopercurso,osagentesdaPolíciaRodoviáriaFederal(PRF/CE) deram assistência, tanto em viaturas como em motocicletas.Observância da demarcação dos territórios fluídos: a) Na Rodovia Br-020-km402-Quadra31-Lt05S/N,localidadedeTabapuazinho,naCaucaiaasmotosdecilindradas altas, vão à frente do comboio, assim como o berrante é uminstrumento de sopro utilizado pelos vaqueiros, a fim de unir o gado em umdeterminado local, os arranques dos motores de maiores cilindradas vãoanunciado que os demais vêm em passagem; b) Institucionalidade da PRF/CE,comooórgãodoMinistériodaJustiçacomadisposiçãodemoto-patrulheirocom

a responsabilidade de promover ações e atividades voltadas para a educaçãoparaotrânsito(antes)enafiscalizaçãodetrânsitoenaconduçãodousodavia(duranteedepois);c)Emseguidaosorganizadoresdoeventoeademarcaçãodoespaçocomosímbolooficial(bandeiradeCanindé);d)Parceirooalinhamentode batedores Corpvs Segurança, empresa especializada em segurança pessoal,patrimonialeeletrônica,transportedevalores,escoltaarmada;e)emseguida,osparticipantes, soma-se a Moto Romaria de Fortaleza pequenas romariasorganizadas com camisas e que se aproveitam da estrutura do evento, daautorização de uso de via e da segurança.Orientação aos que peregrinampelaprimeira vez (inexperientes na travessia) que façam o trajeto no “rabo docortejo”,eassimprotegem-sedaspequenascolisõesederrapagensqueocorremduranteoevento.Nomeiodamassadefiéis,doissedestacam:umcasalvestidocom a mortalha de São Francisco e outro de Papai Noel (promessa de doarpresentes); f)noentornoosvendedoresambulantes(protetorsolar,mangasparaproteçãodomotoqueiro,boné,óculosescurosentreoutrosprodutos)ecarrosdelanche.

Oiníciodaperegrinaçãoémarcadopelassirenesdasviaturasdepolíciaedasbuzinasdosmotoqueiros.Deacordocomaorganizaçãodoeventoérealizadoumplanodecontrolenotrajetojuntamentecomosórgãosdefiscalizaçãoatravésdaemissãodeautorizaçãodeusodevia.

Segundo os agentes da PRF/CE, a nomenclatura utilizada para com asromariasédeEVENTOS,emconsonânciacomCTB(Nº9.503/97),noCapítuloIIretratasobreaanálisedeviabilidadeeconsequenteautorizaçãopararealizaçãodeobrasouEVENTOSquepossamperturbarou interrompera livrecirculaçãode veículos e pedestres (Romarias). Além disso, firmam-se contatos com asPrefeituras de Caucaia, Maranguape, Caridade e Canindé para os agentespermanecerem de plantão nos principais pontos do cortejo e no apoioambulatorialcasonecessário.

Ainda,segundoaPRF/CE,oEstadodoCeará,emparceriacomosEstadosPiauí,MaranhãoePernambuco, realizouem2014, aOperaçãoRomariaSegura

que traziaporobjetivo a ampliação, fiscalizaçãoe a coibiçãodo transportedeveículos de carga adaptados para romeiros (pau de arara) que se deslocavamparaomunicípiodeCanindé,principalmentenosperíodosdefestividades.

Imersão na CENA 4 – 35ª Romaria de Codó doMaranhão. No ano de2014,aRomariadeCódodoMaranhão,igualmenteconhecidacomoasCarretasdoCodó eRomaria de Chiquinho do Codó foi impedida de seguir viagem aCanindé. Para continuar a cumprir a promessa de trazer os romeiros, oempresário Francisco Carlos Oliveira, em 2015, disponibilizou 20 ônibus,substituindo12veículospaudeararaeem2016areproduçãode21veículos,uma mais devido à assistência a uma pane em um dos veículos na cidade deTianguá/CE.

Segundoaorganizaçãodaperegrinação,háumaestruturaoperacional(pré-durante-pós) palestra com os motoristas sobre a acolhida aos mais idosos,contagem e chamada nominal dos passageiros, identificação dos usuários comcrachá, eleição do coordenador de ônibus, divulgação na localidade sobre oshoráriosdesaídaeretorno,determinaçãodospontosdeapoioeparada,produçãodas camisas, kit de primeiros socorros, comunicação entre os ônibus,determinaçãodeandaremcomboio.

Em 2016, os devotos experimentaram pela 2ª vez uma viagem maisconfortávelesegura.Porém,algunsmaisantigostrazemalembrança:“eralindonopaudearara,aquilosimerademonstraçãodefé”.Clararepresentaçãodeumpassadoarmazenadodememóriascarregadasdeafetosesemprequeacionadoéreforçadopositivamente.Namanhãdodia15deoutubro,porvoltadas05h00minpartíamosdoConventodeSantoAntônio,nacompanhiadefradesefuncionáriosda paróquia, e às 6h00min os primeiros ônibus apareciam no horizonte dalocalidadedaCaiçara,distante15kmdasedeCanindé.Nolugaracoberturadeagentes da Polícia Rodoviária Estadual – PRE/CE –, moradores e dois trioselétricos que anunciam comhinos a SãoFrancisco e saudações às boas-vindasaosperegrinos.

No trio elétrico, além dos religiosos da Província Franciscana de Santo

AntôniodoBrasilearepresentaçãodoatopormeiodaparticipaçãodoMinistroProvincial (superior) davam as boas-vindas aos organizadores do evento(familiares e funcionários do grupo do empresário). Entre os homenageados, oentãoprefeitoeleitodacidadedeCodó-MA.Nafaladoempresárioaretribuiçãodahospitalidaderecebidaeassimbradava“podemmudaromeiodetransporte,masjamaisirãoconseguirmudarafédenossoromeiro”.

Após a oficialidade do encontro entoaram-se o canto LongeDistante, deManoelMessias;cujaestrofeprofere“delongedistantestangidosporfé,detodolugareschegamaCanindé.Nãotememajornada,correndoatérisco,dequalquermaneira, vem ver São Francisco”. Trecho faz uma representaçãoconsubstancialmente aos esforços empregados nas caravanas de peregrinos quetransitavamdepaudearara.

AleituradarepresentaçãodoterritórionapessoadoprefeitodeCanindé-CEque brinda o então prefeito eleito de Codó-MA, com bandeira da cidadefranciscana, dando-lhes seguintes orientações: “coloque a bandeira de Canindéemseugabineteaoladodabandeiradeseumunicípiocomosinaldequesomoscidades irmãs”. De acordo com os organizadores, 1.100 romeiros foramacomodados no Centro deApoio Integrado a Criança e aoAdolescente-CAIC,localizado noBairro da Palestina após o trajeto. Emais de 35mil pessoas jáforamtransportadasnosmaisde30anosdeperegrinação.

Os lugares simbólicos estão mais perfeitamente próximos àrepresentatividade geográfica da pós-modernidade do que possamos imaginar.Assim,iniciamosorecortedaCENA5–EntrevistaGraçaSalgado. Iniciamosnossa narração com a partida para 81ª RomariaMaria Salgado, no dia 07 deoutubro, às 22h00min, no Ginásio da Parangaba, com aproximadamente 180peregrinosquesepreparavamparapartirrumoaCanindéeregressarsomentenodia14deoutubro.

Falava-nosacoordenadora:“antigamenteosmeusavósfaziamopercursodeidaevoltaapé.Hojevoltamosdecarro.”Com81anosdeexistênciaaRomariaMariaSalgadocarregaacargasimbólicadamaisantigaperegrinaçãoematuação

que se tem registro oficial e a representação de encerrar o ciclo das grandesromariasduranteoperíododafesta.

Émontadaumaestrutura comumcaminhãode apoio, parao transportedeequipamentos,utensílios,mantimentoseágua,alémdosveículosparticularesqueatuam como equipe de apoio.Ao final do evento, a presença de um ônibus naconduçãodosdemaisparticipantes.

“O horário de andarmos é entre as 22h00min às 05h00min, no períodonoturno e é assim que não enfrentamos o calor do dia”. Com uma parada às02h30minondesepreparameservemocafédamadrugada.Todososdiasporvoltadas17h00minacontecemomomentomarianocomarezadoterço.

Acoordenaçãoorientaparaqueosromeirosfaçamadoaçãoindividualdeumacestadealimentoseumfardodeágua(pacotecom12Unidadesde500ml)paraingestãoecozimentodosalimentos.Aequipedeapoiocontacom10pessoaspermanentes (entre homens e mulheres) e que são responsáveis pelaoperacionalidade da alimentação e do descanso. As atividades são assimdistribuídas: “os homens ficam responsáveis pela carga e descarga dosequipamentos, preparação do fogo (lenha), recolhimento (redes de dormir)”,lembrandoalogísticadoacampamentoeasmulheresno“preparoedistribuiçãodaalimentação”,aelasaincumbênciadaoperacionalidade.AolongodotrajetoentreFortaleza-Canindé é estabelecido contato prévio comasCasas de Apoio.Sãolocaisqueacolhemosmembrosdaromariaeaofinaldaestadiaéconsentidoum“agrado”(pagamentovoluntário)paraaspessoasqueajudaramnacargadoscaminhões.

GraçaSalgadonos fala sobreoscuidadosnecessáriosparaa travessia,asrecomendações de segurança, kit de primeiros socorros (medicamentoscontrolados),vestimentas,kitdehigienepessoal,kitde refeição (copo, talhereprato), além das regras de convivência, sendo inadmissível ao coletivo, aingestãodebebidasalcoólicaseaproibiçãodoshomensdesedespirdacinturaparacimanomeiodogrupoduranteatravessia.

Nas dificuldades da travessia, a preocupação com a escuridão devido ao

riscodeassaltosepresençadeanimaispeçonhentos.Ospontosmaiscríticosdatravessia são os Bairros do Bom Jardim e Canindezinho em Fortaleza, e aslocalidades de LadeiraGrande, Ponte doAnamari e a Ponte doRioCamarão.“Certa vez, um dos nossos homens soltou uma bomba rasga-lata para afastarestranhos que se aproximavam do comboio”. A caravana conta com o apoiologísticoefinanceirodosparticipantes,etambémdaaçãodosbenfeitores,dentreessesumproprietáriodabarracadaPraiadoFuturoquenoanode2015doouascamisaseem2016coletesfluorescentestipox.

A Romaria Maria Salgado fecha o ciclo de Romaria nos Festejo de SãoFranciscodasChagasdeCanindé.Osentimentodaperegrinaçãoénarradoassim:

Volto a repetir o sentimento do peregrino é a caravana. Na nossa caravana vaideputado, médico, professor, advogado, juiz, dona de casa, aposentado,desempregado,doente,aflitoeopobre.(...)Aexperiênciadaperegrinaçãoéadasolidariedade,ocompartilhar,osacrifício,oesforçoqueprovêmdafé.Naestrada(BR-020) fazemos a associação como se fosse o corredor da Basílica de SãoFrancisco de Canindé. O Santo não foi à casa de ninguém pedir para que sefizessemessaviagem.Vocêfazporagradecimento.Ouporpedidodeumagraça.Noprimeirodiadacaminhada,quandofechamososolhosparadescansarimaginamosa nossa casa (conforto e segurança) e todos os detalhes dela, os seuscompartimentos e os espaços de convivências. A partir do segundo dia. VamosperdendoavisãodacasaepassamosamergulharmaisintensamentenocaminhoaCanindé.ComoseasdificuldadesdocaminhopreparássemosparanósachegadaàBasílica.Noterceirodiaemdiante,nãolembramosmaisdanossacasa,almejamosapartidadoranchoeachegadaaCanindé.Porquenossoobjetivoéatravessaressecorredor(estrada)quese inicioulánobairrodaParangabaemFortalezaeassimchegaremosaoaltardeSãoFranciscodasChagas.Oquedeixamosparatrásnãonos mais interessam. As preocupações e identidade profissional vão se perdendo.Perde-se aos poucos. Perdemos aos poucos tudo para que no final encontremosapenasanósmesmo.Atéo relógionosdesprendemos (demarcaçãodo tempoedesua obrigação). É vivido outro tempo e esse adquire um novo valor. Um tempodiferente. Essa viagem é uma lição constante. O almoço é a representação doencontro dos romeiros como uma grande família. A mesa representa a dignidadehumana(umdireito)eaté issoperdemos.Perdemosodireitodesentareosnossoslugares.Porquenãohá lugarespara sentar-se (perdadadimensãodepoder).Naestrada, o café damanhã é servido em uma lona de caminhão disposta no chão.Dessaforma,éprecisoagachar,abaixar,deitarparaencontrarcomooutroecomoalimento. A disposição da fila indiana (regras) revela um tempo de espera,paciência, do ceder o lugar aos mais velhos e cansados. É uma ruptura docotidiano. É preciso adaptar às novas conjecturas. Essa é a grandeza daperegrinação.(GRAÇASALGADO,2016).

Adescrição,acima,revelaaperdadotempodasobrigaçõeseapreparaçãoparaoencontrocomosagrado,comooutroeconsigo.

NaCENA6–FestejosdeSãoFranciscodasChagasdeCanindé.Duranteosdias07a16deoutubrode2016,umapinhadodegenteseaglomeraranasruasdessacidade.Ocaminharnosinduzaumatrocadeexperiênciascomovivido.Afé,fundamentalmente,induzohomemaodeslocamento,sejapelorecolhimentodaoração, seja para o encontro com o outro. O fiel nunca está fiel, prontamenteprecisademonstrar paraoutro a sua fidelidade.Dentre tantas expressões está aidaaoSantuário,olugardaGraça.

Romeiros vindos em caravanas, pequenos grupos ou solitariamentemisturam-se com artistas de ruas, cantadores (repentistas), palhaços, estátuasvivas, comerciantes, pedintes, moradores, passantes, curiosos, devotos,funcionáriosdeumparquedediversão,flanelinhas,etantosoutros.Umaagitaçãotípicadelugaresdeatraçãoreligiosa.

Eassim,ampliam-seassonoridadesdoscarrosdesom,fogosdeartifícios,badaladasdosinodaBasílica,aprogramaçãoespecialnas rádioscatólicas,ossons das buzinas das caravanas, enquanto tudo isso se soma à temperatura quefacilmente ultrapassa 40ºC. Consequências infortunam com pequenos delitos, asujeiranasruas,osestacionamentosirregularesedesabastecimentosdeágua.

Durante os festejos, a Agência Nacional de Transportes Terrestres-ANTT/CE mantivera-se presente em um acampamento móvel (Ônibus) comatividades de sensibilização e educação.Os agentes daANNTnos informaramsobre o TERMO DE AUTORIZAÇÃO PARA FRETAMENTO-TAF, umaresolução nº 4.777/2015, com orientação especial para os Organizadores dasCaravanas para: a) o Contrato Social (como objeto social compatível com otransporterodoviáriocoletivodepassageirosinterestadualeinternacional,sendovedadoocadastrodeMicroempreendedorIndividualeEmpresárioIndividual);b) os ônibus com mais de 15 anos de fabricação deverão ser submetidos àinspeçãotécnicaveicularcomperiodicidadesemestral;c)évedadomicro-ônibus(superiora15anos)ed)dispensadoaapresentaçãodoCADASTUR(Ministério

doTurismo).As principais inadequações dos veículos assinalados pelos técnicos da

ANNT/CE são: a) condições inapropriadas de documentação/segurança; b)pendências fiscais junto aos fiscosmunicipal, estadual e federal; c) problemasjuntoaentidadescomoaCaixaEconômicaFederal-CEFeInstitutoNacionaldeSeguridadeSocial-INSS,esseúltimorelativoapassivostrabalhistas.

Presenciou-se a demarcação (tempo/espaço e território) na Festa de SãoFrancisco. Durante a abertura dos festejos (quando os romeiros, ainda, nãochegaram)enoencerramento(quandoosmesmosjá têmpartido)omomentodecelebraçãoédedicadoevividoaocanindeense.Éno1ºdiaquepequenosgruposde comunidades rurais cortam a madrugada em direção à Basílica paraacompanharacelebraçãoeucarística.Nasrodoviasdeacessoàsede,osgruposcaminham na escuridão seguindo por lanternas, cânticos, cajados, alguns comcarros de som e instrumentos musicais. Os canindeenses dão exemplo desolidariedade:comdistribuiçãodelanches,águaeboas-vindasaosromeirosdazona rural. Ao final dos festejos os canindeenses agradecem o sucesso do anovigenteepedemasbênçãosparaoanoseguinte.

EssascaminhadasdamadrugadaqueantecedemaaberturadaNovenatêmorigemnomovimentodasfamíliasdesereuniremparairaCanindéparapagarempromessas.Em1986,comocrescimentodasprocissões,ovigáriodaépoca,freiLucas Dolle, OFM, concedeu poderes aos coordenadores das Pastorais demotivareorganizarsuas romariasapé.Eem1996,osConselhosdosServiçosFraternosdasededeCanindéedaZonaRuralpassaramaestabelecerumplanodeaçãoparaascaminhadas.

Atualmente, Santuário dispõe da Assessoria de Romarias & Pastoral doAcolhimento. Segundo as informações do cadastro das Romarias, Sistema –SISROMARIA–em2015 se contabilizou789 registrosoficiaisde cavalgadas,cicloromaria,motoromaria,caminhadaefretamento.Oregistroéfeitoquandoocoordenador da caravana adentra a cidade e, assim, dirige-se para o Santuáriopara atualização dos dados cadastrais (informando telefone, endereço e o

quantitativo de peregrinos). Em 2016, o número já ultrapassa 1.000 cadastros,oriundosdosestadosdoNordesteeNorte,comasconcentraçõesdoMaranhão,PiauíeRioGrandedoNorte.

EmCanindé, durante os festejos, o território dadisputa é sempre real.Asruas que ficam no entorno daBasílica necessitam de um novo ordenamento naquestão da ocupação por lojistas e vendedores ambulantes (principalmente nasruas João PintoDamasceno, 29 de julho, GervásioMartins Travessa PompílioCruz,PortaldeAcessoàBasílica,AntônioMartins,AugustoRochaeAristidesRabelo).Ao longo do tempo, observam-se asmudanças no uso desses espaçospúblicos e a disputa dos automóveis, bicicletas, motocicletas, comerciantes,devotos,ambulantesemoradoresporespaçosdecirculação.

Na CENA 7 – Encontro dos Coordenadores de Romaria – 2016 aconstruçãodoespaçodediálogoentreosOrganizadoresdeCaravanas,a IgrejaLocaleosÓrgãosPúblicos,ocorridonodia28deagostode2016,noCentrodeCatequeseSãoFrancisco,contandocomapresençadosagentesdaPRF/CE,naresponsabilidade da segurança viária das rodovias e estradas federais.Esclareceu quanto às fiscalizações nos cinturões emissores (principalmente nosestadosdoMAePI),umtrabalhoqueultrapassaasfronteirasdoCE.ParaqueascaravanastenhamapermissãodeusodasrodoviaséprecisoopreenchimentodaSolicitaçãodeAutorizaçãodeUsodaVia,numprazomínimode30dias,paraocadastramento, autorização, construção de escala de agentes na condução,fiscalizaçãoeorientaçãodoscoordenadoresderomarias.

AsdeterminaçõesdispostasnoCTBnosartigos20,95e174compreendemafiscalizaçãodeeventosquepossamperturbarouinterromperalivrecirculaçãodeveículosepedestres,oucolocaremriscosuasegurança.Quandofalamosdedeslocamentos, ponderamos sobre as pessoas, animais e bens, por meiosmotorizadosounãomotorizados.

Os agentes daPRF/CDorientarampara a restrição do uso de veículos desom durante a passagem das caravanas nas rodovias brasileiras. A orientaçãoparaousodeveículosreboqueseavedaçãodostransportesdepessoasnesses

equipamentos.ArecomendaçãoparaessecasoéquantoaousodeMicro-ônibusouVans.Éproibidoousodesinalizadoresintermitentes(giroflex);recomenda-seousoderádioscomunicadores,sinalizadorese/oucamisasfluorescentetipoX;eaatenção redobradaparaavelocidadedoscondutores.Quantoao recolhimentodos animais esclarecem sobre dificuldade dos laçadores, tendo em vista que anormatizaçãodotrabalhoobrigaocadastromunicipaldoSindicatodeLaçadores;eemCanindéessarepresentaçãonãofoiformalizada.

NocasodoDepartamentoNacionaldeInfraestruturaTerrestre–DNIT–,acompetência de conservar, restaurar, ampliar e sinalizar adequadamente asestradasfederais,devendoassegurarautilizaçãonormaleseguradasrodoviaserespondendopelosfatosrelacionadosàssuasatribuições,tudonaformadaLeinº10.223/01,tendoemvistaasconstantesreclamaçõesporpartedosorganizadoresdas caravanas (principalmente a pé) para o recolhimento das carcaças dosanimais;apodadavegetaçãoemanutençãodavia(programasdetapaburacoesinalização). No Guia Básico para Gestão Municipal de Trânsito, doDepartamentoNacional de Trânsito –DETRAN – elucidações sobre a fluidezcomo sendo a facilidade de circulaçãode veículos; amobilidade na amplitudedessafluidez;easegurança,acirculaçãosemacidentes.

Oespaçogeográfico éumadecorrência, constante, das interações entreoselementosfixosefluxos.Cadafixopodeterumatitularidadede“fixoterritorial”,poisestãoestabelecidosemsolofirme.Mesmodiantedeumfixo,sãoosfluxosque lhes dão sentido e assimmodificam no decorrer dos processos históricos.Vejamosnossaformadecomunicarelocomover,alteradonadimensãodeespaço-tempo.Oexemplodessesdopaudearara,representaçãodoobjetoemmovimentoemutação,deveículodecargaadaptadoparatransportedepassageiros,comsuafuncionalidade alterada a depender do local e do uso como o transporte deromeiros (mobilidade religiosa), transporte de passageiros entre a zona ruralsede, mercadorias (mobilidade comercial), de turistas (mobilidade turística),estudantes e entre outras tantas formas e usos. Esforço empregado é parte daconstruçãodaTesedeDoutoradoemGeografia(2015/2019)sobrealeiturados

lugares simbólicos, suas representações e as reflexões quanto à proibição aofluxode“paudearara”.

PARANÃOCONCLUIRAANNT/CE,PRE/CEePRF/CEatuamemoperaçõesnoEstadodoCeará

no sentido de coibir e punir quaisquer deformidades que prejudiquem asegurança, conforto e a efetiva prestação do serviço de transporte, emconsonância com os ordenamentos afins. Para a Igreja Católica Local arepresentaçãosimbólicadaMensagem(Anúncio)eoAcolhimento(Ranchos).Oacolhimento bíblico como responsável do retorno. Para o pároco e reitor doSantuário“Canindénãoéumacidadeturística,masacolhedora”.

Institucionalização das caravanas por meio da identificação do lugar deorigem (Bairro, Comunidade e Cidade), a regulamentação das regras com aconstituiçãodereuniõesentrePRF/CE,motoristas,paróquiaecoordenadoresdecaravanas.Caravanasdeperegrinos(acitadaRomariaDomJoaquimeaRomariaMaria Salgado) contam com acesso aoManual de Instruções, instrumento quecontacominformaçõesquantoao(re)pouso;refeições,percursodaperegrinação;Recomendações aos Motoristas com a proibição das paradas constantes emacostamento, manutenção preventiva veicular, abster-se de bebidas alcoólicas,usoderoupas,velocidadeerepouso;ManualdoRomeirocomorientaçãoparaousodemedicamentoscontrolados,kitprimeirossocorros,vestimenta,extraviodebagagens,repouso,refeições.

Nos discursos dos coordenadores das caravanas peregrinas estão: a)peregrinação = como o sentido de perda; b) peregrinação = o exercício daadaptação(mesadarefeição,convivência);c)peregrinação=oencontrocomoSanto,comooutroeconsigo;d)peregrinação=oretornoparacasa,suamudança(ainda que efêmera), na reprodução oral da experiência vivida e no desejo emregressaraCanindé.

As caravanas peregrinas contam com a participação dos coordenadores,

equipedeapoio,animação(comunicação)elogística,nacidadeaparticipaçãodolocador(casasdealuguel),responsáveispeloalojamentoeosatravessadoresqueatuamcomoguiasparaas caravanasquenãoconhecemacidadeeprecisamsedeslocar para o abrigo.A segurança é o caminho demão dupla.O trajeto dosperegrinoséoacostamento.

Dentreosproblemasenumeram-seascarcaçasdosanimais,avegetaçãoalta,água, banheiros públicos, iluminação, instalações do Caminho de Assis(vandalismo e abandono), travessia nas pontes, elevados custos financeiros daromaria; burocracia junto aos órgãos oficiais. Para a Igreja Católica Local aMensagem (Anúncio) e o Acolhimento, para os Coordenadores de Romaria oDescanso(abrigo)eÁgua(dessedentarebanhar).

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REPRESENTAÇÕESDOCENTENÁRIODADEVOÇÃOÀN.SR.ªDEFÁTIMA(1917-2017)DOSADOLESCENTESEMFORTALEZA-CE

DEBORAHAMORIMNOBERTOPINTODepartamentodeGeografia,UniversidadeFederaldoCeará(UFC)

[email protected]ÉSSICAMESQUITABARBOSA

DepartamentodeGeografia,UniversidadeFederaldoCeará(UFC)[email protected]

MARCOSDASILVAROCHADepartamentodeGeografia,UniversidadeFederaldoCeará(UFC)

[email protected]ÍCIUSGOMESDEOLIVEIRA

DepartamentodeGeografia,UniversidadeFederaldoCeará(UFC)[email protected]

INTRODUÇÃOAs manifestações da cultura do espaço vêm assumindo cada vez mais

visibilidade dentro da agenda de pesquisas em Geografia Humana, sobretudodentrodocampodaGeografiaCultural.Maisespecificamente,umaGeografiadaReligiãovemsedesenhandocommaiorintensidadenosúltimosanos.EmacordocomZenyRosendahl(2012)aGeografiadaReligião,podeser“entendidacomooestudodaaçãodesempenhadapelamotivaçãoreligiosadohomememsuacriaçãoe Sucessivas transformações espaciais” (p. 25). Novos questionamentosestruturamumaGeografiaquetemnaaçãohumanasobreoespaçoaspremissasfundamentaisnaestruturaçãodasreflexões.

Paul Claval (2001) ajuda-nos a compreender como os “problemasfundamentais” da Geografia passaram por mudanças e hoje assumem novasformas.Aotratardopapeldanovageografiaculturalnacompreensãodaaçãohumana,oautornostrazque:

Ao problema fundamental da geografia de ontem: “por que os lugares diferem?”acrescentam-seoutros:“porqueosindivíduoseosgruposnãovivemoslugaresdomesmo

modo, não os percebem da mesma maneira, não recortam o real segundo as mesmasperspectivas e em função dos mesmos critérios, não descobrem nele as mesmasvantagens e os mesmos riscos, não associam a ele os mesmos sonhos e as mesmasaspirações, não investem nele os mesmos sentimentos e a mesma afetividade?”(CLAVAL,p.40,2001).

Colocamos, então, em destaque o papel da ação humana, motivada pelasmais diversas razões para compreender as dinâmicas espaciais, fundamentaisdentro da ciência geográfica. Medos, anseios, preconceitos, imaginárioscoletivos, experiências, algumasvariáveis dentreumuniversodeoutros fatoresajudamosgeógrafosculturaisaformularseusestudos.Nãoobstante,areligiãoépeçadinâmicaefundamentaldentrodestesestudos,poisnosajudaacompreenderas relações do homem com o espaço e é, além disso, desencadeadora de umasériedetransformaçõesespaciais.OsestudosemGeografiadaReligiãopossuemdiversidade nos enfoques, caminham desde o papel dos lugares sagrados dadinâmica urbana até a relação entre práticas de patrimonialização institucional,memóriacoletiva,elegitimaçãodepráticaspeloEstado,atítulosdeexemplo.

Neste contexto, não são raros os estudos que centram sua análise nasdevoções marianas e sua implicação espacial. Podemos citar como exemplosdessesestudosasreflexõesdeChristiandeOliveira(1999)emsuatesesobreosantuáriodeNossaSenhoraAparecida/SP;MaricéliaCosta(2010)discutindoaproduçãodo espaço apartir de fenômenos religiosos ligados àFestadeNossaSenhora da Luz em Guarabira/PB; Tiago Cavalcante (2011) e sua pesquisa arespeitodoSantuáriodeNossaSenhoradeFátimaemFortaleza/CE;MaryAnneSilva eMaria Idelma D’Abadia (2014) sobre a Geografia da Festa de NossaSenhoradoRosárioemGoiás.

AsapariçõesmarianasfazempartedahistóriadocatolicismodesdeantesdaIdadeMédia,comoapontaainteressantecronologiaexpostaporSteil(2003)emseu texto intituladoAs apariçõesmarianas na história recente do catolicismoonde o autor irá destacar a importância do fenômeno para a irradiação docatolicismoedemonstrarqueasapariçõestêm“densidadeeforçasimbólica,quepodem ser tomadas como loci privilegiado de compreensão e interpretação da

religiãonomundocontemporâneo”(STEIL,2003,p.22).A investigação proposta no presente artigo busca compreender as

representações do Centenário da devoção à N. Sr.ª de Fátima na cidade deFortaleza–CE,dedistintosgruposdeadolescentesdacapital,quaisasrelaçõescomoespaçoestesestabelecemecomooSantuáriolidacomasrepresentaçõeseaçõesdestessujeitosnapreparaçãoparaasfestividadesdoSantuárionoanodocentenáriodadevoção(1917-2017).

Opresenteartigoestádivididoemcincoseçõesprincipais.Nasequênciadaintrodução,temosumaseçãoondeiremoscaracterizarosantuáriometropolitanodeNossaSenhoradeFátimaediscutirsobreoperfildosfiéisquefrequentamosantuário,entreoutrasquestões.Naseçãoposteriorabordaremosametodologiautilizada na pesquisa, as estratégias investigativas e apresentando tambémconsiderações teóricas de suma importância para a efetivação do estudo. Naquartaseçãodopresenteartigoapresentamososprincipaisresultadosdapesquisaapontando quais as principais relações espaciais dos adolescentes com osantuário. Na conclusão, por fim, apresentando reflexões sobre os caminhospercorridosnarealizaçãodapesquisa,entreoutrosapontamentos.

DO SANTUÁRIO METROPOLITANO: PRÁTICAS, SUJEITOS EREPRESENTAÇÕES

Os santuários sãoobjetos privilegiadosde análise dentrodaGeografia daReligião, jáqueesseéumdosprincipais espaços físicosnosquaisosdevotosencontramligaçãocomasuafé,quepermiteumaaproximaçãoentreohomemeosagrado através de uma mediação mundana. Os santuários são polos deconcentração das atividades ligadas à fé, neles também podemos encontrar asdiversasformaspelasquaisaespacialidadedosagradosemanifesta.

OSantuárioMetropolitanodeNossaSenhoradeFátimaemFortaleza/CENa cidade de Fortaleza -CE, o Santuário deN. Sr.ª de Fátima datado da

décadade1950ecomfortetradiçãonacapitalcearense.ÉfundamentalcitarqueaimagemperegrinadeN.Sr.ªdeFátimachegaafortalezaem09deoutubrode1952, apóspassar pordiversospaísesdaEuropa emperegrinação, conformeahistória contida no próprio sitedo santuário, “a recepção foi amaior até hojehavidaemterrascearenses”,poisdeacordocomotexto“nemospolíticosmaispopulares,nemosheróisdasmuitasrevoluçõesbrasileiras,conheceramtalardorcívico partido do seio da massa, sedenta da mensagem divina.”. Desta forma,após contribuições do povo, incluindo as classesmais abastadas, no dia 28 dedezembro de 1952, “após a realização de uma missa campal celebrada pelamanhã porD.Antonio deAlmeidaLustosa foi lançada a pedra fundamental daIgreja de Fátima”. Importante pontuar que o Santuário de Fátima “passou àcategoriadeparóquia,mudandoadenominaçãoparaIgrejadeNossaSenhoradeFátima,emdatade14desetembrode1955”,conformeositedainstituição.

OsantuáriodeNossaSenhoradeFátima(Figura01)ficalocalizadoemumadasavenidasmaismovimentadasdeFortaleza,possuindoumgrandenúmerodecomércios e serviços ao seu redor. O bairro de Fátima, onde o santuário estálocalizado, atualmente pode ser considerado um bairro nobre da cidade deFortaleza.Elesedestacaemmeioàcenaurbanadevidoadiversosfatores,entreelessua localizaçãoeasmudançasqueestecausanarotinafortalezenseacadadia13.Otrânsitosecongestiona,ocomércioambulantesurge,aprefeituratentamediareosfiéis,nasuamaioria,vestindobrancoouazulchegamaosmontesaoSantuáriodisputandolugarcomvendedoresdeáguaeacessóriosreligiososnumritmofrenético,porvezes,encontramosaspessoasassistindoàmissadoladodeforadaigrejadevidoàlotação.

Figura01–OESTÁTUAEFÁTIMAEOAIGREJACOMOMARCASURBANAS

Fonte:Acervodosautores(2016).

É em acordo com o trabalho de Oliveira (2011), que partimos para acompreensão do Santuário em debate como um “santuário metropolitano”, queconformeoautoréumsantuário“predominantementeempresarialproduzidoparaexpandir na lógica da modernidade e da diversidade cultural” (2011, p. 99).Compreendendo o santuário de Nossa Senhora de Fátima como um lugarsimbólicoealtamentedinâmico,podemosafirmarque:

Oslugaressimbólicosfazemconvergirfatoresculturaiseambientaisdiversos.Simbolizam,portanto, a partir do espectro da identidade religiosa, umaprofusãode alteridades.Aquireconhecidas como dimensões mundanas articuladas, que nos permite, pela práticamoderna da visitação (seja turística, devocional ou acadêmica), constituir enquanto umatipologia-modeloemquatroformassimbólicasdesantuários.(OLIVEIRA,2011,p.99)

Figura02–Quadro-resumodascaracterísticasquemodelamosSantuáriosTurísticos

Fonte:Oliveira(2011).

Cabe citar, neste sentido, que a classificação de modelos de santuárioesboçada por Oliveira diferencia os santuários turísticos em quatro modelosprincipais demarcando também suas potencialidades de interesse e visitação(Figura02),asaber:Festivo/Ritual,Metropolitano,Tradicional/Rural/,Natural.

OSDEVOTOSDEFÁTIMAEAS“FÁTIMAS”DOSDEVOTOSNoSantuárioencontramosumperfildefielnãomuitodiversificado,nasua

grande maioria mulheres com idades em torno de quarenta a sessenta anos. Apresençade jovens épequena,muitasvezes estes encontram-sena condiçãodeacompanhantes. Reside então neste apontamento o questionamento central dapesquisaqueaqui sedesenha:quaisas representaçõessociaisdosadolescentesfrenteaoCentenário(1917-2017)daDevoçãoàN.Sr.ªdeFátimanacidadede

Fortaleza? Diante da questão central, outros questionamentos tornam-sefundamentais: há estratégias doSantuário para atrair tambémo público jovem?Como diferentes grupos de jovens, religiosos ou não, universitários ou não,comportam-sefrenteàdinâmicadoSantuáriometropolitano?

A presença de adolescentes no santuário é muito pequena, quase que nãonotávelduranteasmissasecelebrações,opequenonúmeroquesefazpresenteéde adolescentes acompanhando familiares, porém existe umagrande quantidadedejovensnosarredoresdosantuário,masnãoparaparticipardascelebraçõesoumissas, a maioria deles estão inseridos na dinâmica comercial informal quecircundam esse espaço, nas vendas de água, na distribuição de panfletos eatividadesafins.

Fazpartedasestratégiasdosantuárioparaatrairessepúblicoamanutençãodetrêsgruposdejovens,sãoeles:Pentecoste,ÁguaVivaeObraNova.Alémdosgruposdejovensaindaémantidoumapastoraldafamíliaqueéumestímuloparaas famílias se manterem dentro das tradições e da fé católica, a pastoral dafamíliaorganizatodososmesesumbazarnosarredoresdaIgreja.

UmacuriosidadeaindaacercadosdevotosdeNossaSenhoradeFátima,équeumagrandepartedasmulheresquefrequentamolocalpossuemtantaféquenomeiamsuasfilhascomonomedeFátimaemsuahomenagem,sejaparacumprirpromessasouatémesmopeloafetoquejápossuem.Outrofatocuriosoéqueoshomensquesãodevotosefrequentamosantuáriodizemsofrerinfluênciadesuasmães ou esposas, o que torna notável a influência de mulheres na devoção ecrençaàNossaSenhoradeFátima.

O centenário da aparição deNossa Senhora de Fátima será celebrado em2017,osantuáriodeFortalezacomeçouadivulgaçãosobreessaimportantedataparaosdevotosdeNossaSenhoradeFátimanomêsdedezembrode2016,umadivulgaçãoaindatímida,referenteapenasàcampanhadodízimo,semespecificarainda como será celebrado o evento durante o ano de 2017. Não possuindoestratégiasaindadefinidasparaatrairpúblicoparaacelebraçãodocentenáriodaaparição,comumapoucadivulgação,oquefazcomquemuitosdevotosaindanão

tenhamconhecimentodocentenário.

AMETODOLOGIA:REPRESENTAÇÕESELUGARIDADESTem-seporbaseumametodologiaqualitativa,apoiando-senumaperspectiva

fenomenológicadeinvestigaçãocientífica.Ametodologiadapesquisadividiu-seemquatroetapasfundamentais,asaber:i)revisãobibliográficaedelimitaçãodoobjetode investigação; ii) trabalhosdecampono santuárioparaobservaçõeseregistrosfotográficos;iii)elaboraçãoeaplicaçãodequestionários(Figura03)erealizaçãodeentrevistascomossujeitosinvestigadosedemaisatoressociaisdosantuário;eiv)sistematizaçãoeorganizaçãodosdadoscolhidosparareflexãoeposteriorconstruçãodoartigo.

A presente pesquisa contou inicialmente com uma revisão bibliográficaacerca de temas fundamentais para o aporte teórico-metodológico pautada nométodo fenomenológico.AscontribuiçõesdeRosendahl (1996),Claval (2001),Eliade (1992), Gil Filho (2001), Holzer (1999, 2013), Oliveira (1999, 2011),Santos(2008),Vieira(2001)foramfundamentaisnaconstruçãodeumobjetodepesquisaqueseassentadentrodaáreadeestudosdaGeografiadaReligião.

Os trabalhos de campo compuseram a segunda etapa da presentemetodologia.AdevoçãoàNossaSenhoradeFátimaemFortalezasetornaaindamais evidente nos dias 13 de cadamês, quando são realizadasmissas durantetodo o dia no santuário dedicado à santa. Desta forma, foram feitas visitassistemáticasàmesma,poispesquisadecampoéaquelautilizadacomoobjetivode conseguir informações e/ou conhecimentos acerca de um problema(MARCONI&LAKATOS,2003).

Figura03–QUESTIONÁRIOAPLICADOCOMOSJOVENSNOSANTUÁRIO

OsujeitoaserinvestigadonapresentepesquisaéojovemquefrequentaoSantuário. Nosso foco se dá mais particularmente neste público, pois suapresença é incomum neste tipo de ritual onde predominam devotos adultos eidosos.As informaçõespreliminarescolhidasnos trabalhosdecamposederamatravés de conversas informais (entrevistas semiestruturadas) com os devotos,observação de camisas que estampavam as suas congregações e informaçõescedidasporpessoasquetrabalhamnaorganizaçãodoeventomensal.

A escolha desse público se deu justamente por ser pouco visto, para quepudéssemos discutir as razões de ser distante dos âmbitos religiosos, mesmosendodefortetradição,principalmentenobairroeseusarredores.Dessaforma,podemosintroduzir,mesmoqueminimamente,umadiscussãodafaltadeinteressenaIgrejadeformageral:suascausaseconsequências.

Na busca de entender a subjetividade dos jovens frente ao Centenário daDevoçãoàN.Sr.ªdeFátimaemFortalezaeosentidodasrelaçõespresentesnasmanifestações religiosas e culturais, utilizaremos como aporte metodológico aTeoriadasRepresentaçõesSociais,teorizadaporMoscovici(2011)eSá(1998),quepodemos compreender como sendo relações construídas e socializadas porintermédio do processo comunicacional, uma relação que também é deinterlocução.

Outro ponto determinante no desenho dametodologia do presente trabalhoconsistiu em compreender o conceito de lugaridade a partir da discussãoapresentadaporHolzerebuscardialogarcomarealidadeencontradanosespaçosdo santuário. Podemos compreender este conceito fazendo sua relação com umoutro, o conceito de geograficidade, e é neste sentido que Holzer (2013) nosapresentaque:

Ageograficidade,queexpressaamaterialidadedoespaçogeográfico,écompartilhadaemnossasvivênciascotidianascomalugaridadeque,porsuavez,expressaexatamenteessarelação dialógica dos seres em movimento com lugares e caminhos que, como pausa,comoconvivênciaíntima,arrumamedelimitamosespaços.(HOLZER,2013,p.24)

Efoipartindodesteentendimentodelugaridadeenquantoarelaçãoentreos

seres (adolescentes), os lugares (santuários) e os caminhos (fluxos rituais) quedelineamos umametodologia exploratória capaz tambémde investigar comoossujeitosestudadosestabelecem(ounão)suasrelaçõescomosespaçoselugaresdosantuário.

OSANTUÁRIOCOMOUMNÃOLUGARDOADOLESCENTEDiantedasobservaçõesqueforamfeitasnasvisitasaocampofoipossível

notarqueaAv.13deMaioeoseusarredoresdeixamevidenciadasnapaisagemurbanadeFortalezaoquantosão influenciadaspeladinâmicareligiosa,osseuscomércios e as suas residências possuemuma forte presença da imagemdeN.SraªdeFátima,omaiorexemplodessainfluênciaéaestátuade15metrosquefoiinauguradanoanode2008emhomenagemàdivindade.

Ossantuáriossãopolosdeatraçãodefiéis,diferentesmotivaçõeslevamosdevotos para o Santuário deN.S. de Fátima, principalmente para agradecer asgraçasalcançadas.Principalmenteaproblemasdesaúdeevícios.Osantuáriosemostracomoumlocaldefortalecimentoerenovaçãodafé,comobemevidenciaSantos (2008) “um santuário distingue-se de outros lugares religiosos por sereconhecer que aí está presente um grau mais elevado de sacralidade,independentedaformaqueestamanifeste”(p.81).

Uma abordagem significativa para o aprofundamento da questão é o quelevam os jovens a frequentarem o Santuário. Há pouco contingente de jovenspresentes nas celebrações, principalmente marcadas pelas datas do dia 13.Durante a visitação e entrevista aos presentes, podemos observar que existemjovens acompanhados de seus parentes, pais na maioria dos casos, onde são“frutos”depromessasqueforamcumpridas.Conseguimosobservartambémquenashistóriasenvolvendodoençasforamcitadosmilagresrealizados,destaformamuitas crianças receberam o nome da santa como forma de agradecimento.Também foi notado que os jovens presentes nas celebrações são ligados aparóquias localizadas em outros bairros. Visto que estes são uma

representatividade muito pequena diante a todos presentes nestas grandescelebrações,poisaligaçãodestafaixaetáriaaocompromissocomafésedeupormotivaçãopessoaloudisseminaçãofortedadevoçãodeformahereditária.Nestecontextoqueobservamosarelaçãodosjovenscomasuaféeasituaçãoatualdapresença destes nas celebrações é algo que pode estar ligado a motivaçõespessoais, mas que elas são ligadas a diversos fatores que procuramoscompreendernestapesquisa.

Partindo de uma compreensão da categoria lugar, como aponta TuanapudHolzer(1999),torna-seindispensáveltrazerque:

[...] espaçoe lugardefinemanaturezadageografia.Maso lugar temuma importânciaímparparaageografiahumanista,pois,separaastécnicasdeanáliseespacialolugarsecomportacomoumnófuncional,paraohumanistaelesignificaumconjuntocomplexoesimbólico,quepodeseranalisadoapartirdaexperiênciapessoaldecadaum-apartirdaorientaçãoeestruturaçãodoespaço,oudaexperiênciagrupal(intersubjetiva)deespaço-comoestruturaçãodoespaçomítico-conceitual.(HOLZER,1999,p.71)

ÉpartindodeumconsensooexcertoacimaquepercebemosqueoSantuáriode Nossa Senhora de Fátima se torna um não lugar para os adolescentes pelaformacomoseestruturaaIgrejaCatólica,queapesardareformacarismáticaqueamesmapassounosúltimosanos,aindanãoconseguefazercomqueojovemsejaparte ativa e funcional dentro de sua estrutura. Através dos questionários,percebemos que a grande maioria dos adolescentes se faz presente nascelebrações e eventos da igreja apenas emmovimentos de acompanhamento deseusfamiliares(namaioriamulheresidosas)equandoseinteressampelamissaeoutroseventosdaigreja,vãoporinfluênciadosmesmos.

Durante a análise dos questionários, um fato interessante percebido é quepouquíssimosadolescentesvãoporcontaprópria,quasenenhumsefazpresentenosantuáriopelosdesejosdemediaçãodeféoutêmrelaçõesdeespiritualidadecom os espaços do santuário. Contudo, é importante citar que não é raroencontrarmosadolescentesnasimediaçõesdosantuário,contudo,estesestão,nagrandemaioriadasvezes,nopapeldevendedoresdeobjetosreligiosos,águaealimentosousimplesmentefazendotrabalhodepanfletagem.

Quandoperguntadosquaisasprimeiraspalavrasquevêmnamentequandose fala no santuário de Fátima objetivamos construir uma representação socialqueosjovensconstruíamdosantuário,comoPaz,Fé,Casamento,Tranquilidade,Deus, Catolicismo. As representações que conseguimos obter, neste sentido,apenas ajudam a reforçar a ideia da não lugaridade estabelecida entre osadolescenteseosantuário,sobretudoquandoeraquestionadosobreumapossívelparticipação dos mesmos nas festividades do centenário da devoção à NossaSenhoradeFátima.

Neste último caso, as respostas eram sempre rasas, e caminhavam em umsentido de demonstração de interesse na participação, porém com pouco ounenhum detalhe de como esta seria efetivada, uma hipótese nesse caso, é queprovavelmente tais respostas eram influenciadas tambémpelaprópria atividadedapesquisa,poisestanãodeixadeserummecanismoinfluenciadordosujeito(apartirdoconstrangimento).

Em suma, os adolescentes entrevistados demonstraram pouca participaçãonasatividadesdosantuário,sejaasdoanocorrentenarealizaçãodestapesquisa(2016),sejanoanodecentenáriodadevoçãoàNossaSenhoradeFátima(2017).Tal santuário, pode ser compreendido comoumespaçomúltiplo e plural, lugarprivilegiado de trocas simbólicas e espaço demediação entre os devotos e asdivindades. Porém, não consegue estabelecer os mesmos vínculos de lugarquandoopúblicoemquestãosãoosjovensdacapital.

CONCLUSÕESEsta pesquisa não objetivou desenhar críticas ou elaborar um discurso

apologético de como o santuário deve agir frente aos desafios, mas de assimbuscar respostas do porquê o público atual que visita a mesma é poucodiversificadoequaseunilateral,orecortelocalondefoirealizadaapesquisaéoresultado real que é presente em diversos outros locais religiosamentesimbólicos.

Aconcepçãodo santuário enquantoumespaçomúltiplo,masqueencaraodesafiodenãoconseguirefetivamentecativarojovem,eosquefrequentamsãodemotivaçõesbemespecíficas,ouquefrequentamrarasvezesemumperíododetempo. Relatar o resultado que foi apresentado na pesquisa, encara como asgeraçõesfuturasestarãoligadasaessesespaçossimbólicos,decomoesseslocaisestarãodaquiaumtempoecomosecomportaráosantuárioperanteaisso.

Nas diversas abordagens realizadas durante todo o processo da pesquisa,vemosquemesmooperfildeadolescentenoqualéoalvode todooestudo,ébastante diversificado, do que cresceu na “cultura da fé”, de frequentar osantuáriocomotodaasuarepresentação,aoquese“sentebem”porirvisitarouacompanharumfamiliaremdatasbemespecíficascomoosdias13decadamês,ou os que despertaram o desejo de seguir sua prática religiosa a partir de suavivênciaesuasconvicçõestidasdoquelheapegouaestarpresentenosantuário.Isto sómostra o quanto o fiel como indivíduo é único e de valores religiososúnicos,mesmosendovistocomopartedeumgrupotipocomohomogêneo,devidosuafaixaetária.

Apartirdoquefoiabordadonestapesquisa,conclui-sequeoquadroatualdo tipo de público presente no santuário é o resultado de diversos fatoresespecíficosquelevaramàsituaçãoquefoiencontradanoestudo,sejapelafaixaetária,sexoeetc.Emcontraponto,comaquantidadepresentedopúblicoalvonoqualéoobjetodeestudoeoquestionamentoprincipalsobreosjovenspresentes,emmais específico dos adolescentes no santuário e a representação destes. Aimportânciadamesmasemostracomoumenriquecimentodaáreadeestudo,dasrepresentações dos lugares sagrados e a Geografia da Religião, assim comocrescimento e o enriquecimento trazendo novos questionamentos,consequentementeumengrandecimentodasabordagensenapluralidadetemáticadaGeografiaCultural.

REFERÊNCIAS

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Outrasfontes

http://www.igrejadefatima.com.br/index.php

ESPÍRITOHIPORELIGIOSODOCONHECIMENTONAHIPERMODERNIDADEGEOGRÁFICA:ALEITURADOESPAÇONATURALCOMOIMAGINAÇÃOAUTOCRIADORA

ChristianDennysMonteiroDeOliveiraLaboratóriodeEstudosGeoeducacionaiseEspaçosSimbólicos–LEGES/DG/UFC.

[email protected]

LaboratóriodeEstudosGeoeducacionaiseEspaçosSimbólicos–LEGES/DG/[email protected]

EusóestavapensandoemnúmerosefigurasRejeitandoseusquebra-cabeças

Questõesdaciência,ciênciaeprogressoNãofalamtãoaltoquantomeucoração

Diga-mequemeama,volteemeassombreOh,quandoeucorroparaocomeço

Correndoemcírculos,perseguindonossascaudasVoltandoasercomoéramos

(Traduçãoda3ªestrofedacanção“TheScientist”,dabandaColdplay)

INTRODUÇÃOO presente estudo propõe estabelecer uma amarração preliminar das

investigações que vimos desenvolvendo faz três anos no híbrido campo dasrepresentações espaciais do patrimônio religioso. Parte do pressupostoepistêmico–originalmentetraçadopelaabordagemintersubjetivadeEricDardel(2011 [1952]) – de que a compreensão do espaço geográfico, nacontemporaneidadeédemandantedeumaconfiançarigorosanossistemasmíticosde conhecimento. Sistemas esses que fomentaram os estudos de mitologiacomparada (CAMPBELL,1990;ELIADE,2002,ROCHA,1999)nas formasdealargamento e generalização de sistemas espaços-temporais aplicáveis à escalamundial(irradiaçãocultural,globalização,mundialização,etc.).

Sedeum lado,a teoriadas retificaçõescientíficascomposta,no iníciodoséculo XX (anos 1920-1950) por Gaston Bachelard (1984-1962), indicou os

caminhos da imaginação criadora para a renovação do conhecimento, nacontrapartida,aviradadomilênio,pelaradicalizaçãoimpositivaemercantildosvalores estéticos (LIPOVETSKY; SERROY, 2015) fez refluir tais avanços ainfinitos níveis de obstáculos. O novo espírito científico da autocríticabachelardiana, na prática hipermoderna do presente sucumbiu à esferapolarizadoradeumareligiosidadeinfantil.TãoavessaàReligiãoquantoreduzidaa seusmaniqueísmos. Por isso o chamamos aqui de Espírito Hiporeligioso daHipermodernidadeGeográfica.O estudo visa justamente decodificá-lo em suasformas de emergência social (militâncias, lutas partidárias, adesões), em umprimeiromomento de identificação do sujeito-objeto espacial de análise. Aquitraçamos paralelos entre o fazer científico materializado nos obstáculosepistemológicos (unidade, substância, etc.) e as crençasdeantagonismoentreonosso“bem”eo“mal”dosoutros.

Posteriormente, desenha-se uma dupla demonstração dos limites dessareligiosidadeantirreligiosa.Asgrandesbandeirasdahipermodernidade,sempremarcadas pela vida geográfica em combate conforme Lacoste (2001) – ou aguerraperpétua,naspalavrasdeOresteTolone(2011)–assumemumaestéticaapocalíptica.EasCiênciasHumanas reescrevem,noespetáculodaspolíticasedasmídias,olivrodasrevelações.Éomomentoemquepodemosreveraanálisevetorial (OLIVEIRA, 2012) na interpretação dos humanismos demoníacos(secularismo, ateísmo, niilismo), mas especialmente do paganismo, em suasmúltiplas versões de defesa da diversidade absoluta.Na finalização, buscamosconsiderar a imaginação autocriadora como um vetor invertido. Incapaz deatualizar os espaços simbólicos como campos de tolerância e pluralismoreligioso.Justamenteportravestir-sedelaicidadeantirreligiosa,enquantoimpõemonólogosdeumEspíritoHiporeligioso.

OALTARHÍBRIDONão é pretensão deste trabalho discorrer em complexidade o processo de

ruptura entre a Ciência e Religião, que gesta a atual sociedade ocidentalizada,ocorrida naEuropa entre os séculosXVeXVIII.No entanto, evidencia-se queesse processo foi gradativo, conflituoso e a práxis religiosa se desdobrou naconstruçãododiscursocientífico.Aindasobreesseaspecto,valeressaltarqueareflexãoadotadadoquedenominaremosdegrandesdesafiosmodernosàciênciaou ainda aos seus múltiplos humanismos reflete as representações ocidentaisincorporados aos modelos éticos-políticos, democráticos (?) e religiosos aolongodainfindávelcruzadacivilizatóriaeuropeia.

Derrida(2000,p.12)afirmaque“areligiãoencontra-se,aomesmotempo,no antagonismo reativo e na supervalorização reafirmadora”. O enraizamentoantagônico se reafirma na separação da fé e do saber, na animosidade entrereligião, em especial a cristã e a ciência onde a primeira levaria aoatravancamento da última. Harrinson (2007) versa sobre a invenção dual dascategoriasCiênciaeReligião,respectivamentenoséculoXIXeXVII.Segundooautor, a prática do estudodanaturezano iníciodamodernidade, contandohojecom a rubrica da ciência, era frequentemente buscada por e baseada empressupostosreligiosose,“àmedidaqueeramconsideradaslegítimasformasdeconhecimento, tiravam suas sanções sociais da religião” (p. 6). Ou seja,conquanto o estudo da natureza no Ocidente indique uma longa genealogia depensadores, a Ciência concebida como compreendemos assume seu feitiocaracterísticonoséculoXIX(HARRINSON,2007).

Arupturasedesenhanalegitimaçãodeumnovoconjuntodeautoridadesnãoeclesiásticasquegradualmentealcançamindependênciadainfluênciaclericalnaprática do conhecimento teológico, filosófico e natural. Paralelamente, cria-seumaretóricadeconflitoentreTeologiaeCiênciaestabelecidacomfervorquaseevangélico (HARRINSON,2007).Desse embateparte a legitimaçãonecessáriaparaumanovaordemsocial ligadaàascensãodaburguesianaEuropa.Aideiamodernadaciênciaseconstróinanegaçãodasuperstição,domito,daignorânciaatrelada à ideia da racionalidade, ou ainda da neutralidade dos sistemasuniversaiscientíficos.

Aautoridadecientífica,dessemodo,serevestedoprocessodereificaçãodanoção de religião. Segundo Smith (2007, p. 51) a construção do conceito dereligiãoocidentalseestruturanoatode“transformarmentalmenteareligiãoemumobjeto egradualmente concebê-la comoumaentidade sistemáticaobjetiva”.Acreditamos que essa objetivação orienta um esvaziamento da mística doreligioso,oquesimplificaacategorizaçãodosagradoemsistemasqueapontammuitomaisproximidadesculturaisdoque relaçõescomo transcendental.Smith(2007)apontaatransformaçãodossistemasdecrençase/ourituaisreligiososemmodelosabstratoseimpessoaisdeaxiomasobserváveis.Emcontrapartida,essahumanização do sentido religioso legitima o distanciamento, a priori dassuperstições,da ignorânciaeetc., respaldadonaautoridadeculturaldaverdadecientífica.

Acontraposiçãoentreféesaber,ReligiãoeCiênciaconduzaummovimentodeafastamentomaniqueísta.Noentanto,comodoispontosquepartememsentidosopostosnummovimentocirculartendemaseaproximar,emuitoembora,deixem“atônitos em particular aqueles que acreditavam, ingenuamente, que umaalternativaopunhadeumladoaReligião,edooutroaRazão,asLuzes,aCiênciae a Crítica [...] como se a existência de uma estivesse condicionada aodesaparecimento da outra” (DERRIDA, 2000, p. 15), a Ciência parecerepresentarumsistemareligiosoaindamaiscomplexo,pautadanumainduçãoaodogma antirreligioso “viciada pelas mesmas obsessões inquisitoriais que eladenunciounasorganizaçõeseclesiásticas”(ALVES,1981,p.172).

O panorama se apresenta num cenário complexo de radicalização dosprocessos produtivos e experiências de consumo sob a mercantilização dosvaloresestéticos(LIPOVETSKY;SERROY,2015).Aconjunturacontemporânea,oucomodenominamLipovetskyeSerroy(2015),ahipermodernidadeapontaumoutrovetoràproblemáticadaruptura/estreitamentodaReligiãoeàsCiências,ovetor midiático. A estetização do mundo respectiva a uma ética flutuante,excessos de informações, desvanecimento das fronteiras, globalizaçõesmidiáticas se afirmam, assim como as exigências mercadológicas dos seus

consumidores,nopapelquetangemasciênciaseasreelaboraçõesdasreligiões.

DOALTARAOSGEOGRAFISMOSDiscursosacadêmicos,enraizadosnofazercientífico,quediversasáreasde

pesquisaveiculamparadarcontinuidadeoureinaugurarcamposdeinvestigação,jamais abandonaram a tradição sacerdotal do império católico. A mãe dauniversidade ocidental permanece sendo a instituição eclesial e suas variaçõesmodelares do saber formal: monastérios, abadias, catedrais apontando asfronteirasdasrespectivasdisciplinas(AQUINO,2008).Alógicade“afirmação”daModernidade,emseusmúltiploshumanismos,nãosedissociadoenraizamentosacerdotaldofazercientifico.Noentanto,aquestãoquepermeiaessesexercíciosde afirmação circunda em medida que essas preocupações representam umsistemareligiosoaindamaiscomplexo.GutierrezMartínez(2011)direcionaumapossível resposta esboçada na lógica vetorial mítico-religiosa que veste decristalina fé os grandes desafios positivos dos tempos modernos: progresso,desenvolvimento, sustentabilidade, direitos do homem, democracia. Tendo emvistaafortenaturezaespacialdetodosessesgrandesmitoshegemônicos,pode-sefiliarescalasgeográficasderaciocínioàcrençadequeapesquisacientíficanãoabremãodeumacatequesesutil.

Naperspectivageográficaa familiarizaçãocomosagradose iniciacomoqueapráxisreligiosaimprime(não)sutilmentenoespaço.SegundoClaval(1999,p. 38), a priori “eles [os geógrafos] eram sensíveis à coloração que a moralconfereaosestilosdevida,aossímbolosqueafé inscrevenaspaisagenseaosritmos que a religião outorga à existência”. Ao geógrafo, nesse primeiromomento,caberegistrarasinteraçõesdosagradoeasconsequênciasgeográficasdoseufuncionamento.

Segundooautor,aquestãogeográficaemtornodosagradosecomplexificaquando os sistemas religiosos passam a ser inseridos no jogo de trocassimbólicas que estruturam a sociedade (posicionamentos, representações,

regionalidades e etc.) para além dos templos visíveis e datas de colheitas(CLAVAL, 1999). Ora, conquanto a visão científica “exata” prepondere pelodistanciamentodasesferasdosaberedafé,amesmaracionalidadeseencontraintrinsicamente ligadaàesferada fé,poisnãopodeserapartadadoespaçoemque se legitima. Se é verdade que a razão científica retira a falácia, nega asuperstição,aignorânciaqueresvalam(?)nascrençasreligiosas,amesma,senãooconteúdo,tomaemprestadoasfeiçõesestruturaisehierárquicasdasinstituiçõesreligiosas.

Claval (1999, p. 44), ao se referir aos sistemas religiosos (historicidade)indagase“nãosãoelas[asreligiões]quegarantemasinstituiçõesàlegitimidadesem a qual seriam frágeis? Não são elas que garantem aos comportamentosjustificativasquetodomundoconsiderasuficientes”.Numaperspectivainversa,aciência como ideologia não cumpriria o mesmo papel? Dessa forma, o fatorreligião (in) diretamente não agiria como um regulador das atitudes frente àmodernidade?

CadaavançodaCiênciaemgeral,edosestudosgeográficosemespecífico(CLAVAL, 2011) contribui para a construção de “ummundomelhor” aomenosimaginado(MALRIEU,1996)paraqueasociedadefuncione“bem”.Linguagemsistêmica reinante para ao limiar do sec. XXI dizermos, com outras palavras,comoseimplantao“ReinodosCéusnaTerra”.Nessaconjuntura,épossívellerumaperfeitasintoniadepensaresgeográficoseteológicos,quando,porexemplo,traçarmosparalelosentre“outraglobalizaçãopossívelenecessária”conformeogeógrafoMiltonSantos (2001)eoscuidadosecumênicoseecossistêmicoscomnossaCasaComum,naencíclicaLaudatoSi (ICAR,2015)do lídermáximodocatolicismo,PapaFrancisco.

A primeira encíclica do papado de Francisco racionaliza uma “ecologiaintegral”(ICAR,2015),ondeohomemnãoédissociadodaTerraoudanatureza.O texto estabelece reflexões que consubstanciam a crise ambiental ao declínioético da humanidade e incluiu as reflexões científicas, filosóficas, teológicas,além da contribuição das organizações sociais como enriquecedoras do

pensamentodaIgrejasobreasquestõesmodernas.Dessa forma, a convergência de saídas da modernidade opressiva,

especialmente no contexto latino-americano reforça a positividade dashibridaçõesculturaisentrecamposcientíficosereligiosos(GARCÍACANCLINI,2003).É justamente esse contextode “extremoocidente cristão”quedesenha aproblemática central do estudo: como capturar, no maniqueísmo das formasdiabólicas(bemXmal)oudeterministas(causaXefeito)dodiscursoseculardahipermodernidade, uma evidente imagem de religiosidade latente?Ou como sepreferiu nomear, como ler um “espírito hiporeligioso”, no discurso da Ciênciageográfica,emsuasproduçõeseeventoscientíficos?

SOBREOSPENSARESGEOGRÁFICOSEACASACOMUMLipovetsky e Charles (2004) apresentam uma conceitualização da

organização espaço-temporal atual. A hipermodernidade, termo cunhado pelosautoresparadiferenciarapráxispós-modernaque, segundoosautores, refutaopassadocomoalgosuperado,integraaascensãodalógicamodernademercado,oconsumo demassa veiculado, a construção de valores, a cultura do excesso, afluidezdasvontadesaumareinvençãodopassado,ouainda,umreinvestimentonos valores tradicionais. No entanto, essa reapropriação dos valores parte daestruturaçãodeumaorganizaçãosocialeindividualquelegitimaosdomíniosdoconsumo (LIPOVETSKY; CHARLES, 2004) cooptados a um vício que parecepermearosdiscursosideológicosocidentais,oparadoxobilateralexcludente.

Deste modo, acredita-se que as disciplinas científicas (proposiçõescientíficas, universalidade e suposta neutralidade), assim como os sistemasreligiosos (sagrado, atemporalidade, hierarquia) não se ausentam das grandesestruturas da hipermodernidade como também as alimentam e (re) criam suasestruturas aproximando-as.Omovimento de ruptura entre as esferas da razão esaber,ciênciae religiãopartedemaniqueísmospolarizadosedisputapara sioconhecimentocientíficoapresentadoporBachelard(2004)comoummovimento

contínuo de retificação que indicaria a imaginação criadora para a renovaçãodeste. O que chamamos de espírito hiporeligioso dialoga com os valores eprincípiosdasociedadehipermodernacomplexaemenosunívoca,esomaovetormidiáticoàdiscussãoapresentadanessetrabalho.Alógicahipermodernaampliaa fluidez e o acesso da informação, favorece a liberdade de escolha, emcontrapartidarelativizaosfenômenos,padronizaareflexão,reificavaloreseetc.Amidiatizaçãoe fluidezda informaçãosedesdobramnaspesquisascientíficas,emcertamedidatambémfomentasuasindagaçõeseasdirecionamaumconsumoespecíficoobservadonosperiódicoseeventoscientíficos.

Por fim, toda a problematização apresentada corrobora com tentativa deleitura das ciências geográficas na sociedade hipermoderna. Desse modo,traçamos a análise a partir do contexto de “extremo ocidente cristão” no fazercientífico e nas representações sociais. Para este fim, o estudo constrói umparaleloentreas inquietudesapresentadasnaencíclicapapalLaudatoSi, sobreos cuidados com nossa Casa Comum e a decodificação das geografias sob asbandeirasdahipermodernidade.

AsreflexõesapresentadasnaEncíclicacorrespondem,apriori,àcomunhãoeclesial – Igreja Católica/outras Igrejas Cristãs, além de diferentes religiões emovimentos filosófico – unidos pelas preocupações ecossistêmicas do mundocontemporâneo.Especialmente a partir da emergente globalização das questõesecológicasadvindasdasConferênciasdasNaçõesUnidasemEstocolmo(1972)eRio de Janeiro (1992). As argumentações apresentadas assumem, ainda naapresentação da encíclica, a autoridade e influência da pesquisa científicadisponívelutilizandolinguagemespecíficanaconstruçãodemetodologias.

Nos debruçaremos sobre o Capítulo I da encíclica de Francisco. Emespecífico, esse capítulo apresenta um panorama sobre os problemas queobliteram o desenvolvimento humano sustentável, ético e integral. Francisco(ICAR, 2015) sistematiza em tópicos as questões que segundo o mesmo “noscausaminquietaçãoejánãosepodemesconderdebaixodotapete”.Observa-seasintonia entre a fala teológica e as perspectivas de análises geográficas, nesse

sentido na sistematização encíclica se baseiam a incidência dos indicadoreshiporeligiososnodiscursogeográficonoseventoseperiódicoscientíficos.

DOSPRESSUPOSTOSÀPESQUISAPartindodoobjetivocentraldotrabalho–quevemaseracaracterizaçãode

elementos discursivos associados diretamente às formas representativas demaniqueísmo e determinismo no discurso científico geográfico – considerou-seaquiindispensáveltrabalharcomumametodologiapredominantementequalitativaeexploratória.Oestudoreuniutrabalhospublicadosaolongodoanode2015eapoiou-seemumaseleçãonãoestatísticadeamostrasdiscursivas,sobrequestõespolítico-culturais, territoriais e ambientais. Foram selecionados periódicoscientíficos (Revista Brasileira de Geografia Física, Revista Brasileira deGeografia e Revista Geousp) e eventos nacionais e internacionais da área(Conferência da Terra, Simpósio Brasileiro de Geografia Física Aplicada eEncontrodaAssociaçãoNacionaldaPesquisaePós-GraduaçãoemGeografia),considerandoaproduçãodoanode2015comoreferênciaatualizada.

No conjunto amostral, procurou-se observar, com atenção seletiva, aconsistênciadasconsideraçõesfinaisdostrabalhosproduzidosnesseano.Ofococonstituiidentificarapresença/ausênciadosfatoresindicativosdavitimizaçãodanatureza. De um lado, na causa/efeito nos processos de alteração do espaçonatural atribuídos à responsabilidade humana (ou sociocultural do sistema)prioritariamente. O que denota, por outro lado, conceituação maniqueísta daexplicaçãodoseventos,emdiretasugestãodequeaostensivapresençahumanapropicia um diabólico desequilíbrio geoambiental. A ideia foi coletar cincotrabalhosdecadaumadessasfontesamostrais.

Figura1–Indicadoreshiporeligiososemeventoseperiódicos.

Fonte:Elaboraçãodosautores,apartirdaconsultadasrevistasespecializadas(2016).

Os indicadores hiporeligiosos, como citado anteriormente, partem daesquematização das preocupações ecossistêmicas encontradas na encíclica dedoutrinacatólicaLaudatoSiescritaem2015.Acompreensãodosindicadoresseinsere na lógica hipermoderna, onde as aflições ambientais rebentam nascaracterísticas dessa sociedade (consumo de massa, cultura do excesso,comunicação demassa, hibridismos e etc.).Observa-se que embora a carta deFranciscocoloqueohomemcomopartedanatureza,ondeadegradaçãoambientalé a própria degradação ética e social humana negando a sujeição desta aosdesígniosdohomem,háumarelaçãodedicotomiaentreacriaçãoseparando-osemesferasopostas.Doagressoraoagredido,deumbemnaturalizado(natureza)aumamaldadesistêmica(humano).Dainfantilizaçãodanaturezaeademonizaçãodaaçãohumana(polarizando-aentrebemXmal;ricosXpobres).

Figura2–indicadoreshiporeligiososemeventoseperiódicosseparadamente

Fonte:Elaboradapelosautores(2016)

No entanto, como pode ser observado no gráfico 1, os indicadoreshiporeligiosos na percepção nos trabalhos científicos do espaço geográficoapresentammaior incidência no indicador de Degradação Social, ou seja, nos

riscos que a degradação ambiental apresenta ao desenvolvimento humano. Adinâmica desse indicador, segundo a encíclica e que adotamos na análise doestudo, apresenta duas perspectivas, vulnerabilidade socioambiental efragmentaçãosocialeeconômicados“descartadosdasociedade”(ICAR,2015)easrelaçõessociaisapartirdoconsumo,sistemasinformacionaisemidiáticos.Emcerta medida, a análise dos elementos discursivos e consistência dasconsideraçõesfinaisdosdemaistrabalhoscientíficosentreosoutrosindicadoreshiporeligiosossubvertem-seàdinâmicadoindicadordeDegradaçãoSocial.

Logo,odiscursocientíficogeográficoapresentaadicotomiaapresentadanaencíclica,oreinodoscéusnaterraéoreinodobem-estarhumano,omeio(merodetalhe)seencontranadisputamaquiavélicadasforçasdobemcontraomaldaação humana.Vale ressaltar, como se pode observar nos gráficos a seguir, queforamdoseventosenãodas revistasqueobtivemosomaior êxitopara tecer aimaginaçãoautocriadoracomoformaemergentedoquesereconheceaquicomoespíritohiporeligioso.

RESULTADOSECONSIDERAÇÕESO estudo revelou preliminarmente que o destaque aos processos

deterministas,capazesdesuperestimarascausashumananoavançodasformasdedesequilíbrio e degradação dos ambientes (espaços naturais), são maislargamenteexpressosdoqueasexplicaçõesdecarátermaniqueísta.Estasporsuavez transparecem em trabalhos fortemente ligados às análises de geografiapolítica, regional e econômicacom interfaceambiental.Oque tornaademandapela continuidade desse tipo de investigação, ao mesmo tempo empírica(considerando a latência dos eventos) e documental (observando sua intensaprodução editorial), uma relevante tática de demonstração de um diálogo entreReligiosidade e Ciência Geográfica. O trabalho apontou que embora a Igrejaadoteodiscursocientíficonumatentativadelegitimarseuprópriodiscursofrenteàsociedadehipermoderna,pontuamanecessidadedesobriedadeéticafrenteos

avançostécnicosecientíficos.Poroutrolado,conquantonummovimentoinverso,as ciências se legitimemno distanciamento dos dogmas religiosos, a crença narazãocientíficareverberanumaconfiançainflexível,quasemíticanossistemasdeconhecimento.

A análise dos trabalhos selecionados, nesta breve amostra realizada,corroboracomalinhadeargumentaçãoapresentada:talqualaepígrafedacançãointerpretada pelo grupo inglês Coldplay (no início do texto), embora o sabercientífico não admita comportamentos emocionais, sua paixão faz a Ciênciacorrer em círculos e retornar às condições de hibridismo comaFé.Essa “nãoadmissão” desenha indicadores de hiporeligiosidade, que apontam um diálogosutil (ou porque não dizer “silencioso”) de instâncias devocionais deargumentação e convencimento;mesmoquemotorizado pela estética radical deracionalismo aparentemente antirreligioso. Observa-se então, na tentativa derupturae/ouaproximaçãodasabordagenscientíficaseteológicas,aefetivaçãodolaicismoreligiosocontemporâneoeaconstruçãopontualdeumaespiritualidadeecológicacomsistemasderepresentaçõespróprias.

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TER(RITO)RIALIDADESRELIGIOSAS:PLURALISMOEINTOLERÂNCIARELIGIOSANOSCENTROSDEVOCIONAISDOCATOLICISMOCEARENSE

MARCOSDASILVAROCHALaboratóriodeEstudosGeoeducacionaiseEspaçosSimbólicos–LEGES/DG/UFC

[email protected],CHRISTIANDENNYSMONTEIRODEOLIVEIRA

LaboratóriodeEstudosGeoeducacionaiseEspaçosSimbólicos–LEGES/DG/[email protected]

INTRODUÇÃOEste artigo encontra seu ponto focal de análise dentro do campo da

GeografiaCultural, especificamente apoiando-se empressupostos e teorias quefundamentamodesenvolvimentodeumaGeografiaquetemnoviésreligiosodasociedadeedosindivíduosumsuportedeleiturasocial.AGeografiadaReligiãotematraídoumnúmerocadavezmaiordepesquisadoresnasúltimasdécadas,istoé,asdinâmicassimbólicasestãofortalecendosuapresença(jábemestruturada)nasanálisesdasciênciassociais,inclusivedaciênciageográfica,umavezqueareligiãoé,emconsonânciacomodizerdeSahr(2001,p.57),“umainterpretaçãodomundo”e,esta,“representaumaformadeconhecimento”.

Oolhargeográficosobreasreligiões,areligiosidade,ossujeitosreligiosose as ideologias presentes nos discursos religiosos permitem, através daabordagem cultural em Geografia, obter interpretações da sociedade e dosindivíduosquenãoenfoquematradicionaltriangulaçãoentresociedade,naturezae relaçõesdeproduçãoede trabalho.Destemodo,podemosdarvisibilidadeàesferacultural–etambémreligiosa–dosagrupamentoshumanos,quepormuitotempoforanegligenciada,poisaanálisedasdinâmicasculturaisereligiosasdasociedadepermitetambémcompreenderasrelaçõesdepoderexistentesnesta.

O enfoque nas relações de poder ajuda-nos a compreender como searticulam múltiplos territórios dentro da perspectiva proposta por Haesbaert(2004),poishavendodemarcaçõesdetempoeespaçoentreosgruposreligiososde diversas formas, poderemos situar na discussão a questão da organizaçãoterritorialedasmultiterritorialidades.Ademarcaçãoterritorialentreestesgruposé uma constante, e estes se articulam em estratégias comunicacionais,publicitário-midiáticas,ritualísticasefestivas(OLIVEIRA;ARAÚJO;TAVARES,2015) que caminham entre o sagrado e o profano objetivando umademarcaçãodos seus territórios em relação a outros (HAESBAERT, 2004). Podemos dizerque a presente investigação proposta no campo da Geografia da Religião nosevidenciaqueadiversidadedasreligiõesrefleteoquantoaprópriaconstruçãoeorganizaçãodoespaço,porsuavez,édiversificada(SAHR,2001,p.57).

É partindo desta ideia da territorialização simbólico-religiosa apontadaacima que pretendemos discutir como ocorre a articulação entre os diversossujeitosreligiososenãoreligiososdentrodosmunicípioscearensesquepossuemumadinâmicaturístico-devocionalcatólicaemtornodossantuárioscujapresençadasgrandesestátuas funciona,emcertamedida,comodemarcadoressimbólico-territoriais católicos. Isto, em grande parte das vezes é legitimado pelo poderpúblico e endossado pelos seguimentos privados. Desta forma, é através dajustificativa de desenvolvimento local, movimentação de renda e geração deemprego nas localidades a partir dos movimentos turísticos que tais práticascontinuamprojetando-sedentrodoestadodoCearácomoumaformaeficientedefazerturismoreligiosocomeçandoaseremreplicadasemoutrosmunicípios.

A reflexão aqui apresentada encontra-se divida em três seções principais.Na primeira objetiva-se discutir os desafios inerentes à constituição dosterritóriossimbólico-religiososestabelecidosapartirdevínculoscatólicosedemovimentos turísticos e devocionais em torno dos santuários católicos quepossuemapresençadegrandesestátuas.Emseguida,abordamosametodologiado trabalho,discutindocomoométodofenomenológico juntoà revisão teórico-conceitual fora utilizado na execução da pesquisa. Na seção posterior iremos

apresentardiscussãosobreas territorialidades religiosasedo turismoreligiosonoCeará,debatendoacercadasgrandesestátuas,chamadaspornósnestetrabalhodetotens,eadinâmicadevocional.Paranãoconcluir,apresentamosaofinaldotrabalhoconsideraçõessobreos resultadosobtidos,os limitesencontradoseosnovoscaminhospelosquaisapesquisasepretendeaseguir.

DESAFIOSINERENTESAUMTERRITÓRIOSIMBÓLICO-RELIGIOSOAterritorializaçãosimbólico-religiosaeosdesafioséticos,sociopolíticose

turístico-ambientaisemmunicípioscearensesdefortetradicionaldevocionalsãoo escopo central da presente pesquisa. A formulação deste objeto visou darcontinuidade às pesquisas anteriores cujos enfoques propostos na investigaçãoeramosvetorescomunicacionais,festivoseturísticosdosmunicípios-santuáriosdoestadodoCeará.Outropontodeterminantenaformulaçãodopresenteobjetofoiodesenvolvimentodeumainvestigaçãonoanode2016queseguiuatemáticada irradiação devocional relacionada às políticas públicas de tolerância epatrimônio religioso que visa, entre outros objetivos, consolidar parceriasinstitucionais comnúcleosdepesquisa emGeografia daReligião noBrasil.Acidade de Fortaleza figura como palco desse primeiro movimento deinvestigaçõesemtornodasterritorialidadesreligiosascearensesestabelecidasapartirdocalendáriocívicoefestivodacidade.

FESTA DA ASSUNÇÃO: ESTUDO PILOTO DE TERRITORIALIDADESRELIGIOSAS

Resultados obtidos na cidade de Fortaleza nas investigações supracitadasnos forneceramsuporteparaampliar a investigação,pois tomamosacapitaldoestadodoCearácomoumreferencialnaquestãododiálogointer-religiosoenoquesitodoplanejamentoturísticoreligioso–predominantementecatólico–dentrodoschamados“eventosdocatolicismooficial”.Trabalhosdecampo realizadosnodiadapadroeiradacidadedeFortaleza,NossaSenhoradeAssunçãoem15de

agostonosanosde2014a2016,nospermitirampercebercomosãodemarcadososterritóriosdasdiversasconfissõesreligiosasnacidadedeFortalezaecomoosincretismoreligiosoestápresentenasmanifestações.Aomesmo tempoemqueaconteceaCaminhadacomMariatemososfestejosdeIemanjásendorealizadosnaPraiadeIracemaePraiadoFuturo(Mapa01).Éválidodestacar,contudo,queaCaminhadacomMaria foi declaradapatrimônio cultural imaterial doBrasil,tendo sido tombada pelo Decreto de Lei do Congresso Nacional Nº 13.130(BRASIL, 2015) que reconhece as manifestações religiosas como “forma deexpressãodopatrimôniohistórico-cultural-religiosobrasileiro”.Enquantoafestade Iemanjá,mesmo tendo uma tradição demeio século na cidade de Fortalezaaindapassapeloprocessooficialdepatrimonialização.

MAPA01–MAPADETOLERÂNCIARELIGIOSA:13ºCAMINHADACOMMARIAEFESTEJOSDEIEMANJÁOCORRIDOSEM15DEAGOSTODE2015,FORTALEZA,CEARÁ,

BRASIL

Fonte:ElaboraçãodosAutores(2016)

A grande participação do Estado (Prefeitura de Fortaleza) naCaminhadacom Maria ao longo dos anos é notória. Podemos perceber isso através dobloqueio e organização das vias de acesso, do patrocínio direto e indireto aoevento,disponibilizaçãoderotasextrasdeônibus,escoltadocarroquecarregapelas forças policiais, entre outras coisas. É válido citar que a própriaidealização do evento partiu de um representante do Estado, um vereador dacidadedeFortaleza.Aliadoaissoaindatemostodaainfraestruturamontadapara

encerramentodo eventoqueocorre ao final da caminhadano centroda cidade.Conforme a Arquidiocese de Fortaleza e os jornais de grande circulação dacidadedeFortaleza,comooJornalOPovo,oeventomovimentoucercadedoismilhões de pessoas em cada uma das últimas edições, de 2014 a 2016. Emcontrapartida os festejos de iemanjá que ocorrem simultaneamente têminvestimentos e visibilidade bem mais modestos se comparados ao eventocatólicoretromencionado.

AcidadedeFortalezacontatambémcomoSantuáriodeNossaSenhoradeFátima, localizado embairro demesmo nome.O santuáriomerece destaque nanossadiscussãopelofortepesoqueexercedentrodacidadecomoumsantuáriometropolitanoquemensalmenteconseguemoverumnúmeroconsideráveldefieisaté ele. No local encontramos também uma estátua gigante da divindade quemarcaapaisagemurbana.ImportantelembrarquenacidadedeFortaleza,alémdaestátuaemtamanhogigantedeNossaSenhoradeFátima,encontram-seerguidastambémoutrasdeportesimilaremoutrosbairrosdacidade(Mapa02).

A devoção em torno de grandes estátuas não será exclusividade dareligiosidade cearense, tampouco brasileira. Deste modo, é considerando omonumentalismo destes grandes objetos de devoção que nossa reflexão tocatambémoaspecto totêmicodasestátuas.ApoiadosnaobradeDurkheim(1996)sobreasFormaselementaresdavidareligiosa:osistematotêmicoaustralianotivemos bases para (re)pensar o fazer religioso em torno de ícones totêmicostraduzidos catolicamente como estátuas gigantes de santos e personalidadespopulares que hoje alimentam o imaginário social em torno de um fazer sócioreligiosohíbrido,daítrazeraideiade“totemcatólico”paraaconstruçãoteóricadestapesquisa.

MAPA02–AMETRÓPOLEEOSAGRADO:ESTÁTUASEMONUMENTOSCOMOREPRESENTAÇÕESDAFÉCATÓLICAEMFORTALEZA-CE

Fonte:ElaboraçãodosAutores(2016)

AMPLIANDO ESTUDOS: MOVIMENTOS EM TORNO DOS TOTENSCATÓLICOS

PartindodosresultadoscolhidosnacidadedeFortalezasobreaquestãodosgrandeseventosdocatolicismoincorporadosaocalendáriodacidade,lançamoso olhar para outras cidades do estado do Ceará que possuem também fortetradição de romarias como Juazeiro do Norte e Canindé. Porém, a cidade doCrato também foi incorporada à análise tendo em vista o potencial da recenteinauguração de um equipamento religioso de grande porte na cidade, a estátuagigantedeNossaSenhoradeFátima.Destemodoestes trêsmunicípios figuramcomo três cidades privilegiadas para a análise, pois além da forte tradição deromarias em duas delas, tais municípios contam com a presença das estátuasmonumentaisnasimediaçõesdossantuários.

Portanto,elencamoscomolócusdainvestigaçãoosmunicípios-santuáriosdeCanindé,CratoeJuazeirodoNortenoestadodoCeará;todasestascidadessãopossuidorasdepatrimônioreligiosoeculturaldecaráteroficialepopular,comdevoções a São Francisco de Assis, Nossa Senhora de Fátima, Padre CíceroRomão Batista, respectivamente. A forte tradição católica presente nessesmunicípios nos permite levantar a discussão sobre a legitimidade dasrepresentaçõesdos totens católicos eosdiálogos inter-religiosos em centrosdevocionais do catolicismo nordestino e evocar uma análise sobre os limites

inconstitucionais das tradições e as possibilidades de se pensar umdesenvolvimento turístico pautado na religiosidade em torno de grandes íconesmonumentais.

OsSantuáriossãocatólicos,contudo,osmunicípioseseusespaçospúblicossão legalmente laicos. Portanto, é preciso partirmos da premissa de que essasrepresentaçõesoficiaisnãosãodevidamenterespeitadaspeloPoderPúbliconosdois municípios interioranos ao transformar os vínculos culturais católicos emrepresentaçõesmunicipaisoficiais.Poroutro lado, temosumdiscursoporpartedoPoderPúblicoedosseguimentosreligiososfortementevoltadoparaaquestãodo turismo religioso-católico que advoga em favor dos investimentos eminfraestrutura para os santuários e na construção de ícones monumentais noformatodegrandesestátuas.

Diantedesta, levantamosumaquestãotantonorteadoraquantoprovocativa:como se dá a articulação do Poder Público, dos seguimentos privados e dosgrupos religiosos hegemônicos e não-hegemônicos dentro dos municípiossupracitadoscujasdinâmicassimbólicas, religiosase turísticasestãofortementeinseridas nas estruturas municipais? Por extensão e em concordância, faz-senecessário indagar: como os grupos e indivíduos não católicos – umbandistas,candomblecistas, evangélicos, espíritas, entre outros – dos municípiosretrocitadoslidamcomasmanifestaçõeserepresentaçõesdafécatólicaelegidasà promoção oficial? Como estes municípios, que expandem suas políticasturísticas e culturais em tornoda tradiçãodas romarias do catolicismopopularlidam com a expansão e os direitos socioterritoriais das confissões e religiõesnãocatólicas?QuaisasestratégiasdeplanejamentodoPoderPúblicoparalidarcom a dinâmica turística? De que modo se estabelecem os processos deterritorialização católica dentro desses polos de irradiação devocional docatolicismo?Taisquestionamentosforamosmotoresdestapesquisa,emboranemtodos sejam respondidos de forma plena no desenvolvimento dos resultados, éimportante frisar que as pesquisas seguem em curso, longe de esgotar aspossibilidades de tratamento do tema, ela tem o objetivo também de continuar

levantandoquestõesquenorteiemaspesquisasemtornodestatemática.Tais questionamentos apontam também para uma avaliação sobre o

erguimento de ícones urbanos monumentais (e católicos): a estátua de SãoFrancisco(emCanindé)eoLuzeiro(torrecriadacomomarcopelapassagemdomilênioedos500anosdodescobrimentodoBrasilemJuazeirodoNorte),essesinvestimentospoderiamservistoscomodemarcaçõesdeinvestimentoscatólicosemproldaintolerânciareligiosa.Aragão&Oliveira(2013,p.129)arespeitodoLuzeiro afirmam que “a construção e inauguração de uma torre, com volume etextura tão diferenciados no urbanismo da cidade, corresponde a uma vontadeexplícita, degovernantes e IgrejaCatólica, ematualizar suas representaçõesdepoderregional”,demonstrandocomoopoderreligiosohegemônico,nestecasoocatólico, tenta mesmo que sem sucesso firmar-se como uma representaçãosimbólicaurbanaoficialpotencialmenteturísticanacidadedeJuazeirodoNorte,mesmo que esta tentativa tenha sido relativamente fracassada em seus anseios,pois como apontam os autores: “O monumental Luzeiro do Sertão é arepresentação passiva e ostensiva de uma aliança sem consistente legitimidadesimbólica”eesteiráseapresentarcomoum‘parasitautópico’dentrodocontextodereligiosidadepopulardeJuazeirodoNorte(ARAGÃO&OLIVEIRA2013,p.135).

FENOMENOLOGIAEGEOGRAFIA:CAMINHOSMETODOLÓGICOSCombasenoscaminhosmetodológicosdafenomenologia,enquantométodo

de investigação científica, que a presente pesquisa buscou fundamentar-se paracaptura,análiseeinterpretaçãodarealidadegeográficapresentenosmunicípiosinvestigados. Dialogamos com a Geografia fenomenológica de Eric Dardelpretendendoconstruirumametodologiade trabalho substancialmentequalitativaqueauxiliassenacompreensãodadimensãodageograficidade(DARDEL,2011),asrelaçõesfundamentaisqueossujeitosestabelecemcomomeioecomooutro–arelaçãodosHomenseaTerra.

As contribuições de Eliade (1992; 2000) para discutirmos a questão dotempo foram fundamentais, pois os grandes (e pequenos) eventos e rituais docatolicismo – partes da investigação proposta – têm no “tempo sagrado” umaformadedemarcaçãode territórios, pois de acordo como autor: “todo espaçosagradoimplicaumahierofania,umairrupçãodosagradoquetemcomoresultadodestacarumterritóriodomeiocósmicoqueoenvolveeotornaqualitativamentediferente”(ELIADE,1992,p.20,grifonosso).

Na presente pesquisa, os conceitos de território, territorialização eterritorialidade religiosapresentesnasobrasdeRozendahl (1996;2001;2005),Haesbeart(2004),Silva&Oliveira(2010)eClaval(2013)foramfundamentaisparaaconstruçãodeumadiscussãoarespeitodadinâmicareligiosaesimbólicanaestruturaçãodeterritóriosnascidadeselencadascomolócusdapesquisa.

Emacordocomlevantamentoteórico-metodológico,oacompanhamentoemcampodasmanifestaçõesreligiosasnosperíodosfestivosfoipeçaindispensávelda pesquisa. A realização de entrevistas semiestruturadas e aplicação dequestionárioscomrepresentantesepraticantesdasdiversasconfissõesreligiosas(e não religiosas) e com representantes dos poderes seculares dos municípiosforamoutrospassos realizadosemcampo juntamentecomregistro fotográficoeaudiovisualdosacontecimentosquenosserviramcomogeradoresdeumdebateposterior.

Merece destaque, neste sentido, uma etapa fundamental no colhimento deinformaçõesarespeitodosmovimentosocorridosnossantuáriosinvestigados:osesforçosnamontagemdeumarededeinterlocutoresnascidadesinvestigadasquenosauxiliassemnacompreensãodosprocessosdearticulaçãodosdiversosatoressociais.Oolhardosujeito residente,queaomesmo tempoemque fazpartedoobjeto investigado também se coloca como coinvestigador foi decisivo noprocessodeinvestigaçãoemcampoenotratamentoposteriordosdados.Nastrêscidades investigadas, o contato prévio com moradores e outros pesquisadoresresidentes nas localidades facilitou o acesso à determinadas áreas, forneceuinformações relevantes, além de ter ajudado na ampliação da rede de contatos

paraarealizaçãodeconversaseentrevistas.

ADINÂMICADEVOCIONALTOTÊMICO-RELIGIOSAEOTURISMONão podemos deixar de compreender as grandes estátuas nas três cidades

investigadas, chamadas aqui também de totens católicos, como demarcadoresterritoriaisenvoltosdesimbolismo.Ototemmarcaaslocalidadesterritorialmenteestabelecendo vínculos católicos diretos com o espaço, legitimando práticasconfessionais, estabelecendo ritos, fortalecendo ideias de tradição eimpulsionando uma dinâmica de romarias que não deixa de ser turística. Nacompreensão dos territórios católicos que ao mesmo tempo são territóriossimbólicos,culturaisesagrados,Rosendahlcolaboracomadiscussãoao trazerque

[...]oterritório,impregnadodesignificados,símboloseimagens,constitui-seemumdadosegmento do espaço, via de regra delimitado, que resulta da apropriação e controle porparte de um determinado agente social, um grupo humano, uma empresa ou umainstituição. O território é, em realidade, um importante instrumento da existência ereprodução do agente social que o criou e o controla. O território apresenta, além docaráter político, um nítido caráter cultural, especialmente quando os agentes sociais sãogruposétnicos,religiososoudeoutrasidentidades.(ROSENDAHL,2005,p.12933)

Énestesentidoquenãopodemosnegarocarátersimbólicoqueosespaçosemtornodostotensvãoassumir.Umtensionadornessescasos,entretanto,vaiseestabelecer pelos investimentos públicos nestes territórios de confissõesparticulares. Deste modo, torna-se complexo lidar com as distintasrepresentações dos diversos grupos sociais (religiosos ou não) sobre aconstruçãoemanutençãodosmonumentos,muitoembora,grandepartedasvezestais empreendimentos sejam idealizados e mantidos com a promessa dodesenvolvimento local a partir do turismo religioso que, no entanto, nãobeneficiará somente aos grupos católicos destes municípios, mas sim oshabitantesdacidadecomoumtodo.

Porém,debateracercadodesenvolvimentoqueoturismopodetrazeraumadeterminada região parece sempre delicado, pois sempre serão pontuados os

prejuízosqueaatividadeturísticapodetrazerparaolocal,sobretudoquandoesteturismoérealizadodeformapredatória.Quandodiscutimosoturismoreligiosoarealidade não é diferente, este se for executado sem planejamento prévio, porpartedoEstado,daspopulaçõesedosórgãosresponsáveispelosequipamentosturísticos,pode trazermaismalefíciosdoquebenefíciosparaas localidades.Énestesentido,queapresentamososresultadoscolhidosnainvestigaçãoarespeitoda legitimidade das representações dos totens católicos e qual o papel dosdiálogosinter-religiososnaestruturaçãoemanutençãodessesprocessos.

JUAZEIRODONORTE:OTOTEMNOHORTOA cidade Juazeiro do Norte, do ponto de vista temporal, é o município-

santuáriomais bem consolidado no estado do Ceará, o complexo doHorto dePadreCícerojácontacomaestátuagigantedesdeadécadade1960elançouasbasesparaummodelodeturismoreligiosonoCeará,modeloestequecomeçouaser incorporadoporoutrosmunicípios,notávelcomaconstruçãodos totensnascidadesdeCanindéeCrato.

AcidadeéreferêncianoturismoreligiosonoBrasil,porémodestaquedadoemnossa análise é colocadono totemcatólicodePadreCícero, compreendidotambém como um referencial dentro do estado do Ceará. O totem é objetoprivilegiadodevisitaçãodos romeiros na cidadeque levantamasmãos a todoinstante para conseguir amelhor fotografia “tocando” a estátua com fotografiasemperspectivaedeixandooPadreCíceroastocartambém(Imagem1).

IMAGEM01–OTOTEMPADRECÍCERODEVOTADOATRAVÉSDASFOTOGRAFIAS(JUAZEIRODONORTE/CE)

Fonte:AcervodosAutores(2016).

Aolongodotrabalhodecamporealizadonocomplexoturístico-religiosodoHortofoiperceptívelcomoadinâmicadevocionalestámuitoligadaàturística.Oregistro,osouvenir,asselfies1comomonumento,ospasseioscomascrianças,osquiosquesdealimentação,entreoutroselementosque tambémsãofacilmenteencontradosemdestinaçõespuramenteturísticaspudemosnotaraoredor.

Cabecitaraentrevistarealizadacomumafuncionáriadosantuárioondeseconversou sobre a construção de outros monumentos similares pelo estado,infraestruturaesobreosinvestimentosqueosantuáriorecebedoPoderPúblico.Sobreoprimeirodestesassuntos,elaafirmaqueosantuárionorte-juazeirensevêcombonsolhosoerguimentodeoutrasestátuasnascidadesdointeriordoCeará,poisconformeamesma:“oCearáéterradeumpovomuitoreligiosoeficafelizdeveroutraslocalidadesconstruindomonumentos”.Aoserquestionadasobreaadoraçãoemtornodosmonumentos,elaafirmacategoricamentequetaisobjetosjamais são “adorados”,mas somente venerados como exemplos da vida cristã.Sobreainfraestruturaeosinvestimentosqueosantuáriorecebe,elaexpõequeénecessário que o Estado faça tais investimentos, pois o santuário além de nãodispor de recursos financeiros para tal, ela afirma que os governantes devemlembrar que “os romeiros são eleitores”, em suas próprias palavras. É nítidonestemomentoocaráterpolíticoqueostotens(eosinvestimentossubsequentes)vão assumir, pois o próprio santuário constrói um discurso que gira em tornodistoparalegitimaraspráticas.

CANINDÉECRATO:TOTENSCATÓLICOSENTREAESTAGNAÇÃOEAASCENSÃO

Durante o trabalho de campo realizado no final do ano de 2016 tambémforam visitadas as cidades de Canindé e Crato e seus respectivos santuários,sendoestaprimeiraumacidade-santuáriobemconsolidadanointeriordoestadodoCeará,queanoaanomovimentagrandesvolumesderomeirosemtornodosfestejosdeSãoFrancisco.AcidadedoCrato,noentanto,não temuma imagemtãoligadaàreligiãocomoJuazeirodoNorteouCanindé,masmaisrecentementeviuserconstruídaemumbairrodacidadeumaestátuacommaisde40metrosdealturadeNossaSenhoradeFátima.

Algumasconsiderações,entretanto,merecemdestaquesobreototemcatólicodeCanindé:aestátuagigantedeSãoFranciscodeAssis(Imagem02).Idealizada,construídaeinauguradanaprimeiradécadadesteséculo,entreosanosde2005e2008, o totem São Francisco ainda não conseguiu se firmar como peça chavedentro da lógica do santuário canindeense, pois o mesmo se encontra numasituação de relativo abandono com uma infraestrutura precária e escassez deserviçosnoseuentorno,ficandorestritoapenasaalgumasbarracas(tambémdeestruturaprecária)devendadeartigosreligiososeumaassociaçãodefotógrafosno local. Em entrevistas realizadas com representantes da Igreja Católica nomunicípioselevantouaquestãodoporquêdasituaçãodeabandonodaestátuaedoseuentorno,arespostacaminhounosentidodeafirmarqueaIgrejadentrodomunicípio já possuimuitas responsabilidades e não tem interesse de assumir agerência do equipamento, deixando claro que a Prefeitura, assim como oidealizoueconstruiu,tambémdevefazerasuaadministração.

A realidadedaspráticas em tornoda estátuanãoémuitodiferentedoquevemos em Juazeiro do Norte, os romeiros chegam, fazem as fotografias e empouco tempo já estão indo embora. Sendo assim, é perceptível que a dinâmicadevocional em torno do totem católico dentro deste território simbólico que éestabelecidonasimediaçõesdototemésubstituídaporumalógicamaisturísticaedevisitação.

IMAGEM02–TOTEMCATÓLICODESÃOFRANCISCOEBARRACASNASIMEDIAÇÕES(CANINDÉ/CE)

Fonte:AcervodosAutores(2016).

NacidadedoCrato,arealidadenãoémuitodistinta,ototemerguidonoanode 2014, com altura de 45metrosmarca a paisagem do local, o bairro BarroBranco. No quesito infraestrutura, o Cratório de Nossa Senhora de Fátima(Imagem03),comofoibatizadoolocalondeototemestáerguido,aindadeixaadesejar se comparado com Juazeiro do Norte e Canindé. Porém, durante ostrabalhosdecampo,olocalpassavaporreformasnoseuentorno.

IMAGEM03–TOTEMNOSSASENHORADEFÁTIMAEOSDEVOTOS(CRATO/CE)

Fonte:AcervodosAutores(2016).

NãopodemosdeixardecitarquenoentornodototemdeNossaSenhoradeFátima se concentram ônibus com visitantes de diversos estados do Nordeste

brasileiro,sobretudodoRioGrandedoNorteedoPiauí.Nodiálogocomessesvisitantes,pudemosperceberqueacidadedoCratopassouaintegrarasrotasdoturismoreligiosoquepartemdestesestadoscomdestinoaossantuárioscearenses.Os devotos-visitantes que estavam em um ônibus oriundo de Teresina/PIinformaramquealémdacidadeCrato,tambémvisitariamascidadesdeJuazeirodoNorte/CE (Santuário doHorte de PadreCícero), Canindé/CE (Santuário deSão Francisco deAssis), Quixadá/CE (Santuário deNossa Senhora Rainha doSertão) e retornariam à sua cidade. Neste sentido, não podemos deixar deperceber como a construção do totem na cidade do Crato impulsiona umadinâmica de turismo religioso nestemunicípio que leva vantagem também pelaproximidadecomacidadedeJuazeirodoNorte.

PLURALISMORELIGIOSOEPROJETOSPARAOFUTUROPorpluralismo religiosodeve-secompreenderumaposturamais aberta ao

diálogointer-religioso.Umcomportamentoquesejademocráticoequeaomesmotempo extrapole os limites da tradição, sendo assim deve estar ligado a doisconceitos fundamentais: a flexibilidade e dialogicidade, como aponta Sanchez(2010).Duascapacidadesquedevemserexercitadaspelos indivíduosegruposreligiosos,capacidadedeasadaptaràsmudançaseacapacidadededialogarcoma diversidade, demovimentar-se dentro do campo religioso ou extra religioso.Porém,cabeindagar:emqueopluralismoreligiososerelacionacomadinâmicaturístico-devocional nos territórios estabelecidos em torno de totens católicoscearenses?

Vale lembrar que os municípios investigados continuam a expandir suaspolíticaspúblicasem tornodas tradiçõesde romariasde impulsionaro turismoreligioso (que podemos chamar também de turismo católico), porém, cabelembrar que tais municípios devem encarar o desafio de inserir as diversaspopulaçõesdeoutrasreligiõesnestas lógicas tornandoassimos territóriosmaispluraisedemocráticos,poisosinvestimentospúblicosnãodevemficarrestritosa

determinados setores religiosos. O Brasil como um estado laico deve assumiressecompromisso,sobretudoemmunicípiosdefortepesodevocionalcatólico.

IMAGEM04–REFORMASNOSTOTENSDECANINDÉ/CEECRATO/CE;PROJETOPARAACONSTRUÇÃODEIGREJANOHORTODEPADRECÍCEROEMJUAZEIRODO

NORTE/CE

Fonte:AcervodosAutores(2016).

Trago como exemplos as reformas que estão ocorrendo nos santuários deCanindé eCrato e o projeto de uma igreja a ser construída noHorto dePadreCícero(Imagem04)paralembrarcomoadinâmicaterritorialemtornodostotenséativaemutável,passaaindahojeporprocessosdemudançasereestruturações,seja na reforma de equipamentos existentes, seja na construção de novos. Agrandequestãonessemomentoéqueadinâmica turístico-devocionalcontinuaaganhar força dentro de tais municípios e estes deverão assumir posturas maispluraisquepossaminserirosdiversosatoressociaisnesseprocesso.Destafeita,podemostertaisterritorialidadesseestabelecendocomomultiterritorialidadesouterritóriosmultifacetados a partir da idealização, planejamento e realização depolíticaspúblicasqueincentivemodiálogointer-religiosoepráticasmaispluraisemtornodatradiçãoderomariasedavisitaçãoaostotenscatólicos.

CONSIDERAÇÕESFINAISTemos um campo fértil para as investigações em Geografia da Religião

nestestrêsmunicípios,taiscidadesfiguraramcomdesafiosiniciaisnaleituradeterritorialidadesreligiosasemtornodostotenscatólicosenosauxiliaramtambém

na formulação de proposições e apresentação de desafios inerentes aoplanejamentourbano,turísticoouculturaldasmesmas.Canindé,CratoeJuazeirodoNortesãocidadesculturalmentericas,eéjustamentenestesentidoquesurgeanecessidade de compreender processos que estão fortemente ligados àsdimensões espaciais da cultura humana, sobretudo quando tais dimensõesenvolvemelementosdetensão,comoéocasodasterritorialidadescatólicas.

Aampliaçãodorecorteespacialeainserçãodenovascategoriasdeanálisepoderãoser incorporadasàscontinuidadesdestapesquisa, istoé,éobjetivodeinvestigaçõesposterioresaestaquejácomeçamasedelinearnesseprocessoderedação final dos resultados obtidos, um levantamento de dados sobre outrostotens católicos no Nordeste brasileiro, como por exemplo, a maior estátuacatólicadomundo–ototemdequase60metrosdeSantaRitanacidadedeSantaCruz/RN.Aliadoaisto,temosaindaumareflexãosobreadimensãopaisagísticadestes totens, pois embora este não tenha sido o enfoque teórico-metodológicodado neste artigo, faz-se fundamental também compreender os processos deleitura e escritura dessasmarcas totêmicas na paisagem dosmunicípios e suasrespectivas representações, embora existam barreirasmetodológicas, como porexemplo, dificuldades para se ter acesso a determinados grupos minoritáriosdentrodestescidadesousimplesmenteofatodaelaboraçãodeestratégiasparaselidarcommuitosdiscursoscomteoresextremamenteapologéticosquandosetratadaconstruçãoemanutençãodosmonumentosemproldedeterminadaconfissãoreligiosa.

Para não concluir, é importante citar que do ponto de vista científico, apresente pesquisa visou contribuir de modo efetivo com o debate teórico emGeografia Cultural, fortalecendo os vínculos entre religiosidade, cultura eGeografia.Pretendeu-setambémdarvistaàimportânciadadimensãoculturaldasações e relações humanas e do complexo papel que deve assumir aGeografiafrente a estas dinâmicas. Deste modo, de maneira social nossa investigaçãotambémobjetivavasubsidiarapartirdodebateelaboradosobreodiálogointer-religioso e as estratégias de planejamento, a construção de políticas de

valorização e de maior visibilidade aos grupos religiosos não hegemônicos,podendoassimtambémincentivarpráticasdecombateàintolerânciareligiosaedediálogointer-religiosoentregruposdediferentesmatrizesreligiosas.Atravésdo debate de pluralidade cultural, diversidade religiosa, territorializaçãopudemos fornecer caminhos para a elaboração de políticas de afirmação degrupossociaisereligiosostradicionalmentesilenciadosemarginalizados.

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1Espéciedeautorretratoobtidocomcâmeraslocalizadasnapartefrontaldesmartphones.

OSFOLGUEDOSLARANJEIRENSESESUARELAÇÃOTOPOFÍLICACOMOSSANTOSPRETOS

ROSEANECRISTINASANTOSGOMESDepartamentodeGeografia/UFS;GrupodePesquisaSociedadeeCultura

[email protected]

PPGEO/UFS;[email protected]

LUANLACERDARAMOSPPGEO/UFS;GrupodePesquisaSociedadeeCultura

[email protected]ÉSARAUGUSTOFRANÇARIBEIRO

PPGEO/UFS;[email protected]

JORGENALDOCALAZANSDOSSANTOSPPGEO/UFS;GrupodePesquisaSociedadeeCultura

[email protected]

INTRODUÇÃOPesquisas de cunho geográfico que se desenvolvem à luz da (inter)

subjetividade permitem o envolvimento do pesquisador com a dinâmica dosgrupos sociais, permitem a incursão nos significados, nas vivências, nasexperiências dos sujeitos e seus espaços de referência. É uma construção quecapta e nos conduz a analisar, de forma relacional, o vivido espacial etemporalmente.

É neste sentido que nos propomos a adentrar reflexivamente nassingularidades que permeiam os folguedos pertencentes ao município deLaranjeiras/SE. Neste caso, as singularidades que essencializam a relação dofolguedo Cacumbi e Taieiras com Nossa Senhora do Rosário e São Benedito(denominados pelos sujeitos do lugar e dos folguedos comoSantosPretos, porconsideraremqueestessantosprotegeramosescravosnoperíodocolonial).

Para tanto, nos ancoramos na Geografia que prima pelas “culturalidades”

dossentidosedosagrado,tendocomocategoriachaveparaoestudopropostoolugar, a partir das acepções de Tuan (2013) e Relph (2014), que a concebemcomo uma construção sociocultural, no contexto espaço-temporal. O lugar sejustificaapartirdaprópriadinâmicadasrelaçõesentreosfolguedoscomoseumunicípio e com seus geosímbolos, a exemplo da Igreja Nossa Senhora doRosário e São Benedito, na qual os folguedos manifestam a sua devoção aossantosaquiesposados.

O sagrado neste estudo, é considerado como um campo de forças e devalores que transporta o indivíduo para um meio distinto daquele no qual seestabelecesuaexistênciamaterial.Revela-secomoumarealidadesingular,masqueestárelacionadaaocotidiano.Paraareferidaimersão,nosembasaremosnosestudosdeGilFilho(2007).

Com base no exposto, é crucial a reflexão acerca dos vínculos existentesentre os sujeitos pertencentes aos folguedos laranjeirenses e entre osdenominadosSantosPretos(NossaSenhoradoRosárioeSãoBenedito)e,setaisvínculos se refletem na relação dos folguedos com o lugar. Desta forma,precisamos refletir sobre as seguintes questões de pesquisa: quais os vínculosestabelecidosentreosfolguedoscomossantosecomolugar?Podemosafirmarqueosvínculossãopermeadosporvaloressimbólicoseafetivosexpressadospormeio de rituais profanos e religiosos? A partir do percurso teórico-conceitualtrilhado,intencionamossuscitarumolharsobas“culturalidades”laranjeirenses,fomentandoestudosquedeemvisibilidadeàsrelaçõesquesetecemnocotidianodaquelesqueestãodiretamenteenvolvidoscomosaber-fazerdaculturapopularsergipana.

TRILHARMETODOLÓGICO:OFAZER-PESQUISAR

MétododeanáliseNo tocante ao método adotado, nos alicerçamos na fenomenologia, pois

entendemosqueaformamaiscomumdeinteraçãoentreoserhumanoeomundoprovém das sensações e percepções. Assim, é estabelecido o conhecimentosensível sobre tudo que está à sua volta. Para a imersão nos estudos sobre osubjetivo,optamospela fenomenologiaquevalorizao sujeitoaoconsiderarmosseus sentimentos, valores, vivências e experiências. Desta forma, comungamoscom Merleau-Ponty (2011) por este afirmar que a realidade dos sujeitos épermeadadesentidosesignificados,alémdedefenderqueaformamaiscomumde interação entre o ser humano e o mundo é a que provém das sensações epercepções.

OchãodapesquisaEsteestudoestáassentadonospressupostosdapesquisaqualitativaquepara

Godoy (1995, p. 63), neste tipo de estudo “não é possível compreender ocomportamento humano sem a compreensão do quadro referencial (estrutura)dentrodoqualosindivíduosinterpretamseuspensamentos,sentimentoseações”.

Ainda conforme os procedimentos utilizados, a pesquisa é bibliográfica,poisseapoiouemmateriaisexistentesacercadoproblema;édocumental,jáquesebuscoudados e informaçõesproduzidosnapesquisade campo,pormeiodecoleta de dados primários (entrevistas, observação, seguida de registro elevantamentofotográfico).

ColetadedadosprimáriosObservação: Foram construídos três roteiros de observação

semiestruturados,sendooprimeirocomfoconolugardosfolguedos,osegundocom o foco nos folguedos nos rituais religiosos e o terceiro com ênfase nofolguedonasfestaspopularesqueocorremnomunicípio.

Entrevistas: Aplicamos a técnica de entrevista semiestruturada, comquestões semiabertas de caráter individual, sendo aplicada junto aos sujeitosdançantes dos folguedos em questão. Estemecanismo permite uma organização

flexíveleampliaçãodosquestionamentosàmedidaqueasinformaçõesvãosendofornecidaspeloentrevistado.Considerandotratar-sedeumestudoqualitativo,aamostra não foi definida, ressaltando que a dimensão desta não é uma questãolimitantedentrodestetipodepesquisa.Contudo,foramentrevistadossujeitosdediversasidades,desdecriançasatéidosos,poissetratadefolguedostradicionaisequepreservamaherançapela transmissãodaculturadosmaisvelhosparaosmaisnovos.ParaosCacumbis,identificamososrelatoscomnumeração;paraasTaieiras,identificamososrelatosporletras.Ressaltamosaindaquerecorremosàcoletaderelatosinformais,quandonãofoipossívelaaplicaçãodaentrevista.

Documentação fotográfica: Guran (2012) considera a fotografia comoferramenta empotencial para o fazer-pesquisar nas ciências humanas e sociais.Para o autor, a fotografia pode ser utilizada como ferramenta de descoberta etestemunhoqueapresentaalgoparanos‘contar’.Porestepressuposto,atécnicade registro e levantamento fotográfico fez parte do rol de metodologiasempregadasàconcretizaçãodestapesquisa.

OLUGARNOCONTEXTODATOPOFILIANaGeografia temoso espaço comoprincipal categoriade análise e, nele,

estãocontidosoterritório,aregião,apaisagemeolugar.Esteúltimoéfocodasreflexões aqui endossadas. Existem várias definições de lugar que variamconforme as teorias e os autores, sendo que seu significado frequentemente sefundecomadeespaço.Diantedisto,entendemosoespaçocomocondição,meioeproduto da reprodução da sociedade, e utilizamos principalmente ascontribuições de Tuan (2013) para refletirmos sobre o lugar enquanto espaçodotado de valor e sentido. Para ele o espaço torna-se lugar por meio dafamiliaridadeadquiridacomaexperiência,ouseja,aquiloqueinicialmenteéumespaçoindiferentetransforma-seemlugaràmedidaqueoconhecemosmelhor,odotamosdevaloresentido,éoqueoautorchamadeexperiênciasíntimascomolugar.

A experiência, portanto, é condição para que os indivíduos estabeleçamrelações de proximidade, criem definições e significados para os lugares. Pormeio dela, os homens conhecem e constroem a realidade, e são capazes deaprender a partir da própria vivência.Neste sentido, as relações estabelecidaspormeiodaexperiêncianoâmbitodocotidianopossibilitamqueos indivíduosconheçameconstruamseuslugares.

Partimosdopressupostodequeolugaréamaterializaçãodavidacotidiana.Neste sentido, Relph (2014) afirma que, por meio da experiência cotidiana, olugaréfrequentementeentendidocomosendoolocalondeosindivíduospossuemsuasraízesepodemsesentiremcasa,oqueimplicaemumaprofundaassociaçãoe senso de pertencimento. O autor acrescenta ainda que podemos ter raízessimultaneamente em vários locais diferentes, desde que mantenhamos todosconectadosporumarelaçãoqueenvolveafabilidade.

Tal qual como Relph (2014, p.26), compreendemos que “os lugares sópodem ser feitos por quem vive e trabalha neles, pois são tais pessoas queconseguementenderdeformaconjuntaasconstruções,atividadesesignificados”.É por estemotivo que entendemos tanto Laranjeiras, quanto a igreja deNossaSenhoradoRosárioeSãoBeneditocomosendoolugardosfolguedos,carregadode sentido para o Cacumbi e as Taieiras, onde experienciam a cultura e a fé,louvandoosSantosPretosprotetoresdosnegros.

É neste sentido que Tuan (2012) utiliza-se do termo topofilia criado porBachelardaoreferir-seàsrelaçõesdevínculoentreossujeitoseseuslugares,oconceito que tem como significado a afeição ao lugar, atribui as noções decumplicidade e de indissociabilidade à relação sujeito-lugar. Do contrário, oconceitoutilizadoéotopofobia,quesignificaaversãoaolugar.

Sendoassim,“conhecerumlugarédesenvolverumsentimentotopofílicooutopofóbico.Nãoimportaseéumlocalnaturalouconstruído,apessoaseligaaolugar quando este adquire um significado mais profundo ou mais íntimo”(OLIVEIRA,2014,p.12).Portanto,paraentenderaessênciadolugarénecessárioconsiderar a dimensão subjetiva (sentimentos, valores, sentidos e significados)

queenvolvemevinculamossujeitosaeles.SegundoRelph(2014),olugarqueconsideraasubjetividadenemsemprefoi

aceito naGeografia.Muitos estudiosos resistiram e resistem a esta abordagem,principalmente por conta da influência do positivismo clássico nas ciências.Anteriormente, o lugar era tratado de forma objetiva como sinônimo delocalidade.Apenasnadécadade1970comosembatesepistemológicos,teóricose metodológicos na Geografia, que fizeram emergir tanto a Geografia críticaquanto a Geografia cultural humanista, foi que as discussões sobre o lugarressurgiram. O lugar assumiu uma nova roupagem abordando as experiênciascotidianas, que fazem os indivíduos estabelecerem vínculos afetivos, sentido esignificadoaosseuslugares.

Oautor sugerequeaessênciado lugaréa sensaçãodeestarno lar, é seucaráterprofundamentefamiliaretodasasdemaisexperiênciasdelugardealgumaformasãocomparadascomanossaexperiênciadelar.Relph(2014)afirmaqueolaréfrequentementeassociadoaolugarondevivemosecrescemos,mastambémo transcende,podendo serqualquerpartedesdequeesteja enraizadonum lugarquesejaaomesmotempoespecial,familiaresignificativo.

Vimos a necessidade de abordarmos conceitualmente o lugar paracompreendermos as singularidades que permeiam os folguedos Cacumbi eTaieiras pertencentes ao município de Laranjeiras/SE, e que essencializam arelação deles com os Santos Pretos protetores dos negros. Neste contexto,compreendemosaIgrejaNossaSenhoradoRosárioeSãoBeneditocomoolugardas trocassimbólicas,daconstruçãode identidadedosgrupos.SegundoCorrêa(2009)ossímbolossãosocialmentecriadoseexpressamsignificadoassociadoàsdiversasesferasdavida,oautoracrescentaque:

Ossímbolos,contudo,nãoexpressamumúnicosignificado,aindaquehajaaintenção,porpartedaquelesqueoscriaram,dota-losdeumúnicosentido.[...]ossímbolossãoabertosadiferentes interpretações,calcadascadaumanaexperiência,valores,crenças,mitoseutopiasdogruposocialqueinterpreta(CORRÊA2009,p.3).

Portanto, para entender como os lugares símbolos são construídos, assim

como seus significados, suas identidades e dos indivíduos ligados a eles, énecessáriocompreenderosentidodepertencimentocaracterizadopelatopofilia,pelo vínculo afetivo que o indivíduo desenvolve com o lugar, mas tambémcompreender o senso de pertencimento a uma cultura, a um grupo, a umaidentidade.

O LUGAR DOS SANTOS PRETOS E DOS FOLGUEDOSLARANJEIRENSES

A reflexão acima esposada se fez relevante para adentramos no lugar dosagrado. O lugar constituído a partir da hierofania que revela o sujeito nocontextodareligiãoeosituanoespaço,pormeiodasrelaçõesestabelecidascomodivino.Nestesentido,énecessárioconsiderarosagradoapartirdadisjunçãoentreonaturaleosobrenatural,independentedaformapelaqualsemanifestaosagrado(sejaelamaterial,invisível,humana).Aprendemoscomosobrenaturaloimpulsoparaconcretizaroqueosujeitoconsideraimpossíveldeconcretizar.

Oquediferenciaoespaçodo lugar sagrado,éapresençade ritos, rituais,símbolosesignificadosatribuídosàsmanifestações,aoselementossagradosquecircundam o lugar. O lugar sagrado perpassa pela existência de significadosenvolvendo a simbiose sujeito-lugar, sendo esses significados atribuídos pelossujeitosapartirdocotidiano,quedeacordocomRochaJúnior:

Configura-se assim um “lugar”: espaço e tempo construídos. Como resultado de umprocesso de socialização em que uma forma específica de interação que relaciona o“indivíduo” ao “grupo” ocorre, engendrando personalidades, capacidades ecomportamentosquesemisturamemdisputapelaescolhadostraçosidentitários,forma-sealiumamarcaquetransformao“espaço”(geográfico,geométrico,variáveldetempo)em“lugar”(simbólico)(ROCHAJÚNIOR2004,p.2).

O lugar sagrado é consubstanciado de significados que se revelam nocotidiano, sendo também de caráter mítico. Tem conotação singular quandoadentranas relações subjetivas entreo indivíduoe seus lugares, externalizandosentimentos de bem-estar, pertença. Os significados conferidos aos lugares

sagrados são analisados a partir de experiências do sujeito, a partir daespiritualidade manifestada através de rituais revelando, por sua vez, seusvalores, representações e identidades. É neste contexto que nos pautamos arefletir sobre a relação dos folguedos laranjeirenses e os Santos Pretos, cujosrituaisdesacralizaçãosemanifestamnaigrejaNossaSenhoradoRosárioeSãoBenedito.

CONTEXTUALIZANDOOLUGARDOSLAÇOSTOPOFÍLICOSAIgrejadeNossaSenhoradoRosárioeSãoBenedito(figura1)fazpartedo

patrimônio arquitetônico do município de Laranjeiras, localizado na porçãoCentro-LestedoestadodeSergipe,namicrorregiãodoCotinguiba(IBGE,1989).A construção da Igreja foi iniciada na primeira metade do Século XIX porirmandadesdenegrosemestiços(ORAZEN,2008).

Figura1–IgrejadeNossaSenhoradoRosárioeSãoBenedito

Fonte:Pesquisadecampo,2016.

Neste estudo, a igreja se revela como o lugar do sagrado, das trocassimbólicas, dos rituais de louvação aos santos por parte dos folguedos. Comoestásituadaemumacolina,aigrejaproporcionaumavisãopanorâmicadasedemunicipal e do rio Cotinguiba que banha o município. O lugar das trocassimbólicasserevelaapartirdeváriosestudosenvolvendootemploearelaçãodosindivíduosesuaespiritualidade.ParaOliveira(2005)aigrejaseapresenta:

Modesta,simpleseaindanãoconcluída,[...]aIgrejadeNossaSenhoradoRosárioeSãoBenedito, que tem cempalmos de comprimento, quarenta de largura, uma sacristia, umconsistório, um púlpito, um coro e três altares com as imagens de Nossa Senhora do

Rosário,S.Gonçalo,SantoAntônioeS.BeneditodeS.Filadelfo,assimchamadoporquenasceunaaldeiadeS.FiladelfodaCecília.(p.80-81)

Adevoçãoaossantos(figura2)nestetemploreligiosoeramaiscomumentreossujeitosdecaracterísticasafrodescendentes.NastradicionaisfestasdeReis,adevoçãosetornavavisívelaosolhosdapopulaçãoonde,segundoSouza;Bonfim(2009) descrevem que mais de cem pretos se apresentam fantasiados,representandoosReisados,Cheganças,Congos,Taieiras,Mouramas,MarujadaseMaracatu,comemorandoasguerrasentreoscristãoseosmouroscomcânticosàVirgemdoRosário.

Figura2–NossaSenhoradoRosárioeSãoBenedito

Fonte:pesquisadecampo,dezembrode2016.

Apartirdeestudorealizadonoperíododeagostode2015ajulhode2016,via Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC), quandofocamos nos folguedos Cacumbi, São Gonçalo do Amarante e Taieiras e suasrelações socioespaciais envolvendo a religiosidade manifestada na igreja emquestão, considerando, sobretudo, suas percepções, afirmamos que os SantosPretoscontinuamexercendorelevânciasignificativaparaosherdeirosdaculturadematriz africana, o que envolve vários folguedos oriundos domunicípio, emespecífico os enfatizados nesta pesquisa. O estudo foi realizado no intuito deaprenderapercepçãodosindivíduosquecompõemosfolguedos,aquidesignados

de sujeitos dançantes, sobre o lugar das trocas simbólicas e de práticas dedevoção.Constamosqueestessujeitosdançantespossuemumaexperiênciaíntimacom a igreja a partir da louvação aos santos e eles têm ciência dessa relação.ConformeTuan(2013):

Os lugares íntimos são tantos quantos as ocasiões em que as pessoas verdadeiramenteestabelecemcontato.Podemficargravadosnomaisprofundodamemóriae,cadavezquesãolembrados,produzemintensasatisfação,masnãosãoguardadoscomoinstantâneosnoálbumdafamílianempercebidoscomosímboloscomuns: lareira,cadeira,cama,sala-se-estar,quepermitemexplicaçõesdetalhadas(p.156).

Éapartirdaexperiênciaqueo(s)homem(s)seidentificamcomoespaçono qual se encontram inseridos. Experienciar, para o autor, é sinônimo deaprender comavivência, sendoqueeste aprendizadodápoder aohomemparaconheceretercondiçõesde(re)construirarealidadeasuavolta.Aexperiência,ainda, é constituída de sentimento e pensamento. Ao sentir o espaço porintermédio do uso do tato, olfato, paladar, audição e visão, os homens lançamsobreelesuasemoçõesquesematerializampelaconstruçãopráticadeumespaçoabstrato,frutodesuasmentes.Daíajunçãoentresentimentoepensamento,poisohomemsenteoespaçoepensasobreeleparaconstrui-loedinamizá-lo.

Yi-FuTuan(2012),preocupou-se,ainda,emdemonstrarcomoasnoçõesdefamiliaridade, identidade e historicidade associadas ao afeto que os homenscriampelolugargeramumsentimentodetopofilia.Estapalavra,sepudessesertraduzidademaneira simples, poderia significar amor pelo/ao lugar, ou seja, ofatodequeoshomensseapegariamao lugargerandoporeleumsentimentodeafinidade,depertencimento.Éoqueenfatizaremosao trazero sentidode lugarsagradoparaossujeitosdançantesdosfolguedoslaranjeirensesestudados,nestecasoosfolguedosCacumbidoMestreDecaeTaieiras.

CACUMBI E TAIEIRAS - O SENTIDO DE LUGAR COMOMANIFESTAÇÃODOSAGRADO

Noque tangeaoCacumbi,este folguedo temsuaorigemnaconfluênciade

autosebailados tradicionaisqueestiverameestãopresentesnoBrasildesdeoperíodocolonial,taiscomoCongadas,Ticumbis,GuerreiroseReisados(SILVA,2013). O folguedo remete ao município de Riachuelo, também no estado deSergipe,umavezquenestalocalidadefoifundadooprimeirofolguedoCacumbidoestado.QuemtrazparaomunicípiodeLaranjeirasatradiçãodoCacumbiéoMestreJoãodePita.Otempodeocorrênciadesseeventonãoéapontadopelosentrevistados, pois os mesmos alegam que não sabem ou não se lembram, emtermosdedata,quandoestefeitoaconteceu,conformerelatoaseguir:

Bom!Eu,paramimchegaraté falaremmestreDeca,eu tenhoque ir lápara trás.FalandodoCacumbi,eutenhoquefalardograndemestrequepassou,dosgrandesmestresquepassaramatéchegarnopai.Inclusive,emJoãodePita,queeramestre,meu pai era tocador de Ganzá, assim que nem seu Zezinho (Sujeito dançante 1,2016)1.

EmLaranjeiras, oCacumbi é regido pelo atualMestreDeca.O folguedo,ainda,ésubdivididoemduasfrentesdeacordocomafinalidadedasdançaseaidadedossujeitosdançantes.Assim,temosaexistênciadoCacumbiAdultoedoCacumbiMirim.Segundoosujeitodançante1,apropostadecriaçãodacategoriaCacumbi Mirim serve ao propósito de manter a “tradição e renovação” dofolguedo, sendooCacumbiMirimuma criação recente que se iniciou ainda naliderançadoMestreDeca.

Destemodo,observa-sequeapropostadecriaçãodoCacumbiMirimservecomo forma demanutenção da existência do folguedo, contrapondo a noção dequeamodernidadeiriasuprimirmuitasmanifestaçõesculturaispopularescomotempo,conformedestacadoporSilva(2013).AtradiçãodoCacumbideMestreDecaéperpassadaporherançaaosnovosmembrosqueadentramaofolguedo.

Contudo,pelasobservaçõesrealizadas,averiguou-sequeexistemelementosque tornamLaranjeiraso lugardoCacumbidoMestreDeca,dentreosquais,omaisnotóriorefere-seà igrejaNossaSenhoradoRosárioeSãoBenedito.Pelohistórico apresentado por Jaime Silva (2013), podemos notar que o folguedoCacumbi busca, em suas manifestações de cunhos religiosos, louvar os Santos

Pretos(NossaSenhoradoRosárioeSãoBenedito).Aigrejaquerecebeonomedos santos, emLaranjeiras representa o templo de louvação aosmesmos e poreste motivo, o Cacumbi do Mestre Deca toma para si essa igreja como umelementoquefazpartedofolguedo.

Noentanto,a igrejanãoétomadasomentecomoumelementodolugarporrepresentar o templo de louvação aos Santos Pretos, mas porque há nela aexistênciadeumespaçoquepermeia epermeouocotidianodosdançantesquecompõemofolguedo.Pelofatodemuitosdestesintegrantesteremnascidoeaindamorarem em Laranjeiras, a igreja se transformou em um lugar singular erepresentativoumavezquenela,segundorelatosinformais,estesmesmossujeitossebatizaram,crismaramecasaram,oquedemonstraaimportânciaeosignificadoqueaigrejaassumenavidadosdançantesedofolguedocomoumtodo.

É essa relação que nos remete àquela passagem do lugar do acolhimento,segurançaeafetoqueTuan(2013)relataequefoiapresentadahápouco.Porém,paraqueofolguedopudesseadentrarnaigrejacomsuasmanifestações,algumasmudançastiveremqueserfeitasnoquedizrespeitoàsatitudesdosmembroseàsvestimentasdofolguedo.Estaevidênciaéconstatadanorelatoabaixo:

Comodecorrerdotempo,comoprefeitonovoqueentrou...Mecorrijaseeutivererrado,efezumconvitepraoCacumbiseapresentarnafestadeReis.Sóquenãopodia,porquenãodançavamdecalçacumprida;dançavameradecalções,né![...]e ai, eles tiveram que mudar as suas indumentárias [...] pra entrar nos lugares,principalmentenoslugaressagrados[...](Sujeitodançante1,2016).

Saber, comprofundidade,quais fatores contribuempara tornar a igrejaumelemento constituinte do lugar nos remete a resgatar o significado dos ritos erituaisqueatribuemsignificadoparaessarelação.Umadasformasdeligaçãodofolguedocomossantose,consequentemente,aigreja,éafestadeSantosReisqueocorreentreaprimeiraesegundasemanadejaneiro.AfestatambémcontemplaoEncontroCulturaldomunícipio,eventoestequecongregacercade100folguedos,oriundosdeváriaspartesdoestadoedoBrasil.

As finalidades das manifestações do Cacumbi do Mestre Deca estão

divididas entre o profano e o sagrado. Ao primeiro cabe as manifestaçõesexecutadas nas ocasiões de festas, enquanto o segundo aos ritos e rituaisreligiosos. Na ocasião da aplicação do segundo roteiro de observação, ospesquisadoresbuscaramanalisarosfolguedosnafestarealizadanoXLIEncontroCulturaldeLaranjeiras.

Nestemomento,nãofoipossívelaveriguaradançadoCacumbidoMestreDeca durante todo oEncontroCultural, emdecorrência do desenvolvimento deoutras atividades por parte dos pesquisadores, tais como a participação noSimpósiocomtemade“CulturaPopulareContemporaneidade:Memória,Gestãoe Diversidade”, além de apresentação de trabalhos no IV Fórum NacionalPatrimônioeFestasdeSergipequeporsuavez,fazempartedaprogramaçãodoEncontroqueocorreunoperíododequatroadezdejaneirode2016,sendoqueoSimpósioeFórumocorreramentreosdiasseiseoitodomêscitado.

Noentanto,aperformancedofolguedodentrodeumaconotaçãofestivapôdesercontempladanoacontecerdapesquisadecamporealizadanaocasiãodo80ºaniversáriodoMestreDeca.Nestamanifestação,nãoestiverampresentes todosos integrantes do folguedo, sendo que só houve apresentação por parte doCacumbi doMestreDeca em sua composição adulta, oCacumbiMirimnão seapresentou.

Essacolocaçãoédignadedestaque,pois,demodogeral,asmanifestaçõesfestivassãodestinadasaoCacumbiMirim,enquantoasreligiosassãodestinadasaoCacumbiAdulto,conformecoletaderelatosinformais.Oqueficaevidenteéofatodequeessaregranãoérígida,sendoqueemumououtromomento,ambasasfrentes do folguedo (adulto emirim) alternamas finalidadesde suas danças.AmanifestaçãoreligiosadoCacumbidoMestreDecapôdesercontempladacomaaplicaçãodoterceiroroteirodeobservação.

Nestedia,oritualacompanhadonãosópelospesquisadores,masporoutrosfolguedoslaranjeirenses,foioritualdeCoroaçãodaRainhadasTaieirasquetevecomopalcoritualísticoaigrejadosSantosPretos.Emseguidaaesteritual,outrosgrupos fizeram suas apresentações, a exemplodogrupoChegança edopróprio

Cacumbi Adulto e Mirim. Tais apresentações consistiram na entrada dosfolguedos na nave da igreja se dirigindo ao altar. Uma vez postos diante dossantos,osfolguedos,cadaumaseumodo,executamsuasdançasdelouvaçãoaosSantosPretos.

Percebe-se, aqui, a passagem da tradição entre as gerações referente aorespeito que se deve dar aos santos e do significado próprio que as dançasrepresentam, que nos leva a repensar as assertivas de Lehmann (2012), sendoválidooresgatedosentidoesignificadodosritoserituais.Aoconjuntodegestossimbólicosrepetitivosdá-seonomeritos.

Apráticadetaisgestoséassociadaàsdiversasfinalidades,dentreasquaisdestacam-se aquelas de cunho religiosos como foi observado no ritual decoroaçãodasTaieirasenaprocissãodeSantosReisemLaranjeiras.Osrituaissãocompostosporumconjuntoderitospostosempráticanacomposiçãodeumacerimônia, cujo caráter pode ser religioso ou não religioso (GUILOUSKI;COSTA,2012).Napráticaritualística,passadoefuturosecoadunamnummesmomomento; o passado pelo resgate, o futuro pela promessa de continuidade dossentidosesignificadosquepossibilitamaexistênciadoquesequerreferenciar.

QuandoosrituaisexecutadosdentrodaigrejaeaprocissãodeSantosReissãoanalisados,descobre-seofatodequeosritoserituaisenvolvidosemambasascerimôniasservemdepontecapazdeconectarossujeitosdançantesaomundodivino referenciadopelosmesmos.No âmbito do sagrado, pormeio do rito osseres humanos adentram no mundo divino e, de certa forma, o trazem para arealidade humana. O rito é a poesia que o ser humano cria com o intuito deimpressionaradivindade,osespíritosouas forçasdanaturezaeassimobteroseufavor(GUILOUSKIECOSTA,2012,p.92).

Figura3–CacumbinalouvaçãoaosSantosnaMissadecoroação.

Fonte:pesquisadecampo,dezembrode2016

Portanto, compreende-se a igreja em foco enquanto espaço sagrado queperpetuao folguedocomopartedo lugare fazcomqueLaranjeiraseaprópriaigrejasetornemolugardestefolguedo,observando-seessatrocamútua.Porestemotivo oCacumbi deMestreDeca apresenta uma relação íntima com o lugar-igreja,conformeFigura3.

Ao términodo ritualdeCoroaçãodaRainhadasTaieiras,os folguedosseretiraramdaigrejadecostasparaopúblicoedefrenteparaossantos,porumaquestão de respeito ao sagrado. Posteriormente, houve uma pausa para que osfolguedos pudessem se recompor e dar continuidade ao ritual de louvação pormeiodaprocissãodeSantosReis.Este ritual consistena realizaçãodocortejoque passa pelas principais ruas da cidade, sendo composto por inúmerosfolguedosquepertencemaomunicípiodeLaranjeiras.Nototal,otrajetoseguidopelosgruposfolclóricosapresenta,aproximadamente,2quilômetrosdeextensão.

O ritual de procissão aos Santos Reis se configura com a dança, oubrincadeiras, que os folguedos realizam durante o trajeto. Ao término daprocissão,osgruposfolclóricossedeparamcomopalcoDonaLourdesdiantedaigreja Matriz. Neste momento, cada um dos mestres que acompanham seusfolguedostemaoportunidadedeapresentaraopúblicoqueacompanhaeobservaocortejosobreahistóriaesignificadodaquiloqueseufolguedorepresenta.

No caso especifico do Cacumbi do Mestre Deca, ambas as frentes dofolguedo(adultoemirim)participaramdaprocissãodeSantosReis(Figura4).Éneste momento que se percebe que os movimentos da dança, na ocasião daprocissão, não se diferemdaquele observadono interior da igreja, exceto pelofato da dimensão espacial destes ambientes. A rua possibilita maiores

movimentos no andar do folguedo, já na igreja, os passos precisam sermenos“acalorados”emdecorrênciadoslimitesareaisproporcionadospeloarranjodotemplo.

Figura4–CortejonaProcissãodosSantosPretos

Fonte:pesquisadecampo,dezembrode2016.Foto:RoseaneGomes.

NoqueconcerneaofolguedoTaieiras,onomeéorigináriodasmulheresquecarregavam água em talha, é formado em suamaioria pormulheres virgens (aliderançaeasmeninasquedançamnofolguedo),queemanamcantossagradoseprofanos, e que fazem parte do terreiro Santa Bárbara Virgem. A tradição daTaieirasmantida como uma herança de transmissão demãe para filha nas trêsúltimasgeraçõeséumadesuascaracterísticasmarcantes,conformerelatoabaixo:

AsTaieiraseramcomandadasporminhamãeadotivaMariadeLurdesSantosefoiatravés dela que eu tive contato com as Taieiras. Passei a dançar quando erapequena,me criei dançando, e quando ela faleceu, eu assumi o comando (SujeitodançanteA,2016).

Conforme entrevistas realizadas no período de vigência da pesquisa, asTaieirasnãoéumfolguedoqueseoriginoucomareligiãoNagô,contudo,algunsaspectos dela foram incorporados ao folguedo, como as cores das vestimentas,sendo que as cores vermelho e branco simbolizamSantaBárbara ou Iansã.Osfitilhosqueenfeitamasvestestêmcoressingularesquerepresentamacordeumorixácultuadonoterreiro.

Nãosesabeexatamenteotempodecriaçãodofolguedo,apenasqueassuasinfluências remontam dos séculos XIX e XX, e até então, o número de

participantes temvariado.Atualmente,ofolguedoéformadopor35 integrantes,sendo vinte e sete meninas, cinco meninos, uma rainha, uma lacraia, e umacoordenadora.Acomposiçãodostrajesusadospelossujeitosdançantesvariadeacordocomaspersonagensdofolguedo(Figura5).

Os demais elementos presentes, como os instrumentos, de acordo com osrelatos coletados, “somente [...] um ritmo mesmo! É o pequeno tambor e oquerequexé” (Sujeito dançanteA, 2016).Entretanto, quandoo ritmo se funde àmelodia e ao lugar, percebe-se a mudança dos cânticos sagrados, entoados naigrejadeNossaSenhoradoRosárioeSãoBeneditoparaoscânticosprofanos,entoadosnaprocissãodosSantoscitadospelasruasdacidade.

Figura5–AsTaieirasesuascaracterísticas.

Fonte:pesquisadecampo,dezembrode2016.

Considerando o exposto, podemos afirmar que as Taieiras se constituemcomo um folguedo que possui singularidades, tornando-o único no universocultural laranjeirense. Parte dessas singularidades está representada nasindumentárias dos sujeitos dançantes, nos seus adereços, na forma de seposicionar na igreja e nos cortejos, nos cânticos e nos instrumentos, na raizreligiosa. São estes aspectos que diferenciamo grupodos demais e criamumaidentidade singular que liga o folguedo ao lugar através dos ritos e rituaisdesenvolvidos.

Conformeexposto,apesardepossuirfortesinfluênciasdaculturaNagôeda

cultura popular, é no seu lado religioso, representado pela devoção aos santoscatólicosepeloritualdecoroaçãodasuaRainha(Figura6),queafloraosensodepertenceràigrejadeNossaSenhoradoRosárioeSãoBenedito.

Figura6–RitualdecoroaçãodaRainhadasTaieirasnaIgrejadosSantosPretos

Fonte:pesquisadecampo,dezembrode2016.

Tomando como base Yi-Fu-Tuan (2013), afirmamos que a experiênciavivenciada pormeio do ritual de coroação, trata-se de experiência íntima dossujeitos dançantes do folguedo com o lugar de manifestação do sagrado. Essaexperiênciaéconstatadaapartirdoseguinterelato:

[...]Omomentoemqueelaestásendocoroada.Euachoqueissoé...ÉopontoaltodasTaieiras. Porque ali também representa a ligação daquela pessoa com aquela santacatólica. A proteção que ela dá através daquelemomento. As bênçãos que ela recebeatravésdaquelemomento(SujeitodançanteA,2016).

O momento de coroação revela, ainda, um forte sincretismo religioso,decorrente, principalmente, do contato entre as crenças católicas dos povos jáfixadosemLaranjeiras,comascrençasdosnegrosquechegaramàregiãocomoescravos.Entretanto,apesardasherançasdamatrizreligiosaafricana,omomentoemqueopadrecoroaaRainhadasTaieirascomacoroadeNossaSenhoradoRosário,éparaaquelessujeitosdançantesarepresentaçãomaterial/simbólicadarelevância que a igreja e os seus traços assumem para as Taieiras, como éexpressonorelatoabaixo:

Apessoamudamuito. [...]Aí,euachoqueNossaSenhoradeveabençoaralgumacoisa,porqueeusempre fuiumapessoamuito farrista, sabe?!E,comopassardotempoeumudeimuito.Mudeiminhapersonalidade,mudeimuitoomeujeitodeser.

Eu tenho para mim que isso tem alguma coisa a ver. E eu acho que ela vaiabençoando e dando mais consciência às pessoas das coisas, eu acho! (SujeitodançanteB,2016).

Nomomentodacelebração,aigrejaencontra-selotada,tratando-setantodapopulação católica do município e arredores, além dos pesquisadores, daimprensa e dos turistas presentes na cidade devido ao Encontro Cultural deLaranjeiras, evento consolidado que ocorre desde o ano de 1975, comofomentador da identidade sergipana, valorizando a pesquisa, o estudo e adivulgaçãodofolcloredoestado.

Porém, é importante ressaltar que cada sujeito vive aquele momento deformaparticularedáumsentidoaeledeacordocomaformacomoopercebem.SobrepercepçãoTuan(2012,p.18)afirmaque“étantoarespostadossentidosaosestímulosexternoscomoaatividadeproposital,naqualcertosfenômenossãoclaramente registrados, enquanto outros retrocedem para a sombra ou sãobloqueados”.Cadasujeito,atravésdossentidosrespondeaosestímulosexternosdeformadiferenciada,portanto,oqueosfazemregistrarosfenômenostambémdeformasdistintas.Outroaspectorelevante ligadoaoritualéoqueelerepresentaparaosseuscomponentes,amotivaçãoparaserTaieira,conformerelatoabaixo:

Eu me autodenomino como a mestra. Como aquela que tá dando continuidade atradição e eu acho bastante importante, tanto porque já me criei dentro dessamanifestação.É,euseiasuaimportânciareligiosa.Essadevoçãoaesseslouvores,esses santos católicos, eu acho que é o principal que me motiva mais a darcontinuidadeaelaeeuachodesumaimportâncianãodeixarmorrer,nãodeixarseperdernotempoalgoqueétãovalioso(SujeitodançanteA,2016).

Combase no exposto, podemos afirmar que asTaieiras possuem laços defamiliaridade,deafetoedeapegoparacomossantoseparacomaigreja.Suaspercepçõesnãodeixamdúvidaquantoà relevânciae significadoqueo sagradopossuiparaseucotidiano,pormeiodeumdoselossimbólicosconsubstanciadosnos rituais que desenvolvem para demostrar a sua fé, devoção aos santos, seurespeito à igreja e o sentido destes para a manutenção da tradição de ser epertenceraosseusrespectivosfolguedos.

BREVESCONSIDERAÇÕESFINAISRetornamosàsquestõesdepesquisaqueembasamnossasreflexões:quaisos

vínculos estabelecidos entre os folguedos com os santos e com o lugar? Osvínculosestabelecidosentreosfolguedoscomossantoseolugarseoriginamnavivênciadossujeitoscomoseulugardeorigem–Laranjeiras/SE,temorigemnaherança dos seus antepassados, sobretudo oriundos da África, tem origem nossignificados e relevância atribuídos a sua cultura, às relações cotidianasconstruídas com a base (i) material do lugar. Tem origem nas experiênciasritualistas que se sedimentamna imbricação espaço-temporal, oquenos leva aresponder, combasenapercepçãodos sujeitos, a segunda indagação: podemosafirmar que os vínculos são permeados por valores simbólicos e afetivosexpressadospormeioderituaisprofanosereligiosos?

Acreditamosqueosfolguedos,dentrodesuassingularidades,desenvolvemuma relação topofílica com o lugar, e uma das formas da manifestação destarelaçãoestánareligiosidadeexpressa,entreoutros,nalouvaçãoaSãoBeneditoeNossaSenhoradoRosário,sobretudo,pormeiodosrituaisdamissaemlouvaçãoaos santos e a procissão em que diversos folguedos, juntamente com acomunidadeeumpúblicodiverso,envolvendoturistasevisitantes,seguempelasprincipais ruas da cidade, saindo da igreja supracitada, tendo como ponto dechegadaa igrejaMatriz. Istoseatrelaàdinâmicasocioespacialdestessujeitos,fruto de um processo histórico, cultural, identitário que liga estes sujeitosdançantesaoespaçovivido–aolugardastrocassimbólicas,aolugardosentidodeserepertenceraumacultura,aumgruposocial,aoCacumbi,àTaieiras.

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1 Esclarecemos que realizamos apenas uma entrevista valendo-nos do roteiro completo junto aoCacumbi,comocoordenadordofolguedo,sendoestefilhodoatualMestrequeencontra-sedebilitadodevido,entreoutrosfatores,aidadeavançada.Juntoaodemaiscomponentesdofolguedo,realizamoscoletaderelatosinformais, focando nos sentidos e significados da igreja e dos santos. A dificuldade de entrevistar oscomponentessedeudevidoaformacomaqualosmesmossãotratadosporoutrospesquisadores,deformaaconsiderá-los apenas como meros objetos de estudo, deixando-os à deriva em relação ao destino dascontribuiçõesprestadasporestessujeitosfazedoreseprodutoresdaculturapopular.

COSMOLOGIASRELIGIOSASESUASREPRESENTAÇÕESESPACIAIS:ASCOSMOLOCALIDADESSAGRADASPORMEIODASNARRATIVASORAISELITERÁRIAS

MARYANNEVIEIRASILVATECCER/FAPEG/PrE/PrP/CieAA-UniversidadeEstadualdeGoiá

MARIAIDELMAVIEIRAD’ABADIATECCER/FAPEG/PrP/UniversidadeEstadualdeGoiásELOANEAPARECIDARODRIGUESCARVALHO

TECCER/UEGALINESANTANALÔBO

TECCER/UEGBRUNAGABRIELACORRÊAVICENTE

MIELT/CAPES/CieAA/UEGMARCOSANTÔNIOF.DOSSANTOS

Notório-saberemReligiãodeMatrizAfricana-BabalorixáDávilatiOxalá.

INTRODUÇÃOObjetiva-senessetextoentenderaconfiguraçãodaterritorialidadesagradae

das cosmolocalidades, por meio das funções que se multiplicam e sedesenvolvem pelas narrativasmitológicas pertencentes aos credos tanto cristãoquanto de matriz africana1. Para o enfrentamento teórico-conceitualcompreenderemosaformaçãodateiasimbólicamaterialeimaterialquedesignaoespaçoenquantoconstituídodegeosímbolosformadoresdeidentidadesedeumterritório de ocorrência mítica que representa diversas deidades – acosmolocalidade.Essaúltimaseconstituiembasesquese ligamaosprincípiosde ancestralidade e senioridade, sendo ambas diretamente ligadas ao poderhistóricoegeográficoembasadasporumacosmogoniaeumacosmovisãoquenãoseseparam,deformaepistêmicaoscamposdeentendimento,deconhecimentoedepráxisseconfundem.

EMPREGODOTERMOCOSMOLOCALIDADEUmdosprincipaiseixosemtornodosquaiscircundamoempregodotermo

cosmolocalidade refere-se às posturas interpretativas aparentemente dísparesentrehermenêuticaeepistemologia.Nessecampo,reconhece-seadelicadezadeproporaintroduçãodapalavracosmolocalidadecomopossívelcontribuiçãonoscânones interpretativos de culturas e filosofias tão diversas e hibridizadas, talcomosãoascosmogoniasnasquaissefundamasreligiõesdematrizafricanasnadiáspora americana de forma geral, e mais especificamente, do Candomblé deKetunoBrasil.

Adensadiscussãosobrealocalizaçãodejargõesoutermosecomoessessãoreflexosinterpretativosdanaturezaedaabstraçãorecolocaacentralidadedahermenêuticaparasecompreenderasfilosofiasdecomunidadestradicionaise,deforma concomitante, as epistemologias possíveis para traduzi-las em linguagemacadêmica. Segundo esse debate, ao contrário do epistemólogo, o hermeneutadispõe-se a compreender como o outro se apresenta e não traduzi-lo para suaprópria linguagem. O epistemólogo por sua vez se propõe igualmente acompreendê-los e, para além disso, codificar seus termos e jargões com aperspectivadeestendê-los,fortalecê-loseaindaensiná-losouembasá-losemumterrenocomum,nessecaso,aacademia.

Essecontextorecolocaaimportânciainterpretativadesseespaçoentendidopor cosmolocalidade. Entendemos que esse promove uma compreensão, paraalém da espacialidade do sagrado, o termo promove incorporar o sentidohierofânicodaancestralidadequecompõeareligião.

COSMOLOCALIDADE: UM TERMO E UM CONCEITO PARA OESTUDODOCANDOMBLÉ

OCandombléemsisófazpeloreconhecimentodeumconjuntodesistemadesímbolossagradosedevalores,envolvendoaprodução,oconsumo,opoder,as localizações e fluxos e os agentes sociais em suas dimensões econômica,

política e de lugar. É importante destacar que esse território circunscreve acultura,nessecasopodeserdemarcadoportodoumsistemasimbólico.

A cosmolocalidade, então, refere-se à vivência cultural que se apresentanuma multiplicidade simbólica. As cosmolocalidades são espaços demarcadospor elementos simbólicos, imateriais e espirituais que perpassam os camposterritoriais e identitários designando o local dos orixás e aqueles destinados àritualísticadareligião.

Osprincípiosrégiosdosorixásdemarcamessascosmolocalidades.Osilês,os assentamentos, os lugares qualificados aos ritos dos orixás constituem osterritórios sagrados e são formadores de geosímbolos. Apontamos que osafricanosbantos, iorubanos,haussás,nessedesignadoporespaçodiaspóriconocasobrasileiro,revivemoseuterritóriodeorigempormeiodeumaimaginaçãogeográfica associada à ação de simbolizar. O Ato de simbolizar constrói umalinguagemprópria.

O recorte metodológico circunda a geografia cultural por meio daetnogeografia,porconsiderarumcaminhoelucidativoquepossibilitaentenderasrepresentaçõeselaboradaspelasociedadeapartirderealidadesvivenciadas,oumelhor, que possibilita a compreensão da “relação de uma cosmologia com olugar,ecomooambienteéconcebidoevividopelohomem”(ALMEIDA,2008,p.332).

Para interpretaromundodascrençasénecessáriodecifrarosdispositivosque favorecem a tradução dos símbolos e dos signos, além de garantir adecodificação desses por uma linguagem que desvela o espaço em suaheterogeneidadedesignificados.Paranossasanálisesexercitamosacondiçãodeintérprete das culturas aportadas nas reflexões de Geertz, acerca dasinterpretações das culturas e das ponderações sobre “o local do saber” (2007;1989)easubjetividadedossujeitossociaiscomoelementosinequanomparaainterpretação.

A cultura, assim como afirmaGeertz (2007), é pública, logo, é produzidapeloserhumanocomoumateiadesignificados.Oestudodascosmologiaséuma

forma de reorganizar os conteúdos singulares da cultura local, para Geertz(2007),essecaminhoelucidativoultrapassaacondiçãoexperimentaleganhaumaconcepçãointerpretativa.

OCandomblédeacordocomaclássicabibliografiaadvinda,sobretudodaantropologia permite a reelaboração identitária no espaço diaspórico, por umamiscelânea de ritos trazida para o novo mundo, principalmente, pelos negrosescravizadosdacostaocidentalafricana.Trêsnaçõessedestacaramaoperpetuarseusrituais:osnegrosjêje,osiorubásounaçãoKetueosbantosounaçãoangolaKeweLijáUndé.

Desse “encontro”, surge oCandomblé como culto dematriz africana,masgenuinamentebrasileiro.ParaacompreensãodoCandomblé,emespecialdesuasrelações simbólicas e sagradas com o espaço, a cosmolocalidade se apresentareveladoraparaacompreensãodageograficidadedasaçõeshumanasvinculadasàsmanifestaçõesreligiosas.Exemplifica-se:paraamanifestaçãodecadaorixáoser humano realiza um conjunto de ritos e rituais que permite uma construçãoimbricada entre o princípio régio do sagrado (força da natureza – orixá) e umlocalqueposteriormentesetornaseuterritório.

NessestermosoorixáOxumé,nãosóasenhoradaságuasdoces,elaemsise apresenta como o próprio rio.O rio e a orixá reelaboram cosmogonias queconstituem ritos ainda vividos em terras brasileiras pormeio das histórias querevelam(fertilidade,prosperidade,riqueza,trabalhodapescaedacaça),emumavisão hermeneuta vários mitos possibilitam vivenciar as histórias míticas emváriosterritórios(estadosbrasileiros).

A COSMOLOGIA DA DANÇA DE OMOLU... A FESTA DA CURA... ACOMUNHÃOENTREDEUSESEMORTAIS

Para uma aproximação conceitual descreveremos um ritual basilar doCandombléKetu, a festa deOmolu, ou seja, oOlubajé.Um corpomarcado deferidasecobertodepalha:Omolu,umadivindadeafricanaencantada,oOrixáda

cura e da doença.Olubajé: o Ebó consagrado a Omolu e oferecido por ele,momentodecomunhãoentreosOrixáseosmortais.Oquerepresentamasfestasdo Candomblé? Como se organiza o Xirê? Qual o sentido da festa de OmoludenominadaporOlubajé?

OOlubajééumafestaconsagradaaoOrixáOmolu.EsteéofilhodeNanãcomOxalá.Seunomesignifica“OFilhodoSenhor”.ÉoDeusdavaríolaedasdoenças contagiosas.A representação deOmolu sincronizado em um arquétipohumanoapresenta-secomascaracterísticasdeumser forteeviril.O rostoeocorpo são cobertos por um filá (capuz) de palha-da-costa, além disso, usa emsuasmãosuminstrumentochamadoXaxará,comoqualcuraosenfermosquelheprocuram.

Emumadasconstituiçõesmitológicasconta-sequeesteOrixáseisoloudomundorefugiando-senasmatasportersido,elepróprio,acometidopelavaríola.Uma vez nas matas, suas feridas aumentaram devido às picadas de insetos.Iemanjá,compadecidacomsuasituação,oprocurouecuidoudeseusferimentos.Entretanto,estesdeixaramseucorpomarcadoparasemprecomcicatrizeseparaescondê-las,Omolupassouacobrirseucorpocompalha-da-costa.

SabendodavergonhasentidaporOmolu,algunsOrixáspassaramazombardesuasituação.Este,enraivecido,comoformadepuniçãoespalhouapesteentreopanteãoafricano.Arrependidos,osOrixáscaçoadorespediramdesculpasparaOmoluemformasdeoferendas.Assim,Omoluresolveudesculpá-losreunindo-osnuma cerimônia coletiva para tirar toda a doença que havia entre eles. Essacerimônia recebeu o nome de Olubajé. Nela Omolu faz um ebó (limpeza)coletivo.

Essa limpeza ocorre pormeio do oferecimento de alimentos, próprios deOmolu, os quais são degustados pelo Orixá e os participantes da festa. Nessecontextosãooferecidascomidasenroladasemfolhasdebananeiras,oumamonas,taiscomo:pipoca(doburu),milhocozido,bananafrita,aberem,entreoutros.

NÃOEXISTECANDOMBLÉSEMFESTA,DANÇAEBATUQUENoâmbitonacional,oCandombléseconstituiuhistóricaeespacialmentena

região litorânea brasileira (segundametade do séculoXIX aoXX), sobretudo,nas regiões nordeste e sul tendo a predominância do culto trazida pelos povosSudaneses,dentreelesosJêjeseosNagôs.Odeslocamentoedifusãodoscultosdeorigemafricanapelosudesteeinteriordopaísocorreram,concomitantemente,entre as décadas de 1960-70 (sudeste) e 1980-90 para regiões Centro-oeste eNorte.

Apopularizaçãodapráticadestareligiãotornousuadenominaçãosemântica,no próprio locus em que se realizam os cultos. Candomblé é a reinvenção daÁfricaemterrasbrasileiras,essaideiaestáapoiadanosestudosdeSilva(1991)e Bastide (2001). No terreiro, esta reinvenção realiza-se quando os Orixásvisitamseusfilhos,“avisitaçãodecorreporconsiderarqueOrixásnãohabitaramessepaís,essesmanifestamemseusfilhos,recebemasoferendaserealizamseusrituais”(CORRÊA,2005,p.57).

EsteentendimentopermiteapercepçãodeumXirêformadoporOrixásque,antes, naÁfrica, estavamem reinos distintos e que agora, devido à reinvençãoprovocadapeladiáspora,seencontramcultuadosnummesmoambiente.Issoquerdizerque,porexemplo,dificilmentenaÁfricaencontraríamosoOrixáXangô,oreideOyó,sendocultuadojuntamentecomoOrixáOxum,cultuadoemIjexá.

Mais do que isso a festa, o Xirê representa um momento de liberdade,porqueestaéuma reinvençãoque,desdeo seuprimeiro instante, reorganizaasrelações sociais designando territorialidades que se estabelecem por gênero,senioridade e poder. Se não existe Candomblé sem festa, também não existeCandomblé sem música. No Candomblé de Ketu as músicas são cantadas nalíngua Ioruba. Elas expressam os feitos dos Orixás, seus mitos e suas lendas.Geralmenteasfestasiniciam-secomoPadê(despacho)paraExu(Orixáqueestámaispróximodossereshumanosque levaseuspedidosparaosdemaisOrixás,outrossim, é um pedido de licença para que tudo corra bem na cerimônia),finalizando-secomcantigasparaOxalá(paidetodaacriação).

Nesse ínterim, na roda doXirê toca-se e dança-se para outros deuses dopanteão africano, sendo eles:Ogum,Oxossi,Omolu,Ossaim,Oxumarê,Xangô,Ogum, Logun- Edé, Iansã, Obá, Nanã e Iemanjá. A roda, em que dançam osOrixás, obedece a hierocracia religiosa, momento em que se evidencia asdemarcaçõesterritoriais.Parasuarealização,osmaisvelhosdeiniciaçãosempresepostamàfrentedosmaisnovos.Éválido,ainda,mencionarqueasdimensõesdos territóriosparaoCandomblésefazemna justaposiçãodeáreascontínuasedescontínuas.Àprimeiravincula-seaopróprioIlêeminterfacescomoutrascasaseadescontínuaserelacionacomasmatas,oscemitérios,osrios,aspedras,ostrilhos de ferro, em suas cosmolocalidades, estas são necessárias paramanifestaçãodosagrado.

Para garantir o sentido da festividade, elementos estéticos se fazemnecessários;osmesmossãovisualizadosnasparamentasdosOrixásetambémnaornamentação do barracão. Cada Deus ali presente deverá se apresentar comroupas e instrumentos próprios da sua constituição teogônica. Neste momentopúblico, o Candomblé encontra a sua principal via de renovação porque éexatamente ali que é despertado o interesse dos futuros iniciantes no culto. Éainda nessemomento que a presença de espectadores e visitantes torna viávelpromoveroXirêcomoatrativoturístico.

Diantedoexpostoépossíveldestacaroaparato simbólicodoCandomblé,segundoWaldman(2008,p.64)esteaparato,“maisqueumamanifestaçãocultural,respondepelasnecessidadesobjetivasde reproduçãodequalquer sistema”.Osarquétiposespaciaisdestareligiãosetornamosmodelosdosmecanismossociaiseculturais.

COSMOLOGIASDAFESTADOOLUBAJÉ:ENTREOPEJIEARUANo terreiro de Candomblé, o Olubajé é vivenciado, necessariamente, em

dois momentos e entre duas cosmolocalidades. No primeiro momento ospraticantes e visitantes do culto se encontram no Peji (barracão), cosmolocal

ondesefazasaudaçãoaosOrixás,aosatabaques,aopróprioIlê.Nessemomentocumpre-se o rito commúsicas, danças e saudações aosOrixás e aos que estãopresentes.Aindanobarracão,OmolucompartilhaoespaçosagradocomOrixásque estão ligados à sua cosmogonia, tais como:Oxumarê (que é o seu irmão),Ossaim (que também temopoderda cura, sóquepormeiodamanipulaçãodeplantasmedicinais)eIansã(que,assimcomoOmolu,éguardiãdocemitério).

As cosmolocalidades dosOrixás são espaços proeminentes para as açõesquevisamàmanifestaçãodosagrado.NesseínteriméimportantereconhecerquecadaOrixá domina um território, podendo transitar entre territórios, desde quehajaautorizaçãododominantedaqueleespaçosagrado.

No segundomomento da festa, os iniciados saemdo barracão, levando ascomidaspreparadasparaoOlubajéemdireçãoàparteexternadoPeji.Doladode fora do barracão, alguns destes iniciados se organizam em um círculo ecolocam as comidas em vasilhas de barro sobre esteiras de palha. Outrosparticipam do ritual das danças. Nesse momento, ao som dos atabaques e decantigas de Omolu, as comidas são colocadas nas folhas (de bananeira ou demamona) e entregues aos presentes que comem ou passam os alimentos pelocorpocomoumaformaderealizaralimpezaeoafastamentodemales.

Com outras concepções interpretativas apontamos as territorialidadessagradasdasfestasdesantoscatólicosemanifestaçõescatólicaspopulares.

TERRITORIALIDADES SAGRADAS: FESTAS DE SANTO, PRÁTICASCULTURAISEESPAÇOSDEIDENTIDADES

É possível pensar que as tramas espaciais da festa do Muquém sãoocorrências territoriais marcadas por variados ritos e práticas sagradas eprofanas.Durante o período que envolve o evento, as articulações dos vetoresfestivos (religioso/mítico, político/turístico e midiático-econômico/ecológico)foramvisualizadaspordiversosaspectos,esãoapontadosnestetexto.

De formação secular, a referida festa se constitui dentro da expansão do

ciclo da mineração, no sertão brasileiro, incorpora as práticas do catolicismopopularquereproduzahistóriadomilagreeacriaçãodolugardeadoraçãopeladevoçãodosfiéis.

O locus em que se efetiva essa prática religiosa fica no município deNiquelândia,aonortedoestadodeGoiás,regiãodeantigosrefúgiosquilombolas.SegundoA’Bádia (2010), a devoção à Nossa Senhora daAbadia, nesse local,está atrelada em primeiro lugar ao milagre de livramento da morte de umminerador português habitante do lugar. Esse português introduz a louvação àMaria, ao construir umaltar coma imagemdesta santano local.Adevoção seintensifica e novos milagres são atribuídos à padroeira, fatores estes queconvergem para um intenso deslocamento populacional durante o período dafesta.

NocasodeMuquém,deumlado,aspráticasreligiosascooperamparaumaorganização própria do espaço e do tempo dando suporte nesta análise paraentenderasatitudeshumanasparacomo“lugarsagrado”.Aexperiênciareligiosadenotaumacargasimbólicaeafetivaquepassaaconstituir-secomoumapráticasocioespacial, relacionada com esta dimensão espiritual que garante ao devotoumaidentidadeterritorial.Poroutrolado,o lugarnasuadimensãodepaisagemtambém é visualizado noMuquém como forma de organização espacial, pois apaisagemincorporaosuportefísico,bemcomo,ostraçosqueotrabalhohumanoimprimeaosespaçoshabitados.

AocupaçãodoMuquéméefêmera,ainfraestruturaalidispostaseconstituiporterritorialidadesestabelecidasporrelaçõesdepoderdasfamílias,daigreja,dos organizadores, moradores, dentre outros. Estas relações modificam erenovamossentidosdafestaalterandooideáriosocial/simbólico.Aanálisedoespaço através dos objetos, das ações e das relações sociais requer umaassociaçãocomoutrasconstruções.

Tais relações se inscrevem na paisagem ocasionando em desigualdadessocial, política e ambiental. Para exemplificar cita-se o tamanho dos lotes, osequipamentos de infraestrutura básica (banheiro, água tratada, energia),

equipamentos para o suporte doméstico (geladeira, fogão, televisão e outros).Ainda nessa visualização do local festivo, chama a atenção o estereótipo dasociedade agrourbana deGoiás, as caminhonetes luxuosasmarcam a paisagem,comoumsímbolo imponentedoconsumo;estaspromovemnasestreitas ruasdoMuquémumadisputaquesedápelovolumedosom,quantidadedeluzesneon.

Olocalsagradoganhaumavisualidadequeimpõeamultiplicidadesdeuso.A festa profana domina o espaço doMuquém. A dialética entre os espaços etempos profanos e sagrados resulta na complexidade do lugar, uma vez que asdemarcaçõesterritoriaisdestesficamcadavezmaisflexíveis.

A territorialização efêmera do romeiro para vivenciar sua prática sagradapromove uma discussão sobre o espaço geográfico a partir da produção doespaço sagrado. Cabe aqui afirmar que os usos, os costumes, as formas quecaracterizam os sentidos tradicional e contemporâneo de uma festa sagrada, seimbricam de tal modo, que ambos passam a designar no espaço formashibridizadas, que, dificilmente, aquelas demarcações simbólicas que definemestesmomentosficamàmercêdenovasinvestidasteóricas.

Nafesta,estessetornamespaçosetempospassíveisderessignificaçõesquepermeiam outros mecanismos de espacialização do fenômeno sagrado e daspráticasprofanas,porém,éválidoparaestaanálisedadinâmicadafestadestacarqueotradicionaleocontemporâneoincorporam-seenquantorelações,oumelhor,não necessariamente ligadas à festa em si, mas nos processos relacionais(comércio, lazer,encontro,política)queexplicamtal festa.Elementospresentesna festa do Muquém vistos como tradicionais são trazidos por gerações deromeiros que se misturam em suas diversas temporalidades, que ora sãoarticulados,orasãoentendidosporumacadeiaderessignificaçãosimbólica.

Nestaconcepçãocadaelementocolocadoe/ouexistentenoespaçoimprimeum valor particular. O que representaria cada lugar? No caso específico doMuquém,osimbólico,aféeoscaminhosdosromeirossãoalgunsdosconteúdosquecompõemoespaçosagrado.

ParaEliade (1998,p.296) a “noçãode espaço sagrado implica a ideiada

repetição da hierofania primordial que consagrou este espaço transfigurando-osingularizando-o, em resumo, isolando-o do espaço profano a sua volta”. Osespaçossagradossãocriadosapartirdahierofania,ouseja,damanifestaçãodosagradoemalgumobjeto.

ParaD’Abadia (2010) ao relacionarmosesse conceitonacompreensãodoespaçodoMuquém,ficaevidenteaexistênciadeespaçosagradonesselugarpela“construçãodacapeladeSãoTomé;e,pelaposteriororganizaçãodaRomariadeNossaSenhoradaD’Abadia,hierofaniacriadanaimagemdaSantaenolocalnoséculoXVIII,criandoamísticadoMuquém”.

Aautoraaindaacrescentaqueolugartorna-seumcentrodeperegrinaçãodocatolicismopopularemGoiás.DeacordocomEliade (1998),no lugar sagradoestá presente uma fonte inesgotável de força e de sacralidade que permite aohomempenetrarnoambienteetornar-separtedessaformação,alémdecomungardessa sacralidade.Nos dias de peregrinaçãonoMuquém, essas transformaçõessacrasestãoevidentesdiantedavivênciaritualizadadosromeiros.

OespaçocriadoourecriadopelaocasiãodaFestadoMuquém,nestaleiturapreliminaréanalisadoporalgumasexperiênciasaliestabelecidasqueperpassampela valorização do cultural/simbólico, mas também incorpora o entendimentodasmúltiplas territorialidades.EmMuquém, a espacialidade é constituída pelaarticulação entre o sagrado e o profano presente nas formas de participar,interagireorganizaroevento.Olocaléprodutoderesistênciashistóricas,mas,afesta fortalece-se comas ações estatais quepromulgam, emalcance regional, aterritorialização da fé na Santa. Este povoado assume uma dimensionalidadepolítica/mediáticaquepassapormudançae/ouincorporaçãonoespaçoetempoqueressignificampaulatinamentepráticassagradastradicionais.

Portanto,éumespaçodeexperiênciasreligiosascomplexas.Adimensãodosimbólico sagrado, em primeiro momento, gera o padrão de inserção dosromeirosnafestividade;éaformaçãodeumacosmolocalidadeconstituídaparase experimentar a espiritualidade. Entretanto, no segundo momento, o local étomadoporumaatmosferaimbricada,naqualaprofanidadeéinerenteàfesta.

Olocalsagradodelimitadopelapresençadosantuário,daimagemdaSantaedanaturezaassumeumarepresentaçãosimbólicaquepaulatinamentemodificaaexpressãodosagrado.

A construção do templo e a reestruturação do espaço garantem a rotinareligiosa do lugar assegurando um fluxo intenso de visitantes ao Muquém,determinando os procedimentos para consolidar o lugar sagrado. SegundoD’Abadia(2010),

o antigo templo foi transformado em um grande refeitório com banheiros e cozinha.Quartosforamconstruídosparahospedagemdepessoasdiretamenteligadasàigreja.Nasvias de acesso, foram construídos portões para impedir a circulação de veículos nãoautorizados. Também foi construído no local uma lanchonete e uma pequena loja deartigosreligiososelembrançasdoMuquémadministradospeloSantuário.Assim,surgeaterceira etapa para a constituição do espaço da festa emMuquém. Ao perseguir seusobjetivos,aadministraçãodosantuáriocomeçaadisciplinarousodoespaço local.Paratanto,elaremodelaasfuncionalidadesdolugar.

OSSENTIDOSDAEXPERIÊNCIARELIGIOSAAexperiênciareligiosademarcasimbolicamenteoespaçosagrado.Aideia

desímbololiga-seàformadeconhecimentogarantidacomoenergiaespiritual,deacordo com a concepção de Cassirer (2001). O símbolo enquanto energiaespiritual permite que o indivíduo se enlace com os signos sensíveissignificativos garantindo-lhe que sua “realidade” seja interpretada porconstruçõessimbólicas. Istoposto,essassãogarantidasnavalorizaçãododadoespontâneoedosensível,emoutraspalavras,ossímbolosabonamarelaçãodoser humano com o mundo e do espiritual com o sensível. Na concepção deCroatto (2001), essa objetivação do mundo invisível, se dá pelas formas delinguagensquesãodefinidaspelossímbolos,mitos,ritosedoutrinas.

Essamaterialização da experiência religiosa no âmbito da religião cristã,pautadanasfestasdepadroeirosnospermitecompreenderasespecificidadesdecadamanifestaçãoreligiosa.Aatribuiçãodesentidosesignificadosseestabelecepormeiodeumvínculoentreoindivíduoeosobrenatural,emqueaexperiênciaindividual com o transcendente se torna o ápice da relação, bem como da

materializaçãonossímboloserituaisdaquelesquevivenciamosagrado.Asfolias,paraBrandão,são“essencialmenteumapráticareligiosacoletiva

eumasequênciaderituaisentendidoscomocapazesdecolocaremevidênciaasolidariedadeentretodososparticipantes”(2004,p.396).Destafeita,expressamformasdesaberesespecíficos,ouseja,permiteaconstruçãodeespaçosmítico-sonoros,degustativos eolfativosquedãooutra compreensãodemundoparaossujeitossociaisqueapraticam,alémdecriarumadimensãosubjetivasimbólicatraduzidapelasemoçõesedevoçõesdaquelesqueavivenciam.

NOTASCONCLUSIVASNacosmovisãodospovospraticantesdoscultosafro-brasileiros,aprática

religiosa só se torna possível via decodificação de um conjunto de sistema desímbolossagradosedevalores,envolvendoaprodução,oconsumo,opoder,aslocalizaçõesefluxosnecessáriosparasuamaterialização.Ascosmolocalidadesdasreligiõesafro-brasileirassãoespaçosdemarcadosporelementosimateriaiseespirituaisqueperpassamoscamposterritoriaiseidentitáriosdesignandoolocaldos Orixás e dos elementos ritualísticos (flora, comidas, animais e rezas). Osilês,osassentamentos,os lugaresdestinadosaosritosdosOrixásconstituemosterritóriossagrados.

Odesafioepistêmicoécontemplarumcampointerdisciplinar,emqueessasformas de linguagens possam interagir e possibilitar a ampliação dos debatessobre os espaços de subjetividades, de representações e vivências. Para oenfrentamento metodológico conceitual dessa questão, a territorialidade e acosmolocalidade passam a designar a dinâmica dos espaços sagrados. Em umcaminho hermenêutico-fenomenológico as contribuições de Ernest Cassirerpassam a ser imprescindíveis para aprender as multiformas de construir,interpretaromundosimbolicamente,ouseja,apartirdesuafunçãosimbólica.Ascosmogonias (estruturas fundadoras) e as cosmologias (narrativas construídaspelossujeitosqueconhecemevivenciamosmitos)sãoconcebidascomoformas

simbólicas.Os resultados dos estudos circunscrevem um campo metodológico

interdisciplinaremtermosteóricoeconceitualderecortessobreassimbologiasdaspráticasreligiosastantodamatrizcristã(festasdepadroeirosefolias)quantode matriz afro-brasileira, em especial, nos contextos festivos que se ligam aosagrado. Sob a perspectiva da geografia, história e antropologia, as narraçõesoraisforamcoletadaspormeiodametodologiadaHistóriaOraleaObservaçãoParticipante. A estruturação das narrativas locais considerando a literatura, osmitos, as crenças populares promoveram os conhecimentos de uma linguagemmítica-sagrada e popular. As vivências sagradas por meio dos saberes locaisforam aprendidas como cosmologias. Entende-se a cosmologia, a partir deLallemand(1978)eLopesdaSilva(1994),comoavisãodemundodeumpovo.Tal visão configura-se num conjunto de crenças e conhecimentos, que abarcamelementos dos mundos ordinário e sobrenatural, os quais permitem interpretaracontecimentoseponderarsobreasrepresentaçõesdesuasrealidades.

Os mitos narrados nas músicas de folias, nas comidas e nos ritos deperegrinações nas festas católicas garantiram o campo de reflexão sobre asterritorialidadessagradas,bemcomoasinterpretaçõesmíticasdaságuasefloras,sobretudodosriosematas,garantiramacompreensãosobreascosmolocalidadesafro-brasileiras.Metodologicamente,durante3(três)anosdessesestudostem-sepor resultados um conjunto múltiplo de pesquisas em níveis de iniciaçãocientífica,monografiasedissertações.

Emparticularo caminhometodológicodaspesquisas é tentar interpretar arealidadeapartirdeumsistemasimbólicocomplexoqueparaaCassireressaviaenvolve:a)aexpressividadedomitoquenãoseparasignificadodosigno,b)alinguagemcomorepresentação,emqueosignoseseparadosignificadocriandopossibilidades interpretativas;ec)osignificado,oqueéaprendidopela razão,em que o espaço sagrado é aprendido pelas relações simbólicas criando ainterdependênciaentreosignoesignificado.Assim,comoresultadosapresenta-se um conjunto plural de cosmologias com o propósito de contribuir para a

compreensãoeinterpretaçãodasnarrativaslocais.Alémampliaredivulgaressessabereseexpressõescomoasaçõesdevalorizaçãodosmitos, ritose tradiçõespopulares,emespecialdoCerradoBrasileiro.

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PRANDI,Reginaldo.MitologiadosOrixás. SãoPaulo:Companhia dasLetras,2001.THOMPSON,Paul.Avozdopassado.SãoPaulo:PazeTerra,1992.

1Opresente textoéumdesdobramento teórico-conceitualdeestudosdesenvolvidosnoProgramadePós-Graduação em nível de Mestrado Interdisciplinar Territórios e Expressões Culturais no Cerrado–

TECCER-UEGenoCentro InterdisciplinardeEstudosÁfrica-Américas-CieAA-Neab-UEG.DestacamosqueosestudossãoagregadosaosProjetos“Arteesaberesnasmanifestaçõescatólicaspopulares”financiadopela FAPEG 05/2012, e Paisagem Sonora, Tradição e Identidade: as folias de Reis em Pirenópolis-GO,vinculado a PrP/UEG coordenados pela profa. Maria Idelma Vieira D’Abadia e o projeto vinculado aPrP/UEGeaodiretóriodoCNPq intituladoReconfiguraçõesdaspráticasculturaisdematriz africanae suatransnacionalização: entre o poder instituído e o saber subalterno coordenado pela profa.MaryAnneVieiraSilva.AdivulgaçãodosresultadostemapoiodaFundaçãodeAmparoaPesquisadoEstadodeGoiás-FAPEGedoProgramadeAuxílioEventos(Pró-Eventos)dasPró-reitoriasdePesquisaePós-graduação,bemcomodeExtensão,CulturaeAssuntosEstudantisdaUniversidadeEstadualdeGoiás.

CORPOREIDADES

GEOGRAFIADASSEXUALIDADES:INTERFACEENTREGÊNERO,PROSTITUIÇÃOEIDENTIDADE

MARIACONSUÊLOMOREIRAProfa.InstitutoFederaldeRondônia–IFRO

[email protected]ÇASSILVANASCIMENTOSILVA

UniversidadeFederaldeRondô[email protected]

INTRODUÇÃOA construção de uma perspectiva científica sob os moldes de uma

abordagem inovadora, como é o caso dos estudos de gênero e sexualidades apartir da análise espacial, é desafio constante no âmbito da ciência geográfica.DestamaneiraSilva(2005)afirmaqueissopossível,pois

Paraaabordagemdoespaçopartindodaperspectivadegênero,aGeografiadeve levarem consideração seu dinamismo, pois ele tanto constrói quanto é construído pelasexperiências e vivências cotidianas espaciais a partir de representações. Estas sãofundadasemumaordemsocioespacialespecíficae,portanto,envolvemtempo,espaçoeescala.Dessa forma,compreende-sequeaconstruçãodegêneroabarca tantopressõesdecontextoquantoescolhasindividuais.(p.187)

A Geografia das sexualidades tem possibilitado o desenvolvimento demaioresproduçõesacadêmicasvoltadasparaosestudosdasexualidadepartindo-se da análise espacial, como as investigativas, a respeito da atividade daprostituição. Mesmo que ainda tenhamos que confrontar constantemente com osaberhegemônico,éprecisoquesedêcontinuidadeaossaberes“marginais”,nointuitodeproporcionaravisibilidadeadeterminadossujeitossociaismarcadosporestigmasepreconceitos,comoéocasodasprofissionaisdosexo.

AsGeografiasdassexualidadesinegavelmentetêmproduzidograndevolumedetrabalhospelomundo,todavia,Binnie(2011,p.216)noschamaaatençãopela

quaseausênciadadisciplinadeGeografianosestudossobreasexualidade,paraele“o trabalhodegeógrafossobreestes temasé raramentecitadooudestacadonessas discussões”. Um outro apontamento pertinente, descrito pelo autor, emrelaçãoàsGeografiasdassexualidadeseseuisolamentodentrodadisciplina,dizrespeitoàbuscaporpartedosgeógrafosdassexualidades terbuscado,desdeoinício da década de 90, em outras disciplinas inspiração e apoio, “e ainterdisciplinaridade foi necessária diante da resistência institucional daGeografiaàsexualidade”(BINNIE,2011,p.217).

Aprostituição,porseconstituirdeumapráticaespacialetemporal,mantémuma inter-relaçãocomadinâmicaorganizacionalnosespaçosondeamesmasedesenvolve, portanto, dentro da ciência geográfica é um componente daorganizaçãoespacial,atravésdamaterializaçãodosterritórios,bemcomopelasexperiências vivenciadas espacialmente dos seus sujeitos sociais, asprofissionaisdosexo.DeacordocomRibeiro(2011,p.13),

Paraageografia,aprostituição,pormeiodeseusatoressociais–prostitutas–éumdoscomponentesdaorganização/reorganizaçãodoespaço,materializandoterritórioscomsuasterritorialidades e seus significados. Por isso, torna-se tema relevante no âmbitogeográfico,procurandocompreenderpartedadinâmicadeapropriaçãodoespaçourbanopelosdiferentessegmentosdaprostituição[...].

A prostituição é vista como uma atividade reprovável socialmente poisrompecomosmodelosepadrõesdegêneroesexualidadeinstituídosàsmulheresaolongodotempo.Amarginalizaçãoeacondenaçãoasquaissãosubmetidasasmulheresqueseprostituem,sãoreforçadasquandolevamosemconsideraçãoasquestõesdasdesigualdadesdegênerovigentesemnossasociedade.Aconstruçãodos papéis sociais são preestabelecidos e legitimam as relações desiguais degênero.Arecusaemseguir taispapéis,condicionaasprostitutasaseremvistascomo sujeitos estigmatizados, seja nos espaços públicos ou privados. Mattos(2009, p. 174) acredita que “o estigma social contra a prostituta expresse, demodo aberto porque estigmatizado, toda uma violência simbólica dirigida, demodoveladoenuncaadmitido,àsmulherescomoumtodo”.

Desse modo, a presente proposta tem por objetivo apresentar reflexõesacerca do fenômeno da prostituição sob a perspectiva geográfica, buscandoestabelecerumainterfaceentregênero,prostituiçãoeidentidade.

GÊNERONAPERSPECTIVAGEOGRÁFICATrazer à luz da discussão os estudos de gênero e das sexualidades, em

específico caso a prática da prostituição feminina, para o campo da ciênciageográfica temsidouma tarefaárduaeum tantoquantodesafianteparaaquelesquetêmousadoenfrentarasestruturasdominantesdaciênciahegemônica,sendoestaporsuavezcentradaemumsabereurocêntrico.Noquetangeaoquevenhaaseradefiniçãodaexpressãosabereurocêntrico,Silva(2009,p.57)esclarecesetratarde

[...]umareferênciaespacialaumtipodeconhecimentoquetevesuaorigemnaEuropaequeacabousendodifundidonomundocomoummodeloidealdesaberecomoumúnicomodelo social a ser seguido de forma linear pelos demais povos domundo. E este tipoideal que tem como referência a Europa instituiu as hierarquias que organizam asdualidades,opondoobemeomal,ohomemeamulher,osuperioreoinferior,arazãoeaemoção,asociedadeeanatureza,eassimpordiante.

Para Kozel (2013, p. 13), “as abordagens e tendências inerentes àpluralidade do conhecimento, não reconhecidas ou aceitas pela maioria dacomunidade acadêmica” são reconhecidas pela autora como GeografiasMarginais.Dessemodo,setemobservadoqueaolongodatrajetóriadaevoluçãodopensamentogeográfico,determinadosestudosnãoforamsequerconsideradoscomo‘geográficos’.VeledadaSilva(2013,p.114)afirmaque

A resistência dos geógrafos(as) brasileiros em inserir categorias analíticas de matrizfeministapodeterorigemnummachismoacadêmicoouemumdesconhecimentopolítico,histórico,teóricoemetodológicosobreaspossibilidadesqueestaperspectivadáaoestudodoespaçogeográfico,particularmentenoqueserefereaosnovosarranjossócioespaciaisdecorrentesdarelaçãotrabalhoefamília.

Verifica-sequeasabordagensdegêneroapartirdesuaperspectivaespacialtêmsidopossibilitadaspor intermédiodaposturaadotadapelaNovaGeografia

Cultural e seus desdobramentos, pois “entende que os sujeitos criaminterpretaçõesespaciaispluraiseissopermiteumapluriversalidadedarealidadeestudada” (NABOZNY et al, 2007, p.15). Deste modo, acredita-se que novosmétodosprecisamserutilizadosvistosetratardeumespaçocomplexo.

A nova Geografia cultura elabora uma série de críticas às abordagens até entãoconstruídas. Evidencia a relatividade das escolas de abordagem do espaço, coloca emdúvidaaideiadotempolineareproblematizaasnoçõesdeprogresso,desenvolvimentoeevolução,argumentandoos limitesdaproduçãodoconhecimentogeográficoapartirdosconceitos da modernidade. Essa postura desafiadora abriu possibilidades de novasabordagens[...](SILVA,2005,p.175).

Assimsendo,ésabidoqueaconstruçãodeumaperspectivacientíficasobosmoldes de uma abordagem inovadora, como é o caso dos estudos de gênero esexualidades, é um desafio constante no seio da Geografia, segundo apesquisadora Rosa Ester Rossini, em entrevista publicada na Revista Latino-americanadeGeografiaeGênero,amesmaacreditaque

[...] a maior dificuldade da inserção da questão de gênero na Geografia brasileiraencontra-se na própria Geografia, isto é, entre seus pares. Abarreira é enorme e paradiminuir a distância é preciso que todas as pessoas que trabalham com o tema tenhamumaboaformaçãoteóricoconceitualtantodeGeografiacomodaespecificidadedotemaquequerinserirnaGeografia(SILVAeORNAT,2016,p.215).

Destamaneira,Silva(2005,p.187)afirmaqueissoépossível,levando-seemconsideraçãoque

Paraaabordagemdoespaçopartindodaperspectivadegênero,aGeografiadeve levarem consideração seu dinamismo, pois ele tanto constrói quanto é construído pelasexperiências e vivências cotidianas espaciais a partir de representações. Estas sãofundadasemumaordemsócioespacialespecíficae,portanto,envolvemtempo,espaçoeescala.Dessa forma,compreende-sequeaconstruçãodegêneroabarca tantopressõesdecontextoquantoescolhasindividuais.

Emconformidadecomopensamento,Marandola Jr. (2013,p.50)acreditaque“vivemosummomentomuitointeressantedaGeografianoBrasil.Astensõesmaisfortesquepassamosentreoscamposetendênciasparecemtersearrefecido,mas é seguro afirmar que nunca a Geografia esteve tão aberta a novos temas,

tendências,abordagenseaodiálogointerdisciplinar”.Assim,segundoMendonça(2002,p.6)

[...]arealidadepresenteimpõeaosintelectuais,acadêmicosecientistaspreocupadoscomos avanços do pensamento geográfico, a promoção, por meio das suas instituições, dodebate aprofundado, aberto e franco acerca de questionamentos gerais relativos àGeografianestecontextodeapogeudamodernidade.

E, como reiteraClaval (2002, p. 24), “o espaço jamais aparece comoumsuporteneutronavidadosindivíduosedosgrupos.Eleresultadaaçãohumanaquemudouarealidadenaturalecrioupaisagenshumanasehumanizadas”.

Portanto, têm-sepropostodiscutir cadavezmais dentroda chamadaNovaGeografiaCulturalaquestãodasexualidade,hajavistaque“[...]nasúltimasduasdécadas,notadamenteaquelaqueconsideraosdiferentessignificadosproduzidospelos sujeitos sociais, suas tensões e as relaçõesdepoder, trouxe a identidadecomo um importante foco de debate contemporâneo” (NASCIMENTO SILVA eSILVA,2014).

Em trabalho publicado na Revista Latino-americana de Geografia eGênero,cujotemaapresentou-sedeformabastantesugestivaepertinentedentrodas discussões geográficas, o texto Qual Espaço para Discutir Gênero? nospropõeapriori reflexõesacercadaquestãoda“mulherna sociedadeeemseucotidiano”pois[...]“paraamaiorpartedasociedadeessetemaaindanãoéumarealidade ensinada, apreendida e vivida” (SILVA et al 2015, p.169). ComoargumentaSilva(2009,p.25)

As ausências e os silêncios de determinados grupos sociais são resultantes de embatesdesenvolvidosnacomunidadecientífica,quecriamhierarquiasedependências,ratificandoopoderdegruposhegemônicose,consequentementedesuasprópriasteoriascientíficas.

Todavia,comojáreferidoanteriormente,talobjetivoéconsideradoumtantoquanto ousado, visto se tratar de uma forma de transgressão para com osparadigmas instituídos pela própria ciência; um rompimento às fronteiras dasnormas e regras existentes na Geografia e entre seus geógrafos. Sendo assim,conformedeclaraSilva(2010,p.46),

Aquiloqueédeterminadocomoimpensável,impraticáveleindizívelpelaciênciadevesertensionado,eaordemdapretensanormalidade,subvertida.Quempesquisa,deveduvidardas ‘verdades’ que sustentam e dão guarida ao poder e cometer heresias contra oscânonesdodiscursocientífico.

Dessemodo,verifica-seaindaescassezdeestudosepesquisasacadêmicasarespeito damulher enquanto figura importante na construção social, onde vê-seque o conceito de gênero e suas implicações têm sido discutidos com maisveemêncianasciênciassociais.Noentanto,Silva(2009,p.40)argumentaque

Qualquerciência,cujofocodeanálisesejaasrelaçõeshumanas,deveteremcontaqueahumanidade não é uniforme e que a diferença entre homens e mulheres é uma dasprincipais categorias de análise. Além disso, as relações de gênero permeiam todas associedades,apesardasdiferençasespaciaisetemporais.

Assim,partindo-sedopressupostoqueépossívelenecessáriorompercomos limites teórico-metodológicos presentes na ciência geográfica e possibilitaruma abordagem de gênero e espaço na Geografia, julga-se pertinente que sebusquecompreendercomooconceitodegênerotemsidodiscutidoeconcebidono campo das ciências sociais, bem como da própria ciência geográfica. “Asegregaçãosocialepolíticaaqueasmulheres foramhistoricamenteconduzidastiveracomoconsequênciaa suaampla invisibilidadecomosujeito— inclusivecomosujeitodaCiência”(LOURO,1997,p.17).

ABORDAGENSDEGÊNEROEPROSTITUIÇÃOFEMININAPrzybysz (2013, p.3) afirma que “os papéis de gênero vivenciados por

mulheres estão relacionados a normas sociais que colocam àmargemmulheresque utilizam de sua sexualidade como forma de atividade profissional”. Domesmomodo,Mattos (2009, p.173) considera que “[...]a prostituta é repulsivapor ela intermediar o campo dos afetos explicitamente através da relaçãomonetária,dodinheiro,aindaqueimplicitamenteessesejaumelementotambémpresenteemqualquerrelaçãoafetiva,emboranuncaadmitido”.

ParaaeducadoraeantropólogaDoloresJuliano,vivemosemumperíodode

umaexpressivaliberdadesexual,ondehomensemulheresnãovalorizammaisavirgindade e mantêm relações sexuais cada vez mais instáveis, porém, aestigmatização no tocante à prostituição ainda é muito grande, a pesquisadoraconsidera inclusive que isto tem aumentado ao longo dos anos.O que justificaentãotamanhaestigmatizaçãoparacomaprostituição?Oqueestáemjogoparaela consiste justamente no modelo de gênero tradicional estabelecido pelasociedade em relação à mulher. “A estigmatização das prostitutas é umamensagem social para as mulheres não prostitutas e fundamentalmente para asmulheresjovens”(PRZYBYSZ,2016,p.160).Apesquisadoraexplicaentãoqueessemodelodegêneroexigedasmulheresumcomportamentocheiodesacrifíciose renúncias,mesmo dando pouco reconhecimento social àsmulheres.Amesmaentãoafirmaque:

Aestigmatizaçãodotrabalhosexualéumamedidadecontrolesocialdirigidanãotantoàsprostitutas, mais sim ao resto das mulheres. Por isso eu creio que é muito importantetrabalhar este tema. Porque não é uma luta em defesa de uma minoria, mas éfundamentalmenteumaformadesecolocaremdefesaquetodosossereshumanostemosde viver a nossa sexualidade como queremos e isto somente se pode conseguir selevantamosoproblemadaestigmatizaçãodossetoresmaisestigmatizados.(PRZYBYSZ,2016,p.160).

Dolores Juliano acredita que manter os modelos estabelecidos pelaideologia dominante reduzos conflitos sociais, evitando assimo surgimentodepequenos problemas. Porém, aqueles que se distanciam e transgridam essesmodelos e condutas estão sujeitos a castigos e sanções. A prostituição, porexemplo,representaumsetorespecialmentedesvalorizado,vistosetratardeumapráticasocialondeasmulherestransgridemseupapeldegênero.Destamaneira,amesmaacreditaqueo trabalho sexual “éo setor commaiorcargadeestigmasocial, pois se relacionam a uma conduta na qual a sexualidade é algo que sevende, não algo que se presenteia e que está ligada ao cuidado” (PRZYBYSZ,2016, p. 159). Assim, vê-se que a sexualidade voltada a fins comerciais éestigmatizada,desvalorizandoquemaspratica.

Desta maneira, pela pressão exercida sobre as pessoas estigmatizadas,

busca-sepersuadirasdemaisaagirconformeanorma,evitandoqueinfrinjamosmodelosvigentes,oqueteriacomopenaorechaçosocialreservadoàs“mulheresdesviantes”. A participação escassa ou marginal das mulheres no mercado detrabalhoouonãoreconhecimentodesuaatividadecomodignasecolocaatodascomoumobstáculoparaqueadquiramdireitosedeveres(BARRETO,2008).

PROSTITUIÇÃOFEMININAETRABALHOAprostituiçãonoBrasilnãoéconsideradacomoumaprofissãoformal,haja

vistanão estar incluídana classificaçãodos setoresdas atividades econômicasidentificadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Noentanto,conformeaClassificaçãoBrasileiradeOcupações–CBO/2002,Portarianº397, onde “descreve e ordena as ocupações dentro de uma estruturahierarquizadaquepermiteagregarasinformaçõesreferentesàforçadetrabalho,segundo características ocupacionais quedizem respeito à naturezada forçadetrabalho”(SILVA,2008),aprostituiçãoéclassificadacomoumaocupação.

Essa versão da CBO sofreu inúmeras mudanças em relação às anteriores. Agora,ocupaçõessãoorganizadasedescritasatravésde“famílias”,queabrangemumconjuntode ocupações semelhantes relativas a um domínio de trabalho mais amplo. Para adescriçãodafamília“profissionaisdosexo”,foramentrevistadoshomensemulheresqueresponderam sobre o que fazem, o que é distintivo de sua profissão, o nomeusado e omercado de atuação pelas discussões em torno da prostituição enquanto um trabalho,feitas por organizações de prostitutas. Dessa forma, algumas importantes lideranças,integrantesdaAPROSBA,Davida,GAPA-MG,GEMPACeNEPestiverampresentesnomomentodeelaboraçãodessacategoria(BARRETO,2008,p.69).

Aos sujeitos “profissionais do sexo”, são associados a esta família outrosconceitos também como garota de programa, meretriz, michê, prostituta,trabalhadora do sexo. É possível observar que a esta categoria de ocupação,muitas são as definições a ela atribuídas, evidenciando assim o seu caráterheterogêneoquantoaosvariadostermosutilizados.Assim,conformeadescriçãosumária estabelecida pela CBO/2002, as profissionais do sexo “buscamprogramas sexuais; atendem e acompanham clientes; participam em ações

educativas no campo da sexualidade. As atividades são exercidas seguindonormas e procedimentos que minimizam a vulnerabilidades da profissão”(MINISTÉRIO).ParaBarreto(2008,p.72),“avariedadedeatividadesevidenciaaindaaexistênciadeumsaberfazerpróprioaprofissionaisdosexo.Nãobastafazer sexo, é preciso saber como seduzir e satisfazer o ego do cliente, porexemplo”.

Noquetangeàquestãocriminal,aatividadedaprostituiçãonoBrasilnãoéconsideradailegal,destemodonãosendoenquadradaenquantodelitoapráticadeseprostituir.Oatocriminalestáemmantercasadeprostituiçãoousercáften,ouseja, mediar, aproveitar e se beneficiar economicamente da prostituição, secaracterizandodessemodocomoum feito criminosode acordocomosArtigos227a230doCódigoPenal.

PROFISSIONAISDOSEXOEAQUESTÃOIDENTITÁRIAOuniversodaprostituiçãofemininaébastantecomplexoediverso,ondea

própria construção de uma identidade das mulheres que exercem as práticasprostitucionaistambémsemostradeformamultifacetada,ondeseussujeitosnãose apresentam demaneira homogênea, havendo distinções umas das outras sobvários aspectos. Louro (1997, p. 24-27) compreende “os sujeitos como tendoidentidadesplurais,múltiplas;identidadesquesetransformam,quenãosãofixasou permanentes, que podem, atémesmo, ser contraditórias [...].As identidadesestão sempre se constituindo, elas são instáveis e, portanto, passíveis detransformação”.

O termo prostituir é uma palavra que provém do latim prostituere, quesignifica oferecer serviços sexuais em troca de dinheiro. Barreto (2013, p. 1)considera que a prática da prostituição “abrange a negociação de práticaseróticas e afetivasmediadas por trocas de recursosmateriais e simbólicos emambientesdecomérciosexual”.

Conforme pesquisas realizadas por Ribeiro e Oliveira (2015) sobre a

dimensão espacial da prostituição na cidade do Rio de Janeiro, estes têmidentificado um outro tipo de prostituição surgida na década de 90 e bastantecostumeira nos dias de hoje, a chamada prostituição “fechada”. Neste tipo deprostituição“osseusserviçosinformaisemarginalizadossãooferecidosatravésde anúncios classificados de importantes jornais, em revistas especializadas,folhetos, folderse, principalmente, pela internet, através de sites” (RIBEIRO eOLIVEIRA,2015,p.94).

De acordo com os autores, a prostituição “fechada” “apresentacaracterísticasdistintasdaquelaverificadanosespaçospúblicos–aprostituiçãoderua–,asaber:quantoaotipodeprostituta,notocanteaosatributosfísicoseaonívelsocial;opreço(dependendodotipodoprograma)eaformadepagamento,muitasvezesrealizadaatravésdosistemadecartãodecrédito[...]”(RIBEIROeOLIVEIRA,2015,p.95).

Assim, se tem observado que o perfil e a própria identidade dasprofissionaisdosexotêmpassadopormudançasquantoàssuasdefinições,sendoporvezesintituladasdeacompanhantesdeluxo,oquelhescolocadeumacertaformaemumaposiçãosocialsuperioràsdemais,poisseusprogramascostumamsermaiscaros.ParaBarreto(2010,p.194),“aspalavrasprostituiçãoeprostituta,antesdetraduziremumarealidadeúnica,dizemrespeitoaumgrandenúmerodepráticas,designificados,deidentidades”.

Naatualidade,tem-severificado,porexemplo,sercadavezmaiscomumouso de perfis empáginas de redes sociais e de aplicativos de bate-papo comoferramentaparafacilitarocontatoentreasprofissionaisdosexoeseuspossíveisclientes. Desse modo, acredita-se que a utilização desses novos recursostecnológicostemdiminuídoaatuaçãodafiguradocafetãoedoagenciador,comotambémtemprovocadomudançasnaatuaçãodasprofissionaisnasruasebordéis,tornandoasprofissionaismaisindependentes.Noentanto,éimportantefrisarqueos próprios agenciadores também têm assumido novas formas de atuação nosegmentodaprostituição,intermediandoaligaçãoentreasprofissionaiseosseusclientes.

O fenômeno da prostituição apresenta-se de forma muito diversificada edinâmica espacialmente, pois inúmeros são os fatores que condicionam suascaracterísticas.Barreto(2012,p.2)nosapontaque“ailegalidadeeausênciaderegulamentaçãofazemcomqueadquiracaracterísticasmuitovariáveisdeacordocom a cidade e com o local (rua, boate, hotel) em que está inserida”. E aindacomplementa“queadiversidadedaocupaçãoserelacionaaindacomaformadeinterseçãodecategoriassociaiscomoogênero,araça,aclasse,asexualidade”.

Segundo Goffman (2004, p. 6), a sociedade procura criar meios decategorizaros indivíduoseos seusatributosconsideradosnormaisecomuns, aissooautordefinecomo identidadesocial.Demaneiranormativae rigorosa,asociedade cria assim expectativas quanto ao comportamento que “deve” serseguido pelas pessoas, a todo instante fazemos afirmativas “em relação àquiloqueo indivíduoque está à nossa frentedeveria ser” (GOFFMAN,2004, p. 6),sendo designado pelo autor como a identidade social virtual. Os indivíduoscujosatributosnãocorrespondemàsexpectativasdenormalidadedentrodeumadeterminadacategoriaeapresentando-sedeformaaoqueelerealmenteé,sãooschamadosde“estranhos”,poismostram-seemsuaidentidadesocialreal.Vê-se,portanto, que as condutas são construções sociais, onde a própria sociedadeprocuradeixar claroquais sãoos comportamentos estabelecidos comocertos equedevemserseguidospelosindivíduosequaissãooserrados.

A prostituição é vista como uma atividade reprovável socialmente poisrompecomosmodelosepadrõesdegêneroesexualidadeinstituídosàsmulheresaolongodotempo.Amarginalizaçãoeacondenaçãoasquaissãosubmetidasasmulheresqueseprostituem,sãoreforçadasquandolevamosemconsideraçãoasquestõesdasdesigualdadesdegênerovigentesemnossasociedade.Aconstruçãodos papéis sociais são preestabelecidos e legitimam as relações desiguais degênero.A recusa em seguir tais papéis condiciona as prostitutas ao destino deseremvistascomopessoasnãodignas.

Ficaevidente,portanto, levando-seemconsideraçãooconceitodeestigmadeGoffman(2004),queemrelaçãoàprostituiçãofemininaamesmaéapontada

como uma atividade desviante, pois as pessoas que as praticam não estãocorrespondendo ao comportamento esperado pela sociedade. Barreto (2008)afirmaqueasociedadesempreprocurousepararasmulheresboas,consideradasapropriadasparaocasamentoeparaamaternidade,porseremditascomodóceis,dedicadas ao lar e obedientes. As mulheres más, em contrapartida, são vistascomo inadequadas para serem esposas e mães, por serem independentes eutilizaremdasuasexualidadeparafinslucrativos.Poroutrolado,Mattos(2009,p. 174) acredita que “o estigma social contra a prostituta expresse, de modoaberto porque estigmatizado, toda uma violência simbólica dirigida, de modoveladoenuncaadmitido,àsmulherescomoumtodo”.

DeacordocomSilva(2008),aconstruçãodaidentidadedeprofissionaisdosexoérelacionalnosentidoqueparaserconstruídadependedealgoforadela,ouseja, a identidade émarcada pelas diferenças entre o “eu” e o “outro”. Essasdiferenças sãomarcadas por símbolos, aspectos como conduta, os hábitos e aprópriaposturaadotadapelasprofissionais,iriamocasionaradiferenciaçãoentreelas e as “demais” mulheres da sociedade, como também entre as própriasprofissionaisdosexo.Paraoautor,noprocessoderepresentaçãodaidentidadepodehavercontradições,nãosendo,portanto,padronizada.Barreto(2008)afirmaque as identidades além de serem marcadas pelas diferenças, são tambémhierarquizas e opostas, ou seja, uma possui um conceito positivo e a outranegativo.Portanto,aautoraesclareceque“a identidadeconsiderada ‘normal’évista tambémcomonatural,desejávele forte, sendonaturalizada.Aoutrapassaentãoacorresponderaolocaldodesvio,daquiloquenãoénormal”(BARRETO,2008,p.85).

No intuito de compreender como esse processo identitário se dá entre asprofissionais do sexo, foi perguntado durante a entrevista o que é ser umaprostitutaparaelaecomoamesmase identificava, seeracomoumagarotadeprograma, uma profissional do sexo, uma trabalhadora do sexo, uma prostituta.Dessemodo, durante a pesquisa buscou-se investigar como as profissionais dosexoseautorepresentam,qualaconcepçãoqueasmesmaspossuemdesimesmas

sejaquandoelaestáexercendosuaatividadesexualounão.

CONSIDERAÇÕESFINAISO termo “profissionais do sexo”, conforme relatos das entrevistadas,

expressa uma conotação relacionada ao trabalho, mesmo que no contextobrasileirosejaconsideradocomoumapráticaprofissionalinformal.Éimportantesalientar também que ao relacionarem suas práticas sexuais enquanto algoprofissional, buscam dessemodo evidenciar que as suas identidades não estãopropriamenterelacionadasàprostituição,nosentidodequeestapráticarefere-seaumaatividadecomfinslucrativos.Istoposto,“aocupaçãoévistacomopartedavida das pessoas e não como única atividade definidora de sua identidade”(Kempadoo, 1998, apud Barreto, 2008, p. 70). Para as entrevistadas, há umaexpressivaseparaçãoentreoqueelafaz,ouseja,trabalharcomserviçossexuais,esuaidentidadeforadaatividade.

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TERRITORIALIDADESEESPACIALIDADESDOTROTTOIRDEMULHERESNOZERO

RADAMÉSDEQUADROSARAÚJOMestrandodoProgramadePós-GraduaçãoemGeografia

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SÔNIAREGINAROMANCINIProfessoradoProgramadePós-GraduaçãoemGeografia

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INTRODUÇÃOOpresentetrabalhoéparteintegrantedapesquisademestradoquetemcomo

tema a prostituição demulheres no “Quilômetro Zero” emVárzeaGrande/MT.Colocamos em discussão as relações socioespaciais desenvolvidas no bojo daprostituição exercida em ruas e calçadas, o trottoir1.Discorreremos como, pormeiodetalatividade,asprostitutasrealizamumaproduçãoespacialespecífica,quersejao“territóriodaprostituiçãodoZero”.Nesteínterim,traremosàbailaasespacialidadeseasterritorialidadescontidasnotocanteàrotinadetrabalhodasagentes pesquisadas. Compreendendo que, nesse contexto, existem normas deconduta cuja efetivação é guiada por uma inteligibilidade própria das relaçõeslocais.

Apenas para situarmos mais genericamente nossa área de estudo,observamos que a mesma possui características típicas de áreas pericentrais.Encontra-se próxima ao centro de Várzea Grande, mas conta com aspectosdistintosdeste,acomeçarpelasrelaçõescomerciasdesenvolvidas:considerávelnúmerodeempresasvoltadasaocomércioeàprestaçãodeserviçosautomotivos.Épossívelquetaispeculiaridadessedevam,entreoutras,àsuaproximidadecomduasimportantesviasdacidadecujoofluxodeveículos,pessoaseinformaçõesé

intenso,assimcomoonúmerodeestabelecimentoscomerciais,inclusiveaquelesligadosaosetorautomotivo.Tudoissofazdalocalidade,alémdeum“territórioda prostituição” uma centralidade do comércio e da prestação de serviços aautomóveis.

No tocante à formaçãodo territóriodaprostituiçãodoZero, oque sabe éque ele teria surgido há cerca de 40 anos. Seu contexto histórico remonta àconstruçãodotrechodaBR364queintencionavaligararegiãoNorteàsregiõesCentro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil, no início da década de 1960. A partirdisso, o fluxo de veículos de transporte intensificou-se, logo foi inaugurado oposto de combustível “Zero KM” e este tornou-se ponto de parada decaminhoneiros e viajantes oriundos de todo o país. Desde então, o entorno doposto passou a ser frequentado por trabalhadoras e trabalhadores do sexo quetinhamoscaminhoneiroscomoprincipaisclientes.Concomitantemente,no localonde surgiria o território do Zero, foram sendo construídos motéis ondepernoitava parte desses transeuntes.Contudo, devido à crescente urbanização arodoviaBR364deulugaràAvenidaUlissesPompéudeCamposeointensofluxode caminhoneiro deixou de existir,mas, os “pontos” de prostituição não. Estesmigraramparao localondeseestabeleceramosmotéis,esuaclientela,outroraformada basicamente por caminhoneiros, tornou-se heterogênea, formada porhomenscidadãosdeVárzeaGrandeeCuiabá.

Mapadelocalizaçãodo“territóriodaprostituiçãodoZero”

Fonte:SEPLAN(2011);imagem:GoogleEarth(sensorspot,29/08/2016).Elaboração:Sales,J.C.(2016).

Oterritórioemquestãopossuipeculiaridadesquediscutiremosapartirdosseguintes conceitos geográficos: território, territorialidade, espacialidade ecentralidades. Se o espaço, conforme nossa compreensão, está em constantetransformação (a própria formação do Zero enquanto território da prostituiçãoconfirma tal afirmação) e só pode ser compreendido a partir das relaçõesespaciais, cabe àGeografia enquanto ciência do espaço analisar os fenômenosinerentes à produção deste. Aqui, entendendo o trottoir como um fenômenoespacial,alémdesuaclássicacaracterizaçãopsicossocial.

Dispomosdeumametodologiaquesedivide,sobretudoemduasetapasquese complementam resultando na elaboração do presente trabalho, a saber:pesquisa bibliográfica e pesquisa de campo. No tocante à pesquisa de campo,utilizamos o método qualitativo desenvolvido através de entrevistas diretivasrealizadas por meio de um roteiro de entrevistas semiestruturado. O pequenonúmero de entrevistas se justifica por conta do critério de saturação queempregamos,tendoemvistaqueoconteúdodasmesmasfoiefetuadodeacordocom o objeto e as agentes da pesquisa. Ambos, consubstanciados por préviafundamentaçãoteórica.Assimsendo,asquestõeselaboradasnãoinduzemaumaoscilaçãomaiorqueduasou trêsvariáveis,mas,noqueconcerneaoconteúdo,

nospermiteumaanáliserepresentacionalconsiderável.

TERRITORIALIDADESEESPACIALIDADESDOZEROCertamente,umdosaspectosmaisfascinantesnasespacialidadesmarginais

équeelasnãoseguemumaordemespecífica,porserem“táticas”cotidianasenão“estratégias” teóricas seu controle é impossível, podem ser mensuradas, masnuncadominadascompletamente.Nãoédiferentecomotrottoir2dasmulheresnoZero, conforme constatamos empiricamente. Quando pesquisamos sobre acondiçãohistóricadaprostituiçãoocidental,vemoscomParentetal. (1950)naIdade Antiga ou com Rossiaud (1991) na Idade Média que tal conjuntura serepetia, salvo as peculiaridades de cada situação.Demodo que, pressupomos,não exista a liberdade total assim como não existe a total falta dela, asespacialidadestornam-semistosentrepossibilidadeseimpossibilidadese,comouma práxis, ocorrem no ato de fazer. É na ação espacial que a vida humanaindividualecoletivasedesenvolve.

Apráxisé,porcerto,umaatividadeconsciente,sópodendoexistirna lucidez;maselaédiferentedaaplicaçãodeumsaberpreliminar[...]Elaseapoiasobreumsaber,masesteé sempre fragmentário e provisório. É fragmentário, porque não pode haver teoriaexaustiva do homem e da história; ele é provisório, porque a própria práxis faz surgirconstantementeumnovosaber,porqueelafazomundofalarnumalinguagemaomesmotemposingulareuniversal(CASTORIADIS,1982,p.95–grifosdoautor).

A dialética entre as possibilidades e as impossibilidades é uma condiçãopresentenaanáliseespacial.EstácontidanasterritorialidadesdasprostitutasdoZeroe,possivelmente,emqualqueroutra.OZeroseapresentacomoumterritóriode possibilidades àquelas que almejam a prática do trottoir, mas ao mesmotempo, no âmbito da prostituição, impõe restrições de uso, normas decomportamento,maneirasdeagir.Aapropriaçãoespacialépossível,masrequeradequaçãoàscondutasaceitáveisàpráticasocioeconômicalocal.Ficaevidenteque as espacialidades cotidianas da prostituição fizeram surgir ali um “novosaber”. Aqui, é possível uma aproximação com uma ideia constantemente

presente nos estudos sobre o cotidiano de Certeau (1994). Este distingueestratégiaetáticanaspráticascotidianas.

Chamode“estratégia”ocálculodasrelaçõesdeforçasquesetornapossívelapartirdomomentoemqueumsujeitodequererepoderé isoláveldeum“ambiente”.Elapostulaumlugarcapazdesercircunscritocomoumpróprioeportantocapazdeservirdebaseaumagestãodesuasrelaçõescomumaexterioridadedistinta[...].Atáticasótemporlugarodooutro.Elaaíseinsinua,fragmentariamente,semapreendê-lo por inteiro, sempoder retê-lo à distância. Ela não dispõe de base onde capitalizar osseus proveitos, preparar suas expansões e assegurar uma independência em face dascircunstâncias(p.46).

As territorialidades exercidas no âmbito da prostituição parecem inter-relacionar estratégia e tática. Tal fenômeno é possível pelo fato de o espaçoassumir um conteúdo funcional para as prostitutas, pois exercem nele umaatividade econômica, da qual muitas devem a sua sobrevivência e a de suafamília. Por conseguinte, cria-se a necessidade de territorializar as áreas deatuação fazendo surgir certas normas semelhantes a muitas já instituídas nasociedade moderna – como a apropriação espacial bem delimitada análoga àpropriedadeprivada.Noentanto, tais“normatizações”ocorrememumcontextode informalidade,ondeoespaçopúblico, inalienável, torna-sealvodedisputasterritoriaiseonde,muitasvezes,adespeitodaspretensões,cria-seumambientecomcaracterísticaspróprias,nestecaso,ligadasàprostituição.

Aquiéumlugarbom,éumlugarperigosoparaquemprocura...euaprendialidarcomaspessoas,váriostiposdepessoas, jáfiqueicomdrogados,gentebêbada, jáaguenteinoiado3... é tanta situação... eu convivo em qualquer lugar depois desseZero...sevocêtrabalhounoZerovocêtemcoragemdetrabalharemqualquerlugar(ISADORA,2016–pesquisadecampo).

AspalavrasdeIsadora(2016)nospermitemobservarqueoZeroexigedequem nele exerce o trottoir um tipo específico de comportamento, certamalemolênciaparece ser imprescindível a quemali deseja continuar exercendotal atividade. Neste sentido, tanto as “táticas” de Certeau (1994) quanto a“práxis” de Castoriadis (1982) corroboram à análise das espacialidadesocorridasnoâmbitodasterritorialidadesexercidaspelastrabalhadorasdosexo.Impossibilitando, neste contexto, a distinção entre as “estratégias” e “táticas”

definidasporCerteau.Estapeculiaridadecomportamentalqueoradenominamosporespacialidadeorapor territorialidadedaprostituiçãoéobservada,decertaforma, em todasas entrevistadas.Estedadonos foi revelado,pois fazpartedavivênciadasprostitutas,sendoquenãoéarespostadeumaperguntaespecífica,estaproblemáticafoirecorrenteemváriosmomentoseemdistintasquestõesdenossoroteirodeentrevista.Outraentrevistada,porexemplo,quandoquestionadasobreaviolênciaemsuarotinadetrabalho,respondeu:

Quandovocêcheganaruatemqueterumobjetivo,detrabalharquieto,vocênãovê nada, não ouve nada, do jeito que você chegar você tem que ir embora, secometerumapalavraerradaaqui,vocêsecomplica.Aquinãotempai,nãotemmãe,nãotemninguém;porqueahoraqueapolíciapassavocênãoestáenãopensaqueapolícia vai estardo ladonossoporquenãoestá, estádo ladodocliente.Falamqueodinheironãocompranada,mascompraosilêncio (CACAU,2016–pesquisadecampo).

Ocomportamentodistintoqueapresentamnãoéverificávelapenasapartirdasentrevistas,tambémnasobservaçõesvisuaisintrínsecasàpesquisadecampoé possível constatar tais práticas. Insistimos neste ponto, pois é precisocompreenderque,adespeitodaspredeterminaçõesdeusodoespaçooudecertaconcepção que se possa ter, ele não é estático. Entretanto, esta concepçãoparticular é apenas possível compreendendo o espaço como algo em constantemovimento,cujaspráticasespaciaispropiciamoinsólito.

Umadesterritorialização implica emnova territorialização (HAESBAERT,2006), e as territorialidades das prostitutas são assim exercidas. Aimpossibilidadedeocuparascentralidades,porexemplo,temcomoconsequênciaoexercíciodotrottoiremáreasperiféricas.Haesbaert,tambémdiscuteacercadoempoderamento como atributo indispensável para garantir o máximo deterritorialidades possíveis em uma cidade. Tal conquista não se deveexclusivamente à capacidade econômica de determinado indivíduo,mesmo queestasejaumacondiçãoimprescindível,“multiterritorialidadedependesobretudodo contexto social, econômico, político e cultural em que estamos situados”(2006,p.354).Nestetrecho,Haesbaerttratadetiposdeapropriaçõesespaciais

muito mais sutis que as estudadas em nossa pesquisa, mas mesmo nessas,percebe-sequeopodersemostrapresente.É,pois,necessárioesclareceranossacompreensãosobreopoder,pautadosemArendt(1985,p.24),queafirma,

o“poder”correspondeàhabilidadehumanadenãoapenasagir,masdeagiremuníssono,em comum acordo. O poder jamais é propriedade de um indivíduo; pertence ele a umgrupoeexisteapenasenquantoogruposemantiverunido.

Neste sentido, acreditamos que o ato de se empoderar no Zero enquantoterritório da prostituição, é o mesmo que seguir as normas de condutaestabelecidas; é agir de acordo com os códigos comportamentais referentes àterritorialidade que se inter-relaciona à atividade referida. O que sugere anecessidadedeseadaptaraoambienteemquestão.Destemodo,opoderestánaspráticascotidianasdesenvolvidasentreasagentessocioespaciais,asquaisdevemse empoderar a fim de assegurar sua permanência no local damelhormaneirapossível. Logo, o poder é como uma inteligibilidade própria do território, ouseja, não é de propriedade exclusiva de nenhuma das agentes pesquisadas –apesardeconstatarmosqueexisteumadisparidadedeempoderamentoentreelas,oqueseexternalizanosprópriosperímetrosqueterritorializam.

CENTRALIDADEEPERIFERIAOZeroenquantoterritóriodaprostituiçãopossuicentralidadesprópriasdas

territorializações condizentes à função. Alguns perímetros apresentamconcentraçãomaiorde“pontos”esãomaisdisputadosentresuasocupantes.Ascaracterísticas físicas são relevantes no tocante à conformação de umacentralidade, pois, no território em questão, se apresentam próximas aestabelecimentosdegrandefluxodepessoascomoosmotéismaismovimentadoseasboatesdalocalidade.Noentanto,comoveremosadiante,osaspectosfísicosda área, apesar de relevantes, não são os únicos fatores que devem serconsideradosquandoanalisamosumacentralidade.Oprópriocomportamentodasprostitutasemperímetroscomoestesédistintodaqueleapresentadopormulheres

queterritorializamtrechosdemenorconcentraçãode“pontos”deprostituição.Nasproximidadesdasboatesedealgunsmotéis,porexemplo,onúmerode

mulheres praticando o trottoir é consideravelmente maior em comparação aperímetros distantes destes empreendimentos. Se, conforme já afirmamos, ascaracterísticas físicas desses locais têm relevância no desenvolvimento dascentralidades,suaformaçãodeveserentendidacomoumfenômenosocioespacial,produzidodeacordocomasrelaçõesentreseusagentesprodutores.

Entendemosque é atémesmoarriscado afirmarque asprostitutas, por seutipo de territorialidade, não produzam formas espaciais concretas, pois, se asmesmas não o fazem diretamente, ao menos a partir de suas territorialidadescotidianascorroboramparaaefetivaçãoconcretadeempreendimentosligadosàatividadequeexercem–descobrimos, apartir depesquisaspertinentes,que asboatesseinstalaramposteriormenteàchegadadastravestiseprostitutasnolocal.

A discussão acerca dos conceitos de centro e periferia é pertinente àGeografianamedidaemquetaisexpressõessãotambémfenômenosinerentesaoespaço geográfico. Optamos em nossa análise, devido em parte ao recorteespacial escolhido,porumaabordagemdistintadaclássicadivisãoentrezonascentraisezonasperiféricas.Nãoqueremosaqui,debatersobreavalidadedestetipodeanálise,ofatoéqueemumaabordagemmaisgeneralizadoranossoobjetode pesquisa estaria fadado ao desaparecimento, o que comumente ocorre emcertasinvestigaçõesquenãoabarcamproduçõessocioespaciaisverdadeiramentedinâmicas. “Enfim, o desafio é restabelecer a dialética entre centro ecentralidade,pensandooslugarescomoformas-conteúdodiversas,comobrechasespaciaisnocontextourbanoemetropolitano”(SERPA,2011,p.107).

Algumas análises parecem mesmo considerar o espaço do modopreconcebido,comose,inadvertidamente,ignorassemamáximadaGeografiaqueocaracterizaemseusaspectos:físicoesocial,históricoeatual,localeglobaldemodointrínseco.Aanálisecomparativaentrecentroeperiferiadeverialevaremconsideração o aspecto etimológico dos termos e não sua representação fixa,exclusivamentegeométrica.

Oslugarescentrais,taiscomosãodefinidospelageometria,escondemumarealidademaisprofunda: resultam da probabilidade diferencial das nodosidades humanas que fazememergirumarelaçãodepodercomolocal(RAFFESTIN,1993,p.187).

Dessa forma, lugares centrais ou centralidades e áreas periféricas seriamtermosmais pertinentes para se pensar geograficamente a realidade urbana talcomoseapresenta:polissêmica.Issosignificadizerquepodehavercentralidadesmesmodentrodeáreasperiféricas,pelomenoséoquedefendemosnapresentediscussão.Discorrendosobrea impossibilidadedeseanalisarascidadescomounidadesespaciais,Sposito(2014,p.134)escreve:

[...] não há unidade espacial, porque a ação sobre o espaço e a sua apropriação sãosempreparcelares,nacidadeatual.Diferentespessoasmovimentam-seeapropriam-sedoespaço urbano de modos que lhes são peculiares, segundo condições, interesses eescolhasquesãoindividuais,masquesão,também,determinadoshistoricamente,segundodiversas formas de segmentação: idade, perfil cultural, condições socioeconômicas,segmentaçãoprofissional,preferênciasdeconsumodebenseserviçosetc.

Nas territorializações da prostituição as apropriações espaciais ocorremobedecendoaumalógicaprópriadoambiente,oumelhor,a“produçãoespacial”realizada no contexto da ocupação cria toda umamicroesfera de relações quecomportaregraspeculiaresaoespaçoque“produzem”.Nãosepodeestudarumfenômenoespacialsemanalisarasrelaçõesdesua“produção”responsáveisporsua formação. Assim mesmo, é preciso reconhecer, nosso recorte analítico(trottoir exercido por mulheres) é incapaz de uma análise conjuntural, pois oterritório da prostituição do Zero comporta um universo mais amplo de inter-relações espaciais, do qual a presente pesquisa é apenas uma entre tantaspráticas.

É de nossa compreensão que o espaço existe de modo relacional, comoelucida Lefebvre (1999, p. 74, grifos do autor), “o espaço é tão-somente ummedium, meio e mediação, instrumento e intermediário, mais ou menosapropriado,ouseja, favorável.Ele jamais temexistência ‘emsi’,mas remeteaalgumacoisaoutra”.Caberáaoanalistainterpretá-loemsuadinâmicarelacional.

Osconceitosgeográficos,comooterritório,porexemplo,devemasuaexistênciaao espaço, eles não o produzem, são verificáveis nos processos e dinâmicasinerentesaele.Omesmoéválidoparaarelaçãocentro-periferia,estanãodevesercompreendidanosentidogeométricoesimespacial–quersejarelacional–,envoltaporrelaçõesdesiguaisdepoder.

NoZero,ocomportamentodasprostitutassedistingueemconformidadecomseu perímetro de atuação. Devaneios como aqueles usualmente cometidos porprostitutasque fazemusodeentorpecentesemseus“pontos”,nãosão toleradosnascentralidades.Háumaespéciederegradecondutaentreasprostitutaslocais,ecomportamentosdesviantespodemlevaràexpulsãodaquelasqueoscometem,ou mesmo à incapacidade de territorializar áreas mais profícuas à prática emvoga.Dessemodo, asprostitutasviciadasacabamporocuparzonasperiféricaspouco assediadas, cujo fluxo específico de clientes é menor. Devido a seucomportamento, algumas dessas prostitutas, além de serem malquistas nascentralidades, entram frequentemente em conflito com os moradores quereclamam de suas atitudes consideradas, por vezes, incompatíveis com omeioque frequentam. Além da acusação do possível envolvimento com usuários deentorpecentes que praticam pequenos furtos na localidade. Atitudes assimcorroboramcoma “má fama”das prostitutas, pois algunsmoradores, conformeobservadoemcampo,costumamgeneralizarasatitudesobservadasemalgumasatodasastrabalhadorasdaprostituição.

[...] As pessoas têm uma ideia muito errada das garotas de programa aqui e emoutroslugares:elasachamqueagenteestáaquiporqueestámexendocomdrogas,combebidas,masnãoé; temmuitasmeninasaquique fazem faculdade, temcasa,carro, não vivem só de drogas, eu, por exemplo: não fumo, não bebo, não usodrogas, não transo sem camisinha, faço exames frequentemente... A maioria dasmeninas aqui são assim, as pessoas têm uma ideia muito errada da gente(ISADORA,2016–pesquisadecampo).

Sejacomofor,observamosqueocaráterprofissionaldispensadoporpartedasprostitutasqueexercemotrottoirnascentralidades,emnadadeveàqueledetrabalhadores que se dedicam com apreço a suas respectivas ocupações.Nada

mais óbvio, se considerarmos a relevância econômica do local à atividade.Isadoratrabalhanoperímetrodemaiorconcentraçãode“pontos”noZero,ondeofluxodeveículoéintenso,assimcomoosãoastrocasenvolvendoaocupaçãoemquestão.Veículos particulares ou de empresas transitam a todo omomento e o“jogo” de insinuações mútuas acontece às claras sem nenhum embaraço. Otrottoir é a prática que define a identidade circunscrita, onde a sensualidadevulgar encobre o esforço físico e mental, a dedicação e assiduidade e, porconseguinte,anecessidadedeseguirasregrasdecondutaasquaistaismulheresestãosubmetidas.

PODER E VIOLÊNCIA NAS TERRITORIALIDADES DAPROSTITUIÇÃO

Apesar de ter-se produzido ao longo do tempo um ambiente próprio dasterritorialidades concernentes ao trottoir, não é possível dizer que taisespacialidades estejam estagnadas, no sentido de que não teria contingência anovas práticas. Conforme constatamos em entrevistas, muitas mudanças a esterespeitoocorreramcomopassardosanos.Naseguintepergunta:comoéfeitaadistribuiçãodos“pontos”deprostituição?Pretendíamosdescobrirsehaviaalgumtipo de hierarquia e se houvesse, de que modo se estabelecia; almejávamoscompreenderque tiposde espacialidades sedesenvolviamquandoda iniciaçãodasmulheres no trottoir noZero e quais possibilitavam suas permanências emdeterminadas áreas. Enfim, como esperávamos, obtivemos muito mais do quenossas pretensões podiam delimitar em um simples enunciado, e este é umaspecto que não surpreende, tendo em vista que as relações espaciais sempreextrapolam o que está contido nas pretensões teóricas. De qualquer forma,retornando à pergunta precedente, entre as respostas podemos destacar asseguintes:

Hoje em dia é através das mais velhas, mas na época que eu entrei tive queenfrentarasmaisvelhas,eufuiumadasmaisnovasquandoentrei,enfrenteiasmaisvelhase fiqueinestepontoedaquininguémme tirou (CACAU,2016–pesquisade

campo).

Vale lembrar que Cacau, apesar de não praticar o trottoir em localconsiderado periférico em relação à atividade no Zero, não ocupa ascentralidades cuja disputa territorial émaior, bem como o número de “pontos”porárea.Esta,divideo“ponto”comsuacolegaCarlaque respondeuàmesmapergunta,assim:“nãosei,eupediparaadonadomotelpra ficaraqui.Nãodáprairchegandoeficandoporqueasmulheresnãodeixam,né?”(CARLA,2016–pesquisa de campo).Nosdois exemplosprecedentes, as prostitutas ocupamumperímetro próximo a motéis, bares e boates, cujo fluxo de veículos érelativamente alto.Todavia, operímetro emquestãonão é tão almejadoquantoaquelesditoscentraisnocontextodaprostituição.Nãoobstante,àmedidaemquetais áreas passam a concentrar número expressivo de “pontos”, tendem a ficarcada vez mais disputadas. Com esta hipótese, de certa forma confirmada emcampo, supomos que nas primeiras territorializações não havia tanta disputaterritorial,masapartirdomomentoemqueaquantidadedepontosaumentou,osconflitosforamaparecendoeasformasdecoerçãoseintensificando.

Paradiscutirumpoucomaissobreestaquestãoilustraremosoutrasrespostasreferentesàdistribuiçãodos“pontos”.Aentrevistada3,quepreferiumanteremsigilo também o nome fictício, trabalha em um “ponto” em frente a ummovimentadomotel,estánoZerohá20anosefazumadistinçãoentreoanteseoagora, responde ela: “hoje em dia está tudo ‘junto emisturado’ (risos).Mas émeio complicado ir chegando, pois as outras costumam tirar, eu nunca fiz isso,acho que não tenho esse direito, mas até as mais novatas costumam tirar”(pesquisadecampo).Oqueelachamade“tudojuntoemisturado”condizcomaprópriatransformaçãodolocalemterritóriodaprostituição,atéporque,comoamesmaafirmamaisadiante,“hávinteanossótinhatravestisaquinasruas,mulhernãotinha;narealidadefuieueessaamigaqueacabamosfazendoessemovimentoaqui. As travestis trabalhavam à noite e nós começamos a trabalhar de dia”(ENTREVISTADA3,2016–pesquisadecampo).

Ofatodeaentrevistada3praticaro trottoirnoZerohámais tempoqueamaior parte das mulheres a coloca em situação privilegiada em relação às“novatas”. Como podemos perceber, o pioneirismo é um dos aspectos maisimportantes da hierarquia das territorialidades locais. Tal importância seapresentatambémnafaladeIsadora(2016),aqualseapropriadeumperímetrodoZeroqueapresentasignificativaconcentraçãode“pontos”deprostituição.Elaexerce o trottoir em uma calçada em frente a um movimentado motel dalocalidade, esta área é considerada em nosso trabalho como sendo umacentralidadedaprostituiçãodentrodoterritórioestudado.

Naverdade,quemmecolocouaquinãoestámaisaqui,aCamilanãotrabalhamaisaqui...aquipravocêficarnaruasempagar,sóseumameninamaisvelhacolocarvocêepedirparaasoutrasmeninasparavocêentrar.Docontrário,vocêpagapraficaroudezporsaídaoucinquentapordia,umdosdoisvocêpaga,vocênãopodechegareirficandosósevocêprocurarumcafetãoouumacafetinaparacuidardevocê, mas se você chegar aqui você apanha. [...]. Se você colocar alguém e deralgumproblemavocêéexpulsatambém,eununcadeiproblema,elamecolocoueeununca dei problema. [...] aAmanda foi expulsa daqui... ela colocou ummonte demeninas e as outras expulsaram ela daqui. [...]. Aqui todo mundo se odeia e seama... sevirvocêapanharelassedoem,sevocêpassarmal tentamajudar,masarivalidade é normal entre mulheres, principalmente quando rola muito dinheiro,porque aqui é um lugar que rola muito dinheiro (ISADORA, 2016 – pesquisa decampo).

O relato acima nos permite discutir tipos de coação distintos daquelesoriundos da relação direta entre as prostitutas, sendo evidenciada a ação deoutros agentes nas territorialidades tratadas. Logo, para se prostituir nestacentralidade, de acordo com Isadora, faz-se necessário, além de se adequar àsnormasdeconduta,pagarcertovaloremdinheiro,serindicadaporpredecessoraou “procurar um cafetão ou uma cafetina”, mas, neste último caso, corre-se orisco de agressão por parte de suas “vizinhas” de ponto. Vale lembrar quealgumas entrevistadas nãomencionaram a necessidade de pagar qualquer valorparaexercero trottoir, épossívelqueeste sejaumprocedimentoocorridonoslocaismaisprofícuosàatividade.ArespostadeIsadoranosajudaarelacionarostiposde coerção comas espacialidades em seusvariados aspectos, elucidando

que, no limite, todas essas práticas espaciais corroboram a existência dasdistintasterritorialidadesdoZero.

Andreia (2016), que trabalha no Zero há dezessete anos, contribui paracompreendermos como eram e como estão sendo realizadas as delimitações de“pontos”deprostituição,afirmaela:

Uma amigaminha trouxe eu para a Telemat4, da Telemat já conhecia as meninasdaqui; nós vínhamos nos motéis aqui e fomos pegando amizade e fui ficando.Aquela época não tinha isso aqui (se referindo às coerções em relação àapropriaçãodos“pontos”)hojetem.Hojeninguémchega!Elasficamnasboatesoupagamascafetinasparaficar(ANDREIA,2016–pesquisadecampo).

Novamente é mencionada a prática de cafetinagem no contexto dasterritorializações locais. Até que ponto tal prática é nociva ou benéfica àsmulheressubmetidasaelanãopodemosconcluir,masoquesabemos,atravésdenossasentrevistadas,équeestápresentenasespacialidadesocorridasnoZero.É,na verdade, mais uma entre tantas práticas espaciais que se desenvolve nocotidiano da prostituição, e se é proibida, pois se configura como exploraçãosexual, parece ser recorrente, a seu favor tem-se a prerrogativa de oferecerproteçãoaquemdeseja seprostituir.De fato, este éum instrumento atravésdoqual as prostitutas que recorrem a ele buscamgarantir sua permanência emumterritório cujas práticas espaciais exigem, de uma forma ou de outra, certoempoderamentoporpartedesuasocupantes.

Sobreoproblemadadisputaterritorial,ondeacafetinagemseentremeianodiaadiadetrabalhodasprostitutasestudadas,Gabi(2016),quetrabalhanoZerohá quinze anos e foi, como tantas outras, trazidapor uma amiga, responde: “jábrigueicomalgumasmulheres,quandonãogostonãoqueroquefiquemperto.Jáchegou cafetina querendo cobrar por ‘ponto’ e tive que brigar” (pesquisa decampo).Destemodo,constata-sequeaquestãodorufianismonãoéaceitacomoregra em todas as territorialidades ali exercidas, nem todas as mulheres estãosubmetidas a esta prática.Ainda assim, semostra comumno contexto estudadosendo, como dito anteriormente, a quem a ela se submete, instrumento de

legitimidadenabuscaporapropriaçãoespacial.Quandoquestionadasobrecomoocorreaapropriaçãodos“pontos”,afirma

Gabi:“Geralmenteamulherencostano‘ponto’eseapropriadele–ficajuntosóquemelaquer.Aqui,vencequemémaisforte”(pesquisadecampo).Desdelogo,arespostaprecedenteparecereferir-seàforçafísica,masnãoépossívelafirmarqual sentido (émais provável que abranjamais de um) o “vence quem émaisforte” assume, pois, como nos foi permitido constatar, a violência física não épropriamente o instrumento de empoderamento mais eficaz naquelasterritorialidades. É o que verificamos ao observar a entrevistada 3, que seconsideraumadasprecursorasdotrottoirdemulheresnoZero.Esta,quedivideo “ponto” com Gabi, demonstra um comportamento brando não apenas pelasrespostas que declarou, mas pelos aspectos físico e mental observados nomomentodaentrevista.Comocitamosemoutroparágrafo,aentrevistada3sabiada existência das coerções espaciais ocorridas. No entanto, a tal respeito,respondeu:“eununca fiz isso,achoquenão tenhoessedireito,masatéasmaisnovatascostumamtirar”(pesquisadecampo).

Noque tangeà relaçãoentrepodereviolênciaéoportuno registrarque,adespeito de nossa primeira compreensão, não faz sentido algum afirmar que setratamdesinônimos,antes,deacordocomArendt(1985,p.23):“aformaextremadopoderresume-seemTodoscontraUm,eaextremaformadaviolênciaéUmcontraTodos.Eestaúltima jamais épossível sem instrumentos”.Neste caso, épossível dizer que quando uma prostituta deseja se apropriar de determinadaárea,mas não possui os atributos necessários para tanto, o que lhe dotaria depoderfazendocomqueestivesseemconformidadecomasdemaistrabalhadoras,éindispensáveloempregodealgum“instrumento”decoerçãoquelhegarantaodireito de ocupar e permanecer no local, é neste momento que surge comodispositivocoercitivoorufianismo,porexemplo.

A distinção feita por Hannah Arendt entre poder e violência pôde serevidenciadaemcampo,quandoperguntamosaIsadora(2016)sejáhaviavividoou presenciado alguma experiência de violência entre colegas de trabalho. Ela

nosrespondeuoseguinte:

Já,alino fundomesmo, tiraramaAmandadepoisdemuito tempo,reuniram“todomundo”eaidaquelaquenãofosse.Eutambémfui,simplesmentefiqueiempé(hojeeu ainda sou colega dela, compro salgado dela, ela vende salgado hoje), aíenquanto“amulher”nãofoiemboranãosossegaram,amulhertinhamaisdevinteanos de Zero, tiraram! [...]. Ela trouxe umas mulheres de fora, dizem que umasmulheres muito bonitas de fora, umas loiras. Aí só elas saíam e as outras nãoestavamsaindo,enquantoasmeninasdela faziamdezadozeprogramasasoutrasnão faziam nenhum, foi por isso. Ela era cafetina, foi por isso que tiraram(ISADORA,2016–pesquisadecampo).

Esterelatodemonstracomoodesvioàsregrasdecondutapodecustarcaroaquem o comete. E a ideia de Arendt (1985) ligada às informações dasentrevistadas,corroboraacompreensãodequevalemuitomaisamalemolênciadeseguiras“normas”produzidasapartirdasterritorialidadescotidianasentreasprostitutas do que qualquer outro tipo de conduta que desvie daquilo que foi“produzido”pelapráxisdeseusagentessocioespaciaisaolongodotempo.

Paira no ambiente de prostituição, sobretudo naqueles mais densamenteocupados,umainteligênciaprópriadaquelecontexto,estanãocabenosrelatóriosdos urbanistas ou nos trabalhos acadêmicos que o pretendam abarcar, pois éapenasplenamentecompreendidanomomentodesuaexecução.Napráxiséqueserealizatalconhecimento,masestaéapenasdefatoconhecidaaquemapratica.Destemodo,contentamo-nosemapontá-la,emrelatarasuaexistênciaeapartirdissoanalisarasterritorialidadesexistentes.

Se, como afirmaArendt (1985), “a forma extremade poder resume-se emTodos contraUm” é plausível também afirmar que o poder não é propriedadeexclusivadealguém,“pertenceeleaumgrupoeexisteapenasenquantoogruposemantiver unido” (ibid., p. 24). Outro autor que contribui à compreensão depoderéMichelFoucault,esteoentendenãocomoalgoestáticoquepoderiasertomadocomexclusividade,esimalgoqueestáemmovimentocontínuo.Foucault,emsua“genealogiadopoder”afirmaqueopoderdeveserentendidocombaseem suas “técnicas e táticas de dominação”. Não sendo exclusividade de umaclasse ou de uma instituição, logo, o poder faria parte das mais elementares

relaçõeshumanas (FOUCAULT,2012,1999).Assim,nosparecequeopoder éumacategorialcrucialtantoparaArendtquantoparaFoucault,contudo,paraesteo poder paira no ambiente, enquanto para aquela, é inerente ao ser humano.Apesar de aparentemente contraditórios, acreditamos haver certacomplementação entre os autores, sobretudo, quando da análise dasespacialidadeseterritorialidadesdaprostituiçãonopresentetrabalho.Istoé,umaprostitutapsicologicamenteempoderadaestámaiscapacitadaaterritorializarosmelhores“pontos”,mesmoqueparaissodevarecorrerainstrumentoscoercitivosexternos.Dessemodo,recorremosàspalavrasdeLefebvre(1999),queafirmaseroespaço“meioemediação,instrumentoeintermediário”.

Ofenômenodasespacialidadesinerentesàprostituição,asterritorialidadesdiárias que corroboram a formação do território aqui estudado, bem como ométodo de apreensão desta problemática cujo escopo é o poder inerente àsrelaçõesdeforça,podemsercompreendidosnaspalavrasdeFoucault(1999,p.88-89):

Parece-me que se deve compreender o poder, primeiro, como a multiplicidade decorrelações de força imanentes ao domínio onde se exercem e constitutivas de suaorganização; o jogo que, através de lutas e afrontamentos incessantes as transforma,reforça, inverte [...] é o suporte móvel das correlações de força que, devido a suadesigualdade, induzem continuamente estados de poder, mas sempre localizados einstáveis.

May(1981),discutesobreoefeitonegativodafaltadepoderàspessoas,emsua abordagem ele trata do poder de modo ontológico, tem por objetivocaracterizar causas e consequências psicológicas deste a indivíduos e àsociedadeestadunidense.Muitoembora,nopresenteestudoestejamosdiscutindosobreopodernoquetangeàsterritorialidadesdesenvolvidaspelasprostitutasnoâmbitodesuaatividadeeconômica,éimpossívelsepará-lodosoutroscontextosdevidadaspesquisadasemquestão.

Umaprostitutasuficientementeimpotente,cujasatitudesdenunciamsuafaltade poder (a agressividade, por exemplo) é, inevitavelmente, incapaz deterritorializar as áreasmais profícuas à prática do trottoir, exceto quando não

houver nenhuma norma de conduta preestabelecida – o que não é o caso doterritório em questão. Portanto, uma trabalhadora que esteja por algummotivoincapacitadadeseautoafirmarenquantoser, como,porexemplo,asprostitutasviciadas em droga (ditas noiadas), estará, por conseguinte, impossibilitada deterritorializar as áreas mais propícias ao desenvolvimento de sua atividadeeconômica,encontra-se,nestecaso,relativamenteimpotente.

Seétênuealinhaquedistingueespacialidadedeterritorialidade,emnossoestudo ela parece nem mesmo existir. Acontece que o ambiente analisado foiproduzidopelasterritorialidadesdeseusagentessocioespaciais,quasetudoqueali se observa no contexto da prostituição são relações de poder inter-relacionadas àquele espaço. É interessante como uma parcela relativamentepequenadoespaçodeumacidadepodecontertantosfenômenosgeográficos.Porhora nos convém discutir acerca daquilo que propomos desde o início: asterritorialidades e espacialidades do trottoir de mulheres no Zero. Mas nãosignificaque se encerra adiscussão, o espaço, tal qual o compreendemos, estásempreabertoaoinédito,poiseleéinerenteàpráxishumana.

Logo, a espacialidade “existe, ontologicamente, como produto de umprocesso de transformação, mas continua sempre aberta a transformaçõesadicionais nos contextos da vida material” (SOJA, 1993, p. 149); enquanto aterritorialidadeé‘atentativa,porumindivíduoougrupo,deafetar,influenciar,oucontrolar pessoas, fenômenos e relações, ao delimitar e assegurar seu controlesobrecertaáreageográfica”(SACK,2011,p.76).Nãoobstante,acreditamosqueestes dois conceitos geográficos, mesmo que possam ser distinguidos, não seexcluem,pelocontrário,secomplementam.Assimcomoaquiloquesepensaeoqueseexternalizaapartirdospensamentosnãoéamesmacoisatampoucoalgodistinto.

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1Dofrancês:caminhar.Dizrespeitoàprostituiçãoexercidaemcalçadaseviaspúblicas.

2Dofrancês:caminhar.Dizrespeitoàprostituiçãoexercidaemcalçadaseviaspúblicas.

3Diz-sedepessoasviciadasemdrogasilícitasequefazemusodestasemruaseambientespúblicos.Geralmenteotermoestáassociadoapessoasdebaixarendae/ouqueestejamemsituaçãoprecáriadopontodevistaexistencialesocioeconômico.

4TelecomunicaçõesdeMatoGrossoS/A.

AHETEROTOPIADAPROSTITUIÇÃOTRANSNACIDADEDEFEIRADESANTANA-BA

[email protected]

InstitutoFederaldeAlagoas–campusBatalha/IFAL

INTRODUÇÃOOfenômenodaprostituição,sobretudoaquelesegmentoqueseespalhapelos

centrosurbanos,éestudadoporváriasabordagens teóricasemetodológicasemmuitas ciências. Na Geografia, vertentes marxistas e pós-marxistas deramdiferentes visões sobre as espacialidades e processos geográficos oriundosdestes ou para estes.Esses estudos ganharam tônica como novodesenrolar daNovaGeografiaCultural,maisfenomenológica,hermenêuticaedecolonial.

Forado territóriodosabergeográficoexistemalgunsautoresqueentraramno universo Trans e realizaram um mapeamento socioantropológico sobre ofenômenodaprostituiçãoerelacionaramsuasquestõesdepesquisacomoespaço.Aqui, destacamos as obras de Perlongher (1987), Benedetti (2006) e Pelúcio(2007)quetrataramdaprostituiçãodemichêsetransemcidadesdoCentroSuldo Brasil. Justificamos a presença dos estudos de Perlongher (1987) sobremichêsporentenderquea rededeprostituiçãode rua,naescaladeSãoPaulo,entrelaçainterseccionalidadescomasrealidadesTrans,tantodeconflitocomodecooperação.

DentrodaNovaGeografiaCulturaltrabalhosespacialmentedistribuídosemvários programas de pós-graduação trazem a questão da prostituição comoproblemática,entrelaçandonovosarranjosteóricosmetodológicosparafugir,namaioria dos casos, da velha tradição geográfica marcada pelaheteronormatividade científica que priorizava temas, linhas e esboços

metodológicosdepesquisa.DentreelespodemosdestacarostrabalhosdeOrnat(2007, 2008), Ribeiro (1997), Barbosa e Pimentel (2011) que, por meio dacategoriaterritório,traçamconsideraçõessobreaprostituição.

ParaOliveira (2016), a pesquisa sobre os territórios indica que estes sãoproduções sociais dialéticas entre seus agentes formadores e reorganizadores.Comoproduçãosocial,osespaçosdeprostituição,concentrados,emsuagrandemaioria, nas áreas centrais das cidades, estão carregados de histórias queexplicamaintenção,oprocessodesuaformaçãoeasinter-relaçõesestabelecidascom as outras esferas do cotidiano socioespacial, como estudaram Oliveira(2009a,2009b)nacidadedeFeiradeSantana-BA,Oliveira(1994)emSalvador-BA e Ornat (2007, 2008) em Ponta Grossa-PR e Ribeiro (1997) no Rio deJaneiro,entreoutrosestudosdecaso.

Como foco de outras análises, Oliveira (2009a, 2009b e 2016) destaca acentralidadedaprostituiçãoemFeiradeSantana-Bahia,aolongoeporentreasAvenidas Getúlio Vargas em cruzamento com a J. J. Seabra, Presidente Dutra,MarechalDeodoroeSenhordosPassos,serevezandoentreruasestreitasepoucomovimentadas durante a noite no Centro, permitindo que sujeitos sociaisexecradosdavidanormativa,combasenosparâmetrosheterossexuais,ganhemoespaçopúblicoeseucorpoassumacontextoespacialnumaterritorialidadealémdefluída,tambémcíclicacomoenfatizaSouza(1995).

Se durante o dia as atividades comerciais são o texto inscrito no espaçocentralfeirense,desdeatividadeshistóricasligadasàinteriorizaçãodogadoparao Sertão até a consolidação de um polo econômico baiano, à noite a teia derelaçõesconfigura-sesobreoutraslógicas,semdesenlaçartodasasoutrasdiurnasarticuladaspeloviésmercadológico.Porém,outrosníveisdeorganização,maismicros, se estabelecem ao cair do sol. Na penumbra da desarticulação dasatividades comerciais, novas redes de poderes se justapõem e sobrepõem nocentro da cidade princesa. Dentre essas microespacialidades estão a melhorvisibilidade de sujeitos anônimos diante da grandeza dos fluxos comerciais,informacionaisede transportes.Talvezapalavraanônimonão sejao sinônimo

mais adequado para se tratar da abjeção que esses corpos passam para setornaremquaseinvisíveisàsnormassocialmentedelimitadas.Ainvisibilidadedaqual tratamoséapenasmetafóricapara ilustrarasegregaçãoexistenteegeraosabismos dos corpos rejeitados que não importam na cena caótica dos centrosurbanos.

A tentativacomesseartigoé,pormeiodosestudos foucaultianos, testar apotencialidadedoconceitodeheterotopiaparadarvisibilidadeàsperformancesque estão no substrato das relações sociais que, no entanto, coexistem e geramtoda complexidade no recorte de pesquisa. Para tanto, mergulharemos nasgenealogias de Foucault (2011) para entender suas reflexões de sítios e contrasítios e seus rebatimentos espaciais em função desse tema não ter sidosuficientementeexploradoouaomenosdebatidonaGeografiaBrasileira.

A HETEROTOPIA FOUCAULTIANA: A VISIBILIDADE DO ESPAÇODENTRODEOUTROSESPAÇOS

AsCiênciasSociais,deummodogeral,inquietaram-secomaspublicaçõesfilosóficasdoprofessorMichelFoucault,dentreelasaGeografiacomoimpactode seu efeito nos estudos sobre a categoria de território com a visibilidade degrupossociaisdepoucaexpressãoemvirtudedoqueelechamoudemicropoder.O efeito Foucault não apenas ampliou a possibilidade da compreensão dessacategoria, como também permitiu a abertura de novas agendas de debatesvisibilizando agentes sociais não estudados por nosso arcabouço clássico,tradicional,conservadoremachista.Aomesmopasso,permitiuaelaboraçãodeperspectivas desconstrucionistas, subversivas e abjetas, dentre elas aproblematizaçãodoconceitodeheterotopiadiscutidonumaconferêncianoCercled’ÉtudesArchitecturales,em1967,noqualiremosfocarnesseestudo.

Aindanadécadadesessenta,oprofessorfilósofoMichelFoucaultdestacavaa importância do estudo do espaço para o cruzamento dos séculosXX eXXI.Para ele, “a nossa época talvez seja, acima de tudo, a época do espaço”

(FOUCAULT, 2011, p.411), sendo esta o período da simultaneidade, dajustaposição, do próximo, do longínquo, do lado a lado e do disperso,mesmocomtodasacralizaçãoqueoenvolvedecorrentedasexperiênciasproduzidaspelasociedademedieval.

ParaFoucault (2011)ocorreuuma rupturanaabordagemocidental sobreoespaço.Naépocamedievalexistiaumconjuntohierárquicodelugares,ondecadacoisaeracolocadaemseusítioespecífico,entendendooespaçocomolocaldadisposição das coisas. Pós as intervenções de Galileu com a constituição doconceito de infinito, o espaço passa da ideia da fixidez para um espaçoinfinitamente aberto, ou seja, um ponto em seu imensurável movimento. Destaforma, a concepção locacional da disposição das coisas foi substituída pelaextensão de sua ocorrência, permeando a concepção de escala que, para nósgeógrafos,émuitocara.

Em virtude da complexidade das relações de proximidade entre certospontoseelementosaconcepçãodeextensãofoisuperadapelaconcepçãodesítio.ConformeFoucault(2011),“estamosemumaépocaemqueoespaçoseofereceanós sob a forma de relações de posicionamentos [sítios]” (p. 413). QuandoFoucaultpensanasuperaçãodaextensãopelossítios,articulaacompreensãodapresença das revoluções técnicas que densificam o espaço como antes nuncavisto.Porissomesmo,aotratardossítios,escolheasquestõesdemográficasparasuperar a abordagemdedisposiçãopopulacional, para ligar esse temaaoutrospontos como circulação, estocagem de alimentos e dispersões trazendo asimultaneidadeeascorrelaçõesparaacompreensãodoespaço.

Foucaultnosapresentanãomaisumespaçohomogêneocomoele tratounasua breve genealogia,mas heterogêneo, negando a ideia de receptáculo quandocitaque

nãovivemosemumaespéciedevazio,nointeriordoqualsepoderiamsituarosindivíduose as coisas. Não vivemos no interior de um vazio que se encheriam de cores comdiferentes reflexos, vivemos no interior de um conjunto de relações que definemposicionamentos[sítios]irredutíveisunsaosoutroseabsolutamenteimpossíveisdeseremsobrepostos(FOUCAULT,2011,p.414).

A heterogeneidade consiste na presença dialética de dois grandes polosespaciais,deumladoasutopiasqueestavamreunidasemsítios,eporoutroasheterotopias localizadas nos contra sítios. Entremeando esses radicais opostoscomplementares existem espaços que aglomeram as experiênciasmistas, sendoumautopiaeumacontrautopiasimultaneamente.Asutopiassão:

Os posicionamentos [sítios] sem lugar real. São posicionamentos que mantém com oespaço real da sociedade uma relação geral de analogia direta ou inversa. É a própriasociedadeaperfeiçoadaouéoinversodasociedade,masdequalquerforma,essasutopiassão espaços que fundamentalmente são essencialmente irreais. (FOUCAULT, 2011, p.414-415).

Nessa linha de pensamento, as heterotopias, inverso das utopias, seriamespaços localizáveis e concretos nos quais representações sociais estariamdinamicamente produzindo e se reproduzindo por meio de contestações,inversões, subversões das regras heterônomas que dicotomizam e aindasacralizam o espaço como as insuperáveis questões entre público/privado,familiar/social, lazer/trabalho, entre outros. Esse seria os lugares efetivos,materializados onde as instituições normatizadoras ganham energia o suficientepara recriar a vida em sociedade com a geração de regras, normas e leis,produzindoocondicionamentodavidaegeraçãodecorposdóceis,verFoucault(1987).

Algumas heterotopias correspondem a locais de isolamento que segregamindivíduoscujocomportamentosedesviaemrelaçãoàmédiaouànormaexigida.Essasheterotopiascolocamoutroscontra sítiosemxeque,porquevisibilizamoquefoiinvisibilizadopelasnormas,regras,códigosesímbolossociais.Porissomesmo são chamados de heterotopias de desvio e os espaços da prostituiçãocorrespondembemaumexemplodessefenômeno.

Algunsestudos já citadosaquidaantropologiacaminhamnesse sentidodaheterotopia.Nessasobrasoespaçoéapresentado,deacordocomalgunsautores,para além da concepção de substrato, outros o compreendem como palco derelaçõessociaislimitandoacompreensãodecontrasítiodeFoucalt.Perlongher

(1987),analisandoonegóciodomichêemSãoPaulo,verificoucomoastramassociaissãopotencializadasnosespaçosespecializados,istoé,pôdecompreenderapartirdasintensasobservaçõesrealizadas,queasterritorialidadesdosmichêsretroalimentavam sua existência e favoreciam sua visibilidade. Em sua obra,Perlongherdestacaqueasáreascentraiscorrespondemaosespaçospreferenciaispara prostituição, visto que o centro da cidade é o lugar privilegiado dointercâmbio. Para isso citaCastells (1972) apud Perlongher (1987) e Lefebvre(1968) afirmando que o centro é o ponto de saturação, local da aventura, doacaso, da extravagância e das fugas. Castells (1972) aprofunda a compreensãoquando afirma que o centro também possui a “possibilidade do imprevisto, aopçãoconsumistaeavariedadedavidasocial”(p.183).

Diferente das Trans estudadas por Benedetti (2006) e Pelúcio (2007), osmichêsobservadosporPerlongherpossuemumterritórioqueantesdetudoémaisum espaço de circulação do que de fixação. Os michês distribuem-se pelasavenidas exibindo seus dotes corporais viris sem necessariamente seaglomeraremempontos,comofazemasTransanalisadasporestapesquisa.ParaPerlongher

Aideiade identidade,quedefinesujeitospela representaçãoqueelespróprios fazemdapráticasexualquerealizam,ouporcertorecorteprivilegiadoqueoobservadorfazdessaprática, justapomos a ideia de territorialidade. Daí o “nome” dos agentes num sistemaclassificatório-relacionalvaiexprimirolugarqueocupamnumaredemaisoumenosfluidade circulação e intercâmbios. Os sujeitos se deslocam intermitentemente nesses spatiucontinuume são passíveis de permanecer namesma posição a respeito dos outros, ouaindademudardeposição.Essanomenclaturaclassificatória–quetemalgumacoisadeprovisória, demutável – alude a certa frequência de circulação: o grau de fixação dosagentes a um “ponto” (um gênero, uma postura, uma “representação”, mas também aumaadstrição territorial) serádeterminanteparaestabelecer seus lugaresno sistemadetrocas.(PERLONGHER,1987,p.152-153)

Alémdisso,oautorcontinuaaafirmarqueessaterritorialidadenãopodeterlimitesgeográficos,degênero,deraçaedeclassedemasiadamenteprecisos.Osterritórios dos michês flutuam e se nomadizam, pois o espaço nômade élocalizado, mas não delimitado com rigorosidade, acompanhando as tramassociais que se reproduzem nas redes de sociabilidade, visto que a

posicionalidadegeraainterseccionalidadecomossujeitoseoslugares.Percebemos que a análise espacial engendrada por Perlongher (1987)

consideraoespaçocomoumfatorimportanteparaavisibilidadedaprostituiçãomichêpaulista,porém,oautoratribuiu,commaiorintensidade,aforçadaquestãoidentitária sem considerar, de forma associada, o papel estratégico do espaçoparamanter,ressignificarereproduziressasidentidades.

EmPortoAlegre-RS,Benedetti (2006) realiza um estudo entre travestis etransexuais que se prostituem no Centro e nas avenidas principais da cidade.Contagiado pelo debate queer e realizando uma crítica ao preconceitocompartilhado pelos espaços da prostituição, Benedetti amplia a leiturasocioafetiva de seu recorte espacial alcançando uma análise afetiva/espacialsobreofenômenodaprostituiçãoderua.Paraesseautoroterritórioéolócusdoaprendizado Trans, nele se compartilha as tecnologias espaço/gramaticais quesofisticamastransformaçõeseproduçõesdosgênerosqueers.Paraele“oespaçodaprostituiçãoéumdosprincipaislugaressociaisdeconstruçãoeaprendizadodofemininoentreastravestis”(BENEDETTI,2006,p.114).

DiferentedePerlongher(1987),Benedetti(2006)nãorealizaumcruzamentocomteóricosquepensamoterritório,maspormeiodesuaobservaçãodecampoapresenta a espacialidade das travestis de Porto Alegre como componenteespacial positivo para as relações sociais. Visto muitas vezes como lugar demedo,violência,aglomeraçãodedoenças,etc.,ospontosdeprostituiçãoparaoautorestãoassociadosaumaredeimbricadadesociabilidades,positivandoousodarua,comolugardoencontroedainteraçãosocial.

Énosdiferentesterritóriosdebatalhaquemuitas travestis tiveramseuprimeirocontatocom outras monas, e que veem concretizados os seus desejos de transformação.Normalmentesãotrazidasporoutratravestiquejáfrequentaolugareconheceasdemais,oquelhesgaranteumaespéciede“proteção”naquadra.(BENEDETTI,2006,p.114).

Para Benedetti, é no território da prostituição que as monas aprendemmétodos e técnicas de transformação do corpo, potencializando as formasmaisvalorizadas, disseminando os segredos dasmontagens, técnicas demaquiagem,

formas de sedução, além da linguagem do bate-bate, também conhecida comoiorubaoubajubá.Econtinua

Damesmaforma,énaquadradebatalhaquepassamaconhecerasformascorretasdeandar no salto alto, de mostrar movimentos leves e suaves, de olhar de determinadamaneira,demoverocabeloouandaràmodatravesti.Énaconvivêncianosterritóriosdeprostituição que as travestis incorporam os valores e formas do feminino, tomamconhecimento dos truques e técnicas do cotidiano da prostituição, conformam gostos epreferências (especialmente os sexuais) e muitas vezes ganham ou adotam um nomefeminino. Este é um dos importantes espaços onde as travestis constroem-se corporal,subjetivaesocialmente.Éonde,enfim,aprendemohabitustravesti.(BENEDETTI,2004,p.03).

AleituraespacialdeBenedettiapresentao territóriocomoonócentraldohabitustravestienessaóticapodemosconsiderarqueesseespaçorealconcretoéumaheterotopia,porqueselocaliza,serelacionaeseestendepelamalhaurbana.Oautorpercebeaimportânciadoespaçoparaamanutençãodasidentidadesquenelesereproduzeme,paraalémdisso,destrinchaaíntimarelaçãoentresujeitoseespaço,delineandoalgumasestratégiasutilizadaspelasTransparasemanteremesobreviveremnoscentrosurbanos.

Emoutra perspectiva, com característicasmais integradoras, encontram-seos estudos de Pelúcio (2007) realizados em SãoMiguel Paulista-SP. A autorarealizauma incursãonoturna, compreendendo as lógicas funcionaisdemercadonesseperíodododiae comoocentropossibilita a existênciadaprostituiçãoànoite. Para tanto, apoia-se nas pesquisas de Perlongher (1987) e Benedetti(2006). Inicialmente, Pelúcio (2007, p. 53) nos chama atenção de que“estrategicamente,astravestisseposicionamnumaesquinaondeháumsemáforobastante demorado, assim é possível negociar programas apenas comolhares egestos, além de ficarem sob a mira dos trabalhadores que lotam os ônibus”,demarcando a importância de espaços estratégicos para visibilidade Trans.Durante a pesquisa a autora compreendeu que os equipamentos comerciais quefuncionamànoiteestãointimamenteligadoscomaexistênciadaprostituiçãodarua.

Não percebi, naquele momento, que este pensamento sinalizava que eu já começara a

mapearospontosdeprostituição travesti, hierarquizando-os apartir de categorias como“capital corporal”, tipo de clientela, aparelhos urbanos disponíveis na região, espaços delazer, motéis, drive-ins, bares. Todos estes, como espero mostrar, são elementosimportantes para se entender a travestilidade, a rede que ela compõe, seus nós e ascategorias classificatórias êmicas, que se associam também com a territorialidade.(PELÚCIO,2007,p.53).

Ao mesmo tempo em que interliga a situação espacial dos equipamentosurbanos do entorno do território da prostituição de travestis emichês, Pelúciocompreende a territorialidade por eles demarcada simbolicamente como umaprodução no nível discursivo, isto é, apresenta-se não como um espaço físico,masenquantoespaçodocódigoquesecircunscreveemumdeterminadolugarelhedásentidomuitomenosdescritivodoqueprescritivo.

Aparentemente, a autora espacializa o território da prostituição para ocamposimbólico,apesardeapresentaropoderdasrelaçõesquecoexistemnoeparaoespaço,percorrendoomesmocaminhoteóricoapresentadoporPerlongher(1987),amarrandosuasquestõesdepesquisaaoconceitodeidentidade.

Como se vê, os territórios e identidades se confundempela significação que os sujeitosimprimem nos corpos: formas, músculos, saltos, olhares, gestos, práticas eróticasanunciadaseinsinuadasnessamarcação.(PELÚCIO,2007,p.61).

Porém, o posicionamento de Pelúcio frente à característica física doterritório está ligado à tradição do conceito de território disseminado pelasCiências Políticas e pela Geografia Tradicional. Para ela não é a condiçãoespacial que promove a permanência e a produção das territorialidades daprostituiçãoesimasdecorrentesrelaçõesdepoderquefazemdesseespaçoumcampo de forças, corroborando com a perspectiva de Souza (1995),caracterizando suas proposições na perspectiva integradora de análise dosterritóriosdaprostituiçãopeloscientistassociais.

Os exemplos acima das pesquisas antropológicas mostram a forma comoalgumaspesquisasforamoperacionalizadassobreofenômenodaprostituiçãodemichês,travestis,transexuaisetransformistasemrealidadesurbanasdistintasaolongodamalhaurbanabrasileiraemsequênciatemporaldispare.Oquesenotaé

o reconhecimento, à nível antropológico, de novas formas de gênero, práticassociais e novos usos espaciais de um contra sítio que desvia a funcionalidademachistaqueforneceatônicadahegemoniaurbanacomseususosnormatizadosàfavordamatrizheterossexual.

AHETEROTOPIANACIDADE PRINCESA: A RESSIGNIFICAÇÃODAPROSTITUIÇÃOTRANS

Nessasessãoanalisaremoscomosecomportaaheterotopiadaprostituiçãofeirense em seus diversos aspectos seguindo as reflexões deMichel Foucault.Vale salientar que esse não é o primeiro trabalho naGeografia que se propõetestar a potencialidade desse conceito, em um inicial levantamento de dadosobservamos quemais dois pesquisadores trouxeram à tona essas premissas emestudosde casoenvolvendoos sem-tetonoRiode Janeiro e aCracolândia emSãoPaulo.

Ramos (2010) se propõe a testar o conceito pouco desenvolvido porFoucault(2011)narealidadecariocadasintensaslutaspelodireitodehabitaçãodo movimento dos sem-teto. A insurgência dessa heterotopia como enclave narealidadedoRiodeJaneiroesboçavaopodersituadoressignificandooespaçourbanoporoutralógica,gerandooutrosespaços,ossítiosoutrosdemarcadospeloquadro teórico até aqui discutido. Para Ramos (2010), a incorporação desseaporte conceitual seria estratégica para unir práticas que residem nascontradiçõesurbanasentreacidadeformal,institucionalemoralmenteaceitaeacidadeinformal,empráticaedevaneiocotidianodenormas.

Outra tentativa importante com o uso da heterotopia foi realizada porValverde(2009,2015),cujoobjetivoeracompreenderasrelaçõesentreocorpoe o espaço público na Cracolândia, situada no centro de São Paulo. Valverde(2015) percebeu que a grande contradição do centro paulista residia nasimultaneidadedeconexõesdesítiosecontrasítiosedentreestesosdedesvio.Localprimordialparaacirculaçãodefluxosdecapital,mercadorias,pessoase

mercado imobiliário,o centropaulista refletiaumadinâmicadedesvalorizaçãodessas atividades tradicionalmente centralizadas e, em campo, notou apauperização dessa área em virtude da dependência de drogas, pobreza emarginalidade. Com o uso do conceito de heterotopiaValverde (2009 e 2015)tentou ampliar o sentido da política na cidade para discutir o espaço públicotrazendo para o centro a imoralidade e a marginalidade materializada naCracolândia.

Paranãofugirdessecenáriodehorrores,nospropusemosanalisarocasodavenda do corpo, do mercado do sexo, vertentes de estudo por muito temposilenciadaspelosestudosgeográficos,masqueencontrarambrechasesuporteemoutrasplataformasepistemológicas. Intensificandoacontradiçãonãopartiremosao estudo da prostituição feminina CIS, porém, de um feminino inventado ereelaborado por travestis, transexuais e transformistas, informantes de pesquisaem projeto de mestrado. Os resultados que serão discutidos nesse texto sãonuances de outra análise que servirá para exemplificação desse teste teórico-metodológico.

Como já foi abordada anteriormente, a realidade espacial heterogênea eraconcebidaporFoucault(2011)apartirdaconcepçãodesítiosecontrasítios,ouseja,dasutopias edasheterotopias.Parao autor “nãoháumaúnica culturanomundoquenãoseconstituadeheterotopias”(FOUCAULT,2011,p.416),sejamelas de desvio ou de crise. Como heterotopia de crise Foucault se utiliza deexemplosdelocaissagradosouproibidos,naatualidadeoserviçomilitarseriaoexemplomais didático para os homens, pois separam homens de tantos outrosparaconcretizarumaação.Ouaindaumaviagemdenúpciascomaprocuradeum‘lugarnenhum’paradefloraçãodamulher,práticaaindavivaatéosmeadosdoséculoXX.

As heterotopias existem para atingir seu propósito de funcionalidade, elasexistem porque “tem um funcionamento preciso e determinado no interior dasociedade” (FOUCAULT, 2011, p. 417) e são moldadas conforme a cultura,podendoatéseralteradas,refuncionalizadas.EmFeiradeSantanaaheterotopia

daprostituiçãoTransestálocalizadasobrepostaaoutrasheterotopiaseatendeàsnecessidades de outra lógica de desejo sexual como também de existência decorposquesubverteramasnormaseencontraramnaruaapossibilidadedeexistiredeseremnotadas,

De acordo com as informantes, nasmediações da Igreja dosRemédios existiam algunsbaresecasasnoturnasqueagitavamocentrocomavidaboêmia.Asnoitadasestendiam-sepelamadrugadaeemalgumasvezesalcançavamasprimeirashorasdodia seguinte.EssascasasnoturnasdealtarotatividadeinfluenciavamnapermanênciadacirculaçãodegayseTransentreasPraçasFróesdaMotaedosRemédios,mesmocomosconstantesconflitos estabelecidos pela prostituição nas vias públicas da cidade. A boemia, apossibilidadedeencontrosfortuitos,asalteraçõesdecomportamentograçasaoconsumode álcool e drogas eram a ‘vibe’ que tonificava a permanência contrastante dessasperformatividades abjetas, verButler (2003), nas ruasda cidadeprincesa. (OLIVEIRA,2016,p.777).

Amesmaesquinade transeuntes e da fiscalizaçãodosguardasde trânsito,porexemplo,éavitrinerefuncionalizadaciclicamentepelasTransquedáclosecertonocentrodacidadeapesardaturbulentapermanêncianessaterritorialidadecomoelucidaOliveira(2016).Pormeiodessabrevedescriçãopodemosentenderque as heterotopias conseguem sobrepor, em um único espaço real, outrasrealidadesheterotópicas,reunindováriossítiosqueporsisójamaisteriamvida.Assimocorrecomaprostituiçãoderuaqueencontranararefaçãodemovimento,nacentralidadedosfluxos,equipamentosdealtarotatividadecomobaresehotéisdecadentesdocentro,alémdeoutrasutopias,ambientefértilparaofertarocorpo,o desejo e a liberdade,mesmo que instantaneamente, devido aos cerceamentosmoralizadosouestatizados.

Essapermissividadesóépossívelporque

Asheterotopiasestãoligadas,maisfrequentemente,arecortesdetempo,ouseja,elasdãoparaoquesepoderiachamar,porpurasimetria,deheterocronias;aheterotopiasepõeafuncionar plenamente quando os homens se encontram em uma espécie de rupturaabsolutacomseutempotradicional.(FOUCAULT,2011,p.418).

Todoo centro, emseucomplexodepraças e avenidas inóspitas ànoite, écercado por ruelas estreitas de pouca movimentação, ocupadas densamente

durante o dia pelos ambulantes, transeuntes, fluxos diversos que persistem àfiscalizaçãodeterminadapelagestãopública.DeacordocomOliveira(2016),asbarracasdosfotógrafosealgunsengraxatesseespalhavamporestasvielasesuasbarracaseassentosserviamcomobarreirasqueescondiamoatosexualànoite.

Desta forma, entendemos que a heterotopia da prostituição é fugaz,transitória e passageira, ou como aponta Foucault (2011, p.419) “não maiseternizadas,masabsolutamentecrônicas”,alémdecíclicastambém

‘flutuantes’ ou ‘móveis’. Os limites tendem a ser instáveis, com as áreas de influênciadeslizandoporsobreoespaçoconcretodasruas,becosepraças;acriaçãodeidentidadeterritorialéapenasrelativa,digamos,maispropriamentefuncionalqueafetiva. (SOUZA,1995,p.88).

As heterotopias também possuem uma forte característica de permissão ebloqueio de outros sujeitos não reconhecidos em sua espacialidade, ou seja,correspondema“umsistemadeaberturae fechamentoque, simultaneamente,asisolaeastornaimpenetráveis”(FOUCAULT,2011,p.420),exigindorituaisparaentrada,aceitaçãoepermanêncianogrupo.Assim,paraBenedetti(2006,p.44),“pesquisar no mundo da noite é, antes de mais nada, um processo defamiliarizaçãocomnovossujeitossociais,práticasevalores”.Anossatentativadeentradanessarelaçãopantanosafoinarradanadissertaçãoquando

Para estudar o fenômeno Trans é preciso determinado tempo para se diluir entre ossujeitos analisados.Minhas primeiras incursões iniciaram-se em 2005 e se prolongaramaté2010.Duranteesseperíodo tivequeconquistaraconfiançadasTrans,dosgaysqueconviviamnosmesmos espaços, bemcomo, de alguns de seusmaridos que ficavamnapraça cuidando da integridade de suas “esposas”. Enquanto cumpria com as leiturasindicadas na orientação, saia de casa à noite, todos os finais de semana, para conferirtodasasafirmaçõesabsorvidasnaliteraturaencontrada.(OLIVEIRA,2010,p.25-26).

Existem algumas dificuldades de acesso a essas heterotopias tanto pelosriscos reais de violência contra o corpo dosoutsiders, omais constante delesligadosaoassalto,comotambémoscódigosinternos,secretoseritualísticosqueaparecem, às vezes, numa linguagem própria dialetizada, como estratégia devigilância outra, de punir os punidores, de coibir os coibidores e cercear os

julgadores. Na realidade dessa heterotopia encontramos um dialeto, umalinguagem outra chamada de pajubá/bajubá com centenas de novas palavras,decorrentes de diferentes dialetos africanos ocidentais que no Brasil sedisseminamcommuitaintensidadeentreopovodesanto,enonossocaso,entreas Trans foco desse trabalho. Experiências linguísticas também sofremaportuguesamentoourecontextualização,porissoécomumencontrarpalavrasdeorigem inglesa, americana, francesa e, sobretudo, italiana, já que a Itália é osonhodeconsumodeumapartesignificativadasTransfeirensesquedesejamser“europeias”.

Outrasrestriçõesocorremcombrevesgestosesimplóriossinaisquandonãoatingem a espaços realmente físicos que não é a rua, a avenida onde todossupostamente estão, passam e/ou permanecem, mas não acessam a “pista”, o“trottoir”, o queOliveira (2009a) chamade territorialidade, porque esse é umnível muito mais simbólico, uma miríade de espelhos que refletem tudo queexiste, está ali onde vemos, no entanto, sem lugar real, espacialmente falando,porqueflutuaeporqueéumaamálgamacompartilhadaentreosinsiders.

Talvezesseseriaograndeemblemadasheterotopias,agrandeilusãodeteradentrado onde nunca estivera, completa Foucault: todo mundo pode entrarnesses locais heterotópicos, mas, na verdade, não é mais que uma ilusão:acredita-sepenetrareseé,peloprópriofatodeentrar,excluído(2011,p.420).

Ficasempreadúvidaaopesquisadordeproblemáticasdessanaturezaseosdados coletados e a etnografia realizada realmente dão conta e contornam arealidade,porqueoacessoao jogodasverdades, tantonocasodaCracolândiaanalisadoporValverde(2015)edossem-tetoestudadosporRamos(2010),alémde perigoso é delicado. Sendo assim, existe também um risco teórico-metodológico,umdesafionocampodosaber.

Cientedisso,percebemosqueaescolhadecaminhosmetodológicosrequerum mínimo de delicadeza para tratar do fenômeno de pesquisa sem torná-lofictício e exótico quando a coleta deve ser feita junto à realidade. Cardoso(1986),quandoestudouaspossibilidadesdeescapardasarmadilhasdométodo,

propôs uma postura eclética, um caminho intermediário que possibilitassecompreender a dialética e as subjetividades do fenômeno sem retirá-las de umcontextohistoricizado.

Entãoeranecessárionegociarcomateoria,negociarcomcamposdeciênciadiferentes e amais necessária negociação: ametodológica, de como amarrar edar fundamento e compreensão ao que sem estar no nível da investigaçãocientíficamenosprezaessepadrãodeesclarecimento,nãorequerendovalidações.Essesentimentodopesquisadoresuasrestriçõesinsitunosfizerampensarsobreo acesso a essa heterotopia, se ela não foi parcial ou negociada até onde foipossível,mesmoquetenhareveladoparaalémdoquecostumeiramentesepodiaobservarecompreender.

Todas elas ficaram reticentes frente ao gravador, e logo em seguida descontraídas naausênciadele.TaiscomportamentosficaramnítidosnaexposiçãofeitaporGretaemsuacasaolhandoparamimedizendo“Menina,issonãovaiparaAlibã1nãoné?PeloamordeDeus”.(OLIVEIRA,2010,p.32).

Diante dessa preocupação com os resultados de pesquisas exploratórias,Cardoso(1986)tambémcompreendeuqueobompesquisadoréaquelequepossuiboainteraçãocomasminorias,tornandovisíveisassituaçõesdavidaqueestãoescondidas e que só poderiam vir à tona quando se denunciar as carências eanseios do grupo pesquisado. Os anseios de Cardoso corroboram com aperspectivadeSilva(1993)quandoeleafirmaquesuapesquisacomastravestisdaLapabuscavarevelarocotidianotravesti

de forma que sua dimensão humana, suas contradições, perplexidades, a nobreza e amisériadesuacondiçãocheguematéoleitor,nãodestituídosdesensualidade,sexualidade,humor e ironia, mas integrados com traços mais visíveis para evitar a caricatura e opitoresco(p.15).

Percebemosqueotrabalhoetnográficoexigepaciênciaecautela,sobretudonomomentodaaproximaçãoeinserçãonogrupo,deveserrealizadodemodoqueessapresençanovanogruponão inibaoscomportamentosdeseus indivíduosetambémnãoarrefeçaapresençadopesquisadornocampo.DeacordocomGeertz

(1998,p.36),aexperiênciaetnográfica“podeserencaradacomoaconstruçãodeummundo comum de significados, a partir de estilos intuitivos de sentimento,percepçãoeinferências”.

Éobvioquenumaheterotopiade tantas invençõesnão ficamos isentosdasilusões2provocadaspelouniversoTrans.Ograndedesafioédeixarclaronestaredação seres humanos e seus propósitos de existência que reificam asheterotopias como espaços de reivindicação de políticas igualitárias quepermitam a inserção de tantos outros negligenciados pelas ações vigilantes ecerceantes do Estado, das instituições normatizadoras que disciplinaram nossocrivo e visão de mundo. Ou ainda como analisa Valverde (2015) essasheterotopias de desvio cotidianamente enfrentam essa matriz normatizadora,desdenhandodaordempúblicaqueprecisaserquebradaereinventadaparanãosegregarnemutopiasenemheterotopiasquevivificamasociedadedecontrates.

CONCLUSÃODiante do que foi esboçado ao longo dessas laudas podemos inferir duas

considerações basilares para o uso do conceito de heterotopias na Geografiavoltado aos estudos de minorias. A primeira consideração diz respeito àsobreposição e aos novos usos que as heterotopias de desvio provocam noespaçourbano.Estas,porsuavez,nãogeraminclusãoenemaemancipaçãodoespaçopúblico.Apresençadessaheterotopia,comoanalisouOliveira(2016),nacentralidade feirense, resiste a sérias pressões que numa evolução históricacontribui para sua fluidez, dispersão e reconcentração em outros pontosmenosturbulentosdocentro.

Mesmo com movimento reduzido as instituições normatizadoras nãoreconhecemessaparcelaespacialdemanifestaçãodavidaeaabjeçãodiscutidaporButler(2003)quesegregasocialmenteosgênerosencontraforçacomopoderdecerceamentodamatrizheterossexual.Podemosentãoentenderaheterotopiadedesvio da prostituição como um espaço de reivindicação, mesmo não sendo

socialmenteaceitaeinstitucionalmenteamparadaporpolíticaspúblicas.A heterocronia que envolve essa heterotopia é a negociata do tempo da

abjeção – o tempo de permanência nas ruas, nas calçadas como vitrine, daconcentração de outros gays que circulam pelo centro –, não é um simplesafrouxamentodasregras,masocorrequandoháumarupturaabsolutacomotempotradicional organizado pelo sistema de vigilância e punição, como enfatizaFoucault(1987,2011).

Comopraticamentenãoexistemmoradoresnocentrofeirense,asmarquisesdaslojasquandonãoabrigammoradoresderuasemsuapenumbraluminosidadeservemcomopontoparaconcentraçãodetravestis,transformistasetransgêneros,ouainda,espaçospararápidosencontrosfortuitosquandooclienteédesprovidodeautomóvel.Aatividadedaprostituiçãocomonãoseestabeleceufulltimenãogera impacto nas negociatas imobiliárias dos prédios, já que o comérciodesativado nesse turno não possui, a priori, ligação com o mercado do sexoabertonoiteadentro.

A segunda consideração e a mais emblemática está em torno dacaracterística de ao mesmo tempo as heterotopias serem abertas e herméticas.Foucault não desenvolveu o conceito de heterotopia deixando para nóspesquisadores uma grade dúvida desse entendimento. Ele reconhece que asheterotopias não são tão abertas quanto os espaços públicos, porque apossibilidadedeentradanãoéapenasfuncionalegeométrica,masésimbólica.Para tanto, fala da compulsoriedade no caso dos presídios ou dos rituais depassagemparainserçãocomofoidescritaporBenedetti(2005),Pelúcio(2007)eOliveira(2010).

A grande questão desse ritual de acesso se esbarra num impedimento quenemmesmoaaproximaçãopermiteultrapassar,pois,conformeFoucault(2011),àprimeira vista parecem estar acessíveis, servem de miragem para desnudar averdadeira exclusão, pois se trata de uma ilusão, porquanto pensamos queentramos ali onde estamos, somente pelo fato de estarmos localizados ouagrupados, coletando dados, fazendo as observações de campo e do cotidiano,

porémestamos,naverdade,excluídos.Essailusãodaaceitação,amiríadedaparticipaçãonapesquisa,tumultuaa

estabilidadedepressupostosmetodológicostantodacoletamaisformalquantodaetnografiaclássica.Essacapacidadedeavaliaraformadeinserçãonumtrabalhode campo onde tudo é reinvenção coloca em xeque todos os resultados, comonumagrandesaladeespelhosondesóépossívelvera reproduçãodaquiloqueestánocentrodosespelhosenãooqueestáportrás.

Na heterotopia da prostituição lidamos com nomes reinventados, corposressignificados, como também gêneros. Acreditamos que essa últimacaracterística necessite ser mais explorada a fim de desestabilizar grandestratadosmetodológicos que dão seguridade de participação do pesquisador nocampoquandoestamos,naverdade,semprecorrendooriscodeescreversobreasilusões que essas heterotopias geram, ou ainda, por escolha própria destacarestratégiasquefaçamopesquisadorcairnasarmadilhasdométodocomodiscuteCardoso(1986).

Em suma, temos uma atopia da utopia para concluir, isto é, um pantanosocaminhoparaserexploradonareflexãodaaplicaçãodesseconceito,quepossuipotencialidade para dar conta das dinâmicas dos espaços tecnificados,simultâneos,reinventadosecíclicosdapós-modernidade.Paratanto,precisamosaproveitaressasaberturasqueMichelFoucaultdeixouealargá-laspormeiodenovasreflexões.

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1EmIorubásignificapolícia,segurança.

2Amontagemdaaparênciaedehistóriasparticularespermite,segundoSilva(1993),queas travestisrecriemarealidadeaseubelprazer.Paratantoénecessárioestarbemdiluídonogrupoparasondarondeaficçãodogênerotermina.Atravestidetémcomeficáciaaartedamentira,quesedesmontavamuitasvezescomadesconfirmaçãodahistóriaporoutra travestiquenegasua renda, inventaviagensglamourosas, trocasuaidade,informaoutronomederegistro,entreoutraseventualidadesextraídasdaparticipaçãoobservante.

GÊNEROEENVELHECIMENTO:ADIVISÃOSEXUALDOTRABALHOEMUMALAVANDERIAHOSPITALARNACIDADEDEPORTOVELHO/RO

ALLANROBERTRAMALHOMORAISProgramadePós-GraduaçãoemGeografiadaUniversidadeFederaldeRondônia-GEPGENERO/UNIR

[email protected]

ProgramadePós-GraduaçãoemGeografiadaUniversidadeFederaldeRondônia-GEPGENERO/[email protected]

INTRODUÇÃOAGeografia entre as suas categorias de análise sempre esteve interessada

nas relações de poder, seja para afirmá-lo, questioná-lo ou até mesmo naproposição de outras formas de empoderamento. Na produção do espaço éimportantedestacarosestudosdaciênciageográficarelacionadosàsquestõesdegênero, quando se trata de exploração e submissão, resultantes de uma divisãosexual estabelecida por práticas socioespaciais que ainda segregam aparticipaçãodasmulheresnasociedade.

As mulheres enfrentam uma avalanche de preconceito que perdura até osdias de hoje e podemos observar através de pesquisas que comprovam que asmulheres ainda ganhammenos que os homens, executando asmesmas tarefas econtinuam concentradas em algumas áreas marcadas por relações de poder edominação, baseadas nas diferenças entre os sexos que contribui para asdesigualdades sociais de poder entre homens e mulheres. Esta situação ignoracondiçõesdesaúdeeadoecimento,pretendendoservirapenasaocapitaleasuamaisvalia.ComoafirmaSantos:

Os conhecimentos atuam sobre os instrumentos de trabalho, impondo-lhesmodificaçõesnão raro brutais e produzindomales ou benefícios, segundo as condições de utilização.Quandoaciênciasedeixaclaramentecooptarporumatecnologiacujosobjetivossãomais

econômicos que sociais, ela se torna tributária dos interesses da produção e dosprodutoreshegemônicoserenunciaatodavocaçãodeservirasociedade.Trata-sedeumsaberinstrumentalizado.(SANTOS,1988)

As mulheres trabalhadoras de modo geral sofrem muito mais com osprocessosexcludentes,poisnadivisãodotrabalhoobserva-semaiordificuldadede inclusãodasuamãodeobra.Ademais,esteproblemaéacentuadoàmedidaqueexisteoenvelhecimentodestesindivíduos.

Muitasmulherescontinuamemcertosnichosdeatividade,comoosetordeprestação de serviços, seguido pela área social e o comércio demercadorias,alémdosetoragrícola.Nasorganizaçõescomfinseconômicos,asmulheressãomais submetidas a contratos informais, onde têm menor presença sindical eencontram-semaisexpostasaodesemprego.

Esta ideia também está de acordo comMELO; SABBATO (2001) quandocitaqueasdiferençasentreosgênerosse iniciamnadistribuiçãodapopulaçãoocupada, justificandoqueasmulheres seconcentramematividadeseconômicasinformaise/ouestãosubempregadas.

Buscou-seanalisaraevoluçãodaparticipaçãodamulher idosanoserviçopúblico estadual e avaliar a forma como estão inseridas em certos nichos deatividades consideradas tipicamente femininas. Procurou-se detalhar asdiferençasvivenciadasporhomensemulheresnoprocessolaboral,quetemcomobaseadivisãosexualdo trabalho,umavezqueasatividadesdesenvolvidasemdiversoslocaisaindasebaseiamemfunçãodogênero.

A pesquisa foi realizada na lavanderia de um grande hospital público nacidadedePortoVelhonoestadodeRondônia,nosmesesdeagostoasetembrode2016. A pesquisa de campo foi efetuada com entrevistas dirigidas porquestionáriossemiestruturadoscom67pessoasnaáreadelavanderiahospitalar,a qual incluiu os setores de lavagem, costura e transporte de roupas. Foramanalisadasafaixaetária,quantidadedehomensemulheres,questõesreferentesàsaúde,bem-estareimportânciadaremuneraçãonarendafamiliar.

ENVELHECIMENTOPRECOCEA mulher, ao longo da história, desenvolve suas atividades no âmbito

doméstico ou informal e passou a atuar no mercado de trabalho realizandovariadas tarefas, mesmo as que anteriormente eram específicas para homens.Destamaneira,muitasmulheressãoinseridasnomercadodetrabalhodemaneirainformal, sem igualdade de condições e remuneração. Com isso, trabalhadorasestãoexpostasacondiçõesprecárias,queafetamasuavidapessoalelaboral.

O excesso de trabalho aliado às más condições de trabalho a que estãoexpostasalgumastrabalhadoras,comoaltastemperaturas,ruídoexcessivo,riscosbiológicos e ergonômicos podem gerar problemas relacionados à sua saúde.Dentre estes distúrbios, inclui-se o envelhecimento precoce como fator deadoecimento.

ÉpertinentedescreverotextodeEBERT(1994)quandodizque:

Para as mulheres o envelhecimento significa uma passagem de um mundo totalmenteregradoparaoutroemquesesentem impelidasacriaraspróprias regras.Oprópriodoenvelhecimentoévivenciarumprocessodeperdasindesejadasesofridasquetornaramaindependência e a liberdade possíveis. Liberdade e independência são valorespositivamentequalificadosquedãoavidacotidianaumanovadimensãodebem-estar[...].

Isso significa que para as mulheres o envelhecimento é um processodoloroso,sendoumaoposiçãoentrealiberdadeatualeasoutrasetapasdavida,sobretudoajuventude.Asmulherescommaisidadeprecisamcriarnovasregraseestilosdevidadiferentes.

Vale lembrar quehomens emulheres envelhecemde formasdiferenciadas.Fatores comogênero, raça, classe social, situação conjugal e cuidados prévioscomasaúde,possibilitamenvelhecimentosespecíficosparacadagrupo.Aidadeavançadatrazconsigoperdasemudançasemsituaçõesdolorosasquesesucedemrapidamente.

DeacordocomoIBGE,atendênciadeenvelhecimentoobservadanoCensode2002ganhouforçanosúltimosdezanos.Entre2002e2012houveumaumentode 14,9 para 19,6 a razão de pessoas de 60 anos oumais para cada grupo em

idadepotencialmenteativa.Segundoapesquisaosidosossãoamaioriamulheresque representa (55,7%). Logo, é predominante o crescimento da população deidososdogênerofemininoqueestãonomercadodetrabalho.

ParaCAMARANO(2003):

Amaiorpreocupaçãocomaquestãodoenvelhecimentopopulacionale,emespecial,comofeminino,decorredofatodeseencararessecontingentecomodependenteevulnerávelnão só do ponto de vista econômico, como também de debilidades físicas, o que podeacarretarperdadeautonomiaeincapacidadeparalidarcomasatividadesdocotidiano.

Dessamaneira,asdoençassãoasresponsáveispelaexclusãodasmulheresnaatividadeeconômica,comtaxascrescentesdemorbidade,principalmenteporadoecimentos crônicos. Em alguns casos continuam a conviver com suasdebilidades e permanecem no mercado de trabalho principalmente pornecessidade financeira (incluindo o sustento familiar) até chegar à idade deaposentadoria.

O envelhecimento causamedo, por trazer a certeza da finitude, do limite,pois é a fase mais próxima da morte. O peso da palavra “envelhecer”, paramuitos,causapavor,poiséumaexperiênciaaindanãovivenciada:ocorponãoconseguemaisacompanharosdesejosdamente.Oqueanteserafácil,simplesecorriqueiro,comadecrepitudedocorpo,torna-selentamentedifícilecomplicado(XIMENES, 2009). Assim, as mudanças que ocorrem durante o processo deenvelhecimento podem despertar diversos sentimentos ligados às múltiplasperdas,alémdeumcomplexotrabalhodereadaptação.

AMBIENTEDETRABALHOEMLAVANDERIAAs lavanderias podem se caracterizar como domésticas, comerciais e

industriais.Dentrodasdiversasmodalidades,têm-seashospitalares,organizadasparaatenderasespecificidadesdasroupasaseremhigienizadas.

Porsetratardeumlocalondeédesenvolvidotrabalhointensoecontatocomdiversos agentes, as lavanderias são consideradas como um ambiente de

condiçõesinsalubres.Aexigênciadealtaprodutividadedostrabalhadoresaindacontribui para redução da capacidade laborativa em curto prazo e para oenvelhecimentofuncionalprecoce.

ValedestacarquealavanderiaestásujeitaaocontrolesanitáriopeloSistemaNacionaldeVigilânciaSanitária(SNVS),conformedefinidonaLein.9.782,de26 de janeiro de 1999, tendo em vista os riscos à saúde dos usuários,trabalhadoresemeioambiente,relacionadosaosmateriais,processos,insumosetecnologiasutilizadas.

MULHERES,TRABALHOEENVELHECIMENTOOsresultadosdasentrevistasindividuaissemiestruturadas,aplicadasdurante

osexercíciosdesuasatividadeslaborais,relevouque79%dostrabalhadoresnalavanderia hospitalar sãomulheres.Em relação à faixa etária, as trabalhadorascommaisde50anosrepresentam70%dototaldamãodeobradolocal.Quandoanalisadas trabalhadorasacimade60anos,estas representam43%do total.Osresultados demonstram, assim, que a lavanderia hospitalar é considerada comoumambientedetrabalhofemininoecomumaaltaproporçãodeidosos.

Nalavanderia,foianalisadoumcrescimentonainserçãodehomensnosetor.Noentanto,continuamaserestringirasetoresondeéexigidaaforçafísica,enãoematividadesondeháocontatocomostecidoseprocessosdeselecionarroupas,lavar, passar e costurar. A exclusão dos homens nos processos que sãoassemelhados a trabalhos domésticos e da mulher em cargos que exigemhabilidades intelectuais neste setor do hospital trazem o debate acerca dehabilidadesecapacidadesdosservidoresatuais.

EmentrevistaDonaG.J.S,47anosjulgaqueofatodesermulhereestarhámaisde20anosnosetora impossibilitadeparticiparde treinamentosecursosquenãosejamnaáreadelavanderiaelimpeza:

“olhe, já estou aqui há bastante tempo, mas tem as mais velhas ainda, e nunca fuiconvidadaouapareceuoportunidadepraeusairdaqui,achoqueeufiqueiparada,masébompraeles(administraçãodohospital),amulher jáfaz issoporqueparecequenasceu

praficarsóisso.”

Navisão deSANTOS (1996), o lugar está ligado à questão de incluir ouexcluir.Ondeaexclusãodamulherdoscargosdepoderaincluinoprocessodedominação do sistema capitalista, onde encontra-se fora de alguns espaços,porém,essenciaisaeles.

Outroponto reveladonapesquisa, é quepartedoorçamentodasmulheresacima de 50 anos é gasto com medicamentos, devido ao processo deenvelhecimento e do seu adoecimento. Quando questionadas sobre arepresentaçãodasuaremuneraçãonasdespesasdomésticas,68%consideraram-se arrimos de família.As concepções quemulheres chefes de família possuemsobre a paternidade são embasadas em suas histórias de vida, em vivênciasconstituídasnasrelaçõesestabelecidasemumcontextosocial,históricoecultural(PERUCCH;BEIRÃO,2007).

Odirecionamentopara o exercíciodeuma função, única e exclusivamentepelo fato de serem do gênero feminino tem influenciado a forma como elas seenxergameconvivemdentrodaunidadehospitalar,comoafirmaaSra.F.A.S,58anos:“euacheiquefosseparaumoutrosetormaistranquilo,masnãotemvagapramim a não ser fazer a limpeza ou vir pra lavanderia, então, menosmalaqui”.Como visto, amaior parte dasmulheres cita que não entende o porquê,mesmo após tantos anos, continua a trabalhar em lavanderias hospitalares, nãohavendoalternativa.Asdoençassãooutrosfatoresquefazempartedoconvíviodas trabalhadorasda lavanderia.Ascaracterísticasdoambienteea faixaetáriaparecemamplificarasdorespelasquaisasservidoraspassam.EmentrevistacomaSra.D.F.M,51anos,elacitaanecessidadefinanceiraeaconvivênciacomosseusmalesparagarantirarendaemcasa.

“olhe,pormimeu jáestavaemcasa,porque lavarroupaavida todanãodánão,acaba coma coluna, braços, os ombrosmesmoagente temdiaquenãoaguenta,ainda bem que temmáquinas que nos ajudam, mas mesmo assim é pesado, comofaz?Temquetrabalhar.”

A condição de ser idosa e do sexo feminino tem proporcionado às

funcionárias da unidade de saúde o direcionamento para as atividades que seassemelhamàsdomésticas.DeacordocomCarvalhal(2005),essaconfiguraçãoteráaGeografiadaigualdadecomoprincípiodeconstruçãodereferenciais.Ondeasrelaçõesdetrabalhopossamseradeproduziroessencialparaasubsistência,longe da hierarquização da classe trabalhadora, firmada pela divisão social dotrabalho, extremamente excludente. E onde se possa ter o acesso ao espaçoconstruídolongedaideiadaexistênciadeclassessociais.

Destemodoháapromoçãodadivisãosexualdotrabalho,emquerepercutedeformapresentenoscargos,funçõesquesãoocupadospelasmulhereseemseusrendimentos. Principalmente pelo fato de as tarefas e ocupações remeterem acuidadoeserviçosquesãomenosvalorizadossocialmente.

Alémdisso,aconcentraçãodemulheresemumaatividadequeexigeforçaerepetição, assim como a idade avançada, contribui para o adoecimento dastrabalhadoras idosas. As já existentes debilidades físicas, somadas à forçanecessárianaexecuçãodosseustrabalhos,poderãoacarretarperdadeautonomiaeagravaraincapacidadeparalidarcomasatividadesdoseucotidiano.

CONSIDERAÇÕESFINAISO trabalho buscoumostrar a experiência do envelhecimento nas mulheres

servidoras estaduais do estado de Rondônia que atuam em uma lavanderiahospitalar, salientando a divisão sexual existente e clara. As mulheres aindacontinuamsendovistascomopossuidorasdecapacidadeslaboraisinferioresaoshomens,ocupandopostosquecontinuamaidealizaramulherdolar.

Assim, apesar de algumas mulheres passarem a atuar no mercado detrabalho, realizando diversas tarefas, que anteriormente eram consideradasexclusivamentemasculinas,astarefasqueseassemelhamàsdecunhodomésticocontinuamsendofemininas.Noentanto,suaspotencialidadesenecessidadesnãodevemseranalisadasemseparado, tampoucoemconflitocomoutrosgruposdeidade.

Vale ressaltar que se identificou uma tendência de manutenção do nívelelevadodeatividadesprodutivasatéidadesmaisavançadasdasservidoras.Issosignificaaumentodoempregoentreasmulherescommaisidade,mostrandoumamaiorflexibilizaçãodomercadodetrabalhonosetoranalisado.

Outropontoquedevemoslevaremconsideração,éapresençamarcantedemulheres idosas comprometidas como sustento familiar e atuaçãonas questõesfinanceirasdesuafamília,sendoconsideradasarrimosfamiliares.

REFERÊNCIASBRASIL.AgênciaNacional deVigilânciaSanitária.Processamento de roupasemserviçosdesaúde:prevençãoecontrolederiscos/AgênciaNacionaldeVigilânciaSanitária.Brasília:Anvisa,2009.

CAMARANO, Ana Amélia. Mulher idosa: suporte familiar ou agente demudança?.Estudosavançados17(49),2003.

CARVALHAL, Terezinha Brumatti.A inserção da mulher no sindicato: Umaleitura geográfica da questão de gênero. Revista Perspectiva Geográfica.UNIOESTECOLEGIADOSDEGEOGRAFIA,n.1,2005.

DEBERT,GuitaGrin.Gêneroenvelhecimento.RevistaEstudosFeministas,v.2,n.3(1994).

INSTITUTOBRASILEIRODEGEOGRAFIAEESTATÍSTICA– IBGE.Dadossobre População do Brasil. PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra deDomicílios),2001.

MELO,HildetePereirade;SABBATO,AlbertoDi.Divisãosexualdotrabalhoepobreza: Autonomia econômica e empoderamento da mulher: textosacadêmicos.Brasília:FundaçãoAlexandredeGusmão,2011.

MOREIRA, Eliana Monteiro. A regência do afetivo: laços familiares ereprodutivos. In: ABRAMO, Laís e ABREU, Alice Rangel de Paiva (Orgs.).

Gênero e trabalho na sociologia latino-americana. São Paulo; Rio de Janeiro:ALAST,1998.

PERUCCHI, Juliana, And; BEIRÃO, Aline Maiochi. “Novos arranjosfamiliares: paternidade, parentalidade e relações de gênero sob o olhar demulhereschefesdefamília.”PsicologiaClínica19.2(2007):57-69.

SANTOS, Milton. Metamorfoses do Espaço Habitado. São Paulo: EditoraHucitec,1988.

SANTOS,MiltonAnaturezadoespaço.SãoPaulo:Hucitec,1996,308p.

SPOSITO,EliseuSevério.Geografiaefilosofia:contribuiçãoparaoensinodopensamentogeográfico.SãoPaulo:EditoraUNESP,2004.

XIMENES,S.S:Avelhice forado lugar:Históriaoraldevida. PortoVelho,2009.179p.Dissertação(MestradoemGeografia)ProgramadePós-GraduaçãoemGeografia–PPGG,UniversidadeFederaldeRondônia.2009.

EixoNorte

Identidades&Alteridades

Sepudéssemosresumirostextosempalavras-chave,teríamos:Sabor,Festa,Música, Dança, Bordado, Pesca, Cinema, Literatura, Gênero, Paisagem,Quilombola, Assentamento, Camponês, Vulnerabilidade Social; mas para nãoresumirfazemosoconviteàleituradaspáginasaseguir,escritosquenarramsobdiferentesperspectivasaspectosculturaisnoedoBrasil.Comtamanhariquezadedetalhes,ousaríamosdizerqueemalgunsmomentosparecemosestarnacozinhade uma comunidade quilombola tomando um café fresco acompanhado de umbiscoitodepolvilhoqueacabaradesairdeumfornoalenha.Aguçam-nosassimos sabores, os cheiros e as texturas numa relação íntimados alimentos comossentidos.

Nesteexemplarasquestõesquilombolaspulsamsobdiferentesolhares,sejapela demarcação territorial, a valorização da cultura e da identidade, aperpetuaçãodossaberesefazeresqueultrapassamgerações,oviverafamília,astradições, o viver com reciprocidade assim como nos assentamentos, o unir-separasobreviveranteosgrandesempresários.

Sãoestudosquetêmbasesmetodológicasdiversificadas,quevãodosmapasmentais, conversas, entrevistas, testemunhos, às visitas, vivências, experiênciasdoenoslugares.Tudoissoparatrabalharcomoterritóriodospescadores,omar,ossímbolosquecaracterizamascomunidadespesqueirasbemcomoapaisagemdoslugareshistóricos,osprincipaisanseiosdossujeitos,espaço,lugar,território,identidade,quesãocalcadosnumsentirdopesquisadorcomoformade retratarpararesistir.

AspesquisastransitamentreNorte,Nordeste,Centro-oeste,SudesteeSuldo

Brasil, trazendoquestõesdegênero,abuscapeloempoderamentodasmulheresassentadas (as jornadas entre os afazeres domésticos, o trabalho artesanal e otrabalhocomoroçado).Éamulherbuscandooreconhecimentodoseuespaço,doseuterritório,dasuaidentidade.

Discutiridentidadesealteridadesétambémperceberossujeitosnomundo,o individual e o coletivo, os espaços vividos, as experiências, as trocas, osdiálogosentreodançar,ocomer,obeber,oler,olutar,otrabalhareoviver.

Percebe-se o cuidado de cada pesquisador ao retratar os seus sujeitos;encanta-nos que para preservar o nome dos seus entrevistados em determinadoestudo os autores optaram por utilizar o nome de plantas do Cerrado paradiferenciá-los. As questões são múltiplas, conflitos, acordos, o compromissofalado,parcerias.Diferentesleiturasapartirdoqueéproduzidopelocinemaoupela literatura e finalmente as questões de vulnerabilidade socioespaciais quecarregam suasmarcas nos territórios desde os períodos coloniais, legitimandoatravésdoEstadoasprópriaspolíticasdesegregação.

IDENTIDADES

GEOGRAFIADOSABOR:UMENSAIONACOMUNIDADEALTODOSBOIS,ANGELÂNDIA/MG

[email protected]

InstitutodeCiênciasAgrárias/UFMG,VIRGÍNIADELIMAPALHARES

InstitutodeGeociências/[email protected]

INTRODUÇÃOAspaisagensdoValedoJequitinhonhaexpressamcaracterísticassingulares

noâmbitodaconstruçãoetransformaçãohistórico-culturaisdesuapopulação.Oequívocosobresuaconcepçãoénotórioemrelaçãoaodiscursopolíticobaseadona desqualificação da região em seus valores peculiares que obscurecem agrandezasociocultural–enatural–queoVale reproduznoestabelecimentodesua economia tradicional, em destaque a reprodução da população campesina,sejaelafixadaemcomunidadesrurais,artesãsouquilombolas.

Ao contrário do discurso político, há um extenso arcabouço literário quebusca enriquecer a compreensão do Vale do Jequitinhonha e suas dinâmicassociais e os desafios da promoção e melhores condições de vida. Há umadiversidade no campo científico e suas especializações no esforço de leitura einterpretaçãoda região.Na análisegeográfica ainda são encontradosdiferentesenfoques, escalas, categorias, métodos e metodologias que, ao invés de seanularem devido às divergências epistemológicas, somam-se compondo umimportante acervo.Destacam-se, neste acervo, a história de uso e ocupação daterra e as dinâmicas populacionais desde o século XVI, as consequências daimplantação do projeto desenvolvimentista na década de 1970 – avanço dasilvicultura nos topos de chapada e a organização campesina – antes e depoisdestainvestida.

Os novos contingentes populacionais no Alto Jequitinhonha estão

relacionados ao desenvolvimento das atividades extra-mineração – comodenominamMatos&Ferreira(2000),queforafomentadaaindacomodeclínioeesgotamento dos minerais precisos de aluvião. Os autores comentam que,diferentedatradicionalhistoriografiabrasileira,“nãohouveumadecadênciaqueteria operado de imediato nas áreas centrais e nordestinas de Minas após odeclíniodamineraçãonoséculoXVIII”(MATOS&FERREIRA,2000,p.3).Narealidade,osnúcleosprodutoresdealimentossãoimportantesparacompreendero dinamismo da economia do Vale do Jequitinhonha, já que a região seconfigurava como de atividade mista – cujas atividades mineradora eagropecuária (de abastecimento local e exportação) não apresentavamdiscrepânciaemtermosdegeraçãoderendaparapopulaçãolocal.

Secomparássemoshipoteticamenteosaspectosdedurabilidade–osimplesfatordeduraçãodeumexercícioaolongodotempo–,areproduçãocamponesanoAlto Vale do Jequitinhonha, que surge aproximadamente com a colonizaçãoparaaexploraçãominerária,jácontacomquasequatrocentos–oumais–anosdeatividade,contraaexploraçãodemineraispreciosos,quedepoisdeseudeclínio– há cerca de 300 anos –, hoje já não conta com a atração de contingentesmigratóriosoucomapreciosidadedeseuprodutocomoantes.Pelocontrário,seantesforaimpulsionadapelamãodeobraescrava–terrívelpilardaconstruçãodo país – ainda hoje não é capaz de distribuir as riquezas para as populaçõeslocais.

Aresistênciaao trabalhocompulsório,apossede terrasparaproduçãodealimentos, a organização social em comunidades, a reprodução campesina, aconstruçãoetransformaçãodossabereslocais,aintensaligaçãocomanaturezaecomaterra,alutapordireitoseoutrostantoseventosprocessuaissãomarcasdascomunidadesquilombolasdoAltoValedo Jequitinhonha, regiãoquecontacomumdosmaiores núcleos de comunidades autodeclaradas doBrasil. Por estes eoutros motivos, é notável a presença de inúmeras manifestações culturaispreservadasnatradiçãoherdadadegeraçãoemgeração.

Comefeito,estetrabalho1sepropôsenfocarsobreaorganizaçãocampesina

nacomunidadequilombolaAltodosBois, situadanomunicípiodeAngelândia,Alto Vale do Jequitinhonha. Este núcleo quilombola evoca importantesreferências culturais que fomentaram seu autorreconhecimento sob a óticalegislativa/jurídica.Sãoherançaspassadaspelasgeraçõesqueatribuemvaloresàsrelíquiasmateriaisounão.Paracitaralgumas,destaca-seocasarãodafazendaAlto dos Bois, onde a sobreposição de fatos e diferentes significados a eleatribuídos, fazemdeleum imóvel ricodesímbolosque remetemàsmemóriasehistórias locais – ou atémesmoemescalas de ordemdegrandezamaiores.Asfestas tradicionais religiosas também aparecem como forte característica datransmissão de costumes e conhecimento, como a festa anual do Bom Jesus,ocorridanodia6deagosto,reunindocatólicosdecomunidadeslocaisparaarezadoterço.Énotável–eimportantedizer–aforterelaçãodosseusmoradorescoma natureza, cuja formação de um amplo campo de sabedoria, usufruto,dependência e paixão poderia confundir-se com apenas o aspecto de enormesensibilidadeaossinaissutisdapaisagem.Omesmoocorrenasrelaçõessociaisno que concerne às visitas, sejam elas de moradores locais ou viajantesdesconhecidos–comoomeucasoenquantopesquisadoremcampo.Oapreçoehospitalidadedosanfitriõescontagiamosvisitantese,seesteestiveremcondutadepesquisador,vê-seobrigadoasedesarmardequalquerferramentaeporta-seapenas de simesmo, em ummovimento prazeroso. Estes breves tópicos fazemparte da perspicácia proposta para desenvolver a investigação deste trabalho.Este conjunto de sensações percebidas pela análise da paisagem do núcleo deAltodosBoiséoquepropõeacorrentefenomenológicaqueancoraageografiado sabor, cujas impressões transcendem aquelas detectadas mais propriamentepelosentidodopaladar.

GEOGRAFIADOSABOREstainvestigaçãoseapoiounageografiahumanistaculturalecontribuiupara

a construção da Geografia do Sabor, através dos sentidos das paisagens de

comunidadesquilombolas.Aperspectivafenomenológica,emGeografia,segundoBesse (2006)“permitiuabrirnovoscamposdapesquisa, suscitandoo interessepelas percepções, representações, atitudes diante do espaço” (BESSE, 2006,p.67), possibilitando, assim, agregar-se a novos corpos de informações comoportadores de saberes e significações geográficas, compreendendo a paisagem“menoscomoobjetodoquecomoumarepresentação,umvalor,umadimensãododiscurso e da vida humana” (BESSE, 2006). Neste sentido, entende-se que aGeografia do Sabor não se trata de uma análise visual da paisagem eespacialização da produção e consumode alimentos,mas dirige-se ao sentir apaisagemeseussaboresmanifestadosdeformasdiferentes.Pontua-setambémoimportante papel das subjetividades que configuram a realidade cultural daspopulações tradicionais locais, buscando a maior proximidade e participaçãoentreoscamposacadêmicosesociais.

A compreensão do espaço vivido, de um lado, e o reconhecimento daspaisagens culturais, de outro, construídas por populações tradicionais, parte darelevância atribuída à dimensão simbólica.A abordagem cultural naGeografiapodesercompreendidasemprecomosocioculturalporqueadimensãosimbólicaseexpressanaformadesignossociais,econômicos,políticosereligiosos.Estessignossãoessenciaisnaconstruçãodacultura,entendidaporClaval(2011)comoumprocessosocial,portanto,dinâmico.“Oqueétransmitidoéfeitodeatitudes,costumes,derepresentações,devaloresquecirculamnumgrupoelhedãoasuacoerência”(CLAVAL,2011,p.81).Atransmissãodesteselementosaoindivíduoofazumsujeitosocial,comidentidadeevalorespróprios.Aculturasemanifestacom mais clareza na paisagem, essência geográfica na qual se reconhece ainserçãodohomemnomundo,a“manifestaçãodeseusercomosoutros,basedeseusersocial”(DARDEL,2011,p.32).

Aanálisedosaspectosculturaisdeumadeterminadacomunidadedeveestarpermeada pela vivência do pesquisador. Neste contexto, a apropriação dageograficidade deEricDardel é uma alternativa para compreender a realidadesociocultural das comunidades em análise, rica em manifestações culturais

evidentesousutis,propondo,acimadaanálise,acontemplaçãodapaisagem.Ageograficidaderefere-seaosmodospelosquaissentimoseconhecemosomundoa partir da relação que estabelecemos comele.É a nossa própria condição deser-no-mundo.Sóépossívelaprenderageograficidadenocontextodarelaçãodoserqueviveomundo,discutidanafenomenologia.IstoquerdizerqueaTerraécompreendidanãosópelosseusaspectosfísicos,massobretudocomolugarondesevive,sehabita.EstaéaGeografiadeDardel(2011):vereleraTerrasobaótica de quem a vivencia. O contato íntimo com a terra, a natureza e amanifestação cultural por povoados tradicionais quilombolas é foco deinvestigaçãodestetrabalho.

Neste sentido, entre tantas outras expressões socioculturais quilombolas etantaspossibilidadesdeinvestigação,privilegiou-se,nestapesquisa,osentidodosaborenquantoumapossibilidadedepreservaçãoevalorizaçãodaidentidadeedamemória,proporcionandoumareferência,umaespecificidadeàspessoasquehabitam estes territórios. A proposta maior para a construção da presentepesquisa é compreender como se configura o espaço sociocultural vivido econstruído pelos moradores das comunidades de Alto dos Bois, Córrego doEngenho e Barra do Capão, reconhecendo e compreendendo a permanência depráticas culturais relacionadas ao modo de vida e saber fazer destascomunidades,principalmentenoqueconcerneàproduçãodealimentos.

Orientado de maneira qualitativa, os fatos observados – observaçãoenquantosentidodevivência–foramcoletadosatravésdedescriçõesdetalhadase ocorreram através de umdos sentidosmuito próprios daGeografia: oolhar.Esta leitura realizada em vivências foi anotada em diário de campo, ecompreendidaemgabinete.Esteprocedimentoéapropriadopara responderaosanseiosdapesquisa,queexigenãoumaanálisepropriamentegeográfica,masumacontemplaçãodapaisagem,sensívelaossentidosnelapresente.

Os percursos metodológicos sugeridos para a pesquisa abrangem umaconstruçãobibliográficapararefletiro temateoricamenteeconhecerasorigensdas comunidades quilombolas; trabalhos em campo para conhecer as práticas

sociais, os valores, a tradição do saber fazer, as lembranças. As ferramentasutilizadasduranteaexecuçãodostrabalhosemcampoforamtambémcompostasderegistrofotográfico,conversascommoradoresantigosdolugareandanças–ou travessias. A travessia é uma ferramenta participativa utilizada para obterinformaçõesacercadosrecursosnaturais,aeconomia,ahistóriadolugar.Elaé“realizadapormeiodeumacaminhadalinear,quepercorreumespaçogeográficocomváriasáreasdeusoerecursosdiferentes”(VERDEJO,2006,p.30).

OESPAÇODACOZINHAA imagem do espaço da cozinha se destaca entre os demais cômodos das

casas pelas práticas costumeiras ali reproduzidas.Tomando-se a casa enquanto“materialização da família, o espaço ritual onde seus membros interagem”, acozinha é um local de expressão da casa (SILVA, 2009, p. 148). A cozinhaconcentra o local de armazenamento, preparação e degustação de alimentos,atraindo os moradores e visitantes a se acomodarem neste ambiente e, assim,socializando durante as três refeições diárias – oumais. É na cozinha onde sepraticaoatodecomer,eesteatonãoenquantoosimples fatodesenutrir,maspensando em se reproduzir receitas e saborear alimentos processados. Esteprocesso descrito por Lévi-Strauss citado por Gomes (2011, p. 5) pode seridentificado pela triangulação cozido, cru e podre e os diferentes saboresfornecidosporestesestágios,ouamisturadeles,comoporexemplo,obiscoitodepolvilho,queutilizaingredientescruseopolvilhoazedo,edepoisassatodosmisturados. Assim, à cozinha é atribuída ao espaço de armazenamento,beneficiamento,transformaçãoeapreciaçãodoalimento.Comefeito,surgenelaacomplexidade a ser investigada e compreendida por uma leitura sociocultural,para assim ditar uma possível Geografia da cozinha (GOMES, 2011). Aorganizaçãodestecômodoestáintensamenteassociadaàsformasdesocializaçãode uma sociedade. É possível observar a localização em relação aos outroselementosdacasa,aorganizaçãodosaparatoseutensíliosdoespaçointerno,às

frequências de uso diário e sazonal. Enfim, é um local da casa que quer dizermuito sobre os aspectos socioculturais do lugar e, obviamente, é palco detransformaçõesdestaspráticascostumeiras.Apresençailustredofogãoalenha,uma pequena janela para observar o quintal, o telhado sem forro, as panelasdistribuídas na parede e nas prateleiras cuidadosamente forradas com plásticoflorido,umamesanocentro,ascoreslevesdosperímetrossãoelementosdefortevalor,significadoememória,presentesnoespaçodacozinha.

SeemalgumtempodahistórialocaldonúcleodoAltodosBoisacozinhaera,decertomodo,restritaavisitantes,hojenãoémais;narealidade,ocorreocontrário. Moradores das comunidades relatam mudanças nas relações sociaistais como receber em casa uma visita. Apontam três locais no espaço dapropriedade:acanceladamorada;asaladevisitas;eacozinha.Seovisitantefosseumdesconhecido, a primeiraprosa, o seudesenrolar e atémesmoo caféocorreu no primeiro local. Se fosse algumvisitante frequentasse a propriedadecom certa assiduidade, isto ocorreria na sala de visitas. Apenas familiares oupessoasmuitoíntimasdosanfitriõespoderiamentrarnacozinhaeacompanharosafazeres durante a visita. Atualmente, os moradores afirmam haver, comsegurança, uma transformação. Hoje, dificilmente alguém será recebido nacancela ou nem passará pela sala de visitas. Recebe-se, assim, diretamente nacozinha, onde as atividades domésticas não são necessariamente interrompidascom a chegada de alguémde fora.De certomodo, apontampara uma possívelpraticidade em ir direto à cozinha, buscando não atrapalhar a rotina de quemrecebeejáestarpróximodocafé.

Atransformaçãodestarelaçãopodeinferirparaduasreflexõesiniciais:deinício,osrelatos,sobreestamudançaprovêmdemoradoresjovenseadultosque,apesardenãodataremoperíododestamudança,pode-seespecular,peloperfiletário,deque se tratadeumprocessomaisoumenos recente.Neste sentido, anotável dinâmica de transformações das relações sociais se contrasta à comumideia de o imaginário sobre certas práticas serem estáticas num contextosocioculturalruralquilombola.Naverdade,talfatoindicariaque–abdicandoda

indagação dos porquês deste processo, mas valorizando o como – essasmudançasfazempartedeumaestruturadenovosvalores,demandas,significados.Outrareflexãodizrespeitoàvalorizaçãodoespaçodacozinha,ondeépossívelapontar,naestruturadasrelaçõessociaisnacomunidade,emvezdeseratribuídoà“perda”designificadosmaistradicionais,ouanormasecondutassocialmentepassadas pelas gerações, pode significar, ao contrário das aparências, umavalorização do espaço da cozinha enquanto centralidade da socialização emespaçodoméstico.Emoutraspalavras,observaradinâmicadoenvolvimentodoespaço da cozinha enquanto espaço de socialização, indica que há umatransformaçãodestaspráticascorriqueirasque,porfim,significamnovosvalores,enãoperdadestes.

Além da dinâmica de significados, a cozinha é um espaço que remete alembranças. As herdeiras de receitas e dos costumes de uso deste espaço selembram não somente das medidas e dos modos de fazer, mas também dosantepassados,dainfância,doscasosemgeral.Assim,acozinhanãoésomenteumespaçodesocialização,mastambémdereferênciashistóricas,culturais.Istopodese dar demaneiramaterial ou imaterial embora parecem semisturar. Algumascozinhas nas comunidades possuem um forno de barro grande, com formatosarredondados,acabamentodebarromaisclaroecompoucasaberturas–aboca,otetoabertoqueservedechaminéeumoudoisfurospequenosnaslaterais.Suaarquitetura é própria para assar certas receitas, não cumprindo o papel de umfornoquesubstituiodegás.Asreceitassãodiversas:biscoitodepolvilho,rosca,broade fubá.Oaquecimentodo fornoé feitocommeiahoradeantecedênciaeenvolveaqueimadelenhadentrodesuaestrutura.Quandoocalorjáprocessouocarvão,eleéretiradodedentrodofornoejogadonochãoondeéresfriadocomáguafria.Rapidamente,asfôrmas(chamadastambémdelatas)comosbiscoitos,roscasoubroas cruas sãocuidadosamente colocadasdentrodo forno,demodoorganizado, para caber o númeromáximo de latas.Ainda de forma ligeira, umajudantejácomeçaafechartodasasaberturascomfolhasverdesdebananeirasparasegurarocalordentrodoforno.Aretiradadafornadadasquitandasocorre

poucos minutos depois (menos que 5), quando ficam prontas para seremsaboreadas.Seforprecisoumanovafornada,todooprocessoserepete,vistoqueocalornofornoéaproveitadosomenteumavez.

Omododefazerestasreceitaséconferidoemalgumascasasdacomunidadequerepetemomesmoprocessocommínimosdetalhesdediferença,relativosa–porexemplo–localizaçãodesteforno.Emalgumascasas,ofornoficadentrodacozinha,emoutras,renteàparedeexternadamesma,outambém,dooutroladodoterreiro.Há tambémcasas onde se encontrammais de um forno, possibilitandomaiorproduçãosimultânea.

Os fornos a gás não são requisitados para fazer estes tipos de receita poralgunsmotivosdeordemprática,culturalegastronômica.Aoacompanharousodefornosdebarro,oobservadorsedeparacomumaoperaçãoconjuntadeduasou mais pessoas para realizar as etapas do assado das receitas, que exigeagilidade, habilidade e experiência. A complexidade do processo não hesita acozinheira,queprefereestemodoaentregar-seàsfacilidadesdofornoagás.Ofornodebarrosemostramaisprático;comeleépossível fazermais latasedemaneiramaisrápida.Quandoacozinheiraselembraereproduzosensinamentosdosancestrais,permitemelhorsaboràreceita–obiscoito,porexemplo,crescemais,ficamaioreperceptivelmentemaissaboroso.

OSPRODUTOSTRADICIONAISOutrosfatoresculturaisinterferemnoresultadofinaldasreceitas.Naordem

cronológica de produzir um alimento, primeiramente vem da origem de cadaproduto,comopodemsercitadosofeijão,amandioca,omilho,osderivadosdacana e especiarias extraídas do quintal e das matas. Observa-se que o milhoproduzumfubácadavezmaisindustrialnaregiãoetemsidocadavezmaisraroencontrar o fubá tradicional produzido artesanalmente.Adiferençanomododefazero fubáépercebidapordiferentessentidos,destacandoagranulometriadofubádemoinho,menospadronizadae,geralmentemaior,resultandonaprodução

debroasmaiscaracterísticas.Estesprocessosdescritossãoverdadeirosrituaispraticadospelasgerações

atuais, que reproduzem – resgatando e transformando – osmodos de fazer dosantepassados, cujas referências estão registradas na memória, nos sentidos, nofazer.Nãoéraro,duranteopreparodestesalimentos,ouvirrelatosdoscostumes,das tradições.Énostálgico!Oatodecozinharesaborearé, também,resgataropassado; é remeter e divulgar tradições e identidade. Materializam-se asmemórias também na organização da cozinha, posição e disposição dosutensílios,dosequipamentos,doacabamentoeenfeites.Encontra-senascozinhasdacomunidadeumfiodearameatravessadousadoparapressionarastampasdepanelapenduradascontraaparede,ougeladeirasnoespaçodasaladeestar.Estaorganização é evidência desta herança de costumes e práticas culturaismanifestadasnocampoculinário.

As medidas das receitas utilizadas para fazer as quitandas demonstram asubjetividade no fazer. Uma pitada, um punhado, sal a gosto, são medidasutilizadas na cozinha pela comunidade.Os livros de receita são,muitas vezes,guardadoserepassadosparafamiliares,ondeháasproporçõesdeingredienteseomododefazeranotados.Contudo,ascozinhasdispensamarevisãonesteslivrosnão só por terem as proporções gravadas na memória, mas, por atribuíremsentidosàpercepçãodareceita.Obiscoitodepolvilho–porexemplo–contémtodas as devidas medidas anotadas. O ovo faz a exceção, sendo adicionado àsolução conforme a cozinheira sente com a mão a textura da receita. E comodescreverestatextura?Nãoadiantariaexplicar,senãosentindo.Assunção(2008,p.166)jáponderaquea“mãoéumanecessidade”edispensariaousodacolher.Sendoassim,otatofazpartedoconjuntodesensaçõesindispensáveisaofazeracomida.Nesteponto,ossensoressensitivosestãoemestadomaissensível,poistudopodeindicarpossíveismelhoriasàsreceitas,nãosócomotatodasmãoseatexturadasoluçãodeingredientes;há tambémascoresdamassa,quedevemsehomogeneizar, o olfato que experimenta novos odores enquanto a massa érevirada,obarulhodamadeiraquequeimaeestralae,talvez,omaisprecisoem

termosdesabores:opaladareossaboresdacomidaaindacrua,queremeteaoalimento em seu devir, no primeiro estágio que aponta o possível sucesso dareceita.

O feijão é um dos matizes alimentares identificados nas comunidadesquilombolas.Éapresentadodediferentesmaneiras:cozido,caldo,doce, farofa.Asqualidadesdosgrãossãotambémdiversificadasehierarquizadasconformeapreferênciapelo sabor, emordem: andu, de corda, carioca, carioquinha, fava efeijão da seca. O consumo destes diferentes feijões varia conforme asazonalidadedassafrasdecadaum,excetoocariocaecarioquinha,geralmentecompradosemmercearias.Aproduçãodesubsistêncialevaaestaricavariedade,cujosexcedentes,senãocomercializados,podemsertransformadosemdocesoucaldos.

Emexperiênciaemcampo,fomospresenteadoscomumarefeiçãodefarofadeandu,cujaressignificaçãoaolongodosanosalevouaopatamardeumpratonobre.Seus ingredientes seconfundemcomosmesmosdo feijão tropeiro, feitocomoutrasvariedadesdefeijão,remetendo,assim,àhistóriadeAltodosBois,localdepassagemedescansodetropeirosnoCiclodoOuro.Orápidocozimentoda farinha de mandioca, ovo, torresmo e frango dispensam acompanhamentos.Contudo,aiguariasóadquireosabortípicoseforcozidalentamentenofogãoalenha, sem panela de pressão, para que – segundo a cozinheira – não force oprocesso.

Ofeijãoéumalimentomuito íntimodosmoradoresdonúcleodeAltodosBois.Elenãosóestásemprepresentenasrefeições,comotambémnosquintais,plantados entre demais culturas, e na história, é um ingrediente secularmentepresente, no leque de sua variedade, nas refeições das populações ruraistradicionais.

Amandiocaestápresentenasreceitasatravésdafarinhaoudopolvilho,cujoprocessodeextraçãocaseirotemperdidoespaçoparaoprodutoindustrial,oquetem culminado na erosão dos tradicionais saberes e dos modos de fazer dastendasdefarinhanaregião.Ospoucosprodutoresaindaexistentessequeixamda

impossibilidadedeconcorrênciacomosprodutosindustrializadosquechegamdeoutrasregiõesapreçosbaixos.Omesmoserepetecomosmoinhosdemilhoe,em alguma medida, com os tradicionais engenhos de cana-de-açúcar. Aconsequência disto se reflete no sabor das receitas feitas ou com farinha oupolvilho,eassim,hácertadificuldadeemseaproximardossaboresdainfância,emtemposqueaindahaviaingredientesdeproduçãocaseiraemabundância.

Os sabores do polvilho doce ou azedo são essenciais para as diferentesreceitas.Ocheiro fortedopolvilhoazedoé repassadoparaosbiscoitos, e seusaborocupaosaromasdosdemaisingredientes,sendoreconhecidoantesmesmodemastigá-losetambémnamãoqueopega,apósingeri-los.

Oconsumodomilhoestáfortementeligadoàsuasazonalidade.Ociclodomilhoinfluenciaaculturadoruralemváriasregiõesbrasileiras.Desdeodiadeseuplantio–19demarço,diadeSãoJosé–atéoperíododecolheitadomilhoverdenosmesesdejunhoejulho,quandosecomemoraafestaJunina.Noinvernoémuitocomumoconsumodomilhodediferentesformas:cozido,pamonha,broa,canjica,mingau (curau), suco. Em seu amplo uso, omilho triturado é utilizadocomobaseparaaproduçãoderaçãoparaalimentarascriaçõeseasuapalhasecaé essencial para enrolar fumo de corda. O fumo é, inclusive, fonte deexperimentação de sabores pelo olfato. Nota-se que o ato de fumar não serestringeapenasasaciaraabstinênciapornicotina,ououtrocompostoquímico,sobretudo quando o tabaco seco é enriquecido com ervas ou raízes, como ocarapiá. Desta ação – de enriquecer o fumo – não se pode atribuir,necessariamente, a intenções medicinais mas, sim, ao hábito de degustarelementosnãocomestíves.

Queixam alguns moradores da falta do fubá de moinho produzido nacomunidade nos tempos de outrora. Atualmente, apenas as fotos preservam umpouco da riqueza arquitetônica das engenhocas que produziam o fubá degranulometriamaior,eassim,maisadequadaparacertasreceitas.

A gradual substituição pelo industrializado não agradou àqueles queadmiravam a textura e sabor das broas de fubá com pedaços de rapadura

derretidos. Este detalhe no aspecto da broa parece incomodar quem não seconformacomatransformação.ÉinevitávelparaosmoradoresdeAltodosBoisse lembrarem da receita tradicional, dos moinhos, do pilão, da infância e dosprazeresdestasmemórias.

Agarapa,oaçúcar,arapadura,omelado,acachaça,entreoutrosprodutosda cana-de-açúcar são saboreados nas comunidades. O sabor da cana estáintrínseco em quase todas as receitas que sejammajoritariamente doces. Pura,como na rapadura e no melado, ou misturada entre outros ingredientes,salientandoosaboressencial.

Acanaapresentasabores–decertaforma–proibidos.Odoceéumsaboratraentedesdea infânciae,emvezde incentivado,estesalimentossãodosadospelos pais, evitando uma dieta exagerada oumonótona, uma vez que criança éfacilmenteconquistadaporestefomentadordesabores.Acachaçapodesomaraestes sabores regulados, cuja degustação excessiva émal vista pela sociedade.Contudo,tantooaçúcareacachaçapossuemsaboresqueencantamodegustador,trazendosensaçõesdiversas.Sãosaboresfortes,deextremos.

Diferentes das demais receitas citadas, os conhecimentos sobre a cachaçasãomaisde expertisemasculina.Acachaçapossui umuniversodevariedades,modosdefazer,cores,cheiroseconcentraçõesdeálcoolquesãoanalisadasnasdoses tomadas. O álcool da bebida auxilia a puxar sabores daquilo que estáassociado, seja amadeira que envolve o tonel ou os temperos colocados paracurtir.Nestesentido, tornam-se infinitasaspossibilidadesdecombinarsabores,suas intensidadeseo tempodeixadoparaabebidadescansar.Acachaçaacabaporsetornarumveículodepropriedades,cujousopodeseratribuídotambémaremédios–deusoexternoouoral.UmdosmoradoresdeAltodosBois revelaseus segredos sobre como faz e para que servem os feitiços – garrafadas comingredientes estimulantes –, requisitados por outrosmoradores.Os ingredientessãocompostosporcascasdeárvores,raízes,sementes,temperoseatéremédiosindustrializados.

EXTRATIVISMONOQUINTAL-CASAEQUINTAL-MATAOs sabores extraídos do quintal e damata têm forte presença na culinária

quilombola.Sãoprocedentesdeplantascultivadasnosquintaisdaspropriedades,ou identificadas na mata dos entornos, e são usadas para temperar comida,medicação,aromatizar,espiritualidadeeprazeres.Outrasemelhançaidentificadaentre os sabores do quintal e damata é que, apesar de algumas plantas seremcultivadas no quintal, nem estas e tampouco da mata estão sob a lógica deproduçãoagrícola.Emoutraspalavras,sãoplantascolhidasquandonecessário,comoéocasodourucum.Estasplantassãocultivadasnoquintaldapropriedade,produzindosementesqueservirãocomotemperoecoranteparaacomida–seuusoparatingirroupaseoutrosobjetosjáéraronaregião.Quandoseplanejaseuuso,oprodutorcolheosfrutos,deixa-ossecarsobosole,emseguida,retiraassementeseascolocaemumapanelacomóleoparaaquecere torrar.Junta-seofubáfeitodemilho,mistura-see,emseguida,soca-senopilão.Passa-seamisturaempeneirabemfinae,destemodo,ocorantejápodeserutilizadonacomida.Doquintal-casaoudoquintal-mata, sãoextraídos tambémosremédios – comosãochamados localmente os chás e outras misturas medicinais. Araújo (2015),durante uma experiência em campo, percebeu a existência de outros tipos dequintaisalémdoquintalconvencional.Segundoaautora,existemoquintal-casa,oquintal-mataeoquintal-comunidade.Assim,oquintal-casaestáligado“àmulher,enquantoprotagonistadamanutençãodaidentidadelocaledispersoradesaborese saberes: alimentaçãocomomeiode ligaçãocomaTerra ematosque curam”(ARAÚJO,2015,p.7).Oquintal-mata,porsuavez,“extrapolaascercasdearameeconfunde-secomamata”(ARAÚJO,2015,p.7).Oconhecimentosobreplantas,suarápidaidentificaçãoemmeioàvegetação,alocalizaçãodemaiorocorrênciaeseuprincipalprincípioativo,sãoumatributodosmoradoresdascomunidadesefazpartedaimensidãodomundodossaborespresentesnocotidiano.

OSABORDAMORTE

Acachaça,bebidatradicionalcujahistóriaseconfundecomadopaís,estáfortementeimpregnadanocotidianoemdiferentesformasdeuso,nãoapenasparaentorpecer,mastambémcomoaperitivoparaabriroapetiteantesdasrefeições,solventeparapreparosdepimentasouremédioscaseiroscomoervasmedicinais,usadosamplamentepormulheresehomens.

Há, entre tantos significados, uma forte ligação da cachaça à morte, aofuneral. Na memória dos moradores da comunidade quilombola há a claraimagem de se ver pela janela, esporadicamente, grupos de pessoas levando ocaixão pelos caminhos e trilhas da comunidade em direção ao cemitériocentenárionafazendaAltodosBois.Osignificadodessesrituaiseradeprofundatristezaparaosparentes,porém,paraosalheiosqueprestavamcondolênciassevoluntariandoparaserevezaremlevandoocaixãoeramretribuídoscomcachaça,cujo valor e sabor compensavam o penoso e triste trabalho de encaminhar orecém-falecidoaoenterro.Otempodeduraçãodesteritualdependiadadistânciaaserpercorrida–quepoderialevardias2.Logo,oresultadodisso,queédeseimaginar, ede fatoé, éumamisturade tristezados familiarescomaebriedadedos demais, que não hesitavam em se manifestarem assim, falando alto,confundindo o trajeto, trocando palavras, desobedecendo a comandos. Tudo,porém,aconteciacomumlevetomhumorístico,queora incomodava,ora jáeradeseesperarpelosparentesdofalecido.

“Beberomorto”,atocomumtambémemoutras regiões,éumapráticaquepode se encaixar ao descrito acima que, também, algumas vezes incluem ospróprios familiares, que se distraem e conversam sobre a perda de um entequerido.Comefeito,nãoédeestranharqueovelórioremetaaosabordacachaça,cujoteorfestivoera–decertaforma–almejadoporseusmaioresdegustadoresdacomunidade.

Apesardosrelatosemtompretérito,asgeraçõesmaisnovasexperimentamomesmosabordosvelórios.Contudo,ocortejofúnebrefoisubstituídopelocarrofuneral contratado pela família. Assim, a tradicional prática de se embebedarnestesrituaisfoirestritaaomomentodovelório,atravésdacortesiadosparentes

dofalecidoou–naausência–levandoaprópriagarrafa.

CONSIDERAÇÕESOssaboresdeAltodosBoisnãoseesgotamnestaspáginas.Adiversidade

cultural exercida neste espaço tradicional abre um leque de possibilidades desentidos e prazeres, e isto, semnos restringirmos ao paladar.Nota-se um fortesabor envolto na comunidade quilombola tais como a hospitalidade de seusmoradores comosvisitantes, sabornão só sentidopelosquevêmde fora,mastambémpelosprópriosnativos.Pontua-sequeossaboressãosentidoseguardammemórias, práticas culturais, tradições e identidade. Entendê-los enquantoveículo dessas riquezas e, a partir disto, pesquisar suas relações com acomunidade e seus moradores exaltam a importante tarefa da eminência dageografiadosabor.

Omodo de fazer quitandas no forno de barro é uma prática conferida emmuitas casas das comunidades e revela uma tradição rica e curiosa de seacompanhar.Nestepontosurgeapossibilidadedeseproporapreservaçãodestaprática, a sua valorização enquanto patrimônio imaterial, fomentando assim suaperpetuação através do registro, divulgação. Provoca-se também sobre acompreensãoburocráticadopatrimônio imaterialnão serbaseadana repetição,reprodução ou padrões de uma prática oumodo de fazer, mas a pluralidade ediversidadedosmodosdefazeromesmoproduto,ouváriosprodutos.Emoutraspalavras,encanta-severqueemummundoglobalizado,homogeneizadoemsuaspráticas de consumo, haja a resistente prática de se variar, experimentar,diferenciarnomomentodesecozinhar.

REFERÊNCIASARAÚJO,VanessaDias.Extrapolandoascercas:osentidodequintalemAndrédoMatoDentro,SantaBárbara-MG.2015(noprelo).

ASSUNÇÃO, Marilena Pacheco. O fazer do cozinheiro. In: Maria do Carmo

Soares de Freitas, Gardênia Abreu Vieira Fontes, Nilce de Oliveira (Orgs).Escritasenarrativassobrealimentaçãoecultura.Salvador:EDUFBA,2008.

BESSE,Jean-Marc.VeraTerra.SãoPaulo:Perspectiva.2006.

CLAVAL, P.Epistemologia da Geografia. Trad. Margareth de Castro AfechePimentaeJoanaAfechePimenta.Florianópolis:Ed.daUFSC,2011.

DARDEL, Eric.OHomem e a Terra: natureza da realidade geográfica. SãoPaulo:Perspectiva,2011.

GOMES,PauloCésardaCosta;RIBEIRO,LetíciaParente.CozinhaGeográfica:apropósitodatransformaçãodanaturezaemcultura.In:EspaçoeCultura,n.29.RiodeJaneiro:UERJ,2011.

MATOS,RalfoEdmundoS.;FERREIRA,AndréV.B.Geo-HistóriadoValedoJequitinhonha: origem e formação da rede de cidades. In:Cadernos doLeste.BeloHorizonte:v.1,n.2,p.1-17,out.2000.

SILVA, Marilu Albano da. Cozinha: espaço das relações sociais. In: RevistaIluminuras.V.10,n23.PortoAlegre:UFRGS.2009.

VERDEJO, Miguel Expósito. Diagnóstico Rural Participativo. Guia prático.SecretariadeAgriculturaFamiliar,MDA.Brasília,2006.

1Estetrabalhoépartedoprojeto“Etnografia,paisagensculturaisegestãodoterritórioemcomunidadestradicionaisdoValedoJequitinhonha/MG”,financiadopelaFAPEMIG.

2Hárelatosdeumfalecidocujocaixãosequebrounomeiodotrajeto,devidoaoinchamentodocorpo.O grupo que o levava decidiu então enterrá-lo nomeio do caminho, pois além do ocorrido, o cheiro estavainsuportável. Na ocasião, o local onde foi enterrado – na beira da estrada – tornou-se, futuramente, umcemitério.

IDENTIDADEFESTIVADACOMUNIDADEDEBOCAINAEMSANTOANTÔNIODELEVERGER/MT

BERNADETHLUIZADASILVAELIMACursodeGeografiadaPMC/SME/MT

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INTRODUÇÃOAs Comunidades Tradicionais Rurais do município de Santo Antônio de

Leverger/MT fazem parte da Região Metropolitana do Vale do Rio Cuiabá –RMVRC –, são depósitos de saberes, aprendizado que são traduzidas no seucotidiano com simplicidade, suas vivências, tradições, histórias de vida eidentidadepeculiarescomsignificaçõestraduzidasnasfestividadesdesantosqueresgata a cultura tradicional. As manifestações culturais presentes nessascomunidadestradicionaisrurais,temhistoricidade,comapropriaçãosimbólicas,visíveisemseuterritórioqueconstituireferênciaparaasrelaçõescotidianas.

ODecretoFederalnº6.040de7defevereirode2007,noArt.3º,define:

Povos e Comunidades Tradicionais: grupos culturalmente diferenciados e que sereconhecemcomotais,quepossuemformasprópriasdeorganizaçãosocial,queocupameusam territórios e recursosnaturais comocondiçãopara sua reprodução cultural, social,religiosa,ancestraleeconômica,utilizandoconhecimentos,inovaçõesepráticasgeradosetransmitidospelatradição(SHIRAISHINETO,2007,p.202).

Sabe-se através de informações de jornais, revistas, e sites que em todoterritório brasileiro existem em torno de 4,5 milhões de pessoas vivendo emcomunidades tradicionais correspondendo a 25% do território nacional.Destacando os seguintes povos: caboclos, caiçaras, extrativistas, indígenas,pescadores,quilombolas,ribeirinhos,entreoutros(CAMPOSFILHO,2008).

De acordo com Campos Filho (2008), são considerados tradicionais osconhecimentos, valores e práticas adquiridos oralmente dos antepassados,

utilizadosnaconstruçãodeculturaseidentidadesatuais.Assim, as comunidades tradicionais utilizam os recursos naturais, os

conhecimentos, as inovações e práticas transmitidas oralmente e na práticacotidiana.Para(CAMPOSFILHO,2008,p.68):

Contemporânea e internacionalmente têm sido entendidas como populações tradicionaisaquelasqueusam seus ambientes de formapeculiar, desenvolvendo comumentemanejosustentado de recursos naturais em seus territórios através da história, assim como devalores,economias,tecnologias,equipamentosmateriais,formasdepensar,deorganizaçãosocial,políticaeritualqueresultamemformasprópriasdesereviver.Seguem,segundoseusmembros,o ‘sistemadosantigos’, a ‘tradiçãodopovo’,olhando respeitosamenteaprópriahistória,naconstruçãodaidentidadeatual.Vêmsendoentendidascomoopostasàmodernização,estatidacomoasconsequênciasdastentativasdereproduzirasformasdevivereaeconomiadochamado‘primeiromundo’.

Estudos têm demonstrado que modos de vida tradicionais protegem anaturezamaisdoqueasformasdeproduçãoindustriaiseemescala.Issofazcomque as territorializaçõesdessas populações sejamescolhidas para a criaçãodeunidades de conservação. Para isso, às vezes, retiram os habitantes,desorganizando seus arranjos socioculturais, penalizando e contribuindo para aextinção das populações que historicamente conservaram os ambientes,empobrecendoadiversidadecultural.

Algumas características das populações tradicionais, em geral (CAMPOSFILHO,2008,p.70):

Seautoidentificamesãoidentificadosporoutroscomogruposculturaisdistintos;possuemformas linguísticas, instituições sociais e políticas próprias; tem ligação intensa com oterritório ancestral onde habitam e desenvolvem sua sociedade e cultura; utilizam oterritório de modo descontínuo, com áreas em repouso e outras em uso; desenvolvemconhecimentosdeseusambientesedosciclosnaturais,refletidosnasformasdeusoedemanejo dos recursos naturais; tem tecnologias próprias com baixo impacto ambiental,adaptadasaomeio;asustentabilidadeeconômicaeecológicaestáassociadaa limitesnaprodução, que não busca aumentos de produtividade; as culturas tradicionais estãoassociadas a formas de produção não capitalistas; conserva patrimônio genético animal(bovino,equino,suíno)evegetal,commaiorautonomianaproduçãodesementeseformasde propagação (como ramas demandioca); muitas vezes, utilizam recursos naturais deformacomunitáriaemão-de-obrafamiliar.

Assim,ascomunidadestradicionaisruraisdomunicípiodeSantoAntôniode

Levergermantêmasuaidentidadeeasmanifestaçõesculturaisestãopresentesnoseu território, notadamente na comunidade deBocaina, nosso objeto de estudo.Estacomunidaderuralaproveitatudooqueanaturezaoferecealémdemostrarariqueza cultural nas festividades de São Sebastião, padroeiro da comunidade,quando se realiza no mês de janeiro. Tal evento é apoiado pelo governo doestado, através de projetos.Além disso, essa comunidade foi objeto de estudonumapesquisadedoutorado(LIMA,2013).

OpresenteestudoépartedeumprojetoquerecebeupatrocíniodaSecretariaEstadualdeCulturadoEstadodeMT.Emconsequênciadisso,durantetrêsanosconsecutivos são realizados festejos de grande porte propiciando a unidade,interação e criatividade, de forma organizada, reportando sobre as riquezas emanutenção da cultura popular, ou seja, oCururu e o Siriri.Recebemdevotos,fiéis,colaboradoresepromissáriosqueparticipamdeformaintensaemtodasasetapasdarealizaçãodafesta.

Para elaboração do estudo buscamos as proposições de Castells (1999),acercadopoderda identidade,queorientarãoaabordagemacercadoprocessopolítico de construção da identidade coletiva das comunidades tradicionais deVarginha, Bocaina, Cerradinho e Engenho Velho, pertencentes ao município deSantoAntôniodeLeverger-MT.Para(CASTELLS,1999,p.24),“umavezqueaconstrução social da identidade sempre ocorre em um contexto marcado porrelaçõesdepoder”.

Oestudoestáconfiguradonaabordagemquali-quantitativa,deacordocomGarcíaBallesteros (1998), não começa com um conjunto de hipóteses a seremverificadas, porém, com uma aproximação ao lugar de estudo, levantando umasérie de problemas e reflexões sobre ele, através da história oral e estudo decaso. Inicialmente fizemos o levantamento bibliográfico.No segundomomento,realizaram-seentrevistascomosmoradoresantigos,registrofotográfico,acoletadosdados,observaçõeseleituradapaisagem.

Areligiosidadedascomunidadestradicionaisruraiséexpressanocotidianode forma intensa, sendovisível emcada lugarondemoramatravésde imagens,

símbolos, artigos religiosos, evidenciado por Ferreira (2010) com nichosrepletos de imagens de santo, que são referendados com festas que guardamcostumesantigos.Aunidadenascomunidadesaconteceatravésdasnovenas,rezadoterço,missas,celebraçõeseoutros.

Nessecontexto,apaisagemdascomunidadestradicionaisruraispossuivalorsignificativo. Parafraseando Romancini (2005), sobre o estudo da paisagemrevelaossaberesdacomunidade,suas técnicaserituais.Há todoumritualquetrazsentidosedegrandevalorsimbólicocomoaproduçãodobolodearroznofornodebarrofeitodeformaartesanal,confecçãodomocho,ganzáedavioladecocho.

Oconceitodeculturaapresentadopor(CLAVAL,1999,p.63):

A cultura é a soma de comportamento, saberes, técnicas, conhecimentos e valoresacumulados pelos indivíduos durante suas vidas e, em outra escala, pelo conjunto dosgruposdequefazemparte.Aculturaéumaherançatransmitidadeumageraçãoaoutra(...).Nãoé,portanto,umconjuntofechadoeimutáveldetécnicasecomportamentos.Oscontatos entre povos de diferentes culturas são algumas vezes conflitantes, masconstituemumafontedeenriquecimentomútuo.

Nascomunidadestradicionaisruraisasfestividadessãotemporárias,sendorepresentações do sagrado e do profano, representam símbolos territoriais queidentificam e qualificam os lugares e as paisagens (ALMEIDA, 2011), ondeacontecemosfestejosdeformamarcante,criandosignificadosevaloresculturais.Nestesentido,asfestividadesexpressamasformasidentitáriasdegruposlocais,ondeomotivodeencontro,deféousimplesmentedecelebraratraie identificadevotoseindivíduosdemesmaidentidade.

MANIFESTAÇÃO CULTURAL DA COMUNIDADE TRADICIONALRURALDEBOCAINA

Manifestaçãoculturalétodaformadeexpressãodossereshumanos,sejapormeiodecelebrações,festejoserituaisatravésdelinguagens,escritasouverbais,constituída pela acumulação de saberes das comunidades como herança dos

antepassados. É a valorização e o conhecimento dos bens culturais que podemcontar a história de vida de um povo, sociedade e comunidade com seuconhecimentoquesãoaprendidoscomsuasmemóriasevivências.

Éimportanteressaltarqueopatrimôniohistórico-culturaldaComunidadedeBocaina e comunidades vizinhas (Varginha, Cerradinho e Engenho Velho) temsingularidadesmarcantesemseus territóriossagrados,compráticasevivênciasque permeiam o espaço festivo. A Organização das Nações Unidas para aEducação,CiênciaeCultura–UNESCO–promoveaidentificação,aproteçãoea preservação do patrimônio cultural e natural de todo o mundo, consideradoespecialmente valioso para a humanidade. As relações com a salvaguarda dopatrimônio cultural tangível e intangível no Brasil podem ser as principaisreferênciasparaaspolíticasnessecampo(IPHAN,2006).

Em1989, aOrganização estabeleceu a recomendação sobre a salvaguardadaculturatradicionalepopularevem,desdeentão,estimulandoasuaaplicaçãoao redor do mundo. Esse instrumento legal fornece elementos para aidentificação,apreservaçãoeacontinuidadedessa formadepatrimônio,assimcomo de sua disseminação. Dessa forma, há uma adequação da legislação,proteção e a institucionalidade da cultura brasileira para a diversidade dasexpressõesculturais.

Ascomunidades tradicionais, ruraisouribeirinhas têmforte ligaçãocomanatureza.Herdaramdeseusantepassadososconhecimentosdesuasexperiênciasconstruindo significados no que se refere a sua ambiência e cultura tradicionalsustentável. As manifestações culturais dessas comunidades tradicionais têmraízes históricas, estabelecem interatividade que são traduzidos no ser, fazer eaprendersendovivenciadoserecriadoscomsingularidades(LIMA,2014).

A Comunidade de Bocaina é uma zona rural e faz parte domunicípio deSanto Antônio de Leverger/MT, que ao longo do tempo preserva suas raízesculturais,desdesuafundaçãoatéaatualidadesituandodiálogosquesãovividoseaprendidos,sendorecriadoscomsingularidadepelosgruposculturaisdolugar.

Castells (1999, p. 22) define a identidade como a “fonte de significado e

experiência de um povo”. Construindo e marcando o espaço repleto deafetividade com suas percepções e vivências construindo saberes na dimensãofestiva que há mais de cem anos são realizados os festejos em honra à SãoSebastião.

Assim,abordaramanifestaçãoculturalpresentenaComunidadedeBocaina:oCururueoSiriri.Manifestaçõesculturaiscomintensaexpressividaderevelandoo sentimento de pertencimento, contribuindo paramanutenção damemória vivainteragindoasgerações(adultosejovens)doGrupodeSiriri–FlordoCerrado.

O Cururu, o Siriri e o Rasqueado, manifestações folclóricas típicas dascomunidadestradicionaisequefazempartedaculturapopulardeMatoGrosso,jápoderiam ter sidoextintascasonão fossempassadasdegeraçãoexpressadaspor versos, passos, danças, misturando sagrado e profano, efêmero e eterno eencontra-seenraizadanaculturadaBaixadaCuiabana.

A identidade cultural de um povo está ligada a três grandes fatores: ohistórico,olinguísticoeopsicológico,equeaconsciênciahistóricadeumpovoéadefesamaissólidacontratodasasformasexternasdeagressão,culturaloudenatureza. Mato Grosso, ou seja, a Baixada Cuiabana é marcada pelas festasreligiosas, onde mistura o sagrado e o profano. Essas festas são importantesmanifestaçõesdaculturatradicionalpopularregional.

Asfestas tradicionaisdascomunidades tradicionaisguardamumaprofundaligação com a religiosidade, e nas lendas, mitos e folguedos da época ondeaparecem. A essas raízes, que se confundem com a cultura colonialistaportuguesa, foi sendo adicionados elementos da cultura espanhola através daherançadeixadaaospovosindígenas.

A influência da população indígena na cultura cuiabana é perceptível, naalimentação,nadançadoSiririenocantodoCururu,comoapontaMartinsJúnior(2006,p.82):

Asuaorigem,ouseja,aorigemdaterminologia“cururu”estávinculadaasmanifestaçõesdasfestas indígenas,praticadaspelosnossos índiosBororós,emcujasaldeiasàbeiradoRioSãoLourençodançavamo“bacururu”,poucodiferentedo“Cururu”,emqueosíndios

dançavamemroda,alterandoapenasoritmo.Talvezdaflexãodotermo“bacururu”tenhasurgido “Cururu”, devido à proximidade dos habitantes da zona rural, com as aldeiasindígenas.

A origem do nome também é controversa, uma vez que diz que vem de“cururu”, uma planta que era cozida com o feijão servido antes do início dasoraçõesedadança;eoutraqueremeteàorigemao“sapo-cururu”.Quantoasuaorigem,algunspesquisadoresafirmamqueéumadançadeorigemtupi-guarani.

HáváriashipótesesparaaorigemdoCururu.Algunspesquisadoresafirmamque é uma dança de origem tupi-guarani, de função ritualística. Outros aconsideramumadançaquerecebeuigual influênciadomisticismoindígena,dosofíciosjesuítasedosafricanos.NarodadoCururu,cadatocadordesafiaooutro,o tempo é marcado pela viola e pelo público, que acompanha cada verso eresposta.

OCururuéumadançadehomensque, em roda,numasalaouaoar livre,cantam versos e toadas, ao som da Viola de Cocho e do Ganzá, em festasreligiosas ou profanas. Cantando e dançando com movimentos coreográficos,atravessam as noites. Quanto ao Siriri, temos uma descrição no folheto daExposiçãoitinerante“PatrimônioImaterialMato-Grossense”:

Um dos folguedosmais populares do estado deMato Grosso, praticado geralmente naBaixadaCuiabana, fazendopartedamaioriadas festas tradicionais realizadasemlouvoraossantos.NãosesabeaocertoaorigemdoSiriri.Algunsdocumentosinformamquefoiintroduzidopelosbandeirantespaulistaseportugueses,nosprincípiosdaconquistacolonial.OutrosindicamtraçosdaculturaafricanadaregiãoBantoeaindadeindígenasdaregião.Aorigemdapalavra“Siriri”éimprecisa.Parauns,vemdapalavra“otiriri”quesignificaextremesdoséculoXVIIIemPortugale,paraoutros,significaumtipodeformigãocomasas(umcupimdeasasquesemovimentacoreograficamente lembrandoofolguedo).Éum folguedo do qual participam homens, mulheres e crianças em roda ou fileiras,formadasporparesquesemovimentamaosomdavioladecocho,ganzá,mocho,violadepinho, sanfona, tamboril.O siriri é compostode cantos emversos simplesque falamdodia-a-dia e de suas crenças,muitas vezes improvisados pelos tirados que se aproveitamdosfatosdaatualidadeparacriticar,exaltarouatémesmoparasaudaralguém.Étambémconhecido como dança mensagem, pois é pura expressão corporal e coreografia queprocuratransmitirrespeitoecultoàamizade(LIMA,2016).

O Siriri e o Cururu são representações culturais que produzem ossignificadosquegerama identidade,pois segundoWoodward (2000,p.18), “a

ênfase na representação e o papel da cultura na produção dos significados quepermeiam todas as relações sociais levam, assim, a uma preocupação com aidentificação”.Dessamaneira,

Aconstruçãodeumaidentidadeéalgocomplexoequeenvolveváriosfatores,mudandoacada realidade. Na tentativa de criar uma imagem forte na mente das pessoas, váriascidades investem no que tem de mais característico, diferenciado e atrativo, comoelementos de visibilidade, partindo sempre da ideia deCastells de que toda identidade éconstruídae,danecessidadedos lugaresemdesenvolverumaimagemqueosdiferenciedos demais. Sendo assim, podem-se citar diversos elementos que contribuem para aconstruçãodeumaidentidadeterritorial(TOROUCO;REYES,2011,p.4).

A festa religiosa deSãoSebastião naComunidade deBocaina começa nosábadoàs8:00horascomprocissão,cânticos,recitaçãodoterço.Nasequênciaécelebradaamissafestiva,servidooalmoçoerealizadaumamatinêdançante.Ànoite chegam os cururueiros acolhidos com queima de fogos anunciando osfestejos.Oscururueirosreúnem-seemfrenteaoaltar,fazemreverênciasaosanto,comoração,cânticos,prosaseversos(Figura1).Emseguidafazemaprocissãoaté o levantamento do mastro e seguem com as rezas cantadas feita por umcapelãocomladainhaemlouvoraogloriosoSãoSebastião.Cantandoedançandovão contando a história dos santos e prosseguemmadrugada adentro até o solraiar. Os cururueiros cantam e dançam em dupla ou com mais parceiros,acompanhados pelo ritmo da viola de cocho e ganzá, fazem trovas, toadas,poesias, repente com assuntos do cotidiano, falando da natureza, fazendoreferênciaaolugar,aosconvidados,aosdonosdafesta.

Figura1–AltareCururueiros

Fonte:Lima(2014;2016).

Avioladecocho foi reconhecidacomopatrimônionacional, registradanoLivro dos Saberes do patrimônio imaterial brasileiro em 10 de dezembro de

2004. Foi o quinto bemde natureza imaterial a ser registrado pelo Instituto doPatrimônioHistóricoeArtísticoNacional(IPHAN,2013).Éfeitaartesanalmente,de um tronco demadeira inteiriça e ainda verde, de preferência, tipo, sarã deleite, por exemplo.Éaplicadoummolde como formatodaviolanesse tronco,paraqueoartesãopossadelimitaroespaçoondedeveesculpirotronco,fazendoo contornodo instrumento externamente.Em seguida ele irá buscar contornar oinstrumentopelapartededentro.Aobraestaráprontaquandoasparedesficarembemfinaseotroncoganharaformadeumcochopropriamentedito.

Segundo Romancini (2007), acompanha a viola de cocho, o ganzá, uminstrumento de percussão feito de taquara e trabalhado ainda verde, percutidocomumpedaçodeossoouferro,eomocho,tambémconhecidocomotamboreteou tamborim, que é “[...] um banco cujo assento de couro é percutido combaquetasdemadeira[...]”(TRAVASSOS;CORRÊA,1988,p.1).

OganzáéoutroinstrumentoutilizadonoCururuenoSiriri.Trata-sedeumaespécie de reco-reco, chamado também de “cracachá”, percutido da seguintemaneira:

As ranhuras são friccionadas por baqueta, pedaço de pau, garfo ou pedaço de osso decosteladeboi.Alguns cracachás sãopreparados fendendo-seumdosgomosdobambuparaseobteroruídocaracterísticodemadeiraoca.Nafaltadecracachá,usa-sepratodeágate,raspadocomgarfo(ANDRADE,1981,p.34).

Oganzá éum instrumentomusicalmedindode40 a70 cm, feitodebambucom ranhuras no sentido transversal ao comprimento. As ranhuras sãofriccionadasporumabaqueta,pedaçodepau,garfoouatémesmopedaçodeossode costela de boi. São feitas também de três a quatro rachaduras no sentidolongitudinaldobambu,dependendododiâmetrodeste,paraqueosomnãosaiaabafado.Oinstrumentoétocadomovimentando-seumossodecostelabovinadecimaparabaixoedebaixoparacima.Ésemelhanteaoreco-reco,sendotocadoparaacompanharoCururueatéoRasqueadoondeonúmerodeviolasdecochoésempremaior,poisosomdoganzáémuitoalto.

Já omocho, ou tamborete, também é conhecido como “pauzinhos” que no

ritmodoSiriri é tocadogolpeando-seumcaixoteouumabruacade courobemseco e ainda um banquinho de madeira. Omocho é uma espécie de banco demadeira,emcujoassentoépregadoumcourocru.Épercutidocomduasbaquetasnoassentodecouro,podendosertocadoporduaspessoasaomesmotempo.

Não tem utilidade no Cururu. O mocho e o ganzá, instrumentoscaracterísticosdoSiriri,dançatipicamentepantaneira.

PROJETOSCULTURAISNACOMUNIDADEDEBOCAINAEmrelaçãoaosprojetosculturaisdesenvolvidosnaBocaina,caberessaltar

ogrupodeSiririFlordoCerrado,integradoporjovenseadultosdacomunidadee regiões vizinhas e estudam na Escola Estadual Faustino Dias de Amorim,localizadanoDistritodeVarginha.OutroprojetoédoCururu,noqualfazempartetocadores da Baixada Cuiabana. Neste sentido, vamos nos atentar para acompreensão da identidade da comunidade de expressões culturais, onde oterritório é “uma convivialidade, uma espécie de relação social, política esimbólica que liga o homem a sua terra e, simultaneamente, estabelece suaidentidade cultural” (SERPA, 2008, p. 318). Claval (1999), reconhece oindivíduocomoumsistemadeculturavivenciadaemumgrupo.

Cada indivíduo é portador de um sistema cultural em evolução constante, mas que éestruturado pelos valores. Estes são adquiridos pelos indivíduos no decorrer de suatrajetóriadevida,aosabordosensinamentosquereceberamedasexperiênciasquetêm.(CLAVAL,1999,p.72).

Acultura,comodimensãodeoperaçõessimbólicas,adereàspaisagenseasconstrói, conformando-as mediante vivências e significações. No caso daidentidade das comunidades tradicionais, na abordagem da comunidade deBocaina, a herança cultural se manifesta em rituais e festas organizadas pelaspessoas que nela vivem, tornando-se um marco identitário dotados de umaidentidadehistórica,patrimonialeemblemáticamuitoforte(SERPA,2008).

Figura2–ProjetosculturaisdesenvolvidosnaBocaina

Fonte:Lima(2016).

DeacordocomRomancini(2007),

Osiririéumadançadeparescujaorigeméatribuídaàsdançasindígenas.Oritmoalegreemovimentadoéobtidoatravésdeumaoumaisviolasdecocho,doganzáedomocho.As duas coreografias básicas do siriri são a roda e a fileira.Os pares dançambatendopalmas e cantando. Ao ritmo forte e rápido damúsica, os dançarinos parecem não secansar,dançandoportodaanoite.

Apesar de haver pouco apoio doPoderPúblico para o fortalecimentodasatividadesculturaisdascomunidadestradicionaisrurais,oprojetoSiririFlordoCerradofoiselecionadopelaSecretariadeCulturadoEstadodeMatoGrosso.E,durantetrêsanosconsecutivossãorealizadosnacomunidadedeBocainaondehágrandevisibilidade,interatividadeecriatividade,reportandosobreasriquezasemanutençãodasmanifestaçõesculturais,ouseja,oCururueoSiriri.Orecursofoiaplicado para a confecção de roupas, decoração, arranjos do grupo eornamentaçãodoandor,bandeiras,bandeirolas,pagamentodecoreógrafo,dentreoutros.Paraosparticipantesdogrupo,estarenvolvidonestaatividadeculturalémuito importante. Esse sentimento de pertencimento constitui a essência dacomunidade.Destaca-se, por exemplo, a opinião de alguns. SegundoC.A., 13anoseM.S.14anos,

DançaroSiririéumadescontração,temmuitaalegria,contagiante,agenteinteragecommuita gente nas festividades com o santo. No sítio é difícil ter festa. Quando tem é omelhor momento de lazer, brincar, festar. Toda vez que a professora nos chama paraensaiarnãofalteinenhumdia,praficarbemtreinadanospassosdadançadoSiriri(C.A.,13anos).Desdecriançaaprendiagostadocururucommeuspais.EujáfrequentavaasfestasdesantonoSãoGonçaloBeiraRio.Entãoaprendiatocaravioladecochoefazerprosanarodadocururu.Tocarocururuéestarenvolvidocomosagrado.ESãoSebastiãoéumsantomilagroso.AmoaBocaina(M.S.14anos).

A dança do Siriri na Bocaina tem intensa expressividade e visibilidadecultural,dandosustentabilidadeàcultura local, contribuindoparaamanutenção

damemóriaviva,interagindoasgeraçõesdeadultosejovensdogrupoSiririFlordoCerrado.Segundo(LIMA,2012,p.3),

Os festejos de São Sebastião da Comunidade de Bocaina movimentam as crianças ejovensamostraremsuashabilidadesemovimentosdocorpocomoexpressãodacultura,arteeludicidade.Adançapossibilitaaeducaçãoprazerosaepreparaosjovensparaumaboaqualidadedevida.É também transmitir a noçãodeprazer, de alegria deviver,mascomo oportunidade de crescer e realizar, como meio de atingir os objetivos. Amusicalidade atrelada ao movimento corporal dá uma sensação de liberdade, amor eformação da cidadania. Esta atividade desenvolve a sensibilidade e a capacidade deconcentraçãoestimulandoainteração.

É assim que o Siriri contagia todos os participantes batendo palmas etambém os pés, de pé descalço, embalam ao som da viola de cocho, ganzá emocho.Osqueparticipamdadançaeosqueassistemtambémembalamnaalegriados versos e músicas com temas regionais. Como expressãomusical do Siririsegueos versos que são cantados na entradadoSalãodeFestaSãoSebastião,quando as crianças vão apresentar a dança. Reportando a identidade do grupoSiriri, tem uma singularidade marcante para a comunidade de Bocaina, assimcomo para as comunidades vizinhas. No decorrer dos festejos as criançasapresentamadançadoSiririnodomingoenasegunda-feiranaqualaconteceafeijoadalocal(LIMA,2012).Paraexpressãoosentimentodosdançarinos,temosaseguirdoisdepoimentos,oprimeirodeG.R.L,55anos,eosegundodeM.F.,14anos:

Siririéumadançaqueuneacomunidade,enalteceoespíritoevalorizaapessoaeanossacultura.EuamodançaroSiririemedeixamuitomotivadoquandoestounadança.GostomuitodedançarcomunidadedaBocaina.Apesardeserdeorigemmineira,dacidadedeAlpinópolis,jámesintodacomunidade(G.R.L,55anos).FazpartedaculturapopulareprecisamostraroquedemelhortemnaBocaina,queéadança.TudoissoacontecedevidoafestadeSãoSebastião.Adançapramimtrazalegriaparaomeucoração.Ficomuitocontente e felizdepoderparticipar edarumpoucodemimprapreservarnossastradiçõesculturais.QuerodançarsemprenogrupoSiririFlordoCerrado(M.F.,14anos).

Positivamente, esta experiência permitiu o exercício de uma proposta deeducação que, conforme Morin (2002), articula o sensorial, o racional, oemocional,oético,opessoaleosociale,portanto,torna-semaisefetivonoque

se refere aos objetivos alcançados e conteúdos construídos. Aqui, quandomencionamos os objetivos e os conteúdos estamos falando, sim, em educação,mas também, estamos destacando a superação de problemas cognitivos e derelacionamento,problemasquefazempartedocontextoescolarecomosquaisoprofessorprecisaaprenderalidarepensarsobre.ComoseobservanafaladeA.J.,16anoseM.C.S.S.,60anos.

TenhoorgulhodeserdaBocainaedançarfazpartedaminhacultura.Aprendicommeuspais a valorizar tudo que existe aqui.OSiriri é ummomentomuito importante pramimquando vou dançar na festa de São Sebastião. Já recebi um milagre na minha saúde.Entãodançoprahomenagearosantoetambémmesintomaismotivadaecomprometidacomosvaloresdomeupovo.Ficomuitofelizdeestaraqui.Atémesmoajudounosmeusestudos.Agorasoumaisaplicadanaescola(I.R.,16anos).DançaroSiriripramimémuitaalegria.Sinto-memaisjovem.Precisamosmanteranossacultura dos nossos antepassados. Siriri é viver, é amor, é tudo pramim. Esse grupo foicriado pra dar uma opção na comunidade para as crianças, pra animar as festas. Ascrianças têm muita energia e assim a gente ta dando mais uma oportunidade. Fomoscriados com essa cultura, dos nossos pais, nossos pais. A dança está viva na nossamemóriaeacomunidadetodagosta(M.C.S.S.,60anos).Desdeosnoveanosdançoosiriri.VejoquefazpartedaculturadanossacomunidadedeBocaina.Meus pais sempre incentivaram a manter a tradição. Gosto porque traz umaemoção diferenciada de todas as outras danças, preserva amemória do lugar onde eunasci.(A.J.C.F.,15anos).

EmrelaçãoaoprojetodoCururu,osparticipantesjátêmtradiçãodedançar,ecantaraosomdavioladecochoeganzás,arodadoCururuérealizadasomentepelos homens, faz parte das festividades da comunidade de Bocaina, sendotradição antiga envolvendo os tocadores de Cururu da Baixada Cuiabana. Nosábadoatravessandoamadrugadaatédomingopelamanhã,nodescerramentodomastro.DeacordocomoSr.S.S.,68anoseSr.S.R.,74anos:

É prazer participar da festa da Bocaina. O cururueiro é tratado com amor nessacomunidade.Todosvalorizamocururueiro.Opovo temamor, temrespeitoeadmiraçãoquando estamos tocando na roda do cururu, cantando e dançando. Os participantes daroda de cururu têm alegria, são animados e envolvem todos os que estão presentes nafesta. Aqui na Bocaina o cururueiro tem vez e voz. Seu Emiliano Pedroso, conhecidocomo Galego foi responsável pela riqueza da tradição do lugar. Desde jovem eu jáparticipavadoCururutocandooganzá.Agoraeutocoavioladecochoemesintomuitofeliz de fazer parte dessa cultura. Somosmuito bem tratados pela comunidade.Quandoamanhece depois da descida do mastro, a equipe da cozinha prepara um saborosorevirado, servido com pão, biscoitos de fubá, francisquito, biscoito de polvilho, bolo de

arrozeochádecapimcidreiraechámate(S.S.,68anos).SoudacomunidadedoCerradinhoesempregosteidocururu.Aotocarganzádeacordocomasprosas,poesiaehomenagemque são feitas ao santoeapreciadoresda rodadocururusintomuitofelizpormantervivaaculturadaBocainaedascomunidadesvizinha.Participo todos os anos da festa de São Sebastião. Assim, namissa e no cururu estousemprepresente(S.R.,74anos).

As atividades festivas dão visibilidade ao patrimônio cultural imaterial,valorizando as raízes históricas, com suas tradições culturais, religiosas,perpetuando a memória que é carregada de significados sociais, sendoapreendidosnoseucontextocultural,ouseja,“osignificadoésempreconstruídoculturalmente”(GEERTZ,1989).OutrodepoimentoqueevidenciaaimportânciadoCururuédemonstradonafaladeA.G.A.,65anos:

Ocururu é a tradiçãodeMatoGrosso, é o que gosto de tudominhavida é a tradição.Uma coisa que aprendi fazer bem feito é o cururu. Graças a Deus, to muito feliz sercururueiro.Entãoporissogostodasfestasdeanimaçãoreligiosa.Éumaobrigaçãoqueagente temcomanossa religião.Eu já comecei a cantar cururuquando eu tinhauns35anos.Euusomaisaviola-de-cocho,maseutocoganzátomem.Masomeupreferidoéaviola-de-cocho, porque eu tenhomais jeito demanusear.O ganzá não sou tão bom pratocar,eopessoal reclama.TemdozeanosquesoucoordenadordoCururunaBocaina.Eu gosto de animar as festas de São Sebastião na comunidade da Bocaina por daremmuitovaloràtradiçãomato-grossense.QuandocomeçaoCururunafesta,porvoltadas8hdanoite,nemrádiodecarrotoca.Todosficamassistindoevalorizando.Somosmuitobemtratados,diferenciadodoquequalquerlugar,comumgrupoespecial.Agentesente,canta mais bonito, capricha muito mais. Todos são muito legais com a gente. Nuncadeixounadaadesejar.Comocoordenadorficomuitosatisfeito.Eugostodedançaresoubemaplaudido.Nocururunóssomossóveioenãotemospreocupaçãodeadularmulherpradançar.(A.G.A.,65anos).

Hojeéumcompromissosocial,culturalepolítico,comoeducadora,dessaforma, participando dos editais da secretaria de cultura do estado de MatoGrosso, são realizados projetos para dar visibilidade ao lugar, no resgate daidentidade. Tendo parceira dentro da comunidade, como a senhora Maria doCarmoSilvaSigarini, funcionária pública federal, que apoia este projeto comomuitoimportanteparaacomunidade.Paraela,antesessascriançasficavammuitoociosas,ouseja,andavamdebicicleta,faziamrodasparajogarbaralho,jogosdefutebol, e achou melhor envolvê-las em alguma atividade para se sentiremimportantes, pois estavam sempre desanimadas, vergonhosas e com baixo

rendimentoescolar.OgrupoFlordoCerradoadultoqueixavadedoresmusculares,articulações,

lombares e outros. Ao mudar a rotina de mexer o corpo e envolvê-los nasatividades sentiramenergiavitalizante edisposiçãopara realizar as atividades.Perceberam a importância da dança para o equilíbrio, cura de doença edisposição para as atividades mais pesadas. Nesse contexto, o projeto é umdesafioparamelhorarnossasfestividadesefoiencaradocomoalgoprazerosoebenéficoparatodososenvolvidos.

As comunidades tradicionais são depósitos de saberes construídos erepassadosentreasgerações,eestessãomaterializadosnomododevida,comsuas experiências e práticas que são traduzidos na relação entrenatureza/sociedadeeusamseusconhecimentosnasmaisdiversas formascomosentidodevalorizarasmanifestaçõesculturaispresentesnamemóriadopovo,nasua identidadequeé traduzidanosentimentodepertencimento,permeandosuashistórias,vivências,crenças,valores.

Figura3–GrupoFlordoCerrado

Fonte:Acervodoautor(2016).

CONSIDERAÇÕESFINAISContextualizando,oprojetocultural realizadonacomunidadedeBocainaé

significativo, repleto de afetividade e visibilidade. Considerado importantereferêncianomodode ser, fazereaprendercomsimplicidade, remetendoaumsentimentodepertença ao lugar, contribuindopara amanutençãodopatrimôniocultural imaterial.Ao longodo tempopreserva suas raízes culturais, desde suafundaçãoatéaatualidade,situandodiálogosquesãovividoseaprendidos,sendorecriados com singularidade pelos grupos culturais do lugar, servindo como

referênciasàscomunidadesvizinhas.O estudo evidenciou que as comunidades tradicionais são depósitos de

saberesconstruídoserepassadosentreasgerações,eestessãomaterializadosnomodo de vida, com suas experiências e práticas que são traduzidas na relaçãoentrenatureza/sociedadeeusamseuconhecimentodasmaisdiversasformascomsentidodevalorizarasmanifestaçõesculturaispresentescomooCururu,Siriri,Rasqueadoeasfestasdossantos.

A identidade festiva da Comunidade de Bocaina dá visibilidade aopatrimônioculturalimaterial,valorizandoasraízeshistóricas,comsuastradiçõesculturais, religiosas, perpetuando a memória e a tradição, sendo repleta designificadosquesãoaprendidosnoseucontextosocial,político,culturaleético,mantendosuasidentidadeseterritorialidades.

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ADINÂMICASOCIOESPACIALDEUMLUGARCHAMADOCRASTO/SANTALUZIADOITANHY-SE

CÉSARAUGUSTOFRANÇARIBEIROGrupodePesquisaSociedadeeCultura-UniversidadeFederaldeSergipe

[email protected]

GrupodePesquisaSociedadeeCultura-UniversidadeFederaldeSergiperoseane.ufs@gmail.com

LUANLACERDARAMOSGrupodePesquisaSociedadeeCultura-UniversidadeFederaldeSergipe

[email protected]

GrupodePesquisaSociedadeeCultura-UniversidadeFederaldeSergipejorgenaldoc@hotmail.com

DANIELELUCIANOSANTOSGrupodePesquisaSociedadeeCultura-UniversidadeFederaldeSergipe

[email protected]

INTRODUÇÃOO povoado Crasto, localizado no município de Santa Luzia do Itanhy/SE

passou, nos últimos seis anos, por transformações significativas que não sefizeramdespercebidasnoimagináriodossujeitosquesereproduzemsocialmentenestesegmentoespacial.EstudosrealizadosporGomesR.C.S.(2014),emsuatese de doutoramento, elucidam a dinâmica do lugar, e seus agentesdinamizadores.

Comapreocupaçãodecontinuarsuasinvestigaçõesnopovoado,nosentidodeacompanharastransformaçõesquecontinuaramapósaconclusãodesuatese,amesma desenvolveu, entre os anos de 2014 e 2015, uma pesquisa em conjuntocomgraduandosedemaispesquisadores,pormeiodoProgramaInstitucionaldeBolsasdeIniciaçãoCientífica(PIBIC),nosentidodeacompanharadinâmicadolugar e se suas nuances ainda erampercebidas damesma formapelos sujeitos,sobretudo, pelo fato de o turismo ser um dos agentes dinamizadores dessa

dinâmica.Isto posto, o objetivo central da pesquisa aqui esposada está pautado na

reflexão acerca da percepção dos sujeitos do povoadoCrasto no que tange àstransformações socioespaciais que se deram no período de janeiro de 2014 ajulhode2015,considerandoossentidosesignificadosatribuídospelosmesmossobre o seu modo de vida que está intimamente relacionado à paisagem queconformaolugare,queporsuavez,éafetadapelastransformações.

Oaporteteórico-conceitualestápreponderantementeembasadonosestudosdeGomesR.C.S.(2014),paraumacompreensãodopovoadoCrastonocontextogeral; Almeida (2011) e Claval (2007), para os aspectos epistemológicos daGeografia Cultural e a metodologia nesta inserida; Rocha (2002-2003) para oesclarecimento da Geografia da Percepção; Brandão (2009), para refletirmossobre os sentidos de fazer parte de uma comunidade com modo de vidatradicional;Silva(2009),noqueserefereàpesquisaqualitativa.

Aabordagemculturaltemnasubjetividadeoseuviéstraçadonaessênciadoqueestásendoobservadoduranteoestudoequeoespaçopercebidoéfrutodasexperiências humanas. Salienta-se também que, quando são realizados estudosfocando na Geografia de abordagem cultural, os significados do lugar estãoimpressos no modo de vida dos sujeitos e seus saberes e valores sãofundamentais na transmissão de conhecimentos imersos, poucas vezesreconhecidosemmeioà“correriadoshomens”.

Quantoàpercepção,ferramentanecessáriaparaquesejamfeitasasanálisesdas nuanças que permeiam o povoado Crasto, pode-se considerar que apercepçãovaidependerdoconhecimentoedotipoderelaçãoqueosujeitotemcomolugar.

PERCURSO DA PESQUISA: MÉTODO, METODOLOGIA EINSTRUMENTAL

O mangue vive de um jeito diferente. Entre o rio e o mar ele se ocupa de ser um

incestuosoestuáriodevidaqueveioedavidaquepassará.Emseumanancialconfusodeargilaabsolvente, siltebrincante,organismosemdecomposição,ouniversovivodebelasformas se recria incessantemente. Ambiente mágico e dialético, oposto ao desenhoestético disciplinador, o mangue fechado sobre si mesmo, abre-se em mistérios parareceber. Quem desejar compreendê-lo deve tentar penetra-lo incansavelmente,abandonandoa terrafirmedecertezaeaclarezadasfontes límpidas(NETO,2008,40-41).

AGeografiaemseucursoepercursohistóricoemetodológicoencontra-se,enquanto ciência, relativamente jovem, pois deriva do segundo momento doIluminismoeuropeuemmeadosdoséculoXVIII,fundamentadaprincipalmenteemteoriasvitalistasqueseencontravamdemaneiraantônimaàvertentenaturalista,preponderanteaépoca.

A Geografia passou por dois grandes ciclos enquanto as suas basesmetodológicas. Inicialmente encontrava-se fundamentada sob o viés TeoréticoQuantitativo de base positivista; posteriormente, aderiu-se ao carátermetodológicodeumaciênciadecunhofilosóficomarxistasobafacedoprismadomaterialismo-históricoedialético.

Outra facemetodológicadoprismageográfico, diz respeito à vertente queesta pesquisa adota: a Geografia Humanista de base Fenomenológica. Talconcepção considera, entre outros fatores, o percebido, o concebido e oexperienciado nos estudos das categorias espaço, território, região, lugar epaisagem.Arespeito,Holzer(1997,p.77)afirmaque“antesdetudocabedizerque a fenomenologia e a Geografia têm, em planos diferentes, objetivosconvergentes:odeestudaraconstituiçãodomundo”.

Segundo Relph (1979), a fenomenologia é fundamentalmente um método.Este método já teria provado sua riqueza em outros domínios disciplinares epoderia, portanto, revelar-se frutífero para o projeto humanista que revalorizaaspectosesquecidosnaGeografiatradicional.Oautorsublinhadoispontosquejádariam uma nova dimensão aos estudos geográficos na perspectivafenomenológica.

O primeiro de caráter de utilidade de todo fato cultural, sempre inscritodentrodeumaperspectivaprática,ativa,ouainda,potencial.Osegundopontoéo

incontornável caráter antropocêntrico de todo conhecimento, em que umaexplicaçãosóésatisfatórianamedidaemqueéfundadasobreacompreensãodasintençõesedasatitudeshumanas.Assim,“a fonte legítimadoconhecimentoéaexplicaçãocentradanasexperiênciasvividascotidianamenteecontextualizadasapartirdosinstrumentosculturaisquelhessãorelativos”(GOMES,1996,p.326).

Ao considerar a fenomenologia para estudos da dinâmica socioespacial, aGeografia se enriquece e contribui para sairmos da dureza analítica dopositivismo lógico. A classificação cartesiana baseia-se em quantidades emétodos empíricos de sistematização. A ciência das essências se refere àexistênciahumana,aexperiênciaevivênciadossujeitosdo/nomundo.Almeida(2008)propõe:

Esteprocedimentometodológicoimplica,pois,aausênciaumauniversalidade,ogeógrafolidando com as individualidades, o excepcional na geografia. Também com esteprocedimentoaanálisedaordemsimbólicaconcedeumaimportânciaaolugar,vistocomoumacombinaçãodeelementosaseremdecodificadoscomolinguagem(ALMEIDA,2008,p.48).

Afimderespaldargeograficamenteapresentepesquisa,torna-sepertinenteeleger as categorias lugar e paisagempara sistematizaçãodo trabalho, pois emmeioaosquestionamentosquesurgirameaosobjetivosapresentados,assoluçõespara tais, são melhores respondidas quando analisadas fenomenologicamentedentrodocontextodascategoriasapresentadas.

BREVECONSIDERAÇÃOACERCADAPESQUISAQUALITATIVAÉdanecessidadelatenteemcompreenderoespaçogeográficodohomemé

que o modelo de pesquisa qualitativa nasce no seio das ciências humanas esociais. Seu pressuposto básico consiste em fomentar respostas às questõeshumanasquenãopuderamenãopodemserabrangidaspelapráticaquantitativado fazer pesquisa.A frieza contida nos números tende a reduzir as concepçõeshumanasacálculosquenemsemprecaptamarealidadetalqualelaseapresentaoucaptaaspercepçõesdoshomensdiantedomundoquelhesestádado.

Aconcepçãopositivistaquecompõeagênesedapesquisaquantitativabuscaahomogeneidadeea imutabilidadedos fatos sociaisquepermeiamas relaçõeshumanas (DURKHEIM, 2001). Assim, essa perspectiva de análise mostra-secomoineficienteaosestudossociaisem,aomenos,doisaspectos:primeiropelofatodeessahomogeneizaçãodosfatossociaisnãotercondiçõesderespeitarouconsiderar as diferenças regionais e locais das sociedades e dos espaços dohomem.

Em segundo lugar, esse modo de proceder à pesquisa desconsidera, porvezes, a dinamicidade socioespacial também marcante nas relações humanas.Justamentecomopropósitodeamenizaressesentravesqueapráticaqualitativapassaaserutilizadanaspesquisasefetivadaspelasciênciassociais(eporparteda ciência geográfica) é que foi escolhida para se proceder com a presentepesquisa.

Destemodo,AntônioChizzotticonsideraque

Otermoqualitativoimplicaumapartilhadensacompessoas,fatoselocaisqueconstituemobjetos de pesquisa, para extrair desse convívio os significados visíveis e latentes quesomentesãoperceptíveisaumaatençãosensívele,apósestetirocínio,oautorinterpretaetraduz em um texto, zelosamente escrito, com perspicácia e competência científicas, ossignificadospatentesouocultosdoseuobjetodepesquisa(CHIZZOTTI,2003,p.221).

A partir dessa constatação, infere-se a importância da utilização desteprocedimento no trilhar da pesquisa de cunho fenomenológico (como prevê apresentepesquisa),poisseentendeque,porintermédiodaabordagemqualitativa,opesquisadorterácondiçõesdepercorrerseucaminhosemdeixardeconsiderara percepção dos sujeitos da pesquisa ante aos elementos que compõem seucotidiano,contribuindoparaquenãosepercadevistaoprincipalpropósitodométodoeobjetivosaquiadotados.

CAMINHOSINSTRUMENTAISDAPESQUISAApartir da adoção dométodo fenomenológico e do fazer-pesquisar sob o

viés qualitativo, foram adotados instrumentais metodológicos que pudessem

atender aos anseios da pesquisa de modo a não fugir de sua perspectiva deanálise.Destemodo, roteiro de observação, o diário de campo, as práticas delevantamento, registro e análise fotográfica, além da aplicação de entrevistassemiestruturadas,coletaderelatosinformaisedemapasmentaiscomossujeitosdopovoadoCrasto,compõemoarcabouçoinstrumentalutilizadonopercursodeefetivaçãodapesquisa.

OdiáriodecampoOdiáriodecampoéumimportanteinstrumentonaPesquisaQualitativa.As

anotações que serão feitas, geralmente, servem como guias e lembretes,carregando um conteúdo implícito ao fotografado e gravado. Neste sentido éutilizado,paraquesejafeitoadescriçãodolocalondeforamgeorreferenciadosdeterminadospontos;podeserutilizadoparadescreveremoçõeseexpressõesdeumentrevistado;anotarcaracterísticasdapaisagemquesedistinguementreduasas várias idas a campo; e principalmente, é o lembrete do pesquisador parafuturassituaçõesdecampo.

AsentrevistassemiestruturadasOutro instrumento que foi utilizado na coleta de dados primários

correspondeàentrevistasemiestruturada.Oinstrumentometodológicoemquestãoestá diretamente relacionado ao método do trabalho (Fenomenológico) e paratanto foramutilizadosautorescomoKidder (1987)eManzini (2004).Oauxílioteórico destes autores torna-se pertinente quando os mesmos auxiliam a comocompreenderavivência,aexperiência,ahistoricidadeeaopiniãodos sujeitossociaisnasuarelaçãocomocotidiano.Fizerampartedaamostradaentrevista,sujeitos com mais de 20 anos residentes no povoado. As mesmas foramencerradas quando o conteúdo dos entrevistados se tornou repetições uns dosoutros.

OsmapasmentaisOs mapas mentais são construídos a partir da representação do espaço

vivido dos sujeitos que o estão produzindo. Deste modo, sua linguagem écomposta por signos construídos pelo próprio grupo social. Uma vez que oprodutofinaldatécnicaéconcretizado,ouseja,umavezqueomapaproduzidoéapresentadoaopesquisador,estedeveemsuaanáliseconsiderar,conformeKozel(2006), os contextos sociais, espaciais e históricos coletivos de modo areferenciarsuasparticularidadesesingularidades.Assim,osmapasmentaissãoconsiderados como uma forma de linguagem que reflete o espaço vividorepresentado,emtodasassuasnuances,cujossignossãoconstruçõessociais.

Nessa perspectiva, a técnica citada foi utilizada durante os dois últimoscamposcomosmesmosentrevistadosafimdeconhecerapercepçãodossujeitoslocais.PormeiodaaplicaçãodametodologiautilizadaporGomesR.C.S.(2007),omapamental em questão foi balizado pelo seguinte questionamento: se você(sujeito) fosse um pintor e eu lhe encomendasse um quadro sobre o povoadoCrasto, o que não poderia faltar em seu quadro? A partir dessa pergunta, ossujeitosentrevistados tecemumasériederelatoseconcepçõessobreoquenãopoderia faltar no referido quadro.Após essa discussão e exposição oral pelossujeitos, solicitou-se aos mesmos para que eles desenhassem o que tinhamacabadodedizer.Estedesenhoéoque secompreendepormapamental, cujosresultadosserãoapresentadosemtópicosposterioresnesteartigo.

DIALOGANDO COM AS CATEGORIAS PAISAGEM, LUGAR E ADINÂMICASOCIOESPACIALDOPOVOADOCRASTO

Iniciamos a reflexão dialógica sobre a dinâmica da paisagem, enfatizandoqueapercepçãodossujeitossobreapaisageméconsideradapartefundamentaldapaisagemcultural,acrescentandoque,paraAlmeida(2011):

[...] a paisagem é percebida como um dos elementos centrais na cultura; um conjuntoordenado de objetos passível de ser interpretado, repetimos, como um texto e que atuacomo uma criadora de signos pelos quais um sistema social é transmitido, reproduzido,

vivenciadoeexplorado(ALMEIDA,2011,p.30).

Nesse contexto, a paisagem estudada apresenta significados relevantes navida dos sujeitos que compartilham em seu convívio os valores transmitidospelos símbolos presentes. E, nesta perspectiva evidenciaremos aspectosrelevantes que liga com laços de sentidos e significados os sujeitos doCrastocomapaisagemqueconformaolugarefocaremosnasprincipaistransformaçõeselucidadaspelapercepçãodestes.

O povoadoCrasto está localizado nomunicípio de Santa Luzia do Itanhy,estedistante86kmdeAracajuesituadonolitoraldamesorregiãoSulsergipana.Para se chegar à localidade, há apenas uma forma de acesso que se dá porintermédiodaRua(estrada)FlorianoPeixotodistante4,5kmdomunicípio.

Banhado pela bacia do rio Piauí, a pesca é a atividade predominante nopovoado Crasto, sendo este aspecto, nitidamente visível no modo de vida dacomunidade, denotando a relevância que o rio possui para a sua reproduçãosocial.Identificamos,pormeiodeobservações,amarcadomododevidaligadaapesca,asaber,adecoraçãodasparedesaolongodaRuadaFrente,emqueasimbologiadosdesenhospostosnestasparedesremeteaospeixes,aosbarcos,aoqueligaosujeitoaorio;tambémidentificamosaconstruçãoderedesmanuaisporpescadoresnosarredoresemtodasasincursõesacampo,sendoestasfeitasnasportas de suas casas e nasmargens do rio, embaixo das árvores.Voltaremos aabordaressaquestãoquandodarelaçãodapaisagemcomolugar.

Considerandoo exposto, asseveramosque apesca representamaisdoqueuma atividade econômica, pois reflete o modo de vida. No seu conteúdosimbólicoeimaterial,estaatividadeserevelacomoumeloorganizadordavidasocial, considerando os mitos, crenças, culinária, hábitos cotidianos, rezas,festividades da comunidade, incluindo os laços de solidariedade entre osmembrosdopovoado.

Brandão (2009) afirma que o modo de vida se dá através da relação desimbiose entre a natureza, os ciclos e os recursos naturais e os sujeitos.Nesse

sentindo, há sustentação para afirmar que a comunidade estudada tem em suaessênciaomododevidatradicionalancoradonapesca,expressadonapercepçãodossujeitosquederamvozàpesquisaemquestão.

Emrelaçãoàstransformaçõesnapaisagemfísica,ossujeitossemostrarampreocupados com a degradação, pois esta afeta a pesca e omanguezal que seconstitui em outro atributo da paisagem do lugar relevante para os sujeitos,conformeorelatoabaixo:

Repare só, há um ano atrás, dentro de vinte minutos eu tirava um saco desse decaranguejo. Ontem eu fui dentro de duas horas, ói o caranguejo que tirei! Entendeu?Passei duas horas pra tirar uma corda de caranguejo! [...] (Sujeito da comunidade -A,maiode2015).

Outra transformaçãoobservadaepercebidapelossujeitos foiaconstruçãodapistadeacessoaopovoado,oqueparaeles,contribuiuparaamobilidadedeforma positiva, visto que antes enfrentavam dificuldades devido às péssimascondições da “estrada de chão” e pela falta de transporte. Atualmente, com oasfalto em condições favoráveis, o número de táxis lotação aumentouconsideravelmenteeoshoráriosdaCOOPERTALSE(CooperativadeTransporteAlternativodeSergipe)foramalterados,segundorelatoabaixo:

[...] surgiumais lotação se entendemaisuns carrinhosdepoisdomovimentodapista, omais né, antes já existia mais não era essa quantidade, essa agonia de carros. [...] aCOOPERTALSEédacincoatéàssetedanoiteporqueelavaiparaAracaju.(Sujeitodacomunidade-B,maiode2015).

Aestradaemquestão torna-seum importanteelementodapesquisa,poisamesma foi significativamente mencionada pelos sujeitos do lugar nos relatos,considerando as suas percepções em relação às transformações no período derealizaçãodapesquisa.Apartirdestaevidência torna-sepropíciocompreenderseus aspectos socioespaciais que permeiam a estrada em conformidade com oconceitodeMarca,condizentecomamaterialidade,eMatriz,correspondendoàsrelaçõesperceptivas,conceptivase/ousubjetivasdapaisagem.Assim,conformeBerque(1998):

Éprecisocompreenderapaisagemdedoismodos:porumladoelaévistaporumolhar,apreendidaporumaconsciência,valorizadaporumaexperiência,julgada(eeventualmentereproduzida)porumaestéticaemoral,geradaporumaestéticaeumamoral,geradaporumapolítica,etc.e,poroutroladoelaématriz,ouseja,determinaemcontrapartida,esseolhar, essa consciência, essa experiência, essa estética e essa moral, essa política etc(BERQUE,1998,p.86).

Ainda sobre a estrada, além do asfalto, houve também a construção decórregos e canaletas àsmargens da rodovia, propiciando o escoamento fluvial.Taisalterações,evidenciadasnafigura1,sãofrutosdareivindicaçãodossujeitose vieram a “substituir” uma via pavimentada apenas pela sua litologia natural,conhecida como piçarra, constituída por uma mistura de argila e seixos.Salientamosqueareferida,foiconstruídanomeiodaMataAtlântica,naqualossujeitossereferenciamcomorgulho,poisseconstituinamaiorreservadoEstado,conformetesedeGomes(2014).

Figura5–EstradadoCastroantes/depoisdeJunhode2014

Fonte:Pesquisadecampo,maiode2015.Fotos:SILVA,H.R.C.

As transformações na estrada propiciaram uma melhoria na mobilidadecotidiana dos sujeitos da comunidade.Entretanto, cabe salientar que a presentealteraçãopodeserconsideradacomoumdivisorhistórico-temporalnamemóriadessessujeitos.Nesteintuito,existemrecordações(aquiloqueépassado)eumanovarealidadenocotidianoenavivênciadeles(o“novo-presente”).

Assim, corroboramoscomBerque (1998), quandoomesmo infere sobre aexistênciadeumimbricamentoe/ouintegraçãoenquantounidadeentreosujeitoeapaisagem,nosentidodequeatransformaçãodeumétambémtransformaçãodooutro,ouseja,acompreensãodapaisagemnãopodeser feitasemconsiderara

suarelação/interaçãocomplexacomosujeitodemaneiraque:

Defato,oqueestáemcausanãoésomenteavisão,mastodosossentidos;nãoapenasapercepção, mas todos os modos de relação do indivíduo com o mundo; enfim, não ésomenteoindivíduo,mastudoaquilopeloqualasociedadeocondicionaeosupera,istoé,ela situaos indivíduosnoseiodeumacultura,dandocom issoumsentidoà sua relaçãocomomundo(BERQUE,1998,p.87).

Opassadodaestradae/ouaantigapaisagem,aindaseencontrademaneiracandente na memória dos sujeitos. A vivência, em consonância a situaçõescotidianas, propicia relatos que enfatizam a nossa assertiva, conforme expostoabaixo:

Aestrada,tododiaatolava,agentetinhaquedescerdocarroprair,eeraaqueladificuldade. E as vezes tinha gente de Santa Luzia que queria nem vim aqui porcausa da rodagem e hoje todomundo quer vim, porque tem a rodagem [...] e euacheimuitobomné,nossofriamuitoatéparamulheresparirem,páparieraamaiordificuldadeocarrochegavanumatolerodesseehojenão(sujeitodacomunidade-F,maiode2015).

Por outro lado, com facilidade de acesso ao povoado, em decorrência danovafeiçãodaestrada,umanovarealidadesurge,sendopermeadaporelementoseproblemassociaisque,atéentão,nãoeramtãolatentesnarealidadelocal.Nestesentido, a “modernização” da estrada suscita percepções distintas entre ossujeitos,conformerelatoaseguir:

Aí tevegenteaquidacomunidadequedisseque iriaprejudicarporque iria trazermuitagente, iria trazermuitasdrogas.Essascoisas têmemqualquer lugar!Agora,quemvaiterqueexcluirisso[...]Essepovoéacomunidade,porquevocêpodesedarmuitobemcomquemusadrogaecomquemnãousa.Evocêvaiterquesaber...você vai ter que trabalhar comessepessoal.Aí, quiseram fazerumacaveirazinha[atrapalhar]paraessaestradanãovir,maseudouumpontomuitograndeaquemtorceuparaessaestradachegar(Sujeitodacomunidade-I,maiode2015).

Aestradaépercebidacomosímbolode transformaçãodapaisageme,porconseguinte,docotidianodacomunidade,alémdeseraligaçãoeacessoentreopovoado Crasto e a sede municipal de Santa Luzia do Itanhy, conformerepresentaçãonomapamental,expostonaFigura2.

Figura2–MapamentalconstruídopeloSujeito“E”.

Fonte:PesquisadeCampo,2015.

Por fim, as transformações ocorridas na estrada, alteraram não apenas apaisagem da comunidade Crasto, mas também a realidade cotidiana de seussujeitos. Ratifica-se a compreensão de relação complexa (e também dialética)entreapaisagem,olugareosujeitoqueavivencia,emseuperceber,concebereexperienciardiário.

Apropósito,cabenesteestudo,fazermosumabrevereflexãosobreo lugarque conforma a paisagem aqui em evidência, embasando-nos em Yi-Fu Tuan,sobretudo.Parao autor, “quandoo espaçonos é inteiramente familiar, torna-selugar” (TUAN,1983,p. 83).Desta concepção, tiramosaprimeira subcategoriado lugar e que lhe serve como condicionante, trata-se da familiaridade que seconstitui enquanto condição elementar do lugar; vivência ao longo do tempo-espaço.

Ahistóriaqueossujeitosconstroememseulugaréfrutodaexperiênciaqueestes mesmo sujeitos adquirem ao longo de sua trajetória de vida no própriolugar.Experiênciasetraduznoconjuntodeconhecimentos,práticasesaberesqueos homens adquirem em sua vivência e que é refletida na sua relação com oselementos da paisagem. Deste modo, a experiência passa a ser modelada pormeio das práticas cotidianas que os sujeitos vivenciam entre si e com seu

ambiente.Osensode familiaridadeatreladoàhistoricidade sãoos responsáveispor

gerar no sujeito individual/coletivo o senso de pertencimento.Ao se ver comoparte integrante do lugar, o sujeito sente-se seguro, acolhido e aceito. A partirdisso,Tuan(1983)apresentaaconcepçãodelugaríntimo,ouseja,olugaremqueossujeitosgeramomáximodeseusensodepertencimento,identificando-seeseestabilizandocom/nomesmoenistoestáinclusooselementosdesuapaisagem.

Comaaplicaçãodatécnicadeentrevistassemiestruturadasepelatécnicadeconstrução de mapas mentais, solicitada aos sujeitos do lugar, alguns doselementos presentes no cotidiano dos sujeitos do Crasto puderam seridentificados.Esteselementosestãomaterializadosnorio,nopeixe,narede,naestrada, na natureza, no barco de pesca, na igreja, na praça, na própriacomunidade, na família e na escola. Enfim, todos estes elementos compõem oconjunto simbólico que atribuem sentido e significado aos sujeitos ante acomunidade e que a transformam em lugar para cada um que faz parte dela.Atítulode ilustração, a figura3demonstrao elemento“peixe”que se externalizaenquanto elemento da paisagemque conformao lugar e que é corporificado naimagemsimbólicaexpostanafachadademuitascasasdossujeitosdopovoado.

Figura3–Elemento“peixe”enquantosímbolodapaisagemqueconformaolugar.

Fonte:Pesquisadecampo,janeirode2015.Foto:SILVA,HebertR.C.2015.

Nesta perspectiva, pode-se considerar que o conjunto dos elementospresentes no cotidiano dos sujeitos do Crasto, ao gerarem neles o senso depertencimentoeapego,geratambémoqueTuan(1983)convencionouchamardetopofilia.Estesentimentochegaatalpontoqueosprópriospescadoresedemaismembros da comunidade alegam, por exemplo, que a morte do rio Piauísimbolizaria a morte da própria comunidade, conotando a intensidade dosentimentodeapegoaoselementosdapaisagempresentesnocotidianodamesma.

Sãoesteselementosquenosdirecionamparaoutroaspectoquepassouportransformações importantes no período de vigência da pesquisa-atividadeturísticaqueestáintimamenteenvolvidacomapaisagem,comascaracterísticas(i)materiaisdolugarque,quandorealizadosemconsiderararelaçãodossujeitosdacomunidadeeoselementosque lhedãovivacidadeenquantoseressociaiseculturais,sobretudo,estápassíveldeserumaexperiênciafrustrante.

A perspectiva envolvendo o Turismo de Base Comunitária (TBC),pesquisado por Gomes, R. C. S (2014). Quando do seu estudo, Gomes haviaidentificadoagestaçãodoTBCnolugarquesefeznadécadade1980.Contudo,não se deslanchou. O que se desenvolveu de forma precária foi o turismoconvencional, que segundo relatos informais, beneficia a poucos. Esse turismoconsome os atributos da paisagem e do lugar sem trazer benefícios para acomunidade.

Na pesquisa de Gomes (2014), os sujeitos ainda percebem que ainfraestrutura implementada pelo Estado nos arredores do povoado parafavorecero turismo,não trouxemelhoriasconsideráveisparaoCrasto.Alegamainda que algumas poucas pessoas se beneficiamda atividade, conforme relatoextraído:

Oturismosempreexistiuaqui.Porexemplo,existeessesbarcosdepasseioeantestinha um catamarã aqui, mas ele foi tirado, foi pra Terra Caída. Essa ponte quevocês estão vendo aí era o atracadouro do catamarã, mas só esse pessoal quelucra.Éessaformadeturismoquevemseexecutandoenãoestátrazendoaindaobenefícioemsiaqui,porque fica fechadoentreelesquemexemcomopasseiopralevar turista pra um lado e para outro. (ENTREVISTADO A – CRASTO apudGOMES,2014,p.260).

Sendoassim,em2009,apropostadeimplantaçãodoTBCfoiressuscitadano ano de 2009 pela Organização Não Governamental (ONG), Instituto dePesquisaTecnológicaeInovação(IPTI),queprocuroualgumasliderançaslocaisparafalarsobreaspotencialidadesdolugar,pormeiodesuapaisageme,assim,propor um plano de gestão baseado na participação comunitária para odesenvolvimentodoturismonoCrasto.Apartirdeentão,apropostafoiabraçadapor um grupo da comunidade, projetada, sistematizada no papel. No ano definalização da tese, a proposta estava em andamento e os sujeitos comperspectivas positivas sobre o TBC, embora receosos com a ONG, conformerelatoextraídodeGomes(2014):

[...]Eleschegaramassim,ah issoaquiébonito! Issoaquidáparasedesenvolverturismo!Mas nunca chegou assim para dar um suporte, para dá um ajuda;maisissodependetambémdogovernomunicipalamaioriadelesnãotemesseinteresse,sóagoracomAdaltoquepassou,quehouveessaquestãodopessoaldaIPTI,queveioearticulouetrouxeosecretáriodeEstado;játeveaquitambémorepresentantedoturismodeBrasíliaagentetivemos;mostramosospontosprincipais,descobrimoso atrativo, roteiros. Fizemos o trabalho dessa maneira para mostrar para ele opotencial da comunidade, mas só que até agora, nada (ENTREVISTADO B-CRASTO,APUDGOMES,2014,P.271-272).

Ao retornarmos no povoado, e quando procuramos informações sobre oandamento do projeto de TBC, os sujeitos entrevistados denotaramdescontentamentoedescréditonoIPTI,nãodepositandomaisaquelaperspectivacom a qual Gomes (2014) se deparou. A ONG ainda articulou um curso decapacitação ressaltado para os sujeitos locais, com o objetivo de capacitá-losparaatenderaoturista.Contudo,anossasurpresamaioremrelaçãoaosestudosde2014équeaONGnãomaisestáenvolvidanoprojeto,emboraaindaestejanacomunidade,conformerelatoaseguir:

AindaestánoPovoadoCrasto[...]mas,nãoestámaisnão,envolvidocomoturismo.[...]asaçõesdelehojeeutôporfora.Sóseiquetádandocontinuaçãoaessecursoqueédeartes.(Sujeitodacomunidade-B,maiode2015).

Contudo, sem envolvimento do IPTI com o turismo, alguns sujeitos locaisconfiantesnosbenefíciosqueoTBCpodeproporcionaraopovoado,criarama

AssociaçãodeTransporteAquático,precisamentedelanchas,comoobjetivodeatender aos turistas ao chegarem no povoado, o que, até o ano de 2104, nãoexistia,conformerelatoabaixo:

[...]nóscriamosumaassociação[...].Umaassociaçãodetransporteaquático,eco-viário,maisédelanchas.[...]paraatenderoturismo,porqueavisão,avisãoéoseguinte:queopessoaltáchegandoaquienãotátendoaqueleatendimentoprapasseio.Aideiaédivulgaropasseiocomessetipodelancha.(Sujeitodacomunidade-B,maiode2015).

Combasenoexposto,inferimosqueoTBCéumapropostaqueconservaosmodosdevidatradicionaisepreservaassingularidadesdapaisagemedolugar,pois estes constituem a essência da vida para os sujeitos que vivem e sereconhecem na comunidade. Por isto, sugere-se ser pensada, gestada e geridapelossujeitosdolugar.

Neste item, procuramos enfatizar as transformações socioespaciais queocorreram no povoado Crasto, a partir da percepção dos sujeitos, sobretudo,considerando sua paisagem e seu lugar. Sendo assim, teceremos as últimasproposiçõessobreoquefoiesposadocomopropostadesteartigo.

CONSIDERAÇÕESFINAISOs resultados em questão partem das análises ocorridas entre janeiro de

2014ejulhode2015.Pôde-seconstarqueopovoadoCrastocontinuoupassandopor transformações, sobretudo em sua paisagem, sendo estas percebidas pelossujeitos do lugar.Dentre asmudanças, consta-se a pavimentação da estrada deacesso ao povoado, esta que se encontra na memória dos sujeitos sociais etransformao“novo”cotidianodacomunidade.

Cabesalientar,queossujeitosapercebemcomoperspectivaparaamelhoriadas condições de vida, uma vez que se fez notório o aumento de turistas emdecorrênciadapavimentação,ocasionandoperspectivasparaodesenvolvimentodoTurismoComunitárionopovoado.

O Turismo Comunitário é um dos desejos dos sujeitos locais visando o

desenvolvimento da comunidade sem afetar a sua realidade cotidiana enquantopescadores em contato com elementos paisagísticos socioculturais do seuambiente.

OutroaspectoanalisadofoiarelaçãoexistenteentreosujeitodoCrastoeoseupovoado.Foiidentificadoumfortesensotopofílicoqueligaogruposocialaolugareàpaisagempormeiodesímbolospresentesnasfachadasdasresidênciascomopeixes,âncoras,redesdepescaebarcos.

A topofilia também esteve evidente nos relatos de vida que retrataram aessência do ser pescador ou marisqueira, que mesmo com as dificuldadesenfrentadas para a reprodução social, e consequente manutenção do modo devida,ossujeitosnãopensamemsedesfazerdoseulugar,dasuapaisagem,doseucotidianoedasuacondiçãodepescador/marisqueira.

Entretanto, existe uma preocupação que rodeia a vida desses sujeitos: adegradação que vem afetando a pesca e omanguezal, sendo oriunda de fatoresexternosequevem,consequentemente,afetandoasuapaisagem,oseumododevida. Sendo assim, nota-se o quanto a paisagem do lugar mudou durante esseperíodo de 2014 a 2015, mudanças que trouxeram resultados significativos navida dos sujeitos locais tanto ao que concerne a aspectos ditos positivos, quepropiciaram um estreitamento no/do ser/estar dos sujeitos com o seu lugar, etambémaaquelesditosnegativos.

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APAISAGEMCULTURALDAESTRADAREAL

ALTINOBARBOSACALDEIRA,Pós-graduaçãoemGeografia–PUC-Minas

[email protected]ÃOFRANCISCODEABREU

Pós-graduaçãoemGeografia–[email protected]

Pós-graduaçãoemGeografia–[email protected]

INTRODUÇÃOOpresenteartigovisaanalisaredescrever,sobaperspectivadaGeografia

Cultural,apaisagemdoterritórioconstituídopelosmunicípiosquefazempartedaEstrada Real. Enfocada sob o ângulo da Geografia, a paisagem constitui temacentral para compreender os diferentes aspectos da organização espacial(MACHADO,2012).DeacordocomDelphim(2008),apercepçãodapaisageméumcampocomplexonoqual conflueme interferemdiversificadasdisciplinas eprocessos imateriais de conhecimento, experiências, atitudes e expectativaspessoais, culturais emesmo genéticas. Processos imateriais de valorização, asatitudes, experiências e expectativasde seus fruidores interferem igualmentenoconceito de paisagem.Esta pesquisa se baseia na percepçãoda paisagem, comfoconosaspectos físicosnaturaisenas transformaçõesaliocorridasemfunçãodas atividades humanas. Em razão da variedade de formas agenciadas pelaNatureza,dosinúmerosartefatosconstruídospelosgruposhumanosedaspráticasemanifestaçõessociaisqueacontecemnosambienteshumanizados,optamospordedicar o estudo da paisagem na Estrada Real, aos valores culturais quesobressaem neste território. Considerada até muito recentemente como umconceitosubjetivo.

Segundo Claval (2002), o objetivo da abordagem cultural é entender aexperiênciadoshomensnomeioambientee social, compreendera significaçãoqueestes impõemaomeioambienteeosentidodadoàssuasvidas.Buscou-se,portanto, apresentar informações que possam subsidiar o acesso às fontes daculturadesteterritório,considerando–secomoculturaaquiloquesemanifestanasrelações do ser humano com o seu ambiente, as experiências individuais ecoletivas de cada povo e o produto desta experiência.Assim sendo, buscou-selocalizarsítiosnaturais,lugaresemanifestaçõesculturaiscujaidentidadepossuirelevância como parte da identidade dos grupos sociais.No contexto do nossoprojeto o termo Paisagem Cultural irá desempenhar um papel importantíssimo,pois ela demonstra como se estabelece a relação entre uma sociedade e o seuespaçodeconvivência.Apaisagemculturalsemanifestadeacordocomhábitosecostumesdiversos,quelhesdãoumcaráterdiferenciado,umaidentidadequeseexpressa nomodo de ser e fazer as coisas, na sua linguagem, no seumodo depercebereinterpretaromundoàsuavolta.

De acordo com a afirmação deMorin (2000) deve-se contextualizar cadaacontecimento, tendoemvistaquenadaocorreseparadamente.Considerando-seque as atividades econômicas desenvolvidas pelas diversas comunidades setornamsua“culturaderaiz”;desubsistência,equeoconjuntodestasatividadessereforçamesepreservam,aprimorando-senavidacoletiva,elasacabamporsetransformarnabasedasinteraçõessociais.Dessemodooconceitodeculturaseestendeaoconjuntodasmanifestaçõesqueocorrememtodososaspectosdavida,passandoaserconsideradacomoopatrimôniodeumacoletividade.Associandopatrimônioecultura,podemosdizer,deacordocomaCartadeCaracas,de1992,que“OPatrimônioCulturaldeumanação,deumaregiãooudeumacomunidadeécomposto de todas as expressões materiais e espirituais que lhe constituem,incluindoomeioambientenatural”(CURY,2004).Poroutrolado,sabemosqueos ambientes naturais onde o ser humano se instala apresentam diferentespaisagens, que se diferenciam de um lugar para outro de acordo com a suaposição geográfica e que cada qual possui características físicas que os

distinguemdealgummodo.Osgrupossociaissão,portanto,herdeirosdepatrimônioculturalconstituído

devaloresmateriaiseimateriaisquefazemparteprocessodeconstruçãodecadaindivíduoedosercoletivoaquepertencemequeseencontramrelacionadosaopatrimônio natural. Para Caetano e Bezzi (2011), a paisagem intocada pelohomeméformada,apenas,peloselementosnaturaisepassaarecebera“marca”humana quando os grupos sociais desenvolvem técnicas que alteram estemeionatural. É importante resgatar que a paisagem tem se constituído, ao longo dahistóriadopensamentogeográfico,emumadascaracterísticasanalíticasparaainterpretaçãoespacial.

Estudos antropológicos e genéticos constatam que os nossos ancestraisimprimiram marcas em nosso comportamento, assim como os locais ondevivemos, o que se revela nos modos de ser e fazer nossas atividades. Existe,portanto,intercâmbioentreolugareoindivíduo,queofaz,dealgummodo,sercomoé.Poroutro lado,aNaturezado lugar,suaposiçãonoplaneta,seuclima,seu relevo e os outros aspectos do ambiente, participamda construção de umacultura coletiva. SegundoKovalczuk (2013) a ciência geográfica tem ampliadosignificativamente seus estudos em campos de abrangência que incluem, nãoapenasoaspectofísicodoespaço,mastambémasrelaçõessociais,econômicas,políticas,históricaseculturaisquenelesocorrem.Ressaltaqueapreservaçãodeaspectossimbólicosdeâmbitopolítico,econômico,culturaleambientalconferebenefíciosaosgrupossociaispertencenteseinseridosemdeterminadoterritório(KOVALCZUKetal,2013).

ParapromoveroconhecimentodoterritóriodaEstradaReal,emsuasmaisvariadas manifestações, realizamos o levantamento dos sítios durante váriostrabalhos de campo, buscando reconhecer o que é significativo para estascomunidades(Figura1).

AESTRADAREAL

Oconjunto demunicípios daEstradaReal corresponde a cerca de 73.000km2eabrigaumapaisagemconstituídaderelevosdiferenciados,quesetraduzemem diversos fatores climáticos, geológicos, geomorfológicos, hidrológicos,históricos,entreoutros,capazesdeseremapropriadosdemaneirasvariadasemtermosdeusodaterraedoespaço.

Figura1–Exemplodeumdosmapasdosmunicípiosedistritosvisitados

Fonte:BARROS,L.C.eMILAGRES,F.C.2007.

OscaminhosqueconformamopercursodaEstradaReal foramcriadosnoséculoXVII pelaCoroa Portuguesa, com o objetivo de controlar e fiscalizar acirculação das riquezas e mercadorias que transitavam entre Minas, onde semineravaouroediamante,oRiode Janeiro,onde se situavaoportopeloqualessasriquezaseramenviadaspornavioaPortugaleSãoPaulo,deondevieramosdesbravadoresbandeirantesembuscadoouroedosdiamantes.Otrechomaisantigo,conhecidocomCaminhoVelho,correspondehojeacercade550km.LigaOuro Preto, antigaVila Rica, a Paraty, no estado doRio de Janeiro, passandopelos atuais municípios paulistas de Aparecida, Arapeí, Areias, Bananal,CachoeiraPaulista,Canas,Cruzeiro,Cunha,Guaratinguetá,Lagoinha,Lavrinhas,Lorena, Pindamonhangaba, Piquete, Potim, Queluz, Roseira, São Luis doPiraitinga, São José do Barreiro, Silveiras, Taubaté e Tremembé. O banco dedados deste projeto reuniu 42 bens culturais, nestesmunicípios, entre naturais,materiaiseimateriais.AáreadeproteçãoambientaldaSerradoMareaSerrada

Bocaina encontram-se neste trecho, assim como fazendas históricas, igrejas,sobrados,estaçõesdeferro,cemitérios,CasasdeCâmaraeCadeia,escolas,etc.,entreoutrosbensdeinteressecultural.

OCaminhodosDiamantes, que ligaOuroPreto àDiamantina, possui umaextensãode384kmeotrechodaviaprincipalacompanhaosdesníveisdaSerradoEspinhaço,entreantigasvilasepovoadosquesurgiramcomociclodoouroenarotadosdiamantes,hojetransformadasemcidades.Nestetrechoencontram-seosmunicípios deAcaiaca, Alvinópolis, Alvorada deMinas, Barão de Cocais,BarraLonga,BelaVistadeMinas,BomJesusdoAmparo,Carmésia,CatasAltas,ConceiçãodoMatoDentro,CongonhasdoNorte,CoutodeMagalhãesdeMinas,Datas, Diamantina, Dom Joaquim, Dores de Guanhães, Felício dos Santos,Ferros,Gouveia,Guanhães,Itabira,ItambédoMatoDentro,Jaboticatubas,JoãoMonlevade,LagoaSanta,Mariana,Monjolos,MorrodoPilar,NovaUnião,OuroPreto, Passabem, Ponte Nova, Presidente Kubitschek, Rio Piracicaba,Sabinópolis, Santa Bárbara, Santa Luzia, Santa Maria de Itabira, Santana dePirapama, Santana doRiacho, SantoAntônio do Itambé, SantoAntonio doRioAbaixo,SantoHipólito,SãoGonçalodoRioAbaixo,SãoGonçalodoRioPreto,São Sebastião do Rio Preto, Senhora do Porto, Serra Azul deMinas, Serro eTaquaraçu de Minas. Andrade (2007) avalia o valor cultural da Reserva daBiosferadaSerradoEspinhaço,localizadanoeixodesteterritório,identificandoseu importante repositório dematerial genético, com consideráveis porções deflora e fauna. Sob o aspecto da diversidade biológica, a Serra do Espinhaço(Figura 2), situada no território da Estrada Real, é considerada uma das maisricasdomundoporsuaimportânciageomorfológica,biológicaehistórica.

Figura2–SerradoEspinhaço,nomunicípiodeSantoAntôniodoItambé/MG

Fonte:CALDEIRA,A.B.,2007.

AEstradaRealperdeuasua funçãooriginal,mas,nosdiasdehoje,existeumgrandeinteresseporsuarecuperaçãoeutilizaçãoturística.OtrechoconhecidocomoCaminhoNovo, que ligaOuroPreto aoRiode Janeiro, possui 403kmeumavariedadedepráticasemanifestaçõessociaisderivadasdasexperiênciasdopassadoqueaindasemanifestamnos“modosdeserefazer”quecaracterizamosbens imateriais dos municípios e seus distritos, reflexo dos processos e dasrelações entre as sociedades e o ambiente em que vivem os grupos humanos,numa relação direta entre a posição geográfica do sítio e o surgimento dasexpressões culturais, materiais e imateriais, que se desenvolvem naqueleterritório. Isto confirma o forte caráter interdisciplinar desta pesquisa,provenientes do olhar antropogeográfico que deu origem à sistematização daGeografiamodernaporRatzel,aofinaldoséculo19,eaosconceitosdeRatzeleVidaldeLaBlache,quesededicaramaoestudodessasrelações,pormeiodeumdiálogomaisprofundodaGeografiacomasCiênciasHumanas.Dessemodosepodeexplicarosmotivoseorigensdasdiferentesformasdeocupaçãodoespaço,mesmoquandoseassemelhamosdesafios impostospeloambiente físico,comoclima,relevo,vegetação,recursosdisponíveis,conformeanalisaSantos(2000).

Osmunicípios doRio de Janeiro que se encontramno trechodoCaminhoNovodaEstradaRealsão:Areal,ComendadorLevyGasparian,Magé,ParaíbadoSul,Paraty,Petrópolis,RiodeJaneiroeTrêsRios.Nestetrechodestacam-seospicosdaSerradosÓrgãos,agenciadosdeformaadmirávelpelaNatureza.Sobeste aspecto, este trabalho pretende incorporar à pesquisa geográfica o

conhecimentosobreopatrimônionatural,materialeimaterialde199municípiosadjacentesaolongodesteterritório,cobrindoumaáreaconstituídadepaisagensdistintas. De acordo com Almeida (1993), a característica fundamental dapaisagemculturaléaocorrência,emumafraçãoterritorial,doconvíviosingularentreanatureza,osespaçosconstruídoseocupados,osmodosdeproduçãoeasatividades culturais e sociais, numa relação complementar entre si. Por esteenfoque, omeio ambiente transformado pelo ser humano, que revelam os seusmodosdevida,tornou-seograndeinteressedestapesquisa,queprocuraabordaraculturacomoobjetodeestudo,pormeiodefronteirasdisciplinarescomuns,queconforme Melo (2005), envolvem diversos campos do saber, como aantropologia,arqueologia,arquitetura,ecologia,história,sociologia,etc.

Figura3–ExemploderepresentaçãoespacialdodistritodeBiribiri-Diamantina(MG).

Fonte:MUTABILEArquiteturaeDesign,2013.

Considerandoos trêscaminhosprincipaisdaEstradaReal,oCaminhodosDiamantes, o Caminho Velho e o Caminho Novo, foram georreferenciados eanalisadososbens situadosnasáreasdosdistritos-sedesenaszonas rurais,naexpectativademapeá-los,enfocandoasdiferentesexpressões,percepções,alémdarepresentaçãográficadoespaço(Figura3).Otrabalhoapresentadopretendereunir,pormeiodotratamentodainformaçãoespacial,umconjuntodedadosquepermite a interatividade entre as informações. Isto possibilitará ao usuário-navegador participar, no ambiente dos sistemas de informações geográficas, do

conhecimentodasdiversasexpressõesdoseupatrimôniocultural.

OMAPEAMENTOINTERATIVOPara Delphim (2008), a Estrada Real reúne, resulta e reflete movimentos

interativos de pessoas e de intercâmbios multidimensionais, contínuos erecíprocos. Segundo ele os diferentes sítios naturais e assentamentos humanosinstalaram-se pelos desníveis dos terrenos, de forma análoga a uma baciahidrográfica, gerando uma bacia cultural, uma rede cuja medula espinhal é ocordão representadopela estrada, ramificando-sepelas áreasmais altas emaisbaixasdo territórionoqual se insere, e incluindo tudoaquiloqueali existederepresentativo,sobopontodevista latosensodepatrimôniocultural,conformedefinidopelaConstituiçãoFederalde1988.

De acordo com a Constituição Federal, em vigor, constituem patrimôniocultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomadosindividualmenteouemconjunto,portadoresdereferênciaàidentidade,àação,àmemóriadosdiferentesgruposformadoresdasociedadebrasileira,nosquaisseincluem:I-asformasdeexpressão;II-osmodosdecriar,fazereviver;III-ascriaçõescientíficas,artísticasetecnológicas;IV-asobras,objetos,documentos,edificaçõesedemaisespaçosdestinadosàsmanifestaçõesartístico-culturais;V-os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico,arqueológico,paleontológico,ecológicoecientífico(BRASIL,1988).

Pessôa (2012) entende que a Geografia, ao longo de sua trajetória, temcontribuídoparadesvendararealidadeeque,tantoapesquisaquantitativaquantoaqualitativatêmsidoimportantesrecursosparaestaanálise.Sobesteaspecto,oterritóriodaEstradaRealserádocumentadopormeiodeseuscaminhos,queserádivididopormunicípiosincluindoosseusdistritos,eneles,serãodestacadososbens culturais considerados protegidos pelos órgãos responsáveis pelapreservação do patrimônio cultural brasileiro, tanto em nível federal, como oIPHAN–InstitutodoPatrimônioHistóricoeArtísticoNacional–,bemcomo,os

órgãosestaduaisresponsáveispelaorganizaçãoeproteçãodestesbens,taiscomooIEPHAemMinasGerais,oINEPACnoRiodeJaneiroeoCONDEPHAATemSãoPaulo.

Osdadosaserobjetodeanáliseforamobtidospormeiodevisitaacampocontendoosaspectosdelocalização,conformaçãomorfológica,descriçãodesuascondiçõesnaturais,matériaseimateriaisassociadasaosvaloresculturaisaelesatribuídos.Foramfeitostrabalhosdecampoemtodososmunicípios,tendosidopercorridos mais de vinte mil quilômetros de estradas. Estes dados serãoapresentadosnoformatodemapasdigitaisinterativos,ondeasinformaçõessobreositensdestacadospoderãoseracessadasviaInternet,pelosite1.

De acordo com Silva (2015) as Tecnologias da Informação e daComunicação (TIC), utilizando-se de redes de telecomunicações de altacapacidade, alteram as relações espaciais entre lugares, as cidades e seusespaçosprodutivoseampliampossibilidadesdetrocasefluxosdeinformaçãoeconhecimento.Paraele,auniversalizaçãodoacessoàInternetcomoinstrumento,não apenas de inclusão digital, mas também de desenvolvimento econômico,socialecultural,tornou-seumtemadealtarelevânciaemtodoomundo.Paraesteprojeto criou-se um Portal Interativo que foi desenvolvido sobre arquiteturapadrão de cliente/servidor utilizado usualmente para criação de portais parainternet. A tecnologia utilizada foiAsp.netMVC com recursos deWEBAPI ebancodedadosMySql, que se comunicamutilizandoEntityFrameworkemsuaversão 6.0. O desenvolvimento no lado do servidor foi todo baseado nalinguagemCSharp(C#)enoladoclienteemJQuery(javascript).Comofrontend,foramutilizadosrecursosdoframeworkBootstrapparaapresentaçãoetambémaAPIpadrãodoGoogleMaps.

O modelo de dados criado baseou-se nas informações já existentes doprojetodisponíveisempadrãoXMLeExcel(CSV).Foicriadoumprogramaquecarregoutodasestasinformaçõesdeformacategorizadaeaspersistiunabasededados.O resultadodesteprocessamento inicial foramcercade600bensde42tiposdistintosdistribuídosem199municípiosdosEstadosdeMinasGerais,São

Paulo e Rio de Janeiro. Além de todas estas informações, foram catalogadastambémcercade4480imagens.Paramanipulaçãodetodasestasinformaçõesfoicriado, também, um site administrativo protegido por login/senha onde osadministradoresdoprojetopodemcriar,editareexcluirqualquerinformação,deacordocomanecessidade.

Por fim, o Portal Interativo utiliza o que há demais atual em usabilidadeparaapresentartodasasinformaçõescatalogadasnabasededadosemcamadasepontossobrepostossobreomapapadrãodoGoogle,oferecendoopçõesdefiltroscuidadosamente criados para facilitar ao máximo a localização da informaçãodesejada. Além disso, o Portal Interativo ainda armazena as informaçõesrecentementeacessadaspelousuárioepossibilitaacriaçãoderotasdeacessodequalquer lugardopaísparaqualquer lugardaEstradaRealonde se encontraoobjetodeinteresse.

Entre os mapas possíveis de serem visualizados estão incluídos os sítiosarqueológicos, as grutas e cavernas, a hidrografia, assim como os parquesestaduais e nacionais existentes nos 1300kmde extensão daEstradaReal.Umlevantamento sobre os sítios arqueológicos existentes e suas condições depreservação pretende colocar em discussão os resultados encontrados. Alocalizaçãogeográficaedescritivadecadaumdelesfacilitaráoreconhecimentoesuaidentificaçãopelosusuários.

Serão,ainda,disponibilizadosmapasreferentesàlocalizaçãoeinformaçõessobre as comunidades tradicionais que incluem Quilombos, Terras Indígenas,ComunidadesRuraiseRibeirinhas.Osquilombosidentificadossituam-seem26municípiosdeMinasGeraise5noestadodoRiodeJaneiro.EntreosmunicípiosdeMinas estão Alagoa, Alvorada deMinas, Antonio Carlos, Barbacena, BeloVale, Bias Fortes, Bom Jesus do Amparo, Caeté, Conceição do Mato Dentro,Diamantina, Dom Joaquim, Dores de Guanhães, Ferros, Gouveia, Itabira,Jaboticatubas, Jeceaba, Mariana, Moeda, Monjolos, Nazareno, Ouro Branco,OuroPreto,PassaTempo,Piranga,PonteNova,ResendeCostaRessaquinha,RioEspera, Rio Piracicaba, Rio Pomba, Sabinópolis, Santa Bárbara, Santa Luzia,

Santa Maria de Itabira, Santana do Riacho, Santo Antonio do Itambé, SantosDumont, São Gonçalo do Rio Abaixo, Senhora do Porto e Serro, em MinasGerais.NoestadodoRiodeJaneiroascomunidadesQuilombolasencontram-senos municípios de Areal, Magé, Paraty, Petrópolis e Rio de Janeiro. Ascomunidades indígenas evidenciadas neste estudo foram obtidas por meio dedadosfornecidospelaFUNAI.

Os registros de quilombos existentes no contexto da pesquisa estão sendoobjeto de análise, visando responder às indagações recorrentes do processoinvestigativo. O objetivo é realizar um diagnóstico ambiental da situação dascomunidades quilombolas existentes nos municípios da Estrada Real, já tendosidolocalizadasapresençadestascomunidadesem42municípios.NaregiãodoSerro/MG foi realizado, no âmbito do projeto de pesquisa em andamento, umdiagnósticoambientaldasituaçãodepreservaçãopermanentedecursosdeáguaenascentes, pautados pelo levantamento de uso e ocupação do solo de duascomunidadesquilombolas.

As comunidades indígenas identificadas encontram-se nos municípios deSenhoradoPortoeCarmésia,emMinasGerais,quesãoosPataxóseosKrenak.Oscontatosaindaserãofeitosparaseremanexadosaobancodedados.

Os assentamentos rurais localizam-se nos municípios de Brumadinho,Mariana e Matias Cardoso, conforme dados obtidos no INCRA – InstitutoNacional deColonização eReformaAgrária. Esta pesquisa busca identificar eavaliar as manifestações culturais existentes nos assentamentos rurais. Até omomento eles foram identificados em apenas quatro municípios: Brumadinho,Diamantina, Mariana e Matias Cardoso. Levantamentos sobre as comunidadesrurais e suas atividades, possibilitam esclarecimentos que emanam dasinquietações, respondem aos questionamentos sobre os problemas levantados epodemdemonstraraverdadedosfatos,conformeesclarecePessôa(2012).

DeacordocomAlves(2015),asmulherestrabalhadorasruraisrepresentam,atualmente, uma importante força de trabalho na produção de alimentos. Adocumentação já levantada sobre o importante papel da mulher na atividade

agrícola,comoumaextensãodasatividadesdomésticas,éobjetodesteestudoepermitiráreflexõessobreoseureconhecimento.Essasmulheresvivemnocampoe são coparticipantes e gestoras dos processos de produção familiar,desempenhandoumimportantepapeleconômiconasunidades familiares, jáquegrande parte da população rural feminina acumula funções reprodutivas eprodutivas, nas quais a inserção na produção constitui um prolongamento dasatividadesdomésticas.

Entre os itens que compõem os conjuntos arquitetônicos, urbanísticos epaisagísticosurbanosduascidadesmineiras,DiamantinaeOuroPreto,alémdoSantuário de Bom Jesus deMatozinhos, de Congonhas, emMinas Gerais, sãoconsideradasPatrimôniodaHumanidadepelaUNESCO(Figura4).Osconjuntosarquitetônicos e urbanísticos de Ouro Preto, Diamantina e do Santuário deCongonhas, bem como Mariana, São João Del Rei, Tiradentes e Serro sãoconsiderados de excepcional valor histórico pelo Instituto do PatrimônioHistórico e Artístico Nacional. Além dessas, a cidade de Paraty, no Rio deJaneiro,étambémconsideradacomoumpatrimônionacional.

Movidosporuminteresseemdiscutiraspectosdarealidadeurbanaeruralexistentes nos trechos remanescentes da Estrada Real, este projeto pretendeconsiderar os processos evolutivos, interativos e dinâmicos das relaçõeshumanas, reconhecendo nelas a rica diversidade que se revela como fenômenoespecífico demobilidade e de trocas humanas que se desenvolveu através dasviasdecomunicação.

Figura4–OConjuntoarquitetônicoeurbanísticodeOuroPreto/MG

Fonte:CALDEIRA,A.B.1989.

DeacordocomoICOMOS(2008),aPAISAGEMCULTURALéinseparáveldo entorno geográfico que contribuiu para configurar-lhe o traçado. Conecta erelaciona Geografia e diversificados bens patrimoniais formando um todounitário; distingue-se do entorno territorial natural ou cultural, urbano ou rural,que definemum ambiente impregnado tanto de valores de natureza física comoimaterial, indispensável para sua compreensão, conservação e desfrute. Emtrechosdoentornopredominamformaçõesnaturaiscomoflorestas,grutas,cursose quedas d’água, formações que são sempre impregnadas de valores culturaisuniversais ou locais. Em outros, urbanos ou rurais, muitas vezes despontamelementosisoladoscomocruzeiros,murosdepedra,mosteiros,oratórios,passosda via-sacra, capelas, ermidas, pontes.A delimitação da zona de entorno devemarcar, com precisão, rigor e clareza, uma zona de transição com o ambientecircundante,bemcomozonasdeamortizaçãodeimpactos(DELPHIM,2008).

Utilizamos como suporte referencial para este estudo, várias fontes depesquisaentreasquaisosdocumentosconstantesdaConvençãoparaaProteçãodo Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, elaborada na Conferência Geralda Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura(UNESCO)emParis(França),em1972,eratificadapeloDecretono.80.978,de12dedezembrode1977.DeacordocomositedoIPHAN,sobestaperspectivao

patrimônioculturalécompostopormonumentos,conjuntosdeconstruçõesesítiosarqueológicos, de fundamental importância para a memória, a identidade e acriatividadedospovoseariquezadasculturas.AConvençãodefiniutambémqueo Patrimônio Natural é formado por monumentos naturais constituídos porformações físicas e biológicas, formações geológicas e fisiográficas, alémdesítiosnaturais.Aproteçãoaoambiente,dopatrimônioarqueológico,orespeitoà diversidade cultural e às populações tradicionais são objeto de atençãoespecial2.

Éimportantesalientarqueosbensdenaturezaimaterialidentificadosnesteprojetodizemrespeitoàspráticasedomíniosdavidasocialquesemanifestamemsaberes,ofíciosemodosde fazer.Entreosbens imateriais encontram-seascelebrações, as formas de expressão cênicas, as artes plásticas, musicais oulúdicas.Abrigam,ainda,asmanifestaçõespopularesqueocorrememmercados,feiras e santuários que abrigampráticas culturais coletivas.AOrganização dasNaçõesUnidasparaaEducação,aCiênciaeaCultura(UNESCO)definecomopatrimônio imaterial “as práticas, representações, expressões, conhecimentos etécnicas–comosinstrumentos,objetos,artefatoselugaresculturaisquelhessãoassociados – que as comunidades, os grupos e, em alguns casos os indivíduos,reconhecemcomoparteintegrantedeseupatrimôniocultural”.Estadefiniçãoestáde acordo com a Convenção da UNESCO para a salvaguarda do PatrimônioCulturalImaterial,ratificadapelogovernobrasileiroemmarçode20063.

Opatrimônio imaterial é transmitidodegeraçãoageração,constantementerecriadopelascomunidadesegruposemfunçãodeseuambiente,desuainteraçãocom a natureza e de sua história, gerando um sentimento de identidade econtinuidade, contribuindo para promover o respeito à diversidade cultural e àcriatividadehumana.

CONSIDERAÇÕESFINAISEntre os resultados obtidos observou-se que, sob o aspecto da abordagem

cultural, aEstradaReal reúnee refletemovimentos interativosdepessoasedeintercâmbiosmultidimensionais,queresultamnoconhecimentodebens,ideiasevalores,aolongodeumconsiderávelperíododetempo.Observou-seoaspectonatural onde o organismo social e urbano desenvolveu relações múltiplas erecíprocas, no espaço e no tempo, fecundando o espaço de cultura que semanifesta na representação dos modos de vida, nas técnicas utilizadas e nasrelaçõeshistóricasassociadasaumsistemadinâmicoeinterativo.

DeacordocomDelphim(2008),estapaisagemsemostracomoumsistemacomplexo, as transformações realçam seus significados, relacionam e articulamos componentes em uma visão plural, mais completa e mais justa da história,favorecendo a comunicação entre diferentes grupos sociais, promovendo econsolidando a compreensão de valores até então isolados. Sendo assim, esteprojetocontribuiparaenriquecereconferirnovasdimensõesesignificados,emumprocesso interativo,colocandoapaisagemdaEstradaRealcomoumcentroordenadorcujoselementosrepresentamotestemunhopatrimonialeaconfirmaçãofísica de sua existência.Do ponto de vista geográfico, o espaço ocupado peloterritóriodaEstradaRealtrazàluzinformaçõessobreossítiosqueespelham,emsuageomorfologia,aorigemdosprimeirosassentamentos,vistoquecomportamnacomposiçãodoseusoloenaformadeseurelevo,elementosprovenientesdaformação das camadas da Terra que associados à existência de uma redehidrográfica que inclui os córregos e ribeirões, possibilitou um conjunto desituações onde os minerais ricos em ouro e diamantes encontraram seu lugar,permitindo aos desbravadores a descoberta dos veios que deram origem àsprimeirasvilasquesetransformaramnascidadesatuais.

AdifusãodestasinformaçõespermitiráavalorizaçãodosremanescentesdaEstradaReal e de suas referências históricasmais importantes, abrindo espaçopara o desenvolvimento e o desdobramento de novas pesquisas sobre a ampladiversidade encontrada neste objeto de estudo. A experiência obtida nestapesquisa servirá, também, como referência para estudos mais profundos,relacionadosaosmodosdefazereserdascomunidadesalipresentes,permitindo

que as manifestações de natureza imaterial, como os costumes, os hábitos, ascaracterísticasdassociedadesdecadamunicípiodessa regiãopossamsermaisbemidentificados.Profissionaiseestudantespoderãosevalerdoprodutodestetrabalho de pesquisa para avançar no conhecimento dos aspectos geográficos,históricos e socioeconômicos dos municípios estudados. Este projeto visa,portanto, trazer benefícios adicionais ao exercício das funções de proteção econservaçãodosconjuntosdeedificaçõesepaisagensurbanaseruraisquefazemparte do roteiro da Estrada Real, configurada como uma PAISAGEMCULTURAL.

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1www.paisagemestradareal.com.br

2http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/29

3http://portal.iphan.gov.br

IDENTIDADETERRITORIAL:RELAÇÕESSIMBÓLICAS,MATERIAISEDEGÊNERONOSASSENTAMENTOSRURAISDOMUNICÍPIODEMAMBAÍ(GO)

LÍVIAAPARECIDAPIRESDEMESQUITAProgramadePós-GraduaçãoemGeografia-UniversidadeFederaldeGoiás

[email protected]

InstitutodeEstudosSocioambientais-UniversidadeFederaldeGoiá[email protected]

INTRODUÇÃOOs assentamentos rurais apropriados de forma funcional e simbólica

transformam-se em territórios, os quais sãomarcados por intensas relações depodereporrelaçõesdepertencimento.Territóriosquesãoespaçosdevidaedetrabalho necessários para produção e reprodução da família em sentidobiológico,social,políticoecultural.Nessecontexto,osassentamentospassamaserumespaçodereferência,ondeaidentidadedohomemedamulherassentadaéconstruídaapartirdasvivênciasedasrelaçõesestabelecidascomosseusparesecomoterritório.

Todavia,aconstituiçãodaidentidadedamulhertambéméinfluenciadapelasrelaçõesdegênero,asquais,baseadasemumaculturapatriarcal,dicotomizamosespaçoseatribuempapéisdiferenciadosparacadaumdossexos.Essadivisãodepapéis, geralmente, leva ao não reconhecimento da identidade da mulherassentada enquanto trabalhadora rural – seus afazeres na esfera doméstica nãogeramrendae,nastarefasrelacionadasàproduçãosãoconsiderados,namaioriadas vezes, apenas como ajuda.A partir desses pressupostos, o propósito desteartigo é analisar a identidade territorial de homens e mulheres que vivem nosassentamentos emMambaí (GO) e como as relações de gênero influenciam na

construçãodaidentidadedamulherassentada.Paraalcançaroobjetivopropostoforamrealizadaspesquisateóricasobre:

identidade,identidadeterritorial;produçãofamiliar;trabalhofemininonocampoe relações de gênero. E pesquisa de campo1, com aplicação de roteiros deentrevistas com homens emulheres dos assentamentosAgrovila, Cynthia Peter,ParanáeCapimdeCheironomunicípiodeMambaí,estadodeGoiás(Tabela1).

Tabela1–NúmerodeentrevistasrealizadasemcadaProjetodeAssentamentonoano2015e2016

Fonte:SIPRA/INCRA,2015ePesquisadeCampo,2015-2016.Org.:Mesquita(2016).

Localizado no Nordeste Goiano, o município de Mambaí integra amicrorregiãoVãodoParanã,limita-seàlestecomoestadodaBahia,àsudoestecomDamianópolis,àoestecomBuritinópoliseànoroestecomPosse(Figura1).Situa-se a nordeste da capital do estado, Goiânia, distante aproximadamente509kmdestaea301kmanordestedacapitaldopaís,Brasília.

O município possui uma área de 880,624Km², com a presença de 6.871habitantes, destes 2.069 estão nomeio rural.Nomunicípio há seis projetos deassentamento, dos quais quatro têm seus moradores(as) estudados(as)presentemente. Os assentamentos ocupam uma área de 145,951Km² e possuemcerca de 210 famílias assentadas, são eles: PAAgrovila (1999); PACapim deCheiro (1995); PA Mambaí (1995); PA Paranã (1995), São José (1995); PACynthiaPeter(2004).(IBGE,2010;SIPRA/INCRA,2015).

Figura1–LocalizaçãodomunicípiodeMambaí(GO)noVãodoParanã–2016

Fonte:IBGE,IMB/SEGPLAN-GO.Elaboração:SANTOS,S.A.

O presente artigo versa primeiramente sobre a relação que homens emulheres assentadosmantêmcomo seu território, estabelecendo sua identidadeterritorial.Eemsegundomomentoabordou-seasrelaçõesdegêneronocampoecomoestas influenciamnaconstituiçãoda identidadedamulherassentada.Parapreservar o nome das entrevistadas e dos entrevistados optamos por utilizarnomesdeplantasdoCerrado.

TERRITÓRIO E IDENTIDADES: RELAÇÕES MATERIAIS ESIMBÓLICASNOSASSENTAMENTOSDEMAMBAÍ(GO)

A relação estabelecida entre os sujeitos e o seu território, as formas deapropriação do espaço e seu processo de produção, o sentimento depertencimentoàterra,aumacomunidade,contribuiparaaformaçãodaidentidadedos sujeitos que vivem no/do campo. Neste contexto, pretende-se abordar aidentidade do homem e da mulher rural assentados, destacando a relação depertencimentodos sujeitos comoo seu território,queconstitui a sua identidadeterritorial.

OconceitodeidentidadeéentendidoporCastells(1999),comoafontedesignificados e de experiência de um povo, um conjunto de atributos culturaisinter-relacionados.Paraoautorasidentidadessãoconstruídassocialmente,pelasvivênciaspessoaisecoletivasdossujeitos,eestassãoreorganizadasdeacordocomas tendências sociais e os projetos culturais enraizadosna sociedade e de

acordocomoasuavisãodotempoedoespaço.As identidades são construídas no cotidiano, nas relações estabelecidas

entre os sujeitos e destes, com o espaço em que vivem. De acordo com Cruz(2007),aidentidadeéumaconstruçãohistóricaerelacionaldasacepçõessociaiseculturaisquelevamaidentificaçãooudistinçãodeumsujeitooudeumgrupo.Nessesentido,asidentidadesnãosãocompletamentedeterminadas,fixadas,sãodinâmicas, construídas pelas representações simbólicas e subjetivas e pelaexperiênciasocialmaterializadanoespaço.

Nos assentamentos rurais, a identidade de homens e mulheres sãoconstruídasereafirmadasnarelaçãocomooutroecomoseuterritório,pormeiodeumaafirmação/negaçãodosujeitoenquantosersocial:assentadoouassentada.Asrelaçõesestabelecidas,osaspectossimbólicoseculturaisvividos,ahistóriaindividualecoletivadecadasujeito–omododemorar,plantar,cuidar,colher,falar–revelamsuascaracterísticasidentitárias.

NosassentamentosAgrovila,CapimdeCheiro,ParanáeCynthiaPeter emMambaí (GO)háumapopulaçãodiversa,provenientedediferentes localidadesdoestadodeGoiásetambémdaBahia,MinasGerais,SãoPauloePernambuco.Amaioria(86%)dosmoradoresemoradorasrelataasuarelaçãocommeiorural,mesmoantesdeconseguirolote:viveramduranteainfâncianocampo;moravamcomoospais;trabalhavamempropriedadesruraisemoutrasregiões.Homensemulheresdelugares,culturaemodosdevidasdiferentes,masquecompartilhamomesmopropósito:adquirirsuaprópriaterraparamorar,plantar,colhereviver.

Esses sujeitos, ao se apropriarammaterial e simbolicamente desse espaçodoassentamento,passamaestabelecersuaspráticas,seussaberesefazerescombase nas suas vivências e tambémpormeio das novas relações construídas nocotidiano. E são essas práticas e relações – sociais, políticas, econômicas eculturais – que transformam o assentamento em um território de vida e detrabalho,ondeosassentadoseassentadasestabelecemnãosóaidentidadesocial,mastambémasuaidentidadeterritorial.

DeacordocomHaesbaert(1999),aidentidadeterritorialéumaidentidade

social definida pela apropriação simbólica e concreta de um território, que seconstituipelosprocessosdeidentificaçãosocial.“[...]Assim,aidentidadesocialé também uma identidade territorial quando o referente simbólico central daconstruçãodessaidentidadeparteouperpassaoterritório”(HAESBAERT,1999,p.178). Para este autor, não há territórios que não desperte em seus habitantesalgum tipo de identificação e valoração simbólica, sejam elas positivas ounegativas.

Essaapropriaçãosimbólicaeconcretadeumterritóriopodeserobservadanosassentamentos ruraisdeMambaí (GO),ondehomensemulheresassentadoscriam o sentimento de pertencimento à terra em que vivem, pois é dela queeles(as)tiramoseusustento,aprendemeensinamsobreotrabalhonaterra,sobreas plantas, os animais e cultivam seus sonhos e sua cultura: “Eu vivo no funil,aqui é o meu lugar” (Pesquisa de Campo, PA Agrovila, Mambaí (GO), abril2015).SegundoAlmeida(2008),oterritórioéumaconvivialidade,umaespéciederelaçãosocial,políticaesimbólicaqueligaossujeitos,homensemulheres,àsuaterraeassimestabelecesuaidentidadeculturaleterritorial.

Oapreçopelavidanocampo,peloterritórioconquistado,écompartilhadopelos entrevistados e entrevistadas, principalmente pela sua tranquilidade,segurança e pelo contato com a natureza. Eles(as) salientam a importância darelaçãocomaterra,comaágua,comasplantaseosanimaisdosquintaisparaaqualidadedevidaeobem-estardafamíliaassentada.

OSenhor IpêAmarelo(Handroanthusochraceus) nos contaqueprefere avidanomeioruralpelatradição,quefoipassadadegeraçãoemgeração,deviverna/daterra,poisfoi“criadonaluta”enãoseacostumouamorarnacidade,nãogostadarua2.Nocampo temmais sossego,“émelhorpradormireatépegarofeijão é bom” (Pesquisa de Campo, PACapim de Cheiro,Mambaí (GO), ago.2015).

JáDonaRosa-do-campo(Kielmeyerarubriflora)salientaa importânciadaprodução diversificada de alimentos no próprio quintal, livre de herbicidas eagrotóxicos:“Quandohábuscadosalimentossónomercado,aspessoasbuscam

tambémaprópriadoençaparaocorpo.Nonossoquintalnãoéenvenenado[...]omundointeiroestádentrodecasa.Soufelizondeoumoro.”(PesquisadeCampo,PAAgrovila,Mambaí(GO),abril2015).

Além da relação com o território rural, as relações estabelecidas nocotidiano com a família e com os vizinhos também contribuem para apermanênciadosassentadosnoslotes.Nessaperspectiva,concordamoscomCruz(2007)que épormeioda relação comooutroque a identidadeganha sentido.Paraoautor,

[...]nãoépossívelestudaraidentidadedequalquergruposocialapenascombasenasuacultura, ouno seumododevida, nas suas representações de forma introvertida e auto-referenciada, pois as identidades e os sentimento de pertencimento são construídos demaneirarelacionalecontrastivaemuitasvezesconflitiva[...](CRUZ,2007,p.17).

Areciprocidade,asociabilidade,aajudamútua,asrelaçõesdeparentescoevizinhança,sejamelasharmônicasouconflitivas,oapegoàterraemqueviveetrabalhasãoalgumascaracterísticasquerevelamomododeserdoshomensedasmulheres que vivem no/do campo. Ter um(a) vizinho(a), um(a) parente noassentamento é ter alguém para compartilhar alimentos e saberes, dúvidas eangústias,lutaseconquistas.Nosperíodosdemuitotrabalhopodertrocardiasdeserviço e realizar mutirões3. Práticas e relações que além de reafirmar aidentidade desses sujeitos, tornam a vida e o trabalho no campo “uma lutagostosa”(InformaçãoVerbal,PAAgrovila,Mambaí,abril2015).

Figura2–Produçãodefrutas,hortaliçasemilhonoquintaldeFlor-do-Cerrado-PAAgrovila,Mambaí(GO),2015.

Fonte:PesquisadeCampo,abril2015.Autora:Mesquita,L.A.P.

Nessesentido,DonaRosa-do-campo(Kielmeyerarubriflora)noscontaqueaproduçãodo seuquintal é voltadapara o consumoda família e tambémparadividircomosvizinhosquenãopossuem.“Nãocomo,mastemgentelánafrentequecome”[aentrevistadarefere-seaofeijãodecordaqueelacultiva,masnãoutiliza em sua alimentação] (Informação Verbal, PA Agrovila, Mambaí, abril2015).Noseuquintalhádiversashortaliças,grãos,plantasfrutíferas,medicinaise ornamentais (Figura 2), estas foram escolhidas, plantadas e são cuidadas porela,combasenossaberesadquiridosnassuasvivênciasnocampoetransmitidasdegeraçãoemgeraçãopelosseusfamiliares.

NosassentamentosemMambaí(GO)oobjetivoprincipaldaproduçãoéoconsumo familiar. As famílias possuem rendimentos agrícolas e não-agrícolas,trabalham na propriedade e fora dela, constituem seus espaços e combinamespécies e variedades de vegetais, organizando a produção e a vida social ecultural, com base em modelos de saber e de conhecimentos construídos pelafamíliaeaprendidosnassuasvivênciascotidianas.

Noslotesvisitados74%dos(as)assentados(as)possuemalémdarendacomaproduçãoagrícola–cultivodegrãos(principalmentefeijãoemilho),mandioca,cana-de-açúcar, hortaliças, frutas e a criação de pequenos animais nos quintais(suínosegalináceos)–rendasnão-agrícolascomoaaposentadoria,bolsafamília,bolsa verde, trabalhos realizados fora da propriedade como de motorista,cozinheira, diarista (Gráfico 1). Dentre as rendas não-agrícolas destaca-se aaposentaria(em44%doslotes)eabolsafamília(36%dasfamíliasentrevistadasrecebem esse auxílio). As atividades e os rendimentos não-agrícolas sãoapontadospelos(as)assentados(as)comoimportantesparaosustentodafamília,e são usados principalmente na compra de materiais escolares para os(as)filhos(as),devestimentas,utensíliosdomésticosemedicamentos.

É importante salientar o valor simbólico das rendas não-agrícolas,principalmente para as assentadas. A maioria delas nunca havia recebido

remuneração pelo seu trabalho e com essa renda podem decidir como e comquem gastá-la, além de se sentiremmais valorizadas e empoderadas perante afamília.

Há também as famílias (26%) que obtêm rendimentos apenas do que éproduzido no seu lote, comercializando o excedente de milho, feijão, ovos,frangos,queijo,doces, temperos,hortaliças, frutas,mudasentreoutros.Avendadessesprodutosé realizadanaFeiradeprodutoreseprodutoras rurais,naáreaurbana de Mambái (GO) e há compradores que adquirem diretamente naspropriedades.

Gráfico1–Rendasnão-agrícolasdos(as)assentados(as)emMambaí(GO)–2015-2016

Fonte:PesquisadeCampo2015-2016.Org.:Mesquita,L.A.P.

Aproduçãoparaoautoconsumotambémcomplementaarendaagrícola,poisocultivodefrutas,verduras,hortaliças,plantasmedicinaiseacriaçãodesuínosegalináceos,principalmentenosquintais,diminuiosgastoscomacompradessesprodutosnomercado.

AFeiradeprodutoreseprodutoras rurais iniciouemnovembrode2015eacontecetodosábadodemanhãnaáreaurbanadeMambaí(GO).Elacontacomaparticipação de cerca de 60 famílias, oriundas dos assentamentos e dascomunidades rurais do Município. Na feira há comercialização de hortaliças,frutas, frangos, ovos, leite, mandioca, biscoitos, bolos, temperos, mudas entreoutros (Figura 3). A maior parte dos produtos é proveniente dos quintais ecultivados,principalmente,pelasmulheres.

Figura3–ProdutosexpostosnaFeiraemMambaí(GO)–2016

Fonte:PesquisadeCampo,jul.2016.Autora:Mesquita,L.A.P.

NoperíododaúltimavisitarealizadanosassentamentosemMambaí(07a10 de julho de 2016) 17% do(as) entrevistados(as) participavam da feira.Todavia,osdemaissalientaramointeresseemparticipar,poisacreditamserumaoportunidadedevenderasuaproduçãoeconseguirumarenda.Afeirapossibilitaaosprodutoreseàsprodutorasfamiliaresassentadosacessoaomercadodeformacoletiva, sem a participação do atravessador e com vistas a atender asnecessidadesdafamíliaenãoaacumulação.Destaca-setambémaimportânciadaFeira como um espaço de sociabilidade, de relações, onde homens emulheresconversam,trocamsabereseexperiências.Éumlocaldeencontro,quereforçaaculturaeaidentidadedospovosdocampo.

AsmulheresprodutorasafirmamqueaFeiraéumlugarparavenderosseusprodutosecomprarosquenãoproduzem,masétambémumlugarparasedivertir,conhecer mais pessoas e fazer novos amigos. Para Dona Algodão-do-cerrado(Cochlospermumregium) “a feira é um espaço onde a gente se diverte, é umaoportunidade de sair de casa e ganhar uns trocadinhos” (Informação Verbal,Mambaí(GO),julho2016).

Essessujeitostêmnoseuterritóriolutasfrequentes:pelaqualidadedevidadafamília,peloacessoàágua,àsaúde,àspolíticaspúblicas,maseletambéméum lugar de pertencimento e solidariedade. Nesse sentido, percebe-se que as

relações simbólicas e materiais estabelecidas com o território rural e com osdemaissujeitos,contribuemparaaformaçãodaidentidadeterritorialdehomensemulheres assentados.No entanto, as relações de gênero também influenciamnaconstituição da identidade desses sujeitos, principalmente, na identidade damulherassentada,questõesqueserãoabordadasaseguir.

RELAÇÕESDEGÊNEROEAIDENTIDADEDAMULHERASSENTADAAs relações de gênero nomeio rural, baseadas emuma cultura patriarcal,

influenciamnadivisãodesigualdepoderedeprestígioentrehomensemulheres,atribuindo-lhes diferentes papéis na sociedade. Sendo assim, ao abordarmos aidentidade de assentados e assentadas é importante salientar a influência dospapéis sociais, definidos histórica e culturalmente com base em relaçõesdesiguaisdegênero,nadefiniçãodaidentidadedamulherruralassentada.

Castells (1999, p. 23), em sua abordagem sobre a diferença entreidentidadesepapéis,afirmaqueospapéissãoimpostos,definidospornormasdeinstituições e organizações sociais, com o objetivo de influenciar ocomportamento dos indivíduos. A identidade é construída pelo processo deindividuação e se constitui de fontes de significados para os sujeitos. “[...]identidadesorganizamsignificados,enquantopapéisorganizamfunções[...]”.

Os papéis que são impostos cultural e historicamente para os diferentessexos reforçam a associação que há em torno das mulheres ao seu papelreprodutivo,noâmbitodoprivadoedodoméstico,oqualsesuperpõeaimagemda mulher trabalhadora. E mesmo nas situações em que homens e mulheresrealizamtrabalhossemelhantes,estasobtêmreconhecimentosdistintos,deacordocomospapéissociaisquelhessãoatribuídos.Geralmente,ospapéisdoshomenssãomaisvalorizadoserecompensadosqueosdasmulheres.

Segundo Cabral e Diaz (1999 p. 1), “o papel do homem e da mulher éconstituídoculturalmenteemudaconformeasociedadeeotempo”.Édeacordocomosexo,identificadononascimento,quemeninasemeninossãoensinados–

pelafamília,escola,igreja,mídiaeasociedadeemgeral–osdiferentesmodosde comportar, sentir, pensar. Assim, mulheres desde que nascem são educadaspara serempassivas, sensíveis, frágeiseassumiro seupapeldemãe,esposaedonadecasa.

Nosassentamentosvisitadosestalógicasereproduz.Geralmenteotrabalhodoméstico é de responsabilidades das mulheres, enquanto os homens sãoresponsáveis pelas tarefas relacionadas aos animais (bovinos e equinos) e aoscultivos agrícolas no roçado. As assentadas também realizam atividades noroçado, mas sempre se referem a elas como ajuda. Os esposos, geralmente,reconhecemevalorizamessa“ajuda”.Todaviaouvimosafirmaçõescomo:“Elavailápassear”,alegaoassentadosereferindoaotrabalhodaesposanoroçado.Eamesmarevida:“Elenãovêqueeuajudo”(Informaçãoverbal,PACapimdeCheiro,Mambaí,julho2016).

Asatividadesdecuidardahorta,doquintal,sãorealizadaspelasmulheres,nessecasooshomens“ajudam”,masaresponsabilidadeéfeminina.Sãoserviçosconsideradosmais leves,quegerampouca rendaeprecisamdemaiscuidadoedelicadeza,característicasculturalmenteatribuídasàsmulheres.

OSenhorBuriti(Mauritiaflexuosa),pelofatodeaesposaestartrabalhandofora da propriedade, foi o responsável pelo plantio da horta,mas salienta que“horta de homemnão presta. [...]Mão de homemémais pesada para plantar”.(Informaçãoverbal,PACapimdeCheiroMambaí(GO),julho2016).

Essadivisãosexualdotrabalhoedosespaçoslevaagratuidadedotrabalhoda mulher no meio rural, uma vez que as atividades na esfera doméstica nãogeram renda e nas tarefas relacionadas à produção não são consideradas comotrabalho,apenasumauxílioaohomem.Afaladeumaassentadaexemplificaessasituação:“Quemsustentaacasaéohomem,amulherajudaemtudo,masochefeéohomem”(Informaçãoverbal,PAAgrovila,Mambaí(GO),abril2015).

As relações desiguais de gênero, passadas de geração em geração etransmitidasculturalmente,seencontramnaturalizadasnomododevidademuitasfamíliastantonocampoquantonacidade.Realidadequelevamuitasmulheresa

acreditaremqueoseulugarénaesferadoméstica,porsesentiremmenoscapazesde realizar as tarefas foradecasa, e tambémpor seremasúnicas responsáveispelo cuidado doméstico. Dessa forma, elas próprias não se reconhecem comotrabalhadorasrurais.

Nos assentamentos em Mambaí (GO), percebe-se o empoderamento dealgumasmulheres.Pormeiodeatitudesefalaselasdemonstramquepassaramater mais autonomia sobre o seu corpo e a reconhecer a importância do seutrabalho–produtivoereprodutivo–paraasobrevivênciaeparaapermanênciadafamíliaassentadanomeiorural.

Soubatalhadora,masseeudecidirnãofazernadaeunãofaço[...](InformaçãoVerbal,PAAgrovila,Mambaí,abril2015).Hámulherestrabalhadeirasaquidentro[...]Elastrabalhamcomooshomens,aindatemacozinha,asroupas[...]Nãotrabalhamcomamemóriacomooshomens,masbraçalsim[fazreferênciaaosmomentosemqueéutilizadamaisarazãodoqueaforçafísica,comopor exemplo: decidir o que plantar no lote; como investir os rendimentos monetários].(InformaçãoVerbal,PAAgrovila,Mambaí,abril2015).

Todavia, como pode ser observado na segunda fala, ainda permanece opensamento dicotômico e polarizado sobre os gêneros que coloca homens emulheres em polos separados e faz com que outros pares de conceitos sejamequiparados pela mesma lógica, como produção-reprodução, público-privado,razão-sentimentoedominação-submissão.Eevidenciamaprioridadedoprimeiroemrelaçãoaosegundo,oquedefatoapontaumlugarespecíficoparacadagênero(LOURO,1997).

Essadivisãosexualcontribuiparamanterasrelaçõesdesiguaisdepodernasdiferentes esferas da vida cotidiana, o que de fato influencia na construção daidentidade damulher rural assentada. Todavia, concordamos comCruz (2007),que a construção das identidades pode contribuir para a manutenção e alegitimaçãodasrelaçõesdepoderconsideradashegemônicas,mastambémpodesubvertê-las,possibilitandoaproduçãodenovasidentidades.

O avanço dos movimentos sociais de mulheres no campo4, que visam oreconhecimento social da sua situação como mulher e como trabalhadora, tem

contribuído para darmais visibilidade ao trabalho feminino e para diminuir asdesigualdades de gênero no campo. Destarte, acredita-se que a construção daidentidade da mulher assentada como trabalhadora rural contribui para o seuempoderamento e para a transformação nas relações desiguais de gêneropresentesnosassentamentosrurais.

CONSIDERAÇÕESFINAISOassentamentoruraléumespaçoondehomensemulheresestabelecemsuas

relações, entre si e com o meio, produzem e se reproduzem material esimbolicamenteeconstroemsuasidentidades.

Eépormeiodarelaçãocomoterritórioqueconhecimentossãoaprendidoseressignificadospelavivênciacotidianaepelasrelaçõessimbólicas.Otrabalhonaterra,ocultivodosquintais,doroçado,ocuidadocomosanimais,comacasa,a participação nas feiras, o fazer e os saberes, as relações de solidariedade ereciprocidadeconstituemaidentidadeterritorialdeassentadoseassentadas.

NosassentamentosruraisdeMambaí(GO),aconstruçãodaidentidadedasmulheres também é influenciada pelas relações desiguais de gênero, as quais,baseadasemumaculturapatriarcal,desvalorizamotrabalhodamulhernaesferaprodutiva, considerando-o apenas uma ajuda. Já as atividades realizadas noâmbito doméstico não são consideradas como trabalho, a mulher só estácumprindooseupapeldemãeedonadecasa.Percebe-sequeaprópriamulhernão se identifica com uma trabalhadora rural, apesar de realizar atividades nacasa,noquintalenoroçado.

Comoafirmamosnesteartigo,as identidadesnãosão fixaseestáveis,masestão sempre em construção (CRUZ, 2007), sendo assim, nota-semudanças naformadepensardealgumasmulheres,quepassaramavalorizare reconheceroseutrabalho.

Nesse sentido, destaca-se a importância de dar visibilidade ao trabalhofeminino nos espaços produtivos e no espaço doméstico, para que as próprias

mulheressereconheçamcomotrabalhadorasrurais.Eassim,possamconstruirasua identidade, não com base nos papéis impostos pela cultura patriarcal,masbuscando elementos nas suasmemórias de trabalho e de luta, nas experiênciasindividuais e coletivas vivenciadas no cotidiano e nas relações simbólicas ematériasestabelecidascomoseuterritório.

REFERÊNCIASANDRADE, R. B. de. Práticas sócio-culturais e religiosas: elementosconstituintesdolugar.In:ALMEIDA,M.G.;CHAVEIRO,E.F.;BRAGA,H.C.(Orgs.).Geografiaecultura:oslugaresdavidaeavidadoslugares.Goiânia:Vieira,2008.

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PENNA,Maura.Oque faz sernordestino: identidades sociais, interesses e o“escândalo”Erudina.SãoPaulo:Cortez,1992.

1Apesquisadecampofoi realizadacomoapoiodosprojetos:Ambiente,Mulher eCidadanianasComunidadesTradicionaisnoTerritóriodaCidadaniaDoVãoDoParanãedaRVSVeredasdoOesteBaiano-ChamadaMCTI/CNPQ/MEC/CAPESNº22/2014;AMulherRuralAssentada:TrocadeSaberessobreAmbiente,AgroecologianosquintaiseensinamentosparaEconomiaSocial,VãodoParanã(GO)-ProEXTNúmero:9419.3.7411.30042015.CoordenadospelaProf.ªDraMariaGeraldadeAlmeida.

2Otermo“rua”éutilizadopelos(as)assentados(as)parasereferiraáreaurbanadeMambaí(GO).

3DeacordoBergamascoeNorder (1996,p.59) “omutirãoéumaprática antigae comumentreosagricultores familiares emmuitospaíses.Determinadas tarefas, comoa limpezado terrenoparao cultivo, acolheita, obeneficiamentodaproduçãoeoutras atividades intensivasdemão-de-obra, são realizadas comaajudadeparentesvizinhoseamigos,semquehajaqualquercontratoporescritooupagamentomonetário[...]”.

4 Movimento das Mulheres Camponesas (MMC); Movimento das mulheres trabalhadoras rurais(MMTR).

OSCABOCLOSEAIDENTIDADETERRITORIAL,MAJORSALES/RN

JOCIVÂNIAFERNANDESDONASCIMENTOMestrandadoProgramadePós-GraduaçãoInterdisciplinaremCiênciasSociaiseHumanas/UERN

[email protected]

MestradoInterdisciplinaremCiênciasSociaiseHumanas(PPGCISH)[email protected]

INTRODUÇÃOCarlos (2007) nos fala que o mundo hoje se apresenta cada vez mais

globalizado, ameaçando as relações existentes no lugar, emque a comunicaçãodiminui as distâncias, imbricando cada vezmais o global e o local, colocandoesteemdebatesobreasquestõesdeidentidade,jáqueéondesemanifestaavida,osconflitos,oviver,ohabitareondeseestabelecemasrelaçõessociais,ousoeconsumo,comotambémsuaapropriação.

AindaconformeCarlos(2007,p.22):

O lugar é produto das relações humanas, entre homem e natureza, tecido por relaçõessociais que se realizamno plano do vivido o que garante a construção de uma rede designificados e sentidos que são tecidos pela história e cultura civilizadora produzindo aidentidade,postoqueéaíqueohomemsereconheceporqueéolugardavida.

Hall (2011)nosdizque tal identidadeéconstruídahistoricamente,atravésdaatuaçãodosdiversosatoresquecompõemarealidade.EmMajorSales/RN,épossível identificar determinados processos de construção de identidade,formados principalmente a partir da cultura da dança de caboclos, a qual foiincorporada como o principal referencial identitário do município, que seemancipou há mais de vinte anos, e investe maciçamente na promoção daidentidadecultural,aqualseconcretizaatravésdediversosprojetosgerenciadospelasiniciativaspúblicas,privadaeprincipalmente,comunitária.

Os atores sociais envolvidos nesta dinâmica buscam evidenciar os traços

históricos da dança de caboclos por meio de diferentes estratégias, utilizandoconjuntodeelementosmateriaisassociadosaoimaginárioacercadopassadoque,porsuavez,viabilizaaconstruçãodareferidaidentidadeterritorialdomunicípiodeMajorSales/RN.As formasde representaçãodopassadovariamde acordocomotempoeolugar,noentantoépossívelidentificarmosasestratégiasquesãocomuns entre os grupos que participam da dança de caboclos, dentre estaspodemos destacar: elaboração de vestimentas, confecção do boneco de Judas,roteiro musical, ritmo e pisada que dançam, e sempre que possível estesparticipamdeeventosmunicipais,cujopropósitoéodepropagarasuacultura.Sãoeventosplanejadosefinanciadosporiniciativaassociadaàsadministraçõesmunicipaiscomotambémfederais.

Umdosreferidoseventosquesetornaevidenteéo“ConcursodeCaboclos:Malhaçãode Judas”,promovidopelaPrefeituraMunicipaldeMajorSales/RN,desde o ano de 1990, ininterruptamente. São vinte e seis anos de atividades,sendoqueonúmerodegruposparticipantesvariaemmédiade12a26,variandoemcadaturmaumtotalde10a20dançarinosporcadagrupo.Ajustificativaparaa escolha deste objeto de estudo se deu a partir da relevância que aDança deCaboclostememseucontextoparaasrepresentaçõesidentitáriaspredominantesno município de Major Sales/RN, estes grupos e o Concurso atuam de formaconjuntanaconstruçãodaidentidadeterritorial.

Estetradicionalconcurso,queem2016chegouasua26ªedição,constituiumdosmaisevidentesmomentosdemanifestaçãoculturaledeconstruçãoidentitáriadomunicípioedaregião,porrecebervisitantesdeváriascidadesedeestadosvizinhos.Assimoeventomobilizanãoapenasacomunidademajorsalense,comotambématoresdosmaisvariadossegmentosdoslugares.Naatualidade,osgruposeoconcursocompõemcenárioprivilegiadoparaobservareanalisarcomosedáoprocessodeconstruçãodeidentidadeterritorial.Porissotorna-semotivoparacomporaparteempírica,principal,destetrabalho.

Este trabalho parte do seguinte problema de pesquisa: de que forma osGrupos deDança deCaboclos vem atuando, ao longo de vinte e seis anos, no

processodeconstruçãodaidentidadeterritorialeculturaldomunicípiodeMajorSales/RN? Para responder a esta questão propôs-se, como objetivo geral,analisaraDançadeCabocloscomoelementodeidentidadeterritorialeculturaldo município de Major Sales/RN. Como objetivos específicos, propôs-se: a)identificaraorigemdadançadecaboclosnomunicípiodeMajorSales/RN;b)caracterizaradançadecaboclos;c) relacionara identificaçãodapopulaçãodomunicípiocomadançadecaboclos.

ParaHall(2011)aidentidadeculturaléumaconstruçãodossujeitosquesedáatravésdosprocessossociais.Seestafosseinata,nãoprecisavaserevocada,evidenciada e narrada.Abusca pela afirmação identitária surge sempre queháalguma dúvida ou incerteza. Esta busca de evidenciar determinada identidadecultural pode ser percebida em diferentes tempos e lugares, de forma que aspessoas buscam por seus referenciais cotidianos, afetivos que sustentem odiscursodoqualpretende-seafirmar.

Para realizar esta pesquisa, utilizamos da abordagem etnográfica, quesegundo André (1995, p. 27) esta busca estudar “os valores, os hábitos, ascrenças,aspráticaseoscomportamentosdeumgruposocial”.Estaseapresentaetraduz a prática da observação, da descrição e da análise das dinâmicasinterativasecomunicativascomoumadasmaisrelevantestécnicas.Aoseavaliare identificar a cultura, o comportamento dos grupos culturais e da sociedade,deve-se levar emconta as evidênciasdaobservaçãoedadescrição, elementoscruciaisdaatividade.

E, se é a partir dos encontros e relacionamentos que extraímos acompreensão e explicação das experiências humanas, que se dão nomundo davida, no mundo do trabalho, no mundo do entretenimento e da cultura, então,somente poderão dar as evidências necessárias para compreender os contextosdestes relacionamentos, a partir das análises das dinâmicas que marcam essesencontros, por meio da participação direta do observador no ambiente que sepretendeconhecer.

Para a realização desta pesquisa, foram empregadas algumas técnicas que

viabilizaram a aproximação e análise do objeto estudado, a seleção dereferenciais bibliográficos que sustentaram a respectiva análise. Foi feita umarevisãobibliográficamaisamplaacercadotemaculturaeidentidadeterritorial,visandoelaboraroreferencialteórico,quantoaolevantamentodedadossobreoobjeto especifico estudado – Dança de Caboclos – pesquisou-se no arquivoexistentenasededoPontodeCultura,oqualpossuidocumentação, fotografias,peças de vestuários, recortes de jornais, entre outros. Outra técnica utilizadaconsistiu na entrevista, a qual foi primeiramente realizada compessoas ligadasaosgruposdadançadecaboclos,bemcomooutraspessoasquedeumaformaoudeoutra,estiveramouaindaestãoligadasaestesgrupos.

O presente trabalho está organizado em duas partes. Na primeira parte,desenvolve-seumarevisãobibliográficaseguidadeumadiscussãoteóricaacercados temas que norteiam a presente pesquisa: dança de caboclos e identidadeterritorial.Busca-senestaprimeiraparte,contextualizarcomosedeuadançadecaboclosnoBrasileanálisedosreferenciaisteóricosdoconceitodeculturaquese modificou ao longo dos anos e como esta cultura está imbricada com aidentidade territorial de um povo. A segunda parte, dedica-se à descrição eanálisedosdadosobtidosatravésdapesquisaetnográfica,ondeserãodescritoseanalisadas os dados obtidos junto ao Ponto de Cultura. O acontecimento doConcursodeCabocloscomacontextualizaçãodeste, juntamenteas implicaçõespara o processo de construção da identidade territorial nomunicípio deMajorSales/RN. Por fim serão feitas as considerações finais acerca dos resultadosobtidos.

DANÇADECABOCLOSNOBRASIL:BREVERELATOAdançadecaboclosou“malhaçãode judas” temsuaorigemnaPenínsula

Ibérica,chegandonoBrasilduranteoperíodocolonial,estadançaatéofinaldoséculoXVIIIerarealizadaàsvésperasdodiadeSãoPedronomêsjunino(AZZI,1978), mas segundo Cascudo (1979) esta foi transferida para o período da

semana Santa. Onde é comum confeccionar um boneco de Judas – segundo abíblia este traiu Jesus, o boneco é feito de palha ou panos, posteriormente épendurado num galho de árvore ou em um poste até o Sábado de Aleluia,momentoesteemqueumgrupode10oumaishomensemulheresdançamemumúnico ritmo e pisada, formando um círculo, no centro é colocado o boneco deJudasondeeste émalhadoemmeio agritos eumagrandeagitação.Gonçalves(2008)nosdizqueemboraadançadecaboclosou“malhaçãodeJudas”existadesdeosprimeirosséculosdecolonizaçãoeseestendaatéosdiasatuais,aindaérestrita às cidades pequenas do interior brasileiro, normalmente esta práticaocorre geralmente em praça pública no Sábado de Aleluia, havendo assim ummistoentresagradoeprofano,umavezqueocorreduranteaSemanaSanta.

Cascudo(1979)nosdizqueadançadecaboclosou“malhaçãodeJudas”éumafestatipicamenteprofana,comorigemnoimagináriocristão.Pordinheiro,oapóstoloJudasentregouJesusaosromanosparasercondenadoàmorte,tornando-se por isso um traidor, este considerado como sendo a personificação domal,essa dança também era realizada nos festejos agrícolas, na colheita, onde eraqueimado o boneco que representava a divindade da agricultura, onde o fogorepresentaria a renovação da vida vegetal e a garantia da vinda de futurascolheitasdeboaqualidadeeabundância.

Oliveira(1974)nosexpõequeadançadecabocloséconhecidaemPortugalpor “queima do Judas”, este ocorre no Sábado deAleluia para oDomingo dePáscoa, onde o boneco é caracterizado com traços grosseiros e caricaturais,amarradoemtroncosoupostesdemaisdecincometrosdealtura,aguardandoomomento em que este será queimado, momentos antes é feita a leitura do seutestamento,ondeaspessoasmostramasuaanimaçãoemsevingardoJudas.

EmseusestudosMota(1982)fazumaanálisesobreadançadecaboclosou“malhação de Judas” nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do Brasil.Segundo ele a dança ocorre no Sábado de Aleluia e pode sofrer algumasdiferenças em seu nome, de acordo com a região em que é praticada.Normalmente é referida como “enforcamento”, “malhação” ou “dança de

caboclos”, osmateriais para a confecção do boneco também possuem algumasdiferenças,masdemodogeralsãoaproveitadosacessóriosvelhos,roupas,palha,dentre outros objetos, estes por sua vez são arranjados pelos componentes dosgruposdadança.

Mota(1982)nosfalaaindaqueoboneconadamaiséquearepresentaçãodeumafigurapública,moradordacidadeouumpolítico,ouseja,éarepresentaçãodealguémpoucoaceito,comotambémmalvistopelasociedade,estefatoexplicaaelaboraçãoealeituradotestamentodoJudasqueantecedesuamalhação.

Cascudo (2001) nos revela que no estado do Rio Grande do Norte, osregistrosencontradosacercadadançadecaboclossãopoucos,tendoemvistaagrande percussão existente na imprensa acerca desta. O mesmo autor salientaaindaqueodomíniocoreográfico/espetacularvistonadançadecaboclos,estefazreferênciaaogrupo“Caboclinhos:malhaçãodeJudas”,origináriodomunicípiodeMajorSales(oestedoRN)queapresentaanualmenteadançanaqualobonecodoJudaséafiguracentraldoespetáculo,ondehomensadultosdançamecantamentoados,vestidoscommáscarasetrapos,oJudas,apósterpermanecidonarodaenquantoosdançarinosfazemsuaapresentação,émalhado.

IDENTIDADETERRITORIALAcompreensãosobreidentidadesealicerçanaideiadequeaidentidadese

situa frente ou num espaço simbólico, social/historicamente produzido(HAESBAERT, 1999) e como construção histórica, relacional, é formada porelementostantomateriaisquantosimbólicos.

Entenderoprocessodeconstruçãodeidentidadedeveconsiderarseucaráterhistórico/contextual e relacional. Desta forma, pode-se afirmar que não háidentidade fixa ou estática, ela é sempre uma construção histórica dossignificados sociais e culturais que norteiam o processo de distinção eidentificação de um indivíduo ou de um grupo, é necessário compreender que“[...] como, a partir de quê, por quem e para que isso acontece” (CASTELLS,

2002,p.23).Nestaperspectivaa identidadeédefinidacomooprocessodesignificados

com base em um atributo cultural, ou ainda um conjunto de atributos culturaisinter-relacionados,ondeprevalecesobreoutras fontesdesignificados,podendohaver “múltiplas identidades para determinado indivíduo ou atos coletivo”(CASTELLS,2002,p.22).

Estaperspectivadahistoricidadeedaprocessualidadedesvelaumasériedequestões em tornoda construçãoda identidade, seja ela individual ou coletiva,pois:

[...]oconceitodeidentidadenãoseconfundecomasideiasdeoriginalidade,tradiçõesoude autenticidade, pois os processos de identificação e os vínculos de pertencimento seconstituem tanto por tradições (“raízes”, heranças, passado, memoria etc”) como pelastraduções(estratégiasparaofuturo,“rotas”,“rumos”,projetosetc).Aidentidadenãoserestringeaquestão:“quemsomosnós”,mastambém“quemnóspodemosnostornar”[...]a construção de identidade tem haver com “raízes” (ser), mas também com “rotas” e“rumos”(torna-se,viraser).(CRUZ,2007,p.97).

Mesmo que a construção da identidade tenha elementos relacionados àtradição,ossignificadoseossentidosdessaconstrução(como,apartirdequê,porquemeparaque),éoquenortearáasaçõesdecadagrupo.Cadagruposocialousociedadeorganizaseusignificadoemfunçãodetendênciassociaiseprojetosenraizadosemsuaestruturasocial,bemcomoemsuavisãodetempo/espaço.

Desta forma, a identidade é fonte de significados para os próprios atores,por eles originadas e construídas por meio de um processo de identificação,poderão se constituir como fonte demudanças, traduzindo anseios, lutas, novasrotas, outros rumos. A identidade é responsável pela organização dossignificados,direcionandoospapéissociaisdesempenhadospelosatoressociais.Esses significados segundo Castells (2002) são construídos em torno de umaidentidade primária, autossustentável no tempo e no espaço. E que somente apartirda internalizaçãodessa identidadeedaconstruçãodeseussignificadoséque amesma poderá direcionar as ações desses sujeitos/atores, expressando aideiadaidentidadeparaalémdatradição.

Estabelecer condições para a continuidade de uma trajetória, a identidadereafirmaosentidodepertenceraalgo,ondeosujeitoestáinserido.Aoviabilizaressapossibilidade,a identidade revela seucaráter transformadoredemudançasocial, pois, para além da tradição e das raízes, a mesma pode favorecer acriação de estratégias futuras e possibilitar a criação de projetos, ações pelossujeitosdentrodedeterminadocontextosocial(CRUZ,2007).

Na perspectiva da identidade territorial,Haesbaert (1999, p. 172) analisaque:

[...] todaidentidadeterritorialéumaidentidadesocialdefinidafundamentalmenteatravésdoterritório,ouseja,dentrodeumarelaçãodeapropriaçãoquesedátantonocampodasideias quanto no da realidade concreta, o espaço geográfico constituindo assim partefundamentaldosprocessosdeidentificaçãosocial[...]trata-sedeumaidentidadeemqueumdosaspectosfundamentaisparaasuaestruturaçãoestánaalusãooureferênciaaumterritório,tantonosentidosimbólicoquantoconcreto.

Podemos perceber que há uma estreita relação entre o território e osprocessos de construção identitária. Se toda identidade territorial é umaidentidadesocial,oinversopodenãoocorrer.Aidentidadeterritorialtomacomoreferencialobrigatóriooterritório,umafraçãomaisrestritadoespaço,podendo-seseguramente“[...]afirmarquenãoháterritóriosemalgumtipodeidentificaçãoe valorização simbólica (positiva ou negativa) do espaço pelos habitantes”(HAESBAERT,1999,p.172).Poroutrolado,aidentidadesocialtambéméumaidentidade territorial quando “[...] o referencial simbólico central para aconstruçãodesta identidadepartedoou transpassao território” (HAESBAERT,1999,p.178).Conformeaindaoautor,mesmoaidentidadeestandolocalizadanotempoenoespaçosimbólico, issonãosignificaque todasas identidadessejamidentidadesterritoriais.

Diferentemente de outros autores que consideram a existência concreta daidentidade concebendo-a somente no campo das representações, no casoespecificoda identidade territorial,deve-se ressaltar abasematerialque servede referência para a construção das identidades,Haesbaert nos afirma que “nadiscussãoda identidade territorial isto irá aparecerde formamuitonítida,pois

por mais que se construa simbolicamente um espaço, sua dimensão maisconcreta constitui de alguma forma, um compromete estruturador de umaidentidade”(1999,p.174,grifodoautor).

O espaço de referência identitária refere-se ao recorte espaço-temporal, éonde se realiza a experiência social e cultural, onde se desdobram as práticasmateriais(uso,formasdeorganizaçãodoespaço,produção,consumo,circulação)e as representações espaciais (simbolização, formas de significação). Essaspráticaseessasrepresentaçõesespaciaisserãoresponsáveispelaconstruçãodossentimentos e do significado de pertencimento dos grupos atores/sujeitos emrelaçãoaumterritório.

IDENTIDADETERRITORIALEMMAJORSALES/RNAcidadedeMajorSaleslocaliza-senaregiãodoAltoOestedoestadodo

Rio Grande do Norte (figura 01), pertence à Microrregião da Serra de SãoMiguel com uma área territorial que ocupa um espaço equivalente a 33 Km2,sendoumadensidadedemográficade90hab/Km2(RIOGRANDEDONORTE–IDEMA,2008).

O município conforme o censo realizado pelo Instituto Brasileiro deGeografia e Estatística – IBGE – em 2010, conta com a população de 3.536habitantes,oÍndicedeDesenvolvimentoHumano–IDH–éde0,630,abaixodamédia doNordeste que é de 0,719 e do RioGrande doNorte (RN) que é de0,705; o Índice de Exclusão Social – IES – é de 50,3, acima da média doNordestequeéde36,07eodoRNqueéde38.OmunicípiodeMajorSales,pertence ao Território da Cidadania, evidenciamos também que o mesmo foiaprovadocomoSeloUNICEF/2008.

DeacordocomoInstitutodeDesenvolvimentoSustentáveleMeioAmbientedoRioGrandedoNorte–IDEMA–,nessacomunidadeocorreuaocupaçãodaterrapelosseusprimeiroshabitantesnoanode1950,quandoaindaeradominadade “Sítio Cavas”, situada numa região pertencente ao município de Luís

Gomes/RN.

Figura01–MapadomunicípiodeMajorSales/RN.

Fonte:GEPEECH

Porcontadoseudesenvolvimento,noanode1967,foielevadaàcategoriadevila,recebendoonomedeMajorSales,umahomenagemaumdosprincipaisbenfeitores desta localidade. Após a elevação de categoria, segundo ainda oInstituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente do Rio Grande doNorte–IDEMA–(2008,p.8):

A comunidade continuou em franca prosperidade, sempre crescendo e ganhando novasinstituições,prédiospúblicos,postotelefônico,escolas,delegaciasdepolíciaeagênciasdecorreios.Diantedodesenvolvimentoalcançado,começoualutapopularporsuaautonomiapolítica, com a participação de importantes lideranças da região.Nodia 26 de junho de1992, através daLei número 6.298, o povoado deMajor Sales desmembrou-se deLuizGomes,tornando-semunicípio.

Os habitantes da comunidade são de origem indígena, afrodescendentes eeuropeias, marcando-se as diversidades de povos que habitam omunicípio deMajor Sales/RN. Destacamos que a comunidade majorsalense é formada porpessoas de diferentes níveis econômicos, na suamaioria, são pessoas de baixarendaquebuscamnaagricultura familiar fontesparaa sua subsistência,porém,enfatizamos que, a principal fonte empregatícia tem sido os serviços público,estadualemunicipalqueproporcionamàpopulaçãoasobrevivênciaeconômica.Devido a essa insuficiência econômica, o município necessita da ajuda de

programas assistenciais da esfera governamental federal para beneficiar a suacomunidade.

A educação tem um diferencial que acarreta grandes benefícios para apopulação, trata-sedapresençaculturapopular,nocotidianodaescola,poisosprojetos de ensino aprendizagem deste município são calcados natransversalidadeentreaeducaçãoeacultura,ressalvamosoprojeto“SaberOralPreservado:UmaAçãoGriô”,desenvolvidopeloPontodeCulturaTearCulturaldeMajorSales.

A cultura é considerada de extrema importância para a comunidademajorsalense, a prova é o reconhecimento regional e nacional que a cidadeadquiriunosúltimosanos.Issoacontecedevidoaosatoresenvolvidosdiretaouindiretamente nos grupos culturais produzirem a cultura a partir dosconhecimentosadquiridoscomosseusancestrais,que,repassaramassabedoriaspopularesparaosherdeirosdalocalidadepormeiodosaberdatradiçãooral.

OsaberdatradiçãooraldosseusMestreséaprincipalfontedepreservaçãoque a comunidade usa para manter viva as sabedorias que são passadas degeraçãoemgeração.Destacamoso trabalhodos seguintesmestres:BebéSilva,ChicoSeveriano,LeroeAntônioGrosso.Tambémpodemoscitaro trabalhodaGriô Aprendiz Maria Carlos que juntamente com esses mestres conseguiudesenvolveroassociativismo,eofortalecimentoculturaldestalocalidade.

Os trabalhos desenvolvidos pelos mestres nesta comunidade, osconhecimentos culturais típicos estão sendo repassados para as novas geraçõescomo forma de preservar as características culturais do povo majorsalense,enfim,acidadedestaca-senaregiãopeloprogressoedesenvolvimentonoramocultural. Podemos destacar os grupos culturais em ênfase como: a dança doscaboclos; ogrupo infantil e adultodadançado rei de congo; quadrinhas, entreoutros.

O povo se apropriou de sua cultura que foi institucionalizada pelosprodutoresculturaisdomunicípio,osquaiscriaramumaAssociaçãoComunitáriapara unir-se e buscar o fomento para sua cultura gerando renda através de

atividades criativas, a qual foi criada no ano de 2006 e denominada como aAssociaçãoComunitária SócioCultural deMajor Sales, que ao longo dos seisanosdeexistência, jáconquistouváriasparceriasexternaspromovendoassimainclusãosocialdosagentesculturais.Evidenciamosasprincipaisparceriascom:oMinistériodaCultura–MINC;BancodoNordeste–BNB;BancoNacionaldoDesenvolvimento–BNDES;Energia,TecnologiaeDesenvolvimentoSustentável–PETROBRAS;InstitutodoPatrimônioHistóricoeArtísticoNacional–IPHAN;FUNDAÇÃOJOSÉAUGUSTO;eagestãomunicipal.

Evidenciamosqueaidentidadeterritorialdopovomajorsalenseécompostapelascaracterísticasdaculturapopular,especificamenteaculturanordestinaqueencontramos presente nos modos de viver e fazer, nos comportamentos e naspeculiaridades culturais. A população é basicamente formada por produtoresculturais que no decorrer da sua trajetória aprenderam tradições que sãoeternizadas em cada geração.Compreendemos que esta identidade cultural estápredominantemente presente deste a infância, pois algumas crianças com doisanosdeidadejáfazempartedosgruposculturaisinfantis(figuras02e03).

Figuras02e03–CriançasfantasiadasdeCabocloscomidadede02a06anos.

Fonte:JocivâniaFernandesdoNascimento(Março,2016).

Deste modo, a identidade territorial encontra-se enraizada nos saberes efazeres dos ancestrais do povo majorsalense, que mantiveram a característicaprópriadacomunidademesmocomopassardotempo.Partindodopressupostoacima,compreendemosqueaidentidadeterritorialdeumacomunidadeédesumaimportância para a construção da característica própria de cada lugar, assim,reconhecemos que o fortalecimento é necessário para a preservação damesmanosdiasatuais,poisvivemosnumasociedadecapitalista,ondemuitosaspectos

da cultura de raiz estão a se perderem devido às modificações ocorridas nacontemporaneidade.

ORIGEMDADANÇADECABOCLOSESUACARACTERIZAÇÃOAdançadecaboclosfoiinstituídanomunicípiodeMajorSales/RNnoano

de1924pelosenhorJoséBertodaSilva,eradeseucostumerealizarfestaemsuaresidênciaeconvidarapopulaçãovizinha, e foi emumadessas festasqueestesenhorformouoprimeirogrupodecaboclos,juntamentecomacolaboraçãodosseus amigos e alguns vizinhos. No entanto, a dança de caboclos de MajorSales/RNpossuiorigemindígenas,poissegundoCascudo(2001)avestimentaealguns de seus adereços são confeccionados commateriais vindos da naturezacomo:palhasdecarnaúbas,bananeiras,cabaças,folhas,cordasdeagaveealgunsfiaposdepano, chocalhos,para asmáscaras sãoutilizadoscourodecaprino, asua pisada, o ritmo musical e a forma como estes se organizam durante aapresentaçãopossuemtraçosvistosnadançadosíndios(figura04).

Figura04–GrupodaDançadeCaboclos-municípiodeMajorSales/RN.

Fonte:JocivâniaFernandesdoNascimento(Março,2013).

Osgruposorganizadosnadançadecaboclostêmestruturamusicalformadaporsanfona,zabumba,triânguloepandeiro.Abasecoreográficapossuidedozeavinte e seis brincantes (dançando sempre em roda), envolvidos em passoscaracterísticos emantendo o “Judas” no centro – o qual é pisoteado, agredido

combastõesempunhados,extraídodemarmeleiro,davegetaçãocatingueiralocal.Quando estão se apresentando, os dançarinos emitem um som gutural,onomatopeicode ira, incessante, e seus sapateadosajudamacomporabasedepercussão.As roupas de trapos de panos,multicoloridos, palhas de carnaúbas,bananeiras, cabaças, folhas, cordas de agave e com capuzes vermelhos emáscarasprovocamumimpacto,plástico,incomum.Asuaconfecçãoérealizadaemmutirão.

AbrincadeiracomeçapelamanhãduranteaSemanaSantaquandoosgrupos,em cortejos dispersos, apresentam-se em ruas, sítios, terreiros das casas. NoSábadodeAleluiaérealizadooConcursodeDançadeCaboclos:MalhaçãodeJudas, onde os grupos disputam um prêmio em valor de dinheiro, para isso éconstituídaumacomissão julgadora,osquaissãopessoasdoprópriomunicípioque conhecem com propriedade a expressão cultural em julgamento. Ojulgamento, que toma como base os seguintes critérios: pisada – enquanto amúsica toca,os caboclos sapateiamcomvigoremum ritmopróprioeúnicoaosom de sanfona, triângulo, zabumba e pandeiro. Quanto mais sincronizada edentro do ritmo de acompanhamento musical, melhor a pisada da turma;originalidade – se o concurso terminar por carnavalizar o folguedo, podendodescaracterizá-lo–atépelaquestãodotempoprevistoquecadaturmatemparaseapresentarqueéde8a10minutos,oquesitooriginalidadeserveparalembraraosbrincantesdasorigensdabrincadeiradeMalhaçãode Judas.Quantomaiorfor o resgate de elementos originais da brincadeira, isto é, na indumentária,personagem,dançaecoreografia,maispontosserãoganhos;indumentária–estequesitoanalisaosadereçoseaquivaleatradiçãoecriatividadedecadaumnahoradeseapresentar;coreografia–seopassoéomesmoparatodos,aevoluçãoduranteotempodeapresentaçãoeaencenaçãoficamacargodecadaturma.Osque tiverem as melhores ideias mantendo a tradição original da dança decaboclosparaaproveitaraexuberânciadostrajeseoespaçodapraçasãomelhoravaliados;malhação do Judas – toda apresentação termina com amalhação doJudas, um boneco de pano que é destruído pelos caboclos. Os melhores

“matadores”doJudaslevamnotasmaisaltas;elimitedetempo–sãodeoitoadezminutosquecadaturmadevelevarpararealizarsuaapresentação.

Asletrasdasmúsicasenfocamtemasvariados,ufanismocultural,referênciase evocações dos próprios grupos da cidade e o gênero preferido é o xote.OsCaboclos deMajor Sales já têm uma larga história de reconhecimento culturalnos níveis regional, estadual e nacional. Pois, de forma organizada, a cidadecontacomcercade10gruposquevêmseapresentandohámaisdeduasdécadas(figuras05e06).

Figuras05e06–ApresentaçãodosgruposdaDançadeCaboclos.(MajorSales/RN)

Fonte:JocivâniaFernandesdoNascimento,(Março,2016).

ADANÇADECABOCLOSEAIDENTIDADETERRITORIALAdançadecabocloséumadançafolclóricaderua,envolventenomodode

exibir seuperfil ritual que se tornou atração cultural e identidade territorial nomunicípiodeMajorSales/RN.EsseeventoocorrenoSábadodeAleluia,temsuaculminância com a queima do Judas na praça pública na participação doconcurso. Com o objetivo de alegrar as pessoas, a populaçãomajorsalense sereúne após o dia de celebração da Paixão de Cristo, para formar um elencocomposto por vários personagens, os quais saem de casa em casa dançando ecantando (figuras 07 e 08). Além de saírem pelas ruas do município, elespercorrem as outras cidades circunvizinhas. A população se envolve de modofervoroso no toque dos tambores, na melodia musical e barulho dos apitos,formado por uma multidão de pessoas de todas as idades, crianças, adultos eidosos, que caem na folia para acompanhar passo a passo toda trajetória dosdançantestãovibrantes.

Figuras07e08–Grupodecaboclosetocadores.MajorSales/RN

Fonte:JocivâniaFernandesdoNascimento(Marçode2016).

A formação étnico-cultural do município de Major Sales/RN envolve aparticipação de diversos grupos, sendo que a ocupação desta área nunca seestagnouao longodahistória.Podemosconstatar a renovaçãodestapopulação,que participa de um processo interminável de movimentos migratórios. Aspessoasmudamdeumlugaratodoomomento,gerandomovimentosquepodemconstituirondasmigratórias,envolvendograndenúmerodehabitantes,ouapenassituações isoladasondepoucasfamíliasou indivíduosdescolam-sedeumlugarparaoutro.Hall (2003)denominaesteprocessodediáspora,ondeapobreza,osubdesenvolvimentoouafaltadeoportunidadepodemforçaraspessoasamigrar,mascadadisseminaçãocarregaconsigoapromessaderetorno.

Neste movimento, as diferentes regiões buscam manter sua identidadecultural,incorporandoouseadaptandoàculturadosquechegam,visandomanter,sempre que possível, os referenciais daqueles que já estavam no território.Assim, surgem asmanifestações culturais de uma região, onde omunicípio deMajorSales/RNestáfortementeassociadoàidentidadecabocla;ouseja,busca-se evidenciar e manter as crenças, valores e práticas inspirados no passadodaquelesqueinstituíramadançadecaboclosnestemunicípio.

A questão identitária permeia, portanto, cada ação promovida pelasinstituições e pessoas responsáveis por esta cultura. Procuram responder ànecessidadeindividualdepertencimentoqueaspessoasmanifestamnaturalmente,cujaidentidadeseconstróiemcontatocomouniversocircundante(HALL,2011).Muitos passam a pertencer à cultura cabocla semnemmesmopossuir qualquervínculo, interagem com o universo simbólico e acabam penetrando o cenário

proposto,assumindouma identidadeque transcendequalquerdefiniçãocultural,abarcandoumlugarhistoricamenteconstituído,delimitadoecaracterizadopelosagenteshumanosomunicípiodeMajorSales/RN.

Asmanifestações culturais cuja inspiração é a identidade territorial estãopresentes em diferentes contextos da contemporaneidade.Através da expressãocultural,osgruposdadançadecaboclosbuscamnestesreferenciaisidentitáriosalegitimação de uma cultura, estes destacam-se por reafirmarem o desejo demantervínculoscomastradiçõesecostumespassados,expressando-oatravésdamúsica, das coreografias e dos trajes típicos minuciosamente elaborados paraestas encenações.Esta identidadepermanece fortementevisível tantonaculturamaterialquantoimaterial,oquelevaapensarsobreossignificadoseosefeitosdestas manifestações na construção da identidade territorial do município deMajorSales/RN.

Osgruposdadançade caboclos sãoexemplosdesta construção, estes sãomantidosporentidadespúblicas,privadasecomunitárias,algunsgruposdadançadecaboclosacabamsedestacandomaisqueoutrospelaparticipaçãoemeventosmunicipais,estaduais, regionaisenacionais.Atualmente,osgruposdadançadecaboclosensaiamasdançassobacoordenaçãodeuminstrutor,esteporsuavezéchamado de “Mestre”, este sempre está presente na vida cultural e social domunicípiodeMajorSales/RN.

Amontagemdascoreografiasérealizadaapartirdepesquisascoordenadaspelo“Mestre”,segundooqualsãofeitasadaptaçõesapartirdofolclorecaboclo.Senadécadade90asdançaseramanunciadascomoautênticaculturacabocla,hoje os dançarinos admitem que as coreografias são inspiradas nesta tradição,mas sofremmodificações em função dos objetivos dos grupos e dos diferentespúblicosparaosquais seapresentam,comosepodeverna figura09,ondeumdosgruposdecaboclosutilizaramomascotedaCopadoMundopararepresentarobonecodeJudas.

No entanto, de acordo com integrantes, os figurinos hoje são feitos commaioratençãoaosdetalhesdapesquisa,sendoqueháumaseleçãodemateriais

adequadosequereproduzamcommaisfidelidadeostrajesdopassado.Ouseja,aomesmotempoemqueosdançarinosassumemohibridismodestamanifestaçãocultural,tambématuamnosentidodelegitimarasrepresentaçõesdeumacultura.A identidade cabocla permanece sendo a inspiração dos atores envolvidos nosgrupos,osquaisdãoa ele sentidosque se transformamao longodo tempo.Háumapreocupaçãocomahistoricidadedestessímbolos,cujasnarrativasatuaisvãoseconstituindoapartirdenarrativasdopassado.

Figura09–MascotedaCopadoMundoemsubstituiçãodafiguradoJudas.

Fonte:JocivâniaFernandesdoNascimento(Abrilde2014).

Atuais e ex-dançarinos afirmaram, a partir de entrevistas e conversasinformais, que para integrar nesses grupos não há critérios.O ingresso se dá apartir de interesses diversos, sendo que a participação comunitária é apontadacomoumdosprincipaisfatoresdemobilização.Osagrupamentossociaissedãoapartir dos diferentes e criativos arranjos coletivos, que originam encontros etrocas nas mais diferentes esferas, através de comportamentos que não sãoestáticos,masapresentampadrõesdiscerníveis.Esãoestespadrõesquemarcamas particularidades do território, construída de forma representacional pelosatoressociais.

Segundo depoimentos dos “Mestres” da dança de caboclos, os gruposfuncionambaseadosnaparticipaçãocomunitária,sendoqueaspessoasquenelesatuam não são remuneradas, tanto pela dança quanto pelos trabalhos nospreparativos das vestimentas destes, este espírito de coesão e de cooperação

entreosmembrosdacomunidadesustenta,naatualidade,odiscursodeumgruposocial,queacabalevandoassuasregrasevaloresparaosdemaisatoresquenãointegram ao referido grupo. A comunidade, neste sentido, extrapola o local,inserindo-senoprocessodeconstruçãodaidentidadedoterritório.Aidentidadeda comunidade, assim, vai se formatando a partir da valorização das suascaracterísticasinternas,contrastando-ascomasexternas,oqueossemelhantesedistingue-os dos diferentes. Através da linguagem e dos sistemas simbólicosutilizados,estaidentidadeérepresentadaeconstruídahistoricamente,projetandoaidentidadeterritorialatravésdeseusvalores,crençasepráticassociais.

Os grupos da dança de caboclos fazemparte do segmento cultural, o qualcontribuiparaaconstruçãoda identidade territorial.Afinal, sãoestesosatoresque dão sentido ao lugar onde vivem. E é a partir das organizações sociais eculturais que muitas das ações são planejadas e viabilizadas no município.Apesar dos grupos da dança de caboclos representarem a manutenção dastradições caboclas na atualidade, os próprios depoimentos dos atuais e ex-dançarinosrevelamqueasmotivaçõesparaparticipardestamanifestaçãoculturalnem sempre (ou namaioria dos casos) estão associadas à identidade cabocla.Muitos apontam que ingressaram nos grupos porque viam nesta atividade umaoportunidadedefazernovosamigos,praticaratividadesfísicas,viajareconhecernovos lugares, ou porque representava uma forma de satisfazer a vontade dospais. Já alguns destacavam que participavam para preservar a cultura cabocla.Participando junto dos pais, bem como se integrar com demais membros dacomunidade.

Durante os ensaios, foi possível observar as funções assumidas pelosintegrantes,bemcomoaredederelaçõesqueseestabelecenestesencontros.Osdançarinos se incubem não apenas de ensaiar as coreografias, como tambémassumem a responsabilidade de produzir parte dos figurinos utilizados nasapresentações. A interação entre os dançarinos ocorre de maneira espontânea,cadaumpodesemanifestareparticipardaelaboraçãodasapresentações.Oquese destaca no envolvimento dos integrantes é a questão da valorização de uma

prática cultural diferenciada das demais práticas existentes nomunicípio e emoutras localidades. Neste sentido os grupos se situam, atuam as marcas daidentidade local e territorial, na medida em que estes optam por práticasdiferenciadasdasdemais.

O Concurso da Dança de Caboclos: Malhação de Judas, realizadoanualmentenapraçadeeventosdomunicípiodeMajorSales/RN,inicia-secomumacoreografiadeorigemcabocla,naqualos integrantes trajam indumentáriasvariadas,queforamconfeccionadasdeacordocomapropostadecadagrupo.

Durante a realização do concurso, a rádio comunitária atua na divulgaçãodasatividadesalusivasdoeventoeaosgruposdadançadecaboclos.Osmeiosde comunicação ratificam o que os atores dos grupos da dança de caboclosenunciam como características locais. A notícia, portanto, constrói imagensacerca daquilo que se pretende representar, colabora com a construção dodiscurso identitário e com a respectiva diferenciação do território dos demaisespaços. Juntos, os diferentes segmentos da sociedade legitimam, naturalizam ecristalizamaidentidadeculturaleterritorialdomunicípiodeMajorSales/RN.

Umadas características dos grupos da dança de caboclos é a sua atuaçãoforadomunicípio,levandoasmanifestaçõesculturaislocaisparaoutrosespaços.Duranteessesvinteequatroanosdeexistência,osgruposjávisitaraminúmeroslugares dentro do estado doRioGrande doNorte e demais estados doBrasil,participando de eventos diversos em que o município de Major Sales/RN édivulgado e associado ao resultante processo da construção de sua identidadeterritorial(figuras10e11).

Figuras10e11–GrupodeCaboclosnoEventoNacionaldaCulturaemFevereirode2014–Natal/RN.

Fonte:JocivâniaFernandesdoNascimento(Fevereiro,2014).

Nestas excursões, realizadas pelos grupos onde ocorrem os encontros, asreferênciaslocaissãolevadaspelosdançarinosaoslugaresondeseapresentam,revelando aquilo que os atores do território domunicípio deMajor Sales/RNdesejam mostrar para os diversos locais, demarcando a diferenciação da suaidentidade cultural, revelando a importânciadestamanifestaçãonoprocessodeconstrução da identidade territorial domunicípio deMajor Sales/RN, os quaisatuamnalegitimaçãodesta.

Assim, estas produções culturais atuam na construção de uma identidadeterritorial, reafirmam um discurso que, mesmo em movimento, estabeleceverdadescristalizadasàsrepresentaçõesacercadomunicípiodeMajorSalesnocontexto atual. Desse modo compreende-se que esses grupos da dança decaboclos são essenciais parao seu território, pormarcaremadiferenciaçãodasuacultura,históriaeidentidadedosdemaismunicípios.

CONCLUSÃOOsgruposdadançadecaboclos,criadosnomunicípiodesdeoanode1924,

representam importantes aspectos de um determinado projeto identitárioconstruído pelos atores locais. A manutenção desta tradição se desenvolveatravésdeinúmerasmanifestaçõesmateriaiseimateriais,dandovidaaolugar.

Ao serem analisadas as manifestações culturais do município de MajorSales/RN,identificou-seumjogodeforçasdentrodopróprioterritório.Osatoreslocais,aoedificaremumadeterminadaidentidadeculturalpredominante,acabamporexcluiroutrasrepresentações,mesmoquediscursivamenteestaspermaneçamintegradas à cultura local. Assim, diante das tensões e lutas pela hegemoniacultural do território, os grupos da dança de caboclos vêm divulgando umaidentidade principal, que serve de inspiração para as suas manifestações, aidentidadecabocla.

Algunsatores lutamparamantervivasestas referências,principalmenteosmais antigos eos idealizadoresdosgruposdadançade caboclos, aqueles cuja

memória ainda está direta ou parcialmente ligada aos antepassados.Mas, paramuitos,aalegria,aamizadeouatémesmoafestaestãoacimadapreocupaçãoempreservaropassadoeaculturacabocla.

São muitos saberes e vivências que se integram a estas manifestaçõesculturais,tornandoocenárioemqueapenasumaidentidadesefazvisível.Apesardadança,damúsica,dostrajesedosdemaiselementosestaremassociadosaumadeterminadaidentidadecultural,ohibridismosemanifestaemtodososmomentosde atuação dos dançarinos e no desenvolvimento dos eventos, ou seja, não hácomo não deixar de sofrer as influências da modernidade e do cenárioglobalizado.Épreciso identificarecompreenderestesprocessosdeconstruçãoda identidade territorial, reconhecendo-a não como uma essência inata ecristalizadado lugar,mascomoumamaterializaçãodas intençõesdaquelesquesãoosprincipaisagentesdestedesenvolvimento,osprópriosatoresdoterritório.

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TRAMASDOBORDADOMANUALEMPASSIRA-PE:ANALISANDOAGEOGRAFICIDADEEAPAISAGEMCULTURAL

RUTTKELESALEXANDREDASILVAProgramadePós-GraduaçãoemDesenvolvimentoeMeioAmbiente(PRODEMA),

UniversidadeFederaldePernambucoLECgeo/[email protected]

CAIOAUGUSTOAMORIMMACIELProgramadePós-GraduaçãoemDesenvolvimentoeMeioAmbiente(PRODEMA),

UniversidadeFederaldePernambuco-LECgeo/[email protected]

INTRODUÇÃO:OBORDADODASRELAÇÕESSOCIAISEMPASSIRANointeriorpernambucano,emáreassuscetíveisàsadversidadesclimáticas

condicionadas pelo clima semiárido, é comum a diversificação de atividadescomplementares à agricultura. Neste contexto, o artesanato apresentou-se comoumaferramentaeficazapontodeseestabelecercomopráticaculturalefinanceiraaolongodemuitasgerações.AinfinidadedeprodutosartesanalmenteproduzidosnoAgrestedePernambucoe anotoriedadeque já alcançam,denotamasváriasalternativasqueforamadequadasàsrotinasdeseushabitantes,numaintensidadecapazdebeneficiararendadenúcleosfamiliaresedinamizaraeconomialocal.

Como uma das localidades que se enquadram nas descrições acima, esteestudo realizado durante pesquisa de graduação, e atualizado pela inclusão denovosdados,apresentaaspotencialidadesdomunicípiodePassira,conhecidanaregiãocomo“TerradoBordadoManual”,evidenciandoosaspectoshistóricoseculturaisqueenalteceramsuatrajetóriaenquantoprodutoraartesanal,bemcomooscaminhosqueaatividadepercorreuatéenquadrar-secomoelementochavedesua economia. O bordado “apresenta-se como material têxtil artesanal, cujaconfecçãoexigeousodeinstrumentosbásicoscomo:agulhaselinhas,nointuitodeentrelaçarosfiosnotecidodemaneiracuidadosaparaaproduçãodesuaarte”

(ALEXANDREDASILVA,2014),aqualpodeserobservadanafiguraaseguir.

Figura1–Detalhesdefloresevagoniteemcolchabordada

Fonte:RuttKeles,2016

Apósaetapadeelaboraçãodosdesenhoscomalinha,paraserfinalizado,oproduto é engomado e lavado.Para a composiçãodasmais variadas estampas,buscando efeitos de sombreamento, textura e movimento, existem pontosespecíficosconhecidospelasbordadeirascomo:pontomatizado,pontocorrente,meio ponto, bainha decorada, casinha de abelha, ponto reto ou sombra, pontodoidinho, ponto cheio, ponto crivo, ponto de nó, bainha aberta, matame, entreoutros.Estastécnicasartesanaispodemserempregadasemdiversositensdeusocotidiano, sendo utilizadas na confecção de peças para vestuário, utensílios dedecoração,cama,mesaebanho.

Assim,omunicípioqueaindaconservanosprincípiosdesuaproduçãoospredicados que o tornaram conhecido regionalmente, consegue assimilar atradiçãoeanovidadepelascoresvibrantesnãoapenasemtecidodelinho,masempanosalternativoscomooalgodãocrueaseda, incorporandoemsuatramaalém dos desenhos com motivos bucólicos (flores, nuvens, abelhas, frutas),formasgeométricas,ouvocábulos.Asinovaçõesquerecaemsobreestaherançacolonial visam diversificar a oferta para alcançar diferentes estilos deconsumidores. Sua comercialização se dá principalmente no centro da cidade,entre galerias e pequenas lojas. Passira tambémconta comoCentroCultural eComercial do Bordado, além de sua própria feira anual. O comércio podeacontecertambémpormeiodeencomendasqueatendemaumademandaregional

eemmuitoscasos,internacional.A experiência bem-sucedida com a arte manual ocorreu graças à boa

interaçãoentreocampoeacidadeao longodosanos.Omovimento inicialdeproduçãonazonarural,demodomaisexpressivonossítiosdeOlhoD’ÁguadasFigueiras, Varjada, Candeais e Pedra Tapada, repercutiu positivamente naeconomiadacidade.Foiapartirdadécadade1980,que teve inícioa tradiçãoanual de feiras artesanais e o incentivo por parte do poder público para oestabelecimento de cooperativas (VASCONCELOS, 2016a). Hoje o referidomunicípio é destaque no cenário cultural ligado aos produtos artesanais emeventoslocais,regionais,nacionaiseatémesmodeproporçõesinternacionais.

Visto isso, entende-se que o trabalho de artesãos e artesãs pode jogar umpapelmaisexpressivonaeconomia regionaldoquemerocoadjuvanteenquantofontedeprodutos“pitorescos”ou“folclóricos”.Sendoumaatividadecomumenteexercida numa região suscetível às adversidades ambientais, reduz a pressãosobreosrecursosnaturais,eincrementaaeconomiadomésticanãosódefamíliasagricultorascomotambémurbanas,contribuindoparaseuempoderamento.Assim,interpretando conceitos da geografia cultural, o presente trabalho teve o intuitode compreender a influência que a prática artesanal exerceu sobre o espaçogeográfico de Passira, configurando paisagens culturais, as quais seestabeleceram como reflexo e matriz de relações sociais. A validade destapesquisa se traduz na contribuição à identificação de elementos que agregamvaloraoprodutoegarantemaomunicípioreconhecimento,proporcionandoumavisãodiferenciadasobreoartesanato.

Diante das considerações acima, buscou-se refletir sobre as diferentespaisagens culturais configuradas ao longo do tempo em Passira, através dosmoradoresemsi,visitantesouatémesmodosquerecebemnotíciaspassirenses,sejaporpartedamídiaouporoutrosmeios.Ressalta-sequeaporçãodoAgresteem que Passira se encontra, está relativamente fora dos atuais polos dedesenvolvimento do estado, necessitando de estudos que potencializem suasvocaçõesgeográficas.

Compreendendo a dinâmica sociocultural estabelecida por meio daatividade econômica do bordado manual, será possível evidenciar as práticassociais que fazem parte do cotidiano dos sujeitos. A partir daí poderá serentendido o que garante ao referido produto um lugar de destaque e quais osentraves que devem ser ultrapassados visando atingir um novo patamar dedesenvolvimentoregional.Alinharemosadianteoestudocomaspectossubjetivos,emproldeaprofundaracompreensãodapaisagemàluzdageografiacultural.

UMGEOSSÍMBOLONAPAISAGEMDATERRADOBORDADOMANUALA notoriedade conquistada por Passira no cenário cultural deve-se à

produção artesanal do bordado. Seu entendimento como geossímbolo, se dáprincipalmente pelo reconhecimento doproduto comoum íconemunicipal, umavezqueomesmofazpartedoseuprocessodeafirmaçãonotempoenoespaço.Ogeossímbolo, como explica Bonnemaison (2002), configura-se quando algumelemento espacial é revestido tão fortemente por simbologias, que chega a serreconhecidoforadoseuâmbitodeorigem,tornando-seumaespéciedecarimboouíconerepresentativonamedidaemquefortaleceaidentidadedeumterritórioem outros, por razões culturais, religiosas ou políticas aos olhos de algumaspessoas ou grupos étnicos. O bordado imprime uma face à Passira; aomesmotempo em que as maneiras de se pensar a espacialidade do município sãoinfluenciadaspelaideiadequeestaéa“TerradoBordado”.Considera-sequeaspaisagens típicas do interior passaram a se revestir de grande interesse para oestudo das identidades nordestinas, pois guardam em si um processo deconstrução cultural coletiva, aceitando, porém, leituras particulares (MACIEL,2004),abarcandodialeticamentecomoaspopulaçõeslocaisseveememrelaçãoaoambiente,numaescalalocalouregional.

Pensando nisto, entende-se a paisagem como sendo de modo simultâneomarca e matriz. Na perspectiva de Berque (1984), na proporção de marca apaisagem “expressa uma civilização”, quando suas composições e formas

colaboram com a sucessão de usos e significações através de gerações. Nadimensãomatriz,“participadosesquemasdepercepção,deconcepçãoedeação–ouseja,dacultura”.Dessaforma,cadagrupoesculpeemseuespaçoseussinaisesímbolos,exemplificadosaquipelobordadoproduzidoemPassira.

Neste contexto, tal significação atribuída à paisagem passirense, em suamorfologiaeformassimbólicas,édadaatravésdosatoressociaisecompostaporum conjunto de símbolos e valores vinculados ao que se chama cultura. ParaCosgrove e Jackson (2000, p. 25) a cultura é o meio pelo qual as pessoastransformam o fenômeno cotidiano domundomaterial nummundo de símbolossignificativos, aos quais dão sentido e atrelam valores, inclui-se nestaconsideraçãoopapeldoimagináriogeográfico.Pois,comoditoanteriormente,aleituradapaisageméfeitaapartirdesimbologiasparticulares.Estasporsuavez,abrangemaspectosobjetivosesubjetivosdoespaçopormeiodacompreensãodesignos presentes ou ali projetados. Dessa forma, Cosgrove e Jackson (ibidem)explicamqueaconcepçãodepaisagemcomoumsistemaintercaladodesímbolose signos tende a metodologias de caráter muito mais interpretativo do quepropriamente morfológico, ressaltando a tendência presente numa linhainterpretativa da geografia cultural, que desenvolve o sentido metafórico de“texto”sobrepaisagemcomoalgoaserinterpretadocomodocumentosocial.Demodoque,apaisagemculturalconfiguradaemPassiranãoésóaparência(coisasvisíveis), pois abarca uma trama de enredos contados sobre a atividadecomercial,atradiçãoeaidentidade.

Seoaspectovisíveldobordadonamorfologiadapaisagemé tênue,postoque é feito no recanto de lares rurais ou em pequenos empreendimentos, anotoriedade e fama domunicípio são contados e recontados pelos habitantes eapreciadoresdoartesanato,alémdagrandedivulgaçãopelamídia.

PROCEDIMENTOSMETODOLÓGICOS:OCAMINHOPERCORRIDOO estudo de caráter exploratório e bibliográfico desenvolvido em

consonância com a geografia cultural, contou inicialmente com uma análiseaprofundada de fontes de pesquisa relevantes na obtenção de dados sobre omunicípio, tais como: jornais locais, revistas e artigos científicos. Porconseguinte, a consulta de literaturas direcionadas à temática do artesanato, e,sobretudorelacionadasaobordadomanual,emmonografias,dissertaçõeseteses,compôs a fase de pesquisa em gabinete. Em paralelo, debates com os demaispesquisadoresenvolvidosnainvestigação,eleituradetextosbasilaresvoltadosàcompreensãodapaisagemcultural,geograficidade,espacialidadeegeossímbolossemostraramfundamentaisaosucessodoestudo.

Realizado este levantamento de informações gerais para melhorcompreensão da área em análise e interpretação de conceitos da geografiacultural,partiu-separaasegundaetapa,queseconsistiunostrabalhosdecampoparalevantamentodeinformações“inloco”erealizaçãodeentrevistas.Emprolde vivenciar e aprender mais sobre o universo artesanal existente em Passiraforamfeitasvisitasaosnúcleosdeconfecçãoemresidênciasecooperativas,tantonointeriorquantonacidade.Alémdeestabelecimentoscomerciais,praças,ruasefeiras,registrandoocotidianodocomércioe trabalhodepessoasligadasdiretaouindiretamenteàatividadeartesanal.

Na fase de campo foi possível entrar em contato também com turistas ecompradoresnos limitesdomunicípio realizandoentrevistas semiestruturadasecoletando informações úteis à constatação do bordado enquanto geossímbolo ecaracterização da identidade cultural da cidade como “Terra do BordadoManual”. A etapa final se deu na elaboração da cartografia temática, para aorganizaçãodeummapadelocalizaçãodomunicípioeumcroquidemonstrandoaespacializaçãodasprincipaislojasdecomércioartesanaleavaliaçãodomaterialiconográfico.

AS TRAMAS DO BORDADO MANUAL E AS CONTRIBUIÇÕES DAMÍDIA

A temática do bordado manual pode suscitar análises de literaturas maisaproximadas de uma geografia do trabalho ou da geografia do gênero. Alémdisso, devido ao estabelecimento de uma série de relações econômicas queincluemescalasmaioresdoqueoterritóriomunicipal,porcontadaexportação,convida a um estudomais aprofundado sobre as redes organizativas.As quais,para entendimento, exigem investigações específicas, e que não se incluem noobjetivo deste trabalho. Mesmo assim, é importante ressaltar que este tipo deinteração se insereno contextopassirensegerando implicaçõesnapaisagem.Aseguir,dar-se-áenfoqueàscontribuiçõesdamídianosentidodepotencializaranoçãodegeossímboloconquistadapelobordadonasúltimasdécadas.

Passiraficapróximaamunicípiosquetambémsedestacampelaproduçãodeartesanatostradicionais,entreeles;SalgadinhoeLimoeiroqueinclusivetambémconfeccionambordadosefazemdivisacomPassira;PesqueiraePoçãofamosaspelo fabrico de rendas da renascença, Caruaru e a arte dos bonecos de barro,Bezerros com máscaras de papangus e xilogravuras emblemáticas, Agrestinaprodutora de sinos demetal, entre outros. Cada um à suamaneira, ajudando aconformaroquepode-sechamarde“Agresteartesanal”.

Assim, demodo semelhante às outras cidades, como passar dos anos “ATerra do Bordado” sobressaiu-se e manteve-se em destaque na região comoexcelenteprodutoraartesanal.Muitasvezes,sendomanchetenamídiaimpressaetelevisiva, comoomunicípio de hábeis bordadeiras,mulheres que ao longodotempopreservaramatradiçãocolonialdosbordadosfeitosàmão.Eraomododeconfecção e qualidade do produto que chamara a atenção. Já no início dasprimeirascooperativasaexportaçãoapareciacomoumaoportunidadeímparparao pequeno município do Agreste pernambucano. O Jornal do Commercio naedição publicada em 30 de outubro de 1994 ressaltava a reputação que omunicípioconseguiraestabelecerjáhádezanos:omaiorpoloculturalprodutorde artesanato bordado em tecido. Assim como o Jornal do Bandepe em 1987,expondo algumas nuances que permeavamas relações de comércio de bordadoparaoexterior,conformeconstanosfragmentosaseguir,nosdetalhesdestacados.

Figura2–FragmentodereportagemdoJornaldoCommerciocomdestaqueparatrecho

Fonte:JornalBandepe,outubro,1987(Recorte).Arquivopessoaldemoradorapassirense:MariaIgnêsSantana,2012.

Informaçõesdestanatureza ajudarama consolidar a famadePassira comoterradobordadomanual, e a estimularo imaginário regional sobre como seriaestelugar,ondeasmulheresbordavamemgruposnascalçadas(vernafigura3),compondo a paisagem seja na zona rural ou urbana de forma significativa. Foineste contexto que o bordado fixou-se como um elemento tênue na paisagemimediata.Colocando-se,entretanto,demaneiramarcantenocontextopassirense,conformando uma paisagem cultural composta demorfologias, subjetividades einterpretações. O bordado constitui-se como símbolo da expressão cultural dopovo passirense, configurando-se como identidade cultural, sobretudo emPernambuco.

Figura3–Nodestaque,depoimentodecomerciantedebordados

Fonte:JornaldoCommercioediçãode30deoutubro,1994(Recorte).Arquivopessoaldemoradorapassirense:MariaIgnêsSantana,2012.

A sobrevir consta o convite (Figura 4) da segunda-feira temática de

artesanato da cidade de Passira, ocorrida em 1986, onde os organizadoreschamamfamíliasparacompareceremàlocalidade.Valeressaltarquedesde1973já havia empresas voltadas ao ramo do bordado ali, mas somente após aorganização das cooperativas na década de oitenta é que de fato sua produçãocomeçaadespontarnocenáriocultural.Afestividade,contribuiatéaatualidadede forma significativa para a dinamização da economia local e geração deempregos,mesmoquedemaneiratemporária.

Figura4–ConvitedaIIFeiraArtesanaldePassiraproduzidapelaPrefeituraMunicipal

Fonte:Arquivopessoaldemoradorapassirense:MariaIgnêsSantana,2012.

Outros exemplos podem ser úteis para a compreensão da abordagem aquipropostaeverificaçãodecomohojeaindarepercuteaproduçãoartesanalparaacidade.Obordadoprosperou,assimcomoasformasdepropagarseuspredicadosaopúblicoeatrairapreciadoresecompradoresacompanharamamodernidade.Afeira temática teve seu nome modificado com o passar dos anos, a imagem aseguir (Figura5) trata-sedeumrecenteoutdoordedivulgaçãoda25ªFeiradoBordadoManual,expostoemdiversascidadesdaregião,inclusivenacapitaldoestado,aqualficaa98kmdistantedePassira.

Figura5–Outdoorda25ªFeiradoBordadoManualdePassira

Fonte:SiteoficialdaPrefeituradePassira,2011.

O retângulo em vermelho destaca as seguintes frases: “A Prefeitura dePassiratemoprazerdeconvidarV.S.aparaa25ªFeiradoBordadoManual.MaisdoqueumaFeiradeNegócios,oeventorepresentaaIdentidadeeaCulturadonossomunicípio eoAmordanossagente.Umamor tãograndequevocêpodelevar umpouco dele para sua casa. Participe”.Nesta propaganda, amensagemtransmitida vai alémda divulgação da tradicional feira de artesanato local.Osorganizadores da festa expõem para o público algo que talvez não sejavisualizado na paisagem, algo compreendido num valor não meramenteeconômico, e sim simbólico. Ao referir-se ao evento como representativo deIdentidade e Cultura, o geossímbolo passirense adquire um status privilegiado,porqueeste,segundooanúncio,estabeleceucoma“suagente”umarelaçãocapazdetransmitiramor,ouseja,sentimentoesignificado.Alémdetudo,umsentimentoque pode ser compartilhado, compotencial de tornar-se representativo daquelemunicípioemoutros,reforçandoseuvalorenquantoelementogeossimbólico.

Diante disso, pode-se entender que este tipo de informação tem potencialpara reportar-seà imaginaçãodoreceptordoanúncioestimulandoapsicosfera,nadamenosqueoreinodasideias,lugardascrenças,paixõeseproduçãodeumsentido que estimula o imaginário (SANTOS, 2006). Assim é criada umaexpectativa que contribui para a construção imaginária desta paisagem antesmesmode sua leitura propriamente dita. Permitindo assimque a paisagem sejacompreendida através da suamaterialidade e imaterialidade.A relação entre oaspecto imaterial e material do bordado passirense ganha relevo quando osobjetossãocolocadosnoespaçoduranteoseventossazonais.Assim,comoaindase pode constatar na figura 5, no retângulo em azul, são organizados durante aFeiradoBordadoestandes,desfiles,showseetc.,osquaisressaltamaligaçãodePassiracomoartesanatoegarantemoutrasatratividadesdeentretenimentodentrodafeira.

Foradosâmbitosmunicipais,devidoaotrabalhorealizadopelaAssociação

das Mulheres Artesãs de Passira – AMAP –, numa parceria com o estilistaRonaldo Fraga, o bordado passirense alcançou notoriedade por um viés poucocomum:aaltacosturadamodainternacional.Nasediçõesde2010e2011aSãoPauloFashionWeek–SPFW–exibiunascoleções:“TuristaAprendiz”e“AthosBulcão,do InícioaoFim”,os resultadosdoprojetoqueenalteciaelementosdaculturalidadebrasileiracombordadoselaboradosemPassira.

De acordo com a presidente da associação, comodesdobramento positivodestainteração,engajando-secomesmeronosprojetosquesesucederamapartirda SPFW, as bordadeiras da citada cooperativa viram sua produção ganharimpulsocomonúmerocrescentedeencomendas.Aspeçasbordadasnaprimeiracoleção foram expostas na Feira Nacional de Negócios do Artesanato –FENEARTE–,consideradaamaiorfeiradesteseguimentonaAméricaLatina,emRecifenoanode2010.Consecutivamente,deacordocomAlmeida(2013),foramcustomizadas peças para outra exposição, a “Rio São Francisco navegado porRonaldoFraga:culturapopular,história,moda”, fomentadapelaLeiFederaldeIncentivoàCultura (LeiRouanet),naquelemomentoenquadrandoamodacomoumavertentedaculturabrasileira.

Sobre este cenário favorável, Vasconcelos (2016b) ressalta que o Projeto“Pernambuco com Design” da Agência de Desenvolvimento Econômico dePernambuco – ADDiper –, mostrou-se positivo para a citada cooperativa, aooportunizar novos caminhos e aprendizados ao grupo, sobretudo devido àvisibilidade destes eventos, consequentemente, sobre sua produção, a qualsuperou as expectativas. Pois, foi através deste que as bordadeiras da AMAPforamselecionadasparatrabalharcomoestilistaRonaldoFraga,alcançandoaspassarelas da alta costura. Mais que isto, o resultado destas conquistas tevepotencial para estender-se sobre toda a cidade de Passira, uma vez que, talprojeto,selecionouinstituiçõesquerepresentassemseuslocaisdeorigem.

Após tais considerações sobre a atividade cultural do bordado e aspossíveisrepercussõesemseuterritórionosentidoculturaleeconômico,torna-sepertinente numa análise geográfica perceber também as marcas que se

manifestaram no espaço por influência deste tipo de trabalho. Num primeiromomento, ao percorrer o pequeno núcleo comercial desta cidade interiorana, apaisagem visualizada se repete, devido à concentração notável de lojas detecidos, aviamentos e naturalmente pontos de venda de bordado. No croqui aseguir (Figura 6) é possível perceber uma grande concentração de pontos devendanumamesmarua.

Figura6–CroquipontuandolocaisdevendadebordadonaRuadaMatrizemPassira-PE

Fonte:BaseCartográficadoHere,2013.Org.RuttKeles.

O logradouro em destaque é a principal área de comércio localizada noCentroda cidade, aRuadaMatriz.Na legendaverificam-seosnomesde cadaestabelecimentoexistente.OspontosdestacadosequenalegendaestãodescritosapenascomoLoja,seguidosdeumanumeração,sãolocaisquenãopossuemumnome comercial. Seja pela informalidade do seu comércio, pois algunsproprietários comercializamnagaragemde suaprópria casa, oupormotivodenãoteremsedecidido,ouatentadoparadefiniroupublicizaralgumnome.

Atualmente, as lojas de bordados passirenses, diferentes em tamanho esortimento de peças, vendem o artesanato em questão durante todo o ano,variando a intensidade das compras em certos meses, sendo janeiro, junho,novembroedezembroosmaismovimentados.Istoemprimeirolugarsedápela

realizaçãodaFeiradoBordadoManual(territorialidadesazonal),geralmentenodécimo primeiro mês do ano, e pelas celebrações natalinas, que aquecem ocomércioporcontadatrocadepresentesearrumaçãodascasas.Osperíodosdeférias que ocorrem em janeiro e junho, juntamente com a festa de São João,colaboramcomasaídadebordadosdevidoaoaumentodofluxodeturistas.Nosoutros períodos do ano, especialmente em agosto, setembro e outubro, hádiminuição das vendas. Porém, como a comerciante LucianaBenedita de Limaafirma:

“Nuncasesabequandoumônibuscarregadodeturistaspodeaparecer.Derepente,atéemdiadesemanamesmo,encostamocarroeagentevendebastantecoisa.[...]Eeles‘‘saitudosatisfeito’’porqueaquinacidadenuncafaltabordado”(EntrevistacomLucianaBeneditadeLima,30anos,2012).

Neste contexto, raciocina-se mais além do território de Passira, tentandoacompanharummovimentodemãoduplaqueacontecedevidoàspeculiaridadeslá encontradas. Por conta do comportamento inicial de produtores rurais,posterior organização de cooperativas, hábito de bordar e expor as peças nafrentedascasas,construçãodelojas,promoçãodeFeirasdeArtesanatoetodosos outros elementos visualmente perceptíveis, motivados e influenciados porrazõesnãovisíveis,apaisagemculturaldePassiratomou“corpo”,esculpiuumaforma,materialepalpável.Comopartedestasrazõessimbólicaseformasvisuaisexplícitas na paisagem, observam-se as fotografias a seguir (Figuras 7 e 8)apresentando um monumento na Praça Sebastião de Oliveira Pinto, emhomenagem às bordadeiras responsáveis pela perpetuação do geossímbolopassirensenoespaçogeográfico,eumadaslojasdeartefatosmanuaistraduzindonapaisagemeconômicaainfluênciadoartesanato.

Figura7e8–AbordadeiraemfrenteàIgrejaMatrizdePassira-PE;LojadebordadoemPassira-PE.

Fonte:RuttKeles,2016.

Por conseguinte, é factível “ler” a paisagem como uma representaçãosimbólica buscando interpretar seu significado cultural e mapear elementoscorrelatos. As relações sociais desenvolvidas no espaço geográfico produzem,inventame interpretamas paisagens culturais a partir de variados estímulos.Aresposta para revelar o que mais se aproxima de uma unidade nas leituras epercepções das paisagens culturais de Passira, só é possível através dacompreensão de ummisto de realidade e imaginação.O que é visto e o que éassimiladocomoreflexodasrelaçõesestabelecidasnoespaçogeográfico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS: O QUE SE PÔDE LER NA PAISAGEMPASSIRENSE

Diante das múltiplas representações culturais se constitui um mosaico deespacialidades. A manifestação cultural descrita neste trabalho sob a ótica daespacialidade, influencia a organização geográfica de Passira ajudando aconfigurar as atuais paisagens, estimulando também o consumo da cultura. Aoevidenciar práticas cotidianas dos sujeitos sociais, e compreender os aspectosligados à produção do bordado manual em suas motivações concretas esubjetivas, foi feita a “leitura” da paisagem formada ao longo de décadas nomunicípio.Buscou-secompreenderalógicaexistentenosimbolismodapaisagem,atitudequeoportunizouoentendimentodobordadocomogeossímbolo,peloseupotencialrepresentativodoterritóriopassirenseemoutroslocais.Alémdomais,aoobterumcaráteridentitárioesimbólico,remeteconstantementeaoimagináriodoshabitantese/oufrequentadores,domunicípiocompondoinclusiveoquepodeserentendidacomopaisagemeconômica.

Assim,considerandoentreoutrascoisasopapelfundamentaldapropagandaem suas diferentes configurações, atenção recebida pela mídia impressa eeletrônica, incorporação do referido artesanato pela indústria da moda,participação em eventos regionais, nacionais e internacionais, o bordado dePassira ganhou notoriedade, popularidade, mais adeptos, admiradores,compradores,vendedores.Nãoapenaspelaqualidadematerialdaspeças,comotambém pela singularidade do produto feito à mão, atividade típica da culturanordestina,quecarregaumsignificadoqueultrapassaoeconômico.Éaíondevaise configurar o apreço, a valorização, atraindo mais gente para o território,reafirmando a paisagem do bordado, no plano físico, visível e invisível,simbólico. Este último graças ao imaginário que tem potencial de se deixarinfluenciar.

Assim,aoevidenciarmotivosparacompreenderofenômenoaquitrabalhadopôde-sechegaraoentendimentodecomoaspráticasculturaispodemreproduzirespaços, e que as relações sociais estão a serviço da cultura. Além disso,ressaltou-seaexistênciadeumainteraçãoentrediferentesâmbitosdeummesmoterritório,comoazonaruraleazonaurbana,asquaisabrigamrelaçõesemqueaprimeira não é subordinada à segunda como se imagina erroneamente, algumasvezes.Alémdomais,estudoscomoeste,convidamarefletirsobrealógicadasredesderelações,aocontextualizarespacialmenteosfenômenoseaoraciocinardesde escalas locais ou regionais até nacionais e internacionais, ou seja, paraalémdesuaspráticasespaciaisdiárias.

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OMUNDOÉOMAR:PESCADORESTRADICIONAISESEUSMAPASMENTAIS,ARMAÇÃODOPÂNTANODOSUL,FLORIANÓPOLIS-SC

ALICEREGISDORSAUniversidadeFederaldeSantaCatarina

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INTRODUÇÃOEsteartigopauta-seemapresentarerefletirosresultadosobtidosapartirda

pesquisarealizadaemmeumestrado,ondefoiinvestigadoediscutidoouniversodos pescadores tradicionais do Sul da Ilha de Santa Catarina, trazendo para ocontextogeográficosuaspercepçõeserepresentaçõesespaciais.

Buscamos compreender o que são os territórios pesqueiros para ospescadores artesanais, o que os compõem e quais as dinâmicas que osrepresentam.Ejustificou-sepelainiciativadeapresentaratravésdametodologiade mapas mentais as representações espaciais dos pescadores. A pesquisa foirealizadaduranteoperíodode2013a2015,ondeapresentamososcomponentesdaGeografiadapesca,oseuhistóricoeacaracterizaçãodessaatividadenapraiapesquisada.

Nesteartigoodiálogoéestabelecidosobrecomoapesquisarefleteomodode construção e manutenção de um território, os atores que o compõe e asprincipais transformações no universo do saber-fazer de uma população, isto,delineado através do caminho de observar, interpretar e representar o queconceituamoscomoumterritóriopesqueiro.

Édentrodouniversodosmapasmentaisqueapesquisacaminhou,noqualbuscou através de um olhar geográfico compreender as conversações entre omapear-representar, o mapear-comunicar e o mapear-pertencer dos pescadorestradicionais da comunidade da Armação do Pântano do Sul, localizada no

município de Florianópolis-SC. Por que esse lugar? Por que esses atores? Osregistroshistóricos,astransformaçõessocioespaciais,asalteraçõesculturaisemáreaslitorâneaseagrandeconcentraçãodeturismosãodecorrentesdediversosprocessosligadosàexpansãourbana,fatoquepropiciaumamodificaçãonomododevida eproduçãodaspopulações locais, alterando assim tambémadinâmicaterritorialdospescadorestradicionais.

Alguns desses processos alteram significativamente a forma como osmoradores das áreas litorâneas passaram a relacionar-se com o seu ambiente,com os pescadores do Sul da Ilha não foi e não é diferente. Os espaços emFlorianópolis-SCestãocadavezmaisocupadosesofrendopressãoporpartedeumcrescimento nem sempre benéfico para os envolvidos no processo, que pormuitas vezes modificam e impactam os modos de vida, as paisagens e asorganizaçõessociais.

Diante desta realidade reforça-se a necessidade de levantar, mapear eregistrar o modo de vida, as memórias, os saberes e as técnicas da pescaartesanal que por vezes estão cada vez mais esquecidas. Afinal, como são asrepresentaçõesespaciaisdospescadorestradicionaisdaArmaçãodoPântanodoSul,nocontextoculturalenacomposiçãodoseuterritório?Daíentendermosqueas transformações da construção de um conhecimento social e de umconhecimento científico também se dão no campo ideológico, no campo demovimentossociais,deembatesterritoriaisedelutasdeclasses.Énesseenfoquee diante de inúmeras outras situações que a cartografia (re)significa-se,(re)inventa-se e resgata perspectivas de outros olhares quenão são somente osclássicos.

Neste trabalho a cartografia é vista como um conhecimento socialpreocupadocomohomem,oferecendouma linguagem ímparqueé a linguagemvisual para o uso social, conforme argumentam Pissinati & Archela (2009, p.109):

Ao se tratar dos conceitos que envolvem a representação gráfica, a referência não éapenasparaosmapasusadosnos livrosounomeiodigital.O traçadodeumcampode

futebol,otrajetodoquartoatéacozinha,avistaverticalapartirdajaneladeumprédio,aposiçãodamesadoprofessoremrelaçãoàscarteirasdasaladeaula,tudoissorequerummínimodeconhecimentosobrelocalização,projeção,proporçãoesimbologia.Aocontráriodo que muitos estudantes pensam, não é na escola que eles começarão a adquirirconhecimentoscartográficos.Naverdade,elesjátrazemumabagagemdeconhecimentoempírico que apenas será transformado em conhecimento formal, mediante aconscientizaçãosobreoseuusoesuanomenclatura.

Nessa perspectiva é que justificamos este trabalho, percebendo quãoimportanteericoéouniversodeconhecimentoediversidadedasrepresentaçõesespaciaisquedeterminadoatorsocialougruposocialobservaeconstróideseusterritórios. Quanto da vivência, trabalho, família, histórias contribuem aopertencimentodeumlugar.

METODOLOGIAA pesquisa está baseada na fundamentação teórica da Geografia Cultural,

não só pela possibilidade de verificar in loco através da proximidade com osatoressociais,masporqueessecampodosabertambémgaranteafenomenologiacomoumdoscaminhosquebuscacompreenderosfenômenoscomoelessãoemsuaessência,partindodainvestigaçãodosatosdaconsciênciasobreavivênciadecadaindivíduoougruposocial.

Assim, a pesquisa buscou dar este enfoque teórico-metodológico,acreditandoquepermiteumentendimentodolugarvivido,doespaçoedotempo,deformaquesealinhouàexperiênciaquecadapescadortemnasuamemóriadocotidiano, demonstrando através de sua história a condição e a sua relação.Conteúdodessemundovivido,paraJohnstonapudBertin(2013,p.108):

Sãoúnicosparacadaindivíduo,poiscadaumdeseuselementoséoresultadodeumatodeintencionalidade–seusignificadoéatribuídopeloindivíduo,semoqualelenãoexiste,mascomoqualeleinfluenciaocomportamento.

Noartigofocaremosnametodologiadosmapasmentais,oresultadoobtidoatravés da história oral de vida coletada através das entrevistas e dasobservaçõesfeitasduranteostrabalhosdecampo.Aoescolheromapamentalde

umpescadorparaanalisaros territóriospesqueirosestamosprivilegiandoasuavisãodemundo,asuarepresentaçãoindividualdaqueleespaço.

Éatravésdestesmapascomsímbolosesubjetividadesqueinterpretamosedialogamos sobre a percepção espacial de um território, que conhecemos arealidadedaalfabetizaçãocartográficadestesindivíduos,oqueéimportanteparaeles, quais suas referências e a imagem projetada daquele espaço no seucotidiano.Omapamentalpoderepresentarajornadapessoaldecadaindivíduo,éavivênciaexpressadanopapel,estessãoosmapasqueconstruímosaolongodatrajetóriadevidacomoslugares,paisagenseterritóriosexperienciados.Emumdos trabalhos de Nogueira (2002), ela afirma que os mapas mentais sãorepresentações do real e são elaborados por um processo que relacionapercepções próprias visuais, audiovisuais, olfativas, lembranças, coisasconscientesouinconscientes.

Osmapasmentaisestãoaípararevelar-noscomooespaçoécompreendidoevivido.DeencontrocomopensamentodeTeixeira&Nogueira(1999)acercadosmapasmentaisestamosfalandodeumconhecimentoespacialqueoshomensadquiremdeacordocomasimagensmentaisqueconstroemaovivereperceberoespaço.Osmapasmentaissãoparaasautorasresultadosdatraduçãode“imagensdaestruturaespacialquecadahomemvivencia”.

NostrabalhosdeKozel(2001)aautoraexplicaqueduranteumbomtempoosmapasmentais foramassunto nas áreas da psicologia,mas logo tornaram-seelementosdeanálisesemoutrasáreas.Tantoaantropologia,comoasociologia,arquitetura e urbanismo deram contribuições para as discussões na Geografia,áreaqueatêm-seprincipalmenteàs relaçõesestabelecidaspeloshomenscomoespaçogeográficoatravésdaspercepçõesmentais.Por teressecaráterabertoeabrangente dentro da pesquisa, a metodologia de mapas mentais possibilita oregistrodoespaçovividopelospescadores,valorizandonãoatécnicaartísticaouadestrezaemdesenharesimossímbolosesignificadosquecadamapapossui.

Naconfecçãodosmapashouveinteraçãoentrepesquisadoraepesquisadoseaolongodoprocessoforamrealizadasperguntasparanortearosmapasmentais,

visto a dificuldade quemuitos encontraram ao desenhar e as indagações feitassobreoporquêdointeresseemseusprópriosdesenhos.Aperguntanorteadoradomapa foi:qual é o seu espaço de trabalho e o que você considera como seuterritóriodepesca?

ForaminterpretadosseguindootrabalhodaProf.ªSaleteKozeledealgunstrabalhosorientadosporela:denominadade“metodologiaKozel”,aprofessoraseguecritériosparaaanáliseeinterpretação,principalmenteatravésdopontodevistadacomunicaçãoenãoporsuascategoriasacadêmicaseartísticascomodizaautora.Osparâmetrosprincipaissãocinco:

1 – Interpretação quanto à forma de representação dos elementos na imagem; (comoíconesdiversos,letras,linhas,figurasgeométricasetc.)2 – Interpretação quanto à distribuição dos elementos na imagem; (as formas podemaparecer dispostas horizontalmente, de forma isolada, dispersa, em quadros emperspectivaetc.)3–Osmapascomoformaderepresentaçãocartográficaqueevidencieaespacializaçãodofenômenorepresentado4–Interpretaçãoquantoàespecificidadedosícones:•Representaçãodoselementosdapaisagemnatural•Representaçãodoselementosdapaisagemconstruída•Representaçãodoselementosmóveis•Representaçãodoselementoshumanos5–Apresentaçãodeoutrosaspectosouparticularidadesreunindo-osemgrupostemáticosouconceituaisconformeilustradosnosmapasmentais.(KOZEL,2001).

Embora a análise das representações nas cinco fases permita uma maiorcompreensão, a interpretação dos mapas mentais nesse estudo baseou-seprincipalmentenossímboloscontidosnosmapaseasuarelaçãocomosrelatosdashistóriasdevidadospescadores.

Durante o processo de aplicação da metodologia percebemos que esteprocessocriacondiçõesparacadapescadorcartografarsuapercepçãoespacialdolocalqueelevivencia.Naanálisedosmapaslevamosemcontaoprocessodeidentificação dos saberes-fazeres tradicionais e dos símbolos que compõem acultura pesqueira, legitimando a presença e o direito à conservação da pescatradicional.

Asperguntasquemelhordirecionaramforam:comovocêmostrariaolocal

depesca?Comosãoasredesecomoidentificar?Quaisosmelhoreslocaisparaapesca?Ondeeemqualdireçãoestálocalizadasuaárea?Comochegarnoseuterritóriodepesca?

Quantoàsistematizaçãoeanálisedosmapasmentaisseguimosbasicamente,como já foi dito, a metodologia criada pela geógrafa Salete T. Kozel, quefundamenta-senasteoriassígnicasenaabordagemsócio-interacionistabaktinianaparadesvendarosignificadodossignosdeumaimagem.

Ametodologiaconsistenoscincomomentoscitadosacimaequeseguimosdurante o processo: 1) classificar osmapas pelas categorias ou parâmetros; 2)associar às entrevistas dos indivíduos, atores da investigação; 3) analisar oselementos identificadosnosmapasmentais pormeiodas teorias linguísticas.Aautora propõe tal metodologia para compreender a intencionalidade dossignificadosdasimagens,considerandoomapamentalcomoumtexto.

APESCATRADICIONALESABER-FAZERPESCADORDesdeoiníciodapesquisafoinecessárioinvestigarcomoapescatornou-se

essa atividade tão importante e significativa para a construção de um territóriocomoodaArmaçãodoPântanodoSul.Nãosóporqueéummeiodeproduçãodoespaço,masporenvolverdiferentesrelaçõessociais,simbólicasepolíticas.

Não cabe aqui fazer um histórico da pesca no mundo, e sim utilizar osimbolismo e os significados empregados nesse oficiomilenar para construir apartirdasnarrativasehistóriaoraldospescadoresentrevistadosarepresentaçãoqueessetrabalhotemparaaformaçãodeumaidentidade.Paraabordarapescaartesanal e suas dinâmicas contidas nas representações, utilizaremos paralelosentretrêsvertentes:oterritório,osocialeosimbólico.

Consideramosque as ações estabelecidasdohomemsobre anaturezanemsemprepartemdaexistênciapréviadeconceitosjáformuladosporessesatores,mas podem ser configuradas a partir das relações sociais, suas racionalidades,intencionalidades,objetivosdeproduçãosocialesimbólicacomotambémpelas

condições geográficas ambientais que possibilitam determinado tipo deexploraçãodanatureza.Diegues(1990),consideraasrepresentaçõescomomeiospelosquaisoshomensreinventamseusmundos,reforçandooutransformandoosmundosdeseusantepassadoseconseguemestarintimamenteligadascomofluxodavidasocial,eporquenãodizer,aumlugarvivido,umterritórioconstruído.

NoBrasil e no litoral catarinense existem diferentes formas pelas quais apescaorganiza-sediferindo-seentresi.NotrabalhodeAndreoli(2007),aponta-seumestudorealizadocompescadoresnolitoralbrasileiro,ondeasatividadespesqueiras profissionais são divididas em três categorias: de subsistência,artesanaleindustrial,asduasúltimascomfinalidadecomercial.

Trabalhamos apenas com a categoria do pescador artesanal/tradicional,procurandocaracterizá-laemseusaspectoslegais,sociaiseeconômicosaolongodostrabalhosdecampoedaaproximaçãocomasrevisõesbibliográficassobreatemática.Caracterizamos a pesca artesanal sob a terminologia tradicional,porentenderqueospescadorestradicionaisfazempartedestecenário,umavezqueo“conhecimento tradicional é a forma mais antiga de produção de teorias,experiências, regras e conceitos, isto é, a mais ancestral forma de produzirciência”(MOREIRA,2007).

Arepresentaçãodenaturezaqueascomunidadesdepescadorestradicionaispossuem,“resultamdeumlongoperíododeajustamentosculturaisnosquaisosvalores, imagensepercepçõessãodesenvolvidasemrelaçãoaomeioambientenatural”(DIEGUES,1995,p.251).

Nocontextodapesquisaa tradiçãodapescaartesanalé interpretadacomoalgo em movimento, um amplo e rico conhecimento passado de geração ageração.Osabertradicionaldospescadorestradicionaisécumulativo,produzidopor gerações sucessivas e evoluindo a cada passagem; é empírico, poisconfronta-se com o teste da experiência diária e às intempéries do tempo, e édinâmico,umavezquetransforma-seemfunçãodasmudançassocioeconômicas,tecnológicasefísicas.

Essefazerdapescaestápresentedesdemuitoantesdelasernomeadacomo

artesanalou industrial, epesca fazpartedahistóriadahumanidade.Comoumaatividadeextrativista,elacompôs,eaindacompõe,muitasdasdietasalimentaresdos povos no mundo. O pescar, como um fazer, remonta a um saber, o saberconstruído por homens e mulheres através do processo de apropriação danatureza,essanaturezaéaprendidaportécnicasesistemascriadospelosprópriospescadores.

Apescaartesanalenvolveumadiversidadedemodalidadestécnicas,modosdeapropriaçãodosrecursospesqueiros,produçãoedistribuiçãodopescado,porisso aqui optamos em categorizar a pesca realizada na localidade da área deestudocomopescatradicional.

Por essa diversidade e pelos diferentes conflitos políticos em delimitar oqueéounãoapescaartesanaléquesetornadifícilcategorizarumaidentidadeúnica do pescador artesanal. Em recentes discussões organizadas pela OficinaRegional da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação eAgricultura) para América Latina e Caribe, foi apresentado dentro de trêsmodalidadesumconceitoqueenglobasseessacategoriadepescaartesanal,umadelassecategorizacomopescaartesanaltradicional:

Lapescaartesanal tradicionalsepracticacomenbarcaciones también tradicionales.Lospescadores mantienen sus hábitos y costumbres bastante arraigados, regularmente sumovilidadesescassayporserdueñosemmuchoscasosdelosmédiosdeproducciónsemantiene en la actividad a tempo completo, aunque sus ingresos sean bajos. Em añosrecientes,estamodalidaddepescahaexperimentadocertodesarrollocomlaintroducciónde motores fuera de borda cada vez más potentes, el empleo de redes agalleras demonofilamento, el uso de nuevosmateriales em la construcción de las enbarcaciones ymejorasemla instalacionesdedesembarqueymanipulaciónde losproductospesqueros.Emmuchos lugares lospescadoresartesanales tradicionales tambiénhanexperimentadomejoraseconómicasmediante laventadesusproductospara restaurantesycadenasdesupermercadosnacionalesoparalaexportación.(FAO,2000).

A pesca tradicional hoje se vê cada vezmais pressionada pelas políticaspúblicasedegestãodeseusterritóriosfrenteaoavançodapescaindustrial,queacirramocomérciodepescadoeaconservaçãodoambientepesqueiro.

DIALOGANDO: ENTRE A FENOMENOLOGIA E A GEOGRAFIA DASREPRESENTAÇÕES

Nestetrabalho,objetivou-secriarumdiálogoentreosestudosteóricosqueligamaGeografiaCulturaleHumanísticaàvertentefenomenológica,destacandoosconceitosdelugarvividoedasrepresentaçõesespaciaispresentestambémnosestudosdaGeografiadasRepresentações.

Nesse sentido, “a geografia das representações avança no processo deanálise de diferentes vertentes dos fenômenos sociais, tendo em vista que osatoressociaistêmseuspercursosindividuaismarcadosporsignificados,valorese escolhas pessoais” (VARGAS, 2008). Assim, Kozel e Galvão (2008)consideramqueépossívelcompreenderalógicadosatores, individualmenteouligados aos valores sociais, demonstrados em dado espaço social e cultural.Esses arranjos estabelecidos e refletidos trazem respostas para osquestionamentosencontradosaolongodasanálisesdosmapasmentais.

Os autores afirmam que é necessário privilegiar as representações dassociedades, pois “desde as épocas mais remotas, as sociedades se expressamacercadeseusespaçosvividospormeioderepresentações”(KOZEL;GALVÃO,2008).Osmeioserambemdiferentesdoquehojevemos,mastivemosquepassarpelos“blocosderochas,paredesdecavernas,pergaminhos,papirusatéchegaraopapel e, hoje, no formato digital” (KOZEL; GALVÃO, 2008). Essa reflexãopermiteentenderqueosprocessosdascivilizaçõessãomutáveisequecadaumtrazumaperspectivaparaampliaçãodoconhecimentonasdiferentesciências.

Asreferênciascitadasanteriormentesuscitaramalgumasquestõesrelevantesqueapesquisadiscutiu,principalmentesoboenfoquedaGeografiaHumanistaeCulturalquetemseuaporteteóricofundamentadonafenomenologia.Esseviésdepensamento considera o lugar não apenas como mera localização, mas comofenômenoexperienciadopelaspessoasquevivemnele.MuitobemabordadoporBaillyeScariati(1998)aoafirmarque:

O homem é ator geográfico, o lugar é seu espaço de vida, todas as relações aí semisturam num labirinto de ligações veiculando nossos sentimentos, nossas memórias

coletivas e nossos símbolos... O sentido do lugar reflete a qualidade percebida de umespaço...Essesentidodolugaréessencialnaidentificaçãohumana.

Dessa forma,o lugar torna-seumacategoriavaliosaparaapesquisa.Tuan(1983)oconsideracomoumdosconceitosquedefineanaturezadaGeografia,pois é possível percebê-lo a partir das experiências que dele se tem. Dentrodessa experiência dita pelo autor, expressa-se uma relação, acima de tudo,afetiva,simbólicaeemocional.

Ainda emTuan (1983), é observado o lugar sobre duas lentes: a do lugarcomouma localizaçãoeaqueeleprioriza sendoo lugar comoumcomponenteúnicodoespaço,éarelaçãodialógicaquesetemneleatravésdomundovividoquepossibilitaaosujeitodesenvolveropertencer.

Para compreender tais impressões marcadas pela cultura, é necessáriotambém utilizar uma linguagem apropriada, pois dentro desse grande espaçogeográfico,quecabetantoàpaisagemcomoaolugareaoterritório,éprecisoquehaja uma comunicação eficiente. Cosgrove (1998, p. 108) acrescenta que taissímbolos“sãoprodutosdaapropriaçãoetransformaçãodomeioambiente”pelossereshumanos.

Ossímbolospresentesnolugarpermitemtambémenxergararelaçãoqueossujeitospossuemcomele.AindaparaCosgrove(1988,p.109),issoconfereemummétododeleituradetalhadodoprópriolugar,assim:

Os dois principais caminhos para isto são o trabalho de campo e a elaboração einterpretação de mapas. Ao desenvolver tal conhecimento pessoal inevitavelmente égerada uma resposta altamente individual. É uma resposta, ou respostas, das quaisprecisamosestarcientesnãoparaantecipá-lasnabuscada“objetividade”,mas, emvezdisso, de modo que possam ser refletidas e honestamente reconhecidas nos textos denossageografia.

Grande parte do conhecimento adquirido pelos pescadores é através daspráticastradicionaisdomanejonapescatransmitidosparaasgeraçõesatravésdaoralidade. Para Diegues (2006, p. 206), a noção de território é uma dasmaisimportantes características que marcam esses grupos tradicionais. O territóriopesqueiro,ocupadodurantegerações,nãoédefinidosomenteporsuaextensãoou

pelos recursos naturais existentes nele, mas também pelos símbolos querepresentamessaocupaçãoaolongodotempo.

Odomíniodoespaço,eaquiocaracterizamoscomoomar,eas regrasdeusodesseespaçoconsistememuma territorialidadeespecíficaconstruídapelospescadores na realização da pesca e na apropriação dos elementos naturaispresentes na própria demanda (DUMITH, 2011, p. 70). Isso é relevante para apesquisa por propiciar que, na análise dosmapas, o elementomais recorrentesejaoprópriomar,ouseja,oraeleé territóriosimbólico,oraeleéumespaçopolíticoedemarcadooueleéapenasaviadeacessoàpesca.

Então, entender esses dois conceitos, a cultura e os símbolos dentro daGeografia,nosconduzparaumamelhor interpretaçãoeanálisedesseslugareseda construção dos territórios pesqueiros, duas categorias essenciais nestapesquisa,umavezquesebuscamoselaborarumdiagnósticosobreapercepçãoqueopescadortemdoseuespaço,aseguir(Figura1)podeservistooesquemadeorganizaçãodoreferencialteórico-metodológicoelaboradopelaautora.

Figura1–EsquemadaOrganizaçãodoReferencialTeórico-metodológico

Essas são as marés que nos levam ao conhecimento e ao processo deapresentaçãodosresultadosobtidosaolongodapesquisa.

NABEIRADOMARNASCEAGEOGRAFIADOPESCADOROsmapasmentaisnatabelaaseguir(Tabela1)referem-seàorganizaçãodos

mapas elaborados pelos pescadores, são como guias para compreender asinterpretaçõese leituras feitasapartirdametodologiaescolhidaedos recortesdas entrevistas realizadas ao longo dos trabalhos de campo. Ao longo destetópicocitaremososmapascomanumeraçãodescritanestatabela.

A discussão foi organizada contemplando as relações feitas do mapear-pertencer, mapear-representar e omapear-comunicar, porém estão interligados,um respondeàsquestõesdosoutros.Vamosapresentar respectivamenteosdoisprimeiros;omapear-pertencerdospescadores,contemplandosuasrelaçõescomapescaartesanal,olugardevivênciaeosatoresenvolvidosnessadinâmica.

Adescriçãodosmapasnatabelaocorreuapósaconfecçãodosmapaspelosautores,principalmentepararegistraroqueapesquisadoraobservouaolongodaentrevista e da aplicação dametodologia, para conservar os elementos que sesobressaíram nesta primeira análise dos mapas dos pescadores. É importanteentenderqueessegrupohumanonãoéhomogêneo,equepormaisqueostraçoscontidos nosmapas possam se assemelhar, eles trazempercepções e elementosdiferentes devido às experiências diferentes que cada um possui e dão a elessentidosdiferentesàpráticadapesca.

Tabela1–OrganizaçãodosMapasMentais

Fonte:Elaboraçãodoautor,2015

Comojámencionado,ametodologiapropostaporKozel(2001)empregadaneste trabalho visa discutir os resultados do trabalho e as interpretações dosmapas. A seguir, cito brevemente quais os principais parâmetros que

apresentamos neste artigo para esboçar a discussão entorno dosmapasmentaisdospescadores:a interpretaçãoquantoà formade representaçãodoselementosnaimagem;quantoàespecificaçãodosícones(pelarepresentaçãodeelementosdapaisagemnatural,dapaisagemconstruída,doselementosmóveisehumanos)e,porúltimo,aapresentaçãodeoutrosaspectosouparticularidades.

DeacordocomKozel(2001),oresultadodaaplicaçãodessasinterpretaçõesnosmapasmentais,aliadosaumaabordagemfenomenológicado lugar, revelamuma nova forma de abordagem, que tem o intuito de contribuir nas análisesespaciais de forma a compreender a lógica dos atores, desde as aspiraçõesindividuaisaossistemasdevaloresdosgrupossociais.

Nesse sentido, o termo representação ainda pode ser definido como “oprocessopeloqual sãoproduzidas formasconcretasou idealizadas,dotadasdeparticularidades que podem também se referir a um outro objeto, fenômenorelevanteourealidade”(KOZEL,2005,p.140)eaimagemcomonosreferimosaquinotrabalhorefere-sea“umaformaderepresentaçãoexplícitadeumapessoaougruposobreumdeterminadofenômeno,tratando-se,portanto,deumacategoriaparticular e singular advinda da representação do ‘real visível’ ou ‘vivido’”.Nesteprimeiromomentoapresentamos,apropostadeorganizaçãoencontradanostrabalhosde(KASHIWAGI,2004)e(GALVÃO,2007):ainterpretaçãoquantoàformaderepresentaçãodoselementosdaimagem.

Segundoametodologiaadotadaparaainterpretaçãodosmapasmentaisdospescadorestradicionais,oprimeiroaspectoaserdetectadoaofazeraleituraéadiversidade de formas contidas na imagem mental apresentada em forma dedesenho. Não afirmamos que haverá apenas um elemento específico no mapa,certoquenossetemapasanalisadosaparecemelementosassociados.Odestaquepara essa primeira interpretação segue as seguintes formas: Ícones: formas derepresentaçãográficasatravésdedesenhos;Letras:palavrascomplementandoasrepresentações gráficas; e Mapas: formas de representação cartográfica queevidenciamaespacializaçãodolugar.

Além de notarmos na leitura dos mapas, combinações entre essas formas

citadas, podendo haver ícones-letras, letras-mapas e mapas-ícones, a fim dosautores sentiremumanecessidadede explicitar a suamensagemou registrar oscódigos de linguagem, observamos esses elementos nos mapas em algunsexemplos desta análise.Na Tabela 1 – Ícones e Letras (Mapa mental 03):podemos observar na construção desse mapa mental a presença de íconesmostrandooperímetroquecorrespondeàfaixadePraiadaArmação,destacandoprincipalmente aspedras colocadas comocontençãodas ressacasocorridas em2008,queseapresentadeformairregulareaberta.

Mostra também sua localização referente aos pontos de pesca que autordestacou ao representar imaginariamente o seu limite com as Campanhasdestacando a presença dos trapiches. O autor não destacou a área quecorresponde à Associação de Pescadores, mas durante a fala comentou adinâmicadosbarcosnapraia:

[...]Probarcosairpromar, temqueprimeiropegarabateiraouumbote(barcomenor)aquinabeiradapraiaeatravessaresseprimeirapartedomaratéotrapiche,ondeestáobarco com os petrechos e a tripulação. Assim, fica mais fácil quebrar algumasarrebentaçõesetambémalgunsparcéisquetemosmaispróximoaquidapraia.Todososequipamentosficamnoranchoaquidaassociação.Masosbarcosficamnapraia.(P8–M.M.S,2014–informaçãoverbal).

Nafaladopescadoracimanotamosqueapraiatambéméumaextensãodoterritório pesqueiro, é um lugar de uso comum, onde convivem os pescadores,moradores,barcos,equipamentoseosatravessadoresquebuscamospeixes.Éolugardevivênciadapescatambém,ondeopescadorpodeefazseusrelatosdecomo foi o dia da pesca, como estava o mar, interagindo com quem estiverpresentenocotidiano.Porissonamaioriadosmapasédestacadoapraiacomoumlimitedesseterritório,nãosóummarcofísico,mas,simbólico.

A representaçãodas redes, ancoras, lajes e elementos da natureza comoosolfoireforçadapelaspalavras,evidenciadonomomentodaconfecçãoseguindodeumaexplicaçãodecadaíconeparaadinâmicadapesca.Oentornodapraianão é representado, pois a dinâmica da pesca é vivenciada inteiramente nosdomínios da praia e do mar, por isso também esse vazio no desenho,

considerando tudo como o mar, o lugar do vivido. Isso demonstra a visão departicularidadedolugar.

Para a interpretação quanto à especificação dos ícones requereu umaanálisedetalhada,queobservadosaspectosmaissimplesaoscomplexos,comodizem os autores dos trabalhos pesquisados, tendo por objetivo desvendar osíconesquecompõemasimagensequedenotamarepresentaçãodoqueéapesca,oterritórioeomarparaospescadores.

Trata-sedeumuniversopermeadopelosimbólicoemqueperpassamvárioselementospara a composiçãodas imagens.Kozel (2001), a partir do seuolharnestametodologiaecomintuitodedetalharaindamaisaanálise,especificouosíconesquecompõemasimagens,emquatrogrupos:representandoelementosdapaisagemnatural;representandoelementosdapaisagemconstruída;representaçãodeelementosmóveis;erepresentaçãodeelementoshumanos.

Procuramos demonstrar a incidência destes ícones dentro dos gruposdestacados por Kozel (2001), salientando que não existe um equilíbrio e umauniformidadequantoàsrepresentaçõesdosmapasdospescadorestradicionaisdaArmação,maséumexercíciodevisualizarcomoelespercebemoselementoseosrepresentamemsuasimagens.

Amaiorincidêncianosmapasmentaisocorreuemrelaçãoaoselementosdapaisagem natural, destacando-se a praia, o mar, os limites de relevo, como apontadasCampanhas,IlhadoCampecheeMorrodoMatadeiro.Seguidospeloselementos icônicos encontrados nas paisagens construídas, verificamos apredominânciadosequipamentosdepesca,que,emborasejamdiferentesemsuasformas, assemelham-se pela disposição nas imagens e os destaques através depalavras,comoexemplo:ostiposderedesencontradasnoslocaisdepesca.

As interpretações dos mapas mentais feitas neste tópico auxiliaram nacompreensãodoque é estemapear-pertencer. Se faz entendermesmodiante deumaalfabetizaçãocartográficainformalqueessespescadorestiveramsuasvidasdedicadasaumofícioúnicoetradicional,queéapescaartesanal.Elespuderamexporsuaspercepções,ossímboloseasvivênciasatravésdeumsimplesdesenho

querepresentaadinâmicadeumtrabalho,astessiturasdospescadores.Quandofalamosdetessituras,falamosdessaterritorialidadeconstruídapor

umatramacomplexaderelações,valores,modosdevidaesímbolosvisíveiserepresentáveispelosseussujeitos.Osterritóriossãotecidosdiariamentecomoasredesdospescadores;sãotramaspermeadasporrelaçõessociais,poder,culturae pertencimento, trazendo para o cenário os vínculos estabelecidos entre ospescadoreseseulugarvivido.

Parapercebermosessastessiturasquecompõemoterritóriodopescadoreosaberquetrazememsuasredes,redesdememórias,redesdevivência,redesdoseu saber-fazer, consideramos analisar e interpretar também os mapas mentaisvinculados às narrativas. A metodologia usada em questão propõe umlevantamentoeumaanálisedemensagensveiculadaspelosmapasmentaiscomotextos a serem desvendados, como sugere Kozel (2001). É feita então ainterpretaçãodeoutrosaspectosdaimagem,eentreosaspectosevidenciadospelospescadores,estãopresentes,sobretudo,ideiasrelacionadasàformaçãodoterritóriopesqueiro.

Para compreender o significado de algumas dessas representações, foinecessário buscar nas entrevistas diálogos que também ampliassem a nossainterpretação nosmapasmentais. Seguindo o exemplo trazido pelo trabalho deGalvão(2007)queelaboraeixos temáticosparaanalisaros textoscontidosnosmapasmentaisdosalunossobretemáticasdoensino-aprendizagememGeografia,aqui foram estabelecidos grupos temáticos representados por elementosintrínsecos ao universo da pesquisa, são eles: território pesqueiro; saberes efazeres do pescador; e transformações socioambientais e culturais, comodemonstra o seguinte exemplo trazido para este artigo: Território Pesqueiro(Mapa Mental 05 e 06), falar de um território de uso para as comunidadespesqueiras,nãoéapenasanalisá-loapartirdeseuvalordeusoparaessegruposocial, mas também entender que o território é um espaço onde se projeta umtrabalho,eque,emconsequência,revelarelaçõesmarcadaspelopoder.

Existem territórios marcados não só pelas determinações do Estado, mas

territórios que se delimitam informalmente, como é o casodos pesqueiros, quegarantenãosóa reproduçãodapesca,masqueéum lugardegestãoeacordosentreossujeitos.

Analisando juntamente com osmapasmentais as falas desses pescadores,percebemosaintençãoquecadaumtemperanteoseulugardetrabalho.Nomar,osterritóriossetornammaisdoqueespaçodelimitados,sãolugaresconhecidos,nomeados,usadosedefendidosporseusatores.

Podemosobservartantonomapamental05e06que,pelafamiliaridadedospescadores que o confeccionaram com as áreas destacadas como locais devivênciadapesca,criam-seterritóriosaoincorporaremtambémsuastradiçõesedinâmicaspesqueiras.

Nomapa05,percebemosqueoterritóriopesqueiroparaessepescadornãose limita apenas à Ilha do Campeche, pois ele delimita em uma determinadaporção um mar subjetivo e vemos na imagem outras redes, e, durante seusdiálogos, exemplifica como acontece essa dinâmica pesqueira, como sãoescolhidososlugares:

[...]omarédetodos,nãotemlugarcertoparaasredesquesãocolocadastododia.Asredesdecercoouesperasim.Porqueficammaistempolánomar.Masolocaldepescaédequemcolocaprimeiro.Éclaroquehá tanto tempopescandoeu seio lugarqueeugostode colocarminha redeouquevoumatarpeixe.Maséuma sorte também. (P1 –A.S,2014–informaçãoverbal).

Essaafirmativadaexistênciadeterritóriospesqueiros,comoaexistênciadeterritóriosquilombolasou indígenas, sãoexpressospelaconstrução,apartirdotrabalhodopescadoradaapropriaçãodoselementosdanatureza,edosentimentodepertencimentoaolugar.

Osmapasmentaisabremumuniversonãosósimbólicoparaadiscussãodetemas como a territorialidade da pesca ou conhecimento tradicional, masevidencia que esses sujeitos são capazes de perceber seu modo de vida e osrepresentaratravésdesuasimagensmentais.

CONSIDERAÇÕESFINAISNasinterpretaçõesfeitasdosmapasmentais,podemosnãosóperceberque

existem representações individuais, mas, representações de um grupo socialinseridonumacomunidadeequeestassãolegítimasparainseriressesujeitoquecompõe a localidade da Armação nas discussões que pautam a gestão doterritório local e das possíveis transformações geradas pelos diversos setores.Fomentando pensamentos críticos em relação ao próprio ambiente que estespescadoresconstroem,comoexemplo,oplanodiretorparticipativo.

Opescadoraorepresentarseuterritórioporummapamentaltambémgarantequeessesejaumdocumentoderepresentatividadelocal,essasformasdepensaracartografia e as representações espaciais de um determinado povo possibilitacriar espaços de diálogos para uma gestão mais participativa e concreta doterritório,levandoemconsideraçãoarealidadelocalpercebidaporquemavive.

Tratar dessas representações espaciais frente às transformaçõessocioespaciais e culturais do tempo moderno, dentro da perspectiva daimportânciadoresgatedatradiçãoedossaberespopularesdemonstramoquantoénecessárioosurgimentodenovoscaminhosdentrodaGeografiaparagarantirdiálogosqueapontemsoluções sensíveis e comumanova racionalidadeacercada natureza e de sua conservação, pois é notória a dimensão que assumematualmentenossosproblemassocioambientaiseosconflitosgeradospelosistemaeconômico.

Dialogar com os saberes dos pescadores pressupõe reconhecer que estascomunidades possuem modos de vida e trabalho tradicionais que possibilitamformasdiferentesdeveromundo.Apescaindustrialéumconflitoqueextrapolaavisãolocaldopescador,elaagridenãosóomeionaturaleosustento,elaéumaatividadequealteraomododevidadeumacomunidade.

Isso também nos faz concluir que dentro do contexto pesquisado éextremamente necessário criar mecanismos eficientes de fiscalização daexploração do recurso pesqueiro. É crucial a implementação de quaisquermedidasdeconservaçãoeexploraçãoracionaldorecursopesqueiro,evitando-se,

comisso,queoestoquesejaexploradoalémdesuacapacidadedesustentaçãoequeessetipodepescanãousufruadosistemaartesanaletampoucoaltereomododevidadeumacomunidadetradicional.

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NEGRASCONGADEIRASNASTEIASDAECONOMIASOLSOLIDÁRIA-URUAÇU-GO

ELEUSAMARIALEÃOUniversidadeFederaldeUberlândia-UFU.

InstitutoFederaldeGoiás–IFG-CampusUruaç[email protected]

ROSSELVELTJOSÉSANTOSProgramadePós-GraduaçãodoInstitutodeGeografia.UFU

[email protected]

INTRODUÇÃOODecreton°4.887/03,emseuartigo2º,consideracomoremanescentesdas

comunidades quilombolas, os grupos étnico-raciais, segundo critérios deautoatribuição, com trajetória histórica própria, dotadosde relações territoriaisespecíficas,compresunçãodeancestralidadenegrarelacionadacomaresistênciaà opressão histórica sofrida e que a caracterização dos remanescentes dascomunidades dos quilombos será atestada mediante autodefinição da própriacomunidade. Em muitas destas comunidades, a mulher desempenha diversospapéis importantes para a (re)existência de seu povo, sua cultura e na própriaidentidade de seus descendentes, gerando novas perspectivas, rompendo com ainvisibilidadeeretomandoahistóriapassada.

ÁREADEESTUDOA Comunidade Quilombola João Borges Vieira localizada em Uruaçu no

nortegoiano(Figura1)éformadapor326famíliasresidindonosespaçosruraleurbanodomunicípio.Oobjetivodesteensaioéanalisarotrabalhodesenvolvidonestacomunidadepor42mulheresassociadasqueviramnaeconomiasolidáriapossibilidadesderealizaçãoefetivadeprojetospessoaisefamiliaresparafugir

dodesempregoeobterrenda.SegundoSinger(1998),trata-sede:

Uma grande vontade de lutar, muita disposição ao sacrifício e, sobretudo, muitasolidariedade. É deste modo que a economia solidária ressurge no meio da crise dotrabalhoeserevelaumasoluçãosurpreendentementeefetiva(SINGER,1998:XXXI).

Apesardenãopossuíremcarteiraassinadaedemaisbenefíciosasseguradospelalegislaçãotrabalhista,épormeiodotrabalhocoletivonoqualsãorealizadasoficinas de confecção de artesanato e posterior divisão de trabalho comrealizaçãodetarefasemcasaqueaquelasmulherestêmconseguidoaautogestãoepossibilidadedemelhorardevida.

Figura1–LocalizaçãodeUruaçu-GO

Fonte:IBGE,2007

ACOMUNIDADEJOÃOBORGESA associação da Comunidade Quilombola João Borges Vieira surgiu em

2006, a partir do desmembramento da Comunidade do Pombal, esta últimareconhecida em 2003 como comunidade quilombola rural pela fundaçãoPalmares.SegundodadoscoletadosporentrevistascommembrosdacomunidadeJoão Borges, a motivação para essa cisão se deu em virtude de muitos dosmembrosdacomunidadedoPombalresidiremnazonaurbanadeUruaçueirempercebendoaospoucosquea separaçãoos ajudariana conquistadebenefíciospúblicos via desenvolvimento de projetos. A fala da atual presidente daassociação,DomingasGouveiadeCarvalho,evidenciaestamotivação:“Agente

recebiatodososbenefícioseramnoPombaleSantaRitadoNovoDestino...”.Atualmente, mesmo separadas estas comunidades ainda estão muito

próximasvistoquesãoformadaspormembrosdefamílias ligadaspor laçosdeparentescoconformenosapontaaatualpresidentedaassociaçãoJoãoBorges,

[...]agenteéamesmacomunidade,urbanaerural.AquiemUruaçuénossopovourbanoe lána fazendaénossopovo rural (...) aquelesquenão tiveramaperdadas terrasnosanos de 1968 e 1969 que houve o conflito das terras com os fazendeiros. Parte dasfamíliasfoiexpulsadassuasterrasedaíelesvieramprascidadesvizinhasqueéUruaçu,BarroAlto.AtravessandooriodasAlmaspracáagentejáreconheciacomoUruaçu.NaépocaquemeutiofalaeraSantanadoMachobombo,antigoUruaçueatravessavadoriodosBoiseMaranhãojáeraopessoaldeNiquelândia.AtravessavadoriodosBoisjáeraos povo (sic) de Porto Leocádio (Entrevista realizada no dia 25 demaio de 2016 comDomingasGouveiadeCarvalho).

Apartirdofinaldoanode2010,asmulheresassociadasbuscaramformasdejuntas,conseguiremrecursosvinculadosaprojetosquelhesdessemdignidadeeinserçãonomercadodetrabalho,saindodasituaçãodedependênciadasajudaspontuais, tais como cestas básicas. O trecho da entrevista realizada para aproduçãodesteartigoressaltaclaramenteoexpostoacima:

Quandoagentecomeçouem2010pra2011foiondejágeri,jáexisteoprojetodegeraçãoderendaprasmulheres.UmsonhoqueatiaJúliajátinha,né?Dedargeraçãoderenda,trabalhar com as mulheres. Ela já sempre trabalhava com a confecção e nós buscarrecursopra trabalhar.Porquenãoadianta só eumesmo ir lá emPalmaresbuscarumacestaprafamíliaesenãodarcapacitação,buscarparceria:ébolsafamíliasemelessabertrabalhar e gerar renda pra elas. E veio o sonho da gente montar. Em 2011 a genteconseguiuoprimeiroprojeto(Entrevista realizadanodia25demaiode2016-DomingasGouveiadeCarvalho).

Éimportanteressaltarqueaté2010aassociaçãorealizavaprojetosvoltadosparaaproduçãoruralconformeevidenciaaatualpresidentedaassociação:

Só aquela era mais voltada para trabalhar no rural. Eu falei: a gente tem que buscarprojetocomarealidadenossaaqui.Claroqueagentetemnossaslavourascomunitárias.Agenteplanta.Agentedesenvolveasações...hortacomunitária.Masagente temquebuscar.Nossopovo,eleéurbanoeveioessaideiadetrabalharascooperativas,trabalharasconfecções,trabalharartesanatoafrodescendente,colchaderetalho.Trabalharcomoprojetourbano.BuscandoparceriasnoCRAS,prefeitura,nas instituiçõeseducacionaisenas empresas privadas (Entrevista realizada no dia 25 de maio de 2016- DomingasGouveiadeCarvalho).

Foicomesseintuitoqueestasmulheresconseguiramem2012,comoprojetointitulado“MulheresQuilombolasConfeccionandoArtesanato”(projetocomaempresaANGLOAMERICAN),recursosparainiciaraconfecçãodeartesanatosparacomercialização.Taisrecursospermitiram,entreoutrascoisas,acomprademáquinas emateriais para iniciarem a produção de artesanatos, notadamente aproduçãodebonecasdepano.

AAngloAmerican,agentefezoprojeto.AtiaJúliajáfazianacasadelaeeunasaladeaula.MaseusempresonhavaemfazerasMariaNegra.Aquelasbonecasqueminhavófaziapragentetodofinaldeano.Confeccionavapranósasbonecaseeufalava:tiaJúliavamos fazer as bonecas pra vender. Vamos pôr nas feiras rotativas. Que era fazer asfeirinhas.Agentetinhaafeirinhadosol,feirinhadalua.Agenteiaprasfeiras(Entrevistarealizadanodia25demaiode2016-DomingasGouveiadeCarvalho).

Neste período, conseguiram também um local cedido pelomunicípio parasediaraassociaçãoecriaçãodeumateliêparadivulgaçãoecomercializaçãodoseuartesanato.

Trata-sedealgumasconquistasquecontribuemparaanalisarmosoquantoasmulheres negras almejam que seus trabalhos sejam reconhecidos e ao mesmotempolhesproporcionemdignidadeelegitimidadeétnica.

AECONOMIAINFORMAL:ASPECTOSDEUMCONTEXTOAeconomia informaléumconceitobastanteabrangente.Deacordocomo

Programa Regional de Emprego para a América Latina e Caribe (PREALC),citadoemSingerePochmann(2000),osetorinformalécompostoporpequenasatividades urbanas, geradoras de renda, que se desenvolvem fora do âmbitonormativo oficial, em mercados desregulamentados e competitivos, em que édifícil distinguir as diferenças entre capital e trabalho. Ainda segundo essesautores, essas atividades se utilizam de pouco capital, técnicas rudimentares emãodeobradeprecáriaqualificação,masproporcionamempregosinstáveisdereduzidaprodutividadeebaixarenda.

Contudo, no caso dasmulheresCongadeiras a informalidade não é apenas

umaquestãoeconômica,elaenvolvetambémafirmaçõesdasmulheresedogrupoétnicoaoqualpertencem.Assim,nestestermos,aeconomiainformalnãopoderáserpensadaapenasapartirdosseussignificadoserepresentaçõeseconômicas.

Ao levarmos em consideração que a compreensão da economia informalvaria conforme ela é usada para explicar determinados fenômenos, teremosmúltiplasinterpretações.Dessemodo,dopontodevistadaacademia,daopiniãopública e de formuladores de políticas públicas, cujas visões de mundo,interessesecompromissossãodistintas,esseconceitosealargaaomesmotempoemqueseperdemaspectosimportantesdashumanidadesenvolvidas.

Ao revisarmos a literatura sobre o assunto percebe-se que o temainformalidadeéabordadoemdiferentesperspectivas:

1-Observandoasuaimportâncianageraçãodeocupações;2-Considerando-acomoexpressãodarigidezdalegislaçãotrabalhista;3-Denunciando-apelaprecariedadeeinsegurançaquetrazparaomundodotrabalho;4-Enxergando-acomoumfatoinexoráveldatransiçãoparaumasociedadedeserviços;5 - Entendendo que há um processo um “processo de informalidade” implícito nareorganizaçãoeconômicacontemporânea(KREIN;PRONI,2010,p.7)

Segundoosautores supracitados, taisenfoquesnãosãoantagônicosapesardosdiferentesposicionamentosdosinterlocutoresenvolvidosnessedebate.

Noiníciodosanos1970ocorreramestudospioneirosperpetradospelaOIT(Organização Internacional do Trabalho) nos quais os termos “formal” e“informal” aparecem em substituição à dicotomia “setor tradicional” e “setormoderno”.Nesteperíodo,asatividadesinformaisforampensadascomoformandoumsetorqueenglobavatantoempresasquantoindivíduosenvolvidosnaproduçãode bens, prestação de serviços pessoais ou no pequeno comércio (KREIN;PRONI,2010).Interpretava-sequeatendênciaseriaodesaparecimentodosetorinformal face à expansão do setor moderno com a formalização de algumasatividadesinformais.

Asexplicaçõessobreasformasdereproduçãodainformalidade,bemcomoadefiniçãodo fenômeno foramsendoampliadas faceàsmudançaseconômicas,políticasesociais.

Em2002,na90ªConferênciaInternacionaldoTrabalho,foiadotadaumaabordagemmaisampla, reconhecendo-se a importância social e política daquelas atividades. A principalnovidade foi a mudança conceitual: passou-se a utilizar o termo economia informal,procurando assim englobar toda a diversidade e dinamismo encontrados neste universocomplexoeheterogêneo(KREIN;PRONI,2010,p.12).

Este conceito é muito mais abrangente, incluindo os trabalhadoresindependentes típicos (microempresa familiar, trabalhador em cooperativa,trabalhador autônomo em domicílio), “falsos” autônomos (trabalhadorterceirizado subcontratado, trabalho em domicílio, trabalhador em falsacooperativa, falsos voluntários do terceiro setor), trabalhadores dependentes“flexíveis”e/ouatípicos(assalariadosdemicroempresas, trabalhadoremtempoparcial, emprego temporário oupor tempodeterminado, trabalhador doméstico,“teletrabalhadores”), microempregadores, produtores para o autoconsumo etrabalhadores voluntários do “terceiro setor” e economia solidária (KREIN;PRONI,2010).

Verifica-se, portanto, que a definição do fenômeno foi sendo revista eampliada face às transformações econômicas, políticas e sociais. Atualmente,paraaeconomia informalépreciso ressaltarduasvertentesbásicas:o trabalhoque se manifesta nos setores não estruturados da economia (urbana e rural) eaquelequeéexecutadodemaneirainformalnossetoresorganizadosdaeconomiacapitalista.

Em virtude da importância desta temática, vários autores se posicionaramcriticamente tanto com relação aos modos como a problemática foi tratadapoliticamente,quantoàvalidadedosconceitosassociadoscoma informalidadeparaexaminaradinâmicadomercadodetrabalhoeascausasdaquestãosocialnoBrasil.

Na fase atual do capitalismo em que se intensificam os processos dereestruturaçãoprodutivaeosurgimentodenovasformasderelaçõestrabalhistas,caracterizadas pela precarização do trabalho é necessário considerar que asmulheres Congadeiras se inserem na economia informal envolvendo as suashumanidades,seusprojetosdevidaeaprópriafamília.

Na elaboração do seu artesanato está implícito arranjos e estratégiasvoltados para a otimização do tempo. Isso tudo implica em criatividade dasmulheres e delas conseguirem administrar a casa sobrando tempo paraconfeccionarbonecasnegras.Asuacondiçãohistóricaeculturaldedonadecasaédecerta formaalterada.Nesteprocessosurgemnovasatribuições,geralmentesobretrabalho,duplajornada,negociaçõescomafamília,consensosedissensos.

A informalidade tem sido na vida dessasmulheres, namaioria das vezes,umaalternativadetrabalhoerenda,masparaserefetivadadependedaaceitaçãoda família, principalmente dos maridos. Neste cenário de negociação, onde afamíliaéfundamental,apráticadesedoaraotrabalho,docomprometimentocomotrabalhocooperativo,bemcomoasintoniacomoprojetodafamília,serartesãsignificaconquistas,superaçõeseenvolvimentopolíticocomassuasidentidadesepertencimentosétnicosedegênero.

Neste sentido, a economia solidária destaca-se como uma opção paraaquelas mulheres que, num contexto de grande desocupação estrutural, buscammecanismosgeradorestambémdeautonomia.

A busca por atividades econômicas solidáriasassociativismo/cooperativismoéumaestratégiaconstruídapelasmulheresnegrasquilombolas deUruaçu.Para o grupo, a economia solidária recende a ideia decoletividade, de práticas fora do assalariamento formal, envolvendo ações demulheresquesempreviveramàmargemdosdireitostrabalhistas.Dessemodo,aassociação que elas criaram, existe no lugar, promovendo a preponderância dosentidodemutualidadeereciprocidade.

Demodogeral,asatividadesdesenvolvidaspelasmulherescaracterizam-sepela baixa rigidez organizacional, pouca complexidade estrutural e pequenadivisão de trabalho. As condições de funcionamento podem ser consideradassimples. Elas podem ser consideradas na perspectiva teórica da economiainformal como: possuindo atividades individualizadas autogestionadas,amplamentecaracterizadasporrelaçõesfamiliarestrabalhistas,semclaradivisãoentretrabalhoegestãoe,raramenteapresentamformasassalariadasdetrabalho.

Não por acaso estas características assemelham-se àquelas encontradas no quecostumamoschamardeeconomia informal (STAEVIE,2009).Esta,aocontráriodaeconomiacapitalistaorganiza-seapartirdefatoreshumanos,favorecendoasrelações onde o laço social é valorizado mediante acordos mediados pelareciprocidade, onde os envolvidos adotam formas comunitárias de propriedade(LAVILLEapudLECHAT,2002).

A história do trabalho desenvolvido pelas mulheres na associação JoãoBorgesVieiraevidenciaexatamenteessabuscaporumaorganizaçãodotrabalhoemqueos fatoreshumanose relações sociais locais sejamnorteadoresde seuspropósitos.Assim,énecessárioqueocorraentreasmulheresumavalorizaçãodolaço social e sintonia com os acordos cultivados no lugar e na condição deCongadeiras. Acalentando lembranças do passado,mulheres dasmais variadasidades, hoje em número de 42, começaram a fabricar bonecas de pano,denominadas“MariaNegra”historicamentefeitaspelassuasavós.

ECONOMIA SOLIDÁRIA ENTRE MULHERES CONGADEIRAS: UMAOPÇÃOPOLÍTICA

A história do trabalho desenvolvido pelas mulheres na associação JoãoBorgesVieiraevidenciaexatamenteessabuscaporumaorganizaçãodotrabalhoemqueosfatoreshumanoserelaçõessociaissejamancoradosnavalorizaçãodolaço social e na reciprocidade. Inicialmente, com recursos parcos, as bonecaseram feitas em casa já que não possuíam uma sede para a associação. Nesseperíodo, toda a produção era comercializada nas feiras da cidade deUruaçu etambémdeGoiânia.Ressalta-sequeasprimeiraspeçasforamcosturadasàmão,pois elas não possuíam sequer umamáquina de costura.Em2013, conforme jáexplicitadonestetrabalho,tiveramumprojetoapoiadopelamultinacionalAngloAmericanpormeiodoqualpuderamadquirir trezemáquinasdosmaisvariadosmodelos, dasmais simples àsmais sofisticadas. Puderam também fazer várioscursos de capacitação já que a maioria não sabia costurar ou manusear as

máquinasAmaioriadestasmulherestrabalhasomentenacomunidade.Outrasrealizam

o chamado “bico” trabalhando como diarista. Algumas são autônomas,trabalhando como empreendedoras individuais, executando serviços viaassociação (a associação “pega” trabalhos e repassa para elas) e também porcontaprópria.

Apesardehoje(2016)possuíremumasedecedidapelaprefeituraemregimede comodato para produzir e comercializar sua produção, grande parte dotrabalho é feito em casa aproveitando os momentos de folga dos trabalhosdomésticos.

Elasfazememcasa(...)Agentetrabalhaemformadeoficina.Marcaoficinahoje.Vamos fazer oficina de pintura de cabaça.Ai elas vêm fazer as oficinas e deixamaqui. Por exemplo, tem trabalho que é mais longo e demorado. Por exemplo, ascamisetas.Elasconfeccionamecosturaeelaspersonalizamelasemcasa.Porqueéum bordado na mão. Então ela tá ali assistindo uma novela e fazendo umacabamento.Igualminhaprimaveioepegouumbordadoprafazerumaalmofada.Então ela vai fazendo aquele trabalho. Tem a máquina pra costurar e elas vãoacabando.Temessedirecionamento lá.Aívemasoficinasque faz.Vamos fazerasbonecas.Marca as oficinas, elas vêmpra fazer as bonecas.Costura, põe cabelo,fazvestido.Aítrocaexperiênciaumacomasoutras.Ai,aquelesacabamentos,igualpor exemplo, a tia ... tá fazendo o cabelo da boneca. Ela tá ali, assistindo umanovela, tá ali confeccionando alguma coisa pra ali. O dia que elas já vai támarcado pra semana que vem a oficina elas já com omaterial pronto. (EntrevistacomDomingas–PresidentedaAssociaçãoJoãoBorges.25demaiode2016)

Oconteúdodafaladaartesãevidenciacomosedáaconfecçãodaspeçasdeartesanato: as mulheres se encontram, trocam experiências no momento darealização das oficinas e depois conciliam a produção com as atividadesdomésticas. Conforme esclarece a entrevistada, as mulheres bordam, pintam eexecutam outras atividades de maneira que não haja prejuízo das atribuiçõesdiárias.

Comrelaçãoaopagamentodasatividadesrealizadas,esteérealizadoentreasassociadasdeacordocomoserviçoexecutado.Apósavendadaspeças,umaparteficaparaaassociaçãoeorestanteérateadoentreasmulheres.

...Cadatrabalhotemumvalor(...)associaçãosóéumvínculoprapoder,gerarrendapra

essasmulheresporqueelastrabalham,porexemplo,elastemumpreço.Partedirecionadoparaacompradematerial,partesãodela,pramãodeobradela.(...) Desde o cabelo, fazer acabamento no olhinho, pintar, tem um valor jáespecificado, já tabelado. Olha, pra lavar cabaça... Se alguém quiser lavarcabaça... fazer um cabelinho é um tanto reais por peça. Pra pintar... Então é umgerarrenda.Éumaformadevocêestarestimulandoelasatrabalharprapoderteroseupapel.Vaibordarumpapel,vaicortarumembrulho...Tudoédirecionadopraelas receber. Oh, fez uma oficina, fez um trabalho... (Entrevista com Domingas –PresidentedaAssociaçãoJoãoBorges.25demaiode2016)

Hoje (2016),estasmulheres fazemdiversos tiposdeartesanatos taiscomopanosdeprato,almofadas,esculturaemcabaçasegarrafas,bijuterias,camisetasentre outros. A escolha pelas bonecas e demais tipos de artesanato objetivaresgatar a cultura da comunidade quilombola. A fala da artesã Domingas ébastante reveladora a respeito da importância da atividade e o quanto suaconfecçãoecomercializaçãosãoumaformaderesgateculturaleempoderamentodasmulheresdacomunidade.

A questão do artesanato, às vezes muita gente falou assim: mas você foi pra um ladomuito difícil. Porque comida, a comida fácil. Claro que existe vários critérios. Mas oartesanatoérico.Eletedescreve,eletedápoder.Nósmesmosjáviajamos,fomosparaoRiode Janeiro e tamos (sic)nunsprocessos aiprapoder ir novamente.Então, assim, agente tá buscando mercado fora, levando nossa cultura, conhecimento. Você levaconhecimentoe traz conhecimento.Entãooartesanato identificao local, ele identifica apessoa.Entãoàsvezes,quandoeu ... a coisamaisgostosahojequandoeu receboumaturmadealunoelefalaassim:tiaessabonecanegraaqui,oh,elaparececomigo.

A identificação com os objetos produzidos (Figura 1 e 2) tanto pelasmulheresqueosconfeccionamquantocomaquelesquetêmacessoaelessejapormeiodeoficinasoferecidasàcomunidadequantopelavendadaspeçasartesanaisnoslevaacompreenderaimportânciaeconômicaeculturaldoartesanatolocal.

Figura1e2–Exemplosdeartesanatosfeitospelasmulheresdaassociação

Fonte:Arquivodoautor.Maiode2016

AriquezadoartesanatodecorredaculturadasmulheresnegrasCongadeiraseevidenciaassuasinspiraçõesartísticas.Aconfecçãodasbonecasindicaqueacultura é mutável, transborda da memória para o artesanato. As mulheres sereencontramcomfragmentosdeummododevida,alteramseusconhecimentosehabilidadesreafirmandosuasidentidadesepertençasnolugar.

CONSIDERAÇÕES“Eutenhoumsonho.Eufalosempreparaasmeninas:eutenhoumsonho

queoartesanatovire fontede rendadevocês” (fala da artesãDomingas).Aspalavras reveladoras da realidade vivida pelas mulheres da associação dacomunidadeJoãoBorgesVieira,aomesmotempoemqueevidenciaoanseiodemudança,trazemseubojoasdificuldadesporelasenfrentadasparaconfeccionarecomercializarsuaspeças.

Elasalmejamqueo seu trabalho seja reconhecidoeaomesmo tempo lhesproporcioneumavidadignaecomqualidade,noentanto,arealidadevividaporelasédelutaconstanteeininterruptaparaconseguirseinseriremnomercadodetrabalho.

O fato de serem mulheres e negras, grupos historicamente discriminados,lhesfazterquetransporbarreirasdificílimas.Dentreessesobstáculosdestaca-seafaltadeenvolvimentodetodososintegrantesecapacitaçãoparaqueaspeçasartesanais tenhamummelhor acabamento.Aliado a isso, falta a essasmulheresmaior capacitação para gestão dos negócios e recursos para investimentos nadiversificaçãodosprodutos.Aausênciadopoderpúblicopormeiodeprojetosvoltados exclusivamente para o atendimento a essas comunidades também seconstituiementraveparaoavançodasatividades.

Constata-se também que com a crise da economia mundial e astransformações nomundo do trabalho, emque o desemprego e a informalidadesãorecorrentes,aeconomiasolidáriaseapresentacomoumcaminhoalternativoparadiversosgruposmergulhadosnainformalidade.

No caso específico das mulheres da Associação João Borges Vieira, aorganizaçãonosmoldesdaeconomiasolidária,temlhespossibilitadoinserçãonomercado e na sociedade.Apesar da confecção e comercializaçãodo artesanatoser um projeto da comunidade, elas ainda são insuficientes para proporcionarrendimentosquegarantamumadedicaçãoexclusivadasmulheresCongadeirasàartedeartesoar.

Outro aspecto a ser ressaltado é que a escolha pela forma de trabalhopautado na economia solidária em que o grupo se junta para dar forças aosmembros envolvidos, mesmo que de maneira reduzida, tem trazido inúmerosbenefíciossociaiseculturaisàcomunidade.Notadamente,oartesanato ligadoàculturanegracriaaquiloquesepodedenominarnomundodosnegóciosdegrife,possibilitandovisibilidadesocialàsmulheres.

Portanto,ofatodeessasmulherespoderemparticipar,mesmoquedeformaincipiente, do mercado de trabalho, este envolvimento tem lhes conferidoautonomia,dignidadeeresgatedaautoestimadeformasignificativa.Finalizamosestas considerações com outra citação da atual presidente da AssociaçãoDomingas Artesã e “Quilombola”: “o artesanato, ele te descreve, ele te dápoder”.Aquiestápresentealutapelademarcaçãodoterritório.

Nesteensaioprocuramosanalisaroquantoasmulheresnegrasalmejamqueseus trabalhos sejam reconhecidos e ao mesmo tempo lhes proporcionemdignidadeelegitimidadeétnica.

REFERÊNCIASBRASIL. Decreto 4.887 de 20 de novembro de 2003. Disponível em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2003/D4887.htm.Acessoem28dejunhode2016.

KREIN, José Dari PRONI, Marcelo Weishaupt.Economia informal: aspectosconceituais e teóricos. 2010. Disponível em http://www.oit.org.br/node/241.Acessoem26demaiode2016.

LECHAT,NoëlleMariePaule.Asraízeshistóricasdaeconomiasolidáriaeseuaparecimento no Brasil. Palestra proferida na Unicamp por ocasião do IISeminário de Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares, em20/3/2002. Disponível em http://www.itcp.usp.br/drupal/node/250. Acesso em20dejunhode2016.

SINGER,Paul;POCHMANN,Márcio.Mapadotrabalhoinformal:perfilsócioeconômicodostrabalhadoresinformaisnacidadedeSãoPaulo.1.ed.SãoPaulo:FundaçãoPerseuAbramo,2000.

STAEVIE. Pedro Marcelo. Economia solidária, informalidade e políticaspúblicas:interfacesedivergências.Rev.Pol.Públ.SãoLuis,v.13,n.1,p.81-88, jan./jun. 2009. Disponível em: www.revistapoliticaspublicas.ufma.br/site/download.php?id_publicacao=15Acessoem20dejunhode2016.

IDENTIFICACIÓNDEUNAPROPUESTADETRANSICIÓNCULTURALENELJARDÍNURBANO

GINALOBATOCORDEROProgramadePós-GraduaçãoemGeografia,UniversidadeFederaldeUberlândia.

[email protected]ÉSANTOS

ProgramadePós-GraduaçãoemGeografia,UniversidadeFederaldeUberlâ[email protected]

INTRODUCCIÓNEnAmérica del Sur y Central la presencia de las comunidades indígenas

ancestrales originarias es indiscutible en la base de la conformación de susciudadeshispanoamericanas, debido a que en sumayoría estas fueron fundadassobreantiguasciudadesindígenasduranteelprocesodecolonización,paraloqueGutiérrez(1993,p.14)indicaqueestafue“Unadelasmodalidadesevidentesdemodificacióndelaspautasnormativasdenuevasfundacionesesaquellaenlaquela ciudad española habrá de conformarse sobre un antiguo asentamientoindígena”.Notandoquealdecir‘unadelasmodalidades’seentiendequeexistenotrasformasdefundacióndelasciudadeshispanoAméricas,porloquesepodríaindicar que al desconocer el ContinenteAmericano por parte de los españoles“[…] los españoles del siglo XVI no tenían la costumbre de vivir cerca devolcanes o sobre el agua, y los criterios de selección utilizados para elegir elparajedeunanuevafundaciónnotomabanencuentalanociónderiesgonatural”(MUSSET, 1996, p.27), fue difícil aplicar completamente sus estrategias defundacióndelasciudadesdeacuerdoalaCorona,debiendoposiblementeguiarsedelosasentamientosexistentesparacumplirconsuencargoydelamismamaneraeste desconocimiento propició la difundida idea de que las comunidadesindígenas, sus tradiciones, costumbres y sus formas de vida carecían de valor

cultural, ya que en un inicio estas no fueron atribuidas a seres humanos,imponiendo nuevos parámetros poco acordes al entorno y consecuentementedesvalorizandoelpoderactivodelaidentidadculturalenlasrelacionessocialesdentrodelasciudadesfundadas.Lacondicióndelosindígenasensupropiatierrafue amenazadapor los conquistadores, por lo quepara sobrevivir tuvieronqueadaptarse a nuevas formas de vida dentro de las que fueron catalogados desalvajes.

Y puesto que la voluntad de sumajestad ésta es y fue, algunos de los gobernadores ycapitaneslomiraronsiniestramente,haciendodelosindiosmuchasvejacionesymales.Ylos indiospordefenderse seponíanenarmas,ymataronamuchoscristianos,y algunoscapitanes.Locualfuecausaqueestosindiospadecierancruelestormentos,quemándolos,ydándolesotrasreciasmuertes[…](CIEZADELEÓN,2005,p.12–13).

Estos acontecimientos y las condiciones naturales delContinente, llevarontambiénalospobladoresoriginarios,devariaszonas,amovilizarsehaciaotroslugaresyposiblementeenalgunoscasos,estosprocesospudieronterminarconladesaparición de muchas comunidades indígenas “[…] las causas de losabandonosyde las reubicaciones sonmúltiples [...] pero fueron sobre todo lascóleras de la naturaleza americana, mal comprendida y mal dominada por losconquistadores,lasqueprovocaronlasalidadeloshabitantesylafundacióndeuna nueva ciudad” (MUSSET, 1996, p.25). Sin embargo a pesar de todas lasdificultades, mucha información sobre las culturas originarias de AméricaHispánica está presente en sus pueblos mestizos, por lo que con el pasar deltiempoesasideasindoctasquedejaronloscolonizadoreshanidoevolucionandograciasalaccesoaunconocimientoavanzadoa travésde investigacionescomoQhapaqñan La ruta inka de sabiduría de Javier Lajo; Sabiduría de la CulturaKichywadelaAmazoníaEcuatorianadePedroAndyAlvarado;LashuellasdelJaguardeD.K.Gartelmann;ArqueologíaAmazónicaLascivilizacionesocultasdelbosquetropicaldeFranciscoValdez;QorikanchaConstrucciónInkaCuscodeJesúsPuellesEscalanteentreotros,paraproporcionarinformaciónquevalidalaspracticas ancestrales en pro de la búsqueda de identidad, salud, mejor

alimentaciónymejorescondicionesdehabitabilidad.El papel de las culturas indígenas ancestrales en el mantenimiento de los

espaciosnaturalesporestasocupados,esactualmenteunodelospuntosdedebateque está generando una importante fuente de información para conservar elpaisajenaturalycultural.Estascomunidadestendríantambiéninfluenciasobrelafuncióndelaculturacomounaestrategiaenlasustentabilidaddelasciudades,yaque al adquirir representatividad, pueden ser vistas comoun aporte y no comoelementos ajenos e improductivos al momento de planificar las ciudades,posibilitando implantar propuestas acordes al medio natural basadas enexperiencias comprobadas por estos grupos. El Foro Permanente de laOrganizacióndelasNacionesUnidadparalasCuestionesIndígenas,presentóenlasededeNacionesUnidasenNuevaYorkenmayodel2016,unnuevomapaquemuestracómolospueblosindígenasdeCentroaméricaocupanyresguardangrancantidaddebosques,ríosyaguascosteras,estainvestigaciónfuefinanciadaporlaCooperaciónDanesayNationalGeographicSociety(IUCN,2016).Revelandolaimportanciadelapresenciadelosgruposindígenaslocalesenlaprotecciónyconservacióndeáreasprotegidasyecosistemasnaturales, reafirmandoelhechopositivo que la presencia de estos grupos es un aporte demayor efectividad ymenorcostoconrelaciónalasaccionesrealizadasporelgobierno.

Cabe entonces preguntar si ¿Son acaso los grupos indígenas personas concapacidades superiores o poseedores de un conocimiento exclusivo de cómosalvaguardar el planeta? Sería importante analizar ¿Cual es el motor para queestosgruposseanconsideradosguardianesdelosespaciosnaturalesdelaTierra?Al parecer es la influencia de prácticas culturales tradiciones, la principalgeneradoradeestaaccióndesalvaguardaparacon laTierray lanaturaleza,yaquelareconocenyrespetancomopartedeunacosmovisiónpropia,diferentealaconstruidaporuna sociedadmoderna, consumista,globalizadaydeshumanizadaquepuedemostrarsecomoelprincipaldetonadordelrechazohaciaunaidentidadcultural indígena,yqueposiblementecontinúaninduciendoen lasdesfavorablesconsecuenciasambientales,yaquehoyporhoynohanpodidoserefectivamente

contrarrestadas por organismos internacionales, gobiernos locales y otrasinstitucionesencargadasdeltemadelasustentabilidadambiental.

En este trabajo se realizó una revisión bibliográfica de informes einvestigaciones, por medios físicos y virtuales, referentes a la relación de lascomunidades indígenas con elmedio natural en las ciudades andinas, así comotambiénunreconocimientodecampo.Posteriormentesecentraenlainteraccióndelhombreylanaturalezaenel jardínurbanodeunaciudadandina,endonelatradición y las costumbres se manifiestan como características identitarias dehabitabilidad en sus poblaciones durante el proceso de crecimiento de unaciudad.Finalmenteseplanteala identificacióndeunapropuestaexploratoriadetransición cultural presente en los jardines urbanos de Cuenca de los Andes,planteando una comparación basada en la correlación identidad y salvaguarda,ocurrida en un tiempo determinado en estos espacios, colocándola como unposibleindicadordesuaportealacalidaddevidadelaciudadporintermediode sus espacios verdes patrimoniales. Resultando importante posicionar laspracticassocioculturalescomofundamentosdediálogoentreellugarvividodeunpueblo y los elementos ubicados en el espacio entre diferentes culturas, paraefectivizar las demandas ambientales de cada lugar, respetando susespecificidadesynecesidadeshumanas.

LASESPECIFICIDADESURBANASYECOLÓGICASDEAMÉRICALaflorayfaunadelospaísesdeAméricadelSuryCentralsonreconocidas

mundialmente, hecho que está asociado a sus indiscutibles característicasgeográficas, climáticas, de relieve y culturales, con las que las comunidadesindígenasoriginariasmantienenunimportantepapelensusalvaguarda.Estudioshandemostradoquelapresenciadeestosgruposenlugaresdegranvalornaturaly delicado equilibrio ecosistémico son indispensables para conservar estosespacios.PodemoscitarlapublicacióndelWorldResourcesInstitutequeindicaque el fortalecimiento de las áreas forestales comunitarias mitiga el cambio

climático. El estudio reconoce que los bosques de propiedad y bajo laadministración de las comunidades indígenas han proporcionado mejoresbeneficios, mayor efectividad y menores costos que los obtenidos por losgobiernosensuafándecontrarrestarelcambioclimático.Estehechoesatribuidoal conocimiento y sabiduría cultivados por generaciones en las comunidadesforestalesdeAméricaLatina,AsiaMeridionalyÁfricaOriental quemantienenprofundosnexoshistóricosyculturalesconsus respectivosbiomas (STEVENS;WINTERBOTTOM;SPRINGER;REYTAR,2014).

En los bosques se ha considerado transcendental la presencia indígena.¿Peroquesucedeenlasciudades?Aquílapresenciadelosespaciosverdes,enfunción de su población, debería proporcionar las condiciones adecuadas dehabitabilidad; sin embargo la aplicación de propuestas urbanas de crecimientoenfocadassustancialmenteenundesarrolloeconómico,endondeelhombrenoesconsideradoconsusrealesnecesidadesdevidacomoelaire,laluz,elaguaysuentornosocial,hancomprometido losespaciosverdesyporconsecuenciaestángenerando problemas de salud mental, salud física, así como contaminaciónambiental,acústicayelincrementodelatemperaturaalinternodelasciudadesoelconocidofenómeno‘isladecalor’1.ElprogramaparalaHorticulturaUrbanayPeri-urbanadelaOrganizacióndelasNacionesUnidasparalaAlimentaciónylaAgricultura (FAO), tiene como finalidad apoyar y promocionar el cultivo deproductosfrescoyasequiblesenzonasurbanas,asícomotambiénlaposibilidadde abastecer, a través de esta práctica, con alimentos a las familias de bajosrecursos asentadas enáreasurbanas.Alparecer el crecimientode las ciudadescompromete la salud de estas, pero se intentamitigar este hecho promoviendoprogramasenprodeunaagriculturaurbana.

A nivel mundial estos espacios verdes denominados jardines y huertosurbanoshansidodegranayudaenmomentosconflictivos.EnelcasodeEuropatraslasegundaguerramundialsereconstruyenlasciudadesutilizandomodelosenlos que estos espacios son olvidados, descartando las actividades que estosgeneran. Pero a partir de la década de 1970 los “jardines y huertos urbanos

resurgen como herramienta de apoyo comunitario, en unmomento en el que lacrisisdelaenergíaylarecesióneconómicasedejansentirespecialmenteenlosbarriosdebajosrecursosdelasciudadesoccidentales”(MORAN,2008).PorsuparteenEstadosUnidosafinalesde1960,ocurrirátambiénunlevantamientoenprodemantener los jardinesy loshuertosurbanosque servían, al igualqueenEuropa, de abastecimiento y apoyo a la alimentación de sus habitantes “En uncontextodecrisis económicaenelque seestabandesencadenandoprocesosdedegradaciónyabandonodeespaciosresidencialesenelcentrode lasciudades,los activistas comenzaron a ocupar solares y otros terrenos y a cultivarlos”(MORAN, 2008). Un ejemplo importante es el caso de la transformación queocurreenLaHabana–Cuba,enladécadade1990,cuandoapartirdelacaídadelbloque soviético, el país enfrenta una crisis debido a la falta de suministro eimportación de alimentos, obligando al gobierno a buscar una solución queconsistióenreactivarelcultivoenjardinesyhuertosurbanos;resultandodegranimpacto en la recuperación de cultivos tradicionales, cultivos orgánicos y laelaboracióndesuspropiosabonosydemásimplementosparaelcultivo,debidoala imposibilidad de importar materia prima, demandando de alguna manera lainteracciónhombre–naturalezaeneláreaurbanadelaciudad.

Laspropuestasdehuertosurbanos,jardinesverticalesysemejantes,quesonparte de numerosos programas para mejorar la calidad ambiental en algunasciudadesanivelmundial,resultancomplejosdemanteneralargoplazo,debidoalmododevida‘moderno’,conjornadasfrenéticasquelimitaneltiempoparaestasiniciativas.Sinembargounafuerterelaciónconlanaturalezaylosproductosqueesta ofrece se encuentra aúnpresente en algunas ciudades andinas, debido a suhistória,peroqueconelpasardeltiempoestaestáviéndoseinterrumpida,comoconsecuencia de los cambios globalizantes que condicionan el uso de losespaciosverdesyconsecuentementeafectan lacalidaddevidaen lasciudades.Porloquevalorandoelcomponenteculturalcomounaestrategiaparaalcanzarlasustentabilidad de las ciudades, sería preciso intentar reintroducir algunasprácticasindígenasenlaplanificaciónurbana,dentrodeunmodelodedesarrollo

sustentable que permita que este conocimiento ancestral trabaje aportandoconjuntamenteconelactual,unmododevidacapazdemejorar lacondicióndehabitabilidad.

LAANALOGÍACULTURALDELJARDÍNENCUENCADELOSANDESAlvincular la culturay sus tradiciones indígenasen la salvaguardade los

espaciosverdesenlasciudadesandinas,sefructificanlascaracterísticamestizasqueestaspresentan,yquenodeberíancontinuarsiendominimizadasapesardeltiempo y los procesos colonizadores transigidos, ya que son parte de unpatrimonio inmanentemente presente, que Sorre (1995, p.214) especifica como,“Elpasadonuncamuereporcompleto: lascostumbresalimenticias,enelgradoqueexpresanlosrasgosprofundosdelambientegeográfico,sobrevivenenmediodehábitosnuevos[…]”.Porlotanto¿Quesucederíasi tomandoestareferenciase plantea un análisis sobre la transición cultural ocurrida en los jardines yespacios verdes de las zonas urbanas de las ciudades? Sería tal vez posiblerestablecerconexionesculturalesdecultivo,deusosytécnicas,direccionadasamejorar la calidad de vida de sus habitantes en aspectos como la saludalimentaria,atravésdelcultivodealgunosdesusalimentos;mejorarlacalidaddelairemanteniendoeláreaverdeconvegetaciónquefuncionacomocaptadoradeCO2; y el aporte particular de esta investigación que, sería conceder a losjardinesurbanoslafuncióndecaptadoresdeculturadeunpueblo,alinteractuarconsusmoradoresenunarelaciónvital,enlaqueelhombreviveenlatierraydeella,queeslarazóndeserdeestosespacios.Paraasícolocaraestaperspectiva,comounargumentoprimordialparaeldesarrollodepolíticasdeplanificaciónyordenamientoterritorial.

Tomando como ejemplo, para el análisis, a la ciudad de Cuenca de losAndes en Ecuador, podríamos comenzar a describir el comportamiento y larelación de uno de sus primeros pobladores con la naturaleza. La cultura IncaestableciósucorteenlaciudadCañari,yaasentadaenunazonacercadeunrio

importante hacia 1463–1461 (CHACÓN, 2005). Posteriormente los incasconstruyeronlaciudaddeTomebambaenCuenca,estafue lasegundaciudadenimportanciadesuSeñorío,dentrodelterritoriobajosudominioquefueconcinocomoelTawantinsuyu. Cultura que al tener una conexión de suma importanciacon la naturaleza, a tal punto que esta estaba presente en todas sus actividadessocioculturales, políticas, religiosas, así como del territorio, la elección, laubicaciónylaorganizacióndesusciudades,esimperativointentarentendercomoeste proceso puede estar cargado de información que aporte a un mejorconocimientodelanaturalezayconsecuentementeasusalvaguarda.Lageografíay los elementos naturales estuvieron definitivamente presentes en todas lasconstruccionesdelosasentamientosurbanosdeestacultura,loselementosparalamaterializacióndeestosconocimientossontomadosdelamismanaturaleza,peronosolamenteestos, losacontecimientosastronómicossuinfluencia, ladireccióndelaluzsolar,elmovimientodeastros,entreotros,eranmotivodeestudioyporende, un acontecimiento de gran importancia para cumplir con actividades quepermitirían la construcción de un espacio particular. Como ejemplo de estasprácticas constructivas esta elCoricancha que “Originalmente se conocía estetemplo como Inti Kancha, templo del sol. Fue uno de los más venerados yrespetadostemplosdelacapital.Tambiénseleconocíacomo“elrecintodeoro”,eraunlugarsagradodondesevenerabaaldiosINTI,elsol”(GARCÍAAYULO,2015,p.7).Estaedificacióndeplantacircularcuyasparedesestabanrecubiertasde láminas de oro,material con un significado religioso ritual y no comercial,sugierelaimportanciadelsolcomounelementonaturaldadordevida,yaquesinsupresencia, estanoseríaposibleypeoraúnen lasáreasandinasendondeelclimacondicionasuhabitabilidad.

[…]sugiere lapre-existenciaenelmundoandinodeunavincularidadcosmos-hombre,opacha-runa,oloqueeslomismo:elYanan-Tinkuyintin-pacha-runa,(oWiracocha-Pacha-Runa, en Riva, 2000:I) alcanzado en la sociedad inka, les habría permitido a nuestrosantepasados,entreotrascosas,intentarelcontrolsobreelequilibriodelejeterrestreensuánguloóptimoderotación,yconelloelmantenimientodel‘ordendelmundo’;dadoquelainclinaciónmayor,sucesiva,generaunconjuntodedesórdenesclimáticosqueseempeorancadaaño(LAJO,2006,p.110).

Los espacios verdes estaban jerarquizados de acuerdo a la estratificaciónsocialendondeelIncaeraelhijodeldiosSol,yporlotantoelquegobernabaenla Tierra. El diseño y ubicación de las zonas de cultivo constan como puntosimportantes en la planificación de la ciudades, ya que de aquí se proveerá elalimento para su pueblo. Uno de los espacios verdes que se conoce eran deacceso exclusivo para el Inca y es el nombrado por algunos Cronistas2 como“jardíndelInca”;sinembargoelterminojardínenelcontextodelaculturaincanoexiste, este fueun términoadjudicadoporquienesescribieron lahistória, lapalabra quehasta elmomentomejor se ajusta a la descripciónde los espaciosverdes incas es sementera3. En estos espacios exclusivos para el Inca seencontraban varios tipos de plantas que eran usadas para rituales y estabanornamentados con elementos de oro en forma vegetación importante para estacultura,comoloeselcasodelmaízqueeraofrecidoaldiosSolyquetambiénera la base para la alimentación del pueblo inca. Aquí podemos apreciar larepresentación de su cosmovisión en los elementos naturales en un espaciourbano.

Otro elemento importante dentro de la identidad cultural del pueblo incaseríaelidioma,elQuechua.Estenotuvoescriturasinembargofuetransmitidodeformaoralypuedeseridentificadoenlatoponimiadelterritorio.“Elnombreessiempremásqueunsigno.Élestáamalgamadodetalformaaloquerepresenta,que en lasmás diversas culturas su elecciónnunca es dejada al acaso, pues elnombretraduce(siendocasitentadosadecir:produce)laesenciadequienodeaquelloquelonombra”(MATA,2005,p.119).Latoponimia4incarespondíaasuconexión cosmológica, sus nombres tienen una composición que puede serreconocidaporsupueblo,analizandobrevementeunnombrebásicoyautilizadoanteriormente,tenemosaIntieseldiosSol,el temploendondese lovenerabaeraconocidocomoCoricanchaoQuriKancha,sunombreestárelacionadocondospalabra:Quriquesignificaoroyesunelementoquerepresentaaestediosenla tierrayKancha que significa templo, por lo tanto las dospalabra significantemplodeoro,templodelsol.

Con la llegada de los colonizadores estos espacios particularmenteconcebidos,al igualquesusciudades,comienzanunatransformaciónenfunciónde las nuevas necesidades, costumbres y traiciones de una cultura occidentalproducto de una percepción geográfica y cultural completamente diferente a laexistenteenAmérica.Endondeelmodelodelasciudadescolonialesresultodeunintentodeaplicacióndelosmodeloseuropeos,“[…]elmodelodelaciudadcolonial hispanoamericana fue un modelo medieval tardío que al ser traído aAméricafuegradualmenteadaptadoalasnecesidadesprácticasdeunaceleradoprocesofundacionaldevastosalcances”(HardoyenNICOLINI,2005,p.29).EnEuropaprincipalmentealsurdeEspaña,seteníacaracterizadoelusoyfuncióndejardinesyhuertosdeacuerdoa la influencia religiosamedievalde laépoca;eljardín tenía una connotación más ornamental y la huerta una connotación deproducción y cultivo de alimentos, ligada a costumbres alimenticias ytemporalidades.Porloquecuandoestasdebenseraplicadasenlasnuevastierrascolonizadasresultanpocoadaptables,necesitandosermodificadasparaajustarsea las característica del nuevo continente Americano. Siendo estas diferenciasentre espacios verdes para cada cultura, lo que propiciaría un proceso detransiciónparasuexistencia.

Elinterésdelhombreporelespaciotieneraícesexistenciales:derivadeunanecesidaddeadquirir relacionesvitalesenelambienteque le rodeaparaaportarsentidoyordenaunmundo de acontecimientos y acciones. Básicamente se orienta a “objetos, es decir, seadapta fisiológica y tecnológicamente a las cosas físicas, influye en otras personas y esinfluido por ellas y capta las realidades abstractas o “significados” transmitidos por losdiversoslenguajescreadosconelfindecomunicarse.Suorientaciónhacialosdiferentesobjetos puede ser cognoscitiva o afectiva, pero en cualquier caso desea establecer unequilibriodinámicoentreélyelambientequelerodea(NORBERG-SCHULZ,1975,p.9).

Con estos procesos culturales transformadores en el uso de los espaciosverdesyjardines,seamoldaunnexoentrelaculturaincaylaculturaoccidentalqueapesardehabersidohistóricamenteunprocesopocopacíficoyjusto,resultadeimportanciaparasalvaguardarelaportequecadaunadeestaspropicióenlaconformacióndeotraconcepcióndeespaciosverdes,asícomodecostumbres,de

usosydecambiosenlavivenciadeloshabitantesdelaciudad.Loscomponentescustodios de las dos culturas en este proceso, son establecidos e identificadoscomoelementosdefensoresdel equilibrio entre elnombrey el ambiente alquepertenecen, ya que de no conseguir una comunión no será posible establecerdiferenciasparagenerarunaconexión,porestarazónelequilibrioecológicoeselconsecuencia del equilibrio cultural, como señala Turri (2008, p.117) “Alequilibrioecológicolecorrespondíaunequilibrioenelcampodelasrelacioneshumanas,unequilibrioidealdederechosydedeberesdeparentesco[…]”.

LA TRANSICIÓN CULTURAL EN UNA PROPUESTA DESUSTENTABILIDADURBANA

El intercambio ocupacional del espacio verde de la cultura inca con laculturaconquistadora,permitiríaidentificarunatransición,enelmomentoenquelaimposicióndeunareligióndiferenteyenelnombredeesta,semodificanlosespacios verdes originarios, su forma, sus cultivos y principalmente sus usos,destruyendoasípartedelaconexióndelIncaconlanaturalezaysureligiosidadexpresada a través de su cosmovisión. La religión católica fue uno de losprincipales medios de unificación utilizados por los colonizadores para supropósito,estanoaceptalaideadediosescomoelSol,laLuna,lasMontañasydemás elementos como dignos de veneración. Esta los cataloga comoaberracionesdiabólicas,comoignoranciaybarbariehumana.Por lo tantonoesunacuestiónsolamentedecultivoyproduccióndeplantasyalimentos,sinoquealverse cargado de significados culturales enraizados en sus habitantes, loscolonizadores deben ejercer dominación y poder sobre esta cosmovisión, paradesestabilizarlayconseguirsubyugarla.

Pero el espacio tiene raíces existenciales para el hombre como Norberg-Schulz(1975)apunta,yporlotantonosepuederenunciarestas.Elpasadonuncamuere, el existe en el presente y esto hace posible que varios elementosoriginarios de culturas ancestrales reencuentren un espacio en esta transición

cultural, es así que para construir este propuesta se analizaron los usos de losespacios verdes y jardines en las culturas Inca y Española en el período decolonización (1463–1820aproximadamente)enfocándosedesde la influenciadela religiosidad y la religión de cada cultura para conseguir interpretar elinteracciónhombre–naturalezaycomoestapuedecondicionarlasalvaguardadelosespaciosverdesenunaciudad.EnlaFIGURA1,sedierondosparámetrosdeanálisisparalaaproximacióndeapropuestadetransiciónculturaldeljardín.Elprimero coloca los factores de identidad cultural con el paisaje, y el segundoproponelosposiblesefectosenlasalvaguardadelosespaciosverdesyjardines.Parámetrosque en funciónde la vigenciade la identidad cultural deunpueblosobre el paisaje, visibilizarían los factores de afectación a los jardines,considerándoloscomolosespaciosmáspróximosenestainteracciónconlavidaurbana de una ciudad, y que a medida que estos sean salvaguardados, sevisualizará la resiliencia de naturaleza y culturas. A estos parámetros se lesadjuntaron las características que cada cultura alegaba con respecto a estarelaciónenlosdiferentesmomentosdesutransición.Seidentificarondosetapas;antesdelatransición(1463–1471hasta1557),ydurantelatransición(1557hasta1820aproximadamente).

En1I,lacosmovisiónIncaplanteaunarelacióndependienteensutotalidaddelanaturalezaysuselementos,asípuessureligiosidadytodasuestructura,queLajo(2006,p.110)sugiereeselvínculodelcosmosconelhombre,característicaalcanzada por la sociedad inca, enfocándose en mantener el equilibrio de laTierra. En 1E, el factor económico se enfoca en la visión de producción dealimentos,endondeelhombrequiendominaa lanaturalezasinunarelacióndereligiosidad con lamisma, para conseguir sus objetivos, porque su religión escatólica y los frutos de la tierra son producto del trabajo del hombre y labendición de un solo dios con características humanas. Antes de la conquista,Españayahabíapasadoporinvasiones,cambiosensuestructuracultural,social,políticayreligiosa.

Figura1–Análisisparalaaproximaciónaunapropuestadetransiciónculturaldeljardín.

Fuente:elautor,2016.

Para2I,losIncasysuculturasoncolocadosenelúltimoestratodelabasesocioculturalalmomentode laconquista,por loquesucosmovisiónrepresentaignoranciayunaamenazaparaelprocesodedominación.Lacultura Incayanoestaalmando,porloqueparasobrevivirseadaptaalasnuevasimposicionesdevida arbitrarias en sus ciudades, sin embargo su esencia existencial siguepresente.Ypara2E,losconquistadoresencargadosdesometeralosindígenas,seapoyaban en órdenes y procesos religiosos impartidos desde la monarquía. Elcontroldelterritorioysushabitantesesclaro,elidiomaoficialeselcastellano,lareligióneslacatólica,sonterritoriospertenecientesalaCoronaespañolaylosgobernantessonensumayoría,blancosymestizos,productoderelacionesentreIndígenasyOccidentales.

EnlaFIGURA2,para3M(aquíMesigualaImásE),losusosdelespacioverde, jardín, son adaptados a las nuevas costumbres y necesidades de loshabitantes de la ciudad, por lo tanto se acomodan al tamaño, reducido conrespectoalatradiciónnativa,delasáreasdestinadasdentrodelasedificaciones,lasmismas que responden a estilos arquitectónicos diferentes a los locales. Elcultivo dentro de estos se combina con el conocimiento y sabiduría de lavegetaciónnativa,conlastradicionesreproducidaseimpuestasdesdeoccidente,en este proceso la cosmovisión andina se ve modificada significativamente,

debido a que la relación hombre–naturaleza cambia, para ser vista como lanaturalezaalserviciodelhombre,yyanoeslamadretierralaqueproveeycuidade su pueblo, sino es el hombre intentando dominarla, someterla a las nuevasnecesidadesqueestecrea.Lasustentabilidaddeestosespaciosconrelaciónalapoblaciónyalentornoseadaptadandopasoaunaidentidadpropia,enlaquelosdesencuentrosculturalessucedidossedeberánsuperarparadignificarelespacioylosusuariossin lamarginaciónpor identidad,adquiriendootrapormediodelsincretismo.

Figura2–Propuestadetransiciónculturaldeljardín

Fuente:elautor,2016.

La propuesta revela por lo tanto, que existe una gran influencia de lacosmovisiónenlaconservacióndelosjardinesenelpaisajecultural,durantelosprocesos de transición urbana. Esto podría deberse a que las costumbres ytradiciones de los habitantes de las diferentes culturas, generan raíces depertenenciaaunlugar,siendoestasdifícilmentemodificadassinlaalteracióndela identidad, por lo que la necesidad de un patrimonio está en su base, comoStoner (2001) apunta que el “Preservar el patrimonio cultural significa lapreservacióndelaidentidad.Enunpaísendesarrollo,quizáunpaísasoladoporlaguerra,queseaferraa lapropia identidadculturalyespiritual–saberdóndevienes,quiéneresydóndeva–escasitanbásicocomolanecesidaddealimentos,refugio,ymedicinas”.Siendoademásloscambiosenlaformadevidaduranteelprocesodetransiciónculturalurbana,unacondicióndesalvaguardarlosjardines,alterándolosensuformabásicaderelacionamientoconelhombre,ydependiendode la profundidad de las raíces de pertenencia, resurgirá mutando elementosculturales anteriores pero que para ser mantenidos deberán igualmente

reestablecerse bajo un nueva identidad propia. En el caso de Cuenca de losAndes,elresultadodespuésdelatransiciónestasiendoinvestigada,sinembargoenelpresente trabajosemuestraalgunosavancessobreunposibleelementodecambioquepromueveunmodelodiferenteapartirdeunatransicióncultural.

Comoeje de esta propuesta, se encuentra que los usos, áreas y relacionesconeljardín,nosoneliminadoscompletamenteenelprocesodetransición,peroque si existe un tema muy delicado que se coloca como amparador de estosespacios patrimoniales, y que es la identidad cultural; la misma que podríaaportarcontundentementeconelprocesodesustentabilidadde lasciudades.Deacuerdoaesteaportese recrearon losgráficosde laFIGURA3,quepretendenilustrarelprocesodetransicióncultural,elmismoquedaríacomoresultadounanuevaformadevida,deidentidadcultural;peroqueparaseradaptadonecesitaser identificadoy reconocidoen suscomponentesculturales,para legitimarunaconservación que resista a la invalidación de un espacio por falta deconocimiento.Estanueva identidad,enelcasodeCuencade losAndes,podríaseratribuidaalfenómenodelasiembradeplantas,aldiseñodeestosespaciosyalosusosdadosporpartedelosocupantesdelasviviendas,delosqueformanpartelosjardinesyqueademáshansidosiemprepartedelavidadelaciudad.Tema que en Cuenca según Mancero Acosta (2012) levanta un debate entreinvestigadoreslocalesyextranjeros,quienesindicanquelaconvivenciaculturalenlaépocacolonialfueintramurosynosolamenteentrelaszonasalejadasdelaciudadendondeseencontrabanlosbarriosdelosindios,afirmandolaexistenciade un sistemamultirracial al interior de las viviendas del CentroHistórico deCuenca. Por su parte investigadores locales señalan que son los españolesquienesmoranenlasciudades,mientraslosindiosenelcampo.Sinembargoenamboscasos,larelaciónentrediferentesrazasdiopasoaunanuevafiguraenelámbito social, la conocida ‘chola’, resultado de la mezcla de tradicionesculturalesentrelosindiosyespañoles,“[…]cholaseríaaquellaindiaqueharotoelordenjerárquicodesugruporacial,ysupresenciaseregistraacomienzosdelsigloXVII.EnelcasocuencanoapareceenladécadadelsesentadelsigloXVI

[…]”(MANCEROACOSTA,2012,p.295).

Figura3–Interacciónentrefactoresdeidentidadculturaleneljardín

Fuente:elautor,2016.

Laexistenciadeestemestizajeindiscutiblementeestaríaacompañadodeunentornopropicióyporendesepodríahablardeunparticularespaciomestizo,unjardín con identidad propia, producto del intercambio cultural en el cual sereconocen identidades ajenas convertidas en elementos propios de otra. Por lotanto en la FIGURA 3, I Propuesta modelo de espacio verde o jardín Inca,interpretalaideadelaconcepcióndeljardínsegúnlacosmovisióndelincario,endondelaculturasedesarrolloentornoalanaturaleza.EPropuestamodelodejardínoccidental,porsuparte intentaplasmar la relacióndel jardínenEspaña(Occidente),porloqueexistenelementosqueserepitenenI.Caberecalcarqueestos usos del espacio no necesitan estar alineados a su cosmovisión, perorespondenadefinicionesdeespaciosdadosporsusdoctrinas.

YporultimolagráficaMPropuestamodelodetransiciónentreculturas,enlaFIGURA3,queeselresultadodeotracombinacióndeusosenunespaciosemejante,ynopodríasermaselmismocomoloconcibieronoriginalmentesusculturasyqueparaconseguirestanueva identidadesnecesarioqueel tiempoyloshabitantesdelaciudadsedimentenloselementosrelevantesqueconformarán

una nueva forma de vivir el espacio. Este momento en Cuenca de los Andessucedería aproximadamente con la modernización (siglo XX) de la ciudad,movilizandoelcrecimientofueradelCentroHistórico,generandounabandonodeesteporlaselites,paraserocupadoporlasclasestrabajadorasquehabitaránlascasaspatrimonialesincentivandolapermanenciadelosespaciosverdes,yaqueal no estarmásdeshabitado, el uso de jardines, huertas y patios es reactivado.ComoCorderoCuevayPauta(1986,p.168)indican,quelasalvaguardaintegralde un centro o conjunto histórico, está en la revitalización de las estructurasurbano-arquitectónicasycomogranconsecuenciaenlamejorcalidaddevidadesus habitantes, en donde los diferentes grupos sociales pueden encontraradaptaciones adecuadas en estas estructuras formales y funcionales de estosespacios.

CONSIDERACIÓNFINALLa cultura está presente en todos los grupos sociales a través de sus

actividades en el planeta. No es posible disociarlos, los parámetros que losgeneran no permiten tal supuesto, seria como pensar en la salvaguarda de lanaturaleza sin la presencia del hombre. El dinamismo cultural es la base deproceso de reinvención de los jardines, mostrándose como una clave para unposibleequilibrioentreculturas,queinfluenciaenlacalidadenlaalimentación,enlasaludfísicaymental,enelairelimpio,enlafertilidadlossuelos,enelagualibredecontaminación.Despuésdediversasinvestigaciones,estaconsecuenciasreavivan la importancia de reencontrar en las formas de vida de culturasancestrales,parámetrosquepermitandemaneraefectivaadministrarlosjardinesde las ciudades. No se pretende imitar formas de vidas pasadas, pero si devalidar que en el interior de estas existieron practicas socioculturales conprofundasinteraccionesconlanaturaleza,quepermitenhoycontarsuexistencia,yque posiblemente de ellas se pueden aprovechar conocimientos validos paraenfrentarlosproblemasambientalesqueactualmenteensombrecenlaposibilidad

deconseguirciudadeshabitablesparalossereshumanos.Tambiénesimportanteposicionarestasprácticascomovínculosconellugarvividodeunpueblo,comouna necesidad básica, flexible pero solida que dialogue con los elementosubicados en el espacio entre diferentes culturas, para hacer efectivas lasdemandas ambientales de cada lugar, respetando sus especificidades ynecesidadeshumanas.

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1 Según Kolokotroni y Giridharan (2008), el fenómeno isla de calor urbano se produce por laacumulacióndecalordeorigenantropogénicoenlaszonasurbanas.

2 “Cronista: 1. m. y f. Autor de crónicas. 2. m. y f. Historiador oficial de una institución” (REALACADEMIAESPAÑOLA,2016).

3 “Sementera. 1. f. Acción y efecto de sembrar. 2. f. Tierra sembrada” (REAL ACADEMIAESPAÑOLA,2016).

4 “Toponimia. 1. f.Conjunto de los nombres propios de lugar de unpaís o de una región. 2. f.Ling.Ramadelaonomásticaqueestudiaelorigendelosnombrespropiosdelugar,asícomoelsignificadodesusétimos”(REALACADEMIAESPAÑOLA,2016).

IDENTIDADEENARRATIVASORAISNOTERRITÓRIOQUILOMBOLAKALUNGADOMIMOSO,EMTOCANTINS

ELIZETHDACOSTAALVESProgramadaDoutoradoemGeografia–IESA/UFG

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INTRODUÇÃONoquedizrespeitoàcomplexidadedaaçãodohomemeacontribuiçãoda

GeografiaCultural,Cosgroveelucidaque,

[...] toda atividade humana é, ao mesmo tempo, material e simbólica, produção ecomunicação.Estaapropriaçãosimbólicadomundoproduzestilosdevida[...]distintosepaisagens distintas, que são histórica e geograficamente específicos. A tarefa dageografiaculturaléapreenderecompreenderestadimensãodainteraçãohumanacomanaturezaeseupapelnaordenaçãodoespaço.(1983,p.1,grifonosso).

Consoante,MarshallSahlins (2003,p.129)defendequeohomemfaza simesmo e à sua consciência por meio de sua atividade prática com o mundo,atividadequeaténoseumovimentomaissolitário,anunciaapresençadeoutros.Daí escolhermos a Geografia Cultural, ciência que debruça na tarefa decompreender as relações identitárias, estabelecidaspelos indivíduoscomo seuterritório,comoembasamentoteóricoparaesteestudo.Nossahipóteseéquetaisrelações sofrem grande influência em suas tessituras, pelas narrativas oraisliterárias,contadasnacomunidade.

AntonioCandido afirmaque sãobens incompressíveis para o ser humano,não apenas os que garantem a sobrevivência física, mas os que asseguramtambém,aintegridadeespiritual.

São incompressíveis certamente a alimentação, a moradia, o vestuário, a instrução, asaúde,aliberdadeindividual,oamparodajustiçapública,aresistênciaàopressãoetc.;etambém o direito à crença, à opinião, ao lazer e, por que não, à arte e à literatura”(CANDIDO,1995,p.242).

Aindanaspalavrasdesseautor,“aliteraturaéumaatividadeinerenteàalmahumana.Assim,elaaparececomo“manifestaçãouniversaldetodososhomensemtodosostemposequenãohápovoenãoháhomemquepossaviversemela,ouseja,sempossibilidadedeentraremcontatocomalgumaespéciedefabulação”(CANDIDO,1995,p.242).

Impossívelnãoconcordarcomasafirmaçõesdesseautor,poisdevidoaoseucaráter multidisciplinar e abrangente, a literatura cria oportunidades únicas deencontro do homem consigo mesmo e com os outros, ao trabalhar com oimaginário, as emoções, e o prazer. Ela humaniza e prepara para a vida,promovendo a integridade espiritual humana, e dessemodo torna-se umdireitoinalienável,comobemafirmaoautor.

Então, a contaçãodehistórias literárias,marcaumadinâmica emqueumahistórialevaaoutra,oradiferente,orasemelhante,mascomvariações,àsvezesumaemcontraposiçãoàoutra.Enquantosaberpopular,ocontocircula,gerandoumaideiamostradaporFranciscoAssisdeSousaLima(2005,p.81):“Circulantecomooanelquepassademãoemmão,ocontopossuiportadores.Nãoháquemoadministre, senãooprópriopúblicoqueo tenhacultivado”.Lima (2005,p.52)defineoatodecontarhistóriacomo“umaatividadeligadaaoveiodanossavidaqueocotidianorecebe,diversifica,acabaeatualiza,articulando-senoseumaisamplo sentido, ao anseio de imaginação e de encontro que assiste o homematravésdotempoedascivilizações”.

ParaWalterOng(1998),aobraquedefineasconcepçõesevalorizaçõesdasproduçõespopulares,éadosirmãosGrimm,poissepreocupavaemencontrarumtipo de expressão que estava em vias de desaparecimento, devido à ação daurbanização e do processo civilizatório, que de certa maneira favoreciam oartificial em relação ao natural. Essa preocupação, que assolava os irmãosGrimmháséculos,éamesmaquenosalardeiahoje.IssoporqueacomunidadedoMimoso, assim como outras, vive um processo de transformação causado pelamodernidade,oquedecertaforma,provocaodesaparecimentodoencantamentodaartenarrativa,quesetornaadormecidaedesvalorizada.

O geógrafo Milton Santos (2006, p. 20) faz uma crítica a esse processoquando diz “[…] parecem o querer imitar o poeta Rimaud: é preciso, a todocusto, ser moderno…”. Independente das consequências geradas. AnthonyGiddens tambémconsidera que a tradição corre o riscodedesaparecer, comofenômenodamodernidade:

[…]Quantomais tentamos colonizar o futuro,maior a probabilidade de ele nos causarsurpresas.Por issoanoçãode risco, tão fundamentalparaosesforçosdamodernidade,move-seemduasetapas.Antesdetudo,elanãoparecemaisdoquepartedeumcálculoessencial, um meio de selar as fronteiras à medida que o futuro é atingido. […] Issosignificariscoemummundoque,emgrandeparte,permanececomo“dado”, inclusiveanaturezaexternaeaquelasformasdevidasocialcoordenadaspelatradição(GIDDENS,2012,p.92-93).

Diantedesseproblema,aprincipalmotivaçãoparaestapesquisasurgiudanecessidadedeseconservaramemória,aculturaeaidentidade,dosKalungadoMimoso.

OSSUJEITOSDACOMUNIDADEKALUNGADOMIMOSOComoperíododamineraçãoeaformaçãodacidadedeArraias,noestado

do Tocantins, surgem as comunidades quilombolas rurais, Lagoa da Pedra eKalungadoMimoso.Ofatodepertencer/descenderaessaúltima,tambémfoiumdosfatoresquenosmotivouadesenvolverestapesquisa.

Antes da divisão do estado do Tocantins,Mimoso fazia parte dos gruposfamiliaresdacomunidadeKalungadeCavalcante,epor issoeramchamadosdeKalungueiros.Araújo&Foschiera (2012), esclarecemquedevidoàdivisãodoestadodeGoiásecriaçãodoestadodoTocantins(1988),apartedacomunidadepertencente aos municípios de Arraias e Paranã, ficou fora do processo dereconhecimento, desenvolvido pela associação de moradores Kalunga, emparceriacomoestadodeGoiás,ONGseasprefeiturasdosmunicípiosdeMonteAlegre,CavalcanteeTeresina.

Cabedestacarque,mesmoestandoemdoisestados,osKalungatêmamesmaascendência; os limites geográficos não alteraram esses vínculos, nem o

sentimentodepertencimentoaomesmogrupo.

Os moradores das duas partes do Kalunga, goiano e tocantinense, possuem a mesmaorigemhistórica,viveramomesmoprocessodeocupaçãoeresistência,praticamomesmoestilodevida,cultuamasmesmastradiçõesreligiosaseculturaisedescendemdetroncosfamiliarescomuns(OLIVEIRA2006,p.15apudARAÚJO&FOSCHIERA,2012).

Mejía(2004),evidenciaessesentimentodepertencimentoealgunstraçosdeidentidadedos remanescentes de quilombos, que relacionados comumpassadocultural comum, definem as fronteiras dos territórios de resistência por elesconstruídos,fortalecendosuaidentidade;permeadoportraçosculturaisherdadosdos antepassados. Fiabani (2007, p. 24) confirma isso quando diz que “aidentidadeétnicaquilombolaéumfatorqueidentifica,determinaopertencimentoeuneosmembrosdascomunidadesnegrasrurais”.

Importante relacionar que não é uma “linha” de delimitação política queestabelece o território deles, mas sim o “pertencimento”, a “vivência” e aidentidade territorial. O território desses sujeitos é, a partir disso, tambémimaterial. Então, nos territórios formados pelas comunidades remanescentes dequilombos,osreferenciaisdevidasãocarregadosdesimbologiasquefavorecema construção de uma cultura repleta de valores, saberes e ações decompanheirismoesolidariedade.

Porocasiãodoprocessode regularizaçãoe titulaçãodaporçãogoianadoterritório Kalunga, e dos benefícios e investimentos de recursos públicosfederais,estaduais,municipais,deONG’s,aeledestinadosparaapromoçãodacidadania e do desenvolvimento social; criou-se uma situação de injustiça edesigualdade entre indivíduos pertencentes a um mesmo povo e a um mesmoterritório(OLIVEIRA,2006apudARAÚJO&FOSCHIERA,2012).

OreconhecimentodoterritóriopertencenteaoTocantins,comocomunidaderemanescentedequilombosóveioem2005,17anosapóso títulodadoàpartegoiana.Apartirdaí,MimosopassaalevaronomeKalungadoMimoso.Apesardoreconhecimento,quasenadamudounavidadaspessoasquevivemnaregião,ea pobreza, ainda é unânime dentro da comunidade. A Comunidade quilombola

Kalunga do Mimoso está localizada a 120 km do município de Arraias, e éformada por trezes núcleos familiares, composta por 250 famílias, tendoaproximadamente1.500pessoas.

Acompreensãodotermo“quilombo”sefaznecessáriaparaessecontexto,jáque nossa pesquisa é desenvolvida em um “território” e com “sujeitos”quilombolas. Almeida (2010, p. 118) afirma que o Decreto 4.887, de 20 denovembro de 2003, artigo 2º, reconhece remanescentes das comunidades dosquilombos,osgruposétnico-raciaisconforme“critériosdeautoatribuição”,“comtrajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, compresunção de ancestralidade negra, relacionada com a resistência à opressãohistórica sofrida”. Ela também baseia seu entendimento em Guimarães (1983apudALMEIDA2010)paraquem,quilomboéanegaçãodosistemaescravista.Para esse autor a noção de quilombo está pautada na busca da liberdade e narenúnciadosistemaopressivo.Assim,Almeida(2010),entendequilombocomosendoumacomunidadee,por isso,passaa serumaunidadeviva,deproduçãomaterial e simbólica; e instaura-se comoum sistemapolítico e econômico, nãopodendoserestringiràsdefiniçõeshistóricasoudefuga,comoerareconhecidoanteriormente.

Nessa perspectiva, é necessário que essas comunidades sejam respeitadasnassuasparticularidades.Apartirdessasparticularidades,nasceo“princípiodaindividualização”, da diferença, citado por Almeida (2010), passo importanteparaaconstruçãodaidentidade.Eénoterritórioondeelasemanifesta.

OTERRITÓRIOEOPROCESSODECONSTRUÇÃODAIDENTIDADEBourdieu (2008, p. 160) aponta que os seres humanos são considerados

comocorpose indivíduosbiológicos,estãosituadosemum lugareocupamumespaço.O lugar pode ser determinado, segundo ele, como “o ponto do espaçofísicoondeumagenteouumacoisaseencontrasituado,temlugar,existe”.Assim,as relações sociais,quedãoorigemaoespaçosocial se reproduzemnoespaço

físico. Esse espaço social se apresenta em contextos e oposições espaciaisdiversos.

[...] não há espaço, em uma sociedade hierarquizada, que não seja hierarquizado e quenão exprima as hierarquias e as distâncias sociais, sob uma forma (mais ou menos)deformadae,sobretudo,dissimuladapeloefeitodenaturalizaçãoqueainscriçãoduráveldas realidades sociais no mundo natural acarreta: diferenças produzidas pela lógicahistóricapodem,assimparecersurgidasdanaturezadascoisas(bastapensarnaideiade“fronteiranatural”).[…]Efetivamente,oespaçosocialseretraduznoespaçofísico,massempredemaneiramaisoumenosconfusa:opodersobreoespaçoqueapossedocapitalproporciona,sobsuasdiferentesespécies[…](BOURDIEU,2008,p.160,grifodoautor).

Lefebvre (2008, p. 55) em umas de suas teses sobre o espaço, também oidentifica do ponto de vista do poder, e afirma que toda sociedade produz seuespaço. “Esse espaço sendo lugar e meio da prática social, é produzido pelasociedade”. Essas relações de poder, estabelecidas no espaço social geram,segundoBourdieu, a violência simbólica, demaneira sutil.E “a capacidadededominar o espaço, sobretudo apropriando-se (material ou simbolicamente) debens raros que se encontram distribuídos, depende do capital que se possui”(BOURDIEU,1999,p.163-164).

Dessamaneira,ohomemtemembrenhadolutaspelaapropriaçãodoespaço,quepodemassumir“formasmaiscoletivas”,comoéocasodasqueacontecemanívelnacional,comoemnívellocal;enóspontuamosaquiocasodacomunidadedoMimoso,comoumadessasformasmaiscoletivas,delutapelaapropriaçãodoespaço,emumaescalalocal.

Os grupos familiares ligados aosKalunga doMimoso, vêm sofrendo essa“violência simbólica”, abordada por Pierre Bourdieu. Estão sendodesrespeitados,noqueserefereàsuacultura,àsuaidentidade,aosseusdireitossobreaterra,edignidade,enquantopessoahumana.Istoposto,asgarantiasdadaspelas leis federais não intimidam a ação de fazendeiros da região, e asautoridadeslocaistambémnãoseimportamcomasituaçãodeabandono.Nessascondições, o sujeito Kalunga é violentado pelas suas condições de existência(SARTRE, 2002). Por trás de tudo isso, se esconde o capital e a ideologia do

desenvolvimentoqueeleimpõe.Assim,oEstadoficaaoladodocapital,enãodeseupovoesuasterritorialidades.

A apropriação de uma porção da Terra é o que caracteriza e forma oterritório, de acordo com Moraes (2014), ou seja, o “uso social” é elementoessencialparadefiniçãodoconceito.“[…]oterritórioapareceparaasociedade,acadamomentocomoumresultanteeumapossibilidade,comocondiçãoemeiodereproduçãodavidasocial.Assim,pode-sedizerqueoprocessodeformaçãoterritorial é a manifestação empírica da valorização do espaço” (MORAES,2014,p.55,grifodoautor).

DeacordocomSaquet(2013,p.118)territórioé“lugarderelaçõessociais;deconexõeseredes;devida,paraalémdaproduçãoeconômica,comonatureza,[...] identidade e patrimônio cultural; como produção socioespacial e condiçãoparaohabitar,vivereproduzir”.

No que se refere à identidade, ela está atrelada à questão da alteridade.Almeida(2010)garantequeamesmanascedadiferença,ouseja,significabuscaroprincipiumindividuationis1.

Berdoulay e Entrikin (2012, p. 104) abordam sobre o assunto e ressaltamqueaidentidadeespacialouterritorialéconstituídadevárioselementossociais.Epodeaindavariarentreidentidade“relativamentefraca”,ouaum“sentimentointensodepertencimento”,queestabeleceumvínculoentreolugareogrupoouentre o lugar e o próprio ser. Esse “sentimento intenso de pertencimento” estáligadoàessênciadascomunidadestradicionais.Osautoresjustificam:

O desejo de pertencimento do indivíduo ao grupo e do grupo ao meio pode sercompreendidocomoumprocessoessencialmentesubjetivo,queestá ligadoàquestãodaidentidade; quem sou eu? Essa subjetividade não chega, entretanto, a retirar de umaproblemática social a questão da identidade, no sentido de que sua resposta implica osentimentodepertenceraumacomunidadedememória.Smithdefineaidentidadeculturalcoletiva como “esses sentimentos e valores” ligados a um sentido da continuidade, damemóriaedacomunidadededestino,noseiodeumgrupoquecompartilhouexperiênciascomunsepossuicaracterísticasculturaiscomuns.(BERDOULAY;ENTRIKIN,2012,p.107).

Nessemesmosentindo,Giddens(2012)dizquea tradiçãocolaboraparao

processo de formação da identidade individual ou coletiva. Ela garante a“manutenção” e “conexão” entre “identidade pessoal” e “identidades sociais”,primando pela “segurança ontológica”, ou seja, pela ordem e continuidade arespeitodasexperiênciasdoindivíduo.

[…]atradiçãoéummeiodeidentidade.Sejapessoaloucoletiva,aidentidadepressupõesignificado; mas também pressupõe o processo constante de recapitulação constante ereinteraçãoobservadoanteriormente.A identidadeéacriaçãodaconstânciaatravésdotempo, da verdadeira união do passado com um futuro antecipado. Em todas associedades, amanutençãoda identidadepessoal, e sua conexãocom identidades sociaismaisamplas,éumrequisitoprimordialdesegurançaontológica.(GIDDENS,2012,p.125)

Isso justifica a hipótese da nossa pesquisa, de que as narrativas orais,advindasda tradiçãooral,contribuemparaaconstruçãoda identidadeKalunga,noterritórioquilombolaKalungadoMimoso,emTocantins.

TRADIÇÃOORAL:MEMÓRIAVIVANOTERRITÓRIOKALUNGASegundoAnthonyGiddens(2012,p.95),asexperiênciasdonossocotidiano

“dizem respeito a algumas questões bastante fundamentais ligadas ao eu e àidentidade,mastambémenvolvemumamultiplicidadedemudançaseadaptaçõesnavidacotidiana”.

Para exemplificar essa afirmação ele cita o exemplo dos Kung San, dodeserto de Kalaharj. Nessa comunidade, quando um caçador voltava de umacaçada bem-sucedida, ele não devia se vangloriar, pelo contrário,mostrava-semodesto.Damesmaforma,acomunidadedepreciavaacaçatrazida,eocaçadorera tratado com igual indiferença e desprezo. Ao final a carne “insultada” erapartilhadacomtodososmembrosdogrupo.

Tudo isso fazia parte de um ritual, que seguia prescrições; e assim, essedepreciar/insultaracarnepertenciaaumatradição.ComoafirmaGiddens(2012,p.98)“atradiçãoestáligadaaoritualetemsuasconexõescomasolidariedadesocial,mas não é a continuidademecânica de preceitos que é aceita demodoinquestionável”.

Giddens (2012) define “tradição” como orientação para o passado, cominfluêncianopresenteenofuturo.Emsuaspalavras:

[...] a tradição está ligada à memória, especificamente aquilo queMaurice Halbwachsdenomina“memóriacoletiva”,envolveritual;estáligadaaoquevamoschamardenoçãoformulardeverdade,possui“guardiães;e, aocontráriodocostume, temuma forçadeuniãoque combina conteúdomoral e emocional”. (GIDDENS,2012, p. 99-100, grifodoautor).

Noqueserefereàmemória,oautorcertificaqueéaorganizaçãodopassadoemrelaçãoaopresente.Concebe-acomoprocessoativoe socialquenãopodeapenas ser identificadocomo lembrança (CIDDENS,apudGIDDENS, 2012, p.100). Ou seja, elas são sempre produzidas e dão continuidade à nossaexperiência.

Santos (2010) diz que amemória é umelementomuito importante para associedades orais, pois é responsável pela transmissão de valores e tradições.Paraaautora:

Osgriots são encarregados demanter vivos saberes antigos que atravessamgerações.Na mitologia grega,Mnemosyne era a deusa da memória, fornecia a capacidade delembrar.Olíquidocontidonoseupoçofaziaviràtonaaslembrançasdequemdelebebia.E por outro lado, quem bebesse do poço deLethe teria a suamemória apagada; daí arelaçãolethea= esquecimento e alethea = não esquecimento. (SANTOS, 2010, p. 72,grifodaautora).

Nasculturasoraisosmaisvelhossãoosrepositóriosdatradição.Sãoelesosresponsáveisdeensinarosmaisjovens,eassimatradiçãoassumeseucaráterorganizadordamemóriacoletiva,confirma(GIDDENS,2012).

Piñon(1997)tambémcompartilhadessemesmopensamentoeafirmaqueoscontadores de histórias assumempara si a tarefa de guardiães damemória.Damesmaforma“comoosamautasentreosincas,forameducadosparamemorizar,parapreservarosfeitosdasuaraça,demaneiraquenadafosseesquecido.Comoosaedos,os rapsodosgregos,queconservaramaestóriadeHomero” (PIÑON,1997, p. 88). Função urgente e necessária de preservar do esquecimento ashistóriasdeseupovo,contandoparalembraraosmaisjovensessamemória.

Nossoconhecimentoteóricoeempírico,eocontatocomacomunidade,umavezque fazemospartedelaepartilhamosdasexperiências,nospermiteafirmarque o modo de contar história dos contadores da comunidade Kalunga doMimoso, que revivenciam seusmitos, suas lendas, e os faz chegar até nós pormeiodacrendicepopular;osaproximasobremaneiradoscontadoresdehistóriasdoautênticonarradordescritoporWalterBenjamin(1994).Nessecaso,afigurado narrador só se torna plenamente tangível quando se tem em mente os doisgruposrepresentadospelo“camponêssedentário”epelo“marinheiromercante”.O narrador, a exemplo do “camponês sedentário”, permanece em Mimoso,conheceashistórias,as tradiçõesepreservaasraízesdesua terraaocontaras“supostas” vivências, próprias e alheias.Crônicas aprendidas de ouvido e queremontamaumMimosodopassado.

Esses sujeitos, que ocupam um papel importantíssimo na comunidade –depositário da cultura dos tempos idos, os mais velhos – repassam o seupatrimônio mnemônico para os mais jovens por meio das histórias que lhescontam.NaspalavrasdeGiddens (2012,p.124) “a tradiçãoé impensável semguardiães, porque estes têm acesso privilegiado à verdade formular; a verdadenão pode ser demonstrada, salvo na medida em que se manifesta nasinterpretaçõesdosguardiões”.

CONSIDERAÇÕESFINAISBaseadosnaafirmaçãodeSaquet(2013,p.118),dequeterritórioé“lugar

de relações sociais; [...] identidade e patrimônio cultural; como produçãosocioespacial e condição para o habitar, viver e produzir”, escolhemos aGeografiaCultural para entendermos as relações identitárias que os indivíduosestabelecem com o seu território, tendo como base, histórias orais literárias,mantidaspelatradição.

A tradição oral e a memória compartilhada entre as gerações formam ovínculo temporal com o passado e com o local onde vivem. O relato oral é,

portanto, fundamentalparaentenderasnoçõesde identidadeestabelecidasentreos habitantes. Essas identidades são integrantes do imaginário social eapresentam-semediadaspordiscursos.Elasorientamosindivíduosquantoaoseupertencimentodegrupo,espaçoeatédemomentostemporaisqueelesdistinguemsendopróximooudiferentedoquevivem.“Asidentidadessituamosindivíduosno espaço, no tempo, no social, e mesmo no mundo”, conclui (PESAVENTO,2003,p.91).

O tempo vivido na comunidade, as histórias ouvidas na infância e naadolescência,eatéhoje,duranteapesquisadecampo,confirmamaspalavrasdePesavento(2003).Enospermitedizerqueoscontos,oscausos,asfábulas,easlendascontadaspelo“camponêssedentário”,deMimoso,agregamcaracterísticasdanatureza,dacultura,doespaçovividoedossujeitosdolugar,estabelecendorelaçõesdeidentificação.Quandocontadas,essashistóriasfortalecemovínculode pertencimento com a cultura, o território, e estreita os laços entre osindivíduosdacomunidade.

Consoante, com as histórias que são contadas no território quilombolaKalunga do Mimoso-TO, diferentes modalidades de criação literária, quetransmitemvisõesdemundo,experiênciasdevida, ideologiaseespecificidadestraduzidasnumalinguagemsimbólicapodemserhipotetizadas.Epor intermédiodessa linguagem revelam-se verdades, crenças, vontades e possibilitam acompreensãodooutro.

Isso posto, acreditamos que as narrativas orais são elementos-chave noprocesso de construção cultural da comunidade. Elas desvelam aspectos dasidentidadesterritoriais,essenciaisparaaprenderasrelaçõesdosKalungacomoespaço social produzido. E assim, constatamos a importância do patrimônioimaterial, com base na literatura oral, como elemento relevante para aconfiguraçãodaidentidadedacomunidadedoMimoso.

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TERRITÓRIOQUILOMBOLAMELDAPEDREIRA:EMBUSCADAAFIRMAÇÃOPELATERRITORIALIDADE-MACAPÁ/AP

FÁTIMASUELIOLIVEIRADOSSANTOSCursodeGeografiadoIFAPfatimasuelimcp@gmail.com

ROSANATORRINHASILVADEFARIASCursodeGeografiadaUNIFAP

[email protected]

CursodeGeografiadaUNIFAP/[email protected]

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INTRODUÇÃOAsconcepçõesestabelecidassobreasdiferentesformasdeapropriaçãodo

território são pontos que definem a territorialidade, desenvolvida no contextosocialquebuscasuaautoafirmaçãonaformacomquevemsendoestabelecidooseucotidiano.

Conceituar,discutire identificarcomoumacomunidadeseapropriadoseuterritórioparaentãoconstituirsua territorialidadeéo focodesteartigo,quefoibuscarnavivênciadospovosdaAmazônia,maisprecisamentenaComunidadeQuilombola do Mel da Pedreira, situada no distrito da Pedreira, aaproximadamente40kmquilômetrosdedistânciadocentrodeMacapá,estadodoAmapá.OacessoàáreaocorrepormeioterrestrepelaBR-220,arelaçãocomoespaço vivido, suas formas de constituir suas fronteiras no território produzidopelocaráterlegítimodaexistênciadoestado.

A pesquisa foi desenvolvida a partir do questionamento sobre como estegrupo social se apropria do território e busca afirmar-se pela suaterritorialidade? Diante dessa problemática, nos dedicamos a compreender a

forma de apreensão do território e a construção da territorialidade. Para tanto,nos valemos de estratégias metodológicas e técnicas: inicialmente, realizadascom a elaboração do transecto percursal pormeio de quatro zonas espaciais,partindo do km 0, saindo da cidade de Macapá até a comunidade doMel daPedreira, esse levantamento permitiu observar o uso e ocupação espacial doentorno da comunidade, assim como, os elementos e agentes presentes nafronteira.

A pesquisa exploratória por meio da observação sistemática realizada noespaço da comunidade nos proporcionou a descrição do ambiente, deinfraestrutura, distribuição e características das moradias, condições demobilidadeeaspectosdaprodução.AstécnicasdoMapaFaladoedoDiagramadeVennforamrealizadascomcincomembrosdacomunidade,essasferramentasde diálogos nos revelaram a percepção desses moradores em relação ao seuterritório e os valores e significados que atribuem aos elementos presentes noprocessodeterritorialização.

Parafinalizarmos,foiaplicadoformuláriosemiestruturadocommembrosdapopulação local, seus resultados desvelaram aspectos da identidade,cotidianidade e do sentimento de pertencimento como elementos definidores deterritorialização. O aporte teórico e metodológico que nos apropriamos pararefletir, analisar e interpretar o território e a territorialidade da ComunidadeQuilombola do Mel da Pedreira foi amparado nos fundamentos da GeografiaCultural,idealizadosporSaquet(2007),SaqueteSposito(2009),quepropõemadiscussãosobreterritórioeterritorialidade;RochaeAlmeida(2005)atribuemacultura como elemento imprescindível na construção do território; Dematteis(1999), Claval (1999), Escobar (2005) e Haesbaert (2001), agregam aosignificadodeterritórioeterritorialidadeadimensãosimbólica.

Assim, passamos a apresentar em três partes, o desenvolvimento dapesquisa:primeiramente,realizamosasabordagensconceituaissobreoterritórioe a territorialidade quilombola dentro de uma visão culturalista geográfica; emseguida, discutimos questões relativas à forma como a identidade e a

territorialidadeseapresentamno territórioquilomboladoMeldaPedreira;porfim, analisamos a visão do território e da territorialidade tendo como base apercepção dos sujeitos que constroem a territorialidade do Mel daPedreira/Macapá-Amapá.

O TERRITÓRIO E A TERRITORIALIDADE QUILOMBOLA:ABORDAGENSCONCEITUAIS

Todo conceito tem uma história, seus elementos e metamorfoses, tem interações entreseus componentes e comoutros conceitos, temum caráter processual e relacional numúnico movimento do pensamento, com superações, as mudanças significam, ao mesmotempo, continuidades, ou seja, des-continuidades (descontinuidade-continuidade-descontinuidade),numúnicomovimento,onovocontémovelhoeeste,aquele(SAQUET,2007,p.13).

Assim, as discussões conceituais acerca de território e territorialidade naGeografia temsemanifestadonodecorrerdahistóriadopensamentogeográficode acordo com os postulados teóricos emetodológicos estabelecidos por cadacorrentedessaciência.

O sentido de território e territorialidade atrelados à visão naturalista epositivista é pertinente na Geografia Clássica ou Tradicional, ancorados nasobras deFriedrichRatzel,PolitischeGeographie (1897) eAntropogeographie(1882 – 1891), onde a ideia de território foi relacionada à materialidade, àconstituiçãodoEstado-Nação,àconquistaeaopoder,aterritorialidadeadquiriuumadimensãodeidentidadenacional.

A partir dos movimentos de renovação da Geografia, centrada nosfundamentosmarxistas,estesconceitosexpressam-secomooprodutodoprocessohistóricosocialeeconômico.Assim,apontamSaqueteSposito(2009,p.74):

Nofinaldosanos1960e,sobretudo,duranteadécadade1970,algunsautorespassamaevidenciarascontradiçõessociais,aslutasdeclasseeasformashistóricasdasmudançassociais,sobretudoasimanentesàproduçãoereproduçãodovaloredocapital.(SAQUETeSPOSITO,2009,p.74).

Édentrodestecontextorelacionalqueterritórioeterritorialidadepassama

ser compreendidos, entretanto, é eminente o avanço conceitual atribuindo-lhes,além dos aspectos naturais, os sociais e econômicos, porém, até “o final doséculoXIXdominanaGeografiaaperspectivamaterial,naqualossereshumanossãoconsideradosprodutodomeio”(ROCHA,ALMEIDA,2005,p.2).

A leitura cultural de território e territorialidade semanifesta fortemente apartir da década de 1980.Um ícone desta discussão a ser destacado éClaudeRaffestinqueemsuaobra‘PorumaGeografiadoPoder’(1980,traduzidaparaoportuguêsem1993),realizacríticasàsconcepçõesdeRatzelcaracterizandosuasabordagens sobre território e territorialidade como unidimensional, ou seja, afiguradoEstadocomoúnicodetentordopoder,destaforma,concebeaformaçãodo território por relações de poder multidimensional, o detém como o pontocentral das análises na problemática relacional. Constituiu a territorialidadehumana não só por meio da concretude das relações territoriais, mas também,pelasmanifestaçõesabstratascomoalinguagemereligiosidades.

Dematteis (1999) reforça o referido conceito o compreendendo nosinterstícios do simbolismo e nas representações sociais. Contribuindo, com aperspectiva cultural no tratamento do território e da territorialidade Claval(1999) discute a conexão entre identidade e território, afirma que “(...) oterritório e a questão da identidade estão indissociavelmente ligados: aconstruçãodas representações que fazemcertas porções do espaçohumanizadodosterritórioséinseparáveldaconstruçãodasidentidades”(op.citp.16).

Ainda, na construção do conceito de território, Santos e Silveira (2006)atribuíram ao seu significado os usos em suas diversas formas, assim como,relacionaaterritorialidadeaosentimentodepertencimento.

Neste delineamento foram intensas as contribuições deRogérioHaesbaert(2001),queagregaaosignificadodeterritórioadimensãosimbólicaematerial.Compreendeque:

Desde a origem, o território nasce com uma dupla conotaçãomaterial e simbólica, poisetmologicamente aparece tão próximode terra – territorium, quanto de térreo – territor(terror,aterririzar),ouseja,temavercomdominação(jurídico-política)daterraecoma

inspiraçãodoterror,domedo,especialmenteparaaquelesque,comestadominação,ficamalijados da terra, ou no ‘territorium’ são impedidos de entrar. Ao mesmo tempo, porextensão,podemosdizerque,paraaquelesque têmoprivilégiodeusufruí-lo,o territórioinspiraaidentificação(positiva)eaefetiva‘apropriação’(op.cit,p.74).

Os conceitos de território e territorialidade se ampliam e delineiam nosdebates geográficos e vão se corporificando a cada contribuição, pode seobservarcomasacepçõesdeRochaeAlmeida(2005):

Acultura como identidade territorial passa a ser o lugar da vivência, da experiência, domundo vivido (...). (...) O território tem o sentido de pertencimento, que resulta darepresentação e da identidade cultural e nãomais da posição de uma área fechada porfronteiras.Édiferentedoterritórioratzeliano,poisoquedefineoterritórioéaidentidadecultural.Nessaconcepçãodecunhohistórico,éaculturaquedefineovivido(op.cit.p.11).

Aorefletirmoseanalisarmosestespostuladosteóricos,aprendemosquenacompreensãodaconstruçãodoterritórioedaterritorialidadequilomboladoMelda Pedreira é fundamental considerarmos as dimensões concretas e simbólicasimbricadasnasrelaçõessociaiseculturais,valorandoapercepçãoeaconcepçãodossujeitosemrelaçãoaoseuterritórioeasuaterritorialidade.

Nossaspesquisasforamembasadasnaretrataçãodométodofundamentadaspor Claval (2011), o qual propõe aos geógrafos a maior proximidade com oobjetoeossujeitos,bemcomo,darvisibilidadeàssuasvozes,seussentimentos,atitudes,comportamentos,pensamentos,percepçõeseconcepções.

É neste contexto teórico-metodológico que nossa referência de território eterritorialidadefoirefletida,discutidaeanalisada.AComunidadeQuilomboladoMel da Pedreira representou o cerne e a centralidade das observações. Seusmembros foram os protagonistas das descrições, narrativas e compreensões,assim, externaram suas visões e alusões a respeito de seu território eterritorialidade, nos sentimos apenas como porta-voz do que vimos, ouvimos esentimos.

TERRITORIALIDADE E IDENTIDADE QUILOMBOLA NO MEL DA

PEDREIRAA territorialidade que foi proposta a ser investigada na comunidade

quilomboladoMeldaPedreirafoifacilmentedetectadaeminúmerosaspectos.Aentrevistacomumdospatriarcasdacomunidade,ManoelAlexandre,foibasilarparaentendê-la.

Narroucommuitapropriedade,detalhamentoeemoçãoahistóriadaorigemdoterritório:

Em 1970, meus pais migraram de são Pedro dos Bois (localidade próxima ao Mel daPedreira,ondeconcentravaváriosremanescentesdequilombos),pornãoseadaptaremàbovinocultura, pois, eram de tradição agrícola, vieram em busca de novas terras ondepudessemplantar,chegaramnestalocalidadecomseus12filhos,duranteaderrubadadasárvores para as construções e plantações se depararam com vários enxames,imediatamente,adenominaramdeRessacadoMel,posteriormente,arenomearamdeMeldaPedreira.Construíramacasa,fizeramaroça,terraricaempeixeecaça.

Nestemomento histórico de apropriação do território doMel da Pedreirapelafamília,aterritorializaçãoseconfigurapeloimediatosentimentodepertençaà nova terra devoluta, desbravada, nomeada e vislumbrada como o espaço dereproduçãodacultura.Aconstruçãodacasa,daroçaearelaçãocomanaturezasão elementos das definições identitárias do grupo. Ainda com base nasnarrativas do Sr.Alexandre, esta área passou a ser alvo de invasões tendo emvista que a família não apresentava nenhum documento legal, sendo estesconsiderados pelo poder público como invasores. Os posseiros vizinhosdesenvolviam a bubalinocultura, o conflito se instala gravemente, semcercamentosedelimitaçõeslegaisdeterras,osbúfalosdestruíamasplantações.O impasse somente foi resolvido no ano de 2007 com o reconhecimento etitulaçãodasterras.Assim,acomunidadepassouaestabelecerocontrolesobreoterritório.

Neste contexto, cabe ressaltar, que a comunidade possui uma trajetóriahistóricadelutaeresistêncianaterraemquevive.Oqueatribuiaoterritórioumcaráter identitário extremamente forte, por revelar um processo histórico derelação coma terra.Nesse contexto, conformeapontadoporEscobar (2005), a

terra é o lugar demoradia, trabalho, festa, relações afetivas, enfim, espaço deconstruçãodavidacotidiana.

Aidentidadetemrelaçãodiretacomaterritorialidadeeestámarcadamentepresente na comunidade, comoo espaço de pertencimento da família e de suasligaçõescomaterradeorigem.Foramoslaçosdesanguequederamunidadeàcomunidadee foramcapazesde incorporá-laàdinâmica territorialnacional,noqueHaesbaert (2009, p. 219) classifica como“etnicizaçãoda territorialidade”,que segundo ele, através de uma (des)ordem territorial pós-moderna, permitecoexistir, lado a lado, o modelo globalizador de culturas e esta fragmentação,criandoterritórioscomforteconotaçãoidentitária.

A comunidade possui atualmente cerca de 100 moradores, entretanto, afamília é grande e muitos residem na cidade de Macapá, devido ao acesso aserviços, principalmente de educação. Sendo que, no total, estima-se que afamília possa ter entre 400 a 600 pessoas, que além dos que moram nacomunidade, estariam residindo em outras cidades e até mesmo em outrosestados.Entretanto,mesmoaquelesquenãoresidemnacomunidademantêmelose a visitam periodicamente, reforçando o caráter identitário atrelado aos laçosconsanguíneos.

Visando proporcionar estes contatos, a comunidade realiza todo ano, noprimeiro domingo de agosto, um encontro da família, em que agrega amúsica,diversãoereligião,eondecadamembrodafamília,ougrupofamiliar,colaboracom um tipo de culinária. Com isso, mesmo aqueles que moram fora dacomunidade,seafirmamcomomembroscomunitáriosepertencentesàquelaterra.O encontro anual da família e o laço constante coma terra também fortalece aterritorialidadedacomunidadeecontribuiparaalimentaraimagemdeidentidadeepertencimentopresentenafaladosentrevistados.

Ofatodeoterritórioestarrelacionadocomoprocessodefixaçãodafamíliacaracteriza o apego ao lugar, que Tuan (1980) classificou como “Topofilia”.Conforme afirma Relph (1979, p. 16-17): “Claramente, neste contexto, ‘lugar’significa muito mais que o sentido geográfico de localização. Não se refere a

objetos e atributos das localizações,mas a tipo de experiência e envolvimentocom o mundo, à necessidade de raízes e de segurança”. É o lugar que revelaexperiênciasvividasnaconstruçãoindenitáriadecadamembrodacomunidade.Aexpressãodissoéaexistênciadeumaáreaconsideradaporelescomohistórica,por ser deocupação inicial da comunidadeque se localiza junto ao lago.Nelaestápresentedeformamuitomarcanteolaçofamiliareoapegoaolugar.

O trabalho na comunidade está diretamente relacionado com a questãoalimentar,ouseja,trata-sedeumaeconomiabasicamentedesubsistência,ondeaproduçãovisaoatendimentodasnecessidadesdafamília.Háumadiversidadedeatividadeseconômicasnacomunidade,comdestaqueparaaproduçãodefarinha,que de certa forma envolve a todos.A produção de farinha apresenta-se comoforma básica para geração de renda na comunidade quilombola, assim comoacontece na maioria das comunidades tradicionais do estado do Amapá. Aproduçãodestina-seaoconsumodafamíliaeparaacomercialização,garantindorendaparaacompradeoutrosprodutosnãoproduzidospelacomunidade.

Acasadefarinhaconstruídanacomunidadeédeusocoletivo.Nolocalastarefassãodistribuídaspormeiodadivisãoporsexoefaixaetária.Oprocessoprodutivo envolve a todos: as crianças contribuem junto com os demais naatividadededescasquedamandioca;asmulheresseencarregamdahigienizaçãodoprodutoedoseupeneiramento;oshomensralam,prensametorramamassa.Portanto,éumlocaldemuitotrabalhoededicaçãovisandomanteraqualidadedafarinha,consequentemente,paragarantirmelhorpreçonomercado.Porserdeusocomunitário a casa de farinha possui agenda devido à grande demanda,funcionando até durante a noite. Há ainda o comércio dentro da própriacomunidadedeprodutosindustrializados,garantindoacirculaçãodemercadoriasecapitalnointeriordacomunidadeegerandorendaatravésdocomércio.Apesardaintroduçãodeprodutosindustrializadosnaalimentaçãodacomunidade,abasealimentar continua sendo de produtos do trabalho dos próprios membros dacomunidade,comoopeixe,acaçaeafarinha.

Aquestãodousodaterraapresentamúltiplasformasdedomíniodeacordo

com sua funcionalidade. Dentro do território quilombola existem áreas de usocomum, na qual é praticada a caça, onde fica escola, igreja, casa de farinha eespaço para a realização de festas, e terras de uso individual, utilizadas paracriações,residênciaeplantiodecadagrupofamiliar.

Os moradores consideram satisfatória a área delimitada como suapropriedade.Ofatodemuitosmembrosdacomunidademigraremparaacidadecontribui para que, apesar do crescimento da família, não haja aumento nademandaporterras.Atualmente,acomunidadedesenvolveprojetodecriaçãodeabelha indígenasemferrão,masaindapreservaalgunspontosremanescentesdeabelha nativa. Além deste, também pretendem realizar a atividade fruticultoraconsorciada com a criação de abelhas a partir da florada, garantindo assim,aumentodaproduçãodemel.

Considerando os aspectos apresentados, conclui-se que a economia dacomunidadeérelevantefatorquecorroboraparaaconstruçãodaterritorialidade,porestarpresentenaterraenacotidianidadedacomunidade,alémderepresentaraprincipalfontederendadamaiorpartedosseusmembros.Associadoaisto,otrabalhocomunitário,comonocasodafabricaçãodefarinhaeasterrascomuns,reforçaaterritorialidadedacomunidadeassociadaàidentidadequilombola.

Oaspectoreligiososedestacaporsuasparticularidades.Grandepartedascomunidadesquilombolasmantémalgumarelaçãocomasreligiões tradicionais,como a Umbanda, o Candomblé e a católica. Cabe ressaltar que no caso doQuilombodoMeldaPedreiraafamíliaquedeuorigemàcomunidadeseguiaastradições religiosas relacionadas ao catolicismo, entretanto, a partir de 1968grande parte da comunidade passou a seguir o protestantismo cristão com achegada da igreja evangélica Presbiteriana. Dessa forma, atualmente, cerca de85%dosmoradoresdacomunidadesãoseguidoresdessareligião.

De acordo comoSr.Alexandre a religiosidade, divergente da comumenteencontradaemoutrascomunidadesquilombolas, foiumabarreira inicialparaoreconhecimento pelo Estado como remanescentes de quilombos. Entretanto,elementos da cultura tradicional foram incorporados aos cultos e auxiliaramna

afirmação indenitária de quilombola. Instrumentos provenientes doMarabaixo1

são utilizados nos cultos evangélicos, atribuindo maior particularidade àmanifestaçãoreligiosadacomunidade.

Atualmenteaquestãodamoradiaéfatordemaiordiscussãonacomunidadedevido à construção de um conjunto habitacional. O crescente número demoradoresdeuorigemàdemandaque foiatendidaatravésdoprograma“minhacasa,minhavida”,doGovernoFederal.Oconjuntohabitacional estáprontohácercadedoisanos,masascasasaindanãoforamentreguesporfaltadeligaçãodeágua,esgotoeenergiaelétrica,quedeveriamtersidofeitaspeloGovernodoEstadodoAmapá.Portanto,aentregadascasasdoreferidocomplexoresidencialtrata-se da principal pauta de luta da comunidade quilombola, além disso, omodelo das casas e sua distribuição também é alvo de contestação, por nãorespeitarcaracterísticasdomododevidados integrantesdacomunidade, tendosido construídas em um único aglomerado de casas com padrão comum dosconjuntoshabitacionaisurbanos.Entretanto,acomunidadeentendequeomodeloimposto foi o possível a ser acordado entre osmoradores e o Estado, e lutamapenasporsuaentrega.

PERCEPÇÕESDOTERRITÓRIOEDATERRITORIALIDADEDOMELDAPEDREIRA

ApartirdoselementosapontadospelosmembrosdacomunidadedoMeldaPedreira acerca do território e da territorialidade,mediante suasmanifestaçõespor meio das ferramentas de diálogos propostas: o mapa falado, diagrama deVenn e os formulários, foi possível identificar as percepções e os significadosindividuaisecoletivosqueatribuemaoterritórioedarvisibilidadeàformacomoestabelecemvínculosdeterritorialidade.

O mapa falado foi construído por quatro moradores, nele abordaram ereferenciaramaspectosconcretosesimbólicosdoambienteedacotidianidade.Oriofoievidenciadocomoviadedeslocamento,recursopesqueiro,lazerebeleza

cênica,oquenosfazcompreendê-locomocomponenteindispensávelnarelaçãocomoterritórioeformadordaterritorialidadedessegruposocial.

Ao representarem a igreja, as práticas religiosas, culturais e econômicasressaltaram os significados preponderantes dessas atividades na agregaçãoterritorialeproduçãodaterritorialidade.

A importânciadadaà famílianeste instrumentoa reveloucomoocernedaformaçãocomunitária,daorganizaçãoedasaçõesemproldodesenvolvimentocoletivodogrupo.Podemosterestacerteza,também,pelofatodeteremretratadoaproduçãodafarinhacomoresultadodotrabalhofamiliarecomunitário,assimcomo, os cultos religiosos se estabelecem como fundamentos concêntricos daterritorialidadequilombola.

O diagrama de Venn foi construído por um dos patriarcas da família, Sr.Alexandre,oqualdemonstrouarelaçãodacomunidadecomdiversoselementosque se relacionam de forma direta ou indireta com o território, em suamanifestação estabeleceu o grau de importância e de proximidade com eles.Afigura do estado como mantenedor dos serviços públicos foi consideradaessencial, entretanto, foi representada com certo distanciamento pelo fato dealgunsserviçosaindaseremprecários.

A igreja, a família, o rio, a casa da farinha e a escola, tiveram suarepresentatividade sobressaltada no diagrama, estabeleceu relações deproximidade com a comunidade, os evidenciando como elementos relacionaisdiretosdaculturaedaidentidadedessequilombo.

Durante as atividades de pesquisa exploratória, realizada in loco, foiperceptível referenciar tais objetos concretos e simbólicos da territorialidade,manifestada na própria disposição locacional da comunidade. Ao adentrarmos,vemosaigrejaeacasadefarinha,jádemonstrandosuaimponência,àsmargensdorioestãoaescola,acasadopatriarcaedeseusfilhos,demonstrandoaestreitarelaçãoquemantêmcomocursod’água.

Ainda, no sentido de nosmunirmos demais subsídios na compreensão doterritórioedaterritorialidadedestessujeitos,aplicamosumformulárioparanove

membros da comunidade, assim como,mantivemos tambémo diálogo informal.Aoquestionarmossobreosaspectosdeagregaçãoaoterritório,nosrevelaramosentimento de pertença, de lar e de satisfação em fazer parte da comunidade,assim,manifestaramoelocomolugarecomogruposocialquilomboladoMeldaPedreira.

Apresentaram a problemática em relação ao nível educacional ofertadodentro da comunidade, apenas até o 6º ano, o que provoca alto índice demigração,principalmente,entreosjovensquebuscamacontinuidadenosestudos.Porém, esclareceram que o afastamento não influencia na desvalorizaçãosentimental pelo território, sempre que é possível se reúnem com o grupo nolocal.Quandoinquirimossobreoqueosatraíamparaaqueleterritórioedoquemais gostavam, responderam: a união entre os parentes; o banho de rio com afamília; as refeições à base de peixe com açaí; os cultos religiosos; ajudar afamílianaroçaenaproduçãodafarinha.

Quandoo temadodiálogo,pautou sobreos conflitosno território, nos foipostoqueosmesmos sãooriundosdequestões externas e internas, o primeiro,representadopelaameaçaeminentedaplantaçãodesojanasfronteiras,asquaispodem causar danos às floradas, e, consequentemente, também à atividade deapicultura. O segundo está relacionado à aceitação da comunidade nacongregaçãoUniãodosNegrosdoAmapá–UNA–queapresentaumcalendárioespecífico de festividades, entretanto, segundo representantes desta entidade, oMeldaPedreirasedestoadossímbolosrepresentativosdaunidadequilombola,taiscomo:adançadoMarabaixoeobatuque.DeacordocomoSr.Alexandre,esta questão está sendo contornada pela comunidade ao inserir nos cultosreligiososobatuqueeasentoadasdecanções.

Na realidade, desde o primeiro diálogo com o Sr.Alexandre percebemosqueaadoçãodeoutravertentereligiosanacomunidadeestabeleceurelaçõesdeconflitos entre os próprios membros do grupo, pois, algumas famílias não seconverteram,e,comoutrosgruposquilombolasqueveemareligiãocatólicaeocandomblécomoumdosaspectosdeunicidadedaculturanegra.Outroconflito

que se desvelou foi em relação à utilização da casa da farinha, a mesma écontrolada pelo pastor da igreja evangélica, por meio de agendamento dasfamílias,noentanto,elaseapresentainsuficienteparaademandadaproduçãoedonúmerodefamílias.

Diantedoquepodemoselucidaremrelaçãoàpercepçãodoterritórioedaterritorialidade da comunidade do Mel da Pedreira, podemos constatar queconcebemo território comoo espaço de agregação familiar, dasmanifestaçõesculturais, sentimentais, econômicas e religiosas. As práticas cotidianas sãoancoradasnosimbolismo,nomisticismoenareligiosidade,éesseconjuntoqueconstrói a sua territorialidade. Os conflitos religiosos, sociais e culturais nacomunidadesãodesafiosaseremvencidosnabuscaconstantepelaafirmaçãodoterritórioedaterritorialidadequilombola.

CONSIDERAÇÕESFINAISDiantedoquefoiapresentado,oestudodaComunidadeQuilombolaMelda

Pedreira revelou-se como de fundamental importância na compreensão deaspectosrelativosàidentidade,territórioeterritorialidade,comoconstrutoresdaorganizaçãodoespaçoamapaenseeparaareflexãosobreasbasesconceituaisdaapropriaçãodoterritório.

TodasasinformaçõesobtidasemcamposãoindicadorasparaaconstruçãodaideiadeterritorialidadepresentenapropostainicialdeinvestigaçãoerevelamaconstituiçãodaidentidadedaComunidadeQuilombolaMeldaPedreira.

Portanto,apartirdosdadosprimárioscoletadosnotrabalhodecampoeasreflexões estabelecidas pelos fundamentos teóricos foi possível perceber que aordenação territorial e a formade territorializaçãoestãoatreladasà construçãoidentitária, que se afirma e reafirma por meio das práticas cotidianas, dosarranjos culturais agregados às manifestações religiosas no sentido de seestabeleceremenquanto representantesdaculturanegranoAmapá,assimcomo,buscamareproduçãoculturale territorialestimulandoosmembros imigrantesa

manteremosvínculoscomaterraecomafamiliaridade.Enfim, esses são alguns preâmbulos que apresentamos como resultados de

nossasinvestigações,osquaisnoslevaramacompreenderqueacomunidadedoMeldaPedreiraélegítimarepresentantedaculturanegraamapaensequilombolaecongregaapluralidadeculturaldaAmazônia,pois,adoutrinareligiosaadotadapelo grupo, onde procura inserir a cultura negra; sentimentos de pertença;crendices;práticassociaiseculturaistornamseuterritórioesuaterritorialidadesingulares,dotadosdeparticularidadeseespecificidades.

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1 Manifestação cultural tradicional do Amapá, com matrizes africanas, que inclui música e danças,integradaàsfestasreligiosas.

ASCONTRADIÇÕESDABAIANIDADECOMOPROCESSODEGERAÇÃODEAMBIÊNCIASATRAVÉSDESUOR,DEJORGEAMADO

CAROLINAREHLINGGONÇALODoutorandaemGeografia(UFRGS)

[email protected]

INTRODUÇÃOEstetrabalhofazpartedeumapesquisamaior,aquiutiliza-sealiteraturade

JorgeAmado,umdosescritoresmaissignificativosdaliteraturanacional,comoobjetodainvestigaçãogeográficaacercadaconstruçãodabaianidadeaplicando-seageraçãodeambiênciasparaacompreensãodaidentidadeatribuídaaopovobaiano,bemcomo,suascontradições.

Neste trabalhoaobraescolhida trata-sedeumdosprimeiros romancesdeJorge Amado, Suor, escrito em 1934 é o terceiro livro do romancista baiano.Amado viveu grande parte de sua vida na capital baianaSalvador, durante suajuventudefoimoradordeumcasarãonoLargodoPelourinhonocentrodacidade,atualmente,centrohistórico.Sualiteraturaéinspiradanaquiloqueoautorviveuao longo da vida, no caso de Suor, remete à juventude de Amado enquantomoradordeumdos casarõesnoLargodoPelourinho.Boapartede seus livrostratamdavidadossoteropolitanos,ouseja,dosmoradoresdeSalvador,semprecomcaráterdedenúnciasocialetentativadeinformareconscientizaracercadalutaporumasociedademelhor.

Assim,oromanceescolhidoparaestetrabalho,Suor(1934)trazosobrado68doLargodoPelourinhoondeJorgeAmadomorou,comoumpersonagemquepossui vida e que serve demoradia a centenas de pessoas que sofrem asmaisinúmeras injustiças sociais. Neste romance os habitantes do sobrado sãoprostitutas, deficientes físicos, mendigos, trabalhadores do cais, estivadores,

operários, lavadeirasepessoaspobrescomocostumasercaracterísticadeseusromances.Comoobserva-se:

Vistodaruaoprédionãopareciatãogrande.Ninguémdarianadaporele.Éverdadequeseviamfilasde janelasatéoquartoandar.Talvez fossea tintadesbotadaque tirasseaimpressãodaenormidade.Pareciaumvelhosobradocomoosoutros,apertadonaLadeiradoPelourinho,colonial,ostentandoazulejosraros.Porémeraimenso.Quatroandares,umsótão, um cortiço nos fundos, a venda do Fernandes na frente, e atrás do cortiço umapadaria árabe clandestina. 116 quartos, mais de 600 pessoas. Um mundo fétido, semhigieneesemmoral,comratos,palavrõesegente.(AMADO,1974.p.230).

Suortrazavidadesuapopulaçãoquebeiraamiséria,eéambientadoentreosanosde1929-1930.EmboratodososhabitantesdosobradoK.T.Esperon°68sejamtodostrabalhadores,aépocaretratadaédeextremadureza,muitosperdemseus empregos, são inúmeras as crianças que vivem nas ruas, também ésignificativoonúmerodemendigos, sendoummoradordaescadadocasarãoequeapóssuamorteérapidamentesubstituídoemseulugardemoradaporoutromoradorderua.

Aslavadeirasquecompõememgrandeparteopúblicofemininomoradordosobradotrabalhamnopátiodoprédiocommuitasofreguidão,eaestasotrabalhoao longo do tempo também rareia deixando de existir. Diante de tamanhasdificuldadesmuitasmoçasaindajovensencontramnaprostituiçãoaúnicaformadesobrevivência,assim,grandepartedaspersonagensemoradorasdosobradosãotambémprostitutas.

Anarrativa traz a história destas pessoas, bem comodos estrangeiros quemoram na “Cidade da Bahia”, das histórias que correm de boca em boca, daformacomoosmoradoresencontravamparasedivertireserelacionar,desuascrençasemedos,dadurezadavida,dosuorsofridoqueescorreporseusrostoscansados,eporfimdaesperançadediasmelhorescomauniãodopovoemlutapordireitosdeumavidadignanotrabalho.

MuitosdosromancesdeJorgeAmadoquedatamdoperíodoemqueoautorparticipava ativamente como comunista trazem em seus enredos a proposta deinformareeducarapopulação,chamandoparaumaconscientizaçãocoletivada

luta de classes e por melhorias nas formas de trabalho. Sua literatura foi seuveículo de divulgação de suas ideias comunistas, daquilo que Jorge Amadoacreditava, assim, são comunsgreves, o chamadopara a ‘revolução’ feita pelopovo e para o povo, e a chegada de alguém de fora,mais instruído que acabamudandoorumodascoisasconseguindo“camaradas”,companheirosdeluta.

Mais tarde quando seus livros ganham um novo tommaismaduro e JorgeAmado deixa o comunismo por descobrir que este também torturava pessoas ecometia atrocidades, percebe-se a mudança na literatura. Jorge deixa de sercomunista semdeixar de acreditar no socialismo e continua lutando por aquiloqueacredita,mascomumnovotom.

EmSuor,aospoucosospersonagensatravésde folhetinsede leiturasvãoadquirindoessaconsciênciadeclasse,fala-senagrevedosbondesechega-seahaverrumoresdeumagrevenoporto.Aofinaldoromanceumdospersonagensresponsáveispelolevantedapopulação/multidãonalutapordireitoschegaasermortopelossoldadosquecombatemasmanifestações.

Visto que muitos autores consideram as obras de Jorge Amado, comofundamentaisparaaconstruçãodabaianidade,estetrabalhoprocuraexploraresteconceito desvelando essa relação da obra deAmado e a identidade baiana. AbaianidadeparaPinho(1998)bemcomo,paraMariano(2009)éconhecidacomoa identidade cultural dos baianos, sendo formada, por um conjunto de regras,práticas,rituais,mododeviverdossoteropolitanos,edorecôncavobaiano.

JánaconcepçãodeNunes(2007)abaianidadeéconstruídacombasenumsistemadesignose representaçõesquebuscammaterializaruma identidadequenãocorrespondecomarealidade,masqueédegrandeinteressemidiáticolocal,vistoqueoturismoéextremamenterepresentativonaeconomiadeSalvador.Ouseja, o turismo vende uma imagem da cidade explorando sua exuberância emcores, sabores e ritos. Assim, esta pesquisa utilizará estas concepções debaianidadecomrelaçãoaSuordeJorgeAmado.

Por fim, pretende-se a reflexão acerca da relação da literatura com aconstrução da baianidade com a aplicação da geração de ambiências (REGO,

2010).Ageraçãodeambiênciasnãosetrataespecificamentedeumconceito,massimdeuma formaparamelhorar a compreensãoda relaçãodo sujeito comseumeiopartindodosujeitocomopontodepartidaenãodoseuentorno.

Ageraçãodeambiênciaséarticuladaportrêsconceitosqueajudamnasuacompreensãoeexecução,sendooprimeirodelesarelaçãocomomeioemtorno,meioentre,queseconstituina ideiadecolocar-senaperspectivadeumcentrorelativo,ouseja,osujeitoeseumeio,nestecasodapesquisatendocomomeioacidade de Salvador, precisamente sua área central, centro histórico, Largo doPelourinho.Eossujeitosospersonagens.

O segundo conceito articulador da geração de ambiências, trata-se dainterpretação, da hermenêutica instauradora, esta capaz de revelar os aspectosmais restritos do texto, ou seja, trata-se da busca pelo que se encontra nasentrelinhas do texto trabalhado. O significado pode estar por trás da primeiraideia manifestada, assim é realizado um aprofundamento acerca do contextohistórico em que a obra literária foi escrita. Neste caso, a busca pelacompreensãodosproblemasdenunciadosporJorgeAmado.

O terceiro conceito articulador da geração de ambiências trata-se dadialógica,ou seja, a ambiguidadede sentidose complementaridadede sentidosexistentes. Neste ponto pretende-se a abordagem das possibilidades econtradiçõespresentesnarelaçãodaobraliteráriaeabaianidade.

DESENVOLVIMENTOJorgeAmadonunca reivindicouconstruiruma ideiadeBahia,oumesmoo

quechamamdebaianidade,identidadedopovobaiano,omesmo,emnenhumdeseuslivrosutiliza-sedestetermo.Aquiacredita-sequeosautoresquedefendemaideiadebaianidadeéquesim,formamestaideiaeidentidade,aindaqueusando-se de argumentos e trechos das mais variadas formas como literárias oujornalísticas, ao selecionar obras e trechos está se forjando uma ideia econstrução de algo. Afirmar que Amado dedicou sua literatura para criar uma

identidade baiana de acordo com a perspectiva de investigação adotada nestetrabalho mostra-se extremamente equivocada e será abordada e justificada aolongodotrabalho.

IssosedáemvirtudedarepercussãopolíticadodiscursoacercadaBahia,maisespecificamenteSalvador,eanecessidadedeumdiscursodoqualoturismonecessitava de algum atrativo além do já conhecido. A partir do governo deAntônioCarlosMagalhães,prefeito(1967)deSalvadoregovernador(1971)doestadodaBahia,busca-seareconfiguraçãodacidadecomoumacidadehistórica(neste período se tem a reconstrução do Pelourinho, do Mercado Modelo, ainstituição da baiana como símbolo da Bahia, entre outras coisas). É desteperíodo a regulamentação das festividades religiosas, tanto católicas como docandomblé,comoatrativosdacidadeaseremvistospelosdeforaequeacabamentãoservindoaosinteressesturísticosatéosdiasatuais.Comisso,aliteraturade JorgeAmado,bemcomoas letrasdeDorivalCaymmi, entreoutros artistas,foramalvosdetaisespeculações.

Ou seja, essas obras que falam da Bahia, de sua capital baiana Salvadorforam então recortadas dando visibilidade apenas a alguns pontos e não aoconjunto da obra. Como o alvo deste trabalho é a obra de Jorge Amado adiscussão se pautará em sua literatura principalmente e não nas demais fontescitadascomocriadorasdabaianidade.

Em seus livros com temáticas urbanas que acontecem em Salvador,aproximadamente 10 obras, entre elas Suor (1934), Amado narra a vida dostrabalhadoresdocais,avidademeninosderuaquepercorremasruasdacidade,as prostitutas que criam territórios noturnos, as mães de santo que curam, ospadres, entre outros, seus romances trazem a vida com suasmazelas, antes dequalquercoisa, suasobras sãodenúncias sociaisdas injustiçaspresenciadasnaépocaemqueforamescritas.

Se suas obras são permeadas por religiosidades, músicas, receitas, ritos,sonhos, esperança num futuromelhor, isto se dá pela necessidade demostrar aconjunturadaquiloquesequeriaexpressar.Oquenãoélevadoemconsideração

por autores que afirmam ser Jorge Amado responsável pela criação dabaianidade,semconsiderarsuacriticidade,ignorando-acompletamente.

Para o sociólogo Pinho (1998) que se dedica a abordar a baianidade, emsuas palavras “uma ideia de Bahia”, como um discurso existente que foiconstruído e articulado na tríade: povo, tradição e cultura, o autor coloca quediversos materiais textuais foram usados como suporte a essa construção deimagempopular baiana, e assim, Pinho destaca principalmente os romances deJorgeAmado.

No entanto, segundo Pinho (1998), Jorge Amado é responsável pelaconstrução da baianidade, colocando entre outras coisas a mestiçagem e ademocraciaracialcomoumpontodaobradeAmadoquereforçaestereótiposequeperpetuaasdesigualdadessociais.Oquenãoseconfirmanaanáliserealizadaneste trabalho, pois, percebe-se em Suor, bem como nos demais romances deJorgeAmadoqueomesmonãodefendeaideiademestiçagemcomoasalvaçãopara a sociedadebrasileira.EmAmado, seuspersonagens são emgrandepartenegros,mastambémexistemestrangeirosebrancosemgrandesproporções.

O fato da distribuição dos personagens se dá de acordo com sua posiçãosocial ocupada e diante dos problemas sociais da época e alguns que aindapersistemnosdiasdehoje,oquesepodeconcluiréqueapopulaçãoescolhidapara ser protagonista de seus romances é a populaçãomais pobre. Um grandeequívoco se faz ao afirmar que seu discurso serve e buscou perpetuar asdesigualdadesexistentes,quandoseanalisadososfatoshistóricos,oengajamentopolíticodeJorgeAmadoesualutaindividualapontamexatamenteocontrário.

Ainda para Pinho (1998) os intelectuais e artistas tiveram grandeimportância na construção dessa ideia de baianidade fazendo uso de seu podercultural como legitimador desta ideia, o que em fato pode ser observado quetemposdepoisapósaproduçãoartísticadeJorgeAmado,Caymmi,Carybééqueoutrosatoresfizeramusodesuasproduçõeseasdelegaramcomoconstrutorasdealgo.

Já paraMariano (2009) que se dedica a estudar a baianidade por umdos

seus aspectos (a música), a baianidade, modo de ser baiano, é composta pormúltiplas expressões e produções. Para a autora, o modo baiano de ser estárelacionadoaaspectosfísicosdossujeitosquehabitamacapitalbaianaedemaislocalidadesquecompartilhamessaidentidade,bemcomoomododesevestir,ouseja,deordemdaaparênciaressaltandoascoreseadereços,comoéocasodafigura da “Baiana”. Aspectos psicológicos também se fazem presentes nestaconcepçãodeformasignificativa,umavezquedizrespeitoaoestadodeespíritodossoteropolitanosdandoênfaseàalegria.

Desta forma, pretende-se aqui explorar trechos da obra que evidenciem oque é chamadode baianidade, bem como aquilo que é negligenciado e que fazparte da crítica social e a denúncia que Jorge Amado faz através de seusromances.Ouseja,sesegundoalgunsAmadoéresponsávelporcriarouniversovendível de Salvador, aqui será abordada sua contribuição para a mostra dodescasodopoderpúblicocomapopulaçãocarentedacidade.

Não se tem a pretensão de tratar a narrativa literária como real,mas querepresenta sujeitos reais e um período de vida do autor. Jorge Amado em suajuventude residiunocasarãon°68doLargodoPelourinho,e foiesse tempodesuavidaquedeusuporteeinspiraçãoàescritadeSuor.Oprédioconserva-senoLargo,agoracomdiferentefunção.Esteprédiofazpartedoconjuntodeprédiosque formam o Largo do Pelourinho em estilo colonial, são prédios que foramtombados pelo IPHAN em 1984 e seguidamente declarados como PatrimônioCulturaldaHumanidadepelaUNESCOem(1985)epeloIPHAN–InstitutodoPatrimônio Histórico e Artístico Nacional. O sobrado de Suor encontra-se naimagem(Figura1).

OcasarãoqueserviudemoradiaaJorgeAmadoeaseuspersonagenséosegundonocentrodaimagemefazpartedoconjuntodecasarõesestilocolonialquecompõeoLargodoPelourinho.Atualmenteservecomolojade‘lembrançasdaBahia’ecomohotel,tendosidoincorporadoaocasarãodoladoparaisso.

Inicialmente faz-se importante destacar seus personagens, ou seja, osmoradores do sobrado 68: “Operários, soldados, árabes de fala arrevesada,

mascates,ladrões,prostitutas,costureiras,carregadores,gentedetodasascores,detodososlugares,comtodosostrajes,enchiamosobrado”(AMADO,1974,p.230).Ouseja,jánoiníciodolivroemsuasegundapáginatem-seadescriçãodolocal,bemcomodeseupúblico.

Tem-se ainda algo que chama bastante atenção para o fato de umapersonagemquevendeacarajéeoutrascomidasconsideradastípicasbaianas,naporta do casarão: “Uma preta velha vendia acarajé e mungunzá na porta”(AMADO, 1974, p. 230). Este ponto pode ser comparado ao que se construiuacercadabaianidadecomrelaçãoà figuradabaianaqueaindahojeépossívelencontrar diariamente “baianas” que vendem comidas típicas no Largo doPelourinho,bemcomo,emoutraspartesdacidadedeformaitinerante(Figura2).

Na imagem abaixo vê-se uma baiana que vende acarajé no Largo da Sé,localizadonocentrohistóricodeSalvador,emobservaçãorealizadaemtrabalhode campo na cidade percebeu-se diversas baianas que montam suas tendas evendem comidas típicas como acarajé, bolinho de estudante, cocadas, tapioca,entreoutras comidasnos espaçospúblicosdo centrohistóricodeSalvador.Deformaitinerante.

Figuras1e2

Fonte:Acervodaautora,2016.

Outro ponto da obra que merece atenção trata-se do grande número deprostitutas que habitam o sobrado e que vivem em Salvador. Uma vez que sepretende investigar essespersonagens, sujeitosque representamalgo real eque

são considerados construtores da identidade baiana vale ressaltar que asprostitutas explicitamente descritas por Jorge Amado são pessoas que seencontramemgrandeestadodevulnerabilidadesocialcomopercebe-sena faladeNair aovoltar do seu trabalhomalpago: “Euganhominhavida.Quevão àmerda! Deixei o emprego porque não quis ir para a cama com o patrão. Nãoarranjei outro. Havia de deixar você e Júlia morrerem de fome?” (AMADO,1974,p.236),ouainda:

Quando o cáften a trouxe, (há quantos anos? - talvez trinta...) conheceu a bordo omilionário argentino. Não soube também quanto ele pagará pela sua virgindade. FizeracompletaperegrinaçãopelosprostíbulosdaAméricaLatina.Eraviajadaeconheciatodaaprofissão.(AMADO,1974.p.242).

Se por um lado tem-se figuras que são afirmadas serem construídas eperpetuadaspeloturismocomoasbaianas,poroutroladoexistemospersonagensmarginalizados denunciados por Jorge Amado, que através de sua denúnciabuscava melhores condições de vida para estes sujeitos como as prostitutas,ignoradas pelo poder público e que ainda hoje compõem o cenário noturno docentrohistóricodacidade,comoapontaaimagem(figura3).

Esta imagemfoi registradano largodaSé, eatravésdeobservaçãodiárianotou-se que este espaço durante o dia serve como praça onde são vendidosdiversos artigos para turistas, a praça em si também é um dos grandes pontosturísticos deSalvador e é passagempara outros comooElevadorLacerda e opróprioLargodoPelourinho.Noentanto,noperíododanoiteapraçaéhabitadaprincipalmente pormoradores de rua, crianças em situaçãode rua e prostitutascomodemonstraaimagem.Quantoaossujeitosmendigostem-seemSuor:

Omendigodescia a ladeira comopasso tardio, arrastandoopévolumoso, enroladoemresto de roupas, apoiado num varapau que comprara na feira de Água-de-Meninos. Ocabelocaía-lhenorosto,cabelogrisalho,ninguémsabiasedevelhice,sedesofrimentos.Numa das mãos a cuia de queijo onde as esmolas pingavam. O jornal da tarde,amarrotado,debaixodobraço.Paroujuntoàpreta.Eletambémmoravano68,naLadeiradoPelourinhoe,comoosratos,erainquilinogratuito.Dormiadebaixodaescada,enroladona colcha sujíssima, que o cobria havia dois anos sem ver água, a não ser quando semolhava nas poças de mijo. Tinha rombos feitos por dentes de ratos. (AMADO,1974.p.250-251)

Figura3

Fonte:Acervodaautora,2016.

A malemolência e a vagabundagem são exaltadas por alguns autores quedialogam acerca da baianidade. Sendo este outro ponto aqui discordado, pois,analisandoossujeitospersonagensdeSuor,percebe-senaverdadepessoasquetrabalham emuito e que são exploradas diariamente seja pela populaçãomaisrica,nocasodaslavadeiras,seja,pelasempresasdocais,nocasoosestivadores,sejam os demais personagens. No trecho a seguir pode-se refletir acerca dotrabalhodasmoradorasdosobrado68, lavadeirasquevãoumavezporsemananasessãodecinemagrátis:

Nooutrodia,acordavamàscincohorasdamanhã,comosempre...E,notrabalho,lavandoroupa,remendandovestidos,passandoferroemcamisas,lembravamasfitasdavéspera,sedeliciavamemcomentários,asmaisnovassonhavamcomnoivosricoscomumtravodeamargura,elasodiavamavidadiáriacommuitotrabalhoepoucacomida.(AMADO,1974,p.267)

Diversos são os artifícios de escrita de Jorge Amado, sua literatura teminfluênciadaliteraturadecordel,emseuslivrosmuitasvezesexistemchamadasparaopúblicoleitorcomo“notíciasdejornais”,herançadaliteraturadecordel,emCapitães da Areia, o romance começa com diversas “notícias” acerca dosmeninos de rua que incomodam os bons cidadãos de Salvador. Em Suor, esteartifício tambémse fazpresentesobreodesfechodavidadeumoperário.Estetrecho (figura 4) evidencia mais uma vez a luta de Amado e sua tentativa dedenunciarasinjustiçasexistentes.Aindamuitosoutrostrechosdaobrapoderiam

ser aqui explicitados a fimde reforçar as ideias já defendidasdeque se JorgeAmadoéresponsávelpor“criar”abaianidade,esquece-sededizerqueomesmo,usousuaobraincessantementeparafalardosmaisnecessitados.Dosproblemasdaépocaedasinjustiçaspercebidas.

Nestemomentofaz-seinteressanteaaberturaparaageraçãodeambiênciascomeçandopeloestudodomeioemtorno,“Meioentresignificadiversostiposdemediações que situam indivíduos e/ou coletivos perante uns e outros, como asrelações de trabalho, escolares ou familiares, entre outras formas de relaçõescotidianas”(REGO,2010.p.46),deformaqueesseconjuntoqueéconstruídocomos “meios/entre” também se constitui do em torno sendo condicionado pelocontexto,tantomaterialcomosimbólico.

Figura4

Fonte:AcervodaAutora,2016.

Aopensarmos essemeio, estamos trabalhando comSalvador entre 1929 e1930.NoentantoaideiatantodeJorgeAmadocomodosautoresquedefendemaconstrução da baianidade através das obras deAmado compreende um espaçomaiordetempoequetemnítidainfluênciaemsuaobra.

Destaforma,noquedizrespeitoàinvestigaçãodocontextohistóricodaobra

tantoemsuarepresentaçãocomoproduçãotem-seoperíododoEstadoNovonoBrasilinstauradoporGetúlioVargas,esteperíodoficoutambémconhecidocomoa Era Vargas. A ditadura de Vargas perseguiu os comunistas fazendo com queJorge Amado fosse preso e exilado, seus livros por conter forte teor de suasideiascomunistastambémforamperseguidos,proibidos,recolhidosdaseditorasequeimadosempraçapública.93exemplaresdeSuorforamqueimadosjuntodeoutrosdiversoslivroscomonoticiaoJornaldoEstadodaBahiaemSalvadornodia17dedezembrode1937.

Muitosdeseus livrosforamprimeiramente lançadosemoutrospaísesesóentãomaistardepublicadosnoBrasil.OCavaleirodaEsperança:vidadeLuizCarlos Prestes (1941), uma homenagem ao amigo e iniciativa de apoio aosdemaisamigosexilados,foipublicadonoBrasilsomenteapósquatroanosdejáter sido publicado fora do país.No período deDitadura noBrasil em 1964 olivro voltou a desaparecer das prateleiras das livrarias voltando a circularsomenteem1979.Capitães daAreia (1937) que também teve seus exemplaresqueimados, também teve proibida sua circulação sendo republicado sete anosdepois.

Ainterpretaçãodaobraaquianalisadabuscaumacompreensãoalémdaquiloqueaprimeiraimpressãopretenderessaltar,ouseja,estáimbricadanaprimeiraaçãoondese realizauma investigaçãoacercadomeioemtornoeseucontexto,para tanto é preciso ir além da leitura do romance, faz-se necessário ainvestigaçãoemjornaisdaépoca,biografiadoautoredepolíticosdaépoca,poissóassim,épossívelalcançarodesvelamentodasquestõesqueatéentãovêmseapresentandoequivocadas.

ÉprecisocompreenderqueabaianidadenãofoiconstruídapelaescritadeAmadoparaservendidanomercadoestrangeiroeturísticodeSalvador,antesdetudo, ao afirmar tal proposição faz-se extremamente importante analisar aconjuntura política da década de 1970 liderada por ACM, quando tem-se umgrandeinteresseemrevalorizareatrairoturismoparaacapitalbaiana.

Após o período deste governo que faz uma higienização urbana abrindo

novasavenidaseinvestindoextremamentenosetorimobiliáriodacidade,tem-seentãoaapropriaçãodasobrasdeAmadoededemaisartistasparaacriaçãodoqueirãochamardebaianidadequesegundoNunes(2007)éaconstituiçãodeumabase de sistemas de signos e representações que buscam materializar umaidentidade que não corresponde à realidade, mas que é do interessemidiáticovistoarepresentatividadedoturismonaeconomiadomunicípio.

Paraconcluirpreviamenteageraçãodeambiênciasutiliza-seadialógica,ouseja,aambiguidadedesentidosecomplementaridadedesentidosexistentesnessaexpressão.Aquileva-seemconsideraçãoprincipalmenteoperíodoemqueaobrafoiescritaepublicada,ouseja,naEraVargas.NesseperíodoVargastentouforjaruma ideia de nação única, no entanto, percebe-se através da literatura ummovimento contrário a essa busca pela homogeneização e que vai intensificaraindamaisasparticularidadesdecadalugar.

Observa-se na literatura nordestina diversos romances que vão trazer ascaracterísticasdossertanejoseretirantesdeformamuitoforte,aomesmotempoemqueJorgeAmadopublicasuasobrascomsuaspeculiaridades jádiscutidas.No sul doBrasil, neste período osmovimentos tradicionalistas criam diversosCentrosdeTradiçãoGaúchaautoafirmando,assim,todoumimaginárioacercadogaúcho,comsuaindumentária,seuscostumesesuaalimentaçãotípica.

Outropontoquemereceatençãonasuaambiguidadetrata-sedoúnicoladoapresentadopelabaianidadecolocandoJorgeAmadocomoresponsávelpelasuacriação no que diz respeito à folclorização e estereotipação de algo, o que seacredita estar equivocado, diante da argumentação construída ao longo dotrabalho.Vistoquesuasobras têmcomocaracterísticapredominanteadenúnciasocialenãoaarquiteturadeumaimagemaservendida.

CONCLUSÕESPRELIMINARESEsta pesquisa demonstrou que existem ainda muitos pontos a serem

investigadosecompreendidosnoprocessoenvolvendoabaianidadeeaobrade

JorgeAmado,opotencialdepesquisanãoseesgotounestetrabalhodeformaqueinúmerasquestõesforamsurgindoaolongodesuadissertação.

As contradições existentes são significativas e merecem atenção visto aimportânciadeJorgeAmadoparaaliteraturanacional,aindaqueestesejamaisestudado fora do que em seu próprio país, percebe-se assim certo preconceitocom o autor e com sua obra. Vale aprofundar os estudos existentes a fim dedesmitificar preconceitos existentes utilizando a obra de Amado para o que oescritor baiano lutou por toda sua vida, ou seja, na tentativa de romper compoderesqueperpetuameacentuamasdesigualdadesexistentesnãosónacapitalbaiana,masquesãovisíveisemdiversascidadesbrasileiras.

Aautonomiadossujeitoséfomentadanoromancetrabalhado,aopontoqueumadesuaspersonagens,Linda,largaosonhoburguêsdevidaepassaamilitarpoliticamente por direitos melhores de sobrevivência e dignidade. Esta obra,Suor, não seencontra isoladadasdemaisdeAmado, seuenredo trazelementostambémpresentesemoutrasnarrativascomoaconscientizaçãodopovo.

Se em determinado período da pesquisa maior que engloba este trabalhodescobriu-seexistirumgrandepreconceitoaliteraturadeJorgeAmadoquantoacrítica literária que o classificou como regionalista, dando um tom deinferiorização a sua obra, neste trabalho, foi possível perceber um grandeequívocoquantoafinalidadedesuasobras,estasnãotiveramapretensãodecriara baianidade, mas sim de despertar a consciência política da população e dedenunciarasmazelasdestasociedade.

Ainda em passos pequenos e de forma um tanto contida, a aplicação dageraçãodeambiênciasdemonstrouserpossíveldescobrirparaalémdaquiloqueestá impostoemqualquer sentido,pois, sepropõeauma investigaçãoprofundacapazderevelaraquiloqueficanasentrelinhasdotextotrabalhado.Aliteraturaécapaz de comunicar, informar, conscientizar e ensinar acerca de determinadotempoe tipode sociedade, assim,atravésdageraçãodeambiências tem-seumaprofundamento que propicia um desvelamento dessa literatura, que contribuiexpressivamentenasuacompreensão.

REFERÊNCIASALBUQUERQUEJÚNIOR,DurvalMunizde.AinvençãodoNordesteeoutrasartes.5.ed.SãoPaulo:Cortez,2011.

AMADO,Jorge.CapitãesdaAreia.SãoPaulo:CompanhiadasLetras,2008.

AMADO,Jorge.OCavaleirodaEsperança:vidadeLuizCarlosPrestes.RiodeJaneiro:Record,1979.

AMADO,Jorge.Opaísdocarnaval.Cacau.Suor.SãoPaulo:MartinsFontes:1974.

MARIANO,Agnes.AinvençãodaBaianidade.SãoPaulo:Annablume,2009.

NUNES, Camila Xavier. Um diálogo entre espaço e corpo em Salvador.Salvador:UFBA,2007.

PINHO,OsmundoS. deAraújo.ABahiano fundamental: uma interpretaçãododiscursoideológicodabaianidade.RevistaBrasileiradeCiênciasSociais.SãoPaulo,v.13,n.36,fev.1998.

REGO,Nelson.Geraçãodeambiências:trêsconceitosarticuladores.Educação,PortoAlegre,v.33,n.1,p.46-53,jan./abr.2010.

ALTERIDADES

ONORDESTEPELOOLHARFÍLMICO-GEOGRÁFICODOCINEMADECLÁUDIODEASSIS:ALGUMASNOTASINTRODUTÓRIAS

FÁBIORODRIGOFERNANDESARAÚJOUniversidadedoEstadodoRioGrandedoNorte-PPGCISH/UERN

[email protected]

Pós-GraduaçãoemCiênciasSociaiseHumanasdaUniversidadedoEstadodoRioGrandedoNorte-PPGCISH/UERN

[email protected]

INTRODUÇÃOEmprimeira instância,naCiênciaGeográfica,oNordesteécompreendido

como uma imensurável rede de tessituras espaciais, da identidade de seu serlocal,nasuarelaçãosimbiótica,comsuainfinidadedeontologiassocioespaciais.

Deste modo, enquanto recorte da dissertação de mestrado “Identidade esubjetividade noNordeste fílmico deClaudio deAssis” este texto discute, emtermosintrodutórios,qualavisãointerpretativa,queosfilmesAmareloMangaeFebre do Rato, do cineasta Cláudio de Assis, expressa em relação ao espaçoregional nordestino, como uma totalidade plural em identidades culturais, eespaciais.

Logopois,parameiosdecompreensãoteórica-analítica,équestionado:dequemaneiraocineastaCláudiodeAssis,construiuemseusfilmesjácitados,umaoutraconcepçãosubjetivadeNordeste,naformadeumespaçofílmico,ouseja,umainvençãoimagéticageográficadasrelaçõessociaisentreosseusindivíduosregionais,comanaturezaartificialounaturaldeseusespaçosdevivênciareal?

Porquanto, buscou-se articular uma nova contribuição teórica na geografiahumana,sobreosmeiosinstrumentaisanalíticosemetodológicos,queestudemasmudançasocorridasduranteosséculosXXeXXInocenáriopolíticoeculturaldosespaçosregionaisbrasileiros,emrelaçãoàconcepçãosubjetivaeobjetivada

própria identidade nacional de seus espaços urbanos, em conjunto com atransformaçãodosmodosdeviver,falaredesecomportardeseusatoressociais.

METODOLOGIAParaestaanálise,foiutilizadaaperspectivametodológicadeCosta(2013,

p. 252-262), de que ao analisar o conteúdo geográfico presente nas imagens esonsdeumaobracinemática,temqueserobservadoosseguintespontosdevistasobreela:

Avisãodocineasta;aestruturanarrativadofilme;as“locaçõesdosfilmes’’;acâmeracinematográfica,eaintertextualidade–conjuntodereferênciastextuaise imagéticas, que o cineasta usa, para construir a sua própria narrativacinemática.

Para tanto, foi utilizado para a elaboração desta pesquisa, o recortedocumental e sistemático (FACHIN, 2006; GIL, 2010) dos filmes “AmareloManga”e“FebredoRato”,emseusseguinteselementosimagético-textuais:

A substância sociocultural dos espaços/tempos nordestinos. O sentido doqueéperifériconarealidaderegionalretratada.AconstruçãodotemposocialdoNordestevistonoscitados filmes.OporquêdeClaudiodeAssismimetizaremimagens práticas culturais, que constroem os espaços/lugares de vida doNordeste,somentepelodomíniodoerro,doquedoacerto.

Etambémfoianalisadaapoetizaçãogeográficadesteespaçoregional,queépossívelseverexpressado,porAssis,comaajudadoroteirodeHiltonLacerda,comose fosseuma sequênciadeversosescritos,mascomumgrandepotenciallatente, de criar outras naturezas geográficas, de sociedade, emotividade, eespacialidades experimentais, do sujeito regional, com esta terra regional,exótica,inexplorada,edesestabilizada,nofazeredizermoralmentedesordenado,dasuapopulaçãodeexcluídos.

A partir disto, delimitou-se dois diferentes tipos de análise visual e aomesmo tempo textual, para os referidos filmes. O primeiro tipo foi uma

observaçãocontínuae rápidadasobrascinemáticas,o segundo foiumaanálisepausadaedescontínuadosfilmesdosreferidoscineastas.

UMA SÍNTESE SOBRE O MANGUE BEAT, NORDESTE E ESPAÇOFÍLMICO

AfilmografiadeCláudiodeAssisanalisada(“AmareloManga”e“FebredoRato”)foi influenciadapelomovimentoculturaldomanguebeat.Fundadopelosmúsicos Chico Science, Fred 04 Horas, e o jornalista Renato Lins, estemovimentosociocultural,foiarticuladonadécadade90,nacidadedeRecife,emPernambuco,etinhacomoprincípioséticoseculturais,construirnovasformasdeseproduzirereproduziremimagemasculturasregionais,atravésdaunificaçãoentre tendências e estilos do cinema e da música ditos tradicionalistas, comperspectivasmaiscontemporâneasdaartefílmicaemusicalregionalistadopop.

Sendoassim,emseus inscritos,manifestose imagens,ele secaracterizavapordarpreferência,aosgrupossociais,advindosdosetorperiféricodeRecife,noqueconcerneàssuasmanifestaçõesculturais,demúsica,cinemae literatura,emqueosarrabaldesdacidadeeram,eaindasão,ocentrodosdebates,desuaculturaregionalqueésingularnagêneseeevolução(PRYSTON-FREIRE,2004).

Tendo se originado a partir do manifesto “Caranguejos com Cérebro”,publicadonoiníciodosanos90,peloFred04horaseRenatoLins,comoapontaFerreira (2005), este novo estilo cultural de vida privilegiava, em sua estéticacinematográfica, a representação de um Recife, que primava por uma belezaexterior sublime com suas pontes e rios, mas que ao mesmo tempo, eravisualizadoporsuascontradiçõesedesordenamentosespaciaisesociais.

Este movimento explora nos seus planos e ângulos um tipo dedesordenamento harmônico entre as cenas e as histórias contadas, pormeio deações de seus personagens, o tom documental, e também fragmentado de suasnarrativas,ondeoqueimperaéodesacordoentremomentos,eventoseinstantes,pela câmera cinemática, cujo propósito é mostrar outra face do ser social de

Recife,emseusimpulsos,desejos,eformasdeviver,nametrópolepernambucana(FERREIRA,2005,p.03).

Segundo Tesser (2007), este movimento nasceu de dois conceitos. Oprimeiro é de que seus interlocutores deviam ter total liberdade criativa, parafazeredisseminarumaculturaderesistência,entreapopulação localeassuasrespectivasproblemáticasurbanas.Osegundoéqueomangueeocaranguejo,tãopresentes na paisagem natural de Pernambuco, representam a diversidade deidentidades,queestãoemconstantefluideznassuascidades.

Eminentementeurbana,omanguebeatprimaemretratarosespaçosurbanosde Recife, como também do Nordeste, em uma espécie de mosaicodesestruturado, das cenas do cotidiano de seus habitantes, em que se vê anaturalidade da condição cultural e social, dos habitantes das cidadesnordestinas, enquanto algo que está sempre em constante disjunção, em relaçãoaos centros e periferias, que são fragmentados espacialmente, e desconstruídossocialmente(BARBOSA;MACIEL,2012).

Emsubsequência,oNordestepodesercompreendido,pelasciênciassociaise humanas, e em específico pela História e Geografia, como uma construçãopolíticaecultural,daprópriaeliteintelectualepolíticadoSudesteedopróprioNordeste,eminventarestenoséculoXX,enquantoumamanifestaçãoimagináriado próprio todo nacional, que é desviante, ambivalente, e heterogênea, na suanaturezaespacialcinemática,eemseusrespectivosconstrutossociaiseculturais,de narrativa, identidade e subjetividade, dos personagens e espacialidadesregionais.

Consonante a isto, este espaço regional é um tipo de discurso visível edizível, sobre o desejo de seus personagens, sejam nordestinos ou sulistas, dequerer mostrar seu poder sobre a representação em imagem deste espaçoregional,comoalgopeloquesedevelutar,eopoderdoqualosujeitodeveseapoderar para defender as verdades identitárias sobre, no e em relação aoNordeste, como um espaço simbólico imagético, que é pautado por práticas ejogos discursivos, de leitura, troca e escrita, tanto visual quanto textual, de

informações e percepções idealizadas, sobre sua gênese e evolução social ecultural(FOUCAULT,1996,p.10).

Como simulacro de um vitalismo nacional diferente, o Nordeste seria oprincípiosubjetivoeutópicodealgoquejáestáinscritonumrealapresentadoemitificado para ser verdadeiro,mas que é uma imagem errática que absorve osigno de suas imagens referentes, para se transformar em seu próprio signo derepresentação simulada e dita realista para outros, como bem nos lembraBaudrillard (1991, p. 13) ao argumentar que uma imagem simulacro de algo éaquiloqueotransformaemummascaramentoedeturpaçãodoqueéprofundoereflexivo no plano, ao torná-lo simulação pura de sua respectiva visibilidadeespacialesocial.

Entretanto, oNordeste se torna fruto de umahistórica divisão espacial doBrasil, entre Norte e Sul, em que aquela é considerada como a primeiraconceituação deste espaço regional, ao se tornar condição fundante de umaanálise das regiões brasileiras, na perspectiva de compreendê-las no seumeionatural, em vez de também social, onde se olhava o espaço geográfico destas,parasecompreendernumaperspectiva individuale identitária,atravésda raça,meioenatureza,avisãopreconceituosadonordestinopelosoutros,comopadrãode uma deterioração racial, física e intelectual do todo nacional(ALBUQUERQUEJR,2011,p.53-56).

Valesalientarqueessadivisãoerapostuladasobumavisãodeterminista,emqueoclimaáridodoNordestesetransformavaconstantementenumtipodeobjetodeanáliseimagético-textual,quefundamentavaasuapercepçãodesi,apartirdoano de 1877, como sendo uma espacialidade a ser instituída subjetivamenteatravés e com a seca, na qual ela é prenunciada, como principal instrumentopolíticoesocialdeorigemdobanditismodocangaçoedasrevoltasmessiânicas,cujosobjetivoserammarcarestenacondiçãodeterracatalisadoradeestigmasdaviolênciaesemlei,dentreespaçosurbanoserurais,edosujeitocontraooutro,entreasoligarquiasregionais(IBIDEM,p.72-75).

Dessa forma, a classe pobre passou a descobrir um espaço regional que

olhavacomnostalgiasuasfazendasedificadasespacialmentepelascasasgrandese senzalas, pressentia-se a existência de um presente problemático, passadoesquecível, e um futuro esperançoso, namedida em que se via este como umalocalidadesubjetivamenteconstruídanãomaisparaatenderaosinteressesdeseuscapitaisgestores,massimaosdesejosdeliberdadesocialeeconômicadeseusmoradores,sejamestescitadinosoururais.

A partir daí, ao construir geograficamente em imagem e palavra outroNordeste,elefoiaprimoradosobumaidealizaçãomarxista,naqualpormeiododogmadeumprogressobaseadonatécnicaeciência,enasleisquenormatizamosocial, o sujeito regional, via-se o seu desejo de restabelecer sua identidadecultural como unificada, e reafirmada frente aos outros, em vez de múltipla efragmentada das totalidades nacionais, como algomais concreto, que deve seralcançado pela revolução instituída pelo proletariado, em seus momentostemporalmenteconstituídos,pelasuavivênciaesuperaçãocontraaopressãodesuaselitesregionais(ALBUQUERQUEJR,2011,p.208-210).

Porconseguinte,énoespaçogeográficoqueotextocinemáticosecategorizacomopontemediadoradadiferenciação,entreoquetemnorealqueéfictício,oquedefictíciotemnarealidade,pormeiodediscursosidealizados,decomoesteou aquele espaço deve ser apresentado para os espectadores, percebido peloscineastas,einscritopelosroteiristas.

Deste modo, há o seu desvelamento, como algo apropriado, pelasvisibilidades e invisibilidades, físicas e emotivas, presentes nos lugares epaisagens fílmicas, com o objetivo de haver, o nivelamento das experiênciassociais dos atores, desta outra natureza do espaço geográfico, pormeio da sualinguagemvisualeauditiva(COSTA,2011).

Respondendoaestaproposição,aideiadeumanaturezafílmicadoespaçoestá atrelada à de tempo, emdecorrência dadisposição temporal emque estãosequencialmente articulados os fragmentos das imagens filmadas, comosubstância da prática de montagem das cenas, onde o cineasta unifica váriaspartes de uma mesma trama verbalizada, criando outro espaço cinemático, de

acordo com sua vontade (PUDOVKIN, 1983, p. 69). Porque não existeespaço/tempofílmicosemoseuprocessodeproduçãotécnica,atravésdestasuafase de produção e reprodução química, na qual ele é visto, como váriosuniversos espaciais, e não somente um, de acordo com a época que o cineastafilmasuahistória,eoidealdesuavida,queelequertraduziraí.

Noentanto,emconcordânciacomBarbosa(2000,p.83),oespaçofílmicocomo narrativo apresenta-se por meio da exposição, que é o poder dopersonagem fílmico sobre a memória e esquemas de alteridade, do espaçogeográficoemulado.Atraduçãoéconcebidapelasformassensoriaiscomqueosujeitoprojetasuavisãoespacializantedemundo.Eaabdução,nadamaisé,doqueavontadepolíticadodiretoreroteirista,emimplantarnasimagensfílmicassubjetividadessocietárias,queencaminhemoindivíduoaumpresenteefuturo,deesperançasdaordemdamudançaparasi.

Mediante Neves (2010, p. 139), o espaço fílmico não é apenas o quadroimaginário e fragmentado das cenas dos filmes, mas um construto geográficovivido, que é internamente ligado aos personagens e o conteúdo que aí sedesenvolvemdramaticamente,pormeiodamontagememsequênciadanarrativadopróprio filme, a ser feita em síntese, coma colaboraçãododiretor e editortécnico, da respectivapelícula.Ou seja, o espaçono cinema é a representaçãoorgânicadosujeitoqueestáaliohabitando,quandodáaesteomotivodeexistir,não somente no mundo fílmico, como também na sua projeção além deste, aoevocarasemoçõesqueestedevesentir,aopisaremseus territóriosdeorigem,mesmoquecriadoscenograficamente.

Desta forma, o espaço que é usado e retratado no filme reflete novas evelhas normas culturais predominantes, e costumes éticos, estruturas sociais eideologias (AITKEN;ZONN,2009,p.19).Por causa,da suacondição fiel, deespelhocambiante,emestéticaeestruturaçãosubjetiva,das transformaçõesquepodem correr, nas ações e sentidos, da existência humana no próprio espaçogeográfico, que são trocadas, como se fosse o curso constitutivo, de váriasnaturezasculturaisdacidadeecampo,comasquaisassimnãosedefinemaiso

queédourbanooudorural,emsuaconceituaçãoimaginal.Depoisdisto,parte-sedapreposição,queofenômenodachuva,podesero

principalelementodeconstituição,danaturezaculturaldoespaçofílmico,ondeoque brota dos céus dos filmes, não são somente precipitações hídricas, masmemórias da vida dos personagens, com seu respectivo produto material esimbólico (OLIVEIRA JR, 1999, p. 15).Nomeionatural emque a produção ereprodução simbólica do espaço e tempo fílmico se dão, os personagenscinemáticos operam eventos grandiosos, na narrativa dos filmes, onde alteramalém da identidade cultural, a simbologia imagética do respectivo conjunto deestruturasmemoriais,cores,evestimentasobjetaisdoseuhabitarcenográfico.

Achuvanãosetornamaisotempo-climadocinema,masseutempo-história,quando se integra a eventualidades distintas, e irreprimíveis dos filmes, comoumamultiplicidadedechuvas,queestãoconectadas,comoplanodaimprecisãoeindeterminação de nosso universo social, do que está escondido em camadassobreoutrascamadas,emnossospassadossemumamemóriaaparente,pormeiodeumaoscilaçãodesentidosereferências(IDEM,p.54-56;150).Issoacontece,quandosemummovimentoesclarecedor,ospersonagensfílmicos,danificamsuaintegridade física e moral, ao desferir ações violentas, tanto verbais quantocorporais,contraoseuoutro,comnenhumobjetivodefinido.

E se opondo a esta percepção que a noção de espaço fílmico ficatransmutadaanãosersomente localdaaçãoesignificadosnarrativosdofilme,mas aquilo que está presente na totalidade deste, em seu plano, quando écomparado a uma espacialidade pictórica; o da cena, onde sua estruturaçãoespacial é homogênea, com a história contada; e da montagem, que édefinitivamente abstrato (AUMONT; MARIE, 2006, p. 104-105). Estessignificantes são instrumentalizados na imagem fílmica, quando estes sãopropostos,aoseupúblico,naformadeumaperspectivaobjetiva,semintervalos,intervenções,oualterações,doconteúdogeográfico,queofilmedesejaaprender,paraseusinterlocutores,leitoresecríticosculturais.

Emconformidadeaisso,QueirozFilho(2011),emseuensaiosobreofilme

Avila, articula a acepçãodeumespaçopresentenos filmes, que éutópica, ouseja, pura, e intocável fisicamente aos personagens, de fora e dentro dasespacialidades urbanas e naturais, da narrativa cinemática, como algodiscursivamentebeloeperfeito.Emoutrostermos,seguindoosargumentosdesteautor, o espaço nas tramas do cinema é uma possibilidade visível de o sujeitosubstanciar seu movimento nestas, como uma espécie de fator irracional, dasmudanças, que são passíveis de se realizarem, no seu destino arruinado, ouesquecido,dentreosseuscontextosfictíciosdoreal.

UMDIÁLOGOSOBREOCINEMADECLÁUDIODEASSISOcinemadeAssisevidenciaemsuanarrativa,comumtomdocumental,o

mundosocialdoshabitantesperiféricosdosespaçosurbanosregionaisdoBrasil,comtodoorealismodeseussentimentos,subdesenvolvimentoeconômicofrenteàeliteurbana,ecriatividadeparasobreviveràscontradiçõesespaciaisqueavidalheimpõe.

Em concordância com isto, este cineasta privilegia o espectador, comhistóriasmontadasnaformadequebra-cabeça,emquecadacenanãoéconstruídapelalinearidadedeseuroteiro,massimpelavisãoafetualdeseuspersonagens,quedeveserconstantementedesconstruída,transgredida,efalada,paramostraranaturezaabissal,doscorpossociaiseespaciaisdascidadesregionais.

Estes,medianteRancière(2012),falamsobresuasexperiências,trajetórias,ememórias,nasuaconvivênciacomoscircuitosecaminhossociaiseculturais,novos e desconhecidos, de uma nova identificação dos espaços do habitarnacionaiseseusmoradores,comoumafiguraindecifrável,emconstantemudança,hibridizaçãoesobrevivência,asmetamorfosesdeseuolharsobresi.

Umponto forteque évisto sobre a cinematografiadeAssis, é a crescentecontradiçãoqueseuspersonagenssofremdurantesuastramas,emrelaçãoàssuasvidas e destinos dentro daquele contexto fílmico, aomostrar um corpus socialnordestino,queéarquitetadopelosdesejos,pulsoseimpulsões,dequereremsair

deumarotina,pormeiodeaçõesnadacomuns,contraoseusemelhante,atravésdeatosdesexoeviolênciacontraoqueénormalperfeitoeopressor.

A cor dos cenários é um fator interessante que foi visto no seu fazercinemático,aomostrarosignificadoocultodaqueleespaçoeespacialidade,queestárepresentadoemtela,noqueconcerneaovitalismosocialdeseusatores,àsmudanças brutais em suas histórias, durante o desenvolvimento narrativo dosfilmes.

Emoutraspalavras,elenãoéumaconstruçãoespacialmítica,ondeoespaçoque é visualizado não está à parte totalmente da realidade nacional, mas emconcordânciacomesta,sobaqualosconflitosviolentosdevivênciaentreosseuspersonagens é que mostram a estruturação identitária daquelas espacialidadesrepresentadas em sua narrativa, como algo precário, desordenado espacial etambém socialmente, e habitadonão sópor um tipode indivíduo regional,massimporvários,emsuaconstituiçãocultural,cujopapeléser inseridocomoumtipodecorposocialfixodestesespaços,enãoexclusivamentetransitório.

O NORDESTE ESPACIAL-FÍLMICO DE CLAUDIO DE ASSIS:INCURSÕESINICIAIS

Para se analisar o olhar geográfico do cinema, sobre este citado espaçoregionalbrasileiro,pensa-senaobravisualdocineastaCláudioAssis,nosfilmesAmareloMangaeFebredoRato,nacondiçãodeumafantasiadoreal,instauradadesignificadoseformas,dassuascenasdevidarotineira.

Paratanto,esteéaquiarticulado,enquantoumtipodemeiogeográfico,decoisas,objetos,formas,fenômenos,eventos,ememóriasespaciais,destituídasderegularidades,sentidosetemposperfeitos,ouseja,umespaçoemdistopia.

Desta forma, ele se inscreve como uma ambiência espacial, onde anormalidadedos fenômenosculturaisesociaisse tornaumaanomaliadiantedafragmentação hipnotizante dos impulsos e desejos, sobre e em relação ao seucondicionantehumano.

Sendoassim,eleconstruiunaformulaçãodestesfilmes,espaçosgeográficos,vivos, e densos, numa profundidade subjetiva e afetiva (DELEUZE,1985), eobjetivadesignificadostransitivosdesuafunção,aoolhardoator-espectador,edoespectador-leitor,numaespéciedemundonacionalpróprio,queestásemprecambiante e desviante, pautada na inconstância espacial/simbólica das coisas,intenções, e reações, pormuitas vezes violentas e agressivas, asmudanças queacontecem na dimensão temporal e física, do cotidiano das espacialidadesperiféricasregionais.

Há também nas ambiências espaciais dos citados filmes, meiosclaustrofóbicos,queinspiramnãoumaconformaçãodasensibilidade,dehabitaresteoudaquelesersocial,naqueladeterminadanarrativasobreesteespaço,masumamudança do que ele é, virá a ser, ou estar sendo, no tocante a singularesatributos,queomovimentardoroteiro,dacâmeraedoespaço,ondesuahistóriaestásendofilmada.

Istoéimpostoporele,pormeiodoolhardosreferidosaparatoscinemáticos,emconsonânciacomodiretor,comocondiçãofundante,paraqueexista,nãoum,masvárioshorizontesdevida,nestaoudaquelaconstruçãoespacial,insalubreeinebriante,porcigarros,bebidas,mulheresdespidasdepudor,jogosdeprazereviolência,entreatoreseparticipantesdascenasdestesfilmes,naformadematrizprimária, de outra conceituação estética, de elementos visuais e verbais, daexterioridadeidentitáriadoespaçoregionalnordestino.

AaparênciaqueCláudiodeAssisexpressou,contingentementedele,sãoasfissuras inconscientes de imagem, que aparecem, no cerne visível, dos espaçosgeográficosqueelemostraemsuasobrascinematográficas,atravésdosdiscursosocultos,contidosnumpalavrão,numletreiroilegível,deumapousada,amulherquepintaocabelodeamareloouvermelho,eohomemsatisfeito,quandopraticaosexocommulheresmaisvelhas.

Sendoassim, essas rupturasnoespaço-tempo fílmiconordestinoexpressaspor este cineasta seriam a segregação transformadora de olhares, dizeres epráticassociais,entreosindivíduos,paracomomundodosobjetos,materiaisou

imateriais que o cercam, durante a anormalidade imagética de seu pulsantevitalismoregional,numaespéciedesimbiosedepensamentoecorpo,aofuscantee constantedesconstruída emsignificantesvisionários, gênese espacializantedenordestino,contidoemseuinterior/exteriorimperfeito.

Outro elemento deste, no cinema deAssis, é a desconexão imediatista deaspectos figurativosdashistórias,nãodos sentidos simbolistasdosespaçosemqueocorrem,em locais e acontecimentos singulares,masconvergentesentre si,comoumaconversasobrebanalidadessexuaisdocotidiano,quepodeocorrernamesa de café damanhã numa pousada, como também num bar, entre cheiros esaboresdebebidas,sexoeviolência.

Este parecer, que se circunscreve, é da grafia espacial das cores, dasvestimentas, ou da movimentação dos personagens destes filmes, em outrasdimensõesontológicasdoreal,quenestessãofabricadas,emseuexteriorfísico,peloquefazem,enãooquedizem.

O TERMO DESVIO NA REPRESENTAÇÃO GEOGRÁFICA DONORDESTE,NOCINEMADEASSIS

O termodesviante éoquemelhor se adéqua aumapossível interpretaçãogeográfica do cinema de Assis, sobre o espaço nordestino, quando nesta sãodescentralizados os cantos demundo (BACHELARD, 1993), isto é, os cosmosimperfeitos,deações,reações,objetos,ecoisasdarotinadapopulaçãoregional,em que ele exteriora, não como uma contiguidade constante dos centros paraperiferias,damaterialidadepujantedoprimeiro,paraaexterioridadeinadequadae fascinante do segundo. Mas sim como uma espécie de vertigem imagéticapropiciadapelos cortes adequadamente rápidos e excessivosdeuma cenaparaoutra, que Cláudio Assis faz com todo seu aparato cinemático, para construiroutro imaginárioperceptual,dequeas centralidadesespaciaisdoNordeste sãouma existência meramente ilusória, passageira, e sem princípios fundantes, notocanteàinstituiçãosubstancialdoserhumanoeobjetal.

Conquanto, parafraseando Carneiro (2015), irá haver aqui, a presença deoutranaturezanaturalfílmica,desistemas,técnicas,eventos,ecoisas,primadospelasmudançasdanaturezasócio representacionaldoperiférico,emqueesteéarquitetado,paraservirainteresses,comumentepolíticos,eideológico,ditosnãolineares,eincoerentes,dehomens,sejamelesosprodutoresdaintençãofuncionaldestetipodeespaçoouaquelesqueatuamnele,eemrelaçãoaele.

Destaforma,aoutravertentedesviantequeseconstataédamutabilidadedaspersonalidades, que aliteram o ritmo de vida, de determinada espacialidadecênica/concreta, vistas nas histórias vibrantes e também transbordantes dereviravoltas,nanarrativasobreosespaçosnordestinos,queopresentecineastaconstrói em termos significantes, e sem nenhum comprometimento com arealidaderegionalpercebidaporele.

Esta transformaçãose revela,namedidaemqueCláudiodeAssispropõe,atravésdoolharcaminhantedesuacâmera,roteirosecenáriosabsurdos,sobreoNordeste, libertar por meio de ações transgressoras, o conjunto de ideias emaquinações verbais e corporais de seus seres animados, e inanimados. Isto é,estarem sempre esperando, sem conseguirem alcançar instintivamente a rotaçãounidimensionaldesuavida,entreumaconstanteoperaçãodecatarse,quevenhaase internalizar na polaridade de trejeitos, vestimentas, e vulgaridades,envolventesdoseuinconscientevisual,táctil,auditivo,olfativoesensorial.

EXPRESSÕES DE UMA CINEMATOGRAFIA GEOGRÁFICA-IDENTITÁRIA SOBRE O NORDESTE: OS RECORTES DE CENA DECLÁUDIODEASSIS

Há a constatação de um despertar, de outro desvio espacial, que é o dassequênciasdecenas,destasobrascinemáticas,formuladasporCláudiodeAssis.Noprocessodemontagemdestas,odiretorprivilegiouocortebruscoeviolentodecontinuidade temporaldasnarrativas, sobreasespacialidadesperiféricasdoNordeste,tendocomocenárioacidadedeRecife.

Istoseobtém,pormeiodeumajustaposiçãoveloz,eaomesmotempolenta,dos espaços vistos em cenas, pormeio da junção de porções fragmentadas, deseus fenômenos sociais, num tipo de quebra-cabeça visual, onde não existelinearidadedasprópriastramasespaciais,quandoumatemlimite,nanarrativadaoutra, sem, portanto, adentrarem nos sentidos das ações e objetos usados nasimagens fílmicas, de uma singularidade espacial nordestina, como um bar,prostíbulo,ouumapousadamalestruturadafisicamente.

Arepresentaçãodestetipodecortedescontínuo,entretextoscinemáticos,deumacenaparaoutra,expressanasreferidasobrasdeAssis,amovimentaçãodeumamultiplicidadedeidentificaçõesgeográficasdesteespaçoregional,quesãoefêmeras,nominutoemquedeterminadaaçãoépromulgadaporpersonificaçõescinemáticas, diversas em pensamento, e atitudes sobre sua vida localista. Estadescontinuidadeformulaafidedignaacepçãodeumarealidadegeográficanaturalpor definição, através da relação entre o pensar sobre os espaços fílmicos e orelembrar deles, o que aconteceu ou ainda irá ocorrer, em “Febre do Rato” e“AmareloManga”.

Buttimer(1985)eSchrag(1969)observamcomosendoumaexperiênciadohomem imaginário/concreto, com este mundo, no qual ele o percebe, vive e ocompreende, na condição de horizontalidade, da respectiva existência do serdestemeioespacial.EsteéconquistadopormeiodasimagensfílmicasdeAssis,por sua vontade feroz por mudança, defendido pela violência e poesia de seucorpo,ealma,contraaperfeiçãoafetivadesua terra real-irreal,exploradaporprazeresincomunsesexualizados,utilizadacomosuporte,paraseudesejodeselibertar, da exclusão espacial da sua vivência social, e dominado pelos atorescênicos/concretos, em relação ao que eles ambicionam, em sentir, e idealizar,sobreastramasculturaisdestesespaçosfílmicosdeteorregionalista.

UMAVISÃOGERALSOBREAPROJEÇÃOESPACIALDACÂMERADEASSIS

Semprecomumavisãopanorâmica,noplanodefilmagemdeatores,casaseobjetos, a visão subjetiva da câmera de Assis, focaliza de cima, e tambémhorizontalmente, nos quadros cênicos destes, desde um menino olhando umamulhersetrocar,adoishomensfazendoumaorgiacomduasmulheres.Estetipodeintervençãodacâmera,nocotidianodastramasfílmicasdessediretorrevelaatransitividade de olhares, e saberes, que um espaço cinemático regional, comoestejácitado,podetransmitiraospersonagens,naproporçãoqueosrevelacomoalguémou alguma coisa, que se restringe a umdúbio representante, passivo ouativo,doencadeamentodesituações,queali,noespaçogeográfico,queservedereceptáculo desta sua vida social, estão em inaudíveis profusões, de dizeresdizíveisenãodizíveis.

Nesta percepção, o principal sentido espacial é ver o que está oculto, emtermossensoriais,naformulaçãocênicadaquelaporçãofragmentadadecotidianoregional, que Cláudio centraliza, num visionamento totalizante, através de umacâmeraobjetiva,massubjetiva,nossignosgeográficos,presentesnessascenas,equesedistancia,porinstantesfrenéticosparaoferecerassuasações,eosobjetosque as suportam, a dúvida do que sentir e ver, em seu passado incorreto, seupresentesexualizado,eseufuturoviolentador.

Não obstante, o aparelho do cinema é comensurado por lentes que sãosentidaspeloolhardodiretoredoespectador,comosetivessemtrêmulasdeummedo,emconseguircompreender,queaçõesanormaissãoaquelasaferidas,sobreuma determinada espacialidade nordestina em sua visualização imagética, ondemesmoacâmera,querendosedistanciardaquiloquevê,elaaindaofaz,pormeiodopoderdemanejo,deseuportador,sejaele,oreferidodiretorouseutécnicodecâmera.

OOLHARSUBJETIVODACÂMERAEMAMARELOMANGAEFEBREDORATO

O olhar da câmera de Assis é espacialmente viajante, que focaliza os

espaçosfílmicos/reais,de“AmareloManga”e“FebredoRato”,comosefossempassagens fluídas, da identidade de seus moradores, e suas memóriasinstantâneas, sobre o presente desolador deste seu espaço narrativo. Porintermédio do close-up, por vezes transmutável, do movimentar da câmera nafachadavisível, deparedes ruídaspelo tempo, caras cansadasdeviveremnumtempo rotineiro, ações de quebra da continuidade espacial, da história, de umapersonalidade,ouaanarquiadopovoregional,dasáreasperiféricasnordestinas,contra a usura excludente, dos seus espaços vivenciais, em relação a outrosgrupossociais,ousuperfíciescentrais,urbanasoururais.

Em “AmareloManga”, a projeção da câmera causa uma nova espécie deestranhezaaoqueestásepassandonanarrativa,comoseaqueleespaçoretratado,nãofossepertencenteàrealidaderegional,aoapresentá-loemconstantemutação,comoaquiloquenãosevêperto,deseupróprioarquétipodeindivíduohumano,massimlonge,nacondiçãodeser,queandaporterrasfantásticaslocais,ondeapaixão doentia de seus seres por si, ou com os outros, é a motricidade dasubstância de significados, por muitas vezes inebriante, sobre as construçõesespaciais do Nordeste, em suas casas, comércios, e centros de sociabilidadeideológica.

Com este propósito, Assis nos propõe neste referendado filme, que suacâmerasetransformeemstalker1,ouseja,queestejasempreemcontatovisual,com seu alvo de representação/criação nordestina, estando em constantefuncionamento,parafitá-loadistanciamentosinquietantes,emplanodefilmagens,alternadamentemédios,efechados,ondesófocalizanumaespéciedevisãomaisgeral e aberta deste, em determinado quadro neste filme, quando acontecem osmomentosdeclímaxdashistórias,anteseentreoquesepassaráevirádefatoaserealizar.

Elenãodeixaesteseuaparelhoocular,produzirumasubjetividade,passivae quietante do que é viver no Nordeste brasileiro, para quem presencia seushábitos costumeiros, dentro e para além do filme, em específicas comunidadeslocais, às quais devota sua metrificação cultural, na qualidade de um

encadeamento de atitudes verbais, sempre decididas pelo olhar instigantedaquelesquepassampeloslocaisqueestãoencenandoconcretamenteoutrafasedevidanordestina,articuladaporobstáculosasua indiscriçãodepensareagirempúblico.

Omodo de olhar imagético desta, também representa a insegurança atual,queosseressociaisdoNordeste,vivemaoandaremsuasruasquebradas,pelainaptidão dos governos estaduais em consertá-las, casas de entretimentohistóricas, como bares, hotéis e pousadas, em ruínas pela corrupção social daelite nordestina, que não só as conserta devido à falta de compromisso com apopulaçãomaishumilde,doscentrosmarginaisdascidadesecampos.Causandoassim,afomentaçãoporpartedestacâmerade“AmareloManga”,demilolharessobre os preceitos preconceituosos, a este espaço regional, como alguma coisaqueéincansavelmenteperseguida,emvezdeesquecida,pelodevaneioreticulardeseusatores/autores,naperspectivadeseremfictíciosounão.

Em“FebredoRato”,oolharde suacâmeraémaispacífico,porqueviajaentre as narrativas deste filme, como se estas fossem rotineiras, no tocante aosacontecimentos que ali se desenvolvem num horizonte perfeito temporalmente,dasvivênciassexuaisepoéticasdoNordeste,edoseusujeito,queépretendidopelosatoresdeCláudionestefilme,naconsciênciaindividual,queeleexpressa,nos seus espaços cotidianos, ao mostrar pelas horizontalidades, o tipoexperiencialdefilmardestediretor,apotênciacriadoradenegadaemsimesmo,notocanteàqueleseumundosingular.Feitodecruzamentoseintercruzamentos,desentidosepráticasespaciaissobreeste,quesãoconstantementefechadosemsualocalizaçãonordestina,masexclusivamenteabertosaoutrasfuturasoupassadashistórias,desentidosepráticasmutantes,deobservaçãoeobjetificaçãodestas,ou naquelas espacialidades regionais pelas lentes desta aparelhagem ocular docinema.

Nisso, a passividade da câmera, frente à coerência perfeita e linear dosacontecimentosqueelemostraemumaexageradalentidão,emtodasascenasdofilme“FebredoRato”,ganhaumsentidoconotativodeintimidade,paracomseus

atoreseespectadores,comoseaagressividadecomqueelemostraaatividadesexualedeanarquiadospoetas,malandrosedesvalidosdasociedade regionalnão fosseobjetodesegregaçãodaelite local,massimfiguras robóticasdasuaprópriavidanordestina.Jáosnexoscausais,estãoresidentesnosarcosnarrativosdestefilme,quepromulgamumvisionamentolento,mascoerentementeconscientedeumapolítica imagéticasobreperceberoespaço regionaldoNordeste,comocampode tensões, rupturase fraturas,entreasnegociaçõesocorridas,doqueosujeitoregionalexpresso,emcorpoefala,sobreseusafazeresmoraisnestaobracinemática,paracomaimagemdestas.Issoépossívelporintermédiodojogodeluzesesombrasmonocromáticas,depretoebranco,noscenáriosdestefilme.

AINSERÇÃODOTEMPONONORDESTEFÍLMICODEASSISCorrelaciona-se que o tempo, nos citados filmes de Assis, não é o dos

cineastas,quesãoconcebidospormaquinaçõessubjetivas,dacâmera,dojogodeluzes e sombras nas cenas, pelos cortes nas imagens dos filmes, ou pelaroteirizaçãodoqueestásendogravado,massimodosgeógrafos,queprevênumaperspectivaemSilva(2000,p.20-21),atemporalidadedascoisas,dosobjetos,edoselementoshumanos,da realidadeconcreta.O tempoépostoemcena,numanarrativa sobre o espaço, neste caso, o imagético do Nordeste, que pode serexpresso pelo percurso sistêmico que a natureza artificial, humana ou objetaldestefaz.

Este percurso temporal é diferente em Cláudio de Assis, devido ànaturalidade, que ele o exprime, como algo que o sujeito inscreve, nametamorfose, que sofrera sua afetividade no tocante ao seu lar, a partir de seuolhar mortificado pela monotonia de seu vitalismo social, a lembrança de umpassadoboêmio,enalutacontraareclusãoespacialdesuaidentidademarginal,frente ao elitismo de costumes e hábitos das pessoas que dominameconomicamente,ocomportamentoculturaldeseuspares,eosqueservemestes,ouseja,apopulaçãodebaixarenda,dascomunidadesperiféricasdoNordeste.

O passado neste, seria o caminho que os atores de “Amarelo Manga” e“FebredoRato”fazemsempreaoiralocaiscomunsdocotidiano,impregnadosde coerência pregressas à formação destes, que ainda sobrevivem no seupensamentodevida,comoalgoarcaico,herdado,masnãonaformadeumobjeto,uma fala, ou expressão facial, que quer ficar expresso neste, mas sim umaentidade, transpassada através desta espacialidade, já memorizada, e vividadiversasvezespelopovolocal,comoforçadaintençãodemudançaparaele,eseusagenteshumanosdesociabilidade.

O presente é o vivido esperado, como inesperado dos momentosracionalmenteinconstantes,ondeaspersonalidadescênicas,comoodonodeumboteco,ouoempregadodeumhotel, estãoemumaconstanteesperaporalgumevento que irá acontecer, não estando preparado para ocorrer naquela hora, oulocal, mas mesmo assim se realiza, devido a algum fator evidentementealardeável.

Ofuturonestepercursotemporal,écomosefosseumaestruturadeeventosesquematizados, pela narrativa do citado diretor, para serem descontinuamentedesconstruídos, na natureza social dos seus objetos, e eventos cênicos, aacontecerempormeiodeatosdeviolênciaesexo,doselementoshumanos,paraassimelesexperimentaremaquieagora,umfuturoalmejado.

Em“AmareloManga”,ocaminho temporal é seguidopelomovimentodospersonagens, e objetos fílmicos, a eventos não planejados, que sãocompartilhados por estes em reações brutais de violência, paixões, e prazeresinadequados.

Issoestáinadvertidamentereveladoasi,nocursodatramadaqueleinstanteencenado, como uma espacialidade que foge à efemeridade do tempo humano,para seguir a instantaneidade lenta, mas muitas vezes rápida, dos própriosintercursostemporais,darespectivaimaginaçãocinematográfica,dasconstruçõesespaciaisfictícias/reais,daregiãoNordestedeAssis.

Talarticulaçãoépromulgada,atravésdainsurgênciananarrativacinemáticadestefilme,dosiresevires,entreumacenaououtradeste,noqueconcerneao

falar das expressões dos heróis incorretos dele, ao que dizem, sobre odesenvolvimentoregular,dosfatosinsólitos,quepodemocorrernumaigreja,bar,ouumapousadaarruinadafisicamente.

Nestecaso,oiréaperambulaçãoquaseresoluta,queo“sujeitoregional”,nanarrativadeAssis, fazentreseusespaçoscotidianos,parapodersobreviver,aos seus destinos factuais, sem revelações surpreendentes, ou esperançasrealizadas.

Enquantoqueoviréoenfrentamentodasadversidades,vistasnosespaçoscinemáticos,destahistóriaemsi,játraçadapeloroteirodeHiltonLacerda,comoalgonatural,eindependente.

Em outra vertente angular, o caminho temporal de “Febre do Rato” éestabelecidoapartirdeumaclaustrofobiainebriante,deondeosujeitoregionalvivenumconstantesufocamentodeinstantes,momentoseeventospassageiros.

Em“FebredoRato”,estaorganicidadedotempoéassim,ocaminhodeumaforçadeatração,totalmenteirreversível,queinterpelaohomemnordestinoaseuniraoseuduplo imperfeito,ouseja,àpessoaqueofazquerersemovimentar,contra as injustiças da vida regional, numa duração efêmera,mas constante designificados.

Por isto, Cláudio especifica nas imagens deste filme, feitas em preto ebranco, que a construção do tempo para esta região é formulada através daduração, das sensações tácteis, que os intérpretes deste têm ao adentrar emquaisquerambientes.

CONSIDERAÇÕESFINAISONordesteaquivisto secolocacomoumaestruturaespacial formadapor

atores/antagonistas,eseusdiversosplanosdevivênciautópicaabortados,porseudesejoincessante,emsobreviveràsusurasdeseucotidiano,pormeiodasloucastransições, de sensibilidades e alteridades deslocadoras. Porque o referidocineastapropõeeste,apartirdeumaespéciedeviagemaserfeitaporseuagente

cênico, isto é, os personagens, pelos espaços que não conhecem, ou os que jáestãoestranhamentefamiliarizados

Nestadireção,Cláudionosevidenciaa intenção,dequeopensarsobreosespaços,daexistênciahumanaeobjetaldestalocalidadeéefetuado,quandoesterevelaqueasconjunçõesorgânicas,dohumanonordestino,comainfinitanaturezadeobjetosqueocercamédeterioradanasuaessênciaafetiva.

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1Termoeminglês,paraperseguidor,quesereferetambémàcâmerasubjetiva,naqualparaMachado(2002,p.10-11),éuma“construçãocinematográficaemqueháumacoincidênciaentreavisãodadapelacâmeraaoespectador e a visão de uma personagem particular”. Em outras palavras, eu – espectador – vejo na telaexatamenteoqueapersonagemvênoseucampovisual’’.

IRREVERÊNCIASETENSÕESDOLUGARNALAVOURAARCAICADERADUANNASSAR:ENTREAPARTIDAEORETORNO

CARLOSROBERTOBERNARDESDESOUZAJÚNIORProgramadeGeografiadoInstitutodeEstudosSocioambientaisdaUFG

[email protected]

ProgramadeGeografiadoInstitutodeEstudosSocioambientaisdaUFGmgalmeida@gmail.com

INTRODUÇÃOConfiguradacomoumaobraoutsideraoperíodonoqualfoilançada,1975,

aLavouraArcaicadeRaduanNassarfogedoestiloderomancepanfletárioparadiscutir questões concernentes aos arcaicos conflitoshumanosnoâmbitodo lar(ABATI, 1999). Caracterizada por não se desdobrar em um tempo-espaçoespecífico,aobraabrangepossibilidadesdeserexploradapelaleituracriadoradaquelequenelamergulhar.

O enredo trágico narra em fluxo de consciência, por meio da partida eretorno de André, protagonista da obra, o conflito entre tradição e liberdade,poder e afetividade, fundamentalmente: eu e outro (RODRIGUES, 2006). Astensõesquesedesdobramno lugar-lavourasãodeumtempoarcaicoe retratamelementoscontraditóriosdaexistênciahumana.

Pelahýbrisdoprotagonista,olugarsedesconstróieécontinuamenterefeitocomoconsequênciadesuairreverênciafrenteàordemmoralimpostapeloregimepaterno. Em confronto ao patriarcado do lar, o pathos subversivo de Andréocasiona-se em rupturas aos vínculos do lugar de modo a consubstanciarespacialidadesdetensão.

O personagem principal nos propicia uma perspectiva de lugar quetranscendeosespaçosdeapego.Pelosvínculosdeancestralidade,paixão,força,

corporeidadeenatureza,Andréevidenciarelaçõesquedesdobramumcotidianofamiliar de sentimentos obscuros. Nesse espaço de contradições presentes nodramatrágico,adialéticasujeito-lugarseapresentacomomododecompreenderastensõesadvindasdeumaordemmoraldensa.

Desde o cultural turn na geografia (ALMEIDA, 2003), perspectivas deinterpretaçãode (con)textos artísticos têmadquiridocrescente relevância.Maisdoquefontedocumental,aliteraturaoferecejanelaparaleituradadensidadedasespacialidades humanas. O olhar geográfico, portanto, possibilita oestabelecimento de hermenêuticas baseadas nas categorias, nos conceitos eanálisesdessaciênciaparadecifrarelementosespaciaisnotextoliterário.

Compreende-seque“arigor,todaobrahumana,materialounão,possuiumadimensãoespacialinerenteeinalienável,quenãoémeroreceptáculooupalcodaaçãohumana”(MARANDOLAJR;GRATÃO,2010,p.9).Aoexploraromundo-cenárioemquehabitamossujeitos-personagensdaLavouraArcaica,épossívelestabelecer relaçõescomasexperiênciasdossujeitos-reaiscomosespaçosemqueseinserem.

Aoconsiderara leituracomocriaçãodirigidacombaseemSartre (2004),realiza-se a imersão na obra de modo a buscar nela sua geograficidade. Pelaperspectivadafenomenologiaexistencialista,intenta-seestabelecerfértildiálogohumanistarumoàcompreensãodascontradiçõesedensidadesdolugardeAndré.

Nas efervescências poético-líricas do personagem-narrador aparecemelementos da lavoura que permitem interpretar o lugar por meio da ruptura esubversão.A leituraéumapropostadepensá-losdemodoaembarcar emumajornadaintrospectivaquecorrelacioneaobraliteráriaàinterpretaçãogeográficaconcernente.

Por meio da interpretação geográfica, os elementos apresentados pelanarrativa propiciam fértil discussão acerca das possibilidades explicativas dacategorialugar.Paraalémdossentimentosdepertençaeidentidadeestabelecidoscomo embasamentos desse conceito (TUAN, 1983), a obra é um convite aoquestionamento:quelugar(es)asirreverênciasetensõesarquitetamnastramase

camposdaLavouraArcaica?

ARCERCADAPARTIDAPela narrativa de fluxo de consciência de André, somos introduzidos ao

mundoarcaicodalavoura.Noprimeirocapítulodaprimeiraparte,Apartida,oprotagonista recebe a visita dePedro, o primogênito, que ressalta as ausênciasquesãogeradasnolarpelafugadoirmão:

[...]cadaumdenóssentiumaisqueooutro,namesa,opesodatuacadeiravazia;masficamos quietos e de olhos baixos, a mãe fazendo os nossos pratos, nenhum de nósousandoperguntarpeloteuparadeiro;efoiumatardearrastadaanossatardedetrabalhocomopai[...](NASSAR,1989,p.23).

Pela saída deAndré a lavoura se desfigura.O ambiente pretérito de umaidealordemfamiliarédesconstruídopelaausênciadeumfilho.Ossentimentoseações retratados pelo primogênito evidenciam objetos que são caracterizadospelopesoquerepresentamnamedidaemqueapresençadossujeitospersonificao lugar. A fala, que se costura pelo mesmo fio lógico dos discursos paternos,evocaumlugardeintimidadesquetentaresgatarofilho“perdido”.

Nocontextocamponêsemqueospersonagensseinserem,olugaréresultadodevínculosquesedesdobramemtensõesquetransbordamdoravantesuasaída,equemanifestamemsuaslembranças.Elequenopluralsãocomo“lugaressãoaspartes da realidade espacial que foram reclamadas pelas intenções humanas”(KARJALAINEN, 2012, p. 7). Nota-se que o espaço em estudo é fruto dasrelaçõesquenelesãoestabelecidas.

Ageograficidade(DARDEL,2011)daLavourasemanifesta,destarte,pelospersonagens, que lidam com os sentidos que são consubstanciados pelosdiscursospaternosepela lógicafamiliar.Háumnexo tópicofundamentalqueéarquitetado pela maneira em que família-casa se interconectam comodesdobramentos nítidos da noção do lugar em que os sujeitos fazem suasexistências.ConformerelataAndré,emumsermão,oPai:

[...] falouqueestandoacasadepé,cadaumdenósestaria tambémdepé,equeparamanteracasaerguidaeraprecisofortalecerosentimentododever,venerandoosnossoslaços de sangue, não nos afastando da nossa porta, respondendo ao pai quando eleperguntasse,nãoescondendonossosolhosao irmãoquenecessitassedeles,participandodotrabalhodafamília,trazendoosfrutosparacasa,ajudandoaproveramesacomum,eque dentro da austeridade do nosso modo de vida sempre haveria lugar para muitasalegrias, a começar pelo cumprimento das tarefas que nos fossem atribuídas [...](NASSAR,1989,p.21-22)

Entrecamponeses,“comoemqualqueroutrogrupo,acasaémaisqueumaedificação; ela é também uma unidade simbólica” (WOORTMANN;WOORTMANN,1993,p.107),representativadeseusvínculos.Naescaladolar,há a possibilidade de reprodução de um modo de vida em que os elos dereciprocidade entre os membros do núcleo são pautados pelo patriarcado quecondensaanecessidadedeadesãoaogrupopormeiodolegado.

O Pai, na condição de homem-livre (ou seja, Pai-de-família), impõe seusaber-fazercomoúnicaviadeexistirnolugar.Asalegriasaqueeleserefereemsermãodizemrespeitoàsanulaçõesqueessaformasocialimpõe,vistoqueelascomeçamno“cumprimentodastarefas”.Paraqueaperenidadedotroncofamiliarsejaefetivada,logo,sefazoportunoquetodosrespondamaopaterhomoliberosemquestionamento.

Háumainerentecontradiçãoquesefazentreliberdade-opressãodomundoestabelecido no l(ug)ar. Ainda que seja nesse espaço em que os referenciaisespaciais básicos dos sujeitos/personagens sejam construídos, é também aespacialidadeemquegestaarepressãodasvontadesindividuais.Nocernedeabove majore discit arare minor é possível identificar a raiz opressiva. Essasituaçãoimplicanaliberdade–opressiva–dohomemmaisvelho,Iohána(pai),emdetrimentodapotênciadedesejodosoutros,emqueAndrééparticularmenteafetado.

NanarrativatrágicadeNassar,essadualidadeédesdobradainevitavelmentenoestabelecimentodetensões.Tuandestaca,naspaisagensdomedo,que“olar,aindaquesejaumrefúgiodasameaçasexternas,nãoestáisentodeconflitos,quesão muito mais intensos por ocorrer entre membros da família, em que os

sentimentos fraternos são fortes” (TUAN, 2005, p. 206). Ainda que seja nalavoura que André se constitui na condição de sujeito, o fato de ser peçaconstituinte de uma (micro)comunidade estabelece elementos de conflitividadecomoselosfamiliares.

Os nexos sociais que vinculam os personagens são transpostos de suacampesinidade e carregam sentidos bíblico-tradicionais (MOTA, 2010). Tuan(1982)discorrequeemgruposcomunaisemqueatradiçãosemantémporlongosperíodos de tempo “it avoids situations in which conflict among its membersmightarise.Itsculturelaysoverwhelmingstressontheharmonyofthewholeasagainst the rights anduniqueness of the parts1” (TUAN, 1982, p.6). Para que omododevidapermaneça,parecefazer-sefundantequeosdesejosdoindivíduo,comopregaoPai,sejamsuprimidos.

No âmbito do lar, ainda que possa existir afetividade, essa deve semanifestardeumamaneirarefreada,dotadadamesmapaciênciaaserefetivadano trato com a lavoura. A maneira pela qual os personagens lidam com essecomponente existencial é um dos principais responsáveis pela cisão familiar,visto que aMãe cultiva certo excesso afetivo quando contraposta à aridez deIohána.

A Figura 1 estabelece o posicionamento dos personagens em relação aosvínculos afetivos que são desdobrados da maneira pela qual eles reagem aocontrolepaterno.Pormeioda lógicaqueéapontadanocapítulo24 (NASSAR,1989),Andréfalasobreondecadaumsesentavanamesa,háapercepçãodequeotroncofamiliarsedivideemdois,odaesquerda,dosexcessosafetivosedasvontadesindividuais;edadireita,emqueprevaleceorefreamentoeavontadedogrupo.

ÉevidentequeoprimeirogalhoécomoumenxertoestranhoqueadvémdacontradiçãodaquiloqueoPaiimpõecomocontinuidadedosdesejosdeseupai,oAvô,queédescritoporAndrécomoumasceta.Conquantoogalhodireitoparecefirme,extensoevívido,odaesquerdaéumarupturadeinfertilidadequeincidedecertaeroticidadematernanavivênciadoprotagonista,aindaquefrustrada(e

queviráaocorrernoincestoAndré-Anae,noseuretorno,emAndré-Lula).Contudo, mais que a mãe, é o narrador-personagem da história que

estabelece a sexualização do tronco e criação do galho de hýbris. São, logo,projetos opostos: André e Pai, visto que o carpe omnium do primeiro é umaafrontadiretaàpaciênciaeaorespeitoaosciclosdanaturezasemprepregadospelo segundo. Sucede que há uma necessidade fulminante do protagonista emintentarocuparolugarpaterno,oqueéimpossívelporserofilhodomeio.Pedro,o primogênito, está destinado a suceder a linhagem do avô e dar progressãoverticalaotronco(RODRIGUES,2006).

Figura1–Esquema-ilustraçãodotroncofamiliar–nexosdevivêncianolugar.

Fonte:FREITAS,J.S.;SOUZAJR,C.R.B.,2016.

A André resta a expansão horizontal do tronco, constituinte como galhoacessórioaoirmãomaisvelho.Emcomunidadescamponesasomasculinoévistocomo construção, o homem se faz ao casar (WOORTMANN;WOORTMANN,1993),elementoquefarácomqueconstituafamíliaeergacontinuidadeàsraízes.Ao recusar essa lógica, a culminar em particular no incesto de parentes deprimeiro grau (Ana, irmãmais nova), o protagonista encontra umamaneira derealizarodefenestramentosimbólicodaordemmoralqueregeolar.

Como descreve a situação dos sermões da infância, “o pai à cabeceira, o

relógio de parede às suas costas, cada palavra sua ponderada pelo pêndulo, enada naqueles tempos nos distraindo tanto como os sinos graves marcando ashoras”(NASSAR,1989,p.51),alógicaadvindadasraízesdotroncoperpassaasgerações e é permeada de temporalidades anciãs. Na obra, o relógio é umacorporificaçãodamemóriadoAvô,queantesocupavaolugardeIohána.Faz-seocontrapontodesentidosarcaicosquevãoseestabelecernolaregestararevoltadeAndré.

Olugarnãoécenário,mastempapelativonaopressãopaternadesdobradanossermões.Comooprotagonistadescreveparaoprimogênito“atéessespanostão bem alvos e dobrados, tudo, Pedro, tudo em nossa casa é morbidamenteimpregnado da palavra do Pai” (NASSAR, 1989, p. 41). Essa espacialidadecorporificae incorporaoselementosdossujeitosquenelaseprojetam,criandoexpectativaseregrasquenorteiamaexistênciacoletiva.

Aconsiderarque“oslugaresvividossãofrutosdasrelaçõestecidasentreoshomens e o meio e os sentimentos de pertencimento; sentimentos quecorrespondemàspráticaseàsaspirações,estandoestasrelaçõescodificadasporsignosquelhesdãosentido”(ALMEIDA,2003,p.73),épossívelimplicarqueol(ug)arseconsubstanciaesefazsentiremtodosquenelehabitam.Comomorbushereditarius, as paredes da residência, de aparência rústica, apresentam asmesmastexturasdearidezqueoPaieoAvô.

Ao constatar, como Coates e Seamon (1984), que “the notion of placecrystallizesandfocusesoneessentialaspectofhumanexistence:theinescapablerequirement to always be somewhere2” (COATES; SEAMON, 1984, p. 6),compreende-sequeessaespacialidadeincorporaelementosdossujeitosquenelavivem.Olar,paraAndré,éumcontinuumdaslógicasesentidosquevivenciam,portanto encarna a solidão e desolação que se manifestam no âmago de suaindividualidade repreendida. O protagonista identifica que não é o único aperceberessa lógica–nefasta–dereproduçãoespacial,aorelatarsobrecomoremexianocestoderoupassujas,destacaque:

[...]ninguémsentiumaisasmanchasdesolidão,muitasdelasabortadascomagraxadaimaginação, era preciso surpreender nosso ossuário quando a casa ressonava, deixar acama, incursionar através dos corredores, ouvir em todas as portas as pulsações, osgemidoseavolúpiamoledosnossosprojetosdehomicídio,ninguémouviumelhorcadaumemcasa[...](NASSAR,1989,p.44).

Háumvínculo,aindaquedotadodecontradições,entreamaneirapelaqualopersonagemsenteoselosfamiliaresquedecorremdaconvivênciacotidiananolugar.Aindaqueincomodadoprofundamentepelaaridezdotroncodireito,eleseposicionademodoasentiradorcoletivadopesodatradiçãoecompreendeasamarguras da família como amarguras do lugar-lavoura. Seu desconforto sedesdobra do próprio espaço que o gestou, ele culmina os conflitos que já sãoarcaicos.

André aponta para Pedro, que é emissário do Pai em busca do irmão napensão, que “tinha corredores confusos a nossa casa, mas era assim que elequeria as coisas, ferir as mãos da família com pedras rústicas, raspar nossosanguecomoseraspaumarochadecalcário”(NASSAR,1989,p.41-42).AosereferiraosintentosdoPai,oprotagonistaintentadirecionaraoirmãomaisvelhoque sua fuga decorre desse sentimento de constante opressão desdobrada daordemmoralimpositivadeseuprogenitor.

Esse modo de descrever e, simultaneamente, desconstruir a lógica deedificação do lar também tempor intenção implantar sementes de incerteza emPedro.AirreverênciadeAndré,aosairdecasaedesafiarosvínculospaternoséalgoqueconfiguraumsentidodeinversãododiscursoedaslógicaspaternas.Aorevelarparaoprimogênitoque,paraalémdasopressõespaternasno lugar, eraAna sua fome e razão de fuga, dispara o sermão inverso como uma arma aoapontar que: “foi um milagre descobrirmos acima de tudo que nos bastamosdentrodoslimitesdanossaprópriacasa,confirmandoapalavradopaidequeafelicidadesópodeserencontradanoseiodafamília”(NASSAR,1989,p.118).

No contexto e âmago do lar, sem o conhecimento dos irmãos e dosprogenitores, a consumação incestuosa é uma vulcanização dos nexos queadvinham da lógica terra-trabalho-família. Pelo modo de vida imposto,

acompanham-sesentidosdereproduçãodafamíliacomoumfimemsimesmoecombasenaterraqueétrabalhada.Aexpansãodotroncopormeiodosgalhosdopróprio tronco resulta em frustração e infertilidade, comouma formadeAndréapontarparaoirmãoamaneirapelaqualencaraalógicadopai.

ORETORNONACONDIÇÃODERUPTURANOLUGARCompreende-se que o protagonista não deseja destruir, mas entender e

pervertero lugar.Pela transfiguraçãodos referenciais simbólicospresentesnossermões paternos – e incorporados na tessitura do lar – ele busca destituir osnexosfundadoresereconstituiraordem,visandomodificarograndedesertodeafetividade em um tempestivo impulso emocional. Com sua saída, há umatentativaparticularderefrearseusinstintoseevitaradissoluçãocompletadoseuberço.Contudo,aidadePedroparabuscá-loofazlembrar-sedaexistênciaemcasa,daMãeedotronco.Mesmotomadopelasmemóriasdeconflitosetensões,háadecisãoderetornar.

Se toda existência é espacial eque “place is not thephysical environmentseparate from people associated with it but, rather, the indivisible, normallyunnoticedphenomenonofperson-or-people-experiencing-place3”naspalavrasdeSeamon (2014, p. 11), essa intencionalidade do protagonista (re)faz-se comointerpostodeprojetoderecriar-seeressignificarolugaraomesmotempo.Nessadialética sujeito-lugar, o André abandona a lavoura por conta do incestoconsumadojuntoàirmã(Ana)edascastradorasimposiçõespaternas,porémnãoconsegueseseparardoespaçoqueogestou.

Quando relata para Pedro de suapartida, “desdeminha fuga, era calandominha revolta (tinhacontundênciaomeu silêncio!Tinha textura aminha raiva!)queeu,acadapasso,medistanciavaládafazenda”(NASSAR,1989,p.33),ossentimentos evocados transbordam em cólera. O distanciar-se retratado napassagemdenotaqueadistâncianãoerasentidasomentefisicamente,mashaviaum peso emocional significante. Trata-se de impotência, raiva, tensão, mas

tambémdesaudadeedecepção.Como “é no próprio ser que as pessoas carregam seus lugares”

(MARANDOLAJR,2010,p.342),Andrésetranstornacomafugaporquesentecomo se todos os caminhos de fuga o levassem de volta para casa aomesmotempoemquesentequedeveriametamorfosearaquelasituação.Aindaquetenhapartido,todolocalévistopelalentedol(ug)ardeorigem,aoqualésujeito.Suasituacionalidadeeragênesedeumcosmodedesconforto.

Ainda que irreverente à lógica patriarcal que gera opressões ao íntimoexistencial, o protagonista pode ter se deslocado temporariamente da lavoura,maso fato dele retornar é umelementoque evidencia que ele não consegue selivrardaquelelugar.Comosituação,“oserproduzolugareéproduzidoporele”(SILVA, 1986, p. 98), a lavoura, tanto quantoAndré, é um personagem que serelacionacomosoutros.

Decorre-sequea lavoura estáemAndrédamesma formaemqueeleestánela. Há uma retroalimentação de efeito variável que é fundamental para aexperiênciadelugarnamedidaemqueproporcionaumarelaçãosujeito-lugarquesefazdemaneiradialética.Osujeitoprojetaseuexistiresereproduznolugare,em contrapartida o lugar (como parte emicrocosmo domundo) se introjeta noexistirdosujeito,demodoa recriarelementosespaciaisda relaçãodoser-no-mundo.ComoCasey(2001)discorre:

wearestill,evenmanyyearslater,intheplacestowhichwearesubjectbecause(andtotheexactextentthat)theyareinus.Theyareinus—indeed,areus—thankstotheirin-corporation into us by a process of somatic localization whose logic is yet to bediscerned.Theyconstituteusassubjects.4(CASEY,2001,p.415).

Essaretroalimentaçãoconfigura-secomoumfenômenoexistencialdeefeitovariável porque é irrefutável que, como sujeitos dos lugares e lugares dossujeitos, por vezes a relação fortalece um, ora outro dos seus membrosconstituintes.NocasodeAndré,aindaqueeleseja,poresseprocessosomático,inicialmenteaquelequeperdeemocionaleafetivamenteseuelementoconstituintede sujeito conquanto permanece no lugar, ao partir, é ele que efetiva percas,

ontologicamente,paraoexistirdeseulugar.Apesardessacomplexidade relacional, a síntesedessadialética resultana

própria existência, em suas contradições e plenitudes. Ainda que visse a fugacomo inevitável, André desabafa que: “Pedro, eu já sabia desde a mais tenrapuberdadequantadecepçãomeesperavaforadoslimitesdanossacasaeudissequase afogadonessa certeza, procurandome recompor comumbom respiro noespírito do vinho” (NASSAR, 1989, p. 66-67). No quarto de pensão onde serelacionoucomprostitutaseestabeleceodiálogoquemarcaaprimeirapartedolivro, esse desabafo ecoa como que a retomar pequenos pedaços do lugar deorigem.

Klassen, ao se debruçar sobre a lavoura, considera que “a vida fora doperímetrodacasaeraconsagradaàliberdadeecultivodoscaprichosdocorpo:dormirefertilizar”(KLASSEN,2002,p.80).Atodomomentoemqueoespaçoextramuroséapresentado,háumadenotaçãoqueimplicaque,naperspectivadoPai,setratadealgosujo,deummundodeprazeresemquenãohánexosrelativosaosvínculoscomunitáriosefamiliares.

Nacondiçãode“estranhononinho”,Andréprojetasuasperspectivasparaforadoambientepaternal,mas sentindoamaneirapelaqualpermanecia comamentelá.Alavoura,aindaquearcaicaeopressora,permaneciaoespaçoqueoconstituíacomosujeito.Suasrelaçõessexuaisforadolaresemelosconjugais,aconstantemasturbação(queincidentalmentemarcaaprimeirapassagemdolivro)eembriaguezsãoformasencontradasparaaautoafirmaçãodesuasubjetividadecontraaquiloquefoipregadonossermões.

Contudo,talcomoressalta:“Pedro,commeusolhossemprenoturnos,eu,ofilho arredio, provocando as suspeitas e os temores na família inteira, não eracomestradasqueeusonhava,jamaismepassavapelacabeçaabandonaracasa”(NASSAR, 1989, p. 66). Ainda que as tensões derivadas das contradições dodiscurso paterno e o peso do tronco (tríade trabalho-terra-família) fossemcomponentes sobressalentes, a lavoura permanece com significações tambémpositivas.

Independentedosproblemas,olar,comolugarprimeiro,“remainsthecenterof our egocentrically-ordered cosmos, containing our own unique unrepeatablebeginning5” (POCOCK,1981, p. 339), emquenascemdesejos e frustrações.Alavoura na condiçãode lugardevínculos,manifesta essa lógica existencial emqueháumaontologiaperversadeopressão-liberdade.Nestaoposição,éoportunoconsiderar, como Scannel e Gifford, que “neither interpersonal or placeattachment bonds always have a positive valence6” (SCANNEL; GIFFORD,2014,p.26).

Os lugares são elencados como centros complexos de significados queirradiam da relação com os sujeitos. Logo, os diversos vínculos,independentementedesuavaloraçãosãoosalicercesdaconsubstancializaçãodelugares. Visto que, como apresentaMerleau-Ponty, “omundo é inseparável dosujeito, mas de um sujeito que não é senão projeto do mundo, e o sujeito éinseparáveldomundo,masdeummundoqueelemesmoprojeta” (MERLEAU-PONTY, 2011, p. 576) e essa relação se desdobra no existir dos lugares, é areciprocidade vínculo-sujeito que potencializa as relações humanas com oespaço.

Expressospelonascimento,sangueeancestralidade,osvínculosexistenciaisfundamentais perpassam a existência de André, que se vê entremeado a umamiríadedelógicasdecorrentesdotroncoancestral.Essemundoqueseapresentasignificativoaoprotagonistaérepletodeambivalências,massãojustamenteelasquedeterminamadefiniçãonolugar.Éaprópriacontraditoriedade(in)tensaquedefineolugar-lavoura.

Se o “mundo e eu somos um no outro, e do percipere ao percipi não háanterioridade,massimultaneidadeoumesmoatraso”(MERLEAU-PONTY,2014,p.121),épossívelinferirquearelaçãodialéticadelineadaentresujeitoelugaremanifestada emAndré-lavoura reflete uma situação de coexistência. O lugar éopressor, denso e sombrio pela perspectiva dos sentidos atribuídos peloprotagonista em decorrente do que sente, mas, ao mesmo tempo, é emotivo,inspiradorebelo.EssascaracterísticastambémestãoemAndré,naformacomo

elevêocosmoaoseuredor,porser influenciadopelageograficidadedoqueocerca.

O lugar é, logo, um fenômeno a ser explorado pormeio das virtualidadesneleprojetadas.Aspercepçõestambémestãosujeitasàcondiçãodeexistênciadoser-para-sique,porestarnomundo,refleteemanifestagênesedossignificadospara os seres-em-si. Tal processo transcende a cosa mentale, como refereDelancey, “perception and intentionality are essentially related to action: weperceive things not in terms, say, of a construction of sense data, but rather asopportunitiesforaction7”(DELANCEY,2006,p.370).

A lavoura corporifica as intencionalidades dos sujeitos, ao apresentar osnexosdo(s)mundo(s)porelesvivido(s).Poressefenômeno,olugarsefazcomoumaconstruçãocomplexaemqueAndré sevê inevitavelmente atraído rumoaoretorno.Háummagnetismoimplícitonaciclicidadefuga-retornoquecontornaaobraeperpassaoexistirdoprotagonista.

Contudo,oAndréqueretornanãoéomesmoquesaiudecasa.Elevoltacomoutraspercepções,comoolhardaquelequeviuomundoparaalémdaporteira.Carregadodediscretaironia,aoprosearcomopai,discorreque:

[...] vou me entregar com disciplina às tarefas que me forem atribuídas, chegarei aoscamposdelavouraantesquealicheguealuzdodia,sóosdeixareibemdepoisdeosolsepôr; farei do trabalho a minha religião, farei do cansaço a minha embriaguez, voucontribuirparapreservarnossaunião,queromerecerdecoraçãosincero,pai, todoo teuamor.(NASSAR,1989,p.169).

Aindaquesedisfarcedefilhopródigoqueretornaaolar,nãoconseguesedesvencilhar do sarcasmo irreverente à lógica do Pai. Se intensificam asdiferenças entre ambos, sendo que elas se fundamentam no fato de que “o paiacredita ter a verdade, o filho sabe não ter nenhuma verdade, apenas dúvidas”(RODRIGUES,2006,p.121).Aoinverteraslógicaseseapropriardodiscursopaterno,Andréreverberadestituiçõesnaordemmoraldolugar.

Funda,aovoltar,umavirulentapotênciadetensãoquesurteefeitopeloseuincestocomLula,irmãomaisnovo.Ocaçula,admiradocomoirmãoqueretorna

desabafa, encontra uma reciprocidade afetiva nefasta em que culmina umasexualidade desconfortante. Esse “descontrole” de excesso afetivo, semente dadiscórdia, também se corporifica na caixa contendo lembranças e adereçosdasprostitutascomquemseencontrou.

Noretorno,queculminaránadestruiçãodolar,oprotagonistaafirmaaopai:“jáseioqueéasolidão,jáseioqueéamiséria”(NASSAR,1989,p.168),oquerevelaumarelaçãocontraditóriacomolugar.Aomesmotempoemqueesseéuma prisão para seus desejos e gozos, é um entrelaçamento existencial em quediversossentimentosseefetivam.

Nacaixaquetrazdomundoforadacerca,háumapotênciadepandora,emque tudo que o Pai tentou afastar do lar se encontra condensado. Nela estãofragmentos de lugares vividos libidinosamente pelo protagonista e que, aoencontrarasmãosdeAna,vãofazê-laencarnaralógicadessasespacialidadesaosevestirdaquelemodo.Na festadaPáscoadeAndré,quandoa irmãdançademaneira sensualizada e com os trajes da caixa, redefine o lugar e “suja” alavoura.

Esse momento-chave leva o Pai, via denúncia vinda de Pedro, a sedescontrolarcolericamenteeirromperempaixãofuriosaaocometerinfanticídio.Seupathos também ressignifica o lugar, que, antes centrado em terra-trabalho-família, passa a ser definido por sua geografia – fúnebre – de hýbris. Todapaciênciaecompreensãodossermõeséeliminadapelo regozijo infernaldeumanciãoquesedesgarraeassassinaasprópriascrias.

PELASTRILHASAINDANÃOATRAVESSADASAsaproximaçõesentreGeografiaeLiteraturasemostramproveitosasporse

configurarem como formas de compreender fenômenos humano-espaciais pelaóticadeoutrassensibilidadeselinguagens.AGeografiaLiteráriadiscorridaéumcaminho para compreender acerca da dialética sujeito-lugar, visando oenriquecimentoconceitualdaciênciageográfica.

NanarrativatrágicadeNassar,osvínculos(in)tensosquesãoestabelecidosentreossujeitos/personagensealavoura-lugarfazempartedeumaarquiteturadesentimentos diversos. Por meio de suas condições como seres-no-mundo,estabelecemsignificadosquese introjetamnomundoedesdobramasvivênciascotidianasdolugar.

Espacializado,o tronco familiar constituivínculo fundamental como lugarao se fazer, junto ao binômio terra-trabalho, a possibilidade de (re)criação deexperiênciasexistenciais.Ossentidosquesãoconstantementereelaboradosfazemparte de um mundo que é devir e está inserido na lógica de contradiçõesliberdade-opressão. O desafio se pauta, portanto, na contraditoriedade da vidaque desperta no lugar ser também onde ela pode ser mais injusta, colérica oufrustrante.

Procede-sequeastensões,comomaneiradeexistêncianolugar,constituemum elemento central para a interpretação desse fenômeno na consideração dainseparabilidade de pessoas-ou-pessoa-experienciando lugar, como apontaSeamon (2014). Entender essa categoria, em seu sentido fenomenológico, semapontamentos acerca dos conflitos que são partícipes da vida humana, édesconsiderarseupotencialdecompreensãodaexistênciacomoelaé.

A lavoura, paraAndré, sedefinepor essaconsubstancializaçãodensaquegera significados derivados dos vínculos, elemento principal para definição delugar.Pelasubversãodalógicapaterna,opersonagemseapropriadaquiloqueosubordina e gera irreverências que se espacializam. As tensões que sãoarquitetadas pela opressão paterna e os sentidos que se (re)fazem evidenciamelosquetransformamoespaçoindefinidoemlugar.

Pormeiodasuperaçãodaordemfamiliareinstalaçãodeumlugardefinidopor tensão e desespero efetivados pelo pathos de Iohána, há uma inevitável enefasta (des)(re)construção do mundo de André por meio de sua Partida eRetorno.Aoampliar seu cosmo,oprotagonista evidenciaoutraspossibilidadesde destituição da ordem paterna, já que seria impossível efetivamente tomar ocetro doPai.Ao forçar os atos coléricos do ancião, conformaumamaneira de

redefinirolugarpormeiodaquiloqueodiferencia:aspaixões.

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1“Elaevitasituaçõesemqueoconflitoentreseusmembrospodesurgir.Suaculturacolocaestressessobrepujantessobaharmoniadotodocontraaubiquidadedesuaspartes”(TUAN,1982,p.6,traduçãolivre).

2 “A noção de lugar cristaliza e foca em um aspecto essencial da existência humana: o requisitoinescapáveldeestarsempreemalgumlocal”(COATES;SEAMON,1984,p.6,traduçãolivre).

3“Lugarnãoéomeiofísicoseparadodaspessoasaeleassociadas,mas,emverdade,o indivisívelenormalmente não percebido fenômeno de pessoa-ou-pessoas-experienciando-lugar” (SEAMON, 2014, p.11,traduçãolivre).

4 “Nós continuamos, mesmo havendo se passado muitos anos, nos lugares a que somos sujeitosporque(eàextensãoexataque)elesestãoemnós.Elesestãoemnós–defato,nósossomos–graçasàsuain-corporaçãoemnósporumprocessodelocalizaçãosomáticacujalógicaaindaestáparaserdiscernida.Elesnosconstituemnacondiçãodesujeitos”(CASEY,2001,p.415,traduçãolivre).

5 “permanece como centro de nosso cosmo egocentricamente-organizado, a conter nosso próprioirrepetívelcomeço”(POCOCK,1981,p.339,traduçãolivre).

6 “vínculos interpessoais ou de lugar não são necessariamente positivos” (SCANNEL; GIFFORD,2014,p.26,traduçãolivre).

7 “Percepçãoe intencionalidade sãoessencialmente relacionadasa ação:nósnãopercebemoscoisasem termos de, por exemplo, uma construção de dados sensíveis, mas como oportunidades para ação”(DELANCEY,2006,p.370,traduçãolivre).

ASSENTADOSRESILIENTESDORENASCER:PRÁTICASDEUSODOESPAÇOEMUMTERRITÓRIOIMPREGNADODETENSÕES

RICARDODASILVACOSTAE-mail:[email protected]

ProgramadePósemGeografiadaUniversidadeFederaldeUberlândia.ROSSELVELTJOSÉSANTOS

ProgramadePósemGeografiadaUniversidadeFederaldeUberlâ[email protected]

INTRODUÇÃOOpresentetextotemcomoorigemapesquisa1financiadapelaFundaçãode

AmparoàPesquisadoEstadodeMinasGerais(FAPEMIG)realizadanosúltimosdoisanosemeio(2014,2015e2016)nomunicípiodeItuiutaba/MG.Apesquisaoriginou outras publicações: em anais de eventos; cartilhas; folders edocumentário. O município de Ituiutaba está localizado na mesorregião doTriânguloMineiro/AltoParanaíbanoestadodeMinasGerais,Brasil.

De acordo com o último censo demográfico do IBGE 2010, o municípioapresentavaumapopulaçãode97.171habitantes,destes4.046residemnoepaçorural.Assim, cerca de 4,16%da população reside no campo.Apesar da baixaporcentagemdepessoasqueresidemnaárearural,omunicípiotemsuaeconomiapautada principalmente na agropecuária, destacando as lavouras de cana-de-açúcar,sojaemilhoepecuáriadeleiteedecorte.

Constatamosqueoavançodoagronegócio,materializadonaspaisagensdasgrandes lavouras de soja, milho, pastagem, cana-de-açúcar, dentre outrosprodutos, noCerradoMineironãoproduziu apenasgrandes safras,mas tensõesqueenvolvempessoasquevoltaramaocampoporintermédiodareformaagrária.IdentificamosqueomunicípiodeItuiutabaabrigaseisprojetosdeassentamento(P.AEngenhodaSerra,P.ADivisa,P.AChicoMendes,P.ADouradinho,P.ANova

PântanoMarianoeP.ARenascer).Noentanto,háváriasespecificidadessociaisquedecorremdasformascomo

os camponeses assentados no espaço rural do município usam os recursosnaturais. Em Ituiutaba, a expansão/reprodução do agronegócio sucroalcooleirochegourapidamentenoentornodasáreasruraisocupadasporassentados.

Com a rápida inserção das grandes lavouras de cana no município comopodemosobservarnoQuadro01,houvemudançassignificativasnocotidianodaspessoas. Omunicípio abriga duas plantas industriais de usina sucroalcooleira,sendoaUsinaItuiutabaBioenergiaeaUsinaValedoSãoSimão.

Quadro01–Áreaplantada(Hectares)cana-de-açúcar:ItuiutabaMG-2000a2015

Áreaplantada(Hectares)cana-de-açúcar:ItuiutabaMG-2000á2015Fonte:IBGE-ProduçãoAgrícolaMunicipal2016.Org.:COSTA,RdaS;SANTOS,RJ,2016.

Paraelucidaroaumentonaáreaplantadadecana-de-açúcarnomunicípiodeItuiutabaconstruímosapartirdedadosoficiaisoGráfico01.

Gráfico01–Áreaplantada(Hectares)cana-de-açúcar:ItuiutabaMG-2000a2015

Fonte:IBGE-ProduçãoAgrícolaMunicipal2016.Org.:COSTA,RdaS;SANTOS,RJ,2016.

O Gráfico apresenta dados de um recorte temporal que considera o anoanterior da retomada de investimento no setor sucroalcooleiro até o últimolevantamentodoIBGE.Apartirdatabulaçãodedadospercebemosnitidamenteosaltoquantitativonaáreacultivada.

OP.A2Renascer(Mapa01)foicriadoem2010paraabrigar40famílias.Narealização da pesquisa utilizamos os recursos técnicos do Laboratório deGeografiaCultural,bemcomooacervodabibliotecadaUniversidadeFederaldeUberlândia. Nesses espaços procuramos suprir as necessidades teóricas emetodológicasdapesquisa.

No campo fomos aos lugares vividos dos pesquisados e procuramosobservar as transformações socioespaciais e comparativamente com a teoria,fomosestabelecendodiscussõessobreasformasdeobteremáguaeleite.ComoobjetivodeobservaredescreveraquiloqueestavaocorrendonoP.ARenascer,mapeamostodasaspropriedadeseregistramosemvídeoaspráticasrelacionadasàproduçãodeleiteecuidadoscomosrecursoshídricos.

Mapa01–Localizaçãodaáreadeestudo–P.ARenascer.

Fonte:ElaboraçãodosAutores,2016.

Otrabalhodecamponoassentamentofoiimportanteparaopesquisadornamedidaemquesepodecolherinformações,algumasqueresidemnamemóriadossujeitossociais,equepodemindicarnovidades,poisdeacordocomSantos,R.J(1999),

[...]otrabalhodecampo,vaialémdacoletadedadosparadesenvolvermosumapesquisacomprometida com a realidade das populações, vista que será também um esforçoacuradodopesquisador em lapidar essediamante, queé amemóriadaspopulações emrelaçãoaovivido.Esseprocedimentoexigirádospesquisadoresumrespeitoradicalpelosmodosdesentir,pensar,agirereagirdooutro.(SANTOS,1999,p.117)

Assim,aoidentificarmosaspráticassociaisenvolvidasnapecuárialeiteirafomosoptandoporvivenciarnapesquisaaquelaspropriedadesqueapresentavammaior receptividade aos estudos que estávamos conduzindo. Trabalhamos com25%das famílias, das quais foramdecisivas para realizar a análise dos dadosobtidosnocampo.Nestafasenospreocupamosaindaemselecionaretranscreverasinformações.Comrelaçãoaosdadossecundários,procuramosestabelecerumaanálise textual dos conteúdos existentes nos documentos e nas publicações,relacionadosaotemadepesquisa.Nocontatocomoscamponesesvalorizamosasrelaçõessociaiscomunitárias,oenvolvimentodelescomascoisaseaspessoasdos lugares e ainda as estratégias e arranjos produtivos decorrentes de valoreshumanos,costumes,hábitosetradiçõesexistentesnogrupo.

Nossoestudoenfatizaaproduçãodeumconhecimentodesenvolvidoàluzdaparticipaçãodossujeitosassentados,comseussaberes,culturas,modosdevida,resiliênciaehabilidadesdeviveras tensõescotidianas fabricadasemum lugarondeestãoemjogoousoeapropriaçãoderecursosnaturais,sobretudo,águaesolos.SegundoPaulinoePloeg(2008)

Oscamponesessomentevaloramaquiloqueconseguemsituaremumaescaladevaloresadvinda da própria experiência construída, cuja referência necessária é o tempo e oespaço criados por sua ação transformadora.O julgamento inscrito em um critério quecomportaosabererigidopelofazer,nasdimensõespassado,presentee futuro, trazumareferência instituída pelo trabalho, pelo conhecimento e pela experiência, fontes deinspiraçãoorientadoraquepermitemarejeiçãodeprescriçõesvindasdefora.(PAULINO&PLOEG,2008,p.91).

Assim, é possível “criar” uma memória entorno de suas experiênciasvividas,efetivadasemummodoprópriodeselecionarepreservarlembrançaseobjetivá-las para atender suas demandas. Desse modo, a partir da pecuárialeiteiraobservamos,queelestinhamincorporadoeacumuladoreferenciaissobre

manejodogadoe,consequentemente,sobreossaberesadquiridosetransmitidosaossujeitosassentados,apartirdeumamemóriaheterogêneaquesedesenvolveapartirdaspráticasdecadaum.

Neste caminho, fomos identificando e compreendendo que cada projetofamiliar trazia várias problemáticas e consequências que nem sempre eramdigeridas pela própria família para afiançar aos seus membros segurança naatividade que eles instituíram comomais importante. A principal problemáticaeramanteraquantidadeequalidadedoleitenoperíodoseco,queocorredemaioaoutubro, pois nas águas eles contamcomaspastagensnaturais para suprir asnecessidadesdosseusrebanhos.

Para Silva (2003, s/p) “a resiliência refere-se a capacidade dos sereshumanosdeenfrentareresponderdeformapositivaàsexperiênciasquepossuemelevadopotencialderiscoparaasaúdeedesenvolvimentodoindivíduo”.Trata-se, portanto, de um fenômeno complexo, atrelado à interdependência entre osmúltiploscontextoscomosquaisosujeitointerageecujapresençaéobservada,commaisclareza,quandooserhumanoestápassandoporumasituaçãoadversa,sejaestadecarátertemporárioouconstanteemsuavida.

ARESILIÊNCIAEOSASSENTADOSDOP.A.RENASCERAáreadeestudoestálocalizadaemumaregiãodenominadaSetePlacas,o

topônimo se dá devido às quantidades de placas que indicam o nome e alocalizaçãodasfazendas.OP.A.Renascernãoéoúnicoassentamentodaregiãoconhecida como “Sete Placas”. Nela existemmais quatroAssentamentos comopodemosobservarapartirdosdadosapresentadosnoQuadro02.

Quadro02:ProjetosdeAssentamentoslimítrofescomoP.A.Renascer.

Fonte:INCRA.ORGs..Adaptadopelosautores.2016.

Como podemos observar a partir dos dados referentes ao Quadro 02, osassentamentos foram criados para abrigar 191 famílias, mas segundo aSuperintendênciaRegional do INCRAMinasGerais –SR06,Assentamentos –InformaçõesGerais2016,osassentamentosabrigam156famílias.Noentanto,oquepercebemosnas“andanças”pelosassentamentoséqueos35lotesquefaltampara completar o número total estão ocupados e não legitimados perante oINCRA,porpessoasquecompraramo“direito”dosassentadosdeorigemehojeproduzemnoslotes,masaindanãotemotítulodepossefornecidopeloINCRA.

O assentamentomais recente na região é oRenascer, criado em2010 temapenas 6 anos de existência. Como já foi assinalado anteriormente o P.A. foicriadoparaabrigar40famílias,mashoje(2016)acolhe36famíliascadastradasecomotítulodeposse.Orestantedoslotesencontra-seemsituaçãoirregular.

Neste assentamento identificamos várias tensões que passaram a serobservadaseanalisadasnaperspectivadecompreenderasformaspelasquaisogrupo encontrava saídas para continuarem vivendo no lugar. Contudo, a tensãoque comparecia com maior intensidade envolvia a estrada que cortava oassentamento.Esburacadapelousoesemmanutenção,praticamenteemtodososdiálogos entre pesquisadores e pesquisados ela chamava atenção, era temacentral,impedindoqueasconversastomassemorumodosroteirosdapesquisa.Comoossujeitosdapesquisaqueriamdiscutiraestrada,ojeitofoiinclui-laemnossasconversaseaospoucosfomospercebendoqueessainfraestruturaenvolviauma questão territorial. Nela ocorria um intenso tráfego de veículos pesados,principalmentede treminhões, carretas commais de30metros de comprimentoquetransportatoneladasdecana-de-açúcar.Treminhõestrafegandodiaenoiteemsolosdecerradogeravadesconfortoeumaquantidadedeproblemasque foramsentidosapartirdapoeiraquecobriaaspastagensdoP.A.Renascer.

Neste ambiente empoeirado, o gado não pastoreia. Isso ocasiona adiminuiçãodoquantitativodoleiteereduçãonarendamonetáriadosagricultores,gerando preocupações e inseguranças. Para os assentados é essencial terem asestradas em bom estado de conservação. É nelas que eles circulam, levam e

trazemprodutos, fazemfluiras trocas,os transportesdecoisasepessoas.Partedavidacirculanaquelaestradaempoeirada.

Aqui pra nois a estrada é tudo é onde tudo chega e tudo sai...Então se a estrada estádentrodonossoassentamento,osquetãoládeforatemquerespeita3.

Conscientesdequeeranecessáriodefenderoseuterritóriodasapropriaçõespraticadaspelosoutros,osassentadosseorganizaramereivindicaramo“direitodeusaroespaçoaseufavor”.

Comoagentesabiaquemtavafazendooregasonaestrada,agentedecidiuagi,mandamorecado prá usina e nada. Dai reuni uns companheiro e trancamo tudo e dai ninguémpassa...Logoopovodausinamandoasmaquinaedepoiscomeçopassaocaminhãopipamolhandoaestrada4.

Perceberamqueaapropriaçãodoterritóriopraticadapelausinanãoestavacerta e deveria ser corrigida. Tomada essa consciência/decisão passaram areivindicar providências. Em seus discursos expressavamdiscordância sobre acirculação de grandes caminhões, indicando que aquilo que se praticava pelausinasucroalcooleiralhesprejudicavaprofundamente.Aatitudedetrancartudo,naverdadeimpediuapassagemdostreminhõescanavieiros,atéqueasestradasfossemreformadaseconstantementemolhadasparaevitarapoeiraeproblemasdecorrentes.Apartirdaí,constitui-seumaconsciênciadoterritórioeumconjuntode práticas sociais dos assentados em relação à usina, as quais passaram aoferecer sustentação aos seus pleitos reivindicatórios. Na defesa do territórioforamconstituindo-seespaçosdedebateedeengajamentopolítico,estabelecendonos conflitos, nas disputas e nos embates entre grupos, cujos interesses sãodiferentesecontraditóriosentresi,formasdeenfrentaraquelesqueseapropriamdeimportantesconteúdosdosseusterritórios.

Contudo,nãonosinteressaanalisaroconflitoemsi,masasreaçõesqueosassentados estabeleceram, analisando-as como parte da resiliência camponesa;como núcleo de expressões de práticas cotidianas recheadas deintencionalidades, envolvendo pessoas que vivem constantemente tensões de

múltiplasordens.DeacordocomRutter(1990)apudKotliarenco,etal(1997):

[...] el interés por estudiar el conceptode resilienciadeviene almenosde tres áreasdeinvestigación. La primera proviene de la consistencia quemuestran los datos empíricosrespecto de las diferencias individuales que se observan al estudiar poblaciones de altoriesgo[...](RUTTER,1990apudKOTLIARENCO,1997,p-2)

Nossofoconesteestudoéanalisarasituaçãodaresiliênciadosassentadoseascondiçõesquepossibilitamumdesenrolardavidanolugareaspossibilidadespara a defesa e sustentação objetiva do território e dosmeios de vida. Dessemodo,compreendemosquea:

[...]resiliencianoestaligadaalafortalezaodebilidadconstitucionaldelaspersonas,sinoquesucomprensiónincluyeunareflexiónrespectodecómolasdistintaspersonassevenafectadas por los estímulos estresantes, o bien sobre cómo reaccionan frente a éstos.(KOTLIARENCO;CÁCERES;FONTECILLA,1997,p-3)

Reforçando o conceito, a autora Machado (2009) apud Junqueira eDeslandes(2003)vislumbram

[...] a resiliência como a capacidade do sujeito de, em determinados momentos e deacordo comas circunstâncias, lidar coma adversidade não sucumbindo a ela, alertandopara a necessidade de relativizar, em função do indivíduo e do contexto, o aspecto de“superação”de eventospotencialmente estressores.Estaria atrelada a superaçãodiantede uma dificuldade considerada como um risco, a possibilidade de construção de novoscaminhos de vida e de um processo de subjetivação a partir do enfrentamento desituações estressantes. Acreditam que o termo resiliência traduz conceitualmente apossibilidade de superação num sentido dialético, o que representa não uma eliminação,mas uma re-significação do problema. (MACHADO apud JUNQUEIRA &DESLANDES(2003,s/p)

Os crescentes desafios gerados a partir do avanço dos canaviais sobre asáreas antes ocupadas por pecuária “abalou” as estruturas socioprodutivas dosassentados.Umdosmotivos,comojácomentado, foiaalteraçãosubstancialdotrânsitodetreminhões.Segundoumassentado:

Antesaquipassavaumcaminhãograndedeboipelomenosumavezpormês,oupassavacaminhão¾ carregando duas ou três vacas [...] agora passa esses caminhões puxandoduascarretasnaépocadacolheitademeiaemmeiahora,epassavanumavelocidade[...]Alémdoscaminhõespassacolhedeiradecanaetratores[...]5

Astecnologiasdepontasurgemnoterritórioapresentando-secomoameaçaaosmodosdevidalocais,poisainfraestruturadosassentamentosnãocomportaacirculaçãodegrandesmáquinas.Assim,nocenárioondeantesoqueseviaerampequenos tratores (muitos da década de 1980), ou caminhões de gado, agora(2016) apresentam nas paisagens grandes maquinários, os quais modificam ocotidiano dos assentados. No P.A. Renascer os assentados reagiram àsadversidades,indicandoqueserresilienteérelativoerelacionalacadacontextoesituaçãoquesevivencianoespaço.SegundoAngst(2009):

Éimportantesalientarquearesiliêncianãopodeserconsideradaumescudoprotetor,quefarácomquenenhumproblemaatinjaessapessoa,atornandorígidaeresistenteatodasasadversidades.NãoexisteumapessoaqueÉresiliente,massimaqueESTÁresiliente.Esseéumprocessodinâmico,eas influênciasdoambienteedoindivíduorelacionam-sedemaneirarecíproca,fazendocomqueoindivíduoidentifiquequalamelhoratitudeasertomadaemdeterminadocontexto[...](ANGST,2009,p.255).

RelativizandoasideiasdeAngst,paranossaáreadeestudoeparaosfatosemquestão, identificamosqueapartirdauniãodosAssentados6nãosónoP.A.Renascer,mastambémdeoutrosassentamentos,aatitudedefecharaestradanãose apresenta como um escudo protetor,mas uma reação política que envolve adefesa do território. Neste processo dinâmico de resistir à apropriação depedaços do espaço, a busca pela melhor forma de tomada de atitude parafortaleceroterritório,foiofechamentodasestradas.Segundoentrevistado:

Nos já estava bem cansado com esses caminhões (da usina) passando em altavelocidade, fazendo aquele poeirão, ai um ligava na usina e reclamava, outroligavaereclamava,reclamavacomogerenteenadaresolvia,foiaiquejuntamoslána associação e resolvemos fechar a estrada [...] enquanto eles (os responsáveispelausina)nãodessemumjeitonosnão iadeixarpassarnemumcarrodausina,foi ai que eles se comprometeram a andarmais devagar, molhar a estrada e nãodeixaraestradaestragadanofinaldacolheita7.

Afaladoentrevistadoindicaquesóobtiveramêxitonasolicitaçãoapartirdo momento em que se uniram em prol de um bem comum. Estava formada apartirdeumanecessidadecomumapossibilidadedeseobteroenvolvimentodetodos,cujocaminhoparaasoluçãoera lutar juntosparaqueasestradasfossem

melhoradas nas áreas do assentamento. Foi a partir daí que os assentadospuderam compreender a força política que conseguiram se unindo. SegundoBarreira&Nakamura(2006):

Aresiliênciaea autoeficáciapercebidaatuamcomo formado sujeitoobterumamelhorqualidade de vida na superação da adversidade, envolvendo o contexto, a cultura e aresponsabilidade coletiva, sendo capaz de responder de diferentes formas ante umfracasso[...](BARREIRA&NAKAMURA,2006,p.78).

A abordagem da resiliência está fundamentada na ideia de que oscamponeses possuem a capacidade rápida de recuperação e que estão emconstante mudança, e não necessariamente em um equilíbrio. De acordo comNelson et al, (2007) apud Andrade et al (2013) “a perspectiva da resiliênciatambém pressupõe que a vulnerabilidade é uma característica intrínseca aqualquersistemaeforneceumaperspectivadinâmicadosprocessosdeadaptaçãoemdiferentesescalasespaciaisetemporais”.

No contexto em que acontece a união dos assentados, compreende-se queelessejuntamparareivindicardireitos,mascujabaseresidenapossibilidadedeobtençãodenovascondiçõesdeusodo território.Aperfeiçoarascondiçõesdetrafegabilidadenasestradaséparaosenvolvidosmelhoraravida,umavezqueseestá resolvendo aquilo que lhes ameaçam, pois estradas empoeiradas impõemsituaçõesquepodemlevá-losafracassaremcomoprodutoresdeleite.

Retomar o controle do território, impondo regras à circulação dostreminhões somente foi possível quando perceberam que deveriam envolver assuas instituições, a cultura, a responsabilidade coletiva já existente neles e naassociação. Nestas ações complexas, mas lastradas no modo de vida e naproduçãodosmeiosdevidaconseguiram(re)estabelecernoterritórioconfiançaentreseusmembros,fortalecendoasrelaçõesdereciprocidadenogrupo.

Considerando-seareaçãodosassentadosénecessárioquesereflitaqueelesreagem emum contexto no qual os usos e formas de apropriação do território,principalmente, aquelas situações relacionadas à participação do setorsucroalcooleiro.Circulartreminhãosemregraspassaaserconsideradoabusivoe

comprometedor da sua existência no lugar. Assim, nossos questionamentos sãodirecionados ao embate territorial que ocorre relacionado aos usos eapropriaçõesdosrecursosnaturaisedeinfraestrutura.SegundoSantos,M(1999):

O território não é apenas o conjunto dos sistemas naturais e de sistemas de coisassuperpostas.Oterritóriotemqueserentendidocomooterritóriousado,nãooterritórioemsi.Oterritóriousadoéochãomaisaidentidade.Aidentidadeéosentimentodepertenceràquiloquenospertence.Oterritórioéofundamentodotrabalho,olugardaresidência,dastrocasmateriaiseespirituaisedoexercíciodavida.Oterritórioemsinãoéumacategoriade análise em disciplinas históricas, como a Geografia. É o território usado que é umacategoriadeanálise.(SANTOS,1999,p-8)

Desta forma, esses territórios derivamde processos amplos de tomada deconsciência de seus conteúdos, principalmente relacionados aos recursosnaturais.NosgruposdosassentadosdoP.A.Renasceraconsciênciaterritorialfoisendo estabelecida coletivamente a partir da socialização de experiências comoutrosgruposdeoutrosassentamentos.Essaspráticassociaisfortalecemassuasterritorialidades políticas, culturais e ambientais, as quais mantêm vivo osentimento de pertencimento ao território entre os assentados. Portanto, essefortalecimentode territóriose suaaplicaçãonadefesadomesmo,geramoutrasnuancesnocontextogeográfico.Raffestin(1993),afirmaque:

O território não poderia ser nada mais que o produto dos atores sociais. São eles queproduzemoterritório,partindodarealidadeinicialdada,queéoespaço.Há,portantoum“processo” do território, quando semanifestam todas as espécies de relações de poder[...](RAFFESTIN,1993,p.7-8)

Compreendemosqueoterritórioseriaopoderexercidopelossujeitossobreum determinado espaço, seria assim o ponto de influência. No caso doscamponeses assentados do P.A. Renascer, os territórios aparecem e se fazemrepresentarnosembatespolíticos,noseventoscomunitáriosfrenteàexpansãodacana-de-açúcar,sejapeloseusignificadocultural,afetivoàterraoupelarendadasua atividade. Ao considerar o Território, Saquet (2007), entende que, “oterritório aparece como ligação ao chão, enraizamento, anexação, fixação; anatureza não transformada”. A partir dessas ideias compreendemos como os

assentados“participaram”dosprocessosdelutapordireitosdeusodoterritório,tornando-se importante pensar as relações sociais de alguma forma amparadasnassuasresiliências.

CONSIDERAÇÕESFINAISAs incursões no lugar, realizadas no período de duração do projeto

proporcionaramanalisarasformasdosassentadosdereivindicardireitossobreoterritórioedeseremrelativamenteatendidos.Entreosassentadosdomunicípiode ItuiutabaMG,constatamosalgumasparticularidadesenvolvidasnaconquistado território, principalmente a de se juntarem a partir do interesse comum.Nodecorrer da pesquisa compreendemos que o interesse comum despertaconsciênciadoterritórioedolugaremqueseviveedanecessidadedeprotegê-los, estabelecendo comprometimento, mutualismo e reciprocidade nas atitudesquepromovemassuasdefesas.

Acompanharasetapasdoavançodaslavourasdecana-de-açúcaremáreasdo entorno do P.A. Renascer, nos fez compreender que as inquietaçõesacompanhadasdereaçõesdosassentadosenvolvematosterritoriaisedevemsercompreendidos como processos densos de suas humanidades implicadas najustificação de pertenças ao lugar vivido. A reprodução ampliada do capitalligado ao setor sucroalcooleiro afetou o cotidiano das pessoas do lugar. Asrelaçõessociaisestabelecidasgeraramestratégiasdeexistênciaterritorialeestãofortementeligadaseassociadasaoscostumes,hábitosesaberescamponeses.

Suas ações analisadas aqui como atos territoriais indicam reaçõescontextuaisrelacionadasadeterminadassituaçõesquelevamemconsideraçãoastransformações desencadeadas, principalmente, por agentes externos. Naqueleassentamentoocamponêsusaoespaçoeseincomodacomapresençadeoutrossujeitos que promovem inviabilizações de usos tradicionais do território,fundamentados nos seus costumes. Para reivindicar seus direitos lançam mãodaquilo que eles construíram em outros contextos, com outras finalidades, por

exemplo, a associação do P.A. Renascer. A partir dela, eles vão obtendo, noenfrentamentocomausina,deferênciaaoseuterritório.

Oterritórioresilienteéumespaçocheiodehumanidades,vivenossujeitosque nele agem para obter condições para realizar seus projetos de vida. Asuperaçãodasadversidadesefetivadasnasepelasintencionalidadesdousineirocriamformasdeseremvistos,percebidos,sobretudocomoforçapolítica.

As reações envolvem contextos, experiências, projetos de vida. Naquelelugar,aculturacamponesadinamizadaemseusmodosdevidaenamanifestaçãoe efetivação de responsabilidades coletivas evocam entre seus membrossentimentosepráticassociaisdereciprocidades.Essassintoniasrelacionadasecultivadas no interesse comumparecem ser capazes de responder de diferentesformas às imposições decorrentes dos interesses do grande capital, ligado aosetorsucroalcooleiro.

Assim,arelevânciadoestudodaresiliênciadosassentadosdeve-seaofatodetrabalharmoscomumconceitorelativamentenovoparaaGeografiaCultural.Contudo,pensararespeitodaresiliênciafoiumaoportunidadederelacionar,napesquisa, o território como uma construção em processo que indicapossibilidadesdeseefetivarcerto“autovigor”,percebidacomofeitioparticulardasarticulaçõesdossujeitosnointeriordoP.A.Renascer.

Apoio:ApesquisacontoucomfinanciamentodaFAPEMIG.

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1UFU/FAU/FAPEMIGAPQ‐02961‐13.

2 Projeto de Assentamento Renascer. Localizado no município de Ituiutaba, Região do TriânguloMineiro-MG.

3 Fonte: Trabalho deCampo Ituiutaba,AssentamentoRenascer, 2015. Entrevista comAssentado doP.ARenascer,2016.

4Fonte:Traba.lhodeCampo Ituiutaba,AssentamentoRenascer, 2015.Entrevista comAssentadodoP.ARenascer,2016

5 Fonte: Trabalho deCampo Ituiutaba,AssentamentoRenascer, 2015. Entrevista comAssentado doP.ARenascer,2015.

6Coloqueiemmaiúsculo,poisconsideronessemomentoosAssentadoscomosujeitoprincipal.

7 Fonte: Trabalho deCampo Ituiutaba,AssentamentoRenascer, 2014. Entrevista comAssentado doP.ARenascer,2014.

RESILIÊNCIACAMPONESA:AMUTUALIDADENOSMODOSDEVIDAPLURAISNACOMUNIDADESÃOJERÔNIMO

ROSSELVELTJOSÉSANTOSProgramadePósemGeografiadaUniversidadeFederaldeUberlândia.

[email protected]ÔNICAARRUDAZUFFI

ProgramadePósemGeografiadaUniversidadeFederaldeUberlâ[email protected]

INTRODUÇÃONa última década do século XXI, as crises econômicas colocaram em

evidência a economia global e suas organizações socioeconômicas. No campobrasileiro,osúltimosanos forammarcadosporgrandes transformações,epartedisso,estárelacionadoaodesenvolvimentodoagronegócio.

Nocontextodoagronegócio,oBrasil rural foi tomadoporumaproporçãoimportante e abrangeu imensas áreas. O Estado, com suas políticas públicas,introduziu culturas como a cana-de-açúcar por todo o território nacional,principalmente nas áreas mais planas, como nos estados da região Sudeste eCentro-Oeste. A reprodução ampliada de capitais provocou a substituição deculturas e atividades agrícolas tradicionais pela monocultura de grãos erecentementedacana-de-açúcar.Nestecontexto,oquetemchamadoaatençãonaregião do Triângulo Mineiro é a permanência de camponeses, geralmente nacondiçãodecercadospelosgrandescanaviais.

NomunicípiodeLimeiraD´Oeste,estudamososmodosdevidaeaslógicassociais em suas territorialidades a partir das possibilidades que lhes foramsurgindoao longodoprocessode instalaçãodausinasucroalcooleiraeosseuscanaviais.

Considerando as dinâmicas do espaço em estudo e as formas com que os

camponesesse relacionamcomasarticulaçõesestabelecidaspelos investidoresque chegam aos seus territórios, procuramos discutir as tensões fabricadas noprocessodeatenderaootimismodosetorsucroalcooleiro/sucroenergético.

No contexto da expansão e ampliação do setor sucroalcooleiro e suaslavouras de cana, as comunidades tradicionais da região do TriânguloMineirosão impactadas a partir de ações do Estado, das grandes corporaçõesinternacionaisoumultinacionais,dascooperativasdefornecedoresdecana,dosusineiros e dos donos de terras. A essência da participação do Estado está,justamente,naspolíticasqueforamestabelecidasparasubsidiaraquelesetor.

Podemos dizer, dentro de uma perspectiva geopolítica, que boa parte dasrelaçõessociaiseeconômicasdasquaisobservamosnosdiasatuais,resultamdeestratégias territoriais capitalistas que emergem de um Estado excludente, quebeneficia os interesses de grupos econômicos articulados politicamente comgovernosneoliberais.

Diante de umEstado incapaz de englobar grupos que vivemna contramãodessesetor,sercamponêsemmeioàagroindústriaésemdúvida,umexercíciodealteridadecultural,econômicaesocial.Estudaraexperiênciaeaculturadessessujeitos, sobretudo, valorizar a diversidade de seusmodos de vida, compõe oprincipalobjetivodesteestudo.

Assim,asdiversaslógicassociaisquecompõemomododevidacamponesapodemsercaracterizadasporsuasidentidadessociaiseculturais,poisparecemagir segundo suas intenções e estratégias que correspondem a sua experiênciacomoCerrado,instituindoinconformidades,tensõese/oureações.

Assim, as maneiras de ser locais foram estudadas na perspectiva decompreender como as tensões sociais que rodeiam os camponeses sãoenfrentadas,mediadas e de certa forma podem estar evitando amarginalizaçãodaquelesagricultores.

Para analisarmos as problemáticas territoriais da expansão canavieira noCerradoMineiroestudamosacomunidadeSãoJerônimo,localizadanomunicípiodeLimeiraD´Oeste.Nolugarfoirealizadovários trabalhosdecamponosanos

de 2014 e 2015, envolvendo cinco propriedades rurais camponesas. NoLaboratório de Geografia Cultural estabelecemos junto aos pesquisadores,debatessobrearesiliência,mododevidacamponês,mutualidade,reciprocidade,sociabilidade, dentre outras categorias para compreendermos as lógicascamponesas,considerandoassuasdiferentestemporalidadessociais.

Nesteprocessodereordenamentosocioterritorialocasionadopelaexpansãocanavieira, observamos camponeses que sentiram os impactos decorrentes dastensões vindas do agronegócio. Apesar dessa situação, a vida social foi sereestruturando no entorno da usina e dos seus canaviais.A permanência de umgrupo de camponeses, tradicionalmente ligados à pecuária de leite poderiadecorrerdeváriaspossibilidades.Nocampo,noconvíviodiáriocomasfamíliasfomos percebendo que a permanência tinha demandado ações e reações àsimposiçõesdoagronegócio.

As ações e reações no lugar São Jerônimo envolvem as famílias e osvizinhos. Há dinamismo nas relações sociais e de produção. Ambas, estãoimplicadas na reorganização de suas práticas sociais, culturais e produtivas.Apartir desta constatação, nos indagamos sobre a resiliência camponesa,principalmente quando esse grupo cercado pelas imensas lavouras de cana etencionado pelas adversidades do agronegócio persiste e continua vivendo nolugarcomseusmodosdevidaeenlacescomunitários.

NoestudodoscamponesesdacomunidadeSãoGerônimo,nomunicípiodeLimeira D´Oeste, compreendemos que a permanência do grupo é tensa e vemsendo gerada a partir do envolvimento das famílias na criação e recriação derelaçõesmediadaspelamutualidade,reciprocidadeesociabilidadecamponesa.

Oproblemaécompreenderseissotudoé(in)suficienteparaelesmanterem-se no território; se a resiliência camponesa pode ser compreendida também apartirdassuaslógicassociais,formativasdeseusmodosdevidaeproduçãodosmeiosdevida.

No lugar, encontramos camponeses praticando a pecuária de leite quecriaramestratégias de convivência, envolvendodiversos tiposde troca e ajuda

mútua,semperdersuaessênciadecamponês.Assim,elescriamaomesmotempoemquerecriamrelaçõessociaisquetendemsuportarasimposiçõeseconômicasesociaisdoagronegóciooumesmodeordemnatural.Seusmodosdevida,saberesefazeresparecemoferecerumlastrocultural,moraleéticoparaaelaboraçãodeestratégiassociaisemanterem-senaatividadeleiteira.Paratantoasrelaçõesdemutualidadeentrevizinhossãonutridasapartirdasociabilidadeereciprocidadecamponesa.

Nomutualismo, há o exercício político de convencer o outro a se ajudarmutuamente.NesseprocessoocamponêsdeSãoJerônimoseasseguracapazdeserumsujeitorecíproco.Quandoele trocaentrevizinhos,serviçosparafazerotrabalhodearmazenartoneladasdealimentosparaogadoeassimsuportarquatromesesdeseca,elecriaumasituaçãodesegurança.NomutualismopraticadoemSãoJerônimo,ocamponêstorna-seumrecebedordeajudaquandotambémtorna-seumdoadorde tempo,espaço, saberes, trabalho,dentreoutros, semprecomaintenção de atender às demandas do grupo. Trata-se de uma prática socialdevolvida no ciclo da vida. O vizinho que empresta tecnologia, tempo econhecimento,tudofaznaconfiança,poisinstituíram,nocostumedefazerosilo,a garantia que receberá a devolução da ajuda, da forma que o outro puder.Detalhe,aajudanãoécontabilizadaemhorasdetrabalho,masnadisposiçãoemretribuiraajudajárecebida.

Oresultadodessatrocaéocontroledesuasações,agindodentrodocostumedomutualismo,ocamponêsevitadetomarempréstimos,porexemplo,nosbancosdecrédito,de seendividareassimprecipitarem-seemumciclodeobrigaçõesimpessoais,principalmenteaquelasimpostaspelosetorfinanceiro.

Portanto, compreender o conjunto desse sistema de resiliência rural que ocamponêsestá inserido,certamentepodecontribuirparadecifrarmosas formas,osjeitosqueelesconvivemcomastensões,estabelecendosaídasparausaremoespaçoaoseufavor.

Para este trabalho, a coleta de dados foi pautada em diálogos e presençaefetivadospesquisadoresnacomunidade,bemcomonaobservaçãodapaisagem

das propriedades rurais. Durante diversos trabalhos de campo pela região,procuramos conhecer o espaço vivido dos camponeses, onde estabelecemosdiálogos com vários sujeitos envolvidos no processo de reocupação daquelapartedocerradoMineiro.

AGRICULTURACAMPONESA:RESSIGNIFICAÇÃOENOVASFORMASDEEXISTIRNOLUGAR

Com a prática impactante da monocultura da cana-de-açúcar no cerradomineiro, reocupando áreas de pastagens e de cultivo de soja e milho, oscamponesesvivemnolugarasimplicaçõesdeumnovoprocessoprodutivo,cujalógica é produzir sem interrupções. Em meio a tantas mudanças no territóriocamponês,denominadocomunidadeSão Jerônimo,práticas socioculturais comodiversificação,pluriatividadeeomutualismofazempartedoseumododevida.Oestudo deste universo foi sendo percebido também a partir das suas lógicassociaisenvolvendotáticasdeconvivênciacomalógicadoagronegócio.

Contudo,alógicasocialdessessujeitosnãosesubordinaporinteiroàlógicadominante, pois é repleta de complexidades. São conhecimentos, saberes,superstições que se misturam em distintas combinações para promoverem umaexistênciaricaedensadecostumes.Ousodetecnologias,porexemplo,nuncaéestabelecido dissociado dos saberes e dos fazeres relacionados aos ciclos danaturezadocerradoedeseusmodosdevida.Nocasodaatividadeleiteiraestãopresentesmáquinasquereúnemtecnologiadeponta,requerendohabilidadesparanegociaremrelaçõesdetroca.

Elas aparecem no uso do trator. De forma relativamente autônoma eparticular vivenciada por cada um deles. Silos de superfície são construídos apartirdetrêstratores,sendoqueapenasumédepropriedadedodonodosilo.

Funcionaassim,parafazeumsiloprecisodetrêstrator...Umcolhe,outrocarregaoprodutoeoterceiropisa...assim,compactaasmisturas.Entãonessenossosistemanãoprecisaumtertrêstrator...Entãoagentecombinacomosvizinhos.1

Aoconsiderarmosseusarranjosetáticas,noquedizrespeitoaocamponêseàajudamútuaobtidaentreseusvizinhos,pensamos,então,suaexistênciaapartirdascondiçõessocioespaciaisvividasnolugar.Porassimdizer,ondehácondutarecíproca,cheiadeestratégiasqueindicamformasdeatenderemsuasdemandas,consolidam-seformasdeexistirexponenciais.Nesteprocessohádeseconsiderarqueelesnãoestão livresdas imposições,sobretudodousode tecnologias,masnutremformassociaisalternativasparaatendê-las.

Aproduçãoqueelesalcançamindicaquesuascondiçõesestãorelacionadasàcapacidadededesempenharemsuashabilidadesdenegociaremcomseusparesno uso de tecnologias, estabelecendo amplas associações com seus costumesbaseados na sua cultura. “Às vezes o silo que nóis fez é pouco, nóis vaiacrescentandoraçãoprarendê2”.

Ocamponêsrevela-senolugar,umsujeitocomunitárioligadoàsimposiçõesdo mercado, e em suas particularidades culturais, elas são percebidas comonecessidades pontuais.A tecnificação da atividade leiteira é, sem dúvida, umadas tantas necessidades. As novas determinações do mercado são pensadas einterpretadas emgrausdistintosde articulaçãoambígua comas imposiçõesdoslaticínios. “O povo precisa de uma ordenhadeira, de um trator pra auxilia agente na lida... As máquina não é pra ganha dinheiro, é uma precisão, umacoisadenecessidadedasmaisnecessária”.3

Sendoousodemáquinas, equipamentos,melhoramentogenético (animal evegetal),umanecessidade,aaquisiçãodessastecnologiasolibertadeimposiçõesdeordembrutaelhepossibilitacondiçõesparaestabelecercertaautonomiaparanegociaretrocarousodelasentreosseusparesquevivemnolugarpraticandoapecuária leiteira, permitindo a elaboração de condições alternativas deexistência.

Mesmo usandomodernas tecnologias, observamos camponeses que não seindividualizaram.Elestêmconseguidoestabelecercomosvizinhos,formasdesereorganizarem no lugar, incluindo nas conquistas tecnológicas formas de trocasqueliberamparcialmenteoutotalmentealgunsmembrosdotrabalhofamiliar.Em

um sistema de trocas que lhes permitem economizarmão de obra, eles podemcontarcomotratordooutro.

O trator é umamáquinamuito cara.O povo não empresta,mais troca serviço detratorporserviçomanualetambémdetrator.Opovovaifazendoassim:naépocade faze um serviçomais pesado e vou e ajudoo vizinhoa faze o dele e depois ovizinhovemprafazeomeu.4

Com o uso negociado das tecnologias, eles administram melhor os seusrecursosmonetárioseoseutempo.Omodocomquetrabalhamindividualmente,nãocomprometemoutrasrelaçõesdevizinhança.Elasindicamquehásegurançanas trocas, que a racionalidade da ajuda mútua existe e se fortalece quandoincorpora a vizinhança. Isso também indica que esses agricultores têmpensadoemaçõesquenãolhesdeixamalienadosempráticassociaiseprodutivasnovasouantigas.“Opovoqueusao tratorénossovizinho,mais tambémseprecisausaa enxada, amatracanaplantação, usa também...Naordenha éamesmacoisa,senãotemenergia,faznomanual”.5

No município de Limeira D´Oeste, em algumas propriedades, apluriatividadeaconteceentreagricultoresquetemnafamília,umapossibilidadederealizardiversasatividades,nãoespecificamenterelacionadasàprodução innatura, mas a toda uma produção que segue lógicas próprias. Como exemplo,temosagricultoresligadosaocultivodeverduraselegumesqueperceberamumnicho de mercado que demanda produtos livres de agrotóxicos, os orgânicos.Também existem os tradicionais que confeccionam produtos ligados à “roça”,comopamonha,queijoeoutrosquitutesvendidosnomercadolocal.Sãopráticassociais que comportam alternativas para enfrentar as indeterminações da vida.Trata-sedecamponesesquesãoatentosaoqueaconteceaoseuredor,eseguemdesenvolvendopráticassociaisquenutremdiantedetantasadversidadesrelaçõesdemutualidadenacomunidade.

Noprocederdostrabalhosdecampo,observamosqueessapráticasocialérecorrente. Utilizada para suprir suas necessidades e ao mesmo tempo parafomentarnovashabilidades camponesas, elasdemarcamseus territórios eneles

anunciam possibilidades de se pensar o espaço por diferentes formas deexistência.Sãodiversaspossibilidadesdediversificaremasformasdeaquisiçãoe uso de tecnologias. Na produção, ao estabelecerem trocas de serviçosenvolvendo o trator, eles incorporam tecnologias deles e dos vizinhos.A trocatambém lhes possibilita estudar o mercado e nele aquilo que lhes viabilizemsocialmenteeeconomicamentenolugar.

Umdiadessesfiqueiimaginandocomomelhorararendadafamíliasemterqueterque gasta dinheiro. Fiquei vendo na feira como o milho verde é comercializado.Tudonapalha, sujo,cheiodeconfusão.Daíresolvi inventaomilhonabandeja...Ganheiaclientela.6

Mesmo que a ideia seja do camponês, há um auxílio por parte dasinstituiçõespúblicasquecolaboramcomodesenvolvimentode ideias juntoaoscamponeses nomunicípio. A EMATER, IMA, SENAR, dentre outros dialogamcomasdemandascamponesasecolaboramnaassistênciatécnica.Sãoparceriasque os encaminham para a elaboração de projetos junto ao PRONAF, napreparação dos silos, dentre outras atividades. No entanto, faz-se necessárioreconhecerqueaagriculturacamponesaemsuaspráticas,queelanãosepautaemuma única lógica, mas em várias lógicas sociais vindas de diferentestemporalidades sociais. “Nóis tudo trabalha na roça, eu, meus filhos, minhaesposa. O leite que tiramos, amulher faz o queijo e o doce de leite, depoisvendemosnacidade,temumarmazémquesemprecompra”.7

A dinâmica das práticas sociais abrange o trabalho familiar. Ela é oprincipal fator de distinção das lógicas camponesas no espaço rural. Noenvolvimento dos membros com o projeto familiar, todos assumem ocompromissocomoprojetodafamília,portanto,elesassumemidentidadescomaquiloqueogrupo familiar assume fazer. “Nosso ramo é o leite. Tira leite demanhãede tarde.Fazsilo,arrumacerca,cuidadosbezerrinho.Aqui tudo táenvolvido.Entãonãoparanuncapráninguémficasemteroquefazê...”8

Oqueéprecisoentendernaproduçãocamponesa,éaparticipaçãoefetivadetodososmembrosnastomadasdedecisões.Elasacontecemnaprodução,no

beneficiamento e também na participação de pessoas que não fazem partediretamenteda família,masque sãodeconfiança, comoosvizinhos,oquenosrevelamaisumaespecificidadesocioculturaldoscamponesesemestudo.

Sãodiversassituaçõesquepodemoscitarparadistingui-losdosprodutoresda agroindústria. No entanto, essas relações que eles estabelecem entre si, eprincipalmente,entreosdemaisagricultoresdacomunidade,noslevaaentenderarelevância das suas práticas sociais relacionadas à permanência deles no lugarenquantocamponeses.

Esses agricultores criam a partir de suas práticas sociais estratégias paramanteremsuasterritorialidadesnolugar.Podemos,porassimdizer,queaoseremrecíprocos com os vizinhos, criam e também recriam na comunidade um bomnome, principalmente entre aqueles que praticam relações de troca. Areciprocidadeajudaaalimentarconfiançasnamutualidadeentreoscamponeses.Nolugar,apartirdessasrelações,elesvãomesclandoemdiversasproporçõesotradicionaleomodernoparacontinuarempraticandoumaagriculturacamponesa.

Obompra todomundoeraqueagentepudesseresolver tudoqueeraproblema...mais issonãodá.Entãocadaproblemaagente temqueachaumasolução...Aliovizinhotemmuitoesterco,daieledoaeocurraldeleficasemprelimpo.Daiopovodeleficalivrepráfazeoutrascoisas9.

Coma trocaabrangendoe solucionandoas suasdemandaselesconseguemamenizar tensões decorrentes das condições sociais em que vivem, em umcontexto de forte imposição do agronegócio.Mesmo assim, eles reúnemváriascapacidades ehabilidadespara lidaremcomasmudanças, semperderemo seulugar no espaço reocupado. Essa capacidade de adaptação está ligada a ummecanismo de absorção, reorganização, que eles desenvolveram no lugar,indicandoque o seu dinamismo é relativo e relacional a umambientemarcadopor mudanças constantes – social, ecológico, econômico e político. Nestecontexto eles vivem as imposições socioeconômicas e reagem a elas a partirdaquiloqueconseguemreunirnafamíliaecomunidade.

Essacapacidadede lidaremcomasmudançaseos imprevistosqueavida

lhes proporciona faz comparecer aspectos importantes de uma resiliênciaassentadaemseus aspectos culturais, sobretudo, residuaisdeummododevidacamponês. No Cerrado reocupado pelos grandes empreendimentos capitalistas,comparecem na pecuária leiteira como capazes de contornar as nuances quesurgem, se reorganizando para digerirem um novo conjunto de estruturas eprocessos.

Culturalmente falando, a resiliência no meio rural, pode ser retratada noapreçoà terra,nadecisãodesemanteremnelae fazerdissoseumeiodevida.Por assim dizer, esses sujeitos recriam, reinventam técnicas, meios, modos defazeraquiloquelhessãocabíveisparaexistiremnaquelelugar.Intrinsecamente,aforça para (re)existir no lugar, está, justamente, na capacidade humana de serecuperardesituaçõesdecrise,atémesmoaprendercomela.ComoafirmaSilva(2014,p.294-295):

Emtemposdemudançasclimáticaseambientais,alémdesobressaltossocioeconômicos,é comum casos em que pessoas, comunidades e nações submetidas a fortes tensões,catástrofes e perdas foramcapazes de suportar choques substanciais e se recuperarememseguida.Essaspessoassão,emumapalavra,resilientes.

Essa capacidade de processar a vida no lugar vem da combinação dediferentestiposdeconhecimentoqueoscamponesesforamincorporandoàssuaspráticassociaiseadaptandoasdemandasdoseutempo.NolugarSãoJerônimo,reconhecemossuaspráticassociaisatreladasaosciclosnaturaisdocerrado,poisnapecuárialeiteira,elesestocamalimentoparaogadonoperíodochuvosoparaconsumi-los na seca.Nesse processo de criarem segurança em suas atividadesacabamreunindoimportanteshabilidadesecompetênciasdeadaptaçãoecológica.Trata-se de conhecimentos construídos junto ao ecossistema, ou como escreveFOLKEetal(2003):

The focus of the volume is the study of the adaptability of social-ecological systems tomeet change and novel challenges in navigating ecosystem dynamics withoutcompromisinglong-termsustainability; that lossofresilienceleadstoreducedcapacitytodealwithchange.Ecologicalresiliencehasbeendefinedasthemagnitudeofdisturbancethatcanbeexperiencedbeforeasystemmovesintoadiferentestateanddiferentesetofcontrols.(FOLKEet.al.,2003,p.354)10

Folkeconsideraacapacidadedeadaptaçãoqueossistemassocioecológicostêm para atenderem às mudanças e aos novos desafios que as dinâmicas dosecossistemas ocasionam, sem comprometer em longo prazo, sua existência.Assim, sua magnitude pode ser definida como um fato experimentado antesmesmoqueumsistemasemovaparaumestadodiferente.

Na construção de silos, a inclusão do trator e dos vizinhos é parte de umprocessocriativoequepoucoapouco,vaiindicandoanecessidadederecorreràquiloqueelesconhecememprofundidade.Ocultivodareciprocidadeépartedeumconhecimentoqueelesjádominavam.Elajáexistiaemseusrelacionamentos,ademandatambém,oquemudoufoiaformadepactuaraajuda,apercepçãodeumcuidadoamaispara se adaptar àsnecessidadesdomomentoe assim,gerarsegurança/confiança, incorporando políticas de vizinhanças criativas. Nestecontexto,oscamponesesrevelamasuacapacidadepolíticadeexperimentarederecriaraquiloque já tinhamparacriaralternativasparaenfrentarproblemasdeoutrasordens.Sãoinovadoresecapazesdelidarcomasmutaçõesdoespaço.Sãosujeitosqueestãorodeadosderecursosnaturais,emesmoquetenhampouca(ounenhuma) instrução acadêmica, eles seguem experimentando técnicas econhecimentos(MILESTAD;KUMMER&VOGL,2009).

Desse modo, a resiliência no meio rural pode ser definida como acapacidadedeadaptaçãoàs circunstâncias internas e externas, de formaque seconquiste umnível socialmente satisfatório de vida.Tambémpode ser descritopor quão bem uma área rural pode equilibrar simultaneamente no ecossistema,funçõeseconômicaseculturais(HEIJMANetal,2007).Aresiliênciaparaomeiorural é também, uma característica dos sistemas sociais e ecológicos deenfrentarem e se adaptarem aos estresses sociais/políticos e/ou ambientais e,assim,reduziremsuavulnerabilidadesituacional.(ADGER,2000;CINNERetal,2009).Ouainda:

Trata-sedeumconceitorelacionadoàadaptaçãoeconsisteemvariaçõesindividuaise/ouemrespostaaosfatoresderisco,erefere-se,emgeral,àcapacidadedeumambiente,ou

sociedade,devoltaràscondiçõesanterioresapósserimpactada/vitimadaporumeventodecaráterextremo(naturalousocial/tecnológicohasard)(MENDONÇA,2011.P.114).

A resiliência para Mendonça é um aparato na perspectiva e análise dosespaços geográficos. Para ele, os processos socioeconômicos devem serconsideradospelasincertezasepelaresponsabilidadeeprecauçãonaconstruçãodascondiçõesfuturasdavida.

NomunicípiodeLimeiraD’Oesteoscamponesesquepraticamapecuárialeiteira apresentam seus conteúdos resilientes na diversidade do lugar em quepraticamsuasatividades.Suasperspectivasconsistemnaspráticasculturaisqueem cada contexto se relacionam às técnicas inovadoras. Essa agregação gerapossibilidadesdeseobtermaiorrendafamiliar.Nossiloselesmisturamcana-de-açúcar, capim, sorgo e por vezes milho. Neste processo eles conseguiram sereadequar às novas exigências do mercado, inclusive dos laticínios que cobradelespadronizaçõesdequalidadeequantidadenoleite.

Ousodacana-de-açúcar,picada,misturadaaosgrãos,fermentadaeestocadapara alimentar o gado no período seco, torna-se possível a partir de práticassociais que envolvemadaptaçõesdeumaplantaque sempre estevepresentenolugar.Assim,acana-de-açúcartransformadaemsiloéumsinônimodeinovação,da capacidade desses camponeses de se adequarem às novas situações. Emsíntese, trata-se de um exemplo de resiliência rural, sem perder a identidadecamponesa. Pois a utilização da mão de obra familiar, da mutualidade ereciprocidadeentrevizinhoscontinuasendopartedetodooprocessodeobtençãodeleite.

As particularidades no processo de criação de estratégias envolvendo o“novo”,requerautonomiaecompromissodeseusmembros.Assim,aelaboraçãodesilosenvolveoutrasatribuições,indicamqueessesagricultoresprocessamasinformações que chegam até eles, dando praticidade ao uso dos recursos queestãono lugar, podendo serusadopor eles. Isso significaquehána resiliênciadessas pessoas, uma interação socioeconômica e ecológica como lugar que sevive.

Ocultivodecana-de-açúcarésecularentreoscamponesesdoCerrado,bemcomo o seu uso como volumoso para o gado. Na comunidade ela entra comocomponente na elaboração da razão das vacas e em nenhum momento foiacrescida de produtos químicos. Na elaboração dos silos houve alteração eadaptação nas relações sociais para obterem estoques de alimentos, garantidoquantidadeequalidadecontínuaaoleite.

O camponês para estabelecer essa conquista introduziu o seu trator e ostratores das vizinhanças. São máquinas capazes de estabelecer rapidez aoprocesso e à concretização da técnica de compactação, capazes de efetivar aretiradadooxigêniodossilos,permitindoqueeleduremaistemponacondiçãodealimento,poisaspartículasvivasaceleramotempodeputrefaçãodoalimentoemcontatocomooxigênio.Essaabsorçãoda tecnologiageraoutrasconquistascomresultadosquepodemterimplicaçõesnoseucotidiano.Paraosagricultores,toda e qualquer alteração no ritmo de seu cotidiano, podem ter diferentesresultados, sejam eles econômicos, sociais ou culturais. Nesse momento, astradições e a identidade junto ao senso de comunidade, assumem um papelimportantenaformade“amortecer”osimpactosqueosgrandesinvestimentosdecapitaisgeramnolugar.

Mexêsócomgadonãodá,nãotemotantaterra...Mexecomlavouratemquetemmuitomaquinário...Acanaéfácildelidaeelaserveprazeladosbicho.Eladáassimrapidinho,emqualquercantinho,nãoprecisazelamuitodela.Oqueagente fazéplantáecapiná,depoiscolhê.Trabalhosoéfazesilo...Agentetemquetrabalhamuitopráficatudobemajeitadinho...11

Explorarosrecursoseosmeiosqueeles têmpara lidaremcomas tensõesvividas no território, implica na elaboração de estratégias. Essa capacidaderesilientedoscamponesescomparecenolugar,basicamente,noambientefamiliareemcertamedidaenvolvendoacomunidade.Nocasodossilos,afamíliaavaliaaspossibilidadesdedesenvolverematividadesquelhesproporcionemageraçãoderendaetrabalho,considerandoprincipalmenteascondiçõesfísicasetécnicasdossolos,domercadoe tambémdapossibilidadedegerarfarturadealimentos

paracomporadietaalimentarcamponesa.Todooconhecimentoadquiridoéexpostopeloscamponeses,constantemente

emsuaspráticassociais,formandoumadinâmicadevidanolugar.Emgeral,sãodesafios diários a que eles são postos frente às mudanças socioespaciaisdeterminadas pelos que personificam a lógica capitalista. Desse modo, serresilienteétambémestarsempreatentosàsarmadilhasqueomeiolhesimpõe.Asmutações na renda da terra são exemplos de armadilhas que o setorsucroalcooleiro/sucroenergético ocasiona a essas pessoas.Assim, o acesso aossolos, à água, passa a ser regulado pelo arrendamento, estabelecendointerferências que eles precisam lidar e se desvencilhar em determinadosmomentos.

A partir desses fatores, as estratégias envolvendo a resiliência emcomunidade, são formas deles se protegerem de não cair em armadilhas comoendividamento bancário e/ou dependência dos pacotes tecnológicos vindos eimpostos da chamada Revolução Verde. Um caso clássico são as sementesproduzidas por empresas comoMONSANTOeCARGIL, as quais controlam aproduçãodestepatrimônionomundo.Essecontroleé legitimadoapartirdeumdiscurso, cuja essência reside na geração de plantas saudáveis e de rápidodesenvolvimento. Além da esterilidade das sementes que não podem serreutilizadas de forma ecológica e natural na reprodução das espéciescomercializadas,elasrepresentamummonopólio.

São várias as formas que o sistema dominante cria para subordinar ocampesinato.Omercadodesementescontroladoporalgumasempresasmundiaisé um exemplo importante. O cuidado e a atenção em não perderem osgomos/sementes tradicionais de cana-de-açúcar, pois neles existe um materialgenéticoadaptadoaocerrado,sãopercepçõesdepessoasligadaseatentasaoqueaconteceasuavolta.

NO EXERCÍCIO DA RESILIÊNCIA: MUTUALISMO, IDENTIDADE E

CULTURANa defesa do lugar, os camponeses podem ser vistos como “usadores”

coerentes dos recursos disponíveis nas suas propriedades. Na relação com ocerrado formam o ecossistema do ambiente, e consequentemente tendem ainfluenciá-lo, de várias formas, sejam elas apropriadas ou condenáveis. Comoeles irão lidar para construírem suas estratégias de existirem no lugar, será oresultadodasexperiênciasqueacumularamaolongodesuasvidas.

Na comunidade é necessário considerar as particularidades das relações.Assim, das maneiras que já descrevemos até o momento, há aqueles quereelaboram seus vínculos com o lugar e seguramente as suas humanidades emmeioàs imposiçõesdaagroindústria.No lugarSãoJerônimoavida segueeoscamponeses vão estabelecendo suas ações e reações, apresentandocomportamentosquetraduzemsuasinteraçõescomomeioecomacomunidade.Noenfrentamentodasimposiçõessecomportamcomogestoresdeseussistemasde resiliência, assumindo na relação com os que vivem no lugar acordos quesuscitam amplas mutualidades que se especificam nos contextos em que sãoestabelecidas.

Neste sentido, a concepção de ajuda que eles asseguram entre si, reúnerelaçõessociaisquesedinamizam,gerandopossibilidadesdeseremusadasparanutrirem uma existência camponesa no Cerrado. Assim, criam sistemas dereciprocidadesqueorientameestimulamsuasexistênciasimplicadasemtensõesdecorrentes de interesses explicitados no uso do espaço. Omutualismo é umaformadeessaspessoasmovimentaremumprocessodenegociaçãopautadoemumtipodecompromissodesociabilidade,emqueháumacordoentreelasfrenteaumasituaçãoqueirácontribuirparasesentiremsegurosemummundorepletodeinseguranças.

No lugar observamos que a convivência em comunidade fundamentarelaçõesquesãobaseadasnaconfiançaenareciprocidade.Sãoacordosbastanteduros,estabelecidoseconcebidosdentrodeumalógicacamponesaefisiológica.A ajuda, neste caso, acontece por eles entenderem que sozinhos, talvez não

fossem capazes de realizar suas atividades, principalmente aquelas quedemandam maior quantidade de trabalho, conhecimentos e habilidades. Essacaracterística indica que há entre os agricultores de São Jerônimo aspectos deuma campesinidade12 que comparecem na sua ligação à terra, à família e àcomunidade.Elesapresentamrelaçõesorgânicaseculturais,éticasemoraiscoma sua terra, e as formas de existir no lugar, indicam relações demutualidade ereciprocidadeparamanter-senela.

Kropotkin(2009),aoobservarocomportamentoentreespéciesdeanimaisede homens de sociedades primitivas até as modernas, elaborou a tese dacooperação da vida em comunidade.O autor afirma que a competição entre asespécies,alutaentreosindivíduos,nuncaatingeaimportânciadesuascondições.Em uma crítica expressa ao Darwinismo, ele combate a ideia de que são emcondições de escassez, dificuldades extremas, que acontecem as evoluções.Kropotkin sustenta a tese de que a ajuda mútua é um fator da evolução dosinstintosmorais,umaleidanatureza:

Nãoéamor,enemmesmosimpatia(compreendidaemseusentidoliteral),oquelevaumrebanhode ruminantesoudecavalosa fazerumcírculoa fimde resistir aoataquedoslobos;oulobosaformarumaalcateiaparacaçar;ougatinhosoucordeirosabrincar;ouos filhotes de uma dezena de espécies de aves a passarem os dias juntos no outono.Também não é amor, nem simpatia pessoal, que leva muitos milhares de gamos,espalhados por um território do tamanho da França, a formar dezenas de rebanhosdistintos,todosmarchandoemdireçãoaumdeterminadopontoparacruzarumrio.Éumsentimentoinfinitamentemaisamploqueoamorouasimpatiapessoal–éuminstintoquevem se desenvolvendo lentamente entre animais e entre seres humanos no decorrer deuma evolução extremamente longa e que ensinou a força que podem adquirir com apráticadaajudaedoapoiomútuos,bemcomoosprazeresquelhessãopossibilitadospelavidasocial.(Kropotkin,2009,p.14-15)

É nessa percepção de solidariedade humana, que podemos incluir asrelações que observamos na comunidade de São Jerônimo, no município deLimeira D’Oeste. Uma prática consciente em reconhecer que a força de todosdentro de um senso de equidade, leva o sujeito a considerar o outro como umfundamentonecessárionaconstruçãodaexistênciahumananolugar.

Não é de hoje que a agricultura camponesa no Brasil vem enfrentando

problemaspolíticoseeconômicos.Compreenderocontextodessessujeitosesuasestratégiassociaisdevida,inclusivedereinvençõesdetécnicasdeprodução,sãorelevantes para apontar e discutir os desencontros das políticas púbicasimplementadasparaodesenvolvimentodaagriculturanopaís.Aspotencialidadescamponesas na geração de trabalho e renda na agricultura indicam formas deorganizar a produção, de gerar oportunidades que são criadas para suportar asimposições sociais sejam elas do mercado, do Estado ou mesmo de ordemnatural.Nosseusmodosdevida,oscamponesesnãoconstroemapenassoluçõeseconômicas com a silagem, ela implica em relações de mutualidade ereciprocidadeentrevizinhos.

Para tanto, a parceria/ajuda, também ligada à resiliência e suasterritorialidades,dãovidaao lugar.Sãoacordos tácitosqueforampromovidos,absorvidos e aprendidospelos camponeses e servempara eles lidaremcomosvieses do mercado, do Estado e da própria natureza. No mutualismo, há oexercíciodaautonomiarelativaerelacional,énessemomentoqueocamponêsseasseguradecertaabonaçãopararealizareefetivarseusprojetosdevida.Quandoeletrocaentrevizinhosserviçosparafazerosilo,ouquandoessemesmovizinhodirigeotratoreoajudanapreparaçãodasilagem,criaalternativaspararesolverdiversostiposdetensões.Dessejeito,ocamponêsnãoprecisaseendividarparacomprarmaisdeumtrator.NomutualismopraticadoemSãoJerônimoessaajudaé devolvida no ciclo da vida. O vizinho que emprestou tecnologia, tempo econhecimento,tudofaznaconfiança,poisinstituíram,nocostumedefazerosilo,agarantiaquereceberáadevoluçãodaajuda,daformaqueooutropuder.

O resultado dessa troca é a confiança no outro e de suas ações. Agindodentro do costume, o camponês evita de tomar empréstimos, de se endividar eassim cair em um ciclo de endividamentos que comprometa sua estabilidademoral,éticaefinanceira.

Trabalhar com a pecuária leiteira insere os camponeses na condição defornecedores e recebedores de ajuda entre vizinhos. A prática da mutualidadevemdoexercíciodesuaresiliênciadaprópriavida,dolugarondeelevive,das

dinâmicas socioterritoriais, expostas pelasmudanças repentinas que acontecemem um espaço reocupado e envolvido nas motivações econômicas doagronegócio.

Temosmaisde20anosquenóisfaizsilo.Aítemumfazendeiroaliqueasveizeleocupaonossotrator,trabaiá,faiziodelelá,aínóisocupaodeletambém.Põesóumpetróleo.Umajudaooutro.Porqueocêterquedesemborsartudo,nóisnumdáconta.13

Compreender o conjunto desse sistema de resiliência camponesa que estáinseridonosseusmodosdevidaenaelaboraçãodosmeiosdevida,certamentepode contribuir para decifrarmos as formas de enfrentamento das tensões etambémassuassaídasestabelecidasnocotidiano.

CONSIDERAÇÕESFINAISNeste trabalho, analisamos os trunfos de uma campesinidade que

comparecemnolugarparatorná-loresiliente.Assim,usaroespaçoaoseufavoréuma das suas habilidades. Manter-se no lugar a partir de suas essênciascampesinas, indicaprocessosamplosdeenraizamentodeumsujeitohistóricoeculturalmente mutável, resiliente, capaz de estabelecer arranjos e estratégiassociais para continuar existindo enquanto agricultores que operam sob lógicassóciasconstituídasapartirdediferentestemporalidades.

Emmeioaosestranhamentosdavida,observamosnacomunidade,relaçõessóciasquealimentamaajudamútua.São formassociaisdemutualismosqueseassentam na reciprocidade camponesa, contribuindo para diferentes formas deexistirnolugar.Nestacondiçãovivemporentretransformaçõessocioespaciaiseinquietaçõesderivadasdaatualdinâmicacapitalistaquepenetrafundooespaçorural,fabricandotensõesdediversasordens.

Na comunidade São Jerônimo, ser resiliente é parte de uma existênciasocial,deumconjuntodehabilidadesquecriamaomesmotempoemquerecriam,nolugar,condutasmoraisquevalorizameincorporamooutrocomopartedesuasterritorialidadesepertencimentos.Nesteprocesso,ovizinhoexistenamedidaem

queérecíproco,principalmente,naquiloquelhespermitemconstruirdeterminadotipodeautonomianoprocessodeobtençãodealgumasegurançaàvida.

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WORRTMANN,Klaas.Comparentenãoseneguceia:ocampesinatocomoordemmoral.AnuárioAntropológico.Nº87.RiodeJaneiro:TempoBrasileiro,1990.

1Faladeumcamponêssobreasilagemeasformasdeajudamútua.Julhode2015.

2Faladofilhodocamponêssobreasilagemeasformasdetratodogado.Nessaspráticas,ocamponêsincorporaconquistastecnológicasdasociedademoderna,inclusivemelhoramentosgenéticosnoseugadoedealgumasplantasparaobter resultadosqueatendamassuasnecessidadese tambémformasdese relacionarcomomercadolocaleregional.Julhode2015.

3Faladofilhodocamponêssobreasilagemeasformasdemanejodogado.Julhode2015

4Serviçopesadopodeseralémdeensilaromilho,acanaeocapim,arrumarumaestrada,construirumarepresa.FaladeumcamponêsdacomunidadeSãoJerônimosobreasrazõesdelesseajudarem.Agostode2015.

5FaladeumcamponêsdacomunidadeSão Jerônimosobreas razõesdeles se ajudarem.Agostode2015.

6CamponêsdapecuáriadeleiteederivadosementrevistaduranteotrabalhodecamponomunicípiodeLimeiraD ́Oeste,emjunhode2014.

7Fala deCamponês da pecuária de leite e derivados em entrevista durante o trabalho de camponomunicípiodeLimeiraD ́Oeste,emagostode2015.

8Fala deCamponês da pecuária de leite e derivados em entrevista durante o trabalho de camponomunicípiodeLimeiraD ́Oeste,emjunhode2015.

9Fala deCamponês da pecuária de leite e derivados em entrevista durante o trabalho de camponomunicípiodeLimeiraD ́Oeste,emagostode2014.

10 Traduzindo a citação de Folke: O foco do volume é o estudo da capacidade de adaptação dossistemassócioecologicosparaatenderasmudançaseosnovosdesafiosnadinâmicadosecossistemas, semcomprometer a sustentabilidade em longo prazo; a perda de resistência leva à redução da capacidade paralidar com amudança. Resiliência ecológica tem sido definida como amagnitude do distúrbio experienciadoantesqueumsistemaentreemumestadodiferenteeemdiferentesformasdecontrole.

11FaladecamponêsdapecuáriadeleitenomunicípiodeLimeiraD´Oeste,novembrode2014.

12OconceitodecampesinidadeelaboradoporWoortmann (1990)adquirenesteestudocentralidadespara a análise da resiliência, pois envolve práticas sociais e significados culturais manifestados a partir devaloresrespectivosàordemmoraldaquelegrupodeagricultores.

13FaladeCamponêsdapecuáriade leiteederivadosementrevistaduranteo trabalhodecamponomunicípiodeLimeiraD´Oeste,emagostode2015.

SERDOTEMEROSO,ESTARNOGURINHATÃ(MG):IDENTIDADEEMEMÓRIANO/DOLUGAR

JÉSSICASOARESDEFREITASUniversidadeFederaldeGoiá[email protected]

MARIAGERALDADEALMEIDAUniversidadeFederaldeGoiá[email protected]

INTRODUÇÃOO município de Gurinhatã-MG, por se localizar no pontal do Triângulo

Mineiroemmeioàsserraseterseuespaçoruralmaisativodoqueourbano,éconhecido pelos indivíduos que moram nas cidades vizinhas como um lugarbonito,commuitasfestas tradicionaisegrandepotencialdeproduçãoartesanal.Mesmo as comunidades mais “escondidas” do município são valorizadas poressescomponentes.

Mapa1–LocalizaçãodaComunidadePatosTemerosonoMunicípiodeGurinhatã–MG.

Afaltadeacessoeficienteaonúcleourbanoedificuldadedecomunicaçãocom as pessoas distantes ocasionam em vontades de sair de suasmoradias nafazenda e se mudarem para a cidade. Na comunidade rural Santa Cruz doTemeroso,tambémconhecidacomoPatosTemeroso,ouapenaspelooapelidode

Temeroso, tal realidade é vivida pelas pessoas que constroem ali seus laçosfamiliaresedevizinhança.

Osmaisvelhos,emgeral,migramparaacidadedeGurinhatã-MG,queficahá aproximadamente 30 km da comunidade (Mapa 1). Essa saída se dá pelanecessidade de cuidados médicos ou por necessidade de sair da terra. Dessaforma,aquelesquesaem,aindamantêmseuslaçoscomacomunidade,mesmoqueestejam localizados na cidade, efetivando representações socioespaciais quedenotamvínculos.

Entender a identidade implica também compreender amemória do sujeito(CANDAU,2014).Mesmoqueelesaiadolugar,seulugaraindapermanecenele.Construiridentificaçõescomoespaçoemqueosujeitoestáinseridofazcomqueoslaçossejamconstruídosepermaneçamnamemória,mesmoquesualocalidadenão seja mais a mesma. Nesse sentido, o objetivo do presente texto écompreender o lugar do sujeito que é da comunidade Temeroso, mas está nacidadedeGurinhatã-MG.

De acordo com Boaventura de Souza Santos (2006), a abordagem pós-modernanasciênciaspermiteenfoquestransdisciplinares,oquepossibilitamaiordiversidade nas pesquisas. Almeida (2013) postula tais considerações naGeografia, entendendo as diferenças conceituais das diferentes áreas e dosautores abordados. Adota-se aqui a abordagem cultural, que na Geografia seintensificou nos últimos anos (CLAVAL, 2002), e possibilita compreender oespaçoparaalémdeseucontextosocioeconômico.

Paraaelaboraçãodo texto, foramrealizadas revisõesbibliográficas sobreastemáticasabordadas,especialmenteacercadosconceitosdelugar,identidadeememória.Comoobjetivodecompreendermelhoracomunidadeestudadafez-senecessário a realização de trabalhos de campo com entrevistas aos sujeitos eobservaçãodolugar.

A escolha dos sujeitos para o diálogo se deu a partir de indicações dosmoradoresdacidadedeGurinhatã-MGedacomunidadePatosTemeroso,atomarcomo referências sujeitos já conhecidos do lugar. Os entrevistados que se

localizamnacidade forammoradoresdacomunidade,emsuamaioriacomumavastaexperiênciavivida.Jáaquelesquemoramnacomunidadepossuemidadesdiversas. São sujeitos novos na região e outros quemoraram boa parte de suavida (em alguns casos toda ela), a fim de compreender as diferenciações deexperiências.Asentrevistasrealizadastiveramcarátersemiestruturado,sendoosquestionamentosmodificadosdeacordocomcadasujeitoeconformeaconversa.As abordagens foram realizadas em sua própria residência, muitas vezesganhandooformatodevisitaeconversaproseada,aenfocarodiálogoetrocadeexperiências.

Mesmo que a realidade vivenciada pela comunidade Temeroso seja umarealidadevivenciadaporgrandepartedoespaçoruralbrasileiro,adamigraçãoparaoambienteurbano,cabecompreenderasimplicaçõesdetaismudançasparao sujeito. Com seu cotidiano diferente, vizinhos diferentes, os laços que foramcriadospodempermanecerouserdesamarrados.

Apartirdashistóriascontadaspelossujeitos,ouseja,pelasuamemória,épossívelperceberossignificadosqueelesatribuemaolugar(RISBETH,2014).Questiona-se: o sujeito que está emGurinhatã permaneceno lugar e sendo doTemeroso?OueletambémédeGurinhatã?

OSEREESTARDOLUGAR:OPAPELDAIDENTIDADEViver emum lugar, estabelecer vínculos de pertencimento, requermais do

que apenas sua própria localização. As experiências vividas, as necessidadesrequeridaseasvontadesdecadasujeitoinfluenciamnaescolhadeum,ouvárioslugaresparasetercomoseu.Nacontemporaneidade,oacessoadiversoslocaisdeformamaisrápidaedinâmicapossibilitaafluidezeflexibilidadedossujeitosperanteomundo.

Nogeral,aquelesquesaemdePatosTemerosoparaacidadedeGurinhatã-MG, são pessoas que já vivenciarammuitas festas e reuniões.Osmais jovensgeralmente preferem cidades maiores e próximas, como Ituiutaba-MG e

Uberlândia-MG.Nessecontexto,muitosquesaemdolugarofazempormotivosmédicosouporqueasterrasquevivemsãopropriedadesdeoutros.

NocasodoTemeroso,por exemplo,háuma ligaçãoprofundados sujeitospara com a comunidade. Essas ligações em sua maioria são incorporadas emfotos e objetos que os lembram de momentos felizes e ao mesmo temporememoramqueessesmomentosjáseforam,assimcomoaspessoasquefizerampartedosmesmos.Sendoassim,podemoscompreenderqueháumadiferenciaçãoentre ser do lugar e estar no lugar, ambos com possibilidade de seremconcomitantesounão.Podemosserdolugareestarnolugar,bemcomopodemosestaremumlugar,semidentificá-locomotal,eaomesmomomentoserdeoutrolugar.

Poucas línguas distinguem o verbo estar do verbo ser, e isso deriva daorigem em latim ser do verbo sum, que significa, além de ser e estar, existir,viver, morar e haver (REZENDE, 2013). Nesse sentido, a multiplicidade designificadosdoverbosum,nosapresentadiferentesinterpretaçõesdasexistênciashumanasedasreferênciasqueosmesmosutilizam.

Énecessárioretomarosentidodelugarquefoiaquiestabelecido.DeacordocomSeamon(2014,p.11),naperspectivafenomenológica:

place isnot thephysicalenvironmentseparate frompeopleassociatedwith itbut, rather,the indivisible, normally unnoticed phenomenon of person-or-people-experiencing-place.Thisphenomenonistypicallymultivalent,complexanddynamic1.

Olugardependefundamentalmentedaspessoasqueaeleestãoconectadas,sempessoaspara experienciaro espaçoo lugar é inexistente, apenasumpontosem significado no espaço. Karjalainen (2012, p. 5) aponta que, “em termosexistenciais, o lugar é percebido como um conjunto de relações ambientaiscriadas no processo do habitar humano”. Tais relações são cotidianas e sereferem tanto no campo individual, quando nas relações entre sujeitos e entregrupos. Tais relações são importantes na compreensão do lugar de cada um.Quandoinexisteosentimentodepertencimento,osujeitosesenteumtantoquanto

deslocado, ele não é do lugar, está no lugar. Estar, dessa forma, émajoritariamente uma questão de localização, sejamomentânea ou não.Morar,constituir família, viver em um determinado espaço, não significanecessariamentequeeumesintodaquelelugar,euestounele,masnãosoudele.ConformeDardel(2011,p.41),“podemosmudardelugar,nosdesalojarmos,masaindaéaprocuradeumlugar;nosénecessáriaumabaseparaassentaroSererealizarnossaspossibilidades,umaquideondesedescobreomundo,umláparaondenósiremos”.

A procura por um lugar pode ser constante, mas mesmo quando nosdeslocamos, alguns lugares ficam na memória e a identidade com ele é maissólida,umavezquefoiintensamentevivenciadoeconhecidopelosujeito.

Nesseslugaresconstruímosnossasvontades,desejos,nossasligações,mas,por vezes, a conexão com o lugar não é exatamente presente, principalmentequando não é dotado de significados. Assim, Tuan (2011, p. 5), disserta que,“lugar é qualquer localidade que tem significadopara umapessoa ou grupodepessoas”.Noentanto,ossignificadospodemdemoraraaparecereseintensificar,adotarosentidodeestarnolugar.

Essas relações também adensam o sentido de pertencimento do lugar, ouseja, o ser do lugar, para o habitar humano. De acordo com os geógrafoshumanistas,nogeral,énacasa,nolar,queossujeitosconstroemseusprimeirossentidos universais, suas primeiras referências que serão base para relaçõesespaciaisfuturas.

É também na casa, no lar que se constroem os primeiros sentidos deidentidades.SegundoRelph“homeisthefoundationofouridentityasindividualsand as members of a community, the dwelling-place of being. Home is notsomething that can be anywhere, that can be exchanged, but an irreplaceablecenter of significance”2 (RELPH, 1976, p. 39). O lar e habitar são entendidoscomoelementosontológicosereferenciais.Éondeoindivíduosereferenciaparacomomundo,ondeconstrói sua identidade sozinhoouenquantoconstituintedeumacomunidade.

Dessa forma,mesmoquehaja seudeslocamentoo lar aindacontinuaa serreferenciado. Isso porque a construção de significados ocorre conforme suavivência, no cotidiano, nas relações que são realizadas no lugar. Desta forma,“home in its most profound form is an attachment to a particular setting, aparticular environment, in comparison with which all other associations withplaceshaveonlyalimitedsignificance”3(RELPH,1976,p.40).

O lar, quando mais profundo, quando comparado a outros lugares,residências, fica progressivamente imbuído de significados, e, por vezes, seconectaraoutrolugarpodeparecerdifícil,comossujeitosaconstruirmeiosparasuprirtaisnecessidades.JádeacordocomButtimer(1985,p.166),

Habitar implicamaisdoquemorar,cultivarouorganizaroespaço.Significaviverdeummodopeloqualestáadaptadoaosritmosdanatureza,veravidadapessoacomoapoiadanahistóriahumanaedirecionadaparaumfuturo,construirumlarqueéosímbolodeumdiálogodiáriocomomeioambienteecológicoesocialdapessoa.

O habitar de cada um implica no transcender ao aspecto físico do termo,insinua, antes de mais nada, vínculos ambientais e comunitários. Implica emdepósitosdesignificadosduranteavida.E,dessaforma,naconstituiçãodeserdolugar.

Faz-senecessáriosublinharquelar,aqui,nãoénecessariamentenosentidode casa, é mais profundo que tal. Ser do lugar implica pertencimento, e, porvezes,acasanãofazpartedessesentimento.Afinal,nãosãoincomunscasosdeviolência doméstica, seja essa verbal ou corporal; fatos que ocasionam naassociaçãodolugaratraumas.

Tal configuração depende, fundamentalmente, da identidade. Se osindivíduosnãoarquitetamsuas identidadescomo lugar, talsignificância ficariaperdida, sem referência. Conforme Berdolay; Entrikin (2014, p. 110), “[...] olugar repousa sobre a ideia de um sujeito ativo que deve, sem cessar, tecer asligaçõescomplexasquelhedãosuaidentidade,aomesmotempoemquedefinemsuasrelaçõescomseuambiente”.Énaligaçãocomplexadesuaidentidadequeolugaréreveladoetidocomoseu,areferenciarseucotidiano.

No entanto, conforme Relph (1976, p. 45), “possibly because it is sofundamental, identity is a phenomenon that evades simples definition, althoughsome of its main characteristics are apparent”4. A identidade é complexa, dedifícilobtençãodeumaúnicadefiniçãooucategorização.Elapartedoindivíduo,de sua formação histórica e social e requer compreensão a partir de suasubjetividade.

A identidade é um constructo subjetivo, por meio das representações,discursos, e sistemas simbólicos e não despreza as experiências objetivas epráticas sociais, sendo elamutável e indefinida (CRUZ,2007).Assim, a buscahumanapela identidadeéumprocessocontínuodedefinir, reinventare inventarsua história, a combinar o passado com o presente rarefeito (SASAKI, 2010).Essa característica mutável da identidade também possibilita que nossasreferênciasaolongodavidasejampassíveisdemutação.

De acordo comButtimer, (1993, p. 32), “Identity subsumes the perennialinterestthathumansexpressindevelopingsymbolicandcognitivemodesofself-identificationandanimageoftheirplaceintheworld”5.Pormeiodaidentidade,nós nos colocamos perante o mundo com nossa própria imagem de lugar. Talreferência possibilita nos mostrar perante o outro e ter nossa própria auto-referenciação.

Para Chaveiro (2014, p. 275), “nos lugares, o sujeito existe e o mundomostraasuaidentidade”.Suaidentidadeéreferenciadapelomundo,apartirdomomento em que sua existência é compreendida subjetivamente no lugar. Aabertura perante os outros expõe o sujeito e cria novas possibilidades para omesmo.

JáCastells(1999,p.22),apontaque,arespeitodosatoressociais,“entendoporidentidadeoprocessodeconstruçãodesignificadocombaseemumatributocultural, ou ainda um conjunto de atributos culturais inter-relacionados, o(s)qual(is) prevalece(m) sobre outras fontes de significado.” Para o autor, aidentidadeéumconstructoquesebaseiaemumdeterminadoatributocultural,ouseja,elanãoérealizadapelopróprioatoremsi,maspelogruponoqualeleestá

inserido.Consideramos que a identidade, para o sujeito, é vivenciada perante o

mundo e de acordo com sua própria historiografia. Mesmo que o aspecto daidentidade seja fundamentalmente social e cultural, antes de mais nada, seuconstructosedáemsuasubjetividade,nomodoemqueeleserepresentaperanteomundo.ConformeBerdolay;Entrikin(2014,p.107):

O desejo de pertencimento do indivíduo ao grupo e do grupo ao meio pode sercompreendidocomoumprocessoessencialmentesubjetivo,queestá ligadoàquestãodaidentidade: quem sou eu? Essa subjetividade não chega, entretanto, a retirar de umaproblemática social a questão da identidade, no sentido de que sua resposta implica osentimentodepertenceraumacomunidadedememória.

Paraosautores,aidentidadeextrapolaocampoindividualemsievaiparao campo do grupo. É pela identidade que as pessoas se sentem pertencentes agruposdeindivíduosquepossuemproximidadescomsuasintencionalidades.Semum grupo, os humanos se sentem solitários, com sua identidade em deriva.Noentanto,aidentidadetambémpodeserconstituídaapartirdeoutrosgrupos,semqueessesgrupospossamcompreenderosentidoprópriodecadaum,oquepodeocorrer na deturpação identitária individual. Dessa forma, ainda que requeiracondições subjetivas, também ocorre em decorrência do entendimentosocioculturaldosindivíduosedosgrupos.

Para se entender a memória, também se faz necessário levar-se emconsideração amemória. De acordo comCandau (2014, 118), “transmitir umamemóriae fazerviver,assim,uma identidadenãoconsiste,portanto,emapenaslegaralgo,esimumamaneiradeestarnomundo”.Semamemória,aidentidadeseesvai,jáqueseussignificadosesentidosdeixamdeexistir.Dessaforma,quaissãoossignificadosdamemóriaqueadensamosentidodeserdo lugar?PorqueelaétãoimportantenasformaçõessociaisdoTemeroso?

(RE)VIVERLEMBRANÇAS:AMEMÓRIANOLUGARTEMEROSODessa forma, a memória e a identidade adensam o sentido de lugar.

Considerandoque,conformeTuan(2011,p.14),osentidode lugaréadquiridoapósumperíododetempo,“geralmente,quequantomaistempopermanecermosemumalocalidademelhoraconheceremosemaisprofundamentesignificativasetornará para nós, ainda que essa seja apenas uma verdade grosseira”. Asmemóriasquesãoadquiridasao longodavidacomparecemnasignificânciadolugarsejamelasboasouruins.

DeacordocomCandau(2014,p.18),“amemóriaéa identidadeemação,maselapode,aocontrário,ameaçar,perturbaremesmoarruinarosentimentodeidentidade”.Aoconectar-sealembrançasruins,amemóriapodetambémabalaraidentidade,e,aomesmopasso,osentidodepertencimentoaolugar.

Noentanto,umavezqueolugarnãoéconstituídomeramentedeapego,mastambémpelomedo,quandoamemóriaépovoadadememóriasaterrorizantes,osentido de lugar pode não ser mais o mesmo, e, por mais que o lugar aindacontinueseu,aidentificaçãocomomesmopodesofrermutações.Poroutrolado,amemóriatantonosmodelaquantoépornosmodelada(CANDAU,2014).Ela,assimcomoaidentidade,tambémémutável,mesmoqueemmenornível.

Amemória atende nossas intencionalidades, e, por vezes, apenas os bonsmomentos são guardados, por mais que a dificuldade existisse, na beleza damemória, ela é apenasumborrão, quenão elimina as coisasboasvivenciadas,quando benéfico para o sujeito.Assim, para o ser do lugar devemos levar emconsideraçãoaidentidadedelugar.SegundoRelph(1976,p.57),“theidentityofaplacevarieswiththeintentions,personalities,andcircumstancesofthosewhoareexperiencingit”6.Aidentidadedelugar,assimcomoaidentidadeemsi,variaconformeas intenções,vivênciasepossibilidadesdaquelesqueexperienciamolugar.

Seamon(2014,p.17),apontaque:

Place identity phenomenologically relates to the process whereby people living in orotherwiseassociatedwithaplace takeup thatplaceasasignificantpartof theirworld.Oneunself-consciouslyacceptsandrecognizestheplaceasintegraltohisorherpersonalandcommunalidentityandself-worth.7(SEAMON,2014,p.17).

Ao se identificar com o lugar e reconhecer que faz parte da lógica domesmo, tantode formacorpóreaquantonaconsciência,o sujeitopassaa traçarrelações mais profundas com o mesmo, a constituir sua própria autoestima.Identidadedelugaréessencialparacompreenderoserdolugar,umavezqueaosesentirpartedolugaralimentaareferênciacomolugar.

Se fazpresentenadiscussãonamedida emqueos sujeitos se reconhecemcomo pertencentes ao lugar Temeroso. E, mesmo na dificuldade enfrentada deoutrora,aindaéseucantodomundo,suafortaleza.Mas,ossujeitossereferemaopassado como melhor do que o presente, mesmo que houvessem maisdificuldades.

Nessesentido,outroelementoimportanteparaacondiçãodeserdolugaréaNostalgia.ConformeLewicka(2014,p53),“nostalgiaisadaptive:ithelpstoputtogether brokenparts, builds a bridgebetweenpast andpresent, increases self-esteemandlifesatisfaction,andreinforcessocialties.Onemayexpectthatitwillalsostrengthenbondswiththepresentresidenceplaceaswell8.”Anostalgiatantocorrobora para a permanência do passado quanto para a construção designificadosnopresente.

Noentanto,elaévistamuitomaisnoprimeiroaspectodoquenosegundo.Ofatodenóssemprereferenciarmosaopassado,principalmenteaspectospositivos,moldaosentimentodenostalgiadeformaquenossaslembrançassemprevãoserpositivas. A negatividade, na nostalgia, possibilita a mudança, faz com que osujeito queira permanecer no estado em que ele se encontra e não voltar aopassado.ConformeAp.G.

Temhora que a gente nemnumgosta de fala porque a gente sente saudade.Cê sentesaudadedaspessoaqueviviajunto...eramuitagenteentãocêpanhavaamizadedaquelaspessoaqueviviajunto.9

Aslembrançassãomuitoatreladasàspessoas,àconvivênciacomooutro,comosvizinhos,àsamizadesqueforamconstruídas.Dessaforma,aconstituiçãode um lugar em comum, é, por vezes, ligada aos sujeitos, ao adensamento do

lugar,deseussignificados,desuasmemórias.Anostalgiapossibilitaessaduplaproblemática:oalíviodalembrança,masadordopassadoquenãovoltamais.Asaudade, mesmo que complexa, adensa o pertencimento ao lugar, ao mesmomomento emque alivia a dor dodeslocamento, umavezque, estando longedolugaremsi,aslembrançassãomenosdoloridas.

Nesse sentido, pensar em um lugar recuando no tempo, como o lugar denascimento,lugardaslembranças,damemória,daidentidadeémaisfácildoquepensarnopresenteMarandolaJr.(2014).Deacordocomomesmoautor,olugar“parece mais conectado a uma tradição, a uma experiência profunda deentrelaçamento com a terra. Um ritmo lento onde o sentido da permanênciaprevalece.Mas não apenas isso” (MARANDOLA JR, 2014, p. 229). O lugar,conectadoatemporalidadesmaislentas,proporcionaorecuoeosvínculosaele.

Assim,conformeEscobar(2000,p.170),

Sin embargo, el hecho es que el lugar continúa siendo importante en la vida demuchaspersonas, tal vez de la mayoría –al menos el lugar en tanto que experiencia de unalocalizaciónparticularconunacierta ligazóna la tierra,unciertosentidode los límitesyunaconexiónconlavidacotidiana,inclusosisuidentidadseconstruyecontinuamente,sinquedarnuncafijada10.(ESCOBAR,2000,p.170).

O lugar, para Escobar, é importante na constituição das pessoas, e suaconexãoédiretamenteligadacomavidacotidiana,mesmoqueaidentidadesejacontinuamenteconstruída.Dessa forma,a identidadeestádiretamenteconectadacomolugar,e,ambos,estãoemprocessocontínuodeconstrução,mesmoquehajalugaresespecíficosquenosidentificamosmaisoumenos.

DeacordocomRelph(1976,p.58),“althoughoneparticularplacemayhavequitedifferentidentitiesfordifferentgroups,thereisneverthelesssomecommongroundofagreementabouttheidentityofthatplace.Thisistheconsensusidentityofaplace,ineffectitslowestcommondenominator”11(RELPH,1976,p.58).Umlugar tem significados diferentes para grupos distintos, e, ainda, dentro de umgrupo,hádistinçãodesentidosparacadaindivíduo.

Noentanto,háuma identidadeemcomumcomo lugarqueuneessegrupo.

No caso do Temeroso, a proximidade das famílias e a vizinhança adensava osignificado de lugar, especialmente nas reuniões na capela. De acordo comButtimer(2015,p.9),“ossignificadosdelugarparaaquelesquevivemneletêmmais a ver com a vida e os afazeres cotidianos do que como pensamento”.Olugaréconstituídoapartirdasvivênciasdohodierno.

Se o mesmo é alterado, o sentido de lugar também o é. O indivíduo queconstitui seu lugar em determinado ponto do espaço e depois se desloca paraoutro por motivos que são exteriores a ele se sente muitas vezes abandonado,comosesuasopçõesestivessemesgotadas.SegundoIz.,

Láeramuitovizinhoeplatanvamuitaroça,né.Diadedomingoagenteiaencontrarcomasamigasparapassearnacasasumasdasoutras.Trocavapouso,umdiaagenteiaparalá,outrodiaelasvinhaparacá,né.Láerabão,erabãomesmo.Agoraelesfalaquelánãotámuitobãonão.Támuito...tápocagentené...12

Oscotidianosdossujeitoseramrepletosdetrabalhonaroçaedescansonodomingo,práticapossibilitadapelaquantidadedegentequeexistianoTemeroso,assim,aquantidadedegentequemoravanolugaréconstantementemostradaemlembrançaspositivaseafalta,lembrançasnegativas.Aexperiênciacotidiana,aoser modificada, fez com que muitas pessoas se sentissem impelidas aodeslocamentoparaacidadedeGurinhatãouparaoutrascidades.Assim,mesmoqueelestenhamsedeslocado,pelasfalasénítidoqueosentimentodepertençaécomoTemeroso,nãocomsuacasaatual,pormaisquehajaalgumasconotaçõescomomesmo.Dessaforma,elessãodoTemeroso,masestãoemoutroslocais.

Na atualidade, o sentido de ser e estar no lugar é intensificado pelastecnologias da comunicação na medida em que elas modificam as formas decomunicarepossibilitamapassagemporvários lugares.Alémdisso,ocontatomais direto com seu lugar pode possibilitar fortalecimento do mesmo eenfraquecimentodolugaremqueosujeitoselocalizafisicamente.

No caso do rádio, por exemplo, pelos recados e notícias, os patenses seconectavamdeformaasempreestarememcontatocomseulugar.Paraalémdorádio,a internetpossibilita tal formatoemtempomaisrealeemcontatodireto.

As notícias são mais pessoalizadas, e o contato por ser tido mesmo por umaimagemdesatélite.

No entanto, a base, deve ser a compreensão de ser e estar no lugar quepodemseraumentadosgraçasàstecnologiasdainformaçãoecomunicação,masque, antes, derivam das interconexões que os próprios sujeitos fazem em seuscotidianos,dessaforma,há,nosentidodeserdolugarobjetosemesmosituaçõesquefacilitamaconexãodosujeitocomolugar.

CONSIDERAÇÕESFINAISSer do lugar implica em identificação com o lugar, vínculos construídos,

sentimentos de pertença, sentimentos que são íntimos ao sujeito. No caso emestudo os indivíduos se identificam com a comunidade do Temeroso como seulugar. Eles são do Temeroso, mesmo que no momento estejam em outraslocalidades.

Assim, por vezes, apenas estamos no lugar. O estar no lugar implicaalgumas separações, modificação no sujeito. O deslocamento efetuado pelamigração é um dos exemplos mais clássico. Nem sempre o migrante querrealmentesairdeseulugar,masasnecessidadesquesão,porvezes,impostas.Noentanto,nessenovolugar,háademoraparaconstruçãodenovoslaçosoumesmoissonemocorre.Pode-sedizerentãoqueosujeitoestáno lugar,masnãoédolugar, como é o caso da conexão daqueles que saíram do Temeroso para comGurinhatã,mesmoque,nosentidofísico,sejaomesmomunicípio.

O ser e estar no lugar são conectos, inseparáveis e estão sempre a semodificar. As condições são dinâmicas e são intensificadas justamente pelamemória e identidade.O lugar, intricado com essas diversas relações, e sendodelas o produto, aglomera sentidos e significadosque apenasos sujeitos queovivenciampodematribuir.

Destarte, frente às novas realidades contemporâneas, surgem novaspossibilidadesparapensarmoso lugar, especificamenteo sere estar no lugar.

Com as facilidades interativas e comunicacionais, o deslocamento dosindivíduos, mesmo sem que haja um deslocamento físico, abre possibilidadesparanovascompreensõesparacomolugar.

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1“lugarnãoéoambientefísicoseparadodaspessoasassociadasaele,massimofenômenoindivisível,normalmente despercebido, de pessoa-ou-pessoa-experienciando-lugar. Este fenômeno é tipicamentemultivalente,complexoedinâmico.”(SEAMON,2014,p.11,traduçãolivre)

2 “Lar é a fundação de nossa identidade como indivíduos e comomembros de uma comunidade, olugar-habitar do ser. Lar não é algo que pode ser em qualquer local, que pode ser trocado, mas é uminsubstituívelcentrodesignificados”.(RELPH,1976,p.39,traduçãolivre).

3 “Lar em sua formamais profunda é um vínculo a ummeio particular, um ambiente particular, emcomparaçãocomqualqueroutraassociaçãocomlugares,essespossuemumsignificado limitado”. (RELPH,1976,p.40,traduçãolivre).

4“Possivelmenteporqueétãofundamental,aidentidadeéumfenômenoqueevadeadefiniçãosimples,emboraalgumasdesuasprincipaiscaracterísticassejamaparentes.”.(RELPH,1976,p.45,traduçãolivre).

5 “A Identidade agrupa o interesse perene que os seres humanos expressamaodesenvolvermodossimbólicosecognitivosdeauto-identificaçãoeumaimagemdeseulugarnomundo”.(BUTTIMER,1993,p.32.Traduçãolivre).

6 “A identidade de lugar varia com as intenções, personalidades e circunstâncias daqueles que estãoexperimentando”.(RELPH,1976,p.57,traduçãolivre).

7“AIdentidadedelugarserelacionafenomenologicamentecomoprocessopeloqualaspessoasquevivemouseassociamaumlugarocupamesselugarcomoumapartesignificativadeseumundo.Umindivíduoconscientementeaceitaereconheceolugarcomoparteintegrantesesuaidentidadepessoalecomunitáriaesuaautoestima”(SEAMON,2014,p.17,traduçãolivre).

8Nolstalgiaéadaptável: elaajudaacolocar juntopartesquebradas,construirpontesentrepassadoepresente, incrementar auto-estima e satisfação de vida e reforçar laços sociais. Pode-se esperar que elatambém irá fortalecer os laços com o local de residência atual também (LEWICKA, 2014, p. 53, traduçãolivre).

9Diálogorealizadoemmarçode2016.

10 “No entanto, o fato é que o lugar continua a ser importante na vida demuitas pessoas, talvez amaioria, pelomenos, o lugar comoexperiência deum local emparticular comumcerto apego à terra, umasensaçãodelimiteseumaconexãocomavidacotidiana,mesmosesuaidentidadeécontinuamenteconstruídasemnuncaserdefinida”.(ESCOBAR,2000,p.170)

11“Emboraumdeterminadolugarpossateridentidadesmuitodiferentesparadiferentesgruposhá,noentanto,algumpontocomumdeacordosobreaidentidadedesselugar.Estaéaidentidadedeconsensodeumlugar,naverdadeseumenordenominadorcomum”.(RELPH,1976,p.58,traduçãolivre).

12Diálogorealizadoemmarçode2016.

UMADISCUSSÃOSOBREGEOGRAFIAHUMANISTA,LUGAREFENOMENOLOGIA

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MERILOURDESBEZZIDepartamentode.Geociências/UFSM

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INTRODUÇÃOAconstruçãodesteartigoemergedadisciplinadeEpistemologiadaCiência

Geográfica. Iremos trazer para discussão o conceito de Lugar na Geografia eapresentando em sua base a corrente do pensamento da Geografia Humanista.Tambémiremosdiscorrersobrecomoométodofenomenológicocontribuiuparaaleituradoespaçogeográfico,apartirdoconceitodeLugar.Pretende-semostrararelaçãoqueestesconceitostêmentresi,eaomesmotempocomosecosturamenorteiam novos rumos e possibilidades de pesquisas científicas no campo daGeografia.Oestudodolugarnospossibilitanovasleiturasdoespaçogeográfico,epara sustentar e corroborar comesta leiturado espaço, a fenomenologia comsuabase na filosofia deMauriceMerleau-Ponty.E essamesma apropriada porEdwardRelpheposteriormenteosgeógrafoshumanistas.

GEOGRAFIAHUMANISTANadécadade1960, aGeografiapassavaporumperíodode renovação,o

qual buscava novos meios e técnicas de análise geográfica. Partiria dasdiscussões de JohnK.Wright eDavidLowenthal, que abordaram trabalhos, osquais tratariam uma perspectiva de análise voltada para vários modos deobservação consciente e inconsciente, tanto objetivos quanto subjetivos(HOLZER, 1996). Assim, explorando não somente a área cartesiana, objetiva,

mastambémainconsciente,valorizandoosubjetivodecadasujeito,explorandoatravésdesseolhar,novoscamposdeestudo.Estacorrenteseguiriaocontrapontodo positivismo que na época estava instaurado nas pesquisas, que tinha suaciênciaoriundadoprofundoobjetivismo.“Exigiadetodaequalquerciênciaumaexatidão na explicação do mundo, uma profundidade e especialização, queeliminava da pauta das ciências ditas humanas os aspectos subjetivos -consideradosnãocientíficos”(MELO,2009,p.2;3).

EstarenovaçãoqueocorrianocampodaGeografiaé,segundoMelo(2009,p.1),“[...]resultadodeumprocessolongoderenovaçãoerevisãodeconceitosebasesfilosóficasdaGeografiaculturalehistóricanorte-americana”.Destaforma,estes aspectos relevantes devem origem à Geografia Humanista, que pretendedesenvolvernovosmeiosdeanálisedoespaçoatravésdediferentesobservaçõeseolhargeográfico.

[...] algo que superasse o fundamento filosófico do positivismo clássico e seusinstrumentos de pesquisa que não explicam a complexa realidade, só descrevia equantificava os fenômenos, e por isso “Estabeleceu-se uma crise de linguagem emetodologiadepesquisa.Omovimentoderenovaçãovaibuscarnovastécnicasdeanálisegeográfica”(MORAES,2003.p.95apudMELO,2009,p.1).

O pesquisador Holzer (1996), em seu artigo intitulado “A GeografiaHumanista:umarevisão”,relata:

Nestemesmoano,Tuan(1961),baseando-senaobrapoéticadeBachelard(“LaTerreetlesRêveriesdelaVolonté”,“LaPoétiquedeL’Espace”e“L’EauetlêsRêves”),propõeumageografiadedicadaaoestudodoamordohomempelanatureza,denominadoporelede topofilia.A geografia se dedicaria ao estudo das vivências, que se expandem do larpara paisagensmais amplas, da paisagem humanizada para os cenáriosmais selvagens(HOLZER,1993-2008p.138).

A partir deste momento se dá início ao processo de construção e osprimeiros indícios para o que viria a se tornar aGeografiaHumanista.Com opassar do tempo, Yi-Fu Tuan lançaria o livro intitulado “Topofilia” (1974) eposteriormente “Espaço e Lugar” (1977), que contribuiriam para a GeografiaHumanista.

Ocontextodaépoca,décadade1960,mostravaessanecessidadedequebrado método positivista, o movimento dos hippies, da revolta estudantil e doquestionamentoferozdospadrõesculturaisepolíticosinstituídos.Holzer(1996)retrataessaquestãonoseguinteparágrafo:

Umpequenoartigodeumgeógrafoeconômico (Parsons,1969),é reveladordesteclimageraldemudança,epermiteumaligaçãocomomundoacadêmicodageografia.Paraoautor em questão, os jovens, naquele momento, não estavam interessados em umageografiaoperacionalenãoacreditavamemleismecanicistasouemmodelosdemundo.Seuinteresseerapelosvaloreshumanos,aestéticaeumnovoestilodevida.Nocasodageografia,diziaParsons,ocientificismoeoeconomicismoqueadominavameliminaramosvaloresmoraiseasubjetividadehumana.Umageografiaquefosseaoencontrodessesnovovaloresdeveriabasear-seemuma“aproximaçãohumanística”,tendocomoobjetoaapreciaçãodapaisagemenquantoambientenaturalehumanizado,oquecontribuiriaparaapreservaçãoevalorizaçãodoambienteterrestre(HOLZER,1993-2008p.139).

Esse contexto social se voltava para uma preocupação maior com asrelações humanas, que se intensificaram pós o período da Segunda GuerraMundial,eseintroduzianomeioacadêmicodaGeografia.

Para Tuan o objetivo do novo campo disciplinar não era se deter na exploração de umtemaúnico,masdefazerumanovaleituradetodosostemasgeográficos,deconstruiroconhecimentocientífico,demodocrítico,procurandonafilosofiaumpontodevistaparaaavaliaçãodosfenômenoshumanos(TUAN,1976apudHOLZER,1996,p.142).

Desta forma, a Geografia Humanista teve uma atenção maior para asrelaçõeshumanasqueocorremsobreoespaçogeográfico.

Buscando uma maior compreensão dos ideais dessa linha de pensamento, a GeografiaHumanista é definida por bases teóricas nas quais são ressaltadas e valorizadas asexperiências,ossentimentos,aintuição,aintersubjetividadeeacompreensãodaspessoassobre omeio ambiente que habitam, buscando compreender e valorizar esses aspectos(ROCHA,2007,p.21).

EreforçocomestetrechodeRocha(2007):

AGeografiaHumanista procura um entendimento domundo humano através do estudodasrelaçõesdaspessoascomanatureza,doseucomportamentogeográfico,bemcomodos seus sentimentos e idéias a respeito do espaço e do lugar. (TUAN apudROCHA,2007,p.21).

A Geografia Humanista tem uma atenção voltada para um lado maissubjetivo do ser, não desprezando a forma racional, lógica, consciente da açãohumana,masinserindoaatençãoaoinconsciente.Preocupa-se,nestecaso,comarelaçãotantoafetiva,sentimental,simbólicaqueohomempodetercomoespaçoemquevive.Busca,nessacompreensãodemundo,umnovoviésaocientificismoacadêmico:aanálisedoespaçogeográficoedolugaraoqualestáinseridooserhumano, enfatizando como procede sua vivência no espaço e suas relaçõessociais, como elas podem ou não se materializar no espaço. Relph (apudHOLZER,1996,p.142),enfatizaa importânciade“[...]examinarumfenômenodo mundo vivido— o lugar, e tentar elucidar a diversidade e intensidade denossasexperiênciasdolugar”.

LUGARNecessário ressaltar a importância de se realizar o estudo a respeito do

conceitodelugar.ÉdegrandevaliaparaaGeografia,apartirdoaporteteóricocultural e humanista a possibilidade, ummeio de tentar compreender a relaçãoqueohomemcriacomoespaçoemaisprecisamenteolugar.

[...] a importância do “lugar” para a geografia cultural e humanista é, ou deveria ser,óbvia... Como em um único e complexo conjunto — enraizado no passado eincrementando-se para o futuro — e como símbolo, o lugar clama pelo entendimentohumanista(TUANapudHOLZER1996,p.141/142).

Oconceitodelugar,emcomparaçãoàsdemaiscategoriasgeográficas,foioquerecebeumaioratençãoporpartedosgeógrafoshumanistas(ENTRIKINapudGONÇALVES,2010,p.17).DeacordocomHolzer:

ApreocupaçãodosGeógrafoshumanistas,seguindoospreceitosdaFenomenologia,foidedefinirolugarenquantoumaexperiênciaqueserefereessencialmenteaoespaçocomoévivenciadopelossereshumanos.Umcentrogeradordesignificadosgeográficos,queestáem relação dialética com o constructo abstrato que denominamos “espaço” (HOLZER,1999,p.70).

AGeografiaédegrandeimportânciaepresençaparaodiálogoreferenteao

lugar e o espaço vivido. SegundoHolzer (1999, p. 69), o ponto culminante doestudogeográfico é adescriçãoda terra emordemgeográfica, naqual a chaveestá no conceito locacional de lugar. Segundo o autor o estudo dos lugaresenfatizaorelativo,oculturaleaexperiênciahistóricadahumanidadeemrelaçãoaos atributos físicos da área. Para Lukemann (apud HOLZER, 1999, p. 69), oestudodolugaréamatériaprimadaGeografia,porqueaconsciênciadolugaréuma parte imediatamente aparente da realidade, e não uma tese sofisticada.Assim,oconhecimentodolugaréumsimplesfatodaexperiência.

O estudo do lugar surge no início da década de 70, com a GeografiaHumanista, tendo a linha de pensamento caracterizada “principalmente pelavalorização das relações de afetividade desenvolvidas pelos indivíduos emrelaçãoaoseuambiente”(LEITE,1998,p.9).

Nãosepoderemeterolugarunicamenteaumaformafísicamaterializadanoespaçogeográfico,mastambémcarregadodesimbologias,designosedeculturaemsuaabrangênciaenasexperiênciaspessoaisqueoirãofomentarcomolugar.SegundoTuan(apudHOLZER,1999):

o lugar, no entanto, temmais substância do que nos sugere a palavra localização: ele éuma entidade única, um conjunto ‘especial’, que tem história e significado. O lugarencarna as experiências e aspirações das pessoas. O lugar não é só um fato a serexplicado na ampla estrutura do espaço, ele é a realidade a ser esclarecida ecompreendida sob a perspectiva das pessoas que lhe dão significado. (Tuan apudHOLZER,1999,p.70)

ParaRelph(apudLEITE,1998,p.10),paraacorrentehumanísticaolugaréprincipalmenteumprodutodaexperiênciahumanaeelesignificamuitomaisqueosentidogeográficode localização,masa tiposdeexperiênciaeenvolvimentocomomundo,anecessidadederaízesesegurança.Nestesentido,destaca:

Trata-senarealidadedereferenciaisafetivososquaisdesenvolvemosaolongodenossasvidas a partir da convivência com o lugar e com o outro. Eles são carregados desensações emotivas principalmente porque nos sentimos seguros e protegidos (Mello,1990); ele tanto nos transmite boas lembranças quanto a sensação de lar (Tuan, 1975;Buttimer, 1985a). Nas palavras de Buttimer (1985b, p. 228), “lugar é o somatório dasdimensõessimbólicas,emocionais,culturais,políticasebiológicas”(LEITE,1998,p.10).

SegundoLeite(1998,p.10),arelaçãoqueaspessoastêmcomolugarsóirádecorrer diante do interesse de seu uso, no entanto, “[...] essa relação deafetividadequeosindivíduosdesenvolvemcomolugarsóocorreemvirtudedeestessósevoltaremparaelemunidosdeinteressesprédeterminados,oumelhor,dotados de uma intencionalidade”. Desta forma, os lugares “[...] só adquiremidentidadeesignificadoatravésdaintençãohumanaedarelaçãoexistenteentreaquelasintençõeseosatributosobjetivosdolugar,ouseja,ocenáriofísicoeasatividadesalidesenvolvidas”(RELPHapudLEITE,1998,p.10).

Destaformaépossívelanalisardiferetesrecortesgeográficosnapespectivado lugar. As pessoas/sujeitos que frequentam algum espaço, suas vivências, ocotidiano,podempossuirobjetivosemcomum,ora,quandodigoobjetivo,sãoosespaçoscomsuasfunções,seususos.Estessujeitos,irãofazerusodeumespaço,munidosdeummesmointeresse,amedidaque,vivenciamestelocal,começamaterexperiências,estasganhamsignificadonasuavidaoriginandoaideiadelugar.

Esta relação afetiva com lugar pode também não ocorrer. Segundo Leite(1998),umapessoapodetervividodurantetodaasuavidaemdeterminadolocaleasuarelaçãocomelesercompletamenteirreal,semnenhumenraizamento.Emalguns casos, não há relação afetiva com o lugar. Segundo Tuan (apud LEITE1998,p.11),“selevatempoconhecerumlugar,aprópriapassagemdotemponãogaranteumsensode lugar.Seaexperiência leva tempo,aprópriapassagemdotemponãogaranteaexperiência”.

No momento que iniciamos um diálogo sobre o lugar na Geografia, nãopodemos cometer o engano de compará-lo com o espaço, cada um tem suaorientação estrutural teórica. O lugar está presente dentro do espaço que é umtodo;umatotalidadedomundo.Olugarsurgedarelaçãosubjetivaqueosujeitodesenvolvecomoespaço,esserecorteafetivoemergedaexperiênciaevivênciado sujeito no espaço. E segundo Tuan (apud LEITE, 1998, p. 13) o lugar éfechado, íntimo e humanizado, já o espaço seria qualquer porção da superfícieterrestre, ampla, desconhecida, temida ou rejeitada e provocaria a sensação demedo, sendo totalmente desprovido de valores e de qualquer ligação afetiva.

Neste situação, é possível observar que o lugar está contido no espaço. “Noentanto,asexperiênciasnoslocaisdehabitação,trabalho,divertimento,estudoedosfluxostransformariamosespaçosemlugares”(LEITE,1998,p.14).

FENOMENOLOGIANa estruturação da Geografia Humanista, na sua formação teórica e

metodológica, não poderia esquecer de destacar a importância que afenomenologiatemparaodesenvolvimentodestavertentegeográfica.

OutroaspectoaserdestacadonesseprocessodeconsolidaçãodaGeografiaHumanistaéo fatodeque esta, ao estruturar-se, buscoue estabeleceupara seus estudosumaportefilosófico e conceitual baseado na fenomenologia, procurando assim entender como asatividades e os fenômenos geográficos revelam a qualidade da conscientização humana(HOLZERapudROCHA,2007,p.22).

O primeiro cientista a pesquisar sobre a possibilidade de usar afenomenologiacomoaportefilosóficoparaconstruirumaanálisegeográfica,queteriacomoquestõesasubjetividadedoespaço,foiEdwardRelph.

Relph(1970)foioprimeiroacolocaremumartigoaspossibilidadesdafenomenologiaserosuportefilosóficocapazdeunirtodososgeógrafosocupadoscomaspectossubjetivosdaespacialidade,mas que não desejavam ser identificados como comportamentalistas. Suaproposta era, explicitamente, de “desenvolver uma bagagem filosófica para asaproximações humanistas na geografia” (RELPH, 1970, p. 195 apud HOLZER 1997-2008,p.140).

Atravésdestemétodoseriapossível fazerumadescriçãodomundovividoda experiência humana (HOLZER, 1996). Na citação anterior referenciandoRelph, se destaca a importância do estudo fenomenológico a partir do aportefilosóficomas,evitandosercomparadoaosBehavioristas,osquaisestudavamoscomportamentosdossujeitosatravésdepropostasderespostaseestímulos.Pois,a proposta é usar nos estudos geográficos aportes da filosofia, buscandocompreenderarelaçãohomememeioatravésdeoutroviés.Ascontribuiçõesdeoutras ciências serviriam para auxiliar novas leituras de mundo, acrescentar einstigaraindamaisaciênciaquebuscaanalisaroespaçogeográfico.

Entrandonocampodadiscussãoepistemológicadosconceitos,enestecasoafenomenologiaeaGeografia,nãohácomonãodiscutirsuasessênciasteóricassemrelacionarcomaGeografiaHumanista,enesteartigooseuusoparaoestudodo lugar. Neste campo teórico e metodológico, apresenta em sua base ascontribuiçõesdeEdwardRelpheMauriceMerleau-Ponty.

Aoseranalisadoocontextohistóricoquesurgiuageografiahumanista,eumdosseusmotivosguiadoresnadiscussãodessenovoparadigma, foiumacríticaaométodo positivista que estava instaurado nos estudos geográficos.O espaçogeográficoeraabordadoatravésdeumaleituracartesianaemuitodescritiva.Oque meus olhos enxergam eu descrevo. Entretanto, mudanças no espaço nãoocorrem de forma objetiva, existe uma dinâmica, e esta transcende os eventosfísicosdanatureza,porém,tambémnãodescartaosmesmos.Estasmudançasqueirão sematerializar no espaço, através da cultura, relações sociais, economia,políticaetc.,nãopodemseranalisadasapenasporumviésdescritivodasaçõesque asmovem.Pois, toda e qualquer ação, atémesmoo surgimento do espaçoestá relacionadocomo serhumano.Todo sujeitoé atuantedealguma formanoespaço.A fenomenologia surge para fazer a crítica à ideia positivista e assim,valorizaralgoalém,estealgosãoasexperiênciasevivências.

[...criticar as “verdades” da ciência racionalista, apresentando outras formas deconhecimento que se baseiam na percepção, na vivência mundana e no processo desubjetivaçãodáatravésdométodofenomenológicoqueconsideraapercepção,omundovividoeasubjetividade(PEREIRA;CORREIA;OLIVEIRA;2010,p.174).

Ora, se iremos valorizar as experiências e vivências, como não chegar àconclusãoque todosujeitoéúnico, singular? Inclusivedois irmãosgêmeosquepodem ou não crescer juntos, vivendo no mesmo ambiente diariamente, terãoexperiências singulares um do outro, e são estas vivências e experiências quefarão parte da sua essência, estamesma que forma cada sujeito e é valorizadapelafenomenologia.

Oestudodo lugarcomoverificamos,estáassociadoàsexperiênciasqueosujeitodesenvolvecomoespaço,estarelaçãocomumaprofundamentonosentido

maisafetivo/sentimentaldaráorigemaoLugar.Comorealizaroestudodo lugarsemrealizarareflexãosobreaGeografiaHumanistaeafenomenologiacomoummétodo para auxiliar nesta leitura espacial? Ou seja, “a fenomenologia buscaevidenciarasessências repondo-asnaexistência,namedidaemqueopalpávelsempreexistiu“ali”,numaformapréviaaopensamento”(PEREIRA;CORREIA;OLIVEIRA;2010,p.174).Sãoossujeitosquetransformamoespaço,fazemusodomesmo,criandoafeto,masnemtodosdesenvolvemessasensibilidadecomomesmo lugar, por quê?Como visto, todo sujeito é singular, sua relação com olugarserásubjetiva,eadvémdesuasexperiênciasevivências.Esuasaçõesnestemesmoambienteocorrerãoemdecorrênciadestefato.

Pegamosumparquecomoexemplo,seumsujeitoougruposocial,praticamalguma atividade neste parque “X” – como yoga –, omotivo da escolha desteparquetemumaexplicação,enãoésomenteporserparque,porquepodemexistiroutros,masfoio“X”escolhidoenãooparque“Y”.Oseuusofrequenteparaarealização da atividade, com o passar do tempo irá gerar experiências, quepodem aprofundar um sentimento sobre o sujeito ou não. Como observamosanteriormente, estas irão fundamentar a ideia de lugar, ora,mas se através dasexperiênciasevivênciasformamolugar,estasmesmassensaçõesnãofazemparteda essência de cada sujeito? Logo o estudo fenomenológico já estáintrinsecamentecorrelacionadocomoestudodolugar.

Afenomenologiateráumpapelimportanteparaosestudosreferenteaolugar.Noentanto,afenomenologiabuscacompreenderarealidadeatravésdapercepçãoque as pessoas têm do mundo vivido, suas experiências, sentimentos, valoressimbólicos, histórias etc. A subjetividade do ser é de fundamental importânciapara a compreensão do espaço ao qual ele está inserido, pois a compreensãosubjetivatambéméfatordeconstruçãoemodificaçãodeespaçoselugares,assimcomo,estesmodificamaintimidadedossujeitosqueneleestãopresentes.

CONCLUSÃO

A construção deste artigo mostrou conexões interessantes entre os trêsconceitos discutidos e suas relações e ao mesmo tempo contribuições para osestudosgeográficos.FoipossívelnotaromotivopeloqualaGeografiaHumanistaganhaforçaemcontrapontoaopositivismo,decarátercartesiano.Comooestudodo lugar permite novas análises espaciais e bem como a fenomenologiageográfica surge dando aporte teórico para uma metodologia que valorize aessênciadoser,suasexperiênciasevivênciascotidianascomoumsabertambémcientífico.

AGeografiapormuitosanosteveacorrentepositivistaemvoga,buscandoromper este paradigma surge a Geografia Humanista. Trabalhar com o lugar,possibilita estudos significativos enfatizando relações de pertencimento,afetividadequeosindivíduosagregamaoslugaresquevivenciam.

É possível concluir com saldo positivo as contribuições filosóficas dafenomenologia para se fazer a leitura do lugar. Ao mesmo tempo em que acorrente humanista da Geografia tem contribuições significativas para novasmaneiras desta ciência estudar as relações que o homem, ou nosso sujeito,desenvolvecomomeio,outambém,onossoespaçogeográfico.

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MÚSICOSDERUAEACOMPOSIÇÃODAPAISAGEMSONORAEMCURITIBA:CONTRIBUIÇÕESDAGEOGRAFIACULTURALHUMANISTAEMERNSTCASSIRER

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Programadepós-graduaçãoemgeografiadaUniversidadeFederaldoParanáUFPR

INTRODUÇÃONopresentetrabalho,propõe-seumestudosobreaatuaçãodosmúsicosde

ruanacidadedeCuritiba.Investigandoestesartistasesuasatuaçõesnosespaçospúblicos da cidade, bem como analisar suas participações na composição dapaisagemsonora,possibilitandoidentificá-loscomocompositoresdestapaisagempeculiaraalgumasmetrópolesondeamúsica se fazpresentenas ruas, largosepraçasdacidade.

A importância está em compreender as relações estabelecidas entre osmúsicos de rua, o espaço público e a paisagem. Abordando através daspossibilidadesdageografiaculturalhumanista.Lançandomãocomocategoriadeanálise espacial a paisagem.Analisando umapaisagemcultural bemcomoumapaisagemsonoraespecíficaresultantedasperformancesdosmúsicos,ondeestesproporcionam através das intervenções artísticas, uma experiência visual esonoraqueatribuisignificadosàpaisagemculturaldacidade.

UmaquestãoéavaliardequeformaestasapresentaçõescontribuemparaacomposiçãodapaisagemsonoradeCuritiba,dialogandocomR.MurraySchafer,que propõe o conceito de Soundscape, numa abordagem da ecologia acústica,relacionandooestudodossonscomavidaeasociedade.Poissegundooautorosestudos de paisagem sonora estão diretamente ligados aos estudos de ecologiaacústica.Observandonissoseháumaconcentraçãoespacialdestasatividadesem

lugaresespecíficosdacidade,construindoassimumarepresentaçãodosmúsicosderuaemCuritiba.PoissegundoSaleteKozel;

As representações em geografia constituem-se em criações individuais ou sociais deesquemas mentais estabelecidos a partir da realidade espacial inerente a uma situaçãoideológica, abrangendo um campo que vai alem da leitura aparente do espaço realizadapela observação, descrição e localização das paisagens e fluxos, classificados ehierarquizados(KOZEL,2009,p.216).

Artigos já apontaram a importância de se abordar a questão da paisagemsonora na Geografia, como em (TORRES & KOZEL, 2008; 2010). Evocandovalores que são alcançados pela percepção da paisagem, possibilitandoque sepossam explorar pontos de vista e de escuta que envolva estes contextos.Umagamadesubjetividadesquenosdãopluralidadeparacompreenderumuniversoqueserefletenapaisagem,maisqueéintrínsecoaumsujeito,einerenteaele,semanifestando por uma série de fatores pessoais, mas que gera um impacto napaisagemsonoradacidade,constituindoassimapossibilidadedeseouvirmúsicaemespaçopúblico,fazendocomqueCuritibasejamarcadasonoramenteporestesmúsicos,queestãopresentesemmuitascidadesdomundotodo.

Quando nos deparamos a pensar nesta perspectiva sobre asmanifestaçõesartísticasecomoelasocorreremnoespaço,noslançamosemdireçãoaalgumasespecificidades.Aprimeirasedáquandopercebemosqueamúsica,porexemplo,éalgoqueocorrenoespaçosônicopropostoporSchafer(1997),masquetambémecoa em regiões sensoriais íntimas ao sujeito, podendo causar significaçõesparticulares,afirmadoporTuan(1980).Etambémqueelaestácondicionadaauminterlocutorquedetémaarteeaescolhemanifestarno localdesuaopção.Eéneste contexto das performances de rua que a pesquisa busca investigar aparticipaçãodestesartistasnarealidadedocotidianodapaisagemdacidade.NaspalavrasdeErnstCassirer(1994),“oespaçoeotemposãoaestruturaemquetodaarealidadeestácontida”.

Nestarealidadeemqueosmúsicosderuasefazempresente,imprimindonapaisagem suas contribuições, vemos como as questões simbólicas se fazem

presentesnosaspectosculturais,umavezqueaartecomoformasimbólicatrazàtonaasaspiraçõeseidealizaçõesdestesartistasimpressasdeformaespecíficanapaisagemsonoraeculturaldacidade.Cassirerafirmaque:

Semosimbolismo,avidadohomemseriacomoadosprisioneirosnacavernadofamososímile de Platão. A vida do homem ficaria confinada aos limites de suas necessidadesbiológicaseseus interessespráticos;não teriaacessoao‘mundo ideal’que lheéabertoemdiferentesaspectospela religião,pelaarte,pela filosofiaepelaciência (CASSIRER,1994,p.72).

Dessaformapodemosanalisaraimportânciadasmanifestaçõesartísticasemespaço público, e como as objetivações destes músicos passam a contribuirricamenteemsímbolosnapaisagem,carregando-adesignificaçõesquepassamacontribuir na totalidade desta, que se tornarão significantes à população queusufruidestesespaçoseacabamatribuindosignificadospróprios,comoemcadacontemplaçãoestética,enocasoaqui,ligadoàpaisagemsonoradosmúsicosderua. Assim podemos ver que na interação que ocorre entre as pessoas e apaisagem,sãoassignificaçõesqueestesconferemquefarãosentidoàrealidadeexperienciada. “É o pensamento simbólico que supera a inércia natural dohomem e lhe confere uma nova capacidade, a capacidade de reformularconstantementeoseuuniversohumano”(CASSIRER,1994,p.104).

É através desta conformação do espaço, que os músicos de rua, com suacapacidade de interlocução emmeio ao espaço público, são capazes de gerarexperiências sensoriais resultantes das performances, com impactos visuais esonoros e por que não táteis, pois comodiziaTuan, “a audição e ummodo detocaradistância”.Emmeioaestasrelaçõesquesemanifestamnoespaço,vemoscomoatravésdestas intervençõesopróprio espaçopúblico se amplia frente aoativismodestesartistas,poiscomoproferiuoprofessorFranciscodeOliveirana“Conferenciadeaberturadosdireitosàcidadania”de2001:“Seminterlocuçãooespaço público que parece ampliar-se, a rigor se encolhe”. É esse palco queDaniel Innerarity (2010), vê não como uma realidade dada, mas como umaconstruçãolaboriosa,frágilevariável,âmbitonoqualseorganizaaexperiência

social. E é pormeio das significações dadas pelosmúsicos de rua, ao espaçopúblico, que este confere real significado ao meio, sendo assim os signos, ossímbolos e as significâncias são específicas a cada sujeito. Sendo o som, amúsicaeasrepresentaçõesqueestescompreendemnapaisagemdesignificadosparticular.

SegundoTuan(1980),“osolhosobtêminformaçõesmuitomaisprecisasedetalhadas,sobreomeioambiente,doqueosouvidos,masgeralmentesomosmais sensibilizados pelo que ouvimos do que vemos”. E passa a ser notóriocomo os músicos de rua estão presentes em algumas capitais brasileiras emundiais,contribuindoassimnacomposiçãoesignificaçãodaspaisagenssonorasdas cidades. Complementa Tuan (1980. p.11), “o próprio espaço se contrai,porque nossa experiência de espaço é aumentada grandemente pelo sentidoauditivo,que fornece informaçõesdomundoalémdocampovisual”.Opontoaqui está na compreensão da atuação performática dos músicos de rua emCuritiba e como estesmarcam a paisagem sonora da cidade, empregando umaconformação simbólica por meio da arte ao espaço público, carregando apaisagemculturaldesignosesignificadosatravésdesuasintervençõesnoespaçopúblico.

Portanto, trazendo à tona as complexas relações que permeiam estapaisagem,desvendandocomoautilizametransformam-na,pois:“Aoresgatarovividoeassubjetividades,atribui-seaanaliseespacialmaioramplitudeparadesvendaraspiraçõesevalorespertinentesaosgruposhumanos,refletindo-sena organização espacial” (KOZEL, 2009, p. 2016). Verificou-se que há umaconcentraçãodestesmúsicosnocentrodacidadeeemespaçosespecíficos,comocalçadões,principalmentea ruaXVdeNovembro,pontos turísticos,praçaseafeiradoLargodaOrdem.Permitindo assima construçãodeuma representaçãodestas performances, para melhor se compreender a espacialização destesmúsicos relacionando suas intervenções e influências na paisagem cultural esonoradacidade.

Asmúltiplasrelaçõesqueseapresentamemumrecorteespacialsãovastase

nãoseesgotam,ondenaspalavrasdeDamatta(1997),“cadasociedadeordenaumconjuntodevivenciasqueésocialmenteprovadoedeveserarticuladocompatrimôniose experiênciasquecoexistem, e exercemuma formacomplexadepressão sobre todo o sistema cultural”. O autor fala que vivemos em umasociedadeindividualizada,masaomesmotempounidaporrituaiscomunsatodosequedecerta formanoscolocaemcontato coletivo.SegundoDamatta (1997),“controladas por gramáticas culturais rígidas”, e estão passivas de outraspercepçõesprincipalmentenoquefazrelaçãoàmudançadeâmbitodoindividualpara o coletivo ou vice e versa. Numa relação com o estrutural, no que dizrespeitoaosespaçosabertosepúblicos.ParaJaneJacobs,oprincipalatributodeumdistritourbanoprósperoéqueaspessoassesintamseguraseprotegidasnaruaemmeioa tantosdesconhecidos,quandoaspessoas tememas ruasasusammenos,oquetornaasruasaindamaisinseguras,afirmaaautora.Aordempúblicaé mantida, fundamentalmente, pelos controles e padrões de comportamentoespontâneospresentesemmeioaoprópriopovoeporeleaplicados.NestecasoDaMattaescrevequeapraçaabreumterritórioespecial,dopovo,quepermiteaatualização da própria vida social. O autor aponta três perspectivascomplementares entre si; a casa, a rua e o outro mundo, que são espaços designificações sociais e que fazem mais do que separar contextos e configuraratitudes,elescontêmvisõesdemundoouéticasparticulares.Esferasdesentidoque constituem a própria qualidade e que permitem normalizar e moralizar ocomportamentopormeiodeperspectivaspróprias.Diferenciadasdeacordocomo ponto de vista de cada uma dessas esferas de significações, assim qualquereventopode ser lidoou interpretadopormeiodo códigoda casa e da família,pelo código da rua e pelo código do outro mundo. A casa tendendo paramecanismospessoaisearuaparamecanismosimpessoais,masnãolivresdestesmecanismos se misturarem e acabarem por trazer certos conflitos. Casodemonstradonasrelaçõesdeterritóriosepropriedades.Aruacomessatendênciadoimpessoalecomcertasconotaçõesnegativasporestarlongedofamiliarpassaaserencaradacomolugardoperigoedainsegurança,masemocasiõesondese

unificamessesmundos,acasaearua,epode-seterumelobem-sucedido,criam-seambientescivilizatóriosproporcionandoespaçossociais, tidocomoo“outromundo”comprincípiosordenadoresdiferenciados,mascomplementaresdavida.Citando novamente Jacobs (2000), o problema da insegurança não pode sersolucionadopormeiodadispersãodaspessoas,reduziroadensamentodacidadenãogarante a segurança,masuma ruaprecisa ter três característicasprincipaisparasegarantirasegurança;devesernítidaaseparaçãoentreespaçopúblicoeespaçoprivado,deve-seterolhosparaarua,pessoasqueauxiliemnavigilânciaeascalçadasdevemterusuáriostransitandoininterruptamente.Alegandoqueasruasda cidadeprecisamcontrolarnão sóo comportamentodoshabitantes,mastambém o dos visitantes. Os espaços públicos devem ser geridos tanto pelaspessoas quanto por terceiros que tornam estes locaismais atrativos e seguros.Responsabilidade pública que pode ser repassada, garantindo amanutenção dasegurançaparaapopulaçãopoderutilizarestesespaços.Estassãoalgumasdasreflexõesemtornodotexto“Osusosdascalçadas”(JACOBS,2000)e“AcasaeaRua”deDamatta(1997)quepassaramacontribuirparaasdiscussõesemtornodousodoespaçopúblico,principalmentesobreapresençadaartederua.

Énesteambientelaboratorialda“Rua”,quepodemoslançarfocosobreumaclasse de sujeitos participantes ativamente nestes ambientes, que apresentamatravés da sua apropriação do espaço público uma transformaçãona paisagem,sejavisual, tátil ou sonoraquepodemos identificarnas suasperformances.Eéneste contexto que também podemos aplicar o que Magnani (2002) chama detrajeto emancha, que segundo ele são categorias presentes no espaço urbano.Onde podemos identificar como se observa estas categorias na atuação destesdeterminadosmúsicos.Maisespecificamente,tomaremoscomoexemplootrajetoentre duas praças da cidade, que se tornou um dos campos de pesquisa nopresente trabalho. O trajeto que vai da Praça Santos Andrade, percorrendo ocalçadãodaRuaXVdeNovembro até aPraçaOzório, identificandoa atuaçãodos músicos de rua na apropriação do espaço público e na composição dapaisagem sonora. Assim comoRoberto DaMatta, vê as festividades na rua um

palco de interação social, a presença destes músicos em espaços públicospossibilita uma maior socialização entre as pessoas que atraídas pela músicapassam a contemplar a intervenção, embebidos em uma paisagem sonora, queadvém de uma linguagem musical que carrega sentidos e significados quedespertam interiormente a cada indivíduo uma experiência sensorial íntimainterligadacomapaisagem.

Atrelada à paisagem, a descrição – Interpretação subjetiva – segundoAndreotti, “indica o ato intelectivo de deduzir algo que se conhece, que éobservado, imaginado, e que, portanto, procura comunicar ou representaralgo”.Nestecasoatravésdaescrita.Escrever–Comunicaçãoobjetiva–acabaminimizando aquela “totalidade” em formas simbólicas sistematizadas peloescritor.Segundoaautora;“Adescriçãodeumapaisagem,comosesabe,éumdos momentos mais complexos da geografia por ser intraduzível para cadaintenção objetiva e foge a qualquer proposição universalmente holográfica”(ANDREOTTI, 2013, p. 23.). Sendo assim um ato extremamente subjetivo,pertinente ao sujeito, e à gama de influências que inspiram o seu estado deespíritonomomentodacontemplaçãodapaisagem,desuaanáliseedescrição.

É um ato absoluto de deduzir através da observação: há toda uma série desubjetivismoprópriosdadescriçãodeste tema,eacrescenta-seoespecial filtroda intenção, já acessado por Alexander Von Humboldt e filosoficamenteconsolidadaporBergson (1896, p.16), [Matière etmémoire essay sir la relation ducorps a l’espirit.] segundo os quais nada se observa ao acaso, mas cada observaçãocomportaumaintençãoouumaemoção(ANDREOTTI,2013,p.24).

E é com este embasamento que podemos aproximar do tema, questõespsicológicas,espirituaiseestéticasquepermeiamouniversodepesquisa.

“OFenomenólogoGastonBachelard,nasuaobraLapoétiquedel’espaçe(1957), sustenta que as imagens do exterior, {...} têm uma correspondênciadentro de cada um de nós, que ele define como ‘espaço íntimo’” (Andreotti,2013,p.126).

Atrelandoassimatravésdestaperspectivaque:

Ageografiadapercepção,emúltimaanálise,elevaaoespiritual–quandoporespiritualseentendemcavernasqueoseventosnaturaisescavaramemnossosubconsciente-àquelasimagensdasquaisderivamimpressõeseformaçõesdeconceitos(ANDREOTTI,2013,p.127).

Portanto,o“EspaçoÍntimo”compreendeumacompreensãodalinguagemdapaisagem.Sendopossível aproximar as definições à discussãoda conformaçãodoespaçoquecadamúsicorealizaemCuritiba,comasobjetivaçõesdoespírito,sendo manifestadas em meio ao espaço explorado, fazendo com que este façaparteintegraldofenômeno,quepassaarepercutiroutrassignificaçõesíntimasemcadaindivíduoquecontemplaaperformance.

Aprofundandoopensamentoemtornodageografiadasformassimbólicasesuas espacializações, podemos ver que, “as formas culturais não podem sermeramentedescritasenquantocaracterísticasfísicas,poissuamanifestaçãoédeordemsimbólica”.EcomocategorizaoprofessorSylvioFaustoGilFilho:

O conhecimento imediato do mundo é, pois, necessariamente realizado pela mediaçãosimbólicaquearticulaarealidadeeaidealidade,sujeitoeobjeto,assimcomomaterialidadee forma.No sistema cassireriano, o símbolo é amanifestação da vida humana em suatotalidadee,porconseguinte,aespacializaçãodenossotempointerior(GILFILHO,2012,p.55).

Sendo assim “a linguagem ocupa uma posição central no sistema dasformassimbólicasdeCassirer,poisestaéocernedaculturahumanaedeseudevir”.Enfatizaoprofessor,alémdeafirmarque,“asformassimbólicas,emseupapel funcional, agem como estruturas estruturantes da realidade sobrecampos de ação, ou seja, espacialidades do mundo”. Portanto, “asespacialidadessãotantooesquemaperceptualdedeterminadaformasimbólicaenquantorepresentaçãoobjetivadadofenômeno”(GilFilho,2012,p.57).

ContinuandoodiálogocomAndreotti,podemosconstatarqueéatravésdossímbolosedasrepresentações,queosfenômenoseasespacializaçõespassamatersignificaçõestantoparaoindivíduo,quantoparaasociedade.Ecomoafirmaaautora:

Os símbolos são um potente motivo de auto reconhecimento coletivo, caracterizam o

Ethnos de uma comunidade que encontra a imagem da própria identidade histórica, amemóriadopassado,asuaculturaeoseumundo interior.Sincronizamos ritmosdeumgrupo social, o fazmais consciente de simesmo como união de um relacionamento depertencimentoededestinocomum(ANDREOTTI,2007,p.11).

Podendoassimtrabalharofenômenodaperformancederuaeapresençadosmúsicos de rua nas atribuições simbólicas contidas na paisagem cultural dacidade, uma vez que a apropriação do espaço, e a composição da paisagemsonora estão contidas nos sujeitos de pesquisa, onde estes passam a serprotagonistase,portanto,portadoresdesignosesignificadosquesãoexpressosnapaisagem,passíveisdeseremcompreendidosemsuasmúltiplassignificânciaspeloindivíduo.

MATERIAISEMÉTODOSTendoapaisagemcomocategoriadeanáliseparaobservarasperformances

dos músicos de rua nos espaços públicos, que proporcionam experiênciassensoriais, realizando modificações na paisagem carregando-a de significadosatravésdesuas intervenções.Podemos trabalharapoiadoemalgunsautoresquenosajudamarefletiracategoria,comoAndreotti(2013)eCosgrove(1998).EsteúltimoafirmaqueapaisagemnoslembraqueaGeografiaestáemtodaparte.EseapoianateoriadaPaisagemcomoumtextocultural,oferecendoapossibilidadedeleiturasdiferentesesimultâneas,igualmenteválidas.

Usando Schafer (1991:1997) para se pensar as questões acústicas dapaisagem, como o espaço acústico, osmarcos sonoros, e a composição destapaisagem.Questões que se relacionam à identidade sonora que alguns espaçosconferem,comoobservávelnapaisagemsonoradosmúsicosderuaemCuritiba,representando verdadeirosmarcos sonoros ao espaço público, e conferindo aomesmo qualidades atribuídas pelos atores sociais, categorias trabalhadas porMagnani (2002), comomancha,pedaço e circuito, numa análise por um viésetnográfico.Pôde-setambémaprofundarestaanáliseatravésdecampos,registrosaudiovisuais, entrevistas informais e acompanhamento através de redes sociais,

observando as atuações destes músicos e discutindo como estas intervençõesestabelecem relações com os espaços públicos emarcam a paisagem sonora eculturaldacidade.

TRABALHODECAMPOApesquisa seapoiouemumametodologiadecampoque seestruturouem

quatrocamposparasecompreendera realidadedo recorteea identificaçãodapresença dos músicos de rua. Com a duração de duas horas, em períodosaleatóriosdofinaldamanhãedecorrerdatarde,comumcampoestruturadoparaacapturadovídeorealizadonopercursosobreotrajetoquevaidaPraçaSantosAndrade pelo calçadão da Rua XV de Novembro até a Praça Osório, com oobjetivodeobservaraleatoriamenteapresençadosmúsicosderuanestetrajetoeacontribuiçãodestesnacomposiçãodapaisagemsonoraeculturaldacidade.

Partindo de um processo inicial composto por leituras, discussões,exposições e escritas que nos colocam frente a quais abordagens podem seradotadas nas observações, quaismétodos, quais autores e quais pilares utilizarnesta construção do conhecimento acerca do fenômeno pesquisado. E valeressaltarbemalocado,emuminvólucrodenominado“EspaçoPúblico”,palcodasprimeiras artes, da política e embrião de parte dos fenômenos urbanos,principalmente relacionado às pessoas. Na busca do desenvolvimentometodológicopara apesquisa, váriosquesitos foramelencados; autilizaçãodaabordagemqualitativanacategorizaçãodosmúsicosderua,osmultimétodos,quesão empregados junto às conexões feitas na linha de pesquisa da geografiaculturalhumanista,eaancoragemnasFormasSimbólicasdeErnstCassirer.Eénesta discussão que se enquadra a apropriação dosmúsicos de rua do espaçopúblico e a conformação simbólica que estes efetivam em suas performancesjuntoaumacomposiçãodaPaisagemsonoradeCuritiba.Queparaentenderossujeitos responsáveis por estes fenômenos que marcam a paisagem de várioslugaresemtodasasmetrópoles,aabordagemdaetnografiadosespaçosurbanos

deUriarte (2013), naperspectivado“olhar” a cidade,vema contribuirpara aleitura da realidade observada, construindo um olhar disciplinado para ver acidade,umolharconsciente,distinguindoaessênciadaaparência,ondeoespaçopassa a falar; e ao sentir a cidade também seus significados são revelados.Contribuindodiretamentenareferênciaqueéoespaçopúblicoeasformasdeusodele, pelas pessoas. Notando também junto às contribuições da psicologiaambiental, comoaapropriaçãovema ressaltaraparticipaçãodosujeitocomoseuentornoecomoesteseprojetanoespaço,comodesdeoolhar,jácomcertosentidodedomínioesteseportafrenteaoobservável,emrelaçãoaoobjetoeaolugar.Quemaneiraapessoaseapreendeaosfenômenos?Partindoatémesmodasimplescaptaçãodoolhar.Oqueelaolha?Oqueelaouve?Oquesignifica?Istoestá somente no campo de apreensão dela. O sujeito conformador de mundos,ondeoespaçoépartedoprocessodesignificação(CASSIRER,1944).Eécombase nesta apropriação individual que o mesmo faz do espaço, e se dá aoprocessodeinteriorizaçãodesignificados,quepassaremosacontartambémcomMagnani(2002)eseutrabalhonaetnografiaurbana,propondoumolhar“depertoe de dentro”, para através desta abordagemmetodológica passar a compor umolhar sobre o sujeito pesquisado, no caso aqui os músicos de rua. Refletindosobreousoeaapropriaçãodoespaçopúblicoporestes,compositores tambémda Paisagem, lida por Cosgrove, ouvida por Schafer, mas é em Magnani quepoderemosdecifraratravésdeumaetnografiaurbanaarelaçãoentreosujeitoeoobjeto,nocasoarua.Ondebemsecolocaestapropostadeumolhar“depertoede dentro”, capaz de aprender os padrões e comportamentos, a partir dosarranjosdosprópriosatoressociais.Abordadasemcategoriascomoopedaço,amancha,otrajetoeocircuito,queforambemempregadosnorecorteescolhido,onde o trajeto analisado foi o calçadão da Rua XV de Novembro, também jáexplorado por Magnani e seus alunos em 1991, contribuindo com suasobservaçõespara a análisedeste trajeto.Oprofessor aponta a etnografia comomeiodabuscaporsignificadosdeumadadaprática,econferemaiorprecisãonaobservaçãoseoobservadorconseguirtornarofamiliaremestranho.

Efoiselançandosobreestetrajetoemformadecaminhadadeumapraçaaoutra, que se buscou através de uma grade classificatória identificar a atuaçãoperformática dos músicos de rua. Investigando o percurso, com o objetivo deaveriguar a existência aleatória da participação destes músicos na paisagemcultural da cidade. Magnani (1991), ressalta que “no caso das sociedadescomplexas,sejaqualfororecorteescolhido,éprecisolevaremconsideraçãoamalhade relaçõesquemantémcomasociedadeenvolvente”.Enfatizando queno caso da rua Quinze de Novembro sua dinâmica não se esgota em seuperímetro, indoalémdoslimitesdocalçadão.Asmanchasquesegundooautor,são pontos de referência para a prática de determinadas atividades, podemtambémserobservadas,quandoexiste a escolhadocalçadãopelosmúsicosderua,devidoàpredominânciadospedestreseapossibilidadedocontatodiretonasperformances.

Magnani(1991)tambémfazumaassociaçãoentreoatoreocenário,nocasoapaisagemresultante,“...entendidocomoprodutodepráticassociaisanterioreseemconstantediálogocomasatuais–favorecendo-as,dificultando-asesendocontinuamentetransformadaporelas”.Ondeafirmaquedelimitarumcenário“significa identificar marcos, reconhecer divisas, anotar pontos deintersecção”. Com os músicos de rua como possíveis atores deste cenário,agindodentrodedeterminadassituações,passamadarsignificações,padrõeseregularidades à paisagem da cidade, podendo ser estudados buscando chavespara se compreender as diferentes formas de apropriação por eles, permitindodistinguir os usos dentro dos espaços públicos, e as significações empregadaspelosmúsicosaestes.

É neste contexto de vida urbana, que se dá o campo da pesquisa,considerando a vida social nos espaços públicos de fundamental contribuiçãoparaaqualidadedevidadosindivíduosedasociedade.Analisandocomoestesse apropriamounãodos lugares, dando sentidos e significadospara os locais.Entreolhareseleiturasnestaabordagemdaetnografiaurbana,sevaleaprofundaraanálisedapaisagemculturaldaRuaXV,ondedemonstraaapresentaçãodeum

“trajeto” de conexões vitais para o fluxo de pedestres no centro da cidade,ocorrendoapresençade“pedaços”,estesobtendosignificaçõesparticularesparadeterminadas pessoas, em meio a uma ”mancha”, onde há a concentração deatividades específicas que apresentam a possibilidade de ligação com um“circuito” de músicos de rua, que assim como também em algumas capitais emetrópoles se apresentam nos espaços públicos. A afinação da perspectiva dopesquisador sobre as múltiplas abordagens e imbricações impostas ao espaçopúblico, a compreensão das relações e políticas no uso do espaço, e aconformação simbólica dos músicos sobre a paisagem, compõem a pauta dasabordagens desta pesquisa, trazendo à tona a importância de se estudar ecompreenderesteseventosartísticosquese fazempresentesnoespaçopúblico.Contribuindoassimparaumamaiorcompreensãodaparticipaçãoefetivadestesmúsicosnacomposiçãodapaisagemsonoradacidade.

RESULTADOSEDISCUSSÃOComopontosdepartidaparaadiscussãoforamelencadosalgunsexemplos

de artistaspúblicosperformáticospresentesnocentroda cidade, comoAdemirAntuneso“Plá”,SandinoCerradoeGeorgiaOlier(Foto1),TiagoPiresPessoa(Foto 5),Mick StreetRock (Foto 3) e o grupo equatorianoEl Sikuri (Foto 2).Podendo identificá-los através de uma etnografia urbana, que segundoMagnani(2002),apresentamcategoriasqueosenvolveemumamancha,queseriam“áreascontiguasdoespaçourbanodotadosdeequipamentosquemarcamseuslimiteseviabilizam – uma atividade ou prática predominante”. Conferindo assim aocalçadãodaRuaXVdeNovembro,praçasdacidadeeaoLargodaOrdem,porexemplo,característicasdemancha.Comotambém,trabalhadopelomesmoautor,vemos que tais lugares escolhidos e apropriados pelos artistas detêm tambémpropriedadesdacategoriadepedaço,quandoestesespaçostornam-sereferênciaspara alguns, e circuito“estabelecendo uma relação de contiguidade espacial,sendo reconhecido em seu conjunto pelos seus usuários habituais”

(MAGNANI,2002,p.23).Abordagensquenosmostramumpoucodasrelaçõesestabelecidas no espaço urbano, além do nosso ponto central que envolve omúsico,aproduçãodosomquese incorporaaoespaço,emformadepaisagemsonora.AbordagensqueapoiadoemSchafer(1997)easdiscussõesemtornodeespaçosônico,complexossonorosemarcossonoros,possibilitaramatribuiraosmúsicosderuadireitosautoraisnacomposiçãodapaisagemsonoraeinfluênciadiretanapaisagemculturaldacidade.Umavezqueestesatemescolhidocomopalco para as suas performances, carregando-as de significados culturais queremetemnãosomenteaolocalmastambémaoglobal,interligadopelocircuitoeinfluências culturais trazidas pelas trajetórias destes músicos e depositadas napaisagem de Curitiba. Cabendo a discussão sobre as conformações simbólicasque estes conferem à paisagem, frente às manifestações artísticas que segundoPozo(2008),Cassirerelevaaartecomoaformasimbólicaquemaisobjetivaoespírito, pois alega que a atividade pura do espírito se manifesta na criação.Contribui o autor na discussão sobre as formas simbólicas em Ernst Cassirer,esclarecendoqueofenômenosimbólicoconsistenaexpressãodealgoespiritualmediante signos sensíveis. Sendo que o sensível é a manifestação do sentido.FormasSimbólicassãofenômenosorigináriosdoespírito,formasarquetípicasdamente.O símbolo é a síntese indissolúvel entre significado e significante.E asformassãosíntesesentremundoeespírito.Construindoassimumaconformaçãosimbólica mediante a arte, os músicos de rua através da paisagem sonoracontribuemcomsignos,significadosesignificânciasquesevinculamàpaisagemculturaldacidade.

Imagens1e2

1–SandinoCerradoeGeorgiaOlier–CalçadãoRuaXVdeNovembro.2–Equatorianos–Grupo“ElSikuri”–CalçadãoRuaXVdeNovembro.

Imagens3e4

3–MickStreetRock–CalcadãoRuaXVdeNovembro.4–AdemirAntuneso“Plá”deCuritiba–CalçadãoXVdeNovembro.

Imagem5:

5–TiagoPiresPessoa–CalçadãodaRuaXVdeNovembro–PraçaOsórioFonte:Skolny.

Andreotti chamaaatençãoparaosarquétiposeestereótipos,quese fazempresentes na paisagem (ANDREOTTI, 2007, p. 23). Por isso a autora enveredaatravés de Lehmann, pois neste “existe um fascínio pela misteriosa e ricacomplexidadedapaisagem”,afirmaAndreotti.Dizendoque;“apsicologiaéachave que ele usa para integrar, unir os elementos culturais e as relaçõeshistórico-espirituaisdaquelapaisagemque,deoutromodo,seriamapenasummero recipiente de objetos compreensíveis” (ANDREOTTI, 2013, p. 27).Complementaque:

“[...] a ‘descrição’ de umapaisagem, quando deve ser algomais que a enumeração deobjetoscompreensíveis,émuitomaisdifícilqueaprópriadescriçãodessesobjetos,porquea paisagem é certamente objetiva, ligada a fenômenos culturalmente evidentes,mas emprimeirolugare,sobretudo,éumquadrodeaparênciavisualintegrada.”(ANDREOTTI,2013,p.28)

Aautoraseapoianogeógrafoalemão,Lehmann(1967,p.3-4),que:

Evidencia como aquele ‘quadro de aparência visual integrada’ significa para Lehmanntodoocomplexomecanismoquefazdapaisagemumenteestético,perceptivo,culturalepsicológico, que realmente o distingue da paisagem objetivada. (ANDREOTTI, 2013,p.29)

Por isso todos estes aportes enfatizados passam a enriquecer a leitura dapaisagem,ofatorinvisível,queéevidenciadoatravésdeumaportepsicológico,as subjetividades e motivações que se traduzem simbolicamente, todas asaspirações que são expressas e incorporadas dentro de uma realidade, aparticipaçãoefetivanacomposiçãodeumapaisagemsonorapassamasomarnatotalidade da paisagem cultural da cidade, sendo de grande valia estasabordagensparaumamaiorprofundidadenaanáliseespacial.

OMÉTODODESCRITIVOEsteéométodoemqueLehmann(Andreotti,2013,p.30),parecesebasear

e doqual, paramaior clareza, sistematicamente se indica os pontos essenciais,associadoscomatemáticadepesquisa,fazendorelaçõescomaperformancedosMúsicos de rua emCuritiba e a composição de uma paisagem passível de serobservadaedescritapeloindividuo:

•Valorizaçãoestética;Performancederua.•Contribuiçãodoselementosculturais;EstereótiposeArquétipos.•Participaçãoespiritual;Composiçãodapaisagemsonora.• Análise histórica; Presença dos músicos de rua nos espaços públicos, artistasespecíficos,equatorianos.•Processotemporal;Espaçopúblico,calçadão,usoatual.•Amálgamapsicológico;Osujeito,opúblico,apaisagem.•Cromatismo;Combinaçãopictórica,critériodescritivooriginal.

Podemos ver que as descrições ao espectro do visível estão diretamenteligadasàs“formas”.Sendoestabelecidasatravésdeuma“relaçãopessoal”,quesebaseia emumadescriçãodetalhadadas cores, dos sons, usandopalavrasdaautora,“numarelaçãomuitopessoalalémdomaterialouestrutural,masuma

construçãoperceptivadojogodecoresesons.Estéticaepintura” (Andreotti,2013p.33).Estabelecendoassimumarelaçãosimbólicaede linguagemcomoobjeto, podendo haver uma descrição desta Paisagem, que é objetivada,reafirmando “[...] sobretudo, é umquadro de aparência integrada”.Umdiálogocomasubjetividade.

Aconclusãoseriaqueogeógrafosepreocupacomaobservaçãoe,porisso,oestudodapaisagem;masumavezqueapaisagemécultural,éestética,éhistórica,évivacidade,écor, ocorre que aquela paisagem vem descrita não apenas sobre a base da meraobservação geográfica, mas integralmente, isto é, na vivacidade de todos aquelescomponentes que um processo psicológico correto permite identificar (ANDREOTTI,2013,p.34).

Segundo a autora Humboldt, já buscava no plano estético a chave daessência transcendental da paisagem. A descrição que inspirava um estado deespíritofrenteàtotalidade.“Umquadrofísicoindicaoslimitesondecomeçaaesferadainteligênciaeoolhardistantemergulhaemummundodiverso.Issoindica os limites, mas não os suporta” (HUMBOLDT, 1845, p. 386, apud.ANDREOTTI,2013).

Podendoassimselançarsobreessatotalidadepercebidaqueéapaisagem,de uma maneira mais ampla, envolvendo objetividades e subjetividades, eapreensões tambémsobreoutrospontos teóricosde sepensara relaçãohomemespaço.

APAISAGEMEASFORMASSIMBÓLICASNestatranscendênciaembuscadaforma,parecendobasear-seemabstrações

esubjetividades,équeencontramosessênciaematéria,paratornarsignificanteaimensidão perceptível diante dos sentidos. Onde passamos a atuar dentro datotalidadeecontribuindoespacialmentenacomposiçãodapaisagem,sejasonora,visual,ounadisputatátilporespaço.Sendopossívelpercebersistematizaçõeserepresentaçõesnaconcepçãodaspaisagens.

A paisagem, assim apresentada fenomenicamente, é experimentada como totalidade

individual eplasmada, como imagemdominadaporumaestrutura estética interna, como‘fisionomia da paisagem’, conforme a definição fundamental de Lehmann. “Essacompreendedeumlado,umnítidolimitenosconfrontosdoorganismo,caracterizadopelofuncionamento unitário de todas as funções e, do outro, (um limite) nos confrontos dosentido da natureza, mais amplo, mas também mais indeterminado” (MULLER, 1989,p.11,apudANDREOTTI,2013,p.44).

É com esta contribuição que continuamos o diálogo com a suafundamentação teórica,emCassirer,aproximandoesta temáticacomapaisagemcomo “totalidade plasmada”. Que em Andreotti podemos entender os aspectosculturaisque se fazempresentenaconcepçãodesta.Envolvendoa fisionomiaepsicologia desta paisagem, estabelecendo correlação entre o aspecto físico e ocaráter,comojámencionado.AautorajádeixaclaroqueaPaisagemCulturalé“um passo a mais para a observação da paisagem cujo palco se faz sob aPaisagemGeográfica”.Construindoseuconceitoembasadanaescolaalemã,ondeotermocunhadoé“LANDSCHAFT”aparecendo“comoumsubstantivocarregadosimultaneamente de subjetividade e de objetividade, em uma dialéticadesconhecida, [...] em Sauer”. Em Lehmann, uma nova Geografia passa a serprojetadaparaabordarasuapaisagempsicológica.DialogandocomSimmeleaFilosofiadapaisagem.FortalecendoaconcepçãodeAndreotti,queafirmaquea“nossa consciência precisa de uma totalidade, unitária, que supere oselementos, sem estar vinculada aos seus significados particulares e semmecanicamente ser composta por eles – apenas isto é paisagem”. Em umprocessoespiritual,detransformaçãodapaisagem,ondeénohorizontedevisão,queseencontramaterialparaasignificaçãodapaisagem.Eaquiacrescentamosnãosomenteemumhorizonte,mas tambémemumespectro sonoroquepassaafazerpartedapaisagemequeépassivodesertransformadopelaculturahumanaeestabelecerelaçõesdelinguagemesignificadosquepassamaserincorporadosnapaisagemculturalanalisada.

Assim como afirmado porAndreotti,“só se torna uma paisagem quandoumconceitounificadorosordenasegundoumcritérioformalpróprio”.Eassimsendo que podemos incorporar a paisagem sonora dos músicos de rua na

paisagem cultural da cidade, através da música, como critério ordenador.Francisco Monteiro (1999) trata a música como símbolo, como “organizaçõessonorassimbólicas”.NistopodemosagregaracitaçãodeAndreotti:

Tudoo que chamamos cultura contémuma série de estruturas dotadas de leis próprias,que com pureza auto-suficiente colocam-se para além da vida cotidiana, da complexatramadavidapráticaesubjetiva,querodizer,aciência,areligião,aarte.(SIMMEL,1957,p.141-149,apudANDREOTTI,2013,p.64).

Partindo deste diálogo teórico é que podemos considerar com maiorpropriedade a conjunção de uma paisagem integrada, como por exemplo, ocalçadãodaRuaXVdeNovembroouoLargodaOrdememCuritiba,ondenestesespaços públicos, as ruas são conformadas servindo de palco pelos músicos,onde neste instante em que ocorrem as performances, pode-se através destaperspectivaperceberapaisagemdeumaformamaisespiritual.“Umatramaquenão é exprimível pormeio de uma comparaçãomecânica” (SIMMEL, 1957, p.150,apudANDREOTTI,2013,p.64).Masqueestabeleceumarelaçãodeforçaentreohomemeomeioambiente.

Com essas contribuições podemos aprofundar e explorar de uma maneirahumanista realista a temática de pesquisa. Fomentando discussões em torno decomoa relaçãocultural epsíquica transformae interpretaapaisagem?Ecomopodemosextrairdoambientetodososmotivosqueahistóriadelepodesugerir?Sãoestasalgumasdasperguntasquedinamizamacompreensãodaparticipaçãodos músicos de rua na composição da paisagem cultural da cidade, e de quemaneiraamúsicapodeserentendidacomofatorsimbólicoesignificanteparaserdestacadanestecontexto.Formassimbólicas,totalidadedapaisagem,psicologiada paisagem, são contribuições que ampliam as margens para imbricaçõesteóricas na pesquisa em desenvolvimento, contribuindo para um embasamentofilosóficoeconceitualemtornodacategoriadeanáliseescolhida.

CONSIDERAÇÕESFINAIS

Nestasaídametodológica,segundooprofessorGilFilho(2012)“oespaçoéumaconformação,queestápassivaarepresentaçãodosujeito”.Sendoque“oprocesso de espacialização é eminentemente simbólico”. E, portanto, “osobjetosculturaissão formasdosujeitoepartedoprocessodeespacializaçãomediadopelasformassimbólicas”.

Sendo nesta possibilidade epistemológica que podemos olhar com filtrosajustadostantoparaosujeito,quantoparaofenômenoeaexperiênciavivenciadanacomposiçãodapaisagemsonora.Pois,

A partir das formas simbólicas o homem se distância domundo e pormeio justamentedessa separação retorna aomundodemodo afetivo, ou seja, pelo conhecimento e açãonessemundo. Domesmomodo as ações humanas são impulsionadas pela necessidadeatravés da antecipação de representações para viabilizar uma condição em realidade.(GILFILHO,2012)

É nesta perspectiva que podemos analisar como as experiências e asrealizaçõeshumanasestãorelacionadasaosimbolismoeàsrepresentaçõesqueossujeitosfazemdossentidosedasaçõesmanifestasnoespaço,ecomousandoaspalavrasdoprofessorSylvio,“asdeterminaçõesapartirdasformassimbólicasnão são um fim em si, mas um processo”. Ligadas às expressões, asrepresentações e as significações que são estabelecidas pelos sujeitos. PoiscompletaGilFilho;“Omundodalinguageméomundoreal,eestácapacidadeestáemnós.{...}Mundossimbólicossãomundosreais”(GILFILHO,2012).

Sendoqueasreflexõessobreaartenapaisagem,ouaprópriarepresentaçãoda paisagem como arte, neste diálogo, arte, música, Geografia, as formassimbólicas se tornam adereços para se contemplar com valorização estética atemáticapesquisada.

Observando sobre uma ótica humanista realista os fenômenos e asexperiências relacionadas com determinados artistas. Sujeitos que compõem edinamizamapaisagememdeterminadoslocais,estabelecendorelaçõescomestapaisagem, depositando suas contribuições, simbólicas, sensoriais, sonoras eculturais.Efazemdetalmaneiraquesepodeespacializarefazerconexõescom

outrosespaçosquesãoconectadosatravésdaexperiênciaedamemória.Aartede rua, o som, é capaz de fazer conexões simbólicas entre paisagens. Sendoassim,amúsicanapaisagempassaadarumoutrosentidoestéticoaoespaço,umavezquepossuielementosartísticosetambémsonorosquepodemsersignificadose espacializados. Geometricamente no espectro visual e sonoro.Paisagisticamente no caso do espaço público e do seu uso. Espiritualmente nocasodamemóriaedasrepresentaçõeseculturalmentenocasodasperformancesderua.

AArtequesemanifestaemespaçopúblico,ondearuapassaaseroobjetoplasmado pelos sujeitos da pesquisa, conformada pelos usos e representaçõesdestes artistas. Que acabam proporcionando experiências, podendo serespacializada em um âmbito que se configura na paisagem cultural. Expressastambém através da composição da paisagem sonora, proporcionandosimultaneamenteumfenômenoacústicoecultural,ondeatravésdarelaçãorealeexistencialdestesmúsicosedesuasatuaçõesnapaisagem,podemosrefletirsobreuma compreensão mais ampla entre o sujeito e suas subjetividades, e asobjetivaçõesdadasporestesmúsicosatravésdasformassimbólicasnaPaisagemCulturaldacidade.

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PAISAGEMDOSDEJETOSEMDESPERDÍCIO:LIMITESEQUIVOCADOSDAPOLÍTICADERESÍDUOSSÓLIDOSEMBOAVISTA-RR.

HAROLDOSCACABAROSSI,UniversidadeEstadualdeRoraima–UERR

LaboratóriodeEstudosGeoeducacionaiseEspaçosSimbólicos(LEGES/PPGG/UFC)[email protected]

APAISAGEMNOURBANOArelaçãohomemnatureza,materializadanapaisageméreflexodainteração

deváriosfatores.Ousocorrentedotermopaisagem,utilizadotantonodiaadiacomonasdiversasciências,geralmentesepautanobelo,navisão,naapreensãoindividual e na subjetividade, o que não é o caso nessa abordagem (BRITTO;FERREIRA2011).

Naverdade,BoaVistasedestacapeloincrementodapaisagemhumanizada(SANTOS,2006),ouseja,umapaisagemoriundaouconsequênciadeatividadesdesenvolvidas nas relações humanizadas. Nessa pesquisa, optamos emcaracterizá-las pelas chamadas paisagens de dejetos em desperdício, ousimplesmentepaisagensdodesperdício,evidenciadaspeladisposiçãonomínimoequivocadadeRSUgeradosnoAterroSanitárioMunicipaleemvárioslocaisdaáreaurbanaerural,quesetransformaramemverdadeiroslixõesacéuaberto.

Em outra vertente de análise, evidencia-se o desperdício dos recursospúblicos e um distanciamento do que seria uma política articulada a umgerenciamentoquecontemple todasasetapasdeumagestão integradadosRSUgerados.Essasaçõesencontram-sematerializadasnasinúmeraspraçasdacapital,coma implantaçãodediversoscoletoresparaacoletaseletiva,que inexistenomunicípio.

AproblemáticadosRSUgerados, aí incluídos agestãoeogerenciamentobem como seu tratamento, sua destinação e disposição final, está presente nocotidianoboa-vistensematerializadanaatualsituaçãosocioespacialdacidade.Oinvestimentoemequipamentosdecoletaseletivaemdiversosespaçosurbanosdacapital evidencia o que poderíamos chamar de limitada política pública nomanejo correto dos resíduos gerados, evidenciando uma gestão pautada nodesperdício.DemodoaconsideraragestãoeogerenciamentodosRSUgeradosno município de Boa Vista, constata-se uma prática desconexa da harmoniadesejadanarelaçãourbano-ambiente,trazendoàtonaváriosquestionamentosnaquestão de como gerir os RSU e, consequentemente, os desdobramentos daspolíticas adotadas pelo município no que diz respeito à problemáticaevidenciada.

RESISTENCIAÀMUNDANÇADEPOSTURAOaumentosignificativodaquantidadedeRSUgerados,dispostosnoAterro

Sanitário da cidade, tem contribuído para a descaracterização da paisagemurbana,evidenciandoumapráticanomínimoequivocada,tantonagestãocomonogerenciamento dosRSUgerados nomunicípio.Háde se refletir e questionar ocaminho escolhido para lidar com a questão por parte do executivomunicipal,perpassando pela discussão dos hábitos e comportamento dos munícipesresidentesemBoaVista,noqueserefereaosmateriaispós-consumo.

Após6anosdeefetivaçãodeumadasmaismodernaslegislaçõesinerentesaosRSUgerados,efetivadapelaPolíticaNacionaldosResíduosSólidos–PNRS–,LeiFederalnº12.305/2010,oquesepercebeéqueomunicípioétotalmentecontrárioàtendênciamundial,comotambémoqueseprega,asnormascontidasna legislaçãodeformageral.Acrescenta-senessearcabouço legalaLeinº416quedispõe sobre aPolíticaEstadualdeGestão IntegradadeResíduosSólidos,Leinº1.419,queinstituinormas,prazoseprocedimentosparaogerenciamento,coleta,reutilização,reciclagemedestinaçãofinaldosresíduostecnológicos,ea

Lein.º482queinstituioCódigoSanitáriodomunicípiodeBoaVistaAcapitaldoestadodeRoraima,BoaVista-RR,localizadaacentrolestedo

estado, especificamente na mesorregião norte e microrregião Boa Vista(SEPLAN,2014),dispõedeumaáreaterritorialde5.687,036Km²,equivalentea2,54% do estado. Possui população estimada para 2016 de 326.419 (IBGE,2016), distribuída em seus55bairros, sendo amaiormédia deurbanizaçãodoestado,com97,71%.

Há de se destacar que cabe ao executivo municipal a gestão dos RSUgeradosemseuterritório.Jáogerenciamentotemcomoresponsáveisdesdeoanode 2001 até os dias atuais, empresas contratadas pela gestão. Nesse período,diversas empresas como a Construtora SOMA Ltda., COEMA Ltda., COPAMLtda.eSANEPAVforamsesucedendorespectivamente,naexecuçãodosserviçosde limpeza urbana como também na varrição de ruas, coleta de resíduosdomiciliareseoperaçãodoAterroSanitárioMunicipal.

Com esse cenário, o modelo escolhido pelo município em relação aotratamento dosResíduosSólidosUrbanos (RSU)gerados nopós-consumo, estáintimamente ligadoàrelaçãourbano-ambientepraticadanacapitaldoestadodeRoraima.

Os reflexos de ações equivocadas sematerializam na paisagem urbana dacapital do estado de Roraima, uma vez que oportunidades resultantes dasatividadesdopós-consumo,comoredução,reutilizaçãoereciclagemestãosendonegligenciadaspelopoderpúblicomunicipal.

PROBLEMATIZAÇÃOApropagandadivulgadanosveículosdecomunicaçãolocal,quedestacama

cidadecomosendoexemplofrenteaosdesafiosdapolíticaambientalenaposturafrenteaosRSUgerados,fortaleceainterpretaçãodomunícipesobreapaisagemdaBoaVista como uma representação de ordem, por intermédio da destinaçãocorreta final do lixo gerado.Emoutra perspectiva de análise, espaços urbanos

queconcentramgrandesepequenasquantidadesderesíduos,dispostosdeformaanãoatenderemaospadrõesmínimosambientais,muitomenoscomopotencialdereservaderecursoseenergia,caracterizamumadesordem,noquedizrespeitoàgestãodessesRSUnaáreaurbanadacapital.Nessesentido,indagaçõessurgempara explicar os questionamentos: por que se dejeta tanta riqueza quando sepoderia utilizá-la como investimento econômico e ambiental? A realidade dacidadedeBoaVistapauta-senoconceitodecidadelimpaouumacidadevarrida?OsmunícipesestãocomprometidoscomosprincípiospreconizadosnalegislaçãosobreosRSU?AgestãomunicipalestáemsintoniacomaboapráticaambientalligadaaosRSU?Sãoessasrepresentaçõesmaterializadasnoespaçourbanoboa-vistensequefazemnecessáriasasinterpretaçõeseanálises.

RESULTADOSEDISCUSSÕESArelaçãohomemnaturezaseconcretizanoespaçourbanoerevelaasfacetas

oriundasdas relações sociais epadrões culturais adotadospela sociedade.Porsua vez, é na cidade que se revela a presença de uma infinidade de paisagens,percebidasevividasdemodosdistintosporseushabitantes.

Partindo desse pressuposto, a Geografia analisa as diferentes formasmaterializadas na paisagem urbana (PAIVA et al., 2009). Do conceito depaisagem para a análise geográfica, busca-se identificar as relações entrenaturezaesociedadeeoresultadodesseprocessointerativo(CONTI,2014).

Dentro da Geografia, a paisagem adquiriu um caráter polissêmico, variável entre asmúltiplas abordagens geográficas adotas e dependente das influências culturais ediscursivas entre os geógrafos. Esta elasticidade demonstra, na realidade, umacomplexidadedoconceito,emfunçãodecomoomesmofoitratadapelasváriascorrentes,moldadas cada qual em um determinado contexto histórico e cultural (BRITTO eFERREIRA,2011).

Nesseentendimento,apaisagemtambémseráreflexodecomosecomportadeterminada sociedade e sua relação complexa como ambiente.AquestãodosRSUgeradosémultidisciplinar,porenvolvertemasepossibilidadesdiversosde

otimizaçãoeracionalizaçãodesuapolíticadegestão(FUGII,SILVA,RUTHES,2012). Assim, no que se refere às boas práticas sociais e ambientais osobstáculossãoinúmeros,nosentidodequeacidadedeBoaVistasetransformeemumasociedadesaudável,principalmentenamaneiracomodestinaosmateriaispós-consumo(ABRAMOVAYetal.,2013).

Ocaminhoparaqueagovernançadagestãodosresíduossólidospossaserequacionada,passapelaconversãodoqueétratadocomolixoeemriquezaeaserviçododesenvolvimento(ABRAMOVAY,2013).Hábitosdocotidianoemquepredominam a cultura do desperdício e do jogar fora são reproduzidos nasempresas,nas instituiçõesenosdomicíliosdeformageral.Alémdessaprática,imperaaindaaobsolescênciaprogramadadetantosprodutosatéadificuldadedecoordenar ações entre diferentes esferas de governo (SILVA FILHO e SOLER,2012). A produção de plásticos, por exemplo, e consequentemente dasembalagens, agravam o problema da destinação dos RSU gerados, visto oaumento consideravelmente nos últimos 50 anos, crescendo de 15 milhões detoneladasem1964para311milhõesdetoneladasem2014,devendodobrarem20anos(ELLENMACARTHURFOUNDATION,2016).

O processo inicial demudança de comportamento, associado a uma novapostura frente aoqueusualmente consideramos comonão aproveitável pauta-seem transformar lixo em riqueza. As experiências vivenciadas em paísesdesenvolvidosestãopautadasnainserçãodofabricantecomoprotagonistanessaação. Abramovay (2014) diz que os países que conseguiram dar destinaçãoadequadaaolixosãoaquelesemqueosetorprivadopagaacontadacoletaeusodemateriaisrecicláveis.ÉoquemostraaAlemanhaque:

Vemconseguindodescasaraproduçãode riquezadageraçãode lixo.RelatóriodoBifaEnvironmental Institutemostraque, entre2000e2008 (portanto, antesdacrise),oPIB,em termos reais,cresceuquasedezporcento,eovolumede lixocaiunadamenosque15%.Aintensidadeemlixodavidaeconômica,medidadecisivaparaavaliaraqualidadedarelaçãoqueumasociedademantémcomseusrecursosecossistêmicos,declinamaisde22%(ABRAMOVAY,2014).

Nocasobrasileiro,destaca-sequeosbrasileirosgerampoucomaisdeum

quilo de lixo por dia, colocando o país como o terceiro maior produtor deresíduossólidosdoplaneta(BRASIL,2014).Noentanto,asdiscussõessobreosimpactos ambientais e os altos custos da coleta e destinação do lixo nãocostumamfazerpartedodiaadiadosbrasileiros,nemdascampanhaspolíticas.

A Política Nacional dos Resíduos Sólidos (PNRS) representa de fato anormalizaçãolegislativaemmuitoalmejadapelasociedadebrasileira.MendeseBeck(2015)destacamqueaLeiFederal temcomofinalidadeprimordial imporcomportamentoapropriadoparatodaasociedadenoquetangeaotratamentodosRSUgerados,nosentidodemanterobemcomuma todos,assimcomo tambémestabelecer penalidades para quem não respeita suas diretrizes. Nesseentendimento,asautorasenfatizamque:

Partindo deste princípio, a PNRS é relevante no sentido de criar obrigatoriedade a algoqueénecessárioparaobemda sociedade, jáquea consciência ambientalnautilizaçãodos recursos naturais e descarte de rejeitos não se dá de forma espontânea por todosenvolvidos(MENDESeBECK,2015).

Desta forma, observa-se que a publicação da PNRSdeve ser consideradauminstrumentonoprocessodegestãodosresíduossólidos(MAIAetal,2013).Mas de fato, o que falta na verdade é sua efetiva aplicação no dia a dia dosmunicípiosbrasileiros.

O que realmente falta é efetivação da lei pelos gestores públicos, sensibilidade dasociedade para com os problemas ambientais e maior comprometimento daqueles quefiscalizamefazemcumpriras leis.Portanto,asuaaplicabilidadevislumbrameiosparaavalorização profissional dos catadores de materiais recicláveis, no entanto, requercompromissomútuoentregestorespúblicoseosdiferentessegmentossociais(MAIAetal.,2013).

Aanálisesepautaemduasrealidadesintrigantesevidenciadasnoperímetrourbano da capital do estado de Roraima, onde se vislumbra um verdadeiroparadoxodagestãoedogerenciamentodosRSUgeradosnomunicípio.Emumprimeiro momento, constata-se políticas públicas pautadas em equívocos econtradições,marcadospelapráticaarcaicanotocanteàproblemáticadosRSUgeradosnomunicípio.

Neste contexto, Boa Vista está distante de se efetivar como as chamadascidades sustentáveis e cidades inteligentes, caracterizadas por inovações queutilizamasTecnologiasdeInformaçãoeComunicação(TIC)eoutrosmeiosparamelhoraraeficiênciadagestão,dosserviçosurbanosedesuacompetitividade,enquanto garante o atendimento das necessidades das gerações atuais e futurascomrelaçãoaosaspectoseconômicos,sociaiseambientais(BOUSKELA,et.al.,2016).

A PAISAGEM DE DEJETOS COMO REFLEXO DAS AÇÕESDESCONEXAS

OquesematerializanapaisagememfunçãododesperdíciopoderiaserumreinodeabundânciaAbramovay(2013).OqueeraparaserumAterroSanitárioou Aterro Controlado, efetivado no ano de 2000 e 2014 (FIGURAS 1a 1b),tornou-se um depósito de lixo a céu aberto, prevalecendo o conceito de lixão,contribuindosobremaneiraparaaalteraçãodapaisagemoriginaldolocal.

Figuras1a,1b–AterroSanitáriodoMunicípiodeBoaVistanoanode2000e2014.

ElaboradoporGladisdeFatimaNunesdaSilvaeHaroldoScacabarossi,2016.

Araújo (2013) diz que, pela lógica da responsabilidade pós-consumo, osfabricantes de produtos e embalagens deveriam se responsabilizar pelo ciclointegraldaquiloquecolocamnomercadoeseusefeitossobreomeioambiente,não distinguindo comerciantes e os próprios consumidores. De fato, Araújo

tambémafirmaque:

Concretamente, o fabricante passa a ter de assegurar o recolhimento de determinadosprodutoseembalagensapósousopeloconsumidore, cabedestacar,garantir tambémadestinaçãoambientalmentecorretadoque recolher.Asnormassobrea responsabilidadepós-consumo por vezes envolvem expressamente os comerciantes e os própriosconsumidores, como forma de viabilizar a logística reversa, o sistema de retorno aosfabricantes(ARAÚJO,2013).

Assim,esseretornoeainserçãodosmateriaisrecolhidosnosprocessosdereciclagem constituem-se uma das formas mais positivas dentre as práticas degestãoderesíduos,umavezqueoretornodessasmatérias-primasparaomercadopotencializaaeconomiacircular (JACOBI,2011).Esseentendimentocorroborapara supressão de lixões e aterros controlados (ABRAMOVAY, 2014). Arealidade da cidade de Boa Vista destoa dessa afirmação e, em primeiraconstataçãoemaisgravenesseprocesso,estánolocalescolhidoparadisposiçãofinaldosRSUgeradosnoMunicípio.

Identificar as influências decorrentes da disposição de materiais lançados de formainadequadaem lixõeseos riscosoferecidos, atravésdaáguaedo solocontaminados, àsaúdedapopulaçãoquehabita nas proximidades, é de total importância noprocessodeplanejamentodascidades(DINIZ,FURTADO,MELOFILHO,2009).

Caminhões e coletores, com os mais diferenciados tipos de resíduos,recolhidos nos 55 bairros da cidade, depositam (Figura 2) diariamente, semprévia seleção e controle, toneladas de RSU gerados na capital. Entulhos,galhadas e todo tipode resíduos, alémdos contaminantes resíduoshospitalaresque transformam a paisagem do local, antes com características do lavradororaimense (BARBOSA, XAUD, COSTA, 2005), agora em uma paisagem dedejetos.

Figura2–AtividadesdetriagemededisposiçãofinaldeRSUAterroSanitáriodeBoaVista.

Fonte:FolhaBV.

No local há ocorrência de um processo contínuo de modificação dapaisagem,degradaçãoambientaleumapossívelcontaminaçãodosoloedaáguapela não captação e tratamento do chorume, resultante da disposição final dosRSUgerados e do processo de decomposição dessesmateriais.O processo dedegradaçãoambientalqueocorrenaáreaparaondesãodestinadosedispostososRSUcoletadospelosistemadegerenciamentoénítidoeavançaemdireçãoaoscorpos hídricos do entorno e o que deveria ser fonte de renda e riqueza, nadamaisédoquedepósitoderiqueza.

Abramovay(2013)corroboracomessaconstataçãoedizque:

Lixões e baixo aproveitamento de resíduos sólidos exprimemuma relação doentia entresociedade e natureza, em cuja base se encontra amaneira como são tanto concebidos,produzidos,distribuídos,consumidosedescartadososprodutosquantogeridosossistemasde coleta e disposição dos remanescentes do consumo.Mesmoque representem formamaisadequadadedisposiçãofinaldosresíduosqueoslixõesouosaterroscontrolados,osaterros sanitários tambémsãoproblemáticospor seuscustosepeloespaçoqueocupam(ABRAMOVAYetal.,2013).

Deve-sesalientartambémoprejuízoambientalqueculminacomoaumentodoprocessodedesequilíbrio,contaminaçãodosigarapésadjacentes,reduçãodacapacidade de armazenamentos dos reservatórios e, simultaneamente, alteraçãodapaisagemnatural.

AGESTÃODOSRSUGERADOSEMBOAVISTAEmdireçãocontrária, aspolíticasdo lixozeroedaeconomiacircular, ou

seja, um processo de inovação que leve sempre à reutilização dos materiais

Abramovay(2014),caminhaoexecutivomunicipal.AconstataçãoestánaposturaadotadapelaatualgestãodomunicípionoqueserefereàpolíticaimplementadaparaosRSUgerados,emespecialosrecicláveiseacoletaseletivapropriamentedita.

Proposta no capítulo II, das definições contidas na Lei 12.203/2010,especificamente no incisoV, a coleta seletiva é a: “Coleta de resíduos sólidospreviamente segregados conforme sua constituição ou composição” (BRASIL,2010).

Destoando da própria política ambiental proposta pelo governomunicipalatual, e após a inauguraçãode inúmeraspraças emdiversosbairrosda capital,pode-seconstataraincoerência.Emvisitasaoslocaisrecentementereformadoserevitalizados pela atual gestão, constatou-se a implantação de diversosequipamentos (Figuras 3- a, b, c e d), denominados de coletores para coletaseletiva.

Figuras3a,b,ced–Coletoresparacoletaseletivaedegrandeporteparacoletasemsegregação,instaladosempraçasdacapitalBoaVista-RR.

Fonte:Acervodoautor/2016.

DeacordocomoMinistériodoMeioAmbienteacoletaseletivaéacoletadiferenciada de resíduos que foram previamente separados segundo a suaconstituição ou composição, resíduos com características similares sãoselecionadospelosgeradoresedisponibilizadosparaacoletaseparadamente.

IPEA(2016)destacaqueasestratégiasdaPNRSreforçamosprincípiosdareciclagemde resíduossólidos, tendocomoumdeseusobjetivoso incentivoa

essaatividade,visandopropiciarousodematérias-primaseinsumosderivadosdemateriais recicláveis e reciclados e destinando somente os rejeitos para osaterrossanitários.

Enfrentar esses desafios da nova postura frente à problemática do lixopressupõeumaevoluçãonocampodagovernançaedatomadadedecisões,bemcomoousocadavezmaiseficientedosrecursosdasnossascidades,comvistasaumagestãointeligente(BOUSKELAet.al.,2016).

Atitudes de como se lidar com os RSU gerados perpassam por inúmerasinovações.Bouskelaexemplificaaçõesonde:

Os coletores de resíduos sólidos são conectados por redes sem fio e equipados comsensoresquemonitoramovolumedo resíduo, aumidade, a temperatura e atémesmootipo de conteúdo existente. Os dados chegam às secretarias e empresas de limpeza epermitem melhor planejamento das rotas de coleta, atualizando os motoristas doscaminhõesemtemporealemrelaçãoaospercursos,oqueresultanaotimizaçãodocustodoserviçodegestãoderesíduos(BOUSKELAetal.,2016).

Nãosevislumbraemcurtoprazo,tamanhoavançoparamudançadecomoépraticadoogerenciamentodeRSUgeradosemBoaVista.Masoquepareciaserum momento de inovação e nova propositura com a destinação correta dematériaspós-consumopelaPMBV,naverdadeevidenciaafaltadeplanejamentodasações,associadaàverdadeiraimagemdodesperdícioderecursospúblicos.

Por longo período espaços públicos urbanos foram abandonadosconjuntamente com inúmeras praças. A partir do ano de 2015, inicia-se umprocessoderevitalizaçãoerestauraçãodessesespaços.Osserviçosdereformaefetuados pela PMBV nas praças consumiram recursos públicos significativos.Citandoapenas3delasedeacordocomosdadosdisponibilizadospelaprópriaPrefeiturasobreosprocessoslicitatóriosde2014e2015,asreformasdasPraçasda Bandeira, Mané Garrincha e da Praça dos Bambus custaram aos cofrespúblicos R$ 2.082.899, R$ 3.711.778 e R$ 1.056.159 respectivamente. Asreformascomoumtododeramumnovopadrãourbanísticoparaacidade.Masoquechamouaatençãonessasações foia implantaçãodecoletoresdestinadosàcoleta seletiva de resíduos gerados. Para se ter uma ideia do descaso com o

erário, bem como a evidência de um verdadeiro paradoxo na gestão dos RSUgerados,foramdisponibilizadosaosfrequentadoresdasPraçasdaBandeiraedosBambusmaisde62equipamentosdecoletaseletiva.Osequipamentosdelimpezaurbana e coleta seletiva, denominados kits ou coletores para coleta seletivaescolhidos,contamcadaumcom4receptoresindividuaisdecoleta.Multiplicadopelonúmerodeequipamentos instaladosnas3praçascitadas, tem-seoabsurdode mais de 250 tambores para recebimento de resíduos diferenciados.Considerandoo custo relativamente alto dos equipamentos como tambémanãodisponibilização de coleta seletiva desde o ano 2008 aos munícipes, e muitomenos realização desse tipo de serviço em locais pré-determinados, estamosdiantedeequívocosnotratodosRSUgerados.

Constata-se que não foi levada em consideração a implantação de coletaseletiva nem como uma política ambiental domunicípio, emuitomenos com aparticipação de cooperativas ou outras formas de associação de catadores demateriaisreutilizáveiserecicláveisformadasporpessoasfísicasdebaixarendacomoprega(BRASIL,2010).

AomesmotempoemqueaPMBVdisponibilizaoscoletoresseletivosparacoletadiferenciadaderesíduos,comoresíduosorgânicos,tambémseoferecemoserviço de coleta de resíduos sem prévia seleção. O que poderia ter umadestinação correta como a compostagem, tem destino igual aos resíduosdomésticoscoletados.IPEA2016destacaque:

Acompostagem,enquantodestinaçãoambientalmenteadequadadaporçãoorgânicadosresíduoscoloca-secomofundamentalparaareduçãodaquantidadederesíduosdispostosematerrose lixões,assegurandoaordemdeprioridadedasdistintasetapasao longodoprocesso de gestão e de gerenciamento dos resíduos sólidos, qual seja: não geração,redução, reutilização, reciclagem, tratamento dos resíduos sólidos e disposição finalambientalmenteadequada(IPEA,2016).

Portanto, está posta a falta de planejamento e de políticas públicasorientadasqueconsigampôrfimamontanhasdelixoqueseavolumamemlocaisimpróprios, formando verdadeiras paisagens do desperdício que contaminam aágua e o solo, empesteando o ar e transmitindo doenças sem que se aproveite

oportunidadesimensasdegeraçãoderiquezaerendapormeiodareutilizaçãoedareciclagem(ABRAMOVAYetal.,2013).

Apesar da propaganda enganosa, na verdade, quando se fala em atividaderelacionadacomosmateriaisrecicláveisnomunicípiodeBoaVista,fala-seemaçõesdesconexase realizadaspor instituiçõeseorganizaçõessemomínimodeapoio por parte do gestor municipal. Esses materiais são coletados e pré-selecionadosdeformanãoorganizadaedispersadentrodoperímetrourbanodacapitaldeRoraima.Apesardaafirmaçãodeapoioaorganizaçõesefetivamenteenvolvidas na atividade de triagem e encaminhamento demateriais recicláveispara processamento, a postura do executivo municipal retrata uma ação nãointegradaaumapolíticaefetivadepré-seleção,detriagemedeencaminhamentoaassociaçõeseempresasdosetor,paracomercializaçãoequeefetivamente,dealgumamaneira,gereempregoerenda.

Asituaçãodefaltadeplanejamentoeordenamentotambémacontececomosresíduos orgânicos gerados na capital. Os resíduos resultantes das atividadesdomésticaseempresariais,comosobrasdemateriaisorgânicosdedomicílioseempresas que poderiam integrar uma cadeia de revalorização de materiais(KARASKI, 2016) como o de fertilizantes ou adubo natural por exemplo, sãodispostas no mesmo local do restante dos resíduos coletados na capital,inviabilizandoqualqueragregaçãodevaloraesseimportanterecursonatural.

RÉPLICAS DE PRÁTICAS INCOERENTES NO TRATAMENTO DOSRSUGERADOS

Paraleloaessaanálise,BoaVista temapeculiaridadedeestarcircundadaporrios, igarapéselagoas.SituadanamargemdireitadoRioBrancointeragemhábitosdeusodesserecursohídricoprincipalmenteparaolazer,paraleloaumaprática de degradação ambiental de suasmargens, consequência da disposiçãoirregulardeRSUgerados.

Énessecenárioquese replicamaçõesepolíticasequivocadasemrelação

aotratamentoedestinaçãocorretadosRSUgerados,nãorestringindoapenasaopraticadopelomunicípiodeBoaVista.DiferentedoProjetoRio+Limpo,finalistadoprêmiodaAgênciaNacionaldasÁguas–ANA,aatividadedesenvolvidapelaCompanhiadeÁguaseEsgotosdeRoraima(CAER),denominadade ‘Caernosrios’,temporobjetivorecolherresíduossólidosdepositadosnosigarapéseriosurbanosnacapital.SóemumaaçãosocioambientalrealizadapelaCompanhiadeÁguas e Esgotos de Roraima (CAER) foram retiradas (Figura 4) mais de 1toneladaderesíduosdoRioBranco.

Figura4–ResíduosColetadosnasmargensdoRioBranco,noMunicípiodeBoaVista-RR.

Fonte:JornalFolhadeBoaVista/2015.

Mas o que era para ser um exemplo, com a efetivação dos conceitos deEducaçãoAmbientaledeaçõespropostaspelaEstratégiaNacionaldeEducaçãoAmbientaleComunicaçãoSocialparaaGestãodeResíduosSólidos–Educares,aaçãoambientaltambémnãocumpreocorretotratamentoedestinaçãofinaldosresíduoscoletados.TodososmateriaisrecolhidosnasaçõesjárealizadasforamdestinadosaoAterroSanitáriodeBoaVista,ouseja,foiefetuadaatransferênciadeumproblemaparaoutro lugar ao invésde reduziros impactosgeradospelodescarteemlocaisinapropriadosparaosRSUgerados.Essasaçõesequivocadaseincoerentesnaverdadecontribuemparaoincrementodapaisagemdosdejetosedesperdício, e corroboram no entendimento de que as ações devam sermelhorplanejadas no sentido de atender tanto à legislação como na postura de novos

paradigmasnotratodemateriaispós-consumo,desafiodagovernançamunicipal.

AÇÕESECAMINHOSPARAMITIGAÇÃODAPROBLEMÁTICAEducaçãoeinovaçãotecnológicasãocaminhosparaincluirestesmateriais

na economia circular, evitando o desperdício e a destruição que limita autilizaçãonopós-consumo(ABRAMOVAY,2016).

O processo de planejamento deve, portanto, ser acompanhado por ações de educaçãoambiental que promovammudança de valores, práticas e atitudes individuais e coletivaspara difundir e consolidar as ideias de qualidade ambiental, participação pública ecidadania(FUZARO,RIBEIRO,2005).

Essa nova postura frente aos materiais gerados nos pós-consumoinevitavelmentepassapeloconceitodaredução,reusoe,principalmente,danãogeração.Mesmoreduzindoageração,éprecisoreaproveitaroureciclaroquefoidescartadoedestinar somenteos rejeitosparaosaterros sanitárioscontrolados(BARBALHOetal.,2015).Nãosevêcombonsolhosareproduçãodamáximado extrair, transformar e descartar no ambiente os materiais do pós-consumo(ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2015). Propostas alternativas aomodelo de desenvolvimento que impera no mundo são urgentes no sentido defortaleceraspolíticaspúblicasefomentandoposturasinovadorassustentáveis.

CONSIDERAÇÕESFINAISAbrirmão da prática arcaica em destinar seus Resíduos SólidosUrbanos

geradosparaoaterrosanitárioequeapenasosrejeitospossamserefetivamentedepositados nesses locais, parecem estar distantes das ações efetivadasatualmentepeloexecutivomunicipal.

Considerando as responsabilidades da gestão como também dogerenciamentodosRSUgeradosnomunicípiodeBoaVista-RR–exercidospeloexecutivomunicipal –, verificam-se inúmeros equívocos e contradições.Há deconsiderarqueasatribuiçõeslegaisenormativasdalimpezaurbanaestãoacargo

daPrefeituraMunicipaldeBoaVista.Nessesentido,entende-seserelaagranderesponsável pelas consequências causadas pelo não balizamento das açõesreferentes ao tratamento e destinação correta dos RSU gerados, que leve emconsideração os aspectos legais, sociais e ambientais para a problemática. Oserviçode limpezaurbanapraticadopelomunicípionãoprimapelaquestãodaeficiência e da gestão, uma vez que negligencia princípios da não geração, daredução e do tratamento ambientalmente correto somente dos rejeitos,evidenciadosnaPolíticaNacionaldosResíduosSólidos(PNRS).

Nãosevislumbraemcurtoemédioprazo,umapolíticaambientalmunicipalcapazderompercomaçõesdistanciadasdasquerealmenteefetivemumacidadesustentável,quedeixedeserumacidadevarrida,parasetornarumaverdadeiracidade limpa, em que seus habitantes participem de ações norteadorascontemporâneas do lixo zero e da economia circular. Paralelo a essaproblemática, o município não pode negligenciar as variáveis inerentes aoscatadores de recicláveis que desempenham as atividades na capital. Há de seexigirpolíticaspúblicasefetivasparaoscatadores,comatençãoespecialparaainclusão social egeraçãodeempregoe rendaparaessesque sãoosprincipaisatoreshojeevolvidosnatriagemderecicláveisemBoaVista.

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URBANIZAÇÃOEVULNERABILIDADESOCIOAMBIENTALEMBOAVISTA-RR

OSVAIRBRANDÃOMUSSATOUniversidadeEstadualdeRoraima-UERR

[email protected]ÉLIALUSTOSACOSTA

ProgramadePósemGeografia/UniversidadeFederaldoCeará-UFC,[email protected]

INTRODUÇÃOAcidadeplanejadadelargasavenidasétambémoespaçodossegregados,

dafaltadeplanejamentoeausênciadeinfraestrutura.EstaBoaVistarepresentaosdiferentesmomentoshistóricosecicloseconômicosquecomandaramadinâmicaespacialroraimense.Esseprocessodeevoluçãoeestruturaçãourbanainiciou-semesmoantesdeBoaVistapossuirumafunçãodecidade,aindanoséculoXIX.Oriundadeumafazendadecriaçãodegadoinstaladaem1830porInácioLopesMagalhães,namargemdireitadoRioBranco,BoaVista reafirmavaapossedoterritórioportuguêsnesteespaçosetentrionaldaAmazônia.

A fazenda deu origem a um povoado que, em 1858, transformou-se emfreguesia,sendoelevadaàcategoriadevilaem1891eposteriormentecidadenoano de 1926, para mais tarde, em 1943, tornar-se capital do então criadoTerritórioFederaldoRioBranco1.Nesteperíodoascondiçõesdeinsalubridadede Boa Vista já constavam nos relatos de viajantes que por aí passaram,destacandoascondiçõesdeprecariedadedasmoradias,bemcomoosaneamentoquecomprometiamaqualidadedesaúdedosmoradoresevisitantes.

Nesteprocessodeisolamentoemrelaçãoaorestantedopaís,formou-seumapequenacidadequepassariaacomandar todaadinâmicaeconômicada região,primeiramente baseada na pecuária extensiva e posteriormente no garimpo de

ouro e diamante, que atraiu milhares de pessoas de todas as regiões do país,promovendoumaceleradocrescimentopopulacionalnumperíodo relativamentecurtode tempo.Aelevaçãodademandaporhabitaçãopromoveaocupaçãodeinúmeras áreas de riscos ambientais, colocando as famílias mais pobres emsituaçãodevulnerabilidadesocioambientalnacapitaldeRoraima.

AexpansãourbanadesordenadadeBoaVista,principalmente,nasdécadasde 1970 a 1990, ocasionou a ocupação irregular de inúmeras Áreas dePreservação Permanente (APP), promovendo a sua descaracterização e,consequentemente, sérios riscos aos moradores dessas áreas, normalmentepessoascombaixopoderaquisitivoebaixoíndicedeinstrução.Compreenderadinâmicadeformaçãodessasáreasdevulnerabilidadeéprimazparasepromoverodebateacercadepolíticaspúblicasquepossamminimizaroumesmorevertertal tendência. É nesta perspectiva que pauta o presente artigo. Neste sentido,busca-seinquirir:dequeformaosagentespúblicoseprivadoscontribuíramparaa formaçãodeáreaspotencialmentevulneráveis socioambientalmentenacidadedeBoaVista?

URBANIZAÇÃOEVULNERABILIDADESOCIOMBIENTALOespaçoéproduzidopelohomemevividoporele,decorrentedarelação

direta entre homem-meio. A escala de abordagem pressupõe que a análise doespaço urbano considere três aspectos do espaço: 1) espaço físico, compostopeloselementosqueformamacidade;2)espaçomental,resultadodapercepçãoqueaspessoastêmdoespaçofísicoe;3)espaçosocialquerepresentaasaçõesdosindivíduossobreosdoisprimeiros,formadoporseussignoserepresentações(LEFEBVRE,1991).

Neste sentido, é preciso aprender que o espaço é apropriado de maneiradiferentepelosdiferentesagentesresponsáveisporsuaprodução,emespecialoespaçourbano.“Oespaçocomomercadoria,refleteaslógicascontraditóriasdocapital, criando circuitos providos de economias distintas, promovem a

distribuiçãodesigual”(MUSSATO,2011,p.22).AesserespeitoBotelho(2007,p.22),citandoHarvey(1980)2asseveraque:

(...)deve levar emconsideração, então,omonopóliodeumaclasse sobreoespaço–aburguesia (...), o que exclui principalmente os pobres da propriedade fundiária (Harvey,1980:146).Issoporqueaclassequedetémamaiorpartedosrecursospode,atravésdodinheiro,ocupar,modelarefragmentaroespaçodaformaquemelhorlheconvém.

Mussato(2011,p.23)aotratardessasforçasresponsáveispelaproduçãodoespaçourbanodescreveque:

Essa lógica contraditóriamovimenta a cidade e dá a ela suas formas de organização eestruturaçãoespacial.Elaestá impregnadanapaisagemurbana,sejaatravésdaatuaçãodosagentespúblicosouprivados.Nãoimportaqualdelesestáagindodiretamente,masécerto que ambos respondem aos interesses da sociedade, comandados, principalmentepelasclassesdominantes.

Nesteprocessodicotômicoimensasáreasambientalmentefrágeisvãosendoocupadas por aquela parcela da população desprovida de recursos financeirossuficientes para a aquisição da terra urbana, uma mercadoria extremamentevalorizada. Essas áreas que representam grandes problemas ambientais e,consequentemente sociais, em decorrência da intensificação do processo deurbanização,principalmenteempaísesperiféricos,vêmmerecendomaioratençãoporpesquisadores.Algunsconceitoscomo“risco”e“vulnerabilidade”passamaservalorizados.

Oriscosurgeprimeiro,emmeadosdadécadade1980comaSociedadedeRisco (MARANDOLA JR e HOGAN, 2005, p. 30). “Os geógrafos foram osprimeiros a trazer a vulnerabilidade para o debate ambiental no contexto dosestudossobreos riscos”.Mais recentementeosdemógrafos tambémpassaramarelacionaremseusestudospopulacionaisasquestõesambientais.

Os“naturalhazards”ouperigosnaturaistêmsidoobjetodeestudoporpartedepesquisadoresenvolvidosemaçõesdeplanejamentoegestão,principalmentenadiscussãodarelaçãodohomemcomseuambiente.Entreessesperigosestãoasenchentes, deslizamentos, tornados, erupções vulcânicas, furacões, vendavais,

granizo, geadas, nevascas, desertificação, terremotos e assim por diante. Sãoconsiderados perigos no momento em que causam danos às populações,MarandolaJr.eHogan(2005,p.31).

Os primeiros trabalhos na eminência de compreender os riscospopulacionaisforamdesenvolvidospelosgeógrafosnasdécadasde1970e1980.Nesses trabalhos desenvolveram-se metodologias de avaliação de riscos aosquaisdeterminadapopulaçãoestavaexpostafrenteaumperigoeminente.Perigoeriscos tornavam-se base para os estudos desenvolvidos por geógrafos. Nessesprimeirostrabalhos,operigocorrespondiaaofenômenonaturalemsi,enquantooriscoconsistianaperspectivaemquesecolocavaaabordagemdoproblema.Oconceitodevulnerabilidade,aindanãosedestacavanessesestudos.Amaioroumenorvulnerabilidadeconsistianacapacidadedoindivíduodedarrespostaaosriscos,variandodeacordocomogrupopopulacionalexposto.Nestemomentoosriscos são consequências dos perigos decorrentes de eventos naturais. Essesestudostornaram-sefundamentaisparaasaçõesdeplanejamento,vistoqueestaspoderiamserpensadasamédioelongoprazo,oquepoderiareduziraexposiçãoaoseventosnaturaise,consequentemente,aexposiçãoaosriscos.

Todavia,caberessaltarqueaoavaliaroestadodevulnerabilidadedeve-seconsiderar as diferenças culturais, sociais e econômicas, na perspectiva dasatitudescoletivaseindividuais,umavezqueesseselementosinfluemdiretamentenacapacidadederespostadediferentesgrupossociais.Valedestacarqueoriscoéexógeno.

Adécadade1980émarcadapelaapresentaçãodoRelatórioBrundtland,em1987. Este documento é fruto de uma série de encontros que decorreram daConferênciadeEstocolmo,ConferênciadasNaçõesUnidassobreMeioAmbienterealizadaem1972naSuécia.Nelasãoapresentadasperspectivasparaummundoecologicamente mais equilibrado, passando a se discutir o chamado“DesenvolvimentoSustentável”.

Oanode1992foimarcadocomaSegundaConferênciadasNaçõesUnidaspara oMeio Ambiente, realizada na cidade do Rio de Janeiro. A conferência

ficouconhecidacomoEcoRio-92,naqualforamassinadascartasdeintençõesafimdepromoveroDesenvolvimentoSustentável.Estenovocenário trouxeparaas pesquisas sobre os perigos e os riscos um enfoque mais humano. Nessecontexto os aspectos “naturais” passam a ser tratados como ambientais.Consequentemente,osproblemasdeordemsocialpassamacomporocenáriodepreocupaçõesdospesquisadores,evidenciandoavulnerabilidade,quepodeestarinserida no contexto social, ambiental e tecnológico (MARANDOLA JR. eHOGAN,2005).

Osestudossobrevulnerabilidadesedividiramemtrêscorrentesdeacordocom a compreensão de Curtter (1996). Para a pesquisadora, a primeira estávoltada à análise da probabilidade de exposição (biofísica ou tecnológica); asegunda centra-se na probabilidade de consequências adversas (social); e aterceira, combina os dois fatores. Nesta perspectiva, para a pesquisadora, osestudos atuais, dirigidos pelos geógrafos, aproximam-semais desta última, porseramaisgeograficamentecentrada.

Aexposiçãoasituaçõesdevulnerabilidadenãodeveseranalisadasomentea partir dos condicionantes sociais, correndo o risco de torná-los simplistas esuperficiais.Deve-seconsiderarque,apesardofatodasociedaderesponderdemaneiradiferenteàexposiçãoaosriscos(capacidadederesiliência),asanálisesdas causas da vulnerabilidade devem partir das causas biofísicas do perigo(MARANDOLAJR.eHOGAN,2005).

Todavia,hádesefrisarqueoambientenãoévulnerável,vistoqueosriscossãodecorrentesdaaçãohumana.Nestesentido,asituaçãodevulnerabilidadeéeminentemente do homem que ao ocupar áreas impróprias se expõe aos riscosdecorrentes.Suacapacidadederespostaaosriscosdefiniráseémaisoumenosvulnerável.Estaocupaçãoéfrutododesenvolvimentodesigualdasociedade.NavisãodeCosta(2009,p.144),

Estedesenvolvimentodesigualeconcentradoprovocadeterioraçãodascondiçõesdevidada população, particularmente no que tange à localização no território e, comodecorrência, às condições de moradia e de acesso aos serviços e equipamentos de

consumocoletivo.

A autora ao estudar a vulnerabilidade socioambiental na regiãometropolitana de Fortaleza descreve as consequências dessas desigualdades noprocessovulnerabilizaçãoemarginalizaçãodeparceladasociedadeaoafirmarque,

A segregação residencial pode gerar “guetos” de famílias pobres, vivendo em áreascarentes em termos de infraestrutura, serviços (saúde, educação, segurança),disponibilidadedeespaçospúblicos,comcaracterísticasqueastornammaisvulneráveisàpobreza. Estas carências podem influenciar nos níveis de bem-estar de indivíduos efamíliasegerardesintegraçãoemarginalidadesocial(COSTA,2009,p.144-5).

Ao estudar a vulnerabilidade na Região Metropolitana de Curitiba,Deschamps(2004,p.80)descreveque“nousocorrentevulnerabilidadedenotarisco,fragilidadeoudano”eafirmaque:

(...)avulnerabilidadesocialseencontradiretamenterelacionadacomgrupossocialmentevulneráveis,ouseja,indivíduosque,pordeterminadascaracterísticasoucontingências,sãomenospropensosaumarespostapositivamediantealgumeventoadverso.Nessestermos,a noção de risco torna-se fundamental para o desenvolvimento do estudo davulnerabilidade(DESCHAMPS,2004,p.19).

Nestesentido,compreenderosindicadoresdevulnerabilidadenacidadedeBoa Vista requer uma análise de seu processo de formação, considerando,todavia, os aspectos biofísicos de seu sítio urbano, para, então, analisar aocupaçãodessasáreaspelaparcelamenosfavorecidadasociedade.

EXPANSÃO URBANA E VULNERABILIDADE SOCIOAMBIENTAL EMBOAVISTA

Boa Vista, capital de Roraima localiza-se na porção centro oriental doestado (Figura 01), desde o início de sua formação, no século XIX, apresentasituações de vulnerabilidade.No início do séculoXX, os relatos contidos noslevantamentoscientíficosdosexpedicionáriosjádestacavamaprecariedadedasmoradias,bemcomodosaneamentoquecomprometiamasaúdedosmoradorese

visitantes.Souza (2011,p.112)descrevequeas imagenscapturadasnaexpediçãode

ConstantinoNery,em1904,demonstramasmáscondiçõesdesaneamentobásicodavilaBoaVistadoRioBranco.

AáguaconsumidaemBoaVistaeraextraídadopróprio rioBranco,poluídapordejetosdashabitações epor restosde animais abatidosparao consumo.Assim,doenças comoverminoses,sífilis,tuberculoseseberibériafligiamamaiorpartedapopulação.Ademais,oserviçomédicoerainsuficienteemalaparelhado.

Oautor(p.113-114)destacaaindaaproliferaçãodedoençaseasaltastaxasdemortalidade,

Em 1916, a intendência municipal de Boa Vista do Rio Branco, por meio de seusuperintendente Geraldo Collaço Veras, esclarece que “o estado do município écontristador!”Eledenunciaqueadoisanosasfebresafligemaregiãonortedomunicípioe que já tinha provocado cerca de três mil óbitos, na maioria de indígenas. Em umatentativadeajudaracuidardapopulaçãoosuperintendenteadquiriuumaambulânciademedicamentos,aqualsemostrouinsuficiente,paradarcontadosenfermos.[...]Emalgumascasashaviaatéoitopessoasdoentes,asquaisnãotinhamcondiçõesdecuidardesioudosseusparentes,demaneiraqueestavamentreguesaprópriasorte.

Souzarelacionaasaltastaxasdemortalidadeàsmáscondiçõesdehigiene,

[...]Nãohádúvidaque aspéssimas condiçõesdehigiene foi o fator primordial para asdoenças, mas em especial esta febre, seria a água a porta de entrada para talenfermidade,quandooesgotoédespejadonaruaelevadoparario[...].Defatoasfamíliasviviamempermanenteameaçadedoençaseissoimpossibilitava,vezporoutra,umbomrendimentodetrabalhoprodutivo.MaséimportanteavaliarquemuitodestequadrosedeveaoprópriomoradordeBoaVistaporsua ignorânciaemrelaçãoàhigiene, em especial a pessoal. Soma-se a isso a omissão do poder público epreponderânciadaseliteslocais.

Em 1945 Araújo Cavalcante faz uma síntese dos problemas essenciaisenfrentados pela população deBoaVista com o objetivo de elaborar propostaorçamentária para a região distribuindo a população em áreas alagadiças e deterrafirme.DeacordocomSouza(2011).

Emseusrelatos,CavalcantidistribuioshabitantesdoRioBrancoemdoisgrupos,osqueviviamemregiõesalagadiçaseaquelesqueviviamemterrafirme.Asconstruçõesseriamdemadeira, cobertas de palha e geralmente situadas àmargem do rio. EmBoa Vista,

havia “217 mocambos e 122 casas”, e segundo o relatório, quase todas em condiçõesinacreditáveisdehigiene(SOUZA,2011,p.112).

Figura01-LocalizaçãodomunicípiodeBoaVista-RR

O isolamento terrestre em relação ao restante do país que perdurou atémeados de 1970, foi um dos fatores responsáveis pela reduzida população,elevadocustodeaquisiçãodeinsumosealimentoseprecariedadenascondiçõesdevidadosqueseaventuravamadesbravaroValedoRioBranco.Prevaleciaapopulação indígena. As primeiras tentativas fracassadas de interligar por terraBoaVistaaManaus,datamde1893e1927(BARBOSA,1993).

Oabandonodaregiãoeseuisolamentomotivaraminúmeraspublicaçõesemrevistasejornaisdaépoca.UmnúmerodojornaldoRioBrancode1917trazoseguintetexto:

Opovoéhabituadodesdemaisdeséculoaviverdeseugado,semtrabalhonenhum,nãose sentindo animado pelas autoridades, nem tendo meios de levar os produtos de sualavoura,nemaomercadodeManáos,nemaoestrangeiro,deixa-sevivermiseravelmente,sem reagir contra uma situação tão desastrosa, contentando-se com habitações ealimentos que na Europa, nem os mais pobres achariam suficientes e salubres (...)(SOUZA2011,p.122).

Adécadade1920émarcadapelacrisedaatividadeextrativistadaborracha

noAmazonase,consequentemente,afetandoaeconomiadeRoraima,baseadanaproduçãodecarnebovina.IstorepercuteemBoaVistaeemtodooValedoRioBranco.Todavia,nesseperíodo,começaaemergiroutraatividadeeconômicaquepassará a comandar a dinâmica local, o garimpo.As primeiras descobertas deouroediamanteocorreramnoAltoRioBrancoporvoltade1917,nosriosMaúeCotingo.Aparcamãodeobraempregadanapecuárialocal,bemcomopartedautilizada na extração do látex, gradativamente vai sendo redirecionada para ogarimpo. O fluxo imigratório para região se intensifica no final da década de1930 com as descobertas de diamantes na serra do Tepequém. BoaVista, quesurgiuemdecorrênciadapecuária,passaacomandaragarimpagemnaregiãoesuadinâmicaespacialganhanovosatores.

Nesteprocessodeisolamentoemrelaçãoaorestantedopaís,formou-seBoaVista, cidade que passaria a comandar toda a dinâmica econômica da região,primeiramente baseada na pecuária extensiva e posteriormente no garimpo deouroediamante.Aatividadedemineraçãoatraiumilharesdepessoasdetodasasregiõesdopaís,promovendoumaceleradocrescimentopopulacionalapartirdadécadade1970.AexpansãourbanadesordenadadeBoaVista,principalmente,nasdécadasde1970a1990,ocasionouaocupaçãoirregulardeinúmerasÁreasde Preservação Permanente (APP), promovendo a sua descaracterização e,consequentemente, sérios riscos aos seusmoradores, pessoas com baixo poderaquisitivoebaixoíndicedeinstrução.

A fixação no território deu-se de forma desorganizada promovendo aocupaçãodasmargensdeigarapése lagoastemporárias.Estaocupaçãoocorreuatravés da informalidade e também,muitas vezes, a partir de políticas estataismal planejadas com a doação de terrenos em áreas inapropriadas aos recém-chegados.Silva (2007)discuteos interessespolíticosna formaçãodestasáreasprecárias.

AexpansãourbanadeBoaVista,apósadécadade1980,(...),dá-sequandonovasáreasforam progressivamente incorporadas mediante a proliferação de novos loteamentos,produzidos de forma descontrolada e sem previsão, respondendo especialmente a

interesses políticos de assentamentos demigrantes que eram induzidos a se deslocaremparaBoaVista(SILVA,2007,p.68).

A ação dos políticos na ocupação na zona oeste também é destacada porStaevie(2011),

Na zona oeste, aproximadamente 85% dos residentes são migrantes, que residem emáreas doadas pelo poder público, numa clara política de criação de currais eleitorais,sobretudo pelo governo de Ottomar Pinto, entre 19791983 e 19911995. São áreasocupadas por pessoas de baixo poder aquisitivo, ali assentadas com fins eleitoreiros, ouinvasores que se apoderaram de terrenos desocupados, muitos deles pertencentes àUnião.Asocupaçõesirregularessãoconstantesnomunicípio,porvezesincentivadasporliderançaspolíticasquepossueminteressesparticularesnasocupações(STAEVIE,2011,p.77,grifonosso).

Apóslongosanosdeocupação,essasáreasaindarepresentamproblemasàgestãomunicipalque,mesmoapósdiversasobrasdeinfraestruturadedrenagemeesgotamento sanitário, ainda são desafios a serem superados. A expansãodesordenada promoveu a ocupação de Áreas de Preservação Permanentes,aniquilando-as,conformepodeserobservadonaFigura02.BoaVista,tornou-seuma capital dicotômica. As largas avenidas, com seus canteiros centraisgramadosoufloridos,napartecentraldacidade,contrastamcomaprecariedadedas áreas periféricas que sofrem constantemente com alagamentos, ausência deserviçosdesaneamentobásico,saúdeelazer,entreoutros.

Figura02–EvoluçãodamanchaurbanadeBoaVista,hidrografiaeAPPnosanosde1978,1985,1995,2005.

Fonte:Falcão;Burg;Costa,2015.

Arealidadedaperiferiapobredacidadediferemuitodasáreasmaisnobrese centrais. Esta é a BoaVista das ruas sem calçamento, das valas abertas, daprecariedadedosserviçosdesaneamentobásico,dacarênciaporatendimentoàsaúde e educação, principalmente creches. Esta é a Boa Vista da populaçãovulnerável que ocupa áreas ambientalmente frágeis e sujeitas a alagamentosanuais. A explosão demográfica e o assentamento de pessoas pelos gestorespúblicos em áreas inapropriadas para o assentamento humano promoveram oagravamento das condições de salubridade que desde o início da formação donúcleourbanosefazpresentenacapitaldoestado.

DesdeosprimeirosregistrossobreosítiourbanodeBoaVistahádenúnciasdepopulaçãohabitandoessasáreas.Todavia,afaltadeplanejamentocontribuiuparaaintensificaçãodesteprocesso.AesserespeitoMussato(2011)escreveque“aconcentraçãopopulacionalacarretougrandesproblemasdeordemeconômica,social e ambiental, para as pessoas e para os centros urbanos, condensando-senumintensoprocessodeespoliaçãourbana”e,consequentemente,agravandoosproblemas ambientais por conta da pressão populacional sobre áreas maisfrágeis.

Nestamesma linha de pensamento, Pinheiro, Falcão eOliveira (2008) aodemonstrarem a evolução urbana de Boa Vista também relatam que nessacompetiçãopor espaços habitacionais, amaioria da população foi ‘empurrada’paralocaismenosprivilegiadosnoquedizrespeitoaosserviçosdeinfraestruturaurbana,Figura03.Omaiorimpactodesteproblemarevelou-seem2011,quandoRoraimaviveuamaiorcheiadahistória.Nopicodacheiafoiatingidaacotade72metrosocasionandosériostranstornosatodaapopulaçãodacidade.Todavia,independente da intensidade do “inverno” (período chuvoso), várias partes dacidade sofrem em decorrência dos alagamentos. Esse “transtorno” decorre dolongoprocessodeocupação irregulardasmargensde igarapés e lagosurbanosquesão,namaioriadasvezes,intermitentes.

O terreno onde a cidade se constituiu é todo permeado por lagos que sãointerligadosoudrenadospor igarapés.Aocupação indiscriminadadessas áreas

pela população, muitas das vezes sob a outorga dos agentes públicos quedemarcaramloteamentossemconsideraressasáreasoumesmoaterrandolagos,éfortecondicionantedasituaçãodevulnerabilidadesocioambientaldeparceladapopulaçãoboavistense.

Figura03-Reduçãodelagosantropizados/soterradoseavançonasAPP´sdoRioBranconosetorsuldasedemunicipaldeBoaVista.

Fonte:Falcão;Burg;Costa,2015.

Oprincipalagravantedestasituaçãoconsistenofatodequeaexpansãoemcursoda franjaurbanadeBoaVistaocorreemdireçãoaoeste“zonaoeste”dacidadeondeseconcentraomaiornúmerodelagoseigarapés.Dos57bairrosdacapital,38estãolocalizadosnazonaoeste(FALCÃO;BURG;COSTA,2015).

Entre os anos de 2010 e 2015, através do programa do governo federal“Minha casa, minha vida” foram construídas milhares de moradias populares(Figura 3), aproximando-se do anel rodoviário municipal (Figura 04). Veras(2015,p.1.189)destacaque,

Todososempreendimentosparaa faixade renda1 (um)estão inseridosnazonaOeste,porçãodacidadecaracterizadaporbairrospopulareseondeestãolocalizadososterrenosmais baratos, constituindo-se na área que vem apresentado a maior tendência decrescimentodeBoaVista.

Azona oeste concentra grandes áreas propensas a alagamentos periódicosem decorrência da presença de lagos intermitentes. Apesar da legislação fazerexigências quanto à adequação ambiental dos projetos, estudos indicam que

muitosestãoapresentandoproblemas.NaáreadoconjuntoCruviana,ondeforamconstruídasmilmoradias,Pereiraet.al.(2014,s/p)relataalgumasdassituaçõesquefazempartedarealidadedosmoradores:

(...) há a falta de uma rede de drenagem e esgoto sanitário distribuída de formahomogênea em todo o bairro, o que foi confirmado emnossas entrevistas por 66%dosmoradores, que relataram problemas de alagamento dos quintais e ruas do Cruviana,contribuindoparaaproliferaçãodedoençasendêmicascomoadengue,alémdedificultaroacessodeentradaesaídadosmoradoresassuasresidências.Sobreaproblemáticadotratamento a doenças e o atendimentomédico a população do bairro, constamos que éinexistente, isto é,oConjuntoCruviananãodispõedeumaunidadede saúdeoumesmoposto de atendimentomédico, o que obriga aosmoradores a se deslocarempara outrosbairrosparabuscaremporserviçosdesaúdepública.

OsproblemasapontadosreferentesaosconjuntoshabitacionaisdoProgramaMinhacasaminhavida,representamapenasumadiminutapartedarealidadedosmoradoresdacapital,principalmentedaquelesqueresidememumdos38bairrosda zona oeste da cidade.Asmargens dos igarapés, assim com as bordas e atémesmo no leito das lagoas urbanas foram construídas moradias de muitosboavistensesquesofremcomodescasodopoderpúblico.

Figura04–Manchaurbana,APP’senovosconjuntoshabitacionaisemBoaVista-RR

CONSIDERAÇÕESFINAISNoprocessodeexpansãourbanadeBoaVista,desdeseuinícioconstatou-se

a formação de espaços de exclusão e vulnerabilização. As políticas públicasequivocadas de assentamentos humanos, principalmente a partir da década de

1970, foram fundamentais para a consolidação de um tecido urbano em áreasambientalmentefrágeis,concentrandoumapopulaçãosocialmentevulnerável.

Nesteprocessodesordenadoosmaispobrestornam-se“agentescausadores”dedanosambientaisqueterãoreflexosdiretossobreasociedade,principalmentesobre os mesmos. Todavia, há de se destacar que a expoliação urbana é umacaracterísticatipicadeumasociedadedeclasses,daqualospobressãovítimaspor não possuírem recursos suficientes para apropriar-se de terras melhorlocalizadasemaisvaloradas.

Estarealidade,presentenacapitalroraimense,serepetenasdemaiscidadesbrasileiras. A vulnerabiliade não é uma característica do ambiente, mas daspessoasqueoocupam.Oespaçopodeapresentarcaracterísticasdefragilidade,oferecendoriscosaoscidadãos,quedependendodesuacapacidadederespostatornam-semaisoumenosvulneráveis.

Pode-seafirmarqueosagentesprodutoresdoespaçourbanodeBoaVista,promoveram a ocupação dessas áreas, desconsiderando os riscos aos quais apopulaçãoestariaexposta.ConsiderandoqueoEstado,agente reguladordousodoespaço, atravésde regrasdeocupação, emmuitos casos, tornou-seo agenteindutordasocupaçõesdessasáreas.Pode-seafirmarquemuitosdos riscosaosquais estão expostos os moradores dessas áreas decorrem da ineficiência doEstadoedapressãodosagentes imobiliários.Oslucros,resultadodaocupaçãodoespaçourbano,foramdistribuidosporumpequenogrupode incorporadores,todavia, os ônus recaem sobre toda a sociedade que, direta ou indiretamente,sofreasconsequênciasdosalagamentosperiódicosemvastasáreasdacidade.

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1Em 1943 o presidenteGetúlioVargas criou vários territórios naAmazônia, dentre eles o TerritórioFederaldoRioBranco,comumaáreade230.104km2,compreendendoomunicípiodeBoaVistaepartedomunicípio deMoura, transformado emCatrimani.BoaVista ficoudefinida comocapital desta novaunidadefederada (BARBOSA,1993, p. 138-9). Em 1962, pormeio do projeto de autoria do então deputado federalValério Caldas de Magalhães, o território passou a se chamar Roraima. A mudança deu-se por conta daconfusãocomacapitaldoterritóriofederaldoAcre,tambémdenominadadeRioBranco.

2HARVEY,David.AJustiçaSocialeaCidade–SãoPaulo:Hucitec,1980.

ASTRANSFORMAÇÕESSOCIOESPACIAISEAVULNERABILIDADESOCIALEMCAUCAIA-CE(2000-2010)

FRANCISCOALEXANDRECOELHOProgramadePósemGeografiapelaUniversidadeFederaldoCeará

[email protected]ÉLIALUSTOSACOSTA

ProgramadePósemGeografiapelaUniversidadeFederaldoCeará[email protected]

ANADYENICECARLOSDASILVAProgramadePósemGeografiapelaUniversidadeFederaldoCeará

[email protected]

INTRODUÇÃOAtemáticavulnerabilidadesocialaolongodosanosvemganhandocadavez

maisimportâncianosdebatesacadêmicos,nasOrganizaçõesnãogovernamentais,e,sobretudo,naspropostasapresentadaspelasdiferentesesferasadministrativas.Comoconsequência,temosaelaboraçãodepolíticaspúblicasquevisamdiminuirasdesigualdadessociaisemelhoraraqualidadedevidacominvestimentosnasáreas de saúde, educação, infraestrutura e em programas de assistência, dentreoutros.ConformeBusso (2001),vulnerabilidadesocial“[...]esentendidacomoum proceso multidimensional que confluye en el riesgo o probabilidad delindividuo,hogarocomunidaddeserherido,lesionadoodañadoantecambiosopermanenciadesituacionesexternasy/ointernas”.

Avulnerabilidadesocialésempreassociadaàexposiçãoaorisco(BUSSO,2001). A exposição a risco se dá pelas condições ambientais e sociais. ParaJatobá (2011) as condições ambientais estão relacionadas à ocupação humanadesordenada em ambientes suscetíveis a inundações, poluição dos recursoshídricos, poluição atmosférica etc. Além do que, estas condições associadas àcarênciadeestrutura,comoporexemplo,precariedadehabitacional,esgotamento,

coletadelixo,obrasdecontençãodeencostasentreoutros,aumentamaindamaisaexposiçãoaosriscos.

Emrelaçãoàcondiçãosocial,osriscossemanifestamnascarênciassociais,comoapobreza,baixaescolaridadeassociadosapolíticaspúblicasineficientes,a falta de serviços educacionais, saúde, educação segurança e lazer aumentamaindamaisaexposiçãoaosriscos.

As grandes cidades latino-americanas possuem áreas degradadasambientalmente, bem como socialmente (HOGAN eMARANDOLA JR, 2006).Destamaneira,háumarelaçãodosindivíduosougrupossociaisexpostosariscosambientais, a grande maioria, também é vulnerável do ponto de vista social.Jatobá (2001) apresenta a discussão da vulnerabilidade social em umaperspectiva da ecologia política, pois esta contempla a vertente ambiental esocial.Contudo,nossaconcepçãoentendequeaanálisedestacondiçãosedánaproduçãodoespaçogeográficodeterminantedastransformaçõessocioespaciais.

Astransformaçõesnoespaçonãopodemseratribuídasapenasaumalógicameramente de mercado, nem a um Estado que idealiza toda a organização oumuitomenos a um capital abstrato que emerge fora das relações sociais, comoafirma Correa (2013). Estas resultam da ação de diferentes agentes sociais,contraditórios, complexos, históricos, estratégicos nas práticas espaciais egeradores de conflitos em todos os setores da cidade. Desta maneira, cidadesbrasileiras revelam na paisagem esse problema visto pela segregaçãosocioespacial.Noprocessodeurbanização,asáreascommelhoresequipamentosurbanos foram ocupadas pela classe abastada, e em contrapartida, as áreasperiféricas, foram abrigando uma população desprovida de bens, semqualificação profissional, que saíam da zona rural em busca de melhorescondiçõesdevida.

Nesta condição, a análise da vulnerabilidade social está inserida em umareinterpretação do urbano em suas múltiplas contradições. A matriz urbanaapresenta também aspectos positivos que proporcionam uma estrutura deoportunidades, que são constituídas pelos bens, pelos serviços ou pelas

atividadesproporcionadaspelomercado, pelomercado epela comunidadequepermitemaos indivíduosougrupospossuíremativosquepossibilitemumbem-estarparaviverintegralmenteemsociedade(KATZMANEFILGUEIRA,2006)e(COSTA,2009).

Alémdisso,entenderas transformaçõessocioespaciaiseavulnerabilidadesocialatualmente,nosremeteaentender,emprimeirolugar,aMetrópolenaqualvivemos e o seu processo de reprodução. Em seguida sua articulação com aregião metropolitana, como por exemplo, sua integração, as dimensões doscrescimentospopulacionais,aspolíticaspúblicasqueregemsuarelaçãoetc.,queaceleramoprocessodeurbanização.

O município de Caucaia, no estado do Ceará, se caracteriza por umadiversidade natural, social e econômica visível na paisagem: áreas de grandeconcentração populacional, como os conjuntos habitacionais, construídos nadécadade1980,queatraíramparaseuentorno,loteamentosperiféricosefavelas;ocupação linear acompanhando a costa, com a metropolitização litorânea,resultado da implantação de segundas residências, condomínios e complexosturísticos; e atividades industriais, ao longo daBR222 e nas proximidades doPortodoPecém.Napaisagemdomunicípio,evidencia-seumafortedesigualdadesocial, revelando áreas onde se concentram uma população de baixavulnerabilidade, enquanto outras mais vulneráveis, em que a renda e o níveleducacional dos chefes de família e as condições habitacionais e deinfraestruturassãoprecárias.Paramelhorentenderessalógica,primeiramente,énecessáriocompreenderoprocessoproduçãoespacialdomunicípiodeCaucaia.

APRODUÇÃOESPACIALDOMUNICÍPIODECAUCAIA:UMBREVEHISTÓRICO

A formação do município de Caucaia teve início com a colonizaçãoportuguesanoCearáeatentativadamanutençãodacapitaniaSiaráGrandefaceàs investidas dos piratas franceses e holandeses. A aldeia de Caucaia era um

local habitado por índios Potiguaras e administrada pelos jesuítas. Emconformidade com Menezes (2009), a história de Caucaia passa por váriosestágiosecommudançasdenomes.OprimeiroestágioédeAldeia,osegundodeAldeia Nossa Senhora dos Prazeres, o terceiro de Villa de Nova Soure efinalmenteCaucaia.

OsíndioseosjesuítaseramosprincipaisagentesprodutoresdoespaçonoperíododoséculoXVIeXVII.Os índiosviviamemaldeias situadasno litoralrealizando atividade pesqueira e a coleta de frutos e ervas silvestres. Já osJesuítas desenvolviam missões “civilizatórias”, catequizando os índios eorganizando o espaço como a construção de capelas, igrejas e escolas deevangelizaçãoparaos“novoscristãos”.EstemomentohistóricodealdeamentoecatequeseseconcretizanapaisagemcomaconstruçãodaigrejamatrizdeNossaSenhoradosPrazeresedaantigacadeiapública,queatualmenteexerceafunçãode biblioteca, ambas construídas pelos colonos e jesuítas. De acordo comMenezes(2009):

Apresençade féedevoção foi representandoumamarca fortenasculturasprimitivas.EmCaucaia demodoparticular o ideal da fé cristã foi cultivado pelosmissionários quefaziam suas desobrigas e faziam todos os cristãos, pela graça do batismo. (MENEZES,2009,p.18)

Vale ressaltar, que os potiguaras, aldeados emCaucaia, possuíamumbomrelacionamento com os missionários, a ponto até de obedecer às ordens dospadres e viver com eles na aldeia de forma pacífica.Além disso, a vinda dosjesuítas em1607possibilitou a criaçãodaAldeiaNossaSenhora dosPrazerespara realização do projeto português de colonização.Nodia 5 de fevereiro de1759, a aldeia de Caucaia, antiga missão dos missionários, foi elevada àcategoriadefreguesia,comotítulodeFreguesiadeNossaSenhoradosPrazeresda Villa Real de Soure (FREITAS, 2016), localizada hoje na Rua PadreRomualdo,nocentro.

AFreguesiadeNovaSoureestavaassimdelimitada:daBarradoRioCearáatéaBarradePeriquaradoRioSãoGonçalo,seguindopeloRioSãoGonçaloaté

aBarradoRiachoMocó,extremadeConceiçãodaBarra(Pentecostes)edaíemrumodiretoaoladosul,àFazendaSantaLuziaeaoBoticário,logodepoisseguiaalinhadaSerradeMaranguape,edepoisapontadaSerradaTaquara,atéapontadoSiqueira, descendopeloRioMaranguapinho, aténoRioCeará (MENEZES,2009).

OutraedificaçãoantigadomunicípioéaCasadaCâmaraeCadeia1,quefoiconstruídaemmeadosdoséculoXVIIIcommãodeobraindígena.Nesteslocais“seinstalavamosórgãosdaadministraçãopúblicamunicipaledajustiçaecomo,geralmente era uma das principais edificações públicas, se destacavam pelopapelpolíticoesimbolizavamopoderlocal”.

Fundadaem1750,aCasadaCâmaraeCadeiadeCaucaiafoitombadacomopatrimôniohistórico,em1973,passandoabrigaraBibliotecaProfessorMartinsdeAguiar.Ocorreramalteraçõesnestebemtombado,desrespeitandoalegislação,oquedemonstraodescasodopoderpúblicomunicipalcomamanutençãodesseespaço.Em15deoutubrode1759,a freguesiaéelevadaàcategoriadevilaedenominadadeNovaSoure,combaseemumalvarárégiode1758,propostopeloMarquêsdePombal,representantedoreidePortugal(BRAGA,1967).Ogovernoportuguês,visandomaiorcontroledoterritóriobrasileiro,expulsaosjesuítas,queduranteoperíododecatequizaçãodosnativosacumularamriquezasnacolôniaeameaçavamosinteressesdacoroaportuguesa.ConformeMenezes(2009):

Uma realidade estava estampada como certa, as colônias eram peças importantes, napolíticaadministrativadePombal.Emconsonânciacomestapolíticacentralizadaemsuapessoa,PombalfezconsolidarotratadodeMadrid,quetraziaaampliaçãodosterritórios,tantodoNortecomodoSul.(MENEZES,2009,p.41)

SegundoBraga (1967, p. 349), há uma enorme confusão quanto à data deelevaçãodaviladeNovaSoure,considerando-seora5defevereirode1759,ora15 de outubro de 1759. Esta confusão se deve à extinção e à restauração daFreguesiadeNovaSoure,porváriasvezes,gerandoumenormeconflitoemtornoda data de sua criação. Dois dias após a elevação à vila, ocorreu reunião daCâmara, que solicitou o seu desmembramento de Fortaleza (BRAGA, 1967),

aceitopela coroaportuguesa, criandoummunicípio.Em1833,74anosdepois,Sourevoltaàcategoriadedistrito,sobajustificativadeproximidadeàcapitaldaprovíncia, como também pelo baixo efetivo populacional da vila (BRAGA,1967).Em1821,ocontingentepopulacionalerade816habitantesformandoumdos menores núcleos populacionais da província do Ceará (FREITAS, 2016).Estapopulaçãodesenvolviaasatividadesdeagriculturadesubsistência,pecuáriaepesca.Osfazendeirosdegadoeprodutoresdealgodãoselocalizavamnapartesertanejadomunicípio.Noanode1863,foifundadoodistritodeTucundubaqueaté1901,juntamentecomasede,eraodistritomaispovoado.Emseguida,foramacrescidos os distritos de Cauípe, Primavera, Sítios Novos, Taquara e Umari.Posteriormente os distritos de Primavera e Taquara passaram a se chamar,respectivamente,GuararueMirambé.Eporfim,odistritodeCauípepassouaserVilaCatuana.

Valeressaltar,queem1872,discute-seoprojetodeligarFortalezaaSoure,com uma extensão para São Gonçalo do Amarante, através de uma estrada deferro.Porém,oprojetonãosaiudopapel.Somenteem1910,ogovernodaunião,contrataumafirmainglesaparaconstruçãodaestradadeferro2.Noentanto,houveuma suspensãode serviço, em20denovembrode1913, desempregando1.200operárioseestetrechosófoiconcluídoem12deoutubrode1917.AretomadadaconstruçãodaestradadeferroligandoSoure/CaucaiaatéSobraléfinalizadanosanosde1950(FREITAS,2016).

Outro importante marco na vila Soure para o desenvolvimento foi aconstruçãodeseumercadopúblico,“OBarracão”,em1891,quecomercializavacarnes, cereais, frutas e produtos vindos das serras e da parte sertaneja domunicípio.Estemercadopermaneceuatendendoapopulaçãoaté1982,quandofoidemolido, por apresentar problemas de drenagem, higiene e instalaçõesinadequadas.3

Em 1938, Nova Soure foi elevada à categoria de cidade e voltou a sermunicípio autônomo, pelo decreto-lei n° 448, de 20 de dezembro de 1938.Noentanto,arestauraçãodonomeCaucaiasomenteocorreucincoanosdepois.

OnomeprimitivodeCaucaia,hojerestauradopelodec.n°1.114,de30dedezembrode1943, é indígena e quer dizer mato queimado, de caa, mato e caia, queimado, oulivremente-bemqueimadoestáomato,comotraduzBarbaAlardo[...] (GIRÃO,1966,p.140).

Caucaiacaracteriza-sepeladiversidadepaisagísticacomáreasdesertão,deserraedelitoral,propiciandodiferentestiposdeusoseatividadeseconômicaseaformaçãodeespaçosdiferenciados.

No litoral, além da pesca artesanal, nos anos 1960, a atividade devilegiatura já era comum aos fortalezenses. As praias de Caucaia, já eramapontadasporGirão(1967)comoumadasáreasparaapráticadestaatividade:

Não é só pela natureza do seu clima muito ameno, como pela excelência da carne eabundância de frutas, peixes e mariscos,que é muito procurada pela população deFortalezacomolugardevilegiaturaepasseiosdomingueiros(GIRÃO,1967,p.140).

Já nas serras, geralmente a produção era voltada para a fruticultura eagriculturadesubsistência.Grandepartedapopulaçãoindígenadomunicípioseconcentranesteespaço.NoSertãopredominavaasatividadesagropecuárias,comapresençadepequenosnúcleosurbanos.Diantedascondiçõesnaturais edestequadro de atividades econômicas busca-se entender: como se deu a produçãoespacial da cidade de Caucaia? Quais os vetores que impulsionaram o seudesenvolvimento?Essasprovocaçõesserãorespondidasnospróximostópicos.

ASTRANSFORMAÇÕESSOCIOESPACIAISEMCAUCAIA:DEALDEIAAESPAÇOMETROPOLIZADO

Nadécadade1950,oadensamentoaindanãoeratãosignificativo,umavezqueCaucaiacontavaapenascom4.757habitantes.Asedeconfigurava-secomoonúcleo de maior população. A proximidade com Fortaleza já indicava queCaucaiateriaumafunçãodecidadedormitório.Olitoraleramarcadoporgrandesvazios urbanos com pequenos povoados, onde os moradores locaisdesempenhavamatividadesdesubsistênciavoltadas,principalmente,paraapesca

(TELES,2005).NoCeará,doséculoXIXeXX,“ariquezaéproduzidanocampoeacidade

torna-se importante local de comercialização e beneficiamento da produção”(AMORA e COSTA, 2007). A economia no Ceará estava vinculada àagropecuária, ao extrativismo vegetal, à produção de algodão e à subsistência.Cabe destacar que Caucaia está inserida nesta lógica de uma cidade, polo deatividadesdosetorprimário,comfortesvínculoscomerciaiscomFortaleza.

As condições naturais, a produtividade da terra e o papel das liderançaspolíticaslocais,segundoBraga(1967,p.348),contribuíampara“oprogressoedesenvolvimento”municipal.Nosanos1960,Girão(1966)destacava,dentreasatividadeseconômicas,aagropecuáriaeoextrativismo.Paraoconsumointerno,a população local produzia feijão, rapadura, arroz, coco, batata, peixes; e paraexportação,ceradecarnaúba,sal,milho, farinhademandioca,courosepelesemateriais para construção.Teles (2005)mostra que até hoje o extrativismo e aagropecuáriasãopraticadosemalgumaslocalidades.

A agricultura foi, sem dúvida, o principal setor da atividade econômica, sobretudo, aagricultura de subsistência, ainda hoje praticada em algumas localidades do município,situadasmais ao interior. Em geral, são pequenos roçados, onde se pratica o cultivo demilho, feijão emandioca, tanto nas serras como nas áreas planas próximas a pequenoscórregos.Aextraçãodaceradecarnaúba,outraatividadeintensanomunicípio,aindahojesemantémdeformaexpressiva(TELES,2005,p.92).

Na década de 1960, as primeiras indústrias são instaladas em Caucaia.SegundoBraga (1967), alémdas salineiras que possuíamumgrande parque decoleta, armazenamento e beneficiamento, destacar-se-iam a SociedadeAlgodoeiradoNordesteBrasileiroS/A(SANBRA),comcapitalinternacionaleoFrigoríficoIndustrialdeFortaleza(FRIFORT),estecompostoporcapitalmisto,sendo o governo do Ceará, o maior participante. A maioria das indústriaslocalizadas no município era de pequeno porte e produzia granito, cera decarnaúba,saletc.Teles(2005)enfatizaqueaprimeiraindústria,Cerapeles,tevecerta evidência no desenvolvimento industrial do município propiciando nasdécadas seguintes a instalação de outras indústrias.Quanto às indústrias, Teles

(2005)enfatizaquealgumaspassarampormodernizaçãoestruturalmantendosuabasenomunicípio,aexemplodaCerapeles,enquantooutrasacabaramfalindo,aexemplodoFRIFORTedaSANBRA.

A partir dos anos de 1970, Caucaia que contava com uma população de11.184habitantespassouaserdemandadacomoumdestinoparaaconstruçãodassegundas residências em sua parte litorânea, assim como, para construções deconjuntoshabitacionais.Estesprocessosestãodiretamenteligadosaocontextodeexpansãodamalhaurbanafortalezense,emqueosvetoresdeexpansãopromovemaurbanizaçãono litoralpensadaparao lazer, tal comoumdesenvolvimentodepolíticashabitacionaisnodistritosedeenaJuremapostasparaatenderodéficithabitacionaldeFortaleza.

As políticas públicas para a RMF em 1970 e 1980 voltaram-se para aconstruçãoderodovias,melhoriasdosistemadetransportes,projetosturísticos,industriais e a construçãodeconjuntoshabitacionais com financiamentoestatal.Accioly (2005) destaca também que para pensar a RMF é necessário entendercomoodesenvolvimentoeconômicosearticulacomosocial.

Omunicípio de Caucaia apresenta a segundamaior população do estado,com 353.932 habitantes (IBGE, 2015) ocupando uma área de 1.228,506quilômetrosquadrados.Limita-seaoNortecomoOceanoAtlântico;aoSulcomMaranguape;alestecomMaranguape,MaracanaúeFortalezaeaOestecomSãoGonçalodoAmaranteePentecostes(IBGE,2010).Adensidadedemográficaéde264,91 hab/km², no entanto, o distrito de Jurema apresenta uma densidadedemográfica de 7.000 hab/km², semelhante à da capital (IPECE, 2014). Noentanto, a população é mal distribuída, pois a ocupação se deu de formadesordenada, concentrando-se nos distritos sede e em Jurema. A sedeadministrativa,deocupaçãomaisantiga,englobagrandepartedolitoral,queteveumaurbanizaçãopautadaematividadesdeveraneio, lazere turismo.Emcertasáreas do distrito de Jurema, a ocupação se deu de forma planejada, com aconstruçãodedezconjuntoshabitacionaispelopoderpúblico.Noentanto,noseuentornosurgiramocupaçõesirregulares,aexemplodoconjuntoPicuí,Parquedos

Cajueiros,EsplanadadoAraturi,ParqueBoaVistaeNovaBrasília.Nasáreasurbanasconcentravam-se89,18%(290.220),enquantonasrurais

estavamapenas10,82%(35.221)dapopulaçãototalem2000.Em2010,aurbanaatingiu90,42%dapopulaçãototal(IBGE,2010).Ocrescimentodemográficodomunicípio torna-se mais intenso, principalmente a partir de 1980, com aconstruçãodeconjuntoshabitacionais.Osconjuntoshabitacionaisforaminiciadosnoperíododogovernomilitarvisandoàdiminuiçãododéficithabitacional,comotambém, dinamizar a economia através da indústria da construção civil e gerarempregos,nãosónoCeará,masemtodooBrasil.OprimeiroaserconstruídoemCaucaiafoioConjuntoHabitacionalTabapuá,em1968,voltadoparaatenderaospoliciaismilitares.AshabitaçõeseramfinanciadaspeloextintoBancoNacionaldeHabitação(BNH),administradaspelasCompanhiasHabitacionais(COHABs)nosestados.Estesconjuntos,construídosemáreasdistantes,coma justificativade menor preço dos terrenos, eram carentes de infraestrutura e serviços efavoreceram a expansão da malha urbana em sua direção. Falava-se desegregaçãoespacial,poisosmoradoresficavamisoladosdacidadeurbanizada,provocandoprotestoseosurgimentodemovimentossociais.

No município de Caucaia, a partir do final dos anos 1960 até 1980 sãoconstruídos os seguintes conjuntos habitacionais pela COHAB-CE: VicenteArruda,com43unidadesdomiciliares;AraturiIeAraturiII,com2.230unidades;Caucaia I, com 40 unidades domiciliares; Caucaia II, com 40 unidades; NovaMetrópole I e II, com 2.960 unidades domiciliares; Nova metrópole III, com2.541 unidades domiciliares e o Planalto Caucaia com 1.264 unidadesdomiciliares.

Alémdestes, foramconstruídosconjuntosemregimedemutirão,Programade Desfavelamento (PROAFA) de Fortaleza, como foram o caso de MarechalRondon e do São Miguel. O primeiro resulta da remoção da população paraconstruçãodaAvenidaCasteloBranco(Leste-Oeste),esegundoparadarlugaràabertura da avenida José Bastos. Destaca-se organização dos moradores emassociaçõescomoobjetivodeconquistarserviçoseinfraestrutura.Paraalcançar

estes conjuntos passava-se por vazios urbanos, grandes glebas de terra, queposteriormenteforamloteadasapreçosmaiselevados,poisincorporavamemseupreçoainfraestruturaeosserviços,conquistadospelosmovimentossociais.

Neste contexto, destacamos os distritos de Caucaia (Sede) e o distrito deJurema que apresentam alto grau de urbanização para explanar um poucomaissobre a organização socioespacial. No distrito (Sede) de Caucaia, observa-seuma concentração de comércio e serviços nas Ruas Edson daMota Correia eCoronelCorreia,ondedestacam-selojasdecadeialocais,regionaisenacionais,o Shopping Iandê Caucaia, com intensa circulação de pedestres. Além destecomércio formal, é possível visualizar um setor informal, com a presença devendedoresambulantes, localizados,principalmente,noMercadoCentraleseusarredores.NocentrodeCaucaiaenapartelitorâneadoCumbuco,observamosaforte presença do incorporador imobiliário. Em grande parte da área central elitorânea(Cumbuco),percebemosanúnciosdeimóveis,loteamentoseatémesmocondomíniossendoconstruídosnocentro.Emcontrapartida,nasáreasperiféricasaocentro, principalmente, pertodas rodoviasobservamospessoas emcasasdetaipavivendoempéssimascondiçõessemnenhumainfraestrutura.

Quanto aos serviços, encontramos escolas de ensino fundamental,médio esuperior,como,porexemplo,aFATENE;serviçoshospitalarescomoUnidadedeProntoAtendimento(UPA),AssociaçãodeProteçãoàSaúdeeàMaternidadeeocentro de especialidade odontológica (CEO) e o hospital Abelardo Gadelha;serviços bancários com bancos privados e públicos; central de atendimento aotrabalhadorparaencaminhamentodeempregos;cartórios,etc.

O distrito sede não se caracteriza somente por áreas comerciais e deserviços,mastambémpelosespaçosdopoderpolítico-administrativo.Estessãorepresentados pela câmara dos vereadores, secretaria de finanças e um poucodistantedapartecentral,pelogabinetedoprefeito.OcentrodeCaucaiapossuium bom sistema viário, entretanto as ruas que dão acesso à parte central sãoestreitas,causandomuitasvezesengarrafamentosatémesmocompequenosfluxosdeveículos.Aexpansãodamalhaurbanasedácommaisintensidadenodistrito

Sede e no distrito de Jurema. Contudo, encontramosmuitos vazios urbanos. Alógica de expansão urbana para litoral, no norte, é reflexo dos investimentosvoltados para o turismo, como também, da expansão da própriametrópole, emface de necessidade do lazer. À noroeste, a expansão urbana se dá devido aoComplexoPortuárioIndustrialdoPortodoPecém.Jáexpansãourbanaà lesteécontidaporumabarreiranatural,orioCeará.ÀsudesteodestaqueéparaJuremaque cresce de forma expressiva desde os anos de 1980 com a construção dosconjuntos habitacionais, abertura de loteamentos, em razão de sua proximidadecomametrópole.

Jurema apresenta amaior densidade populacional (7787 hab/km²), númeroequivalenteaosbairrosmaisdensosdametrópoleFortaleza.Sua formaçãoestáligada à implantação de vários conjuntos habitacionais, nos anos de 1970, quedirecionaram a expansão da malha urbana em direção ao distrito sede, assimcomoaformaçãodeumaáreacomercialedeserviçosaolongodaAvenidaDomAntôniodeAlmeidaLustosatransformando-se,hoje,emumsubcentralidade.

OsprincipaisconjuntoshabitacionaisdodistritodeJurema,localizadosnobairro Marechal Rondon, Araturi e Nova Metrópole, são considerados maisconsolidados por serem os mais antigos, com mais de 30 anos. Já os outrosbairrosArianopóles,ParquePotira,ParquedasNações,ParqueAlbano,ConjuntoSãoMigueleTocoapresentamaindamuitosvaziosurbanos,estandoemprocessodeexpansão.

No distrito da Jurema, encontramos também a maior parte da populaçãotrabalhadoradeCaucaiaqueexercesuasatividadesemFortaleza.Omovimentopendular Jurema-Fortaleza, em relação ao trabalho e ao estudo se explica pelaproximidadecomametrópole.JuremaestámaisintegradaàFortalezadoqueaodistritodeCaucaia (sede),pela facilidadedasviasdeacessoBR020eoanelviáriocriadoem1990;pelosistemadelinhaférrea,queteminícionocentrodeFortalezaeterminanocentrododistritosedeepelofluxodetransportes(ônibusevans)quefazemotrajetoJurema-Fortaleza.Alémdisso,essaproximidadeentreJurema-Fortalezapromoveua ampliaçãodos serviçosno local ocasionadouma

maior valorização do solo, tornando-o ideal para a construção das casas doProgramaMinhaCasaMinhaVidadoGovernoFederal.Osserviçosdisponíveisse concentramemgrandepartenaAvenidaDomAlmeidaLustosaeoutrapartenosbairrosdoAraturieNovaMetrópole.Osserviçosdisponíveisnodistritosãodiversificados com redes de comércio locais, bancos, postos de gasolinas,funerárias,escolas,correiosetc.Emrelaçãoaosserviços,destacamosopapeldaFundaçãoBradesco,instaladaem9deabrilde1990comointuitodepromoverumaeducaçãodequalidade carregadadevalores.Para apopulaçãododistritopropicia uma estrutura de oportunidade, disponibilizando cursos da educaçãobásicacomoensinofundamentalemédio,aalfabetizaçãoeeducaçãodejovenseadultos.

Outro importante serviço encontrado no distrito de Jurema é oHospital eMaternidadeSantaTerezinha,localizadonobairrodagrandeJurema,inauguradoem 2001, que na época apresentava algumas carências. Entretanto, em 2009, aMaternidade passa por uma reforma com instalação de sistema hidráulico esanitário e a ampliação dos serviços de maternidade, como também deemergência.CompreenderoprocessodeproduçãodoespaçourbanodeCaucaiaajudaaexplicaraformaçãodeáreasdeconcentraçãodepopulaçãovulnerável.Noentanto,énecessáriodiscutiroprocessodeurbanizaçãodeCaucaiaemsuastemporalidades. As transformações socioespaciais ocorridas no município deCaucaia não fogem à lógica da produção de um espaço desigual, visível naheterogeneidade de suas paisagens, que foram apropriadas pelo capital etransformadas em mercadorias. De um lado os espaços litorâneos valorizadospelaespeculaçãoimobiliária,edooutro,áreascarentes,ondeseconcentramumapopulaçãovulnerável.

CAUCAIAEOSSEUSESPAÇOSDEVULNERABILIDADEQuando consideramos os índices de vulnerabilidade social, observamos

nítida redução entre os anos de 2000 e 2010.Em2000, omaior índice era de

0,9864caindopara0,4361,provavelmente,devidoàspolíticaspúblicasadotadasnesses decênios na esfera nacional e local. Observamos redução em todos ossubíndicesquecompõeoIVS(renda,educaçãoehabitação),bemcomonoíndicedevulnerabilidadesocialde2000para2010.AreduçãodoIVSfoide14,7%nocomparativo2000e2010(Quadro1).

Em 2000, Caucaia dispunha de 232 setores censitários, com IVS bemheterogêneos. Nas classes de vulnerabilidade social propostas pelo NaturalBreak, 41 setores foram classificados com IVS baixa, 44 setores média parabaixa,55setoresmédiae65setoresalta.Tambémforamverificados23setoresseminformação.

Quadro1

Fonte:IBGE.Elaborado:F.A.COELHO,2016.

Em 2010, com aumento da população e o adensamento desordenado dealgumas áreas, fizeram com que o município contasse com 415 setorescensitários, classificados através dométodo estatísticonaturalbreak em cincoclasses de vulnerabilidade: baixa (166),média para baixa (134),média (53) ealta (25). A maior parte dos setores censitários, foram classificados. Entre asclassesbaixaemédiaparabaixavulnerabilidadesocial.Apesardoaumentononúmerototaldesetoresem2010,ressaltamosquehouveumareduçãononúmerodesetoresqueapresentavamaclassificaçãodealtavulnerabilidadequenoanode2000erade65setorespara25setoresem2010.

Em 2000, encontramos setores classificados com alta, média e baixavulnerabilidade social na parte litorânea de Caucaia, demonstrando suaheterogeneidade. No distrito sede, a população de vulneráveis se concentrapróxima dametrópole, como também em algumas áreas próximas ao centro deCaucaia e da rodovia BR-222. O distrito de Jurema apresentou alto, médio e

médio-baixo grau de concentração de vulneráveis próximos na área conurbadacom Fortaleza e nas imediações das rodovias. Destacamos a grandeheterogeneidade do Conjunto Nova Metrópole. Nos demais distritos, háclassificaçõesdealta,médiaemédiaparabaixavulnerabilidade.

Noanode2010,houveumaalteraçãonaclassificaçãodesetorescensitáriosna parte litorânea do município apresentando baixa, média para baixa e baixavulnerabilidadesocial.Ouseja,melhorouaqualidadedevida,comíndicesbemem relação a 2000. Na sede, ocorreu também diminuição dos índices, com amaioriadossetoresclassificadosembaixaemédia.Ospoucossetoresdealta,nodistrito, estão próximos às rodovias, onde se concentra o maior número deocupações irregulares (aglomerados subnormais).Além disso, esses setores dealtavulnerabilidadesocialseapresentamemáreasdealtafragilidadeambiental,dessaforma,háumarelaçãoentreoíndicedevulnerabilidadesocialeoíndicedevulnerabilidadesocioambiental(MEDEIROS,2014eCOSTA,2009).

NodistritodeJurema,éperceptívelareduçãodoIVSemtodosossetorescensitários. Quanto às classificações dos setores da Jurema de 2010, foramencontrados somente três setores com alta e três com média vulnerabilidadesocial. Quanto aos demais setores nos intervalos de baixa e médiavulnerabilidade social. Os demais setores apresentam algumas melhoras, em2010,seconsiderarmosareduçãodonúmerodevulneráveisnesteslocais.

JáosdemaisdistritosTuncunduba,Mirambé,SítiosNovoseBomPrincípioemsuagrandemaioriaforamclassificadoscomoaltamentevulneráveis,tantoem2000, como também, em 2010. Estes distritos, predominantemente rurais, sãovoltados para atividades de agropecuárias com pequenas criações de gados eagricultura de subsistência. A pequena população busca os serviços na sedeCaucaia.Guararu eCatuana apresentam setores rurais, com índices demédia emédia-altavulnerabilidade.OssetoresdemédiasãoresultantesdosimpactosdoprocessodeurbanizaçãoproporcionadospeloComplexoPortuárioeIndustrialdoPecém. Estes distritos também apresentaram com índices muito baixos deeducação, de renda e habitação. Nestes distritos, de paisagem bucólica,

concentra-se grande parte do número de analfabetos, e uma população comrendimentosbaixosquedependemdebolsafamília,aposentadoriadevelhosedetrabalhadores rurais.Aqualidadenamaioria das habitações émuito ruim, comsériosproblemasdesaneamentobásico.

OIVSéumíndicequerepresentadeformaparcialarealidadedosdistritosdeCaucaia. Portanto, é fundamental averiguar através de trabalhode campo seestes índices representam totalmente a realidade local. Caucaia émarcado porfortesdisparidades sociais, comáreasvoltadasparao turismoeveraneio, comboa infraestrutura e outras onde estão os aglomerados subnormais. Nesteintervalo,encontram-seosconjuntoshabitacionaisconsolidados,quedesdeasuaorigemforamdotadosdesaneamentobásicoereceberamequipamentospúblicosdesaúdeeeducação.

CONSIDERAÇÕESFINAISAproduçãodoespaçodeCaucaiaémarcadapordinâmicasdiferenciadase

que estão associadas ao processo de metropolização de Fortaleza. Aintensificação do grande fluxo migratório nas décadas de 1950, 1960, 1970 e1980 para Fortaleza, ocasionado pelos longos períodos de estiagem no estado,associadoàcrisenaagriculturacearense,contribuíramparaotransbordamentodametrópole.

De início com as remoções de população carente para a Jurema, dandoorigem ao bairro Marechal Rondon, e posteriormente com construção deconjuntoshabitacionais,frutodapolíticadoBNH,sendooprimeirovoltadoparaatender policiais militares, em Tabapuá. Uma série de conjuntos foramconstruídos na RMF, pois a política habitacional, além de ter o objetivo dereduzir o déficit habitacional em Fortaleza, visava também o crescimento daeconomia,atravésda indústriadaconstruçãocivil.Noentanto,Caucaia já tinhanível de integração com a capital, pois era espaço de veraneio e depois dadécadade1980,transforma-setambémemáreadeatividadeturística.

Estesfatorescontribuíramparaoadensamentopopulacionaleaexpansãodamalhaurbana,quesedeuemalgumasáreasdeformadesordenadacomapresençadebairroscarentesdeserviçospúblicosedeinfraestrutura.Enquantoemoutrasaqualidadedeste serviço éboa, principalmentenos conjuntoshabitacionaismaisconsolidados,oqueexplicaria,emparte,areduçãodaIVSnadécadade2000-2010,comofoiocasododistritodeJurema,ondeseconcentramdezconjuntoshabitacionais.Coincidentemente,ossetoresqueapresentamausênciadeserviços,sãoocupadosporpopulaçãoderendamaisbaixa,quesealojaemáreasdemaiorfragilidade ambiental. Em Caucaia, essas áreas são geralmente ocupaçõesirregularessituadasemáreasdeproteçãopermanenteseáreasderiscos,quenãodespertavaminteressedomercadoimobiliário.

Nestas áreas foram identificados os maiores índices de vulnerabilidadesocial, coincidindo principalmente com as ocupações mais recentes e osaglomerados subnormais. Em 2000, além dos distritos rurais, onde é alto IVS,nestestambémforamidentificadosumsignificativonúmerodesetorescensitárioscom alta ou média vulnerabilidade no distrito sede e em Jurema, os maisdensamente ocupados. Em contrapartida, o censo de 2010 revelou umadiminuiçãodosindicadoresdevulnerabilidadeemtodososdistritos.Entretanto,avulnerabilidadesocialpermaneceualtanamaiorianosdistritosdeTucunduba,SítiosNovos,Catuana,BomPrincípio,GuararueMirambé,porcausadafaltadeserviçose infraestrutura.Nosdemais,distritoshouveuma redução significativadapopulaçãovulnerável,caindoparamédiaebaixavulnerabilidadesocial.

REFERÊNCIASBUSSO, Gustavo.Vulnerabilidad social: nociones e implicancias de políticasparalatinoamericaainiciosdelsigloXXI.SeminarioInternacional:lasdiferentesexpresionesdelavulnerabilidadsocialenAméricaLatinayelCaribe.SantiagodeChile:CELADE,2001.

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1“Asfunçõesabrigadasnascasasdecâmaraquecompunhamaestruturajurídicaeram:ACâmaradosvereadores,juizdefora,opresidentedaCâmara,oprocurador,juizdedireito,otribunal,aguardapolicialeacadeia pública. Os edifícios eram compostos na maioria das vezes de dois pavimentos. As atividadesrelacionadascomacarceragemeaguardaficavamnopavimento térreo,easdaCâmaraedo judiciárionopavimento superior. A atuação da Câmara estava ligada à prestação de serviços, não tão somente nasquestões municipais como calçamento, obras e reparos, arruamento, limpeza urbana; mas também nosassuntosfederativoscomoregulaçãodasprofissões.Fiscalizavamlojas,açougues,vendasenãopermitiamquenenhumprofissionaldesempenhasseoseuofíciosemumalicença”.MONTEIRO,Melissa.MemorialCasadeCâmara e Cadeia. Em: <http://www.salvador.ba.leg.br/memorial_fato_int.aspx?id=8>. Acesso em: 29 Dez.2016.

2AlinhaseiniciavaemFortaleza,emseguida,faziaumenormecontorno,quefoibatizadode“voltadaJurema”,poisapósaestradadeBarroVermelho(AntônioBezerra),alinhaseguiaemtangenteatéalagoadoTabapuá.(FREITAS,2016).

3NogovernomunicipaldeJuaciPontes,nosanosde1980,foicriadoumanexocomgalpão,quetinhapor objetivo melhorar as condições de trabalho para os comerciantes, como também, para os usuários.Contudo,porcausadeproblemasdedrenagem,higieneeinstalaçõesinadequadas,omercadofoidemolidoem1982.Um novo é construído, denominadoCentro deAbastecimentoVirgílio Távora,mais conhecido, comoMercadodasMalvinas.Alémdisto,caberessaltarqueoMercadodasMalvinas,mesmocomumaestruturamodernanãovingou,porestarlongedoCentrodeCaucaia.Pararesolveresteproblema,oprefeitoDomingosPontes construiu um novomercado (figura 4), no local do antigo e foi demolido oMercado dasMalvinas.Entretanto, com a expansão urbana para área dasMalvinas,o governomunicipal está reconstruindo o novomercadodasMalvinas(FREITAS,2016).

EixoSul

Globalidades&Urbanidades

No mundo contemporâneo, não há como pensarmos as globalidades e asurbanidades sem entendermos os processos dialógicos constituintes dos maisdiversoslugaresno/doplaneta.Processosque(re)editam,semcessar,osnossosmodosdesereestarnomundoporintermédiodepolíticas,leis,estilos,finanças,etc.queparecemnos(re)uniremtornodeumcaminhoúnico,dehorizonteturvo.

MasaGeografianãocansadedemonstraroquantoessemundoécheiodenuances.Mundo tecidoporpessoasque insurgem, festejam,viajam, celebrameconstroem na cidade ou no campo uma poética do habitar, mesmo diante dasinjustiças daqueles que insistem em privatizar a Terra, de tomá-la e domá-lacomo recurso próprio, e não como lugar de existência e destino de todos oshomens.

A partir da cultura, do turismo, do patrimônio, da deficiência física, damúsica, do medo, da festa, dos afetos, da insegurança, temas que atravessamnossaleitura,conhecemostodaariquezadevivênciaseexperiênciasqueatodoinstante(re)configuramoespaçogeográfico.

Horizontalidades e verticalidades exemplares dos enfrentamentos daquelesque (sobre)vivem em estados como São Paulo, Ceará, Rio de Janeiro, MatoGrosso,Bahia,RioGrandedoSul,ParanáeatémesmoempaísescomoPortugal.Enfrentamentoscotidianos,demonstrativosdavidaquepululaemcadaterritório,em cada lugar, que pinta com cores próprias diferentes paisagens, revelando oquantoanossaGeografiaéplural.

Pareceser issooqueosautoresqueremnoscontar.É issooquesentimosquandolemososseustextos!

GLOBALIDADES

ASREPRESENTAÇÕESEMJOGONACONSTRUÇÃODAREGIÃOTURÍSTICADOVALEDOCAFÉ-RJ

KEDMAMAYARADEMELOBARROSPPGGEO-DG/[email protected]

ANDRÉSANTOSDAROCHAPPGGEO-DG/UFRRJ

[email protected]

INTRODUÇÃOEntendemos que na contemporaneidade é preciso pensar sob a totalidade

complexadaquiloquedá ritmoà sociedade, àprópriaproduçãodavida sendoapropriada, inclusive ao produzir espaços culturais.Trata-se, então, de debateraquilo que se esconde por trás das “tradições”, das “coisas da cultura”, dasrepresentaçõesquebuscamnaturalizarfenômenoselugares.

Existem, assim, diversos rebatimentos e contradições que envolvem osprocessos atuais do global ao local, como a valorização das regiões e suasformasculturaismoldadasaoturismo,àpadronizaçãodosprojetosculturaisquesãodeterminadosporgrupospolíticos,empresariais,deresistência,peloEstado.Essessãoprocessoscontemporâneosquedevemser relevadosnesseestágiodaglobalizaçãoemquevivemos.Essapesquisaentendequeháointeresseatualnavalorização do local, na “eternização” do passado, na invenção ou resgate detradições, na “sacralização” de paisagens, no reforço de representações ediscursos,osquaisdãosentidoà“regiãodoValedoCafé”–localizadanoestadodoRiodeJaneiro.

Neste sentido, surgem questões, tais como: quais as intenções de se criaruma região turística do Vale do Café? Essa região é estabelecida porRepresentações? Essas se reverberam através de quais discursos? Tais

representaçõesrefletemaquemnoValedoCafé,nopassadoenopresente?Essesquestionamentos servem como norte para explicar parte dos processosconstituintesnaRegiãodoValedoCafé,sendoreveladaapartirdeseupassado,modificada aos moldes das políticas públicas culturais e mantida a partir daampliaçãodarepresentaçãodaregião.

Não se trata apenas de revelar uma Geografia do turismo e das práticasculturaisdoslugares,oscircuitosartísticos,masdesvelar,também,asaparênciascriadas à moda “cultural” sob signos das tradições. Parte disso em prol do“desenvolvimentoregional”,oqualsefundanaapropriaçãodascoisassimplesedasmais fundamentais da vida, como o fazer artístico, a produçãomusical, doartesanato,porexemplo,a fimdegarantir,principalmente,a reativaçãopolíticadaeconomiadeumaárea“esquecida”doestadodoRiodeJaneiro,quevemseestruturando como o Vale do Café, tendo o turístico como seu fôlego dedesenvolvimento.

Portanto,paraentendermelhoroobjetodeestudo,valedescreveroqueéoVale do Café. Esse representa uma das regiões turísticas do estado do Rio deJaneiro.Seunomeépretensiosoaoquesepoderáencontrarnumavisita,queemsi, valoriza o significado do café – no passado e no presente –, dá lugar àlocalização geográfica do plantation no Vale, traz à memória os resquíciosevidentes do colonialismo, as arquiteturas históricas, as produções artísticas, amúsica, os festivais. Todas essas características, ou “vocações”, tradições,resistênciasapresentadasnonomedaregiãoturísticadoValedoCafésãopartedas representaçõesquequalificam,emcaráter imateriale/oumaterial,oquadrodavitrinedaregião,ealegitima.

Aregiãoérepresentadacomopossuidoradatradiçãodocotidianocolonial,doluxo,dasmúsicasproduzidasnaeradocafé,oquemostravatodaumariquezadosBarõeseaexpressãodosescravosnegros.Isso,hoje,servecomoelementoslegitimadores do significado da região do Vale do Café. Ademais, projeta oimaginário do poder da colonização noBrasil, ainda tão evidente.No entanto,com a falência da economia cafeeira, durante a crise de 1929, o interior

fluminenseentrouemdecadência.OquesemantevearraigadofoiareputaçãodopoderdosBarõesdoCafé,o

legado da estrutura escravocrata, do “status” do estilo de vida colonial.Atualmente,atorespolíticoseeconômicosseapossaramdessepassadonointuitode recuperar essa área emdeclínio econômico.Assim, é pela via dos festivaismusicais, visitas às grandes fazendas, encontros culturais postos no calendárioanual doVale do Café que a ideia dessa região é reforçada. Simultaneamente,criam-serepresentaçõesemquearegiãodoValedoCaféénaturalmenteaptaaoturismo.

No entanto como os processos de criação das representações no Vale doCafésãodifusosemsua totalidade–ouseja,épossível tratardoviéscultural,político e econômico do global ao local –, é preciso buscar entremeio asrepresentações orquestradas à criação da região turística, as representaçõesespaciais que são tomadas de fora para dentro e as produzidas no cotidiano.Nessa aproximação ao objeto de estudo revelam-se a região, estereótipos eestigmasqueporvezessãoreproduzidos, imaginados,emoldadosàgarantiada“coesãosimbólica”doValedoCafé,masquedevemserdesvelados.

VALEDOCAFÉNOJOGODASREPRESENTAÇÕESA problemática dessa pesquisa está situada nas questões: o que a

naturalização doVale doCafé esconde?E de que forma, no campodaCiênciaGeográfica, é possível entender essa questão e, especialmente, indicar quaisseriam as consequências dessa naturalização: que conceitos? Comooperacionalizarumestudoquecontemplealgotãoimbricadonofazercotidiano,social,políticoeeconômicodoValedoCafé?

A inquietação no âmbito do jogo de representações no Vale do Café éentender algo não tão evidente – ou desapercebido – como poder simbólico1

presentenosmeandrosdaregião.Porisso,essapesquisatemporintençãopensararelaçãoacríticadanoçãodeValedoCafé,desuaspráticasculturaiseresgate

do colonialismo que remetem a uma representação hegemônica de romantismocolonial, música erudita, e arquitetura colonial, por exemplo. Ademais àsinquietações internas,surgemnovosfatos:diferentesagentesafirmavamaoValedoCafé como algo singular, qualificando-o, concebido como entidade regionallegitimadaporumórgão,econtendooutrosignificadoaosmoradores.

Noentanto,antesdetentarresponderessasquestõesénecessárioentenderoque são as representações nesse caminho geográfico. A apresentação daabordagem das representações na dimensão espacial, social e em sua faceimaterialnaconstituiçãodasregiõescomoturísticasmostraqueoValedoCafévaialémdeumrecorteespacial.Identificaroquesãorepresentaçõesnaproduçãodoespaço,naviageográfica,nãoétarefasimples,poisexisteumacomplexidadede fatores que envolvem sua compreensão. Pode-se apoiar emHenri Lefebvre(1972), que na obra “A produção do espaço”, apresenta a noção de que aproduçãodoespaçoéumaproduçãosociale issoperpassapela representação.Então,paraentenderarepresentaçãoépossívelpassarpelotrinômio“percebido-concebido-vivido”, os quais constituem a realidade do espaço e darepresentação. Essa não é ditada como verdadeira ou falsa. Na verdade, arepresentaçãoémediaçãoentrepresençaeausência,partedamediaçãocomoopercebidoéentreoconcebidoeovivido.Asrepresentaçõesestãosobrepostaseem constante movimento, são como estereótipos constituídos nos espaçosproduzidos.Paraexplicitarmelhora:

Presença e ausência são unidade e contradição, supõem uma relação comomovimentodialético:nãohápresençaabsoluta,nemausênciaabsoluta(p.283).Noentanto,quandoapresençaseperdenarepresentaçãosurgeaalienação(p.285)eoconcebidoprevalecesobre o vivido. As representações dissimulam tanto a presença como a ausência e oespaçosedefinecomojogodeausênciasepresenças(LEFEBVRE,2006apudSERPA,2014).

Para Serpa (2014, p. 488), baseado em Lefebvre, “as representações sãoformasdecomunicare reelaboraromundo, aproximaçõesda realidadeque,noentanto,nãopodemsubstituiromundovivido”.Nessesentido,asrepresentaçõespassam a fazer parte fundante da região, como parcela do espaço geográfico.

Portanto,ahipótesedapropostadeprojetoéqueháumprocessodeconstruçãoderepresentaçõesquelegitimanãosóacriaçãodistintadaregiãoturística,massobrepõearealidadevividanaregiãodoValedoCafé.

Parte-sedopressupostodequenãoháumarepresentaçãoúnica,masváriasrepresentações. Esta ideia está presente na obra de Henri Lefebvre (2006)intitulada La presencia y la ausência – contribuicion a la teoria de lasrepresentaciones.Assim, lembrarmos que o que se verifica sobre a área emquestãoéaexistênciadeoutrasrepresentaçõesquepossuemoutras“forças”.

Querodizeraquisobre“força”dediversasrepresentaçõescujoprocessodepercepçãoeconcepçãosobreumaregiãoturísticasecompõepordistintosatoresqueagenciamrepresentaçõesqueencontramcorrespondênciamaterial2atravésdepaisagens singulares criadas a partir cotidiano colonial, da música erudita emconvíviocomarealidadelocaleprojetosturísticosdevínculoglobal.

AideiaquesetemsobreoValedoCaféécriadapormeiodojogopolíticocultural que faz da história a fronteira que recorta a região. Essa fronteira dahistóriacolonial é concebidanas formasmateriaisdasantigas fazendasdecafédosBarões,cidadeshistóricaseavastidãodoespóliodamonoculturacafeeiranoVale,aarquiteturadaépocacomooPaçoImperialdeVassouras(municípioquecompõeoValedoCafé),porexemplo,priorizavamopoderpolíticocolonial ehojetemoutrosmoldes.Possuiafunçãodetratardeassuntospolíticosculturaisreforçandoaaproximaçãoaoturismohistórico.Asfronteirasnãoselimitamempontosfixosnoespaço,massãoconstituídasporelementostrazidosnosdiscursosdemoradores,deempreendedores,dopoderpolítico,dosartistas,dosturistas.

Esses autoresdoValedoCafé reproduzem, e aomesmo tempo, ensejamaideia subjetiva da região. A ideia promove a fronteira, o recorte do querepresentaocaféeovale,paraosdeforaeparasimesmos.Essaéumafronteiraconstruída a partir de narrativas romantizadas do passado colonialista, daspráticasculturaisvinculadasaessepassado,àcriaçãodoidealdecotidianoqueviveamúsica,astradições,aidentidadebaseadanasvocaçõesregionais.

OsagentesbuscamaquiloqueésingularnoValedoCafé,porqueaquiloque

aparenta ser especial carrega algo único: que é viver o status do cotidianocolonial, da Senzala à casa. A singularidade como apoiada em discursos enarrativas históricas interpretações das memórias coletivas dão significado àfronteiradoValedoCafé.Éapartirdessescaracteresditoscomoúnicosquesãolegitimados vocações e tradições que passam por um ordenamento da história,tendoemvistaamanutençãodahegemoniapolíticaoucultural(HOBSBAWN&RANGER,2009).

PASSADOCOMOETERNOPRESENTEOsmunicípiosdoValedoCafécompartilhamdeumpassadoemcomum,a

tradiçãodocafé.OsquecompõemaregiãodoValedoCafé(estadodoRiodeJaneiro) são: Vassouras, Valença, Rio das Flores, Piraí, Engenheiro Paulo deFrontin, Paty do Alferes, Paracambi, Miguel Pereira, Mendes, Barra do Piraí,Pinheiral,BarraMansa,ParaíbadoSuleVoltaRedonda(Mapa1).

Tais municípios, na década de 1860, produziam mais da metade do caféconsumido no mundo e garantiam ao Brasil a condição de líder mundial naprodução e exportação de café. Por isso, após 1929, com a derrocada daeconomiacafeeiraeo fimdaescravidão,osmunicípiosdoValedoParaíbadoSul Fluminense (região Político-administrativa), como um todo, sofrerambruscamente com a crise. Passou a ser marcada por longo tempo, como umaregiãopraticamente falida, como legadode uma sociedade escravocrata e queacarretounaderrubadadamataatlânticaparaoplantationdocafé.

OquesemantevefoiareputaçãodopoderiodosBarõesdoCafé,olegadoda estrutura escravocrata, do “status”do estilo devida colonial e produçãoda“boa”música.Atualmente, se apossou desse passado como formade recuperaressaáreaemdeclínioeconômico.Assim,hoje,épelaviadosfestivaismusicais,visitasemFazendasdeCafépostosnocalendárioanualdoValedoCaféqueaideiadessaregiãoéreforçada.Simultaneamente,cria-serepresentaçõesemquearegiãodoValedoCaféénaturalmenteaptaaoturismocomoumespetáculo3.

Mapa1–MapadoValedoCafé-EstadodoRiodeJaneiro

Fonte:Elaboraçãodoautor,2016.

Outro ponto relevante é que a história se torna objeto que ganha maisimportânciaerelevânciaaopontodeserajustificativadacriaçãodeumanovaregião, nesse caso, a história e a própria região se tornam sujeitos de ações einvestimentos, em detrimento da necessidade dos moradores, se desenvolveparcialmente, enãoefetivamenteaquiloque realmenteénecessário, sevendearegiãocomo sloganda região. Isso também reflete tantonaproduçãomusical,como para o teatro, artesanato, produção de livros, ou para diversas outrasatividades ditas culturais, se estabelece uma relação de produto emercadoriasfavorávelàampliaçãodenovosmercadosparaaacumulaçãodecapital4.

Issoéoqueenvolvea representação territorialdaregiãodoValedoCaféque, portanto, é dessa maneira nomeada, justamente, por ser possuidora deimportantes construções históricas remanescentes do ciclo cafeeiro do séculoXVIII,taiscomocasasdefazenda,prédiosurbanos,estaçõesdetrens,chafarizes,osquaistêmvalorartístico,históricoeculturalequeperduramatéhoje.Apesardaexistênciadessesfixosnoespaço,aosercompactadocomoatração,ocontextohistórico da produção cafeicultora e colonial passa a ser tratado naturalmente,semcontradições,noritmoda“sociedadecoesa”.Aopassoqueessasestruturasdopassadopermanecemesemantêmapartirdasideiassemcontradições,ondetudosetransformaemnaturalcomoturismo.

É nesse contexto que a região doVale doCafé é projetada no presente –isento de reflexão quanto à realidade da escravidão e da colonização “no

passado” – com elementos apolíticos ditos culturais como foco para odesenvolvimentoregional,mantendoaneutralidadedahistóriavividanaregião.

Aessênciaarraigadadopassadonopresente,tantopelopodersimbólicodasrelações escravocratas e fundiárias, como o status das práticas culturais,principalmenteda“boa”música,repercutemhojeumjogodediscursos,osquaisfazemcriaro“próprio”(CERTEAU,2009),alegitimaratradiçãocolonialeseualargamentodolocalaoregional.

ASVOZESDOVALEDOCAFÉOcaminhodeaproximaçãoeconhecerdoValedoCafépassa tambémpor

aqueles que fazem valer a existência da região como legítima. Tendo alegitimidade associada aos agentes que são como “autoridades”, as quaispossuem um poder simbólico que legitima a região. Com Bourdieu (2007)entende-se que o “poder simbólico” é um poder legitimador, o qual se faz“imperceptível” e tornar-se “verídico” numa ordem da realidade. Sendo, essepoder, exercido por grupos que possuem “como poder constituir o dado daenunciação,defazerverefazercrer,deconfirmaroudetransformaravisãodemundo,dessemodo,açãosobreomundo”(BOURDIEU,2007,p.14).

Nessesentido,asvozesdosgruposquecompõemoValedoCafé,segurosnahierarquiadaestruturapolítica,econômicaesocialestãocarregadosdeumpodersimbólico segundoa “força”de suaspráticas, discursos e representações.Essepodersesituana“autoridade”quefala,pratica,escolheoscritérioseobjetosquecompõem a região. Esse poder que delimita o que é verídico ou falso sobre ahistória, a cultura, o espaço ou tempo, pode ser pensado na relaçãorepresentação-representante, que se trata da representação criada pelorepresentante,aqual,porsuavez,éapropriadaportodos.

As representações são, portanto, meios de legitimar ações políticas eeconômicas,equandoassociadasaoespaço,temopoderdelegitimarregiõesediferenciá-las uma das outras. Cada agente do espaço que compõe interesses

sobreasrepresentaçõesconstruídasnoValedoCaféentraemembateeafirmaaregiãodediferentesformas.

Osmoradores,osartistas,músicos,osdonosdefazendasdecafé,oEstado,os empreendedores hoteleiros, patrocinadores de festivais são os atores docenáriodeaçãoecriamanoçãodeValedoCafé.Analisandoosite5referênciadoValedoCaféépossívelobservarafalaunilateraldoquesepretendemostrardaregião(Figura1).

Aprocuradecritérios,quedefinemoValedoCafé,partedapercepçãodosprotagonistas (empresas e seus projetos culturais, instituições do governo,empreendedores)queinvestemseusinteressesnarepresentaçãodemonumentos,fazendas históricas, hotéis que representam a economia da região. Ou seja,projetamseusinteressesnasestratégiasdemanipulaçãosimbólicaeacabampordeterminartaisrepresentaçõesporfinspolíticoseeconômicos.

Aproblemáticasepõenomomentoemquesepreocupamais(politicamente,na administração econômica e social) com a valorização dos objetos, daproduçãodeprodutosculturais,comoseesses–eosoutroselementosinduzidosàcriaçãoereproduçãodaregião–fossem“quem”ocupassearegião.Épensarcomoseessasnecessitassemdeboascondições,deserpriorizadaemdetrimentodo desenvolvimento para os moradores da região, como infraestrutura,saneamentobásico,educação,saúde,osquais temsuavoz tolhidaemfavordasrepresentaçõesaoturismo.Deixa-sedeladoarealnecessidadeparasevalorizarapenasosobjetosrepresentativosàregião.Vive-searealidadedarepresentação.

Figura1–PromovendooValedoCafé.

Fonte:ReferenteaoPortaldoValedoCafé.PrimeiraPágina.

ComoéoexemplodosmúsicosdoMovimentodosSeresteirosnodistritodeConservatória, a “Cidade das Serestas” (município de Valença), os quaisdefendematradiçãodaproduçãomusicalrealizadacoletivamentepelasruasdodistrito, originada de maneira espontânea enquanto empreendedores e músicosprofissionaisusamamúsicacomomarketingmusicaldoValedoCafé.

CONCLUSÕESPARCIAISOqueacontece,nocasodoValedoCafééaregionalizaçãoqueacabapor

congelaropassadonopresente,o“status”doestilodevidacolonial,dariquezaenvoltadaproduçãodocaféaindasãofalasepráticasrevogadasnocotidianodoturismo na região. A periodização e a regionalização dessa região, osplantations,asfazendasdosgrandesbarões,acabamporreferenciar,mesmoqueimplicitamente, certa colonialidade do poder6 na espacialização e manutençãodestaregiãoturística.Hojesobnovosusosdevelhasformas.

PartefundamentaldoValedoCafésãoaquelesqueocriameoreproduzem.Asvozesdosatores,protagonistasecoadjuvantesdarepresentaçãodopassadoedopresentedaregião.Essesagentesdaproduçãodoespaçocarregamemsiumpodersimbólicoreferenteàssuaspráticas,discursoserepresentações.

Essepoderqueemanadaação,“fronteiriza”oqueéValedoCaféouoquenãopertence,talpodersimbólicoquepermitedelimitaroqueéverídicooufalsosobreahistória,acultura,oespaçooutemponaregiãoturística.Projeta-setodo

oimagináriodopoderdacolonizaçãonoBrasil.Portanto, a intenção dessa pesquisa é desvelar as diversas possibilidades

conceituaisexistentesnoconceito-chaveRegião,trazendoconsigoatemáticadasrepresentações como fundamental para o entendimento das faces imateriais emateriais que constituem o espaço. Esse estudo desvela as imbricações dasrepresentaçõespresentesnacriaçãodaRegiãodoValedoCafé,regiãoturísticadoestadodoRiodeJaneiro,numperíodode10anos,ínterimondearegiãofoicriada oficialmente. Além disso, mostra que da mesma maneira que asrepresentações criadas no imaginário coletivo reificam a região, também, adivulgação, as vendas das regiões turísticas se propagam a partir dasrepresentações.Semostrandoumaviademãoduplaquequalificacomocaráterprincipalumaregiãoaptaaoturismo.

Esta é uma pesquisa que está em processo de conclusão, onde há revisãobibliográficabaseadaemestudosreferentesaoaprofundamentonaspesquisasdosconceitos de região e representações em Geografia, assim como bibliografiapertinente à regiãodoValedoCafé.Paramaiores fundamentos empíricos, serárealizadaatividadesdecampoparaosmunicípiosdaregiãoturísticaerealizaçãode entrevistas a Secretarias de Turismo com a finalidade de avaliar asrepresentações–dominantesemarginalizadas–produzidasparaaregião.

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1 Ao poder, portanto dá-se o caráter de posse de informação, atividades culturais, gostos, os quaisenvolvem tambémocapital social (influência)eocapital simbólico (sentidodeprestígio)osquais formamoespaço multidimensional das formas de poder. Para citá-lo: “(...) os poderes sociais fundamentais são: emprimeirolugarocapitaleconômico,emsuasdiversasformas;emsegundolugarocapitalcultural,oumelhor,ocapital informacional tambémemsuasdiversas formas; em terceiro lugar, duas formasde capital queestãoaltamentecorrelacionadas:ocapitalsocial,queconsistederecursosbaseadosemcontatoseparticipaçãoemgrupos e o capital simbólico que é a forma que os diferentes tipos de capital toma uma vez percebidos ereconhecidoscomolegítimos”(BOURDIEU,1987).

2 Entendemos de acordo com Rocha (2014), em alusão a Raffestin (2005), que toda construçãorepresentacionalparaquetenhalegitimidadeacabaporconstruirumacorrespondênciamaterial,oquenoslevaapensarnamultidimensionalidadedadimensãoespacial,porvezespresentesnapaisagemquecompõenestenossocasodeestudoaregiãodoValedoCafé.

3Podesedizerqueháumavendainstantâneaeparceladadopassado“colonial”comoespetáculocomo turismo e visitações, no sentido em que a “imagem social do consumo do tempo, por seu lado, éexclusivamente dominada pelos momentos de ócio e de férias, momentos representados à distância edesejáveis, por postulado, como toda amercadoria espetacular. Estamercadoria é aqui explicitamente dadacomo o momento da vida real de que se trata esperar o regresso cíclico. Mas mesmo nestes momentosdestinadosàvida,éaindaoespetáculoquesedáavereareproduzir,atingindoumgraumaisintenso.Oquefoi representado como vida real, revela-se simplesmente como a vida mais realmente espetacular. Estaépoca, que se mostra a si própria o seu tempo como sendo essencialmente um regresso precipitado demúltiplas festividades, é realmente uma época sem festa. O que era, no tempo cíclico, o momento daparticipaçãodeumacomunidadenodispêndioluxuosodavida,éimpossívelparaasociedadesemcomunidadee sem luxo.Suaspseudofestasvulgarizadas,paródiasdodiálogoedodom,movimentandoumexcedentededispêndioeconômico,não trazemoutra coisa senãoadecepção semprecompensadapelapromessadeumanovadecepção.Otempodasobrevivênciamoderna,noespetáculo,gaba-setantomaisaltoquantomaisoseuvalordeusosereduz.Arealidadedotempofoisubstituídapelapublicidadedotempo”(DEBORD,2003).

4Uma economia baseada na cultura ou ideia de “indústria cultural” que vem se estruturando, sendoentendida como “conjunto de atividades que têm origem na criatividade, nos talentos e nas habilidadesindividuais, que tenham potencial para a geração de renda e emprego e que são geradoras de produtos ouserviçosligadosaentretenimento,artes,lazerecultura”(JEFFCUT(2005)apudSANTOSeJUDICE(2007)),assimcomo“potencialidadesparaoturismo”.

5http://www.portalvaledocafe.com.br/.

6Referente àQuijano (1997) a ideia arraigada da submissão, que vai alémdateoriadadependência,aqualavançaparaasquestõessubjetivas,como“raça”egênero.Nessecaso se faz referência àmanutençãodanoçãodacolonizaçãonoBrasil e seus aspectos fundantes, como a escravidão sendo valorizadaharmoniosamente no desenvolvimento da região do Vale do Café, a partir doturismo.

NOVOSARRANJOSESPACIAISNOPROCESSODEEXPANSÃOHORIZONTALDACIDADEDEVÁRZEAGRANDE(MT)

GABRIELDEMIRANDASOARESSILVAGrupodeestudoemGeografiaagráriaebiodiversidade(GECA)

UniversidadeFederaldeMatoGrosso(UFMT)[email protected]

SÔNIAREGINAROMANCINIGrupodeestudoemGeografiaagráriaebiodiversidade(GECA)

UniversidadeFederaldeMatoGrosso(UFMT)[email protected]

INTRODUÇÃOAs cidades de Cuiabá e Várzea Grande, desde 2001, formavam um

aglomerado urbano, mas devido às transformações urbanísticas, econômicas,sociaiseculturaiseà importânciadestascidadesnaprestaçãode serviços, em2009, a partir daLeiComplementar nº 359de27demaio foi criada aRegiãoMetropolitana do Vale do Rio Cuiabá (RMVRC), tendo como componentes osmunicípios: Cuiabá, Várzea Grande, Nossa Senhora do Livramento e SantoAntônio de Leverger. Por meio da mesma lei também foram estabelecidos osmunicípios do entorno metropolitano, que compreende Acorizal, Barão deMelgaço,ChapadadosGuimarães,Jangada,Nobres,NovaBrasilândia,PlanaltodaSerra,PoconéeRosárioOeste.

O presente estudo aborda as mudanças socioespaciais na RMVRC comênfasenacidadedeVárzeaGrande–MT,quenosúltimosanostempassadopormudanças significativas em sua estrutura urbana, econômica, social e espacial.Identifica,ainda,osfatoresquecontribuíramparaaexpansãourbanaeoaumentopopulacionalque,noperíodode2010a2016,foiestimadoem6%,passandode252milpara268milhabitantes(IBGE,2015).

Apresenta os resultados parciais do projeto “Práticas sociais e

espacialidadesdaRegiãoMetropolitanadoValedoRioCuiabá”,noqualoautorparticipa analisando a expansão horizontal da cidade de Várzea Grande comobolsistadeiniciaçãocientifica(PIBIC/UFMT/CNPq).

Assim,apresentepropostacolocaemdiscussãoacidadedeVárzeaGrandeetemcomoobjetivoevidenciaradinâmicadocrescimentourbano,apontandoascaracterísticassocioespaciais,opapeldosempreendedoresimobiliários,opapeldoEstadoeaparticipaçãodapopulaçãolocal.Tambéméanalisadaaformaçãoeconsolidação de novos arranjos espaciais na área de estudo, bem como aspolíticaspúblicasnaorganizaçãoeproduçãodoespaçourbano.

AFORMAÇÃODACIDADEDEVÁRZEAGRANDEAcidade deVárzeaGrande foi fundada no dia 15 demaio de 1867, pelo

governadordaProvínciadeMatoGrosso,Dr.JoséVieiraCoutoMagalhãesqueemitiuodecretodaformaçãodeumacampamentomilitar,seguindoaformulaçãodeumaprovíncia(IBGE,2010).

Acha-se localizada na margem direita do rio Cuiabá; limitando-se ao norte, com omunicípiodeAcorizal;a lestecomCuiabáeSantoAntôniadeLeverger,pelorioCuiabácincoquilômetrosemlinhareta,seconsideramososcentrosurbanosdasduascidades,oquepatenteiaasuavizinhança,nãosemisturandoporqueaságuasdoCuiabáinterferemseparandoasduasurbes–Acapitaleasatélite.(MONTEIRO,1988p.19)

NoprimeiromomentofoifundadoumdistritoqueerasubordinadoàcidadedeCuiabá, até queno anode1948, sob a lei denº 126/48, foi emancipado sedesmembrandodomunicípiodeCuiabá.Noanode1948,começamasmudançasnoperímetrodacidadedeCuiabáeVárzeaGrande,nesteanoécriadooprimeirodistritodacidade,odistritodeBomSucessosobaLeiEstadualnº126/48.Noano de 1954 foi transferido para Várzea Grande o distrito de Passagem daConceiçãoquepertenciaaCuiabá(IBGE,2010).

Noanode1960omunicípioestavaconstituídoporapenas trêsdistritos,odistritodeVárzeaGrande(Centro),BomSucessoePassagemdaConceição.Noano de 1964 sob a Lei Estadual de nº 2.131/64 foi criado o distrito de Porto

Velho (Limpo Grande), e no ano de 1976 é criado outro distrito sob a LeiEstadualdenº3.701/76intituladoCapãoGrande,estescincodistritosformaramabaseparaaconsolidaçãodacidadedeVárzeaGrande(IBGE,2010).

Figura1–ConfiguraçãoterritorialdaRMVRC.

Figura2–ConfiguraçãoterritorialatualdacidadedeVárzeaGrande.

Fonte:SILVA(2016)

A grande maioria da população da cidade morava em áreas ribeirinhas,núcleos isolados onde estavam localizados estes povoados, que se localizavammuitodistanteumdooutro,quecomopassardosanosacidadefoicrescendoeestesvaziosentreospovoadosforamsendoocupados.

[...]osurgimentodeáreasribeirinhaemVárzeaGrandefoiapescaeafacilidadequeorioCuiabá concebia [...].As usinas açucareiras, decorrentes dessa navegação, influíamparcialmente na formação dos povoados, uma vez que à lavoura ribeirinha, os homensacresciamoplantiodacanaparavendaaosusineiros.[...],oshabitantesdosnúcleosdasáreas ribeirinhas de Várzea Grande herdavam dos pais os métodos de vida seminterferência de terceiros, que lhes dessem educação capaz de influir no seu abastardomododefalar,deseconduziremoudeviveremdentrodoprópriolar.(MONTEIRO,1988,p.122).

Muitosdessespovoadosforamtransformadosembairroscomopassardosanos, já outros foram desmembrados em outros bairros como, por exemplo,ColôniadaUnião,Espinheiro,GuaritaePortoVelho.Estaconfiguraçãoterritorialdentrodacidadefoisemodificandocomopassardosanos.

No decorrer dos anos a população várzea-grandense passou a ocupar as

áreas vazias que haviam na cidade, através de programas habitacionaisdesenvolvidospelopoderpúblicoeprivado,assimalavancandodesdeadécadade1970aexpansãohorizontaldacidadeeoiníciodoprocessodeurbanização.

INÍCIODOPROCESSODEURBANIZAÇÃOA transformação do aspecto urbano da cidade deVárzeaGrande nos anos

1970 e 1980 foi possível através da disponibilização de lotes urbanos, antigasterrasdevolutasmunicipais, edoaumentodonúmerode loteamentos, conjuntoshabitacionais,ruasebairros.Namesmadécadaaadministraçãopúblicacomeçaasepreocuparcomocrescimentodesordenadodacidade,oprefeitoJaimeCamposinaugura as primeiras unidades do projeto COHAB-MT, que formaram doisnúcleos na cidade, o Cristo Rei que fica na zona leste da cidade próximo aoaeroporto, e outro núcleo foi o Nossa Senhora da Guia na área centro sul dacidadepróximoaoprédiodaprefeitura,estesnúcleosforamformadosemáreasnãoedificadas(MONTEIRO,1988).

Naatualidadeestasduasáreasestãonocentroprincipaldacidade,nocasodaregiãodobairroCristoRei,ocrescimento foimaiorqueoesperado,comopassar dos anos foram criados outros bairros, em sua maioria formados porocupações irregulares como o Unipark, Construmat, Parque do Lago, já outrosforamcriadosapartirdoCOHAB-MTcomooJaimeCampos.AregiãodoNossaSenhora da Guia, recebeu uma escola estadual e um posto de saúde, tambémcresceucomacriaçãodosbairrosOuroVerde,SãoSimão,PortaldoAmazonas,entreoutros(MONTEIRO,1988).

NestamesmadécadaopoderpúblicocriaaCompanhiadeDesenvolvimentodeVárzeaGrande(CODEVAG)soba leidenº505de1973,assimloteandoasterrasdevolutasdomunicípioecolocando-asàvendaetambémfazendoalgumasdoações.AsáreasmaisprocuradaseramasqueestavamnoentornodosgrandesnúcleosondeaCOHAB-MTseinstalara(MONTEIRO,1988).

Osgrandesbairrosforamsurgindoeassimocupandoosvaziosdemográficos

que existem entre os antigos distritos. Outros bairros surgiram através deocupaçõesirregularescomooSãoMatheus,oJardimdosEstados,o15deMaio,o 13deSetembro (NovoMatoGrosso), o 7 deSetembro (JardimBotânico), aVilaOperária,oValeVerde,oJardimIkarai,oConstrumat,oFigueirinhaeo23deSetembro.Estapopulaçãoqueseestabelecenestesbairros,emsuamaiorianoinício do processo de ocupação irregular, não dispunha de nenhum tipo deinfraestruturabásica.

Aapropriaçãodeáreasperiféricas tambémocorrenomunicípiodeVárzeaGrande.Esseprocessooraassocia-seàsocupaçõesirregulares,oraàpressãodomercado imobiliárioe,viade regra,emambososcasos, semodevidoamparolegal,istoé,osinstrumentospararegulaçãodousodosolourbanomunicipalsãoinexistentes ou ineficazes, permanecendo inerte o poder público ou tomandoprovidências retardatárias de consequências paliativas (IPEIA, 2015, p. 14).Assim,comopassardotempo,contandocomoapoiodopoderpúblico,algunsdessesbairros recebemobásicode infraestruturacomoáguaencanada, asfalto,escola e posto de saúde. A cidade foi sendo estruturada e formando aconfiguração como a conhecemos hoje. A cidade, marcada pelas contradiçõessociais provenientes da industrialização local e pela descontinuidade deinfraestrutura básica, isto é, de equipamentos públicos, vem progredindolentamentenoenfrentamentodosproblemasafetosaousoeàsegregaçãodosolourbano(IPEIA,2015).

A ocupação urbana que se instalara na cidade deVárzeaGrande entre osanos de 1960-1970, apresenta características similares às que ocorrem emCuiabá.Aindustrializaçãodacidadevárzea-grandensetomaforçanesteperíodoondeécriadoodistritoindustrialdacidadeecomocolocaSilva(2014),dá-seaformaçãodoslogandacidade“VárzeaGrandeCidadeIndustrial”.

Nesteiníciodaurbanizaçãooscentrosurbanoscomeçaramaserformadosesecaracterizaramapartirdaeducação.Sobestaperspectiva,ocentrodeVárzeaGrande foi consolidadoatravésdaEscolaPedroGardés,AdalgisadeBarros etambém pela proximidade das igrejas Nossa Senhora do Carmo e de Nossa

SenhoradaGuia,padroeiradacidade.OutrosserviçoserammaisencontradosemCuiabá,comoosserviçosbancáriosedesaúde.

A política urbana começa a ser formada na cidade, e os aspectos comoespeculação imobiliária, e vazios demográficos começam a surgir na cidade.ComoafirmaSilva (2015):a“descontinuidade”doespaçourbano, jáestavaseconsolidando, ou seja, vazios urbanos já se formavam em meio ao centro dacidade,comooobjetivoeraqueacidadeseexpandisseedestaformaacarretarianavalorizaçãodestesespaçosnãoedificados.

ACRIAÇÃODOAGLOMERADOURBANOCUIABÁ-VÁRZEAGRANDEAprimeira intervençãodoGovernodoEstadosedeuem2001,atravésda

criaçãodoAglomeradoUrbanoCuiabá-VárzeaGrande,ondeseconstatouqueasduascidadesdeveriamterumapolíticaadministrativaintegradora,jáqueambaspassarampeloprocessodeconurbação,eseuscentrosurbanosseuniram,tendocomolimiteorioCuiabá.

AConstituiçãoFederalde1988dispõeemseuArt.25,parágrafo3º,queosEstados poderão criar aglomerados urbanos e regiões metropolitanas, quandoocorre entre os municípios vizinhos o processo de conurbação ou quando asrelações de integração funcional ou de integração socioeconômicas tornassemnecessáriooplanejamentoconjuntoemalgunsassuntos,nomesmoaconstituiçãoestadualtambémcolocaemseuArt.nº302(CHILETTO,2008).

Tendoemvistaaocorrênciadestaurbanização,eototalderelacionamentosentre a capital, Cuiabá e sua vizinhaVárzeaGrande, o Governador do Estadocriou por meio da Lei complementar Nº 83, de maio de 2001, o AglomeradoUrbano(AGLURB)abrangendoasduascidades(GARCIA,2010).

Nesse sistema de gestões integradas onde dois ou mais municípiosnecessitamtomardecisõesemconjunto,nascidadesdeCuiabáeVárzeaGrande,nunca houve sua efetividade garantida, já que tomam decisões separadas, ondedeveriam tomar decisões conjuntas. Onde o sistema de gestão integrada e

efetivada, as cidades não perdem a autonomia política e administrativa(FERREIRA,2014).

Oreconhecimentodasnecessidadesdeseestabelecerumaharmoniaquantoa ações e as políticas referentes a essas localidades não é, contudo, novidade,pois data de 1993 da Lei complementar nº 28 que criou pela primeira vez oAglomeradoUrbanoCuiabá-VárzeaGrande(MONTEIRO,1988).

VárzeaGrandeapresentaumaltoníveldeurbanização,mascomummenorritmocomparadoaCuiabá,amaioriadosbairrosvárzea-grandensesseapresentacomcaráterresidencialeaáreacentraleosbairrosdoentornoapresentamumamelhor infraestrutura urbana. “As cidades de Cuiabá e Várzea Grande sãocontínuas e integradas através do processo de conurbação, e os problemas deinfraestrutura urbana, que são comuns a ambas, tiveram peso na criação doAglomeradourbano”(VILARINHONETO,2009p.110).

AREGIÃOMETROPOLITANADOVALEDORIOCUIABÁARegiãoMetropolitanadoValedoRioCuiabáfoicriadanoanode2009

sobaLeideNº359,aRMVRC,ondeseencontramasCidadesdeCuiabá,VárzeaGrande,SantoAntoniodoLevergereNossaSenhoradoLivramento.Pormeiodamesmalei tambémforamestabelecidososmunicípiosdoentornometropolitano,quecompreendeAcorizal,BarãodeMelgaço,ChapadadosGuimarães,Jangada,Nobres,NovaBrasilândia,PlanaltodaSerra,PoconéeRosárioOeste.

Assim,sobacriaçãodaLeinº27de19denovembrode2015,queincluinaregião metropolitana os municípios de Acorizal e Chapada dos Guimarães.Observa-senaFigura01aconfiguraçãoterritorialatualdaRMVRC.

Com o intuito de uma gestão de integração, onde todos estes municípiosfazem divisa com a capital Cuiabá, ambos dependem da Capital em diversosserviços urbanos, onde se destacam os serviços na educação (ensino médio esuperior)ebancários.

Santos(2013,p.75)definearegiãometropolitanacomo

[...] áreas onde diversas “cidades” interagem com grande frequência e intensidade, apartirdeumainterdependênciafuncionalbaseadanaunidadedasinfraestruturasurbanasenaspossibilidadesqueessefatoacarretaparaumadivisãodotrabalhointernabemmaisacentuadaqueemoutrasáreas.

TRANSFORMAÇÕESSOCIOESPACIAISEARRANJOSESPACIAISAs características de transformação do espaço urbano se iniciam com a

expansão do perímetro urbano da cidade que ocorre no ano de 2013, após aimplantação de residenciais do Programa Minha Casa Minha Vida (MCMV),como o residencial JúlioDomingos deCampos, na sequência, nos residenciaisJosé Carlos Guimarães, Solares do Tarumã, Jequitibá, Jacarandá e IzabelCampos. A implantação destes se sobressai no que se refere ao preço dosterrenos onde foram edificados, pois até então se mantinham à espera devalorizaçãoesemnenhumuso.

Para compreender o processo de urbanização do município de VárzeaGrande, devemos nos remeter à fundação da cidade, com seus distritos que sedistribuíramdentrodoseuterritório,aFigura02demonstraaconfiguraçãoatualdos bairros deVárzeaGrande.As zonas leste, sul e o centro da cidade foramocupados, em um primeiromomento, pelas famíliasmais abastadas. Assim, aszonasoesteenortese tornaramaperiferiadacidade,ondeapopulaçãoemsuamaioriaocupouasáreasdeformairregular(MONTEIRO,1988).

Serpa(2014,p.98)apontaqueos“lugares”sãomoldadospeloshabitantesqueali residemequemoldaram, transformamesteespaçoondevivem,assimoproduzindo.Paraoautor,ahierarquiatrazocentrocomoalgopredominante,eaperiferia como algo baixo, inferior, portanto, “não devemos qualificar osconteúdosdoslugares,assimnãoosjulgandoapartirdahierarquiasocial”.

A zona norte foi ignorada pelo poder público, porém, com a expansão doperímetrourbanodacidadeecomasobrasdemobilidadeurbanaparaaCopadoMundo de 2014, e com a implantação de residenciais do programaMCMV, aprefeitura observou a oportunidade de expandir aquela área da cidade, que seencontrava semmuitas edificações e com grande estoque de terras para novos

empreendimentos.O processo de urbanização que cresce a cada dia, intensifica a estas

transformações socioespaciais, moldam o lugar fazendo assim que haja umasegregação nos espaços, tornando nítida as diferenças de classes sociais, nadivisãodebairros edemoradores compoder aquisitivomais alto e, poroutrolado,demoradoresdebairrosmaispobres(ALVES,2014).

Aintensificaçãonaproduçãodemoradiascomentadaanteriormente,após2003,refere-seao programa habitacional MCMV em um novo ritmo [...] entre 2009 e 2013, foramlançadas 7.864 unidades habitacionais, sendo que a maior parte dessas moradias élocalizadanaregiãonortedacidade“direcionando”aampliaçãodaáreaurbanaparaessaregião(SILVA,2015,p.95).

Na busca de uma possível valorização da zona norte, o poder públicodirecionouaimplantaçãodosresidenciaisdoprogramaMCMVparaestaregiãona cidade, onde as construtoras iriam obter grandes áreas não edificadas compreçosbaixos.

“A desigualdade, funcional e novos conteúdos de centralidades tornam-seentãoessênciasparaentenderasdiferençassocioespaciais,ouseja,compreenderasociedadeapartirdesuaproduçãoespacial”(ALVES,2014p.110).

Destaca-se que logo após a implantação dos residenciais o poder públicoimplementoupolíticaspúblicasparaatenderàpopulaçãodirecionadaaessaárea.ComaduplicaçãodarodoviaMarioAndrezza,umadasobrasquefaziapartedomodaldeobrasparaaCopadoMundode2014,osempreendedoresimobiliárioscomeçaramaolhararegiãodeformadiferente,planejandoalifuturasinstalaçõesdeempreendimentos.

Esseprocesso fazpartedosprogramashabitacionaisdogovernoFederal tantopara “osmais pobres entre os empobrecidos” quanto para “frações inferiores da classe média”juntamentecomasobrasdemobilidadesurbanasparaaCopadoMundo2014,conferindoum novo ciclo de negociabilidades de terras. [...] verifica-se também a “projeção deocupaçãourbana” commais intensidadena regiãonorte doperímetro urbano.Processoessequeestáemcurso,se intensificandoapartirde2012.Aproduçãodessanovaáreaurbana mostra que a fragmentação espacial se intensifica no espaço urbano [...] aproduçãodoespaçodacidadedeVárzeaGrandeestevecondicionadoàsdeterminaçõessociais da sociedade capitalista, produzindo a descontinuidade espacial e a segregaçãosocioespacial(SILVA,2015,p.95).

Atualmente há em construção vários loteamentos para futuros bairrosplanejados e dois condomínios horizontais de alto padrão. A instalação docampus universitário da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e doInstitutoFederaldeCiência eTecnologia (IFMT) sãoalgunsdestes fatoresquealavancaram a corrida destes empreendimentos, já que ambas as instituiçõesnecessitam de um aparato de produtos e serviços que servirão tanto aos seusalunosefuncionárioscomoàpopulaçãolocal.

Nota-se que em um período curto de tempo a área de periferia torna-secentro,nestaregiãoquecomeçaasetransformaremumadasmaisvalorizadasdacidade. Como coloca Alves (2014, p. 103), “o processo de formação econsolidação de centralidades é dinâmico e histórico, estas centralidades sãocaracterizadaspeloprocessocotidianodeapropriaçãoespacialdesteespaço”.Apopulação observa a crescente demanda de loteamentos fechados cominfraestruturaesegurança.

Estas transformações socioespaciais podem se caracterizar na formaçãodestesnovos arranjos espaciais, quede acordo comMouraetal (2012, p. 52)definearranjosespaciaiscomo

[...] conjuntos demunicípios em continuidade, caracterizados por elevada concentraçãopopulacional e de renda, taxa de crescimento populacional superior à média dosrespectivos estados e significativa mobilidade pendular da população entre municípios.Morfologicamente, superam a condição de simples aglomerações por reuniremmais deuma aglomeração e centros urbanos em uma mesma unidade espacial, mesmo quedescontinuamente.

Observamosqueacriaçãodeumaregiãometropolitanaauxiliaaformaçãodestes novos arranjos espaciais, intensificando a relação entre as cidades quecompõem a região metropolitana, algumas características ainda não seconcretizaram,comoacontinuidadedemunicípios,nocasodacidadedeNossaSenhoradoLivramentoeVárzeaGrande,assimnecessitandodearticulaçõesparaumaconsolidaçãonaformaçãodestesarranjosespaciais.

CONSIDERAÇÕESFINAISNos deparamos com estes processos de transformações socioespaciais e

consequentemente na expansão horizontal da cidade e na formação de novosarranjosespaciais.Emcomparaçãocomoutrascidadesquetambémcompõemaregiãometropolitana,VárzeaGrande sedestacapelacriaçãodenovosarranjosespaciaisonde,nosúltimosanos,aadministraçãopúblicavembuscandoocuparosespaçosnãoedificados,ocorrendoumaexpansãohorizontaldacidade.

Entre estes processos de expansão que ocorrem em toda a cidade com oiníciodoprocessodeverticalizaçãonocentro,noentornodoshoppingcentereemtodasasregiõesdacidadeondeforamimplantadososconjuntoshabitacionaisdoprogramaMinhaCasaMinhaVida.

Avalorizaçãodeáreasondeanteriormentesóexistiamgrandesterrenossemnenhum uso, pode-se dizer que o poder público usou de suas reponsabilidadespara expandir propositalmente a cidade. Esta zona da cidade faz divisa com omunicípio de Nossa Senhora do Livramento, esta que, como já citadoanteriormente,possuivínculoscomVárzeaGrandemaioresdoquecomCuiabá,assim,quandoacidadecresceaumentacadavezmaisseuvínculo.

AcidadedeNossaSenhoradoLivramento, tambémprevêacriaçãodeumdistrito industrial próximo ao limite com Várzea Grande, assim aumentado apossibilidadedeumprocessodeconurbaçãodacidadedeVárzeaGrandecomacidade de Nossa Senhora do Livramento, caminhando para a consolidação daregiãometropolitana.

Buscandoentender todoestecontexto,analisamoseconcluímosqueaáreanorte da cidade está passando por um processo de centralização, percebidoatravés da variedade de serviços ofertados para a cidade deVárzeaGrande edemaiscidadesdaregiãometropolitanae,também,doestadodeMatoGrosso.

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FERREIRA, Enodes Soares. O estatuto da cidade como instrumento deplanejamento urbano nos municípios de Cuiabá e Várzea Grande – MT.Cuiabá,2014.Dissertação(MestradoemGeografia)–UniversidadeFederaldeMatoGrosso.

GARCIA,SilviaMariaPillon.Osplanosdiretoreseoplanejamentourbanonoaglomerado urbano Cuiabá/ Várzea Grande – MT. São Paulo, 2010.Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Universidade de SãoPaulo.

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MONTEIRO,Ubaldo.NoportaldaAmazônia:1ºséculodomunicípioindustrialdeVárzeaGrande.Goiânia:RioBonito,s/d.

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REIS, Chênia Castilho. O comércio varejista no Pantanal Shopping. In:ROMANCINI, Sônia Regina. (org.). Novas territorialidades urbanas nascidadesmato-grossenses.ed.Cuiabá:EDUFMT,2009,v,1,p.77-95.

SANTOS, Milton.A urbanização brasileira. 5ªed., 3. reimpr. São Paulo: ed.UniversidadedeSãoPaulo,2013.

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SILVA, Rosinaldo Barbosa. Participação Social institucionalizada e a re-produçãodoespaçourbanonacidadedeVárzeaGrande–MT.Cuiabá,2015.Dissertação(MestradoemGeografia)–UniversidadeFederaldeMatoGrosso.

VILARINHONETO,CornélioSilvano.Ametropolizaçãoregional:formaçãoeconsolidação da rede urbana do estado deMatoGrosso: ed. Cuiabá:UDFMT,2009.

ADES-RE-PATRIMONIALIZAÇÃODOSÍTIOHISTÓRICOTOMBADODEPENEDO-AL

DANIELLAPEREIRADESOUZASILVAGrupodePesquisaSociedadeeCultura/PPGEO/UFS

[email protected],

GrupodePesquisaSociedadeeCultura/PPGEO/[email protected]

INTRODUÇÃOA patrimonialização envolve uma articulação verticalizada que mobiliza

organismos na esfera internacional, concretiza-se na escala municipal, e éresultante da capacidade de difusão e capilarização típicas de políticasuniversalizantes e padronizadoras. Como consequência imediata, osmunicípiosexperimentam um embaralhamento e fragmentação dos arranjos horizontaispreviamenteehistoricamenteestabelecidos.Vínculosterritoriaisesolidariedadeslocais sãoentão fragilizadosdevidoa formasdiversas, frequentementeopostas,comoasquestõesdopatrimônioculturaledificadovêmsendotratadas.Talvezovíciooriginaldapatrimonializaçãoestejanasdivergênciasdosentidoatribuídoàpreservação, pois há uma diferença entre a preservação da memória pelosindivíduos como pessoas que têm vivência e história, e a preservação quepressupõea apropriaçãode algopara converter-se emumpatrimôniocomumeparaalémdashistóriasindividuais(ARANTES,1984).

O processo de patrimonialização implementado em Penedo, municípioalagoano,situadoàsmargensdorioSãoFranciscoemseubaixocurso,inicia-secom o tombamento estadual (1986), seguido respectivamente pelo tombamentomunicipal (1989) e federal (1996) que, guardadas as especificidades de cadaprojeto,apresentamemcomumaproposituraeaconduçãodeprojetosredentores,

capazes de alavancar a economia em crise. Considerando tratar-se de umapolítica difundida globalmente através de uma complexa rede multiescalar ehierárquica entre as cidades-patrimônio, Penedo acolheu a patrimonializaçãocomoumapossível estratégiade soerguimentoda sua economia, dependentedalavouracanavieira,do funcionalismopúblico,deprogramasde transferênciaderendaedocomércio.

Noentanto,oqueseobserva,éaconduçãodapatrimonializaçãomaiscomoumdosentãodiscutidossentidosdepreservação;comoapretensãodeconsolidarnosterritóriospatrimonializadosapropostado‘patrimôniocomum’demodoquesetransformadialeticamenteem“causaeefeitodamercantilizaçãoturísticaquerebatesobreoterritóriodascidades-patrimônio”(COSTA,2011,p.37).

O território patrimonializado foi concebido para ser usado viapotencialização dos seus recursos numa imbricada e ampla rede de relações,inclusive externas aomunicípio. A patrimonialização “espera” que o territóriopasse a ser visto como um verdadeiro palco de oportunidades, ressaltando ovaloreconômicoquepassaráaadquirir.Destemodo,opresentetextotemcomoobjetivo expor estratégias e conflitos que se instalaram na base do processopatrimonializador do sítio histórico tombado de Penedo-AL, explicitando acomplexidade das relações travadas entre os agentes externos e internos dapatrimonializaçãoeapopulaçãodaquelaárea.

A pesquisa desenvolveu-se entre 2013 e 2015, seguindo algumas etapascomoolevantamentodocumentaldereferências,queincluíramtextoshistóricos,relatórios, normas e leis. A pesquisa empírica privilegiou moradores doperímetrotombadodePenedoeadefiniçãodaamostrabaseou-seemseucaráterproposital ou intencional (não-probabilística) por ser aquela “[...] preocupadacom a representatividade de uma amostra em relação à população total [...]”(TURATO, 2003, p. 357). No caso dos sujeitos entrevistados, privilegiamosmoradoreshámaisde20anoseempresários/autônomosvinculadosaosetordeturismoatuantesnosítiotombado,totalizando28entrevistas.Orecortetemporalselecionado exprime o tempo de tombamento em nível federal que se deu em

1996,comojámencionado.

CONFLITOSEPROCESSOSDAPATRIMONIALIZAÇÃOO processo patrimonializador manifesta-se pela refuncionalização da

paisagem histórica urbana e pode alcançar desde a escala planetária, quandochanceladocomoPatrimônioCulturaldaHumanidade,pelaUNESCO;ànacional,no escopo do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, pelo IPHAN; e,finalmente, às escalas estadual e municipal, quando tombado pelos seusrespectivosórgãosdecultura.

O fato das questões inerentes ao patrimônio cultural estarem alheias aoamplodebatecomasociedade,sugereainexistênciadeumacumplicidadesocial,e é provável que ela seja decorrente da expectativa em torno da nossaidentificação enquanto nação que tem um passado comum, confirmado peloconjunto de bens culturais existentes em uma paisagem patrimonializada. Aprincípio,percebê-las comosinônimodenotoriedade, seriaobrigaçãode todosconfigurando-se comoatitude inescapável e cívica, pois “preservá-lo, restaurá-lo, difundi-lo, são a base mais secreta da simulação social que nos mantémjuntos”(CANCLINI,2013,p.160).

As intervenções territoriais urbanas desencadeadas pela lógica dodesenvolvimento capitalista, têm resultado na criação de lugares ideais para aconcretização de uma economia de mercado em que os valores estéticos e acompetitividadefiguramcomocaracterísticasfundamentais.ParaLuchiari(2005,p.95),“opatrimônioarquitetônicotornou-se,hoje,cenáriorevestidodevaloresmercadológicos, descompromissados com o passado e com o lugar - tendênciaglobalquerefleteamundializaçãodasrelações,dosvaloresedasmanifestaçõesculturais”.

Estaconversãodesencadeou-senãoemumprocessoderelacionamentocomo espaço baseado no consumo de objetos que se esgotam em si, mas em umprocesso de ressignificação, aparentemente sutil, que passou ao largo de uma

possível ruptura com os códigos e símbolos utilizados para se interpretar omundo.Aoseutilizardosvínculospreexistentescomoterritório,ocapitalismoencarregou-se de estabelecer novas conexões pormeio de uma nova lógica derelacionamento com o território, orientado pela economia. Assim, aopercebermosousodaculturacomobemincorporadoaomercado,crescentementeutilizada como principal estratégia nos projetos de reabilitação urbana, é queconcordamos com Araújo e Almeida (2007, p. 212) ao afirmarem que “apatrimonializaçãosurgecomoumaformadepermanência”.

No nosso entendimento, os conflitos e as estratégias que emergiram do/noprocesso patrimonializador são reveladores de um processo des-re-territorializador, entendido por Haesbaert (2007) como a criação e odesaparecimentodeterritórios,nestecaso,tendoporbaseapatrimonializaçãodecidades históricas. Traremos a compreensão deste autor acerca do conceito deterritório para, em seguida, situarmos a patrimonialização como agente des-re-territorializador.

Para Haesbaert (2007), o território deve ser analisado em suamultiplicidade, enquanto produto da historicidade humana e entendido comreferência às relações sociais e às relações de poder que lhes são inerentes,enfatizando a sua dimensão política e a sua associação aos interesseseconômicos.Sobumavertentesimbólico-cultural,assistimosaumarevalorizaçãoda dimensão local em seus fluxos e movimentos, deslocando a abordagemutilitaristaereforçandoovalorsimbólico.Estacondiçãopermitecompreenderoterritório em sua perspectiva relacional, e aponta para uma interpretaçãomaisvoltada ao desenraizamento, à instabilidade e à porosidade de limites e/oufronteiras.

Aperspectiva relacionaldemandaumaanálisedo território tomandocomobaseumavisãoprocessualque,noentanto,nãoestádissociadadofatodeserelemesmo resultadodopróprio territórioconstruído (REIS,2005).Nestecontexto,os territórios evidenciam, sob a abordagem relacional, a sua condição de“matrizes”produtorasde interaçõescontínuascapazesdeestruturaremnão sóa

suadinâmicainternacomotambémasuainteraçãocomadimensãoexterna.Ao destacarmos o seu caráter histórico, relacional e processual e a sua

dimensãofundadanasrelaçõesdepoder,estamosreconhecendoqueosconflitosseestruturamnaslutasedisputastravadasemambientessocialmenteconstruídos.Por esta razão é que o território se converte em espaços prenhes deindeterminaçãoe locus deembatespolíticosque secontrapõemà lógicadeumespaçoracionalizado.Oterritórioentãoseconsolidacomoexpressãoeprodutodeumasériede interaçõesentreosatorese“é tambémumelementocrucialdamatriz de relações que define a morfologia do poder nas sociedadescontemporâneas”(REIS,2005,p.08).

Verificamosassimaexistênciadeumprocessohistóricodeseletividadena“atribuição de valores às formas e às práticas culturais que engendramintervenções, decisões e escolhas balizadas por um projeto político que aestrutura social de cada tempo constrói” (LUCHIARI, 2005, p. 96). E são osgrupossociaisdominantesqueassumemadianteiradoprocessoedefinemquaisbensculturaisserãoreconhecidoscomopatrimôniotombado,garantindoentãooseu direito de perenidade na paisagem. Destarte, a escolha dos bens culturaispatrimonializadostambémésocialmenteseletivaquandorealizadapeloolhardequem os valoriza ou despreza. Tem-se uma conduta reveladora dasterritorialidadeshumanas,easuapresençaouausênciasãosignificativasparaacompreensão da estrutura social que se reproduz nas formas (re) valorizadas(LUCHIARI,2005).

Ao trazer o conceito de destradicionalização, Fortuna (1997) nos chama aatençãoparaanecessidadedeconsiderarmostantoatradiçãoquantoainovaçãosob uma perspectiva relativizadora, implicando numa seleção de elementos dopassado com elementos do futuro, no intuito de se construir um presenteadmissível.Umaatitudequenoâmbitodosprogramasdereabilitaçãourbanade‘centrohistóricos’, temfrequentemente resultadoem“umverdadeiropesadelo”,naopiniãodeGuattari (1987,p.115),poissegundoele“[...]écomose tivesseplastificadoosprédios”.

Ainda segundo Fortuna (1997), a destradicionalização não se realiza deforma absoluta. Ela é concebida a partir de uma combinação de elementos“potencialmente antitradicionalistas na tradição, [...] e não modernizantes nainovação” (p. 231). Ele observa, mediante as imprevisibilidades atuais pelasquais passam as cidades, que a situação ideal para quem vive em áreaspreservadasseriaoacolhimentodoprimeiroeorechaçodosegundo,revelandouma forte inclinação “à rejeição do que é tradicionalista na tradição do que àcaptaçãodaquiloqueémodernizantenainovação”(idem,ibid.).ParaLeGoff,“opassadosóérejeitadoquandoainovaçãoéconsideradainevitávelesocialmentedesejável”(2012,p.212).

Neste sentido, a noção de destradicionalização se constrói enquanto “umbalanço positivo favorável aos traços inovadores que a tradição pode conter eque, em numerosas circunstâncias, se traduz numa espécie de paradoxalconservaçãoinovadoradoelementotradicional”(FORTUNA,1997,p.231-232).Adestradicionalizaçãoestásujeitaaantigosvalores,significadoseaçõeseaumanovalógicainterpretativaeintervencionistapostoque,quandoimpulsionadapelapatrimonialização,passaasermovidaporumanecessidadederevalorizaçãodosseus recursos atuais e potenciais, de modo a promover através das políticaspúblicas“oajustedopatrimôniosintonizadocomasnecessidadesdareproduçãodacidade”(grifodaautora,SCIFONI,2015,p.210).Destemodo,opatrimôniodeixariadeserumobstáculoàproduçãodacidadecomonegócioepassariaaservistocomonecessidadeecondiçãodoprocessodevalorizaçãoterritorial.

Os projetos de reabilitação e o contexto de reabilitação nos projetos depatrimonialização urbana têm partido do pressuposto de que o território édefinidoexclusivamenteemassociaçãoàideiadedomíniooudegestãodeumaárea específica (ANDRADE, 2004). Por este viés, o território assume umaconotação passiva e associada a um receptáculo de ações, como se fosse umespaço liso, desprovido de relações sociais conflitantes.Mas, a concepção dedesterritorialização e o seu estiramento em espaços lisos, livres dosconstrangimentos das subjetividades (GUATTARI, 1987) revela-se como

necessária para o êxito dos projetos de reabilitação urbana que são, em seusentido amplo, o êxito da política de patrimonialização. Para este autor, “oespaçofuncionacomoumareferênciaextrínsecaemrelaçãoaosobjetosqueelecontém. Ao passo que o território funciona em uma relação intrínseca com asubjetividadequeodelimita”(GUATTARI,1987,p.110).

Oalisamentodosterritóriosseriaconsequênciadeumprocessodeinversão“darelaçãocircunscriçãourbana/equipamentoscoletivos”(GUATTARI,1987,p.111). Isso significa queos equipamentos coletivos, a exemplodos restauros deedificações que atenderão às necessidades dos esperados fluxos turísticos,servem para fabricar espaço e tornar liso o território, pois é assim que eleconseguirásecomunicaruniversalmente.Elepassaráacompartilharcódigosqueo permitirão se integrar a uma rede de fluxos na qual as cidades-patrimôniofuncionarão, até certo ponto, uma em contato e interação com a outra. Asegmentação turística com base no turismo cultural1 alude ao propósito derefuncionalização das cidades-patrimônio, tal como proposto para Penedo. Assingularidadessão,então,arestasaseremaparadas.

O PROCESSO DES-RE-TERRITORIALIZADOR DO SÍTIO TOMBADODEPENEDO

Asreflexõesapresentadasnospermitemafirmarqueosconflitosdecorrentesda patrimonialização e do receituário que a acompanha, circunscrevem-se emmovimentos promotores da des-re-territorialização. Para Haesbaert (2005), oterritórioeaterritorializaçãodevemserexaminadospelamultiplicidadedassuasmanifestações, que implicam também no reconhecimento da multiplicidade depoderes incorporados/emanados pelos agentes e sujeitos envolvidos. Nestecontexto, o autor propõe que o território e a territorialização sejam abordados“enquantocontinuumdentrodeumprocessodedominaçãoe/ouapropriação”(p.6776).Bonnemaison(2002)corroboracomestaconcepçãode territórioquandoreconhece que ele se constrói, ao mesmo tempo como um sistema, enquanto

função social que se organiza e se hierarquiza para atender às necessidades efunçõesdogrupo,e tambématravésdasuafunçãosimbólica,porquerepresentavaloresquecomandamumavisãodemundo.

Haesbaert(2005a),destacaquealógicadodesenvolvimentocapitalistatemfeitocomqueosinteressespolítico-econômicosestejamsufocandoosinteressessimbólico-culturais nas disputas territoriais. Nesses embates, alguns grupossociaisvãosefragilizandonamedidaemqueassistemaoiníciodoprocessodedesterritorialização,resultantedeumgradualesfacelamentodosnexoshistóricosque ligam o indivíduo ou grupo social ao seu espaço de referência, principalpromotordaterritorialização.

A desterritorialização é um movimento contínuo que sempre existiu nahistória humana. Ainda no processo colonizador, os indígenas se viram numacondição de desterritorialização forçada. A novidade é que, emboraconceitualmente seja uma abordagem recente, reflete um movimento históriconormalmente associado à exclusão, à expropriação e/ou ao estranhamento dosterritórios,demonstrandoqueenquantoprocesso,eleestarásemprese(re)fazendoem um ciclo calcado na finalização e no recomeço (MARTINS; CLEPS JR.,2012).

Buscamos abordar este movimento expropriador e de estranhamento demaneira diferenciada, defendendo que a patrimonialização desencadeia umprocesso des-re-territorializador fundado na i-mobilidade da populaçãoenvolvidanoperímetrotombadodePenedo.Entendemosqueapatrimonializaçãoatua como agente desencadeador do alisamento do território, tendo comoprincipal objetivo a criação das condições ideais para, no caso de Penedo,posicionar o município no mercado turístico de forte concorrência entre ascidades-patrimônio.

Por outro lado, reconhecemos que a busca pelamelhoria da qualidade devida da população é uma busca dos governos e dela própria, e assimconcordamos comCanclini (1994, p. 95) quando afirma que “a urbanização, amercantilização, a indústria cultural e o turismo não são, necessariamente, os

inimigos do patrimônio”. É preciso compreender estes fatos como formas deexpressão da sociedade do nosso tempo, sendo esta amaneira pela qual, hoje,tendemos a valorizar o patrimônio cultural e a perceber o processo depatrimonialização.

A des-re-territorialização no processo de patrimonialização ocorre pelaausência de mobilidade espacial, portanto não se funda na perda efetiva doterritórioemsuaconcretude.DeacordocomHaesbaert(2009,p.251)épossívelquehajaadesterritorializaçãodegrupossociais“semdeslocamentofísico,semníveis demobilidade espacial pronunciados, bastando para isto que vivenciemuma precarização de suas condições básicas de vida e/ou a negação da suaexpressãosimbólico-cultural”.Esseautortambémobservaqueamobilidadenãosignifica necessariamente desterritorialização, da mesma forma que a i-mobilidadenãosignifica,obrigatoriamente,territorialização.

A i-mobilidade, portanto, não significa paralisia no ritmo de vida. Paraalgunsmoradores e trabalhadores do sítio tombado, permanecer naquela área éfruto de uma escolha consciente, fundada em uma identidade territorial queremonta à uma dimensão histórica, hereditária e nostálgica. SegundoHaesbaert(1999,p.180)“[...]a (re)construção imagináriada identidadeenvolveportantoumaescolha,entremúltiploseventoselugaresdopassado,daquelescapazesdefazer sentido na atualidade”. A “sutileza” do processo re-territorializador pelaação patrimonializadora reforça a capacidade de fazer ecoar junto aos queescolheram continuar ali, lugares de memória através da revitalização destesespaços.Poroutrolado,háaquelesquedefatovivenciamumacondiçãoprecáriadevidaeparaquem,sairdali,nãoéumaopçãoviável.

A desterritorialização em contexto de pouca ou nula mobilidade foidenominada por Haesbaert (2009) como desterritorialização in situ,consequência de dois principais motivos: i) de uma territorialização quepossibiliteumaintegraçãoaofluxodasconexõesglobais,semoqualpodeperdero controle sobre suas bases territoriais de reprodução e referência; ii) de umaumento dos processos de exclusão socioespacial, excluindo cada vezmais as

pessoasdosbenefíciosdosistemaeconômico.Entendemos ser possível compreender a desterritorialização in situ sob

outra perspectiva: aquela na qual a ação patrimonializadora encoraja a i-mobilidadeespacialdapopulaçãoenvolvidaatravésdosprojetosdereabilitaçãourbana, convertendo-os consciente ou inconscientemente em atorescorresponsáveispelacriaçãoeconsolidaçãodoterritóriopatrimonializadoparao consumo turístico. Um intento aparentemente exequível, pois se sustenta nacriação de expectativas em torno de um território (re)funcionalizado para oturismo e que, enquanto tal, atenderá às necessidades dosempresários/trabalhadores/desempregadosdomunicípioe tambémbuscaráatuarna dimensão simbólica estimulando novos processos de (re)apropriação dosespaços restaurados por meio da atribuição de novos usos, ou a retomadadaquelespreviamenteexistentes.

Ora, tem-seemandamentoemPenedoumprocessodes-re-territorializadorbaseado na i-mobilidade, levada a cabo pelos agentes executores dapatrimonialização, nominalmenteo InstitutodoPatrimônioHistórico eArtísticoNacional (IPHAN), aPrefeituraMunicipal dePenedo e oFUNPATRI2, pois seprocessa em um gradual rompimento dos vínculos territoriais tecidoshistoricamentepelosmoradoresetrabalhadorescomobairrooutroradenominado‘centro’, mas que, no processo re-territorializador, converteu-se em ‘centrohistórico’, fundado na lógica da coisificação condizente com o apelomercadológicoqueapenasapaisagempatrimonializadaparaoconsumoturísticopodeproporcionar.

A patrimonialização se faz tendo como pano de fundo a priorização dapreservação em seu sentido estrito. Em seumovimento dialético a preservaçãoexistepelo fato, emprimeiro lugar,dosmoradores/trabalhadores serem taxadoscomodegradadoresoupotencialmentedegradadores.Umaafirmaçãoqueencontraacolhimentoentreelespróprios,poisdeacordocomumaentrevistada“Euachoque se não houvesse o tombamento já tinham acabado com o que tinha dehistória” (F, 63 anos, rua Barão do Rio Branco), que fortalece o discurso

preservacionista,confere-lhelegitimidadeeatraicadavezmaisadeptos.Outro elemento relevante fundamental no processo des-re-territorializador

baseadonai-mobilidadeéqueoêxitodapreservaçãosóépossível,aocontráriodo que ocorre com as Unidades de Conservação (UC’s) de recursos naturais,através da presença humana. Os imóveis precisam estar ocupados, pois dissodependeasuamanutençãoestruturaleestética.Nãoimportaanaturezadouso,seresidencial ou comercial, o fato é que nenhum órgão de cultura no país,independente da escala político-administrativa, tem recursos suficientes paragarantiramanutençãodasedificaçõesporelestombadas.Assim,algunsespaçosemPenedoapenassobreviveramdevidoaouso,“(...)OCírculoOperáriotemacapoeira,éummotequefezcomqueaqueleprédionãoseacabasse.Foiousoquefezcomqueaquelaparteculturalnãosumisse”,(ex-arquitetadoProgramaMonumenta/BID).

A des-territorialização na i-mobilidade é condição sine qua non para aviabilização mercadológica dos territórios patrimonializados. E é assim que apatrimonializaçãoforçaopatrimônioculturalaexprimir-secomocoisafuncionalemsimesmo.

A população do sítio tombado ganha visibilidade no processo re-territorializador porque é peça fundamental para a construção da imagem dapaisagem patrimonializada para o consumo turístico, uma vez que é suareponsabilidade legal manter o imóvel conservado. Este ato passou por umprocesso de ressignificação, para poder converter-se em estratégia re-territorializadoraparaapopulaçãodePenedo.Porexemplo,culturalmentemanteroimóvelpintadoelimpo,jáeraumhábitodapopulação,enraizadolocalmente.Décadasantesdotombamento,maisprecisamenteatémeadosdadécadade1960,eraporestasruasquecirculavaaelitelocal.Manterascasasembomestadodeconservação significava também enviar uma mensagem explícita para toda acidadedequealinãosepassavapordificuldadesfinanceiras.

Atualmente, aproximidadedo final do anocontinua a renovarohábitodeparceladosmoradoresem recrutarprofissionaisparapintaremas fachadasdos

imóveiseassim,ao renovarapintura, renovam-se tambémosvotoscomoanovindouro.Aressignificaçãodestehábitosevêenvoltonumatramaorquestradadevalorizaçãodabelezaestéticadocasario,belezaessauniversalmenteaceitaeemsintoniacomosobjetivosdapatrimonializaçãodoslugares.

Neste caso, o processo re-territorializador se manifesta sutilmente paramoradoresetrabalhadorespormeiodasvantagensdeestaremlocalizadosemumsítiotombado,namedidaemqueapenasos‘privilegiados’podemusufruirdeumconvênio firmado entre eles, a prefeitura e uma conhecida indústria de tintasnacional. É precisomanter o casario pintado, limpo, portanto, belo, para gerarinteresse e atratividade para a visitação turística. Segundo Canclini (1994, p.104) “os bens simbólicos são valorados na medida em que sua apropriaçãoprivadapermitetorná-lossignosdedistinção”.

Este convênio possibilitou uma valorização da imagemda prefeitura juntoaos moradores do sítio histórico, ao mesmo tempo em que gerou um efeito-diferenciação por não ter contemplado nenhum outro bairro do município; portrazer vantagens através da redução dos custos com a manutenção do imóvelevidenciando a desigualdade socioeconômica no sítio tombado3; e por evitardesgastes comosórgãos fiscalizadores, já que as tintas e as cores são aquelasconstantes do Manual do Morador do Centro Histórico, “(...) em termos depinturadascasas,vocêtemquepintardeacordocomomapaqueelesdão.Atéelesdisseram:‘agentedáatintaevocêspagamamãodeobra’”,(F,61anos,Praça Frei Camilo Léllis).Outra entrevistada reforça essa prática: “Tinha umprefeitoaquiqueeledavaa tinta.Acordo IPHAN,entendeu?‘Quecorvocêquer?Temessa,essaeessa’.Todoano,pertodonataleu faziae ficava tudobonito”(F,65anos,RuaJonasBatinga).

A patrimonialização enquanto processo des-re-territorializador baseado nai-mobilidade evidencia o jogo dos micropoderes estabelecidos nas relaçõessociais e mostra claramente como moradores/trabalhadores são manipuláveis.SegundoFoucault (2014,p.20),opodernãoseexplicaapenaspelasuafunçãorepressiva “[...] pois o seu objetivo básico não é expulsar os homens da vida

social, impedir o exercício de suas atividades, e simgerir a vida dos homens,controlá-losemsuasaçõesparaquesejapossíveleviávelutilizá-losaomáximo,aproveitandosuaspotencialidades[...]”.

Osespaçosdeusufrutodosmoradores,namedidaemquecomeçaramasertombadosisoladamenteeconvertidosemmonumentosnacionais,passaramasersubmetidos a uma legislação específica, acompanhada de várias obrigações,limitações ao uso e penalizações. De acordo com o capítulo II doDecreto-leinº25/37,otombamentoimpactounaperdadeautonomiasobreapropriedadeenamaneira como os seus dispositivos legais tornaram-se parâmetros para apopulação reconstruir os vínculos territoriais com o novo territóriopatrimonializado. A propriedade deixa de ser bem de usufruto exclusivo doproprietário,parasercompartilhadaporumacoletividade.

Segundotaismedidas,osproprietáriospassamaserreguladoseameaçadoscom punições caso não procedam em conformidade com a legislação. Aressignificaçãodosvalorestambéméumprocessodes-re-territorializador,sendocomumamudançadosvaloreshistóricos,nostálgicos,memoriaisparaosvaloresestéticos.

Aslimitaçõesimpostasaousodosimóveisconstituemolimiardasqueixasdos entrevistados, embora alguns já aceitem melhor a legislação a qual estãosubmetidos.Acasadeixadeserapenasmoradia,locusdaintimidadefamiliareterritório da individualidade. O estabelecimento comercial, por sua vez, se vêpenalizadopornãopoderutilizar-sedos recursospublicitáriosde seu interessenabuscaporumadiferenciaçãovisualmaisatrativajuntoàclientela.Aoestaremsituados na área tombada, os imóveis passam a incorporar uma função social.Nestecontexto,aautonomiaabsolutamostra-seincompatívelcomaexistênciadeum ‘Estado’ na condição de instância centralizadora de poder e apartado dasociedade(SOUZA,2000).

Seeupudessemudar...euqueria terumaplaca luminosa...maseumeacostumei...otamanhoéessetamanho,nãopodeseroutro...jámeacostumeihojeemdia....(F,43anos,donaderestaurante).

(...) teve algumas intransigências... assim...já por causa da garagem, porquedisseramquenãopodiae tinhaquedesmanchar,deixarcomoeraantes.Eudisse:‘ah não!’ porque aquele prédio onde é o Shopping Penedo que era o banco doEstado,entãoelefoitotalmentereformado.‘Entãovamosfazeroseguinte:quandovocêsdesmancharemlá,eudesmanchoaqui.(F,61anos,Pça.Mal.Deodoro).

O projeto e as ações institucionais no processo da patrimonializaçãomostram-se multifacetados e contraditórios, atuantes na defesa dos direitos dopatrimônio cultural em detrimento dos direitos daqueles que se esforçam paramanterocasariodepéedevidamenteconservado.Assim,proporotombamentodeumperímetroé,defato,proporumnovoterritório.Amaneiraencontradaparamodificar essa realidade é “[...] tornar as práticas sociais historicamenteestabelecidas, contraditóriasemsimesmaspeloprocessode ‘criminalização’edo controle” (MARTINS; CLEPS JR., 2012, p. 151). Assim, por um lado oIPHANépercebidopeloseupoderdepolíciacomoórgãointimidador,punitivoeseletivamenteperseguidor,noexercíciodafiscalização:

(...) existe muitas barreiras, sabe? Principalmente as pessoas menores, que temmenos privilégios, que eles [IPHAN]olham muito. (...) Aí ele foi e me colocou naparede: ou eu tiraria uma marquise que tinha, pro tempo de chuva, sol, ouderrubaria o que eu já tava construindo.Enquanto queoutras pessoas, (...) tirouporta,botouportanoprédiodele,e ficou tudo tranquilo.Porque?Porqueele tempoder.Entãonãoexiste...assim...diálogo.(F,69anos,donadepousada).

Poroutrolado,apercepçãoexpostanestedepoimentonãoénecessariamentecompartilhada por todos os entrevistados. Segundo alguns, o IPHAN tem semostrado um órgão reconhecidamente mais predisposto ao diálogo do que nocomeçodasuaatuaçãoemPenedo:

(...) nos primeiros embates IPHAN-donos de casa em Penedo, sobre reforma, oIPHANperdia.PorqueagrandemaioriadapopulaçãoficoucontraoIPHAN.Nãohavia uma conscientização. O IPHAN passou a ser chamado em Penedo de‘Infame’. ‘Infame’!! E aí vem aquela outra parte da história que essa casa aquiquando foi construída, essa parte [da frente da casa] era o salão de beleza demamãeequandoelafechouosalão,foifeitaumameiaparedeebotouumjanelão.Quandoaminhaesposadecidiucolocaralojaaí,eudisse:‘vamostiraressameiaparede, o janelão, e colocar a terceira porta’. Aí o IPHAN veio aqui intervir. Eudisse que essa construção era de 1970 e a original é essa aqui [mostrou umafotografiaantiga].Elatinhaaterceiraporta.OIPHANimediatamentepermitiuquefizesse a reforma. Então o IPHAN não é o cão, não é o diabo, nem o ‘Infame’.

Agora,semapresençadeledeformaausteraemPenedo,játavatudomodificado.(M,56anos,ruaFernandesdeBarros).

Outro aspecto a ser considerado no processo de des-territorialização dizrespeitoà“expropriaçãodeelementosdeuma‘geografiaimaginária’constituídahistoricamente” (MARTINS; CLEPS JR., 2012, p. 147), tanto na dimensãosimbólica,“comadestruiçãodesímbolos,marcoshistóricos,identidades,quantono concreto, material – político e/ou econômico, pela destruição de antigoslaços/fronteiras econômico-políticas de integração” (HAESBAERT, 2000, p.181).

Em Penedo, um dos exemplos mais notórios diz respeito à mudança dosnomes das ruas. A retomada dos seus nomes antigos é um dos projetos que oFUNPATRIpretendeimplementaremproldavalorizaçãodamemóriapenedense.Entretanto, embora revestida de uma certa coerência e compreensíveis valoresmemoriais, em verdade mostra-se como uma estratégia de valorização doterritório patrimonializado, no intuito de incutir no sítio tombado aquilo queGuattari (1987, p. 113) chamou de “reestriagem capitalística do espaço” e adefiniucomo“arecuperaçãodeantigossignos,deantigasmáquinasparciaisdesubjetivação, para fazê-las trabalhar a serviço da reestriagem, da redução dasubjetividadecapitalística”.

EstaaçãofavoreceráacriaçãodeumaimagemdePenedoenquantocidade-patrimônioquevalorizaoseupassadoeasuamemória.UmaafirmaçãoinclusivereconhecidanoâmbitodoFUNPATRIdevidoàpoucaounenhumaidentificaçãoda juventudecomalgunsnomesantigosatribuídosaosmonumentos.Certamente,com as ruas e logradouros não será diferente. Não estamos com issodesmerecendo a iniciativa, especialmente quando sabemos que assim que osmoradores antigos forem informados dessa medida, ela certamente encontraráapoio e será percebida como uma ação simpática e respeitosa da memóriaindividualecoletiva.Ora,ousocorrentedosnomesantigosapenasreforçaquãofrágeis são os vínculos dosmoradores antigos, com os novos nomes, impostospara homenagear ‘personalidades’ e que provocam verdadeiros ‘desencaixes’

espaço-identitáriosedelocalização.Um dos principais elementos da des-territorialização na i-mobilidade no

caso de Penedo, são as ressignificações atribuídas ao sítio tombado como umtodo e aos imóveis e espaços que estão sendo restaurados emparticular, tendocomo parâmetro os usos anteriormente atribuídos. Falamos no futuro porque aausênciadosfluxosturísticosaindanãonospermitededuziraintensidadeeoteordas tensões e dos conflitos que advirão caso o turismo se consolide. Porenquanto, podemos afirmar que, mesmo com a entrega de alguns espaços, apopulação como um todo ainda não se apropriou do Círculo Operário e daBibliotecaPúblicacomobensquetambémsãoseus.

Podemos deduzir que os equipamentos coletivos restaurados erequalificadosimpõemcódigosenormasdeconduta,sejamveladasouexplícitas,quecondicionamousoeaapropriaçãodosespaçose,nocasodePenedo,porainda não terem sido devidamente definidos e pactuados, têm geradoinquietações,aexemplodoocorridocomummoradorquetambéméintegrantedoFUNPATRI,aosereferiraousodoCírculoOperário:

(...)nasegundaeupasseieviaturmado“fulano”,nacapoeira.Aquelesalão,tudoencerado,bonitinho!Játinhamtiradoascadeiras,caríssimasaquelascadeiras,praeles treinaremali dentro.Euacho...sou contra isso.Queo grupodele faça parte,tudobem.Masaquele trabalho, tudosuado(...)oSecretário[disse] ‘Rapaz,euviessesmeninoslá,tudoemcimadajanela,dandoumamáimpressão’.(FUNPATRI).

Os mesmos elementos que engendram a des-territorialização podem serfundamentais para a re-territorialização. O diferencial está em como cadaelementoopera.Emboraapatrimonializaçãodesconsidereasespecificidadesdomododevidaedaspráticassociaisdecadalugar,aomenospode-seafirmarquealguns arquitetos idealizadores de projetos de restauro do Programa deAceleração de Crescimento 2 (PAC) em Penedo, por já terem atuado nomunicípio através do Programa Monumenta/BID, estão mais atentos para ahistoricidade e os usos atribuídos pela população aos espaços, buscando umaaproximação e conciliação dos interesses da população com o dos agentes

públicoseprivados.Osvazioseaincipienteapropriaçãoquevitimamestesespaçosrestaurados,

somadosaodescasonadefiniçãoparticipativadeumplanodeusoedegestãotanto para eles quanto para os demais que se encontram em obras, levantamdúvidas se de fato o PAC 2 repetirá os problemas apontados no ProgramaMonumenta/BID,ecomooprocessodere-territorializaçãoseconcretizará.

Ades-territorializaçãoemPenedotemcomoumdosseusprincipaisfatorescontributivos,aexclusãodapopulaçãodosítiotombadodasdiscussõesacercadapatrimonialização.Nãohouveenvolvimentoefetivonosprocessosdetombamentodo município e continua não havendo encorajamento para a participação, nosespaços de discussão como as reuniões do FUNPATRI. Quando questionadossobrecomoapopulaçãodosítiotombadotomaciênciadosdias,horáriosepautadasreuniõesmensaisdoconselho,

Muitas vezes através de correspondência, dizendo nós vamos atuar assim,fazer...comobemnadivulgaçãonasemissoras(FUNPATRI).[...] o SINDILOJAS que representa os empresários e o comércio eles tão tendoreuniões frequentes. Foi repassado pela representante... com comerciantes eempresários que tem interesse, para se inteirar sobre o que está ocorrendo emrelaçãoàrepresentaçãodeles.(FUNPATRI).

Apesardasrespostasacima,constatamosqueinexistequalquerinformação,anúncio ou estratégia de divulgação para chamar a população a participar dasreuniões.OutrosaspectostambémcolaboramecolocamemrelevooprocessodemudançasocialdefendidoporSouza(2000)quandooautorsepropõeapensarodesenvolvimento. A participação prescinde de determinadas condições paraoperar,quesãoprópriasdecadalocalidadeetributáriasdasuatrajetóriasócio-histórica.

É fundamental a existência de lideranças comprometidas, de espaços dediscussão e debate esclarecedores e propositivos, de familiarização com osmecanismosdeparticipaçãoexistentes,decobrançadeencontrosregularesentreos gestores públicos, privados, terceiro setor e moradores, de exigência detransparência acerca da aplicação dos recursos públicos em projetos, e

divulgação ampla dos encontros e reuniões destinadas a encaminhamentos deprojetos futuros. Curiosamente, o processo de re-territorialização apresentariamaiorêxitocasofossemadotadasalgumasdestassugestões.

Poroutrolado,reconhecemosqueaparticipaçãoampliadadapopulaçãoeainstituição de um processo efetivamente democrático de tomada de decisãoimplicaria em partilha do poder e debates longos e acalorados, o quepossivelmentepodeservistocomo inconvenienteparaalguns.Aooptarempelanãodivulgaçãodasreuniõesaograndepúblico,oFUNPATRItorna-seumagentedes-territorializador.

A des-territorialização criou uma ruptura na relação do morador etrabalhadorcomaprópriapropriedade,convertidaempatrimôniocultural.Éfatoque a mudança na relação com o imóvel patrimonializado acabou mudandotambém a relação entre as pessoas, até na própria vizinhança. Podemos inferirqueamudançaoperadanãoficourestritaànovalógicaderelacionamentocomoimóvel, mas esta população também mudou a sua própria natureza, em algunscasos, rompendo laços de lealdade e vínculos de solidariedade, numa clarademonstração da eficiência com a qual houve a absorção do discursopatrimonializador.

Elesetraduznofatodealgunsmoradoresteremassumidovoluntariamenteopapel de ‘fiscais’, num exercício de patrulhamento da vizinhança que objetivaconverteremdenúnciasjuntoaosórgãosfiscalizadores,todaequalqueraçãoquesugira dano ao patrimônio cultural edificado, em um efetivo exercício do seupapeldecidadão.

Há muito pouco tempo, coisas dos últimos 10 anos é que o IPHAN começou ainterviremPenedo.Porquevinhasemodificandomesmocomotombamento,porqueapessoanãosabia.Entãoacoisafoi‘contaminada’nosúltimos10anosporaçãodo IPHAN[...]Eles [IPHAN]vinhammediantedenúncia.De2000pracáéqueoIPHANveiotomarcontadePenedoeaíveioareaçãodapopulação.Nessareação,se espalhoua conversaqueninguémpodiamexernas casas tombadas.Esse foiomal porque se tivesse sido divulgado antes,muita coisa teria sido evitada. (M, 56anos,ruaFernandesdeBarros).

Oprocessodere-territorializaçãotrazconsigoumapropostadereleituradosmodos de vida e de trabalho engendrados historicamente em relação aosambientes. Nas entrevistas, pudemos observar que embora não tenha havidoexatamente uma ruptura com o seu território material posto que não houvemobilidade, a estratégia passou a ser a de criar novas formas de enxergar,interpretar e se relacionar com o território patrimonializado para o consumoturístico.

Ponderamos que talvez por esta razão, é que percebemos a presençamaisefetiva do curso de Turismo da Universidade Federal de Alagoas (UFAL); arealização de cursos de curta duração como o de Agentes de InformaçõesTurísticas ofertado pelo Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico eEmprego (PRONATEC) através do Instituto Federal de Alagoas (IFAL) e daUFAL em pelomenos três edições desde 2012; a recente criação doConselhoMunicipal de Turismo; a chegada do Serviço Nacional de AprendizagemComercial (SENAC) com a oferta do curso de formação emGuia de Turismo;alémdasaçõesdoProgramaMonumenta/BIDedoPAC2.Todasestasiniciativasqueocorremdentrodosítiotombado,apresentamumaclaraintençãodeestimularasociabilizaçãodestapopulaçãocomoterritóriopatrimonializadoparaatenderàsexpectativasemtornodoarranqueeconômicodePenedo.

CONSIDERAÇÕESFINAISEntendemosqueare-territorializaçãoéumprocessoquedependedacriação

de laços baseados na vivência e depende da identificação com o espaçoapropriado. Por esta razão se insere em um processo histórico e afloraindividualmente, ou seja, “o território se forja com o tempo, nas produçõeshumanas espaçotemporalizadas, ou seja, é tempo vivido em todas as suasdimensões”(MARTINS;CLEPSJR.,2012,p.163).

Are-territorializaçãoconsistenumaespéciedeajustamentodasconcepçõesdemundo dos grupos sociais a uma nova realidade territorial. E, a adaptação

exitosa destemorador, sobretudo osmais antigos, será facilitada assim que “oespaço de referência ‘condense’ a memória do grupo, tal como ocorredeliberadamentenoschamadosmonumentoshistóricosnacionais”(HAESBAERT,1999, p. 180). No caso dos empresários e autônomos do sítio tombado, oprocessore-territorializadorencorajadopelasaçõesdereabilitaçãourbana,sãoumelementodeestímuloparaosetor,umavezquesedesejaaincorporaçãodafunçãoturísticaàquelasjáexistentesquesãoacomercialearesidencial.OfatodePenedoaindanão‘teracontecido’turisticamentegeraexpectativas,sobretudonaqueles que dependem dos fluxos de visitantes para manter os seusempreendimentosfuncionando.

De um modo geral os sujeitos entrevistados não se mostram contrários àpatrimonialização, pois a expectativa de conjugar a geração de empregos,percebidoscomonecessárioseurgentes,àmanutençãodeumapaisagemculturalvalorizada pela estética, que uma parcela considerável admira e se regozija,favorece o processo patrimonializador e ressignifica os próprios agentespatrimonializadores,quepassamaserpercebidosnãosócomoimportantesmastambém como necessários à manutenção desta paisagem. Amercantilização dapaisagempatrimonializadaéestratégicaparaosempresários/autônomosdiretaeindiretamentevinculadosaoturismo.

Umdosprincipaisgargalosidentificadoséafaltadecomunicaçãoentreosagentespatrimonializadores, sejamosexternos, sejamos internosaomunicípio,com a população residente e os empresários/autônomos do sítio históricotombadoenistoconsisteamaiorpartedosconflitosexistentesatualmentenaáreaestudada. Evidenciamos sobretudo a ausência de um processo democrático eparticipativonadefiniçãodasaçõesemproldopatrimônioculturalemPenedo.Enfatiza-se demasiadamente a dimensão funcional e de recurso decorrente daressignificação deste sítio histórico, em detrimento da sua dimensão imaterial.Comoumfatoragravante,temosaausênciadeplanosdegestãoquedeveriamserconcebidos e debatidos coletivamente para garantir o uso, a apropriação e asustentabilidadedestesespaços.

Distodecorrequeapopulaçãonãotemseapropriadoacontentoenempensaemseapropriarefetivamentedestesespaçosrestaurados.Dizem,espantosamentesemindignação,queacidadeestáficandoaindamaisbonita“paraoturista”.Odesconhecimento em torno dos arranjos que ensejam a patrimonializaçãofavorecemointentodamercantilizaçãodoslugares.Estacondutanãolhespermitedivisarqueapatrimonializaçãodapaisagemdosítiohistórico,pensadaparaumfluxoturísticoquenãoseconcretiza,irácontinuaronerandoaindamaisoscofrespúblicosemdetrimentodasdemandasurgentesquesecolocamfrenteaocenáriodepobrezanaqualseencontraPenedo.

Assim,oprocessodedes-re-patrimonializaçãodosítiotombadodePenedovaiseconcretizandonumcontinuum provocadopelasnormatizações resultantesdoprocessodepatrimonializaçãoenãocomoconsequênciadasaçõesindividuaise coletivas dos sujeitos usuários e residentes. A i-mobilidade da populaçãopenedense atribui-lhe, num continuum, novos sentidos e novas funçõesindependentemente da normatização e das gestões nas três esferas. Foi apatrimonialização que possibilitou descortinar a percepção sobre patrimôniocomo paisagem apropriada pelos sentidos individuais e coletivos, comopatrimônio-recursofuncionalmentedelimitadoparaocontroleeparaoconsumoturístico.

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1DeacordocomoMinistériodoTurismo(2010,p.15),o turismocultural“compreendeasatividadesrelacionadasàvivênciadoconjuntodeelementossignificativosdopatrimôniohistóricoeculturaledoseventosculturais,valorizandoepromovendoosbensmateriaiseimateriaisdacultura”.

2OFundodePreservaçãodoPatrimônio(FUNPATRI)foiidealizadoenquantomodeloinstitucionaldecaráter participativo para a administração dos recursos destinados à conservação do patrimônio edificado eoriundosdoProgramaMonumenta/BID(BancoInteramericanodeDesenvolvimento)executadopeloIPHANa partir de 2002 em todo o país, sendo Penedo uma das cidades contempladas. O ProgramaMonumentatransformou-se em um modelo difundido internacionalmente de reabilitação de núcleos históricos. Os seusintegrantes incluem pessoas representativas das três esferas da gestão pública, da iniciativa privada e dasociedadecivilorganizada.Évisívelointeressedealgunsmembrosemconduziraçõesbaseadasemvínculosafetivospelopatrimôniomaterialdosítiotombado,entretanto,nãosepodedeixardereconhecerquedefendem“um”tipodepatrimônioconstruído,não“o”patrimôniopenedenseemsuapluralidade.

3Nemtodososmoradoresforamcontemplados,apenasaquelesquedesejaramparticipardaparceria.

ARESISTÊNCIADOLUGAR:CAMINHOSENTREPLANEJAMENTOURBANOEAFENOMENOLOGIA

HEITORMATOSDASILVEIRAMestradoInterdisciplinaremCiênciasHumanaseSociaisAplicadasUNICAMP

[email protected]

GestãodePolíticasPúblicasIFCA/[email protected]

EDUARDOMARANDOLAJR.ProfessorAssociadoIFCA/[email protected]

INTRODUÇÃONossotrabalhotemcomoesforçobuscarconstruirpontesmaisprofícuasna

relação existente entre fenomenologia, cidade e planejamento. Talempreendimento surge a partir dos diálogos traçados no grupo de estudo“Planejamento urbano, política e fenomenologia” sediado na Faculdade deCiências Aplicadas da UNICAMP (FCA/Unicamp) que tem como premissaencaminharoolharsobreacidadeesobreaspolíticasurbanasquenãoestejampuramente vinculadas a matrizes econômicas ou desenvolvimentistas, a qual adiscussãodoplanejamentourbano temsido tecida,mas,sim,direcionaroolharparaasdimensõesexperienciaiseexistenciaisquecompõemoritmodoslugaresedascidades,admitindoapossibilidadedequeoplanejamentourbanopossaserpensado, também, a partir do sentido de lugar e, portanto, da lugaridade e dageograficidade.

O lugar, em sua dimensão experiencial e vivida, torna-se um caminhoseminalpararepensaraspolíticasurbanaseosrumosqueacidadetemtomado,principalmente com o avanço aindamais avassalador do capital imobiliário, oqualCarlos (2015) compreenderia comoumadas novas facetas do capitalismo

nas cidades após a transição do capitalismo industrial. Esse novomomento docapitalismo demarca uma apropriação ainda mais forte do espaço urbano,implicandoàcidadeumalógicapuramentemercadológica,oquesetornafocodecríticas de autores tanto de cunhomarxista como anarquistas.Há uma gama debibliografiasquetratamdaproblemáticacontemporâneadoplanejamentourbano,como um grande indutor dos processos de exclusão socioespacial e desubdesenvolvimento e de pobreza no contexto intraurbanos como Maricato(2000),Vainer(2000),Ward(1989),Souza(2006),Jacobs(2011),Rolnik(1995),Villaça (1995), apenas para citar alguns importantes nomes. Todos os autorespartemdopressupostodequeoplanejamentourbanocontemporâneoseencontraem processo de crise, e que sua gestão e sua aplicação têm reverberações deordemproblemáticanocontextodavidaurbana.

Porexemplo,Souza(2005)redigeimportanteobraquesedirecionaaonovopanoramadascidades,evocandoanecessidadedequeaparticipaçãopopularsetorne ainda mais comum, colocando a população e o Estado em níveis deigualdade, conferindo, assim, nãomais a assimetria estrutural que essa relaçãoapresentava,ondeaspolíticasseriampensadasnumarelaçãotop-down,tampoucoque essa relação se fortaleça apenas no sentido bottom-up, mas, sim, que arelaçãosetornasseaindamaisorgânica.

Caminhando pela mesma senda aberta por Souza (2005), compreendemosqueessa relaçãomaisorgânicapode ser consolidadaapartirdeum resgatedesentido de lugar, principalmente a partir do que Relph (1976) formularia emPlaceandPlacelessness,apartirdeHeidegger,comaidentidadeeautenticidadedoslugares.Acreditamosqueaapropriaçãoaindamaismassivadoespaçopelocapitalismo consolida relações inautênticas com os lugares, mediada pelodesaparecimento de uma consciência de lugar, perdendo a compreensão dasrelações simbólicas profundamente pertencentes aos lugares e nenhumaapreciaçãodesuasidentidades(RELPH,1976).

Propomos, portanto, pensar a relação entre fenomenologia e planejamentourbano tendo comomediação o lugar, traçando um debate na possibilidade de

pensarcomooplanejamentourbano temsidopensadoecomoo lugarpode serinserido no debate a partir da identidade e autenticidade dos lugares enquantocaminhopararesistiraosprocessosdeapropriaçãocapitalistadoespaçonoqualascidadestêmsidosubmetidasnacontemporaneidade.Resgatarofioexistencialeexperiencialdavidaurbanaenquantofiocondutorparapensaroplanejamentoeagestãodascidadesapresenta-secomoumcaminhoprofícuoparaqueacidadesetorneaindamaisorgânicaemenosmercadoria.

PLANEJAMENTO URBANO E CIDADE EM TEMPOS DEGLOBALIZAÇÃO

Umadasmaisproeminentespensadorasdoplanejamentourbanomodernista,ErmíniaMaricatoapresentacríticascontundentesaoplanejamentourbanonoqualas cidades contemporâneas estão sendo dinamizadas. A autora pondera que oplanejamento urbano brasileiro não busca um comprometimento eficaz com asrealidades locais e comos lugares,mas, sim, apenas a determinadas partes dacidade,ouaumaparceladacidade.Maricato (2000)considerariaessa relaçãotantocomoideiasforadolugar,comoideiasqueestãonolugar:aprimeira,poisaordemrefere-seatodososindivíduosaliadoaumalógicaburguesa,easegunda,justamente por conta da primeira, ocorre pelo fato dessa relação permitir areproduçãodedesigualdadeseprivilégiosdeumdeterminadogrupo.

Podemos dizer que se trata de idéias fora do lugar porque, pretensamente, a ordem serefere a todos os indivíduos, de acordo com os princípios do modernismo ou daracionalidadeburguesa.Mastambémpodemosdizerqueasidéiasestãonolugarporissomesmo:porqueelasseaplicamaumaparceladasociedade reafirmandoe reproduzindodesigualdadeseprivilégios.(MARICATO,2000,p.122).

Maricato (2010) compreenderia que o planejamento urbano modernistafuncionalista,amplamenteconstituídoeaplicadonascidadesbrasileiras(masnãosomentenelas),nadamaiséqueuminstrumentodedominaçãoideológica,equeserviria como uma grande ferramenta para a “consolidação de sociedadesdesiguaisaoocultaracidaderealepreservarcondiçõesparaaformaçãodeum

mercadoimobiliárioespeculativoerestritoaumaminoria”(MARICATO,2010,p.64).Atensãogeradaédeque,dadoagrandecomplexidadeeoconflitogeradoentreomercadoimobiliárioespeculativoeaconstruçãodeumacidadereal,ascomunidadese apopulaçãoacabampor seesconder sobanévoadepartidosegovernantes, imputando a eles a capacidade de falar por elas e aumentando arelaçãodeclientelismo(MARICATO,2010)ediminuindosubstancialmenteseupoderdeaçãofrenteaosprocessosqueocorremdentrodacidadeemquevivem.

O centro da problemática foi gerido desde o processo de construção daspolíticasurbanas,nocasodoBrasil,onde,apartirdaConstituintede1988,ondeforamdefinidas asdiretrizes e asnecessidadesde seobteros caminhospara agestão das cidades, teve-se como grande expoente o pensamento de que aprodução da cidade deveria ser controlada pelo Estado, a partir do que foradenominadodeplanejamentourbano.AfaltadopensaraproduçãodacidadesoboprismadaReformaUrbanaimputouaoprocessoumaconcepçãodeproduçãodacidade onde os urbanistas teriam papel central, por ser o corpo que deteria osaber fazer a cidade. Os urbanistas, portanto, possuiriam a receita do PlanoDiretor, tecnificando ainda mais o debate acerca da cidade, distanciando-o dapopulação(ROLNIK,1994).

Aconstruçãodaspolíticasurbanasengendradaspela ideiadeproduçãodacidadeconduzidapeloEstadoeapoiadaemumplanejamentourbano(conduzidoporurbanistasepelosaberfazeracidade),formulandoplanosdiretoresqueemtese deveriam ser competentes, suplantou uma gama de problemas para arealidade intraurbana. Rolnik (1994) compreende essa questão, apontando que,alémdeaprópriaConstituinteestarafastadadaideiadeReformaUrbana,erigiu-se,nopaís,umaculturaurbanísticaondeosassentamentosprecários,irregulareseilegais na cidade são tratados como desvios de um sistema de planejamento egestão“perfeitos”,emvezdeconsiderarsuaparticularidadedeurbanizaçãoesuadinâmica.

Todo o planejamento urbano modernista tem como modelo a fábricatoyotista,quetinhacomocaracterísticaumcarátereminentementeempresarial.É

o que Harvey chamaria de empresariamento da gestão urbana, demarcadoprincipalmente por elementos como produtividade, competitividade esubordinaçãoàlógicadomercado.Issorefleteque,osplanejadoresmaisnovos,ouneo-planejadores,engajadossobessamatrizempresarialdegestãourbanaedeplanejamentourbano,seapropriamdadimensãodonegócioedagestãoadvindasdalógicadasempresas(VAINER,2000).Namesmasenda,Vainer(2000)ressaltaque,nessecontextodoqueeledenominademarketleadcityplanning,agestãoeo planejamento não se afastam de intervenções estatais,mas estas devem estaratendendo às exigências do mercado. O que Vainer (2000) reitera nada maisrepresenta que uma profunda rendição do espectro público ao privado, ondemesmo o Estado rende-se à lógica mercadológica de produção da cidade(RIBEIRO,2001),profundamenteperversa.Abuscailimitadapelolucropodesera destruição total do mundo, pois, o liberalismo que destruiu a sociedadeindustrial,acabou,também,porminimizareextinguirseusatores,transfigurandoomundoparaomundoregidopeloreinodomercado(TOURAINE,2011).

Ascidades, assim,estariam rendidasauma lógicaperversadocapital,daglobalizaçãoedograndeconflitodeinteresses(quetendemgeralmenteparaumlado) em torno do pensar a cidade. Flávio Villaça (1995) consideraria que oplanejamento urbano brasileiro é conduzido sob dois componentes: um, dozoneamentourbano,eoutro,doplanejamentorepresentadopelafiguradeplanosdiretores.O plano diretor, enquanto instrumento de aplicação e regulamentaçãourbanística, delineado desde a Constituição de 1988, nos artigos 182 e 183destinadosàpolíticaurbana, teriacomograndepapelodesero instrumentodeplanejamentourbanoqueconcederiaespecificaçõestécnicasparaaconstruçãoeexpansãodos espaços intraurbanosda cidade.ParaVillaça (1995), oproblemareside especialmente na forma com que o plano diretor tem sido tomado eaplicado nas cidades brasileiras, por ter se tornado um instrumento puramenteideológicoetécnico,ondesuaconcepçãofoi“aceitaedifundidaporumaclassedominante que procura veicular a ideologia de que a boa técnica tem o podermágicoderesolverosproblemasurbanos”(VILLAÇA,1995,p.47),fazendocom

queelesejaapropriadopela imprensaepelaelite.NaconcepçãodeVillaça,aquestãodoplanodiretor,

[...] é política, de dominação, especificamente brasileira, selvagem, de nossas classespopulares na esfera do espaço urbano. São as forças reacionárias que se apegam àconcepção tradicional (modernista)deplanodiretor eque,utilizando-sedeuma fachadatecnocráticaepseudocientífica,têmconseguidoimpedirimportantesconquistaspopularesnoâmbitourbano.(VILLAÇA,1995,p.50).

Na mesma esteira de crítica ao planejamento urbano, Marcelo Lopes deSouza constrói um arcabouço argumentativo que percorre ideais libertários eanarquistasdepensaracidade,partindofundamentalmentedafilosofialibertáriade Cornelius Castoriadis. Em Mudar a Cidade, Souza (2006) constrói umapropostadeplanejamentourbanoqueeledenominadeautonomista,quebuscariaaproximar efetivamente a população de todas as instâncias do processo deplanejamentoedegestãodascidades,construindoumaideiadeorganizaçãoemque a representação se tornaria algo extremamente fluído e dependente dacapacidade do mediador de diálogo com o Estado. O que o autor constróiperpassa um empoderamento da população no processo de pensar a cidade,afastando-se de toda pseudoparticipação que o planejamento urbanocontemporâneotemsepautado,ebuscandoumaefetivaparticipação.ApartirdeCastoriadis, Souza (2006) compreenderia uma sociedade autônoma como umapossibilidadedeparadigmaparaoplanejamentourbano,aopassoquemesmoascorrentesesquerdistasdoplanejamentourbano,principalmenteao“planejamentopolitizado” brasileiro não se afastaram do tecnocratismo do planejamento, ouseja,acrençadequetécnicoseespecialistasseriamagentesneutrosnoprocessode planejamento e eles teriam capacidade de pensar a cidade para toda apopulação. O planejamento urbano crítico que Souza (2006) viabiliza é umaformaderadicalidadedopensamentoacercadacidadeedemovimentossociais,buscandonaprópriaradicalidadeesquecidadabandeiradeesquerdaocaminhoparaaproximarapopulaçãoefetivamentedosprocessosdeplanejamentoegestãodacidade.

Concordamos com Villaça (1995), portanto, que as concepçõescontemporâneasdeplanejamentourbanodevemsersubmetidasaumareflexãoeaumarevisãoradical,tantodesuasbasespolítico-filosóficascomodesuasbasesde operacionalização e de abertura à participação popular. O movimento deradicalização do pensamento em torno do planejamento urbano já vem sendoconstruído, principalmente com um grandemovimento em torno demodelos deplanejamentourbanoanarquistas,comoodeWard(1985)eSouza(2006).

No processo de constituição de um pensamento urbanístico voltado aomercado,opapeldesempenhadopelaglobalizaçãoécadavezmaisevidenciadopelascríticasconstruídasnacontemporaneidade.OsociólogoBauman(2009),aotratardomedonacidadenacontemporaneidade,compreendequeaglobalizaçãotemumpapelfundamentalnanovaconfiguraçãodacidadeenasnovasrelaçõesque temos com o urbano. A partir dos novos processos empenhados pelaglobalização,nãomaisestamosdistanciadosdeprocessosqueocorrememescalaglobal,mas, sim, cada vezmais tais eventos têm influência direta na dinâmicalocal.

Aglobalizaçãosetorna,assim,umdosgrandesmotivadoresdosprocessoscontemporâneos que se fixamnas cidades.A nova dinâmica entre o global e olocalrefletenovosprocessosenovasformasdeconcepçãodoespaço-tempo,queantigamente não estavam tão claras ou não eram consolidadas.A tensão criadaentreglobalizaçãoecidadeestá,certamente,atreladaaoqueRogérioHaesbaert(2008)apoiadoemAnthonyGiddens, chamariadedesencaixeespaço-temporal,sendofundamentalmenteum“desencaixedasrelaçõessociaisdecontextoslocaisde interação e sua reestruturação através de extensões indefinidas de espaço-tempo” (HAESBAERT, 2008, p. 158). Na perspectiva de Anthony Giddens(1991), a globalização possui um sentido fortemente ligado ao distanciamentoespaço-temporal que, dada pela sua estrutura, conduz nosso olhar às novas“complexasrelaçõesentreenvolvimentoslocais(circunstânciasdecopresença)einteração através da distância (as conexões de presença e ausência)”(GIDDENS,1991,p.76).

A globalização seria, assim, fundamentada fortemente pelo alongamento epeladistância,querelativizamasnovasrelaçõesquenãosedãosomenteaescalamicro ou macrolocal, separados de um contexto global externo. Pensar aglobalizaçãosobesseprismaconcedeumacapacidadedecompreenderasnovasrelações que se estabelecem no espaço intraurbano. Bauman (2009) eGiddens(1991)traçamomesmocaminhodepensamentoquantoaopapeldaglobalizaçãoesuainfluêncianacidadecontemporânea.Bauman(2009)compreenderiaque,naatualidade, as cidades teriam o papel ainda mais complexo de pensar suaspolíticaspoisnãomaisestariamvoltadasaumadadaescalaridade,masqueasrelações entre o local e global se intensificaram ainda mais, ao passo queprocessos globais impactam de tal forma no local que as cidades precisam seadaptar e construir novas políticas. Na perspectiva de Giddens (1991), oprocesso de alongamento e de distanciamento, com a relação entre o local e oglobal ter se tornado ainda mais estreito, onde os processos que ocorrem emdeterminada cidade estão, em suma, engajados e dinamizados por uma lógicaeconômicaesocialqueédedifícildetecçãodeseualcance.Emoutraspalavras,no contexto pensado para as cidades, Giddens considera que “quem quer queestudeascidadeshojeemdia,emqualquerpartedomundo,estácientedequeoocorre numa vizinhança local tende a ser influenciado por fatores – tais comodinheiromundialemercadosdebens–operandoaumadistância indefinidadavizinhançaemquestão”(GIDDENS,1991,p.76).

Portanto, construir umpensar sobre a cidade, na contemporaneidade, devetratá-lasoboprismadaglobalização,emqueseusprocessosestãoenraizadosemuma dinâmica global tanto econômica como social e cultural, onde o fluxo docapital e os processos que ocorrem no global vão refletir substancialmente nacidade em que vivemos. Essa perspectiva requer um novo debruçar sobre ascidades,buscando,aforapensá-lacomoreceptáculodoprocessodeglobalização,mas como esse processo impacta fortemente na forma com que a populaçãoenfrentaosproblemascotidianosdoespaçointraurbano,bemcomosuaaceitaçãode valores de massa ou sua total confiança na tecnificação do espaço urbano,

aindamaispresentenocontextocontemporâneo.

LUGARELUGARIDADEOlugar,nodesenvolvimentodopensamentogeográfico,perpassouumagama

deaproximaçõesedefiniçõesquelheimputaramumamiríadedesignificados.Deumsentidoestritamentelocacional,olugartomoumaiorfôlegocomarenovaçãodageografiacultural,emquegeógrafos,sobretudoosestadunidenses,passaramaseaproximardeformamaisconcisadopensamentofenomenológico,construindooqueviriamaistardeserdenominadodeGeografiaHumanista.Narealidade,aGeografia Humanista, num primeiro momento, não tem sua gênese ligadavisceralmenteàfenomenologia,pelofatodetersidotomadocomoumcaminhodeaproximarashumanidadesdaGeografia,construindoumasendaentreGeografiaeArte.É somentecomRelpheButtimer, edo resgatedaobradeDardel (2011),que os geógrafos passariam a se aproximar de forma mais contundente dafenomenologia,ressignificandosuascategorias,agorachamadasdeessênciasdaGeografia(HOLZER,1999;2008).

Território,lugar,paisagem,espaçoeregiãosetornaramaindamaiscentraisnocontextodaGeografia,sendopensadassobumprismafenomenológicoligadoaohabitareaumaontologiadoser-no-mundo.Essepensarsedá,sobremaneira,numa aproximação mais contundente com a fenomenologia de Heidegger, quepassaria a pensar tanto lugar e espaço como a região. Dentre as principaiscontribuições, pode-se destacar o papel que Relph e Buttimer possuem naconstruçãodeumsentidodelugaradvindodafenomenologia,equesetornamaiscoerenteparaaconstruçãodenossopensamento.Relph(1976)setornariaumdosmais proeminentes geógrafos que consolidam um pensamento de lugar,principalmente tendo como esteio a filosofia de Heidegger. Não somente portratar, junto deHeidegger, da autenticidade e identidades dos lugares,mas porbuscar elaborar uma ontologia para a Geografia e tecer uma relação entreHeidegger e Dardel (MARANDOLA JR., 2012). Na outra ponta, Buttimer

construiria sua ideia a partir de uma aproximação entre fenomenologia eexistencialismo, dandomais profundidade para omundo vivido e o sentido dohabitar.Sobremaneiraohabitarsetornaumaconcepçãofundamentalparapensaro lugar: ao habitar construímos a partir da relação que temos com as coisas,fundamentamosnossomundo,nossoslugaresenossosespaços.

Aideiadehabitarperpassaameraideiadehabitarcomoterumahabitação,mas, sim, requer um debruçar ontológico acerca dele. Heidegger (2006), emConstruir,Habitar,Pensar,tratariadohabitarsobumprismaontológico.“Pareceque só é possível habitar o que se constrói” (HEIDEGGER, 2006, p. 125),iniciariaHeideggeremsuaproposiçãoediscussãoda ideiadehabitar.Habitarnão é apenas possuir uma habitação, pois pontes, estações ferroviárias,autoestradasestãoemnossohabitar,“umâmbitoqueultrapassaessasconstruçõessem limitar-se a uma habitação” (HEIDEGGER, 2006, p. 125). A primeiraassertivadeHeidegger,“parecequesóépossívelhabitaroqueseconstrói”,defato, reitera uma concepção de que habitar e construir são duas entidadesseparadas,noentanto,construirnãoésomentecomafinalidadedohabitar,éelemesmoumhabitar.

Heidegger (2006) recorreria ao antigo alemão para buscar salientar nalinguagem as próprias relações existentes entre habitar e construir. “Buan”,utilizada antigamente para o construir significa habitar, e mesmo o verbo“bauen”,ouconstruir,seriahabitar,oqueseacabouperdendo.Heidegger(2006)procedesuaanálise,indicandoque

Construirsignifica,originariamentehabitar.Quandoapalavrabauen,construir,aindafalademaneiraorigináriadiz,aomesmotempo,queamplitude alcançaovigoressencialdohabitar.Bauen,buan,bhu,beoé,naverdade,amesmapalavraalemã“bin”,eusounasconjugaçõesichbin,dubist,eusou, tués,nasformasimperativasbis,sei, sê, sede.Oquediz então: eu sou?Aantigapalavrabauen (construir) a quepertence “bin”, “sou”,responde:“ichbin, “du bist” (eu sou, tu és) significa: eu habito, tu habitas.Amaneiracomotuéseeusou,omodosegundooqualsomoshomenssobreessaterraéoBuan,ohabitar.(HEIDEGGER,2006,p.127–grifosnooriginal).

Desde o antigo alemão, portanto, ich bin du bist, eu sou, tu és, é uma

maneira de dizer: eu habito, tu habitas. Construir é, portanto, habitar, e é nohabitarquesomoseénohabitarqueohomeméecontinuasendo.Oconstruiré,portanto,nãosimplesmenteoconstruirumamoradaouumahabitação,mas,sim,construir aquilo que permite o habitar, ou ainda, “construir das relações quegarantem às pessoas, ao indivíduo, à terra e ao lugar continuarem sendo”(MARANDOLAJR.,2008,p.48).

Há,assim,uma ligaçãoentreohabitareoDaseinheideggeriano,nasduasdimensõesessenciaisdohabitar,oderesguardoedodemorar-se“quesereferemaoenvolvimentovisceralhomem-Terra”(MARANDOLAJR.,2012,p.88).

Osentidodehabitar,então,refere-sefundamentalmenteaumsentidodeumde-morar, expressando nossa relação com o mundo, que tem sua expressãogeográficadadapelageograficidadedeDardel(2011),umarelaçãovisceralqueliga o homem à Terra. Para Holzer (2010), a geograficidade é a essência daGeografia e não a espacialidade (que estaria ligada às ciências exatas egeométricas);enquantociênciaeidéticaregional,preocupadacomasestruturasdomundoda vida e como ser-no-mundo, aGeografia teria comogrande essênciaessarelaçãoquetemoscomomundo,edelaexprimimosessarelaçãogeográficaatravés de lugares (pertencimento, afetividade e repulsa), região (sentido eenvolvimento), paisagem (visão e intencionalidade) e espaço (disposição,distâncias) (MARANDOLAJR., 2012).Cadaumadessas essênciasgeográficas“sãoaspectosfundamentaisdaunidadedoserhumano, indivisíveisdoambientemundano: sãomodos geográficos de existência” (MARANDOLA JR., 2012, p.90).

SedesdeTuan(2012;2013),olugartemumsentidodepausanomovimento,que requer envolvimento e se expressa em sentidos topofílicos ou topofóbicos,concordamoscomHolzer(2013)queolugarnãoéapausaemsi,maseleédadopelo movimento da vivência cotidiana, onde construímos lugares a partir darelação que temos com as coisas. Ser-no-mundo, portanto, é ser naquilo queconstruímos, no mundo que reflete nossa experiência individual de ser e naexperiênciacompartilhadaintersubjetivamente,quepermiteaoutorgadelugaresa

partirdeumde-morar,dopertencimentoedasrelaçõesquetemoscomoslugares;destarte, não são lugaresno sentido locacionalque iremos traçar relações,mastodo sentido de movimento que temos dada pela vivência cotidiana e pelaexperiênciadiáriaoutorgamoslugaresapartirdomundodavida.Holzer(2013)pondera,nessasenda,queseexigeumanova formadepensaros lugares,numarelaçãoentrepausaemovimento.

Omovimento, expresso pelaLebenswelt, a vivência cotidiana, faz com que os lugarestornem-se instáveis e variem intensamente de escala. Nas sociedades tradicionais, nãoimportasesedentárias,transumantesounômades,omovimentoimplicaestabilidade,comomuito bem observa Tuan, devido à percepção do passar do tempo, ou seja, dodeslocamento no espaço, como cíclico, circular. Nas sociedades contemporâneas, umnúmero incontável de pessoas percebe esse movimento como linear, preferencialmenteretilíneoeuniforme.Nessecaso,aestabilidade,comotambémobservaTuan,éoferecidapela eleiçãodedeterminadas localizações como lugares experimentados relacionalmentecomopausa,masabsolutamentetambémcomomovimento(HOLZER,2013,p.24).

Olugar,assim,émaisdoqueumameralocalidadeouapenasumpontoemummapa,eleéumtodoemqueconstruímosintersubjetivamenteapartirdenossasexperiências. Ele é construído a partir de um envolvimento e uma dada pausa,mas que está vinculada a ummovimento, ou seja, não estamos estáticos e nãoexperienciamos o mundo e os lugares de forma estática, mas no própriomovimentodenossaexistência,nomovimentoque,emtermosdemundo-da-vida,é dada pela vivência cotidiana. Recorremos, portanto, a Relph (2012), queconcede uma concepção de lugar abrangente e importante para pensarmos ocontexto do planejamento urbano contemporâneo, onde o lugar é onde nossaexperiência flui e se abre para o mundo. É a partir do lugar, portanto, queestruturamos o nosso espaço e a partir do mundo e da vivência diária queconstruímosnossoslugares,eondeessaexperiênciademundofluiereflui.

APROXIMAÇÕES ENTRE LUGAR, FENOMENOLOGIA EPLANEJAMENTOURBANO

EmConfiança e Medo na Cidade, Bauman (2009) apontaria que a vida

urbana e o viver na cidade são ambivalentes. Ou seja, o contexto de viver nacidadepossuiumaambivalência,umadualidadeeque,nacontemporaneidade,édemarcadapelooqueoautorchamariademixofobia(omedodesemisturarcomooutro)emixofilia(avontadedesemisturarcomooutro).

Isso implica que a cidade não é meramente o todo físico que serve demoradadohomemdesdetemposantigos,mas,sim,queacidadeéumfenômeno,edeve ser pensada sob um prisma experiencial e fenomênico. A ambivalênciacontemporâneadavidaurbana remete-nos apensar opapel deplanejadoresnocontextourbano,que,comoapontaBauman,nadamaisqueacabamporengendraraindamaissentimentosdemixofobia,oquereverberanumaperdasubstancialdoespaço público, pois as pessoas tornaram-se ainda mais individualizadas ebuscariam na vida em condomínios o local de proteção e de segurança(BAUMAN,2009).

O pensamento atual acerca do planejamento urbano não busca de formaeficienteumnovodebruçarsobreoespaçopúbliconabuscadeumapromoçãodamixofilia,mas,sim,emmodelostécnicose,aosobrepujarolugaraopensamentodeumacidadedistanciadadeseushabitantes,acabaporengendraraindamaisosentimento de mixofobia, e esse medo do outro perpetua a construção decondomínios, prédios com alta vigilância, bairros com guardas e câmeras desegurança, que buscam prover e dar o sentido de segurança que todosperseguimosnonovocontextodacidade(BAUMAN,2009),masque temcomoefeito conjunto a segregação espacial. Todavia, nosso pensamento, apesar deapresentar convergências importantes com o pensamento de Bauman (2009)caminha sob uma outra esteira que, aomesmo tempo que reflete sob amesmaótica,distancia-senumplanoteórico-metodológico.

Seavidaurbanaapresentaessaambivalência,eoplanejamentourbanotemse apresentado comoumgrandepropulsor dosproblemas intraurbanos, comoosubdesenvolvimento, a pobreza e a exclusão socioespacial (SANTOS, 2003),requer-sequeospesquisadoreseosplanejadorestracemumdiálogoemtornodacidade como ela realmente é e não como ela deveria ser a partir de modelos

técnicos (JACOBS, 2011), o que remete a aproximar a população de formaefetivadas tomadasdedecisõesedosdebatespolíticosqueenvolvemtodasasinstâncias da cidade, buscando uma real participação popular, e não umapseudoparticipação que caracteriza alguns dos modelos de planejamento,especialmenteaquelesligadosaomercado(SOUZA,2008;VAINER,2012).

Essa aproximação das pessoas com uma efetiva participação noplanejamento da cidade é uma tarefa complexa, pois, conforme apontariaMaricato (2000), especialmente no Brasil, o desconhecimento por parte dapopulaçãoemrelaçãoàsleisurbanasdopaíségigantesco.Paraaautora,nãoéraro que shoppings ou outros empreendimentos sejam grandes referenciais notecidourbanoemvezdeparques,rios,córregosouprédioshistóricos,bemcomonão conhecem a história da própria cidade e das diretrizes orçamentárias damesma.Issoreiterariaanecessidadetantodemitigaroanalfabetismourbanísticocomoreaproximarcidadedanatureza.Ainda,ésalutareimprescindívelcriarumpropósitodegovernoqueenquadreosníveisfederal,estadualemunicipalsobomesmoespectro.Oqueaautoraexprimeénadamaisqueumdosproblemasmaiscentraisnavidaurbanacontemporânea:aspessoasnãoserelacionammaiscomacidade, pouco a conhecem, possuem um fraco sentimento de cuidado com acidadeeosempreendimentossetornamgrandesreferenciaispelonovocontextourbanodilacerarasrelaçõesdaspessoascomoslugares.

Frequentemente, os modelos de planejamento urbano empregados nascidades se baseiam fundamentalmente na discussão do território e da região(planejamento territorial e planejamento regional), pelo fato de ambos osconceitosestaremimbuídosdeumdiscursoprofundamentepolítico.Oterritórioéoconceitoqueemsuahistoriografiaestáligadomaisprofundamentecomopodere a política, desde Ratzel, perpassando os clássicos da Geografia e seinstaurando, na contemporaneidade, como um dos conceitosmais em voga, porconseguir abarcar tanto as dimensões naturais e culturais como as dimensõespolíticas e sociais (HAESBAERT, 2004), enquanto que a ideia de região étomadacomoaescaladeplanejamentoegestãoporexcelência,tomadacomoum

espaçoisométricoondeseaplicamdadosestatísticosparaconstituiçãodeáreasfacilmenteplanejáveis(LENCIONI,2009).

Ambosconceitossãoinerentesaoplanejamentourbano;todavia,umterceiroconceito que se apresenta com uma dimensão essencial para o planejamentourbano foi amplamente esquecido: o conceito de lugar. Por quê? Porque oconceito de lugar é o conceito que apresenta menor expressão territorial (eleexpressa o local, enquanto que território e região possuem uma maiorescalaridaderepresentacional),eporeleseroconceitocommenorteorpolítico,oqueimplicanumatomadadolugarapenassobumprismalocacional,reduzindoseu potencial como conceito norteador de políticas públicas e do planejamentourbano (MARANDOLA JR.; MELLO, 2009). O potencial do lugar para oplanejamento reside no fato de que ele, candente de humanismo e afetividade,permitequeoplanejadoracesseadimensãomaisobscurecidapeloplanejamentocontemporâneo,equedeveserretomadacommaiorfôlegosequisermospensarum planejamento urbano autêntico: a dimensão vivida (MARANDOLA JR.;MELLO,2009).Retomaradimensãovividanocontextodoplanejamentourbanoimplicaemaproximardeformamaissubstancialolugar(enquantoafetividadeeexperiência)doplanejamentourbano.

Noplanodolugar,ondenossaexperiênciademundoconfluieseabreparaomundo (RELPH, 2012), omovimento construído em torno de um planejamentourbano empresarial, regido fortemente pela lógica do mercado especulativoreverbera num afastamento substancial das pessoas de seus lugares. Oafastamento é causado por uma intensa perda de identidade e de atitudesautênticasemrelaçãoaolugar,oquefazcomqueocuidadoeoresguardo,doispontos fundamentaisda relaçãodo lugar, sejam transfigurados em indiferença eatitudes inautênticas em relação ao lugar (RELPH, 1976). Essas relaçõesinautênticas foram concretamente trabalhadas por Relph (1976) em Place andPlacelessness,ondeoautorpensaosprocessosrelativosàsociedadedemassaeaoplanejamentotecnificadocomopromotoresdelugaressemlugaridade.

Osplacelessnessimpactamdeformasubstancialavidanacidade.Eleafeta

arelaçãoorgânicadaspessoascomacidade,esfacelaaidentidadeeobem-estar.Reprimeoenvolvimentodaspessoascomolugaredacomunidade,oqueelevaaprodução e reprodução da cidade sob a ordem do capital, descaracterizando acidade e a infestando de lugares inautênticos, enfraquecendo a capacidade departicipaçãodaspessoas(MARANDOLAJR.;MELLO,2009).Damesmaformaque as formas contemporâneas de controle, não apenas inibem a ação, comoimpactamnasubjetividadedaspessoasfazendocomqueseuprocessodecontrolesejaperpetuado(DELEUZE,1992),ocontroleexercidopelocapitalnoprocessodeproduçãodacidadebuscainibiraaçãodapopulaçãoeasuaparticipaçãonosprocessosdeplanejamentoegestãodascidades.

Oprocessodeplanejamentourbanocontemporâneotemcomograndeescoporelativizar as identidades e a autenticidadedos lugares, dadopelo processodehomogeneização do espaço urbano, seja em questão da forma urbana como daformacomqueacidadedeveserusada.Relph(1976)denotariaessaquestãoaoapontar que o planejamento urbano, enquanto uma forma de tecnificação doespaço, nada mais causa que o processo de afastamento do lugar e engendrarelações inautênticas com o lugar.A relação inautêntica com o lugar expressa,fundamentalmente, “no senseofplace, for it involvesnoawarenessof thedeepand symbolic significances of places and no appreciation of their identities”(RELPH,1976,p.82).ParaRelph(1976),“self-consciousinauthenticitytendstobeexpressedintheapplicationtoplacesoftechnique,especiallythroughvariousformsofplanning.Muchphysical and socialplanning is foundedonan implicitassumption that space is uniform and objects and activities can bemanipulatedandfreelylocatedwithinit”(RELPH,1976,p.87).Asrelaçõesinautênticascomoslugarespodemser tantodeumaordeminconsciente,dadoporumaaceitaçãosem críticas de valores de massa, como também podem se dar de formaconsciente, quando se negligencia as identidades dos lugares em detrimento datécnicaembuscadeeficiência.Aprimeirarelaciona-secomokitscheosentidode lar, enquantoo segundosebaseianoprocessoconstruídopeloplanejamentourbano(RELPH,1976).

Dequeformapodemosencontrarumpontodeconciliaçãoentrearesistênciae o lugar? De que forma o lugar torna-se uma resistência aos processoscontemporâneos de apropriação do espaço urbano pelo capital? Tais perguntasnorteiamocontextodareflexão.Olugaréondeanossaexperiênciafluieseabreparaomundo,onde introjetamosnossaspercepções,e traçamos relações sejamafetivasoude repulsa.ComomostraMarandola Jr. (2012),o lugar englobaumde-morareoresguardo,eacreditamosqueatribuasentidosdecuidado(placesofcare) e de proteção. Um planejamento urbano que busque efetivamente aparticipaçãopopular, queapopulaçãoesteja envolta em todososprocessosdeparticipaçãoedegestãodoplanodiretoredemaisinstrumentosurbanísticosdeveservir como uma ferramenta de luta e não de dominação. Na perspectiva deRancière(1996),háanecessidadedeumrecortedosensívelparaqueaspessoaspossam efetuar sua participação política, e nossa compreensão perpassa anecessidadedeumresgatedosentidodelugarparaqueissopossaserefetivado.Permitir que a cidade tenha a imagem das pessoas, a sua imageabilidade(LYNCH,1996) e não seja o reflexodoqueo capital especulativo imobiliárioexprime,masquesejaconstruídonumsentidodelarelugarparaapopulação,éocaminhoparanosaproximarmosdeumamaiorparticipaçãopolíticaeumacidadeideal.

CONCLUSÃONum sentido fenomenológico, portanto, e compreendendo o lugar sob o

prisma da fenomenologia, sobremaneira pelo pensamento de Edward Relph(1976),afenomenologiaapresenta-secomoumcaminhoprofícuoparapensarmoso controle causado pelo pensamento racional moderno e pela relativização dohomemenquantopuroobjetodedominaçãoecontrole,eaproximaropensamentodeRancière(1996)eDeleuze(1992)comumasendafenomenológica–apesardaaparente divergência epistemológica.Concordamos, assim, comHolzer (2010),aoafirmarque

Naépoca atualmarcadapelas incertezas e pelos desacertos noque se refere às basesteórico-conceituaisdasciências,afenomenologiapodeserumaperspectivadeabordagemqueamenizemuitodasangústiasintelectuaisporquepassamos,particularmenteasquesereferem à nossa vida em ummundo cada vezmais globalizado e uniformizado, e onde,contraditoriamente,aspessoas se sentemdeslocalizadase solitárias (HOLZER,2010,p.242).

Eivadodesubjetividadeeafetividade,olugarsetornaumcaminhoseminalpara emancipação e a busca por uma forma de resistência aos processoscontemporâneosdemarcadospelaglobalizaçãoepeloavançodocapitalismo.Osentido de resguardo, envolvimento e afetivo com os lugares, e uma cidadeconstruídaàimagemdaspessoasqueahabitam,apresenta-secomocaminhoparaumamaiorparticipaçãoeminstânciaspolíticas,sejaemespaçosdestinadosparaserem ouvidas, ou recortando o sensível e buscando uma perspectiva políticasobre a ordem policial. Na esteira do planejamento, a dimensão vivida eexperiencialsetornaumadimensãofundamentalenecessáriaparaumavançarnopensamento acerca da Reforma Urbana e do direito à cidade. Entre Patočka eRelph, o caminho de pensar fenomenologicamente a política e o planejamentourbanoestáemcompreenderasformaspelasquaisa tecnificaçãodomundoearacionalidadeexacerbadadaspolíticasdeplanejamentourbanoderivamumsermenos abertopara omundo, o que relativizaos lugares, dilacera identidades eimprimeumsentidodelugarpropriamentedeslugarizado,ouseja,umsentidodelugarsemlugaridade.

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DEFICIÊNCIAVISUALEACESSIBILIDADE:OPLANEJAMENTOURBANONOCENTROHISTÓRICODOPORTO–PORTUGAL

IVNACAROLINNEBEZERRAMACHADOivna_machado@yahoo.com.brLUCASBEZERRAGONDIM

[email protected]

[email protected]/DG/UniversidadeFederaldoCeará(UFC)

INTRODUÇÃOA partir da compreensão da importância de atividades turísticas e a

viabilização de roteiros turísticos para pessoas com deficiência visual,percebemos a necessidade de uma discussão quanto às questões urbanas,principalmente no que diz respeito à reforma, reabilitação, requalificação eplanejamentodeCentrosHistóricos.

O estudo desenvolvido no contexto das experiências turísticas de pessoascomdeficiênciavisual,nomeadamentenoCentroHistóricodacidadedoPorto–Portugalpossibilitouasinvestigaçõesemdiferentesvertentes,turística,políticaspúblicasemturismoeacessibilidade,criaçãodemetodologiasparaaproposiçãodepercursosacessíveis,diagnósticodeacessibilidade,etc.

Nesteensaiotemoscomofocoaacessibilidadedepessoascomdeficiênciavisual e o planejamento urbano no Centro Histórico da cidade do Porto,entendendo como desafio a proposição de um planejamento participativo emPortugal.

DOCENTROHISTÓRICOAOSPLANOSDEREABILITAÇÃODiante da relevância do patrimônio histórico e cultural das cidades

consideradashistóricas,precisamospercebercomoaquestãodaacessibilidadeétratadaemalgunscentroshistóricos.Destaforma,analisamosalgunsaspectosqueconsideramosprimordiais:opapeldadimensãohistóricanascidades,oscentroshistóricoseapromoçãodaacessibilidadenosplanosdereabilitação(renovaçãoerecuperação)doscentroshistóricos.

Parapercebermosaimportânciadadimensãohistóricanascidades,Quesada(1995)citadoporPelletiereDelfante(2000,p.25)revela-nosque:

(...) la dimensión histórica no puede faltar en la investigación urbana. Ante todo, paraproporcionarconcienciadelpropriopasadodelasciudades,inscritotantoensusaspectosmateriales (urbanismo, arte, paisaje), como en muchos rasgos de las sociedades quehabitanenellas.

Oautorreforçaaimportânciadadimensãohistóricadascidades,nosentidodeproporcionaroconhecimentodopassadoatravésdosseusaspectosmateriaiseimateriaismaisevidentes.Sabe-sequemuitasvezesapreservaçãoarquitetônicados centros históricos entra em conflito com as novas formas de construir damodernidadeurbana, onde tendencialmentemodifica-se a arquitetura emvezdepreservá-la. Quanto aos Centros Históricos, para Lacaze (1995) citado porFernandes(2005,p.214):

No contexto europeu, o conceito de centro histórico tem uma forte carga simbólica,relacionando-se-lhe, em regra, o fundamental do que se entende por ‘identidade dacidade’,noseuduplosimbolismo:comoreferênciaparaumacomunidadedecidadãosdeummesmoespaçourbanoecomouma‘imagem’resumidadacidadeparaovisitante.

Nessecontextopercebemosaconstruçãodaidentidadedacidadeapartirdediferentesfasesdetransformaçõeshistóricasesociais,quesucedememdistintosmomentos da formação urbana. Diante de algumas transformações, o CentroHistóricoconsideradopreservadoacabaporsofrererefletiraomesmotempoasevoluçõesdaspolíticaspúblicasestabelecidasanívelnacionalelocaleaindaasmudanças do próprio modo de vida das populações, principalmente quanto aopodereconômico.Seobservarmosalgunsfatorescomo,aexpansãodacidadeapartir da criação de novas centralidades, a procura pormelhores condições de

moradia e mobilidade urbana levaram ao abandono dos centros históricos,deixandonelessomente,pessoasquenãotêmcondiçõesfinanceirasparaprocurarlugarescommelhoresestruturas.Juntandoestesfatoresàfaltadeinvestimentosnosetor social e habitacional, o abandono dos centros, considerados preservados,resulta por outro lado em degradação e crescimento da marginalidade nesseslocais (FERNANDES, 2005). Para o Programa Estratégico de ReabilitaçãoUrbana doCentroHistórico deBraga –PERUCHBde 2011, normalmente, sãoreferidos entre os moradores que continuam a habitar os centros históricosdegradados, algumas constantes, como a presença de problemas sociais,desemprego,alcoolismo, famíliasdesestruturadas,envelhecimentodapopulaçãoresidente e dificuldades financeiras evidenciadas pelo já referido processo dedesenvolvimentoeconômicodesfavorável.

Sabe-sequeapartirdemeadosdadécadade80doséculoXX,verificou-seumamaiorpreocupaçãocomarenovaçãoeoureabilitaçãodoscentroshistóricosnaEuropaeemPortugal(FLORES,2003;MATOS,2007;AZEVEDO,2010).Oconceitodereabilitaçãopodeserentendidoaquicomoumareadaptaçãodotecidourbano construído já existente, para exercer novas funções. Essas intervençõesacontecem principalmente nos edifícios residenciais, mas também abrangemoutrosedificadosquecompõemapaisagemurbana(fachadas,espaçospúblicos,praçasepasseios)(MATOS,2007).

Quanto à reabilitação urbana e dos centros históricos em Portugal, comdestaqueparaacidadedoPorto,paraMatos(2007,p.37)“emPortugalemfinaisdosanos80areabilitaçãourbanadesenvolve-sedeumaformamaisconsistente,ainda que, já existissem experiências anteriores de meados dos anos 60,nomeadamente,nazonaribeirinhadoPorto”.ParaFlores(2003,p.15)quantoàreabilitação dos centros históricos considera que “a experiência efectiva dereabilitação urbana dos centros históricos, (...), só começa emPortugal após aRevoluçãode1974,comaexperiênciapontualdoCRUARB”.Paradarrespostasàs necessidades de reabilitação urbana de zonas históricas, o Dec. Lei nº104/2004de7deMaio,possibilitouacriaçãodasSociedadesdeReabilitação

Urbanas(SRUs)nosmunicípiosdePortugal(MATOS,2007).Do ponto de vista da evolução histórica dos incentivos ou programas de

reabilitaçãodoCentroHstóricodoPorto,identificamostrêsmomentospontuais.Oprimeiroem1974comacriaçãodoComissariadoparaaRenovaçãoUrbanadaÁreadaRibeira–Barredo(CRUARB)(FALCÃO,2000;FERNANDES,2011).ParaFalcão(2000)oCRUARB“setraduziunumarecuperaçãoerequalificaçãofuncionaldesteespaçourbano,(...),tendoassimcontribuídoparaacriaçãodeumlocaldegrandeatracçãoturística”.Omesmoressalvaqueapenasem1982aáreadeatuaçãodoCRUARBampliou-separaoCentroHistóricodoPorto.Osegundomomentodecorreuem1990comacriaçãodaFundaçãoparaoDesenvolvimentoda Zona Histórica do Porto (FDZHP), “a intervenção essencialmentearquitetónicavê-secompletadaporumaacçãodeâmbitosocial,incidindosobreumapopulaçãocadavezmaisenvelhecidaepobre,(...)”(FERNANDES,2011,p.17).

O terceiro momento, mais atual, diz respeito à criação em 2004 daSociedadedeReabilitaçãoUrbanadaBaixaPortuenseS.A–PortoVivo,SRU.Em termos de planejamento “ao longode 2005, desenvolveram-se os trabalhosqueconduziramàrealizaçãodeumPlanoEstratégicodaReabilitaçãoUrbanadaBaixaPortuense,designadodeMasterplan”(BRANCO,2006,p.47).

No tocante à existência da promoção da acessibilidade nos planos dereabilitação dos centros históricos, nota-se a prioridade diante das questõesarquitetônicas referentesaosprédioshabitacionaisedeusopúblico.Aofazeraanálise de alguns planos de reabilitação de centros históricos, dificilmenteencontraremos normas ou indicações que demonstrem uma preocupação com aacessibilidadeparaaspessoascomdeficiência,incluindoadeficiênciavisual,oupessoascommobilidadereduzida.

Ao estudar, por exemplo, commaior atençãoos planos de reabilitaçãodoPorto e de Braga, verifica-se a priorização da reabilitação de prédioshabitacionais ou de uso público considerados patrimônios da cidade. Já apreocupação com a reabilitação em termos de acessibilidade em praças,

estacionamentos e passeios sãobaixas ounulas.Vistodesta forma, poderíamosconcluir que as cidades não são pensadas para as pessoas com mobilidadereduzida (MACHADO, 2014), porém, após a Resolução do Conselho deMinistrosnº9/2007,de17dejaneiro,instituiu-seacriaçãodoPlanoNacionaldePromoçãodaAcessibilidade.

Este plano estabelecemedidas de acessibilidade que devem ser aplicadasem todos os municípios de Portugal. Em curto prazo, cada município deveelaborar o seu programa municipal de promoção da acessibilidade; em longoprazo, essas medidas devem fazer parte dos planos diretores oficiais dosmunicípios.Deummodogeralasmedidasestabelecemaçõesdesdeasdefiniçõesdemetodologiasparaodiagnósticodoníveldeacessibilidadedoslocaisatéasdefinições das ofertas de estacionamentos para pessoas com deficiência. Namaioriadoscasos,osPlanosLocaisdePromoçãodaAcessibilidade–PLPA,deresponsabilidade dasCâmarasMunicipais, são elaborados após a aceitação dacandidatura ao Regime de Apoio aos Municípios para a Acessibilidade –RAMPA,financiadopeloProgramaOperacionalPotencialHumano–POPH,quefazpartedoQuadrodeReferênciaEstratégicoNacional.

Osplanoslocais,deummodogeral,possuemumcaráterdediagnósticodonível de acessibilidade dos municípios. Verificam as condições dos passeios,barreiras e obstáculos existentes, estacionamento de carros de forma indevida,entre outros. Um bom exemplo de plano é o PLPA da Câmara Municipal deSantarém–Portugal, que conseguiu verificar nas ruas do centro histórico e emoutraspartesdacidade,asprincipaisbarreirasfísicasexistentesnospasseios.Odiagnósticoapresentaumcarátermultidisciplinar,poisconseguereunirnomesmoplanoas informaçõesquanto à acessibilidadenos espaçospúblicos, edifícios etransportespúblicos.

NacidadedoPorto,paraalémdoMasterplan,outroprojetodereferênciaéoSistemadeItineráriosAcessíveis–SIA,pertencenteaoPlanodePromoçãodaAcessibilidadeparatodos.

Diantedestecenário,podemosconsiderarqueosmunicípios,nestasúltimas

décadas,estãoaaderiraprogramasdeacessibilidadeebuscamfinanciamentospara realizar diagnósticos e ações para a reabilitação dos centros históricos eoutras áreas de maior fluxo dos municípios. Ainda que os estudos e asreabilitações aconteçam apenas em algumas áreas, não podemos ignorá-los.Precisamosacreditarqueoempenhoeaexperiênciapodemlevaraocrescimentodestas áreas entendidas como “experimentais” até alcançar omunicípio em suatotalidade. Claro está que os órgãos gestores acabam por aderir à prática deelaborar planos, de forma a organizar as ideias a partir de estudospormenorizados das áreas que receberão intervenções. Neste sentido, parafalarmos de planejamento, é preciso ter em atenção o seu papel dentro doordenamentodoterritório.

EmlinhasgeraisoDec.Leinº48/98de11deagosto,estabeleceasbasesdapolíticadeordenamentodoterritórioedeurbanismoemPortugal.NoCapítuloIconformeos princípios e objetivos doArtigo 1.º a política de ordenamento doterritórioedeurbanismoéresponsávelpeladefiniçãodasaçõesrealizadaspelaadministraçãopública,assegurandoaformacomooterritórionacionaléutilizadoe organizado diante de um cenário europeu. Ainda tem, “como finalidade odesenvolvimentoeconómico,socialeculturalintegrado,harmoniosoesustentáveldo País, das diferentes regiões e aglomerados urbanos”, sendo assim umimportante instrumento de gestão do território, que leva em consideração asdiferentescaracterísticasexistentesemcadaregiãodopaís.

ODEFICIENTEVISUALEAACESSIBILIDADEEmtermosdeplanejamento,priorizamosadiscussãosobreaacessibilidade

física, embora a discussão sobre as diferentes formas de acessibilidadeultrapasse a questão física. Algumas discussões podem surgir em torno doslimites entre o espaço público e privado, da privatização e/ou controle que seexerce sobre estes, são variáveis, elásticos e contestados (STAEHELI eMITCHELL, 2006); (BANERJEE, 2007). O não criar condições de

acessibilidade também é umamaneira de controlar o acesso aos espaços. ParaMonahan (2006), algumas das formas mais eficazes de controle social sãoaquelas que naturalizam a exclusão de grupos econômica ou culturalmentemarginalizados através da arquitetura ou infraestrutura. A questão daacessibilidadefísica,desdeadécadade1970,vemsendoumfocodediscussãoentre alguns cientistas espaciais, incluindo geógrafos, urbanistas e arquitetos.Grande parte da literatura sobre a acessibilidade tem-se preocupado com adetecção de barreiras no meio urbano e a viabilização de propostas derequalificaçãourbana(GLEESON,2000;MICHOPOULOU&BUHALIS,2013).Diante deste cenário, o direito à cidade, sobretudo discutido numa ótica declasses (LEFEBVRE, 1991; KITCHIN & LAW, 2001; HARVEY, 2004;STAEHELI&MITCHELL,2006),podeserexaminadoàluzdodireitoàcidadedaspessoascommobilidadereduzida.

Para percebermos a estrutura atual do planejamento em Portugal,especificamentenacidadedoPorto,bemcomoasquestõesdeacessibilidadedaspessoas com deficiência visual ou mobilidade reduzida, acreditamos nocumprimento de algumas etapas. Dentro destas etapas compreendeu-se olevantamento da legislação portuguesa quanto aos planos de reabilitação,entrevistassemiestruturadascomaAssociaçãodeCegoseAmblíopesdePortugal(ACAPO) e Provedoria Municipal das pessoas com deficiência – da CâmaraMunicipaldoPorto.

Em reunião com a Provedora Arquiteta Lia Ferreira, o Arquiteto JoãoPestana e a secretária Helena Sousa, identificamos três pontos importantesreferentes à ProvedoriaMunicipal dos Cidadãos comDeficiência. São eles: opapeldaProvedorianacidadedoPorto,aligaçãodaProvedoriacomaACAPO–DelegaçãoPorto–eosprincipaisprojetosemdesenvolvimentonacidadedoPorto.

ComrelaçãoaopapeldaProvedoria,ficouevidenteafacilidadecomqueoscidadãostêmemsecomunicarcomoórgão.Oscidadãoscomesemdeficiênciapodemmarcar reuniões ou fazer pedido de consultas para o esclarecimento de

dúvidas em termos de direitos e aplicabilidade das Leis em vigor. Quandoquestionados sobre o papel da Provedoria nos projetos de construção oureabilitação na cidade, Lia Ferreira afirmou que o procedimento adotado pelaCâmara Municipal, consiste na reunião de equipes multiprofissionais(Engenheiros, Arquitetos, Geógrafos, Técnicos) onde são analisados todos osaspectosdasobras,inclusiveaacessibilidadeparaaspessoascomdeficiênciaemobilidadereduzida.

NoquedizrespeitoàligaçãocomaACAPO–Porto–foiesclarecidoqueaparceriaacontecenomeadamenteparaaconsultoria/aprovaçãodeplanoseobras,onde aACAPO a pedido da Provedoria, analisa as questões da acessibilidadeparaaspessoascomdeficiênciavisual.

Quanto aos principais projetos em desenvolvimento na cidade do Porto,específicosparaamelhoriadaacessibilidade,aProvedoriaapresentouoSistemade Itinerários Acessíveis – SIA, que pertence ao Plano de Promoção daAcessibilidadeparatodos.EssesistemadizrespeitoaumaplataformadigitalnaWeb,ondepessoascomdeficiênciapodemconsultarpercursosotimizadosparaaacessibilidade. Estabelecendo o ponto de partida e o de destino o sistemamostraráoníveldeacessibilidadeentreestesdoispontos.Indicandoaexistênciade barreiras físicas neste percurso, o sistema torna-se útil para pessoas queutilizamcadeiraderodas.OsistemaaindanãoabrangetodaacidadedoPortoetemcomobaseopercursodasprincipaislinhasdoMetrôdoPortoeasruasqueestão a 500m das estações. O referido sistema obteve o 1º Lugar no PrêmioInternacional Svayam Accessibility Awards 2015, no 14th InternationalConference on Mobility and Transport for Elderly and Disabled Persons(TRANSED–2015).

Paraalémdestesistemaquejáseencontraemfuncionamento,aProvedoriaapresentouo projeto que ainda está em fase de estudo e o público-alvo são aspessoas com deficiência visual. Trata-se da proposta de implementação de umsistema baseado em radiofrequência, o chamado RFID. Basicamente o sistemafuncionaria com a instalação de pequenas etiquetas no passeio, essas etiquetas

armazenariamainformaçãodolocalondeestãoeasinformaçõesfariampartedeum banco de dados. Quando uma pessoa com deficiência visual passa a suabengala (com o leitor da etiqueta) sabe através destes dispositivos, a sualocalizaçãoatual.Destaforma,osdeficientesvisuaisteriamumamelhornoçãodoespaçoporondeandameaspessoasquevisitamacidadepoderiamidentificarapartirdestasetiquetasosprincipaispontosdeinteressedacidade.

Para além das entrevistas semiestruturadas, realizamos um Focus Group(GrupoFocal)paraidentificarmosalgunsaspectosmaisespecíficosdopontodevista das dificuldades e enfretamentos no que diz respeito à acessibilidade noquotidianodepessoascomdeficiênciavisual.Destaforma,diantedeumuniversode527sóciosefetivose36utentes(usuário–nãosócio)daACAPO–Porto–,conseguimosestabelecerumFocusGroup(FC)com8pessoas(cegasecombaixavisão). As vantagens para a escolha desta técnica levam em consideração autilização de uma abordagem indutiva, qualitativa e interativa (VEAL, 2006;SMALLetal,2012),possibilitandooestabelecimentodeumadinâmicadegrupo,fazendocomqueaspessoaspensemjuntaseapresentemsugestõesviáveisparasolucionarouminimizarasbarreirasenfrentadasquotidianamente.

Para perceber como as pessoas com deficiência visual enfrentam os seusdesafios diários em termos de deslocações e experiências com viagens ouatividadesdelazer,decidimosqueconversarcomessaspessoasseriaamaneiramaisadequada.

Para a realização da atividade, Jorge Leite, um dos representantes daDireçãoNacionaldaACAPO,exerceuumpapelfundamentaldemediador,poisomesmo fez o convite aos associados emarcou o dia em que seria realizada aatividade.Nãohouve,assim,possibilidadedeescolhadeamostra,oque limitaextrapolaçõesegeneralizações.Noentantohouveumapreocupaçãoemobterumaamostragemdiversificadadecasos,talcomoadianteexplicado.OFCaconteceuno dia 1 de setembro de 2014, teve a duração de duas horas e contou com apresençade8associados,incluindoojáreferidoJorgeLeite.

Quanto à dinâmica do FC, inicialmente foi apresentado o contexto da

pesquisaemcurso,eosseusobjetivos.Quantoàconfidencialidadedosdadosedos direitos de imagem, todos os participantes autorizaram a produção ereprodução de fotografias e vídeos. A única exceção, diz respeito a nãopermissão da divulgação das imagens do cão-guia para fins publicitários.Comrelação aos nomes verdadeiros dos participantes, optou-se por alterá-los parapermitir maior liberdade de comentários quanto aos participantes e minimizarpossíveisconstrangimentos.

Conforme citado anteriormente o FC contou com a presença de 8participantescomdeficiênciavisual.Conseguimosreunirumgrupodecertaformaheterogêneo, pessoas cegas e combaixa visão, utilizadores de bengala ou cão-guia, dentre outros fatores. Definimos que as perguntas seriam divididas emquatro eixos, informações pessoais, experiências em viagens, mobilidade eorientação,materialdeapoio.Osdoisprimeiroseixosforamdivididosemduasrondasdeperguntasdirecionadasacadaparticipante.Ouseja,naprimeirarondacada participante respondeu a perguntas de caráter pessoal, comonome, idade,estadocivil,instrumentodeapoioparalocomoção,freguesiaderesidência,iníciodamanifestaçãodacegueiraoubaixavisão,odomíniodoBrailleeoutrasformasde leitura e escrita; já na segunda ronda cada participante relatou as suasexperiências em viagens, o hábito de viajar, últimos locais visitados, se vaisozinho ou acompanhado para essas atividades, utilização de percursospreestabelecidosealgumconstrangimentoduranteessasexperiências.

Paraoterceiroequartoeixo,dividimosemduasrondasdeperguntas,sendoas mesmas feitas e respondidas de forma aleatória. Procurou-se identificar noterceiro eixo as principais informações que os deficientes visuais precisam terparachegaraoslocaisdedestino,comoseorientamemambientespúblicoseasprincipaisdificuldadesenfrentadasdurantearealizaçãodepercursosouvisitas.Noquartoeixo,comênfasenosmateriaisdeapoioparaarealizaçãodeviagensepercursos,procurou-seidentificar,oselementosindispensáveisnumaplicativodetelefonemóvel(smarthphones)paraoauxílionasdeslocaçõesedisponibilizaçãodeinformações turísticas.Aindanaúltimaronda,questionamosapertinênciada

disponibilização de um áudio-guia ou de profissionais para guiar durante arealização de percursos e a disponibilização de materiais fixos em postos deturismo.

Para o primeiro eixo de perguntas, oQuadro 1 anexo apresenta um perfilbásico dos oito participantes. Composto por quatro homens e quatromulheres,com idadesentreos26eos73anos, cegose combaixavisão,utilizadoresdebengalaeCão-guia,quedominamounãooBraille.

De uma forma geral, ao analisarmos as respostas dadas, foi possívelperceberqueaspessoascegasecombaixavisão,desdenascençaouatéos21anosdeidade,dominamoBrailleououtrastécnicasdeleitura,jáaspessoasqueficaramcegasdepoisdaidadeadultanãodominamoBraille.Emalgunscasosaspessoas ficaram cegas em momentos distintos para cada olho ou passaram deambliopía(baixavisão)paraacegueira.NocasodaAna,aos21anosficoucegado olho esquerdo e aos 37 anos ficou cega do olho direito. Carlos teve umAcidenteVascularCerebral(AVC)aos55anoseficoucombaixavisão,aos58anos sofreu uma hemorragia e ficou cego. Para além da cegueira possui umadeficiência motora, mas consegue se deslocar com o auxílio de uma bengala.Lucasficoucombaixavisãoaos18anos,apósumacirurgiadeglaucoma.Teresaficou cegaporvolta dos70 anos e assumiuque a suamobilidade forade casadependedasuairmã,ressaltaquenãoaprendeuoBrailleeestáconscientedequedeveriasermaisautônoma,masaindanãoconsegue.Júlia,cegadesdeoscincoanos,faziaousodabengala,masestáemfasedeadaptaçãoaoCão-guia.

Paraumamelhorcompreensãoemontagemdoperfildecadaparticipante,osegundoeixodeperguntaspermitiuacriaçãodeumconjuntoderespostas,sobreas suas experiências durante as viagens, o hábito ou frequência das viagens,últimos sítios visitados, a autonomia durante as visitas, utilização de percursospreestabelecidoseorelatodealgumconstrangimentoduranteessasexperiências,como já referimos. Ana (70 anos) costuma fazer passeios promovidos pelaACAPO,esuaúltimavisitafoiàFeiraMedievalemSantaMariadaFeira.Porcontadaidadeedosseusproblemasfísicosacreditaqueopasseiofoicansativo

devido à grande quantidade de informações passadas e ao longo caminhopercorridoportodaafeira.Ananãosesentebemquandonãoconheceoslugares,criticaaausênciadeexplicaçõesemtermosdeorientaçãoquandoestánoônibusduranteospasseioseoslocaisquenãopermitemtocarnosobjetosemexposição.Pedro (65 anos) considera-se reservado e não tem o hábito de viajar ou fazerpasseios, mas deixa claro que gostaria de viajar mais. Os seus passeios sãogeralmente realizadosemgrupoenuncasozinho.Asuaúltimasaída foiàFeiraMedievalemSantaMariadaFeira,comaACAPO.Pedronãosentedificuldadesao se deslocar pela cidade do Porto, mas se for para outra cidade temdificuldadesenecessitadeacompanhamento.Duranteumpasseiogostadesaberpor onde está a passar e elogia os funcionários dos museus que demonstramatenção especial e permitem, com algumas exceções, tocar nos objetos emexposição.Júlia(46anos)nãotemporhábitoviajar,desloca-semaispeloPortoeaoparticipardepasseiosnãoofazsozinha.Luís(38anos)temporhábitoviajar,sozinho e/ou acompanhado. Costuma participar de passeios em grupo, algumasvezes promovidos pelaACAPO, gosta do convívio com as pessoas, de visitarmonumentos e espaços turísticos.Critica a dificuldade da oferta de transportespúblicosnointeriordopaíseadificuldadedeencontrarinformaçõesacessíveisesobre a acessibilidade dos lugares. Carlos (59 anos) sempre gostou de viajar,porémperdeuohábitoquandoficoucego.Sempresaiacompanhadopelaesposa,filha ou amigos. O último lugar visitado foi a cidade de Vigo na Espanha;ressaltouquenogeral,oacessoemVigoéótimo.Lucas (40anos)não temporhábitoviajar,eoseuúltimopasseiofoiaoRockinRioLisboa;paraestassaídas,vaisempreacompanhado.Regina(26anos)nãofaloudohábitodeviajar,masseuúltimopasseiofoiaoRockinRioLisboa,participanasatividadesdaACAPOesempreestáacompanhada.Quantoàssaídas,temsemprereceioquandovaiparaumlugarquenãoconhece.Teresa (73anos) temporhábitoviajar,eatravésdaACAPO fazmuitos percursos.O último lugar visitado foi oMuseuSoares dosReis.Teresaestásempreacompanhadadairmã,queaauxiliaduranteospasseiosindicando por onde estão passando, ajuda na escolha de roupas novas, na

descriçãodasvitrines.ParasabernotíciasdaACAPOéairmãquemfazaleituradascircularesenviadasaosassociados.

A partir da análise das respostas foi possível perceber alguns elementosrecorrentes entre os participantes.O principal seria a necessidade da presençaconstante de um acompanhante durante a realização de viagens, passeios e/ouvisitas.Nestegrupo,ofatodestaspessoasnãosaíremsozinhaséindependentedaidadedeaquisiçãodacegueiraoubaixavisão.Estacaracterísticanãodesconstróiaideiadapromoçãodavidaindependentedaspessoascomdeficiênciavisual.Aprocura pela melhoria da oferta dos transportes públicos, a eliminação dasbarreiras físicas em vias públicas, a melhoria dos serviços prestados pelosmuseus e tantas outras atrações turísticas deve levar em consideração que oturistaouo residente temodireitodeencontrarcondiçõesacessíveisnoatodecircular sozinho ou acompanhado.Outra característica presente diz respeito aoimportante papel desempenhado pela ACAPO, que ao promover passeios eviagens,proporcionamomentosdelazeraosseusassociados,queporconfiaremna associação acabam por participar das atividades propostas, dando aoportunidadedeconhecernovos lugareseconvivercomoutraspessoas foradoambientefamiliar.

Para o terceiro e quarto eixo, apresentamos no Quadro 8 – anexo – asconsiderações feitaspelosparticipantesdoFC.Porconsiderarmosas respostasconsensuais entre os mesmos, não faremos a identificação das respostas aosrespectivosparticipantes.

Diantedaanálisedosdadosobtidos,foipossívelperceberaimportânciadadisponibilizaçãodeinformaçõesemformatoacessívelemdiferentesplataformas,nainternet,notelefonemóvel,nosquadrosinterativos,emfolhetosoubrochuras.Com relação às deslocações, a maior preocupação dos deficientes visuais dizrespeitoàsinformaçõesdecomosedeslocardeumpontoparaoutro,saberparaonde ir e como chegar é fundamental. Posteriormente o maior número deinformações dos lugares também é importante. Durante as visitas propriamenteditasoacompanhamentoporpartedosfuncionárioséindispensável.Valeapena

salientarqueemmuitoscasosasimplesnarraçãoeoudescriçãodoslugaresnãodesperta a atenção dos turistas com deficiência visual. As experiências táteisdespertam a curiosidade e permitem a construção da imagem dos objetos namemóriadecadaindivíduo.

CONSIDERAÇÕESFINAISDe certa forma, até aqui, trabalhamos com as pessoas com deficiência

visual, que fazem parte de um grupo social constantemente excluído dosprocessos de urbanização, que vivem em cidades que estão preparadas parapessoas perfeitas fisicamente e economicamente. O avanço nos estudos destatemática possibilita a evolução do planejamento para as gerações próximas efuturas.SegundoLopes(2010,p.1)“ascidadesnãocorrespondem,dopontodevista físico, informativo e comunicacional, às reais necessidades da suapopulação”. Para Teles (2007, p. 67) “já passou o tempo das reflexões e dosdebates. Agora é urgente, de forma sistematizada, desenvolver metodologiaspráticasdeactuarnoterrenoenoestadodoplaneamentourbanoemgeral,faceànecessidadedeumnovoredesenhodacidade”.

Acreditamos que para a construção de umametodologia de avaliação dosespaços urbanos e a definição das suas possíveismelhorias, se faz necessáriodirecionar a investigação para as pessoas que de fato vivenciam os centrosurbanos cotidianamente. Desta forma, o estudo teria como base o relato dasexperiênciasvividaspelaspessoas comdeficiência emobilidade reduzida.Umtrabalho de grande proximidade com um conjunto limitado de pessoas,procurandomapearassuasexperiênciasevivênciascotidianas.Acreditamosqueasmudanças,naformadeparticipaçãoduranteasseçõesdeplanejamentotendema mudar o cenário atual. Sendo a participação popular juntamente comprofissionais, importantes para a construção e manutenção da autonomia egarantiadaquiloqueconsideramosserjustiçasocial.

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ANEXOS

Quadro 1 – Perfil básico dos 8 participantes do Focus Group – ACAPOSetembro/2014

Nome Idade EstadoCivil

InstrumentodeApoio

Freguesiade

Residência

Cego ouBaixavisão

DomíniodoBraille

Ana 70 Viúva Bengala Ramalde Cega,desdeos21anosdeidade

Sim

Pedro 65 Viúvo Bengala Rio Tinto Cego, Sim

-Fânzeres desdeos13anosdeidade

Júlia 46 Solteira CãoGuia Valongo -Ermesinde

Cega,desde os 5 anosdeidade

Sim

Luís 38 Solteiro Nãoutiliza Paranhos-Areosa

BaixaVisão, desdenascença

Não,utilizaleitordetelaeletrasampliadas.

Carlos 59 Casado Bengala Rio Tinto- Baguim doMonte

Cego,desdeos58anosdeidade

Não

Lucas 40 Solteiro NãoUtiliza Antas Baixavisão, desde os18anosdeidade

Não,utilizaleitordetelaeletrasampliadas.

Regina 26 Solteira NãoUtiliza Antas Baixavisão, desdenascença

Sim

Teresa 73 Solteira Bengala Bonfim Cega hápoucosanos.

Não

Fonte:ElaboraçãodosAutores(2015).

Quadro2–ConsideraçõesdoFocusGroupquantoàmobilidade,orientaçãoematerialdeapoio.

Pergunta Respostas

Quais ostipos deinformaçõesprecisam parachegar aoslocais;

Precisam saber para onde, como (transportes), a quehoraseondeficar.

Como seorientam emambientespúblicos;

Quando o participante não é cego de nascença utiliza amemóriaparaseorientarnoslugaresquejáconhece.Quandonãotêmamemóriadoslugaresousãocegosdenascença,sãoorientadosporinformaçõesdasoutraspessoas,guiam-secom

abengalaoucão-guiaoucomoseurespectivoacompanhante.A audição também é citada como um elemento fundamentalpara a percepçãode diversos sons, desde a aproximaçãodecarros ou no auxilio a passagempor passadeiras com sinaissonoros.

Principaisdificuldadesdurante ospercursos ouvisitas;

Postesnomeiodospasseios,caixotesdefrutasemfrenteàs frutarias, portas de carros abertas dentro do passeio,degraus não sinalizados, instabilidade ou buracos nospasseios.

Como seriaum material deapoio acessívelempapel;

EscritoemBrailleeoucomcaracteresampliados.

O que nãopode faltar numaplicativoespecífico paraatividadesturísticas numtelemóvel;

Comosedeslocardeumpontoparaoutro,qualtransporteutilizar,ondeestão localizadososhotéis, os restaurantes eoque visitar, com informações aprofundadas indicando aacessibilidade dos locais, as ementas dos restaurantes, osserviços disponibilizados nos hotéis e informações sobre oslugaresaseremvisitados.Outracaracterísticaimportanteparaum aplicativo seria a indicação de pontos de referência nocaminhoporondeodeficientevisualpassar.

Importânciade um guiaturístico:(pessoa);

Apresençadeumprofissionalqualificadoededicadoéfundamental, seja nos museus ou em visitas externas. Adisponibilizaçãodefuncionáriosqueosacompanheparapegarnos objetos e descrever por onde estão passando éfundamental. Quando um funcionário apenas narra a históriatorna-sedifícildespertarointeresseeacompreensãodaquilo

quefoidito.

Viabilidadede um áudio-guia;

Em ambientes externos (vias públicas) a utilização éimpossibilitada,poistiraaconcentraçãododeficientevisual,podendo causar acidentes ao atravessar ruas e ousimplesmente desviar de obstáculos nos passeios. Emambientes internos, o áudio-guia pode ser um material deapoio,porémnãoexcluemaexperiênciadetocarnosobjetos.

MaterialfixonopostodeTurismo:

Consideram importante, desde que divulgado. PorrealizarematividadesjuntocomaACAPOacabampornãoiraos postos de turismo, pois as atividades já são planejadascomantecedênciapelaassociação.

Fonte:elaboraçãodosautores(2015).

URBANIDADES

COMPREENSÃODOCALÇADÃODELONDRINA,PARANÁ,APARTIRDEEXPERIÊNCIASSONORAS

LAWRENCEMAYERMALANSKIInstitutoFederaldoParaná,campusLondrina

[email protected]

ProgramadePós-graduaçãoemGeografiadaUniversidadeFederaldoParaná[email protected]

MARCOSALBERTOTORRESProgramadePós-graduaçãoemGeografiadaUniversidadeFederaldoParaná.

[email protected]

INTRODUÇÃOPesquisas realizadas emdiferentes cidadespor geógrafos interessadosnos

estudosdos sons, comumente indicama existênciade aglomeradoshomogêneosdeburburinhoseruídosrepetitivosincapazesderevelaralgosignificativosobreas pessoas e grupos que vivem nesses espaços (FORTUNA, 1998;LOWENTHAL, 1976). Contudo, BernieKrause (2013, p. 155) afirmou que “oqueparaunsé ruído,paraoutrospode serumsomcheiode significados [...]”,pois os sons sempre integraram as experiências humanas de modo a despertarsentimentoseemoções,identificaredemarcarespaçosondesedesenvolveavidacotidiana.

Na geografia moderna, os sons despertaram atenção de geógrafos comoAlexandervonHumboldt(1850),JohannesGräno(1929apudBUTTIMER,2010)eOrlandoRibeiro(1945).Entretanto,foicomodesenvolvimentodasgeografiasdapercepçãoehumanistaapartirdadécadade1960queadimensãosonoradoespaço passou a receber maior atenção dos geógrafos, sobretudo, pois, essasperspectivas geográficas valorizam as experiências humanas no tempo e noespaço,tendonafenomenologiadapercepçãoumdeseusaportesteóricos.Além

disso,destaca-seasignificativainfluênciadostrabalhosdomúsicoeecologistaRaymondMurraySchafer(2011)edoconceitodepaisagemsonoraelaboradoporele.

Logo, nesse contexto, objetiva-se com este artigo apresentar um estudo decompreensão do espaço do calçadão de Londrina, Paraná, a partir deexperiênciasde suadimensão sonora.Tal estudo foidesenvolvidopormeiodeanálise e interpretação com base nas categorias de espaço, paisagem, lugar eterritóriotomadasapartirdeumaperspectivahumanistadaGeografia.

METODOLOGIAEsteartigo foielaboradoapartirda realizaçãode revisãobibliográfica,a

qual não esgotou as referências existentes e submeteu o material utilizado àanálise e interpretação dos autores. Para o levantamento bibliográfico foramutilizadas obras de referências e artigos relacionados a temas comofenomenologia, percepção espacial, geografia humanista, paisagem sonora,caminhada sonora, gravação de campo e mapas mentais. Os artigos foramencontrados, sobretudo, por meio de buscadores e bibliotecas on-line como oGoogleAcademics, Scielo e Portal de Periódicos daCAPES/MEC a partir dousodepalavras-chaverelacionadasaotemanosidiomasportuguêseinglês.

Ainda, algumas informações e resultados parciais apresentados foramobtidos a partir da realização de pesquisa de campo ocorrida na cidade deLondrina.Osmétodose técnicautilizadosparaobtê-los foramosdecaminhadasonora (SCHAFER, 2011), gravações de campo (FELD, 2014), mapa mental(HOLMES, 2016; SEEMANN, 2010; KOZEL, 2007) e entrevista. Elesencontram-semaisbemdetalhadosnaparte4desteartigo,enquantoaparte3,aseguir, refere-se à revisão teórica a respeito da experiência do espaço e decategoriasdeanálisegeográficasdepaisagem,lugareterritório.

AEXPERIÊNCIADOESPAÇOEASCATEGORIASGEOGRÁFICAS

A partir do proposto por Maurice Merleau-Ponty (2011), compreende-seque, considerando o espaço como existencial, a experiência humana ocorreinvariavelmenteapartirdasposiçõesdocorpocomoumtopoemmovimentonoespaço e no tempo, além das relações subjetivas e intersubjetivas que cadapessoaestabelece.Nessesentido,conformeKevinLynch(1975),comotempodaexperiência(o“agora”),coexistem,também,otemposocialeastemporalidadeslineares e cíclicas, que juntos modulam a experiência afetiva e cognitiva noespaço,afetando,portanto,apercepçãohumana.

De acordo comMerleau-Ponty (2011), a percepção humana atua sobre osobjetoseosapresentamintencionalmenteàconsciência.Issosomenteépossível,poiselessempreseencontramemumcampoemmeioaoutrosobjetos,istoé,emuma relação gestáltica de formas estabelecida entre figura e fundo. Ainda, deacordo com o filósofo, a consciência registra e responde emocionalmente aosestímulossensoriaisfísicosequímicos.Dessemodo,asformaspercebidaseossignificados atribuídos a elas compõem quadros generalizados dos espaços natentativadeidentificá-los,estruturá-loseorganizá-losequeforamentendidosporLynch (2011)como imagensmentais.Paraesseautor,ainda,quandoa formadedeterminadoobjetoécapazdeevocarumaimagemforteemumobservador,esseobjetopossuielevadaimageabilidade.

No âmbito da geografia humanista, a partir das ininterruptas relações docorpo com o espaço e o tempo, caracterizam-se as categorias de análise depaisagem,lugareterritório.Nessesentido,compreende-seapaisagemcomoumaconstrução mental dinâmica elaborada a partir da percepção, da perspectivapessoal (subjetiva) e da coexistência (intersubjetiva) (DARDEL, 2011;MERLEAU-PONTY, 2011; SALGUEIRO, 2001). Logo, a percepção do espaçoem todas as suas dimensões faz comque a paisagem tenha uma fisionomia, umolhar, uma escuta, como uma expectativa ou uma lembrança (DARDEL, 2011;FONT,1985).

No caso da dimensão sonora do espaço, a percepção converte os sons,enquanto objetos sonoros de origem antropofônica, biofônica e geofônica, em

eventoscomqualidadessimbólicasqueserelacionamcomumcontextomaioreque conferem a cada espaço características de imageabilidade, topofonofilia etopofonofobia (DREVER, 2015; KRAUSE, 2013; PALLASMAA, 2011). Noentanto,conformeSchafer(2011),aclaraidentificaçãodossonsedesuasfontesemissoras ocorre em espaços nos quais as sobreposições de sons são menosfrequentes,istoé,quepossuemalta-fidelidade.Deoutromodo,emespaçoscombaixa-fidelidade, os sons que se destacariam são obscurecidos em umaquantidadedeoutrossonssuperdensa,redundantesecontínua.

Ainda,conformeSchafer(2011),porpossuíremsignificadoseadicionaremsistemas de valores, os sons podem ser entendidos como signos, sinais esímbolos. Para esse autor, quando um determinado símbolo possui elevadaimageabilidade, importância histórica ou características únicas em um contextosocialeculturalespecífico,pode-seconsiderá-loummarcosonoro.Essetipodesom, para Carlos Fortuna (1998), é capaz de constituir reserva patrimonial erepresentartraçosdaconstituiçãourbanaedocotidianolocal.

DeacordocomYi-FuTuan(2013),asatribuiçõesdesignificadosevaloresa frações do espaço em decorrência de experiências fazem com as pessoasdesenvolvamosentimentodelugar.Logo,naperspectivadoautor,diferentementeda dinamicidade característica da paisagem, o lugar é dotado de certaestabilidadeeconforma-seapartirdepausasnosmovimentos.Pormeiodessaspausas as pessoas conhecem melhor os espaços e atribuem a eles valores,sentimentosesignificados.

Também, na perspectiva de David Seamon (1979), é no lugar onde sedesenvolvem dinâmicas regulares e diversificadas que marcam seu ritmo. Talritmoinfluenciasobremaneiranasexperiênciasdoespaço,poiséresponsávelporinserirpessoasemdinâmicasdecorpos,objetosecontextosquesealternamcomopassardotempo.Édessemodoque,paraÉricDardel(2011),ummesmolugarpodemudardevalorconformeahoradodiaeasestaçõesdoano,porexemplo.

Ainda, a partir dos signos, sinais e símbolos estabelecidos no espaço pormeioderedesdelugaresinterdependenteseexpressosnaspaisagens,institui-seo

território(PAULA,2011;TORRES,2011;TUAN,1976).Assim,noterritóriosefortalecem e semanifestam relações simbólicas que acabam por estabelecer oexercício do poder por parte de pessoas e grupos culturais que nãocorrespondem, necessariamente, às pessoas e grupos detentores dos podereseconômico e político institucionalizados (PAULA, 2011; SILVA, 2000;BONNEMAISON,2002;TUAN,1976).

ParaFortuna(1998),osterritóriospodemserestabelecidos,também,pelasextensõesdosespaçoscompreendidospelapropagaçãodossons,dentreosquaispode-se ter a ocorrência de sons denominados “imperialistas” por Schafer(2011).Nessesentido,ossonsditosimperialistassãoemitidoscomopropósitode se sobressaírem em meio a outros presentes em um determinado espaço,objetivando atrair a atenção das pessoas para fins determinados (SCHAFER,2011). Ainda, a dimensão vivida do território caracteriza-se pelo feito daterritorialidade,istoé,aexpressãoqualitativadofenômenoterritorialquemarcaas ações das pessoas e grupos instituídos a partir dos lugares (PAULA, 2011;SILVA,2000).

Taisações,conformeTimIngold(2008),sãomarcadas,também,pelossons,o que confere aos sons de origem antropofônica características intermitentes.Logo, para esse autor, a dimensão sonora do espaço é efêmera, sendo que umdeterminado som produzido pode nunca mais ser recuperado. Diante dessaquestão,DavidLowenthal(1976)preocupou-searespeitodaimpossibilidadederecuperar sons do passado que não tenham sido gravados no instante em queforamproduzidos.

A presença humana no espaço e no tempo se constitui, sobretudo, nascidades,ondeocorremexperiênciascorporais,relaçõeseinteraçõesdetodasaspessoas que nelas estão (DARDEL, 2011; PALLASMAA, 2011). Taisexperiências conformam paisagens carregadas de sentimentos, conhecimentos eemoçõesquedãocaracterísticaseidentidadesaoslugaresequeseconsideradasmarcantes por algum motivo, fazem com que as cidades permaneçam nasmemóriasdaspessoascomoimagens(LYNCH,2011;PALLASMAA,2011).

Contudo,aomesmotempoemqueascidadessãoespaçosdeexperiências,enquanto realidade geográfica são também espaços construídos, fruto dasinterações, intenções e possibilidades humanas que nunca deixam de criar,modificar e recriar suas estruturas (DARDEL, 2011; LYNCH, 2011). Assim, épossível a compreensão dos espaços urbanos a partir das relações que os dãosentido,docotidianoedasexperiênciasdaspessoasegrupos(SILVA,2000).

Sobretudoasruaseascalçadascaracterizam-secomoosprincipaisespaçospúblicosdascidadese sãoconsideradasocentroeoquadrodavidacotidianapor onde pessoas e grupos passam, trabalham e moram (JACOBS, 2014;DARDEL,2011).Noentanto, conforme Jane Jacobs (2014), as ruas e calçadasapenassignificamalgoemconjuntocomosedifícioseosoutrosusoslimítrofesaelas. Para a autora, as atividades desenvolvidas nos edifícios limítrofescontribuemparaqueousodessesespaçosocorrademododesigualemrelaçãoàshorasdodia.Também,paraTuan(2012),ocarátereousodasruasecalçadasvariamàmedidaquerefletemcontextosfísicos,sociais,culturaisepolíticos.

A atividade comercial, comum nas áreas centrais urbanas, precisa, parafuncionar,depessoascirculandopelasruasecalçadasaomesmotempoemquese torna um atrativo para mais pessoas (JACOBS, 2014). Assim, com ofechamento desses estabelecimentos no período da noite, por exemplo, ocorreuma rápida diminuição da quantidade de pessoas que por elas circulam epermanecem. Logo, ruas e calçadas que durante o dia são espaços dinâmicos,“barulhentos”, animados por fluxos de pessoas, veículos emercadorias podemdespertar sentimentos de solidão e insegurança com o fechar dosestabelecimentoseorelativosilêncioànoite(JACOBS,2014;ALOMA,2013).

AindadeacordocomJacobs (2014),nas calçadasdesenvolvem-seordenscompostas de movimentos e mudanças nas quais as pessoas e os grupos têmpapéisdistintos,masquecompõemum todoordenadoediverso, exclusivodoslugares.Essasordens,asquaisaautoradenominou“balédacalçada”,reúnemeaproximam pessoas que não se conhecem de maneira íntima, mas quecompartilhamosmesmosespaços,oquecaracterizaumavidapública.

PESQUISA DE CAMPO: MÉTODOS, TÉCNICAS E RESULTADOSPARCIAIS

A partir do entendimento das cidades tanto por suas dimensões humanasquantopor suasdimensões racionalizadas e artificiais (LYNCH,2011;RELPH,1987) e suas ruas e calçadas como o centro e o quadro da vida cotidiana,realizou-se uma pesquisa de campo ao longo da rua de trânsito exclusivo depedestres (popularmente conhecida como calçadão) de Londrina no dia 15 deabril de 2016, sexta-feira. Londrina é um município com cerca de 550 milhabitantes localizado no interior do Paraná, na região norte desse estado(BRASIL,2016).

O calçadão, localizadonoCentro doDistritoSede, comaproximadamente650metrosdeextensão,foiinauguradoem1977emumtrechodaAvenidaParanáeemumaregiãoquehistoricamenteconcentroudiferentesatividadescomerciaisedelazer(GUEDES,2012).DeacordocomSilvanaGuedes(2012),aolongodotempo,ocalçadãopassoupordiversasmodificaçõesereformas,sobretudo,poiselasforamutilizadascomoformademarcaraçõesdegestõesmunicipais.

Em campo, observou-se que os limites do calçadão são marcados poredifíciosnosquais,normalmente,funcionamnoandartérreocomércioseserviçosde apelo popular, como lojas de departamentos e de varejo, restaurantes,lanchonetes,sorveterias,farmáciasebancos.Nosandaressuperioresécomumofuncionamento de escritórios, consultórios médicos e dentários, bem como aexistência de moradias. Há ainda, nos limites e nas proximidades, diversaspraças,bosque,teatro,museus,shoppingcenter, terminaldeônibuseacatedraldacidade.Também,nocalçadão,historicamenteocorremdiversasmanifestaçõespolíticas, culturais e religiosas, sendo o espaço frequentado diariamente pordiferentes grupos sociais, como de punks,hippies, vendedores ambulantes, deidososereligiosos,porexemplo.

Napesquisadecampodesenvolvidaadotou-sea triangulaçãodosmétodos

decaminhada sonora,demapamental edeentrevista,bemcomoutilizou-sedorecursodegravaçãodascaminhadasedepanoramassonoros.Atriangulaçãodemétodospermitiuabordaraspectosdiferenciadosdoproblemadepesquisa,bemcomo a identificação de pontos de convergência entre os resultados obtidos(GÜNTHER;ELALI;PINHEIRO,2011),aindaquedeformapreliminar.

Nessecontexto,umdospesquisadoresrealizoutrêscaminhadassonorasnocalçadão,sendoumanoperíododamanhã,umanodatardeeoutranodanoite.As caminhadas sonoras, propostas por Schafer (2011), possuem caráterexploratórioe tiverampor finalidadefazercomqueopesquisadorouvissecomatençãodetalhesdoespaçoacústicodocalçadão.Também,ascaminhadasforamgravadas de modo a se tornarem registros do espaço acústico em um dadocontexto histórico, cultural e social (DREVER, 2009; HOLMES, 2016). Paratanto,utilizou-seumgravadordigitaldamarcaTascammodeloDR-05equipadocomprotetordeventoefonedeouvido.Osarquivosgravadosnoformatodigitalde áudiomp3 foram editados por meio do softwareAudacity e carregados naplataformaon-linedepublicaçãodeáudioSoundcloud1.

Ascaminhadasgravadasdesenvolveram-sedemodocontínuo, sempausas,aolongodeumtrajetopredefinidoqueenvolveutodaaextensãodocalçadãodeLondrina. Elas tiveram início nas proximidades da Praça JorgeDenielidades efim na PraçaWillie Davids, próxima ao Cine Teatro Ouro Verde, conforme ocroquiaseguir(Figura1).

Figura1–CroquidoCalçadãodeLondrina

Notam-sepontosdereferênciaseasmarcaçõesdeinícioefimdascaminhadassonoras.Fonte:Google(2016).Organização:Osautores(2016).

Com a realização das três caminhadas sonoras e também com a posteriorescuta das gravações, constatou-se a diferenciação da composição do espaçoacústicodocalçadãodeLondrinaentreosperíodosdamanhã,tardeenoite.Emtodos os períodos predominaram no espaço sons de origem antropofônica, noentanto,pelamanhãetardeossonspercebidospelopesquisadorrelacionaram-se,principalmente,àsaçõesdesempenhadasnoscomércios,demúsicosde ruas,àsvárias reformas de edifícios, ao trânsito constante de veículos e a diversosalarmes e campainhas. A contínua sobreposição de sons percebidos e adificuldadeemidentificarclaramenteaorigemdelescaracterizaramadimensãosonoradoespaçodocalçadãonessesperíodoscomodebaixafidelidade.

No período noturno, os sons dos motores e do burburinho tiveram suasintensidades reduzidas em decorrência do menor movimento de veículos epedestres, mesmo assim, continuaram a ser percebidos com frequência. Issoaumentouafidelidadedoespaçoacústicodocalçadãoepermitiuaidentificaçãodesonsencobertosduranteosperíodosdiurnos, taiscomoosdepassos,deumchafariz e de portas e portões sendo abertos e fechados. Além desses,perceberam-se novos sons, como latidos e do trânsito de bicicletas. Logo, as

diferenças na composição do espaço acústico do calçadão entre os períodosdiurnos e noturno refletiram os ritmos dos lugares, relacionados, sobretudo, aofuncionamentodas lojasedeserviços instaladosemedificações limítrofeseaotrânsitoconstantedeveículospelaregiãocentral.

Após a realização de cada caminhada sonora, o pesquisador percorreu otrajeto no sentido contrário gravando panoramas sonoros, solicitando aelaboraçãodemapasmentaiserealizandoentrevistascompedestresnocalçadão.

Steven Feld (2014) caracterizou os panoramas sonoros como gravaçõesestacionárias comentre1 a3minutosdeduraçãoque correspondema recortestemporais e espaciais selecionados a partir de interesses específicos. Nessesentido,porexemplo,apósrealizaracaminhadasonoradamanhã,opesquisadoridentificouegravousonsquemarcavamdiferentesaçõesnoespaçodocalçadão,caracterizando a sobreposição de, ao menos, três territórios distintos. Osprincipaissonsquemarcavamessesterritóriosforamosemitidosporumapotentecaixa acústica localizada na porta de uma farmácia, por um pequeno aparelhoportátilemumabarracadecomerciantesdeartesanato(popularmentechamadosdehippies), localizadanomeiodocalçadão,nasproximidadesdaPraçaWillieDavidsepor integrantesdeumgrupode religiososquepercorriamasbarracascomopropósitodeabençoarostranseuntes2.Nessecontexto,emcampoecomaposterioraudiçãodopanoramagravado,opesquisadoridentificouareproduçãodecomerciaisdeumarádioFMpopularprovenientesdafarmácia,deumamúsicadoestilorockandrolldosanosde1970doshippieseodiscursodosreligiosos,sobretudo, a frase “Deus te abençoe”. Além disso, no fundo, o burburinho deoutraspessoaseossonsdotrânsitodeveículosfaziam-sepresentes.

Também, foi utilizado em campo ométodo demapamental. Esse tipo demapaconfigura-secomoumarepresentaçãosimbólicaesquemáticadaspaisagens,imagenselugares,originadosdoespaçovividoouimaginado(SEEMANN,2010;NUERE, 2000). Como a experiência espacial ocorre de modo integrado emultissensorial, podem ser representados nesse tipo de mapa tanto aspectosvisuais quanto dos demais sentidos, sobretudo, auditivos e olfativos (NUERE,

2000).Nocasodasrepresentaçõesdeexperiênciassonoras,talmapadenomina-semapasonoropessoal(HOLMES,2016;BERNAT,2014).

OsmapaselaboradosemcampoforamdesenvolvidosapartirdopropostoporDavidHolmes(2016),emfolhasdepapelcomotraçadodeumcírculo(querepresentavaoespaçoacústicopercebido)quetinhaemseucentroum“X”(quesimbolizava a posição relativa do observador no espaço). Com isso, osparticipantesabordadospelopesquisadorequeaceitaramparticipardapesquisativeramapossibilidadedeordenarasrepresentaçõesnosmapasdeacordocomas distâncias das fontes emissoras dos sons percebidos em relação a suasposições(HOLMES,2016).

Para a realização dos mapeamentos, foi importante que os participantesouvissem atentamente os sons dos espaços onde se encontravam por algunsminutos, para que então, pudessem representá-los nas formas de desenhos,palavras ou figuras de linguagem (como onomatopeias) (HOLMES, 2016;SCHAFER, 2011). Após a finalização, coube ao pesquisador a análise einterpretaçãodosmapas. Isso foipossível apartirda formaçãodeunidadesdesentido interpretadas a partir destas quatro fases (KOZEL, 2007; MOREIRA,2002)3:

• Leitura geral: buscou-se uma ideia geral do que foi representado,enfatizandoasformaseadistribuiçãodoselementosnosmapas.

• Formação de unidades de sentido: a partir da releitura dos mapas,formaram-seunidadesdesentidodentrodaperspectivadeinteresse,comênfaseno fenômeno estudado. Nessa fase buscou-se, ainda, especificidades eparticularidadesmapeadas.

• Expressão das unidades de sentido: decodificou-se as mensagensveiculadas às unidades de sentido a partir do referencial teórico utilizado edestacou-seasunidadesmaisreveladorasdofenômenoestudado.

• Síntese das unidades de sentido: sintetizou-se e integrou-se todas asunidadesdesentido,transformando-asemumadescriçãoconsistentedaestruturado fenômeno.Nessa fase, puderam ser sintetizadas as unidades de sentido dos

mapaselaborados.Comaleituraeanálisedosmapasapartirdessasquatrofases,buscaram-se

descrições a respeito das experiências do espaço acústico do calçadão semperder,noentanto,informaçõesimportanteseespecíficasaseurespeito(KOZEL,2007).

Nessecontexto,foramelaboradostrêsmapassonorosduranteapesquisadecamponocalçadãodeLondrina.Dentreeles,ocriadoporumrapazde18anosdeidade, morador de Londrina, que, no momento da abordagem, aguardavapacientementeotérminodacolocaçãodedreadsemseuscabelosporumamoçaemumabarracadecomerciantes“hippies”.Instigadopelopesquisadoraouvirossonspor cercadedoisminutos, o rapazbuscou representá-losna fichaprópriaparaomapeamentopreviamenteelaborada.Oprocessoteveinícioàs11h27eoparticipante demorou aproximadamente quatrominutos para elaborar o seguintemapa(Figura2):

Figura2–Mapasonoropessoal

Fonte:osautores(2016).

Comaleiturageraldomapa,observaram-sediferenteselementosdispostosa partir do “X” que marcou a posição do participante. Dentre eles, estão asrepresentações de uma farmácia “FARMASIA” (sic.), que no momento do

mapeamento possuía uma caixa acústica voltada para o calçadão, a qualreproduzia uma música do cantor brasileiro Mc Guimê (“FUNKMC GIMÉ”)(sic.);deelementosdabarracadosvendedoreshippies,incluindooaparelhodesomportátildoqualecoavammúsicasdoestilorockandroll (“SOMROCK”);deumacaixaacústicadeoutralojasituadadoladoopostoàfarmácia,dooutrolado do calçadão; e o símbolo de um grupo de punks local (símbolo e sigla“REOP”).

Formou-se uma unidade de sentido a partir dos elementos “FARMASIA”(sic.), “FUNK MC GIMÉ” (sic.) e da caixa acústica da loja. Essa unidaderepresentaademarcaçãodeterritóriospormeiodesonsqueenvolviamabarraca.Formou-se outra unidade a partir dos elementos da barraca dos vendedoreshippies, a expressão “SOM ROCK” e o símbolo do grupo punk local. Essaunidade demonstrou se opor à unidade anterior ao representar aspectosresponsáveispelaformaçãodaidentidadedojovemparticipanteeque,também,caracterizariam o lugar no qual ele se encontrava. Ainda, os elementos “SOMROCK” e “FUNK MC GIMÉ” (sic.) sugeriram sentimentos topofonofílicos etopofonofóbicosrespectivamente.

Emsíntese,aanálisedasunidadesdesentido,identificadasnomapa,sugeriua existência de múltiplos territórios no calçadão de Londrina no momento domapeamentomarcadospordiferentesterritorialidades.Abarracadosvendedoreshippies na qual o jovem estava configurou-se como uma “ilha” em meio aoentorno caracterizado por rádios e músicas populares. Ainda, a barracademonstrou-se uma fraçãodo espaço coma qual o jovem se identificou, o queremeteuarelaçõescaracterísticadoslugares.

Porfim,deacordocomSebastianBernat(2014),aspreferênciassonorasdealgumaspessoaspuderamser reveladasapartirdeentrevistas semiestruturadasfeitaspelopesquisadoremcampo.Paratanto,conformeoautor,osentrevistadosprecisaram ouvir com atenção os sons presentes no espaço do calçadão poralguns minutos para, então, citar os sons considerados agradáveis edesagradáveis.Atravésdaanálisedasrespostaspormeiodoreferencialteórico

adotado,pôde-seidentificar,dentreoutrascoisas,sentimentosdetopofonofiliaetopofonofobia(DREVER,2015;SCHAFER,2011).

Duranteapesquisadecampo,foramrealizadasseisentrevistas,sendoduasemcadaperíodododia.Dostrezesonscitadosnototalcomoagradáveis,umfoiclassificadocomodeorigemgeofônica(vento),doisdeorigembiofônica(cantodepássaroselatidos)edezcomodeorigemantropofônica(vozes,dosaparelhosde som instalados nas entradas das lojas e silêncio). Já em relação aos quinzesons citados como desagradáveis, todos eles referiram-se aos de origemantropofônica, relacionados, sobretudo, ao trânsito de veículos, vozes, sons deobrasereformaseaosemitidospelosaparelhosdesominstaladosnasentradasdas lojas. Ainda, os sons agradáveis de origem biofônica foram citados pelosentrevistados à noite, o que se deve à significativa redução da quantidade deveículos e pessoas circulando pela região e o fechamento do comércio. Essasituaçãopermitiuqueessessons,normalmenteencobertosnosperíodosdamanhãetarde,pudessemseridentificadoscommaiorclareza.Oquadroaseguirsintetizaasrespostasdadas(Quadro1):

QUADRO1–Preferênciassonorasdosentrevistados.

*Entrevistado.“Homemacústico”écomoseconheceorapazcomumenteobservadoouvindomúsicasemumfonedeouvido,cantando-asemvolumeelevadoedançando-asnasruas,

consideradoumpersonagemtípicodeLondrina.Fonte:osautores(2016).

Umaanálisepossíveldoquadrorevela,dentreoutrosaspectospossíveis,opredomínio de sons de origem antropofônica dentre os percebidos pelosentrevistados, os quais atribuíram a eles sentimentos de caráter tantotopofonofílicos quanto topofonofóbicos. Sobretudo, os sons relacionados aotrânsito de veículos despertaramatençãodos entrevistados por suas qualidadesnegativasedesagradáveisemtodososperíodosdodia.Destacaram-se,ainda,ossons originados dos comércios, no período diurno, aos quais foram atribuídossentimentosdistintospelosentrevistadoseodasvozes, tantonoperíododiurnoquantonoturno,relacionados,sobretudo,aograndefluxodiáriodepedestreseadiversidadedeações.

CONSIDERAÇÕESFINAISCompreender o espaço a partir de experiências de sua dimensão sonora é

umapossibilidadenocontextodaGeografiaHumanista.Paratanto,énecessáriooentendimentodascategoriasdeanálisedeespaço,lugar,paisagemeterritórionoâmbitodapercepçãodossonsenquantoobjetossonoros.Talpercepçãofazcomqueessesobjetossejamconvertidosemelementossubjetivosquedespertamnosouvintes sentimentosvariados relacionados, sobretudo, a aspectos simbólicos eestéticos.

No caso da pesquisa de campo realizada no calçadão de Londrina, atriangulação dos métodos de caminhada sonora, mapas mentais e entrevistaspermitiuaabordagemdediferentesaspectosdadimensãosonoradesseespaço,taiscomodadiferençadesuacomposiçãoemrelaçãoaosritmosdoslugares,dapresençade territóriosmarcadosporsímbolossonorosesons“imperialistas”edas diferentes preferências sonoras dos ouvintes em relação aos sons por elespercebidos.Logo,odesenvolvimentodapesquisadecamposugeriuaviabilidadedos diferentes métodos utilizados de acordo com o objetivo do trabalho. Noentanto, devido a sua natureza exploratória, a pesquisa de campo obteveresultadospreliminaresdiversificadosecomplexosquedevemserinterpretados

demodomaisaprofundadonoâmbitodascategoriasdeanálisedaGeografia.

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1Arquivos digitais disponíveis em<https://goo.gl/WT8cwP> ou a partir da leitura do seguinte códigoQRporumsmartphone,tabletounotebook :

2Panoramasonorodisponívelem<https://goo.gl/xPdQvk>ouapartirdaleituradoseguintecódigoQR:

3 Esse método foi elaborado a partir do método fenomenológico de Amedeo Giorgi (1985 apudMOREIRA, 2002) e dométodo para leitura e interpretação demapasmentais proposto por Kozel (2007).GIORGI,A.Phenomenologyandpsychologicalresearch.Pittsburg:DuquesneUniversityPress,1985.

ACONTRIBUIÇÃODAFESTANAREPRODUÇÃODOLUGAR

[email protected]

UniversidadeFederaldaBahia

UMPOUCODOLUGAREDAFESTAPensamosonossotema–acontribuiçãodafestanareproduçãodolugar–

no lugar-cidade de Santo Amaro, na Bahia, ou, mais especificamente, noRecôncavobaiano.ConsideramosSantoAmaroumapequenacidadeemvirtudede uma conjugação de características. A começar por sua população, cerca de61.836indivíduos,queassociadaàsuahinterlândiaeàsuaimportânciafuncionaldiantedarededecidadesdaregiãoRecôncavodá-lheumacertarelevância,sub-regional. Santo Amaro consegue centralizar sua população rural e a de algunsdistritosdemunicípiosvizinhos(comoCachoeiraeSãoFranciscodoConde,porexemplo), entretanto muito próximas dessa cidade existem outras, de maiorrelevância econômica e política que centralizam um espaçomais amplo, comoSanto Antônio, por exemplo, que relacionalmente contribuem muito maisdiretamente para a organização e reprodução econômica do espaço regional.Afora isso, existem conteúdos em Santo Amaro, notáveis nas relações –permeadasporintimidade,familiaridadeepessoalidade–quesedesenvolvemnoseuespaçointraurbano,responsáveisportorná-laumatípicapequenacidade.

Discutimos a pequena cidade Santo Amaro dentro de uma perspectivacrítica,naqualprocuramosobservarcomoafesta,desselugar,constitutivadele,éumespaçopolítico,queserveàreproduçãosocioeconômicadeváriosgrupossociais. Para pensarmos esse fato realizamos uma pesquisa, principalmente,qualitativa utilizando recursos demétodo nos quais coletamos e analisamos as“falas”contidasemflyerspublicitários(impressosedigitais),emmídiassociais

virtuais, em jornais impressos de distribuição local, em entrevistassemiestruturadasque realizamos etc., enfim,nos centramos, predominantemente,emmateriaisproduzidosno/apartirdolugar-pequenacidadeSantoAmaro.Parapensarmos as falas realizamos uma análise discurso simples e crítica(FAIRCLOUGH, 2001) através da qual procuramos montar contextos e definirsujeitos.

Em torno do lugar-pequena cidade, SantoAmaro, e entre seus sujeitos sereproduzem vários elementos constitutivos do discurso de baianidade. Entretantos,existecomcertezaa intimidadecomosagradodescritaporMARIANO(2009),umelementofrequentementesuscitadonocotidianodaprópriacidadedediversas formasepelamídia,queo reforça sempreque fazqualquermençãoàcidade. “O mesmo pedaço de chão que foi consagrado à Nossa Senhora daPurificação e ao Senhor Santo Amaro, também é protegido por Iemanjá”(LEGENDÁRIA, 2001, p. 7) é uma afirmação descrita por um jornal decirculaçãonoestadodaBahia,depropriedadeda famíliaMagalhães,duranteavigência dos governos carlistas1, quando as políticas públicas configuraram aculturacomoprodutoturístico.

O lugar Santo Amaro é sintetizado, discursivamente e ideologicamente,também,nassuasfestas,edemodomaisintensoemumafestaespecífica,aFestadaPurificação,aqualprocuraremosdescrevereanalisarossujeitosenvolvidosnasua realização,assimcomoas redesqueesses sujeitosconstituementre si ecomoutros, que não participamdiretamente do evento.DoreenMassey (2008),com sua reflexão sobre o lugar, enquanto um espaço-intersecção de umaconstelaçãoderelaçõessempreemprocesso,nosajudanesseponto.

Apartirdolugarcomeçamosaseguirossujeitosenvolvidosnaproduçãodafesta.Elesfazempartedediversasredesqueseestendempordiversasdimensõesespaciais. Esses sujeitos e seus modos de ação parecem comportar umaracionalidademuito próxima do que chamaríamos de instrumental.O lugar queaparece “atravessando” essas redes e essas dimensões espaciais onde osreferidossujeitosdesempenhamopapeldenósativoséumlugarfetichizado,uma

ideiaessencializada,útilàpromoçãodeSantoAmarocomodestinoturístico,oucomo elemento discursivo – palavra-chave de outros eventos acontecidos emoutros lugares2 – usado com a função de legitimar uma representaçãoestereotipadadeBahiae/ouBrasilparaespectadoresexóticosdesfrutarem.Esselugar é um produto, uma “cristalização” de vários elementos discursivosrelacionadosàideiadebaianidade,queencontram,emSantoAmaro,umaformaespecífica(ouformasespecíficas?)derealização.

Afinal, não existeumacoerência elaborada apartir do lugarSantoAmaronesse modo de realização. Se existe algum sistema ideológico solidarizandotodos os elementos que justificam a festa, atualmente, em Santo Amaro, essesistema é constituído pela necessidade de capital dinheiro e/ou político de umgrupo,restrito,desujeitos.Osdemaissujeitosquenãoparticipamdiretamentedaelaboraçãodessesistema,mas,comcerteza,contribuem(diretaouindiretamente)para sua permanência e consolidação, estão na periferia da “festa”, enquantoestrutura-processo de capitalização do município. Uma periferia não tantogeométrica,masprincipalmentederelaçõesquesedesdobrameseacomodamnafestacomointuitodecaptaremomáximodemoedapossível.

A festa em Santo Amaro não é apenas um momento de ruptura com ocotidiano.Endossando,decerta forma,Canclini (1983):ascontradiçõesquesedesenvolvem cotidianamente no lugar continuam ao longo das suas festas,reconfiguradas. De fato, para esse autor se verifica com a festa umadescontinuidade,entretanto“essaéumaformadesefalardoqueseabandona,umoutromododecontinuá-lo”(CANCLINI,1983,p.55).

As redes arranjadas temporariamente em Santo Amaro, durante as festas,possuemóbviasramificaçõeslocais,alémdeseramificarememoutrasdimensõesespaciais mais amplas. Reconstituir algumas das configurações constitutivasdessasredesfoipossívelgraçasaessasramificaçõeslocaisqueserviramcomopontodepartidadeumtrabalhoderastreamentodesdobrado,principalmente,porváriossítiosvirtuais.Nãodescreveremosaqui todasaspossíveisconfiguraçõesdas referidas redes; deter-nos-emos apenas em algumas ilustrativas da

componente exógena e de sua importância na constituição dessa festa, julgadasíntese de uma pretensa “identidade” do lugar. Para reconstitui-las (as redes),começaremospordoissujeitosespecíficos:MaurícioPessoaProduçõeseJonasLopesProduções,empresasque,naatualgestãomunicipal (doprefeitoRicardoMachado), organizam (ou organizaram) parte significativa dos eventospromovidospelopodermunicipal.Dimensionemoscadaumdossujeitosafimdeavaliar as redes que instrumentalizam a festa como evento político, cultural eeconômico.

AJonasLopesProduções,doproprietáriodemesmonome,organizavárioseventos em Santo Amaro (e na sua área de influência) para a atual gestão daprefeitura.Essa empresaparticipouda realizaçãode festas juninas, de algumasedições da festa da Purificação e do Bembé do Mercado etc. Além desseseventos, financiados comodinheiropúblico, a JonasLopesProduções tambémorganizaumbloco,o“TônaAba”3,presentenafestadaPurificação.Porfim,aempresaproduzartistasdaregiãoeorganizashowsdepagodebaianoeaxémusicpeloRecôncavo.É de sua produção oCabuçuFest4, que acontece emSaubaradesde2008.SuabasedeaçãoéSantoAmaro.Aredesocialdaqualparticipaoreconheceenquantosujeito,queacapitalizasocialmente.

AMauricioPessoaProduções5 éumaprodutorasediadaemSalvador,masque empreende ações no Brasil inteiro. O empresárioMaurício Pessoa SantosPereiraéoproprietáriodaprodutora.Suaempresaéaresponsávelpelaproduçãodos shows da família Veloso (Caetano Veloso, Maria Betânia Veloso e J.Velloso),noNordesteespecialmente,edeoutrosartistasbaianos(GilbertoGil,GalCosta, Jau,MarienedeCastro,Psiricoetc.), assimcomodeoutros artistasbrasileirosealgunsestrangeiros.Desdeadécadade1990,aMaurícioProduçõesrealiza produções em Santo Amaro. A primeira Festa da Purificação que aempresaorganizoufoinoano2000,masantesdissooempresáriojáproduziaosshowsdosirmãosVeloso,duranteasmesmasfestas,emSantoAmaro.OprimeiroBembédoMercado6 organizado pela empresa aconteceu em2003.Ela tambémorganizou/organiza eventos fora de Santo Amaro que usavam/usam termos

comumenteassociadosaolugar7.Apesardefrequentenasproduçõesfestivasdomunicípio, a Maurício Produções faz parte de uma rede social mais amplaespacialmente do que a produtora anterior. Santo Amaro não constitui suaplataformadeaçãoprincipal,massomenteumdospontosondeelaatua.

Como já indicamos, ambas as produtoras apontadas acima já participaramdaorganizaçãodaFestadaPurificaçãoqueé,semdúvida,amaisimportantedocalendáriosantoamarensedefestas.Éumeventosíntesedo“ser”santoamarense.Nela, o morador anda pela cidade, a anuncia e se anuncia, come as comidas“típicas”, oferece sua hospitalidade aos outsiders (de fora), e se prepara paracomeçar o ano. Nela, ideologicamente, todos são iguais e todos podemparticipar,independentedareligiãoaqualpertençam,pois,arelevânciainstituídada festa atualmentenãovemsomente,mas certamente também,do fatode ser afesta da padroeira da cidade, uma posição que a pretende pôr acima dasdissensões cotidianas entre os diversos sujeitos sociais coexistentes nomunicípio.

A dimensão religiosa do evento, relacionada à celebração das missas erealização das procissões, ainda é referenciada. Entretanto, da parte profana,grande parte da cidade toma parte, seja para divertir-se, seja para adquirirdinheiro líquido, ou ambos.Durante a festa, ocorre umamanifestação religiosaque não é católica, mas é parte obrigatória dos rituais que constituem acelebração:éocortejodasbaianascoma lavagemdasescadariasdamatriz (asemelhançadoquesefaznaFestadoSenhordoBonfim,emSalvador),daqualtomam parte várias mulheres de Santo Amaro e Recôncavo, cuja religiãogeralmente é dematriz africana. Esse cortejo tem o seu ponto de partida, pelomenosaolongodosanos2000,naportadacasadeDonaCanô,ondeatualmentemora um dos seus filhos e atual secretário de cultura do município, RodrigoVelloso. “Éda casadeCanozinha, comoa chamamna intimidade,que saemasbaianastrajandorendaesegurandoasquartinhasdefloreseágua-de-cheiroparalavarasescadariasdamatriz”(LEGENDÁRIA,2001,p.6).

ASFORMASDATRADIÇÃOImportanteexaminaraestruturadafestaecomoessadialogacomosvalores

da sociedade santoamarense, criandoumespaçohierarquizado,noqual existemdois palcos, ainda que em algumas edições da festa chegassem a existir mais.Usualmente, há o palco principal (Figura 2), de frente para a Igreja de NossaSenhoradaPurificação,noqualseapresentamosartistasfamososnacionalmente;eopalcomenor“Bagacinho”,atrásdamesma igreja,noqual seapresentamasbandaslocais.Osshowssomenteacontecemanoite.Duranteodiasãoosblocosque promovem a festa. Até 2012, esses blocos percorriam a rua ConselhoSaraiva/GeneralCâmaraearuaViannaBandeira,entretanto,apartirdaqueleano,a prefeitura transferiu os blocos para a rua Ferreira Bandeira, a “Estrada dosCarros”,asfaltadanessegoverno(Figura1).

Umadasjustificativasparaatransferênciadocircuitodosblocosforamasruasestreitasdemaisdocircuitoantigoparaapassagemdosfoliõesedos trioselétricos.Noentanto,dizemosqueumvisívelprocessodecarnavalizaçãodafestaavançacomessamedida.Osfoliõesque,antes,eramobrigadosadesfilarpelasruas da parte central da cidade, testemunhando sua paisagem, dialogandoinevitavelmentecomsuadimensãomaterialetravandoconhecimentocomolugar,hoje percorrem uma única rua, a Ferreira Bandeira, recentemente asfaltada (nagestãodoatualprefeito,RicardoMachado)eladeadaporváriasresidências,boaparterecentementeconstruída.Todas,ouquasetodas,muradas.

Figura1–Mapadatrajetóriadosblocosedaprocissão,2014.

Fonte:ElaboraçãodeMIRANDA(2014)

Outrora, nas ruas centrais, onde a maior parte das casas é geminada (epossui a fachada coincidente com a testada) os foliões tinham uma plateia nospróprios moradores das residências, que também lhes forneciam banho demangueira (a festa acontece empleno verão), quando não, abriam as portas desuas casas para lhes dar bebida e comida. Aqui, novamente, um elementoidentitário da baianidade santoamarense: a alimentação. Afinal, como afirmouMariano, é comum, no caso baiano, “a congregação de pessoas, conhecidas edesconhecidas,paraconfraternizaçõesgastronômicas”(MARIANO,2006,p.45).Ora, umamoradorada cidade, emconversa informal, explicou comoomarido,umfuncionárioaposentadodaPetrobrás,lhepedianaépocadasfestasquefizessemais comida, para oferecer aos convidados (mais seus inevitáveisacompanhantes)deleedosfilhosqueporventuraviessemdeoutrascidades.

Afesta–quetemváriosmomentosentreaprocissão,asmissas,osblocos,alavagemdasescadariasdaigrejamatriz,maisocortejodasbaianaseosshowsde palco –, desde a década de 1980 vem se carnavalizando. Os blocos, por

exemplo,queatémeadosdoséculoXX,eram“animados”porcharangas,desdeadécada de 1980 começaram a ser “puxados” por trios elétricos, a exemplo dacapital,Salvador.Nãodesapareceramosblocosdecharangas,masessasnãosãomaisumdosmaioresatrativosdafesta.Atualmente,osblocosmaispopularesdoevento têm a presença de trios, os quais não tocammaismarchinhas, e sim ossucessosdoaxémusicedopagodebaiano.OsblocosdeSantoAmaro(Figura3)imitamem tudo,ouemquase tudo,osblocosdacapital:usamabadás (camisaspadronizadasqueidentificamobloco)compradospelosfoliõesepõemcordeiros(Figura4),pessoasencarregadasde isolaremos foliõesdoblocodaquelesquenão são do bloco através de uma corda.Não é difícil encontrarmatériasmaisantigas dos jornais do estado observando essa crescente carnavalização eespetacularização da festa. “Mesmo tendo baianas e a obrigação de lavar asescadarias, sãoos trioselétricoseosblocosquedominamos festejos, criandoumanovahistória,comnovospersonagens,quemantêmapenasomesmocenáriodedoisséculosatrás”(LAVAGEM,12/01/1996,p.3).

Figura2–PalcodafestadaPurificação.

Figura3–Pontodevendadeabadá.

Fonte:AcervodeShantiMarengo.2011.

No jornal local “A Defesa” (que não é mais publicado), uma matéria de2000descreviaos esforçosdopodermunicipal (gestãoGenebaldoCorreia)demanter os aspectos da festa considerados mais “essenciais”. “Procurandovalorizaratradição,afestapopulariráhomenagearocompositorAssisValente,

nesteano[2000]doseucentenário,abordandootema‘Chegouahoradessagentebronzeada mostrar o seu valor’”. A matéria ainda observava o fato de que,naqueleano,ascharangas teriammaisdestaque,estimulandoaparticipaçãodosblocos,afinalosjovensprecisavamserenvolvidos“paraumaparticipaçãomaisanimada”. Porém, apesar do desagrado dos “mais antigos e exigentes” que nãogostavamda participação dos trios elétricos, ainda naquele ano, “as poderosasmáquinas de som da Bahia continuarão animando os foliões santoamarenses”(FESTA, 30/12/2000, capa). Notemos, na matéria, a associação dos trioselétricosàBahia,comoseSalvador(ondeostriossurgiramefazemocarnavalnasuaformaatual)encarnasseoEstado,umavinculaçãoconstruídahistoricamenteeeventualmenterecolocadapelamídiaepelasfalasdocotidiano.

Nãoéraroencontrarfalasqueexaltemoformatoconsideradotradicionaldafesta, ao mesmo tempo que depreciam sua crescente carnavalização. A“blogueira” Amapagu Cazumba, possivelmente moradora da cidade, depôs (noseublog)em2010afavordastradicionaischarangasecontraaviolênciatrazidapelos trios elétricos e seus blocos. Ela depôs narrando sua experiência naLavagemdaPurificaçãodaqueleano:

(...)nascieestouenvelhecendoemSantinhoesótiveasortedeacompanharocortejodalavagem até o final este ano, do Bonfim ao Trapiche de Baixo vi a manifestação dafelicidade, alegria em estado puro, foi ali que entendi o carnaval como manifestaçãopopular, que inclui, que não reproduz o navio negreiro. Acompanhar a charanga éreconhecer o Santo Amaro ideal, igualitário, pessoas que contam a história da nossacidade, família, raízes,musicalidade, e verdade, a charanga nos identifica como realeza,casas abertas, esbanjando generosidade, refrescando a todos com água em banhos demangueirasoudebaldes,ouemsuavesdosesetílicas(03/02/2010)8.

Amapagu Cazumba retomara a ideia da festa como momento para oestabelecimento de uma forma de igualdade entre os seus participantes. Masobservemos: a professada igualdade somente poderia se pronunciar, segundo a“blogueira”, na festa em seu formato tradicional. Não sendo assim, a festa“carnavalizada” pronunciar-se-ia hierárquica, desigual, reproduzindo o que eladenominoude“navionegreiro”.

Amapagu Cazumba também promovera, nostálgica, o intimismo do lugarSanto Amaro, ainda permeado por ruralidades (HENRIQUE, 2012), onde ooutsider(defora)poderiaserrecebidohospitaleiramenteporseusmoradoresemseuslares.Nessetexto,aautoradescreverasuaexperiênciaeatécertopontoseudesejo, sua vontade e uma perspectiva, também reproduzida por alguns outrosmoradores da cidade. A festa, para Amapagu Cazumba, por enquanto, aindarespondiaasuaconstruçãoidentitária,considerada“tradicional”.Afinal,afesta(e nos referimos a qualquer uma) é política, resultado sempre renovado dedisputasentreagentes(deváriosgrupossociais)queseconfrontam,sedeclarame se aliam, antes de sua realização, enquanto ela se realiza e depois que serealizou.Todosqueremafesta.

OSCONTEÚDOSDATRADIÇÃOEmdiversas gestõesmunicipais é possível testemunhar o uso da Festa da

Purificaçãocomooportunidadeparaacapitalizaçãopolíticaeritualderenovaçãoda“identidade”santoamarense,naqualseusmitossãocultuadosepostosemumlugarsimbólico,alémdocotidiano,paraareverência.Afestatemumaprodução.O material de divulgação também é postado na Internet, nos sítios virtuaisoficiais, em perfis públicos doFacebook e em sítios virtuais relacionados aoturismo.Abaixodiscutiremos,atravésdosfragmentosdomaterialpublicitário,umpoucodotextoutilizadopelopoderinstituídoparaadivulgaçãoepromoçãodasdiversas“festas”daPurificação.

A cada ano, na festa, alguém ou alguma coisa que compõe o “corpo”mitológico da história “épica” santoamarense é homenageado. A homenagem éevidenciadanaestruturadafesta,nos flyers, cartazese faixas.Porexemplo,nofolder de divulgação da festa, edição 2003 (na gestão do prefeito GenebaldoCorreia), constava Paulino Aloísio de Andrade, o mestre Popó, comohomenageado. No mesmo folder também constava: entre os patrocinadores, ogovernodaBahia, na últimagestão dePauloSouto, aliado político deAntônio

CarlosMagalhães; e um pequeno texto, que consideramos icônico pela síntesesimbólica que o autor procurou realizar ao longo dele. Nesse texto, seu autorjustificava a homenagem a Popó e, para tanto, citava um trecho da música“TrilhosUrbanos”deCaetanoVeloso–naqualoartista“santifica”omestredecapoeira, acrescentando-lheoqualificativoSão,SãoPopódoMaculelê9 –, nãosemantesdescreveruma imagemnostálgicadaLavagemdaPurificação, a essaépocajáemprocessoavançadodecarnavalização:

A lavagem é, por si só, um abuso de beleza. Centenas de baianas impecavelmentevestidasdebranco,comsuasquartinhascontendoáguadecheiroefloreslavamoadrodamatriz numa demonstração de fé e devoção, para em seguida, juntamente com umamultidãotambémpredominantementetrajadadebrancoemunidadecavalinhosdeflechae chapéus de palha seguirem em cortejo animado pelos toques das charangas e afoxés(PREFEITURA,2003)

Em 2004, no último ano da gestão de Genebaldo Correia, a Festa daPurificação foi posta para homenagear a professora Zilda Paim, uma das“zeladorasdaculturasantoamarense”.Apropagandapolíticapós-festa,publicadapela prefeitura do município, procurou descrever um evento organizado pararesgatar as suas “raízes”. No texto assinado pelo prefeito, a gestão municipalassumiaa realizaçãodoeventoebuscavacriaruma identificaçãocomo leitor,moradordomunicípio,utilizandoartifícioscomoousodopronomepossessivonaprimeira pessoa do plural: “As ideias (sic) e a criatividade inseridas na festadeste ano contribuirão, indiscutivelmente, para consolidar um conceito de festanossa, com suas raízes fincadas no chão de massapê e refletidora da maisautêntica cultura do Recôncavo” (PREFEITURA, 2004, p. 03). Nessa citaçãoassistimosoautor seutilizarda ideiade torrãonatal, chãooriginário, referido,nessecaso,pelotermomassapê,osoloargilosoefértilquepropiciouaculturadecana de açúcar no período colonial e durante a vigência do império. Correia,dessa forma, associava a história da sociedade santoamarense à história daprosperidadedeumgrupohegemônicoespecífico,estendendoessaidentificaçãoatodapopulaçãodomunicípio.

Outra passagem do material de divulgação é emblemática quanto à

construçãoqueoautorfazemrelaçãoaocomercianteinformalatuanteduranteosdias de festa. Para Correia, o comércio informal, principalmente quandoencarnadopelovendedorambulante,éumsintomadadesorganizaçãoe faltadeplanejamento,oqualprecisava serdisciplinado.Durantea festadaPurificaçãode2004:

OspasseiosdaPraçaestiverampermanentementelivres,permitindoqueascriançaseosidosospudessemandarsemoatropelodosambulantes,dos isoporesenormese feios , edasperigosas panelasdeazeitepara friturasdiversas.Os foliões estiveram livres doscarrinhosdemãodecervejaedosfogareirosdequeijocoalho.Nãoqueelesdeixassemdeexistir, mas foram colocados nos locais adequados (PREFEITURA, 2004, p. 4, grifonosso).

Notemos,notextoacima,osadjetivos“feios”e“perigosas”utilizadospeloautorparaqualificarosobjetosutilizadospeloscomerciantesinformais.Notemostambém como o comerciante informal surge como um estorvo, um obstáculo,“atropelando”aquelesquedesejavamdesfrutar livrementedoevento.Por fimoautorcelebrouosartistas“daterra”,oua“pratadacasa”,queseapresentaramnopalco da festa: afinal “quem tem esse cabedal cultural não precisa importarnada”(PREFEITURA,2004,p.16,grifonosso).Overbo“importar”adquireumaforçaretórica,vistoquetransformaindiretamenteSantoAmaroemumanação,umlugarcomidentidadesingular,diferentedetodososoutros.

Anossafestanãoé,enãodeveser,igualàdemuitosmunicípiosbaianosquesedeliciame deliram com Calcinha Preta, Chiclete ou Babado Novo, sem nenhum demérito paraestasbandasconsagradas.ElassãoimbatíveisnoCarnavaldeSalvadorenasVaquejadasdo InteriordaBahia.Anossa festaédeoutroestilo. (...).Edeve seromomentoparaexibição de toda a nossa produção artística e cultural, que é rica, exuberante ediversificada(PREFEITURA,2004,p.03,grifodoautor).

Em2006,nagestãodeJoãoMelo,aliadopolíticodeGenebaldoCorreia,foihomenageadoosambade roda (ver figura5), que serianaquele ano registradocomo patrimônio imaterial pelo IPHAN e já era reconhecido como patrimônioimaterial pela UNESCO. Do texto para o material de divulgação da festa, daautoria do prefeito, reproduzimos a conclusão, um convite feito para quemnãoconheceafesta.“Esteéonossoconviteparaquevocêdescubraariquezadafesta

de Nossa Senhor da Purificação, a hospitalidade e a graça do povo doce emorenodaterradomassapé,ondeosoldapoesiafaznascertododiaoorgulhode ser brasileiramente baiano” (PREFEITURA, 2006, s. p., grifo nosso).Novamente as recorrências a aqueles elementos capazes de mitificarem SantoAmaro, ao mesmo tempo, singular e absoluto, e parte da nação brasileira: aorigemmestiçadopovonotermo“moreno”;ociclodoaçúcarnoadjetivo“doce”–qualificativoquepodeestarinsinuandoaafabilidadedopovosantoamarense–,enosolomassapê;asduascomunidadesimaginadasmaisamplas–opaísBrasileoestadoBahia–quecontextualizamaexistênciadopovosantoamarense.

Figura4–Cordeirosnobloco.Figura5–Folderdaépoca.2006.

Figura6–OutdoordarodoviáriadivulgandoaFestadaPurificação2011.Figura7–GrafitedafacedeCaetanoVelosoemtrêsmomentos.

Fonte:AcervodeShantiMarengo.2013.

Em2011,ninguéméhomenageado,masolemadafestaéumafrasepossíveldeumturistadesejado:“SantoAmaro,eu[turista]vimteconhecer!”(Figura6).Em2012,afestafoiproduzidapelaMaurícioPessoaProduções:homenageouoTropicalismoeCaetanoVeloso(Figuras7e8,anexas),adotandocomosloganelogootítulodeumacançãodocompositorhomenageado,eenalteceuumvisitantegenéricoque,comcertezaviria,deixandoSantoAmaro“aindamaisbonitacomsuapresença”.

NaFestadaPurificaçãode2013,tambémorganizadapelaMaurícioPessoaProduções, os personagens homenageados (os cantores e compositoresViníciusde Moraes e Luís Gonzaga, na Figura 9, anexa), não cumpriram a função,

geralmente atribuída ao evento, de renovarem a “identidade” santoamarense.Aqueleanofoiatípicopelaestruturamontada(trêsemvezdedoispalcoseumcamarote – para os notáveis da cidade, produzido pela promotora de eventosLícia Fábio, de Salvador – na Casa de Misericórdia, bem próximo ao palcoprincipal), pelo circuito novo dos blocos, pelos sujeitos envolvidos etc.Aparentemente, a festa, quando produzida pela Maurício Pessoa Produções,mobilizamaiselementosestranhosàpretensaidentidadedolugar,possivelmentepor conta do fato desse sujeito estar “costurado” a uma rede menos ligada àcidade,mais ampla e conectada a uma concepçãomais instrumental do evento,visando a capitalização econômica do município e, por conseguinte, acapitalizaçãopolíticadossujeitosquepromoveramafesta.Aprodutoraesperava,por exemplo, que, homenageando artistas famosos nacionalmente no evento,diminuindo seu conteúdo simbólico de caráter regional e local, uma populaçãomaior de turistas, identificados com os novos temas, incorreriam à celebração.Infelizmentenãotemosestatísticasquecomprovemosucessodessaestratégia.Dequalquermodo, aFesta daPurificação de 2013 foi a últimaque a empresa emquestãoproduziuemSantoAmaro10,talvezpelascríticasfeitaspelaoposiçãoaotamanhoda estruturamobilizadapara a festa e aosbeneficiadospelos recursosdeslocadosparaqueessaestruturaserealizasse.

Anexo,temosumcartaz(Figura10)dedivulgaçãodaedição2014daFestadeNossaSenhoradaPurificação.Na superfíciedapérola–metáforadeSantoAmaro, como se a mesma, ao mesmo tempo que pérola, fosse um planeta –representada no cartaz vários objetos e manifestações culturais simbólicas domunicípio:abaiana,aigrejamatriz,acapoeira,asflechasdecanausadasdurantea lavagem, os instrumentos musicais (berimbau, viola, violão, pandeiro), ocaranguejo dosmangues, omicrofone etc.Nessematerial de divulgação, SantoAmarotornou-seumajoiadaregião,feitadamusicalidadeereligiosidade,baianaenfim,mascomsuasespecificidadespaisagísticaseculturais.Ouseja,afestaéretomadacomoumaformadesustentarepromoverumachamada“identidade”dolugar.

Em2015,atendênciadeoportunizarafestaparacelebrara“identidade”dolugar foimantida.Na Figura 11 (anexa), omaterial de divulgação da Festa daPurificação 2015 pôs o tema religiosidade no centro. As baianas, personagensprincipaisdomomentoda lavagem,aparecememprimeiroplanoe logoatrásaigrejadaNossaSenhoradaPurificação.Notemoso slogan“pratasdacasaquevalemouro”,quesugereumafestamaisvoltadaparaapresentareexporoqueélocal. De fato, no palco principal, vários artistas locais se apresentaram.Entretanto,oespaçodoeventocontinuouhierarquizado.Osartistasmaisfamosos,vindos de fora, continuaram se apresentando no palco principal, o qual erachamado, no material de divulgação, de “Ouro da Terra”, enquanto que o“Bagacinho”,ondeseapresentam,usualmente,asbandaslocais,foichamado,nomesmomaterial,de“PratadaTerra”(PREFEITURA,2015).

Em2016,omaterialdedivulgaçãofoiobjetodepolêmicasvirtuaisacercadapretensa “identidade” santoamarense.Operfil virtual daprefeitura deSantoAmaronoFacebook,em12dejaneirode2016,publicouoprimeiroflyerparaadivulgação do evento (Figura 12, anexa) o qual pelo ambiente e pessoasimageadas – pessoas brancas e loiras emum ambiente fechado – tornou-se, nomesmodia, focode intensadiscussãosobreoquantoo referidomaterial serviacomodivulgaçãodeumafestasíntesedeSantoAmaro.Nãovamostransporparaesse trabalho os comentários acerca desse flyer. Foram muitos (cerca de 642comentários, amaior parte criticando omaterial, sem contar os apagados pelaassessoriadecomunicação,e716compartilhamentos).

Ficaremoscomumafrasedopré-candidatoaprefeitodaoposiçãoFlavianoBonfim:“Oquetenhoaponderar[sobreoflyer]équemepareceimpossívelverqualquer imagem ligada à nossa terra sem a presença de seus símbolos eelementos históricos, representativos de uma cultura única. É por força dessamesmaculturaquegentedomundointeirovemnosvisitar,pesquisareconhecer”.A imagem causou uma reação em cadeia no mundo virtual. Matérias forampublicadasnodia13dejaneironoticiandoareaçãodapopulaçãoàpropagandaconsiderada racista. No mesmo dia o Ministério Público Estadual da Bahia

recomendouàPrefeituradeSantoAmaroquesubstituísseomaterialpublicitárioda Lavagem da Purificação. Nos dias seguintes a assessoria de imprensa daPrefeitura de SantoAmaro publicava no perfil doFacebook vários flyers comoutros grupos étnicos e sociais representados (Figuras 13 e 14, anexas), assimcomoalgumasmanifestaçõesculturaistípicasdeSantoAmaro.

A Festa da Purificação é palco obrigatório dos grupos políticos domunicípio.Todosaparecememalgummomentoao longodosdiasde festa:nasmissas, nos shows de palco, na lavagem das escadarias ou na procissão, esseúltimoumdospontosaltosdacelebração, realizadonoderradeirodiada festa,quando os andores dos santos da cidade – o Senhor Santo Amaro e NossaSenhoradaPurificação–sãocarregados,juntamentecomosandoresdedezenasdeoutrossantostrazidosdeoutrascidades,distritosepovoados.Abaixo,trechosde duas matérias do jornal A TARDE, na década de 1980, demonstram aimportânciadafestacomomomentodecapitalizaçãopolítica.

Completamente molhado, com as águas das “quartinhas de Oxalá”, o prefeito WalterFigueiredo – que fez questão de acompanhar o cortejo – considerou a festa uma dasmelhoresdosúltimosanosedissequeaprefeitura investiumaisde800.000cruzeiros,afimdeofereceraopovocondiçõesparaaproveitarbastanteascomemorações(SAMBA,28/01/1980,s.p.).Entre os presentes [na lavagem] destacavam-se o prefeito Raimundo Pimenta e odeputadofederalGenebaldoCorrea,osquaisnãopuderamescapardosbanhosde“água-de-cheiro”dadospelas“baianas”.Todomolhado,oprefeitodissequeafestanãocontoucom ajuda do governo do estado, mas foi possível ser realizada com os recursos daPrefeituraMunicipal(LAVAGEM,01/1985,s.p.).

Oatualprefeito,RicardoMachado,continuandoa“tradição”detransformara festa em palco político, sempre está presente no dia da procissão, da qualparticipacarregando,nafrente,oandordeNossaSenhoradaPurificação,queéoprimeirodaprocissão.

A importância da Festa da Purificação para o município vai além dadimensãopolítica.Suaimportânciaeconômicaéexplícitanapaisagem.Nosdiasqueduramoevento,acidadesereconfiguraparareceberosturistas.Empresasemoradoresdacidadesepreparamparaadquiriremdinheironosdiasdafesta.Os

cartazesimprovisadosanunciandoavendadealgumalimentosemultiplicamnasfachadas das casas (Figura 15, anexa). Aumentam o número de ambulantes(Figuras16e17,anexas)queesperamganhar,emalgunsdias,ocapitalquenãoganhariam em vários meses de trabalho. Desse esforço participam não só osmoradoresdeSantoAmaro,mas tambémpequenoscomerciantesebarraqueirosvindos de outros municípios do Recôncavo. Barraqueiras I11 e II12 vêm deConceição de Feira. ABarraqueira I põe ponto na Festa da Purificação fazemdezoitoanos(em2013,anodaentrevista)eaBarraqueiraII,cincoanos.Ambasfrequentam,paraarrecadarmoeda,umcircuitodefestasqueserealizaatravésdevárias cidades, Feira de Santana,Muritiba e Cachoeira entre elas. A Festa daPurificaçãoémaisumaoportunidadeparaosbarraqueirosdefestas,entreoutrasno Recôncavo, para se obtermoeda. O Comerciante I13 (2012), em entrevista,lembrou como o mesmo aproveitava as festas “de largo” com um isopor oufreezercomoobjetivodeadquirirdinheirolíquido.Oisoporaindaestápresentee é fundamental por sua portabilidade. ABarraqueira II o traz na cabeça paraacompanharocircuitodosblocos.Paraobarraqueiro,acapacidadededeslocar-seéimportantíssima,jáqueoeventoéumafestaderua.

Alémdopovo edas empresas, tambémopodermunicipal participadesseesforçodetransformarafestaemummomentoparaaquisiçãodecapitalexógeno.Umadasestratégiasusadaspelasdiversasgestões,comessafinalidade,consisteemadotarnomaterialdedivulgaçãoenunciadosqueestimulemavindadoturistaparaafesta.Em2015,emúltimoexemplo,essematerialdedivulgaçãoconvidavaovisitanteaficartodososdiasdafestaparaaproveitar,alémdoeventoemsi,“acidadehistóricae/ouaproveitareapreciarasbelezasnaturaisepraiaspróximas”(PREFEITURA, 2015, s. p.). No mesmo panfleto os elementos relacionados àcarnavalizaçãosãoapontadoscomoatrativosdoevento:

Afestareúneaparteprofanamaisreligiosaecontemplatodosospúblicosquepuderamaproveitarduranteosdezdiasdefesta,alémdoscircuitosdostrioselétricosqueesteanojá temSauloFernandescomoumadasatraçõesconfirmadas,os turistas tambémpodemaproveitaralavagemdaPurificação(...)(PREFEITURA,2015,s.p.).

Turistificar festas, obviamente, tornou-se uma estratégia consolidada, nascidades em geral, para a obtenção de capital extra (em virtude de sercircunstanciada, e não por ser imprevista), em grande quantidade e num curtoprazo, seja na sua forma digital, através de cartão de crédito, quando éapropriado,usualmente,pelocomércioformal,ounasuaformafísica,moedaoudinheiro líquido, quando, usualmente, é apropriado pelo comércio informal.Infelizmente, para os que precisam da festa como momento para aquisição dedinheiroexistesomenteumaFestadaPurificaçãoporano.

AfestadaPurificação,emSantoAmaro,mostrou-se,comessetrabalho,umaforma-conteúdo extremamente ricade elementospara sepensar o lugarque eranossoobjetodepesquisa.Cadaforma,dinâmicaourelaçãotransformou-seemumindíciodeumoumaiseventosquenos serviramparadescreveraconformaçãodas relaçõesno/comoespaço/lugareparaalémdele.A festamostrou-secomoum nó de relações e processos, mutável, plástica, política, intimamentedependentedolugar,síntesedele(?).Afestaseria,portanto,umatotalidade?

REFERÊNCIASCANCLINI, Néstor García. As culturas populares no capitalismo.

TraduçãodeCláudioNovaesPinto.SãoPaulo:Brasiliense,1983.FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e mudança. Tradução de Izabel

Magalhães.Brasília:EditoraUniversidadedeBrasília,2001.FALTOUorganizaçãonaLavagemdeSantoAmaro.ATarde,Salvador,31

dejaneirode1983.HENRIQUE,Wendel.DoRuralaoUrbano:dosarquétiposàespacialização

em cidades pequenas. In: DIAS, Patrícia C., SANTOS, Jânio (orgs.).CidadesMédias e Pequenas: contradições, mudanças e permanências nos espaçosurbanos.Salvador:SEI,2012,p.63-80.

LAVAGEM de Santo Amaro teve clima de Carnaval.A Tarde, Salvador,janeirode1985.

LAVAGEMdaPurificaçãoperdeumotivaçãooriginal.ATarde,Salvador,12dejaneirode1996.

LEGENDÁRIAdoRecôncavo:SantoAmarodaPurificaçãonasceucarcadadecrendicesesuperstiçõestípicasdaregião.CorreiodaBahia,Salvador,10dejunhode2001,p.3-7.

MARIANO, Agnes. A invenção da baianidade. São Paulo: Annablume,2009.

MASSEY, Doreen. Pelo espaço: uma nova política de espacialidade.TraduçãodeHildaParetoMacieleRogérioHaesbaert.RiodeJaneiro:BertrandBrasil,2008.

PREFEITURAdeSantoAmaro.ProgramadaFestadaPurificação.SantoAmaro,2003.

PREFEITURA de Santo Amaro. Uma festa inesquecível. Santo Amaro,2004.

PREFEITURAdeSantoAmaro.FestadaPurificação: Pratas da casaquevalemouro.SantoAmaro,2015.

SAMBAeágua-de-cheironalavagemdeStºAmaro.ATarde,Salvador,28dejaneirode1980.

ANEXOS

Figura 8, acima, a esquerda.Outdoor, na rodoviária, divulgando a festa de 2012. Acervo de ShantiMarengo.01/2012.

Figura9,acima,adireita.TemadomaterialdedivulgaçãodaFestadaPurificação2013.Disponívelem:<http://www.mauriciopessoaproducoes.com.br/festadapurificacao2013/default2.aspx>.Acessoem: janeirode2014.

Figura 10, acima, a esquerda. Logo tema da Festa da Purificação 2014. Disponível em:<https://prefeituradesantoamaro.wordpress.com/2013/12/27/>.Acessoem:junhode2014.

Figura11, acima, adireita.TemadomaterialdedivulgaçãodaFestadaPurificação2015.Disponívelem: <http://www.santoamaronoticias.com/2015/01/festa-de-nossa-senhora-da-purificacao_19.html>. Acessoem:fevereirode2015.

Figura12,acima,aesquerda.CartazvirtualdedivulgaçãodaFestadaPurificação2016.Disponívelem:<https://www.facebook.com/prefeituradesantoamaro/photos/a.1356337 23299027.1073741828.134932600035806/425740367621693/?type=3&theater>.Acessoem:janeirode2016.

Figura13,acima,adireita.CartazvirtualdedivulgaçãodaFestadaPurificação2016.Disponívelem:<https://www.facebook.com/prefeituradesantoamaro/photos/a.135633723299027.1073741828.134932600035806/426101724252224/?type=3&theater>. Acesso em: janeiro de2016.

Figura 14, acima, a esquerda. Cartaz virtual da Festa da Purificação 2016. Disponível em:<https://www.facebook.com/prefeituradesantoamaro/photos/a.135633723299027.1073741828.134932600035806/426308747564855/?type=3&theater>.Acessoem:janeirode2016.

Figuras15,acima,adireita.Cartaz indicavendaderefeiçõesebebidas.Entreas refeições,umpratoconsiderado“típico”doRecôncavo,amaniçoba.AcervodeShantiMarengo.2013.

Figura 16, acima, a esquerda.Comércio ambulante emmeio àmultidão.Acervo deShantiMarengo.2013.

Figura17, acima, adireita.Umacatadorade latasdurante aFestadaPurificação.AcervodeShantiMarengo.2013.

1 Antônio Carlos Magalhães (doa antigo Partido da Frente Liberal, PFL), e seus aliados políticosgovernaram a Bahia de 1991 a 2007, quando Jaques Wagner elegeu-se governador, pelo Partido dosTrabalhadores(PT).

2 Por exemplo, o evento “Noites de Santo Amaro”, em Salvador, promovido pela Maurício Pessoa

Produções de 2003 a 2006, no teatro Castro Alves em Salvador (Disponível em:<http://www.mauriciopessoaproducoes.com.br/site/portifolio.aspx>.Acessoem:agostode2015).

3Oblocotemumperfilnofacebookenopikore,nosquaisencontramosfotosdeartistasdocarnavalsoteropolitano atuando, pelo bloco, em Santo Amaro. Disponível em:<https://www.facebook.com/blocotonaaba>; <http://www.pikore.com/blocotonaaba>. Acesso em: janeiro de2014.

4 Disponível em: <http://estouradosfest.blogspot.com.br>; <http://www.evento.br.com/ eventos-arquivo/166574/cabucu-fest-2014>.Acessoem:janeirode2014.

5 As informações que citamos acerca da produtora Maurício Pessoa Produções e dos eventosproduzidos pela mesma constam no sítio virtual da empresa:<http://www.mauriciopessoaproducoes.com.br/site/>.Acessoem:janeirode2014.

6BembédoMercadoéuma festaorganizadapelas religiõesdematrizafricanacomvistasacelebraroTrezedeMaio,emSantoAmaro.

7Além do evento Noites de Santo Amaro, aMaurício Produções também organizou as edições doshow Dona Canô Chamou, em Salvador assim como em Santo Amaro, e o Maniçoba Hype (organizadoconjuntamente comRobertinhoChaves) que também teve edições tanto realizadas emSalvador quanto emSanto Amaro (Disponível: <http://www.mauriciopessoaproducoes.com.br/site/portifolio.aspx>. Acesso em:agostode2015).

8 Disponível em: <http://amapagupatsycazumba.blogspot.com.br/2010/02/alegria-da-cidade.html>.Acessoem:agostode2015.

9“(...)RuadaMatrizaoConde,notroleounobonde,tudoébomdever,SãoPopódoMaculelê(...)”(CaetanoVeloso,TrilhosUrbanos,1979).

10Em2014e2015,aMaurícioPessoasProduçõesseocupou,basicamente,daproduçãodosshowsdeGal Costa e Caetano Veloso (Disponível em: <http://www.mauriciopessoaproducoes.com.br/site/portifolio.aspx>.Acessoem:agostode2015.

11BARRAQUEIRAI.EntrevistaconcedidaaShantiMarengo.SantoAmaro,2013.

12BARRAQUEIRAII.EntrevistaconcedidaaShantiMarengo.SantoAmaro,2013.

13COMERCIANTEI.EntrevistaconcedidaaShantiNityaMarengo.SantoAmaro,2012.

GEOGRAFIA,LUGAREPERCEPÇÃO:OCASODOPARQUEFARROUPILHAEMPORTOALEGRE-RS.

JAQUELINELESSAMACIELUniversidadeFederaldeSantaMaria(UFSM)

[email protected]

UniversidadeFederaldeSantaMaria(UFSM)[email protected]

BENHURPINÓSDACOSTAUniversidadeFederaldeSantaMaria(UFSM)

[email protected]

INTRODUÇÃOOusodosmapasmentaiscomouminstrumentodeanáliseadvémdométodo

fenomenológico, o qual valoriza o olhar do sujeito. Assim, os mapas mentaisproporcionamacapacidadederepresentaçãográficadoslugaresondefrequentamas pessoas, neste caso, o parque Farroupilha. São representações mentais doslugares que as pessoas trazem em sua memória através das experiências evivências no espaço. Usando este recurso como uma forma de linguagem quereflete o espaço vivido, representado em todas suas nuances, peculiaridades,cujossignossãoconstruçõessociais(KOZEL,2006).Atravésdasexperiênciasevivências neste lugar das pessoas que frequentam a Redenção, que se buscaatravés de mapas mentais entender a relação afetiva que os frequentadores doparquepodemounãodesenvolvercomolugar/espaçoparqueFarroupilha.

RECORTEDAÁREADEESTUDOComo recorte geográfico de estudo o Parque Farroupilha localizado em

Porto Alegre/RS na Zona Central no bairro Bom Fim. De acordo comMaciel(2014),oparqueteminíciodasuahistórianodia24deoutubrode1807,quando

foidoadopeloGovernadorPauloJosédaSilvaGamaparafinsdeconservaçãodegadosquematavamnosparquesdestavila.Se localizavapróximoaoportãode entrada da cidade, abrigandoos carreteiros que comercializavamogadodaregião. Era conhecido como Campos de Várzea do Portão e, depois em outromomento, Campo do Bom Fim devido à proximidade com a Igreja do NossoSenhordoBomFimnoanode1867.Nosanosseguintesiniciava-seosprimeirospassosaoquehojeconhecemoscomoParqueFarroupilha,nodia7desetembrode 1884, a Câmera propôs a denominação de Campos da Redenção emhomenagemàlibertaçãodosescravosdoterceirodistritodaCapital,destaformaregistrandoumsignificativomarconahistóriaabolicionistadacidade.Iníciodadécadade1930,duranteaadministraçãodoPrefeitoAlbertoBins,foicontratadooarquitetoeurbanistaAlfredoAgacheparaelaborarumesboçodeajardinamentodoCampodaRedenção(MACIEL,2014).Após5anos,precisamentenodia19de setembrode1935oCampodaRedenção recebeuadenominaçãodeParqueFarroupilha,atravésdoDecretoMunicipal307/35.ALeinº1.582,de20deabrilde1956,proíbeatransferênciadaáreanoParqueFarroupilha(MACIEL,2014).

AtualmenteoParqueFarroupilhapossuiumadiversidadedeáreasdelazer,comoparquedediversões,passeiosapedalinho,MercadodoBomFim,CafédoLago, Feira Ecológica, Recanto Alpino, Orquidário, Auditório Araújo Vianna,Brique, Recanto Europeu, Recanto Oriental, Recanto Solar, quadras e bochas.Contendotambémdeumagrandefloracommaisde10milárvoreseumapequenadiversidadedefauna.

Oparque tambémpossuiemseu trânsito internocomgrandecirculaçãodepúblico,emseusespaços,umadiversidadeculturaldegrupossociais,quepodemounãointeragirentresi,nomomentoquefazemusodosespaçoscoletivos.Estacaracterização do Parque Farroupilha é de fundamental importância paracompreenderapropostadapesquisa.

Opapeldeumgrandeparqueemumacidadecosmopolita,suaimportânciaparaos sujeitosquenessacidadevivem, sãoasáreasde lazer,osespaçosquefavorecem a socialização, a troca de informações, as experiências entre os

grupos. É uma quebra da rotina do cinza da cidade com o verde da natureza,assimtodaarelaçãoqueosujeitocriacomoespaçoquefrequenta,comolugar,produz um laço afetivo sentimental positivo ou negativo, e partir dessepressuposto, apesquisa tomasua forma,compreendera relaçãoqueos sujeitoscriamcomaRedenção(nomepopulardadoaoParqueFarroupilha).

METODOLOGIAPara construção dos mapas mentais e fazendo-o uso como ferramenta de

análise,hánecessidadederessaltaraimportânciadométodofenomenológico,oqualvalorizaaexperiênciaevivênciadosujeito(NOGUEIRA,2014).Nestecasofoivalorizadoasvivênciasdopúblicoquefrequentaolugar,ParqueFarroupilha.ConhecendoaGeografiaHumanista,erompendoopensamentopositivista,oqualvaloriza aspectos físicos e umolhar cartesiano daGeografia.Não havendo umolhardedesdémtotalcomavisãopositivista,masbuscarvalorizaraexperiênciadosujeitonoespaçovivido,oqualMerleau-Pontysalienta“[...]omundoénãoaquilo que penso, mas aquilo que eu vivo” (MERLEAU-PONTY apudNOGUEIRA,2014,p.3).

Este estudo, o qual busca a valorização do olhar do sujeito no mundo,segundoNogueira (2014), sofreu inúmerascríticas,pois,balizava-sedeanálisesubjetivado sujeito e, desta forma, ummenor interessepara a ciência.Quandofeitaadiscussãoteóricaarespeitodolugar,foiverificadoesalientadoarespeitoderompermosaideiaderelacionarlocalizaçãocomolugar.Destaformaa“[...]Geografiaquebuscouentendero lugarnãoapenascomolocalização,mascomofenômeno experienciado pelos homens que nele vivem” (NOGUEIRA, 2014, p.32). Serão as experiências das pessoas e suas vivências que darão concretudeparaaconstruçãodolugar.

Assim,ométodofenomenológicotemgrandeimportânciaparadarrespaldonaconstruçãodosmapasmentais.

Sãocomunsnaspesquisassobrepercepçãodoespaço,osmapasmentaisseremtratados

como recurso técnicosemqueosautoresoveemcomouma representaçãopróximadarepresentaçãoformadoespaço.NessesentidoosMapasMentaissãoconstruídosapartirde metodologias definidas e deles são retiradas apenas informações que o pesquisadordesejaequevão justificaranecessidadedeumareestruturaçãoespacial (NOGUEIRA,2014,p.113).

Econsiderandofenomenologiacomo

[...] uma filosofia transcendental que coloca em suspenso, para compreendê-las, asinformaçõesdaatitudenatural,masétambémumafilosofiaparaaqualomundojáestásempre ‘ali’, antes da reflexão, como uma presença inalienável, e cujo esforço todoconsiste em reencontrar este contato ingênuo com o mundo, para dar-lhe enfim umestatutofilosófico(MERLEAU-PONTY,apudNOGUEIRA,2014,p.34).

Afenomenologiaéconstruídaapartirdeumabasefilosófica,naqual“[...]busca estudar o mundo vivido valorizando todas as experiências concretas dohomemcomestemundo.”(NOGUEIRA,2014,p.36).Asvivênciasdaspessoasno parque e suas trocas de experiências, criam a oportunidade de elos desociabilidade,ouseja,

[...]quepartedenossasexperiênciasdomundoéexperiênciasocial,comoohomemestáno mundo, experienciando-o e se inter-relacionando com outros, ele se torna parte deoutroseénessarelaçãointersubjetiva,socialqueseconstróiseuslugares(NOGUEIRA,2014,p.40).

E fazendo uso dos mapas mentais como um instrumento de análise,possibilitouacapacidadederepresentaçãográficados lugaresondefrequentamas pessoas, neste caso, o público que frequenta o Parque Farroupilha. Destemodo,

AGeografiasempreesteveassociadaàsimagens,emprimeiromomentocomosentidodetransmitir informações sobre os espaços desvendados, e posteriormente como forma decomunicação/representação do espaço físico,mensurável ou do espaço vivido subjetivo,passandoaserdenominados“mapas”quandoos registros foramimpressosnumsuporteplanobidimensional(KOZEL,2007,p.116).

A ferramentametodológica que será usada nesta pesquisa, para facilitar aleitura e interpretação da relação das pessoas e o Parque Farroupilha, será aprodução demapasmentais. Compreendemos este recurso como uma forma de

linguagemquerefleteoespaçovividorepresentadoemtodassuasnuances,cujossignossãoconstruçõessociais(KOZEL,2006).Atravésdestaautora,reforçamosa possibilidade de entender a produção do espaço como espaço vivido,particular, de singularidade significativa de um contexto social. Este objetivopode ser desenvolvido através do desenvolvimento de mapas mentais comoinstrumentodeanáliseparaapesquisa.

Os mapas mentais como construções sígnicas requerem umainterpretação/decodificação, foco central desta proposta metodológica,lembrando que estas construções sígnicas estão inseridas em contextos sociais,espaciais e históricos coletivos referenciando particularidades e singularidades(KOZEL,2007,p.115).

LUGARO estudo do lugar é de grande valia para aGeografia, a partir do aporte

teórico humanista ele possibilita compreendermos a relação que o homem criacomoespaço.

[...] a importância do “lugar” para a geografia cultural e humanista é, ou deveria ser,óbvia... Como em um único e complexo conjunto — enraizado no passado eincrementando-se para o futuro — e como símbolo, o lugar clama pelo entendimentohumanista(TUAN,1974apudHOLZER1996,p.141/142).

Oconceitodelugar,emcomparaçãoàsdemaiscategoriasgeográficas,foiaque recebeu maior atenção por parte dos geógrafos humanistas (ENTRIKIN,1980,apudGONÇALVES,p.52).DeacordocomHolzer (apudGONÇALVES,1999,p.52):

Apreocupaçãodosgeógrafoshumanistas,seguindoospreceitosdaFenomenologia,foidedefinirolugarenquantoumaexperiênciaqueserefereessencialmenteaoespaçocomoévivenciadopelossereshumanos.Umcentrogeradordesignificadosgeográficos,queestáemrelaçãodialéticacomoconstructoabstratoquedenominamos“espaço”.

AGeografiaédegrandeimportânciaepresençaparaodiálogoreferenteaolugar e o espaço vivido. SegundoHolzer (1999, p. 69), o ponto culminante do

estudogeográficoéadescriçãodaTerraemordemgeográfica,noqualachaveestá no conceito locacional de lugar. Segundo o autor, o estudo dos lugaresenfatizaorelativo,oculturaleaexperiênciahistóricadahumanidadeemrelaçãoaos atributos físicos da área. Para Lukemann (apud HOLZER, 1999, p. 69), oestudodolugaréamatéria-primadaGeografia,porqueaconsciênciadolugaréuma parte imediatamente aparente da realidade, e não uma tese sofisticada.Assim,oconhecimentodolugaréumsimplesfatodaexperiência.

O estudo do lugar surge no início da década de 70 com a GeografiaHumanista, tendo a linha de pensamento caracterizada “principalmente pelavalorização das relações de afetividade desenvolvidas pelos indivíduos emrelação ao seu ambiente” (LEITE, 1998, p. 9). Não se pode remeter o lugarunicamenteaumaformafísicamaterializadanoespaçogeográfico,mas tambémcarregado de simbologias, de signos e de cultura em sua abrangência e nasexperiências pessoais que o irão fomentar como lugar. Segundo Tuan (apudHOLZER,1999):

[...]olugar,noentanto,temmaissubstânciadoquenossugereapalavralocalização:eleéuma entidade única, um conjunto ‘especial’, que tem história e significado. O lugarencarna as experiências e aspirações das pessoas. O lugar não é só um fato a serexplicado na ampla estrutura do espaço, ele é a realidade a ser esclarecida ecompreendida sob a perspectiva das pessoas que lhe dão significado (Tuan apudHOLZER,1999,p.70).

ParaRelph(apudLEITE,1998,p.10),paraacorrentehumanística,olugaréprincipalmenteumprodutodaexperiênciahumanaeelesignificamuitomaisqueosentidogeográficode localização,masa tiposdeexperiênciaeenvolvimentocomomundo, a necessidadede raízes e segurança.E reforçandopelo textodeLeite(1998,p.10).

Trata-senarealidadedereferenciaisafetivososquaisdesenvolvemosaolongodenossasvidas a partir da convivência com o lugar e com o outro. Eles são carregados desensações emotivas principalmente porque nos sentimos seguros e protegidos (Mello,1990); ele tanto nos transmite boas lembranças quanto a sensação de lar (Tuan, 1975;Buttimer, 1985a). Nas palavras de Buttimer (1985b, p. 228), “lugar é o somatório dasdimensõessimbólicas,emocionais,culturais,políticasebiológicas”.

SegundoLeite(1998,p.10),arelaçãoqueaspessoastêmcomolugarsóirádecorrerdiantedointeressedeseuuso,noentanto,“essarelaçãodeafetividadequeosindivíduosdesenvolvemcomolugarsóocorreemvirtudedeestessósevoltaremparaelemunidosdeinteressespré-determinados,oumelhor,dotadosdeuma intencionalidade”. Desta forma, os lugares “só adquirem identidade esignificado através da intenção humana e da relação existente entre aquelasintenções e os atributos objetivos do lugar, ou seja, o cenário físico e asatividadesalidesenvolvidas”(RELPHapudLEITE,1998,p.10).

Esta relação afetiva com lugar pode também não ocorrer. Segundo Leite(1998),umapessoapodetervividodurantetodaasuavidaemdeterminadolocaleasuarelaçãocomelesercompletamenteirreal,semnenhumenraizamento.Emalguns casos, não há relação afetiva com o lugar. Segundo Tuan (apud LEITE1998,p.11),“selevatempoconhecerumlugar,aprópriapassagemdotemponãogaranteumsensode lugar.Seaexperiência leva tempo,aprópriapassagemdotemponãogaranteaexperiência”.

No momento que iniciamos um diálogo sobre o lugar na Geografia, nãopodemos cometer o engano de compará-lo com o espaço, cada um tem suaorientação estrutural teórica. O lugar está presente dentro do espaço que é umtodo;umatotalidadedomundo.Olugarsurgedarelaçãosubjetivaqueosujeitodesenvolvecomoespaço,esserecorteafetivoemergedaexperiênciaevivênciado sujeito no espaço. E segundo Tuan (apud LEITE, 1998, p. 13) o lugar éfechado, íntimo e humanizado, já o espaço seria qualquer porção da superfícieterrestre, ampla, desconhecida, temida ou rejeitada e provocaria a sensação demedo, sendo totalmente desprovido de valores e de qualquer ligação afetiva.Neste situação, é possível observar que o lugar está contido no espaço. “Noentanto,asexperiênciasnoslocaisdehabitação,trabalho,divertimento,estudoedos fluxos transformariamos espaços em lugares” (LEITE,1998, p. 14).Nestecaso,sãoasvivências,asexperiências,queocorremnoespaçoquedãoorigemàformação do Lugar desenvolvida por Tuan, ou seja, a ideia de topofiliadesenvolvidapelopúblicoquefrequentaoparqueadvémdesuasvivênciasneste

local.

RESULTADOSComoresultadofinal,foramproduzidosmapasmentais,osquaisaquiserão

analisados alguns. Fazendo-se uma leitura do que apresentam e o querepresentam. A proposta para a confecção dos mapas mentais partiuprimeiramente, da abordagemde pessoas que estavamno parque. Fazendoumaapresentação da proposta do projeto e se os sujeitos teriam interesse emparticipar.Quandodeacordoemfazerpartedapesquisaeconfecçãodosmapasmentais, iniciava-se um processo de conversa a respeito do parque, comperguntas quebuscavamentender umaprimeira relaçãodo sujeito como lugar.Perguntascomo:“a frequênciaquevaiparaoparque”;“seémoradordePortoAlegre”,poisháfrequênciadepessoasdeoutrascidadestambém;“setemalgummotivo em especial para a frequência do mesmo”; entre outras perguntas paraentenderosujeito,comoidadeeprofissão.

OsParquesurbanos são áreasverdesde extrema importâncianas cidades,exercem função estética, ecológica e social. São muito procurados para lazer,convíviossociais,práticasdeesportes,atividadesdiversas,trilhasetc.Alémdepossuírem“umaextensãomaiorqueaspraçasejardinspúblicos”(MinistériodoMeioAmbiente).

DeacordocomoArt.8º,§1º,daResoluçãoCONAMANº369/2006,considera-seáreaverdededomíniopúblico“oespaçodedomíniopúblicoquedesempenhefunçãoecológica,paisagística e recreativa, propiciando a melhoria da qualidade estética, funcional eambientaldacidade,sendodotadodevegetaçãoeespaços livresde impermeabilização”(MinistériodoMeioAmbiente).

Os parques de PortoAlegre oferecem um contatomaior com a natureza epossibilitam a conservação de espaços verdes no meio urbano. Destaca-se oParque Farroupilha, também chamado de Redenção, sendo o mais frequentadopelosporto-alegrenses.

Várias sãoas formasdeperceber e se relacionar comoambientequenos

rodeia.Utilizamosnossossentidos,nossasmemórias,experiênciasevivências.Arelaçãoepercepçãodaspessoascomoslocaispodemtersentimentossimilares,poréméúnicaparacadaum.

Destaca-seanecessidadedoentendimentodapercepçãoespacialdoParqueFarroupilha, pois através do sentimento de pertencimento são estruturadas eorganizadasasrelaçõesentreosujeitoeoobjeto,conferindovaloràquiloquefazpartedomundo-vividoequesetraduzemaçãoapartirdosignificadoatribuído.Foipropostoentão,paraos frequentadoresdoParquequeconstruíssem“mapasmentais”daquelelugar.“Osmapasmentaissãodesenhosconcebidosapartirdasobservações sensíveis, da experiência humana no lugar e não se baseiam eminformaçõesprecisaserigorosamenteestabelecidas(...)”(KOZEL;LIMA,2009,p.211).

Figura1–Mapamentalelaboradoporumdosparticipantes.

Fonte:Arquivodosautores,2015.

Nomapamental (Figura 1) é possível observar através dos elementos ousignosrepresentadosalgumascaracterísticasessenciaisdoParque.Avegetaçãoe

arborização do Parque representada pela árvore; a diversidade dosfrequentadores representados em seus grupos sociais; os diversos vendedoresambulantesrepresentadospelocarrodepipoca;o“punk”,oscasaishomossexuaise também um casal heterossexual com um filho. A própria palavra com umtrocadilho “DiverCidade” revela o quanto o local é democrático e frequentadopordiversosgrupossociais.Ocachorrorepresentadotambémnosindicaquenolocalépossível levaranimaisdomésticos.Outroelementomarcanteéacuiadechimarrão, revelando que os frequentadores utilizam esse lugar paraconfraternizaretambémtomarchimarrão.

Omapamentalaseguir(Figura2),temumapeculiaridademuitogrande,poisosujeitoqueo realizouéumartistaespanholdepassagempeloBrasil.Mesmoquesuarelaçãocomparquepossaterumperíodocurtodesuavida(pensandodeformatemporal),porém,apresentaumaintensidademaior,poiscomoumturista,écapazdenotare fazermaioresobservaçõesa respeitodoqueestávivenciandopelaprimeiravez.Suarepresentaçãoaomesmotempoqueapresentaoscaminhosdoparque,deformaartísticadaconstruçãodeumaárvore.Oscaminhoslargosdoparquecomootroncodeumaárvore,eoverdedaRedenção,comsuasárvoresegramados a construção da folhagem da árvore. Seu mapa mental apresentaparcialmenteoparque,entretanto,éumdospoucosmapasqueapresentadeformamais ampla vários elementos que fazem parte do mesmo, como o Brique daRedenção, a Igreja e à sua frente alguns elementos frutíferos para a feira. Suarepresentação trazosbancos,quesãoelementosqueaspessoasfazemusoparasocializaçãoealgumaspessoaspasseandocomosanimais.

Nesteprimeiromapamental,porapresentarumapeculiaridadeemrelaçãoaosujeito,jáépossíveldemonstraralgumasdasatividadesqueoparqueoferecenumaprimeiravisão.

Figura2–Mapamentalelaboradoporumdosparticipantes.

Fonte:Arquivodosautores,2015.

Oterceiromapamental(Figura3)apresentandoumoutroespaçodoParque,local denominado cachorródromo, pois as pessoas que possuem animais deestimaçãolevamparaosexercitaremeinteragiremcomoutrosanimais.Osujeitoquerealizouessemapa,nomomentodaabordagemestavasemoseuanimaldeestimação, porém, quando lhe foi perguntando omotivo de gostar desse lugar,salientou que tem cachorro e gosta de trazê-lo, mas não o trouxe dessa vez.Salientouquegostadeobservaroutraspessoascomseusanimaisdeestimação.Sua representação centraliza sua bicicleta, a qual utilizou para chegar até oparque.Aofundodamesma,épossívelnotardoiscisnes,querepresentamolagodo parque onde é possível andar de pedalinho. Este esboço apresenta apossibilidade se fazer atividade de lazer como andar de bicicleta, andar depedalinho,trazeroseuanimaldeestimaçãoeainteraçãoentreomesmos,oqueinclui,também,asocializaçãoentreosdonosdeanimais.

Figura3–Mapamentalelaboradoporumdosparticipantes.

Fonte:Arquivodosautores,2015.

Oquartomapamental(Figura4)apresentaumelementomuitoconhecidodoparque,eaomesmotempo,poralgumtempoescondido.Afonte/chafarizcomoespelho d’agua. Escondido, pois está em reforma, e toda sua região está entretapumes. Porém, mesmo entre tapumes o sujeito representou o espelho d’aguacomo algo presente, inclusive estava sentado próximo à região dos tapumes ecomentou sobre como é um dos seus lugares favoritos do parque. TambémrepresentouosipêsesuasfloresqueembelezamdeformaestéticaemarcanteaRedenção.

Figura4–Mapamentalelaboradoporumdosparticipantes.

Fonte:Arquivodosautores,2015.

Oquintomapamental (Figura 5) irá demonstrar algumas atividades sendorealizadas no parque, relacionadas a lazer e também atividades físicas. OMonumentodoExpedicionário,fazendofrenteaoespelhod’agua,easatividadesocorrendo a seu entorno, como andar de bicicleta, pessoal que leva rede paraprender nas árvores, casal de namorados, praticantes de slackline, utilizam oespaço para encontrar amigos e tomar chimarrão, passear com o animal deestimaçãoetc.Tambémfoi representadoagrande floraqueoparqueapresenta,umverdequequebraocinzadacidadeeaomesmotempoofereceumambientede temperatura mais amena devido à vegetação local. O sujeito representoutambémoBriquedaRedenção,oqualestápresentenalateraldoparque,emuitomovimentadonodiasdeseufuncionamento(aosdomingos).

Figura5–Mapamentalelaboradoporumdosparticipantes.

Fonte:Arquivodosautores,2015.

Eporfim,oúltimomapamental(Figura6),umsujeitoquetambémutilizaaárea do cachorródromo e que salientou o caminho realizado por animais nesselugar. Um lugar não somente frequentado por pessoas, mas também os seusanimais de estimação que fazem uso do lugar e de suas áreas verdes. Foirepresentadoolaguinhonovamente,áreapróximaaocachorródromo,estelugarémuito conhecido do parque, pois muitas das pessoas frequentam este espaçojuntosdeseusanimaisdeestimação.

Figura6–Mapamentalelaboradoporumdosparticipantes.

Fonte:Arquivodosautores,2015.

CONSIDERAÇÕESFINAISComodesenvolvimentodestetrabalhofoipossívelnotaraformasubjetiva

queopúblicoquefrequentaoParqueFarroupilhadesenvolvecomolugarondevivenciam suas experiências.Osmapasmentais através de seus elementos, suaorganização, construção, demonstram suas visões peculiares e diferenciadas

frenteaolugarquepassampartedesuasvidasecomooutilizam.Osmapasmentaisdemonstramasdiversasmaneiraspossíveisderepresentar

olugar,tantonasuaformafísicamaterial,comobjetosqueestãovisíveisaoolharepresentenoespaço;comonaformaimaterial,possibilitandoevocarelementosafetivos que estão ligados à psique humana. E através desta possibilidademetodológicafoipossívelnotararelaçãoqueopúblicodesenvolvecomoParqueFarroupilha, através do seu uso, das atividades realizadas nesse espaço. Arepresentação do Espelho d’água é um elemento que demonstra a ligaçãomaisprofunda, pois mesmo estando encoberto, está presente, no esboço, da suaimportânciaparaaconcretudedeumaáreadesocializaçãoemsuatotalidade.Umelementocatalisadordeagregadossociais.

Mas também de grande valia, foi possível notar a importância do parqueparaaspessoas,comsuasáreasdelazer,espaçosparasocializaçãoentreoutrasatividades que são realizadas nesse lugar, e que foram possíveis ser notadasatravésdosmapasmentais.Àmedidaqueotempopassaeopúblicodesenvolvealgum tipodeatividadenoparque, suasexperiências, se iniciaumprocessodeligação com o local. Essa relação afetiva advém das vivências, experiênciaspositivascomolugar,assim,destaforma,dandoorigemparaaideiatopofílicadeTuan,doLugar.

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KOZEL, S. Mapas mentais – uma forma de linguagem: perspectivasmetodológicas. In: _____.; COSTA E SILVA, J.; GIL FILHO, S. F. (orgs.).DaPercepçãoecogniçãoàrepresentação:ReconstruçõesteóricasdaGeografiaCulturaleHumanista.SãoPaulo:TerceiraMargem,2007.p.114-138.

LEITE, Adriana Filgueira.O Lugar: Duas Acepções Geográficas.Anuário doInstitutodeGeociências–UFRJ.Volume21/1998.

LIMA, Angélica Macedo Lozano; KOZEL, Salete. Lugar e mapa mental: umaanálisepossível.P.207-231.Geografia–v18,n.1,jan./jun.2009–UniversidadeEstadualdeLondrina,DepartamentodeGeociências.

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TUAN,Y.FU.Topofilia:umestudodapercepção,atitudesevaloresdomeioambiente.SãoPaulo/RiodeJaneiro.Difel.1980.

TUAN,Y.FU.Espaçoelugar.SãoPaulo:Difel.1983.

GEOGRAFIASJUVENISDOMOVIMENTOHIP-HOPNOESPAÇOPÚBLICODEPONTAGROSSA-PR

LUCASRENATOADAMIBacharelemGeografia–UEPG.

[email protected],

ProgramadePós-Graduaçã[email protected]

INTRODUÇÃOAncoradonaquestãodasformascomoasociabilidadejuvenildomovimento

hip-hop se apropria dos espaços públicos intraurbanos de Ponta Grossa-PR, oartigo se desdobra ao longo de trabalhos de campo exploratórios e demetodologiasinvestigativasrealizadasparaquehouvesseumaaproximaçãocomos sujeitos1 desta pesquisa. Nesse processo de avizinhamento, destacam-se aobservação participante e as entrevistas com a finalidade de ouvir os sujeitosque,nocasopresente,secaracterizamporseremativistasdomovimentohip-hop(dorapedograffiti).

Seguindo a perspectiva supracitada, os componentes abstratos(representação moderna de espaço público), já presentes nas espacialidadespúblicas,caracterizamaidentidadedesseslocais(praças,complexosesportivos,“prédios históricos”, etc.). No entanto, as compreensões dos espaços públicosnão devem se limitar à “materialidade jurídica do Estado”, mas também aosprocessoscognitivoseimaginários(coletivos)queatribuemnovasinterpretaçõesàsespacialidadesnasquaisosintegrantesdohip-hopseinseremnomundo.

As geografias juvenis domovimento hip-hop extrapolam as característicasfísicas do espaço geográfico, somando-se à geografia da invisibilidade, quemesmonãosendopassíveldeinterpretaçõesimediatas,estápresentenosespaços

públicos,oquemarcaoespaçoporcontadasuapresençacotidiana.

METODOLOGIAEm se tratando dametodologia empregada no trabalho, utilizaram-se duas

etapaspara“coletadedados”.Umadelasdizrespeitoaoconhecimentodocampoe do objeto de estudo, juntamente com o levantamento bibliográfico básico. Aoutraserelacionaaosmovimentosdeaproximaçãocomossujeitosinvestigados.

O levantamento bibliográfico condiz com a escolha da metodologia deinvestigação socioespacial, mas também às conceituações estruturantes dotrabalho, com destaque para os espaços públicos, ao movimento hip-hop e àsociabilidadejuvenil.Noentanto,atenta-separaasgeografiasjuvenisfundadasapartir das práticas espaciais, subjetividades e relação socioespacial do grupocomasespacialidadesqueseinseremnomundo.

Em continuidade à etapa inicial da pesquisa, destacam-se os registrosfotográficos e o diário de campo – ferramenta fundamental aos pesquisadores,umavezqueportarádadosquenemsempreestarãopresentesementrevistasououtras formas de diálogo. Salienta-se a observação participante trabalhada porTurraNeto (2011), ligada ao desenvolvimento de relações com os sujeitos emquestão (jovens domovimento hip-hop) e à iniciativa de buscar fazer parte docotidiano dos sujeitos e dos eventos oriundos do grupo social em questão. Ouseja, buscar estabelecer uma relação face a face com os observados e com ocenáriodasexperiências.Aintençãoéfazercomqueopesquisadorpasseafazerpartedocenárioobservado.

A segunda etapa das técnicas de pesquisas empregadas se destaca pelasentrevistasde tiponarrativas,emprofundidadeeorientadas agrupos focais.Aprodução de informações a partir das entrevistas narrativas compreende umatécnica de obtenção de dados na qual é possível haver maior liberdade dossujeitosentrevistadosparamanifestaremsuasvivênciasehistórias,ampliandoolequededadosaseremexploradospelopesquisadorefundamentandooaspecto

qualitativodapesquisa.Assim,

As entrevistas narrativas são um instrumento valioso na investigação de fenômenossimbólicos. Elas são entrevistas em profundidade, que apresentamum campo aberto aoentrevistado, desprovido de uma estrutura prévia. Seu objetivo principal é apreender aversão particular que os sujeitos constroem em relação ao objeto. Elas se preocupammenoscomumadescriçãoprecisadefatosemaiscomaformacomqueoentrevistadoconta a estória dos fatos e organiza seu discurso enquanto narrativa. A entrevistacompreende três etapas: a iniciação, onde o pesquisador pede ao sujeito para contar aestóriadeumobjetoparticular(nãonecessariamenteumevento);aetapanarrativa,ondeosujeitoestálivreparacontaraestóriaeaúnicatarefadopesquisadoréaescuta,compossíveisintervençõesapenasdentrodoconteúdopropostopeloentrevistado,efinalmentea etapa do questionamento, quando o pesquisador introduz questões de seu própriointeresse (que namaioria das vezes já foram trazidas pelo entrevistado) e as relacionacomanarrativadesenvolvidapelosujeito(JOVCHELOVITCH,2000,p.221).

Utilizou-se também a técnica de entrevista com grupos focais, o quepossibilitouaconstruçãode interpretaçõesdistintasdeummesmo tema,massevoltandoparadiferentesgruposoucategorias.Nocaso,considerandoaóticadegruposdemúsicosoudegrafiteirosquetrabalhamcomdiferentesperspectivasemensagens.Exemplificando,háumarelaçãodicotômicaentrecentroxperiferia,a qual é formatada pelos grupos, pois nem todos os grupos interiorizados nomovimentohip-hoprepresentamumamesmaescaladacidade(representadanossujeitosemconformidadeadiferençasde“poderaquisitivo”)2.AentrevistacomgruposfocaisenfatizadiferentesabordagenssobreconceitosligadosàGeografiaouaquestõessocioespaciaiserepresentativas.

Cada um dos grupos focais constitui-se de categorias sociais diferentes, que foramselecionadasdeacordocomsuarelevânciaparaoobjetodeinvestigação.[...]Emoutraspalavras, a diferença entre vozes oferece insights sobre os modos particulares comopessoasdiferentesseposicionamnomundoeaomesmotempoposicionamomundoemseuuniversorepresentacional(JOVCHELOVITCH,2000,p.111).

Torna-seimportantetambémesclarecerqueambasasformasdeentrevistasforam empregadas sem questionário preestabelecido, como forma de atribuirmaior liberdade ao sujeito e seu discurso, evitando assim que o entrevistadolimitesuaresposta,deformaextremamenteobjetiva,àquestãoelencada.Ancora-se tal característica da investigação à perspectiva de uma pesquisa qualitativa,

que,sobreoolhardeBauereGaskell (2008),dizrespeitoaomeiopeloqualaabordagemevitanúmeros,contandocoma leituraapartirde interpretaçõesdasrealidades sociais, caracterizando-se também por entrevistas em profundidade,nasquaisessetipodeabordageméconsideradosoft.

Realizadas e redigidas as entrevistas, os discursos dos sujeitos sãoanalisadossegundoumprocessodecategorizaçãocomafinalidadedeidentificaras principais representações geográficas – estabelecendo uma “espécie” deconceituaçãosocial(baseadanoconjuntodasentrevistas)relativaàteorizaçãonaciência geográfica. Tanto pesquisadores quanto entrevistados se constituem emcentrosrelativos(REGO,2007)nosquaisseidentificaramcomometa-conceitos(discursos) o espaço, o espaço vivido, o espaço concebido, a cultura e asrepresentações do espaço. Portanto, as interpretações são articuladas com oreferencialteóricodebatidonoartigo.

Foram realizadas 14 entrevistas, perfazendo um total de 240 minutos deáudio. Também foram feitos diálogos com grupos em redes sociais.Concomitantemente às entrevistas, realizaram-se registros fotográficos dasmanifestaçõesmaisrepresentativasdomovimentohip-hopemespaçospúblicosetambémoregistrodeeventosrealizadosentreocentroeaperiferia,comoformadeserepresentaremelementosdaspráticasespaciais.

PROBLEMATIZAÇÃOTEÓRICAComo meio de iniciar as explicitações do objeto e reflexões desta

investigação socioespacial, passamos a explorar as bases teóricas do trabalho.Seguindo essa perspectiva, o hip-hop é abordado desde seu aspecto comomovimentosocial.Evidenciam-seasrepresentaçõeshegemônicasdesuasorigense pela atribuição de legitimidade às características locais (como escala deabordagem) conquistadas pelomovimento emdiferentes constituições espaciais(locais) nas mais complexas regiões do mundo. Tal fenômeno estáconcomitantemente ligado à globalização, como foi elencado por Tartaglia

(2014).Emsetratandodeumarepresentaçãosocial,omovimentohip-hopétambém

ummovimento social.SegundoTouraine (1976),ummovimento socialpossui anecessidade de ser compreendido além dos seus valores e crenças comuns(características internas).Deveserestudadocomoaçãocoletiva,considerando-se as estruturas sociais nas quais ele se manifesta frente a cada sociedade oucontextohistórico e geográfico.Osmovimentos sociais colocamemquestãoospossíveisconflitosentreclasses, sendo terrenodas relaçõessociaisadependerdos modelos culturais, políticos e sociais. Em continuidade ao debate sobremovimentosocial,amparadoagorapeloDicionáriodePolítica(BOBBIO,1998),verifica-se que ele se constitui de tentativas pautadas pelos valores comunsàqueles que compõemos grupos àmedida que definem formas de ação socialpara se alcançar determinados resultados (caráter de luta política). Talperspectiva de resultados/objetivos é debatida no trabalho em compasso àsapropriaçõesespaciaiscomponentesasgeografiasjuvenis.

Omovimentohip-hoptemsuas“origens”voltadasaoiníciodosanos1970,combasenosdebatesétnicosenalutapordireitoscivisigualitários.

O hip-hop emergirá exatamente neste contexto de conflitos de gangues nos guetosamericanosedeconstituiçãodeformasdelutadosnegrosemdiáspora.Culturasdistintase fragmentadas (imigrantes porto-riquenhos, jamaicanos, mexicanos, haitianos, negrosamericanos com uma forte discussão sobre sua origem afro, brasileiros capoeiristas)buscando romper com os conflitos de gangues, com as representações espaciaisconstruídas pela temática do underclass e criar práticas sociais de encontro e dacelebraçãopelaculturairãoforjarosprimeiroselementosdohip-hop(OLIVEIRA,2006.p.47).

AsprincipaisreferênciasnaestruturaçãodoMovimentoéoDJ(discjokey),é o produtor musical Afrika Bambaata. Quanto ao graffiti (grafite), ele seapresentacomoaexpressãoplásticadessacultura,bemcomoobreak(adança)er.a.p.(rhythmandpoetry–ritmoerima/poesia,emtraduçãolivre).

Aproduçãotextualpoéticaéconsideradaelemento-basedomovimentohip-hop. A sua origem está voltada para a África Ocidental e à Jamaica, em suas

diferentes versões, conforme aprendido por Diógenes (1998, apud LAITANO,2008).Destacam-sedoisagentesnessacultura:oMC(“mestredecerimônia”)eoDJ(“disc-jóquei”);oprimeirovolta-separaa introduçãoeàapresentação,eosegundo é responsável pela introdução musical que é caracterizadaprincipalmentepeloscratches(“vaievemdasmãos”,emtraduçãolivre).

Quantoaobreak,eleéexecutadopelosbboysebgirls(dançarinosdebreak)e se originou nos guetos norte-americanos buscando promover a antiviolênciacomumacompetiçãodedançaentreosjovens.

Oterceiroelementodaculturahip-hopéograffiti(grafite).Trata-sedeumapintura em parede com traços livres, variando seus conjuntos de cores, quecostuma abordar temas sociais e o cotidiano das ruas. O grafite tem umalinguagemexplícitaparaoleitordesuaimagem,enquantoqueapichação(outraformade intervenção visual) introduz o leitor numcódigo visual não explícito,muitasvezescomsignificadosocultos.Deorigemporto-riquenha,ografiteteveafunçãodedemarcarterritóriosdeatuaçãodegangues,comoabordadoporLaitano(2008).

TambémTartaglia(2014)refletesobreamanifestaçãomaterialdograffiti:

Ograffitiéumfenômenoconcomitanteaessaglobalizaçãoquevemseprocessandonosúltimos 30 anos. Oriundo da migração e da fusão cultural de povos africanos e latino-americanos, marcadas pela intolerância, pelo preconceito e pela segregação social emterritórionorte-americano,esse fenômenoobteveumagrandedifusãoem todoomundo,noocidenteenooriente,nasúltimasdécadas,especialmentesobaformadaculturahip-hop. […]O desenvolvimento tecnológico e a popularização dosmeios de comunicaçãotiveram um papel significativo na propagação dasmanifestações políticas e culturais dacontracultura a partir dos anos 60/70 (na qual o graffiti e o hip-hop têm suas origens)(TARTAGLIA,2014,p.17-18).

O trabalho em tela se concentrou nos elementos graffiti e rap,principalmente no debate geográfico das “manifestações/espaciais” articuladocomas representaçõesdos sujeitosque relacionamohip-hope a rua.A rua seconfigura como uma essência das representações dos sujeitos entrevistados naproblematização da pergunta: “o que é o hip-hop para você?”. A rua éconsideradacomoescaladediferenciaçãoespacialede“existênciadohip-hop”

(SMITH,2000).Segundo Santos (1988), a rua serve de elemento estruturante do espaço

urbano.Élocisdeencontros,trocasemuitosusos,sendotambémespaçodidáticode aprendizagens –modos de ser no espaço, pois “na rua está o transitório, oambíguo, o excitante e o perigoso. Na casa, o estável, a certeza da própriaidentidade” (SANTOS, 1988, p. 89). A rua permite a troca de códigos e decomunicações.Asruassão“tambémunidadesdealtosignificadoparaquemsabereconhecê-las. Uma rua é um universo de múltiplos eventos e relações”(SANTOSeVOGEL,1985,p.23-24).

Oespaçoruaétratadopelosintegrantesdomovimentohip-hopcomosendopalco de ações da sociedade, como sendo um espaço que permite determinadaliberdade de ações. É onde se firmam relações intra-grupos, configurandocenáriosdasmanifestaçõesdomovimentoemodosdesernoespaço.Naruaseestabelecemligaçõespróximasdaquelasdasorigensdohip-hop,nasquaiselaera“opontodenso”deencontrosdas“bancas”edasreuniõescotidianas.

Eosespaçospúblicos?Paraosgruposdomovimentohip-hop,osespaçospúblicossão“palcos”parasuasmanifestações,relações,entreoutroselementosqueatribuemaessasespacialidadesumainterpretaçãoemtornodeumaliberdadeparaoagir.Noentanto,trata-sedeumaliberdadelimitada,poisestesespaçosderesponsabilidade jurídica do Estado nem sempre permitem manifestações deformamaterial.Gomes(2012)amparaestaquestãosobreahierarquiadedireitose deveres em que o contrato social funda esses espaços segundo trêsperspectivas:nãolevaremconsideraçãooutrosestatutos(coletivo,comum,etc.);considerá-loumadefinição,esimdeumaclassificação;easobreposiçãodeumestatutosobreoutro.Omesmoautoraindacompleta:

Aliás, ao contrário, os locaispúblicos são sempreobjetodeumaexplícita legislaçãoquedispõe sobre as condições de acesso, o qual é, desse modo, normatizado e nuncaindiscriminado.De qualquermaneira, não seria a formade acesso a esses locais o quedelimitariaodireitodepúblicoouprivadodasinstituições,nemmesmoaideialargamentedifundidadequeoqueéprivadoépagoemoposiçãoàgratuidadedepúblico(GOMES,2012.p.23).

Como sendo um ambiente em que se desenvolvem os debates e onde seproblematiza a questão social (debate coletivo), os espaços públicos seapresentamcomosendooprincipalcenárioondeosgrupossociaisinstauramsuapresençanoespaçourbano.Ofatodedeterminadosgrupossociais,aexemplodomovimento hip-hop, legitimarem sua existência nesses espaços configura queestes locaisnãodevemser limitadosà formaabstrata.Essaoutracaracterísticaremeteaoespaçovivido(àmaterialidade).

Contudo,éfundamentalaincorporaçãodovividonoespaçoconcebido.Talassociação se volta para as estruturas de representação que estão fixadas deforma simbólica nos respectivos espaços públicos. Serpa (2007, p. 172) atentapara a apreensão dos aspectos cognitivos em que “esses espaços precisam sercognitivamente ‘organizados’ e decodificados para serem incorporados àmemóriaeàsestruturasderepresentação,econtêmobjetoseeventosqueestãoforadoalcancedaapreensãoimediata”.Serpa(2005,2007)complementa:

Por outro lado, a não incorporação do percebido ao vivido, deixa sem espaços derepresentaçãotodosaquelesgruposouindivíduossemacessoàsestruturasdepoder,queproduzem, via meios de comunicação em massa e processos tecnocráticos deplanejamento,as“representaçõesdoespaço”,oconcebido(SERPA,2005,p.223).

Soma-seàperspectivadeSerpa(2005)odebatetecidoporGomes:

Na base desse problema está fundamentalmente um uso que separa dois tipos decompreensãodesse tipodeespaço:noprimeiro,háumareferênciaconcretaaumaáreafísica (praças, ruas, jardins, equipamentos, etc.) e uma preocupação prática doplanejamento urbano; já no segundo tipo, a referência é a um espaço abstrato, teórico,fundamentodavidapolíticaedemocrática,objetodeanálisedaciênciapolítica(GOMES,2012,p.19).

Os processos cognitivos, quando correlacionados às apreensões imediatasfrente às características físicas dos espaços públicos, constroem a “realidentidade” desses espaços, atribuindo uma fundamental importância aosimbolismo e às cognições fundadas neles que modelam as estruturas dasrepresentações–oudosespaçosderepresentação.Aincorporaçãodavivênciaedaexperiênciaaoambientefísicoremeteaomodocomoarepresentaçãodesses

espaçosseráconcebida.

Os procedimentos metodológicos e os conceitos renovados de uma Geografia dasRepresentaçõesSociaispodeserachaveparaoentendimentodoscomplexosprocessoscognitivos que resultam da tensão entre percepção e cognição, vivência e experiência,espaçosconcebidosevividos.Umageografiaassimpode,sobretudo,explicitarasrelaçõesentreculturaepodernosprocessosdeapropriaçãosocialeespacialemdiferentesescalaserecortesespaciais,assimcomoasmúltiplasestratégiascognitivasdosdiferentesagentesegruposprodutoresde“espaço”(SERPA,2005,p.230).

AsconcepçõesdeSerpa(2005,2007)assumemimportâncianaestruturaçãodasinterpretaçõescientíficas,configurandocomoobjetodessanova“geografia–a das representações sociais” – como possibilidade de se construir e analisarvisõesdemundoapartirdegrupossociaise,apartirdeles,discutiraconstruçãode identidades e representações, legitimando um “aspecto fenomenológico” dotrabalho.

Adiscussãodasociabilidadejuvenilsetornafundamentalpara“delimitar”os sujeitos/objetos de estudo (o papel da teoria como contemplação darealidade). Segundo Turra Neto (2011), o termo sociabilidade adere àinterpretaçãodasrelaçõesdedeterminadogrupocomasociedadecomoumtodoecomoambientenoqualestáinserido.Apesquisatambémconsultoualegislaçãovigenteparaqualificarquaissãoosindivíduostratadosaquicomojovens:“§1°ParaosefeitosdestaLei,sãoconsideradasjovensaspessoascomidadeentre15(quinze)e20(vinteenove)anosdeidade”,artigopresentenaLein°12.852,de15 de agosto de 2013, que institui o Estatuto da Juventude e dispõe sobre osdireitos dos jovens, os princípios e as diretrizes das políticas públicas dejuventudeeoSistemaNacionaldeJuventude(SINAJUVE).

INTERPRETAÇÕESGEOGRÁFICASDASAPROPRIAÇÕESESPACIAISDOHIP-HOP

Depoisda“coletadedados”feitapormeiodediálogoscomossujeitosdapesquisa e de sua categorização geográfica frente às estruturas teóricasapresentadas, destacam-se as diferentes interpretações em torno dos espaços

públicosapropriados.As apropriações compreendem uma estrutura-base para a legitimação das

geografias juvenis, que são fundadas principalmente pela ótica das práticasespaciais, mas que não se restringem apenas à materialidade oriunda destaspráticas. De forma simbólica a ideia de “cidadania moderna3”, também estápresentenasrelaçõesdessesjovenscomosespaçospúblicos.Chamamaatençãoduascondiçõesdosespaços:opercebidoeoconcebido.

[...] espaço percebido está relacionado diretamente aos objetivos e aos fenômenosimediatos, carecendo de elaborações simbólicas de cunho complexo. É o campo dosperceptos, embora haja, já aí, o início da incorporação dos objetos e dos fenômenos àsestruturascognitivas.Oespaçoconcebidoésímboloquecarecedeperceptos,quebuscaseincorporaràsestruturascognitivassemalegitimaçãodaspráticasespaciaiscotidianas,influenciando, porém, diretamente nos espaços de representação. Estes últimos são, emúltimainstância,olócusdosprocessoscognitivosedasrepresentaçõessociais.Éoespaçodas mediações e da interlocução entre percebido e o concebido. É também o espaçovividodosconflitosedaslutas(SERPA,2005,p.222).

Respeitando o “recorte espacial” do trabalho – o espaço intraurbano dePonta Grossa-PR –, os principais espaços públicos apropriados pelasociabilidade juvenil do movimento hip-hop compreendem as praças e oscomplexos esportivos. Esses últimos “empreendimentos especializados” selocalizamnaperiferiadacidadee,nosdiasatuais,tornam-senumerososemrazãodaspolíticasdehabitaçãoemPontaGrossa,jáquetaiscomplexosestãopresentesnasvilaseacompanhamodesenvolvimentodecadanovoconjuntohabitacional.Asespacialidadessãotratadasna investigaçãocomoequipamentos-espaçosemrazãodauniãodeduasesferas:comosendoequipamentospúblicosobrigatóriosnas temáticas de habitações; e, numa segunda perspectiva, o de seremconsiderados pelos integrantes do movimento hip-hop como espaços quepermitem uma relativa “liberdade de ação para a sociedade”. Feita talapresentação,adentra-seàdistinçãodaliberdadedeaçõesnosespaçospúblicoslocalizadosnocentroeaquelesposicionadosnaperiferiadacidadecapitalista:

[...] a periferia não é somente uma espacialidade que não alcançou o tal“desenvolvimento”, pois que a modernização não fora suficiente para constituí-la à

semelhança–e imagem, jáque tratamosaquidaGeografia -,masumaformaanalítico-sintética – já positiva para a acumulação do capital para fora dos limites nacionais. Éespacialidade,portanto,daformaçãodocapitaledamais-valia–paraocapital,oterritórioé abstrato, como sublinhou Milton Santos, e por aí não se realiza territorialidade -,chamada, comumente, de “expansão geográfico-econômica”. Esta – e o espaço nosentidomaisamplo–foicondição,meioeprodutodaproduçãopropriamentecapitalista.Note-sequeestanãoeliminoudechofreoutrasformas,atéporquedelasnecessitouparaformaropatrimônioepropriedadeecapitalpropriamenteditonumcontextoquenãoaindaodavigênciadascondiçõesdareproduçãoampliada(ALVES,2007,p.200).

A descrição de periferia por Alves (2007) ampara o debate a seguir. Asmanifestaçõespossíveisdeseremrealizadasnosespaçospúblicosdocentrodacidade possuem uma limitação: como a maioria das edificações compreendepatrimônios históricos tombados (especificamente os locais indicados pelosintegrantes do movimento como pontos privilegiados de suas reuniões), amaterializaçãodasmanifestaçõesnãosãopossíveis,aexemplodarealizaçãodeum graffiti na edificação da Estação Saudade e na da Estação Ponta Grossa(espaçospúblicospatrimonializados),ambaslocalizadasnocomplexodoParqueAmbiental (marcocentraldacidade, frequentadopordiferentesgrupos,classes,etc).Noentanto,alimitaçãodeaçõesnessesespaçosnãocoíbequedeterminadoseventos oriundos domovimento hip-hop sejampor lá realizados.Oque não setornapossível,éfazerumaapropriaçãomaterialdeformaperene.Sendoassim,arealizaçãodeshowscomooDiaMunicipaldoRap(dia6deagosto–instauradoem 2015) ou as Batalhas de Rima do Ambiental (realizada quase quesemanalmente)atribuemataisespaçospúblicosnovasinterpretações,assumindoa face de uma apropriação espacial efêmera, sem alteração das característicasfísicas de tais espaços. Nessa perspectiva, as geografias juvenis sãocompreendidas na ótica dos processos cognitivos e de uma geografia dainvisibilidade. Como escrito por Nogué e Romero (2006), elas reportamgeografiasque“estãosemestar”,masquemarcamnossascoordenadasespaço-temporais, nossos espaços existenciais tanto ou mais que as geografias“cartesianas”(visíveis)eascartografiasfundamentadasnamaterialidade(espaçogeográficocomocorrelaçãoentresuperfícieterrestreeformashumanas).

AsatribuiçõesdeNoguéeRomero(2006)searticulamàdiscussãodeSerpa(2005,2007)comrelaçãoaotemáriodoespaçoconcebidoepercebido,emrazãodo que é possível observar de maneira imediata e dos processos cognitivospassíveisdeseremnotadossomentepormeiodaaproximaçãocomossujeitoseoambiente em questão, fazendo referência, assim, à necessidade de umainvestigaçãosocialsobreesteaspectocomcaráterfenomenológico(consciênciaintencional).

Na temática das geografias juvenis oriundas do movimento hip-hop, estápresente outro aspecto de caráter fenomenológico, isto é, as narrativas quecompõem o que é o “ser” do hip-hop: as transformações locais de cadaregionalidadeondedifunde-seohip-hop(comodiscursopolítico).Sendoassim,énecessárioremontaralgunsaspectosquantoà“origem”(essênciapolítica)dohip-hopcomomovimentode representaçãosocial.Partindode referênciaspontuais,destaca-se o bairro do Bronx em Nova Yorque nos Estados Unidos, umalocalidadecompostaporimigrantesafrodescendenteselatinos(comdestaqueaosporto-riquenhos), residentesdaperiferia, inseridosemumcontextodeexclusãosocial e espacial, como destacado por Tartaglia (2014), já que a sociedadeamericanaaindanãoaceitavademaneiraintegradoraoutrasclassessociais,masprincipalmente os respectivos imigrantes. As periferias onde residiam osimigrantes eram apenas representadas por índices de criminalidade(externamente)eporconflitosentreosprópriosimigrantes(interna)nasdisputasétnicas e na demarcação de territórios através de marcas sem muita atençãoestética,astags.

Amultiplicidadedeculturastrazidaspelasorganizaçõesnegrasemdiásporanosguetosedos migrantes latinos, em sua maioria pobres, pouco se traduzia em encontro. Pelocontrário, ganhava dimensão territorial de embate, expresso na guerra de gangues. Atemática do underclass se alimentava dos conflitos de gangues para justificar suaspropostasideológicas(OLIVEIRA,2006,p.47).

Paralelamenteaessecontexto,desenvolviam-secadadiacommaisforçaaslutas sociaispelosdireitos civis reivindicatórios e tambémpelo seudireito ao

espaço.Aprofundando-senessequadrohistóricodascaracterísticas iniciaisqueestruturamasnarrativassobreomovimentohip-hop,comrespaldonosdiscursosdeTartaglia (2014), destacam-se também asmobilizações estudantis na Françaem 1968, nas quais destacou-se uma nova ferramenta nas lutas sociais: asmensagens escritas em muros e outros pontos fixos, concomitante aodesenvolvimentodemateriaiscomoatintaspray.Ograffitientãoganhadefatoafacedeumaferramentadeexpressão.DasmobilizaçõesdaFrançaem1968edasdemarcações territoriais doBronxno iníciodos anos70, inseriu-senasgrafiasespaciais o teor político e ideológico que tomava como referências figuraspúblicas do quadro das lutas sociais tais comoMartin Luter King,Malcon X,entreoutros.

Osespaçosnosquaisresidiamosimigrantes,alémdeperiferia,passavamaser interpretados a partir dos modos dos indivíduos serem naqueles espaços.Desenvolviam-se então moldes de uma representação coletiva e partir daspráticasespaciais,nãotantodasmensagenseobjetivosreivindicados.

Dessa forma foramdescolados os conflitos territoriais de gangues que faziamgraffitis,praticavam a dança, o basquetebol, entre outras práticas identificadas como culturas derua, para as disputas no plano artístico, simbolicamente manifestadas nas ruas(TARTAGLIA,2014,p.61).

Tartaglia (2014) e Oliveira (2006) remontam a perspectiva dodesenvolvimento de uma contracultura baseada em manifestações com teorpolítico, ideológico,mas tambémartístico.Ohip-hopdifunde-se assimpara asmais variadas regiões domundo, um processo de transformações e atribuiçõeslocais fundadas através da arte (música egraffiti), em um cenário de conflitospolítico-sociais,sendoqueestaglobalizaçãodohip-hopacompanhouafacilidadede acesso às informações através das mídias eletrônicas, como elencado porTartaglia (2014) eRodrigues (2009).Desta forma, omovimento hip-hop ganhadiferentesatribuiçõesparaoslocaisondesedifundiu.Nessequadro,ograffitidedemarcação territorial e artística nos Estados Unidos, e aquele dasmensagenspolíticasdasmobilizaçõesdaFrançaem1968passamacompreenderaexpressão

artísticaplásticadomovimentohip-hop.A globalização do hip-hop ocorreu sobre duas perspectivas: rizomática e

molecular, como apontado por Rodrigues (2003, apud TARTAGLIA, 2014):rizomática porque os elementos do hip-hop foram globalizados de formadescentralizada pois não partiam de um centro para outro lugar, ocorrendo deforma hierárquica de forma que os elementos não posicionavam-se de formasuperioraosdemais(semumaordemdeimportância),orizoma(nasatribuiçõesdoautor)entende-seporumprocessonoqualmultiplicidadesconectam-seumasàs outras sem responder à algum tipo de ordem; e molecular porque suaconstituição enquanto movimento social se apresenta de forma imanente àssingularidadesdosgrupose indivíduos,nãohavendouma figuraqueestabeleçaumaorganizaçãodeformacentralizada,aexemplodoEstado.

Concomitantementeàglobalizaçãodograffiti, aconteceuadifusãodohip-hop.NoBrasil, amesma se inseriu emSãoPaulo emmeadosde 1990,mas jáportandoacargaideológicaapresentadaanteriormente.

Ograffitibrasileirocontemporâneoéumhíbridoentreumaestéticatradicionaldaartederua,queremontaaospioneirosdadécadade1980equeestárelacionadoamovimentosdas artes plásticas situadosno séculoXX (a exemplodomuralismodomexicanoDiegoRiveraedaartepopdeAndyWarhol), eohip-hopgraffiti, dematriznova-iorquina.Adécadade1990marcaoperíododeexpansãodaestéticahip-hopaoredordomundo.Ostemas pintados, assim como nas letras dos raps, remetem à desigualdade social e àquestãoracial.RapidamenteoestiloaportounoBrasil,encontrandonasgrandescidadesmaterialdesobraparacomposiçãotemáticaeparaodesenvolvimentodeformasprópriasna representação plástica, motivados principalmente pela questão dos materiaisempreendidos.Osaltospreçosdastintassprayimpulsionaramautilizaçãodetintalátexerolinhos pelos artistas no preenchimento dos contornos desenhados em tinta spray,proporcionadospelamobilidadedaslatas.Surgedestaformaumamodalidadesingulardegraffiti, conhecida na rede internacional de artistas de rua como brazilian graffiti(SOUZA,2007,p.70).

Torna-se importante elencar tambémque o presente artigo teve como focoplásticovisualograffitiprovidopelomovimentohip-hop,cabendoressaltarquegraffiti e pichaçãonão são sinônimos,distinçãoessa amparadapela legislaçãobrasileira. Sendo assim, ambas as formas de expressão estão presentes emmovimento sociais como hip-hop, punk, entre outros, porém a investigação

voltou-seapenasparaograffiti.Ograffiti,atémeadosde2010,eraconsideradoumapráticailegalemtodoterritórionacional,assimcomoapichação(tag,pichoreto, etc.) ainda é classificada até os dias atuais; no entanto, o graffiti comoelemento de expressão e manifestação artística, cultural e política adquiriulegitimidade no último século, assumindo assim o status de arte de rua (streetart), culminando na sua descriminalização em 2011, por meio de legislaçãosancionada pela então presidenta Dilma Roussef (Partido dos Trabalhadores),comoregistradoporTartaglia(2014).Aoalterar-seaLeideCrimesAmbientais(LeiFederaln°9.605/98),ograffitipassaaserenquadradopelaLein°12.408de25demaiode2011:

§ 2° Não constituí crime a prática de grafite realizada com o objetivo de valorizar opatrimôniopúblicoouprivadomediantemanifestaçãoartística,desdequeconsentidapeloproprietárioe,quandocouber,pelolocatárioouarrendatáriodobemprivadoe,nocasodebem público, com a autorização do órgão competente e a observância das posturasmunicipais e das normas editadas pelos órgãos governamentais responsáveis pelapreservação e conservação do patrimônio histórico e artístico nacional (BRASIL, 2011,p.01).

Elencadaadistinçãoentreestesdoismeiosdeexpressão,ejáaprendidoqueo graffiti apresenta-se com maior atenção para a estética da manifestação, épossível abordar a coexistência dessas duas manifestações em uma mesmaespacialidade. Para os integrantes domovimento hip-hop a pichação em locaisgrafitados acaba por gerar uma representação social por vezes indistinta entregraffitiepichação, levandoaspessoasnãointegrantesdomovimentohip-hopaatribuir um sentido de vandalismo a qualquer expressão gráfica domovimentohip-hop.EsteéocasodoespaçoparaeventosculturaisanexoàpistadeskatedoNúcleo Habitacional Santa Paula (periferia oeste), um espaço público que foiapropriado pelos ativistas do movimento hip-hop através de grafias por todaextensão da pista de skate e também no interior do pavilhão para eventosculturais–umainterpretaçãoreferenciadanoimagináriodossujeitos,legitimadopelos discursos efetuados nas entrevistas como uma das principais pistas dacidadeeumespaçocentraldaperiferiaoeste.Osprópriossujeitosentrevistados

alegam que a presença mista de grafites e pichações culmina na produção deestigmas “na/da sociedade”, associação entre hip-hop e vandalismo em áreaspúblicas.

A narrativa efetuada sobre as diferentes interpretações do hip-hop emdistintos lugares (EUA, França, São Paulo, etc.) articula-se com as “ideiasexpressas”pelosintegrantesdohip-hopemPontaGrossaemtermosde“adquirir”umprestígiosocial, ser respeitado,ouseja,emboranãohajaumahierarquiaouum sentido de “difusão cultural”4, é possível apresentar como um aspectointegradoroseu“conteúdopolítico”.Portanto,ainterpretaçãogeográficaemtelademonstra uma interiorização por parte dos integrantes do movimento danormativamodernadeusodoespaçopúblico–ograffitilegalizado–,remeteaosintegrantes do movimento a uma representação de conquista e respeito queprecisadeconstantesestratégiasespaciaispara“sermantido”,gerandoinclusiveconflitosentregrafiteirosepichadores.

Figura01–Espaçoparaeventosculturais,anexoàpistadeskatedoNúcleoHabitacionalSantaPaula,PontaGrossa–PR.

Autoria:Adami(2015).

Esta abordagem em torno das apropriações espaciais volta-se para adiscussão das práticas espaciais possíveis em espaços públicos situados naperiferia e no centro da cidade.Lembra-se aqui que a apropriaçãomaterial deforma perene, a exemplo de umgraffiti, não é permitida nos espaços públicoscentrais da cidade ocupados pelos jovens em questão. O movimento hip-hopencontrounoseventosmusicaisenasreuniõessemanaisderimadoresumaformade apropriar-se desses espaços públicos centrais (Estação Saudade e EstaçãoPontaGrossa)deformaintangível,simbólicaecognitiva–efêmera,pormeioda

presença do movimento hip-hop. Essa análise vincula-se à geografia deinvisibilidadetrabalhadaporNoguéeRomero(2006)eaosprocessoscognitivosquecompõemoespaçoconceituadoporSerpa(2005,2007).

Figura02–BatalhasdeRimadoAmbientalnasestruturasdaEstaçãoPontaGrossa,aoladodapistadeskatedoParqueAmbiental,emPontaGrossa–PR.

Autoria:Adami(2015).

Seguindo essa abordagem das manifestações fundadas a partir dosintegrantesdomovimentohip-hoppormeiodeapropriaçõesespaciais,atribui-seaqualificaçãodegeografiasjuvenis,modosdesernoespaçoequeexemplificamarelaçãogeográficadasociabilidadejuvenilcomoambienteeocontextosocialqueestão inseridos.Nadiscussãoencontra-seoprincipaleventodomovimentonacidade,oGraffitiCor&Ação,quetevenoanode2016asuaquintaedição.Asdemaisediçõesapresentam-se,respectivamente,nosseguinteslocais:ColégioEstadualGeneralOsório(2012,sendoqueasgrafiasnãoestãomaispresentesemrazãodas obras estruturais realizadas no local em2015),Hospital SãoCamilo(2013), Associação Recreativa Homens do Trabalho (2014) e Associação dosDeficientesFísicosdePontaGrossa(2015).Todososlocaiscitadossituam-senaperiferia da cidade, porém, extrapolam a descrição de apropriações sobreespacialidadespúblicas,umavezqueopenúltimolocalcitadodizrespeitoaumclube de associados privado, mas que permitiu a realização do evento emaproximadamente 60 metros de muros, uma apropriação que atribuiu novasinterpretações ao espaço, tanto esteticamente, como de modo social, a notar apresençadomovimentohip-hopdeformamaterialeperenenaqueleambiente.

Atribui-se ao Graffiti Cor & Ação de 2015 a “classificação” de maioreventolocal,umavezque,alémdereunirgrafiteirosdeoutrasregiõesepaíses,apresentouaproximadamente1kmdemuroaserapropriadopelosativistas.

Figura03–4°GraffitiCor&AçãorealizadonaAssociaçãodosDeficientesFísicosdePontaGrossa,em2015,naVilaShangrilá,periferiaoeste.

Autoria:Adami(2015).

A realização de eventos na periferia e o volume maior de apropriaçõesespaciaisrealizadasnosComplexosEsportivostambémlocalizadosdaperiferiaremetem a uma das mensagens elencadas pelos ativistas do movimento,apresentando-seassim,àsociedade,queomovimentohip-hopestápresenteparatodos e em todas as espacialidades. Esse debate “da socialização do hip-hop”vincula-se também aos rappers, historicamente o hip-hop era tido comorepresentativo de uma classe social desfavorecida economicamente, periféricaespacialmente;porém,concomitanteàglobalizaçãoeaosdebatespolítico-sociaiscrescentes, hoje em dia o hip-hop é ferramenta não só de expressão de umacoletividade, mas de união de classes sociais, partindo de uma classificaçãoenquanto movimento, aderindo-se a práticas espaciais de uma cultura. Comoabordado pelos sujeitos entrevistados, o hip-hop está na escola pública daperiferia,mastambémnaescolaparticulardocentrodacidade.

Aaproximaçãodopesquisador comos sujeitos, tantonamúsicaquantonaartevisual plástica, condicionouuma sintetizaçãodasmensagens trazidaspelosativistas do movimento hip-hop através das respectivas formas de expressão.Provocações em torno de reflexões, experiências de vida e espaços vividos,direitossociais,críticaspolíticas,“oespaçopúblico”comoumarelaçãosociallocalizada (palco, cenários), descriminalização do uso maconha (cannabissativa),mas principalmente sobre o respeito ao hip-hop, seus integrantes e seumododeser,estãopresentesnosgruposinteriorizadosnomovimentohip-hop.

Destaca-se também nas mensagens oriundas dos grupos musicais e degrafiteirosumconviteanovosintegrantesparaomovimentosocial,fundamentado

a partir da semelhança de experiências de vida, como formade seremouvidospela sociedade como um todo, e principalmente por estes meios de expressãocompreenderemaferramentasqueportammensagensaseremnotadasdemaneirageral,ouseja,vinculandoasatribuiçõesdeTartaglia(2014)quedestacaaforçadestesmeiosdeexpressãocomoferramentapolítica.

Nãoobstante,aessedebate,emdecorrerdosprocessosglobaispara“onde”ohip-hopsedifundiu– lembra-sequeohip-hopganhanovasfacesapartirdaslocalidadesnasquaisinsere-se,outrasperspectivasatraemaatençãodosjovens:a temática da visibilidade, o aspecto profissional e o potencial regenerador deáreasesquecidasesteticamentepelopoderpúblico.

Nesse sentido, as geografias juvenis fundamentadas primeiramente nasapropriaçõesespaciaispereneseefêmeras, tangíveise intangíveis,nasrelaçõescomoambienteemqueseinserem,passamaserdesdobradastambématravésdavalorização individual das representações coletivas, a exemplo do graffiti. Osjovens ativistas além da dimensão do pertencimento ao movimento, tambémbuscam valorizar suas práticas individuais, sendo assim, movido pelavisibilidade, o grafiteiro passa a confeccionar grafias cadavezmaiores emaisatraentesdopontodevistaestético.Háprocuraporgrafitarespaçosespecíficoscompresençaexpressivadepessoasnocotidianodacidade,demodoqueasuagrafiasejanotada,oqueéimportanteparaaautoestimadojovem.Outraquestãoéoaspectoprofissional,avendadesuasimagens,desuagrafia,nãolimitando-seàquelapráticamovidapeloespíritocríticoeanárquico,pelomododevida,pelohobby,pelosideaisdeexpressãointeriorizadosnomovimentohip-hop.Agrafiaentãopassaaseroprodutocomercialdojovemativista,queaofereceeatribuivalor econômico às suas manifestações artísticas, muito mais para ambientesprivados/contratados,doquenasespacialidadespúblicas.Entraemcenaaspectosligados à publicidade das grafias. Silva (2001) interpreta esta questãocontrapondodoiscontextos:“As imagensdapublicidade,porém,nãosãoasdaarte.Enquantoapublicidadechamaatençãoparaalgumacoisa,aarteofazparaalguém”(p.08).Omesmoautorcolocaainda:

Dessemodo,oqueseopõediametralmenteaografiteéapublicidade:enquantooprimeirobuscaumefeitosocialdefortecargaideológicaou,dealgummodo,transgressoradeumaordem estabelecida, a publicidade busca o consumo do anunciado e assim sua intençãocomunicativa é antes de tudo funcional para um sistema social, político ou econômico(SILVA,2001,p.06).

Acrescido ao potencial regenerador, algo que justifica de modo maissignificativoaapropriaçãoespacialfísicaatravésdosgraffitis, soma-sequeoslaços de pertencimento como espaço são fundados no imaginário coletivo dossujeitos a uma estética de desvalorização das espacialidades públicas daperiferia. Sendo assim, a apropriação de determinados complexos esportivos éprincipalmente justificada pelo quadro estético que tais espacialidadesapresentam;destaforma,alémderegenerar,aapropriaçãoatribuinovaidentidadeaosespaçosapropriados.

Agradecimento:EsseTrabalhofoidesenvolvidonaUniversidadeEstadualdePontaGrossa(UEPG)comoapoiodoCNPqedaFundaçãoAraucária.

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1Ossujeitossão“conceituados”comoumamaterialidadehistoricamentecorporificada(LIMA,2014)esíntesepolítica(HARVEY,2004).

2Ver a escala geográfica como estruturação da diferença espacial socialmente constituída (SMITH,2000).

3Produzidaporprocessosde legitimaçãosocial,sustentadospelopoderpolíticoeestruturadosporumdiscursoquevisapromovero“bemcomum”(CASTRO,2010;GOMES,2012).

4Sejanosentidoclássicoderedesoupeloviésdainterpretação“deleuziana”efetivadaporRodrigues(2003,apudTARTAGLIA,2014).

RETRATOSDAMEMÓRIA:ANÁLISEDOPATRIMÔNIOHISTÓRICODARUADR.JOÃOMOREIRAPARAACONSTRUÇÃODOLUGARNOCENTRODEFORTALEZA,CE

ANABEATRIZDASILVABARBOSADepartamentodeGeografia,UniversidadeFederaldoCeará

[email protected]

DepartamentodeGeografia,UniversidadeFederaldoCeará[email protected]

INTRODUÇÃOA vinculação da identidade social de um período ao acervo arquitetônico

construídosuscita,apriori,atentativaderesguardoeproteçãodestes.OCentrodeFortalezarepresentaahistória(não)hegemônicadasuacidade.Temsidoumlugarreconhecidoporaspectosheterogêneos,desdeocomércioquesereelaboracontinuamente, como também o reconhecimento de um patrimônio histórico-cultural representativo. A área de influência comercial do Centro extrapola oslimites que demarcam osmunicípios cearenses. Seus logradouros se definiramatravés das diversas vivências que se processaram no tempo e no espaço, noprocesso de interação social, e seu acervo arquitetônico se configura enquantoresquíciodamemóriaurbana,possuindonotávelimportânciaparaacompreensãodos fenômenos acontecidos na cidade durante os anos e sua reproduçãocontemporânea. É diante desta visão da cidade, como espectro das vivênciaspassadas, que se constrói a lógica de preservação da memória das cidades,questão essa que tem se colocado como grande tendência atual por meio deprojetos que objetivam a restauração, a revalorização e a salvaguarda dosvestígiosquerepresentamoespaçourbanoemsuatotalidadedeacontecimentos.

NoqueserefereàproduçãoeordenamentodoespaçourbanodoCentrode

Fortaleza,diversasações sematerializaramnoespaço,atravésdasedificações,fazendocomqueestaspossuamvínculosaosdiscursosoficiais,emcontrapontoàs vivências urbanas, construindo diversos braços simbólicos. As edificaçõessurgem,nessecontexto,enquantoregistrosdaproduçãodoespaçoaolongodesuahistória(CORRÊA,2005).

Tendocomobaseosignificadosocioespacialvalorativodasedificaçõesemconjunto com a polifonia urbana da capital cearense, o presente trabalho temcomorecortedeanáliseologradouroRuaDr.JoãoMoreira,cujaescolhasedeupelaparcelasignificativadamemóriaedificadaconcentradanaextensãodestaruaespecífica.

AtravésdotrabalhodePereira(2013),verificamosumamaiorconcentraçãodeprédiosantigosmaiornosetoroestedoRiachoPajeú,alémdeumalinhamentorelacionado ao decurso do corpo d’água. Entretanto, é perceptível umalinhamento diferenciado do mencionado anteriormente, no setor norte doperímetrodoCentroHistórico,paralelaàcostamarítima,ondeseencontraaáreade estudo, a Rua Dr. João Moreira, convergindo em seu corredor partesignificativadasedificaçõeshistóricas fortalezenses:oFortedeNossaSenhorade Assunção, o Passeio Público, a Santa Casa de Misericórdia, o Museu daIndústria, aAssociaçãoComercial doCeará, oCentro deTurismo e aEstaçãoFerroviáriaJoãoFelipe.

Dessa forma, o artigo se propõe a discutir o papel damemória urbana noCentrodeFortaleza,protagonizandoologradourocomoparcelaímpardahistóriada capital alencarina, com enfoque no significado socioespacial de suasedificações.

CAMINHADAMETODOLÓGICADAPESQUISAA conceituação de patrimônio histórico compreende, grosso modo, a

compreensãoepreservaçãodaidentidadesocialdeumasociedade.Adiscussãosobreosprocessosdepatrimonializaçãomaterialcomológicadepreservaçãoda

memóriadascidadesemparaleloaumacomplexaredeespacialqueseelaboraeseestabeleceatravésdediversasinteraçõessocioterritoriaissedesdobrandoemnovos espaços e significações geramquestionamentos sobre o discurso de bempatrimonial e seus vínculos institucionais. Nessa (re) significação de antigossímbolos e reinterpretação (recriação) do Centro de Fortaleza observa-se ahistoricidadedoCentrocomoconstruçãopictóricadaelitedissociadadasdemaisvivênciasqueseprocessaramna formaçãodo recorteespacialapontado.Sobaperspectiva da construção dos lugares, a geografia humanística, caracteriza olugar como o meio marcado pelas experiências, percepções, compreensão domundoedossignificadosconsiderandoocarátersubjetivoenãooobjetoemsi(FERREIRA,2000).

Dessa forma, a abordagem do estudo se configura na leitura do acervoarquitetônicoedificadodaRuaDr.JoãoMoreiraenquantoresquíciodamemóriaurbanaeespaçotradicionaldacapitalcearense,entretanto,relacionando-aaonãoreconhecimentodessarepresentação,entreoutros,pelosdiferentesgrupossociaisquevivenciamoCentro.Acredita-sequearuanãodeveseranalisadaapenasapartir da ótica do que hegemonicamente representou, e sim através dos usos einteraçõesdeelementossociaisqueaconstituemcomolugar.

Santos (2006) define lugar como a “dimensão espacial do cotidiano”, asformasdereconhecimento,solidariedadeforjadasnavidadiária.Nessesentido,observa-se que a formação da identidade cultural está intrinsecamenterelacionada com o lugar. Hall (2004), antes de introduzir a problemática daidentidade na sociedade pós-moderna, aponta que a essência da identidade seconstrói em referência aos vínculos que conectamos indivíduos uns aos outrostornando-os estáveis, os aspectos de nossa identidade surgem de nossopertencimentoàsculturasétnicas,raciais,linguísticas,religiosasenacionais.Nãoobstante, a formação da identidade cultural é norteada pela construção dediversos significados identitários que fomentam o sentimento de pertencimentosocialqueresultamnaconcretudeespaço-temporaldosbensculturaisespecíficosqueosdiferemdosdemaisgruposhumanos.

Sobreesteaspecto,concorda-secomRibeiro(2005,p.111-112)quandoesteafirmaque“opatrimôniosófazsentidoquandoédefinidopelosgrupossociaisque enxerguemnele valores que indiquemetapas relevantes [...]”.A análise daRua Dr. João Moreira parte dos elementos que validaram a construção dasedificaçõesobservadas,elementosquerespondemporsuasdiretrizessimbólicasepúblicas(políticas),condiçõesparaaconstruçãodosprédios.Entende-sequeaótica do patrimônio constrói a tentativa de resguardo e proteção aos prédioshistóricos situados no logradouro, considera-se que a escala temporal nadelimitação do estudo é preponderante para análise por também sinalizar ocarátertransitório(movimento)darua.

A construção da metodologia consistiu, a priori, num levantamentobibliográfico que visou à compreensão de questões relacionadas à memória,construção do simbólico, patrimônio, monumento, preservação e história doestadodoCearáedasuacapitalFortaleza,enfatizandoocentrodacidade.Estelevantamento foi realizado com base na leitura de artigos, dissertações, livros,jornaislocaisenacionaisdeassuntossobreadinâmicadoCentro,ahistóriadoantigo logradouro e questões relacionadas aos elementos que validam suapatrimonialização.Numsegundomomento,afundamentaçãoteóricaparteparaosestudosdeGeografiaCulturalapontandoquea lógicada reflexãogeográficaseestende à multiplicidade das temporalidades dos grupos humanos, relatando oespaço geográfico como uma construção subjetiva e cultural, dissociando-asomentedaperspectivaeconômicaepolíticapresentenaanálisegeográfica.

Ométododeanálisedapesquisaproveuodesenvolvimentodetrabalhosdecampo que serviram de reconhecimento e análise dos prédios e as vivênciasurbanas, que além do discurso oficial, significam o logradouro. A busca peloempírico foi registrada de duas formas, a primeira delas através de fotografiasatuais do local, sendo relacionadas com outras mais antigas, seguida de umaelaboração de uma carta imagem com a localização do logradouro e de seusprédios.

OCENTRODEFORTALEZAESUADIMENSÃOSIMBÓLICAAs áreas centrais, em um contexto mais amplo, assumiram características

peculiares se comparadas com demais recortes do espaço urbano. Durante ahistória,umaáreasetornavacentralapartirdajunçãodevariadoselementosemumúnicolocal.Ocentroseconstituicomo“amaioraglomeraçãodiversificadadeempregos, ou a maior aglomeração de comércio e serviços” (VILLAÇA apudPAIVA,p.58).Assim, a consolidaçãodoscentrosurbanosvai se escrevendoapartir do desencadeamento de processos que transformam uma dada região,tornando-amaisimportantequeasdemaisqueestãoaoentorno.

Acentralidadeexistefundadaemquatrofatoresprincipais,ondeoprimeirodeles é a divisão social do trabalho, proveniente da diversificação dasatividades,sedestacandoacomercial.Osegundoelementoéaconcentraçãodepoderes:ostiposdepodertendemaseconcentraremáreascentrais,apartirdamaiordisponibilidadedeserviçosepessoasencontradas.Oterceiroaspectoéafácil acessibilidade, que vai se desenvolver devido à boa concentração deatrativosemumpontoespecífico.Eoúltimodeleséahierarquiasimbólica,ouseja, o recorte espacial possui um grande embargo simbólico, já que a maiordinâmicaurbanaseprocessanoscentros(CASTELLSapudPAIVA,p.68).

Os centros, nesse sentido, se consolidam enquanto nós de circulação depessoasecoisas,sendoessadinâmicaresponsávelpeloprocessodeproduçãodoespaço.Sobreaproduçãodoespaçourbano,Carlos(2001)oconsideraenquantojustaposição de diversos níveis de sociedade. Estes fixos são capazes deconcentrar fração de extrema importância para a compreensão da história dolugar, pela sua imensa carga simbólica, fundamento representativo de nossasociedade.

Acidadeseconfiguracomoumlugardememória:osseusmonumentos,suaspraças e parques são vestígios de um passado. Todo espaço urbano possuihistória e esta reflete as diversas transformações empreendidas pelohomemnoespaço.Sendoassim,oconhecimentodenossopassadomostraaimportânciadasua preservação, condição indispensável à formação da cidadania e elemento

afirmativodenossaidentidadecultural(FERNANDES,2007).O Centro tem sua grande importância na origem de Fortaleza e na

constituição atual da cidade: as histórias da capital e do bairro se confundem,tendoemvistaqueacidadenasceunoCentro.EessahistóriaavançacommaisafinconoséculoXIX,apartirdaaberturadosportosedodesenvolvimentodosistemaviário,queparaSilva(1992)acelerouasrelaçõesdosertãocomolitoralequeLemenhe(1991)acreditaestarligadocomaspolíticasdeinvestimentosquebeneficiaramFortaleza, fatoquenãose repetiuemCamocimenememAracati.“Fortalezafoiconfirmadacapital,provocandoprotestosdevilasmaisprósperas,comoAracatieIcó”(SESCAP,p.7).

Ocrescimentodacidadeimpulsionouademandaporinfraestruturas,apartirdo momento em que as classes dominantes sentiram esta necessidade, a de seconstruir uma cidade que as condições de vida sejam as mais adequadaspossíveis.Percebe-se,numprimeiromomento,umacidadeplanejadaparaatenderàsnecessidadesdaminoria,deixando-acomolugarperfeitoparaencontros,festasemoradiadaelite.Ocentrourbanodacapitalalencarinaeraopoloconcentradordetodasasfunçõesurbanas.

Nãoobstante,aexpansãourbanaqueacontecemaisintensamenteemmeadosde 1930 e acentuando-se em 1970 foi responsável pelo processo dedescentralização.Dantas (2011) justificaa saídadasclassesmais abastadasdoCentro por fatores como a especialização do comércio, a valorização dedeterminadaszonasmaisafastadasdonúcleocentraleosurgimentodeveículosque permitiam o fácil deslocamento. A junção destes princípios ocasionou odeslocamentodeserviçosparaoutrasdireções,sobretudoparaossetoreslesteesul,condiçõesfavoráveisparaosurgimentodenovascentralidades.

As novas centralidades, que são expressões dos processos de expansão,trazemumanovaestruturaçãoaoCentrodeFortaleza.Suahistóriaaprotagonizoucomo lócus de vivência daminoria e atualmente se consolida como centro deocupação da periferia, sendo o ponto de convergência dos principaisequipamentos, atividadese serviçosdacidade, alémde seropalcodahistória

urbana fortalezense. É nesta perspectiva que Paiva (2005) elenca as trêscentralidades características do Centro, que são a econômica, política esimbólica.Nestecaso,oCentrodeFortaleza,

“[...] se caracteriza pela centralidade econômica, pois concentra amaior quantidade deatividades quando comparado às outras áreas da cidade; pela centralidade políticasimbolizadanaconcentraçãodeequipamentosgovernamentaisepelacentralidadecultural,porque o centro é o marco histórico de surgimento da cidade, a partir do qual esta seexpande; bem como concentra os equipamentos religiosos, de lazer e entretenimento”(CARTAXOFILHO,2005,p.20).

A sua carga simbólica encontrada se revela no espaço pela parcelasignificativadamemóriadacidadeporcausadeseuacervoarquitetônico,ondeboapartedopatrimônioculturaledificadolocaliza-senoCentro.Olevantamentorealizado pelo IPLANFOR (2015)apresenta um total de 54 bens tombados emescala demunicípio, onde 30 destes se concentram no centro da cidade. Se aanálise contemplar as instâncias, verificamos que à escala nacional, o Centroconcentra8dentreos9prédioshistóricos;ànívelestadual,12dentre17;ànívelmunicipal,10dentre28.

Os dados cartografados por Moraes (2013) atestam uma concentração deprédios antigosmaiorno setoroestedoRiachoPajeú, alémdeumalinhamentodestes, próximo ao recurso hídrico. Entretanto, também é perceptível umadisposição diferenciada da anterior, no setor norte do perímetro do CentroHistórico,paralelaàcostamarítima,ondeseencontraaáreadeestudo,oantigologradouroRuaDr.JoãoMoreira.

SOBREOLOGRADOUROA análise dos diversos objetos contidos no espaço permite um melhor

entendimento da história e das transformações acontecidas na cidade. E nestecontexto,assimcomoosmonumentoseaspraças,“asruasdacidadesedefinempelas suas vivências de tempo e espaço que seus habitantes constroem noprocessodeinteraçãosocial”(SILVAFILHO,2001,p.13).

RuaNovadeFortaleza,RuadaMisericórdia,TravessadoQuartel,Ruanº17 e atualmente,RuaDr. JoãoMoreira, são osmais variados nomes dados aologradouro presente no Centro de Fortaleza, desde a sua criação. Cortando asRuas 24 de maio, General Sampaio, Senador Pompeu, Barão do Rio Branco,Major Facundo, Floriano Peixoto, General Bezerril e Alberto Nepomuceno, ologradouro é de relevada importância à memória urbana, graças a sua cargasimbólica,quefazcomquetambémsejaconhecidocomooCorredorCulturaldacidade.

A presente área de estudo, situada na Figura 1, se constitui enquantolocalizaçãoprivilegiada, pois esta concentra parte significativadas edificaçõesoriginais fortalezenses, que são: o Forte de Nossa Senhora de Assunção –representado pela 10ª Região Militar –, o Passeio Público, a Santa Casa deMisericórdia,oMuseudaIndústria,aAssociaçãoComercialdoCeará,oCentrodeTurismoeaEstaçãoFerroviáriaJoãoFelipe.

Figura1–LocalizaçãodosbenstombadossituadosnologradouroRuaDr.JoãoMoreira.

Fonte:Elaboraçãodasautoras(2015).

OPERCURSOHISTÓRICODOLOGRADOUROA cidade de Fortaleza que nasceu às margens do rio Pajeú se configura

enquantoumespaço repleto de significados, e encontra, no logradouroRuaDr.João Moreira, uma faceta importante de visualização das transformações

socioespaciais do espaço urbano. A memória urbana que o Centro possui seencontrafortementeemseulogradouroeestefatoresultademomentosanterioresàsuaconsolidaçãoenquantosededeimportanteinfluêncianoCeará,remontandoaoséculoXVIIIsendoelementodedisputacolonialista.

Acapitalcearensedeveseunomeàsingelafortificaçãoquefoiinicialmenteconstruída pelos holandeses, sob o comandodeMatiasBeck, tendoo nomedomonumento de Schoonenborch, homenageando o governador de Pernambuco. Oobjetivoprimárioeraaexploraçãodasterras,atravésdaproduçãodeaçúcaredabusca por minas de prata. Anos depois, os holandeses são expulsos e osportugueses concluem a construção e dão a ela o nome de Fortaleza deNossaSenhoradeAssunção(SILVAFILHO,2001).

A nominação dada à edificação é sugestiva quanto às formas de podervigentesnaépoca.OnomedeNossaSenhoradeAssunçãosugereapresençadafécatólica,presenteentreosportugueses,eaomesmotempotambémmilitar,poiso forte é associado como objeto de segurança. Silva Filho (2001, p. 31), aoanalisar a configuração desta edificação, a apresenta enquanto material esimbólica, haja vista que esta evidencia a “existência um lugar da ordem,estabilidade,hierarquiaereclusão(dentro)cujosentidoseconstróiarticuladoàfragilidadedoqueextrapolaseuterritório(fora)”.

OForte foi imprescindívelpara aurbanizaçãoda cidade, se consolidandocomo ponto de partida para a construção de edifícios públicos, além doalinhamento das ruas. Os principais prédios se localizariam próximos à praçaprincipal, e a rua direita seria a base de onde se desenharia as demais ruas(RIBEIRO,1955).EsseordenamentodacidadesetornamaisperceptívelcomaobservaçãodasplantasdacidadedeFortaleza,tendoapraçaprincipal(PraçadoConselho–atualPraçadaSé),aRuaDireita(RuaConded’Eu),responsávelpeloalinhamentodasruas(Figura2),quesedavaemxadrez,eosedifíciospúblicossituados próximos à praça principal (Palácio da Luz, Assembleia Provincial).Sendoassim,otraçadodasprincipaisruassedeuapartirdaprimeirarua–adaMatriz –, continuadapeladosmercadores (Conded’EueSenaMadureira).No

meio da praça do Conselho, a matriz foi erguida, em cuja frente fincaram opelourinho.“Umtantoaolado,apolé.Maispróximadafortificação,procurandoo poente, a viela, que depois veio formar a Rua da Fortaleza, depois Rua daMisericórdia,atualRuaDr.JoãoMoreira”(GIRÃO,1997,p.74).

Apósanosdeintensadisputa,em13deabrilde1726,Fortalezaéelevadaàcondição de vila. O crescimento da cidade no século XVIII é inexpressivo,quando comparado com outras vilas, como Sobral, Icó e Aracati, que seconsolidaram como pontos estratégicos ligados à produção de couro e carnes(SOUSA,2007).AsedificaçõesqueapresentavammaiorpresençaeramoForte,a Igreja do Rosário e o Palácio da Luz. Esteticamente, dentre asmencionadasanteriormente,aúnicaconstruçãonacapitalquepossuíaassoalhoeraoPaláciodaLuz(antigasededogovernoeatualAcademiaCearensedeLetras)atéofimdesteséculo(SESCAP,2012).

A capital “só de nome” experimentou sua fase de crescimento a partir doséculo XIX, especialmente a partir da segunda metade, quando a produçãoalgodoeiraainseresocialmentecomoprincipalcentroeconômico,administrativo,socialeculturaldaprovínciacearense(PONTE,2001).Ocontextosupracitadoindica a ascensão de um centro idealizado e construído visando atender osinteressesdas elitesquevinhamdo sertão (DANTAS,2001).Estegrupo socialque estava em formação é o responsável pelo ordenamento da cidade nesteperíodo histórico, trazendo as tendências de aformoseamento dos espaçospúblicosedacriaçãodosprimeirosclubessociais.

Osprojetosdeembelezamentodacidade levaramcomobaseosPlanosdeMelhoramento,queforamimplementadosnaEuropanaprimeirametadedoséculoXIX. Estes propuseram um ordenamento urbano que tivesse como foco acirculação de elementos patógenos – a água e o ar –, a fim de proporcionar àcidadeumlocalmaissaudávelelimpo(FOUCAULT,1979).Amedicinaurbanafrancesaalcançaoterritóriocearenseapartirdasdiversasocorrênciasdemortespelasepidemiasdemalária,cólera,varíola,febreamarela,bemcomopelassecasde1844a1845e1877a1879(COSTA,2014).

Figura2–Ilustraçãodaexpansãodacidade,apartirdoforte.Nozoomdaimagem,estáapresentadaaRuaDr.JoãoMoreira.

Fonte:http://www.fortalezaemfotos.com.br/2012/09/adolfo–herbster–e–os–mapas–de–fortaleza.html(adaptado).

Asequênciadesseseventosdeuforçaaodiscursomédicoesecorporizounologradouro,primeiramenteatravésdaconstruçãodaSantaCasadeMisericórdia,iniciadaem1847.OprimeirohospitaldoCeará tevesuaconstruçãoparalisadano mesmo ano, sendo preferencialmente construído o Cemitério São Casemiro(atualEstaçãoFerroviária JoãoFelipe) por ordensdopresidente daprovíncia.Em1857,asobrasdaSantaCasaprosseguemeestaéinauguradaem1861,sendochamada até então deHospital daCaridade.Outra construção também iniciadanesseperíodofoiadaCadeiaPública,iniciadaem1850econcluídaem1866.Aisso, soma-se a participação dos flagelados da seca na construção das obraspúblicas, tais como os barramentos para açudes, as estradas de ferro e asedificaçõesestatais(ASSISeSAMPAIO,2010).

Emsíntese,aanálise temporaldasegundametadedoséculoXIXpodeseranalisadaconsiderando-sequeaconstruçãodacidadeaconteceu,nesseperíodo,emvirtudedaprosperidadeadvindadaeconomiadoalgodão(SILVA,1992).Osanos posteriores a 1850 e inferiores a 1870 são marcados pela edificação degrande parte dos prédios insalubres situados no Centro. A localização deedificaçõesdecaráter insalubre foi identificadaparasedarno logradouropelasua posição geográfica à sota-vento, haja vista que em Fortaleza, os ventos

adentramàcidadenasuaporçãolesteevoltamparaomarnazonaoeste.Nestesentido, de acordo com a teoria miasmática, os miasmas não adentrariam ocontinente,evitandoocontágiodasdoenças(COSTA,2014).

Apartirdadécadade1870,oCentrodaminoriaganhamaior impulsopormeio da chegada de uma importante inovação tecnológica: a linha férrea, queobjetivava o transporte de pessoas e mercadorias. Mesmo em meio à criseexperimentada pelo Brasil e às epidemias nesse período, o governo deuconcessõesadiversasestradasdeferroparainiciarsuasobraseestasreceberama denominação de “ferrovias da seca”, como no caso das estradas de ferro deBaturitéeSobral,noCearáePauloAfonso,emAlagoasePernambuco,ligandoobaixoemédioSãoFrancisco(CAMELOFILHO,2000).Dentretodas,ademaiorimportância no Ceará é a Estrada de Ferro de Baturité, cuja implementaçãoencontrou o seu ponto de chegada de passageiros e demercadorias, aRuaDr.JoãoMoreira.Àvistadisso,umanovaperspectivaseabre,comaconstruçãodehotéis,clubeseespaçospúblicosquerecebiamestanovademanda.Em1871,aSociedadeUniãoCearense(atualMuseudaIndústria)foiinaugurada,enquantooprimeiroclubesocialdeFortaleza.Emseguida,omesmoprédiopassaasediaroGrandeHoteldoNorte,atéosanos1895.

O referido prédio estava situado em frente ao cartão postalmais belo dacidade, segundo Bezerra de Menezes (1992): o Passeio Público. Seguindo odiscurso modernista da Belle Époque, esta variação do até então conhecidojardimpúblico,“éumaformanovademanifestaçãodoespaço,criadana IdadeModerna pela burguesia [...] para atender aos anseios da sociedade que sedesenvolvia” (CARTAXO FILHO et al, 1984, p. 73). O conhecido Campo daPólvora, Praça dos Mártires, Largo do Paiol, por ser um lugar bastantefrequentadopelaspessoas, foi o alvodemudanças estéticas, que resultaramnoseuembelezamentonos anos1880.Oaformoseamentodapraça compreendeuoseu ajardinamento, o cerceamento e criação de três planos topográficos, quecorrespondiamacadaclassesocial.“Paralelasàsobraserguidaspelospoderespúblicosepelocapital,ascamadasafluentes fizeramsurgirnovas lojas,hotéis,

clubes,mansõesechácaras”(PONTE,2001,p.43).Nestemomentopercebe-seoPasseioPúblicocomooespaçoreveladordas

disparidadessociais:oterceiroplanolocalizava-sepróximoaomareeraolugardas classesmais desfavorecidas; o segundo plano estava entre o primeiro e oterceiro, ligando-os por meio de escadas, frequentado pelas classes médias; oprimeiroplano,maispróximoaologradouroeraolócusdamelhorsociedadedeFortaleza, onde haviam quermesses promovidas pela Santa Casa, bandas demúsica que tocavam aos domingos e práticas esportivas que eram realizadas(SILVAFILHO,2001).

Jánosanos1890,aúltimaedificaçãodologradouroéconstruída,atendendoaomesmocontextoanterior:oEdifícioAntônioGuimarães(atualmentesediandoa Associação Comercial do Ceará). No início do século XX, o edifício foiinaugurado como Hotel de France (NOBRE, MELO e BOROH, 2015),contemplando a fase de investimentos massivos na capital alencarina. Esseperíodofoimarcadopelasideiasprogressistasemodernistas,materializadasnologradouropormeiodoPasseioPúblico,doHoteldeFrance,bemcomodasruasalinhadasedachegadadas linhasdebonde (PONTE,2001).Nessecontexto,oGrandeHoteldoNortesetornousededosCorreios,em1895.

Comrelaçãoàscamadasdominantes,aexpansãourbanaeaespecializaçãodocomércio,nosanosposterioresa1920,foramsuficientesparaasdeslocaremdocentroparaáreasperiféricasdesocupadas(PONTE,2001;DANTAS,2011).Oseu crescimento possibilitou a incorporação de novas formas de lazer, como ocinemaporexemplo.Emmeadosdosanos1930,oCentrodeFortalezavivenciouoprocessodefugadaselites,resultandonasuadescentralização.Aissosesomaa inexpressiva atividade comercial do logradouro, pois estemomento históricofoi marcado pela especialização do comércio no Centro (CARTAXO FILHO,1984).

Entre os anos 1930 e 1970, algumas edificações no logradouroexperimentaramumarotatividadedeexpressivadefunções,comonocasodasededosCorreios,queem1935dá lugar àTheCearáTramwayLight&PowerCo.

Ltda,provedoradosserviçosdeeletricidadedacidade.Soma-seaisso,oHoteldeFrance,quepassouaseralugadoaoutroproprietário,sobadenominaçãodePalace Hotel, em meados dos anos 1940. Enquanto isso, prédios insalubres,oferecendo serviços penitenciários ou de saúde, mantiveram uma maiorestabilidadeemsua funcionalidadee forma.Àessaexceção,encontraaCadeiaPública,que sedesativouem1967, emvirtudedanecessidadede seampliaroserviçoparaforadoperímetrourbano.

Na segundametade do séculoXX, em especial após a década de 1970, adescentralização se tornaevidente, eo logradouroexperimenta a fasedemaiorabandonodesuasedificações.Talprovaéque,em1973,aCadeiaPública,quepassou a acolher a Empresa Cearense de Turismo (EMCETUR), foi alvo dediscussões a respeito de sua possível demolição para dar lugar a umestacionamento.Nosanosseguintes,oprédiodaCearáLightpassouàsmãosdaCoelce.OPalaceHotel,porsuavez,fechouassuasportasem1971,porfaltaderecursos,sendoentãovendidoparaaAssociaçãoComercialdoCeará,em1973.AquedadefluxodepessoasfezcomqueanosàfrenteoPasseioPúblicofosseoespaço de outros segmentos sociais, como as prostitutas, que forneciam ochamado“lazeradulto”.

AviradadoséculoXXparaoXXIrepresentouumamudançanaspolíticasgovernamentais,quetrazememseubojo,medidasqueobjetivemavalorizaçãodoconjuntoarquitetônicodoscentroshistóricos.Estesprojetostrouxeramembutidaa noção do turismo cultural (PAIVA, 2005), encontrando nos tombamentos umaforma de assegurar os bens construídos anteriormente abandonados pela elite.Aliadoaocontextoacima,ainfluênciaexercidapelaSantaCasadeMisericórdiase refletiu no fenômeno da expansão das clínicas médicas populares, onde oprocesso de revalorização das edificações situadas no logradouro ocorreu emconjunto com a ampliação do fluxo populacional em direção aos serviços desaúdedoCentro(GODOY,2015).

Os primeiros anos do século XXI trouxeram a restauração do prédio daCoelce, que outrora estava desativado após seu tombamento, sendo entregue à

Federação das Indústrias do Estado do Ceará, como Museu da Indústria,inauguradoem2014.ArefuncionalizaçãodoPasseioPúblicoeadesativaçãodaEstaçãoFerroviária JoãoFelipedemonstrama inclinaçãodas atuais estratégiasdepreservaçãodahistória,afimdeentenderosmodosdiferenciadospelosquaisassociedadesconstroemsuasnoçõesdetempo(SILVAFILHO,2001).

Destarte, opatrimônio cultural edificadomanifestonavia é um reflexodadinâmicaprocessadanoCentrodacidade,nopassadoemqueseconstituíacomolócus de vivência da classe mais abastada, e que nos presentes dias tem seconsolidadocomoolugardeserviços,possuindocomogranderaiodealcanceasclasses periféricas. Entretanto, não se deve deixar de lado que o logradouroapresentaoCentroemduasfacesdeumamesmamoeda.AprimeirafacemostraoCentro da periferia, sob a ótica da concentração dos equipamentos de saúde.Simultaneamente, a segunda face traz consigo o Centro da elite, por meio daperpetuaçãodosmonumentoserguidospelascamadasinfluentes.

Osmonumentos, objetode estudodapesquisa, são elementosdapaisagemquenãopermeiamapenasocampoestético,estespossuemumsignificado,sendotambémparteintegrantedastendênciaseuropeiasdeembelezamentodascidades(CORRÊA,2005).EstemovimentoemFortalezadecorreudoseucrescimentoemvirtude da produção algodoeira, na segunda metade do século XIX, onde setornam necessários o planejamento e ordenamento da cidade em expansão. Éneste período que boa parte dos prédios históricos do Centro são construídos,pela mão de obra vinda do interior do estado por intermédio das secas. Aprincipalinfluênciaarquitetônicaéoestiloneoclássico,presentenamaioriadasedificaçõeshistóricasdobairroeemtodoologradouro,que“[...]seinscrevemnapaisagemurbanasimultaneamentecomoestruturasfísicasemarcossimbólicos,recrudescendoaordenaçãoespacialeregulandohábitosecostumesdapopulaçãolocal”(SILVAFILHO,p.106-107).

Osmonumentossãomeioscapazesdecomunicarcrenças,discursos,valoresque eram disseminados em um recorte histórico (CORRÊA, 2005). Suasconstruções são materializações das relações sociais presentes na época, de

acordocomasformasdepodervigentes,ondesedestacaramospoderesmilitar,religioso emédico.O logradouro tem as suas edificações projetadas de costasparaomar,seguindoodiscursodequeomareravistocomoelementorepulsivo,utilizado apenas para sediar o porto e a prática pesqueira. Tal assertiva éverídicaaoobservarqueosprédiosquedelimitamoCentro–PasseioPúblico,Santa Casa, EMCETUR e Estação João Felipe – não possuem seu acesso defrenteàcostamarítima,aindaqueparalelosaela.

Enquanto elementos que comunicam significados, os monumentosapresentam-se como marcas das mais variadas transformações acontecidas noespaçourbanocomopassardotempo.ARuaDr.JoãoMoreiraestáinseridanocenário de expansão urbana, a partir da criação de uma cidade pela e para aselites, comas formasde lazer expressasnosprimeiros clubes, hotéis, teatros ejardim público. Também expressa o pensamento médico higienista ao alinharprédios,comoohospital,aprisãoeocemitérioemummesmologradouro,sendoconfiguradoenquantoespaçodevidaemorte.

A rua também materializa a metamorfose do Centro a partir do rápidocrescimento e da desapropriação das classes abastadas, pela desativação dealgunsprédios,comoacadeiaeaCoelce,quesedeslocamparaoutrossetoresdacidade. Seus prédios corporizam as políticas atuais, que visam o incentivo aoturismocultural,ondeumantigohoteleclubese transformaramemummuseueumaantigacadeiapúblicaeteatroemumcentrodeturismo.

Entretanto,algunsbenshistóricos,comoaSantaCasa,10ªRegiãoMilitarePasseioPúblico,nãosofreramalteraçõesquantoàs funções, sendoahospitalar,militar e lazer, respectivamente, mantidas até hoje. A relevância destasedificaçõeséimprescindívelparaahistóriadologradouro,poisaRuaDr.JoãoMoreiranãoéconhecidapeloseunome,maspelassuasedificações.

CONSIDERAÇÕESFINAISOsmonumentos,aspraças,oslogradourosfazempartedahistóriaurbanae

seu significado elemento fundamental para a construção da identidade cultural.Áreascomooscentroshistóricossãodotadasdegrandeafluênciasimbólicaporconstituírem o embrião do crescimento da cidade. O Centro de Fortaleza é obairroquecontaahistóriadasuacidadeatravésdosfragmentospresentesaindanos atuaisdias e são focosdaspolíticasde salvaguardadopatrimônio culturaledificado colocando-se como alvo de discussões em virtude da destruição econstruçãoincessantedeformas.ARuaDr.JoãoMoreiraéumrecortedoCentroquemerecedestaquepelasuarelevânciaaoconcentrarboapartedasedificaçõesoriginais remontadas da segunda metade do século XIX, quando a cidade foiidealizada pelas elites que vieram, sobretudo do interior do estado do Ceará.Seus monumentos vão além do estético, são reflexos de discursos, crenças ehábitos passados, no entanto que se reproduzem embora com arescontemporâneos.ParaquemoCentrocomoseapresentasignifica?Comopassardos anos, devido às transformações do espaço urbano, o Centro da minoriaatualmenteéoCentrodaperiferia,atendendo-aporseucomércioeserviços,masquedeveselevaremcontaasuacargasimbólicaeologradouropossuiligaçõesdiretas com a origem da cidade, através da construção da Fortaleza de NossaSenhoradeAssunção.OPasseioPúblicodesabrochacomoumespaçodestinadoao lazer proveniente do ócio, além de expor as distinções sociais pelos seusplanostopográficos.OMuseudaIndústria,aAssociaçãoComercialdoCeará,oCentrodeTurismoeaEstaçãorepresentamasrefuncionalizaçõesquesedãodeacordocomasnecessidadesetendências,sendofixospromotoresdefluxos,eaSanta Casa aparece como a edificação que faz o logradouro conhecido, nãosomentepelasuanominação,maspelagrandiosidadedeseupatrimônioculturaledificado.

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ACONFECÇÃODOBORDADONODISTRITODESAPUPARA,EMMARANGUAPE-CE:ENTREOTRADICIONALEOMODERNO

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MARAMÔ[email protected]

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UNIVERSIDADEFEDERALDOCEARÁ

INTRODUÇÃOA relação entre homem e espaço por intermédio da categoria trabalho se

materializa e forma espaços que se produzem e reproduzem constantemente(CARLOS, 1997). O ser humano ao longo da história sempre produziuferramentasparafacilitarsuarelaçãocomanatureza,ajudando-oasuperarsuaslimitações físicas. A Revolução Industrial inglesa, ocorrida no século XVIII éresultado do desenvolvimento das forças de produção, da especialização e dadivisãodotrabalho,poisohomemjánãoproduziasomenteparasuasubsistência.

PorIndústria,entendemoscomosendoauniãodediferentesatividadesqueproduzem continuamente diversas mercadorias, utilizando de recursos danatureza. Istosignificadizerqueatividadesdecunhoartesanaloudomésticas,emanufatureirassãoformasdeproduçãoindustrial(SPOSITO,2008).

Atémeados de 1950, segundodados estatísticos do InstitutoBrasileiro deGeografiaeEstatística–IBGE–,olócusindustrialeraaantigaregiãoSudestedoBrasil, que compreendia os estados de São Paulo, Guanabara, Rio de Janeiro,

MinasGeraiseEspíritoSanto.Comoaprimoramentodatecnologia,acirculaçãointensa de informações e a globalização formava-se um quadro peculiar quecontribuiuparaumareorganizaçãodoterritóriobrasileirofrutodareestruturaçãodo capitalismo. Segundo Gomes (2011) o termo reestruturação não significaimposição de uma nova estrutura, mas um movimento de continuidade edescontinuidade, algo dialético. Essa reestruturação ainda segundo a autora sóacontecequandoas estruturas socioespaciaisque sãonecessárias à acumulaçãotornam-seformasdealavancarocrescimentoe,logo,aproduçãoeareproduçãodo capital. É nesse contexto que as indústrias até então localizadas em suamaiorianaregiãosudesteesuldoBrasilvãoàbuscadenovosespaçoscomboainfraestrutura, mão de obra barata e matéria-prima. Os diferentes lugares,portanto, são convocados a se adequarem às necessidades específicas daproduçãocapitalista.

NoNordeste,bemcomonoCeará,oEstadoatuacomoprincipalagentedareprodução do espaço, através de políticas de incentivos fiscais e das novasestruturas criadas para atender a essa demanda. A “guerra dos lugares”(SANTOS; SILVEIRA, 2002) surge nesse momento, haja vista as diferentespolíticas de beneficiamento para atrair as indústrias, ou ainda, para evitar umpossíveldeslocamentodasmesmas.

AindústrianoCearásecaracterizaportrêsmomentosdistintos.Apriori,sedeu a partir dos ramos da Indústria têxtil, couro e óleos vegetais; o segundomomento émarcado pela Superintendência doDesenvolvimento doNordeste –SUDENE –, criada em 1959, graças às políticas nacionais de promoção dodesenvolvimento Industrial que torna esta região, palco de transformaçõesespaciais,ebuscaporbenefícios,eporúltimoemdecorrênciadareestruturaçãodaeconomiamundialqueafetoutambémopaís(AMORA,2005).

Nesse percurso da Indústria no Estado, Fortaleza e os municípios de suaregiãometropolitana(RMF)despertaminvestimentosentreosagentesprodutores.A RMF é o espaço do Estado que mais atrai esses investidores, apesar dodiscursodapolíticade industrializaçãoestadualdedescentralizarasatividades

produtivasecriarempregonaspequenascidadesenazonarural.Segundodadosdo perfil básico Regional IPECE 2014 a Região Metropolitana de Fortalezaemprega1.029.352depessoas,sendo18%destetotalnosetorindustrial.

Em Fortaleza e em sua RegiãoMetropolitana temos uma pulverização daIndústriadeconfecção,intensificadonosmunicípioscomoMaranguape,Caucaia,Maracanaú e Pacatuba (SANTOS, 2015). Segundo este autor, a indústria deconfecçãonaRMFseenquadraàscondiçõesglobaisdeprodução,circulaçãoevenda de mercadorias, tanto na escala local como na global. É, portanto, umimportante segmento para o emprego de umamão de obra que buscamelhorescondiçõesdesobrevivêncianacidade.

Refletindo sobre essa dinâmica industrial e atuações nos municípios quefazempartedaRegiãoMetropolitanadeFortaleza(RMF)nosdeparamoscomasrelações existentes entre o bordado construído no distrito de Sapupara,Maranguape–CE,ondeessaatividadedesempenhamarcoimportantenahistóriadeseushabitantes.

DentreasconfecçõesdeSapuparaselecionamosparaobjetodeestudoadaDonaMariadoCarmo(CDMC).ACDMCcontacomcercade40bordadeiraseentreaspeçasproduzidasporelas,asquecontêmorichelieusesobressaem.

Pensarnessa“Indústriadobordado”,asmúltiplasrelaçõesqueocorremnaCDMC, foi importante na construção e reflexão desse trabalho cuja análiseabarcou as múltiplas relações desse sistema produtivo; o entendimento dotrabalho em cooperação pelas bordadeiras da CDMC, como também o valorsimbólicoeculturaldapráticadebordarquesearticulaalógicacapitalista.

Para a realização desse estudo, se fez necessário traçar um percursometodológico, que se organizou em torno da abordagem predominantementequalitativa,tendoemvistaqueabuscadosobjetivossedeusobumaspectomaisperceptivo,atentandoparaascausasdosfenômenossociais,procurandoexaminarsualógicaeestruturainterna(SEVERINO,2007).Todavia,utilizamostambémdaabordagem quantitativa para a busca de dados estatísticos e de variáveis doInstitutoBrasileirodeGeografia eEstatística (IBGE),Federaçãodas Indústrias

do Estado do Ceará (FIEC), Instituto de Pesquisa do Ceará (IPECE), dentrooutros.

Foramfeitaspesquisasbibliográficasedocumentais.Comoprimeiropassofoiutilizadoostiposbibliográficos–exploratório,comointuitodequeasteoriasfacilitassem o entendimento, investigação, bem como as análises dos dadoscoletados durante desenvolvimento da pesquisa. A pesquisa documental eestatística foi feita, em órgãos como Instituto Brasileiro de Geografia eEstatística.

Após essa primeira fase, a pesquisa de campo foi realizada pretendendoobterinformaçõesquantitativasequalitativasarespeitodoobjetodeestudo.Paracompreender o que pensam as bordadeiras, realizou-se entrevistassemiestruturadas sendo principalmente da modalidade não dirigida. Com asbordadeiras foramabordadososseguintesassuntos: relaçõesde trabalho;perfilsocioeconômicodasbordadeirasesuaespacializaçãonomunicípio;distribuiçãodaproduçãoefluxos;bordadoeseuvalorcultural,dentreoutros.

Adocumentaçãodoquefoianalisadoeobservadoemcamposedeuatravésdeanotaçõesnodiáriodecampodenaturezadescritiva;algumasfotografiasdosespaços e estruturas foram tiradas, sobpermissãodos sujeitos pesquisados.Asentrevistasforamregistradasaindaatravésdegravaçõese/ouanotaçõesnodiáriodecampo.

A respeito desse artigo ele está estruturado em quatro tópicos principais,incluindo esta introdução. No segundo tópico O município de Maranguape:entreotradicionaleomoderno,apresentamosnossolócusdeestudoetrazemosalgumascaracterísticasprincipaisdomesmo;noterceirotópicoAconfecçãodobordado em Sapupara – Maranguape (CE), aprofundamos nosso estudo naconfecçãoDonaMaria do Carmo – CDMC; as relações de trabalho existentesentre as bordadeiras e o valor cultural da técnica de bordar que possibilita ainserçãodasbordadeirasnasociedadedeconsumo;atentamosaindanaproduçãodo bordado richelieu produzido na CDMC entendido por nós como umanecessidadedocapital.Noúltimotópicoapontamosdeformabreveosprincipais

resultadosdesseestudo.

O MUNICÍPIO DE MARANGUAPE: ENTRE O TRADICIONAL E OMODERNO

O município de Maranguape está cerca de 30 km da capital Cearense,localizada namicrorregião de Fortaleza.Conta com uma área de 590.873 km²,possuindo115.465habitantes(Censo2011-IBGE).AinserçãodoMunicípiodeMaranguape na RMF se dá a partir da década de 1970, fazendo com que aprodução do espaço esteja também ligada ao desenvolvimento da metrópoleFortaleza.

Todavia, a identidade e características particulares do Municípiopermanecem fortemente em Maranguape. Quanto a isso, entendemos que aproduçãodoespaçoemMaranguapeéconstruídanasuarelaçãocomprocessoseatoresdenaturezalocal,nacionaleglobal.

Não enfocaremos nossa análise no início de seu povoamento, todavia, éimportanteatentarparasuaeconomiaqueforafavorecida,apriori,pelaproduçãodocaféedoalgodão.SegundooIBGE,em2013acidadedetinhamaisde1.260empresasativas,entremicro,pequenas,médiaegrandesempresasecommaisde12 mil trabalhadores registrados nelas. As grandes indústrias são a maiorempregadora domunicípio commais de 5.000 empregos ofertados, seguido dosetor terciário com mais de 3.500 (MENDES, 2015, p. 93). Ainda segundo aautora:

Coma implantaçãodenovosestabelecimentos industriais, apartirdadécadade1990,osetorsecundáriopassouatermaiorrelevânciaemMaranguapedestacando-senoestoquede empregos formais e na composição setorial do PIB. A chegada da indústria vaidesencadear mudanças significativas na economia do município, com o setor industrialsuplantandoosetorterciário(MENDES,2015,p.94).

As primeiras iniciativas referentes à industrialização do município eramextremamente articuladas à produção agrícola dominante, no caso o algodão.Atualmente, segundo Muniz (2015), existe um total de 690 indústrias em

Maranguape, sendo do ramo têxtil e de confecção, de alimentos, de materiaiselétricosedecalçados.

Todavia“aoladodasatividadesindustriaiseseguindoatradiçãocearense,Maranguapedestaca-setambémnotrabalhoartesanalemargila(panelas,pratosejarros de barros) e em bordados” (MUNIZ, 2015, p. 59). Sobre o papel daIndústria do bordado e o valor atribuído noMunicípio, destacamos o seguintetrecho:

Ainfluênciaportuguesa trouxe,dentreoutrascoisas,obordado.Tecidonasmãos, linhassobreocolo,acidadevaibordandooseudia-a-dia.ReproduzindopanoverdedaSerradeMaranguape a linha da vida de seus moradores. Suas bordadeiras aprimoram velhosdesenhos, inventam novas técnicas e fazem um trabalho reconhecido nacional einternacionalmente. Rico, sofisticado e, sobretudo versátil, o bordado de Maranguapeenfeitatoalhas,caminhosdemesa,colchasecortinas,conferindoacadapeçaanobrezaea majestade originais. O município cresceu vendo suas mulheres bordarem a vidaenquantooshomenstingiamosbordados.Maranguapeé,hoje,aterradobordado.Oseudestinojáestavatraçado(SEBRAE,2003,p.04).

Arespeitodoartesanato,nocontextode tensões imanentesdoprocessodeestruturaçãodasformasdeproduçãoetrabalhoflexíveis,oartesanatosemantémepersiste;ondeoartesãodesenvolveatividadesmanuais“marginais”emrelaçãoà produção industrial, mas não fora da lógica do sistema capitalista e muitomenosdemaneiradepreciativa.

Muito embora algumas tradições do bordado tenham sido esquecidas emdetrimento domodo de vida urbano, o distrito de Sapupara, que se localiza acerca de nove km da sedemunicipal conta ainda, com uma forte influência dobordado,sendonelequeseencontraaConfecçãodaDonaMariadoCarmoquepossui grande destaque no desempenho dessa atividade no Município deMaranguape.

ACONFECÇÃODOBORDADOEMSAPUPARA–MARANGUAPE(CE)ÉnoDistritodeSapupara(Mapa1),acercade9kmdeMaranguape,queo

bordado se destaca, repassadode geração emgeração, pois emuma sociedade

tecnológica e informacional determinados saberes são cada vez maismenosprezados.

Mapa1–LocalizaçãodoDistritodeSapupara,Maranguape-CE

Fonte:IBGE,2015.

ObordadoSapuparenseestádiretamenteligadoaduasvertentes.Aprimeirapermeiaemtornodesuaimportânciacultural,seuvalorsimbólicoquerefletenaidentidadedeumdeterminadogruposocial.Asegundaéreflexodeseuvalordemercado,asmúltiplasrelaçõessurgidasapartirdodesempenhodessaatividadeeaspossibilidadesadvindasdesuacomercialização.

A mundialização da economia e o sistema capitalista vigente fazem dobordadoSapuparense,portanto,produto inestimávelpor atender anecessidadesdiferenciadasdeconsumidoresnaatualidade.Issoestánofatodeleagregarvalorcultural e simbólico àmercadoria, comobem explicitado porDivaMagalhães,coordenadora do Programa de Artesanato do SEBRAE/CE durante os anos de2001a2006:

Oquediferenciaaaceitaçãodotrabalhodeumartesãodosdemais,éoapelocomercialvoltado para a cultura local; logo, [continua] é necessário manter a diversidade noartesanato de maneira que se resguarde as suas características como bem cultural(GALVÃO,2006.p.22).

Como bem exposto por DivaMagalhães, fica evidente a importância dostrabalhosartesanaisfrenteàmençãoquesetemdetaisprodutosnomercadoatual.Especificamentesobreoartesanato,Canclini(1983),aoatentarparaomodelode

acumulação flexível vigente, afirma que a produção artesanal nacontemporaneidade é uma “necessidade do capitalismo”, pois assim como osoutrostiposdemanifestaçõespopulares,eladesempenhafunçõesnareproduçãosocialenadivisãodotrabalhoatuandodemaneirasdiferentesdentrodosistema.

ParaCanclini(1983,p.65):“aspeçasdeartesanatopodemcolaborarparaarevitalizaçãodoconsumo,porintroduziremnaproduçãoindustrialeurbana,aumcustomuitobaixo,desenhosoriginaiseodiferencialsimbólico”eporremeterema modos de vida mais simples, evocando uma natureza nostálgica nativa eindígenaquenãopertenceaocenáriourbanoecosmopolita.

AopesquisarnaInternet,sobreondesedavaamaiorprodução,valorizaçãoeprocuraporprodutos artesanais, notamospelaspesquisasqueSapupara é umdos distritos quemais se tem bordadeiras emMaranguape (PREFEITURADEMARANGUAPE). Nesse distrito nos deparamos com a Confecção de DonaMariadoCarmo(CDMC).

A lógica que rege a CDMC é o trabalho cooperativo, que se diferencia,portanto,daIndústriaquetemosconstruídaaolongodahistória.Asrelaçõesdetrabalho,convívioesubordinaçãosãodistintasdospadrõespresentesnoespaçoindustrial, todavia, muitas confecções ao se sujeitarem aos moldes de nossarealidade capitalista acabam por tornar a lógica cooperativa como apenas umbelodiscurso,masquenaverdadeéilusório.

OprincipalprodutoartesanaldesenvolvidopelasbordadeirasdaCDMCéorichelieu,cujapráticatempassadodegeraçãoemgeraçãoepossuiumagranderepresentatividadenaregião,oseuvalordecomércioéextremamentevalorizado.Sobre o bordado richelieu, Silva (2007), em trabalho sobre artesanato, modabrasileiraeovalorculturalafirma:

É um bordado vazado e o que se sabe sobre sua denominação é que foi um tipo debordado muito utilizado como adorno pelo Sr. Cardeal de Richelieu que fazia parte dacortedoReiLuísXIIInaFrança,daíadesignaçãodeBordadodeRichelieu.Abaseparaa elaboração do richelieu são, principalmente, os tecidos de linho fino, por suascaracterísticasquecooperamparaaperfeiçãodoacabamento.Atualmente,porsermuitoapreciado, o richelieu pode ser aplicado em artigos de cama e mesa e em peças devestuário,comoémuitoutilizadonoacabamentodevestidosdenoivas(SILVA,2007,p.1-

2).

Esse tipodebordadooriginalmenteéassociadoao tecidode linhobranco(Figura1), todavia,atualmenteeleébordadoemváriosartigosemtonsecoresquerealçamaindamaissuabelezaeexcelêncianaCDMC(Figura2).

Figuras1e2-Richelieuempeçasdevestuárioeartigosdecama.

Fonte:Franco,G.C.S.2015.

Acomercializaçãodorichelieuexpressoemdiversosartigosdecama,mesaebanho,éresultadodeumprocessoeaperfeiçoamentodasmãoshabilidosasdasmaisdequarentabordadeirasdacooperativaemquestão,queadvêmdediversosbairrosdeMaranguape, incluindoprincipalmenteTabatinga,eaindaCajazeiras,Jardim,Vassouraeoutros.

A inserção da mulher no mercado de trabalho tem sido cada vez maiscomum;segundodadosdoIPECEem2007representavaumtotalde293.695,eem2014onúmerodemulheresempregadasnosetor formalerade420.551,ouseja,umcrescimentodemaisde43%aovaloranterior.Sobreodesempenhodamulhereotrabalhoartesanal,concordamoscomFajardo,CalageeJoppert(2002,p. 20) ao afirmarem que “o artesanato faz com que passem a acreditar em suacapacidadedetrabalharecriar.Étambémumaformadecapacitaçãoemofíciosalternativos,queajudamacomplementararendafamiliar”,demonstrandonovaspossibilidadesdemanifestaravidaepossibilidadesnoconvíviofamiliar,ondeoutrora,apenasohomemeraconsideradoomantenedordolar.

As bordadeiras que compõem a CDMC advêm em sua maioria de uma

famíliatradicional,semmuitascondiçõesfinanceiras.Muitasdelassãodonasdecasaeencontraramnobordadouma formadecomplementara renda,“vestirosmeninos”eetc.Outropontoquecorroborounessaatividadefoiovínculoafetivoatreladoaela,ondemuitasdelasdisseramteraprendidocomsuasmãesouavósoquedemonstraocaráterculturaldessaatividade:umaherançatransmitidadeumageraçãoaoutra.

Paraqueasbordadeiraspossamproduzirorichelieuacompradamatéria-prima,tecidoselinhasparaaCDMC,éfeitaemFortalezaporNíveaNevesqueénoradeDonaMariae está semprea auxiliá-las.As sacolasdeembalagemsãocompradasemMaranguapemesmo.DuranteoprocessoprodutivodorichelieunaCDMC observamos que as ferramentas utilizadas são de cunho tradicional ourudimentar, onde o que se sobressai realmente na produção são a habilidade edestrezadasartesãs.Éimportantedardestaqueaofatodequetodososbordadospodemsertrabalhadosnamáquinarudimentar,masnemsemprepodemserfeitosnamáquinaindustrial,aexemplodorichelieu.

A respeito da produção dos artigos, observamos que ela não estáconcentrada em um único ponto, mas sim em suas residências, namaioria dasvezes. Na verdade, é apenas no momento de finalização das peças que asbordadeirassereúnemnacasadaD.MariadoCarmo.Aossábados,elastambémcostumamseencontrarparaprestaremcontasdoquefoiproduzidoedoslucros.

A transição do fordismo para o modelo de acumulação flexível causou sensíveistransformaçõesnomercadodetrabalhocomoasubcontrataçãoorganizadaeosurgimentodepequenosnegócios.Consequentemente, isto implicouna volta de antigos sistemasdetrabalhoartesanal,domésticoefamiliarque,emborareconfigurados,passamaatuarcomopartesimportantesdosistemaprodutivo,fazendocomqueotrabalhoemcasasejao‘maisflexíveldosflexitempos’ (SENNET,2006,p.68). (...)a sensaçãode liberdadecomestanova tendênciade trabalhoemcasaéenganosa,poisenquantoo trabalhoé fisicamentemaisdescentralizado,ocontrolesobreotrabalhadorsetornamaisdireto”(SILVA,p.93-94,2009.Grifosnossos).

Esse conjunto demudanças altera significativamente osmodos de vida, econsequentemente,aconfiguraçãoespaciallocal,ligadasdiretamenteàcondiçãoglobal, expressas no aumento do consumo, na frequência de pequenas reformas

nas residências, no aumento da quantidade de pequenas confecções, demercadinhos e dos preços dos aluguéis de imóveis, nas casas construídas emespaçosnãopovoados,etc.

Apósaproduçãodasdiversasmercadoriaspelacooperativaadistribuiçãoevendasedádemaneirasingular.Odestinodaproduçãoébastantevariado,poisexiste uma diversidade de público consumidor das peças em todo o territórionacional,devidoprincipalmenteaofatodeD.MariadoCarmoserabordadeiramaisantigaeconhecidanaregião.

NosconsumidoresdaCDMCdestacam-se turistasadvindosprincipalmentedoMaranhãoePiauí,etambémosFortalezenses(Mapa2).Asvendassãodiretasemsuamaioria,mashátambémpresençadelojasquepedemparaaConfecçãoproduzirparasuamarcacomo,porexemplo,alojavirtualRosaEsté;eaÁguadeCoco,daestilistaLianaThomaz.

Mapa2–OrigemdosprincipaisconsumidoresdobordadorichelieudaCDMC

Fonte:IBGE,2017.

A respeito da produção para as empresas como a Água de Coco, asbordadeirasnãopossuemcontrole sobre suamercadoria.Nemsequer sabemospreçosemquesuaspeçassãovendidas.

Notocanteaomeiodedivulgação,aúnicaidentificaçãoquesetemsobreoproduto é um cartão de contato deD.Maria doCarmoque vai emuma sacolasimples ao público consumidor. Também não há grandes preocupações com aembalagem, como pontuado anteriormente, afinal, as produtoras partem do

princípioqueoprodutoqueestásendovendidonãoéelaesimorichelieu.Ouseja, bemdiferente da lógicada atual formadeproduzir emque se primapelaqualidadedoprodutocomoumtodoatéchegaraomercadoconsumidor.

Por outro lado, percebe-se que a Confecção da Dona Maria do Carmo,mesmoqueatreladaaoutralógicadeorganização,seentrelaçaàsespecificidadesdosistemacapitalista.Oentendimentodasmúltiplas relaçõesnessesistemanoslevaaoentendimentoqueexiste,uma“IndústriadoBordado”,querepresentaparanósasmúltiplasarticulaçõesnodesempenhodessaatividade,quevãodesdeossujeitos envolvidos, às articulações e comercialização do richelieu e àreprodução da vida e modificação do espaço geográfico, advindas dos fluxosgeradosdessecircuito.

Oatodebordar firmou-seaindacomoelementodopatrimôniocultural,nocaso o imaterial, que se compreende pelo seu caráter intangível e dinâmico,estandosujeitoàsmudanças impostaspelocotidianodohomem, tendoemvistaquesetratademodosdevida,saberesefazeres(BRASIL,2008).

CONSIDERAÇÕESFINAISDiantedoexposto,a indústriadobordadoemMaranguapemostra-secomo

exemplo dasmúltiplas relações e influências que se tem sob a constituição doespaçoMaranguapense,estandodiretamenteassociadaà(re)produçãodavida.

O principal objeto analisado neste trabalho, a confecção do bordado emSapupara, Maranguape-CE pelas bordadeiras de Dona Maria do Carmo,demonstra as múltiplas facetas e relações constituídas nessa atividade. É notrabalho sob a lógica do Cooperativismo que se dá as relações entre as 43bordadeiras,debeneficiamentomútuoeigualitário.

Ainserçãodamulhernomercadodetrabalhotrazaindaumnovoreflexonaconjunturasocial.Observamosapredominânciaeimportânciadopapeldamulhernessetipodeatividade,aqualsetratademulherescompoucograudeinstruçãoequeaprenderamabordarcomoutrasmulheres,sendoobordadohoje,umaforma

de sua autonomia dentro do lar, onde ao mesmo instante em que seu ganhocomplementaarendadacasa–istoquandotalrendanãoéaúnica–ésubsídiopara que a mulher possa reproduzir seus gostos. Além do mais, a mulherdesenvolvecommaisqualidadeestetipodeatividademanualdoqueoshomens.

A mulher e seu envolvimento no trabalho corroboram com a lógicacapitalista,hajavistaqueasbordadeirastrabalhamparaadquirirelementosalémdosqueatendemàsnecessidadesbásicasdavida.

Ao mesmo instante que a CDMC se insere na realidade do sistemacapitalista, vemos o quanto a questão cultural está arraigada na leitura quefazemos sobre a confecção e o papel do artesanato, onde tal atividade é nãosomenteumaformade“ganharavida”,mastambémdevalorizaçãodoscostumespassadosdegerações,aqual, inclusive,podeobservarhojeasdificuldadesdasnovas gerações se interessarem por atividades artesanais, passando areproduziremgostosquenaverdadevãoestarligadosaumalógicacapitalista,amenosqueesteseapropriedessetipodeatividade.

AIndústriadoBordadoaquienfocadaimpulsionanovosfluxoseacriaçãode novos fixos nomunicípio.A dinamização e circulação dasmercadorias dastrabalhadorasqueseespacializamemseisbairrosnomunicípio(Tabatinga,AltoJoãoGrande,Jardim,Cajazeiras,VilaNovaeVassouras)eopúblicoconsumidoradvindosdediferentespartesdopaís, são fatoresque fazemcomqueoespaçogeográficosejatransformadoereinventadoconstantemente.

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SPOSITO,Maria Encarnação Beltrão.Capitalismo e urbanização. 15ªed. SãoPaulo:EditoraContexto,2008.

PLANEJAMENTO,MEDOEINSEGURANÇANOSESPAÇOSURBANOS:APRODUÇÃODECONDOMÍNIOSFECHADOSNACIDADEDEFORTALEZA-CEARÁ

FABIANOLUCASDASILVAFREITASDoutorandoemGeografia-UniversidadeFederaldoCeará

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INTRODUÇÃOAgrandeofertadecondomíniosfechadosseapresentacomoumimportante

aspectodainsegurançanacidadedeFortaleza.Porisso,ofundamentousadoparaproduzirumademandaporcondomíniosfechadosseamparanoaumentodomedodacriminalidadeviolentaurbana.Porconseguinte,aautossegregaçãodaseliteseas novas transformações socioespaciais mudam qualitativamente a segregaçãourbanacontemporânea.

O crescente aumento dos crimes contra o patrimônio e contra a pessoa émaior impulsionador da sensação de insegurança nas cidades brasileiras. Ainseguridade urbana se converteu num fator primordial da reorganização doespaçoresidencialdeFortaleza.Logo,apercepçãodevulnerabilidadefrenteaoscrimes violentos urbanos induz os grupos sociais de rendas média e alta abuscarem proteção em espaços dotados de sistemas de segurança e vigilância.Porcontadisso,nacidadedeFortalezaosmurosecercasque sobressaltamnapaisagem (barreiras físicas que separam as áreas dentro dos condomíniosdaquelas de fora), são elementos simbólicos da reorganização do espaçoconstruído.

Dessemodo, a produção de espaços de convívio coletivo intramuros geraumaalteraçãonarelaçãoentreespaçopúblicoeprivado,vistoqueasruaseoslocaisdelazer,antesimportanteselementosdasociabilidadeurbana,estãosendo

privatizadosdentrodecondomíniosfechados.Entretanto,aescolhaemmoraremcondomínios fechados e o uso de seus espaços complementares de lazer ecomércio – shoppings centers, parques temáticos, conjuntos de escritórios ecentros de lazer – produz uma ruptura do tecido urbano da cidade, com aprivatização dos espaços públicos e a diminuição da interação entre os grupossociais.

Dito isto,opresenteartigoobjetivaentendera relaçãoentreoaumentodomedodacriminalidadeurbanaeaexpansãodecondomíniosfechadosnacidadede Fortaleza. Por conta da ruptura da unidade espacial produzidafundamentalmentepelaexpansãodoscondomíniosresidenciaishorizontais,torna-se significativo debater suas consequências socioespaciais para odesenvolvimento urbano. As estratégias de autoproteção adotadas pelas elites,além de serem incompatíveis com princípios modernos de espaços públicosabertos e democráticos (CALDEIRA, 2000), parecem converter a atual gestãodosespaçosurbanosinsustentávelemlongoprazo.

No entanto, para atingir aos objetivos propostos pela pesquisa,primeiramente,realizou-seumlevantamentobibliográficoarespeitodasquestõesabordadasnoartigo:omedoeainsegurança,leisdeparcelamentodosolourbanoeosprincípiosnorteadoresdapolíticadedesenvolvimentourbano,destacandoasdiretrizesapontadaspeloEstatutodaCidadeepeloPlanoDiretorParticipativode Fortaleza. Em seguida, coletaram-se dados da oferta de condomínioshorizontais disponibilizados pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas(FIPE). Essas informações foram organizadas e tabuladas para fase demapeamento, com intuito de identificar a zona de maior concentração decondomínioshorizontaisresidenciaisnacidadedeFortaleza.

Sendo assim, o artigo está dividido em três partes, alémda introdução.Aprimeiraparteapresentaumdebateacercadosentimentodemedoedapercepçãoda insegurança urbana, ressaltado como a criminalidade violenta urbana setransformounoargumentocentralparaofertadecondomíniosfechadosnacidadedeFortaleza.Enquantoasegundapartevisaentenderaautossegregaçãodaselites

do ponto de vista da gestão urbana, pondo em destaque as consequênciassocioespaciais e sua incompatibilidade com uma proposta de desenvolvimentourbanosustentável.

Logo, a violência urbana muda a tipologia do habitat e a sociabilidadeurbana, fazendoemergirumnovopadrãode segregaçãoquedesprezao ideáriomoderno de espaços públicos acessíveis a todos, sem restrição à circulação ecomapossibilidadedeencontrosentreosdiferentes.

AINSEGURANÇAURBANAEOURBANISMODEFENSIVOA proliferação domedo urbano, resultado em suamaioria do aumento da

criminalidadeviolenta,modificouavidacotidianaeapercepçãodaspaisagensurbanasdetalmaneira,queéimpensávellocomover-sepelacidadedeFortaleza,semaomenospensarnospossíveisespaçosaseremevitados:ruas,cruzamentos,bairroseterritóriosconsiderados“perigosos”fazempartedesuas“imagens”domedo. Essa percepção do “perigo”, da ameaça diante de um possível crimeviolento,transformou-senaprincipaljustificativaparaautossegregaçãodaselitesem ambientes considerados seguros como os condomínios residenciaishorizontais.

Dessa forma, deslocar-se pelos espaços urbanos de Fortaleza é adentrarnumatramaintricadademedos,jáqueacidaderevelaumainfinidadedefobias:damultidão;delugaresdesconhecidos;dadesordem;doestrangeiro,das“classesperigosas”edaviolênciaurbana.Assim,nocomeçodoséculoXXI,asensaçãodoshabitantesdacidadedeFortalezaédealarmeeansiedadedevidoàrepetiçãocotidianadoscrimesviolentosurbanos:“sejanapraça,nasruas,emtransportescoletivos ou particulares, o discurso do medo expõe uma insegurançageneralizadanacidade”(DiáriodoNordeste,2013).

Com tal característica, Tuan (2005), um dos precursores da correntehumanista no pensamento geográfico, em Paisagens do medo – cuja primeiraedição foi publicada em 1975 – examinou os variados ambientes de medo na

Europa,ChinaeEUAaolongodotempo.Alémdisso,oestudodoautoresclarecequetodos“osanimaissuperioresconhecemomedocomoumaemoçãoqueindicaperigoeénecessárioparaasobrevivência”(p.11).Masomedoéumsentimentocomplexo,podendosercaracterizadoemdoisaspectos:oalarmeeaansiedade.DaíadistinçãofeitaporTuan,pois,

Osinaldealarmeédetonadoporumeventoinesperadoeimpeditivonomeioambiente,ea resposta instintiva do animal é enfrentar ou fugir. Por outro lado, a ansiedade é umasensação difusa de medo e pressupõe uma habilidade de antecipação. Comumenteacontecequandoumanimalestáemumambienteestranhoedesorientador,longedeseuterritório, dos objetos e figuras conhecidas que lhe dão apoio. A ansiedade é umpressentimentodeperigoquandonadaexistenasproximidadesque justifiqueomedo.Anecessidadedeagirérefreadapelaausênciadequalquerameaça(TUAN,2005,p.11).

Nessaperspectiva,umaansiedadedifusaparecedominaroimagináriosocialdas cidades. O medo e a angústia da criminalidade urbana fazem com que aspessoassintam-se insegurasatémesmonassuaspróprias residências.Emrazãodisso, erguem-se muros, cercas elétricas e seguranças privados vigiam numaguarita, chegando a lembrar, em alguns aspectos, as torres que protegiam ascidades medievais1. De maneira ampla, o medo pode ser algo concreto,psicológicoousocialmenteconstruído.Omedoexistenamente,mas,excetonoscasos patológicos, tem origem em circunstâncias externas que são realmenteameaçadoras. Contudo, o conceito de “paisagem”, usado desde o séculoXVII,pode ser entendido como uma construção da mente ou uma entidade físicamensurável, por isso, as “paisagens do medo” se referem tanto aos estadospsicológicoscomoaomeioambientereal(TUAN,2005,p.12).DialogandocomSantos (1992), este explica que se entende por paisagem o limite máximo dealcancedavisãodoserhumano,sendocompostapelodomíniodovisívelcomodevolumes,movimentos,odoresesons.Nessaperspectiva,paraoreferidoautor,apaisagemédefinidatambémpeladimensãodasensaçãoe:

Apercepçãoésempreumprocessoseletivodeapreensão.Searealidadeéumaapenas,cada pessoa vê de forma diferenciada; desta forma, a visão pelo homem das coisasmateriaisésempredeformada.Nossatarefaéultrapassarapaisagemcomoaspecto,parachegaraoseusignificado(SANTOS,1992,p.62).

Emvistadisso,daconcepçãodapaisagemcomoalgopalpávelepercebidosubjetivamente,queomedodaviolênciaadquireumtipodeaversãoestéticadoslugares(TUAN,2005).Então,algumaspaisagenscausammedopelosimplesfatodepareceremsombrias,umaexperiênciatraumáticadeumassaltoounotíciasdelatrocíniosmantêmoscitadinosemalerta,jáque

[...] os medos são individuais e subjetivos, embora sinais de alarme e ansiedade sejamexperimentadostantoporanimaiscomosereshumanos,algumasemoções,algunsmedos,é característica humana. “Mas a imaginação aumenta imensuravelmente os tipos e aintensidade de medo no mundo dos homens”... Assim, nossas mentes férteis são umaabençoadamistura.Conhecer é arriscar-se a sentirmaismedo.Quantomenos se sabe,menosseteme(TUAN,2005,p.12).

Entretanto, ninguémmelhor para debater osmedos atuais do que ZygmuntBauman(2008),autorreconhecidopeloconceitodemodernidadelíquida,reuniuum inventário enorme dos riscos e incertezas que afligem a sociedade atual. Ébem verdade que Bauman, no livro Medo Líquido, não fez uma análiseaprofundadasobreosentimentodemedoeasensaçãodeinsegurançadopontodevista da violência, mas reafirma que a insegurança, advinda da criminalidadeviolentaurbana,éumatributoimportantedasociedadecontemporânea.Ele,assimcomoofazTuan,aocompararomedoanimalcomomedohumano,constataqueomedo nos animais possui uma função defensiva mediante atitudes de fuga ouagressãoquandoháalgumperigoàssuasvidas.Enquantoomedo,paraossereshumanos, vincula-se também a uma construção social ou cultural, normalmentealgumas experiências passadas são capazes de “modelar” a conduta humana,mesmoquenãohajamaisnenhumaameaçadiretaàvidaouàintegridade.Assim,Baumandesenvolveoconceitode“medoderivado”parasereferirà

umaestruturamentalestávelquepodesermaisbemdescritacomoosentimentodesersuscetívelaoperigo;umasensaçãode insegurança (omundoestácheiodeperigosquepodem se abater sobre nós a qualquer momento com algum ou nenhum aviso) evulnerabilidade(nocasodeoperigoseconcretizar,haverápoucaounenhumachancedefugir ou de se defender com sucesso; o pressuposto da vulnerabilidade aos perigosdepende mais da falta de confiança nas defesas disponíveis do que do volume ou danatureza das ameaças reais).Uma pessoa que tenha interiorizado uma visão demundoqueincluaainsegurançaeavulnerabilidaderecorrerárotineiramente,mesmonaausênciadeameaçagenuína,àsreaçõesadequadasaumencontroimediatocomoperigo;o“medo

derivado”adquireacapacidadedaautopropulsão(BAUMAN,2008,p.9).

Osperigosqueameaçamocorpoeapropriedadeprivada2fazempartedosmedosderivados identificadosporBauman,mas,o imagináriocoletivoaumentaconsideravelmenteomedodaviolênciaurbana.Aointeriorizarumaconcepçãodeinsegurança,aspessoas,demaneirageral,utilizamestratégiasdefensivasdevidoàpercepçãodaameaçadecrimesviolentos.

Nessesentido,omedogeneralizadonascidadestemchamadoàatençãodediversosintelectuaisepesquisadores,comoSouza(2008),emFobópole:OmedoGeneralizadoeMilitarizaçãoUrbana,oqualanalisaoplanejamentourbanonaperspectivadainsegurançaedafragmentaçãosocioespacial,denominafobópolea fusão da cidade e do medo no contexto atual. Etimologicamente esse termoderivadeduaspalavrasgregas:phóbosepolis, que significammedoe cidade,respectivamente.Esseaudaciosotermo,buscaqualificarascidadesquepossuemseus ambientes sociais envolvidos no medo generalizado e na percepção davulnerabilidade frente aos crimes violentos. Logo, fobópole caracteriza umacidade dominada pelo medo da criminalidade cotidiana, pela consciência dapossibilidade de ser vítima de um roubo ou latrocínio em qualquer lugar ouhorário do dia. Esse risco, real ou socialmente construído, sustenta a lucrativaindústria da segurança, que inclui interesses que abrangem a venda de carrosblindados, passando pelos serviços oferecidos pelas empresas de segurançaprivadaoupelaofertadecondomíniosfechados.Énessecontextodeinsegurançacoletiva, em decorrência da vulnerabilidade dos citadinos ao crime violentourbano,queasegurançapúblicaassumeumpapeldemaiordestaquenosmeiosdecomunicação e na sociedade, tornando-se uma das prioridades dos cidadãosbrasileiros.

Por conta disso, a violência urbana preocupa os citadinos das grandes emédiascidadesbrasileiras,aindamaisnumcenárioemqueocrimeorganizadoseespalhou para todas as regiões do país. As capitais nordestinas assumem umaposiçãodedestaquenoqueserefereàcriminalidadeletal,principalmenteRecife,

JoãoPessoaeFortaleza3.Nessaúltima,ocrescimentodepráticasviolentas tempreocupadoasociedadeechamadoaatençãodosintelectuaisdoestadodoCearádesdeoiníciodoséculoXXI.ÉdessaformaqueQueiroz(2000),comumtemaextremamentepertinente,emTerritorialidadesdomedonograndeBomJardim:a violência comovetor demudançasno espaçourbanodeFortaleza, já tinhaalertadosobreaproblemáticadaviolênciaedomedonacidadedeFortaleza.

Logo, o crescente volume de crimes violentos e a ascensão do crimeorganizado são causas imediatas domedo coletivo na cidade de Fortaleza. Emrazão disso, amultiplicação da sensação de insegurança em Fortaleza se situanumenredoqueenglobaoshomicídios,latrocínios(assaltosseguidosdemorte),roubos a ônibus, sequestros e extorsões, balas perdidas, roubos/furtos deautomóveis, conflitos entre traficantes, e uma série de eventos, até então nuncaantespresentesnacidade,comoaqueimadeônibus,explosões/assaltosabanco,acaixaseletrônicos,quesãodiariamentevivenciadoscomoumaexperiênciarealouapresentadospelamídia,produzindoumapercepçãodeinsegurançaconstante.

FoinessaconjunturaviolentaqueohistoriadorFilho(2004),“explorandoocaráter violento sugerido pelo próprio nome da cidade4” (p. 11), fez umainovadoraanalogiaentreosperigoseaformadeproteçãonacidadedeFortalezade tempos pretéritos e o confinamento privado da época atual. Em suainconfundíveltese,oautoresclarecequeacidadeadquiriuessadenominaçãoemhomenagem à fortificação que protegia seus habitantes dos perigos exógenos(invasões de nações estrangeiras, piratas ou de ataques indígenas) durante osséculosXVIIeXVIII.Entretanto,asfortalezasdacidade(condomíniosfechados)adquiriram necessidades de segurança diferentes daquele pequeno povoado,protegido por sua edificação inaugural (Forte deNossa Senhora daAssunção),pois atualmente as ameaças que amedrontam seusmoradores têm procedênciasinternas, isto é, daviolênciadiária.Emvista disso, é justamenteo aumentodosentimento demedo que estimula a busca de proteção em ambientes fechados,dotadosdemecanismosdevigilância.

Na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), apesar dos grandes

loteamentosecondomíniosteremseexpandidoparaosmunicípiosdeEusébioeAquiraz(NOGUEIRA,2011),amaiorconcentraçãodecondomíniosfechadosdepequenoemédioporteestálocalizadanomunicípiopolo.Nãoéporacaso,queessemodelodehabitaçãocolaborouparamudaradistribuiçãodosgrupossociaisnas últimas duas décadas na cidade. Cleide Bernal (2002), pioneiramente,verificou um deslocamento residencial das elites para pequenos condomínioshorizontaisapartir5dosanos1990naregiãosudestedeFortaleza.Deformamaisatualizada,Pequeno(2015),atravésdeestudoscomparativosentreas tipologiassocioespaciais da Região Metropolitana de Fortaleza – com base nos dadoscensitários de 2000 e 2010 – detectou importantes alterações na estruturasocioespacialdaRMF,identificandotambémumamovimentaçãoresidencialparaformas condominiais verticais e horizontais, características dos bairrossegregados.

Portanto,oscondomínios fechadosse transformaramnopadrão residencialpreferido pelos grupos sociais de rendasmédia e alta na cidade de Fortaleza.Porém,essesequipamentossegmentadoresdotecidourbanoimpõemdesafiosaodesenvolvimentointegrado,poisosprincípiosdeacessibilidade,livrecirculaçãoeigualdadeseencontramobstruídosporfronteirasdemarcadascommurosaltoseacessoscontrolados.

DESENVOLVIMENTOURBANOINSUSTENTÁVELA expansão do espaço residencial das áreas suburbanizadas na cidade de

Fortalezatemoscondomíniosresidenciaishorizontaiscomoaprincipaltipologiahabitacional. Mas, esse modelo de gestão dos espaços urbanos tem trazidodesafios ao desenvolvimento urbano sustentável. Assim, por conta dasegmentação espacial produzida fundamentalmente pelo grande porte dessesempreendimentosimobiliários,énecessáriodebaterseusimpactossocioespaciaisparaagestãodascidades.Autoproteçãodaselitesparacondomíniosfechadoséincompatível com a gestão urbana baseada nos princípios democráticos e de

justiçasocial.Dessa forma, as justificativas usadas para gerar uma demanda por

condomínios fechados têm evoluído nas últimas duas décadas, podendo serresumidas de acordo com três fatores: a busca pela segurança, a aspiração destatus social e o desejo de um maior contato com a natureza. Em resumo, afórmula básica consiste em demarcar uma área residencial commuros, agregarvalormediante a adoção de espaços coletivos de uso privado e empregar umaboacampanhapublicitáriacombasenasjustificativasjásalientadas(BARAJAS,2006).

Mas, é inquestionável, que a insegurança nas cidades brasileiras é oprincipalpretextousadopelossegmentossociaisdemaiorpodereconômicoparadeixar os bairros, tradicionalmente ocupados, para morar em ambientesresidenciais fechados, situados em áreas de menor densidade populacional dacidade.

Nessaperspectiva,osapartamentosecasasemcondomíniossãoasformashabitacionais escolhidas pelos grupos hegemônicos para se protegerem dacriminalidade violenta urbana. Conforme os dados da Fundação Instituto dePesquisaEconômica (FIPE,2016), aproximadamente60%daoferta imobiliáriasão de apartamentos, localizados majoritariamente nos bairros de Fátima,Aldeota,Meireles,DionísioTorreseGuararapes.Entretanto,acontardaúltimadécada do século XX, é perceptível um intenso deslocamento residencial daselitesparaosegundopadrãoresidencial.Sendoassim,assiste-seaumaumentodonúmerodecondomíniosresidenciaishorizontaisemmuitosoutrosespaçosdeFortaleza.Atualmente,cercade10%dasofertasdeimóveissãoreferentesaessetipo de condomínio, em que pelo menos 41 bairros contam com esse tipo deempreendimento imobiliário, em sua maioria, localizados na região sudeste(Tabela1).

As restriçõescomrelaçãoà legislaçãoeàausênciadeespaçosamplosnaregião centro-leste da cidade (área tradicionalmente ocupada pelas elitesfortalezenses) fazem com que a oferta de condomínios residenciais exclusivos,

voltadaparacamadasdemédiaealtarenda,sejadisponibilizadanazonasudesteda cidade como já foi salientado (BERNAL, 2002). A maior aglomeração decondomínios fechados está localizada em áreas ainda de ocupação rarefeita(bairros como Lagoa Redonda, Sapiranga, José de Alencar e Messejana),seguindo principalmente eixo de expansão urbana da CE 040 – AvenidaWashington Soares. Verifica-se também um redirecionamento da produção decondomíniosfechadostambémparaaclassemédiaaosuldacidade,abrangendoosbairrosdoMondubimePrefeitoJoséWalter.

Tabela01–OfertadeimóveisnacidadedeFortaleza-CE,2016.

Fonte:FIPE,janeirode2016.

Mas,simultaneamenteaodesenvolvimentodosfracionamentoshabitacionaisfechadosemFortaleza,temseguidoumaumentodenovasproblemáticasurbanas.Esses equipamentosurbanosprovocamumagrande rupturano tecidourbanodacidade,emvirtudedapoucarelaçãoqueelespossuemcomosespaçosadjacentese com a separação dos grupos sociais e territórios (SALGUEIRO, 1998). Poresse ponto de vista, a demasiada propagação de condomínios horizontaisresidenciaisproduzobstáculosàcirculaçãourbanaeolivreacessoaosespaçospúblicos. As ruas, espaços públicos por excelência, encontram-se privatizadaspelosmurosdoscondomíniosfechados,enquantoalgumasvias têmosfluxosdepessoaseveículosinviabilizadospelasgrandesquadrasdessesempreendimentosimobiliários.

Caldeira (2000),naclássicaobraCidadesdemuros:crime, segregaçãoecidadaniaemSãoPaulo, examinouacombinaçãodaviolênciaedomedocomnovos processos de mudança social para entender as alterações dascaracterísticasdasegregaçãoespacialediscriminaçãosocialpresentesnacidadepaulista. Ela comprova, de forma inovadora e convincente, que a organizaçãourbanaeavidacotidianasofrerammodificaçõesemvirtudedodiscursodocrimeedomedo.Sendoassim,Caldeira(2000)afirmaqueessasmudançasresultamdaemergência dos enclaves fortificados6, no qual ela deu destaque para oscondomínios horizontais e verticais fechados. Esses novos elementos mudamradicalmenteasociabilidadedasclassesmédiaealta,direcionandoseusmodosdeviverem,consumirem,trabalharemecomoelasusamseutempo.Diantedeumquadromais amplo, os enclaves fortificados acabammodificando o padrão desegregaçãoespacialeocaráterdoespaçopúblicoedasinteraçõespúblicasentreas classes sociais. Os enclaves fortificados partilham de alguns princípiosbásicos: são propriedades privadas de uso coletivo, desvalorizam o que épúblico e aberto, isolados por muros e sistemas de vigilância e segurança,independentes do seu entorno e podem estar localizados em praticamente emqualquerlugardacidade.

Contudo, apesar da propagação dessa forma habitacional abranger quasetodas as grandes cidades brasileiras, o conjunto de vários edifícios ou casasmurados com muros e cercas não é um formato contemplado pela legislaçãourbanística. Então, os condomínios fechados são empreendimentos urbanosilegítimos e do ponto de vista do controle e uso do solo têm seus usos eparcelamentosdosoloinadequadosemrelaçãoàinfraestruturaurbana.Emvistadisso,aregulamentaçãodoscondomíniosfechadosaindadeveriaseampararnaLeiFederaln.º6.766/79,poiselaestabeleceregrasparaoscasosdeloteamentooudesmembramentodolote7.

Oliveira (2011) reafirma que o “loteamento fechado” é um tipo deparcelamentodosoloirregular,nãocontempladonaLeiFederaln.º6.766/79(eemnenhumoutrodiplomanormativofederal).SeguindoosfundamentosdaLeido

Parcelamento do Solo Urbano, os condomínios residenciais horizontais sãoilegais,poisconsistemem“loteamentosfechados”queprivatizamáreaspúblicas.Contudo, em virtude das pressões de grupos hegemônicos, há modificaçõesconsideráveisnaLeideUsoeOcupaçãodoSolo.Araújo (2008), aodebater apossibilidade de aprovação e os conflitos advindos do projeto de Lei deResponsabilidadeTerritorialUrbana,esclarecequejáforamrealizadasmudançaspontuais nas regras de parcelamento do solo urbano federal. A Lei 9.785/99revogouopercentualmínimode35%deáreasdestinadasausopúblico,passandoaserregulamentadasporleimunicipal.

Sendo assim, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios podemestabelecernormascomplementaresrelativasaoparcelamentodosoloadaptadasàs peculiaridades regionais e locais. Por isso, ocorreu uma mitigação dalegislação através de concessão, permissão ou autorização de uso das áreaspúblicas do loteamento em favor da associação de moradores ou agentesimobiliários.

Os condomínios horizontais residenciais são definidos como condomíniosurbanísticos em alguns planos diretoresmunicipais, inclusive no PlanoDiretorParticipativo de Fortaleza (2009), tecnicamente, eles devem ser vistos comoloteamentosfechados.Comotais,ocontroledoacessoaosseusespaçosinternosviolaosfundamentosdasleisdeparcelamentodosoloedodireitodelocomoção(direitodeirevir)garantidopelaConstituiçãoFederal.

Logo, as transformações urbanas e as inovações urbanísticas impuseramdesafios à legislação vigente. A evolução da complexidade das novas formascondominiais fechadas não foi acompanhada por um amparo jurídico capaz deregular demodomais objetivo as diretrizes estabelecidas pela política urbana.Os municípios são atualmente responsáveis pela execução da política dedesenvolvimento urbano, mas devem seguir as orientações estabelecidas pelaConstituiçãoFederal(artigos182e183)eaLein.º10.257de2011,queinstituiuo Estatuto das Cidades. Qualquer legislação municipal deve atender aodesenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus

habitantes.Nessaperspectiva,agestãourbanademocráticaeafunçãosocialdacidade,

no que se refere ao interesse coletivo e a diminuição das desigualdades e dasegregaçãosocioespacial, sãoprincípios fundamentaisquenorteiamaexecuçãodapolíticaurbanaeaelaboraçãodeseuprincipalinstrumento,oplanodiretor,nomunicípio de Fortaleza. Contudo, a implantação excessiva de condomíniosresidenciais fechados contradiz os princípios especificados pela política dedesenvolvimentourbanomunicipal.

Aexpansãodeformascondominiaisfechadas interferenacoesãosocialdacidade de Fortaleza, aumentando o quadro de desigualdades socioespaciais.Permitir ou incentivar a organização territorial, com base na separação dosgrupossociaisepermitiraprivatizaçãodosespaçospúblicos,tornaacidade,nomínimo,insustentávelaolongodotempo.

Nesses termos, o enclausuramento voluntário das elites, em espaçosfechados, provoca a redução no uso dos espaços públicos e a diminuição dapossibilidade de contato entre os grupos sociais diferentes. Na cidade deFortaleza tem se tornado preocupante o constante fechamento dos espaçospúblicos, transformandoalgumas ruasemverdadeiros“condomínios ilegais”.Omedodaviolênciaedacriminalidadeéaprincipaljustificativaparaadotaressasestratégiasdefensivaspelascamadasabastadas.

A propensão à fragmentação do tecido urbano faz coincidir as fronteirasfísicas com as fronteiras simbólicas, fazendo emergir um novo padrão desegregaçãourbana.Asevidênciasrecentesapontamumaconsolidaçãodopadrãoresidencialcadavezmaispolarizado.Oscondomíniosfechadossãooferecidosaum grupo específico que tem a capacidade de pagar por condomínios de luxo.Mascadavezmaisseverificaumacidadefragmentadasocialefuncionalmente.

Portanto, os condomínios fechados que se apresentam como uma soluçãopara o problema da insegurança na cidade de Fortaleza, paradoxalmente,transformaram-se em mais um problema urbano ao estabelecerem uma novasegregaçãourbana.Sendoassim,asnovasformasdesociabilidadetransformama

vida pública e segmentam o tecido social da cidade. Sobre isso, Jane Jacobs(2009)frisaqueoprincipalatributodeumespaçourbano(bairro)prósperoéqueaspessoassintam-seseguraseprotegidasnaruaemmeioatantosdesconhecidos,masnãoameaçadasporeles.Porconsequência,ascidadesquenãocumpramcomesserequisito,passamaacumularmuitosproblemas.

CONSIDERAÇÕESFINAISOs condomínios exclusivos e seus efeitos socioespaciais nas cidades têm

suscitadodebatesteóricosepreocupaçõesadvindasdosimpactosnegativosqueessa tipologiaespacial trazparaodesenvolvimentodascidades.OaumentodacriminalidadeviolentaurbananacidadedeFortalezatemjustificadoaproduçãodeumademandaporformasresidenciaisexclusivasemáreassuburbanas.Sendoassim,omedoeainsegurançaurbanasãofatoresdeterminantesparaoprocessodeautoenclausuramentodaselitesemespaçosresidenciaisfechadosedotadosdesistemasdevigilânciaesegurança.

Dessaforma,ainsegurançaaparececomoumcondicionantedaorganizaçãodacidade,nosquaisosempreendedores imobiliáriosagemcomo“planejadoresurbanos privados”. Grosso modo, é como se a expansão urbana da cidadeestivesseàderiva,parecendoproduzirumacidadedescontroladaeingovernável,quase que totalmente em desacordo com os princípios estabelecidos peloplanejamentonormativo.

Os novos planos diretores admitem flexibilizações das leis urbanísticas,incluindoalteraçõesnoPlanoDiretordeDesenvolvimentoUrbano–PDDU–eda Lei deOrdenamento doUso eOcupação do Solo – LOUOS. Porém, tornarflexívelalegislaçãourbanística,semumaanálisecrítica,apresenta-secomoumdesafioparaumdesenvolvimentourbanoqueobjetivarepartirigualmenteosônuseosbenefíciosdoprocessodeurbanização.Porisso,éimportanterefletiracercada sociabilidade urbana contemporânea. É inegável que se está produzindocidades limitadorasdecontatoentreosgrupossociaisdiferentes.Amobilidade

espacial é severamente limitada pelos muros, grades e cercas elétricas queprotegemaselitesdasameaçasexternas,estabelecendofronteirasconfusasentreopúblicoeprivado.

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1Sobreassemelhançasentreacidadecontemporâneaeacidademedieval,verLeGoff,1998.

2Outrosmedosderivadossãodenaturezamaisgeral,ameaçandoadurabilidadedaordemsocialeaconfiabilidadenela,daqualdependeasegurançadosustento(renda,emprego)oumesmodasobrevivêncianocasodeinvalidezouvelhice(BAUMAN,2008,p.10).

3Sobreasestatísticasdacriminalidadeletalnascidadesnordestinas,verFreitaseCosta,2015.

4Acapitalcearensedeveseunomeà fortificação inicialmenteconstruídapelosholandesesnoséculo(denominadaSchoonenborch),edepoisconquistadapelosportugueses,queem1654abatizaramFortalezadeNossa Senhora da Assunção. Ao redor dessa edificação militar, foi aos poucos se estabelecendo umaglomeradohumano.Dapovoaçãocolonialàmetrópolecontemporânea,oprópriodacidadesugereformasde

violênciahistoricamenteconstituídas(FILHO,2004,p.12).

5Adriana Santos (2015) constata que o primeiro condomínio horizontal fechado de Fortaleza (RoyalPark)foiimplantadoexatamentenobairroEdsonQueiroz,noanode1996,comcaracterísticasmuitopróximasadeumAlphaville.

6 Os enclaves fortificados incluem os condomínios fechados, conjuntos de escritórios, shoppingcenters,ecadavezmaisoutrosespaçosquetêmsidoadaptadosparaseconformaremaessemodelo,comoescolas,hospitais,centrosdelazereparquestemáticos(CALDEIRA,2000,p.258).

7Adiferençabásicaentreoloteamentoeodesmembramentoéquenoprimeiroaconteceasubdivisãodaglebacomaberturadeviaspúblicas,delogradourospúblicosouprolongamento,modificaçãoouampliaçãodasviasexistentes,enquantonosegundooparcelamentodosolopodeocorrerapenascomoaproveitamentodosistema viário existente, sem necessidade de abertura de novas ruas ou logradouros públicos (OLIVEIRA,2011).

ESPAÇOEMEMÓRIA:OPAPELDASPOLÍTICASPÚBLICASRELACIONADASÀPROTEÇÃODEBENSTOMBADOSNOCENTROHISTÓRICODEMARANGUAPE-CE

DANIELGUIMARÃ[email protected]

JOSÉ[email protected]

[email protected]

[email protected]

UNIVERSIDADEFEDERALDOCEARÁ

INTRODUÇÃOOscentroshistóricosrepresentamahistóriadascidades.Essesespaçossão

facilmente reconhecidos por diversos aspectos, como: a especialização docomércioe serviços, e a importânciade seupatrimôniohistórico-cultural.Seuslogradourosdefiniram-seatravésdasdiversasvivênciasqueseprocessaramnotempo e no espaço, e por meio do processo de interação social; seu acervoarquitetônico configura-se enquanto resquício da memória urbana, possuindonotável importância para a compreensão dos fenômenos acontecidos na cidadeduranteosanos.

Édiantedessavisãodacidade,comoespectrodasvivênciaspassadas,quese percebe a importância da preservação de sua memória, memória essarepresentada pelos bens, que, segundo a definição estabelecida peloCREA-SP(2008, p. 13), “constituem os elementos formadores do patrimônio, permitindoque o passado interaja com o presente, transmitindo conhecimento” e tambémformandoa identidadedeumpovo.Essaquestão temsecolocadocomograndetendência nos dias atuais, pormeio de projetos que objetivam a restauração, a

revalorizaçãoeasalvaguardadosvestígiosquerepresentamoespaçourbanoemsuatotalidadedeacontecimentos.

Opatrimôniopodeserdenaturezamaterialou imaterial,ambosguardandoem si referências à identidade e àmemória de um grupo. É ainda classificadocomo natural ou edificado, distinguindo-se um do outro pela premissa daintervençãohumana.Nesteprojeto,abordaremosopatrimôniomaterialedificado,comenfoqueemumconjuntodeconstruçõeshistóricasque,emboraapresentemumatipologiadistinta,possuemamesmapeculiaridadecultural.

Emsíntese,oobjetivoprincipaldeste trabalhoé tratardasaçõespolíticasvoltadas para a proteção e salvaguarda dos lugares de memória no CentroHistórico de Maranguape, município pertencente à Região Metropolitana deFortaleza,Ceará.Oprocessodepreservação(quevisaprolongarotempodevidadopatrimôniocultural,atravésdadesaceleraçãodesuadegradação)realizadonacidadefoiummarco,vistoque,conformeaserapresentadoposteriormente,atéoano de 2003 ainda não havia iniciativas diretas para a proteção patrimonial,todavia,hojecontamoscomquase100processosdetombamento.Detalforma,énossapretensãotecerconsideraçõesquantoaessasapropriações,suaspropostase execuções, bem como entender o processo de produção do espaço urbano apartirdocentrohistóricodacidade.

PROCEDIMENTOSMETODOLÓGICOSA pesquisa foi realizada essencialmente com o método da análise

documental, que consiste basicamente em identificar, verificar e apreciar osdocumentoscomumadeterminada finalidade,nopresente trabalhono intuitodeinvestigar e contextualizar as principais políticas públicas e outros documentosrelacionados ao patrimônio cultural do Centro de Maranguape, sendo este, oprincipalrecorteespacialdotrabalho.Aabordagemdotrabalhoutilizaelementosqualiquantitativos. Com relação à estrutura metodológica do trabalho, quatroetapasadividem.

Aprimeiradelasconsistiunolevantamentobibliográfico,quevisabuscarnaleitura de diversos autores aportes teóricos necessários à compreensão dequestões relacionadas à memória, história, patrimônio, monumento, políticaspúblicas, preservação, centros históricos e também um apanhado histórico domunicípio de Maranguape, enfatizando o seu centro. Este levantamento foirealizadocombasena leiturade artigos, dissertações, livros e jornais locais enacionaisdeassuntossobreadinâmicaatualdocentro,noquedizrespeitoàsuarelevânciahistóricaesimbólica,suastransformaçõesequestõesrelacionadasaoseupatrimôniohistórico.

Opróximopassodapesquisafoiacoletadedadossecundários,ondeforamlevantadas informações afins contidas em órgãos públicos, tais como IBGE,IPECEetc.etambémoutrosmeios,comositesejornais.Olevantamentodedadosjuntamente com a análise documental do Plano Diretor de DesenvolvimentoUrbanodomunicípiosãonecessáriosparaumareflexãopreliminar,nosentidodeverificar se as ações propostas para a proteção e revalorização dos benstombadossãorealizadasdemaneirasatisfatória,combasenosdadosencontradosenasdiscussõesconceituaisexistentes.

O passo seguinte foi a realização de trabalho de campo no Centro deMaranguape que teve por objetivo reconhecer, analisar emapear os principaisbens tombadosounãoda localidadeestudada,alémdeumamelhorassimilaçãodoapanhadoteóricoquefoianalisado.Ocampotambémserviuparaacoletadeinformações complementares in loco na sede da Prefeitura e junto a outrosmunícipes.

Apósacoletadosdadosprimáriosesecundáriosserãoconfeccionadosummapa e uma tabela a fim de se permitir uma melhor visão dos fenômenosestudadosdeMaranguape.Omapamostraráa localizaçãodos respectivosbenstombados no centro histórico da cidade. A tabela trará uma lista com osprincipaisbenstombadosenãotombadosdoCentrodeMaranguape.

OSCENTROSHISTÓRICOSEOPATRIMÔNIO:UMBREVERESGATETEÓRICO

As áreas centrais, em um contexto mais amplo, assumiram característicaspeculiares se comparadas com demais recortes do espaço urbano. Durante ahistória,umsetorsetornavacentralapartirdajunçãodevariadoselementosemumúnicolocal.Ocentroseconstituicomo“amaioraglomeraçãodiversificadadeempregos, ou a maior aglomeração de comércio e serviços” (VILLAÇA apudPAIVA,p.58).Assim,aconsolidaçãodoscentrosurbanosvaise inscrevendoapartir do desencadeamento de processos que transformam uma dada região,tornando-amaisimportantequeasdemaisqueestãoaoentorno.Esseprocessoédenominadocomocentralidade.

Acentralidadeexistefundadaemquatrofatoresprincipais,ondeoprimeirodeles é a divisão social do trabalho, proveniente da diversificação dasatividades,sedestacandoacomercial.Osegundoelementoéaconcentraçãodepoderes:ostiposdepodertendemaseconcentraremáreascentrais,apartirdamaiordisponibilidadedeserviçosepessoasencontradas.Oterceiroaspectoéafácil acessibilidade, que vai se desenvolver devido à boa concentração deatrativosemumpontoespecífico.Eoúltimodeleséahierarquiasimbólica,ouseja, o recorte espacial possui um grande embargo simbólico, já que a maiordinâmicaurbanaseprocessanoscentros(CASTELLS,1983).

No que se refere à memória urbana, equipara-se à memória coletiva,diferindo-sedahistória pela sua subjetividade e seletividade.HalbwachsapudAbreu (2011, p. 27) a define como o “conjunto de lembranças construídassocialmentee referenciadasaumconjuntoque transcendeo indivíduo”.Estaseencontra sempre em transformações e é passível de desaparecimento, sendonecessáriaasuacristalizaçãoafimdenãoperdê-la.Quandocristalizada,passaase chamar de memória histórica e isto se faz através dos registros, tantodocumentais quanto de bens que pela sua essência, estejam carregados designificado.

Apalavrapatrimônioorigina-sedolatim“pater”quesignificapaternidade,

herançapaternaouumconjuntodebens familiares. “Estabela e antigapalavraestava,naorigem,ligadaàsestruturasfamiliares,econômicasejurídicasdeumasociedade estável, enraizada no espaço e no tempo” (CHOAY, 2001, p. 11).Percebemos que a origem da palavra denota uma condição de relação com opassado histórico-cultural da sociedade figurado nasmanifestações humanas noespaço nas mais variadas vertentes. Com relação à definição de patrimônio,DuarteJúnior(2006,p.26)afirmaser“oconjuntodebensavaliadosemdinheiro,relacionando-se simultaneamente às esferas da natureza, da genética, daeconomia,danaçãoetambém,comonãopoderiadeixardeser,àdacultura”.

NoBrasil,apenasem1937,comoDecreto-leinº25,quesetemoiníciodeaçõesvisandoàpreservaçãoeconservaçãodospatrimôniosnacionais.Estasleis,no entanto, consideravam patrimônio apenas bens móveis e imóveis, o que émudadonotextodaConstituiçãoFederalde1988,quevailistarosbensdoqueéchamadopatrimônioculturalbrasileiro,divididosembensmateriaiseimateriais(MOTAetal,2015).

Uma das formas de preservação do patrimônio cultural é através dotombamento,queconstanaConstituiçãoFederalde1988.Tombar,segundoGraçae Teixeira (2004, p.41), é “o registro de coisas ou fatos referentes a umaespecificidade,cujafinalidadeésuapreservação[...]”.

Portanto, “[...] graças à ação de tombamento de bens consideradosimportantes para a preservação e história de uma região,muitos bens culturaispassamaserrestauradoseconservados[...]”(MOTAetal.2015,p.302).Oatode tombar, por si sónãogarante quedeterminadopatrimônio seja lembradooureconhecidopela sociedade local.Autores como (GASPARINI,2005), afirmamque mesmo com a preocupação do poder público em preservar determinadosbens, a comunidade acaba esquecendo-se destes, que desvalorizados passam asofrerameaçasdaaçãohumanacontrasuaexistência.

As políticas públicas são um importante elemento a se avaliar, quando setrata de tentar compreender o Estado e sua influência nas cidades. Elas sãodefinidas, de acordo com Reinaldo Dias (2003) como “o conjunto de ações

executadaspeloEstado,enquantosujeito,dirigidasaatenderàsnecessidadesdetodaasociedade”.

MARANGUAPEEOCENTROHISTÓRICOAcidadedeMaranguapeestálocalizadaa28kmdeFortaleza,integranteda

RMF,tendocomoprincipaisviasdeacessoasCE65,CE350eaCE455.ÉooitavomunicípiomaispopulosodoCeará,comestimativade123.570habitantes,dentre os quais 76%destes residemna zonaurbana e que conta comdezessetedistritos.Dentreeles,odistritodemaiorrelevânciaéMaranguape,queésededomunicípio: sua população concentra mais da metade do total do município(IPECE, 2014). Além disto, o setor de serviços, de comércio, as instituiçõespúblicas e privadas de representatividade localizam-se na sede, maisespecificamentenocentrodacidade.“Asedeseconfigura,assim,comoocentromais consolidado em termos de estrutura urbana” (MENDES, p. 37) e isto éperceptíveltambémpelaáreadeinfluênciaexercida,atraindofluxosdepessoasdoSertãoCentral.

O centro da cidade é também centro histórico ao concentrar partesignificativadamemóriadacidade,expressaemseupatrimôniohistórico.Porsero embrião do crescimento da cidade, favorece a “percepção histórica dasociedade, isto é, não um mero conhecimento do homem no passado, mas umentendimentodocarátertemporaldasrealizaçõeshumanas”(SILVAFILHO,2003,p.27).

No tocante aos aspectos históricos, o município tem seu povoamentoembrionário somente no início do séculoXIX, àsmargens do riacho Pirapora.Tornou-sevila em1851 e foi elevada à condiçãode cidade em17/11/1869.Ocultivodocafé foiumadasprimeirasatividadeseconômicaseestava ligadoàscondiçõesnaturais:clima,soloeabundânciaderecursoshídricos.Asatividadesagrícolas deixaram marcas na paisagem da cidade, quanto a organização doespaçourbano.

Mapa1–LocalizaçãodoMunicípiodeMaranguape.

Fonte:Elaboração:Barbosa,2015.

DeacordocomMendes(2006,p.54)foi“entreasegundametadedoséculoXIXeasduasprimeirasdécadasnoséculoXX,épocaemqueocaféseconstituíana principal economia do município, a cidade passou por significativastransformaçõesurbanas”.Entreessas transformaçõespode-secitar aconstruçãodo ramal da Estrada de Ferro de Baturité e de uma estação em 1875 queproporcionaram um desenvolvimento econômico à cidade, envolvendo aconstrução de praças, a arborização de ruas, a chegada da energia elétrica e aconstrução de alguns dos prédios mais importantes da cidade, como a IgrejaMatriz,oprédiodoscorreiosetelégrafos,oSolarBonifácioCâmara,oprédiodoMuseu Municipal, o Solar dos Sombra, entre outros. Tais materializaçõesresultaram das ações de modeladores do espaço urbano, nos processos deinteração social e este projeto busca por uma melhor compreensão de suaessênciaeatuação.NessalógicaafirmaMendes(2006,p.56)“estudaracidadeno passado remete entender os processos políticos, culturais e econômicosresponsáveis pela projeção da sociedade no espaço urbano de determinadaépoca”.

MARANGUAPEEOPATRIMÔNIOSeguindo tendências das demais cidades brasileiras, Maranguape também

buscou preservar o seu patrimônio, primeiramente sob a forma de leis que o

legitimem.Alei1754/2003de16deDezembrode2003consolidoualegislaçãoatinenteàproteçãodopatrimôniohistórico,culturale turísticodomunicípiodeMaranguape, descrevendo-o como “o conjunto dos bens imóveis existentes emseu território” cuja importância se dá em razão de “sua vinculação a fatospretéritos e atuais memoráveis e significativos para a população” ou por seuvalorcultural,artístico,histórico,arquitetônicoeafetivo.

Areferidaleirelacionou93bensimóveisaserempreservadosnoterritóriodo município dividindo-os em três categorias. Tal divisão teve por critério ovalor histórico, cultural e arquitetônico, bem comoo valor afetivo desses benspara a população. Todos esses bens não se concentram apenas na sede,encontrando-sedistribuídosentreos17distritosdomunicípio.

Na categoria “A” estão elencados 33 imóveis, considerados os maisrelevantes do ponto de vista histórico-cultural.Destes, 24 estão localizados nasede municipal, de modo que alguns se confundem com a própria história dacidade,comoaIgrejaMatriz,oSolardafamíliaSombra,oprédiodasociedadeartísticadeMaranguapeeoSolarBonifácioCâmara,todasedificaçõesdoséculoXIX, entre outros. Na categoria “B” estão relacionados 24 imóveis, todossituadosna sedemunicipal.Acategoria“C”éaquepossuiomaiornúmerodeimóveis:36,sendotodosdepropriedadeprivadae,assimcomoosdacategoria“B”,estãotodossituadosnasededomunicípio.

Parte dos imóveis relacionados pertence ao poder público, entretanto, amaioriadelesédepropriedadeprivada.EntreosprédiospúblicosestãooSolarBonifácio Câmara, prédio construído por uma família de comerciantesportugueses na segundametade do séculoXIX.Adquirido pela prefeitura, estaedificação foi reformada e atualmente abriga a biblioteca pública municipalCapistranodeAbreu.Oprédiodasociedadeartísticafoiconstruídoentreosanosde 1877 e 1879 para abrigar uma escola,mas funcionou também como cinemamudo. Foi inteiramente restaurado e reinaugurado em setembro de 2005,mantendo as características originais e passando a abrigar um novo teatro nacidade, alémdeCasa daMúsica e daBanda deMúsicaMunicipal.ACasa de

Cultura Capistrano de Abreu era de propriedade privada e funcionava umatradicionalescola:a“EscolaSãoJosé”.

MARANGUAPEEASPOLÍTICASPÚBLICASÉ na intenção de preservar estes bens que as políticas públicas aparecem

comoumimportanteelementoaseavaliar,quandosetratadetentarcompreenderoEstadoesuainfluêncianascidades.

Noqueserefereaopatrimônio,aConstituiçãoFederalde1988dizemsuaCartaMagna,Art. 30 que a gestão e administração da proteção do patrimôniohistórico-cultural são de responsabilidade do governo municipal, mas nadaimpededeparceriasestatuaisefederaisseremforjadas.

Fazpartedasdiretrizesbásicasquantoaopatrimôniohistóricododesenhourbano do município de Maranguape: reforçar a visibilidade do acervo dopatrimônio histórico da Zona Central, através do redesenho da sequência deespaçospúblicosadjacenteseasseguraramanutençãoepreservarseupatrimôniodearquiteturahistórica,comoaspectorelevantedodesenhourbano.

É previsto por lei o zoneamento urbanístico da Cidade de Maranguape,compreendendo a divisão do seu espaço territorial em áreas, a partir dacompatibilização da intensidade do uso de solo e crescimento urbano, com aofertadeinfraestruturaeserviçospúblicos,tendocomoobjetivos,dentreoutros:garantiraproteçãodopatrimôniohistórico,culturalearquitetônico.

Tombamento constitui-se de uma ferramenta de limitação administrativa aque estão sujeitos os bens classificados como patrimônio ambiental, histórico,paisagístico e cultural do Município, cuja conservação e proteção sejam deinteressepúblico.Pelo tombamentovisa-seproteger,preservareconservarestepatrimônio,eemnenhumahipóteseosbenspoderãoserdemolidos,destruídosoumutilados.Consideram-se edificaçõesde interessedepreservação, aquelas quese constituírem enquanto elementos representativos do patrimônio ambientalurbanodoMunicípio,peloseuvalorhistórico,cultural,social,funcional,técnico

ouafetivo.NoqueserefereaoConselhoMunicipaldoPlanoDiretor,aestecabetais

objetivos que são: a aprovação de qualquer obra de restauração, regular avizinhançadaedificaçãoafimdeevitaraobstruçãodavisibilidadedosaspectosestético,arquitetônicooupaisagísticodobemtombado;eemcasodoproprietárionão possuir recursos para a execução de qualquer obra de conservação ourestauraçãodobem,oPoderPúblicoMunicipalpoderáassumirasdespesas.OMunicípio ainda poderá conceder incentivos fiscais sob a forma de isenção ouredução de tributos municipais. Nestes termos, os proprietários de imóveistombadospoderãogozardereduçãodetributos,desdequeasedificaçõessejammantidasembomestadodeconservação.

Alémdotombamento,omunicípiodispõedeumPlanoDiretorcomopolíticapública.DeacordocomoPlanoDiretordeDesenvolvimentoUrbano(PDDU)de2000, existem ao menos cinco Projetos Estruturantes voltados para aconservação,revitalizaçãoerestauraçãodoPatrimônioHistóricoeArquitetônicodoCentrodacidadedeMaranguape.Elesconsistemnumatentativadereinserircom mais vigor, esses centros na tessitura da cidade, devolvendo o centro àcidade.(SILVA,2013)

OprimeiroProjetoEstruturanteédenominadoáreaderenovaçãourbanadazona central, que tem por objetivo a reestruturação da área central visandoconfigurarumaboaqualidadearquitetônicadosespaçospúblicos.Talprojetofoiestipulado para ser iniciado em 2001 e finalizado em 2002, com um custoestimado de R$ 4.042.000,00. O segundo projeto voltado à melhoria ereestruturaçãodocentrodeMaranguapeéosistemadeespaçospúblicosdazonacentralhistórica,estabelecidoparaseiniciarem2004eserconcluídoem2005,queteveocustototalestimadoemR$1.380.000,00.

Tambémforamcriadosprojetosparaamanutençãodosbenstombadoscomooprojeto restauraçãodo patrimônio histórico e arquitetônico do centro, comperíododeintervençãoestipuladode2008a2011ecomocustototalestimadoem R$ 1.035.000,00. O projeto revitalização do centro da cidade de

Maranguapesegueamesmalinhadoúltimoprojetocitado,sendoprevistoasuaefetivaçãoentre2002a2004ecomvalorestimadodeR$525.000,00.OúltimoprojetoconsistenacriaçãoderoteirosculturaisquetemcomoobjetivoestimularoturismoatravésdoPatrimônioHistóricoeCulturaldoMunicípio,esteprojetofoiestipuladopara2014eteveseucustoestimadoemR$50.000,00.

Tendo comobase os dados levantados, pretende-se avaliar se as políticaspropostas pelo poder público, postas em prática, são de fato eficientes oupontuais na sua realização. Além das questões enunciadas, objetiva-se aindaentender a dinâmica entre propriedades públicas e privadas, verificar o estadoatualdosprédiosesuautilidadepública.

CONSIDERAÇÕESFINAISMuitas cidades brasileiras a despeito de possuírem em seus territórios

prédios, espaços de convivência ou áreas urbanas de valor patrimonialincalculável, atribuído em razão de sua vinculação com fatos memoráveis queajudamacomporumamemóriasocialeassimcompreendersuaprópriahistória,noquedizrespeitoaoseuordenamento,tantosocialcomoespacial,nãopossuemqualquer política pública voltada à proteção e conservação desses imóveis oueducação patrimonial que desperte entre seus munícipes uma consciência daimportânciadesepreservartaisespaços.

Maranguapeédetentordeumpatrimônioarquitetônicourbanísticodosmaisimportantes do estado do Ceará. Prédios como a Igreja Matriz e imponentescasarões edificados no século XIX compõem a paisagem cultural da cidade.Apesardesuarelevânciahistórica,nãohaviaatéoanode2003qualquertipodepolítica pública voltada para proteção e conservação dessas construções.Somente na administração do arquiteto e urbanistaMarcelo Silva que o poderpúblico municipal mobilizou-se nesse sentido. A Lei nº1754/2003 de 16 deDezembro de 2003 alterou e consolidou a legislação atinente à proteção dopatrimônio histórico, cultural e turístico do município, criando três categorias

especiais de bens imóveis a serem preservados de acordo com seu valorhistórico,cultural,arquitetônicoevalorafetivoparaapopulação.

Aanálisedosefeitosdessapolíticadepreservaçãodopatrimôniohistóricoecultural torna-se relevante,demodoa fornecersubsídiosparaoentendimentoda produção do espaço urbano no Centro da cidade de Maranguape. Oconhecimentodasaçõesempreendidaspelopoderpúbliconosentidodeprotegero patrimônio edificado, contribui para a cidadania, uma vez que reforça aconstruçãodeumamemóriasocial,concorrendoparaumamaiorconscientizaçãodosmunícipesquantoapreservaçãodessesbens.

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SOMBRA,Waldy.SeverinoSombra:perfildeumpioneiro.Fortaleza:Premius,2012.200p.

AORGANIZAÇÃOESPAÇOTEMPORALDOBAIRROVILAINDUSTRIAL,CAMPINAS-SP:UMAANÁLISEAPARTIRDASFERROVIAS

THAMIRESCRISTINECORRÊAProgramadePós-GraduaçãoemGeografiadaUniversidadeFederaldeMatoGrosso–UFMT/Cuiabá

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INTRODUÇÃOO bairro Vila Industrial apresenta uma história de organização espacial

muito diferente daquela ocorrida na área central de Campinas entre o final doséculoXIXe iníciodoséculoXX.Diferentementedocentroelitizado,obairroabrigava essencialmente as classes operárias da cidade e que em sua imensamaioriatrabalhavanasrecém-inauguradasferrovias.

AslinhasdeferroadentraramefetivamenteacidadedeCampinasem1868,atravésdacriaçãodaCompanhiaPaulistadeEstradasdeFerroeposteriormentepelacriaçãoem1875daCompanhiaMogiana.AslinhasdeferrodasCompanhiasdelimitavam exatamente a divisa entre o centro elitizado e a vila operária,ampliandoasegregaçãodobairro.Dessaforma,aorganizaçãoespacialdaVilaIndustrialemseusprimeirosanosdeexistência,remeteessencialmenteàcriaçãodo complexo ferroviário, delimitando as relações sociais e consolidando asformasespaciais.

No entanto, com o passar dos anos, novas técnicas surgiram, assim comonovos objetos técnicos foram criados, a ferrovia perdeu sua função emuito doquefoicriadoacabousendoabandonado,constituindoumasériederugosidadesnoespaço.

Considerando esta premissa, buscou-se com este trabalho compreendercomoestesobjetostécnicosdopassadoourugosidades,ligadosdeformadireta

ouindiretaàsferrovias,foramrefuncionalizadosequaissuasconsequênciasemtermosdevivênciadapopulaçãonosdiasatuais,considerou-setambém,oscasosemquenãohouverefuncionalização,ouseja,afunçãooriginalsemanteve.

ATOTALIDADEEATÉCNICANAOBRADEMILTONSANTOSPara se compreender as dinâmicas de uma cidade, as relações existentes,

seussímbolosepoderes,éfundamentalquesejafeitoumestudodasformasedosprocessos sociais urbanos. Segundo Silva (2012), para ir ao encontro dainterpretaçãodoslugares,aGeografiatemqueconsiderarqueasformassociaissãoprodutoshistóricos,resultadodaaçãohumanasobreasuperfícieterrestre,equeexpressamacadamomentoasrelaçõessociaisquelhederamorigem.

Santos(1978)defineformacomooaspectovisível,exteriordeumconjuntode objetos: as formas espaciais, sendoque a estrutura-social-natural é definidahistoricamente.Eleaindadefineprocessocomoaaçãoqueérealizadademodocontínuo, visando a um resultado que implica tempo emudança. Os processosocorrem no âmbito de uma estrutura social e econômica, resultando de suascontradiçõesinternas.

Os processos definem formas que por sua vez definem novos processos,portanto temos uma relação tempo espaço indissociável e fundamental paracompreensãodadinâmicaurbana.Osprocessosocorremnotempoeasformasnoespaço.

Sobestecontexto,SaqueteSilva(2008)afirmamqueoespaçoéconstruídoprocessualmente e contém uma estrutura organizada por formas e funções quepodemmudarhistoricamenteemconsonânciacomcadasociedade.

Para trabalharconjuntamentecomtempoeespaço,conformeafirmaSantos(2004),énecessárioqueestessejamtratados,segundoparâmetroscomparáveis.Comooespaçoéconcreto,énecessárioqueaanálisedotempotambémoseja,para tal, o autor propõe a “empiricização” do tempo, que pode ser realizadoatravés da análise das técnicas ou dos objetos técnicos materializados em

determinadosperíodoshistóricos.Objetotécnicoserefereaoobjetocriadopararealizar determinada função a partir da técnica desenvolvida em determinadoperíodohistórico,aferroviaéumexemploclarodeobjetotécnicomaterializadoapartirdeumcontextosocialeeconômicodistintodoatualnoBrasil.

[...]aprincipalformaderelaçãoentreohomemeanatureza,oumelhor,entreohomemeomeio,édadopelatécnica.Astécnicassãoumconjuntodemeiosinstrumentaisesociais,com os quais o homem realiza sua vida, produz e, aomesmo tempo, cria espaço. Essaformadeveratécnicanãoé, todavia,completamenteexplorada.[...]Uminventáriodosestudos empreendidos sobre a técnica deixa ver que esse fenômeno é freqüentementeanalisadocomoseatécnicanãofossepartedoterritório,umelementodesuaconstituiçãoedasuatransformação(SANTOS,2004,p.29).

Santos(2004)enfatizaqueoespaçoéformadodeobjetostécnicos,ondeatécnicaentracomoumtraçodeunião,historicamenteeepistemologicamente.Astécnicas,deum lado,dão-nosapossibilidadedeempiricizaçãodo tempoe,deoutrolado,apossibilidadedeumaqualificaçãoprecisadamaterialidadesobreaqualassociedadeshumanastrabalham.Então,essaempiricizaçãopodeserabasedeumasistematização,solidáriacomascaracterísticasdecadaépoca.Aolongodahistória,astécnicassedãocomosistemas,diferentementecaracterizadas.

Astécnicasparticipamnaproduçãodapercepçãodoespaço,etambémdapercepçãodotempo,tantoporsuaexistênciafísica,quemarcaassensaçõesdiantedavelocidade,comopelo seu imaginário. Esse imaginário tem uma forte base empírica.O espaço se impõeatravés das condições que ele oferece para a produção, para a circulação, para aresidência,paraacomunicação,paraoexercíciodapolítica,paraoexercíciodascrenças,paraolazerecomocondiçãode“viverbem”(SANTOS,2004,p.55).

Oautorcontinuaafirmandoque:

As técnicas são datadas e incluem tempo, qualitativamente e quantitativamente. Astécnicassãoumamedidado tempo:o tempodoprocessodiretode trabalho,o tempodacirculação,otempodadivisãoterritorialdotrabalhoeotempodacooperação(SANTOS,2004p.54).

Sendo assim, as técnicas distinguem as épocas, pois cada época tem suaspróprias formas de fazer: “os sistemas técnicos envolvem formas de produzirenergia, bens e serviços, formasde relacionar os homens entre eles, formasde

informação,formasdediscursoeinterlocução”(SANTOS,2004,p.177).As diferenciações espaciais visíveis na cidade, por exemplo, estão

associadasaumaestruturahierarquizada, resultantedacombinaçãodediversasvariáveis,asaber:níveis tecnológicosdistintos, relaçõesdeprodução, taxasdelucro,lutasdeclasseetc.(BERNARDES,2010).

Assim,asformas,representadaspelapresençadatécnicaeseusobjetos,sedistribuemnoespaçodesigualmenteapartirdeumaestruturapautadanomododeprodução capitalista, que é global, e que por sua vez, determina as funções eprocessos,tendocomoumdeseusintuitosaregulaçãosocial.

Nesse processo, podemos destacar que ao mesmo tempo em que hádesigualdadeespacialdedistribuiçãodatécnicaemumdeterminadoperíododasociedade,emoutro,futuro,torna-sepossívelaconvivênciadediferentesobjetostécnicos,provenientesdeoutrasépocas,sendoquenormalmenteosmaisantigos,têmsuasfuncionalidadesoriginaisalteradas,comoveremosaseguir.

OOBJETOTÉCNICONOTEMPO:ASFUNCIONALIDADESOespaçogeográficoéformadoporumasériedeformas(objetostécnicos),

sobre os quais ocorremas ações dopresente, ou seja: “nummesmopedaçodeterritório, convivem subsistemas técnicos diferentemente datados, isto é,elementostécnicosprovenientesdeépocasdiversas”(SANTOS,2004,p.42).Apartir dessa formulação teórica, pode-se compreender que as funçõesdesempenhadas por essas formas urbanas, são comandadas pelos processoshegemônicos de reprodução econômica e social de cada período histórico, ouseja,cadaorganizaçãosocioeconômicadeterminaráarelaçãoentreaconcepçãoea consolidação da infraestrutura tecnológica mediante a uma prévia noção dafunçãoaserdesempenhadaporela.

Mas como os objetos técnicos, ao tornarem-se desprovidos de suafuncionalidadenotemposãoabsorvidospelasociedade?

Primeiramente é importante destacar que Santos (1978; 2004) dá a estes

objetostécnicos,representadosporformasherdadasonomederugosidades.

Chamemos rugosidade ao que fica do passado como forma, espaço construído,paisagem,oquerestadoprocessodesupressão,acumulação,superposição,comqueascoisas se substituem e acumulam em todos os lugares. As rugosidades se apresentamcomo formas isoladas ou como arranjos [...] Ainda que sem tradução imediata, asrugosidadesnostrazemosrestosdedivisõesdotrabalhojápassadas(todasasescalasdedivisãodotrabalho),osrestosdostiposdecapitalutilizadosesuascombinaçõestécnicasesociaiscomotrabalho(SANTOS,2004,p.140).

Para o autor, a manutenção destas formas espaciais depende do nível deadequaçãoou readequação (atravésdenovas funcionalidades)queestas formastêmemrelaçãoàsdemandasdopresentehistórico.Santos(2012)ressaltaque:

[...]a funcionalidadeoueficáciadosobjetos técnicosquecompõeoespaçoesbarranoslimites materiais do objeto técnico (o tempo de duração e resistência dos materiais; ecapacidade de resposta do objeto ao trabalho de manutenção, aperfeiçoamento ereadequação funcional), e nos limites políticos e normativos ou jurídicos impostos pelatotalidadesocial(SANTOS,2012,p.2).

Nestetrabalho,oobjetodeestudoselecionado,refleteclaramenteestestiposde relações, sendoque o ponto chave se assenta na desativaçãodaCompanhiaPaulistadeEstradasdeFerro,quemargeiaobairroVilaIndustrial(Figura1).

Sendo assim, estruturou-se comoobjetivo de pesquisa, compreender comosedeuaproduçãodoespaçonoBairroVilaIndustrial,apartirdaimplantaçãodaCompanhiaPaulistadeEstradasdeFerroedaCompanhiaMogiana.

Nessecaminho,verificam-sequestõesassociadasàeconomia,aotrabalhoeàpolítica,alémdequestõesreferentesàsdesigualdadessocioespaciaispresentesnotempohistórico,derivadasessencialmentedarelaçãoentreobairroearegiãocentral de Campinas. Por fim, verificou-se também, as formas remanescentesdesses antigos processos (heranças socioespaciais), sobre os quais, novasfuncionalidadesganhamdestaque,mesmoqueemumasituaçãodeabandonoemmeioaumnovocontextosocial.

Figura1–LocalizaçãodoBairroVilaIndustrialemCampinas,SP.

OrganizadoporCORRÊA,T.CePAIVA,R.G(2014).

METODOLOGIAEstetrabalhofoielaboradocombaseemoitotrabalhosdecamporealizados

naVila Industrial, entreosanosde2013e2014.Duranteestes trabalhos foramfeitos registros fotográficos das rugosidades ainda remanescentes do bairro,assim como foram consultados moradores e comerciantes da região sobre ahistória do bairro, inclusive foram estes os quemais colaboraram para que seencontrassealocalizaçãoexatadosantigosimóveisdemolidos.Osmapeamentosseguiramosseguintesprocedimentos:

Omapade localização assimcomo limite (atual) representado, teve comobaseas imagensdoGoogleEarthcomauxíliodoGoogleMapsedosdadosdoIBGE,alémdeconsultaemartigosedissertaçõessobreaVilaIndustrial.

Aplantade1900fornecidapelaPrefeituraMunicipalfoiadaptadadeCosta(2010)pelaautora,nesseprocedimentoapenasanomenclaturafoialterada.

Asquestões referentes aos dados históricos foram retiradas ou elaboradassobre a forma de quadros e tabelas a partir de materiais coletados junto àPrefeituraMunicipal,ouatravésdaadaptaçãodedadosdeartigosedissertações.

AFERROVIAEMCAMPINAS:ASPECTOSGERAISEOSURGIMENTODAVILAINDUSTRIAL

Apartirda segundametadedadécadade1860, iniciou-seemCampinasaconstrução de novos objetos-técnicos vinculados ao transporte. O avanço daslinhas férreas e suas estruturas funcionais, em grande parte importadas dosEstados Unidos e Inglaterra, tiveram como base precursora a criação daCompanhiaPaulista deEstradasdeFerro, em1868.Estanova empreitada tevecomo principais investidores os Barões do Café, que tinham necessidade deescoarseusprodutosparaaEuropa,comoafirmaSemeghini(1991):

Valeassinalaraqui três iniciativasqueocorremnofinaldadécadaequeatestamisso:afundaçãoemCampinasdaCompanhiaPaulistadeEstradasdeFerro,comosesabecomimportante aporte de capital dos fazendeiros de café (1868); a instalação na cidade,tambémem1868,daCompanhiaLidgerwood,montandomáquinas importadasdosEUApara o beneficiamento do café (pouco depois, a empresa se instalaria também em SãoPaulo) e a formação em 1871 da AssociaçãoAuxiliadora da Colonização, por grandesfazendeirosecapitalistasdoOeste(SEMEGHINI,1991,p.37).

“Na tarde de 11 de agosto de 1872, uma multidão se aglomerou junto àrecémerguidaEstaçãoPaulistaparaassistir,pelaprimeiravez,aumtremchegaraCampinas”(BICALHO,2004,apudCOSTA,2010,p.21).

A partir desse momento, a estação localizada em um largo situado noprolongamento da rua São José, atual 13 de maio, reafirmaria a segregaçãosocioespacialdourbanoemCampinas.

Essa reafirmação da segregação se dá pelo fato de que mesmo antes daconstruçãodaferrovia,medidasjáhaviamsidoimpostas,atravésdeinstrumentosnormativos,regidospelapolíticanacional,paraaregulamentaçãosobreoespaçodacidade,principalmentenoqueserefereaoordenamentofísico.Nessesentido,Lapa (1996) menciona que as posturas municipais encarregavam-se dediscriminarasáreasdeexpansãoeasformasdeusodosolourbano:

Éproibido:1ºterestabelecimentodecurtumenacidadeouseusarrabaldes.2ºterdentrodacidadeearrebaldes,fabricasdefazeroucomporfumo,sabão,óleosequalqueroutramatéria em que se empreguem ingredientes que possam exalar vapores mefíticos oucorruptoresdaatmosferaeprejudiciaisàsaúdepública,oumesmoincômodosaoolfato.3ºterdentrodacidadefornosdefundiçãodemetais.ACâmaramarcaráumquadroforadacidade em que se possam levantar os estabelecimentos de que trata o presente artigo(LAPA,1996,p.193).

A partir desse planejamento urbano, tudo que fosse julgado pela políticamunicipal como impactante para cidade, teria que ser encaminhado para outraárea,foradorecintocentral.

Posteriormente,estaspolíticasacabamporreforçaropapeldalinhaférreacomo objeto-técnico responsável pela organização do espaço (no sentido dasegregação), pois nota-se que o limite da área central se dá justamente naferrovia, mais precisamente na região da estação. A área determinada paraabsorverestasformasdeusoimpactanteseraatéentãodenominadacomobairroPiçarrão,localizadonamargemopostadoqueviriaseroComplexoFerroviáriodaCompanhiaPaulista,hojeatualbairroVilaIndustrial.Aferrovianessesentidofoi responsável por fortalecer a segregação espacial e social da população deCampinasnesseperíodo.

Segundo Badaró (1996), o bairro Piçarrão era constituído por terrenosbaixos,alagadiçosedesvalorizados.

A principal obra fora da área central, construída antes da construção daferrovia foi o hospital de Isolamento chamado de Lazareto dosMorféticos ouAsilodosMorféticosinstaladoem1863.

Em 9 de agosto de 1863 era inaugurado o Asilo de Morféticos que a cidade teve,localizado próximo do Matadouro Municipal, no atual bairro da Vila Industrial, numachácara descrita como um “estabelecimento singelo, mas dispondo de acomodaçõesarejadas,muito limpas e espaçosas, demaneira a preencher o fim a que se destinava”(LAPA,1996,p.228-229).

Após22anosdafundaçãodoLazaretodosMorféticos,jáapósaconstruçãodaEstação daCompanhia Paulista, oMatadouroMunicipal é instalado em suavizinhança.

Em1881,umaempresaparticular,quetinhaàfrenteBentoQuirinodosSantos,FranciscoGlicérioeoengenheiroRamosdeAzevedo,aCia.CampineiradoMatadouroMunicipalcriou o Matadouro Municipal em prédio que ficava na Vila Industrial (Piçarrão),encampado pela CâmaraMunicipal em 15 de julho de 1885. Era um edifício com doispavilhõescomescritório,cômodosdematançadogado,salga,depósitodeporcoseoutrosanimais.A suaplanta e a direçãoda construção foramdeRamosdeAzevedo (LAPA,1996,p.198).

Entre oMatadouroMunicipal e oHospitalAsilo dosMorféticos, segundoCamillo (1998), evidencia-se o primeiro curtume que Campinas tivera,estabelecidoem14dejulhode1882,comonomedeCurtumeCampinense1.Noano de 1911 surge mais um curtume no bairro Piçarrão, chamado de CortumePaulista (mais tarde renomeado de Curtume Cantúsio) localizado à margemdireita doCórrego Piçarrão; pouco tempo depois em 1915 nestemesmo local,surge um novo curtume chamado de Curtume Brasil (este também depoisrenomeadocomoFirminoCosta).

O bairro antes denominado como Piçarrão teve sua denominação alteradaparaVilaIndustrial,justamenteporconterhabitaçõesdeoperários,especialmenteferroviários, ligadosaonascimentodaCompanhiaPaulistaem1868eem1872pelaCompanhiaMogianaque,emcertopontodahistória,seligariaàPaulista.

ACompanhiaMogiana,surgiudeumareivindicaçãodosbarõesdocaféparao prolongamento da linha férrea de Campinas até Mogi-Mirim, sendo estesmesmos os financiadores do projeto. Aberta ao tráfego em 1875, tinha comointuitoprincipalestabelecerligaçõesentreasterrasmaisafastadasqueiamsendoadquiridaspeloscafeicultoresapreçosmaisacessíveis,comoprincipalcentrodeurbanizaçãodaregião.

DeacordocomCosta (2010,p.23)“amercadoriaproduzidana regiãoeracarreada para a estação daPaulista, em seguida, transferida para os vagões daempresaqueseguiamatéoportodeSantos”.

Nadécadade1880instalou-senacidadeumamplosetordeserviçosedeoficinasdemáquinasligadasasferrovias.

Com a ampliação das oportunidades de emprego nas Companhias, osoperários passam a buscar residências “às costas” da estação ferroviária.SegundoBadaró(1996):

A oficina da Cia. Mogiana, das mais completas do país, produzia peças, consertava emontava vagões. Situada na Vila Industrial onde o prolongamento de seus trilhosconectavacomosdaCia.Paulista,foiemgrandeparteresponsávelpelaevoluçãodaquelebairro, que a partir de então receberia uma crescente população operária (BADARÓ,1996,p.27).

Segundo(MORAES,2009),aocupaçãodobairroVilaIndustrialsedeuporcontadosoperáriosnãoteremcondiçõesdeseestabeleceremoutraslocalidadesda cidade, devido aos altos custos da vida urbana. Como este bairro peloplanejamento urbano localizava-se fora do núcleo central, possuía preçosmaisacessíveis.TemosaíoesboçodaprimeiraperiferiadeCampinas(considerandoosentidoclássicodotermonourbano).

As indústrias e sua população operária evitavam as áreas centrais, maisvalorizadas, à procura de terrenos e aluguéis mais baratos, propiciando odesenvolvimento da periferia, especialmente ao longo das saídas da cidade(BADARÓ,1996).

Aconstituiçãodavilaoperáriacampineira,podesercomparadaadiversasoutras existentes por exemplo, na cidade de São Paulo, nos bairros operárioscomooBrás,Mooca2eBelenzinho3.

A estruturação espacial associa-se à organização social adquirida,formaram-sebairrosoperáriosemáreasdesvalorizadasdeumladodaferrovia,enquanto do outro lado, se consolidavam os bairros de alta burguesia na áreacentral da cidade, que além das residências luxuosas, possuíam hotéis de luxovoltadosaosricosfazendeiroseempresáriosdasferrovias.SegundoBlay(1985),osbairrosoperários,ocupavamprincipalmenteaszonasdevárzeas,inundáveiseinsalubres.

SegundoBittencourt(2008),deumladoseencontravaocentrodacidade,nomeiooparqueferroviário,deoutroladoosmatadouros,hospitaisdeisolamento,curtumes,vilasferroviáriasecemitérios(Figura2).

Figura2–PlantadacidadedeCampinasem1900,destacandoaslinhasférreaspertencentesaCompanhiaPaulistadeEstradasdeFerroeaCompanhiaMogiana,aestaçãocentral,aregião

centraleasegregaçãodoBairroVilaIndustriallocalizadoaosuldalinhaférrea.

1-LazaretodosVariolosos;2-CurtumeCampineiro;3-LazaretodosMorféticos;

4-Matadouro.

Fonte:PrefeituraMunicipaldeCampinas(2009)adaptadoporCosta(2010),epelaautora(2014).

ParaBadaró(1996):

A estrada de ferro reforçou a tendência industrial e operária destes dois bairros edeterminou o surgimento daVila Industrial, do outro lado dos trilhos, na saída para Itu.Estefoiobairroescolhidoparamoradiadosferroviárioseseudesenvolvimento,noséculoseguinte – quando ultrapassou os terrenos baixos, alagadiços e desvalorizados, que ocercavamequeeramocupadospeloMatadouroMunicipal,CortumeCampineiroeAsilodeMorféticos,-acaboupordeterminaravocaçãoproletáriadaporçãosudoestedacidade(BADARÓ,1996,p.50).

Apartirdasegundametadedadécadade1920aproduçãodocafé,quesemdúvida foi a principal responsável pela expansão das ferrovias no estado e noBrasil,tornou-setambémseualgoz.QuandoocorreuaquebradabolsadevaloresdeNova Iorqueem1929,houveumaacentuada reduçãode importaçãodocafébrasileiro,fazendocomqueopreçodoprodutodespencasse,comoconsequênciaédesencadeadaacriseferroviária.

SegundoCosta(2010):

Comodesabamentodopreçodocafénomercado internacional,a faltadeummercadointerno forteea faltademercadosalternativos,asestradasde ferronãoseatualizaramnem em equipamentos, nem em recursos humanos, passando a funcionar de maneiraprecária,comlocomotivasevagõesdoséculoXIXetraçadosqueofereciamumserviçolentoeburocrático(COSTA,2010,p.28).

Nesseprocesso,aCompanhiaPaulista,únicaaindasobrecontroleprivado,noiníciodadécadade1950,aindabuscouseestabilizaradquirindoumasériedeferrovias pequenas com as quais fazia entroncamento, porém, sua situaçãofinanceiratornou-secomplicada,oqueculminouemdiversasgreves,atéqueem1961oGovernoEstadualdeCarvalhoPintointerveioedesapropriouasaçõesdaempresa,estatizando-a(COSTA,2010).

A Mogiana que também sofrera com a crise do café, teve sua ferroviautilizada,comoserefereCosta(2010,p.29)“atéaexaustão,durantearevoluçãoconstitucionalistade1932”.Ostrilhosdaferroviatornaram-seimportantessobreeste contexto por chegarem ao sul deMinas Gerais. Em 1952 seus acionistaspediramsuaestatização.

Ostraçadosantiquadosemmeioanovoseixosdeurbanizaçãoeprodução,com trens muito usados, excesso de empregados e perante a transição dostransportes para as estradas de rodagem asfaltadas e de velocidade elevada,tornaramasferroviasobsoletasepoucocompetitivas.

Em 1971, as estradas de ferro do estado foram unificadas, constituindo aFEPASA (Ferrovias Paulistas S/A) que tinha também como função, além dotransportedecargas,otransportedepassageiros.

De acordo comCosta (2010) em1971 a empresa chegou a transportar 13milhõesdepassageiros/ano,porém,osucateamento,aconcorrênciadotransporteem estradas de rodagem e as novas exigências de deslocamento, levaram aempresaaresultadospífiosnasdécadasseguintes.

Em crise, a FEPASA entra em 1998 no Programa Nacional deDesestatização, sendo transferida para o Governo Federal como parte da

renegociaçãodasdívidasdoGovernodoEstadodeSãoPaulo,sendoemseguidaleiloada,porémdeformafragmentada.

Dasferroviasqueadentravamoterritóriocampineiro,poucostrechosaindafuncionam: pela linha da Companhia Paulista trafegam alguns poucos trens decarga, sendo que o transporte de passageiros foi extinto em 2001; da linhaMogiana, apenas um pequeno trecho ligando a estação Anhumas à cidade deJaguariúna, ainda está em funcionamento, porém tendo como função oentretenimento turístico. As ferrovias mais distantes da área de estudo, e quetambém cortavam Campinas tiveram o mesmo destino, a Estrada de FerroSorocabanaapósadquiriroRamalFérreoCampinasem1917eaFunilenseem1924,teveotransportedepassageirosextintoem1976eotransportedecargasnofimdadécadade1980.

A partir de 2007, através da Lei nº 11.483, de 31 de maio de 2007, aadministração do patrimônio ferroviário federal remanescente, passa a sercontrolada pela Secretaria do Patrimônio da União (SPU), sendo ela aresponsávelpeladestinaçãodosbens,ouseja,aSPUtorna-seresponsávelpelosinvestimentos,parceriaseconcessões,paracriaçãoounãodenovasfunçõesaosbens móveis e imóveis das ferrovias inoperantes. Porém, os estudos detombamentoemCampinassãorealizadosdesde1987peloConselhodeDefesadoPatrimônioArtísticoeCulturaldeCampinas(CONDEPACC).

Sobre esta requalificação funcional da estrutura ferroviária, consideradacomo forma herdada, e suas consequências para a Vila Industrial, é que seestruturaaanálisedasrugosidades,apresentadasaseguir.

FUNÇÃO E ALTERAÇÃO FUNCIONAL: A VILA INDUSTRIAL DOSTEMPOSATUAIS

A sobreposição dos tempos no bairro pode ser analisada a partir daverificação da localização dos imóveis no passado, comparados com situaçãoatualdasáreas(fatoverificadoemcampo).Sobreaimagemforamidentificados

osimóveisqueforamdemolidosederamlugaranovasinstalações:naantigaáreado Lazareto dos Variolosos operam hoje uma série de oficinas, funilarias erevendedorasdepeçasdeautomóveis;naáreadoantigoLazaretodosMorféticosfunciona hoje oHospitalMarioGatti; na área do antigoMatadouroMunicipal,funcionaoDepartamentodeLimpezaUrbanadaPrefeituradeCampinas;naáreada antiga Vila Riza, uma importante vila ferroviária construída no primeiroquarteldoséculoXX,hojeseassentaoTerminalMultimodalRamosdeAzevedo;no antigo local da Indústria de Seda Nacional, foram construídos doiscondomínios e sobre os remanescestes do antigo prédio temos atualmente oprédio do jornal Correio Popular; no local da antiga Curtidora Campineira deCalçados(emestágioavançadodedegradação),atémeadosde2013funcionavaaFeiradoRolo,juntamentecomoCentrodeTradiçõesNordestinas.EmCampinas,o maior exemplo visível dessa metamorfose muitas vezes discordante eanacrônica, ocorre na área do complexo ferroviário ligado às CompanhiasPaulistaeMogiana,posteriormenteligadoaFEPASA,localizadoàsmargensdaVilaindustrialemsuaporçãonorte.

Se antigamente o complexo ferroviário representava a modernidade e oprogresso da cidade, passara com sua desativação a representar a decadência,devidoao“abandono” (poisocomplexoé tombadodesde1990)dosprédiosegalpões.

Emumaprimeira análise externa, ao observarmos as estruturas em ruínas,podemos concluir que não há função alguma associada a estes antigosremanescentes ferroviários, pois estes prédios à primeira vista não apresentamnenhuma função para a sociedade, porém, se consideramos a perspectiva domorador de rua e dos usuários de drogas, estes mesmo prédios abandonadosapresentam sim uma função, a de refúgio como abrigo, ou a de refúgio para oconsumodedrogas.

Esta metamorfose funcional acabou por conferir um novo conteúdosocioterritorial (SANTOS, 2004) a esta rugosidade. Houve uma mudançafuncionalsemmudançadaforma,porém,rompendocomacontinuidadehistórica

funcionaldoobjetotécnico.OComplexo Ferroviário foi tombado em 1990, no esforço de estabelecer

normativasparaoreconhecimentodopatrimôniohistóricoculturaldeCampinas,porém, os níveis de preservação são totalmente distintos, áreas preservadas,convivemcomáreasnasquaisamanutençãoéquaseinexistente.Osprédiosmaisbem preservados do complexo são aqueles aos quais foram vinculadas novasfunções,tantoemtermosdemelhoriasociaiscomoemtermosdepreservaçãodeaspectosculturais.

AEstaçãodaCompanhiaPaulista,porexemplo,apósumasériedereformas,passouaabrigarapartirde2003asededaSecretariadeCulturadeCampinas.Aentão denominada “Estação Cultura”, passou a oferecer uma série de cursostécnicos,alémdeoficinasdedançaeteatro,sendoutilizadatambémcomopalcoparaeventosculturaisdentreelesshowseexposições.

Outro exemplo notável de alteração na função original e preservação pelacontinuidade do uso ocorre nos prédios que formavam o conjunto denominadoImigração, sendo estes também pertencentes ao Complexo Ferroviário, porém,seu efetivo tombamento, aomenos até a conclusão deste trabalho, ainda estavasendoavaliadopeloCONDEPACC.

OsedifíciosforamconcebidosparareceberosimigrantesquechegavamaoEstadodeSãoPauloeficavamemquarentenaantesirtrabalharnaslavourasouindústrias da região. Os três edifícios começaram a ser construídos em 1887,ainda no período imperial, mas os trabalhos pararam e as obras só foramretomadasem1892efinalizadasem1904,simbolizandoaprimeiraintervenção,dopontodevistaadministrativo,daRepúblicaemCampinas(COSTA,2014).

Atualmente sua função é outra, pois os prédios demais de 100 anos hojeabrigamasededaEMDEC,empresamunicipalqueexecutaserviços,atividadesefunçõesassociadasàSecretariaMunicipaldeTransporte(SETRANSP).

Alémdestasduasgrandes instalaçõesassociadasà ferrovia,aindapode-seencontrarnaVia Industrialumasériede imóveisque serviramcomo residênciaaosfuncionáriosdaCompanhiaPaulistaedaCompanhiaMogiana.

Estesespaçoscompreendemumconjuntoarquitetônico,queenvolveasruasFrancisco Teodoro, Alferes Raimundo e Venda Grande, além das Vilas, hojetravessas, Manoel Dias e Manoel Freire, constituídas por ruelas deparalelepípedos. Estas casas construídas para abrigar a população operária deCampinas, representam um modelo exemplar de arquitetura de grande valorhistórico/cultural.

Apesar dos tombamentos, algumas dessas antigas residências chegaram àsruínas,comofoiocasodoconjuntodecasasdaVilaManoelFreire(quepossuisuaentradanaruaAlferesRaimundo).Apósotombamento,oconjuntoperdeusuafunção residencial, sendo esvaziadopeloDepartamentodeUrbanismoem1995paraarealizaçãodereformaseaconstruçãodeumCentroCultural,projetoestequenuncasaiudopapelequeconduziuosimóveisàsruínas.Posteriormenteestesimóveis foram ocupados por populações de baixa renda, no entanto estesmoradorestêmaguardadoaconstruçãodecasaspopularesparadeixaremolocal(SANTOS,2013).

Nas demais áreas tombadas, as moradias apresentam-se mais bempreservadas, pois sua função se manteve. A maioria da população que ocupaessesimóveistemefetivamenteconservadoosconjuntostombados.

Percebe-se assim, que todos os imóveis preservados ou relativamentepreservados (Estação Cultura, Imigração), apenas o estão pelo fato de teremobtido uma nova funçãomediante ao novo contexto emque estão inseridos, oupelo fato de terem estado permanentemente ocupados, preservando sua funçãooriginaldemoradia,comoéocasodasmoradiasapresentadas.

Outro exemplo de preservação associado à manutenção de sua funçãobásica,podeserverificadoatravésdoaindaativo,túnelsubterrâneodepedestres,queligaaruaFranciscoTeodoroaatualruaLindgerwood,jápróximaàEstaçãoCultura,passandoporbaixodoComplexoFerroviário.Estetúnelconstruídoem1918tevecomointuitoligarobairrooperárioaocentrocomercialeindustrialdacidade, aEstaçãodaCompanhiaPaulista e aCasadeMáquinasdaCompanhiaMogiana.

Como exemplo de conservação parcial de imóveis vinculados à ferrovia,temosascasasremanescentesdaantigaVilaRiza,queselocalizavamdentrodoComplexo Ferroviário. Nesse caso, apesar da abertura de um estudo detombamento pelo CONDEPACC, ocorreu a demolição parcial do conjunto dehabitaçõesferroviáriasdavilaparaaconstruçãodoTerminalMultimodalRamosdeAzevedoem2007.Atualmentedentrodaáreadoterminal,apenasquatrodasdezoito casas da antiga vila foram conservadas, sendo que três delas aindaaguardamumanovafunção,naquartacasafuncionaoMuseudoTrem.

Este acúmulo desigual de tempos, claramente identificado, está ligado aoiníciodoprocessoderevitalizaçãourbanísticadaáreadoterminal,umavezque,aáreapróximaàantigarodoviáriaeaonovo terminalapresentava-sealtamentedegradada, em especial pelo tráfico e consumo de drogas (principalmente nosgalpões e casas abandonadas juntos à linha férrea), esta primeira medidaconduziuem2010acriaçãodaLeiComplementarnº30,queacabouporcriaraÁrea Especial de Reurbanização do entorno do Terminal Multimodal deCampinas(AERTM),dentreoutrosefeitosderivadosdessalei,temosaimplosãodaantigarodoviáriadeCampinas(TerminalRodoviárioBarbosadeBarros)em28demarçode2010.

Nessecaso,apreservaçãodeapenasquatroimóveisdaantigaVilaRiza,nosremeteàideiadePatrimônioHistóricovinculandoumaconcepçãoconservadora,baseadaapenasnamaterialidadearquitetônica,destituindoosignificadohistóricodos processos e funções responsáveis pela existência destes antigos objetostécnicos, absorvidos por outras categorias de percepção, inclusive imateriais,ligadasàsherançasculturaisequeultrapassamosimples“olharparaasformas”,eisanecessidadedeseconsideraroconceitodetotalidadedeMiltonSantosnosestudos de tombamento, pois as casas remanescentes daVila Riza representammuitopoucoparaimersãodoindivíduonahistóriadaferroviaemCampinas.

Dentreosdemaisobjetosquenosremetemadiferentestécnicasutilizadasnopassado,mas que não possuem relação direta com a ferrovia, podemos citar aIndustriadeSedaNacional,oslazaretos,omatadouroeoscurtumes.

BoapartedestesimóveisforamdemolidosmuitoantesdoCONDEPACCserconcebido. Nos casos de total desaparecimento do objeto, não podemosconsiderar uma alteração de função, até porque nesses casos não há formasremanescentes, portanto, estes elementos não representammais rugosidades noterritório,poisemsuasantigasáreasexistemnovasestruturasmaismodernas.

Dentre as estruturas fabris que ainda encontram-se relativamente bemconservadas e que se associavam às estradas de ferro por questões logísticas,temos a Indústria de SedaNacional, que inaugurou seus edifícios em1923 e oCurtumeCantúsio,inicialmentedenominadoCurtumePaulistainstaladoem1911.

A Indústria Nacional de Seda constituía um grande complexo produtivo,sendosubsidiáriadaTecelagemdeSeda–Ítalo-brasileira–,permanecendoassimaté 1935 quando a Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo comprou asedificações. Cerca de 1000 operários trabalhavam no complexo, em diversossetores, dentre eles a seção agrícola, as seções de fiação, de torção, detecelagem, de contabilidade, o almoxarifado, as oficinas mecânicas e deeletricidade,amarcenariaentreoutros,sendosuaproduçãoescoadapelostrilhosdaCompanhiaPaulista.Dasedificaçõesoriginaissãoremanescentesachaminé,opátio interno da Seção de Fiação e o imóvel do Instituto de Sericultura. Oconjuntoapresenta-sefragmentadoabrigandoatualmenteaEscolaEstadualDomBarreto, o Jornal Correio Popular e o Almoxarifado Central da PrefeituraMunicipal de Campinas, sendo que estes dois últimos encontram-se na VilaIndustrialeapresentam-sebempreservadospelacontinuidadedouso,noentantopartedosimóveisfoidemolidaduranteaconstruçãodaAvenidaAquidabã.

O Curtume Cantúsio inaugurado em 1911 funcionou até 1990 e hoje seapresenta abandonado. Este imóvel representa de formamuito rica as políticasligadas às indústrias consideradas “impactantes” em Campinas no início doséculoXX.SuaconstruçãonobairroPiçarrãoem1911,distantedaáreacentral,remetediretamenteàspolíticasdeusodosoloqueproibiamqueatividadesdesteporte,consideradasprejudiciaisparaaqualidadedevida,fossemexecutadasnonúcleocentraldacidade,ocupadopelaelitecafeeirae industrial.Dessa forma,

nãosóoCurtumeCantúsio,comooutroscurtumes,oMatadouroMunicipaleosLazaretosdosVariolososedosMorféticos(leprosos)foraminstaladosdistantesdaáreacentral.

O curtume como objeto técnico está intimamente ligado à história dobeneficiamentodocouronopaís.OtratamentodomaterialparausonaindústriacalçadistachegouaoBrasilpormeiodetecnologiabelgaeaquifoiaperfeiçoadapormuitosanosempregandoumagrandequantidadedefuncionáriosaolongodosseus quase 90 anos de atividade. Em 1911 eram empregados escravos recém-libertos e crianças, as condiçõesde trabalhoerambemprecárias, situaçãoestabemdiferentedaencontradanadécadade1990,quandoa indústria foi fechadaporumasériededívidastrabalhistasedeimpostos.

A situação de abandono do Curtume Cantúsio nos últimos 20 anos temlevado sua estrutura à degradação principalmente por invasões relacionadas amoradoresderuaeusuáriosdedrogas,estefatoreforçaaideiadequesemousocontinuo ligado a uma possível refuncionalização, as rugosidades tendem a serdestruídas.

Ao lado do Curtume Cantúsio em 1915 foi instalado o Curtume FirminoCostadenominadoinicialmentecomoCurtumeBrasil,porém,esteimóvelnãofoitombado e apresenta-se degradado. A área do Curtume Firmino Costa foiadquirida em 2008 pela Camargo Corrêa Desenvolvimento Imobiliário, queincorpora a HM Construção. Esta construtora tem um grande projeto emtramitaçãonaPrefeitura,paraa implantaçãodecasas,prédiosepossivelmente,umshoppingnolocal(COSTA,2011).

Das demais estruturas instaladas na Vila Industrial, são poucas asremanescentes encontradas, o Lazareto dos Variolosos e o Lazareto dosMorféticos,assimcomooMatadouro,foramdemolidosjáhámuitasdécadas.

AestruturadaCurtidoraCampineiradeCalçados,instaladaem1882comonome de Curtume Campineiro apresenta-se altamente degradada. Sobre suasruínas funcionava a chamada Feira do Rolo aos domingos e o Centro deTradiçõesNordestinasqueabrigavafestasebailes.Ambosforaminterditadose

fechados no final de 2012 por ação do Ministério Público, Polícia Militar eDefesaCivil,pornãopossuíremcondiçõesdesegurançaehigiene,edasuspeitadevendademercadoriasroubadas.

Asnovasfunçõesnessecasonãoforamagregadasaoprédioemruínasesimà área abandonada; na verdade os responsáveis pela Feira do Rolo buscavamapenas uma área para efetivação do comércio de produtos, não há função ourefuncionalização da Curtidora neste caso, os negociantes tinham como intuitoapenas se estabelecer emuma área ampla, aberta e abandonada, o que poderiaocorreremqualqueroutraáreadacidade,estefatoécomprovadopelamigraçãoda feira para o bairro Campo Belo, próximo ao Aeroporto InternacionalViracopos,apósainterdição.

CONCLUSÃOA análise objetivada por esta pesquisa permitiu evidenciar como as

transformaçõestécnicas,queporconsequênciaconduziramaprofusãodeobjetostécnicos,alteraramasrelaçõessociaisnobairroatravésdostempos.

Se hoje a Vila Industrial apresenta dezenas de edifícios verticaisestabelecendoumaestruturacontínuaemrelaçãoàregiãocentral,amenosde100anosobairroeraconsideradocomoumlocaldistantedocentro,segregadosociale espacialmente do núcleo central, absorvendo todos os elementos daquilo queposteriormenteseriacompreendidocomoperiferia.

Averificaçãodestefatonestapesquisaocorreupelaanálisedavariaçãodatécnica,assimcomosuasubstituiçãonotempo,ouseja,buscou-seanalisarcomoobjetos técnicos anteriormente funcionais tornaram-se obsoletos, permanecendoemalgunscasos,materializadossobreumcontextodistintodaqueleemqueforamconcebidos,tornando-sesujeitosàsinfluências,negativasoupositivas,derivadasdasnovasformasurbanasassociadasàstécnicasmaisrecentes.

Dessaforma,nota-senodecorrerdestapesquisa,queemalgunscasosháumgrande descompasso entre as rugosidades tombadas e as medidas efetivas de

manutenção, pois muitos dos objetos tombados apresentam-se em ruínas peloabandono,sendoconstantementeinvadidos.Nessecontexto,asúnicasrugosidadesrelativamente preservadas se associam diretamente ao uso contínuo de suasinstalações, mantendo suas funções originais ou através da criação de novasfunções.

Todos os objetos técnicos do passado ou rugosidades presentes na VilaIndustrialsóseestabelecemefetivamentecomopatrimôniohistórico,casoaindapossuam funções, o abandono não conduz a imersão do indivíduo, muito pelocontrário,oafastadahistória.

O estudo de caso naVila Industrial, através da reconstrução analítica dasfunções dos objetos técnicos presentes em seus limites, permitiu ampliar acompreensãodagênesedaprópriacidadedeCampinasemtermosdeorganizaçãoe reorganização do espaço geográfico, pois a disseminação das técnicas pelasociedadenoespaçoenotemponospermitereconhecerquaisosvaloressociaiseconômicos e culturais de outros tempos, aproximando a análise geográfica daanálisehistórica.

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1OCurtumeCampinenseteveváriasrazõessociaiscomo:CortumeCampinense(1882);Cia.CortumedeCampinas(1910);CurtidoraCampineiraS.A.(1945);CurtidoraCampineiradeCalçadosS.A.(1979).

2Ao longodaEstrada deFerro Inglesa, estava localizadoo bairro daMooca, compreendido entre avárzea do Carmo e o Gasômetro, instalam-se algumas indústrias, dentre elas a Cervejaria Bavaria.(BLAY,1985).

3 Conhecido no passado comoMarco da Meia Légua, foi um local onde começaram a se instalaratividades comerciais e industriais, tornando-se posteriormente um bairro operário, essencialmente fabril(BLAY,1985).

ASPOLÍTICASDEREQUALIFICAÇÃOEAAPROPRIAÇÃODOPASSEIOPÚBLICO,EMFORTALEZA-CE

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ANALETÍ[email protected]

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UNIVERSIDADEFEDERALDOCEARÁ

INTRODUÇÃOAcidadecontemporâneaécompostaporespaçosdiferenciados,comformas,

usos e funções distintas, mas que se articulam. Nesse contexto, os espaçospúblicos aparecem como extraordinário objeto de investigação, haja vista oimportante papel que desempenham/desempenharam na formação da cidademoderna.

Diversas discussões a respeito dos espaços públicos emergemde forma aque se possam repensar seus usos pela sociedade e ainda, a atuação do poderpúblico no planejamento de políticas de requalificação nesses espaços.Encontramos em Gondim (2001) e Serpa (2013) outra dimensão; o espaçopúblico é vislumbrado sob a ótica simbólica e cultural ligada diretamente àsubjetividade e à percepção da sociedade que o produz e o consome. Talabordagemfazmençãoàquestãodamemóriaedaafetividade.

Em complementação, Gomes (2010) afirma que o espaço público é umcondicionante de existência para a cidadania. O espaço é trabalhado, nestecontexto, com a dimensão de território levando consigo questões de poder e

conflitossociais.EmSerpa(2013),apareceaindaareflexãodoespaçopúblicocomofocoda

açãopolítica,palcodeintervençõesassociadascadavezmaisàracionalidadedocapitalismo. Neste autor, observamos diversos questionamentos, como porexemplo,sobrequaisespaçospúblicostemosnaatualidadeequemsebeneficiadessesespaços,teoricamentecomunsatodos.

Paraquesemantenhaousodessesespaçospúblicosnacontemporaneidadeos mesmos têm sido palco de reformas e políticas de requalificação. Essarequalificação acontece em virtude do diálogo do poder público com o poderprivado em prol de determinados interesses. Em Lopes (2010) atentamos àdiscussão feita a respeito desta questão, comumente sob o mesmo recorteespacial:ocentrohistóricodeFortaleza.

É nessa perspectiva que sentimo-nos motivados enquanto geógrafos-pesquisadoresa trabalhareexploraressatemáticadoespaçopúbliconacidadecontemporânea, cujo enfoque se deu na Praça dosMártires emFortaleza,maisconhecidacomoPasseioPúblico,quedesdeoanode2007passaporpolíticasderequalificaçãourbana,aqualatentamosatéoanode2015.

OSESPAÇOSPÚBLICOSDAORLAFORTALEZENSEAcompreensãodoespaçourbanoestáligadaaopapeldosdiversosagentes

que o produzem, atuando diversamente, e implicam em sua dinâmica earticulação.SegundoCorrêa(1995),aaçãodessesagentesécomplexa,derivandodadinâmicadeacumulaçãocapitalista,dasnecessidadesmutáveisdareproduçãodasrelaçõesdeproduçãoedosconflitosdeclassequedelaemergem.

A complexidade da ação dos agentes sociais inclui práticas que levam a um constanteprocessodereorganizaçãoespacialquesefazviaincorporaçãodenovasáreasaoespaçourbano, deificação do uso do solo, deterioração de certas áreas, renovação urbana,relocaçãodiferenciadadainfraestruturaemudança,coercitivaounão,doconteúdosociale econômico das determinadas áreas da cidade. É preciso considerar, entretanto que, acada transformaçãodo espaçourbano, este semantém simultaneamente fragmentado earticulado, reflexo e condicionante social, ainda que as formas espaciais e suas funçõestenhammudado(CORRÊA1995).

Temosumasociedadeemprocessoconstantedeproduçãoereproduçãodoespaço urbano, fato este potencializado, segundo Carlos (2001), pelageneralização dos fluxos de informações emercadorias, tendendo assim a unirmercadoseproduzirumespaçomundialehierarquizado.Nessecontexto, temosuma cidade com dinâmicas rápidas e complexas inerentes à evolução dasociedadeesuasdemandas.

Podemos dizer que a cidade vislumbra uma nova ordem espaço-temporal,poisénelaemquepodemosobservarosindicativosdaconstantemodernizaçãodas relações sociais e como essas interferem namorfologia urbana. Assim, osespaços públicos na cidade são analisados e considerados como produtos daapropriaçãoporseususuáriosegeradoresdeidentidade.Nacondiçãodelugares– o calçadão, a praça central, a praça do bairro, a rua comercial, a rua deresidência,oparque–essesespaçospúblicospodemseranalisadosapartirdasformasdeapropriaçãoepelousodefinidonaspráticascotidianas.

Antesdeanalisaroprocessodeapropriaçãodoespaçopúblicoénecessáriodefini-lo.OespaçopúblicoéaáreadeusocomumepossecoletivapertencenteaoPoderPúblicoeporelegerenciadoefiscalizado.Estesespaços,emtese,sãoacessíveis a todasaspessoas, sediferenciamentre si e são locaisondeocorreumavariedadedemanifestações(SILVA,2009).

Os espaços públicos nãopodem ser entendidos apenas como componentesdaestruturadascidades.Énecessáriocompreenderseususoseassimvisualizarcomoasociedadedeleseapropria,explorandoseuspotenciais,comoolazer,porexemplo.Palcosdeumavariedadedemanifestações são, portanto, produtodaspráticassocioespaciais.

Os espaços públicos são delimitados e construídos pelo poder público.Partindo de uma visão simbólica, podemos dizer que esses espaços sãoconstituídos pelo espetáculo da tensão entre a diferença e a possibilidade decoabitação. Eles são assim a condição fundamental de expressão daindividualidade dentro de um universo forçosamente plural. Eles dependemdiretamente da afirmação do contrato social que o funda. Trata-se de uma

formalizaçãosocialquepossuiemsuabaseumadivisão territorialdaspráticassociais, seguindoa ideiadedireito ede justiça.Osespaços seestruturampelaaplicação de diferentes regras que classificam e hierarquizam territórios(GOMES,2012).DeacordocomAnaFaniCarlos,

O espaço se revela como instrumento político intencionalmente organizado, manipuladopelo Estado, nasmãos de uma classe dominante. Além disso, a ação do Estado – porintermédio do poder local – ao intervir no processo de produção da cidade reforça ahierarquiadelugares,criandonovascentralidadeseexpulsandoparaaperiferiaosantigoshabitantes,criandoumespaçodedominação(CARLOS2001).

Comisso,arelaçãoentredominaçãoeapropriaçãorevelaaformacomoseconstituiuoespaçourbano,resultantedasaçõesdoEstadoedosdiversosextratossociais.SegundoGomes(2012),acidadeéoterritórioprivilegiadodessamatriznamedidaemqueotecidourbanoécompostojustamentedarelaçãoentreessesdois processos fundamentais na produção do espaço e na reprodução dasociedade.

Oespaçopúblicoaquiécompreendido,sobretudo,comooespaçodaaçãopolíticaou,aomenos,dapossibilidadedaaçãopolíticanacontemporaneidade.Partindo dessa premissa, observamos que ele também é analisado sob aperspectiva crítica de sua incorporação como mercadoria para o consumo depoucos, dentro da lógica de produção e reprodução do sistema capitalista naescala mundial. Ou seja, ainda que seja público, poucos se beneficiam desseespaçoteoricamentecomumatodos(SERPA,2013).

Segundo Carlos (2001), as lógicas capitalistas contêm implicaçõesimportantesnousoenaapropriaçãodoespaçourbano,poislimitamascondiçõeseaspossibilidadesdeusodoespaçopúblicopelosseushabitantes,istoé,cadavezmais o espaçourbano, transformado emmercadoria, é destinado à troca, oquesignificaqueaapropriaçãoeosmodosdeusotendemasesubordinar,cadavezmais,aomercado.

Serpa(2013)colocaqueoespaçopúblicotransforma-se,portanto,emumajustaposiçãodeespaçosprivatizados,poiselenãoépartilhado,mas, sobretudo

divididoentrediferentesgrupos.Consequentemente,aacessibilidadenãoémaisgeneralizada,maslimitadaecontroladasimbolicamente.

A apropriação do espaço ocorrerá através das relações sociais, criadas apartir de seu uso, sendo assim responsáveis por moldar um sentimento depertencimentonaspessoas.Assim,Sobarzo(2006)mostraqueesseprocessodaproduçãoeapropriaçãodosespaçospelouso,gerarelaçõesquepodemserlidasnahorizontalidade,comoumametáforadetrajetóriasdepessoas,quenoseudiaadia, constroem (e são construídas), modificam (e são modificadas) e dão(encontram) sentidos ao (no) espaço público. Nesse contexto, a apropriaçãoexplorará a relação com o cotidiano e a construção de identidades e depossibilidades.

Aapropriaçãoincluioefetivo,oimaginário,osonho,ocorpo,oprazer,quecaracterizariamohomemcomoespontaneidade,comoenergiavital.Masessaenergiavitaltendearecuarà proporção que cresce a artificialidade domundo; ela é reelaborada do ponto de vistahumano,porque,atualmente,asrelaçõesdepropriedadeinvademdomínioscadavezmaisamplos da existência, alcançando costumes e alterando-os (SEABRA, 1996, apudSERPA,2013).

Alguns autores colocam a ideia de lugar como forma de aprimorar asanálisesdoprocessode apropriaçãodos espaçospúblicos, pois, como foiditoanteriormente, ele está ligado à construção de identidade das pessoas. Carlos(1996) conceitua lugar, partindo da tríade habitante-identidade-lugar, o definecomo: “a porção do espaço apropriável para a vida – apropriada através docorpo–dossentidos–dospassosdeseusmoradores,éobairro,éapraça,éarua [...]”. Contudo, Carlos (2001) aponta que “o cidadão não se apropriatotalmente da cidade”, assim, suas práticas socioespaciais são limitadas portrajetoseusosgeralmenterotineiroseporlocaispropíciosàapropriaçãoatravésde sentidos. Essa apropriação geralmente acontece em algumas parcelas dacidade e não totalmente.A cidade perde o seu significado historicista em facedestes novos processos de urbanização. Os lugares ganham novas identidades,incluindoopróprioconceitode lugar,quepassaa teralgumaresistência faceàsuaidentidade.

Assim, o espaço público concretiza-se através de uma forma, configuradoporumdesenhoqueodefineecaracteriza,tornandonumespaçoúnicoecomumaidentidade própria. A forma espacial tem uma dimensão organizacional e depoder, que se materializa através de um modelo conceptual e estrutural,desenvolvido de acordo com a intencionalidade de intervenção (NARCISO,2008).

Os espaços públicos em Fortaleza são marcados pela diversidade eheterogeneidade, principalmente os localizados no litoral. Nestas áreas,encontramos bairros de elites, com condomínios de luxo verticalizados, comotambém favelas, ocupando dunas, mangues, ou seja, áreas de risco social eambiental.

As transformações econômicas ocorridas a partir do século XIX queconsolidaramFortalezacomocentroeconômicodoEstadofoiumdosfatoresparaaconstruçãodessadiversidade/heterogeneidade.Asmudançasdeordemculturaltambémsetornarammaisevidentesnesseperíodo,oqueproporcionouàeliteseapropriardosespaçoslitorâneos.Acidadeconcentrava-senaáreacentral,ondese localizavam as residências, os comércios, as funções administrativas e asáreas de lazer.De acordo comDantas (2002), no final do séculoXIX, há umamudança de mentalidade, com a valorização dos espaços litorâneos paratratamentodesaúde,olazereoveraneio.

Acidadelitorâneo-interioranasedesenvolveconservandoligaçõespontuaiscomazonadepraia. Inicialmente, asmais frequentes, pormeio doporto, nascemdas necessidades deconsumodasclassesabastadasepropiciamaeclosãoeodesenvolvimentodeimportantecomércio local dependente da zona portuária. Posteriormente, as menos frequentesdecorrem das práticas terapêuticas, de recreação e de lazer das referidas classes(DANTAS,2002.p.31).

Apartirdoprocessodevalorizaçãodaorlafortalezenseespaçosdestinadosanteriormente às práticas de lazer apresentam novos usos, novas formas deapropriação, enquanto em outros pontos da orla novos espaços sãoimplementados como intuito de atender às novas práticasmarítimasmodernas.Ocorreamudançadeolhardaeliteemrelaçãoàzonadepraia,principalmentena

Praia de Iracema, litoral leste de Fortaleza. Esta deixa de ser o lugar dacontemplação e ganha importância com os banhos de mar, além de receberespaçospúblicosdelazer.

ComaurbanizaçãodaspraiasdeIracemaedoMeireles,políticaspúblicasque possibilitaram a construção de hotéis, pousadas, restaurantes, barracas eestaçõesaquáticas,alémde loteamentosearranha-céus.Esteprocessoproduziuuma cidade capaz de responder à demanda crescente por espaços de lazer eturísticosparaumdeterminadogruposocial.

Porvoltadadécadade1970aPraiadeIracema,influenciadapeloestilodevida europeu, passa a se fortalecer quanto às artes e boemia, com hábitosespecificamentenoturnos.Apartirdosanos1980essanovautilizaçãodoespaçofoi intensificada coma instalaçãodevariados restaurantes, umadimensãomaiscomercial eumanovadinâmicaparaaárea foi implantada sediferenciandodoredutoresidencial,quepredominavanadécadade1950.

Um desses novos equipamentos foi o primeiro calçadão construído naAvenidaBeira-Maremmeadosdosanos1970.OcalçadãodaPraiadeIracemafoiconstruídoemespaçoerodidopelomar.Apartirdaconstruçãodessecalçadãoazonadepraiatransforma-seemprincipalpontodeencontrodeFortaleza.Esseespaço abrigava bares e restaurantes, que exerceram um importante papel naatraçãodenovosusuários.DiferentementedaPraiadeIracema,aAvenidaBeira-Mar,ondeselocalizavaapraiapropriamentedita,serviacomopontodeencontrodasclassesabastadasdeFortaleza.Trata-sedelugardotadodeexcelentesbares,com música regional (principalmente o forró para os turistas) e de ótimosrestaurantes,aolongodocalçadão.Ousoestimulaavidanoturna,sendoofluxofraco durante o dia, provavelmente por causa da ausência de faixa de praia,importantenaatraçãodenovosatores(DANTAS,2002).

Nosanos1980novaslinhasdeônibusforaminauguradas,oquepermitiuoacessodepopulaçõespobres ao calçadãoe à zonadepraia.As classesmenosabastadastentam,apartirdessesnovosmeiosdemobilidade,apropriar-sedessesespaços de lazer, se deslocando de suas comunidades em direção à Avenida

Beira-Mar. Desde a década 1930, essa classe menos abastada tenta usufruirdessesespaçosdelazerreservadosparaasclassesdemaiorpoderaquisitivo.

Adiferençaésensívelnoqueserefereaovolumedestefluxoeaolugarqueosbanhosdesolocupamnasociedade, tornando-se,atualmente,mais importantedoqueosbanhosdemar (URBAIN apud, DANTAS 2002, p.). A presença desses atores, associada àpoluição, contribui para o deslocamento do lazer das classes abastadas para a praia doFuturo e para clubes profissionais: dos advogados, dos médicos, dos engenheiros, dosjuízesetc.(COSTAeALMEIDA,apud,DANTAS2002).

APraiadoFuturofoiaúltimazonadepraiaincorporadaàzonaurbanadeFortaleza. Localizava-se em área denominada de Sítio Cocó, na qualpredominavam usos tradicionais (COSTA, 1988). Assim, a Praia do Futuroincorporou-seaoespaçourbano,apartirdazonaportuária(PortodoMucuripe),através da população pobre que ali residia, e com as classes abastadas quefrequentavamaPraiadoMeireles.

Novosfluxossãogerados,sejapelapopulaçãopobreoupelaelite.Comaconstrução das avenidas Santos Dumont e Zezé Diogo e a implementação denovaslinhasdeônibus,asclassesmenosabastadastambémpassamafrequentaressazonadepraia.Clubesseinstalaramemterrenosdemarinhaenasredondezasas classes abastadas residiam em mansões. Já a classe média morava emapartamentos. Nas praias uma divisão no que diz respeito aos usuários quefrequentavamasbarracasdepraia.AslocalizadasnobairroVicentePinzónatéocruzamento das avenidas Zezé Diogo e Santos Dumont eram frequentadas pelapopulação de menor poder aquisitivo, já aquelas que estavam após estecruzamentoatendiamàsclassesabastadaemédia.

Os polos de lazer, assim como as praças, o passeio e os calçadõesconstituemumdosespaçospúblicosencontradosnaorla fortalezense.Nosanos1980,aPrefeituraconstróipolosdelazernaspraiasdoFuturoeBarradoCeará,destinadosaatenderàsclassesmenosabastadas.Essespolosexerciamumaforteatração por parte dessa classe. Ao redor desses polos bairros populares sedesenvolveram o que conduz à constituição de paisagem peculiar. Amaterialização desses novos espaços indicados anteriormente provoca a

consolidação de paisagem caracterizada por lugares em que predominam usostradicionaisedelazerdasclassesmenosabastadas.

Aadoçãodepolíticaspúblicas–comaconstruçãodecalçadõese,emmenorproporção,depolosdelazer–eprivadas,duranteosanos1980e1990,colocaemcenaumacidadelitorânea-marítima que se alimenta dos fluxos turísticos e de lazer. Estas políticaspropiciam a predominância dos lugares de consumo sobre os lugares de produção,marcadapelaextensãodaszonasocupadaspeloscalçadõesepelaafirmaçãodoscentrosdelazernapaisagemlitorânea(DANTAS,2002).

Essas mudanças estruturais interferem diretamente na dimensão social doespaçopúblico,poisalémdefomentaremaproliferaçãodestesespaços,reduzema qualificação dos espaços públicos ameros sobejos da urbanização, ou entãoatuam vinculados a um “zoneamento” de intervenção estratégica. Osmodos dereprodução do capital através do urbanismo e concretamente nas estratégiaspolíticasdeintervenção,emqueoespaçopúblicosurgecomoomotedeinduçãodo conceito das estratégias de promoção, cria-se na base de sustentação daespeculaçãoimobiliária(NARCISO,2008).

Apartirdosnovosarranjosmoldadosaolongodahistóriaurbanacearense,a cidade e rede urbana constroem uma nova lógica de racionalidade fundada,sobretudo, nas ligações litoral-sertão negligenciando ou posicionandosecundariamenteaszonasdepraiaeasligaçõescomolitoral.Nosanos1980,oEstadoestabeleceumapolíticapúblicadeplanejamentoterritorialquereforçaasligaçõesdeFortalezacomaszonasdepraia,contribuindoparaaconsolidaçãodenovosfluxosnaredeurbanaequeprivilegiamas relaçõescomo litoral.Dessaforma, Coriolano e Parente (2011) expõem, que a cidade é uma totalidade e aprodução espacial é um fato político, pois os espaços não são neutros. Elesderivam de políticas repletas de intenções, públicas, privadas ou de iniciativapopular.

Assim,aformacomosedeuaproduçãodeespaçosdelazeréindicativadesegregaçãosocioespacial.Osespaçospúblicosmesmosendopossibilitadoreseprodutosdasrelaçõessociaisnãopodemseridealizadoscomolocaisdeconvívioaprofundadodadiversidade.Essesespaçospossibilitamosencontroscasuaisse

adequando à lógica do sistema, este por sinal é desigual, pois o sistemacapitalistasefundamentanadesigualdade.

DELARGODEFORTALEZAÀPASSEIOPÚBLICOEm1864,duranteagestãodopresidentedaProvínciaDr.FaustoAugustode

Aguiar, foi iniciadaa construçãodoPasseioPúbliconoLargodaFortaleza,ouainda,CampodaPólvora,queeracomoeraentãodenominadaaprimeirapraçadepovoaçãodacidade.APraçadosMártires,ouPasseioPúblico,comoémaisconhecidapopularmente,aindaqueestenãosejaoutenhasidoumdeseusnomesoficiais,assimcomoCampodaPólvora,nomenclaturapopularcunhadaem1870,já recebeu diferentes nomes, sendo alguns deles: Largo da Fortaleza, Largo doPaiol,LargodoHospitaldeCaridade,PraçadaMisericórdiae,desde3deabrilde1879,PraçadosMártires.OLargodaFortalezaseconstituiucomoumadasprimeiras praças e recebeu este nome, pois se encontrava localizada nasproximidadesdaFortalezadeNossaSenhoradeAssunção.

Posteriormente a praça veio a ser chamada de Largo do Paiol, pois nelaexistiaumpaiolondeeraarmazenadapólvora,estandoestesituadonoângulodapraçaque,atualmente,estávoltadoparaaSantaCasadeMisericórdia,do ladodomar.

A praça também já foi denominada Largo doHospital daCaridade, nomequehomenageiaaatualSantaCasadeMisericórdia,quetevesuacriaçãoiniciadanoanode1847,propostapeloentãopresidentedaProvíncia,ConselheiroPadreDr.Vicente Pires daMota, e teve sua instalação em 14 demarço de 1861, napresidência doDr. AntônioMarcelinoNunesGonçalves. Ulteriormente, com oatual nome de Santa Casa daMisericórdia, a praça passou a ser chamada dePraçadaMisericórdia.

Epor fim,emsessãorealizadanaCâmaradosVereadoresdeFortalezanodia3deabrilde1879,porpropostadovereadorJoãoCâmara,apraçapassouaserchamadaPraçadosMártires,comajustificativadoprópriovereadorautorda

propostadequeamudançadonomeera“emmemóriadosbeneméritoscidadãosquealiforamsacrificadospelacausadaliberdade”,referindo-seàexecuçãonolocal,doslíderesdaConfederaçãodoEquador.

AConfederaçãodoEquadorfoiummovimentorevolucionárioepolíticoqueocorreunaregiãoNordestedoBrasilnoanode1824.Essemovimentoteveumcaráter emancipacionista e republicano. Recebeu este nome, pois o centro domovimento estava situado próximo à Linha do Equador. A revolta teve comocentro a província de Pernambuco, porém, irradiou-se rapidamente por outrasprovínciasdoNordeste,como:Ceará,RioGrandedoNorte,Paraíba,AlagoasePiauí,atravésdeumamensagemassinadaem2dejulhode1824porManueldeCarvalhoPaesdeAndrade,Presidentedajuntadegovernopernambucano.

NoestadodoCearáosprincipaisnomesquefizerampartedaConfederaçãodo Equador foram: Tristão Gonçalves de Alencar Araripe; João de AndradePessoaAnta;FranciscoMiguel Ibiapina;Padre InáciodeLoiolaAlbuquerqueeMelo Mororó; Luis Inácio de Azevedo, conhecido por Azevedo Bolão e;Feliciano JosédaSilvaCarapinima.Tendosidoexecutados, em1825,no localondehojesesituaaPraçadosMártires:AzevedoBolão,FelicianoCarapinima,FranciscoIbiapina,PadreMororóePessoaAnta.

SegundoCunha(1990,p.270)olocalondeseencontraaPraçadosMártireseramuitosignificativoparaavidasocialeculturaldoshabitantesdeFortaleza.Ao ser verificado que o local era bastante requisitado para passeios pelosmoradores quemoravamnas proximidades, foi idealizado transformá-lo emumPasseio Público, como era característico de cidades de Portugal e do Brasil.Assim, a área foi arborizada e nela foram instalados jardins, e para tornar oespaçomais frequentado, em1879, começoua tocar ali aBandadeMúsicado15ºBatalhão,efoiinauguradoumapistaparaqueosrapazespudessempatinar.

OPasseioPúblicorecebeuumgradilemtodooseuentorno,efoidivididoemtrêsplanosdistintosfrequentadosporclassessociaisespecíficas.DeacordocomCunha(1990,p.270)aspessoasdeclassealtafrequentavamaAvenidaCaioPrado,consideradadaselites,“cujasbatalhasdeconfetenocarnavalsetornavam

famosas”.AclassemédiafrequentavaaAvenidaCarapinimaeclassemaisbaixaaAvenidaPadreMororó.Segundoaautorasupracitada,aseparaçãodosplanosdeacordocomasclassessociais,sedeudeformaespontânea.

E assim era o Passeio: fatos divertidos, campanhas patrióticas, sangue derramado, vidasocial e cultural, local de passeios, retretas executadas pelas bandas do Batalhão doExército,doEstadoedaEscoladeAprendizesMarinheiros(CUNHA,1990,p.270).

Noanode1932asbelasgradesartisticamentedesenhadasquecircundavamo Passeio foram retiradas, e a partir daí o espaço entrou em decadência e foiperdendosuagrandeatratividade.Asociedadefortalezensepassouavoltar-seembuscadeoutrostiposdedivertimentoeentretenimento.

PASSEIOPÚBLICOEASMULTIFACESDAAPROPRIAÇÃOA cidade enquanto lócus privilegiado da relação de dominação e

apropriação revela a forma como se constituiu o espaço urbano, resultante dasações dos seus diversos agentes produtores.Logo, o tecido urbano é compostojustamente da relação entre esses dois processos fundamentais na produção doespaçoenareproduçãodasociedade.

Oespaçopúblicoprecisasercompreendido, sobretudo,comooespaçodaação política ou, ao menos, da possibilidade da ação política nacontemporaneidade. Partindo dessa premissa, observa-se que ele também éanalisadosobaperspectivacríticadesuaincorporaçãocomomercadoriaparaoconsumo de poucos, dentro da lógica de produção e reprodução do sistemacapitalista na escala mundial. Ou seja, ainda que seja público, poucos sebeneficiamdesseespaçoteoricamentecomumatodos(SERPA,2013).

Para Serpa (2013) discutir o papel dessa categoria de análise na cidadecontemporânea constitui-se em um desafio, não somente para aGeografia,mastambém para as outras ciências políticas, embora, segundo ele, pouco tenha aGeografiaseocupadocomadiscussãodoespaçopúblicourbano.

A apropriação do espaço ocorre pormeio das formas de uso, diretamente

ligado ao sentido de pertença dos habitantes da cidade. O processo deapropriaçãodoespaçopúblicosedáporrelaçõesdiáriasediretascomolugar,ondeos sujeitos da apropriação reinventamnovas formasdeuso e dão sentidoàquele lugar. Para Sobarzo (2006) o espaço da apropriação é o espaço dousuário;oespaçodovivido.Avidacotidianaremeteàrelaçãoentreespaçosderepresentação(vivido,concretos,subjetivos,apropriados)easrepresentaçõesdoespaço(abstratas,objetivas,dominadoras).

Paraaapropriaçãodoespaçopúblicoénecessárioqueelesejaconstituídodeacessibilidade,comoretrataSerpa,

[...]aacessibilidadenãoésomentefísica,mastambémsimbólica,eaapropriaçãosocialdos espaços públicos urbanos tem implicações que ultrapassam o design físico de ruas,praças, parques, lagos, shopping centers e prédios públicos. Se for certo que o adjetivo“público”dizrespeitoaumaacessibilidadegeneralizadaeirrestrita,umespaçoacessívelatodosdevesignificar,poroutro lado,algomaisdoqueosimplesacessofísicoaespaços“abertos”deusocoletivo.(SERPA,2007p.16).

A apropriação do espaço ocorrerá através das relações sociais, criadas apartir de seu uso, sendo assim responsáveis por moldar um sentimento depertencimentonaspessoas.Assim,Sobarzo(2006)mostraqueesseprocessodaproduçãoeapropriaçãodosespaçospelouso,gerarelaçõesquepodemserlidasnahorizontalidade,comoumametáforadetrajetóriasdepessoas,quenoseudiaadia, constroem (e são construídas), modificam (e são modificadas) e dão(encontram)sentidosao(no)espaçopúblico.

Nesse contexto, a apropriação explorará a relação com o cotidiano e aconstruçãode identidadesedepossibilidades.Aqui,oEstadopossuiumpapelimportante,poispreparaavidacotidiana,sistematizandoosusosdaqueleespaço.Opodermunicipal exercedomíniodo espaçopúblico, dopontodevista legal.Dessa forma, o espaçopúblico, reflete as tensões do processo de produçãodoespaçourbanoeosconflitosdeinteresses.

A partir disso, observa-se o Estado e a população atuando como agentesfundamentaisdesseprocessodeapropriação.Umapartirdomomentoqueproduztransformaçõesnoespaçoeorganizasuasformasdeuso,eooutroquandoatravés

das mudanças usufrui desse espaço trazendo-o para seu cotidiano e, assim,construindoumarelaçãodepertencimento.

Assim, o espaço público concretiza-se através de uma forma, configuradoporumdesenhoqueodefineecaracteriza,tornandonumespaçoúnicoecomumaidentidade própria. A forma espacial tem uma dimensão organizacional e depoder, que se materializa através de um modelo conceptual e estrutural,desenvolvido de acordo com a intencionalidade de intervenção (NARCISO,2008).

Aoanalisaroespaçourbanodevemosconsiderá-locomoproduto,condiçãoe meio do processo de reprodução das relações sociais. Portanto, conformeCarlos(1994,p.24),“sedeumladooespaçoécondiçãotantodareproduçãodocapital quantoda vida humana, de outro ele é produto e nesse sentido trabalhomaterializado.Aoproduzirsuascondiçõesdevida,apartirdasrelaçõescapital-trabalho, a sociedade como um todo, produz o espaço e com ele ummodo devida,depensar,desentir”.Sendoassim,aproduçãoespacialmostra-sedesigual,posto que o espaço urbano encontra-se associado à produção social capitalistaquese(re)produzdesigualmente.

Aapropriaçãodacidadepelocidadãoestáligadaaovalordeusoeàquiloque Lefebvre (1991) denominou “ordem próxima”; a dominação encontra-seligadaaovalordetrocae,também,à“ordemdistante”.Énaordempróxima–eatravésdela–queaordemdistantepersuadeecompletaseupodercoator.Nessesentido,argumentaLefebvre(1991,p.46)que“acidadeéumamediaçãoentreasmediações. Contendo a ordem próxima, ela a mantém; sustenta relações deprodução e de propriedade; é o local de sua reprodução. Contida na ordemdistante,elasesustenta;encarna-a;projeta-asobreumterreno(olugar)esobreumplano,oplanodavidaimediata”.

Aspraçasparaaceitaçãodapopulaçãodevemconteremsuaessência,fatoshistóricos remanescentes à sua edificação. O qual traduzam aos usuários emoradorescontemporâneosasuaimportânciaculturaleseconstituamemespaçoscoletivos,cujavivênciadolazererecreaçãonocotidianodosmoradoresgarante

oexercícioplenodacidadania.Alémdisso,éumlocalpúbliconoqualrefleteahistóriadolugar,comsuascorrelações,interpretaçõeserepresentatividades.

Oespaçourbanosemodificaeapraçaacompanhaessastransformaçõesquerepresentamumanovaconfiguração,ondeantigascaracterísticasdesapareceram,emfunçãodasadaptaçõesdeumnovocenáriodapraça,sejaemâmbitosocial,econômico,paisagístico,bemcomonasconcepçõesideológicasdelugar.

Nessesentido,destaca-seapraça,poisse tratadeumlocal representativoparaacidadecomtodososseussignificadoseemotividades.Apraçaéumlocalimportante nas áreas urbanas que serve como ponto de partida, também para aanálise espacial que possibilite o resgate do processo de formação da cidade,revelandoasrelaçõesentreohomemeanaturezanasuaconstrução.

A Praça dosMártires (Passeio Público) além de ser considerada um doslugaresmaisantigosdeFortaleza,étambémcenárioelócusdasociabilidadenopassado.Adiferenciaçãosocialentreaspráticas,comportamentosecostumesdosusuários evidenciavam, a partir dos três planos e a vinculação dos mesmos agrupossociaisdiferentes:

Os grupos da Caio Prado (1º plano) representantes da “fina sociedade local” sãoreconhecidos como educados, reservados e “pedantes”, as mulheres são casadas ousenhorasidosasqueusamroupasdesedaebrilhantes.Enquantoisso,naCarapinima(2ºplano), os usuários da classe média são mais gentis, delicados e corteses, as mulheresusamcapasbordadaserespondemaoshomensdeformaquelhesincitamprazer,porissoéolugaremquehomensdealtopoderaquisitivoencontramseusamores.JánaMororó(3º plano), os usuários representantes da “ralé” são contentes, as jovens riem, correm,desfrutamdeamplaliberdade.Éolugarondesevêempurrões,apertos,beliscõesebeijosentreosusuários.(LOPES,2013,p.32).

Percebe-se que a distinção entre os usuários do Passeio Público eracaracterística da sociedade da época: estratificada em “classes” sociaisdiferentes. Nesse contexto, o Passeio Público tornava-se um lugar de lazer dasociedadefortalezenseesociabilidadedosgrupose,ainda,umcartãodevisitadeFortaleza.

Considerado os tempos de belle époque, (LOPES, 2013) afirma que éprecisoconsiderarduasfasesdesseperíodo.Aprimeirarefere-seaosplanosde

reestruturaçãoeexpansãourbana,noqualoPasseioPúblicoeoutrasedificaçõesestavaminfocoporqueeramrepresentativasdoprocessode“modernização”dereformas urbanas em Fortaleza. A outra face do crescimento gerado na belleépoque levaemconsideraçãoaconcentraçãodepessoasnacapitaloriundasdointeriordoCearádevidoàssecas.

Devido aograndenúmerodemigrantesoriundosdo interior doEstado, aspráticas culturais ora mesclavam-se ora separavam-se entre elementosconsiderados“atrasados”(práticasda“culturalocaldointerior”)e“modernos”(práticasalinhadascomosideaisdecivilidadeeprogressodifundidospelas36metrópolesmundiaisdaépoca).Nasrelaçõessociaisdaeliteurbanaprevaleciaaculturadoafrancesamento,noqualosindivíduosutilizavamtermosfrancesesnolinguajar, nos nomes de lojas e produtos. A literatura francesa e os valoresfilosóficostinhamfortepenetração,as“moçasdeboafamília”oriundasdaeliteurbanacultivavamamúsicaeruditaeaaprendizagemdofrancêsedoinglês.

A partir da década de 1930, o crescimento de Fortaleza se intensificouprincipalmentenoqueserefereàpopulação,corroborandoparaaespacializaçãoe expansão das áreas urbanas, resultando numa aceleração da “deterioração” e“degradação”dobairroCentro,quepermaneceuatéaprimeiradécadadonovomilênio.

No período considerado áureo da cidade, o Passeio Público tornou-se oespaçode sociabilidadedaelite cearense.Emboraesseperíodo fossemarcadopor forte diferenciação entre “ricos” e “pobres”, entre práticas consideradas“atrasadas” e “modernas”, prevalecia a belle époque dos ricos, pois já nesteperíodo a elite se apresentava como legitimadora dos espaços. Desta forma,(LOPES, 2013, p. 44) afirma que “o tombamento do Passeio Público foicircunscritoaumrecortecronológicoedemonstraavalorizaçãodepersonagensemblemáticosefazreferênciaaepisódiosmilitares”.

Assim,oPasseioPúblicofoitombadoem1965peloInstitutodoPatrimônioHistórico e Artístico Nacional (IPHAN) e, passou por uma restauração, querecuperoubancos,gradis,fontes,estátuasejardins,alémdeumnovoprojetode

iluminação,beneficiandoosfrequentadoresdolocal.ApróximareformadoPasseioPúblicoocorreudepoisdemaisdequarenta

anosapósoseutombamentoanívelfederal.Asobrasderequalificaçãoficaramacargo da Prefeitura de Fortaleza e, posteriormente tomou as manchetes dosjornais.Arestauraçãofísicaepaisagísticadeacordocomostraçosoriginais,decaráter predominantemente técnico, foi concluída em outubro de 2007. Já osprojetosquevisamosusoseasrelaçõessociaispraticadasnoespaço,decaráterpredominantementepolítico,iniciaramapósareinauguraçãoepermanecematéosdias atuais. A intervenção no Passeio Público ocorreu, principalmente, devidoaosatributoshistóricos,culturaisepaisagísticosqueosgestorespúblicoslegamaoimagináriosocial.

Visandoàrequalificaçãodoespaço,queporanosganhouafamadeserumredutosomentedeprostitutasemendigos,aPrefeituradeFortaleza,pormeiodaSecretaria Municipal de Cultura, vem realizando ações sociais, comoapresentaçõesteatraisemusicais,contaçõesdehistórias,lançamentosdelivroseatépiqueniquesnosfinsdesemana.

Destaforma,saborososencontrosacontecem,regadosàbrisaeaocantodospássarosquemostramsuagraçaaopousarememtodososcantinhos,embalandooscasaisapaixonadoseintegrandoaindamaisasfamíliasquealiseencontram.

OmaisimportanteasedestacaréqueestelocalrepresentaumadasmaioresreferênciasdahistóriadacidadedeFortalezae,quemereceodevidorespeitoeatençãoporpartedosgovernantes.Sobretudo,de todosos fortalezenses,comointuito de fortalecer ainda mais a identidade cultural do Centro Histórico dacapitalcearense.

POLÍTICAS DE REQUALIFICAÇÃO URBANA: O CASO DO PASSEIOPÚBLICO

SegundoBarreira(2001),oPasseioPúblicofoiidealizadoinicialmentepeloGovernadorDr.FaustoAugustodeAguiaremmeadosdoséculoXVIItendosua

obra iniciada em 1864. A praça resulta da influência da Belle Époque emFortaleza, nesse período, os fortalezenses eram influenciados pelos padrõesculturais europeus, principalmente franceses e ingleses, na vida cultural e nadimensãoestética.ApraçaconstituíaparaoscidadãosdeFortalezaumespaçodecaminhada, passeio e encontros casuais; lá as pessoas, como exemplo,costumavam sentar nos bancos, ver o pôr do sol, sentir a brisa vinda domar,conversar e fazer piqueniques.Emvezde pagar para ir ao circo e ao teatro, asociedadepoderiaseapropriardesseespaçopúblicodelazergratuitamente;umainteressantenovidadenaquelaépoca.

A cidade foi se transformando e a partir da década de 1920 é possívelperceber umamudança da elite – do centro – para bairros como Jacarecanga,Benfica e Praia de Iracema, motivada principalmente pela procura de espaçosmais calmos, influenciados pelo discursomédico higienista (COSTA, 2014).Aimplementação do transporte público no século XX, intensificou essedeslocamento das classes médias e da elite em direção a bairros distantes docentro (DANTAS,2009).Comisso,ocentrodeixadeserpredominantementeolugar de moradia e lazer, se convertendo em centro da periferia e lugarmajoritariamentedocomércio.

O Centro que antes era frequentado/habitado pela elite passa por ummomentoderefuncionalizaçãoedecadênciadecertosusosdosespaçospúblicos(as praças que antes tinham a utilidade do lazer se convertem em terminais detransportepúblico,porexemplo),devidoanovascentralidadesnoespaçourbano(SILVAeGONÇALVES,2012).Nesse contextoosusuáriosdoPasseioPúblicoforamencontrandonovasalternativas,dandomargemàconstituiçãodenovosusosconsideradospelasociedadeelitizadacomomarginais,exclusos.

Emvirtude dos novos usos fortificados como passar dos anos, o PasseioPúblicose tornouobjetodeatençãoeproposiçãode ideiasquemudassemessequadro. Regras de convívio e de utilização do espaço público, que segundoDantas (2009), possuíam uma razão ordenadora, de disciplinamento e controlesocial, visando à destinação social da cidade pela elite de Fortaleza. Tais

propostas estabelecidas são importantes para mostrar quanto o poder públicoarticulaváriasestratégiasparaconstruirumespaço.

É durante a gestão da Prefeita Luiziane Lins (2005 – 2008), com slogan“FortalezaBela”queseintensificaramaspolíticasderequalificação,sendoestauma prática de proteção de espaços urbanos expostos à “degradação” e a um“desvio”defuncionalidadequeprocuragerarnovasatividadesmaisadaptadasaocontextocontemporâneo(PEIXOTO,2009).SegundoLopes(2013)asdiscussõessobrerequalificaçãodoPasseioPúblicosurgemnaSecretariaExtraordináriadoCentro (SECE) em2006.Nestas discussões participaram tambémalguns outrosrepresentantescomoInstitutodePesquisaAméricoBarreira(IPAB),SecretariadeCultura de Fortaleza (SECULTFOR), Associação Comercial do Ceará (ACC),ColégioMilitardeFortalezaeMovimentoAmigosdoCentro.

Desde2007oPasseioPúblicoéadministradopelaSecretariadeCulturadeFortaleza (SECULTFOR), a qual busca facilitar e organizar as atividades,autorizando, selecionando e elaborando projetos que visem à requalificação.Aação dos guardas municipais se manifesta na tentativa de disciplinarização doespaço, pois eles têm a função de reprimir os distúrbios, manter a ordem eremover o “estigma”, passando a determinar a frequência de pessoas na praça,inibindo a presença dos moradores de rua, das prostitutas, para torná-la umambientemaisfamiliar.Outrasatividadespropostassão:PiqueniquenoPasseio,Feijoada, atividades culturais, eventos ou atividades particulares e o quiosqueCaféPasseionoqualvisachamaratençãodapopulaçãoparaoaspectocultural,artístico e histórico. Além das atividades promovidas pelo poder público, hátambém a utilização do Passeio Público pela iniciativa privada, promovendoalgunseventoscomo:casamentos,aniversárioseoutros.

A requalificaçãodoPasseioPúblico desde a gestão deLuizianeLins bemcomoaatualgestãodoprefeitoRobertoClaudiobuscouebuscaresultadostantodo ponto de vista estrutural como simbólico; identificam-se três noções quefundamentaramosgestorespúblicos:a(re)construçãodeumamemóriacoletiva,aremoçãodeum“estigma”eadisciplinarizaçãodoespaço.Emvirtudedoquese

expôsanteriormentea respeitodacidadedeFortaleza, suas transformaçõeseoPasseioPúblicoenquantoespaçodeapropriaçãosocialepalcodeintervençõesdopodermunicipalassociadoàsiniciativasprivadas,surgiramalgumasquestões.

CONSIDERAÇÕESFINAISA apropriação dos espaços públicos é atualmente condicionada por

elementos,asegurançaocasionadapelapresençadeguardaséexemplodisso;apresença de umamemória coletiva e afetiva também condiciona a apropriaçãodessesespaçospelasociedade,poissemelanãoexisteumavalorizaçãodessesespaços,deixando-osàmargemparaadquirirnovasfuncionalidades.

Côrrea (1989) ao analisar a estrutura da cidade, classifica seus processosespaciais. Segundo ele os originários de uma estrutura econômica são três:centralização, descentralização e coesão. Segundo o autor os processos dedescentralizaçãogeramnúcleosdeordemsecundária,podendoserchamadosdenovascentralidadesousubcentros.Osespaçosqueantescentralizavammúltiplasfuncionalidades, durante esse processo de descentralização acabam dandomargensàformaçãodenovasestruturaseusos.

Para Peixoto (2009), as requalificações urbanísticas estão relacionadas auma proteção de equipamentos e infraestruturas expostos à degradação e àobsolescênciafuncional.Fazendoadistinçãodoquesejaarevitalização–aqualestá dirigida às edificações, a função residencial – diz que a requalificaçãodirige-se à mudança funcional de um determinado espaço, (re) introduzindo“qualidadesurbanasdeacessibilidadeoucentralidadeaumadeterminadaárea”,estandoestacentralidaderelacionadaaocontextocontemporâneo.

ValeressaltarqueprojetosderequalificaçãodepraçasecentrosnãoéalgoexclusivodeFortaleza;temosSalvador,JoãoPessoa,BerlimeNovaYorkcomoexemplo. As ações promovidas por esses projetos de requalificação podemcausarmudançasestruturaisqueacabaminterferindonovalorsimbólicodadoaosespaçosapartirdasmudanças,ondeosnovosusosnaverdadeestãorelacionados

ausosqueseperderamnotempo.Éimprescindíveloentendimentodessesusosque constituem os espaços públicos, que no cotidiano liga-se à gestação depossibilidadesesubversões.

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