A África em mapas europeus antigos e modernos (Atividade do curso de formação: Procedimentos...

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A ÁFRICA EM MAPAS EUROPEUS ANTIGOS E MODERNOS. José Rivair Macedo (Dep. De História – UFRGS) Os mapas são representações gráficas da superfície curva e tridimensional do planeta, ou de parte dele, em projeções bidimensionais, planas. Os signos aí inscritos têm a finalidade de representar o espaço geográfico, que aparece projetado em escala reduzida, e o campo de estudo em que se insere a concepção, elaboração e estudo dos mapas é a cartografia. Muito antes do aparecimento da cartografia moderna, os mapas eram elaborados com finalidades práticas, como suporte ou auxílio aos viajantes ou às autoridades constituídas; ou com finalidades simbólicas: tornar visível, através de uma projeção, a forma do mundo, dos continentes, países e regiões. A precisão e objetividade das representações cartográficas dependeram não apenas das condições técnicas disponíveis e de instrumentos que permitissem a medição e análise do espaço geográfico, mas dependeram também dos conhecimentos acumulados a respeito de espaços mais ou menos explorados, e mesmo de condicionamentos culturais, simbólicos e religiosos existentes no momento em que determinado mapa estava sendo elaborado. Observe abaixo o conjunto de mapas ou partes de mapas selecionados, e avalie as formas pelas quais a África e os africanos aparecem representados. Considere que a seleção obedeceu a um critério cronológico e a um critério cultural: os mapas foram elaborados entre os séculos XII-XIX, na Europa. Os mais antigos pertencem ao período histórico denominado Idade Média, em que a visão de mundo era caracterizada por uma perspectiva religiosa , teocêntrica, de orientação cristã. Os demais foram elaborados entre os séculos XVI-XIX, quando os desenvolvimentos técnicos, científicos e filosóficos deram suporte a uma visão de mundo humanista, racionalista e progressivamente científica. Esta mudança de perspectiva está relacionado com a ampliação do conhecimento do planeta pelos europeus, ocorrida durante as navegações e a expansão marítima nos séculos XV-XVI, e de uma crítica dos fundamentos tradicionais do conhecimento realizada desde o Renascimento, nos séculos XV-XVI, até o Iluminismo, no século XVIII, e o cientificismo que acompanhou a Revolução Industrial, no século XIX. Mas em todos os casos, a transposição da visão de mundo européia foi feita a partir de uma perspectiva etnocêntrica, pela qual a Europa tendeu a ser tomada como modelo de civilização e de cultura, sendo colocada no centro do mundo.

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A ÁFRICA EM MAPAS EUROPEUS ANTIGOS E MODERNOS.

José Rivair Macedo (Dep. De História – UFRGS)

Os mapas são representações gráficas da superfície curva e tridimensional do planeta, ou de parte dele, em projeções bidimensionais, planas. Os signos aí inscritos têm a finalidade de representar o espaço geográfico, que aparece projetado em escala reduzida, e o campo de estudo em que se insere a concepção, elaboração e estudo dos mapas é a cartografia.

Muito antes do aparecimento da cartografia moderna, os mapas eram elaborados com finalidades práticas, como suporte ou auxílio aos viajantes ou às autoridades constituídas; ou com finalidades simbólicas: tornar visível, através de uma projeção, a forma do mundo, dos continentes, países e regiões.

A precisão e objetividade das representações cartográficas dependeram não apenas das condições técnicas disponíveis e de instrumentos que permitissem a medição e análise do espaço geográfico, mas dependeram também dos conhecimentos acumulados a respeito de espaços mais ou menos explorados, e mesmo de condicionamentos culturais, simbólicos e religiosos existentes no momento em que determinado mapa estava sendo elaborado.

Observe abaixo o conjunto de mapas ou partes de mapas selecionados, e avalie as formas pelas quais a África e os africanos aparecem representados.

Considere que a seleção obedeceu a um critério cronológico e a um critério cultural: os mapas foram elaborados entre os séculos XII-XIX, na Europa. Os mais antigos pertencem ao período histórico denominado Idade Média, em que a visão de mundo era caracterizada por uma perspectiva religiosa , teocêntrica, de orientação cristã. Os demais foram elaborados entre os séculos XVI-XIX, quando os desenvolvimentos técnicos, científicos e filosóficos deram suporte a uma visão de mundo humanista, racionalista e progressivamente científica.

Esta mudança de perspectiva está relacionado com a ampliação do conhecimento do planeta pelos europeus, ocorrida durante as navegações e a expansão marítima nos séculos XV-XVI, e de uma crítica dos fundamentos tradicionais do conhecimento realizada desde o Renascimento, nos séculos XV-XVI, até o Iluminismo, no século XVIII, e o cientificismo que acompanhou a Revolução Industrial, no século XIX. Mas em todos os casos, a transposição da visão de mundo européia foi feita a partir de uma perspectiva etnocêntrica, pela qual a Europa tendeu a ser tomada como modelo de civilização e de cultura, sendo colocada no centro do mundo.

MAPAS ANTIGOS E MODERNOS: SÉCULOS XII-XIX

Mapa em diagrama extraído de um manuscrito do século XII que ilustra o Liber Etimologiarum, de Isidoro de Sevilha. Trata-se de um exemplar de Mapa T.O.. As representações do planisfério denominadas T.O. (Orbis Terrarum) obedeciam a critérios simbólicos e religiosos vinculados ao mundo cristão. A circunferência da Terra em forma de “O”, cortada pelo “T”, mostrava-se rica em possibilidades de leitura. Sugeria em primeiro lugar a idéia de totalidade, porque o círculo era formado pelo Mar Oceano – que funcionava como o limite do mundo conhecido. Por sua vez, as três partes formadas pelo “T” (Ásia, Europa e África) lembravam a idéia da trindade (Pai, Filho e Espírito Santo).

Fólio do manuscrito do Líber Etimologiarum, de Isidoro de Sevilha, impresso em 1472 em Augsburg, Alemanha, por Gunther Zainer, com mapa T.O. (Acervo da Foundation of Western European Cartography, Texas, USA).

Detalhe do fólio do manuscrito do Liber Etimologiarum impresso em 1472 em Augsburg. A representação trinaria lembra a passagem bíblica segundo a qual, após o dilúvio universal, o mundo teria sido povoado pelos descendentes dos três filhos de Noé: os asiáticos descenderiam de Sem, o filho mais velho; os europeus descenderiam de Jafet, o filho mais novo; e os africanos descenderiam de Cam, o filho do meio - que teria zombado da nudez e embriagues paterna, sendo amaldiçoado.

Mapa de 1234 atribuído a Gervásio de Tilbury, conhecido como Mapa de Ebsdorf. Observe que a Terra é cercada por mar, e que o globo assume a forma do corpo de Cristo, com a cabeça acima e os pés abaixo.

Detalhe da parte central do Mapa de Ebsdorf: Cristo e Jerusalém aparecem representados no centro do mundo.

Fólio do Atlas Catalan, elaborado em 1375 pelo cartógrafo judeu Abrahan Gresques na Ilha de Majorca, doado ao rei Carlos V da França (Acervo da Bibliothèque Nationale de France). Trata-se de um exemplar de cartas geográficas denominadas portulanos, e tem a intenção de descrever as rotas de comércio que cruzavam o deserto do Saara. Na parte de baixo podem-se ver um mercador tuareg atravessando o deserto num camelo e um governante negro segurando uma pepita de ouro - que costuma ser associado a Mansa Mussa, que governou o antigo Mali nas primeiras décadas do século XIV.

Mapa português de 1502, de autoria anônima, conhecido como Planisfério de Cantino, em que aparece a primeira representação cartográfica dos descobrimentos portugueses (Acervo da Biblioteca Estense, Módena, Itália).

Detalhe do mapa denominado Theatrum orbis terrarum, desenhado pelo cartógrafo flamengo Abraham Ortelius em 1564 (Acervo da Library of Congress, USA).

Ilustração do capítulo XVIII do livro Geographia, publicado por Sebastian Munster em Basiléia no ano de 1540. Observe a presença dos animais, a representação das rotas de

comércio e o desenho da caravela que se aproxima do continente.

Detalhe da ilustração anterior, com a representação de um monstro de um olho só (monoculi).

Representação da África Ocidental no Livro de todo ho Universo, elaborado por Lázaro Luís em Lisboa no ano de 1563 (Acervo da Academia das Ciências de Lisboa). As linhas demarcatórias e anotações dos nomes de lugares no litoral sugerem o avanço do conhecimento dos europeus no contexto da expansão marítima. Na região do Golfo da Guiné aparece desenhada uma fortaleza portuguesa, provavelmente a feitoria de São Jorge.

Mapa dos reinos do Congo e de Angola, na parte ocidental da África Central, elaborado pelo cartógrafo Willelm Janszoon Blaeu, Amsterdã, 1662 (Acervo da University of Virginia Library, USA)

Mapa do Golfo da Guiné. Detalhe da obra Theatrum mundi, de Willem Janszoon Blaeu, Amsterdã, 1668 (Acervo da Brown Library and Brown University, USA). Note a presença da caravela, do comércio de marfim e a representação dos animais africanos.

Representação da África austral, com o reino do Monomotapa, situado nos atuais Zimbábue e Moçambique, e a região denominada Cafrarie, por Alain Manesson Mallet, 1683.

Mapa da África do Sul, intitulado Aethiopia inferior vel exterior, publicado pelos cartógrafos Gerard Leendertsz Valck e Pieter Shenk, cerca de 1695.

Mapa da África ocidental por Emmanuel Bowen, intitulado A new and accurate map of Negroland, Londres, 1747.

Mapa da África ocidental em que aparece representada a região do Golfo da Guiné, elaborado por Homannsche Erben, Nuremberg, 1743 (Acervo de mapas da Royal Library, Copenhague). Observe as atividades de trabalho realizadas pelos guineenses e a exploração do marfim, que era uma das matérias-primas valorizadas no comércio internacional.

Mapa de Angola: litografia em papel elaborada por Sá da Bandeira e Fernando da Costa Leal, Lisboa, 1870 (Acervo da Biblioteca Nacional de Lisboa)

Mapa decorado com cenas e regiões da África, publicado em 1890 pela editora Brokhouse, em Leipzig, Alemanha.

Cartoon com o empresário Cecil Rodhes (1853-1902), representado sobre o mapa da África. Rodhes foi um dos mais importantes exploradores das riquezas minerais africanas, sobretudo ouro e diamantes, através da companhia De Beers Mining Company. O desenho foi feito logo após o anúncio de que ele iria mandar construir linhas telegráficas e rede ferroviária que ligariam a Cidade do Cabo, na África do Sul, ao Cairo, no Egito, em 1892.

REFERÊNCIAS DE PESQUISA

MAPAS DISPONÍVEIS NA INTERNET:

Bibliothèque Nationale de France (http://gallica.bnf.fr/)

DIGMAP - discovering our past world with digitalized maps

(http://www.digmap.eu/doku.php)

Early world maps. In: Wikipedia: (http://en.wikipedia.org/wiki/Early_world_maps)

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(http://hitchcock.itc.virginia.edu/Slavery/index.php)

Mapsorama: the world at your hand (http://www.mapsorama.com)

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http://pt.calameo.com/read/00006161621117611e585) BRAUDE, Benjamin. “Cham et Noe: race, esclavage et exegese entre islam, judaisme et christianisme”. Annales HSS, vol. 57, 2002, pp. 9-125.

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