DISTRIBUIÇÃO AUTOMÓVEL E AS REGRAS DE CONCORRENCIA; O TRATAMENTO DIFERENCIADO RELATIVO ÀS VENDAS...
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DISTRIBUIÇÃO AUTOMÓVEL E AS REGRAS DE
CONCORRENCIA; O TRATAMENTO DIFERENCIADO RELATIVO ÀS VENDAS
DE VEICULOS NOVOS E AOS SERVIÇOS DE PÓS-VENDA.
ISABEL FORTUNA DE OLIVEIRA 1
1. Enquadramento geral.
A Comissão adoptou em Abril de 2010 um novo
“pacote” de regras de concorrência aplicável à distribuição
dos veículos automóveis: o Regulamento de Isenção por
Categoria 461/2010 (RIC)2 e respectivas Linhas de
Orientação (Guidelines 2010)3; mais recentemente foi publicada
uma brochura contendo um conjunto de respostas às questões
mais significativas suscitadas pelos variados agentes
económicos que assim pretendiam um esclarecimento adicional
sobre a aplicação das regras da concorrência aplicáveis ao
sector automóvel4.
Em linhas gerais, o RIC determina dois modelos de
regras aplicáveis a dois mercados que tradicionalmente são
considerados distintos:
a) O mercado de venda de veículos automóveis, o
qual manter-se-á submetido às regras previstas no
1 - Professora Auxiliar Convidada, Universidade de Aveiro, Portugal.2 - Regulamento (UE) nº 461/2010 da Comissão, de 27 de Maio de 2010,relativo à aplicação do artigo 101 nº3 do Tratado sobre o Funcionamentoda União Europeia a certas categorias de acordos verticais e práticasconcertadas no sector dos veículos automóveis- JO L 129 de 28.05.2010.3 - Orientações complementares relativas às restrições verticais nosacordos de venda e reparação de veículos a motor e de distribuição depeças sobressalentes para veículos a motor- JO C 138 de 28-05-2012.4 - Perguntas frequentes (FAQ) sobre a aplicação das regras antitrust daUE no sector automóvel, publicadas a 27 de Agosto de 2012.
Regulamento de Isenção 1400/20205, cujo prazo de vigência
será assim prorrogado até Maio de 2013; a partir de Junho
de 2013 este mercado será abrangido pelo Regulamento
330/20106 aplicável aos acordos verticais, de carácter
genérico.
b) O mercado pós-venda relativo à venda de peças
sobressalentes e reparação de veículos automóveis será não
só abrangido no âmbito de aplicação do Regulamento
330/2010, bem como pelo RIC, o qual contém um conjunto de
regras específicas aplicáveis a este mercado.
A partir de Junho de 2013, somente o mercado de
reparação de veículos e distribuição de peças
sobressalentes (mercado pós-venda) será abrangido pelas
regras mais específicas contidas no RIC- pelo contrário, o
mercado de venda de veículos automóveis será abrangido pelo
regulamento geral de isenção aplicável aos acordos
verticais. Deverá ser assim sublinhado este marco
histórico7 em matéria de direito da concorrência aplicável
aos acordos verticais no sector de distribuição dos
veículos automóveis, o qual deixa de ser tratado como um
5 - Regulamento (CE) 1400/2002 da Comissão, de 31 de Julho de 2002,relativo à aplicação do n3 do artigo 81.o do Tratado a certas categoriasde acordos verticais e práticas concertadas no sector automóvel,publicado no JO L 203 de 1.8.2002, p. 30.
6 - Regulamento (UE) 330/2010 da Comissão, de 20 de Abril de 2010,relativo à aplicação do artigo 101, n.3, do Tratado sobre oFuncionamento da União Europeia (TFUE) a determinadas categorias deacordos verticais e práticas concertadas, publicado no JO L 102 de23/04/2010, p. 0001–0007. A Comissão publicou as Orientações relativasàs restrições verticais a 10.05.2010 - Guidelines gerais (2010).
7 - Relembra-se que desde 1995 os acordos de distribuição de veículosautomóveis encontram-se submetidos a uma regulamentação específica dodireito da concorrência.
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sector de actividade económica cujos distribuidores
requerem uma protecção adicional relativamente aos demais
acordos verticais. Porém, e conforme foi afirmado, este
abandono da protecção adicional é limitado ao mercado de
venda de veículos, pelo que o mercado pós- venda, atendendo
às características particulares deste sector de actividade
económica caracterizado pelo elevado poder de concentração
das marcas dos fabricantes de veículos automóveis, manter-
se-á submetido a regras especificas do direito da
concorrência.
Estes princípios foram progressivamente delineados
pela Comissão a partir de dados constantes em documentos
de reflexão sobre as regras de concorrência aplicáveis ao
sector de distribuição de veículos automóveis,
nomeadamente o Relatório de Avaliação sobre a aplicação
do Regulamento (CE) nº 1400/2002 da Comissão, de 28 de
Maio de 2008, e a Comunicação da Comissão "O futuro quadro
normativo da concorrência aplicável ao sector automóvel", de 22 de
Julho de 2009.
O abandono do tratamento protegido ao sector de
distribuição de veículos automóveis, com a consequente
submissão às regras gerais de concorrência aplicáveis ao
sector dos acordos verticais foi genericamente bem aceite
pela doutrina8, considerando que actualmente a
8 - Ver, nomeadamente, VOGEL, Louis, “EU Competition Law Applicable to DistributionAgreements: Review of 2010 and Outlook for 2011”, in Journal of EuropeanCompetition Law and Practice, 2011, Vol. 2, Nº3, p. 249. O autorconsidera que a submissão do sector de distribuição de veículosautomóveis às regras gerais aplicáveis ao sector dos acordos verticaisrepresenta “… the end of an unjustified protection of distributorsthough inefficient protectionist rules”.
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concorrência intermarca dos fabricantes dos veículos
automóveis era sensível, com efeitos ao nível dos preços,
justificando o abandono da protecção concorrencial
específica9.
2. As regras gerais aplicáveis ao sector de
distribuição dos veículos; principais
implicações .
Nos termos do Artigo 3 do RIC, a partir do dia 1
de Junho de 2013 a distribuição de veículos automóveis
ficará submetida às regras gerais previstas no
Regulamento 330/2010. A submissão deste tipo de acordos
às regras de concorrência genéricas aplicáveis aos
acordos verticais, sugere uma referência às principais
implicações.
2.1. Acordos de marca única .
A concorrência verificada no mercado de
distribuição de veículos novos entre as marcas dos
construtores de veículos automóveis foi considerada pela
Comissão como suficiente, pelo que os acordos de marca
única poderão ser celebrados, de acordo com as regras
gerais previstas no Regulamento 330/2010. Assim, e de
acordo com as condições aí previstas, desde que a quota
de mercado do fornecedor e do respectivo distribuidor
9 - Interrogando sobre a necessidade de manutenção de uma protecçãoconcorrencial específica no mercado pós-venda, MARCO COLINO, Sandra,“Recent Changes in the Regulation of Motor Vehicle Distribution in Europe –Questioning theLogic of Sector-Specific Rules for the Car Industry”,in The Competition Law Review,Volume 6 Issue 2, pp 203-224, July 2010. No mesmo sentido, VOGEL, Louise VOGEL Joseph, “Le nouveau droit de distribution automobile”, Revue Lamy Droitdes Affaires, Septembre 2010, nº 52, p. 44.
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não seja superior a 30%, o fabricante de veículos poderá
impor um modelo único de marca, desde que a respectiva
cláusula de não concorrência10 não exceda 5 ano. Desde
que estes limites sejam respeitados, o acordo celebrado
entre o fabricante de veículos e o distribuidor pode
prever a obrigação de aquisição dos veículos
exclusivamente ao fabricante ou às empresas por ele
designadas; os mesmos princípios são aplicáveis aos
acordos celebrados entre os fornecedores e as oficinas
de reparação e os distribuidores de peças
sobressalentes.
Deverá ser sublinhado que o prazo limite de 5 anos
não impede a renovação da cláusula de não concorrência,
mas exige que as partes possam reavaliar a situação, antes
de celebrarem um novo acordo exclusivo11.
De acordo com as regras contidas no Artigo 5 do
Regulamento 330/2010, o qual prevê o princípio de
divisibilidade, a isenção não será concedida à cláusula de
não concorrência que desrespeitar os princípios
mencionados, podendo o restante do acordo ser objecto de10 - A obrigação de não concorrência encontra-se definida na alínea d)do Artigo 1 do Regulamento 330/2010, contemplando: “"… qualquerobrigação directa ou indirecta que impeça o comprador de fabricar,adquirir, vender ou revender bens ou serviços que entrem em concorrênciacom os bens ou serviços contratuais, ou qualquer obrigação directa ouindirecta imposta ao comprador no sentido de adquirir ao fornecedor ou aoutra empresa designada pelo fornecedor mais de 80 % das suas comprastotais dos bens ou serviços contratuais e respectivos substitutos nomercado relevante, calculados com base no valor ou, caso tal correspondaà prática normal do sector, com base no volume das suas compras do anocivil anterior”.11 - Considerando 26 das Guidelines 2010: “A renovação para além dos cincoanos requer a autorização explícita de ambas as partes, não devendoexistir obstáculos que impeçam o distribuidor de pôr efectivamente termoa uma obrigação de não concorrência no final do período de cinco anos”.
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isenção, desde que se enquadre nas regras gerais de
concessão da isenção, atendendo, nomeadamente à quota de
mercado das empresas participantes.
Refira-se que a definição de cláusula de não
concorrência prevista na alínea d) do nº1 do Artigo 1 do
Regulamento 330/2010 contempla dois tipos de obrigações
distintas: a primeira noção é denominada por cláusula de
não concorrência directa, interditando o comprador de
fabricar ou de vender bens concorrentes e constitui uma
obrigação de conteúdo negativo (não fazer); a segunda
noção, denominada por cláusula de não concorrência
indirecta, constitui uma cláusula de obrigação mínima de
compra, constituindo uma obrigação de conteúdo positivo
(fazer). De acordo com esta definição, a obrigação mínima
de compra só será considerada como cláusula de não
concorrência se a obrigação representar mais de 80% das
compras do ano civil anterior do distribuidor. Porém, a
Comissão pondera a possibilidade de reavaliação da
obrigação de compra mínima inferior ao limite de 80% como
cláusula de não concorrência, em situações que na prática
impedissem o distribuidor de vender produtos
concorrentes12.
A possibilidade de criação de um sistema de
distribuição de marca única constitui uma alteração
12 - “ Deste ponto de vista, mesmo uma obrigação mínima de compra fixadaa um nível inferior aos 80 % das suas compras anuais equivaleria a umaobrigação de marca única se obrigar um distribuidor, que deseje venderuma nova marca da sua escolha de um produtor concorrente, a comprartantos veículos a motor da marca que vende actualmente, que torne aactividade do distribuidor economicamente inviável”. Considerando 37,Guidelines 2010.
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significativa da política de concorrência aplicável a
este sector económico; o anterior Regulamento 1400/2002
continha normas mais severas, definindo a noção com maior
rigor, considerando-se como cláusula de não concorrência,
“qualquer obrigação directa ou indirecta que obrigasse o
distribuidor a não adquirir, vender ou revender bens ou
serviços que entrem em concorrência com os bens ou
serviços contratuais, bem como qualquer obrigação directa
ou indirecta imposta ao comprador de adquirir ao
fornecedor ou a outra empresa por este designada mais de
30 % das compras totais do comprador em termos de bens
contratuais”, procurando através deste meio fomentar
sistemas de distribuição de veículos multi-marca13.
Deverá ser sublinhado que este objectivo não foi atingido
tendo sido abandonado pela política de concorrência
comunitária. Na Comunicação da Comissão relativa ao
futuro da distribuição automóvel foi, assim,
constatado:“… o mercado apenas utilizou numa medida muito
limitada a possibilidade de práticas multimarca no mesmo
salão de exposição, não havendo elementos empíricos
sólidos que indiquem que tais modalidades de distribuição
tenham facilitado num grau significativo a entrada de
novos operadores nos mercados da EU”14. 13 - Neste sentido: “El actual Reglamento, acogiendo la posición de losfabricantes y habida cuenta de que las propias condiciones del mercadodificultan la aparición de este tipo de establecimientos cuya creación,por su parte, no ha contribuido a una mejora competitiva sustancial, haoptado por remitir la cuestión a su tratamiento general en el Reglamento330/2010 en el que se contiene una regulación menos estricta”. ORTUÑOBAEZA, Teresa, “Nuevo tratamiento de los acuerdos verticales y prácticas concertadas en elsector de los vehículos de motor”, ADI, TOMO XXXI (2010-2011), p. 563.
14 - Considerando 19 da Comunicação da Comissão relativa ao futuro quadronormativo da concorrência aplicável ao sector automóvel COM (99) 388.
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2.2- Acordos de distribuição selectiva.
Conforme foi constatado pela Comissão, a
distribuição selectiva constitui a forma predominante de
distribuição neste sector.
Do ponto de vista do direito da concorrência
aplicável aos acordos verticais, a distribuição
selectiva é apreciada de forma diferenciada conforme os
critérios utilizados sejam de natureza qualitativa ou
quantitativa.
Com efeito, desde o acórdão Metro c. Comissão
(1977)15 o TJUE considerou que os sistemas de
distribuição selectiva puramente qualitativos poderiam,
em determinados enquadramentos, constituir um elemento
da pró-concorrência- e não uma infracção ao nº1 do
Artigo 101 do TFUE - dependendo da verificação de alguns
requisitos. Assim, a licitude do contrato, face ao direito
Neste contexto, a Comissão considerou ainda: “As práticas multimarca nummesmo salão de exposição pode contribuir para diluir a imagem de marca,levando os fabricantes a tomarem medidas para preservarem a suaidentidade, através do ajustamento das normas aplicáveis aosconcessionários. Além disso, podem limitar os investimentos nos seusacordos de concessão, por exemplo em formação, no sentido de evitaremriscos de parasitagem. Na prática, estes factores provocaram um aumentogeral dos custos de distribuição suportados pelos concessionários”.Regista-se que apenas 1% do sector de distribuição dos veículosautomóveis é abrangido pelo sistema multi-marcas”. Neste sentido:“Indeed, on the one hand, the multi-branding model covers less than 1per cent of the distribution and, on the other hand, brand exclusivitygenerates efficiencies such as the incentive for the distributor to sellthe products of the brand, promotion of know-how, a reduction in therisks of free-riding, or a reduction of transaction costs”. VOGEL,Louis, “EU Competition Law …, p. 250.15 - Acórdão do TJUE de 25 de Outubro de 1977- Metro SB-Grossmaerkte & CO KGcontra Comissão das Comunidades Europeias- Processo 26/76, Colectânea daJurisprudência 1977, p. 01875
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da concorrência, dependia da verificação de várias
condições, dependendo:
a ) Das características dos produtos em causa-
permitindo aferir a necessidade (ou não) de requerer um
sistema de distribuição selectivo.
b) Da natureza dos critérios de selecção- que teriam
de ser de natureza qualitativa, aplicados de forma
uniforme e não discriminatória.
c) Da razoabilidade dos critérios de selecção- os
critérios impostos não poderiam ultrapassar o que é
necessário para se atingir o resultado pretendido visando
a correcta distribuição do produto em causa.16
De acordo com estas regras, os candidatos a
distribuidores de uma determinada marca só poderão ser
excluídos com base na falta de algum ou alguns dos
critérios de natureza qualitativa impostos pelo titular; o
critério quantitativo, enquanto causa justificativa de
exclusão, não poderia ser aceite17. O carácter qualitativo
16 - Neste sentido, e sintetizando a prática da política comunitária deconcorrência em matéria de acordos de distribuição selectiva: “Estossistemas de distribución selectiva no incurren, en general, en laprohibición del Art. 85,1 TCEE cuando los criterios de selección de losdistribuidores sean objetivos y de naturaleza cualitativa…De todas formas, siemprees necesario examinar la naturaleza del producto de que se trate. Hayproductos que, por sus características técnicas, renombre o altacalidad, necesitan, más que otros, un sistema de distribución selectivapara preservar su calidad y garantizar su buen uso; por ej.: artículosde perfumería de prestigio, automóviles o relojes de precisión y famamundial. En definitiva, mantener una imagen de marca de prestigio”,TOBIO RIVAS, Ana, “Libro verde de la Comisión sobre las restricciones verticales en la políticade competencia comunitaria: Bases para un cambio?” ADI, TOMO XVIII (1997), p.1071.17 - O TJUE -desde o acórdão Metro c. Saba- determinou que a selecção dedistribuidores submetida a critérios quantitativos constituía umainfracção do art. 85/1. No acórdão Hasselblad (Acórdão do Tribunal deJustiça de 21 de Fevereiro de 1984, Hasselblad (GB) Limited contra Comissão das
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da selecção anulava a possibilidade da presença de uma
cláusula de exclusividade ligada a um critério de conexão
territorial: desde que o candidato a distribuidor
respondesse de forma positiva aos requisitos
identificados pelo titular da marca/fabricante, teria de
ser aceite como distribuidor, independentemente de a sua
actividade decorrer ou não no mesmo território atribuído
a outros distribuidores.
Com a adopção da nova política de concorrência
aplicável aos acordos verticais, as regras previstas no
revogado Regulamento 2790/99 permitiam a inclusão de
critérios quantitativos, desde que quota de mercado
estivesse circunscrita à zona de segurança (30%). O
Regulamento 330/2010 prosseguiu com as mesmas
exigências.
Não obstante a abertura manifestada com a entrada
em vigor das novas regras, o direito da concorrência
Comunidades Europeias, Processo 86/82, Recueil de Jurisprudence 1984) oTribunal classificou como uma infracção ao art. 85/1: “… o caso quando aempresa que pratica um tal sistema reserva o direito de não seleccionarum novo revendedor qualificado se, na região limitada, já existe umgrande número de revendedores”. Esta jurisprudência é de resto idênticaà verificada, nomeadamente nos acórdãos Lancôme (Acórdão do Tribunal deJustiça de 10 de Julho de 1980, SA Lancôme e Cosparfrance Nederland BV contra EtosBV e Albert Heyn Supermart BV, Processo nº 99/79, Colectânea de Jurisprudência1980, página 2511), L’Óreal (Acórdão do Tribunal de Justiça de 11 deDezembro de 1980, NV L’Oreal, Bruxelles e SA L’Oreal Paris contra PVBA, Processo 31/80,Colectânea da Jurisprudência 1980 página 03775), e no acórdão AEGTelefunken (Acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de Outubro de 1983, AEGTelefunken contra Comissão das Comunidades Europeias, Processo 107/82, Colectâneade Jurisprudência,1983, p.3151). Assim, no acórdão L’Óreal o Tribunalreafirma, no considerando 17, que : “Lorsque l’accès à un réseau dedistribution sélective est subordonné a des conditions allant au-delàd’une simple sélection objective de caractère qualitatif, en particulierlorsqu’il est fonde sur des critères quantitatifs, le système dedistribution tombe en principe sou l’interdiction de l’article 85/1...”.
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encara de forma algo diversa o sistema puramente
qualitativo do sistema quantitativo. Assim, nas Guidelines
gerais (2010)18 conclui-se que: “Em geral, considera-se
que a distribuição selectiva puramente qualitativa não
está abrangida pelo artigo 101, nº 1, do Tratado por
falta de efeitos anticoncorrenciais, desde que estejam
satisfeitas três condições. Em primeiro lugar, a
natureza do produto em questão deve carecer do recurso à
distribuição selectiva, na medida em que um sistema
desse tipo constitua uma necessidade legítima, tendo em
conta a natureza do produto em causa, a fim de preservar
a sua qualidade e garantir o seu uso adequado. Em
segundo lugar, os revendedores devem ser escolhidos com
base em critérios objectivos de natureza qualitativa, os
quais são estabelecidos uniformemente para todos os
potenciais revendedores e não são objecto de uma
aplicação discriminatória. Em terceiro lugar, os
critérios estabelecidos não devem ir além do
necessário”. Pelo contrário, os sistemas de distribuição
quantitativos não são analisados de forma tão
benevolente; no considerando 44 das Guidelines gerais (2010)
é explícita esta desconfiança: “Enquanto a distribuição
selectiva qualitativa implica a selecção de
distribuidores ou oficinas de reparação apenas com base
em critérios objectivos determinados pela natureza do
produto ou serviço, a selecção quantitativa acrescenta
critérios de selecção adicionais que limitam de forma
mais directa o número potencial de distribuidores ou18 - Considerando 43 das Guidelines gerais (2010).
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oficinas de reparação, quer pela fixação directa de um
número limitado de distribuidores ou oficinas de
reparação, quer, por exemplo, exigindo um nível mínimo
de vendas. Em geral, considera-se que as redes baseadas
em critérios quantitativos são mais restritivas do que
as redes baseadas apenas na selecção qualitativa e, por
conseguinte, é mais provável que sejam abrangidas pelo
artigo 101 nº 1, do Tratado”.19 Em todo o caso, regista-
se que no considerando 46 das Guidelines (2010) a Comissão
relembra: “Os regulamentos de isenção por categoria
isentam os acordos de distribuição selectiva,
independentemente de serem utilizados critérios de
selecção quantitativos ou puramente qualitativos, desde
que as quotas de mercado das partes não ultrapassem 30
%”.
Relativamente a esta questão, os construtores de
veículos automóveis encontravam maior abertura no
anterior Regulamento 144/2002 uma vez que a que a
distribuição selectiva neste sector era geralmente
admitida desde que a zona de segurança do construtor em19 - A exigência relativa à natureza do produto, imposta pela anterior
política de concorrência parece ressurgir, pelo menos na opinião daComissão. Com efeito, nas Guidelines gerais (2010) é considerado que: “ ORegulamento de Isenção por Categoria isenta a distribuição selectiva,independentemente da natureza do produto em causa e da natureza doscritérios de selecção. Contudo, no caso de as características do produtonão exigirem a distribuição selectiva ou não exigir os critériosaplicados, como, por exemplo, a exigência imposta aos distribuidores depossuírem um ou vários estabelecimentos tradicionais, tal sistema dedistribuição não cria, em geral, efeitos de reforço dos ganhos deeficiência suficientes para compensar uma redução significativa daconcorrência intramarcas. Se ocorrerem efeitos anticoncorrenciaisimportantes, o benefício do Regulamento de Isenção por Categoria ésusceptível de ser retirado”. Extracto do Considerando 176 das GuidelinesGerais (2010).
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causa não fosse superior 40 % quando fosse utilizada a
distribuição selectiva quantitativa, não existindo
limiares máximos para os sistemas de distribuição
qualitativo.
Não obstante este entendimento diferenciado
relativamente aos dois tipos de distribuição selectiva,
(aparentemente) penalizando o sistema quantitativo, o
controlo dos critérios utilizados será mais facilitado
neste ultimo caso. Assim, segundo o entendimento
realizado pelo TJUE no acórdão Auto 24 (2012)20, enquanto
que os critérios de selecção qualitativos utilizados
pelo construtor deverão pautar-se pela natureza dos bens
ou serviços contratuais, de aplicação uniforme, não
discriminatória e proporcional, pelo contrário, os
critérios quantitativos apenas deverão ser
“especificados”, bastando para tal que o respectivo
conteúdo específico possa ser verificado. O TJUE conclui
que: “Para beneficiar da isenção prevista no referido
regulamento, não é necessário que esse sistema se baseie
em critérios objectivamente justificados e aplicados de
modo uniforme e indiferenciado a todos os candidatos à
aprovação”.
20 - Acórdão do TJUE de 14 de Junho de 2012, Processo C- 158/11, Auto 24SARL contra Jaguar Land Rover France SAS. O Tribunal no considerando 32,constatou: “Por outro lado, não decorre da definição do conceito de«sistema de distribuição selectiva quantitativa», constante do artigo 1nº1, alínea g), do regulamento, que este conceito deva ser interpretadono sentido de que implica a exigência de que os critérios aplicados pelofornecedor para seleccionar os distribuidores não só sejam «definidos»,mas, além disso, sejam objectivamente justificados e aplicados de modouniforme e indiferenciado a todos os candidatos à aprovação”.
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Obviamente que de acordo com as regras gerais, o
sistema de distribuição selectivo (qualitativo ou
quantitativo) não poderá conter nenhuma das restrições
graves previstas nas alíneas b) c) e d) do Artigo 4 do
Regulamento 330/2010.
2.3. As restrições graves.
A alínea c) do Artigo 4) do Regulamento 330/2010,
aplicável aos sistemas de distribuição selectiva,
qualifica como restrição grave da concorrência a
interdição às vendas activas e passivas a utilizadores
finais. Tal significa que este tipo de acordos para
poderem beneficiar da isenção automática, não podem
restringir a actividade comercial dos distribuidores
retalhistas, os quais são livres de venderem para
qualquer território, mesmo que atribuído a outro
distribuidor, e de aí poderem realizar o tipo de
actividade comercial pró-activa, visando a angariação de
clientela. Se bem que o sistema de distribuição
selectiva pode ser combinado com a distribuição
exclusiva, esta exigência atenua os efeitos
potencialmente conferidos com a atribuição de uma
exclusividade territorial, uma vez que ao distribuidor
selectivo pode concorrer activamente no território
afecto a outro distribuidor da rede. Assim, ao
distribuidor selectivo não poderão ser-lhe impostas
restrições contratuais visando-o impedir de activamente
captar os utilizadores finais21que se localizem nesses21 - Os utilizadores finais são os consumidores finais ou osutilizadores finais profissionais - desde que os produtos vendidos não
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territórios, bem como responder a solicitações da
iniciativa destes. Tais medidas poderão incluir,
naturalmente, a utilização da Internet, pelo que não
poderá ser interdito ao distribuidor dirigir correio
electrónico não solicitado aos clientes finais que se
localizem num outro território. Poderá assim afirmar-se
que nos sistemas de distribuição selectivo, a protecção
concorrencial que o fornecedor pode conceder ao
território atribuído a um distribuidor é forçosamente
mais atenuada do que em outros sistemas de distribuição,
nomeadamente o exclusivo. Esta diferença de tratamento
visa compensar os efeitos particularmente visíveis que o
sistema de distribuição selectivo provoca relativo à
rigidez sobre os preços22.
A alínea b) do Artigo 4 do Regulamento 330/2010
prevê a admissibilidade da interdição “… efectuada pelos
se destinem a revenda, dado que constitui uma característica do própriosistema de distribuição selectivo que os distribuidores só podem vendera distribuidores seleccionados e não a comerciantes não agregados à redede distribuição.
22 - Com efeito, desde o célebre acórdão Metro c. Saba, Processo 26/76, 1977,já mencionado, o TJUE constatou que os sistemas de distribuiçãoselectiva provocavam uma rigidez nos preços praticados. Neste acórdão arequerente (Metro) contestava a legalidade deste tipo de acordos dedistribuição face ao Art. 101 do Tratado, considerando que constituíamuma barreira à concorrência ao nível dos preços, sendo, por isso, contráriosaos interesses dos próprios consumidores que, obviamente, pretendemadquirir o mesmo produto a um menor preço. O Tribunal rejeitou estaobjecção determinado que se bem sendo exacta a constatação de quenestes sistemas de distribuição “o acento não é geralmente feito deforma exclusiva nem mesmo principal na concorrência sobre os preços”-reconhecendo implicitamente que os sistemas de distribuição selectivacontribuem para uma redução da concorrência ao nível dos preços- concluique: “a concorrência sobre os preços, por importante que esta seja detal forma que jamais poderá ser eliminadas não constitui a única formaeficaz de concorrência nem aquela a que deve ser prestada, em todas ascircunstância, uma prioridade absoluta”.
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membros de um sistema de distribuição selectiva, a distribuidores não
autorizados no território reservado pelo fornecedor para o funcionamento
de tal sistema”.
A redacção mencionada constitui uma alteração na
redacção relativamente ao anterior Regulamento 2790/99, o
qual admitia as restrições às vendas a distribuidores não
autorizados pelos membros de um sistema de distribuição
selectiva. Esta aceitação expressava o entendimento do
TJUE, o qual tinha considerado em diversos casos, que a
clausula contratual imposta aos distribuidores
seleccionados de somente venderem aos outros revendedores
-ou a clientes finais- seria aceite, sob pena do próprio
sistema de selectividade ser manifestamente posto em
causa23. E desta forma, a obrigação dos distribuidores
seleccionados não venderem a outros revendedores que não
façam parte da “rede” de distribuição era normalmente
aceite pelo direito da concorrência comunitário.24
De acordo com a actual redacção, a interdição
admitida ficou submetida a um limite: os distribuidores
selectivos poderão ser restringidos de venderem a
23 - No considerando 27 é expressamente determinado que: “todo o sistemade comercialização baseado numa selecção dos pontos de distribuiçãoimplica, necessariamente, sob pena de não ter nenhum sentido, aobrigação para os grossistas que fazem parte da rede de fornecer somenteaos revendedores agregados e a possibilidade para o produtor interessadode controlar a observação desta obrigação”.24 - Neste sentido : “En effet, un système de distribution sélectiven’aurait aucun sens si les revendeurs ne remplissent pas les critères desélection et n’ayant pas à supporter les charges qui résultent desobligations imposes par le producteur pour garantir une vente desproduits dans de bonnes conditions, pouvaient eux aussi vendre leproduit contractuel”. RIEBEN, Laurent, “ La validité des contrats de distributionsélective et exclusive en droit communautaire, américain et suisse de la concurrence »,Librairie Droz, Genève, 2000, p. 124.
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distribuidores não autorizados, desde que esse
distribuidor esteja localizado num território no qual
esteja a ser aplicado o sistema de distribuição (ou seja,
num território afecto a outro distribuidor selectivo, e
neste caso podermos considerar que a restrição imposta ao
distribuidor destina-se a reforçar a exclusividade
conferida), ou o território estará “reservado” pelo
fornecedor- entendido no considerando 55 das Guidelines gerais
(2010) como o território onde o fornecedor “não vende ainda os
produtos contratuais”25.
A alínea d) do Artigo 4 determina que não será
concedida a isenção automática perante uma restrição dos
fornecimentos cruzados entre distribuidores no âmbito de
um sistema de distribuição selectiva, incluindo os
distribuidores que operam em diferentes estádios da
actividade comercial.
Este princípio procura responder ao efeito de
rigidez ao nível dos preços demonstrado pela prática dos
sistemas de distribuição selectiva. Assim, e por forma a
contrariar este efeito, a Comissão desde sempre exigiu,
enquanto condição de aceitação, a possibilidade de vendas
internas entre os diferentes membros do sistema, permitindo
que os distribuidores selectivos aproveitassem das
diferenças de preços praticadas entre os diferentes
Estados Membros.
25 - A propósito da nova redacção, o Autor considera que “the newregulation undermines and restricts selective distribution systems”,VELEZ, Mario, “Recent developments in selective distribution”, in EuropeanCompetition Law Review (2011) Issue 3, p. 243.
[Escreva texto] Página 17
Os exemplos da implementação desta política são
numerosos26.
A possibilidade de aquisição dos produtos no
interior da rede de distribuidores confere, assim, a dose
de concorrência necessária à concessão da isenção, dado
assegurar um nível de concorrência mínimo no interior da
própria marca.
Regista-se que a concretização do direito de compras
no interior da rede de distribuidores depende da
verificação de alguns pressupostos. Com efeito, é comum,
neste tipo de contratos a presença da cláusula que impõe
ao distribuidor selectivo a obrigatoriedade de aquisição
de um volume mínimo de produtos.
Atendendo, ainda, ao mercado de distribuição de
veículos automóveis, a Comissão reforça de forma
particular o objectivo geral de concretização do mercado
interno, prevendo a possibilidade dos consumidores poderem
adquirir o veículo automóvel num outro Estado-Membro da
UE, tirando partido das diferenças de preço praticadas nos
diversos Estado. Neste sentido, as Guidelines (2010) sublinham
que “A possibilidade de um consumidor adquirir bens noutro
Estado-Membro reveste-se de especial importância no caso
dos veículos a motor, dado o elevado valor do bem e os
benefícios directos sob a forma de preços mais baixos que
daí resultam para os consumidores que compram veículos a
26 - Ver, nomeadamente: Acórdão do TJUE de 12 de Julho 1979, BMW BelgiumSA e outros c. Comissão das Comunidades Europeias, Processos apensos 32/78, 36/78 a82/78, bem como o Acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de Fevereiro de1984, Hasselblad (GB) Limited contra Comissão das Comunidades Europeias, Processo86/82.
[Escreva texto] Página 18
motor noutro país da União. A Comissão está, portanto,
empenhada em que os acordos de distribuição não restrinjam
o comércio paralelo, visto não ser de esperar que este
tipo de comércio satisfaça as condições estabelecidas no
artigo 101.o, nº3, do Tratado”27.
Conjugando este objectivo de índole geral com a
noção de “utilizadores finais” prevista no na alínea c) do
artigo 4 do Regulamento 330/2010 (já mencionado), as
Guidelines (2010) esclarecem que esta noção inclui as
sociedades de locação financeira. Assim, e de acordo com
as regras estabelecidas, um construtor não poderá
restringir a possibilidade dos distribuidores venderem os
seus veículos a este tipo de sociedades independentemente
do território de venda- a menos que “exista um risco
verificável que a essas sociedades revendam o veículo
ainda em estado novo”. Tal exigência permitirá: “um
fornecedor exigir que o seu concessionário verifique as
condições gerais de locação aplicadas, a fim de controlar
se a sociedade em questão é de facto uma sociedade de
locação financeira ou um revendedor não autorizado”.
A noção de “utilizadores finais” inclui, ainda, a
aquisição de um veículo novo realizado não pelo consumidor
27 - No Acórdão do TJUE de 6 de Abril de 2006, Processo C-551/03 P,General Motors, a supressão de bónus para as exportações realizadas pelosconcessionários foi considerada como susceptível de constituir umentrave às exportações, constituindo uma infracção grave às regras daconcorrencial. No Acórdão do TJUE de 18 de Setembro de 2003, Processo C-338/00 P, Volkswagen AG, a empresa foi condenada por celebrar acordosvisando impedir os concessionários italianos da sua rede dedistribuição, de realizarem qualquer venda a utilizadores finais deoutros Estados-Membros - quer estes encomendassem pessoalmente ouutilizassem os serviços de um intermediário mandatado - bem como aoutros concessionários da rede noutro Estado-Membro.
[Escreva texto] Página 19
final mas por um intermediário deste. Na noção dada pelas
Guidelines (2010): “Um intermediário é uma pessoa ou uma
empresa que adquire um veículo a motor novo em nome de um
determinado consumidor sem pertencer a uma rede de
distribuição... Como regra, o elemento de prova do
estatuto de intermediário consiste num mandato válido que
inclua o nome e o endereço do consumidor obtido antes da
operação”.
3.Regras específicas aplicáveis ao mercado das
peças sobressalentes e serviços de reparação.
Conforme foi referido, os acordos relativos à
compra e venda de peças sobressalentes e de serviços de
reparação estarão submetidos a dois regulamentos de
isenção: ao Regulamento 330/2010 e às regras mais
específicas contidas no RIC. Desta forma, a isenção
automática para este tipo de acordos verticais neste
mercado específico requer o respeito das condições
gerais de isenção previstas no Regulamento nº 330/2010 e
não poderão conter quaisquer restrições graves previstas
no Artigo 5 do RIC.28
Neste mercado a presença das marcas dos
construtores é muito forte, sendo de salientar a menor
concorrência intramarca. O fomento da concorrência neste
mercado é prosseguido através de dois eixos de actuação:
A) Fomentar a concorrência relativamente ao
acesso e distribuição das peças sobressalentes,
28 - Ver artigo 4 do RIC.[Escreva texto] Página 20
valorizando as diferenças de preços praticadas pelas
peças alternativas, influenciando, desta forma, o preço
total dos serviços de reparação.
B) Fomentar a concorrência entre oficinas
de reparação independentes e as autorizadas pelo
construtor de veículos.
Regista-se a interligação dos eixos mencionados:
as oficinas de reparação independentes só poderão
concorrer efectivamente se tiverem acesso quer à
informação técnica quer às peças sobressalentes, pelo
que as medidas de protecção concorrencial previstas
acompanham ambos os vectores de actuação29.
Sublinhe-se que neste mercado, as peças
portadoras da marca do construtor dos veículos
automóveis (peças do fabricante de equipamento de origem) estão
submetidas a pressão concorrencial promovidas por fontes
alternativas, normalmente de preço inferior:
a) Peças sobressalentes produzidas e
distribuídas pelos fornecedores de equipamento de origem
(FEO) e, ainda a
b) Peças sobressalentes com qualidade
equivalente às componentes de origem.
Por forma a garantir a concorrência neste sector,
considera-se fundamental proteger os canais de
fornecimento destas peças sobressalentes, normalmente
29 - Numa breve análise do mercado actual dos serviços pós-venda,classificado como regressivo, a quota de mercado das oficinasindependentes em países como a França, Inglaterra e Alemanha seria jádominante ver, VOGEL, Louis e VOGEL Joseph, “Le nouveau droit de distribution…”,p. 45.
[Escreva texto] Página 21
mais baratas do que as portadoras da marca do
construtor. Assim, os construtores não poderão impedir
que as oficinas de reparação (independentes e as
autorizadas pelo fabricante) tenham acesso às peças
sobressalentes alternativas.
Este objectivo é alvo de uma protecção reforçada,
prevista no Regulamento 330/2010 e no RIC.
Assim, no artigo 4 alínea e) do Regulamento nº
330/2010 encontra-se incluída no elenco das restrições
graves: “ A restrição, acordada entre um fornecedor de
componentes e um comprador que incorpora tais
componentes, da capacidade do fornecedor para vender
estes componentes como peças sobressalentes a
utilizadores finais ou a estabelecimentos de reparação
ou a outros prestadores de serviços de assistência não
designados pelo comprador para a reparação ou manutenção
dos seus bens.”
Por sua vez, os fornecimentos de peças
sobressalentes são enquadradas e particularmente
protegidas no RIC, o qual prevê três restrições graves
previstas nas alíneas a), b) e c) do Artigo 5:
a) A restrição das vendas de peças
sobressalentes para veículos a motor por membros de
um sistema de distribuição selectiva a oficinas de
reparação independentes que utilizem estas peças para
a reparação e manutenção de um veículo a motor;
b) A restrição acordada entre um
fornecedor de peças sobressalentes, ferramentas de
[Escreva texto] Página 22
reparação ou equipamento de diagnóstico ou outros e
um construtor de veículos a motor, que limite a
possibilidade de o fornecedor vender estes bens ou
serviços a distribuidores autorizados ou
independentes, a oficinas de reparação autorizadas ou
independentes ou a utilizadores finais;
c) A restrição acordada entre um
construtor de veículos a motor, que utiliza
componentes para a montagem inicial de veículos a
motor, e o fornecedor desses componentes, que limite
a possibilidade de este último colocar a sua marca ou
logótipo efectivamente e de forma facilmente visível
nos componentes fornecidos ou nas peças
sobressalentes.
Assim, na alínea a) prevê que os distribuidores
selectivos, vulgarmente denominados concessionários das
marcas dos construtores, não poderão ser impedidos de
fornecer as peças sobressalentes a oficinas de reparação
independentes. Conforme é explicitado no considerando 22
das Guidelines (2010): “Esta disposição reveste-se de
especial relevância para uma categoria de peças
específica, por vezes designadas por peças cativas, que
apenas podem ser obtidas junto do construtor de veículos
a motor ou de membros das suas redes autorizadas. Se um
fornecedor e um distribuidor acordarem que tais peças
não podem ser fornecidas a oficinas de reparação
independentes, esse acordo irá provavelmente excluir
essas oficinas de reparação do mercado de serviços de
[Escreva texto] Página 23
reparação e manutenção, colidindo com o artigo 101.o do
Tratado”.
Uma das questões específicas suscitadas à Comissão
incide sobre a legitimidade de uma oficina autorizada
recusar unilateralmente vender peças cativas a oficinas
independentes. A Comissão considera que atendendo a que
normalmente as oficinas têm interesse em vender tais peças
a oficinas independentes, sendo considerado uma operação
que poderá gerar lucro, uma decisão unilateral de venda
não seria considerada abrangida pelo Art. 101 do TFUE
devido à na ausência de algum elemento de acordo- ou de
concertação- que limite a capacidade de decisão por parte
da oficial. Assim, a existência de um acordo celebrado
entre o construtor e oficinas ou distribuidores
autorizados contendo restrições às vendas de peças cativas
às oficinas independentes constituiria uma restrição grave
à concorrência. Neste caso, as oficinas independentes são
consideradas como utilizadores gerais, pelo que não lhes
poderá ser aposta restrições de venda- a menos que estes
pretendam revender tais peças, pois perante esta situação,
será legítima a restrição aos membros de um sistema de
distribuição selectiva de venderem os produtos a
distribuidores não autorizados.
Pelo contrário, o construtor será obrigado a
fornecer directamente as peças cativas às oficinas
independentes, no caso de estrangulamento ou dificuldade
de acesso a estas peças sobressalentes nos postos de
distribuição normais.
[Escreva texto] Página 24
A restrição prevista na alínea b) prevê as
restrições acordadas com o fornecedor de peças
sobressalentes, ferramentas de reparação ou equipamento
de diagnóstico30 que restrinjam a possibilidade de este
vender às oficinas de reparação autorizadas ou
independentes.
O acesso à informação técnica necessária à
concretização dos serviços de reparação e assistência
terá, assim, de ser permitido aos operadores
independentes31. Assim, a informação técnica necessária à
realização dos serviços que for disponibilizada aos
membros da rede autorizada terá também de ser
disponibilizada aos operadores independentes, numa base
não discriminatória32. De acordo com o entendimento da
Comissão, as informações/registos do historial de
manutenção do veículo integram a noção de informação
técnica cujo conteúdo deve ser tornado acessível e
disponibilizado à oficina independente, permitindo que
esta realize a operação solicitada. Na resposta à questão
colocada, a Comissão considerou que: “Qualquer recusa de
conceder acesso ao registo do historial de manutenção30 - Segundo a Comissão: “Existem duas categorias de ferramentas
electrónicas de diagnóstico e de reparação no mercado: as ferramentasespecíficas a uma marca, fabricadas por terceiros mas comercializadaspelo fornecedor de veículos, e outras ferramentas que se destinam àreparação de várias marcas de veículos”- Perguntas frequentes (FAQ),ponto relativo às questões relacionadas com as Ferramentas Electrónicas.
31 - Considerando que no Mercado pós-venda: “the Commission is tooprotective of ‘autonomous’ repairers”, o Autor considera: “Theguidelines provides, in particular, for a right to technical data forindependent repairers but there is nothing to assert that theserepairers will make any efforts to pay for the price requested to haveaccess to such data.”, VOGEL, Louis, “EU Competition Law Applicable …”p. 252 .32 - Ver considerando 65, 66 e 67 das Guidelines (2010).
[Escreva texto] Página 25
seria susceptível de fazer com que os acordos entre o
fornecedor de veículos e as suas oficinas de reparação
autorizadas constituíssem uma infracção às regras de
concorrência da EU”.
As ferramentas electrónicas de diagnóstico e de
reparação foram igualmente alvo de questão. Atendendo a
que: “Existem duas categorias de ferramentas electrónicas
de diagnóstico e de reparação no mercado: as ferramentas
específicas a uma marca, fabricadas por terceiros mas
comercializadas pelo fornecedor de veículos, e outras
ferramentas que se destinam à reparação de várias marcas
de veículos”, poderá ser legitimo a um construtor exigir à
sua rede de distribuidores e oficinas autorizadas a
utilização de uma determinada marca de ferramenta
electrónica, podendo gerar economias de escala33.
A questão das garantias constitui uma matéria
sensível, tendo sido alvo de questões específicas
suscitadas à Comissão34.
O princípio adoptado é que a garantia oferecida
pelo construtor não pode ser condicionada ao comprador
de este realizar os trabalhos de reparação e manutenção
(não cobertos pela garantia) nas redes de reparação
33 - A Comissão considerou: “Podem ser geradas economias de escala se umfabricante de veículos acordar com um fabricante de ferramentas que oconjunto da sua rede de oficinas de reparação autorizadas deve utilizaruma mesma ferramenta ou ferramentas. A utilização de uma ferramentacomum pode também permitir encontrar mais facilmente soluções paraproblemas técnicos. Além disso, a formação pode ser facilitada se todosos técnicos utilizarem um instrumento comum. Por conseguinte, na maiorparte dos casos, o facto de especificar que uma oficina de reparaçãoautorizada deve ter acesso a uma ferramenta específica, pode constituirum critério qualitativo aceitável”. Documento Perguntas Frequentes (FAQ)34 - Ver o documento Perguntas Frequentes (FAQ).
[Escreva texto] Página 26
autorizadas nem à exigência da utilização de peças
sobressalentes da marca do construtor. Ou seja, a
garantia oferecida pelo construtor terá de ser aplicada
às reparações realizadas nas redes de reparação
independentes e ser extensível à utilização das peças
sobressalentes alternativas. A apreciação das restrições
ao âmbito de aplicação da garantia do construtor abrange
não só a garantia inicial fornecida bem como a garantia
alargada, concedida pela rede de distribuidores, no
momento de aquisição do veículo35.
Por outro lado, as garantias concedidas pelo
construtor deverão abranger o veículo que foi adquirido
pelo utilizador num concessionário localizado num outro
Estado Membro da UE. O mesmo princípio é aplicável aos
serviços de manutenção e de reparação gratuitos; ou
seja, o utilizador que adquiriu o veículo num
concessionário autorizado num outro EM não poderá ser
objecto de um tratamento discriminatório36.
A restrição prevista na alínea c) prevê a
restrição que limita a possibilidade do fornecedor de35 - Porém, a garantia poderá legitimamente ser recusada no caso daorigem do pedido ter sido provocada por uma manutenção incorrectamenterealizada na oficina de reparação ou por uma peça sobressalentealternativa que comportava um defeito (de má qualidade). Verconsiderando 69 das Guidelines (2010) e FAQ.36 - No acórdão Swatch (1985), a questão prejudicial incidia sobre se ofabricante poderia limitar a garantia que oferece sobre os seus produtosàs vendas realizadas pela sua rede de concessionários. Neste caso, asociedade Suíça ETA Fabrique d’Ebauches (titular da marca e relógiosSwatch), oferecia a sua garantia aos relógios portadores da sua marca,desde que estes tivessem sido adquiridos na sua rede de distribuidoresexclusivos- excluindo da garantia os relógios Swatch que tivessem sidoadquiridos através de um importador paralelo. A limitação da garantiafoi condenada pelo TJUE. (Acórdão do TJUE de 10 e Dezembro de 1985, EtaFabrique d’Ebauches, Processo 31/85).
[Escreva texto] Página 27
peças sobressalentes de colocar a sua marca ou logotipo
de forma visível nos produtos ou peças sobressalentes. A
visibilidade das marcas concorrentes das peças
sobressalentes, permite que as oficinas de reparação e
os consumidores tenham conhecimento da sua existência e
aumentará as escolhas neste sector.
Ainda o problema da distribuição selectiva quantitativa no sector pós-
venda (oficinas de reparação).
Neste mercado específico, a Comissão considera
que deverão ser mantidas as regras que fomentem não
só a concorrência entre as oficinas de reparação
autorizadas e independentes, mas ainda a concorrência
entre as oficinas de reparação autorizadas. A
concretização deste objectivo é facilitada quando os
critérios de selecção, determinados pelo construtor,
são puramente qualitativos, admitindo como oficinas
de reparação autorizadas todas aquelas que satisfaçam
os critérios qualitativos exigidos. Porem, mesmo no
mercado pós-venda, a selecção pode ser obedecer a
critérios quantitativos, desde que a quota de mercado
não exceda a zona de conforto correspondendo a 30% da
quota de mercado37.
No caso da quota de mercado exceder a zona de
conforto, o processo de selecção quantitativo fará,
provavelmente, com que o acordo seja abrangido pelo artigo
101 nº1 do Tratado38. Na opinião da Comissão, “ fora da37 - Ver considerando 46 das Guidelines (2010).38 - No sentido de considerar que a Comissão : “ défend de façon trèsclaire le recours à la distribution sélective purement qualitative en
[Escreva texto] Página 28
zona de admissibilidade automática criada pelo Regulamento
de isenção por categoria do sector automóvel, as redes de
oficinas de reparação autorizadas devem, em geral, ser
abertas a todas as empresas que satisfaçam os critérios
qualitativos relevantes”.
A natureza dos critérios exigidos pelo construtor-
quantitativo ou qualitativo- pode suscitar dúvidas. Em
nossa opinião, o critério quantitativo funciona como um
limite numérico de agentes económicos admitidos na rede de
concessionários (numerus clausus), tendo por objectivo
permitir uma gestão económica e comercial mais
racionalizada. Pelo contrário, o critério de natureza
qualitativa tem por objectivo determinar as
características da rede de concessionários (o seu perfil),
pelo que qualquer agente que satisfaça esse requisito será
admitido. Assim, o critério que exige um número mínimo de
vendas constitui, em nossa opinião, um critério
qualitativo revelador da capacidade de captação de
clientela por parte do agente económico, tendo como
resultado que desde que este demonstre ter capacidade para
o cumprir é aceite como elemento da rede de
concessionário39. Pelo contrário, a Comissão considera que
este critério detém natureza quantitativa, poismatière d’après-vente, pour la très grande majorité des véhiculespuisqu’elle estime que sauf exceptions limitées, la vente et l’après-vente constituent des marchés séparés et que chaque constructeur détientavec son réseau plus de 30% du marché de l’après-vente”, VOGEL, Louis eVOGEL Joseph, “Le nouveau droit de… ».p. 46.39 - Em sentido contrario: “… la selección cuantitativa añade otroscriterios que limitan más directamente el número potencial dedistribuidores o talleres de reparación, bien fijando directamente sunúmero, bien exigiendo, por ejemplo, un nivel mínimo de ventas”, ORTUÑOBAEZA, Teresa, “Nuevo tratamiento de los acuerdos verticales …”, p. 564.
[Escreva texto] Página 29
“acrescenta elementos adicionais que limitam de forma mais
directa o número potencial de distribuidores ou de
oficinas de reparação”40.
Uma questão diferente consistirá em averiguar se os
critérios de natureza qualitativa satisfazem os requisitos
exigidos na admissibilidade dos sistemas de distribuição
selectivos, nomeadamente o da proporcionalidade atendendo
aos objectivos prosseguidos pelo construtor. A recusa do
construtor de aceitar como membro da sua rede uma
determinada oficina, com o argumento de que um dos
critérios exigidos é que a oficina não seja autorizada
para reparar veículos de marca concorrente, pode em
principio constituir uma violação do Artigo 101 nº1 do
TFUE, atendendo à ausência de relação entre qualidade dos
serviços prestados de reparação e veículos automóveis e a
exclusividade de afectação à marca do construtor.41
A restrição que preveja a obrigação das oficinas de
reparação autorizadas de vender veículos novos era
considerada uma restrição grave no anterior Regulamento
1400/2020, mas não se encontra prevista no RIC. Porém, as
Guidelines (2010) consideram que esta restrição é
susceptível de ser contrária ao Art nº 101 do TFUE, dado
que “a obrigação em causa não é necessária por força da
natureza dos serviços contratuais”.42 No entendimento da
Comissão, a obrigação da oficina de reparação vender40 - Ver considerando 44 das Guidelines (2010).41 - Pelo contrário, a Comissão considera que “uma obrigação deste tipoequivale a um critério não qualitativo, susceptível de restringir aconcorrência no mercado em causa”. Ver o documento Perguntas Frequentes(FAQ).42 - Ver considerando 71 das Guidelines (2010).
[Escreva texto] Página 30
veículos novos afastaria potenciais interessados,
constituindo restrições inadequadas ao acesso à rede de
oficinas de reparadores autorizados, restringindo a
concorrência. Porém, poderá excepcionalmente ser admitida
esta obrigação conjunta quando o construtor pretenda
lançar a marca num determinado mercado geográfico,
anulando a possibilidade de “free-rider” de oficinas de
reparação aproveitarem-se do investimento inicial
necessário para a venda dos veículos realizado por um
distribuidor: “Nestas circunstâncias, a associação
contratual das duas actividades por um período de tempo
limitado teria um efeito pró-concorrencial no mercado da
venda de veículos a motor43”
As novas regras aplicáveis ao sector de
distribuição de veículos automóveis foram objecto de
congratulação pela parte do Comissário Europeu da
Concorrência, Joaquin Almunia, tendo afirmado: "Acredito
fortemente que a nova estrutura trará vantagens tangíveis
para os consumidores, ao reduzir os custos de reparação e
manutenção e reduzirá também o custo de distribuição, ao
abolir regras excessivamente restritivas."
Partindo da constatação de que o mercado de
distribuição dos veículos novos já atingiu um grau de
concorrência intermarca intenso, as preocupações centram-
se no mercado pós-venda, cujo custo das reparações
representam cerca de 40% do custo total do veículo para o
seu proprietário. O custo tem vindo progressivamente a
agravar-se com a presente crise a qual incentiva o43 - Ver considerando 71 das Guidelines (2010).
[Escreva texto] Página 31