Dissertação Mestrado Educação Alexandra Fraga Izidoro ...
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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA
ALEXANDRA FRAGA IZIDORO CARNEIRO
“QUANDO EU VOLTAR A SER CRIANÇA...”
UM OLHAR SOBRE NARRATIVAS DE INFÂNCIA E DOCÊNCIA DE
PROFESSORAS DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL
Tubarão
2016
ALEXANDRA FRAGA IZIDORO CARNEIRO
“QUANDO EU VOLTAR A SER CRIANÇA...”
UM OLHAR SOBRE NARRATIVAS DE INFÂNCIA E DOCÊNCIA DE
PROFESSORAS DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado
em Educação da Universidade do Sul de Santa
Catarina como requisito parcial à obtenção do
título de Mestre em Educação.
Orientador: Profª. Drª. Luciane Pandini Simiano.
Tubarão
2016
AGRADECIMENTOS
Agradeço, primeiramente, à Deus;
À minha mãe, por ter despertado em mim o gosto pelas narrativas, sendo a primeira
a me contar histórias;
Ao meu pai, que sempre soube me encantar por meio de narrativas, ensinando-me
a viajar nas histórias que atravessaram gerações;
Ao meu marido e minhas filhas que, juntos, estamos construindo nossa própria
história.
Também gostaria de agradecer a minha orientadora Luciane Pandini, por sua
relevante contribuição para o desenvolvimento deste trabalho;
Aos membros da banca de qualificação, por suas contribuições pertinentes e que
lançaram nova luz sobre esta pesquisa;
À Rúbia, que conheci no mestrado, mas cuja amizade parece ser mais longa que o
tempo que convivemos, e que contribuiu para esta trajetória.
Às colegas e amigas da Secretaria de Educação do município de Laguna, por
compartilhar do período de pesquisa e produção desta dissertação, tão árduo trabalho sobre o
qual me ouviram falar e tanto me incentivaram;
Às professoras do OBEDUC-Unisul que se dispuseram prontamente a participar
desta pesquisa, contribuindo e enriquecendo-a com suas narrativas;
E a todas as pessoas que, direta ou indiretamente, prestaram contribuições para esta
realização!
Vocês dizem:
- Cansa-nos, ter de privar com crianças.
Têm razão.
Vocês dizem ainda:
Cansa-nos, porque precisamos descer ao seu nível de compreensão.
Descer, rebaixar-se, inclinar-se, ficar curvado.
Estão equivocados.
- Não é isto o que nos cansa, e sim, o fato de termos de elevar-nos até alcançar o nível
dos sentimentos das crianças.
Elevar-nos, subir, ficar na ponta dos pés, estender a mão.
Para não machuca-las.
(Janusz Korczak).
RESUMO
Esta dissertação teve o objetivo de analisar as narrativas que as professoras têm de sua infância
e docência, buscando perceber que relações elas estabelecem entre si. Para atingir este objetivo
geral foi necessário, como objetivos específicos, (i) conhecer memórias que elas têm de sua
infância; (ii) identificar nas adultas/professoras, as práticas e modelos de instituições de
educação de sua infância; (iii) conhecer as narrativas das professoras sobre seu fazer docente;
(iv) estabelecer relações entre as memórias de infância das professoras e sua atuação docente.
Como caminho metodológico, este trabalho tem perspectiva qualitativa e base na pesquisa
narrativa (Benjamin 1994; Chaves, 2000). Com inspiração em Korczak (1981), como
instrumento metodológico utilizou-se as reuniões-debate e caixas cartas. Os sujeitos de
pesquisa foram três professoras da Rede Municipal de Ensino, duas de Tubarão e uma do
município de Laguna - SC. Elas desenvolvem um trabalho com os anos iniciais do Ensino
Fundamental e foram parte integrantes do projeto OBEDUC (Observatório da Educação-2013
– 2016). Na análise, apostou-se no diálogo entre diferentes autores e perspectivas, como por
exemplo, Benjamin (1986), Larrosa (2016), Kohan (2007, 2008, 2009, 2016), entre outros. Os
resultados pontuam que o conhecimento profissional tem, por natureza, caráter biográfico. A
constituição das professoras envolve diferentes aprendizagens e experiências que atravessam
suas histórias. A narrativa e a experiência estão impostas em uma relação dialética. O relato da
realidade é produtor da história, mas é, também, e simultaneamente, produtor de novas
realidades. Estas novas realidades apontam que, mesmo diante de um contexto escolar que
aprisiona, suprime e burocratiza a educação, as professoras, ao construírem narrativas da escola,
evidenciam um empenho em buscar fazer o seu melhor, em ser seu melhor e em promover o
melhor possível na educação das crianças. No resgate das narrativas das professoras,
evidenciou-se que, mesmo diante de tantas dificuldades e contradições há, por parte delas, uma
aposta na educação. A educação como experiência e a narrativa como capaz de produzir
experiência, é transformadora e formadora à medida que possibilita ao sujeito olhar a si mesmo
e para sua vida a partir de um novo ponto de vista. Trata-se de uma aposta na educação como
experiência e na narrativa como capaz de reconstruir e reinaugurar outros sentidos na e para a
escola...
Palavras-chave: Educação como experiência. Narrativas. Docência. Infância.
ABSTRACT
This work had as aim to analyze narratives that professor have about their childhood and
teaching, searching notice out the relations they establish between them. To achieve this general
aim, specific aims were traced: (i) knowing memories that professor have about their childhood;
(ii) identifying the adults/professors, practices and models of education institution from their
childhood; (iii) meeting professors’ narratives on their teaching; (iv) establishing relations
between their childhood memories and teaching act. As methodological path, this work has
qualitative approach and base on narrative research (Benjamin 1994; Chaves, 2000). With
inspiration in Korczak (1981), the methodological instruments chosen were the letterboxes and
debate meeting. The subjects in this research were three teachers of the municipal teaching
network, two from Tubarão and another from Laguna - SC. They develop their work with the
early years in Elementary School and they integrate the OBEDUC Project (Education
Observatory in its Portuguese acronym - 2013 - 2016). In the analysis, we bet on the dialogue
among different authors and perspectives, like Benjamin (1986), Larrosa (2016), Kohan (2007,
2008, 2009, 2016), among others. The results point that professional knowledge has, by nature,
biographic character. Constituting a professor involves different learning and experiences that
pass through her histories. The narrative and the experience are imposed in a dialectic
relationship. The report of the reality is a history producer, but it is also and simultaneously
producer of new realities. These realities point that, even before a school context that imprison,
suppresses and bureaucratizes, when constituting their narratives, the teachers showed a
compromise to do the better, in their better and promote the better possible in the children
education. When rescue the teacher’s narratives, there is the evidence that, even before so many
difficulties and contradictions, there is a bet on the education. Education as experience and
narrative as able to produce experience is transforming and forming, as enables the subject to
look inside and at the own life from a new viewpoint. It is about a bet on the education as
experience and the narrative as able to rebuild and reopen other senses in and to the school...
Keywords: Education as experience. Narratives. Teaching. Childhood.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – Espaço para receber as participantes ....................................................................... 36
Figura 2 – Espaço para a Caixa de Cartas ............................................................................... 38
Figura 3 – Carta de Maria Lua.................................................................................................. 58
Figura 4 – Carta de Maria Sol .................................................................................................. 59
Figura 6 – Carta de Maria Estrela ............................................................................................. 60
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................. 10
2 EM BUSCA DE COMPREENDER A INFANCIA E AS CRIANÇAS ....................... 16
2.1 A INFÂNCIA AO LONGO DA HISTÓRIA .................................................................. 16
2.2 INFÂNCIA E ESCOLA: SER CRIANÇA E APRENDER NOS ANOS INICIAIS DO
ENSINO FUNDAMENTAL .................................................................................................... 24
3 PERCURSO INVESTIGATIVO ..................................................................................... 32
3.1 CAMINHO METODOLÓGICO ..................................................................................... 32
- CRIANÇA: ENTRE A CRIANÇA QUE FORAM E A CRIANÇA QUE EDUCAM; ........ 40
-BRINCAR: ESPAÇOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS DE ONTEM, DE HOJE; ..... 40
- ESCOLA: APROXIMAÇÕES ENTRE SILÊNCIOS E BARULHOS; ................................ 40
EDUCAÇÃO COMO POTÊNCIA: ENTRE O PASSADO, PRESENTE E FUTURO. ........ 40
4 INFÂNCIA E DOCÊNCIA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL...
.................... .............................................................................................................................. 41
4.1 CRIANÇA: ENTRE A CRIANÇA QUE FORAM E A CRIANÇA QUE EDUCAM ... 41
4.2 BRINCAR: ESPAÇOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS DE ONTEM, DE HOJE ..
..................................................................................................................................................44
4.3 ESCOLA: APROXIMAÇÕES ENTRE SILÊNCIOS E BARULHOS ........................... 48
4.4 EDUCAÇÃO COMO POTÊNCIA: ENTRE O PASSADO, PRESENTE E FUTURO ... 56
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 62
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 66
APÊNDICES ........................................................................................................................... 72
APÊNDICE A – CARTA CONVITE PARA PARTICIPAÇÃO EM PESQUISA
CIENTÍFICA .......................................................................................................................... 73
10
1 INTRODUÇÃO
Se fosse criança de novo, gostaria de me lembrar, de
saber, de ser capaz de tudo que agora sei e de que agora
sou capaz. E que ninguém suspeitasse de que já fui
grande um dia. Me faria de desentendido. Fingiria que
sou um menino igual a todos, que tenho pai e mãe, que
vou à escola. Assim seria mais interessante e melhor.
Ficaria só observando e acharia engraçado ninguém
estar me reconhecendo (KORCZAK, 1981, p. 19).
O que aconteceria se eu pudesse voltar a ser criança? Suspiro, respiro fundo, fecho
os olhos e arrisco-me ir ao encontro de narrativas que me constituem... Recordo, como se fosse
hoje, minha querida mãe sentada ao meu lado na cama, contando histórias para eu dormir:
parecia algo de outro mundo, um sentimento de segurança e felicidade. Também fizeram parte
deste contexto a professora Zoraide, que contava histórias para introduzir os temas em suas
aulas, e a catequista Margarida que, belamente, narrava contos bíblicos na catequese. Rodas de
histórias em frente de casa, ao entardecer, eram um costume diário. Traços e rastros de memória.
Pela via da palavra reconstruo essas memórias, emprestando-lhes significado. A narrativa é
mágica, transformadora, formadora...
E através da narrativa, ressalto a importância viva de minha infância, na qual
brincava de professora com minha prima e com nossas amigas. Ao assumir o papel principal,
ficava à frente, fazia chamada, distribuía tarefas. Assim crescia meu desejo ser professora.
Lembro-me que, no início da minha vida escolar, já percebia que havia uma vontade
de ser professora, de ter alunos, não só para ensinar, mas para construir conhecimento juntos,
em uma conquista diária e prazerosa. Ainda hoje reconheço a dedicação da professora que me
alfabetizou e que, com muita presteza e responsabilidade, transmitia aos seus alunos valores
como dignidade, respeito, companheirismo, solidariedade. Refletir sobre a atuação da
professora que me alfabetizou remete à minha primeira experiência como professora, aos 17
anos. Hoje entendo o quanto me realizava e emocionava estar em uma sala de aula com crianças
pequenas. Recordo-me que sempre tive a preocupação de levar para a sala de aula ‘coisas’ de
que as crianças gostassem, e as histórias eram algo que lhes encantava. Ao narrá-las, eu gostava
de utilizar de várias facetas, como entonação de voz e linguagem do corpo para interpretar os
personagens. As expressões de felicidade e satisfação nos rostos das crianças estão gravadas
profundamente em minha memória.
Aquela turma de Pré-escolar, já naquela época, permitiu que percebesse a
singularidade de cada criança, e a sala de aula como espaço extremamente significativo, capaz
11
de favorecer o encontro com o outro através do diálogo, que se concretizava, principalmente,
por meio das narrativas.
Todas as experiências que tive constituíram-me como professora. Percebi, ao longo
das experiências, as relações que tecem o ensino e como elas são produzidas/reproduzidas no
ambiente escolar. Foi com esta percepção que fui buscar a graduação em Pedagogia, sempre
procurando algo que tivesse relação direta com a infância.
Ao ingressar na graduação desenvolvi a pesquisa: Histórias Infantis: Leitura do
contexto da cidade e do interior de Laguna. Tal trabalho abordou as relações entre história
infantil e narrativas do cotidiano urbano e do interior. O estudo pretendeu levar a uma reflexão
sobre a importância dos contos e suas implicações na instituição escolar e na vida das crianças.
Recordo-me que, durante o desenvolvimento da pesquisa, tive o prazer de conhecer Seu Dego,
que era célebre contador de histórias na comunidade. Seu Dego narrava histórias que lhe eram
contadas desde sua infância, tais como a da mula sem cabeça, lobisomem, boitatá. Tal senhor
contava essas histórias com tanta propriedade que encantava a mim e a todos que estavam à sua
volta. Por fazer parte do meu lugar, da minha origem, as narrativas do Seu Dego permitiram
que eu percebesse a importância delas na vida pessoal de cada um, na construção do que somos
e do que fazemos.
[...] o sentido do que somos depende das histórias que contamos a nós mesmos [...],
em particular das construções narrativas nas quais cada um de nós é, ao mesmo tempo,
o autor, o narrador e o personagem principal [...]. Talvez os homens não sejam outra
coisa que um modo particular de contar o que somos (LARROSA, 1994, p. 43).
Nossas trajetórias constroem o sentido do que somos, e essas trajetórias passam a
ser possibilidades de narrativas em que somos o personagem principal e autor, e que mostram
o percurso de nossa vida, da nossa carreira, complementado e contextualizando o que bem
definiu Larrosa no excerto acima. Assim, o projeto da graduação despertou uma vontade imensa
de compreender melhor como as crianças aprendem, e fez com que buscasse a Psicopedagogia,
uma especialização que abriu não só minha mente, como uma porta para eu atuar como
psicopedagoga, contribuindo para o desenvolvimento de crianças que não eram vistas nas salas
de aula como seres em potencial, que têm seu direito de aprender e também de serem respeitados
como alunos e, consequentemente, na sociedade.
Retomo o passado na intenção de reconstruir e reinaugurar novos significados na
história contínua e permanente que compõe minha trajetória pessoal, profissional e acadêmica.
Ao iniciar os estudos no Mestrado em Educação, nos encontros de orientação, percebo-me
envolvida mais uma vez nesse contexto, buscando, lá na caixa adormecida, todas essas histórias
12
que acabaram conduzindo-me ao tema da presente pesquisa: “Quando eu voltar a ser
criança...” um olhar sobre narrativas da infância e a docência.
A presente pesquisa parte da compreensão de criança como produtora de sentidos
e significados, e a infância como um tempo e um espaço de experiências significativas vividas
e compartilhadas entre pares e adultos, esses ainda são sentidos pouco recorrentes na escola.
Nessa perspectiva, ao não tornar a criança como produtora de sentidos e a infância
como um tempo e espaço de experiências significativas, desvincula-se o fazer docente da vida,
burocratizando-o. A narrativa e a possibilidade de experiência requerem tempo e espaço. Em
outras palavras, a experiência, ou seja, essa possibilidade de se afetar pelo outro, por aquilo que
é inusitado, aquilo que é estranho, aquilo que é desarranjo, entre outros (des)acontecimentos
essenciais para uma escola que é pulsante, que quer fazer marca na criança, que quer ser
significativa.
Os sentidos que se têm atualmente, a forma de se entender a criança e a criança na
escola são muito pobres, desqualificam a criança, desqualificam a infância. Em última instância,
desqualificam o fazer do professor. Em um lugar, espaço e tempo como esse, não há
possibilidade de narrativa. Basta conversar com os professores1 e pedir que eles falem de sua
experiência com as crianças. Fala-se de métodos, planos, conteúdos, mas da experiência
educativa não se consegue falar. Não se tem um lugar propício para que isso aconteça, como se
a gente não cuidasse suficientemente das palavras. O que proponho é que se cuide das palavras.
A busca de sentido é necessária para qualquer espaço de nossas vidas: quando não
se vê sentido, não há por que lutar. Mas muitas vezes não compreendemos por que algumas
coisas nos são tão caras. Por esta razão, buscamos em Benjamim (2012) a ideia de narrativa
como intercambiadora de experiências. A experiência constitui-se de impressões fortes que
formam e transformam o sujeito, e a narração é a via de compartilhamento, transmissão de tais
experiências.
Gagnebin (1999), em seu livro História e Narração em W. Benjamin, coloca sobre
a importância da narrativa e a esse despeito questiona: o que é contar uma história? O que isso
significa? Serve para alguma coisa? Para quê? Por que a necessidade de contar? Por que a
incapacidade, de alguns, de contar? Na intenção de refletir sobre tais questões, a mesma autora
explica que na narrativa existe “um laço essencial entre língua e história, mas ele não pode ser
explicitado de maneira linear” (GAGNEBIM, 1999, p. 2). O ato de contar é, portanto,
1 Há momentos em que optei pela grafia professor(es) como generalização. Em outros, quando abordados os
sujeitos da pesquisa, preferi utilizar professoras, destacando o gênero.
13
manifestação linguística de concretizar o acontecimento pela língua – é o laço entre língua e
história. Esta concretização permite uma transmissão, seja ela oral ou escrita.
Em O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov, Benjamin (1994)
relata que a experiência que passa de pessoa para pessoa é a fonte a que recorrem todos os
narradores, e o senso prático é uma das características de muitos narradores. O mesmo autor
esclarece:
Aquele que narra transmite um saber, uma sapiência, que seus ouvintes podem receber
com proveito. Sapiência prática, que muitas vezes toma a forma de uma moral, de
uma advertência, de um conselho, coisas que hoje não sabemos fazer, de tão isolados
que estamos, cada um em seu mundo particular e privado (BENJAMIN, 2012, p. 87).
Benjamin denuncia que estamos vivendo em nossos mundos isoladamente, fato que
ocasiona uma pobreza de experiência e, consequentemente, uma extinção da narrativa. Nesse
sentido, o referido autor cita o romance e o jornalismo como formas narrativas predominantes
quando a experiência coletiva se perde e a tradição comum não oferece base segura: eles
procuram encontrar uma explicação para o acontecimento, uma informação controlável, no caso
do jornalismo, e uma procura de sentido, no caso do romance. É com base neste pensamento de
Benjamin que buscamos, neste trabalho, trazer as experiências narrativas dos professores à tona,
como ferramenta de catarse, de reconhecimento próprio e de entendimento das próprias práticas
em sala de aula. Por meio das narrativas dos professores sobre sua infância, acreditamos haver
a possibilidade de compreender se existe influência de suas memórias de infância sobre seu
fazer docente. Vivemos tempos onde a informação impera, fato que ocasiona, como já
sinalizava Benjamin, uma pobreza de experiências. Uma pobreza que não é privada, mas
coletiva, como uma espécie de barbárie, onde o homem desta modernidade precisa construir o
real, partindo de pouco ou nada.
Barbárie? Sim, de fato. Dizemo-lo para introduzir um conceito novo e positivo de
barbárie. Pois o que resulta para o bárbaro dessa pobreza de experiência? Ela o impele
a partir para a frente, a começar de novo, a contentar-se com pouco, a construir com
pouco, sem olhar nem para a direita nem para a esquerda (BENJAMIN, 2012, p. 90).
Neste contexto, tomamos o conceito de barbárie, com base em Benjamin, não como
algo melancólico e pessimista, mas como possibilidade de viver experiência e narrar na
modernidade. Ao buscar resgatar as narrativas dos professores dos anos iniciais do Ensino
Fundamental, escavando e recordando restos e traços de memórias pela via da construção de
narrativas, pretendi construir um inventário dos achados, no terreno do presente, o lugar em
que se guardam as coisas do passado e futuro. Na concepção de Simiano (2015, p. 120), “a
14
narrativa auxilia a constituir uma história e, ao mesmo tempo, possibilita ao professor recuperar
e produzir sua própria história. A narração do presente atua sobre o passado, sua lente permite
vê-lo de uma nova maneira e lançar olhares para o futuro”.
Nesse sentido, pretendi visibilizar a experiência docente. Entendo que tal
experiência carrega referências adquiridas não apenas no meio acadêmico, mas em toda
trajetória de vida. A docência é algo que se constrói, estando apoiada em saberes diversos, e
não é exercida sobre um objeto, sobre um fenômeno a ser conhecido ou uma obra a ser
produzida. Ela é realizada concretamente em uma rede de interações com outras pessoas, em
um contexto onde o elemento humano é fundamental, e onde estão presentes símbolos, valores,
sentimentos, atitudes que são passíveis de interpretações e decisões.
Na visão de Tardif e Lessard (2009), mesmo diante de todas as dificuldades
encontradas na profissão docente, o professor percorre um longo caminho que ele próprio vai
trilhando com as suas experiências vividas, e essas, por sua vez, constituem seu perfil
profissional: “[...] tem uma história de vida [...] tem emoções, um corpo, poderes, uma
personalidade, uma cultura, ou mesmo culturas, e seus pensamentos e ações carregam as marcas
dos contextos nos quais se insere [...]” (TARDIF; LESSARD, 2009, p. 6).
Como se chega a ser o que se é? Como nos constituímos professores? Que relações
unem a infância com a escolha do ser professor? Estas são questões que me instigam a pensar
sobre a docência e a infância. Falar do processo de como nos constituímos professores é abordar
as diferentes aprendizagens e experiências que atravessam nossa história. Antes mesmo de
procurar uma formação acadêmica que nos conceda, em termos legais, o direito de ser
professor, vivenciamos múltiplos contextos no cotidiano de nossa existência que nos
possibilitam encontrar narrativas. Nesse percurso de ver, ouvir e sentir a profissão docente,
aprendemos gestos, olhares, falas, maneiras de ser, de se movimentar ou vestir que vão
compondo sentidos sobre a produção do ser professor.
Diante desse contexto, nasce o questionamento da presente pesquisa: quais as
narrativas dos professores sobre sua infância e docência e que relações elas estabelecem
entre si?
Como objetivo geral, propõe-se: analisar as narrativas que os professores têm
de sua infância e docência, buscando perceber que relações elas estabelecem entre si.
E como objetivos específicos, têm-se: conhecer memórias que os professores têm
de sua infância; identificar os adultos/professores, as práticas e modelos de instituições de
educação de sua infância; conhecer as narrativas dos professores sobre seu fazer docente;
estabelecer relações entre as memórias de infância dos professores e sua atuação docente.
15
Desta forma, esta pesquisa posiciona a possibilidade de refletir acerca das narrativas
dos professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental, perceber seus modos de ser, pensar
e estar professor de crianças. Dito de outro modo, pensar a infância que viveram/vivem e a que
hoje promovem.
“Quando eu voltar a ser criança...” retoma a metáfora de Korczak (1981)2 para
intitular e acompanhar essa trajetória de pesquisa. A possibilidade de um professor que vive um
cotidiano acostumado a voltar à infância: voltar a ser criança, sem perder a memória de adulto
e, ao retornar no tempo, perceber que o cotidiano das crianças não é nenhum mar de rosas
parece traduzir a busca de pensar esse campo de embate e negociações, no qual se movem
adultos e crianças em instituições escolares e que, na articulação das tensões existentes, dão
face a uma nova docência para a infância. Compreender como os professores enxergam-se no
passado e como se consideram no presente poderá contribuir para lançar olhares sobre como
gostariam de ser no futuro.
Assim, esta pesquisa busca contribuir para pensar a docência. A compreensão de
como os profissionais se veem no passado e presente, traçando perspectivas para o futuro,
fomenta uma reflexão do fazer docente.
O convite à fala, a narrativa, possibilita relacionar o que é próprio e o que é do
outro; o que pensamos que é do outro e o que é nosso, mostrando a interligação iminente de
nossas ações e convívio.
Por conseguinte, esta dissertação foi estruturada em cinco capítulos, sendo o
primeiro esta introdução. O segundo capítulo fundamenta os estudos para o desenvolvimento
do trabalho. O percurso investigativo é descrito no terceiro capítulo, que traz o caminho
metodológico da investigação. As análises dos dados recolhidos compreendem o quarto
capítulo, seguido pelas considerações finais e pelas referências.
2 Quando voltar a ser criança, da Editora Summus é a obra mais conhecida do autor no Brasil. Diversas resenhas
publicadas sobre o livro atestam seu valor com autoridade: “deve ser visto como um alerta das crianças que,
desesperadas, gritam para serem notadas, para se mostrarem vivas, gritam por liberdade, por uma boa escola,
por um novo mundo, um mundo que lhes proporcione a mesma compreensão, compaixão e amor
proporcionados por Korczak” (REIS, 2010, p. 92).
16
2 EM BUSCA DE COMPREENDER A INFANCIA E AS CRIANÇAS
Os adultos pensam que nos conhecem muito bem. O que
pode haver de interessante numa criança? Viveu pouco,
pouco sabe, pouco entende. Mas todos esquecem como
eram quando eram crianças... (KORCZAK, 1981, p. 52).
Neste capítulo retomo conceitos principais a partir de diferentes autores, e nesse
contar a história desses conceitos, mostrarei como eles vão se constituindo historicamente.
Muitos estudos e pesquisas versam sobre a infância e as crianças. Paradoxalmente,
nossos saberes sobre a infância nos afastam dela (KOHAN, 2007). Quanto mais saberes
construímos, menos olhamos como a criança, pois o olhar que lançamos é adultocêntrico.
Embora exista bibliografia sobre o tema, há diversos aspectos que são necessários considerar:
a história, o tempo, a aprendizagem, todos precisam ser esclarecidos para que se possa
compreender a infância e as crianças. Por esta razão os próximos itens são dedicados a estas
questões, fundamentados em Ariès (1981), Kramer (2006; 2007), Benjamin (1994), Sarmento
(2004), Kohan (2008; 2009), Cunha (1980), entre outros.
Questionar, indagar, buscar esclarecimento. Procurar saber a respeito da infância, e
das crianças e suas experiências na escola. Dar importância a essas questões é um exercício que
se faz presente através deste capítulo. Inicialmente, apresento alguns conceitos sobre infância
ao longo de sua história, buscando compreender a ideia de tempo na infância. Após, almejo
estabelecer uma relação entre infância e aprendizagem, abordando a questão da infância e
docência nos anos iniciais do Ensino Fundamental.
2.1 A INFÂNCIA AO LONGO DA HISTÓRIA
Os adultos pensam que as crianças só são capazes de
fazer bagunça e dizer bobagens; mas eles profetizam um
longínquo futuro, discutem e debatem a respeito. Os
adultos dirão que homens nunca terão asas, mas eu, que
já fui adulto, afirmo que eles bem podem ter
(KORCZAK, 1981, p. 44).
Ao apresentar a historicidade desses conceitos, o pesquisador explica, de alguma
maneira, mesmo que ainda no primeiro tempo, como a criança e infância, em última instância,
são como ideal, inclusive um ideal para fazer aquilo que não consegue fazer, então a criança é
valorosa, porque ela realiza o nosso ideal. É muito peso para nossa infância e para infância das
nossas crianças. É um peso muito grande. Diante desse ideal, as crianças não têm o que fazer,
17
não há o que realizar. Um desejo que temos dessa juventude, ao mesmo tempo, mostra que o
que mais vende são produtos para as crianças e para as infâncias. É um mercado muito grande.
Elas são valiosas como objeto do desejo dos outros e objeto para o mercado. Agora, por terem
algo valioso em si, agora... naquele tempo não, isso a gente não escuta.
Então, a infância, a criança vive um lugar, elas são compreendidas como categorias
desprovidas de valor social. O que é muito paradoxal, porque é como se a criança não valesse,
a não ser por aquilo que ela nos apresenta como possibilidade valiosa para o adulto. Ainda é
importante mencionar que a criança, paradoxalmente, tem o valor projetado pelo adulto quando
este vê, nela, a possibilidade de realização de suas frustrações: é o ideal de atingir o que o adulto
não conseguiu.
Em uma visão do adulto que precisa ter um futuro, ao mesmo tempo em que diz
que é tudo, parece que não vale nada. Vejamos, então, a trajetória histórica da criança.
Ao longo do século XX, cresceu o esforço pelo conhecimento da criança em vários
campos do conhecimento. Desde que o historiador francês Philippe Ariès publicou, em 1970,
seu estudo sobre a história social da criança e da família, analisando o surgimento da noção de
infância na sociedade moderna, sabemos que as visões sobre a infância são construídas social
e historicamente. A inserção concreta das crianças e seus papéis variam com as formas de
organização da sociedade (ARIÈS, 1981). Segundo Kramer (2006), a ideia de infância não
existiu sempre e da mesma forma. Ao contrário, a noção de infância surgiu com a sociedade
capitalista e urbano-industrial, na medida em que mudava o papel social da criança na sua
comunidade, visando a uma preparação para atuações futuras. As relações sociais modificaram-
se, e a concepção de criança também se transforma.
Diversas pesquisas em diversos campos do conhecimento versam sobre os
conceitos de infância, sendo possível o entrelaçamento de diferentes olhares e autores, entre
eles Ariès (1981), Benjamin (1994), Sarmento (2004), Kramer (2007), Kohan (2009), Cunha
(1980), entre outros que contribuíram e contribuem para esta discussão.
Kohan (2008) busca conceituar infância através da etimologia da palavra.
Conforme o autor, infans é aquele com pouca idade, aquele que não pode falar. O Dicionário
Latim-Português da Editora Porto (2001, p. 184, grifos no original) corrobora tal significação,
informando: “fans, fantis, part. pres. de for (fari): falando, dizendo”. O prefixo latino in
significa “negação, privação”.
Entretanto, é pertinente aprofundar um pouco a explanação sobre o prefixo utilizado
na formação da palavra infância.
18
Cunha (1980) lembra que o prefixo in é de origem latina, e apresenta duas
significações: a primeira diz respeito ao movimento para dentro, como no caso da formação de
palavras como ingerir e impelir; a segunda significação corresponde à negação ou privação,
como em impermeável, inativo e infância. Portanto, no sentido da formação, infância é aquele
período em que o indivíduo não tem autoridade para falar, em que é privado da fala. Podemos
afirmar, então, que há alguém que fale por quem está na infância.
Ariès (1981) aponta as crianças como adultos em miniatura, mas que se constituem
de maneira diferente ao longo do tempo. O mesmo autor afirma que, durante a Idade Média, as
crianças eram
seres biológicos agregados ao universo feminino até serem integrados precocemente
à vida adulta. Assim que pudessem ser menos independentes dos cuidados de uma
pessoa mais velha e que adquirissem habilidade de andar e falar, as crianças já eram
integradas ao mundo dos adultos, participando de seus afazeres, diversões, dos
acontecimentos do grupo ao qual pertenciam. Isso ocorria por volta dos três anos de
idade (ARIÈS, 1981 apud SIMIANO, 2010, p. 21).
As crianças, naquela época não possuíam autonomia nem estatuto social próprio.
Becchi (2010) e Qvortrup (2005) complementam que as crianças participavam da vida social
misturadas aos adultos, expostas aos mesmos perigos e violências da época, como se fossem
mini adultos.
No século XVI, Hobbes (1979) cunha a ideia de que as pessoas são más por
natureza: o homem é o lobo do homem. De acordo com os estudos de Avanzini e Gomes (2015),
esta ideia não é compartilhada por James, Jenks e Prout, que consideram que a criança é frágil,
vulnerável e facilmente desviada e corrompida; portanto, precisa ser controlada.
Contudo, no século XVIII, a Europa viveu a ascensão da burguesia, e a
individualização e institucionalização da criança favoreceram a constituição da ideia de infância
de modo semelhante ao que conhecemos hoje (AVANZINI; GOMES, 2015). Para essas
autoras, “infância é uma construção sócio-histórica [...], [é] um fato social, ou seja, uma
construção coletiva que assume uma forma, tem um sentido e um conteúdo, os quais são
estabelecidos a partir da forma de agir, pensar e/ou sentir de uma coletividade” (AVANZINI;
GOMES, 2015, p. 9). Segundo elas, já se reconhece, na atualidade, “que as crianças têm suas
necessidades, têm seus processos físicos, cognitivos, emocionais e características individuais
[...] e têm seus direitos e deveres [...], pois elas atuam e participam nos espaços socioculturais
e de seus tempos” (AVANZINI; GOMES, 2015, p. 9).
Kramer (2007, p. 13) reconhece que “a infância é entendida como período da
história de cada um, que se estende, na nossa sociedade, do nascimento até aproximadamente
19
dez anos de idade”. Mas a mesma autora também postula que “a noção de infância surgiu com
a sociedade capitalista, urbano-industrial, na medida em que mudavam a inserção e o papel
social da criança na sua comunidade” (KRAMER, 2007, p. 14).
Durante a Antiguidade e Idade Média, na Europa, por exemplo, Becchi e Julia
(1996) e Ariès (1981) demostram que, na concepção de infância, existia a ideia de cuidado e
educação das crianças. No mesmo período e local, segundo Sgritta (1994), Sgritta e Saporiti
(1989) e Mauss (2003), cada indivíduo desempenhava um papel vinculado às normas, costumes
sociais e exigências futuras em um processo de dependência cultural.
Conforme Becchi (2010), a educação era de responsabilidade da Igreja, e apenas as
famílias mais abastadas pagavam um professor. Não havia instrução organizada, não aprendiam
a ler e quase nunca a escrever.
No Brasil, nos séculos XIX e XX, de acordo com Rizzini (2011), a concepção de
criança considera as práticas pedagógicas de correção, adestramento, controle e aprimoramento
do corpo e da mente infantis. Para o mesmo autor, no fim do século XIX, ainda no Brasil, a
criança é vista como o futuro da nação, e o potencial da infância é reconhecido; também a
possibilidade de moldar a criança para o bem ou para o mal. Já no século XXI, em razão das
dificuldades econômicas, a educação tem papel fundamental para garantir as potencialidades
das crianças (AVANZINI; GOMES, 2015).
Müller e Redin (2007, p. 11) sintetizam de maneira clara: “a ideia contemporânea
de infância [...] emergiu com a modernidade, teve como berço a escola e a família”. As mesmas
autoras ainda referem que, “na mentalidade da maioria dos adultos a criança é um ser que pouco
ou nada tem a dizer” (MÜLLER; REDIN, 2007, p. 15), indo ao encontro da própria acepção da
palavra infância.
No século XV, ainda na Europa, havia a vontade de salvar as crianças, nova atenção,
considerada maior e melhor em relação a períodos anteriores (GÉLIS, 1991). Segundo Ariès
(1999), a partir do século XV, transformações sociopolíticas trouxeram a ideia de escola para
todos, reforçando o cunho social de infância.
De acordo com Becchi (1996) e Cambi (2012), na Europa burguesa do século
XVIII, as crianças eram seres considerados passivos, e a aprendizagem ocorria pela vivência
adquirida com objetos.
É preciso considerar a infância como uma condição da criança. O conjunto das
experiências vividas por ela em diferentes lugares históricos, geográficos e sociais. A infância
não pode ser vista apenas como um ciclo vital dos seres humanos, um dado biológico, um
20
período homogêneo, mas como uma construção histórica, cultural e social ao longo do tempo
e do espaço.
Procurando entender a infância e as crianças na sociedade contemporânea, de modo
que possamos compreender a complexidade da infância e a dimensão criadora das ações
infantis, encontramos, na obra de Walter Benjamin, interessantes contribuições.
Ao estudar infância, Benjamin é uma referência teórica de grande importância para
esta pesquisa. Contudo, mesmo com a relevância que o trabalho do autor ainda encerra na
atualidade, é importante mencionar que Benjamin não conceitua criança ou infância, mas
apresenta a visão da criança e sua sensibilidade a respeito do mundo (SCHLESENER, 2011).
A obra de Benjamin tem sido largamente estudada. Vários trabalhos acadêmicos
têm direcionado seus estudos através de suas obras. Em seu texto A Infância em Berlim por
volta de 1900, o autor escreve sobre sua infância tentando apresentar as impressões que tinha
do mundo adulto, e como compreendia a realidade, revelando sensivelmente e de forma
profunda um entendimento sobre a criança como sujeito social, que constrói, vivencia sua
história, a de sua família, de sua comunidade e humanidade. “As crianças não constituem
nenhuma comunidade isolada, mas sim uma parte do povo e da classe de que provêm”
(BENJAMIN, 1994, p. 94, apud SIMIANO, 2010, p. 23).
Ainda, em A Infância em Berlim por volta de 1900, obra de Benjamin, com base
em estudo de Santana (s.d., p. 1, grifos meus),
a infância se manifesta, enquanto efeito de interrupção, momento de estesia, capaz de
provocar um estado de paralisia. [...] Ela serve para demarcar os modos como se
subvertem as representações, particularmente do discurso, que transformaria o
passado em estágio superado, ou o presente em um ponto culminante na linha do
tempo. Ao procurar elaborar uma experiência com a infância, Benjamin quer ‘escovar
a história a contrapelo’.
Embora não haja uma sistematização, Benjamin nos faz ver pelos olhos das
crianças3, e é neste contexto que se insere esta pesquisa, resgatando as narrativas de infância
dos professores. Segundo Leslie (1999 apud SANTANA, s.d., p. 1), “Benjamin flagra o mundo
das coisas da infância”.
Para Gagnebin (1994), A infância por volta de 1900, de Benjamim, é uma pequena
obra-prima, e o autor ainda destaca o fato de ser por volta de, e não em 1900. Isto significa que
a infância retratada pelo autor não diz respeito a um período estanque: a infância reconstituída
3 Inspirada em Tonucci (1987): Com olhos de criança.
21
por um Benjamin adulto e imersa em um tempo vaporoso que não fixa datas enquanto
estabelece uma época, postulando uma reflexão.
Alves, Silva e Oliveira (2011, p. 48), ao se referirem à mesma obra, pontuam que,
na filosofia de Benjamin,
a infância é concebida como categoria central da história. Nessa forma de ver, trata-a
como indivíduo social inserido numa história, pertencente a uma classe social,
produtor e produto de sua cultura. Tal perspectiva Benjaminiana nos oferece a
possibilidade de compreendermos a história pela forma como concebemos a infância,
desnaturalizando-a e atribuindo-lhe identidade própria. Nestes termos, Benjamin
propõe uma antropologia dialético-materialista à sua concepção dada à infância. Seu
apreço à pluralidade e à não renúncia do singular em nome da totalidade marcam sua
obra e sua construção teórica extremamente ousada em relação à educação.
Não podemos deixar de observar a complexidade do termo infância. Marchi (2011,
p. 222) esclarece que, na obra de Walter Benjamin,
primeiro, [...] não há em sua obra uma sistematização da temática da infância;
segundo, porque ele não se propôs [...] a realizar uma pesquisa histórica sobre o
surgimento da infância na Europa. Mas, o que WB4 fez de forma muito mais sutil e,
talvez por isso mesmo, tão marcante, foi elevar, já nos anos 20 do século XX, a criança
ao estatuto de sujeito digno de observação e nota. Dessa forma, Benjamin pode ser
considerado, para além de um historiador sociocultural da infância [...].
Portanto, pelas concepções percebidas nos estudos dos autores visitados é que elegi
a obra de Benjamin como um dos guias para meu estudo. No entanto, outros autores também
abordam a infância.
Kramer (2006), Jobim e Souza (1998) também fizeram da infância seu campo de
estudo. A primeira, por exemplo, ensina que “a ideia de infância, da maneira como hoje a
conhecemos, nasceu no interior das classes médias que se formavam, no interior da burguesia”
(BRASIL5, 2005, p. 16).
É certo que a infância, hoje, é muito diferente daquela do período retratado por
Benjamin. Se analisarmos a infância que tiveram aqueles que hoje são adultos, com a infância
dos dias atuais, já será possível perceber grande diferença. E o que Kramer constata, esta
incapacidade de lidar com a infância que vemos hoje, não é segredo algum, visto que os meios
de comunicação de massa veiculam, a todo tempo, problemas com menores; a experiência
docente de muitos colegas retrata problemas para lidar com alunos indisciplinados.
4 Walter Benjamin. 5 Kramer em entrevista para a Revista Criança.
22
Em termos históricos, conforme desenvolvido desde o início deste capítulo, a
concepção e o entendimento sobre criança e infância vêm se modificando com o tempo. Não
só em termos de conceito, mas o comportamento e a visão sobre estes dois termos têm se
modificado também.
Para Benjamin (apud JOBIM; SOUZA, 2008, p. 41), “o capitalismo introduz a
extinção progressiva da experiência e, ao mesmo tempo, propicia a intensificação de choque
em diferentes domínios”. Verificamos que Benjamin, já em outros tempos, postulava um
choque que percebemos premente na atualidade. Por ora, é importante mencionar as ideias de
Prado sobre a infância. Citando Faria (1994, apud PRADO, 1999), a autora relata que as
experiências italianas concebem a criança como ser competente, capaz de sofisticadas formas
de comunicação.
Portanto, as impressões que temos, quando crianças, acerca das experiências que
vivemos, ao serem revisitadas por meio da narração, quando adultos, poderão trazer
informações riquíssimas, capazes de englobar reflexões sobre o que ocorreu na infância, como
ocorreu e qual a influência de tais experiências na vida adulta, como um reflexo do passado no
presente.
Os estudos de Prado também citam Jobim e Souza (1996 apud PRADO, 1999, p.
112), quando esta postula que as crianças precisam ser vistas por inteiro,
como membro de uma classe social situada histórica, social e culturalmente, sem ser
dividida em inúmeras habilidades e comportamentos, mas resgatando seu lugar como
alguém sim, que participa da história, da sociedade e da cultura de seu tempo,
modificando-os e sendo modificada por eles.
Não há, pois, como dissociar o conceito de infância das características sociais e
históricas, sem localizar temporal e culturalmente o conceito, uma vez que é nítida a influência
do meio sobre o comportamento e a construção identitária.
Percebemos, então, por meio dos diversos autores citados, as questões históricas e
sua influência sobre o entendimento e o conceito de infância, que refletem nas análises
realizadas para este estudo.
O início da vida foi marcado historicamente como momento em que o sujeito
apresenta-se incompleto, incapaz, passível de ser preenchido. O desafio que fica lançado é ver
a infância não pelo que lhe falta, mas pelo que possui de inegavelmente seu; não pelo que será
quando não for mais infância, mas pelo que é.
23
Kohan (2007, p. 106, grifos do autor) fala da “possibilidade frente à realidade”,
esclarecendo que, “quanto mais se retrocede na vida humana, mais ela se encontra vazia de
realidade e mais plena de possibilidades”.
Na Antiguidade grega, conforme relata Kohan, o tempo era considerado através de
três termos daquela língua para exprimir sua significação. A ideia de temporalidade era indicada
pelas palavras: cronos, kairós e aión. Cronos define o “‘número do movimento segundo o antes
e o depois’, é a medida do tempo, um tempo irrecuperável” (ROMEU, 2013, p. 1, grifos do
autor). Cronos define que o tempo é passado e futuro. Kairós já explica o tempo como
oportunidade, sendo que os movimentos não são iguais do ponto de vista qualitativo. Se em
cronos, a questão de minutos e segundos são bem definidas, sendo sempre os mesmos, em
kairós, um minuto pode ser diferente do outro. Entra, então, a questão da relatividade em razão
da oportunidade. A terceira palavra do idioma grego para temporalidade é o aión, definido pela
experiência, pelo acontecimento, pensamento e contemplação. “É o tempo experimentado e não
o que se passa exatamente. Aión é o tempo de brincar de uma criança” (ROMEU, 2013, p. 1).
Enquanto brinca, a criança não está instalada em cronos e Kohan convida a adentrar
a infância pelo aión:
Se a infância não é só uma experiência cronológica, mas uma experiência aiôica, estar
dentro ou fora da infância não tem a ver com quantos anos se tem. Basta sair às ruas
e ver que muitas crianças não têm experiência de infância e também que há muitas
experiências de infância fora da idade cronológica das crianças (KOHAN apud
ROMEU, 2013, p. 1).
Kohan enfatiza que a infância é condição da experiência. Segundo o autor,
é preciso ampliar os horizontes da temporalidade. Os gregos, aqui também, podem
nos ajudar. Em grego clássico há mais de uma palavra para referir-se ao tempo. A
mais conhecida entre nós é chrónos, que designa a continuidade de um tempo
sucessivo. Aristóteles define chrónos como ‘o número do movimento segundo o antes
e o depois’, na Física (IV, 220a); percebemos o movimento, o numeramos e a essa
numeração ordenada damos o nome de chrónos. O tempo é, nesta concepção, a soma
do passado, presente e futuro, sendo o presente um limite entre o que já foi e não é
mais (o passado) e o que ainda não foi e, portanto, também não é mas será (o futuro)
(KOHAN, s.d., p. 1, grifos do autor).6
Podemos afirmar, portanto, que a infância, de acordo com Kohan, é o tempo
presente, de intensidade, de experiências, e não da duração. O autor ainda fala de “outra
infância, que habita outra temporalidade, outras linhas, a infância minoritária. Essa é a infância
como experiência, como acontecimento, como ruptura da história, como revolução, como
6 Informação eletrônica sem data, disponível em Educação Pública – ISSN 1984-6290.
24
resistência e como criação” (KOHAN, s.d., p. 1). Menciona, também, o desconhecido e o
inesperado:
É a infância que interrompe a história, que se encontra num devir minoritário, numa
linha de fuga, num detalhe; a infância que resiste aos movimentos concêntricos,
arborizados, totalizantes: ‘a criança autista’, ‘o aluno nota dez’, ‘o menino violento’.
É a infância como intensidade, um situar-se intensivo no mundo; um sair sempre do
‘seu’ lugar e se situar em outros lugares, desconhecidos, inusitados, inesperados
(KOHAN, s. d., p. 1, grifos do autor).
As afirmações de Kohan levam a pensar na diversidade de conceitos, tanto de
infância e criança, e sobre sua importância na cultura contemporânea. Na atualidade, a despeito
do grande avanço em campos diversos, infância e criança guardam pouco espaço na escola e
no fazer docente. É como se as crianças não pudessem apenas ser crianças, mas precisem
atender expectativas oriundas de diversas partes: da família, dos docentes, da própria escola, da
sociedade.
A impressão que se tem é que aquilo que é característico, que pertence à criança e
à infância, já não tem lugar na escola: todo jogo ou brincadeira é milimetricamente planejado,
pensado e medido para atender ao currículo, às expectativas diversas; para responder ao que se
pede e para empreender consequências.
A criança aiônica, do tempo presente, da experiência, que nos apresentou Kohan
(s.d.), não aquela que têm um tempo definido pela idade. É a criança da intensidade, de situar-
se no mundo.
2.2 INFÂNCIA E ESCOLA: SER CRIANÇA E APRENDER NOS ANOS INICIAIS DO
ENSINO FUNDAMENTAL
Cheguei a perguntar um dia:
- Mãe, fita vermelha fica melhor num cachorro ou num
gato?
E ela disse:
- Você rasgou a calça outra vez.
Ao papai perguntei:
- Todo velhinho precisa de um banquinho embaixo dos
pés, quando fica sentado?
Papai disse:
- Todo aluno deve tirar boas notas, e não deve ficar de
castigo.
Então deixei de perguntar. Passei a aprender as coisas
sozinho (KORCZAK, 1981, p. 16).
Educar vem do latim educare, cujo significado é “alimentar, ter cuidado com,
formar, instruir” (MACHADO, 2003, p. 370). A educação, portanto, consiste na transmissão
25
de conhecimento, de cultura, de geração em geração, mas deve auxiliar na formação de cidadãos
capazes de refletir sobre si e sobre o mundo, evoluindo mais a cada nova geração.
Perrotti (1990, p. 16) aponta que a “cultura passa a aparecer como indispensável a
todos os indivíduos do grupo social, passa a aparecer como necessária”. Toscano e Saito (2009)
falam até de um segundo nascimento, o nascimento social, que se segue ao nascimento
biológico. Considerando a afirmação dos pensadores, podemos admitir que o nascimento social,
nos dias atuais, ocorre no momento em que a criança passa a ter interações sociais com sujeitos
diferentes, fora da família. Assim, no momento em que se inicia o Ensino Fundamental, as
crianças passam a interagir mais com os colegas, criando laços sociais. Dessa forma, a cultura
transmitida e recriada por meio da educação passa pela escola, por meio de suas relações com
outras crianças com as quais tem contato no ambiente escolar. Na concepção de Barbosa (2000,
p. 77), não importa “a compreensão sobre a criança, ela necessita de certo tipo de educação”.
Assim, a autora estabelece íntima relação entre infância e aprendizagem.
Nessa perspectiva, entrevistada por Brougère, Rogoff afirma:
A aprendizagem é uma maneira de fazer com aquilo que não encontramos antes, quer
se trate de uma coisa bastante similar àquilo com que já nos confrontamos ou de algo
verdadeiramente diferente. Assim, no processo de participação nessa conversa,
devemos apreender elementos em comum para ir mais longe (BROUGÈRE, 2012, p.
318).
Portanto, ao participar, a criança aprende, e a aprendizagem não está atrelada
apenas à escola, mas pode ocorrer em qualquer espaço, dentro ou fora dela.
Aprendizagem é um processo de mudança de comportamento obtido através da
experiência construída [...] na aprendizagem, o professor é co-autor [sic] do processo
de aprendizagem dos alunos. Nesse enfoque centrado na aprendizagem, o
conhecimento é construído e reconstruído continuamente (HAMZE, s.d., p. 1).
Contudo, é importante mencionar que este continuamente deve fazer referência a
todos os ambientes frequentados pelas crianças: aprende-se em todos os espaços. Ngeng (2012,
p. 301) explica que é preciso criar “uma aproximação entre a educação familiar, informal e a
educação escolar”. Uma aproximação, porque a criança é resultado das relações vividas nesses
espaços. No entanto, não podemos esquecer das especificidades e perfil de aprendizagem das
crianças, mas propor uma aproximação, porque a criança é resultado das relações vividas nesses
espaços. Podemos recorrer, então, a Corsaro (1997, p. 283), quando este postula “uma nova
sociologia da infância [...]. Nessa nova abordagem, o olhar se volta para a infância como
26
construção social resultante da ação coletiva das crianças com os adultos e entre elas. [...]
crianças como atores sociais”.
Neste sentido, insere-se o pensamento de Brougère (2012, p. 307), de que é
participando que se aprende. Assim, a aprendizagem pode “resultar da imersão na vida
cotidiana pelos seus diversos aspectos, quer se trate da vida familiar, de trabalho, de lazer, [...]
de como aprender na vida cotidiana”.
O autor ainda enfatiza que “a participação não é necessariamente copresença; pode
implicar atividades separadas. [...] inserindo-as num cotidiano coletivo, construído com base
em interações das quais algumas são diferentes” (BROUGÈRE, 2012, p. 308). A criança é,
portanto, “ator no pleno sentido [...] reinterpreta e produz mundo e regras sociais, mas não
simplesmente de modo individual, mas como um ator coletivo” (SIROTA, 2012, p. 282).
O aprendizado é, assim, uma atividade que se constrói no social, no laço com o
outro, e “já não cabe privilegiar situações mais formais de aprendizagem, mas interrogar-se
sobre os momentos, os lugares e as ocasiões” (SIROTA, 2012, p. 282).
Para Brougère e Ulmann (2012, p. 2-3, passim), é preciso “reconhecer as
aprendizagens do cotidiano como saberes”, que estão “longe de serem sempre fáceis de fazer,
[mas] obrigam a operar um deslocamento do olhar sobre as coisas e revelá-las de outro modo e
fazer emergir sentidos ocultos”.
Neste contexto, conhecer as narrativas dos professores sobre sua infância e
docência e as relações que se estabelecem entre elas possibilita pensar no adulto que “escreve
a infância e inscreve a criança” (GOUVÊA, 2008, p. 106). As memórias da infância dos adultos
servem de base e inspiração para a escrita e, neste campo, as narrativas dos adultos sobre seus
tempos de criança auxiliam na compreensão da infância e sua influência na vida adulta
(GOUVEA, 2008).
Lima (2012) enfatiza que, embora haja certa universalização da educação, o
processo de ensino passa obrigatoriamente pela figura do professor, e encerra grande
complexidade. A mesma autora postula que o professor é aquele que se educa, forma-se no
decorrer da construção de si mesmo na relação com os outros. Ainda para Lima (2012, p. 3),
compete ao professor dominar o conteúdo, saber ensiná-lo, relacionar o ensino à
realidade do aluno e a seu contexto social, desenvolver uma prática de investigação
crítica e reflexiva sobre seu próprio trabalho. A docência funciona como um campo
de conhecimento específico configurado em diferentes aspectos.
Lima também esclarece sobre a variedade de funções exigidas do profissional
docente, principalmente quando se trata dos primeiros anos do Ensino Fundamental:
27
- relação com o ensinar, que envolve a interação com o aluno e seu acompanhamento,
a preparação do planejamento do ensino (objetivo, conteúdo, metodologia e
avaliação) e a gestão da sala de aula. Compete ao professor dominar o conteúdo, saber
ensiná-lo, relacionar o ensino à realidade do aluno e a seu contexto social; -
desenvolvimento pessoal e profissional, que consiste em reflexões, questionamentos,
discussões sobre seu próprio desenvolvimento e ações educativas conscientes. Tudo
isso subsidiado por leituras e participação em cursos, congressos, grupos de estudos,
associações profissionais e sindicatos, dentre outros espaços, que contribuam
qualitativamente para sua formação contínua, proporcionando ao professor o
exercício da investigação crítica e reflexiva sobre sua própria prática e seu trabalho,
possibilitando uma ação docente transformadora; - gestão educacional, que aborda a
atuação docente na organização e gestão da escola, mediante a participação crítica e
consciente: na construção coletiva do projeto pedagógico e na elaboração dos planos
de ensino, nos conselhos de classes e da escola; na Associação de Pais e Mestres
(APM), na organização de reuniões com pais (LIMA, 2012, p. 150-151).
Nessa perspectiva, a docência exige inúmeras facetas do profissional, além de
atender às mudanças que ocorrem no próprio sistema de ensino.
Nos últimos anos, vem sendo consolidada a mudança no Ensino Fundamental de
oito para nove anos. Em 6 de fevereiro de 2006, a Lei nº 11.274 institui o Ensino Fundamental
de nove anos de duração com a inclusão das crianças de seis anos. A mudança, de
implementação gradativa, trouxe crianças de idade ainda mais tenra para o Ensino Fundamental.
A ampliação do Ensino Fundamental para nove anos significa, também, uma
possibilidade de qualificação do ensino e da aprendizagem da alfabetização e do letramento,
pois a criança terá mais tempo para se apropriar desses conteúdos. O ensino, nesse primeiro ano
ou nesses três primeiros anos, não deverá se reduzir a essas aprendizagens. Assim, é reafirmado,
através do documento de orientação pedagógica, a importância de um trabalho pedagógico que
assegure o estudo das diversas expressões e de todas as áreas do conhecimento, igualmente
necessárias à formação do estudante do Ensino Fundamental.
A Educação Infantil não tem como intenção preparar crianças para o Ensino
Fundamental, essa etapa da Educação Básica possui objetivos próprios, os quais devem ser
alcançados a partir do respeito, do cuidado e da educação de crianças que se encontram em um
tempo singular da primeira infância. No Ensino Fundamental, as crianças de seis anos, assim
como as de sete a dez anos de idade, precisam de uma proposta que atenda a suas características,
potencialidades e necessidades específicas.
Esta nova organização da Educação Básica acarreta diversos fatores na educação
das crianças brasileiras. O entendimento de criança e infância dos professores que atuam nesses
nove anos é de suma importância, onde se insere esta pesquisa. A percepção dos professores
sobre a criança e a infância está além da formação acadêmica: como sujeito em constante
formação, a partir da reflexão sobre o que vive, o professor vai se (re)construindo, evoluindo e,
28
assim, auxiliando as crianças que estão sob seus cuidados. Por meio da reflexão e formação, o
professor compreende melhor as suas crianças, refletindo em seu fazer docente.
Nesse sentido, é preciso rever e repensar as concepções nas quais a infância tem
sido usualmente referenciada. Tal processo implica abrirmos mão do que pensamos saber sobre
a infância. Assim, será possível lançar, sobre ela, um olhar menos ensinante e mais aprendente,
mais receptivo à novidade, à história que cada criança traz consigo. Para Kramer (2007), um
caminho possível seria lançar outros olhares sobre a infância e buscar seu lugar na sociedade,
concebendo a criança como ser social e histórico.
Nesse início de caminhada da política de ampliação do Ensino Fundamental,
considerando que as crianças estão ingressando mais cedo, mas não por isso deixam de ser
crianças, surgem vários questionamentos: o que trabalhar com as crianças? O currículo a ser
apresentado às crianças de seis anos será o mesmo que tiveram na Educação Infantil ou uma
compilação com os da 1ª série do Ensino Fundamental de oito anos? Qual o papel do professor
do 1º ano do Ensino Fundamental de nove anos? Em que se constitui a formação e docência de
tal professor especificamente?
Sacristán e Gómez (1998) postulam que a formação docente reflete na prática diária
do trabalho do professor, e deve ocorrer continuamente. A formação do professor não se dá
apenas durante a graduação. Lima (2012) ensina que o professor, em seu fazer docente,
constrói-se no seu cotidiano e na relação com outros.
Como sujeito histórico o professor tem a possibilidade de intervir, mediante seu
trabalho, na transformação social, visto que sua profissão tem como objetivo a
formação de outros seres humanos, uma atividade complexa para a qual se exige uma
formação sólida e qualificada, não apenas inicial, mas contínua, que lhe dê condições
de enfrentar os inúmeros desafios que o contexto educacional apresenta diariamente
nas escolas (LIMA, 2012, pp. 149-150).
É neste sentido que concordamos com Sacristán e Gómez (1998), quando pontuam
que a prática é muito mais complexa que a teoria, visto que não basta saber o que ensinar, mas
como e para quem. Trabalhar conteúdos no Ensino Fundamental significa trabalhar com
crianças a partir de seis anos, o que requer conhecimentos sobre esta etapa do desenvolvimento,
necessidades específicas, gestos... demanda uma preparação bastante elaborada, pois as
crianças, na faixa etária em que se encontram neste nível de ensino, ainda não dominam
plenamente a leitura e a escrita, que devem ser consolidadas até o 3º ano. Este é, portanto,
apenas um dos desafios do profissional que atua nos primeiros anos do Ensino Fundamental.
A concepção de infância, pelo professor, é constituída a partir de relações sociais
que se estabelecem ao longo de sua história e que direcionam sua prática de alfabetização.
29
Assim, o professor pode considerar as especificidades da Educação Infantil e do Ensino
Fundamental sem esquecer as especificidades da infância em cada etapa do desenvolvimento.
Alfabetização é uma especificidade dos primeiros anos do Ensino Fundamental,
assim como infância é um conceito compreendido de diferentes formas, o que resulta em
práticas diferenciadas. Se entendemos criança como sujeito histórico, que constitui e é
constituído nas relações sociais, seu processo de alfabetização iniciou muito antes do Ensino
Fundamental, porque toda criança, nos dias atuais, convive, de alguma forma, com a escrita e a
leitura, ou seja, tem noção social da escrita.
Educação Infantil e Ensino Fundamental podem ser dois níveis da Educação Básica
constituídos para criança, de dois momentos distintos/fragmentados, ou como processo na
trajetória da Educação formal do sujeito. O que vai determinar é a concepção, a partir da qual
essa trajetória será efetivada.
Com efeito, a função específica do educador é educar, isto é, garantir aos alunos a
apropriação do saber que eles não dominam quando chegam na escola. É na medida
em que cumpre essa função que o professor se realiza como professor, que ele realiza,
por assim dizer, a essência do seu ser enquanto professor [...] De posse desse saber
que o professor, na escola, lhes ensina, os alunos poderão desenvolver uma
compreensão mais rigorosa e crítica da realidade em que vivem e, consequentemente,
agir de forma mais consciente e eficaz para transformá-la (SILVEIRA, 1995, p. 27).
Sacristán e Gómez (1998), ao exortarem o professor a ser planejador, chamam a
atenção para que o profissional docente desperte para a realidade à qual atende, além de sua
inserção e influência na comunidade. Evidenciamos a complexidade do fazer docente nas séries
objeto de estudo deste trabalho, dadas as inúmeras particularidades que o nível de ensino
apresenta. Quando Sacristán e Gómez (1998) nos estimulam a ser planejadores, certamente não
têm o conhecimento da realidade docente no Brasil, da carga horária e do número de alunos a
que estão (estamos) submetidos como educadores. Cabe a afirmação de que o trabalho docente
é um exercício hercúleo para que apenas os preceitos legais sejam atendidos. Se considerarmos
uma maneira apropriada de ensinar, diagnosticando as necessidades dos alunos, este exercício
contínuo de ensino acaba em um ad eternum para que sejam atendidas as necessidades dos
alunos da maneira como nós, professores, gostaríamos, o que parece apenas utópico.
Neste sentido, inserem-se as pesquisas que apontam caminhos outros para refletir o
fazer docente, como esta investigação. A realidade brasileira, tanto do professor quanto do
aluno encerram particularidades e necessidades únicas, extremamente complexas e que trazem
necessidades peculiares.
Em entrevista à Revista Criança, Sônia Kramer revela:
30
Antigamente, o adulto era visto como aquele que sempre teve mais experiência e que,
por isso, tinha melhores condições de armações [sic], criança e adulto vivem as
mesmas experiências. Isso acaba interferindo de uma maneira muito forte na atitude
do adulto. Muitas vezes, para que essa criança possa ser o sujeito, o adulto acredita
que precisa abrir mão de ser sujeito. E assim, abre mão, também, do seu papel de
autoridade (BRASIL, 2005, p. 5).
No desenvolvimento desta pesquisa, por meio das narrativas dos professores,
pretendi compreender as experiências dos sujeitos docentes, buscando relacionar a infância e
sua influência na vida adulta (GOUVEA, 2008; KRAMER, 2006; 2007, SACRISTÁN;
GÓMEZ, 1998).
As memórias da infância dos adultos servem de base e inspiração para a escrita e,
neste campo, as narrativas dos adultos sobre seus tempos de criança auxiliam na compreensão
da infância e sua influência na vida adulta (GOUVEA, 2008).
A complexidade do fazer docente não se encerra no simples transmitir conteúdos.
Até mesmo estes conteúdos precisam atender a parâmetros legais, particularidades dos
discentes, características geográficas e das comunidades em que estão inseridos. Assim, não
basta desejo de ensinar, vocação, é necessário empenho, estudo – preparação – dedicação,
disponibilidade para uma formação continuada no decorrer da vida. Ensinar é muito mais: é
auxiliar na formação de cidadãos, de pessoas que serão sujeitos de sua própria história e da
história da comunidade em que estão inseridas.
Kramer e Leite (1996, p. 8) refletem sobre as práticas diretamente com as crianças:
[...] muitos dilemas têm ocupado universidades, secretarias e ONGs7, tais como: as
formas de estruturação da educação infantil no âmbito da educação básica e sua
articulação com o ensino fundamental; a organização escolar e da educação infantil
em diferentes contextos municipais; as orientações curriculares e os critérios de
qualidade; diagnósticos e/ou avaliações de políticas públicas; avaliações de
desempenho. No plano da produção do conhecimento sobre educação infantil, além
das questões mencionadas, são necessários estudos sobre: a institucionalização da
infância e suas conseqüências; [sic] concepções teóricas da infância (é preciso
consolidar as contribuições da sociologia da infância, da antropologia e os estudos
culturais sobre as crianças e as culturas infantis); especificidades da creche e do
trabalho com bebês – área em que a pesquisa é urgente quanto às políticas, às práticas
em creches e às ações das famílias. Gravidez precoce, abandono, violência,
populações de rua e as relações entre creches, escolas e conselhos tutelares são
também aspectos que merecem atenção e articulação com outras áreas do
conhecimento e da intervenção educacional.
A autora traz para a reflexão a articulação entre a creche, a pré-escola e o Ensino
Fundamental. A articulação entre os níveis de educação para as crianças é imprescindível para
7 Organizações Não Governamentais.
31
que sejam atendidas as exigências legais e as particularidades dos alunos e das comunidades
em que estão inseridos.
Certamente as questões postuladas acima são complexas, e revelam muitas dúvidas
e incertezas em relação à Pedagogia que surgem frente à nova realidade das crianças de seis
anos estarem inseridas no Ensino Fundamental. Acredito que o maior desafio seja banir dessa
etapa inicial da escola o saber puramente técnico, dirigido, que tolhe a espontaneidade e a
criatividade das crianças. Cada vez mais a escola e o ensino visam a objetivos definidos,
preparando as crianças, guardadas as devidas proporções, para a competição acirrada de
conhecimentos que é o vestibular, por exemplo, e deixando de lado a preparação para a vida.
O ensino preocupa-se cada vez mais com a padronização do conhecimento e da
aprendizagem, utilizando apostilas de grandes grupos, aproximando os estudantes de uma
homogeneidade forçada, muitas vezes desconsiderando suas particularidades. O saber fica cada
vez mais científico, cumpridor de programas para atender expectativas. É a valorização de um
caminho pré-estabelecido, de conteúdo estanque, onde se espera que a criança se enquadre, e
não que desenvolva suas potencialidades.
Ciente de que tais questões não se esgotam na revisão teórica realizada neste
capítulo, e que muito ainda precisa ser aprofundado, acredito ser pertinente registar que, mesmo
antes de pensarmos os caminhos curriculares para os Anos Iniciais do Ensino Fundamental, não
podemos perder de vista a urgente tarefa de repensar toda esta etapa da educação. A questão
que nos é colocada vai além do acolhimento e inserção de tais crianças nesse nível de ensino,
requer a garantia de uma proposta pedagógica que abranja as especificidades, subjetividades e
demandas dessas crianças que chegam às escolas para, nelas, permanecerem um tempo
significativo de suas vidas.
Neste sentido, a criança sobre a qual lançamos o olhar, neste trabalho, é aquela em
que vemos como a que se constrói diariamente por meio das influências que sofre, do meio em
que vive. A criança é aquela que se permitiu e se permite construir sistematicamente por meio
de suas experiências, que decorrem de diversos campos, mas que guardam, na experiência
escolar, a forte influência das relações que estabelece, não apenas professor-aluno, mas de
aluno-professor, de aluno-aluno. Como relação humana que é, guarda a impossibilidade de ser
previsível e é justamente onde está sua beleza.
32
3 PERCURSO INVESTIGATIVO
Os esquimós não comem pão? Por que que não se mudam
para um lugar mais quente? Não seria possível construir
casa de tijolos para eles? Uma baleia é mais forte do que
um leão? Quando um esquimó não consegue encontrar o
caminho para casa, pode acabar morrendo de frio?
Existem lobos por lá? Os esquimós sabem ler? Existem
canibais entre eles? Eles gostam dos brancos? Eles têm
um rei? De onde vêm os pregos para eles fazerem os
trenós? (KORCZAK, 1981, p. 38).
Crianças interrogam-se e nos interrogam. São mestres em estranhar, questionar,
criar hipóteses, explorar, fazer pesquisa... As ciências, sejam elas exatas ou filosóficas, partem
de indagações e não de respostas. Nessa mesma via infantil surgem os primeiros
questionamentos para traçar este caminho da pesquisa: o que pesquisar? Onde? Quais sujeitos
pesquisar? A construção do objeto desta pesquisa está atrelada às histórias tecidas nos porquês
da vida e da academia. São eles que me conduzem até aqui. Vi-me, portanto, desafiada a
construir um percurso investigativo que buscasse dar visibilidade às narrativas dos professores
que atuam com crianças, sua infância e docência. Como forma de conduzir tal processo,
apresento elementos de um percurso metodológico de pesquisa.
3.1 CAMINHO METODOLÓGICO
Em termos metodológicos, optei por realizar este trabalho em uma perspectiva de
pesquisa qualitativa. As inúmeras pesquisas qualitativas que se desenvolvem no Brasil, em
especial na área de formação de professores, mostram que a teorização sobre esta metodologia
vem crescendo, acompanhada de uma significativa prática investigatória. São importantes as
recentes contribuições neste sentido, em especial as de Haguette (1987), Lüdke e André (1986),
Triviños (1987), André (1995), Fazenda (1992, 1995), Minayo (1994), entre outras.
Para Triviños (1987), a pesquisa qualitativa tem o ambiente como fonte direta dos
dados e o pesquisador como instrumento-chave. A pesquisa qualitativa é descritiva; os
pesquisadores qualitativos estão preocupados com o processo e não simplesmente com o
resultado e o produto, eles tendem a analisar seus dados indutivamente. O significado é a
preocupação essencial na abordagem qualitativa.
33
A partir dessas ideias busquei construir movimentos de pesquisa que
possibilitassem compreender a infância por meio das narrativas de docentes. Assim foi que
pretendi desenvolver este estudo em uma perspectiva narrativa.
No entender de Chaves, a “pesquisa narrativa [...] convida à reflexão e requer do
pesquisador o exame do contexto onde se situa a pesquisa e suas implicações amplas, além de
provocar o olhar dos pesquisadores e professores para coisas e situações que, para eles,
passavam despercebidas” (CHAVES, 2000, p. 89).
Nesse sentido, as narrativas dos professores, por exemplo, “podem levar outros
professores a relembrarem suas próprias histórias e a fazer relações nos planos individual e
coletivo” (CHAVES, 2000, p. 89), possibilitando conduzir cada um deles a se compreender
como sujeito histórico; que seu modo de ser não é natural, mas resultado das relações sociais
que estabelece. Desse modo, apresenta-se a possibilidade de catarse: as narrativas podem
fornecer material para um reconhecimento de si nas histórias do outro, e provocar uma reflexão
sobre seu próprio fazer, promovendo crescimento pela contemplação do que o outro diz.
Para Benjamin (1968, p. 83 apud CHAVES, 2000, p. 8, passim), a narrativa é um
meio de “intercambiar experiências. Estudar educação é estudar experiência”; o estudo da
experiência é o estudo da vida nas suas várias nuanças. A presente pesquisa busca resgatar as
narrativas dos professores, pois se acredita que ela é transformadora e formadora, à medida que
possibilita ao sujeito olhar a si mesmo e para sua vida a partir de um novo ponto de vista. Entre
a narrativa e a experiência impõe-se uma relação dialética. O relato da realidade é produtor da
história, mas é, também, e simultaneamente, produtor de novas realidades.
Nessa direção, refuta-se a existência de uma narrativa que seja a expressão de uma
realidade absoluta – o que de fato aconteceu. A narrativa está carregada dos significados e
reinterpretações dos narradores. São, portanto, representações da realidade, e não a realidade
em si. Assim, a narrativa não se configura como ferramenta de arqueologia do passado
(BENJAMIN, 1994). Nela, a memória e a invenção fazem-se parceiras na construção dessa
nova realidade, que surge da reinterpretação do passado. De acordo com Simiano (2015, p.
110), “aquilo que é narrado não corresponde realmente aos fatos, a narrativa cria possibilidades.
Pode ser contada, recontada, ganhar muitas versões em um constante (re)significar desse
narrar”.
Considerando esse entendimento, a escolha dos sujeitos da pesquisa foi feita a partir
de alguns critérios previamente estabelecidos. Tais critérios foram: Professoras da rede pública
de ensino, participantes do OBEDUC (Observatório da Educação) UNISUL, atuantes nos três
primeiros anos da Educação Fundamental.
34
Como campo de pesquisa, escolhi as narrativas produzidas por professoras
participantes do OBEDUC- Observatório da Educação - projeto desenvolvido na UNISUL -
Universidade do Sul de Santa Catarina. Os sujeitos de pesquisa foram três professoras da Rede
Municipal de Ensino, duas de Tubarão e uma do município de Laguna - SC. Elas desenvolvem
um trabalho com os anos iniciais do Ensino Fundamental e foram parte integrantes do projeto
OBEDUC (Observatório da Educação-2013 – 2016).
Os sujeitos da pesquisa foram três professoras, duas do município de Tubarão e
uma do município de Laguna. As professoras trabalhavam com crianças de 6 a 9 anos. Como
forma de preservar as participantes, optei pela criação de nomes fictícios, nomes por meio das
quais elas se igualassem e se diferenciassem. Portanto, chamei a todas de Maria, por partilharem
a mesma tarefa de ser professora nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Mas se distanciam,
pois seus olhares são múltiplos, suas experiências, únicas. Marcando essa diferença, cada uma
recebeu, também, um segundo nome. São elas: Maria Lua, Maria Sol e Maria Estrela.
Maria Lua – É formada em Pedagogia e atua há 11 anos com turmas de 1º ano, e ao
todo está há 14 anos em sala de aula, contando o período como estagiária. Sua turma,
hoje, tem 24 alunos. Trabalha como Admitida em Caráter Temporário (ACT) no período
da tarde. Conheceu o Observatório da Educação – OBEDUC através da Diretora da
escola, que informou sobre o projeto e perguntou se gostaria de participar, já que as
características de tal projeto têm foco em seu trabalho, que é a alfabetização. Ela
trabalha na escola onde estudou. Nela também estudaram suas três irmãs e sua mãe.
Maria Sol - Iniciou a vida acadêmica cursando Serviço Social, mas percebeu que não
havia se encontrado e transferiu-se para Pedagogia. Iniciou como estagiária em uma
turma de 2º ano, depois se transferiu para outra escola, permanecendo por 2 anos. Atua
há 11 anos na Educação, atuou como ACT e hoje é efetiva nas séries iniciais há dois
anos. Ela conheceu o OBEDUC através de colegas de trabalho, que conversavam e
comentavam sobre o projeto. Quando o convite de participação chegou à escola em que
trabalha, ela sinalizou seu interesse para a diretora e, assim, passou a participar do
projeto.
Maria Estrela - É graduada em Pedagogia desde 2009, e iniciou sua trajetória na escola
há apenas 3 anos. Hoje trabalha com uma turma de 21 alunos. Ela teve experiência de
um ano letivo com primeiro ano do Ensino Fundamental. Conheceu o OBEDUC em
2013 através da diretora da escola onde atuava, que sugeriu sua participação por estar
atuando com os terceiros anos.
35
Korczak8 inspirou a metodologia dos encontros com as professoras. Tal escolha se
deu por se tratar de um autor que dedicou sua vida a “uma luta em favor da criança, em defesa
de seus direitos humanos, do respeito que lhe é devido, em casa, na escola, na rua, no orfanato
ou seja lá onde for” (KORCZAK, 1981, p. 9).
Assim, a metodologia dos encontros foi pautada em dois dos dispositivos
pedagógicos utilizados por Korsak: reuniões-debate e caixa cartas (TEZZARI, 2012). A razão
para a escolha foi em função de buscar momentos que privilegiassem a construção de narrativa
oral e narrativa escrita. A partir de um encontro previamente agendado com as professoras,
realizei um encontro individual com cada uma delas. No encontro, dois foram os enfoques
abordados: o trabalho docente com as crianças e suas próprias infâncias.
Para tanto, iniciei o encontro pensando previamente na organização de um espaço
potente, que ofertasse um lugar generoso às professoras, acolhedor para suas narrativas. Assim,
preparei espaços especialmente para que as participantes pudessem ficar à vontade e tecer suas
narrativas. Primeiramente, busquei alternativas para que as participantes pudessem sentir-se à
vontade. Desta forma, não apenas cadeiras, mas um espaço com almofadas também estava
disponível. A intenção foi que as participantes buscassem a acomodação que preferissem. Aqui
já posso fazer uma referência a Korczak, que aponta que, para o desenvolvimento de narrativas,
o mais importante é falar de maneira afetuosa, e nada melhor do que fazer com que as
participantes se sentissem acolhidas. A expressão deste acolhimento foi retratada na figura 1,
da página seguinte.
8 A vida de Korckzac é um registro de lutas. Seu reconhecimento é inquestionável e sua biografia pode ser
encontrada em português, alemão e inglês, principalmente em páginas dedicadas ao judaísmo. Tezzari (2012, p.
2) aponta que a obra de Korczak “é reconhecidamente de grande importância, mas ainda hoje o conhecimento
sobre o referido autor no contexto brasileiro é mais restrito a grupos de estudiosos de áreas da educação”. Nascido
em 22 de julho de 1878 em Varsóvia, recebeu o nome de Henryk Goldsmit. Sua paixão pelas crianças pobres e
por ajudar jovens carentes vinha da juventude. Fundou um orfanato judeu em 1912, chamado Dom Sierot, que
funcionava em um prédio que ele projetou para auxiliar em suas “teorias educacionais progressivas”. Elas seriam
suas “proposições pedagógicas junto a crianças que hoje seriam consideradas vivendo em situação de risco”
(TEZZARI, 2012, p. 2). O autor é tão conhecido na Europa quanto Anne Frank. Como ela, Korczak pereceu no
Holocausto, juntamente com as 200 crianças que estavam sob seus cuidados. Ao contrário de Anne Frank, Korczak
poderia ter escapado, mas recusou-se: "Você não deixa um filho doente no meio da noite, e você não deixa as
crianças em um momento como este", disse ele (CENTRO DE COMUNICAÇÃO KORCZAK, s. d., p. 01).
36
Figura 1 – Espaço para receber as participantes
Fonte: acervo da autora (2016).
Foram momentos muito ricos e prazerosos que tivemos juntas. Preparei esses
momentos para que, assim, pudessem se sentir bem acolhidas e tranquilas para nossa conversa
(reunião-debate) e escrita de carta (caixa- cartas).
A inspiração na reunião-debate de Korsak deu-se por entender esse dispositivo
como um tempo e um espaço para aprendizagem, um processo de transformação recíproca entre
sujeito e objeto, nos aproximando progressivamente do objeto a conhecer.
Por não haver um roteiro fechado para a conversa, esses momentos foram centrados
nos sujeitos, procurando elementos através da narrativa dos envolvidos. Tal proposta de
reuniões-debate pressupõe que os envolvidos são competentes para transmitir suas experiências
37
com clareza, possibilitando que manifestem seus atos e o significado no contexto em que
ocorreram.
Uma reunião-debate é, pois, uma oportunidade de vivenciar situações concretas e
significativas, baseada no tripé sentir-pensar-agir. E em uma reunião-debate ocorre apropriação,
construção e produção de conhecimentos teóricos e práticos, de forma ativa e reflexiva.
Korczak as considerava um bom meio para propiciar o diálogo entre o educador e as crianças,
como assembleias que possibilitavam resolver problemas dolorosos ou difíceis. Na perspectiva
do autor, as reuniões-debate funcionam como instrumento para possibilitar a fala, a narrativa.
Na busca de propiciar uma reunião-debate, em que os professores participantes
pudessem se sentir à vontade, inicialmente, no encontro, disponibilizei um espaço onde as
narrativas seriam construídas através do diálogo. Para Benjamin, a narração oral é uma das
mais importantes formas de transmitir conhecimentos e de refletir sobre si e acerca do outro.
Para ele, a narração é a primeira maneira de compartilhar. Por meio dela partilhamos
experiências, planejamos a vida e, a partir de experiências vividas, aprendemos a vida. Como
modo de poder potencializar tal narrativa, um primeiro momento da reunião ocorreu em um
lugar aconchegante, com um tapete no chão, almofadas, flores, cheiro, música [...], buscando
criar uma atmosfera que permitisse, às participantes, sentirem-se à vontade. O início ocorreu
com meu próprio compartilhamento, identificando-me como colega de profissão, meu cotidiano
e minha relação com a educação. Este início teve o objetivo de deixar as participantes à vontade
e, ainda, de mostrar o que me move, meus encontros com as crianças, com as escolas, com
outros professores... também de relembrar como se dá a formação de professores na minha
própria prática e na prática da rede, nos dias atuais.
Pensando em um ambiente generoso que convidasse a continuidade da conversa,
propus, para dar seguimento ao nosso bate-papo, ouvirmos a música de Tim Maia: Ah, se o
mundo inteiro me pudesse ouvir...9, sendo operador que serviu de disparador para que
acontecessem as narrativas das professoras.
No encontro com essas professoras, recolhi os seus depoimentos a respeito de
alguns momentos de suas vidas, estabelecendo relações entre as memórias de infância e seu
fazer docente. Em um primeiro momento, as professoras contaram sobre sua formação,
profissão, tempo que atuam no Ensino Fundamental, tempo que atuam na instituição atual, e
narraram sobre o cotidiano educativo e sua docência nos primeiros anos do Ensino
9 Música intitulada Azul da Cor do Mar, do álbum Tim Maia, lançado em 1970.
38
Fundamental. Após, contaram sobre suas infâncias, abordando as seguintes questões:
adultos/professores, os contextos, as práticas e modelos de instituições de educação de sua
infância.
Gravei as narrativas em áudio e, posteriormente, as transcrevi, depois submeti às
professoras para que pudessem verificar a transcrição e, caso solicitassem a supressão ou
mudança de alguma parte, eu realizaria. Não houve solicitação de mudança, mas isto permitiu
uma “volta” aos envolvidos, garantindo-lhe o direito de ouvir, de discordar ou modificar suas
posições, com vistas a garantir o compromisso ético na execução da pesquisa (SZYMANSKI;
ALMEIDA; PRANDINI, 2002, p. 52).
No terceiro momento, as participantes foram convidados ao espaço contíguo, com
outro tapete, pranchetas, papéis de carta e diversos outros materiais. Este momento foi o que
apresentei como Caixa-cartas, outro dispositivo pedagógico de Korcsak que inspirou a
metodologia do encontro.
Figura 2 – Espaço para a Caixa de Cartas
Fonte: Acervo da autora (2016).
Korczak utilizou esse dispositivo caixa – cartas com as crianças, para que elas
pudessem refletir antes agir. Dizia ele às crianças que elas tinham o direito de expressar sua
opinião; tinham o direito de insultar um ao outro e, até, de se bater, mas com a condição de
escrever primeiro. Esse era o tempo de poder refletir antes. Era preciso escrever uma carta e
depositar na Caixa-cartas. Depois, cada um lia a carta que recebera, respondia e, dessa forma,
a discussão poderia se estabelecer. Nessa caixa também era possível depositar cartas com
questionamentos, pedidos de explicações, queixas, revelações e relatos de acontecimento.
Inspirada em seu trabalho, o terceiro momento de nossa reunião-debate pediu às
professoras participantes que escrevessem cartas. Disponibilizei pranchetas, papeis de carta,
39
canetas coloridas, lápis, borracha, envelopes, convidando as professoras à escrita de uma carta
endereçada para uma criança, àquele aluno que precisa de um olhar especial, que representa um
desafio, escrevendo para ele o que sente, o que pensa, o que deseja para o futuro dele.
Optei pela carta entendendo que a narrativa escrita traria o registro da experiência
de um outro modo. A narrativa sobre a infância e docência foi produzida no passado, mas no
presente desses professores. Nesse sentido, Thomson (1997, p. 57) explica que
É necessário compreender, que nos tecemos através do processo de contar histórias
para nós mesmos – como histórias secretas ou fantasias – ou para outras pessoas, no
convívio social. [...] Ao narrar uma história, identificamos o que pensamos que éramos
no passado, quem pensamos ser no presente e o que gostaríamos de ser [no futuro].
Mais do que de uma infância que viveram, as professoras falaram de uma infância
que as habita. Mais que do trabalho que efetivamente fazem, eles falaram do trabalho em que
acreditam. Busquei compreender se e como interagem essas duas produções nos tempos
passado e presente, lançando olhares para o futuro.
Como procedimento de análise, realizei um diálogo entre as narrativas orais, as
narrativas escritas e a teoria estudada. Assim como Simiano (2010, p. 68), acredito que
O registro e a leitura do vivido não são feitos de forma separada do
pesquisador, pois é ele quem elege, por meio de sua observação,
reflexão, sensibilidade e interação, o que será analisado. Acreditando
na não neutralidade do pesquisador, porque antes de mais nada elas
emergem da nossa “formulação mental” ou subjetividade busco não
esquecer do necessário rigor teórico para o desenvolvimento de uma
pesquisa séria e formativa.
Portanto, foi preciso olhar as narrativas das professoras para compreender as
relações entre sua infância e docência. Este exercício só foi possível, pois estava pautado no
conhecimento das memórias que os professores têm de sua infância; na identificação das
narrativas dos professores sobre seu fazer docente e na busca de estabelecer relações entre as
memórias de infância dos professores e a sua atuação docente.
Foi acreditando na educação como experiência, na narrativa dos professores, que
mergulhei nas análises. Iniciei o percurso com um mergulho nos textos (transcrição das
narrativas orais e cartas), de modo a contemplar os aspectos que pretendia analisar. A partir do
entrecruzamento dos textos, foi possível estabelecer os seguintes eixos de análises, que
sustentam esta pesquisa:
40
- Criança: Entre a criança que foram e a criança que educam;
-Brincar: Espaços, brinquedos e brincadeiras de ontem, de hoje;
- Escola: Aproximações entre silêncios e barulhos;
- Educação como potência: Entre o passado, presente e futuro.
41
4 INFÂNCIA E DOCÊNCIA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL
Um dia quero ficar adulto para sempre, outro dia só para
experimentar. Porque no início poderá ser agradável, mas
depois – quem sabe – vou querer ficar pequeno outra vez?
E pensei, pensei; tanto pensei que acabei me tornando
adulto de verdade. Agora já tenho um relógio, bigodes,
escrivaninha com gavetas, enfim tudo que os adultos têm.
Sou um professor, também de verdade (KORCZAK,
1981, p. 18).
Neste capítulo apresento as narrativas das professoras, seguidas pelas análises
empreendidas frente aos autores estudados. Dois foram os pontos para os quais pedi que as
narradoras apontassem seu olhar. Em direção a sua infância e em direção ao seu trabalho.
Ambos são pontos difíceis de enxergar. No capítulo que segue, dou primeiro lugar ao chão da
infância para, em um segundo momento, apresentar suas narrativas acerca de seus trabalhos,
suas ideias sobre infância e criança, suas escolhas na organização do cotidiano da escolar.
Assim, parto da compreensão de que a narrativa da infância não é produzida apenas
no passado, mas no presente dessas professoras. Mais do que a infância que viveram, elas falam
da infância que as habita. Mais do que o trabalho que efetivamente falam, elas falam do trabalho
que acreditam. Portanto, essas duas produções são contemporâneas. Não falamos de uma
infância que está lá, perdida, mas de uma infância que está aqui. Busquei compreender se e
como se interligam essas duas produções.
4.1 CRIANÇA: ENTRE A CRIANÇA QUE FORAM E A CRIANÇA QUE EDUCAM
As professoras, com suas narrativas sobre o que entendem por ser criança, sobre o modo
como foram crianças e de como acreditam que deva ser a educação das crianças, levam a pensar
as relações entre concepções sobre as crianças que elas foram e as concepções de crianças que
elas educam.
A gente inventava muita coisa. Inventava cabaninha, inventava... mais assim, minha
mãe tava sempre junto, então assim a gente não fazia muita arte né... (Maria Lua)10.
10 Procurei manter a grafia o mais próxima possível da oralidade, pois acredito que retratem melhor a realidade
vivida nas reuniões-debate.
42
O que mais fazia e gostava era traquinagem... [...] Em casa, assim com meus irmãos
a gente era fogo na roupa. Em casa... pulava a janela, dava comida para gatos, era
assim... tudo a gente inventava (Maria Sol).
Uma concepção de criança inventiva, ativa e criativa... Ao narrar as crianças que
foram, as professoras referem-se a uma criança que brinca, experimenta, inventa, constrói
sentidos com saberes diversos, que se manifestam com riqueza, demonstrando suas capacidades
de compreender e expressar o mundo. Quando a infância é narrada pelas professoras, seus
olhares são habitados por um brilho especial, um momento mágico, singular e intrasferível,
produzido pela fértil imaginação infantil. Essa concepção de criança assemelha-se muito à
concepção de criança defendida por Sarmento e Pinto (1997, p. 20):
A consideração das crianças como atores sociais de pleno direito e não como
menores ou como componentes acessórios ou meio da sociedade dos adultos,
implica o reconhecimento da capacidade de produção simbólica das crianças e a
constituição de suas representações e crenças em sistemas organizados, isto é, em
culturas.
Uma visão de criança não como sujeitos incompletos, um vir a ser, mas a criança é lida
em sua especificidade, onde se reconhece sua capacidade de produção simbólica, seus modos
próprios de compreender e interagir com o mundo. Uma concepção de criança diversa da
narrativa de criança hoje...
Pra mim é o que eu gosto muito, principalmente com o primeiro ano, tem que ter um
pique, tem que ter bastante vontade, tem que ter bastante ideia, porque a cada 20, 30
minutos tem que trocar a atividade, tem que buscar muita coisa. Por exemplo: agora
é história, então tu não pode ficar só no livro, não, tens que pegar um pouquinho do
livro, tu conta uma história, uma dinâmica... mas só que no fim a gente fica muito
cansada, tem dia que a gente está bem exausta. Então eu vejo assim que tem que
buscar. Tem que fazer curso... porque as crianças estão vindo cada vez mais
diferentes, cada vez mais agitadas, então eu não posso ficar naquela coisa bem
parada. Terminou a atividade, então tu vai esperar que a tua amiguinha não
terminou... então são questões assim que temos que rever (Maria Lua).
É uma turma que acompanha, colocando todos eles, é uma turma que acompanha, é
boa em aprendizagem, é uma turma que está querendo sempre mais e tu tens que tá
sempre, sempre, sempre... eles são rápidos. Por mais que tenha aquelas crianças que
demoram um pouquinho mais, eles são muito rápidos. E se eu não der uma atividade
em cima, aí vira bagunça (Maria Sol).
Para cada concepção de criança existe um lugar social designado pelo mundo adulto, e
que configura os limites da experiência de ser criança. Este fato leva a pensar sobre a
experiência de ser criança e viver a infância em espaços escolares. As crianças estão chegando
cada vez mais cedo nas instituições educativas. Na educação infantil, muitas crianças
frequentam a creche por volta dos 45 dias de vida e ali permanecem, por cerca de 12 horas por
dia, durante cinco dias por semana. O ingresso na escola de Ensino Fundamental também foi
43
antecipado. Com a Lei nº 11.274, que instituiu o Ensino Fundamental de nove anos11, as
crianças têm ingressado na escola com 6 anos de idade. Este fato remete a buscar desenvolver
um olhar mais crítico e compreensivo ao espaço escolar, onde a infância está sendo vivida por
muitos meninos e meninas.
Quando as professoras afirmam que as crianças estão cada vez mais “agitadas” e
“rápidas” e “se eu não der uma atividade em cima, aí vira bagunça”, elas falam de uma “criança
encarnada”, de uma “criança viva” que, na rotina diária organizada pela escola, não encontra
tempo nem espaço para viver a infância em plenitude. A lógica escolar valoriza a rota
preestabelecida, o conteúdo, o bom comportamento, a forma, os corpos imóveis, em ordem,
contidos em uma metodologia, muitas vezes sem sentido e significado. Se não está na apostila
ou livro não existe ou, de alguma maneira, prejudica o bom andamento desse material. A criança
é suprimida nesse enquadre, porque a regra é seguir a instituição.
Estamos vivendo uma sociedade prática e imediatista, onde o cada um é sujeito do
estímulo, da vivência pontual, tudo o atravessa, tudo o excita, tudo o agita, tudo o choca, mas
nada lhe acontece, provocando a falta de silêncio e de memória. Nas palavras de Larrosa (2014,
p. 22),
O acontecimento nos é dado na forma de choque, do estímulo, da sensação pura, na
forma da vivência instantânea, pontual e fragmentada. A velocidade com que nos são
dados os acontecimentos e a obsessão pela novidade, pelo novo, que caracteriza o
mundo moderno, impendem a conexão significativa entre acontecimentos. Impedem
também a memória, já que cada acontecimento é imediatamente substituído por outro
que igualmente nos excita por um momento, mas sem deixar qualquer vestígio.
Experiência como parte do processo do conhecimento, que foi refutada em nome
de uma ciência e de ideias racionais, culminando em seu desprestígio em práticas educativas.
Esses aspectos decorrem de certa exclusão da experiência no campo escolar: seu lugar, o lúdico,
o brincar, o jogo – elementos fundamentais para a constituição da criança – são desprestigiados.
Há um descompasso entre as memórias e o que atualmente se compreende e sustenta como ser
criança e ser professor de crianças. A educação como experiência implicará reconhecer que a
relação humana, relação professor e aluno, o fazer docente, não é produto previsível, ele não
11 A instituição do Ensino Fundamental de nove anos teve um grande percurso, iniciando pela alteração da LDB
9394/1996 pela Lei nº 10. 172, de 9 de janeiro de 2001, que aprovou o Plano Nacional de Educação/PNE e,
com isso, o Ensino Fundamental de nove anos tornou-se meta progressiva da educação nacional. A Lei nº 11.
114, de 16 de maio de 2005 tornou obrigatória a matrícula das crianças de seis anos de idade no Ensino
Fundamental, e a Lei nº 11.274, de 6 de fevereiro de 2006 finalmente ampliou o Ensino Fundamental para nove
anos de duração, com a matrícula de crianças de seis anos de idade, e estabeleceu prazo de implantação, pelos
sistemas, até 2010.
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está traçado de modo definitivo e, por mais que suponhamos que existam certas universalidades,
algo que seja comum a todos, determinados enquadres não dão muito certo para algumas coisas
que se almeja. Na forma da instituição escolar, o que ganha espaço é um saber dirigido, um
saber técnico, um saber que é científico, que tem um programa a ser cumprido.
Tal fato aparece na narrativa das professoras que, muitas vezes, deslocam o foco
dessa questão para o sujeito, quando narram naquilo que as crianças não são, não fazem....
Não, eu sempre tento fazer alguma coisa, mais sempre tem alunos que chamam e eu
tenho que orientar. Tem que estar fazendo sempre uma mediação. As vezes até eu
penso, ai que bom, eles vão brincar e eu vou fazer isso......não, não existe, com o
primeiro ano tu não consegue eles brincarem e tu fazer alguma coisa, ou eles fazerem
atividades sozinhos. Eles não fazem atividades sozinhos, tem que tá sempre
mediando, dizer a página, ajudar, então é bem cansativo, eles não fazem nada sozinhos
ainda (Maria Lua).
Nas narrativas das professoras, as crianças que elas foram eram criativas, ativas,
apropriavam-se de espaços diversos para exporem suas falas, gostos, gestos. Assim, é possível
afirmar que há um reconhecimento da especificidade da infância, da brincadeira, da invenção,
do modo próprio que as crianças têm em se apropriar do mundo. As professoras, em suas
infâncias, faziam traquinagens, brincavam, e hoje, de frente com a infância que educam, elas
avaliam como agitados, rápidos e dependentes, tendo uma visão muito pautada naquilo que as
crianças não são, naquilo que as crianças não fazem... Neste contexto, percebe-se uma
disparidade nas formas diferentes de ver a criança. Portanto, cabe questionar: Por que elas
veem as crianças que trabalham dessa forma. e as crianças que elas foram de modo diferente?
Esse modo de olhar para as crianças atualmente estaria relacionado com a institucionalização
da infância?
A concepção e o entendimento sobre criança e infância vêm se modificando com o
tempo, mais ainda longe de um ideal de educação que enxergue a criança como sujeito de direito
e de potência. Um desafio que fica lançado para a instituição escolar e os professores é a busca
por redimensionar o olhar para a infância, e ver a criança não pelo que lhe falta, mas pelo que
possui de inegavelmente seu, não pelo que será quando for adulto, mas pelo que é.
4.2 BRINCAR: ESPAÇOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS DE ONTEM, DE HOJE
Brincar e viver são conceitos intimamente implicados. O lúdico é uma dimensão do
humano; portanto, brincar está no eixo constitucional do sujeito, possibilitando o viver criativo.
Nas narrativas das professoras, ao reportarem a sua infância, elas contam muitas, muitas
passagens de uma infância brincante:
45
Eu até lembro que a mãe fazia umas almofadinhas assim, acho que cinco Marias, eu
até lembro que eu gostava muito daquela brincadeira e a mãe confeccionava as
almofadinhas pra mim... eu brincava muito... eu não sei porque, mas a gente brincava
com pedras, com essas coisas, muito na areia, muito bom isso... ao ar livre... e eu
lembro que nós morávamos perto de uns combros de areia, então nós pegávamos
aquelas caixas de peixe sabe...a gente tirava a parte debaixo da caixa e era nosso
programa de tarde, e nós...a gente surfava naqueles negócios de areias... era muito
legal (Maria Estrela).
Então... é... eu tive uma infância bem boa, bem proveitosa, não muito relacionada ao
uso das tecnologias, que... eu não tinha acesso né... pelo menos na minha época, e a
maioria dos meus amigos também não... então as nossas brincadeiras eram bem
sadias, na rua...a gente brincava de bola, a gente pulava corda... eu lembro que a gente
gostava muito de brincar de pião... então era uma coisas que mais fazíamos era a
brincadeira do pião. Me lembro bastante (Maria Estrela).
Ah, em casa... eu tenho irmãos né... então nós se [sic] juntava pra jogar voley no meio
da rua, porque naquela época ainda dava. Naquela época tinha o passa e repassa do
Celso Portiolli, torta na cara, então assim... tudo que é brincadeira desse tipo assim...
comer maça pendurada... tudo em casa, na rua, no pátio de casa brincava no barro,
brincava de fazer comidinha, de tudo assim, na rua também... (Maria Sol).
Eu lembro, quando eu tinha 4 e anos morávamos no sítio, tinha esses [brinquedos] de
madeirinha. E assim... minha mãe nunca foi de comprar brinquedos, e tudo que a gente
tinha, a gente ganhava de primas mais riquinhas e até eram coisas muito boas, mas
gostávamos mesmo era das madeirinhas (Maria Lua).
Casa, rua, pátio, quintal. Pedrinhas, areia, caixotes, madeirinhas, barro. Na casa,
rua, pátio, quintal. Fazer comidinha, jogar bola, pular corda, jogar pião... Nas vozes das Marias-
meninas, espaços, materialidades e brincadeiras de suas infâncias. A criança comunica-se pelo
brincar e, por meio dele, ela reorganiza pensamentos e emoções, corpo e o espaço, linguagem
e sentidos.
O documento Ensino fundamental de nove anos: orientações para a inclusão da
criança de seis anos de idade (BRASIL, 2006) corrobora com a ideia do brincar como um modo
de a criança ser estar no mundo. A brincadeira, quando brincada e recriada intencionalmente
pelo sujeito, ocorre sem preocupação da exigência de uma aprendizagem manifesta. Essa
possibilidade, ao meu ver, torna-a fundamental no currículo escolar, pois, implicitamente, o
conhecimento é gerado no ato de brincar, ocorrendo o processo ensino-aprendizagem mútuo,
de forma livre prazerosa. Portanto, temos de priorizá-la, não sob o ponto de vista didático, mas
como uma atividade de auto expressão, auto alimentação da cultura lúdica impressa na
filogênese do homem.
No discurso das Marias-Professoras sobre o brincar das crianças que educam no espaço
escolar:
Eu sou sozinha, a turma é muito grande, e as vezes [brincar] na rua é meio complicado.
Mais eu sempre tento uma vez na semana fazer uma coisa com eles na rua. Mais
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geralmente é mais dentro da sala, ou na informática ou numa sala que a gente tem que
é de vivência, uma sala com tapetes... (Maria Lua).
[Brincar] No Parque é uma vez na semana, no caso no parque, que é na 5ª feira e eu
fico junto com eles, até porque tem essa criança e a gente tem que estar sempre
intervindo, para que o relacionamento aconteça e não ficar ruim entre eles. Nos outros
dias aí eles tem a educação física, que é fora da sala (Maria Sol).
“A criança precisa brincar!” As professoras, segundo suas narrativas, reconhecem
a importância do brincar. Elas falam da necessidade do tempo e espaço para que a experiência
do brincar aconteça, mas, “brincar no parque é uma vez na semana... só na quinta feira...” então,
ser criança é só uma vez na semana? Nesse contexto, existe algo enraizado, que é muito forte,
que aprisiona, que suprime, que é a questão do método, da rotina, enquadrando-os em um
sistema fechado, burocratizado.
[...] todo dia eles perguntavam: porque a nossa escola não tem parque? Mais ela tem
um espaço muito grande. Então... nessa uma hora eles brincavam um pouco ali na sala,
um pouco na rua. Só que aos poucos eu fui diminuindo. E hoje 15 a 20 minutos pra
eles livres já tá bom, porque eu consigo colocar... depois eu coloco uma brincadeira
com dadinho, eles adoram. Eu gosto muito de brincadeira de jogo de história (Maria
Lua).
A gente organizou o que ia acontecer, eles não tinham horário, ai eu organizei o
horário. Então como eles gostam muito de cantar, e quando eu cheguei, tinha ama
segunda professora na sala, e eles queriam cantar todos os dias no final da aula, e não
dava, tinha uma organização, tem a tarefa, ai todo dia não dá, porque tem criança que
não consegue terminar e a outra já quer cantar. Então nos organizamos o horário.
Então elas tem o horário na semana que elas entregam. Ai eu pedi que elas me
entregassem uma folha com o nome de quem vai cantar, quem vai fazer apresentação,
quem é que vai contar piada e se for uma música que me colocasse o nome da música
porque eu vou avaliar se era pertinente ou não, porque a gente nunca sabe o que vem,
né? se vir algo muito pesado, a gente ainda tem como contornar e pedir pra mudar.
Então assim, eu organizei tudo de um jeito que ficasse bom para todo mundo (Maria
Sol).
Embora os professores reconheçam a importância do brincar, as informações da
pesquisa evidenciam contradições nas situações de brincadeiras realizadas e suas utilidades, por
demonstrarem o brincar ora para simples divertimento, ora para aprendizagem de conteúdos.
Muitas vezes, a brincadeira é vista como um instrumento de ensino, como uma atividade
pedagógica imposta e não livre, onde as crianças não têm opção de escolha. Ao mencionarem
as brincadeiras realizadas durante as aulas, nota-se o brincar como meio de ensino e
aprendizagem de conteúdos. Na maioria das vezes, é usado com objetivos previamente
definidos e apoiando-se apenas em brinquedos e materiais para ensinar conteúdos escolares.
Nessa perspectiva, o brincar normalmente está associado a uma finalidade para além do simples
brincar. Desse modo, ele só se torna positivo na medida em que se distancia do ócio. A
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brincadeira serve ao conteúdo. Brinca-se para ensinar as letras, os números, as plantas, os
conteúdos.
Nesse contexto ocorre a diminuição das brincadeiras criadas e organizadas pelas
crianças, que são substituídas por atividades específicas com objetivos pedagógicos definidos.
O Ensino Fundamental, entendido como espaço de escolarização destinado à aprendizagem,
tem sua organização voltada exclusivamente para essa questão, reduzindo as brincadeiras
realizadas no espaço e tempo escolar, priorizando os conteúdos, a avaliação, a métrica.
As narrativas das professoras apontam uma ordem cronológica de objetivos dentro
de um planejamento que tem que dar conta, direcionando o foco do brincar para as
aprendizagens tradicionalmente consideradas escolares (alfabetização, português, matemática
etc.). Ocorre um processo de didatização da brincadeira para exercitar e facilitar a transmissão
de conteúdos.
Muitas práticas realizadas em sala de aula ainda estão voltadas para dimensões
técnicas e científicas, limitando as crianças na realização de experiências. A experiência de
brincar, como modo específico das crianças de ser e estar no mundo, precisa de tempo e espaço.
A lógica escolar não tem espaço e tempo para o brincar, para o jogo, para aquilo que é
característico da infância, que é o que não tem métrica, o que é inusitado, que não tem desvio.
Estar em relação com a criança requer considerá-la sujeito ativo. Nesse sentido, na proposição
de qualquer proposta educativa, é necessário possibilitar aberturas. No encontro com elas,
aquela linha traçada no planejamento, muitas vezes precisa ser desviada: se ficar contida a ela,
será frustrada. É preciso ter as linhas gerais, mas, de alguma maneira, temos que ser flexíveis e
abrir-nos para algo que poderá acontecer a qualquer momento. Portanto, é preciso considerar o
brincar no currículo dos anos iniciais do Ensino fundamental:
O brincar como um modo de ser e estar no mundo; o brincar como uma das
prioridades de estudo nos espaços de debates pedagógicos, nos programas de
formação continuada, nos tempos de planejamento; o brincar como uma expressão
legítima e única da infância; o lúdico como um dos princípios para a prática
pedagógica; a brincadeira nos tempos e espaços da escola e das salas de aula; a
brincadeira como possibilidade para conhecer mais as crianças e as infâncias que
constituem os anos/séries iniciais do ensino fundamental de nove anos (BRASIL,
2006, p. 10).
Tal perspectiva vem ao encontro do que coloca Korczak (1981, p. 90) “brincadeiras
de criança. Não têm utilidade para ninguém”. O autor dá ênfase à dimensão não produtiva do
brincar, ao encerramento da brincadeira em si mesma. Nesse sentido, o brincar e o jogo são fios
condutores da vida cotidiana. Ou seja, brincar não produz! O que não significa que não há
produção de linguagem, conhecimento, subjetividade na brincadeira. O que não existe é a
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obrigatoriedade com a métrica da produção, e isso é que difere o brincar das atividades
escolares. Brinca-se para brincar, simplesmente. Diante desse contexto e das proposições e
orientações aos professores contidas no documento Ensino Fundamental de nove anos:
orientações gerais (BRASIL, 2007), questiona-se: qual o espaço, tempo e materialidades para
potencializar o brincar das crianças na escola nos anos iniciais do Ensino Fundamental?
Esta pergunta necessita de reflexão para encontrar uma resposta adequada...
4.3 ESCOLA: APROXIMAÇÕES ENTRE SILÊNCIOS E BARULHOS
Escutar as vozes das experiências escolares das Marias-Meninas remete a Korczac
(1981, p. 90), quando coloca que “as experiências mais antigas permanecem inquietantes”. Elas
estão guardadas e vêm à tona por serem importantes para nós, mesmo que ainda não tenhamos
percebido seu valor. Nas palavras de Larrosa (2016, p. 10):
[...] a experiência é algo que (nos) acontece e que às vezes treme, ou vibra, algo que
nos faz pensar, algo que nos faz sofrer ou gozar, algo que luta pela expressão, e que
às vezes, quando cai em mãos de alguém capaz de dar forma a esse tremor, então,
somente então, se converte em canto. E esse canto atravessa o tempo e o espaço. E
ressoa em outras experiências e em outros tremores e em outros cantos. Em algumas
ocasiões, esses cantos de experiência são cantos de protesto, de rebeldia, cantos de
guerra ou de luta contra as formas dominantes de linguagem, de pensamento e de
subjetividade. Outras vezes são cantos de dor, de lamento, cantos que expressam a
queixa de uma vida subjugada, violentada, de uma potência de vida enjaulada, de uma
possibilidade presa ou acorrentada.
As narrativas das professoras representam cantos de possibilidade presas ou
acorrentadas, onde suas memórias são experiências, como uma categoria vazia, como uma
espécie de oco, uma espécie de interrupção. De acordo com Larrosa (2016), a experiência é o
que nos acontece, não o que acontece. E o que aconteceu na escola das Marias- meninas? Em
suas narrativas a escola era lugar de...
Silêncio:
A 1ª série, lembro que era uma sala bem cheia e era um silêncio. Mas eu lembro dessa
professora. Lembro que, assim que entrei, alguns já estavam lendo e eu vi eles lendo
e eu pensei: nossa, é tão difícil, será que vou conseguir. Olhei pro alfabeto e vi eles
lendo e pensei: será que vou conseguir aprender? 2ª série eu não lembro, 3ª serie eu
não lembro... assim ó... como eu falei, eu não lembro muito. Pelo o que a gente estuda,
tento fazer pelo contrário do que aprendi. A questão ali do tradicional [ali, quer dizer,
bem próximo] do silêncio, me marcou muito... não precisa... claro... não quer dizer
que eles estão aprendendo. A questão ali de um atrás do outro, de não pode levantar,
não pode falar... então isso eu quis mudar muito em minha prática (Maria Lua).
Aprendizagem:
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Lugar de aprendizagem... eu sempre fui muito interessada em relação à escola. Eu
lembro da minha época de pré, sabe... jardim, a gente chamava de jardim naquela
época, e eu não era alfabetizada ainda e eu tentava escrever porque eu conhecia todas
as letras do alfabeto, e eu sempre escrevia, mas eu não imaginava o que poderia estar
escrito. Eu falava: mãe escrevi alguma palavra? E naquela época eu não tinha
computador, nem acesso a internet, então era através de livros, eu tinha muitos livros,
eu gostava muito de ver as figuras e eu mesma inventava as histórias porque eu ainda
não sabia ler, mas eu gostava muito daquilo, sabe... (Maria Estrela).
Exclusão.
Eu sempre fui muito tímida. Eu sempre tive muita, muita, muita vergonha. Eu não
recordo assim muito da minha infância na escola. Não sei se a minha mente bloqueou.
Pra mim não foi algo extremamente bom, eu só lembro daquilo que me marcou e das
coisas ruins. Por exemplo, assim: o meu primeiro ano, primeira série né, foi aqui no
Dehon, e a gente sempre foi assim... eu estudava aqui, a minha mãe trabalhava, na
época não tinha ajuda do meu pai, eram três filhos, então sempre foi assim como muita
luta, porque a mãe queria dar uma escolaridade melhor, mais a situação financeira não
permitia, né... e aí eu vim estudar numa escola particular, que todo mundo tinha o
carro do ano, todo mundo tinha tudo... e eu me sentia como um peixe fora d’agua.
Meu primeiro ano foi algo assim ruim. Eu lembro, vim chorando porque eu não queria
ir no quadro fazer atividade... ter vontade de ter aquelas coisas que as outras crianças
tinham, de não ter tantas amizades... me senti excluída do grupo (Maria Sol).
Escola: lugar de silêncio, aprendizagem e exclusão. Construímos história e cultura
que nos enraízam, nos envolvem e nos identificam. E quando deparo com a palavra silêncio,
colocada por Maria Lua, não me causou estranheza: ainda encontramos placas em determinados
setores da escola com a palavra Silêncio! Um modelo de escola que ainda prevalece a fila de
alunos para determinadas situações, cordas para que as crianças possam se locomover de um
lado para o outro no ambiente escolar, supostamente seguras; cadeiras e mesas umas atrás das
outras, janelas altas impedindo a visão de quem está dentro para fora, entre outras situações a
mais... o silêncio, dentro de uma visão imperativa, ainda tem seu lugar. Claro que em alguns
momentos e espaços precisamos de um ambiente tranquilo e calmo, mas acredito que é um
aprendizado, uma construção consciente, onde teremos que ter discernimento e
responsabilidade através de nossas escolhas. Entendo, também, que nem sempre o silêncio é
sinônimo de aprendizado em sala de aula, e que um bom professor é aquele que faz com que a
turma silencie, ou seja, onde não se houve um ruído sequer durante a aula, deixando claro que
ali tem disciplina, tem ordem, mas não quer dizer que tenha progresso.
A Maria Estrela vê a escola como um lugar de aprendizagem. Aprender brincando,
brincar aprendendo, aprender com satisfação, aprender a aprender, aprender a ser: a escola é,
sim, espaço de aprendizagem. Mas o que as crianças aprendem na escola e como se dá a
aprendizagem?
E a exclusão? Por que Maria Sol definiu a escola como um lugar de exclusão?
Escola tem que ser espaço afetuoso, cooperativo, ético, local de aprender, de interação, de
50
brincar, de socialização e de ser feliz! E o que vemos, não é isso! Vemos uma escola que
enquadra, suprime, inferioriza, diminui, na maioria das vezes, seus alunos. Inconscientemente,
ensina que é preciso competir, comparar, classificar e medir situações que estão a nossa volta.
Certamente, Maria Sol, por ser uma menina tímida, como ela se definiu, não foi compreendida
por suas professoras e, consequentemente, por seus colegas de sala, gerando conflitos internos
que acredito que a acompanham ainda em sua fase adulta.
Um colega de sala...
Marcou... uma coisa que me chamou a atenção, depois que eu fiz a psicopedagogia,
eu pude entender, nessa época eu tive um colega, eu não lembro o nome dele, e ele
não escrevia, ele só fazia riscos no caderno, não tinha nota, não tinha nada. E aquilo
era visto como um aluno preguiçoso, sabe... malandro, mas eu não culpo ela, porque
assim, eles tinham o conhecimento, ela não brigava, ela não expunha ele, assim de
forma a inferiorizar ele, nada disso. Só que a gente mesmo ficava constrangido por
ele, e falava: fulano, escreve porque a professora já escreveu no quadro. Eu lembro
que ela fazia letra por letra, pra ele fazer, e ele só fazia a letra E, só a E. Hoje a gente
vê que é uma dificuldade de aprendizagem, que eu não sei te dizer, se eu fosse pensar
o que poderia ser, eu nem posso dizer porque eu não me lembro dele assim bem, sabe...
(Maria Estrela).
Nesta narrativa também há situação de exclusão: diferente da professora anterior, a
exclusão aqui apresentada não foi vivida pela professora, mas por um colega de sala. E essa
situação mexeu muito com esta professora, e é lembrada ainda hoje. Posso denominar como
exclusão, na medida em que esse aluno não participava, não escrevia, só fazia riscos em seu
caderno, não tinha nota, não tinha nada... e, acima de tudo, compreendido como malandro.
Observe o quanto é dura a palavra nada, colocada acima. Esse aluno representava nada em sua
sala de aula. Larrosa (2016), em seu livro Tremores: escritos sobre experiência, reconhece que
as palavras produzem sentido, criam realidades e, às vezes, funcionam como potentes
mecanismos de subjetivação. Ele fala do poder, da força das palavras, pois fazemos coisas com
elas e, também, as palavras fazem coisas conosco. Embora as narrativas apontem para uma
crítica, é possível perceber que elas ainda se relacionam, misturam-se às práticas atuais, tal
como nos fragmentos abaixo:
Narrativa da escola da menina Maria Estrela...
Bem tradicionais né... batia o sinal a gente entrava na sala, não podia falar, não podia
conversar. Sou daquela época da lancherinha, a gente levava lancherinha e deus o livre
conversar com o colega, cada um tinha seu material, não existia de não ter o material,
tu ia usar a tua borracha, teu lápis. Pra ir no banheiro a gente levantava o dedo sabe...
eu me lembro de uma professora, que me chamou muito minha atenção, que me
marcou muito. A professora Ivonete que deu o terceiro ano pra mim, 1993, e ela tinha
uma antena de carro, então ficava na porta da sala com a anteninha do carro na mão.
Não podia nem respirar direito, se fizesse um suspiro mais alto, ela já mostrava a
anteninha (Maria Estrela).
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Narrativa da escola da professora Maria Estrela...
[...] Eu lembro que gostava de como a professora Ivonete fazia porque, hoje com esta
visão mais amadurecida, eu vejo com ela era organizada em relação a tudo, aos
conteúdos. Ela não era uma professora que a gente ficava algum tempo em sala de
aula sem fazer nada, entendeu... mas não era maçante. E eu lembro que era diferente
porque, no terceiro ano nos já fazíamos muita coisa que hoje em dia, às vezes tu vai
passar para um aluno e ele desconhece. Ela fazia bastante ditado (Maria Estrela).
Estes excertos permitem compreender que a professora constrói sua realidade
profissional e sua trajetória em um processo conjunto pessoal e contextual. Assim, o
conhecimento profissional tem, por natureza, caráter biográfico. A constituição das professoras
envolve diferentes aprendizagens e experiências que atravessam suas histórias. As professoras
apontam contextos do cotidiano escolar que viveram, tais experiências atravessam suas vidas,
e revelam gestos, olhares, falas, maneiras de ser, de se movimentar, que vão compondo sentidos
sobre a produção do ser professora.
Sobre a organização pedagógica do trabalho no Ensino Fundamental, as professoras
narram:
É bom para o aluno mais tem que ter organização, por que se não tiver organização, a
criança também não consegue se organizar. Ela precisa que o adulto intervenha e
coloque a organização em momentos para tudo que vai acontecer, uma rotina, tem que
ter. a criança tem que ter uma rotina (Maria Sol).
Tem musiquinha, depois da musiquinha tem o alfabeto, depois eu faço a chamadinha,
assim, eu boto o nomezinho dentro daquele cartaz de prega né...aí a gente vê quem é
ajudante, eu boto um ganchinho no ajudante. Daí a gente vê quem é o ajudante, tem a
bolsinha do alfabeto que eles vão levar pra casa, vai um boneco junto com o livro e
depois uma fichinha de leitura. O jogo a gente faz um sorteio. A gente faz a leitura
dos números do 0 até 100. Então, se eu esqueço alguma coisa que a gente faz todo
dia... há tem o calendário também que a gente faz. Eu levo quase meia hora para essa
rotina. Mais vejo isso tudo muito positivo. Se esqueço alguma coisa, eles me cobram
(Maria Lua).
É um desafio né... é um desafio diário. Tu tem que se reinventar a cada dia né...
metodologias diferenciadas, fugir totalmente do tradicional, até porque a questão
tradicional, hoje em dia nem vinga mais em sala de aula, não tem como, não tem mais
espaço. Tu tens que ter a tua sala com o teu tapete, as tuas almofadas, sentar em roda,
tu fazer leituras, sabe... ser dinâmico né... quem acredita que isso não faça com que o
aluno aprenda, tá na hora de rever seus conceitos, porque todos sentados enfileirados,
em frente a um quadro, onde o professor só escreve, não se escuta nada, dentro de
uma sala, eu acho que tem algo errado (Maria Estrela).
Então, assim, eu gosto muito de trabalhar com projetos, sequências didáticas e sempre
nessa linha. Eu gosto muito que eles interagem bastante [sic], que eles falem, que eles
participem, que eles perguntem. Não gosto de silêncio! Eu gosto de estar
movimentado e tanto é que agora tô trabalhando de tutora numa faculdade de
Pedagogia, e é com adultos, e fica aquele silêncio, você falando e aquele silêncio. Aí
eu digo: gente, vou ter que botar uma musiquinha, no fundinho, porque esse silêncio...
não tô acostumada e me incomoda, tem que ter um barulhinho né... porque eles estão
sempre conversando e fazendo 500 coisas ao mesmo tempo... tu amarra [sic] um
cadarço aqui, tu responde [sic] um aluno ali, tu apaga [sic] o quadro aqui, ajuda [sic]
52
outro... eu tô sempre a mil, então não me vejo parada, não consigo, tô sempre fazendo
várias coisas... (Maria Lua).
Eu trabalho com projeto e as vezes eu faço a sequência didática, mais geralmente é
projeto. Projeto para o ano todo, só que eu mudo, porque sempre vem algo a mais. O
projeto eu já organizo para o ano todo com os conteúdos (Maria Lua).
O projeto pedagógico tem a questão de botar os conteúdos interligados, tudo
amarradinho, não gosto de fazer nada solto. Tem o objetivo, vai ter a brincadeira, tudo
amarradinho, só que tem a rotina da sala. Sempre que a gente chega a gente canta uma
musiquinha que é de cumprimentar o amiguinho, então assim, até no início é difícil
eles se adaptarem... (Maria Lua).
O que vem à mente quando falamos em rotina? Organizar o trabalho pedagógico da
escola e da sala de aula é tarefa individual e coletiva de professores, coordenadores,
orientadores, supervisores, equipes de apoio e diretores. Para tanto, é fundamental que se
sensibilizem com as especificidades, as potencialidades, os saberes, os limites, as possibilidades
das crianças e adolescentes diante do desafio de uma formação voltada para a cidadania, a
autonomia e a liberdade. A forma como a escola percebe e concebe as necessidades e
potencialidades de seus estudantes reflete-se diretamente na organização do trabalho escolar. O
objetivo maior é atuar com liberdade para assegurar a apropriação e a construção do
conhecimento por todos. E o que se percebe, nas narrativas mostradas, é um excesso de
preocupação com a rotina e organização da sala de aula, onde é colocado por Maria Lua que
“não gosto de fazer nada solto, tudo amarradinho...” em uma sequência cronológica.
O uso da música na sala de aula exclusivamente para fazer silêncio, aprender letras,
produzir textos, para formar filas e ir para o lanche não permite que as crianças possam sentir a
música em suas diferentes manifestações; não possibilita a sensibilidade de se tornarem mais
sensíveis aos sons dos cantos dos pássaros, à leveza dos sons de uma flauta. Praticamente não
é inexistente o trabalho onde a dimensão estética esteja contemplada. Contudo, muitas práticas
realizadas em sala de aula ainda estão voltadas para dimensões técnicas, que não se
caracterizam por desenvolver as funções mentais que permitem à criança expressar-se,
utilizando a imaginação e desenvolvendo o intelecto.
Embora em práticas diárias, a organização do trabalho pedagógico esteja focada no
conteúdo a ser ensinado, as narrativas das professoras, apresentam um incômodo imposto pela
rotina escolar. Tal mal estar se dá no entrelaçamento da presença da criança com o modo de
organização do espaço e tempo escolar. A infância, de acordo com Kohan, é o tempo presente,
de intensidade, de experiência, e não da duração (KOHAN, s.d., p.1). A escola por sua vez,
apresenta uma lógica temporal diversa:
53
Como a turma é muito grande, o espaço da sala também não coopera né, dependendo
do lugar onde estamos, eu não consigo. Por exemplo, os jogos, se eu tivesse uma
quantidade maior de jogos, conseguia trabalhar com eles muito bem. Então acho que
o tempo também, o tempo é muito corrido e tu tens que dá conta de muita coisa. Uma
aula de ed. Física e artes já tira, e eu gosto sempre de levar eles, pelo menos uma vez
na semana na informática. Eles sempre levam livrinhos para casa também da
biblioteca, então é muita coisa, essa rotina já é mais uma meia hora. Ai tu vai fazer
uma atividade do livro, até achar a página.... às vezes até acho pouco tempo que eles
tem, pra uma brincadeira. Por mais que eu tente intercalar né... eu gosto muito de ter
livros né... (Maria Lua). [...]
Eu percebo que o tempo é o maior inimigo, porque é pouco tempo pra muitas crianças
e a gente não consegue atingir as individualidades delas (Maria Lua).
Refletir sobre a infância em sua pluralidade dentro da escola é, também, pensar nos
espaços e tempos que têm sido destinados para que a criança possa usufruir de todos os direitos
e deveres assegurados. Portanto, “que espaços e tempos estamos criando para que as crianças
possam trazer para dentro da escola as muitas questões e inquietudes que envolvem esse período
da vida? As peraltices infantis têm tido lugar na escola ou somos somente a ‘polícia dos
adultos’” (NASCIMENTO, 2007, p. 27, grifos do autor).
Nessa perspectiva de não tornar a criança produtora de sentidos e a infância como
tempo e espaço de experiência significativa, o fazer docente fica desvinculado da vida, ele se
burocratiza, e dessa perspectiva não tem nem tempo nem espaço para pensar a narrativa, e muito
menos alguma possibilidade de experiência. Ou seja, a experiência com essa possibilidade de
se afetar pelo outro, aquilo que é inusitado, aquilo que é estranho, aquilo que é desarranjo. Nesse
sentido, Larrosa (2016, p. 12) coloca:
Penso que, a educação não quer estar a serviço do que existe, tem que se organizar em
torno de uma categoria livre, não sistemática, não intencional, inassimilável, em torno
de uma categoria, poderíamos dizer, que não possa ser apropriada por nenhuma lógica
operativa ou funcional. Às vezes é a categoria de natalidade, ou de começo. Ás vezes
é a categoria de liberdade, ou de emancipação. Às vezes é a categoria de diferença, ou
de alteridade, ou de acontecimento. Às vezes é a categoria de abertura, ou de
catástrofe. Em qualquer caso, uma categoria que tem a ver com o não-saber, como o
não poder, com o não querer.
Os sentidos que tem atualmente, a forma de se entender a criança na escola são
muito pobres, desqualificam a criança, desqualificam a infância. Em última instância,
desqualificam o fazer do professor. Em um lugar, tempo e espaço como esse, não há
possibilidade de narrativa. Muitas vezes, preocupadas em demasia com os conteúdos de ensino,
não paramos para conhecer nossos alunos, para ouvir os conteúdos tão significativos de suas
vidas. Na concepção de Goulart (2007, p. 87) “a escola precisa, ser então, lugar de encontro de
muitas pessoas; lugar de partilha de conhecimentos, ideias, crenças, sentimentos, lugar de
conflitos, portanto, uma vez que acolhe pessoas diferentes, com valores e saberes diferentes”.
54
Se a escola precisa ser lugar de encontro de pessoas diferentes, então podemos
pensar a escola não como um lugar homogêneo, onde a aprendizagem precisa ser colocada de
forma igual para todos. Precisamos conhecer e reconhecer as diferenças para, assim, pensar
uma escola heterogênea, sem excluir o diferente.
Não... [há alunos de inclusão] mais tem alguns com bastante dificuldades assim, né...
de repente se fosse fazer uma avaliação que a gente encaminhou, porque ali é uma
comunidade carente. Então, eu tenho 3, 4 alunos que agora estão conseguindo
conhecer as letras, os números. Eles são muito carentes, tu tens que dá livros... eu dei
livros, caderno, mochila, dei uniforme, dei tênis dos meus filhos. Toda esta questão
de pai e mãe de suprir a gente tem que fazer. E daí eles não fazem tarefas, tu manda
pra casa e não volta, caderno sem capa, sempre assim. Então é uma turma bem carente,
e esses quatro são bem carentes (Maria Lua).
Tem uma menina de poucas palavras e solitária. E ai eu e a orientadora começamos a
conversar com esta aluna e perguntar pra ela porque que ela tinha esta dificuldade, se
ela não entendia o conteúdo, o que ela não entedia, porque ela não entendia, se ela
tinha vergonha de perguntar. E assim ó....ela tem vergonha de perguntar né... então
ela fica ali fechadinha, eu explico o conteúdo e ela fica ali fechadinha, não pergunta.
(..)Essa aluna que mais tem dificuldade, miudinha, assim que nem eu, miudinha, e aí
eu fui expor pra orientadora este problema, que eu estava preocupada, inclusive
porque é uma serie que reprova e eu percebi que é a única aluna que não consegue
absorver o conteúdo né... por mais que estivesse ali exposto no texto, uma
multiescolha, ela não consegue extrair as informações ali, principalmente em
matemática (Maria Sol).
Korczak percebeu esses problemas, mas lançou um olhar diferente sobre eles. “As
crianças menos talentosas não têm, por acaso, direito a um lugarzinho ao sol?” (KORCZAC,
1981, p. 150). Tezzari (2012, p. 2), ao identificar suas “proposições pedagógicas junto a
crianças que hoje seriam consideradas vivendo em situação de risco”, coloca o quanto a criança
também enfrenta desafios e conflitos, sofrendo ainda mais com a incompreensão dos adultos
que a cercam.
Interessante destacar que, embora o cotidiano escolar seja organizado com uma
lógica rígida, as professoras narram sobre a necessidade de um trabalho que considere e valorize
a experiência das crianças:
No terceiro é assim... a gente faz um planejamento, como eu te disse eu gosto de
trabalhar com experiência, então assim, tudo que tem dentro da ciências humanas e
da natureza, eu trago pro português e pra matemática. Se eu for trabalhar a questão do
solo, vou trabalhar tudo que se possa imaginar na questão de experiência, as vezes eu
trago isso pra português e matemática. Questão os alimentos orgânicos, questão de
experiência de decomposição, tudo que tu imagina e daí dali, por exemplo: agora a
gente encerrou a experiência da decomposição, então a gente fez um relatório da
experiência e daquele relatório vão surgindo outras atividades, vou introduzindo
questões ortográficas. Eu gosto de trabalhar ciências dentro do português e da
matemática (Maria Sol).
É assim... eles não gostam muito de escrever, né... por mais que eu ainda acho que
escrevo pouco, mais eles não gostam... Aí tu diz: mais é pra ti aprender que tens que
copiar, com a letra bonita e tal. Mais assim, isso é algo que eu vejo que eles não gostam
55
muito. Acho que é porque eles vinham da Educação Infantil e só chegava e
perguntavam: tia vai ter parque? Todo dia eles perguntavam. Porque a nossa escola
não tem parque. Mais ela tem um espaço muito grande. Então... uma hora eles
brincavam um pouco ali na sala, um pouco na rua. Só que aos poucos eu fui
diminuindo. E hoje 15 a 20 minutos pra eles livres já tá bom (Maria Lua).
A experiência apresentada pelas professoras assemelha-se à experiência vista na
perspectiva do experimento. Para Larrosa, (2016, p. 14),
[...] o saber da experiência pretende evitar a confusão de experiência com experimento
ou, se quiser, limpar a palavra experiência de suas contaminações empíricas e
experimentais, de suas conotações metodológicas e metodologizantes. Se o
experimento é genérico, a experiência é singular. Se a lógica do experimento produz
acordo, consenso ou homogeneidade entre os sujeitos, a lógica da experiência produz
diferença, heterogeneidade e pluralidade.
Mas afinal, como pensar outras formas de ser criança e estar no ensino
fundamental?
Não, eu gosto muito de trabalhar com esta idade. Porque é um pezinho da Educação
Infantil e um pezinho no ens. Fundamental né... assim ó... eu tenho às vezes pena, não
sei, porque assim ó... quando eles vêm, dependendo da professora, porque tem umas
que já pegam desde o início, ninguém pode falar nada, e eles ainda são muitos
novinhos. Tem que ter uma brincadeira, tu tens que parar, não já começar no livro...
livro... pois eles ainda não... eles se assustam, eles choravam muito. Então... eu olhava
assim e tinha uma pena (Maria Lua).
Tem um, dois, três, quatro alunos que tem bastante dificuldades, então a parte mais
do pedagógico eles não querem, eles querem mais a parte da brincadeira. [...] A
questão dos meus alunos, eu vejo que eles estão ali só pra brincar, eles gostam muito
de contar as situações, eu não vejo que eles estão ali porque estou aprendendo e o ano
que vem eu vou aprender mais, não... pelo menos os 1º anos não... a impressão que se
tem que eles estão indo lá pra brincar (Maria Lua).
[...] a criança do 1º ano ainda tá naquele mundo da fantasia... (Maria Sol).
[...] cansativo pela questão da indisciplina, porque eles são muito imaturos ainda.
Então era difícil porque daí o meu 3º ano já tava no 4º, eles eram mais comportados,
estavam adeptos as normas, digamos assim, né... porque tem que ter uma certa regra
em sala de aula né... e o 1º ano veio assim, muito confuso, eles não entendiam que
tinham que sentar, não entendiam que tinha a hora da gente prestar atenção na
atividade, eles queriam brincar...no começo foi muito difícil e cansativo, mas deu
certo (Maria Estrela).
Este novo acolhimento da criança de seis anos de idade no Ensino Fundamental
remete a um novo olhar pedagógico. Conciliar atividades escolares respeitando o
desenvolvimento social, cognitivo e afetivo destas crianças são os pressupostos deste processo
de inclusão. Para isso torna-se necessário discutir e conhecer quem são estas crianças? Quais
seus interesses e necessidades?
56
É preciso olhar para as crianças! Ver o que querem e reivindicam, considerando que
as crianças estão ingressando mais cedo, mas não por isso deixam de ser crianças. A forma que
a escola vem entendendo a criança é muito pobre, desqualifica a criança, a infância e o fazer do
professor, não havendo possibilidade de narrativa. E o que mais se encontra nesse contexto são
métodos, muitas vezes vendidos, a ser seguidos como um saber duro, supostamente científico,
como se fosse a única ciência com essa lógica de cumprir programa. Essa rotina de tempo
sequenciado que se presta ao ensino de conteúdos também sequenciados, em que o professor
precisa passar, informar, e a criança pegar, guardar, limita toda possibilidade de experiência
na escola.
4.4 EDUCAÇÃO COMO POTÊNCIA: ENTRE O PASSADO, PRESENTE E FUTURO
As narrativas de histórias de vida constituem um conjunto único e complexo que envolve
relações familiares, desenvolvimento pessoal, e o meio social e cultural no qual o sujeito se insere.
Nas vozes das Marias-meninas surgem narrativas de infância que guardam um lugar de potência
para a educação. Maria Lua, por exemplo, narra o quanto teve uma infância restrita em relação à
situação econômica; mesmo assim, seus pais sempre a incentivaram a estudar, e com muito esforço,
se formou professora. Em suas palavras,
Então assim, não chegamos a passar fome, mas tudo era muito restrito, assim, mais
uma coisa que tanto a minha mãe quanto o meu pai, foi a educação, falava assim:
estuda... estuda... estuda e depois de estudar vocês vão ser alguém na vida. Tanto é
que todas nós temos faculdade, somos formadas. Trabalhamos, todas as três são
professoras formadas em pedagogia (Maria Lua).
Essa aposta na educação ainda parece persistir no presente das Marias-professoras:
Por que assim, como eu te falei, sobre as minhas professoras... eu não lembrei que
elas me ensinaram isso, me ensinaram isso ou aquilo, eu lembrei mais fatos que
mexeram mais na minha vida mesmo e não fato de aprendizado... mas mais na minha
vida. Então de repente essa questão de marcar, porque qualquer um pode ensinar, um
bom professor pode ensinar, mais aquele que vai te marcar, que vai te ensinar pra tua
vida, esse acho que vai fazer a diferença (Maria Lua).
Embora as professoras, em suas narrativas nos tópicos anteriores, valorizem o
conteúdo, a informação, ao se reportarem a sua própria infância, sabem que ele não é suficiente.
Maria Lua, ao afirmar que qualquer “um pode ensinar”, mas “aquele que vai fazer a diferença é o
que vai te ensinar para a vida”, valoriza um saber vinculado à vida. Esse saber relacionado à vida
é o que defendemos ao pensar a educação como experiência.
57
Para Larrosa (2016, p. 25), o saber da experiência, ou a possibilidade de que algo
nos aconteça, ou nos toque, nos marque, “requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase
impossível nos tempos que correm: requer parar para pensar, parar para olhar, parar para
escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar e escutar mais devagar; parar para sentir, [...]
dar-se tempo e espaço para a experiência”.
Dar tempo e espaço para a experiência. Pensar a experiência como forma
privilegiada de educar na escola requer valorar a construção de sentidos e significados dos
sujeitos sobre o mundo. Afirmar a educação como experiência requer romper com a perspectiva
de um cotidiano burocratizado e desvinculado da vida, e oferecer visibilidades para a produção
de narrativas. Nessa intenção, propus às professoras um tempo e espaço na pesquisa, a escrita
de uma carta. Uma narrativa escrita, endereçada a um aluno, para aquele aluno, que precisa de
um olhar minucioso, atento, cuidadoso. O dispositivo “caixa de cartas” é de (KORCZAK,
1981, p. 9).
As narrativas das professoras endereçadas aos alunos apontam para o futuro. E
guardam, também, para esse tempo, um lugar potente para educação.
58
Figura 3 – Carta de Maria Lua
Fonte: Acervo da autora (2016).
“Desejo que a sua infância seja linda, cheia de brincadeiras e experiências [...]”.
59
Figura 4 – Carta de Maria Sol
Fonte: Acervo da autora (2016).
“[...] a educação formal (da escola), necessita estar em harmonia com outros quesitos para que
se tenha êxito”.
60
Figura 5 – Carta de Maria Estrela
Fonte: Acervo da autora (2016).
Na escola e na vida, deparamos com uma diversidade de sujeitos e de modos de
viver, pensar e agir. Encontramos, também, características e marcas que nos identificam como
seres humanos, pertencentes a um período histórico, a uma região geográfica e a tantos outros
agrupamentos que se entrelaçam. E nesse entrelaçamento, construímos histórias.
De acordo com Goulart (2007, p. 86) “trabalhamos com pessoas, com crianças -
trabalhamos então com sujeitos vivos e pulsantes, e com conhecimentos em constante
ampliação, revisão e transformação”. As crianças precisam de uma proposta que atenda a suas
características, potencialidades e necessidades específicas. O que elas não precisam é que sejam
medidas, comparadas, desqualificadas por um sistema arcaico e ineficiente. Ensinar é muito
mais: é construir conhecimentos, é auxiliar na formação de cidadãos, de pessoas que serão
autores de sua própria história de vida e da história da comunidade em que estão envolvidas. E,
para tanto, aposto na educação como experiência, como espaço de narrativas.
Para Benjamin (1994), experiência e narrativa estão intimamente implicadas. A
narrativa tem sentido prático, “o narrador figura entre os mestres e os sábios. Ele sabe dar
conselhos: não para alguns casos, como o provérbio, mas para muitos casos, como o sábio”
61
(BENJAMIN, 1994, p. 221). Nas cartas das professoras, os conselhos: “Gostaria muito que
você frequentasse a escola regularmente. A escola não é a mesma sem você”, ou ainda, “Desejo
que a sua infância seja linda, cheia de brincadeiras e experiências [...]” revelam conselhos
tramados na própria experiência para a experiência alheia. Dar conselhos é sugerir um rumo
para a história que está sendo narrada.
Nesse sentido, Benjamin, metaforicamente, utiliza a parábola sobre um velho que,
em seu leito de morte, revela aos seus filhos a existência de um tesouro oculto nos vinhedos e
que bastava desenterrá-lo. Os filhos cavam, arando a terra, persistentemente, mas não
descobrem tesouro algum. Porém, com a chegada do outono, os vinhedos produziram como
nunca, muito mais que qualquer outro na região. O tesouro é a dimensão prática e artesanal que
existe no tecido narrativo.
A narrativa é artesanal, por ser uma produção única: “o ritmo do trabalho artesanal
inscreve-se em um tempo mais global, tempo onde ainda se tinha, justamente, tempo para
contar” (BENJAMIN, 2012, p. 86). Como a narrativa deixa espaço para que o leitor/ouvinte
produza suas interpretações, evocamos novamente a parábola do parágrafo anterior: mesmo que
o entendimento não tenha sido o esperado, no primeiro, momento pelos filhos, a ação
desencadeada por eles, ao cavarem os vinhedos, trouxe uma nova experiência, e a construção
de um sentido para eles. As narrativas são fragmentos de experiências.
Toda narrativa está carregada de significados e reinterpretação de seus narradores.
Nas narrativas das três Marias identifiquei um lugar importante para a educação. Passado,
presente e futuro apostam na educação como um lugar potente para a constituição do sujeito:
Narrativas que reconstroem e reinauguram sentidos na e para a escola...
62
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Inspiração – quer dizer que um trabalho difícil de repente
fica fácil. Então, dá um prazer enorme [...] a gente nem
sabe de que maneira está fazendo (KORCZAC, 1981, p.
34).
Esta pesquisa nasceu da inquietação sobre o que nos faz professores, como nos
tornamos docentes.
Ao longo da fundamentação teórica, que foi a base, este estudo buscou compreender
infância e crianças, visitando períodos históricos e percebendo as mudanças em sua concepção,
alcançando a atualidade. Como caminho metodológico, este trabalho tem perspectiva
qualitativa e base na pesquisa narrativa, ancorado em Benjamin (1968; 1994), Chaves (2000) e
Korczak (1981). Os sujeitos de pesquisa foram três professoras que fazem parte do OBEDUC
(Observatório da Educação) e, com inspiração em Korczak (1981), a metodologia dos encontros
utiliza reuniões-debate e caixas de cartas.
A fundamentação teórica possibilitou conhecer, entre inúmeros autores de
inestimável valia e contribuição, as obras de Benjamim e Korczak. O primeiro esclareceu a
ênfase da experiência, das narrativas e da infância; o segundo, a particularidade da infância em
seus múltiplos contextos, inclusive e principalmente na escola.
A pesquisa embasou-se na abordagem qualitativa e, como dispositivo para evocar
as narrativas foram utilizadas duas metodologias de Korczak: as reuniões-debate e a Caixa-
cartas.
Nas narrativas, as professoras seguiam habitadas pelas crianças que foram, e de
algum modo continuavam sendo, ao estabelecerem as relações entre as infâncias vividas e a
infância que as promovem hoje: as educadoras narram como problemas o tempo¸ que pode ser
um inimigo. Contudo, existe a preocupação de que o tempo das crianças seja aiônico, e elas
possam crescer e aproveitar suas experiências.
A partir do objetivo foi possível compreender que a narrativa e a experiência estão
impostas em uma relação dialética: o relato da realidade é produtor da história, mas é, também,
e simultaneamente, produtor de novas realidades. Estas novas realidades trazem melhorias, que
podem ser observadas no empenho das professoras, como já exposto, em fazer seu melhor, em
ser seu melhor e em promover o melhor para suas crianças.
Durante as reuniões-debates e as escritas para caixa-carta, foi possível conhecer
memórias que os professores têm de sua infância e as narrativas que fazem de sua
63
docência com crianças. A partir destas narrativas foram definidas as quatro categorias de
análise: “criança: entre a criança que foram e a criança que educam; Brincar: espaços,
brinquedos e brincadeiras de ontem, de hoje; escola: aproximações entre silêncios e barulhos;
educação como potência: entre o passado, presente e futuro”.
Foi difícil estabelecer tais categorias, visto que, ao confrontá-las com os objetivos
específicos desta dissertação, percebi que eles e elas – objetivos específicos e categorias – se
perpassam: quando olhamos para os professores como adultos para identifica-los, e suas
práticas e modelos de educação de sua infância, vi, também, a criança que foram e a
criança que educam, e que a visão que de criança hoje não é a mesma de antes, em que a ela
era vista como um ser incompleto, na esperança de um devir. Hoje se reconhece muito mais
esta capacidade simbólica da criança, em uma espécie de respeito pelo seu modo de interagir
com o mundo.
Ao conhecer as narrativas dos professores sobre seu fazer docente; percebemos
o Brincar: espaços, brinquedos e brincadeiras de ontem, de hoje; e a escola e suas
aproximações entre silêncios e barulhos.
Entre as análises, ao refletir sobre as narrativas das participantes, percebi que o
brincar é parte da constituição do sujeito, e que o lúdico possibilita uma vivência criativa. No
entanto, existe algo enraizado na escola, que aprisiona, que suprime, que é a questão do método,
da rotina, enquadrando as crianças em um sistema fechado, burocratizado. Embora os
professores reconheçam a importância do brincar, as informações da pesquisa evidenciam
contradições nas situações de brincadeiras realizadas e suas utilidades, por demonstrarem o
brincar ora para simples divertimento, ora para aprendizagem de conteúdos. Muitas vezes, a
brincadeira é vista como um instrumento de ensino, como uma atividade pedagógica imposta e
não livre, onde as crianças não têm opção de escolha. Ao mencionarem as brincadeiras
realizadas durante as aulas, nota-se o brincar como meio de ensino e aprendizagem de
conteúdos. Neste ponto, frustra-se o planejamento, ao buscar um saber técnico e que, ao mesmo
tempo, tolhe a naturalidade, a espontaneidade e a criatividade das crianças. A questão da
definição de conteúdos, o foco na competição e no mercado de trabalho desde muito cedo tiram
o direito da criança de ser criança, de viver seu próprio tempo. Desta forma, fica de lado a
preparação para a vida. Nesse sentido, postulo o direito da criança aiônica, do tempo presente,
da experiência, aquela que conhecemos por mio de Kohan (s.d.), e não do tempo definido pela
idade, mas da intensidade, de situar-se no mundo.
Ao estabelecer relações entre as memórias de infância dos professores e sua
atuação docente, pode-se ver a educação como potência: entre o passado, presente e futuro.
64
Analisando narrativas das professoras, identifiquei um lugar importante para a
educação. Entendo que a existência de uma narrativa que não seja a expressão de uma realidade
absoluta: ela não reflete o que de fato aconteceu, mas traz a leitura do narrador sobre este fato.
E a despeito de ser ou não uma verdade, está carregada dos significados e reinterpretações dos
narradores, promovendo crescimento do próprio narrador e dos que ouvem ou leem a narrativa,
promovendo catarse. São representações da realidade, não a realidade em si, e ainda assim
promovem evolução, crescimento, melhoria, seja pessoal ou profissional. A memória e a
invenção fazem-se parceiras na construção de nova(s) realidade(s) que surge(m) da
reinterpretação do passado. Parafraseando Simiano (2015), o que é narrado pode não
corresponder fielmente aos fatos, mas cria possibilidades e, ganhando novas versões ao ser
contado e recontado, esse narrar está em constante (re)significação.
O paradoxo do valor da criança para o adulto também fica evidenciado neste
trabalho, quando vemos, através da lente de Korczak, que “é como se existissem duas vidas: a
deles, séria e digna de respeito; e a nossa, que é como se fosse de brincadeira. Somos menores
e mais fracos; daí, tudo que nos diz respeito parece um jogo. Por isso o pouco caso”
(KORCZAK, 1981, p. 152). Ainda há que se enfatizar o valor projetado pelo adulto quando
este vê, nela, a possibilidade de realização de suas frustrações: é o ideal de atingir o que o adulto
não conseguiu. Como o caso da professora, que se vê na aluna, também se pode buscar fazer o
melhor para o outro, para que a história do próximo possa ser melhor que sua própria.
As impressões que temos, quando crianças, acerca das experiências que vivemos,
ao serem revisitadas por meio da narração, quando adultos, neste trabalho, trouxeram
informações riquíssimas, que englobaram reflexões sobre o que ocorreu na infância, como
ocorreu e sua influência na vida adulta, como um reflexo do passado no presente.
Concordo com Caldeira (1995, p. 8), que pontua a prática docente como “resultado
de um processo de construção histórica, [...] [em que] alguns elementos [...] permanecem, [...]
apresentam continuidade histórica, enquanto outros se transformam. Na prática docente, nem
tudo é reprodução”. É importante ressaltar a carga de significados de cada narrativa, e que está
carregada de significados e reinterpretação daquele que narra. As narrativas das três Marias
mostraram um lugar importante para a educação, onde o passado, o presente e o futuro apostam
na educação como um lugar de constituição do sujeito, pois reconstroem e reinauguram sentidos
na e para a escola.
As narrativas das professoras participantes podem levar outras professoras a
relembrarem e refletirem sobre suas próprias histórias (CHAVES, 2000). Assim, finalizo o
trabalho acreditando que outras pesquisas podem ser desenvolvidas na área, buscando
65
corroborar com os achados deste trabalho, contribuindo ainda mais para este campo, ao mesmo
tempo tão importante e carente de novos trabalhos, de novas abordagens.
66
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APÊNDICE A – Carta convite para participação em pesquisa científica
Olá.......!
Gostaria de lhe fazer um convite:
Sou Alexandra, professora e pesquisadora, cursando o Mestrado em Educação da Unisul, estou
construindo alguns momentos ricos e inspiradores para que, juntas, possamos estar fazendo um
mergulho, buscando lá na “caixinha adormecida”, memórias que fazem parte de todo um
contexto de vida.
Serão momentos prazerosos em forma de reuniões-debate pela via do autor que me guia nesta
pesquisa: Korczak como um bom meio de propiciar o diálogo entre nós, priorizando a livre
expressão, a postura honesta e receptiva, onde tentaremos penetrar nesse mundo impenetrável
da infância para conhecer a fundo o que se passava no íntimo de nossos corações.
Esse momento é parte integrante da minha pesquisa de mestrado, onde me inspirei na metáfora
de Korczak (1981), com o título “’Quando eu voltar a ser criança...’ relações entre narrativas
da infância e docência dos professores do 1º ano do Ensino Fundamental”. Foi com o objetivo
de conhecer memórias que os professores têm de sua infância; identificar os
adultos/professores, as práticas e modelos de instituições de educação de sua infância; conhecer
as narrativas dos professores sobre seu fazer docente; estabelecer relações entre as memórias
de infância dos professores e a sua atuação docente que resolvi convidá-la para participar da
pesquisa.
Com sua ajuda, juntas, vamos desenvolver esse momento em que poderemos “voltar a ser
criança”, resgatando memórias, refletindo sobre as influências que recebemos, ao longo de
nossas vidas, e que culminaram em nossas trajetórias como docentes.
Esses momentos acontecerão nos dias xxxx de Setembro de 2016, hora xxxxx, na sala 15, bloco
sede (Beira Rio) UNISUL, e neste tempo e espaço, voltaremos a ser criança, mas sem perder a
memória de adulto e, ao retornar no tempo, perceber o cotidiano das crianças.
Nada é por acaso... você foi uma das escolhidas a fazer parte deste momento comigo e poder
contribuir para a minha pesquisa.
Sua participação é imprescindível e extremamente importante!
Será um prazer tê-la ao meu lado neste momento.
Posso contar com você?
Alexandra Fraga Izidoro Carneiro
Pesquisadora Responsável
(48) 9823-9370