Dissertação de Mestrado

157
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA – PROPPEC CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA – CPCJ PROGRAMA DE MESTRADO EM CIÊNCIA JURÍDICA – PMCJ ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: FUNDAMENTOS DO DIREITO POSITIVO HERMENÊUTICA DO DIREITO TRIBUTÁRIO PELO IN DUBIO CONTRA FISCUM EM HOMENAGEM AO CONCEITO DE POVO DE FRIEDRICH MÜLLER FRANCISCO PALUDO

Transcript of Dissertação de Mestrado

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALIPRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA – PROPPECCURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA – CPCJPROGRAMA DE MESTRADO EM CIÊNCIA JURÍDICA – PMCJÁREA DE CONCENTRAÇÃO: FUNDAMENTOS DO DIREITO POSITIVO

HERMENÊUTICA DO DIREITO TRIBUTÁRIO PELO IN DUBIOCONTRA FISCUM EM HOMENAGEM AO CONCEITO DE POVO DE

FRIEDRICH MÜLLER

FRANCISCO PALUDO

Itajaí [SC], novembro de 2004

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALIPRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA – PROPPECCURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA – CPCJPROGRAMA DE MESTRADO EM CIÊNCIA JURÍDICA – PMCJÁREA DE CONCENTRAÇÃO: FUNDAMENTOS DO DIREITO POSITIVO

HERMENÊUTICA DO DIREITO TRIBUTÁRIO PELO IN DUBIOCONTRA FISCUM EM HOMENAGEM AO CONCEITO DE POVO DE

FRIEDRICH MÜLLER

FRANCISCO PALUDO

Dissertação submetida à

Universidade do Vale do Itajaí –

UNIVALI, para a obtenção do grau

de Mestre em Ciência Jurídica.

ii

Orientadora: Profa. Dra. Maria da Graça dos Santos Dias

Itajaí [SC], novembro de 2004.

iv

AGRADECIMENTOS

Aos Colegas Mestrandos, pela

amizade.

Aos Doutores e Mestres do

CPCJ/UNIVALI, pelo exemplo de

luta pela Ciência do Direito.

Especialmente à Drª. Maria da

Graça dos Santos Dias, pelo

carinho da orientação.

Ao Dr. Indio Jorge Zavarizi,

autoridade intelectual da área do

Direito Tributário, pelos

ensinamentos.

Ao caro Dr. Márcio Campos, pelas

pontuais sugestões acerca da

categoria “Povo”.

Aos entes queridos, por laços

familiares ou afetivos, que

auxiliaram, criticaram

construtivamente, compreenderam e

acolheram.

À Universidade do Contestado –

Concórdia, pela bolsa de estudos.

v

À Nelsa, mãe, pela apoio na banca

desta dissertação. Ao Pedro, pai,

pelo incentivo desde cedo ao

magistério.

À Dona Zilda1.

1 Vide último capítulo.

vi

DEDICATÓRIA

Para os contribuintes pobres,

muitos acossados de

invisibilidade pública2, que sem

saber arcam com uma carga

tributária que beira os 40% do

Produto Interno Bruto. Ou seja,

que recebem um salário mínimo (ou

menos) e ainda conseguem

contribuir (tanto) para com o

pródigo Estado.

“...O código jurídico está

subordinado [untersteht] ao código

político, o direito está

subordinado à economia, o Estado

está subordinado à atividade

econômica – com as conseqüências

já insinuadas para os

economicamente fracos, quer

dizer, para a maior parte da

população. Então já não admira

mais que a reivindicação de

direitos da cidadania por parte

2 “A invisibilidade pública, desaparecimento intersubjetivo de um homem no meiode outros homens, é expressão pontiaguda de dois fenômenospsicossociais que assumem caráter crônico nas sociedades capitalistas:humilhação social e reificação.” (COSTA, Fernando Braga da. Garis – um estudo depsicologia sobre invisibilidade pública. São Paulo: Instituto dePsicologia da USP, p. 20, 2002).

vi

de subcidadãos excluídos,

subintegrados, seja ‘identificada

constantemente com subversão’.”

(MÜLLER)3.

Aos empresários, que são

obrigados a tolerar um “pseudo-

sócio” (Estado) que lhes tolhe o

percentual acima, tirando

competitividade, dificultando o

fluxo de caixa e condenando

tantas empresas ao fim prematuro.

PÁGINA DE APROVAÇÃO

SERÁ FORNECIDADA PELO CPCJ

3 MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? – A questão fundamental dademocracia. 3ª ed. rev. e amp. São Paulo: Max Limonad, p. 96, 2003.

vi

DECLARAÇÃO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que

assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico

conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí – UNIVALI, a Coordenação do Curso de Pós-

Graduação stricto sensu em Ciência Jurídica [CPC/UNIVALI] ou a

coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora, o

Orientador, de toda e qualquer responsabilidade acerca do

mesmo.

Itajaí [SC], novembro de 2004.

Francisco PaludoMestrando

ix

x

ROL DE CATEGORIAS

Rol de categorias4 estratégicas à compreensão

do trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais5:

Carga tributária: parte do patrimônio do

Povo transferido compulsoriamente para o Estado em forma de

tributos.

Direito Tributário: para MACHADO6 o Direito

Tributário é o “Ramo do Direito que se ocupa das relações

entre o sujeito ativo tributário7 e as pessoas sujeitas a

imposições tributárias de qualquer espécie, limitando o poder

de tributar e protegendo o cidadão contra os abusos desse

poder”.

Estado: “...conjunto de atividades legítimas

efetivamente comprometidas com uma Função Social, esta

entendida na sua conexão com ações que – por dever para com a

Sociedade – o Estado executa, respeitando, valorizando e

envolvendo o seu Sujeito (que é o Homem individualmente

4 Conforme PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica- idéias eferramentas úteis para o pesquisador do Direito. 8 ed. rev.Florianópolis: OAB/SC Editora, p. 27, 2003.

5 PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica- idéias e ferramentasúteis para o pesquisador do Direito. 8 ed. rev. Florianópolis: OAB/SCEditora, p. 43, 2003.

6 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São Paulo:Saraiva. p.46, 1996.

7 “Art. 119. Sujeito ativo da obrigação é a pessoa jurídica de direitopúblico, titular da competência para exigir o seu cumprimento.” (CTN).

xi

considerado e inserido na Sociedade), em correspondência ao

seu Objeto (conjunto de áreas de atuação que dão causa às

ações estatais) e cumprindo o seu Objetivo (o Bem Comum ou

Interesse Coletivo, fixado de forma dinâmica pelo Todo

Social).” (PASOLD8).

Inconstitucionalidade útil: legislação

tributária feita deliberadamente com burla a Constituição da

República Federativa do Brasil (CRFB/889), ao Código

Tributário Nacional (CTN10), Princípios Gerais do Direito e

da Administração Pública (Princípios de Legalidade11,

Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência) ou

mesmo da realidade, com intuito meramente de arrecadar

(porque com a possibilidade de exigir dinheiro em forma de

tributos a qualquer momento fica fácil administrar) e na

esperança (por vezes certeza) que pequeno número de

contribuintes chegará às portas do Poder Judiciário12.8 PASOLD, Cesar Luiz. Função Social do Estado Contemporâneo. 3a. ed. rev.e amp. Florianópolis: Editora da OAB/SC, p. 111, 2003.

9 Abreviação doravante utilizada para a Constituição da RepúblicaFederativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988.

10 Abreviação doravante utilizada para o Código Tributário Nacional, Leinº 5.172, de 25 de outubro de 1966.

11 “Instalam-se, ao lado do pluralismo e da complexidade, a ausência deregras, a permissividade, a descrença generalizada, a incerteza e aindecisão, de tal modo que princípios jurídicos até então sólidos e bemfundamentados como segurança jurídica, capacidade contributiva,progressividade do imposto, igualdade e até mesmo legalidade são postosem dúvida. Alguns estudiosos chamam o fenômeno de ‘retorno à IdadeMédia.’” DERZI, Misabel Abreu Machado. Pós-modernismo e Tributos:Complexidade, Descrença e Corporativismo. São Paulo: Editora Dialética.RDDT, n° 100, p. 68 e ss. 2003.

12 “Conforme ensina a experiência, as distorções no campo do Estado deDireito assumem aqui proporções estarrecedoras: por um lado se recorreà maior parte da população, por outro lado a maior parte da população é‘integrada’ na condição de obrigada, acusada, demandada, por outro lado

xi

In dubio contra fiscum: O Princípio do In Dubio

Contra Fiscum foi conceituado por SILVA13: “In dubio contra

fiscum. É traduzido em caso de dúvida contra o sujeito ativo

tributário. Funda-se no célebre texto de MODESTINO: ’Non puto

delinquere eum, qui in dubiis quaestionibus contra fiscum facile responderet.’ E

nele se estabelece o princípio de que, em uma questão

duvidosa, seja de fato ou de direito, se deve decidir contra

o fisco”.

Hermenêutica: A Hermenêutica Jurídica é

conceituada por MELO14 como “Conjunto de processos e técnicas

que possibilitam a interpretação das expressões jurídicas.”

Política Jurídica: “Disciplina que tem como

objeto o Direito que deve ser e como deva ser em oposição

funcional à Dogmática Jurídica, que trata da interpretação e

da aplicação do Direito que é, ou seja, do Direito vigente.”

(MELO15).

ela não é integrada na condição de demandante, de titular de direitos.Os direitos fundamentais não estão positivamente à disposição dosindivíduos e dos grupos excluídos, mas os direitos fundamentais ehumanos destes são violados (de forma repressiva e de outras formas).Normas constitucionais manifestam-se para eles ‘quase só nos seusefeitos limitadores da liberdade’ , seus direitos de participaçãopolítica aparecem – diante do pano de fundo a sua depravação integral –preponderantemente só no papel, assim como também o acesso aostribunais e à proteção jurídica...” (sem grifo no original) (MÜLLER,Friedrich. Quem é o povo? – A questão fundamental da democracia. 3ª ed.rev. e amp. São Paulo: Max Limonad, p. 96, 2003).

13 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. vol. II. Rio de Janeiro:Forense, p. 459. 1991.

14 MELO, Osvaldo Ferreira de. Dicionário de Política Jurídica.Florianópolis: OAB/SC, 2000. p.47.

15 MELO, Osvaldo Ferreira de. Dicionário de Política Jurídica.Florianópolis: OAB/SC, 2000. p. 77.

xi

Povo16: conjunto de seres humanos criadores

do Estado, com base no conceito de Povo que pode ser buscado

na obra de FRIEDRICH MÜLLER.

Princípio do Direito: “1. Diz-se dos

fundamentos normativos da Ciência Jurídica. 2. Preceitos

adotados em determinada cultura como fundantes da Convivência

Social. Neste sentido o mesmo que Regras Jurídicas. 3.

Axiomas da legislação protetora dos Direitos Humanos.” (MELO17).

Reforma tributária: conjunto de mudanças no

campo de atuação do Direito Tributário tendentes a exercer a

competência tributária necessária, reduzir burocracia e

efetuar planejamento tributário macro do Estado com vistas à

redução da carga tributária do Povo.

Tributo: “Art. 3° Tributo é toda prestação

pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa

exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída

em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente

vinculada.” (CTN).

16 Todas as categorias consideradas pelo autor como relevantes estarão emmaiúscula. Especialmente o termo “Povo”, por inspiração da obra deMÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? – A questão fundamental dademocracia. 3ª ed. rev. e amp. São Paulo: Max Limonad. P. 63. 2003 etambém das aulas do Dr. César Luiz Pasold (Mestrado em Ciência Jurídicada Univali – Itajaí). Certa vez ele interrompeu a apresentação detrabalho acadêmico para perguntar: porque “Estado” (que é a criatura) éescrito em maiúsculo e “sociedade” (que é a criadora) seria comminúscula? O mesmo, ao que parece, pode ser perguntado em relação àscategorias jurídicas Estado e Povo.

17 MELO, Osvaldo Ferreira de. Dicionário de Política Jurídica.Florianópolis: OAB/SC, 2000. p. 79.

xi

SUMÁRIO

resumo..........................................xiii

ABSTRACT.........................................xiv

introdução........................................15Capítulo 1......................................18

A HERMENÊUTICA DO DIREITO TRIBUTÁRIOEM FAVOR DO POVO..........................................19

1.1 DIREITO TRIBUTÁRIO............................191.2 HERMENÊUTICA TRIBUTÁRIA.......................261.3 O PRINCÍPIO DO IN DUBIO CONTRA FISCUM ........371.4 IN DUBIO CONTRA FISCUM, CONSEQÜÊNCIAS DE SUA IMPLEMENTAÇÃO.....................................50Capítulo 2......................................56

CARNAVAL TRIBUTÁRIO ATUAL.................................56

2.1 A COMPREENSÃO DE ALFREDO AUGUSTO BECKER SOBRE A TRIBUTAÇÃO........................................592.2 CARGA TRIBUTÁRIA CONTEMPORÂNEA NO BRASIL......61Capítulo 3......................................73

O PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE DO ICMS –...............73

UM CASO PRÁTICO..........................................73

3.1 PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE – DIFERENÇA ENTRE CRITÉRIO FINANCEIRO E CRITÉRIO FÍSICO.......73

xv

3.2 DIALÉTICA DAS DECISÕES SOBRE A MATÉRIA........813.2.1 Posição favorável aos interesses do fisco............82

3.2.2 Posição favorável ao Povo............................82

Capítulo 4......................................85REFORMA FISCAL PELA REDUÇÃO DE GASTOS PÚBLICOS: UMA ANÁLISE ÀLUZ DA POLÍTICA JURÍDICA..................................85

4.1 DIREITO FINANCEIRO X DIREITO TRIBUTÁRIO.......864.2 PROPOSTA DE REFORMA TRIBUTÁRIA SEM AUMENTO DE TRIBUTOS..........................................864.3 FOME DO POVO..................................93

CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................104

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS....................107

xv

RESUMO

O presente trabalho desenvolve-se a partir

da compreensão de que o Direito Tributário deve ser

reconhecido como protetor dos contribuintes e responsáveis e

não do sujeito ativo tributário. Assim, deve ser aplicado o

in dubio contra fiscum, ou seja, na dúvida, o intérprete deve

decidir pela situação mais benéfica ao sujeito passivo, de

modo a aniquilar com a inconstitucionalidade útil, gerando

maior previsibilidade na análise da legislação, demonstrando

maior respeito aos contribuintes e responsáveis tributários.

Também é analisada a necessidade de realçar a independência

do Poder Judiciário frente ao Poder Executivo,

principalmente, de modo a que sejam produzidas decisões

jurídicas justas e não “fiscalistas”, pois, cabe ao Poder

Judiciário manter o nível científico esperado em relação ao

Direito Tributário, julgando as matérias trazidas com a

seriedade e o foco na análise constitucional das hipóteses de

incidência questionadas, para dar ao jurisdicionado a

garantia de ver sua pretensão julgada sem as paixões dos

governos.

xv

ABSTRACT

The present work grows starting from the

understanding that the Tax law should be recognized as the

contributor’s protector and responsible and not of the

treasury department. Thus, in dubio contra fiscum must be applied,

or either, in doubt, the interpreter must decide for the

situation most beneficial to the passive citizen, in order to

verwhelm with useful unconstitutionality, generating bigger

previsibility in the analysis of the legislation,

demonstrating bigger respect to the contributors and

responsible tributaries. Also the necessity is analyzed to

enhance the independence of the Judiciary Power front to the

Executive, mainly, in order that decisions are produced fair

juridical decisions and not "tax affairs lawyer", therefore

it fits to the Judiciary Power to keep the scientific level

waited in relation to the Tax law to maintain the expected

scientific level in relation to the Tax Law, judging the

subjects brought with the seriousness and the focus in the

constitutional analysis of the questioned hypotheses of

incidence, to give to give to the contributor the guarantee

to see its pretension judged without the passions of the

governments.

xv

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objeto estudar

o Princípio do In Dubio Contra Fiscum a partir da análise da

Hermenêutica do Direito Tributário e suas implicações para os

contribuintes, sem esquecer daqueles que suportam o encargo

tributário, ou seja, os que formam o Povo. Apresenta como

objetivos: institucional, produzir uma dissertação para

obtenção do grau de Mestre em Ciência Jurídica, pela

Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI; geral, aprofundar a

análise da categoria Povo18, fomentando a discussão de uma

perspectiva até hoje pouco explorada pelos usuários do

Direito Tributário; específicos, contribuir para fazer

diminuir a utilização da inconstitucionalidade útil pelos

entes com competência tributária e mesmo por aqueles que

somente detém capacidade tributária, porque o Povo19 arca com

maior carga tributária, em conseqüência disso. Assim,

objetiva-se defender o direito do Povo20 ao exercício e18 “...As invocações do povo legitimador dos textos das normasapresentam-se como direito constitucional com caráter deobrigatoriedade na República Federativa do Brasil; e legitimidade dessaconstituição bem como a da constituição alemã deve poder deixarvincular-se no plano da realidade ao povo ativo, ao povo enquantoinstância de atribuição e ao povo-destinatário.” (MÜLLER, Friedrich.Quem é o povo? – A questão fundamental da democracia. São Paulo: MaxLimonad. 3ª ed. rev. e amp., ps. 89/90, 2003).

19 “...Hoje, do povo formalmente, via discurso constitucional, emana opoder, sob os mais diversos modos e sistemas eleitorais...” STRECK,Leio Luiz e MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência Política e TeoriaGeral do Estado. 3ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, ps.154/155, 2003.

20 Em que pese não se desconhecer o pessimismo de parte da doutrina, queafirma: “Para Herbert Marcuse, o processo de emancipação somente será

19

efetividade do Direito Tributário.

“Sem a prática dos direitos do homem e do

cidadão, ‘o povo’ permanece em metáfora ideologicamente

abstrata de má qualidade...” (MÜLLER)21.

Portanto, não se circunscreve na sua

temática, discussões de ordem político-partidária ou de apego

a posições corporativistas.

O tema é atual e relevante, pois, debate a

interpretação efetiva do conceito de Povo aplicado ao Direito

Tributário, nos embates jurídicos (entre empresas, pessoas

físicas e Fisco22). Tem o intuito de contribuir à

conscientização dos operadores jurídicos. Hoje, até mesmo o

Princípio da Legalidade não é garantido pelo Poder

viável com a denominada ‘Grande Recusa’, ou seja, uma recusa absolutado sistema de vida estabelecido, que deva ocorrer através demanifestações revolucionárias lideradas pela juventude, e não pelopovo. O povo, anteriormente, fermento da transformação social,transformou-se no fermento da coesão social, pois inserido no sistemado aparato tecnológico e destituído de qualquer forma tradicional deprotesto.” (GABRIEL, Ivana Mussi. Herbert Marcuse: reflexões sobre asociedade tecnológica. Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 383, 25 jul.2004. Disponível em: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5503.Acesso em: 26 jul. 2004).

21 MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? – A questão fundamental dademocracia. 3ª ed. rev. e amp. São Paulo: Max Limonad. p. 63. 2003.

22 “...Por mais nobres que sejam os propósitos do Fisco na defesa dosinteresses arrecadatórios do Estado, deve ser recebida com redobradacautela e espírito crítico a adoção de mecanismos de controle quepossam inviabilizar o normal desenvolvimento das atividades comerciaisdos agentes privados...” (NORONHA, João Otávio de. Decisão monocráticano AgRg na MC 7.542-RJ, Ministro do Superior Tribunal de Justiça,julgado em 23/3/2004).

20

Judiciário23, em alguns casos, em nome da comodidade ao

Fisco24.

Onde está diante da tirania da exclusão o lugardos juristas? Certamente não onde Montesquieu osrastreia, quando afirma: ao lado de cada grandetirano encontrei um grande jurista, que lhejustificava os seus atos. O nome dos juristas nãose deriva de ‘justificar’, mas do ‘direito’[ius]. Seu lugar é junto ao povo....(MÜLLER25).

Para encetar a investigação, adotou-se o

método indutivo, operacionalizado com as técnicas do

referente, da categoria, dos conceitos operacionais e da

pesquisa de fontes documentais. Para relatar os resultados da

pesquisa, empregou-se o método dedutivo.

A pesquisa foi desenvolvida tendo como base

as seguintes hipóteses: a) na dúvida o julgador deve julgar

contra o Fisco; b) atualmente, a carga tributária está

tirando valores consideráveis do Povo, porque o trabalhador23 “Dos três Poderes é congenialmente o mais fraco e, de tradição, aqueleque mais dificuldade teve, no passado, para sobrepor-se às pressõesexecutivas de dominação” (BONAVIDES, Paulo. Do País Constitucional aoPaís Neocolonial – A derrubada da Constituição e a recolonização pelogolpe de Estado institucional. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., p.74, 1999).

24 “É desse mal de desobediência à Constituição que se entretece a criseconstituinte; desobediência que não encontra controle deconstitucionalidade o suficiente remédio às lesões normativas e aoarbítrio dos governantes. A frouxidão e as omissões nesse controle, porparte do órgão de guarda da Constituição, o Supremo Tribunal Federal,constituem elemento agravante daquela crise...” (BONAVIDES, Paulo. DoPaís Constitucional ao País Neocolonial – A derrubada da Constituição ea recolonização pelo golpe de Estado institucional. São Paulo:Malheiros Editores Ltda., p. 42, 1999).

25 MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? – A questão fundamental dademocracia. São Paulo: Max Limonad. 3ª ed. rev. e amp., p. 100, 2003.

21

remunerado pelo salário mínimo arca com todos os tributos

embutidos, seja no pão, no leite, no remédio, na educação

(que, empiricamente pode ser dito que na maioria dos casos

não lhe é permitida pela absoluta falta de recursos26); c) a

título de exemplo de interpretação em favor do Povo, será

analisado o Princípio da Não-Cumulatividade, pelo critério

financeiro (um julgamento em favor do Povo contribuiria para

a redução da carga tributária); d) há possibilidade de ser

feita uma reforma tributária para redução dos tributos pagos

pelo Povo.

O trabalho foi dividido em quatro capítulos.

O primeiro trata da Hermenêutica27 do Direito Tributário,

considerado como instrumento de defesa do Povo frente ao

Estado, com a invocação do Princípio do In Dubio Contra Fiscum.

A realidade contemporânea, sem dúvida, requer doEstado não somente eficiência administrativa, mase principalmente uma atuação – legítima edinâmica – voltada à participação consciente doHomem na consecução de seu nobre destino.(PASOLD28).

26 “...nos países periféricos, a concentração de renda, a pobreza e amiséria configuram fatores relevantíssimos de exclusão social, oraagravados pela globalização neoliberal do desemprego. A manutenção dopoder por seus detentores nutre-se da exclusão de largas faixaspopulacionais, às quais se nega o direito às prestações do Estado maiselementares: alimentação, educação, saúde, assistência social,habitação.” (DERZI, Misabel Abreu Machado. Pós-modernismo e Tributos:Complexidade, Descrença e Corporativismo. São Paulo: Editora Dialética.RDDT, n° 100, p. 70 e ss. 2003).

27 “Hermenêutica” é citada com letra maiúscula por ser disciplina devários cursos jurídicos brasileiros e porque é utilizada como uma dascategorias básicas deste estudo.

28 PASOLD, Cesar Luiz. Função Social do Estado Contemporâneo. 3a. ed. rev.e amp. Florianópolis: Editora da OAB/SC, p. 86, 2003.

22

No segundo capítulo, sob a inspiração de

ALFREDO AUGUSTO BECKER29, será analisado o “Carnaval

Tributário” atual.

Já no terceiro capítulo, mais

especificamente, estudar-se-á o Princípio da Não-

Cumulatividade do Imposto sobre operações relativas à

circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de

transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação,

ainda que as operações e as prestações se iniciem no

exterior30 (ICMS31), para tratar de situação concreta que

afeta a carga tributária elevada que o Povo suporta e a falta

de interpretação em prol deste (Povo) por grande parte dos

aplicadores do Direito.

No último capítulo, fundamentado em uma

visão de Política Jurídica32, será proposta a reforma fiscal

através da redução de gastos públicos e não de aumento da

carga tributária do Povo.

Nas considerações finais serão apresentadas

breves sínteses de cada capítulo e se demonstrará se as

hipóteses básicas da pesquisa foram ou não confirmadas.

29 BECKER, Alfredo Augusto. Carnaval Tributário. 2ª ed. São Paulo:Editora Lejus. 1999.

30 Conforme o art. 155, II da CRFB/88.31 Abreviação doravante utilizada para este imposto.32 “Disciplina que tem como objeto o Direito que deve ser e como deva ser emoposição funcional à Dogmática Jurídica, que trata da interpretação eda aplicação do Direito que é, ou seja, do Direito vigente.” (MELO,Osvaldo Ferreira de. Dicionário de Política Jurídica. Florianópolis:OAB/SC, 2000. p.77).

23

O Método33 a ser utilizado, na fase de

Investigação, será o Indutivo34. Serão acionadas as técnicas

do referente35, da categoria36, dos conceitos operacionais37,

da pesquisa bibliográfica38 e do fichamento39.

Capítulo 1

A HERMENÊUTICA DO DIREITO TRIBUTÁRIOEM FAVOR DO POVO

33 “Método é a forma lógico-comportamental na qual se baseia oPesquisador para investigar, tratar os dados colhidos e relatar osresultados”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica- idéias eferramentas úteis para o pesquisador do Direito. 7 ed.rev.atual.amp.Florianópolis: OAB/SC Editora, 2002, p.104 .

34 Sobre os métodos nas diversas fases da Pesquisa Científica, videPASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica, cit.. especialmente p.99 a 107.

35 "explicitação prévia do motivo, objetivo e produto desejado, delimitadoo alcance temático e de abordagem para uma atividade intelectual,especialmente para uma pesquisa". PASOLD,Cesar Luiz. Prática daPesquisa Jurídica, cit.. especialmente p. 241.

36 “palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou expressão de umaidéia". PASOLD,Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica, cit..especialmente p. 229.

37 “definição estabelecida ou proposta para uma palavra ou expressão, como propósito de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéiasexpostas”. PASOLD,Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica, cit..especialmente p. 229.

38 “Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais ecoletâneas legais”.PASOLD,Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica, cit..especialmente p. 240.

39 “Técnica que tem como principal utilidade otimizar a leitura naPesquisa Científica, mediante a reunião de elementos selecionados peloPesquisador que registra e/ou resume e/ou reflete e/ou analisa demaneira sucinta, uma Obra, um Ensaio, uma Tese ou Dissertação, umArtigo ou uma aula, segundo Referente previamente estabelecido”.PASOLD,Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica, cit.. especialmente p.233.

24

1.1 DIREITO TRIBUTÁRIO

Para viver em Sociedade, o Povo criou o

Estado, em forma de entidade com poder40 de impor regras de

condutas. Este Estado tem custos que serão, obrigatoriamente,

financiados pelo Povo, inclusive para cumprir sua Função

Social41.

Trata-se de ‘todo’ o povo dos generososdocumentos constitucionais; da população, detodas as pessoas, inclusive das (até o momento)sobreintegradas e das (até o momento) excluídas:trata-se do povo enquanto destinatário das prestaçõesestatais negativas e positivas, que a culturajurídica já atingiu. (MÜLLER42).

O Povo Brasileiro afastou a possibilidade de

ser governado por um regime autoritário e que não respeita a

propriedade privada. A balança desta operação

Estado/tributo/Povo é o Direito Tributário.

40 “...uma faculdade que se respalde em mecanismos reguladores da condutahumana, conciliando capacidade de mando com disposição de adesão e,principalmente, sustentando-se na correspondência de valores entredetentor e ‘súditos’, comprometido, sempre, com o ideal democrático.”(PASOLD, Cesar Luiz. Função Social do Estado Contemporâneo. 3a. ed. rev.e amp. Florianópolis: Editora da OAB/SC, p. 87, 2003).

41 “Repito: é necessário colocar o Estado de forma permanente e pró ativaem função de toda a Sociedade.” (PASOLD, Cesar Luiz. Função Social doEstado Contemporâneo. 3a. ed. rev. e amp. Florianópolis: Editora daOAB/SC, p. 87, 2003).“Eis o fundamento da FUNÇÃO SOCIAL que proponho para o EstadoContemporâneo.” (PASOLD, César Luiz. Função Social do EstadoContemporâneo. 3a. ed. rev. e amp. Florianópolis: Editora da OAB/SC, p.87, 2003).

42 MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? – A questão fundamental dademocracia. São Paulo: Max Limonad. 3ª ed. rev. e amp., p. 100, 2003.

25

O Direito Tributário constitui-se em

instrumento legal e moral de defesa do indivíduo em face da

contínua busca de recursos implementada pelo Fisco, dentro de

um regime democrático. Por isso, não é de se concordar com

conceitos preocupados com ressaltar a mera obtenção de

receita43.

Para a maioria das autoridades fazendárias,infelizmente, o Direito Tributário é um entraveque deve ser removido a todo custo. Tanto nafeitura das leis como na aplicação delas revela-se o arbítrio como diretriz predominante.(MACHADO44).

Desde a Antiguidade, os contribuintes procuraramtornar a atividade da tributação previsível,legal e proporcional (Magna Carta Inglesa de1215). Isto porque, se observou na história autilização despótica do instrumento e do produtoda arrecadação, por governantes que buscavamfinanciar guerras, nobreza e luxo.

Não há lei capaz de transformar o incompetente eímprobo em competente e probo. O exercício dacidadania é a última instância para reverter acultura do favorecimento que tende a ser aceitacom normalidade na vida administrativa da nação.(HARADA45).

43 “...o Direito Tributário compreende todas as normas jurídicas quedizem respeito aos princípios, normas, institutos, e aspectosrelacionados com a obtenção desta receita derivada que é o tributo.”(BALTHAZAR, Ubaldo César. Manual de Direito Tributário. Florianópolis:Editora Diploma Legal, p. 21, 1999).

44 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tritutario. São Paulo:Saraiva, p. 27. 1996.

45 HARADA, Kiyoshi. Administração Pública. Relação direta entre cargatributária elevada e mau administrador . Jus Navigandi, Teresina, a. 8,

26

No Brasil colônia, após a dita “descoberta”46

e o saque colonial implementado, por motivos de ordem

tributária (“derrama”) produziu-se a Inconfidência Mineira. O

País passou por uma evolução social conturbada, onde

princípios como a Legalidade foram esquecidos47.

Na fase democrática, mudou o discurso, mas,

os erros na tributação perduraram em muitos setores da

administração tributária, tendo em vista que a legislação vem

dos Poderes Executivo (pela anômala medida provisória) e

Legislativo, conforme a necessidade de caixa do Executivo, na

maioria das vezes. As votações são negociadas com a moeda dos

cargos dos ministérios, das agências reguladoras e assim por

diante.

A ditadura quer instalar-se no Paíssilenciosamente, antes de revestir formasostensivas e definitivas de tomada do poder.

Mas se o Judiciário cumprir a tarefa desalvaguarda da Constituição, a democraciasobreviverá, e a sociedade das gerações futurasser-lhe-á imensamente agradecida. (BONAVIDES48).

n. 394, 5 ago. 2004. Disponível em:<http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5536>. Acesso em: 02set. 2004.

46 “Dita descoberta”, porque parece injusto não considerar a posição dosÍndios que habitavam as terras do (atual) Brasil antes de 1500.

47 Ditaduras e governos oportunistas, que usavam as crises e mazelas para criar novos tributos.

48 BONAVIDES, Paulo. Do País Constitucional ao País Neocolonial – Aderrubada da Constituição e a recolonização pelo golpe de Estadoinstitucional. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., p. 85, 1999.

27

Interessa ao presente estudo analisar como a

tributação incorreu em tantas ilegalidades e

inconstitucionalidades e acabou por ter, na maioria dos

casos, o “aval” do Poder Judiciário49. Eis o objetivo deste

trabalho, estudar a existência, os motivos e o descumprimento

sistemático do Princípio do in dubio contra fiscum (adiante

tratado).

A Magna Carta inglesa de 1215, imposta pelos

nobres ao Rei João Sem-Terra, como forma de conter o ímpeto

arrecadador do monarca, foi o marco inicial do controle da

tributação.

É corrente a facilidade de administrar com

bastante dinheiro.

Ou seja, a atividade de governante fica bem

mais fácil quando o tesouro tem recursos suficientes para a

satisfação de seus projetos de administrador público. Desta

forma, a civilização desenvolveu, paulatinamente, formas de

controlar o poder tributário. Primeiro foram fixados, nos

textos legais, princípios mínimos, como o Princípio da

Legalidade. Após, vieram as codificações.

No Brasil, a CRFB/88 tratou exaustivamente da

competência tributária, no capítulo “Do Sistema Tributário

49 “Nem as Cortes de Lisboa atuaram tão impiedosamente buscando nossoretorno à condição colonial quanto os globalizadores neoliberais daPraça dos Três Poderes.” (BONAVIDES, Paulo. Do País Constitucional aoPaís Neocolonial – A derrubada da Constituição e a recolonização pelogolpe de Estado institucional. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., p.26, 1999).

28

Nacional”, bem como em outros dispositivos (art. 195,

exemplificativamente).

A Constituição traça as possibilidades dos

entes federados (União Federal, Estados, Distrito Federal e

Municípios) instituírem, mediante lei (art. 150, I), os

tributos devidamente explicitados. Há também possibilidades

mais elásticas, como é o caso do art. 154 e os empréstimos

compulsórios, mas que constituem quase que exceções ao

desenvolvimento normal da tributação.

Competência tributária, por expressa

determinação da CRFB/88, cabe apenas aos entes federados

(União Federal, Estados, Distrito Federal e Municípios).

Devido à competência determinada, o Município poderá cobrar o

IPTU50 (v. g.) sobre a “...propriedade predial e territorial

urbana...” (art. 156, I). Quando o legislador constituinte

fixou este parâmetro, tratou o caso com tipicidade cerrada.

Não deixou margens ao legislador municipal e, muito menos ao

juiz, para interpretações construtivas, no sentido pejorativo

do termo.

Assim, a Constituição veda expressamente que

se faça uma interpretação “fiscalista” ou econômica sobre

dispositivos tributários e a sua regulamentação não pode ir

além da criação de lei. Exemplificando, se a Constituição

autorizou a tributação da propriedade, não se pode, por

interpretação, tributar a posse.

50 Impostos sobre a propriedade predial e territorial urbana.

29

A tributação deve ser interpretada pelo

Direito com prestígio à CRFB/88 e à efetividade dos comandos

ali escritos. A interpretação não pode ser ferramenta de

opressão utilizada pelo governo contra o Povo, seja pela

“preguiça” do Poder Legislativo, seja pelas pressões

econômicas sobre o Congresso Nacional.

MÜLLER é mais contundente:

”A constituição reduz-se a ferramenta

ocasional dos sobreintegrados. Ela não foi ‘pensada’ para os

subintegrados: não pode mais constituir.” (MÜLLER)51.

Ao analisar a Constituição fica bem claro que

o intuito foi o de evitar o despotismo do legislador e dos

governantes.

Um flagrante exemplo de interpretação

extensiva e indevida é o regime das abusivas medidas

provisórias52 que se instalou no Brasil. A doutrina constata,

com tristeza, que os tribunais brasileiros têm

sistematicamente aprovado a legislação advinda das medidas

51 MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? – A questão fundamental dademocracia. 3ª ed. rev. e amp. São Paulo: Max Limonad. p. 99. 2003.

52 “ Nem a ditadura de Vargas durante a época do Estado Novo (1937-1945),nem o governo dos generais, que impuseram à Nação a partir de 1964vinte anos de ditadura militar, baixaram tantos decretos-leis ougovernaram com recurso a tamanha via de exceção, quanto os autocratasconstitucionais do Palácio do Planalto, em Brasília. Adulterando o art.62 da Constituição, transformaram eles as antecâmaras dos ministériosem sede de um legislativo clandestino que, no exercício da tarefalegiferante, tem sobre o Congresso Nacional uma esmagadora hegemonia.”(BONAVIDES, Paulo. Do País Constitucional ao País Neocolonial – Aderrubada da Constituição e a recolonização pelo golpe de Estadoinstitucional. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., p. 41, 1999).

30

provisórias53, mesmo constatando que não se revestem de

urgência ou relevância, apesar destes requisitos serem

constitucionalmente exigidos para a utilização dessa

excepcionalidade legiferante.

Para inconformismo geral, ao proceder a

interpretação dos requisitos constitucionais, os tribunais

nacionais chegaram a afirmar que os dois requisitos para

utilização da medida provisória ficavam a cargo da

discricionariedade do Poder Executivo. Ou seja, o Poder

Judiciário, ao proceder dessa forma, abdicou de parte do seu

poder. Parece que se acredita que o Constituinte de 1988

teria dado apenas um conselho, uma orientação ao Poder

Executivo e não uma garantia aos cidadãos que formam o Povo.

Sem dúvida o Poder Judiciário deveria sentir-se chamado a

intervir quando os contribuintes são tomados de assalto por

medidas provisórias aprovadas entre o Natal e o Ano Novo.

Vide o exemplo das Taxas ao IBAMA54, que foram um ótimo

exemplo de ofensa ao Princípio da Não-Surpresa55. Tanto que

para evitar novos erros deste tipo (não corrigidos pelo Poder

Judiciário) foi editada a Emenda Constitucional n° 42 para

53 “O ato institucional da Emenda da reeleição fez possível renovar omandato do presidente da República e certificar a cumplicidade doLegislativo e do Judiciário na consolidação desta ditadurasingularmente escorada em medidas provisórias e atos ofensivos aoregime constitucional.” (BONAVIDES, Paulo. Do País Constitucional aoPaís Neocolonial – A derrubada da Constituição e a recolonização pelogolpe de Estado institucional. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., p.29, 1999).

54 Instituto Brasileiro do Meio Ambiente.55 O IBAMA não presta serviço público específico e divisível (ainda quepotencial) que justifique a cobrança da taxa de controle efiscalização, por exemplo.

31

vedar a cobrança de tributos antes de decorridos noventa dias

da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou

aumentou (art. 150, III, “c” da CRFB/88).

É lamentável constatar que o Judiciário

titubeia em alguns casos, esquecendo-se da sua condição de

Poder e de sua primeira incumbência que é defender a CRFB/88,

que lhe dá este Poder, diga-se de passagem.

Como exemplo, convém citar recente acórdão

do Superior Tribunal de Justiça56 que - apesar de ciente de a

não devolução dos valores recebidos a maior pelo Fisco é

incorreta (conforme sua própria jurisprudência) - cedeu e

56 RECURSO ESPECIAL Nº 401.103 - RJ (2001/0192136-5). RELATOR : MINISTROCASTRO MEIRA. RECORRENTE : AUTO INDUSTRIAL LTDA. ADVOGADO : JEFFERSONRAMOS RIBEIRO E OUTROS. RECORRIDO : ESTADO DO RIO DE JANEIRO.PROCURADOR : ALEX CORDEIRO BERTOLUCCI E OUTROS. EMENTA - TRIBUTÁRIO.ICMS. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA PROGRESSIVA. REPETIÇÃO OU COMPENSAÇÃO DEVALORES RECOLHIDOS A MAIOR. IMPOSSIBILIDADE. DECISÃO DO STF (ADIN N.º1.851-4/AL). EFICÁCIA ERGA OMNES E EFEITO VINCULANTE. RECURSO ESPECIALIMPROVIDO. 1. Julgados desta Corte, ao analisar o fenômeno dasubstituição tributária progressiva, firmaram o entendimento de que ocontribuinte pode requerer a repetição ou compensação do ICMS pago amaior quando a base de cálculo do fato gerador presumido for superiorao valor efetivo da operação. 2. O Supremo Tribunal Federal, naassentada de 08 de maio de 2002, consagrou orientação contrária à queaté então era adotada no âmbito da Primeira Seção desta Corte. 3. Nojulgamento da ADIN n.º 1.851-4/AL, entendeu-se, à luz do comandocontido no § 7º do artigo 150 da Constituição da República, que ocontribuinte tem direito à restituição dos valores recolhidos em regimede substituição tributária progressiva apenas quando o fato gerador nãose realizar, afastada a possibilidade de compensação de eventuaisexcessos ou faltas, em face do valor real da operação substituída. 4.Recurso especial improvido. ACÓRDÃO. Vistos, relatados e discutidos osautos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros daSEGUNDA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, "A Turma, porunanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr.Ministro-Relator."Os Srs. Ministros Francisco Peçanha Martins, ElianaCalmon, Franciulli Netto e João Otávio de Noronha votaram com o Sr.Ministro Relator. Brasília (DF), 15 de abril de 2004 (data dojulgamento). Ministro Castro Meira. Relator.

32

decidiu conforme a jurisprudência do Supremo Tribunal

Federal, com a qual não concorda a doutrina.

Como será visto adiante, de forma mais

detida, sobre a interpretação para o caso de dúvida, o CTN

traz explícitas duas regras. Em primeiro lugar, deve haver

uma interpretação literal em casos de exclusão, isenção e

dispensa de obrigações acessórias. A norma justifica o seu

alcance para evitar o abuso na interpretação elástica das

benesses tributárias. A segunda norma é conhecida dos

estudiosos do Direito Penal. De fato, se alguém é acusado,

isto deve ser provado com a apuração da tão buscada verdade

real. Persistindo a dúvida, deve ser evitada a penalidade.

Não poderia ser de outra maneira. Vigendo no Direito

Tributário o Princípio da Estrita Legalidade, que traz

consigo a necessidade de uma tipificação rigorosa, qualquer

dúvida sobre a perfeita subsunção do fato à norma tributária,

compromete aquele postulado básico que se aplica com a mesma

força no campo do Direito Penal – in dubio pro reo.

Observe-se que o texto legislado menciona a

forma de interpretar na ausência de disposição expressa (art.

108 do CTN), confrontos com as categorias jurídicas de

direito privado (arts. 109 e 110 do CTN), interpretação

literal nos casos que especifica (art. 111 do CTN) e in dubio

pro reo (art. 112 do CTN).

Sobre interpretação literal, com probidade

científica, tem-se argumentado que:

33

o desprestígio da chamada interpretação literal,como critério isolado da exegese, é algo quedispensa meditações mais sérias, bastando argüirque, prevalecendo como método interpretativo doDireito, seríamos forçados a admitir que osmeramente alfabetizados, quem sabe com o auxíliode um dicionário de tecnologia, estariamcredenciados a descobrir as substâncias dasordens legisladas, explicando as proporções dosignificado da lei. O reconhecimento de talpossibilidade roubaria à Ciência do Direito todoo teor de suas conquistas, relegando o ensinouniversitário, ministrado nas faculdades, a umesforço estéril, sem expressão e sentido práticode existência. (MELO57).

A produção legislativa brasileira, na área

tributária, não tem o rigor científico que deveria. Para

confirmar esta assertiva basta lembrar que o Poder Judiciário

reconheceu inconstitucionalidades como a do Finsocial,

empréstimo compulsório sobre combustíveis e veículos,

Decretos-Leis 2445 e 2449, contribuição sobre o pro labore,

contribuição sobre o Funrural, entre tantos outros.

O indivíduo que legisla é mais ator do que autor:traduz apenas o pensar e o sentir alheios,reflexamente às vezes, usando meios inadequadosde expressão quase sempre... (MAXIMILIANO58).

E a inconstitucionalidade ou ilegalidade

devem ser analisadas, geralmente, na delimitação do alcance

57 MELO, José Eduardo Soares de. Curso de Direito Tributário. São Paulo:Editora Dialética. p. 149/150, 1997.

58 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 11a. ed. Riode Janeiro: Forense. p. 20. 1990.

34

do aspecto material, conforme doutrinou ATALIBA na sua obra

clássica “Hipótese de Incidência Tributária”.

Logo, havendo dúvida em saber se a hipótese

de incidência, descrita na nova legislação, está

perfeitamente adequada à competência tributária (vide item

1.1), qual lado deverá ser protegido pelo Julgador (judicial,

posto que se parte do princípio de que na esfera

administrativa vige o Princípio do in dubio pro fiscum)?

Defende-se que, na dúvida, o contribuinte deva sair vencedor

neste embate, na medida em que este é a parte mais fraca,

também, que é o mantenedor e o motivo de toda a tributação e

da existência do próprio Estado. Quando o Povo reuniu-se para

dar origem ao Estado, pela falibilidade da espécie humana,

foram previstas formas de controlar as mazelas do abuso do

poder de arrecadar tributos.

1.2 HERMENÊUTICA TRIBUTÁRIA

A Hermenêutica Jurídica é conceituada por

MELO59 como “Conjunto de processos e técnicas que

possibilitam a interpretação das expressões jurídicas.”.

CARLOS MAXIMILIANO conceitua Hermenêutica

Jurídica como aquela que “...tem por objeto o estudo e a

59 MELO, Osvaldo Ferreira de. Dicionário de Política Jurídica.Florianópolis: OAB/SC, 2000. p.47.

35

sistematização dos processos aplicáveis para determinar o

sentido e o alcance das expressões do Direito.”60.

Discorda-se do conceito de MAGALHÃES e

MALTA61 para os quais Hermenêutica seria “...Teoria, arte ou

ciência da interpretação dos textos correspondentes ao

direito positivo.”. Isso porque se trata de conceito

extremamente amplo e indeterminado quando cita arte, teoria

ou ciência e definitivamente limitado quando circunscreve o

hermeneuta ao Direito Positivo.

Esta pesquisa contempla a análise

hermenêutica das técnicas de interpretação utilizadas pelos

operadores do Direito Tributário e propõe a inclusão da

discussão do efeito tributário que será sentido pelo Povo,

afastando interpretações meramente formalistas62 ou

econômicas e reforçando as limitações ao poder de tributar.

Um dos paradoxos mais salientes da história dodireito é a influência negativa que um corpo bem-sucedido de normas exerce sobre a teoriajurídica. Diante dele, os juristas tendem a setornar simples glosadores, e o pensamentojurídico reduz-se a pobres comentários, quando

60 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 11a. ed. Riode Janeiro: Forense. p. 1. 1990.

61 MAGALHÃES, Humberto Piragibe e MALTA, Christovão Piragibe Tostes.Dicionário Jurídico. 7a. ed. Rio de Janeiro: Edições Trabalhistas.1991.

62 “...todo o rodar dessa engrenagem só entendida pelos iniciados écoberta e recoberta pelos ritos formalíssimos do processo(procedimentos), incidentes que se enovelam, muitas vezes, em umambiente kafkiano...’ (MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas Atuais dePolítica Jurídica. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor/CMCJ-UNIVALI, ps. 37/38, 1998).

36

não mera paráfrase do texto normativo.(COMPARATO63).

No âmbito de Dogmática Jurídica64, prescreve

o Código Tributário Nacional65, em matéria de aplicação e

interpretação, que a legislação tributária66 aplica-se

imediatamente aos fatos geradores futuros e aos pendentes.

Quanto à irretroatividade, abre exceção para

quando seja legislação tributária expressamente

interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração

dos dispositivos interpretados e, tratando-se de ato não

definitivamente julgado quando deixe de defini-lo como

infração ou quando deixe de tratá-lo como contrário a

qualquer exigência de ação ou omissão. Também, no que

acontece com mais freqüência67, quando lhe comine penalidade

menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo do ato.

No terreno da interpretação e integração da

legislação tributária há autorização, nos termos do art. 10863 COMPARATO, Fábio Konder, in Prefácio à obra de MÜLLER, Friedrich. Quemé o povo? – A questão fundamental da democracia. São Paulo: MaxLimonad. 3ª ed. rev. e amp. p. 9, 2003.

64 “ Sistema que articula princípios, conceitos, normas e regrastécnicas, construído com apoio na Ciência do Direito e aplicado naesfera judicial, com vistas à decidibilidade dos conflitos.” (MELO,Osvaldo Ferreira de. Temas Atuais de Política Jurídica. Porto Alegre:Sergio Antonio Fabris Editor/CMCJ-UNIVALI, p. 33, 1998).

65 A expressão “nacional” denota a aplicabilidade e necessidade derespeito pelos entes com competência tributária e também daqueles commera capacidade tributária (OAB, INSS, CREA et coetera), e não apenas emnível federal.

66 Observe-se que, para efeito do disposto no art. 96 do CTN, "legislaçãotributária" compreende as leis, os tratados internacionais, e demaisnormas complementares (instrução normativa, por exemplo).

67 Conhecimento empírico de operador do Direito Tributário.

37

do CTN para, na ausência de disposição expressa, a autoridade

ou juiz apliquem a legislação por analogia, na observância

dos Princípios Gerais de Direito Tributário e Direito Público

e, por último da eqüidade.

Óbvio que o emprego da analogia não poderá

resultar na exigência de tributo não previsto em lei e da

eqüidade não poderá resultar na dispensa do pagamento de

tributo devido, sob pena de total insegurança do Sistema

Tributário Nacional.

Os Princípios Gerais do Direito Privado

utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do

alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para

definição dos respectivos efeitos tributários, é o que diz o

art. 109 do CTN. A lei tributária não pode alterar a

definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e

formas de Direito privado. A competência tributária deve

obediência à necessária subsunção68 do texto legal criador do

tributo à previsão constitucional, seja no terreno dos

tributos vinculados ou não vinculados, na lição do Professor

ATALIBA69.

68 “...Pelo dogma da subsunção, segundo o modelo da lógica clássica, oraciocínio jurídico se caracterizaria pelo estabelecimento de umapremissa maior, que conteria a diretiva legal genérica, e de umapremissa menor, que expressaria o caso concreto, sendo a conclusão amanifestação do juízo concreto.” (FERRAZ JR., Tercio Sampaio. A Ciênciado Direito. São Paulo: Atlas, p. 34, 1980).

69 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 5ª ed. São Paulo:Malheiros. 1994.

38

A hipótese de incidência (ou hipótese

tributária para CARVALHO70) é como o tipo em Direito Penal, é

a descrição hipotética e abstrata de um fato previamente

sinalizado e delimitado na CRFB/88, basicamente nos artigos

145, 148, 149, 153, 154, 155, 156 e 195.

O aspecto mais complexo da hipótese de

incidência é o aspecto material, consistente na designação de

todos os dados de ordem objetiva, configuradores do

arquétipo em que ela (hipótese de incidência) consiste, é a

própria consistência material do fato ou estado de fato

descrito pela hipótese. Contém a indicação de sua substância

essencial, que é o que de mais importante e decisivo na sua

configuração descrita na CRFB/88.

Em alguns casos, convém interpretar-se

literalmente a legislação tributária que disponha sobre

outorga de isenção (verbi gratia), sob pena de o intérprete

estender benefícios onde o legislador não contemplou.

A semelhança com o Direito Penal fica clara

quando a lei tributária que define infrações interpreta-se da

maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida.

Porém, falta sedimentar na doutrina a

concepção de aplicação do in dubio contra fiscum, em todos os

casos de dúvida, não apenas nos casos de definição de

infrações.

70 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 4ª edição. SãoPaulo: Saraiva, 1991.

39

Em termos gerais, o objeto da interpretação

é o texto legal como portador de um significado para o qual

se busca a compreensão.

[...] numa comparação com o modelo cibernético nainterpretação operativa, as informações normativae fática, constituindo o objeto da interpretação,formam o input sobre o qual o órgão processador dedados (juiz), que produzirá, como resultado(output) da interpretação, uma decisão judicial.(ANDRADE71).

A Hermenêutica Tributária tem por objeto o

estudo e a sistematização dos processos aplicáveis para

determinar o sentido e o alcance das expressões tributárias,

nos quais estão compreendidos processos de:

a) Aplicação e integração do Direito;

b) Interpretação da norma;

c) Convergência da norma aos interesses do

criador do Estado (Povo);

d) Observância isonômica dos direitos

envolvidos, sem privilégios ao Fisco72.

A Hermenêutica do Direito Tributário deve

assegurar o compromisso do Estado para com o Bem Comum:

Acredito que não há sentido na criação e naexistência continuada do Estado, senão na

71 ANDRADE, Christiano José de. Hermenêutica Jurídica no Brasil. SãoPaulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 252. 1991.

72 Proposta do autor.

40

condição – inarredável – de instrumento em favordo Bem Comum ou Interesse Coletivo.

Deve haver, por parte desta criatura daSociedade, um compromisso com a sua criadora, sobpena de perda de substância e de razão de ser doato criativo. (PASOLD73).

O intérprete porta-se como mediador do

Estado e o particular com base no texto legal, sem conseguir

afastar por completo ideologias que influenciam positiva ou

negativamente na produção normativa e na formação da

Consciência Jurídica Social, conforme leciona MELO74.

Por isso que é percebido, mesmo que

empiricamente, certo comportamento do Poder Judiciário para

interpretar em favor do Fisco, sendo corrente que alguns

magistrados chegam a afirmar que as empresas devem pagar, em

caso de dúvida. Conviria a estes, observar com o apoio da

Hermenêutica que quem suportará esta carga, ao final, é o

Povo.

A eventual “ira do julgador” para com as

empresas, reflexamente, atingirá o contribuinte de fato, eis

que este suporta verdadeiramente o encargo tributário.

Bastaria para o julgador ter noções básicas da disciplina de

custos do curso de Ciências Contábeis, com humildade

científica, para constatar isto.

73 PASOLD, Cesar Luiz. Função Social do Estado Contemporâneo. 3a. ed. rev.e amp. Florianópolis: Editora da OAB/SC, p. 47, 2003.

74 MELO, Osvaldo Ferreira de. Dicionário de Política Jurídica.Florianópolis: OAB/SC, 2000. p.49.

41

A Hermenêutica determina uma progressiva

racionalização do Direito Tributário, para descartar

estratégias e métodos irracionais que levariam a

interpretação ao arbítrio do intérprete.

Se ao juiz cabe encontrar uma sentença justa

de acordo com a realidade social do momento da interpretação,

será inadmissível uma decisão judicial que não atente para a

atual carga tributária (aproximadamente 40%75 do PIB –

Produto Interno Bruto). A interpretação deve buscar o

razoável.

O Direito deve realizar, tornar-se

realidade, protegendo o cidadão e decidindo em favor desde em

caso de dúvida, porque não é lícito ao intérprete (julgador

administrativo e ou juiz) encobrir discurso comodista com o

auxílio da norma, como adiante será tratado.

[...] a interpretação não é declaratória ereprodutiva de um direito preexistente, mas simconstitutiva e produtiva de um direitoatualizado, que considera o novo no fatosocial[...] (ANDRADE76).

Prossegue o mesmo autor:

[...] a ratio legis se objetiva e se atualiza. Emborasem desprezar a dimensão estabilidade, a

75 Trata-se de percentual que tem gerado acirradas críticas da doutrinatributária e pouco eco tem se ouvido nos tribunais. Empiricamente nota-se que o fisco discorda, por vezes alegando que não seriam 40%, mas,39%: bela diferença para o Povo!

76 ANDRADE, Christiano José de. Hermenêutica Jurídica no Brasil. SãoPaulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 254. 1991.

42

interpretação está mais voltada para a dimensãomobilidade do direito, adaptando-o à realidadesocial do momento de sua aplicação. A valoraçãojurídica é um fato do presente. A dogmáticajurídica torna-se então menos retrospectiva emais prospectiva. (ANDRADE77).

O Direito Tributário, conforme conceituado

no item seguinte, não pôde aflorar com tanta ênfase durante o

Regime Militar, instalado em 1964, quanto após a CRFB/88,

tendo em vista a liberdade78 de se discutir a limitação do

Poder de Tributar.

A Hermenêutica aplicada ao Direito

Tributário deve levar em conta o Bem Comum do Povo, conceito

no qual se engloba, certamente, uma postura independente do

Poder Judiciário frente aos outros dois Poderes da

República, bem como, do Ministério Público (evitando a

castração da jurisprudência dos tribunais superiores ou

excesso de ego bloqueador da atualização constante79).

Cabem ao Judiciário, ao Ministério PúblicoFederal, a própria sociedade organizada e

77 ANDRADE, Christiano José de. Hermenêutica Jurídica no Brasil. SãoPaulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 254. 1991.

78 “...A categoria liberdade aparece no conceito como expressão davontade livre. Entende-se por vontade livre o estado de consciência,pelo qual o ser racional escolhe, livremente, o bem da vida como valoruniversal. Somente é reconhecida a vontade livre quando o ser possuiconsciência de si...” (SILVA, Moacyr Motta da. Direito, Justiça,Virtude Moral & Razão – Reflexões. Curitiba: Juruá Editora, p. 119,2003).

79 “A castração é tudo o que você continuamente acumula através dafamília, da educação, dos costumes, da civilização. O ego é aquilo quevocê acumula e não o deixa descobrir a si mesmo.” (WARAT, Luis Alberto.A Ciência Jurídica e seus dois maridos. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, p.19, 2000).

43

mormente aos Tribunais de Contas a missãoconstitucional, na forma do art. 70 caput daConstituição Federal, de viabilizar na realidadejurídica brasileira, a aplicação do princípio dojusto gasto do tributo arrecadado, otimizando osconceitos jurídicos de legalidade, economicidadee legitimidade na aplicação dos recursospúblicos, punindo os agentes públicos quemalversarem os escassos recursos públicos.(NOGUEIRA80).

Isso, em que pese “...numa sociedade

estratificada, altamente complexa, contraditória e muito

desigual economicamente, aumentem as dificuldades para a

avaliação do Bem Comum e dos fins sociais da lei, que

calibram a justiça da interpretação e da decisão.”

(ANDRADE81).

[...] só se pode falar enfaticamente de povoativo quando vigem, se praticam e são respeitadosos direitos fundamentais individuais e, por igual[nicht zuletzt], também os direitos fundamentaispolíticos. (MÜLLER82).

Este despertar da Hermenêutica do Direito

Tributário em favor do Povo é essencial, pois são comuns as

tentativas de persuadir o Poder Judiciário a ter

interpretações conforme os meros interesses da arrecadação80 NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima. O tributo é um direito da sociedade enão do Estado . Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 419, 30 ago. 2004.Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5636>.Acesso em: 21 set. 2004.

81 ANDRADE, Christiano José de. Hermenêutica Jurídica no Brasil. SãoPaulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 261, 1991.

82 MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? – A questão fundamental dademocracia. São Paulo: Max Limonad. 3ª ed. rev. e amp., p. 63, 2003.

44

(que por vezes atendem aos interesses do Fundo Monetário

Internacional83), basta ver que há os que pregam a

relativização de cláusulas pétreas, como a legalidade:

Tal conclusão é fruto de interpretação da normaorientada por um critério que busca o equilíbriode valores como a liberdade, a segurança jurídicae a justiça. A postura interpretativa aquidefendida está, inclusive, em sintonia com ajurisprudência atual do Supremo Tribunal Federal,quando se vale da técnica da interpretaçãoconforme a Constituição.

Os tempos atuais demandam uma nova visão doDireito Tributário, dissociada do positivismoformalista que vem predominando na doutrinapátria. Os princípios da legalidade e datipicidade não devem ser encarados como dogmas,mas como garantias do contribuinte, que podemceder em determinadas circunstâncias, desde quepresentes critérios de razoabilidade,necessidade, utilidade.

83 “O golpe de Estado institucional, ao contrário do golpe de Estadogovernamental, não remove governos mas regimes, não entende com pessoasmas com valores, não busca direitos mas privilégios, não invade Poderesmas os domina por cooptação de seus titulares; tudo obra em discretosilêncio, na clandestinidade, e não ousa vir a público declarar suasintenções, que vão fluindo de medidas provisórias, privatizações,variações de política cambial, arrocho de salários, opressão tributária,favorecimento escandaloso da casta de banqueiros, desemprego, domínioda mídia, desmoralização social da classe média, minada desde as bases,submissão passiva a organismos internacionais, desmantelamento dos sindicatos,perseguição dos servidores públicos, recessão, seguindo à risca, receitaprevista pelo neoliberalismo globalizador, até a perda total da identidade nacional eredução do País ao status de colônia, numa marcha sem retorno.” (BONAVIDES,Paulo. Do País Constitucional ao País Neocolonial – A derrubada daConstituição e a recolonização pelo golpe de Estado institucional. SãoPaulo: Malheiros Editores Ltda., p. 23, 1999) (sem negritos nooriginal).

45

Sem que se abandone o primado da legalidade aponderação de princípios poderá ocorrer, sendoque a sua caracterização de forma absoluta deveser relativizada, notadamente em face dacapacidade contributiva. (ULHOA84).

Como os Princípios da Legalidade e da

Tipicidade poderiam ceder em determinadas circunstâncias? Ou

seja, seriam legalidade e tipicidade amenizadas? Outra

pergunta: ceder em benefício do Fisco ou do Povo? Óbvio que a

orientação do Sr. Daniel da Silva Ulhoa (acima citado, com

função de procurador da Fazenda Nacional) é em favor do

Fisco, com o que não se pode concordar por uma questão de

apego à Ciência do Direito que, pode facilmente mostrar que a

Hermenêutica, na seara tributária, é direcionada à proteção

do Povo, não do Fisco que poderia tornar de aplicação

facultativa o Princípio da Legalidade em nome do aumento de

carga tributária (em desrespeito às regras do bom

administrador público).

[...] por força de prescrições jurídicas e/ouimplementação tendenciosa de textos de normasexistentes, quando se visa instituir a desigualdadede ‘povo’ e ‘população’ por meio de múltiplastécnicas de discriminação, exclusão e terror.(MÜLLER85).

84 ULHOA, Daniel da Silva. A norma geral antielisão. Parágrafo único doartigo 116 do CTN. Breves considerações. Jus Navigandi, Teresina, a. 8,n. 435, 15 set. 2004. Disponível em:<http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5692>. Acesso em: 15 set.2004.

85 MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? – A questão fundamental dademocracia. São Paulo: Max Limonad. 3ª ed. rev. e amp., p. 85, 2003.

46

Para enfatizar, há que se respeitar a

posição de ULHOA (antes citada), mas, discordar dela em

homenagem à CRFB/88 que prescreve:

Art. 5°

II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar

de fazer alguma coisa senão em virtude de

lei;

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias

asseguradas ao contribuinte, é vedado à

União, aos Estados, ao Distrito Federal e

aos Municípios:

I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o

estabeleça;

Que exercício de Hermenêutica serviria para

o propósito de amesquinhar tal Princípio Constitucional?

Ademais, referido Procurador da Fazenda

Nacional (ULHOA, op. cit) apontou os critérios de

razoabilidade, necessidade e utilidade a serem utilizados

para tornar relativos os Princípios Constitucionais, ao que

parece para tornar mais fácil a defesa da União em Juízo. A

União é a pessoa jurídica mais processada no País, não sem

razão, tamanha a má qualidade da legislação tributária,

principalmente no que tange às instruções normativas emitidas

pelo Secretário da Receita Federal.

47

O Brasil sofre há décadas de um mal crônico, quelhe tolhe o crescimento e a harmonia que devepermear todas as instâncias da AdministraçãoPública: uma inflação legislativa e, o que épior, com a edição de leis, decretos, portarias einstruções normativas que, além de numerosas,chocam-se entre si e agridem até mesmo a CartaMagna, seja violando artigos expressos, sejaofendendo princípios nela consagrados.(MORETTI86).

Para se ter uma idéia disto, basta ver o

ranking de distribuição de processos no Superior Tribunal de

Justiça, onde a União é “ouro’ e “bronze” (por

desconhecimento, tratam União e Fazenda Nacional como seres

fictícios distintos), sem contar a “prata” que é do Instituto

Nacional do Seguro Social (INSS87), que também gravita na

esfera de controle e poder do Executivo Federal:

A União é a campeã no ranking das 20 maisprocessadas no Superior Tribunal de Justiça(STJ). Um levantamento inédito produzido pelaSeção de Sistema Processantes revelou que, numperíodo de 15 anos, ou seja, desde a criação doSTJ, chegaram a este Tribunal 202.676 processostendo como ré a União. Se levarmos em conta queas 20, empresas privadas ou instituições,respondem por 401.079 ações, a participação daUnião nesse bolo corresponde a 50,53%.

86 MORETTI, Ivan Cesar. O direito "babélico" tributário e a insegurançajurídica . Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 419, 30 ago. 2004.Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5613>.Acesso em: 22 set. 2004.

87 Abreviatura doravante utilizada para o nome do Instituto Nacional doSeguro Social.

48

Sistema Justiça - Critério da pesquisa:

§ Levantamento das 20 partes que possuem maiornúmero de processos como parte ré na base do STJ.

§ Os dados são históricos, ou seja, os processosencerrados estão incluídos no total.

NOME DA PARTE RÉ TOTAL

1. UNIÃO 202676

2. INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS56098

3. FAZENDA NACIONAL 34970” (CORDEIRO e GENÚ88).

Será que não caberia à União (via Fazenda

Nacional) aumentar a fiscalização e aos legisladores

melhorarem a técnica e votarem conforme estudos científicos

para a criação de tributos e não em troca de cargos89? Aos

procuradores evitarem recursos protelatórios? Aos delegados

da Secretaria da Receita Federal liberarem mercadorias

apreendidas, com o único objetivo de cobrar, coercitivamente

(de forma inconstitucional e ilegal), tributos, comodamente

mal escudados em instruções normativas que desafiam, até

mesmo, matérias sumuladas pelos tribunais superiores90?

88 CORDEIRO, Roberto. GENÚ, Cristine. União lidera ranking das 20 maisprocessadas no STJ. Brasília: Superior Tribunal de Justiça. 5 ag.set.2004. Disponível em: <http://www.stj.gov.br>. Acesso em: 5 agos. 2004.

89 Seguidamente a imprensa noticia que tal matéria foi votada em troca deum cargo de ministro para o partido. É a negociata do Poder Executivocom o Legislativo contra o Direito. É o interesse do partido contra ointeresse do Povo.

90 Verbi gratia, Súmula 323 do Superior Tribunal de Justiça.

49

[...] o positivismo de superfície tem conduzidoao abandono dos princípios – necessariamentegerais – como base de toda teoria jurídicaduradoura. O nacional-positivismo representa, decerto modo, a negação da ciência jurídica, poisrepudia aquele princípio de explicitação unitáriada realidade, que constitui a meta de todoconhecimento científico. (COMPARATO91).

E para finalizar, não cabe à Hermenêutica do

Direito Tributário fazer o governante e a Fazenda Pública

cumprirem a CRFB/88 e o CTN, para que a disciplina seja

aplicada conforme sua razão constitucional de existir, em

benefício do Povo? “A função do ‘povo’, que um Estado invoca,

consiste sempre em legitimá-lo...” (MÜLLER92).

1.3 O PRINCÍPIO DO IN DUBIO CONTRA FISCUM

O Princípio do In Dubio Contra Fiscum foi

conceituado por SILVA93: “In dubio contra fiscum. É traduzido

em caso de dúvida contra o fisco. Funda-se no célebre texto

de MODESTINO: “’Non puto delinquere eum, qui in dubiis

quaestionibus contra fiscum facile responderet.’ E nele se

91 Prefácio à obra de MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? – A questãofundamental da democracia. São Paulo: Max Limonad. 3ª ed. rev. e amp.,ps. 12/13, 2003.

92 MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? – A questão fundamental dademocracia. São Paulo: Max Limonad. 3 ed. rev. e amp., p. 76, 2003.

93 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. vol. II. Rio de Janeiro:Forense, p. 459. 1991.

50

estabelece o princípio de que, em uma questão duvidosa, seja

de fato ou de direito, se deve decidir contra o fisco”.

O Direito Tributário serve para proteger o

contribuinte, como pode se deduzir do ensinamento do

Professor WARAT (que disserta em nível de Teoria Geral do

Direito): “o direito do instituinte acima do lugar do direito

do instuituído, a busca de um trabalho sobre um direito que

nos permita (ou facilite) escutar sinais do novo.” (WARAT94).

Afasta-se, em boa parte, a possibilidade de

arbítrio (do governo) dando transparência ao poder de

tributar, ao se prever a proibição de criar tributos sem

votação e a inviolabilidade dos bens particulares. Tudo para

fiscalizar o ente público quando da sua atividade de

arrecadador.

O atual regime capitalista, implementado em

países como o Brasil, demanda um Governo que receba recursos

do setor privado para a consecução das atividades inerentes

ao Poder Público, tendentes à realização do Bem Comum e à

manutenção da forma de governo e, em geral, como forma de

permanência dentro de parâmetros democráticos.

A constatação de que o Direito Tributário é o

ramo do Direito que se preocupa com as pessoas sujeitas a

imposições tributárias de qualquer espécie, limitando o poder

de tributar e protegendo o Povo (contra os abusos desse

94 WARAT, Luis Alberto, citação do prefácio da obra da obra MELO, OsvaldoFerreira de. Fundamentos da Política Jurídica. Porto Alegre : Ed.Sergio Fabris, p. 11, 1994.

51

poder) parece tarefa simples, porém, aparentemente

desconhecida nos meios judiciais, ante a quase total

inexistência de invocações da necessidade de proteger o

cidadão em detrimento dos interesses do sujeito ativo

tributário, em caso de dúvida

O Direito Tributário serve para proteger o

cidadão ou a empresa, que é contribuinte ou responsável

tributário (arca com o ônus tributário e depois repassa ao

Povo).

Diz o Código Tributário Nacional no artigo

3°: “Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em

moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua

sanção por ato ilícito, instituída por lei e cobrada mediante

atividade administrativa plenamente vinculada.” O tributo não

é um contrato, posto que é cobrado compulsoriamente, mesmo

que se trate de um tributo vinculado95, como é o caso da

contribuição de melhoria. Caso uma rua seja asfaltada, o

95 Conforme as lições de ATALIBA (ATALIBA, Geraldo. Hipótese deIncidência Tributária. 5ª ed. São Paulo: Malheiros. 1994), os tributosvinculados são aqueles cujo aspecto material da hipótese de incidênciaconsiste numa atuação estatal. Esta espécie comporta duas subespécies,que se extremam pelas características do inter-relacionamentoestabelecido pelo legislador, entre os aspectos material e pessoal dahipótese de incidência. Verbi gratia: contribuição é a de melhoria, cujahipótese de incidência é a "valorização imobiliária causada por obrapública" - combinação do art. Art. 145 da CRFB/88 “A União, osEstados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir osseguintes tributos: (...) III - contribuição de melhoria, decorrente deobras públicas.” e art. 81 do CTN “A contribuição de melhoria cobradapela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios,no âmbito de suas respectivas atribuições, é instituída para fazer faceao custo de obras públicas de que decorra valorização imobiliária,tendo como limite total a despesa realizada e como limite individual oacréscimo de valor que da obra resultar para cada imóvel beneficiado.”

52

morador deverá contribuir com este tributo, independente dele

querer ou não a realização daquela obra. Há uma imposição

inerente e necessária ao conceito de tributação.

Se o Direito Tributário foi instituído para

proteger o contribuinte, em caso de dúvida na interpretação

da norma, o julgador deve prestigiar o direito do sujeito

passivo96 que está sofrendo a imposição tributária. Isso no

âmbito do Poder Judiciário, pois o processo de cobrança dos

créditos tributários tem uma fase administrativa necessária,

na qual a parcialidade é óbvia. Nos Conselhos de

Contribuintes, há votação paritária de representantes dos

contribuintes e do sujeito ativo tributário. Em caso de

empate o voto de Minerva97 é do Fisco.

Um exemplo: existem órgãos arrecadadores que

desconsideram o art. 142 do CTN e praticam o

“autolançamento”, qual seja, procedem a inscrição em dívida

ativa sem dar possibilidade ao sujeito passivo de defender-se

administrativamente, como manda a CRFB/8898 e o Código

96 “Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigadaao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária.” (CTN).

97 “Voto de Minerva: Voto de desempate, concedido aos presidentes doscorpos administrativos, judiciários, etc.; voto de qualidade.”(FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio - SéculoXXI. São Paulo: Editora Nova Fronteira e Lexikon Informática). Aexpressão Minerva se refere à deusa da sabedoria (idem, ibidem).

98 CRFB/88, Art. 5° (...): “LIV - ninguém será privado da liberdade ou deseus bens sem o devido processo legal; LV - aos litigantes, em processojudicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados ocontraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a elainerentes;”.

53

Tributário Nacional, bem como a presença de motivação99, a

moralidade100 e a publicidade, que deveriam caracterizar e

cercar os atos dos entes públicos101. Observe-se que o art.

142 do CTN, peremptoriamente, diz que a atividade de

lançamento pela autoridade administrativa é vinculada,

obrigatória e necessária (imprescindível) para a constituição

do crédito tributário: “Art. 142. Compete privativamente à

autoridade administrativa constituir o crédito tributário

pelo lançamento, assim entendido o procedimento

administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato

gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria

tributável, calcular o montante do tributo devido,

identificar o sujeito passivo e, sendo o caso, propor a

aplicação da penalidade cabível.”.

99 “O Estado Brasileiro está ensandecido. Se ele imagina, se ele supõe,que pode não nos prestar satisfação, se ele imagina que tem algum ‘assunto interno’, isto é uma brincadeira, uma pilhéria dolorosa, porémpilhéria.” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. A Motivação dos Atos daAdministração Pública como Princípio Fundamental do Estado de Direito.Conferência transcrita na Revista de Direito Tributário, vol. 87. SãoPaulo: Malheiros Editores Ltda., p. 17, 2002).

100 “Na era do Estado Fiscal, a qual vivemos hodiernamente, o tributo é areceita derivada que dá sustentação à existência do Estado, daí crescera importância e a correta aplicação dos princípios que norteiam o gastopúblico. Moralidade, eficiência, economicidade e legitimidade sãoconceitos jurídicos que formam o núcleo substancial do princípio dojusto gasto do tributo arrecadado. Gastar de forma justa os valoresarrecadados mediante a tributação, é gastar de forma a atender a moral,a eficiência, a economicidade e a legitimidade, enfim, atender osanseios da sociedade, porque insista-se, o tributo é um direito da sociedade e nãodo Estado.” (NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima. O tributo é um direito dasociedade e não do Estado. Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 419, 30ago. 2004. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5636>. Acesso em: 21 set. 2004).

101 Art. 37 da CRFB/88.

54

É hora de analisar de onde surge o dever de

pagar um tributo, o contexto de estudo da Ciência do Direito

Tributário e qual a postura esperada do contribuinte e do

ente tributante. Neste sentido, é brilhante a doutrina de

Hugo de Brito Machado, que trouxe este assunto a propósito de

introduzir suas opiniões sobre a questão delicada do sigilo

bancário.

“Sempre que se examina uma questão tributáriacolocam-se duas questões fundamentais. A primeiraconsiste em saber se o dever de pagar tributodecorre do dever de solidariedade social ou seesse dever é realmente apenas um dever jurídico,e a segunda, que de certa forma pressupõe umaresposta para a primeira, consiste em saber qualé a finalidade essencial do Direito Tributário.

A questão de saber se o dever de pagar tributo ésimplesmente um dever jurídico, ou se é um deverdecorrente da solidariedade social, geralmente écolocada para justificar exigências tributáriasilegais ou inconstitucionais. Na verdade, porém,o dever de solidariedade social presta-se comofundamento para o próprio pacto social com baseno qual é instituído o Estado e a partir do qualtem-se como inevitável a cobrança de tributos queconstituem o instrumento com o qual são obtidosos recursos financeiros de que o Estado necessitapara realizar os seus objetivos.

Em se tratando de um Estado Democrático deDireito, no qual o poder estatal é exercido nostermos de uma Constituição e das leis com basenesta elaboradas, o dever de pagar tributo éindiscutivelmente um dever jurídico, que há de

55

ser cumprido nos termos da Constituição e dasleis, no que estas disciplinam a relação detributação e constituem, assim, o DireitoTributário, não se justificando mais o apelo àidéia de solidariedade social.

Surge, então, a segunda das questões acimacolocadas, vale dizer, a questão de saber paraque serve o Direito Tributário, qual a suafinalidade essencial, se a de viabilizar aobtenção dos recursos financeiros de quenecessita o Estado ou se a de limitar, oexercício do poder de tributar. Não há dúvida deque o Direito Tributário tem essas duasfinalidades, mas a questão que se coloca é a desaber qual delas é a sua finalidade essencial,vale dizer, a finalidade para a qual suaexistência é condição indispensável, oufinalidade que não pode ser alcançada sem ele.

Não temos dúvida de que a finalidade essencial doDireito Tributário é a limitação do poder detributar. A obtenção dos recursos financeirospelo Estado acontece com, sem ou contra oDireito. É importante, porém, termos em mente adiferença entre tributo e Direito Tributário. Otributo, na feliz expressão de Baleeiro, é"vetusta e fiel sombra do poder político há maisde 10 séculos. Onde se ergue um governante, elase projeta sobre o solo de sua dominação.Inúmeros testemunhos, desde a Antigüidade atéhoje, excluem qualquer dúvida." O DireitoTributário, diversamente, existe para limitar opoder de tributar, que é um aspecto da soberaniaestatal. O tributo sempre foi e será cobrado, emtodos os tempos e em toda parte onde se ergue umgovernante. Cobrado nos termos da lei, sem esta

56

ou contra esta. Logo, o Direito não é essencialpara a cobrança do tributo. E essencial, istosim, para que tal cobrança se efetue dentro delimites que protegem o contribuinte.

É indiscutível, por outro lado, que ocontribuinte nem sempre cumpre o seu dever depagar o tributo. Talvez em face das constantesviolações da lei praticadas pelas autoridades daAdministração Tributária, sinta-se também com o"direito" de violar a lei tributária. Assim,fazem-se necessárias providências para evitar asonegação.

Justifica-se, pois, que tenha o fisco acesso àsinformações relativas a fatos relevantes para atributação. Mas tal acesso deve ser asseguradosem prejuízo dos direitos do contribuinte,conforme, aliás, está expresso em nossaConstituição Federal, que faculta à administraçãotributária a identificação do patrimônio, dosrendimentos e das atividades econômicas docontribuinte, respeitados os direitos individuaise nos termos da lei. (MACHADO102).

A finalidade essencial do Direito Tributário

é limitar o poder de tributar. A cobrança do tributo deve

dar-se nos limites que servem justamente para proteger os

direitos dos contribuintes.

De idêntica forma ocorre em relação às

disciplinas do Direito Penal e do Direito do Trabalho. A

dúvida deve trazer um julgamento favorável à parte

102 MACHADO, Hugo de Brito. A quebra do sigilo bancário. Repertório IOB deJurisprudência. Caderno I, 9/2001. São Paulo: Editora IOB, p. 257,2001a.

57

hipossuficiente103, porque a finalidade essencial do Direito

Tributário é limitar o poder de tributar concedido ao

Estado104. A este não se pode alegar se tratar de ente “débil”

do ponto de vista processual, pois, a estrutura das

Procuradorias das Fazendas nacional, estadual e municipal é

invejável, basta ver empiricamente as notícias sobre os

números de inscritos para os concursos destes órgãos.

Em se tratando de benefícios fiscais, tendo

em vista o interesse público, isto é, econômico e sócio-

político dos incentivos ou benefícios, jamais se permite

nesse campo a interpretação restritiva em prejuízo dos

contribuintes. Estes confiaram nos textos legais

finalísticos, como é o caso do texto objetivado na Lei nº

9.363/96, que visa estimular as empresas produtoras e

exportadoras de mercadorias nacionais105. Não pode o aplicador

empregar interpretação restritiva. Ao contrário, todos os

acórdãos declaram que, para ser alcançado o estímulo desejado

pelo Poder Público, nesse campo, a interpretação é

teleológica, finalística, ampliativa ou liberal.

103 “[De hip(o)- 1 + suficiente.] - Adj. 2 g. - S. 2 g. Jur. - 1.Diz-se de, ou pessoa que é economicamente fraca, que não é auto-suficiente.” (FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo DicionárioAurélio - Século XXI. São Paulo: Editora Nova Fronteira e LexikonInformática).

104 O Estado é muito maior que qualquer das empresas ou pessoas físicas,têm o uso da força a seu serviço, pode criar leis, tem Três Poderes e éo maior sócio das empresas nacionais eis que lhes tributa em quase 40%do PIB – assunto adiante tratado.

105 Crédito presumido do IPI para ressarcimento das contribuições ao PIS eda COFINS.

58

Referida interpretação é adotada pelo

Ministro Eduardo Ribeiro. É o que se infere de seu voto

proferido na 6ª Turma do extinto e saudoso Tribunal Federal

de Recursos, in verbis:

Inexiste razão lógica para restringi-lo. O fatode o produto não estar sujeito à tributação, nãoafasta a realidade de que a ela sujeitaram-sealguns de seus componentes. Em relação ao IPIpago por isso, há que se reconhecer o direito aocreditamento. (Tribunal Federal de Recursos.Sexta Turma. Relator o Ministro Eduardo Ribeiro.Apelação em Mandado de Segurança n° 91.818,originária do Rio Grande do Sul, publicação noDJU de 11 de outubro de 1988, pág. 25.961)

Entretanto, passados tantos anos de constante

evolução democrática, os tribunais, em casos limites, trazem

decisões lacônicas ou claramente “pro fiscum”. Em alguns

julgamentos colegiados, chegou-se a defender abertamente os

interesses da Fazenda Pública contra a CRFB/88, o que é

deprimente para o estudioso da Ciência do Direito, porque a

política acaba por abafar a atuação da Justiça e torna

totalmente insegura (no sentido de ser imprevisível) a

prestação jurisdicional. Nestes momentos, prevalece a

Política sobre o Direito, a preocupação com o Tesouro Público

em detrimento dos contribuintes e dos responsáveis e

indiretamente do Povo (a quem o Tesouro deveria estar a

serviço, reconhecendo os direitos do criador – Povo), já que,

em última análise, será a parte que suportará o encargo

financeiro de todas as imposições tributárias.

59

A Fazenda Pública já tem prerrogativas em

demasia que parte da doutrina já as aponta como privilégios

(prazo em quádruplo para contestar, verbi gratia¸ art. 188 do

CPC106):

Em suma, resta evidente que a maximização dessescondicionamentos em favor da Fazenda Pública podelevar ao desvio do sistema, daí a necessidade debuscar a razoabilidade das prerrogativas eidentificar se elas estão velando pelo respeitoaos procedimentos como forma de preservar oEstado Democrático de Direito. Se não houverressonância, há que se sucumbir à hipótese de queestamos diante de verdadeiros privilégiosprocessuais! (ALVARES107).

É inegável a necessidade do Estado de

arrecadar tributos. Aliás, deve ser dito que a atividade

tributária é essencial para a manutenção do regime

capitalista implantado no Brasil. Entretanto, não se pode

esquecer dos direitos constitucionais e legais dos sujeitos

passivos destas obrigações tributárias.

A democracia é, portanto, o contínuo processo deluta pela igualdade, e sem igualdade não háliberdade.

A justiça social com a distribuição dos bensessenciais ao viver humano só dispõe de doiscaminhos para a sua efetivação: a caridade e a

106 Lei n° 5.869, de 11 de janeiro de 1973, Código de Processo Civil.107 ALVARES, Maria Lúcia Miranda. A Fazenda Pública tem privilégios ouprerrogativas processuais? Análise à luz do princípio da isonomia. JusNavigandi, Teresina, a. 8, n. 426, 6 set. 2004. Disponível em:<http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5661>. Acesso em: 14 set.2004.

60

tributação. Se o impulso caridoso fosseabsolutamente comum a todos os indivíduos e apartilha dos bens da vida igualmente distribuídapor aqueles que desfrutam de bens e direitosentre aqueles que deles necessitam, já teríamosalcançado uma sociedade igualitária, sob o pontode vista da fruição dos bens essenciais à vida.Contudo, sabe-se que a caridade não é, a exemplode outras virtudes dos homens, muito bemdistribuída e praticada.

Resta-nos, então, a tributação como caminho, pelomenos sob a ótica deontológica da imposiçãotributária, para superação das diferenças sociaise promoção da satisfação dos bens essenciais davida para aqueles que, por si sós, não têmcondições de satisfazer. (AREND108).

Toda esta atividade estatal, de busca de

recursos no patrimônio dos cidadãos e empresas, deve ser

dosada pelos limites da competência tributária descritos

previamente na CRFB/88 e legalizada conforme o CTN determina.

Sendo a Constituição um instrumento destinado alimitar o poder estatal, é natural que se busquenela proteção para o contribuinte, que na relaçãode tributação é no mais das vezes um alvo fácildo arbítrio dos governantes. Esta idéia, temosobservado, está na mente de eminentesconstitucionalistas e tributaristas, que sepreocupam com os mecanismos jurídicos decontenção do arbítrio estatal, e mesmo diante deconstituições nas quais, diferentemente da nossa,estão ainda ausentes normas específicas de

108 AREND, Márcia Aguiar. Direitos humanos e tributação. Ensaiodistribuído aos alunos do Curso de Especialização em Direito Tributárioda Furb. 2000.

61

regramento da atividade tributária, buscam nasupremacia constitucional proteção para o cidadãocontribuinte.

Com efeito, é patente e universal odesenvolvimento de práticas arbitrárias, tantopor parte do legislador, como da administraçãotributária, de sorte que se faz imprescindível areflexão, e o debate a respeito da supremaciaconstitucional, especialmente no que diz respeitoà interpretação das normas da Constituição,tarefa na qual ainda se vê com freqüência apredominância do elemento literal, em detrimentoou mesmo com a completa desconsideração doselementos teleológico e sistêmico, não obstanteestes importantes elementos da hermenêuticaconstitucional sejam sempre lembrados pelosdefensores da Fazenda Pública quando sustentamteses convenientes para o aumento da arrecadação?(MACHADO109).

O Poder Judiciário não deve legitimar atos

ilegais e inconstitucionais. O voto, a seguir transcrito,

retrata a melhor postura do Poder Judiciário quando se depara

com um caso de interpretação da norma tributária:

Senhor Presidente, leio, de memorial que me foiapresentado pelo escritório Ulhôa Canto, Resendee Guerra, o seguinte trecho:

’Senhor Presidente, é certo que podemosinterpretar a lei, de modo a arredar ainconstitucionalidade. Mas, interpretarinterpretando e, não, mudando-lhe o texto e,

109 MACHADO, Hugo de Brito. A supremacia constitucional como garantia docontribuinte. in Revista Tributária e de Finanças Públicas. São Paulo:RT. V. 39, p. 24, Jul-ago 2001b.

62

menos ainda, criando um imposto novo, que a leinão criou.

’Como sustentei muitas vezes, ainda no Rio, se alei pudesse chamar de compra o que não é compra,de importação o que não é importação, deexportação o que não é exportação, de renda o quenão é renda, ruiria todo o sistema tributárioinscrito na Constituição.

’Ainda há poucos dias, numa carta ao eminenteMinistro Prado Kelly, a propósito de um discursoseu sobre Milton Campos, eu lembrava a frase deNapoleão:

’Tenho um amo implacável, que é a natureza dascoisas.

’Milton Campos também era fiel a esse pensamento.

No caso, data vênia, não posso ler o Dl 401 comodizendo o contrário do que diz. Ele declara que ocontribuinte é o remetente. Não posso ler:‘contribuinte é o destinatário’. Ora, se pelalei, que não posso alterar, contribuinte é oremetente, e este não aufere renda, mas temdespesas (os juros que paga), não possoconsiderar devido o imposto de renda.

É trecho, Senhor Presidente, de voto proferido,nesta Corte, pelo saudoso Ministro Luiz Gallotti.(AURÉLIO, Marco. Supremo Tribunal Federal, videRecurso Extraordinário n° 150.764-1, dePernambuco).

É óbvio que o Estado foi feito para propiciar

o Bem Comum, pelo que deve ser fortalecido e protegido;

63

entretanto, quando se fala em processo110, será que é

aceitável um julgamento político quando o Estado litiga?

Uma das piores injustiças é saber-se de

antemão que se está em desvantagem num julgamento, por

motivos políticos, decorrentes de compromissos declarados ou

não entre os juízes e o governante. Atualmente, pela análise

da jurisprudência nacional, em geral, fica claro que os

contribuintes não têm um tratamento isonômico, em juízo, no

momento da interpretação de matérias tributárias.

A relação tributária é, no seu nascedouro,

advinda de um vínculo jurídico. A relação que une o sujeito

passivo tributário e o sujeito ativo tributário não é relação

simplesmente de poder.

Não obstante o afirmado em nossa ConstituiçãoFederal, verdade é que ainda não temos um EstadoDemocrático de Direito e a relação tributáriaainda não é uma relação estritamente jurídica,tantas e tão flagrantes que são as violações daordem jurídica praticadas pelo próprio Estado.Violações que incrementam na consciência doscontribuintes a idéia de que a lei é apenas uminstrumento de opressão, porque não se mostraeficaz para conter os abusos da autoridade.

A eficácia do direito funda-se na crença quealimenta a expectativa de segurança e de justiça.

110 “São quatro os aspectos fundamentais da problemática da efetividade do processo: a)admissão em juízo; b) modo-de-ser do processo; c) critérios dejulgamento (ou justiça nas decisões); d) a efetivação dos direitos (ouutilidade das decisões)...” (DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidadedo Processo. 7ª ed. rev. e amp. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., p.319, 1999).

64

Na medida em que o responsável maior pelapreservação da ordem jurídica, o Estado, titulardo poder institucional mais forte no mundo,exerce o seu poder tributário violando essa ordemjurídica, menor é a crença do contribuinte nodireito e, em conseqüência, maior é a tendênciapara o descumprimento de seu dever como cidadão.

Para estimular no contribuinte o cumprimento deseu dever de cidadão, que em matéria detributação se traduz no dever de pagar o tributodevido, temos de evitar que aumente aqueladescrença, e ainda, positivamente, temos decontribuir para que se restabeleça e aumente nelea crença no direito, a crença de que a relaçãotributária é uma relação jurídica e não umarelação simplesmente de poder. E para tanto éimportante a edificação de instituições queinibam o arbítrio estatal, sendo válida, nessesentido, qualquer contribuição, por mais modestaque seja. (MACHADO111).

Bom exemplo de descumprimento do dever de

proteção aos direitos do Povo é a questão da

constitucionalidade ou não da Contribuição Provisória sobre

Movimentação Financeira – CPMF, que até hoje desafia a

doutrina. Em primeiro lugar, pelo enorme movimento da

propaganda estatal no sentido de legitimar a instituição

desse tributo. Por outro lado, é certo que esta contribuição

atinge a todos os brasileiros, incidindo em cascata (tributo

sobre tributo), sem qualquer atenção ao Princípio da

Capacidade Contributiva. A quase unanimidade da doutrina111 MACHADO, Hugo de Brito. A supremacia constitucional como garantia docontribuinte. in Revista Tributária e de Finanças Públicas. São Paulo:RT. V. 39, p. 24, Jul-ago 2001b.

65

nacional condenou a CPMF. No Poder Judiciário também se

levantaram vozes contra a malfadada contribuição. A seguir é

trazida a opinião do Juiz Andrade Martins:

Assim sendo, o "imposto do cheque", em qualquerde suas versões - IPMF da lei ordinária, CPMF naesteira da EC 12/96 e CPMF criada pela EC 21/99 -infringe olimpicamente o princípio da não-cumulatividade estampado no art. 154, inc. I, daConstituição.

Gomes Canotilho e Vital Moreira falam daexistência de uma base antropológica, aoafirmarem que a constituição portuguesa contemplao homem como pessoa, como cidadão e comotrabalhador (cf. "Fundamentos da Constituição",Coimbra Ed., 1991, p. 26).

Nessa questão da cumulatividade da CPMF éperfeitamente visível, numa extrema unção que sebusca nas proclamações do Preâmbulo, a existênciade um ser humano, protegido pela Constituição, nasua tríplice dimensão de cidadão-contribuinte-consumidor.

Eis aí, em carne e osso, a razão de ser daproibição de qualquer novo gravame cumulativo nointerior do sistema. O homem. O ser humano quevive no seio de uma sociedade que optoufrancamente pelo sistema capitalista de produção,mas que lhe impede qualquer espécie demobilidade. No limite, se vale o antigo ditopopular, quem nasce para dez réis a vintém nãochega...

É pensando, pois, nesse cidadão-

contribuinte-consumidor à luz dos vetores

66

proclamados no Preâmbulo do Estatuto Maior,

que não posso deixar de ver como afronta

maior ao art. 154, inc. I, da Constituição,

a suspensão de eficácia que foi prevista no

art. 74 introduzido no ADCT pela Emenda

Constitucional n° 12/96.

Vejo, portanto, como igualmente plausíveis todasas argüições que se levantam contra a EmendaConstitucional n° 21/99. Contaminada pelainconstitucionalidade do referido art. 74 doADCT, que a lastreia, ela ainda arranhaprincípios outros constitucionais, como o dasegurança jurídica e o da separação dos poderes.Ofende seriamente o direito de propriedade, e bemassim alguns princípios constitucionaisespecificamente relacionados com a tributação,como o da capacidade contributiva, os dapessoalidade e não-confiscatoriedade dos tributose, ainda, o da irretroatividade das normastributárias.

Por último - mas não com menor relevância - a ECn° 21 parece padecer do vício formal que maisfreqüentemente lhe é imputado, tal seja o dehaver desrespeitado o art. 60, § 2°, da Carta, noqual se regula a discussão, votação e aprovaçãode propostas de emenda. (112).

A maioria dos tribunais nacionais,

entretanto, manifestou julgamento na direção de legalidade e

constitucionalidade, apesar das críticas dos juristas e

súplicas dos contribuintes afetados. Buscando-se analisar as112 TRF da 3ª Região. Rel. Des. Federal Andrade Martins. Agravo deinstrumento n° 86081. in DJU-II de 02 de dezembro de 1999.

67

teses apresentadas pelos defensores da CPMF, no seio do Poder

Judiciário, se nota muito da interpretação “fiscalista” e

quase nenhuma possibilidade científica de afastamento da tese

defendida pelo Juiz Andrade Martins (acima citado) e pela

doutrina. Mas, o argumento econômico de proteção do Fisco tem

prevalecido em alguns atos de julgar. E, assim são cassadas

liminares e desrespeitado o motivo da existência do Direito

Tributário.

É de doutrina:

Há pouco, é certo que o próprio Supremo TribunalFederal implicitamente aceitou a criação detributos fora dos limites previstos peloConstituinte Originário, ao não declarar ainconstitucionalidade da Contribuição Provisóriasobre Movimentação Financeira (CPMF), criada poremenda constitucional, burlando o previsto noart. 195, § 4.º, e art. 154, I, ambos da CF/88.(NEVES113)

Será que o direito do Povo, de ver um

tributo inconstitucional sendo declarado como tal, vale menos

que o plano de governo, deste ou daquele político,

momentaneamente detentor do poder (pela mão do Povo, lembre-

se)?

Não há como deixar de reconhecer a impotência dopovo brasileiro diante de rebuscadas teseseconômicas, políticas e jurídicas utilizadas por

113 NEVES JÚNIOR, Paulo Cezar. Direito à tributação constitucionalmentequalificada. Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 433, 13 set. 2004.Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5684>.Acesso em: 13 set. 2004.

68

uma elite que teria a possibilidade depaulatinamente descaracterizar toda uma CartaCidadã em prol de interesses não tão nobres.

Cabe à própria sociedade, e em especial àquelesque têm condições de colaborar nessa luta, brigarpela integridade das opções constitucionaisfeitas em 1988, o que, às vezes, nos faz parecerum pouco utópicos. (NEVES114).

É para corrigir esta impotência do Povo que

devem os hermeneutas (principalmente os membros do Poder

Judiciário) trabalharem, conforme sua missão constitucional.

A Fazenda Pública, obviamente, advoga tese

contrária, sempre preocupada com a arrecadação, tendo em

vista a necessidade de manutenção financeira do Estado, com

bons argumentos:

O Estado moderno avançou em direção a um EstadoSocial de Direito. Por outro lado, deixou de serproprietário e passou a depender da receitatributária derivada para poder atuar, isto é,tornou-se um ‘Estado Social Tributário deDireito’. (BATISTA JÚNIOR115).

Negando a existência e validade do in dubio

contra fiscum, afirma o autor antes citado (Procurador da

Fazenda Estadual) que este se justificava apenas na

114 NEVES JÚNIOR, Paulo Cezar. Direito à tributação constitucionalmentequalificada. Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 433, 13 set. 2004.Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5684>.Acesso em: 13 set. 2004.

115 BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. O Planejamento Fiscal e a Interpretaçãodo Direito Tributário. Belo Horizonte: Mandamentos, p. 29, 2002.

69

antigüidade quando o patrimônio público se confundia com o

patrimônio privado do soberano.

O Fisco possuía poderes absolutos e agia contraos seus devedores com dureza, e o tributorepresentava algo que os vencedores exigiam dospovos vencidos, dos estrangeiros e das classesinferiores. O tributo apresentava-se com caráterodioso, traduzindo-se em ‘humilhação’ a quem opagava. E assim, a repulsa à figura irradiava osseus efeitos para a interpretação das normastributárias, tidas como abusivas ou punitivas.(BATISTA JÚNIOR116).

1.4 IN DUBIO CONTRA FISCUM, CONSEQÜÊNCIAS DE SUA IMPLEMENTAÇÃO

A posição contrária do Fisco merece

respeito, mas, é carregada de aguda parcialidade e total

esquecimento dos pressupostos constitucionais ao exercício do

poder de tributar. Também, o Fisco com poderes absolutos é

uma realidade preocupante. A repulsa de quem paga é sentida

nos empresários, vide a pesquisa do SEBRAE (tabelas do

capítulo 2). Também há repulsa inerente à humilhação de ser

pobre e ainda ser obrigado a contribuir via tributos

embutidos na alimentação (último capítulo, sob o título “Fome

do Povo”). Outro ponto que é público e notório é a dureza do

Fisco que, por exemplo, altera critérios de pagamento de

116 BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. O Planejamento Fiscal e a Interpretaçãodo Direito Tributário. Belo Horizonte: Mandamentos, p. 29, 2002.

70

tributos para os contribuintes sem maiores delongas, por

presunções infundadas117.

Neste estudo, com caráter hipotético, podem

ser citadas as seguintes melhorias, caso o princípio em

questão seja mais utilizado pelos tribunais (mesmo os

administrativos):

a) Aniquilação da inconstitucionalidade

útil, pois, muitos governantes têm se utilizado da

inconstitucionalidade útil. Ou seja, lançam toda sorte de

diplomas legislativos no afã de arrecadar mais tributos. E

fazem isto com base em estatísticas simples, na medida em que

constatam que a maioria dos contribuintes não vai buscar seus

direitos em juízo. Governos passam como passa o tempo. Mas,

as inconstitucionalidades úteis podem ficar, inclusive para

os futuros governantes, em total desrespeito aos objetivos

declarados da Lei de Responsabilidade Fiscal.

É mais fácil para o governante incompetente, quepadece de um mal congênito, a preguiça mental,utilizar o mecanismo de transferência compulsóriade riquezas do setor privado por via de tributosconfiscatórios e de elevadas multas de trânsitopor meios eletrônicos, de um lado, e utilizar omecanismo da receita originária com odesfazimento de valiosos patrimônios imobiliários

117 Como é o caso das oficinas mecânicas, que foram afastadas do SIMPLEScompulsoriamente. Isto porque seria atividade regulamentada. ASecretaria da Receita Federal afirma isso, por seus agentes, baseando-se em laudo do CREA (que considerava estas atividades passíveis deinscrição no Conselho, com intuito meramente arrecadatório). É hiláriaa hipótese de todos os mecânicos de automóveis serem obrigados acontratar engenheiro mecânico e se inscreverem no CREA.

71

do poder público, de outro lado, do que estudar eplanejar uma ação estatal a partir das reaisprioridades da sociedade. O governante míope nãoconsegue enxergar o futuro; não consegue ver quea tributação exacerbada faz decrescer a economia,enquanto a população aumenta, inviabilizando asgerações futuras. O nosso PIB que era de US$973.846 bilhões em 1999, com uma carga tributáriade 20,41% está, hoje, reduzida a menos de US$ 450bilhões e com uma tributação da ordem de 36%.Enquanto a economia decresce, a tributaçãoaumenta, exatamente ao contrário do que acontecenos países desenvolvidos. Parece a política do´´tribute antes que acabe. (HARADA118).

b) Previsibilidade na análise da legislação,

conforme é o objetivo do Direito Tributário. Assim, caso os

juízes adotem uma postura de in dubio contra fiscum, estará sendo

fixado um critério mínimo tendente a dar previsibilidade e

cientificidade às decisões judiciais, na medida em que

seguirão o Direito Tributário atual, vivo e em constante

melhoria.

c) Maior respeito aos contribuintes e

responsáveis tributários. O sujeito passivo terá mais

confiança na Justiça, sentindo-se respeitado. Terá a maior

certeza de ter abdicado de uma parcela do seu direito de

propriedade por uma boa causa (ao criar o Estado e lhe

conceder o poder de tributar), sendo brasileiro e acatando a

118 HARADA, Kiyoshi. Administração Pública. Relação direta entre cargatributária elevada e mau administrador . Jus Navigandi, Teresina, a. 8,n. 394, 5 ago. 2004. Disponível em:<http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5536>. Acesso em: 02set. 2004.

72

tributação praticada nesta Pátria, com esperança de ver seu

direito sendo julgado com base nos estritos limites da

constitucionalidade e da legalidade.

d) Independência do Poder Judiciário. Quando

o Poder Judiciário preocupa-se mais com o erário do que com o

direito dos contribuintes, fica menos independente,

submetendo-se de forma irresponsável aos interesses do

governo (do momento) e dando um mau exemplo ao regime

democrático. Instituídos os três Poderes, independentes e

harmônicos entre si, cabe ao Judiciário tutelar o direito dos

contribuintes de forma sistêmica, invocando a sua condição de

poder para evitar interpretações políticas. Do Poder

Legislativo, espera-se as leis. Do Executivo, que se sujeite

à CRFB/88 e às leis, para administrar a nação119. Do Poder

Judiciário, por fim, que julgue imparcialmente, mesmo que

contra os ilegítimos interesses dos demais poderes. Eis uma

singela forma de fortalecer as instituições democráticas e

dar um sentido maior aos conceitos de Direito Tributário e

Povo.

e) Decisões justas e não “fiscalistas”,

pois, cabe ao Poder Judiciário manter o nível científico

esperado em relação ao Direito Tributário, julgando as

119 “A ironia da história é patente. Para afastar a ambigüidade do termopovo, os revolucionários franceses acabaram entronizando, em lugar dorei, um dos mais notáveis ícones políticos dos tempos modernos: anação, a cuja sombra têm se abrigado comodamente, desde então, os maisvariados regimes antidemocráticos.” (COMPARATO, Fábio Konder, inPrefácio à obra de MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? – A questãofundamental da democracia. São Paulo: Max Limonad. 3ª ed. rev. e amp.p. 19, 2003.

73

matérias trazidas com a seriedade e o foco, na análise

constitucional, das hipóteses de incidência questionadas,

para dar ao jurisdicionado a garantia de ver sua pretensão

julgada sem as paixões dos governos.

É conhecido de todos os estudiosos do

Direito Tributário o “Carnaval Tributário” de Alfredo Augusto

BECKER:

...o Supremo Tribunal Federal, em Tribunal Pleno,julgou, pela primeira vez, o problema da naturezados ‘empréstimos compulsórios’: se eram‘empréstimos’ ou tributos (neste último caso,inconstitucionais). O único Ministro que votouentendendo ser o ‘empréstimo compulsório’ meramáscara para fraudar o contribuinte econsiderando-o um autêntico tributo, foi o LuizGallotti. Seu voto (vencido por 10 x 1)fundamentou-se no meu livro. A partir daquelejulgamento, o tributo mascarado de empréstimocompulsório entrou para a Súmula do STF e nóstodos ‘entramos pelo cano’.

Nos últimos anos, a quantidade e variedade detributos mascarados de ‘empréstimos’ é tão grandeque formam um bloco carnavalesco: ‘Unidos da VilaFederal’. O Presidente da República e o seuMinistro da Fazenda são os ‘abre-alas’. O ritmo édado pelo fêmur dos contribuintes, que tambémfornecem a pele para as cuícas. O Presidente eseus Ministros lançam ao público os confetes denossos bolsos vazios e as serpentinas de nossastripas. No Sambódromo conquistaram, por

74

unanimidade, o prêmio: ‘Fraude contra oContribuinte’. (BECKER120).

O particular abdica121 de sua liberdade e

constitui um Estado Democrático de Direito, esperando que

seja tratado como parte merecedora de análise de seu caso sob

a égide da disciplina do Direito Tributário. A conclusão

primeira, que brota deste trabalho, é que os membros do Poder

Judiciário devem buscar a ciência do Direito, com seus

princípios básicos e sua matriz constitucional.

Simples, mas, comodista é o comportamento

tendente a dizer que o tributo é constitucional, sem estudar

a hipótese de incidência com base na Constituição (CRFB/88),

nos Princípios Gerais do Direito Tributário e no CTN.

Também pode parecer simples negar o direito

dos pobres à Justiça ao julgar que o Ministério Público não

teria legitimidade para ajuizar ações declaratórias de

inexigibilidade das antigas e famigeradas taxas de iluminação

pública (que nem perto passam dos requisitos do art. 145 da

Carta Magna de 1988), por exemplo. Quantos pobres teriam

condições de discutir a inconstitucionalidade? 120 BECKER, Alfredo Augusto. Carnaval Tributário. 2ª ed. São Paulo:Editora Lejus, p. 14. 1999.

121 “É a irracionalidade da sociedade racional, pois na sociedade dedomesticação pelo consumo, o pensamento humano decorre do processo damáquina. Há uma razão instrumental, imposta a todos, que constitui aideologia da sociedade tecnológica avançada. Ideologia esta quecontrola a natureza, o corpo e a mente humana, fazendo com que aliberdade na sociedade industrial seja uma liberdade de morte.”GABRIEL, Ivana Mussi. Herbert Marcuse: reflexões sobre a sociedadetecnológica. Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 383, 25 jul. 2004.Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5503>.Acesso em: 21 set. 2004.

75

Mas, não é de comodistas que o Brasil

precisa. Precisa de cientistas jurídicos, dispostos a

sustentar a CRFB/88 e o CTN contra os interesses dos entes

governantes. Defender o direito dos contribuintes ao in dubio

contra fiscum, é defender o criador deste direito, que é o Povo

que constitui a Nação.

No campo do Direito Tributário, em que se temcomo objeto o conjunto de normas que limitam opoder de tributar, é hoje evidentementenecessário enfatizar a imensurável importânciados princípios, e sua hierarquia sobre as leis,sobre as regras. Temos que, antes de aplicar alei, analisá-la sob a ótica dos princípios, pois,caso contrário, estaremos violando a real vontadedo constituinte, qual seja, garantir valoresmáximos como a cidadania e a dignidade humana.Não obstante seja alvo de críticas, especialmentedos formalistas, é de se analisar qual é a funçãoda tributação: garantir receitas para o Estadocumprir suas obrigações básicas. Mas se o Estadonão cumpre? E se o Estado aumenta suas receitasmas não resolve os problemas estruturais,utilizando de forma equivocada o dinheiro dopovo? Fica, então, a questão: o DireitoTributário está ainda na fase do legalismo? Masserá que somente um legalismo pro-fisco, poistoda vez que um direito é violado há lei em talsentido? E no inverso, como fica o legalismocontra-fisco? (ELALI122).

Lembre-se que a dúvida não é criada pelo

contribuinte (lato sensu), mas sim pelo legislador que, em

122 ELALI, André. Tributação e pós-positivismo: realidade e anseiossociais. São Paulo: Gazeta Mercantil de 22 de junho de 2004.

76

última análise, é o próprio Estado ao incorporar o poder de

ditar normas tributárias. A existência de normas duvidosas

foi magistralmente exposta por BECKER:

Tão péssima que se torna ininteligível eimpraticável. Necessita a elaboração deregulamento que a converta na imagem e semelhançado homem, isto é, humanamente praticável.

Tal como estão formuladas as leis fiscais e dereforma agrária, elas exigem que esta terra sejahabitada exclusivamente por gênios matemáticos einventivos, todos filhos naturais de Pascal eDescartes.

As leis do imposto de renda são alteradas –contínua e mensalmente – por outras leis,decretos-leis, portarias ministeriais, pareceresnormativos e outros atos de órgãosgovernamentais. A proliferação dessas alteraçõesé tão rápida e contínua que o Governo não se dámais ao trabalho de consolidar tudo em novoRegulamento do Imposto de Renda, cuja sigla,hoje, é uma ironia: RIR. (BECKER123).

Considera-se, ao final deste capítulo, a

inegável necessidade de maior estudo e defesa deste princípio

nos meios acadêmicos e forenses, pois, tal qual está a carga

tributária, corre-se o risco do arbítrio, isto se já não

estiver o País sob este.

123 BECKER, Alfredo Augusto. Carnaval Tributário. 2 ed. São Paulo: EditoraLejus, p. 14, 1999.

77

Capítulo 2

CARNAVAL TRIBUTÁRIO ATUAL

Alfredo Augusto BECKER124 retratou o

“carnaval” que era a tributação na sua época.

Agora, há muito falecido, para os que

acreditam em mortos insatisfeitos, seria o caso de

provavelmente pretender se constatar que BECKER estaria, como

uma “entidade’, revolto na sepultura, tamanhos os disparates

do “carnaval tributário brasileiro” contemporâneo.

De toda forma, o “...homem pensante está mais

presente nos seus escritos que na pessoa física. O homem vive

enquanto seu livro fizer com que seja amado.” (BECKER125).

Carga tributária, gastos públicos,

burocracia, fome do Povo e falta de uma justiça tributária

efetiva são temas que os governantes evitam, preferindo

apenas cuidar de aumentar a tributação para facilitar a

distribuição de verbas (algumas usadas corretamente e outras

utilizadas mesquinhamente em campanhas publicitárias, compra

de votos nas casas legislativas, verbi gratia).

124 BECKER, Alfredo Augusto. Carnaval Tributário. 2a. ed. São Paulo :Lejus. 1999.

125 BECKER, Alfredo Augusto. Carnaval Tributário. 2a. ed. São Paulo :Lejus. p. 38, 1999.

78

...E o que vale, se as leis parlamentares sãopromulgadas corretamente, mas se o parlamento nãoé ‘representativo’ – em virtude de eleiçõesfraudadas ou em virtude de manipulação doprocedimento de votação ou por razões similares,quer genericamente, quer no caso em questão?...(MÜLLER)126.

Por inspiração de Becker, com uma dose de

pessimismo, pode ser imaginado o risco de mudança da economia

capitalista para um regime comunista (por exemplo),

principalmente pela amputação do capital das empresas

representada pela crescente carga tributária, vide estudo do

SEBRAE (BINDES127):

126 MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? – A questão fundamental dademocracia. 3ª ed. rev. e amp. São Paulo: Max Limonad. p. 65. 2003.

127 BINDES, Fábio e outros. Fatores Condicionantes e Taxa de Mortalidadede Empresas no Brasil. Relatório de Pesquisa Sebrae. Brasília: SEBRAE,p. 38,http://www.biblioteca.sebrae.com.br/bte/bte.nsf/AllDbLookUp/9A2916A2D7D88C4D03256EEE00489AB1/$File/NT0008E4CA.pdf. Acesso em 21 set. 2004.

79

Cumpre observar que a carga tributária

elevada é a principal dificuldade na condução das atividades

das empresas ativas (68%) e isso, representa dificuldade no

capital de giro ao longo prazo.

Outra perspectiva da pesquisa do SEBRAE

mostra o ranking das dificuldades das empresas ativas,

segundo opinião espontânea dos proprietários (BINDES128):

128 BINDES, Fábio e outros. Fatores Condicionantes e Taxa de Mortalidadede Empresas no Brasil. Relatório de Pesquisa Sebrae. Brasília: SEBRAE,

80

O objetivo deste capítulo é estudar a matéria

concernente às mazelas do Direito Tributário (como as

representadas nos números acima), com preocupação de fazer

justiça tributária e buscar a legitimidade129 ao Sistema

Tributário Nacional130 em nível de Política Jurídica131 e na

p. 39,http://www.biblioteca.sebrae.com.br/bte/bte.nsf/AllDbLookUp/9A2916A2D7D88C4D03256EEE00489AB1/$File/NT0008E4CA.pdf. Acesso em 21 set. 2004.

129 “Salvaguardar a Constituição figura, ao meu ver, como o primeiro dosdeveres do cidadão e do governante. Se os códigos foram, outrora, aexpressão da legalidade, as Constituições são, agora, a essência dalegitimidade. Sem legitimidade não há democracia, e sem democracia nãoprevalece o Estado de Direito. Faltando uma e outra, falta tudo a umpovo para ser livre e digno. Todas as crises de legitimidade sãocrises constituintes.” (BONAVIDES, Paulo. Do País Constitucional aoPaís Neocolonial – A derrubada da Constituição e a recolonização pelogolpe de Estado institucional. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., p.59, 1999).

81

obrigação cívica de buscar a melhoria nos institutos

jurídicos através da reflexão pelo raciocínio132.

2.1 A COMPREENSÃO DE ALFREDO AUGUSTO BECKER SOBRE ATRIBUTAÇÃO

BECKER foi um jurista gaúcho de renomada

produção científica na área do Direito Tributário.

O maior legado científico de BECKER e talvez

a obra magna do Direito Tributário brasileiro seja a TEORIA

130 “Parece universal o fenômeno da crescente complexidade do sistematributário: a cada ponto do emaranhado do tecido social corresponde umponto da rede jurídica normativa. Irracionalidade do sistema,obscuridade, inaplicabilidade das normas, injustiça e impossibilidadeadministrativa de fiscalização.” DERZI, Misabel Abreu Machado. Pós-modernismo e Tributos: Complexidade, Descrença e Corporativismo. SãoPaulo: Editora Dialética. RDDT, n° 100, p. 72 e ss. 2003.

131 “...a tarefa da Política Jurídica não é descritiva mas sim configuradanum discurso prescritivo que se legitima numa justiça política, ao secomprometer com as necessidades vitais do homem, a partir depressupostos axiológicos e deontológicos.” (MELO, Osvaldo Ferreira de.Fundamentos da Política Jurídica. Porto Alegre: Ed. Sergio Fabris, p.130, 1994)

132 “Ora, quando para a apreensão (ou transmissão) das idéias se elimina afase intermediária da reflexão pelo raciocínio e se utiliza o mecanismopsíquico da ligação direta: sensação-ação, o indivíduo humano perde apossibilidade de ajuizar sobre a qualidade sadia ou nociva da condutaque lhe está sendo imposta (ou que ele pretende impor a outros). Perdea oportunidade de aperfeiçoar o instrumental jurídico e substituir oque se tornou obsoleto (ou prejudicial) por novas regras jurídicas.Perde a humanidade. Coisifica-se.’ (sem grifo no original) (BECKER,Alfredo Augusto. Carnaval Tributário. 2ª ed. São Paulo: Editora Lejus,p. 94, 1999.).

82

GERAL DO DIREITO TRIBUTÁRIO133, com a qual pretendeu reforçar

a idéia do Direito como Ciência.

Outra obra, de cunho mais jocoso, já da

maturidade do autor foi o CARNAVAL TRIBUTÁRIO.

A tributação irracional dos últimos anos conduziuos contribuintes (em especial os assalariados) atal estado que, hoje, só lhes resta a tanga.(...)

Porém, se a estes contribuintes tributarem atémesmo a tanga, então, perdidas estarão a fé e aesperança. Infelizmente existem fundadas razõespara que tal aconteça. (BECKER134).

E este é o retrato da atualidade do Brasil,

segundo os institutos encarregados de medirem a carga

tributária que onera o Povo.

Cada ano é ano de naufrágio fiscal. Os náufragos,só anos depois é que saberão que morreramafogados no mar dos sargaços das leis fiscais.Quando começarem as revisões das declarações derenda e os respectivos exames em sua escrituraçãofiscal. O auto de infração será o atestado deóbito ocorrido anos atrás. (BECKER135).

Esta é uma constatação que pode ser feita na

atualidade, pior do que previu BECKER, pois hoje os robôs

133 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. SãoPaulo: Saraiva, 1963.

134 BECKER, Alfredo Augusto. Carnaval Tributário. 2ª ed. São Paulo:Editora Lejus, p. 15, 1999.

135 BECKER, Alfredo Augusto. Carnaval Tributário. 2ª ed. São Paulo:Editora Lejus, p. 18, 1999.

83

eletrônicos da Secretaria da Receita Federal (só para citar

um exemplo) cruzam dados de recolhimentos via DARF136 (ou a

inexistência destes) e os dados das DCTF´s137 e emitem

notificações fiscais que nem sequer levam a assinatura de

qualquer agente fiscal. É assim que se ameaçam as empresas

atualmente.

Veja-se o debate pensado por BECKER:

Ministro do Planejamento: Vós – meu caro amigoMinistro da Fazenda – tendes o enternecimentomuito fácil. Vós experimentais a necessidade deser compreendido. É um erro em nossas funções!Esta brava gente, como vós dizeis, naturalmentenada compreendeu. Mas isto não tem importância. Oessencial não é que eles compreendam, mas sim queeles se executem. Escutai! Esta é uma expressãoque faz sentido. Não achais?

Ministro da Fazenda: Qual expressão?

Ministro do Planejamento: Executar-se! Ide, vósoutros, executai-vos! Executai-vos! Hein! Quefórmula!

Ministro da Fazenda: Magnífica!

Ministro do Planejamento: Magnífica! Nela se encontratudo! Primeiro a imagem da execução, que é umaimagem enternecedora e, depois, a idéia de que oexecutado colabora – na sua própria execução. Eisto é a finalidade e a consolidação de todo obom Governo!” (BECKER138).

136 Documento de Arrecadação Federal.137 Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais.

84

Muitas vezes o administrador público deve

fazer este tipo de comentário, tamanha é a utilização da

propaganda estatal, para aumentar os níveis de arrecadação.

Outro fenômeno contemporâneo é o da contração dostextos escritos e a substituição do Verbo por umSinal. Um exemplo: a Súmula do Supremo TribunalFederal substituiu as fundamentaçõesdoutrinárias. Substituiu até mesmo a citação dostextos legais aplicáveis ao caso. Por sua vez, opróprio texto da Súmula é substituído por umSigno: a cifra aritmética. (BECKER139).

Quando o autor fala em cifra se refere aos

julgamentos políticos, que descumprem o Direito sob a

alegação de que precisam proteger a Fazenda Pública.

2.2 CARGA TRIBUTÁRIA CONTEMPORÂNEA NO BRASIL

Hoje, existe um carnaval tributário que

apresenta recordes de Povo afetado e de plantonistas do poder

felizes (porque se supõe fácil administrar com dinheiro,

porque os bancos atendem bem quem está pagando a dívida

“direitinho”, sem se preocupar com a origem do dinheiro e o

sofrimento dos pagadores).

138 BECKER, Alfredo Augusto. Carnaval Tributário. 2 ed. São Paulo: EditoraLejus, p. 24, 1999.

139 BECKER, Alfredo Augusto. Carnaval Tributário. 2 ed. São Paulo: EditoraLejus, p. 24, 1999, ps. 90/91.

85

Há quem tenha saudades do tempo em que gerava

passeata e briga quando o governo proferia a seguinte frase:

“Aumentou a credibilidade do Brasil no exterior”. A

população, naquela época, sabia que a dívida externa

aumentaria. Holofotes são postos para dar a mesma notícia, na

atualidade, pois, para justificar o arrocho salarial (verbi

gratia) se diz que a carga tributária deve se manter ou

aumentar para garantir a credibilidade do País, já que o

administrador público pretende contrair mais dívidas.

O Povo piorou na cultura? Talvez. Basta

observar que os vizinhos (argentinos) fizeram “panelaço” e os

brasileiros riram da bagunça. Bagunça ou Povo consciente? Os

brasileiros sofreram a mesma desvalorização no câmbio e

reelegeram o presidente (será que a negociação da reeleição140

não aumentou a carga tributária?).

Um exemplo tributário de aumento da carga é o

FGTS141. Ou seja, certos presidentes e seus ministros

resolveram extinguir a inflação por “decreto”, o que era

impossível. Nada mais justo que a Caixa Econômica Federal e

ou a União pagassem a desvalorização das contas, como o STF

mandou (diga-se de passagem, só para a metade dos calotes

perpetrados), pois, a única coisa que não sofreu inflação

foram as contas do FGTS. Assim, com propaganda (paga pelo

Povo), o governo disse que ia fazer o maior acordo do mundo

140 Reeleição possível em virtude de emenda à Constituição. Aliás, naAmérica Latina, não ocorreu o mesmo fenômeno com Fugimori, Menem eCardoso?

141 Fundo de Garantia por Tempo de Serviço.

86

(dera o maior calote do mundo, seria isso?): “sentaram”

governo e empregados e “sobrou” às empresas uma contribuição

adicional sobre o FGTS142, para pagar o calote do governo.

Aumentou a carga e quem paga é o Povo, ou seja, em vez do

governo rever seus gastos (com banalidades, auxílios moradia

e outras espécies de privilégios), comodamente aumentou a

conta de transferências do suor do Povo para manter os

movimentos da máquina estatal, sem necessitar de regulagem

alguma.

Outro exemplo do “carnaval tributário”

contemporâneo é o vale-pedágio. O vale-pedágio nasceu porque

os caminhoneiros do País se uniram e fizeram uma greve.

Reivindicavam redução nos combustíveis e extinção dos

pedágios, em suma. Por sugestão do governo, criou-se o vale-

pedágio143. Que seria isto? Trata-se de impor (atualmente) aos

embarcadores o dever de antecipar o vale-pedágio, geralmente,

comprando um sistema oferecido por instituições financeiras.

É proibido antecipar o dinheiro para o caminhoneiro. Ora, os

caminhoneiros estavam reclamando é da existência de pedágios.

Se o preço do frete era R$ 100,00 com pedágio, se o

embarcador pagar R$ 10,00 de pedágio o frete será de R$

90,00. Criou-se apenas mais um custo para quem contrata

fretes no Brasil, representado pela burocracia. Trata-se de

verdadeiro tributo e de nova moeda, inconstitucional de toda

sorte.

142 Lei Complementar n° 110/2001.143 Leis 10209/2001 e 10561/2002.

87

Sobre o vale-pedágio convém atentar para uma

ótima decisão do Excelentíssimo Magistrado Gilson Jacobsen

(magistrado federal em Francisco Beltrão-PR):

Segundo afirma a ANTT, o ‘vale-pedágio foi criadocom o principal objetivo de atender a uma dasprincipais reivindicações dos caminhoneirosautônomos: a isenção do pagamento do pedágio’.

Ou seja, para a ANTT, o vale-pedágio obrigatórioé capaz de impedir que o embarcador repasse ocusto do pedágio, de sua responsabilidade, nopreço do frete contratado. Entretanto, isso nãoocorre, uma vez que a lei não consegue vedar apossibilidade de o embarcador descontar do valordo frete contratado o valor relativo ao vale-pedágio obrigatório, que, inclusive, é fruto daliberdade dos particulares em contratar e decorredos princípios da autonomia da vontade e da livrenegociação e concorrência.” (trecho da decisãoconcessiva de tutela antecipada nos autos doprocesso n° 2004.70.02.001447-0).

Diferentes da decisão acima, muitas causas

tributárias são decididas com olhos na arrecadação e não nos

provedores desta – o Povo. Para insistir no exemplo citado,

convém retornar ao assunto de que o art. 142 do Código

Tributário Nacional exige o lançamento (a notificação) para o

contribuinte se defender. Os tribunais dizem que não, se

estiver se tratando de tributos declarados em DCTF144. Sabendo

disto o Fisco pede declaração de tudo e acabou com o direito

ao Processo Administrativo.

144 Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais.

88

Por ocorrer até hoje, cita-se:

A mesma técnica de criar no intelecto do juiz aindecisão nebulosa e melodramática por intermédioda invocação do amor para justificar os crimes depaixão está sendo hoje em dia largamenteutilizada mediante a invocação da política (razõesde Estado) para justificar os crimes de lógicaque – à força de coação psicológica – queremsejam cometidos pelos juízes em tribunal pleno.(BECKER145).

Outro exemplo, muitos sócios de empresas são

citados em executivos fiscais só pelo fato de serem sócios.

Isto ocorre sem lançamento, sem que o sujeito ativo

tributário indique os motivos de desconsideração da pessoa

jurídica. Provavelmente, o Fisco desconfia que alguns juízes

desconhecem que o Direito Tributário existe para proteger o

contribuinte. Sendo o Fisco que está penalizando, nem precisa

dar os motivos, basta acusar? É isto que a população deve

aceitar como verdade?

Certa ocasião, os empresários reclamaram da

carga tributária. Solução “mágica” foi tornar as

contribuições ao PIS146 e a COFINS não cumulativas. Ora,145 BECKER, Alfredo Augusto. Carnaval Tributário. 2ª ed. São Paulo:Editora Lejus, p. 115, 1999.

146 “PIS, o primo pobre da Cofins - A empresas vêem o PIS e a Cofins comouma coisa só, ou seja, uma mordida feroz no faturamento - São Paulo/SP- Ele é o primo pobre da Contribuição para o Financiamento daSeguridade Social (Cofins). Desde sua criação, em 1970, o Programa deIntegração Social/Programa de Formação do Patrimônio do ServidorPúblico (PIS/Pasep) tem uma alíquota infinitamente menor que a daCofins, que surgiu mais de duas décadas depois. Apesar disso, o tributogera uma rentável arrecadação para a União, que não é dividida comestados e municípios. Em 2003, a contribuição, que se destina

89

passada a euforia da imprensa, veio o resultado: aumentou a

carga tributária (com recorde de arrecadação noticiado de

forma pública e notória pela imprensa). Isto sem contar o

aumento da burocracia e o início de idêntica discussão àquela

até hoje não encerrada quanto aos créditos do ICMS (sobre o

que gera crédito ou não).

A carga tributária beira aos 40% do PIB147

(convém acreditar mais nos institutos que no governo148, que

diz que é menos, mesmo que seja um ou dois por cento a

menos). Será que existem muitas empresas no País com um sócio

atualmente a financiar o seguro desemprego e o abono anual paratrabalhadores do setor privado (PIS) e público (Pasep) que ganham atédois salários mínimos, rendeu aos cofres públicos R$ 17,3 bilhões, anteaos R$ 12,8 bilhões arrecadados no ano anterior. A implementação dosistema não-cumulativo, através da Lei nº 10.637/02, é apontada portributaristas como o principal motivo do aumento.” (PIMENTEL, Sílvia.PIS, o primo pobre da Cofins. Diário do Comércio. Leis, Tribunais eTributos. http://www.infobip.com.br/index.asp?mode=1&id=27043&qry=0&cri=&opt=0&int=0&, 13/7/04, 08:31 hs.).

147 Produto Interno Bruto.148 “01/07/2004 - 18h15 Receita contesta carga tributária de 40,01% do PIB- Folha Online - A Receita Federal contestou hoje a informação de que acarga tributária brasileira teria atingido, no primeiro trimestre desteano, 40,01% do PIB (Produto Interno Bruto). Segundo a Receita, ocálculo da carga tributária nunca é feito trimestralmente para evitardistorções sazonais. Esse seria o caso do primeiro trimestre do ano,período que concentra um volume maior de impostos a pagar, como IPTU,IPVA, Imposto de Renda Pessoa Jurídica, entre outros. De acordo com aReceita, além da sazonalidade, o cálculo da carga tributária é feitocom base no período anual por um segundo motivo: o fato do valornominal do PIB só ser divulgado no segundo trimestre do ano seguinte aoque se refere. Para os técnicos da Receita, é temerário estimar a cargatributária em periodicidade inferior à anual, pois comporta elevadamargem de erro, levando a conclusões equivocadas. A informação de que acarga tributária teria atingido 40,01% do PIB no primeiro trimestre foidivulgada pelo IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário).”(Folha OnLine. Receita contesta carga tributária de 40,01% do PIB.http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u86240.shtml, acessoem 12/7/2004, 08:20hs).

90

que fique com quase 40% do bruto? Se fizer isso, a empresa

não “quebra”? Talvez aí resida o motivo do elevado número de

empresas que nascem e morrem por ano nas terras brasileiras.

Somente a carga tributária que incide sobre a

produção no Brasil, calculada pela alíquota máxima de

impostos sobre o valor agregado chega a 29,8%, segundo

pesquisa da DELOITTE, encomendada pela REVISTA VEJA149:

Some-se a tudo isso, o fato de que o sigilo

bancário pode ser quebrado pela Secretaria da Receita

Federal, porque, supostamente, não seria questão de foro

íntimo do membro do Povo, chamado cidadão. Aliás, a sua vida

bancária não faz parte da vida privada, ao que parece:

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada,a honra e a imagem das pessoas, assegurado odireito a indenização pelo dano material ou moraldecorrente de sua violação; (Art. 5° da CRFB/88).

Dizem, se é folclore não se sabe, que certa

feita um ministro/juiz disse que iria julgar uma causa contra149 SILVA, Chrystiane e CABRAL, Otávio. Trincheira contra os impostos. SãoPaulo: Editora Abril, edição 1864, de 28/7/2004.

91

o Povo (porque era tributária e quem paga os tributos são os

membros do Povo) para garantir os níveis atuais de

arrecadação. Isto é triste, com otimismo,

São 300 picaretas com anel de doutor (...) Élobby, é conchavo, é propina e jetom (...)Brasília é uma ilha, eu falo porque eu sei/ Umacidade que fabrica sua própria lei/ Aonde se vivemais ou menos como na Disneylândia/ Se essapalhaçada fosse na Cinelândia/ Ia juntar muitagente pra pegar na saída/ Pra fazer justiça umavez na vida”, como diz a conhecida música dogrupo Paralamas do Sucesso “...inspirada noclarividente comentário de Lula.150.

BECKER é atual, novamente:

Nas asas vertiginosas dos imensos déficitsorçamentários, os economistas passaram por cimada Teoria Geral do Estado e da Teoria Geral doDireito e foram lançados diretamente dentro doDireito Tributário. A ignorância dos economistassobre a ciência jurídica casou-se com aignorância dos juristas sobre a economia...(BECKER151).

No Brasil só é permitida a prisão por dívida

nos seguintes casos:

LXVII - não haverá prisão civil por dívida, salvoa do responsável pelo inadimplemento voluntário e

150 ALENCAR, Kennedy. Lula na mão dos "300 picaretas".http://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/ult511u151.shtml, 9/7/2004,15:35hs.

151 BECKER, Alfredo Augusto. Carnaval Tributário. 2 ed. São Paulo: EditoraLejus, p. 147, 1999.

92

inescusável de obrigação alimentícia e a dodepositário infiel; (Art. 5° da CRFB/88).

Mas, para efeito de crime contra a ordem

tributária a prisão é possível pelo não recolhimento do

tributo, bastou tratar como repetição de indébito e o

princípio constitucional foi esvaziado. Pergunta-se: não é

uma dívida tributária?

Assim, foram demonstradas algumas mazelas que

atingem os operadores do Direito Tributário e que têm

reflexos diretos na carga tributária sofrida pelo Povo.

Observe-se o exemplo152 da classe média entre

o que gasta em tributos e o que é obrigada a custear de

serviços que deveriam ser prestados pelo Estado153:

Renda mensal R$ 5.000,00Tributos e contribuições sociais R$ 1.269,00Impostos embutidos R$ 795,00Gastos com educação, saúde e segurança que deveriam ser providos pelo Estado

R$ 1.220,00

Carga mensal: R$ 3.284,00Igual a 65,7% da renda familiar

Entre o que o contribuinte é tributado e o

que ele tem que cobrir no terreno das omissões do Estado, a

carga tributária chega aos 6,75% da renda familiar da classe

média.

152 SILVA, Chrystiane e CABRAL, Otávio. Trincheira contra os impostos. SãoPaulo: Editora Abril, edição 1864, de 28/7/2004.

153 “Art. 6o  São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, amoradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção àmaternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na formadesta Constituição.” (CRFB/88).

93

Do ponto de vista dogmático podemos vislumbrarduas relações jurídicas a partir das colocaçõessupra. Na primeira o Estado é credor em nome dasociedade, de uma obrigação de dar dinheiro(comportamento) cujo sujeito passivo é ocontribuinte que revele capacidade contributiva(art. 145, § 1º da CF). Na segunda, o cidadão é osujeito ativo, credor do Estado, que é devedor dotributo arrecadado, ou seja, o Estado é devedordo tributo que se tornou receita, daí porquequando mal gasta estes recursos tributários estásujeito as responsabilidades pela malversação dotributo da sociedade. (1) Em ambas relaçõesjurídicas o elemento legitimador é a adequação doagir do Estado com o interesse da sociedade,reside aqui o princípio do justo gasto do tributoarrecadado. (NOGUEIRA154).

Nenhum setor da sociedade fica satisfeito

com a carga tributária brasileira, que obviamente impacta

contra o crescimento do País, como pode ser facilmente

deduzido do cálculo acima. Agora, imagine-se o impacto da

conta acima para um assalariado.

“...A tributação proporcional da renda baixa

– sem a garantia do mínimo existencial, para uma vida digna –

converte o tributo em imposto sobre despesas essenciais.”

(DERZI155).

154 NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima. O tributo é um direito da sociedade enão do Estado. Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 419, 30 ago. 2004.Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5636>.Acesso em: 21 set. 2004.

155 DERZI, Misabel Abreu Machado. Pós-modernismo e Tributos: Complexidade,Descrença e Corporativismo. São Paulo: Editora Dialética. RDDT, n° 100,p. 75 e ss. 2003.

94

O assalariado é tributado injustamente sobre

suas despesas essenciais (alimentação, saúde, educação etc.).

2.3 CAPITALISMO156 E O DIREITO TRIBUTÁRIO

O Direito Tributário pode servir para

construir ou destruir. Becker pensou em construir com este

argumento:

A verdadeira revolução que gerará o novo SerSocial deverá ser obra de humanismo e seuprincipal instrumento, a legislação integralmenterejuvenescida. E nesta obra revolucionária atarefa fundamental é atribuída ao DireitoTributário.

A nova legislação tributária, pelo impacto dostributos, destruirá a velha ordem sócio-econômicae, simultaneamente, financiará a reconstrução dacomunidade humanizada. Aos demais ramos doDireito cabe a tarefa de disciplinar areconstrução. (BECKER157).

Os governos, em geral, parecem querer

destruir, aniquilando a propriedade privada (vide salário

mínimo e carga tributária). Assim, fica fácil implantar um156 “Sistema econômico e social baseado na propriedade privada dos meiosde produção, na organização da produção visando o lucro e empregandotrabalho assalariado, e no funcionamento do sistema de preços.”(FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio - SéculoXXI. São Paulo: Editora Nova Fronteira e Lexikon Informática).

157 BECKER, Alfredo Augusto. Carnaval Tributário. 2ª ed. São Paulo:Editora Lejus, p. 20, 1999.

95

regime autoritário e “pseudo-socialista” (hoje, pela carga

tributária deveria ser socialismo158, mas, pela

contraprestação em serviços públicos não se pode usar o

radical “social”) ou “pseudo-comunista”159 (mas, de igual

forma não há saúde160 decente, educação – não há propriedade

coletiva do essencial, do Bem Comum...).

O sistema econômico atual, do ponto de vista

da atuação tributária do Estado, poderia ser batizado de

“arrecadista salve-se quem puder161”.

Para se ter uma idéia, o nazismo utilizou-se

da Teoria do Abuso das Formas para financiar o regime (vide

BECKER162). Hoje, o art. 116 do CTN foi alterado, ao que

158 “Doutrina que prega a primazia dos interesses da sociedade sobre osdos indivíduos, e defende a substituição da livre-iniciativa pela açãocoordenada da coletividade, na produção de bens e na repartição darenda.” (BECKER, Alfredo Augusto. Carnaval Tributário. 2ª ed. SãoPaulo: Editora Lejus, p. 20, 1999).

159 “Qualquer sistema econômico e social baseado na propriedade coletiva.”(BECKER, Alfredo Augusto. Carnaval Tributário. 2ª ed. São Paulo:Editora Lejus, p. 20, 1999).

160 “Assim se exprime o art. 196 da Carta Magna: ‘A saúde é direito detodos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais que visema redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universale igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção erecuperação’.“O tom imperativo do preceito nos dá conta da amplitude do tema e doconceito ali expendido: há um direito que é de ‘todos’ e um dever queincumbe ao Estado. Nessa relação entre sociedade (todos nós) e Estadosurge, pois, um direito subjetivo público que não pode ser negado anenhuma pessoa, sob pretexto algum.” (BALERA, Wagner. A SeguridadeSocial na Constituição de 1988, São Paulo: Editora Revista dosTribunais, p. 74, 1989).

161 Com a devida vênia ao leitor.162 BECKER, Alfredo Augusto. Carnaval Tributário. 2ª ed. São Paulo:Editora Lejus, p. 135, 1999.

96

parece, justamente para copiar o modelo adotado pelos

nazistas:

Bastou ao Nazismo, em 1934, introduzir no § 1° doCódigo Tributino ALEMÃO o inciso 1: ‘As leisfiscais devem ser interpretadas segundo asconcepções gerais do nacional-socialismo’, paraque os Tribunais, apoiados na teoria hermenêuticaem análise (e que lhes era imposta pelos incisos2-3 do § 1° e incisos 2-3 do § 6° do RAO de1919), passarem a julgar os problemas fiscaissegundo a ideologia nazista... (conclusão da obrade BECKER163).

Por provável ignorância científica, há os que

são contrários ao planejamento tributário, desmerecendo a

atividade lícita desenvolvida em nível de Administração de

Empresas e de Ciências Contábeis. Desconhecem os benefícios

da elisão e os malefícios da evasão fiscal (nem a diferença

científica lhes ocorre). Preferem empresas que não façam

planejamento para economizar com tributos. Querem

contribuintes “cordeirinhos que se joguem ao fogo em imolação

ao deus governo164 do momento”. O administrador que faz163 BECKER, Alfredo Augusto. Carnaval Tributário. 2ª ed. São Paulo:Editora Lejus, p. 151, 1999.

164 “Deputado diz que planejamento tributário no Brasil é sinônimo de nãopagar imposto - Brasília, 8/7/2004 (Agência Brasil - ABr) - No ano de2002, somente 188 mil brasileiros que ganhavam acima de R$ 10 mildeclararam Imposto de Renda. A informação é do deputado Carlito Merss(PT-SC), interlocutor do Legislativo nas discussões sobre a mudança natabela de renda junto à Receita Federal e integrante da Comissão deFinanças da Câmara. O deputado demonstrou preocupação com o assunto,que considerou "um grande problema" e atribuiu a questão aoplanejamento tributário. “Na Europa, as pessoas, se falassem (deplanejamento tributário), estariam presas. No Brasil, se fala com amaior tranqüilidade sobre o planejamento tributário. Na Alemanha ou noJapão, é cadeia”, afirmou. O deputado define planejamento tributário

97

planejamento é o bom administrador, o ético, o científico e

construtor deste País. Empresários que não fazem planejamento

estão prestando um desserviço à Nação. Planejar e contestar

tributos indevidos (nas esferas administrativa e judicial) e

interpretações capciosas do Fisco é dever do empresário para

com seu consumidor – o Povo.

Ao Poder Judiciário, cabe resgatar a sua

condição de Poder, dada pelo Povo, que espera que ele

trabalhe em prol deste nas demandas tributárias:

“...no Estado de Direito a mais eficaz

proteção do ordenamento democrático está nas

mãos do juiz. Se o juiz não cede, torna-se

muito difícil que o arbítrio e o despotismo

se institucionalizem”. (Achille Battaglia

apud BECKER165).

Senão, fica ao déspota (presente ou futuro) a

fórmula para tomar todo o poder da mão do Povo: tributar até

a exaustão das forças produtivas (sem possibilidade de

contestação ou planejamento) para mudar ao gosto dele o

como "não pagar imposto”. Ele argumenta que as pessoas podem atéquestionar se um imposto é injusto ou não, mas têm que pagar ou entãomudar a Lei. Merss afirmou que nesses casos quem ganha mais contrataconsultorias e acha formas legais para não pagar impostos. “Eu achoangustiante isso. Quero discutir com a oposição esse assunto.”, disse.”(LIMA, Daniel. Deputado diz que planejamento tributário no Brasil ésinônimo de não pagar imposto. Radiobrás : Brasília. http://www.radiobras.gov.br/abrn/brasilagora/materia.phtml?materia=192661, 13/7/2004, 09:08hs).

165 BECKER, Alfredo Augusto. Carnaval Tributário. 2ª ed. São Paulo:Editora Lejus, p. 100, 1999.

98

sistema econômico. Poder-se-ia ressaltar a célebre lição de

BONAVIDES:

...o desfibramento daquela gente, que, ontem, foipovo e, hoje, é, tão-somente, triste e vegetativamultidão de servos submissos e vassalosgenuflexos que o globalizador arrogante e semescrúpulos esmagou com o braço de ferro do poderneoliberal. (BONAVIDES166).

BECKER ficaria decepcionado “se visse” o

tratamento dado à legislação tributária atualmente e a falta

de compromisso do Poder Judiciário com o Povo em algumas

causas tributárias. O “carnaval” está aumentando na

tributação na mesma proporção que o desrespeito ao Estado

Democrático de Direito, em prol dos governos do momento, nas

esferas federal, municipal, estadual e distrital.

O futuro da democracia no Brasil, como em todosos países do Terceiro Mundo, requer umacompreensão diferente da democracia, inserindo-ana categoria principal ou principiológica e, aomesmo passo, reconhecendo-lhe a dimensão dedireito de quarta geração; um direito, portanto,recente na esfera dos direitos humanos, talvez omais importante dos direitos do homem e dospovos.

Vinculado, de certa maneira, à dignidade dapessoa humana, a democracia segundo essa novaprojeção conceitual e teórica, se concretiza comoo primeiro dos direitos fundamentais; sem ele, a

166 BONAVIDES, Paulo. Do País Constitucional ao País Neocolonial – Aderrubada da Constituição e a recolonização pelo golpe de Estadoinstitucional. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., p. 25, 1999.

99

liberdade e a igualdade se depauperam, e nãologram eficácia. Assume, assim, indubitavelmentecomo valor superior o primeiro lugar nahierarquia normativa dos ordenamentosconstitucionais. (BONAVIDES167).

A tributação (mal empregada) pode ser uma

arma de guerra contra a democracia, a liberdade168 e o Povo.

167 BONAVIDES, Paulo. Do País Constitucional ao País Neocolonial – Aderrubada da Constituição e a recolonização pelo golpe de Estadoinstitucional. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., p. 172, 1999.

168 “Liberdade é a condição de sensibilidade, racionalidade eacessibilidade exercida pelo Homem quanto a alternativas.” (PASOLD,Cesar Luiz. Função Social do Estado Contemporâneo. 3a. ed. rev. e amp.Florianópolis: Editora da OAB/SC, p. 72, 2003.

10

Capítulo 3

O PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE DO ICMS – UM CASO PRÁTICO

O ICMS é tributo não-cumulativo, eis que

submetido ao encontro de contas (créditos e débitos). A atual

Constituição169 traz apenas uma exceção ao direito de crédito,

qual seja, a isenção ou não-incidência, salvo determinação em

contrário da legislação. Entretanto, os Estados da Federação

conseguiram aprovar Convênio170 e depois influenciar

decisivamente na redação e votação da Lei Complementar171 que

trata do ICMS, usurpando parte do direito ao crédito,

situação repetida na maioria das legislações estaduais. Em

suma, todos estes dispositivos são inconstitucionais por

criar exceção que a Constituição não criou. E, o Povo arca

com maior carga tributária em conseqüência disso. Convém

defender a Não-Cumulatividade do ICMS em respeito ao Povo.

3.1 PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE – DIFERENÇA ENTRECRITÉRIO FINANCEIRO E CRITÉRIO FÍSICO

169 Constituição da República Federativa do Brasil - CRFB/88.170 Legislação tributária editada em reunião dos Secretários da Fazendados Estados Federados.

171 LC n° 87/96.

10

O ICMS é imposto não-cumulativo, na medida em

que as mercadorias e serviços adquiridos pelo contribuinte

podem ser creditados para posterior abatimento do débito no

momento do encontro de contas realizador do mandamento

constitucional:

Art. 155... § 2º O imposto previsto no incisoII, atenderá ao seguinte:

I - será não-cumulativo, compensando-se o que fordevido em cada operação relativa à circulação demercadorias ou prestação de serviços com omontante cobrado nas anteriores pelo mesmo ououtro Estado ou pelo Distrito Federal...(CRFB/88).

O Constituinte de 1988 não deixou margem para

dúvidas. As únicas hipóteses de vedação do direito ao crédito

do ICMS pago nas entradas ocorre nos casos de isenção e não-

incidência (art. 155, § 2°, II, “a” e “b”). Mas, a “sede” de

arrecadar dos Estados foi maior e, desde o Convênio 66, vem

sendo vedada a apropriação de alguns créditos ou dificultado

tal procedimento (crédito em 48 meses, vedação de créditos

decorrentes de aquisição de peças de reposição, de energia

elétrica et coetera).

O Povo que (pelos seus representantes172)

consignou na Carta Magna que todo o crédito de ICMS poderia

ser feito pelo contribuinte, não pode ter esse direito

amesquinhado pela conveniência da arrecadação dos Estados.

172 Vide Preâmbulo da CRFB/88.

10

Apesar da análise apressada de alguns

tribunais (que admitem a não aplicação plena do Princípio da

Não-Cumulatividade), a matéria carece de melhor análise,

tendo em vista os sérios prejuízos que daí advém ao Povo (que

pode aqui ser qualificado de Povo-consumidor).

A Constituição da República Federativa do

Brasil foi elaborada pelos representantes do Povo e

promulgada para assegurar o exercício de direitos sociais e

individuais. Assim, é direito do consumidor que o ICMS que

ele suporta quando compra produtos não seja cumulativo (não

incida em cascata, como vulgarmente é dito).

O regime constitucional anterior contemplava

o “crédito físico”, isto é, o contribuinte só se apropriava

dos créditos das mercadorias que fosse incorporado ao seu

produto fisicamente. O imposto não seria cumulativo nos

termos da lei complementar:

II – operações relativas à circulação demercadorias realizadas por produtores,industriais e comerciantes, imposto que não serácumulativo e do qual se abaterá, nos termos dodisposto em lei complementar, o montante cobradonas anteriores pelo mesmo ou por outro Estado...(Constituição da República Federativa do Brasilde 1967).

Diferentemente, a CRFB/88 trata de “créditos

financeiros”173, pois, se o objetivo é evitar a173 A doutrina do Professor CARRAZZA sintetiza a matéria:“Estudaremos, neste parecer, o alcance do princípio da não-cumulatividade do ICMS e verificaremos que a Constituição Federal

10

“cumulatividade” (incidência em cascata), está tratando da

cumulatividade financeira. Observe-se que não há referência

“nos termos do disposto em lei complementar” na CRFB/88.

A CRFB/88 prescreve no inciso XII do § 2° do

art. 155 que cabe à lei complementar disciplinar o regime de

compensação do imposto. Disciplinar segundo AURÉLIO174 é:

“Respeitante à disciplina (...) Sujeitar ou submeter à

disciplina (...) Fazer obedecer ou ceder; acomodar, sujeitar;

corrigir: (...) Tornar-se disciplinado...”. Logo, cabe apenas

à lei complementar fazer os Estados se submeterem ao direito

dos contribuintes de compensar o imposto não cumulativo.

...ao invés de terem sido tais atos normativoseditados para ‘disciplinar o regime decompensação tributária’, vieram, isto sim, para

permite, desde sua entrada em vigor, O TOTAL APROVEITAMENTO DOSCRÉDITOS DESTE TRIBUTO, decorrentes da aquisição de bens destinados auso, consumo ou ativo permanente do contribuinte.(...) Para que odireito à compensação surja, também não é preciso que os créditosprovenham da mesma mercadoria que o contribuinte está pondo in comercium,do mesmo bem que ele vai revender ou do mesmo serviço que estáprestando. Basta que existam créditos provenientes de operações ouprestações anteriores. (...) Esta, diga-se de passagem, é uma novidadeda Constituição de 1.988. A anterior, quando cuidava do ICM, vinculavao aproveitamento dos créditos à mesma mercadoria. (...) O contribuintetem o direito incontornável de lançar em sua escrita contábil, o‘CRÉDITO FINANCEIRO’ de todos os custos incorporados às mercadorias ouserviços anteriores, tributados (ou tributáveis) pelo ICMS, para, nomomento oportuno (em geral, a cada trinta dias), utilizá-lo como ‘moedade pagamento’ deste tributo. Na medida em que o ICMS não é um ‘impostosobre valor agregado’, todas as ‘operações de entrada’ de mercadorias,bens ou serviços, devem ser levadas em conta, no momento de calcular-sea quantia de dinheiro a desembolsar.” (CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS –Aproveitamento de Créditos – Inconstitucionalidades da Lei Complementar87/96. São Paulo: Editora Dialética. In RDDT n° 25, p. 147 e ss. 1997)(sem grifos no original).

174 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio - SéculoXXI. São Paulo: Editora Nova Fronteira e Lexikon Informática.

10

conturbar a simplicidade da sistemáticaconstitucional de creditamento do ICMS com umpropósito óbvio e aviltante: beneficiar os entespolíticos com maior arrecadação tributária emdetrimento dos pobres e indefesos contribuintes econsumidores finais.(MATTOS175).

Na ordem constitucional pretérita, o ICM era

não-cumulativo, abatendo-se em cada operação o montante

cobrado nas anteriores pelo mesmo ou por outro estado, sem

direito a crédito das mercadorias adquiridas para utilização

como matéria-prima, material secundário e embalagem (Dec.-Lei

n° 406/68, art. 3°, § 3°). Naquela época, a não-

cumulatividade era apenas parcial (crédito físico).

A Nova Constituição trouxe uma ruptura com

este sistema, afirmando o Princípio da Não-Cumulatividade

plena176, ou seja, todos os valores pagos a título de ICMS

podem ser creditados pelos contribuintes do mesmo imposto,

175 MATTOS, Aroldo Gomes de. ICMS – Mercadorias ou Bens do Ativo Fixo ouPermanente – Aquisição e Revenda. Revista Dialética de DireitoTributário n° 105. São Paulo: Editora Dialética, p. 19, 2004.

176 “...A Constituição não delegou à lei complementar estatuir o perfil danão-cumulatividade; a ela apenas conferiu o disciplinamento adjetivo doregime de compensação do ICMS. O art. 155, § 2°, I, prescreve que oICMS ‘será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cadaoperação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviçoscom o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado oupelo Distrito Federal’. Assim sendo, o montante suportado pelos agentesda circulação no exercício de suas atividades, como contribuintes defato do ICMS (aquisição de bens para uso ou consumo e bens do ativofixo), autoriza o adquirente e o tomador de serviços, na qualidade decontribuintes de jure, situados num ponto qualquer da cadeia decirculação, a se creditarem do imposto, sem qualquer distinção, ededuzi-lo de suas operações tributadas, pois tudo é custo operacional,como exatamente ocorre com os IVAS europeus e latino-americanos.”(COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro.3ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Forense. p. 480. 1999).

10

para evitar a incidência do ICMS em cascata no preço das

mercadorias (sistemática do crédito financeiro).

É certo que o Fisco quer manter a situação

anterior ao advento da Carta Magna de 1988, porém, isto é um

desrespeito ao Estado Democrático de Direito177.

...E na medida da sua dominância efetiva asuperestrutura constituída desuperintegração/subintegração (inclusão/exclusão)deslegitima uma sociedade constituída não apenasno âmbito do Estado de Direito, mas já a partirda sua base democrática. (MÜLLER178).

O constituinte não disse, em momento algum,

que estava ressalvado o caso em que os produtos adquiridos

não integraram o produto final e por isso estava vedado o

crédito – crédito pelo critério físico e não financeiro. A

não-cumulatividade deve ter por base o critério financeiro,

logo, tudo que for adquirido pode gerar crédito de ICMS,

salvo as hipóteses constitucionais de exclusão deste direito.

As únicas possibilidades constitucionais de vedação do

crédito de ICMS (ou necessidade de anulação deste) vêm

177 “...Estado Democrático de Direito – com previsão expressa no texto daConstituição brasileira -, constitui-se em uma proposta civilizatória.Dito de ouro modo, o Estado Democrático de Direito é um plus normativoem relação às suas conformações anteriores (Estado Social e EstadoLiberal).” (CRUZ, Paulo Márcio. Política, Poder, Ideologia e EstadoContemporâneo. 3ª ed. rev, amp. e atual., Curitiba: Juruá Editora, p.13, 2002)

178 MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? – A questão fundamental dademocracia. São Paulo: Max Limonad. 3ª ed. rev. e amp. p. 95, 2003.

10

dispostas no inciso II, “a” e “b” do § 2° do art. 155 da

CRFB/88179.

E, não há nenhuma possibilidade de qualquer

espécie de lei (seja complementar, ordinária, nacional,

estadual...) tornar o ICMS cumulativo através da vedação de

créditos180, por exemplo, pago nas operações relativas à

circulação de energia elétrica (porque esta não se

incorporaria ao produto final).

179 “Vê-se que, excetuados os casos de isenção e de não incidência doimposto (art. 155, § 2°, II, “a” e “b” da CF), não há qualquerrestrição constitucional ao direito de creditamento do ICMS em razão daespécie de operação, geradora de crédito, praticada pelo contribuinte,ou seja, aquisição de bem destinado a consumo ou ao processo decomercialização de mercadoria.“Sendo assim, se o consumo de energia elétrica pelas empresascomerciais acarretou cobrança do imposto, este crédito de ICMS pode serapropriado por estes contribuintes, e posteriormente compensado com asfuturas operações de saída de mercadorias. Note-se que, não obstante ofato incontroverso da energia elétrica integrar o processo decomercialização de mercadorias, o direito das empresas comerciais aocreditamento deste ICMS é assegurado pela própria Constituição comocorolário do princípio da não-cumulatividade, independentemente daespécie de operação praticada.” (AMARO, Abel Simões. ABREU, Cláudiode. Direito ao Creditamento do ICMS relativo à Energia ElétricaConsumida em Estabelecimento Comercial. São Paulo: Dialética – RDDT n°22, p. 9. 1997).

180 Da mesma forma, o assunto também tem sido submetido à apreciação doPoder Judiciário Paranaense, que assim tem decidido: "ICMS - Princípioda não-cumulatividade - Crédito. Por força do princípio da não-cumulatividade, deve ser reconhecido o crédito do tributo decorrente daaquisição de materiais que, conforme a prova, se consomem ou seinutilizam rapidamente no processo de produção. 'Ainda que não integremo produto final, concorrem direta e necessariamente para este porqueutilizados no processo de fabricação, nele se consumindo' (RE 79.601,Rel. Min. Aliomar Baleeiro, DJ de 8-1-75, a-pud RTJ 107/735). Apelaçãodesprovida e manutenção da sentença sob reexame necessário." (Ac un da1ª C Civ do TJ PR - AC e RN 33.968-8 - Rel. Des. Pacheco Rocha - j27.06.95 - Apte.: Estado do Paraná; Apda.: Distribuidora de Papéis S/A- DJ PR 07.08.95, P 29).

10

Alegando o Convênio n° 66, a Lei Complementar

n° 87/96 e as legislações dos Estados, há os que tentam

enodoar o Princípio da Não-Cumulatividade do ICMS. E

conseguem, em geral pela imobilidade dos contribuintes e

outras vezes pelo endosso à tese fiscal dada pelo Poder

Judiciário181. Entretanto, em geral, os contribuintes só têm

um local para buscar o cumprimento integral do Princípio em

questão: o Poder Judiciário. Diretamente, por suportarem o

encargo, serão beneficiados os consumidores finais (Povo).

Como se pode afirmar que o ICMS será não-

cumulativo, exceto quanto às peças de máquinas ou mesmo

material de uso e consumo?

Hoje, a jurisprudência do Rio Grande do Sul

já traz uma interpretação mais acertada:

Tributários. ICMS. Creditamento. Bens destinadosao ativo fixo, uso e consumo.

O direito de credito do ICMS decorrente daaquisição de bens destinados ao ativo fixo, uso econsumo é assegurado pela Constituição Federalvigente e não pode ser impedido ou limitado senão pela própria Constituição. A Constituição nãofaz restrição a créditos. Não discrimina asoperações tributáveis. Todas são tratadas deforma igual. São geradoras de tributo em favor doEstado vistos sob a ótica do credor e geradorasde crédito de ICMS em favor do contribuinte. ACarta de 1988, ao suprimir do art. 155, § 2º, I,

181 Por vezes fica a impressão de que alguns membros do Poder Judiciáriodesconhecem o Princípio do In Dubio Contra Fiscum, pois, o DireitoTributário prima pela defesa do Povo.

10

a frase “nos termos do disposto em LeiComplementar”, que havia no art. 23, II, daConstituição anterior, vedou a possibilidade deafastamento da compensação do crédito por meio deConvênio, lei complementar ou lei ordinária.

Preliminares afastadas. Apelo provido.” (ApelaçãoCível nº 70002660983. Tribunal de Justiça do RioGrande do Sul. Segunda Câmara Cível – Caxias doSul/RS. Publicada no DJU de 25.04.03. Relator:Des. Arno Werlang. Apelante: Carrefour Comércio eIndústria Ltda. Apelado: Estado do Rio Grande doSul).

Assim, a matéria em questão demanda solução

jurisdicional em nível de constitucionalidade, como atenção

aos efeitos que, necessariamente, serão sentidos pelo Povo. A

CRFB/88 garantiu a Não-Cumulatividade plena quando tratou do

ICMS, para evitar a tormentosa incidência do respectivo

tributo em cascata. Quando o constituinte garantiu que o

ICMS será compensado com o “montante cobrado nas [operações]

anteriores” (art. 155, I, § 2°, I da CF), não deixou margem

ao legislador, seja do Convênio ou da Lei Complementar, seja

ao legislador estadual, para que vilipendiassem182 o direito

ao crédito integral de ICMS pago nas entradas183.

182 “...O estagirita não teria, assim, nenhuma dificuldade em reconhecerno regime político brasileiro, em que a esmagadora maioria pobre votaregulamente segundo o interesse e sob a influência dominante dos ricos,uma autêntica oligarquia, em que pese a aparência democrática com quese desenrolam os rituais da nossa vida política.” (COMPARATO, FábioKonder, in Prefácio à obra de MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? – Aquestão fundamental da democracia. São Paulo: Max Limonad. 3ª ed. rev.e amp. p. 22, 2003).

183 “...só o olhar atento para as diferenças, as finas fissuras no uso dalíngua torna visíveis os verdadeiros ônus de fundamentação por trás dafachada das fundamentações aparentes.” (MÜLLER, Friedrich. Quem é o

10

Como dito acima, espera-se que o Poder

Judiciário não tenha esta visão constitucional turvada184 por

interpretações da legislação que se afastou da CRFB/88185.

Ainda sobre o Princípio Constitucional da

Não-Cumulatividade do ICMS, vale colacionar os ensinamentos

de Geraldo Ataliba:

povo? – A questão fundamental da democracia. São Paulo: Max Limonad. 3ªed. rev. e amp. p. 34, 2003).

184 “Foi ainda graças a esse método de pensar o direito que o ProfessorMüller pôde superar a estreiteza de uma visão positivista, que conduzinelutavelmente ao nacionalismo jurídico...” (idem, p. 12). “...Onacional-positivismo representa, de certo modo, a negação da ciênciajurídica, pois repudia aquele princípio de explicitação unitária darealidade, que constitui a meta de todo conhecimento científico.”(COMPARATO, Fábio Konder, in Prefácio à obra de MÜLLER, Friedrich. Quemé o povo? – A questão fundamental da democracia. São Paulo: MaxLimonad. 3ª ed. rev. e amp. ps. 12/13, 2003).

185 “É que a Carta Brasileira impõe a observância do princípio da não-cumulatividade, de tal sorte que o contribuinte (comerciante) devecompensar, com o imposto incidente sobre as operações que realizar, oimposto relativo às compras por ele efetuadas. Assegura a Constituiçãobrasileira, como de resto o fazem os países europeus e latino-americanos, que o contribuinte, nas operações de venda que promova,transfira ao adquirente o ônus do imposto que adiantará ao Estado e, aomesmo tempo, possa ele creditar-se do imposto que suportou em suasaquisições (embora na posição de adquirente apenas tenha sofrido atransferência e nada tenha pessoalmente recolhido aos cofres públicos).Assim todo adquirente (exceto o consumidor final, não contribuinte) temo direito, constitucionalmente expresso, de deduzir o imposto que lhefoi transferido pelo vendedor ou promotor da operação. Portanto oprincípio, consagrado na Lei Fundamental, autoriza único entendimento:o ICMS não deve ser suportado pelo contribuinte (comerciante,industrial ou produtor); o ICMS, por licença constitucional, onera oconsumidor – não contribuinte – que não pode repassar o custo doimposto. (...) É evidente que, se o legislador complementar,convencional ou estadual pudesse amputar, modificar, reduzir ouamesquinhar o princípio da não-cumulatividade, estaria na posição derevisor do Texto Magno. E assim poderia até mesmo destruir totalmente oprincípio, abolindo-o indiretamente e tornando letra morta aConstituição brasileira.Podemos, sem sombra de dúvida, afirmar que nenhuma hipótese nova deexceção, nenhum caso novo de anulação ou estorno de crédito poderá sercontemplado em lei infraconsitucional...” (DERZI, Misabel Abreu Machado

11

É a Constituição, meus Senhores, que dá a mim,cidadão que pratico operação mercantil, noBrasil, o direito de me creditar do ICMS relativoàs operações anteriores; não é lei nenhuma. Não éLei Complementar que dá; não é lei ordinária doEstado, muito menos; não é a doutrina; é aConstituição. Este é um direito constitucional,de quem pratica operação mercantil. Portanto, alei não pode diminuir, reduzir, retardar, anularou ignorar um direito que a Constituição deu...

Invocar a lei para tratar de um direito que aConstituição dá - dá irrestritamente,liquidamente, na sua compostura e na sua dimensão- é um despropósito. Não se fala em lei emmatéria de crédito de ICMS. Não se pode falar; aConstituição já disse tudo, foi exaustiva. SeJosé Afonso da Silva estivesse aqui, diria: estaNorma é de eficácia plena e aplicabilidadeimediata. É um direito constitucional o direitode crédito de ICMS, no montante do ICMS relativoàs operações anteriores. Está encerrado oassunto. Não precisa lei para dizer nada; omáximo que a lei pode dizer é 'o senhor vaiescrever num papel cor-de-rosa, vai escriturarisso', ou, 'o papel vai ser verde'. É a únicacoisa que a lei pode dizer nessa matéria. Nãopode reduzir, retardar ou anular esse direito.186.

Esse também é o entendimento esposado por

MARCO AURÉLIO GRECO e ANNA PAOLA ZONARI187, verbis: "O direito

ao crédito em decorrência da aplicação do princípio da não-

e COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Direito à Compensação de Créditos noICMS. São Paulo: Editora Dialética. RDDT, n° 27, p. 96 e ss. 1997).

186 ATALIBA, Geraldo. ICMS na Constituição, São Paulo: Editora Revista dosTribunais. RDT nº 57, p.90/104. 1990.

11

cumulatividade é constitucional e não legal. Deste modo,

qualquer exigência legal que gere distorção ou restrição no

seu exercício fere dispositivo examinado".

Toda a norma que desafiou este regramento

estatuído na CRFB de 1988 é inconstitucional, nascendo morta

para o ordenamento jurídico. A Constituição permite o crédito

amplo, a legislação tributária (de qualquer espécie) que

fugir disto afrontará a Carta Magna de forma direta. Após o

pagamento de notas fiscais de entrada com ICMS, os

contribuintes têm o direito constitucional de creditar o

valor do imposto, para compensar com aquele que recolherão na

operação com o consumidor. No final da cadeia indústria-

comércio, o ICMS deve ser pago sobre o valor total da

circulação da mercadoria, de forma não-cumulativa. Pois, se o

ICMS for cobrado “em cascata”, financeiramente falando, já

estará ofendido o mandamento constitucional em tela.

Caso não seja feito o creditamento do ICMS

cobrado nas operações de entrada de uniformes (verbi gratia) os

consumidores dos produtos industrializados suportarão

cumulativamente o encargo financeiro do imposto, pois, o

contribuinte ficaria obrigado a embutir no preço do produto o

ICMS pago (em cascata) sobre as entradas de uniformes (por

exemplo), caso não possa se creditar.

187 GRECO, Marco Aurélio e ZONARI, Anna Paola. ICMS - Materialidade ePrincípios Constitucionais. in Curso de Direito Tributário, coor. IvesGandra da Silva Martins, Belém: CEJUR, 1993, vol. 2, pg. 161).

11

Assim, o contribuinte não precisa nada mais

que a CRFB/88 para efetuar este crédito integral dos valores

do ICMS pagos nas aquisições de mercadorias e serviços

tributados por este imposto.

3.2 DIALÉTICA DAS DECISÕES SOBRE A MATÉRIA

Buscando instituir a dialética, serão

apontadas as posições de ambas as partes nesta questão.

A dialética entre a individualidade (microética)e a comunidade representada pelo Estado(macroética) há que ser dominada pelo razãoprática da proporcionalidade, ou de uma medianiaaristotélica. A proporcionalidade é uma mediania,contudo não é uma mediocridade, mas sim, umaculminância, um valor nobre, considerando que é avitória da razão sobre os instintos, neste casoos instintos públicos e privados. Pensar umamediania fiscal, é pensar o tributo como justamedida de um dever fundamental de solidariedade.Aqui, há quase que uma síntese de toda aquelasabedoria grega que identifica no ''meiocaminho'', no ''nada em excesso'' e na ''justamedida'' a regra suprema do agir, assim como hátambém a aquisição pitagórica que identificava aperfeição do ''limite'' e ainda, por fim, há umaexploração do conceito de ''justa medida''.(NOGUEIRA188).

188 NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima. Perspectiva ético-jurídica doplanejamento tributário. Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 419, 30 ago.2004. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5641>. Acesso em: 06 set. 2004.

11

3.2.1 Posição favorável aos interesses do fisco

É corrente que os Estados carecem de

recursos, bastando ver os sérios problemas por que passa a

população no que tange à saúde, educação, segurança pública,

apenas para citar.

Logo, caso fosse autorizada a aplicação

correta da CRFB/88, as receitas advindas do ICMS reduziriam-

se drasticamente nos cofres públicos, já que este tributo é o

que mais arrecada.

Outro ponto a destacar é a maior facilidade

na fiscalização, eis que o crédito físico torna muito mais

fácil a atividade de fiscalização, porque reduz em muito as

possibilidades de creditamento.

Com suporte nas finanças públicas, fica

fácil fazer uma defesa do ICMS parcialmente não-cumulativo.

Porém, esta defesa não vem embasada no Direito Tributário,

mas sim, na defesa da arrecadação, apenas.

Outro argumento a se destacar é o fato de

que, levando em conta a não-cumulatividade pelo crédito

financeiro, seria inconstitucional a Lei Complementar n°

87/96 e a quase totalidade das leis estaduais que tratam

desta matéria, sem contar os regulamentos (RICMS).

3.2.2 Posição favorável ao Povo

11

Se a CRFB/88 pretende buscar legitimidade189

ao citar o Povo190, então, que este seja respeitado pelos

legisladores e pelos operadores do Direito.

...A democracia e o Estado de Direito legitimamdesde os seus inícios a dominação da ordem socialburguesa; constituições como a brasileira de 1988ou a Lei Fundamental alemã mencionamexpressamente a legitimação pelo povo. É deimportância decisiva saber em que campos e em quegrau essas pretensões são cumpridas oudescumpridas no funcionamento cotidiano doordenamento jurídico. Disso faz parte não apenasa atuação dos políticos, mas também o trabalhoprático da docência, da pesquisa e sobretudo dadecisão dos juristas, pois o seu fazer éoperacionalizado nos termos do Estado de Direitosomente em caso de procedimento racionalmentecontrolável dos titulares das funções jurídicasno Executivo e no Judiciário, bem como notrabalho prévio para o Legislativo... (MÜLLER191).

189 “...Quanto mais o ‘povo’ for idêntico com a população no direitoefetivamente realizado e conseqüentemente legitimidade terá o sistemademocrático existente como forma...” (MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? –A questão fundamental da democracia. São Paulo: Max Limonad. 3ª ed.rev. e amp. p. 111, 2003).

190 “As constituições falam com freqüência do povo e gostam de falar dele.A razão está no fato de que precisam legitimar-se...” (MÜLLER,Friedrich. Quem é o povo? – A questão fundamental da democracia. SãoPaulo: Max Limonad. 3ª ed. rev. e amp. p. 22, 2003). ? “...só o olhar atento para as diferenças, as finas fissuras no uso dalíngua torna visíveis os verdadeiros ônus de fundamentação por trás dafachada das fundamentações aparentes.” (MÜLLER, Friedrich. Quem é opovo? – A questão fundamental da democracia. São Paulo: Max Limonad. 3ªed. rev. e amp. p. 33, 2003).

191 (MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? – A questão fundamental dademocracia. São Paulo: Max Limonad. 3ª ed. rev. e amp. p. 87, 2003).

11

Havendo dúvida quanto ao alcance do Princípio

da Não-Cumulatividade, o intérprete deve prestigiar a

proteção do Povo, para evitar a “...reificação do conceito de

povo...”192.

O Estado democrático brasileiro foi

instituído pela CRFB/88 pelos representantes do Povo, porque

“...Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de

representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta

Constituição” (Parágrafo único do art. 1°).

...Esse entendimento de ‘emanar’ também não ésupostamente metafísico; é normativo. Por issonão pode ele permanecer uma ficção, senão quedeve ter o poder de desembocar em sançõessensíveis na realidade, tendo necessariamente aoseu lado a promessa democrática na sua varianteativa. (MÜLLER193).

Acerca de creditamento de ICMS, o Convênio

ICMS n° 66/88, editado por secretários estaduais, fugiu em

vários pontos de sua competência e não atentou para a

proteção do Povo (pelo Princípio da Não-Cumulatividade),

tanto quanto a Lei Complementar n° 87/96. Os Estados

demonstraram estar pouco preocupados com o Povo, muito mais

com a arrecadação. Se dinheiro faltava aos Estados, porque

não reduziram custos e não presentearam o Povo com o

cumprimento integral do Princípio em estudo?

192 MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? – A questão fundamental dademocracia. São Paulo: Max Limonad. 3ª ed. rev. e amp. p. 36 2003.

193 MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? – A questão fundamental dademocracia. São Paulo: Max Limonad. 3ª ed. rev. e amp. p. 62, 2003.

11

E a invocação do Povo é importante, porque

muitas vezes os julgadores se esquecem de que quem suportará

o encargo financeiro do tributo é este (o Povo), não o

contribuinte ou responsável (eles repassam para suas

planilhas de custos). Busca-se fomentar a discussão de um

princípio tributário na perspectiva do Povo (cujo conceito é

resgatado e enaltecido na obra de FRIEDRICH MÜLLER).

Em síntese, a CRFB/88 garantiu que o ICMS

seja não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada

operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de

serviços, com o montante cobrado nas anteriores (todas,

critério do crédito financeiro) pelo mesmo ou outro Estado ou

pelo Distrito Federal. Caso o intérprete tenha dúvida na

proposição acima, o destinatário a ser protegido pela norma

não deve ser o Estado no seu direito de arrecadar, mas, o

Povo no seu direito de não pagar ICMS cumulativamente (em

cascata).

11

Capítulo 4

REFORMA FISCAL PELA REDUÇÃO DE GASTOS PÚBLICOS: UMAANÁLISE À LUZ DA POLÍTICA JURÍDICA

A Política Jurídica determina a obrigação

cívica de buscar a melhoria nos institutos jurídicos para

evitar o comodismo do “aplique-se a lei”. O Direito

Tributário precisa ser respeitado como disciplina (lato sensu)

protetora dos contribuintes e isto deve ser observado,

também, quando se pensa em reforma tributária. Esta questão

precisa ser trabalhada, igualmente, pela Política Jurídica.

Tratando de reforma tributária, pela Política

Jurídica, sugere-se que o Estado reduza gastos em vez de

aumentar a carga tributária (porque é fácil administrar com

dinheiro sobrando – estratégia comum dos governantes194).

O governo brasileiro deve descobrir a hora de

parar (e reduzir gradativamente) a arrecadação. A melhor

forma de aumentar a arrecadação seria diminuíndo a carga

tributária e não o contrário. Primeiro, para conferir ao

Sistema Tributário estabilidade e em segundo lugar, porque,

atualmente, o crescimento dos setores produtivos e de

comércio fica estagnado em proporção inversa ao aumento da

194 Percepção empírica do autor, posto que se trata de análise decomportamento subjetivo do governante.

11

informalidade e da sonegação. A frase chavão dos

tributaristas é: “Tributo bom, é tributo velho”.

O peso da carga tributária causa entrave aos

investimentos das empresas, à geração e manutenção digna de

emprego e renda, enfim, ao crescimento sustentável do Brasil.

A redução da carga tributária se faz

necessária e urgente para afastar os efeitos da tributação

sobre o crescimento.

4.1 DIREITO FINANCEIRO X DIREITO TRIBUTÁRIO

Direito Tributário é autônomo em relação ao

Direito Financeiro: “...hoje, tanto os juristas como os

financistas estão de pleno acordo em recomendar a rigorosa

separação entre a Ciência das Finanças Públicas (obtenção e

gestão de recursos) e o Direito Tributário...” (BECKER195).

Assim, julgamentos tributários não podem ser

influenciados por decisões de caixa do sujeito ativo

tributário.

Precisamente porque o Direito Tributário temreconhecidamente princípios e institutospróprios, compondo um sistema especial denormatividade. (NOGUEIRA196).

195 BECKER, Alfredo Augusto. Carnaval Tributário. 2 ed. São Paulo: EditoraLejus, p. 149, 1999.

11

Existe Poder Executivo para administrar o

País e equacionar as contas do erário com o menor sofrimento

possível ao Povo.

Somente a associação de corretas noções deLiberdade Igualdade – na sua condição de ValoresFundamentais – permitirá a esperança de que oPoder Executivo atue sob o princípio daLegitimidade e, assim, cumpra de modo efetivo suaimportante missão no Estado Contemporâneo.(PASOLD197).

Poder Legislativo para tributar quando

preciso.

Poder Judiciário para defender a Carta do

Povo198.

4.2 PROPOSTA DE REFORMA TRIBUTÁRIA SEM AUMENTO DE TRIBUTOS

Reforma tributária pode ser feita apenas para

reduzir a carga tributária e ou para diminuir a burocracia,

num País como o Brasil. Do governante se espera austeridade

com criatividade. É de doutrina:

Por isso, requer do administrador público, nãosó, probidade no trato da coisa pública, como

196 NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário. 14 ed. São Paulo:Saraiva, p. 76, 1995.

197 PASOLD, Cesar Luiz. Função Social do Estado Contemporâneo. 3. ed. rev.e amp. Florianópolis: Editora da OAB/SC, p. 81, 2003.

198 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

12

também, inteligência, criatividade e sobretudocapacidade de diagnosticar a realidade e suascausas, para elaborar um elenco de prioridades,quer para execução de obras e serviços, quer paraeliminar as fontes geradoras de problemas edistorções sociais. É preciso saber otimizar osrecursos financeiros disponíveis e ainfraestrutura de pessoal e material, para obtero máximo de resultado e eficiência com o mínimode recursos financeiros. (HARADA199).

A interpretação do Direito passa por várias

etapas, algumas de cunho eminentemente ideológico. A

ideologia que sustenta a interpretação da presença da Fazenda

Pública em juízo é puramente paternalista, salvo melhor

juízo.

O Estado tudo pode, o particular que se

defenda. Na dúvida, o Fisco fica com o ganho de causa, quando

deveria ser o contrário, face à analogia de que o tributo é

imposto como se fosse uma pena, na medida em que se trata de

pagamento compulsório. O Direito Tributário nasceu parar

proteger o contribuinte do ímpeto arrecadador do governante.

Com razão a doutrina de SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO:

“...quando o legislador não faz norma clara, cabe ao juiz reduzir ao possível a

sua abrangência: in dubio pro contribuite...”200.

199 HARADA, Kiyoshi. Administração Pública. Relação direta entre cargatributária elevada e mau administrador . Jus Navigandi, Teresina, a. 8,n. 394, 5 ago. 2004. Disponível em:<http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5536>. Acesso em: 02 set.2004.

200 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro.3ª ed. Rio de Janeiro : Ed. Forense, p. 10, 1999.

12

A face de vítima do Estado não se justifica

em sua totalidade, tanto que muitos governantes e

administradores públicos (INSS, Conselhos Profissionais entre

outros) estão se valendo da inconstitucionalidade útil, ou

seja, cobram um tributo indevido, na certeza de que nem todos

vão discutir o mérito na Justiça. Estes órgãos chegam em

Juízo e recebem o mesmo tratamento de parte a ser protegida,

quando deveriam ser reprimidas com condenações por julgamento

antecipado da lide, urgência na concessão de liminares nos

mandados de segurança sem medos ou preconceitos e penalidades

pela litigância de má-fé do Estado.

Atualmente, qualquer operador jurídico que

tenha um mínimo de conhecimento acerca do que ocorre em

nossos tribunais, superiores principalmente, sabe que a

Fazenda Pública está longe de buscar apenas solução para os

litígios. Basta ver os recursos para o Superior Tribunal de

Justiça e Supremo Tribunal Federal. Na maioria dos casos, o

Fisco atua de forma temerária, com recursos de toda sorte.

Alguns procuradores, apesar de serem funcionários do Estado,

não respeitam ditames constitucionais, argumentando e

defendendo tentativas legislativas inconstitucionais

(baseadas na “inconstitucionalidade útil”).

O governo, por sua vez, não costuma emitir

comando destinado a devolver o que arrecadou coativamente,

mediante execução fiscal, ameaça de fiscalização, mesmo que

posteriormente tenha sido declarada a inconstitucionalidade

12

de determinada exação. Isto seria uma ação digna de se chamar

reforma tributária.

...não é admissível que a Administração Pública,informada em seus atos pelo princípio dalegalidade, possa conviver com situações demanifesta violação da ordem jurídica, de talforma que possa ser interesse seu, a manutençãodesse estado de ilegalidade, com a retençãoindevida de majoração de tributo declaradainconstitucional pela mais Alta Corte do País...201.

Ilustrando, cita-se uma passagem da palestra

proferida no IX Congresso Brasileiro de Direito Tributário,

pelo respeitado CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO202 sobre o

tema quebra de sigilo bancário:

...O Estado brasileiro é um bandido. O Estadobrasileiro não tem o menor respeito pela outraparte, pelo cidadão. O Estado brasileiro atua comdeslealdade e com má-fé, violando um dosprimeiros e mais elementares princípios doDireito, que é o princípio da lealdade e da boa-fé. O Direito abomina a má-fe..

Seria absurdo pensar que o Povo não deve ser

protegido, pois, será que a CRFB/88 teria legitimidade

popular se o exercício dos Poderes estivesse apenas

direcionado em arrecadar mais, em nome da comodidade do Fisco

e da falta de vontade política de cortar gastos?

201 FERREIRA, Rony. Trecho da sentença proferida nos autos n° 98.1014055-0, da 1ª Vara da Justiça Federal de Foz do Iguaçu-PR.

202 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Revista de Direito Tributário - n°67. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, p. 55, 1997.

12

Logo, não se pode fazer reforma no Direito

Tributário contra os direitos do Povo e nem para aumentar a

carga tributária do Povo.

Aliás, o art. 37 da CRFB/88 deixa expresso o

Princípio da Moralidade. Fica muito longe da moralidade

alardear uma reforma tributária que prejudica o Povo sob o

argumento que estaria beneficiando. Basta observar que a

recente implantação da não-cumulatividade da contribuição

para o PIS e da COFINS representou aumento da carga

tributária e da burocracia (o que é público e notório).

Atualmente, cabe uma reforma tributária em

forma de redução de gastos do Poder Público (nos 4 entes do

Estado203).

Muitos governantes e legisladores entregam à

imprensa notícias carregadas de expressões “reforma

tributária”, “desburocratização”, “redução da carga

tributária” e outras formas de angariar votos. Mas, as

notícias, em geral, não dão conta de reforma tributária (nos

últimos tempos) que tenha sido verdadeiramente benéfica ao

Povo em última análise. Porque se as empresas penam204, o Povo

paga a conta, seja pela falta de empregos, seja embutida a

carga tributária nos custos dos produtos e serviços.

203 União, Estados, Municípios e Distrito Federal.204 Qual seria a impressão de um aluno do primeiro período do curso deAdministração se lhe fosse informado de plano que terá que administrar,no futuro, uma empresa cuja carga tributária será algo em torno de 40%do seu produto interno bruto?

12

Por estas e tantas outras razões que se

afirma que a realidade brasileira traduz um sério

desprestígio das instituições que governam. CARLOS

MAXIMILIANO205, aquele que buscou interpretar a norma com mais

racionalidade concluiu:

Justifica-se esse desprestígio crescente.Compõem-se mais de políticos do que dejurisconsultos as Câmaras de senadores edeputados; raramente os propósitos da justiçaorientam as suas deliberações; quando se empenhamem dar o sentido a um texto, não observam asregras de Hermenêutica, atendem antes a sugestõesde interesse regional, ou pessoal. Os próprioshábitos do Poder Legislativo predispõem-no maispara atender as considerações gerais do que parabuscar a verdade em sua essência. A políticaintervém em todos os atos e pensamentos dosparlamentares; por isso as disposiçõesinterpretativas quase sempre se originam dopropósito de melhorar a situação deconcessionárias de obras, contratantes deserviços públicos, funcionários ou operários doEstado. Resulta um trabalho cheio de defeitos,sem utilidade geral, e prejudicialíssimo, quasesempre, ao Tesouro, do país, estado, oumunicípio.

Urge a adoção de posição distinta da atual

por parte do Estado, de modo a gastar menos, administrando

como um pai austero, cortando privilégios e formas injustas

de dominação, como o auxílio-moradia de deputados e

205 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 11 ed. Riode Janeiro : Editora Forense, p. 91, 1990.

12

senadores, cargos em comissão, reduzindo número de deputados

(Por que 500 e tantos se estes têm que votar “a cabresto do

partido” – em geral reunidos apenas em dois grupos: situação

e oposição – vide o caso dos “radicais” expulsos do Partido

dos Trabalhadores pelo simples fato de quererem honrar o

prometido na campanha que os elegeu?), deixando de comprar

porta-aviões com 40 anos, proibindo-se a propaganda de maus

políticos, disfarçada de propaganda do Estado, comprando-se

Uno´s em vez de Marea´s para a Polícia Rodoviária Federal,

Kombi em vez de S10 cabine dupla, evitando por completo o

gasto com publicidade quando baixam os índices de

popularidade do governante (futuro candidato à reeleição ou

coisa que o valha em atentado à moralidade administrativa –

art. 37 da CRFB/88).

...vemos governos e mais governos gastando otributo da sociedade em obras inacabadas,licitações superfaturadas, avião de luxo, prédiospúblicos suntuosos, salários nababescos, viagensdesnecessárias, enfim, quando assistimos o totaldesrespeito ao tributo sofridamente arrecadado dobolso do contribuinte brasileiro. Não bastassemestas distorções, ainda temos no inventário dadelinqüência tributária a péssima qualidade doserviço público prestado no Brasil.(NOGUEIRA206).

Deve ser dado às empresas públicas gestão

científica e não de “quem indica” (famoso funcionário público

206 NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima. O tributo é um direito da sociedade enão do Estado. Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 419, 30 ago. 2004.Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5636>.Acesso em: 21 set. 2004.

12

ineficaz, mas, com “QI”), tornando rentáveis estatais (que,

quando doadas/vendidas à iniciativa privada, passam, como que

por mágica, a serem rentáveis), limitando o número de viagens

onerosas para o País dos membros dos três Poderes,

fiscalizando os sonegadores, sem com isso precisar afrontar

direitos básicos como o sigilo bancário, contratando

funcionários que tragam divisas para o Estado (por exemplo,

fiscais de tributos)...

Socialmente, o Brasil é o País mais injusto domundo; por um paradoxo, sua riqueza fez seu povomais pobre e suas elites mais ricas numaproporção de desigualdade que assombra cientistassociais e juristas de todos os países.(BONAVIDES207).

O Poder Judiciário também poderia fazer a sua

parte, parando de construir “palácios” da justiça. Explica-se

com uma pergunta: quantas empresas deste país gastariam

dinheiro para fazer um prédio tão luxuoso como o TRF da 4ª

Região em Porto Alegre?

Quantos prédios do nível do TRF sulista podem

ser vistos na Avenida Paulista em São Paulo?

Aquele mármore e aquela tecnologia não

ficariam melhor em UTI´s que precisam ser construídas por

toda a Região Sul?

207 BONAVIDES, Paulo. Do País Constitucional ao País Neocolonial – Aderrubada da Constituição e a recolonização pelo golpe de Estadoinstitucional. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., p. 30, 1999.

12

Tudo está a nos indicar que o futuro exigirá nãoapenas leis reformadas ou corrigidas, mas opróprio Direito reconceituado, cujo alcance nãose resuma a permitir, impedir ou sancionarcondutas do dia-a-dia, mas que sejam capaz dereordenar, em novas bases éticas, toda aconvivência social, redefinindo o papel do Estadoe dos cidadãos perante as reais necessidades davida, historicamente escamoteadas pela retóricado Poder que pretendeu sempre justificar formasinjustas de dominações e privilégios. (MELO208).

Nos Estados, Distrito Federal e Municípios,

poder-se-ia acabar com a possibilidade de reeleição (para

sempre), seja para governador, vereador ou deputado (o que

vale também em nível federal), para evitar a

profissionalização do desonesto e dar oxigênio para mudanças

(ou será que existe algum Município ou Estado que só tenha

uma pessoa boa para aquele cargo?). Objetivo: evitar o

financiamento obscuro de campanhas à reeleição com dinheiro

do Povo.

Aos pobres do campo, seria conveniente que

fossem proibidas as construções de praças nas capitais e

sedes municipais até que todas as estradas do interior possam

ser utilizadas, pelo menos, por bicicletas cross (fornecidas

pelo Estado) para as crianças irem à escola e tratores com

tração nas 4 rodas (para levar a produção ao comércio - já

que parece utópico querer estradas para caminhões e ônibus

escolares). Que antes do carro do prefeito (que pode ser um

208 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da Política Jurídica. PortoAlegre : Ed. Sergio Fabris, p. 133, 1994.

12

Fusca usado: por que não?) seja comprada a ambulância, que em

primeiro lugar seja dado ar condicionado aos hospitais

públicos, creches e escolas e depois (se sobrar dinheiro) aos

órgãos públicos menos importantes (todos os demais, tendo em

vista que, saúde209 e educação deveriam estar em primeiro

lugar).

Ou será que alguém do Povo seria contra este

tipo de reforma tributária? Gastando menos poderá ser feita

uma verdadeira reforma, que diminua a burocracia e o custo da

carga tributária.

4.3 FOME DO POVO

Como os mais carentes do Povo destinam uma

parte maior de sua renda ao consumo de gêneros alimentícios

de primeira necessidade, acabam, proporcionalmente, pagando

mais tributos embutidos do que as famílias de classe média ou

alta.

O Estado advoga a tese da natureza social do

tributo tendente a realizar o Bem Comum. Do outro lado, o

Povo utiliza a capacidade contributiva como instrumento de

209 “...Discute-se a insensibilidade política de governantes de paísesricos, diante das taxas de elevação do desemprego, da fome, dadesnutrição, das epidemias na maioria dos países pobres. Chega-se apensar que as idéias de humanismo, de solidariedade humana, de justiçasocial, de amor ao próximo, constituem meros temas de tese acadêmica.”(SILVA, Moacyr Motta da. Direito, Justiça, Virtude Moral & Razão –Reflexões. Curitiba: Juruá Editora, p. 25, 2003).

12

defesa para o pedido de redução da carga tributária. Se é

certo que o Estado depende do tributo, muito mais certo que

não se pode exigir do Cidadão uma carga tributária maior que

suas possibilidades econômicas210.

Convém lembrar que a carga tributária atual

pesa, para ser simples, até mesmo sobre um quilo de feijão

comprado (eventualmente) pelo miserável que “sonha em morar

na favela”, como diz o artista popular GABRIEL PENSADOR:

Eu queria morar numa favela

O meu sonho é morar numa favela

Eu me chamo de cherôso como alguém me chamou

Mas pode me chamar do que quiser seu dotô

Eu num tenho nome

Eu num tenho identidade

Eu num tenho nem certeza se eu sou gente deverdade

Eu num tenho nada

Mas gostaria de ter

Aproveita seu dotô e dá um trocado pra eucomer...

Eu gostaria de ter um pingo de orgulho210 Art. 145 da CRFB/88: “§ 1º - Sempre que possível, os impostos terãocaráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica docontribuinte, facultado à administração tributária, especialmente paraconferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados osdireitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentose as atividades econômicas do contribuinte.”.

13

Mas isso é impossível pra quem come o entulho

Eu sou o resto

O resto do mundo

Eu sou mendigo um indigente um indigesto umvagabundo

Eu sou... Eu num sou ninguém

Eu tô com fome

Tenho que me alimentar

Eu posso num ter nome mas o estômago tá lá

Por isso eu tenho que ser cara-de-pau

Ou eu peço dinheiro ou fico aqui passando mal

Tenho que me rebaixar a esse ponto porque anecessidade é maior do que a moral

Eu sou sujo eu sou feio eu sou anti-social

Eu num posso aparecer na foto do cartão postal

Porque pro rico e pro turista eu sou poluição

Sei que sou um brasileiro

Mas eu não sou cidadão

Eu não tenho dignidade ou um teto pra morar

Vivo na solidão mas não tenho privacidade

E não conheço a sensação de ter um lar de verdade

Eu sei que eu não tenho ninguém pra dividir obarraco comigo

13

Mas eu queria morar numa favela amigo

Eu queria morar numa favela

O meu sonho é morar numa favela.” (GABRIELPENSADOR211).

A doutrina jurídica, também, constata isto

que acontece com os excluídos:

...Na prática, se retira aos excluídos a dignidadehumana, conforme se evidencia na atuação doaparelho de repressão: não-aplicação sistemáticados direitos fundamentais e de outras garantiasjurídicas, perseguição física, ‘execução’ semacusação nem processo, impunidade dos agentesestatais da violação, da opressão ou doassassínio... (MÜLLER)212.

Mesmo os indigentes, que nem sequer podem

comprar sua alimentação, contribuem em sentido lato, pois,

quem os alimenta (seja por piedade ou caridade) estará

pagando tributos.

Há no Brasil 53 milhões de pobres - cerca de 34%da população -, que vivem com uma rendainsuficiente para atender às suas necessidadesbásicas de alimentação, vestuário, habitação etransporte. Nessa massa de pobres há umsubconjunto de 22 milhões de indigentes - cerca

211 PENSADOR, Gabriel. O resto do mundo. Lyrics Songs, 17 set. 2004.Disponível em: < http://gabriel-pensador.lyrics-songs.com/lyrics/72844/>. Acesso em: 17 set. 2004.

212 MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? – A questão fundamental dademocracia. 3ª ed. rev. e amp. São Paulo: Max Limonad, p.94. 2003.

13

de 14% da população -, que não têm sequer comocomprar os alimentos que lhes garantam o consumomínimo calórico vital. (FURTADO213).

A incompetência do administrador público em

apenas buscar o aumento da carga tributária é observada na

lição de HARADA adiante citada:

A incompetência do administrador público e aexacerbação tributária são como irmãos siameses.São inseparáveis. Quanto maior a incompetência dogovernante, maior é a elevação da cargatributária, isto é, maior o sacrifício imposto àsociedade em geral, excetuados, obviamente,aqueles que integram a casta de beneficiários dopoder que, como se sabe, não se limita a seusintegrantes. Abarca uma infinidade de parentes,amigos, apadrinhados e milhares e milhares deexercentes de cargos em comissão, sempre àsvoltas com escândalos, mas que sobrevivem aolongo de sucessivos governos, pulando de galho emgalho até que um dia todas as árvores secarão.(HARADA214).

Observe-se que a tributação sobre os

alimentos é mais uma das aberrações tributárias no Brasil215.

213 FURTADO, Celso. Em Busca de Novo Modelo. Reflexões sobre a crisecontemporânea. São Paulo: Paz e Terra, p.11, 2002.

214 HARADA, Kiyoshi. Administração Pública. Relação direta entre cargatributária elevada e mau administrador. Jus Navigandi, Teresina, a. 8,n. 394, 5 ago. 2004. Disponível em:<http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5536>. Acesso em: 02set. 2004.

215 "A distorção na tributação que ofende a igualdade exsurge, também, nadistinção entre o tratamento adotado na incidência do imposto entre'rendas' ou 'proventos' que são submetidos a uma pretensa tabelaprogressiva e aquele dado aos rendimentos ou ganhos tributadosexclusivamente na fonte e ganhos de capital e ganhos líquidos em renda

13

Em média, os tributos representam 7% do preço dos alimentos

no mundo, sendo que em alguns países essa carga é zero. No

Brasil, o ônus tributário sobre os alimentos chega a 35% em

alguns casos.

A última pesquisa de orçamento familiar do

IBGE revelou que o brasileiro gasta em média 17% de sua renda

com alimentos.

No entanto, essa despesa para as famílias de

baixa renda representa quase 4 vezes os gastos das camadas de

renda mais elevada. Em caso de famílias com renda mensal

superior a R$ 6 mil gastam 9% de sua renda com alimentos.

variável./Tais rendimentos são submetidos à tributação por meio dealíquotas fixas e menores (por exemplo, 15% - ganho de capital, ou 20%- aplicações financeiras de renda fixa e no mercado de renda variável)que aquelas da tabela progressiva (15% ou 27%), bem assim taisrendimentos não mais são submetidos à incidência no cômputo do ajusteanual, para fins de serem alcançados pela progressividade euniversalidade do IR./Cumpre destacar que ainda existem algumasisenções, com relação a esses ganhos tributados em definitivo e emseparado dos demais rendimentos, não incidindo a tributação sobre:isenção para o ganho de capital quando o valor de alienação forinferior a R$ 20.000,00, considerando como bem de pequeno valor;isenção para o valor de aplicações no mercado de renda variável para oconjunto de operações igual ou inferior a R$ 4.143,50./Essa distinçãona incidência do imposto distorce a própria distribuição do ônus dacarga tributária entre contribuintes que percebem os mesmos valores defontes diferentes, como, por exemplo, quando se tratar de rendimentossubmetidos à tabela progressiva e acima de R$ 2.115,01, que serãotributados a uma alíquota de 27,5%. Caso a mesma quantia tivesse origemem ganho líquido obtido no mercado de renda variável (mercado derisco), sobre o citado valor haveria a incidência do imposto a umaalíquota de, apenas, 20%./Do ponto de vista meramente tributário, éinegável que há um privilégio na tributação do capital em detrimento dotrabalho. Sem se adentrar nos motivos extrajurídicos que o justificam(como a captação de investimentos em bolsas ou a tentativa de evitar afuga de capitais), ou na injustiça de tal opção político-econômica doEstado." (QUEIROZ, Mary Elbe. Imposto sobre a Renda e Proventos deQualquer Natureza. Barueri, SP: Manole, 2004, ps. 368 e 369). 

13

Já aquelas que recebem R$ 400,00 de renda

mensal têm uma despesa com alimentos da ordem de 33% (dados

colhidos por ALBUQUERQUE216).

...para manter a arrecadação em patamaresequivalentes, tributam-se os gêneros alimentíciose incluem-se os combustíveis, a energia elétricae a comunicação sob alíquotas muito altas,onerando-se severamente os mais pobres.(DERZI217).

Cabe ao hermeneuta evitar os efeitos

nefastos da reificação218 do termo “Povo”. Ao intérprete, do

mesmo modo, convém que contribua para se “...consolidar uma

Teoria do Estado Contemporâneo que sustente uma vida social

mais solidária e justa.” (PASOLD219).

A CRFB/88 garante:216 ALBUQUERQUE, Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque. Fome de imposto.São Paulo. Disponível em 17/09/2004 <http:www.marcoscintra.org>. Acessoem: 17 set. 2004.

217 DERZI, Misabel Abreu Machado. Pós-modernismo e Tributos: Complexidade,Descrença e Corporativismo. São Paulo: Editora Dialética. RDDT, n° 100,p. 71 e ss. 2003.

218 “Reificação é o processo histórico de longa duração através do qual associedades modernas fundaram seus alicerces sob o princípio dasdeterminações mercantis. Os mecanismos mercantis tornaram-se, entrenós, destacados e hegemônicos. Destacados: emanciparam-se de todas asesferas da vida social, concretas e qualitativas – a esfera política, aesfera cultural, as esferas estética, ética e religiosa. Hegemônicos:isolados, passaram a regular extrinsecamente todas essas esferas. Dessemodo, a reificação configura-se como processo pelo qual, nas sociedadesindustriais, o valor (do que quer que seja: pessoas, relações inter-humanas, objetos, instituições) vem apresentar-se à consciência doshomens como valor sobretudo econômico, valor de troca: tudo passa a contar,primariamente, como mercadoria.” (COSTA, Fernando Braga da. Garis – umestudo de psicologia sobre invisibilidade pública. São Paulo: Institutode Psicologia da USP, ps. 20/21, 2002).

219 PASOLD, Cesar Luiz. Função Social do Estado Contemporâneo. 3a. ed.rev. e amp. Florianópolis: Editora da OAB/SC, p. 112, 2003.

13

Art. 6° São direitos sociais a educação, asaúde, o trabalho, a moradia, o lazer, asegurança, a previdência social, a proteção àmaternidade e à infância, a assistência aosdesamparados, na forma desta Constituição.

É óbvio o descaso dos entes públicos que, em

que pese arrecadarem perto de 40% do PIB em tributos,

fornecem, precariamente, educação e saúde ao Povo. Trabalho e

moradia dependem da iniciativa privada. Lazer, soa utópico,

justamente pela falta de capacidade de se indignar que

atinge, por vezes e em elevado grau, a população.

Segurança é o que falta ao Estado assumir,

vide o exemplo do Estado do Rio de Janeiro, que é de quem, do

Povo ou dos criminosos?

Previdência e assistência social são

direitos que as políticas governamentais têm procurado

amesquinhar, apesar de anualmente aumentar a carga de

contribuição do Povo. Aliás, no item Previdência o governo

fala seguidamente em desajuste das contas, porém, não é

verdade segundo a Associação Nacional dos Fiscais da

Previdência:

Há sérias controvérsias sobre a situaçãodeficitária da Previdência Social. No ano de1997, por exemplo, a seguridade social apresentousaldo positivo de R$ 6,928 bilhões. Idênticasituação foi constatada no ano de 2001, com saldopositivo de R$ 31,464 bilhões, e o ano de 2002,no qual o superávit foi de R$ 36,308 bilhões,segundo dados da ANFIP – Associação Nacional dos

13

Fiscais da Previdência. Ocorre que tais valoresnão foram, obviamente, aplicados no sistema deseguridade e sim utilizados na composição doorçamento fiscal para promover o superávitprimário. (JORGE220).

Arremata JORGE:

Com essa metodologia tendenciosa, o governomanipula os números e passa à população a idéiade completa falência da Previdência Social, o quenão é verdade. Tivesse havido transparência nasinformações, a Emenda Constitucional nº 41 nãoteria sido aprovada com normas tão malévolas aosservidores públicos. Certamente, em médio prazo asociedade vai se dar conta do erro cometido peloCongresso Nacional em efetuar verdadeiro desmontedo Estado, desestimulando completamente o serviçopúblico no Brasil. (JORGE221).

Resta, direcionar melhor os recursos

arrecadados (que são altíssimos frente a outros Povos),

reduzindo gastos desnecessários e aplicando os valores

tributados nas respectivas destinações, sem lesar a Pátria,

sem lesar o Povo.

Cabe à Administração Pública o exercício

(verdadeiro) da sua Função Social que “...dependerá de uma

realimentação constante, sucedendo-se feedback continuado220 JORGE, Éder. Estudo sobre a Reforma da Previdência. EmendaConstitucional nº 41/2003. Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 388, 30jul. 2004. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5508>. Acesso em: 22 set. 2004.

221 JORGE, Éder. Estudo sobre a Reforma da Previdência. EmendaConstitucional nº 41/2003. Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 388, 30jul. 2004. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5508>. Acesso em: 22 set. 2004.

13

quanto aos atos concretos que, na linguagem sistêmica,

constituem o ‘output’.” (PASOLD222).

Como será que a pessoa pobre e desamparada

pelo Estado receberia a notícia de que a sua ceia de natal

(basicamente, uma Coca-Cola) tem embutida uma carga de

aproximadamente 30% de tributos? Qual seria o feedback223 para

o Estado? Abaixo segue conversa de pesquisador de Psicologia

e uma honrada faxineira (limpa/limpava - não se sabe ao certo

- os banheiros da USP224) a propósito de sua ceia de natal no

Terminal do Tietê225:

“...No dia vinte e cinco eu vou pra

rodoviária do Tietê.

“- Ah! E pra onde a senhora vai viajar? Vai

ver os parentes no norte?

“- Não. Não vou. Eu vou lá que eu gosto de

passear lá. (A esta altura, eu já não

compreendia mais o que ela dizia).

“- Passear?!

“- É. Eu pego o ônibus lá no Rio Pequeno às

222 PASOLD, Cesar Luiz. Função Social do Estado Contemporâneo. 3a. ed.rev. e amp. Florianópolis: Editora da OAB/SC, p. 108, 2003).

223 “...o feedback concretiza-se em medições de Legitimidade, ortodoxas ounão, e por isto mesmo, guarda relações de peculiariedade comcircunstâncias específicas.” PASOLD, Cesar Luiz. Função Social doEstado Contemporâneo. 3a. ed. rev. e amp. Florianópolis: Editora daOAB/SC, p. 108, 2003).

224 Universidade de São Paulo.225 Em São Paulo, Capital.

13

quatro e meia da manhã e chego na rodoviária

antes das seis. Aí eu fico até às três,

quatro da tarde, e volto aqui em Pinheiros

pra ver a missa. Eu passo o dia inteirinho

lá.

“- A senhora fica esse tempo todo fazendo o

que na rodoviária?!

“- Ah, eu gosto de ver o pessoal chegando e

indo embora, né?! Todo mundo se abraça, e dá

beijo, e chora, e se abraça de novo. É

lindo, né Fernando?! Eu gosto muito de

passear lá na rodoviária! Aí eu dou tchau

pro pessoa...

“- Tem muito conhecido que a senhora

encontra lá?

“- Não. Não tem conhecido, não. Eu falo

tchau pro pessoal que ta lá mesmo. Eu não

conheço eles não.

“- E eles respondem?

“- Tem uns que responde. Outros não. Aí eu

fico um cadim lá em cima, aí eu desço.

Dispois eu subo de novo. Aí eu almoço, né?!

Compro uma coca-cola...

“- O que a senhora come na rodoviária? É

13

perigoso, hein Dona Zilda!

“- Não. O de comer eu levo de casa mesmo. Só

a coca que não (Pausa)” (COSTA226).

A tributação tem sido uma arma de morte

contra o Povo. Há que ser humanizada e direcionada à

desoneração nas áreas da saúde, alimentação, educação e

lazer. A Hermenêutica do Direito Tributário deve levar em

conta estas premissas, para não ser também “massa de manobra”

contra o Povo.

4.4 POLÍTICA JURÍDICA

O Direito vive entre extremos, representados

pelo apego à formalidade meramente burocrática, mediante

posicionamentos judiciais descomprometidos com a efetividade

processual227 e o comportamento de alguns juízes de desafiar a

lei com base na eqüidade.

Condenando a primeira corrente pode ser

citado:

A imposição da regra constitucional dainafastabilidade da tutela jurisdicional, (...) aobservância do devido processo legal, hão de

226 COSTA, Fernando Braga da. Garis – um estudo de psicologia sobreinvisibilidade pública. São Paulo: Instituto de Psicologia da USP, p.84, 2002.

227 "Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dosPoderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípiosobedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:” (CRFB/88).

14

presidir essa ordem processual onde o modo-de-serdo processo não constitua empecilho à plenaefetividade do sistema e pleno acesso à ‘ordemjurídica justa’. O maior óbice, nesse campo, érepresentado pela mentalidade tradicional,voltada para o imobilismo no processo epreguiçoso imobilismo ante as novas tendências. Aburocracia processual, como toda burocracia, éirmã do espírito de rotina e filha da preguiça,do medo de errar e da pobreza de inteligência.(DINAMARCO228).

Quanto a segunda corrente, dita do Direito

Alternativo, pode ser lembrado do ponto de vista

crítico/construtivo o necessário apego ao Primado da

Legalidade, sob pena de ameaça de subversão infrutífera do

Estado Democrático de Direito (a legitimidade para legislar é

dada pelo Povo, aos representantes eleitos e não a [quase]

casta dos magistrados).

Outros, em linha moderadora, pregam a

necessidade de atuação política dos operadores do Direito na

construção de um sistema judicial melhor (ordem jurídica

justa).

A este respeito WARAT se manifesta:

Desta forma fica situada a Política Jurídica comouma instância da Filosofia Política comprometidacom o futuro da autonomia e da transformação. Umaforma de emergência do utópico, entendido comoaposta do improvável, a Política Jurídica

228 DINAMARCO, Cândido Rangel. Participação e processo. São Paulo: EditoraRevista dos Tribunais, p. 118, 1990.

14

considerada como utopia ética do improvável. Emoutras palavras, a Política Jurídica com umaprática política da esperança. (WARAT229).

Na mesma linha, MELO, preleciona:

...Teorias para fundamentar a tecnologia deconstrução da norma já foram propostas, mas nãomudaram o conteúdo ético da legislação, porquesempre puderam estar indiferentemente a serviçode qualquer ideologia, de todo tipo de governo oude Estado. Tais teorias podem ser utilizadas aosabor da conjuntura, para reprimir ou libertar;para obstar ou permitir, para a realização dosdesejos perversos de grupos ou de indivíduos, oupara o atendimento de necessidades emergentes. Jáuma teoria Política do Direito, que se pressupõepossa ser arquitetada a partir de critérios deprudência e possibilidades, e fundamentada sobrepadrões éticos (quer os tradicionalmentecultivados, quer os reinventados em face dasexigências das novas condições datransmodernidade) estará sempre a serviço de umdevir desejável e realizável como respostacrítica e criativa aos desafios que foremsurgindo. (MELO230).

E ainda na explicação magistral de MELO:

...a função epistemológica da Política Jurídicarecai em duas atividades distintas. A primeira serealiza na crítica ao direito vigente, cujosprincípios, normas e enunciados devem ser

229 WARAT, Luis Alberto, citação do prefácio da obra da obra MELO, OsvaldoFerreira de. Fundamentos da Política Jurídica. Porto Alegre : Ed.Sergio Fabris, p. 13, 1994.

230 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da Política Jurídica. PortoAlegre : Ed. Sergio Fabris, p. 129, 1994.

14

cotejados com critérios racionais de Justiça,Utilidade e Legitimidade, sem que seja precisoapelar para quaisquer justificações de naturezametafísica ou para proposições neo-anarquistasque possam desconstruir o território duramente jáconquistado do Estado de Direito. A segundaatividade é buscar, em fontes formais einformais, as representações jurídicas doimaginário social que se legitimem na Ética, nosprincípios de Liberdade e Igualdade e na Estéticada convivência humana. Para isso haverá que revera doutrina tradicional das fontes do Direito paraprivilegiar aquelas que realmente possamalimentar um Direito novo, desejável, criativo,libertador, racional e socialmente conseqüente.231

Também, dentro do pensamento jurídico crítico

pode ser lembrado o estudo do Prof. Dr. Antonio Carlos

Wolkmer:

...o ‘pensamento jurídico crítico’ pretenderepensar, dessacralizar e romper com a dogmáticalógico-formal imperante numa época ou numdeterminado momento da cultura jurídica de umpaís, propiciando as condições e os pressupostosnecessários para o amplo processoestratégico/pedagógico de ‘esclarecimento’,autoconsciência’, ‘ emancipação’ e‘transformação’ da realidade social. (WOLKMER232).

Nesta linha vai o presente, propondo um novo

enfoque político jurídico para a reforma tributária, de modo

231 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da Política Jurídica. PortoAlegre : Ed. Sergio Fabris, p. 131, 1994.

232 WOLKMER, Antonio Carlos. Introdução ao Pensamento Jurídico Crítico.São Paulo: Editora Acadêmica, p. 11, 1995.

14

a sugerir melhorias que venham em benefício do Povo e não

falsas reformas tributárias que apenas aumentam a carga

tributária (em detrimento do Povo) e a burocracia (o que atua

contra a necessidade crescente de agilidade das empresas

nacionais).

14

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo efetuado sobre Hermenêutica do

Direito Tributário, pelo Princípio do In Dubio Contra Fiscum a

partir do referente Povo, permite, por fim, considerar:

a) o Povo abdica de parte de sua liberdade e

constitui um Estado Democrático de Direito, esperando que

seja tratado com isonomia quando parte merecedora de análise

de seu caso sob a égide da disciplina do Direito Tributário;

b) esta isonomia vai ser garantida com a

aplicação do Princípio do In Dubio Contra Fiscum;

c) os membros do Poder Judiciário devem

buscar a Ciência do Direito Tributário, aplicando seus

princípios básicos e sua matriz constitucional, tendo em

vista a repercussão das decisões na carga tributária que

assola o Povo;

d) é comodista o comportamento tendente a

dizer que o tributo é constitucional sem maiores estudos e

não é de comodistas que o Brasil precisa, precisa de

cientistas jurídicos, dispostos a sustentar a CRFB/88 e o CTN

contra os interesses dos entes governantes;

e) defender o direito dos contribuintes ao in

dubio contra fiscum, é defender o criador deste direito, que é o

Povo que constitui a Nação brasileira, pois a dúvida não é

14

criada pelo contribuinte, mas sim pelo legislador que, em

última análise, é o próprio Estado ao incorporar o poder de

ditar normas tributárias;

f) o “Carnaval Tributário” está aumentando

na mesma proporção que o desrespeito ao Estado Democrático de

Direito, em prol dos governantes do momento, nas esferas

federal, municipal, estadual e distrital, por isso que ler

Becker sempre será a primeira vez, porque os escritos dele

vivem e são retratos da nossa realidade;

g) o Direito Tributário é autônomo em relação

ao Direito Financeiro, conforme citação de Ruy Barbosa

NOGUEIRA233;

h) julgamentos tributários não devem ser

influenciados por decisões de caixa do sujeito ativo

tributário, na medida em que existe Poder Executivo para

administrar o País e equacionar as contas do erário, Poder

Legislativo para tributar quando preciso e Poder Judiciário

para defender a Carta do Povo234;

i) a tributação (mal empregada) pode ser uma

arma de guerra contra a democracia, a liberdade e o Povo;

j) a CRFB/88 garantiu que o ICMS seja não-

cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação

relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços

233 NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário. 14 ed. São Paulo:Saraiva, p. 76, 1995.

234 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

14

com o montante cobrado nas anteriores (todas, critério do

crédito financeiro) pelo mesmo ou outro Estado ou pelo

Distrito Federal;

k) caso haja dúvida na proposição acima,

objetivou-se (com o presente) mostrar que o destinatário a

ser protegido pela norma não deve ser o Estado, no seu

direito de arrecadar, mas, o Povo no seu direito de não pagar

ICMS cumulativamente (em cascata);

l) fica a proposta de que se reduzam gastos

em vez de aumentar a carga tributária, com base numa postura

de Política Jurídica, que pretende buscar o caminho da

resposta crítica e criativa ao desafio de reduzir o fardo do

Povo;

m) o Brasil só será um País forte quando seus

cidadãos e o próprio governo puderem confiar nas

instituições, tarefa que cabe aos governantes implementarem,

quando fizerem uma reforma tributária que reduza a carga

tributária e a burocracia e, ao Poder Judiciário, que julgue

conforme o princípio básico de proteção ao contribuinte (ou

responsável);

n) em que pese poder soar absurda alguma das

propostas de redução de gastos deste trabalho (item 4.2),

como meio de reforma tributária, pela qual clama a população,

ficará feliz o Povo se pelo menos algumas delas forem

aplicadas na prática – se este País fosse administrado

14

cientificamente, com ética e competência, seria fácil – eis o

desafio.

14

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS

ALBUQUERQUE, Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque. Fome de

imposto. São Paulo. Disponível em 17/09/2004

<http:www.marcoscintra.org>. Acesso em: 17 set. 2004.

ALENCAR, Kennedy. Lula na mão dos "300 picaretas".

http://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/ult511u151.shtml,

9/7/2004, 15:35hs.

ALVARES, Maria Lúcia Miranda. A Fazenda Pública tem

privilégios ou prerrogativas processuais? Análise à luz do

princípio da isonomia. Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 426,

6 set. 2004. Disponível em:

<http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5661>. Acesso

em: 14 set. 2004.

AMARO, Abel Simões. ABREU, Cláudio de. Direito ao

Creditamento do ICMS relativo à Energia Elétrica Consumida em

Estabelecimento Comercial. São Paulo: Dialética – RDDT n° 22,

1997.

ANDRADE, Christiano José de. Hermenêutica Jurídica no Brasil.

São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1991.

AREND, Márcia Aguiar. Direitos humanos e tributação. Ensaio

distribuído aos alunos do Curso de Especialização em Direito

Tributário da Furb. 2000.

14

ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 5 ed.

São Paulo: Malheiros. 1994.

ATALIBA, Geraldo. ICMS na Constituição, São Paulo: Editora

Revista dos Tribunais. RDT nº 57, 1990.

BALERA, Wagner. A Seguridade Social na Constituição de 1988,

São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1989.

BALTHAZAR, Ubaldo César. Manual de Direito Tributário.

Florianópolis: Editora Diploma Legal, 1999.

BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. O Planejamento Fiscal e a

Interpretação do Direito Tributário. Belo Horizonte:

Mandamentos, p. 29, 2002.

BECKER, Alfredo Augusto. Carnaval Tributário. 2 ed. São

Paulo: Editora Lejus. 1999.

BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário.

São Paulo: Saraiva, 1963.

BINDES, Fábio e outros. Fatores Condicionantes e Taxa de

Mortalidade de Empresas no Brasil. Relatório de Pesquisa

Sebrae. Brasília: SEBRAE, p. 38,

http://www.biblioteca.sebrae.com.br/bte/bte.nsf/AllDbLookUp/9

A2916A2D7D88C4D03256EEE00489AB1/$File/NT0008E4CA.pdf. Acesso

em 21 set. 2004.

BONAVIDES, Paulo. Do País Constitucional ao País Neocolonial

– A derrubada da Constituição e a recolonização pelo golpe de

15

Estado institucional. São Paulo: Malheiros Editores Ltda.,

1999.

CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS – Aproveitamento de Créditos –

Inconstitucionalidades da Lei Complementar 87/96. São Paulo:

Editora Dialética. In RDDT n° 25, 1997.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 4 ed.

São Paulo: Saraiva, 1991.

COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário

Brasileiro. 3 ed. Rio de Janeiro : Ed. Forense, 1999.

COMPARATO, Fábio Konder, in Prefácio à obra de MÜLLER,

Friedrich. Quem é o povo? – A questão fundamental da

democracia. São Paulo: Max Limonad. 3 ed. rev. e amp., 2003.

CORDEIRO, Roberto. GENÚ, Cristine. União lidera ranking das

20 mais processadas no STJ. Brasília: Superior Tribunal de

Justiça. 5 ag.set. 2004. Disponível em:

<http://www.stj.gov.br>. Acesso em: 5 agos. 2004.

COSTA, Fernando Braga da. Garis – um estudo de psicologia

sobre invisibilidade pública. São Paulo: Instituto de

Psicologia da USP, 2002.

CRUZ, Paulo Márcio. Política, Poder, Ideologia e Estado

Contemporâneo. 3 ed. rev, amp. e atual., Curitiba: Juruá

Editora, 2002.

15

DERZI, Misabel Abreu Machado e COÊLHO, Sacha Calmon Navarro.

Direito à Compensação de Créditos no ICMS. São Paulo: Editora

Dialética. RDDT, n° 27, 1997.

DERZI, Misabel Abreu Machado. Pós-modernismo e Tributos:

Complexidade, Descrença e Corporativismo. São Paulo: Editora

Dialética. RDDT, n° 100, 2003.

DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. 7

ed. rev. e amp. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 1999.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Participação e processo. São

Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1990.

ELALI, André. Tributação e pós-positivismo: realidade e

anseios sociais. São Paulo: Gazeta Mercantil de 22 de junho

de 2004.

FERRAZ JR., Tercio Sampaio. A Ciência do Direito. São Paulo:

Atlas, 1980.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio

- Século XXI. São Paulo: Editora Nova Fronteira e Lexikon

Informática.

Folha OnLine. Receita contesta carga tributária de 40,01% do

PIB.

http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u86240.shtml

, acesso em 12/7/2004, 08:20hs.

FURTADO, Celso. Em Busca de Novo Modelo. Reflexões sobre a

crise contemporânea. São Paulo: Paz e Terra, p.11, 2002.

15

GABRIEL, Ivana Mussi. Herbert Marcuse: reflexões sobre a

sociedade tecnológica. Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 383,

25 jul. 2004. Disponível em:

http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5503. Acesso em:

26 jul. 2004.

GRECO, Marco Aurélio e ZONARI, Anna Paola. ICMS -

Materialidade e Princípios Constitucionais. in Curso de

Direito Tributário, coor. Ives Gandra da Silva Martins,

Belém: CEJUR, 1993, vol. 2.

HARADA, Kiyoshi. Administração Pública. Relação direta entre

carga tributária elevada e mau administrador . Jus Navigandi,

Teresina, a. 8, n. 394, 5 ago. 2004. Disponível em:

<http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5536>. Acesso

em: 02 set. 2004.

JORGE, Éder. Estudo sobre a Reforma da Previdência. Emenda

Constitucional nº 41/2003. Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n.

388, 30 jul. 2004. Disponível em:

<http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5508>. Acesso

em: 22 set. 2004.

LIMA, Daniel. Deputado diz que planejamento tributário no

Brasil é sinônimo de não pagar imposto. Radiobrás : Brasília.

http://www.radiobras.gov.br/abrn/brasilagora/materia.phtml?

materia=192661, 13/7/2004, 09:08hs.

15

MACHADO, Hugo de Brito. A quebra do sigilo bancário.

Repertório IOB de Jurisprudência. Caderno I, 9/2001. São

Paulo: Editora IOB, p. 257. 2001a.

MACHADO, Hugo de Brito. A supremacia constitucional como

garantia do contribuinte. in Revista Tributária e de Finanças

Públicas. São Paulo: RT. V. 39, Jul-ago 2001.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São

Paulo: Saraiva. 1996.

MAGALHÃES, Humberto Piragibe e MALTA, Christovão Piragibe

Tostes. Dicionário Jurídico. 7 ed. Rio de Janeiro: Edições

Trabalhistas. 1991.

MATTOS, Aroldo Gomes de. ICMS – Mercadorias ou Bens do Ativo

Fixo ou Permanente – Aquisição e Revenda. Revista Dialética

de Direito Tributário n° 105. São Paulo: Editora Dialética,

2004.

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 11.

ed. Rio de Janeiro: Forense, 1990.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Revista de Direito

Tributário - n° 67. São Paulo : Editora Revista dos

Tribunais, 1997.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. A Motivação dos Atos da

Administração Pública como Princípio Fundamental do Estado de

Direito. Conferência transcrita na Revista de Direito

15

Tributário, vol. 87. São Paulo: Malheiros Editores Ltda.,

2002.

MELO, José Eduardo Soares de. Curso de Direito Tributário.

São Paulo: Editora Dialética, 1997.

MELO, Osvaldo Ferreira de. Dicionário de Política Jurídica.

Florianópolis: OAB/SC, 2000.

MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da Política Jurídica.

Porto Alegre: Ed. Sergio Fabris, 1994.

MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas Atuais de Política Jurídica.

Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor/CMCJ-UNIVALI,

1998.

MORETTI, Ivan Cesar. O direito "babélico" tributário e a

insegurança jurídica . Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 419,

30 ago. 2004. Disponível em:

<http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5613>. Acesso

em: 22 set. 2004.

MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? – A questão fundamental da

democracia. 3 ed. rev. e amp. São Paulo: Max Limonad, 2003.

NEVES JÚNIOR, Paulo Cezar. Direito à tributação

constitucionalmente qualificada. Jus Navigandi, Teresina, a.

8, n. 433, 13 set. 2004. Disponível em:

<http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5684>. Acesso

em: 13 set. 2004.

15

NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima. O tributo é um direito da

sociedade e não do Estado. Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n.

419, 30 ago. 2004. Disponível em:

<http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5636>. Acesso

em: 21 set. 2004.

NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima. Perspectiva ético-jurídica do

planejamento tributário. Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n.

419, 30 ago. 2004. Disponível em:

<http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5641>. Acesso

em: 06 set. 2004.

NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário. 14 ed.

São Paulo: Saraiva, 1995.

PASOLD, Cesar Luiz. Função Social do Estado Contemporâneo. 3.

ed. rev. e amp. Florianópolis: Editora da OAB/SC, 2003.

PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica- idéias e

ferramentas úteis para o pesquisador do Direito. 8 ed. rev.

Florianópolis: OAB/SC Editora, 2003.

PENSADOR, Gabriel. O resto do mundo. Lyrics Songs, 17 set.

2004. Disponível em: < http://gabriel-pensador.lyrics-

songs.com/lyrics/72844/ >. Acesso em: 17 set. 2004.

PIMENTEL, Sílvia. PIS, o primo pobre da Cofins. Diário do

Comércio. Leis, Tribunais e Tributos.

http://www.infobip.com.br/index.asp?

mode=1&id=27043&qry=0&cri=&opt=0&int=0&, 13/7/04, 08:31 hs.

15

QUEIROZ, Mary Elbe. Imposto sobre a Renda e Proventos de

Qualquer Natureza. Barueri, SP: Manole, 2004. 

SILVA, Chrystiane e CABRAL, Otávio. Trincheira contra os

impostos. São Paulo: Editora Abril, edição 1864, de

28/7/2004.

SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro:

Forense, 1991. vol. II.

SILVA, Moacyr Motta da. Direito, Justiça, Virtude Moral &

Razão – Reflexões. Curitiba: Juruá Editora, 2003.

STRECK, Leio Luiz e MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência

Política e Teoria Geral do Estado. 3 ed. Porto Alegre:

Livraria do Advogado Editora, 2003.

ULHOA, Daniel da Silva. A norma geral antielisão. Parágrafo

único do artigo 116 do CTN. Breves considerações. Jus

Navigandi, Teresina, a. 8, n. 435, 15 set. 2004. Disponível

em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5692>.

Acesso em: 15 set. 2004.

WARAT, Luis Alberto, citação do prefácio da obra da obra

MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da Política Jurídica.

Porto Alegre : Ed. Sergio Fabris, 1994.

WARAT, Luis Alberto. A Ciência Jurídica e seus dois maridos.

Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2000.

WOLKMER, Antonio Carlos. Introdução ao Pensamento Jurídico

Crítico. São Paulo: Editora Acadêmica, 1995.

15