Dissertação de Mestrado
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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALIPRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA – PROPPECCURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA – CPCJPROGRAMA DE MESTRADO EM CIÊNCIA JURÍDICA – PMCJÁREA DE CONCENTRAÇÃO: FUNDAMENTOS DO DIREITO POSITIVO
HERMENÊUTICA DO DIREITO TRIBUTÁRIO PELO IN DUBIOCONTRA FISCUM EM HOMENAGEM AO CONCEITO DE POVO DE
FRIEDRICH MÜLLER
FRANCISCO PALUDO
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALIPRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA – PROPPECCURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA – CPCJPROGRAMA DE MESTRADO EM CIÊNCIA JURÍDICA – PMCJÁREA DE CONCENTRAÇÃO: FUNDAMENTOS DO DIREITO POSITIVO
HERMENÊUTICA DO DIREITO TRIBUTÁRIO PELO IN DUBIOCONTRA FISCUM EM HOMENAGEM AO CONCEITO DE POVO DE
FRIEDRICH MÜLLER
FRANCISCO PALUDO
Dissertação submetida à
Universidade do Vale do Itajaí –
UNIVALI, para a obtenção do grau
de Mestre em Ciência Jurídica.
ii
AGRADECIMENTOS
Aos Colegas Mestrandos, pela
amizade.
Aos Doutores e Mestres do
CPCJ/UNIVALI, pelo exemplo de
luta pela Ciência do Direito.
Especialmente à Drª. Maria da
Graça dos Santos Dias, pelo
carinho da orientação.
Ao Dr. Indio Jorge Zavarizi,
autoridade intelectual da área do
Direito Tributário, pelos
ensinamentos.
Ao caro Dr. Márcio Campos, pelas
pontuais sugestões acerca da
categoria “Povo”.
Aos entes queridos, por laços
familiares ou afetivos, que
auxiliaram, criticaram
construtivamente, compreenderam e
acolheram.
À Universidade do Contestado –
Concórdia, pela bolsa de estudos.
v
À Nelsa, mãe, pela apoio na banca
desta dissertação. Ao Pedro, pai,
pelo incentivo desde cedo ao
magistério.
À Dona Zilda1.
1 Vide último capítulo.
vi
DEDICATÓRIA
Para os contribuintes pobres,
muitos acossados de
invisibilidade pública2, que sem
saber arcam com uma carga
tributária que beira os 40% do
Produto Interno Bruto. Ou seja,
que recebem um salário mínimo (ou
menos) e ainda conseguem
contribuir (tanto) para com o
pródigo Estado.
“...O código jurídico está
subordinado [untersteht] ao código
político, o direito está
subordinado à economia, o Estado
está subordinado à atividade
econômica – com as conseqüências
já insinuadas para os
economicamente fracos, quer
dizer, para a maior parte da
população. Então já não admira
mais que a reivindicação de
direitos da cidadania por parte
2 “A invisibilidade pública, desaparecimento intersubjetivo de um homem no meiode outros homens, é expressão pontiaguda de dois fenômenospsicossociais que assumem caráter crônico nas sociedades capitalistas:humilhação social e reificação.” (COSTA, Fernando Braga da. Garis – um estudo depsicologia sobre invisibilidade pública. São Paulo: Instituto dePsicologia da USP, p. 20, 2002).
vi
de subcidadãos excluídos,
subintegrados, seja ‘identificada
constantemente com subversão’.”
(MÜLLER)3.
Aos empresários, que são
obrigados a tolerar um “pseudo-
sócio” (Estado) que lhes tolhe o
percentual acima, tirando
competitividade, dificultando o
fluxo de caixa e condenando
tantas empresas ao fim prematuro.
PÁGINA DE APROVAÇÃO
SERÁ FORNECIDADA PELO CPCJ
3 MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? – A questão fundamental dademocracia. 3ª ed. rev. e amp. São Paulo: Max Limonad, p. 96, 2003.
vi
DECLARAÇÃO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que
assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico
conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do
Vale do Itajaí – UNIVALI, a Coordenação do Curso de Pós-
Graduação stricto sensu em Ciência Jurídica [CPC/UNIVALI] ou a
coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora, o
Orientador, de toda e qualquer responsabilidade acerca do
mesmo.
Itajaí [SC], novembro de 2004.
Francisco PaludoMestrando
ix
ROL DE CATEGORIAS
Rol de categorias4 estratégicas à compreensão
do trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais5:
Carga tributária: parte do patrimônio do
Povo transferido compulsoriamente para o Estado em forma de
tributos.
Direito Tributário: para MACHADO6 o Direito
Tributário é o “Ramo do Direito que se ocupa das relações
entre o sujeito ativo tributário7 e as pessoas sujeitas a
imposições tributárias de qualquer espécie, limitando o poder
de tributar e protegendo o cidadão contra os abusos desse
poder”.
Estado: “...conjunto de atividades legítimas
efetivamente comprometidas com uma Função Social, esta
entendida na sua conexão com ações que – por dever para com a
Sociedade – o Estado executa, respeitando, valorizando e
envolvendo o seu Sujeito (que é o Homem individualmente
4 Conforme PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica- idéias eferramentas úteis para o pesquisador do Direito. 8 ed. rev.Florianópolis: OAB/SC Editora, p. 27, 2003.
5 PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica- idéias e ferramentasúteis para o pesquisador do Direito. 8 ed. rev. Florianópolis: OAB/SCEditora, p. 43, 2003.
6 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São Paulo:Saraiva. p.46, 1996.
7 “Art. 119. Sujeito ativo da obrigação é a pessoa jurídica de direitopúblico, titular da competência para exigir o seu cumprimento.” (CTN).
xi
considerado e inserido na Sociedade), em correspondência ao
seu Objeto (conjunto de áreas de atuação que dão causa às
ações estatais) e cumprindo o seu Objetivo (o Bem Comum ou
Interesse Coletivo, fixado de forma dinâmica pelo Todo
Social).” (PASOLD8).
Inconstitucionalidade útil: legislação
tributária feita deliberadamente com burla a Constituição da
República Federativa do Brasil (CRFB/889), ao Código
Tributário Nacional (CTN10), Princípios Gerais do Direito e
da Administração Pública (Princípios de Legalidade11,
Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência) ou
mesmo da realidade, com intuito meramente de arrecadar
(porque com a possibilidade de exigir dinheiro em forma de
tributos a qualquer momento fica fácil administrar) e na
esperança (por vezes certeza) que pequeno número de
contribuintes chegará às portas do Poder Judiciário12.8 PASOLD, Cesar Luiz. Função Social do Estado Contemporâneo. 3a. ed. rev.e amp. Florianópolis: Editora da OAB/SC, p. 111, 2003.
9 Abreviação doravante utilizada para a Constituição da RepúblicaFederativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988.
10 Abreviação doravante utilizada para o Código Tributário Nacional, Leinº 5.172, de 25 de outubro de 1966.
11 “Instalam-se, ao lado do pluralismo e da complexidade, a ausência deregras, a permissividade, a descrença generalizada, a incerteza e aindecisão, de tal modo que princípios jurídicos até então sólidos e bemfundamentados como segurança jurídica, capacidade contributiva,progressividade do imposto, igualdade e até mesmo legalidade são postosem dúvida. Alguns estudiosos chamam o fenômeno de ‘retorno à IdadeMédia.’” DERZI, Misabel Abreu Machado. Pós-modernismo e Tributos:Complexidade, Descrença e Corporativismo. São Paulo: Editora Dialética.RDDT, n° 100, p. 68 e ss. 2003.
12 “Conforme ensina a experiência, as distorções no campo do Estado deDireito assumem aqui proporções estarrecedoras: por um lado se recorreà maior parte da população, por outro lado a maior parte da população é‘integrada’ na condição de obrigada, acusada, demandada, por outro lado
xi
In dubio contra fiscum: O Princípio do In Dubio
Contra Fiscum foi conceituado por SILVA13: “In dubio contra
fiscum. É traduzido em caso de dúvida contra o sujeito ativo
tributário. Funda-se no célebre texto de MODESTINO: ’Non puto
delinquere eum, qui in dubiis quaestionibus contra fiscum facile responderet.’ E
nele se estabelece o princípio de que, em uma questão
duvidosa, seja de fato ou de direito, se deve decidir contra
o fisco”.
Hermenêutica: A Hermenêutica Jurídica é
conceituada por MELO14 como “Conjunto de processos e técnicas
que possibilitam a interpretação das expressões jurídicas.”
Política Jurídica: “Disciplina que tem como
objeto o Direito que deve ser e como deva ser em oposição
funcional à Dogmática Jurídica, que trata da interpretação e
da aplicação do Direito que é, ou seja, do Direito vigente.”
(MELO15).
ela não é integrada na condição de demandante, de titular de direitos.Os direitos fundamentais não estão positivamente à disposição dosindivíduos e dos grupos excluídos, mas os direitos fundamentais ehumanos destes são violados (de forma repressiva e de outras formas).Normas constitucionais manifestam-se para eles ‘quase só nos seusefeitos limitadores da liberdade’ , seus direitos de participaçãopolítica aparecem – diante do pano de fundo a sua depravação integral –preponderantemente só no papel, assim como também o acesso aostribunais e à proteção jurídica...” (sem grifo no original) (MÜLLER,Friedrich. Quem é o povo? – A questão fundamental da democracia. 3ª ed.rev. e amp. São Paulo: Max Limonad, p. 96, 2003).
13 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. vol. II. Rio de Janeiro:Forense, p. 459. 1991.
14 MELO, Osvaldo Ferreira de. Dicionário de Política Jurídica.Florianópolis: OAB/SC, 2000. p.47.
15 MELO, Osvaldo Ferreira de. Dicionário de Política Jurídica.Florianópolis: OAB/SC, 2000. p. 77.
xi
Povo16: conjunto de seres humanos criadores
do Estado, com base no conceito de Povo que pode ser buscado
na obra de FRIEDRICH MÜLLER.
Princípio do Direito: “1. Diz-se dos
fundamentos normativos da Ciência Jurídica. 2. Preceitos
adotados em determinada cultura como fundantes da Convivência
Social. Neste sentido o mesmo que Regras Jurídicas. 3.
Axiomas da legislação protetora dos Direitos Humanos.” (MELO17).
Reforma tributária: conjunto de mudanças no
campo de atuação do Direito Tributário tendentes a exercer a
competência tributária necessária, reduzir burocracia e
efetuar planejamento tributário macro do Estado com vistas à
redução da carga tributária do Povo.
Tributo: “Art. 3° Tributo é toda prestação
pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa
exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída
em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente
vinculada.” (CTN).
16 Todas as categorias consideradas pelo autor como relevantes estarão emmaiúscula. Especialmente o termo “Povo”, por inspiração da obra deMÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? – A questão fundamental dademocracia. 3ª ed. rev. e amp. São Paulo: Max Limonad. P. 63. 2003 etambém das aulas do Dr. César Luiz Pasold (Mestrado em Ciência Jurídicada Univali – Itajaí). Certa vez ele interrompeu a apresentação detrabalho acadêmico para perguntar: porque “Estado” (que é a criatura) éescrito em maiúsculo e “sociedade” (que é a criadora) seria comminúscula? O mesmo, ao que parece, pode ser perguntado em relação àscategorias jurídicas Estado e Povo.
17 MELO, Osvaldo Ferreira de. Dicionário de Política Jurídica.Florianópolis: OAB/SC, 2000. p. 79.
xi
SUMÁRIO
resumo..........................................xiii
ABSTRACT.........................................xiv
introdução........................................15Capítulo 1......................................18
A HERMENÊUTICA DO DIREITO TRIBUTÁRIOEM FAVOR DO POVO..........................................19
1.1 DIREITO TRIBUTÁRIO............................191.2 HERMENÊUTICA TRIBUTÁRIA.......................261.3 O PRINCÍPIO DO IN DUBIO CONTRA FISCUM ........371.4 IN DUBIO CONTRA FISCUM, CONSEQÜÊNCIAS DE SUA IMPLEMENTAÇÃO.....................................50Capítulo 2......................................56
CARNAVAL TRIBUTÁRIO ATUAL.................................56
2.1 A COMPREENSÃO DE ALFREDO AUGUSTO BECKER SOBRE A TRIBUTAÇÃO........................................592.2 CARGA TRIBUTÁRIA CONTEMPORÂNEA NO BRASIL......61Capítulo 3......................................73
O PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE DO ICMS –...............73
UM CASO PRÁTICO..........................................73
3.1 PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE – DIFERENÇA ENTRE CRITÉRIO FINANCEIRO E CRITÉRIO FÍSICO.......73
xv
3.2 DIALÉTICA DAS DECISÕES SOBRE A MATÉRIA........813.2.1 Posição favorável aos interesses do fisco............82
3.2.2 Posição favorável ao Povo............................82
Capítulo 4......................................85REFORMA FISCAL PELA REDUÇÃO DE GASTOS PÚBLICOS: UMA ANÁLISE ÀLUZ DA POLÍTICA JURÍDICA..................................85
4.1 DIREITO FINANCEIRO X DIREITO TRIBUTÁRIO.......864.2 PROPOSTA DE REFORMA TRIBUTÁRIA SEM AUMENTO DE TRIBUTOS..........................................864.3 FOME DO POVO..................................93
CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................104
REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS....................107
xv
RESUMO
O presente trabalho desenvolve-se a partir
da compreensão de que o Direito Tributário deve ser
reconhecido como protetor dos contribuintes e responsáveis e
não do sujeito ativo tributário. Assim, deve ser aplicado o
in dubio contra fiscum, ou seja, na dúvida, o intérprete deve
decidir pela situação mais benéfica ao sujeito passivo, de
modo a aniquilar com a inconstitucionalidade útil, gerando
maior previsibilidade na análise da legislação, demonstrando
maior respeito aos contribuintes e responsáveis tributários.
Também é analisada a necessidade de realçar a independência
do Poder Judiciário frente ao Poder Executivo,
principalmente, de modo a que sejam produzidas decisões
jurídicas justas e não “fiscalistas”, pois, cabe ao Poder
Judiciário manter o nível científico esperado em relação ao
Direito Tributário, julgando as matérias trazidas com a
seriedade e o foco na análise constitucional das hipóteses de
incidência questionadas, para dar ao jurisdicionado a
garantia de ver sua pretensão julgada sem as paixões dos
governos.
xv
ABSTRACT
The present work grows starting from the
understanding that the Tax law should be recognized as the
contributor’s protector and responsible and not of the
treasury department. Thus, in dubio contra fiscum must be applied,
or either, in doubt, the interpreter must decide for the
situation most beneficial to the passive citizen, in order to
verwhelm with useful unconstitutionality, generating bigger
previsibility in the analysis of the legislation,
demonstrating bigger respect to the contributors and
responsible tributaries. Also the necessity is analyzed to
enhance the independence of the Judiciary Power front to the
Executive, mainly, in order that decisions are produced fair
juridical decisions and not "tax affairs lawyer", therefore
it fits to the Judiciary Power to keep the scientific level
waited in relation to the Tax law to maintain the expected
scientific level in relation to the Tax Law, judging the
subjects brought with the seriousness and the focus in the
constitutional analysis of the questioned hypotheses of
incidence, to give to give to the contributor the guarantee
to see its pretension judged without the passions of the
governments.
xv
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objeto estudar
o Princípio do In Dubio Contra Fiscum a partir da análise da
Hermenêutica do Direito Tributário e suas implicações para os
contribuintes, sem esquecer daqueles que suportam o encargo
tributário, ou seja, os que formam o Povo. Apresenta como
objetivos: institucional, produzir uma dissertação para
obtenção do grau de Mestre em Ciência Jurídica, pela
Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI; geral, aprofundar a
análise da categoria Povo18, fomentando a discussão de uma
perspectiva até hoje pouco explorada pelos usuários do
Direito Tributário; específicos, contribuir para fazer
diminuir a utilização da inconstitucionalidade útil pelos
entes com competência tributária e mesmo por aqueles que
somente detém capacidade tributária, porque o Povo19 arca com
maior carga tributária, em conseqüência disso. Assim,
objetiva-se defender o direito do Povo20 ao exercício e18 “...As invocações do povo legitimador dos textos das normasapresentam-se como direito constitucional com caráter deobrigatoriedade na República Federativa do Brasil; e legitimidade dessaconstituição bem como a da constituição alemã deve poder deixarvincular-se no plano da realidade ao povo ativo, ao povo enquantoinstância de atribuição e ao povo-destinatário.” (MÜLLER, Friedrich.Quem é o povo? – A questão fundamental da democracia. São Paulo: MaxLimonad. 3ª ed. rev. e amp., ps. 89/90, 2003).
19 “...Hoje, do povo formalmente, via discurso constitucional, emana opoder, sob os mais diversos modos e sistemas eleitorais...” STRECK,Leio Luiz e MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência Política e TeoriaGeral do Estado. 3ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, ps.154/155, 2003.
20 Em que pese não se desconhecer o pessimismo de parte da doutrina, queafirma: “Para Herbert Marcuse, o processo de emancipação somente será
19
efetividade do Direito Tributário.
“Sem a prática dos direitos do homem e do
cidadão, ‘o povo’ permanece em metáfora ideologicamente
abstrata de má qualidade...” (MÜLLER)21.
Portanto, não se circunscreve na sua
temática, discussões de ordem político-partidária ou de apego
a posições corporativistas.
O tema é atual e relevante, pois, debate a
interpretação efetiva do conceito de Povo aplicado ao Direito
Tributário, nos embates jurídicos (entre empresas, pessoas
físicas e Fisco22). Tem o intuito de contribuir à
conscientização dos operadores jurídicos. Hoje, até mesmo o
Princípio da Legalidade não é garantido pelo Poder
viável com a denominada ‘Grande Recusa’, ou seja, uma recusa absolutado sistema de vida estabelecido, que deva ocorrer através demanifestações revolucionárias lideradas pela juventude, e não pelopovo. O povo, anteriormente, fermento da transformação social,transformou-se no fermento da coesão social, pois inserido no sistemado aparato tecnológico e destituído de qualquer forma tradicional deprotesto.” (GABRIEL, Ivana Mussi. Herbert Marcuse: reflexões sobre asociedade tecnológica. Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 383, 25 jul.2004. Disponível em: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5503.Acesso em: 26 jul. 2004).
21 MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? – A questão fundamental dademocracia. 3ª ed. rev. e amp. São Paulo: Max Limonad. p. 63. 2003.
22 “...Por mais nobres que sejam os propósitos do Fisco na defesa dosinteresses arrecadatórios do Estado, deve ser recebida com redobradacautela e espírito crítico a adoção de mecanismos de controle quepossam inviabilizar o normal desenvolvimento das atividades comerciaisdos agentes privados...” (NORONHA, João Otávio de. Decisão monocráticano AgRg na MC 7.542-RJ, Ministro do Superior Tribunal de Justiça,julgado em 23/3/2004).
20
Judiciário23, em alguns casos, em nome da comodidade ao
Fisco24.
Onde está diante da tirania da exclusão o lugardos juristas? Certamente não onde Montesquieu osrastreia, quando afirma: ao lado de cada grandetirano encontrei um grande jurista, que lhejustificava os seus atos. O nome dos juristas nãose deriva de ‘justificar’, mas do ‘direito’[ius]. Seu lugar é junto ao povo....(MÜLLER25).
Para encetar a investigação, adotou-se o
método indutivo, operacionalizado com as técnicas do
referente, da categoria, dos conceitos operacionais e da
pesquisa de fontes documentais. Para relatar os resultados da
pesquisa, empregou-se o método dedutivo.
A pesquisa foi desenvolvida tendo como base
as seguintes hipóteses: a) na dúvida o julgador deve julgar
contra o Fisco; b) atualmente, a carga tributária está
tirando valores consideráveis do Povo, porque o trabalhador23 “Dos três Poderes é congenialmente o mais fraco e, de tradição, aqueleque mais dificuldade teve, no passado, para sobrepor-se às pressõesexecutivas de dominação” (BONAVIDES, Paulo. Do País Constitucional aoPaís Neocolonial – A derrubada da Constituição e a recolonização pelogolpe de Estado institucional. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., p.74, 1999).
24 “É desse mal de desobediência à Constituição que se entretece a criseconstituinte; desobediência que não encontra controle deconstitucionalidade o suficiente remédio às lesões normativas e aoarbítrio dos governantes. A frouxidão e as omissões nesse controle, porparte do órgão de guarda da Constituição, o Supremo Tribunal Federal,constituem elemento agravante daquela crise...” (BONAVIDES, Paulo. DoPaís Constitucional ao País Neocolonial – A derrubada da Constituição ea recolonização pelo golpe de Estado institucional. São Paulo:Malheiros Editores Ltda., p. 42, 1999).
25 MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? – A questão fundamental dademocracia. São Paulo: Max Limonad. 3ª ed. rev. e amp., p. 100, 2003.
21
remunerado pelo salário mínimo arca com todos os tributos
embutidos, seja no pão, no leite, no remédio, na educação
(que, empiricamente pode ser dito que na maioria dos casos
não lhe é permitida pela absoluta falta de recursos26); c) a
título de exemplo de interpretação em favor do Povo, será
analisado o Princípio da Não-Cumulatividade, pelo critério
financeiro (um julgamento em favor do Povo contribuiria para
a redução da carga tributária); d) há possibilidade de ser
feita uma reforma tributária para redução dos tributos pagos
pelo Povo.
O trabalho foi dividido em quatro capítulos.
O primeiro trata da Hermenêutica27 do Direito Tributário,
considerado como instrumento de defesa do Povo frente ao
Estado, com a invocação do Princípio do In Dubio Contra Fiscum.
A realidade contemporânea, sem dúvida, requer doEstado não somente eficiência administrativa, mase principalmente uma atuação – legítima edinâmica – voltada à participação consciente doHomem na consecução de seu nobre destino.(PASOLD28).
26 “...nos países periféricos, a concentração de renda, a pobreza e amiséria configuram fatores relevantíssimos de exclusão social, oraagravados pela globalização neoliberal do desemprego. A manutenção dopoder por seus detentores nutre-se da exclusão de largas faixaspopulacionais, às quais se nega o direito às prestações do Estado maiselementares: alimentação, educação, saúde, assistência social,habitação.” (DERZI, Misabel Abreu Machado. Pós-modernismo e Tributos:Complexidade, Descrença e Corporativismo. São Paulo: Editora Dialética.RDDT, n° 100, p. 70 e ss. 2003).
27 “Hermenêutica” é citada com letra maiúscula por ser disciplina devários cursos jurídicos brasileiros e porque é utilizada como uma dascategorias básicas deste estudo.
28 PASOLD, Cesar Luiz. Função Social do Estado Contemporâneo. 3a. ed. rev.e amp. Florianópolis: Editora da OAB/SC, p. 86, 2003.
22
No segundo capítulo, sob a inspiração de
ALFREDO AUGUSTO BECKER29, será analisado o “Carnaval
Tributário” atual.
Já no terceiro capítulo, mais
especificamente, estudar-se-á o Princípio da Não-
Cumulatividade do Imposto sobre operações relativas à
circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de
transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação,
ainda que as operações e as prestações se iniciem no
exterior30 (ICMS31), para tratar de situação concreta que
afeta a carga tributária elevada que o Povo suporta e a falta
de interpretação em prol deste (Povo) por grande parte dos
aplicadores do Direito.
No último capítulo, fundamentado em uma
visão de Política Jurídica32, será proposta a reforma fiscal
através da redução de gastos públicos e não de aumento da
carga tributária do Povo.
Nas considerações finais serão apresentadas
breves sínteses de cada capítulo e se demonstrará se as
hipóteses básicas da pesquisa foram ou não confirmadas.
29 BECKER, Alfredo Augusto. Carnaval Tributário. 2ª ed. São Paulo:Editora Lejus. 1999.
30 Conforme o art. 155, II da CRFB/88.31 Abreviação doravante utilizada para este imposto.32 “Disciplina que tem como objeto o Direito que deve ser e como deva ser emoposição funcional à Dogmática Jurídica, que trata da interpretação eda aplicação do Direito que é, ou seja, do Direito vigente.” (MELO,Osvaldo Ferreira de. Dicionário de Política Jurídica. Florianópolis:OAB/SC, 2000. p.77).
23
O Método33 a ser utilizado, na fase de
Investigação, será o Indutivo34. Serão acionadas as técnicas
do referente35, da categoria36, dos conceitos operacionais37,
da pesquisa bibliográfica38 e do fichamento39.
Capítulo 1
A HERMENÊUTICA DO DIREITO TRIBUTÁRIOEM FAVOR DO POVO
33 “Método é a forma lógico-comportamental na qual se baseia oPesquisador para investigar, tratar os dados colhidos e relatar osresultados”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica- idéias eferramentas úteis para o pesquisador do Direito. 7 ed.rev.atual.amp.Florianópolis: OAB/SC Editora, 2002, p.104 .
34 Sobre os métodos nas diversas fases da Pesquisa Científica, videPASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica, cit.. especialmente p.99 a 107.
35 "explicitação prévia do motivo, objetivo e produto desejado, delimitadoo alcance temático e de abordagem para uma atividade intelectual,especialmente para uma pesquisa". PASOLD,Cesar Luiz. Prática daPesquisa Jurídica, cit.. especialmente p. 241.
36 “palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou expressão de umaidéia". PASOLD,Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica, cit..especialmente p. 229.
37 “definição estabelecida ou proposta para uma palavra ou expressão, como propósito de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéiasexpostas”. PASOLD,Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica, cit..especialmente p. 229.
38 “Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais ecoletâneas legais”.PASOLD,Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica, cit..especialmente p. 240.
39 “Técnica que tem como principal utilidade otimizar a leitura naPesquisa Científica, mediante a reunião de elementos selecionados peloPesquisador que registra e/ou resume e/ou reflete e/ou analisa demaneira sucinta, uma Obra, um Ensaio, uma Tese ou Dissertação, umArtigo ou uma aula, segundo Referente previamente estabelecido”.PASOLD,Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica, cit.. especialmente p.233.
24
1.1 DIREITO TRIBUTÁRIO
Para viver em Sociedade, o Povo criou o
Estado, em forma de entidade com poder40 de impor regras de
condutas. Este Estado tem custos que serão, obrigatoriamente,
financiados pelo Povo, inclusive para cumprir sua Função
Social41.
Trata-se de ‘todo’ o povo dos generososdocumentos constitucionais; da população, detodas as pessoas, inclusive das (até o momento)sobreintegradas e das (até o momento) excluídas:trata-se do povo enquanto destinatário das prestaçõesestatais negativas e positivas, que a culturajurídica já atingiu. (MÜLLER42).
O Povo Brasileiro afastou a possibilidade de
ser governado por um regime autoritário e que não respeita a
propriedade privada. A balança desta operação
Estado/tributo/Povo é o Direito Tributário.
40 “...uma faculdade que se respalde em mecanismos reguladores da condutahumana, conciliando capacidade de mando com disposição de adesão e,principalmente, sustentando-se na correspondência de valores entredetentor e ‘súditos’, comprometido, sempre, com o ideal democrático.”(PASOLD, Cesar Luiz. Função Social do Estado Contemporâneo. 3a. ed. rev.e amp. Florianópolis: Editora da OAB/SC, p. 87, 2003).
41 “Repito: é necessário colocar o Estado de forma permanente e pró ativaem função de toda a Sociedade.” (PASOLD, Cesar Luiz. Função Social doEstado Contemporâneo. 3a. ed. rev. e amp. Florianópolis: Editora daOAB/SC, p. 87, 2003).“Eis o fundamento da FUNÇÃO SOCIAL que proponho para o EstadoContemporâneo.” (PASOLD, César Luiz. Função Social do EstadoContemporâneo. 3a. ed. rev. e amp. Florianópolis: Editora da OAB/SC, p.87, 2003).
42 MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? – A questão fundamental dademocracia. São Paulo: Max Limonad. 3ª ed. rev. e amp., p. 100, 2003.
25
O Direito Tributário constitui-se em
instrumento legal e moral de defesa do indivíduo em face da
contínua busca de recursos implementada pelo Fisco, dentro de
um regime democrático. Por isso, não é de se concordar com
conceitos preocupados com ressaltar a mera obtenção de
receita43.
Para a maioria das autoridades fazendárias,infelizmente, o Direito Tributário é um entraveque deve ser removido a todo custo. Tanto nafeitura das leis como na aplicação delas revela-se o arbítrio como diretriz predominante.(MACHADO44).
Desde a Antiguidade, os contribuintes procuraramtornar a atividade da tributação previsível,legal e proporcional (Magna Carta Inglesa de1215). Isto porque, se observou na história autilização despótica do instrumento e do produtoda arrecadação, por governantes que buscavamfinanciar guerras, nobreza e luxo.
Não há lei capaz de transformar o incompetente eímprobo em competente e probo. O exercício dacidadania é a última instância para reverter acultura do favorecimento que tende a ser aceitacom normalidade na vida administrativa da nação.(HARADA45).
43 “...o Direito Tributário compreende todas as normas jurídicas quedizem respeito aos princípios, normas, institutos, e aspectosrelacionados com a obtenção desta receita derivada que é o tributo.”(BALTHAZAR, Ubaldo César. Manual de Direito Tributário. Florianópolis:Editora Diploma Legal, p. 21, 1999).
44 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tritutario. São Paulo:Saraiva, p. 27. 1996.
45 HARADA, Kiyoshi. Administração Pública. Relação direta entre cargatributária elevada e mau administrador . Jus Navigandi, Teresina, a. 8,
26
No Brasil colônia, após a dita “descoberta”46
e o saque colonial implementado, por motivos de ordem
tributária (“derrama”) produziu-se a Inconfidência Mineira. O
País passou por uma evolução social conturbada, onde
princípios como a Legalidade foram esquecidos47.
Na fase democrática, mudou o discurso, mas,
os erros na tributação perduraram em muitos setores da
administração tributária, tendo em vista que a legislação vem
dos Poderes Executivo (pela anômala medida provisória) e
Legislativo, conforme a necessidade de caixa do Executivo, na
maioria das vezes. As votações são negociadas com a moeda dos
cargos dos ministérios, das agências reguladoras e assim por
diante.
A ditadura quer instalar-se no Paíssilenciosamente, antes de revestir formasostensivas e definitivas de tomada do poder.
Mas se o Judiciário cumprir a tarefa desalvaguarda da Constituição, a democraciasobreviverá, e a sociedade das gerações futurasser-lhe-á imensamente agradecida. (BONAVIDES48).
n. 394, 5 ago. 2004. Disponível em:<http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5536>. Acesso em: 02set. 2004.
46 “Dita descoberta”, porque parece injusto não considerar a posição dosÍndios que habitavam as terras do (atual) Brasil antes de 1500.
47 Ditaduras e governos oportunistas, que usavam as crises e mazelas para criar novos tributos.
48 BONAVIDES, Paulo. Do País Constitucional ao País Neocolonial – Aderrubada da Constituição e a recolonização pelo golpe de Estadoinstitucional. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., p. 85, 1999.
27
Interessa ao presente estudo analisar como a
tributação incorreu em tantas ilegalidades e
inconstitucionalidades e acabou por ter, na maioria dos
casos, o “aval” do Poder Judiciário49. Eis o objetivo deste
trabalho, estudar a existência, os motivos e o descumprimento
sistemático do Princípio do in dubio contra fiscum (adiante
tratado).
A Magna Carta inglesa de 1215, imposta pelos
nobres ao Rei João Sem-Terra, como forma de conter o ímpeto
arrecadador do monarca, foi o marco inicial do controle da
tributação.
É corrente a facilidade de administrar com
bastante dinheiro.
Ou seja, a atividade de governante fica bem
mais fácil quando o tesouro tem recursos suficientes para a
satisfação de seus projetos de administrador público. Desta
forma, a civilização desenvolveu, paulatinamente, formas de
controlar o poder tributário. Primeiro foram fixados, nos
textos legais, princípios mínimos, como o Princípio da
Legalidade. Após, vieram as codificações.
No Brasil, a CRFB/88 tratou exaustivamente da
competência tributária, no capítulo “Do Sistema Tributário
49 “Nem as Cortes de Lisboa atuaram tão impiedosamente buscando nossoretorno à condição colonial quanto os globalizadores neoliberais daPraça dos Três Poderes.” (BONAVIDES, Paulo. Do País Constitucional aoPaís Neocolonial – A derrubada da Constituição e a recolonização pelogolpe de Estado institucional. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., p.26, 1999).
28
Nacional”, bem como em outros dispositivos (art. 195,
exemplificativamente).
A Constituição traça as possibilidades dos
entes federados (União Federal, Estados, Distrito Federal e
Municípios) instituírem, mediante lei (art. 150, I), os
tributos devidamente explicitados. Há também possibilidades
mais elásticas, como é o caso do art. 154 e os empréstimos
compulsórios, mas que constituem quase que exceções ao
desenvolvimento normal da tributação.
Competência tributária, por expressa
determinação da CRFB/88, cabe apenas aos entes federados
(União Federal, Estados, Distrito Federal e Municípios).
Devido à competência determinada, o Município poderá cobrar o
IPTU50 (v. g.) sobre a “...propriedade predial e territorial
urbana...” (art. 156, I). Quando o legislador constituinte
fixou este parâmetro, tratou o caso com tipicidade cerrada.
Não deixou margens ao legislador municipal e, muito menos ao
juiz, para interpretações construtivas, no sentido pejorativo
do termo.
Assim, a Constituição veda expressamente que
se faça uma interpretação “fiscalista” ou econômica sobre
dispositivos tributários e a sua regulamentação não pode ir
além da criação de lei. Exemplificando, se a Constituição
autorizou a tributação da propriedade, não se pode, por
interpretação, tributar a posse.
50 Impostos sobre a propriedade predial e territorial urbana.
29
A tributação deve ser interpretada pelo
Direito com prestígio à CRFB/88 e à efetividade dos comandos
ali escritos. A interpretação não pode ser ferramenta de
opressão utilizada pelo governo contra o Povo, seja pela
“preguiça” do Poder Legislativo, seja pelas pressões
econômicas sobre o Congresso Nacional.
MÜLLER é mais contundente:
”A constituição reduz-se a ferramenta
ocasional dos sobreintegrados. Ela não foi ‘pensada’ para os
subintegrados: não pode mais constituir.” (MÜLLER)51.
Ao analisar a Constituição fica bem claro que
o intuito foi o de evitar o despotismo do legislador e dos
governantes.
Um flagrante exemplo de interpretação
extensiva e indevida é o regime das abusivas medidas
provisórias52 que se instalou no Brasil. A doutrina constata,
com tristeza, que os tribunais brasileiros têm
sistematicamente aprovado a legislação advinda das medidas
51 MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? – A questão fundamental dademocracia. 3ª ed. rev. e amp. São Paulo: Max Limonad. p. 99. 2003.
52 “ Nem a ditadura de Vargas durante a época do Estado Novo (1937-1945),nem o governo dos generais, que impuseram à Nação a partir de 1964vinte anos de ditadura militar, baixaram tantos decretos-leis ougovernaram com recurso a tamanha via de exceção, quanto os autocratasconstitucionais do Palácio do Planalto, em Brasília. Adulterando o art.62 da Constituição, transformaram eles as antecâmaras dos ministériosem sede de um legislativo clandestino que, no exercício da tarefalegiferante, tem sobre o Congresso Nacional uma esmagadora hegemonia.”(BONAVIDES, Paulo. Do País Constitucional ao País Neocolonial – Aderrubada da Constituição e a recolonização pelo golpe de Estadoinstitucional. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., p. 41, 1999).
30
provisórias53, mesmo constatando que não se revestem de
urgência ou relevância, apesar destes requisitos serem
constitucionalmente exigidos para a utilização dessa
excepcionalidade legiferante.
Para inconformismo geral, ao proceder a
interpretação dos requisitos constitucionais, os tribunais
nacionais chegaram a afirmar que os dois requisitos para
utilização da medida provisória ficavam a cargo da
discricionariedade do Poder Executivo. Ou seja, o Poder
Judiciário, ao proceder dessa forma, abdicou de parte do seu
poder. Parece que se acredita que o Constituinte de 1988
teria dado apenas um conselho, uma orientação ao Poder
Executivo e não uma garantia aos cidadãos que formam o Povo.
Sem dúvida o Poder Judiciário deveria sentir-se chamado a
intervir quando os contribuintes são tomados de assalto por
medidas provisórias aprovadas entre o Natal e o Ano Novo.
Vide o exemplo das Taxas ao IBAMA54, que foram um ótimo
exemplo de ofensa ao Princípio da Não-Surpresa55. Tanto que
para evitar novos erros deste tipo (não corrigidos pelo Poder
Judiciário) foi editada a Emenda Constitucional n° 42 para
53 “O ato institucional da Emenda da reeleição fez possível renovar omandato do presidente da República e certificar a cumplicidade doLegislativo e do Judiciário na consolidação desta ditadurasingularmente escorada em medidas provisórias e atos ofensivos aoregime constitucional.” (BONAVIDES, Paulo. Do País Constitucional aoPaís Neocolonial – A derrubada da Constituição e a recolonização pelogolpe de Estado institucional. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., p.29, 1999).
54 Instituto Brasileiro do Meio Ambiente.55 O IBAMA não presta serviço público específico e divisível (ainda quepotencial) que justifique a cobrança da taxa de controle efiscalização, por exemplo.
31
vedar a cobrança de tributos antes de decorridos noventa dias
da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou
aumentou (art. 150, III, “c” da CRFB/88).
É lamentável constatar que o Judiciário
titubeia em alguns casos, esquecendo-se da sua condição de
Poder e de sua primeira incumbência que é defender a CRFB/88,
que lhe dá este Poder, diga-se de passagem.
Como exemplo, convém citar recente acórdão
do Superior Tribunal de Justiça56 que - apesar de ciente de a
não devolução dos valores recebidos a maior pelo Fisco é
incorreta (conforme sua própria jurisprudência) - cedeu e
56 RECURSO ESPECIAL Nº 401.103 - RJ (2001/0192136-5). RELATOR : MINISTROCASTRO MEIRA. RECORRENTE : AUTO INDUSTRIAL LTDA. ADVOGADO : JEFFERSONRAMOS RIBEIRO E OUTROS. RECORRIDO : ESTADO DO RIO DE JANEIRO.PROCURADOR : ALEX CORDEIRO BERTOLUCCI E OUTROS. EMENTA - TRIBUTÁRIO.ICMS. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA PROGRESSIVA. REPETIÇÃO OU COMPENSAÇÃO DEVALORES RECOLHIDOS A MAIOR. IMPOSSIBILIDADE. DECISÃO DO STF (ADIN N.º1.851-4/AL). EFICÁCIA ERGA OMNES E EFEITO VINCULANTE. RECURSO ESPECIALIMPROVIDO. 1. Julgados desta Corte, ao analisar o fenômeno dasubstituição tributária progressiva, firmaram o entendimento de que ocontribuinte pode requerer a repetição ou compensação do ICMS pago amaior quando a base de cálculo do fato gerador presumido for superiorao valor efetivo da operação. 2. O Supremo Tribunal Federal, naassentada de 08 de maio de 2002, consagrou orientação contrária à queaté então era adotada no âmbito da Primeira Seção desta Corte. 3. Nojulgamento da ADIN n.º 1.851-4/AL, entendeu-se, à luz do comandocontido no § 7º do artigo 150 da Constituição da República, que ocontribuinte tem direito à restituição dos valores recolhidos em regimede substituição tributária progressiva apenas quando o fato gerador nãose realizar, afastada a possibilidade de compensação de eventuaisexcessos ou faltas, em face do valor real da operação substituída. 4.Recurso especial improvido. ACÓRDÃO. Vistos, relatados e discutidos osautos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros daSEGUNDA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, "A Turma, porunanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr.Ministro-Relator."Os Srs. Ministros Francisco Peçanha Martins, ElianaCalmon, Franciulli Netto e João Otávio de Noronha votaram com o Sr.Ministro Relator. Brasília (DF), 15 de abril de 2004 (data dojulgamento). Ministro Castro Meira. Relator.
32
decidiu conforme a jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal, com a qual não concorda a doutrina.
Como será visto adiante, de forma mais
detida, sobre a interpretação para o caso de dúvida, o CTN
traz explícitas duas regras. Em primeiro lugar, deve haver
uma interpretação literal em casos de exclusão, isenção e
dispensa de obrigações acessórias. A norma justifica o seu
alcance para evitar o abuso na interpretação elástica das
benesses tributárias. A segunda norma é conhecida dos
estudiosos do Direito Penal. De fato, se alguém é acusado,
isto deve ser provado com a apuração da tão buscada verdade
real. Persistindo a dúvida, deve ser evitada a penalidade.
Não poderia ser de outra maneira. Vigendo no Direito
Tributário o Princípio da Estrita Legalidade, que traz
consigo a necessidade de uma tipificação rigorosa, qualquer
dúvida sobre a perfeita subsunção do fato à norma tributária,
compromete aquele postulado básico que se aplica com a mesma
força no campo do Direito Penal – in dubio pro reo.
Observe-se que o texto legislado menciona a
forma de interpretar na ausência de disposição expressa (art.
108 do CTN), confrontos com as categorias jurídicas de
direito privado (arts. 109 e 110 do CTN), interpretação
literal nos casos que especifica (art. 111 do CTN) e in dubio
pro reo (art. 112 do CTN).
Sobre interpretação literal, com probidade
científica, tem-se argumentado que:
33
o desprestígio da chamada interpretação literal,como critério isolado da exegese, é algo quedispensa meditações mais sérias, bastando argüirque, prevalecendo como método interpretativo doDireito, seríamos forçados a admitir que osmeramente alfabetizados, quem sabe com o auxíliode um dicionário de tecnologia, estariamcredenciados a descobrir as substâncias dasordens legisladas, explicando as proporções dosignificado da lei. O reconhecimento de talpossibilidade roubaria à Ciência do Direito todoo teor de suas conquistas, relegando o ensinouniversitário, ministrado nas faculdades, a umesforço estéril, sem expressão e sentido práticode existência. (MELO57).
A produção legislativa brasileira, na área
tributária, não tem o rigor científico que deveria. Para
confirmar esta assertiva basta lembrar que o Poder Judiciário
reconheceu inconstitucionalidades como a do Finsocial,
empréstimo compulsório sobre combustíveis e veículos,
Decretos-Leis 2445 e 2449, contribuição sobre o pro labore,
contribuição sobre o Funrural, entre tantos outros.
O indivíduo que legisla é mais ator do que autor:traduz apenas o pensar e o sentir alheios,reflexamente às vezes, usando meios inadequadosde expressão quase sempre... (MAXIMILIANO58).
E a inconstitucionalidade ou ilegalidade
devem ser analisadas, geralmente, na delimitação do alcance
57 MELO, José Eduardo Soares de. Curso de Direito Tributário. São Paulo:Editora Dialética. p. 149/150, 1997.
58 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 11a. ed. Riode Janeiro: Forense. p. 20. 1990.
34
do aspecto material, conforme doutrinou ATALIBA na sua obra
clássica “Hipótese de Incidência Tributária”.
Logo, havendo dúvida em saber se a hipótese
de incidência, descrita na nova legislação, está
perfeitamente adequada à competência tributária (vide item
1.1), qual lado deverá ser protegido pelo Julgador (judicial,
posto que se parte do princípio de que na esfera
administrativa vige o Princípio do in dubio pro fiscum)?
Defende-se que, na dúvida, o contribuinte deva sair vencedor
neste embate, na medida em que este é a parte mais fraca,
também, que é o mantenedor e o motivo de toda a tributação e
da existência do próprio Estado. Quando o Povo reuniu-se para
dar origem ao Estado, pela falibilidade da espécie humana,
foram previstas formas de controlar as mazelas do abuso do
poder de arrecadar tributos.
1.2 HERMENÊUTICA TRIBUTÁRIA
A Hermenêutica Jurídica é conceituada por
MELO59 como “Conjunto de processos e técnicas que
possibilitam a interpretação das expressões jurídicas.”.
CARLOS MAXIMILIANO conceitua Hermenêutica
Jurídica como aquela que “...tem por objeto o estudo e a
59 MELO, Osvaldo Ferreira de. Dicionário de Política Jurídica.Florianópolis: OAB/SC, 2000. p.47.
35
sistematização dos processos aplicáveis para determinar o
sentido e o alcance das expressões do Direito.”60.
Discorda-se do conceito de MAGALHÃES e
MALTA61 para os quais Hermenêutica seria “...Teoria, arte ou
ciência da interpretação dos textos correspondentes ao
direito positivo.”. Isso porque se trata de conceito
extremamente amplo e indeterminado quando cita arte, teoria
ou ciência e definitivamente limitado quando circunscreve o
hermeneuta ao Direito Positivo.
Esta pesquisa contempla a análise
hermenêutica das técnicas de interpretação utilizadas pelos
operadores do Direito Tributário e propõe a inclusão da
discussão do efeito tributário que será sentido pelo Povo,
afastando interpretações meramente formalistas62 ou
econômicas e reforçando as limitações ao poder de tributar.
Um dos paradoxos mais salientes da história dodireito é a influência negativa que um corpo bem-sucedido de normas exerce sobre a teoriajurídica. Diante dele, os juristas tendem a setornar simples glosadores, e o pensamentojurídico reduz-se a pobres comentários, quando
60 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 11a. ed. Riode Janeiro: Forense. p. 1. 1990.
61 MAGALHÃES, Humberto Piragibe e MALTA, Christovão Piragibe Tostes.Dicionário Jurídico. 7a. ed. Rio de Janeiro: Edições Trabalhistas.1991.
62 “...todo o rodar dessa engrenagem só entendida pelos iniciados écoberta e recoberta pelos ritos formalíssimos do processo(procedimentos), incidentes que se enovelam, muitas vezes, em umambiente kafkiano...’ (MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas Atuais dePolítica Jurídica. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor/CMCJ-UNIVALI, ps. 37/38, 1998).
36
não mera paráfrase do texto normativo.(COMPARATO63).
No âmbito de Dogmática Jurídica64, prescreve
o Código Tributário Nacional65, em matéria de aplicação e
interpretação, que a legislação tributária66 aplica-se
imediatamente aos fatos geradores futuros e aos pendentes.
Quanto à irretroatividade, abre exceção para
quando seja legislação tributária expressamente
interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração
dos dispositivos interpretados e, tratando-se de ato não
definitivamente julgado quando deixe de defini-lo como
infração ou quando deixe de tratá-lo como contrário a
qualquer exigência de ação ou omissão. Também, no que
acontece com mais freqüência67, quando lhe comine penalidade
menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo do ato.
No terreno da interpretação e integração da
legislação tributária há autorização, nos termos do art. 10863 COMPARATO, Fábio Konder, in Prefácio à obra de MÜLLER, Friedrich. Quemé o povo? – A questão fundamental da democracia. São Paulo: MaxLimonad. 3ª ed. rev. e amp. p. 9, 2003.
64 “ Sistema que articula princípios, conceitos, normas e regrastécnicas, construído com apoio na Ciência do Direito e aplicado naesfera judicial, com vistas à decidibilidade dos conflitos.” (MELO,Osvaldo Ferreira de. Temas Atuais de Política Jurídica. Porto Alegre:Sergio Antonio Fabris Editor/CMCJ-UNIVALI, p. 33, 1998).
65 A expressão “nacional” denota a aplicabilidade e necessidade derespeito pelos entes com competência tributária e também daqueles commera capacidade tributária (OAB, INSS, CREA et coetera), e não apenas emnível federal.
66 Observe-se que, para efeito do disposto no art. 96 do CTN, "legislaçãotributária" compreende as leis, os tratados internacionais, e demaisnormas complementares (instrução normativa, por exemplo).
67 Conhecimento empírico de operador do Direito Tributário.
37
do CTN para, na ausência de disposição expressa, a autoridade
ou juiz apliquem a legislação por analogia, na observância
dos Princípios Gerais de Direito Tributário e Direito Público
e, por último da eqüidade.
Óbvio que o emprego da analogia não poderá
resultar na exigência de tributo não previsto em lei e da
eqüidade não poderá resultar na dispensa do pagamento de
tributo devido, sob pena de total insegurança do Sistema
Tributário Nacional.
Os Princípios Gerais do Direito Privado
utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do
alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para
definição dos respectivos efeitos tributários, é o que diz o
art. 109 do CTN. A lei tributária não pode alterar a
definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e
formas de Direito privado. A competência tributária deve
obediência à necessária subsunção68 do texto legal criador do
tributo à previsão constitucional, seja no terreno dos
tributos vinculados ou não vinculados, na lição do Professor
ATALIBA69.
68 “...Pelo dogma da subsunção, segundo o modelo da lógica clássica, oraciocínio jurídico se caracterizaria pelo estabelecimento de umapremissa maior, que conteria a diretiva legal genérica, e de umapremissa menor, que expressaria o caso concreto, sendo a conclusão amanifestação do juízo concreto.” (FERRAZ JR., Tercio Sampaio. A Ciênciado Direito. São Paulo: Atlas, p. 34, 1980).
69 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 5ª ed. São Paulo:Malheiros. 1994.
38
A hipótese de incidência (ou hipótese
tributária para CARVALHO70) é como o tipo em Direito Penal, é
a descrição hipotética e abstrata de um fato previamente
sinalizado e delimitado na CRFB/88, basicamente nos artigos
145, 148, 149, 153, 154, 155, 156 e 195.
O aspecto mais complexo da hipótese de
incidência é o aspecto material, consistente na designação de
todos os dados de ordem objetiva, configuradores do
arquétipo em que ela (hipótese de incidência) consiste, é a
própria consistência material do fato ou estado de fato
descrito pela hipótese. Contém a indicação de sua substância
essencial, que é o que de mais importante e decisivo na sua
configuração descrita na CRFB/88.
Em alguns casos, convém interpretar-se
literalmente a legislação tributária que disponha sobre
outorga de isenção (verbi gratia), sob pena de o intérprete
estender benefícios onde o legislador não contemplou.
A semelhança com o Direito Penal fica clara
quando a lei tributária que define infrações interpreta-se da
maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida.
Porém, falta sedimentar na doutrina a
concepção de aplicação do in dubio contra fiscum, em todos os
casos de dúvida, não apenas nos casos de definição de
infrações.
70 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 4ª edição. SãoPaulo: Saraiva, 1991.
39
Em termos gerais, o objeto da interpretação
é o texto legal como portador de um significado para o qual
se busca a compreensão.
[...] numa comparação com o modelo cibernético nainterpretação operativa, as informações normativae fática, constituindo o objeto da interpretação,formam o input sobre o qual o órgão processador dedados (juiz), que produzirá, como resultado(output) da interpretação, uma decisão judicial.(ANDRADE71).
A Hermenêutica Tributária tem por objeto o
estudo e a sistematização dos processos aplicáveis para
determinar o sentido e o alcance das expressões tributárias,
nos quais estão compreendidos processos de:
a) Aplicação e integração do Direito;
b) Interpretação da norma;
c) Convergência da norma aos interesses do
criador do Estado (Povo);
d) Observância isonômica dos direitos
envolvidos, sem privilégios ao Fisco72.
A Hermenêutica do Direito Tributário deve
assegurar o compromisso do Estado para com o Bem Comum:
Acredito que não há sentido na criação e naexistência continuada do Estado, senão na
71 ANDRADE, Christiano José de. Hermenêutica Jurídica no Brasil. SãoPaulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 252. 1991.
72 Proposta do autor.
40
condição – inarredável – de instrumento em favordo Bem Comum ou Interesse Coletivo.
Deve haver, por parte desta criatura daSociedade, um compromisso com a sua criadora, sobpena de perda de substância e de razão de ser doato criativo. (PASOLD73).
O intérprete porta-se como mediador do
Estado e o particular com base no texto legal, sem conseguir
afastar por completo ideologias que influenciam positiva ou
negativamente na produção normativa e na formação da
Consciência Jurídica Social, conforme leciona MELO74.
Por isso que é percebido, mesmo que
empiricamente, certo comportamento do Poder Judiciário para
interpretar em favor do Fisco, sendo corrente que alguns
magistrados chegam a afirmar que as empresas devem pagar, em
caso de dúvida. Conviria a estes, observar com o apoio da
Hermenêutica que quem suportará esta carga, ao final, é o
Povo.
A eventual “ira do julgador” para com as
empresas, reflexamente, atingirá o contribuinte de fato, eis
que este suporta verdadeiramente o encargo tributário.
Bastaria para o julgador ter noções básicas da disciplina de
custos do curso de Ciências Contábeis, com humildade
científica, para constatar isto.
73 PASOLD, Cesar Luiz. Função Social do Estado Contemporâneo. 3a. ed. rev.e amp. Florianópolis: Editora da OAB/SC, p. 47, 2003.
74 MELO, Osvaldo Ferreira de. Dicionário de Política Jurídica.Florianópolis: OAB/SC, 2000. p.49.
41
A Hermenêutica determina uma progressiva
racionalização do Direito Tributário, para descartar
estratégias e métodos irracionais que levariam a
interpretação ao arbítrio do intérprete.
Se ao juiz cabe encontrar uma sentença justa
de acordo com a realidade social do momento da interpretação,
será inadmissível uma decisão judicial que não atente para a
atual carga tributária (aproximadamente 40%75 do PIB –
Produto Interno Bruto). A interpretação deve buscar o
razoável.
O Direito deve realizar, tornar-se
realidade, protegendo o cidadão e decidindo em favor desde em
caso de dúvida, porque não é lícito ao intérprete (julgador
administrativo e ou juiz) encobrir discurso comodista com o
auxílio da norma, como adiante será tratado.
[...] a interpretação não é declaratória ereprodutiva de um direito preexistente, mas simconstitutiva e produtiva de um direitoatualizado, que considera o novo no fatosocial[...] (ANDRADE76).
Prossegue o mesmo autor:
[...] a ratio legis se objetiva e se atualiza. Emborasem desprezar a dimensão estabilidade, a
75 Trata-se de percentual que tem gerado acirradas críticas da doutrinatributária e pouco eco tem se ouvido nos tribunais. Empiricamente nota-se que o fisco discorda, por vezes alegando que não seriam 40%, mas,39%: bela diferença para o Povo!
76 ANDRADE, Christiano José de. Hermenêutica Jurídica no Brasil. SãoPaulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 254. 1991.
42
interpretação está mais voltada para a dimensãomobilidade do direito, adaptando-o à realidadesocial do momento de sua aplicação. A valoraçãojurídica é um fato do presente. A dogmáticajurídica torna-se então menos retrospectiva emais prospectiva. (ANDRADE77).
O Direito Tributário, conforme conceituado
no item seguinte, não pôde aflorar com tanta ênfase durante o
Regime Militar, instalado em 1964, quanto após a CRFB/88,
tendo em vista a liberdade78 de se discutir a limitação do
Poder de Tributar.
A Hermenêutica aplicada ao Direito
Tributário deve levar em conta o Bem Comum do Povo, conceito
no qual se engloba, certamente, uma postura independente do
Poder Judiciário frente aos outros dois Poderes da
República, bem como, do Ministério Público (evitando a
castração da jurisprudência dos tribunais superiores ou
excesso de ego bloqueador da atualização constante79).
Cabem ao Judiciário, ao Ministério PúblicoFederal, a própria sociedade organizada e
77 ANDRADE, Christiano José de. Hermenêutica Jurídica no Brasil. SãoPaulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 254. 1991.
78 “...A categoria liberdade aparece no conceito como expressão davontade livre. Entende-se por vontade livre o estado de consciência,pelo qual o ser racional escolhe, livremente, o bem da vida como valoruniversal. Somente é reconhecida a vontade livre quando o ser possuiconsciência de si...” (SILVA, Moacyr Motta da. Direito, Justiça,Virtude Moral & Razão – Reflexões. Curitiba: Juruá Editora, p. 119,2003).
79 “A castração é tudo o que você continuamente acumula através dafamília, da educação, dos costumes, da civilização. O ego é aquilo quevocê acumula e não o deixa descobrir a si mesmo.” (WARAT, Luis Alberto.A Ciência Jurídica e seus dois maridos. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, p.19, 2000).
43
mormente aos Tribunais de Contas a missãoconstitucional, na forma do art. 70 caput daConstituição Federal, de viabilizar na realidadejurídica brasileira, a aplicação do princípio dojusto gasto do tributo arrecadado, otimizando osconceitos jurídicos de legalidade, economicidadee legitimidade na aplicação dos recursospúblicos, punindo os agentes públicos quemalversarem os escassos recursos públicos.(NOGUEIRA80).
Isso, em que pese “...numa sociedade
estratificada, altamente complexa, contraditória e muito
desigual economicamente, aumentem as dificuldades para a
avaliação do Bem Comum e dos fins sociais da lei, que
calibram a justiça da interpretação e da decisão.”
(ANDRADE81).
[...] só se pode falar enfaticamente de povoativo quando vigem, se praticam e são respeitadosos direitos fundamentais individuais e, por igual[nicht zuletzt], também os direitos fundamentaispolíticos. (MÜLLER82).
Este despertar da Hermenêutica do Direito
Tributário em favor do Povo é essencial, pois são comuns as
tentativas de persuadir o Poder Judiciário a ter
interpretações conforme os meros interesses da arrecadação80 NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima. O tributo é um direito da sociedade enão do Estado . Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 419, 30 ago. 2004.Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5636>.Acesso em: 21 set. 2004.
81 ANDRADE, Christiano José de. Hermenêutica Jurídica no Brasil. SãoPaulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 261, 1991.
82 MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? – A questão fundamental dademocracia. São Paulo: Max Limonad. 3ª ed. rev. e amp., p. 63, 2003.
44
(que por vezes atendem aos interesses do Fundo Monetário
Internacional83), basta ver que há os que pregam a
relativização de cláusulas pétreas, como a legalidade:
Tal conclusão é fruto de interpretação da normaorientada por um critério que busca o equilíbriode valores como a liberdade, a segurança jurídicae a justiça. A postura interpretativa aquidefendida está, inclusive, em sintonia com ajurisprudência atual do Supremo Tribunal Federal,quando se vale da técnica da interpretaçãoconforme a Constituição.
Os tempos atuais demandam uma nova visão doDireito Tributário, dissociada do positivismoformalista que vem predominando na doutrinapátria. Os princípios da legalidade e datipicidade não devem ser encarados como dogmas,mas como garantias do contribuinte, que podemceder em determinadas circunstâncias, desde quepresentes critérios de razoabilidade,necessidade, utilidade.
83 “O golpe de Estado institucional, ao contrário do golpe de Estadogovernamental, não remove governos mas regimes, não entende com pessoasmas com valores, não busca direitos mas privilégios, não invade Poderesmas os domina por cooptação de seus titulares; tudo obra em discretosilêncio, na clandestinidade, e não ousa vir a público declarar suasintenções, que vão fluindo de medidas provisórias, privatizações,variações de política cambial, arrocho de salários, opressão tributária,favorecimento escandaloso da casta de banqueiros, desemprego, domínioda mídia, desmoralização social da classe média, minada desde as bases,submissão passiva a organismos internacionais, desmantelamento dos sindicatos,perseguição dos servidores públicos, recessão, seguindo à risca, receitaprevista pelo neoliberalismo globalizador, até a perda total da identidade nacional eredução do País ao status de colônia, numa marcha sem retorno.” (BONAVIDES,Paulo. Do País Constitucional ao País Neocolonial – A derrubada daConstituição e a recolonização pelo golpe de Estado institucional. SãoPaulo: Malheiros Editores Ltda., p. 23, 1999) (sem negritos nooriginal).
45
Sem que se abandone o primado da legalidade aponderação de princípios poderá ocorrer, sendoque a sua caracterização de forma absoluta deveser relativizada, notadamente em face dacapacidade contributiva. (ULHOA84).
Como os Princípios da Legalidade e da
Tipicidade poderiam ceder em determinadas circunstâncias? Ou
seja, seriam legalidade e tipicidade amenizadas? Outra
pergunta: ceder em benefício do Fisco ou do Povo? Óbvio que a
orientação do Sr. Daniel da Silva Ulhoa (acima citado, com
função de procurador da Fazenda Nacional) é em favor do
Fisco, com o que não se pode concordar por uma questão de
apego à Ciência do Direito que, pode facilmente mostrar que a
Hermenêutica, na seara tributária, é direcionada à proteção
do Povo, não do Fisco que poderia tornar de aplicação
facultativa o Princípio da Legalidade em nome do aumento de
carga tributária (em desrespeito às regras do bom
administrador público).
[...] por força de prescrições jurídicas e/ouimplementação tendenciosa de textos de normasexistentes, quando se visa instituir a desigualdadede ‘povo’ e ‘população’ por meio de múltiplastécnicas de discriminação, exclusão e terror.(MÜLLER85).
84 ULHOA, Daniel da Silva. A norma geral antielisão. Parágrafo único doartigo 116 do CTN. Breves considerações. Jus Navigandi, Teresina, a. 8,n. 435, 15 set. 2004. Disponível em:<http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5692>. Acesso em: 15 set.2004.
85 MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? – A questão fundamental dademocracia. São Paulo: Max Limonad. 3ª ed. rev. e amp., p. 85, 2003.
46
Para enfatizar, há que se respeitar a
posição de ULHOA (antes citada), mas, discordar dela em
homenagem à CRFB/88 que prescreve:
Art. 5°
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar
de fazer alguma coisa senão em virtude de
lei;
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias
asseguradas ao contribuinte, é vedado à
União, aos Estados, ao Distrito Federal e
aos Municípios:
I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o
estabeleça;
Que exercício de Hermenêutica serviria para
o propósito de amesquinhar tal Princípio Constitucional?
Ademais, referido Procurador da Fazenda
Nacional (ULHOA, op. cit) apontou os critérios de
razoabilidade, necessidade e utilidade a serem utilizados
para tornar relativos os Princípios Constitucionais, ao que
parece para tornar mais fácil a defesa da União em Juízo. A
União é a pessoa jurídica mais processada no País, não sem
razão, tamanha a má qualidade da legislação tributária,
principalmente no que tange às instruções normativas emitidas
pelo Secretário da Receita Federal.
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O Brasil sofre há décadas de um mal crônico, quelhe tolhe o crescimento e a harmonia que devepermear todas as instâncias da AdministraçãoPública: uma inflação legislativa e, o que épior, com a edição de leis, decretos, portarias einstruções normativas que, além de numerosas,chocam-se entre si e agridem até mesmo a CartaMagna, seja violando artigos expressos, sejaofendendo princípios nela consagrados.(MORETTI86).
Para se ter uma idéia disto, basta ver o
ranking de distribuição de processos no Superior Tribunal de
Justiça, onde a União é “ouro’ e “bronze” (por
desconhecimento, tratam União e Fazenda Nacional como seres
fictícios distintos), sem contar a “prata” que é do Instituto
Nacional do Seguro Social (INSS87), que também gravita na
esfera de controle e poder do Executivo Federal:
A União é a campeã no ranking das 20 maisprocessadas no Superior Tribunal de Justiça(STJ). Um levantamento inédito produzido pelaSeção de Sistema Processantes revelou que, numperíodo de 15 anos, ou seja, desde a criação doSTJ, chegaram a este Tribunal 202.676 processostendo como ré a União. Se levarmos em conta queas 20, empresas privadas ou instituições,respondem por 401.079 ações, a participação daUnião nesse bolo corresponde a 50,53%.
86 MORETTI, Ivan Cesar. O direito "babélico" tributário e a insegurançajurídica . Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 419, 30 ago. 2004.Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5613>.Acesso em: 22 set. 2004.
87 Abreviatura doravante utilizada para o nome do Instituto Nacional doSeguro Social.
48
Sistema Justiça - Critério da pesquisa:
§ Levantamento das 20 partes que possuem maiornúmero de processos como parte ré na base do STJ.
§ Os dados são históricos, ou seja, os processosencerrados estão incluídos no total.
NOME DA PARTE RÉ TOTAL
1. UNIÃO 202676
2. INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS56098
3. FAZENDA NACIONAL 34970” (CORDEIRO e GENÚ88).
Será que não caberia à União (via Fazenda
Nacional) aumentar a fiscalização e aos legisladores
melhorarem a técnica e votarem conforme estudos científicos
para a criação de tributos e não em troca de cargos89? Aos
procuradores evitarem recursos protelatórios? Aos delegados
da Secretaria da Receita Federal liberarem mercadorias
apreendidas, com o único objetivo de cobrar, coercitivamente
(de forma inconstitucional e ilegal), tributos, comodamente
mal escudados em instruções normativas que desafiam, até
mesmo, matérias sumuladas pelos tribunais superiores90?
88 CORDEIRO, Roberto. GENÚ, Cristine. União lidera ranking das 20 maisprocessadas no STJ. Brasília: Superior Tribunal de Justiça. 5 ag.set.2004. Disponível em: <http://www.stj.gov.br>. Acesso em: 5 agos. 2004.
89 Seguidamente a imprensa noticia que tal matéria foi votada em troca deum cargo de ministro para o partido. É a negociata do Poder Executivocom o Legislativo contra o Direito. É o interesse do partido contra ointeresse do Povo.
90 Verbi gratia, Súmula 323 do Superior Tribunal de Justiça.
49
[...] o positivismo de superfície tem conduzidoao abandono dos princípios – necessariamentegerais – como base de toda teoria jurídicaduradoura. O nacional-positivismo representa, decerto modo, a negação da ciência jurídica, poisrepudia aquele princípio de explicitação unitáriada realidade, que constitui a meta de todoconhecimento científico. (COMPARATO91).
E para finalizar, não cabe à Hermenêutica do
Direito Tributário fazer o governante e a Fazenda Pública
cumprirem a CRFB/88 e o CTN, para que a disciplina seja
aplicada conforme sua razão constitucional de existir, em
benefício do Povo? “A função do ‘povo’, que um Estado invoca,
consiste sempre em legitimá-lo...” (MÜLLER92).
1.3 O PRINCÍPIO DO IN DUBIO CONTRA FISCUM
O Princípio do In Dubio Contra Fiscum foi
conceituado por SILVA93: “In dubio contra fiscum. É traduzido
em caso de dúvida contra o fisco. Funda-se no célebre texto
de MODESTINO: “’Non puto delinquere eum, qui in dubiis
quaestionibus contra fiscum facile responderet.’ E nele se
91 Prefácio à obra de MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? – A questãofundamental da democracia. São Paulo: Max Limonad. 3ª ed. rev. e amp.,ps. 12/13, 2003.
92 MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? – A questão fundamental dademocracia. São Paulo: Max Limonad. 3 ed. rev. e amp., p. 76, 2003.
93 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. vol. II. Rio de Janeiro:Forense, p. 459. 1991.
50
estabelece o princípio de que, em uma questão duvidosa, seja
de fato ou de direito, se deve decidir contra o fisco”.
O Direito Tributário serve para proteger o
contribuinte, como pode se deduzir do ensinamento do
Professor WARAT (que disserta em nível de Teoria Geral do
Direito): “o direito do instituinte acima do lugar do direito
do instuituído, a busca de um trabalho sobre um direito que
nos permita (ou facilite) escutar sinais do novo.” (WARAT94).
Afasta-se, em boa parte, a possibilidade de
arbítrio (do governo) dando transparência ao poder de
tributar, ao se prever a proibição de criar tributos sem
votação e a inviolabilidade dos bens particulares. Tudo para
fiscalizar o ente público quando da sua atividade de
arrecadador.
O atual regime capitalista, implementado em
países como o Brasil, demanda um Governo que receba recursos
do setor privado para a consecução das atividades inerentes
ao Poder Público, tendentes à realização do Bem Comum e à
manutenção da forma de governo e, em geral, como forma de
permanência dentro de parâmetros democráticos.
A constatação de que o Direito Tributário é o
ramo do Direito que se preocupa com as pessoas sujeitas a
imposições tributárias de qualquer espécie, limitando o poder
de tributar e protegendo o Povo (contra os abusos desse
94 WARAT, Luis Alberto, citação do prefácio da obra da obra MELO, OsvaldoFerreira de. Fundamentos da Política Jurídica. Porto Alegre : Ed.Sergio Fabris, p. 11, 1994.
51
poder) parece tarefa simples, porém, aparentemente
desconhecida nos meios judiciais, ante a quase total
inexistência de invocações da necessidade de proteger o
cidadão em detrimento dos interesses do sujeito ativo
tributário, em caso de dúvida
O Direito Tributário serve para proteger o
cidadão ou a empresa, que é contribuinte ou responsável
tributário (arca com o ônus tributário e depois repassa ao
Povo).
Diz o Código Tributário Nacional no artigo
3°: “Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em
moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua
sanção por ato ilícito, instituída por lei e cobrada mediante
atividade administrativa plenamente vinculada.” O tributo não
é um contrato, posto que é cobrado compulsoriamente, mesmo
que se trate de um tributo vinculado95, como é o caso da
contribuição de melhoria. Caso uma rua seja asfaltada, o
95 Conforme as lições de ATALIBA (ATALIBA, Geraldo. Hipótese deIncidência Tributária. 5ª ed. São Paulo: Malheiros. 1994), os tributosvinculados são aqueles cujo aspecto material da hipótese de incidênciaconsiste numa atuação estatal. Esta espécie comporta duas subespécies,que se extremam pelas características do inter-relacionamentoestabelecido pelo legislador, entre os aspectos material e pessoal dahipótese de incidência. Verbi gratia: contribuição é a de melhoria, cujahipótese de incidência é a "valorização imobiliária causada por obrapública" - combinação do art. Art. 145 da CRFB/88 “A União, osEstados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir osseguintes tributos: (...) III - contribuição de melhoria, decorrente deobras públicas.” e art. 81 do CTN “A contribuição de melhoria cobradapela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios,no âmbito de suas respectivas atribuições, é instituída para fazer faceao custo de obras públicas de que decorra valorização imobiliária,tendo como limite total a despesa realizada e como limite individual oacréscimo de valor que da obra resultar para cada imóvel beneficiado.”
52
morador deverá contribuir com este tributo, independente dele
querer ou não a realização daquela obra. Há uma imposição
inerente e necessária ao conceito de tributação.
Se o Direito Tributário foi instituído para
proteger o contribuinte, em caso de dúvida na interpretação
da norma, o julgador deve prestigiar o direito do sujeito
passivo96 que está sofrendo a imposição tributária. Isso no
âmbito do Poder Judiciário, pois o processo de cobrança dos
créditos tributários tem uma fase administrativa necessária,
na qual a parcialidade é óbvia. Nos Conselhos de
Contribuintes, há votação paritária de representantes dos
contribuintes e do sujeito ativo tributário. Em caso de
empate o voto de Minerva97 é do Fisco.
Um exemplo: existem órgãos arrecadadores que
desconsideram o art. 142 do CTN e praticam o
“autolançamento”, qual seja, procedem a inscrição em dívida
ativa sem dar possibilidade ao sujeito passivo de defender-se
administrativamente, como manda a CRFB/8898 e o Código
96 “Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigadaao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária.” (CTN).
97 “Voto de Minerva: Voto de desempate, concedido aos presidentes doscorpos administrativos, judiciários, etc.; voto de qualidade.”(FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio - SéculoXXI. São Paulo: Editora Nova Fronteira e Lexikon Informática). Aexpressão Minerva se refere à deusa da sabedoria (idem, ibidem).
98 CRFB/88, Art. 5° (...): “LIV - ninguém será privado da liberdade ou deseus bens sem o devido processo legal; LV - aos litigantes, em processojudicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados ocontraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a elainerentes;”.
53
Tributário Nacional, bem como a presença de motivação99, a
moralidade100 e a publicidade, que deveriam caracterizar e
cercar os atos dos entes públicos101. Observe-se que o art.
142 do CTN, peremptoriamente, diz que a atividade de
lançamento pela autoridade administrativa é vinculada,
obrigatória e necessária (imprescindível) para a constituição
do crédito tributário: “Art. 142. Compete privativamente à
autoridade administrativa constituir o crédito tributário
pelo lançamento, assim entendido o procedimento
administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato
gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria
tributável, calcular o montante do tributo devido,
identificar o sujeito passivo e, sendo o caso, propor a
aplicação da penalidade cabível.”.
99 “O Estado Brasileiro está ensandecido. Se ele imagina, se ele supõe,que pode não nos prestar satisfação, se ele imagina que tem algum ‘assunto interno’, isto é uma brincadeira, uma pilhéria dolorosa, porémpilhéria.” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. A Motivação dos Atos daAdministração Pública como Princípio Fundamental do Estado de Direito.Conferência transcrita na Revista de Direito Tributário, vol. 87. SãoPaulo: Malheiros Editores Ltda., p. 17, 2002).
100 “Na era do Estado Fiscal, a qual vivemos hodiernamente, o tributo é areceita derivada que dá sustentação à existência do Estado, daí crescera importância e a correta aplicação dos princípios que norteiam o gastopúblico. Moralidade, eficiência, economicidade e legitimidade sãoconceitos jurídicos que formam o núcleo substancial do princípio dojusto gasto do tributo arrecadado. Gastar de forma justa os valoresarrecadados mediante a tributação, é gastar de forma a atender a moral,a eficiência, a economicidade e a legitimidade, enfim, atender osanseios da sociedade, porque insista-se, o tributo é um direito da sociedade e nãodo Estado.” (NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima. O tributo é um direito dasociedade e não do Estado. Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 419, 30ago. 2004. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5636>. Acesso em: 21 set. 2004).
101 Art. 37 da CRFB/88.
54
É hora de analisar de onde surge o dever de
pagar um tributo, o contexto de estudo da Ciência do Direito
Tributário e qual a postura esperada do contribuinte e do
ente tributante. Neste sentido, é brilhante a doutrina de
Hugo de Brito Machado, que trouxe este assunto a propósito de
introduzir suas opiniões sobre a questão delicada do sigilo
bancário.
“Sempre que se examina uma questão tributáriacolocam-se duas questões fundamentais. A primeiraconsiste em saber se o dever de pagar tributodecorre do dever de solidariedade social ou seesse dever é realmente apenas um dever jurídico,e a segunda, que de certa forma pressupõe umaresposta para a primeira, consiste em saber qualé a finalidade essencial do Direito Tributário.
A questão de saber se o dever de pagar tributo ésimplesmente um dever jurídico, ou se é um deverdecorrente da solidariedade social, geralmente écolocada para justificar exigências tributáriasilegais ou inconstitucionais. Na verdade, porém,o dever de solidariedade social presta-se comofundamento para o próprio pacto social com baseno qual é instituído o Estado e a partir do qualtem-se como inevitável a cobrança de tributos queconstituem o instrumento com o qual são obtidosos recursos financeiros de que o Estado necessitapara realizar os seus objetivos.
Em se tratando de um Estado Democrático deDireito, no qual o poder estatal é exercido nostermos de uma Constituição e das leis com basenesta elaboradas, o dever de pagar tributo éindiscutivelmente um dever jurídico, que há de
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ser cumprido nos termos da Constituição e dasleis, no que estas disciplinam a relação detributação e constituem, assim, o DireitoTributário, não se justificando mais o apelo àidéia de solidariedade social.
Surge, então, a segunda das questões acimacolocadas, vale dizer, a questão de saber paraque serve o Direito Tributário, qual a suafinalidade essencial, se a de viabilizar aobtenção dos recursos financeiros de quenecessita o Estado ou se a de limitar, oexercício do poder de tributar. Não há dúvida deque o Direito Tributário tem essas duasfinalidades, mas a questão que se coloca é a desaber qual delas é a sua finalidade essencial,vale dizer, a finalidade para a qual suaexistência é condição indispensável, oufinalidade que não pode ser alcançada sem ele.
Não temos dúvida de que a finalidade essencial doDireito Tributário é a limitação do poder detributar. A obtenção dos recursos financeirospelo Estado acontece com, sem ou contra oDireito. É importante, porém, termos em mente adiferença entre tributo e Direito Tributário. Otributo, na feliz expressão de Baleeiro, é"vetusta e fiel sombra do poder político há maisde 10 séculos. Onde se ergue um governante, elase projeta sobre o solo de sua dominação.Inúmeros testemunhos, desde a Antigüidade atéhoje, excluem qualquer dúvida." O DireitoTributário, diversamente, existe para limitar opoder de tributar, que é um aspecto da soberaniaestatal. O tributo sempre foi e será cobrado, emtodos os tempos e em toda parte onde se ergue umgovernante. Cobrado nos termos da lei, sem esta
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ou contra esta. Logo, o Direito não é essencialpara a cobrança do tributo. E essencial, istosim, para que tal cobrança se efetue dentro delimites que protegem o contribuinte.
É indiscutível, por outro lado, que ocontribuinte nem sempre cumpre o seu dever depagar o tributo. Talvez em face das constantesviolações da lei praticadas pelas autoridades daAdministração Tributária, sinta-se também com o"direito" de violar a lei tributária. Assim,fazem-se necessárias providências para evitar asonegação.
Justifica-se, pois, que tenha o fisco acesso àsinformações relativas a fatos relevantes para atributação. Mas tal acesso deve ser asseguradosem prejuízo dos direitos do contribuinte,conforme, aliás, está expresso em nossaConstituição Federal, que faculta à administraçãotributária a identificação do patrimônio, dosrendimentos e das atividades econômicas docontribuinte, respeitados os direitos individuaise nos termos da lei. (MACHADO102).
A finalidade essencial do Direito Tributário
é limitar o poder de tributar. A cobrança do tributo deve
dar-se nos limites que servem justamente para proteger os
direitos dos contribuintes.
De idêntica forma ocorre em relação às
disciplinas do Direito Penal e do Direito do Trabalho. A
dúvida deve trazer um julgamento favorável à parte
102 MACHADO, Hugo de Brito. A quebra do sigilo bancário. Repertório IOB deJurisprudência. Caderno I, 9/2001. São Paulo: Editora IOB, p. 257,2001a.
57
hipossuficiente103, porque a finalidade essencial do Direito
Tributário é limitar o poder de tributar concedido ao
Estado104. A este não se pode alegar se tratar de ente “débil”
do ponto de vista processual, pois, a estrutura das
Procuradorias das Fazendas nacional, estadual e municipal é
invejável, basta ver empiricamente as notícias sobre os
números de inscritos para os concursos destes órgãos.
Em se tratando de benefícios fiscais, tendo
em vista o interesse público, isto é, econômico e sócio-
político dos incentivos ou benefícios, jamais se permite
nesse campo a interpretação restritiva em prejuízo dos
contribuintes. Estes confiaram nos textos legais
finalísticos, como é o caso do texto objetivado na Lei nº
9.363/96, que visa estimular as empresas produtoras e
exportadoras de mercadorias nacionais105. Não pode o aplicador
empregar interpretação restritiva. Ao contrário, todos os
acórdãos declaram que, para ser alcançado o estímulo desejado
pelo Poder Público, nesse campo, a interpretação é
teleológica, finalística, ampliativa ou liberal.
103 “[De hip(o)- 1 + suficiente.] - Adj. 2 g. - S. 2 g. Jur. - 1.Diz-se de, ou pessoa que é economicamente fraca, que não é auto-suficiente.” (FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo DicionárioAurélio - Século XXI. São Paulo: Editora Nova Fronteira e LexikonInformática).
104 O Estado é muito maior que qualquer das empresas ou pessoas físicas,têm o uso da força a seu serviço, pode criar leis, tem Três Poderes e éo maior sócio das empresas nacionais eis que lhes tributa em quase 40%do PIB – assunto adiante tratado.
105 Crédito presumido do IPI para ressarcimento das contribuições ao PIS eda COFINS.
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Referida interpretação é adotada pelo
Ministro Eduardo Ribeiro. É o que se infere de seu voto
proferido na 6ª Turma do extinto e saudoso Tribunal Federal
de Recursos, in verbis:
Inexiste razão lógica para restringi-lo. O fatode o produto não estar sujeito à tributação, nãoafasta a realidade de que a ela sujeitaram-sealguns de seus componentes. Em relação ao IPIpago por isso, há que se reconhecer o direito aocreditamento. (Tribunal Federal de Recursos.Sexta Turma. Relator o Ministro Eduardo Ribeiro.Apelação em Mandado de Segurança n° 91.818,originária do Rio Grande do Sul, publicação noDJU de 11 de outubro de 1988, pág. 25.961)
Entretanto, passados tantos anos de constante
evolução democrática, os tribunais, em casos limites, trazem
decisões lacônicas ou claramente “pro fiscum”. Em alguns
julgamentos colegiados, chegou-se a defender abertamente os
interesses da Fazenda Pública contra a CRFB/88, o que é
deprimente para o estudioso da Ciência do Direito, porque a
política acaba por abafar a atuação da Justiça e torna
totalmente insegura (no sentido de ser imprevisível) a
prestação jurisdicional. Nestes momentos, prevalece a
Política sobre o Direito, a preocupação com o Tesouro Público
em detrimento dos contribuintes e dos responsáveis e
indiretamente do Povo (a quem o Tesouro deveria estar a
serviço, reconhecendo os direitos do criador – Povo), já que,
em última análise, será a parte que suportará o encargo
financeiro de todas as imposições tributárias.
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A Fazenda Pública já tem prerrogativas em
demasia que parte da doutrina já as aponta como privilégios
(prazo em quádruplo para contestar, verbi gratia¸ art. 188 do
CPC106):
Em suma, resta evidente que a maximização dessescondicionamentos em favor da Fazenda Pública podelevar ao desvio do sistema, daí a necessidade debuscar a razoabilidade das prerrogativas eidentificar se elas estão velando pelo respeitoaos procedimentos como forma de preservar oEstado Democrático de Direito. Se não houverressonância, há que se sucumbir à hipótese de queestamos diante de verdadeiros privilégiosprocessuais! (ALVARES107).
É inegável a necessidade do Estado de
arrecadar tributos. Aliás, deve ser dito que a atividade
tributária é essencial para a manutenção do regime
capitalista implantado no Brasil. Entretanto, não se pode
esquecer dos direitos constitucionais e legais dos sujeitos
passivos destas obrigações tributárias.
A democracia é, portanto, o contínuo processo deluta pela igualdade, e sem igualdade não háliberdade.
A justiça social com a distribuição dos bensessenciais ao viver humano só dispõe de doiscaminhos para a sua efetivação: a caridade e a
106 Lei n° 5.869, de 11 de janeiro de 1973, Código de Processo Civil.107 ALVARES, Maria Lúcia Miranda. A Fazenda Pública tem privilégios ouprerrogativas processuais? Análise à luz do princípio da isonomia. JusNavigandi, Teresina, a. 8, n. 426, 6 set. 2004. Disponível em:<http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5661>. Acesso em: 14 set.2004.
60
tributação. Se o impulso caridoso fosseabsolutamente comum a todos os indivíduos e apartilha dos bens da vida igualmente distribuídapor aqueles que desfrutam de bens e direitosentre aqueles que deles necessitam, já teríamosalcançado uma sociedade igualitária, sob o pontode vista da fruição dos bens essenciais à vida.Contudo, sabe-se que a caridade não é, a exemplode outras virtudes dos homens, muito bemdistribuída e praticada.
Resta-nos, então, a tributação como caminho, pelomenos sob a ótica deontológica da imposiçãotributária, para superação das diferenças sociaise promoção da satisfação dos bens essenciais davida para aqueles que, por si sós, não têmcondições de satisfazer. (AREND108).
Toda esta atividade estatal, de busca de
recursos no patrimônio dos cidadãos e empresas, deve ser
dosada pelos limites da competência tributária descritos
previamente na CRFB/88 e legalizada conforme o CTN determina.
Sendo a Constituição um instrumento destinado alimitar o poder estatal, é natural que se busquenela proteção para o contribuinte, que na relaçãode tributação é no mais das vezes um alvo fácildo arbítrio dos governantes. Esta idéia, temosobservado, está na mente de eminentesconstitucionalistas e tributaristas, que sepreocupam com os mecanismos jurídicos decontenção do arbítrio estatal, e mesmo diante deconstituições nas quais, diferentemente da nossa,estão ainda ausentes normas específicas de
108 AREND, Márcia Aguiar. Direitos humanos e tributação. Ensaiodistribuído aos alunos do Curso de Especialização em Direito Tributárioda Furb. 2000.
61
regramento da atividade tributária, buscam nasupremacia constitucional proteção para o cidadãocontribuinte.
Com efeito, é patente e universal odesenvolvimento de práticas arbitrárias, tantopor parte do legislador, como da administraçãotributária, de sorte que se faz imprescindível areflexão, e o debate a respeito da supremaciaconstitucional, especialmente no que diz respeitoà interpretação das normas da Constituição,tarefa na qual ainda se vê com freqüência apredominância do elemento literal, em detrimentoou mesmo com a completa desconsideração doselementos teleológico e sistêmico, não obstanteestes importantes elementos da hermenêuticaconstitucional sejam sempre lembrados pelosdefensores da Fazenda Pública quando sustentamteses convenientes para o aumento da arrecadação?(MACHADO109).
O Poder Judiciário não deve legitimar atos
ilegais e inconstitucionais. O voto, a seguir transcrito,
retrata a melhor postura do Poder Judiciário quando se depara
com um caso de interpretação da norma tributária:
Senhor Presidente, leio, de memorial que me foiapresentado pelo escritório Ulhôa Canto, Resendee Guerra, o seguinte trecho:
’Senhor Presidente, é certo que podemosinterpretar a lei, de modo a arredar ainconstitucionalidade. Mas, interpretarinterpretando e, não, mudando-lhe o texto e,
109 MACHADO, Hugo de Brito. A supremacia constitucional como garantia docontribuinte. in Revista Tributária e de Finanças Públicas. São Paulo:RT. V. 39, p. 24, Jul-ago 2001b.
62
menos ainda, criando um imposto novo, que a leinão criou.
’Como sustentei muitas vezes, ainda no Rio, se alei pudesse chamar de compra o que não é compra,de importação o que não é importação, deexportação o que não é exportação, de renda o quenão é renda, ruiria todo o sistema tributárioinscrito na Constituição.
’Ainda há poucos dias, numa carta ao eminenteMinistro Prado Kelly, a propósito de um discursoseu sobre Milton Campos, eu lembrava a frase deNapoleão:
’Tenho um amo implacável, que é a natureza dascoisas.
’Milton Campos também era fiel a esse pensamento.
No caso, data vênia, não posso ler o Dl 401 comodizendo o contrário do que diz. Ele declara que ocontribuinte é o remetente. Não posso ler:‘contribuinte é o destinatário’. Ora, se pelalei, que não posso alterar, contribuinte é oremetente, e este não aufere renda, mas temdespesas (os juros que paga), não possoconsiderar devido o imposto de renda.
É trecho, Senhor Presidente, de voto proferido,nesta Corte, pelo saudoso Ministro Luiz Gallotti.(AURÉLIO, Marco. Supremo Tribunal Federal, videRecurso Extraordinário n° 150.764-1, dePernambuco).
É óbvio que o Estado foi feito para propiciar
o Bem Comum, pelo que deve ser fortalecido e protegido;
63
entretanto, quando se fala em processo110, será que é
aceitável um julgamento político quando o Estado litiga?
Uma das piores injustiças é saber-se de
antemão que se está em desvantagem num julgamento, por
motivos políticos, decorrentes de compromissos declarados ou
não entre os juízes e o governante. Atualmente, pela análise
da jurisprudência nacional, em geral, fica claro que os
contribuintes não têm um tratamento isonômico, em juízo, no
momento da interpretação de matérias tributárias.
A relação tributária é, no seu nascedouro,
advinda de um vínculo jurídico. A relação que une o sujeito
passivo tributário e o sujeito ativo tributário não é relação
simplesmente de poder.
Não obstante o afirmado em nossa ConstituiçãoFederal, verdade é que ainda não temos um EstadoDemocrático de Direito e a relação tributáriaainda não é uma relação estritamente jurídica,tantas e tão flagrantes que são as violações daordem jurídica praticadas pelo próprio Estado.Violações que incrementam na consciência doscontribuintes a idéia de que a lei é apenas uminstrumento de opressão, porque não se mostraeficaz para conter os abusos da autoridade.
A eficácia do direito funda-se na crença quealimenta a expectativa de segurança e de justiça.
110 “São quatro os aspectos fundamentais da problemática da efetividade do processo: a)admissão em juízo; b) modo-de-ser do processo; c) critérios dejulgamento (ou justiça nas decisões); d) a efetivação dos direitos (ouutilidade das decisões)...” (DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidadedo Processo. 7ª ed. rev. e amp. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., p.319, 1999).
64
Na medida em que o responsável maior pelapreservação da ordem jurídica, o Estado, titulardo poder institucional mais forte no mundo,exerce o seu poder tributário violando essa ordemjurídica, menor é a crença do contribuinte nodireito e, em conseqüência, maior é a tendênciapara o descumprimento de seu dever como cidadão.
Para estimular no contribuinte o cumprimento deseu dever de cidadão, que em matéria detributação se traduz no dever de pagar o tributodevido, temos de evitar que aumente aqueladescrença, e ainda, positivamente, temos decontribuir para que se restabeleça e aumente nelea crença no direito, a crença de que a relaçãotributária é uma relação jurídica e não umarelação simplesmente de poder. E para tanto éimportante a edificação de instituições queinibam o arbítrio estatal, sendo válida, nessesentido, qualquer contribuição, por mais modestaque seja. (MACHADO111).
Bom exemplo de descumprimento do dever de
proteção aos direitos do Povo é a questão da
constitucionalidade ou não da Contribuição Provisória sobre
Movimentação Financeira – CPMF, que até hoje desafia a
doutrina. Em primeiro lugar, pelo enorme movimento da
propaganda estatal no sentido de legitimar a instituição
desse tributo. Por outro lado, é certo que esta contribuição
atinge a todos os brasileiros, incidindo em cascata (tributo
sobre tributo), sem qualquer atenção ao Princípio da
Capacidade Contributiva. A quase unanimidade da doutrina111 MACHADO, Hugo de Brito. A supremacia constitucional como garantia docontribuinte. in Revista Tributária e de Finanças Públicas. São Paulo:RT. V. 39, p. 24, Jul-ago 2001b.
65
nacional condenou a CPMF. No Poder Judiciário também se
levantaram vozes contra a malfadada contribuição. A seguir é
trazida a opinião do Juiz Andrade Martins:
Assim sendo, o "imposto do cheque", em qualquerde suas versões - IPMF da lei ordinária, CPMF naesteira da EC 12/96 e CPMF criada pela EC 21/99 -infringe olimpicamente o princípio da não-cumulatividade estampado no art. 154, inc. I, daConstituição.
Gomes Canotilho e Vital Moreira falam daexistência de uma base antropológica, aoafirmarem que a constituição portuguesa contemplao homem como pessoa, como cidadão e comotrabalhador (cf. "Fundamentos da Constituição",Coimbra Ed., 1991, p. 26).
Nessa questão da cumulatividade da CPMF éperfeitamente visível, numa extrema unção que sebusca nas proclamações do Preâmbulo, a existênciade um ser humano, protegido pela Constituição, nasua tríplice dimensão de cidadão-contribuinte-consumidor.
Eis aí, em carne e osso, a razão de ser daproibição de qualquer novo gravame cumulativo nointerior do sistema. O homem. O ser humano quevive no seio de uma sociedade que optoufrancamente pelo sistema capitalista de produção,mas que lhe impede qualquer espécie demobilidade. No limite, se vale o antigo ditopopular, quem nasce para dez réis a vintém nãochega...
É pensando, pois, nesse cidadão-
contribuinte-consumidor à luz dos vetores
66
proclamados no Preâmbulo do Estatuto Maior,
que não posso deixar de ver como afronta
maior ao art. 154, inc. I, da Constituição,
a suspensão de eficácia que foi prevista no
art. 74 introduzido no ADCT pela Emenda
Constitucional n° 12/96.
Vejo, portanto, como igualmente plausíveis todasas argüições que se levantam contra a EmendaConstitucional n° 21/99. Contaminada pelainconstitucionalidade do referido art. 74 doADCT, que a lastreia, ela ainda arranhaprincípios outros constitucionais, como o dasegurança jurídica e o da separação dos poderes.Ofende seriamente o direito de propriedade, e bemassim alguns princípios constitucionaisespecificamente relacionados com a tributação,como o da capacidade contributiva, os dapessoalidade e não-confiscatoriedade dos tributose, ainda, o da irretroatividade das normastributárias.
Por último - mas não com menor relevância - a ECn° 21 parece padecer do vício formal que maisfreqüentemente lhe é imputado, tal seja o dehaver desrespeitado o art. 60, § 2°, da Carta, noqual se regula a discussão, votação e aprovaçãode propostas de emenda. (112).
A maioria dos tribunais nacionais,
entretanto, manifestou julgamento na direção de legalidade e
constitucionalidade, apesar das críticas dos juristas e
súplicas dos contribuintes afetados. Buscando-se analisar as112 TRF da 3ª Região. Rel. Des. Federal Andrade Martins. Agravo deinstrumento n° 86081. in DJU-II de 02 de dezembro de 1999.
67
teses apresentadas pelos defensores da CPMF, no seio do Poder
Judiciário, se nota muito da interpretação “fiscalista” e
quase nenhuma possibilidade científica de afastamento da tese
defendida pelo Juiz Andrade Martins (acima citado) e pela
doutrina. Mas, o argumento econômico de proteção do Fisco tem
prevalecido em alguns atos de julgar. E, assim são cassadas
liminares e desrespeitado o motivo da existência do Direito
Tributário.
É de doutrina:
Há pouco, é certo que o próprio Supremo TribunalFederal implicitamente aceitou a criação detributos fora dos limites previstos peloConstituinte Originário, ao não declarar ainconstitucionalidade da Contribuição Provisóriasobre Movimentação Financeira (CPMF), criada poremenda constitucional, burlando o previsto noart. 195, § 4.º, e art. 154, I, ambos da CF/88.(NEVES113)
Será que o direito do Povo, de ver um
tributo inconstitucional sendo declarado como tal, vale menos
que o plano de governo, deste ou daquele político,
momentaneamente detentor do poder (pela mão do Povo, lembre-
se)?
Não há como deixar de reconhecer a impotência dopovo brasileiro diante de rebuscadas teseseconômicas, políticas e jurídicas utilizadas por
113 NEVES JÚNIOR, Paulo Cezar. Direito à tributação constitucionalmentequalificada. Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 433, 13 set. 2004.Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5684>.Acesso em: 13 set. 2004.
68
uma elite que teria a possibilidade depaulatinamente descaracterizar toda uma CartaCidadã em prol de interesses não tão nobres.
Cabe à própria sociedade, e em especial àquelesque têm condições de colaborar nessa luta, brigarpela integridade das opções constitucionaisfeitas em 1988, o que, às vezes, nos faz parecerum pouco utópicos. (NEVES114).
É para corrigir esta impotência do Povo que
devem os hermeneutas (principalmente os membros do Poder
Judiciário) trabalharem, conforme sua missão constitucional.
A Fazenda Pública, obviamente, advoga tese
contrária, sempre preocupada com a arrecadação, tendo em
vista a necessidade de manutenção financeira do Estado, com
bons argumentos:
O Estado moderno avançou em direção a um EstadoSocial de Direito. Por outro lado, deixou de serproprietário e passou a depender da receitatributária derivada para poder atuar, isto é,tornou-se um ‘Estado Social Tributário deDireito’. (BATISTA JÚNIOR115).
Negando a existência e validade do in dubio
contra fiscum, afirma o autor antes citado (Procurador da
Fazenda Estadual) que este se justificava apenas na
114 NEVES JÚNIOR, Paulo Cezar. Direito à tributação constitucionalmentequalificada. Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 433, 13 set. 2004.Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5684>.Acesso em: 13 set. 2004.
115 BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. O Planejamento Fiscal e a Interpretaçãodo Direito Tributário. Belo Horizonte: Mandamentos, p. 29, 2002.
69
antigüidade quando o patrimônio público se confundia com o
patrimônio privado do soberano.
O Fisco possuía poderes absolutos e agia contraos seus devedores com dureza, e o tributorepresentava algo que os vencedores exigiam dospovos vencidos, dos estrangeiros e das classesinferiores. O tributo apresentava-se com caráterodioso, traduzindo-se em ‘humilhação’ a quem opagava. E assim, a repulsa à figura irradiava osseus efeitos para a interpretação das normastributárias, tidas como abusivas ou punitivas.(BATISTA JÚNIOR116).
1.4 IN DUBIO CONTRA FISCUM, CONSEQÜÊNCIAS DE SUA IMPLEMENTAÇÃO
A posição contrária do Fisco merece
respeito, mas, é carregada de aguda parcialidade e total
esquecimento dos pressupostos constitucionais ao exercício do
poder de tributar. Também, o Fisco com poderes absolutos é
uma realidade preocupante. A repulsa de quem paga é sentida
nos empresários, vide a pesquisa do SEBRAE (tabelas do
capítulo 2). Também há repulsa inerente à humilhação de ser
pobre e ainda ser obrigado a contribuir via tributos
embutidos na alimentação (último capítulo, sob o título “Fome
do Povo”). Outro ponto que é público e notório é a dureza do
Fisco que, por exemplo, altera critérios de pagamento de
116 BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. O Planejamento Fiscal e a Interpretaçãodo Direito Tributário. Belo Horizonte: Mandamentos, p. 29, 2002.
70
tributos para os contribuintes sem maiores delongas, por
presunções infundadas117.
Neste estudo, com caráter hipotético, podem
ser citadas as seguintes melhorias, caso o princípio em
questão seja mais utilizado pelos tribunais (mesmo os
administrativos):
a) Aniquilação da inconstitucionalidade
útil, pois, muitos governantes têm se utilizado da
inconstitucionalidade útil. Ou seja, lançam toda sorte de
diplomas legislativos no afã de arrecadar mais tributos. E
fazem isto com base em estatísticas simples, na medida em que
constatam que a maioria dos contribuintes não vai buscar seus
direitos em juízo. Governos passam como passa o tempo. Mas,
as inconstitucionalidades úteis podem ficar, inclusive para
os futuros governantes, em total desrespeito aos objetivos
declarados da Lei de Responsabilidade Fiscal.
É mais fácil para o governante incompetente, quepadece de um mal congênito, a preguiça mental,utilizar o mecanismo de transferência compulsóriade riquezas do setor privado por via de tributosconfiscatórios e de elevadas multas de trânsitopor meios eletrônicos, de um lado, e utilizar omecanismo da receita originária com odesfazimento de valiosos patrimônios imobiliários
117 Como é o caso das oficinas mecânicas, que foram afastadas do SIMPLEScompulsoriamente. Isto porque seria atividade regulamentada. ASecretaria da Receita Federal afirma isso, por seus agentes, baseando-se em laudo do CREA (que considerava estas atividades passíveis deinscrição no Conselho, com intuito meramente arrecadatório). É hiláriaa hipótese de todos os mecânicos de automóveis serem obrigados acontratar engenheiro mecânico e se inscreverem no CREA.
71
do poder público, de outro lado, do que estudar eplanejar uma ação estatal a partir das reaisprioridades da sociedade. O governante míope nãoconsegue enxergar o futuro; não consegue ver quea tributação exacerbada faz decrescer a economia,enquanto a população aumenta, inviabilizando asgerações futuras. O nosso PIB que era de US$973.846 bilhões em 1999, com uma carga tributáriade 20,41% está, hoje, reduzida a menos de US$ 450bilhões e com uma tributação da ordem de 36%.Enquanto a economia decresce, a tributaçãoaumenta, exatamente ao contrário do que acontecenos países desenvolvidos. Parece a política do´´tribute antes que acabe. (HARADA118).
b) Previsibilidade na análise da legislação,
conforme é o objetivo do Direito Tributário. Assim, caso os
juízes adotem uma postura de in dubio contra fiscum, estará sendo
fixado um critério mínimo tendente a dar previsibilidade e
cientificidade às decisões judiciais, na medida em que
seguirão o Direito Tributário atual, vivo e em constante
melhoria.
c) Maior respeito aos contribuintes e
responsáveis tributários. O sujeito passivo terá mais
confiança na Justiça, sentindo-se respeitado. Terá a maior
certeza de ter abdicado de uma parcela do seu direito de
propriedade por uma boa causa (ao criar o Estado e lhe
conceder o poder de tributar), sendo brasileiro e acatando a
118 HARADA, Kiyoshi. Administração Pública. Relação direta entre cargatributária elevada e mau administrador . Jus Navigandi, Teresina, a. 8,n. 394, 5 ago. 2004. Disponível em:<http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5536>. Acesso em: 02set. 2004.
72
tributação praticada nesta Pátria, com esperança de ver seu
direito sendo julgado com base nos estritos limites da
constitucionalidade e da legalidade.
d) Independência do Poder Judiciário. Quando
o Poder Judiciário preocupa-se mais com o erário do que com o
direito dos contribuintes, fica menos independente,
submetendo-se de forma irresponsável aos interesses do
governo (do momento) e dando um mau exemplo ao regime
democrático. Instituídos os três Poderes, independentes e
harmônicos entre si, cabe ao Judiciário tutelar o direito dos
contribuintes de forma sistêmica, invocando a sua condição de
poder para evitar interpretações políticas. Do Poder
Legislativo, espera-se as leis. Do Executivo, que se sujeite
à CRFB/88 e às leis, para administrar a nação119. Do Poder
Judiciário, por fim, que julgue imparcialmente, mesmo que
contra os ilegítimos interesses dos demais poderes. Eis uma
singela forma de fortalecer as instituições democráticas e
dar um sentido maior aos conceitos de Direito Tributário e
Povo.
e) Decisões justas e não “fiscalistas”,
pois, cabe ao Poder Judiciário manter o nível científico
esperado em relação ao Direito Tributário, julgando as
119 “A ironia da história é patente. Para afastar a ambigüidade do termopovo, os revolucionários franceses acabaram entronizando, em lugar dorei, um dos mais notáveis ícones políticos dos tempos modernos: anação, a cuja sombra têm se abrigado comodamente, desde então, os maisvariados regimes antidemocráticos.” (COMPARATO, Fábio Konder, inPrefácio à obra de MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? – A questãofundamental da democracia. São Paulo: Max Limonad. 3ª ed. rev. e amp.p. 19, 2003.
73
matérias trazidas com a seriedade e o foco, na análise
constitucional, das hipóteses de incidência questionadas,
para dar ao jurisdicionado a garantia de ver sua pretensão
julgada sem as paixões dos governos.
É conhecido de todos os estudiosos do
Direito Tributário o “Carnaval Tributário” de Alfredo Augusto
BECKER:
...o Supremo Tribunal Federal, em Tribunal Pleno,julgou, pela primeira vez, o problema da naturezados ‘empréstimos compulsórios’: se eram‘empréstimos’ ou tributos (neste último caso,inconstitucionais). O único Ministro que votouentendendo ser o ‘empréstimo compulsório’ meramáscara para fraudar o contribuinte econsiderando-o um autêntico tributo, foi o LuizGallotti. Seu voto (vencido por 10 x 1)fundamentou-se no meu livro. A partir daquelejulgamento, o tributo mascarado de empréstimocompulsório entrou para a Súmula do STF e nóstodos ‘entramos pelo cano’.
Nos últimos anos, a quantidade e variedade detributos mascarados de ‘empréstimos’ é tão grandeque formam um bloco carnavalesco: ‘Unidos da VilaFederal’. O Presidente da República e o seuMinistro da Fazenda são os ‘abre-alas’. O ritmo édado pelo fêmur dos contribuintes, que tambémfornecem a pele para as cuícas. O Presidente eseus Ministros lançam ao público os confetes denossos bolsos vazios e as serpentinas de nossastripas. No Sambódromo conquistaram, por
74
unanimidade, o prêmio: ‘Fraude contra oContribuinte’. (BECKER120).
O particular abdica121 de sua liberdade e
constitui um Estado Democrático de Direito, esperando que
seja tratado como parte merecedora de análise de seu caso sob
a égide da disciplina do Direito Tributário. A conclusão
primeira, que brota deste trabalho, é que os membros do Poder
Judiciário devem buscar a ciência do Direito, com seus
princípios básicos e sua matriz constitucional.
Simples, mas, comodista é o comportamento
tendente a dizer que o tributo é constitucional, sem estudar
a hipótese de incidência com base na Constituição (CRFB/88),
nos Princípios Gerais do Direito Tributário e no CTN.
Também pode parecer simples negar o direito
dos pobres à Justiça ao julgar que o Ministério Público não
teria legitimidade para ajuizar ações declaratórias de
inexigibilidade das antigas e famigeradas taxas de iluminação
pública (que nem perto passam dos requisitos do art. 145 da
Carta Magna de 1988), por exemplo. Quantos pobres teriam
condições de discutir a inconstitucionalidade? 120 BECKER, Alfredo Augusto. Carnaval Tributário. 2ª ed. São Paulo:Editora Lejus, p. 14. 1999.
121 “É a irracionalidade da sociedade racional, pois na sociedade dedomesticação pelo consumo, o pensamento humano decorre do processo damáquina. Há uma razão instrumental, imposta a todos, que constitui aideologia da sociedade tecnológica avançada. Ideologia esta quecontrola a natureza, o corpo e a mente humana, fazendo com que aliberdade na sociedade industrial seja uma liberdade de morte.”GABRIEL, Ivana Mussi. Herbert Marcuse: reflexões sobre a sociedadetecnológica. Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 383, 25 jul. 2004.Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5503>.Acesso em: 21 set. 2004.
75
Mas, não é de comodistas que o Brasil
precisa. Precisa de cientistas jurídicos, dispostos a
sustentar a CRFB/88 e o CTN contra os interesses dos entes
governantes. Defender o direito dos contribuintes ao in dubio
contra fiscum, é defender o criador deste direito, que é o Povo
que constitui a Nação.
No campo do Direito Tributário, em que se temcomo objeto o conjunto de normas que limitam opoder de tributar, é hoje evidentementenecessário enfatizar a imensurável importânciados princípios, e sua hierarquia sobre as leis,sobre as regras. Temos que, antes de aplicar alei, analisá-la sob a ótica dos princípios, pois,caso contrário, estaremos violando a real vontadedo constituinte, qual seja, garantir valoresmáximos como a cidadania e a dignidade humana.Não obstante seja alvo de críticas, especialmentedos formalistas, é de se analisar qual é a funçãoda tributação: garantir receitas para o Estadocumprir suas obrigações básicas. Mas se o Estadonão cumpre? E se o Estado aumenta suas receitasmas não resolve os problemas estruturais,utilizando de forma equivocada o dinheiro dopovo? Fica, então, a questão: o DireitoTributário está ainda na fase do legalismo? Masserá que somente um legalismo pro-fisco, poistoda vez que um direito é violado há lei em talsentido? E no inverso, como fica o legalismocontra-fisco? (ELALI122).
Lembre-se que a dúvida não é criada pelo
contribuinte (lato sensu), mas sim pelo legislador que, em
122 ELALI, André. Tributação e pós-positivismo: realidade e anseiossociais. São Paulo: Gazeta Mercantil de 22 de junho de 2004.
76
última análise, é o próprio Estado ao incorporar o poder de
ditar normas tributárias. A existência de normas duvidosas
foi magistralmente exposta por BECKER:
Tão péssima que se torna ininteligível eimpraticável. Necessita a elaboração deregulamento que a converta na imagem e semelhançado homem, isto é, humanamente praticável.
Tal como estão formuladas as leis fiscais e dereforma agrária, elas exigem que esta terra sejahabitada exclusivamente por gênios matemáticos einventivos, todos filhos naturais de Pascal eDescartes.
As leis do imposto de renda são alteradas –contínua e mensalmente – por outras leis,decretos-leis, portarias ministeriais, pareceresnormativos e outros atos de órgãosgovernamentais. A proliferação dessas alteraçõesé tão rápida e contínua que o Governo não se dámais ao trabalho de consolidar tudo em novoRegulamento do Imposto de Renda, cuja sigla,hoje, é uma ironia: RIR. (BECKER123).
Considera-se, ao final deste capítulo, a
inegável necessidade de maior estudo e defesa deste princípio
nos meios acadêmicos e forenses, pois, tal qual está a carga
tributária, corre-se o risco do arbítrio, isto se já não
estiver o País sob este.
123 BECKER, Alfredo Augusto. Carnaval Tributário. 2 ed. São Paulo: EditoraLejus, p. 14, 1999.
77
Capítulo 2
CARNAVAL TRIBUTÁRIO ATUAL
Alfredo Augusto BECKER124 retratou o
“carnaval” que era a tributação na sua época.
Agora, há muito falecido, para os que
acreditam em mortos insatisfeitos, seria o caso de
provavelmente pretender se constatar que BECKER estaria, como
uma “entidade’, revolto na sepultura, tamanhos os disparates
do “carnaval tributário brasileiro” contemporâneo.
De toda forma, o “...homem pensante está mais
presente nos seus escritos que na pessoa física. O homem vive
enquanto seu livro fizer com que seja amado.” (BECKER125).
Carga tributária, gastos públicos,
burocracia, fome do Povo e falta de uma justiça tributária
efetiva são temas que os governantes evitam, preferindo
apenas cuidar de aumentar a tributação para facilitar a
distribuição de verbas (algumas usadas corretamente e outras
utilizadas mesquinhamente em campanhas publicitárias, compra
de votos nas casas legislativas, verbi gratia).
124 BECKER, Alfredo Augusto. Carnaval Tributário. 2a. ed. São Paulo :Lejus. 1999.
125 BECKER, Alfredo Augusto. Carnaval Tributário. 2a. ed. São Paulo :Lejus. p. 38, 1999.
78
...E o que vale, se as leis parlamentares sãopromulgadas corretamente, mas se o parlamento nãoé ‘representativo’ – em virtude de eleiçõesfraudadas ou em virtude de manipulação doprocedimento de votação ou por razões similares,quer genericamente, quer no caso em questão?...(MÜLLER)126.
Por inspiração de Becker, com uma dose de
pessimismo, pode ser imaginado o risco de mudança da economia
capitalista para um regime comunista (por exemplo),
principalmente pela amputação do capital das empresas
representada pela crescente carga tributária, vide estudo do
SEBRAE (BINDES127):
126 MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? – A questão fundamental dademocracia. 3ª ed. rev. e amp. São Paulo: Max Limonad. p. 65. 2003.
127 BINDES, Fábio e outros. Fatores Condicionantes e Taxa de Mortalidadede Empresas no Brasil. Relatório de Pesquisa Sebrae. Brasília: SEBRAE,p. 38,http://www.biblioteca.sebrae.com.br/bte/bte.nsf/AllDbLookUp/9A2916A2D7D88C4D03256EEE00489AB1/$File/NT0008E4CA.pdf. Acesso em 21 set. 2004.
79
Cumpre observar que a carga tributária
elevada é a principal dificuldade na condução das atividades
das empresas ativas (68%) e isso, representa dificuldade no
capital de giro ao longo prazo.
Outra perspectiva da pesquisa do SEBRAE
mostra o ranking das dificuldades das empresas ativas,
segundo opinião espontânea dos proprietários (BINDES128):
128 BINDES, Fábio e outros. Fatores Condicionantes e Taxa de Mortalidadede Empresas no Brasil. Relatório de Pesquisa Sebrae. Brasília: SEBRAE,
80
O objetivo deste capítulo é estudar a matéria
concernente às mazelas do Direito Tributário (como as
representadas nos números acima), com preocupação de fazer
justiça tributária e buscar a legitimidade129 ao Sistema
Tributário Nacional130 em nível de Política Jurídica131 e na
p. 39,http://www.biblioteca.sebrae.com.br/bte/bte.nsf/AllDbLookUp/9A2916A2D7D88C4D03256EEE00489AB1/$File/NT0008E4CA.pdf. Acesso em 21 set. 2004.
129 “Salvaguardar a Constituição figura, ao meu ver, como o primeiro dosdeveres do cidadão e do governante. Se os códigos foram, outrora, aexpressão da legalidade, as Constituições são, agora, a essência dalegitimidade. Sem legitimidade não há democracia, e sem democracia nãoprevalece o Estado de Direito. Faltando uma e outra, falta tudo a umpovo para ser livre e digno. Todas as crises de legitimidade sãocrises constituintes.” (BONAVIDES, Paulo. Do País Constitucional aoPaís Neocolonial – A derrubada da Constituição e a recolonização pelogolpe de Estado institucional. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., p.59, 1999).
81
obrigação cívica de buscar a melhoria nos institutos
jurídicos através da reflexão pelo raciocínio132.
2.1 A COMPREENSÃO DE ALFREDO AUGUSTO BECKER SOBRE ATRIBUTAÇÃO
BECKER foi um jurista gaúcho de renomada
produção científica na área do Direito Tributário.
O maior legado científico de BECKER e talvez
a obra magna do Direito Tributário brasileiro seja a TEORIA
130 “Parece universal o fenômeno da crescente complexidade do sistematributário: a cada ponto do emaranhado do tecido social corresponde umponto da rede jurídica normativa. Irracionalidade do sistema,obscuridade, inaplicabilidade das normas, injustiça e impossibilidadeadministrativa de fiscalização.” DERZI, Misabel Abreu Machado. Pós-modernismo e Tributos: Complexidade, Descrença e Corporativismo. SãoPaulo: Editora Dialética. RDDT, n° 100, p. 72 e ss. 2003.
131 “...a tarefa da Política Jurídica não é descritiva mas sim configuradanum discurso prescritivo que se legitima numa justiça política, ao secomprometer com as necessidades vitais do homem, a partir depressupostos axiológicos e deontológicos.” (MELO, Osvaldo Ferreira de.Fundamentos da Política Jurídica. Porto Alegre: Ed. Sergio Fabris, p.130, 1994)
132 “Ora, quando para a apreensão (ou transmissão) das idéias se elimina afase intermediária da reflexão pelo raciocínio e se utiliza o mecanismopsíquico da ligação direta: sensação-ação, o indivíduo humano perde apossibilidade de ajuizar sobre a qualidade sadia ou nociva da condutaque lhe está sendo imposta (ou que ele pretende impor a outros). Perdea oportunidade de aperfeiçoar o instrumental jurídico e substituir oque se tornou obsoleto (ou prejudicial) por novas regras jurídicas.Perde a humanidade. Coisifica-se.’ (sem grifo no original) (BECKER,Alfredo Augusto. Carnaval Tributário. 2ª ed. São Paulo: Editora Lejus,p. 94, 1999.).
82
GERAL DO DIREITO TRIBUTÁRIO133, com a qual pretendeu reforçar
a idéia do Direito como Ciência.
Outra obra, de cunho mais jocoso, já da
maturidade do autor foi o CARNAVAL TRIBUTÁRIO.
A tributação irracional dos últimos anos conduziuos contribuintes (em especial os assalariados) atal estado que, hoje, só lhes resta a tanga.(...)
Porém, se a estes contribuintes tributarem atémesmo a tanga, então, perdidas estarão a fé e aesperança. Infelizmente existem fundadas razõespara que tal aconteça. (BECKER134).
E este é o retrato da atualidade do Brasil,
segundo os institutos encarregados de medirem a carga
tributária que onera o Povo.
Cada ano é ano de naufrágio fiscal. Os náufragos,só anos depois é que saberão que morreramafogados no mar dos sargaços das leis fiscais.Quando começarem as revisões das declarações derenda e os respectivos exames em sua escrituraçãofiscal. O auto de infração será o atestado deóbito ocorrido anos atrás. (BECKER135).
Esta é uma constatação que pode ser feita na
atualidade, pior do que previu BECKER, pois hoje os robôs
133 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. SãoPaulo: Saraiva, 1963.
134 BECKER, Alfredo Augusto. Carnaval Tributário. 2ª ed. São Paulo:Editora Lejus, p. 15, 1999.
135 BECKER, Alfredo Augusto. Carnaval Tributário. 2ª ed. São Paulo:Editora Lejus, p. 18, 1999.
83
eletrônicos da Secretaria da Receita Federal (só para citar
um exemplo) cruzam dados de recolhimentos via DARF136 (ou a
inexistência destes) e os dados das DCTF´s137 e emitem
notificações fiscais que nem sequer levam a assinatura de
qualquer agente fiscal. É assim que se ameaçam as empresas
atualmente.
Veja-se o debate pensado por BECKER:
Ministro do Planejamento: Vós – meu caro amigoMinistro da Fazenda – tendes o enternecimentomuito fácil. Vós experimentais a necessidade deser compreendido. É um erro em nossas funções!Esta brava gente, como vós dizeis, naturalmentenada compreendeu. Mas isto não tem importância. Oessencial não é que eles compreendam, mas sim queeles se executem. Escutai! Esta é uma expressãoque faz sentido. Não achais?
Ministro da Fazenda: Qual expressão?
Ministro do Planejamento: Executar-se! Ide, vósoutros, executai-vos! Executai-vos! Hein! Quefórmula!
Ministro da Fazenda: Magnífica!
Ministro do Planejamento: Magnífica! Nela se encontratudo! Primeiro a imagem da execução, que é umaimagem enternecedora e, depois, a idéia de que oexecutado colabora – na sua própria execução. Eisto é a finalidade e a consolidação de todo obom Governo!” (BECKER138).
136 Documento de Arrecadação Federal.137 Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais.
84
Muitas vezes o administrador público deve
fazer este tipo de comentário, tamanha é a utilização da
propaganda estatal, para aumentar os níveis de arrecadação.
Outro fenômeno contemporâneo é o da contração dostextos escritos e a substituição do Verbo por umSinal. Um exemplo: a Súmula do Supremo TribunalFederal substituiu as fundamentaçõesdoutrinárias. Substituiu até mesmo a citação dostextos legais aplicáveis ao caso. Por sua vez, opróprio texto da Súmula é substituído por umSigno: a cifra aritmética. (BECKER139).
Quando o autor fala em cifra se refere aos
julgamentos políticos, que descumprem o Direito sob a
alegação de que precisam proteger a Fazenda Pública.
2.2 CARGA TRIBUTÁRIA CONTEMPORÂNEA NO BRASIL
Hoje, existe um carnaval tributário que
apresenta recordes de Povo afetado e de plantonistas do poder
felizes (porque se supõe fácil administrar com dinheiro,
porque os bancos atendem bem quem está pagando a dívida
“direitinho”, sem se preocupar com a origem do dinheiro e o
sofrimento dos pagadores).
138 BECKER, Alfredo Augusto. Carnaval Tributário. 2 ed. São Paulo: EditoraLejus, p. 24, 1999.
139 BECKER, Alfredo Augusto. Carnaval Tributário. 2 ed. São Paulo: EditoraLejus, p. 24, 1999, ps. 90/91.
85
Há quem tenha saudades do tempo em que gerava
passeata e briga quando o governo proferia a seguinte frase:
“Aumentou a credibilidade do Brasil no exterior”. A
população, naquela época, sabia que a dívida externa
aumentaria. Holofotes são postos para dar a mesma notícia, na
atualidade, pois, para justificar o arrocho salarial (verbi
gratia) se diz que a carga tributária deve se manter ou
aumentar para garantir a credibilidade do País, já que o
administrador público pretende contrair mais dívidas.
O Povo piorou na cultura? Talvez. Basta
observar que os vizinhos (argentinos) fizeram “panelaço” e os
brasileiros riram da bagunça. Bagunça ou Povo consciente? Os
brasileiros sofreram a mesma desvalorização no câmbio e
reelegeram o presidente (será que a negociação da reeleição140
não aumentou a carga tributária?).
Um exemplo tributário de aumento da carga é o
FGTS141. Ou seja, certos presidentes e seus ministros
resolveram extinguir a inflação por “decreto”, o que era
impossível. Nada mais justo que a Caixa Econômica Federal e
ou a União pagassem a desvalorização das contas, como o STF
mandou (diga-se de passagem, só para a metade dos calotes
perpetrados), pois, a única coisa que não sofreu inflação
foram as contas do FGTS. Assim, com propaganda (paga pelo
Povo), o governo disse que ia fazer o maior acordo do mundo
140 Reeleição possível em virtude de emenda à Constituição. Aliás, naAmérica Latina, não ocorreu o mesmo fenômeno com Fugimori, Menem eCardoso?
141 Fundo de Garantia por Tempo de Serviço.
86
(dera o maior calote do mundo, seria isso?): “sentaram”
governo e empregados e “sobrou” às empresas uma contribuição
adicional sobre o FGTS142, para pagar o calote do governo.
Aumentou a carga e quem paga é o Povo, ou seja, em vez do
governo rever seus gastos (com banalidades, auxílios moradia
e outras espécies de privilégios), comodamente aumentou a
conta de transferências do suor do Povo para manter os
movimentos da máquina estatal, sem necessitar de regulagem
alguma.
Outro exemplo do “carnaval tributário”
contemporâneo é o vale-pedágio. O vale-pedágio nasceu porque
os caminhoneiros do País se uniram e fizeram uma greve.
Reivindicavam redução nos combustíveis e extinção dos
pedágios, em suma. Por sugestão do governo, criou-se o vale-
pedágio143. Que seria isto? Trata-se de impor (atualmente) aos
embarcadores o dever de antecipar o vale-pedágio, geralmente,
comprando um sistema oferecido por instituições financeiras.
É proibido antecipar o dinheiro para o caminhoneiro. Ora, os
caminhoneiros estavam reclamando é da existência de pedágios.
Se o preço do frete era R$ 100,00 com pedágio, se o
embarcador pagar R$ 10,00 de pedágio o frete será de R$
90,00. Criou-se apenas mais um custo para quem contrata
fretes no Brasil, representado pela burocracia. Trata-se de
verdadeiro tributo e de nova moeda, inconstitucional de toda
sorte.
142 Lei Complementar n° 110/2001.143 Leis 10209/2001 e 10561/2002.
87
Sobre o vale-pedágio convém atentar para uma
ótima decisão do Excelentíssimo Magistrado Gilson Jacobsen
(magistrado federal em Francisco Beltrão-PR):
Segundo afirma a ANTT, o ‘vale-pedágio foi criadocom o principal objetivo de atender a uma dasprincipais reivindicações dos caminhoneirosautônomos: a isenção do pagamento do pedágio’.
Ou seja, para a ANTT, o vale-pedágio obrigatórioé capaz de impedir que o embarcador repasse ocusto do pedágio, de sua responsabilidade, nopreço do frete contratado. Entretanto, isso nãoocorre, uma vez que a lei não consegue vedar apossibilidade de o embarcador descontar do valordo frete contratado o valor relativo ao vale-pedágio obrigatório, que, inclusive, é fruto daliberdade dos particulares em contratar e decorredos princípios da autonomia da vontade e da livrenegociação e concorrência.” (trecho da decisãoconcessiva de tutela antecipada nos autos doprocesso n° 2004.70.02.001447-0).
Diferentes da decisão acima, muitas causas
tributárias são decididas com olhos na arrecadação e não nos
provedores desta – o Povo. Para insistir no exemplo citado,
convém retornar ao assunto de que o art. 142 do Código
Tributário Nacional exige o lançamento (a notificação) para o
contribuinte se defender. Os tribunais dizem que não, se
estiver se tratando de tributos declarados em DCTF144. Sabendo
disto o Fisco pede declaração de tudo e acabou com o direito
ao Processo Administrativo.
144 Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais.
88
Por ocorrer até hoje, cita-se:
A mesma técnica de criar no intelecto do juiz aindecisão nebulosa e melodramática por intermédioda invocação do amor para justificar os crimes depaixão está sendo hoje em dia largamenteutilizada mediante a invocação da política (razõesde Estado) para justificar os crimes de lógicaque – à força de coação psicológica – queremsejam cometidos pelos juízes em tribunal pleno.(BECKER145).
Outro exemplo, muitos sócios de empresas são
citados em executivos fiscais só pelo fato de serem sócios.
Isto ocorre sem lançamento, sem que o sujeito ativo
tributário indique os motivos de desconsideração da pessoa
jurídica. Provavelmente, o Fisco desconfia que alguns juízes
desconhecem que o Direito Tributário existe para proteger o
contribuinte. Sendo o Fisco que está penalizando, nem precisa
dar os motivos, basta acusar? É isto que a população deve
aceitar como verdade?
Certa ocasião, os empresários reclamaram da
carga tributária. Solução “mágica” foi tornar as
contribuições ao PIS146 e a COFINS não cumulativas. Ora,145 BECKER, Alfredo Augusto. Carnaval Tributário. 2ª ed. São Paulo:Editora Lejus, p. 115, 1999.
146 “PIS, o primo pobre da Cofins - A empresas vêem o PIS e a Cofins comouma coisa só, ou seja, uma mordida feroz no faturamento - São Paulo/SP- Ele é o primo pobre da Contribuição para o Financiamento daSeguridade Social (Cofins). Desde sua criação, em 1970, o Programa deIntegração Social/Programa de Formação do Patrimônio do ServidorPúblico (PIS/Pasep) tem uma alíquota infinitamente menor que a daCofins, que surgiu mais de duas décadas depois. Apesar disso, o tributogera uma rentável arrecadação para a União, que não é dividida comestados e municípios. Em 2003, a contribuição, que se destina
89
passada a euforia da imprensa, veio o resultado: aumentou a
carga tributária (com recorde de arrecadação noticiado de
forma pública e notória pela imprensa). Isto sem contar o
aumento da burocracia e o início de idêntica discussão àquela
até hoje não encerrada quanto aos créditos do ICMS (sobre o
que gera crédito ou não).
A carga tributária beira aos 40% do PIB147
(convém acreditar mais nos institutos que no governo148, que
diz que é menos, mesmo que seja um ou dois por cento a
menos). Será que existem muitas empresas no País com um sócio
atualmente a financiar o seguro desemprego e o abono anual paratrabalhadores do setor privado (PIS) e público (Pasep) que ganham atédois salários mínimos, rendeu aos cofres públicos R$ 17,3 bilhões, anteaos R$ 12,8 bilhões arrecadados no ano anterior. A implementação dosistema não-cumulativo, através da Lei nº 10.637/02, é apontada portributaristas como o principal motivo do aumento.” (PIMENTEL, Sílvia.PIS, o primo pobre da Cofins. Diário do Comércio. Leis, Tribunais eTributos. http://www.infobip.com.br/index.asp?mode=1&id=27043&qry=0&cri=&opt=0&int=0&, 13/7/04, 08:31 hs.).
147 Produto Interno Bruto.148 “01/07/2004 - 18h15 Receita contesta carga tributária de 40,01% do PIB- Folha Online - A Receita Federal contestou hoje a informação de que acarga tributária brasileira teria atingido, no primeiro trimestre desteano, 40,01% do PIB (Produto Interno Bruto). Segundo a Receita, ocálculo da carga tributária nunca é feito trimestralmente para evitardistorções sazonais. Esse seria o caso do primeiro trimestre do ano,período que concentra um volume maior de impostos a pagar, como IPTU,IPVA, Imposto de Renda Pessoa Jurídica, entre outros. De acordo com aReceita, além da sazonalidade, o cálculo da carga tributária é feitocom base no período anual por um segundo motivo: o fato do valornominal do PIB só ser divulgado no segundo trimestre do ano seguinte aoque se refere. Para os técnicos da Receita, é temerário estimar a cargatributária em periodicidade inferior à anual, pois comporta elevadamargem de erro, levando a conclusões equivocadas. A informação de que acarga tributária teria atingido 40,01% do PIB no primeiro trimestre foidivulgada pelo IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário).”(Folha OnLine. Receita contesta carga tributária de 40,01% do PIB.http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u86240.shtml, acessoem 12/7/2004, 08:20hs).
90
que fique com quase 40% do bruto? Se fizer isso, a empresa
não “quebra”? Talvez aí resida o motivo do elevado número de
empresas que nascem e morrem por ano nas terras brasileiras.
Somente a carga tributária que incide sobre a
produção no Brasil, calculada pela alíquota máxima de
impostos sobre o valor agregado chega a 29,8%, segundo
pesquisa da DELOITTE, encomendada pela REVISTA VEJA149:
Some-se a tudo isso, o fato de que o sigilo
bancário pode ser quebrado pela Secretaria da Receita
Federal, porque, supostamente, não seria questão de foro
íntimo do membro do Povo, chamado cidadão. Aliás, a sua vida
bancária não faz parte da vida privada, ao que parece:
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada,a honra e a imagem das pessoas, assegurado odireito a indenização pelo dano material ou moraldecorrente de sua violação; (Art. 5° da CRFB/88).
Dizem, se é folclore não se sabe, que certa
feita um ministro/juiz disse que iria julgar uma causa contra149 SILVA, Chrystiane e CABRAL, Otávio. Trincheira contra os impostos. SãoPaulo: Editora Abril, edição 1864, de 28/7/2004.
91
o Povo (porque era tributária e quem paga os tributos são os
membros do Povo) para garantir os níveis atuais de
arrecadação. Isto é triste, com otimismo,
São 300 picaretas com anel de doutor (...) Élobby, é conchavo, é propina e jetom (...)Brasília é uma ilha, eu falo porque eu sei/ Umacidade que fabrica sua própria lei/ Aonde se vivemais ou menos como na Disneylândia/ Se essapalhaçada fosse na Cinelândia/ Ia juntar muitagente pra pegar na saída/ Pra fazer justiça umavez na vida”, como diz a conhecida música dogrupo Paralamas do Sucesso “...inspirada noclarividente comentário de Lula.150.
BECKER é atual, novamente:
Nas asas vertiginosas dos imensos déficitsorçamentários, os economistas passaram por cimada Teoria Geral do Estado e da Teoria Geral doDireito e foram lançados diretamente dentro doDireito Tributário. A ignorância dos economistassobre a ciência jurídica casou-se com aignorância dos juristas sobre a economia...(BECKER151).
No Brasil só é permitida a prisão por dívida
nos seguintes casos:
LXVII - não haverá prisão civil por dívida, salvoa do responsável pelo inadimplemento voluntário e
150 ALENCAR, Kennedy. Lula na mão dos "300 picaretas".http://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/ult511u151.shtml, 9/7/2004,15:35hs.
151 BECKER, Alfredo Augusto. Carnaval Tributário. 2 ed. São Paulo: EditoraLejus, p. 147, 1999.
92
inescusável de obrigação alimentícia e a dodepositário infiel; (Art. 5° da CRFB/88).
Mas, para efeito de crime contra a ordem
tributária a prisão é possível pelo não recolhimento do
tributo, bastou tratar como repetição de indébito e o
princípio constitucional foi esvaziado. Pergunta-se: não é
uma dívida tributária?
Assim, foram demonstradas algumas mazelas que
atingem os operadores do Direito Tributário e que têm
reflexos diretos na carga tributária sofrida pelo Povo.
Observe-se o exemplo152 da classe média entre
o que gasta em tributos e o que é obrigada a custear de
serviços que deveriam ser prestados pelo Estado153:
Renda mensal R$ 5.000,00Tributos e contribuições sociais R$ 1.269,00Impostos embutidos R$ 795,00Gastos com educação, saúde e segurança que deveriam ser providos pelo Estado
R$ 1.220,00
Carga mensal: R$ 3.284,00Igual a 65,7% da renda familiar
Entre o que o contribuinte é tributado e o
que ele tem que cobrir no terreno das omissões do Estado, a
carga tributária chega aos 6,75% da renda familiar da classe
média.
152 SILVA, Chrystiane e CABRAL, Otávio. Trincheira contra os impostos. SãoPaulo: Editora Abril, edição 1864, de 28/7/2004.
153 “Art. 6o São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, amoradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção àmaternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na formadesta Constituição.” (CRFB/88).
93
Do ponto de vista dogmático podemos vislumbrarduas relações jurídicas a partir das colocaçõessupra. Na primeira o Estado é credor em nome dasociedade, de uma obrigação de dar dinheiro(comportamento) cujo sujeito passivo é ocontribuinte que revele capacidade contributiva(art. 145, § 1º da CF). Na segunda, o cidadão é osujeito ativo, credor do Estado, que é devedor dotributo arrecadado, ou seja, o Estado é devedordo tributo que se tornou receita, daí porquequando mal gasta estes recursos tributários estásujeito as responsabilidades pela malversação dotributo da sociedade. (1) Em ambas relaçõesjurídicas o elemento legitimador é a adequação doagir do Estado com o interesse da sociedade,reside aqui o princípio do justo gasto do tributoarrecadado. (NOGUEIRA154).
Nenhum setor da sociedade fica satisfeito
com a carga tributária brasileira, que obviamente impacta
contra o crescimento do País, como pode ser facilmente
deduzido do cálculo acima. Agora, imagine-se o impacto da
conta acima para um assalariado.
“...A tributação proporcional da renda baixa
– sem a garantia do mínimo existencial, para uma vida digna –
converte o tributo em imposto sobre despesas essenciais.”
(DERZI155).
154 NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima. O tributo é um direito da sociedade enão do Estado. Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 419, 30 ago. 2004.Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5636>.Acesso em: 21 set. 2004.
155 DERZI, Misabel Abreu Machado. Pós-modernismo e Tributos: Complexidade,Descrença e Corporativismo. São Paulo: Editora Dialética. RDDT, n° 100,p. 75 e ss. 2003.
94
O assalariado é tributado injustamente sobre
suas despesas essenciais (alimentação, saúde, educação etc.).
2.3 CAPITALISMO156 E O DIREITO TRIBUTÁRIO
O Direito Tributário pode servir para
construir ou destruir. Becker pensou em construir com este
argumento:
A verdadeira revolução que gerará o novo SerSocial deverá ser obra de humanismo e seuprincipal instrumento, a legislação integralmenterejuvenescida. E nesta obra revolucionária atarefa fundamental é atribuída ao DireitoTributário.
A nova legislação tributária, pelo impacto dostributos, destruirá a velha ordem sócio-econômicae, simultaneamente, financiará a reconstrução dacomunidade humanizada. Aos demais ramos doDireito cabe a tarefa de disciplinar areconstrução. (BECKER157).
Os governos, em geral, parecem querer
destruir, aniquilando a propriedade privada (vide salário
mínimo e carga tributária). Assim, fica fácil implantar um156 “Sistema econômico e social baseado na propriedade privada dos meiosde produção, na organização da produção visando o lucro e empregandotrabalho assalariado, e no funcionamento do sistema de preços.”(FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio - SéculoXXI. São Paulo: Editora Nova Fronteira e Lexikon Informática).
157 BECKER, Alfredo Augusto. Carnaval Tributário. 2ª ed. São Paulo:Editora Lejus, p. 20, 1999.
95
regime autoritário e “pseudo-socialista” (hoje, pela carga
tributária deveria ser socialismo158, mas, pela
contraprestação em serviços públicos não se pode usar o
radical “social”) ou “pseudo-comunista”159 (mas, de igual
forma não há saúde160 decente, educação – não há propriedade
coletiva do essencial, do Bem Comum...).
O sistema econômico atual, do ponto de vista
da atuação tributária do Estado, poderia ser batizado de
“arrecadista salve-se quem puder161”.
Para se ter uma idéia, o nazismo utilizou-se
da Teoria do Abuso das Formas para financiar o regime (vide
BECKER162). Hoje, o art. 116 do CTN foi alterado, ao que
158 “Doutrina que prega a primazia dos interesses da sociedade sobre osdos indivíduos, e defende a substituição da livre-iniciativa pela açãocoordenada da coletividade, na produção de bens e na repartição darenda.” (BECKER, Alfredo Augusto. Carnaval Tributário. 2ª ed. SãoPaulo: Editora Lejus, p. 20, 1999).
159 “Qualquer sistema econômico e social baseado na propriedade coletiva.”(BECKER, Alfredo Augusto. Carnaval Tributário. 2ª ed. São Paulo:Editora Lejus, p. 20, 1999).
160 “Assim se exprime o art. 196 da Carta Magna: ‘A saúde é direito detodos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais que visema redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universale igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção erecuperação’.“O tom imperativo do preceito nos dá conta da amplitude do tema e doconceito ali expendido: há um direito que é de ‘todos’ e um dever queincumbe ao Estado. Nessa relação entre sociedade (todos nós) e Estadosurge, pois, um direito subjetivo público que não pode ser negado anenhuma pessoa, sob pretexto algum.” (BALERA, Wagner. A SeguridadeSocial na Constituição de 1988, São Paulo: Editora Revista dosTribunais, p. 74, 1989).
161 Com a devida vênia ao leitor.162 BECKER, Alfredo Augusto. Carnaval Tributário. 2ª ed. São Paulo:Editora Lejus, p. 135, 1999.
96
parece, justamente para copiar o modelo adotado pelos
nazistas:
Bastou ao Nazismo, em 1934, introduzir no § 1° doCódigo Tributino ALEMÃO o inciso 1: ‘As leisfiscais devem ser interpretadas segundo asconcepções gerais do nacional-socialismo’, paraque os Tribunais, apoiados na teoria hermenêuticaem análise (e que lhes era imposta pelos incisos2-3 do § 1° e incisos 2-3 do § 6° do RAO de1919), passarem a julgar os problemas fiscaissegundo a ideologia nazista... (conclusão da obrade BECKER163).
Por provável ignorância científica, há os que
são contrários ao planejamento tributário, desmerecendo a
atividade lícita desenvolvida em nível de Administração de
Empresas e de Ciências Contábeis. Desconhecem os benefícios
da elisão e os malefícios da evasão fiscal (nem a diferença
científica lhes ocorre). Preferem empresas que não façam
planejamento para economizar com tributos. Querem
contribuintes “cordeirinhos que se joguem ao fogo em imolação
ao deus governo164 do momento”. O administrador que faz163 BECKER, Alfredo Augusto. Carnaval Tributário. 2ª ed. São Paulo:Editora Lejus, p. 151, 1999.
164 “Deputado diz que planejamento tributário no Brasil é sinônimo de nãopagar imposto - Brasília, 8/7/2004 (Agência Brasil - ABr) - No ano de2002, somente 188 mil brasileiros que ganhavam acima de R$ 10 mildeclararam Imposto de Renda. A informação é do deputado Carlito Merss(PT-SC), interlocutor do Legislativo nas discussões sobre a mudança natabela de renda junto à Receita Federal e integrante da Comissão deFinanças da Câmara. O deputado demonstrou preocupação com o assunto,que considerou "um grande problema" e atribuiu a questão aoplanejamento tributário. “Na Europa, as pessoas, se falassem (deplanejamento tributário), estariam presas. No Brasil, se fala com amaior tranqüilidade sobre o planejamento tributário. Na Alemanha ou noJapão, é cadeia”, afirmou. O deputado define planejamento tributário
97
planejamento é o bom administrador, o ético, o científico e
construtor deste País. Empresários que não fazem planejamento
estão prestando um desserviço à Nação. Planejar e contestar
tributos indevidos (nas esferas administrativa e judicial) e
interpretações capciosas do Fisco é dever do empresário para
com seu consumidor – o Povo.
Ao Poder Judiciário, cabe resgatar a sua
condição de Poder, dada pelo Povo, que espera que ele
trabalhe em prol deste nas demandas tributárias:
“...no Estado de Direito a mais eficaz
proteção do ordenamento democrático está nas
mãos do juiz. Se o juiz não cede, torna-se
muito difícil que o arbítrio e o despotismo
se institucionalizem”. (Achille Battaglia
apud BECKER165).
Senão, fica ao déspota (presente ou futuro) a
fórmula para tomar todo o poder da mão do Povo: tributar até
a exaustão das forças produtivas (sem possibilidade de
contestação ou planejamento) para mudar ao gosto dele o
como "não pagar imposto”. Ele argumenta que as pessoas podem atéquestionar se um imposto é injusto ou não, mas têm que pagar ou entãomudar a Lei. Merss afirmou que nesses casos quem ganha mais contrataconsultorias e acha formas legais para não pagar impostos. “Eu achoangustiante isso. Quero discutir com a oposição esse assunto.”, disse.”(LIMA, Daniel. Deputado diz que planejamento tributário no Brasil ésinônimo de não pagar imposto. Radiobrás : Brasília. http://www.radiobras.gov.br/abrn/brasilagora/materia.phtml?materia=192661, 13/7/2004, 09:08hs).
165 BECKER, Alfredo Augusto. Carnaval Tributário. 2ª ed. São Paulo:Editora Lejus, p. 100, 1999.
98
sistema econômico. Poder-se-ia ressaltar a célebre lição de
BONAVIDES:
...o desfibramento daquela gente, que, ontem, foipovo e, hoje, é, tão-somente, triste e vegetativamultidão de servos submissos e vassalosgenuflexos que o globalizador arrogante e semescrúpulos esmagou com o braço de ferro do poderneoliberal. (BONAVIDES166).
BECKER ficaria decepcionado “se visse” o
tratamento dado à legislação tributária atualmente e a falta
de compromisso do Poder Judiciário com o Povo em algumas
causas tributárias. O “carnaval” está aumentando na
tributação na mesma proporção que o desrespeito ao Estado
Democrático de Direito, em prol dos governos do momento, nas
esferas federal, municipal, estadual e distrital.
O futuro da democracia no Brasil, como em todosos países do Terceiro Mundo, requer umacompreensão diferente da democracia, inserindo-ana categoria principal ou principiológica e, aomesmo passo, reconhecendo-lhe a dimensão dedireito de quarta geração; um direito, portanto,recente na esfera dos direitos humanos, talvez omais importante dos direitos do homem e dospovos.
Vinculado, de certa maneira, à dignidade dapessoa humana, a democracia segundo essa novaprojeção conceitual e teórica, se concretiza comoo primeiro dos direitos fundamentais; sem ele, a
166 BONAVIDES, Paulo. Do País Constitucional ao País Neocolonial – Aderrubada da Constituição e a recolonização pelo golpe de Estadoinstitucional. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., p. 25, 1999.
99
liberdade e a igualdade se depauperam, e nãologram eficácia. Assume, assim, indubitavelmentecomo valor superior o primeiro lugar nahierarquia normativa dos ordenamentosconstitucionais. (BONAVIDES167).
A tributação (mal empregada) pode ser uma
arma de guerra contra a democracia, a liberdade168 e o Povo.
167 BONAVIDES, Paulo. Do País Constitucional ao País Neocolonial – Aderrubada da Constituição e a recolonização pelo golpe de Estadoinstitucional. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., p. 172, 1999.
168 “Liberdade é a condição de sensibilidade, racionalidade eacessibilidade exercida pelo Homem quanto a alternativas.” (PASOLD,Cesar Luiz. Função Social do Estado Contemporâneo. 3a. ed. rev. e amp.Florianópolis: Editora da OAB/SC, p. 72, 2003.
10
Capítulo 3
O PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE DO ICMS – UM CASO PRÁTICO
O ICMS é tributo não-cumulativo, eis que
submetido ao encontro de contas (créditos e débitos). A atual
Constituição169 traz apenas uma exceção ao direito de crédito,
qual seja, a isenção ou não-incidência, salvo determinação em
contrário da legislação. Entretanto, os Estados da Federação
conseguiram aprovar Convênio170 e depois influenciar
decisivamente na redação e votação da Lei Complementar171 que
trata do ICMS, usurpando parte do direito ao crédito,
situação repetida na maioria das legislações estaduais. Em
suma, todos estes dispositivos são inconstitucionais por
criar exceção que a Constituição não criou. E, o Povo arca
com maior carga tributária em conseqüência disso. Convém
defender a Não-Cumulatividade do ICMS em respeito ao Povo.
3.1 PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE – DIFERENÇA ENTRECRITÉRIO FINANCEIRO E CRITÉRIO FÍSICO
169 Constituição da República Federativa do Brasil - CRFB/88.170 Legislação tributária editada em reunião dos Secretários da Fazendados Estados Federados.
171 LC n° 87/96.
10
O ICMS é imposto não-cumulativo, na medida em
que as mercadorias e serviços adquiridos pelo contribuinte
podem ser creditados para posterior abatimento do débito no
momento do encontro de contas realizador do mandamento
constitucional:
Art. 155... § 2º O imposto previsto no incisoII, atenderá ao seguinte:
I - será não-cumulativo, compensando-se o que fordevido em cada operação relativa à circulação demercadorias ou prestação de serviços com omontante cobrado nas anteriores pelo mesmo ououtro Estado ou pelo Distrito Federal...(CRFB/88).
O Constituinte de 1988 não deixou margem para
dúvidas. As únicas hipóteses de vedação do direito ao crédito
do ICMS pago nas entradas ocorre nos casos de isenção e não-
incidência (art. 155, § 2°, II, “a” e “b”). Mas, a “sede” de
arrecadar dos Estados foi maior e, desde o Convênio 66, vem
sendo vedada a apropriação de alguns créditos ou dificultado
tal procedimento (crédito em 48 meses, vedação de créditos
decorrentes de aquisição de peças de reposição, de energia
elétrica et coetera).
O Povo que (pelos seus representantes172)
consignou na Carta Magna que todo o crédito de ICMS poderia
ser feito pelo contribuinte, não pode ter esse direito
amesquinhado pela conveniência da arrecadação dos Estados.
172 Vide Preâmbulo da CRFB/88.
10
Apesar da análise apressada de alguns
tribunais (que admitem a não aplicação plena do Princípio da
Não-Cumulatividade), a matéria carece de melhor análise,
tendo em vista os sérios prejuízos que daí advém ao Povo (que
pode aqui ser qualificado de Povo-consumidor).
A Constituição da República Federativa do
Brasil foi elaborada pelos representantes do Povo e
promulgada para assegurar o exercício de direitos sociais e
individuais. Assim, é direito do consumidor que o ICMS que
ele suporta quando compra produtos não seja cumulativo (não
incida em cascata, como vulgarmente é dito).
O regime constitucional anterior contemplava
o “crédito físico”, isto é, o contribuinte só se apropriava
dos créditos das mercadorias que fosse incorporado ao seu
produto fisicamente. O imposto não seria cumulativo nos
termos da lei complementar:
II – operações relativas à circulação demercadorias realizadas por produtores,industriais e comerciantes, imposto que não serácumulativo e do qual se abaterá, nos termos dodisposto em lei complementar, o montante cobradonas anteriores pelo mesmo ou por outro Estado...(Constituição da República Federativa do Brasilde 1967).
Diferentemente, a CRFB/88 trata de “créditos
financeiros”173, pois, se o objetivo é evitar a173 A doutrina do Professor CARRAZZA sintetiza a matéria:“Estudaremos, neste parecer, o alcance do princípio da não-cumulatividade do ICMS e verificaremos que a Constituição Federal
10
“cumulatividade” (incidência em cascata), está tratando da
cumulatividade financeira. Observe-se que não há referência
“nos termos do disposto em lei complementar” na CRFB/88.
A CRFB/88 prescreve no inciso XII do § 2° do
art. 155 que cabe à lei complementar disciplinar o regime de
compensação do imposto. Disciplinar segundo AURÉLIO174 é:
“Respeitante à disciplina (...) Sujeitar ou submeter à
disciplina (...) Fazer obedecer ou ceder; acomodar, sujeitar;
corrigir: (...) Tornar-se disciplinado...”. Logo, cabe apenas
à lei complementar fazer os Estados se submeterem ao direito
dos contribuintes de compensar o imposto não cumulativo.
...ao invés de terem sido tais atos normativoseditados para ‘disciplinar o regime decompensação tributária’, vieram, isto sim, para
permite, desde sua entrada em vigor, O TOTAL APROVEITAMENTO DOSCRÉDITOS DESTE TRIBUTO, decorrentes da aquisição de bens destinados auso, consumo ou ativo permanente do contribuinte.(...) Para que odireito à compensação surja, também não é preciso que os créditosprovenham da mesma mercadoria que o contribuinte está pondo in comercium,do mesmo bem que ele vai revender ou do mesmo serviço que estáprestando. Basta que existam créditos provenientes de operações ouprestações anteriores. (...) Esta, diga-se de passagem, é uma novidadeda Constituição de 1.988. A anterior, quando cuidava do ICM, vinculavao aproveitamento dos créditos à mesma mercadoria. (...) O contribuintetem o direito incontornável de lançar em sua escrita contábil, o‘CRÉDITO FINANCEIRO’ de todos os custos incorporados às mercadorias ouserviços anteriores, tributados (ou tributáveis) pelo ICMS, para, nomomento oportuno (em geral, a cada trinta dias), utilizá-lo como ‘moedade pagamento’ deste tributo. Na medida em que o ICMS não é um ‘impostosobre valor agregado’, todas as ‘operações de entrada’ de mercadorias,bens ou serviços, devem ser levadas em conta, no momento de calcular-sea quantia de dinheiro a desembolsar.” (CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS –Aproveitamento de Créditos – Inconstitucionalidades da Lei Complementar87/96. São Paulo: Editora Dialética. In RDDT n° 25, p. 147 e ss. 1997)(sem grifos no original).
174 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio - SéculoXXI. São Paulo: Editora Nova Fronteira e Lexikon Informática.
10
conturbar a simplicidade da sistemáticaconstitucional de creditamento do ICMS com umpropósito óbvio e aviltante: beneficiar os entespolíticos com maior arrecadação tributária emdetrimento dos pobres e indefesos contribuintes econsumidores finais.(MATTOS175).
Na ordem constitucional pretérita, o ICM era
não-cumulativo, abatendo-se em cada operação o montante
cobrado nas anteriores pelo mesmo ou por outro estado, sem
direito a crédito das mercadorias adquiridas para utilização
como matéria-prima, material secundário e embalagem (Dec.-Lei
n° 406/68, art. 3°, § 3°). Naquela época, a não-
cumulatividade era apenas parcial (crédito físico).
A Nova Constituição trouxe uma ruptura com
este sistema, afirmando o Princípio da Não-Cumulatividade
plena176, ou seja, todos os valores pagos a título de ICMS
podem ser creditados pelos contribuintes do mesmo imposto,
175 MATTOS, Aroldo Gomes de. ICMS – Mercadorias ou Bens do Ativo Fixo ouPermanente – Aquisição e Revenda. Revista Dialética de DireitoTributário n° 105. São Paulo: Editora Dialética, p. 19, 2004.
176 “...A Constituição não delegou à lei complementar estatuir o perfil danão-cumulatividade; a ela apenas conferiu o disciplinamento adjetivo doregime de compensação do ICMS. O art. 155, § 2°, I, prescreve que oICMS ‘será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cadaoperação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviçoscom o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado oupelo Distrito Federal’. Assim sendo, o montante suportado pelos agentesda circulação no exercício de suas atividades, como contribuintes defato do ICMS (aquisição de bens para uso ou consumo e bens do ativofixo), autoriza o adquirente e o tomador de serviços, na qualidade decontribuintes de jure, situados num ponto qualquer da cadeia decirculação, a se creditarem do imposto, sem qualquer distinção, ededuzi-lo de suas operações tributadas, pois tudo é custo operacional,como exatamente ocorre com os IVAS europeus e latino-americanos.”(COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro.3ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Forense. p. 480. 1999).
10
para evitar a incidência do ICMS em cascata no preço das
mercadorias (sistemática do crédito financeiro).
É certo que o Fisco quer manter a situação
anterior ao advento da Carta Magna de 1988, porém, isto é um
desrespeito ao Estado Democrático de Direito177.
...E na medida da sua dominância efetiva asuperestrutura constituída desuperintegração/subintegração (inclusão/exclusão)deslegitima uma sociedade constituída não apenasno âmbito do Estado de Direito, mas já a partirda sua base democrática. (MÜLLER178).
O constituinte não disse, em momento algum,
que estava ressalvado o caso em que os produtos adquiridos
não integraram o produto final e por isso estava vedado o
crédito – crédito pelo critério físico e não financeiro. A
não-cumulatividade deve ter por base o critério financeiro,
logo, tudo que for adquirido pode gerar crédito de ICMS,
salvo as hipóteses constitucionais de exclusão deste direito.
As únicas possibilidades constitucionais de vedação do
crédito de ICMS (ou necessidade de anulação deste) vêm
177 “...Estado Democrático de Direito – com previsão expressa no texto daConstituição brasileira -, constitui-se em uma proposta civilizatória.Dito de ouro modo, o Estado Democrático de Direito é um plus normativoem relação às suas conformações anteriores (Estado Social e EstadoLiberal).” (CRUZ, Paulo Márcio. Política, Poder, Ideologia e EstadoContemporâneo. 3ª ed. rev, amp. e atual., Curitiba: Juruá Editora, p.13, 2002)
178 MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? – A questão fundamental dademocracia. São Paulo: Max Limonad. 3ª ed. rev. e amp. p. 95, 2003.
10
dispostas no inciso II, “a” e “b” do § 2° do art. 155 da
CRFB/88179.
E, não há nenhuma possibilidade de qualquer
espécie de lei (seja complementar, ordinária, nacional,
estadual...) tornar o ICMS cumulativo através da vedação de
créditos180, por exemplo, pago nas operações relativas à
circulação de energia elétrica (porque esta não se
incorporaria ao produto final).
179 “Vê-se que, excetuados os casos de isenção e de não incidência doimposto (art. 155, § 2°, II, “a” e “b” da CF), não há qualquerrestrição constitucional ao direito de creditamento do ICMS em razão daespécie de operação, geradora de crédito, praticada pelo contribuinte,ou seja, aquisição de bem destinado a consumo ou ao processo decomercialização de mercadoria.“Sendo assim, se o consumo de energia elétrica pelas empresascomerciais acarretou cobrança do imposto, este crédito de ICMS pode serapropriado por estes contribuintes, e posteriormente compensado com asfuturas operações de saída de mercadorias. Note-se que, não obstante ofato incontroverso da energia elétrica integrar o processo decomercialização de mercadorias, o direito das empresas comerciais aocreditamento deste ICMS é assegurado pela própria Constituição comocorolário do princípio da não-cumulatividade, independentemente daespécie de operação praticada.” (AMARO, Abel Simões. ABREU, Cláudiode. Direito ao Creditamento do ICMS relativo à Energia ElétricaConsumida em Estabelecimento Comercial. São Paulo: Dialética – RDDT n°22, p. 9. 1997).
180 Da mesma forma, o assunto também tem sido submetido à apreciação doPoder Judiciário Paranaense, que assim tem decidido: "ICMS - Princípioda não-cumulatividade - Crédito. Por força do princípio da não-cumulatividade, deve ser reconhecido o crédito do tributo decorrente daaquisição de materiais que, conforme a prova, se consomem ou seinutilizam rapidamente no processo de produção. 'Ainda que não integremo produto final, concorrem direta e necessariamente para este porqueutilizados no processo de fabricação, nele se consumindo' (RE 79.601,Rel. Min. Aliomar Baleeiro, DJ de 8-1-75, a-pud RTJ 107/735). Apelaçãodesprovida e manutenção da sentença sob reexame necessário." (Ac un da1ª C Civ do TJ PR - AC e RN 33.968-8 - Rel. Des. Pacheco Rocha - j27.06.95 - Apte.: Estado do Paraná; Apda.: Distribuidora de Papéis S/A- DJ PR 07.08.95, P 29).
10
Alegando o Convênio n° 66, a Lei Complementar
n° 87/96 e as legislações dos Estados, há os que tentam
enodoar o Princípio da Não-Cumulatividade do ICMS. E
conseguem, em geral pela imobilidade dos contribuintes e
outras vezes pelo endosso à tese fiscal dada pelo Poder
Judiciário181. Entretanto, em geral, os contribuintes só têm
um local para buscar o cumprimento integral do Princípio em
questão: o Poder Judiciário. Diretamente, por suportarem o
encargo, serão beneficiados os consumidores finais (Povo).
Como se pode afirmar que o ICMS será não-
cumulativo, exceto quanto às peças de máquinas ou mesmo
material de uso e consumo?
Hoje, a jurisprudência do Rio Grande do Sul
já traz uma interpretação mais acertada:
Tributários. ICMS. Creditamento. Bens destinadosao ativo fixo, uso e consumo.
O direito de credito do ICMS decorrente daaquisição de bens destinados ao ativo fixo, uso econsumo é assegurado pela Constituição Federalvigente e não pode ser impedido ou limitado senão pela própria Constituição. A Constituição nãofaz restrição a créditos. Não discrimina asoperações tributáveis. Todas são tratadas deforma igual. São geradoras de tributo em favor doEstado vistos sob a ótica do credor e geradorasde crédito de ICMS em favor do contribuinte. ACarta de 1988, ao suprimir do art. 155, § 2º, I,
181 Por vezes fica a impressão de que alguns membros do Poder Judiciáriodesconhecem o Princípio do In Dubio Contra Fiscum, pois, o DireitoTributário prima pela defesa do Povo.
10
a frase “nos termos do disposto em LeiComplementar”, que havia no art. 23, II, daConstituição anterior, vedou a possibilidade deafastamento da compensação do crédito por meio deConvênio, lei complementar ou lei ordinária.
Preliminares afastadas. Apelo provido.” (ApelaçãoCível nº 70002660983. Tribunal de Justiça do RioGrande do Sul. Segunda Câmara Cível – Caxias doSul/RS. Publicada no DJU de 25.04.03. Relator:Des. Arno Werlang. Apelante: Carrefour Comércio eIndústria Ltda. Apelado: Estado do Rio Grande doSul).
Assim, a matéria em questão demanda solução
jurisdicional em nível de constitucionalidade, como atenção
aos efeitos que, necessariamente, serão sentidos pelo Povo. A
CRFB/88 garantiu a Não-Cumulatividade plena quando tratou do
ICMS, para evitar a tormentosa incidência do respectivo
tributo em cascata. Quando o constituinte garantiu que o
ICMS será compensado com o “montante cobrado nas [operações]
anteriores” (art. 155, I, § 2°, I da CF), não deixou margem
ao legislador, seja do Convênio ou da Lei Complementar, seja
ao legislador estadual, para que vilipendiassem182 o direito
ao crédito integral de ICMS pago nas entradas183.
182 “...O estagirita não teria, assim, nenhuma dificuldade em reconhecerno regime político brasileiro, em que a esmagadora maioria pobre votaregulamente segundo o interesse e sob a influência dominante dos ricos,uma autêntica oligarquia, em que pese a aparência democrática com quese desenrolam os rituais da nossa vida política.” (COMPARATO, FábioKonder, in Prefácio à obra de MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? – Aquestão fundamental da democracia. São Paulo: Max Limonad. 3ª ed. rev.e amp. p. 22, 2003).
183 “...só o olhar atento para as diferenças, as finas fissuras no uso dalíngua torna visíveis os verdadeiros ônus de fundamentação por trás dafachada das fundamentações aparentes.” (MÜLLER, Friedrich. Quem é o
10
Como dito acima, espera-se que o Poder
Judiciário não tenha esta visão constitucional turvada184 por
interpretações da legislação que se afastou da CRFB/88185.
Ainda sobre o Princípio Constitucional da
Não-Cumulatividade do ICMS, vale colacionar os ensinamentos
de Geraldo Ataliba:
povo? – A questão fundamental da democracia. São Paulo: Max Limonad. 3ªed. rev. e amp. p. 34, 2003).
184 “Foi ainda graças a esse método de pensar o direito que o ProfessorMüller pôde superar a estreiteza de uma visão positivista, que conduzinelutavelmente ao nacionalismo jurídico...” (idem, p. 12). “...Onacional-positivismo representa, de certo modo, a negação da ciênciajurídica, pois repudia aquele princípio de explicitação unitária darealidade, que constitui a meta de todo conhecimento científico.”(COMPARATO, Fábio Konder, in Prefácio à obra de MÜLLER, Friedrich. Quemé o povo? – A questão fundamental da democracia. São Paulo: MaxLimonad. 3ª ed. rev. e amp. ps. 12/13, 2003).
185 “É que a Carta Brasileira impõe a observância do princípio da não-cumulatividade, de tal sorte que o contribuinte (comerciante) devecompensar, com o imposto incidente sobre as operações que realizar, oimposto relativo às compras por ele efetuadas. Assegura a Constituiçãobrasileira, como de resto o fazem os países europeus e latino-americanos, que o contribuinte, nas operações de venda que promova,transfira ao adquirente o ônus do imposto que adiantará ao Estado e, aomesmo tempo, possa ele creditar-se do imposto que suportou em suasaquisições (embora na posição de adquirente apenas tenha sofrido atransferência e nada tenha pessoalmente recolhido aos cofres públicos).Assim todo adquirente (exceto o consumidor final, não contribuinte) temo direito, constitucionalmente expresso, de deduzir o imposto que lhefoi transferido pelo vendedor ou promotor da operação. Portanto oprincípio, consagrado na Lei Fundamental, autoriza único entendimento:o ICMS não deve ser suportado pelo contribuinte (comerciante,industrial ou produtor); o ICMS, por licença constitucional, onera oconsumidor – não contribuinte – que não pode repassar o custo doimposto. (...) É evidente que, se o legislador complementar,convencional ou estadual pudesse amputar, modificar, reduzir ouamesquinhar o princípio da não-cumulatividade, estaria na posição derevisor do Texto Magno. E assim poderia até mesmo destruir totalmente oprincípio, abolindo-o indiretamente e tornando letra morta aConstituição brasileira.Podemos, sem sombra de dúvida, afirmar que nenhuma hipótese nova deexceção, nenhum caso novo de anulação ou estorno de crédito poderá sercontemplado em lei infraconsitucional...” (DERZI, Misabel Abreu Machado
11
É a Constituição, meus Senhores, que dá a mim,cidadão que pratico operação mercantil, noBrasil, o direito de me creditar do ICMS relativoàs operações anteriores; não é lei nenhuma. Não éLei Complementar que dá; não é lei ordinária doEstado, muito menos; não é a doutrina; é aConstituição. Este é um direito constitucional,de quem pratica operação mercantil. Portanto, alei não pode diminuir, reduzir, retardar, anularou ignorar um direito que a Constituição deu...
Invocar a lei para tratar de um direito que aConstituição dá - dá irrestritamente,liquidamente, na sua compostura e na sua dimensão- é um despropósito. Não se fala em lei emmatéria de crédito de ICMS. Não se pode falar; aConstituição já disse tudo, foi exaustiva. SeJosé Afonso da Silva estivesse aqui, diria: estaNorma é de eficácia plena e aplicabilidadeimediata. É um direito constitucional o direitode crédito de ICMS, no montante do ICMS relativoàs operações anteriores. Está encerrado oassunto. Não precisa lei para dizer nada; omáximo que a lei pode dizer é 'o senhor vaiescrever num papel cor-de-rosa, vai escriturarisso', ou, 'o papel vai ser verde'. É a únicacoisa que a lei pode dizer nessa matéria. Nãopode reduzir, retardar ou anular esse direito.186.
Esse também é o entendimento esposado por
MARCO AURÉLIO GRECO e ANNA PAOLA ZONARI187, verbis: "O direito
ao crédito em decorrência da aplicação do princípio da não-
e COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Direito à Compensação de Créditos noICMS. São Paulo: Editora Dialética. RDDT, n° 27, p. 96 e ss. 1997).
186 ATALIBA, Geraldo. ICMS na Constituição, São Paulo: Editora Revista dosTribunais. RDT nº 57, p.90/104. 1990.
11
cumulatividade é constitucional e não legal. Deste modo,
qualquer exigência legal que gere distorção ou restrição no
seu exercício fere dispositivo examinado".
Toda a norma que desafiou este regramento
estatuído na CRFB de 1988 é inconstitucional, nascendo morta
para o ordenamento jurídico. A Constituição permite o crédito
amplo, a legislação tributária (de qualquer espécie) que
fugir disto afrontará a Carta Magna de forma direta. Após o
pagamento de notas fiscais de entrada com ICMS, os
contribuintes têm o direito constitucional de creditar o
valor do imposto, para compensar com aquele que recolherão na
operação com o consumidor. No final da cadeia indústria-
comércio, o ICMS deve ser pago sobre o valor total da
circulação da mercadoria, de forma não-cumulativa. Pois, se o
ICMS for cobrado “em cascata”, financeiramente falando, já
estará ofendido o mandamento constitucional em tela.
Caso não seja feito o creditamento do ICMS
cobrado nas operações de entrada de uniformes (verbi gratia) os
consumidores dos produtos industrializados suportarão
cumulativamente o encargo financeiro do imposto, pois, o
contribuinte ficaria obrigado a embutir no preço do produto o
ICMS pago (em cascata) sobre as entradas de uniformes (por
exemplo), caso não possa se creditar.
187 GRECO, Marco Aurélio e ZONARI, Anna Paola. ICMS - Materialidade ePrincípios Constitucionais. in Curso de Direito Tributário, coor. IvesGandra da Silva Martins, Belém: CEJUR, 1993, vol. 2, pg. 161).
11
Assim, o contribuinte não precisa nada mais
que a CRFB/88 para efetuar este crédito integral dos valores
do ICMS pagos nas aquisições de mercadorias e serviços
tributados por este imposto.
3.2 DIALÉTICA DAS DECISÕES SOBRE A MATÉRIA
Buscando instituir a dialética, serão
apontadas as posições de ambas as partes nesta questão.
A dialética entre a individualidade (microética)e a comunidade representada pelo Estado(macroética) há que ser dominada pelo razãoprática da proporcionalidade, ou de uma medianiaaristotélica. A proporcionalidade é uma mediania,contudo não é uma mediocridade, mas sim, umaculminância, um valor nobre, considerando que é avitória da razão sobre os instintos, neste casoos instintos públicos e privados. Pensar umamediania fiscal, é pensar o tributo como justamedida de um dever fundamental de solidariedade.Aqui, há quase que uma síntese de toda aquelasabedoria grega que identifica no ''meiocaminho'', no ''nada em excesso'' e na ''justamedida'' a regra suprema do agir, assim como hátambém a aquisição pitagórica que identificava aperfeição do ''limite'' e ainda, por fim, há umaexploração do conceito de ''justa medida''.(NOGUEIRA188).
188 NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima. Perspectiva ético-jurídica doplanejamento tributário. Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 419, 30 ago.2004. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5641>. Acesso em: 06 set. 2004.
11
3.2.1 Posição favorável aos interesses do fisco
É corrente que os Estados carecem de
recursos, bastando ver os sérios problemas por que passa a
população no que tange à saúde, educação, segurança pública,
apenas para citar.
Logo, caso fosse autorizada a aplicação
correta da CRFB/88, as receitas advindas do ICMS reduziriam-
se drasticamente nos cofres públicos, já que este tributo é o
que mais arrecada.
Outro ponto a destacar é a maior facilidade
na fiscalização, eis que o crédito físico torna muito mais
fácil a atividade de fiscalização, porque reduz em muito as
possibilidades de creditamento.
Com suporte nas finanças públicas, fica
fácil fazer uma defesa do ICMS parcialmente não-cumulativo.
Porém, esta defesa não vem embasada no Direito Tributário,
mas sim, na defesa da arrecadação, apenas.
Outro argumento a se destacar é o fato de
que, levando em conta a não-cumulatividade pelo crédito
financeiro, seria inconstitucional a Lei Complementar n°
87/96 e a quase totalidade das leis estaduais que tratam
desta matéria, sem contar os regulamentos (RICMS).
3.2.2 Posição favorável ao Povo
11
Se a CRFB/88 pretende buscar legitimidade189
ao citar o Povo190, então, que este seja respeitado pelos
legisladores e pelos operadores do Direito.
...A democracia e o Estado de Direito legitimamdesde os seus inícios a dominação da ordem socialburguesa; constituições como a brasileira de 1988ou a Lei Fundamental alemã mencionamexpressamente a legitimação pelo povo. É deimportância decisiva saber em que campos e em quegrau essas pretensões são cumpridas oudescumpridas no funcionamento cotidiano doordenamento jurídico. Disso faz parte não apenasa atuação dos políticos, mas também o trabalhoprático da docência, da pesquisa e sobretudo dadecisão dos juristas, pois o seu fazer éoperacionalizado nos termos do Estado de Direitosomente em caso de procedimento racionalmentecontrolável dos titulares das funções jurídicasno Executivo e no Judiciário, bem como notrabalho prévio para o Legislativo... (MÜLLER191).
189 “...Quanto mais o ‘povo’ for idêntico com a população no direitoefetivamente realizado e conseqüentemente legitimidade terá o sistemademocrático existente como forma...” (MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? –A questão fundamental da democracia. São Paulo: Max Limonad. 3ª ed.rev. e amp. p. 111, 2003).
190 “As constituições falam com freqüência do povo e gostam de falar dele.A razão está no fato de que precisam legitimar-se...” (MÜLLER,Friedrich. Quem é o povo? – A questão fundamental da democracia. SãoPaulo: Max Limonad. 3ª ed. rev. e amp. p. 22, 2003). ? “...só o olhar atento para as diferenças, as finas fissuras no uso dalíngua torna visíveis os verdadeiros ônus de fundamentação por trás dafachada das fundamentações aparentes.” (MÜLLER, Friedrich. Quem é opovo? – A questão fundamental da democracia. São Paulo: Max Limonad. 3ªed. rev. e amp. p. 33, 2003).
191 (MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? – A questão fundamental dademocracia. São Paulo: Max Limonad. 3ª ed. rev. e amp. p. 87, 2003).
11
Havendo dúvida quanto ao alcance do Princípio
da Não-Cumulatividade, o intérprete deve prestigiar a
proteção do Povo, para evitar a “...reificação do conceito de
povo...”192.
O Estado democrático brasileiro foi
instituído pela CRFB/88 pelos representantes do Povo, porque
“...Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta
Constituição” (Parágrafo único do art. 1°).
...Esse entendimento de ‘emanar’ também não ésupostamente metafísico; é normativo. Por issonão pode ele permanecer uma ficção, senão quedeve ter o poder de desembocar em sançõessensíveis na realidade, tendo necessariamente aoseu lado a promessa democrática na sua varianteativa. (MÜLLER193).
Acerca de creditamento de ICMS, o Convênio
ICMS n° 66/88, editado por secretários estaduais, fugiu em
vários pontos de sua competência e não atentou para a
proteção do Povo (pelo Princípio da Não-Cumulatividade),
tanto quanto a Lei Complementar n° 87/96. Os Estados
demonstraram estar pouco preocupados com o Povo, muito mais
com a arrecadação. Se dinheiro faltava aos Estados, porque
não reduziram custos e não presentearam o Povo com o
cumprimento integral do Princípio em estudo?
192 MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? – A questão fundamental dademocracia. São Paulo: Max Limonad. 3ª ed. rev. e amp. p. 36 2003.
193 MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? – A questão fundamental dademocracia. São Paulo: Max Limonad. 3ª ed. rev. e amp. p. 62, 2003.
11
E a invocação do Povo é importante, porque
muitas vezes os julgadores se esquecem de que quem suportará
o encargo financeiro do tributo é este (o Povo), não o
contribuinte ou responsável (eles repassam para suas
planilhas de custos). Busca-se fomentar a discussão de um
princípio tributário na perspectiva do Povo (cujo conceito é
resgatado e enaltecido na obra de FRIEDRICH MÜLLER).
Em síntese, a CRFB/88 garantiu que o ICMS
seja não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada
operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de
serviços, com o montante cobrado nas anteriores (todas,
critério do crédito financeiro) pelo mesmo ou outro Estado ou
pelo Distrito Federal. Caso o intérprete tenha dúvida na
proposição acima, o destinatário a ser protegido pela norma
não deve ser o Estado no seu direito de arrecadar, mas, o
Povo no seu direito de não pagar ICMS cumulativamente (em
cascata).
11
Capítulo 4
REFORMA FISCAL PELA REDUÇÃO DE GASTOS PÚBLICOS: UMAANÁLISE À LUZ DA POLÍTICA JURÍDICA
A Política Jurídica determina a obrigação
cívica de buscar a melhoria nos institutos jurídicos para
evitar o comodismo do “aplique-se a lei”. O Direito
Tributário precisa ser respeitado como disciplina (lato sensu)
protetora dos contribuintes e isto deve ser observado,
também, quando se pensa em reforma tributária. Esta questão
precisa ser trabalhada, igualmente, pela Política Jurídica.
Tratando de reforma tributária, pela Política
Jurídica, sugere-se que o Estado reduza gastos em vez de
aumentar a carga tributária (porque é fácil administrar com
dinheiro sobrando – estratégia comum dos governantes194).
O governo brasileiro deve descobrir a hora de
parar (e reduzir gradativamente) a arrecadação. A melhor
forma de aumentar a arrecadação seria diminuíndo a carga
tributária e não o contrário. Primeiro, para conferir ao
Sistema Tributário estabilidade e em segundo lugar, porque,
atualmente, o crescimento dos setores produtivos e de
comércio fica estagnado em proporção inversa ao aumento da
194 Percepção empírica do autor, posto que se trata de análise decomportamento subjetivo do governante.
11
informalidade e da sonegação. A frase chavão dos
tributaristas é: “Tributo bom, é tributo velho”.
O peso da carga tributária causa entrave aos
investimentos das empresas, à geração e manutenção digna de
emprego e renda, enfim, ao crescimento sustentável do Brasil.
A redução da carga tributária se faz
necessária e urgente para afastar os efeitos da tributação
sobre o crescimento.
4.1 DIREITO FINANCEIRO X DIREITO TRIBUTÁRIO
Direito Tributário é autônomo em relação ao
Direito Financeiro: “...hoje, tanto os juristas como os
financistas estão de pleno acordo em recomendar a rigorosa
separação entre a Ciência das Finanças Públicas (obtenção e
gestão de recursos) e o Direito Tributário...” (BECKER195).
Assim, julgamentos tributários não podem ser
influenciados por decisões de caixa do sujeito ativo
tributário.
Precisamente porque o Direito Tributário temreconhecidamente princípios e institutospróprios, compondo um sistema especial denormatividade. (NOGUEIRA196).
195 BECKER, Alfredo Augusto. Carnaval Tributário. 2 ed. São Paulo: EditoraLejus, p. 149, 1999.
11
Existe Poder Executivo para administrar o
País e equacionar as contas do erário com o menor sofrimento
possível ao Povo.
Somente a associação de corretas noções deLiberdade Igualdade – na sua condição de ValoresFundamentais – permitirá a esperança de que oPoder Executivo atue sob o princípio daLegitimidade e, assim, cumpra de modo efetivo suaimportante missão no Estado Contemporâneo.(PASOLD197).
Poder Legislativo para tributar quando
preciso.
Poder Judiciário para defender a Carta do
Povo198.
4.2 PROPOSTA DE REFORMA TRIBUTÁRIA SEM AUMENTO DE TRIBUTOS
Reforma tributária pode ser feita apenas para
reduzir a carga tributária e ou para diminuir a burocracia,
num País como o Brasil. Do governante se espera austeridade
com criatividade. É de doutrina:
Por isso, requer do administrador público, nãosó, probidade no trato da coisa pública, como
196 NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário. 14 ed. São Paulo:Saraiva, p. 76, 1995.
197 PASOLD, Cesar Luiz. Função Social do Estado Contemporâneo. 3. ed. rev.e amp. Florianópolis: Editora da OAB/SC, p. 81, 2003.
198 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
12
também, inteligência, criatividade e sobretudocapacidade de diagnosticar a realidade e suascausas, para elaborar um elenco de prioridades,quer para execução de obras e serviços, quer paraeliminar as fontes geradoras de problemas edistorções sociais. É preciso saber otimizar osrecursos financeiros disponíveis e ainfraestrutura de pessoal e material, para obtero máximo de resultado e eficiência com o mínimode recursos financeiros. (HARADA199).
A interpretação do Direito passa por várias
etapas, algumas de cunho eminentemente ideológico. A
ideologia que sustenta a interpretação da presença da Fazenda
Pública em juízo é puramente paternalista, salvo melhor
juízo.
O Estado tudo pode, o particular que se
defenda. Na dúvida, o Fisco fica com o ganho de causa, quando
deveria ser o contrário, face à analogia de que o tributo é
imposto como se fosse uma pena, na medida em que se trata de
pagamento compulsório. O Direito Tributário nasceu parar
proteger o contribuinte do ímpeto arrecadador do governante.
Com razão a doutrina de SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO:
“...quando o legislador não faz norma clara, cabe ao juiz reduzir ao possível a
sua abrangência: in dubio pro contribuite...”200.
199 HARADA, Kiyoshi. Administração Pública. Relação direta entre cargatributária elevada e mau administrador . Jus Navigandi, Teresina, a. 8,n. 394, 5 ago. 2004. Disponível em:<http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5536>. Acesso em: 02 set.2004.
200 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro.3ª ed. Rio de Janeiro : Ed. Forense, p. 10, 1999.
12
A face de vítima do Estado não se justifica
em sua totalidade, tanto que muitos governantes e
administradores públicos (INSS, Conselhos Profissionais entre
outros) estão se valendo da inconstitucionalidade útil, ou
seja, cobram um tributo indevido, na certeza de que nem todos
vão discutir o mérito na Justiça. Estes órgãos chegam em
Juízo e recebem o mesmo tratamento de parte a ser protegida,
quando deveriam ser reprimidas com condenações por julgamento
antecipado da lide, urgência na concessão de liminares nos
mandados de segurança sem medos ou preconceitos e penalidades
pela litigância de má-fé do Estado.
Atualmente, qualquer operador jurídico que
tenha um mínimo de conhecimento acerca do que ocorre em
nossos tribunais, superiores principalmente, sabe que a
Fazenda Pública está longe de buscar apenas solução para os
litígios. Basta ver os recursos para o Superior Tribunal de
Justiça e Supremo Tribunal Federal. Na maioria dos casos, o
Fisco atua de forma temerária, com recursos de toda sorte.
Alguns procuradores, apesar de serem funcionários do Estado,
não respeitam ditames constitucionais, argumentando e
defendendo tentativas legislativas inconstitucionais
(baseadas na “inconstitucionalidade útil”).
O governo, por sua vez, não costuma emitir
comando destinado a devolver o que arrecadou coativamente,
mediante execução fiscal, ameaça de fiscalização, mesmo que
posteriormente tenha sido declarada a inconstitucionalidade
12
de determinada exação. Isto seria uma ação digna de se chamar
reforma tributária.
...não é admissível que a Administração Pública,informada em seus atos pelo princípio dalegalidade, possa conviver com situações demanifesta violação da ordem jurídica, de talforma que possa ser interesse seu, a manutençãodesse estado de ilegalidade, com a retençãoindevida de majoração de tributo declaradainconstitucional pela mais Alta Corte do País...201.
Ilustrando, cita-se uma passagem da palestra
proferida no IX Congresso Brasileiro de Direito Tributário,
pelo respeitado CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO202 sobre o
tema quebra de sigilo bancário:
...O Estado brasileiro é um bandido. O Estadobrasileiro não tem o menor respeito pela outraparte, pelo cidadão. O Estado brasileiro atua comdeslealdade e com má-fé, violando um dosprimeiros e mais elementares princípios doDireito, que é o princípio da lealdade e da boa-fé. O Direito abomina a má-fe..
Seria absurdo pensar que o Povo não deve ser
protegido, pois, será que a CRFB/88 teria legitimidade
popular se o exercício dos Poderes estivesse apenas
direcionado em arrecadar mais, em nome da comodidade do Fisco
e da falta de vontade política de cortar gastos?
201 FERREIRA, Rony. Trecho da sentença proferida nos autos n° 98.1014055-0, da 1ª Vara da Justiça Federal de Foz do Iguaçu-PR.
202 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Revista de Direito Tributário - n°67. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, p. 55, 1997.
12
Logo, não se pode fazer reforma no Direito
Tributário contra os direitos do Povo e nem para aumentar a
carga tributária do Povo.
Aliás, o art. 37 da CRFB/88 deixa expresso o
Princípio da Moralidade. Fica muito longe da moralidade
alardear uma reforma tributária que prejudica o Povo sob o
argumento que estaria beneficiando. Basta observar que a
recente implantação da não-cumulatividade da contribuição
para o PIS e da COFINS representou aumento da carga
tributária e da burocracia (o que é público e notório).
Atualmente, cabe uma reforma tributária em
forma de redução de gastos do Poder Público (nos 4 entes do
Estado203).
Muitos governantes e legisladores entregam à
imprensa notícias carregadas de expressões “reforma
tributária”, “desburocratização”, “redução da carga
tributária” e outras formas de angariar votos. Mas, as
notícias, em geral, não dão conta de reforma tributária (nos
últimos tempos) que tenha sido verdadeiramente benéfica ao
Povo em última análise. Porque se as empresas penam204, o Povo
paga a conta, seja pela falta de empregos, seja embutida a
carga tributária nos custos dos produtos e serviços.
203 União, Estados, Municípios e Distrito Federal.204 Qual seria a impressão de um aluno do primeiro período do curso deAdministração se lhe fosse informado de plano que terá que administrar,no futuro, uma empresa cuja carga tributária será algo em torno de 40%do seu produto interno bruto?
12
Por estas e tantas outras razões que se
afirma que a realidade brasileira traduz um sério
desprestígio das instituições que governam. CARLOS
MAXIMILIANO205, aquele que buscou interpretar a norma com mais
racionalidade concluiu:
Justifica-se esse desprestígio crescente.Compõem-se mais de políticos do que dejurisconsultos as Câmaras de senadores edeputados; raramente os propósitos da justiçaorientam as suas deliberações; quando se empenhamem dar o sentido a um texto, não observam asregras de Hermenêutica, atendem antes a sugestõesde interesse regional, ou pessoal. Os próprioshábitos do Poder Legislativo predispõem-no maispara atender as considerações gerais do que parabuscar a verdade em sua essência. A políticaintervém em todos os atos e pensamentos dosparlamentares; por isso as disposiçõesinterpretativas quase sempre se originam dopropósito de melhorar a situação deconcessionárias de obras, contratantes deserviços públicos, funcionários ou operários doEstado. Resulta um trabalho cheio de defeitos,sem utilidade geral, e prejudicialíssimo, quasesempre, ao Tesouro, do país, estado, oumunicípio.
Urge a adoção de posição distinta da atual
por parte do Estado, de modo a gastar menos, administrando
como um pai austero, cortando privilégios e formas injustas
de dominação, como o auxílio-moradia de deputados e
205 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 11 ed. Riode Janeiro : Editora Forense, p. 91, 1990.
12
senadores, cargos em comissão, reduzindo número de deputados
(Por que 500 e tantos se estes têm que votar “a cabresto do
partido” – em geral reunidos apenas em dois grupos: situação
e oposição – vide o caso dos “radicais” expulsos do Partido
dos Trabalhadores pelo simples fato de quererem honrar o
prometido na campanha que os elegeu?), deixando de comprar
porta-aviões com 40 anos, proibindo-se a propaganda de maus
políticos, disfarçada de propaganda do Estado, comprando-se
Uno´s em vez de Marea´s para a Polícia Rodoviária Federal,
Kombi em vez de S10 cabine dupla, evitando por completo o
gasto com publicidade quando baixam os índices de
popularidade do governante (futuro candidato à reeleição ou
coisa que o valha em atentado à moralidade administrativa –
art. 37 da CRFB/88).
...vemos governos e mais governos gastando otributo da sociedade em obras inacabadas,licitações superfaturadas, avião de luxo, prédiospúblicos suntuosos, salários nababescos, viagensdesnecessárias, enfim, quando assistimos o totaldesrespeito ao tributo sofridamente arrecadado dobolso do contribuinte brasileiro. Não bastassemestas distorções, ainda temos no inventário dadelinqüência tributária a péssima qualidade doserviço público prestado no Brasil.(NOGUEIRA206).
Deve ser dado às empresas públicas gestão
científica e não de “quem indica” (famoso funcionário público
206 NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima. O tributo é um direito da sociedade enão do Estado. Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 419, 30 ago. 2004.Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5636>.Acesso em: 21 set. 2004.
12
ineficaz, mas, com “QI”), tornando rentáveis estatais (que,
quando doadas/vendidas à iniciativa privada, passam, como que
por mágica, a serem rentáveis), limitando o número de viagens
onerosas para o País dos membros dos três Poderes,
fiscalizando os sonegadores, sem com isso precisar afrontar
direitos básicos como o sigilo bancário, contratando
funcionários que tragam divisas para o Estado (por exemplo,
fiscais de tributos)...
Socialmente, o Brasil é o País mais injusto domundo; por um paradoxo, sua riqueza fez seu povomais pobre e suas elites mais ricas numaproporção de desigualdade que assombra cientistassociais e juristas de todos os países.(BONAVIDES207).
O Poder Judiciário também poderia fazer a sua
parte, parando de construir “palácios” da justiça. Explica-se
com uma pergunta: quantas empresas deste país gastariam
dinheiro para fazer um prédio tão luxuoso como o TRF da 4ª
Região em Porto Alegre?
Quantos prédios do nível do TRF sulista podem
ser vistos na Avenida Paulista em São Paulo?
Aquele mármore e aquela tecnologia não
ficariam melhor em UTI´s que precisam ser construídas por
toda a Região Sul?
207 BONAVIDES, Paulo. Do País Constitucional ao País Neocolonial – Aderrubada da Constituição e a recolonização pelo golpe de Estadoinstitucional. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., p. 30, 1999.
12
Tudo está a nos indicar que o futuro exigirá nãoapenas leis reformadas ou corrigidas, mas opróprio Direito reconceituado, cujo alcance nãose resuma a permitir, impedir ou sancionarcondutas do dia-a-dia, mas que sejam capaz dereordenar, em novas bases éticas, toda aconvivência social, redefinindo o papel do Estadoe dos cidadãos perante as reais necessidades davida, historicamente escamoteadas pela retóricado Poder que pretendeu sempre justificar formasinjustas de dominações e privilégios. (MELO208).
Nos Estados, Distrito Federal e Municípios,
poder-se-ia acabar com a possibilidade de reeleição (para
sempre), seja para governador, vereador ou deputado (o que
vale também em nível federal), para evitar a
profissionalização do desonesto e dar oxigênio para mudanças
(ou será que existe algum Município ou Estado que só tenha
uma pessoa boa para aquele cargo?). Objetivo: evitar o
financiamento obscuro de campanhas à reeleição com dinheiro
do Povo.
Aos pobres do campo, seria conveniente que
fossem proibidas as construções de praças nas capitais e
sedes municipais até que todas as estradas do interior possam
ser utilizadas, pelo menos, por bicicletas cross (fornecidas
pelo Estado) para as crianças irem à escola e tratores com
tração nas 4 rodas (para levar a produção ao comércio - já
que parece utópico querer estradas para caminhões e ônibus
escolares). Que antes do carro do prefeito (que pode ser um
208 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da Política Jurídica. PortoAlegre : Ed. Sergio Fabris, p. 133, 1994.
12
Fusca usado: por que não?) seja comprada a ambulância, que em
primeiro lugar seja dado ar condicionado aos hospitais
públicos, creches e escolas e depois (se sobrar dinheiro) aos
órgãos públicos menos importantes (todos os demais, tendo em
vista que, saúde209 e educação deveriam estar em primeiro
lugar).
Ou será que alguém do Povo seria contra este
tipo de reforma tributária? Gastando menos poderá ser feita
uma verdadeira reforma, que diminua a burocracia e o custo da
carga tributária.
4.3 FOME DO POVO
Como os mais carentes do Povo destinam uma
parte maior de sua renda ao consumo de gêneros alimentícios
de primeira necessidade, acabam, proporcionalmente, pagando
mais tributos embutidos do que as famílias de classe média ou
alta.
O Estado advoga a tese da natureza social do
tributo tendente a realizar o Bem Comum. Do outro lado, o
Povo utiliza a capacidade contributiva como instrumento de
209 “...Discute-se a insensibilidade política de governantes de paísesricos, diante das taxas de elevação do desemprego, da fome, dadesnutrição, das epidemias na maioria dos países pobres. Chega-se apensar que as idéias de humanismo, de solidariedade humana, de justiçasocial, de amor ao próximo, constituem meros temas de tese acadêmica.”(SILVA, Moacyr Motta da. Direito, Justiça, Virtude Moral & Razão –Reflexões. Curitiba: Juruá Editora, p. 25, 2003).
12
defesa para o pedido de redução da carga tributária. Se é
certo que o Estado depende do tributo, muito mais certo que
não se pode exigir do Cidadão uma carga tributária maior que
suas possibilidades econômicas210.
Convém lembrar que a carga tributária atual
pesa, para ser simples, até mesmo sobre um quilo de feijão
comprado (eventualmente) pelo miserável que “sonha em morar
na favela”, como diz o artista popular GABRIEL PENSADOR:
Eu queria morar numa favela
O meu sonho é morar numa favela
Eu me chamo de cherôso como alguém me chamou
Mas pode me chamar do que quiser seu dotô
Eu num tenho nome
Eu num tenho identidade
Eu num tenho nem certeza se eu sou gente deverdade
Eu num tenho nada
Mas gostaria de ter
Aproveita seu dotô e dá um trocado pra eucomer...
Eu gostaria de ter um pingo de orgulho210 Art. 145 da CRFB/88: “§ 1º - Sempre que possível, os impostos terãocaráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica docontribuinte, facultado à administração tributária, especialmente paraconferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados osdireitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentose as atividades econômicas do contribuinte.”.
13
Mas isso é impossível pra quem come o entulho
Eu sou o resto
O resto do mundo
Eu sou mendigo um indigente um indigesto umvagabundo
Eu sou... Eu num sou ninguém
Eu tô com fome
Tenho que me alimentar
Eu posso num ter nome mas o estômago tá lá
Por isso eu tenho que ser cara-de-pau
Ou eu peço dinheiro ou fico aqui passando mal
Tenho que me rebaixar a esse ponto porque anecessidade é maior do que a moral
Eu sou sujo eu sou feio eu sou anti-social
Eu num posso aparecer na foto do cartão postal
Porque pro rico e pro turista eu sou poluição
Sei que sou um brasileiro
Mas eu não sou cidadão
Eu não tenho dignidade ou um teto pra morar
Vivo na solidão mas não tenho privacidade
E não conheço a sensação de ter um lar de verdade
Eu sei que eu não tenho ninguém pra dividir obarraco comigo
13
Mas eu queria morar numa favela amigo
Eu queria morar numa favela
O meu sonho é morar numa favela.” (GABRIELPENSADOR211).
A doutrina jurídica, também, constata isto
que acontece com os excluídos:
...Na prática, se retira aos excluídos a dignidadehumana, conforme se evidencia na atuação doaparelho de repressão: não-aplicação sistemáticados direitos fundamentais e de outras garantiasjurídicas, perseguição física, ‘execução’ semacusação nem processo, impunidade dos agentesestatais da violação, da opressão ou doassassínio... (MÜLLER)212.
Mesmo os indigentes, que nem sequer podem
comprar sua alimentação, contribuem em sentido lato, pois,
quem os alimenta (seja por piedade ou caridade) estará
pagando tributos.
Há no Brasil 53 milhões de pobres - cerca de 34%da população -, que vivem com uma rendainsuficiente para atender às suas necessidadesbásicas de alimentação, vestuário, habitação etransporte. Nessa massa de pobres há umsubconjunto de 22 milhões de indigentes - cerca
211 PENSADOR, Gabriel. O resto do mundo. Lyrics Songs, 17 set. 2004.Disponível em: < http://gabriel-pensador.lyrics-songs.com/lyrics/72844/>. Acesso em: 17 set. 2004.
212 MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? – A questão fundamental dademocracia. 3ª ed. rev. e amp. São Paulo: Max Limonad, p.94. 2003.
13
de 14% da população -, que não têm sequer comocomprar os alimentos que lhes garantam o consumomínimo calórico vital. (FURTADO213).
A incompetência do administrador público em
apenas buscar o aumento da carga tributária é observada na
lição de HARADA adiante citada:
A incompetência do administrador público e aexacerbação tributária são como irmãos siameses.São inseparáveis. Quanto maior a incompetência dogovernante, maior é a elevação da cargatributária, isto é, maior o sacrifício imposto àsociedade em geral, excetuados, obviamente,aqueles que integram a casta de beneficiários dopoder que, como se sabe, não se limita a seusintegrantes. Abarca uma infinidade de parentes,amigos, apadrinhados e milhares e milhares deexercentes de cargos em comissão, sempre àsvoltas com escândalos, mas que sobrevivem aolongo de sucessivos governos, pulando de galho emgalho até que um dia todas as árvores secarão.(HARADA214).
Observe-se que a tributação sobre os
alimentos é mais uma das aberrações tributárias no Brasil215.
213 FURTADO, Celso. Em Busca de Novo Modelo. Reflexões sobre a crisecontemporânea. São Paulo: Paz e Terra, p.11, 2002.
214 HARADA, Kiyoshi. Administração Pública. Relação direta entre cargatributária elevada e mau administrador. Jus Navigandi, Teresina, a. 8,n. 394, 5 ago. 2004. Disponível em:<http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5536>. Acesso em: 02set. 2004.
215 "A distorção na tributação que ofende a igualdade exsurge, também, nadistinção entre o tratamento adotado na incidência do imposto entre'rendas' ou 'proventos' que são submetidos a uma pretensa tabelaprogressiva e aquele dado aos rendimentos ou ganhos tributadosexclusivamente na fonte e ganhos de capital e ganhos líquidos em renda
13
Em média, os tributos representam 7% do preço dos alimentos
no mundo, sendo que em alguns países essa carga é zero. No
Brasil, o ônus tributário sobre os alimentos chega a 35% em
alguns casos.
A última pesquisa de orçamento familiar do
IBGE revelou que o brasileiro gasta em média 17% de sua renda
com alimentos.
No entanto, essa despesa para as famílias de
baixa renda representa quase 4 vezes os gastos das camadas de
renda mais elevada. Em caso de famílias com renda mensal
superior a R$ 6 mil gastam 9% de sua renda com alimentos.
variável./Tais rendimentos são submetidos à tributação por meio dealíquotas fixas e menores (por exemplo, 15% - ganho de capital, ou 20%- aplicações financeiras de renda fixa e no mercado de renda variável)que aquelas da tabela progressiva (15% ou 27%), bem assim taisrendimentos não mais são submetidos à incidência no cômputo do ajusteanual, para fins de serem alcançados pela progressividade euniversalidade do IR./Cumpre destacar que ainda existem algumasisenções, com relação a esses ganhos tributados em definitivo e emseparado dos demais rendimentos, não incidindo a tributação sobre:isenção para o ganho de capital quando o valor de alienação forinferior a R$ 20.000,00, considerando como bem de pequeno valor;isenção para o valor de aplicações no mercado de renda variável para oconjunto de operações igual ou inferior a R$ 4.143,50./Essa distinçãona incidência do imposto distorce a própria distribuição do ônus dacarga tributária entre contribuintes que percebem os mesmos valores defontes diferentes, como, por exemplo, quando se tratar de rendimentossubmetidos à tabela progressiva e acima de R$ 2.115,01, que serãotributados a uma alíquota de 27,5%. Caso a mesma quantia tivesse origemem ganho líquido obtido no mercado de renda variável (mercado derisco), sobre o citado valor haveria a incidência do imposto a umaalíquota de, apenas, 20%./Do ponto de vista meramente tributário, éinegável que há um privilégio na tributação do capital em detrimento dotrabalho. Sem se adentrar nos motivos extrajurídicos que o justificam(como a captação de investimentos em bolsas ou a tentativa de evitar afuga de capitais), ou na injustiça de tal opção político-econômica doEstado." (QUEIROZ, Mary Elbe. Imposto sobre a Renda e Proventos deQualquer Natureza. Barueri, SP: Manole, 2004, ps. 368 e 369).
13
Já aquelas que recebem R$ 400,00 de renda
mensal têm uma despesa com alimentos da ordem de 33% (dados
colhidos por ALBUQUERQUE216).
...para manter a arrecadação em patamaresequivalentes, tributam-se os gêneros alimentíciose incluem-se os combustíveis, a energia elétricae a comunicação sob alíquotas muito altas,onerando-se severamente os mais pobres.(DERZI217).
Cabe ao hermeneuta evitar os efeitos
nefastos da reificação218 do termo “Povo”. Ao intérprete, do
mesmo modo, convém que contribua para se “...consolidar uma
Teoria do Estado Contemporâneo que sustente uma vida social
mais solidária e justa.” (PASOLD219).
A CRFB/88 garante:216 ALBUQUERQUE, Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque. Fome de imposto.São Paulo. Disponível em 17/09/2004 <http:www.marcoscintra.org>. Acessoem: 17 set. 2004.
217 DERZI, Misabel Abreu Machado. Pós-modernismo e Tributos: Complexidade,Descrença e Corporativismo. São Paulo: Editora Dialética. RDDT, n° 100,p. 71 e ss. 2003.
218 “Reificação é o processo histórico de longa duração através do qual associedades modernas fundaram seus alicerces sob o princípio dasdeterminações mercantis. Os mecanismos mercantis tornaram-se, entrenós, destacados e hegemônicos. Destacados: emanciparam-se de todas asesferas da vida social, concretas e qualitativas – a esfera política, aesfera cultural, as esferas estética, ética e religiosa. Hegemônicos:isolados, passaram a regular extrinsecamente todas essas esferas. Dessemodo, a reificação configura-se como processo pelo qual, nas sociedadesindustriais, o valor (do que quer que seja: pessoas, relações inter-humanas, objetos, instituições) vem apresentar-se à consciência doshomens como valor sobretudo econômico, valor de troca: tudo passa a contar,primariamente, como mercadoria.” (COSTA, Fernando Braga da. Garis – umestudo de psicologia sobre invisibilidade pública. São Paulo: Institutode Psicologia da USP, ps. 20/21, 2002).
219 PASOLD, Cesar Luiz. Função Social do Estado Contemporâneo. 3a. ed.rev. e amp. Florianópolis: Editora da OAB/SC, p. 112, 2003.
13
Art. 6° São direitos sociais a educação, asaúde, o trabalho, a moradia, o lazer, asegurança, a previdência social, a proteção àmaternidade e à infância, a assistência aosdesamparados, na forma desta Constituição.
É óbvio o descaso dos entes públicos que, em
que pese arrecadarem perto de 40% do PIB em tributos,
fornecem, precariamente, educação e saúde ao Povo. Trabalho e
moradia dependem da iniciativa privada. Lazer, soa utópico,
justamente pela falta de capacidade de se indignar que
atinge, por vezes e em elevado grau, a população.
Segurança é o que falta ao Estado assumir,
vide o exemplo do Estado do Rio de Janeiro, que é de quem, do
Povo ou dos criminosos?
Previdência e assistência social são
direitos que as políticas governamentais têm procurado
amesquinhar, apesar de anualmente aumentar a carga de
contribuição do Povo. Aliás, no item Previdência o governo
fala seguidamente em desajuste das contas, porém, não é
verdade segundo a Associação Nacional dos Fiscais da
Previdência:
Há sérias controvérsias sobre a situaçãodeficitária da Previdência Social. No ano de1997, por exemplo, a seguridade social apresentousaldo positivo de R$ 6,928 bilhões. Idênticasituação foi constatada no ano de 2001, com saldopositivo de R$ 31,464 bilhões, e o ano de 2002,no qual o superávit foi de R$ 36,308 bilhões,segundo dados da ANFIP – Associação Nacional dos
13
Fiscais da Previdência. Ocorre que tais valoresnão foram, obviamente, aplicados no sistema deseguridade e sim utilizados na composição doorçamento fiscal para promover o superávitprimário. (JORGE220).
Arremata JORGE:
Com essa metodologia tendenciosa, o governomanipula os números e passa à população a idéiade completa falência da Previdência Social, o quenão é verdade. Tivesse havido transparência nasinformações, a Emenda Constitucional nº 41 nãoteria sido aprovada com normas tão malévolas aosservidores públicos. Certamente, em médio prazo asociedade vai se dar conta do erro cometido peloCongresso Nacional em efetuar verdadeiro desmontedo Estado, desestimulando completamente o serviçopúblico no Brasil. (JORGE221).
Resta, direcionar melhor os recursos
arrecadados (que são altíssimos frente a outros Povos),
reduzindo gastos desnecessários e aplicando os valores
tributados nas respectivas destinações, sem lesar a Pátria,
sem lesar o Povo.
Cabe à Administração Pública o exercício
(verdadeiro) da sua Função Social que “...dependerá de uma
realimentação constante, sucedendo-se feedback continuado220 JORGE, Éder. Estudo sobre a Reforma da Previdência. EmendaConstitucional nº 41/2003. Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 388, 30jul. 2004. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5508>. Acesso em: 22 set. 2004.
221 JORGE, Éder. Estudo sobre a Reforma da Previdência. EmendaConstitucional nº 41/2003. Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 388, 30jul. 2004. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5508>. Acesso em: 22 set. 2004.
13
quanto aos atos concretos que, na linguagem sistêmica,
constituem o ‘output’.” (PASOLD222).
Como será que a pessoa pobre e desamparada
pelo Estado receberia a notícia de que a sua ceia de natal
(basicamente, uma Coca-Cola) tem embutida uma carga de
aproximadamente 30% de tributos? Qual seria o feedback223 para
o Estado? Abaixo segue conversa de pesquisador de Psicologia
e uma honrada faxineira (limpa/limpava - não se sabe ao certo
- os banheiros da USP224) a propósito de sua ceia de natal no
Terminal do Tietê225:
“...No dia vinte e cinco eu vou pra
rodoviária do Tietê.
“- Ah! E pra onde a senhora vai viajar? Vai
ver os parentes no norte?
“- Não. Não vou. Eu vou lá que eu gosto de
passear lá. (A esta altura, eu já não
compreendia mais o que ela dizia).
“- Passear?!
“- É. Eu pego o ônibus lá no Rio Pequeno às
222 PASOLD, Cesar Luiz. Função Social do Estado Contemporâneo. 3a. ed.rev. e amp. Florianópolis: Editora da OAB/SC, p. 108, 2003).
223 “...o feedback concretiza-se em medições de Legitimidade, ortodoxas ounão, e por isto mesmo, guarda relações de peculiariedade comcircunstâncias específicas.” PASOLD, Cesar Luiz. Função Social doEstado Contemporâneo. 3a. ed. rev. e amp. Florianópolis: Editora daOAB/SC, p. 108, 2003).
224 Universidade de São Paulo.225 Em São Paulo, Capital.
13
quatro e meia da manhã e chego na rodoviária
antes das seis. Aí eu fico até às três,
quatro da tarde, e volto aqui em Pinheiros
pra ver a missa. Eu passo o dia inteirinho
lá.
“- A senhora fica esse tempo todo fazendo o
que na rodoviária?!
“- Ah, eu gosto de ver o pessoal chegando e
indo embora, né?! Todo mundo se abraça, e dá
beijo, e chora, e se abraça de novo. É
lindo, né Fernando?! Eu gosto muito de
passear lá na rodoviária! Aí eu dou tchau
pro pessoa...
“- Tem muito conhecido que a senhora
encontra lá?
“- Não. Não tem conhecido, não. Eu falo
tchau pro pessoal que ta lá mesmo. Eu não
conheço eles não.
“- E eles respondem?
“- Tem uns que responde. Outros não. Aí eu
fico um cadim lá em cima, aí eu desço.
Dispois eu subo de novo. Aí eu almoço, né?!
Compro uma coca-cola...
“- O que a senhora come na rodoviária? É
13
perigoso, hein Dona Zilda!
“- Não. O de comer eu levo de casa mesmo. Só
a coca que não (Pausa)” (COSTA226).
A tributação tem sido uma arma de morte
contra o Povo. Há que ser humanizada e direcionada à
desoneração nas áreas da saúde, alimentação, educação e
lazer. A Hermenêutica do Direito Tributário deve levar em
conta estas premissas, para não ser também “massa de manobra”
contra o Povo.
4.4 POLÍTICA JURÍDICA
O Direito vive entre extremos, representados
pelo apego à formalidade meramente burocrática, mediante
posicionamentos judiciais descomprometidos com a efetividade
processual227 e o comportamento de alguns juízes de desafiar a
lei com base na eqüidade.
Condenando a primeira corrente pode ser
citado:
A imposição da regra constitucional dainafastabilidade da tutela jurisdicional, (...) aobservância do devido processo legal, hão de
226 COSTA, Fernando Braga da. Garis – um estudo de psicologia sobreinvisibilidade pública. São Paulo: Instituto de Psicologia da USP, p.84, 2002.
227 "Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dosPoderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípiosobedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:” (CRFB/88).
14
presidir essa ordem processual onde o modo-de-serdo processo não constitua empecilho à plenaefetividade do sistema e pleno acesso à ‘ordemjurídica justa’. O maior óbice, nesse campo, érepresentado pela mentalidade tradicional,voltada para o imobilismo no processo epreguiçoso imobilismo ante as novas tendências. Aburocracia processual, como toda burocracia, éirmã do espírito de rotina e filha da preguiça,do medo de errar e da pobreza de inteligência.(DINAMARCO228).
Quanto a segunda corrente, dita do Direito
Alternativo, pode ser lembrado do ponto de vista
crítico/construtivo o necessário apego ao Primado da
Legalidade, sob pena de ameaça de subversão infrutífera do
Estado Democrático de Direito (a legitimidade para legislar é
dada pelo Povo, aos representantes eleitos e não a [quase]
casta dos magistrados).
Outros, em linha moderadora, pregam a
necessidade de atuação política dos operadores do Direito na
construção de um sistema judicial melhor (ordem jurídica
justa).
A este respeito WARAT se manifesta:
Desta forma fica situada a Política Jurídica comouma instância da Filosofia Política comprometidacom o futuro da autonomia e da transformação. Umaforma de emergência do utópico, entendido comoaposta do improvável, a Política Jurídica
228 DINAMARCO, Cândido Rangel. Participação e processo. São Paulo: EditoraRevista dos Tribunais, p. 118, 1990.
14
considerada como utopia ética do improvável. Emoutras palavras, a Política Jurídica com umaprática política da esperança. (WARAT229).
Na mesma linha, MELO, preleciona:
...Teorias para fundamentar a tecnologia deconstrução da norma já foram propostas, mas nãomudaram o conteúdo ético da legislação, porquesempre puderam estar indiferentemente a serviçode qualquer ideologia, de todo tipo de governo oude Estado. Tais teorias podem ser utilizadas aosabor da conjuntura, para reprimir ou libertar;para obstar ou permitir, para a realização dosdesejos perversos de grupos ou de indivíduos, oupara o atendimento de necessidades emergentes. Jáuma teoria Política do Direito, que se pressupõepossa ser arquitetada a partir de critérios deprudência e possibilidades, e fundamentada sobrepadrões éticos (quer os tradicionalmentecultivados, quer os reinventados em face dasexigências das novas condições datransmodernidade) estará sempre a serviço de umdevir desejável e realizável como respostacrítica e criativa aos desafios que foremsurgindo. (MELO230).
E ainda na explicação magistral de MELO:
...a função epistemológica da Política Jurídicarecai em duas atividades distintas. A primeira serealiza na crítica ao direito vigente, cujosprincípios, normas e enunciados devem ser
229 WARAT, Luis Alberto, citação do prefácio da obra da obra MELO, OsvaldoFerreira de. Fundamentos da Política Jurídica. Porto Alegre : Ed.Sergio Fabris, p. 13, 1994.
230 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da Política Jurídica. PortoAlegre : Ed. Sergio Fabris, p. 129, 1994.
14
cotejados com critérios racionais de Justiça,Utilidade e Legitimidade, sem que seja precisoapelar para quaisquer justificações de naturezametafísica ou para proposições neo-anarquistasque possam desconstruir o território duramente jáconquistado do Estado de Direito. A segundaatividade é buscar, em fontes formais einformais, as representações jurídicas doimaginário social que se legitimem na Ética, nosprincípios de Liberdade e Igualdade e na Estéticada convivência humana. Para isso haverá que revera doutrina tradicional das fontes do Direito paraprivilegiar aquelas que realmente possamalimentar um Direito novo, desejável, criativo,libertador, racional e socialmente conseqüente.231
Também, dentro do pensamento jurídico crítico
pode ser lembrado o estudo do Prof. Dr. Antonio Carlos
Wolkmer:
...o ‘pensamento jurídico crítico’ pretenderepensar, dessacralizar e romper com a dogmáticalógico-formal imperante numa época ou numdeterminado momento da cultura jurídica de umpaís, propiciando as condições e os pressupostosnecessários para o amplo processoestratégico/pedagógico de ‘esclarecimento’,autoconsciência’, ‘ emancipação’ e‘transformação’ da realidade social. (WOLKMER232).
Nesta linha vai o presente, propondo um novo
enfoque político jurídico para a reforma tributária, de modo
231 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da Política Jurídica. PortoAlegre : Ed. Sergio Fabris, p. 131, 1994.
232 WOLKMER, Antonio Carlos. Introdução ao Pensamento Jurídico Crítico.São Paulo: Editora Acadêmica, p. 11, 1995.
14
a sugerir melhorias que venham em benefício do Povo e não
falsas reformas tributárias que apenas aumentam a carga
tributária (em detrimento do Povo) e a burocracia (o que atua
contra a necessidade crescente de agilidade das empresas
nacionais).
14
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo efetuado sobre Hermenêutica do
Direito Tributário, pelo Princípio do In Dubio Contra Fiscum a
partir do referente Povo, permite, por fim, considerar:
a) o Povo abdica de parte de sua liberdade e
constitui um Estado Democrático de Direito, esperando que
seja tratado com isonomia quando parte merecedora de análise
de seu caso sob a égide da disciplina do Direito Tributário;
b) esta isonomia vai ser garantida com a
aplicação do Princípio do In Dubio Contra Fiscum;
c) os membros do Poder Judiciário devem
buscar a Ciência do Direito Tributário, aplicando seus
princípios básicos e sua matriz constitucional, tendo em
vista a repercussão das decisões na carga tributária que
assola o Povo;
d) é comodista o comportamento tendente a
dizer que o tributo é constitucional sem maiores estudos e
não é de comodistas que o Brasil precisa, precisa de
cientistas jurídicos, dispostos a sustentar a CRFB/88 e o CTN
contra os interesses dos entes governantes;
e) defender o direito dos contribuintes ao in
dubio contra fiscum, é defender o criador deste direito, que é o
Povo que constitui a Nação brasileira, pois a dúvida não é
14
criada pelo contribuinte, mas sim pelo legislador que, em
última análise, é o próprio Estado ao incorporar o poder de
ditar normas tributárias;
f) o “Carnaval Tributário” está aumentando
na mesma proporção que o desrespeito ao Estado Democrático de
Direito, em prol dos governantes do momento, nas esferas
federal, municipal, estadual e distrital, por isso que ler
Becker sempre será a primeira vez, porque os escritos dele
vivem e são retratos da nossa realidade;
g) o Direito Tributário é autônomo em relação
ao Direito Financeiro, conforme citação de Ruy Barbosa
NOGUEIRA233;
h) julgamentos tributários não devem ser
influenciados por decisões de caixa do sujeito ativo
tributário, na medida em que existe Poder Executivo para
administrar o País e equacionar as contas do erário, Poder
Legislativo para tributar quando preciso e Poder Judiciário
para defender a Carta do Povo234;
i) a tributação (mal empregada) pode ser uma
arma de guerra contra a democracia, a liberdade e o Povo;
j) a CRFB/88 garantiu que o ICMS seja não-
cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação
relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços
233 NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário. 14 ed. São Paulo:Saraiva, p. 76, 1995.
234 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
14
com o montante cobrado nas anteriores (todas, critério do
crédito financeiro) pelo mesmo ou outro Estado ou pelo
Distrito Federal;
k) caso haja dúvida na proposição acima,
objetivou-se (com o presente) mostrar que o destinatário a
ser protegido pela norma não deve ser o Estado, no seu
direito de arrecadar, mas, o Povo no seu direito de não pagar
ICMS cumulativamente (em cascata);
l) fica a proposta de que se reduzam gastos
em vez de aumentar a carga tributária, com base numa postura
de Política Jurídica, que pretende buscar o caminho da
resposta crítica e criativa ao desafio de reduzir o fardo do
Povo;
m) o Brasil só será um País forte quando seus
cidadãos e o próprio governo puderem confiar nas
instituições, tarefa que cabe aos governantes implementarem,
quando fizerem uma reforma tributária que reduza a carga
tributária e a burocracia e, ao Poder Judiciário, que julgue
conforme o princípio básico de proteção ao contribuinte (ou
responsável);
n) em que pese poder soar absurda alguma das
propostas de redução de gastos deste trabalho (item 4.2),
como meio de reforma tributária, pela qual clama a população,
ficará feliz o Povo se pelo menos algumas delas forem
aplicadas na prática – se este País fosse administrado
14
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