Dissertação Braga (final 12 05 2015)

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO ANTONIO BRAGA DE MOURA FILHO SERTÃO DO VALONGO: ARTICULAÇÃO DE LIBERDADE, RELIGIÃO E IDENTIDADE EM UMA COMUNIDADE QUILOMBOLA ADVENTISTA SÃO BERNARDO DO CAMPO 2015

Transcript of Dissertação Braga (final 12 05 2015)

UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

ANTONIO BRAGA DE MOURA FILHO

SERTÃO DO VALONGO:

ARTICULAÇÃO DE LIBERDADE, RELIGIÃO E IDENTIDADE EM

UMA COMUNIDADE QUILOMBOLA ADVENTISTA

SÃO BERNARDO DO CAMPO

2015

ANTONIO BRAGA DE MOURA FILHO

SERTÃO DO VALONGO:

ARTICULAÇÃO DE LIBERDADE, RELIGIÃO E IDENTIDADE EM

UMA COMUNIDADE QUILOMBOLA ADVENTISTA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião, da Faculdade de Humanidades e Direito da Universidade Metodista de São Paulo, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Ciências da Religião.

Área de Concentração: Religião, Sociedade e Cultura.

Orientador: Prof. Dr. Helmut Renders

SÃO BERNARDO DO CAMPO

2015

A dissertação de mestrado intitulada: “SERTÃO DO VALONGO: ARTICULAÇÃO DE LIBERDADE, RELIGIÃO E IDENTIDADE EM UMA COMUNIDADE QUILOMBOLA ADVENTISTA”, elaborada por ANTONIO BRAGA DE MOURA FILHO, foi apresentada e aprovada em 31 de março de 2015, perante banca examinadora composta por Prof. Dr. Helmut Renders (Presidente/UMESP), Profa. Dra. Sandra Duarte de Souza (Titular/UMESP) e Profa. Dra. Cristina Zukowsky Tavares (Titular/ UNASP e UNIFESP).

_____________________________________________

Prof. Dr. Helmut Renders

Orientador e Presidente da Banca Examinadora

_____________________________________________

Prof. Dr. Helmut Renders

Coordenador do Programa de Pós-Graduação

Programa: Pós-Graduação em Ciências da Religião Área de Concentração: Religião, Sociedade e Cultura Linha de Pesquisa: Religião e dinâmicas psicossociais e pedagógicas

Dedico esta Dissertação ao incrível povo do Sertão do Valongo,

cuja cultura ímpar desejo que prossiga sendo

um silencioso contraponto às lógicas da sociedade

AGRADECIMENTOS

Ao Senhor da minha existência, com quem tenho andado nos últimos 38 anos e que me agracia com uma vida muito abençoada. Ele me faz gostar muito mais de agradecer do que

pedir.

À minha amada esposa Neila, incentivadora de primeira hora para que eu nunca deixe de estudar.

Aos filhos amados, Tiago e Carol, pela nossa cumplicidade e grande amor.

Ao UNASP, por ter proporcionado as condições para esse Mestrado.

A Helio Carnassale, parceiro de todas as horas dessa jornada. Sem sua ajuda eu não teria conseguido.

A Cristina Tavares, amiga que jamais se negou a fornecer sugestões preciosas a todos os passos da pesquisa.

À minha amiga Nitinha, que dedicou muitas e muitas horas para ajustar detalhes que eram necessários.

Ao amigo José Nilton, pela biblioteca particular que foi um auxílio e tanto.

Aos professores e colegas do programa de Ciências da Religião, novos amigos agregados à vida.

À querida Família Bertazzo, cujo Apto foi um perfeito refúgio acadêmico.

Ao Dr. Helmut Renders por todo o processo de orientação da pesquisa.

A todos aqueles amigos e colegas que, de perto ou de longe, torceram sempre pelo sucesso da jornada.

Ao fator BGP, que me ajudou demais nas horas complicadas, sintetizando sempre as dificuldades do caminho.

“As pessoas mais felizes são aquelas que não têm nenhuma razão específica para serem

felizes, exceto pelo fato de que elas são”

Willian Ralf Inge

MOURA FILHO, Antonio Braga de. Sertão do Valongo: articulação de liberdade, religião e identidade em uma comunidade quilombola adventista. São Bernardo do Campo: UMESP. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) - Faculdade de Humanidades e Direito, Universidade Metodista de São Paulo.

RESUMO

Há um crescente interesse nas investigações acadêmicas, bem como nas políticas oficiais voltadas à redução das assimetrias sociais no sentido de aprofundar os estudos acerca dos remanescentes de escravos que subsistem na atualidade como povos quilombolas em todo o Brasil. Nas últimas décadas, se procura de várias formas, reparar erros históricos cometidos contra os descendentes dos povos de origem africana que vivem no país. Minha pesquisa focou o olhar numa dessas pequeninas comunidades, o Sertão do Valongo, cujo território está localizado numa estreita faixa de terra no interior de Santa Catarina, oficialmente reconhecida como remanescente dos antigos quilombos desde 2004. Os valonguenses têm despertado a atenção de estudiosos e curiosos que entram em contato com eles e a razão desse interesse está ligado especialmente a uma especificidade somente ali encontrada: eles são praticantes da crença adventista há nove décadas e essa peculiaridade atrai estudos que buscam investigar o modo de viver desse povo, intimamente ligado à prática da religião. O estudo é uma pesquisa qualitativa, de caráter bibliográfico, e tem como referencial teórico a Sociologia Crítica de Florestan Fernandes. Nele investiguei acerca dos ideais de liberdade presentes na gênese da comunidade no final do século 19; analisei aspectos da forte influência da religião para os seus moradores a partir da conversão do grupo ao adventismo na década de 1930; discuti a maneira como a liberdade e a religião se articulam para a construção da identidade desse povo ao longo do tempo, tornando o pequeno mundo valonguense um espaço provocador de reflexões.

Palavras-chave: Quilombola, Sertão do Valongo, Adventista, Liberdade, Religião,

Identidade.

MOURA FILHO, Antonio Braga de. Hinterland of Valongo: articulation of freedom, religion and identity of an adventist maroon community. São Bernardo do Campo: UMESP. Dissertation (Master’s degree in Science of Religion) - College of Law and Liberal Arts, Methodist University of São Paulo.

ABSTRACT

There is a growing interest in academic research, as well as in official policies aimed at reducing social inequalities in order to deepen the studies on the remaining of slaves who reside today as Maroons throughout Brazil. In recent decades, seeking in various ways, to redress historic wrongs committed against the descendants of the people of African origin living in the country. My research focused to gaze at these tiny communities, the Hinterland of Valongo, whose territory is located in a narrow strip of land in the interior of Santa Catarina, officially recognized as a remnant of the old Maroons since 2004. The dwellers of Valongo has attracted the attention of scholars and curious who come in contact with them and the reason for this interest is connected particularly to a specificity only found there: they are practitioners of the Adventist belief for nine decades and this peculiarity attracts studies that seek to investigate the way of living of these people, closely linked to the practice of the religion. The study is a qualitative research, of bibliographic character, and has as its theoretical reference the Critics of Sociology by Florestan Fernandes. In this study, I reflected on the ideals of freedom present in the genesis of the community in the late 19th century; I analyzed the aspects of the strong influence of religion for its residents from the group conversion to Adventism in the 1930s; I discussed how the freedom and religion are linked to the construction of the identity of these people over time, making the little world of the inhabitants of Valongo a provocative space of reflections.

Keywords: Maroon, Hinterland of Valongo, Adventist, Freedom, Religion, Identity.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Leilão de escravos............................................................................................ 23

Figura 2 - Mapa de localização do Sertão do Valongo..................................................... 35

Figura 3 - Registros dos votos administrativos adventistas entre 1925 e 1941 preservado nos escritórios da Igreja................................................................................. 54

Figura 4 - Índice das Atas da Comissão Diretiva Adventista com versão em alemão.... 55

Figura 5 - Pedido de folhetos em alemão em 1932......................................................... 56

Figura 6 - Pedido de livros em alemão em 1935............................................................. 57

Figura 7 - Suspensão de publicação alemã em 1938....................................................... 58

Figura 8 - Eleição de líder valonguense para Assembléia da Igreja em 1939................. 59

Figura 9 - Eleição de líder valonguense para Assembléia da Igreja em 1941................. 60

Figura 10 - Umas das 28 casas onde moram os quilombolas valonguenses. Construção de madeira......................................................................................................................... 66

Figura 11 - Primeira Igreja do Valongo, construída em 1962........................................... 67

Figura 12 - Igreja Adventista do Valongo, que se ergue no centro do território Construção de alvenaria.................................................................................................... 68

Figura 13 - Primeira menção ao valonguenses da Revista Adventista............................. 70

Figura 14 - Batismos de valonguenses noticiados na Revista Adventista........................ 71

Figura 15 - Valonguenses em meio a outros adventistas, em 1938.................................. 72

Figura 16 - Entusiasmo dos valonguenses ressaltados na Revista Adventista................. 73

Figura 17 - Foto de destaque dos valonguenses.............................................................. 74

Figura 18 - Elogio aos valonguenses na Revista Adventista............................................ 75

Figura 19 - Entrevista com missionário que atuou no Valongo....................................... 76

Figura 20 - Longa reportagem na Revista Adventista sobre o povo do Valongo............ 77

Figura 21 - Capa do livro publicado pelo IPHAN sobre o Valongo................................. 91

Figura 22 - O Valongo na história do adventismo no Brasil............................................. 103

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 11 .......................................................................................................................

1. A LIBERDADE COMO CONTEXTO DA GÊNESE DO SERTÃO DO VALONGO……………………………………………………………………………….. 16

1.1. O IDEAL DA LIBERDADE COMO PARTE DA HISTÓRIA 19 ..................................

1.2 A LIBERDADE COMO EXPRESSÃO ESSENCIAL DOS ANTIGOS QUILOMBOS 21 ......................................................................................................................

1.3 A LIBERDADE A PARTIR DE 1888 E SEUS DESDOBRAMENTOS PARA OS EX-ESCRAVOS 30 ...................................................................................................................

1.4 O MUNDO VALONGUENSE COMO EXPRESSÃO DE LIBERDADE 34 ................

CONSIDERAÇÕES INTERMEDIÁRIAS 42 ..........................................................................

2. O FATO RELIGIOSO NO SERTÃO DO VALONGO 44 ............................................

2.1 COMO TEM SIDO PENSADO O MUNDO VALONGUENSE 46 ..............................

2.2 O CONTEXTO DA CHEGADA DO ADVENTISMO NO VALONGO 50 ...............

2.3 A IMPORTÂNCIA DA FÉ PARA O POVO VALONGUENSE 62 ...............................

CONSIDERAÇÕES INTERMEDIÁRIAS 78 ..........................................................................

3. A LIBERDADE E A RELIGIÃO COMO CONSTRUTORES DA IDENTIDADE VALONGUENSE 80 ...................................................................................................................

3.1 QUESTÕES DA IDENTIDADE DO MOMENTO QUILOMBOLA NA ATUALIDADE 82 .....................................................................................................................

3.2 A IDENTIDADE VALONGUENSE NO SÉCULO 21 87 .............................................

3.3 PRESERVAÇÃO DE UMA IDENTIDADE 93 ..............................................................

CONSIDERAÇÕES INTERMEDIÁRIAS 106 ........................................................................

CONSIDERAÇÕES FINAIS 108 .............................................................................................

REFERÊNCIAS 111 ....................................................................................................................

REFERÊNCIAS IMAGÉTICAS 121 ........................................................................................ANEXOS………..……………………………………………………………………………………122

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INTRODUÇÃO

A origem dessa pesquisa aconteceu no momento em que pisei os pés pela primeira vez

no território da comunidade quilombola Sertão do Valongo, a fim de organizar um projeto de

voluntariado universitário no local. Era o mês de março de 2013 e eu estava vivendo as

primeiras semanas como aluno do programa de Ciências da Religião da UMESP -

Universidade Metodista de São Paulo. Descobri naquele lugar a existência de um povo

simplesmente encantador e, ao saber que diversos pesquisadores já haviam publicado estudos

sobre eles, estabeleceu-se logo a certeza de que todo o desenvolvimento do meu programa de

Mestrado seria dedicado a pesquisar aquele povo.

Nas últimas décadas o Estado brasileiro procura, de várias formas, reparar erros

históricos cometidos contra os descendentes dos povos de origem africana que vivem no país

(LEITE, 2008). Sendo assim, é crescente o número de estudos concluídos por pesquisadores

acerca das milhares de comunidades quilombolas que existem em nosso país, alguns dos quais

serão indicados ao longo do trabalho. O Sertão do Valongo é uma pequenina comunidade,

oficialmente reconhecida como remanescente dos antigos quilombos desde 2004. Seu

território está localizado numa estreita faixa de terra no município de Porto Belo, interior de

Santa Catarina. Os valonguenses têm despertado a atenção de estudiosos e curiosos que

entram em contato com eles e a razão desse interesse está ligada especialmente a uma

especificidade somente ali encontrada: eles são praticantes da crença adventista há nove

décadas e essa peculiaridade atrai estudos que buscam investigar o modo de viver desse povo,

intimamente ligado à prática da religião.

O objetivo da minha pesquisa foi refletir na constituição dessa comunidade

quilombola e analisar, à luz do quadro teórico delineado, três aspectos julgados como

relevantes para compor um estudo: a liberdade, como possível provocadora de sua gênese; a

religião, cuja influência passou a ser característica principal do seu povo; a articulação desses

elementos na formação da identidade dos valonguenses.

Entendo que minha pesquisa se justifica ao propor uma discussão entre as fortes

características da prática religiosa vivida por aquele povo e o ideário de liberdade que deu

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origem aos antigos quilombos. As pesquisas realizadas ali indicam que não é possível ter uma

compreensão daquele povo sem que se entenda a maneira como a religião é central para ele,

podendo-se dizer que é ela que dá sentido à vida dentro da comunidade. Liberdade e religião

são conceitos que facilmente se tensionam entre si quando colocados juntos, especialmente

nos tempos modernos. De que forma se dá, então, a coexistência aparentemente natural deles

no território do Valongo? Passei, então, a “escutar as diferentes vozes da

intuição” (CLAXTON, 2005, p. 119) que me levaram a questionar qual a influência desses

conceitos para a construção da identidade dos valonguenses, que faz com que o jeito de viver

encontrado na comunidade desperte tanta atenção. Penso que a questão mereceu ser

investigada.

A pesquisa se delimitou na abordagem desses três tópicos, evidentemente não

cobrindo todas as possibilidades que eles apresentam, mas colocando o foco nos recortes que

foram julgados indispensáveis para a compreensão do sujeito da pesquisa.

Esse estudo teve um desenho de pesquisa qualitativa que permite uma proximidade

entre o pesquisador e o sujeito da pesquisa e procurei fazer o que Chizzotti (2001, p. 79)

chamou de “[…] uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito […]”. O indivíduo

encontrado no Valongo não é neutro ou passivo, mas dinâmico e portador de saberes que

foram acentuados por outros pesquisadores e que agora figuram como centrais para essa

investigação. Minhas análises buscaram captar a dinâmica de percepções até aqui escritas,

procurando lançar um olhar diferenciado, em razão da minha vivência pessoal de quase 40

anos no seio do adventismo.

Na descrição feita por Bogdan & Biklen (1994), encontrei elementos que me

ofereceram a certeza do caminho que seria trilhado. A pesquisa qualitativa é essencialmente

descritiva, buscando sentido nas palavras e imagens contextualizadas, tendo no pesquisador o

principal instrumento e no ambiente natural a fonte de dados necessária. Penso que o

mergulho que tenho feito na Comunidade do Sertão do Valongo se tornou importante ponto de

contato entre a pesquisa acadêmica e o mundo real onde os valonguenses se encontram. Li,

reli e li de novo e outra vez os materiais escritos sobre o tema buscando o sentido entre as

abordagens e coletando-as para minha escrita. Entendo que a exploração que fiz desvela

alguns aspectos acerca do grupo que ainda não foram abordados por outros pesquisadores.

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Dentro da coerência de um estudo qualitativo, face ao objeto de estudo selecionado,

foi realizada uma Revisão Bibliográfica, na qual busquei discutir os temas a partir dos

registros disponíveis em livros que discutem construtos da sociologia crítica, religião e causas

africanas e quilombolas, artigos científicos das bases de dados SciELO Scientific Eletronic

Library Online e Google Acadêmico, com a utilização dos descritores “quilombola”,

“quilombos” , “Santa Catarina”, bem como Dissertações e Teses. A partir da minuciosa

revisão da literatura e estudo dos textos selecionados em diálogo com o referencial teórico-

crítico na área é que foi possível lançar luz sobre os conceitos em questão.

Necessitei na caminhada da pesquisa analisar documentos que se mostraram

pertinentes à compreensão do tema pesquisado, visto que os mesmos complementam os dados

obtidos por meio da revisão da literatura (LUDKE e ANDRÉ, 1986). São duas as fontes

documentais analisadas na pesquisa. A primeira é um conjunto de documentos oficiais da

organização adventista na região administrativa do Paraná e Santa Catarina, entre os anos de

1925 a 1941, período que a pesquisa teve acesso para efetuar a busca de votos administrativos

que tivessem relevância para esse levantamento. Os documentos estavam preservados e foi

realizada uma investigação neles, tendo sido selecionados seis votos que foram descritos e

analisados no segundo capítulo da pesquisa. A segunda fonte de documentos foi encontrada

por meio de uma extensa busca na Revista Adventista, que é o órgão oficial da denominação

no Brasil, cujas edições mensais estão preservadas e digitalizadas desde 1906, quando

começou a sua publicação, contando também com ferramentas de busca. O recorte de tempo

foi feito entre os anos de 1935 a 2013 e foram analisados oito reportagens sobre os crentes do

Valongo nessas publicações. As análises estão apresentadas no segundo capítulo do trabalho.

Para montar o quadro teórico principal de análise, busquei respaldo na sociologia

crítica brasileira contida em obras de Florestan Fernandes (2007, 2008 e 2013) que dedicou

boa parte de seus escritos para discutir as questões do negro e sua conturbada contribuição no

processo de formação e desenvolvimento de nossa sociedade. Na verdade, ele inaugurou “[…]

uma nova interpretação do Brasil, um novo estilo de pensar o passado e o presente” (IANNI,

1996, p. 25). Fernandes foi o principal teórico a desmistificar o imaginário popular, que via o

país como isento de problemas raciais, um verdadeiro paraíso de igualdade. Sua denúncia

apontou verdades inquietantes e significou uma contribuição enorme para que o Brasil

iniciasse um longo e ainda inacabado processo de reparação diante de toda a discriminação

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vivida pelo negro nessas terras. Utilizando a base do seu pensamento, minha pesquisa se

apresenta como elemento questionador no sentido de refletir sobre uma possibilidade de

amarração dos três elementos propostos (liberdade, religião e identidade) dentro de uma

comunidade quilombola fortemente marcada pelo apego a uma crença.

Os três capítulos do trabalho podem ser assim descritos:

No primeiro abordei o tema da liberdade, questionando se foi um ideal libertatório que

provocou o surgimento da comunidade do Valongo. Como contexto necessário, procurei

mostrar se o conceito de liberdade já estava presente na formação dos antigos quilombos,

espaços onde se juntavam os negros que fugiam dos seus senhores e formavam essas

comunidades, que eram frentes de resistência diante dos horrores praticados pelo escravismo

no Brasil. Tratei também da liberdade oficial cedida aos escravos a partir da Lei Áurea, em

1888, e seus complexos desdobramentos sociais para a população negra presente em todo o

território brasileiro. Oficialmente estavam libertos, mas até que ponto se encontravam ainda

presos às garras da discriminação? Se essas populações foram empurradas para a periferia

nacional durante décadas, a partir de que fatores esse quadro começa a se reverter na segunda

metade do século 20? Diante da exposição desse contexto, selecionei aspectos históricos da

formação da comunidade do Valongo, ocorrida à época imediatamente posterior à abolição.

Seu minúsculo mundo, iniciado a partir de três famílias que se juntaram naquela terra

insalubre, apresenta-se como expressão de liberdade?

O segundo capítulo é onde fiz uma análise do fato religioso na comunidade, trazendo a

importância da religião para o centro do debate. Para isso, minha pesquisa procurou investigar

as fontes disponíveis e buscou apontar como, ao longo do tempo, tem sido pensado o mundo

valonguense, sublinhando a invisibilidade proporcionada pelo território, as nuanças da

discriminação enfrentadas na vizinhança e a mudança histórica ocorrida no Sertão na década

de 1930, com a migração do grupo ao adventismo. Reuni questionamentos acerca do fato de

uma comunidade de negros inserir-se numa Igreja constituída à época essencialmente por

imigrantes alemães e analisei documentos históricos inéditos da Igreja na região sul, bem

como as buscas efetuadas no principal veículo de comunicação escrita que a denominação

possui no país, a Revista Adventista. Nesses documentos apontei indícios da importância da

fé para o cidadão valonguense. Fora das fronteiras denominacionais, as análises mostraram

percepções de diferentes pesquisadores que já fizeram levantamentos sobre o Valongo.

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No terceiro capítulo me ocupei em investigar as influências da liberdade e da religião

como possíveis construtores da identidade valonguense. A discussão do tema identidade

envolve uma grande complexidade, mas as percepções extraídas a partir daquela

microsociedade podem fornecer algumas reflexões válidas para a Academia. Busquei também

as pistas deixadas nos levantamentos existentes para verificar se a religião foi para aquele

grupo fator de coesão solidária ou de alienação e acomodação. Existe no Valongo uma espécie

de coexistência positiva entre a liberdade e a religião, gerando uma identidade comunitária

que pode ser vista como uma silenciosa contra-cultura às lógicas existentes hoje na

sociedade? O esforço para a preservação da cultura identitária de povos como o do Valongo

pode configurar-se como necessária, visto que esses micromundos são detentores de saberes

que, mesmo sendo ancestrais, ainda podem se constituir em fontes de reflexões para a pós-

modernidade?

Foi a existência desses questionamentos e de outros contidos no interior do texto, que

moveu cada etapa dessa pesquisa. O acurado estudo que fiz deles fez com que se levantassem

outras questões que, entendidas como relevantes, apontam para novos levantamentos que se

fazem necessários no sentido de provocarem outras reflexões acerca do tema.

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1 A LIBERDADE COMO CONTEXTO DA GÊNESE DO SERTÃO DO VALONGO

A moldura deste capítulo se dá com o tema da liberdade, inferido como fator

preponderante para o início da comunidade quilombola Sertão do Valongo e, num plano mais

amplo, também elemento decisivo para milhares de grupos formados por ex-escravos em todo

o território brasileiro. É necessário pontuar inicialmente que o conceito de liberdade como

conhecido e vivenciado hoje em grande parte dos países, é um valor relativamente recente

para a sociedade, fazendo parte das mudanças estruturais que vêm ocorrendo em todo o

mundo nos últimos dois séculos. Qualquer análise superficial do paradoxo existente entre

liberdade e escravidão pode esconder elementos históricos e adulterar a compreensão de

ambos os conceitos. Para se ter uma ideia, calcula-se que por volta de 1772, apenas 5% da

população mundial era constituída de indivíduos livres (ENGEMANN, 2006), fato que

fornece uma certa perspectiva do que a liberdade significa como conquista humana.

Discutir o tema da liberdade a partir de um quilombo pode parecer paradoxal.

Entretanto, uma percepção extraída dos estudos de Leite (2008, p. 966) acerca do assunto abre

uma possibilidade que não deve ser desprezada. Para ela: Quilombo e liberdade são, portanto, contrafaces de uma mesma realidade histórica. De um lado, as situações de força arbitrária e incontestável em que os ‘senhores’ impunham sua vontade por meio de atitudes explícitas ou dissimuladas, brandas ou violentas. De outro, as reações de escravos e libertos, explícitas, sutis, violentas ou não, às diversas situações e regimes de autoridade.

Ora, nenhuma história pode ser entendida corretamente sem que se avalie o contexto

que a envolve, pois é o contexto que fornece elementos específicos de compreensão que não

são possíveis de outra forma. Sendo assim, é válida essa observação inicial acerca da

liberdade, para que se verifique, pelo menos em parte, o cenário que cerca a gênese do sujeito

dessa pesquisa, fator indispensável para o seu desenvolvimento e também para as reflexões

pretendidas. É necessário que se leve em conta as inúmeras e diferentes facetas, sejam elas as

grandes marcas de um dado ocorrido, ou mesmo minúsculas situações aparentemente

despretensiosas, mas que se configuram como de vital importância para a compreensão de um

fato histórico.

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No presente capítulo será abordado o nascimento da comunidade quilombola do

Sertão do Valongo, datado da última década do século 19, época imediatamente posterior à

assinatura da Lei Áurea. Porém, como já dito acima, nenhuma história existe à parte das

circunstâncias todas que a cercam e é por isso que se torna necessário que se faça uma breve

análise do cenário que envolvia o Brasil no período anterior e também posterior a este, a fim

de que um pouco do contexto seja explicitado. O tema da liberdade aparecerá como elemento

emoldurador para toda a contextualização pretendida. A construção do texto se dará a partir de

fontes bibliográficas selecionadas, pesquisadas e devidamente alinhadas ao objetivo proposto,

buscando atribuir coerência aos fatos que serão abordados. Ao ser analisada, a pequena

comunidade pode levantar questões que são de um âmbito infinitamente maior e permite, no

dizer de Arruti (1977, p. 11), “[…] jogar luz sobre grupos sociais antes pensados como

irrelevantes ou residuais, mas que, alçados ao estatuto de objetos dignos e pensados em sua

positividade abrem novos campos de análise”.

De fato, por décadas a fio, milhares de comunidades quilombolas estiveram legadas ao

esquecimento nacional e somente após muitas denúncias de setores da sociedade é que as

políticas governamentais iniciaram um conjunto de ações que trouxeram novamente ao palco

do cenário brasileiro a questão desses povos que foram, na visão de muitos estudiosos,

desconsiderados e esquecidos enquanto cidadãos. Localizados quase sempre nas periferias das

zonas urbanas ou em recantos escondidos, os quilombos estiveram literalmente à margem da

sociedade. Mas essa marginalidade pode ser percebida também no seu sentido simbólico, na

falta de atenção dada a essas populações. Na percepção de Silva e Souza (2013, p. 2): “As

discussões ligadas à questão racial junto à sociedade brasileira ganha visibilidade e ênfase na

década de 1990, ultrapassa o mundo acadêmico e ganha espaço na agenda política do Estado”.

Se muito antes disso já se denunciava a discriminação e a desigualdade que atingia esses

povos, as ações mais concretas só podem ser observadas a partir desse período. Somente em

2004, por meio do Programa Brasil Quilombola, que reúne ações sociais a partir de diversos

Ministérios, (RODRIGUES, 2010), é que efetivamente se organiza uma política que visa

cuidar dos interesses quilombolas. É dentro desse cenário de discussões que se encontra o

Valongo.

Dos antigos quilombos, frentes de resistência ao regime escravagista do passado, hoje

são consideradas quilombolas as comunidades que formam grupos étnico-raciais, segundo

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critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais

específicas e com ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica

sofrida, conforme Decreto nº 4887/03. Essas comunidades possuem direito de propriedade de

suas terras consagrado desde a Constituição Federal de 1988. Foi somente a partir dos

avanços sociais conquistados pela Constituição de 1988 que “o Brasil passou a ser

reconhecido como um país multicultural e multiétnico” (JORGE e BRANDÃO, 2012, p. 84).

Durante o período em que se escrevia a Carta Magna do País os movimentos negros estiveram

articulados, reforçando “[…] a ideia de reparação, da abolição como ‘um processo inacabado’

e da ‘dívida’, em dois planos: a herdada dos antigos senhores e a marca que ficou em forma

de estigma, seus efeitos simbólicos geradores de novas situações de exclusão” (LEITE, 2008,

p. 969). Os reconhecidos avanços conquistados naquele período desencadearam novas

atitudes com relação ao problema histórico apontado.

Em diferentes tipos de levantamento de dados, a Fundação Cultural Palmares (FCP)

chegou a mapear 3.524 comunidades quilombolas nos estados brasileiros. Rodrigues (2010)

fala de estimamativas que contam cerca de 5 mil comunidades. Partindo dessa perspectiva, foi

criada em 2007 a Agenda Social Quilombola (ASQ), cujo objetivo é articular as ações no

âmbito do Governo Federal, por meio do Programa Brasil Quilombola (PBQ), entendido por

Rodrigues (2010, p. 271) como um “conjunto de medidas descentralizadas entre instituições

governamentais […]”. Elas, na verdade, não definem por completo a questão, apesar de o

programa apresentar-se como abrangente e ter como meta promover ações federais, estaduais

e municipais, bem como aquelas que envolvem organizações diversas da sociedade civil. O

Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição reza: “Aos

remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é

reconhecida a propriedade definitiva, devendo ao Estado emitir-lhes os títulos

respectivos” (BRASIL, 2012, p. 155). Essas “comunidades negras rurais habitadas por

descendentes de escravos, cujos habitantes vivem geralmente do cultivo da terra

[…]” (CASTELLS, 2006, p. 4) são parte integrante do cenário brasileiro e o reconhecimento

oficial de cada uma delas constitui-se em grande conquista social para esses grupos

minoritários. No ano de 2004, o povo do Valongo obteve a Certidão de Autorreconhecimento

emitida pela Fundação Cultural Palmares, Ministério da Cultura, Governo Federal

(CASTELLS, 2007), sendo oficialmente considerada remanescente das Comunidades dos

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quilombos. Esse documento (ANEXO 1) foi publicado no Diário Oficial da União Nº 237, em

10 de dezembro de 2004 e é considerado como um dos principais comprovantes que uma

comunidade quilombola pode conquistar e é ele que abre as portas legais para os trâmites que

culminam na legalização das terras onde moram (SILVA, 2010).

1.1 O IDEAL DA LIBERDADE COMO PARTE DA HISTÓRIA

O mundo do Valongo é parte minúscula desse grande Brasil que Florestan Fernandes

(2007, p. 11) disse ser “definido por suas gentes de cores e costumes tão distintos” e são essas

gentes que constroem narrativas que, de tão significativas que se tornam, podem ser fontes

geradoras de estudos e aprendizados, não importa quanto tempo passe. Os sujeitos dessa

pesquisa se constituíram como um povo após 13 de maio de 1888, quando a Princesa Isabel

assinou a Lei Áurea, passo importante, mas não definitivo para a libertação dos milhões de

negros africanos escravizados pelos quatro cantos do país. Iniciar o processo de libertar os

escravos provocou uma sequencia de efeitos não previstos, causando uma grande turbulência

nacional que será mencionada nesse trabalho. Foi no efervescente caldo cultural desse período

que um grupo composto por alguns negros recém libertos da escravidão, se juntaram numa

estreita faixa de terra no interior de Santa Catarina, na tentativa de formar uma comunidade

livre da opressão branca (TEIXEIRA, 1990).

Olhando-se para o tempo muito anterior a esse, verifica-se que o tema da liberdade ,

sendo parte integrante da história humana, assumiu um relevante significado especialmente a

partir da revolução francesa, ocorrida em 1798, e que provocou, segundo Guimarães (2011)

diferentes desdobramentos políticos e ideológicos em todo o mundo ocidental por meio do

lema que evocava a liberdade, igualdade e fraternidade como valores fundamentais para o

novo tempo que se inaugurava e que mudaria para sempre os contornos das sociedades que

adotaram políticas baseadas nesses postulados. Entretanto, essa tríade conceitual continha em

seu âmago uma variedade de significados para diferentes indivíduos ou populações, sendo

que, para os povos escravizados, a simples luta pela sobrevivência básica, se constituía em

força primeira de enfrentamento do cotidiano. A já corriqueira expressão sonho de liberdade

com a qual se identifica o tempo férreo da escravidão oficial, não tinha um sentido tão prático

!20

para aqueles que nasciam e morriam sob os grilhões. As mudanças iniciadas no século 18, e

que as sociedades ocidentais do século 21 herdaram, também trazem o eco da revolução do

século 17 na Inglaterra, onde se fundam os pilares do Estado de direito, cuja estrutura visa

proteger os direitos fundamentais dos cidadãos (GUIMARÃES, 2012).

A questão da liberdade aflora, inevitavelmente, ao discutir-se quaisquer aspectos

ligados à escravidão que imperou no Brasil e em outras nações por tempo demasiado longo,

pois, como apontou Florestan Fernandes (2007, p. 90) em seus estudos, os negros, depois de

livres, foram considerados por importantes segmentos da sociedade brasileira como uma

espécie de “câncer importado”, que a coletividade precisava extirpar para poder desenvolver-

se como nação civilizada. Ou seja, não se pode avaliar de forma simplificada o longo tempo

decorrido entre os eventos descritos acima. O modelo escravagista brasileiro, sedimentado ao

longo de séculos, não permitiria que os negros fossem cidadãos iguais em decorrência de uma

assinatura do governo oficial. Era em tal ambiência negativa e hostil que uma imensa

população negra tentaria consolidar o projeto libertatório cedido sim, pela lei que a tirava

legalmente dos grilhões, mas que teria de ser conquistada por muitas gerações à frente

daquele período. Mattos (2006) analisa que, ao longo do tempo, o Estado tratou de infundir no

imaginário popular a imagem dulcificada de uma princesa branca assinando um decreto que

tornou livre a população escrava, que era bem tratada e submissa. Essa distorção da realidade

foi difundida através dos livros de história entregues às escolas e estudados como fato e

somente houve alguma mudança quando as pesquisas denunciaram a existência de um sistema

violento e cruel e, em contraponto a ele, a resistência dos escravos, especialmente através dos

quilombos.

Por sua própria natureza é o ideal de liberdade que se contrapõe a toda forma de

opressão, mesmo que tardiamente. Numa percepção extraída do pensamento de Russell (1977,

p. 16), pode ser encontrada uma pista de como o ideário da liberdade pode ser gestada

enquanto se processa a opressão: Homens e mulheres, em sua grande maioria, em tempos normais, passam a vida sem jamais examinar ou criticar, como um todo, suas próprias condições ou as do mundo em geral. Acham-se trazidos a determinado lugar na sociedade e aceitam o que cada dia apresenta, sem qualquer esforço de pensamento além do que é exigido para o momento imediato. Quase tão instintivamente quanto as feras da selva, buscam satisfazer as necessidades do momento, sem muita previsão, e sem considerar que mediante suficiente esforço todas as condições de suas vidas poderiam ser transformadas.

!21

Alguns, guiados pela ambição pessoal, fazem um esforço de pensamento e vontade necessário para situá-los entre os membros mais afortunados da comunidade; mas pouquíssimos dentre estes estão seriamente interessados em garantir para todos as vantagens que procuram para si mesmos. Apenas alguns homens raros e excepcionais têm esse tipo de amor para com a humanidade em geral, que os faz incapazes de suportar pacientemente o grande volume de mal e sofrimento, seja qual for a relação que possa ter com suas próprias vidas. Esses poucos, movidos por sofrimento solidário, irão procurar, primeiro no pensamento e depois na ação, alguma via de escape, algum sistema novo de sociedade pelo qual a vida possa tornar-se mais rica, mais plena de alegria e menos cheia de males evitáveis do que é atualmente.

Essa declaração serve de carapuça perfeita para retratar, em primeiro lugar, a condição

de absoluta miserabilidade, quase sempre passiva, pela qual viveram milhões de escravos de

norte a sul do Brasil. Tão absoluta era a opressão que não havia forças necessárias para que

fosse esboçada qualquer reação, a não ser aquela que era imposta pelo momento imediato. Em

segundo lugar, percebe-se que é graças ao nascedouro de certa “via de escape” ao sofrimento,

ocorrido solidariamente, que pode enriquecer a vida social das nações e, quem sabe, evitar

certos males sociais que causam danos por vezes irreparáveis a povos inteiros. Parece que não

importa quão esmagador seja o mal imposto, alguma forma de liberdade sempre poderá brotar

de suas entranhas.

1.2 A LIBERDADE COMO EXPRESSÃO ESSENCIAL DOS ANTIGOS QUILOMBOS

Observar o mundo valonguense no presente move o pesquisador ao inevitável

exercício de lançar um olhar ao passado desse povo e do que significou o que seus

antepassados viveram, apesar de grande parte de sua história haver se perdido no tempo, e

impulsiona o estudioso ainda a fazer uma conexão com a literatura disponível que retrata os

tempos férreos da escravidão e a liberdade que se seguiu a ela. Freitas (1984, p 19, 20) analisa

a era escravagista brasileira com uma reflexão muito clara: Aos africanos se impôs no Brasil a escravidão em sua forma pura. O escravo constituía, na sua mais absoluta forma, uma propriedade total e ilimitada do amo, privado de quaisquer direitos e submetido a uma relação absoluta de dependência. Não tinha existência civil, vale dizer, não era pessoa natural capaz de direitos e obrigações.

Talvez seja sob a luz da escravidão que pode ser entendida de forma mais clara o valor

da liberdade para aqueles que experimentaram as duas realidades díspares.

!22

O escravismo no Brasil se estende por um período que vai do século 16 até a segunda

metade do século 19, ou seja, quase quatro séculos, e estava espalhado por todo o território

nacional em variadas proporções. Ele modelou a sociedade brasileira durante esse período e

também para muito além dele. Estima-se em até 15 milhões de negros que foram tirados à

força da África e trazidos ao Brasil por meio dos diversos portos, numa operação que o poeta

Oliveira Silveira denominou de “parto forçado”. Mesmo não havendo dados precisos, onde os

números são amplamente contestados, é certo que a nação brasileira foi a maior importadora

de escravos de toda a América. Moura (1989, p. 6) afirma que “o número exato de negros

entrados no Brasil durante todo o período escravagista não está definitivamente esclarecido e

não acreditamos, mesmo, que isso venha a acontecer”. Ainda assim, suas pesquisas apontam

que, por volta de 1820, nenhuma região do Brasil contava com porcentagem inferior a 27% de

escravos entre seus habitantes (idem).

Durante décadas, até a segunda metade do século 20, havia uma tendência entre os

historiadores brasileiros de se referirem aos escravos trazidos da África como sendo

pertencentes meramente a pequenas tribos espalhadas pelo continente. É somente graças às

investigações mais recentes, frutos de pesquisas que procuram levantar erros históricos para

que possam eventualmente desencadear formas de reparação, que a nação se dá conta de que

os fatos não são apenas aqueles contados oficialmente. As pesquisas de Weiduschadt, Souza e

Beiersodorf (2013) apresentam dados acerca desses povos, mostrando que se tratavam, muitas

vezes, de sociedades dotadas de organização eficiente e hierarquia funcional, contando com

instituições e tecnologias. Elas tinham suas formas de governo, figuras reais e sistemas

religiosos complexos, além de divindades que eram reverenciadas. Trazidos ao território

brasileiro, essas populações se viram igualizadas na categoria de escravos ou de mercadorias.

Durante todo o período em que vigorou a escravidão, o comércio de comprar e vender

pessoas era um negócio atrativo e gerador de lucros que não se pretendia abandonar. Aqueles

que comercializavam escravos obtinham vantagens lucrativas que chegavam a 500% nas

transações (SILVA, 2009). Todo esse processo visava transformar antigos cidadãos africanos,

donos de uma cultura, em objetos para uso literal daqueles que tinham condições para a

aquisição. A imagem retratada na Figura 1 é um cartaz anunciando a venda de um lote de

escravos. Ela retrata uma ideia de como o mercado funcionava no Brasil:

!23

Figura 1 - Leilão de escravos

Fonte: Vitorino, 2000, p. 8, apud Silva, 2009, p. 49

Essa imagem do processo de coisificação do negro não é único, mas apenas expressão

de uma realidade corriqueira.

Os estudos de Weiduschadt, Souza e Beiersodorf (2013) apontam para o fato de que,

em toda a longa trajetória da humanidade, nenhuma história de deslocamento forçado foi mais

impactante que aquele ocorrido com os africanos para as Américas. Populações inteiras,

milhões de pessoas, foram reduzidas à mera condição de mercadoria, objetos que foram

!

!24

negociados. Toda essa diáspora não foi apenas um deslocamento físico de indivíduos, mas

envolveu questões muito mais profundas, como as de identidade. Os séculos vindouros

testemunhariam um complexo panorama de conflitos em decorrência desses eventos, cuja

ressonância continua reverberando na segunda década do século 21 e provavelmente seguirá

sendo tema de investigação, crítica e reflexão nas décadas que se seguirão.

Sem dúvida, era uma situação que hoje pode ser apontada como alarmante, mas que só

pode ser pesquisada corretamente com o devido distanciamento do tempo, posição na qual a

pesquisa se encontra no presente. Durante séculos esses homens e mulheres provaram o

terrível gosto do modelo escravagista. Eles foram sistematicamente rebaixados de sua

condição de seres humanos e silenciados de forma opressora e humilhante. Além dos pesados

castigos impostos ao africano escravizado, existia toda sorte de humilhações desumanizantes

e de abuso sexual por parte dos senhores que os possuíam como objetos. Mesmo sendo

eventualmente criticada na antiguidade, a escravidão foi considerada, até o final do século 18,

aproximadamente, como procedimento lícito e não como um mal que necessitasse ser

erradicado (FREITAS, 2011).

Toda a violência praticada contra o negro estava amparada pelo manto do Estado e

mesmo da Ciência, que elaborava complexas teorias para provar a inferioridade dos negros e

poder, assim, justificar o seu jugo. Coutinho (1966, p. 239) lembra que: “O comércio da

venda de escravos é uma lei ditada pelas circunstâncias às nações bárbaras para seu maior

bem, ou para o seu menor mal”. Encontra-se aí uma ideia da longeva tradição brasileira de

aceitar a escravidão como fenômeno comum da sociedade. A expressão usada por Cardoso

(1962) de que o negro era visto como “não homem” evidencia certa síntese do caráter das

relações sociais que cercavam o Brasil escravagista. O aquilombamento cresceu como uma

das formas de resistência a esse modelo vigente.

Traçando um perfil do movimento que ganhava corpo e que terminaria por minar

completamente o poder, Moura (1989, p. 9, 10) diz que “[…] os escravos negros, para

resistirem à situação de oprimidos em que se encontravam, criaram várias formas de

resistência, a fim de se salvaguardarem social e mesmo biologicamente, do regime que os

oprimia”. A origem dos quilombos remete-se aos rincões africanos, sendo conhecidos como

redutos de iniciação à guerra (SANTOS, 2012). Em solo brasileiro eles se configuraram como

importantes modelos de reação diante das humilhantes senzalas onde viviam escravizados

!25

pelos senhores das terra, pois não raramente, os escravos que conseguiam fugir se deparavam

com uma espécie de perplexidade sobre o que fazer com a liberdade conquistada pela fuga

(FREITAS, 1984). A partir disso pode-se questionar se a liberdade, provocadora de tal

perplexidade, seria de fato liberdade. Nesse contexto os quilombos são entendidos como

ambientes de refúgio para os escravos fugitivos.

Quanto mais aprofundado for o estudo da história dos quilombos no período da

vigência da escravidão, mais pode ser percebida a riqueza de aprendizados decorrentes dessas

frentes de resistência do passado. Os quilombos eram formados a partir da fuga de escravos e

consequente ocupação de terras desocupadas, geralmente isolados, mas também se formavam

por doações de terras ou ainda através da compra destas, mesmo durante o período em que

imperou a escravidão (PADILHA, 2012). Em seu formato original os quilombos eram

pequenos redutos de escravos que conseguiram fugir dos seus senhores e formavam neles

ambientes de vida alternativa ao trabalho escravo e ao serem estudados hoje, são verificados

como sendo “espaços de resistência cultural e preservação da cultura africana” (PADILHA,

2012, p. 2). Nesses redutos simples os negros encontravam oportunidade para um resgate da

língua e da religião deixadas na África.

O surgimento desses grupos implicou em forte resistência por parte do regime

dominante no país. A partir da metade do século 18 havia ordem para que todo negro

encontrado fosse marcado com ferro em brasa com um F de fujão na testa. Nos casos de

reincidência, uma orelha lhe era cortada. Entretanto, mesmo essas medidas drásticas não

conseguiam impedir a fuga dos escravos e o consequente crescimento dessas pequenas e, a

princípio, insignificantes cidadelas de refúgio. Eram nelas que se juntavam os fugitivos que

conseguiam romper as barreiras da condição opressora em que viviam. À medida que

cresciam em número, os quilombos iam provocando preocupações que chegaram à coroa

portuguesa, a ponto de o Rei tentar definir o que significavam:

Quilombo era, na definição do rei de Portugal, em resposta à consulta do Conselho Ultramarino, datada de 2 de dezembro de 1740, ‘toda habitação de negros fugidos que passem de cinco, em parte despovoada, ainda que não tenham ranchos levantados nem se achem pilões neles’ (MOURA, 1989, p. 11).

A definição, entretanto, era incompleta, mas foi ela quem modelou toda uma geração

de pesquisadores brasileiros da temática quilombola, que viam os quilombos apenas como

negação do sistema existente. Somente no final da década de 1970 começam a aparecer novas

!26

possibilidades de entendimento da vida escrava. Pelos novos estudos atribui-se a esses antigos

escravos uma vontade de liberdade e essa visão parece captar mais claramente a realidade que

se alastrava pelo Brasil afora e que corroía por dentro o regime escravocrata. A fixação dos

fugitivos nesses novos espaços, geralmente de acesso difícil, longe dos leitos de rios, era uma

forma de defesa contra as buscas empreendidas pelos senhores de escravos para a recaptura

dos negros (JORGE e BRANDÃO, 2012). Matoso (1982), em seu livro “Ser escravo no

Brasil” reforçou a visão do desejo de liberdade do escravo como sendo não somente ligado à

alforria. Essa ruptura de modelo foi fundamental para as discussões que se seguiram acerca do

tempo da escravatura (apud ENGEMANN, 2006).

Para além da definição oficial via-se que “a organização dos quilombos era muito

variada, dependendo do espaço ocupado, de sua população inicial, da qualidade do terreno em

que se instalavam e das possibilidades de defesa contra as agressões das forças

escravagistas” (MOURA, 1989, p. 34). A rebeldia intrínseca da força quilombola era uma

“[…] rebeldia contra os padrões de vida impostos pela sociedade oficial e de restauração dos

valores antigos” (CARNEIRO, 1947, p. 14). As palavras da pesquisadora Ilka Boaventura

Leite (2008, p. 995, 996) são relevantes:

As centenas de insurreições de escravos e as formas mais diversas de rejeição ao sistema escravista no período colonial fizeram da palavra ‘quilombo’ um marco de luta contra a dominação colonial e de todas as lutas dos negros que se seguiram após a quebra desses laços institucionais.

Cabe questionar o que seria da escravidão no Brasil se não existissem esses

movimentos que faziam contraponto a ela.

Em seus estudos, Leite (2000, p. 338) acentua o aspecto dinâmico desses redutos:

“Destruídos dezenas de vezes, reaparecem em novos lugares como verdadeiros focos de

defesa contra um inimigo sempre ao lado”. Essa descrição oferece um pequeno vislumbre,

onde se escondem lutas jamais conhecidas pelas gerações posteriores porque nunca foram

narradas. São realidades que se perderam para sempre em meio a uma história conturbada. À

medida que as populações de quilombos cresciam, as tensões aumentavam entre as forças que

tentariam manter a escravidão a todo custo e os ideais crescentes de liberdade que, quais

faíscas acesas na sequidão do regime vigente, se alastravam a ponto de produzirem focos

difíceis demais de serem simplesmente apagados.

!27

Sendo que esses quilombos passaram a significar algum tipo de esperança para negros

fugitivos, chegar até essas comunidades, era um projeto arriscado para aqueles que buscavam

nelas uma nova possibilidade de vida. Há relatos de sacerdotes católicos afirmando que os

negros cometiam o “pecado mortal de desobediência” (CARNEIRO, 1947, p. 6) ao fugirem

de seus senhores em direção aos quilombos e eram muitas vezes excomungados pelos

religiosos. A questão é que a Igreja Católica medieval contribuiu ideologicamente para a

manutenção do regime escravista. Teólogos importantes na história da Igreja, como Santo

Isidoro de Sevilha e Santo Agostinho, viam com normalidade a escravidão e a encaravam

como instrumentos de correção para o ser humano, “ferramentas de controle e punição dos

homens marcados pelo pecado original” (VAINFAS, 1986 apud FREITAS, 2011, p. 2652). No

Concílio de Toledo ocorrido em 693 definiu-se que as igrejas possuíssem pelos menos dez

escravos e determinou-se ainda que as igrejas que não tivessem esse número de escravos

deveriam ser subordinadas àquelas que conseguiam tê-los e essa prática aparentemente

perdurou por séculos (ENGEMANN, 2006).

A carta enviada pelo reitor do colégio jesuíta de Luanda, Padre Luis Brandão, ao

colega Alonso de Sandoval, missionário no Brasil, é bastante reveladora. A data da escrita é

de 1611 e nela encontramos:

Nunca consideramos este tráfico ilícito. Os padres do Brasil também não, e sempre houve, naquela província, padres eminentes pelo seu saber. Assim, tanto nós como os padres do Brasil compramos aqueles escravos sem escrúpulos […]. Na América todo escrúpulo é fora de propósito […]. É verdade que, quando um negro é interrogado, ele sempre pretende que foi capturado por meios ilegítimos […]. É verdade que, entre os escravos que se vendem em Angola nas feiras, há os que não são legítimos […]. Mas estes não são numerosos e é impossível procurar estes poucos escravos ilegítimos entre os dez ou doze mil que partem cada ano do porto de Luanda. (BOXER, 1981, p. 47 apud FREITAS, 2011, p. 2653).

Essa carta revela um pouco da força esmagadora de manipulação existente. Era visão

corrente dos religiosos que a escravidão era resultado do pecado e que os negros deveriam

suportá-la como forma de redenção. Sendo assim, os escravos deveriam, não apenas

conformar-se com o jugo, mas serem gratos por ele, pois através dele poderiam ser

conduzidos ao paraíso eterno (ENGEMANN, 2006).

Então, não é exagero afirmar que o clero e os senhores-de-escravos haviam

desenvolvido um sólido sistema de terror que visava sufocar quaisquer propósitos de rebeldias

!28

por parte dos escravos, garantindo dessa forma o funcionamento adequado do sistema em

vigor (FREITAS, 1984). Reprimir qualquer aceno de liberdade era tarefa primeira do poder

opressor oficial e todos os meios possíveis seriam empregados para o cumprimento da

inglória tarefa. No entendimento de Florestan Fernandes (2013, p. 57): “A resistência

escravista se apegava a motivos estritamente egoísticos, pois viam no escravo uma inversão

de capital e um instrumento de trabalho que deveria ser espremido até o bagaço”. Cada

quilombo que nascia se constituía em clara brecha que se abria por dentro do regime

escravista e que haveria ainda de destruí-lo.

É exatamente nesse contexto tensionado que a história registra sobejamente o

nascimento e crescimento do maior e mais importante dos quilombos, o dos Palmares,

entranhado nas matas interioranas do que hoje é o estado de Alagoas, e de Zumbi, tido hoje

como seu herói maior, que se tornou um símbolo da saga do negro brasileiro em busca da

liberdade. De acordo com Carneiro (1947, p. 11): “A floresta acolhedora dos Palmares serviu

de refúgio a milhares de negros que escapavam dos canaviais, dos engenhos de açúcar, dos

currais de gado, das senzalas, das vilas do litoral, em busca da liberdade e segurança […]”. A

existência do Quilombo dos Palmares sintetiza, de certa forma, um ideal libertatório que

nunca deixou de existir entre os milhões de negros assaltados brutalmente nas imensas

florestas da África, levados sob condições miseráveis em navios negreiros que singravam os

mares e espalhados pelo Brasil afora nas terríveis condições impostas pela escravidão aqui

reinante. De fato, “Palmares foi a maior manifestação de rebeldia contra o escravismo na

América Latina. Durou quase cem anos e, durante esse período, desestabilizou regionalmente

o sistema escravocrata” (MOURA, 1989, p. 38). Sem dúvida, esses anos todos de resistência

foram marcados por um número sem fim de histórias, contadas e recontadas nas décadas

subsequentes ou perdidas para sempre da memória popular.

É possível que jamais se conheça todas as nuanças do que acontecia naquele período

turbulento, mas é certo que houve inúmeras tentativas do poder dominante no sentido de

esmagar esse estado clandestino, que era tido como um pedaço da África existindo no

nordeste brasileiro. Se Palmares era visto como uma espécie de Estado, é porque os

historiadores encontram indícios de que ali existia uma forma de governo tida como

organizada e complexa, sob a liderança de Zumbi em seu período final. É dito que “Os

escravos que, por sua própria indústria e valor, conseguiam chegar aos Palmares, eram

!29

considerados livres, mas os escravos raptados e trazidos à força, das vilas vizinhas,

continuavam escravos” (CARNEIRO, 1947, p. 42). Essa parece ser uma informação

relevante: ex-escravos podiam fazer de gente de sua própria raça, novos escravos, repetindo,

assim, os mesmos modelos opressores existentes no sistema oficial. As leis podiam ser tão

rígidas no quilombo quanto aquelas impostas pelos brancos que eram donos de escravos.

Quando se lembra que: “Se algum escravo fugia de Palmares eram enviados negros no seu

encalço e, se capturado, era executado pela ‘severa justiça’ do quilombo” (idem, p. 42), pode-

se ter uma pálida ideia de como a liberdade pode encontrar dificuldade em florescer

adequadamente, mesmo sob condições aparentemente favoráveis a ela.

O fortalecimento crescente de Palmares deveu-se a uma série de fatores convergentes

que são analisados por Moura (1989, p. 41):

Aproveitando-se da impenetrabilidade da floresta e também da fertilidade das terras, da abundância de madeiras, e da caça, da facilidade da água e de meios de defesa, foram-se aglomerando, reunindo novos membros e aumentando consequentemente o número de foragidos.

Carneiro (1947, p. 31) explicita que: “Nas matas os negros encontravam todos os

elementos necessários à sua vida” e durante décadas sobreviveram a todas as inúmeras

investidas que tinham como finalidade extirpar a existência daquele grupo de resistência.

Freitas (1984, p. 173) acrescenta em sua pesquisa:

A revolta palmarina ocupa um lugar único nessa história. Não foi apenas a primeira, mas, também, a de maior envergadura. No decurso de quase um século os escravos da então capitania de Pernambuco resistiram às investidas das expedições continuadamente enviadas por uma das maiores potências coloniais do mundo.

Esse “lugar único” ocupado por Palmares na história foi reforçado pelos estudiosos

que trouxeram à luz inúmeros fatos relevantes acerca da valentia e determinação desse povo

que insistia em sobreviver.

No transcorrer dos anos, quando novas derrotas são impostas pelo Quilombo ao

Estado, as investidas se tornam mais acentuadas. Para sufocar Palmares “uniram-se a Igreja,

os senhores de engenho, os bandeirantes, as estruturas do poder colonial, as tropas

mercenárias, criminosos com promessa de liberdade e, finalmente, toda a estrutura escravista”

(MOURA, 1989, p. 61). Era apenas uma questão de tempo para que o sonho de liberdade

sintetizado por aquela revolta fosse finalmente sufocado, o que de fato aconteceu, com o

massacre liderado por Domingos Jorge Velho em 20 de novembro de 1695, que não poupou

!30

sequer velhos ou crianças, na tentativa de varrer para sempre todo o ideal representado pelos

súditos de Zumbi, o maior dos ícones do grande quilombo.

A morte do líder pretendia significar o fim de um ciclo e a permanência indefinida da

escravidão e, para cumprir esse intento, os requintes de crueldade que festejaram a derrota de

Palmares não poderiam ser poupados. Freitas, (1984, p. 167) narra que, “[…] depois de

morto, o general negro fora castrado e o pênis enfiado na boca; haviam-lhe arrancado um olho

e decepado a mão direita”, e mostra ainda o pretenso coroamento da retumbante vitória:

“Salgada com sal fino, a cabeça seguiu para Recife, onde o Governador Melo e Castro

mandou espetá-la em um chuço no lugar mais público da cidade” (idem, p. 167). Entretanto,

se o fim de Palmares marcou o término de um ciclo, ele não se traduziu no esperado fim do

sonho de liberdade, mesmo que ela só fosse possível após mais de duzentos anos depois da

derrocada do simbólico quilombo. Soares (1999, apud MATTOS, 2006, p. 168, 169) acha que,

quando esses fatos vieram à tona houve uma importante inversão na história oficial onde o

negro Zumbi, líder do mais importante quilombo do Brasil, “[…] tornou-se, no lugar da

princesa, o verdadeiro herói da população negra brasileira”.

1.3 A LIBERDADE A PARTIR DE 1888 E SEUS DESDOBRAMENTOS PARA OS EX-ESCRAVOS

Diante do que se expôs até aqui como breves recortes de fatos históricos, convém

reafirmar que a conquista da almejada liberdade por parte do escravo jamais pode ser pintada

em tons róseos, visto que a simples promulgação da lei de 1888 que o livrava das algemas

significou apenas um passo a mais no longo processo que se desenvolvia no decorrer das

décadas e mesmo séculos que o precederam. Calheiros e Stactler (2010, p. 136) mencionam

em seus estudos que, ainda em 1850, quando os homens ligados ao poder escravizador

perceberam que os rumos da abolição eram inevitáveis, criaram a Lei n. 601, instituindo “a

propriedade privada como única forma de acesso a terra, impedindo esse direito a negros e

mulatos”.

Décadas mais tarde as famílias que se juntaram no Sertão do Valongo desconheciam

todo esse contexto, mas estavam, sem o saberem, presos a essas amarras institucionais.

Porém, mais que isso, iniciavam ali uma trajetória que os conduziria a algo muitas vezes

!31

maior que o estreito horizonte que vislumbravam enquanto se instalavam nas terras úmidas e

indesejadas daquela região. E a partir daquele micro território experimentariam a vivência da

liberdade numa terra que era sua.

As pesquisas e observações feitas por Florestan Fernandes se constituem em um

grande acervo de informações relevantes e auxiliam as pesquisas do presente, no sentido de

desmistificar muitos conceitos que são, na verdade, distorções da história. Nos anos que se

sucederam à Lei Áurea, os negros foram, via de regra, transformados em ‘párias’ da

sociedade. Para Fernandes (2007, p. 66): Na verdade, a abolição constitui um episódio decisivo de uma revolução social feita pelo branco e para o branco. Saído do regime servil sem condições para se adaptar rapidamente ao sistema de trabalho, à economia urbano-comercial e à modernização, o ‘homem de cor’ viu-se duplamente espoliado. Primeiro, porque o ex-agente de trabalho escravo não recebeu nenhuma indenização, garantia ou assistência; segundo, repentinamente, em competição com o branco em ocupações que eram degradadas ou repelidas anteriormente, sem ter meios para enfrentar ou repelir essa forma mais sutil de despojamento social.

É deveras importante essa reconfiguração, segundo a qual a revolução foi levada a

efeito “pelo branco e para o branco”. Para ele: “A abolição ocorreu em condições que foram

verdadeiramente ‘espoliativas’, do ponto de vista da situação de interesse dos negros. Eles

perderam o único ponto de referências que os associava ativamente à nossa economia e à

nossa vida social” (idem, 2007, p. 56). Doravante, massas imensas de escravos recém-libertos

teriam que encontrar seu novo espaço na sociedade e esse é apenas parte do cenário

encontrado para a formação de comunidades desses “párias”, à semelhança daquela existente

no Sertão do Valongo, sujeito do presente estudo. De acordo com uma pesquisadora: “A

ocupação do campo, embora estratégia de sobrevivência, também contribuiu para a

invisibilidade desses grupos étnicos” (CASTELLS, 2006, p. 420). Provavelmente a

invisibilidade não era tão somente buscada e pretendida por esses ex-escravos. Ela era parte

de um processo social, nem sempre inconsciente, porém sua meta era invisibilizar os antigos

escravos, pois, como aponta Fernandes (2007, p. 62): “Apesar de seus ideais humanitários, o

abolicionismo não conduziu os ‘brancos’ a uma política de amparo ao negro e ao mulato”. As

consequências disso foram desastrosas e se espalharam em todo o tecido social do Brasil. Para

Leite (1996), essa invisibilização funcionou como mecanismo de negação do negro, tentando

legar ao esquecimento essas populações no reforço do mito da igualdade racial no país.

!32

Após o 13 de maio de 1888 defensores de primeira mão do abolicionismo e ex-

escravos criaram a Guarda Negra, que pretendia ser uma força de resistência em favor da

liberdade recém cedida às populações escravas. Era o temor real de que o processo sofresse

alguma reversão por parte daqueles que não se conformavam com a nova realidade nacional.

O medo de uma reescravização não era infundado, visto que muitos interesses foram

contrariados pelos ideais abolicionistas. Na pesquisa de Mattos (2006, p. 108) encontra-se

registrado que: “Após a lei, e durante alguns anos, os ex-senhores continuaram a se organizar

politicamente demandando indenização pela perda de sua propriedade em escravos”. Existia

agora toda uma conjuntura de demanda por uma mão de obra que se configuraria doravante

sob outras condições que não aquelas regidas pela escravidão. A tese defendida por

Guimarães (2011) aponta para o fato de que o período imediato da abolição até a criação do

Estado Novo em 1930, foi marcado pelas tentativas dos escravos libertos de sentirem-se parte

da nação brasileira, e foram essas tentativas que esbarraram em fortes questões raciais

presentes no seio da sociedade.

Apesar de tudo, a mudança desencadeada a partir da abolição produziu efeitos que se

fizeram sentir ao longo de toda a história ulterior a ela. Vista sob a ótica do presente,

distanciada há mais de 120 anos do fato, sua realidade pode ser melhor pesquisada e

objetivada, pois conta com a ajuda dos acontecimentos históricos que marcaram a sociedade

brasileira desde então. Na visão sociológica de Fernandes (2008, p. 32):

As sociedades humanas sempre se encontram em permanente transformação, por mais ‘estáveis’ ou ‘estáticas’ que elas pareçam ser. Mesmo uma sociedade ‘estagnada’ só pode sobreviver absorvendo pressões do ambiente físico ou de sua composição interna, as quais redundam e requerem adaptações sociodinâmicas que significam, sempre, alguma mudança incessante, embora esta seja com frequência pouco visível […].

Essas “pressões” mencionadas por Florestan Fernandes envolviam, provavelmente,

todos os substratos da sociedade, pois suas realidades práticas estavam presentes em todo o

vasto tecido social brasileiro.

O Brasil pós-escravagista careceu, sem dúvida, de grandes processos adaptativos para

fazer frente à nova conjuntura posta, e os ecos dessa pressão adaptatória ainda podem ser

sentidos pelos quatro cantos do país. Analisando a complicada situação do homem que foi

liberto da escravidão e fazendo uma crítica severa à realidade que sua extensa e frutífera

!33

pesquisa deparou-se, Florestan Fernandes (2007, p. 46) observou que o sentimento

generalizado que encontrou na população era o de que “o ‘negro’ teve a oportunidade de ser

livre; se não conseguiu igualar-se ao ‘branco’, o problema era dele - não do ‘branco’”. Essa

visão distorcida acarretava aos ex-escravos um fardo pesado demais, uma espécie de nova

forma de subserviência que tenderia a perpetuar-se e poderia varrer para longe de seu

horizonte a liberdade sonhada, porém não conquistada em sua plenitude. Para Guimarães

(2012, p. 36):

Sem dúvida, o momento inicial foi a conquista da liberdade individual, pois com o fim da escravatura generalizou-se definitivamente a disjunção entre ser negro e a restrição à liberdade individual. Mas a liberdade assim conquistada não se traduziu, como vimos, em cidadania política ativa; apenas deslanchou o processo de construção nacional, em que tais indivíduos eram mais assujeitados que sujeitos.

Em tal ambiente, vivendo uma nova forma de escravidão, toda a perspectiva de

ascender na vida social seria conquistada a duras penas e nem sempre seria possível. Para o

imaginário do brasileiro, forjado ao longo de muito tempo, esses indivíduos eram, na verdade,

mera força animal de trabalho e as ideias racistas reproduzidas pelos intelectuais, pela elite

detentora do poder e por influentes religiosos, tentavam barrar a participação dessa negritude

na construção da identidade étnica do país (SANTOS, 2012).

À medida que as discussões prosseguiam, a liberdade conquistada pelos escravos não

se traduzia em medidas práticas que os auxiliasse na conquista de um bom lugar no panorama

da nação. Ao contrário disso, as primeiras décadas do século 20 viram o surgimento de

ativistas do calibre de Renato Kehl, defensor ardoroso da eugenia, publicando mais de vinte

livros e inúmeros artigos acerca do tema (SOUZA, 2006). Suas publicações e conferências

exerceram enorme influência em muitos intelectuais da época, à semelhança do escritor

Monteiro Lobato, no delicado momento em que o país ainda não tinha uma consolidação em

termos de identidade étnica. Tal foi o apoio recebido que ele chegou a fundar uma sociedade

eugênica, que teve mais de uma centena de nomes ilustres, entre médicos, jornalistas,

autoridades políticas e literatos, todos fascinados pelos caminhos da “regeneração racial”

apontados pelos eugenistas. Em seu controvertido livro A Cura da Fealdade, ele chega a

afirmar:

Só motivos acidentais ou aberrações mórbidas fazem unir-se via de regra, um homem branco com uma negra e vice-versa. E o produto desse conúbio

!34

nasce estigmatizado não só pela sociedade, como, sobretudo, pela natureza; está hoje provado, não obstante a grita de alguns cientistas suspeitos, que o mestiço é um produto não consolidado, fraco, um elemento perturbador da evolução natural (KEHL, 1927, p. 134).

A declaração acima é apenas uma pequena mostra de quão exacerbado poderia ser o

ódio destilado contra o negro por parte de indivíduos que tinham capacidade de influenciar as

massas.

A verdade é que o regime escravocrata fazia parte do passado mas o presente que veio

depois dele revelou-se extremamente injusto para o negro brasileiro, visto que os antigos

senhores de escravos, o Estado e mesmo a Igreja - ninguém assumia responsabilidade por esse

cidadão, completamente perdido e desamparado em meio a circunstâncias tão adversas. Em

sua obra A integração do negro na sociedade de classes, Fernandes (2013, p. 29) analisa o

tema com a precisão que lhe é característica, apresentando um retrato muito fiel do que foi

esse tempo para a nossa sociedade. Ele diz: “O liberto se viu convertido, sumária e

abruptamente, em senhor de si mesmo, tornando-se responsável por sua pessoa e por seus

dependentes, embora não dispusesse de meios materiais e morais para realizar essa proeza

[…]”. Tão aparentemente intransponíveis eram as novas dificuldades impostas para esse

cidadão que se torna difícil entender como ele pôde atravessar essas barreiras e conquistar o

que tem sido chamado de segunda abolição (GUIMARÃES, 2012). A intuição de Mattos

(2006, p. 111) se apresenta acertada: “Como no século XIX, dizer-se negro ainda é

basicamente assumir a memória da escravidão inscrita na pele de milhões de brasileiros. Essa

é a base que empresta consciência histórica à discussão sobre políticas de ação afirmativa no

Brasil […]”. Ou seja, ela não conseguiu enxergar mudanças tão significativas no seio da

sociedade que pudessem fazer com que o negro ser visto de outra forma.

Eis aí, então, parte do cenário no qual se pode vislumbrar, pelo menos de maneira

ainda opaca, o surgimento naqueles idos da comunidade do Sertão do Valongo.

1.4 O MUNDO VALONGUENSE COMO EXPRESSÃO DE LIBERDADE

Em suas observações, Fernandes (2007, p. 66) afirma que as terras da região sul

“tornaram-se menos favoráveis ao elemento negro e mulato […]” e é exatamente ali que se

!35

encontra o Sertão do Valongo, sujeito da presente pesquisa. É, na verdade, uma pequena faixa

de terra, localizada no município de Porto Belo, interior de Santa Catarina, onde vive uma das

quase duas mil comunidades quilombolas certificadas no Brasil pela Fundação Palmares.

No mapa a seguir, vê-se a localização geográfica do Valongo em relação ao Estado de

Santa Catarina:

Figura 2 - Mapa de localização do Sertão do Valongo

Fonte: Sarlo e Duarte, 2008, p. 190.

!

!36

Os moradores desse território somam pouco mais de cem pessoas e são denominados

de valonguenses. O nome é atribuído ao fato de Sertão significar lugar distante, e Sarlo e

Duarte (2008, p. 191) falam da possibilidade de que “[…] a palavra Valongo tenha origem na

linguagem oral e tradicional portuguesa ‘val longo’ para designar um vale longo”. Guimarães

e Reis (2008) lembram que, infelizmente, muitas informações acerca da história do grupo se

perderam no passado e estão enterradas com os primeiros moradores do Sertão, mas é certo

que ela nos remete ao final da escravidão no Brasil e aos primeiros anos pós-libertação dos

escravos, ou seja, no final do século 19, época em que a sociedade brasileira era ainda uma

nação em construção (SANTOS, 2012). Esse período foi marcado aqui pela influência das

teorias formuladas na Europa que apontavam a superioridade do homem branco e os perigos

da miscigenação, o que fortalecia a discriminação racial, dificultando, como mostram

claramente os trabalhos de Florestan Fernandes, a inserção do negro nas classes sociais. Leite

(2008, p. 967) denuncia uma realidade que permaneceu fora da historiografia oficial por

muito tempo. Segundo seus estudos: A colonização da região Sul atendeu aos interesses das elites intelectuais e políticas de implantar um povoamento com populações tidas como racialmente superiores e provenientes de áreas tidas como mais desenvolvidas. Com o intuito de tornar o País ‘racialmente mais branco’, propiciou condições favoráveis aos imigrantes e com elas, a reprodução das desigualdades instauradas no período escravista, confirmando, assim, as teorias raciais em vigor.

É em tal ambiente que o Valongo é criado.

Em 1990 a pesquisadora Vera Item Teixeira defendeu sua dissertação de Mestrado na

Universidade Federal de Santa Catarina com um trabalho acerca da comunidade e a partir daí,

pode ser encontrado um roteiro de várias pesquisas realizadas entre seus moradores e também

diferentes percepções respeito delas, que serão tratadas no segundo capítulo, onde se analisa a

razão do interesse em pesquisar os valonguenses. Em sua pesquisa, Teixeira (1990, p. 19)

afirma: O Sertão do Valongo serviu como ponto de convergência para alguns ex-escravos de regiões vizinhas, que tinham como projeto de vida desfrutarem de autonomia na escolha de seus destinos, tendo a terra como base para garantir a sobrevivência.

A percepção acima está alinhada ao cenário já mostrado anteriormente, onde foram

apontadas as dificuldades impostas ao negro recém liberto da escravidão. No dizer de

Fernandes (2013. p. 32) os poderes públicos de então “se mantiveram indiferentes e inertes

!37

diante de um drama material e moral que sempre fora claramente reconhecido e previsto,

largando-se o negro ao penoso destino que estava em condições de criar por ele e para ele

mesmo”.

A gênese da fundação do Valongo está inserida nessa busca pela construção de um

destino que fosse viável a um grupo. A liberdade historicamente sonhada por muitos escravos

trazidos da África ecoa nessa pequena faixa de terra. A também estudiosa do Valongo,

Castells (2006, p. 420), reforça que: “o fato de os primeiros valonguenses ocuparem a região

vincula-se a um discurso de busca da liberdade ‘longe dos brancos’”. Habitando uma região

monopolizada pelos europeus e alijados de boas oportunidades, ocupar o campo não era

apenas estratégia de sobrevivência para esses miseráveis, pois não havia na sociedade

brasileira capacidade de gerar uma economia forte o suficiente para absorver essa população e

isso fez o negro converter-se em “resíduo racial”, na forte expressão usada por Fernandes

(2007, p. 87) em suas análises criteriosas, onde escancarava a situação que tentava ser

escondida pela história oficial. Disse ele: “Eliminado o ‘escravo’ pela mudança social, o

‘negro’ se converteu num resíduo racial. Perdeu a condição social que adquirira no regime da

escravidão e foi relegado, como ‘negro’, à categoria mais baixa ‘população pobre’ […]”.

A luta pela terra por parte do negro configurou-se, então, em importante e não

solucionável drama pós assinatura da abolição. Os estudos apontam para o fato de que nunca

houve solução fácil para a questão que se impunha. Leite (2000, p. 355) expõe claramente a

dimensão do problema anterior a 1888, mas com efeitos que vão para muito além dele:

Já a primeira Lei de Terras, escrita e lavrada no Brasil, datada de 1850, exclui os africanos e seus descendentes da categoria de brasileiros, situando-os numa outra categoria, denominada ‘libertos’. Desde então, atingidos por todos os tipos de racismos, arbitrariedades e violência que a cor da pele anuncia - e denuncia -, os negros foram sistematicamente expulsos ou removidos dos lugares que escolheram para viver, mesmo quando a terra chegou a ser comprada ou foi herdada de antigos senhores através de testamento em cartório. Decorre daí que, para eles, o simples ato de apropriação do espaço para viver passou a significar um ato de luta, de guerra.

A contradição apontada por Leite (2000) é evidente: a “simples” questão de um lugar

para viver jamais foi simples para os negros. Talvez por isso iam sendo marginalizados e

expulsos para lugares que não serviam aos interesses dos brancos. Tal fato evidencia-se

claramente no povo valonguense que se formava.

!38

Na verdade, as terras do Valongo são descritas como sendo “baixas, úmidas e

insalubres” (TEIXEIRA, 1990, p. 18), condições que as tornavam pouco atrativas para a

ocupação. O conjunto desses fatores afastava a população branca, maioria esmagadora que

habitava as colônias do sul do país. Logo adiante ela diz:

O sertão do Valongo se configurou como cenário propício à fixação de um grupo de descendentes de população de origem africana, possivelmente porque as terras deste vale não atraíram a atenção de grupos como companhias colonizadoras interessadas em se fixar por ali (idem).

Por razões assim cabe o recorrente questionamento, onde se pergunta se, à

semelhança do ocorrido no Valongo, o negro preferiu a invisibilidade ou foi sistematicamente

invisibilizado pelas forças que compunham a sociedade? De fato, torna-se muito mais

cômodo dizer que ele preferiu se distanciar do branco que o escravizou que assumir uma

postura segundo a qual o sistema existente o distanciou, procurando torná-lo invisível à

nação brasileira. É exatamente esse tipo de denúncia que diversos estudos tem procurado

mostrar e, para além disso, apontar caminhos viáveis para a reparação dos danos provocados

a essas populações. Quando são apontadas essas dificuldades, percebe-se que, somente nos

tempos mais recentes a multirracialidade brasileira pode ter suas histórias recontadas a partir

da voz dos negros e não apenas a partir da voz branca dominante (WEIDUSCHADT;

SOUZA; BEIERSDORF, 2013).

Outro aspecto relevante para a permanência dos negros naquela localidade era a

incidência da malária na região do Valongo, que era chamado pela vizinhança de Sertão dos

pretos ou Sertão da malária. Albuquerque (2008, p. 233) relata que no início do século

passado:’

[…] a malária (maleita) fazia parte da situação insalubre do Valongo. Esta dificuldade expulsou outros antigos habitantes que foram atrás de melhores condições de vida, deixando o lugar e a maneira de boa qualidade para os descendentes de escravos, sem alternativas para deixar o local.

Sob essas condições adversas, Guimarães (2008) conta que um grupo de ex-escravos,

composto pelas famílias Caetano, Costa e Faial estabeleceu-se na pequena região, fortaleceu-

se ali enquanto comunidade e seus descendentes permanecem habitando o vale ainda hoje,

vivendo um estilo de vida simples e sobrevivendo da pequena herança de terra dos seus

ancestrais. Eles se moveram para aquele território porque: “[…] esta região não se tornou

disputada e serviu ao longo de sua história como uma área para onde se dirigiam populações

!39

menos afortunadas ou marginalizadas do processo colonizador em curso” (TEIXEIRA, 1990,

p. 26). Mesmo diante da ausência de certos dados históricos sobre a origem dessas famílias,

Borges (2000, p. 145, 146) encontrou registros de que são “provavelmente remanescentes dos

1639 escravos registrados na freguesia de Porto Belo em 1851”. Assim narrado, esse breve

quadro reforça uma afirmação de Florestan Fernandes (2007, p. 66), onde ele diz que: “a

revolução burguesa foi imensamente desfavorável ao elemento negro e mulato, tanto no meio

rural quanto principalmente no meio urbano, nos fins do século 19 até a década de 1930”. Aí

está inserida a formação da comunidade valonguense.

Parece não haver dúvida, então, diante do recorte do cenário histórico apresentado,

que o conjunto circunstancial que marcava o período, aliado à busca por algum tipo de

liberdade empreendida por um pequeno grupo de ex-escravos, deu origem a esse povo. De

certa forma, é possível afirmar que essa busca, mesmo não completamente entendida pelos

fundadores, forneceu um sentido a esse grupo ao longo do tempo e auxiliou as gerações que

vieram após os fundadores, a permanecerem leais àquela terra, fortalecendo os vínculos que

inicialmente os uniu. Pode-se perceber também que a invisibilidade provocada pela habitação

naquele micro ambiente pouco favorável era, grosso modo, um recorte fidedigno do macro

ambiente da nação, onde as questões de etnicidade foram discutidas por intelectuais,

enquanto nos bastidores interioranos se travava uma batalha nem sempre invisível entre a

gente branca de descendência européia e os povos negros e mestiços, permanentemente em

busca de inserção na sociedade que buscava mantê-los à margem.

Em Casa-Grande e Senzala, lançado em 1933, Gilberto Freyre apresenta um modelo

multirracial onde tentava desenhar novos tempos que deveriam marcar uma almejada

convivência etnorracial pacífica para o Brasil. A obra foi engrandecida por historiadores

como um elemento de ruptura, mostrando o “mulato como elemento caracterizador do

sucesso da formação identitária brasileira” (WEIDUSSCHADT, SOUZA e BEIERSDORF,

2013, p. 251). A afirmação de Freyre (2002, p. 307) de que: “todo brasileiro, mesmo o alvo,

de cabelo louro, traz na alma, quando não, na alma e no corpo, a sombra, ou pelo menos a

pinta, do indígena ou do negro” tornou-se, de certa forma um marco referencial para o novo

país que precisava nascer a partir daquele ciclo que há muito já deveria ter-se fechado. Mas,

essa visão dulcificada, que pretendia mostrar uma convivência etnorracial pacífica na

!40

sociedade brasileira, foi contestada mais tarde, nas décadas de 1950 e 1960, especialmente

em decorrência das pesquisas de Florestan Fernandes.

Para Freyre não existia um conflito racial, mas na visão de Fernandes (2007, p. 15)

havia sim um “problema” que insistia em permanecer, por mais negado que fosse. Ele

disparou: “Essa propalada ‘democracia racial’ não passa, infelizmente, de um mito

social” (idem p. 60). Ao problematizar a questão e apontar as desigualdades históricas que

não poderiam continuar esquecidas, a sociologia de Fernandes abriu um caminho novo para o

entendimento da questão e não apenas isso, criou espaço para ações que se efetivariam mais

tarde e mudariam os rumos das políticas públicas para os negros no Brasil. Para ele: “Não

poderia haver integração nacional, em bases de um regime democrático, se os diferentes

estoques raciais não contarem com oportunidades equivalentes de participação das estruturas

nacionais do poder” (FERNANDES, 2007, p. 51). As suas afirmações foram amplamente

amparadas por dados estatísticos e mostraram que o preconceito racial estava bem presente

nas entranhas da sociedade e precisava ser confrontado pois, somente assim, os afro-

descendentes poderiam viver plenamente a liberdade um dia apenas cedida, mas sob muita

luta, finalmente conquistada. Segundo ele:

A miséria associou-se à anomia social, formando uma cadeia de ferro que prendia o negro, coletivamente, a um destino inexorável. À degradação material, correspondia à desmoralização: o negro entregava-se a esse destino sob profunda frustração e insuperável apatia. Logo se difundiu e implantou um estado de espírito derrotista, segundo o qual ‘o negro nasceu para sofrer’, ‘vida de negro é assim mesmo’, ‘não adianta fazer nada’, etc’. (FERNANDES, 2007, p. 112).

As discussões acerca da existência do racismo no Brasil não se prendem ao século

passado, mas atravessou a barreira do milênio provocando importantes questionamentos,

como o apresentado por Silva (2009, p. 20):

Nesse quadro de aparente paraíso racial, quando analisamos a configuração das relações étnicas no Brasil, no momento contemporâneo ou em outro momento da história, vemos que, sob o véu da aparente aceitação e da convivência harmônica, escondem-se relações pautadas por racismo e por discriminação, que têm como alvo o grupo negro, embora também atinja índios, mulheres, idosos e outras minorias. Essas relações estão tão profundamente naturalizadas nas práticas sociais e discursivas de nossa sociedade que só a menção de sua existência é motivo para acaloradas discussões, levadas a cabo por pessoas, grupos ou classes que produzem, disseminam, naturalizam e reificam o discurso da harmonia étnico racial no Brasil.

!41

Entende-se que a abordagem dessas questões na Academia produzem reflexões que se

estendem a outros espaços e auxiliam no processo de fazer contraponto às práticas

discriminatórias que, apesar de não ser objeto desse estudo, coloca-se como elemento que não

pode ser deixado de lado, visto que tudo que acontece na sociedade como um todo termina

por fazer eco também no espaço de vida do Valongo.

A maneira como essa pequena comunidade valonguense se estabeleceu naquelas

terras já é digna de nota, haja vista as dificuldades acima expostas, mas existe um fator que

necessita ser pensado também, apesar de já haver sido mencionado brevemente. Trata-se da

constatação do fato de que a população de Santa Catarina sempre foi composta por uma

maioria branca e que, no século 19, a região recebeu muitos imigrantes alemães que

solidificaram sua presença com base nas pequenas propriedades familiares. Os estudos de

Seyferth (1994) revelam que, por volta de 1890, precisamente à mesma época em que a

comunidade de Valongo se instalava, começou a surgir nas colônias alemãs da região a

doutrina que pregava a superioridade ariana através da Liga Pangermânica. Essa ideologia

reafirmava os dogmas do racismo moderno, tendo como inspiração Chamberlain, Gobineau e

as recentes teorias do darwinismo social. Olhando tal quadro, Leite (1996, p. 41) mostra que

o Estado foi visto historicamente como um pedaço da Europa dentro do Brasil, e é por isso

que “[…] não é que o negro não seja visto, mas sim que ele é visto como não existente”.

Nas duas primeiras décadas do século 20, ao mesmo tempo em que o grupo dos ex-

escravos do Valongo se estabelecia no espaço de terra que havia conquistado, nos estratos

superiores da Nação, inclusive no Congresso Nacional, discutia-se aspectos ligados ao que

ficou conhecido como perigo alemão. Temia-se pela criação de um Estado paralelo

germânico e chegou-se a cogitar medidas que restringissem a imigração alemã, tal era a

tensão existente nesse período (SEYFERTH, 1994). Enquanto isso, invisibilizado em seu

pequeno território, a comunidade valonguense permanecia alheia a todo esse complexo

cenário ao seu redor e, apesar da existência dessas circunstâncias desfavoráveis, o núcleo se

solidificava e vivia seu pequeno projeto de liberdade. Nas buscas bibliográficas da pesquisa

não foram encontrados relatos de confrontos específicos entre os negros do Valongo e os

colonos alemães, o que não significa que não existiram, mas que demandariam novas buscas

historiográficas, com uso de outras metodologias.

!42

CONSIDERAÇÕES INTERMEDIÁRIAS

Diante do exposto, cabe dizer que, apesar de constituir-se num valor relativamente

recente na história do ser humano, os ideais de liberdade continuam sendo debatidos na

Academia e em diferentes setores do Governo e da Sociedade Civil, especialmente após a

revolução francesa. Para a tradição dos povos africanos ela sempre significou um campo de

lutas entre as milhares de tribos e culturas existentes no continente. Pelo que pode ser

entendido hoje, foi um ideal de liberdade que guiou os escravos na longa trajetória de

escravidão que se arrastou por séculos no território brasileiro, apoiada pelas leis e mesmo pela

religião. Ao longo desse período visto como de grandes atrocidades cometidas contra os

escravos, os quilombos significaram a mais importante resistência ao regime escravista e

quanto mais se pesquisa, tanto mais se descobre aspectos antes não revelados acerca desses

grupos sociais. Ao selecionar as abordagens contidas nesse capítulo, verificou-se também um

destaque ao Quilombo dos Palmares, tido como símbolo maior da reação negra ao regime.

Pela junção de todo o contexto apresentado, esse estudo entende que o ideário de liberdade foi

também o elemento norteador do grupo que fundou a comunidade de Valongo no final do

século 19, após a assinatura da Lei Áurea. Atestou-se que os desdobramentos dessa liberdade

oficialmente cedida não foram favoráveis ao negro brasileiro, apesar de o imaginário popular

considerar de forma diferente, até que novos estudos, a partir dos anos de 1950, passaram a

denunciar a gravidade da questão étnica do país. O Sertão do Valongo constitui-se num micro

mundo, recorte de um cenário maior onde as populações negras continuam sua centenária luta

pela conquista da liberdade.

O poema O Negro, do poeta, teatrólogo e pintor pernambucano, Solano Trindade,

encerra esta breve discussão sobre o tema da liberdade. Ele reforça a ideia da luta histórica

dos africanos em busca da liberdade. Solano, morto em 1974, é considerado um herói da

resistência negra, ardoroso defensor da cultura e da liberdade dos negros no país:

!43

Sou Negro

À Dione Silva

Sou Negro, meus avós foram queimados

pelo sol da África minh’alma recebeu o batismo dos tambores atabaques, gonguês e agogôs.

Contaram-me que meus avós vieram de Loanda

como mercadoria de baixo preço, plantaram cana pro senhor do engenho novo

e fundaram o primeiro Maracatu.

Depois meu avô brigou como um danado nas terras de Zumbi.

Era valente como quê. Na capoeira ou na faca,

escreveu não leu o pau comeu.

Não foi um pai João humilde e manso.

Mesmo vovó não foi de brincadeira. Na guerra dos Malês

ela se destacou.

Na minh’alma ficou o samba,

o batuque, o bamboleio

e o desejo de libertação.

Disponível em: <http://www.palmares.gov.br/wp-content/uploads/2010/11/Sou-Negro.pdf>. Acesso em: 07 jan. 2015

!44

2 O FATO RELIGIOSO NO SERTÃO DO VALONGO

Neste capítulo será analisada a questão da influência gerada pela religião adventista

dentro da realidade cotidiana do povo valonguense. Sua abordagem se justifica ao ser levado

em conta o fato de que diferentes pesquisadores apontam a religião como sendo o principal

elemento modelador da vida na comunidade e também pela percepção de que o assunto carece

de questionamentos e reflexões ainda não levantados nas pesquisas já desenvolvidas. O

desafio, portanto, é acrescentar dados e arrolar percepções que forneçam novos entendimentos

acerca da fé vivida dentro daquele quilombo.

Para Certeau (1982, p. 10), “o corpo é um código à espera de ser decifrado”. É

provável que essa afirmativa do historiador possa ser também aplicável a determinadas

realidades encontradas em alguns grupos sociais que, ao serem pesquisados, são descobertos

neles certos aspectos capazes de provocar nos estudiosos um desejo não completamente

compreendido de tentar decifrá-los, mesmo sabendo que tal intento jamais se realiza de

maneira completa. De certa forma, então, o pesquisador é aquele que age para fazer uma

decodificação de tudo aquilo que encontra em suas pesquisas. No dizer de Delgado (2003, p.

13), “[…] reconhecer o substrato de um tempo é encontrar valores, culturas, modos de vida,

representações, enfim, uma gama de elementos que, em sua pluralidade, constituem a vida das

comunidades humanas”.

Quais elementos podem ser encontrados nos modos de vida da cultura valonguense

que mereçam a atenção de estudos acadêmicos? As análises contidas no presente capítulo e no

próximo tentarão fornecer discussões tidas como relevantes para essas abordagens.

Ao ser focada uma lente diminutiva naquele território incrustado no interior de Santa

Catarina, os quilombolas valonguenses oferecem ao pesquisador o que Guimarães e Reis

(2008, p. 173) enxergaram, dadas as características ali vistas, como sendo um “cenário sui

generis para o estudo antropológico”. A comunidade que vive no Valongo hoje é composta de

aproximadamente 120 pessoas, que estão distribuídas em 28 casas de madeira, muito simples,

construídas ao longo de uma estrada de terra que corta a região (LIMA, 2013). Eles são

negros, descendentes de antigos escravos africanos que encontraram naquele vale, como

!45

descrito no capítulo anterior, um ambiente para tomar posse da liberdade que lhes fora recém

cedida por meio da Lei Áurea. De todos os povos quilombolas que se espalham pelo Brasil

detentores dessas mesmas características, apenas o Sertão do Valongo distingue-se pela

prática sistemática da religião adventista. Este é o elemento sui generis, cuja exploração dos

significados mais amplos constitui-se numa tarefa importante da presente pesquisa.

Ao propor uma discussão das nuanças aspectuais do fato religioso e sua relevância

dentro do Sertão do Valongo essa pesquisa se alinha a um tema que pode ser considerado

como inesgotável em termos de possibilidades de estudos. A temática da religião apresenta-se

capaz, mesmo no presente, de provocar sentimentos diversos. A afirmação de Costa (2009, p.

9) em sua Sociologia da Religião parece captar uma essência possível para esse tempo. Ele

diz: “Apercebemo-nos de que o brado triunfalista do fim da religião se esgotou”. Sendo

assim, os que se dedicam às Ciências da Religião podem encontrar um caminho cada vez mais

aberto às suas investigações. O brado que buscava o fim da religião foi um modelo criado,

principalmente, a partir dos pressupostos do Iluminismo e do Humanismo e perdurou durante

muito tempo, sendo defendido por alguns dos mais renomados estudiosos que o mundo

ocidental produziu. Dizer que ele está esgotado pode não retratar uma realidade plausível e

talvez seja mais prudente inferir que ele foi diminuído em sua intensidade. Atentar para o fato

religioso no Valongo poderá fornecer elementos importantes aos estudos da religião na

atualidade, visto que ali se encontra um recorte minúsculo da sociedade. Sua compreensão,

entretanto, carece de dados contextuais que serão apresentados ao longo do capítulo.

Quando se analisa o significado da religião para os povos africanos, vê-se que, para

eles, a experiência religiosa abrange todos os aspectos da vida do indivíduo e não apenas parte

dela. A transmissão dos valores religiosos às novas gerações dá-se pelos elementos da tradição

e é vital para a cultura africana. No entendimento de Oliveira (2007, p. 4): “Entre eles a

religião é coextensiva à vida, à experiência vivida intensamente e concretamente […]”. Esse

jeito africano de encarar a religião termina por exercer alguma influência entre os

valonguenses.

O filósofo Gabriel Marcel (apud JAPIASSU, 2009, p. 106) declarou que: “O ser

humano só é autenticamente humano quando sustentado pela armadura incorruptível do

sagrado”. Em um mundo dominado pela tecnociência e pela dimensão da eficácia dos

procedimentos em todas as variáveis da existência humana, essa declaração poderia soar

!46

como ultrapassada. Entretanto, sua validade pode ser confirmada quando faz observação nos

povos que não abriram mão da experiência religiosa, mesmo existindo no mundo descrito

como materialista em sua essência. Como refletiu Japiassu (2009, p. 117): “O Século das

Luzes cometeu a loucura de pensar: A Razão não somente é necessária, mas suficiente,

bastando a si mesma”. Percebe-se que ela não foi suficiente, apesar de continuar sendo

necessária, pois, para além dos limites cartesianos existem fronteiras milenares ligadas ao

sagrado que não puderam ser apagadas ao longo da história. Albuquerque (2008, p. 250)

acentua em sua pesquisa um contraste importante quando afirma que: “Enquanto na Europa a

religião e o nacionalismo estavam sendo contestados como visão geral de mundo, Valongo

encontrou sua inserção na modernidade pela religião”. Essa é uma constatação deveras

relevante e a sua reflexão provoca alguma forma de auxílio na compreensão da influência que

a religião continua a exercer em certos segmentos da sociedade secular. Sendo que os

valonguenses encontraram um lugar na modernidade através da religião, cabe refletir acerca

da existência desse fato social em outros povos e do significado mais profundo dele para a

compreensão sociológica do binômio religião e sociedade.

2.1 COMO TEM SIDO PENSADO O MUNDO VALONGUENSE

O pequeno mundo do Sertão tem sido escrutinado, na busca de maior entendimento do

que acontece nas entranhas do seu cotidiano. Ressoa em alguns textos já produzidos que a

visão dos que moram nas proximidades deles é de que “[…] são conformados, pois não lutam

por seus direitos; moram num lugar onde o serviço público não atende e não

reclamam” (GUIMARÃES e REIS, 2008, p. 173). Tal percepção da vizinhança, reproduzida

em pesquisas que foram analisadas, revela que, apesar de habitar há décadas na região, existe

certo preconceito com relação a esses descendentes de escravos. Apontando tons

preconceituosos ainda mais fortes, Teixeira (1990, p. 30) diz: “Os principais estigmas do

grupo, cultivados pelos vizinhos eram: preguiçosos, sem vontade de progredir, negros,

analfabetos, pobres e outros”. De que forma esses estigmas negativos foram solidificados na

região permanece como uma questão ainda aberta, mesmo após a realização de alguns estudos

que levantaram esses dados desde o final da década de 1980. São palavras fortes e incisivas

!47

que, provavelmente, escondam atrás de si um arcabouço de certo sentimento não apenas

desfavorável, mas também carregado de hostilidade em relação a essa população rural. Esses

dados já levantados merecem novos estudos e análises que aprofundem as percepções já

registradas, retomando a questão da liberdade e invisibilidade.

Cabe questionar, então, a maneira imbricada existente entre o antigo ideal libertário

buscado pelos fundadores da comunidade e a invisibilidade possivelmente necessária para a

própria sobrevivência daquele grupo. É possível inferir que a liberdade desse povo foi

sedimentada sob a égide de certa invisibilidade. Infelizmente não existem relatos escritos que

façam um rastreamento de como essa visão foi construída na vizinhança nas primeiras

décadas de existência do grupo, daí a necessidade de outras pesquisas que tracem um roteiro

do fato e analisem a forma como os antepassados lidaram com o preconceito e sobreviveram a

despeito dele. À semelhança de outros milhares de povos descendentes de escravos, aquela

gente se fortaleceu sob pressão e preconceito, podendo ser encontrados muitos vestígios na

história do Valongo de que o sentimento religioso teve forte influência nesse fortalecimento

comunitário.

O relato de um idoso valonguense, à época com 80 anos de idade, é revelador sobre o

passado de dificuldades:

A gente é nego, mas pode dizer que não faz mal né? Hoje já tá comum, né, mas é que nem naqueles tempo, naqueles tempo era uma tristeza. Quando eu era rapaz novo, quando eu ia lá em Tijucas com meu pai, humm, a gente passava mali (…) tinha aquelas mocidadezinha né, até pessoa já casada, dizia: ói, ói, vai passando um nego, aí vai passando um macaco, é só o que eles falavam era isso aí, me lembro que parece que tô vendo […] (CASTELLS, 2006, p. 426 e 427).

Ao fazer uma comparação entre o tempo passado e o presente, a fala desse morador

indica que, quiçá, a visão demasiadamente preconceituosa experimentada em sua infância não

seja algo que se repita na atualidade nas cercanias da comunidade. Poderia, então, interrogar

neste momento: Mudou apenas a percepção do negro que habita a região ou mudou-se a

configuração da sociedade ao redor e acerca deles? Em sua tese de Doutoramento, a

pesquisadora Clenia Santos (2012, p. 115), analisa o efeito sobre o negro desse tipo de

comportamento demonstrado por muitas pessoas. Segundo ela:

A baixa autoestima é razão de sofrimento para a população negra e tal sofrimento é constante, pois, a todo momento, se deparam com pessoas que rejeitam seu jeito de ser, sua característica física associada à sua situação

!48

econômica e social, além de sua cultura. Assim a baixa autoestima está relacionada com a falta de respeito e de valorização da sociedade, quanto às diferenças étnico-sociais.

Na esteira desses levantamentos feitos na vizinhança do Sertão, constatou-se outro

possível sinal de visão negativa sobre eles. Este talvez mais complexo, pois foi emitido pelos

próprios estudiosos que os pesquisaram. No último parágrafo de sua Dissertação, após fechar

as análises feitas e as conclusões da pesquisa, Teixeira (1990, p. 87) declara:

Foi possível perceber que o projeto inicial de autonomia passou também por uma transformação e hoje se confunde com o projeto de salvação prometido pela fé. Através da religião, o grupo se acomodou da busca pela melhoria de sua qualidade de vida. Se alienou de uma efetiva luta pela regulamentação das terras, uma vez que desestimula os conflitos e consola as perdas. Ao enfatizar a renúncia da vida futura e a prosperidade econômica, reforça a condição de carência e marginalidade deste grupo rural.

Cabe questionar se, de fato, religião e alienação seria um binômio conceitual

harmonioso e integrado, como possivelmente foi apresentado nas palavras acima. Seria essa

opinião, ao ser assim emitida, também uma forma preconceituosa de ver um grupo de ex-

escravos que se apega à religião e tem o seu modo peculiar de viver? Estaria a conclusão de

Teixeira demonstrando que a religiosidade desses negros seja a causa de sua acomodação com

relação às questões que deveriam requerer forte interesse por parte deles? Seria a prática da

religião a causadora da renúncia da prosperidade para o povo do Valongo e o reforço de sua

condição de carência? Entende-se como relevantes esses questionamentos expostos a partir da

conclusão desse importante trabalho de Dissertação, que foi o primeiro a abrir as portas do

Valongo para pesquisas acadêmicas. De fato, foi a conversão ao adventismo que desestruturou

o projeto de autonomia e liberdade daquele povo ou haveria outras investigações que

poderiam dialogar com as análises de Teixeira?

Comentando as conclusões levantadas na pesquisa de Vera Teixeira, os estudos de

Guimarães e Reis (2008, p. 176) apontam um aspecto interessante, que é a potencialização

dos estigmas já existentes sobre esses negros. Elas dizem: “No entanto, ao vincular a fé a

questões econômicas, a autora está criando um elemento de estigmatização que até então não

aparecia nos discursos sobre o grupo”.

Segundo uma declaração de Mircea Eliade (1992, p. 43) acerca do passado, “o homem

religioso desejava viver o mais perto possível do Centro do Mundo”. Pelo visto, para os

valonguenses a religião continua exercendo essa função central em seu pequeno mundo, cuja

!49

experiência cotidiana pode ser comparada à sensação descrita por Eliade de se habitar em um

lugar reencantado (1992). Sendo assim, provavelmente haja mais no Valongo que simples

alienação. Seria essa forma de visão de mundo cultivada pelos habitantes daquela estreita

faixa de terra, quase esquecida pelo governo, apenas uma forma de alheamento provocada

pelo adventismo ou haveria alguma dimensão diferente dessa que pudesse ser investigada?

Ora, mesmo na delicada questão da legalização de suas terras, tema que geralmente desperta

grande interesse em comunidades semelhantes, Castells (2007, p. 69) observou que havia

pouco interesse por grande parte do grupo pelo andamento e resolução do processo, “[…]

recheado de justificativas por vezes confusas e contraditórias”.

Quando são analisados em conjunto, esses fatores apontam para o prevalecimento de

um modo de viver bastante peculiar nesse quilombo. E não apenas isso, é também um jeito

tido como sendo muito desconectado com as realidades desse tempo, o que leva a interrogar-

se se a religião praticada por aquele povo é a causa da acomodação que se apresenta como

sendo parte integrante do seu cotidiano ou se podem ser encontrados ali outros fatores que

mereçam uma análise. A sequência do capítulo se ocupará em discutir a temática do modo de

vida valonguense e levantar questões julgadas como indispensáveis de serem pensadas a

respeito do assunto.

Além desses aspectos levantados, algo mais pode ser arrolado à presente investigação,

diante do cenário exposto, e diz respeito ao imbricamento entre liberdade e religião, os dois

fatores abordados até aqui para referenciar a comunidade do Valongo. Esses dois conceitos se

apresentam como geralmente tensionados entre si e talvez jamais possam ser harmonizados,

oferecendo, assim, possibilidades investigativas diversas. Bem, se é possível deduzir que o

ideal de liberdade, mesmo não sistematizado ou compreendido, foi o elemento essencial para

a gênese do grupo estudado; pode-se também alegar ser impossível a compreensão desse

mundo valonguense sem que se perceba a maneira como a religião é relevante para a vida

cotidiana daquelas pessoas. Guimarães e Reis (2008, p. 176) afirmam que: “a religião tem

uma importância fundamental na visão de mundo dos valonguenses”. A expressão

“importância fundamental” utilizada pelas pesquisadoras carrega em si uma força que não

deve passar despercebida. Pelo visto ela foi escolhida para retratar uma determinada realidade

enxergada por elas no meio ambiente do Valongo e que aponta para um jeito de viver a

espiritualidade que não é facilmente encontrado em uma comunidade quilombola.

!50

Seria possível, então, sintonizar a experiência religiosa valonguense com a expressão

usada por Geertz (1989) segundo a qual esse tipo de vivência espiritual se torna em modelo

para a realidade de certos grupos sociais? Os levantamentos bibliográficos da pesquisa

apontam nessa direção. Borges (2000, p. 144) mostra a fala de uma jovem da comunidade,

descendente de um dos fundadores do grupo. Numa frase ela sintetiza, de certa forma, um

sentimento que pode ser facilmente captado na maioria dos moradores do Sertão. Disse ela: “a

igreja é a maior alegria que temos aqui”.

Aliado à liberdade experimentada desde o nascimento da comunidade, o adventismo

praticado no Sertão há nove décadas pode ter contribuído para a manutenção da cultura

valonguense e, sem dúvida, é uma importante especificidade que o Valongo possui em relação

a outras comunidades quilombolas, que Guimarães e Reis (2008, p. 173) apontaram como

“cenário sui generis para o estudo antropológico”. Eis, pois, liberdade e religião, coexistindo

nesse microcosmo e levando a presente investigação a questionar se existem elementos que

sejam capazes de torná-las mais integradas entre si em outros ambientes onde sejam

vivenciadas enquanto realidades sociais.

2.2 O CONTEXTO DA CHEGADA DO ADVENTISMO NO VALONGO

Para que se analise a religião dos valonguenses, torna-se necessário entender também

o abrangente contexto do processo de evangelização protestante na América Latina. Até

meados do século 19 essa região era geralmente descrita pelo protestantismo norte americano

e europeu como “continente esquecido”, visto que todos os projetos de evangelização até

aquele período estavam ligados à Igreja Católica e eram considerados como insuficientes para

romper barreiras históricas do paganismo que grassava no continente e trazer uma

significativa melhoria de qualidade de vida que o imaginário protestante achava ser necessária

e urgente para os povos nativos. Era o “[…] vizinho ferido e necessitado que desafiava os

Estados Unidos a agir como um bom vizinho” (PIEDRA, 2008, p. 72). Entretanto, para além

do elemento evangelizador, vários estudiosos argumentam que essas iniciativas estavam

intimamente ligadas à importância geopolítica e econômica que os países latino-americanos

foram adquirindo. Parte das estratégias protestantes esteve relacionada a uma crítica feroz à

!51

Igreja Católica, sendo a preocupação frequente mostrar que sua fé era superior àquela

praticada pelo catolicismo (PIEDRA, 2008).

Como parte desse cenário macro que envolve a chegada das principais confissões do

protestantismo à América do Sul, encontram-se, também, no mesmo período, os adventistas

do sétimo dia, iniciando modestas incursões missionárias no continente. Não foi por acaso

que as bases adventistas finalmente começaram a ser estruturadas em alguns países, mas

houve uma estratégia deliberada para que isso acontecesse. Especialmente na última década

diversos pesquisadores adventistas têm se debruçado na tentativa de traçar um roteiro de

acontecimentos ligados ao projeto adventista de estabelecer um trabalho e consolidar-se na

região, considerando que a corrente religiosa assumiu, ao longo dos últimos cento e vinte anos

um papel de crescente destaque no continente, contando no presente (2014) com quase dois

milhões e meio de fiéis apenas no território da América do Sul, espalhados em cerca de

dezoito mil congregações.

Avaliando-se esse tímido começo adventista no final do século 19, existe um dado que

ganha importância para a pesquisa. Acontece que a investida missionária feita inicialmente

pelo grupo religioso no Brasil se deu exclusivamente nas comunidades alemãs de Santa

Catarina, o mesmo estado onde está localizada a comunidade negra do Sertão do Valongo. De

acordo com as informações levantadas por Schunemmann (2003, p. 32), “[…] até 1910 a

Obra Adventista no Brasil seguia a estratégia inicial de evangelizar principalmente as colônias

alemãs”. Pelos levantamentos existentes, os primeiros adventistas que chegaram ao Brasil

sequer foram pessoas, mas papéis, na forma de revistas alemãs que foram enviadas por navios

ao Porto de Itajaí, em Santa Catarina. Anos mais tarde, em 1896, poucos anos antes de os ex-

escravos se fixarem em sua terra, foi organizada no estado, em Gaspar Alto, a primeira

congregação adventista e, junto a ela, iniciou-se uma escola paroquial (OLIVEIRA FILHO,

2004). Cabe refletir se a estratégia inicial esteve ligada realmente à ausência de recursos

materiais e humanos ou se precisa ser levado em conta também o fato de que havia uma visão

corrente negativa com relação à América do Sul, um pobre continente, repleto de

insalubridade e doenças tropicais, não se constituindo um campo atraente para os missionários

(PIEDRA, 2008). Outro ângulo pode apresentar o seguinte argumento: Por que aqueles

religiosos americanos decidiram lançar a sorte de seu tímido projeto de evangelização entre

as colônias alemãs que habitam o sul do Brasil e não diretamente entre os nativos brasileiros?

!52

O preconceito acerca deles era maior que o desejo de evangelizá-los? Estavam impregnados

pela ideia reinante de que esses nativos sequer possuíam alma? As buscas na literatura

disponível ofereceram poucas respostas, mas não foram encontradas pistas suficientes que

pudessem oferecer um argumento adequado a essa questão. Entende-se que o assunto mereça

um estudo mais aprofundado.

Nas primeiras décadas do século 20, os adventistas de Santa Catarina avançavam em

seus projetos de evangelização e se consolidavam para além dos colonos alemães, entretanto,

não há indícios de algum esforço realizado entre os negros que habitavam o estado. Mesmo

assim, por volta de 1923, por caminhos não oficialmente traçados, o adventismo chegou à

comunidade negra do Sertão do Valongo. A história, envolvendo um vendedor de livros

religiosos que ensinou a crença aos seus antepassados, é contada e recontada entre os atuais

moradores, que fazem questão de relembrar a importância do fato histórico. Esse homem

apareceu no Valongo por contratempos na jornada e pediu hospedagem na casa do pai de um

jovem chamado Mario Caetano. Tendo sido negada a hospedagem ao desconhecido, Mario,

que era recém casado, abrigou o visitante até o dia seguinte e dele adquiriu o livro Nossa

Época à Luz das Profecias, que passou a estudar, enquanto não estava nas lidas da lavoura de

cana-de-açúcar, à qual se dedicava. Com entusiasmo, ele falava das descobertas religiosas que

estava fazendo e, à medida que o tempo passava, outros parentes se interessaram pelos

assuntos e no dia 5 de janeiro de 1932, Mario foi batizado, tornando-se oficialmente

adventista do sétimo dia. Durante aproximadamente trinta anos, as atividades religiosas

aconteciam em sua própria casa, até 1962, quando foi inaugurado um templo de madeira, que

ocupa até hoje o lugar central no território do Sertão. A localização central do Templo é vista

também como sendo simbólica da força que a religiosidade exerce no lugar (TEIXEIRA,

1990).

Esta presente pesquisa realizou uma busca nos documentos oficiais da Igreja

Adventista em Santa Catarina com a finalidade de rastrear os acontecimentos que envolviam a

denominação enquanto o povo valonguense seguia seu rumo religioso. Era preciso saber se

haveriam registros históricos dos documentos oficiais da Igreja na época. Foi recortado um

período entre os anos de 1925 a 1941, época inferida pela pesquisa como sendo relevante para

buscas acerca da conversão desse grupo, bem como o cenário que envolvia o adventismo na

região. Nesse período analisado os estados de Santa Catarina e Paraná formavam uma única

!53

entidade na hierarquia da Igreja, chamada de Missão Paraná Santa e Catarina da Igreja

Adventista do 7º Dia, com sede na cidade de Curitiba. Como prática administrativa,

mensalmente, uma comissão diretiva se reunia e todas as decisões tomadas por ela eram

registradas em votos que eram criteriosamente numerados.

O pesquisador teve acesso aos escritórios da Igreja em Florianópolis, onde foram

encontrados os antigos registros documentais que retratam os movimentos da crença no

Estado. Devidamente catalogados e digitalizados para a posteridade, os históricos documentos

puderam ser avaliados.

Através de levantamentos já existentes em estudos da história adventista, sabia-se que

o projeto inicial de evangelização da Igreja para o Brasil se deu prioritariamente entre os

alemães que habitavam as colônias do Estado de Santa Catarina nas últimas décadas do século

19. Era importante para a pesquisa averiguar se, nas décadas de 1920 e 1930, período da

inserção dos valonguenses ao adventismo, ainda havia indícios de que os colonos alemães

eram alvo dos projetos das investidas da Igreja.

Também era relevante saber se poderiam ser encontradas referências nesses

documentos administrativos da Igreja a esses crentes do Sertão do Valongo. Ambos os fatos

puderam ser atestados por meio do acesso que o pesquisador teve às atas que registraram o

período.

!54

Figura 3 - Registros dos votos administrativos adventistas entre 1925 e 1941 preservado nos escritórios da Igreja

Fonte: Acervo do pesquisador

As verificações realizadas nos documentos preservados levantam três aspectos tidos

como importantes para essa pesquisa:

Primeiramente, percebe-se que vários livros de registros de atas das reuniões

apresentam duas versões dos votos tomados: uma em português e outra em alemão (Figura 4),

o que demonstra que ainda nesse período havia uma necessidade real para que esse cuidado

fosse tomado. (Atas da Comissão Diretiva 1925 - 1935).

!

!55

Figura 4 - Índice das Atas da Comissão Diretiva Adventista com versão em alemão

Fonte: Atas da Comissão Diretiva da Assoc. Catarinense da IASD. 1925-1935

Em segundo lugar foi observada uma variedade de votos administrativos tomados para

que fossem efetuadas compras de livros e folhetos diversos em língua alemã (Figura 5). Esses

materiais eram adquiridos para atender às necessidades da comunidade religiosa, bem como

para fazer frente a novos projetos de evangelização. O voto número 468, de 11 de junho de

1932, apresenta um pedido de folhetos feito à editora da Igreja, tanto em português quanto em

alemão.

!56

Figura 5 - Pedido de folhetos em alemão em 1932

Fonte: Atas da Comissão Diretiva da Assoc. Catarinense da IASD. 1925-1935

Em 23 de setembro de 1935 é tomado o voto 1037 (Figura 6) para a aquisição de 300

exemplares da obra “Hausartz und Fuehrer zur Gesundheit” (Médico da casa e guia da saúde).

O voto número 1661, datado de uma Convenção que se realizou entre os dias 18 a 20 de

setembro de 1937, reza: “VOTADO fazer o pedido de 400 exemplares do livro “In der

Entscheidungstunde” (Na hora da decisão). Esses livros eram utilizados para os projetos de

evangelização entre os alemães que moravam nas colônias da região (ATAS DA COMISSÃO

DIRETIVA 1925 - 1935).

!57

Figura 6 - Pedido de livros em alemão em 1935

Fonte: Atas da Comissão Diretiva da Assoc. Catarinense da IASD. 1925-1935

Em 23 de junho de 1938 nota-se que surge um problema legal que motiva o voto

número 1834, mostrado na Figura 7: “VOTADO: suspender a publicação do TRANSMISSOR

em alemão, devido às exigências do decreto lei, quanto às publicações em língua estrangeira

[…]” (Atas da Comissão Diretiva da Assoc. Catarinense da IASD. 1936-1939). Esse era o

período em que o governo de Getúlio Vargas impunha compusoriamente um forte tom

nacionalista, o que gerou diversas consequências para as populações de imigrantes no Brasil

(KREUTZ, 2010). A observação desse conjunto de decisões administrativas apontam para

uma realidade existente entre os adventistas catarinenses naquele período, a de que havia um

forte contigente de alemães entre os conversos da Igreja. Ressalta-se novamente o fato de a

conversão desse grupo de negros ter acontecido exatamente nessa época.

!58

Figura 7 - Suspensão de publicação alemã em 1938

Fonte: Atas da Comissão Diretiva da Assoc. Catarinense da IASD. 1936-1939

Em todos os votos analisados pela pesquisa percebe-se que grande parte dos líderes da

Igreja naquele período tinham sobrenomes alemães, como: Schwantes, Schmidt, Gerling,

Stockler, Kattwinkel, Deucher, Ritter, Morsch, Genski, entre outros. (ATAS DA COMISSÃO

DIRETIVA DA ASSOC. CATARINENSE DA IASD 1925-1935; 1936-1938; 1939-1941).

Eram esses que conduziam os negócios adventistas, alemães que lideravam outros alemães e,

aos poucos, nativos brasileiros e, entre eles, os negros do Sertão do Valongo.

Além desse levantamento, a busca pelas atas administrativas revelou também o

registro, datado dos dias 8 a 11 de agosto de 1938, do batismo de 6 pessoas no Sertão de Santa

Luzia, como era chamado o Valongo na época (ATAS DA COMISSÃO DIRETIVA DA

ASSOC. CATARINENSE DA IASD, 1936-1938, voto 1898) e ainda outro registro de

batismo feito em 27 de julho de 1940 (ATAS DA COMISSÃO DIRETIVA DA ASSOC.

CATARINENSE DA IASD,1939-1941, voto 169).

Digno de nota também é o voto 3487 (Figura 8), registrado em 22 de novembro de

1939, que nomeia o negro quilombola Marinho Caetano como Delegado da Assembléia

Bienal na Igreja na região (ATAS DA COMISSÃO DIRETIVA DA ASSOC. CATARINENSE

DA IASD, 1939-1941). No sistema de governo adventista, os líderes de uma Missão (Paraná e

Santa Catarina) são eleitos para dirigir seus negócios por um período determinado, no caso,

dois anos. Sendo um governo representativo, próximo ao final do período designado para a

liderança daquela administração, é convocada uma Assembléia Bienal, onde se reúnem

!

!59

líderes, que foram selecionados entre os membros das Igrejas da região. Estes Delegados,

reunidos na Assembléia, têm a prerrogativa de escolher os novos líderes da Organização para

o próximo período. Pelas práticas adventistas, apenas pessoas de reconhecida liderança são

apontadas como representantes para essas reuniões. Torna-se, então, deveras notável, o fato de

um líder negro rural, Marinho Caetano, ser nomeado para um evento de tal importância, a fim

de dar sua contribuição nas decisões referentes ao destino da obra adventista em um território

que envolvia dois estados da Federação.

Figura 8 - Eleição de líder valonguense para Assembléia da Igreja em 1939

Fonte: Atas da Comissão Diretiva da Assoc. Catarinense da IASD. 1939-1941

!60

Tal importante nomeação acontece novamente em 11 de dezembro de 1941 (Figura 9),

através do voto número 659 (idem). Na descrição de Borges (2000, p. 151): “Por vários anos,

Mário representou sua região em reuniões administrativas da Igreja”. Essas nomeações

apontam para a importância que esse líder religioso local foi adquirindo além das fronteiras

estreitas do Sertão. Em uma época marcada no cenário brasileiro como sendo de grande

desvalorização do negro, fato denunciado amplamente na sociologia de Florestan Fernandes,

é interessante notar ações práticas no cenário adventista, no sentido de confirmar o valor e o

papel do negro na sociedade.

Figura 9 - Eleição de líder valonguense para Assembléia da Igreja em 1941

Fonte: Atas da Comissão Diretiva da Assoc. Catarinense da IASD. 1939-1941

Vê-se pelo olhar de alguns pesquisadores que, para o povo valonguense, a mudança

que lhe traçou um novo rumo religioso, é o principal divisor de águas para sua pequena

sociedade (TEIXEIRA, 1990). A partir das observações realizadas por diferentes estudiosos

que entraram em contato com eles, têm-se a clara noção de que a religião é mesmo o fator

central para a existência dessas pessoas, podendo-se dizer que é ela que dá sentido à vida

!

!61

dentro da comunidade. Segundo Costa (2009, p. 50): “se não existe religião sem sociedade,

tampouco existe sociedade sem religião”. Naquelas terras quilombolas vive uma pequena

sociedade com grande estoque de religião. A percepção extraída do trabalho de Teixeira

(1990, p. 11) é importante: “Me pareceu que o seu modelo de vida, a sua visão de mundo está

profundamente ligada a estas duas condições: preto e adventista”. Dizer que existe ali uma

determinada visão de mundo que forma um amálgama tão profunda a ponto de juntar as

questões de raça (preto) e de religião (adventista) fornece ao pesquisador elementos

inquestionavelmente valorosos para se buscar um entendimento maior acerca do fenômeno

religioso do lugar.

Se é verdade o que disse Eliade (1992, p. 26) de que é a “[…] experiência religiosa

primária, que precede toda a reflexão sobre o mundo” e também que “[…] a manifestação do

sagrado funda ontologicamente o mundo” (idem), o Sertão do Valongo é um lugar onde essa

experiência pode ser observada e discutida, mesmo nessa segunda década do milênio, tempo

em que o declínio do fervor religioso é visto como característica do ser humano. De certa

forma, o que Eliade denominou como sendo uma “inextinguível sede ontológica” (ibidem, p.

60), ao descrever o sentimento de busca da religiosidade por parte do homem, parece

continuar sendo elemento primordial para inúmeras culturas em todas as partes do mundo.

Ora, na visão de Croatto (2001 p. 45-47, apud OLIVEIRA, 2007, p. 2) é através do elemento

religioso que a espécie humana aprendeu a:

[…] imaginar, em todos os tempos, maneiras de superar suas limitações recorrendo ao sagrado […] Na experiência religiosa […] o caos deve ser vencido pelo ato cosmogônico, que não é simples criação do mundo, mas especialmente, sua organização, que faz do mundo um espaço inteligível e funcional.

Percebe-se aqui uma complementação importante entre a percepção segundo a qual a

religião se apresenta como fator limitante de horizontes e esta descrita por Croatto, onde ele

apresenta que é exatamente a vivência na religião que pode levar o indivíduo a alargar seu

mundo, tornando-o melhor.

Durante muito tempo, especialmente sob os auspícios do Iluminismo, acreditou-se que

todo vestígio religioso seria apagado do espírito humano. O pensamento de Engells

(ENGELLS, 1976, p. 431, apud COSTA, 2009, p. 21) pode traduzir essa aspiração:

!62

[…] quando a sociedade, pela apropriação e utilização dos meios de produção, se tiver libertado e libertado todos os seus membros da servidão […]; quando o homem, não só puder, mas dispuser, só nesse momento desaparecerá a última força estranha que ainda se reflete na religião. Desta forma extinguir-se-á o reflexo religioso, pela boa razão de que já nada haverá para refletir.

O que se verifica, entretanto, é que o “reflexo religioso”, ao contrário da previsão de

Engells, jamais foi completamente extinto do gênero humano e, provavelmente, nunca o será.

A fé que se observa demostrada entre o povo valonguense é simbólica, no sentido de ser ali

um microcosmo onde o fenômeno pode ser estudado enquanto parte de um cenário

infinitamente maior, pois ao mesmo tempo em que se enxerga a quase extinção da religião em

um lugar, vê-se, como contraponto, o crescimento do fenômeno em outro.

À vista disso, pergunta-se: estaria de fato o sentimento pelo sagrado intrinsicamente

entranhado na estrutura do homem? Na compreensão de Bello, (1998) em seus estudos acerca

da religião, é muito difícil entender a estrutura da sociedade sem que se compreenda a

importância da religião na cultura e sua capacidade de envolver “[…] o ser humano na sua

íntima constituição: a estrutura sacral e religiosa” (BELLO, 1998, p. 146, apud OLIVEIRA,

2007, p. 2). Observada assim, a questão se apresenta deveras ampla, pois a sua compreensão

estaria intimamente ligada à própria compreensão do tecido que compõe a sociedade.

É, pois, sob essa égide da importância da religião, a partir da sua verificação na

comunidade do Valongo, que essa pesquisa levanta questões que remetem à importância do

fato religioso para a sociedade que habita o século 21. No dizer de Costa (2009, p. 11): “Por

isso se diz que a religião, desde que se vá, volta sempre”. Percebe-se que o interesse pelo

tema está de volta à Academia ou talvez nunca tenha se ausentado dela. Sendo assim, a breve

averiguação contida neste trabalho pode conter alguns elementos que proporcionem outras

compreensões a respeito deste inesgotável assunto.

2.3 A IMPORTÂNCIA DA FÉ PARA O POVO VALONGUENSE

Como levantou-se anteriormente, a religiosidade perpassa toda a estrutura de vida da

cultura valonguense. A mudança do rumo religioso ocorrida na década de 1930 não arrefeceu

à medida que anos e décadas se passaram; pelo contrário, se fortaleceu. Teixeira (1990, p. 81)

observou que:

!63

[…] este grupo rural encontrou na religião um sentido de união que estimulou formas de solidariedade e possibilitou a positivação de sua identidade enquanto grupo, pois se antes eram os ‘pretos do sertão’, hoje os valonguenses são conhecidos como ‘os adventistas’.

Esta percepção pode oferecer pistas acerca da maneira como o adventismo influenciou

a cultura do quilombo, pois parece que emprestou a esses párias da sociedade um sentimento

de estima e pertença que lhes serviu de auxílio para a existência sofrida. Cerca de quinze anos

depois da apresentação da pesquisa de Teixeira, a observação de Castells (2006, p. 433,434)

reforça a mesma questão e a amplia:

[…] a doutrina e os ritos religiosos impregnam a rotina comunitária no território do sertão e extrapolam suas fronteiras reforçando externamente laços sociais com outros integrantes da igreja. Nessas redes externas de sociabilidade propiciadas pela vida religiosa, os outros dois atributos característicos - etnia e regras de parentesco - se diluem em relação à identidade grupal, prevalecendo a identidade religiosa para os valonguenses.

Importante notar a menção às redes externas de sociabilização que a vivência

adventista trouxe aos quilombolas. Apesar de serem negros inseridos numa Igreja de brancos

ao redor, não se encontram indícios na literatura que tenham sofrido preconceitos por parte da

irmandade, como aquele verificado entre a vizinhança do Sertão. De que formas se processou

essa coexistência aparentemente pacífica e acolhedora até, se constitui em objeto de futuros

estudos.

Em outro artigo que escreveu sobre o povo do Valongo, a pesquisadora Alícia Castells

(2007, p. 71) frisou que: “A religião que professam - passaporte de sociabilidade com o

mundo exterior e, foco de trocas e encontros na vida do Sertão - tem sido motivo de grande

curiosidade dos estudiosos, inclusive de nossa própria equipe”. O termo que ela emprega para

demonstrar a significância da religião dentro daquela cultura - passaporte de sociabilidade - é

digno de nota, visto que muitas vezes a religião é encarada como fator de alienação. Aqui ela

é apresentada como documento para inserção em outros ambientes culturais. Importante

também o reforço da questão já abordada nesta pesquisa, de que a religião praticada naquele

território, assegura ela, desperta uma “grande curiosidade”. Essa é uma ênfase que merece

atenção.

Ressalta-se que, no mesmo período em que um forte despertamento religioso

acontecia naquele território interiorano, longe dali, em Viena, na Áustria, Sigmund Freud

escrevia uma obra provocativa intitulada O Futuro de Uma Ilusão, onde teceu algumas de

!64

suas principais críticas à religião e pretendeu desmontar a muralha teórica que justifica a

maior parte das ideias, doutrinas e formas de prática religiosa. Freud viu na religião algo

destituído de qualquer futuro e a encarava como fruto da neurose que todo homem atravessa

enquanto amadurece. Lançando mão de uma linguagem bastante didática para explicar o seu

pensamento, Freud (2010, p. 21) diz:

Lembro-me de um de meus filhos que se distinguia, em idade precoce, por uma positividade particularmente acentuada. Quando estava sendo contada às crianças uma história de fadas e todas a escutavam com embevecida atenção, ele se levantava e perguntava: ‘Essa história é verdadeira?’ Quando se respondia que não, afastava-se com um olhar de desdém. Podemos esperar que dentro em breve as pessoas se comportem da mesma maneira para com os contos de fadas da religião.

Como se pode observar a previsão freudiana não pôde consolidar-se plenamente, mas

é verdade, entretanto, que ela é expressão cristalina da realidade vivida em muitos segmentos

das culturas modernas, onde quaisquer vestígios de espiritualidade podem ter, de fato, se

extinguido. Ora, a existência de indivíduos ou povos que se apegam à religião e daqueles que

a desprezam por completo, é fato sobejamente comprovado na história da humanidade.

Afirmar que algum dia um desses grupos simplesmente deixe de existir pode se configurar

numa predição com poucas chances de cumprimento real.

Três questões se apresentam, desde já, a partir da história da conversão dos

valonguenses ao adventismo e a intensidade com que essa fé é praticada. Entende-se que tais

temas necessitam de uma pesquisa específica que vão além dos objetivos desse trabalho. A

primeira delas diz respeito a como uma comunidade constituída de negros, descendentes de

antigos escravos, se introduz em uma Igreja, cujo projeto de evangelização esteve

intimamente ligado aos povos alemães da região, que são, em sua maioria, os membros e

líderes da Igreja onde esses negros se encaixam. Alcântra e Oliveira (2008, p. 45) afirmam

que: “De modo geral, a liturgia, a música e a educação das igrejas ditas evangélicas no Brasil

são brancas, e o negro, para ter acesso a elas, tem que sofrer um processo de branqueamento”.

Percebe-se, a partir das fotos históricas do Valongo que, de alguma forma, foram também

afetados por esse processo.

A segunda averiguação investiga os tipos de impactos que essa conversão quase

integral de uma população negra pode ter causado nas comunidades alemãs rurais que

habitavam a região naquele mesmo período. Analisando a convivência entre negros e

!65

europeus no Rio Grande do Sul, Weiduschadt, Souza e Beiersdorf (2013, p. 260) narram

histórias de negros que aprenderam a falar o pomerano e de muitos que se converteram ao

luteranismo. Ao abordarem essa integração, dizem: “É possível afirmar que o espaço religioso

possibilitou trocas entre as etnias: pomerana e africana. As aproximações ocorreram nas

relações das pessoas, na busca da afirmação pela cultura da música e dos símbolos”. No caso

do Valongo, ainda não puderam ser encontradas pesquisas que se dedicaram à questão de

como foram recebidos pelos adventistas de origem germânica.

Um terceiro questionamento que carece de investigação: considerando que os antigos

moradores do Sertão do Valongo se estabeleceram naquele lugar em busca de certa

invisibilidade em relação às populações brancas, símbolos daqueles que os oprimiram com a

escravidão, por que razões buscam exatamente uma comunidade religiosa cuja predominância

é de gente branca? Entendendo-se como relevantes esses questionamentos, espera-se que

novas pesquisas os esquadrinhem, especialmente através da metodologia de história oral,

onde os valonguenses poderiam, através de suas narrativas, revelar importantes aspectos ainda

desconhecidos da riqueza de informações que devem possuir. Como lembra Portelli (1997, p.

31): “Fontes orais contam não apenas o que o povo fez, mas o que queria fazer, o que

acreditava estar fazendo e o que agora pensa que faz”.

Sendo que os antigos quilombos em sua origem foram lugares propícios para a

invisibilidade de escravos fugitivos e mais tarde recém libertos, que almejavam um

distanciamento da população branca, o Sertão do Valongo, por suas características de terras

insalubres e indesejadas, fez-se um espaço ideal para os primeiros habitantes do lugar.

Entretanto, percebe-se indícios de que o envolvimento dos conversos valonguenses com a

irmandade adventista quebrou, de certa forma, essa pretensão de invisibilidade e fez com que

o território que já foi denominado como Sertão da Miséria se convertesse, à medida que anos

e décadas transcorreram, numa região onde a fé uma vez abraçada continuasse sendo a

motivação central de seus moradores. A mudança de orientação religiosa no seio daquela

gente simples é tida como tendo sido radical e foi geradora de “sensíveis transformações na

vida do grupo” (TEIXEIRA, 1990, p. 47). Mesmo seis décadas depois, já sob a influência das

novas gerações de quilombolas, Teixeira (1990, p. 72) relata que, para aquele povo simples, a

fé é algo que “salta aos olhos, já no primeiro contato, tanto visualmente quanto no discurso, a

!66

influência desta religião”. A expressão “salta aos olhos” é mais uma possível constatação de

que existe naquele espaço uma espécie de religiosidade que merece atenção e estudos.

A força da religião encontrada no Valongo pode ser percebida também em estudos

acerca de diferentes grupos da sociedade. Guimarães e Reis (2008, p. 173) observaram que:

A realidade vivenciada pelos valonguenses coincide, assim, com o pressuposto de Helman (2003) de que as pessoas que sofrem de algum tipo de desconforto emocional ou físico, contam, na maioria das sociedades, com sistemas de ajuda, obtidas por conta própria, ou por meio de outras pessoas que podem ser desde um amigo, vizinho ou parente, até um sacerdote, um curandeiro, ou um serviço médico sofisticado e tecnologicamente muito bem aparelhado.

Ou seja, o que é verificado na dimensão da fé nas cercanias do Valongo, pode ser visto

também em outros espaços da sociedade.

A Igreja adquire tanta importância para aquela gente que até hoje, todas as 28 casas

onde seus moradores habitam são construções simples, de madeira (Figura 10). Elas foram

apresentadas por Albuquerque (2008, p. 237) como sendo: “[…] do tipo ‘popular’, uma forma

arquitetônica que é produto de um longo processo de adaptação ambiental e cultural (op. cit.).

Foram construídas por carpinteiros e construtores das localidades vizinhas”.

Figura 10 - Umas das 28 casas onde moram os quilombolas valonguenses. Construção de madeira

Fonte: Acervo do pesquisador

!

!67

Durante muitos anos não havia templo no Valongo e as reuniões religiosas aconteciam

na casa do líder do grupo, Marinho Caetano. No dia 23 de novembro de 1962 foi inaugurada

uma capela de madeira (Figura 11), que ainda permanece até hoje no local (BORGES, 2000).

Figura 11- Primeira Igreja do Valongo, construída em 1962

Fonte: Acervo do pesquisador

E então, segundo Borges (2000, p. 151): “O templo atual, de alvenaria, foi inaugurado

em 12 de novembro de 1994”. Essa construção em alvenaria permanece sendo diferente de

todas as 28 residências de madeira que abrigam os seus moradores. Albuquerque (2008, p.

251, 252, 256) apresenta, em seu estudo acerca da estética no Valongo, uma descrição do

Templo:

Esta construção é o único prédio público no núcleo da comunidade do Valongo […]. O templo atual é da década de 1990 e é de grande estima para os locais […]. Sua fachada apresentava uma formada por um quadrilátero superposto por um triângulo que esconde e segue as duas águas do telhado […]. Junto à fachada há uma pequena estrutura independente, um átrio coberto mais estreito e baixo simetricamente disposto aos eixos da fachada […]. Esta varanda faz as vezes de local intermediário entre o espaço sagrado e o mundo, escondendo a porta principal do templo […]. O interior da Igreja

!

!68

é amplo para abrigar os adventistas locais nos diversos cultos semanais e os fiéis neles vêm participar com vestuário esmerado e sempre discreto.

Naquele espaço de fé (Figura 12), a irmandade realiza seus cultos, canta suas músicas

e reverencia o seu Deus, fazendo daquele lugar o espaço principal para a vida em comunidade

e o consequente fortalecimento da fé que seus antepassados abraçaram e que as gerações

atuais vêm mantendo, como apontam os levantamentos mais recentes realizados no Sertão.

Figura 12 - Igreja Adventista do Valongo, que se ergue no centro do território Construção de alvenaria

Fonte: Acervo do pesquisador

A crença adventista que passou a ser desenvolvida naquela comunidade desperta a

atenção exatamente pela forma e pela convicção com que é praticada. Essa pesquisa procurou

buscar referências à fé desse povo nos registros oficiais mais amplos da Igreja. Realizou-se,

então, uma extensa busca na Revista Adventista, que é o órgão oficial da denominação no

Brasil, cujas edições mensais estão preservadas e digitalizadas desde 1906, quando começou a

sua publicação, contando também com ferramentas de busca. Sendo que a cultura existente no

!

!69

Valongo despertou pesquisas acadêmicas, haveria alguma menção a ela nos registros

históricos da Igreja? E havendo, como seriam tais referências? Utilizando os descritores

Sertão de Santa Luzia (nome dado à região onde está a comunidade) e Sertão do Valongo,

(nome específico das terras valonguenses), foram encontrados importantes históricos e

referências acerca do grupo de crentes registrados em diferentes reportagens da Revista. O

período de tempo foi recortado entre os anos de 1938, quando ocorreu a primeira mênção ao

grupo, a 2013, onde se registra uma importante reportagem sobre o Valongo. Serão descritos a

seguir alguns desses registros que são julgados como relevantes para a pesquisa. Resgatadas

dos registros de arquivo digital do periódico, estão anexadas ao trabalho imagens das páginas

originais onde aparecem os textos sobre a comunidade, entendendo-se que são importantes

documentos históricos e que foram muito bem preservados pela instituição.

Na edição do mês de outubro de 1938 (Figura 13) encontram-se as primeiras

informações acerca do Sertão do Valongo, chamado na época Sertão de Santa Luzia:

Com o mesmo irmão, visitei o Santa Luzia, perto do Sertão da Miséria. Lá tive ocasião de constatar a transformação que o evangelho produz na vida dos filhos de Deus. Quando voltávamos para Tijucas, encontramos na estrada um moço que nos interrogou e quis saber qual era a nossa ocupação, para depois prosseguir. Não demorou muito e êsse moço de novo voltou e apressou-se em ir à cidade, adiante de nós. Quando íamos entrando na cidade, numa encruzilhada, ouvimos alguém gritar: ‘Parem, moços’. Quando parámos estavam em nossa frente seus homens de revólver engatilhado. Depois de um interrogatório permitiu-se que fôssemos adiante. (RITTER, 1938, p. 8).

!70

Figura 13 - Primeira menção aos valonguenses da Revista Adventista

Fonte: Revista Adventista, outubro de 1938, p. 8

A narrativa tem como contexto o relato de uma viagem missionária feita por um líder

adventista ao estado de Santa Catarina, Germano Ritter (1938). Ele era alemão! É ele quem

apresenta o grupo pela primeira vez ao mundo adventista. Esse dado tem importância inicial

no sentido da percepção de que um grupo de negros tenha sua espiritualidade mencionada

por esse europeu.

Nota-se que a menção aos crentes do Sertão está inserida com outras notas referentes

às comunidades visitadas. Todos estão no mesmo nível e os valonguenses não aparecem como

um apêndice ao texto, mas integrado a este, como parte da caminhada missionária do

narrador. Dois aspectos do fato noticiado podem ser salientados, por apresentarem um tom

contrastante: na primeira nota, Ritter (1938) menciona a transformação que o evangelho havia

provocado no seio da comunidade de convertidos que visitara. No relato a seguir, ele

apresenta o dissabor do encontro com pessoas que, pelo visto, se opunham a desconhecidos

que andavam na região. Ora, quando se pesquisa na atualidade a religiosidade vivida no

!

!71

Valongo e a importância que a fé tem para aquele povo, torna-se digna de reflexão a

existência de uma notícia narrada há mais de sete décadas e que ressalta exatamente este

mesmo aspecto, ou seja, a maneira como a religião provocou mudanças que não podiam

deixar de serem notadas. Especialmente levando-se em conta a etnia alemã do narrador.

Na mesma edição da Revista, encontrou-se outra notícia relacionada à comunidade

(Figura 14), acerca de pessoas que foram batizadas ali: “Em Florianópolis foram batizadas

cinco pessoas, membros do grupo local e o de S. José; sete no Sertão de Sta. Luzia, as quais

pertenciam ao grupo de Trombudos, Tijucas e local […]” (LIMA, 1938, p. 12).

Figura 14 - Batismos de valonguenses noticiados na Revista Adventista

Fonte: Revista Adventista, outubro de 1938, p. 12

Não há nessa reportagem referência à etnia desses novos irmãos do Valongo, embora

todos eles fossem negros, o que parece indicar que, mesmo numa época marcada por fortes

movimentos discriminatórios, a etnia africana não parecia provocar sentimentos de rejeição

por parte da liderança adventista. Seria essa uma pista para a compreensão da coexistência

!

!72

desses negros no seio de uma Igreja branca, um lugar onde foram aceitos e construíram

raízes?

Apenas um mês depois dessas publicações, encontrou-se nova referência ao Valongo.

Agora a notícia vem acompanhada de uma foto do grupo (Figura 15), o que não era um fato

tão comum para a realidade social de 1938. Um detalhe importante é que a foto abaixo foi

tirada pelo líder adventista Germano Ritter, que, como mencionado acima, era alemão:

Figura 15 - Valonguenses em meio a outros adventistas, em 1938

Fonte: Revista Adventista, novembro de 1938, p. 9

Além do fato do aparecimento de negros do Valongo aparecerem em uma foto

estampada no órgão de comunicação oficial da Igreja para o Brasil, é preciso notar, também,

que estes aparecem ao lado dos irmãos brancos e se preparam para uma mesma cerimônia

batismal, símbolo maior da aceitação dos indivíduos no seio de uma Igreja. Observa-se que

suas roupas são semelhantes àquelas vestidas pelo grupo. Seria esse fato algum indício do

processo de “branqueamento” dessa comunidade de negros ou existem aí elementos que vão

para além dessa observação?

Em 1953, há um relato que pode ser visto como fato de grande importância para esse

rastreamento da religião praticada pela comunidade quilombola (Figura 16). A narrativa é

acerca da participação de valonguenses numa festa promovida pela Igreja:

!

!73

Queremos ainda salientar o entusiasmo de alguns irmãos do Sertão de Santa Luzia, que viajaram de carroça durante a noite tôda de sexta-feira para chegarem às 8 horas da manhã do sábado em Ribanceiras, enfrentando rigoroso frio e longa distância (BECHARA, 1953, p. 11).

Figura 16 - Entusiasmo dos valonguenses ressaltados na Revista Adventista

Fonte: Revista Adventista, novembro, 1953, p. 11

À medida que a sequência de menções aos valonguenses acontece na Revista

Adventista, percebe-se claramente que há uma crescente valorização desse povo no ambiente

religioso. Nas duas primeiras aparições (outubro 1938) na publicação oficial da Igreja

encontram-se comentários acerca deles, o que não deixa de ser um fato notável, visto que o

Brasil já contava com cerca de doze mil adventistas nessa época e naquele pequeno território

ajuntavam-se uns poucos seguidores da crença. Como visto acima, em novembro do mesmo

ano estampa-se na revista uma foto apontando a convivência dos descendentes de escravos

com outros crentes, nativos brasileiros ou imigrantes europeus. São percepções, sem dúvida,

que merecem atenção. Entretanto, a reportagem seguinte, datada de dezembro de 1953, vai

mais longe, ao apresentar uma outra foto de um grupo de irmãos do Valongo (Figura 17).

!74

Figura 17 - Foto de destaque dos valonguenses

Fonte: Revista Adventista, novembro, 1953, p. 11

A publicação desta foto ganha relevância no cenário desse estudo, por duas razões

principais que serão narradas a seguir:

Primeiramente, essa pesquisa apresenta uma possibilidade de reflexão a partir da

fotografia apresentada. Para Collier, (1973 apud Albuquerque, 2008, p. 227): “[…] uma foto é

uma verdade não verbal”. Nessa imagem os valonguenses não são mostrados junto com outras

pessoas, mas aparecem sozinhos, conduzindo um veículo de tração animal, provavelmente de

propriedade deles mesmos, muito comum para o deslocamento das populações rurais naquele

período. Percebe-se na imagem uma certa atitude altaneira por parte do grupo, um

comportamento próprio daqueles que se portam como senhores de uma situação. Nessa

imagem congelada pelo tempo, eles não se parecem com ex-escravos humilhados pelas

circunstâncias, mas como cidadãos pertencentes a uma sociedade. As roupas que vestem

parecem indicar uma completa integração ao ambiente aonde vão, uma festa religiosa,

distante do pequeno território do Sertão.

Em segundo lugar, a nota que remete-se à foto estampada na revista. O comentário de

Bechara (1953) é carregado de simbolismos que podem ser destacados. A característica que o

narrador, importante líder adventista naqueles idos, enxerga neles, é o entusiasmo, um valor

importante para os indivíduos em qualquer lugar onde estejam. A seguir, a relevância

destacada pelo fato de haverem viajado uma noite inteira a fim de se apresentarem na festa

!

!75

para a qual foram convidados a participar. Não estão nela como intrusos e a participação deles

no evento foi percebida e valorizada pelos anfitriões, a tal ponto do fato tornar-se notícia que

viajou pelas páginas da publicação por todo o território brasileiro. Também o final da nota é

digno de atenção, onde são reforçadas as questões de clima desfavorável para a viagem e a

distância longa percorrida pelo grupo. Olhados em conjunto, esses aspectos todos solidificam

a percepção já enxergada de que a religião vivenciada por esse povo não apenas tem lugar

central na vida comunitária, mas também emprestou a esses negros senso de dignidade e

cidadania.

Na edição de janeiro de 1954, a revista destacou (Figura 18) o elogio do líder

religioso ao estilo de vida dos valonguenses:

Existe um grupo de crentes no sertão de Santa Luzia, em Santa Catarina, composto sòmente de irmãos de côr. A maioria é cristã cem por cento, fervorosos e amam a verdade de fato […]. Todos os pastores que por aqui têm passado, dizem a mesma coisa, referindo-se a êsse grupo: ‘nunca deram trabalho ao pastor’. Apesar de todos os membros viverem como vizinhos, nunca se ouviu falar de dificuldades entre êles. E ali, sob a direção do irmão Mário, vive êsse núcleo como um testemunho vibrante do poder do evangelho. Êle, como um velho patriarca, ora aconselhando, logo após exortando, vem conservando o rebanho fiel ao Seu Senhor. (BECHARA, 1954, p. 31).

Figura 18 - Elogio aos valonguenses na Revista Adventista

Fonte: Revista Adventista de Janeiro de 1954, p. 31

!

!76

Essa é a primeira vez que a Revista Adventista aponta o aspecto da etnia do grupo,

mas convém notar que a menção não é carregada de preconceito, visto que os comentários

são, na verdade, elogiosos a eles. O fervor espiritual que demonstravam chamou a atenção,

bem como aspectos do cotidiano religioso, como o de viverem em harmonia na comunidade

e não apresentarem dificuldades ao pastorado da região. O irmão Mário, mencionado na

reportagem, é o mesmo Marinho Caetano que a pesquisa já mencionou. Além de ser o

primeiro adventista do Valongo, tornou-se, ao longo do tempo um líder de destaque não

apenas dentro do território, mas além dele. Sem dúvida, o destaque que Bechara (1954) dá à

religião existente ali encontra eco em outros textos que a pesquisa já levantou.

Existem ao longo das edições da Revista Adventista, diversas outras referências ao povo

do Valongo que não serão arroladas à pesquisa, à exceção de duas, pelo significado que

apresentam. A primeira delas é uma entrevista (Figura 19) com Vanderlei Ricken, jovem

missionário que morou entre os valonguenses durante cinco anos, prestando a eles não apenas

atendimento espiritual, mas também realizando pequenos serviços de consertos em suas casas.

A entrevista ocupa duas páginas inteiras do órgão de comunicação oficial dos adventistas.

Figura 19 - Entrevista com missionário que atuou no Valongo

Fonte: Revista Adventista, março 2003, p. 3 e 4

!77

A última imagem apresentada (Figura 20), mesmo não sendo a referência mais

recente ao quilombo, é uma extensa reportagem de três páginas inteiras, presente na edição

do mês de agosto de 2013. Com o sugestivo título “Comunidade de fé”. O texto assinado

pelo jornalista Wendel Lima (2013, p. 23) conta histórias sobre os moradores, narra as

entrevistas feitas com vários deles, apresenta dados históricos, além de mostrar seis fotos

tiradas no ambiente do Sertão. Ele enxergou que para aquela gente o professar a fé torna “a

religião uma peculiaridade mais forte do que a herança africana”. Ou seja, no passado ou no

presente, os indícios encontrados são de que a prática da religião é a marca característica do

povo valonguense. A entrevista mostrada na reportagem com uma representante do poder

público da cidade de Porto Belo, é também reveladora sobre a questão:

Para a diretora do Departamento de Cultura de Porto Belo, Patrícia Estivallet, a forte influência de uma religião numa comunidade como essa sempre será uma vantagem. Segundo ela, um dos benefícios é a construção de um forte vínculo social. ‘A comunidade tem características bem especiais, é bem tranquila e a união que eles têm com certeza se deve à religião’, assinala (idem, p. 24).

Figura 20 - Longa reportagem na Revista Adventista sobre o povo do Valongo

Fonte: Revista Adventista, agosto 2013, p. 23 a 25

!

!78

De fato, as transformações religiosas ocorridas no seio do Sertão na década de 1930

perduraram ao longo dos anos e provocaram na comunidade, conforme apontam diferentes

estudos, um sentido de unidade e coesão social (GUIMARÃES e REIS, 2008), a despeito de

dificuldades enfrentadas para a manutenção da espiritualidade no cotidiano, tendo em vista

certa hostilidade que ainda existe contra o grupo por parte de alguma parcela da vizinhança

ou de gente nova que para lá se dirige.

Silva (2010, p. 6) observou, em sua pesquisa no local:

E ainda, temos aqueles que ‘acabam de chegar’, um total desrespeito a um povo quilombola que ali se constituiu desde o século XIX, que tem sua religiosidade violada, principalmente no silêncio, atitude importante e significativa para o culto aos sábados e na alegria do coral da Comunidade.

É digna de ser levada em conta uma observação feita por Castells (2006, p. 71), onde

ela aponta que: “no livro de 100 anos da Igreja Adventista do Sétimo Dia em Santa Catarina,

publicado em 2007, a comunidade de Valongo não está incluída”. Qual o sentido deste

comentário para um povo que no passado desejava a invisibilidade em relação aos brancos e,

apegados que são às práticas de sua religião, são invisibilizados em sua historia oficial?

CONSIDERAÇÕES INTERMEDIÁRIAS

Diante dos pontos investigados nesse capítulo, é preciso considerar a relevância da

existência de uma comunidade quilombola adventista no cenário de uma Igreja que conta no

presente com cerca de um milhão e duzentos e cinquenta mil membros no país. Esse fato é

considerado único não apenas para o adventismo, mas também para os estudos da

Antropologia. É uma espécie de ponto fora da curva. É necessário levar-se em conta ainda

que as conversões à igreja na época (década de 1930) aconteciam, em grande medida, junto à

população das comunidades alemãs. Temos, então, negros inseridos numa igreja de brancos

europeus numa época marcada por grande discriminação para com os descendentes de

escravos e marcada igualmente pela ascenção do pensamento nazista. Olhando-se sob certo

prisma, o Sertão do Valongo pode ser visto também como uma espécie de mundo em

miniatura, onde a religião adquiriu tal relevância que merece ser estudada. Foram

!79

apresentados documentos existentes da sede regional da denominação, onde pôde ser

observada a inserção natural desses negros no ambiente da igreja, bem como as referências ao

grupo extraídas da Revista Adventista, órgão oficial do adventismo no Brasil. Evidencia-se

que a religião encontrou um lugar na existência do povo do Sertão e tem sido, ao longo das

décadas, algo que “salta aos olhos” até de pesquisadores (TEIXEIRA, 1990, p. 72). Visto ser

a religião um aspecto central para esses valonguenses, mesmo em pleno século 21, e levando-

se em conta o referencial de liberdade que guiou o grupo no passado, observou-se uma

coexistência aparentemente integrada desses elementos em seu território. Se entre os

ancestrais humanos já se percebiam “traços de práticas religiosas” (JAPIASSU, 2009, p. 107),

o estudo da permanência de um forte sentimento religioso encontrado entre esses quilombolas

é visível demais para ser deixado de lado, pois pode fornecer elementos ricos em significados

para as investigações do fato religioso, em conexão com a liberdade. O capítulo seguinte se

ocupará de questionar se existem indícios de que a identidade dos valonguenses é construída

sob esses elementos apresentados.

!80

3 A LIBERDADE E A RELIGIÃO COMO CONSTRUTORES DA IDENTIDADE

VALONGUENSE

Este capítulo pretende, diante das percepções levantadas até aqui, investigar

determinados recortes dos elementos liberdade e religião que foram apresentados nos

capítulos anteriores, buscando entender, a partir deles, os traços de identidade encontrados no

ambiente do Valongo. Stuart Hall (1999, p. 8) afirma na abertura do seu livro A identidade

cultural na pós-modernidade: “A questão da identidade está sendo extensamente discutida na

teoria social”. Oliveira (2000, p. 7) menciona que o interesse no tema dentro das ciências

sociais tem acontecido com uma “frequência extraordinária”. É na esteira dessa discussão que

a pesquisa se insere. Mas, Oliveira acrescenta que a discussão sobre identidade é por demais

complexa e ainda não tem seus termos completamente definidos. Sendo assim, navega-se nela

por águas de certa forma incertas e que podem ser também traiçoeiras. Quando Hall (1999, p.

11) afirmou que “a identidade é formada na ‘interação’ entre o eu e a sociedade”, então a

pesquisa encontra realmente um lugar. É precisamente nas verificações dessa interação entre o

sujeito do Valongo, a micro sociedade onde ele habita no cotidiano e a macro sociedade que o

rodeia, que serão buscadas as percepções necessárias para se acrescentar algo às reflexões

possíveis sobre o tema.

Os mesmos princípios adotados por Hall (1999, p. 53) acerca das culturas das nações,

onde ele constrói seus argumentos acerca da identidade, podem ser vistos também, como será

o caso nessa pesquisa, nessas micro nações que são as comunidades isoladas, grupos sociais

portadores de uma história e cujas memórias dos seus cidadãos estão repletas de discursos que

constroem todo um sentido de significados para eles. Nesses espaços territoriais, os seres

humanos constroem os elementos principais da identidade. Para ele as estórias de perdas e

ganhos, carregadas de simbolismo, emprestam um sentido de importância ao grupo e também

a “ênfase nas origens”, repleta de emoção quando recontada pelos moradores atuais. Em

terceiro lugar Hall menciona o valor das tradições, que podem ser inventadas e objetivam

imprimir os valores apreendidos nas novas gerações. O “mito fundacional” (idem, p. 54) é

onde habita as origens daquele povo e se localiza num “tempo mítico” (ibidem, p. 55), onde

!81

eventos do passado são ressignificados e se tornam compreensíveis no presente. O último

aspecto é a ideia baseada na originalidade do seu povo, cujas características únicas são

ressaltadas.

A partir dos levantamentos feitos, pode-se dizer que essa cadeia sequencial

mencionada por Stuart Hall encontra, de fato, lugar, não apenas no Valongo, mas nos povos

em geral e essa observação serve de referência para o prosseguimento desse estudo.

Nesta secão são avaliados alguns indícios da influência da liberdade e da religião na

construção da identidade dos moradores do Sertão, especialmente ao longo das últimas nove

décadas, quando o fato religioso do processo de conversão do grupo à fé adventista,

amalgamou-se ao antigo ideário de liberdade experimentado na gênese da comunidade no

final do século 19. Levando-se em conta os dados encontrados na bibliografia disponível que

foram pesquisados acerca deste povo, essa pesquisa infere que ambos os componentes estão

interligados no modo de vida valonguense e são eles que, por fim, constroem a principal

identidade dos indivíduos dessa comunidade quilombola. A dificuldade da tarefa de estudar a

identidade está presente na fala de Oliveira (2000, p. 7), quando ele referiu-se a isso, dizendo

que o tema está “escondido, escamoteado, não só ao olhar do homem da rua mas também - e

muitas vezes - ao olhar sofisticado do antropólogo, do sociólogo ou do cientista político”.

A importância dessa investigação para os saberes acadêmicos pode ser analisada sob

os seguintes argumentos:

1. Ao longo da história e especialmente para o homem moderno, liberdade e religião

se constituem em conceitos geradores de tensão entre si e sua junção não se traduz em

elemento facilmente palatável para a cultura do século 21. Nesse sentido, observar a sua

coexistência em um minúsculo mundo como o do Valongo, pode levantar questões que se

mostrem de fato importantes para os aprendizados do cidadão deste tempo.

2. A partir dos dados levantados pelo estudo, a identidade verificada no povo do Sertão

parece apresentar uma espécie de contra-cultura silenciosa, quando vista sob a ótica do modo

de vida da sociedade que o rodeia. Ora, sendo a liberdade e a religião modeladoras do jeito de

viver valonguense, então vale a pena investigar essa identidade como possível fonte de

saberes culturais para a sociedade em geral.

É dentro dessa moldura que o presente capítulo se apresenta.

!82

3.1 QUESTÕES DA IDENTIDADE DO MOVIMENTO QUILOMBOLA NA ATUALIDADE

Segundo Hall (1999, p. 8), “[…] as identidades modernas estão sendo ‘descentradas’

isto é, deslocadas ou fragmentadas”. É um tempo propício, então, para somar investigações

acerca do tema, especialmente levando-se em conta a especificidade que o sujeito dessa

pesquisa apresenta. Para entender onde se situa o Valongo no presente e poder levantar traços

de sua identidade é necessário que se busque primeiramente analisar um pouco do cenário das

comunidades quilombolas brasileiras nesse período. De acordo com Leite (2000, p. 339): “O

quilombo é trazido novamente ao debate para fazer frente a um tipo de reivindicação que, à

época, alude a uma ‘dívida’ que a nação brasileira teria para com os afro-brasileiros em

consequência da escravidão […]”. Essa “dívida” referida por Leite foi denunciada

amplamente na obra de Florestan Fernandes (2007, p. 51). Para ele não havia para todos “[…]

oportunidades equivalentes de participação nas estruturas nacionais do poder”. Apesar de

tantas décadas de lutas e inegáveis conquistas dos negros, ainda não se vislumbra no

horizonte nacional as “oportunidades equivalentes” imaginadas por Fernandes. Na visão

crítica de Arruti (1977, p. 10), ao comentar a situação das desigualdades: “Marcado e

desvalorizado como aparência, na sua relação com a ‘sociedade brasileira’ o negro é agente de

contaminação, fazendo com que a alteridade sirva, no seu caso, à construção de um juízo de

valor político”.

Calheiros e Stactler (2010) lembram que os quilombos fazem parte da história do

Brasil desde que serviram de refúgios para os escravos fugitivos e que se digladiam nas

últimas décadas pela busca de melhor atuação nas esferas do Estado. Nessa luta muitas

comunidades se extinguiram ou foram profundamente modificadas, perdendo suas

características originais. Assim, apesar de a escravidão haver se tornado uma prática

oficialmente ilegal, outras maneiras opressoras surgiram, o que justifica que os quilombos

continuassem a ser lugares de reação ao sistema opressor.

Sendo que os quilombos eram originalmente frentes de resistência ao escravismo,

conforme visto anteriormente, havia neles a constante necessidade de defesa da área ocupada,

pois a liberdade não lhes era cedida, mas conquistada a um preço quase sempre

excessivamente caro para aqueles que a buscavam. Entretanto, a partir da Abolição e nas

!83

décadas posteriores ao fato histórico, Leite (2000, p. 338) acentua em seus estudos, uma

mudança importante nos rumos traçados pelo movimento quilombola. Segundo ela:

Este caráter defensivo começa a mudar, em parte, com a Abolição, quando mudam-se os nomes e as táticas de expropriação, e a partir de então a situação dos grupos corresponde a outra dinâmica, a da territorialização étnica, como modelo de convivência com os grupos na sociedade nacional. Mas, por outro lado, inicia-se a longa etapa de construção da identidade destes grupos, seja pela formalização da diferenciação étnico-cultural no âmbito local, regional e nacional, seja pela consolidação de um tipo específico de segregação social e residencial dos negros, chegando até os dias atuais.

Percebe-se, então, a existência de um longo processo onde os quilombos não

desapareceram com o final do regime de escravidão, mas passaram a servir-se de novas

configurações que ainda justificam sua existência na atualidade. De antigos esconderijos para

escravos fugitivos eles foram sendo transformados em lugares consolidados como territórios

livres, onde novas formas de identidade se constituíram.

Florestan Fernandes (2007, p. 69) toca no âmago da questão em muitos dos seus

escritos sobre o delicado tema. Ele denuncia:

Os únicos canais eficientes de ascenção social na sociedade brasileira ainda continuam, quase tão fortemente quanto no passado, como privilégios sociais das elites das classes altas e da ‘raça dominante’. O negro e o mulato, como eles diriam, aí ‘não têm vez’, encontrando-se rigidamente bloqueados por privilégios sociais que possuem inevitáveis e profundas implicações raciais.

Questiona-se: diante de tal quadro, que outra alternativa restava para esses negros que

viviam nos quilombos, senão a opção de buscar fortalecer suas pequenas sociedades,

tornando-as espaços viáveis para suas famílias? Se lutaram por um reconhecimento que não

vinha, “preferem isolar-se a ‘rebaixarem-se’’ (idem, p. 72).

Quando são estudados os modos de viver a identidade negra nos quilombos da

atualidade, resgata-se a importância desses “novos atores sociais” (LEITE, 2000, p. 348).

Esse é um termo importante. Os povos quilombolas não são coadjuvantes da sociedade,

marginalizados em papéis irrelevantes, mas atores na construção do país, ocupando cada vez

mais um lugar que lhes foi historicamente negado, desde os ancestrais arrancados à força das

entranhas africanas, passando pelos horrores vividos nas longas eras da escravidão e depois

dessa, nos tempos amargos de busca por um lugar social, após a proclamação oficial da

liberdade aos escravos. Ao ser visto assim, os quilombos são no presente, lugares referenciais,

!84

onde o território habitado pelo negro torna-se lugar de “recuperação da identidade

positiva” (idem, p. 345), verdadeiros espaços de cidadania, ocupado por cidadãos plenos em

seus direitos civis. Entende-se que, quanto mais amplos forem esses direitos, tanto mais

consolidada será a cidadania praticada em seus espaços, onde se possa, enquanto sociedade e

Estado, valorizar devidamente “aqueles que por muito tempo foram esquecidos e

desconsiderados enquanto cidadãos de direitos” (SILVA e SOUZA, 2013, p. 4). Se durante

séculos os negros “foram massacrados e inseridos à margem da sociedade”, os lugares de pura

cidadania onde habitam no presente apresentam-se como territórios completamente inseridos

na paisagem brasileira e seus moradores precisam ser enxergados como cidadãos plenos em

seus direitos, não apenas nas intrincadas leis que regem as políticas públicas, mas pela

sociedade como um todo. Antes eles foram “expulsos para a periferia da ordem social

compet i t iva ou para es t ru tu ras semico lon ia i s e co lon ia i s he rdadas do

passado” (FERNANDES, 2007, p. 87). No presente eles constroem a história de maneira

diferente, mas baseados na mesma luta histórica à qual estão acostumados.

Ao realizar um mapeamento amplo de ações em prol do combate às desigualdades

raciais, Heringer (2001, p. 8) salientou uma percepção segundo a qual:

No Brasil estamos vivendo um importante momento de reconhecimento das desigualdades raciais como um aspecto a ser enfrentado. Ainda com grande dose de desinformação e confusão até, as organizações do Movimento Negro, assim como alguns de outros setores, estão gradativamente percebendo a importância de se reconhecer as desigualdades raciais como um entrave ao desenvolvimento e ao aperfeiçoamento democrático do país.

Ora, se a eliminação desses entraves é ainda um processo não concluído, acontecem,

no seio das comunidades quilombolas do presente, muitas ações no sentido de possibilitar

condições melhores para os remanescentes de antigos escravos que habitam em seus espaços.

Fernandes (2007, p. 72) percebeu que “as melhores perspectivas de ascenção social do

negro e do mulato tem de ser conquistadas a duras penas e a longo prazo”. Apesar de mais de

quatro décadas já se haverem passado desde que o sociólogo escreveu tais palavras (seu livro

é de 1972), elas permanecem sendo elucidativas para a questão.

Schmitt, Turatti e Carvalho (2002, p. 5) entenderam que:

Em tal situação de desigualdade, os grupos minoritários passam a valorar positivamente seus traços culturais diacríticos e suas relações coletivas como forma de ajustar-se às pressões sofridas, e é neste contexto social que constroem sua relação com a terra, tornando-a um território impregnado de

!85

significações relacionadas à resistência cultural. Não é qualquer terra, mas a terra na qual mantiveram alguma autonomia cultural, social e, consequentemente, a autoestima.

Daí, percebe-se o valor da terra para esses grupos minoritários e é certo que a

compreensão de sua luta pelo espaço onde vivem passa pelo entendimento dessa significância

do território, que não pode ser dissociado da construção da identidade desses remanescentes

de escravos.

O quilombo do século 21 pode ser encarado como elemento capaz de aglutinar

diferentes pautas, ainda que contraditórias e, ainda assim, continuar significando uma

expressão moderna de sua pauta original, aquela que diz respeito à conquista da liberdade.

Entretanto, não se pode negar que, como afirmaram Jorge e Brandão (2012, p. 92), a

“invisibilidade social constitui uma marca que, historicamente, vem atingindo essas

populações em todo o país”. O processo de visibilizar essas comunidades ganha adeptos por

todo o Brasil e também espaço na agenda das políticas públicas, pois entende-se que nesses

quilombos há, no dizer de Silva (2010, p 51), “um significativo capital social e despontam

com potencialidades singulares no cenário de disputas que se estabelecem […]” nos espaços

diversos da sociedade. Na compreensão de Arruti (1977, p. 16), ao referir-se aos quilombos,

“[…] trata-se de reconhecer naqueles grupos, até então marginais, um valor cultural

absolutamente novo […]. Velhos grupos são agora revestidos de novos valores culturais. Na

conclusão de um artigo, Ilka Boaventura (2008, p. 975, 976) afirma que:

[…] o quilombo como direito tornou-se uma espécie de potência que atravessa hoje a sociedade e o Estado - embaralhando as identidades fixas e a configuração do parentesco […] instaurando grandes dúvidas sobre a capacidade do Estado de ser o gestor da cidadania e o ordenador do espaço territorial.

A relevância disso não deve deixar de ser pesquisada. A referência da autora à

capacidade da potência quilombola em causar essa espécie de embaralhamento e ser

provocadora de dúvidas que ultrapassam seus pobres territórios pode ser sentida nas

conquistas sociais das últimas décadas, mesmo a fórceps, pelos movimentos negros e também

por aqueles que se alinham na defesa de suas pautas.

As milhares de comunidades quilombolas existentes no território brasileiro no

presente, mesmo aquelas que ainda não conquistaram o reconhecimento oficial como

remanescentes de quilombos, se constituem em organizações sociais que continuam uma luta

sem trégua contra a discriminação de seus cidadãos e se fortalecem enquanto espaços

!86

comunitários viáveis em meio à sociedade onde se inserem. Existe, no seio desses redutos

quilombolas, um capital humano que conta toda uma história de elementos como sofrimento,

resistência e superação. Para Silva (2010, p. 57), isso “[…] não se apresenta de maneira

cênica. Ela deve ser compreendida mais nos bastidores do que na ribalta propriamente dita”.

Sendo que os negros ainda são a maioria dos excluídos no Brasil, os movimentos

quilombolas se tornam no “mote principal para se discutir uma parte da cidadania

negada” (ARRUTI, 1997, p. 10). Talvez a conquista de uma cidadania de plena igualdade

para todas as etnias brasileiras não se configure como realidade num horizonte visível, mas é

fato que cada pequena conquista nessa direção se reveste de instrumento de valor. Os avanços

apresentados no texto do Programa Brasil Quilombola são vistos como tendo muita

importância nessa luta por reconhecimento da população dos quilombos: Deste modo, comunidades remanescentes de quilombo são grupos sociais cuja identidade étnica os distingue do restante da sociedade. É importante explicar que, quando se fala em identidade étnica, trata-se de um processo de auto-identificação bastante dinâmico e não se reduz a elementos materiais ou traços biológicos distintivos, como a cor da pele, por exemplo (PROGRAMA BRASIL QUILOMBOLA, p. 9).

O processo dinâmico a que o texto se refere apresenta-se como um ponto que merece

atenção, porquanto abre espaço para que as questões referentes aos quilombos não sejam

vistas na atualidade de forma estática, ligadas apenas ao passado histórico, mas como

entidades que se movem com uma dinâmica própria, culturalmente estruturada por eles

mesmos e que necessitam ser respeitados na forma como seus processos acontecem. Leite

(2000, p. 343) toca em um ponto que se alia a essa discussão:

Uma questão importante que tem sido colocada é se o quilombo expressa a dimensão política da identidade negra no Brasil ou se ele é uma nova redução brutal da alteridade dos diferentes grupos que sob este prisma teriam que se adequar a um conceito genérico para novos propósitos de intervenção e controle social.

O alerta apontado por Leite ganha relevância, pois ao ser encarado dessa forma não

desejável, os modernos quilombos seriam novamente vítimas de erros históricos cometidos

contra seus ancestrais e essa “intervenção” seria nada menos que escravidão sob novos e

cruéis formatos.

Em resumo a esse tópico, pode ser dito, a partir das reflexões levantadas, que a

identidade quilombola no presente está intimamente ligada à luta histórica por

reconhecimento, respeito e legalização dos seus territórios. Também é possível dizer que, ao

!87

se sentirem cada vez mais atores sociais, esses remanescentes podem, legitimamente, chamar

o Brasil de sua pátria, a despeito de seus antepassados terem sido trazidos para cá pela

crueldade da escravidão. Se é verdade que a luta para eles é contínua, também é verdade que

as condições presentes são mais favoráveis que aquelas encontradas no passado recente. É um

cenário propício o qual Leite (2000, p. 345) chamou de “recuperação da identidade positiva”.

3.2 A IDENTIDADE VALONGUENSE NO SÉCULO 21

Para Bourdieu (1986) é absurdamente impossível tentar compreender a vida como

sendo apenas uma série de acontecimentos que vão se sucedendo, mas é preciso levar-se em

conta toda uma complexa matriz de relações, uma imensa rede estrutural que torna possível a

sua existência e a sua compreensão. Se o desafio de buscar tal aprendizado de uma vida que

seja já se configura como gigantesco, compreender a teia estrutural em um grupo de

indivíduos constitui-se em tarefa virtualmente impossível para os limites estreitos de uma

Dissertação. Entretanto, os levantamentos que se apresentam fazem surgir breves lampejos

que auxiliam o objetivo da pesquisa e, sem dúvida, apontam caminhos para novas

investigações.

O grupo do Valongo chega ao presente (2015) contando com aproximadamente 125

anos de história enquanto quilombo e cerca de 90 anos de vivência na fé adventista, que

entrou pela primeira vez em seu território em meados da década de 1920 e consolidou-se nas

décadas seguintes. Se, por um lado, “[…] a falta de documentos é um obstáculo difícil de ser

superado para informar a origem dos primeiros negros do Sertão do Valongo” (SILVA, 2010,

p. 76), a passagem do tempo parece não ter produzido modificações significativas na cultura

dos atuais valonguenses, caracterizados pela postura de relativo isolamento e desapego às

novidades da sociedade consumista. Estar entre seus moradores é ter impressão de que se está

habitando um tempo remoto, marcado por um compasso lento em quase todos os aspectos,

criando certo paradoxo com a agitação característica da sociedade moderna.

Na presente época, marcada por uma cultura geralmente massificada e também por

uma pretensa globalização que parece tudo empapar em sua teia enorme, vale a pena deter-se

nesses minúsculos mundos, como o dos valonguenses, onde existe uma espécie de sabedoria

!88

ancestral muito pouco codificada, mas repleta de significações que podem facilmente escapar

aos olhos apressados e tecnologizados dos que habitam este século. É exatamente essa espécie

de sabedoria empírica, entranhada no cotidiano dessa gente, que se torna na principal defesa

que possui frente aos desafios enfrentados (BOSI, 1993, apud JORGE e BRANDÃO, 2012).

Na visão de Guimarães e Reis (2008, p. 176) no contato com o quilombo, foi a

religião que “[…] gerou unidade e coesão social. A questão da identidade também foi

redefinida”. Esse dado é importante, bem como a data em que o artigo foi escrito, pois ele

corrobora com a hipótese da pesquisa de que a identidade desse povo é construída

essencialmente pela religião que o grupo pratica, tanto quanto pela liberdade original e oficial

que o gestou, mas sem deixar de considerar a discussão sobre o conceito e prática de

liberdade que a religião pode ou não desencadear. Dezoito anos antes, a pesquisa de Teixeira

(1990, p. 81) apontou aspecto semelhante: Este grupo rural encontrou na religião um sentido de união que estimulou formas de solidariedade e possibilitou a positivação de sua identidade enquanto grupo, pois se antes eram os ‘pretos do sertão’, hoje os valonguenses são conhecidos como ‘os adventistas’.

Se há indícios de que a passagem do tempo não arrefeceu a fé desse povo mas, ao que

tudo indica, lhe deu ainda certa positivação identitária, cabe avaliar quais elementos se juntam

naquele território negro para que tal fenômeno possa ser identificado. Uma das possibilidades

levantadas na pesquisa é que o senso de comunidade se fortaleceu muito no grupo ao longo

dos anos, sendo reforçado pelas práticas religiosas adventistas, que emprestou aos seus

membros uma convivência igualitária com outros indivíduos da mesma fé, independente de

raça, cor ou classe social, como visto no capítulo anterior, facilitando assim, no cidadão

valonguense, a construção de uma identidade positiva.

Na compreensão de Silva (2010, p. 59), “uma comunidade constitui um sistema

altamente especializado de reprodução cultural, de socialização e de integração social”. Já o

Dicionário de Ciências Sociais (1977) define comunidade no sentido de “um conjunto de

indivíduos que partilham símbolos, ritos, mitos e parentesco dentro do mesmo espaço

socialmente ordenado”. Mas não se pode passar por alto, a advertência de Lemos (2009, p.

202) quando afirmou que: “[…] o conceito de comunidade é um dos conceitos mais vagos e

evasivos nas ciências sociais”. Apresentar alguns recortes acerca dos processos que envolvem

uma vida em comunidade no presente tem importância para essa pesquisa, visto ser

!89

impossível olhar para a identidade existente no povo do Valongo sem observar as teias

relacionais que são tecidas no seio de sua comunidade.

Em seus estudos sobre os quilombos, Leite (2000, p. 344) observou que: “De todos os

significados do quilombo, o mais recorrente é o que remete à ideia de nucleamento, de

associação solidária em relação a uma experiência intra e intergrupos”. É provável, entretanto,

que essas descrições não deem conta de todo o fluxo dinâmico e efervescente que formam o

cotidiano verificado nos grupos sociais. Arruti (1977, p. 26) parece ter captado essa noção:

Se o uso mais freqüente da noção de grupo étnico nas ciências sociais esteve ligado ao uso popular da expressão, que remete ao significado grego ‘grupo de pessoas de mesma raça ou nacionalidade que apresentam uma cultura comum e distinta’ (Keyes 1976), tal noção tornou-se incapaz de continuar dando conta das necessidades analíticas dos antropólogos contemporâneos.

Se essa afirmação era verdadeira no final da década de 1970, quase quatro décadas

depois, elas podem ser analisadas com mais exatidão, pois faz-se necessária uma constante

atualização na compreensão dos grupos sociais que compõem a sociedade do século 21.

Olhando dentro desses parâmetros dinâmicos pode-se asseverar que o povo do

Valongo vive a essência do que significa uma comunidade e os pesquisadores que entram em

contato com ele têm constatado que a vivência partilhada da simbologia religiosa cria ali um

ambiente propício à socialização.

A faixa de terra que abriga a comunidade valonguense desde o final do século 19 não

são terras legalizadas pelo poder público, apesar desse povo ser detentor da Certidão de

Reconhecimento emitida pela Fundação Palmares como remanescente de quilombo. Mas,

junto com a fé, é esse território que simboliza o pertencimento dos membros do grupo, onde

se compreendem como um “nós”, um povo, uma comunidade, portadores de uma história

herdada pelos ancestrais, de uma cultura compartilhada e habitantes de uma terra que podem

chamar de sua (COSTA, 2009, apud JORGE e BRANDÃO, 2012). Entretanto, na visão

sociológica de Durkheim, os indivíduos são coagidos para agir de determinada forma por

causa da consciência coletiva reinante onde ele está inserido (WEIDUSCHADT, SOUZA e

BEIERSDORF, 2013). Ao contrário disso, pode ser referido que é exatamente o sentimento

comunitário que tem a capacidade de fazer o indivíduo sentir-se identificado por um grupo

social. Para que essa identificação aconteça o indivíduo é levado a abrir mão de alguns

!90

aspectos de sua liberdade individual. Comentando a posição de Bauman sobre isso, Carolina

Lemos (2009, p. 204) lembra que: […] existe uma tensão entre a utópica e almejada segurança da comunidade e a ideia de liberdade. Isto porque, na medida em que a vivência em comunidade significa a perda da liberdade, acaba gerando-se um dos dilemas mais significativos para a compreensão das dinâmicas sociais da contemporaneidade. Paradoxalmente, almejamos e resistimos à segurança, em prol da liberdade individual.

Em determinado grau esse paradoxo será enfrentado pelos sujeitos que compõem uma

comunidade e a maneira como se lida com esse dilema pode levar ao fortalecimento ou ao

enfraquecimento de um grupo.

Na riqueza da cultura do Valongo encontra-se toda uma tradição alimentar, produção

de medicamentos fitoterápicos, vivência familiar, bem como uma gama de saberes que foram

arrolados pelo IPHAN de Santa Catarina como patrimônio imaterial e geraram um livro de

268 páginas, publicado pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN),

em 2008. Tendo como título: Ecos e Imagens do Patrimônio Imaterial: Inventário Nacional de

Referências Culturais do Sertão do Valongo, a obra apresenta um apanhado de dez artigos,

envolvendo dezenas de pesquisadores do Estado que se debruçaram sobre o patrimônio

imaterial existente no povo do Valongo.

Entende-se que essa obra (Figura 21) apresenta uma relevância no sentido “de que se

supere a invisibilidade e exclusão de que têm sido vítimas muitas das populações tradicionais,

através de sua valorização cultural” (CASTELLS e REIS, 2008, p. 13). A obra apresenta os

resultados das pesquisas desenvolvidas no Valongo entre os anos de 2005 a 2007, com o

objetivo de fazer um levantamento minucioso do patrimônio imaterial ali existente. Para

Castells e Reis (2008, p. 14), ele se constitui num “instrumento de visibilidade da comunidade

que habita o Sertão do Valongo […]”.

!91

Figura 21 - Capa do livro publicado pelo IPHAN sobre o Valongo

Fonte: CASTELLS, Ecos e Imagens do Patrimônio Imaterial: Inventário Nacional de Referências Culturais do Sertão de Valongo. 1a. ed. Florianópolis: Iphan / 11ª Superintendência Regional, 2008.

v. 1. 296 p.

Segundo Arruti (2006, p. 82) comunidades remanescentes dos quilombos, semelhantes

àquela encontrada no Valongo, devem ser reconhecidas como símbolo de uma cultura e de um

modelo de luta histórica, pois são detentoras de uma identidade positiva. É a partir de tal

reconhecimento que se abrem as possibilidades para que ocupem um lugar novo em relação

àqueles que moram na vizinhança, como também diante das forças políticas organizadas, pois

“trata-se de reconhecer, naqueles grupos - até então marginalizados - um valor cultural

absolutamente novo […] até então, desconhecidos deles mesmos”. As iniciativas na forma de

pesquisas acadêmicas e as políticas públicas das últimas décadas têm sido um auxílio na

!

!92

direção do empoderamento desses indivíduos, outrora marginalizados, mas que vão

reconhecendo de forma crescente seu valor cultural e, com isso, construindo eles mesmos

uma identidade própria.

Nos estudos de doutorado de Engemann (2006, p. 130), são encontradas afirmações

que se alinham aos propósitos desta pesquisa, quando ele afirma que:

A mera junção dos cativos não os transforma certamente numa comunidade, a vida comunal se constrói, isto é, produz e reproduz, na medida em que certos saberes e fazeres são compartilhados, aceitos e respeitados pelo conjunto de seus coabitantes. Isso demanda o transcurso do tempo, que vai sedimentando vínculos, consolidando práticas e estipulando rivalidades e dissensões.

Ou seja, há indícios de que a comunidade encontrada no Sertão do Valongo tornou-se,

desde a sua origem, bem mais que o mero ajuntamento de ex-escravos, visto que já se uniram

naquela época conturbada como três famílias. Percebe-se também que foi mais que a

passagem do tempo que solidificou seus laços e fez com que houvesse no lugar algo para

além de um agrupamento populacional, mas um organismo social comunitário viável e de

reconhecido valor para os seus habitantes. Como bem lembra Lemos (2009, p. 205): “A

comunidade existe por meio de um processo de construção simbólica da semelhança entre os

seus membros e da acentuação da diferença relativa a outras comunidades”. Essa afirmação se

encaixa nos moldes do que aconteceu no Valongo.

Quando se avalia, como é a proposta deste estudo, a maneira como a identidade desse

povo se constrói sob a égide da liberdade e da religião, percebe-se que o espírito comunitário

existente no grupo constituiu-se em fator preponderante para que sua realidade fosse tal qual é

no presente.

Se o caráter da identidade é um movimento dinâmico, vivenciado num constante

processo de metamorfose e fazendo uma conexão frequente entre a história individual e o

contexto onde esse indivíduo está inserido (CIAMPA, 1987 apud FARIA E SOUZA, 2011),

então é possível inferir que a dinamicidade imbricada entre a liberdade e a religião formaram,

e continuam formando, uma certa identidade no povo valonguense. Pelos levantamentos

realizados pode-se dizer também que não foram os líderes religiosos adventistas que lhes

forneceram os elementos essenciais dessa identidade única, também não receberam a

identidade através da vivência inicial dos seus antepassados no território do Sertão, que

buscavam a liberdade para suas famílias. Mais que isso, é o conjunto complexo de todos esses

!93

componentes e de outros tantos não verificados, mas existentes, que faz com que os

valonguenses tenham esses caracteres exclusivos.

Nesse sentido concorda-se plenamente com a afirmativa de Dubar (1997) segundo a

qual a “[…] identidade nunca é dada, é sempre construída e a (re)construir” (CIAMPA, 1997,

p. 104, apud FARIA e SOUZA, 2011, p. 37). Tal dinamismo faz com que a vida em

comunidade se torne em constante exercício de adaptações e, como afirmou Lemos (2009, p.

206), referindo-se ao pensamento de Cohen (1985), “[…] os indivíduos constroem,

simbolicamente, uma comunidade, transformando-a num recurso e num repositório de

significados e num referente para a sua identidade […]”. Se é verdade, pelo inferido até aqui,

que a força dos ideias de liberdade e dos sentimentos religiosos são moldadores da identidade

do povo do Valongo, essa coleção de significados que sua cultura constrói, apresenta, sem

dúvida, uma riqueza cultural que merece ser preservada, além de pesquisada.

3.3 PRESERVAÇÃO DE UMA IDENTIDADE

Em seus estudos de Doutorado, quando analisa aspectos da condição humana nesse

tempo de globalização, Carvalho (2008, p. 3) afirma que: “Nesse caos desorganizado os

homens parecem estar perdendo o sentido da vida, da própria identidade”. Sua declaração

encontra eco em muitos outros pesquisadores que estudam essas questões na atualidade.

Muito antes de Carvalho, os apontamentos do Sociólogo alemão Max Weber já fazia críticas

severas à situação encontrada em seus dias, no declínio do século 19 e nos primeiros anos de

século 20. Em 1903, em seu livro: A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, Weber

(2004, p.48) disse:

Atualmente a ordem econômica capitalista é um imenso cosmos em que o indivíduo já nasce dentro e que para ele, ao menos enquanto indivíduo, se dá como um fato, uma crosta que ele não pode alterar e dentro da qual tem que viver. Esse cosmos impõe ao indivíduo, preso nas redes do mercado, as normas da ação econômica.

O que essa pesquisa pretende nesse tópico é apresentar certos lampejos de traços

identitários dos cidadãos valonguenses que, forjados a partir da liberdade e da religião,

apresentam-se como únicos, diferenciados e que, portanto, merecem ser preservados, pois

aparentemente não estão amarrados às lógicas impostas pelo capitalismo reinante, sendo

!94

assim uma identidade social propícia a reflexões. Pelo visto nas referências bibliográficas

pesquisadas, apesar de não haver intencionalidade para tal, o que se apresenta entre os

valonguenses é um certo contraponto silencioso ao modelo vigente, marcado pelo estilo de

vida existente naquele território.

Na percepção de Santos (2012, p. 88): “A identidade de um povo se constrói

basicamente em dois sentidos: primeiro, diferenciando-se do que lhe é exterior, isto é, dos

outros povos ou nações; segundo, definindo o que somos ou que deveríamos ser”. Aqui está

uma pista importante para a pesquisa. O modelo de identidade valonguense, que este estudo

não dá conta de aprofundar-se devidamente, diferencia-se do exterior ao Sertão, e não poderia

ser diferente, visto que determinadas características encontradas ali não se repetem, como é o

caso de uma comunidade quilombola praticante do adventismo. Sendo fenômeno único no

Brasil, construiu-se ali também uma identidade única. Sem dúvida, essa questão é merecedora

de novos estudos.

Uma outra declaração webariana ganha importância nessa discussão. Para o sociólogo:

O ser humano em função do ganho como finalidade da vida, não mais o ganho em função do ser humano como meio destinado a satisfazer suas necessidades materiais. Essa inversão da ordem, por assim dizer, ‘natural’ das coisas[…] é estranha a quem não foi tocado por seu bafo (WEBER, 2004, p. 47).

É uma metáfora interessante, visto que, dificilmente, e mesmo na ambiência do Sertão,

pode-se viver a sociedade sem ser tocado por esse “bafo”. Preservar, portanto, culturas de

povos como o quilombo valonguense e outras inúmeras sociedades espalhadas no território

brasileiro, apresenta-se como uma questão importante, pois essas minúsculas gentes podem

representar verdadeiros movimentos de uma contra-cultura silenciosa frente às lógicas do

capitalismo do século 21. Pesquisá-los é uma tarefa legada à Academia enquanto motivada a

fazer com que suas pesquisas apontem caminhos que possam ser viáveis para a melhor

condição da vida humana.

Enquanto existe uma percepção de desmoronamento de vários elementos geradores da

coesão social, onde valores que eram sólidos foram sendo derretidos por processos nem

sempre compreendidos (BAUMAN, 2001, apud CARVALHO, 2008), a existência de lugares

onde a vida social ainda é compartilhada de maneira diferente daquela experimentada pela

cultura massificada gera interesse, pois entende-se que esses lugares são espaços também

!95

viáveis para o desenvolvimento humano. As observações mais recentes acerca do Valongo

dão conta de que não estão alheios ao mundo que os cerca. As suas casas possuem televisão,

vários moradores portam telefones celulares, os jovens se esforçam para estudar na cidade

próxima e a Prefeitura local mantém uma pequena escola dentro da comunidade. Ou seja, há

sinais de que não estão completamente fechados às novidades do seu tempo, apenas vivem

suas próprias lógicas e parecem adaptar suas práticas elementares àquilo que julgam como

sendo possível de integração ao seu modo de vida simples.

De que forma o cidadão do Valongo lida com sua identidade individual e sua

identidade enquanto grupo não é uma questão para a qual essa pesquisa encontrou alguma

pista e permanece em aberto, visto que há sempre uma tensão entre esses dois aspectos nos

estudos acerca da identidade.

Para Faria e Souza (2011, p. 37):

Identidade se revela como invenção e não descoberta; é um esforço, um objetivo, uma construção. É algo inconcluso, precário, e essa verdade sobre a identidade está cada vez mais nítida, pois os mecanismos que a ocultavam perderam o interesse em fazê-lo, visto que, atualmente, interessa construir identidades individuais, e não coletivas.

Sendo verdade essa afirmação final, torna-se necessário que se investigue com mais

rigor a maneira como nessas comunidades o movimento mostra-se contrário a esse, ou seja, a

identidade coletiva, pelo verificado, confunde-se com aquela individual e em certos

momentos a força da comunidade é superior ao indivíduo. É, de fato, uma questão que carece

de uma investigação específica. É importante observar que: “O habitat da identidade é um

campo de batalha. Ela só se apresenta no tumulto. Não se pode evitar sua ambivalência. Ela é

uma luta contra a dissolução e a fragmentação, uma intenção de devorar e uma recusa a ser

devorada” (FARIA e SOUZA, 2011, p. 37). Como se pode falar em preservação da identidade

para um povo se os teóricos da área se referem a ela como carregada de tensão? Nas palavras

de Boaventura Souza Santos (2001, p. 107, apud Coutinho, Krawulski, Soares, 2007, p. 31),

“cada um de nós é uma rede de sujeitos em que se combinam várias subjetividades […].

Somos um arquipélago de subjetividades que se combinam diferentemente sob múltiplas

circunstâncias pessoais e coletivas”.

Se o tumulto onde se constrói a identidade não pode ser evitado, diversas estratégias

são utilizadas para se desenvolver maneiras de agir dentro do ambiente social onde se habita.

!96

Segundo Levi (1997, p. 175, apud ENGEMANN, 2006, p. 33): “A estratégia, nesse caso, é

coletiva e visa à manutenção das posses ou do bem-estar de seus membros”. Analisando as

realidades vistas no Valongo, entende-se que as estratégias usadas para a sobrevivência do

grupo estiveram mais ligadas ao bem-estar, visto que todos os estudos apontam que aquele

povo tem baixa ligação com as questões pertinentes às posses materiais. Para Hall (1999, p.

29), “à medida em que as sociedades modernas se tornavam mais complexas, elas adquiriram

uma forma mais coletiva e social”. Não se sabe até que ponto a forma coletiva vivida como

estratégia de sobrevivência e manutenção por esse povo tenha gerado nele certo

comportamento, que já foi apontado nos estudos como sendo desinteressado ou pouco ligado

aos interesses de desenvolvimento, visto, por exemplo, nos procedimentos legais de

documentação das suas terras, ainda hoje carregados de pendências e deixados de lado.

Pesquisar na literatura disponível acerca da identidade valonguense se configura como

tarefa difícil de ser realizada, visto que nas fontes existentes o termo identidade quase não é

mencionado especificamente. Entretanto, é possível percebê-la quando se faz uma busca mais

profunda, especialmente nas entrelinhas dos muitos textos produzidos acerca deles. Para que

se busque uma compreensão mais apurada dessa identidade, é preciso que se lance mão do

conceito de tática e para isso os escritos do historiador francês Michel de Certeau servem

perfeitamente ao propósito. Para Certeau (1998, p. 35): “O caminhar de uma análise inscreve

seus passos, regulares ou ziguezagueantes, em cima de um terreno habitado há muito tempo”.

É nesse parâmetro que essa pesquisa se inscreve.

Em seus estudos, Certeau (1998, p. 39) discute as lógicas encontradas nos jogos de

estratégias que os seres vivos praticam, e que na verdade são astúcias milenares que podem

ser observadas em peixes que se disfarçam para escapar dos predadores naturais ou de insetos

que se camuflam para atacar uma pequena presa. No âmbito da atividade humana, ele diz que

“o cotidiano se inventa com mil maneiras de caça não autorizada”. É exatamente essa espécie

de “invenção” que pode ser verificada enquanto tática valonguense de viver sua identidade

peculiar em meio à sociedade onde está inserida a sua comunidade. Se essas maneiras não

forem percebidas, qualquer compreensão que se pretenda desses grupos sociais estará

incompleta.

!97

As observações feitas por Certeau (1999, p. 39) estavam ligadas primeiramente ao uso

“astucioso”, não autorizado, que os consumidores faziam dos produtos disponibilizados pelos

fabricantes e ele o ampliou para o comportamento geral dos indivíduos e povos em diferentes

situações. Ele percebeu que as pessoas encontravam maneiras próprias de utilização dos bens

adquiridos, e eram maneiras geralmente bem distintas daquelas impostas pela ordem do

fabricante. Essas táticas, segundo ele, estão presentes nos movimentos humanos e são elas que

“reorganizaram clandestinamente o funcionamento do poder” (idem, p. 40). Elas são, na

verdade, uma espécie de “trampolinagem […] e esperteza no modo de utilizar ou de driblar os

termos dos contratos sociais” (idem, p. 79). Ou seja, aquilo que o poder público deseja ou

impõe que o valonguense viva, não corresponderá necessariamente àquilo que será vivido

pela comunidade. Mesmo no aspecto religioso, essa lógica poderá ser encontrada também. Ao

longo do tempo, o modo de viver a religião adventista dentro do quilombo pode não ser

exatamente aquele imaginado pelos líderes adventistas para aquele grupo. A identidade

valonguense como povo se fez, então, a partir de táticas criadas por eles mesmos e que dão a

eles um formato específico, como é, de acordo com Certeau, o caso das sociedades em geral.

A própria adesão ao adventismo pode ter se convertido em tática de inclusão no mundo dos

brancos.

Certeau (1999, p. 92) menciona certos esquemas que se operam na literatura, mas a

partir de sua inferência a isso, pode ser dito que semelhante maneira de fazer também pode

ser vista no espaço do Valongo. Segundo ele: “Sem sair do lugar onde tem que viver e que lhe

impõe uma lei, ele ai instaura pluralidade e criatividade. Por uma arte de intermediação ele

tira daí efeitos imprevisíveis”. Ora, cabe questionar aqui as referências encontradas em outras

pesquisas sobre os valonguenses, onde há indícios de certa crítica preconceituosa ao modo de

vida optado pela comunidade. Seriam apenas acomodados por causa da religião que

escolheram, ou fizeram opção para si de um modo de vida que lhes é viável e funcional,

dentro dessa pluralidade característica dos tempos atuais? Gonçalves e Silva (1998, p. 103)

parecem ter entendido o valor da pluralidade revelada no seio de comunidades quilombolas ao

viver suas práticas culturais com liberdade na “[…] maneira peculiar de dançar, louvar os

Orixás, a Alá ou a Cristo, preparar quitutes, festejar, trabalhar, viver e construir o

conhecimento”.

Falando dos indígenas conquistados pelos espanhóis, Certeau (1999, p. 95) diz:

!98

Eles metaforizaram a ordem dominante: faziam-se funcionar em outro registro. Permaneciam outros, no interior do sistema que assimilavam e que os assimilava exteriormente. Modificaram-no sem deixá-lo. Procedimentos de consumo conservavam a sua diferença no próprio espaço organizado pelo ocupante.

Essa descrição mostra novamente aspectos da tática, que é a “arma do fraco” (idem, p.

101). Ela encontra sentido no caso do Sertão, onde a vida funciona sob outro registro, que não

aquele imposto pela ordem social dominante, pelas lógicas capitalistas praticadas na

sociedade. Pode ser dito que os valonguenses fazem, como descrito no pensamento de

Engemann (2006, p. 33), um “uso diferenciado dos elementos econômicos, sociais, políticos e

culturais presentes na realidade na qual se inserem”. Poderia acrescentar-se a esses elementos

também aqueles religiosos que são ali encontrados. Ao desenvolver um próprio uso

diferenciado de tudo aquilo que cerca sua realidade, uma identidade é formada dentro do

território valonguense. Castells (2007, p. 73) lembra, ao falar da identidade negra daquele

povo que “[…] se reafirma, por sua vez, a sua condição de diferentes, mas de iguais no

sentido de participação da identidade nacional”.

Ao desenvolver a discussão até aqui, cabe questionar, a fim de continuá-la. Seriam

realmente, como aponta a pesquisa, a liberdade e a religião fatores essenciais na construção de

uma identidade nos valonguenses? É bem provável que outros estudiosos possam apontar

elementos diferentes desses a partir de novos levantamentos feitos, entretanto, pelo que se

pesquisou na literatura disponível, poder-se-ia dizer que a hipótese apresentada pode ser

testada e apresenta elementos de validação, cujos argumentos acerca da liberdade e da religião

foram apresentados, respectivamente, nos primeiros capítulos do trabalho. Com a costura que

está sendo realizada dentro dos aspectos da identidade, pretende-se apresentar uma

contribuição, ainda que pequena, para a continuidade da discussão no espaço acadêmico,

tendo em vista o entendimento de que, os estudos sobre os quilombolas valonguenses, ainda

estão longe de se esgotarem.

Em seus estudos sobre identidade, Stuart Hall (1999, p. 12) percebeu que:

A identidade […] preenche o espaço ‘interior’ e ‘exterior’ - entre o mundo pessoal e o mundo público. O fato de que projetamos a ‘nós próprios’ nessas identidades culturais, ao mesmo tempo que internalizamos seus significados e valores, tornando-os ‘parte de nós’, contribui para alinhar nossos sentimentos subjetivos com os lugares objetivos que ocupamos no mundo social e cultural.

!99

É exatamente no lugar objetivo do Sertão, onde os valores ligados à liberdade,

deixados como herança pelos fundadores da comunidade, bem como os elementos da religião

vivenciados pelos herdeiros dos fundadores a partir da década de 1930, estão de tal forma

internalizados que se tornaram parte do cidadão do Valongo, que seria impossível separá-los.

Tais processos podem ser comparados ao que Coutinho, Krawulski e Soares (2007, p. 31)

identificaram como sendo “[…] rupturas nas trajetórias identitárias ao longo da vida […]”,

mas afirmam que estas quebras “[…] são resignificadas através de novos processos de

identificação […]” (idem). É a partir dessas verificações que se pode afirmar que a mudança

de rumo religioso ocorrida naquelas terras quilombolas significou uma ruptura positiva no

lugar, com efeitos duradouros sobre seus moradores, internalizada de tal forma, que

preencheu um espaço existente e deu contornos à sua identidade cultural.

Não se pode deixar de mencionar que todo o processo de identidade do indivíduo se

torna cada vez mais, no dizer de Hall (1999, p. 12), “[…] provisório, variável e

problemático”. Os três termos usados pelo pesquisador apontam para as dificuldades

existentes quando se estuda o tema. Sendo provisório, captar um fragmento da identidade do

indivíduo requereria um determinado momento propício, mas ele é variável, então sua

essência escapa ao observador. Por fim, sendo problemático como Hall apresenta, a

identidade está sujeita a revisões constantes e, ainda assim, continua sendo um aspecto não

completamente compreendido. O pesquisador Michael Pollak (1992, p 204) coloca variáveis a

essa discussão que devem ser levadas em conta. Segundo ele:

Ninguém pode construir uma auto-imagem isenta de mudança, de negociação, de transformação em função dos outros. A construção da identidade é um fenômeno que se produz em referência aos outros, em referência aos critérios de aceitabilidade, de admissibilidade, de credibilidade, e que se faz por meio da negociação direta com outros.

Para o interesse da pesquisa, caberia examinar que formas de negociação foram usadas

pelos cidadãos do Valongo com os outros exteriores ao seu mundo. Se eles encontravam

hostilidade na proximidade do território e aceitação longe dali, na ambiência da irmandade da

Igreja que os acolhera, é provável que isso tenha exercido forte influência no sentimento

religioso e também identitário dessas pessoas. Estaria o referencial de aceitação desse povo

ligado mais aos irmãos de fé que a outras pessoas fisicamente mais próximas a eles? É mais

um desafio que esse espaço não dá conta de apresentar alguma resposta.

!100

Outra observação apresentada nas pesquisas de Hall, (1990, p. 13) é que: “[…] dentro

de nós há identidades contraditórias, empurrando em direções diferentes, de tal modo que

nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas”. Toda essa efervescência

identitária provoca crises em diferentes momentos da vida do indivíduo ou de um grupo social

e o valonguense, ainda que não entenda o significado de tais conceitos, vivencia também os

seus efeitos no cotidiano dentro dos limites do Sertão. E também vale dizer que a identidade

de um povo apresenta, via de regra, essas contradições com as quais os indivíduos que são

parte desses grupos sociais se debatem frequentemente. Mais adiante ele mostra que “[…] as

sociedades modernas são, portanto, por definição, sociedades de mudança constante, rápida e

permanente” (idem, p. 14).

Na ambiência do Sertão, longe das discussões acadêmicas sobre temas para eles

complexos e até incompreensíveis, os valonguenses tocam sua existência de forma tida como

simples, provavelmente com pouca diferença do que viveram seus antepassados recentes.

Mesmo que ainda não tenham sido feitos levantamentos in loco acerca de sua identidade

enquanto povo, os dados apresentados aqui apontam pistas que podem ser relevantes para

outras investigações. Há indícios deixados em outras pesquisas de que desejam continuar a

existência no território que herdaram dos primeiros moradores, ou seja, usufruírem da

liberdade que têm, ao modo deles, sem muita interferência do governo em seu destino.

Para o Teólogo José Comblin (1998, p. 7), “a liberdade não é inata, não é expontânea.

É um dom de Deus e uma vocação que se busca com paciência e perseverança durante a vida

toda”. É através dessa liberdade que desfrutam da religião que abraçaram. Observando sua

prática religiosa, que é apontada nesse texto como segundo elemento construtor da identidade

daquele povo, Guimarães e Reis (2008, p. 177) perceberam que:

A igreja propicia formas de sociabilidade. As festas dos valonguenses são principalmente religiosas. Também há viagens para encontros entre grupos religiosos de outras localidades, alternativas para visitar outros lugares, divertir-se e conhecer pessoas.

Esse tipo de convivência observado na comunidade não parece mostrar-se como algo

alienante, senão como um espaço encontrado por esses descendentes de escravos para o

fortalecimento dos seus laços. E de acordo com o filósofo Roger Scruton (apud HALL, 1999,

p. 48):

!101

A condição de homem (sic) exige que o indivíduo, embora exista e aja como um ser autônomo e faça isso somente porque ele pode primeiramente identificar a si mesmo como algo mais amplo - como um membro de uma sociedade, grupo, classe, estado ou nação de algum arranjo ao qual ele pode até não dar um nome, mas que ele reconhece instintivamente como seu lar.

Aparentemente, essa intuição do autor tem validade para uma pequena comunidade,

como a encontrada no Valongo, onde, diante da situação de relativo isolamento, tal

identificação propicia uma coesão grupal para os indivíduos, fornecendo-lhe elementos

necessários ao bem estar.

Pesquisando o quilombo, a Antropóloga Cleidi Albuquerque (2008, p. 219),

apresentou em um artigo sobre a estética encontrada ali, uma percepção bastante pessoal.

Disse ela:

Na comunidade do Valongo não há um discurso nativo para a Estética como existe para a Religião, para o Trabalho ou para o Estudo. Mas quero aqui mostrar que lá existem, tanto em ações cotidianas como excepcionais, uma atitude de cuidado com coisas, situações. Mais ainda, há em relação a muitas dessas coisas e situações, um esmerado cuidado, um consistente e até prazeroso esforço que transcende a ações e atitudes meramente organizativas para a manutenção da própria vida, uma busca estética.

Essa atitude percebida como sendo de esmerado cuidado com as coisas e situações por

parte do cidadão valonguense, seria tão somente um comentário elogioso feito pela

pesquisadora, ou se refere a algo mais entranhado no jeito de ser do povo do Sertão? Mais

adiante ela afirma que “[…] esta postura não quer negar a existência de contradições,

confrontos, frustrações, conflitos, pois tudo isso é inerente a toda dinâmica social” (idem).

Então temos aí um elemento da identidade valonguense, ligado a uma estética simples, porém

carregada de cuidados com relação às coisas.

Observa-se, portanto, que o jeito de viver do povo valonguense se constitui num

minúsculo recorte de uma verificação mais ampla, percebida em outras partes, onde se

apresenta “uma articulação ‘saudável’, entre o modo de vida tradicional, às culturas ‘antigas’

e a industrial moderna” (ibidem, p. 222). Para que uma articulação assim seja feita e se mostre

válida, o pesquisador Lévi-Strauss indica caminhos a serem trilhados. Ele mostrou que:

Desde o renascimento, compreendeu-se que nenhuma civilização pode pensar sobre si própria se não dispuser de uma ou várias outras que lhe sirvam de comparação. Para conhecer e compreender sua própria cultura é necessário aprender a vê-la do ponto de vista do outro, confrontar nossos

!102

costumes e crenças com aquelas de outros tempos e lugares (LÉVI-STRAUSS, 2003, p. 80, apud ALBUQUERQUE, 2008, p. 225).

Nessa mesma direção, Schmitt, Turatti e Carvalho (2002, p. 4) dizem que “[…] esse

sentimento de pertença a um grupo e a uma terra é uma forma de expressão da identidade

étnica e da territorialidade, construídas sempre em relação aos outros grupos com os quais os

quilombolas se confrontam e se relacionam”. As relações dos valonguenses estão muito

ligadas, além daquelas existentes entre eles mesmos dentro do espaço comunitário, com os

seguintes grupos sociais: os vizinhos que habitam nas cercanias do território; os empregadores

de diversos deles na cidade de Tijucas; os visitantes ocasionais que passeiam no Sertão;

pesquisadores que os entrevistam para seus estudos; comunidades adventistas de outras

localidades que interagem com eles nos cultos e os líderes adventistas que prestam assistência

espiritual aos membros da Igreja. Não se verificou na pesquisa o contato deles com outros

povos quilombolas que existem em Santa Catarina nem se identificou também que exista, a

partir deles, contatos mais significativos com a sociedade próxima. Seriam indícios de

resquícios do isolamento original pretendido pelos fundadores? Outra hipótese é que haja um

receio velado por parte do grupo de que a sua cultura não seja vista como exótica pelos outros

que não compreendem o modo próprio que possuem de interpretar o mundo. Ou seja,

preferem que sua identidade fique restrita aos limites territoriais do Sertão? Novos

levantamentos poderão dar conta desta questão.

É provável que os esforços de valorização e preservação do jeito de vida encontrado

nos moradores do Valongo vá além do interesse que eles próprios tenham. Albuquerque

(2008, p. 225) apresenta uma dimensão maior do significado disso: “O valor que representa

uma cultura é bem mais profundo do que a mera preservação de sua identidade para si

mesma”. Nesse sentido cada pesquisa que se realiza trás consigo a importância de resguardar

essa pequena cultura que, tal qual bastião silencioso de valores ancestrais da liberdade e da

religião, construiu uma identidade única, provocadora de reflexões e estudos.

O interesse despertado pelos valonguenses encontra lugar também nos estudos oficiais

da Igreja Adventista. Michelson Borges, jornalista e um dos redatores da Casa Publicadora

Brasileira, maior editora do mundo adventista, é autor da obra - A chegada do adventismo ao

Brasil (Figura 22). Dos quatorze capítulos do livro, um deles tem como título: Valongo - Um

pedaço da África no Brasil, onde Borges (2000, p. 154) retrata importantes relatos acerca da

!103

comunidade quilombola, colocando-a no contexto dos primórdios do adventismo brasileiro.

Ele reforça o fato segundo o qual: “A mudança que se operou no Sertão do Valongo após a

chegada da mensagem adventista foi realmente profunda”. Ser parte importante da história de

uma Igreja que hoje conta no Brasil com mais de hum milhão e duzentos mil membros é

motivo de alegria para aquele povo, como testemunham os pesquisadores que se embrenham

em seu território em busca de informações para seus estudos.

Figura 22 - O Valongo na história do adventismo no Brasil

Fonte: BORGES, Michelson. A chegada do Adventismo ao Brasil. Tatuí. Casa Publicadora Brasileira. 1º ed. 2000. 221 p.

!104

É bem verdade que, como afirmou Sandra Duarte de Souza (2006, p. 22): “O

fenômeno da secularização tem redimensionado o lugar da religião na contemporaneidade,

que vai perdendo seu lugar de matriz significante das relações sociais, para assumir um status

menos nobre […]”. Apesar disso, em lugares como o Valongo, é exatamente a Religião que

continua emprestando à sua pequena sociedade os componentes significantes da vida, gerando

bem cultural, cuja manutenção passa a ser entendida como importante para a sociedade.

Albuquerque (2008, p. 225) percebeu que: “Toda e qualquer forma cultural significativa é um

bem local e, por isso mesmo, um tesouro para toda a humanidade. Ao desaparecerem,

pessoas, grupos, sociedades perdem suas identidades. E a humanidade perde seu Patrimônio”.

Florestan Fernandes (2013, p. 35) disse nas suas observações sociológicas, que “[…] a

sociedade brasileira largou o negro ao seu próprio destino, deitando sobre seus ombros a

responsabilidade de se reeducar e de se transformar para corresponder aos novos padrões e

ideais do ser humano […]”. No caso dos negros do Valongo, empurrados a um território

miserável, diante das circunstâncias postas pós-escravidão, escreveram um destino para eles

mesmos e que se tornou fonte de estudos pela relevância com a qual o fizeram.

Na cultura peculiar daquele povo estão presentes todos os componentes que

caracterizam sua identidade, onde a religião se destaca como definidora das diretrizes

coletivas do grupo e também dos indivíduos em particular. Através das trocas sociais que se

estabelecem dentro do espaço comunitário os cidadãos valonguenses estruturam sua

identidade com base nos valores em que acreditam, firmando vínculos emocionais que vão

além daqueles familiares que vivenciam. Mesmo se mantendo coesa, a sociedade valonguense

carrega em seu seio problemas semelhantes àqueles encontrados em quaisquer agrupamentos

humanos e existem mecanismos de estímulo e de punições para os seus membros (SERRETI,

2010). É exatamente dentro das características específicas encontradas naquela pequena

sociedade que habita sua riqueza. Lévi-Strauss (2003, p. 80, apud ALBUQUERQUE, 2008, p.

226) capta essa essência social quando diz:

Na era da mundialização, em que a diversidade externa tende a tornar-se cada vez mais pobre, torna-se urgente manter e preservar a diversidade interna de cada sociedade, gestada por todos os grupos e subgrupos humanos que a constituem e que desenvolvem, cada um, diferenças às quais atribuem extrema importância.

!105

Tal diversidade interna só pode ser percebida quando se olha de perto um determinado

grupo e quando se valoriza as especificidades encontradas.

No primeiro capítulo desse trabalho foram apresentados diversos estigmas

direcionados ao povo valonguense, especialmente pelos antigos moradores das cercanias do

Sertão. Goffman (1998) conta que foram os gregos os criadores da expressão estigma, usada

para indicar marcas feitas geralmente em criminosos e que denunciavam um comportamento

desonroso por parte de quem as carregava. Esses sinais eram conseguidos através de corte ou

mesmo fazendo uso do fogo e objetivavam avisar aos outros que o indivíduo que os possuía

era alguém marcado, poluído através de um ritual simbólico. A pessoa deveria ser evitada

pelos cidadãos honrados da sociedade. Ora, é importante apontar o fato de essa gente

valonguense, estigmatizada na vizinhança como “pretos”, “miseráveis”, “macacos”,

“preguiçosos” e outros termos de caráter pejorativo, ter conseguido, ao longo do tempo, não

apenas resistir a essas marcas estigmatizadoras, mas, sobretudo, ter construído uma identidade

que lhes causa orgulho. Parece certo inferir que essa construção é mérito deles mesmos e que

os recursos imateriais que possuíam, ligados aos valores da liberdade e da religião lhes

serviram como elementos facilitadores no processo de fortalecerem sua pequena comunidade

e legar às novas gerações de valonguenses uma cultura identitária que possa ser ampliada e

encontre um lugar adequado na desafiadora sociedade que surge no horizonte da história.

Stuart Hall (1999, p. 13) assegura que “a identidade plenamente unificada, completa,

segura e coerente é uma fantasia”. Isso parece evidente diante do analisado até aqui sobre o

tema. Nesse sentido, olhando-se para a comunidade do Valongo no presente, percebe-se que

ela está diante da complexa tarefa de assegurar os valores que continua defendendo como

viáveis para as suas lógicas de vida. Imaginar que as gerações do amanhã sustentarão o

diferencial construído por seus ancestrais é também uma fantasia, tal qual a citada por Hall

(1999) acerca de uma ilusória identidade não problematizada.

Como já foi referido anteriormente, o encadeamento dos conceitos de liberdade e

religião, pressupostos pela pesquisa como sendo os principais formadores da identidade da

comunidade quilombola do Valongo, não pode ser comprovado através de uma pesquisa de

caráter bibliográfico, entretanto, entende-se que, pelos dados que foram levantados nela,

pode-se dizer que esta é uma possibilidade que não deva ser descartada. A identidade do

valonguense é única, assim como é única também a identidade encontrada em cada grupo

!106

social. A validade deste levantamento se encontra especialmente no fato de que uma cultura

assim pode ser fonte de reflexões dentro do ambiente acadêmico e também fora dos seus

círculos, ou seja, na sociedade.

Uma narrativa apresentada por Cleidi Albuquerque (2008, p. 257), na época em que

realizou levantamentos para o IPHAN acerca da estética existente no Valongo, será válida no

sentido de acrescentar algo mais ao estilo percebido na essência daquele povo.

Conta Albuquerque:

Nos últimos encontros na comunidade, duas mulheres entrevistadas nos brindaram cantando muitos hinos que escolheram nos seus livros de cantos religiosos. Sentiam-se profundamente satisfeitas em cantar para nós, nos presenteando com um de seus bens mais valiosos. Isso nos pareceu que havíamos feito um vínculo com aquelas pessoas.

Cabe questionar o que está escrito acima. A isenção da pesquisadora foi cooptada

momentaneamente ao ser sensibilizada por um gesto que parece ter sido fruto de uma

espontaneidade carinhosa dessas mulheres e percebida como um presente imaterial oferecido?

O que a narrativa dessa atitude manifestada revela acerca da identidade dos valonguenses em

situações do cotidiano?

Uma outra história foi encontrada numa das pesquisas de Alícia Castells (2005, p.

432), que fez diversas incursões no Sertão e foi a organizadora do livro do IPHAN produzido

sobre eles. Ela captou, na fala de um dos moradores do Sertão, uma mostra do tipo de relação

que aquele povo tem para com o território onde vive: “[...] agora eu só digo que só vou sair

daqui da minha morada quando eu morrer e os outro levá pra rua, senão eu não saio”.

CONSIDERAÇÕES INTERMEDIÁRIAS

Observou-se nesse capítulo que os quilombos continuam sendo lugares de luta pela

cidadania por parte de indivíduos historicamente legados à marginalidade pela sociedade

brasileira. Entre as pautas da causa quilombola na atualidade vê-se ainda a tensão entre o

reconhecimento necessário e o descaso muitas vezes encontrado na realidade. Enquanto

comunidade quilombola, o Valongo vai atravessando as primeiras décadas do século 21 como

espaço que continua despertando interesse em razão das características únicas dos seus

moradores. Foi visto que, ao longo das décadas, o senso de comunidade foi sendo reforçado a

!107

partir do ideal de liberdade de habitar uma terra sua e também da vivência religiosa, fato

marcante para o povo valonguense. Refletir sobre a liberdade a partir de ex-escravos e sobre

religião partindo-se de uma crença tida como impositora de muitas regras em suas práticas é,

de fato, algo relevante. Os recortes mostrados ofereceram algumas reflexões consideradas

pela pesquisa como importantes para somar-se à discussão acerca da possibilidade de

articulação entre os conceitos de liberdade e religião como construtores da identidade. Entre o

povo valonguense pode ser vista essa articulação de forma positiva e a partir da verificação do

fato naquele pequeno quilombo, podem ser levantados novos estudos sobre outros possíveis

lugares onde os elementos estudados apresentam-se como viáveis para um agrupamento

social. Essa pesquisa procurou chamar a atenção para a necessidade de preservação da cultura

do Valongo, assim como de outras que são exceções dentro da sociedade massificada.

Naquele ambiente simples e despretensioso, a pesquisa aponta para a existência de uma

comunidade que de certa forma é um contraponto silencioso, é verdade, mas substancial às

estruturas que formam o modo de vida da sociedade em geral. Entendendo que existe ali uma

saudável articulação entre liberdade e religião, esses elementos acabaram por construir uma

identidade válida para aquele povo e ponto de reflexão para essa e outras pesquisas. Até que

ponto o trinômio Liberdade, Religião e Identidade pode ser funcional para uma sociedade do

século 21 é um questionamento merecedor de pesquisas que possam oferecer, se não

respostas, mas reflexões interessantes aos estudiosos.

!108

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Toda a trajetória dessa pesquisa significou uma caminhada de aprendizados que

ocorreram em meio às inevitáveis tensões que caracterizam as empreitadas nas ciências

sociais.

Esse estudo propôs uma reflexão ao discutir os temas da liberdade e da religião

enquanto possíveis construtores da identidade valonguense, uma minúscula comunidade

quilombola de Santa Catarina, praticante da religião adventista.

Três aspectos principais, entre outros que foram analisados, podem ser sintetizados nas

considerações finais desse estudo:

Primeiro: foi um ideal de liberdade que provocou a gênese da comunidade

valonguense no final do século 19, quando as três famílias que a originaram se fixaram numa

terra sem valor, buscando invisibilidade em relação ao antigo opressor branco e, do outro

lado, sendo por esse também invisibilizado. O contexto anterior ao fato foi o horror do

modelo escravagista que perdurou por quase quatro séculos no país e cuja contestação maior

se dava em suas próprias entranhas, na formação dos quilombos, antigos espaços de liberdade

para negros que escapavam das garras dos seus senhores. Se houve uma liberdade oficial

cedida pelo Estado a partir da Lei Áurea, de 1888, ela não se traduziu, infelizmente, em uma

inserção desses negros na sociedade. Em todo o Brasil, pós-escravidão grandes massas de ex-

escravos foram marginalizados durante as décadas que se seguiram ao fim do escravismo.

Entretanto, apesar do cenário desfavorável e sofrendo com o preconceito ao redor, o povo do

Valongo solidificou-se enquanto comunidade, tendo o ideário de liberdade dos seus

fundadores como base de sua vivência ao longo do tempo. Por todo o território brasileiro são

encontrados, no presente, milhares de povos quilombolas e sua existência continua a desafiar

a agenda das políticas públicas do país. Discutir a temática da liberdade verificando o seu

funcionamento no presente em um grupo de descendentes de escravos que são praticantes da

religião adventista, uma igreja historicamente apegada ao rigor da lei, abre espaço para novas

discussões e estudos pois esse campo de pesquisa certamente apresenta uma relevância nas

ciências sociais.

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Segundo: a partir da década de 1930, o apego à religião junta-se à liberdade no

território do Sertão, trazendo um fato novo ao lugar e partir daí a prática do adventismo

passou a ser a característica principal dos valonguenses e torna o lugar um ambiente propício

para o estudo da junção do binômio liberdade/religião. A pesquisa apontou como importante a

maneira como um grupo de negros se inseriu numa igreja de brancos numa época marcada

pelo preconceito racial no Brasil. E mais: os adventistas de Santa Catarina ocupavam-se

naquele período em evangelizar os colonos alemães. Os documentos inéditos apresentados

nesse estudo mostraram esse grupo encontrando lugar em meio a esses povos de origem

européia. No mesmo período em que se dá a ascenção da superioridade ariana, nas entranhas

interioranas do Brasil, um grupo de negros convive no mesmo espaço de fé com os imigrantes

alemães. Os contornos da fé daquele povo ganharam consistência a ponto de atrair ao Valongo

pesquisadores das ciências sociais que buscaram estudar o significado da forte influência da

religião adventista entre seus moradores. Partindo do entendimento dos outros estudos

realizados no local e pelos materiais inéditos que foram aqui apresentados nas publicações da

Revista Adventista ao longo das décadas e de documentos oficiais da Igreja, essa pesquisa

pode afirmar que a religião é central para a vida da comunidade e que a sua prática naquele

lugar gerou coesão social, sendo elemento catalisador para a existência positiva da sociedade

valonguense. Sendo que o tema da religião não se esgota em estudos e permanece como

campo aberto a questionamentos mesmo no século 21, essa pesquisa entende que a

verificação do fato religioso na comunidade do Valongo carece de novas iniciativas de

pesquisa.

Terceiro: mesmo sendo conceitos que se tensionam entre si, há evidências de uma

coexistência harmoniosa entre liberdade e a religião dentro dos limites do território

valonguense. Na verdade, pelos levantamentos realizados, pode-se dizer que são exatamente

esses elementos que, juntos, constroem uma identidade para esse povo. Essa pesquisa ocupou-

se em apresentar a tríade liberdade/religião/identidade como sendo uma realidade viável para

os valonguenses ao longo do tempo, o que torna a comunidade um campo fértil para pesquisas

na área. A identidade única encontrada no Valongo foi inferida como sendo uma espécie

silenciosa de contracultura às lógicas existentes na sociedade capitalista. Sendo assim,

conclui-se que esse tipo de cultura mereça esforços no sentido de preservá-la e as pesquisas

acadêmicas se constituem em aliadas desse esforço. Por tudo o que foi levantado dentro dos

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limites de uma pesquisa de caráter bibliográfico, entende-se que a voz desse povo deva ser

mais ouvida através de uma metodologia de História Oral. Entre eles encontram-se ainda os

mais antigos, portadores da memória histórica do que aconteceu ali, e é preciso que essas

vozes sejam registradas, analisadas e interpretadas. É possível que naquele micromundo

escondido existam saberes que possam apontar caminhos sobre a plausibilidade de uma

sociedade conviver de forma pacífica com a liberdade e a religião, dando espaço para a

construção de uma identidade positiva dos seus membros.

Por fim, convém dizer que essa pesquisa entende ter cumprido a essência do seu

objetivo, o de apresentar uma reflexão, a partir da literatura disponível, os ideais de liberdade

que fundaram a comunidade do Valongo, o significado da prática da religião adventista para o

grupo e a forma como esses fatores se articulam para a construção da identidade valonguense.

Entretanto, o maior entendimento é o de que esse estudo está aberto e pode provocar outros

levantamentos que o questionem ou o ampliem, visto que o povo do Sertão do Valongo

prossegue em sua caminhada dentro do século 21 e continuará sendo alvo da incursão de

outros pesquisadores. Essa pesquisa soma-se a outras já existentes, sendo feita por um

pesquisador de origem adventista, trazendo contribuições à causa quilombola expandindo o

conhecimento e a reflexão sobre sua identidade e por vezes até rompendo com a

invisibilidade do povo valonguense.

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REFERÊNCIAS IMAGÉTICAS

Imagem 1 Leilão de escravos Fonte: Silva apud Vitorino (2000, p. 8);

Imagem 2 Mapa de localização do Sertão do Valongo Fonte: Sarlo e Duarte (2008, p. 190);

Imagem 3 Registros dos votos administrativos adventistas entre 1925 e 1941 preservado nos escritórios da Igreja Fonte: Foto do acervo do pesquisador

Imagem 4 Índice das Atas da Comissão Diretiva Adventista com versão em alemão. Fonte: Atas da Comissão Diretiva da Assoc. Catarinense da IASD. 1925-1935;

Imagem 5 Pedido de folhetos em alemão em 1932Fonte: Atas da Comissão Diretiva da Assoc. Catarinense da IASD. 1925-1935;

Imagem 6 Pedido de livros em alemão em 1935. Fonte: Atas da Comissão Diretiva da Assoc. Catarinense da IASD. 1925-1935;

Imagem 7 Suspensão de publicação alemã em 1938. Fonte: (Atas da Comissão Diretiva da Assoc. Catarinense da IASD. 1936-1939)

Imagem 8 Eleição de líder valonguense para Assembléia da Igreja em 1939 Fonte: (Atas da Comissão Diretiva da Assoc. Catarinense da IASD. 1939-1941)

Imagem 9 Eleição de líder valonguense para Assembléia da Igreja em 1941 Fonte: (Atas da Comissão Diretiva da Assoc. Catarinense da IASD. 1939-1941)

Imagem 10 Umas das 28 casas onde moram os quilombolas valonguenses. Construção de madeira. Fonte: Acervo do pesquisador.

Imagem 11 Primeira Igreja do Valongo, construída em 1962. Fonte: Acervo do pesquisador.

Imagem 12 Igreja Adventista do Valongo, que se ergue no centro do território. Construção de alvenaria. Fonte: Acervo do pesquisador.

Imagem 13 Primeira menção ao valonguenses da Revista Adventista. Fonte: Revista Adventista, outubro de 1938, p. 8.

Imagem 14 Batismos de valonguenses noticiados na Revista Adventista. Fonte: Revista Adventista, outubro de 1938, p. 12

Imagem 15 Valonguenses em meio a outros adventistas. Fonte: Revista Adventista, novembro de 1938, p. 9.

Imagem 16 Entusiasmo dos valonguenses ressaltados na Revista Adventista. Fonte: Revista Adventista, novembro, 1953, p. 11

Imagem 17 Foto de destaque dos valonguenses. Fonte: Revista Adventista, novembro, 1953, p. 11;

Imagem 18 Elogio aos valonguenses na Revista Adventista. Fonte: Revista Adventista de Janeiro de 1954, p. 31;

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Imagem 19 Entrevista com missionário que atuou no Valongo. Fonte: Revista Adventista, março 2003, p. 3 e 4.

Imagem 20 Longa reportagem na Revista Adventista sobre o povo do Valongo. Fonte: Revista Adventista, agosto 2013, p. 23 a 25;

Imagem 21 Capa do livro publicado pelo IPHAN sobre o Valongo;

Imagem 22 O Valongo na história do adventismo no Brasil.

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ANEXOS

ANEXO 1: Publicação no Diário Oficial do reconhecimento do Sertão do Valongo como

Comunidade Quilombola.