Da Abadia de Santa Maria de Alcobaça ao Real Mosteiro de São Dinis e São Bernardo de Odivelas: o...

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SEPARATA

MosteirosCistercienses

História, Arte, Espiritualidade e Património

TOMO II

DIRECÇÃO

José Albuquerque Carreiras

Actas do Congresso realizado em Alcobaçanos dias 14 a 17 de Junho de 2012

ALCOBAÇA

2013

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DA ABADIA DE SANTA MARIA DE ALCOBAÇA AO REALMOSTEIRO DE SÃO DINIS E SÃO BERNARDO DE ODIVELAS: O PROJECTO MONUMENTAL DOS REIS D. DINIS E D. ISABEL

PARA O NOVO PANTEÃO RÉGIO

GIULIA ROSSI VAIRO*

Em 1318, na sequência de circunstâncias históricas particulares, os reis de PortugalD. Dinis e D. Isabel instituíram o panteão familiar no Real Mosteiro de São Dinis eSão Bernardo de Odivelas em alternativa à Abadia de Santa Maria de Alcobaça, até en-tão lugar privilegiado de sepultura de reis e infantes.

O panteão de Odivelas foi o centro de diversas nossas intervenções científicas1,todavia, neste artigo, serão tratados alguns aspectos até hoje pouco explorados pelahistoriografia histórica e histórico artística nacional. O objectivo é o de acrescentaralgumas tesselas em falta para a reconstrução das diversas fases do processo de eman-cipação para com a abadia alcobacense que envolveu em primeira pessoa o casal ré-gio. Nomeadamente, deter-nos-emos nas motivações que estiveram na base da

* Membro do Instituto de História da Arte, doutoranda em História da Arte Medieval na Faculdade deCiências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e bolseira da Fundação para a Ciência ea Tecnologia (Ref. SFRH / BD / 43795 / 2008).

1 Não é esta a primeira ocasião em que nos ocupamos deste tema – a instituição do panteão régio deOdivelas por parte dos reis D. Dinis e D. Isabel - representando este o fulcro da nossa investigação deDoutoramento em História da Arte Medieval a realizar-se sob a orientação do Prof. Dr. José CustódioVieira da Silva e a co-orientação da Prof. Dra. Caroline Bruzelius (D. Isabel de Aragão e D. Dinis dePortugal in vita e in morte: criação e transmissão da memória no contexto histórico artístico euro-peu); v. ROSSI VAIRO, Giulia, «Isabella d’Aragona, Rainha Santa de Portugal, e il Monastero di S. Di-nis di Odivelas», em Miguel Ángel GONZÁLEZ GARCIA e José Luís ALBUQUERQUE CARREIRAS (orgs.),Los caminos de Santiago y la vida monástica cisterciense. Actas IV Congreso Internacional sobre elCíster en Portugal y Galicia. Ourense, 2009, t. II, pp. 845-856; e EADEM, «O Mosteiro de S. Dinis eS. Bernardo de Odivelas, panteão régio (1318-1322)», em SANTOS, Carlota (coord.), Família, Espaço.Património, CITCEM, Braga, 2011, pp. 475-490.

Mosteiros Cistercienses, Vários Autores, José Albuquerque Carreiras (dir.), Alcobaça, 2013, Tomo II, pp. 253-265.

mudança de ideia por parte dos soberanos portugueses com respeito ao lugar ao qualqueriam legar a sua memória; e no projecto monumental comum, no início conce-bido e partilhado pelo casal, mas levado a cabo somente em parte devido às reper-cussões da guerra civil que, entre as outras consequências, teve também a separaçãoin morte – e para a Eternidade – dos cônjuges2.

Em 1318 os soberanos D. Dinis e D. Isabel decidiram tornar o Real Mosteiro deSão Dinis e São Bernardo de Odivelas o panteão familiar e, por extensão, da Monar-quia, em alternativa à abadia de Alcobaça, locus mortis eleito por diversos e ilustresexpoentes da Coroa, entre os quais os reis D. Afonso II e D. Afonso III3.

A carta de fundação e dotação do mosteiro remonta a 27 de Fevereiro de 1295 e foi as-sinada pelo bispo de Lisboa, D. João Martins de Soalhães, e pelo rei D. Dinis. A solene ce-rimónia de lançamento da primeira pedra teve lugar em presença da rainha D. Isabel e dosinfantes D. Afonso e D. Constança – indício do suporte e da participação da família real noprojecto - e de numerosos nobres e funcionários de corte. Por explícito pedido do monarca,o mosteiro foi confiado ao ramo feminino da ordem cisterciense4.

Diversos elementos, deduzidos da análise das fontes coevas, permitem afirmar que ossoberanos meditavam há tempo esta inversão de tendência com respeito à tradição ante-rior5. Porém, a mudança foi formalizada somente em 1318, tendo vindo a criar-se as con-dições favoráveis para a sua actuação. De facto, ao longo de 1318 os reis elegeram a própriasepultura comum no Mosteiro de São Dinis e São Bernardo de Odivelas, como se deduzda carta apostólica de 27 de Fevereiro de 1319, enviada pelo papa João XXII a D. Dinis,em que se alude a esta decisão já tomada por parte dos cônjuges6. Contudo, até 1314 ainda

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2 EADEM, «Isabelle d’Aragon, Reine du Portugal, était-elle une “constructrice de la paix” durant la guerrecivile (1317-1322)? Étude critique des sources portugaises et des Regesta Vaticana», em Michel Sot (dir.),Médiation, paix et guerre au Moyen Age, éd. électronique, Paris, Ed. du Comité des travaux historiqueset scientifiques (Actes des congrès des societétés historiques et scientifiques), 2012, pp. 97-107.

3 Sobre a Abadia de Santa Maria de Alcobaça panteão régio, veja-se: GOMES, Saul António, «Os PanteõesRégios Monásticos Portugueses nos séculos XII e XIII», em 2° Congresso histórico de Guimarães. Ac-tas do Congresso, C.M.G. e Universidade do Minho, Guimarães, 1997, t. IV, pp. 283-295 e SILVA, JoséCustódio Vieira da, O Panteão Régio do Mosteiro de Alcobaça, IPPAR, Lisboa, 2003; RODRIGUES, JorgeManuel Oliveira de, Galilea, locus e memória. Panteões, estruturas funerárias e espaços religiosos as-sociados em Portugal, do início do século XII a meados do século XIV: da formação do Reino à vitóriano Salado, Dissertação de Doutoramento em História da Arte, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas,Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2011, pp. 123-148. Na verdade, também D. Sancho II elegeu a suasepultura na abadia de Alcobaça, mas o seu pedido nunca foi cumprido.

4 SOUSA, António Caetano de, Provas da História genealógica da Casa Real Portuguesa, Atlântida – Li-vraria Editora, Coimbra, 1946-57, t. I, pp. 133-140.

5 ROSSI VAIRO, «Isabella d’Aragona, Rainha Santa de Portugal, e il Monastero di S. Dinis di Odivelas», cit.,cf. Apêndice documental, pp. 862-865.

6 Ibidem; cf. doc. 4, pp. 864-865.

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7 O original do testamento do rei D. Dinis, de 8 de Abril de 1299, encontra-se no Arquivo Nacional daTorre do Tombo (ANTT), Colecção das Gavetas, Gav. 16, mç. 1, n. 20; para a transcrição do auto, v.BRANDÃO, Francisco, Monarquia Lusitana. Quinta Parte, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, Lisboa,1976; cf. Apêndice, doc. XXXIV, fls. 329-331.

8 Para a transcrição do testamento da rainha D. Isabel, de 19 de Abril de 1314, v. SOUSA, Provas da His-tória genealógica da Casa Real Portuguesa, cit., t. I, pp. 144-147.

9 SILVA, José Custódio Vieira da, «Da galilé à capela-mor: o percurso do espaço funerário na arquitec-tura gótica portuguesa», em O fascínio do fim, Livros Horizonte, Lisboa, 1997, pp. 45-59.

10 Ibidem, p. 47.11 V. ERLANDE-BRANDENBURG, Alain, Le roi est mort : Étude sur les funérailles, les sépultures et les tom-

beaux des rois de France jusqu’à la fin du XIIIe siècle, Bibliothèque de la Société Française d’Ar-chéologie, Librairie Droz, Genève, 1975.

era a abadia de Alcobaça o lugar que deveria acolher os despojos mortais dos soberanoscomo consta da leitura dos seus testamentos, de 12997, o do rei D. Dinis, e de 1314, o deD. Isabel8. A esta data, a vontade partilhada pelos reis era a de serem sepultados juntos, umao lado de outro, na Abadia de Santa Maria de Alcobaça, no interior do templo.

A reconquista do espaço sagrado: da galilé à capela mor

Com respeito ao passado, trata-se de uma novidade absoluta no Reino de Portugal:até então, os reis descansavam fora do espaço sagrado, na galilé colocada à entrada daigreja9. Distinguindo-se dos seus antepassados, D. Dinis, pela graça de Deus rei dePortugal e do Algarve, dispõe para si e para a sua mulher a sepultura em proximidadedo altar-mor, onde se celebra a Eucaristia, onde se revive e se recorda o sacrifício dofilho de Deus, mas também a sua Ressurreição e a salvação que desta deriva para to-dos os fiéis.

A historiografia nacional tem interpretado justamente esta atitude como fruto de umprocesso de transformação a nível de mentalidade e também como consequência «donovo posicionamento que a autoridade régia consegue perante o poder da Igreja»10. Con-tudo não encontrou resposta à pergunta sobre quais as razões que estiveram na base damudança empreendida por D. Dinis, dando pouca relevância à anomalia portuguesa comrespeito às outras monarquias europeias. De facto, nos outros reinos, como por exem-plo no Reino de França, havia tempo que os despojos dos soberanos e expoentes da Co-roa se encontravam no interior do templo – no presbitério, no transepto ou emproximidade do altar-mor11. A nosso ver, a anomalia portuguesa deve-se à falta de au-torização por parte da Igreja, entre os finais do século XII e a segunda metade do sé-culo XIII, para que os corpos dos reis fossem acolhidos no interior do espaço sagrado.

Sabemos que, até à subida ao trono de D. Dinis, o Reino de Portugal foi marcadopelo conflito entre a Monarquia e o episcopado local, cujos ecos chegaram por

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diversas vezes à Sé Apostólica12. Para reagir à agressão da Coroa, os bispos, mas tam-bém a própria Igreja de Roma, adoptaram medidas drásticas como o interdito – que podiaser lançado directamente pelo Papa, mas também por um ou dois titulares das dioceses lo-cais, sobre pessoas específicas ou territórios limitados –, ou a excomunhão, a mais gravedas penas eclesiásticas ad personam13. D. Dinis herdou um reino sobre o qual recaía o in-terdito apostólico desde 1277, tendo o pai, D. Afonso III, sido atingido pela excomunhão14.Vale a pena recordar que um indivíduo excomungado era excluído da comunhão dos fiéis,não podia receber os sacramentos, presenciar os ofícios divinos, receber sepultura ecle-siástica e era destinado à perdição eterna até que se tivesse arrependido. Além disso, numreino atingido pelo interdito apostólico eram proibidas a administração dos sacramentos, acelebração das missas a portas abertas e dos ofícios divinos e a sepultura dentro da igreja.No caso em que fosse transgredida esta ultima disposição, a autoridade eclesiástica man-dava desenterrar os cadáveres e transferi-los para fora do espaço sagrado.

Ora bem, lembramos que a partir de D. Sancho I e até D. Afonso III todos os reisportugueses morreram excomungados ou em território sob interdito15. O cronista An-tónio Brandão refere que a D. Afonso III foram perdoados os pecados in articulomortis, tendo-se confessado a D. Estêvão Martins, que fora abade de Alcobaça16; con-tudo, do reino não foi levantado o interdito. Somente após muitos anos de negocia-ções diplomáticas com a Sé Apostólica, levadas a cabo em Roma pelos procuradoresdo rei e pelos bispos portugueses exilados, se conseguiu o restabelecimento das re-lações com a Igreja através da Concordata dos 40 artigos. O acordo foi assinado pe-los representantes de ambas as partes no dia 12 de Fevereiro de 1289 na Basílica deSanta Maria Maior e, a seguir, do Reino de Portugal foi levantado o interdito17.

12 Para a história das relações conflituais entre a Igreja e o Reino de Portugal durante a primeira dinas-tia, v. SILVA, Luís Augusto Rebelo da, Quadro elementar das relações de Portugal - Cúria Romana(1133-1533), Lisboa, 1867, ALMEIDA, Fortunato de, História da Igreja em Portugal, Portucalense Edi-tora, Porto, 1967-1971, 4 vols, cf. vol I, pp. 167 e sgs. e AZEVEDO, Carlos Moreira de (dir.), Ana Ma-ria C. M. JORGE e Ana Maria S. A. RODRIGUES (coord.), História religiosa de Portugal, Círculo deLeitores, Lisboa, 2000-2002, vol. I, pp. 303-327.

13 Para uma definição sintética do “interdito” e da “excomunhão”, v. BARBERO, Alessandro e FRUGONI,Chiara, Dizionario del Medioevo, Editori Laterza, Bari, 2011, ad vocem, p. 148 e p. 220.

14 Sobre as relações entre a Igreja e o Reino de Portugal durante o reinado de D. Afonso III, v. ALMEIDA, Histó-ria da Igreja em Portugal, cit., pp. 187 e sgs., MARQUES, Maria Alegria Fernandes, O Papado e Portugal noTempo de Afonso III: 1245-1279, Dissertação de Doutoramento em História, Faculdade de Letras, Universi-dade de Coimbra, Coimbra, 1990, AZEVEDO (dir.), História religiosa de Portugal, cit., pp. 318-322.

15 ALMEIDA, História da Igreja em Portugal, cit.16 BRANDÃO, António, Monarquia Lusitana, Quarta Parte, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, Lisboa,

1976, cf. Livro XV, cap. XXXXVII, fls. 254-255v.; VENTURA, Leontina, D. Afonso III, Temas e Deba-tes, Círculo de Leitores, Lisboa, 2009, pp. 191-193.

17 ALMEIDA, História da Igreja em Portugal, cit., vol. 1, pp. 167 e ss.; MATTOSO, José (dir.), História dePortugal. A Monarquia feudal (1096-1480), Editorial Estampa, Lisboa, 1997, vol. 2, pp. 124-128; VI-LAR, Herminia Vasconcelos, «O Episcopado do tempo de D. Dinis trajectos pessoais e carreiras ecle-

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Foi assim que, após mais de um século, se verificaram as condições favoráveis aque os despojos de um rei português pudessem finalmente descansar no interior do es-paço sagrado, recebendo sepultura eclesiástica. De resto, não é por acaso que, até àquelaaltura, os corpos ficassem na galilé, isto é, no limiar do templo, espaço, pela própriaetimologia do termo, marcado por uma forte simbologia ligada à esperança de ressur-reição, aludindo ao transito cumprido por Cristo na Galileia (“postquam resurrexero,procedam vos in Galileam”, Mt, 26-32)18.

O espaço sagrado nos testamentos dos soberanos

No primeiro testamento de 1299, D. Dinis, de maneira totalmente inovadora com res-peito ao passado, manda sepultar-se, junto com a consorte, dentro da capela-mor (na ous-sia do altar maior de Santa Maria). Embora não forneça mais indicações, por outro ladoespecifica ter já dado a este propósito disposições de que, por certo, a rainha tinha conhe-cimento19. Contudo, observando a planta da igreja e sobretudo a da capela-mor (Fig. 1)

siásticas (1279-1325)», em Arquipélago – História, 2a série, V, (2001), pp. 585-593; AZEVEDO, CarlosMoreira de, (dir.), Dicionário de História religiosa de Portugal, 4 vol., Círculo de Leitores, Lisboa,2005, vol. 1 ad vocem «Concordatas», pp. 423-429.

18 Sobre a origem do termo assim como a evolução arquitectónica da galilé ao longo dos séculos, veja-se: BANGO TORVISO, Isidro G., «El espacio para enterramientos privilegiados en la arquitectura medie-val española», em Anuário del Departamento de Historia y Teoria del Arte, Universidad Autonoma deMadrid, vol. IV (1992), pp. 108-110.

19 BRANDÃO, Monarquia Lusitana. Quinta Parte, cit., cf. fl. 329: “Primeiramente dou a minha alma a Deos et asa Madre Santa Maria, et mando sotterar meu corpo em o mosteiro de Alcobaça na oussia do altar maior deSanta Maria, naquel lugar hu mandei fazer sepultura para mim, et para a Rainha Dona Isabel minha molher”.

Fig. 1. Alcobaça. Abadia de Santa Maria Planta

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perguntamo-nos onde poderia ser colocada a sua sepultura e que forma esta teria podidoassumir. De facto, se pensarmos, por exemplo, no mausoléu do rei Jaime II de Aragão eda mulher Branca de Anjou, mandado executar e realizado depois da morte da rainha(1309) e colocado na capela-mor da igreja do mosteiro cisterciense de Santes Creus (Ai-guamúrcia)20, damo-nos conta que, dada a monumentalidade da obra, este teve que ser co-locado obrigatoriamente atrás do altar-mor. Pois, diversamente, não teria havido o espaçonecessário e, além disso, o conjunto se teria tornado demasiado invasivo para o própriolocal (Fig. 2). Todavia, no caso de Alcobaça tudo isto não teria sido possível devido à pre-sença do deambulatório com capelas radiantes21. Para além das disquisições, é certo que,

20 Sobre o mausoléu de Jaime II de Aragão e Branca de Anjou, v. DEL ARCO Y GARAY, Ricardo, Sepul-cros de la Casa Real de Aragon, Instituto Jerónimo Zurita – CSIC, Madrid, 1945, pp. 248 e sgs; DEC-TOT, Xavier, Les tombeaux des familles royales de la peninsule iberique au Moyen Âge, Brepols,Turnhout, 2009, pp. 244-245.

21 Para uma descrição da planta da igreja de Santa Maria de Alcobaça, incluindo as dimensões, veja-se:COCHERIL, Maur, Routier des abbayes cisterciennes du Portugal, Fondation Calouste Gulbenkian – Cen-tre Culturel Portugais, Paris, 1986, pp. 249-296; para uma descrição e as dimensões do deambulatóriocom capelas radiantes, cf. Ibidem, pp. 291-292.

Fig. 2. Aiguamúrcia (Tarragona). Mosteiro de Santes Creus. Mausoléu do rei Jaime II de Aragão e Branca de Anjou

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22 Las siete Partidas del rey Don Alfonso el Sábio cotejados con vários códices antiguos por la Real Aca-demia de la Historia, Madrid, 1807, t. 1, p. 166: “Eso mismo décimos de aquellos que facen las se-polturas mucho altas, ó las pintan, tanto que semejan mas altares que monimentos, ó otras sobejaníasque se facen mas á placer et á voluntad de los vivos, que no á pro nin á bien de los finados”.

23 SILVA, O panteão régio de Alcobaça, cit.24 No codicilo testamentário, outorgado em Sevilha a 22 de Janeiro de 1284, o rei Alfonso X o Sábio es-

tabelecia que a sua sepultura “no sea muy alta, e si quisieran [os executores testamentários] que se allidonde el Rey Don Fernando e la Reyna Betariz yazen, que fagan en tal manera que la nuestra cabezatengamos a sus pies de amos a dos, e de guisa que, sea la sepultura llana, en tal manera que cuandoel capellan entrase a dezir la oracion sobre ellos e sobre nos, que los pies tenga sobre la sepultura”;cf. DEL ARCO Y GARAY, Ricardo, Sepulcros de la Casa Real de Castilla, Instituto Jerónimo Zurita –CSIC, Madrid, 1954, pp. 267-268.

25 Veja-se n. 9.

qualquer que fosse a solução pensada no início pelos soberanos para a sua sepultura, estanunca teria podido atingir o nível do altar. Pois, recordamos o aviso do rei Afonso X oSábio que, nas Siete Partidas, baseando-se no direito canónico vigente, desaprovava o cos-tume de encomendar a realização de monumentos altos e pintados, mais parecidos comaltares do que com sepulcros (Partida Primera, tit. IV, lei XCVIII)22. Portanto, caso as se-pulturas se tivessem encontrado na capela mor, na proximidade do altar de Santa Maria,como D. Dinis previa, estas teriam devido assumir dimensões e formas mais modestas econtidas, em sinal de humildade, não se prevendo, talvez, um sarcófago mas sim uma rea-lização mais simples, ou uma arca parecida com as dos antepassados23, ou até uma camparasa, como de resto dispunha Afonso X para si próprio na Sé de Sevilha24.

Todavia, se lermos com atenção a passagem do testamento da rainha, datado de1314, em que se expressa relativamente à sua sepultura, reparamos que as mandasnão são idênticas às contidas no auto de 1299. Aliás, no texto mais tardio, as infor-mações são mais detalhadas: de um lugar não bem identificado no interior da capela-mor, indicado por D. Dinis, passamos a um lugar preciso, perfeitamente reconhecíveldentro do espaço eclesial, situado no limiar do presbitério, ao ponto de tornar possí-vel visualizar a colocação das sepulturas. De facto, a rainha declara querer ser se-pultada “a so os degraos dante o altar maior ali hu se El rey manda sotterar”, ouseja, traduzindo num português mais actual, «debaixo dos degraus do altar-mor ondeo rei se manda sepultar»25. Tal decisão foi tomada de acordo com quanto (já) foraestabelecido pelo soberano; se ela se distanciou da opção precedentemente expressaou se foi fruto de uma reflexão ulterior por parte do casal acerca da colocação – eda forma – dos seus sepulcros, não é possível de momento afirmá-lo. Porém, podeacrescentar-se que, com base nas indicações da rainha, teria podido haver mais es-paço e que, posto que os túmulos deveriam ser acolhidos «sob os degraus do altar-mor», portanto desde já numa posição inferior com respeito a este, podiam talvez serconcebidos com dimensões maiores.

De Alcobaça a Odivelas: o projecto monumental dos reis D. Dinis e D. Isabel

Ao longo de 1318 os reis D. Dinis e D. Isabel expressaram a vontade de ser sepul-tados juntos no Real Mosteiro de São Dinis e São Bernardo de Odivelas. Neste artigonão nos deteremos nas origens do cenóbio feminino, no enorme investimento, emotivoe concreto, por parte do soberano, assim como nas muitas expectativas do casal régiosobre o mosteiro – e desde a sua fundação –, merecendo estes temas um aprofunda-mento específico26. Em câmbio trataremos nomeadamente das motivações que levaramos cônjuges a mudar de ideia com respeito ao passado.

Entre as razões que influenciaram a mudança estiveram com certeza todas as prer-rogativas que a família real teria podido gozar no mosteiro, desde a possibilidade, querpara o rei quer para a rainha, de aceder em qualquer altura à clausura das monjas27, in-terdita a qualquer um que não fosse autorizado pelo soberano ou pelo bispo, à imposi-ção de normas que a comunidade se empenhara em observar rigorosamente28, até àgestão autónoma dos espaços da igreja que previa, entre as outras, o direito de estabe-lecer a própria inumação no seu interior e onde quisesse. Além disso, lembramos queo mosteiro foi construído sobre terrenos de propriedade régia, onde o monarca possuíaalgumas casas e edifícios, utilizados como moradas pelas monjas num primeiro mo-mento29. Sabemos também que aí existia um paço real, de que nos ficaram testemu-nhos fotográficos (Fig. 3), contudo não temos provas ser preexistente e até,acrescentamos, podemos avançar a hipótese de que terá sido mandado construir na se-quência da fundação religiosa30.

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26 Todos estes temas serão devidamente desenvolvidos na tese. Neste momento, sobre as origens e o pa-trimónio do mosteiro, veja-se: VILAR, Hermínia Vasconcelos, BRANCO, Maria João, «A fundação doMosteiro de Odivelas», em Actas do Congreso Internacional sobre San Bernardo e el Cister en Gali-cia e Portugal, Xunta de Galicia, Ourense, 1992, t. I, pp. 589-602.

27 Na carta de fundação e dotação de 27 de Fevereiro de 1295 faz-se menção às únicas pessoas autoriza-das pelo bispo a entrar na clausura, - clausura que as monjas, desde logo, se empenham em observarrigorosamente -, a saber: o rei, o abade de Alcobaça e o infante. Com carta de 14 de Julho de 1306 orei, com consentimento do abade de Alcobaça e da abadessa e convento de Odivelas, introduz algumasnovidades com respeito a quanto estabelecido anteriormente. De facto determina que as donas só po-derão sair do mosteiro com prévia autorização do rei ou da rainha; encontrando-se em perigo de morte,devido a alguma grave enfermidade, a autorização para sair será dada, eventualmente, pela abadessaou pelo abade de Alcobaça. Outra novidade, a mais importante a nosso ver, é a possibilidade para orei, mas também para a rainha, de entrar quando quiser na clausura das monjas. Vale a pena assinalarque na escritura anterior a rainha não tinha esta prerrogativa e nem sequer era mencionada no auto –só no início e no fim; Biblioteca Nacional de Portugal (BNP), Alc. 218, fls. 161-162v.

28 Na carta de fundação o bispo de Lisboa, de acordo com o rei, impõe à comunidade religiosa toda uma sériede normas que não podem ser transgredidas. Em 1306, compreendendo a excessiva rigidez de certas disposi-ções, D. Dinis decide atenuá-las, confirmando, contudo, a impossibilidade de a abadessa e as monjas saíremda cerca do mosteiro, a não ser por razões de grave enfermidade, a estrita observância do silêncio e a absoluta

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proibição de relacionar-se com pessoas externas, mesmo que autorizadas a entrar, em casos muito restritos,dentro da clausura. A este propósito, estabelece que deva existir uma única porta – a da igreja – e que o parla-tório, antigamente não previsto, seja construído num espaço específico, entre o coro e a igreja; cf. Ibidem.

29 Veja-se SOUSA, Provas da História genealógica da Casa Real Portuguesa, cit., cf. p. 136: “Ea vero quae Do-minus Rex libere et irrevocabiliter in dotem obtulit, et donavit Monasterio supradicto, seu Abbatissae et con-ventui saepe satis sunt ista, primo dedit, contulit, et assignavit sibi capellam, domos et aedificia sua in quibusest Monasterium praedictum institutum”.

30 Até 1922, ano em que ruiu, existiu um edifício encostado ao corredor norte do Claustro da Moira -construção do século XVI -, integrando uma janela gótica que se considera que possa ter sido o antigopaço real. Restam-nos testemunhos fotográficos deste imóvel, já profundamente modificado na alturaem que foram tiradas as fotografias. Não sabemos se se tratava efectivamente do que fora antigamenteo paço de D. Dinis, contudo, o facto de surgir em terrenos de propriedade régia, de integrar vestígiosde uma construção gótica anterior, assim como a relativa distância existente entre este e o antigo claus-tro, hoje conhecido como Claustro novo, permite colocar a hipótese de que, na origem, fosse um paço,mas não necessariamente preexistente e talvez mandado edificar pelo rei em proximidade da cerca domosteiro após a construção do cenóbio. Além disso, recordamos que os reis tinham um paço em Frie-las, nos arredores de Lisboa e muito perto, ontem como hoje, de Odivelas, onde costumavam residirpara gozar do ar do campo (algumas doações em favor do mosteiro foram assinadas no paço de Frie-las). Por isso, a nosso ver, não teria muita justificação ter dois paços régios a tão pouca distância umdo outro a não ser que um, o de Odivelas, tenha sido concebido e construído em seguida, para satisfa-zer outras exigências. Na senda de uma tradição amplamente documentada na Península Ibérica emépoca medieval (lembramos, a título de exemplo, os paços régios junto aos mosteiros cistercienses deSantas Creus, Poblet ou Las Huelgas), aí a família real portuguesa teria os seus aposentos e de aí po-deria aceder ao mosteiro quando queria juntar-se às monjas em ocasiões específicas ou simplesmentena oração, como as ordenações da comunidade, remontando a 1306, previam. Em Portugal, caso se-

Fig. 3. Odivelas. Paço do rei D. Dinis, 1949. Copyright IHRU – Sistema de Informação para o PatrimónioArquitectónico (SIPA Foto 00507232)

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Ora bem, tudo isto não teria sido possível com a comunidade e a abadia de Alco-baça, primeira opção do casal régio para a própria sepultura, tendo em conta a sua im-portância e o seu valor de referência no território nacional independentemente do factode ter acolhido os despojos de alguns reis e expoentes da Coroa. Também vale a penalembrar que os restos mortais de alguns ilustres defuntos foram transladados para a ga-lilé alcobacense num segundo momento com respeito à sua morte: é o caso de D.Afonso III, inicialmente sepultado em S. Domingos de Lisboa, em 1279, cujo corpofoi transferido para a abadia por vontade da viúva, a rainha mãe D. Beatriz, somenteem 1289 – ano em que, recordamos, foi restabelecida a paz com a Igreja.

Outro factor igualmente importante teve de ser o facto de se tratar de um cenóbiode monjas bernardas, cuja principal – se não única – ocupação era rezar e louvar a Deus,com orações e cantos, e orar pela alma dos fundadores. D. Dinis tinha actuado de formaa garantir a plena autonomia e o sustento da comunidade exactamente para consentirque esta se dedicasse, sem distracções de algum tipo, completamente à vida consagradae à oração31. Além disso, nestes anos, e não só no contexto português, a força da reza“no feminino” adquire um peso maior e é procurada pelos poderosos da terra: é o casodo Real Mosteiro de Las Huelgas, em Burgos, panteão dos reis de Castela32, mas tam-bém dos mosteiros de clarissas de S. Maria Donnaregina, antes, e de S. Chiara, depois,em Nápoles, necrópoles funerárias da casa de Anjou no Reino da Sicília (continental)33.

A determinar a mudança do casal régio esteve também o desejo, amadurecido aolongo dos anos, de transmitir aos vindouros uma imagem exacta de si, encomendandoa realização de túmulos monumentais a colocar dentro do templo, bem distintos das ar-cas mais ou menos anónimas dos seus antecessores que se encontravam na galilé deAlcobaça. A concretização de tal disposição teria determinado um confronto imediatocom aqueles que estavam relegados à entrada da igreja. Por outro lado, a monumenta-lidade dos sarcófagos deveria adaptar-se ao espaço preexistente e ser aceite pelo abade

melhante e, segundo a nossa hipótese, posterior de poucos anos, é o paço da rainha D. Isabel que estamandou construir junto da cerca do mosteiro de Santa Clara e Santa Isabel de Coimbra; sobre os pa-ços medievais portugueses, veja-se: SILVA, José Custodio Vieira da, Paços medievais portugueses, IP-PAR, Lisboa, 1995, 1a ed; sobre o paço da rainha D. Isabel em Coimbra, veja-se: MACEDO, FranciscoPato de, Santa Clara-a-Velha de Coimbra. Singular Mosteiro Mendicante, Dissertação de Doutoramentoem História da Arte, Faculdade de Letras, Universidade de Coimbra, Coimbra, 2006, pp. 858-871.

31 Sobre o património do mosteiro de Odivelas, veja-se: VILAR, Branco, «A fundação do Mosteiro de Odivelas»,cit., pp. 598-601, e PINTO, Maria Isabel da Silva, O Mosteiro de Odivelas no século XIV. Património e Gestão,Dissertação de Mestrado em História Medieval, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Novade Lisboa, Lisboa, 2000.

32 DEL ARCO Y GARAY, Sepulcros de la Casa Real de Castilla, cit., e ELORZA, Juan C., VAQUERO, Lourdes, CAS-TILLO, Belén, NEGRO, Marta, El Panteon real de las Huelgas de Burgos. Los enterramientos de los Reyes deLeón y Castilla, Junta de Castilla y León. Consejeria de Cultura y Bienstar Social, Editorial Evergráfica, León,1990, 2a ed.

33 BRUZELIUS, Caroline, Le pietre di Napoli, Viella Libreria Editrice, Roma, 2005.

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DA ABADIA DE SANTA MARIA DE ALCOBAÇA AO REAL MOSTEIRO DE SÃO DINIS E SÃO BERNARDO

DE ODIVELAS: O PROJECTO MONUMENTAL DOS REIS D. DINIS E D. ISABEL PARA O NOVO PANTEÃO RÉGIO

34 Para a transcrição do testamento do rei D. Dinis de 20 de Junho de 1322, veja-se SOUSA, Provas daHistória genealógica da Casa Real Portuguesa, cit., pp. 125-132; cf. p. 125: “Primeiramente dou aminha alma a Deos, et a Sancta Maria sa Madre, e mando soterrar meu corpo no meu Mosteiro deSam Dinis de Odivellas que eu fundey, e fiz e dotei antre o Coro e a dussia maior hu eu mandei fazersepultura para mim”.

35 Cf. GOMES, «Os Panteões Régios Monásticos Portugueses nos séculos XII e XIII», cit., pp. 290-291.36 A hipótese de que a arca anónima (n. inv. Esc 75) do Museu Arqueológico do Carmo de Lisboa re-

presente o primeiro túmulo da rainha D. Isabel foi apresentada pela primeira vez durante o IV Con-

e a comunidade dos monges, nem sempre disponíveis a fazer concessões mesmo tra-tando-se de reis.

Desta forma, a escolha de Odivelas foi motivada também pela possibilidade de ge-rir o espaço sagrado de forma autónoma por parte dos soberanos, colocando os sepul-cros no centro da nave principal, entre o coro e o altar-mor, como consta de facto notestamento do monarca de 132234.

O projecto monumental de D. Dinis e D. Isabel previa a realização de dois sarcó-fagos individuais, conforme o ritual cisterciense de sepultura dos cônjuges reais35, po-sicionados um ao lado de outro, no centro da igreja de Odivelas (Fig. 4). Em outrasocasiões tivemos a oportunidade de apresentar a nossa hipótese de atribuição segundoa qual a arca anónima, sem tampa, à guarda do Museu Arqueológico do Carmo de Lis-boa (Fig. 5), representa o “primeiro” túmulo da rainha D. Isabel. Este foi realizado,pelo menos em parte, quando ainda existia o desejo de partilhar o sono eterno com omarido no panteão régio de Odivelas (entre 1318 e 1322)36. Não podendo desenvolver

Fig. 4. Igreja de São Dinis de Odivelas. Hipótese de reconstrução do projecto monumental dos reis D. Dinis e D. Isabel. Projecto: Giulia Rossi Vairo. Elaboração gráfica: Arq. Alessandra Perluigi

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neste artigo a leitura da peça37, vale a pena recordar que a arca tem em comprimento omesmo tamanho do sarcófago de D. Dinis, embora seja mais baixa e mais estreita, e so-bretudo apresenta um programa iconográfico substancialmente idêntico a nível conceptuale figurativo (Fig. 6).

greso Internacional sobre el Císter en Portugal y Galicia (Braga 2009), mas foi reafirmada, acrescentandonovos dados em favor desta atribuição, em diversos outros congressos: veja-se: ROSSI VAIRO, «Isabellad’Aragona, Rainha Santa de Portugal, e il Monastero di S. Dinis di Odivelas», cit., cf. pp. 856-861. So-bre a breve existência do panteão régio no Mosteiro de S. Dinis e S. Bernardo de Odivelas, veja-se:EADEM, «O Mosteiro de S. Dinis e S. Bernardo de Odivelas, panteão régio (1318-1322)», cit.

37 Para uma análise mais aprofundada da peça e uma leitura mais detalhada do seu programa iconográfico,veja-se: SILVA, José Custódio Vieira da, RAMÔA, Joana, ROSSI VAIRO, Giulia, «Escultura tumular do MuseuArqueológico do Carmo: algumas reflexões e propostas de identificação», em QUARESMA, José e ROSA DIAS,Fernando (coord.), Chiado: efervescência urbana, artística e literária de um lugar, CIEBA- Faculdade deBelas Artes da Universidade de Lisboa, Lisboa, 2010, pp. 172-207; cf. pp. 177-196.

Fig. 5. Lisboa. Museu Arqueológico do Carmo. Arca n. inv. 75 Esc

Fig. 6. Arca do rei D. Dinis e arca n. inv 75 Esc. Elaboração gráfica: Arq.Alessandra Perluigi

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DE ODIVELAS: O PROJECTO MONUMENTAL DOS REIS D. DINIS E D. ISABEL PARA O NOVO PANTEÃO RÉGIO

Concluindo, os sepulcros reais, assim como foram concebidos, tendo sido criadospara ser acolhidos por uma específica comunidade e ser colocados dentro de um es-paço igualmente definido38, por um lado eram literalmente “atravessados” pelas ora-ções e pelos cantos que as religiosas, escondidas atrás da dúplice porta de madeira docoro, protegida por uma grade de ferro, elevavam em direcção ao altar; por outro, eramobjecto das rezas e dos ofícios divinos dos cinco capelães nomeados para este fim pelorei em 1318 – ano da instituição do panteão régio de Odivelas –, para a celebração decinco missas quotidianas39.

Nesta perspectiva, os sarcófagos dos reis D. Dinis e D. Isabel tornavam-se parte in-tegrante do projecto monumental subjacente ao mosteiro, ponto focal do espaço do tem-plo e de convergência das orações da comunidade e dos capelães, representando ossoberanos eternamente participes in spiritu e, ao mesmo tempo, beneficiários dos au-tos litúrgicos. Desta maneira, a igreja toda transformava-se não só no panteão régio,“espaço simbólico de unificação do Reino”40, lugar destinado a guardar e honrar a me-mória da Monarquia, mas também numa majestosa e articulada capela particular41.

38 TEIXEIRA, Francisco, «A imagem da monja cisterciense no túmulo de D. Dinis», em Cistercium, 217/10-12, 1999, pp. 1161-1174, cf. p. 1165.

39 Estudando o tombo do Mosteiro de S. Dinis de Odivelas, no ANTT pude verificar que tal disposiçãofoi respeitada e se manteve pelo menos até 1832.

40 GOMES, «Os Panteões Régios Monásticos Portugueses nos séculos XII e XIII», cit., p. 283.41 A colocação central e dominante dos túmulos dos reis, no projecto inicial, e do monumento de D. Di-

nis, a seguir, reforça ainda mais esta afirmação.