Contribuições previdenciárias. Não recolhimento. Crime. Inconstitucionalidade

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CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. NÃO RECOLHIMENTO. CRIME. INCONSTITUCIONALIDADE Soluções Práticas - Clève | vol. 2 | p. 19 | Ago / 2012 DTR\2012\450419 Clèmerson Merlin Clève Área do Direito: Penal; Previdenciário Resumo: A norma que tipifica como conduta criminosa o não recolhimento, em nome de terceiro, por sub-rogação legal, de contribuição previdenciária é inconstitucional. Invalidade por inconstitucionalidade. Palavras-chave: Contribuição previdenciária - Não recolhimento - Crime - Inconstitucionalidade Abstract: The legal provision which classifies as criminal conduct the lack of payment of social security contribution, in the name of a third party by legal subrogation, is unconstitutional. The invalidity by unconstitutionality. Keywords: Social Security Contribution - No Payment - Crime - Unconstitutionality Sumário: 1. A consulta Consultam-me NA a respeito da constitucionalidade do disposto no art. 95, d, da Lei 8.212/1991. Trata-se de saber, afinal, se o referido dispositivo não ofende a Constituição, especialmente a garantia consignada no art. 5.º, LXVII, da CF/1988 (LGL\1988\3) que, salvo as hipóteses excepcionadas, proíbe a prisão civil por dívida. Há, portanto, um único quesito demandante de resposta. 2. Introdução Assim dispõe o art. 95, d, da Lei 8.212/1991: “Art. 95. Constitui crime: (…) (d) deixar de recolher, na época própria, contribuição ou outra importância devida à Seguridade Social e arrecadada dos segurados ou do público”. O legislador vem de longo tempo procurando defender os interesses do fisco por meio da tipificação de conduta consistente na presumida retenção de tributo e contribuição a serem pagas, em nome de terceiro, por sub-rogação legal. Cumpre recordar, por exemplo, que o art. 86 da Lei 3.807/1960 definia: “Será punido com as penas do crime de apropriação indébita a falta de recolhimento, na época própria, das contribuições e de outras quaisquer importâncias devidas às instituições da previdência e arrecadadas dos segurados ou do público. Parágrafo único. Para os fins deste artigo, consideram-se pessoalmente responsáveis o titular da firma individual, os sócios solidários, gerentes, diretores ou administradores das empresas incluídas no regime desta lei”. O Dec.-lei 66/1966 alterou disposições da Lei 3.807/1960. O art. 155 do mencionado ato legislativo tinha a seguinte redação: “Constituem crimes: (…) II – de apropriação indébita, definido no art. 168 do Código Penal (LGL\1940\2), além dos atos previstos no artigo 86, a falta de pagamento do salário-família aos empregados quando as respectivas cotas tiverem sido reembolsadas à empresa pela previdência social”. O Dec. 60.501/1967, que aprovou o Regulamento Geral da Previdência Social (Dec. 48.959-A/1990), consolidou os tipos até então definidos. Assim encontrava-se redigido o art. 347: “Constituem crimes nos termos dos arts. 86 e 155 da Lei Orgânica da Previdência Social, o último na redação dada pelo art. 25 do Decreto-lei 66, de 1.º de novembro de 1966: (…) II – De apropriação indébita, definido no art. 168 do Código Penal (LGL\1940\2): (a) deixar de recolher na época própria as contribuições e outras quaisquer importâncias arrecadadas dos segurados ou do público e Contribuições previdenciárias. Não recolhimento. Crime. Inconstitucionalidade Página 1

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CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. NÃO RECOLHIMENTO. CRIME.INCONSTITUCIONALIDADE

Soluções Práticas - Clève | vol. 2 | p. 19 | Ago / 2012DTR\2012\450419

Clèmerson Merlin Clève

Área do Direito: Penal; PrevidenciárioResumo: A norma que tipifica como conduta criminosa o não recolhimento, em nome de terceiro, porsub-rogação legal, de contribuição previdenciária é inconstitucional. Invalidade porinconstitucionalidade.

Palavras-chave: Contribuição previdenciária - Não recolhimento - Crime - InconstitucionalidadeAbstract: The legal provision which classifies as criminal conduct the lack of payment of socialsecurity contribution, in the name of a third party by legal subrogation, is unconstitutional. Theinvalidity by unconstitutionality.

Keywords: Social Security Contribution - No Payment - Crime - UnconstitutionalitySumário:

1. A consulta

Consultam-meNA a respeito da constitucionalidade do disposto no art. 95, d, da Lei 8.212/1991.Trata-se de saber, afinal, se o referido dispositivo não ofende a Constituição, especialmente agarantia consignada no art. 5.º, LXVII, da CF/1988 (LGL\1988\3) que, salvo as hipótesesexcepcionadas, proíbe a prisão civil por dívida. Há, portanto, um único quesito demandante deresposta.

2. Introdução

Assim dispõe o art. 95, d, da Lei 8.212/1991: “Art. 95. Constitui crime: (…) (d) deixar de recolher, naépoca própria, contribuição ou outra importância devida à Seguridade Social e arrecadada dossegurados ou do público”.

O legislador vem de longo tempo procurando defender os interesses do fisco por meio da tipificaçãode conduta consistente na presumida retenção de tributo e contribuição a serem pagas, em nome deterceiro, por sub-rogação legal. Cumpre recordar, por exemplo, que o art. 86 da Lei 3.807/1960definia:

“Será punido com as penas do crime de apropriação indébita a falta de recolhimento, na épocaprópria, das contribuições e de outras quaisquer importâncias devidas às instituições da previdênciae arrecadadas dos segurados ou do público. Parágrafo único. Para os fins deste artigo,consideram-se pessoalmente responsáveis o titular da firma individual, os sócios solidários, gerentes,diretores ou administradores das empresas incluídas no regime desta lei”.

O Dec.-lei 66/1966 alterou disposições da Lei 3.807/1960. O art. 155 do mencionado ato legislativotinha a seguinte redação: “Constituem crimes: (…) II – de apropriação indébita, definido no art. 168do Código Penal (LGL\1940\2), além dos atos previstos no artigo 86, a falta de pagamento dosalário-família aos empregados quando as respectivas cotas tiverem sido reembolsadas à empresapela previdência social”.

O Dec. 60.501/1967, que aprovou o Regulamento Geral da Previdência Social (Dec. 48.959-A/1990),consolidou os tipos até então definidos. Assim encontrava-se redigido o art. 347:

“Constituem crimes nos termos dos arts. 86 e 155 da Lei Orgânica da Previdência Social, o último naredação dada pelo art. 25 do Decreto-lei 66, de 1.º de novembro de 1966: (…) II – De apropriaçãoindébita, definido no art. 168 do Código Penal (LGL\1940\2): (a) deixar de recolher na época própriaas contribuições e outras quaisquer importâncias arrecadadas dos segurados ou do público e

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devidas à previdência social; (b) deixar de pagar o salário-família aos empregados quando asrespectivas cotas (sic)tiverem sido reembolsadas à empresa pela previdência social”.

Como lembra Manoel Pedro Pimentel,1 as condutas acima referidas:

“(…) foram consideradas como formas de apropriação indébita, exemplificações materiais definidasem tipos incompletos, porque neles o preceito primário se converte em segmento de outra normaemanada do mesmo legislador. As condutas tipificadas na legislação especial são constitutivas dodelito definido no art. 168 do CP (LGL\1940\2), com a descrição própria do preceito primário da leiespecial e a sanção cominada pela norma geral”.

A respeito da matéria, importa lembrar ainda a Lei 4.357/1964, cujo art. 11 previa o crime deapropriação indébita no caso do IR retido na fonte e do IPI, antigo imposto de consumo. O Dec.-lei326/1967 equiparou à apropriação indébita o não recolhimento do IPI num determinado prazo. A Lei4.729/1965 definiu o crime de sonegação fiscal. Não obstante encontrar-se na doutrina e mesmo emdeterminadas normativas (por exemplo, no Dec. Federal 982/1993) referências que fazem entenderque a Lei 4.729/1965 subsiste, a verdade é que ela foi revogada pela Lei 8.137/1990.

Embora, no caso, a retenção das quantias eventualmente descontadas pelo sub-rogado nãoconfigurasse verdadeira apropriação indébita, tendo em conta que os pressupostos caracterizadoresdeste ilícito jamais estiveram presentes na conduta omissiva do responsável (não havia coisa“alheia” apropriada: os valores arrecadados eram, afinal, do próprio sujeito passivo tributário),conforme ensinam Manoel Pedro Pimentel e Hugo de Brito Machado, o estudo daconstitucionalidade dos dispositivos apontados não traduzia um sentido de maior urgência. Istoporque, a simples exigência, para a consumação do delito, do animus rem sibi habendi, ou seja, dopropósito de inverter o título da posse, passando o sujeito passivo da obrigação a possuir a coisa (osvalores descontados) como se fosse sua, com a deliberada intenção de não restituir (apropriação –elemento integrativo do tipo penal), conferia relativa garantia ao contribuinte. Cuidava-se, ademais,de uma garantia que oferecia ao sujeito passivo tributário amplas possibilidades de defesa, nãoresultando, a mera conduta omissiva, na realização do tipo. Tudo mudou, porém, com a Lei8.137/1990.

A Lei acima referida revogou tacitamente os arts. 86 e 155, II, da Lei 3.807/1960, com asmodificações posteriores, pelo simples fato de ter regulado integralmente a matéria. Em seu art. 2.º,II, que teve vigência efêmera no que se refere às contribuições previdenciárias, estabeleceu queconstitui crime “deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social,descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aoscofres públicos”. A pena para o delito era a de detenção, de 6 meses a 2 anos, e multa.

O art. 2.º, II, da Lei 8.137/1990, no que se refere às contribuições previdenciárias (mas não àsdemais contribuições), como a demonstrar o dramático fenômeno da inflação legislativa que assola opaís, logo foi revogado pelo disposto no art. 95, d, da Lei 8.212/1991. Segundo o § 1.º deste artigo,no caso dos crimes caracterizados na alínea d, a pena é aquela estabelecida no art. 5.º da Lei7.492/1986, ou seja, reclusão, de 2 a 6 anos, e multa. A apenação neste caso, como se vê, éinjustificadamente (quebra do princípio da justa medida) mais grave que no primeiro.

As Leis 8.137/1990 e 8.212/1991 procuraram, pelo que se depreende de uma primeira leitura,desvincular a suposta retenção de valores descontados a título de incidência de tributos da figura daapropriação indébita. Por isso, há parcela ponderável da doutrina e da jurisprudência sustentandoque os tipos plasmados nos arts. 2.º, II, da Lei 8.137/1990 e 95, d, da Lei 8.212/1991,consubstanciam novos ilícitos que nenhuma relação guardam com a figura delitiva capitulada no art.168 do CP (LGL\1940\2). Tais dispositivos, portanto, estariam a traduzir verdadeiros crimesomissivos próprios.

Apanhe-se, por exemplo, a argumentação do ilustre Juiz Federal Celso Kipper2 que parece sintetizaro respeitável entendimento de parcela significativa dos operadores jurídicos brasileiros:

“Os crimes omissivos podem ser próprios ou impróprios. Nos primeiros (omissivos próprios), o sujeitoativo do delito deixa de praticar uma ação que a norma penal determina; descumpre, pois, um deverlegal que emana da própria norma incriminadora. O delito de não recolhimento das contribuiçõesarrecadadas dos segurados constitui-se, assim, em delito omissivo próprio, visto que a omissão está

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configurada no verbo nuclear do tipo penal (deixar), a abstenção da conduta devida é a base centralda incriminação (…).

Sendo estruturalmente diferentes os tipos da apropriação indébita e do crime de não recolhimentodas contribuições arrecadadas dos segurados, não há equiparação possível entre os dois delitos notocante às condutas descritas nos tipos penais. O crime de não recolhimento, na época própria, dacontribuição devida à Previdência e arrecadada de terceiros não é, portanto, crime de apropriação.Deste, as leis previdenciárias anteriores à Lei 8.137/1990 só haviam aproveitado a pena(equiparação quo ad poenam).

A primeira consequência da estrutura omissiva do tipo do delito de não recolhimento dascontribuições arrecadadas dos segurados, e da não equiparação ao crime de apropriação indébita, éa de que não se exige para a consumação do primeiro o animus rem sibi habendi, ou seja, opropósito de inverter o título da posse passando a possuir a coisa como se fosse sua, com adeliberada intenção de não restituir, própria da acepção do vocábulo apropriar-se, elementointegrativo do tipo penal do segundo delito. Havendo o desconto dos empregados das quantiasrelativas à contribuição previdenciária, e a posterior omissão no seu recolhimento aos cofres daSeguridade Social, consuma-se o delito, sem que seja preciso investigar, no animus do agente aintenção de restituir ou não as quantias descontadas. O dolo necessário é o genérico, consistente naintenção de descontar do salário dos empregados as quantias referidas e de deixar de repassá-las àSeguridade Social.”

Não são poucos os julgados que caminham nesse sentido.

Há, todavia, aqueles profissionais que, no Judiciário ou na Academia, professam entendimentodiferente. Diante do disposto no art. 5.º, LXVII, da CF/1988 (LGL\1988\3), que proíbe a prisão pordívida, desenvolvem, nos campos penal e tributário, notável esforço para dotar a previsão legal dedeterminados contornos mínimos, em homenagem aos princípios da segurança jurídica, dos direitosfundamentais e tendo em conta os princípios norteadores do direito penal e do direito tributário.Procuram, portanto, desenvolvendo um exercício heroico, no campo da experiência jurídica, em sítiode desenvolvimento dogmático ou no reino da jurisprudência, definir os contornos da condutacriminosa.

Cite-se, neste particular, o próprio autor acima citado que, à luz da teoria geral do delito, lembra quenos crimes omissivos próprios, a simples omissão não é capaz de configurar por si só condutadelituosa. Trata-se, afinal, de deixar de fazer algo devido (conceito normativo e não causal). Todavia,ao descumprimento do dever de agir deve somar--se o “poder de fato de atuar, que implica apossibilidade física e real de concretizar a conduta determinada”. Ora, a impossibilidade de “atuarconforme determinado pela norma exclui, portanto, nos delitos omissos, a própria omissão, e, emconsequência, a tipicidade do delito, pois não há de se falar em fato típico se não há ação (rectius:omissão) típica, propriamente dita”.3 No campo da doutrina penal, os próprios conceitos de estado denecessidade, como excludente da antijuridicidade, ou da inexigibilidade de conduta diversa,excludente da culpabilidade, traduzem ensaio para minimizar a carga coativa irracional do preceitoreferido, com o propósito de atender, ainda que minimamente, ao disposto no art. 5.º, LXVII, daCF/1988 (LGL\1988\3) e aos princípios reitores do direito criminal do Estado de Direito.

Esforço semelhante é feito por Hugo de Brito Machado.4 Segundo este consagrado jurista eestudioso magistrado:

“Há quem entenda que no art. 2.º, II, da Lei 8.137/1990, assim como no art. 95, d, e e f, da Lei8.212/1991, tem-se definição de tipo penal novo. Crime de mera conduta, consistente no nãorecolhimento do tributo, não se devendo, pois, perquirir a respeito da vontade de apropriar-se, postoque não se está mais diante do tipo de apropriação indébita. Coloca-se, neste caso, a questão desaber se o legislador pode definir como crime uma situação que corresponde a simplesinadimplemento do dever de pagar (…). Não se diga que a vedação constitucional, porque se reportaapenas à prisão civil, não se opõe à lei ordinária que define como crime o inadimplemento de dívida,para reprimi-lo com pena prisional. Não é assim. A lei ordinária que define como crime o simplesinadimplemento de uma dívida, e comina para o que nele incorre pena prisional, conflita com anorma da Constituição que proíbe a prisão por dívida. Há, na verdade, evidente antinomia entre anorma da Constituição que proíbe a prisão por dívida, e aquela da lei ordinária, que define comocrime o inadimplemento de dívida, para viabilizar, dessa forma, a aplicação da pena prisional ao

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devedor inadimplente. O sistema jurídico, considerados os valores que alberga, é necessariamentecoerente. Suas eventuais antinomias devem ser eliminadas, e quando em conflito se encontramnormas de diversa hierarquia a eliminação se faz sem qualquer dificuldade, pela prevalência danorma hierarquicamente superior.”

Provavelmente, porque entende que interpretada como definidora de crime de mera condutaincorreria a norma em inconstitucionalidade, sustenta o magistrado, inclusive em seus julgamentos, eesta parece ser a posição majoritária no TRF da 5.ª Região, que apenas a presença de doloespecífico (elementar subjetiva) é capaz de sustentar a legitimidade do tipo incriminador. É o que sevê no seguinte julgado:

“Apropriação indébita. Contribuições previdenciárias. Habeas corpus. O crime definido pelo art. 95 daLei 8.212/1991 não se configura sem a vontade de apropriar-se dos valores não recolhidos.Interpretar tal norma como definidora de crime de mera conduta é colocá-la em conflito com a normada Constituição que veda a prisão por dívida. O ânimo de apropriar-se está ausente se o débito foiparcelado e novado, desaparecendo a ilicitude antes mesmo do oferecimento da denúncia” (TRF da5.ª Reg., 1.ª T., j. 01.12.1994, rel. Juiz Hugo Machado, DJU, Seção II, 10.03.1996).

Não é outro o pensamento de Misabel Abreu Machado Derzi:5

“Os crimes contra a ordem tributária (entre os quais se incluem a sonegação e a apropriaçãoindébita) são dolosos. A sonegação sempre pressupõe a fraude, ou seja, a vontade consciente delesar o Fisco (dolo), ao lado da prática de atos ou omissões que objetivam ludibriar, enganar ouocultar o fato tributário à Fazenda Pública. A apropriação indébita sempre pressupõe o préviodesconto ou cobrança do tributo devido de terceiros, com a intenção consciente (dolo) de nãorecolhê--los aos cofres públicos. Nenhum deles é mera fuga ao pagamento, simples nãorecolhimento total ou parcial de tributo devido” (grifos nossos).

Nesta linha cumpre citar, ainda, as lições de Heloísa Estellita Salomão,6 Roque Antonio Carrazza7 eLeônidas Ribeiro Scholz.8 Roque Antonio Carrazza, por exemplo, sustenta que o nosso direitoequiparou, por intermédio do mecanismo da ficção, o delito capitulado no art. 95, d, da Lei8.212/1991, à apropriação indébita, dando-lhes o mesmo tratamento jurídico.9

Essas tentativas, voltadas para o efeito de suavizar o rigor de um dispositivo que excede o conceitode justa medida, nem sempre têm alcançado convencer o Poder Judiciário. Se esses ensaios, comefeito, procuram adequar minimamente o delito aos postulados do Estado de Direito, dando umadimensão à conduta censurada que está além do simples inadimplemento de obrigação tributária, averdade é que, por vezes, com efeito, esbarram nos limites estabelecidos pela redação dosdispositivos tipificadores da conduta delituosa.

Não há dúvida que a exigência do especial fim de agir (elemento subjetivo) para a configuração datipicidade do delito em comento poderia jogar uma cortina de fumaça sobre a problemática dalegitimidade dos dispositivos que o contemplam. Tratar-se-ia de oferecer ao jurisdicionado umasolução menos má, provavelmente mais compatível com os comandos constitucionais,nomeadamente aquele que interdita a prisão civil por dívida. A questão é de saber se, afinal, em faceda literalidade dos dispositivos tipificadores, seria possível a manutenção de teses que sobre amigas(trata-se de um discurso da amizade), e não obstante adequadas a outro tempo (o tempo dalegislação revogada), nem aí deixaram de sofrer críticas, principalmente quando se sabe que o nãorecolhimento pelo sub-rogado dos valores descontados não constitui hipótese de apropriaçãoindébita, já que inexistentes os elementos configuradores deste ilícito penal.

Aceite-se que os juristas comprometidos com o Estado de Direito, com os valores constitucionais e,bem assim, com a efetividade da Lei Fundamental devem continuar a desenvolver esforços para, nocampo do direito penal, encontrar fórmulas ajustadoras da previsão posta em lei. Outro trabalho,todavia, precisa ser mantido, desta vez destinado a demonstrar a inconstitucionalidade dosdispositivos referidos, especialmente se compreendidos como contempladores de crimes de meraconduta ou omissivos próprios. É o que se ensaiará fazer nas páginas seguintes.

3. A proibição de prisão por dívida

O art. 5.º, LXVII, da CF/1988 (LGL\1988\3) disciplina que: “Não haverá prisão civil por dívida, salvo ado responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do

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depositário infiel”.

Como se sabe, no passado o devedor podia ser preso em razão de não adimplir as obrigaçõespactuadas para com seus credores. Aliás, em Roma, o devedor inadimplente poderia mesmo cair emescravidão, “uma vez que nos tempos antigos o corpo do indivíduo era fiador das própriasobrigações”.10 Foi o direito moderno que, paulatinamente, foi proibindo a prisão por dívidas.

No direito constitucional brasileiro, previsão de mesmo cariz é encontrável nos arts. 153, § 17, da EC1/1969, 150, § 17, da Constituição de 1967, 141, § 32, da Constituição de 1946, e, finalmente, 113,n. 30, da Constituição de 1934.

Em outros países garantia desta ordem reside, normalmente, na legislação ordinária. Não obstante,há países que, como o Brasil, elevaram o princípio-garantia a um escalão hierárquico superior. Omesmo ocorre, igualmente, com o México (art. 17), o Paraguai (art. 64), o Peru (art. 2.º, 20, c), aSuíça (art. 59), o Uruguai (art. 52) e a Venezuela (art. 60, 2.º).

Algumas Constituições fazem uso da expressão prisão civil. Outras proíbem a prisão, em qualquercaso. Cite-se, a título de exemplo, a Constituição da Costa Rica, de 1949, segundo a qual (art. 38):“Ninguna persona puede ser reducida a prisión por deuda”.

O dispositivo constitucional, incluído pela Constituição Federal de 1988 no capítulo dedicado aosdireitos e deveres individuais e coletivos, consiste em verdadeiro direito de defesa sujeito ao regimejurídico próprio dos direitos fundamentais. Trata-se, portanto, de direito fundamental inscrito no corpoda Constituição. E assim deve ser considerado.

4. O programa normativo do art. 5.º, LXVII, da CF/1988

Pretendem alguns que o dispositivo constitucional proíbe apenas a prisão civil por dívidas; não a denatureza penal.

Este é o entendimento, por exemplo, de Pedro Roberto Decomain:

“Poderia surgir discussão quanto à constitucionalidade desse inciso, diante da proibição da prisãocivil por dívidas, inserida no art. 5.º, LXVII, da CF (LGL\1988\3).

Ocorre que aqui não se trata de prisão civil por dívida, mas sim da criminalização do não pagamentode uma. Ademais disso, não se está a punir, no inciso da lei de que se cuida, pura e simplesmente, ainadimplência tributária, mas sim a prática de não ser recolhido ao verdadeiro destinatário o valorque o contribuinte cobrou, precisamente para esse fim de um terceiro”.11

Este parece ser, igualmente, o pensamento professado por Edmar Oliveira Andrade Filho12 e LuizCoelho da Rocha,13 entre outros.

Com o devido respeito, não parece que seja assim.

É verdade que antes do advento da Lei 8.137/1990, em relação à apropriação indébita porequiparação legal, de tributo ou de contribuição social (definida, por exemplo, no Dec.-lei 326/1967 ena Lei 4.357/1964), o STF teve ocasião de, debatendo a respeito de sua legitimidade, à luz deidêntica garantia constitucional, decidir pela sua constitucionalidade. Mas aqui, como antes foireferido, a situação era outra. Em que pese não haver, de fato, apropriação de coisa alheia; em quepese, ademais, não estarem presentes os elementos do tipo equiparado, a exigência do especial fimde agir dava ao delito configuração diferenciada. Com as Leis 8.137/1990 e 8.212/1991 tudo mudou.Os precedentes (por exemplo: RE 102.447-0/SC) não podem mais ser invocados, portanto.

É verdade, igualmente, que o STF já teve ocasião de definir que a prisão civil “configura meiocoercitivo para se obter a execução da obrigação alimentar ou de restituir o depósito, cessando deimediato sua eficácia tão logo o executado cumpra a obrigação imposta” (RTJ 101/183), sendo certo,por isso mesmo, que não pode ser confundida com a prisão penal. Ninguém discordará que a prisãocivil e a criminal “não poderiam, nunca, produzir efeitos jurídicos iguais e da mesma natureza” (RTJ101/182).

Todavia, o fato de a Constituição proibir a prisão civil por dívida não permite supor que possa referidaconduta omissiva ser tipificada, autorizando-se com isso a prisão penal por dívida. Nem permite

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supor que tenha o STF, guardião da Constituição que é (art. 102, caput, da CF/1988 (LGL\1988\3)),admitido que criminalizado o inadimplemento de obrigação pecuniária, estaria autorizada a prisãocriminal, já que a Constituição proíbe apenas a prisão civil.

Na verdade a Constituição proíbe a prisão por dívida, sendo certo que o expediente de criminalizarcondutas encontra limites. A questão que se coloca é se está livre o legislador ordinário para tipificarquaisquer condutas, subvertendo inclusive a natureza dos conceitos e fraudando a Constituição. Éevidente que não está. A liberdade de configuração do legislador14 encontra, aliás, como tudo,também os seus limites. Por isso, não pode o legislador, por exemplo, fraudando a Constituição,transformar qualquer inadimplemento contratual, inclusive que importe obrigação pecuniária, emcrime. Uma medida deste naipe representaria inequívoco expediente desviante da função legislativae agressora da Constituição.

Para combater esse tipo de interpretação do dispositivo constitucional, cumpre buscar o caminhooferecido pela interpretação enunciativa. Como ensina José de Oliveira Ascensão:15 “A interpretaçãoenunciativa pressupõe a prévia determinação duma regra. Muitas vezes, a partir dessa regraconsegue-se chegar até outras que nela estão implícitas e que suprem, assim, a falta de expressaprevisão das fontes. O que caracteriza a interpretação enunciativa é limitar-se a utilizar processoslógicos para esse fim”.

Na interpretação enunciativa, o intérprete limita-se a “enunciar uma nova regra que necessariamentederiva da anterior”. Um exemplo de interpretação enunciativa é aquela formulada com apoio noargumentam a minori ad maius: a lei que proíbe o menos proíbe o mais. Então, a lei que proíbe aprisão civil, implicitamente, proíbe também o mais, ou seja, a prisão criminal. A conclusão, aliásóbvia, deriva do simples fato de a prisão criminal significar uma agressão muito maior que a prisãocivil no âmbito da liberdade da pessoa humana. A interpretação enunciativa, combinada com oprincípio da dignidade da pessoa humana (art. 1.º, III, da CF/1988 (LGL\1988\3)), dá clareza àcompreensão acima deduzida. A dignidade da pessoa humana deve ser garantida pela proibição dequalquer tipo de prisão por dívida, seja ela de natureza civil ou penal. Aliás, neste ponto, importatranscrever as palavras do Min. Celso Mello (HC 70.389-5/SP, Tribunal Pleno – 23.06.1994, rel. Min.Sidney Sanches; rel. para o acórdão, Min. Celso de Mello) a respeito do princípio da dignidade dapessoa humana:

“É preciso enfatizar – e enfatizar com veemência, Sr. Presidente – que este STF tem umcompromisso histórico com a preservação dos valores fundamentais que protegem a dignidade dapessoa humana. O Estado não pode prescindir na sua atuação institucional da necessáriaobservância de um dado axiológico cuja essencialidade se revela inafastável e que se exterioriza napreponderância do valor ético fundamental do homem. Tal como pude salientar na anterior sessãode julgamento, Sr. Presidente, esta é uma verdade que não se pode desconhecer; a emergência dassociedades totalitárias está inteiramente vinculada à desconsideração da pessoa humana, enquantovalor fundante, que é, da própria ordem político-jurídica do Estado (…)”.

Nem se afirme que em outros países, como Portugal, há preceitos semelhantes aos criticados nesteparecer, sem terem sido objeto de impugnação quanto à sua constitucionalidade. É preciso lembrar,em primeiro lugar, que, em Portugal, não há um dispositivo constitucional similar ao brasileiro. Poroutro lado, em Portugal, não se criminaliza a simples conduta omissiva do sujeito passivo tributário.Lá, como no Brasil antes do advento das Leis 8.137/1990 e 8.212/1991, pune-se o abuso deconfiança fiscal, sendo certo que a lei foi redigida com satisfatória carga de racionalidade.

Com efeito, assim dispõe o art. 24 do Dec.-lei 20-A/1990:

“Art. 24. Abuso de confiança fiscal:

1. Quem, com intenção de obter para si ou para outrem vantagem patrimonial indevida, e estandolegalmente obrigado a entregar ao credor tributário a prestação tributária que nos termos da leideduziu, não efetuar tal entrega total ou parcialmente será punido com pena de multa até 1.000 dias.

2. Para os efeitos do disposto no número anterior, considera-se também prestação pecuniária a quefoi deduzida por conta daquela, bem como aquela que, tendo sido recebida, haja obrigação legal dea liquidar, nos casos em que a lei o preveja.

3. É aplicável o disposto no número anterior ainda que a prestação deduzida tenha natureza

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parafiscal e desde que possa ser entregue autonomamente.

4. Se no caso previsto nos números anteriores a entrega não efectuada for inferior a 50.000$, a penaserá a de multa até 180 dias, e se for superior a 1.000.000$, a pena não será inferior a 700 dias demulta.

5. Para instauração do procedimento criminal pelos factos previstos nos números anteriores énecessário que tenham decorrido 90 (noventa) dias sobre o termo do prazo legal de entrega daprestação”.

Trata-se, como se vê, de dispositivo que persegue o mesmo objetivo do art. 2.º, II, da Lei 8.137/1990e do art. 95, d, da Lei 8.212/1991. Todavia, assume um padrão de racionalidade singular, na medidaem que estabelece distinções necessárias envolvendo a situação diferenciada de cada sujeitopassivo tributário e, mais, na medida em que exige a comprovação do especial fim de agir (intençãode obter para si ou para outrem vantagem patrimonial indevida) para a realização do tipo. Nestestermos, admite-se que uma legislação com esse perfil, caso adotada por nosso país, embora odisposto no art. 5.º, LXVII, da Lei Fundamental, poderia, eventualmente, ser tomada comoconstitucional. Não é o que ocorre, todavia, com os dispositivos analisados no presente parecer.Trata-se aqui, de crime de mera conduta, omissivo próprio, que consubstancia simples criminalizaçãode inadimplemento de obrigação disciplinada pelo direito tributário. Interpretado assim, éinconstitucional, não há dúvida.

Tem-se, portanto, que compreendida a norma constitucional como um plexo congregador de umprograma normativo (o texto) combinado com um âmbito normativo (área de incidência do texto)16 e,mais ainda, que, para além da literalidade (crítica da interpretação literal) do programa normativo, anorma de aplicação configura não o início, mas antes o resultado da atividade do intérprete, quesoluciona o problema à luz do programa e âmbitos normativos atualizados pelo contexto (o tempo eo espaço dialogam com a abertura do texto normativo), é possível deduzir do art. 5.º, XLVII, daCF/1988 (LGL\1988\3) o seguinte comando: “Não haverá prisão por dívida, salvo (…)”. Ou seja,jamais ocorrerá privação de liberdade de quem quer que seja, salvo as exceções admitidas, pormotivo de inadimplemento de obrigação civil.

A simples tipificação como crime da conduta omissiva do sujeito passivo tributário (contribuinte ouresponsável) não é compatível com o texto constitucional à luz de uma leitura mais sofisticada e,especialmente, compromissada com a efetividade da Constituição, assim como dos direitosfundamentais que ela proclama.

Apanhe-se, neste ponto, outra vez o pensamento de Hugo de Brito Machado:17

“Realmente, a CF (LGL\1988\3) estabelece que não haverá prisão civil por dívida, salvo a doresponsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a dodepositário infiel (art 5.º LXVII). Como ensina Celso Ribeiro Bastos, nos tempos modernos já não seaceita mais prisão do devedor inadimplente, sendo cabível, em seu lugar, a execução do patrimôniodo responsável por dívida (Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1989, 2.º vol.,p. 304). Não se diga que a vedação constitucional, porque se reporta apenas à prisão civil, não seopõe à lei ordinária que define como crime o inadimplemento de dívida, para reprimi-lo com penaprisional. Não é assim. A lei ordinária que define como crime o simples inadimplemento de umadívida, e comina para o que nele incorre pena prisional, conflita com a norma da Constituição queproíbe a prisão por dívida. Há, na verdade, evidente antinomia entre a norma da Constituição queproíbe a prisão por dívida, e aquela, da lei ordinária, que define como crime o inadimplemento dedívida, para viabilizar, dessa forma, a aplicação da pena prisional ao devedor inadimplente”.

Nesse mesmo sentido, levante-se a argumentação de Dejalma de Campos, Heloisa EstellitaSalomão, Eduardo Marcial Ferreira Jardim e Misabel Abreu Machado Derzi.18

Misabel Abreu Machado Derzi, por exemplo, conclui pela “inexistência, em nosso sistema jurídico, deprisão por dívida, ou seja, da cominação de pena privativa de liberdade pela simples ausência depagamento do tributo devido pelo agente”. Por isso, segundo a jurista, “se esse agente cumpriuregularmente com suas obrigações acessórias, informou corretamente à Fazenda Pública semfraude, ludibrio ou omissão, inexiste portanto crime”.

Já Eduardo Marcial Ferreira Jardim assevera que a criminalização do inadimplemento de obrigação

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tributária configura-se inadmissível. Segundo argumenta, “o grau de absurdidade ganha foros demaior repúdio na medida em que a aludida legislação desrespeita frontalmente a CF (LGL\1988\3)”.

Esta é, igualmente, a posição sustentada neste trabalho. Toma--se como certo que os arts. 2.º, II, daLei 8.137/1990, e 95, d, da Lei 8.212/1991, especialmente se compreendidos como instituindo crimesomissivos próprios, de mera conduta, inexigentes de especial fim de agir (elementar subjetiva dotipo) para a sua configuração, são absolutamente inconstitucionais, por afrontarem um direitofundamental com residência constitucional. Consubstanciam, afinal, prisão por dívida.

5. A proibição da prisão por dívida enquanto direito fundamental

A proibição da prisão civil por dívida substancia um direito fundamental que, por um lado amplia azona de defesa do indivíduo em face da atuação do Estado e, por outro, cria para o Estado uma áreade incompetência. Inserido no capítulo dedicado aos direitos e deveres individuais e coletivos,integra o Título II da Constituição, que trata dos direitos e garantias fundamentais. Tratando-se deum direito fundamental (não cabe aqui estabelecer a distinção entre direito e garantia), submete-seao regime específico dos direitos, liberdades e garantias plasmados na Constituição.

O regime jurídico em questão implica a emergência das seguintes notas caracterizadoras:

1. Aplicabilidade direta das normas que os reconhecem, consagram ou garantem (art. 5.º § 1.º, daCF/1988 (LGL\1988\3)).

2. Vinculatividade das entidades públicas e privadas (Preâmbulo).

3. Reserva de lei do Congresso (impossibilidade de lei delegada, medida provisória) para a suarestrição (art. 68, § 1.º, I,I da CF/1988 (LGL\1988\3)).

4. Princípio da proporcionalidade como princípio informador da atividade legislativa, inclusive das leisrestritivas a direitos e garantias (art. 5.º, LIV, da CF/1988 (LGL\1988\3)).

5. Princípio da salvaguarda do núcleo essencial (princípio implícito decorrente do Estado de Direito).

6. Limitação da possibilidade de suspensão nos casos de estado de sítio e estado de defesa (arts.136, § 1.º, I, e 139 da CF/1988 (LGL\1988\3)).

7. Garantia contra o poder de emenda à Constituição (limite material ao poder de reformaconstitucional) restritiva do conteúdo dos direitos individuais (art. 60, § 4.º, IV, da CF/1988(LGL\1988\3)).

O regime dos direitos fundamentais decorre do próprio texto constitucional, daí por que não podesofrer qualquer sorte de amesquinhamento em face da atividade legislativa do Estado. Com baseneste regime é possível, inclusive, verificar se poderia o Estado, fazendo uso de sua competêncialegislativa em matéria penal ou a pretexto de usá-la, criminalizar uma conduta que configura, emprincípio, simples inadimplemento de obrigação pecuniária de natureza tributária. Ou seja, proibida autilização da prisão civil, cumpre questionar se poderia o Estado prever uma sanção penal para oobrigado que não satisfizesse, na data definida, a obrigação pecuniária de natureza fiscal.

Perceba-se que o especificado no art. 5.º, LXVII, da CF/1988 (LGL\1988\3), é autoaplicável desdelogo, seja em função do disposto no art. 5.º, § 2.º, da CF/1988 (LGL\1988\3), seja em função daprópria natureza do programa normativo, que se encontra completo, pleno de densidade, inexigindo,por isso mesmo, comando legislativo infraconstitucional integrador. Por outro lado, o seu comandovincula a República Federativa do Brasil na sua integralidade e, então, todos os seus Poderes,inclusive o Judiciário e o Legislativo. Tão importante é, para o Constituinte, o território dos direitosfundamentais que apenas o ato legislativo (princípio da legalidade, art. 5.º, II, da CF/1988(LGL\1988\3)) e, mais do que isso, o ato legislativo votado pelo Congresso Nacional (reserva de leido Congresso: proibição de medida provisória e de lei delegada) pode exercitar as competênciasconformadora e restritiva. Todavia, não basta a observância da forma. A lei conformadora ourestritiva para ser constitucional precisa ser razoável, adequada, racional e necessária, sob pena deinconstitucionalidade (princípio da reserva de lei proporcional). O princípio do devido processo legalem sentido substancial (art. 5.º, LIV, da CF/1988 (LGL\1988\3)) condena o excesso de poderlegislativo, decorrente ou do abuso de competência ou da quebra da proporcionalidade. E neste

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caso, a regulação de um direito fundamental a título de conformá-lo ou de restringi-lo nos casos emque isso seja possível, não pode chegar a ponto de anular o seu núcleo essencial. Qualquer lei queultrapassasse o campo tomado pelo núcleo essencial, seria inconstitucional. Ademais, tãosignificativos são os direitos fundamentais na ordem constitucional brasileira que, mesmo nos casosde decretação de estado de defesa ou de estado de sítio, a Lei Fundamental impõe limites à suasuspensão. Nem todos os direitos podem ser suspensos e, no caso de suspensão, há igualmentelinhas perimétricas que não podem ser ultrapassadas. Por fim, os direitos fundamentais não podemnem mesmo ser objeto de abolição ou de medida que imprima uma simples tendência com essesentido, em face da cláusula de eternidade consignada na Constituição.

No que se refere ao direito insculpido no art. 5.º, LXVII, da CF/1988 (LGL\1988\3), é preciso ver queo regime jurídico acima referido, que importa a definição de uma verdadeira reserva de Constituiçãoquanto à matéria19 implica a sua observância compulsória, daí por que nem mesmo as estruturas deexceção constitucional permitem supor a sua nulificação. De outro ângulo, a reserva de Constituiçãoimplica que referido direito fundamental não se encontra à disposição do Poder Constituintederivado, que não pode, mesmo por meio de Emenda, amesquinhá-lo, nulificá-lo ou mesmosuprimi-lo. Ora, se referido direito fundamental não se encontra à disposição do Poder Constituintederivado, com muito mais razão não está à disposição do legislador ordinário (argumento a maiori adminus), que não pode a pretexto de exercitar competência legislativa, mesmo no campo penal, violaro seu conteúdo. Pois foi precisamente isso que o legislador, por meio dos arts. 2.º, II, da Lei8.137/1990 e 95, d, da Lei 8.212/1991, acabou por realizar, viciando, com referida atitude, o seuproduto (a lei penal) e, por isso mesmo, agredindo a cláusula de eternidade (de permanência oupétrea) contemplada na Constituição Federal (LGL\1988\3). São inconstitucionais, portanto, referidosdispositivos.

6. A recomposição do direito fundamental em questão

Foi, provavelmente, Robert Alexy quem, desde um lugar constitucional-dogmático, elaborou o maisimportante estudo dedicado aos direitos fundamentais.20

Segundo o jurista alemão, que propõe uma teoria estrutural para os direitos fundamentais, éimportante estabelecer uma distinção entre norma e posição. “Una norma es aquello que expresa unenunciado normativo”,21 ensina. Quanto à posição, é a situação de vantagem que decorre daincidência da norma, em uma palavra, é aquilo que as pessoas, sem preocupação como rigor,chamam de direito. Ora, pretende Alexy que uma teoria dos direitos fundamentais sustenta-se sobreuma tripla divisão das posições que têm sido designadas como direitos. O intérprete depara-se,portanto, na leitura do catálogo dos direitos fundamentais, com a criação de situações queconformam a emergência de (a) direitos a algo, (b) liberdades e (c) competências.

É possível que um mesmo direito fundamental crie mais de um tipo de posição. Sim, porque o direitoindividual como um todo consubstancia um conjunto de posições jusfundamentais. Isto quer dizer,preleciona Suzana de Toledo Barros,22 que “um direito previsto na Constituição pode apresentar-seestruturalmente sob as três modalidades, ou duas, ou uma”. Por isso, “um direito deve ser vistosempre como uma via de mão dupla e como um feixe de possibilidades de comportamentos, sejamestes imperativos ou facultativos, inter-relacionados sempre”.23 Não obstante, é possível concluir quea dimensão mais importante do direito fundamental plasmado no art. 5.º, LXVII, da CF/1988(LGL\1988\3), insere-se entre aquelas designadas como direitos a algo. Tais direitos (os direitos aalgo) possuem a seguinte estrutura segundo Alexy:

“1.1 La estrutura fundamental del derecho a algo

La forma más general de un enunciado sobre un derecho a algo reza:

(1) a tiene frente a b un derecho a g.

Este enunciado pone claramente de manifiesto que el derecho a algo puede ser concebido como unarelación triádica cuyo primer miembro es el portador o titular del derecho (a); su segundo miembro, eldestinatario del derecho (b) y su tercer miembro, el objeto del derecho (g). Esta relación triádica seráexpresada con “D”, Por lo tanto, la forma más general de un enunciado sobre un derecho a algopuede expresarse de la siguiente manera:

(2) D a b G.

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De este esquema surgen cosas totalmente diferentes según lo que se coloque en lugar de a, b y G.Según que por a, el titular del derecho, se coloque una persona física o una persona jurídica dederecho público, o por b, el destinatario, el Estado o particulares, o por G, el objeto, accionespositivas u omissiones, se obtienen relaciones, entre las cuales existen diferencias muy importantesdesde el punto de vista de la dogmática de los derechos fundamentales”.24

Um exemplo típico de direito a algo é o direito à vida. Referido direito fundamental estatui tantonegativamente um direito à vida, que exclui o homicídio, inclusive determinado pelo Poder Público,como também positivamente um direito à vida, o que implica para o Estado não mais uma omissão,mas já uma atuação interventiva (positiva) para o fim de promover e proteger a vida contra terceiros.

“La diferencia entre acciones negativas y positivas e sel critério principal para la división de losderechos a algo según sus objetos. En el ámbito de los derechos frente al Estado, que habrán de sertratados en lo que sigue, los derechos a acciones negativas corresponden a aquello que su elellamarse ‘derechos de defensa’. Como habrá de mostrarse más abajo, los derechos frente ao Estadoa acciones positivas coinciden sólo parcialmente con aquello que es llamado ‘derechos aprestaciones’”.25

O direito fundamental prescrito no art. 5.º, LXVII, da CF/1988 (LGL\1988\3), consiste num verdadeirodireito de defesa, isto é, um direito que outorga ao cidadão uma posição jurídicapreponderantemente exigente de ações negativas do Poder Público. Ora, os direitos de defesa docidadão perante o Estado a ações negativas (direitos de defesa), segundo Alexy, podem serdivididos em três grupos:

“El primero está constituído por derechos a que el Estado no impida u obstaculice determinadasacciones del titular del derecho; el segundo por derechos a que el Estado no afecte determinadaspropriedades o situaciones del titular del derecho; y el tercero, por derechos a que el Estado noelimine determinadas posiciones jurídicas del titular del derecho”.26

A proibição da prisão por dívida configura, em sua dimensão mais radical, um direito de defesa dosegundo tipo. Trata-se, então, de um direito a que o Estado não afete determinada propriedade ousituação do titular do direito. Deveras, pode, a posição criada, ser referida pelo seguinte esquemalógico: “a tiene frente ao Estado un derecho a que éste no afecte la propiedad A (la situación B) de a”.27 Está impedido o Estado, portanto, de atuar, seja no campo administrativo, seja no campolegislativo, seja no campo judicial, para afetar ou malferir a situação de vantagem usufruída pelotitular do direito. Afinal, lembra Suzana de Toledo Barros, os direitos fundamentais funcionam “comolimites de atuação legiferante (e também, de resto, dos demais poderes estatais), ao mesmo tempoque impõem ao legislador a tarefa de realizá-los ‘otimizando a sua normatividade e atualidade’”.28

Há um bem jurídico (a liberdade); há, ademais, um direito perante o Poder Público (direito a algocomo direito de defesa); ambos implicam, para o Estado, a emergência de uma zona deincompetência. Neste caso, embora a Constituição faça menção à proibição da prisão civil por dívida,é indubitável que toda atuação do Estado, nomeadamente no campo legislativo, voltada para permitirqualquer forma de prisão, ainda que de natureza penal, por esse fundamento (dívida), afigura-seinconstitucional. Apanhe-se outra vez Alexy:

“Si frente al Estado, el ciudadano se encuentra en la posición ius fundamental de no-sujeción, tienesiempre frente al Estado un derecho a que el Estado no interevenga en el ámbito de la no-sujeción. Aeste derecho corresponde una prohibición dirigida al Estado de no intervenir en el ámbito deno-competencia definido por las normas iusfundamentales”.29

Bem por isso, estabelecida para o cidadão uma situação de não sujeição, não pode o Estado, paraalcançar a mesma finalidade que a norma constitucional proíbe (a privação da liberdade), buscaroutro caminho. Sim, porque por um caminho ou por outro o que se alcança é o mesmo objetivo: aprisão (seja civil, seja penal) por dívida. Ao assumir outra via para alcançar idêntico resultadointimidativo, socorrendo a ânsia arrecadadora da receita, o Estado está a quebrar uma das maisnotáveis dimensões do regime dos direitos fundamentais que é a vinculação dos Poderes Públicos.Está, por outro lado, quebrando o núcleo essencial do dispositivo constitucional e fraudando,ademais, a Constituição.

7. A fraude constitucional

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A doutrina, segundo expõe Jorge Miranda,30 costuma chamar de fraude constitucional “a preteriçãodos limites materiais de 1.º grau, com observância apenas externa das regras constitucionais decompetência e de forma”. A ideia de fraude constitucional encontra-se, normalmente, vinculada àatividade do poder de reforma constitucional. Não obstante, é pensável a utilização do conceito parareferir a atividade legislativa ordinária do Estado quando, a pretexto de exercer uma competência(legislar sobre matéria penal, v.g.), desvirtua um comando constitucional, amesquinha um direitofundamental, ignorando o núcleo material protegido pelo dispositivo que o contempla. É o que ocorrecom os arts. 2.º, II, da Lei 8.137/1990, e 95, d, da Lei 8.212/1991. Indicados dispositivos fraudam aConstituição, na medida em que quebram uma situação de não sujeição garantida pela LeiFundamental pelo simples deslocamento discursivo na norma legislativa que, saindo do campo nãopenal (prisão civil) ingressa no território da disciplina criminal (prisão penal), embora com o fimclaríssimo de alcançar idêntico objetivo.

Esqueceu o legislador, no momento em que criminalizou a conduta omissiva, o caráterprincipiológico das normas de direito fundamental. Do fato de as normas de direito fundamentalassumirem uma feição principiológica decorre consequências inafastáveis à luz de uma teoriaatualizada dos direitos fundamentais. Assim, por exemplo, não se pode olvidar que referidas normaspossuem um caráter de fundamentalidade, já porque corporificam a estrutura do sistema jurídico,sendo correto afirmar que dos princípios, em face de desdobramentos sucessivos, decorrem todasas demais normas componentes do sistema. Não se pode esquecer, ademais, que os princípiostraduzem uma ideia de direito,31 oferecendo, por isso, standards ou pautas vinculantes que traduzemas ideias de direito e de justiça. Por isso, é possível deduzir do texto constitucional uma teoria dajustiça, sendo correto afirmar, inclusive que, em função dela, são potencialmente inconstitucionais asleis injustas na ordem constitucional brasileira.32 E por fim, para não citar outras dimensõescaracterizadoras do caráter principiológico das normas definidoras de direitos fundamentais, cumprereferir a sua natureza normogenética, decorrendo daí que os princípios consubstanciam semprefundamentos de regras, que deles derivam. A força positiva dos princípios (são determinantesheterônomas) exige uma aplicação justa às situações de fato que alcançam, sendo certo, ademais,que a sua força negativa torna-se significativa nos casos limites, segundo ensina Canotilho.

Esses dados, ignorados pelo legislador, permitem a qualquer intérprete bem-intencionado,especialmente quando tocado por uma vontade de Constituição33 concluir, evidentemente, que estáinterditado ao Estado, em face do princípio de não sujeição insculpido no art. 5.º, LXVII, da CF/1988(LGL\1988\3), por meio de outra via (agora da via penal) encontrar idêntico resultado àquele proibidopelo constituinte (questão da aplicação justa). Afinal, a tarefa legislativa não pode ser tributária de umexercício de esperteza, por meio do qual cabe ao Legislador encontrar a direção alternativa para,com aparência de constitucionalidade, alcançar o resultado condenado em face da proclamação deum direito de defesa outorgado ao cidadão. A exigência weberiana de uma ética da responsabilidadeno campo jurídico guarda sentido neste ponto. O domínio da construção do direito objetivo não podeser contaminado por uma antiética da malandragem e dos expedientes de engodo, transformadorados contribuintes apenas inadimplentes em criminosos. É evidente que cabe ao Estado encontrarmeios de coibir a sonegação fiscal, e compelir os maus contribuintes ao pagamento de seus débitostributários. Não, todavia, fazendo uso de artifícios como os referidos neste parecer, quelamentavelmente demonstram o processo de erosão da consciência constitucional34 e dedescompromisso com os direitos fundamentais (e, por consequência, como Estado de Direito) quecontagia, vez por outra, os governantes brasileiros.

Não há dúvida, então, que o expediente utilizado pelo Estado para contornar a proibição insculpidano art. 5.º, LXVII, da Lei Fundamental da República (reserva material de Constituição) configuraverdadeira fraude constitucional, merecendo, por isso mesmo, censura judicial.

Advirta-se, neste ponto, que, em face do direito de não sujeição, o cidadão possui, perante o Estado,também uma posição jurídica insuscetível de derrogação. Depreende-se do art. 5.º, LXVII, daCF/1988 (LGL\1988\3), que o cidadão não pode sofrer privação de liberdade em função de dívida. Éevidente que a dívida possui uma natureza civil. Ora, na medida em que se criminaliza uma condutaomissiva consistente no não pagamento de dívida tributária, está o legislador interferindo emconceitos que estão subjacentes ao comando constitucional. Alexy assim formaliza a afirmação:“Que existe una posición jurídica significa que vale una correspondiente norma (individual ouniversal). El derecho del ciudadano frente al Estado de que éste no elimine una posición jurídica delciudadano es, por lo tanto, un derecho a que el Estado no derrogue determinadas normas”.35

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Pois foi precisamente o que o Estado fez. Derrogou as normas que davam ao contribuinte a condiçãode contribuinte, transformando-o, de contribuinte remisso (na hipótese de inadimplemento), emcontribuinte criminoso. Desnaturou-se o conceito de dívida civil (tributária) transformando o nãopagamento em conduta criminosa, quebrantando-se, com esse esperto deslocamento conceitual, anorma subjacente ao texto proclamado no art. 5.º, LXVII, da CF/1988 (LGL\1988\3). É inquestionávelque a operação corporifica verdadeira fraude.

8. Os direitos fundamentais e a possibilidade de legislação restritiva

Dir-se-á, eventualmente, que não obstante o princípio-garantia de não sujeição traduza uma reservamaterial da Constituição, isso não pode obstaculizar a atividade legislativa de conformação erestrição dos direitos fundamentais autorizada pela própria Constituição e inclusive a competênciapara legislar sobre direito penal inserida no art. 22, I, da Lei Fundamental da República. Dir-se-á,mais, que o direito de não sujeição outorgado pelo Constituinte não é suficiente para bloquear oexercício da competência da União para legislar sobre direito penal. E, por fim, que quando oConstituinte confere à União competência para legislar sobre direito penal não insere nenhumalimitação, de modo que, em princípio, essa competência é ampla.

Trata-se de exercício argumentativo que merece pronta refutação.

Sim, é verdade que o Estado está autorizado a conformar os direitos fundamentais, podendo,inclusive, restringi-los. Mas estas atividades possuem, como tudo, os seus limites. Releve-se, nestaoportunidade, que não são os direitos fundamentais que devem ser aplicados nos termos da lei, massim a lei que deve ser aplicada nos termos dos direitos fundamentais. Em consequência, nos dias dehoje, é inaceitável uma visão jurídica compreensiva dos direitos fundamentais como concessões.Sim, porque, tratando-se de concessões, desafiariam interpretação restritiva. Tem-se aqui o impériodo princípio in dubio contra libertatem. Conforme alerta Müller, “os direitos fundamentais não são o‘resto’ de tudo o que o indivíduo não pode fazer; eles não se definem pela subtração de todas asproibições (…). Eles são, em outras palavras, garantias materiais, determinadas positivamenteatravés de seu conteúdo”.36

Não se pretende, com isso, fazer a apologia de uma concepção individualista dos direitosfundamentais. Quer-se apenas insistir no fato de que o Estado, cuidando de seus interesses deve,ao mesmo tempo, observar os direitos fundamentais com o fim de procurar fazer justiça a todos.37

Então, contra a visão autoritária e estadista dos direitos fundamentais, e contra a visãoindividual-isolante das liberdades públicas, cumpre produzir a defesa da efetividade da Constituição,cabendo ao intérprete buscar a realização recíproca dos direitos, bens e valores constitucionais. Porisso, concorda-se que os direitos fundamentais “são posições jurídicas prima facie, sujeitas aponderações em face de situações de colisão de bens ou valores constitucionais no caso concreto”.38

É dentro desta linha, privilegiadora dos direitos fundamentais, mas não compromissada com umavisão individual-isolacionista de seu regime, que emerge a problemática da possibilidade delegislação restritiva.

A doutrina a respeito dos direitos fundamentais parece partilhar do entendimento segundo o qual asrestrições aos direitos fundamentais podem ser expressas ou implícitas. No primeiro caso asrestrições (a) ou estão desde logo definidas na Constituição ou (b) então estão previstas naConstituição, constituindo obra do legislador ordinário. No segundo caso, embora sem previsãoexpressa, é correto afirmar que a vida em comunidade e a exigência de conciliação entre direitos,bens e valores constitucionais reclama a consideração de certos limites imanentes aos direitosfundamentais que podem, inclusive, de modo abstrato, ser objeto de uma normativa ordinária (oproblema da colisão entre direitos, bens e liberdades constitucionais).

O direito de não sujeição prescrito no art. 5.º, LXVII, da CF/1988 (LGL\1988\3) encontra algunslimites no próprio programa normativo. Com efeito, a Lei Fundamental excepciona, desde logo, ashipóteses de inadimplemento de obrigação alimentícia e da infidelidade depositária. Para alémdestas exceções, cujos conceitos não podem sofrer desnaturação pelo legislador, não há previsãode lei restritiva (reserva de lei ou reserva qualificada de lei restritiva). Não obstante, com fundamentonas limitações imanentes, seria possível ao legislador, com o fim de prevenir colisões entre direitos,liberdades e bens constitucionais, e apoiado nos princípios da unidade da Constituição e daconcordância prática39 estabelecer legislação restritiva.

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Na hipótese de colisão de direitos, na lição de Manuel Afonso Vaz,40 o legislador pode, “na verdadeantecipar-se à probabilidade dos conflitos e conciliar genericamente os direitos, ou seja, é-lhepermitido restringir um direito, liberdade, garantia para salvaguardar outros direitos ou interessesconstitucionalmente protegidos”. Neste caso impõe-se a concordância prática entre os bens jurídicoscontrapostos, buscando--se uma solução legislativa conciliadora e harmonizadora. Deve ser feitauma coordenação de tal modo a que nenhum bem sofra quebra em sua identidade. Exatamente porisso nenhum direito ou bem jurídico pode, em abstrato, ser sacrificado à custa de outro.

Como não há uma ordem hierárquica de valores na Constituição (decorrência do princípio daunidade hierárquico-normativa), não pode haver nenhuma precedência de um valor, ou bemconstitucional sobre outro. Logo, sendo certo que as colisões podem alcançar confronto entredireitos, ou entre direitos e outros bens jurídicos (o interesse público, a segurança pública, a defesanacional), cumpre verificar se as leis restritivas não ocasionaram lesão a um dos termos da relaçãoconflituosa, resultando em desnecessário sacrifício a um direito ou a um bem constitucionalmenteprotegido.

No caso em análise, a pretexto de resguardar um interesse constitucionalmente protegido (ointeresse do Poder Público consistente em arrecadar os tributos de sua competência, compelindopara tanto os contribuintes), o Estado editou lei penal criminalizando o inadimplemento de obrigaçãotributária (tipo omissivo próprio – deixar de recolher). Na hipótese, se estava autorizado a legislarsobre matéria penal, não poderia exercitar tal competência para restringir, a pretexto de defenderdeterminado bem ou interesse, até o ponto de nulificar o direito de não sujeição proclamado no art.5.º, LXVII, da CF/1988 (LGL\1988\3). Houve, aqui, um abuso de competência, um excessolegislativo, que afronta os perímetros da atuação do Estado em matéria de restrição de direitosfundamentais. Tão considerável foi o excesso que o Estado, com os dispositivos penais em questão,interferiu no núcleo essencial do direito de não sujeição à privação de liberdade por dívida. Nesteparticular, perpetrou o Legislador, claríssima ofensa a um conteúdo sob reserva material absoluta deConstituição.41 Quer-se com isso afirmar que, se o conteúdo total dos direitos fundamentais configurauma reserva de Constituição, tendo em conta a possibilidade de leis restritivas, referida reserva podeser tida como relativa. Não obstante, com restrição ou sem restrição, há um núcleo essencial quenão está à disposição nem do poder de emenda, nem do legislador ordinário (lei de restrição).Quanto ao núcleo essencial, este consubstancia verdadeira reserva material absoluta deConstituição, não podendo, em hipótese alguma sofrer limitação em face da atuação do PoderPúblico, mesmo do legislador, não importa sob qual pretexto ou fundamento. Foi, não obstante,precisamente o que ocorreu.

9. O direito penal como legislação compressiva e o problema do núcleo essencial

Consiste o direito penal em disciplina que condensa duas variáveis aparentemente contraditórias.Por um lado, é instrumento pelo do qual o Estado protege os direitos fundamentais. Deveras, namedida em que criminaliza o homicídio, está a proteger o direito fundamental à vida. Por outro lado,porém, implica também um mecanismo pelo qual o Estado comprime direitos fundamentais, daí porque consiste em normativa restritiva. Neste caso, as restrições aos direitos fundamentais sãoestabelecidas pelo direito penal por meio da tipificação de condutas com o fito de harmonizar bens eposições jurídicas e, então, mesmo de prevenir colisões envolvendo direitos entre si ou direitos eoutros bens jurídicos constitucionalmente protegidos. É evidente que, nesta última hipótese, aatividade legislativa pressupõe harmonização, carga coativa moderada, e o compromisso com amenor intervenção possível, isto tudo para, observado o princípio da concordância prática, manterincólumes as identidades dos bens e direitos em questão, nomeadamente o núcleo essencial dodireito integrante de um dos termos do conflito. E neste ponto cumpre lembrar com José CarlosVieira de Andrade que: “Deve configurar-se em cada direito fundamental um núcleo essencial deprotecção máxima, que inclui as situações ou modos primários típicos de exercício dos direitos (eque julgamos corresponder ao conteúdo essencial do direito, no plano axiológico-normativo) (…)” 42

(grifos nossos). Pois o conteúdo essencial referido foi agredido pela legislação penal em comento.

Ensinam José Joaquim Gomes Canotilho e Vital Moreira, em lição também adequada ao direitobrasileiro, que as restrições ao direito à liberdade, que se traduzem em medidas de privação total ouparcial dela, constituindo restrições a um direito fundamental integrante da categoria dos direitos,liberdades e garantias, “só podem ser estabelecidas para proteger os direitos ou interessesconstitucionalmente protegidos, devendo limitar-se ao necessário para os proteger. Tais princípiosvinculam o legislador na definição dessas medidas e o aplicador delas (designadamente o juiz)”.43 Ou

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seja, nos termos da Constituição, e à luz dos direitos fundamentais, o direito penal enquanto plexonormativo disciplinador de restrições e compressões a um direito só pode ser compreendido comodireito penal mínimo. Não há lugar, portanto, na Constituição brasileira, para um direito penalmáximo, devendo sofrer censura judicial, por invalidade decorrente de inconstitucionalidade, acriminalização de condutas não ofensivas a direitos e bens constitucionalmente protegidos, ou abanalização do direito penal consistente em tudo criminalizar, até o ponto de nulificar determinadodireito, liberdade ou garantia, em decorrência da inobservância de seu núcleo essencial.

Ora, os dispositivos penais em análise indisputavelmente quebraram o núcleo essencial do direito denão sujeição à pena privativa de liberdade em decorrência de dívida proclamado pelo art. 5.º, LXVII,do Estatuto Político da República, daí por que são, também por esta razão, inconstitucionais.Afirme-se com veemência: há um núcleo essencial nos direitos fundamentais, um “reduto últimointransponível por qualquer medida legal restritiva”,44 de modo que o seu transpassamento implicavício de inconstitucionalidade.

E, por acaso, o reduto último intransponível (Canotilho) do direito de não sujeição à privação deliberdade por razão de dívida não foi ultrapassado pelo legislador penal? Lamentavelmente, é certoque sim, na medida em que restou criminalizada conduta configuradora de mero inadimplemento deobrigação pecuniária da qual, nos termos da Constituição, não pode decorrer nem mesmo adecretação de prisão civil. Advirta-se: assim como o poder de tributar não envolve o poder dedestruir, máxima retirada da experiência constitucional americana, também o poder de legislar(mesmo sobre matéria penal) não envolve o poder de destruir (o núcleo essencial de um direitofundamental).

Mas a inconstitucionalidade dos dispositivos anunciados não decorre apenas disso. Os tipos penaisem questão padecem de vício de inconstitucionalidade também por outro fundamento. Deveras,referidos dispositivos agridem, para além do que já foi anunciado, o princípio constitucional daproporcionalidade, como será demonstrado a seguir.

10. O princípio da proporcionalidade

É Almiro do Couto e Silva quem diz que:

“É antiga no direito a ideia de que a reação há de ser proporcional à ação ou que as providênciasadotadas pelos particulares ou pelo Estado com relação aos interesses das demais pessoas ou dosadministrados devem ser adequadas a esses mesmos interesses, proibindo-se medidas excessivas.O direito penal é permeado por essa ideia. No direito privado, a noção de abuso de direito exprime-aclaramente. É ela que, no direito administrativo, sempre constituiu um dos maiores limitadores e umdos freios mais fortes à discricionariedade. Não é por acaso que a frase célebre, que maisexpressivamente a caracteriza, a que afirma que não se deve usar de canhões para matar pardais, éde um grande administrativista deste século, Walter Jellinek. Mais recentemente, a partir dos anos60, no direito administrativo francês, as noções de erro manifesto de apreciação e de balanço decustos e benefícios, empregados, este último, sobretudo para aferir, nas desapropriações, a corretasubsunção do caso concreto ao conceito jurídico indeterminado de utilidade pública, tornaram-semeios poderosos de proteção do indivíduo frente ao Estado. Na Inglaterra e nos Estados Unidos elaassume as vestes da ‘razoabilidade’, que é, sabidamente, naqueles sistemas jurídicos, o instrumentopor excelência de verificação da conformidade com o direito dos atos do Estado. Quando seproclama, na aurora do direito constitucional americano, que o poder de tributar não envolve o poderde destruir, a noção de razoabilidade é que identifica o excesso vedado. E, no princípio do devidoprocesso legal, é essa mesma noção de razoabilidade que tem um papel decisivo, como medida queidentifica a ilicitude ou a ilicitude da providência, mesmo quando tomada por via legislativa. Nopós-guerra, o direito constitucional alemão, guiado pelas decisões do Tribunal Constitucional daRepública Federal, deu enorme ênfase ao princípio da proporcionalidade, também chamado deprincípio da proibição de excesso. O grande avanço que isso significou no direito constitucionaleuropeu foi o de haver elevado ali pela primeira vez ao plano do direito constitucional, dando-lhe adignidade de princípio jurídico de ampla abrangência, uma ideia que, como vimos, sem dúvidanenhuma era importante nos diferentes setores do direito, mas que até então só encontravaaplicação particularizada nesses mesmos setores, sem nunca assumir a posição de limite à discriçãodo legislador. É inevitável, nesse particular, o contraste com os Estados Unidos onde muito cedo elaassim foi reconhecida, embora lá se empregue outra terminologia ou outro jargão técnico. AConstituição brasileira de 1988 acolheu, de modo expresso, o princípio do devido processo legal. Por

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outro lado, é notória a influência que, desde a Constituição de 1934, passou a exercer sobre o nossodireito constitucional o direito constitucional alemão.”45

Como se vê, o princípio da proporcionalidade condiciona a atuação do Estado legislador de modo aobstaculizar o abuso legislativo ou a fraude constitucional por meio da lei. Consubstancia, naspalavras de Suzana de Toledo Barros, “garantia especial, traduzida na exigência de que todaintervenção estatal nessa esfera se dê por necessidade, de forma adequada e na justa medida,objetivando a máxima eficácia e otimização dos vários direitos fundamentais concorrentes (Hesse)”.46

Traduz, referido princípio constitucional, portanto, parâmetro para o exercício da constitucionalidadede atos legislativos, seja em sede de fiscalização concreta, seja em sede de fiscalização abstrata,47

prestando-se, bem por isso, igualmente, para figurar como fundamento do recurso extraordinário (art.102, III, da CF/1988 (LGL\1988\3)).

Na Constituição de 1988, o princípio da proporcionalidade, sobre derivar do Estado de Direito (art.1.º), confunde-se com o princípio do devido processo legal substancial previsto no art. 5.º, LIV, daCF/1988 (LGL\1988\3), segundo o qual “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem odevido processo legal”.48

Exige o princípio da proporcionalidade que, no âmbito dos direitos e garantias, qualquer limitaçãofeita por lei ou com base na lei seja adequada (apropriada), necessária (exigível) e proporcional (comjusta medida). Segundo José Joaquim Gomes Canotilho:

“(…) a exigência da adequação aponta para a necessidade de a medida restritiva ser apropriadapara a prossecução dos fins invocados pela lei (conformidade com os fins) (…) a exigência danecessidade pretende evitar a adopção de medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias que,embora adequadas, não são necessárias para se obterem os fins de protecção visados pelaConstituição ou lei. Uma medida será então exigível ou necessária quando não for possível escolheroutro meio igualmente eficaz, mas menos ‘coactivo’ relativamente aos direitos restringidos (…) oprincípio da proporcionalidade em sentido estrito (= princípio da justa medida), significa que uma leirestritiva, mesmo adequada e necessária, pode ser inconstitucional, quando adopte ‘cargascoactivas’ de direitos, liberdades e garantidas ‘desmedidas’, ‘desajustadas’, ‘excessivas’ ou‘desproporcionadas’ em relação aos resultados obtidos”49 (grifos nossos).

11. O STF e o princípio da proporcionalidade

O STF não desconhece o princípio da proporcionalidade. Pelo contrário, em inúmeros casos aSuprema Corte valeu-se deste princípio para fundamentar suas decisões. A evolução dajurisprudência do STF nessa matéria foi estudada por Carlos Roberto de Siqueira Castro, Suzana deToledo Barros, Raquel Denize Stumm e Gilmar Ferreira Mendes.50 Com apoio nessa importanteliteratura, importa fazer a síntese do processo evolutivo.

No RE 18.331(RF 145/164-169), em que se discutia a respeito dos limites da competência legislativaem matéria tributária, assentou, a Excelsa Corte, que:

“(…) o poder de taxar não pode chegar à desmedida do poder de destruir, uma vez que aquelesomente pode ser exercido dentro dos limites que o tornem compatível com a liberdade de trabalho,de comércio e de indústria e com o direito de propriedade. É um poder, em suma, cujo exercício nãodeve ir até o abuso, o excesso, o desvio, sendo aplicável, ainda aqui, a doutrina do détounement depouvoir”.

Em outro caso, em que polemizava-se a respeito da constitucionalidade de determinado dispositivolegal que concedia benefício a certo serventuário da Justiça do Estado de São Paulo (RMS 16.912,de 31.08.1967; RTJ 45/530-545), a E. Corte decidiu fazendo uso da noção de abuso. No HC 45.232,de 21.02.1968 (RTJ 44/322-334), no qual se invocou a inconstitucionalidade do art. 48 do Dec.-lei314/1967 (Lei de Segurança Nacional (LGL\1983\22)) o seu relator, Min. Themístocles Cavalcanti,procedeu a uma profunda análise acerca da constitucionalidade do dispositivo “concluindo peladesproporcionalidade das medidas adotadas em caso de prisão em flagrante ou denúncia por crimedefinido como atentado à segurança nacional”. No julgamento da Representação 930/ DF, de05.05.1976 (DJU 02.09.1977), no qual se discutia a respeito da constitucionalidade daregulamentação do exercício da profissão de corretor de imóveis, a C. Corte acatou as ponderaçõesdo Min. Rodrigues Alckmin, no sentido de que “a regulamentação dessa profissão, portanto, em

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princípio, já não atende às exigências de justificação, adequação, proporcionalidade e restrição, queconstituem o critério de razoabilidade, indispensável para legitimar o poder de polícia”. Decisõespautadas no princípio da proporcionalidade, expressamente ou implicitamente invocados, sãoencontradas ainda na Representação 1.054, de 04.04.1984 (RTJ 110/937-978) e na ADIn 855-2/PR (DJU 01.10.1993). Nesta ação direta, discutiu-se a respeito da constitucionalidade de lei estadual queprevia a obrigatoriedade de pesagem de botijão de gás à vista do consumidor. O STF, julgandoprocedente o pedido de cautelar, assim ementou a sua decisão:

“Gás liquefeito de petróleo; lei estadual que determina a pesagem de botijões entregues ourecebidos para substituição à vista do consumidor, com pagamento imediato da eventual diferença amenor: arguição de inconstitucionalidade fundada nos arts. 22, IV e VI (energia e metrologia), 24 e§§, 25, § 2.º, e 238, além de violação ao princípio da proporcionalidade e razoabilidade das leisrestritivas de direitos: plausibilidade jurídica da arguição que aconselha a suspensão cautelar da leiimpugnada, a fim de evitar danos irreparáveis à economia do setor, no caso de vir a declarar-se ainconstitucionalidade: liminar deferida. (…) coroando a jurisprudência sobre a aplicação do princípioda proporcionalidade no controle de constitucionalidade, o T. Pleno do STF, em 19.12.1994, nojulgamento da medida liminar requerida na ADin 1.158-8, ratificou a tese de que a norma legal devese justificar a partir dela mesma, podendo ser detectado o vício da desarrazoabilidade, ainda quandonão se trate de norma restritiva de direito. O dispositivo legal impugnado (art. 9.º, § 2.º, da Lei1.897/1989) referia-se à extensão da vantagem pecuniária de 1/3 da remuneração, a ser paga porocasião das férias, aos servidores inativos do Estado do Amazonas.”51

Concorde-se, então, que, sobre referido princípio estar contemplado expressamente na ConstituiçãoFederal (LGL\1988\3), para além de traduzir desdobramento necessário do princípio constitucionalestruturante do Estado de Direito, o STF, com decisões anteriores e posteriores à nova LeiFundamental, reconhece o seu peso como determinante heterônoma da atividade legislativa doEstado. Percebe-se que o STF aproveita tanto a experiência norte-americana (princípio do devidoprocesso legal no sentido substancial), quanto a experiência continental-europeia, designadamente aalemã (princípio da proporcionalidade). Parece ser possível, então, definir que, no Brasil, como naAlemanha:

“(…) o meio empregado pelo legislador deve ser adequado e necessário para alcançar o objetivoprocurado. O meio é adequado quanto com seu auxílio se pode alcançar o resultado desejado; énecessário quando o legislador não poderia ter escolhido outro meio, igualmente eficaz, mas que nãolimitasse ou limitasse da maneira menos sensível o direito fundamental.”52

12. O tipo penal e a ofensa ao princípio da proporcionalidade

Não é difícil demonstrar que o disposto no art. 95, d, da Lei 8.212/1991 (assim como no art. 2.º, II, daLei 8.137/1990) ofende o princípio constitucional da proporcionalidade.

Admita-se que a medida (criminalização da conduta omissiva consistente em não recolher tributodevido) é apropriada para a prossecução dos fins almejados: compelir o contribuinte ou responsávela pagar os montantes devidos a título de incidência de norma tributária. Haverá, aqui, a satisfação doprimeiro desdobramento do princípio da proporcionalidade. Todavia, quanto aos demaisdesdobramentos, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito (= justa medida), não seencontram satisfeitos.

A medida, em primeiro lugar, não é necessária. Como antes apontado, uma medida “será exigível ounecessária quando não for possível escolher outro meio igualmente eficaz, mas menos coactivos”,53

relativamente aos direitos restringidos. É evidente que o legislador se excedeu. Ele não está atipificar conduta fraudulenta, o abuso de confiança (como faz a lei penal-tributária portuguesa, v.g.,ou a legislação brasileira revogada), a apropriação em proveito próprio, mas apenas, por meio de umtipo omissivo próprio, a conduta (no sentido genérico) consistente em não pagar (satisfazer)obrigação tributária. Todos concordarão que, para forçar o contribuinte a satisfazer sua obrigaçãotributária, o Estado-legislador poderia não apenas escolher outros meios como, inclusive, já ospossui. Com efeito, está aí a lei de execução fiscal oferecendo os instrumentos suficientes para oPoder Público cobrar seus créditos. Ademais, a própria previsão do art. 195, § 3.º, da CF/1988(LGL\1988\3) segundo a qual: “A pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social,como estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber benefícios ouincentivos fiscais ou creditícios”, já traz uma carga coativa suficiente para induzir o pagamento, pelossub-rogados, das contribuições eventualmente não recolhidas a tempo. Trata-se, portanto, a

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previsão penal, de medida desnecessária, inexigível, dotada de uma carga coativa exagerada, sendocerto que outros instrumentos já estão, por força de previsão legal, à disposição do órgãoarrecadador para alcançar a satisfação de seus créditos. Novos mecanismos, além disso, poderiamser criados, mas sempre dentro do território delimitado pelas exigências de necessidade,exigibilidade e menor ingerência possível (menor carga coativa). É inconstitucional, então, por estefundamento, o art. 95, d, da Lei 8.212/1991.

A medida, depois, é desproporcional, agredindo o princípio da justa medida. E, por isso mesmo,excessiva, desajustada, irracional e desarrazoada, resultando na aniquilação injustificada do direitode não sujeição à privação da liberdade por dívida, previsto no art. 5.º, LXVII, da Lei Fundamental daRepública. Neste ponto é preciso lembrar que o interesse protegido pela norma penal (arrecadaçãodo Estado), não é suficiente para justificar a aniquilação do direito fundamental. Reitere--se: o poderde legislar não implica o de destruir!

O excesso da norma penal apontada decorre também da pena prevista para a conduta definidacomo criminosa. Deveras, ao crime previsto no art. 2.º, II, da Lei 8.137/1990, comina-se pena dedetenção de seis meses a dois anos e multa, enquanto para aquele previsto no art. 95, d, da Lei8.212/1991 comina-se pena de reclusão de dois a seis anos e multa. Não obstante, os tipos são osmesmos, distinguindo--se apenas na circunstância de que o segundo aplica-se unicamente acontribuições previdenciárias, enquanto o primeiro aplica-se aos demais tributos, inclusive asrestantes contribuições. O bem tutelado pela segunda lei penal não é superior àquele tutelado pelaprimeira (aliás é, rigorosamente, o mesmo). Parece correto, portanto, afirmar que é descabida aprevisão de penas distintas. Daí por que o fato de a segunda lei prever pena mais exasperada,implica quebra do princípio da proporcionalidade na dimensão da justa medida, da razoabilidade e daracionalidade. Aliás, a simples circunstância de prever pena injustificadamente (desde o prismaconstitucional) diferenciada para o crime de não recolhimento de contribuições previdenciáriasdemonstra o aproveitamento utilitário da lei penal pelo Estado como remédio para a séria crise pelaqual passa o sistema previdenciário. Há, pois, no comportamento estatal, excesso, abuso, desvio depoder legislativo.

Como se vê, tratando-se de medida legislativa injusta, excessiva, desnecessária e inexigível,encontra-se plenamente caracterizada ofensa ao Estatuto Fundamental da República, decorrente deinobservância do princípio constitucional da proporcionalidade.

A Corte Constitucional alemã também já teve ocasião de reconhecer a inconstitucionalidade de leipenal por ofensa ao princípio da proporcionalidade. Pede-se licença para transcrever o comentáriode Suzana de Toledo Barros a respeito da decisão em tela, não apenas pela sua importância, mastambém em função da sua inequívoca pertinência para o caso em estudo, mas, sobretudo, porque oSTF vai firmando, embora cautelosamente, uma linha de argumentação quanto ao princípio daproporcionalidade, nos casos submetidos à sua apreciação, que não se distancia daqueladesenvolvida por aquela Corte Constitucional.

“Para ilustrar um juízo de proporcionalidade em sentido amplo desenvolvido pelo judiciário, cita-se ojulgamento da Corte Constitucional alemã em razão da reforma penal de 18.06.1974, que modificouas condições de punibilidade do aborto. A questão levada ao Tribunal estava relacionada com oprazo para a interrupção da gravidez. Segundo o dispositivo legal examinado, esta interrupção nãoseria punível, em determinadas situações elencadas, ‘durante as 12 primeiras semanas seguintes àconcepção’. A Corte Constitucional declarou a incompatibilidade desta disposição com o art. 2.º, 2,primeira parte, da Lei Fundamental, que garante o direito à vida e à integridade física, entendendoque a norma de direito fundamental também se destina à proteção da vida da mãe. A decisãoocorreu em três etapas. Na primeira, foi reconhecida ‘uma situação de tensão entre a proteção davida do nascituro e a liberdade da mãe’. Depois de haver comprovado a colisão entre direitos deigual hierarquia (D1 e D2), o Tribunal, sopesando vários argumentos, estabeleceu uma precedênciagenérica de D1 sobre D2, no sentido de que a vida do feto, em princípio, desfruta da prevalênciasobre a liberdade da mulher de dispor sobre si mesma e que o Estado também tem obrigação deproteger a vida em formação perante o direito da mãe. Essa precedência genérica foi, entretanto,ponderada em uma derradeira etapa, na qual se concluiu que, em face de circunstâncias especiais,principalmente quando existe perigo de vida para a mulher ou quando a gravidez resulta de crime,não se poderia exigir da afetada suportar esta gravidez, independentemente do estágio dedesenvolvimento do feto. Em homenagem ao princípio da proporcionalidade entre meios e fins, otribunal julgou o prazo de 120 dias atentatório à esfera de direitos da mãe.”54

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A decisão em comento, com o reconhecimento de que o prazo estabelecido pela norma penal éatentatório à esfera de direitos da mãe, modificou, implicitamente, o tipo penal, para o fim de admitira interrupção da gravidez, sem que isso importasse a realização do tipo, mesmo após aquele prazo,se as circunstâncias isso exigissem. Foi, por consequência, com fundamento no princípio daproporcionalidade, declarada a inconstitucionalidade da norma penal na parte em que limitava ainterrupção da gravidez ao prazo exíguo contado a partir da concepção.

Se no caso trazido à colação houve o reconhecimento da inconstitucionalidade parcial da normapenal, na problemática que constitui objeto do presente parecer importa aceitar que todo odispositivo (art. 95, d, da Lei 8.212/1991) merece censura.

13. Conclusões

Diante de todo o exposto, cumpre apresentar as conclusões:

1. O direito de defesa plasmado do art. 5.º, LXVII, da CF (LGL\1988\3)/1998, configura um verdadeirodireito fundamental, submetido ao regime dos direitos fundamentais dedutível da Lei Fundamental daRepública.

2. Tratando-se de um direito fundamental, deve ser interpretado de modo ajustado. A interpretaçãoliteral e apressada do dispositivo não dá conta de seu sentido, sendo certo que, ademais disso,contribui para o seu amesquinhamento.

3. Desde uma interpretação compromissada com a efetividade da Constituição e com a forçanormativa vinculante dos direitos fundamentais, o direito de não sujeição referido proíbe não apenasa prisão civil por dívida. Proíbe, também, o que é curial, qualquer tipo de privação de liberdade,inclusive de natureza penal.

4. À luz de uma teoria da argumentação jurídica, parece indisputável que se o menos está proibido,com muito mais razão está também interditado o mais (“a lei que proíbe o menos proíbe o mais”;argumento a minori ad maius).

5. Transformar a não satisfação de uma dívida civil em crime consubstancia expediente reprochável,capaz, por si só, de traduzir fraude à Constituição.

6. Entre as dimensões do direito de defesa inscrito no art. 5.º, LXVII, da Carta de 1988, encontra-seaquela substanciadora de posição (outorgada ao cidadão e oponível ao Estado) exigente da nãorevogação de normas definidoras de conceitos e institutos asseguradores de situações jurídicas devantagem. O fato de o Estado legislar para agredir a posição do contribuinte inadimplente paratransformá-lo em criminoso (deslocamento do conceito de dívida civil para o território da condutacriminosa) implica inconstitucionalidade, ainda que sutil.

7. A competência para legislar em matéria penal não autoriza o Estado a criminalizar qualquerconduta. Por isso, tratando-se a legislação penal de típica lei restritiva de direitos, deve ser utilizadapara prevenir e reprimir as condutas desviantes ofensivas de valores, interesses e bens jurídicosagasalhados pela Constituição. Neste caso, não obstante, o princípio da reserva de lei em matériapenal deve ser compreendido como reserva de lei proporcional. Daí por que, à luz da Constituição de1988, não há lugar para um direito penal máximo. Tendo em conta os direitos fundamentais, afuncionalidade e os limites das leis restritivas, o direito penal, no sistema constitucional brasileiro,deve se circunscrever aos limites de um direito penal necessário (e, por isso, mínimo).

8. O legislador, por meio do direito penal, como afirmado, tratando-se (a penal) de lei compressiva,poderá restringir direitos fundamentais para o fim de resguardar outros valores, bens e interessesconstitucionais (limites imanentes aos direitos fundamentais). Neste caso, porém, não poderáinterferir no núcleo essencial do direito eventualmente comprimido. Por outro lado, a legislaçãorestritiva, mesmo a de caráter penal, deve se adequar ao princípio da proporcionalidade. Por isso,deve ser justificada, necessária, exigível, adequada e não excessiva.

9. O art. 95, d, da Lei 8.212/1991, ao instituir um crime omissivo próprio (mera conduta) consistenteno não recolhimento a tempo de quantia deduzida a título de incidência de contribuiçãoprevidenciária, ofendeu o núcleo essencial do direito de não sujeição à privação de liberdade pordívidas plasmado na Constituição. Por outro lado, tratando-se de medida desnecessária e inexigível,

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dada a circunstância de que instrumentos menos graves estavam à disposição do Estadoarrecadador, enquanto outros dotados de carga coativa menor (princípio da menor ingerência)poderiam ter sido criados, padece, por isso mesmo, do vício de inconstitucionalidade. Nãobastassem esses dados, a lei penal referida é inconstitucional igualmente por substanciar medidaexcessiva e desmedida (ofensa ao princípio da justa medida). Aliás, o simples fato de, para ummesmo tipo de conduta, o Legislador fixar penas tão radicalmente distintas (confronto entre oscrimes previstos nos arts. 2.º, II, da Lei 8.137/1990 e 95, d, da Lei 8.212/1991), demonstra comeloquência que o Estado se excedeu, violentando, em face do abuso do Poder Legislativo, oprincípio constitucional da proporcionalidade.

14. Resposta à consulta

Quesito único. A norma penal que tipifica como crime a conduta consistente em deixar de recolher,na época própria, contribuição ou outra importância devida à Seguridade Social e arrecadada dossegurados ou do público, é inconstitucional?

Resposta: Ao único quesito formulado pelo consulente cumpre responder sim, semelhante normapenal é inequivocamente inconstitucional.

Este é o parecer.

NA A matéria atinente ao conteúdo deste parecer sofreu o influxo de modificações legislativas e najurisprudência. Para o Autor, todavia, as mudanças não são suficientes para a reforma doentendimento manifestado no parecer.

1. O art. 11 da Lei 9.639/1998 anistiou os agentes políticos responsabilizados, sem que fosseatribuição legal sua, pela prática dos crimes previstos no art. 95, d, da Lei 8.212/1991 e, em seuparágrafo único, estendeu a anistia aos demais responsabilizados pelas práticas dos crimesprevistos no dispositivo legal em questão.

2. O STF, ao julgar os Habeas Corpus 77.724 e 77.734, declarou a inconstitucionalidade, por vícioformal de falta de aprovação do Congresso, do parágrafo único do art. 11 da Lei 9.639/1998,explicitando que essa declaração tinha efeitos ex tunc.

3. O art. 1.º da Lei 9.983/2000 incluiu no Código Penal (LGL\1940\2) o art. 168-A, que no seu § 1.º, Itraz previsão quase idêntica ao previsto no art. 95, d, da Lei 8.212/1991. O art. 3.º da Lei 9.983/2000revogou o art. 95, d, da Lei 8.212/1991.

4. Foi editada a Súmula 65 do TRF-4.ª Reg.: “A pena decorrente do crime de omissão norecolhimento de contribuições previdenciárias não constitui prisão por dívida”.

5. O Min. Joaquim Barbosa, julgando o HC 91704/PR (data: 06.05.2008) assim decidiu: “1. A normapenal incriminadora da omissão no recolhimento de contribuição previdenciária – art. 168-A do CP(LGL\1940\2) – é perfeitamente válida. Aquele que o pratica não é submetido à prisão civil por dívida,mas sim responde pela prática do delito em questão”.

1 Pimentel, Manoel Pedro. Apropriação indébita por mera semelhança. Revista dos Tribunais. vol.451. p. 325. São Paulo: Ed. RT, 1973.

2 Kipper, Celso. Breves considerações sobre o não recolhimento de contribuições previdenciáriasdescontadas dos empregados. Revista Estudos Jurídicos. vol. 2. n. 1, p. 129-130. Curitiba:Champagnat, 1995.

3 Kipper, Celso. Op. cit., p. 131.

4 Machado, Hugo de Brito. Temas de direito tributário II. São Paulo: Ed. RT, 1994. p. 164-165.

5 Derzi, Misabel Abreu Machado. Da unidade do injusto no direito penal tributário. Revista de DireitoTributário. n. 63. p. 223. São Paulo: Malheiros, 1994.

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6 Salomão, Heloísa Estellita. Crime de não recolhimento de contribuições previdenciárias. RevistaDialética de Direito Tributário. n. 6. p. 36-47. São Paulo: Dialética, 1996.

7 Carrazza, Roque Antonio. A extinção da punibilidade no parcelamento de contribuiçõesprevidenciárias descontadas, por entidades beneficentes de assistência social, dos seusempregados e não recolhidas no prazo legal. Questões conexas. Revista de Direito Tributário. n.728. p. 433- 450. São Paulo: Malheiros, 1996.

8 Scholz, Leônidas Ribeiro. Sonegação fiscal e crimes contra a ordem tributária. Algumasconsiderações sobre as Leis 4.729/65, 8.137/90 e 8.383/91. Revista dos Tribunais. vol. 708. p. 424.São Paulo: Ed. RT, 1994.

9 Carrazza, Roque Antônio. Op. cit., p. 435.

10 Falcão, Alcino Pinto. Comentários à Constituição. Rio de Janeiro: Biblioteca Jurídica FreitasBastos, 1990. vol. 1, p. 291.

11 Decomain, Pedro Roberto. Crimes contra a ordem tributária. 2. ed. Florianópolis: Obra Jurídica,1995. p. 94.

12 Andrade Filho, Edmar Oliveira. Direito penal tributário. Crimes contra a ordem tributária. SãoPaulo: Atlas, 1995. p. 112.

13 Rocha, Luiz Coelho da. A Lei 8.137 e a prisão por débito tributário. Revista de Direito Mercantil. n.87. p. 68. São Paulo: Malheiros, 1982.

14 Canotilho, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador. Coimbra:Coimbra Ed., 1982.

15 Ascensão. José de Oliveira. O direito, introdução e teoria geral. Coimbra: Almedina, 1991. p. 445.

16 Müller, Friedrich. Concepções modernas e a interpretação dos direitos humanos. Conferêncianacional da OAB, XV, 1994. Anais… Foz do Iguaçu: OAB, 1994. p. 100-106.

17 Machado, Hugo de Brito. Depositário infiel e dívida de tributo. Repertório IOB de Jurisprudência.n. 14. p. 230. São Paulo: IOB, 1994.

18 Campos, Dejalma de. O crime de sonegação fiscal: evolução legislativa; análise do tipo na leivigente (Lei 8.137/90); sonegação e simples inadimplemento (CF (LGL\1988\3), art. 5.º LXVII). In:________; Oliveira, Antônio Cláudio Mariz (coord.) Direito penal tributário contemporâneo, estudosde especialistas. São Paulo: Atlas, 1995. p. 40; Salomão, Heloisa Estellita. O crime de sonegaçãofiscal: evolução legislativa; análise do tipo na lei vigente (Lei 8.137/90); sonegação e simplesinadimplemento (CF (LGL\1988\3), art. 5.º, LXVII). In: Campos, Dejalma de; Oliveira, Antônio CláudioMariz (coord.) Direito penal tributário contemporâneo, estudos de especialistas. São Paulo: Atlas,1995. p. 9; Jardim, Eduardo Marcial Ferreira. Infração tributária não é crime. Revista de CríticaLiterária. p. 5. São Paulo, ago. 1995; Derzi, Misabel Abreu Machado. Crimes contra a ordemtributária, normas penais em branco e legalidade rígida. Repertório IOB de Jurisprudência. n. 13. p.24. São Paulo: IOB, 1985.

19 Vaz, Manuel Afonso. Lei e reserva da lei. A causa da lei na Constituição portuguesa de 1976.Porto: Universidade Catholica Lusitana, 1992.

20 Alexy, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de EstudiosConstitucionales, 1993.

21 “Uma norma é aquilo que expressa um enunciado normativo.” Tradução livre.

22 Barros, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle da constitucionalidadedas leis restritivas de direitos fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 1996. p. 134.

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23 Idem, ibidem.

24 Alexy, Robert. Op. cit., p. 186-187.

25 Idem, p. 188.

26 Idem, p. 189.

27 Idem, p. 192.

28 Barros, Suzana de Toledo. Op. cit., p. 143.

29 Alexy, Robert. Op. cit., p. 240.

30 Miranda, Jorge. Manual de direito constitucional: introdução à teoria da Constituição. 2. ed.Coimbra: Coimbra Ed., 1988. t. II, p. 188.

31 Dworkin, Ronald. Los derechos en serio. Barcelona: Ariel, 1989.

32 Sobre a questão conferir: Clève, Clèmerson Merlin. Temas de direito constitucional (e de teoria dodireito). São Paulo: Acadêmica, 1993. p. 36-55.

33 Hesse, Konrad. A força normativa da Constituição. Porto Alegre: Sergio Fabris Ed., 1991.

34 Loewenstein, Karl. Teoría de la Constitución. Barcelona: Ariel, 1986.

35 Alexy, Robert. Op. cit., p. 194.

36 Müller, Friedrich. Op. cit., p. 100.

37 Idem, p. 102.

38 Barros, Suzana de Toledo. Op. cit., p. 157.

39 Hesse, Konrad. Escritos de derecho constitucional. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales,1992. p. 33-54.

40 Vaz, Manuel Afonso. Op. cit., p. 323.

41 Vaz, Manuel Afonso. Op. cit., p. 327.

42 Andrade, José Carlos Vieira. Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976.Coimbra: Almedina, 1987. p. 223.

43 Canotilho, José Joaquim Gomes; Moreira, Vital. Constituição da República Portuguesa Anotada.3. ed. Coimbra: Coimbra Ed., 1993. p. 184-185.

44 Canotilho, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. Coimbra: Almedina, 1991. p. 633.

45 Silva, Almiro do Couto e. Prefácio. In: Stumm, Raquel Denize. Princípio da proporcionalidade nodireito constitucional brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995.

46 Barros, Suzana de Toledo. Op. cit., p. 89.

47 Conferir: Clève, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata de constitucionalidade no direitobrasileiro. São Paulo: Ed. RT, 1995.

48 Castro, Carlos Roberto de Siqueira. O devido processo legal e a razoabili ??dade das leis na novaConstituição do Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1989.

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49 Canotilho, José Joaquim Gomes. Direito constitucional cit., p. 628.

50 Castro, Carlos Roberto de Siqueira. Op. cit.; Barros, Suzana de Toledo. Op. cit.; Stumm, RaquelDenize. Principio da proporcionalidade no direito constitucional brasileiro. Porto Alegre: Livraria doAdvogado, 1995; e Mendes, Gilmar Ferreira. A proporcionalidade na jurisprudência do STF.Repertório IOB de Jurisprudência. n. 23. p. 469-475. São Paulo: IOB, 1994.

51 Barros, Suzana de Toledo. Op. cit., p. 123.

52 Cf. Corte Constitucional Alemã BVerfGE 30292. In: Bonavides, Paulo. Curso de direitoconstitucional. São Paulo: Malheiros, 1993. p. 330.

53 Canotilho, José Joaquim Gomes. Direito constitucional cit., p. 629.

54 Barros, Suzana de Toledo. Op. cit., p. 81 e ss.

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