Conhecimento científico

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Conhecimento científico 1.Distinguir o Senso Comum do Conhecimento Científico O conhecimento vulgar ou de senso comum abrange as crenças amplamente partilhadas pelos seres humanos. A justificação dessas crenças resulta da experiência coletiva e acumulada ao longo de muitas gerações. O conhecimento popular caracteriza-se por ser predominantemente: - superficial, isto é, conforma-se com a aparência, com aquilo que se pode comprovar simplesmente estando junto das coisas: expressa-se por frases como "porque o vi", "porque o senti", "porque o disseram", "porque toda a gente o diz"; - sensitivo, ou seja, referente a vivências, estados de ânimo e emo- ções da vida diária; - subjectivo, pois é o próprio sujeito que organiza as suas expe- riências e conhecimentos, tanto os que adquire por vivência própria quanto os "por ouvir dizer"; - assistemático e desorganizado, pois não constitui um corpo organizado de conhecimento. - acrítico, pois verdadeiros ou não, a pretensão de que esses conhe- cimentos o sejam não se manifesta sempre de uma forma crítica; - imetódico e indisciplinar, pois o senso comum não possui meios para fazer a distinção entre o antecedente casual e o antecedente causal. As suas pretensas explicações ou se confinam a aparências, ou se fundam em coincidências. - directo; espontâneo; imediato; diverso e heterogéneo; - reconhecimento, isto é, as coisas não são como gostaríamos que fossem, ou como nos ensinaram a ver; - utilitário ou pragmático, pois serve essencialmente para resolver os problemas do quotidiano. - retórico e metafórico, pois não ensina, persuade ________________________________________________________________ _____________

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Conhecimento científico1.Distinguir o Senso Comum do Conhecimento

Científico

O conhecimento vulgar ou de senso comum abrange as crenças amplamentepartilhadas pelos seres humanos. A justificação dessas crenças resultada experiência coletiva e acumulada ao longo de muitas gerações.

O conhecimento popular caracteriza-se por ser predominantemente:

- superficial, isto é, conforma-se com a aparência, com aquilo que sepode comprovar simplesmente estando junto das coisas: expressa-se porfrases como "porque o vi", "porque o senti", "porque o disseram","porque toda a gente o diz";

- sensitivo, ou seja, referente a vivências, estados de ânimo e emo-ções da vida diária;

- subjectivo, pois é o próprio sujeito que organiza as suas expe-riências e conhecimentos, tanto os que adquire por vivência própriaquanto os "por ouvir dizer";

- assistemático e desorganizado, pois não constitui um corpoorganizado de conhecimento.

- acrítico, pois verdadeiros ou não, a pretensão de que esses conhe-cimentos o sejam não se manifesta sempre de uma forma crítica;

- imetódico e indisciplinar, pois o senso comum não possui meios parafazer a distinção entre o antecedente casual e o antecedente causal.As suas pretensas explicações ou se confinam a aparências, ou sefundam em coincidências.

- directo; espontâneo; imediato; diverso e heterogéneo;

- reconhecimento, isto é, as coisas não são como gostaríamos quefossem, ou como nos ensinaram a ver;

- utilitário ou pragmático, pois serve essencialmente para resolver osproblemas do quotidiano.

- retórico e metafórico, pois não ensina, persuade_____________________________________________________________________________

O conhecimento científico, representa um nível de conhecimento maisaprofundado do real do que o conhecimento vulgar.- proporciona explicações dos factos;- resulta de uma atitude crítica, pelo que está permanentementesujeito a mudanças radicais;- assenta numa linguagem rigorosa que torna possível uma avaliaçãocuidada das teorias.As explicações científicas são obtidas a partir de teorias queunificam os fenómenos e que são controláveis pela experiência.

Características do conhecimento científico:

- fático: Parte dos factos, respeita-os até certo ponto e sempreretorna a eles.

- especializada: uma consequência da focagem científica dos problemasé a especialização. Esta não impediu a formação de camposinterdisciplinares como a biofísica, a bioquímica, a psicofisiologia,a psicologia social, a teoria da informação, a cibernética ou ainvestigação operacional. Contudo, a especialização tende a estreitara visão do cientista individual.

- claro e preciso: os seus problemas são distintos, os seus resultadossão claros. A ciência torna preciso o que o senso comum conhece demaneira nebulosa.

- comunicável: A linguagem científica comunica informações a quem querque tenha sido preparado para a entender.

- verificável: deve passar pelo exame da experiência. Para explicar umconjunto de fenómenos, o cientista inventa conjecturas fundadas dealgum modo no saber adquirido. O teste das hipóteses fácticas éempírico, isto é, observacional ou experimental.

- metódica: a investigação científica não é errática, mas planeada. Osinvestigadores sabem o que buscam e como o encontrar.

- sistemático: uma ciência não é um agregado de informaçõesdesconexas, mas um sistema de ideias ligadas logicamente entre si.

- geral: situa os factos singulares em hipóteses gerais, os enunciadosparticulares em esquemas amplos.

- legislador: busca leis (da natureza e da cultura) e aplica-as.

- explicativa: a ciência tenta explicar os factos em termos de leis eas leis em termos de princípios.

- preditivo: transcende a massa dos factos de experiência, imaginandocomo pode ter sido o passado e como poderá ser o futuro.

- aberta: a ciência não reconhece barreiras a priori que limitem oconhecimento. A ciência é aberta como sistema, porque é falível, porconseguinte, capaz de progredir.

- racional: constituído por conceitos, juízos e raciocínios. Tanto oponto de partida como o ponto final do seu trabalho são ideias, eestas organizam-se em conjuntos ordenados de proposições (teorias).

- objectivo: procura alcançar a verdade fáctica e verifica a adaptaçãodas ideias aos factos.

- autónomo: a ciência tem o seu próprio campo de estudo, o seu métodopróprio de pesquisa, uma fonte independente de informações que é anatureza: daí a sua autonomia em relação à filosofia e à fé.

- revisível, pois encontra-se sujeito a correções.

2.Como verificar as teorias científicas pelaexperiência?

VerificabilidadeUma proposição ou uma teoria é verificável se, e apenas se, forpossível comprová-la recorrendo à experiência.A comprovação empírica de uma proposição ou de uma teoria consiste emdeduzir a sua verdade a partir da experiência.

“Existem corvos negros” é uma proposição verificável., pois basta observar um corvonegro para podermos concluir com toda a segurança que ela é verdadeira. Afinal deuma premissa como “Está aqui um corvo negro” pode-se deduzir validamente aconclusão “Existem corvos negros”.Já proposição “Todos os corvos são negros” não é verificável. Por muitos corvos negrosque tenhamos já observado, não podemos excluir a possibilidade de existirem algunscorvos de outra cor. A experiência não pode comprovar esta proposição, pois estapoderá um dia revelar-se falsa. Muitas proposições universais têm esta característica.

ConfirmabilidadeUma proposição ou uma teoria é confirmável se, e apenas se, forpossível confirmá-la (isto é, verifica-la parcialmente) recorrendo àexperiência.A confirmação empírica de uma proposição ou de uma teoria consiste emmostrar a partir da experiência, por indução, que provavelmente ela éverdadeira.

A proposição todos os corvos são negros” parece ser confirmável, porque, se tivermosjá observado muitos corvos negros e nenhum corvo de outra cor, concluímos que éprovável que todos eles sejam negros. Partindo da informação disponível podemosinferir, por indução, que todos os corvos são negros.

FalsificabilidadeUma proposição ou teoria é falsificável se, e apenas se, é possíveldescobrir que ela é falsa (isto é, refutá-la) através da experiência.

É fácil perceber que as leis científicas, como muitas outras proposições universais sãofalsificáveis. A observação de muitos corvos negros não prova conclusivamente que ahipótese de que todos os corvos são negros é verdadeira, mas basta observar umúnico corvo de outra cor para refutar esta hipótese, para estabelecer a sua falsidade.

3.Os métodos em ciência

Indutivo Hipotético-DedutivoFalsificacionista

Método indutivo (verificabilidade)Observação – Constatação da existência de um determinado fenómeno que exigeinvestigaçãoConstata-se que o ferro é bom condutor de calor, o mesmo acontece com o cobre ouestanhoHipótese – Explicação provisória de fenómeno resultante da organização dos dadosobservados (sujeita a confirmaçãoTodos os metais são bons condutores de calor.Experimentação – Experiência metódica e orientada no sentido de confirmar ahipótese formuladaVerifica-se a propriedade de boa condutibilidade ocorre com outros metais. Além dosinicialmente observadosLei/Teoria – Regra geral e universal em virtude da experimentação ter confirmado ahipótese formulada

“Os metais são bons condutores de calor”

Observámos em vários casos que a aspirina alivia a dor. Por indução inferimos que aaspirina alivia sempre a dor ou que, no futuro, aliviará a dor de quem a tomar.

4.A posição de David Hume face à indução

As inferências indutivas pressupõem o princípio da indução, segundo oqual a natureza é uniforme.Segundo Hume, o princípio da indução não pode ser justificado a priori,pois não é uma verdade necessária. E também não pode ser justificado a posteriori, pois qualquer tentativa deo justificar desta forma consistiria num argumento indutivo, o queconduziria a uma petição de princípio. Logo, o princípio da indução não pode ser justificado. Logo, asinferências indutivas são injustificáveis.

Argumento cético de Hume:1. As inferências dedutivas baseiam-se no princípio da indução.

Se a natureza não for uniforme, se for extraordinariamente irregular, então aobservação de alguns corvos negros não nos autoriza a inferir sequer que é provávelque todos tenham essa cor ou que o próximo corvo que observamos será tambémnegro.

2. Este princípio não pode ser justificado a priori.Recorrendo apenas ao pensamento, não conseguiremos encontrar qualquer razãopara acreditar que a natureza é uniforme. O princípio de indução não é uma verdadenecessária, pois a sua negação é perfeitamente inteligível.

3. Este princípio não pode ser justificado a posteriori.Não é possível justificar através da experiencia que a natureza é uniforme; qualquertentativa de justificação conduzirá a uma petição de princípio. (A natureza tem-se semostrado uniforme nas observações que fizemos até hoje. Logo, a natureza éuniforme. – é uma inferência dedutiva, mas pressupõe aquilo que quer provar).

4. Logo, nenhuma inferência indutiva é justificável. A observação de muitos corvos negros não nos dá a menor razão para acreditarsequer que é provável que todos o sejam.A observação de muitas porções de água sob pressão normal que ferveram aos 100ºCnão justifica a conclusão de que, provavelmente, toda a água ferve a essatemperatura.

5.O método hipotético-dedutivoNa base deste método encontra-se a inferência condicional se hentão c: se a hipótese h for verdadeira, então deve ocorrer c.

Para testar esta hipótese o único modo de inferência válido é oModus Tollens que nos diz que negar o consequente implica negaro antecedente, mas que afirmar o consequente não permite afirmarnecessariamente o antecedente. Isto é, se o consequente severificar, a hipótese não é verificada, apenas é corroborada.

Do facto de, em ciência, só ser possível utilizar o ModusTollens, Popper conclui que: em ciência não se podem verificarhipóteses; estas apenas podem ser corroboradas ou falsificadas.

Constatação do Problema – identificação de uma situaçãodesconhecida ou contrária às teorias existentes, que exigeinvestigação.Formulação da Hipótese – formulação de possíveis explicaçõespara a existência do fenómeno (processo criativo).Galileu partiu da hipótese de Galileu de que “A velocidade da queda dos corposdependia do seu peso”.Dedução das Consequências – dedução das consequências quedeverão acontecer em função das hipóteses formuladas.Deduziu como consequência que um corpo mais pesado devia atingir o solo muitomais rapidamente que um mais leve.

Verificação das consequências – constatação da existência ou nãodas consequências deduzidas.Testou a consequência da hipótese lançando uma bola de canhão e uma bala demosquete do alto da Torre de Pisa e, ao verificar eu os dois objetos atingiram o solopraticamente ao mesmo tempo, a experiência falsificou a hipótese, porque asconsequências deduzidas não se verificaram.

Se h então cIndução: todos os corvos que vi até hoje são pretos; logo, todosos corvos são pretos.Modus tollens: se todos os corvos forem pretos, nenhum corvo pode ser branco; mas eis um corvo branco; logo, nem todos os corvos são pretos.

Basta encontrarmos um corvo branco para provar que nem todos os corvos são pretos, nem o elevado número de corvos pretos que observamos é suficiente para provar que não haja nenhum branco. Assim sendo, a experiencia e as observações do real devem tentarencontrar provas da falsidade de uma teoria. Resumindo, uma teoria científica pode ser falsificada por uma única observação negativa, mas um elevado número de observações positivas não poderá garantir que a veracidade de uma teoria seja fixa.

6.A teoria falsificacionista de Popper

Contra o princípio positivista da verificabilidade das hipóteses,Popper defende o princípio da falsificabilidade ou refutabilidade. Asteorias devem ser postas à prova através de testes exaustivos e se ashipóteses forem bem-sucedidas não há motivos para os considerarmosinválidas e por isso devem ser provisoriamente aceitáveis. Tudo o quepodemos esperar do teste de uma hipótese é que esse teste não a refuteou falsifique. Assim no domínio científico não há certezas mas apenas aproximação àverdade. A falsificabilidade ou refutabilidade das hipóteses substitui, emPopper, a verificabilidade. Não sendo um critério de verdade não é usada para dizer se uma teoriaé verdadeira mas sim para dizer se é científica ou não: serão nãocientíficas ou pseudocientíficas as hipóteses ou teorias que não sesubmeteram ao exame de falsificação ou refutação. Isto vem mostrar que a repetição de verificações bem-sucedidas aumentaa probabilidade de a hipótese ser verdadeira e hipóteses verdadeirassão imprescindíveis para o trabalho científico.

Há ainda uma outra perspetiva próxima do método Hipotético-Dedutivo, mas queassume face à natureza da teoria científica uma perspetiva mais crítica.Popper propõe uma nova definição de ciência como um saber fundamentalmenteconjetural em que a teoria é uma hipótese aceite até á sua falsificação. Não se trata jáde verificar experimentalmente a teoria, mas sim de tentar mostrar que ela é falsa; sea teoria resistir à falsificação ela permanece em uso, mas como mera aproximação àverdade.

7.Críticas de Kuhn a Popper

A refutação não se inscreve na prática dos cientistas – Kuhn começapor chamar a atenção para o facto de que os cientistas, na suageneralidade, não procuram, como refere Popper, encontrar fragilidadesnas suas teorias mas, antes pelo contrário, manifestam tendência paraas escamotearem ou, pelo menos, para as desvalorizarem como pormenorespouco significativos. Deste modo, o núcleo duro da teorizaçãopopperiana é posto em causa.

Popper ignorou factores sociais e históricos – Por outro lado, Popperteria ignorado completamente que o saber científico é uma produçãosocial e, em consequência, condicionado fortemente por fatores sociaise históricos. Este lapso diminuiria a consistência das suas teoriassobre a ciência.

O raciocínio indutivo é dotado de fecundidade – Relativamente àrejeição da indução por Popper, outros defendem que o facto de esteraciocínio não possuir a validade lógica que encontramos na deduçãonão significa que possamos passar sem ele. O facto de os conhecimentos estabelecidos por indução não possuíremuniversalidade e muito menos necessidade lógica, não implica que sejamirracionais e dispensáveis. Logo, a posição de Popper de rejeiçãoradical da indução, seria mais uma posição de princípio porque, defacto, os cientistas continuariam nas suas práticas a usar a indução.

8.A teoria de Kuhn quanto ao progresso daciência

Quem, como Popper, acredita na objetividade da ciência, pensa que asteorias científicas são descrições da realidade, ainda queimperfeitas, e que, à medida que o conhecimento científico avança, nosvamos aproximando da verdade, obtendo uma imagem cada vez mais corretada realidade. Kuhn rejeita esta perspetiva.

Kuhn entende a história da ciência como uma sucessão de paradigmas.Segundo este autor a reflexão sobre a atividade científica articula-seem três conceitos fundamentais: paradigma, ciência normal, ciênciaextraordinária.

Numa determinada época de desenvolvimento da ciência, as investigaçõessão orientadas e estruturadas por um paradigma. Este é uma visão geraldo mundo que inclui não só a teoria dominante na época, mas tambémprincípios filosóficos, uma determinada conceção metodológica, leis einstrumentos e técnicas adequadas para resolver as questões. Para esteautor a ciência é obra das comunidades científicas e não de géniosisolados.

No período da ciência normal a comunidade científica trabalha a partirdo paradigma estabelecido num clima onde reina o acordo geral.Investiga fenómenos ainda não explicados com o objetivo de osenquadrar na teoria dominante e de resolver pequenas ambiguidadesteóricas. O acumular de anomalias acaba por dar origem a um período decrise, onde o paradigma estabelecido é ameaçado no seu própriofundamento. Ao período de investigação científica que tem comoobjetivo estabelecer um novo paradigma Kuhn chamou ciênciaextraordinária. O momento de crise só acaba quando é estabelecido umnovo paradigma que corresponde a uma revolução científica:estabelecido um novo paradigma segue-se um novo período de ciêncianormal. Para ser mais rapidamente aceite o paradigma terá que ser defendidopor alguém com ligações à comunidade científica, com prestígio pessoale apoios económicos para poder realizar investigação.

Kuhn defende que os paradigmas são incomensuráveis. Não podem sercomparados objetivamente de modo a se determinar qual é o melhor ouqual está mais próximo da verdade.A incomensurabilidade dos paradigmas é uma consequência de eles seremradicalmente diferentes: cada paradigma tem os seus própriosconceitos, problemas e regras. (são demasiado diferentes entre si para poderem sercomparados objetivamente, como se fossem duas obras de arte de épocas e estilos diferentes).Não existem critérios de escolha de teorias que permitam avaliarobjetivamente paradigmas rivais, pelo que essa avaliação envolvesempre fatores subjetivos.

Kuhn reconhece alguns critérios objetivos para escolher teorias, comoa exatidão empírica e a simplicidade, mas defende que estes não sãosuficientes para ditar uma escolha objetiva.Por um lado, esses critérios são vagos, pelo que a sua aplicação ébastante subjetiva.